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RESUMO
Tendo em vista a premissa da ‘educação para a autonomia’, este artigo tem como objetivo
refletir sobre essa formação mediante conceitos da Teoria Crítica da Sociedade, como
Indústria Cultural e pseudoformação, de modo a revelar as ambiguidades e tensões no que
tange à possibilidade dessa formação no capitalismo tardio. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica desenvolvida com base nas obras de Adorno, Horkheimer e seus
comentadores. Por meio do método dialético, avalia-se o limite dos discursos educacionais
dos dias atuais. As reflexões apresentadas apontam que, na contemporaneidade, a crise
da Razão está atrelada ao processo de pseudoformação predominante nas sociedades
industriais; dessa forma, a cultura torna-se mecanismo e expressão da Indústria Cultural,
dificultando a formação de sujeitos autônomos.
1. INTRODUÇÃO
1Este artigo constitui parte dos resultados obtidos na pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação, do
Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE) da Universidade Estadual de Maringá, intitulado
Letramento, alfabetização e formação cultural (bildung): sobre métodos, propostas de aquisição da língua
escrita e livro didático de alfabetização para o 1º ano do ensino fundamental. Disponível em:
<http://www.ppe.uem.br/dissertacoes/2016/2016%20-%20Vinicius.pdf>.
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mecanismo de emancipação humana é falsa como fim, porém verdadeira como meio para
se alcançar a cultura autêntica porque, dialeticamente, a apropriação da cultura, como
meio, é condição para o acesso à verdadeira cultura (fim almejado pela formação autêntica,
formação para a autonomia).
Em que consiste a cultura verdadeira? É a cultura capaz de fazer a ‘autocrítica da
razão’. De acordo com Horkheimer (2007), esta autocrítica pressupõe, em primeiro lugar,
“[...] que o antagonismo entre a razão e a natureza está em uma fase aguda e catastrófica”;
em segundo lugar, “[...] que nesse estágio de completa alienação a idéia de verdade é ainda
acessível” (HORKHEIMER, 2007, p. 182). Entretanto sem que a razão exerça a autocrítica,
a pseudoformação apresenta-se em cumplicidade às sugestões imagéticas da estética
contemporânea, da Indústria Cultural.
No ensaio Teoria da semicultura, Adorno (2011) apresenta uma reflexão sobre a
crise da formação humana. Segundo seus argumentos, “a formação cultural agora se
converte em uma semiformação socializada, na onipresença do espírito alienado que,
segundo sua ênfase e seu sentido, não antecede à formação cultural, mas a sucede”
(ADORNO, 2011, p. 2). A pseudoformação passou a ser a forma de consciência
predominante na sociedade burguesa e ajuda a “[...] manter no devido lugar aqueles para
os quais nada existe de muito elevado ou caro” (ADORNO, 2011, p. 6), sendo um símbolo
do “[...] espírito conquistado pelo caráter de fetiche da mercadoria” (ADORNO, 2011, p. 11).
Conforme Adorno (2011), a pseudoformação também se ancora na ideia de que
“[...] a técnica e o nível de vida mais alto resultam diretamente no bem da formação, pois
assim todos podem chegar a um alto nível de cultura” (ADORNO, 2011, p. 12). Este
pressuposto, na verdade, sustenta a ideologia comercial pseudodemocrática, que
espiritualiza a pseudoformação como culto ao conformismo. Assim, a conversão da
Bildung (formação) em Halbbildung (pseudoformação) faz parte da falsa experiência. É
nesse sentido que a formação cultural tradicional, embora questionável, tornou-se “[...]
o único conceito que serve de antítese à semiformação socializada, o que expressa a
gravidade de uma situação que não conta com outro critério, pois descuidou-se de suas
possibilidades”, aponta Adorno (2011, p. 7).
Uma educação autêntica, que defende sua atitude crítica, contradiz a semi-
educação, trazendo à tona a esperança de que a instrução pode ter um caráter de negação
e de superação da pseudocultura. É nesse sentido que a educação tem, para a Teoria
Crítica, um caráter antinômico. A formação legítima consiste na apropriação da verdadeira
cultura; a verdadeira educação produz uma consciência autêntica, que não se desenvolve
pela simples apropriação de conhecimentos, pois, conforme enfatiza Adorno (2010), a
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educação verdadeira não é “[...] modelagem de pessoas, porque não temos o direito de
modelar pessoas a partir do seu exterior; mas também não a mera transmissão de
conhecimentos, [...] mas a produção de uma consciência verdadeira” (ADORNO, 2010, p. 141,
grifo do autor), alcançada a partir da autorreflexão crítica (ADORNO, 2010), ao mesmo
tempo que se constitui como autorreflexão crítica em si.
Ao aprofundar sua análise acerca da cultura, Adorno (2002) constata que o
exercício da chamada crítica cultural implica, dentre outras, as seguintes contradições: 1)
o crítico cultural acredita estar em uma condição privilegiada na sociedade de classes,
porém esta condição lhe é garantida sobretudo porque está inserido em uma sociedade na
qual existe a divisão social/técnica do trabalho (ADORNO, 2002); 2) “[...] apela a uma
coleção de idéias estabelecidas, fetichizando categorias isoladas como ‘espírito’, ‘vida’ e
‘indivíduo’” (ADORNO, 2002, p. 82); 3) “a cultura deixa-se idolatrar apenas quando está
neutralizada e reificada” (ADORNO, 2002, p. 83); 4) “[...] a existência da crítica cultural,
qualquer que seja o seu conteúdo, depende do sistema econômico e está atrelada ao seu
destino” (ADORNO, 2002, p. 85); 5) “[...] ela é ideologia, na medida em que permanece
como mera crítica da ideologia” (p. 87); 6) “[...] a própria cultura surge da separação radical
entre trabalho intelectual e trabalho braçal, extraindo dessa separação, desse ‘pecado
original’, a sua força” (ADORNO, 2002, p. 88); e 7) “aceitar a cultura como um todo já é
retirar-lhe o fermento de sua própria verdade: a negação” (ADORNO, 2002, p. 92).
Concordamos com Adorno que a crítica dialética “[...] posiciona-se de modo dinâmico ao
compreender a posição da cultura no interior do todo” (ADORNO, 2002, p. 92), portanto
põe-se como possibilidade de uma crítica cultural verdadeira que, no sentido estrito,
constitui o fundamento de uma educação para a autonomia.
O desenvolvimento científico, em si, não conduz à emancipação. Esse problema
se estende ao plano educacional, isto é, o acesso à educação não significa emancipação.
Conforme argumenta Maar (2010), isso foi demonstrado na Alemanha: a barbárie nazista
se instaurou em um País cuja maioria da população tinha acesso à educação escolar e uma
sólida formação cultural. Isto quer dizer que o desenvolvimento da educação não significa
necessariamente avanços, porém, dialeticamente, está nela a possibilidade de formar
sujeitos autônomos mediante o acesso à cultura verdadeira por meio do processo de
escolarização.
Sair dessa unidimensionalidade mediante a qual o indivíduo é formado no atual
processo de formalização da razão implica ter ciência da necessidade de os indivíduos
desenvolverem o livre exercício da racionalidade crítica, que deriva dos “[...] princípios da
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autonomia que a própria sociedade individualista declarou ser suas verdades auto-
evidentes” (MARCUSE, 1999, p. 85).
Conforme aponta Carvalho (2015), quando não há garantia de crianças e jovens
terem um caminho seguro que os conduzam ao conhecimento, a educação e, então, a
formação humana, entra em crise.
Carvalho (2015) revela que este discurso se fundamenta na ilusão de que ensino,
autoridade e autonomia são pressupostos incompatíveis. Ainda nas suas palavras:
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
capacidade para o exercício do pensar e do agir autônomo [...]” (SILVA, 2001, p. 45)
submete o indivíduo à pseudoformação que se torna cada vez mais intensa, já que, a cada
dia, esferas da vida que antes continham uma certa autonomia – arte, educação,
alimentação, religião etc. –, são progressivamente integradas pela Razão Instrumental.
A razão formalizada fez com que operariado e capital passassem a cultuar a
mesma ideologia: a burguesa, ou seja, “[...] o operariado e o capital estão igualmente
preocupados em conservar e ampliar o seu controle [do capital]” (HORKHEIMER, 2007, p.
155). Acerca da predominância da ideologia individualista burguesa em todas as classes e
esferas sociais, Horkheimer diz que o “[...] individualismo é o próprio coração da teoria e
prática do liberalismo burguês, que vê a sociedade como um todo que progride através da
interação automática de interesses divergentes num mercado livre” (HORKHEIMER, 2007,
p. 143).
Portanto, verifica-se que o contexto de crise da razão está atrelado ao processo de
pseudoformação e que a Indústria Cultural é um dos mecanismos da massificação da
cultura. Sua negação seria possível se uma educação estética, filosófica e política fizesse
parte das práticas pedagógicas escolares. O caminho para este ideal de formação para
autonomia é a autocrítica da razão.
REFERÊNCIAS