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Direito

Marítimo
AUTORES: Godofredo Mendes Vianna e Lucas Leite Marques
COLABORADORAS: Ana Carolina Alhadas e Luíza Bruxellas

GRADUAÇÃO
2018.1
Direito Marítimo

Todos os direitos reservados à Fundação Getulio Vargas.

Direito Marítimo – Atualidades e Tendências


Volume 1

Organizadores:
Professores: Godofredo Mendes Vianna e
Lucas Leite Marques
Assistentes de pesquisa: Ana Carolina Alhadas
e Luíza Bruxellas

Atualizada em: janeiro de 2018.

Verificação de plágio pelo sistema EPHORUS 

Bibliografia, Editora FGV, Rio de Janeiro.

A presente apostila tem por intuito orientar o estudo


individual acerca do tema de que trata, antecipando-se
à aula que lhe é correspondente, com a estrita finalidade
de oferecer diretrizes doutrinárias e indicações
bibliográficas relacionadas aos temas em análise. Nesse
sentido, este trabalho não corresponde necessariamente
à abordagem conferida pelo professor em sala de aula,
tampouco tenciona esgotar a temática sobre a qual
versa, prestando-se exclusivamente à função de base
para estudo preliminar e referência de consulta.

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Sumário
Direito Marítimo

Aula I e II – Introdução ao Direito Marítimo: Origem, Fontes e Fundamentos...........................................................04

Aula III – Regramento Legislativo Nacional e Internacional; Convenções e Organizações.........................................11

Aula IV – Embarcação e Sujeitos do Direito Marítimo............................................................................................25

Aula V – Meio Ambiente e Direito Marítimo..........................................................................................................55

Aula VI – Seguros Marítimos – P&I....................................................................................................................104

Aula VII – Direito Portuário............................................................................................................................125

Aula VIII – Capitania os Portos, Tribunal Marítimo e Acidentes e Fatos da Navegação............................................156

Aula IX – Contratos Marítimos I.......................................................................................................................184

Aula X – Contratos Marítimos II.......................................................................................................................207

Aula XI – Responsabilidade Civil e Conflitos na Seara Marítima...........................................................................222


Direito Marítimo

AULA I e II – Introdução ao Direito Marítimo: Origem, Fontes


e Fundamentos

1. Breve histórico do Direito Marítimo

As aventuras marítimas sempre foram, desde os primórdios, alvo de gran-


de interesse da humanidade, notadamente quanto às conquistas de novos e
desconhecidos territórios e às suas respectivas riquezas que poderiam ofere-
cer, bem como quanto ao rentável comércio marítimo de mercadorias valio-
sas entre localidades consideravelmente longínquas.
Inicialmente, os empreendimentos relacionados à navegação eram regidos
pelos usos e costumes, consolidados geralmente pelos grandes povos nave-
gadores. Entretanto, com o passar do tempo e intensificação da atividade de
navegação e do comércio marítimo, principalmente em razão da evolução
tecnológica, a qual reduzia continuamente os riscos e perigos dos empreen-
dedores, criava-se a necessidade de criação de normas específicas destinadas à
regulamentação das atividades.

Obra das Grandes Navegações exposta no Museu Het Scheepvaartmuseum Amsterdam

Ao longo dos tempos, surgiram importantes códigos e normas para su-


prir a necessidade acima mencionada, os quais fincam o início da constitui-
1
MATEESCO, Mircea. Le droit mariti-
ção do Direito Marítimo. A definição apresentada por Mircea Mateesco1 me sovietique face au droit occidental,
é bem ilustrativa: “é o conjunto de normas jurídicas que regulamentam as 1996, p. 154 apud LACERDA, José Can-
dido Sampaio de. Curso de direito pri-
relações nascidas da utilização e exploração do mar, tanto na superfície, vado da navegação. 3. ed. rev. e atual.
por Aurélio Pitanga Seixas Filho. Rio de
quanto na profundidade”. Janeiro: Freitas Bastos, 1984. p.18.

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Direito Marítimo

No intuito de exemplificar brevemente o histórico das normas positivadas


referentes ao Direito Marítimo, há que se fazer menção a algumas importan-
tes obras, então vejamos:

O Código de Hamurabi (XXIII séc. A.C.), rei da 1ª dinastia


da Babilônia, já estipulava normas sobre responsabilidade do
fretador, abalroação e construção naval, enquanto o Código
de Manu (XIII séc. A.C.), elaborado por hindus, continha
normas sobre câmbio marítimo. Cite-se, outrossim, as Leis de
Rodes, as quais já abordavam questões relacionadas à naufrá-
gios, espécies de fretamento, dentre outras, e exerceram gran-
de influência na Antiguidade, inclusive sobrepondo-se even-
tualmente às “leis” de imperadores arbitrários.

Mais adiante, no século X, destaca-se a publicação dos Basílicos pelo Im-


pério Bizantino, os quais tinham parte dedicada especificamente ao Direito
Marítimo, o Consulado do Mar. Consubstancia-se em uma coleção de usos
e costumes, decisões de tribunais e resumo de regras seguidas perante o Tri-
bunal de Barcelona, os Rolos de Oléron, coleção de sentenças proferidas nas
Ilhas de Oléron que eram enroladas em pergaminhos.
Prosseguindo com o célere desenvolvimento da navegação, a consolidação
dos usos e costumes compilados em diversas obras esparsas apresentava-se
como uma necessidade.
Considerada por muitos como o primeiro Código da Navegação, a França
editava em 1681 a Ordonnace touchant la marine, tendo Portugal adotado as
Ordenanças Francesas em 1769, por meio da Lei da Boa Razão, que determinava
a aplicação da legislação e jurisprudência dos países vizinhos nos casos omissos.
No século XIX, surgiam em quase todos os países da Europa os primeiros
Códigos Comerciais com um capítulo próprio dedicado ao Direito Maríti-
mo, podendo ser divididos em três principais grupos:
(i) Países que seguiram as bases das Ordenanças Francesas e do Código
Comercial Francês (Espanha, Portugal, Itália, Brasil, Argentina, Mé-
xico etc.);
(ii) Países que seguiram as bases do Código Alemão de 1897 (Suécia,
Dinamarca, Noruega etc.); e
(iii) Países que seguiram as bases anglo-saxônicas, onde o Direito Marí-
timo não é codificado (Inglaterra – Merchant Shipping Act e Estados
Unidos – Harter Act).
Durante a primeira metade do século XX, com o crescimento do comércio
internacional e do cenário de guerras, notava-se que a regulamentação inter-
na de cada país era insuficiente para evitar conflitos de leis marítimas, sendo
necessária a uniformização das principais regras pelas nações mercantilistas.

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Direito Marítimo

A busca pela uniformização e harmonização das normas de direito marí-


timo levou à criação dos organismos internacionais, os quais buscam atingir
o objetivo proposto desenvolvendo convenções internacionais que são adota-
das pelos mais diversos Países.
Ultrapassado este breve relato histórico, abordaremos as atuais fontes do
Direito Marítimo brasileiro.

2. Fontes e fundamentos atuais do Direito Marítimo no Brasil

O Direito Marítimo brasileiro é um conjunto de normas altamente com-


plexo e de extrema especialidade, sendo regulado pelo direito internacional,
interno, público e privado de diferentes épocas e hierarquias, o que requer
dos operadores do direito grande esforço de interpretação e hermenêutica.
Além das fontes imediatas do Direito Marítimo (leis, tratados, acordos
e convenções internacionais, decretos-lei, decretos, regulamentos, normas
administrativas etc.), são altamente relevantes as fontes mediatas: costumes,
doutrina, jurisprudência, princípios gerais de direito e regras de hermenêutica.
As normas mais relevantes para a aplicação do direito marítimo no
Brasil são: o Código Comercial Brasileiro (Lei n° 556/1850), parcialmen-
te revogado (Art. 1º ao art. 456) pelo Novo Código Civil, regulamenta
em sua parte II questões acerca de embarcação, propriedade, partes ex-
ploradoras da embarcação, obrigações e deveres dos Comandantes, tri-
pulação, contratos de fretamento por viagem, conhecimentos marítimos,
responsabilidade por transporte marítimo, créditos privilegiados com hi-
poteca tácita sobre navio, avarias marítimas (particular e grossa), abalro-
ação, dentre outros assuntos.
Note-se que a linguagem utilizada no Código Comercial deve ser inter-
pretada sempre se levando em consideração a evolução do comércio maríti-
mo, o que ocasionou indubitavelmente uma série de mudanças em nomen-
claturas e práticas.2
O Código Civil, em seus artigos 730 a 756, dispõe sobre transporte de
pessoas e coisas, abordando, dentre outros aspectos, a responsabilidade do
transportador e prazo de decadência para reclamação por perda ou avaria,
sendo certo que todas as disposições são aplicáveis ao transporte marítimo de
carga ou passageiros.
O Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 1.218, determina
que certos dispositivos do código anterior permaneçam vigentes, dentre eles,
2
“E assim temos que ‘piloto’, no
alguns relacionados a protestos marítimos, vistoria de mercadorias transpor- Código Comercial, é o prático de hoje
tadas, prazos decadenciais para reclamação de danos e avaria grossa. Tais em dia.” ANJOS, J. Haroldo dos. Curso
de Direito Marítimo. Rio de Janeiro:
matérias foram incorporadas pelo novo Código de Processo Civil. Renovar, 1992. p. 13.

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Direito Marítimo

Igualmente, a questão concernente à competência do judiciário brasi-


leiro para apreciar determinadas disputas marítimas, também está previs-
ta no Código de Processo Civil 2015 (competência internacional – art.
213 e art. 244). Registre-se que em razão da universalidade do comércio
marítimo, uma disputa marítima pode envolver partes de várias nacio-
nalidades, contratos celebrados no exterior, cláusulas de eleição de foro
pactuadas, bem como fatos e atos ocorridos em diversos locais.
A Lei n° 2.180/1954 rege o Tribunal Marítimo, 5 órgão administra-
tivo responsável por apreciar e julgar os acidentes e fatos da navegação,
apurando responsabilidades e aplicando sanções pecuniárias, advertên-
cias ou suspensões.
O Decreto-Lei n° 116/1967, regulamentado pelo Decreto n° 64.387
de 22/04/1969, dispõe regras sobre faltas e avarias, responsabilidade
do transportador marítimo,6 prazo prescricional para ação em face do
transportador, 7 dentre outras questões. 3
“Art. 21. Compete à autoridade ju-
diciária brasileira processar e julgar as
A Lei n° 7.203/1984 versa sobre a Assistência e Salvamento de embarcação, ações em que:
coisa ou bem em perigo no mar, nos portos e nas vias navegáveis interiores. I - o réu, qualquer que seja a sua nacio-
nalidade, estiver domiciliado no Brasil;
A Lei n° 7.652/1988 trata de aquisições de embarcações e registro de II - no Brasil tiver de ser cumprida a
obrigação;
propriedade marítima. III - o fundamento seja fato ocorrido ou
ato praticado no Brasil.
A Lei n° 8.617/1993 dispõe sobre o mar territorial, a zona contígua, Parágrafo único. Para o fim do disposto
a zona econômica exclusiva e a plataforma continental brasileira, além no inciso I, considera-se domiciliada no
Brasil a pessoa jurídica estrangeira que
de dar outras providências. Sobre este tema, destaca-se a Convenção das nele tiver agência, filial ou sucursal.”

Nações Unidas sobre o Direito do Mar, assinada em Montego Bay (Ja- 4


“Art. 24. A ação proposta perante
tribunal estrangeiro não induz litispen-
maica), em 10/12/1982, e promulgada pelo Decreto nº 99.165/1990, dência e não obsta a que a autoridade
judiciária brasileira conheça da mesma
que define conceitos de mar territorial, zona contígua, zona econômica causa e das que lhe são conexas, res-
salvadas as disposições em contrário
exclusiva, alto-mar, plataforma continental e outros. de tratados internacionais e acordos
A Lei n° 12.815/2013, que dispõe precipuamente sobre a exploração bilaterais em vigor no Brasil.”

direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre 5


“Art. 1º O Tribunal Marítimo, com
jurisdição em todo o território nacional,
as atividades desempenhadas pelos operadores portuários, regulamenta- órgão, autônomo, auxiliar do Poder
Judiciário, vinculado ao Ministério da
da pelo Decreto 8.033/2013, que, além desta lei, regulamenta demais Marinha no que se refere ao provi-
mento de pessoal militar e de recursos
disposições legais que regulam a exploração dos portos organizados e de orçamentários para pessoal e material
instalações portuárias. destinados ao seu funcionamento, tem
como atribuições julgar os acidentes e
A Lei n° 9.537/1997 dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário fatos da navegação marítima, fluvial e
lacustre e as questões relacionadas com
em águas nacionais, estando regulamentado pelo decreto n° 2.596/1998. tal atividade, especificadas nesta Lei.”

A Lei n° 9.432/1997, regulamentada pelo decreto n° 2.256 de 6


“Art. 3º A responsabilidade do navio
ou embarcação transportadora começa
17/06/1997, define as modalidades de navegação (cabotagem, longo curso, com o recebimento da mercadoria a bor-
do, e cessa com a sua entrega à entidade
interior, apoio marítimo, apoio portuário), bem como disciplina as espécies portuária, ou trapiche municipal, no por-
de afretamento de embarcações, criando ainda o registro especial brasileiro. to de destino, ao costado do navio.”
7
“Art. 8º Prescrevem ao fim de um ano,
A Lei n° 9.611/1998 disciplina o transporte multimodal, até hoje não contado da data do término da descar-
efetivamente implantado na prática, tendo em vista que ainda é realizada a ga do navio transportador, as ações por
falta de conteúdo, diminuição, perdas e
emissão de um conhecimento de embarque para cada etapa do transporte. avarias, ou danos à carga.”

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Direito Marítimo

A Lei n° 9.605/1998, a Lei n° 9.966/2000 e sua respectiva regulamenta-


ção por meio do Decreto n° 4.136/2002 lidam com questões de controle,
fiscalização, prevenção e sanções relacionadas às atividades lesivas ao meio
ambiente, notadamente nestas incluídas o vazamento de óleo ou substâncias
nocivas ao mar por embarcações.
Neste particular, vale abordar a definição de reclamação marítima, o que,
segundo a Convenção Internacional de Arresto de 1999 (não ratificada pelo
Brasil), seria decorrente de um ou mais dos seguintes eventos:
a) perdas ou danos causados pela operação marítima;
b) perda de vida ou danos pessoais que ocorram, em terra ou no mar,
diretamente resultantes da operação do navio;
c) operações de salvamento ou qualquer contrato de salvamento incluin-
do, onde couber, remuneração especial relativa às operações de salva-
mento de um navio que, por si ou por sua carga, constitui ameaça ao
meio ambiente;
d) danos ou ameaça de danos causados pelo navio ao meio ambiente, ao
litoral ou a interesses a estes relacionados, medidas tomadas para pre-
venir, minimizar ou remover tais danos, compensação por tais danos;
custos de medidas razoáveis para a recomposição do meio ambiente,
efetivamente empreendidas ou a serem empreendidas; perdas incorri-
das ou provavelmente a serem incorridas por terceiros relativamente a
tais danos; e danos, custos ou prejuízos de natureza similar aos identi-
ficados neste subitem;
e) custos ou despesas relativas ao içamento, remoção, recuperação, des-
truição ou com formas de tornar inofensivo um navio naufragado, des-
troçado, encalhado ou abandonado, incluindo qualquer coisa que esteja
ou tenha estado a bordo de tal navio, e os custos e despesas relativos à
preservação de um navio abandonado e à manutenção de sua tripulação;
f) qualquer acordo relativo ao uso ou afretamento do navio, quer parte de
um contrato de afretamento, quer de outra forma acordado;
g) qualquer acordo relativo ao transporte de bens ou passageiros a bordo
do navio, quer parte de um contrato de afretamento quer de outra
forma acordado;
h) perda ou dano àou em relação a bens (incluindo bagagem) transporta-
dos a bordo do navio;
i) avaria grossa;
j) reboque;
k) praticagem;
l) bens, materiais, suprimentos, combustível, equipamento (incluindo
contêineres) fornecido ou serviços prestados ao navio para sua opera-
ção, gestão, preservação ou manutenção;
m) construção, reconstrução, reparo, conversão ou equipamento do navio;

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Direito Marítimo

n) taxas e encargos portuários, de uso de canais, berços, atracações e de


outras vias aquaviárias;
o) salários e outras quantias devidas ao Comandante, oficiais e outros tri-
pulantes do navio, relativamente a seus empregos a bordo do navio,
incluindo custos de repatriamento e contribuições de seguridade social,
pagáveis em benefício dos mesmos;
p) desembolsos incorridos em benefício do navio ou de seus armadores;
q) prêmios de seguros (incluindo chamadas de Clubes de P&I) referentes ao
navio, pagáveis por ou em nome do armador ou do afretador a casco nu;
r) quaisquer comissões, corretagens ou taxas de agenciamento pagáveis re-
lativamente ao navio ou por parte do armador ou afretador a casco nu;
s) qualquer disputa quanto à propriedade ou posse do navio;
t) qualquer disputa entre coproprietários quanto ao uso ou receita do navio;
u) hipoteca ou encargo de igual natureza sobre o navio;
v) qualquer disputa decorrente de um contrato para a venda do navio.

Há que se registrar ainda a importância das normas expedidas por órgãos


administrativos, como a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquavi-
ários), a DPC (Diretoria de Portos e Costas), a ANVISA (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária), dentre outros.
No que se refere à DPC, existe uma série de normas expedidas pelo re-
ferido órgão denominada NORMAM8 (Normas da Autoridade Marítima),
que regulamenta de forma bem específica variados assuntos relacionados à
segurança da navegação.
De outro lado, incorporadas ao ordenamento jurídico brasileiro, estão rele-
vantes convenções internacionais, valendo ressaltar ainda que, apesar de alguns
atos internacionais não terem sido ratificados pelo Brasil, apresentam grande
influência na elaboração de normas e na prática comercial de empresas da área.
Algumas das principais convenções ratificadas pelo Brasil são: Conven-
ção para Unificação de Certas Regras em Matéria de Abalroamento de 1910
(Bruxelas) – promulgada pelo Decreto n° 10.773/1914, Convenção de Di-
reito Internacional Privado (Código Bustamante) de 1929 sobre a Lei do
Pavilhão nas embarcações – promulgada pelo Decreto n° 18.871/1929, Con-
venção Internacional para Unificação de Certas Regras Relativas à Limitação
de Responsabilidade dos Proprietários de Embarcação Marítima de 1924
(Bruxelas) – promulgada pelo Decreto n° 350/1935, Convenção Interna-
cional para Unificação de Certas Regras relativas aos privilégios e hipotecas
marítimas – promulgada pelo Decreto n° 351/1935, Convenção Interna-
cional para Prevenção de Poluição por Navios (MARPOL) – promulgada
pelo Decreto n° 2.508/1998, Convenção sobre Regulamento Internacional
para Evitar Abalroamento no Mar (RIPEAM) – promulgada pelo Decreto 8
Para saber mais sobre as Normas da
n° 80.068, de 02/08/1977 e a Convenção Internacional sobre Salvamento Autoridade Marítima, consultar o site:
<https://www.dpc.mar.mil.br/normas/
Marítimo, de 1989, internalizada pelo Decreto Legislativo n° 263/2009. normam>. Acesso em: 23 jul. 2016.

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Direito Marítimo

Por fim, note-se que diversas disposições da Constituição Federal, do Có-


digo Civil, do Código Penal, da Consolidação das Leis Trabalhistas, Código
de Defesa do Consumidor – quando aplicável ao caso concreto – são direta-
mente aplicáveis no âmbito do Direito Marítimo, uma vez que este se encon-
tra interligado com questões relacionadas ao meio ambiente, à responsabili-
dade civil, obrigações, contratos, seguros, sanções criminais, administrativas
sancionadoras e trabalhistas (acidente de trabalho).
Conclui-se, portanto, que diante da infinidade de normas e temas que
interferem no Direito Marítimo, surgem sempre conflitos acerca de hierar-
quia, especialidade e temporalidade, o que, por via de consequência, gera um
enorme desafio para os militantes na área exercerem aconselhamento jurídico
aos seus clientes e para o Judiciário aplicar o melhor direito à espécie nos
casos concretos.

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Direito Marítimo

AULA III – Regramento Legislativo Nacional e Internacional;


Convenções e Organizações

1. Principais Organismos Internacionais

No campo do transporte marítimo, a United Nations Conference on


Trade and Development – Unctad – ocupa-se dos aspectos econômicos, co-
merciais e legais, enquanto a International Maritime Organization (IMO)
se concentra nos problemas técnicos, ambientais e de segurança no âmbito
marítimo e no portuário.

1.1 Organização Marítima Internacional (IMO)

A Organização Marítima Internacional (International Maritime Orga-


nization – IMO)9 é uma agência especializada da Organização das Nações
Unidas – ONU, que foi criada em Genebra em 1948. Tem como escopo
instituir um sistema de cooperação entre os membros visando à elaboração e
unificação de normas para a segurança da navegação e para o comércio marí-
timo internacional. A IMO tem 172 Estados Membros e 3 Membros Asso-
ciados. O Brasil ratificou a Convenção da IMO de 1948, que foi promulgada
pelo Decreto n° 52.493, de 23.09.1963. A IMO é formada por várias subse-
ções especializadas em determinados assuntos que elaboram constantemente
pesquisas e projetos a serem implantados na comunidade marítima.
Dentre importantes convenções adotadas pela IMO, podemos destacar:
• Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar,
1974, concluída em Londres, em 1 de Novembro de 1974 (Solas 1974), e
promulgada pelo Decreto 92.610, de 02.05.1986. A SOLAS é a mais im-
portante Convenção que regula matéria de segurança dos navios mercantes,
surgiu em 1914 e foi atualizada posteriormente ao acidente do navio Titanic;
• Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios,
(International Convention for the Prevention of Pollution from Ships,
1973) - (MARPOL), posteriormente modificada pelo Protocolo de 1978,
traz normas sobre prevenção da poluição marinha causada por acidentes
de navegação, tendo surgido após o acidente com o navio Torrey Canyon;
• Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causa-
dos por Poluição por Óleo (International Convention on Civil Liability
for Oil Pollution Damage) - (CLC), de 1969, promulgada no Brasil pelo
Decreto n° 79.437 em 28.03.1977, que regulou a responsabilidade sobre 9
Para saber mais sobre a International
Maritime Organization, consultar o site:
o derramamento de petróleo. <www.imo.org>.

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Direito Marítimo

No quadro abaixo, podemos verificar os atos multilaterais assinados pelo


Brasil no âmbito da Organização Marítima Internacional (IMO), e o respec-
tivo decreto de promulgação:10

Promulgação
Título Data Decreto
Data

Convenção sobre a Organização
Marítima Consultiva
Intergovernamental (IMCO)
06/03/1948 52.493 23/09/1963
Atualmente Convenção Relativa à
Criação da Organização Marítima
Internacional (IMO)
Emendas aos Artigos 17 e
18 da Convenção sobre a
15/09/1964 64.988 13/08/1969
Organização Marítima Consultiva
Intergovernamental
Convenção para a Facilitação do
Tráfego Marítimo Internacional. 09/04/1965 80.672 07/11/1977
(FAL-65)
Emenda ao Artigo 28 da Convenção
sobre a Organização Marítima 28/09/1965 64.989 13/08/1969
Consultiva Intergovernamental
Convenção Internacional sobre
05/04/1966 66.103 22/01/1970
Linhas de Carga. (LL-66)
Protocolo de Emenda à Convenção
para a Unificação de Certas Regras
27/05/1967 87.975 22/12/1982
em Matéria de Assistência e
Salvamento Marítimos de 1910
Convenção Internacional sobre
Medida de Arqueamento de Navios, 23/06/1969
1969. (TONNAGE-69)
Convenção Internacional sobre
Responsabilidade Civil em Danos
29/11/1969 79.437 28/03/1977
Causados por Poluição por Óleo,
1969 (CLC-69)
Convenção sobre o Regulamento
Internacional para Evitar 10
Atos Multilaterais Assinados pelo Bra-
20/10/1972 80.068 02/08/1977 sil no Âmbito da Organização Marítima
Abalroamento no Mar, 1972. Internacional, retirado do site: <www2.
mre.gov.br/dai/imo.htm>. Acesso em:
(COLREG-72) e (RIPEAM-72) 19 ago. 2011.

FGV DIREITO RIO 12


10 Atos Multilaterais Assinados pelo Brasil no Âmbito da Organização
Marítima Internacional, retirado do site: <www2.mre.gov.br/dai/imo.htm> .
Acesso em: 19 ago. 2011.
Direito Marítimo

Emenda ao Artigo VII da


Convenção para Facilitação do
19/11/1973 89.957 12/07/1984
Tráfego Marítimo Internacional,
1965
Emendas aos artigos 10, 16, 17, 18,
20, 28, 31 e 32 da Convenção sobre
a Organização Marítima Consultiva 17/10/1974 82.533 01/11/1978
Intergovernamental. (IMCO).
Resolução A.315
Convenção Internacional para a
Salvaguarda da Vida Humana no 01/11/1974 87.186 18/05/1982
Mar, 1974. (SOLAS-74)
Emendas à Convenção sobre a
Organização Marítima Consultiva
Intergovernamental, de 1948. (A.
14/11/1975 87.458 16/08/1982
358 - IX). (Convenção Relativa à
Criação da Organização Marítima
Internacional - IMO)
Resolução A.400 - X. Emendas
à Convenção da Organização
17/11/1977 144 14/06/1991
Marítima Consultiva
Intergovernamental. (OMCI)
Protocolo de 78 à Convenção
Internacional para Salvaguarda
17/02/1978 92.610 02/05/1986
da Vida Humana no Mar, 1974.
(SOLAS PROT-78)
Convenção Internacional
sobre Normas de Treinamento
de Marítimos, Expedição de 07/07/1978 89.822 20/06/1984
Certificados e Serviço de Quarto,
para Marítimos, 1978 (STCW-78)
Convenção Internacional sobre
Busca e Salvamento Marítimos, 27/04/1979 85 11/04/1991
1979. (SAR-79)
Emendas aos artigos 17, 18,
20 e 51 da Convenção sobre a
Organização Marítima Consultiva 15/11/1979 90.385 30/10/1984
Intergovernamental. (Resolução
A.450 - XI)

FGV DIREITO RIO 13


Direito Marítimo

Emenda à Convenção Internacional Decreto


de Linhas de Carga, de 1966. 15/11/1979 Legisla- 28/06/1984
(Resolução A.411 - XI) tivo 32
Convenção Internacional sobre
28/04/1989 263 12/06/2009
Salvamento Marítimo
Emendas ao Código Internacional
para a Construção e o Equipamento
de Navios que Transportem Gases
11/12/1992
Liquefeitos a Granel. Convenção
SOLAS-74. Código IGC -
Resolução MSC 30 (61)
Resolução A. 735(18). Emendas
Decreto
à Convenção Constitutiva da
04/11/1993 Legisla- 16/07/1996
Organização Marítima Internacional
tivo 69
- IMO

1.2 Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional

A Comissão das Nações Unidas para o direito do comércio internacional (Uni-


ted Nations Commission on International Trade Law) - (UNCITRAL), foi esta-
belecida em 1966, com o objetivo de reduzir ou remover os entraves ao comércio
internacional por meio da harmonização do direito comercial internacional.
Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela Uncitral so-
bre transporte internacional de mercadorias podemos destacar:
• Regras de Hamburgo de 1978 (United Nations Convention on the Car-
riage of Goods by Sea - the “Hamburg Rules”), assinada pelo Brasil em
31.03.1978, mas não foi ratificada;
• Unit of Account Provision and Provisions for the Adjustment of the Li-
mit of Liability in International Transport and Liability Conventions,
1982 (não ratificada pelo Brasil);
• United Nations Convention on the Liability of Operators of Transport
Terminals in International Trade, 1991 (não ratificada pelo Brasil).
• United Nations Convention on Contracts for the International Sale of
Goods – CISG, Vienna 1980 (em vigor no Brasil desde abril de 2014).

1.3 Instituto para a unificação do direito privado – Unidroit11

O instituto surgiu em 1926 como órgão auxiliar da extinta Liga das Na-
ções. É uma organização intergovernamental independente, sediada em 11
Para saber mais sobre a Unidroit,
Roma. Tem como objetivo a harmonização e coordenação do direito priva- consultar o site: <http://www.uni-
droit.org/about-unidroit/overview>
do. O Brasil tornou-se um membro em 18 de junho de 1940. Acesso em: 20 jul. 2015.

FGV DIREITO RIO 14


Direito Marítimo

Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela Unidroit,


podemos destacar:
• Convenção Internacional relativa ao contrato de viagem (Bruxelas, 1970);
• Convention on Agency in the International Sale of Goods (Genebra,
1983);
• Convenção sobre contratos de compra e venda de mercadorias (Convention
relating to a Uniform Law on the International Sale of Goods).

1.4 Comitê Marítimo Internacional (CMI)12

O Comitê Marítimo Internacional (CMI) é uma organização privada in-


ternacional que visa à uniformização internacional do Direito Marítimo. Foi
fundada em 1897 na Bélgica, e é a organização internacional mais antiga no
campo do direito marítimo. Sua criação foi precedida pela International Law
Association – ILA.
Dentre importantes convenções e protocolos publicados pela CMI, pode-
mos destacar:
• Regras Uniformes para o Conhecimento de Embarque;
• Regras para o Conhecimento de Embarque Eletrônico;
• Regras de Lisboa (Lisbon Rules);
• Diretrizes em danos causados por poluição por óleo (Guidelines on Oil
Pollution Damage);
• Implementação da Convenção Internacional sobre Salvamento (Salvage
Convention 1989).

1.5 Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi fundada em 1919


e é responsável pela elaboração de diversas convenções sobre os trabalha-
dores marítimos, desdobrando sua ação na elaboração de políticas e de
programas internacionais que visam a promover os Direitos Fundamen-
tais do Homem, na melhoria das condições de vida e de trabalho e no
desenvolvimento das possibilidades de emprego. Também atua na elabo-
ração de normas internacionais do trabalho que se destinam a orientar a
ação nacional na aplicação desses princípios; na organização, no âmbito
de um vasto programa de cooperação técnica internacional; na execução
de programas de formação, de ensino, de pesquisa e de publicações que 12
Para saber mais sobre o Comitê
servem de apoio às outras formas de ação. No Brasil já existem cerca de Marítimo Internacional, acesse o site:
<www.comitemaritime.org/>. Acesso
26 convenções ratificadas. em 20 jul. 2015.

FGV DIREITO RIO 15


Direito Marítimo

1.6 Baltic Maritime Council (BIMCO)13

A Baltic Maritime Council (BIMCO) é uma associação internacional de


grande prestígio que contém como membros armadores, agentes, brokers e
Clubs P&I. Começou no ano de 1905 em Copenhagen, Dinamarca, e hoje
possui um alcance global. Oferece suporte às questões comerciais, modelos
de contratos padronizados por meio da experiência e comunhão de diversos
interesses do mercado do comércio marítimo e decisões de tribunais, infor-
mações sobre o mercado, dentre outras ferramentas.

1.7. Outros institutos e sociedades classificadoras

O Institut du Droit International dês Transports (IDIT) é uma importante


sociedade internacional privada, a qual visa, sobretudo, analisar questões jurídicas,
econômicas e técnicas relativas aos transportes nos âmbitos nacional e internacional.
Têm-se ainda as Sociedades Classificadoras, as quais são pessoas jurídicas
de direito privado com a função de verificar, por meio de perícias e inspeções,
se as embarcações possuem condições ideais de navegabilidade, estanqueida- 13
Para saber mais sobre a Baltic Mari-
de e robustez, para fins de transporte e consequentemente de seguro. time Council, consultar o site: <www.
bimco.org/>. Acesso em: 20 jul. 2015.
Referidas sociedades emitem certificados de classificação caso os requisitos es- 14
“Há, no mundo, diversas empresas
tejam atendidos pelas embarcações, sendo que aqueles, via de regra, são indispen- que realizam o serviço de vistoria e clas-
sificação de navios, bem como outros
sáveis para a operação de qualquer embarcação em todos os portos do mundo.14 tipos de vistoria e classificação, como
Dentre as várias convenções publicadas pelos institutos acima, destacamos contêineres, mercadoria, etc. Elas cos-
tumam classificar os navios em primeira
as seguintes abaixo. classe, segunda classe, etc. Algumas das
principais classificadoras de navios, en-
tre as muitas existentes, são as seguin-
tes: American Bureau of Shipping – New
2. Regras de York-Antuérpia15 York; Bureau Veritas – Paris; Det Norske
Ventas – Oslo; Germanisher Lloyd –
Berlim; Lloyd’s Register of Shipping –
As regras de York-Antuérpia foram criadas no ano de 1864 na cidade de Londres; Nippon Kaiji Kyokaí – Tóquio;
Polish Register of Shipping – Varsóvia;
York, e revisadas em 1877, em Antuérpia, passando a vigorar com o nome Registro Italiano – Roma.” KEEDI, Samir;
de York-Antuérpia. Essas regras constituem um direito uniforme e são utili- MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e
Seguros no Comércio Exterior. São Paulo:
zadas no comércio internacional para regulação de avaria comum no direito Aduaneiras, 2000. p.86.
marítimo. Já sofreram várias revisões, sendo que a última foi a versão 2016, 15
O texto completo da revisão de
2004 das Regras de York e Antuérpia
aprovada no âmbito do Comitê Marítimo Internacional, que podem ser in- pode ser encontrado em: <http://
corporadas aos contratos de transporte marítimo e de políticas de seguros. www.comitemaritime.org/Uploads/
YAR%202004%20english.doc>.
Acesso em: 20 jul. 2015.
16
Regras de Haia ou Convenção de Bru-
3. Regras de Haia16 e Regras de Haia-Visby17 xelas em <www.admiraltylawguide.
com/conven/haguerules1924.html>.
Acesso em: 20 jul. 2015.
A Convenção Internacional para a Unificação de Certas Regras de Direito 17
Regras de Haia-Visby em <www.ad-
Concernentes aos Conhecimentos Marítimos, mais conhecida como Regras miraltylawguide.com/conven/visbyru-
les1968.html>. Acesso em: 20 jul. 2015.
de Haia, de 25.08.1924, que foi alterada pelo Protocolo que emenda a conven- 18
SANDRI, Luciana Aboudib. Regime
ção internacional, denominado Regras de Haia-Visby, de 23.02.1968, e o úl- jurídico aplicável aos corredores interoceâ-
timo Protocolo de dezembro de 1979. Essas Regras são conhecidas como Re- nicos. Dissertação de Mestrado em Direito
das Relações Econômicas Internacionais,
gras de Haia e Regras de Haia-Visby, aprovadas na Convenção de Bruxelas.18 PUC/SP, São Paulo, 2002. p.173.

FGV DIREITO RIO 16


Direito Marítimo

As Regras de Haia19 representaram a primeira tentativa por parte da co-


munidade internacional para encontrar um meio viável e uniforme de lidar
com o problema dos armadores que regularmente excluíam-se da responsabi-
lidade por todas as perdas ou danos à carga. Essa convenção foi ratificada por
muitos Países transportadores e incorporada no direito interno desses Países.
As Regras de Haia impuseram obrigações mínimas aos transportadores, tais
como o dever de diligenciar (due diligence) antes e no início de cada viagem,
bem como em relação às condições de navegabilidade (seaworthiness) da em-
barcação, dentre outras. Em contrapartida, as Regras de Haia privilegiam os
interesses dos transportadores marítimos, impondo um regime legal suave ao
isentar o transportador de culpa, por dezessete causas, quais sejam: falta náu-
tica; incêndio; perigos do mar; atos de guerra; culpa do embarcador; greves;
desvios de rota para salvamento; vício próprio da mercadoria; embalagem ina-
dequada e outras que não decorram de culpa do transportador ou seus agentes.
As Regras de Haia sofreram alterações com o Protocolo de 1968, passando
a Regras de Haia-Visby e pelo Protocolo DES de 1979, que incorporou os
Direitos Especiais de Saque (DES do FMI) para calcular os limites das inde-
nizações que seriam efetuadas pelo transportador marítimo.
Nas Regras de Haia-Visby foram majoradas substancialmente os limites
de indenização do transportador e o método de cálculo de limitação por
unidade transportada, criando hipótese de quebra da limitação em algumas
situações. No entanto, as Regras de Haia-Visby mantiveram as mesmas ex-
cludentes de responsabilidade das Regras de Haia, o que a fez também extre-
mamente interessante aos países com significante frota mercante.
As Regras de Haia e as Regras de Haia-Visby formam a base da legislação
nacional em quase todas as grandes nações do comércio marítimo, com as
maiores frotas mercantes. O Brasil não é signatário das Regras de Haia e das
Regras de Haia-Visby.
19
Países signatários das Regras de Haia
em <http://www.comitemaritime.org/
Uploads/pdf/CMI-SRMC.pdf>. Acesso em:
4. Regras de Hamburgo20 20 jul. 2015.
20
Texto das “Regras de Hamburgo”,
As Regras de Hamburgo, de 31.03.1978, entraram em vigor em United Nations Convention on the Carria-
ge of Goods by Sea, em < http://www.
01.11.1992. O Brasil é signatário dessa convenção, mas não a ratificou até o uncitral.org/pdf/english/texts/trans-
port/hamburg/hamburg_rules_e.pdf
presente momento. Nenhuma das nações tradicionalmente marítimas ratifi- >. Acesso em: 21 jul. 2015.
cou essa convenção, pois a maioria submete-se às Regras de Haia e às Regras 21
SANDRI, Luciana Aboudib. Regime
de Haia-Visby.21, 22 jurídico aplicável aos corredores inte-
roceânicos. Dissertação de Mestrado
Essas regras surgiram devido ao pleito dos países exportadores e em desen- em Direito das Relações Econômicas
Internacionais, PUC/SP, São Paulo,
volvimento, no âmbito da ONU, para opor-se às Regras de Haia e às Regras 2002, p.173.
de Haia-Visby, que privilegiam os transportadores e armadores. 22
Países signatários das “Regras de
Hamburgo” em:
As Regras de Hamburgo incluíram o conceito da culpa presumida do trans- < http://www.uncitral.org/uncitral/
portador, além de uma indenização por atraso na entrega das mercadorias. en/uncitral_texts/transport_goods/
Hamburg_status.html >. Acesso em:
Assim, as Regras de Hamburgo têm uma aplicação bem restrita. 21 jul. 2015.

FGV DIREITO RIO 17


Direito Marítimo

5. Regras de Roterdã23

Trata-se da mais recente convenção criada sobre o transporte marítimo


internacional de mercadorias. Tal convenção, desde logo intitulada como
Regras de Roterdã, está disponível para assinaturas pelos Estados-Parte desde
23 de setembro de 2009, na Cidade de Roterdã, na Holanda.
Conforme expressamente referido em seu preâmbulo, as Regras de Roter-
dã tem por objetivo atualizar as disposições das Regras de Haia (1924), Regras
de Haia-Visby (1968) e Regras de Hamburgo (1978), incorporando os novos
conceitos, práticas e costumes do comércio marítimo internacional “globa-
lizado” e integrado com outros modais, os quais nos últimos trinta anos so-
freram forte influência e modificação com as inovações tecnológicas introdu-
zidas nas atividades mercantis, seja em relação à acelerada modernização das
embarcações, seja por força do avassalador impulso dos meios eletrônicos de
comunicação utilizados nas transações mercantis e na emissão de documentos
fiscais e de transporte, cobrindo ainda a circulação mundial de mercadorias.
O texto da convenção foi discutido, exaustivamente, por mais de 12 anos
pela UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade
Law) e contou com a participação ativa de representantes de algumas nações
de grande influência, como Estados Unidos, Reino Unido, França, Alema-
nha, Japão, China, Índia, Rússia e Brasil.
Até o presente momento, a referida Convenção já conta com 25 países
signatários, os quais juntos representam mais de 25% do comércio marítimo
global, de acordo com dados estatísticos da ONU. Os países signatários até
o mês de janeiro de 2018 são os seguintes: Armênia, Camarões, Congo, Di-
namarca, Espanha, Estados Unidos, França, Gabão, Gana, Grécia, Guiné,
Guiné-Bissau, Holanda, Luxemburgo, Madagascar, Mali, Niger, Nigéria,
Noruega, Polônia, República Democrática do Congo, Senegal, Suécia, Suíça
e Togo24. No entanto, as Regras de Roterdã só passarão a ter eficácia após um
ano e um mês da data da 20ª ratificação pelos países signatários.25
23
Regras de Roterdã em: < http://
www.rotterdamrules.com/sites/de-
fault/files/pdf/convention.pdf>. Aces-
6. Convenções internacionais no âmbito do Comitê Marítimo so em: 21 jun. 2016.
Internacional (CMI) 26 24
Status das ratificações das Regras de
Roterdã em < https://treaties.un.org/
Pages/ViewDetails.
• International convention for the unification of certain rules of law relating 25
Artigo 94, I das Regras de Roterdã.
to Collision between vessels and protocol of signature Brussels, 23 de setem- Comite Maritime International.
26

bro de 1910. Entrou em vigor em: 01 de março de 1913. O Brasil ratificou. Status das ratificações das conven-
ções marítimas internacionais de
• International convention for the unification of certain rules relating to Bruxelas em: <http://www.comi-
temaritime.org/Uploads/pdf/CMI-
the Limitation of the liability of owners of sea-going vessels and protocol -SRMC.pdf>. Acesso em: 20 jul. 2015.
of signature Brussels, 25 de agosto de 1924. Entrou em vigor em 02 de aspx?src=TREATY&mtdsg_no=XI-D-
-8&chapter=11&lang=en#EndDec>.
junho de 1931. O Brasil ratificou. Acesso em 20.jul.2015

FGV DIREITO RIO 18


Direito Marítimo

• International convention for the unification of certain rules of law re-


lating to Bills of lading and protocol of signature “Hague Rules 1924”
Brussels, 25 de agosto de 1924. Entrou em vigor em 02 de junho de 1931.
O Brasil não ratificou.
• Protocol to amend the International Convention for the unification of
certain rules of law relating to bills of lading, Brussells, 25 de agosto,
1924. Visby Rules Brussels, 23 de fevereiro de 1968. Entrou em vigor em
23 de junho de 1977. O Brasil não ratificou.
• Protocol to amend the International Convention for the unification of
certain rules relating to bills of lading as modified by the Amending Pro-
tocol of 23rd February 1968. SDR Protocol Brussels, 21 dezembro, 1979.
Entrou em vigor 14 de fevereiro de 1984. O Brasil não ratificou.
• International convention for the unification of certain rules relating to Ma-
ritime liens and mortgages and protocol of signature Brussels, 10 de abril
de 1926. Entrou em vigor no dia 02 de junho de 1931. O Brasil ratificou.

CASO GERADOR

O navio Fast Dubay de propriedade da British Navigation Company (em-


presa inglesa) e registrado sob a bandeira do Panamá, foi afretado por tempo
(time charter de 12 meses sujeito à lei inglesa e à Alta Corte de Londres) em
dezembro de 2007 à empresa italiana IT Shipping Company, especializada
em transporte marítimo de granéis sólidos, a qual foi contratada pela em-
presa chinesa Daruma Steel Corporative para transportar 87.500 toneladas
de minério de ferro do Porto de Xangai na China até o Porto de Paranaguá/
PR. Referida carga era objeto de contrato internacional de compra e venda
celebrado entre a Daruma e uma empresa brasileira de siderurgia.
Em que pese à conclusão da operação de carregamento no Porto de Xangai
haver transcorrido normalmente, o navio Fast Dubay, em razão de descum-
primento de determinadas exigências das Autoridades Marítimas Chinesas,
já iniciou a expedição marítima com destino ao Porto de Paranaguá/PR em
lapso temporal considerável após o programado.
Em 08 de março de 2008, após adentrar em águas jurisdicionais brasi-
leiras, o Fast Dubay encontrava-se posicionado no fundeadouro do Porto
de Paranaguá, já com Prático a bordo, rebocadores com cabos passados e
iniciando manobra de atracação, quando se abateu grande tempestade no
local, com ondas consideráveis e fortes ventos (grau 8 da escala Beaufort).
Não obstante, a insistência do Comandante do Fast Dubay – preposto da
British Navigation Company – em abortar a manobra e aguardar melhores
condições meteorológicas, a empresa IT Shipping, responsável pela gestão

FGV DIREITO RIO 19


Direito Marítimo

comercial do navio e sofrendo pressões da empresa Daruma em virtude de


prazos contratuais acordados com a empresa brasileira de siderurgia, emitiu
instruções no sentido de que a atracação fosse realizada imediatamente, o
que foi prontamente acatado.
No decorrer da manobra de atracação, por orientações equivocadas do
prático e sempre levando em consideração as condições de tempo adversas,
um dos 4 (quatro) rebocadores auxiliares abalroou o navio Fast Dubay, o
qual, por sua vez, perdeu o controle de navegabilidade e ganhou seguimento,
tendo posteriormente saído do canal de navegação e encalhado por sua bo-
reste em local de profundidade menor que seu calado.
Em razão do abalroamento e posterior encalhe, o Fast Dubay sofreu ava-
rias severas em seu casco, as quais geraram perda total da carga e vazamento de
óleo combustível de seus tanques, bem como houve o naufrágio do rebocador
e tripulantes arremessados ao mar, cujos corpos sequer foram encontrados.
Note-se que em virtude do acidente se fez necessária em caráter de urgên-
cia a contratação de empresas (i) de tecnologia ambiental para monitoramen-
to, contenção e limpeza de poluição, (ii) de salvamento para desencalhar a
embarcação, (iii) de rebocagem para docar o navio avariado em estaleiro para
reparos, (iv) de resgate para tentar localizar tripulantes arremessados ao mar.
Diante do acidente acima exposto, quais seriam os danos e/ou prejuízos
eventualmente gerados, às eventuais partes Autoras e Rés e os possíveis lití-
gios judiciais e/ou procedimentos administrativos eventualmente instaura-
dos? Quais seriam as jurisdições e leis que eventualmente se aplicariam a cada
um dos litígios? Quais ramos do direito estariam envolvidos nas discussões
judiciais/administrativas? Quais seriam as discussões acerca de responsabili-
dade pelos danos e/ou prejuízos? Haveria responsabilidade contratual e ex-
tracontratual envolvida? No caso de instauração de litígios no Brasil e na
Inglaterra, teria fundamento a parte que pleiteou a jurisdição inglesa requerer
a suspensão/extinção dos litígios no Brasil?

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Qual seria a base das normas positivadas do Direito Marítimo?
3. Quais são as fontes do Direito Marítimo?
4. Indique quatro ramos do direito que guardam estreita relação com o
Direito Marítimo e fundamente.
5. Indique três reclamações que poderiam ser caracterizadas como disputas
marítimas.
6. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

FGV DIREITO RIO 20


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas
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2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

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FGV DIREITO RIO 21


Direito Marítimo

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Jurisprudenciais

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 302.212-RJ. Relator:


Ministro Castro Filho. In: DJU, de 27 de junho de 2005.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 1.096.393-2.


Relator: Desembargador Edgard Jorge Lauand. Julgado em 20 de
março de 2007.

FGV DIREITO RIO 22


Direito Marítimo

Legislativas

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BRASIL. Código de Processo Civil.
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BRASIL. Decreto n° 52.493, de 23 de setembro de 1963.
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FGV DIREITO RIO 23


Direito Marítimo

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FGV DIREITO RIO 24


Direito Marítimo

AULA IV – Embarcação e Sujeitos do Direito Marítimo

1. Navio e embarcação

O Código Comercial Brasileiro não faz distinção entre as expressões em-


barcação e navio. Entretanto, na esteira do entendimento manifestado por
SIMAS27, embarcação significaria toda a construção destinada a correr sobre
água, enquanto o navio seria “toda construção náutica destinada à navegação
de longo curso, de grande e pequena cabotagem, apropriada ao transporte
marítimo ou fluvial”28 reservada à indústria da navegação.
O autor acima mencionado assim explana o assunto:

De fato, sob essa denominação genérica, correspondente a


bâtiment de mer, dos franceses, vessel dos ingleses, fahrzeng
dos alemães, embarcacóm dos espanhóis, tratamos de qual-
quer construção que, flutuando, sirva para transportar, por
água, pessoas ou coisas. O caiaque, o bote, a canoa, a draga
são embarcações, mas não são navios, reservada como está esta
expressão a grandes embarcações destinadas ao transporte de
pessoas ou coisas [...].

No que se refere à embarcação, destaque-se a definição contida no inciso


V do art. 2º da Lei n° 9.537/1997 (LESTA29), verbis:

V - Embarcação - qualquer construção, inclusive as plata-


formas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeitas a
inscrição na autoridade marítima e suscetível de se loco-
mover na água, por meios próprios ou não, transportando
pessoas ou cargas.

27
SIMAS, Hugo. Compêndio de direito
marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva
Navio de Cruzeiro Plataforma de exploração de petróleo & Cia Editores, 1938, p. 48.
28
Art. 3º do Decreto n° 15.788/22.

Assim, é correto afirmar que o navio é uma espécie cujo gênero é a embarcação. 29
Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário.

FGV DIREITO RIO 25


Direito Marítimo

1.1 Natureza jurídica

Nos termos do artigo 8230 do Código Civil Brasileiro e com respaldo na


definição de navio abordada acima, entende-se que o mesmo estaria inserido
no conceito de bens móveis31.
José Candido Sampaio de Lacerda assim discorre sobre a natureza jurídica
do navio, verbis:

Nos termos da noção dada pelo direito civil para os bens mó-
veis e atendendo ao conceito de navio supra-indicado, deve o
navio figurar entre aqueles bens. E assim tem sido considerado
desde o direito romano até os dias presentes, exceto na época
medieval, em que o valor do navio, crescendo grandiosamen-
te, fez que se o admitisse imóvel, a fim de melhor explicar a
necessidade de aumentar o crédito aos senhores feudais32.

Não obstante a classificação do navio como bem móvel, o navio, em de-


terminadas conjunturas, se sujeita a algumas regras relacionadas aos bens
imóveis. Estes casos específicos se referem (i) à questão da propriedade33, a
30
“Art. 82. São móveis os bens suscetí-
qual apenas se comprova através de documento emitido por autoridade de veis de movimento próprio ou de remo-
registro competente, no caso do Brasil a Capitania dos Portos ou Tribunal ção por força alheia, sem alteração da
substância ou da destinação econômica
Marítimo e não pode ser transferida sem formalidade cartorária34, e (ii) à social.”

hipoteca naval35. 31
“[...] os navios, por força do art. 82
do Código Civil/1916, são considera-
Registre-se que as características de navio semelhantes aos bens imóveis dos bens móveis.” (STJ – Resp. no.
792.444/RJ).
estão especificamente adstritas à previsão legal expressa. 32
LACERDA, José Candido Sampaio de.
Curso de direito privado da navegação.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984,
3ª ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga
1.2 Características do navio Seixas Filho, p.53.
33
Lei n° 7.652/1988.

1.2.1 Individualização do navio 34


Art. 478 do CCom – “Ainda que as
embarcações sejam reputadas bens
móveis, contudo, nas vendas judiciais,
se guardarão as regras que as leis pres-
São quatro os elementos que determinam a individualidade do navio, quais crevem para as arrematações dos bens
de raiz; devendo as ditas vendas, além
sejam, (i) o seu nome, (ii) a sua classe, (iii) a sua tonelagem e (iv) a sua arqueação. da afixação dos editais nos lugares
públicos, e particularmente nas praças
do comércio, ser publicadas por três
1.2.1.1 Nome do navio anúncios insertos, com o intervalo de
8 (oito) dias, nos jornais do lugar, que
habitualmente publicarem anúncios,
Obrigatoriamente, todo navio deve ter um nome, que é considerado uma e, não os havendo, nos do lugar mais
vizinho. Nas mesmas vendas, as custas
das principais características no que concerne à individualização de num na- judiciais do processo da execução e ar-
rematação preferem a todos os créditos
vio. Nas embarcações empregadas na navegação de mar aberto, a determina- privilegiados.”
ção do nome deve ser única no país de registro36. 35
Decreto n° 15.788/22.

Outrossim, não é admissível a escolha de um nome obsceno ou ofensivo, 36


Item 0221 da NORMAM/DPC 1.

que cause constrangimentos às pessoas ou instituições37. 37


Item 0221 da NORMAM/DPC 1 e 2.

FGV DIREITO RIO 26


Direito Marítimo

1.2.1.2 Classe

A classe é estabelecida de acordo com as condições de navegabilidade do


navio. Importante ressaltar que são as sociedades classificadoras as responsá-
veis por emitir o certificado de classe, que significa que o navio se encontra
dentro dos padrões internacionais de navegabilidade.

1.2.1.2.1 Sociedades Classificadoras

As Sociedades Classificadoras são reconhecidas como empresas, entidades


ou organismos que atuam no controle, regularização e certificação dos navios
no que concerne à segurança da navegação.
José Candido Sampaio de Lacerda38 muito bem define as Sociedades Clas-
sificadoras, in verbis:

O hábito de classificar as embarcações não é recente. Serve para


facilitar o valor técnico do navio, facilitando assim e melhor
garantindo a realização de contratos que as ele diga respeito.
Originou-se na Inglaterra, com a fundação de uma socieda-
de especialmente destinada a esse fim: o “Lloyd’s Register”.
[...]
Os navios são, pois, inscritos e classificados conforme o estado
em que se encontram e o grau de confiança que merecem. O
instituto determina as normas a serem observadas na constru-
ção de um navio, fiscaliza essa construção, examina os navios
por meio de peritos, controlando a vida deles por meio de
agentes, mesmo no estrangeiro, fornecendo ao navio um cer-
tificado de classificação e, permanentemente, com publicações
periódicas, informa acerca de tudo o que a ele diz respeito, ou
dando notícias, nesse sentido, a quem quer que esteja interes-
sado em conhecer as condições e o valor técnico de um navio.

1.2.1.3 Tonelagem e Arqueação

A tonelagem refere-se ao tamanho do navio. A Arqueação, por sua vez,


indica o volume do navio.
A determinação da Arqueação é de suma importância para a aplicação de
determinadas normas, como nas matérias que envolvem a classificação do na-
vio, a capacidade para o transporte de passageiros, a aplicação das convenções
38
LACERDA, José Candido Sampaio de.
internacionais, a incidência de impostos, dentre outros. Curso de direito privado da navegação.
Além disso, a Arqueação é levada em consideração para a elaboração de con- Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984, 3ª
ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga Sei-
tratos de afretamento, seguros, dentre outros, que envolvam a utilização do navio. xas Filho, pp.55-56.

FGV DIREITO RIO 27


Direito Marítimo

Nenhuma embarcação, no Brasil, por força da Normam 01- Capítulo 08


poderá trafegar em mar aberto sem que antes tenha sido previamente arque-
ada, com exceção aos navios de guerra.
A arqueação é dividida em arqueação bruta (AB) e arqueação líquida (AL).
A arqueação bruta leva em consideração o volume de todo o espaço inter-
no de uma embarcação, enquanto que a arqueação líquida está relacionada
aos espaços comerciáveis do navio (carga e/ou passageiros).

1.3 Nacionalidades, registro e Bandeira

A nacionalidade do navio é determinada pelo registro de propriedade na


autoridade competente, o que culmina na habilitação de arvorar o pavilhão
do Estado de registro.
Os registros das embarcações são classificados em nacionais e abertos. Os
registros nacionais são baseados na legislação do Estado de Registro, no in-
tuito de manter o navio atrelado ao país em que foi registrado. Os registros
abertos, por outro lado, caracterizam-se pela não existência de vínculo entre
o estado de registro e o navio.

1.3.1 Navios de Estado ou públicos

Os navios de Estado ou Públicos são os navios de guerra, navio-escola,


navios destinados à fiscalização costeira, entre outros. A Convenção de Bru-
xelas de 1926, que unificou certas regras de Direito Marítimo, entre elas as
relativas à imunidade de jurisdição.

1.3.2 Navios mercantes (ou privados)

São aqueles pertencentes aos entes privados, como, por exemplo, os porta-
-contêineres, os petroleiros, os de transporte de gás, entre outros, integrando
o ramo civil das atividades marítimas.

1.4 Classificação quanto ao tipo de navegação

A Lei nº 9.432/1997 define, nos incisos de seu art. 2º, os tipos de navega-
ção que um navio pode ser classificado. São eles:
VII - Navegação de apoio portuário: a realizada exclusivamente nos portos e
terminais aquaviários, para atendimento a embarcações e instalações portuárias;
VIII - Navegação de apoio marítimo: a realizada para o apoio logístico a
embarcações e instalações em águas territoriais nacionais e na Zona Econômica,
que atuem nas atividades de pesquisas e lavras de minerais e hidrocarbonetos;

FGV DIREITO RIO 28


Direito Marítimo

IX - Navegação de cabotagem: a realizada entre portos ou pontos do


território brasileiro, utilizando a via marítima ou esta e as vias navegáveis
interiores;
X - Navegação interior: a realizada em hidrovias interiores, em percurso
nacional ou internacional;
XI - Navegação de longo curso: a realizada entre portos brasileiros e
estrangeiros.
XIV - Navegação de travessia: aquela realizada:
a) transversalmente aos cursos dos rios e canais;
b) entre 2 (dois) pontos das margens em lagos, lagoas, baías, angras
e enseadas;
c) entre ilhas e margens de rios, de lagos, de lagoas, de baías, de angras
e de enseadas, numa extensão inferior a 11 (onze) milhas náuticas;
d) entre 2 (dois) pontos de uma mesma rodovia ou ferrovia inter-
ceptada por corpo de água.

1.5 Proprietário da embarcação

O proprietário da embarcação é o dono da embarcação, aquele que detém


título de sua propriedade. Referido título deverá ser registrado no Tribunal
Marítimo para embarcações com arqueação bruta superior a “cem tonela-
das”, sendo expedida em nome do proprietário a competente provisão de
registro de propriedade marítima ou o título de inscrição, conforme dispõem
os artigos 3º e 5° da Lei n° 7.652/1988, verbis:

Art. 3º. As embarcações brasileiras, exceto as da Marinha de


Guerra, serão inscritas na Capitania dos Portos ou órgão su-
bordinado, em cuja jurisdição for domiciliado o proprietário
ou armador ou onde for operar a embarcação.
Parágrafo único. Será obrigatório o registro da propriedade no
Tribunal Marítimo, se a embarcação possuir arqueação bruta
superior a cem toneladas, para qualquer modalidade de nave-
gação.

[...]

Art. 5°. Ao proprietário da embarcação será expedida a Provi-


são de Registro da Propriedade Marítima ou Título de inscri-
ção depois de ultimado o processo de registro ou de inscrição.
Parágrafo único. Presume-se proprietário a pessoa física ou
jurídica em cujo nome estiver registrada ou inscrita a embar-
cação, conforme o caso.

FGV DIREITO RIO 29


Direito Marítimo

Para Embarcações com arqueação bruta inferior a “cem toneladas” não


existe a obrigação de registro de propriedade junto ao Tribunal Marítimo.
Para tanto, necessário se faz a inscrição junto à Capitania dos Portos. O Su-
perior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a questão. Vejamos:

[...] Embarcações com arqueação bruta inferior a cem toneladas


não estão obrigadas a realizar o registro de propriedade, seja no
Tribunal Marítimo, seja no Tabelião de Registro de Contrato
Marítimo. Para essas embarcações, a inscrição junto à Capita-
nia dos Portos, obrigatória para qualquer tipo ou tamanho de
embarcação, é suficiente para comprovação de propriedade.39

1.6 Armador

Armador é a pessoa física ou jurídica que arma a embarcação40, colocando-a


nas condições de navegabilidade necessárias para seu emprego em sua finalida-
de comercial, não devendo ser confundido com o proprietário da embarcação.
A definição de armador pode ser encontrada no artigo 2°, III da Lei n°
9.537/1997, verbis:

Art. 2°. Para os efeitos desta Lei, ficam estabelecidos os seguin-


tes conceitos e definições:

[...]

III – Armador – pessoa física ou jurídica que, em seu nome e


sob sua responsabilidade, apresta a embarcação para fins co-
merciais, pondo-a ou não a navegar por sua conta.

José Candido Sampaio de Lacerda assim se pronuncia sobre o conceito:


39
REsp 864409 - Relator Ministro
Denomina-se armador aquela pessoa que arma o navio, isto Luis Felipe Salomão - Órgão Julga-
dor: 4ª Turma – Data do Julgamento:
é, no sentido jurídico, que providencia o provimento de uma 23/06/2009 – Data da Publicação/
embarcação e também a explora comercialmente, seja em ser- Fonte: DJe 01/07/2009.

viços de transportes, seja nos serviços de pesca, ou nos de re- Armar uma embarcação significa
40

prover-lhe dos materiais necessários


boque, etc.41 para seu funcionamento e muitas vezes
significa, ainda, a colocação de toda a
tripulação que irá seguir na expedição
marítima.
1.6.1 Armador–proprietário
41
LACERDA, José Candido Sampaio de.
Curso de direito privado da navegação.
Armador-proprietário nada mais é do que a figura do proprietário que Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984,
3ª ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga
arma e explora comercialmente a embarcação que lhe pertence. Seixas Filho, p. 69.

FGV DIREITO RIO 30


Direito Marítimo

1.6.2 Armador-locatário

Constata-se a existência de proprietários de navios que, por determinado


motivo, não entendem ser conveniente explorar diretamente a embarcação e
desenvolver atividades econômicas na área marítima.
Dessa forma, esses proprietários simplesmente cedem seus navios, desar-
mados e sem tripulação a terceiros, os quais assumem a posse e controle dos
mesmos visando exercer uma atividade econômica e tendo o encargo de ar-
mar e tripular a embarcação.
Em suma, os proprietários da embarcação abdicam da gestão náutica da
embarcação, bem como da atividade empresarial, deixando essas funções a
cargo do outro contratante, o qual se denomina armador-locatário.

1.7. Operador técnico de navio

Nas palavras de Carla Adriana Comitre Gibertoni,

[...] a figura do Operador Técnico surge quando o armador


não possui estrutura própria para suprir o navio com os itens
operacionais (Tripulação, Material, Reparos, etc.) ou mesmo
não tem interesse em fazê-lo, e contrata empresa especializada
nesse ramo [...] que passa a agir em nome do Armador em
troca de uma taxa mensal.42

1.8 Fretador

Fretador é a pessoa que dá o navio em afretamento, figurando como parte


contratada nos contratos de afretamento. Pode ser o proprietário da embar-
cação ou não, mas também pode ser um afretador que subafreta.

1.9 Afretador

Afretador é aquele que toma o navio em afretamento, figurando como


parte contratante nos contratos de afretamento.

1.10 NVOCC

A figura “Non Vessel Operating Common Carrier” é muito utilizada no 42


GIBERTONI, Carla Adriana Comitre.
Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio
ramo de transporte marítimo internacional. de Janeiro: Renovar, 2005. p. 122.

FGV DIREITO RIO 31


Direito Marítimo

Samir Keedi e Paulo Mendonça tratam do referido contrato como sendo:

Esta sigla significa Non Vessel Operating Common Carrier


(transportador comum não-proprietário de navio). Trata-
-se de um armador sem navio, virtual, e que se propõe a
realizar transporte marítimo em navios de armadores tradi-
cionais constituídos43.

O NVOCC emite seu próprio conhecimento de embarque, entretan-


to, utiliza espaço no navio de terceiros, responsabilizando-se integralmente
pela movimentação da carga ponto a ponto perante o contratante do trans-
porte marítimo.
O escopo da operação do NVOCC é angariar diversas cargas de diferen- KEEDI, Samir & MENDONÇA, Paulo
43

C. C. Transportes e Seguros no Comércio


tes embarcadores e consolidá-las em apenas um espaço do navio contratado Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.

junto ao armador tradicional. 44


“É possível, contudo, que o transpor-
te marítimo de mercadorias envolva
Diferentemente do armador tradicional, o NVOCC se responsabili- mais relações negociais. Normalmen-
te, quando o exportador tem apenas
za pelo recebimento do contêiner no Terminal Alfandegado do Porto de um pequeno lote de mercadorias a
destino e pela posterior desconsolidação do mesmo, ou seja, descarrega as embarcar, ele busca um transportador
NVOCC (non vessel operator common
mercadorias, separando-as e entregando-as aos respectivos Consignatários, carrier), que é uma empresa armadora
sem navio, que se propõe a realizar o
mediante a apresentação do correspondente conhecimento de transporte transporte de mercadorias unitizando
(reunindo) várias cargas em navios de
por este emitido44. armadores tradicionais (com navio). Os
chamados NVOCC são, portanto, trans-
portadores marítimos não proprietários
de navios que, para realizar o transpor-
te de mercadorias, utilizam espaço em
1.11 Operador portuário navios de terceiros celebrando com
estes contratos de fretamento, cuja
natureza jurídica (conforme já foi res-
O Operador Portuário é a “pessoa jurídica pré-qualificada para exercer as saltado) é de contrato de transporte.
O NVOCC, então, ainda que não dis-
atividades de movimentação de passageiros ou movimentação e armazena- ponha de navio para realizar o trans-
porte ao qual foi contratado, recebe
gem de mercadorias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário, do embarcador a mercadoria a ser
dentro da área do porto organizado”45. transportada emitindo conhecimento
de embarque (Bill of Lading ou B/L). E
A responsabilidade do Operador Portuário é determinada por meio da Lei sendo assim, ele assume normalmente
as obrigações inerentes à contratação
nº 12.815/2013 (Lei dos Portos), in verbis: responsabilizando-se pela correta
execução do transporte contratado.
Em seguida, esse NVOCC buscará um
Art. 26.  O operador portuário responderá perante:  armador com navio para que este rea-
lize o efetivo transporte de todas essas
I - a administração do porto pelos danos culposamente cau- pequenas cargas recebidas das empre-
sas exportadoras. Esse transportador,
sados à infraestrutura, às instalações e ao equipamento de que por sua vez, ao receber as mercadorias
a administração do porto seja titular, que se encontre a seu do NVOCC emitirá outro conhecimento
de embarque estabelecendo-se distin-
serviço ou sob sua guarda;  ta relação negocial. Nesse contexto,
importante verificar que o NVOCC, na
II - o proprietário ou consignatário da mercadoria pelas per- primeira relação negocial, figura como
transportador contratado, e, na segun-
das e danos que ocorrerem durante as operações que realizar da, como embarcador contratante.”
ou em decorrência delas;  (TJRS – AC no. 70020843017 – julg.
29.11.07).
III - o armador pelas avarias ocorridas na embarcação ou na 45
Artigo 2°, inciso XIII da Lei nº
mercadoria dada a transporte;  12.815/2013.

FGV DIREITO RIO 32


Direito Marítimo

IV - o trabalhador portuário pela remuneração dos serviços


prestados e respectivos encargos; 
V - o órgão local de gestão de mão de obra do trabalho avulso
pelas contribuições não recolhidas; 
VI - os órgãos competentes pelo recolhimento dos tributos
incidentes sobre o trabalho portuário avulso; e 
VII - a autoridade aduaneira pelas mercadorias sujeitas a con-
trole aduaneiro, no período em que lhe estejam confiadas ou
quando tenha controle ou uso exclusivo de área onde se en-
contrem depositadas ou devam transitar.
Parágrafo único.  Compete à administração do porto respon-
der pelas mercadorias a que se referem os incisos II e VII do
caput quando estiverem em área por ela controlada e após
o seu recebimento, conforme definido pelo regulamento de
exploração do porto.
[...]
Art. 27.  As atividades do operador portuário estão sujeitas às
normas estabelecidas pela Antaq.
§ 1o  O operador portuário é titular e responsável pela coorde-
nação das operações portuárias que efetuar.

O Operador Portuário deve ser responsabilizado pelas avarias à carga du-


rante as operações realizadas sob sua tutela, conforme reconhecido pela Juris-
prudência pátria. Vejamos:

DIREITO COMERCIAL. TRANSPORTE MARÍTIMO


INTERNACIONAL. RECEBIMENTO PELA AUTORI-
DADE PORTUÁRIA. TERMO DE AVARIA LAVRADO
NO DIA DA DESCARGA. VISTORIA A DESTEMPO.
INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA TRANS-
PORTADORA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO.
I - Às entidades portuárias, em razão da legislação específica,
em princípio compete a responsabilidade pelos bens descar-
regados sujeitos à sua guarda, pelo que a elas cumpre tomar
oportunamente as cautelas previstas em lei.
II - A responsabilidade da transportadora cessa com a entrega
da mercadoria à entidade portuária, salvo se esta se resguarda
nos termos da lei.
III - O termo da avaria não tem o condão de substituir a vis-
toria exigida pelo DL nº 116/67.
(STJ, Resp 184572/SP, Min. Sávio F. Teixeira; DJ. 10.05.99)

FGV DIREITO RIO 33


Direito Marítimo

--- X ---

Responsabilidade Civil – Transporte Internacional de merca-


dorias – Via marítima – Carga parcialmente extraviada – En-
tidades portuárias que recebem a mercadoria sem reservas ou
ressalvas – Indenização devida – Responsabilidade do trans-
portador afastada.
Tratando-se de transporte marítimo, cabe às entidades portu-
árias a responsabilidade pelos bens descarregados à sua guarda.
(...) Não há, pois, com fundamentos em extravio de mercado-
rias pretender responsabilizar o transportador que fez a entre-
ga, sem ressalva ou vistoria, da entidade portuária.
(Ap. Sum. 644.472-6, j. 31.01. 96, J. Torres Jr. RT 733/237)

1.12 Auxiliares associados à navegação

1.12.1 Agenciamento marítimo

O agente marítimo atua como representante do armador perante determi-


nado porto46, sendo que a natureza jurídica do contrato em tela é de manda-
to, nos termos do Código Civil.
As funções do agente marítimo são divididas em dois grupos:

a) auxiliar na armação, que engloba os serviços prestados ao


navio, tais como condução para navios fundeados ao largo; re-
quisição de práticos, amarradores, atracação, passagens aéreas
ou terrestres para tripulantes que desembarcam, embarque e
desembarque de tripulantes, etc.; e

b) auxiliar no transporte marítimo, que envolve as atividades de


contratação do transporte de carga, bem como sua manipula-
ção; o redespacho de mercadorias, ou seja, o despacho de mer- 46
“O agente marítimo é o represen-
tante do armador durante a estada
cadorias em trânsito após a descarga do navio naquele porto47. do navio no porto, atuando como seu
mandatário. Nessa condição, pode ser
responsabilizado por infração sanitária
Uma questão de bastante debate perante nossas Cortes refere-se à legiti- decorrente de ato próprio. Não respon-
de, porém, por ato não relacionado
midade passiva dos agentes marítimos para responder por atos do transpor- com o objeto de seu mandato, pratica-
do por terceiro. Precedentes da 1ª e da
tador, tendo em vista que constantemente aqueles são acionados em juízo ou 2ª Turma. (REsp 641.197/PE, Rel. Min.
Teori Albino Zavascki, Primeira Turma,
autuados por autoridades administrativas em razão de suposta dificuldade de DJ 4.9.2006.)” (STJ - AgRg no REsp
citação e/ou execução de armadores estrangeiros. 860149 / PB – julg. 06.11.07).

Confiram-se, a título ilustrativo, dois acórdãos acolhendo teses divergen- 47


GIBERTONI, Carla Adriana Comitre.
Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio
tes sobre a matéria, verbis: de Janeiro: Renovar, 2005. p. 125.

FGV DIREITO RIO 34


Direito Marítimo

Com efeito, o agente marítimo é o representante do armador


(pessoa que, em qualquer porto, toma a seu cargo o equipamento
de navio mercante, quer seja o seu proprietário, quer não) du-
rante a estada do navio no porto, atuando como seu mandatário.

No entanto, embora o agente marítimo possa ser responsabi-


lizado por ilícitos decorrentes de atos próprios, não responde
por ato não relacionado ao objeto de seu mandato.

[...]

Tendo, no entanto, atuado como mero mandatário do arma-


dor no que toca aos desembaraços portuários e outras provi-
dências adjacentes, forçoso é concluir que sua responsabilida-
de se resume aos encargos efetivamente assumidos, até porque
não teve qualquer influência na escolha da empresa responsá-
vel pelas operações de carga e descarga (fls. 135/139).

Desta feita, resta inafastável o reconhecimento da ilegitimi-


dade passiva da apelada, vez que se trata de mero agente ma-
rítimo na cidade de Santos, que atuou como mandatário do
armador. Contrariamente ao afirmado pela apelante, não é a
proprietária, armadora ou afretadora, subafretadora ou loca-
dora da embarcação. Apenas tomou as providências relativas à
entrada, saída e desembaraço do navio no Porto.

[...]

O mandatário age em nome e por conta do mandante e, em


sendo assim, só responderá pessoalmente perante terceiros por
atos próprios. In casu, sua inclusão no pólo passivo da relação
processual se deu indevidamente, já que o ato só poderia ser
imputado ao armador mandante ou à empresa responsável pe-
los serviços de estiva. O que até se poderia admitir, em tese,
é que a apelada recebesse citação em nome do armador, mas
jamais que respondesse por ato ao qual não deu causa48.

-X-

O agente marítimo, na condição de mandatário e único


representante legal no Brasil de transportadora estrangei-
ra, assume, juntamente com esta, a obrigação de transpor-
tar a mercadoria, devendo ambos responder pelo cumpri- 48
TJSP – AC no. 1094775-0/9 – Des.
mento do contrato do transporte internacional celebrado. Relator Carlos Nunes – julg. 29.07.08.

FGV DIREITO RIO 35


Direito Marítimo

Com efeito, tendo o agente o direito de receber todas as quan-


tias devidas ao armador do navio, além do dever de liquidar e de
se responsabilizar por todos os encargos referentes ao navio ou à
carga, quando não exista ninguém no porto mais credenciado, é
justo manter-se na qualidade de representante do transportador
estrangeiro face às ações havidas por avaria ou outras consequ-
ências, pelas quais pode ser citado em juízo como mandatário.
Legitimidade passiva ad causam reconhecida49.

Recentemente, a Advocacia Geral da União proferiu a súmula nº 50, de


13 de agosto de 201050, vejamos: “Não se atribui ao agente marítimo a res-
ponsabilidade por infrações sanitárias ou administrativas praticadas no inte-
rior das embarcações”.

1.12.1.1 Funções do agente marítimo

O agente marítimo possui funções relacionadas à gestão das questões


operacionais do navio (contratação de prático, rebocadores, atracação/
desatracação e suprimento), gestão junto aos terminais e operadores por-
tuários relacionados às operações de carga e descarga, representação do
transportador marítimo perante autoridades portuárias e governamen-
tais, recebimento do frete, emissão de conhecimentos de embarque, ela-
boração de manifestos de carga do navio, e também pode atuar de forma
distinta como Agente comercial ou Agente operacional (agente do arma-
dor e agente do afretador).

1.12.2 Transitários

A Doutrina define transitários da seguinte forma:

Transitários são mandatários comerciais do embarcador ou do


recebedor das mercadorias, e atuam no sentido de executar
as operações anteriores ou posteriores ao transporte marítimo
propriamente dito, que não incumbem ao Comandante do
navio ou aos agentes51.
49
BRASIL. STJ – REsp 404745 / SP;
Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJ
1.12.3 Corretores de navios 06.12.2004.
50
Publicado no Diário Oficial da União
em 17 de agosto de 2010.
São figuras que atuam na intermediação de operações de compra e venda
de navios, bem como nas operações de afretamento. 51
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre.
Teoria e Prática do Direito Marítimo. Rio
José Candido Sampaio de Lacerda assim apresenta sua definição: de Janeiro: Renovar, 2005. p. 126.

FGV DIREITO RIO 36


Direito Marítimo

Corretores, de um modo geral, são mediadores que se colo-


cam entre duas pessoas para facilitar a conclusão de um ne-
gócio jurídico, a ele permanecendo estranhos. É instituição
antiga e, segundo GOLDSCHMIDT, deriva dos intérpretes
que outrora se encarregavam de guiar os estrangeiros na língua
e nos usos locais. Entre estes figuravam os corretores do co-
mércio marítimo, quando, dadas as exigências administrativas
e fiscais assaz numerosas nos diversos portos, se tornou im-
possível aos capitães estrangeiros, principalmente, redigirem
várias declarações obrigatórias52.

No que se refere à intermediação nos afretamentos de navios, os Corre-


tores não se limitam ao fechamento do negócio, mas também auxiliam no
contato entre as partes contratantes durante a execução do mesmo.

1.12.4 Corretores de Carga

Intermediário que faz a ligação do armador/agente marítimo com o em-


barcador, para reserva de espaço para carga, representando os interesses dos
exportadores e importadores.

1.12.5 Reboque

Atividade desempenhada por embarcação normalmente de pequeno porte


com máquinas de grande potência, no sentido de puxar ou empurrar embar-
cação que se encontra impossibilitada de utilizar sua propulsão própria ou
que não a apresenta.
A operação de reboque mais usual é realizada com cabos de reboque que
são conectados no rebocador e no navio rebocado, por meio dos quais é exer-
cida a força de tração.
O reboque igualmente pode ser realizado através da atividade de empurrar,
sistema que é mais utilizado no transporte fluvial de barcaças sem propulsão.
O rebocador, denominado empurrador, posiciona-se na popa do comboio
formado por barcaças e empurra as embarcações durante a travessia fluvial.
O reboque pode ser utilizado para auxílio em manobras de atracação/de-
satracação em diques, terminais e portos ou para deslocamento de barcaças,
plataformas e outros navios em alto mar ou em hidrovias, sejam para fins de
transporte ou para salvamento de embarcação.
Classificam-se, portanto, os serviços de reboque como:
52
LACERDA, José Candido Sampaio de.
a) rebocadores para auxílio de manobras, ou reboque-manobra; e Curso de direito privado da navegação.
b) rebocadores para reboque propriamente dito de embarcações ou reboque- Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984,
3ª ed., rev. e atual. por Aurélio Pitanga
-transporte. Seixas Filho, p.147.

FGV DIREITO RIO 37


Direito Marítimo

Importante destacar que nas operações de atracação, desatracação, amar-


ração, desamarração, entrada e saída de barras, o Comandante do navio auxi-
liado por rebocadores sempre permanece responsável e comanda a manobra.
Já nos serviços de reboque-transporte, a responsabilidade e comando da ma-
nobra são do Comandante do rebocador.
Atualmente, existem empresas altamente especializadas na prestação de
serviços de reboque, seja na operação de reboque-manobra, seja na operação
de reboque-transporte.

Rebocadores operando

1.12.6 Praticagem

A praticagem é o serviço de assistência prestado por profissional devidamen-


te habilitado ao Comandante de navio em manobras nas quais é imprescindível
expertise e conhecimento específico sobre determinadas condições e caracterís-
ticas de determinadas áreas, visando sempre a segurança da navegação.
A Doutrina aborda o assunto com clareza, verbis:

A praticagem53 consiste na atividade pela qual um profissional


devidamente habilitado embarca em um navio para prestar
apoio ao Comandante durante a navegação em zonas críticas,
entradas e saídas de portos, manobras de atracação e desa-
tracação, fundear ou suspender. É a navegação que exige de 53
Decreto n° 2.596/1998.
quem dirige perfeito conhecimento, adquirido pela prática, “Art. 1º Os aquaviários constituem os
seguintes grupos:
de particularidades locais ou regionais, que dificultam a livre (omissis)
e segura movimentação das embarcações de trechos da costa, V - 5º Grupo - Práticos: aquaviários
não-tripulantes que prestam serviços
em barras, em portos, em lagoas e rios. de praticagem embarcados; ”

FGV DIREITO RIO 38


Direito Marítimo

[...]
O prático é o profissional habilitado que, tendo conhecimen-
to de posicionamento de rochas e rochedos submersos, bancos
de areia, marés e correntes de maré, e, normalmente autoriza-
do pelo órgão governamental competente, assessora os capi-
tães de navios nos serviços de praticagem54.

Os deveres do prático estão estabelecidos no item 0218 da NORMAM/


DPC 12, verbis:

Ao Prático, no desempenho das suas funções, compete:


a) Assessorar o Comandante da embarcação na condução das
fainas de praticagem, atendendo com presteza e de forma efi-
ciente as exigências das atividades profissionais;
b) Manter-se apto a prestar com segurança os serviços de pra-
ticagem, em todos os tipos de embarcações, em toda a exten-
são da ZP, exceto nos casos de comprovada inexequibilidade
de cumprimento previstos no item 0211, alínea e), caso haja;
c) Transmitir, responder e acusar sinais, com segurança, a ou-
tras embarcações que trafeguem na ZP ou demandarem ou
saírem do porto, quando necessário;
d) Observar e fazer observar com frequência as profundidades
e correntezas dos rios, canais, barras e portos, principalmente,
depois de fortes ventos, grandes marés e chuvas prolongadas;
e) Comunicar as observações do item anterior, assim como
qualquer outra informação de interesse à segurança da nave-
gação ao CP/DL/AG;
f) Comunicar ao CP/DL/AG qualquer alteração/irregularida-
de observada no balizamento;
g) Na maior brevidade possível, comunicar ao Comandante da
embarcação e ao CP/DL/AG a existência de condições desfa-
voráveis ou insatisfatórias para a realização da manobra e que
implique risco elevado à segurança do tráfego aquaviário, à sal-
vaguarda da vida humana ou à preservação do meio ambiente;
h) Procurar conhecer as particularidades do governo e con-
dições das embarcações, a fim de prestar com segurança os
serviços de praticagem;
i) Manter-se atualizado quanto às alterações de faróis, baliza-
mentos e outras mudanças possíveis, ocorridos na ZP;
j) Alertar o CP/DL/AG e o Comandante da embarcação,
quando as condições de tempo e mar não permitirem a prati- 54
GIBERTONI, Carla Adriana Comitre.
Teoria e Prática do Direito Marítimo.
cagem com segurança; Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 133.

FGV DIREITO RIO 39


Direito Marítimo

l) Cooperar nas atividades de socorro e salvamento marítimo


(SAR), patrulha costeira ou fluvial e de levantamentos hidro-
gráficos na sua ZP, quando determinado pelo CP/DL/AG;
m) Atender a convocação do CP/DL/AG, para prestar quais-
quer esclarecimentos por ele julgados necessários, ou para in-
tegrar fainas de assistência e salvamento marítimo em confor-
midade com o previsto na NORMAM 16;
n) Manter atualizados os seus dados, endereço, telefone, etc
junto à CP/DL/AG da ZP a que pertence;
o) Integrar a Banca Examinadora destinada a realizar exame
para Prático ou Praticante de Prático, quando designado pelo
Diretor de Portos e Costas ou Capitão dos Portos;
p) Executar as atividades do serviço de praticagem, mesmo
quando em divergência com a empresa de navegação ou seu
representante legal, devendo os questionamentos serem de-
batidos nos foros competentes, sem qualquer prejuízo para a
continuidade do serviço. Divergências que contenham assun-
tos técnicos-operacionais referentes a segurança da navegação,
salvaguarda da vida humana nas águas e prevenção da polui-
ção hídrica terão como fórum a Autoridade Marítima;
q) Manter a continuidade dos serviços permanentemente;
r) Cumprir a escala de rodízio estabelecida e/ou ratificada pelo
CP/DL/AG;
s) Cumprir o número mínimo de manobras estabelecido pelo
Diretor de Portos e Costas ou Capitão dos Portos, para man-
ter-se habilitado;
t) Submeter-se aos exames médicos e psicofísicos de rotina,
estabelecidos na Seção VIII destas normas;
u) Portar, obrigatoriamente, o colete salva-vidas na faina de
transbordo lancha/navio/lancha;
v) Cumprir as Normas da Autoridade Marítima (NORMAM)
e comunicar ao CP/DL/AG sempre que, no desempenho da
função de Prático, observar o seu descumprimento;
x) Manter-se em disponibilidade, na ZP, para atender a qual-
quer manobra durante todo o período de Escala. Em caso de
necessidade de afastamento, por motivo de força maior, o Prá-
tico deverá ser substituído na escala e o fato informado ao CP/
DL/AG, na primeira oportunidade; e
z) Realizar Curso de Atualização para Práticos (ATPR).

Em conjunto com o Comandante, o prático pode requisitar os reboca-


dores em número e capacidade necessários para uma manobra segura, po-
sicionar os rebocadores de acordo com as suas especificações (capacidade de

FGV DIREITO RIO 40


Direito Marítimo

tração e dimensões), e planejar a manobra levando em consideração as con-


dições de mar e tempo, as características do navio, rebocadores e todas as
demais circunstâncias da manobra.
Registre-se que o prático se afigura, na teoria, como um assistente do Co-
mandante, permanecendo este último no comando da embarcação e respon-
sável pelas manobras.
Matusalém Gonçalves Pimenta discorre sobre o tema, verbis:

[...] o comandante é responsável pelos acidentes e fatos da


navegação causados por erro técnico genérico de navegação ou
manobra, ainda que seu navio esteja sendo orientado por um
prático, vez que ele, como gestor náutico e autoridade máxi-
ma a bordo, deve dispensar a assessoria do prático, ao perceber
que este compromete a segurança do navio55.

Nesse sentido, há grande discussão sobre a responsabilidade civil do práti-


co por danos causados durante manobras em que aquele se encontra a bordo
fornecendo instruções específicas e peculiares do local.
Atualmente, a corrente majoritária inclina-se pelo entendimento de que
o prático não poderia ser responsabilizado civilmente, mas apenas adminis-
trativa e criminalmente. Na questão administrativa, temos alguns julgados
do Tribunal Marítimo atribuindo culpa concorrente ao prático e ao co-
mandante. Vejamos:

Colisão com cais. Erro de manobra. Imperícia do prático e


negligência do comandante. Condenação.
No dia 22/07/00, cerca de 11h40min, no cais da CADAM,
Rio Jarí, Munguba, PA, ocorreu a colisão do N/M ‘SANKO
REJOICE’ com o cais, com danos materiais, sem vítimas.
O laudo pericial concluiu que o navio empreendia velocidade
superior ao que era necessário para a manobra de atracação
por responsabilidade do prático do navio.
O encarregado do inquérito concluiu que de tudo quanto
contêm os presentes autos, conclui-se: 1) Fatores que con-
tribuíram para o acidente da navegação: a) Fator humano:
não contribuiu; b) Fator material: não contribuiu; c) Fator
operacional: contribuiu, o fato de ter sido feita manobra de
aproximação para atracação com velocidade superior a re-
comendada pelas boas regras de navegação e com ângulo 55
PIMENTA, Matusalém Gonçalves.
de aproximação inadequado (fl. 28), não tendo sido leva- Responsabilidade Civil do Prático. Rio
de Janeiro: Lúmen Júris: 2007, 1ª ed.,
do em consideração o fato segurança por parte do prático. p. 135.

FGV DIREITO RIO 41


Direito Marítimo

2) Que, em consequência, houve a colisão do navio contra o


cais, provocando avarias nos dolfins de nos um (1) e três (3),
inclusive tendo havido a queda n’água da passarela que liga o
dolfim de nº um (1) ao de nº dois (2). O navio não sofreu ava-
rias e não houve vítimas fatais, agressão ao meio ambiente e
tampouco ferido (fl. 26). 3) Considerar possíveis responsáveis
diretos pelo acidente o prático [...] e o [...], comandante do
N/M ‘SANKO REJOICE’, por não ter assumido a manobra
do navio ao perceber que o prático estava manobrando peri-
gosamente, conforme preconiza o subitem d) do item 0225
da NORMAM-12.
De tudo o que consta nos presentes autos, verifica-se que a cau-
sa determinante da colisão foi o erro de manobra cometida pelo
prático, responsável pela atracação, corroborado pela omissão
do comandante que a tudo assistia passivamente, embora con-
fessasse perceber as imperfeições praticadas pelo prático.
A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por una-
nimidade: quanto as preliminares e por maioria quanto ao
mérito, nos termos do voto do Exmº Sr. Juiz Relator; a) quan-
to à natureza e extensão do acidente: colisão de N/M com o
cais, com danos materiais de monta, sem vítimas; b) quanto
à causa determinante: erro de manobra, excesso de velocida-
de na aproximação; c) decisão: julgar procedente a prelimi-
nar apresentada por [...]; e julgar improcedente a preliminar
apresentada pelo Comandante do NM ‘SANKO REJOICE’.
[..] Decisão por maioria nos termos do voto do Juiz-Relator:
julgar o acidente da navegação previsto no art. 14, letra ‘a’,
da Lei nº 2.180/54, como decorrente da imperícia do prático
[...] e da negligência do comandante [...], condenando cada
um à pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) e custas [...]56.

-X-

Encalhe. Erro de navegação. Imperícia dos representados.


Condenação.
No dia 23 de março de 2005, cerca de 12h, o N/M
‘COTSWOLD’ encalhou nas proximidades da bóia nº. 28 do
canal de acesso ao Terminal Portuário da Ponta da Madeira,
em São Luiz, MA, com danos materiais, sem vítimas.
O laudo pericial concluiu que o fator operacional contribuiu
- erro na escolha do rumo e na avaliação dos abatimentos ade-
quados para as condições de maré, corrente e ventos reinantes
no momento do acidente. 56
Processo nº 19.042/00.

FGV DIREITO RIO 42


Direito Marítimo

A causa determinante do acidente da navegação foi um erro


de navegação decorrente do inadequado rumo 354º adotado
para a saída do navio do terminal da CVRD.
Conclusão: De tudo o que contém os presentes autos,
conclui-se: I) fatores que contribuíram para o acidente da
navegação: a) fator humano não contribuiu; b) fator ma-
terial não contribuiu; e c) fator operacional - contribuiu
- houve erro de navegação por falha na escolha do rumo e
na avaliação dos abatimentos necessários para que o navio
se mantivesse no canal.
Conclui-se, portanto, que o acidente da navegação se deu em
decorrência de um erro de navegação por falha na escolha do
rumo e na avaliação dos abatimentos necessários para manter
o navio no canal.
Que em consequência, o N/M ‘COTSWOLD’ encalhou, so-
freu avarias no hélice e atrasou sua viagem, conforme consta
às fls. 88 a 92.
O Comandante do N/M ‘COTSWOLD’, o CLC e o Prá-
tico são os possíveis responsáveis diretos pelo acidente da
navegação.
A Procuradoria Especial da Marinha - (PEM), em uniformi-
dade de entendimento com o relatório, ofereceu representação
em face do prático, com fulcro no art. 14, letra “a” (encalhe)
da Lei nº. 2.180/54. Na sessão do dia 7 de março de 2006,
o Tribunal Marítimo decidiu pelo retorno dos autos à PEM
para que inclua na representação o Comandante do navio pe-
los mesmos argumentos apresentados contra o prático, já que
o mesmo reconheceu, em seu depoimento, que participava da
manobra, e corroborou todas as decisões do prático e já esteve
naquele porto por diversas vezes, havendo assim fortes indí-
cios da participação culposa do mesmo no acidente.
De tudo o que consta nos presentes autos, verifica-se que a
causa determinante do encalhe, foi o erro de manobra realiza-
da na desatracação do navio.
A unanimidade da prova produzida nos autos indicou que o
navio não possuía qualquer deficiência de máquinas ou go-
verno, como também todas as ordens indicadas pelo prático
foram prontamente atendidas pelos rebocadores.
Também restou provado que as condições da batimetria e do
posicionamento das bóias eram normais, além de não existir
qualquer anormalidade nas condições ambientais.

FGV DIREITO RIO 43


Direito Marítimo

O laudo de exame pericial deu conta de apurar que houve por


parte dos responsáveis pela manobra, prático e comandante,
erro na escolha do rumo e na avaliação dos abatimentos reco-
mendados para as condições reinantes de maré e corrente no
momento do acidente.
Assim, deve ser julgado integralmente procedente a represen-
tação, responsabilizando os representados pelo acidente.
Assim, acordam os Juízes do Tribunal Marítimo, por unani-
midade: a) quanto à natureza e extensão do acidente: enca-
lhe de N/M com danos de pequena monta, sem vítimas; b)
quanto à causa determinante: erro de manobra; c) decisão:
julgar o acidente da navegação previsto no art. 14, ‘a’, da Lei
nº 2.180/1954, como decorrente da imperícia dos representa-
dos, [...], prático, e [...], comandante, condenando cada um à
pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) e custas. [...]57.

1.13 Capitão ou comandante

O Capitão58 é a figura que comanda, e é responsável pela embarcação,


carga, tripulantes e todos os indivíduos a bordo, podendo subdividir suas
atribuições sob as seguintes premissas:

(i) Funções de ordem técnica


(ii) Funções de gestão comercial
(iii) Funções de ordem pública

As funções de ordem técnica do Comandante referem-se principalmente


à gestão náutica do navio, consubstanciada na atividade de navegação, bem
como na manutenção das características de estanqueidade e estabilidade, nas
operações de carregamento e estiva, na administração de pessoal e tripulação,
manutenção de casco e máquinas, etc.
Quanto às funções de gestão comercial, destacam-se as obrigações oriun-
das de contratos de afretamento e de transporte, execução de instruções for-
necidas pelo armador ou afretador acerca da programação do navio, repre- 57
Processo nº 21.644/05.
sentar o armador comercialmente perante terceiros, responsabilizar-se pela 58
CCom “Art. 497 - O capitão é o coman-
carga como depositário59 etc. dante da embarcação; toda a tripulação
lhe está sujeita, e é obrigada a obedecer
No que pertine à função de ordem pública, o comandante afigura-se como e cumprir as suas ordens em tudo quanto
for relativo ao serviço do navio.”
maior autoridade a bordo, sendo responsável pelo cumprimento das leis do 59
CCom “Art. 519 - O capitão é conside-
pavilhão nacional que o navio arvore, bem como das convenções internacio- rado verdadeiro depositário da carga e de
quaisquer efeitos que receber a bordo, e
nais. Nessa investidura, o Comandante tem competência para lavrar termos, como tal está obrigado à sua guarda, bom
instaurar processos, funcionar como notário público, celebrar casamentos, acondicionamento e conservação, e à sua
pronta entrega à vista dos conhecimentos
registrar nascimento e óbito, etc. (artigo nºs 586 e 587).”

FGV DIREITO RIO 44


Direito Marítimo

As atribuições do Comandante encontram-se previstas expressamente no item


0401 da NORMAM/DPC 13, dentre as quais se destacam as seguintes, verbis:
Ao Comandante, compete:

1) cumprir e fazer cumprir, por todos os subordinados, as leis


e regulamentos em vigor, mantendo a disciplina na sua em-
barcação, zelando pela execução dos deveres dos tripulantes,
de todas as categorias e funções, sob as suas ordens;
2) inspecionar ou fazer inspecionar a embarcação, diariamen-
te, para verificar as condições de asseio, higiene e segurança;
3) cumprir as disposições previstas nas instruções sobre os
meios de salvamento a bordo; assegurar a ordem e serventia
das embarcações auxiliares de salvamento; tomar todas as pre-
cauções para completa segurança da embarcação, quer em via-
gem, quer no porto;
[...]
6) assumir pessoalmente a direção da embarcação sempre que
necessário como: por ocasião de travessias perigosas, entrada e
saída de portos, atracação e desatracação, fundear ou suspen-
der, entrada e saída de diques, em temporais, cerração ou ou-
tra qualquer manobra da embarcação em casos de emergência;
7) supervisionar o carregamento, a descarga, o lastro e des-
lastro da embarcação, de forma eficiente, de acordo com as
normas de segurança;
8) dar ciência às autoridades competentes, inclusive ao Arma-
dor, sempre que, justificadamente, tiver que alterar os portos
de escala da embarcação;
[...]
12) responder por quaisquer penalidades impostas à embar-
cação, por infração da Legislação em vigor, resultantes de sua
imperícia, omissão ou culpa, ou de pessoas que lhe sejam su-
bordinadas apontando, neste caso, o responsável;
[...]
14) cumprir e fazer cumprir o regulamento para evitar abal-
roamento no mar;
15) socorrer outra embarcação, em todos os casos de sinistro,
prestando o máximo auxílio, sem risco sério para sua embar-
cação, equipagem e passageiros;
[...]
17) empregar a maior diligência para salvar os passageiros e
tripulantes, os efeitos da embarcação e carga, papéis e livros de
bordo, dinheiro etc., devendo ser o último a deixá-lo, quando
julgar indispensável o seu abandono em virtude de naufrágio;

FGV DIREITO RIO 45


Direito Marítimo

18) lavrar, quando em viagem, termos de nascimento e de


óbito ocorridos: arrecadar e inventariar os bens de pessoa que
falecer, fazendo entrega de tudo à autoridade competente;
19) efetuar casamentos, escrever e aprovar testamentos “in extre-
mis”, reconhecer firmas em documentos, nos casos de força maior;
20) ratificar, dentro de 24 horas úteis, depois da entrada da
embarcação no porto, perante as autoridades competentes, e
tendo presente o “Diário de Navegação”, todos os processos
testemunháveis e protestos formados a bordo, tendentes a
provar sinistros, avarias, perdas ou arribadas;
21) dar conhecimento à Capitania do primeiro porto que de-
mande e a outras embarcações, pelo rádio, ou qualquer outro
meio, de todas as ocorrências concernentes à navegação, como
sejam: cascos soçobrados ou em abandono, baixios, recifes,
funcionamento dos faróis e boias, balizas, derelitos etc.;
22) impor penas disciplinares aos que perturbarem a ordem
da embarcação, cometerem faltas disciplinares ou deixarem de
fazer o serviço que lhes compete, comunicando às autoridades
competentes, na forma da legislação em vigor;
23) fazer alijar carga por motivo de força maior, e no interesse
geral, ou quando se tratar de volume contendo materiais ex-
plosivos e perigosos, embarcados em contravenção à lei e que
esteja pondo em risco a embarcação, tripulantes, etc;
[...]
28) instaurar inquérito e demais atos de direito, para o que
ocorrer a bordo;
29) superintender os serviços de abastecimento e reparos, ma-
nutenção, docagem e reclassificação da embarcação. Visar às
respectivas faturas, relatórios de serviço e pedidos, assim como
todos e quaisquer outros documentos;
[...]
31) delegar poderes aos Subordinados para distribuição de
serviços, visando ao bom andamento dos trabalhos de bordo;
[...]
35) responder pelo fiel cumprimento das leis, convenções,
acordos nacionais e internacionais, e de todas as demais nor-
mas que regem o Transporte Marítimo, devendo zelar pelo
bom nome da Empresa, resguardando os interesses da mesma
e a boa apresentação da Marinha Mercante do Brasil, nos por-
tos nacionais e estrangeiros;
[...]
39) implantar e fazer cumprir a bordo um plano de prevenção
e combate a poluição.

FGV DIREITO RIO 46


Direito Marítimo

Já os deveres do Comandante da embarcação, quando utilizando o ser-


viço de praticagem, encontram-se elencados no item 0220 da NORMAM/
DPC 12, verbis:

a) Informar ao Prático sobre as condições de manobra do navio;


b) Fornecer ao Prático todos os elementos materiais e as infor-
mações necessárias para o desempenho de seu serviço, particu-
larmente o calado de navegação;
c) Fiscalizar a execução dos serviços de praticagem, comuni-
cando ao CP/DL/AG, qualquer anormalidade constatada;
d) Dispensar a assessoria do Prático quando convencido que este
esteja orientando a manobra de forma perigosa, solicitando, ime-
diatamente, um substituto, e comunicar ao CP/DL/AG, formal-
mente, no prazo máximo de 24 horas após a ocorrência do fato,
as razões de ordem técnica que o levaram a essa decisão;
e) Alojar o Prático, a bordo, com regalias idênticas às dos seus
Oficiais;
f) Cumprir as regras nacionais e internacionais de segurança,
em especial aquelas que tratam do embarque e desembarque
de Práticos; e
g) Não dispensar o Prático antes do ponto de espera de Prático
da respectiva ZP, quando esta for de praticagem obrigatória.
Observação: A presença do Prático a bordo não desobriga o
Comandante e a equipe do passadiço (tripulação de serviço)
de seus deveres e obrigações para com a segurança do navio,
devendo as ações do Prático serem monitoradas todo o tempo.

Vale ressaltar decisões do Tribunal Marítimo atribuindo responsabilidade


ao Comandante por acidentes, verbis:

“[...] O inquérito deu conta de apurar que a causa determi-


nante do abalroamento foi a falha do comandante em perce-
ber como os fatores ambientais desfavoráveis agiriam sobre o
seu navio e sua escolha inadequada de ângulo de aproximação
e velocidade ao aproximar-se da plataforma, além de sua im-
prudência ao insistir em prosseguir com a manobra a despeito
dos óbices que indicavam a necessidade de abortar a aproxi-
mação, aguardando condições favoráveis [...]
Assim, não pode ser acolhida a argumentação da defesa, uma
vez que cabe ao comandante da EAM a decisão final quanto à
realização da operação de transferência [...]
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimida-
de: a) quanto à natureza e extensão do acidente: abalroação de

FGV DIREITO RIO 47


Direito Marítimo

rebocador de apoio contra plataforma, durante aproximação para


transferência de carga, provocando avarias em ambas as embarca-
ções, sem ocorrência de vítimas ou de danos ao meio ambiente;
b) quanto à causa determinante: falha na manobra de aproxi-
mação executada pelo comandante do rebocador de apoio em
condições de vento desfavoráveis; c) decisão: julgar o acidente da
navegação, previsto no art. 14, alínea “a”, da Lei nº 2.180/54,
como decorrente de imprudência, condenando Gilberto de Sou-
za Nunes à pena de multa de R$ 500,00 (quinhentos reais), de
acordo com o art. 121, inciso VII, § 5º, combinado com o art.
124 e art. 127 e atenuado pelo art. 139, inciso IV, alínea “a”, da
Lei nº 2.180/54, com a redação dada pela Lei nº 8.969/91 (...)”
(Tribunal Marítimo – Processo nº 25.318/2010 – Relator
Juíz Sergio Cesar Bokel – Julgado em 14.08.2012)

-X-

“[...] No relatório o encarregado do inquérito concluiu que devi-


do o canal ser estreito no local onde ocorreu o acidente conforme
citado pelo depoimento do comandante da embarcação “TRE-
VO NORTE” mais cautela e segurança ao realizar tal manobra
naquele local, independente das circunstâncias do momento,
pois de acordo com o item 0401 das Normas da Autoridade Ma-
rítima para Aquaviários – NORMAM-13, o comandante dever
assumir pessoalmente a direção da embarcação sempre que ne-
cessário como: por ocasião de travessiasperigosas, entrada e saída
de portos, atracação e desatracação, fundear ou suspender, entra-
da e saída de diques, em temporais, cerração ou outra qualquer
manobra da embarcação em casos de emergência. Assim sendo é
de responsabilidade do comandante redobrar a cautela em locais
conhecidamente perigosos a navegação, no caso do referido aci-
dente o comandante previamente já sabia que o canal por onde
passaria era estreito, desta forma deveria tomar todas as providen-
cias possíveis para fazer a referida travessia com segurança. Caso o
comandante não sinta segurança em sua manobra deverá tomar
providencias no sentido de parar a embarcação fundeando ou re-
duzindo máquinas a fim de evitar qualquer tipo de acidente. [...]
Ao contrário, diante de fatores adversos, o condutor represen-
tado deveria resguardar-se assumindo pessoalmente a manobra,
como determina a NORMAM-13, item 0401, agindo com
maior cautela e segurança. [...]
A C O R D A M os Juízes do Tribunal Marítimo, por una-
nimidade: a) quanto à natureza e extensão do acidente: abal-
roação entre N/M, com danos materiais de pequena monta;

FGV DIREITO RIO 48


Direito Marítimo

b) quanto à causa determinante: erro de manobra; c) decisão:


julgar o acidente da navegação, previsto no art. 14, letra “a”,
da Lei n º. 2.180/54, como decorrente da imperícia do repre-
sentado, condenando-o à pena de repreensão e custas.
(Tribunal Marítimo – Processo nº 22.177/2006 – Relator
Juíz Marcelo David Gonçalves – Julgado em 31.07.2008)

1.14 Terminais de cargas e contêineres

Os terminais de cargas e contêineres exercem função preponderante na


logística do transporte marítimo, sendo um local especializado em armaze-
nagem e movimentação de carga (notadamente contêineres). Podem ser al-
fandegados ou não.
A Lei 12.815 de 5 de junho de 2013 (Lei dos Portos) encontra-se dividida
em nove capítulos e setenta e seis artigos, e introduziu novos conceitos em
seu artigo 2º, senão vejamos:

“I - porto organizado: bem público construído e aparelhado


para atender a necessidades de navegação, de movimentação
de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mer-
cadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob ju-
risdição de autoridade portuária;
II - área do porto organizado: área delimitada por ato do Po-
der Executivo que compreende as instalações portuárias e a
infraestrutura de proteção e de acesso ao porto organizado;
III - instalação portuária: instalação localizada dentro ou fora
da área do porto organizado e utilizada em movimentação de
passageiros, em movimentação ou armazenagem de mercado-
rias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário;
IV - terminal de uso privado: instalação portuária explorada me-
diante autorização e localizada fora da área do porto organizado; 
V - estação de transbordo de cargas: instalação portuária ex-
plorada mediante autorização, localizada fora da área do porto
organizado e utilizada exclusivamente para operação de trans-
bordo de mercadorias em embarcações de navegação interior
ou cabotagem;
VI - instalação portuária pública de pequeno porte: instala-
ção portuária explorada mediante autorização, localizada fora
do porto organizado e utilizada em movimentação de passa-
geiros ou mercadorias em embarcações de navegação interior; 
VII - instalação portuária de turismo: instalação portuária
explorada mediante arrendamento ou autorização e utilizada

FGV DIREITO RIO 49


Direito Marítimo

em embarque, desembarque e trânsito de passageiros, tripu-


lantes e bagagens, e de insumos para o provimento e abasteci-
mento de embarcações de turismo; 
VIII - (VETADO): 
a) (VETADO); 
b) (VETADO); e 
c) (VETADO); 
IX - concessão: cessão onerosa do porto organizado, com vis-
tas à administração e à exploração de sua infraestrutura por
prazo determinado; 
X - delegação: transferência, mediante convênio, da admi-
nistração e da exploração do porto organizado para Municí-
pios ou Estados, ou a consórcio público, nos termos da Lei nº
9.277, de 10 de maio de 1996; 
XI - arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura
públicas localizadas dentro do porto organizado, para explo-
ração por prazo determinado; 
XII - autorização: outorga de direito à exploração de insta-
lação portuária localizada fora da área do porto organizado e
formalizada mediante contrato de adesão; e 
XIII - operador portuário: pessoa jurídica pré-qualificada
para exercer as atividades de movimentação de passageiros
ou movimentação e armazenagem de mercadorias, destina-
das ou provenientes de transporte aquaviário, dentro da área
do porto organizado.” 

Terminal de cargas MultiRio – Rio de Janeiro

FGV DIREITO RIO 50


Direito Marítimo

1.14.1 Intermodalidade

É o transporte de mercadorias em duas ou mais modalidades em uma


mesma operação, na qual cada transportador emite seu próprio conheci-
mento de transporte, responsabilizando-se individualmente pelo serviço
prestado durante o seu respectivo modal, que pode ser rodoviário, ferroviá-
rio, marítimo, aéreo, hidroviário ou dutoviário.

1.14.2 Multimodalidade

Vincula o percurso da carga a um único conhecimento de transporte (Co-


nhecimento de Transporte Multimodal – “CTM”) independentemente das
diferentes combinações de meios de transporte, emitido pelo Operador de
Transporte Multimodal (“OTM”), o qual será o único responsável pela inte-
gralidade do serviço prestado.

1.15 Definição legal de operador de transporte multimodal (“OTM”)

A Lei nº 9.611/1998, também conhecida como a Lei de Transporte Mul-


timodal, define que:

Transporte Multimodal de Cargas é aquele que, regido por


um único contrato, utiliza duas ou mais modalidades de
transporte, desde a origem até o destino, e é executado sob a
responsabilidade única de um Operador de Transporte Mul-
timodal (art. 2º).

Por outro lado, o Transporte Multimodal de Cargas compreende, além


do transporte em si, os serviços de coleta, unitização, desunitização, mo-
vimentação, armazenagem e entrega de carga ao destinatário, bem como a
realização dos serviços correlatos que forem contratados entre a origem e
o destino, inclusive os de consolidação e desconsolidação documental de
cargas (art. 3º).

FGV DIREITO RIO 51


Direito Marítimo

CASO GERADOR

A empresa “Montefiore”, com sede no Rio de Janeiro, adquiriu no exte-


rior diversas peças para produção de geladeiras em sua fábrica no Brasil.
Para o transporte marítimo de suas mercadorias, contratou o
N.V.O.C.C. “Fast Logistics”, que emitiu o Conhecimento de Transporte
(HB/L) nº FLGE0123.
O N.V.O.C.C, por sua vez, contratou o transportador marítimo grego
“Anteros”, que possui linhas regulares para o Brasil, o qual emitiu o seu
próprio Conhecimento de Transporte master (MB/L) nº SRN1111, ates-
tando o recebimento da carga a bordo do seu navio “Eros” em bom estado.
Sendo assim, a aludida mercadoria foi então embarcada no porto de
origem, acondicionada no contêiner nº GLEU5738 viagem 013N, com
destino ao Porto de Itaguaí - RJ.
Sucede que, durante a travessia marítima, o navio “Eros” enfrentou
forte tempestade, resultando em avarias nas mercadorias importadas pela
“Montefiore”.
Tão logo constatadas as avarias na carga, a empresa importadora ajuizou
ação indenizatória no Rio de Janeiro, indicando como parte Ré o Agente
Marítimo no Brasil do transportador grego “Anteros”.
Considerando a situação fática acima:
(i) O agente marítimo é parte legítima para responder a ação de indenização?
(ii) Quais são as funções do agente marítimo?
(iii) Em caso negativo, quem deveria figurar como parte legítima para res-
ponder a ação? Justifique a sua resposta.
(iv) Quais seriam os possíveis pleitos da empresa “Montefiore”?
(v) Poderia o Operador Portuário do Porto de Itaguaí ser parte legítima para
responder a ação? Em qual situação?

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Defina armador.
3. Defina NVOCC.
4. Quais são as funções do agente marítimo? O agente marítimo seria parte
legítima para responder por avaria de carga transportada por seu armador?
5. Qual é a função e importância do prático?
6. Discorra sobre as funções do Comandante.
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

FGV DIREITO RIO 52


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas
1 Utilizadas

ANJOS, J. Haroldo dos & GOMES, Carlos R. C. Curso de Direito Marítimo.


Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

FARINA, Francisco. Derecho Comercial Maritimo. Madrid: Departamento


Editorial del Comisariado Español Marítimo, 1948, 1ª ed.

FERREIRA, W. M. “O Commercio Marítimo e o Navio”. In Revista da


Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo, 1930, vol. 36.

GIBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo.


Rio de Janeiro: Renovar, 2005, 2ª ed.

LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação.


Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1984, 3ª ed., rev. e atual. por Aurélio
Pitanga Seixas Filho.

MATOS, Azevedo. Princípios de Direito Marítimo. Lisboa: Edições Ática,


1955, 1ª ed.

KEEDI, Samir & MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no


Comércio Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.

KOVATS, L. J. The Law of Tugs and Towage. Londres: Barry Rose (Publishers)
Ltd, 1980.

PIMENTA, Matusalém Gonçalves. Responsabilidade Civil do Prático. Rio de


Janeiro: Lúmen Júris, 2007,1ª ed.

SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação. Rio de Janeiro:


Forense, 1968, 2ª ed.

SIMAS, Hugo. Compêndio de direito marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva


& Cia Editores, 1938.

FGV DIREITO RIO 53


Direito Marítimo

Jurisprudencial

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 864409. Relator: Ministro


Luis Felipe Salomão Quarta Turma. Julgado em 23 de junho de 2009.
In: DJe, de 01 de julho de 2009.

BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. REsp n. 792444 / RJ – J. 06/09/2007.


In: DJ, 26 de setembro de 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp n. 860149-PB.


Julgado em 06 de novembro de 2007.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 404745-SP. Relator:


Ministro Jorge Scartezzini. In: DJ, de 06 de dezembro de 2004.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. AC n.


70020843017. Julgado em 29 de novembro de 2007.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 1094775-0/9.


Relator: Desembargador Carlos Nunes. Julgado em 29 de julho de 2008.

Legislativa

BRASIL. Código Comercial


BRASIL. Código Civil
BRASIL. Decreto n° 15.788, de 08 de novembro de 1922.
BRASIL. Decreto n° 2.596, de 18 de maio de 1998.
BRASIL. Lei n° 7.652, de 03 de fevereiro de 1988.
BRASIL. Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.
BRASIL. Lei n° 9.537, de 11 de dezembro de 1997.

FGV DIREITO RIO 54


Direito Marítimo

AULA V – Meio Ambiente e Direito Marítimo

ROTEIRO DE ESTUDO

A cadeira de meio ambiente marítimo pretende não só tratar das con-


sequências imediatas da poluição marinha, mas também alçar os pontos
nodais ao tratamento legal das questões ambientais de modo a que sejam
compreendidos os princípios e os instrumentos que lastreiam a política
ambiental, inicialmente como gestora e, só após, como fiscalizadora das
condutas poluentes.
Tratar de poluição marinha sob o aspecto jurídico sem conhecer os prin-
cípios e as políticas de meio ambiente, seria como imaginar que para o bom
exercício da advocacia, qualquer um, desde que vestido com um bom terno,
pudesse exercer bem a profissão, mesmo sem conhecê-la. É como imaginar
que apenas o “bom senso” seria suficiente para convencer o Judiciário ou o
órgão fiscalizador. Precisa, antes de tudo, compreender que a visão do Direi-
to Ambiental não pode ser a mesma daquela do Direito Civil.
Hoje, o bom advogado/gestor, ao tratar de meio ambiente, precisa conhe-
cer todos os elos da cadeia. Desde a viabilização econômica (fontes de finan-
ciamento) do empreendimento, passando pelo projeto, instalação e início da
operação, a gestão ambiental, os incidentes e o descomissionamento. Precisa
também conhecer o “Negócio” e aprender a língua do técnico ambiental, de
modo a facilitar sua tarefa e encurtar o caminho do seu cliente.
Considerando que a prevenção não é somente o mais correto como tam-
bém o mais econômico modo de tratar o meio ambiente, faz-se mister ao
advogado/gestor compreender primeiro os princípios que norteiam a política
ambiental mundial e pátria para melhor orientar: a) o planejamento, b) a
gestão, c) o contingenciamento, d) a mitigação e e) a compensação do dano
ambiental. A multa, indenização ou prisão de seu cliente só poderão ser bem
tratadas pelo conhecedor destes princípios mui especiais e interdisciplinares,
sob pena de ser considerado o advogado um outsider pelos vários julgadores.
Enfim, visa a cadeira estender ao aluno uma visão ,a mais holística possí-
vel, do universo ambiental marítimo, já que inúmeros outros aspectos levam
a imbricações nas questões ambientais.

1. Breves considerações históricas

O desenvolvimento das nações é realizado à custa dos recursos naturais


que, utilizados indevidamente e em larga escala, provocaram a deterioração
do meio ambiente e a crescente escassez destes recursos em determinados
pontos do planeta.

FGV DIREITO RIO 55


Direito Marítimo

Foi em Estocolmo, em 1972, durante a “Conferência das Nações


Unidas sobre o Meio Ambiente Humano”, realizada pela ONU,60 que
se chamou atenção para o problema ambiental de uma forma mais ve-
emente. Isto porque as nações ricas e industrializadas começavam a se
conscientizar da vasta degradação ambiental decorrente do avanço eco-
nômico e tecnológico.
Seguindo essa tendência de preocupação com o meio ambiente, di-
versas organizações começam a se projetar em sua defesa, questionando,
insistentemente, a sociedade sobre os valores ambientais.
Assim, impulsionada pela necessidade de preservação dos recursos natu-
rais, a sociedade passa, então, a buscar formas alternativas de desenvolvimen-
to, equilibrando o desenvolvimento econômico e social com a utilização dos
recursos naturais, ao que se denomina de desenvolvimento sustentável.
Por oportuno, ressalte-se que a muito importante “Conferência da Ter-
ra” – ECO 92, realizada no Rio de Janeiro, adotou a “Declaração do Rio” e
a “Agenda 21”, estabelecendo o desenvolvimento sustentável como um ob-
jetivo a ser buscado por todos os países. Os compromissos firmados através
desses dois documentos foram renovados na reunião de cúpula “Rio+20”
ocorrida em junho de 2012, também conhecida como “Conferência das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável”. Em seu documento
final, intitulado “O Futuro que Queremos”61, consta uma parte destinada
aos mares e oceanos, destacando-se os artigos 158 -164 e mais em especial
o artigo 163, que abaixo destacamos como exemplo;

“163. We note with concern that the health of oceans and


marine biodiversity are negatively affected by marine pollu-
tion, including marine debris, especially plastic, persistent
organic pollutants, heavy metals and nitrogen-based com-
pounds, from a number of marine and land-based sources,
including shipping and land run-off. We commit to take
action to reduce the incidence and impacts of such pollu-
tion on marine ecosystems, including through the effective
implementation of relevant conventions adopted in the fra-
mework of the International Maritime Organization, and
the follow-up of relevant initiatives such as the Global Pro-
gramme of Action for the Protection of the Marine Environ-
ment from Land-based Activities,42 as well as the adoption
of coordinated strategies to this end. We further commit to
take action to, by 2025, based on collected scientific data, 60
Organização das Nações Unidas.
achieve significant reductions in marine debris to prevent Documento disponível em: <www.
61

harm to the coastal and marine environment.” uncsd2012.org/thefuturewewant.html >.

FGV DIREITO RIO 56


Direito Marítimo

Assim, com a meta de implementação do desenvolvimento sustentável


guiando o avanço das nações, é preciso conscientizar-se de que a harmonia
entre o meio ambiente e o desenvolvimento significa considerar um contínuo
processo de planejamento, não devendo o meio ambiente ser obstáculo ao
desenvolvimento, e nem o desenvolvimento acarretar no extermínio dos
recursos naturais ainda existentes.
Com efeito, evoluindo para um viés mais próximo de nossa aula, espe-
cificamente no caso do transporte, a Organização para o Desenvolvimento
Econômico e Cooperação (OCDE), organização internacional de 34 países
desenvolvidos que aceitam os princípios da democracia representativa e da
economia de livre mercado, adotou a seguinte definição:

Transporte que não coloque em risco a saúde pública ou ecos-


sistema e que atenda às necessidades de mobilidades de for-
ma constante com (a) o uso de recursos renováveis em níveis
abaixo de suas taxas de regeneração e (b) uso de recursos não
renováveis em níveis abaixo do desenvolvimento de substitu-
tos renováveis. (Os grifos não estão no original)

O transporte de mercadorias, especialmente de óleo e derivados, além de


minerais, carrega o estereótipo de poluidor em potencial, vistas as adversi-
dades intrínsecas desse tipo de atividade. Nesse contexto alguns acidentes
foram marcantes por suas consequências. Percebamos, contudo, como no
passado os volumes eram bem maiores sem que houvesse uma comoção pú-
blica como hoje já acontece.

Histórico de alguns dos principais acidentes (apenas em transporte)

• Março de 1975: vazam 5.800 toneladas (quase 6 milhões de litros) de pe-


tróleo de um cargueiro iraniano na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
• Novembro de 1983: 1,5 milhão de litros de óleo vazam do oleoduto da
Rio-Santos no canal de Bertioga e em outras 17 praias.
• Março de 1990: cerca de 4 mil litros de óleo espalham-se por mais de
30 km no mar, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro), depois do acidente
entre um rebocador e um navio petroleiro.
• Agosto de 1990: mais de 600 mil litros de petróleo vazam de um duto
em São Sebastião, que foi perfurado acidentalmente durante obras de
contenção de encosta da Serra do Mar.
• Janeiro de 2000: vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo provocado
por uma falha em um dos dutos da Refinaria Duque de Caxias, da Pe-
trobras, atinge a Baía de Guanabara (Rio de Janeiro).

FGV DIREITO RIO 57


Direito Marítimo

• Setembro de 2000: vazam 4 mil litros de óleo bruto dos porões do car-
gueiro Cantagalo, da Transpetro, que estava atracado no terminal da
baía da Ilha Grande, em Angra dos Reis (Rio de Janeiro).
• 18 de outubro de 2001: o navio petroleiro Norma da frota da Trans-
petro, que carregava nafta, chocou-se em uma pedra na baía de Parana-
guá, litoral paranaense, vazando 392 mil litros do produto e atingindo
uma área de 3 mil metros quadrados.
• 20 de março de 2004: cerca de dois mil litros de petróleo vazaram de
um navio desativado, Meganar, pertencente a uma empresa privada, na
Baía de Guanabara, próximo a Niterói, no Rio de Janeiro.
• 15 de novembro de 2004: o navio de bandeira chilena Vicunã, carre-
gado com 11 mil toneladas de metanol, explodiu três vezes e afundou
totalmente com pelo menos metade da carga em seu interior. Acredita-
-se que possam ter vazado entre 3 e 4 milhões de litros de três tipos de
combustíveis, sendo considerado o maior vazamento em 20 anos na Baía
de Paranaguá/PR. Além do impacto no ambiente aquático causado pelas
explosões, houve mortes dos tripulantes e de muitas espécies da fauna ma-
rinha. Os pescadores locais foram proibidos de pescar e, por esse motivo,
o governo do Estado repassou cerca de 1,7 milhão às famílias dos pesca-
dores. Cada pescador recebeu um salário mínimo enquanto a pesca nos
locais atingidos esteve proibida. A mancha de óleo atingiu mais de 30 km
e uma equipe de pessoas foi treinada para auxiliar na limpeza e salvamen-
to de espécies atingidas pelo óleo. A Cattalini, o P&I, a agência marítima
da embarcação e a Sociedad Naviera Ultragas, proprietária da embarca-
ção, foram multadas em R$ 250 mil diários, cada uma, na ocasião.
• 16 de novembro de 2011: o navio plataforma FPSO Cidade de São
Paulo, de propriedade da empresa Modec, ao efetuar a troca de água
de lastro acabou ocasionando o vazamento de 10 mil litros de óleo na
baía de Ilha Grande, em Angra dos Reis/RJ. O INEA aplicou multa
equivalente a R$ 10 milhões.
• 27 de junho de 2012: o navio Mercante Seawind, de bandeira pana-
menha, transportava granito para Itália quando teve de ancorar em
Fortaleza para abastecer o combustível. Em virtude de irregularidades
detectadas pela Capitania dos Portos e por questões relativas à Justiça
do Trabalho, o navio ficou retido no por 11 meses no porto, quando
começou a afundar em 27/06/12. Em consequência, houve um derra-
mamento de 8 mil litros de óleo.
• 05 de abril de 2013: durante o abastecimento de um navio, uma das
válvulas do Terminal TEBAR (Terminal Marítimo Almirante Barro-
so) da TRANSPETRO em São Sebastião/SP apresentou um problema
que ocasionou o vazamento de 3.500 litros de óleo no mar. A empresa
foi multada em R$ 10 milhões pela Companhia Ambiental do Estado
de São Paulo (Cetesb).

FGV DIREITO RIO 58


Direito Marítimo

• 16 de março de 2015: durante a operação ship to ship entre os na-


vios Gothenburg e Buena Suerte, no píer do terminal marítimo da
TRANSPETRO, em Angra dos Reis, ocorreu o derramamento de
560 litros de óleo na Baía da Ilha Grande, dentro da Área de Prote-
ção Ambiental (APA) Tamoios. O INEA autuou e multou a empre-
sa em R$ 2,38 milhões pelo vazamento de água de lastro contami-
nada com óleo. Cumpre destacar que no cálculo foram levados em
conta agravantes como a ocorrência em área protegida, e também
atenuantes, como a operação de contenção e retirada do óleo das
imediações do terminal.
• 26 de julho de 2015: a Autoridade Marítima do Panamá procedeu à de-
tenção do navio-tanque, de bandeira ‘Sunpower’ do Panamá e Compa-
nhia Grega, que provocou o vazamento de asfalto no Porto de Huelva,
bem como instaurou processo administrativo e obrigou os responsáveis
a depositar garantias suficientes para satisfazer a reintegração ambien-
tal. O incidente ocorreu por uma sequência de falhas operacionais du-
rante o carregamento da embarcação resultando no derramamento de
mais de 20 toneladas de produto no convés do navio, e a subsequente
queda no mar. Cabe esclarecer que o asfalto é um produto proveniente
da destilação do petróleo bruto, mantido a 120ºC, classificado como
resíduo perigoso, que se solidifica a temperatura ambiente, assim o ma-
terial que não se solidificou no convés se depositou no fundo do termi-
nal e as peças mais leves afloraram a superfície.

2. Da legislação pertinente à poluição marítima

No tocante aos aspectos marítimos, a internacionalização das normas é a


regra. Isto se dá por ao menos duas razões: em face das correntes marinhas, há
uma constante movimentação da massa líquida entre perímetros de diversas
nações e também internacionais. Outra razão é necessidade de regular navios
de diferentes bandeiras que transitam em múltiplas águas e diferentes portos.

2.1 O Papel das Organizações Internacionais na Proteção do Meio Ambiente

No espírito de cooperações e intercâmbios internacionais no âmbito do


desenvolvimento sustentável, quando focado no meio ambiente, as Conven-
ções, que são acordos formais concluídos entre sujeitos de direito inter-
nacional público, destinados a produzir efeitos jurídicos, assumem papel de
extrema relevância.

FGV DIREITO RIO 59


Direito Marítimo

2.2 Convenções Internacionais

Com a crescente preocupação de alguns setores com o meio ambiente


a partir da década de 1970, as convenções internacionais tratando sobre o
tema tornaram-se mais frequentes, além de indispensáveis a fim de unificar
o tratamento de determinada matéria/produto/atividade em âmbito global.
Nesse sentido, cabe destacar o papel da IMO62, como autoridade de
normalização global para a segurança e desempenho ambiental do trans-
porte marítimo internacional, em regular o setor de transporte imple-
mentando-o universalmente. Observa-se que o desenvolvimento do
transporte sustentável no setor marítimo é uma das grandes prioridades
da IMO nos próximos anos.
Assim, sem a pretensão de esgotar o tema, a referência a algumas Con-
venções mostra-se indispensável ao estudo da matéria de modo a dar uma
ideia mais clara do tratamento internacional ao tema, seja pelas matérias
tratadas, seja pela forma como a comunidade internacional o trata.

2.2.1 Montego Bay – CNUDM

A Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar - CNUDM,


celebrada em Montego Bay, na Jamaica, em 1982, é um tratado multilateral
que define determinados conceitos importantes às atividades marítimas, tais
como mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva e outros, além
de estabelecer princípios de exploração dos recursos naturais do mar.
Foi por meio desta convenção que o Tribunal Internacional do Direito
do Mar foi criado. Esse Tribunal é competente para julgar as controvérsias
relativas à interpretação e à aplicação da convenção.
A Convenção das Nações Unidas foi ratificada pelo Brasil por meio do
Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995. Não obstante, a questão do mar
territorial brasileiro foi adequada já em 1993, por meio da Lei nº 8.617/1993
que revogou o Decreto – Lei nº 1.098/1970 que até então dispunha sobre as
famosas 200 milhas.
Hoje o Brasil tem pleitos relevantes para que sua plataforma continental
seja considerada bem além das 200 milhas. Foi criado em 1988 o Comitê
LEPLAC – Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira
visando justamente subsidiar o pleito de um novo limite exterior da platafor-
ma. Estudos foram apresentados requerendo um aumento para 350 milhas
(649 km). Tal demanda foi negada em 2007, sendo “sugerida” uma dimi-
nuição de 35% deste pleito. Neste momento novo pleito está em estudo com
reais chances de sucesso e o Brasil poderá ser o primeiro país no mundo a ter
sua proposta de ampliação de limites da Plataforma Continental aceita pela 62
Ver também: < http://www.imo.
ONU, sob a égide da CNUDM III. org/Pages/home.aspx>.

FGV DIREITO RIO 60


Direito Marítimo

2.2.2 Convenção internacional para a prevenção da poluição causada por


navios – MARPOL 1973/1978

A Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios,


mais conhecida como MARPOL, é a principal convenção internacional rela-
cionada à prevenção de poluição ambiental marinha por navios decorrente
de causas operacionais e acidentais. É uma combinação de dois tratados ado-
tados em 1973 e 1978, respectivamente, e atualizados por emendas ao passar
dos anos. A MARPOL foi adotada pela IMO em 2 de novembro de 1973
e cobria poluição por óleo, produtos químicos/substâncias químicas, subs-
tâncias nocivas embaladas, esgoto, lixo e poluição do ar causada por navios.
O Protocolo de 1978 (Protocolo MARPOL 1978) adesivo à MARPOL de
1973 foi adotado na Conferência de Segurança de Navios-Tanque e Preven-
ção de Poluição em fevereiro de 1978 em resposta a uma grande quantidade
de acidentes com navios-tanque em 1976 e 1977.
Como a MARPOL 1973 não tinha iniciado sua vigência (percebam
como muitas vezes há uma demora significante para que uma convenção
seja ratificada pelo quórum mínimo de países), a MARPOL 1978 absorveu a
Convenção a que se referia. O instrumento combinado é mencionado como
MARPOL 73/78 e entrou em vigência internacional em 02 de outubro de
1983 – no Brasil sua vigência se dá através do Decreto-Lei nº 2.508/1998.
Note-se que com o contínuo avanço tecnológico, as regras da MARPOL
passam por um processo dinâmico de aperfeiçoamento a fim de que sejam
atualizadas e correspondam às exigências globais.
O Decreto n° 2.508, de 04/03/98, promulgou a Convenção Internacio-
nal para a Prevenção da Poluição Causada por Navios (MARPOL), conclu-
ída em Londres, em 2 de novembro de 1973, seu Protocolo, concluído em
Londres, em 17 de fevereiro de 1978, suas Emendas de 1984 e seus Anexos
opcionais I, II, III, IV , V e VI. No tangível ao Anexo VI, até 14/08/2015,
84 países, representando 95,33% da Arqueação Bruta da frota marítima mer-
cante internacional, já o haviam ratificado.
Como principais regras de tal convenção, podemos citar:
• Importância de vistorias contínuas aos navios;
• Limitação de descarga de óleo ou misturas oleosas no mar;
• Iniciativas governamentais para a instalação de equipamentos e meios de
recebimento de descarga de resíduos de óleo e misturas oleosas como so-
bras de petroleiros e de outros navios em portos e terminais;
• Obrigatoriedade de possuir o livro de registro de óleo;
• Delimitação de procedimentos para embalagem, marcação, etiquetagem,
documentação necessária e estivagem de substâncias prejudiciais transpor-
tadas por mar na forma de embalagens.

FGV DIREITO RIO 61


Direito Marítimo

Anexo I - Poluição derivada de hidrocarbonetos.


Anexo II - Contaminação marinha por substâncias nocivas
líquidas transportadas a granel.
Anexo III - Substâncias nocivas transportadas por via marí-
tima em lastros, tanques portáteis, contêineres, caminhões-
-cisterna e vagões.
Anexo IV - Contaminação por águas servidas provenientes
das embarcações.
Anexo V - Contaminação por lixo dos navios.
Anexo VI - Contaminação atmosférica.

Exemplo dos detalhes de uma ratificação de norma internacional:


DECRETO LEGISLATIVO Nº 499, DE 2009 (DOU 11.08.09)
Convenção para a prevenção da poluição por navios
Aprova o texto consolidado da Convenção Internacional para
a Prevenção da Poluição por Navios, adotada pela Organiza-
ção Marítima Internacional, em Londres, em 2 de novembro
de 1973, e o seu Protocolo de 1978, com as Emendas adota-
das em 4 de dezembro de 2003 a 1º de abril de 2004.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Fica aprovado o texto consolidado da Convenção
Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios,
adotada pela Organização Marítima Internacional, em
Londres, em 2 de novembro de 1973, e o seu Protocolo de
1978, com as Emendas adotadas em 4 de dezembro de 2003
a 1º de abril de 2004, efetuando-se as correções a seguir es-
pecificadas na tradução do texto original para o Português,
em consonância com o art. 4º 1 da Lei nº 9.966, de 28 de
abril de 2000:
I – substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3 do
Anexo II da Convenção Internacional para a Prevenção da
Poluição por Navios, MARPOL, na alínea a do inciso I, a
expressão “um grave risco” por “alto risco”;
II – substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3
do Anexo II da Convenção Internacional para a Prevenção
da Poluição por Navios, MARPOL, na alínea b do inciso I, a
expressão genérica “um risco” por “médio risco”;
III – substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3
do Anexo II da Convenção Internacional para a Prevenção
da Poluição por Navios, MARPOL, na alínea c do inciso I, a
expressão “pequeno risco” por “risco moderado”;

FGV DIREITO RIO 62


Direito Marítimo

IV – substitua-se, na tradução para o Português da Regra 3


do Anexo II da Convenção Internacional para a Prevenção
da Poluição por Navios, MARPOL, alínea d do inciso I, a
expressão “reconhecível perigo” por “risco identificável”.
Parágrafo único. Ficam sujeitos à aprovação do Congresso
Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da
referida Convenção, seus Protocolos e Anexos, bem como
quaisquer ajustes complementares que, nos termos do inci-
so I2 do caput do art. 49 da Constituição Federal, acarretem
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.
Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua
publicação.
Senado Federal, em 10 de agosto de 2009
Senador José Sarney
Presidente do Senado Federal

2.2.3 Convenção internacional de responsabilidade civil por poluição


causada por óleo – CLC/1969

A “Civil Liability Convention” - Convenção Internacional de Responsa-


bilidade Civil por Poluição causada por Óleo – CLC/1969, regulamentada
pelo Decreto nº 79.437/1977, foi implementada para assegurar o limite de
responsabilidade civil por danos a terceiros no caso de poluição ambiental
oriunda de navios-tanques de países signatários. Não se aplica aos navios de
guerra a outros navios operados pelo Estado, desde que usados para fins não
comerciais.
Ela também criou um mecanismo de caráter internacional capaz de as-
segurar compensação adequada e acessível às vítimas de danos por polui-
ção, resultantes de escapamento ou descarga de óleo proveniente de navios.
Assim, a conferência, que aprovou a Convenção, determinou a criação de
um Fundo Internacional para cobrir as despesas excedentes da indenização,
denominado FUND.
A Convenção considera como responsável pelos danos ambientais o dono
da embarcação poluidora. Entretanto, nos termos da Convenção, tal respon-
sabilidade poderá ser afastada caso determinadas circunstâncias sejam prova-
das, tais como:
• Que a poluição resultou de um ato de guerra, insurreição ou fenômeno
natural excepcional, inevitável e irresistível;
• De ação ou omissão intencional de terceiros a fim de causar dano;
• Negligência ou falha do Governo ou outra Autoridade responsável por
manter as luzes ou outras condições de navegação no exercício de tais
funções.

FGV DIREITO RIO 63


Direito Marítimo

Com vigência internacional desde 19/06/1975, o seu mais atual protocolo


(1992) encontra-se ratificado por 134 países que representam 96,69% da
frota mundial até 14/08/2015. O Protocolo de 1992 expandiu o alcance da
Convenção para abranger os danos causados na zona econômica exclusiva
dos Estados-membros.
O Brasil foi parte da Convenção de 69. As outras convenções subsequen-
tes não foram objeto de adesão pelo Brasil, nem seus FUNDs respectivos. O
mais recente FUND 2003 foi negado pelo GI Brasil. O Brasil participa das
reuniões dos FUNDs apenas como observador, até a presente data.

Vazamento de Petróleo no Golfo do México 2010

2.2.4 Convenção sobre a prevenção de poluição marinha por alijamento


de resíduos e outras matérias, 1972 (LC-72) + (Protocolo 1996)

A Convenção regulamenta o alijamento de resíduos e outras matérias no mar


por navios e plataformas bem como o alijamento dessas próprias estruturas em si.
Adotada em Londres, em 29/12/1972, teve sua vigência internacional ini-
ciada em 30/08/1975 e em 14/08/2015 conta com 87 países contratantes.
Sofreu Emendas em 1978, 1980, 1989 e 1993.
O Protocolo de 1996 a LC-72 foi adotado em 07/11/1996, tendo sua vigência
internacional iniciada em 24/03/2006, mantendo-se como partes contratantes 45
países. Este Protocolo sofreu uma Emenda em 2006 e proíbe todo o tipo de alija-
mento, exceto de alguns tipos específicos de resíduos descritos em seu Anexo.
No Brasil, foi internalizada pelos Decretos nº 87.566, de 16/09/1982 e nº
6.511, de 17/07/2008 (referente às Emendas). O Brasil até hoje não ratificou
o Protocolo de 1996.

2.2.5 Convenção Internacional para Controle e Gerenciamento da Água de


Lastro e Sedimentos de Navios – BWM 2004

A Convenção estabelece que as Partes Contratantes se comprometem a cumprir


seus dispositivos visando a prevenir, minimizar e, por fim, eliminar a transferência
de Organismos Aquáticos Nocivos e Agentes Patogênicos por meio do controle e
gerenciamento da água de lastro dos navios e dos sedimentos nela contidos.

FGV DIREITO RIO 64


Direito Marítimo

Adotada em Londres, em 13/02/2004, atualmente conta com 44 países


contratantes, representando 32,86% da Arqueação Bruta da Frota Marítima
Mercante Internacional (IMO.ORG em 14/08/2015).
A Convenção, no Artigo 18, dispõe que entrará em vigência 12 meses
após ser ratificada por 40 países que representem 30,25% da Arqueação Bru-
ta da Frota Marítima Mercante Internacional, o que vai ocorrer em breve.
No Brasil foi ratificada em 14/04/2010.
Lembre-se, por oportuno, de que a NORMAM 20- regulamenta o geren-
ciamento de água de lastro nos portos, terminais brasileiros e águas jurisdi-
cionais brasileiras.

2.2.6 Convenção Internacional relativa à Intervenção em Alto-Mar em


caso de Acidentes por Óleo – Intervention 69

A Convenção estabelece o direito de o Estado Costeiro tomar, em alto-


-mar, as medidas necessárias para prevenir, atenuar ou eliminar os perigos
graves e iminentes que apresentem, para suas costas ou interesses conexos,
uma poluição ou ameaça de poluição das águas do mar por óleo, resultante
de um acidente marítimo ou das ações relacionadas a tal acidente, suscetíveis,
segundo tudo indique, de ter graves consequências.
Adotada em 29/11/1969, em Bruxelas, tem vigência internacional desde
06/05/1975, contando com 88 países contratantes, representando 74,38%
da Arqueação Bruta da Frota Marítima Mercante Internacional (IMO.
ORG 14/08/2015).
Foi assinada pelo Brasil na data de sua adoção, mas sua vigência no or-
denamento nacional teve início 10 de junho de 2009, com a publicação
do Decreto nº 6.478/2008. Este Decreto também contemplou o Protocolo
relativo à Intervenção em Alto-Mar em Casos de Poluição por Substâncias
Outras que não Óleo.

2.2.7 Convenção Internacional sobre controle de Sistemas Anti-incrustantes


Danosos em Navios – AFS 2001

A Convenção foi concluída em Londres a 05 de outubro de 2001, tendo


como propósito maior a redução ou eliminação dos efeitos nocivos ao meio
ambiente marinho e à saúde humana, causados por sistemas anti-incrustantes.
Adotada em 05/10/2001, sua vigência internacional teve início em
17/09/2008. Atualmente conta com 71 países contratantes, representando
84,86% AB da frota mercante internacional (IMO.ORG em 14/08/2015).
Assinada na IMO pelo Brasil em 12/11/02 e aprovada pelo Decreto Le-
gislativo 797/2010, encontra-se sujeita à ratificação.

FGV DIREITO RIO 65


Direito Marítimo

2.2.8 Convenção Internacional Relativa à Preparação, Resposta e


Cooperação em casos de Poluição por Óleo - OPRC 90

A Convenção estabelece, a nível internacional, que as Partes se compro-


metem, conjunta ou individualmente, a tomar todas as medidas adequadas,
em conformidade com as disposições constantes dos seus Artigos e Anexos,
para o preparo e a resposta em caso de incidente de poluição por óleo.
Adotada em 30/11/1990, em Londres, iniciou sua vigência internacional
em 13/05/1995, e atualmente conta com 108 países contratantes, represen-
tando 72,75% da Arqueação Bruta da frota marítima mercante internacional
(IMO.ORG em 14/08/2015).
Em 2000, sofreu Emenda pelo Protocolo OPRC-HNS que entrou em
vigor em 14/06/07, ampliando o alcance da Convenção para substâncias
nocivas e atividades potencialmente perigosas. Atualmente possui 36 países
contratantes, isto é, 48,84% da frota mundial.
A despeito de a OPRC ter vigência no Brasil desde 11/12/1998 (Decreto
nº 2.870/1998), o Brasil não ratificou o Protocolo de 2000.

2.2.9 Convenção Internacional para a Reciclagem de Navios Segura e


Ambientalmente Adequada – Hong Kong SRC 2009

Adotada em 15/05/2009, em Hong Kong, a Convenção do meio am-


biente, da saúde ocupacional e dos riscos com a segurança relacionados à
reciclagem de navios, leva em consideração as características particulares do
transporte marítimo e a necessidade de assegurar a retirada suave de navios
que tenham chegado ao final de suas vidas operacionais.
Foi aberta para assinaturas de setembro de 2009 a 31 de agosto de 2010, e
terá vigência internacional iniciada 24 meses após adesão por 15 estados que
representem 40% da Arqueação Bruta da frota marítima mercante interna-
cional. E até a presente data, apenas três países contrataram, quais sejam: No-
ruega; Congo e França, representando 1,86% da Arqueação Bruta mundial.

Posta a legislação internacional, adentremos na seara nacional.

2.3 Da Legislação nacional

2.3.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologica-


mente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-
sentes e futuras gerações.

FGV DIREITO RIO 66


Direito Marítimo

2.3.2 Normas Infraconstitucionais mais relevantes

Lei nº 6.938/1981 – Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,



seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências.

Lei n° 9.537/1997: Dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em



águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. A inspeção naval visa
criar entraves às embarcações que possam causar danos ao meio ambiente.
Destaca-se a possibilidade de aplicação de sanção antes de prolatada a deci-
são final do tribunal marítimo quando se tratar de poluição das águas.

Art. 5° A embarcação estrangeira, submetida à inspeção na-


val, que apresente irregularidades na documentação ou con-
dições operacionais precárias, representando ameaça de danos
ao meio ambiente, à tripulação, a terceiros ou à segurança do
tráfego aquaviário, pode ser ordenada a:
I - não entrar no porto;
II - não sair do porto;
III - sair das águas jurisdicionais;
IV - arribar em porto nacional
Art. 33. Os acidentes e fatos da navegação, definidos em lei
específica, aí incluídos os ocorridos nas plataformas, serão
apurados por meio de inquérito administrativo instaurado
pela autoridade marítima, para posterior julgamento no Tri-
bunal Marítimo.
Parágrafo único. Nos casos de que trata este artigo, é vedada
a aplicação das sanções previstas nesta Lei antes da decisão
final do Tribunal Marítimo, sempre que uma infração for
constatada no curso de inquérito administrativo para apurar
fato ou acidente da navegação, com exceção da hipótese de
poluição das águas.

Lei nº 9.605/1998 - Lei de Crimes Ambientais – Dispõe sobre as sanções



penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio
ambiente e dá outras providências.

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais


que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana,
ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

FGV DIREITO RIO 67


Direito Marítimo

Lei 12.305/10 – Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que institui



a referida Política, altera a Lei 9.605/98 (alterou o art. 56 §1º, II e II ) e
dá outras providências. Como destaque, citaria o art. 47:

Art. 47. São proibidas as seguintes formas de destinação ou


disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos:
I - lançamento em praias, no mar ou em quaisquer corpos
hídricos;

Esta lei trouxe uma série de inovações entre elas a responsabilização de


pessoas jurídicas e físicas, autoras e coautoras da infração e o fato de que a
punição poderá ser extinta com a apresentação de laudo que comprove a re-
cuperação do dano ambiental. No entanto, para constatação do dano à fauna
pelos vazamentos de óleo, por exemplo, é necessário comprovar que houve
dano, fato este que nem sempre é fácil de ser evidenciado principalmente
quando se trata da microfauna marinha.63

Lei Federal nº 9.966/2000 - Lei do óleo e de substâncias nocivas - Esta-



belece os princípios básicos a serem obedecidos na movimentação de óleo
e outras substâncias nocivas ou perigosas em portos organizados, instala-
ções portuárias, plataformas e navios em águas sob jurisdição nacional.
Aplica-se às embarcações e plataformas nacionais ou estrangeiras, portos,
instalações portuárias e dutos. É composta de seis capítulos, sendo que o
primeiro aborda definições e classificações. Os demais são sucintamente
apresentados a seguir:
O Capítulo II - Dos Sistemas de Prevenção, Controle e Combate da
Poluição - prevê que os estabelecimentos mencionados acima devem
dispor obrigatoriamente de instalações ou meios adequados para o rece-
bimento e tratamento dos diversos tipos de resíduos e para o combate
da poluição.64
Já o Capítulo III - Do Transporte de Óleo e Substâncias Nocivas ou
Perigosas – Dentre os seus aspectos, exige a utilização obrigatória do Livro
de Registro de Óleo, nos termos da Marpol 73/78, para anotações relativas
a todas as movimentações de óleo, lastro e misturas oleosas, inclusive as
entregas efetuadas às instalações de recebimento e tratamento de resíduos.
No Capítulo IV - Da Descarga de Óleo, Substâncias Nocivas ou Peri-
gosas e Lixo65 - trata, em síntese, das proibições de descarga em águas sob
jurisdição nacional, de substâncias nocivas ou perigosas, de água de lastro, 63
Ver também: Lei 12.305/10 Artigos
resíduos de lavagem de tanques ou outras misturas que contenham tais 7º ao 15; 23 e 54.

substâncias; bem como, estabelece o dever de reparar os danos causados 64


Ver também: Lei 9.966/20 Artigos
6º ao 9º.
ao meio ambiente e de indenizar as atividades econômicas e o patrimônio 65
Ver também: Lei 9.966/2000
público e privado pelos prejuízos decorrentes de descarga. Artigos 15 a 17; 21 e 23.

FGV DIREITO RIO 68


Direito Marítimo

No seguinte, Capítulo V - Das Infrações e das Sanções – estabelece que


as infrações serão punidas com multa, multa diária, multa e retenção do
navio até que a situação seja regularizada, com multa e suspensão imediata
das atividades da empresa transportadora em situação irregular.66
E, por fim, o Capítulo VI - Disposições Finais e Complementares67
menciona quem são os responsáveis pelo cumprimento desta lei e quais as
suas atribuições.

NORMAM – Normas da Autoridade Marítima - regulamentam as ativi-



dades marítimas e fluviais em seus diversos segmentos.
Nesse sentido, destacamos como principais para o tema:
A Normam n° 4, que dispõe sobre as normas da autoridade maríti-
ma para operação de embarcações estrangeiras em águas jurisdicionais
brasileiras, no primeiro Capítulo define Águas Jurisdicionais Brasileiras
(AJB), vejamos:

“Compreendem as águas interiores e os espaços marítimos,


nos quais o Brasil exerce jurisdição, em algum grau, sobre ati-
vidades, pessoas, instalações, embarcações e recursos naturais
vivos e não vivos, encontrados na massa líquida, no leito ou
no subsolo marinho, para os fins de controle e fiscalização,
dentro dos limites da legislação internacional e nacional. Esses
espaços marítimos compreendem a faixa de 200 milhas marí-
timas contadas a partir das linhas de base, acrescida das águas
sobrejacentes à extensão da Plataforma Continental além das
200 milhas marítimas, onde ela ocorrer.”

A Normam nº 7, que institui normas da autoridade marítima para


atividades de inspeção, em seu Capítulo 4 dispõe sobre “lançamento
de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob juris-
dição nacional”, regulamentando as infrações que contrariem as re-
gras constantes da Lei nº 9.966/2000 e seu regulamento, o Decreto nº
4.136/2002, além daquelas previstas nos instrumentos internacionais
ratificados pelo Brasil.
A Normam nº 20 versa sobre o gerenciamento da água de lastro de
navios, sendo obrigatória para todos os navios que naveguem nas águas
jurisdicionais brasileiras. Ademais, nota-se que a NORMAM foi adotada
em data anterior à ratificação da Convenção BWM-2004/IMO, e que
apesar da BWM ainda não ter entrado em vigor - não atingiu o percentual 66
Ver também: Lei 9.966/200 Artigo 25.
mínimo da frota mundial-, o Brasil já aplica a NORMAM 20, que possui Ver também: Lei 9.966/200 Artigos
67

as mesmas diretrizes da Convenção. 27; 28 e 32.

FGV DIREITO RIO 69


Direito Marítimo

Importante ressaltarmos que esta Normam disciplina a constatação das


infrações, a competência para sua apuração, lavratura do auto de infração,
defesa e julgamento do autuado, recurso contra decisão condenatória, pa-
gamento da multa, responsabilidade civil pelos danos causados pelo lan-
çamento poluente e caução.
Destarte, existem embarcações que são isentas do cumprimento desta
Norma devendo operar de modo a evitar a contaminação do meio am-
biente pelo deslastro da Água de Lastro e seus sedimentos. Para tanto, é
necessário solicitar à Diretoria de Portos e Costas (DPC) a emissão do
certificado de isenção, de forma previa e fundamenta, pelo armador ou
responsável pela embarcação.

Decreto Federal nº 4.136/2002: Sanções às infrações previstas na Lei



9.966/2000 - Dispõe sobre a especificação das sanções aplicáveis às in-
frações às regras de prevenção, controle e fiscalização da poluição causada
por lançamento do óleo e outras substâncias nocivas e perigosas em águas
sob jurisdição nacional prevista na Lei nº 9.966/2000. Considera infração
como a inobservância a qualquer determinação constante desta lei federal.
As sanções variam de advertência e multa simples à suspensão parcial, total
das atividades e restritiva de direitos. Ilustra quem são as pessoas físicas ou
jurídicas que respondem pela infração, quem são as autoridades competen-
tes para lavrar os autos de infração e dá outras providências a esse respeito.

Resolução CONAMA nº 393 de 08/08/2007 - Dispõe sobre o descarte



contínuo de água de processo ou de produção em plataformas marítimas
de petróleo e gás natural, e dá outras providências.

Resolução CONAMA nº 398 de 11/06/2008 - Dispõe sobre o conteúdo



mínimo do Plano de Emergência Individual para incidentes de poluição
por óleo em águas sob jurisdição nacional, originados em portos orga-
nizados, instalações portuárias, terminais, dutos, sondas terrestres, plata-
formas e suas instalações de apoio, refinarias, estaleiros, marinas, clubes
náuticos e instalações similares, e orienta a sua elaboração.

Resolução CONAMA nº 472 de 27/11/2015 - Dispersantes Químicos –



Dispõe sobre o uso de dispersantes químicos em incidentes de poluição
por óleo no mar.

Decreto nº 8.127, de 22 de outubro de 2013 - Institui o Plano Nacional



de Contingência (PNC) para incidentes de poluição por óleo em águas
sob jurisdição nacional. Ademais, determina responsabilidades de entes
públicos e privados em caso de desastres naturais com petróleo em aciden-
tes de grandes proporções.

FGV DIREITO RIO 70


Direito Marítimo

Este Decreto criou o Sistema de Informações sobre Incidentes de Polui-


ção por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (SISNÓLEO), que deve
funcionar como uma fonte de informações capaz de disseminar dados sobre
prevenção, preparação e resposta aos incidentes através de uma célere e sim-
plificada articulação dos órgãos e entidades públicos.
O PNC apresenta uma multiplicidade de órgãos e entidades, que em sín-
tese, é formado por quatro grupos diferentes de controle e ação:

1. Autoridade Nacional - coordenador do PNC exercido pelo MMA;


2. Comitê Executivo - responsável pelas diretrizes para implementação do
Plano e composto pelo MMA, MME, Marinha, IBAMA, ANP, Minis-
tério da Integração Nacional e Ministério dos Transportes;
3. Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA) - responsável pelo
acompanhamento operacional de acidentes, independente do porte,
composto pela Marinha, IBAMA e ANP e, por fim;
4. Coordenador Operacional - designado pelo GAA para coordenar o
acompanhamento do acidente e, se necessário, propor o acionamen-
to do PNC, que somente será acionado em incidentes de poluição
por óleo, julgados de significância nacional pelo próprio GAA. No-
ta-se que a escolha do Coordenador é realizada de acordo com o aci-
dente, isto é, preferencialmente a Marinha assumirá a coordenação
em incidentes ocorridos em águas abertas; já o IBAMA na hipótese
de incidentes ocorridos em águas interiores e a ANP nos casos de
poluição por óleo, a partir de estruturas submarinas de perfuração e
produção de petróleo.

Lei Federal nº 7.347 de 24/07/85: Ação Civil Pública por Danos Cau-

sados ao Meio Ambiente - Institui a Ação Civil Pública de Responsabili-
dade por Danos Causados ao Meio Ambiente, ao Consumidor, a Bens e
Direitos de Valor Artístico, Estético, Histórico e Paisagístico. Estas ações
objetivam responsabilizar e obrigar o poluidor a reparar o dano gerado.
A lei disciplina as Ações Civis Públicas que podem ser propostas pelo
Ministério Público, pela União, Estados e Municípios ou por autarquias,
empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista ou associa-
ções de defesa ao meio ambiente.

3. Responsabilidade ambiental

A doutrina é fértil para propor conceitos ambientais. A Lei de Política


Nacional do Meio Ambiente nº 6.938/1981, em seu art. 3º, também prevê
alguns conceitos importantes, senão vejamos:

FGV DIREITO RIO 71


Direito Marítimo

 Meio ambiente – conjunto de condições, leis, influências e interações


de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida
em todas as suas formas;
 Degradação da qualidade ambiental - alteração adversa das caracterís-
ticas do meio ambiente;
 Poluição - degradação da qualidade ambiental resultante de atividades
que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais
estabelecidos.
 Poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado,
responsável, direta ou indiretamente, por atividades causadoras de
degradação ambiental;
 Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais
e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e
os elementos da biosfera, a fauna e a flora. (Redação dada pela lei
7.804/89).

3.1 Do Dano Ambiental

O Direito Ambiental, ainda considerado pela maioria como um ramo


do Direito Privado, caracteriza-se por tutelar bem pertencente a uma
pluralidade de sujeitos não identificáveis, tendo também a proteção dos
direitos difusos.
Em geral, só lembramos do meio ambiente natural, mas existem outras
dimensões:
 O primeiro aspecto é o do meio ambiente propriamente dito, isto é, o
natural, isento de intervenção humana, que consiste nos recursos natu-
rais existentes (ar, água, flora, fauna etc.) dispostos no Art. 3°, inciso V
da lei 6938/81, além da tutela concedida pelo Art. 225 CRFB.
 O segundo é o do ambiente criado pelo homem, isto é, o ambiente ar-
tificial eminentemente humano tais como praças, ruas, edifícios, obras
e outros, podem ser vislumbrados no Art. 182 da CRFB. “O meio
ambiente artificial é aquele construído pelo ser humano, formado pelas
edificações e pelos equipamentos públicos. As edificações recebem o
nome de espaço urbano fechado, ao passo que os equipamentos públi-
cos são chamados de espaço urbano aberto.”68. 68
FIORILLO, 2010. p.72.

FGV DIREITO RIO 72


Direito Marítimo

 O terceiro é o ambiente do trabalho, onde aspectos relacionados como


iluminação, ventilação, ruídos, temperatura, dentre outros, são impor-
tantes para que os trabalhadores possam contar com garantias de invio-
labilidade e segurança no meio de trabalho. Podendo ser verificado no
Art. 200, inciso VIII e Art. 7°, inciso XXII da CRFB.
 O quarto, e último, é o ambiente cultural, que consiste numa cons-
trução humana com objetivos específicos, ou seja, elementos identifi-
cadores de uma sociedade com valor histórico; artístico; paisagístico;
dentre outros. À título exemplificativo o Art. 216 CRFB estabelece o
patrimônio cultural brasileiro.
Assim, pode-se conceituar Direito Ambiental como: “O complexo de prin-
cípios e normas reguladores das atividades humanas que, direta ou indireta-
mente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando
a sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações” (Edis Milaré); e
ainda, como “um conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a
vários ramos do direito reunidos por sua função instrumental para a dis ciplina
do comportamento humano em relação ao meio ambiente.” (Toshio Mukai).

3.2 Princípios fundamentais

Admitir-se que existe um Direito Ambiental exige, no mínimo, que se


conceitue e se apresentem alguns dos princípios norteadores da aplicação da
legislação ambiental.
Neste sentido, a Declaração do Rio, emitida por ocasião da famosa Con-
ferência Rio 92, chegou a estabelecer 27 princípios ambientas tamanha a
amplitude do tema. Abaixo, seguem os princípios mais importantes:
Primeiramente é importante já destacar a necessidade de não confundir os
conceitos de Prevenção e Precaução por haver diferenciação importante entre eles.
• Princípios da Prevenção: Este é o maior, mais importante e discutido
princípio inspirador do ordenamento jurídico ambiental considerando
que a prevenção é o grande objetivo de todas as normas ambientais,
uma vez que já conhecido o risco pelo empreendedor por estudos e pes-
quisas científicas ou pela atividade já ter sido realizada anteriormente
este possui a obrigação de adotar medidas mitigadoras para reduzir ou
eliminar os impactos ambientais. Até porque uma vez desequilibrado
o meio ambiente, a reparação é na maior parte das vezes uma tarefa
difícil e dispendiosa. Os instrumentos da Política Nacional do Meio
Ambiente (dispostos no art. 9º da Lei nº 6.938/1981, tais como licen-
ciamento ambiental, zoneamento ambiental e EIA) e o Estudo Prévio de
Impacto Ambiental apontado no Art. 225, inciso IV da CRFB estão fun-
dados nesse princípio. Há, inclusive, grande controvérsia quanto à dife-
renciação entre o princípio da Prevenção e o da Precaução que se segue.

FGV DIREITO RIO 73


Direito Marítimo

• Princípio da Precaução: Este princípio difere do posterior por haver


um desconhecimento do risco que o empreendimento possa causar no
meio ambiente em decorrência da ausência de estudos científicos da-
quela atividade específica ou quando está é inovadora, isto é, quando
não foi executada anteriormente. Nestes termos, medidas devem ser
tomadas para não haver o desequilíbrio do meio ambiente.
• Princípio da Cooperação: Significa dizer que todos, tanto o Estado
quanto a Sociedade, por meio de seus organismos, devem colaborar
para a implementação da legislação ambiental, pois não é só papel do
governo ou das autoridades, mas de cada um e de todos nós. Este prin-
cípio é conceituado internacionalmente e encontra-se presente no rol
da Declaração do Rio de 1992 no segundo princípio.
• Princípio da Publicidade e da Participação Popular: Importa afirmar
que não se podem admitir segredos em questões ambientais, pois estes
afetam a vida de todos. Tudo deve ser feito, principalmente pelo Poder
Público, com a maior transparência possível, de modo a permitir a par-
ticipação na discussão dos projetos e problemas dos cidadãos de uma
forma geral. O Art. 5° inciso XXXIII e 225, inciso IV da CRFB, além
do décimo princípio da Declaração do Rio de 1992, abordam sobre a
disponibilidade de informações no âmbito ambiental.
• Princípio do Poluidor-pagador: impõe ao agente poluidor que suporte
os custos decorrentes da poluição que poderá causar ou que efetiva-
mente causou pela atividade que desenvolveu, isto é, na ocorrência de
um dano surge a obrigação de reparação conforme se verifica no Art. 4,
inciso VII e Art. 14, §1° da lei 6.938/81.
• Princípio in dúbio pro-natura: É uma regra fundamental da legislação
ambiental, que leva para a preponderância do interesse maior da socie-
dade em detrimento do interesse individual e menor do empreendedor
ou de um dado projeto. Pode ser utilizado na interpretação e aplicação
da lei: quando houver mais de uma opção, aplica-se a mais restritiva e
favorável ao meio ambiente.

3.3 Poder de Polícia

O poder de polícia é a faculdade de limitar o exercício dos direitos in-


dividuais de liberdade e propriedade em favor do coletivo, pressupondo-se
que essa limitação seja prevista em lei. Como todo poder administrativo, o
poder de polícia subordina-se ao ordenamento jurídico que rege as demais
atividades da administração, sujeitando-se, inclusive, ao controle de legali-
dade pelo Poder Judiciário.

FGV DIREITO RIO 74


Direito Marítimo

Na aplicabilidade do poder de polícia é imperioso que a discriciona-


riedade seja utilizada de forma responsável e não abusiva de modo a que
não se distancie do seu significado.
O poder de polícia exercido no mar e nas águas interiores é atribuído
à autoridade marítima, por ter sido delegada pela Lei Complementar n°
97/1999 a competência de implementar e fiscalizar o cumprimento de
leis e regulamentos em coordenação com outros órgãos do Poder Execu-
tivo, Federal ou Estadual, quando se fizer necessária, em razão de compe-
tências específicas.
Nos termos do parágrafo único, do Art. 17 desta Lei Complementar,
o termo ‘autoridade marítima’ é representada pelo Comandante da Ma-
rinha, no exercício de suas atribuições subsidiárias da Força Armada, por
força do expresso no artigo 142 da CRFB/88. Verifica-se que o poder de
polícia exercido pela autoridade marítima não é considerado como uma
atividade militar por ter fundamentos legais administrativos.
Nesse sentido, a lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997, estabelece
que cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execu-
ção da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário, objetivando assegurar a
salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto
e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte de
embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.
Cumpre destacar que o Decreto nº 5.129/2004 atualizou a deno-
minação da Patrulha Costeira para Patrulha Naval, que dentre outras
providências simplificou as atribuições contidas na lei n° 2.419/55. O
parágrafo único, do art. 1º confirma o acima disposto:

“Art. 1, Parágrafo único. A Patrulha Naval, sob a res-


ponsabilidade do Comando da Marinha, tem a finali-
dade de implementar e fiscalizar o cumprimento de leis
e regulamentos, em águas jurisdicionais brasileiras, na
Plataforma Continental brasileira e no alto-mar, respei-
tados os tratados, convenções e atos internacionais rati-
ficados pelo Brasil.”

No mesmo sentido, a Lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre os


crimes ambientais e a Lei nº 9.966/2000, que dispõe sobre a prevenção,
o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e
outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional
também corrobora com a tarefa da autoridade marítima de implementar
e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos no âmbito marítimo.

FGV DIREITO RIO 75


Direito Marítimo

3.4 Responsabilidades

No tocante à responsabilidade ambiental, cumpre destacar que a res-


ponsabilidade se subdivide em penal, civil e administrativa.
A responsabilidade pode ser individual ou coletiva. No caso da respon-
sabilidade coletiva, as pessoas jurídicas poderão ser responsabilizadas admi-
nistrativa, civil e penalmente, conforme o disposto na Lei nº 9.605/1998,
nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante
legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da
sua entidade.

3.4.1 Da responsabilidade penal ambiental

A responsabilidade penal individual não suscita grandes divergências,


conforme entendimento de Edis Milaré, citado por Toshio Mukai:69

A doutrina tradicional acolhe somente a responsabilidade pe-


nal da pessoa física, calcada no princípio da responsabilidade
penal pessoal e na máxima societas delinquere no postest.
De acordo com o citado entendimento, somente a pessoa fí-
sica poderá ser sujeito ativo de crime. Dessa forma, poderão
ser responsabilizados o administrador, o diretor e o gerente da
pessoa jurídica.

Nesse particular, o sujeito do crime poderá ser quem, de alguma forma,


concorre para a prática dos crimes previstos na Lei nº. 9.605/1998, incidin-
do nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como
o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o au-
ditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo
da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando
podia agir para evitá-la.
Quanto à responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas, não obs-
tante ainda muito discutida e menos ainda aplicada, foi uma tentativa de
avanço a fim de que se possa responsabilizar empresas, grandes conglomera-
dos e grupos econômicos. Para a culpabilidade da pessoa jurídica, será consi-
derada a responsabilidade social, englobando aí seu comportamento institu-
cional, a exigibilidade de conduta diversa. Ressalte-se que a responsabilidade
das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou
partícipes do mesmo fato.
Os sujeitos ativos do crime estão previstos nos artigos 2º ao 4º da Lei nº
9.605/1998 e o sujeito passivo será sempre a coletividade conforme depre-
ende o Art. 225 da CRFB ao afirmar que o meio ambiente é um bem de uso 69
SILVA, Bruno Campos. Direito Am-
biental – Enfoques variados. São Paulo:
comum do povo. Lemos & Cruz, 2004. p. 270.

FGV DIREITO RIO 76


Direito Marítimo

As penas aplicáveis às pessoas jurídicas por responsabilidade ambiental no


âmbito penal estão dispostas no Art. 15 da lei 6.938/81, quais sejam:
 Multa;
 Restritivas de direitos:
• Suspensão parcial ou total de atividades: quando estas não estiverem
obedecendo às prescrições legais;
• Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
• Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter
subsídios, subvenções ou doações.
 Prestação de serviços à comunidade:
• Custeio de programas e de projetos ambientais;
• Execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
• Manutenção de espaços públicos;
• Contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Desde 2002, portanto, passa a ser cabível a responsabilidade penal das
pessoas jurídicas.
A consciência ambiental pátria deve estar bem conjugada com os mo-
dernos mecanismos empresariais e de grupos de sociedades, bem como se
mostra cada vez mais importante a noção de desenvolvimento sustentável/
responsabilidade corporativa de modo a juntos antever o futuro do direito
penal caminhando para o exercício das medidas várias também em face de
pessoas jurídicas.

3.4.2 Da responsabilidade civil ambiental

O regime da responsabilidade civil extracontratual no Brasil é baseado


na culpa ou dolo do agente causador do dano. Entretanto, no que se re-
fere ao Direito Ambiental, a responsabilidade é objetiva, que independe
de culpa ou dolo do agente, por meio da Lei nº 6.938/1981 e dos artigos
21, XXIII, d, e 225, §§ 2º e 3º da CRFB/1988, assim como na doutrina
que encontra acolhida no Direito Ambiental Internacional e na legislação
de um número cada vez maior de países.
Assim, bastaria a demonstração do evento danoso (ou risco de dano)
e do nexo de causalidade, para que se configure a responsabilidade do
agente. Nesse particular, uma vez constatado o dano, este poderá ser
mitigado ou até mesmo reparado, por meio da atuação adequada do
agente poluidor.
Cumpre esclarecer que a teoria da responsabilidade objetiva é ado-
tada pelo fato das normas ambientais terem como escopo a defesa e
preservação da natureza, bem como com a progressiva consciência eco-
lógica mundial.

FGV DIREITO RIO 77


Direito Marítimo

Não se pode confundir a responsabilidade por indenizar os danos no


quanto for impossível a sua recuperação, com a responsabilidade adminis-
trativa e sua multa. Na prática ocorre a inversão do ônus da prova na defesa
do poluidor ou daquele que se utilize dos recursos da natureza, pois ainda
que uma pessoa jurídica se encontre amplamente adequada às normas am-
bientais, ainda terá que reparar os danos causados ao meio ambiente, assim
como a terceiros.
Da mesma forma, a doutrina mansa e pacífica considera que a responsabi-
lidade é solidária entre todos os agentes indicados, sendo o Ministério Públi-
co da União e dos Estados legitimados para propor ação de responsabilidade
civil e criminal por danos causados ao meio ambiente, ficando a cargo do
poluidor as custas e despesas processuais.

3.4.3 Da responsabilidade administrativa ambiental

As normas e sanções administrativas instituídas pelos entes federativos


derivam do poder de polícia da Administração Pública sobre as atividades e
bens que afetem ou possam afetar a coletividade.
Assim sendo, a responsabilidade administrativa ambiental até então apli-
cada de forma objetiva, sujeita o transgressor ambiental às sanções admi-
nistrativas, sem obstar das reparações cíveis e criminais, independentemente
da intenção do agente. Nesse sentido, cabe colacionar o artigo 14 da lei nº
6.938, de 31 de agosto de 1981, vejamos:

Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela le-


gislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento
das medidas necessárias à preservação ou correção dos in-
convenientes e danos causados pela degradação da quali-
dade ambiental sujeitará os transgressores:
I - à multa simples ou diária, nos valores correspondentes,
no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obriga-
ções Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs, agravada
em casos de reincidência específica, conforme dispuser o re-
gulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido
aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos
Municípios.
II - à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais con-
cedidos pelo Poder Público;
III - à perda ou suspensão de participação em linhas de finan-
ciamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
IV - à suspensão de sua atividade.

FGV DIREITO RIO 78


Direito Marítimo

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas


neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados
ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O
Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade
para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por
danos causados ao meio ambiente.

Ademais, “Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou


omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recu-
peração do meio ambiente”, nos termos do artigo 70 da Lei nº 9.605/1998.
Destaque-se, também, o Decreto 6.514/2008, que dispõe sobre “as
infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo
administrativo federal para apuração destas infrações e dá outras providên-
cias”, destacando seus arts. 61 e 62, que vem no mesmo sentido do art.
54 da lei 9.605/98.
Por fim, convém comentar que o STJ proferiu recentemente no AREsp
62584/RJ, decisão que tende a ser um leading case, aplicando natureza subje-
tiva à responsabilidade administrativa ambiental70.

3.4.3.1 Autoridades competentes para responsabilização administrativa


ambiental

São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e ins-


taurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais (federal,
estaduais e municipais) integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambien- 70
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CI-
te - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os VIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO
EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO
agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha. ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. DANO
AMBIENTAL. ACIDENTE NO TRANSPORTE
Convém realçar que a Marinha Brasileira é o único ente que não faz parte DE ÓLEO DIESEL. IMPOSIÇÃO DE MULTA
AO PROPRIETÁRIO DA CARGA. IMPOSSI-
do SISNAMA que também pode multar na esfera ambiental. Ademais, O BILIDADE. TERCEIRO. RESPONSABILIDA-
Ministério Público da União e o Ministério Público Estadual possuem le- DE SUBJETIVA.
I - A Corte de origem apreciou todas as
gitimidade para propor ação de responsabilidade cível e criminal por danos questões relevantes ao deslinde da con-
trovérsia de modo integral e adequado,
causados ao meio ambiente. apenas não adotando a tese vertida
pela parte ora Agravante. Inexistência
de omissão.
3.4.3.2 Competências II - A responsabilidade civil ambiental é
objetiva; porém, tratando-se de respon-
sabilidade administrativa ambiental,
o terceiro, proprietário da carga, por
O Brasil, como uma República Federativa, pressupõe a ideia de coopera- não ser o efetivo causador do dano am-
biental, responde subjetivamente pela
ção mútua para preservação e proteção do meio ambiente. Logo, nos diferen- degradação ambiental causada pelo
transportador.
tes âmbitos da federação (federal, estadual ou municipal) importantes órgãos III - Agravo regimental provido.
governamentais tratam da questão ambiental, por meio da cooperação e da (STJ, AgRg no AREsp 62584 - RJ, Rel.
Min. REGINA HELENA COSTA, Primeira
divisão de funções, senão vejamos: Turma, Julgado em 18 de junho de 2015)

FGV DIREITO RIO 79


Direito Marítimo

• SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, insti-


tuído Lei nº 6.938/1981, e regulamentado pelo Decreto n°
99.274/1990, tem como órgão superior o Conselho de Go-
verno; órgão consultivo e deliberativo do Conselho Nacional
do Meio Ambiente – CONAMA, como órgão central o Mi-
nistério do Meio Ambiente – MMA e como órgão executor
o IBAMA.
• CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão
vinculado ao SISNAMA. Note-se que o CONAMA é um
colegiado representativo que possui cinco setores: órgãos fe-
derais, estaduais e municipais, setor empresarial e sociedade
civil. Dentre outras funções cabe ao CONAMA estabelecer
normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manuten-
ção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racio-
nal dos recursos ambientais, principalmente os hídricos.
• IBAMA– Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-
sos Naturais Renováveis, criado pela Lei nº 7.735/1989, sob
a forma de autarquia federal; atualmente é subordinado ao
Ministério do Meio Ambiente.

Como parte de sua competência podemos citar: a execução das Políticas


Nacionais do Meio Ambiente no tocante a atribuições federais permanentes
relativas à preservação, à conservação e ao uso sustentável dos recursos am-
bientais e sua fiscalização, além do estudo ambiental e a emissão de licenças
ambientais de empreendimentos a nível nacional, entre outros.

• INEA – Instituto Estadual do Ambiente – No caso do Estado


do Rio de Janeiro, foi criado por meio da Lei nº 5.101, de
04 de outubro de 2007, o Instituto Estadual do Ambiente
(INEA) com a missão de proteger, conservar e recuperar o
meio ambiente para promover o desenvolvimento sustentável.
O novo instituto, instalado em 12 de janeiro de 2009, unifica
e amplia a ação dos três órgãos ambientais vinculados à Secre-
taria de Estado do Ambiente (SEA): a Fundação Estadual de
Engenharia e Meio Ambiente (Feema), a Superintendência
Estadual de Rios e Lagoas (Serla) e o Instituto Estadual de
Florestas (IEF).
• ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodi-
versidade - Criado dia 28 de agosto de 2007, pela Lei 11.516,
o ICMBio é uma autarquia em regime especial vinculado ao
Ministério do Meio Ambiente e integra o Sistema Nacional
do Meio Ambiente (SISNAMA). Possui o encargo de executar

FGV DIREITO RIO 80


Direito Marítimo

as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação


(Lei 9.985 de 2000), podendo propor, implantar, gerir, pro-
teger, fiscalizar e monitorar as UCs instituídas pela União.
Ademais, fomenta e executa programas de pesquisa; proteção;
preservação e conservação da biodiversidade e exerce o poder
de polícia ambiental para a proteção das Unidades de Conser-
vação Federais.
• OMMA – Órgão Municipal de Meio Ambiente (Secretaria de
MA, p.ex.) – o Município tem competência para proteger o
meio ambiente, nos termos do art. 23 da CRFB/1988. Assim,
cabe ao Município exercer o poder de polícia considerando o in-
teresse local, mas respeitando as competências dos Estados e da
União Federal. A competência municipal para o licenciamento
ambiental foi legitimada pelo Art. 6° da Resolução nº 237/1997
do CONAMA,71 já que cabe aos Municípios legislarem sobre o
interesse local nos termos do art. 30, I, da CRFB/1988.

3.4.3.3 Autoridade Marítima

A instituição responsável pela regulamentação e controle dos transportes


aquaviários, no que se refere à segurança da navegação e a proteção ao meio
ambiente marinho, é a Marinha do Brasil, na forma do art. 3º da “LESTA”,
Lei 9.53797.
Assim, dentro dessa estrutura cabe à Diretoria de Portos e Costas – DPC,
vinculada à Marinha do Brasil, acompanhar e fiscalizar as embarcações, no
tocante à segurança e proteção do meio ambiente marinho, assim como a
capacitação de marítimos e a composição das tripulações.
Por sua vez, as delegacias das Capitanias dos Portos estão subordinadas à
Diretoria de Portos e Costas, sendo certo que, inclusive as decisões das Capi-
tanias dos Portos, poderão ser revistas pela Diretoria de Portos e Costas, por
meio da interposição de competente recurso.

3.4.3.4 Modalidades de sanções administrativas

Encontram-se no Art. 72 da lei 9.605/98 e no art. 3º do Decreto


6.514/2008.
 Advertência;
 Multa simples;
 Multa diária;
 Apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, ins-
trumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza
utilizados na infração; 71
Conselho Nacional do Meio Ambiente.

FGV DIREITO RIO 81


Direito Marítimo

Destruição ou inutilização do produto;
Suspensão de venda e fabrica-



ção do produto;
Embargo de obra ou atividade;

Demolição de obra;

Suspensão parcial ou total de atividades;

Restritiva de direitos: que poderá ser suspensão de registro, licença ou

autorização; cancelamento de registro, licença ou autorização; perda
ou restrição de incentivos e benefícios fiscais; perda ou suspensão da
participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais
de crédito; proibição de contratar com a Administração Pública, pelo
período de até três anos;
Reparação dos danos causados.

3.4.3.5 Observações pertinentes às sanções administrativas

Artigo 72, § 3º da Lei nº 9.605/1998:

A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negli-


gência ou dolo:
I - Advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, dei-
xar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SIS-
NAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA
ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.

Percebe-se, portanto, que a letra da lei pressupõe uma advertência anterior e, so-
mente se não sanada (intencionalmente ou por negligência), poderá receber multa.
A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou
outra medida pertinente, de acordo com o objeto jurídico lesado. E o valor
da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e
corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação
pertinente, sendo o mínimo de R$ 50,00 e o máximo de R$ 50.000.000,00.
Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental
serão revertidos a vários fundos, conforme dispuser o órgão arrecadador.

3.4.3.6 O processo administrativo ambiental

A Lei nº 9.605/1998, em seu Capítulo VI – da Infração Administrativa,


artigos 70 ao 76,72 prevê norma geral sobre as infrações administrativas am-
bientais. Tais infrações, a depender do bem afetado e de localização, podem
demandar competência tanto da União, quanto Estados e Municípios na
proteção do meio ambiente, respeitada a divisão constitucional de compe-
tência de cada ente da federação. 72
Lei nº 9.605/1998.

FGV DIREITO RIO 82


Direito Marítimo

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda


ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo,
promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração
ambiental e instaurar processo administrativo os funcioná-
rios de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de
Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de
fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos,
do Ministério da Marinha.
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, pode-
rá dirigir representação às autoridades relacionadas no pará-
grafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de in-
fração ambiental é obrigada a promover a sua apuração ime-
diata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de
corresponsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo admi-
nistrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o
contraditório, observadas as disposições desta Lei.

Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração


ambiental deve observar os seguintes prazos máximos:
I - vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação con-
tra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;
II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de
infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou
não a defesa ou impugnação;
III - vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória
à instância superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente -
SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério
da Marinha, de acordo com o tipo de autuação;
IV – cinco dias para o pagamento de multa, contados da data
do recebimento da notificação.

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as se-


guintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna
e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de
qualquer natureza utilizados na infração;

FGV DIREITO RIO 83


Direito Marítimo

V - destruição ou inutilização do produto;


VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI - restritiva de direitos.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais
infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a
elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das dis-
posições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos
regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas
neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por
negligência ou dolo:
I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas,
deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competen-
te do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministé-
rio da Marinha;
II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA
ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de
preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio
ambiente.
§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento
da infração se prolongar no tempo.
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do
caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão
aplicadas quando o produto, a obra, a atividade ou o estabe-
lecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou
regulamentares.
§ 8º As sanções restritivas de direito são:
I - suspensão de registro, licença ou autorização;
II - cancelamento de registro, licença ou autorização;
III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV - perda ou suspensão da participação em linhas de finan-
ciamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
V - proibição de contratar com a Administração Pública, pelo
período de até três anos.

FGV DIREITO RIO 84


Direito Marítimo

Art. 73. Os valores arrecadados em pagamento de multas por


infração ambiental serão revertidos ao Fundo Nacional do
Meio Ambiente, criado pela Lei nº 7.797, de 10 de julho de
1989, Fundo Naval, criado pelo Decreto nº 20.923, de 8 de
janeiro de 1932, fundos estaduais ou municipais de meio am-
biente, ou correlatos, conforme dispuser o órgão arrecadador.

Art. 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbi-
co, quilograma ou outra medida pertinente, de acordo com o
objeto jurídico lesado.

Art. 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixa-
do no regulamento desta Lei e corrigido periodicamente, com
base nos índices estabelecidos na legislação pertinente, sendo
o mínimo de R$ 50,00 e o máximo de R$ 50.000.000,00.

Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Mu-


nicípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa fe-
deral na mesma hipótese de incidência.

Nesse particular, conforme dispõe o art. 70 da Lei nº 9.605/1998, infra-


ção administrativa será considerada toda ação ou omissão que viole as regras
de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
Assim, em havendo infração administrativa ambiental, será lavrado auto
de infração, no qual deverá vir expressa a norma jurídica violada.
Com efeito, as infrações administrativas serão apuradas em processos ad-
ministrativos próprios, sempre observando os princípios constitucionais de
ampla defesa e contraditório, cujos prazos máximos para apresentação de
defesa, recurso etc. estão previstos em lei, vejamos:
 20 dias para apresentar defesa ao auto de infração;
 30 dias para a autoridade julgar o auto de infração;
 20 dias para recurso da decisão;
 5 dias para pagamento da multa.
Ressalte-se que tais prazos podem ser alterados segundo a lei local, confor-
me leciona o Prof. Paulo Afonso Leme Machado:73

A lei estabeleceu prazos máximos para apuração da infração am-


biental. Vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação
contra o auto de infração; 30 dias para a autoridade julgar o auto
de infração e 20 dias para o infrator recorrer da decisão conde- 73
MACHADO, Paulo Affonso Leme.
Direito Ambiental. 9. ed. São Paulo:
natória à instância superior, e 5 dias para pagamento de multa. Malheiros, 2001. p. 294.

FGV DIREITO RIO 85


Direito Marítimo

Como a finalidade do estabelecimento de “prazos máximos”


(art. 71, caput) é não permitir o retardamento do processo,
parece-nos que Estados e Municípios poderão suplementar a
lei prazos menores, e não maiores.

No que se refere, especificamente, aos recursos, estes podem ser dirigidos


ao SISNAMA74 ou à DPC – Diretoria de Portos e Costas, dependendo do
tipo de autuação.
Quanto às sanções administrativas, cumpre destacar as seguintes:
 Advertência;
 Multa simples ou diária;
 Embargo de obra ou atividade;
 Suspensão parcial ou total de atividade.
Dentre as sanções acima citadas, cumpre esclarecer que apesar da respon-
sabilidade civil ambiental ser, em regra, objetiva, o requisito culpa será consi-
derado no caso da imposição de multa diária. A multa na poluição das águas
por óleo, nos termos do §2° do Art. 25 da Lei nº 9.966/2000, poderá variar
de R$ 7.000,00 a R$ 50.000.000,00.
Por fim, convém notar que qualquer acidente que possa causar poluição
das águas, ocorrido em portos organizados, instalações portuárias, dutos, na-
vios, plataformas e suas instalações de apoio,75 deve ser comunicado ao órgão
ambiental competente, bem como à Capitania dos Portos e à ANP.76

3.4.3.7 A importância do laudo ambiental para a autuação pela Autoridade


Marítima

A autuação deve ter como base, tanto a existência do fato em si e suas


peculiaridades, como também a análise criteriosa e técnica da extensão e gra-
vidade do dano.
A Autoridade Marítima, antes mesmo de constatado o efetivo dano, autua
o suposto causador sem a devida aferição do nível de sua gravidade ou mes-
mo sem conhecimento da extensão de suas consequências.
Despiciendo realçar que a mesma quantidade de poluentes causa efeitos
74
Sistema Nacional do Meio Ambiente.
(extensão e gravidade) muito diferentes a depender do sítio e biomas em que
75
Lei nº 9.966/2000 – “Art. 22. Qual-
ocorre a descarga. Seria o caso, por exemplo, da simples comparação entre os quer incidente ocorrido em portos
efeitos de um vazamento no meio do mar, em ambiente sem vida marinha organizados, instalações portuárias,
dutos, navios, plataformas e suas
fixa e onde o solo marinho se encontra a mais de 1,5 km de profundidade instalações de apoio, que possa pro-
vocar poluição das águas sob jurisdição
com fundo de areia em comparação ao lançamento na Baía de Ilha Grande nacional, deverá ser imediatamente
comunicado ao órgão ambiental com-
(Mangaratiba/Angra dos Reis) ou em Arraial do Cabo. petente, à Capitania dos Portos e ao
Entretanto, tal só virá a ser constada após a apresentação de defesa pelo órgão regulador da indústria do petró-
leo, independentemente das medidas
suposto poluidor, demonstrando os resultados dos trabalhos de contin- tomadas para seu controle.”.

gência, mitigação e/ou reparação, com as consequências dali advindas. 76


Agência Nacional do Petróleo.

FGV DIREITO RIO 86


Direito Marítimo

Nesse particular, caso não apresente defesa, o autuado arcará com o ônus
da arbitrária penalidade aplicada pela Autoridade Marítima, pois eventual
multa aplicada não terá por escopo as consequências ambientais advindas do
incidente, mas meramente a ocorrência do incidente por si só.
Importante destacar que o processo é regido pela NORMAM n° 09 (Por-
taria nº 261 de 23/12/2011), que estabelece o procedimento de inquéritos
administrativos sobre acidentes e fatos da navegação.

3.5. Outros aspectos relativos à poluição marítima

3.5.1 Da Prevenção/Mitigação/Redução/Compensação dos Danos


Ambientais

A preservação do meio ambiente possui três formas de atuação: prevenção,


mitigação e reparação. A prevenção é a mais importante, já que o dano sequer
ocorreu, havendo mero risco de dano, sendo, portanto, a mais econômica;
após a ocorrência do dano, há a mitigação e a reparação, conforme a seguir:
 Prevenção: a fim de se prevenir os danos ambientais é preciso ter exata
delimitação de seus riscos. Neste caso a ação é inibitória e as atitudes
são acauteladoras.
 Mitigação: a mitigação é a redução do dano ainda em momento rela-
tivamente próximo ao evento/sinistro. As ações de mitigação poderão
ser identificadas também através do EIA,77 por exemplo.
 Reparação: a reparação é a reconstituição daquilo que foi destruído,
sempre que possível. Procura-se por meio da reparação o retorno ao
equilíbrio ecológico. Neste caso tem-se, usualmente, o ressarcimento,
sendo, contudo, que tal indenização será a opção tão somente quando
a reconstituição não for possível, já que a meta principal é o retorno ao
status quo ante.

3.5.2 Lugares de Refúgio

No intuito de buscar meios para a efetiva proteção ambiental, além de méto-


dos eficientes de contenção de danos, a IMO – Organização Marítima Interna-
cional clama por atenção para a necessidade de criação dos “lugares de refúgio”.
Os acidentes com os navios “Prestige” e “Castor” são exemplos dessa ne-
cessidade. No primeiro caso, o navio “Prestige”, de bandeira das Bahamas,
causou enormes estragos nas águas da Galícia, onde as comunidades depen-
dem do mar para a subsistência; sem ter autorização para atracar e providen-
ciar os devidos e urgentes reparos vagou por várias costas nacionais, até que,
em face do mau tempo, seu casco abriu um rombo, derramando toneladas de
óleo naquelas águas e atingindo várias praias da região. 77
Estudo de Impacto Ambiental.

FGV DIREITO RIO 87


Direito Marítimo

Já no segundo caso, o navio “Castor”, de bandeira cipriota, teve um final


mais feliz. Após sofrer com o mau tempo, apresentou uma rachadura em seu
convés e, mesmo após seis semanas, banido dos portos dos países da costa do
Mediterrâneo, a Tunísia concedeu-lhe um lugar de refúgio, o que permitiu
que a carga do navio fosse transportada para outro, podendo então sofrer os
reparos devidos, sem que qualquer dano ambiental tenha sido causado.
No caso do navio “Castor”, certamente, os danos ambientais foram evi-
tados pela possibilidade de atracação e consecução dos reparos devidos, uma
vez encontrado um lugar de refúgio. Portanto, a regulamentação dos chama-
dos “lugares de refúgio” tem como uma de suas razões fundamentais a preo-
cupação com o meio ambiente marinho e a necessidade de sua preservação.
Com efeito, devem-se entender “locais de refúgio” como sítios – aí en-
tendidos no sentido amplo, e não apenas portos, mas também baías e outros
espaços – onde navios necessitados de reparos poderão ser atendidos, esta-
bilizando ou reduzindo os perigos da navegação, tanto para a vida humana
quanto para o meio ambiente marinho regional.
O grande problema na regulamentação dos lugares de refúgio é a sua
força coercitiva, já que os Estados costeiros têm direito à preservação de sua
costa e do seu meio marinho. Ademais, a princípio, só há obrigatoriedade
no oferecimento de ajuda pelo Estado costeiro no caso em que estiver em
perigo a vida humana, pois nestes casos aplicar-se-ia o convênio SOLAS78
de 1974. Ressalte-se que no caso de não haver vida humana envolvida,
poderá o armador negociar com o Estado costeiro o oferecimento do lugar
de refúgio mediante uma contraprestação financeira, inclusive para a repa-
ração de eventual dano causado pela embarcação.
No Brasil a Lei Federal 7.203/84 dispõe sobre a assistência e salvamen-
to de embarcação, coisa ou bem em perigo no mar, nos portos e nas vias
navegáveis interiores. De acordo com a Lei 9.537/97 compete à autori-
dade marítima:

Art. 4° São atribuições da autoridade marítima:


VIII - definir áreas marítimas e interiores para constituir
refúgios provisórios, onde as embarcações possam fundear
ou varar, para execução de reparos;

É possível ainda conjugar com o art. 5º da lei em epígrafe:

Art. 5ºA embarcação estrangeira, submetida à inspeção


naval, que apresente irregularidades na documentação ou
condições operacionais precárias, representando ameaça de
danos ao meio ambiente, à tripulação, a terceiros ou à segu- 78
International Convention for the
Safety of Life at Sea, ratificada pelo
rança do tráfego aquaviário, pode ser ordenada a: Brasil pelo Decreto nº 87.186/1982.

FGV DIREITO RIO 88


Direito Marítimo

I - não entrar no porto;


II - não sair do porto;
III - sair das águas jurisdicionais;
IV - arribar em porto nacional.

Assim, é preciso analisar caso a caso a necessidade de oferecimento do


lugar de refúgio, balanceando os interesses dos armadores e os interesses do
Estado costeiro em preservar seu meio marinho.

3.5.3 Seguros para riscos ambientais

Considerando-se a importância do tema, já que a poluição ambiental vem


ganhando relevância, as empresas, a fim de proteger-se contra riscos de danos
ambientais, além de garantirem maior segurança aos negócios e valorização
acionária, providenciam que eventuais danos ao meio ambiente estejam co-
bertos por seguros.
Com efeito, os danos ambientais têm se tornado, frequentemente, um
risco aos seguradores e resseguradores, ensejando a criação de uma apólice
específica denominada EIL – Environmental Impairment Liability. Em tais
casos, as subscrições vêm acompanhadas de estudos específicos do local a ser
segurado e com avaliação dos riscos.
Mas outras maneiras de segurar dos riscos merecem destaque, dentre elas a
cobertura securitária do P&I, formado por clubes que atuam como seguradores.
A Lei 8.374/91 dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais cau-
sados por embarcações ou por sua carga e dá outras providências.

3.5.4 P&I (Protection & Indemnity)

O P&I (Protection and Indemnity) é constituído de clubes que funcionam


como seguradores independentes, sem finalidades lucrativas, os quais cobrem
os armadores e seus afretadores contra responsabilidades decorrentes dos trans-
portes marítimos por seus navios, oferece cobertura de indenização em riscos
variados; promove vistorias de cargas, avarias, condições de navegabilidade;
presta fiança em caso de arresto; oferece proteção e orientação aos armadores em
qualquer porto do mundo, além de prestar assistência aos associados em litígios.

3.5.4.1 Cobertura P&I para poluição

Com a crescente exposição dos armadores a danos ambientais, especial-


mente no caso dos navios-tanques transportadores de petróleo e seus deriva-
dos ou de minérios, surge a necessidade para os armadores de segurarem suas
embarcações, caso venham a causar dano ambiental e sejam compelidos a
reparar tal dano, sempre muito vultoso.

FGV DIREITO RIO 89


Direito Marítimo

Nesse contexto, os clubes seguradores passam a cobrir a responsa-


bilidade por dano ambiental, mas limitam a indenização por poluição
por óleo, em geral, mas a depender de cada caso, ao patamar de US$
1,000,000,000.00 sem franquia por incidente. Ademais, há a previsão
de que no caso de vazamento persistente de óleo dos navios-tanques, a
cobertura será conforme o patamar da Convenção Internacional de Res-
ponsabilidade Civil por Óleo (CLC).
Muito relevante ressaltar que a grande dificuldade para ambas as par-
tes é a impossibilidade de pré-aquilatar o prejuízo a ser eventualmente
ressarcido, deixando os clubes em uma situação de risco muito grande.
Um acidente ambiental, dependendo do local, das marés, do produto,
do tempo e etc., pode variar enormemente o dano e, por consequência, a
indenização a ser paga.
Os principais riscos cobertos pelo P&I são os seguintes:

• Responsabilidade Civil de prejuízos, danos ou contaminações


causadas pelo derrame ou emanação de qualquer substância,
não apenas de óleo, mas também gases, produtos químicos,
esgotos e lixos;
• Despesas com limpeza de áreas poluídas ou contaminadas;
• Custos com medidas impostas por normas governamentais
para prevenção ou minimização do dano ambiental;
• Responsabilidade Civil por medidas tomadas por empresa de
salvatagem com a finalidade de prevenir a ocorrência de um
acidente de poluição.

A lavagem de tanques, e o bombeamento de água oleosa no mar, não são


considerados acidentes, razão pela qual não ensejam a cobertura do P&I.

4. Direito Portuário Ambiental

As questões do Direito Marítimo guardam proximidade com os temas de


Direito Portuário, razão pela qual contribuiremos com uma breve digressão
sobre alguns aspectos importantes e que com o novo marco portuário, preci-
sam ser revisitados e estudados melhor pelos interessados.
O transporte marítimo desde os tempos arcaicos sempre foi o meio mais
utilizado pelo comércio global. Com a globalização e a intensificação das
transações internacionais, nos últimos tempos, aumentou drasticamente o
fluxo de bens, exigindo cada vez mais ampliação e modernização das instala-
ções portuárias por todo o mundo.

FGV DIREITO RIO 90


Direito Marítimo

De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e De-


senvolvimento (UNCTAD) estima-se que o transporte marítimo lida com
mais de 80% do comércio mundial em volume79, muito a frente dos trans-
portes aéreos e terrestres, e a porcentagem é ainda maior para a maioria dos
países em desenvolvimento.
Atualmente, o transporte marítimo/portuário está enfrentando um novo
e complexo momento, o que envolve tanto desafios como oportunidades.
Na busca soluções para esta problemática e em razão da necessidade de
proteger o meio ambiente costeiro e marinho sem impedir o desenvolvimen-
to econômico, os portos devem se adequar às normas ambientais preventivas,
mitigatórias ou compensatórias para evitar e/ou reduzir os impactos gerados
por suas próprias instalações e pelas embarcações.
Observa-se que os empreendimentos portuários são implantados em lo-
cais que podem guardar imensa importância ambiental por sua variedade de
fauna e flora, sendo estes altamente sensíveis aos impactos negativos provo-
cados pelo homem.
Os portos, na maioria das vezes, são construídos em localidades de na-
tureza favorável e abrigados, como regiões de estuários e baías, onde a ação
das ondas é mínima possibilitando atividades de atracação, carga e descarga,
dentre outros. Quando instalados fora dessa área, os riscos ambientais já são
potencializados e iminentes, pois é necessária a construção de quebra-mares,
alargam-se ou dragam-se rios e canais, etc.
Sendo assim, as estruturas organizacionais desses empreendimentos devem
ser capazes de atender aos cuidados e demandas ambientais. E por tal motivo
são necessárias ações diversas, como, por exemplo, a educação ambiental dos
agentes portuários, que geralmente é definida como uma condicionante no
processo de licenciamento.80

4.1 Aspectos Gerais do setor portuário brasileiro

O Brasil possui cerca de 8.500 km de litoral, onde há 34 portos organiza- 79


Disponível em: <http://unctad.org/
dos81 e cerca de 120 terminais de uso privado, com grande variação nos tipos en/Pages/Publications/Review-of-
-Maritime-Transport-(Series).aspx>.
e volumes de carga movimentada e de capacidade. Como se pode imaginar, Acesso em: 19/08/2015.

há uma enorme variedade de tipos de carga e terminais, públicos ou privados 80


ALVES, Marina. O que as Mudanças
Climáticas, a Sustentabilidade, o Prin-
equipados e especializados em movimentar produtos muitas das vezes muito cípio da Precaução e do Poluidor-Pa-
poluentes ou nocivos ao meio ambiente. gador, as Evidências e Outras Questões
Ambientais se Relacionaram de Forma
A grande parte destes terminais são especializados em uma pequena série Simples com a Atividade Portuária. In:
Direito Portuário: contratos, regu-
de produtos, como o minério de ferro, combustível e óleos minerais, poten- lação e mercado. (Conclusões do III
Seminário sobre Direito Portuá-
cialmente poluentes. rio). Brasília: IP. 2011, p. 153.
Com a promulgação recente da lei 12.815/2013, um novo panorama no 81
Ver também: Principais Portos do
setor portuário instaurou-se, tendo como principal objetivo a reformulação Brasil. Disponível em:
< http://www.antaq.gov.br/Portal/
da legislação possibilitando a ampliação do setor à iniciativa privada. Portos_PrincipaisPortos.asp>.

FGV DIREITO RIO 91


Direito Marítimo

Nota-se que no Brasil, as cargas são transportadas soltas ou conteineriza-


das, além da divisão de granéis sólidos, granéis líquidos e de carga em geral. A
título exemplificativo, os principais produtos sólidos são o minério de ferro;
farelo de soja; bauxita; milho; fertilizantes; carvão; dentre outros. Já os prin-
cipais granéis líquidos são os combustíveis e óleos minerais. E as principais
cargas soltas são produtos de aço; plástico; aves congeladas; equipamentos
eletrônicos e produtos químicos orgânicos.82
Cabe ressaltar que somente no 1º semestre de 2015 o Brasil movimentou
cerca de 479 milhões de toneladas de carga nos portos, isto significa dizer que
o país teve um aumento de 3%, comparado com o mesmo período do ano
passado, de acordo com a ANTAQ, tendo o Sudeste do país o maior destaque.
De acordo com o órgão, em seu Relatório Estatístico Semestral de 2015,
esse aumento se deve ao investimento em maiores navios e profundidades,
além de um melhor aproveitamento das embarcações, o que gera o aumento
direto da produtividade.

4.2 Licenciamento e Gestão Ambiental Portuária

O meio ambiente como um bem difuso carece de ferramentas para exercer


seu papel, e de acordo com as diretrizes da Política Nacional do Meio Am-
biente foi criado o Licenciamento Ambiental, objetivando o controle prévio
à construção; instalação e operação de estabelecimentos ou atividades poten-
cialmente poluidoras ou degradadoras do meio ambiente.

O licenciamento ambiental é o instrumento capaz de garan-


tir ao empreendedor o reconhecimento público de que suas
atividades estão sendo desenvolvidas em conformidade com
a legislação ambiental, em observância à qualidade ambiental
dos recursos naturais e à sua sustentabilidade.83

Cumpre destacar que de acordo com o Anexo 1 da Resolução CONAMA


237/97, os empreendimentos portuários são sujeitos ao licenciamento am-
biental. Quando esses empreendimentos abrangem o litoral de vários esta-
dos, a regulação é realizada pelo IBAMA. Ademais, quando o licenciamento
envolve áreas dos portos públicos, TUP e obras de acesso terrestre e marí-
timo, a Secretaria de Portos (SEP) acompanha e coordena os processos de 82
GÓIS SOBRINHO, Ednaldo Moreno.
Análise dos Impactos Econômicos dos
licenciamento ambiental. Investimentos no Porto de Suape –
Parte I Disponível em:
O processo de licenciamento ambiental é classificado três etapas, <http://www.fipe.org.br/publicacoes/
quais sejam: Licença Prévia (LP); Licença de Instalação (LI) e Licença de downloads/bif/2014/3_17-25-edn.pdf >.

Operação (LO), como previsto no artigo 8° da Resolução CONAMA n° 83


Disponível em: < http://www.por-
tosdobrasil.gov.br/assuntos-1/meio-
237/97; vejamos: -ambiente>.

FGV DIREITO RIO 92


Direito Marítimo

Art. 8º - O Poder Público, no exercício de sua competência de


controle, expedirá as seguintes licenças:
I - Licença Prévia (LP) - concedida na fase preliminar do pla-
nejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua
localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e
estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem
atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II - Licença de Instalação (LI) - autoriza a instalação do em-
preendimento ou atividade de acordo com as especificações
constantes dos planos, programas e projetos aprovados, in-
cluindo as medidas de controle ambiental e demais condicio-
nantes, da qual constituem motivo determinante;
III - Licença de Operação (LO) - autoriza a operação da ativi-
dade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cum-
primento do que consta das licenças anteriores, com as me-
didas de controle ambiental e condicionantes determinados
para a operação.
Parágrafo único - As licenças ambientais poderão ser expe-
didas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza,
características e fase do empreendimento ou atividade.84

Esta classificação proporcionou um tratamento mais meticuloso e seguro


no processo de concessão de licenças; concedendo uma maior atenção aos
estudos técnicos elaborados e um maior acompanhamento cumprimento das
condicionantes ambientais.
Inicialmente, o empreendedor deve coletar informações básicas do em-
preendimento, como a localização do empreendimento; particularidades do
bioma da área diretamente afetada pelo empreendimento ou atividade; ca-
racterísticas da carga a ser movimentada; dentre outros elementos.
De posse deste dossier com os variados elementos, o Órgão Ambiental
emite um documento chamado Termo de Referência com as indicações dos
estudos e necessidades prévias para o processo de licenciamento. E nesse sen-
tido, a nova Lei dos Portos (Lei 12.815/2013) ao mencionar os requisitos
para a instalação dos portos e instalações portuárias aponta em seu Art.14,
inciso III a necessidade de elaboração do Termo de Referência.
Para cada etapa do processo de licenciamento, o empreendedor possui
diversas exigências que são norteadas pelo Termo de Referência e a partir das
orientações do órgão ambiental competente são exigidos estudos específicos,
elaborados e custeados pelo empreendedor, para a coleta de dados, como: 84
BRASIL. Resolução CONAMA n° 237
oceânicos e atmosféricos; uso e comparativos com dados anteriores; subsídios de 19 de dezembro de 1997. Disponível
em: http://www.mma.gov.br/port/
que comprovem os benefícios e malefícios; dentre outros. conama/legiano.cfm?codlegitipo=3.

FGV DIREITO RIO 93


Direito Marítimo

Na obtenção da LP é indispensável à elaboração do Estudo de Impactos


Ambientais e um Relatório de Impacto do Meio Ambiente (EIA-RIMA),
produzidos com base nas orientações do órgão ambiental licenciador; são os
mais importantes documentos que particularizam o impacto e a viabilidade
ambiental do empreendimento ou atividade.
Para alcançar a LI, que autoriza o início das obras de instalação do em-
preendimento, é obrigatória a elaboração de estudos específicos, como o Re-
latório de Controle Ambiental e Plano Básico Ambiental (RCA/PBA), que
possuem o escopo de detalhar as ações para minimizar os impactos do empre-
endimento. Além desses, também é obrigatória a apresentação do Programa
de Gerenciamento Ambiental.
Já com a LO, o órgão ambiental autoriza a atividade portuária a ser exer-
cida plenamente, desde que o empreendedor elabore o Plano Básico Am-
biental, que especifica os programas ambientais para mitigação dos impactos
negativos e maximização dos impactos positivos causados pelo empreendi-
mento ou atividade.
A parte legal do processo de Licenciamento Ambiental inicia na
CRFB/88; e tem como base a Lei n°. 6.938/81 com as alterações constantes
a Lei Complementar nº 140/2011; a Resolução do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (CONAMA) n° 01/1986, que estabeleceu diretrizes gerais
para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA); e a Resolução CONAMA n°
237/1997, que estabeleceu procedimentos e critérios, e reafirmou os prin-
cípios de descentralização presentes na Política Nacional de Meio Ambien-
te e na Constituição da República.
Nota-se, portanto, que o licenciamento é essencial para o desenvolvimen-
to das atividades portuárias, permitindo que sejam estabelecidas condicio-
nantes para mitigar os impactos ambientais gerados, evitando a degradação
do ecossistema. A partir disso, os portos devem adotar um processo de gestão
ambiental para alcançar a sustentabilidade do empreendimento.
A Resolução CONAMA 306/02 define Gestão Ambiental como “con-
dução, direção e controle do uso dos recursos naturais, dos riscos ambien-
tais e das emissões para o meio ambiente, por intermédio do sistema de
gestão ambiental.”.
Em relação aos portos, a gestão ambiental é a implantação contínua
de processos, tecnologias, procedimentos e métodos operacionais para eli-
minar ou controlar os impactos ambientais decorrentes de sua operação e
desenvolvimento.
Cumpre ressaltar que na ocorrência de danos ao meio ambiente, o licen-
ciamento, que é continuamente analisado, poderá ser regularizado mediante
Termo de Compromisso (TC), nos termos da Lei n° 9.605/98 alterada pela
Medida Provisória nº 2.163-41, de 23.8.2001, a seguir:

FGV DIREITO RIO 94


Direito Marítimo

Art. 79-A. Para o cumprimento do disposto nesta Lei, os ór-


gãos ambientais integrantes do SISNAMA, responsáveis pela
execução de programas e projetos e pelo controle e fiscalização
dos estabelecimentos e das atividades suscetíveis de degrada-
rem a qualidade ambiental, ficam autorizados a celebrar, com
força de título executivo extrajudicial, termo de compromisso
com pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pela construção,
instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e
atividades utilizadores de recursos ambientais, considerados
efetiva ou potencialmente poluidores.
§ 1o O termo de compromisso a que se refere este artigo desti-
nar-se-á, exclusivamente, a permitir que as pessoas físicas e ju-
rídicas mencionadas no caput possam promover as necessárias
correções de suas atividades, para o atendimento das exigên-
cias impostas pelas autoridades ambientais competentes, sen-
do obrigatório que o respectivo instrumento disponha sobre:
I - o nome, a qualificação e o endereço das partes compromis-
sadas e dos respectivos representantes legais;
II - o prazo de vigência do compromisso, que, em função da
complexidade das obrigações nele fixadas, poderá variar entre
o mínimo de noventa dias e o máximo de três anos, com pos-
sibilidade de prorrogação por igual período;
III - a descrição detalhada de seu objeto, o valor do investi-
mento previsto e o cronograma físico de execução e de im-
plantação das obras e serviços exigidos, com metas trimestrais
a serem atingidas;
IV - as multas que podem ser aplicadas à pessoa física ou jurí-
dica compromissada e os casos de rescisão, em decorrência do
não cumprimento das obrigações nele pactuadas;
V - o valor da multa de que trata o inciso IV não poderá ser
superior ao valor do investimento previsto;
VI - o foro competente para dirimir litígios entre as partes.
§ 2o No tocante aos empreendimentos em curso até o dia
30 de março de 1998, envolvendo construção, instalação,
ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou
potencialmente poluidores, a assinatura do termo de compro-
misso deverá ser requerida pelas pessoas físicas e jurídicas inte-
ressadas, até o dia 31 de dezembro de 1998, mediante reque-
rimento escrito protocolizado junto aos órgãos competentes
do SISNAMA, devendo ser firmado pelo dirigente máximo
do estabelecimento.

FGV DIREITO RIO 95


Direito Marítimo

§ 3o Da data da protocolização do requerimento previsto no


§ 2o e enquanto perdurar a vigência do correspondente ter-
mo de compromisso, ficarão suspensas, em relação aos fatos
que deram causa à celebração do instrumento, a aplicação de
sanções administrativas contra a pessoa física ou jurídica que
o houver firmado. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.163-
41, de 23.8.2001)
§ 4o A celebração do termo de compromisso de que trata este
artigo não impede a execução de eventuais multas aplicadas
antes da protocolização do requerimento.
§ 5o Considera-se rescindido de pleno direito o termo de
compromisso, quando descumprida qualquer de suas cláusu-
las, ressalvado o caso fortuito ou de força maior.
§ 6o O termo de compromisso deverá ser firmado em até no-
venta dias, contados da protocolização do requerimento.
§ 7o O requerimento de celebração do termo de compro-
misso deverá conter as informações necessárias à verificação
da sua viabilidade técnica e jurídica, sob pena de indeferi-
mento do plano.
§ 8o Sob pena de ineficácia, os termos de compromisso de-
verão ser publicados no órgão oficial competente, mediante
extrato.

Curioso observar que existe a inclusão de 1% de recursos (pelo menos)


nos Projetos de Obras Federais para prevenção e correção de prejuízos de na-
tureza ambiental, conforme estabelecido pelo Decreto nº 95.733 de 198885,
ainda em vigor, com a seguinte redação:

DECRETO Nº 95.733, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1988.


Dispõe sobre a inclusão, no orçamento dos projetos e obras
federais, de recursos destinados a prevenir ou corrigir os pre-
juízos de natureza ambiental, cultural e social decorrente da
execução desses projetos e obras.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição
que lhe confere o artigo 81, item III, da Constituição, e
[...]
Art. 1° No planejamento de projetos e obras, de médio e
grande porte, executados total ou parcialmente com recursos
federais, serão considerados os efeitos de caráter ambiental, 85
BRASIL. Decreto nº 95.733, de 12 de
cultural e social, que esses empreendimentos possam causar fevereiro de 1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
ao meio considerado. decreto/Antigos/D95733.htm>.

FGV DIREITO RIO 96


Direito Marítimo

Parágrafo único. Identificados efeitos negativos de natureza


ambiental, cultural e social, os órgãos e entidades federais in-
cluirão, no orçamento de cada projeto ou obra, dotações cor-
respondentes, no mínimo, a 1 % (um por cento) do mesmo
orçamento destinadas à prevenção ou à correção desses efeitos.

4.3 Transporte de Cargas Perigosas

Entendem-se como cargas perigosas aquelas que são explosivas, inflamá-


veis, oxidantes, venenosas, infectantes, radioativas, corrosivas ou contami-
nantes que podem apresentar riscos à tripulação, ao navio, às instalações por-
tuárias ou ao meio ambiente aquático (NORMAM 29).
Regulamentos nacionais e internacionais disciplinam as operações de
identificação, acondicionamento, etiquetagem, empacotamento e docu-
mentação de cargas perigosas nas instalações portuárias, entre os quais:
IMDG Code (International Maritime Dangerous Goods); “Revision of the
Recommendations on the Safe Transport of Dangerous Cargoes and Related
Activities in Port Areas” da IMO; a Norma Regulamentadora 29 (NR - 29)
do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Na legislação brasileira, como o transporte aquaviário de cargas especiais
e perigosas é de competência da ANTAQ, conforme o disposto no art. 23
da lei 10.233/01, e assim sendo, a agência publicou a Resolução 2.239, de
15 de setembro de 2011, estimulando a integridade das instalações, prote-
gendo o meio ambiente e garantindo o trânsito seguro dessas cargas pelas
instalações dos portos.
Ademais, importante destacar a existência da Convenção Internacional
sobre Responsabilidade e Compensação por Danos Conexos com o Trans-
porte de Substâncias Nocivas e Perigosas por Mar (HNS), a qual foi nego-
ciada no ano de 1996, em Londres, porém sua adesão pelo Brasil ainda está
sendo estudada.

4.4 Dragagem

A dragagem é uma das operações essenciais para a construção e manuten-


ção dos portos, pois permite a continuidade operacional e das condições de
navegabilidade através da remoção, limpeza, desobstrução, derrocamento ou
escavação de material do fundo do mar.
Pode ser realizada no momento da implantação do porto para aumentar ou
manter a profundidade do canal de navegação, no cais de atracação e na bacia
de evolução, sendo também realizada periodicamente para manter ou alcan-
çar as profundidades necessárias para a passagem de embarcações maiores.

FGV DIREITO RIO 97


Direito Marítimo

Contudo, a dragagem sempre foi um desafio para empresas e órgãos am-


bientais ante a dificuldade de estabelecer regras que ajustassem o respeito aos
parâmetros ambientais e a expansão das atividades econômicas.
Em 2003, a NORMAM 1186 estabeleceu algumas normas e procedimen-
tos para padronizar a autorização para as atividades de dragagem e de emissão
de parecer atinente a aterros, em águas jurisdicionais brasileiras (AJB), no que
concerne ao ordenamento do espaço aquaviário e à segurança da navegação.
Porém, foi apenas em 2004 que o CONAMA estabeleceu a Resolução
344/04 a nível federal devido à ausência de padrões ambientais nacionais
para sedimentos, a qual estabelece as diretrizes gerais e procedimentos míni-
mos para avaliação do material a ser dragado em águas jurisdicionais brasilei-
ras, em conformidade com a Convenção de Londres.

Obras de Dragagem no Porto do Rio de Janeiro

4.5 Outros Institutos

Por fim, cumpre pontuar que outros institutos reforçam a preocupação


ambiental no setor marítimo e portuário como, por exemplo, a Agenda Am-
biental Portuária (APP), Índice de Desempenho Ambiental Portuário (IDA)
e Auditoria Ambiental.

86
DPC. NORMAM 11. Disponível em:
<https://www.dpc.mar.mil.br/
normam/N_11/normam11.pdf>.

FGV DIREITO RIO 98


Direito Marítimo

SUGESTÃO DE CASO GERADOR

No dia 01/01/2007, durante uma operação de transferência de nafta do


navio NT Jerry’n Gonsa para um terminal em Cubalatão, nove litros de
produto foram ao mar.
Apurou-se que o fato foi originado por despressurização na conexão en-
tre os mangotes de transferência do navio para o terminal.
A Capitania dos Portos, em rápida inspeção no local, lavrou, no mesmo
dia, auto de infração em face da embarcação, enquadrando a conduta no
art. 17 da Lei nº 9.966/2000 c/c art. 36 do Decreto nº 4.136/2002, ofere-
cendo prazo de 20 dias para a autuada apresentar defesa ou impugnação e
aplicando a multa de R$ 70.000,00.
O que o advogado da proprietária da embarcação poderia alegar em
sua defesa?

FGV DIREITO RIO 99


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas
1 Utilizadas

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental. São Paulo: Malheiros,


2008.

MARTINS, Eliane Maria Octaviano. Curso de Direito Marítimo. 4º Edição.


Volume I – Teoria Geral. São Paulo: Manole, 2013.

MILARÉ, Edis. Direito do Meio Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência,


glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

PEREIRA, Rucemah Leonardo Gomes. Impactos ambientais em desastres


marítimos. Rio de Janeiro: FUNENSEG, 2003.

PETERS, Edson Luiz; PIRES, Paulo de Tarsa de Lara. Manual de Direito


Ambiental. Curitiba: Juruá, 2000.

POLIDO, Walter. Seguros para riscos ambientais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2005.

PORTO, Marcos; TEIXEIRA, Sergio. Portos e Meio Ambiente. São Paulo:


Aduaneiras, 2002.

SCALASSARA, Lecir Maria. Poluição Marinha e proteção jurídica


internacional. Curitiba: Juruá, 2008.

SILVA, Bruno Campos. Direito Ambiental – Enfoques variados. São Paulo:


Lemos & Cruz, 2004.

FGV DIREITO RIO 100


Direito Marítimo

Eletrônicas

ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas: < http://www.abnt.org.br/>.

ABTC - Associação Brasileira de Logpistica e Transporte de Carga: < http://


www.abtc.org.br/>.

Agência Nacional de Águas: < http://www2.ana.gov.br/Paginas/default.aspx>.

Ambiente Brasil: < http://www.ambientebrasil.com.br/>.

Associação Brasileira das Empresas de Apoio Marítimo: < http://www.abeam.org.br/>.

Cais do Porto: < http://www.caisdoporto.com/v2/index.php>.

Comissão Coordenadora dos Assuntos da Organização Marítima Internacional


(CCA-IMO): <https://www.ccaimo.mar.mil.br>.

Diretoria de Portos e Costas: <https://www.dpc.mar.mil.br/pagina.html>.

ESPO - European Sea Ports Organisation: < http://www.espo.be/ >.

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais


Renováveis: < http://www.ibama.gov.br/>.

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística: < http://www.ibge.


gov.br/home/>.

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada: < http://www.ipea.gov.br/portal/>.

Marinha do Brasil: < http://www.marinha.mil.br/>.

Ministério do Meio Ambiente: <www.mma.gov.br>.

Ministério dos Transportes: < http://www.transportes.gov.br/>.

Organização Marítima Internacional: <www.imo.org>.

Porto gente: < http://portogente.com.br/>.

Secretaria de Portos: < http://www.portosdobrasil.gov.br/>.

Tribunal Marítimo: < https://www.mar.mil.br/tm/>.

UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development: <


http://unctad.org/en/Pages/Home.aspx>.

FGV DIREITO RIO 101


Direito Marítimo

Legislativas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


BRASIL. Decreto – Lei nº 1.098, de 25 de março de 1970.
BRASIL. Decreto Federal nº 4.871, de 06 de novembro de 2003.
BRASIL. Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995.
BRASIL. Decreto nº 2.870, de 10 de dezembro de 1998.
BRASIL. Decreto nº 20.923, de 08 de janeiro de 1932.
BRASIL. Decreto nº 4.136, de 20 de fevereiro de 2002.
BRASIL. Decreto nº 5.129, de 6 de julho de 2004.
BRASIL. Decreto nº 6.478, de 09 de junho de 2008.
BRASIL. Decreto nº 6.511, de 17 de julho de 2008.
BRASIL. Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008.
BRASIL. Decreto nº 8.127, de 22 de outubro de 2013
BRASIL. Decreto nº 79.437, de 28 de março de 1977.
BRASIL. Decreto nº 87.566, de 16 de setembro de 1982.
BRASIL. Decreto nº 95.733, de 12 de fevereiro de1988.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.508, de 04 de março de 1998.
BRASIL. Lei Complementar n° 104, de 10 de janeiro de 2001.
BRASIL. Lei Estadual n° 1.898, de 26 de novembro de 1991.
BRASIL. Lei Federal n° 7.203, de 03 de setembro de 1984.
BRASIL. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.
BRASIL. Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985.
BRASIL. Lei Federal nº 7.542, de 26 de setembro de 1986.
BRASIL. Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
BRASIL. Lei Federal nº 9.966, de 28 de abril de 2000.
BRASIL. Lei n° 10.166, de 27 de dezembro de 2000.
BRASIL. Lei n° 2.419, de 10 de fevereiro de 1955.
BRASIL. Lei n° 8.374, de 30 de dezembro de 1991.
BRASIL. Lei n° 9.866, de 9 de novembro de 1999.
BRASIL. Lei n° 9.966, de 28 de abril de 2000.

FGV DIREITO RIO 102


Direito Marítimo

BRASIL. Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001.


BRASIL. Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010.
BRASIL. Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013.
BRASIL. Lei nº 5.101, de 04 de outubro de 2007.
BRASIL. Lei nº 7.542, de 26 de setembro de 1986.
BRASIL. Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989.
BRASIL. Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989.
BRASIL. Lei nº 8.617, de 04 de janeiro de 1993.
BRASIL. Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997.
BRASIL. Medida Provisória no 2.163-41, de 23 de agosto 2001.
BRASIL. Normam – Normas da Autoridade Marítima.
BRASIL. Portaria MMA n° 319, de 18 de 09 de 2003.
BRASIL. Portaria nº 24, de 04 de abril de 2007.
BRASIL. Resolução ABNT NBR 10.004/2004, de 31 de maio de 2004.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 2190, de 28 de julho de 2011.
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BRASIL. Resolução ANTAQ nº 2239-, de 15 de setembro de 2011.
BRASIL. Resolução ANVISA RDC 56/2008, de 06 de agosto de 2008.
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BRASIL. Resolução CONAMA nº 001, de 23 de janeiro de 1986.
BRASIL. Resolução CONAMA nº 005, de 31 de agosto de 1993.
BRASIL. Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997.
BRASIL. Resolução CONAMA nº 293, de 12 de dezembro de 2001.
BRASIL. Resolução CONAMA nº 306, de 5 de julho de 2002.
BRASIL. Resolução CONAMA nº 344, de 7 de maio de 2004.
BRASIL. Resolução CONAMA nº 393, de 08 de agosto de 2007.
BRASIL. Resolução CONAMA nº 398, de 11 e junho de 2008.
BRASIL. Resolução CONAMA nº 472, de 27 de novembro de 2015.

FGV DIREITO RIO 103


Direito Marítimo

AULA VI – Seguros Marítimos – P&I

ROTEIRO DE ESTUDO

1. Seguros Marítimos

1.1 Aspectos gerais do contrato de seguro

A indústria da navegação e do transporte marítimo, bem como outras di-


versas operações comerciais relacionadas à área, envolve vultoso capital eco-
nômico, o que, por um lado, pode significar considerável retorno aos grandes
investimentos realizados e, por outro, grandes prejuízos.
Isto porque as atividades em comento, notadamente o transporte marí-
timo, normalmente estão submetidas a grandes riscos, os quais, caso mate-
rializados, podem resultar em prejuízos extraordinários que nem sempre são
passíveis de absorção pelas reservas financeiras das empresas envolvidas.
Nesse sentido, inclusive, emprega-se a expressão “Aventura Marítima” à
navegação sobre o mar, em razão da dificuldade de controlar ou suportar as
imprevisíveis, irresistíveis e inevitáveis intempéries da natureza.87
Em virtude dos riscos e probabilidades de ocorrência de grandes prejuízos
para os players da área marítima, ainda que presente a adoção de medidas de
prevenção rigorosas e teoricamente eficazes, insurge a necessidade de obten-
ção de garantias de forma a conceder a segurança imprescindível ao desem-
penho das atividades econômicas.
Trata-se do relevante instituto do seguro, segundo o qual se opera a trans-
ferência de risco para terceiro, o segurador. Sobre o assunto, registre-se, in-
clusive, que o primeiro ramo do seguro a ser praticado era relacionado exata-
mente à área marítima.
Nos termos da definição legal, “Pelo contrato de seguro, o segurador se
obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do
segurado, relativo à pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.” (Art.
757 do Código Civil).

A definição do contrato de seguro, nas palavras de César Fiúza,88 afigura-


-se pertinente, verbis: “É o contrato pelo qual uma das partes, o segurador,
se obriga para com a outra, o segurado, mediante recebimento de prêmio, a
indenizá-la, ou a terceiros, de prejuízos resultantes de riscos futuros e incer- 87
Registre-se que atualmente, com a
significativa evolução tecnológica, há
tos, mas previsíveis.” corrente doutrinária e jurisprudencial
Trata-se de um contrato aleatório, uma vez que suas prestações poderão que rechaça o referido conceito.

variar de acordo com o bem segurado; bilateral, pois gera direitos e obriga- FIÚZA, César. Direito Civil – Curso
88

Completo. 5. ed. Rio de Janeiro: Del


ções tanto para o segurado como para o segurador; oneroso, já que a prestação Rey, 2002.

FGV DIREITO RIO 104


Direito Marítimo

do segurado corresponde uma contraprestação do segurador, visando sempre


a uma vantagem econômica; e solene, pois exige a forma escrita.
O seguro tem como fundamento a garantia prestada pelo segurador no
sentido de suportar (indenizar/ressarcir) prejuízos advindos de riscos prede-
terminados no contrato (apólice) e efetivamente materializados na realidade
(sinistros).
Neste aspecto, note-se que a interpretação da cobertura securitária sempre
deve ser levada a efeito de maneira restritiva, de forma a evitar o desequilíbrio
entre a relação prêmio – riscos cobertos, a qual é obtida por meio de comple-
xos cálculos atuariais.89
Importante registrar que algumas apólices preveem a participação do
segurado em um percentual previamente fixado sobre o prejuízo. Referida
participação denomina-se franquia, a qual normalmente é deduzida no paga-
mento da indenização securitária.
O contrato de seguro é regulamentado de forma geral no Código Civil de
2002, do artigo 757 a 802, havendo disposição específica sobre seguros ma-
rítimos no Código Comercial de 1850, do artigo 666 a 730, normas esparsas
(Decreto-Lei n° 73/1966, entre outras) e normas administrativas expedidas
pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) e Conselho Nacional
de Seguros Privados (CNSP), órgãos que regulamentam e fiscalizam o setor.
O Seguro Marítimo é definido pelo Código Comercial Brasileiro como
o contrato:

[...] pelo qual o segurador, tomando sobre si a fortuna e riscos


do mar, se obriga a indenizar ao segurado da perda ou dano
que possa sobrevir ao objeto do seguro, mediante um prêmio
ou soma determinada, equivalente ao risco tomado, só pode
provar-se por escrito, a cujo instrumento se chama apólice;
contudo julga-se subsistente para obrigar reciprocamente ao
segurador e ao segurado desde o momento em que as partes se
convierem, assinando ambas a minuta, a qual deve conter to-
das as declarações, cláusulas e condições da apólice. (art. 666)

1.2 Princípios básicos da operação de seguro

1.2.1 Princípio da boa fé 89


Nesse sentido: “Majoração do risco
coberto, descompasso existente entre
a realidade resultante do risco atual e
Em geral, para contratar o seguro de um determinado bem, o interessado do valor do prêmio.” BRASIL. Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
deverá fornecer à empresa seguradora uma descrição completa do mesmo, AC n. 2007.001.56739. Julgado em 05
de dezembro de 2007. Vide também:
especificando sua natureza, seu valor, peso bruto e líquido, riscos a serem BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado
cobertos, a fim de que o segurador possa calcular o valor do prêmio e da do Rio de Janeiro. AC n. 55760/2007.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado
franquia a ser fixada na apólice. de São Paulo. AC n. 983625-0/1.

FGV DIREITO RIO 105


Direito Marítimo

Por isso, é indispensável que, ao fazer suas declarações, o segurado proceda


com estrita boa-fé, agindo de maneira transparente com o segurador, não omi-
tindo fatos que possam influir na avaliação do risco e na aceitação do seguro.

1.2.2 Princípio da veracidade

Corolário óbvio do princípio da boa fé, o princípio da veracidade sustenta


que as declarações e informações prestadas pelo segurado correspondam exa-
tamente à estrita verdade dos fatos, sendo certo que a eventual constatação de
informações errôneas, feitas de má-fé, poderá ensejar a anulação do contrato
e consequente perda do direito ao seguro.90

1.2.3 Princípio do mutualismo

Sob a ótica do princípio do mutualismo, é mais fácil suportar coletiva-


mente as consequências danosas de acontecimentos individuais do que dei-
xar o indivíduo, só e isolado, às voltas de tais consequências. Dessa forma, o
seguro representa a divisão entre um grande número de pessoas do prejuízo
experimentado por elas em decorrência de um sinistro.

1.3 Elementos fundamentais do contrato de seguro

O elemento fundamental do seguro é o risco. Trata-se da possibilidade de


um acontecimento danoso, capaz de perturbar um equilíbrio econômico, de um
“evento incerto ou de data incerta que independe da vontade das partes contra-
tantes e contra o qual é feito o seguro. O risco é a expectativa de sinistro.”91
De acordo com a Commission of Insurance Terminology da American Risk
and Insurance Association “risco é a incerteza que se tem no resultado de um
evento, quando existem duas ou mais possibilidades.”
Contudo, é importante frisar que o risco aqui considerado como aconteci-
mento danoso incerto não se confunde com a condição ou o termo, uma vez
que estes dependem da vontade humana, enquanto aquele é independente
da vontade do contratante.
O risco definirá a modalidade de seguro a ser contratada, sendo certo que, 90
Art. 766 do Código Civil: “Se o segura-
do, por si ou por seu representante, fizer
em nenhuma hipótese, o contrato de seguro poderá ter como objeto um risco declarações inexatas ou omitir circuns-
impossível de ocorrer. tâncias que possam influir na aceitação
da proposta ou na taxa do prêmio, per-
Outra ferramenta do contrato de seguro é o cálculo das probabilidades. derá o direito à garantia, além de ficar
obrigado ao prêmio vencido.
Por meio desse cálculo prevê-se com grande aproximação o número de si- Parágrafo único. Se a inexatidão ou
nistros (acontecimentos de um mesmo gênero) que se deverão verificar em omissão nas declarações não resultar
de má-fé do segurado, o segurador
prazo determinado, em uma certa região e em um dado número de casos. terá direito a resolver o contrato, ou a
cobrar, mesmo após o sinistro, a dife-
Este cálculo de probabilidades aliado à espécie de risco que o segurado estará rença do prêmio.”
sujeito a enfrentar permitem a fixação do prêmio de seguro devido pelo segurado. 91
Dicionário de seguros do IRB, p. 123.

FGV DIREITO RIO 106


Direito Marítimo

1.4 Resseguro

O resseguro é um mecanismo de transferência de riscos garantidos por


uma seguradora (que passa a ser denominada cedente ou ressegurada neste
processo), cuja retenção não é financeiramente viável e/ou estrategicamente
interessante, para outra seguradora (então ressegurador).
O resseguro é um tipo de pulverização em que o segurador transfere a outrem, to-
tal ou parcialmente, o risco assumido, sendo, em resumo, um seguro da seguradora.
Entretanto, há que se observar que a seguradora, independentemente das
cessões de resseguro que realizar, permanece integralmente responsável, pe-
rante o segurado, pela garantia dos riscos cobertos pela apólice emitida, bem
como pelo pagamento de eventual indenização securitária. Após mais de 60
anos de monopólio do IRB – Instituto de Resseguros do Brasil – nas ope-
rações de resseguro e retrocessão, ocorreu a abertura do mercado no ano
de 2007/2008. A Lei Complementar n° 126/2007 e a Resolução CNSP n°
168/2007 dispõem que as operações de resseguro e retrocessão passam a ser
realizadas por resseguradoras locais, admitidas e eventuais.
A regulamentação traz, dentre outras inovações, os critérios para as resse-
guradoras se registrarem junto à SUSEP, regras sobre a participação e opera-
ções das mesmas no mercado, etc.

1.5 Retrocessão

Operação feita pelo ressegurador e que consiste na cessão de parte das


responsabilidades por ele aceitas a outro ou outros resseguradores. Em outro
enfoque: é o seguro de um ressegurador.
Os contratos de retrocessão são, basicamente, da mesma natureza dos uti-
lizados em operações de resseguro, deles diferindo apenas na condição dos
participantes, pois enquanto o segurador direto faz cessões em resseguro, o
ressegurador faz retrocessões a outros resseguradores.
Em qualquer caso, tanto nas operações de resseguro quanto nas de re-
trocessão, o ressegurador e o retrocessionário, como regra geral, obrigam-se
apenas com as entidades que lhes fizeram cessões ou retrocessões, e não dire-
tamente com os segurados ou com os cedentes anteriores.

1.6 Mercado internacional de seguros

1.6.1 O LLOYD’S

Em 1678 foi fundada, em Londres, uma das primeiras sociedades de so-


corro mútuo do mundo, o Lloyd’s. Esta sociedade nasceu em um bar, de
propriedade do comerciante Edward Lloyds, onde era comum o encontro

FGV DIREITO RIO 107


Direito Marítimo

de navegadores e pessoas interessadas nos negócios envolvendo os riscos da


expedição marítima.
A partir desses encontros, a atividade seguradora que, até então, era
realizada de forma individualizada, por meio de banqueiros ou de sim-
ples emprestadores de dinheiro, passou a ser também concretizada por
meio de duas companhias inglesas de seguro, que mantiveram o mono-
pólio dessa atividade até o início do século XIX.
Atualmente, o Lloyd’s tornou-se uma verdadeira bolsa de seguros e
resseguros, sendo composto por companhias de seguros, ressegures e
corretores.

Lloyd’s atualmente

1.7 Mercado segurador brasileiro

O mercado segurador encontra-se atualmente muito aquecido e em franca


expansão, particularmente considerando crescimento de renda e a ascensão
social de 50 milhões de brasileiros, bem como o ingresso de grandes empresas
multinacionais após a quebra do monopólio estatal do resseguro.
Em 2014 o mercado de seguros brasileiro atingiu R$ 322 bilhões em prê-
mios, alcançando uma participação de 7% no Produto Interno Bruto (PIB).
Em 2015, de acordo com a SUSEP, o primeiro trimestre do mercado de se-
guros brasileiro apresentou crescimento de 22,4% em relação ao mesmo perí-
odo de 2014, atingindo R$ 42,5 bilhões em prêmios, contra R$ 34,7 bilhões
no primeiro trimestre de 2014.

FGV DIREITO RIO 108


Direito Marítimo

1.8 Seguro Casco e Máquinas 92


Hull & Machinery Insurance.
93
Art. 690 do Código Comercial:
Declarando-se genericamente na apó-
O Seguro Casco e Máquinas visa, sobretudo, a fornecer ao Segurado ou
92
lice, que se segura o navio sem outra
Beneficiário garantia de indenização aos prejuízos que atinjam a embarcação alguma especificação, entende-se que
o seguro compreende o casco e todos
segurada, no que concerne ao casco, suas máquinas e todos os seus aparelhos, os pertences da embarcação, aprestos,
aparelhos, mastreação e velame, lan-
motores, instalações, equipamentos, peças, provisões, suprimentos e demais chas, escaleres, botes, utensílios e vir-
tualhas ou provisões; mas em nenhum
pertences ou parte dos mesmos93 e/ou a outro interesse em risco abrangido caso os fretes nem o carregamento,
ainda que este seja por conta do capi-
por este seguro, em viagem ou não, em quaisquer serviços e tráfegos no mar tão, dono ou armador do navio.
ou em rios, canais ou outra via navegável, em portos ou ancoradouros, ou em 94
Circular SUSEP n° 001/85
diques, estaleiros, carreiras ou rampas. 6 – RISCOS NÃO COBERTOS
6.1 – Falta de Condições de Navegabi-
Inicialmente, cumpre observar que o Código Comercial contém disposi- lidade – A Seguradora não responderá
por qualquer prejuízo nem indenizará
ções relacionadas ao seguro de navios, sendo certo que algumas foram, in- qualquer perda ou dano proximamente
causado ou atribuível à inavegabilidade
clusive, inseridas na Circular SUSEP n° 001/1985 (alterada pelas Circulares da embarcação coberta por esta apólice:
SUSEP n°s. 08/1985, 40/1985 e 27/1987), a qual regulamenta a Apólice de a) nos seguros por viagem, se a em-
barcação não tiver, ao início do risco,
Casco e Máquinas, definindo condições gerais, cláusulas básicas e adicionais condições satisfatórias de navegabili-
dade para levá-la a bom termo; e, se
de cobertura e outras questões atinentes. a viagem compreender etapas distin-
tas que demandem equipamento ou
O seguro pode ser pactuado por viagem ou por prazo determinado. Sen- aprestamento especial, se não tiver tais
condições em cada etapa de per si;
do que os riscos segurados são, via de regra, relacionados à fortuna do mar, b) nos seguros a prazo quando, em
incêndio, raio, terremoto, intempérie, ou alijamento, ou barataria, ou re- qualquer tempo e com o conhecimen-
to e tácito assentimento do segurado,
beldia do capitão e/ou de tripulantes (inclusive motim a bordo, pilhagem, seu proprietário/armador ou adminis-
trador, a embarcação se fizer ao mar
predação, detenção, retenção, desvio, encalhe, varação e afundamento da ou outra via navegável, iniciando ou
prosseguindo viagem ou operação, sem
embarcação), e por todos os outros riscos e perigos de tipo e natureza se- que para tanto tenha condições satisfa-
melhantes, acidentes no carregamento, na descarga, no manuseio ou na tórias de navegabilidade e segurança.
6.2 – Vício Próprio – Esta apólice não
movimentação da carga, ou no abastecimento da embarcação, acidentes na cobre o vício próprio, o uso e desgaste,
ou a deterioração do objeto segurado
entrada, saída ou durante a permanência em diques, estaleiros, carreiras ou ou de parte do mesmo, nem as des-
pesas necessárias à sua eliminação; e
rampas, explosões a bordo ou fora, pane de geradores, motores ou de outra a Seguradora não indenizará qualquer
maquinaria elétrica, estouro de caldeiras, quebras de eixos ou qualquer de- perda ou dano proximamente causado
ou atribuível a quaisquer daqueles fa-
feito latente na maquinaria ou no casco (excluindo-se o custo de reposição tores, salvo na hipótese de “Vício Ocul-
to” admitido pela Seguradora ou pelo
ou de reparação da parte defeituosa), pane ou acidentes com instalações Tribunal Marítimo, ou pela autoridade
judicial competente, em decisão final.
ou reatores nucleares a bordo ou fora, negligência do capitão, de oficiais, 6.3 – Fato do Segurado – A Seguradora
de tripulantes ou de práticos, negligência de afretadores e/ou reparadores; não responderá por qualquer prejuízo
proximamente causado ou atribuível a
contato com aeronave, foguete ou míssil similar; contato com qualquer fato do Segurado, mas, salvo disposição
em contrário nesta apólice, responderá
transportadora ou movimentadora terrestre, com equipamento ou instala- por qualquer prejuízo proximamente
causado por risco objeto da cobertura,
ção do cais ou do porto, erupção vulcânica. ainda que tal prejuízo não devesse ter
ocorrido senão por falta ou negligência
No âmbito das Condições Gerais estabelecidas pela Circular SUSEP,94 do Capitão, dos Oficiais, do prático ou
restou definido que, salvo estipulação expressa em contrário na apólice, os da tripulação. Para os fins deste item, a
palavra “Segurado” compreende tam-
seguintes riscos não estão cobertos: 1. Falta de Condições de Navegabilidade; bém o proprietário, armador ou admi-
nistrador que detiver o efetivo controle
2. Vício Próprio; 3. Fato do Segurado; 4. Operações Ilícitas; 5. Roeduras por e gerência da embarcação Segurada.
6.4 – Operações Ilícitas – Esta apólice
Vermes; 6. Quarentena ou Estadia em Porto; 7. Lucros Cessantes; 8. Polui- não dá qualquer cobertura, seja a que
ção; 9. Riscos de Radioatividade; 10. Roubo e Furto; 11. Riscos de Guerra; título for, aos riscos diretamente resul-
tantes do emprego da embarcação no
12. Greve ou Correlatos. contrabando ou em outra operação,

FGV DIREITO RIO 109


Direito Marítimo

Em conformidade com os riscos predeterminados nas Condições Gerais, tráfego ou comércio ilícito ou clan-
destino, ou em violação de bloqueio,
foram estabelecidas três coberturas básicas para o Seguro de Casco e Máqui- e a Seguradora não admitirá qualquer
pedido de indenização de prejuízos
nas: Cobertura 1 – Perda Total (PT), Assistência e Salvamento (AS), Avaria proximamente causados ou atribuíveis
àqueles riscos, quer tal emprego ocorra
Grossa (AG); Cobertura Básica 2 – Perda Total (PT), Assistência e Salva- com a conivência do Segurado, arma-
mento (AS), Avaria Grossa (AG), Responsabilidade Civil por Abalroação dor ou administrador da embarcação,
quer decorra de sua negligência carac-
(RCA); Cobertura Básica 3 – Perda Total (PT), Assistência e Salvamento terizada ou omissão culposa (subitem
5.2.1) em relação ao disposto na alínea
(AS), Avaria Grossa (AG), Responsabilidade Civil por Abalroação (RCA), “c” do item 5.2 da Cláusula 5.
6.5 – Desvio de Rota – Nos seguros
Avaria Particular (AP); por viagem, a agravação dos riscos
Depreende-se da análise do sumário das Coberturas Básicas que a Co- resultante do desvio ou prolongamen-
to voluntário da rota originalmente
bertura Básica 1 é a garantia mínima a ser concedida, sendo que há amplia- prevista na apólice e os prejuízos daí
decorrentes só terão cobertura me-
ções nas outras duas. diante o cumprimento do disposto no
item 1.2 da Cláusula 1 (COBERTURA);
salvo em caso de força maior, como
1.8.1 Perda Total (PT) medida de segurança para o navio e/ou
sua carga, ou para prestação de socorro
ou assistência a outra embarcação em
apuros e/ou visando ao salvamento de
A Perda Total da embarcação, para fins do Seguro Casco e Máquinas, vida humana em perigo.
pode ser considerada Real ou Construtiva. 6.6 – Roeduras por Vermes, etc. – Esta
apólice não cobre os danos causados a
A Perda Total Real ocorre quando: a) o objeto segurado é destruído ou tão embarcação ou seus pertences por roe-
duras ou perfurações por vermes, inse-
extensamente danificado que deixa de ter as características da coisa segurada; tos ou outros bichos, nem as despesas
b) o Segurado fica irremediavelmente privado do objeto ou interesse segu- de substituição das partes afetadas;
quanto aos prejuízos consequentes
rado; ou c) o objeto segurado é dado como desaparecido após um período daqueles danos e apenas quando ca-
racterizado o “vício oculto”, aplica-se o
razoável de efetivas buscas e pesquisas sem resultados positivos.95 disposto no item 6.2.
6.7 – Quarentena e Estadia em Porto –
A Perda Total Construtiva ocorre quando o custo da preservação, recupe- Nenhuma reclamação ou indenização
ração, reparação e/ou reconstrução do objeto segurado for igual ou superior será admitida sob esta apólice com base
em despesas de invernada ou quarente-
a 75% de seu valor ajustado. na por motivos sanitários ou regulamen-
tares. Em caso de sinistro coberto por
No cálculo do percentual de 75% acima mencionado não deve ser con- esta apólice, as despesas de estadia só
serão indenizáveis quando e na medida
siderado o valor que possa ter o objeto segurado ou o que dele restar após o em que compreendidas em condição
sinistro, nem a contribuição que se tornaria exigível de terceiros a título de particular anexa à presente apólice. Em
nenhuma outra hipótese caberá qual-
Avaria Grossa, porém, deve-se computar os custos das operações de salva- quer indenização a título de demora ou
estadia da embarcação no porto.
mento ou remoção que se fariam necessárias e a contribuição que caberia à 6.8 – Lucros Cessantes – Acham-se ex-
embarcação em caso de Avaria Grossa. cluídos da cobertura concedida por esta
apólice os lucros cessantes, ou perdas
equivalentes sofridas pelo Segurado
ou beneficiário deste seguro, seja qual
1.8.2 Assistência e Salvamento (AS) for sua causa, origem ou conceituação
e ainda que decorrentes de sinistro co-
berto por esta apólice.
A cobertura de Assistência e Salvamento refere-se: a) à remuneração ou 6.9 – Poluição – A poluição que venha
a ser causada pela embarcação segura-
recompensa devida pelo Segurado a quem atuando por iniciativa própria da, ou que dela se origine, bem como
as multas, prejuízos, danos e responsa-
ou mediante acordo firmado em termos usualmente aceitos pelos segu- bilidades que dela resultarem, acham-
radores tenha salvado ou participado do salvamento da embarcação ou -se totalmente excluídas da cobertura
concedida por esta apólice.
do objeto segurado quando em situação de grave perigo real de se perder 6.10 – Riscos de Radioatividade –
Ressalvado o disposto na alínea “e”
totalmente ou quando na iminência de sofrer ou gerar outros prejuízos do item 1.3 da Cláusula 1, a presente
apólice não dá qualquer cobertura aos
indenizáveis sob apólice pactuada; b) às despesas razoáveis e necessárias, riscos de radioatividades e às responsa-
inerentes a tais operações, bem como aos danos por elas causados à em- bilidades decorrentes.
6.11 – Roubo e Furto – Não estão
barcação ou objeto segurado.96 compreendidos na cobertura, nem

FGV DIREITO RIO 110


Direito Marítimo

Importante destacar que se os serviços de salvamento, reboque ou ou- equiparados à pilhagem e a predação,
para fins desta apólice, o roubo e/ou
tra assistência, forem prestados por embarcação pertencente, no todo ou em furto de peças, pertences ou provisões
da embarcação ou de sua tripulação,
parte, ao mesmo armador, ou que seja por este administrada, o valor de tais nem o da própria embarcação, pratica-
do por tripulantes ou por outrem.
serviços e a responsabilidade da Seguradora serão igualmente apurados por 6.12 – Riscos de Guerra, Greves e Corre-
arbitramento, como se as embarcações fossem de inteira propriedade e admi- latos – Acham-se igualmente excluídos
da cobertura, salvo disposição expressa
nistração de armadores diferentes. em contrário nas cláusulas ou condições
particulares anexas a esta apólice ou
que a ela venham a incorporadas por
1.8.3 Avaria Grossa (AG) endosso e apenas na medida em que
tais cláusulas ou condições particulares
revoguem e prevaleçam sobre as exclu-
sões objeto desta cláusula e unicamente
A cobertura de Avaria Grossa abrange a quota de contribuição da embar- enquanto permaneçam em vigor.
I – qualquer perdas, danos ou despesas
cação segurada e do frete (este quando em risco e objeto de seguro específico) proximamente causados por, resultantes
que for apurada na repartição da Avaria Grossa. de, ou incorridas em consequência de:
a) captura, sequestro, arresto, reten-
Saliente-se que, em nenhuma hipótese, haverá cobertura securitária para ção ou detenção ou qualquer tentativa
nesse sentido;
despesas e prejuízos quando feitos ou suportados visando exclusivamente ao b) hostilidade ou operações bélicas
salvamento e preservação da carga e somente a esta beneficiarem. ou equivalentes tenha ou não havido
uma declaração de guerra; ressalvado
Importante destacar que a cobertura concedida a título de Avaria Grossa que estas exclusões não se aplicam em
casos de abalroação ou de contato com
aeronaves, foguetes ou mísseis simila-
res, ou com quaisquer objetos fixos ou
[...] entende-se absolutamente livre de reclamação por Avaria flutuantes que não minas, torpedos ou
Particular e de danos ao casco da embarcação segurada por ato engenhos de guerra semelhantes, de
mau tempo, de encalhe, incêndio ou
de Avaria Grossa, porém a contribuição da embarcação em explosão que não causados diretamente
por ato hostil de ou contra uma potência
Avaria Grossa será indenizável quando esta se originar da per- beligerante e independentemente da
natureza da viagem ou do serviço que
da de, ou de dano ao equipamento, túneis de amarras, caldei- a embarcação segurada ou qualquer
ras, maquinaria, máquinas e motores auxiliares e de refrigera- outra embarcação nela envolvida esteja
executando; e ressalvando ainda que
ção, revestimentos térmicos, instalações elétricas, controles de a expressão “potência”, na forma aqui
empregada inclui qualquer autoridade
direção (excluído o leme), âncoras, amarras, cabos, mastros, mantendo força naval, terrestre ou aérea
guindastes, vergas, velas, botes e respectivas conexões, bem em associação com uma potência;
II – qualquer perda, dano, responsabili-
como de qualquer dano causado à embarcação ou a seu equi- dade ou despesa causada por qualquer
pessoa agindo maliciosamente ou por
pamento para extinção de incêndio a bordo, ou por contatos motivação política e que se origine:
a) de detonação de um explosivo;
com outras embarcações que lhe estejam prestando assistência b) de qualquer arma de guerra.
ou participando de seu salvamento.97 III - qualquer perda, dano, responsa-
bilidade ou despesa que se origine de
qualquer arma de guerra empregando
fissão e/ou fusão atômica ou nuclear ou
1.8.4 Responsabilidade Civil por Abalroação (RCA) outra reação semelhante ou força ou
matéria-radioativa.

A cobertura de Responsabilidade Civil por Abalroação prevista no Seguro 95


Incumbe ao Segurado, ao reclamar
a indenização por Perda Total Real na
de Casco e Máquinas garante o reembolso de 3/4 (três quartos) das indeniza- hipótese em comento, fornecer ao Segu-
rador indícios convincentes de que o de-
ções que, em razão de abalroação ocorrida entre a embarcação segurada e outra saparecimento do objeto segurado teve
ou outras embarcações, o Segurado seja condenado, por força de decisão pro- lugar durante a vigência desta apólice.

ferida por autoridade competente (judicial ou arbitral) a pagar a terceiros, por 96


Circular SUSEP n° 001/1985.
2.7 – Se a embarcação tiver carga a
perdas ou danos materiais, lucros cessantes e/ou outros prejuízos e despesas. bordo e os serviços de Assistência e
Salvamento, prestados ou aceitos sob
Observe-se, por outro lado, que de acordo com o item 3.1 da Circular SU- acordo formal e no interesse da pre-
SEP n° 001/1985 a cobertura em questão não abrange a prestação de qualquer servação comum, forem reconhecidos
como Avaria Grossa, a responsabilidade
fiança ou garantia, nem qualquer quantia que o Segurado custear relacionado à: da Seguradora pelas despesas e de-

FGV DIREITO RIO 111


Direito Marítimo

a) remoção ou eliminação de obstáculos à navegação, destroços ou cargas ou


qualquer outra coisa, por imposição de lei ou de regulamento;
b) perda ou dano real ou potencial causados a qualquer objeto, bem ou pro-
priedade, que não seja outra embarcação ou bem a bordo desta;
c) poluição ou contaminação de qualquer objeto, bem, propriedade, área ou
local, seja qual for, excetuadas unicamente, a poluição ou contaminação da
outra embarcação (e de bens a bordo desta) com a qual a embarcação segu-
rada tenha abalroado;
d) carga ou outro bem a bordo da embarcação segurada;
e) perdas de vidas ou danos às pessoas a bordo da embarcação segurada ou em
qualquer outra embarcação ou local;
Caso a responsabilidade pela abalroação não seja imputável a apenas uma
das embarcações envolvidas, mas haja uma concorrência de culpa, o Segu-
rador apenas será responsável por reembolsar 3/4 do percentual (grau de
culpabilidade da embarcação segurada definido por autoridade competente)
do prejuízo sofrido pela outra embarcação.
Em qualquer hipótese, o reembolso não excederá a 3/4 (três quartos) do
valor segurado ou do valor da embarcação segurada, qual seja o menor.
Note-se que na hipótese de outra ou outras embarcações envolvidas na
abalroação também serem seguradas sob esta apólice, ou pertencerem no
todo ou em parte ao Segurado ou ao mesmo armador, ou forem por ele
afretadas e administradas, a cobertura de RCA será aplicada como se as em-
barcações estivessem seguradas sob apólices distintas, ou fossem de inteira
propriedade e responsabilidade de diferentes armadores ou administradores.
Encontra-se compreendido ainda na cobertura de RCA o reembolso de
3/4 das despesas incorridas na defesa dos interesses da embarcação segurada
no que for pertinente à rejeição e/ou limitação de responsabilidade pelo abal-
roamento, sendo necessária, entretanto, a prévia concordância da Seguradora.
Destaque-se, por oportuno, que é absolutamente vedado ao segurado,
sob pena de perda de direito à indenização, reconhecer sua responsabilida-
mais prejuízos deles decorrentes será
de por abalroação ou indenizar diretamente terceiro sem decisão judicial limitada à contribuição proporcional
ou arbitral determinando tal providência, salvo em caso de anuência ex- atribuível à embarcação na regulação
da Avaria Grossa, ainda que o Segurado
pressa do segurador.98,99 renuncie à contribuição da carga; po-
rém, se a embarcação estiver segurada
Caso reconhecida a configuração de caso fortuito ou força maior pela au- por importância inferior ao seu justo
toridade competente, o segurado não será obrigado a indenizar terceiro, mo- valor, a indenização ao Segurado será
reduzida na medida da insuficiência da
tivo pelo qual, por óbvio, não há que se falar em reembolso pelo segurador. importância segurada.
97
Item 2.8 da Circular SUSEP n°
001/1985.
1.8.5 Avaria Particular (AP) 98
Art. 787, § 2º do Código Civil: É
defeso ao segurado reconhecer sua
Nos termos da Circular SUSEP n° 001/1985, a “cobertura de Avaria Par- responsabilidade ou confessar a ação,
bem como transigir com o terceiro pre-
ticular diz respeito a perdas ou avarias sofridas pelo objeto segurado que judicado, ou indenizá-lo diretamente,
sem anuência expressa do segurador.
não constituam prejuízo por Avaria Grossa e não sejam tratadas como Perda 99
Item 3.6 da Circular SUSEP n°
Total Construtiva.” 001/1985.

FGV DIREITO RIO 112


Direito Marítimo

Admite-se para fins de Avaria Particular: a) os custos razoáveis dos repa-


ros e/ou substituições recomendados ou reconhecidos como necessário por
peritos vistoriadores indicados ou aceitos pela Seguradora, comprovados,
por faturas quitadas ou documentos equivalentes; b) as despesas em que o
Segurado tenha incorrido em consequência da perda ou avaria e necessária
à execução dos reparos e/ou substituições, na medida em que forem assim
reconhecidos como parte integrante da Avaria Particular e tidas como razoá-
veis nas circunstâncias; c) os honorários e despesas de regulação de avaria; d)
outros custos e despesas admitidos pelo árbitro Regulador e pelo Segurador.
Via de regra, os reparos e/ou substituições devem ter caráter definitivo,
aprovando-se excepcionalmente provisórios quando: a) expressamente reco-
mendados pelo perito da Seguradora; ou, b) indispensáveis à boa execução
posterior dos reparos definitivos; ou, c) proporcionarem uma redução com-
pensadora nos custos e despesas com os reparos definitivos.
Necessário salientar que a cobertura de AP não engloba: a) reparos ou subs-
tituições de partes ou peças que apresentem defeitos de construção, fabricação,
reparação ou instalação, vício próprio conhecido ou oculto ou afetadas pelo
uso e desgaste natural ou por deterioração gradual; b) despesas de raspagem e/
ou pintura do fundo do casco, salvo quando tais despesas constituírem parte
do reparo da avaria parcial indenizável do fundo do casco e limitadas à parte
assim preparada; c) despesas com rancho e soldadas do Capitão, Oficiais e de-
mais tripulantes, ou de qualquer deles, exceto quando for necessário remover
a embarcação de um para outro porto onde as avarias devam ser reparadas, ou
durante viagem de experiência para testar os reparos efetuados, casos em que
tais despesas serão admitidas em Avaria Particular exclusivamente pelo tempo
em que a embarcação estiver efetivamente sendo removida ou em viagem de
experiência e na medida em que não sejam, no todo ou em parte recuperáveis
em Avaria Grossa; d) despesas de ratificação de Protesto Marítimo, feitas no
exclusivo interesse da cobertura de Avaria Particular concedida sob esta cláusu-
la; e) perdas ou avarias parciais que não tiverem sido substituídas ou reparadas,
quando, ainda durante a vigência desta apólice, ocorrer a Perda Total do objeto
segurado, ou quando esta Perda Total tiver ocorrido após o vencimento desta
apólice e o objeto segurado não houver sido vendido.

1.9 Clube P&I (Protection and Indemnity)

Os Clubes P&I são associações formadas pelos próprios armadores/opera-


dores e afretadores que têm como escopo o seguro mútuo dos riscos não abrangi-
dos pelas apólices securitárias convencionais, tendo sido inicialmente formados
para suprir a lacuna de 25% dos danos causados a outra embarcação em razão de
abalroação (Cobertura RCA) que o seguro de Casco e Máquinas não garantia.

FGV DIREITO RIO 113


Direito Marítimo

Posteriormente, a cobertura oferecida pelos Clubes P&I foi sendo estendida


para diversos outros riscos.
Em linhas gerais, os Clubes P&I visam proteger os interesses e responsa-
bilidades das empresas envolvidas na exploração dos navios, não contendo
qualquer fim lucrativo, sendo importante notar que os prêmios recebidos dos
Armadores somados aos investimentos devem corresponder exatamente às
indenizações pagas, despesas incorridas e custos administrativos.
Importante salientar que a proteção concedida pelos Clubes P&I, em
princípio, não se confunde com um contrato de seguro, tendo em vista que
o instituto consiste na contribuição de todos os membros em determinado
prejuízo suportado por apenas um, não havendo o pagamento de indeniza-
ção propriamente dita pelo Clube ao membro. O Clube P&I funciona basi-
camente como um administrador/gerenciador do fundo destinado à garantia
de determinados riscos.
Nesse sentido, transcreva-se, por oportuno, doutrina inglesa, verbis:

[…] a person may belong to a society (such as a P. & I. Club)


whose rules do not entitle him to an indemnity but only to contri-
butions from other members towards his loss. Since the essence of
a contract of insurance is that the insured should be entitled to an
indemnity, it seems that in such a case there cannot be a contract
of insurance.100

Atualmente, os Clubes P&I de maior tradição e com maior representati-


vidade de cobertura de riscos (90% da frota mundial) pertencem a uma asso-
ciação denominada “International Group of P&I Clubs”. São eles: Britannia,
Shipowners, West of England, North of England, London Club Swedish
Club, Liverpool & London, Standard Club, Skuld, Gard, Steamship Mutu-
al, American Club, Japan Club.
Todos os Clubes P&I encontram-se sediados no exterior e têm como ór-
gão máximo um Conselho de Diretores que são formados por representantes
dos membros e definem a política, o planejamento estratégico e nomeiam os
gerentes (managers) que serão responsáveis pela administração e condução
das atividades.
Os managers basicamente podem ser divididos em três principais setores
de atuação: underwriting (especialistas em subscrição de riscos), financing e
claims handling.
Por outro lado, ainda que sediados no exterior, os Clubes P&I possuem
correspondentes em praticamente todos os portos do mundo para prestar o 100
MCGILLIVRAY; PARKINGTON. Insu-
suporte necessário aos seus membros. rance Law. 8th ed. Londres: [s.d.], 1998.

FGV DIREITO RIO 114


Direito Marítimo

As empresas que pretendem se tornar membro de um Clube P&I e segu-


rar determinada embarcação devem preencher um formulário de aplicação
denominado Entry Form contendo, principalmente, as seguintes informa-
ções: nome do navio, país de registro, porto de registro, idade do navio, tipo
de navio, tonelagem, nome do membro, posição do membro (armador, ope-
rador, afretador etc.), endereço do membro, sociedade classificadora, trade da
embarcação (liner, tramp, tanker etc.), data de início dos riscos, nacionalida-
de da tripulação, nome e endereço dos administradores, agentes, operadores
e brokers, detalhes do Seguro Casco e Máquinas etc.
Note-se que, nesta fase, deve-se observar amplamente o princípio geral do
seguro no que se refere ao fornecimento irrestrito de todas as informações,
documentos e circunstâncias que impactam no risco a ser assumido pelo
P&I, o qual, por sua vez, é lastreado na inafastável boa-fé contratual.
Não obstante a existência de certificados emitidos por Sociedades Classi-
ficados sobre as embarcações cujos riscos pretende-se segurar por um Clube
P&I, é praxe a realização de vistorias por peritos nomeados pelo Clube, ten-
do em vista que o escopo das classificadoras é atestar, sobretudo, a observân-
cia dos critérios de seaworthiness, ao passo que o intuito da vistoria designada
pelo Clube é avaliar os potenciais focos de riscos/sinistros, notadamente no
que se refere ao transporte de carga, passageiros e tripulantes.
Note-se, entretanto, que a vistoria por perito nomeado pelo Clube P&I
não necessita ocorrer necessariamente a bordo, podendo ser realizada por
meio da análise de laudos de vistoria recentes.
Com base nas informações e documentos coletados, o formulário de apli-
cação será aceito ou rejeitado. Por outro lado, ressalte-se que existe a possi-
bilidade de aceitação de aplicação ainda que a embarcação apresente grave
defeito, sendo certo que será efetuada ressalva quanto à inexistência de co-
bertura de prejuízos advindos da referida circunstância (Defects Warranty).
Destaque-se que a contraprestação dos membros é o pagamento de um
prêmio, o qual é calculado por meio da avaliação dos riscos de sinistro da
embarcação segurada. Nesse aspecto, algumas circunstâncias certamente são
levadas em consideração pelos subscritores tais como: qualidade de geren-
ciamento dos navios, experiência do armador, certificados, características da
embarcação, áreas de operação, tipo de carga, escopo da cobertura, solidez
financeira do membro etc.
Os Clubes P&I não emitem uma apólice formal para os membros aceitos,
sendo que as coberturas, detalhes de associação, obrigações e condições são
definidas e estabelecidas pelas Regras do Clube (Club Rules), as quais devem
ser lidas e interpretadas em conjunto com o formulário de aplicação, com
os atos constitutivos do Clube P&I (regulam a relação entre Membros e o
Clube), e outras informações e documentos trocados.

FGV DIREITO RIO 115


Direito Marítimo

Dentre as coberturas fornecidas pelos Clubes P&I, que, sobretudo, rela-


cionam-se com responsabilidade civil, vale destacar:
a) despesas de arribada;
b) avarias à propriedade de terceiros, em terra ou no mar, fixa ou flutuante;
c) responsabilidade por avaria, perda ou falta de carga;
d) avarias a outra embarcação decorrentes de abalroação, desde que não co-
bertas por apólice de Casco e Máquinas;
e) custos e despesas com remoção de destroços (wreck removal);
f) responsabilidade por perda de vida ou acidente pessoal causado à tripulan-
te, passageiro ou terceiro;
g) despesas e custos com desertores, clandestinos e refugiados;
h) despesas de salvamento e avaria grossa, desde que não cobertas por apólice
de Casco e Máquinas;
i) multas e indenizações relacionadas à poluição por óleo;
j) despesas incorridas para mitigação de prejuízos que teriam cobertura;

Uma cobertura especial oferecida pelos Clubes P&I denomina-se Freight,


Demurrage & Defense (FD&D), a qual concede cobertura para questões re-
lacionadas a frete, sobre-estadia e despesas de assistência na condução de
reclamações (ex.: assistência jurídica e de peritos).
Como a cobertura fornecida pelos Clubes P&I trata-se, principalmente,
de responsabilidade civil perante terceiros, o membro é obrigado a notificar
imediatamente a ocorrência de um sinistro e/ou reclamação (Prompt Notice)
para que as medidas cabíveis e adequadas possam ser tomadas em tempo há-
bil de forma a resguardar os interesses de ambas as partes (perícias, vistorias,
protestos, intervenção de advogados etc.).
Ainda nesse sentido, o membro é obrigado a tomar todas as medidas ne-
cessárias para mitigar eventuais prejuízos cobertos (Sue and Labor), sendo-lhe
ainda vedado reconhecer quaisquer responsabilidades sem a prévia anuência
do Clube P&I, sob pena de perda de direito ao ressarcimento.

1.10 DPEM

O seguro obrigatório DPEM, instituído pela Lei nº 8.374/1991 e regu-


lado pela Resolução CNSP n° 128/2005 (alterada pelas Resoluções CNSP
n°s 152/2006 e 237/2011), tem por finalidade dar cobertura aos danos
pessoais causados por embarcações ou por sua carga às pessoas embarcadas,
transportadas ou não transportadas, inclusive aos proprietários, tripulantes
e condutores das embarcações, independentemente da embarcação estar ou
não em operação.

FGV DIREITO RIO 116


Direito Marítimo

A obrigatoriedade de contratar o DPEM atinge todos os proprietários ou


armadores em geral, de embarcações nacionais ou estrangeiras sujeitas à ins-
crição nas Capitanias dos Portos ou repartições a estas subordinadas.
Os danos pessoais cuja cobertura é fornecida pelo referido seguro compreen-
dem as indenizações por morte (R$ 13.500,00), invalidez permanente (até R$
13.500,00) e despesas de assistência médica e suplementares (até R$ 2.700,00).

1.11 Seguro de Transporte Marítimo (Carga)

Conforme anteriormente mencionado, as atividades desenvolvidas no


âmbito da navegação, nestas incluído o transporte marítimo, apresentam
consideráveis riscos para as partes envolvidas.
Nesse sentido, proprietários, armadores, operadores, afretadores e trans-
portadores procuram o amparo do instituto das coberturas fornecidas pelos
seguros de Casco e Máquinas e pelos Clubes P&I.
No que se refere aos interesses da carga transportada via marítima tam-
pouco há distinção. Os players (importadores, exportadores, trading compa-
nies etc.) deste ramo específico normalmente contratam seguro de transporte
para não suportar riscos de eventuais prejuízos relacionados à avaria, perda
ou falta de suas cargas ocorridas durante a operação de transporte.
Importante registrar que a responsabilidade pela contratação do seguro é
estabelecida entre as partes no contrato comercial de compra e venda da car-
ga, utilizando-se para a questão, via de regra, os INCOTERMS,101 os quais
definem qual será a parte que suportará os riscos do transporte marítimo.
O seguro do transporte marítimo, de acordo com o tipo de navegação,
pode ser classificado em:
a) seguro marítimo de cabotagem;
b) seguro fluvial, lacustre e no mesmo porto;
c) seguro de viagens internacionais (longo curso – importação ou exportação).
As apólices de seguro relacionadas ao transporte são reguladas pela Cir-
cular SUSEP n° 354/2007, a qual se aplica aos bens segurados em viagens
aquaviárias, terrestres e aéreas, nos percursos nacionais e internacionais e
apresenta condições contratuais padronizadas.102
O Segurado, conforme sua conveniência, pode contratar apólice avulsa
(destina-se a cobrir um único embarque/viagem), apólice de averbação/aber-
ta (destina-se a cobrir diversos embarques, sendo estes comunicados à Segu- 101
International Commercial Terms –
Câmara Internacional do Comércio.
radora por meio de formulário ou meio eletrônico, denominado averbação) 102
Art. 3º da Circular SUSEP n°
ou apólice anual com prêmio fracionado (destinada a cobrir diversos embar- 354/2007: “É permitida a inclusão de
coberturas não previstas nestas con-
ques, com prêmio fixo ou ajustável), sendo que as duas últimas afiguram-se dições padronizadas, bem como even-
mais comuns para uma empresa que possui um fluxo considerável e continu- tuais alterações, observadas as demais
disposições desta norma e de outros
ado de negócios que demandam a utilização de transporte. normativos específicos.”

FGV DIREITO RIO 117


Direito Marítimo

As condições padronizadas da Circular SUSEP n° 354/2007 apresentam


três tipos de coberturas básicas (A, B e C), as quais podem ser ampliadas com
a inserção de cláusulas adicionais.
A cobertura básica ampla (A – All Risks) oferece a garantia mais abran-
gente para eventuais prejuízos à mercadoria objeto do seguro sem enumerar/
limitar os riscos, sendo plenamente indenizáveis as avarias particulares (dano
ou perda parcial).
A cobertura básica restrita B abrange uma garantia intermediária sem
cobrir tantos riscos com a All Risks. Referida cobertura garante ao segurado
os danos causados ao objeto segurado exclusivamente por a) incêndio, raio
ou explosão; b) encalhe, naufrágio ou soçobramento do navio ou embar-
cação; c) capotagem, colisão, tombamento ou descarrilamento de veículo
terrestre; d) abalroamento, colisão ou contato do navio ou embarcação com
qualquer objeto externo que não seja água; e) colisão, queda e/ou aterris-
sagem forçada da aeronave, devidamente comprovada; f) descarga da carga
em porto de arribada; g) carga lançada ao mar; h) perda total de qualquer
volume, durante as operações de carga e descarga do navio; e i) perda total
decorrente de fortuna do mar e/ou de arrebatamento pelo mar; j) inunda-
ção, transbordamento de cursos d’água, represas, lagos ou lagoas, durante
a viagem terrestre; k) desmoronamento ou queda de pedras, terras, obras
de arte de qualquer natureza ou outros objetos, durante a viagem terrestre;
l) terremoto ou erupção vulcânica; e m) entrada de água do mar, lago ou
rio, na embarcação ou no navio, veículo, “container”, furgão (“liftvan”) ou
local de armazenagem.
A cobertura básica restrita C apresenta amplitude de cobertura similar à bá-
sica restrita B, com exclusão dos riscos cobertos descritos nos itens j a m acima.
Importante observar que todas as três coberturas básicas apresentam ca-
racterísticas em comum, tais como cobertura para avaria grossa e despesas de
salvamento incorridas pelo Segurado e/ou Beneficiário e excludentes de in-
denização por perdas, danos ou despesas decorrentes direta ou indiretamente
por atos ilícitos do Segurado e/ou Beneficiário, inadequação ou insuficiência
de embalagem, vício próprio da mercadoria, atos terroristas, greve etc.
A importância segurada normalmente deve corresponder ao valor da mer-
cadoria segurada, contudo, é possível que outras verbas como frete, despesas,
lucros esperados e tributos sejam abrangidas, desde que haja cobertura adi-
cional pactuada.103
Para a contratação do seguro, o segurado deve fornecer as seguintes in-
formações básicas ao segurador viabilizando a avaliação do risco: descrição
e natureza da carga, peso bruto e líquido, cubagem, embalagem, valor total
da mercadoria, local de embarque e desembarque, transbordo (se houver), 103
Dentre outras coberturas adicionais,
podem-se citar ainda as específicas
modal de transporte, identificação do veículo de transporte, etc. para riscos de greve e de guerra.

FGV DIREITO RIO 118


Direito Marítimo

1.12 Seguro Obrigatório RCA-C

O Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil do Transportador


Aquaviário – Carga (RCA-C), instituído pelo art. 20, m do Decreto-lei
73/66 e regulado pela Resolução CNSP nº 182/2008, tem como objetivo
garantir o transportador marítimo (segurado), até o valor da Importância
Segurada, o pagamento das reparações pecuniárias, pelas quais, por dis-
posição de lei, for ele responsável, em virtude de danos materiais sofridos
pelos bens ou mercadorias pertencentes a terceiros e que lhe tenham sido
entregues para transporte, em viagem aquaviária, nacional, contra conheci-
mento de transporte aquaviário de carga, ou ainda outro documento hábil,
desde que aqueles danos materiais ocorram durante o transporte e sejam
causados diretamente por:
I. encalhe, varação, naufrágio ou soçobramento, do navio ou embarca-
ção;
II. incêndio ou explosão, no navio ou embarcação;
III. abalroação ou colisão, ou contato, do navio ou embarcação com qual-
quer corpo fixo ou móvel;
IV. incêndio ou explosão, nos depósitos, armazéns ou pátios usados pelo
Segurado nas localidades de início, pernoite, baldeação e destino da
viagem, ainda que os referidos bens e mercadorias se encontrem fora
do navio ou embarcação.

Nos termos da Resolução, o Segurado será exclusivamente empresa bra-


sileira de navegação autorizada pela ANTAQ – Agência Nacional de Trans-
portes Aquaviários a operar no transporte aquaviário de cargas.
A Resolução CNSP nº 182/2008 prevê, ainda, que o pagamento poderá
realizado pela Seguradora diretamente em favor de terceiro, mediante anu-
ência do segurado.
A Resolução CNSP nº 182/2008 prevê, ainda, extenso rol de riscos não
cobertos pelo Seguro Obrigatório RCA-C, caracterizados por danos às mer-
cadorias decorrentes de vício próprio, diminuição natural de peso, furto, rou-
bo, extravio, má arrumação e/ou mau acondicionamento, entre outros.
Estão expressamente excluídos da cobertura danos morais, lucros cessan-
tes e multas, assim como obrigações fiscais, tributárias e/ou judiciárias, à
exceção do valor dos impostos suspensos e/ou benefícios internos relativos
aos bens ou mercadorias transportadas, desde que contratada a Cobertura
Adicional específica.
A importância segurada corresponderá ao valor integral declarado no
conhecimento de embarque e o limite máximo de garantia deverá ser fixado
na apólice.

FGV DIREITO RIO 119


Direito Marítimo

2. Sub-rogação e ressarcimento 104


Código Civil
Art. 346. A sub-rogação opera-se, de
pleno direito, em favor:
Trata-se a sub-rogação de um instituto que, no âmbito do seguro, transfe- (omissis)
III - do terceiro interessado, que paga a
re ao segurador todos os direitos e ações do segurado, operando-se por meio dívida pela qual era ou podia ser obri-
gado, no todo ou em parte.
do pagamento da indenização securitária. Art. 349. A sub-rogação transfere ao
Dessa forma, ao efetuar o pagamento de indenização securitária decor- novo credor todos os direitos, ações,
privilégios e garantias do primitivo,
rente de sinistro com cobertura prevista na apólice, o segurador sub-roga-se em relação à dívida, contra o devedor
principal e os fiadores.
automaticamente até o montante desembolsado em todos os direitos e ações Art. 786. Paga a indenização, o se-
gurador sub-roga-se, nos limites do
em face de terceiros causadores do dano. valor respectivo, nos direitos e ações
A sub-rogação securitária é matéria regulada pelo Código Civil,104 pelo Có- que competirem ao segurado contra o
autor do dano.
digo Comercial105 e, inclusive, já teve sua eficácia pacificada por meio do enun- 105
Art. 728 do Código Comercial: “Pa-
ciado n° 188 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.106 gando o segurador um dano aconte-
cido à coisa segura, ficará sub-rogado
Atualmente, ainda há controvérsia acerca de quais direitos e/ou obrigações em todos os direitos e ações que ao
segurado competirem contra terceiro;
seriam transmitidas para o segurador por meio da sub-rogação, particularmen- e o segurado não pode praticar ato al-
te quanto à questão do Código de Defesa do Consumidor107 (caso aplicável ao gum em prejuízo do direito adquirido
dos seguradores.”
segurado), das cláusulas de eleição de foro108 e das cláusulas compromissórias.109 106
“O segurador tem ação regressiva
De qualquer forma, efetuado o pagamento, o segurador tem legitimidade contra o causador do dano, pelo que
efetivamente pagou, até o limite pre-
para acionar o real causador do dano (transportador, navio abalroador etc.) visto no contrato de seguro.”

para ressarcir-se do valor da indenização, por meio de demanda regressiva de 107


“TRANSPORTE MARÍTIMO DE MER-
CADORIA. SEGURADORA. COBRANÇA.
ressarcimento. […] Como cediço, ao efetuar o pa-
gamento da indenização ao segurado
em decorrência de danos causados por
terceiro, a seguradora sub-roga-se nos
direitos daquele, podendo, dentro do
prazo  prescricional aplicável à relação
jurídica originária, buscar o ressarci-
mento do que despendeu, nos mesmos
termos e limites que assistiam ao segu-
rado. Não se desconhece, outrossim,
que a seguradora ao sub-rogar-se nos
direitos e  ações que competiriam ao
segurado contra o autor do dano, faz
jus à aplicação de todos os  institutos
do CDC, evidentemente, quando no
caso da relação originária ser confi-
gurada como de  consumo.” BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. AgRg
noResp n. 1169418/RJ. Relator: Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em
06.02.2014.
108
“TRANSPORTE MARÍTIMO DE MER-
CADORIA. SEGURADORA. COBRANÇA.
[…] Como cediço, ao efetuar o pa-
gamento da indenização ao segurado
em decorrência de danos causados por
terceiro, a seguradora sub-roga-se nos
direitos daquele, podendo, dentro do
prazo  prescricional aplicável à relação
jurídica originária, buscar o ressarci-
mento do que despendeu, nos mesmos
termos e limites que assistiam ao segu-
rado. Não se desconhece, outrossim,
que a seguradora ao sub-rogar-se nos
direitos e  ações que competiriam ao
segurado contra o autor do dano, faz
jus à aplicação de todos os  institutos
do CDC, evidentemente, quando no

FGV DIREITO RIO 120


Direito Marítimo

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Qual é o principal objetivo do seguro? Discorra sobre a importância no caso da relação originária ser confi-
gurada como de  consumo.” BRASIL.
referido instituto, notadamente na área marítima. Superior Tribunal de Justiça. AgRg
3. Quais são as coberturas oferecidas na Apólice de Casco e Máquinas de noResp n. 1169418/RJ. Relator: Min.
Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgado em
acordo com a Circular SUSEP n° 085/2001? 06.02.2014.
4. Identifique três riscos excluídos da cobertura da Apólice de Casco e Má- 109
“SEGURO – Transporte marítimo de
mercadorias – Ação regressiva – Cláu-
quinas de acordo com a Circular SUSEP n° 085/2001. sula compromissória assumida entre a
5. A negligência do comandante ou da tripulação da embarcação segurada beneficiária dona da carga transpor-
tada e a responsável pelo transporte
configura excludente de cobertura na Apólice de Casco e Máquinas de – Eficácia também em face da empresa
seguradora dada a subrogação não
acordo com a Circular SUSEP n° 085/2001? somente dos direitos mas também dos
6. Defina Clube P&I e discorra sobre as principais coberturas oferecidas. deveres contratualmente assumidos
por sua segurada [...] Entre as obriga-
7. Discorra sobre a cláusula Sue & Labor. ções assumidas pela segurada, está a
cristalizada naquela cláusula compro-
8. De acordo com a Circular SUSEP n° 354/2007, quais são as coberturas missória [...] a segurada não poderia
básicas do seguro de transporte, suas diferenças e similaridades? deixar de cumpri-la, acaso, ela própria,
exercitasse [...] ação direta de cobrança
9. Discorra sobre sub-rogação securitária e ação regressiva de ressarcimento. [...] Sem sombra de dúvida o ajuste da
cláusula compromissória é do cerne
do contrato, isto é, decorreu também
do acordo de vontades que desaguou
no conjunto dos pontos assumidos
SUGESTÃO DE CASO GERADOR pelas partes contratantes. [...] tendo
ajustado a cláusula compromissória,
‘ficam os contratantes vinculados à
O navio “Fast Dubay”, após terminar manobra de desatracação, navegava solução extrajudicial da pendência’
(REsp 606.345-RS citado), vinculação a
pelo canal próximo ao cais quando perdeu máquinas e acabou por abalroar o que se deve sujeitar também a apela-
da, subrogada tanto nos direitos como
navio “Eagle”, o qual se encontrava atracado no Porto de Santos em operação nos deveres de sua segurada.” BRASIL.
de carga/descarga de containers. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. AC n. 7307457000.
Em virtude do acidente, ambos os navios sofreram avarias estruturais, sen- “[...] Ação regressiva decorrente de
contrato de seguro. Cláusula arbitral
do que o navio “Eagle” também teve vazamento de óleo combustível ao mar instituída com a segurada e não com
as seguradoras. Hipótese em que a
e alguns de seus containers (bem como as cargas estufadas) foram avariados. resolução de conflitos por arbitragem
só obriga as partes contratantes e
não terceiros. Aplicação da legislação
Levando em consideração o cenário acima, responda: estrangeira, por esse mesmo motivo,
que só poderia ser reconhecida em
demanda própria entre aqueles que
(i) Quais espécies de seguros marítimos poderiam estar envolvidas? figuram no primitivo contrato de pres-
tação de serviços. Extinção do processo
inadmissível. Impossibilidade de se
(ii) O Seguro Casco e Máquinas cobriria as avarias estruturais sofridas negar a incidência de lei nacional. [...]
As seguradoras vieram a juízo pleitear
pelos navios? Em que hipótese? direito próprio decorrente do contrato
de seguro e não do contrato de presta-
ção de serviços firmado pela ARACRUZ
(iii) Quais medidas devem ser tomadas pelos Armadores, na condição com a agravante e a co-ré A.B.B. LTDA.
de segurados? A sub-rogação da seguradora não é do
mesmo direito material, por óbvio, por-
que a origem do seu direito de regresso
(iv) Quais seriam as possíveis ações regressivas de ressarcimento? é o contrato de seguro, enquanto que
o direito da segurada resulta do des-
cumprimento do contrato de prestação
(v) Em face de qual parte a seguradora que indenizou os interesses das de serviços [...]” BRASIL. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. AI no.
cargas avariadas poderia ajuizar ação regressiva de ressarcimento? 1.257.807-7.

FGV DIREITO RIO 121


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas Utilizadas

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de Seguros, 1980.

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Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

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São Paulo: Aduaneiras, 1987.

BURANELLO, Renato Macedo. Do Contrato de Seguro. São Paulo: Quartier


Latin, 2006.

FIUZA, César. Direito Civil – Curso Completo. 5. ed. Rio de Janeiro: Del
Rey, 2002.

GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo.


2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Seguros Privados: doutrina, legislação e


jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

HAZELWOOD, Steven J. P&I Clubs: law and practice. Londres: Lloyd’s of


London Press Ltda, 1989.

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LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação.


3. ed. rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1984.

KEEDI, Samir; MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no


Comércio Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.

MARQUES, Fernando José. Direito do Seguro Marítimo: doutrina e


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MCGILLIVRAY; PARKINGTON. Insurance Law. 8th ed. Londres: [s.d.], 1998.

FGV DIREITO RIO 122


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OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Teoria Geral do Contrato de Seguro. V. 1.


Campinas: LZN, 2005.

PEREIRA, Rucemah Leonardo Gomes. Avaria Grossa e Perigo: regras de


York e Antuérpia. 2. ed. Rio de Janeiro: FEMAR, 1998.

SANTOS, Ricardo Bechara. Direito de seguro no novo Código civil e a legislação


própria. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SILVA, Claudio Ferreira da. Transportes, Seguros e Distribuição Física


Internacional das Mercadorias. 2. ed. São Paulo: Aduaneiras, 2003.

SIMAS, Hugo. Compêndio de direito marítimo brasileiro. São Paulo: Saraiva


& Cia Editores, 1938.

TZIRULNIK, Ernesto. O contrato de seguro: de acordo com o novo código


civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Jurisprudenciais

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 302212/RJ.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP n. 1038607/SP.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. AI n. 130439-2.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n. 55760/2007.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n.


2007.001.56739. Julgado em 05 de dezembro de 2007.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n. 983625-0/1.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AI n. 1333155-8.


Relator: Desembargador Encinas Manfre. Julgado em 22 de fevereiro
de 2005.

FGV DIREITO RIO 123


Direito Marítimo

Legislativas

BRASIL. Código Civil.


BRASIL. Código Comercial.
BRASIL. Decreto-Lei n° 73, de 21 de novembro de 1966.
BRASIL. Lei nº 8.374, de 30 de dezembro de 1991.
BRASIL. Lei n° 9.307, de 23 de setembro de 1996.
BRASIL. Lei Complementar n° 126, de 29 de novembro de 2007.

FGV DIREITO RIO 124


Direito Marítimo

AULA VII – Direito Portuário

ROTEIRO DE ESTUDO

1. Histórico / Introdução

A atividade portuária vem sofrendo impactantes alterações legislati-


vas desde dezembro de 2012 quando a Presidência da República editou a
Medida Provisória nº 595 visando alterar o regime jurídico da antiga Lei
dos Portos de nº 8.630 de 1993, até então conhecida pelo meio portuário
como um grande marco legislativo e amplamente aclamada como a Lei de
Modernização dos Portos.
A Medida Provisória nº 595 teve a sua vigência iniciada em 06 de De-
zembro de 2012 e trouxe à baila muitas polêmicas em razão das enormes
alterações no Regime Jurídico de Exploração dos Portos.
Na exposição de Motivos da referida Medida Provisória, percebe-se o de-
sejo de mudanças na exploração da atividade portuária, conforme se verifica
na transcrição abaixo, de um trecho da exposição:

1. “Submetemos à apreciação de Vossa Excelência, a pro-


posta de Medida Provisória que dispõe sobre novo regime de
exploração dos portos organizados e instalações portuárias e so-
bre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários.

2. Os portos brasileiros são responsáveis por 95% (no-


venta e cinco por cento) do fluxo de comércio exterior do
país, o que demonstra a importância estratégica do setor.
Para fazer frente às necessidades ensejadas pela expansão da
economia brasileira, com ganhos de eficiência, propõe-se
modelo baseado na ampliação da infraestrutura e da mo-
dernização da gestão portuária, no estímulo à expansão dos
investimentos do setor privado e no aumento da movimen-
tação de cargas com redução dos custos e eliminação de bar-
reiras à entrada.

3. Para a consecução dos objetivos do modelo, faz-


-se necessário retomar a capacidade de planejamento no
setor portuário, redefinir competências institucionais da
Secretaria de Portos e da Agência Nacional de Transportes
Aquaviários – ANTAQ.”

FGV DIREITO RIO 125


Direito Marítimo

4. Além disso, é importante aprimorar o marco regula-


tório, a fim de garantir maior segurança jurídica e, sobretudo,
maior competição no setor. Nesse sentido, a Medida Provisó-
ria proposta altera as Leis nº 10.233, de 5 de junho de 2001 e
nº 10.683, de 28 de maio de 2003, e revoga as Leis nº 8.630,
de 25 de fevereiro de 1993, e nº 11.610, de 12 de dezembro
de 2007, lançando novas bases para o desenvolvimento do
setor portuário nacional, calcadas em regras claras e precisas,
que promovam a participação da iniciativa privada com o Es-
tado, da operação dos terminais portuários.

5. Propomos a adoção do conceito de concessão de uso


de bem público para as instalações portuárias dentro do porto
organizado, formalizado em contratos de concessão e de ar-
rendamento. Adicionalmente, é proposta a adoção do regime
de autorização para a exploração de instalações portuárias fora
do porto organizado. Serão dois regimes diferentes, um asso-
ciado a uma infraestrutura pública (concessão e arrendamen-
to) e outro a uma infraestrutura privada (autorização).

6. O regime de exploração dentro do porto organiza-


do terá como condição de exploração – tanto para concessão
quanto para o arrendamento – a participação em processo de
licitação, no qual poderá ser adotada a modalidade leilão. O
critério de licitação, nesses casos, será, dentre outros requi-
sitos, a maior movimentação de carga com a menor tarifa.
Pretende-se, com isso, garantir o aumento da oferta com os
menores custos possíveis. O prazo de exploração do porto
organizado e da instalação portuária nele localizada será de
25 anos, prorrogável por no máximo igual período. Ao final
do prazo contratual, os bens e instalações reverterão ao poder
concedente para nova licitação.

7. A exploração fora do porto organizado será me-


diante autorização, formalizada em contrato de adesão
a ser celebrado entre o interessado e a SEP. O prazo das
autorizações também será de 25 anos, mas passível de su-
cessivas prorrogações, desde que o autorizatário se com-
prometa com investimentos e dê continuidade às ativida-
des de operação portuária na instalação. Como regra geral
– e para garantir publicidade e transparência ao setor –,
todas as autorizações serão precedidas de chamada pública.

FGV DIREITO RIO 126


Direito Marítimo

O objetivo das chamadas públicas será divulgar a existência de


interesse na obtenção de autorização para construção e explo-
ração de instalação portuária. Sempre que houver necessidade,
esta será promovido processo de seleção público, a ser discipli-
nado por ato do Poder Executivo.

8. O novo marco proposto elimina a distinção entre


movimentação de carga própria e carga de terceiros como
elemento essencial para a exploração das instalações por-
tuárias autorizadas. Nada obstante a existência de dois re-
gimes – um dentro do porto e outro fora dele – a explora-
ção dos portos organizados e instalações será por conta e
risco dos investidores.110”

Nos últimos 20 anos tivemos um histórico de crescentes mutações na


atividade portuária e em seu marco regulatório: em 1993 o regime jurídico
da atividade portuária foi completamente alterado com a edição da Lei de
Modernização dos Portos (Lei nº 8.630/1993); nos anos seguintes, a criação
da ANTAQ em 2001 (Lei nº 10.233) e da Secretaria de Portos - SEP em
2007 (Lei nº 11.518); em 2008 adveio a publicação do Decreto nº 6.620 e,
finalmente, em 2012 a publicação da Medida Provisória nº 595.
A partir de fevereiro de 2013, com a Medida Provisória 595 em vigência
e tramitando junto ao Congresso Nacional para apreciação pela Comissão
Mista, formada por Deputados e Senadores, a atividade portuária tornou-se
matéria quase que diária na mídia nacional.
Às vésperas de perder a sua validade, a Medida Provisória nº 595 foi apro-
vada pela Câmara dos Deputados após 40 horas de votação - a mais longa dos
últimos 40 anos da história política do país.111 Apesar dos debates polêmicos,
a medida foi aprovada nas duas casas do Congresso em Maio de 2013.
No dia 05 de Junho de 2013, a Presidente da República sancionou a Me-
dida Provisória dos Portos, com 13 vetos, iniciando assim a vigência da nova
Lei dos Portos, a Lei 12.815/2013.
Um dos principais vetos presidenciais em relação à medida provisória
aprovada no Congresso Nacional referia-se a um dispositivo que tratava da
criação do terminal-indústria. 110
EM Interministerial nº 00012-A -
SEP-PR /MF/MT/AGU.
Na justificativa, o governo alegava que o conceito do terminal indústria retoma- 111
Mais detalhes sobre a votação
ria a distinção entre a movimentação de carga própria e de terceiros, “cuja elimina- podem ser encontrados em: Câmara
dos Deputados. Henrique Alves
ção era uma das principais finalidades do novo marco legal para o setor portuário.”. comemora aprovação de MP dos
A Nova Lei dos Portos se apresentou como uma forma de garantir a abertura e Portos, após 40 horas de votações.
15/05/13. Disponível em <http://
a competitividade do setor e afastar qualquer insegurança jurídica dos investido- www2.camara.leg.br/camaranoticias/
noticias/POLITICA/442611-HENRIQUE-
res, permitindo que os antigos terminais privativos, agora denominados terminais -ALVES-COMEMORA-APROVACAO-DE-
privados, pudessem movimentar cargas de terceiros, e não apenas escoar eventual -MP-DOS-PORTOS,-APOS-40-HORAS-
-DE-VOTACOES.html>. Acesso em
produção própria, em livre concorrência com os terminais públicos licitados. 05/08/2013

FGV DIREITO RIO 127


Direito Marítimo

Entretanto, há que se destacar que, nos últimos vinte anos, a geração de


investimentos em infraestrutura e a modernização da operação por meio da
aquisição pelo setor privado de equipamentos mais modernos e eficientes,
permitindo operações mais ágeis e a consequente redução do tempo de per-
manência dos navios no porto, foram decorrências diretas da antiga Lei dos
Portos (Lei nº 8.630 de 1993).
É sabido que até o ano de 1993 o Estado detinha não apenas a administra-
ção dos portos como também a operação direta. Porém este formato não se
mostrava adequado às necessidades do mercado, tanto que os portos ficaram
sucateados e ineficientes por muitos anos quer seja pela falta de investimento
como pela pequena participação do capital privado.
Com o advento do Regime Jurídico preconizado na Lei nº 8.630/93, as
Companhias Docas de todo o Brasil (em geral sociedades de economia mista
com participação da União) passaram a administrar a atividade portuária,
como autoridades portuárias, arrendantes de terminais públicos, através de
licitação, onde as vencedoras —empresas privadas — passaram a realizar di-
retamente a operação portuária, sempre respeitando as regras do contrato de
arrendamento de caráter publico.
Além dos terminais públicos, o cenário portuário contava também com a
operação dos terminais de uso privativos exclusivos que movimentavam car-
ga própria e os terminais de uso privativos mistos que movimentavam cargas
próprias e de terceiros.
A ruptura com o antigo regime, onde o Estado detinha o controle prati-
camente absoluto da atividade portuária, foi um grande passo para a moder-
nização dos portos.
No entanto, com o passar dos anos, este modelo inicialmente festejado
pelo setor, se mostrou inadequado frente ao aumento de demandas do mer-
cado mundial, gerando os chamados “gargalos logísticos”, fato que exigia
nova solução regulatória.
É previsível que mudanças regulatórias nunca ocorram de forma pacífica
e a atividade portuária não foi exceção, principalmente com as mudanças
radicais ocorridas no setor após a Lei de Modernização dos Portos de 1993.
Com a edição do Decreto nº 6.620 em 2008, os terminais privativos so-
freram restrições para movimentar cargas de terceiros, e, portanto, ficaram
impedidos de explorar a atividade portuária em concorrência com os termi-
nais de uso público.
Este modelo foi amplamente modificado pela já citada Medida Provisória
nº 595 de 2012, aprovada no Congresso Nacional e Convertida na Lei nº
12.815 de 5 de Junho de 2013 (sancionada pela Presidente da República com
vetos a alguns dispositivos acrescentados e alterados pelo poder Legislativo).
Não se pode deixar de observar que as mudanças regulatórias do setor
portuário ocorreram por meio de mecanismos legislativos inerentes ao Poder

FGV DIREITO RIO 128


Direito Marítimo

Executivo, primeiro através de Decreto em 2008 que limitou a participação


do capital privado e, posteriormente, com a Medida Provisória n. 595 de
2012 que permitiu um maior protagonismo dos terminais privados.
Destarte, em quatro anos vimos o setor alterar substancialmente o seu regra-
mento jurídico, de início preservando o mercado para os terminais públicos, e
em seguida ampliando a possibilidade de concorrência dos terminais privados.
É certo que essa nova legislação, ainda em fase prematura de implantação,
tem sido alvo de muitos debates pelo setor e farta regulamentação.

2. A Nova Legislação Portuária - Lei nº 12.815/2013

A Lei 12.815 de 5 de Junho de 2013 encontra-se dividida em nove ca-


pítulos e setenta e seis artigos, e introduziu novos conceitos em seu artigo
2º, senão vejamos:

“I - porto organizado: bem público construído e aparelhado


para atender a necessidades de navegação, de movimentação
de passageiros ou de movimentação e armazenagem de mer-
cadorias, e cujo tráfego e operações portuárias estejam sob ju-
risdição de autoridade portuária;

II - área do porto organizado: área delimitada por ato do Po-


der Executivo que compreende as instalações portuárias e a
infraestrutura de proteção e de acesso ao porto organizado;

III - instalação portuária: instalação localizada dentro ou fora


da área do porto organizado e utilizada em movimentação de
passageiros, em movimentação ou armazenagem de mercado-
rias, destinadas ou provenientes de transporte aquaviário;

IV - terminal de uso privado: instalação portuária explorada me-


diante autorização e localizada fora da área do porto organizado; 

V - estação de transbordo de cargas: instalação portuária explo-


rada mediante autorização, localizada fora da área do porto orga-
nizado e utilizada exclusivamente para operação de transbordo de
mercadorias em embarcações de navegação interior ou cabotagem;

VI - instalação portuária pública de pequeno porte: instala-


ção portuária explorada mediante autorização, localizada fora
do porto organizado e utilizada em movimentação de passa-
geiros ou mercadorias em embarcações de navegação interior; 

FGV DIREITO RIO 129


Direito Marítimo

VII - instalação portuária de turismo: instalação portuária


explorada mediante arrendamento ou autorização e utilizada
em embarque, desembarque e trânsito de passageiros, tripu-
lantes e bagagens, e de insumos para o provimento e abasteci-
mento de embarcações de turismo; 

VIII -  (VETADO): 
a)  (VETADO); 
b)  (VETADO); e 
c)  (VETADO); 

IX - concessão: cessão onerosa do porto organizado, com vis-


tas à administração e à exploração de sua infraestrutura por
prazo determinado; 

X - delegação: transferência, mediante convênio, da admi-


nistração e da exploração do porto organizado para Municí-
pios ou Estados, ou a consórcio público, nos termos da Lei nº
9.277, de 10 de maio de 1996; 

XI - arrendamento: cessão onerosa de área e infraestrutura


públicas localizadas dentro do porto organizado, para explo-
ração por prazo determinado; 

XII - autorização: outorga de direito à exploração de insta-


lação portuária localizada fora da área do porto organizado e
formalizada mediante contrato de adesão; e 

XIII - operador portuário: pessoa jurídica pré-qualificada


para exercer as atividades de movimentação de passageiros ou
movimentação e armazenagem de mercadorias, destinadas ou
provenientes de transporte aquaviário, dentro da área do por-
to organizado.” 

2.1 Terminais de Uso Privado

A grande distinção conceitual que separa o novo do antigo marco regu-


latório reside na definição e nomenclatura atinentes aos antigos terminais
privativos, que hoje são denominados Terminais de Uso Privado (TUP) e
não estão mais sujeitos à obrigatoriedade de movimentação de carga própria
(carga produzida pela própria empresa como parte da cadeia de produção).

FGV DIREITO RIO 130


Direito Marítimo

Cabe destacar ainda que, a Nova Lei designou como terminal de uso privado
apenas as instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado.

Portanto, instalação portuária de propriedade do particular localizada fora


da área do porto organizado poderá ser explorada mediante simples autoriza-
ção da SEP a ser obtida mediante requerimento pelo interessado junto à AN-
TAQ. Após o cumprimento de todo o trâmite legal exigido,112 a Secretaria de
Portos, na qualidade de Poder Concedente, com interveniência da ANTAQ,
poderá então celebrar o contrato de adesão com o requerente. 112
A Resolução da ANTAQ nº 3.290 de
14 de fevereiro de 2014 dispõe so-
A nova lei também determinou em seu artigo 8º que serão exploradas me- bre procedimento para obtenção da
autorização referente à terminais de
diante autorização, além do terminal de uso privado, as seguintes instalações uso privado, estação de transbordo de
carga, instalação portuária pública de
localizadas fora do porto organizado: a) estação de transbordo de carga; b) pequeno porte e de instalação portu-
instalação portuária pública de pequeno porte e c) instalação portuária de ária de turismo. No anexo da referida
Resolução consta um modelo de reque-
turismo. rimento de autorização.

De acordo com informações da SEP 113e da ANTAQ114, desde a publica- 113


Informações detalhadas podem
ser encontradas em tabela disponi-
ção da Lei 12.815 em 06/06/13 até 31/03/16 foram autorizados pela SEP bilizada pela SEP em < http://www.
portosdobrasil.gov.br/assuntos-1/
um total de 51 instalações portuárias, sendo 35 terminais de uso privado, investimentos/itens/tabela-de-
14 estações de transbordo de carga e 2 instalações portuárias de turismo. Da -tups-31-03-2016_atualizada.pdf/
view > . Acesso em 27/06/2016
leitura dos contratos de adesão celebrados em relação aos terminais de uso 114
A relação e visualização de todos os
privado observam-se alguns aspectos limitadores, tais como:115 contratos está disponível no sítio ele-
trônico da ANTAQ em < http://www.
• cada contrato prevê expressamente o tipo de carga a ser movimentada antaq.gov.br/Portal/Instalacoes_Por-
e/ou armazenada; tuarias.asp >. Acesso em 27/06/2016
Idem.
115
• alterações quanto ao tipo de carga movimentada ou capacidade de sua
O Termo de Liberação de Operação
116
movimentação e armazenagem devem ser autorizadas pela SEP; só é emitido após o cumprimento
• para iniciar a operação da instalação portuária é necessária a emissão do das etapas descritas no artigo 27 da
Resolução da ANTAQ 3.290 de 14 de
“Termo de Liberação de Operação” (TLO)116 pela ANTAQ. fevereiro de 2014.

FGV DIREITO RIO 131


Direito Marítimo

• a operação deve ser iniciada dentro do prazo previsto em cronograma,


sob pena de aplicação de penalidades pela ANTAQ;
• a autorizada deve enviar relatórios periódicos à ANTAQ informando
o estágio das obras;
• o uso da infraestrutura do porto organizado deve ser devidamente
remunerado;
• deve ser prestada garantia de execução contratual no percentual de 2%
do valor global do investimento pela autorizada. Desse valor, 80% se-
rão devolvidos a partir da emissão do TLO e 20% quando ocorrer o
termo do contrato;
Ainda, é possível notar que à ANTAQ caberá, em síntese, fiscalizar a realiza-
ção das obras, a operação e prestação dos serviços pela instalação portuária, po-
dendo exigir a observância das cláusulas contratuais e aplicar sanções quando
for preciso, conforme Resolução n. 3274 de 2014 publicada pela ANTAQ.117

2.2 Concessão e Arrendamento

Importante ressaltar ainda a distinção que a lei trouxe em relação aos con-
ceitos de concessão e arrendamento, deixando claro que a concessão é cessão
onerosa do próprio porto organizado (administração e exploração de sua infra-
estrutura), enquanto que o arrendamento é a cessão onerosa de área localizada
dentro do porto organizado, portanto, cessão de apenas uma parcela do porto
que pode ser denominada como instalação portuária ou terminal de uso públi-
co, ambas cedidas à iniciativa privada mediante procedimento licitatório.
De acordo com o artigo 17 da nova lei dos portos, a administração do porto
poderá ser exercida diretamente pela: i) União; ii) pela delegatária (transferên-
cia através de convenio para Municípios, Estados ou Consórcios Públicos) ou
iii) pela entidade concessionária do porto organizado (por meio de licitação).

2.3 Operador Portuário

Cabe destacar ainda que, as operações portuárias dentro do porto organi-


zado devem ser realizadas por intermédio de operadores portuários. O opera- Ver art. 11 da Resolução nº 3274
117

da ANTAQ de 6 de fevereiro de 2014.


dor portuário se constitui em empresa criada especialmente para a exploração Ainda, de acordo com o art. 3º da Re-
solução nº 3259 da ANTAQ de 30 de
da atividade portuária, mas que não detém um terminal arrendado, ou seja, janeiro de 2014 “Cabe à ANTAQ fisca-
lizar e regular a prestação de serviços
não possui uma área fixa para atuar, mas se pré-qualifica junto à autoridade de transportes aquaviários e a explo-
portuária para exercer as atividades de movimentação de passageiros ou mer- ração da infraestrutura aquaviária e
portuária, de ofício ou mediante Ação
cadorias (embarque, desembarque e armazenagem) em área de cais público, Fiscalizadora, zelando pelo cumpri-
mento de todos os dispositivos legais,
que em geral são administradas pela concessionária do porto organizado, mas regulamentares e instrumentos con-
que por alguma razão operacional, econômica ou estratégica, não foram ar- tratuais sob sua regulação, em espe-
cial a adequada prestação do serviço
rendadas e por isso podem ser utilizadas por qualquer operador portuário. ou exercício da atividade.”.

FGV DIREITO RIO 132


Direito Marítimo

A qualificação dos operadores portuários, anteriormente à edição da Lei


12.815, seguia norma editada por cada Companhia Docas em seu porto res-
pectivo, hoje, entretanto, há uma regra geral, a Portaria da SEP n. 111 de 07
de Agosto de 2013.

2.4 OGMO – Órgão Gestor de Mão de Obra e o Trabalho Portuário

Os OGMOs foram introduzidos pela Lei 8.630 de 1993, como alternativa


ao fornecimento de mão de obra avulsa por meio dos Sindicatos, modalidade
até então praticada pelo setor. Portanto, a antiga lei dos portos foi responsável
pela criação destas entidades sem fins lucrativos e de utilidade pública.118
Cada porto organizado passou a ter o seu próprio OGMO, constituído
por meio da união dos operadores portuários daquela localidade, ficando o
referido órgão responsável pela gestão da mão de obra portuária.119

A nova lei dos portos, Lei nº 12.815 de 2013 praticamente repete o mo-
delo aplicado a partir de 1993 e em seu artigo 32 prevê que, os operadores
portuários deverão constituir, em cada porto organizado, um órgão de gestão
de mão de obra do trabalho portuário destinado a:
• manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e o
registro do trabalhador portuário avulso; 
• treinar e habilitar profissionalmente o trabalhador portuário, inscre-
vendo-o no cadastro; 
• selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso; 
• estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso ao
registro do trabalhador portuário avulso; 
• expedir os documentos de identificação do trabalhador portuário; e 
• arrecadar e repassar aos beneficiários os valores devidos pelos operado-
res portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso.
• Aplicar aos TPAs, quando couber: a) repreensão verbal ou por escrito; 
b) suspensão do registro pelo período de 10 (dez) a 30 (trinta) dias;
ou c) cancelamento do registro; 
• Formar profissionalmente o trabalhador portuário e o trabalhador por-
tuário avulso;  118
Conforme disposto na Lei nº
• Promover treinamento multifuncional do trabalhador portuário e do 8.630/1993, art. 25 e hoje tratado na
Lei nº 12.815/2013 em seu art. 32 e
trabalhador portuário avulso; e  seguintes.

• zelar pelas normas de saúde, higiene e segurança no trabalho portu- 119


O órgão gestor de mão de obra pos-
sui uma diretoria executiva e um con-
ário avulso; e  selho de supervisão, cuja composição
• responder, solidariamente com os operadores portuários, pela remu- deve observar o disposto no art. 38,
§1º e §2º do Decreto nº 8.033 de 27 de
neração devida ao trabalhador portuário avulso e pelas indenizações junho de 2013, bem como na Portaria
nº 252 de 6 de dezembro de 2013 da
decorrentes de acidente de trabalho.  Secretaria de Portos.

FGV DIREITO RIO 133


Direito Marítimo

Por ser considerado como dotado de utilidade pública120, o OGMO não


pode ter fins lucrativos, prestar serviços a terceiros ou exercer atividades não
vinculadas às suas finalidades.121
No que diz respeito ao pagamento da remuneração devida ao trabalhador
portuário avulso, a mesma deve ser recolhida pelo operador portuário ao
OGMO, cabendo a este último efetuar o pagamento ao trabalhador. Desta-
que-se que o operador portuário e o OGMO são solidariamente responsáveis
pelo pagamento dos encargos trabalhistas, das contribuições previdenciárias
e demais obrigações.122
Em resumo, o escopo precípuo da criação dos OGMOs foi contribuir
para a modernização do sistema portuário brasileiro, garantindo mão de obra
especializada aos operadores portuários e zelando pela melhoria da qualidade
do treinamento e vida do trabalhador.
Importante destacar que, a adoção pelo ordenamento jurídico brasileiro
de um sistema de gestão unificada de mão de obra portuária avulsa – OG-
MOs - facilita a observância das normas estabelecidas na Convenção nº 137
da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

2.5 O Trabalho Portuário e suas categorias

As várias atividades do trabalho portuário nos portos organizados per-


manecem divididas em seis categorias distintas denominadas: (i) capatazia;
(ii) estiva; (iii) conferência de carga; (iv) conserto de carga; (v) vigilância de
embarcações e (vi) bloco.
As atividades desenvolvidas por cada uma dessas categorias encontram-se
descritas no artigo 40, § 1º, da Lei nº 12.815/2013 da seguinte forma:
I - capatazia: atividade de movimentação de mercadorias nas instalações
dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, trans-
porte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, ma-
nipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga
de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário;  120
Sobre a utilidade pública do OGMO,
II - estiva: atividade de movimentação de mercadorias nos conveses que já era reconhecida desde a anti-
ga lei, ver TRT-2. Recurso Ordinário
ou nos porões das embarcações principais ou auxiliares, incluindo 323200844202002/SP. Rel. Des. Rovir-
so Aparecido Boldo, 8ª Turma, julgado
o transbordo, arrumação, peação e despeação, bem como o carrega- em 28/05/2010. Na ementa do julgado
lê-se que “[...] O OGMO é entidade civil
mento e a descarga, quando realizados com equipamentos de bordo;  de utilidade pública, sem fins lucrativos,
III - conferência de carga: contagem de volumes, anotação de suas constituída por operadores portuários,
e tem como finalidade administrar o
características, procedência ou destino, verificação do estado das fornecimento de mão de obra do traba-
lhador avulso portuário. [...].”.
mercadorias, assistência à pesagem, conferência do manifesto e de-
Lei nº 12.815/2013, art. 39.
121

mais serviços correlatos, nas operações de carregamento e descarga Lei nº 12.815/2013, Artigo 33, § 2º;
122

de embarcações;  Lei nº 9.719/1998, art. 2º, I e §4º.

FGV DIREITO RIO 134


Direito Marítimo

IV - conserto de carga: reparo e restauração das embalagens de mercado-


rias, nas operações de carregamento e descarga de embarcações, reem-
balagem, marcação, remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura
de volumes para vistoria e posterior recomposição; 
V - vigilância de embarcações: atividade de fiscalização da entrada e sa-
ída de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao lar-
go, bem como da movimentação de mercadorias nos portalós, rampas,
porões, conveses, plataformas e em outros locais da embarcação; e 
VI - bloco: atividade de limpeza e conservação de embarcações mercantes
e de seus tanques, incluindo batimento de ferrugem, pintura, reparos
de pequena monta e serviços correlatos.
Conforme o disposto no artigo 40 da Lei nº Lei 12.815 de 2013, o tra-
balho portuário desenvolvido pelas categorias listadas acima, nos portos or-
ganizados, poderá ser realizado por trabalhadores portuários com vínculo
empregatício a prazo indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos.
O trabalho portuário na modalidade avulsa é desenvolvido por trabalha-
dores registrados nos OGMOs e complementarmente pelos cadastrados,123
que se candidatam ao trabalho no local de escalação do porto (conhecido
como parede), concorrendo com outros trabalhadores de sua categoria aos
serviços disponíveis naquele momento.
Essa escalação é de responsabilidade OGMO e feita por meio de um siste-
ma de rodízio,124 de modo a garantir o acesso ao trabalho, de maneira iguali-
tária, a todos os trabalhadores que se apresentem para a escalação.
Por sua vez, o trabalho das categorias de capatazia, bloco, estiva, conferência
de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações, realizado por traba-
lhadores com vínculo empregatício a prazo indeterminado — regulado pelo
Parágrafo Segundo do artigo 40, da Lei nº 12.815 de 2013 — terá que ser feito
exclusivamente dentre trabalhadores portuários avulsos registrados.125
Sobre o tema, o TST já se pronunciou no sentido de que cabe ao operador
portuário, de modo discricionário, decidir qual forma de trabalho - com vín-
culo empregatício a prazo indeterminado ou por trabalhador avulso- é mais
benéfica aos seus interesses, posto que a lei não estabelece nenhuma ordem
de preferência entre elas.
Note-se que, a nova lei trouxe relevante modificação quanto ao artigo 40,
acrescentando exclusividade para a contratação a vínculo empregatício, tam-
bém em relação às categorias de capatazia e bloco, que na antiga lei haviam
Lei nº 9.719/1998, art. 4º.
123

sido expressamente excepcionadas.


Lei nº 9.719/1998, art. 5º.
124

Sobre a contratação a vínculo de trabalhadores portuários, há algumas in-


Sobre a taxatividade das categorias
125

terpretações: (i) os trabalhadores que possuam apenas o cadastro no OGMO elencadas no artigo 40,§2º da nova lei
dos portos, ver o julgado: BRASIL. Tri-
não poderiam ser contratados com vínculo empregatício a prazo indetermina- bunal Regional do Trabalho. Segunda
do, a exclusividade se daria apenas aos trabalhadores registrados; e (ii) não po- Região. RO n. 00020823120125020445.
Sexta Turma. Julgado em 11 de feverei-
deria haver a contratação a vínculo, de trabalhadores fora do sistema portuário, ro de 2014.

FGV DIREITO RIO 135


Direito Marítimo

ou seja, que não fossem registrados no OGMO; (iii) que lançado edital para
contratação a vinculo empregatício, não havendo trabalhadores portuários
avulsos registrados e nem cadastrados interessados na contratação a vínculo,
poderia o empregador contratar trabalhadores fora do sistema do OGMO.
Quanto à contratação fora do sistema OGMO, há jurisprudência pací-
fica no TST no sentido de que a contratação deve ser feita prioritariamente
com trabalhadores avulsos registrados e cadastrados, de forma que apenas
quando as vagas ofertadas não forem preenchidas será lícita a contratação
fora do OGMO.126
A dificuldade de empregar mão de obra avulsa se dá em grande parte em
razão da ausência de subordinação, de vinculação direta, pois a cada opera-
ção, em turno de seis horas, há a escalação de trabalhadores diferentes para a
execução dos serviços. Logo, não há uma vinculação pautada na confiança e
comprometimento que se pretende obter na relação de trabalho, no relacio-
namento entre o empregador e empregado.
Ademais, para cada operação de seis horas, o operador portuário fica obri-
gado a requisitar junto ao OGMO um terno de trabalhadores de cada cate-
goria. A expressão “terno” é a designação histórica para equipe de trabalhado-
res, cujo número de componentes não é pré-definido na lei, pois esta optou
por tratar a matéria como parte da negociação coletiva entre os interessados
(trabalhador portuário avulso e operador portuário),.No entanto, o consenso
acerca do número adequado de trabalhadores a compor o terno para cada
operação não é tarefa fácil.
No passado a adoção do regime de trabalho avulso se justificava pela pou-
ca frequência de navios e operações realizadas, mas com o crescimento e
desenvolvimento da atividade portuária, esta modalidade de contratação pas-
sou a ter menor relevância.
Atualmente, alguns operadores portuários vêm optando por desenvolver o
trabalho portuário utilizando exclusivamente trabalhadores com vínculo em-
pregatício, deixando de utilizar o trabalho portuário na modalidade avulsa.
Essa opção tem causado a insatisfação de várias das categorias de traba-
Ver: TST. AIRR 232-07.2010.5.01.0067.
lhadores portuários, que por meio dos seus Sindicatos e também em ações
126

Rel. Min. Fernando Eizo Ono, julgado


individuais, vêm discutindo perante o Judiciário a possibilidade, ou não, da em 10/06/2015, 4ª Turma, publicado
em DEJT 03/07/2015.; TST. AIRR 24400-
utilização da mão de obra apenas de trabalhadores com vínculo empregatí- 33.2010.5.17.0001. Rel. Min. Fernando
Eizo Ono, julgado em 01/10/2014, 4ª
cio, dispensada a utilização de mão de obra avulsa.127 Turma, plubicado em DEJT 10/10/2014.;
127
Neste sentido verificar os seguintes
julgados: BRASIL. Tribunal Regional do
Trabalho. Sexta Região. Tribunal Pleno.
2.6 Administração Portuária BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho.
Sexta Região. 00185-2004-000-06-00-
1. Julgado em 20 de janeiro de 2005.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho.
De acordo com a Nova Lei dos Portos a administração dos portos deverá Primeira Região. Seção Especializada
ser exercida atraves de algumas modalidades: i) diretamente pela União; ii) em Dissídios Individuais. Mandado de
Segurança n. 07038-2008-000-01-00-
pela delegatária ou iii) por entidade concessionária do porto organizado. 3. Julgado em 02 de abril de 2009.

FGV DIREITO RIO 136


Direito Marítimo

A administração do porto organizado é também denominada autoridade


portuária, e anteriormente detinha a competência para realizar as licitações
de terminais de uso público e celebrar os contratos de arrendamento, hoje
tais competencias foram transferidas respectivamente para Antaq e SEP.
Apesar de ter perdido algumas de suas competências típicas, conforme
disposto no art. 17,§1º da L. 12815/13 a administração do porto ainda
esta obrigada a:
I. cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos e os contratos de
concessão; 
II. assegurar o gozo das vantagens decorrentes do melhoramento e apare-
lhamento do porto ao comércio e à navegação; 
III. pré-qualificar os operadores portuários, de acordo com as normas esta-
belecidas pelo poder concedente;
IV. arrecadar os valores das tarifas relativas às suas atividades;
V. fiscalizar ou executar as obras de construção, reforma, ampliação, me-
lhoramento e conservação das instalações portuárias;
VI. fiscalizar a operação portuária, zelando pela realização das atividades
com regularidade, eficiência, segurança e respeito ao meio ambiente; 
VII. promover a remoção de embarcações ou cascos de embarcações que
possam prejudicar o acesso ao porto; 
VIII. autorizar a entrada e saída, inclusive atracação e desatracação, o fun-
deio e o tráfego de embarcação na área do porto, ouvidas as demais
autoridades do porto; 
IX. autorizar a movimentação de carga das embarcações, ressalvada a com-
petência da autoridade marítima em situações de assistência e salva-
mento de embarcação, ouvidas as demais autoridades do porto;
X. suspender operações portuárias que prejudiquem o funcionamento do
porto, ressalvados os aspectos de interesse da autoridade marítima res-
ponsável pela segurança do tráfego aquaviário; 
XI. reportar infrações e representar perante a ANTAQ, visando à instaura-
ção de processo administrativo e aplicação das penalidades previstas em
lei, em regulamento e nos contratos; 
XII. adotar as medidas solicitadas pelas demais autoridades no porto; 
XIII. prestar apoio técnico e administrativo ao conselho de autoridade por-
tuária e ao órgão de gestão de mão de obra; 
XIV. estabelecer o horário de funcionamento do porto, observadas as diretri-
zes da Secretaria de Portos da Presidência da República, e as jornadas
de trabalho no cais de uso público; e 
XV. organizar a guarda portuária, em conformidade com a regulamentação
expedida pelo poder concedente.
XVI. A administração do porto tem como órgão consultivo o Conselho
de Autoridade Portuária (CAP), o qual deve ser instituído em cada
porto organizado.

FGV DIREITO RIO 137


Direito Marítimo

2.7 Planejamento Portuário

Existem dois mecanismos distintos de planejamento portuário: em âmbi-


to nacional temos o Plano Geral de Outorgas - PGO e em âmbito regional
(em cada porto), o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto, o
chamado PDZ, este plano era anteriormente elaborado pela autoridade por-
tuária local (Companhias Docas) e submetido a aprovação do Conselho de
Autoridade Portuária. Com o novo marco regulatório, a competência para
elaborar o PDZ continua sendo das autoridades portuárias, porém a aprova-
ção deverá ser submetida à Secretaria de Portos.128
A Portaria da SEP nº 3 de 7 de janeiro de 2014129 estabelece as diretrizes
para elaboração e revisão do PDZ e PGO, trazendo o seu conceito no art.
1º, III e IV :

Art. 1º - São instrumentos de planejamento do setor portuá-


rio nacional, de caráter contínuo:

II - O Plano de Desenvolvimento e Zoneamento - PDZ - ins-


trumento de planejamento operacional da Administração Por-
tuária, que compatibiliza as políticas de desenvolvimento ur-
bano dos municípios, do estado e da região onde se localiza o
porto, visando, no horizonte temporal, o estabelecimento de
ações e de metas para a expansão racional e a otimização do uso
de áreas e instalações do porto, com aderência ao Plano Nacio-
nal de Logística Portuária - PNLP e respectivo Plano Mestre.

IV - O Plano Geral de Outorgas - PGO - instrumento de pla-


nejamento de Estado que consiste em um plano de ação para a
execução das outorgas de novos portos ou terminais públicos e
privados, reunindo a relação de áreas a serem destinadas à explo-
ração portuária nas modalidades de arrendamento, concessão,
autorização e delegação, com respectivos horizontes de implan-
tação, tomando como base o planejamento do Poder Conce-
dente, das Administrações Portuárias e da iniciativa privada.

Ainda, de acordo com o art. 11 da portaria supracitada, o PDZ tem como 128
Lei 12.815/2013, Art 17º §2º. A com-
objetivo geral promover a modernização do porto e sua integração com os petência para elaborar o plano Geral de
Outorgas - PGO é da Secretaria de Portos
demais meios de transporte. da Presidência da República conforme
Decreto nº 8.033/2013, Art. 2º, I.
Dentro dos portos organizados, a autoridade portuária interage com ou-
129
A Portaria SEP nº 206/2014 alterou
tras autoridades, quais sejam: autoridade marítima (Capitania dos Portos) o Anexo I da Portaria SEP 03/2014. Já a
e autoridade aduaneira (Receita Federal), esta interação está expressamente Portaria SEP nº 499/2014 além de modi-
ficar o Anexo I alterou também a redação
prevista na Lei, nos seguintes termos: do art. 2º,PÚ, art. 3º,PÚ e art. 9º,§1º.

FGV DIREITO RIO 138


Direito Marítimo

Art. 18.   Dentro dos limites da área do porto organizado,


compete à administração do porto: 

I - sob coordenação da autoridade marítima: 

a) estabelecer, manter e operar o balizamento do canal de


acesso e da bacia de evolução do porto; 

b) delimitar as áreas de fundeadouro, de fundeio para carga e


descarga, de inspeção sanitária e de polícia marítima; 

c) delimitar as áreas destinadas a navios de guerra e submari-


nos, plataformas e demais embarcações especiais, navios em
reparo ou aguardando atracação e navios com cargas inflamá-
veis ou explosivas; 

d) estabelecer e divulgar o calado máximo de operação dos


navios, em função dos levantamentos batimétricos efetuados
sob sua responsabilidade; e 

e) estabelecer e divulgar o porte bruto máximo e as dimensões


máximas dos navios que trafegarão, em função das limitações
e características físicas do cais do porto; 

II - sob coordenação da autoridade aduaneira: 

a) delimitar a área de alfandegamento; e 

b) organizar e sinalizar os fluxos de mercadorias, veículos, uni-


dades de cargas e de pessoas.  

A Lei prevê ainda que, a entrada ou a saída de mercadorias proceden-


tes do exterior ou a ele destinadas somente poderá efetuar-se em portos
ou instalações portuárias alfandegados. O alfandegamento destas áreas
depende de efetivo cumprimento dos requisitos previstos na legislação
específica.
As repartições aduaneiras têm suas competências previstas no artigo 24 da
nova Lei dos Portos, senão vejamos:

Art. 24.  Compete ao Ministério da Fazenda, por intermédio


das repartições aduaneiras: 

FGV DIREITO RIO 139


Direito Marítimo

I - cumprir e fazer cumprir a legislação que regula a entrada, a


permanência e a saída de quaisquer bens ou mercadorias do País; 

II - fiscalizar a entrada, a permanência, a movimentação e a


saída de pessoas, veículos, unidades de carga e mercadorias,
sem prejuízo das atribuições das outras autoridades no porto; 

III - exercer a vigilância aduaneira e reprimir o contrabando e


o descaminho, sem prejuízo das atribuições de outros órgãos; 

IV - arrecadar os tributos incidentes sobre o comércio exterior; 

V - proceder ao despacho aduaneiro na importação e na ex-


portação; 

VI - proceder à apreensão de mercadoria em situação irregu-


lar, nos termos da legislação fiscal; 

VII - autorizar a remoção de mercadorias da área portuária


para outros locais, alfandegados ou não, nos casos e na forma
prevista na legislação aduaneira; 

VIII - administrar a aplicação de regimes suspensivos, exone-


rativos ou devolutivos de tributos às mercadorias importadas
ou a exportar; 

IX - assegurar o cumprimento de tratados, acordos ou con-


venções internacionais no plano aduaneiro; e 

X - zelar pela observância da legislação aduaneira e pela defesa


dos interesses fazendários nacionais. 

§ 1o  No exercício de suas atribuições, a autoridade aduaneira


terá livre acesso a quaisquer dependências do porto ou insta-
lação portuária, às embarcações atracadas ou não e aos locais
onde se encontrem mercadorias procedentes do exterior ou a
ele destinadas. 

§ 2o   No exercício de suas atribuições, a autoridade adua-


neira poderá, sempre que julgar necessário, requisitar do-
cumentos e informações e o apoio de força pública federal,
estadual ou municipal.  

FGV DIREITO RIO 140


Direito Marítimo

Ademais, a Secretaria de Portos da Presidência da República terá que rea-


lizar a coordenação da atuação integrada dos órgãos e entidades públicas nos
portos organizados e instalações portuárias, com a finalidade de garantir a
eficiência e a qualidade de suas atividades. 

2.8 CAP – Conselho de Autoridade Portuária

A antiga Lei dos Portos (8.630 de 1993) criou o Conselho da Autoridade


Portuária (CAP) constituído por quatro blocos: (i) bloco do Poder Público
(governo federal, estadual e municipal), (ii) bloco de Operadores Portuários
(representante da administração portuária, armadores e das instalações portuá-
rias privadas localizadas dentro da área do porto), (iii) bloco da classe dos Tra-
balhadores Portuários e (iv) bloco dos Usuários dos Serviços Portuários e afins.
O CAP possuía, à época, dentre outras, as seguintes atribuições:
• Aprovar o PDZ – Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto;
• Homologar o horário de funcionamento do porto;
• Opinar sobre a proposta de orçamento do porto;
• Zelar pelo cumprimento das normas de defesa da concorrência;
• Homologar os valores das tarifas portuárias;
• Manifestar-se sobre os programas de obras, aquisições e melhoramen-
tos da infraestrutura portuária; e
• Assegurar o cumprimento das normas de proteção ao meio-ambiente e
estimular a competitividade nos portos.

2.8.1 O Novo CAP

A nova Lei dos Portos, Lei nº 12.815 de 2013, através do seu artigo 20,
alterou de forma substancial a competência do CAP, pois antes o Conselho
detinha poderes de deliberação, mas com a nova lei, passou a ser apenas um
órgão consultivo da administração do porto.
Ademais, a lei reservou para regulamento próprio a previsão das atribuições, o
funcionamento, bem como a composição dos conselhos de autoridade portuária.
A competência atual do CAP está presvista no art. 36,§1º do Decreto
8.033/13, de onde se extrai que cabe ao CAP sugerir:

I - alterações do regulamento de exploração do porto;


II - alterações no plano de desenvolvimento e zoneamento
do porto;
III - ações para promover a racionalização e a otimização do
uso das instalações portuárias;
IV - medidas para fomentar a ação industrial e comercial
do porto;

FGV DIREITO RIO 141


Direito Marítimo

V - ações com objetivo de desenvolver mecanismos para atra-


ção de cargas;
VI - medidas que visem estimular a competitividade; e
VII - outras medidas e ações de interesse do porto.

Quanto a sua composição, o CAP deixou de ser formado por quatro blo-
cos para ter assegurada a participação apenas da classe empresarial, dos tra-
balhadores portuários e do poder público, ficando excluída a participação
dos usuários (os clientes, empresas que necessitam dos portos para escoar ou
receber as suas cargas) como bloco próprio.
A composição dos novos CAPs deveobservar o regramento previsto no
Parágrafo Terceiro, do artigo, 20 da nova Lei dos Portos que dispõe da se-
guinte forma:

§ 3o A distribuição das vagas no conselho a que alude o caput


observará a seguinte proporção: 
I - 50% (cinquenta por cento) de representantes do poder
público; 
II - 25% (vinte e cinco por cento) de representantes da classe
empresarial; e 
III - 25% (vinte e cinco por cento) de representantes da classe
trabalhadora. 

O artigo 37 do Decreto 8.033/13 dispõe de forma mais detalhada sobre a


composição do conselho, devendo o mesmo ser analisado em conjunto com
a Portaria nº 244 da SEP, de 26 de novembro de 2013 (alterada pela Portaria
nº 25 da SEP, de 7 de fevereiro de 2014), a qual define os procedimentos
e autoridades responsáveis pela escolha dos representates no CAP e seus su-
plentes. Vejamos o teor do artigo 37 supracitdado:

Art. 37.  Cada conselho de autoridade portuária será constitu-


ído pelos membros titulares e seus suplentes:
I - do Poder Público, sendo:
a) quatro representantes da União, dentre os quais será esco-
lhido o presidente do conselho;
b) um representante da autoridade marítima;
c) um representante da administração do porto;
d) um representante do Estado onde se localiza o porto; e
e) um representante dos Municípios onde se localizam o por-
to ou os portos organizados abrangidos pela concessão;
II - da classe empresarial, sendo:

FGV DIREITO RIO 142


Direito Marítimo

a) dois representantes dos titulares de arrendamentos de ins-


talações portuárias;
b) um representante dos operadores portuários; e
c) um representante dos usuários; e
III - da classe dos trabalhadores portuários, sendo:
a) dois representantes dos trabalhadores portuários avulsos; e
b) dois representante dos demais trabalhadores portuários.
(Grifamos)

Conclui-se que, além de retirar o poder de decisão dos Conselhos de Au-


toridade Portuária, a nova legislação diminuiu a representatividade do Con-
selho, esvaziando a participação dos usuários - cuja representação passou a
fazer parte da classe empresarial, conforme se infere do art. 37, II,c transcrito
-, dando maior peso à participação do poder público. 

3. ANTAQ – Agência Nacional de Transporte Aquaviário

A Agência Nacional de Transportes Aquaviários, mais conhecida como


ANTAQ, foi criada por meio da Lei nº 10.233 de 2001, com o objetivo de
regulamentar e fiscalizar as atividades de transportes aquaviários, bem como
a atividade portuária.130
A ANTAQ tem desempenhado importante papel na regulamentação da
legislação portuária por meio da edição de resoluções que tratam dos serviços
de transporte aquaviário e de exploração portuária, bem como por meio da
fiscalização das companhias docas, arrendatários, autorizatários e usuários.131

3.1 A Competência da ANTAQ nas Concessões e Arrendamentos

Com a edição da nova Lei dos Portos, a realização dos procedimentos


licitatórios (não apenas de concessões como também de arrendamentos, até
então realizados pelas Companhias Docas de cada Porto) passou a ser de
competência da ANTAQ, respeitadas as diretrizes do poder concedente.
130
Sobre a regulamentação das ativi-
Portanto, a competencia para elaborar os editais de todas as licitações pas- dades de fiscalização da ANTAQ, ver a
Resolução da ANTAQ nº 3259 de 30 de
sou a ser da Agência Reguladora. janeiro de 2014. Em relação ao regimen-
As licitações dos contratos de concessão e arrendamento passaram a ter to interno da ANTAQ ver a Resolução da
ANTAQ nº 3585 de 18 de agosto de 2014.
como critérios para julgamento, conjunta ou isoladamente, a maior capaci- 131
Sobre a fiscalização da prestação dos
dade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de movimentação serviços portuários e infrações e sanções
administrativas, ver a Resolução da AN-
de carga, bem como outros critérios extras estabelecidos no edital, tudo con- TAQ nº 3.274 de 6 de fevereiro de 2014.

forme regulamento.132 Ver Decreto nº 8.033/2013, art. 6º.


132

FGV DIREITO RIO 143


Direito Marítimo

No entanto, o § 5o do artigo 6o da nova Lei prevê que, o poder conce-


dente poderá determinar a transferência das competências de elaboração
do edital e a realização dos procedimentos licitatórios à Administração do
Porto, delegado ou não.
Cabe destacar que, o arrendamento de áreas e instalações portuárias
será sempre precedido de um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica
e Ambiental (EVTEA)133 que funcionará como base para a licitação, con-
forme estabelecido no art. 3º da Resolução da ANTAQ nº 3220 de 8 de
janeiro de 2014.

3.2 A Competência da ANTAQ nas Autorizações

A ANTAQ tem ainda a competência de apreciar os requerimentos de


autorização para a exploração de terminais privados. Assim, os interessados
em obter a autorização de instalação portuária privada poderão requerê-la à
ANTAQ a qualquer tempo, na forma prevista em regulamento134.
 Recebido o requerimento de autorização de instalação portuária, a AN-
TAQ deverá:I - publicar em até 5 (cinco) dias o extrato do requerimento,
inclusive na internet; e  II - promover em até 10 (dez) dias a abertura de
processo de anúncio público, com prazo de 30 (trinta) dias, para identificar
a existência de outros interessados na obtenção de autorização de instalação
portuária na mesma região e com características semelhantes.135
De acordo com o art. 8º,§2º da nova lei, a autorização de instalação por-
tuária terá prazo de até 25 (vinte e cinco) anos, prorrogável por períodos su-
cessivos, desde que:I - a atividade portuária seja mantida; e II - o autorizatário
promova os investimentos necessários para a expansão e modernização das
instalações portuárias, na forma do regulamento.
A ANTAQ deverá adotar medidas para assegurar o cumprimento dos cro-
nogramas de investimento previstos nas autorizações e poderá exigir garan- 133
A Portaria nº 38 da Secretaria dos
Portos de 14 de março de 2013 au-
tias ou aplicar sanções, inclusive a cassação da autorização.136  torizou a Estruturadora Brasileira de
Projetos (EBP) a desenvolver projetos
Em consonância com as diretrizes do planejamento e das políticas do setor e/ou os EVTA dos novos contratos de
portuário, a ANTAQ poderá, a qualquer momento, em razão de determina- concessão e arrendamento.

ção do poder concedente, realizar a abertura de processo de chamada pública Para as regras de autorização de
134

instalações portuárias, ver :Decreto nº


para identificar a existência de interessados na obtenção de autorização de 8.033/2013 – Art. 26 a 35 e Portaria
da Secretaria de Portos nº 110, de 2 de
instalação portuária privada, localizadas fora da área do porto organizado. agosto de 2013. Sobre o procedimento
para autorização de instalações portu-
O instrumento da abertura de chamada ou anúncio público indicará obri- árias, ver Resolução da ANTAQ n 3.290
gatoriamente os seguintes parâmetros: de 14 de fevereiro de 2014.

I - a região geográfica na qual será implantada a instalação portuária;  Decreto nº 8.033/2013, art. 27,pará-
135

grafo único.
II - o perfil das cargas a serem movimentadas; e  136
Em relação ao procedimento sancio-
III - a estimativa do volume de cargas ou de passageiros a ser movimenta- nador de competência da ANTAQ, ver a
Resolução da ANTAQ nº 3259 de 30 de
do nas instalações portuárias.  janeiro de 2014.

FGV DIREITO RIO 144


Direito Marítimo

É preciso destacar que, o interessado em obter autorização de instalação


portuária deverá apresentar título de propriedade, inscrição de ocupação, cer-
tidão de aforamento, cessão de direito real ou outro instrumento jurídico
que assegure o direito de uso e fruição do respectivo terreno, além de outros
documentos previstos no instrumento de abertura. 
Encerrado o processo de chamada ou anúncio público, o poder conceden-
te deverá analisar a viabilidade locacional das propostas e sua adequação às
diretrizes do planejamento e das políticas do setor portuário. 
Ademais, poderão ser expedidas diretamente as autorizações de instalação
portuária quando: I - o processo de chamada ou anúncio público seja con-
cluído com a participação de um único interessado; ou II - havendo mais de
uma proposta, não haja impedimento locacional à implantação de todas elas
de maneira concomitante. 
Havendo mais de uma proposta e impedimento locacional que inviabili-
ze sua implantação de maneira concomitante, a ANTAQ deverá promover
processo seletivo público, observados os princípios da legalidade, impessoali-
dade, moralidade, publicidade e eficiência. 
O processo seletivo público deverá atender o disposto em regulamento e
considerará como critério de julgamento, de forma isolada ou combinada, a
maior capacidade de movimentação, a menor tarifa ou o menor tempo de
movimentação de carga, e outros estabelecidos no edital.137
Em qualquer caso, somente poderão ser autorizadas as instalações portuárias
compatíveis com as diretrizes do planejamento e das políticas do setor portuário.

4. Secretaria de Portos da Presidência da República - SEP

A Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP) foi criada por


meio da Medida Provisória n° 369 de 07 de maio de 2007. Após aprova-
ção pelo Congresso Nacional, o Presidente sancionou, em setembro daquele
mesmo ano, a Lei nº 11.518/07 que consolidou o funcionamento da SEP e o
novo modelo de gestão do setor portuário com a revogação das leis, decretos-
-lei e dispositivos legais diversos.
Ressalta-se que, antes da criação da SEP, a competência para tratar dos por-
tos em geral (marítimos, lacustres e fluviais) era do Ministério dos Transportes.
Com a criação dessa Secretaria com status de Ministério, a competência para
137
Sobre o procedimento referente ao
tratar dos Portos Marítimos e dos portos outorgados às Companhias Docas processo seletivo público, ver artigos
passou a ser da SEP, ficando para o Ministério dos Transportes, em um pri- 13 e seguintes da Resolução nº 3290 da
ANTAQ de 13 de fevereiro de 2014.
meiro momento, a competência para tratar dos Portos fluviais e lacustres. 138 138
Conforme o parágrafo único do art.
Porém, com a publicação da nova Lei dos Portos, o art. 24-A da Lei nº 6º da L. 11.518/07.

10.683, de 28 de maio de 2003, referente à competência da Secretaria de 139


A Portaria da SEP nº 408, de 27 de
novembro de 2014 dispõe sobre os regi-
Portos,139 passou a vigorar com as seguintes alterações: mentos internos de cada órgão da SEP.

FGV DIREITO RIO 145


Direito Marítimo

Art. 24-A.  À Secretaria de Portos compete assessorar direta e


imediatamente o Presidente da República na formulação de
políticas e diretrizes para o desenvolvimento e o fomento do
setor de portos e instalações portuárias marítimos, fluviais e
lacustres e, especialmente, promover a execução e a  avaliação
de medidas, programas e projetos de apoio ao desenvolvimen-
to da infraestrutura e da superestrutura dos portos e instala-
ções portuárias marítimos,  fluviais e lacustres.
[...] 
§ 2o  
[...] 
III - a elaboração dos planos gerais de outorgas;
[...] 
V - o desenvolvimento da infraestrutura e da superestrutura
aquaviária dos portos e instalações portuárias sob sua esfera de
atuação, com a finalidade de promover a segurança e a eficiên-
cia do transporte aquaviário de cargas e de passageiros.
[...] (NR) 

Portanto, a competência para tratar dos portos fluviais e lacustres passou


também a ser da Secretaria de Portos, juntamente com a competência para
tratar dos portos marítimos140.
Ademais, a elaboração dos Planos Gerais de Outorga que antes da nova lei
eram de competência da ANTAQ passaram a ser da SEP, ampliando, portan-
to, as competências da Secretaria que anteriormente apenas aprovava os PGOs.
Entre as atribuições e competência da Secretaria, verifica-se a formulação de
políticas e diretrizes para o fomento do setor, além da execução de medidas,
programas e projetos de apoio ao desenvolvimento da infraestrutura portuária.
Compete, ainda, à SEP, a participação no planejamento estratégico e na
elaboração dos planos de outorgas, visando a assegurar eficiência e segurança
ao transporte de cargas e passageiros no país.
O artigo 16 da nova Lei dos Portos ampliou consideravelmente as com-
petências da SEP, considerada para todos os fins como o Poder Concedente.
Portanto, conforme art. 16,II da nova lei, a SEP passou a definir as dire-
trizes para a realização dos procedimentos licitatórios e respectivos editais e
instrumentos convocatórios, o que antes era de competência da ANTAQ.
A partir de agora a SEP deverá celebrar os contratos de arrendamento,
bem como os contratos de concessão e expedir as autorizações de instalação
portuária, antes competências exclusivas das Companhias Docas e ANTAQ. 140
Sobre a competência da Secretaria
As normas para a pré-qualificação dos operadores portuários que eram de Portos da Presidência ver Lei nº
12.185/2013, Art. 16 e Decreto nº
estabelecidas pelas Companhias Docas com a aprovação dos Conselhos de 8.033/2013, art. 2º.

Autoridade Portuária, hoje passaram a ser de competência da SEP, de acordo 141


Sobre o procedimento para pré qua-
lificação ver: Portaria nº 111, de 7 de
com o art. 16, IV da Lei 12.815/13.141 agosto de 2013 da Secretaria de Portos.

FGV DIREITO RIO 146


Direito Marítimo

Assim, a criação de uma secretaria específica voltada para a atividade por-


tuária demonstrou a conscientização da relevância desta atividade no cenário
econômico brasileiro e a centralização de competências nesta Secretaria a
partir do novo marco regulatório demonstra o desejo de fortalecimento e
centralização das estratégias para o setor portuário.

5. Regulamentação da Nova Lei dos Portos

No dia 27 de junho de 2013 foi publicado no diário oficial o Decreto nº


8.033 para regulamentar o disposto na Lei no 12.815, de 5 de junho de 2013
(Nova Lei dos Portos), bem como as demais disposições legais que regulam a
exploração de portos organizados e de instalações portuárias.
O mencionado Decreto revogou expressamente os Decretos nº 4.391 de
2002 e nº 6.620 de 2008. Este último era alvo de amplo debate por conta
de sua total incompatibilidade com o novo modelo regulatório, pois tratava
de forma completamente diversa a exploração da atividade portuária nas
Instalações Portuárias de Uso Privado, apesar de não ter sido revogado pela
nova lei dos postos.
O Decreto nº 8.033/2013 veio dispondo de sete capítulos, e em seu pri-
meiro capítulo esclareceu que, na atividade portuária o poder concedente
seria exercido por intermédio da Secretaria de Portos da Presidência da Re-
pública (SEP), dando a esta a competência para elaborar o Plano Geral de
Outorgas - PGO do setor portuário e disciplinar o conteúdo, forma e pe-
riodicidade de atualização dos Planos de Desenvolvimento e Zoneamento
dos portos - PDZ. Assim, houve uma concentração da, definição da política
portuária nacional e regional em apenas uma entidade.
Este Decreto também transferiu para a SEP competências que ante-
riormente eram das Companhias Docas, tais como: a) definir as diretrizes
para a elaboração dos regulamentos de exploração dos portos; b) aprovar
a transferência do controle societário ou de titularidade dos contratos de
arrendamento;142 c) aprovação de investimentos não previstos no contrato
de arrendamento.
Das competências da ANTAQ transferidas para a SEP podemos destacar
a condução e aprovação dos Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e
Ambiental do objeto da concessão ou do arrendamento. 142
Sobre o procedimento para transfe-
Obviamente, com transferência da competência para celebrar contratos rência de titularidade de autorizações,
ver a Portaria nº 249, de 29 de novem-
de arrendamento para a SEP e de realização do procedimento licitatório pela bro de 2013 da Secretaria de Portos.
ANTAQ,143 não há mais o risco de termos uma administradora privada no 143
Em relação às regras de licitação, ver
Seção II da Resolução ANTAQ nº 3708
porto organizado tendo que licitar uma instalação portuária de uso públi- de 17 de outubro de 2014, a qual apro-
co, através de contrato de arrendamento, pois isto seria inviável pela total va norma reguladora da exploração de
áreas e instaçaões portuárias nos por-
incompatibilidade dos regimes jurídicos de direito privado e público. tos organizados.

FGV DIREITO RIO 147


Direito Marítimo

O Decreto prevê ainda itens indispensáveis a serem considerados no edital


de licitação, estabelece o procedimento a ser observado, alguns critérios de
julgamento e suas definições, de modo a permitir maior transparência e ob-
jetividade na realização do certame licitatório.144
Os critérios de julgamento nas licitações de concessão e arrendamento,
previstos no art. 9º, foram recentemente alterados pelo Decreto 8.464/2015,
o qual prevê o uso combinado ou isolado dos seguintes:

I - maior capacidade de movimentação;


II - menor tarifa;
III - menor tempo de movimentação de carga;
IV - maior valor de investimento;
V - menor contraprestação do poder concedente;
VI - melhor proposta técnica, conforme critérios objetivos es-
tabelecidos pelo poder concedente;
VII - maior valor de outorga.

Destarte, o rol do art. 9º do Decreto 8.033/2013 foi ampliado, pois ante-


riormente contemplava apenas os critérios de maior capacidade de movimen-
tação, menor tarifa e menor tempo de movimentação da carga.
Ademais, o Decreto regulamenta o procedimento para a obtenção da auto-
rização de exploração de instalação portuária de uso privado, prevendo de que
forma serão realizados os processos de anúncio público (quando há pedido de
algum interessado) e chamada pública (quando o poder concedente pretende
identificar a existência de interessados na obtenção de autorização).145
Há também, por meio do Decreto, a previsão das competências dos Con-
selhos de Autoridade Portuária que poderão alterar o regulamento de explo-
ração do porto, alterar o PDZ, adotar ações para otimizar o uso das instala-
ções portuárias e adotar medidas para fomentar a ação industrial e comercial
do porto, com a atração de cargas e estímulo da competitividade.146
Como visto anteriormente, os novos CAPs deverão ser constituídos por
oito representantes do poder público, quatro da classe empresarial e quatro
da classe dos trabalhadores, com mandato de dois anos, admitida a recondu-
ção uma única vez, sendo considerada prestação de serviço público relevante
não remunerada, onde cada representante terá direito a um voto e o Presi-
dente do Conselho terá o voto de qualidade.
O Decreto dispõe em seu capítulo IV sobre a forma de composição do
Conselho de Supervisão e da Diretoria Executiva dos OGMOs. Cria ainda o
144
Decreto nº 8.033/2013, Arts. 8º a 18º.
fórum permanente para qualificação do Trabalhador Portuário, para debate
Decreto nº 8.033/2013, Arts. 26 a 35
145

permanente sobre a qualificação e formação do trabalhador portuário avulso e Portaria da Secretaria de Portos nº
e sua adequação aos modernos processos de movimentação de carga, bem 110, de 2 de agosto de 2013.

como prevê a criação do Sine-Porto a ser instituído pelo Ministério do Tra- 146
Decreto nº 8.033/2013, Art. 36 e
seguintes.
balho e Emprego com o objetivo de identificar e organizar a oferta de mão de 147
Decreto nº 8.033/2013, Art. 36 e
obra qualificada para o setor portuário.147 seguintes.

FGV DIREITO RIO 148


Direito Marítimo

Portanto, diante de tantas modificações no cenário portuário, haverá ain-


da a necessidade de empenho, estudo e avaliação do impacto deste novo
marco regulatório do setor e as suas diferentes implicações.

6. Óbices aos Arrendamentos.

Em virtude da demora na aprovação e das mudanças operadas pelo novo


marco regulatório, as licitações de 159 instalações e terminais portuários bra-
sileiros veem levando um tempo considerável para serem concluídas.148
Os mencionados terminais foram, originalmente, divididos em qua-
tro blocos a serem licitados, conforme definido pela Portaria SEP/PR nº
15/2013.149 As fases para licitar os empreendimentos compreendem a elabo-
ração de estudos de viabilidade (EVTEA), a análise dos estudos por comissão
mista da SEP/ANTAQ150, a consulta e a audiência pública, o envio de estu-
dos e documentações ao Tribunal de Contas da União (TCU), a publicação
do edital e, por fim, o leilão.
Os editais de licitação do primeiro bloco (que compreende áreas nos esta-
dos de São Paulo e Pará) ficaram, por muito tempo, paralisados em virtude de
problemas encontrados na análise do TCU no processo nº 029.083/2013-3.
De início, o TCU havia apresentado no Acórdão nº 3.661/2013 um total
de 19 contestações em relação aos estudos preparatórios para a licitação, os
quais compreendem critérios ambientais, econômico-financeiros e de viabi-
lidade técnica.
Dentre as críticas levantadas por aquele órgão, destacam-se a ausência
de fixação de tetos tarifários máximos para alguns terminais, inexistência 148
Sobre AS 159 áreas a serem licitadas
de estudos sobre concorrência, projetos de engenharia pouco detalhados, e a divisão por blocos, ver a tabela
elaborada pela SEP constante em
informações insuficientes nas audiências públicas, necessidade de inventá- <http://www.portosdobrasil.gov.br/
assuntos-1/investimentos/arrenda-
rio dos equipamentos e de diálogo com a legislação local, entre outras.151 mentos-1/blocos-de-arrendamentos-
Ainda, o TCU determinou que a ANTAQ elaborasse um banco de dados -e-cronograma-de-licitacoes>. Acesso
em 27/06/2016.
com informações sobre os terminais em operação, promovesse estudos para 149
Informações sobre quais áreas serão
indicar um nível de eficiência mínimo a ser exigido dos terminais e que, nos licitadas e seus blocos podem ser en-
contradas no sítio eletrônico da SEP:
próximos estudos, a agência indicasse claramente as datas e fontes utilizadas. <http://www.portosdobrasil.gov.br/
Quanto à SEP, recomendou-se que esta interagisse com os municípios du- assuntos-1/investimentos/arrenda-
mentos-1/areas-passiveis-de-arren-
rante a elaboração dos estudos de viabilidade. damento-definidas-pela-portaria-sep-
-pr-15>. Acesso em 05/08/2015.
Diante desse quadro, a SEP recorreu de 4 contestações e prestou esclare- 150
A Comissão Mista SEP/ANTAQ foi
cimentos quantos aos outros pontos. Ocorre que o Ministro Raimundo Car- criada através da Portaria Conjunta
SEP/ANTAQ nº 91/2013 para avaliar e
neiro pediu vistas do processo, fazendo com que a conclusão da análise do selecionar os projetos e estudos de via-
TCU e consequente liberação dos editais fossem postergadas mais uma vez. bilidade econômica, técnica, ambiental
e operacional.
Desse modo, somente em 06/05/2015 foi prolatado o Acórdão nº 151
Para acesso à análise detalhada do
1.077/2015 referente ao pedido de reexame apresentado pela SEP um ano e TCU, ver TCU, Acórdão 3.361/2013.
Rel. Ana Arraes, Plenário, julgado em
meio antes, dando-lhe provimento parcial. 10/12/2013.

FGV DIREITO RIO 149


Direito Marítimo

No mencionado acórdão, ficou decidido que a SEP poderia licitar qual-


quer terminal previsto no primeiro bloco, desde que fossem atendidas as con-
dicionantes específicas consignadas no Acórdão nº 3.661/2013. Este posicio-
namento foi favorável ao pleito da SEP que havia argumentado no sentido de
ser possível licitar as instalações que já estivessem regulares, não sendo neces-
sário licitar todos os empreendimentos concomitantemente. Assim, apenas
fica impedida a licitação de terminais que não observarem as exigências do
Acórdão nº 3.661/2013.
O ponto de destaque da decisão diz respeito às tarifas-teto. No acórdão de
2013, o TCU havia determinado que fossem estabelecidas tarifas-teto para os
serviços prestados nos arrendamentos, imposição contra a qual a SEP recorreu.
No Acórdão nº 1.077/2015, o tribunal decidiu retirar esta exigência, pon-
derando que a tarifa-teto é uma dentre as opções de metodologia de regula-
ção tarifárias que podem ser escolhidas pela SEP. O TCU frisou, contudo,
que a SEP e a ANTAQ devem remeter para sua análise os critérios utilizados
para fundamentar a política tarifária de cada arrendamento.
Ao final do processo, o TCU manteve válidos os itens do Acórdão nº
3.661/2013 que não foram alterados. Desse modo, a partir dessa última
decisão as licitações do primeiro dos quatro blocos sejam iniciadas ainda
neste ano.152
Em 26 de outubro de 2015 e em 22 de janeiro de 2016, a ANTAQ pu-
blicou os Avisos de Licitação dos Leilões referentes, respectivamente a 3 e
6 áreas para arrendamentos de terminais em São Paulo e Pará. Tais ofertas
eram relativas a determinados terminais portuários dos Blocos de Concessões
1 e 2, respectivamente. Sendo que, em ambos os processos licitatórios, o re-
sultado do leilão foi aquém do esperado pelo governo que, no momento, visa
a arrecadação de altos valores de outorga.
A adoção do critério de maior outorga para seleção do licitante vencedor,
apesar de o TCU reconhecer que reduz a competitividade dos processos lici-
tatório, de acordo com o Tribunal, não encontra obstáculos legais e é de livre
escolha do poder licitante. Esta escolha, porém, demonstrou-se a mais ade-
quada para o governo que vislumbrava aproveitar os leilões para aumentar
sua arrecadação, dada a crise econômica que o país vem enfrentando.
Atualmente, portanto, os principais óbices aos arrendamentos são eco-
nômicos, tendo em vista que a iniciativa privada não tem mostrado capaci-
dade de atingir os valores exigidos pelo governo em seus editais de licitação. 152
Ministério do Planejamento e Ges-
tão. Ministros consultam TCU sobre
Conclusão, algumas áreas colocadas a leilão não foram arrecadadas por fal- licitação de áreas portuárias do
ta de ofertantes. bloco 1 por outorga. 16/06/2015.
Disponível em <http://www.plane-
Cabe, finalmente, mencionar que, em 02 de junho de 2016, a ANTAQ jamento.gov.br/assuntos/logistica-e-
-tecnologia-da-informacao/noticias/
publicou a Resolução Normativa nº 7, que regula a exploração de áreas e insta- ministros-consultam-tcu-sobre-
lações portuárias sob gestão da Administração do Porto no âmbito dos Portos -licitacao-de-areas-portuarias-do-
-bloco-um-por-outorga>. Acesso em
Organizados, adaptando sua regulamentação à mencionada Lei dos Portos. 27/06/2016.

FGV DIREITO RIO 150


Direito Marítimo

Essa resolução é o resultado da Audiência Pública nº 4/2014 aberta pela


ANTAQ para recolher contribuições relativas a esta matéria, que foi, ante-
riormente, regulamentada pela Resolução da ANTAQ nº 2.240/2011. Den-
tre as mudanças trazidas pela regulamentação, destacam-se:

1. Possibilidade de unificação de contratos de arrendamento independen-


tes firmados com o mesmo arrendatário;
2. A regulação quanto ao uso temporário de áreas e instalações portuárias
disponíveis, contidas na poligonal do porto organizado;
3. Alterações em disposições relativas a passagem em área de uso comum ou
já ocupada por terceiros no âmbito da poligonal do porto organizado.
4. Inclusão de um capítulo específico sobre a regularização temporária de
área ou instalação portuária que preste serviço de interesse público do
Porto Organizado ou de sua região de influência.
5. Alterações nas regras de áreas e instalações portuárias não operacionais.
6. Possibilidade de que a ANTAQ determine, em caráter emergencial, a mo-
vimentação ou armazenagem de cargas ou a movimentação de passageiros
na instalação portuária arrendada, de acordo com as hipóteses previstas.

7. Conclusão

Foram inúmeras as polêmicas decorrentes do novo marco regulatório


dos portos, ora envolvendo discussões encabeçadas pelos arrendatários dos
terminais públicos que vislumbravam uma abertura excessiva da exploração
portuária, com concorrência desigual e predatória por parte dos terminais
privados, ora sob o prisma dos terminais privados, que viram na nova lei
interferências excessivas em sua atividade com a necessidade de realização de
anúncio público, chamada pública e oferecimento de garantias contratuais.
Entre outros pontos, vimos surgir também questionamentos no aspecto
trabalhista da legislação que recebeu pequenas, mas impactantes modifica-
ções realizadas de última hora.
Entretanto, apesar de tantas divergências, é inegável a tentativa de avanço
do setor com a nova legislação, a abertura para participação dos terminais
privados não se deu de forma simples e os entraves burocráticos enfrentados
pelos terminais de uso público não foram sanados de modo a permitir uma
equidade nas relações concorrenciais.
Perdeu-se também uma grande oportunidade de modernização da legisla-
ção trabalhista portuária que ainda permanece sob os moldes e os anseios do
passado, tendo sido ultrapassada pela nova demanda do mercado.
Cabe agora acompanhar a regulamentação do novo marco regulatório
para que a nova legislação represente um avanço no setor e seja positivamen-
te implantada, afinal a carência de infraestrutura portuária brasileira exige
céleres medidas de modernização.

FGV DIREITO RIO 151


Direito Marítimo

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler o material, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. O interessado em obter a autorização de instalação portuária deverá pro-
tocolizar o seu pedido perante qual órgão? Autoridade Portuária, AN-
TAQ ou SEP?
3. De acordo com o novo Marco Regulatório de Portos, quem é considera-
do a Autoridade Portuária e quem é considerado o Poder Concedente?
4. Nas licitações de concessão e de arrendamento quais serão os critérios
utilizados para julgamento?
5. São os Sindicatos que representam as várias categorias de trabalhadores
portuários quem administra a mão de obra avulsa nos portos brasileiros?
6. É possível a contratação de mão de obra de capatazia fora dos quadros
dos trabalhadores registrados no OGMO? Em caso negativo, esse tipo de
contratação já foi possível? Por quê?
7. De quem é a competência para aprovar o Plano Geral de Outorgas –
PGO do Setor Portuário?
8. De quem é a competência para aprovar o Plano de Desenvolvimento e
Zoneamento do Porto – PDZ?
9. Existe algum erro ou imprecisão na frase “De acordo com a Nova Lei dos
Portos os Conselhos de Autoridade Portuária - CAPs passaram a atuar
como órgão deliberativos da administração do porto”.
10. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

REFERÊNCIAS

Bibliográficas

BOTELHO, Martinho Martins. Coletânea de Legislação Brasileira de Direito


Marítimo e Portuário. São Paulo: Lex, 2007.

CASTRO JR., Osvaldo Agripino de. Direito Portuário, Regulação e


Desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

COLLYER, Wesley O. Lei dos Portos O Conselho de Autoridade Portuária e a


Busca da Eficiência. São Paulo: Lex, 2008.

GIBERTONI, Carla Comitre Adriana. A lei de modernização dos portos.


In: PASOLD, César Luiz. Lições preliminares de direito portuário.
Florianópolis: Conceito, 2007.

FGV DIREITO RIO 152


Direito Marítimo

Jurisprudenciais

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF nº 139, em


Trâmite Perante o Supremo Tribunal Federal.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp nº 964417/SP.


Primeira Turma. Julgado em 08 de outubro de 2013

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Pedido de Reexame AC 1077/15.


Plenário. Julgado em 10 de dezembro de 2013.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acompanhamento de Desestatização


AC 3661/2013. Plenário. Julgado em 06 de maio de 2015.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Seção Especializada de dissídios


coletivos. DC n. 1746116-74.2006.5.00.0000. Julgado em 16 de
agosto de 2007.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 24400-33.2010.5.17.0001.


Quarta Turma. Julgado em 10 de outubro de 2014.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 122000-96.2009.5.01.0013.


Sexta Turma. Julgado em 27 de fevereiro de 2015.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. AIRR 232-07.2010.5.01.0067.


Quarta Turma. Julgado em 03 de julho de 2015.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Sexta Região. Mandado de Segurança


n. 00185-2004-000-06-00-1. Julgado em 20 de janeiro de 2005.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Primeira Região. RO n. 00020-


2006-027-01-00-8. Oitava Turma. Julgado em 14 de agosto de 2007.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Primeira Região. Seção


Especializada em Dissídios Individuais. Mandado de Segurança n.
07038-2008-000-01-00-3. Julgado em 02 de abril de 2009.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Segunda Região. RO n.


323200844202002. Oitava Turma. Julgado em 28 de maio de 2010.

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Segunda Região. RO n.


00020823120125020445. Sexta Turma. Julgado em 11 de fevereiro
de 2014.

FGV DIREITO RIO 153


Direito Marítimo

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho. Sexta Região. Tribunal Pleno.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Quarta Câmara


Cível. Apelação n. 20.116/02. Julgado em 15 de outubro de 2002.

Normativas

BRASIL. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


BRASIL. Decreto nº 4.391, de 26 de setembro de 2002.
BRASIL. Decreto nº 6.620, de 29 de outubro de 2008.
BRASIL. Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013.
BRASIL. Decreto nº 8.464, de 08 de junho de 2015.
BRASIL. Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993.
BRASIL. Lei nº 9.719, de 27 de novembro de 1998.
BRASIL. Lei nº 10.233, de 05 de junho de 2001.
BRASIL. Lei nº 11.518, de 05 de setembro de 2007.
BRASIL.Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013.
BRASIL. Medida Provisória n° 369, de 07 de maio de 2007.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 55 de 2003.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 1.660 de 2010 rerratificada pela Resolução
ANTAQ nº 1.695/2010.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 1.695, de 10 de maio de 2010.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.259, de 30 de janeiro de 2014.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.274, de 6 de fevereiro de 2014.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.290, de 14 de fevereiro de 2014.
BRASIL. Resolução ANTAQ nº 3.585, de 18 de agosto de 2014.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 38, de 14 de março de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 110, de 2 de agosto de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 111, de 7 de agosto de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 244, de 26 de novembro de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 249, de 29 de novembro de 2013.
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 252, de 6 de dezembro de 2013.

FGV DIREITO RIO 154


Direito Marítimo

BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 3, de 7 de janeiro de 2014


BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 25, de 7 de fevereiro de 2014
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 206, de 11 de julho de 2014
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 408, de 27 de novembro de 2014
BRASIL. Portaria da Secretaria de Portos nº 499, de 30 de dezembro de 2014
BRASIL. Portaria Conjunta da Secretaria de Portos/ ANTAQ nº 91, de 24
de junho de 2013

Sítios Eletrônicos

Câmara dos Deputados. Henrique Alves comemora aprovação de MP dos


Portos, após 40 horas de votações. 15/05/13. Disponível em <http://www2.
camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/442611-HENRIQUE-
-ALVES-COMEMORA-APROVACAO-DE-MP-DOS-PORTOS,-
-APOS-40-HORAS-DE-VOTACOES.html>. Acesso em 05/08/2013MI-
NISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E GESTÃO. Ministros consultam
TCU sobre licitação de áreas portuárias do bloco 1 por outorga. 16/06/2015.
Disponível em < http://www.planejamento.gov.br/assuntos/logistica-e-tec-
nologia-da-informacao/noticias/ministros-consultam-tcu-sobre-licitacao-de-
-areas-portuarias-do-bloco-um-por-outorga>. Acesso em 05/08/2015.

FGV DIREITO RIO 155


Direito Marítimo

AULA VIII – Capitania os Portos, Tribunal Marítimo e


Acidentes e Fatos da Navegação

ROTEIRO DE ESTUDO

1. Do Tribunal Marítimo

Durante a Revolução de 1930, com os ânimos acirrados e na iminência


de um golpe de Estado, um navio a vapor alemão chamado “BADEN”,
registrado em Hamburgo, zarpou do porto do Rio de Janeiro ao anoitecer
transportando mercadorias e numerosa tripulação em direção ao porto
de Buenos Aires. Ignorando a sinalização da Fortaleza Santa Cruz para
retornar ao porto, o BADEN, no jargão da navegação, “forçou a barra”
da Baía de Guanabara, recebendo dois tiros de advertência, disparados
do Forte do Leme, na praia de Copacabana. Ao insistir na manobra e au-
mentar a velocidade, o BADEN foi então alvejado por um tiro de canhão
que destroçou o mastro principal, obrigando-o a retornar. O incidente,
que causou repercussão internacional à época, deixou 15 tripulantes mor-
tos e diversos feridos.
Na ausência de um Tribunal administrativo especializado no Brasil, o
incidente foi processado e julgado perante o Tribunal Marítimo da Ale-
manha. O Tribunal alemão, após ouvir o depoimento do comandante do
BADEN, atribuiu a responsabilidade principal do incidente à Fortaleza de
Santa Cruz, que não teria feito uso da sinalização internacional, impedin-
do que o comandante do BADEN interpretasse adequadamente a ordem
de retorno ao porto. O Tribunal também responsabilizou a guarnição do
Forte do Leme, por não ter tentado contato via rádio antes de efetuar os
disparos que atingiram o navio. Ao comandante alemão, foi atribuída ape-
nas responsabilidade subsidiária pelo incidente, por não ter parado o navio
ao receber sinalização cujo significado ignorava. 
A decisão do Tribunal Marítimo alemão foi vista como tendenciosa pe-
las autoridades brasileiras à época e, no ano seguinte, foi editado o decreto
20.829/31, que instituiu o Tribunal Marítimo no Rio de Janeiro, com
competência administrativa para apreciação dos incidentes e fatos da nave-
gação em todo o território nacional. Mas foi o Decreto n. 24.585 de 5 de
julho de 1934, que criou o tribunal marítimo administrativo que, poste-
riormente, passou a obedecer aos termos da lei 2.180/1954.
O Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, é
um órgão autônomo da Administração Direta da União, auxiliar do Poder
Judiciário, vinculado ao Ministério da Defesa apenas para o provimento de

FGV DIREITO RIO 156


Direito Marítimo

pessoal e material. Dentre suas atribuições podemos citar: julgar os aciden-


tes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre, em todo território na-
cional (não importando a nacionalidade da embarcação envolvida) ou no
exterior para os navios de bandeira brasileira, bem como manter o registro
da propriedade marítima e demais ônus reais sobre embarcações, além do
registro dos armadores brasileiros e registro especial brasileiro (REB).

2. Composição do Tribunal Marítimo

O Tribunal Marítimo, conforme determina o art. 2º da Lei nº


2.180/1954, modificado pela Lei nº 5.056, de 29 de junho de 1966, é
composto de sete juízes na seguinte ordem: um Presidente, que é obriga-
toriamente um oficial general da armada; dois juízes militares, oficiais su-
periores da Marinha, sendo um do corpo da armada e outro do corpo de
engenheiros e técnicos navais subespecializados em máquinas ou casco;
dois juízes bacharéis em Direito, especializados, um deles em Direito Ma-
rítimo e o outro em Direito Internacional Público; um juiz especialista
em armação de navios e navegação comercial; e um juiz capitão de longo
curso, da marinha mercante. Atualmente a composição do Tribunal Ma-
rítimo é a seguinte:

• Vice-Almirante Marcos Nunes de Miranda – Juiz Presidente


• Juiz Sérgio Bezerra de Matos – Vice-Presidente
• Juiz Marcelo David Gonçalves
• Juíza Maria Cristina de Oliveira Padilha
• Juiz Nelson Cavalcante Silva Filho
• Juiz Geraldo de Almeida Padilha
• Juiz Fernando Alves Ladeiras

Nesse contexto, o Tribunal Marítimo julga os fatos e acidentes da na-


vegação, em processo contencioso, com aplicação de normas técnicas e ju-
rídicas compatíveis à solução do conflito e aplicabilidade subsidiária dos
códigos de processo, e adota o mesmo procedimento de qualquer outro
tribunal. Contudo, poderá, também, aplicar, subsidiariamente, os usos e
costumes, analogia ou equidade, o direito comparado, e os princípios gerais
do direito, consubstanciados pela prática internacional referente ao tráfego
marítimo em geral.

FGV DIREITO RIO 157


Direito Marítimo

3. Da competência do Tribunal Marítimo

Segundo a lição de José Haroldo dos Anjos e Carlos Rubens Caminha


Gomes,153 a competência do Tribunal Marítimo é estabelecida da seguin-
te forma:
• Competência Administrativa Exclusiva – ocorre quando são verificados
fatos ligados exclusivamente à navegação, sem qualquer repercussão na
esfera do direito administrativo, civil, comercial, criminal, trabalhista,
dentre outros ramos do direito.
• Competência Concorrente – quando verificadas situações de nature-
za civil, comercial, criminal, trabalhista, ou outros interesses conexos.
Nesse caso, o Tribunal Marítimo fica restrito à matéria de sua compe-
tência e atribuição, concorrendo, no mais, com órgão do Judiciário.
Segundo a Lei nº 2.180/1954, o Tribunal Marítimo exerce a jurisdição
contenciosa e a voluntária ou graciosa, sendo os processos divididos da se-
guinte forma: jurisdição contenciosa – processo administrativo punitivo ou
processo administrativo disciplinar; jurisdição voluntária ou graciosa – pro-
cesso administrativo de expediente ou processo de controle administrativo.
No que se refere à jurisdição contenciosa, que abrange processos adminis-
trativos punitivos e/ou disciplinares, o Tribunal Marítimo atua como órgão
judicante dos acidentes e fatos da navegação, definindo-lhes a natureza, as
causas, as circunstâncias e extensão do ilícito administrativo, além de proces- 153
ANJOS, José Haroldo dos; GOMES,
sar e julgar os responsáveis nos limites das suas atribuições, podendo, inclu- Carlos Rubens Caminha. Curso de direi-
to marítimo. Rio de Janeiro: Renovar,
sive, propor medidas de segurança e preventivas, visando a resguardar as pe 1992. p. 111.

FGV DIREITO RIO 158


Direito Marítimo

culiaridades da navegação e do acidente ou fato ocorrido, evitando com isso


que aconteçam fatos correlatos. Nesse particular, é importante observar que,
a fim de se evitar eventual prescrição em desfavor de alguma parte, não corre-
rá prescrição até a prolação de decisão definitiva pelo Tribunal Marítimo.154
Já com relação à jurisdição voluntária, que envolve os processos admi-
nistrativos de expediente, o Tribunal Marítimo se restringe à expedição de
certidões, autuações, despachos de mero expediente etc. No que tange aos
processos de controle administrativo, suas atribuições são mais extensivas,
abrangendo as diversas atividades que dispõem sobre o registro da proprie-
dade naval, os direitos reais que incidem sobre as embarcações, as atividades
relacionadas à armação nacional e os registros marítimos, previstos na Lei nº
9.432/1997, regulamentada pelo Decreto nº 2.256, de junho de 1997.
Por oportuno, destaque-se que o Tribunal Marítimo poderá funcionar
como tribunal arbitral caso escolhido pelas partes.

4. Valor dos Julgados do Tribunal Marítimo

Quando há uma explosão em um navio, com sérios danos materiais, a per- 154
Lei n° 2.180/1954 - “Art. 20. Não
da total da embarcação e vítimas fatais, ocorrerá uma competência concor- corre a prescrição contra qualquer
dos interessados na apuração e nas
rente entre o Tribunal Marítimo, no deslinde técnico do acidente da navega- consequências dos acidentes e fatos
ção, com a justiça civil (indenização às famílias das vítimas, por exemplo) e da navegação por água enquanto não
houver decisão definitiva do Tribunal
criminal (morte dos tripulantes). Marítimo.”

FGV DIREITO RIO 159


Direito Marítimo

Nesta situação o Tribunal Marítimo julgará o acidente da navegação,


definindo-lhe a natureza e consequências, suas causas determinantes, seus
responsáveis, além de propor medidas preventivas e de segurança, enviando
de imediato seu acórdão àquele que deve auxiliar: o Poder Judiciário.
No excelente modelo criado pelo legislador pátrio, a decisão técnica da
Corte Marítima – auxiliar do Judiciário – é enviada ao Poder Judiciário, que
não domina as peculiaridades da matéria, para que sirva como alicerce técni-
co e científico nas suas sentenças.
A análise sobre os reflexos dos julgados do Tribunal Marítimo no Poder
Judiciário pode ser dividida em dois aspectos: a) a necessidade de os órgãos
do Poder Judiciário aguardarem o acórdão do Tribunal; e b) o valor, dentro
da ciência jurídica, dos julgados.

4.1 Deve o Poder Judiciário esperar o Julgamento do Tribunal Marítimo?

A presente questão encontra-se positivada no art. 19 da Lei nº 2.180/1954:

Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de


matéria da competência do Tribunal Marítimo, cuja parte
técnica ou técnico-administrativa couber nas suas atribuições,
deverá ser juntada aos autos a sua decisão definitiva.

A jurisprudência não é uniforme, identificando-se três posições distintas


para o problema:
a) O acórdão do Tribunal Marítimo é uma condição da ação no Poder Ju-
diciário, não sendo possível iniciar-se o processo ou seu prosseguimento
até que seja juntada a decisão definitiva do Tribunal auxiliar do Poder
Judiciário (RE nº 7446-BA do STF);
b) O Poder Judiciário não está obrigado a esperar a decisão do Tribunal Ma-
rítimo, estando desobrigado de aguardar o julgamento, podendo instruir
e julgar suas lides independentemente da juntada do acórdão do Tribunal
Marítimo (AC nº 46.271-RJ do TRF);
c) O acórdão do Tribunal Marítimo é imprescindível para o julgamento do
Poder Judiciário, contudo como o art. 19 da Lei nº 2.180/1954 não defi-
ne o momento da juntada da decisão, o juiz não interrompe a ação, senão
antes do julgamento (AC nº 29682-GB, TRF).
Debruçando-se sobre o tema o renomado e experiente advogado mari-
timista Pedro Calmon Filho, em artigo especialmente dedicado ao tema e
publicado na revista do Tribunal Marítimo comemorativa de seus 50 anos,
com maestria apontou a posição intermediária (letra “c”) como a ideal:

FGV DIREITO RIO 160


Direito Marítimo

[...] diante do mandamento contido no art.19 da Lei 2.180,


não pode o juiz considerar desnecessária a referida decisão.
Poderá reexaminá-la, e mesmo rejeitá-la, mas não prescindir
dela para o seu julgamento. E como a lei, de fato, não men-
ciona à época em que tal decisão deverá ser produzida, é de se
aceitar que o juiz poderá aceitar a ação proposta, e prosseguir
na instrução, até o ponto em que terá de suspender o curso do
processo, para antes da decisão, aguardar a juntada da aludida
decisão do TM. O que, sem dúvida, é claro indicativo do va-
lor das decisões do TM perante o Judiciário.

Com o advento do Novo Código de Processo Civil, o entendimento da


segunda corrente (letra ‘b”) está totalmente afastado, seguindo-se o disposto
no artigo 313, inciso VII:

“Art. 313.  Suspende-se o processo:[...]


VII - quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes
e fatos da navegação de competência do Tribunal Marítimo;”

Desta forma, a posição intermediária (letra “c”) é a que melhor se adapta à


necessidade do Poder Judiciário, desconhecedor dos complexos meandros da
navegação e do Direito Marítimo, suas regras internacionais e códigos con-
suetudinários. Agindo por economia processual, inicia o processo e preenche
a instrução, contudo, suspende seu andamento antes da sentença.
Assim, o Judiciário poderá apoiar-se na decisão profundamente técnica
do Tribunal Marítimo (por isso auxiliar do Poder Judiciário) no momento
de definir responsabilidades cíveis ou criminais em processos de competência
concorrente. Bem como, evitar-se-á a natural ação rescisória caso decida sem
levar em conta prova fundamental (decisão da Corte especializada) para o
deslinde do litígio.

4.2 As decisões do Tribunal Marítimo: competência quase jurisdicional –


provas de maior valia

O art. 18, da Lei nº 2.180/1954 prescreve:

As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica


referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor pro-
batório e se presumem certas, sendo, porém, suscetíveis de
reexame pelo Poder Judiciário.

FGV DIREITO RIO 161


Direito Marítimo

Da simples leitura da lei, vê-se que os acórdãos do Tribunal Marítimo não


vinculam as decisões do Poder Judiciário, até porque do contrário, estaria
sendo invertida a definição de órgão auxiliar e órgão auxiliado e desrespeitada
a Constituição Federal em seu art. 5º, XXXV (princípio da inafastabilidade
de apreciação do Poder Judiciário).
As decisões do Tribunal Marítimo, como já dito, são definitivas para o Po-
der Executivo – “coisa julgada administrativa” – e valem como prova técnica
altamente especializada, com presunção de certeza, para o Poder Judiciário.
Assim, o Poder Judiciário só pode revê-las em arguição de ilegalidade no
processo do Tribunal Marítimo, na existência de vícios formais ou no desres-
peito aos princípios do devido processo legal.
MS n. 24.803/DF do STF:

Remansosa é a jurisprudência desta Corte no sentido de que,


se o ato impugnado em mandado de segurança decorre de
fatos apurados em processo administrativo, a competência do
Poder Judiciário circunscreve-se ao exame da legalidade do
ato coator, dos possíveis vícios de caráter formal ou dos que
atentem contra os postulados constitucionais da ampla defesa
e do due process of law).

Neste diapasão, o advogado maritimista Matusalém Gonçalves Pimenta,


em recente e brilhante obra – Processo Marítimo – (Editora Lumen Juris,
Rio, 2010), com maestria analisou a questão da validade e da eficácia das
decisões do Tribunal Marítimo:

Haveria total desnecessidade de se abordar este tópico não


fosse o fato de ser ele mal compreendido por parte de alguns
poucos profissionais do direito. Os que militam no especiali-
zado ramo do direito marítimo, muitas vezes, veem suas lides
sobrestatas, aguardando decisão do Tribunal Marítimo, no
sentido de robustecer o convencimento do magistrado. Para
alguns advogados da área, tal fato ganha status de irritabilida-
de. Exemplificando, destaca-se extrato do texto de coautoria
do Dr. Paulo Henrique Cremoneze (http://jus2.uol.com.br/
doutrina/texto.asp?id=6856):
Na verdade, os “julgados” do Tribunal Marítimo são pare-
ceres técnicos, ora de maior, ora de menor importância, mas
sempre e tão-só, pareceres técnicos, donde se infere que as de-
cisões do aludido órgão são extremamente limitadas [...] A de-
cisão do Tribunal Marítimo não pode, salvo casos específicos,
influenciar diretamente e exclusivamente o convencimento

FGV DIREITO RIO 162


Direito Marítimo

do Estado-juiz sob pena de, conforme o caso concreto, ferir


os princípios básicos da responsabilidade civil que regem o
ordenamento jurídico.
Com todo respeito ao ilustre professor, as decisões finais do
Tribunal Marítimo não têm natureza jurídica de pareceres
técnicos, mas de coisa julgada administrativa, sendo, por-
tanto, decisões definitivas no âmbito administrativo, com
força para apontar responsáveis, aplicando-lhes penalidades
cominadas em lei. Parecer técnico não tem força para julgar,
muito menos para punir, conforme se depreende da dedução
lógica extraída pelo simples conhecimento etimológico dos
vocábulos usados pelos articulistas.
[...] quanto à afirmação de que a decisão do Tribunal Maríti-
mo não pode influenciar o convencimento do Estado-juiz, é
completamente descabida e não guarda relação de pertinência
com o próprio texto da Lei Orgânica do Tribunal [...]
Ora, como não influenciar a decisão do Poder Judiciário se o
Tribunal Marítimo é órgão auxiliar deste Poder; se suas deci-
sões têm valor de prova técnica, produzida em tribunal espe-
cializado e, mais, presumem-se corretas? Assim, o magistrado,
usando o princípio do livre convencimento, apreciará a deci-
são do Tribunal Marítimo, consoante seu estimado valor de
prova expresso em lei.
Resumindo, as decisões do TM fazem coisa julgada adminis-
trativa, podendo ser, por força de sua própria lei orgânica, re-
examinadas pelo Poder Judiciário. Este reexame não diminui,
tampouco torna apoucada, a decisão do Colegiado do Mar,
eis que é garantia constitucional, no âmbito intangível da
Carta Política. Entretanto, aquele que quiser modificar uma
decisão do Tribunal Marítimo, na esfera do Judiciário, terá
a herculana tarefa de ilidir prova robusta, vez que produzida
perante tribunal especializado que goza de respeito tanto na
comunidade marítima brasileira, quando na internacional.
Em consonância com este pensamento, encontra-se o caudal
da jurisprudência:
Resp 38082 / PR, Relator Ministro Ari Pargendler, terceira
turma – 20/05/1999.
Ementa: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRI-
BUNAL MARÍTIMO. As decisões do Tribunal Marí-
timo podem ser revistas pelo Poder Judiciário; quando
fundadas em perícia técnica, todavia, elas só não subsisti-
rão se esta for cabalmente contrariada pela prova judicial. 155
PIMENTA, Matusalém Gonçalves.
Processo Marítimo. Rio de Janeiro: Lu-
Recurso especial conhecido e provido.155 men Juris, 2010.

FGV DIREITO RIO 163


Direito Marítimo

No mesmo sentido: a decisão do Tribunal Marítimo é prova com presun-


ção de certeza, tem-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso
Especial n. 811.769, publicado em fevereiro de 2010.
Dentro da Jurisprudência, foi exatamente a principal corte do país – Su-
premo Tribunal Federal – quem mais se aprofundou na análise da posição e
valor dos julgados do Tribunal Marítimo, colocando assim uma “pá de cal”
sobre o assunto. Em suma o processo original foi movido pelos armadores do
navio “NAVISUL”, que naufragou quando rebocado entre Manaus e Belém,
contra os seguradores-casco e o IRB. À época a decisão do Tribunal Maríti-
mo deu como causa do acidente fortuna do mar, contudo, os seguradores se
recusaram a pagar, alegando que o naufrágio teria sido fraudulento. Apesar
do enorme esforço dos advogados dos seguradores em tentar provar que a de-
cisão do Tribunal Marítimo não deveria prevalecer, por ter sido incompatível
com a prova dos autos, o STF rejeitou o recurso, valorando sobremaneira a
decisão do Tribunal Marítimo.
Diante de sua importância para o atual estudo, faz-se necessária à transcri-
ção dos seus pontos principais:

AI 62811-RJ, Ministro Bilac Pinto.


Ementa: SEGURO MARÍTIMO. NAUFRÁGIO DE NA-
VIO. Ação de cobrança da indenização correspondente a sua
perda total. Legitimidade da utilização da prova, das con-
clusões técnicas e da decisão do Tribunal Marítimo Admi-
nistrativo no julgamento da ação no TRF. Tendência do
Estado Moderno de atribuir o exercício de funções quase
jurisdicionais a órgãos da administração, aliviando os ór-
gãos do Poder Judiciário do exame de matérias puramente
técnicas. Inviabilidade do extraordinário para o reexame das
provas. Agravo de Instrumento desprovido.
[...] a questão sub judice é de natureza eminentemente técnica
e o pronunciamento do Tribunal Marítimo vale como a
melhor das perícias. [...] quando se trata de caso eminen-
temente técnico, a conclusão deve ser a de fato declarado
e logicamente deduzido pela maioria dos que, imparcial-
mente, tem conhecimentos especializados sobre o objeto
de seu pronunciamento.
A primeira arguição do recorrente é a de que o acórdão re-
corrido teria se apoiado, quanto à prova do sinistro, da deci-
são do Tribunal Marítimo, órgão administrativo que exerce
funções jurisdicionais na matéria específica sobre que versa
a demanda. Essa alegação da recorrente está fundada numa
velha concepção da separação dos poderes, sobretudo no que
diz respeito ao exercício da função jurisdicional.

FGV DIREITO RIO 164


Direito Marítimo

A Constituição brasileira mantém, sem dúvida, o princípio da


unidade de jurisdição, que corresponde à supremacia do Ju-
diciário. A interpretação dessa regra fundamental, entretanto,
deve ser feita à luz das transformações sofridas pelo Estado em
razão de sua crescente intervenção no domínio econômico e
na ordem social.
A palavra oracular de um juiz inglês, Lord Campbell, entre-
tanto, já nos antecipava o advento das modernas agências ad-
ministrativas com funções jurisdicionais, quando proclamou,
perante a House of Lordes, por ocasião da discussão do Rai-
lway and Canal Traffic Act, que aquele projeto continha um
Código que os juízes não poderiam interpretar e que, afinal,
procurava transformá-los em diretores de ferrovias. [...] Os ju-
ízes, entre os quais se incluía, sentiam-se incompetentes para
decidir a respeito de tais assuntos. Ele havia devotado grande
parte de sua vida ao estudo do direito, mas confessava-se intei-
ramente desfamiliarizado com a administração da ferroviária.
[...] O século XX presenciou notável desenvolvimento nas
atividades legislativas e jurisdicionais da Administração. Com
frequência cada vez maior, tendo-se permitido, ou mesmo
exigido, que as autoridades administrativas expeçam normas
gerais ou regulamentares. Essa atitude constitui legislação ad-
ministrativa. [...] Mais frequentemente ainda, têm essas au-
toridades de resolver questões concernentes a certos direitos.
Quando a atividade administrativa, em tal caso, dá margem
a controvérsia dirimível por autoridade administrativa, com
competência jurisdicional, essa decisão é realmente judicial
por natureza. [...] Os mais ortodoxos autores foram forçados
a reconhecer a existência de funções que denominam de quase
legislativas ou quase judiciais, desenhadas como parte da ati-
vidade administrativa. Atualmente, nos EUA, as regulamen-
tações e as decisões emanadas de autoridades administrativas
são tão numerosas, tão importantes e de tão largo alcance, que
a vida particular de cada cidadão está sob a sua influência. A
legislação e a jurisdição administrativas tornaram-se caracte-
rísticas significativas da função governamental.
[...] Essa ampliação da atividade estatal provocou efeitos pro-
fundos na Administração. Em primeiro lugar, resultou em
confirmar-se um ramo administrativo do governo grande va-
riedade de funções nem sequer imaginadas há bem poucos
anos. Esses novos encargos exigiram a criação de novos servi-
ços, redistribuição do trabalho, a alteração das relações entre

FGV DIREITO RIO 165


Direito Marítimo

os diferentes órgãos, a seleção de pessoal mais numeroso e me-


lhor aparelhado, o estabelecimento de novos métodos para o
controle do pessoal e a idealização de novas normas, métodos
ou processos para a melhor execução do trabalho. Mas, não é
tudo. O grande aumento da atividade do Governo, especial-
mente reguladora e controladora, obriga a Administração a
proferir decisões muito semelhantes às jurisdicionais, quanto
à natureza. Tão grande é o seu número, tão técnicos são os co-
nhecimentos exigidos para proferi-las, tão misturadas podem
elas estar com o processo administrativo, tão importante é que
elas sejam proferidas com rapidez, que os tribunais judiciais
não são obviamente as autoridades ideais para elaborá-las. A
tarefa de pronunciar tais decisões deve caber a certas auto-
ridades administrativas, sejam elas da própria administra-
ção ativa ou tribunais administrativos.
[...] A criação do Tribunal Marítimo, órgão administrativo
integrado por técnicos, a que se atribui competência quase
jurisdicional para o deslinde de questões de direito maríti-
mo se insere na tendência do Estado Moderno de aliviar as
instituições judiciais de encargos puramente técnicos, para
os quais não estão elas preparadas.
[...] As conclusões de natureza técnica do Tribunal Maríti-
mo inscrevem-se, entretanto no particular, entre as provas de
maior valia, devendo merecer a mais destacada consideração,
de juízes e tribunais, por tratar-se de órgão oficial e especializa-
do. Sem prova mais convincente em contrário, nada autoriza
se desprezarem as conclusões técnicas do Tribunal Marítimo.

5. Dos Processos no Tribunal Marítimo

5.1 Apuração Administrativa Preliminar – NORMAM nº 9

O Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação (IAFN)


será instaurado conforme as regras das Normas da Autoridade Marítima nº
9 (NORMAM 9), que regulamenta a instauração e instrução do Inquérito.
O IAFN será instaurado sempre que chegar ao conhecimento de uma
Agência da Autoridade Marítima a ocorrência de acidente ou fato da navega-
ção, como dispõe o art. 33 da Lei n° 2.180/1954.156
O órgão competente para instaurar o inquérito é a Capitania do Porto
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 33. Sempre
ou a Delegacia em cuja jurisdição ocorreu o evento, a capitania do primeiro
156

que chegar ao conhecimento de uma


porto de escala ou arribada do navio, a capitania do porto de inscrição do Capitania dos Portos qualquer acidente
ou fato da navegação será instaurado
navio, ou em qualquer outra designada pelo Tribunal Marítimo. inquérito.”

FGV DIREITO RIO 166


Direito Marítimo

Somente as Capitanias dos Portos e Delegacias poderão instaurar o in-


quérito administrativo. Assim, quando uma agência da capitania dos portos
toma conhecimento da ocorrência de um acidente ou fato da navegação,
deve comunicar, imediatamente, à capitania que estiver subordinada, a fim
de que esta instaure o IAFN. Note-se que na ocorrência de sinistro com uma
embarcação brasileira em águas estrangeiras, o inquérito deve ser instaurado
pela autoridade consular da zona.
No caso de acidente ou fato da navegação envolvendo navio da marinha
do Brasil, exceto se empregado em atividade comercial, não cabe instauração
de IAFN, mas a abertura de sindicância e/ou inquérito policial militar.157
Durante a fase de instrução do IAFN são colhidas, pelo encarregado do
inquérito, prova testemunhal, pericial e documental em busca da causa de-
terminante e do responsável pelo evento.158 Dessa maneira, são partes inte-
grantes do inquérito: os depoimentos do capitão, do prático, dos tripulantes
e dos passageiros; exame pericial com o respectivo laudo; cópias dos diários
de bordo e de máquinas; termos de vistorias; certificados de sociedades clas-
sificadoras; manifesto de carga; rol de equipagem; cartas náuticas utilizadas;
croqui explicativo acerca da dinâmica do acidente etc.
A conclusão do inquérito deverá ocorrer em noventa dias contados da
instauração até a ciência e o de acordo do capitão dos portos ou delegado.159
Encerrada a coleta de provas, o encarregado do inquérito deve elaborar
um relatório claro expondo os resultados colhidos, concluindo de modo co-
erente com as provas dos autos e de forma imparcial, apenas apontando pos-
síveis responsáveis, se houver.
Quando um acidente ou fato da navegação for decorrente de culpa ou
dolo devido à imprudência, imperícia ou negligência, o encarregado do in-
quérito deve indicar os possíveis responsáveis, sendo indispensável a noti-
ficação destes para o oferecimento de defesa prévia no prazo de dez dias.160
Contudo, o encarregado do inquérito poderá concluir que o acidente ou fato
da navegação se deu por força maior, caso fortuito ou fortuna do mar.
Por fim, ao término do relatório, a autoridade que conduziu o IAFN de-
verá encaminhá-lo ao capitão dos portos ou delegado para apreciação e poste-
rior despacho final. O capitão dos portos ou delegado, ao apreciar o relatório,
poderá concordar ou não com a conclusão a que chegou o encarregado do
inquérito. Caso não concorde deverá devolver os autos para execução de no-
vas diligências, com a consequente elaboração de um novo relatório.
O IAFN não pode ser cancelado, senão por decisão do Tribunal Maríti-
mo, mesmo na hipótese de ter havido acordo entre as partes envolvidas no
acidente ou fato da navegação, ou ainda se durante a fase inicial de investiga- NORMAM 9, item 0107, alínea a.
157

ção for constatado que o evento não se caracterizou como tal. NORMAM 9, item 0108, alínea a.
158

Após a apreciação do relatório do inquérito, os autos serão encaminhados NORMAM 9, item 0111, alínea a.
159

ao Tribunal Marítimo por meio de um ofício especial de remessa. NORMAM 9, item 0111, alínea a.
160

FGV DIREITO RIO 167


Direito Marítimo

5.2 Do Rito Processual

5.2.1 Instauração
161
Lei n° 2.180/1954 – “Art 41. O proces-
A instauração do processo administrativo pode ocorrer por iniciativa pú- so perante o Tribunal Marítimo se inicia:
a) em virtude de representação do in-
blica, privada ou por decisão do próprio Tribunal,161 conforme o disposto no teressado;
b) por iniciativa da Procuradoria;
artigo 41 da Lei nº 2.180/1954, sendo instaurado por exposição escrita e cir- c) por decisão do próprio Tribunal.”
cunstanciada por meio de portaria, representação, auto de infração, petição e 162
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 41. O proces-
despacho da autoridade competente. so perante o Tribunal Marítimo se inicia:
I - por iniciativa da Procuradoria;
Provocado por iniciativa pública, o processo inicia-se com a represen- II - por iniciativa da parte interessada;
III - por decisão do próprio Tribunal.
tação da Procuradoria Especial da Marinha, ou por meio da decisão do § 1º O caso do número II dar-se-á:
próprio Tribunal Marítimo. Pela iniciativa privada, o processo inicia-se a) por meio de representação, devi-
damente instruída, quando se tratar
por requerimento ou petição do interessado. Nesse particular, caso a PEM de acidente ou fato da navegação, no
decorrer dos 30 dias subsequentes ao
entenda pelo arquivamento dos autos, poderá a parte interessada requerer prazo de 180 dias da sua ocorrência, se
até o final deste, não houver entrado no
a instauração do processo.162 Tribunal o inquérito respectivo;
Uma vez instaurado o processo por recebimento da denúncia ou sendo b) Por meio de representação, nos au-
tos de inquérito, dentro do prazo de
negado o arquivamento do inquérito a pedido da Procuradoria Especial da dois meses, contado do dia em que os
autos voltarem da Procuradoria, quan-
Marinha, se procederá a citação do acusado, conforme previsto no art. 42 da do a promoção for pelo arquivamento,
Lei nº 2.180/1954.163 ou ainda no curso do processo dentro
do prazo de três meses, contado do dia
da abertura da instrução, ou até a data
de seu encerramento, se menor for a
5.2.2 Defesa sua duração. [...]
163
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 42. Rece-
Respeitando-se o devido processo legal, a defesa nos autos do processo bido o inquérito ou a representação
de que trata o artigo precedente será
administrativo está prevista no art. 56 da Lei nº 2.180/1954,164 devendo ser imediatamente feita a sua distribuição,
cabendo ao relator designado ordenar,
interposta de forma escrita, especificando os meios de provas que se pretende em seguida a notificação, por edital,
produzir, no prazo de quinze dias contados a partir da notificação, sendo de todos os possíveis interessados no
acidente ou fato em apuração.”
obrigatoriamente subscrita por advogado constituído nos autos, conforme 164
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 56. Dentro
determina o art. 31 da mesma lei.165 em quinze dias da notificação poderá o
notificado oferecer defesa escrita, jun-
tando e indicando os meios de prova
5.2.3 Instrução que entender convenientes.
Parágrafo único. A decisão do Tribunal
Marítimo só poderá versar sobre os
fatos constantes da representação ou
A instrução, assim como em qualquer procedimento judicial, é a fase com- da defesa.”
probatória que visa a elucidar os fatos. É nesta fase que se dará o depoimento 165
Lei n° 2.180 – “Art. 31. O patrocínio
pessoal do representado, as inquirições das testemunhas envolvidas no caso, das causas no Tribunal Marítimo é priva-
tivo dos advogados e solicitadores provi-
todas as inspeções e perícias técnicas necessárias, juntada de documentos, sionados, inscritos em qualquer seção da
Ordem dos Advogados do Brasil.
dentre outras diligências inerentes à instrução do processo. Parágrafo único. As proibições e im-
pedimentos de advocacia no Tribunal
Marítimo regem-se pelo disposto no
5.2.4 Relatório Regulamento da Ordem dos Advoga-
dos do Brasil.”
166
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 65. Finda
O relatório é a fase que sucede à instrução do feito. Assim, após as alega- a instrução, será aberta vista dos autos
por dez dias, sucessivamente, ao autor
ções finais das partes, no prazo de dez dias sucessivos, iniciando-se pela acu- e ao representando para que aduzam,
sação e, em seguida, com vista dos autos à defesa do representado, conforme por escrito, alegações finais, e em
seguida serão os autos conclusos ao
determina o art. 65 da Lei nº 2.180/1954,166 os autos serão conclusos ao juiz relator para pedido de julgamento.”

FGV DIREITO RIO 168


Direito Marítimo

relator, que terá, então, o prazo de dez dias para a elaboração do relatório e
o pedido de inclusão do processo em pauta para julgamento, nos termos do
art. 67 da Lei nº 2.180/1954,167 devendo sanar, nesta oportunidade, qual-
quer irregularidade ou omissão processual, bem como ordenar diligências
necessárias ao esclarecimento da causa sob análise.
Em observância aos limites objetivos da coisa julgada administrativa, a
conclusão dos fatos estabelecidos na fundamentação do relatório e os moti-
vos determinantes para a conclusão da decisão, bem como as questões preju-
diciais decididas incidentalmente no curso processual não farão coisa julgada
administrativa, uma vez que se aplica, subsidiariamente, a regra do art. 469
do Código de Processo Civil.168

5.2.5 Julgamento

O julgamento é a decisão proferida pelo órgão judicante, nos limites ob-


jetivos da causa, não possuindo qualquer vinculação com o relatório ela-
borado pelo juiz relator, que servirá tão somente como fundamento para
o julgamento da causa, devendo, conforme determina do art. 68 da Lei nº
2.180/1954,169 obedecer às seguintes normas:
• Relatório;
• Sustentação das alegações finais pelas partes;
• Apreciação das questões preliminares e dos agravos retidos nos autos;
• Discussão da matéria em julgamento pelo colegiado; 167
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 67. O re-
lator terá dez dias a fim de estudar os
• Decisão, iniciando-se a votação pela leitura do voto do relator, prosse- autos que lhe forem conclusos para
pedido de julgamento afora o tempo
guindo com os votos dos demais juízes. consumido nos atos a que se refere o
artigo precedente.”
Nesta fase, o Tribunal Marítimo não diverge da ordem processual de
168
Código de Processo Civil – “Art. 469.
qualquer outro órgão colegiado. A condição de validade e eficácia jurídica Não fazem coisa julgada:
da decisão depende da regularidade em todas as demais fases processuais, I – os motivos, ainda que importantes
para determinar o alcance da parte dis-
notadamente, por ocasião do julgamento, na forma estabelecida nos arts. 68 positiva da sentença;
II – a verdade dos fatos, estabelecida
e seguintes da Lei nº 2.180/1954 e no Regimento Interno, que dispõe sobre como fundamento da sentença;
III – a apreciação da questão preju-
a ordem processual dos procedimentos no Tribunal Marítimo. dicial, decidida incidentemente no
processo.”
169
Lei n° 2.180/54 – “Art. 68. O jul-
5.2.6 Dos Recursos no Tribunal Marítimo gamento do processo obedecerá às
seguintes normas:
a) relatório;
Diante da decisão exarada pelo órgão judicante são cabíveis três espécies b) sustentação das alegações finais,
sucessivamente, pelas partes;
de recursos, previstos no Título IV da Lei nº 2.180/1954: c) conhecimento das preliminares sus-
citadas e dos agravos;
• Embargos Infringentes; d) discussão da matéria em julgamento;
• Agravo, por simples petição; e) decisão, iniciando-se a votação pelo
relator, e seguido este pelos demais ju-
• Embargos Declaratórios. ízes, a partir do mais moderno no cargo.”

A respeito do referido tema, a irretocável lição do professor Theophilo de 170


SANTOS, Theophilo de Azeredo. Di-
reito da Navegação (Marítima e Aérea).
Azeredo Santos:170 Rio de Janeiro: Forense, 1964. p. 429.

FGV DIREITO RIO 169


Direito Marítimo

a) Embargos de nulidade ou infringentes de decisão final sobre


o mérito do processo, versando os embargos exclusivamente
matéria nova, ou baseando-se em prova posterior ao encer-
ramento da fase probatória, ou ainda, quando não unânime
a decisão, e, neste caso, serão os embargos restritos à matéria
objeto da divergência. Devem ser opostos nos 10 dias seguin-
tes ao da publicação do acórdão no órgão oficial.
b) Agravo, por simples petição: dos despachos e decisões
dos juízes que não admitirem a intervenção de terceiro na
causa como litisconsorte ou assistente; que concederem ou
denegarem inquirição e outros meios de prova; que conce-
derem grandes ou pequenas dilações para dentro ou fora do
País e que deferirem, denegarem ou renovarem o benefício
da gratuidade. Também é cabível agravar dos despachos e
decisões do presidente que admitirem ou não o recurso ou
apenas o fizerem em parte; que julgarem ou não reforma-
dos autos perdidos em que não havia ainda decisão final;
sobre erros de contas ou custas e que o concederem ou
denegarem registro.
O prazo para a interposição do agravo, assim como para o
preparo do recurso, será de 48 horas171, contadas do despacho
que mantiver a decisão, sob pena de deserção.
c) Embargos de Declaração, no prazo de 48 horas, contadas
da publicação da decisão no órgão oficial, quando apresentar
ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão.

É de ser notar certa peculiaridade entre os prazos e procedimentos estabe-


lecidos aos recursos supracitados, com os prazos previstos no Código de Pro-
cesso Civil. Todavia, a Lei nº 2.180/1954 possui caráter específico e especial,
e, portanto, deverão ser aplicadas em caráter imediato e, subsidiariamente,
as demais regras processuais vigentes. Quando expresso na lei, o efeito da
interposição de recursos será sempre meramente devolutivo. Por outro lado,
sendo a lei omissa, o recurso será recebido no seu duplo efeito, ou seja, devo-
lutivo e suspensivo, por esta ser a regra geral do direito processual.
Cumpre salientar que, a despeito do que ocorre nos órgãos jurisdicionais,
admite-se no Tribunal Marítimo a reformatio in pejus (reforma da decisão 171
Cumpre salientar que, com o ad-
com prejuízo do recorrente, como, por exemplo, ampliar o prazo de suspen- vento da Lei n° 5.056, de 29 de junho
de 1966, que alterou, dentre outros,
são), uma vez que o Tribunal Marítimo, no reexame da decisão recorrida, o parágrafo 2º do art. 112 da Lei n°
2.180/1954, o prazo para a interposi-
poderá concluir de modo contrário ao interesse do recorrente na busca da ção do agravo passou de 48 horas para
verdade real ou material. Observe-se, neste contexto, que os recursos serão cinco dias, sendo o seu processamento
na forma dos arts. 522 e seguintes do
apreciados pelo órgão julgador que prolatou a decisão de mérito. Código de Processo Civil.

FGV DIREITO RIO 170


Direito Marítimo

5.2.7 Do processo de execução

Uma vez proferida a decisão administrativa, o Tribunal Marítimo encerra


sua atividade cognitiva, tal como ocorre no processo de conhecimento co-
mum, passando à fase de execução do julgado, com previsão no art. 115 e se-
guintes da Lei nº 2.180/1954. Nesse contexto, pela natureza da condenação
administrativa divide-se o processo executório da seguinte forma:
• Execução de fazer – A decisão condena o acusado a uma determinada
obrigação de fazer, isto é, ao cumprimento de uma certa prestação.
• Execução de não fazer – Quando a penalidade implica na abstenção da
prática de um ato.
• Execução por quantia certa – No caso de aplicação de multa e o pagamen-
to das custas pelo vencido e, nesse caso, a guia de sentença será remetida à 172
Lei n° 2.180/1954 – “Art. 115 – Para
repartição competente, cobrada em execução fiscal. cumprimento de decisão do Tribunal
Marítimo será expedida guia com os
A guia de sentença é título constitutivo originário da instauração do pro- seguintes requisitos:
a) o nome da autoridade que a manda
cesso de execução, com a finalidade prática assemelhada às cartas de sentença cumprir;
extraídas pelos tribunais da justiça comum, devendo conter os requisitos pre- b) a indicação da autoridade incumbida
do seu cumprimento;”
vistos no art. 115 da Lei nº 2.180/1954,172 sendo aí incluídas, ainda, as custas 173
“Art. 124. O Tribunal poderá aplicar
processuais vencidas. Ressalte-se que o não pagamento da multa permite ao a pena de suspensão ou multa, ou
ambas cumulativamente, às pessoas
Tribunal Marítimo inscrever o nome do devedor na dívida ativa do Estado. que lhe estão jurisdicionadas, quando
ficar provado que o acidente ou fato da
navegação ocorreu por:
I - erro da navegação, de manobra ou
5.2.8 - Das penalidades no Tribunal Marítimo de ambos;
II - deficiência da tripulação;
III - má estivação da carga;
O Tribunal Marítimo em âmbito administrativo, observando os antece- IV - haver carga no convés, impedindo
manobras de emergência, ou prejudi-
dentes e a personalidade do responsável, a existência de dolo ou grau de cando a estabilidade da embarcação;
V - avarias ou vícios próprios conhecidos
culpa, além das circunstâncias que levaram à ocorrência da infração e suas e não revelados à autoridade, no casco,
consequências, poderá aplicar diferentes penalidades. máquinas, instrumentos e aparelhos;
VI - recusa de assistência, sem motivo,
As penalidades aplicadas pelo Tribunal marítimo são as seguintes: à embarcação em perigo iminente, do
qual tenha resultado sinistro;
• repreensão, medida educativa concernente à segurança da navegação VII - inexistência de aparelhagem de
socorro, ou de luzes destinadas a pre-
ou ambas; venir o risco de abalroações;
• suspensão de pessoal marítimo;173 VIII - ausência de recursos destinados
a garantir a vida dos passageiros ou
• interdição para o exercício de determinada função; tripulantes;
IX - prática do que, geralmente, se deva
• cancelamento da matrícula profissional e da carteira de amador; omitir ou omissão do que, geralmente,
se deva praticar.
• proibição ou suspensão do tráfego da embarcação; § 1º O Tribunal poderá aplicar, até o
décuplo, a pena de multa ao proprie-
• cancelamento do registro de armador; tário, armador, operador, locatário,
• multa, cumulativamente ou não, com qualquer das penas anteriores. afretador ou carregador, convencido
da responsabilidade, direta ou indireta,
Dentre as penalidades supra, é importante ressaltar que no caso da multa nos casos a que se referem este artigo e
o anterior, bem como na inobservância
seu montante deverá atender às condições financeiras do infrator, podendo dos deveres que a sua qualidade lhe
impõe em relação à navegação e ativi-
ser convertida em repreensão ou suspensão (a análise deverá ser feita caso a dades conexas.
caso), e deverá ser paga em 10 dias contados da ciência da guia de sentença, § 2º Essa responsabilidade não exclui a
do pessoal marítimo que transigir com os
podendo tal prazo ser dilatado. armadores na prática daquelas infrações.

FGV DIREITO RIO 171


Direito Marítimo

Ademais, a Lei estipula em seu art. 121, § 5° que multa aplicada pelo Tri-
bunal pode variar de onze a quinhentas e quarenta e três Unidades Fiscais de
Referência (UFIR), ressalvada a elevação do valor máximo nos casos previstos
na lei, podendo ainda tal multa ser aumentada em 10 vezes caso trate-se de
pessoa jurídica. Por fim, cumpre-se observar que o valor da UFIR foi conge-
lado no valor de R$ 1,604.

6. Órgãos auxiliares do Tribunal Marítimo

6.1 Procuradoria Especial da Marinha

A Procuradoria Especial da Marinha – PEM , composta por procuradores,


oficiais do quadro técnico da Marinha do Brasil, é responsável perante o Tribu-
nal Marítimo pela fiel observância da CRFB/1988,174 das leis e dos atos emana-
dos dos poderes públicos, referentes às atividades marítimas, fluviais e lacustres. 
A competência da PEM está prevista no art. 5º da Lei nº 7.642/1987175 que,
dentre outras funções, deve atuar nos processos da competência do Tribunal
Marítimo, em todas as suas fases. Segue, abaixo, um rol de atribuições da PEM: 174
Constituição da República Federativa
do Brasil de 1988.

1. Assessorar, juridicamente, o Comandante da Marinha, o Es- 175


“Art. 5º Compete à Procuradoria Es-
pecial da Marinha - PEM:
tado-Maior da Armada, a Secretaria-Geral da Marinha e a Dire- I - assessorar, juridicamente, o Mi-
nistro da Marinha, o Estado-Maior da
toria-Geral de Navegação, nas consultas concernentes ao Direito Armada, a Secretaria-Geral da Mari-
Marítimo Administrativo, ao Direito Marítimo Internacional, nha e a Diretoria-Geral de Navegação,
nas consultas concernentes ao Direito
bem como naquelas atinentes a acidentes e fatos da navegação; Marítimo Administrativo e ao Direito
Marítimo Internacional, bem como
2. atuar nos processos da competência do Tribunal Marítimo, naquelas atinentes a acidentes ou fatos
em todas as suas fases; da navegação;
II - atuar nos processos da competência do
3. oficiar em todas as consultas feitas ao Tribunal Marítimo; Tribunal Marítimo, em todas as suas fases;
III - oficiar em todas as consultas feitas
4. requerer, perante o Tribunal Marítimo, o arquivamento ao Tribunal Marítimo;
dos inquéritos provenientes dos órgãos competentes, bem IV - requerer, perante o Tribunal Ma-
rítimo, o arquivamento dos inquéritos
como formular representação ou outra promoção, relativa aos provenientes de órgão competente;
V - oficiar à autoridade competente,
referidos inquéritos; solicitando a instauração de inquérito,
5. oficiar à autoridade competente, solicitando a instauração sempre que lhe chegar ao conhecimento
qualquer acidente ou fato da navegação;
de inquérito, sempre que lhe chegar ao conhecimento qual- VI - oficiar nos processos promovidos
mediante representação de interessados
quer acidente ou fato da navegação; ou por decisão do Tribunal Marítimo,
6. oficiar nos processos promovidos mediante representação acompanhando-os em todas as fases;
VII - oficiar em todos os processos de
dos interessados ou por decisão do Tribunal Marítimo, acom- registro de propriedade marítima, de
armador, de hipoteca e demais ônus
panhando-os em todas as fases; reais sobre embarcação;
7. oficiar em todos os processos de Registro de Propriedade Ma- VIII - promover a assistência judiciária
gratuita aos acusados que não dispo-
rítima, de Armador, de hipoteca e demais ônus reais sobre em- nham de recursos para constituir advo-
gado, aos revés, ausentes ou foragidos,
barcações e nos processos do Registro Especial Brasileiro (REB);e assim declarados, e aos que o Tribunal
8. orientar juridicamente às Capitanias dos Portos, Delegacias Marítimo considere indefesos;
IX - servir de curadoria, nos casos pre-
e Agências, como necessário, na condução de inquéritos de vistos em lei; e
X - promover e manter estágio forense
acidentes e fatos da navegação e aspectos correlatos. perante o Tribunal Marítimo.”

FGV DIREITO RIO 172


Direito Marítimo

O cargo de Diretor da PEM é exercido por um Oficial Superior, ou,


quando a necessidade de serviço não o permitir, será nomeado pelo alvedrio
do delegante, como cargo de provimento em comissão, pelo critério de con-
fiança, consoante dispõe o art. 3º e parágrafo único da Lei nº 7.642/1987. 

6.1.1 Da atuação da PEM em processos administrativos relativos aos


Acidentes e /ou Fatos da Navegação 

Após despacho do juiz Relator para a PEM se manifestar, os autos do


inquérito relativos aos acidentes e fatos da navegação são enviados à Procura-
doria Especial da Marinha, sendo distribuídos a um dos Procuradores, para
pronunciamento inicial, o qual pode consistir em:
a) Pedido de realização de diligências complementares;
b) Pedido de arquivamento do inquérito;
c) Arguição de Incompetência do Tribunal Marítimo; ou
d) Oferecimento de representação.
O pedido de realização de diligências complementares tem lugar, basica-
mente, quando as provas carreadas aos autos do inquérito mostram-se insufi-
cientes para a imediata formação do convencimento da PEM com relação às
causas, circunstâncias e extensão dos acidentes e/ou fatos da navegação, bem
como no tocante aos eventuais responsáveis por tais incidentes da navegação.
O pronunciamento da PEM, pugnando pelo arquivamento do inquérito,
por seu turno, ocorre em resumo quando:
a) o acidente e/ou fato da navegação se deu por força maior, caso fortuito
ou fortuna do mar; ou
b) não foi possível esclarecer, com precisão, as causas determinantes do  aci-
dente e /ou fato da navegação, a despeito dos esforços de investigação
levados a efeito pela autoridade encarregada da elaboração do inquérito.
A arguição de incompetência do Tribunal Marítimo dispensa maiores co-
mentários e, por óbvio, tem lugar quando falece competência ao Tribunal
Marítimo para o exame do caso.
Por outro lado, o oferecimento de representação pela PEM ocorre
quando existentes no inquérito elementos probatórios que indiquem as cau-
sas, circunstâncias e extensão dos acidentes e/ou fatos da navegação e que
denunciem culpa ou dolo de seus causadores.
Para melhor compreensão da figura da representação, pode-se dizer que
ela tem para o processo administrativo sobre acidente e/ou fato da navegação
papel similar ao da denúncia para o processo penal.
Também  compete à PEM:
a) a interposição de recursos contra as decisões emanadas do colegiado
(embargos infringentes e embargos de declaração), bem como contra as
singularmente proferidas (agravo e embargos de declaração); e

FGV DIREITO RIO 173


Direito Marítimo

b) manifestar-se acerca da regularidade formal de eventual represen-


tação privada ofertada por administrado possuidor de legítimo in-
teresse econômico ou moral no julgamento do acidente ou fato da
navegação (arts. 41, inciso II, c/c 42, letra a, c/c 45, todos da Lei nº
2.180/1954), acompanhando e intervindo em todas as fases (instru-
ção, alegações finais escritas e sustentação oral) de processo adminis-
trativo instaurado em decorrência de ter sido a representação privada
recebida pela Corte Marítima.
Conveniente ressaltar que a atuação da PEM nos processos administrati-
vos sobre acidentes e/ou fatos da navegação opera-se em prol da salvaguar-
da da vida humana nas águas e da segurança do tráfego aquaviário. 
 
6.1.2 Da atuação da PEM em Processos Administrativos relativo aos
Registros disciplinados na Lei nº 7.652/1988

Conforme salientado anteriormente, cabe ao Tribunal Marítimo man-


ter os registros de armador de embarcações brasileiras e de propriedade
marítima de embarcações que possuam arqueação bruta superior a cem
toneladas, bem como o registro de direitos reais e de outros ônus que gra-
vem embarcações brasileiras em geral, incluindo penhoras judiciais (art.
13, inciso II, letras a, b e c, da Lei nº 2.180/1954 c/c arts. 4º, 12 e 14 da
Lei nº 7.652/1988). 
Destaque-se que os pedidos para a obtenção dos registros anteriormen-
te citados, bem como os de seus respectivos cancelamentos, darão ensejo
a instauração de processos administrativos específicos, a serem instruídos
com variados documentos pertinentes aos pedidos, cumprindo ressaltar
que tais processos são enviados à Procuradoria Especial da Marinha para
manifestação acerca do preenchimento ou não, pelos requerentes, dos re-
quisitos legais exigidos para o deferimento dos pedidos formulados pelos
administrados (art. 5º, inciso VII, da Lei nº 7.642/1988, c/c art. 19-A Lei
nº 9.028/1995, c/c art. 131 da Constituição Federal). 
Imperioso sublinhar que, de acordo com o estatuído no art. 12 da Lei nº
7.652/1988, o registro de direitos reais e de outros ônus que incidam sobre
embarcações brasileiras deverá ser feito no Tribunal Marítimo, sob pena de
não valer contra terceiros.  
De se registrar, outrossim, que compete à PEM a interposição de re-
curso contra a decisão de primeiro grau proferida pelo Juiz Presidente, em
matéria de registro (art. 22, letra “g” c/c art. 111, inciso II, letra “d”, da
Lei nº 2.180/1954), o qual será submetido a julgamento pelo colegiado da
Corte Marítima. 

FGV DIREITO RIO 174


Direito Marítimo

6.1.3 Da atuação da PEM em Processos Administrativos relativos ao


Registro Especial Brasileiro (REB), disciplinado na Lei nº 9.432/1997

Finalmente, como destacado anteriormente, compete ao Tribunal


Marítimo manter o chamado Registro Especial Brasileiro, instituído pelo
art. 11 da Lei n.º 9.432/1997, com o propósito específico de promover o
desenvolvimento da Marinha Mercante brasileira, por meio de uma série
de incentivos. 
Destaque-se que os pedidos de inscrição no Registro Especial Brasileiro,
bem como os de cancelamento, darão ensejo a instauração de processos
administrativos específicos, a serem instruídos com documentos diversos,
cumprindo-nos ressaltar que tais processos são enviados à  Procuradoria
Especial da Marinha para pronunciamento acerca do preenchimento ou
não, pelos requerentes, dos requisitos legais exigidos para o deferimento
dos pedidos formulados pelos administrados. 

6.2 Advogados e solicitadores

O patrocínio das causas no Tribunal Marítimo é privativo de advogados


e solicitadores inscritos na OAB – Ordem dos Advogados do Brasil (art. 31
da Lei 2.180/1954). 
 

6.3 Secretaria

É por meio da secretaria que os serviços processuais, técnicos e ad-


ministrativos decorrentes das atribuições do Tribunal serão exercidos. A
secretaria é dirigida por um bacharel em Direito que exerce o cargo de
Diretor-Geral.

7. Acidentes e fatos da navegação

Os Acidentes e Fatos da Navegação são definidos pela Lei n° 2.180/1954,


sendo o Tribunal Marítimo órgão competente para julgá-los.
Conforme determina a Lei nº 2.180/1954 no seu art. 14, alínea “a”,176
176
“Art. 14. Consideram-se acidentes da
são considerados Acidentes da Navegação: o naufrágio, o encalhe, a colisão, navegação:
a abalroação, a água-aberta, a explosão, o incêndio, a varação, o alijamento a) naufrágio, encalhe, colisão, abalro-
ação, água-aberta, explosão, incêndio,
e a arribada. varação, arribada e alijamento;”

FGV DIREITO RIO 175


Direito Marítimo

O naufrágio ocorre quando uma embarcação afunda nas águas, sem que
esta possa emergir por meios próprios, devido à entrada de água na embar-
cação, adernamento, emborcamento, alagamento etc. O encalhe significa
o contato do fundo da embarcação com o fundo do mar, dificultando a
movimentação da embarcação. A colisão é o choque da embarcação contra
qualquer objeto que não seja outra embarcação. Já a abalroação é o choque
de uma embarcação com outra embarcação. O acidente denominado água-
-aberta decorre de abertura abaixo da linha d’água permitindo a entrada
de água nos espaços internos da embarcação, provocada por quaisquer fa-
lhas que comprometam a vedação da embarcação. Considera-se explosão a
combustão brusca ocasionando abrupta pressão. Quanto ao incêndio, diz-se
de destruição causada por fogo decorrente, por exemplo, de combustão de
materiais a bordo. A varação significa fazer encalhar, intencionalmente, em-
barcação que apresenta quaisquer falhas técnicas / operacionais que compro-
metam sua locomoção, visando a evitar maiores danos à mesma, tais como o
naufrágio. Denomina-se alijamento o ato de lançar ao mar objetos carrega-
dos pela embarcação a fim de melhorar seu deslocamento ou beneficiar sua
estabilidade. Finalmente, a arribada significa levar a embarcação a um porto
ou lugar que não seja de escala ou de destino, que não tenha sido previsto no
planejamento da viagem.
Em sua apuração e julgamento, o Tribunal Marítimo avalia se o acidente
ocorreu por uma razão “justificada”, como caso fortuito decorrente de força
maior; se decorrente de causa “injustificada”, isto é, ocasionada por defeito na
embarcação ou por negligência de tripulante; ou, ainda, se resultou de ato volun-
tário, devido à vontade ou interesse do Capitão, dos tripulantes ou do armador.
Consideram-se também acidentes da navegação quaisquer avarias ou de-
feitos no navio, ou nas suas instalações, que ponham em risco a embarcação,
as vidas, as mercadorias e os bens transportados, conforme o artigo 14, alínea
“b” da Lei n° 2.180/1954.177
Ressalte-se que, embora defeito ou avaria não provoque um acidente
(como um naufrágio ou um incêndio), o mesmo já é considerado como um
acidente da navegação, devendo, portanto, ser processado e julgado pelo Tri-
bunal Marítimo.
Enquanto na ocorrência de um acidente da navegação configura-se um
acontecimento material relacionado a um dano, os fatos da navegação se ca-
racterizam por uma ocorrência de natureza formal, vinculada à ideia de risco. “Art. 14. Consideram-se acidentes da
177

navegação:
Conforme alínea “a” do art. 15 da Lei n° 2.180/1954,178 são considerados b) avaria ou defeito no navio, nas suas
instalações, que ponha em risco a em-
“fatos da navegação”: a deficiência de equipagem, mau emparelhamento da barcação, as vidas e fazendas a bordo.”
embarcação, impropriedade da embarcação para o serviço em que é utilizada. 178
“Art. 15. Consideram-se fatos da na-
vegação:
Ressalte-se que a falta ou deficiência quanto à quantidade e à qualificação de a) mau aparelhamento ou improprie-
tripulantes, em desacordo com as exigências regulamentares, é caracterizada dade da embarcação para o serviço
em que é utilizada e a deficiência da
como deficiência de equipagem. equipagem;”

FGV DIREITO RIO 176


Direito Marítimo

A impropriedade, a falta ou a deficiência de funcionamento de aparelhos,


equipamentos, peças sobressalentes, acessórios e materiais, quando em desa-
cordo com as exigências dos regulamentos, denomina-se mau aparelhamen-
to da embarcação. Denomina-se, por sua vez, a impropriedade da embar-
cação para o serviço em que é utilizada quando esta é usada em desacordo
com sua destinação, ou em desacordo com a área de atuação estabelecida em
sua classificação.
Faz-se mister ressaltar que, muitas vezes, os “fatos da navegação” são consi-
derados apenas infrações à Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (LESTA),
com sanções administrativas aplicadas diretamente pela Capitania dos Portos.
As causas mais comuns dos acidentes e fatos da navegação podem ser
classificadas por:
• Ação do meio ambiente, ou seja, decorrente de fenômenos da natureza, os
quais se convencionou chamar de decorrentes de “fortuna do mar”.
• Deficiência dos auxílios à navegação, causa que ocorre, não tão frequen-
temente, por mau posicionamento de boias, incorreções cartográficas etc.
• Deficiência do material, devido a avarias, defeitos, mau funcionamento, rup-
tura e deformações excessivas de estruturas, equipamentos, máquinas e mate-
rial, relacionados com o desempenho de casco, das máquinas, acessórios etc.
Ademais, o fator operacional também contribui para a ocorrência de aci-
dentes, devido às falhas na atuação dos responsáveis pela operação da embar-
cação e de seus equipamentos, podendo-se enumerar tais falhas como:
• Erro de manobra em decorrência de falha na aproximação, por velocidade
indevida, deficiência de vigilância ou não cumprimento de ação recomen-
dada para evitar abalroamento etc.;
• Erro da navegação por equívocos na escolha de rumos ou velocidades, na
interpretação de cartas ou auxílios à navegação, na condução da embarca-
ção sob mau tempo etc.;
• Erro de operação ou de condução de equipamentos por falhas devido ao
acionamento inoportuno de aparelhos e utensílios, utilização de meio ina-
dequado para acesso, operação indevida de equipamento apresentando
indícios de mau funcionamento etc.;
• Erro de manutenção de equipamentos e estruturas que decorram da falha
na revisão, previsão de estoque, no controle de qualidade de materiais
utilizados a bordo etc.;
• Erro de projeção ou construção que ocorre por falhas na construção da
embarcação, como, por exemplo, devido à deficiência de estabilidade, por
falha na reserva de flutuabilidade etc.;
É importante destacar que a ação intencional do Comandante, de tri-
pulantes ou até mesmo do armador, é fator determinante para a ocorrência
de acidentes, tais como arribadas, varação, abandono e alijamento de carga,
causados na maior parte das vezes com a intenção de evitar um mal maior.

FGV DIREITO RIO 177


Direito Marítimo

7.1 Das Avarias

De acordo com o artigo 761 do Código Comercial,179 avaria é todo dano


causado ao navio ou à carga ou qualquer despesa extraordinária que se faça
em benefício de um ou de outro, ou comum a ambos, desde o embarque e
partida até seu retorno e desembarque.
Considera-se como avaria os danos, as perdas e as despesas de caráter ex-
cepcional que o navio ou sua carga sofrem durante a expedição marítima,
desde o embarque e partida até a sua chegada e desembarque. São, portanto,
todos os danos e perdas ocorridos durante o percurso da viagem, e que te-
nham afetado total ou parcialmente as mercadorias, o navio ou ambos.
Com efeito, a classificação mais importante das avarias é a que as divide
em: simples ou particulares e grossas ou comuns. Pois, o montante das ava-
rias simples ou particulares é suportado, ou só pelo navio, ou só pela coisa
afetada, enquanto o das avarias grossas é repartido proporcionalmente entre
o navio, o frete e a carga.

7.2 Abalroação e Colisão

Entende-se por abalroação, abalroamento ou abalroada o choque entre


duas embarcações. Já a colisão é considerada como o choque de determinado
navio com um corpo fixo (recife, cais, barragem, estacada) ou contra um
corpo flutuante insuscetível de navegar, como um iceberg (monte de gelo),
um banco de areia, uma boia, ou até mesmo uma embarcação desativada
transformada em um hotel flutuante, uma vez que, neste caso, a mesma não
estaria em condições de navegar.
Portanto, a colisão se distingue da abalroação por se tratar de choque entre
o navio e um objeto qualquer, já que a abalroação é o choque entre navios.

7.3 Da Arribada

Segundo ensina João Vicente Campos,180 “arribada é a entrada do navio


em porto ou lugar diferente dos determinados na viagem projetada”.
Quando a arribada independe do desejo do capitão, ela denomina-se ar-
ribada forçada; enquanto a que decorre de um ato de vontade do mesmo, é
uma arribada voluntária.
179
Código Comercial – “Art 761. Todas
as despesas extraordinárias feitas à
bem do navio ou da carga, conjunta
7.4 Naufrágio, assistência e salvamento no mar ou separadamente, ou todos os danos
acontecidos àquela ou a esta, desde o
embarque até a sua volta e desembar-
Haverá naufrágio não só quando o navio é destruído pelas ondas ou em- que, são reputadas avarias.”

borca, mas, também, quando se verifica o abalroamento ou colisão com obje- 180
CAMPOS, João Vicente. Dos Sinistros
Marítimos. Rio de Janeiro: Forense,
to flutuante ou submerso, ou desaparece, sem notícias, por mais de um ano. 1961. p. 139.

FGV DIREITO RIO 178


Direito Marítimo

O afundamento do navio determina também seu naufrágio. A jurisprudên-


cia, porém, exige que a submersão dure certo tempo, pois se a emersão é logo
possível, não se pode sustentar ter havido naufrágio.
No que se refere à “assistência e salvamento” podemos conceituar, de
acordo com a Lei n° 7.203/1984, que é todo ato ou atividade efetuado para
assistir e salvar uma embarcação, coisa ou bem em perigo no mar e nas vias
navegáveis interiores.
Nesse particular, cumpre destacar que quando a “assistência e salvamen-
to” envolvem embarcação brasileira e ocorre em águas sob jurisdição nacio-
nal, aplica-se a Lei n° 7.203/1984.
Nos demais casos, o documento legal cabível é a Convenção Internacional
de Bruxelas.

7.5 Alijamento, encalhe, varação, água-aberta, explosão e incêndio

Considera-se alijamento lançar à água as coisas de bordo, inclusive a carga. O


alijamento é sempre um ato voluntário e pode constituir ou não avaria grossa.
Com efeito, existem duas possibilidades de a carga ser alijada, ou seja,
jogada ao mar, pelo capitão:
• quando, em caso de perigo iminente, é feito com fim de salvar o navio
e o restante das mercadorias transportadas;
• quando, por si só, representarem risco à segurança do navio e das ou-
tras cargas, ou descritas de modo fraudulento pelo embarcador, forem
estivadas de maneira a representar algum risco.
O encalhe é considerado juridicamente como o fato de o navio dar em
seco, ficando, desta forma, impedido de navegar, momentânea ou perma-
nentemente, não sendo provocado intencionalmente pelo capitão. Quando o
navio é colocado em seco intencionalmente pelo capitão chama-se “varação”.
“Dar em seco” não significa permanecer fora da água, mas quer dizer que
o calado do navio é maior que a profundidade do local, e, consequentemen-
te, o fundo da embarcação repousa no fundo do mar.
A “água aberta”, outro acidente elencado na Lei n° 2.180/1954, trata-se
da entrada de água por meio do casco abaixo da linha de flutuação.
Os incêndios e as explosões também são considerados acidentes da nave-
gação de acordo com a Lei n° 2.180/1954.

FGV DIREITO RIO 179


Direito Marítimo

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler o material, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Defina o Tribunal Marítimo.
3. Conceitue e diferencie os acidentes e fatos da navegação.
4. Quais as principais etapas dos processos administrativos no Tribunal
Marítimo?
5. Quais as penalidades aplicadas pelo Tribunal Marítimo?
6. Com o não pagamento da multa aplicada, é possível a inscrição do deve-
dor na dívida ativa da União?
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador.

SUGESTÃO DE CASO GERADOR

O navio N/M “Santiago” encalhou quando navegava pelo canal de acesso


ao Porto de Paranaguá.
No passadiço do N/M “Santiago”, a manobra estava sendo conduzida
pelo Prático José Alfredo, devidamente habilitado pela autoridade marítima,
com 23 anos de experiência naquela zona de praticagem, e assistido pelo
comandante Júlio Veiga.
Cientificada a autoridade marítima da ocorrência do acidente, foi instau-
rado Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação, pela
Capitania dos Portos, tendo o Encarregado do Inquérito, após a coleta de
diversos depoimentos e realização de prova pericial, concluído pela respon-
sabilidade do comandante do N/M “Santiago”, por ter cometido erro de na-
vegação na condução do navio, que deu ensejo ao encalhe, e pela responsabi-
lidade do prático que orientou erroneamente a manobra do comandante do
N/M “Santiago”, tendo em vista a hipótese de o balizamento estar deficiente
(boia demarcatória do canal fora de sua posição original).
Enviado o inquérito ao Tribunal Marítimo, a Procuradoria Especial da Mari-
nha, ao se manifestar, formulou representação em face do prático, tão somente.
Nesse contexto, responda:
1. Quais são as medidas que podem ser tomadas pelo Tribunal Marítimo na
sessão de recebimento da representação?
2. Qual seria a medida cabível a ser tomada por uma das partes interessadas
para a responsabilização administrativa de um dos envolvidos no acidente, na
hipótese de o Tribunal ter recebido a representação apenas contra o prático?
3. Poderia o Tribunal Marítimo desconsiderar a representação e determinar
o arquivamento dos autos?
4. A decisão do Tribunal Marítimo vincularia eventual julgamento na esfera
judicial?

FGV DIREITO RIO 180


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

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Rio de Janeiro: Forense, 1964.

SCIALOJA, Antonio. Sistema Del derecho de la navegacion. Tradução


Española. Buenos Aires: Bosch y Cia Cia.-Editores, 1950.

SIMAS, Hugo. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:


Forense, 1960.

Eletrônicas

Site da AMERICAN Club: <http: www.american-club.com>.

Jurisprudenciais

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 811.769.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AI n. 62811-RJ. Relator: Ministro


Bilac Pinto.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS n. 24.803.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.7446-BA.

BRASIL. Tribunal Regional Federal. AC n.29682-GB.

BRASIL. Tribunal Regional Federal. AC-46.271-RJ.

FGV DIREITO RIO 182


Direito Marítimo

Legislativas

BRASIL. Decreto nº 2.256, de 17 de junho de 1997.


BRASIL. Decreto nº 20.829, de 21 de dezembro de 1931.
BRASIL. Decreto nº 24.585, de 05 de julho de 1934.
BRASIL. Lei nº 2.180, de 05 de fevereiro de 1954.
BRASIL. Lei nº 5.056 de 29 de junho de 1966.
BRASIL. Lei n° 7.203/1984.
BRASIL. Lei nº 7.642, de 18 de dezembro de 1987.
BRASIL. Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995.
BRASIL. Lei nº 9.432, de 08 de janeiro de 1997.
BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994.
BRASIL. NORMAM 9 – Diretoria de Portos e Costas.

FGV DIREITO RIO 183


Direito Marítimo

AULA IX – Contratos Marítimos I

1. Tipos de Contratos

A indústria internacional de transporte marítimo opera através de diversos


tipos de contrato.
Os contratos mais praticados são:
a) Contratos de afretamento por viagem;
b) Contratos de afretamento por período;
c) Contratos de afretamento a casco nu;
d) Contrato de tonelagem; e
e) Contrato de transporte.
Antes de conceituar tais contratos, é oportuno lembrar que recaem sobre
uma embarcação os atributos da propriedade de coisas, a saber: os direitos de
usar, fruir e dispor.
O direito de usar se associa ao direito de ter a posse da embarcação, e,
consequentemente, o direito de exercer a gestão náutica. A gestão náutica do
navio consiste em dotar o navio com comando, tripulação adequada, com-
bustível, provisões e todas as demais providências necessárias para que o na-
vio se lance ao mar.
O direito de fruir a embarcação consiste na obtenção dos benefícios de-
correntes do emprego comercial do navio, o qual se dá através de contratos
de afretamento ou transporte.
O direito de dispor da embarcação é aquele que dá ao proprietário o direito
de alienar a embarcação a terceiros, ou até mesmo alterá-la ou desmanchá-la.
A partir destes conceitos, podemos definir os contratos de afretamento
como sendo aqueles em que o fretador transfere ao afretador, por certo pe-
ríodo, o direito de fruir e, no caso do afretamento a casco nu, é transferido,
também, o direito de usar a embarcação.
No afretamento por viagem, a duração do contrato é delimitada pela
rota que o navio irá cumprir, começando no porto de carga e terminando no
porto de descarga. Em inglês, este tipo de contrato é conhecido como Voyage
Charter Party (VCP).
No afretamento por período, a duração do contrato é definida por um
período medido cronologicamente (meses ou anos). Em inglês, este contrato
é conhecido como Time Charter Party (TCP).
Os direitos de fruir a embarcação são, na prática, concedidos de forma mais
ampla nos afretamentos por período do que nos afretamentos por viagem.
No contrato de afretamento a casco nu, é transferido para o afretador,
além do direito de fruir, o direito de usar a embarcação. Por esta razão, neste
tipo de contrato, o afretador toma posse da embarcação sendo, portanto,

FGV DIREITO RIO 184


Direito Marítimo

contratualmente responsável pela gestão náutica do navio, diferentemente


dos afretamentos por viagem e período, que em sentido inverso, a posse e
gestão náutica do navio permanecem com o fretador. Ressalte-se que, por ra-
zões de ordem econômica e prática, a duração de um contrato de afretamen-
to a casco nu é sempre em anos. Em inglês, estes contratos são conhecidos
como Bareboat Charter Party (BCP ou BBC).
Contrato de tonelagem é aquele em que o fretador (ou transportador) se
obriga a transportar determinado volume de carga, em um determinado perí-
odo, em navios previamente nomeados no contrato. Em inglês, este contrato
é conhecido como Contract of Afreightment (COA). Cada viagem do COA é
tratada como um VCP. Desse modo, um COA é um conjunto de VCPs que
tem entre si um vínculo comum.
O contrato de transporte tem como objeto o transporte de mercadorias
de um porto a outro. Estes diferem dos contratos de afretamento, pois neste
último o objeto não é transporte, mas sim a disponibilidade do navio para o
exercício de suas funções. Vale destacar que o contrato de afretamento por
viagem é comumente empregado no transporte de mercadorias, sendo, por
esta razão, que há o entendimento de que a sua natureza jurídica é a mesma
do contrato de transporte.

2. Formação dos Contratos

A dinâmica dos negócios faz com que o tempo disponibilizado para se


negociar um afretamento seja exíguo demais, não havendo assim, tempo su-
ficiente para se negociar cada cláusula e seu respectivo texto. Por esta razão a
indústria lança mão de formulários ou contratos-padrão, os quais servirão de
base para a celebração do contrato.
Os termos dos formulários já são de amplo conhecimento e aceitação dos
players do mercado, não havendo, por isso, necessidade de negociá-los. Além
disso, os formulários, por serem muito usados, já tiveram diversas de suas
cláusulas discutidas nas principais cortes, sobretudo a inglesa e americana,
que são os principais foros adotados nos contratos de afretamento. As de-
cisões sobre estes casos formam uma extensa base jurisprudencial, que traz
ampla segurança jurídica sobre a aplicação das cláusulas nos mais variados
casos in concreto.
Os formulários são especializados para os diversos setores da indústria,
sendo que para um mesmo setor pode haver mais de um formulário adotado.
Na indústria do transporte de petróleo e derivados, por exemplo, existem,
entre outros, os formulários Shellvoy, Exxonvoy, BPvoy e Asbatankvoy para
os afretamentos por viagem e os formulários Shelltime, BPTime e Exxontime
para o afretamento por período.

FGV DIREITO RIO 185


Direito Marítimo

Em regra, quem escolhe o formulário é o afretador. A adequada escolha


do formulário deverá levar em conta os seguintes aspectos:
a) Aspecto comercial: o formulário deverá ter ampla aceitação pelos fretadores;
b) Aspecto técnico-operacional: o formulário deverá preencher as práticas
operacionais (técnica e comercial) do afretador;
c) Aspectos jurídicos: o formulário deverá ter tradição nas cortes e arbitragens.
É comum os contratantes negociarem cláusulas adicionais específicas de
suas empresas, chamadas de riders.
Quando um contrato é formado, primeiro emite-se um documento cha-
mado RECAP (vem de recapitulação), que é a descrição de todos os termos
do formulário padrão que foram preenchidos ou alterados, assim como a
aceitação e negociação dos termos do “rider” (cláusulas adicionais). A emis-
são do instrumento contratual completo, com assinaturas, nem sempre é
feita. Muitas empresas aceitam somente o RECAP, não havendo necessidade
de mais esta formalização.
É oportuno citar que, nos contratos de afretamento, são largamente usa-
das abreviaturas para representar palavras e, até mesmo, longas expressões.
Estas abreviaturas são aceitas e reconhecidas como expressões válidas no
direito inglês.
Como exemplo de abreviatura cita-se: NDFOCAPMQS, que significa:
non deadfreight on charterers account provided minimum quantity supplied.

3. Contratos e a Lei

Todo contrato deve ser regido por um sistema legal. Quando o contrato
não mencionar o sistema legal regente haverá disputa sobre esta definição.
Este problema se agrava quando o contrato tem natureza internacional.
É oportuno citar que a lei brasileira de arbitragem (Lei 9.307/1996) ad-
mite a eleição de lei estrangeira para reger contratos que envolvam empresas
brasileiras.
As funções da lei no contrato são:
a) Assegurar o pacta sunt servanda (o contrato faz lei entre as partes). Este im-
portante princípio contratual é o que traz a necessária segurança jurídica
para que os negócios possam prosperar;
b) Orientar o modo de interpretar os contratos;
c) Suprir as lacunas do texto contratual, uma vez que não existe contrato
com redação perfeita;
d) Garantir a execução de sentenças judiciais ou laudos arbitrais que deter-
minem a uma parte contratante prestar obrigação a outra.
O contrato também deve definir de que forma as disputas contratuais
serão resolvidas.

FGV DIREITO RIO 186


Direito Marítimo

As disputas podem ser resolvidas pelo Poder Judiciário (poder estatal) ou


por Arbitragem (sistema privado).
Em qualquer dos casos, deve-se especificar o nome da corte que solucio-
nará a disputa.
Quando o contrato não mencionar o foro (se estatal ou privado), ha-
verá disputa sobre esta definição, devendo-se observar que não há presun-
ção de arbitragem.
Em geral o foro (estatal ou arbitral) tem a mesma nacionalidade da lei,
mas nem sempre.
Pelas razões expostas acima, as cláusulas de lei e foro são as pedras funda-
mentais dos contratos de afretamento e transporte.
A lei inglesa é a mais adotada nos contratos de afretamento e transporte
do mundo inteiro, tendo em vista o vasto arcabouço legal que aborda o tema.
Além disso, há nas cortes inglesas varas especializadas em assuntos marítimos.
O sistema de arbitragem inglês também é largamente usado nos contratos,
por haver tradição, competência e eficiência no julgamento das lides.
Outros países, igualmente, dispõem de juízos e arbitragens especializados
em causas marítimas (Estados Unidos, Cingapura, Panamá etc.).

4. Contratos de Afretamento por Viagem

Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os


principais formulários e a lei inglesa.

4.1 Descrição do Navio

Nesta cláusula devem ser informadas, de modo detalhado, as caracterís-


ticas principais do navio que afetam a execução do contrato. As principais
informações utilizadas são: nome do navio, porte bruto, capacidade volu-
métrica, capacidade de descarga, velocidade etc. É comum a utilização de
questionários a respeito de diversos outros dados técnicos e operacionais do
navio, tais como sua tripulação e administração em terra.

4.2 Condições do Navio

A prática do mercado é exigir que o navio tenha boas condições de nave-


gabilidade (seaworthiness) e adequação à carga (cargoworthiness).
Em relação a tais obrigações, a primeira questão que se observa é qual a sua
duração – se durante toda a vigência do contrato ou se apenas no momento
da apresentação para iniciar a execução do contrato – e quanto a esta questão
a maioria dos formulários exige que a obrigação seja apenas no momento da
apresentação do navio.

FGV DIREITO RIO 187


Direito Marítimo

Outra questão que se abre é quanto à natureza destas obrigações, se obri-


gação de resultados (obrigação absoluta) ou obrigação de meios (envidar to-
dos os esforços para que assim aconteça, mas sem haver obrigação de obter o
resultado desejado). A indústria de transporte marítimo consagra a prática de
fazer com que o fretador tenha de exercer a devida diligência (due diligence)
para fazer com que o navio tenha seaworthiness e cargoworthiness.
Deve-se ressalvar que um navio pode estar em boas condições de navega-
bilidade, sem, contudo, estar completamente aderente às condições assumi-
das no questionário. Alguns formulários tentam estender as obrigações de
condição do navio, de forma a incluir também os termos do questionário.
Em relação à condução do navio pela tripulação, a obrigação assumida
pelo fretador é que a tripulação esteja na quantidade adequada, tenha a qua-
lificação exigida e que exerça a devida diligência para carregar, transportar e
descarregar a mercadoria transportada pelo navio.
É conveniente lembrar que, quando um navio sai ao mar, há o que a
doutrina chama de aventura marítima. Os riscos do fretador são grandes, e
a ocorrência de um sinistro que cause danos à carga costuma ter elevado im-
pacto econômico. A forma como as obrigações são estabelecidas no contrato
faz com que haja compartilhamento de riscos, favorecendo o oferecimento
de um frete menor ao afretador, já que os riscos absorvidos pelo fretador
nessa formulação contratual são compartilhados.

4.3 Viagem

Os afretamentos por viagem contêm cláusula estabelecendo que o navio


deva cumprir a programação de viagem dada pelo afretador, devendo estar
em conformidade com o contrato. Há previsão para que o navio fique fun-
deado e aguarde ordens para operar.
Uma vez nomeados os portos da viagem, o afretador não tem mais o
direito de alterá-los. Todavia, alguns contratos dão ao afretador o direito de
alterar a programação do navio, tendo a contrapartida de remunerar o freta-
dor pelo desvio efetuado.

4.4 Portos

Os contratos estabelecem para o afretador a obrigação de nomear portos e


berços seguros, a serem visitados pelo navio (safe berth/port). O porto ou berço
é considerado seguro quando o navio específico pode entrar, usar e sair do mes-
mo, sem estar exposto a perigo que não possa ser evitado por meio de boas prá-
ticas de navegação e marinharia, desde que na ausência de ocorrências anormais.

FGV DIREITO RIO 188


Direito Marítimo

A obrigação do afretador de nomear o safe port/berth pode ser de due dili-


gence ou absoluta, dependendo do formulário.

4.5 Frete

O pagamento do frete é uma obrigação precípua do afretador. A cláusula


de frete define o critério de preço: lumpsum; US$/t. Também define a data
devida para pagamento: na carga; emissão de B/L; descarga. Quando a for-
mação do frete se dá a partir de um preço unitário, a cláusula deve definir
qual a quantidade da carga que servirá de referência para a apuração: B/L,
bordo origem; bordo destino.
A lei inglesa considera ilegal que se faça deduções no frete, sendo admi-
tidas algumas exceções, tais como adiantamento de verbas para despesas do
navio, e outras previstas no contrato.
Em relação às taxas do porto, o contrato deve estipular quais as que são do
encargo do fretador e do afretador.
A cláusula também estabelece que o fretador tenha direito ao pagamento
de frete morto, se a quantidade mínima no contrato não for embarcada.

4.6 Faixa de Carga (laydays) e Cancelamento de Contrato

Nesta cláusula está estipulada a faixa de datas (laydays) que o navio deverá
chegar ao porto de carregamento.

FGV DIREITO RIO 189


Direito Marítimo

Se o navio chegar antes da data inicial do laydays, a sua chegada não será
considerada, não havendo início da contagem do tempo de estadia.
Se o navio chegar fora da faixa, o afretador poderá cancelar o contrato, ou
alterá-la, a seu critério.
O fretador deverá informar antecipadamente o seu atraso, e o afretador
deverá decidir por uma nova faixa ou cancelar o contrato.
O atraso na chegada pode ensejar indenização se houver má-fé.

4.7 Sobrestadia

Os contratos de afretamento estipulam o tempo máximo de estadia que


o navio poderá ter para carregar e descarregar. Em inglês este tempo é deno-
minado laytime.
O afretador deverá indenizar o excesso de estadia que o navio teve devido
à inadimplência do afretador. Este excesso de tempo é denominado sobres-
tadia ou demurrage.
A sobrestadia é determinada pela seguinte expressão:
Demurrage = (Estadia real - Estadia permitida) x taxa demurrage
A sobrestadia tem natureza jurídica de indenização por inadimplência
contratual com liquidação prevista em contrato.
A estadia real é calculada deduzindo-se do tempo total do navio no porto,
o tempo em que o navio estava em situações específicas previstas no contra-
to. Na seção seguinte serão detalhadas diversas situações em que o tempo de
estadia não é contado.
A estadia permitida pode ser um tempo já previamente determinado no
contrato, como é típico na indústria de petróleo e derivados, mas também
pode ser calculada a partir de fórmulas previstas no contrato, que relacionam
a estadia permitida ao volume carregado, sua forma de carregamento, a exis-
tência de dias úteis etc, tal como acontece no trade de granéis sólidos.
A taxa de demurrage é diária, sendo que ao calcular a sobrestadia a sua
apuração é pro-rata.
Alguns contratos limitam a quantidade máxima de sobrestadia. Sendo
assim, a partir desta quantidade, a sobrestadia precisa se tornar líquida. A
liquidação é feita em juízo ou arbitragem, conforme previsto no contrato,
aplicando-se o valor de mercado da data da ocorrência da sobrestadia.
As exceções de responsabilidade previstas no contrato para o afretador não
excluem este de pagar pela sobrestadia causada.
Em situações de força maior nos portos, os contratos estipulam um trata-
mento especial na apuração da sobrestadia (meia taxa).
O contrato ainda estabelece um prazo máximo para que seja comunicada
a ocorrência de sobrestadia, e outro prazo para que o fretador apresente a
documentação de cobrança (timebar).

FGV DIREITO RIO 190


Direito Marítimo

Os contratos não estipulam quando a sobrestadia deve ser paga. Presume-


-se que seja imediatamente.
Tal como dito anteriormente, a sobrestadia ocorre quando um navio tem
estadia em excesso nos portos do contrato. Todavia, pode ocorrer que o na-
vio tenha a viagem interrompida, por culpa do afretador, tendo este fato
ocorrido fora dos portos do contrato. Nesta situação ocorre o que se deno-
mina detenção. Como exemplo de detenção pode-se citar o caso em que
o afretador pede para o navio aguardar, no meio da viagem, a definição de
onde será o porto de descarga.
Nada impede que o contrato estipule a forma de se fazer líquida a detenção,
tal como ocorre com a sobrestadia. O contrato SHELLVOY 6, por exemplo,
estipula que a detenção deve ser tratada da mesma forma que a sobrestadia.
Alguns contratos admitem a possibilidade do fretador pagar ao afretador o
dispatch (contraestadia), quando este consegue carregar e descarregar o navio
em tempo inferior à estadia permitida, criando assim um ganho econômico
para o fretador, que passa a ter seu navio liberado do contrato mais cedo.
É importante destacar que a sobrestadia aqui discutida é aquela referen-
te aos contratos de afretamento. Todavia este instituto contratual também
ocorre nos contratos de compra e venda dos produtos e nos contratos de
aluguel de containers, associados aos contratos de transporte.
Há diferenças nas regras de apuração nestes outros contratos, porém, di-
versos dos princípios aqui apresentados também se aplicarão.

4.8 Estadia Permitida, NOR e Contagem da Estadia

A estadia permitida pode ser discriminada separando-se a parcela referente


ao(s) porto(s) de carga e aquela referente ao(s) portos de descarga, ou pode
ser contada como um todo referente a os portos de carga e descarga.
A primeira é conhecida como estadia irreversível, enquanto a outra é de-
nominada estadia reversível. O uso de um tipo ou outro depende do trade
empregado. A área de petróleo e derivados pratica o uso das estadias reversí-
veis, ao passo que em granéis sólidos costuma ser não reversível.
A fim de permitir a apuração da sobrestadia é necessário apurar o tempo
real de estadia, observando as regras do contrato para determinação do início
e do término da contagem do tempo, bem como das deduções previstas.
Sempre que um navio chega a um porto, ele deve comunicar a sua chegada
ao afretador ou ao seu agente. Este aviso é denominado em inglês como Notice
of Readiness (NOR). O contrato deve definir se o NOR deve ser escrito, pois de
outra forma o aviso verbal será válido. Ao emitir o NOR o navio deverá estar nas
condições estabelecidas no contrato, o que inclui o local adequado para sua emis-
são (fundeadouro do porto), certificado de livre prática emitido pelas autoridades
competentes (free pratique), caso contrário o NOR será considerado inválido.

FGV DIREITO RIO 191


Direito Marítimo

As regras básicas da contagem de tempo da estadia são:


a) A estadia se inicia com a emissão do NOR;
b) O NOR deve ser emitido dentro do laydays. A contagem do tempo co-
meça com o navio atracado ou NOR+ 6 horas (turn time), o que vier
primeiro.
c) A contagem do tempo de estadia não se interrompe, salvo as exceções,
dentre as quais destacamos:

i. Deslocamento do ancoradouro ao berço;


ii. Feriados, sábados e domingos;
iii. Bombeio deficiente, no caso de petroleiros, ou tempo de carga ou
descarga em navios dotado e contratado com equipamentos para
tais fainas (carga geral, containers etc.);
iv. Inoperância do navio para a operação em curso.

d) Se o navio já estiver em sobrestadia, as exceções previstas no item anterior


não se aplicam (once on demurrage, always on demurrage), a não ser que o
contrato estipule o contrário.
e) A estadia termina na desconexão dos magotes ou na desatracação.
Vale observar que algumas das regras acima só se aplicam a navios petroleiros.
A contagem da estadia é baseada em documentos operacionais emitidos
pelo navio, terminal etc., assinados pelas partes envolvidas. Os principais
documentos usados na apuração da estadia são: time-sheet; pumping log;
cartas protesto.

4.9 Subafretamento

O afretador poderá subfretar o navio para terceiros, independente de au-


torização do fretador original. Todavia o afretador deve manter-se responsá-
vel pelo adimplemento das obrigações assumidas no primeiro contrato.
Esta cláusula é que faz do transporte marítimo uma commodity.

4.10 Liberdade de desviar-se

Como regra geral o fretador não pode desviar-se do compromisso con-


tratado. Isso inclui o desvio geográfico da rota e/ou o da atividade corrente.
As Regras de Haia-Visby estabelecem as hipóteses de desvios justificados,
incluindo o salvamento de pessoas e embarcações em risco.
Em geral se aceita o direito de fazer bunkering durante a viagem.
Alguns contratos estabelecem limites para este direito do fretador.

FGV DIREITO RIO 192


Direito Marítimo

4.11 Responsabilidade do Fretador

A responsabilidade civil contratual ocorre quando há dano decorrente


de inadimplência contratual. Os danos comuns mais comuns de respon-
sabilidade do fretador são: danos à carga, acidentes com prepostos do
afretador, colisões com píeres ou dolfins e atrasos. O afretador pode ser
responsabilizado por conta de danos ou atrasos ocorridos nos portos por
ele indicados.
Alguns formulários, ao invés de conter uma cláusula com o título “Res-
ponsabilidades do Fretador” (Liabilities), possuem uma cláusula que de-
nominam de “Exclusão de Responsabilidade” (Exceptions) que além de
estabelecer as hipóteses de exclusão de responsabilidade do fretador, tratam
também das regras de definição de responsabilidades.
A exclusão de responsabilidade se aplica quando, havendo incidência de
responsabilidade, a parte infratora tem sua responsabilidade excluída por
força da aplicação desta cláusula.
A) Danos à carga
Os danos à carga costumam ter um regime específico de responsabilida-
de (Regras de Haia-Visby e Regras de Hamburgo). Estas regras, apesar de
não se aplicarem a contratos de afretamento, são incorporadas aos contra-
tos por meio de cláusulas específicas.
As Regras de Haia foram criadas em 1924 e revisadas em 1968 e 1979,
passando a se denominar Regras de Haia-Visby. É o regime de responsa-
bilidade mais adotado no transporte marítimo internacional. Dentre os
países que incorporaram as ditas regras ao seu ordenamento jurídico estão:
Estados Unidos, quase toda a Europa, China Japão etc.
As Regras de Hamburgo foram criadas em 1978, sendo uma tentativa de
reduzir os privilégios concedidos aos transportadores no Regime de Haia-
-Visby. Tal regime, entretanto, encontrou pouca adesão, tendo sido adota-
do somente em 29 países, destacando-se entre este Chile e Egito.
As inquietações da comunidade do transporte marítimo internacional
fizeram com que se discutisse sobre a criação de um novo regime de respon-
sabilidades, de modo a melhor equilibrar os interesses dos transportadores
e embarcadores. Após 16 anos de negociações, em 2009 foram criadas as
Regras de Rotterdam. A convenção que a criou recebeu a assinatura de 22
países, destacando-se dentre Estados Unidos, diversos países da Europa e
África. No momento, somente a Espanha adotou a Convenção. As Regras
de Rotterdam entrarão em vigor quando 20 países a tiverem adotado.
Para melhor conhecer o regime de responsabilidade de cada uma des-
tas regras, apresentamos a seguir como funcionam as suas disposições de
ônus da prova.

FGV DIREITO RIO 193


Direito Marítimo

4.12 Bills of Lading (Conhecimentos de Embarque)

O comandante do navio está sob as ordens do afretador e deve assinar os


Bs/L tal como solicitado, não sendo obrigado a assinar Bs/L ilícitos.
O afretador deve indenizar o comandante no caso deste ser responsabilizado.
O BL deve incorporar os termos contratuais previstos no contrato.
O contrato costuma estabelecer algumas hipóteses em que o navio des-
carregue a carga sem a apresentação do BL, devendo para tanto o afretador
oferecer ao fretador uma carta de garantia de indenização. Esta carta, deno-
minada Letter of indemnity – LOI, é emitida nas seguintes hipóteses:
A. Entregar a carga sem BL;
B. Porto de descarga diferente do BL.
Deve-se ter cautela ao se aceitar a emissão de LOI para situação em que a
quantidade descarregada difere da do BL.
A LOI em geral é válida por 36 meses.
Conflitos com a LOI são habitualmente julgados pela corte inglesa, e não
por arbitragem.

4.13 Cláusulas que discutam a exposição do Navio a áreas em Guerra

No direito inglês, o direito de cancelamento do contrato está sujeito a re-


gras estritas, oriundas do princípio da frustração da aventura convencionada.
Neste sentido, está previsto que o contrato pode ser rescindido de acordo
com a regra de que comercializar com o inimigo é ilegal.
Alguns sistemas legais contêm estipulação expressa, dando direito a ambas
as partes de cancelar o contrato de afretamento no caso de guerra.
Entretanto, geralmente, as disposições legais dão orientação insuficiente
aos problemas originários de uma situação de guerra, sendo comum inserir
nos contratos a chamada “war clause”. Esta cláusula estabelece as regras que
as partes devem seguir, se a execução do contrato é afetada por guerra ou
conflito similar.
Na Voywar 1950, procura-se conceituar os riscos de guerra tratados pela
mesma, os quais incluem bloqueio e diversas outras ações tomadas por na-
ções beligerantes.
É dado ao fretador o direito de cancelar o contrato se o navio ou sua tri-
pulação estiverem sujeitos a riscos de guerra. Se a viagem tiver sido iniciada,
e após for constatado risco de guerra, o navio deverá ser desviado para outro
porto, segundo orientação do afretador, ou, na sua falta, pelo próprio fre-
tador. Todas as despesas decorrentes do risco de guerra, tais como seguros,
descarga não prevista, deverão ser arcadas pelo afretador.

FGV DIREITO RIO 194


Direito Marítimo

4.14 Cláusula Both to Blame

Esta cláusula só se aplica nas situações em que a lei americana rege o con-
trato, ou atrai competência para jurisdicionar determinadas situações.
Pela lei americana os danos à carga, ocorridos no abalroamento entre dois
navios, são indenizados inteiramente.
Imagine-se a seguinte situação: o navio “A” com carga “A” abalroa navio “B”
com carga “B”, havendo danos em ambas as cargas. A contribuição da culpa de
cada um dos navios em relação ao acidente foi definida em juízo ou regulação.
Pelo USCOGSA, lei americana que incorpora as Regras de Haia-Visby,
há excludente de responsabilidade do navio A em relação à carga A em caso
de negligência da navegação.
Assim, para que a carga “A” seja indenizada na totalidade, o navio “B” te-
ria que pagar pela sua parcela de culpa, e também pela parcela do navio “A”.
O navio B, por sua vez, cobraria do navio “A”, através de direito de regres-
so, a parcela que deveria ser paga pelo navio “A”.
No fim das contas, o navio “A” teria que arcar com os danos da carga “A”,
apesar de sua exclusão de responsabilidade, dada pelo USCOGSA.
A cláusula Both to blame visa a restituir a direção do USCOGSA, operan-
do no sentido de fazer com que o dono da carga “A” restitua ao navio “A” a
parcela em que não caberia indenização.

4.15 Cláusula de Avaria Grossa

A avaria grossa é um instituto típico do direito marítimo, definida no


ordenamento jurídico de vários países, inclusive do Brasil.
A avaria grossa ocorre quando um sacrifício ou despesa extraordinária e
voluntária é efetuado, de modo razoável, com o propósito de preservar as
propriedades envolvidas na aventura marítima que estejam em perigo.
Normalmente, as propriedades envolvidas em uma aventura marítima
são: o navio, a carga e o frete, mas também podem estar envolvidos o com-
bustível e os pertences pessoais de passageiros.
Os proprietários de quaisquer das propriedades em risco, as quais comple-
tam a aventura marítima em segurança, devem contribuir em relação à perda
por sacrifício ou a despesa extraordinária, na proporção dos valores dos bens
que sobreviveram.
Os contratos devem estipular qual o sistema que regulará a avaria grossa,
podendo ser a lei do contrato qualquer outra lei ou regra pactuada pelas partes.
Comumente os contratos adotam as Regras de York e Antuérpia para
regular os processos de avaria grossa. Estas regras foram criadas pela comuni-
dade internacional com o propósito de unificar as disposições sobre o tema,
sendo estas de grande aceitação pela indústria.

FGV DIREITO RIO 195


Direito Marítimo

4.16 Cláusula Paramount

A legislação de muitos países estabelece que a emissão de BL gere entre


o navio (transportador) e o embarcador da carga (não sendo este último,
necessariamente, o afretador) um contrato de transporte inteiramente dis-
tinto do contrato de afretamento.
A cláusula Paramount visa a estipular que esta relação contratual forma-
da a partir do BL é regulada pelas Regras de Haia-Visby, ressalvando que
jurisdições que atraem competência para regular a matéria substituem o
efeito das Regras de Haia-Visby.
O objetivo desta cláusula é fazer com que o sistema de responsabilidades
do contrato de transporte em relação à carga seja o mesmo do contrato de
afretamento.

4.17 Cláusula de Lien

A história do transporte marítimo está repleta de casos em que os afreta-


dores não adimpliram suas obrigações de pagamento. Devido a estes fatos
o direito de retenção sobre a carga (“lien”) é um importante instrumento
para dar ao negócio jurídico a necessária estabilidade.
O direito de retenção sobre a carga pode ser definido como uma garan-
tia, de origem legal ou contratual, para forçar o afretador a cumprir suas
obrigações para com o fretador.
Os contratos costumam conter cláusula que assegura ao fretador o di-
reito de reter a carga, não a entregando ao seu consignatário, até que o
afretador pague as reclamações por frete, por contribuição de avaria grossa
devida em razão da carga e também as despesas de preservação dos bens.
Por conseguinte, o fretador não tem o direito, a não ser por acordo ex-
presso, de reter as mercadorias para assegurar o pagamento de reclamações
que ele possa ter por sobrestadia, detenção ou por frete-morto. O escopo
deste direito pode ser alterado por disposição contratual para incluir tam-
bém outros tipos de reclamações.

4.18 Cláusula de Lei e Foro

Tal como mencionado anteriormente, o contrato deve informar qual a


lei que irá regê-lo e o foro de solução de disputas, que poderá ser por meio
de arbitragem.

FGV DIREITO RIO 196


Direito Marítimo

5. Contratos de Afretamento por Período

Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os


principais formulários e a lei inglesa.

5.1 Cláusulas Análogas aos Afretamentos por Viagem

Os contratos de afretamento por viagem têm diversas cláusulas semelhan-


tes aos afretamentos por período. Estas, por sua vez, têm seus termos adapta-
dos tendo em conta que se trata de um afretamento por período, e não para
apenas uma viagem. São elas:

a) Descrição do navio;
b) Condições do navio;
c) Portos;
d) Laydays e Laycan;
e) Agente;
f) Subafretamento;
g) Bills of Lading;
h) Exclusões de responsabilidade;
i) Exposição do navio a áreas de guerra;
j) Both to blame;
k) Avaria grossa;
l) Paramount;
m) Lien; e
n) Lei e foro.

5.2 Direito de direcionar o Navio

Os contratos dispõem de cláusulas que estipulam as áreas em que o navio


pode operar.
Em geral o navio pode operar em todo o mundo, restringindo-se apenas
áreas de águas que se congelam, áreas de risco de guerra e países que têm
situações diplomáticas delicadas.
Nos afretamentos por período, o afretador tem direito de direcionar o
navio para cumprir programações de viagem entre quaisquer portos em que
não há restrição de acesso.

FGV DIREITO RIO 197


Direito Marítimo

5.3 Duração do Contrato

O período de afretamento normalmente é estipulado em “mês calendá-


rio” ou “em anos”, durante o qual o afretador terá o navio a sua disposição.
A contagem se inicia quando o navio e sua tripulação são colocados à dispo-
sição do afretador. O término do contrato se dá quando o afretador libera o
navio de volta para o fretador (reentrega), guardando este interregno relação
com o período contratado.
Ocorre que, na prática, é impossível programar as viagens do navio para
que, exatamente ao término da última viagem, o contrato chegue ao seu
termo final. Sendo assim, surge um overlap ou um underlap, se o término da
última viagem se dá depois, ou antes, do aprazado, respectivamente.
Geralmente certa margem é concedida ao afretador em relação à sua obri-
gação de reentregar o navio ao término do período, através da inserção da pa-
lavra about antes do período declarado. A determinação da margem razoável
dependerá do período contratual previsto.
Para se analisar a última viagem e a relação com o término do contrato,
o direito inglês utiliza o conceito de ordem de viagem válida ou legítima. A
ordem é válida ou legítima se for razoável estimar que a viagem final e a con-
sequente reentrega do navio ocorra dentro do período contratual. A validade
da ordem é medida no momento em que ela começa a ser executada, e não
no momento em que ela é transmitida.
Em primeiro momento as cortes entendiam que se a ordem para a viagem
final fosse legítima não haveria que se falar em quebra contratual do afreta-
dor. Esta compreensão se alterou, passando-se a entender que haverá quebra
se a reentrega do navio ocorrer após o período contratual adicionado a uma
margem razoável.
Quando ocorre tal quebra o fretador passa a fazer jus a receber, a partir do
termo final do contrato, até a efetiva reentrega:
a) o valor de mercado, se este for superior ao valor do aluguel;
b) o valor do aluguel, se este for superior ao valor do mercado.
Para regular a questão do termo final do contrato, diversos formulários fa-
zem uso de cláusulas que regulam em detalhes a viagem final, ou que definem
com exatidão a margem a ser admitida, para mais ou para menos, em relação
ao período contratual.
O contrato define os locais de início do contrato, o qual poderá ser de-
finido pelo fretador ou afretador, conforme convencionado, e, de modo se-
melhante, os locais possíveis para término do contrato. O contrato não será
considerado iniciado ou terminado fora destes locais.
O navio deverá iniciar o contrato dentro do laydays, sob pena do afretador
usar da sua faculdade de cancelar o contrato.

FGV DIREITO RIO 198


Direito Marítimo

5.4 Distribuição dos Encargos

O fretador é responsável pelos seguintes encargos: salários e encargos da


tripulação, seguros do navio, provisões, docagem, manutenção do casco e dos
equipamentos do navio, água para consumo e caldeiras, sobressalentes e seu
desembaraço etc. (gestão náutica).
O afretador é responsável pelos seguintes encargos: combustíveis, reboca-
dores, práticos, agentes da carga, tarifas portuárias e outros encargos da carga.
Quando o navio está off-hire (indisponível para o serviço) o afretador dei-
xa de ter seus encargos.

5.5 Aluguel e Forma de Pagamento

O aluguel (“hire”) pode ser definido em valor diário ou mensal. Em qual-


quer dos casos as deduções são pró-rata em horas e minutos. Os preços cos-
tumam ser fixos durante toda a vigência do contrato, todavia, há contratos
que estruturam uma fórmula de preços, fazendo com que o valor do aluguel
varie na vigência do contrato, guardando paridade com o mercado ou mes-
mo prevendo reajuste do preço pactuado segundo variação econômica de
indicadores definidos no contrato.
O pagamento é mensal e feito antecipadamente.
Se o pagamento não for feito no dia devido, o fretador poderá rescindir
o contrato, não cabendo ao afretador qualquer reclamação. Se o aluguel
for fixado em cenário de mercado baixo e depois de vigente o contrato, o
mercado fica aquecido, esta disposição se torna uma brecha para o fretador
terminar o contrato.
Salvo exceções (legais ou contratuais), o aluguel não pode sofrer deduções.

5.6 Combustíveis

O afretador está obrigado a fornecer combustíveis para propulsão e gera-


ção de energia em conformidade com o previsto na especificação do navio.
O afretador deverá comprar os combustíveis existentes a bordo no início
do contrato. O fretador deverá comprar os combustíveis existentes a bordo
no término do contrato.
Alguns formulários definem que o afretador deverá reentregar o navio
com as mesmas quantidades existentes na entrega.

FGV DIREITO RIO 199


Direito Marítimo

5.7 Off-Hire

O afretador poderá deduzir do aluguel a ser pago, os períodos em que o


navio deixou de estar disponível ao afretador, desde que tenha ocorrido perda
de tempo por tal fato.
Os contratos devem relacionar os motivos que podem causar tal situa-
ção, tais como: quebra ou deficiência de equipamentos, falta de tripulantes,
quarentena etc.

5.8 Desempenho Operacional (Performance)

O fretador se obriga a navegar em velocidade(s) previamente pactuada(s).


Caso a velocidade efetiva do navio seja inferior a do desempenho compro-
missado, o afretador poderá deduzir do aluguel a perda de tempo ocorrida
entre o tempo real e o tempo ideal.
O fretador assume compromisso de consumir uma quantidade máxima de
combustível por dia para a(s) velocidade(s) pactuada(s). O consumo a maior
enseja desconto no aluguel a ser pago.
Os contratos possuem regras detalhadas de cálculo da avaliação do desem-
penho operacional.
Possibilidade de incluir outros itens de compromisso em desempenho
operacional: bombeio, self-unloading etc.

6. Contratos de Afretamento a Casco Nu

Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas, segundo os


principais formulários e a lei inglesa.

6.1 Cláusulas Análogas aos Afretamentos por Período

Os contratos de afretamento por viagem têm diversas cláusulas semelhan-


tes aos afretamentos por período e a casco nu, tendo seus termos adaptados,
levando-se em conta que se trata de um afretamento a casco nu. São elas:
a) Descrição do navio;
b) Laydays e Laycan;
c) Prazo;
d) Locais de entrega e reentrega;
e) Áreas de atuação do navio;

FGV DIREITO RIO 200


Direito Marítimo

f ) Aluguel e forma de pagamento;


g) Lien;
h) Bills of Lading;
i) Riscos de guerra;
j) Lei e foro.

6.2 Direitos de Inspeção

O contrato dispõe de cláusula que autoriza o fretador a inspecionar o na-


vio em qualquer ocasião.

6.3 Reentrega

O contrato dispõe de cláusula que obriga o afretador a restituir o navio


nas mesmas condições recebidas, salvo o desgaste natural que equipamentos,
acessórios e casco sofrem com o decorrer do tempo do contrato.

6.4 Estoques

Na ocasião da entrega, será feito um inventário em conjunto pelas partes


contratantes para se determinar os estoques de sobressalentes, consumíveis e
combustíveis, os quais serão adquiridos pelo afretador a valores de mercado.
Na reentrega, o mesmo procedimento será adotado, sendo a compra feita
pelo fretador.

6.5 Manutenção e Operação do Navio

O afretador deverá manter às suas próprias expensas, o navio conservado


e em classe, arcando inclusive com as despesas de docagem. O afretador não
poderá, sem autorização do fretador, alterar o nome do navio, a sua bandeira
e sociedade classificadora.

6.6 Seguros

O afretador deverá, na vigência do contrato, manter o navio com seguro


casco, proteção contra guerra e seguro P&I.

FGV DIREITO RIO 201


Direito Marítimo

6.7 Navios em Construção

Existem cláusulas a serem observadas se o navio que estiver sendo afretado


estiver em construção.

7. Contratos de Tonelagem (COA)

Relacionamos a seguir o conteúdo das principais cláusulas.

7.1 Carga a ser Transportada

O contrato deverá informar a especificação da carga a ser transportada e


o volume por período. É importante observar que este não precisa ser fixo,
podendo variar em grande escala, dentro de faixa estipulada no contrato.
Quanto mais precisão houver no volume menor o preço, pois menos o
fretador absorve menos incertezas na apuração dos seus custos.

7.2 Portos

O contrato deverá informar os possíveis portos de carga e descarga envol-


vidos nas viagens.

7.3 Frete e Forma de Pagamento

O frete pode ser fixo ou variável, proporcional ao volume ou não. Poderá


haver cláusula de reajuste se o prazo do contrato for muito longo, sendo co-
mum o uso da cláusula de bunker escalation.
Em geral os pagamentos são feitos antes ou depois de cada viagem.

7.4 Navios Nomeados

O contrato deverá nomear e descrever os navios que poderão ser usados


no contrato, sendo que a definição do navio a ser usado é do fretador. Os
contratos costumam estipular regras para que outros navios não listados no
contrato sejam utilizados.

FGV DIREITO RIO 202


Direito Marítimo

7.5 Programação

A programação do navio consiste na definição do navio, da quantidade


de carga a ser transportada, da data de carregamento, do porto de carga e
descarga.
Os contratos devem conter cláusulas que estabeleçam a antecedência
mínima necessária para que o afretador defina as informações da carga,
datas e portos, e para que o fretador nomeie o navio.
Deve haver também regras para definir direitos de cancelamentos.
Esta cláusula é de vital importância para o sucesso do contrato.

7.6 Formulário

O contrato deve estipular qual será o formulário que apresentará os ter-


mos que suportarão cada uma das viagens. Os termos deste formulário
devem ser adaptados para se compatibilizar com os termos do COA.

8. Contratos de Transporte

Os contratos de transporte se evidenciam pelo conhecimento de embar-


que (Bill of lading). Relacionamos a seguir os principais termos que devem
figurar em um B/L.

FGV DIREITO RIO 203


Direito Marítimo

8.1 Carga

O BL deverá conter a descrição da carga pormenorizada, incluindo a sua


especificação e quantidade e seu estado de conservação, apurado pelo coman-
dante do navio, na ocasião do embarque.

8.2 Navio

O BL deverá informar o nome do navio em que a carga embarcou e o seu


comandante.

8.3 Portos

O BL deverá informar o nome do porto de embarque e o porto em que a


carga será desembarcada.

8.4 Frete

O BL deverá informar o valor do frete e sua forma de pagamento.

8.5 Vínculo ao Contrato de Afretamento

Sempre que aplicável, o BL deverá mencionar seu vínculo ao contrato


de afretamento de origem. A omissão desta cláusula poderá acarretar sérios
problemas em caso de conflitos com o embarcador ou consignatário da carga.

8.6 Cláusulas Jurídicas

O BL deverá conter os termos das seguintes cláusulas jurídicas: lien, para-


mount, incorporação das Regras de Haia ou outra aplicável, exceptions, cláu-
sula de guerra etc.

FGV DIREITO RIO 204


Direito Marítimo

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila você é capaz de responder as questões formuladas no


caso gerador para um afretamento por viagem?
Que obrigações o fretador assume no contrato?
b) Que obrigações o afretador assume no contrato?
c) Em caso de acidentes, tais como danos a carga, danos ao píer e poluição,
provocados pelo navio, que responsabilidade o fretador assume?
Por que o contrato é regido pela Legislação inglesa? É possível adotar a
legislação brasileira?
Há expectativa de greve na produção de petróleo, tendo risco de o navio
chegar à plataforma e não haver carga disponível. Que cuidados devem
ser tomados nesta situação?
2. Você é capaz de responder às perguntas abaixo para um afretamento por
período?
a) Que obrigações o fretador assume no contrato?
b) Que obrigações o afretador assume no contrato?
c) O que acontece se no meio da viagem o navio tem avarias no motor e
passa a navegar em velocidade correspondente a 60% da contratada?
d) O que acontece se o navio for reentregue ao armador antes do prazo esti-
pulado no contrato? E se for após?
3. O que acontece se em um contrato de tonelagem, a carga total menciona-
da no contrato não for disponibilizada para transporte?
4. Qual a relação entre um contrato de afretamento e um de transporte?
5. Quais são as vantagens e desvantagens de se repartir um contrato de afre-
tamento por período em um contrato de serviços e outro de afretamento?

CASO GERADOR

Estamos em 2020, a produção de petróleo no Brasil é superior a 4 mi-


lhões de barris por dia. Desta produção, mais de 500 mil barris diários são
produzidos e comercializados por diversas empresas que não a Petrobras.
O Brasil, como um dos grandes produtores mundiais, tem ativa partici-
pação no mercado internacional de petróleo, já que boa parte da produção
é exportada, participando neste comércio inúmeras empresas, além da pró-
pria Petrobras.
Uma empresa brasileira denominada CRUDETRADE, recém-criada,
adquiriu um lote de petróleo de 1 milhão de barris, tendo em seguida ven-
dido este mesmo lote para uma refinaria localizada na América Central. O
negócio foi fechado na modalidade CIF, devendo, portanto, o vendedor
afretar o navio que fará o transporte da carga de petróleo.

FGV DIREITO RIO 205


Direito Marítimo

Tendo em vista que a lei brasileira exige que as exportações de petró-


leo produzido no país sejam feitas por empresas brasileiras de navegação, a
CRUDETRADE contratou a empresa brasileira BRASTANKERS, que lhe
ofereceu um navio de bandeira liberiana para fazer o transporte.
A proposta da BRASTANKERS incluiu uma minuta do contrato a ser ce-
lebrado, porém os traders da CRUDETRADE não possuem experiência em
afretamento de navios, tendo grande dificuldade de compreender os termos
do contrato.
O tempo urge, e uma decisão precisa ser tomada dentro de poucas horas.
Sendo assim, os traders procuram o departamento jurídico da empresa, soli-
citando as seguintes informações:
a) Que obrigações a BRASTANKERS assume no contrato?
b) Que obrigações a CRUDETRADE assume no contrato?
c) Em caso de acidentes, tais como danos a carga, danos ao píer e poluição,
provocados pelo navio, que responsabilidade a BRASTANKERS assume?
d) Por que o contrato é regido pela legislação inglesa? É possível adotar a
legislação brasileira?
e) Há expectativa de greve na produção de petróleo, tendo risco de o navio
chegar à plataforma e não haver carga disponível. Que cuidados devem ser
tomados nesta situação?
Você é o advogado da CRUDETRADE, tendo o encargo de responder a
consulta dos traders. Suas repostas devem ser todas fundamentadas tendo por
base o contrato.

REFERÊNCIAS

Bibliográficas
1 Utilizadas

COOK, Julian et all. Voyage Charters. Londres: Lloyd’s of London Press, 2001.

FERNANDES, Paulo e Leitão, Walter. Contratos de Afretamento à Luz dos


Direitos Inglês e Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007.

FERNANDES, Paulo e Leitão, Walter. Responsabilidades no Transporte


Marítimo. São Paulo: Editora Aduaneiras, 2010.

WILFORD, Michael et all. Time Charters. Londres: Lloyd’s of London


Press, 1995.

FGV DIREITO RIO 206


Direito Marítimo

AULA X – Contratos Marítimos II

ROTEIRO DE ESTUDO

1. Introdução

O Contrato de transporte marítimo é o instrumento pelo qual um empre-


sário transportador se obriga, mediante remuneração, a transportar por mar,
de um porto para outro, certa quantidade de mercadoria que lhe foi entregue
pelo embarcador e a entregá-la a um destinatário.181
Nesse tipo de contrato, figuram como principais partes contratantes:
a) o transportador ou condutor – é a parte que, contra pagamento do frete,
realiza o transporte da mercadoria, conforme convencionado no contrato.
O transportador nem sempre será o proprietário ou armador do navio.
b) o embarcador ou expedidor – é a parte que contrata o transporte de mer-
cadorias e as fornece para o transportador.
c) o consignatário - é aquele que recebe as mercadorias transportadas.
É importante destacar também a figura do armador que é a pessoa ou
empresa que explora comercialmente as capacidades do navio.
Ressalte-se que, muito embora seja uma espécie de contrato de utiliza-
ção de navio, o contrato de transporte marítimo não se confunde com o
contrato de fretamento.
A diferença entre esses contratos reside essencialmente no objeto de cada
um deles. O primeiro tem como objeto o transporte da carga de um ponto
ao outro, enquanto o segundo visa à exploração comercial e utilização do
próprio navio, ou seja, tem como finalidade a disponibilidade do navio para
exercer determinada função.
Em geral, os contratos de transporte marítimo são regidos pelas regras
comuns aos contratos de transporte de mercadoria (Código Civil e Código
Comercial) e por algumas regras especiais quando no plano internacional,
dentre as quais se destacam as Regras de Haia, Regras de Haia-Visby e as
Regras de Hamburgo, que serão oportunamente estudadas.

2. Modalidades do contrato de transporte marítimo de


mercadorias

2.1 Contrato de transporte por viagem


181
CALABUIG, Rosário Espinosa. El
contrato internacional de transporte
O Contrato de Transporte por Viagem (Voyage Charterparty) é aquele em marítimo de mercancías: questiones
de ley aplicable. Granada: Comares,
que o transportador se obriga a pôr à disposição do embarcador um navio, 1999. p. 304.

FGV DIREITO RIO 207


Direito Marítimo

ou parte dele, para que este o utilize numa ou mais viagens, única ou conse-
cutivas, previamente fixadas para o transporte de determinadas mercadorias.
Trata-se de um verdadeiro contrato de depósito, sendo facultado ao
contratante fretar todo o navio (full cargo), parte do navio (part cargo) ou
apenas um espaço do navio (space charter).
Neste caso, tanto a gestão náutica, quanto a gestão comercial do
navio ficarão a cargo do transportador. Todavia, cabe observar que a
contratação do transporte por viagem não implica arrendamento do
navio pelo afretador.
Muito embora figure como a modalidade menos utilizada, o transporte
por viagem representa algumas vantagens comerciais para o embarcador,
na medida em que este não ficará sujeito às instabilidades do mercado.

2.2 Contrato de transporte por conhecimento

Por meio do contrato de transporte por conhecimento, o embarcador


inicia uma relação jurídica com o transportador marítimo, para o transpor-
te de uma mercadoria de um porto a outro. Esta relação será evidenciada
por meio de um Conhecimento de Embarque (Bill of Lading - BL), tam-
bém chamado de Conhecimento de Transporte ou de Carga.
No cenário do transporte marítimo mundial destacam-se três tipos de
contratos-padrão: Conlinebill, Bimco e Viscombill.
Vale dizer que, diferentemente do que ocorre nos contratos de trans-
porte por viagem, aqui o embarcador não contrata toda ou parte da capa-
cidade do navio, mas sim, apenas, o transporte de sua mercadoria de um
porto a outro.
Em geral, neste tipo de contrato, a carga poderá ser transportada solta
no porão do navio, como carga geral, ou unitizada em contêineres, cujo
frete será calculado com base no peso ou volume da carga transportada (ad
rem), podendo, ainda, ser calculado com base no valor declarado da merca-
doria transportada (ad valorem).

FGV DIREITO RIO 208


Direito Marítimo

O Conhecimento de Transporte é um documento emitido pelo transpor-


tador e assinado pelo comandante do navio ou pela agência marítima respon-
sável pelo transporte, que confirma o recebimento da mercadoria a bordo.
Por ocasião do embarque das mercadorias, é realizada normalmente a
emissão de três vias do Conhecimento de Transporte, que acobertará a carga
transportada e contém as cláusulas que regerão o transporte contratado, sen-
do a primeira entregue ao Embarcador, a segunda permanece com o Trans-
portador e a terceira via original é remetida pelo Embarcador ao Consigna-
tário da mercadoria, para que este possa apresentá-la e receber sua carga no
porto de destino.
Este documento, portanto, faz prova não somente do recebimento da
mercadoria a bordo do navio pelo Capitão, como também constitui a própria
evidência do contrato de transporte, cabendo ao transportador, conforme
determina o artigo 754 do Código Civil, a obrigação de entregar a carga ao
consignatário no porto de destino, mediante a apresentação de sua respectiva
via original do conhecimento de transporte a ele consignado ou endossado.
É comum que, antes da emissão do conhecimento do transporte, seja emitido
outros documentos, geralmente o mate’s receipt, o booking note e o tally clerk’s receipt.

FGV DIREITO RIO 209


Direito Marítimo

O mate’s receipt é o recibo provisório do embarque da mercadoria. O booking


note é conhecido como a reserva de espaço em uma determinada embarcação
para o transporte de mercadoria. Já o tally clerk’s receipt tem a função de do-
cumentar o carregamento e o descarregamento da mercadoria na embarcação.
Assim, o conhecimento de transporte adquire características de evidência
do contrato, recibo e de título de crédito, já que a sua posse e apresentação
por parte do Consignatário o legitima junto ao Capitão do navio como pro-
prietário da mercadoria nele descrita.
Neste sentido, o ilustre maritimista Theóphilo de Azeredo Santos ensi-
na que “o conhecimento tem dupla natureza: inicialmente, consubstancia a
prova do contrato de transporte e, uma vez criado, passa a valer como título
de crédito”.182

2.2.1 O conhecimento de transporte como evidência do contrato

O contrato de transporte de mercadorias é, via de regra, concluído antes


da emissão do conhecimento de transporte. Por este motivo, o conhecimento
de transporte serve como evidência do contrato de transporte estabelecido
entre as partes.
O consagrado maritimista inglês Stephen Girvin aduz que “os termos
no verso do conhecimento de transporte não constituem o contrato em si,
mas mera evidência do mesmo. Assim, o contrato de transporte é conclu-
ído antes da emissão do conhecimento de transporte, o que não permite
ao transportador, de forma unilateral, alterar os termos do contrato”.183
(tradução livre)
Quando o conhecimento de transporte é transferido ao terceiro de boa-fé
por meio do endosso, é reconhecida a presunção absoluta (conclusive evidence)
dos termos do contrato e das informações pertinentes à carga transportada.

2.2.2 O conhecimento de transporte como recibo

O conhecimento de transporte serve como prova documental ao trans-


portador do recibo da mercadoria para transporte em sua embarcação.
Assim, a responsabilidade do transportador quando recebe a mercadoria
tem início no momento de recebimento da mesma, e persiste até a entre-
ga ao consignatário. 182
SANTOS, Theóphilo de Azeredo. Di-
O ilustre maritimista John Wilson conceitua uma das funções do co- reito da Navegação Marítima e Aérea.
nhecimento de transporte como “um mero recibo de depósito, que vai ser São Paulo: Forense, 1964.
183
GIRVIN, Stephen. Carriage of Goods
requerido para obter a entrega da mercadoria no porto de desembarque. by Sea. Birmingham: Oxford University
Normalmente, serão incluídas informações quanto à quantidade e descri- Press, 2007. p. 76.

ção da mercadoria embarcada, em conjunto com as condições em que tais 184


WILSON, John. Carriage of Goods
by Sea. 6. ed. [S.l.]: Person Longman,
mercadorias foram recebidas pelo transportador”.184 (tradução livre) 2007. p. 116.

FGV DIREITO RIO 210


Direito Marítimo

Para se resguardar, é facultado ao transportador inserir cláusulas no co-


nhecimento de transporte, conhecidas como said to contain, said to be, den-
tre outras.185 Tais cláusulas são extremamente importantes para uma even-
tual defesa em reclamação por faltas à mercadoria embarcadaImportante
ressaltar que, inexistindo dúvidas quanto à veracidade das informações
prestadas pelo embarcador em relação às mercadorias embarcadas (quan-
tidade, qualidade, estado da carga, embalagem etc.), o conhecimento de
transporte é emitido “limpo”, isto é, sem reservas ou ressalvas.186 No entan-
to, quando se verifica que a mercadoria embarcada não corresponde com a
descrita pelo embarcador, serão ressalvadas no conhecimento de transporte
tais impropriedades.187
Como se vê, as informações constantes no conhecimento de transporte
são extremamente importantes para demandas relacionadas à carga, tanto em
face do transportador, quanto em face do embarcador.

2.2.3 O conhecimento de transporte como título de crédito

A terceira função do conhecimento de transporte é servir como título de


crédito a quem o detém. Isto ocorre em razão do conhecimento de transporte
ser o documento que representa a mercadoria perante o transportador.
O Mestre alemão Schmitthoff, ao conceituar o conhecimento de trans-
porte como título de crédito aduz que se trata de

[...] um documento que permite ao detentor do conheci-


mento de transporte ‘dispor’ da mercadoria enquanto a
mesma estiver em trânsito. Na prática mercantil, posse do
conhecimento de transporte equivale à posse da mercado-
ria, e a transferência do conhecimento de transporte tem, 185
“Responsabilidade civil – Danos ma-
teriais – Transporte – Ação regressiva
normalmente, o mesmo efeito da entrega da mercadoria. O da seguradora – Situação dos autos
onde a empresa transportadora se de-
conhecimento de transporte é, portanto, o símbolo da mer- sincumbiu do mister de entregar incó-
cadoria.188 (tradução livre) lume o volume recebido, não podendo
ser responsabilizado pelo conteúdo do
‘container’ ao qual não teve acesso –
Hipótese de manutenção íntegra da
Trata-se de um título de crédito perante terceiros, que pode ser emitido “à sentença atacada, inclusive quanto à
fixação dos honorários advocatícios,
ordem”, “não à ordem” e “ao portador”. posto que inexiste condenação – Ape-
Quando o conhecimento de transporte é emitido “à ordem”, o mesmo los desprovidos”. BRASIL. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo. Apela-
pode ser transferido por meio do endosso. Trata-se da forma mais utilizada ção n. 1.151.058-8.

de conhecimento de transporte, em razão da possibilidade de transferência. 186


Usualmente chamado de clean on
board bill of lading.
Quanto ao conhecimento de transporte consignado “não à ordem”, o 187
Usualmente chamado de unclean bill
mesmo só pode ser transferido por cessão. Quando o conhecimento de trans- of lading ou claused bill of lading.

porte é emitido “ao portador”, não é indicado o nome do destinatário. Pode SCHMITTHOFF. Export Trade: The Law
188

and Practice of International Trade. 11.


ser transferido por tradição. ed. [S.l]: Sweet & Maxwell, 2007. p. 325.

FGV DIREITO RIO 211


Direito Marítimo

3. Legislação aplicável

O notável crescimento das relações econômicas internacionais, alinhado


ao fenômeno da globalização, vem contribuindo de forma significativa para
o aumento do comércio internacional de mercadorias.
Nesse contexto mundial, o modal marítimo vem assumindo um papel
de destaque no comércio internacional, representando 90% do transporte
internacional de mercadorias.
Por tudo isso, tem-se buscado uma constante sistematização do direito
marítimo, por meio da uniformização, em nível mundial, das inúmeras nor-
mas que envolvem a matéria.
Uma das primeiras iniciativas de sistematização das normas internacionais de
direito marítimo ocorreu em 1921, na Holanda, onde foram promulgadas as
Regras da Convenção de Haia, posteriormente ratificadas por mais de 80 países.
As Regras de Haia sofreram algumas modificações, introduzidas pelo pro-
tocolo de Visby (Convenção de Bruxelas em 1968), passando a figurar no
cenário mundial como Regras de Haia-Visby.
Em geral, as Regras de Haia-Visby preveem um regime de responsabilida-
de moderada do transportador marítimo. Para tanto, consagraram dezessete
causas de exoneração da responsabilidade do transportador.
Mais tarde, em 1978, foi realizada a Convenção das Nações Unidas sobre
o Transporte Marítimo (a United Nations Convention on the Carriage of Goo-
ds by Sea), conhecida como Regras de Hamburgo.
Contrariando os interesses dos transportadores, as Regras de Hamburgo
aplicam o princípio da presunção da culpa daquele, instituindo, inclusive,
uma indenização por atraso na entrega de mercadoria, cujo valor ultrapassa
aquele previsto nas Regras de Haia-Visby.
Com efeito, as Regras de Hamburgo entraram em vigor apenas a partir de
1992, sendo certo que sua aplicabilidade afigura-se ainda limitada.
Com o objetivo, mais uma vez, de buscar uma uniformização das normas
que envolvem o direito marítimo, no dia 23 de setembro de 2009 foi reali-
zada a cerimônia para assinatura das Regras de Roterdã (nome dado em ho-
menagem à cidade sede da cerimônia de assinatura), as quais versam sobre os
direitos e obrigações envolvidas no transporte internacional de mercadorias
no todo ou em parte por via marítima.
As Regras de Roterdã objetivam atualizar as disposições das Regras de
Haia e o respectivo Protocolo de Haia-Visby e as Regras de Hamburgo, in-
corporando os novos conceitos, práticas e costumes do comércio marítimo
internacional e integrado com outros modais.
Os dispositivos das Regras de Roterdã procuram atender tanto aos interes-
ses da “carga” como dos “armadores”, servindo como instrumento de regula-
mentação para uma maior harmonia no mundo globalizado e estabelecendo

FGV DIREITO RIO 212


Direito Marítimo

regras contemporâneas e uniformes para o transporte de mercadorias pelo


mar, conectando ao transporte terrestre, assim como para o desenvolvimento
do comércio eletrônico no transporte marítimo.
No entanto, é importante ressaltar que, apesar de ter sido signatário das
regras de Hamburgo, o Brasil não ratificou nenhuma convenção internacio-
nal neste sentido, prevalecendo as normas internas comuns aos contratos de
transporte em geral.
Em vista disso, percebe-se que não obstante o esforço desempenhado por
diversos países na busca pela uniformização das normas atinentes aos contra-
tos de transporte marítimo, até hoje não se vislumbra a total sistematização
da regulamentação desses contratos no cenário mundial.

4. Direitos e obrigações

4.1 Transportador

Nos termos do artigo 749 do Código Civil, “o transportador conduzirá a


coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em
bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto”.
A regra contida no diploma acima encerra a principal responsabilidade do
transportador marítimo, por meio da consagração da obrigação de entrega
incólume da carga que lhe é confiada inerente aos contratos de transporte.
Ainda nos termos do artigo 750 do nosso Código Civil, a responsabili-
dade do transportador se inicia no momento em que recebe a mercadoria,
tornando-se ele um depositário da coisa, e termina no momento em que a
carga é entregue ao seu destinatário.
A ideia da devida diligência (due diligence) no transporte de mercadorias
foi incutida de forma tão expressiva que ao transportador é concedido in-
clusive o direito de recusar a mercadoria recebida do embarcador quando
verificar que esta não foi embalada de forma adequada (art. 476 do CC) ou
que se encontra avariada, bem como de exigir sua reestiva a fim de resguardar
a segurança do transporte contratado.
Há casos, ainda, em que o transportador marítimo terá mesmo a obriga-
ção de recusar a mercadoria. Isso ocorre quando o transporte de determinada
mercadoria não é permitido por lei ou quando a carga não está acompanhada
dos devidos documentos que lhes são exigidos.
Ainda dentre as obrigações do transportador, o art. 3º do Decreto-Lei nº 116,
de 25/01/1967, que dispõe sobre as operações inerentes ao transporte marítimo
de mercadorias nos portos brasileiros, delimitando suas responsabilidades e tra-
tando das faltas e avarias, prevê que “os volumes em falta, avariados, sem embala-
gem ou embalagem inadequada ao transporte por água, serão desde logo ressalva-
dos pelo recebedor e vistoriados no ato da entrega, na presença dos interessados”.

FGV DIREITO RIO 213


Direito Marítimo

Além disso, incumbirá também ao transportador a fiscalização das opera-


ções de carga e descarga de mercadorias, visando mais uma vez a garantir a
entrega incólume da carga transportada.
Importante ressaltar que por se tratar de obrigação de resultado,189 a res-
ponsabilidade civil do transportador por perdas e avarias na mercadoria é
objetiva perante o Embarcador.
Vale dizer que o ônus da prova será sempre do transportador, cabendo a
este, portanto, a demonstração de ocorrência de uma das causas excludentes
de culpabilidade (caso fortuito, força maior, vício da carga, culpa exclusiva
da vítima e fato de terceiro), a fim de exonerar-se de sua responsabilidade.190

4.2 Embarcador

O pagamento do frete acordado na celebração do contrato de transporte


é a principal obrigação do embarcador. Em determinados casos, porém, é
possível que a dita obrigação seja suportada pelo consignatário da carga, se
o contrato estabelecer, por exemplo, o pagamento do frete antes da descarga
ou no local do destino.
Fora algumas excludentes, se o embarcador ou o consignatário não paga-
rem o frete devido, o transportador poderá acioná-los judicialmente por meio
de Ação de Cobrança, sendo certo que, em geral, a responsabilidade tanto do
embarcador quanto do consignatário da mercadoria poderá ser solidária.191
Além da obrigação de pagamento do frete, compete ainda ao embarcador
acondicionar a mercadoria de maneira correta, sob pena de ser facultada a
recusa do transportador, ou mesmo a isenção de responsabilidade do trans-
portador por qualquer dano à carga. Deve o embarcador, ainda, entregar a 189
Nesse sentido: VENOSA, Silvio. Direi-
carga devidamente “caracterizada por sua natureza, valor, peso e quantidade, to Civil: teoria geral das obrigações e te-
oria geral dos contratos. 3. ed. V. 2. São
e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o Paulo: Atlas, 2003; e MOURA, Geraldo
Bezerra de. Direito de navegação em co-
destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço”, conforme precei- mércio exterior. São Paulo: Aduaneiras,
tua o art. 743 do Código Civil. 1991.
“[...] Tanto o transporte, como o
Na hipótese de serem prestadas informações falsas ou inexatas pelo em-
190

acondicionamento e depósito de mer-


barcador, será cabível indenização ao transportador se este experimentar cadorias, são atividades empresariais
de risco e, portanto, a responsabilidade
eventuais prejuízos oriundos de tais informações, na forma do artigo 745 do dessas empresas sobre as cargas a elas
confiadas, em realidade, é objetiva,
Código Civil. independente da comprovação de cul-
pa. Somente podem ver excluída sua
responsabilidade sobre danos, avarias
ou desvios de carga, se comprovarem
a inexistência do dano, o fato exclusi-
4.3 Destinatário vo de terceiro, ou a ocorrência de caso
fortuito ou força maior. [...]” BRASIL.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
O destinatário é aquele que deverá receber as mercadorias descarregadas Janeiro. AC n. 04659/2007.

pelo transportador de acordo com as condições previstas no Conhecimento 191


BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo. Ap. Civil n. 885.59-8. Jul-
de Transporte. gado em 19 de outubro de 2005.

FGV DIREITO RIO 214


Direito Marítimo

Conforme já destacado acima, nos contratos em que houver estipulação


de cláusula freight payable at destination collect (frete pagável no destino) ou
freight to be paid before breaking bulk (frete pagável antes da descarga) a obri-
gação do pagamento de frete caberá ao destinatário, e não ao embarcador,
como de costume.
Outra obrigação contratual atribuída ao Consignatário no caso de car-
gas unitizadas é aquela oriunda da sobrestadia de contêineres (demurrage/
detention). Assim, nos contratos de transportes em que houver cláusula de-
terminando o pagamento de taxa em razão da não devolução da unidade de
carga no prazo estipulado, salvo se houver disposição em contrário, caberá ao
destinatário que o retirar, arcar com essa prestação.
Além das obrigações contratuais, o Consignatário também possui res-
ponsabilidades impostas por lei, dentre as quais se destaca a responsabili-
dade pela conferência da mercadoria descarregada pelo transportador. Daí
decorre outra importante obrigação do destinatário: a consignação de pro-
testo, caso se verifique, no ato da descarga, a existência de alguma avaria ou
perda da carga recebida.
Este protesto poderá ser feito no próprio BL ou em documento apartado
por escrito, devendo conter as indicações das avarias ou faltas constatadas pelo
consignatário, bem como a solicitação de vistoria, caso este entenda necessária.
Registre-se que, nessas hipóteses, a vistoria da carga afigura-se necessária
para a verificação da causa e da extensão da avaria suscitada pelo consigna-
tário, servindo, ainda, como prova relevante para o ajuizamento de eventual
Ação Indenizatória em face do causador do dano.
Por fim, dentre os valores que são devidos pelo destinatário no momento
da retirada de suas mercadorias, cabe destacar a contribuição denominada
Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante.
Trata-se de contribuição parafiscal, atualmente regulada pela Lei nº
10.893/2004, incidente sobre o frete cobrado pelas empresas de navegação
que operam em portos brasileiros (art. 5º), cuja finalidade principal é anga-
riar recursos para o desenvolvimento da Marinha Mercante Brasileira.

5. Cláusulas especiais

Nos contratos de transporte marítimo de mercadorias poderão ainda ser en-


contradas algumas cláusulas especiais, tais como, as cláusulas de não indenizar
e as cláusulas que exoneram ou limitam a responsabilidade do transportador.
No que tange às cláusulas exonerativas e de não indenizar, é importante
atentar-se para o fato de serem as mesmas inoperantes nos contratos de trans-
porte executados no Brasil, sendo tal entendimento sumulado pelo Supremo 192
Súmula nº  161: “Em contrato de
transporte, é inoperante a cláusula de
Tribunal Federal.192 não indenizar.”

FGV DIREITO RIO 215


Direito Marítimo

Contudo, a cláusula de limitação de responsabilidade do transportador


vem sendo amplamente utilizada nos contratos de transporte de mercado-
rias, por causa das enormes vantagens que, a princípio, representam para os
transportadores.
Em contrapartida a esta limitação, quando da negociação do transporte da
carga, o embarcador terá a opção de não declarar o valor da mercadoria no
Conhecimento de Transporte, limitando-se a descrevê-la e indicar o seu peso
total, pagando um frete menor, calculado sobre a dimensão da carga (ad rem)
e não sobre o valor total do bem transportado (frete ad valorem).
Na medida em que a cláusula limitadora estabelece um valor máximo
para pagamento de eventual indenização, que será calculada por unidade
de volume ou peso da carga, esta representa uma significativa redução
da responsabilidade do transportador perante o embarcador pela carga
transportada.
Por sua vez, a inteligência da cláusula diz que, caso o embarcador pretenda
ser indenizado pelo valor total de sua carga no caso de uma eventual avaria
ocorrida durante o transporte marítimo, este deverá optar pelo pagamento
do frete com base no valor declarado da mercadoria, o que é pouco utilizada
tendo em vista que encarece em muito o custo do embarque.
Entretanto, há parte da doutrina que não reconhece a validade desta cláu-
sula por entender que a redução do valor da indenização a parte muito infe-
rior ao prejuízo verificado (valor da carga) implicaria a negação do princípio
que assegura a reparação do dano, restando a mesma caracterizada como
cláusula de não indenizar.
Certo é que a jurisprudência nacional vem caminhando para o reco- 193
“Transporte marítimo. Cláusula li-
nhecimento da validade e eficácia da cláusula de limitação de responsa- mitativa de responsabilidade. É válida
a cláusula limitativa da responsabili-
bilidade, exceto quando tiverem como objetivo disfarçar uma exoneração dade de indenizar inserta em contrato
de transporte marítimo. Precedentes.
de responsabilidade.193 Recurso Especial conhecido e provido”.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.
REsp n. 153.787-SP. Quarta Turma. Re-
lator: Ministro Barros Monteiro. In: DJ,
de 06 de abril de 1998. p. 136.
6. Avarias “Recurso Especial - Contrato de trans-
porte marítimo - Opção por frete de
valor reduzido - Cláusula limitativa de
responsabilidade da transportadora
6.1 Conceito e classificação - Validade - Decreto-lei nº 19.473/30
- Inaplicabilidade, na espécie - Pre-
cedentes do STJ - Aferição acerca de
De acordo com o art. 761 do Código Comercial, consideram-se avarias eventual pagamento integral do va-
lor do frete e de sobretaxa reputada
“todas as despesas extraordinárias feitas a bem do navio ou da carga, conjunta ilegal - reexame de provas e análise
de cláusulas contratuais - Impossi-
ou separadamente, ou todos os danos acontecidos àquela ou a esta, desde o bilidade - Incidência dos enunciados
embarque até a sua volta e desembarque”. nºs 5 e 7 da súmula/STJ - Recurso não
conhecido”. (STJ, REsp n. 233.023/SP, j.
Nas palavras de Ávio Brasil, avaria “é o prejuízo material, extraordinário 25/03/2008).

e imprevisto, resultante de transporte, e que os proprietários do navio ou da 194


BRASIL, Ávio. Transportes e Seguros
Marítimos e Aéreos. In: Oficinas Gráficas
sua carga suportam conjunta ou separadamente.”194 do Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1955.

FGV DIREITO RIO 216


Direito Marítimo

Como se vê, a acepção jurídica do termo avaria é bem mais ampla do que
o seu significado comum, pois compreende não só o dano causado à carga
ou ao navio, como também as despesas extraordinárias realizadas durante a
expedição marítima.
Não obstante as inúmeras classificações doutrinárias, chamamos de ava-
rias simples ou particulares as avarias comumente incorridas apenas na carga.
Em geral, as avarias simples encontram-se enumeradas no artigo 766 do
Código Comercial.

6.2 Titularidade do direito de reclamar

Depois de constatadas as avarias e apurada sua responsabilidade por meio


de vistoria, aquele que se sentir lesado terá o direito de ser ressarcido daquele
que causou o dano.
No entanto, tendo em vista que grande parte das mercadorias transpor-
tadas via mar encontra-se sob o abrigo de cobertura securitária, muitas vezes
será o próprio Segurador da carga, que após o pagamento da indenização à
sua cliente (embarcadora ou destinatária), ficará sub-rogado no direito de
reclamar os danos originados pela avaria.

6.3 Prescrição

O prazo prescricional para ajuizamento da Ação Indenizatória com vistas


ao ressarcimento, pelo embarcador ou consignatário, dos prejuízos sofridos
em virtude de falta ou avaria de mercadorias decorrentes do transporte marí-
timo ainda é debatido na doutrina e jurisprudência brasileira.

FGV DIREITO RIO 217


Direito Marítimo

O Código Comercial Brasileiro estabelecia o prazo prescricional de um


ano em seu Art. 449, o qual foi revogado pela Lei no 10.406/ 2002, O Có-
digo de Processo Civil, que não estipulou prazo específico.
Por essa razão, parte da doutrina sustenta que o prazo prescricional seria
de 3 anos, seguindo o prazo do art. 206, §3° do Código Civil, prazo estipu-
lado para a pretensão de reparação civil em geral.
No entanto, a legislação especial continua a regulamentar o prazo prescri-
cional de um ano para tais ações, como disposto no Decreto-Lei n° 116/1967,
a Lei de Transporte Multimodal (Lei 9611/98), a Lei de Transporte Rodovi-
ário (Lei 11.442/07) e a Súmula 151 do STF.
Algumas discussões vêm sendo travadas nos Tribunais acerca da apli-
cabilidade do Código de Defesa do Consumidor para efeito de inci-
dência do prazo de cinco anos (artigo 27 do CDC), sendo tal posição
sustentada por seguradores e interesses da carga. O Código Civil, por
sua vez, estabelece o prazo de três anos para a reparação civil (artigo 206,
§3º, inciso V do CC).
Outrossim, o preceito contido na Lei n° 2.180/52, que estabelece a sus-
pensão do prazo prescricional em casos que estejam sob julgamento no
Tribunal Marítimo, também é uma relevante disposição legal no Direito
Marítimo brasileiro.
Já nas Regras de Haia e nas Regras de Haia-Visby, o prazo é de um ano
para ajuizar ações relacionadas às perdas e avarias à carga, ou a atrasos na
entrega da mesma.195 Nas Regras de Hamburgo e nas Regras de Roterdã, o
prazo é de dois anos.196 A prescrição constante nessas Convenções não tem
qualquer aplicabilidade no Brasil, uma vez que o país não as ratificou.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identi-


ficando as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis
soluções cabíveis?
2. Defina o contrato de transporte marítimo e suas modalidades.
3. Discorra acerca dos limites da responsabilidade do transportador ma-
rítimo no contrato de transporte.
4. Discorra sobre as obrigações e direitos do embarcador e do transportador
marítimo.
5. Discorra sobre a validade da cláusula de limitação de responsabilidade.
6. Defina a sua posição acerca da incidência do CDC nos contratos de trans- 195
Artigo III, 6, das Regras de Haia e das
Regras de Haia-Visby.
porte marítimo, justificando-a. 196
Artigo 20, 1, das Regras de Hambur-
7. Pense e descreva, mentalmente, alternativas para a solução do caso gerador. go e Artigo 62 das Regras de Roterdã.

FGV DIREITO RIO 218


Direito Marítimo

CASO GERADOR

A empresa Shipper contratou a empresa Carrier para o transporte de mer-


cadorias da Inglaterra ao Brasil. Para tanto, Shipper embarcou 1.000 rádios
e 5.000 CDs no navio Essence, da empresa Carrier, para o transporte maríti-
mo do Porto de Southampton ao Porto do Rio de Janeiro. A carga foi acon-
dicionada em dois contêineres. O primeiro conhecimento de transporte des-
creveu a mercadoria como “1 container contendo 1.000 rádios”, e o segundo
conhecimento de transporte descreveu a mercadoria como “1 container ‘said
to contain’ 5.000 CDs”.
Shipper vendeu os rádios e os CDs para Consignee e enviou-lhe a cor-
respondente via do conhecimento de transporte para a retirada da carga no
Porto do Rio de Janeiro. Durante a travessia oceânica, o navio Essence se
deparou com uma tempestade violenta. Em decorrência, algumas avarias
ocorreram a bordo, sendo que o primeiro contêiner, contendo 1.000 rádios,
foi severamente avariado, e o outro contêiner, contendo os CDs, nada sofreu.
Ao atracar no porto do Rio de Janeiro, Consignee constatou na confe-
rência final do manifesto realizado pela Inspetoria da Receita Federal no pri-
meiro contêiner que os rádios estavam, em sua maioria, avariados. Quanto
ao segundo contêiner, foi constatado nesta mesma conferência que a carga
chegou intacta, porém faltando cerca de 1.000 CDs. Foi constatado também
que os lacres dos contêineres estavam intactos.
Na qualidade de advogado da Carrier, empresa responsável pelo trans-
porte marítimo das mercadorias, oriente seu cliente sobre que medidas legais
poderão ser adotadas contra reclamação formulada pelo Consignatário.

FGV DIREITO RIO 219


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas
1 Utilizadas

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Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

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de mercancías: questiones de ley aplicable. Granada: Comares, 1999.

GILBERTONI, Carla Adriana Comitre. Teoria e Prática do Direito Marítimo.


2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

GIRVIN, Stephen. Carriage of Goods by Sea. Birmingham: Oxford University


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LACERDA, José Candido Sampaio de. Curso de direito privado da navegação.


3. ed., rev. e atual. por Aurélio Pitanga Seixas Filho. Rio de Janeiro:
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MOURA, Geraldo Bezerra de. Direito de navegação em comércio exterior. São


Paulo: Aduaneiras, 1991.

KEEDI, Samir; MENDONÇA, Paulo C. C. Transportes e Seguros no


Comércio Exterior. São Paulo: Aduaneiras, 2000.

SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação. 2. ed. São Paulo:


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SCHMITTHOFF. Export Trade: The Law and Practice of International


Trade. 11. ed. [S.l.]: Sweet & Maxwell, 2007.

VENOSA, Silvio. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
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WILSON, John. Carriage of Goods by Sea. 6. ed. Person Longman, 2007.

FGV DIREITO RIO 220


Direito Marítimo

Eletrônicas

REGRAS DE YORK E ANTUÉRPIA 2004. Disponível em: <http://www.


comitemaritime.org/cmidocs/yar.html>. Acesso em: 20 ago. 2008.

REGRAS DE HAIA OU CONVENÇÃO DE BRUXELAS. Disponível em:


<http://www.admiraltylawguide.com/conven/haguerules1924.html>.
Acesso em: 20 ago. 2008.

REGRAS DE HAIA-VISBY. Disponível em: <http://www.admiraltylawguide.


com/conven/visbyrules1968.html >. Acesso em: 20 ago. 2008.

Jurisprudenciais

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 153.787-SP. Quarta Turma.


Relator: Ministro Barros Monteiro. In: DJ, de 06 de abril de 1998. p. 136.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RESP nº 233.023-SP. Relator: Mi-


nistro Relator Massami Uyeda. In: DJU, de 16 de junho de 2008.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. AC n° 885.59-8. Jul-


gado em 19 de outubro de 2005.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação n. 1.151.058-8.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. AC n. 04659/2007.

Legislativas

BRASIL. Código Civil.


BRASIL. Código Comercial.
BRASIL. Código de Processo Civil.
BRASIL. Decreto n° 2.681, de 07 de dezembro de 1912.
BRASIL. Decreto-Lei nº 116, de 25 de janeiro de 1967.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990.
BRASIL. Lei n° 10.893, de 13 de julho de 2004.

FGV DIREITO RIO 221


Direito Marítimo

AULA XI – Responsabilidade Civil e Conflitos na Seara


Marítima

1. Disputa marítima

1.1 Conceito

A primeira definição internacional unificada de reclamação de natureza


marítima surgiu com o advento da Convenção de Bruxelas de 1926, que ar-
rola os créditos marítimos de natureza privilegiada em um rol semelhante ao 197
“Art. 470 - No caso de venda voluntá-
do artigo 470 do nosso Código Comercial. 197 ria, a propriedade da embarcação passa
para o comprador com todos os seus
O conceito legal de disputa marítima atualmente em vigor foi delineado encargos; salvo os direitos dos credores
privilegiados que nela tiverem hipoteca
pela Convenção de Arresto de 1999198 (não ratificada pelo Brasil). tácita. Tais são:
1 - os salários devidos por serviços pres-
A Convenção de arresto de 1999 traz em seu artigo primeiro a definição tados ao navio, compreendidos os de
de reclamação marítima: salvados e pilotagem;
2 - todos os direitos de porto e impostos
de navegação;
3 - os vencimentos de depositários e
Reclamação marítima (maritime claim) significa uma recla- despesas necessárias feitas na guarda
do navio, compreendido o aluguel dos
mação decorrente de um ou mais dos seguintes eventos: armazéns de depósito dos aprestos e
(a) perda ou dano causados pela operação do navio; aparelhos do mesmo navio;
4 - todas as despesas do custeio do
(b) perda de vida ou danos pessoais que ocorram, em terra ou navio e seus pertences, que houverem
sido feitas para sua guarda e conserva-
no mar, diretamente resultantes da operação do navio; ção depois da última viagem e durante
a sua estadia no porto da venda;
(c) operações de salvamento ou qualquer contrato de salva- 5 - as soldadas do capitão, oficiais e
mento incluindo, onde couber, remuneração especial relativa gente da tripulação, vencidas na última
viagem;
a operações de salvamento de um navio que, por si ou por sua 6 - o principal e prêmio das letras de
risco tomadas pelo capitão sobre o
carga constitui ameaça ao meio ambiente; casco e aparelho ou sobre os fretes (Art.
651) durante a última viagem, sendo o
(d) danos ou ameaça de danos causados pelo navio ao meio contrato celebrado e assinado antes do
ambiente, ao litoral ou a interesses a estes relacionados, me- navio partir do porto onde tais obriga-
ções forem contraídas;
didas empreendidas para prevenir, minimizar ou remover tais 7 - o principal e prêmio de letras de ris-
co, tomadas sobre o casco e aparelhos,
danos, compensação por tais danos; custos de medidas razo- ou fretes, antes de começar a última
viagem, no porto da carga (Art. 515);
áveis para a recomposição do meio ambiente efetivamente 8 - as quantias emprestadas ao capi-
tão, ou dívidas por ele contraídas para
empreendidas ou a serem empreendidas; perdas incorridas ou o conserto e custeio do navio, durante
provavelmente a serem incorridas por terceiros relativamente a última viagem, com os respectivos
prêmios de seguro, quando em virtude
a tais danos; e danos, custos ou prejuízos de natureza similar de tais empréstimos o capitão houver
evitado firmar letras de risco (Art. 515);
aos identificados neste subitem (d); 9 - faltas na entrega da carga, prêmios
de seguro sobre o navio ou fretes, e
(e) custos ou despesas relativos ao içamento, remoção, recu- avarias ordinárias, e tudo o que respei-
peração, destruição ou com tornar inofensivo um navio nau- tar à última viagem somente.”
O texto completo da United Nations/
fragado, destroçado, encalhado ou abandonado, incluindo
198

International Maritime Organization


qualquer coisa que esteja ou tenha estado a bordo de tal na- Diplomatic Conference On Arrest Of
Ships, 1999. A/CONF.188/6 pode ser
vio, e os custos e despesas relativos à preservação de um navio encontrado em: <http://www.unctad.
org/en/docs/imo99d6.pdf>. Acesso
abandonado e à manutenção de sua tripulação; em: 20 de junho de 2014.

FGV DIREITO RIO 222


Direito Marítimo

(f) qualquer acordo relativo ao uso ou afretamento do navio,


quer parte de um contrato de afretamento quer de outra for-
ma acordado;
(g) qualquer acordo relativamente ao transporte de bens ou
passageiros a bordo do navio, quer parte de um contrato de
afretamento quer de outra forma acordado;
(h) perda ou dano a ou em relação a bens (incluindo baga-
gem) transportados a bordo do navio;
(i) avaria grossa;
(j) reboque;
(k) praticagem;
(l) bens, materiais, suprimentos, combustível, equipamen-
to (incluindo containers) fornecidos ou serviços prestados
ao navio para sua operação, gestão, preservação ou manu-
tenção;
(m) construção, reconstrução, reparo, conversão ou equipa-
mento do navio;
(n) taxas e encargos portuários, de uso de canais, berços,
atracações e de outras vias aquaviárias;
(o) salários e outras quantias devidas ao comandante, oficiais
e outros tripulantes do navio, relativamente a seus empre-
gos a bordo do navio, incluindo custos de repatriamento e
contribuições de seguridade social pagáveis em benefício dos
mesmos;
(p) desembolsos incorridos em benefício do navio ou de seus
armadores;
(q) prêmios de seguros (incluindo chamadas de clubes de
P&I) referentes ao navio, pagáveis por ou em nome do ar-
mador ou do afretador a casco nu.
(r) quaisquer comissões, corretagens ou taxas de agencia-
mento pagáveis relativamente ao navio ou por parte do ar-
mador ou afretador a casco nu;
(s) qualquer disputa quanto à propriedade ou posse do
navio;
(t) qualquer disputa entre coproprietários quanto ao uso ou
receita do navio;
(u) hipoteca ou “hypothèque” ou encargo de igual natureza
sobre o navio;
(v) qualquer disputa decorrente de um contrato para a venda
do navio.

FGV DIREITO RIO 223


Direito Marítimo

As partes que podem integrar uma disputa marítima são múltiplas:


• proprietários;
• fretadores (disponent owners);
• operadores (Non Vessel Operating Common Carrier - NVOCC);
• afretadores;
• subafretadores;
• embarcadores;
• consignatários;
• agentes marítimos;
• corretores de navios;
• fornecedores de combustível (bunker);
• estaleiros;
• bancos (hipotecas e arrestos);
• seguradores (ações regressivas);
• sociedades classificadoras;
• tripulantes;
• práticos;
• estivadores;
• operadores portuários;
• container leasing;
• terceiros;
• Estados e autoridades (ex: marinha, fisco e ambiental).

1.2 Conflitos contratuais típicos do direito marítimo

Conhecimento de Embarque (Bill of Lading):


• avaria;
• faltas (quebra do granel);
• atrasos (ex: deviation) ou não entrega da carga e inexecução do contrato de
transporte;
• inadimplemento do frete e sobrestadias (contêiner);
• entrega do conhecimento e endossos fraudulentos;
• cláusulas clean on board;
• cautelares do exportador para busca e apreensão dos conhecimentos limpos;
• embargo da carga por dívidas de frete.

Contratos de afretamento:
• navegabilidade (seaworthiness);
• atrasos no delivery ou redelivey;
• bad performance (velocidade e/ou consumo);
• inadimplementos contratuais (ex: não pagamento das taxas de afretamen-
to x off-hire);

FGV DIREITO RIO 224


Direito Marítimo

• disputas contratuais (ex: cobrança de alegado excesso de combustível nas


embarcações pelo Afretador);
• desequilíbrios contratuais (hardship & force majeure) e rescisão antecipada.

Contratos de compra e venda de embarcações:


• navegabilidade (seaworthiness);
• atrasos no delivery;
• cancelamentos;
• inadimplementos contratuais (pagamento do preço);
• credores antigos exercendo ação superveniente na venda voluntária (os
créditos são transferidos ao novo proprietário).

Contratos de construção e reparos:


• atrasos na entrega da obra e defeitos durante a construção;
• vício oculto;
• garantia técnica;
• desequilíbrios econômicos.

Contratos de seguro: negativa de cobertura por falta do segurado (manuten-


ção dos certificados, manutenção da embarcação em estado de navegabilida-
de usualmente aceito e due diligence da administração do armador/segurado).
Contratos de financiamento: inadimplemento das prestações e execução do
crédito hipotecário; arresto de navio.
Contratos de salvamento (LOF): a questão controvertida inerente ao arbi-
tramento do prêmio de salvamento.

Contratos de fornecimento de combustível: baixa qualidade ou forneci-


mento fora da especificação ou inadimplemento.
Há, ainda, o contencioso marítimo decorrente de relações extracontratuais
(Tort Actions), os quais decorrem de acidentes e fatos da navegação, os quais
podem ser deflagrados em virtude das situações abaixo arroladas:
• Colisão;
• Encalhe;
• Varação;
• Incêndio;
• Naufrágio;
• Poluição no mar.

FGV DIREITO RIO 225


Direito Marítimo

1.3 Peculiaridades do contencioso marítimo

As disputas marítimas podem atrair diversas jurisdições e legislações apli-


cáveis – exemplo típico: colisão com perdas de vidas humanas e poluição de
um navio afretado a casco nu – (i) disputa privada entre fretador e afretador
e seus seguradores no foro do contrato – culpabilidade e indenizações e (ii)
interesses difusos, lei de ordem pública do País onde ocorreu o acidente (fa-
miliares das vítimas, MP, autoridades ambientais, município, pescadores).
Casos marítimos demandam grande especialidade, atendimento imediato
dos advogados e técnicos (engenheiro naval ou comandante), produção de
provas in loco (vistorias conjuntas - judiciais); relevância da matéria de fato
nas disputas envolvendo acidentes e outras matérias marítimas.
As medidas cautelares para obtenção de garantias – como arrestos – são
procedimentos usuais no contencioso marítimo. As medidas assecuratórias
são procedimentos essenciais para o êxito de uma reclamação marítima, isto
porque muitas vezes os devedores não possuem bens no território em que os
procedimentos judiciais são ajuizados.
Cláusula de solução de conflitos – mediação e arbitragem pela LMAA
(London Maritime Arbitrators’ Association - Londres) ou SMA199 (Society of
Maritime Arbitrators - Nova Iorque) - padrão dos contratos BIMCO (cláu-
sula cheia):

(a) este contrato será regido e interpretado pelas leis da Ingla-


terra, e qualquer disputa dele decorrente ou a ele relacionado
será submetida a arbitragem em Londres, em conformidade
com a lei de arbitragem (Arbitration Act) de 1996, ou qualquer
alteração estatutária ou reedição da mesma, exceto até onde for
necessário conferir efeito às disposições desta cláusula.
A arbitragem será conduzida em conformidade com as regras
da associação dos árbitros marítimos de Londres (London
Maritime Arbitrators’ Association) – LMAA em vigor quando
do início do processo de arbitragem.
Serão nomeados três árbitros. Uma parte que deseje submeter
uma disputa a arbitragem nomeará seu árbitro e notificará a
outra parte de tal nomeação por escrito, solicitando a outra
parte que nomeie seu próprio árbitro dentro de 14 dias corri-
dos a partir de tal notificação, e informando que nomeará seu
árbitro como árbitro único salvo se a outra parte nomear seu
próprio árbitro notificar tê-lo nomeado dentro dos 14 dias
acima especificados. Se a outra parte não nomear seu próprio
árbitro e assim notificar dentro dos 14 dias especificados, a par- Para mais informações acesse: <http://
199

www.smany.org/>. Acesso em: 20 de ju-


te que estiver submetendo uma disputa a arbitragem poderá, nho de 2014.

FGV DIREITO RIO 226


Direito Marítimo

sem necessidade de qualquer notificação adicional à outra par-


te, nomear seu árbitro como árbitro único e assim avisará a
outra parte. A decisão de um árbitro único obrigará ambas as
partes como se tivesse sido nomeado de comum acordo.
Nada contido nesta cláusula impedirá as partes de acordar por
escrito em variar estas disposições, para determinarem a no-
meação de um único árbitro.
Nos casos em que nem a reclamação nem a reconvenção ex-
cederem o valor de US$50,000 (ou qualquer outro valor que
vier a ser acordado pelas partes) a arbitragem será conduzida
em conformidade com os procedimentos para pequenas cau-
sas (small claims procedure) da LMAA em vigor quando do
início do processo de arbitragem.
(b) não obstante (a) acima, as partes poderão acordar a qual-
quer tempo a submeter a mediação qualquer divergência e/ou
disputa resultante deste contrato ou a ele relacionado.
No caso de uma disputa relativamente à qual arbitragem te-
nha sido iniciada sob (a), acima, o seguinte se aplicará:
(i) qualquer uma das partes poderá a qualquer tempo e de
tempos em tempos optar por submeter a disputa ou parte da
disputa a mediação através de notificação por escrito à outra
parte (a “notificação de mediação”), intimando a outra parte
a concordar com mediação.
(ii) a outra parte então confirmará, dentro de 14 dias corridos
a partir do recebimento da notificação de mediação, que con-
corda com a mediação, caso em que as partes então concorda-
rão quanto a um mediador dentro de 14 dias corridos adicio-
nais. Caso não haja tal concordância, mediante solicitação de
qualquer uma das partes o tribunal arbitral (“o tribunal”) ou
qualquer pessoa que o tribunal indicar para tal fim, pronta-
mente nomeará um mediador. A mediação será conduzida em
local e de acordo com o procedimento e sob termos acordados
pelas partes ou, no caso de desacordo entre as partes, as que
vierem a ser estabelecidas pelo mediador.
(iii) caso a outra parte não concordar com a mediação, este
fato poderá ser trazido à atenção do tribunal e poderá ser le-
vado em consideração pelo tribunal quando da alocação de
custos da arbitragem entre as partes.
(iv) a mediação não afetará o direito de qualquer das partes de
buscar o auxílio ou tomar as medidas que julgar necessários
para proteger seus interesses.

FGV DIREITO RIO 227


Direito Marítimo

(v) qualquer uma das partes poderá avisar o tribunal que con-
cordaram com a mediação. O procedimento de arbitragem
prosseguirá durante a condução da mediação, mas o tribunal
poderá levar em conta o cronograma da mediação ao estabele-
cer o cronograma dos passos da arbitragem.
(vi) salvo acordo ou especificação em contrário nas condições
da mediação, cada uma das partes arcará com seus próprios
custos incorridos na mediação e as partes compartilharão
igualmente os custos e as despesas do mediador.
(vii) o processo de mediação será realizado sem prejuízo do
procedimento arbitral e correrão de forma confidencial, e ne-
nhuma informação e nenhum documento serão divulgados ao
tribunal durante o processo, salvo até onde sejam divulgáveis
por lei e pelos procedimentos que governam a arbitragem.
Cláusula similar e alternativa submetendo as disputas à arbi-
tragem em Nova Iorque, com base nas regras da SMA.
Exceção a essas jurisdições de adesão: conhecimentos marí-
timos (geralmente foro judicial e lei do domicílio do arma-
dor/carrier – adesão – controvérsia nos tribunais nacionais e
estrangeiros).

1.4 Disputas marítimas no Brasil

No Brasil, tradicionalmente as disputas marítimas sempre foram objeto


de solução judicial originando vasta jurisprudência desde o extinto Tribunal
Federal de Recursos – memorável acórdão do STF do início do século pas-
sado “San Lorenzo” - 1908 - sobre a inconstitucionalidade do artigo 482 do
Código Comercial com relação à proibição de arresto de navio estrangeiro
por dívidas não contraídas no território nacional.
Com relação à competência judiciária brasileira, a lei permite que as par-
tes elejam o foro competente para dirimir questões decorrentes do contrato
internacional. O Novo Código de Processo Civil dispõe sobre essa matéria
nos artigos 21, 22 e 23.
Os artigos 21 e 22 do CPC regula, a competência concorrente da justiça
brasileira. A jurisdição brasileira poderá apreciar questões decorrentes dos
contratos quando: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver
domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - a
ação se originar de fato ocorrido ou de fato praticado no Brasil; IV – ação de
alimentos; V – decorrentes de relação de consumo; VI - em que as partes se
submeterem à jurisdição nacional.

FGV DIREITO RIO 228


Direito Marítimo

Já o artigo 23 do CPC estabelece a competência exclusiva da jurisdição


brasileira, ou seja, casos em que não se admite outra jurisdição para conhecer
e julgar ações relativas a imóveis situados no Brasil; nem para proceder ao in-
ventário e a partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança
seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.
Segundo a regra do artigo 24 do CPC: “A ação intentada perante tribunal
estrangeiro não induz litispendência, nem obsta a que a autoridade judiciária
brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas.”
A jurisprudência brasileira contempla disputas decorrentes dos contratos
de transporte (avarias, fretes, sobre estadias, ações regressivas) e alguns acór-
dãos isolados sobre os contratos internacionais, afretamentos, colisão, arresto
e acidentes.
Vale registrar, ademais, a obrigatoriedade de ratificação judicial dos pro-
testos formados a bordo no prazo de 24 horas da chegada do navio no pri-
meiro porto brasileiro (arts. 766 a 770, do Código de Processo

Código de Processo Civil:

Seção XII - Da Ratificação dos Protestos Marítimos e dos Pro-


cessos Testemunháveis Formados a Bordo

Art. 766. Todos os protestos e os processos testemunháveis


formados a bordo e lançados no livro Diário da Navegação
deverão ser apresentados pelo comandante ao juiz de direito
do primeiro porto, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas de
chegada da embarcação, para sua ratificação judicial.

Art. 767. A petição inicial conterá a transcrição dos termos


lançados no livro Diário da Navegação e deverá ser instruída
com cópias das páginas que contenham os termos que serão
ratificados, dos documentos de identificação do comandante
e das testemunhas arroladas, do rol de tripulantes, do docu-
mento de registro da embarcação e, quando for o caso, do
manifesto das cargas sinistradas e a qualificação de seus con-
signatários, traduzidos, quando for o caso, de forma livre para
o português.

Art. 768. A petição inicial deverá ser distribuída com urgên-


cia e encaminhada ao juiz, que ouvirá, sob compromisso a
ser prestado no mesmo dia, o comandante e as testemunhas
em número mínimo de 2 (duas) e máximo de 4 (quatro), que
deverão comparecer ao ato independentemente de intimação.

FGV DIREITO RIO 229


Direito Marítimo

§ 1o Tratando-se de estrangeiros que não dominem a língua


portuguesa, o autor deverá fazer-se acompanhar por tradutor,
que prestará compromisso em audiência.

§ 2o Caso o autor não se faça acompanhar por tradutor, o juiz


deverá nomear outro que preste compromisso em audiência.

Art. 769. Aberta a audiência, o juiz mandará apregoar os consig-


natários das cargas indicados na petição inicial e outros eventuais
interessados, nomeando para os ausentes curador para o ato.

Art. 770. Inquiridos o comandante e as testemunhas, o juiz,


convencido da veracidade dos termos lançados no Diário da Na-
vegação, em audiência, ratificará por sentença o protesto ou o
processo testemunhável lavrado a bordo, dispensado o relatório.

Parágrafo único. Independentemente do trânsito em julgado,


o juiz determinará a entrega dos autos ao autor ou ao seu ad-
vogado, mediante a apresentação de traslado.

Assinale-se a inexistência de cortes especializadas em direito marítimo (ex-


ceção das Varas Empresarias do Rio de Janeiro, que padece de 2ª. instância
especializada) no Brasil, diferentemente da Inglaterra, Estados Unidos e ou-
tras nações com vocação marítima.
Embora ainda não sedimentada em nosso ordenamento, pode ser consi-
derada uma tendência no Brasil a adoção da alternativa arbitral para as dispu-
tas marítimas privadas (por motivo de celeridade e especialidade da matéria).
Uma ressalva importante a ser observada para os armadores estrangeiros
(navegação mercante) é que a solução dos conflitos por meio da jurisdição
brasileira pode não ser a melhor opção, já que o Brasil não ratificou as regras
da Convenção de Bruxelas 1924 – Visby 1968 – limitação de responsabili-
dade do armador – per package (Brasil - jurisdição favorável aos interesses da
carga) – questão controversa – aplicação da lei consumerista.

1.5 Arbitragem no Brasil – linhas gerais

1.5.1 Fontes de procedimentos arbitrais

Lei Brasileira:
Lei de Arbitragem (LA n° 9.307/1996) – regras sobre procedimentos, exe-
cução e reconhecimento de decisões brasileiras e estrangeiras. Regras e pro-
cedimentos similares aos da convenção de Nova Iorque e da UNCITRAL.

FGV DIREITO RIO 230


Direito Marítimo

Anteriormente à LA, arbitragens eram reguladas por poucas disposições


inseridas no Código de Processo Civil, de modo que poucos conflitos
brasileiros eram resolvidos através de arbitragem e a cultura de litígio
judicial era muito forte.
A LA permaneceu sob discussão no Supremo Tribunal Federal durante
5 anos. Em 2001, o Supremo finalmente declarou a constitucionalidade da
lei de arbitragem que hoje está em pleno vigor. O uso da arbitragem é hoje
bastante comum no Brasil. As partes estão optando por arbitragem princi-
palmente devido à grande demora nos processos judiciais – muitos recursos
– que podem levar mais de 5 anos até a sua decisão final e também por conta
do aumento considerável do valor da causa por conta da aplicação da taxa de
juros e correção monetária.
A Emenda Constitucional nº. 45, de 30 de dezembro de 2004, transferiu
a competência para reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras do
Supremo Tribunal Federal para o Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, em 2015 foram promulgadas a nova Lei de Arbitragem e a Lei
Brasileira de Mediação. A reforma da Lei de Arbitragem prevê que a arbitra-
gem possa ser aplicada para contratos firmados por empresas com a Adminis-
tração Pública, o que deve gerar confiança em investidores estrangeiros, bem
como a arbitragem será permitido também para dirimir conflitos societários,
com cláusula a ser instituída por assembleia de acionistas, ficando assegurado
o direito de retirada dos sócios minoritários.
A Lei de Mediação por sua vez, regulamentou o procedimento feito ex-
trajudicialmente com a finalidade de desafogar o judiciário, eis que qualquer
tipo de conflito poderá ser submetido à mediação.

Convenção de Nova Iorque (ratificada pelo Congresso Nacional em 2002).


O Brasil também é Estado contratante das:

• Convenção Interamericana de Arbitragem Internacional (Panamá)


desde 1995;
• Convenção Interamericana Sobre Validade e Eficácia Extra-Territorial
de Sentenças Estrangeiras (Montevideo) desde 1997;
• Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul (desde
2003).

Convém ressaltar que o Brasil não assinou quaisquer acordos bilaterais


relativos à arbitragem, mas assinou vários acordos bilaterais de cooperação
judiciária, incluindo algumas regras envolvendo arbitragem: Espanha, Fran-
ça, Argentina, Itália e Uruguai.

FGV DIREITO RIO 231


Direito Marítimo

1.6 Disputas marítimas no exterior

Inglaterra - Londres:
• Importante centro do comércio marítimo mundial;
• Atividade marítima altamente segurada - mercado securitário do Lloyds
– P&I Clubs, seguros e resseguros de casco e máquinas, trade disruption;
• O grupo internacional de P&I – relevância e influência na escolha da
jurisdição inglesa. Cobertura defence;
• Universidades tradicionais em direito marítimo (ex: Southampton, UCL,
Swansea, Cardiff, dentre outras);
• LMAA – respeitada câmara arbitral – small claims procedures (até US$
50.000,00);
• Decisões das cortes inglesas (authorities) sobre matéria marítima retroa-
gem ao século XIX – grande acervo jurisprudencial. Case law system;
• Exemplo: 120 decisões sobre colisão – recente pesquisa;
• Côrtes especializadas em 1ª e 2ª instância - notória especialização - Lon-
don High Court – custos semelhantes à arbitragem e maior celeridade;
• Mediação (ADR) – adotada para situações de contratos de longo prazo
e durante a própria vigência dos mesmos e durante o processo arbitral
(vide: cláusula LMAA) – breves notas sobre a mediação;
• Merchant Shipping Act 1855 (início de operação do primeiro P&I) e o
Arbitration Act 1996;
• 70% das arbitragens marítimas são realizadas em Londres (conferência da
IBA - março de 2007 – Hamburgo);
• Pontos negativos da arbitragem em Londres: altos custos – decisão é ape-
lável – irregularidade processual, violação à lei matéria de interesse públi-
co (art.67/69 a.a.);
• Outras jurisdições arbitrais reconhecidas: Nova Iorque (SMA – publi-
cidade das decisões), Hamburgo, Paris (Chambre Arbitrale Maritime de
Paris - Camp) e, mais recentemente, Cingapura. Curiosidade: Chile (ar-
bitragem compulsória) - breves considerações sobre outras jurisdições.
Conferência de Hamburgo-IBA. Competição. Forum shopping.

2. Arresto de navios

2.1 Fontes de direito nacional

As fontes de direito processual relativas ao arresto de navios e alienações


marítimas atualmente em vigor no Brasil são basicamente o Código Comer-
cial Brasileiro (CCB), a Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas
Regras Relativas à Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926 e o Código de
Processo Civil (CPC).

FGV DIREITO RIO 232


Direito Marítimo

2.1.1 O Código Comercial Brasileiro, 1850 (CCB)

O CCB foi promulgado em 1850, baseado no Código Comercial Por-


tuguês. Esta é a única lei nacional brasileira que lida especificamente com o
arresto de embarcações. Foi alterado pelo novo Código Civil Brasileiro (de
10 de janeiro de 2002). No entanto, as disposições que tratam de direito
marítimo não foram atualizadas.
O mencionado CCB rege questões marítimas relevantes, tais como os efei-
tos da venda voluntária e judicial de embarcações, créditos privilegiados e a
ordem de credores marítimos, o seguro marítimo, responsabilidade por colisão
e avaria grossa, direitos sobre a carga como garantia de frete, entre outras. Al-
gumas dessas disposições já foram revogadas por legislação específica superve-
niente, enquanto outras permanecem em vigor e/ou devem ser cuidadosamen-
te interpretadas para harmonizarem com o atual passo dinâmico do comércio
marítimo internacional. O CCB aborda especificamente o arresto de navios
nos seus Artigos 479 a 483 e 607 a 609, que serão examinados abaixo.
Vale a ressalva de que tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei
nº. 1.572/2011 e no Senado Projeto de Lei nº. 487/2013 com o objetivo de
instituir o novo Código Comercial Brasileiro, trazendo um capítulo desti-
nado ao Direito Comercial Marítimo. Dentre as regras ali previstas, tem-se
algumas destinadas ao arresto de embarcações com os seguintes destaques:
 Possibilidade de arrestar embarcação estrangeira independentemente do
local de cumprimento da obrigação, ainda que esta não se origine de fato
ocorrido ou de ato praticado no Brasil;
 Comprovada a existência do crédito privilegiado, o juiz decretará liminar-
mente o arresto da embarcação, independentemente de contra caução e
sem ouvir a parte contrária;
 Possibilidade de arresto de embarcações irmãs (sister ships);
 Provisão específica sobre o arresto de combustível para garantia de dívidas
dos afretadores; e,
 Provisão específica sobre as consequências do arresto desfavorável. Possi-
bilidade de a indenização ser liquidada nos mesmos autos em que a medi-
da tiver sido concedida.

2.1.2 A Convenção de Bruxelas para a Unificação de Certas Regras Relativas


a Alienações e Hipotecas Marítimas (1926)

Embora o Brasil não tenha ratificado nenhuma convenção que trate es-
pecificamente sobre o tema de arresto de embarcações, não se pode deixar
de mencionar a Convenção de Bruxelas de 1926, “Convenção Internacional
para Unificação de Certas Regras Relativas aos Privilégios e Hipotecas Marí-
timas”, promulgada por meio do Decreto nº 351, de 1 de outubro de 1935.

FGV DIREITO RIO 233


Direito Marítimo

Inobstante a referida Convenção não trazer em seus artigos nenhuma


menção ao arresto de embarcações, sua importância para o instituto é
notável quando se verifica a atualização significativa do rol dos crédi-
tos privilegiados, os quais, conforme já visto, poderiam ser considerados
pressuposto para o arresto de embarcação, fato esse já superado pela ju-
risprudência pátria.
Assim, a Convenção de Bruxelas de 1926 serviu para estender as hipóteses
de cabimento do arresto de embarcações, até então limitados aos créditos privi-
legiados elencados nos artigos 470, 471 e 474 do Código Comercial de 1850.
Para fins exemplificativos, destaca-se o artigo 2º da referida Convenção,
merecendo em especial destaque a inovação para configuração como crédito
privilegiado, no que tange as remunerações devidas pelo socorro e assistência
e a contribuição do navio ás avarias comuns, bem como a indenização devida
resultante de colisões ou qualquer outro acidente marítimo.

Artigo 2º - São Privilegiados sobre o navio, sobre o frete da via-


gem durante a qual se origine o credito privilegiado e sobre os
accessorios do navio e frete adquirido desde o inicio da viagem:
1 - As custas judiciaes devidas ao Estado e despesas feitas no in-
teresse commum dos credores, para a conservação do navio ou
para conseguir sua venda e bem assim a distribuição do respectivo
preço; os direitos de tonelagem,de pharol ou de porto e outras ta-
xas e impostos publicos da mesma especie; os gastos de pilotagem;
as despesas de guarda e conservação desde a entrada do navio no
ultimo porto;
2 - Os creditos resultantes do contracto de engajamento do capi-
tão, da tripulação e de outras pessoas engajadas a bordo;
3 - As remunerações devidas pelo socorro e assistencia e a contri-
buição do navio ás avarias communs;
4 - As indemnizacões pela abordagem ou outros accidentes de
navegação, assim como pelos dannos causados as obras de arte dos
portos, docas e vias navegaveis; as indemnizações por lesões corpo-
raes aos passageiros e aos tripulantes; as indemnizações por perdas
ou avarias carregamento e bagagens;
5 - Os creditos provenientes de contractos lavrados ou de operações
realizadas pelo capitão fóra do porto de registro, em virtude de
seus poderes legaes, para as necessidades reaes da conservação do
navio ou do proseguimento da viagem, sem levar em conta si o
capitão é ou não, ao mesmo tempo, proprietario do navio e si o
credito é seu ou dos fornecedores, dos reparadores, àos prestamistas
ou de outros contractantes.

FGV DIREITO RIO 234


Direito Marítimo

Em que pese alguns créditos privilegiados elencados acima já constarem


no Código Comercial de 1850, a repetição dos mesmos é relevante para
jurisdição interna tendo em vista que, ao estarem presentes na referida Con-
venção, a eles foi atribuída uma categoria de preferência daqueles listados tão
somente no CCom. Aliás, a Convenção de 1926 ressalva expressamente que
as leis nacionais dos Estados signatários poderão estabelecer outros créditos
de natureza privilegiada, não estando assim, revogados os créditos privile-
giados tratados em legislação interna e não mencionados pela Convenção.
Assim, a lista final do ranking do crédito privilegiado deve ser interpretada
de forma harmônica, considerando-se o rol previsto por ambos diplomas.
É importante notar também que no Brasil os créditos privilegiados cons-
tituem hipotecas tácitas sobre o navio, abrangendo, a Convenção de Bruxe-
las de 1926, apenas os créditos motivadores do arresto “in rem”. A critério
de esclarecimento, cumpre relembrar que esse tipo de arresto se oriunda de
dívida contraída pela própria embarcação, devida esta que adere ao bem e o
acompanha, sendo transferida, inclusive, para o novo proprietário da embar-
cação, a não ser em caso de alienação judicial.
Outro ponto que merece destaque é o fato da Convenção de Bruxelas de
1926, diante de sua promulgação ser posterior ao Código Comercial de 1850,
servir como fundamento para superar as exigências e restrições do CCom, até
porque a Convenção traz especificamente no seu artigo 11 a previsão de que
os créditos privilegiados não estão sujeitos a nenhuma formalidade.
Em julgado no qual se debatia a validade de exigência do artigo 479 do
Código Comercial, mais especificamente a proibição legal de arresto quando
o navio está carregado com mais de 25% (vinte e cinco por cento) de sua car-
ga, o i. Ministro Antonio Carlos Ferreira, citou doutrina especializada, para
reconhecer que, diante da ausência da referida obrigatoriedade na Conven-
ção de Bruxelas de 1926, o arresto no aludido caso não necessitaria cumprir
tal pressuposto, superando esta questão antiquada do CCom.
Verifica-se, portanto, que tanto a doutrina quanto a jurisprudência ten-
dem a se valer das Convenções Internacionais para superar as desatualizações
normativas internas.

2.1.3 O Código de Processo Civil de 2015 (CPC)

O novo Código de Processo Civil simplificou a questão das cautelares e


tutelas antecipadas.
Nesse sentido foi criado o instituto da Tutela Provisória, intitulada no Li-
vro V do referido código. Conforme se verifica pelo artigo 294 do CPC/15,
a tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. Podendo
esta primeira ser concedida em caráter antecedente, ou seja, antes da citação
do réu, ou incidental, ao longo do processo.

FGV DIREITO RIO 235


Direito Marítimo

A principal diferença entre essas duas categorias ocorre pelos requisitos es-
pecíficos para suas concessões. Enquanto a tutela de urgência, descrita nos ar-
tigos 300 a 310 do Código de Processo Civil de 2015, será concedida quando
houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de
dano ou o risco ao resultado útil do processo, na tutela de evidência, expressa
no artigo 311 do CPC/15, não será necessária tal demonstração.
Assim, o fundamento para sua aplicação é justamente evitar o prolonga-
mento desnecessário do processo, sendo possível quando: (i) ficar caracteri-
zado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da
parte, (ii) as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documen-
talmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em
súmula vinculante, (iii) se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova
documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada
a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa, ou, por
fim, (iv) a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos
fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz
de gerar dúvida razoável.
Tendo em vista que o instituto do arresto encontra respaldo na tutela de
urgência, iremos nos atentar mais para tal modalidade, a qual pode ser divi-
dida em antecipada, pelos artigos 303 e 304 do CPC/15, ou cautelar, pelos
artigos 305 a 310 do mesmo código.
A fim de realizar tal distinção, o que se deve ter em mente é justamente
a natureza satisfativa que a concessão de eventual tutela irá gerar perante o
pedido principal.
Na tutela de urgência antecipada, a sua própria concessão satisfaz o pedi-
do da demanda principal, sendo, contudo, uma vez deferida, ainda necessária
a complementação da argumentação no prazo de quinze dias sob pena de
extinção do processo sem resolução do mérito.
Já na tutela de urgência cautelar, que abrange o arresto, a sua concessão
não satisfaz a pretensão principal. Nesse sentido, inobstante o artigo 301
mencionar expressamente o arresto como tutela de urgência de natureza cau-
telar, tal classificação se faz possível por própria dedução lógica.
Conforme visto anteriormente, o arresto de embarcações visa assegurar o
pagamento de eventual dívida e, assim, não se pretende deter ou possuir a
própria embarcação arrestada, como aconteceria no instituto do sequestro.
O arresto de embarcações se insere na tutela de urgência cautelar sendo o
pedido principal o pagamento do crédito, não estando, portanto, satisfeita a
pretensão pelo próprio arresto.
A tutela cautelar, conforme visto acima, poderá ser realizada em caráter
antecedente ou incidental. A respeito desta primeira, os artigos 305 a 310 do
novo Código de Processo Civil, detalham o novo procedimento a ser adota-
do para sua aplicação.

FGV DIREITO RIO 236


Direito Marítimo

Considerando que o arresto de embarcações é, na maior parte das vezes,


requerido em caráter antecedente, torna-se oportuno verificar os aspectos
processuais para sua concessão e sua manutenção.
Nesse sentido, observa-se que o artigo 305 já expressa a necessidade da
exposição sumária do direito, comumente denominado “fumus boni iuris”,
bem como da necessidade de comprovar o perigo de dano ou risco ao resul-
tado útil do processo, o conhecido “periculum in mora”.
Contudo, tal questão foi mais organizada no novo Código de Processo
Civil, estando, inclusive, expressa no próprio artigo que trata da tutela de
urgência, a possibilidade do Magistrado exigir caução real ou fidejussória
idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer.
Além disso, o Código de Processo Civil de 2015, apresentou nova ques-
tão que não constava no CPC/73 quando mencionadas as possibilidades de
extinção da cautelar em seu artigo 808. O que no setor internacional é co-
nhecido como “wrongful arrest”, ou seja, arresto equivocado, evidentemente
gera um dano reverso à parte arrestada, motivo pelo qual o CPC/15 tratou de
normatizar a devida indenização dentro dos próprios autos, incluindo junto
dos requisitos para concessão da tutela de urgência. Dessa maneira, o artigo
302 estabelece que:

“Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual,


a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de ur-
gência causar à parte adversa, se:
I - a sentença lhe for desfavorável;
II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não
fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo
de 5 (cinco) dias;
III - ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hi-
pótese legal;
IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da
pretensão do autor.
Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que
a medida tiver sido concedida, sempre que possível.”

Tem-se em vista que, diante da possibilidade processual de se conseguir


arrestar uma embarcação é necessária uma proteção mais expressa ao réu que
venha a sofrer, porventura, um arresto indevido.
Uma das principais inovações trazidas pelo CPC/15 a respeito da substi-
tuição da medida cautelar foi a desnecessidade de propositura de ação princi-
pal autônoma. Pelo artigo 308 do referido código, uma vez efetivada a tutela
cautelar, o pedido principal será formulado no prazo de 30 dias, e será apre-
sentado nos próprios autos em que foi deduzido o pedido de tutela cautelar,
não sendo necessário o adiantamento de novas custas processuais.

FGV DIREITO RIO 237


Direito Marítimo

Tal instrução processual é relevante, considerando que o processo passa a


ser mais organizado, o que gera uma agilidade em seu deslinde, bem como
economia significativa para o autor a respeito da desnecessidade de recolher
novamente custas processuais.
Convém ressaltar que antes ou após a decisão do arresto, é possível ao
Magistrado designar uma audiência especial ou conciliatória entre as partes,
sobretudo considerando que deve ser de interesse de ambas as partes que se
faça cessar os riscos que existem ao se arrestar uma embarcação.
Como afirmado anteriormente, para o autor da ação não é interessante
que a embarcação fique indefinidamente atracada ao porto, seja porque (i)
sua deterioração reduz o valor garantido, (ii) o custo fixo oriundo do trabalho
para conservação do navio poderia estar sendo destinado para quitação da
dívida, (iii) a embarcação pode estar propensa a riscos e outras despesas inclu-
sive de cunho privilegiado, que pode até afetar o crédito da parte arrestante,
ou, ainda, (iv) os prejuízos causados ao réu, caso a sentença seja improceden-
te, poderia gerar dívida significativa para o autor em sede de dano reverso.
Sobre esse ponto, atenta-se que o arresto de embarcações se torna com-
plexo quando se trata da conservação trabalhosa do navio arrestado, sendo,
muitas vezes, necessário nomear depositário responsável pela manutenção
do navio, o qual, obviamente, deverá receber por isso, aumentando o valor
da dívida contraída.
Considerando a hipótese de eventual deterioração da embarcação diante
do arresto, que, por si só, iria gradativamente desvalorizar o bem arrestado,
reduzindo o valor econômico da garantia de pagamento do crédito, o Có-
digo de Processo Civil de 2015 em seu artigo 852, tratou de questão que já
era adotada pelo antigo código, qual seja, a possibilidade de alienar anteci-
padamente o bem móvel sujeito a depreciação ou à deterioração.
Assim, pode-se concluir que as inovações trazidas pelo Novo Código
de Processo Civil são pontuais, mas de relevante impacto para o instituto
de arresto, como a extinção da seção sobre Arresto, no capítulo de Pro-
cedimentos Cautelares Específicos (art. 813 a 821, CPC/73), bem como
a previsão do arresto como uma das tutelas provisórias de urgência, a ser
requerida em caráter cautelar ou, ainda, a extinção na propositura da Ação
Principal apartada da cautelar.

2.2 Convenções internacionais aplicáveis

As convenções internacionais somente são aplicáveis no Brasil quando


promulgadas pelo Congresso e sancionadas pelo Presidente da República.
Sob nosso sistema jurídico, Convenções Internacionais não têm precedência
sobre a legislação doméstica, mas são tão executáveis quanto qualquer outra

FGV DIREITO RIO 238


Direito Marítimo

lei federal brasileira. Assim, ao entrar em vigor, uma Convenção revoga leis
anteriores que conflitem com suas disposições e pode igualmente ser revoga-
da por uma lei nacional conflitante subsequente. Esta foi a posição adotada
pelo Supremo Tribunal Federal em um julgamento de 1977.
Assim, no caso de conflito entre quaisquer disposições da Convenção de
Bruxelas de 1926 e do CCB, a Convenção deverá prevalecer, não devido a
um status mais elevado, mas simplesmente porque a Convenção foi aprovada
e sancionada em data posterior à do CCB.
A única Convenção Internacional que possui relação com o arresto de
navios ratificada pelo Brasil é a Convenção de Bruxelas para a Unificação de
Certas Regras Relativas a Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926, que
rege a execução de hipotecas marítimas, foi ratificada e promulgada pelo Go-
verno Brasileiro no Decreto n° 351 de 1º de outubro de 1935.
O Governo Brasileiro não possui tradição de ratificar Convenções de Ar-
resto. O Brasil não ratificou as Convenções de Arresto de 1952 nem a de
1999, apesar de ter assinado esta última. Na verdade, parece ser muito pouco
provável que o Brasil ratificará tais Convenções já que em 2001, o Consultor
Jurídico do Ministério das Relações Exteriores recomendou contra a ratifica-
ção, argumentando que o arresto disposto nas Convenções violava a ordem
pública interna e as exigências processuais gerais para arrestos contidas no
CPC e no Código Comercial Brasileiro. A recomendação do Consultor Ju-
rídico invocou conceitos totalmente superados incluindo o disposto no art.
482 do Código Comercial há muito declarado inconstitucional pelo Supre-
mo Tribunal Federal.
A falha do Brasil em ratificar a Convenção de Arresto de 1999 é um re-
trocesso, já que nossa legislação processual sobre o arresto de navios está
ultrapassada e esta seria uma boa oportunidade para atualizá-la. Além disso,
se o Brasil adotasse a Regra nº 2 da Convenção de Arresto de 1999, seria um
importante avanço para o Direito Marítimo Brasileiro já que, como veremos
mais adiante, atualmente é extremamente difícil arrestar uma embarcação no
Brasil como garantia de reclamação ou arbitragem a ser submetida à jurisdi-
ção de outro país.

2.3 Competência dos Tribunais ou de outras autoridades

Os processos de arresto no Brasil quer in rem quer in personam, estão


sujeitos à jurisdição dos juízes cíveis em geral nos respectivos Tribunais Es-
taduais. À exceção do Tribunal Estadual do Rio de Janeiro que desde 2001
mantém Varas especializadas em Direito Marítimo, os demais estados não
possuem esta jurisdição separada, e os processos marítimos ficam a cargo
de juízes cíveis com conhecimentos gerais de Direito Comercial e Civil.

FGV DIREITO RIO 239


Direito Marítimo

Os Tribunais Federais têm competência para decidir assuntos marítimos


apenas no caso de envolvimento de embarcação da Marinha Brasileira.
Deve ser observado que o Tribunal marítimo, localizado no Rio de Ja-
neiro, é uma entidade administrativa do Ministério da Defesa e rege apenas
casos envolvendo acidentes e questões marítimas, emitindo penalidades aos
oficiais e/ou tripulantes responsáveis. O Tribunal Marítimo não é parte in-
tegrante do nosso Sistema Judiciário, não é competente para arrestar navios
nem para reclamações cautelares.
A decisão quanto ao arresto de um navio no Brasil deve ser cuidadosa-
mente estudada com antecedência, já que o Brasil é um país muito extenso,
com 27 estados e jurisdições locais diferentes. A ação de arresto geralmente
deve ocorrer na jurisdição da cidade onde o porto é localizado. Não obstante,
em situações urgentes é possível obter medida cautelar em uma das jurisdi-
ções portuárias locais e executá-la no próximo porto de escala.
Para que uma ação seja processada pela jurisdição brasileira, uma das cir-
cunstâncias a seguir deve obrigatoriamente existir:
a) O Réu, independentemente de sua nacionalidade, deve ser domiciliado
no Brasil;
b) A obrigação deve ser executada no Brasil;
c) O fato que originou a reclamação deve resultar de fato ocorrido ou de ato
realizado no Brasil.

Entretanto, é preciso observar que a legislação brasileira de arbitragem


permite a eleição da lei e arbitragem brasileiras, com ressalvas. Assim, se o
processo estrangeiro for fundamentado em cláusula de comprometimento
entre as partes contratantes, o Judiciário brasileiro aceitará a decisão estran-
geira, desde que não haja violação dos bons costumes e nem da ordem públi-
ca (Lei nº 9.307/96, art. 2º).
Como é possível observar, a lei brasileira não atribui jurisdição a seus Tri-
bunais quando algum fato ou ato tenha ocorrido em território estrangeiro,
de modo que será de competência da jurisdição brasileira quando houver
de cláusula de foro e jurisdição ou em virtude de fato ocorrido no Brasil.
Há, portanto, poucas possibilidades de arrestar embarcações estrangeiras no
Brasil quando o contrato de transporte ou a disputa comercial não forem de
alguma forma ligados ao Brasil ou a partes estabelecidas no Brasil.
Uma vez iniciada uma ação de arresto, Autores e Réus terão, em tese, dois
caminhos recursais a seguir: o Tribunal de Justiça Estadual e o Superior Tri-
bunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal. Este último é sujeito a pro-
cedimentos extremamente restritos, já que o recurso terá que seguir diversas
exigências jurídicas para ser admitido, tais como clara violação de lei federal
e discrepâncias com a jurisprudência sobre a matéria conforme decisão do
Tribunal Estadual.

FGV DIREITO RIO 240


Direito Marítimo

Por fim, deve-se observar que o CPC não dispõe que os Tribunais brasi-
leiros possam ser escolhidos para solucionar conflitos entre estrangeiros sob
condições de forum shopping.

2.4 Imunidade de embarcações estatais

Em uma abordagem genérica e mais ampla, sob os termos do CPC, não


há possibilidade de obter, junto a um Tribunal brasileiro, ordem de arresto
de uma embarcação pertencente ao Estado por dois motivos. O primeiro é
que não será possível equiparar a dívida do Estado sob as exigências do CPC,
quer como medida de pré-execução, quer como medida cautelar. Segundo,
de acordo com o CPC existe procedimento específico para obter o pagamen-
to de uma dívida do Estado (art. 910 do CPC).
Sob este procedimento, o credor deve primeiro ter seu crédito adjudicado;
subsequentemente será colocado em uma fila em que aguardará até que o Es-
tado providencie um orçamento específico para pagamento daquela dívida.
Leva muitos anos para receber este crédito.
Da mesma forma, se a embarcação for um navio de guerra ou embarcação
utilizada no serviço público ela será, via de regra, imune a arresto, conforme
disposto no artigo 15 da Convenção de Bruxelas de 1926.

2.5 Tipos de Reclamações para as quais um arresto pode ser solicitado

2.5.1 Conceito clássico de arresto

É uma tutela cautelar de garantia da futura execução por quantia certa, atra-
vés da qual se apreendem (“embargam-se”) judicialmente bens do devedor.
Pressupõe um pedido principal (ação na qual o mérito causal será deci-
dido), podendo ser preparatória ou incidental. Se for preparatória o pedido
principal deverá ser apresentado em 30 dias da efetivação da medida.

2.5.2 Introdução

Existem duas classes de arresto no Brasil:


• Arrestos in rem, baseados no CCB e na Convenção de Bruxelas de 1926;
• Arrestos in personam, baseados no CPC.
Arrestos in rem são aplicáveis quando o proprietário do navio não é pesso-
almente responsável na reclamação, mas existe crédito privilegiado pendente
sobre a embarcação.

FGV DIREITO RIO 241


Direito Marítimo

Arrestos in personam se aplicam quando o proprietário do navio é pesso-


almente responsável pelo débito, e, assim, responde com todos os seus bens.
Nestes casos, qualquer embarcação pertencente àquele proprietário pode ser
arrestada por qualquer tipo de reclamação cível.
Ambos os tipos de arresto podem ser realizados como medida de pré-execu-
ção (título de crédito legal e executável) ou sob a forma de tutela de urgência.

2.5.3 Arrestos in rem

Nos casos em que se aplica a Convenção de Bruxelas para a Unificação


de Certas Regras Relativas a Alienações e Hipotecas Marítimas de 1926, as
reclamações listadas nos artigos 1 a 4 darão ao credor o direito de solicitar
um arresto. Se a Convenção não for aplicável, o credor do crédito marítimo
poderá solicitar o arresto nos termos dos artigos 479 a 483 do Código Co-
mercial (CCB), que estabelece a seguinte ordem de preferência:
a) Remuneração devida por serviços prestados à embarcação, incluindo
aquela resultante de salvamento e praticagem;
b) Despesas portuárias e impostos de navegação;
c) Honorários de depositários e despesas necessárias incorridas com a cus-
tódia da embarcação, incluindo armazenagem da aparelhagem e equipa-
mento do navio;
d) Todas as despesas relacionadas à manutenção do navio incorridas para fins
de custódia e guarda do mesmo após a última viagem e durante a perma-
nência do navio no porto de venda;
e) Remuneração do Comandante, oficiais e tripulantes devidos pela última
viagem;
f) Principal e juros dos empréstimos contraídos pelo Comandante sobre o
casco e equipamentos ou fretes (artigo 651) durante a última viagem, o
contrato tendo sido celebrado e assinado antes do navio zarpar do porto
onde tais obrigações foram assumidas;
g) Principal e juros dos empréstimos tomados sobre o casco e equipamentos
ou frete, antes do início da última viagem no porto de carregamento;
h) Valores emprestados ao Comandante, ou dívidas contraídas pelo Coman-
dante para reparos e manutenção da embarcação durante a última viagem,
juntamente com os respectivos prêmios de seguro, quando devido a tais
empréstimos o Comandante tenha evitado assinar empréstimos comerciais;
i) Faltas na entrega da carga, prêmios de seguro sobre a embarcação ou frete e
danos comuns e tudo que for incorrido referente apenas à última viagem;
j) Dívidas resultantes do contrato de construção naval e respectivos juros
por um período de três anos, a contar da data de conclusão da construção
da embarcação;

FGV DIREITO RIO 242


Direito Marítimo

k) Despesas relacionadas ao reparo da embarcação e seus equipamentos, por


um período de dois anos a contar da data de conclusão de tais reparos;
l) Valor pendente do preço de aquisição da embarcação e respectivos juros,
por um período de três anos, a contar da data do instrumento contratual.

2.5.4 Arrestos in personam

Os arrestos in personam se aplicam quando o proprietário do navio é pes-


soalmente responsável em uma reclamação e, devido a isto, qualquer tipo de
reclamação cível está sujeita a este procedimento.

2.5.5 Tipos de procedimento para arrestos (in rem ou in personam)

Arrestos podem ser solicitados como medida de pré-execução ou medida


cautelar sob procedimentos específicos e não específicos.

2.5.5.1 O arresto como medida de pré-execução – título de crédito legal e


executável

Em casos de execução de título judicial ou extrajudicial, não há mais dis-


cussão do mérito ou da interpretação do contrato, já que a dívida efetiva-
mente existe e o juiz determina a penhora dos ativos do devedor através de
um arresto. O arresto será convertido em alienação para a futura venda judi-
cial dos ativos. Portanto, este tipo de arresto não diz respeito a uma medida
cautelar para garantir uma eventual reclamação ou arbitragem ainda sujeita
à contestação do réu, os méritos da qual ainda serão analisados e decididos
pelos Tribunais.
Consoante o procedimento deste tipo de arresto, antes que o arresto seja
concretizado o Réu terá um prazo para designar os ativos que prefere apre-
sentar como garantia de execução, observada a seguinte sequência de prefe-
rência: (i) dinheiro, (ii) títulos de créditos do governo, (iii) papéis comerciais,
(iv) veículos, (v) imóveis, (vi) móveis e utensílios, (vii) sememoventes, (viii)
navios e aeronaves; (ix) ações e cotas de sociedades simples e empresárias; (x)
percentual do faturamento de empresa devedora; (xi) pedras e metais precio-
sos; (xii) direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de
alienação fiduciária em garantia. Navios e aeronaves estão em 8º lugar nesta
lista de prioridades.
No que tange ao arresto na forma cautelar, há, na verdade, considerável
controvérsia na doutrina e jurisprudência brasileiras, já que a maioria con-
sidera que as exigências para o arresto de um navio consoante o CCB são
cumulativas com as exigências da lei processual.

FGV DIREITO RIO 243


Direito Marítimo

2.6 Venda forçada no procedimento de arresto: Prioridade de créditos in rem

A venda judicial de embarcações no Brasil segue as mesmas regras gerais


para leilão de ativos. Os leilões são conduzidos por um leiloeiro público que
cobra entre 2 (dois) e 5 (cinco) por cento do preço de venda. Sua comissão
será deduzida do pagamento feito pelo arrematador. O leiloeiro adotará to-
das as formalidades necessárias à condução do leilão, incluindo publicidade.
O leilão é geralmente realizado em uma sala do Tribunal ou nas depen-
dências do leiloeiro. Antes do leilão, entretanto, o juiz nomeará um perito
contador para avaliar o ativo.
Um lance mínimo inicial é indicado pelo juiz com base na avaliação do
perito. O CPC determina que a embarcação não pode ser vendida em pri-
meiro leilão por valor menor que o de sua avaliação oficial. No segundo
leilão, entretanto, que ocorrerá entre 10 e 20 dias após o primeiro, a embar-
cação poderá ser vendida por qualquer preço, desde que não seja considerado
um montante vil pelo Tribunal. Não há definição deste “montante vil”, já
que varia dependendo das circunstâncias. Não obstante existe certa jurispru-
dência estabelecendo o limite em 40% do valor avaliado.
A ordem de venda geralmente exige que o maior lance deposite 20 por
cento do lance em dinheiro ou em cheque visado imediatamente após o lei-
lão, o saldo a ser pago dentro de determinado número de dias úteis. Se o va-
lor residual não for pago, o leilão pode ser anulado e a embarcação oferecida
ao segundo maior lance.
Uma vez devidamente realizada a venda, o juiz emitirá uma ordem de
venda e o vencedor registrará a propriedade da embarcação junto ao Tribu-
nal Marítimo.
Quando diferentes credores privilegiados disputam o produto da venda
judicial, a liberação do valor depositado pelo lance vencedor respeitará a or-
dem de preferência e a cronologia das respectivas penhoras judiciais. A or-
dem das prioridades, baseada na aplicação harmoniosa do Código Comercial
e da Convenção de Bruxelas de 1926 é como segue:
1. Impostos Federais;
2. Custas e despesas judiciais;
3. Reclamações resultantes da contratação do Comandante, tripulação e
pessoal de bordo;
4. Indenizações devidas por salvamento;
5. Contribuições de avaria grossa;
6. Obrigações assumidas pelo Comandante fora do porto de registro para
necessidades reis de manutenção ou para prosseguimento da viagem;
7. Indenizações resultantes de colisões ou de qualquer outro acidente marítimo;
8. Hipotecas marítimas;
9. Despesas portuárias que não impostos;

FGV DIREITO RIO 244


Direito Marítimo

10. Pagamentos pendentes devidos a depositários, aluguéis de armazéns e ar-


mazenagem, equipamentos do navio;
11. Despesas com a manutenção do navio e de seus equipamentos, despesas
de manutenção no porto de venda;
12. Faltas e perdas de carga;
13. Dívidas resultantes da construção da embarcação;
14. Despesas incorridas para reparos da embarcação e de seus equipamentos;
15. Preço pendente da embarcação.

O Tribunal emitirá uma decisão juntamente com a ordem final a ser res-
peitada para pagamentos a credores.
No Brasil, a venda judicial encerra qualquer reclamação existente sobre a em-
barcação na data de venda, consoante artigo 477 do Código Comercial Brasileiro.
Deve ser observado que a embarcação não está proibida de operar em
águas territoriais brasileiras até o leilão mas deve manter todos seguros de
casco e máquinas e os certificados de classe em pleno efeito e vigor. É muito
pouco provável que um juiz conceda autorização para navegar em águas in-
ternacionais sem que tenha sido prestada alguma garantia.
Um fiel depositário, que é uma pessoa física brasileira e representante dos
interesses da embarcação, será nomeado e pessoalmente responsabilizado
pela manutenção e custódia da embarcação até que esta seja leiloada e, se a
embarcação eventualmente fugir para águas internacionais de má fé, poderá
ser indiciado e condenado pela Justiça Criminal.

QUESTÕES DE AUTOMONITORAMENTO

1. Após ler a apostila, você é capaz de resumir o caso gerador, identificando


as partes envolvidas, os problemas atinentes e as possíveis soluções cabíveis?
2. Indique a Convenção Internacional que arrolou e conceituou mais recen-
temente as reclamações marítimas.
3. Enumere cinco espécies de reclamações marítimas.
4. Enumere cinco espécies de créditos marítimos privilegiados.
5. Qual o principal atributo do crédito marítimo privilegiado?
6. Indique as fontes aplicáveis ao procedimento de arresto de embarcações
no Brasil.
7. Na utilização do arresto como medida cautelar específica quais são os requi-
sitos essenciais para que o juiz conceda a ordem de arresto da embarcação?
8. Quais as dificuldades encontradas para arrestar uma embarcação com
fundamento no Código Comercial Brasileiro?
9. O que são os requisitos do fumus bonis iuris e do periculum in mora?
10. Pense e descreva, mentalmente, outras alternativas para a solução do
caso gerador.

FGV DIREITO RIO 245


Direito Marítimo

SUGESTÃO DE CASO GERADOR

O armador panamenho DREIFUS, afretador do navio de bandeira ci-


priota “Argos” contendo carga geral (contêineres), contratou a agência ma-
rítima PECUS com sede no Rio de Janeiro para atender à embarcação no
porto do Rio de Janeiro, na qualidade de agente consignatário. O contrato
de agenciamento imposto pelo armador, em formulário padrão, estabeleceu
o foro da Cidade do Panamá como próprio para as disputas entre as partes.
Cumprindo tal mister, a PECUS providenciou a contratação de estiva
para descarga e carga da embarcação, adiantando diversas despesas e supri-
mentos para a mesma. Tendo solicitado o reembolso de tais despesas e o pa-
gamento da remuneração contratada, o referido armador não providenciou o
pagamento, estando próxima a data de partida da referida embarcação.

Considerando que o armador inadimplente não possui bens no Brasil,
seria possível arrestar a embarcação no Porto do Rio de Janeiro?
Seria possível questionar a validade da cláusula de eleição de foro constan-
te do contrato de agenciamento?
Quais seriam os fundamentos da ação de arresto?
Como seria procedida a citação do devedor em território brasileiro?
O crédito em questão seria de natureza privilegiada?
Quais os desdobramentos processuais necessários após o ajuizamento
do arresto?

FGV DIREITO RIO 246


Direito Marítimo

REFERÊNCIAS

Bibliográficas
1 Utilizadas

ANJOS, José Haroldo dos & GOMES, Carlos Rubens Caminha. Curso de
direito marítimo. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

FERNANDES, Paulo Campos & MENDES VIANNA, Godofredo. “Arrest


of Vessels. Part I”. In Maritime Law Handbook. BREITZKE, Christian;
LUX, Jonathan & VERLAAN, Philomene. Ed. Kluwer Law, sup. 31
out. 2007.

FARINA, Francisco. Derecho Comercial Maritimo. Madrid: Departamento


Editorial del Comisariado Español Marítimo, 1948, 1ª ed.

PEREIRA, Rucemah Leonardo Gomes. Arbitragem marítima: uma visão


global Rio de Janeiro. Fundação de Estudos do Mar: FEMAR, 1997.

RAPOSO, Mário. Estudos sobre arbitragem comercial e direito marítimo.


Coimbra: Almedina 2006.

RIPERT, Georges. Précis de droit maritime. Dalloz: Paris, 1949.

RODIÊRE, René. Droit Maritime. Paris: Dalloz, 1977, 7ª ed.

SANTOS, Theophilo de Azeredo. Direito da Navegação (Marítima e Aérea).


Rio de Janeiro: Forense, 1964, 1ª ed.

Legislativas

Lei n° 9.307/1996
Constituição Federal de 1988
Código de Processo Civil
Código Comercial
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro
Emendas 55 e 56 ao Projeto de Lei nº. 1.572/2011

FGV DIREITO RIO 247


Direito Marítimo

GODOFREDO MENDES VIANNA


Graduado em Direito pela PUC-RJ. Presidente da Comissão de Direito
Marítimo, Portuário e do Mar da OAB-RJ para o triênio 2016 —
2018. Vice-presidente do Comitê de Transport and Maritime Law da
International Bar Association — IBA. Membro do IAB — Instituto
dos Advogados Brasileiros. Palestrante em seminários e eventos no
Brasil e no exterior em suas áreas de atuação. Autor de diversos artigos
publicados em jornais e revistas especializadas no Brasil e no exterior.
Sócio sênior do escritório Kincaid |Mendes Vianna Adv. Associados.

LUCAS LEITE MARQUES


Sócio do Escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com
especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional;
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ),
Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela UCAM/IAVM, LL.M em
Transnational Commercial Practice pela Lazarski University (CILS),
Professor de Direito Marítimo da FGV/RJ; Secretário da Comissão
de Direito Marítimo, Portuário e do Mar da OAB/RJ; Diretor da Vice-
presidência de Direito Marítimo e Portuário do Centro Brasileiro de
Mediação e Arbitragem - CBMA; Coordenador do Comitê Legal da
Câmara de Comércio Noruega-Brasil - NBCC; Membro da Associação
Brasileira de Direito Marítimo-ABDM, do Instituto Iberoamericano de
Direito Marítimo - IIDM e Membro da AIJA - Association International
des Jeunes Avocats.

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FINANÇAS PÚBLICAS

FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen Leal


PRESIDENTE

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Sérgio Guerra
DIRETOR
Antônio Maristrello Porto
VICE-DIRETOR
Thiago Bottino do Amaral
COORDENADOR DA GRADUAÇÃO
André Pacheco Teixeira Mendes
COORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
Cristina Nacif Alves
COORDENADORA DE ENSINO

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