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Arquitetura e cidade: privilégios, conflitos e

possibilidades
Curitiba, de 22 a 25 de outubro de 2019

ANAIS 9º PROJETAR

VOL. 01/03
Catalogação na Fonte: Sistema de Bibliotecas, UFPR
Biblioteca de Ciência e Tecnologia

S612 Seminário Internacional Projetar: Arquitetura e Cidade: Privilégios, Conflitos


e Possibilidades (9. : 2019 : Curitiba, PR).
Anais do 9º Seminário Internacional Projetar, 22 à 25 de outubro de 2019/
[recurso eletrônico] / Andréa Berriel Mercadante Stinghen [et al.] – Curitiba :
UFPR : Universidade Positivo, 2019.

V. 1 : 580 p. : il., color.


ISBN 978-85-7335-335-8 (E- book)

1. Arquitetura. 2. Arquitetura - Projetos e plantas. 3. Arquitetura paisagística.


I. Universidade Federal do Paraná. II. Universidade Positivo. III. Stinghen,
Andréa Berriel Mercadante. IV. Rosaneli, Alessandro Filla. V. Ortega, Artur
Renato. VI. Suzuki, Juliana Harumi. VII. Título.

CDD: 720

Bibliotecária: Vanusa Maciel CRB- 9/1928


















De 22 a 25 de outubro de 2019

Arquitetura e cidade: privilégios, conflitos e
possibilidades
Universidade Federal do Paraná e Universidade Positivo,
Curitiba - Paraná, Brasil












ANAIS 9º PROJETAR

VOL. 01/03
Comitê
Científico:
ALESSANDRO FILLA ROSANELI – UFPR (Presidente)
ANDRÉA BERRIEL - UFPR
BEATRIZ FLEURY E SILVA – UEM
ELOISA RAMOS RIBEIRO RODRIGUES – UEL
FLÁVIO CARSALADE – UFMG
GICELI PORTELA – UTFPR
GLAUCO DE PAULA COCOZZA – UFU
GLEICE AZAMBUJA ELALI – UFRN
HUGO L. FARIAS – FA/ULisboa
JONATHAS MAGALHÃES PERERIRA DA SILVA – PUC/CAMPINAS
JOSÉ ROBERTO MERLIN – PUC/CAMPINAS
JULIANA HARUMI SUZUKI – UFPR (Vice-Presidente)
LETÍCIA NERONE GADENS – UFPR
LETÍCIA PERET ANTUNES HARDT – PUC/PR
LUCIANA BONGIOVANNI MARTINS SCHENK – IAU/USP
LUIS GUILHERME AITA PIPPI – UFSM
MAÍSA VELOSO – UFRN
MADIANITA NUNES DA SILVA – UFPR
MARCELO CAETANO ANDREOLI - UFPR
MARIA CAROLINA MAZIVIEIRO - UFPR
MARIA LUIZA FREITAS – UFPE
MARINA OBA - UFPR
MILENA KANASHIRO - UEL
NIVALDO ANDRADE – UFBA
OIGRES LEICI CORDEIRO DE MACEDO – UEL
PAULO CHIESA - UFPR
PAULO MOTTOS BARNABÉ - UFPR
RAFAEL PERRONE – UPM/SP
RENATO LEÃO REGO – UEM
RICARDO DIAS SILVA – UEM
RODOLFO SASTRE – UP
RODRIGO CRISTIANO QUEIROZ – FAUUSP
RODRIGO JOSÉ FIRMINO – PUC/PR
RODRIGO SARTORI JABUR – UFPR
ROVENIR BERTOLA DUARTE – UEL
SIDNEI JUNIOR GUADANHIM – UEL
SIMONE APARECIDA POLLI – UTFPR
VERÔNICA GARCIA DONOSO - UFSM

Comissão
Organizadora:
ANDRÉA BERRIEL – UFPR (Presidente)
ARTUR RENATO ORTEGA – UFPR (Vice-Presidente)
ANDRESSA DOMINGUES PENTEADO
DANIEL ARANTES – UP
EVELYN MAKOVSKI
GLEICE AZAMBUJA ELALI – UFRN
MAÍSA VELOSO – UFRN
MARCELO CAETANO ANDREOLI - UFPR
MARIA CAROLINA MAZIVIEIRO - UFPR
MARIANA BONADIO – UFRJ
MOARA ZUCHERELLI – PUC
RODOLFO SASTRE – UP
SILVANA WEIHERMANN – UFPR




FOTOGRAFIA DA CAPA
LUIZA POSSAMAI KONS

ARTE DA LOGO 9º PROJETAR 2019
FÁBIO AUGUSTO MELGES STINGHEN

FINALIZAÇÃO DO EBOOK
JÚLIO AZEVEDO
BOLSISTA CNPQ DO LAPIs
LABORATÓRIO DE PROJETOS INTEGRADOS - UFRN

Organização

Apoio

Apresentação
Por Andréa Berriel e Rodolfo Sastre

Em nome do Comitê Científico e da Comissão Organizadora do 9º Seminário PROJETAR


gostaríamos de dar as boas vindas a todas e todos a Curitiba, agradecer a grande quantidade de
reflexões trazidas pelos trabalhos e desejar que o encontro e as experiências sejam
transformadores.

A nona edição do Seminário PROJETAR foi organizada pelo Grupo Projetar do Departamento de
Arquitetura e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); pelo Curso de Arquitetura e Urbanismo e pelo Programa
de Pós-graduação em Planejamento Urbano da Universidade Federal do Paraná (UFPR) em
parceria com o Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Positivo (UP) e com o
Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU/PR).

O encontro dará continuidade à proposta inicial do Grupo Projetar da UFRN (Brasil), fundador do
evento em 2003, com o objetivo de fomentar a discussão sobre o projeto na área de Arquitetura
e Urbanismo no contexto contemporâneo.

Objetivos do PROJETAR:

- Discutir os processos teóricos e metodológicos do projeto de Arquitetura, Urbanismo e


Paisagismo da contemporaneidade;

- Consolidar a rede de colaboração e intercâmbio nacional e internacional;

- Debater, disseminar e divulgar as pesquisas sobre os temas do evento;

- Definir metodologias de pesquisa na área do projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo.


ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO:

- Ensino do projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo;

- Pesquisa/teoria do projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo;

- Prática profissional e extensão universitária do projeto de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo.

Em 2019, foram criados os seguintes eixos temáticos para reflexão e desenvolvimento dos
trabalhos:

1º [Novos] repertórios significantes

2º Visibilidade e emancipação no projeto e na cidade

3º Construção social da paisagem e o projeto

A condição de privilégio social pode ser definida como os conjuntos de vantagens sociais,
históricas, culturais e institucionais atribuídas a determinados grupos em comparação aos demais.
Essa condição garantiria vantagens e acessos à distribuição de bens materiais e de
reconhecimento social que destacam alguns perante outros, constituindo diferentes formas de
desigualdade, assim como de vivência na cidadania. É possível falar de privilégios na construção
da cidade e de seus edifícios nos dias atuais no Brasil e em outros países? Esse fenômeno tem
provocado conflitos? De que natureza? Existem saídas? Quais seriam? Como enfrentá-las por
meio do planejamento e da intervenção projetual? E para quem?

O PROJETAR 2019 se propõe a realizar um exercício de reflexão e crítica sobre o quanto ainda
utilizamos modos de pensar o projeto e a cidade para grupos sociais privilegiados e gênero
dominante. Para prepararmos, juntas e juntos, o terreno onde imaginamos germinar expressões
plurais para todos e todas, alinhadas aos ideais democráticos de heterogeneidade, acessibilidade
e diversidade do espaço público, faz-se necessário discutirmos:

1º [Novos] repertórios significantes

Propõe-se a estudar repertórios utilizados nos processos de projeto de Arquitetura, Urbanismo e


Paisagismo que tenham significado, ou seja, que tenham importância ou façam sentido para as
usuárias e usuários do espaço em suas práticas cotidianas e experiências de vida. Nesse eixo
temático, espera-se que os artigos reflitam sobre a utilização ou apropriação de repertórios
significativos na prática profissional, no ensino, na pesquisa e na extensão de Arquitetura,
Urbanismo e Paisagismo em linhas epistêmicas e ontológicas plurais;

2º Visibilidade e emancipação no projeto e na cidade

Propõe-se a refletir sobre conceitos como liberdade, cidadania e ética e o quanto eles podem
contribuir, no processo de projeto, com vistas à construção de espaços mais inclusivos, a partir da
compreensão dos direitos equânimes e da vivência humana por meio da pluralidade, dos
feminismos, da valorização da negritude. Destarte, este eixo temático discute a libertação de
padrões patriarcais, coloniais, heteronormativos e visa se colocar contra as desvalorizações
étnicas e culturais refletidos na segregação socioespacial das cidades. São possíveis aproximações
a partir das variadas lentes dos estudos de gênero e suas intersecções com outras linhas das
Ciências Sociais e Humanas. Nesse eixo temático, espera-se que os artigos reflitam sobre a prática
profissional, o ensino, a pesquisa e/ou a extensão em projeto de Arquitetura, Urbanismo e
Paisagismo que estimulem o local de fala, a acessibilidade e a visibilidade para todas e todos;

3º Construção social da paisagem e o projeto

Propõe-se a refletir sobre a relação entre edifício(s) e paisagem. Pretende-se construir um olhar
crítico e sensível a respeito das arquiteturas, paisagens e espaços livres como possíveis agentes
mitigadores de problemas socioambientais e, como lugares de encontro e de interlocução.
Espera-se que os artigos tragam pesquisas e relatos de experiência sobre a prática profissional, o
ensino/aprendizagem, a pesquisa e/ou extensão em projeto de Arquitetura, Urbanismo e
Paisagismo que, de alguma maneira, reflitam sobre a relação entre edifício e paisagem e sobre o
quanto as pré-existências construídas e/ou naturais influenciam o processo de projeto.

E em 2019 o PROJETAR acontece em sintonia com a Semana Acadêmica de Arquitetura e


Urbanismo da UFPR, a SAAU19, trazendo para o evento a participação fundamental dos
estudantes de graduação da UFPR, da UP e demais escolas de arquitetura e urbanismo de
Curitiba.

Saudações universitárias!

VOLUME 01
Sumário


Por uma gero-arquitetura: a inclusão dos idosos no processo projetual
CASTELNOU NETO, Antonio Manoel Nunes

Ambiente construído pela ótica do usuário com deficiência: o estudo de caso da Reitoria da
Universidade Federal da Paraíba
NÓBREGA, Abraão Pinto de Oliveira | SARMENTO, Bruna Ramalho

Diretrizes projetuais para ambientes escolares infantis baseados no método de ensino de
Montessori
RUDOLPHO, Caroline Roberta | CARARO, Juliana Fernandes Junges

Para um habitar mais versátil, diversificado e inclusivo
FARIAS, Hugo L.

A ARQUITETURA BIOCLIMÁTICA NOS HOSPITAIS DO ARQUITETO JOÃO FILGUEIRAS LIMA, LELÉ:
Análise comparativa entre a primeira e a última unidade da Rede Sarah de Hospitais
DALLA CORTE, Carla | CARDOSO, Grace Tibério

Desenvolvimento sustentável e acessibilidade: mapa tátil arquitetônico
CONSTANTI, Andressa Pinheiro | FERREIRA, Oscar Luís

Mobilidade e Planejamento Urbano em Rio Branco (AC) Correspondências e contrapontos
entre o Plano Diretor de Transporte e Trânsito (PDTT/2009) e as diretrizes do Plano Nacional
de Mobilidade Urbana Sustentável (PNMUS/2004)
HAIDAR, Andre Soares | SCHEUER, Paulo Eduardo

Vida ribeirinha: Uma análise de como a falta de acessibilidade pode influenciar na qualidade
de vida dos moradores da Ilha do Combu em Belém, Pará
MONTEIRO, Érica Corrêa | FEIO, Angelo Giovani dos Santos | ARAÚJO, Kayan Freitas de

CICLOMOBILIDADE: AVALIAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DO PROGRAMA CICLOVIÁRIO DA REGIÃO
METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA
RODRIGUES, Pollyana Martins | FERREIRA, Giovanilton André Carretta | DE ANGELO, Michelly
Ramos

Espaço público e Caminhabilidade: Avaliação na escala de avenida
RAMOS, Larissa Leticia Andara | LOPES, Laura Akel | RAMOS, Suzany Rangel

Análise Iconográfica sobre acessibilidade, ergonomia e inclusão em Cartilhas de Acessibilidade
Urbana
GEIA, Maíra Laurença | BERNARDI, Núbia

O ensino de projeto sob a ótica tectônica: uma análise a partir de experiências acadêmicas na
Inglaterra e no Brasil
SANTOS, Jéssica Mota de Melo | MOREIRA, Fernando Diniz

A disciplina Projeto Arquitetônico no curso de Engenharia Civil. Reflexão sobre uma prática
didática
TAGLIARI, Ana

Desenho como estruturador do pensamento
AFONSO, Caroline Ganzert | MIRANDA, Antonio Claret Pereira de | WEIHERMANN, Silvana

As experiências na cidade e o ensino de projeto de arquitetura e urbanismo nos dois
primeiros semestres
CARVALHO, Ramon | FIORIN, Evandro | ISHIDA, Americo

Repertório: esquemas culturais no aprendizado de projeto arquitetônico
ORTEGA, Artur Renato| AYRES FILHO, Cervantes

O ensino-aprendizagem do (processo de) projeto de arquitetura
ZUCCHERELLI, Moara | SASTRE, Rodolfo Marques

O papel social do arquiteto e urbanista. Uma abordagem crítica e aplicada a partir da
formação acadêmica
VAZ, Murad Jorge Mussi

Ensino de Projeto de Arquitetura num Planeta de Favelas: uma proposta metodológica de
construção social da paisagem
SOARES, Bernardo Nascimento | MELLO, Luiz Gustavo Costa

ZEIS como instrumento de promoção da Habitação Social: experiência do primeiro Ateliê de
Projetos no ensino de Arquitetura
MUNIZ, Andreia Fernandes | SOUZA, Ana Dieuzeide Santos | CUNHA, Clóvis Aquino Freitas

(Re)significando a criatividade no projeto de arquitetura: um estudo em publicações docentes
FERREIRA, Amanda Gabriella da Silva | ELALI, Gleice Azambuja

O sistema de espaços livres na constituição da forma urbana contemporânea: grau de
consolidação urbana da cidade de Passo Fundo/RS
BASSO, Laura Campagna | RIBEIRO, Lauro André

Reinterpretación del paisaje a partir del espacio hodológico en Lazareto: conflictos y
posibilidades de los caminos
MARTINEZ, M., María Eugenia

Os idosos e o parque urbano
CABRAL, Thaís | HOLANDA, Frederico de

Análise de espaços livres de uso público para idosos: aplicação de indicadores da qualidade na
Regional Centro, Vila Velha - ES
SOUZA, Rhaquel de Paula | JESUS, Luciana Aparecida Netto | CONDE, Karla Moreira

Os avessos da trama monumental: investigação psicossociológica do uso cotidiano dos
espaços públicos e de mobilidade de Brasília/DF
BARBOSA, Bárbara Helena Cunha de Sousa

O ateliê de projeto de arquitetura como prática pedagógica: A realidade do CAU UFCG
LEITE, Izabel Farias Batista | SILVA, Heitor de Andrade

Ensino plural para uma arquitetura ética: uma análise das bibliografias das disciplinas de
projeto
JAYME, Isabela Mendes | FERREIRA, Felipe Rossi

Cara a cara com a/o cliente: experiências, aproximações e atravessamentos no ateliê de
projeto
BERRIEL MERCADANTE STINGHEN, Andréa

Casa Rothschild: material propedêutico
BARNABÉ, Paulo Marcos Mottos

Relatos para um aprendizado arquitetônico. USU: uma experiência em aberto
FREITAS Fº, Hermano Braga Viriato de

Laboratório experimental de Decio Tozzi - Um estudo sobre o projeto do Fórum Trabalhista
Ruy Barbosa
HELENA, Heloisa Martin Mendes Pereira | TAGLIARI, Ana

Espaços para Crianças e Adolescentes no Sistema de Justiça: a linguagem do ambiente
construído como expressão da efetividade de direitos
FARIA, Cybelle S.S. Freitas

Sistematização de diretrizes projetuais para uma Unidade de Acolhimento atrelados aos
Princípios da Humanização
HAMES, Caroline

A construção de um novo lugar social para a loucura: reflexões sobre reuso de uma instituição
psiquiátrica em Natal/RN
MOREIRA, Stephanie M. C. | MEDEIROS, Luciana de

Ambientes podem educar
MERLIN, José Roberto

Experimentações com o lugar amazônico: Projeto Arquitetônico de Unidade Básica de Saúde
pelo tipo palafita (Barcarena – PA)
FELISBINO, Danielli de Araujo | PERDIGÃO, Ana Klaudia de Almeida Viana

Externalidades: Desafios para a ciclabilidade
SILVA, Isabela Guilherme da | FERNANDES, Danaê | KANASHIRO, Milena

A extensão no ateliê de urbanismo e paisagismo: relato de uma experiência
TRENNEPOHL, Amanda Trautenmüller| FLORES, Anelis Rolão | GUMA, Juliana Lamana

Projeto urbano e escala local: Relato de projetos realizados no curso de Arquitetura e
Urbanismo
MENESES, Vítor Domício de

Reflexão sobre o desenvolvimento da maquete de vegetação no processo criativo do projeto
da Arquitetura da Paisagem
BENVEGNÚ, Eliane Maria

A Cartilha da Cidade: a extensão como meio de alfabetização urbanística e ressignificação do
privilegiado campo do conhecimento arquitetônico e urbanístico
BUZZAR, Miguel Antônio | BERGANTIN, Rachel | NEDEL, Miranda Zamberlan

Do estudo de precedente no Trabalho Final de Graduação à uma reflexão sobre a prática
acadêmica
ANDRADE, Manuella Marianna Carvalho Rodrigues | PESSÔA, Gabriela Vasconcelos
Cavalcante

Abordagem fenomenológica e criativa no Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e
Urbanismo
BARNABÉ, Paulo Marcos Mottos | BERRIEL MERCADANTE STINGHEN, Andréa

O sentido do sentir: ressignificando o repertório de estudantes recém ingressos no CAU
através de instalações sensoriais
SOUZA, Natalya Cristina de Lima | ELALI, Gleice Azambuja

Discussões teóricas sobre a prática docente na contemporaneidade e estratégias para um
projeto da autonomia
ANDREOLI, Marcelo Caetano

Projeto com palavras: imaginários, ensino de projeto e experimentações
ALBERTON, Josicler Orbem | GIOVELLI, Marcos Guterres | ROZESTRATEN, Artur Simões

PROJETO ARQUIVO: METODOLOGIA DE ENSINO ALIADA À PRÁTICA IN LOCO COMO FORMA
DE RESGATE DA MEMÓRIA DE EXEMPLARES ANÔNIMOS DA ARQUITETURA HISTÓRICA EM
CURITIBA_PR, BRASIL
SOBOTA, Bruno | BALDINI, Guilherme | RODRIGUES, Murilo

Compartilhando decisões: plataformas online para participação cidadã
TRAMONTANO, Marcelo Cláudio | TRUJILLO, Juliana Couto






Por uma gero-arquitetura: a inclusão dos idosos no processo projetual

For a gero-architecture: the inclusion of older people in the design process

Por una gero-arquitectura: la inclusión de ancianos en el proceso de diseño

CASTELNOU NETO, Antonio Manoel Nunes


Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Mestre em Tecnologia do Ambiente Construído, Arquiteto
e Engenheiro Civil, Docente em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do
Paraná, castelnou@ufpr.br

RESUMO
A inclusão de preocupações com usuários mais velhos tem se tornando bastante relevante na discussão sobre as
condicionantes projetuais de espaços arquitetônicos não apenas com fins habitacionais, mas também com
relação a diversos programas funcionais, especialmente aqueles de uso público e coletivo. Esta arquitetura
amigável dessa crescente parcela da população tende a se destacar cada vez mais devido ao progressivo aumento
da expectativa de vida tanto no Brasil quanto no mundo. A partir da reflexão sobre a experiência didática em
orientar projetos de edificações para idosos, este artigo traz algumas considerações com base na revisão de
fontes web-bibliográficas que tratam sobre essa questão, a qual coloca a arquitetura com um dos fatores
responsáveis pela melhoria das condições de vida da população idosa. Visando despertar o interesse para essa
recente perspectiva, pretende apresentar referências e apontar diretrizes a arquitetos e projetistas.
PALAVRAS-CHAVES: gero-arquitetura, arquitetura para velhice, envelhecimento.

ABSTRACT
The inclusion of concerns with elders has become quite relevant in the discussion about the design constraints of
architectural spaces not only for housing purposes, but also regarding various functional programs, especially
those for public and collective use. This friendly architecture of this growing population’s portion tends to stand
out more and more due to the progressive increase in life expectancy in both Brazil and the world. From the
reflection on didactic experience in guiding building projects for the elderly, this article brings some considerations
based on web-bibliographic sources’ review those deal with this subject, which places architecture as one of the
responsible factors for improving the elderly population’s living conditions. Aiming to arouse interest for this
recent perspective, it intends to present some references and point out guidelines to architects and designers.
KEY WORDS: gero-architecture, architecture for elderly, aging.

RESUMEN
La inclusión de preocupaciones con usuarios ancianos se ha vuelto bastante relevante en la discusión sobre las
restricciones de diseño de espacios arquitectónicos no solo para fines de vivienda, sino también con respecto a
varios programas funcionales, especialmente aquellos de uso público y colectivo. Esta arquitectura amigable de
esta porción creciente de la población tiende a destacarse cada vez más debido al aumento progresivo de la
esperanza de vida tanto en Brasil como en el mundo. A partir de la reflexión sobre la experiencia didáctica en la
orientación de proyectos de edificaciones para ancianos, este artículo presenta algunas consideraciones basadas
en la revisión de fuentes web y bibliográficas que abordan este tema, lo que coloca a la arquitectura como uno
de los factores responsables en mejorar las condiciones de vida de la población de edad avanzada. Con el objetivo
de despertar el interés por esta reciente perspectiva, pretende presentar algunas referencias y señalar pautas
para arquitectos y diseñadores.
PALABRAS CLAVE: gero-arquitectura, arquitectura para la vejez, envejecimiento.

1
1 INTRODUÇÃO
Ultimamente tem se acentuado a preocupação em considerar, durante o processo de projeto
arquitetônico, aqueles usuários que apresentem deficiências e/ou debilidades em suas capacidades
físicas. Isto não somente é assegurado por lei como vem demonstrando maior conscientização no que
se refere à inclusão de grupos sociais antes menosprezados devido ao fato de não serem hegemônicos,
seja por aspectos de número, gênero, classe ou afins. Problemas de acessibilidade universal são cada
vez mais ressaltados, os quais destacam a necessidade seja de acesso como de permanência nos
espaços arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos por parte de pessoas com dificuldades motoras e
visuais, o que inclui obviamente a questão dos idosos: um grupo que tende, em termos estatísticos, ao
crescimento, tanto em nível internacional quanto nacional; e que cada vez mais requer uma maior
atenção de arquitetos e demais projetistas.

A palavra “idoso” não é definida de forma consensual, havendo diferentes concepções sobre seu
significado. A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) estabelece como pessoa idosa, para países em
desenvolvimento, todo indivíduo com 60 (sessenta) anos de idade ou mais. Contudo, reconhece-se
que a idade não é o único critério válido quando se aborda a questão do envelhecimento humano
(IPARDES, 2008). Por exemplo, para Batista et al. (2009), além de fatores cronológicos, há fenômenos
biológicos, psicológicos e sociais que influenciam no sentido e vivência da idade. Ujikawa (2010)
destaca ainda que o conceito de geração ligado à idade cronológica surge com o Estado, o qual
estabelece práticas e padroniza as etapas da vida do cidadão conforme a quantidade de anos vividos.
Hoje em dia, é a vivência individual que define tais etapas: não haveria mais uma concepção única da
“idade certa” para viver certas fases da vida, tendendo a uma maior liberdade, sem preconceitos.

Entretanto, tornar-se idoso é algo natural, pois o envelhecimento consiste em um processo de


diminuição orgânica e funcional, não decorrente de doença, que acontece inevitavelmente com o
passar do tempo. Para Moragas (1997), a “velhice” deve ser vista como uma etapa vital, na qual, ao
ingressar em uma nova fase que se diferencia daquelas vividas anteriormente, uma pessoa sofre os
efeitos temporais. No Brasil, o Ministério da Saúde define envelhecimento como sendo o “processo
natural, de diminuição progressiva da reserva funcional dos indivíduos”, ou seja, a senescência. Esta,
contudo, difere de senilidade, a qual ocorreria “em condições de sobrecarga como, por exemplo,
doenças, acidentes e estresse emocional, podendo ocasionar uma condição patológica que requeira
assistência” (BRASIL, 2007, p. 8). Assim, nem sempre um idoso é senil ou dependente.

2
De qualquer forma, com o avanço da idade, as pessoas – assim como os demais seres vivos – tendem
à perda progressiva de sua autonomia para executar atividades cotidianas, o que pode levar à
necessidade de auxílio até completa dependência. Além disto, as chamadas Doenças Crônicas Não-
Transmissíveis (DCNT) podem afetar a funcionalidade dos idosos. Estudos têm demonstrado que a
dependência para o desempenho das atividades de vida diária tende a aumentar cerca de 5% na faixa
etária de 60 anos para cerca de 50% entre os com 90 ou mais anos. (BRASIL, 2007)

Compreendido como um conjunto de alterações biológicas que o organismo sofre ao longo dos anos,
acarretando a diminuição crescente de habilidades biológicas, físicas, psíquicas e sociais, o processo
de envelhecimento – que não é homogêneo, pois sofre influências do contexto em que o indivíduo
vive, seja familiar e/ou socioambiental (MOSCI, 2014) – deve ser inserido e efetivamente aplicado no
projeto arquitetônico de locais de uso aberto e coletivo, em especial aqueles voltados especificamente
para este público, como hospitais e clínicas de assistência, casas de repouso, conjuntos residenciais
geriátricos e intergeracionais, etc., considerando-se suas necessidades especiais provindas do avanço
etário, que impõe limitações e pode levar a acidentes que prejudicariam uma vida de qualidade. Isto
vem sendo salientado pela difusão da denominada “gero-arquitetura”, a qual procura destacar as
práticas projetuais voltadas à população mais velha e suas decorrentes implicações espaciais.

Com base na experiência em orientação de trabalhos de conclusão de curso nessa área específica
(ROSSI, 2017; SOUZA, 2017; NUNES, 2018), pretende-se com este artigo apresentar alguns
pressupostos obtidos a partir de estudos sobre gero-arquitetura, incluindo diretrizes projetuais que
auxiliem novas iniciativas nesse amplo campo de pesquisa que se descortina em design, arquitetura e
urbanismo. Longe de buscar esgotar o tema, este texto visa despertar o interesse na área e apontar
caminhos para uma arquitetura que inclua essa parcela da população que aumentará nas próximas
décadas, exigindo esforços de todos os profissionais interessados na melhoria da qualidade de vida
por via da concepção e concretização de espaços sócio e ambientalmente mais adequados.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE ENVELHECIMENTO


Tanto os países industrializados quanto aqueles que se encontram em industrialização vêm verificando
um aumento da quantidade de idosos, este identificado pela crescente expectativa de vida, inclusive
no Brasil1. Em recente relatório, a OMS (2015) afirma que o número de pessoas com mais de 60 anos
será duas vezes maior em 2050. Hoje contabilizando aproximadamente 900 milhões de idosos, o que
corresponde a cerca de 12,3% da população total, estima-se que, na metade deste século, tal parcela

3
chegue a perto de 21,5%, ou seja, mais de um quinto da população do planeta. Até 2050, pela primeira
vez na história, o número de idosos no mundo ultrapassará o de jovens com menos de 15 anos. Diante
disto, a instituição aponta três grandes desafios: tornar os lugares em que vivemos ambientes
amigáveis às pessoas mais velhas; realinhar sistemas de saúde às suas necessidades; e desenvolver
governamentalmente sistemas de cuidados que reduzam o uso inadequado dos serviços de saúde,
garantindo a dignidade nos últimos anos de vida dessas pessoas. (SOUZA, 2017)

Tratando-se de um processo natural ao qual estão sujeitos todos os seres existentes, “envelhecer”
provém da palavra “velho”, cuja origem latina vetulus designava aquilo que existia há muito tempo
(antigo) ou que tinha idade avançada (idoso). A velhice corresponde ao último período da vida normal
e caracteriza-se pelo enfraquecimento das funções vitais; e, embora implique em algo associado à
idade cronológica, segundo Stoppe Junior et Louzã Neto (1999), não é idêntico a ela, já que o termo
pode ser utilizado como uma variável independente para explicar outros fenômenos não relacionados
a seres vivos. Ademais, há diferenças entre o tempo físico, que é objetivo e medido em calendários,
relógios, data de nascimento e outros, sendo assim mensurável e quantificável; o tempo biológico, que
se refere aos ritmos circadianos e metabólicos de sincronização individual, refletindo as variações
entre indivíduos com a mesma idade cronológica; e o tempo psicológico, que é definido como a
experiência subjetiva do tempo, ou seja, o modo como este é percebido e vivenciado pelo indivíduo.

A mesma fonte, também citada por Souza (2017), considera como idade social aquela ligada à posição
e hábitos sociais que são adquiridos e sentidos pelo indivíduo como pertencentes ao seu papel
sociocultural e esperados para determinada faixa etária. Com tal parâmetro, o envelhecimento passa
a ser avaliado segundo o status socioeconômico ocupado pelas pessoas em determinada sociedade,
do que decorre a associação das ideias de aposentadoria e de desvinculação com o trabalho produtivo.
De acordo com La Rosa (2003), a expressão troiséme âge (“terceira idade”) foi cunhada pelo médico e
gerontólogo francês Jean-Auguste Huet (1900-1986) com o objetivo de amenizar a conotação negativa
associada à velhice, assim como criar uma nova ideologia a respeito do tema. Enquanto as ideias
vinculadas à velhice referem-se à diminuição do vigor físico, à degeneração biológica e à perda dos
papeis sociais, com a terceira idade surgiria uma nova alternativa: a da possibilidade de novas funções,
da perspectiva da manutenção da saúde e do engajamento em atividades típicas.

Na esfera de política mundial, em 1982 ocorreu a Assembleia de Viena (Áustria), a qual consistiu no
primeiro fórum intergovernamental voltado a discutir algo que até então não era foco de encontros
ou mesmo da ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU): o envelhecimento populacional. Na ocasião, foi

4
aprovado um plano global de ação e, desde então, conforme o INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA
APLICADA (IPEA, 2016), os países em desenvolvimento vêm discutindo esse tema, inclusive modificando
suas constituições de modo a favorecer a população idosa. De maneira gradual, a concepção das
pessoas mais velhas enquanto grupo vulnerável foi dando lugar a de uma população atuante, que
também deve ser considerada na procura pelo bem-estar social de toda a sociedade2.

Até a década de 1970, as ações realizadas com os idosos brasileiros eram praticamente de cunho
caritativo, desenvolvido principalmente por instituições religiosas ou entidades filantrópicas3
(RODRIGUES, 2001). Foi a partir dos anos 1980 que os temas sobre longevidade e envelhecimento
ganharam relevância no país, passando os direitos das pessoas idosas a ocuparem cada vez mais
espaço na discussão nacional. Destaca-se a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS),
em 1993, a qual deu início a uma ação assistencial efetiva ao passo que reestabeleceu debates sobre
serviços e ações prestados nessa área, além da aprovação em 1994 da Política Nacional do Idoso (PNI),
a qual corresponde à Lei federal n. 8.842, regulamentada pelo Decreto n. 1.948/96. A PNI deu
continuidade às diretrizes estabelecidas pela Constituição de 1988 e veio garantir um conjunto de
ações do governo visando assegurar direitos sociais aos idosos, que devem ser atendidos de diferentes
modos, conforme suas necessidades – físicas, sociais, econômicas ou políticas4. (BRASIL, 1988; 1994)

Em 2003, a publicação do Estatuto do Idoso por meio da Lei federal n. 10.741/03 inaugurou um novo
olhar sobre o processo de envelhecimento no Brasil, regulando os direitos fundamentais das pessoas
com 60 anos ou mais, como aqueles a: liberdade, respeito e dignidade, saúde, alimentação, educação,
cultura, esporte e lazer, profissionalização e trabalho, previdência e assistência social, habitação e
transporte (BRASIL, 2003; CORREA, 2009). Por fim, em 2004, o Decreto federal n. 5.296 regulamentou
as leis n. 10.048/00, que dá prioridade de atendimento a pessoas específicas; e n. 10.098/00, que
estabelece normas gerais e critérios para promover acessibilidade de pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida, o que tange os idosos. (GAIA, 2005; NUNES, 2018)

Desafios em relação ao aumento da população idosa


Nas últimas décadas, o crescimento da quantidade de idosos em proporções globais tem levado a uma
maior visibilidade social da velhice, a qual passou a se destacar e ocupar um status antes inexistente
ou mesmo invisível. Isto pode ser comprovado pelo grande impacto dessa população na economia e
em outras esferas sociais, resultando na necessidade de se caracterizar particularmente este grupo
etário, reconhecendo-o e descrevendo-o. Cochmanski (2016) salienta o aumento de pesquisas

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voltadas ao seu bem-estar, que é fruto dessa maior conscientização sobre tal grupo e seus problemas
recorrentes. Aos poucos, o silêncio está dando lugar a uma maior produção discursiva sobre o assunto.
Atualmente, o desafio é fazer com que a pessoa mais velha, apesar de suas limitações, redescubra
possibilidades de viver com qualidade.

Idosos que participam de grupos da mesma idade ou entre gerações diferentes têm melhores
condições de ajustamento psicossocial e de descobertas e estratégias de enfrentamento da realidade.
Desenvolvendo atividades comunitárias nas quais se sentem úteis, ativos e responsáveis – e onde seu
potencial criativo é valorizado –, podem superar problemas frequentes com o avanço etário, como a
depressão e a solidão. Portanto, a recém-adquirida visibilidade social da velhice, somada às novas
discussões sobre a questão do envelhecimento, têm sugerido uma revisão sobre quem seria o
responsável por dispensar os cuidados necessários ao idoso. (BIANCHI, 2013)

Além de moradia apropriada – ou mesmo assistida –, os idosos precisam de companhia para enfrentar
a solidão e manterem-se mental e fisicamente ativos. A relação intergeracional quando existe costuma
acontecer exclusivamente entre idosos e seus filhos e netos. Contudo, este tipo de relação pode trazer
benefícios para diferentes gerações não-familiares, pois, ao contrário do que se pensa, as habilidades
sociais do idoso ainda podem ser desenvolvidas através do aprendizado mútuo. Conforme Usher
(2018), o Japão foi um dos pioneiros em trabalhar com esta questão, o que exigiu uma reestruturação
da forma como era prestado o cuidado tanto aos jovens quanto aos idosos. Situada em Tóquio, Kotoen
constitui-se na yoro shisetsu (“instalação integrada para crianças e idosos”) mais antiga do país,
inaugurada em 1976, na qual os mais velhos podem ser voluntários no berçário, assim como as crianças
visitam as áreas comuns do lar; e ambos se juntam para eventos especiais.

Uma vantagem que a convivência intergeracional proporciona ao idoso é a possibilidade de continuar


ou criar novas atividades intelectuais, contribuindo para sua inclusão digital. Saber utilizar a internet
possibilita diversas comodidades como: marcação de consultas médicas, transações bancárias, cotação
de preços e compra de diversos produtos, etc., sem a necessidade de se deslocar fisicamente. A rede
também permite o contato com parentes e amigos antigos, atuando como coadjuvante contra a
solidão. É possível ainda ter acesso às mais variadas informações, sobre diferentes temas que incluem
notícias, artes, novelas e programação dos cinemas e teatros. (ROSSI, 2017)

Outro ponto positivo com relação à convivência intergeracional diz respeito ao desafio enfrentado
pelas pessoas idosas em relação à preservação da memória e da capacidade de aprendizado. Uma nova

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atividade é inegavelmente excelente exercício para impulsionar a atividade cerebral e exercitar a
conservação de lembranças. Permitir uma relação constante entre jovens e idosos contribui para
ambos grupos através da troca de experiências, formas de conhecimento e estilos de vidas. Para os
mais jovens, segundo Usher (2018), tal interrelação ajuda a promover uma visão saudável e positiva
do envelhecimento e contribui para combater quaisquer preconceitos sobre os mais velhos.

Bestetti (2006) afirma que faz parte da cultura brasileira um apego ao temperamento latino de manter
seus familiares consigo, mesmo em casos de infraestrutura precária. Logo, problemas como abandono
e maus tratos, causados pela incapacidade de dispensar a atenção necessária ao idoso, têm se tornado
comuns no país. Porém, fatores como a diminuição no tamanho das famílias e das moradias, assim
como a dispersão de parentes consanguíneos determinam que, em muitos casos, a melhor solução
para os idosos seja a moradia em casas ou conjuntos residenciais apropriados.

A ideia de se tentar manter o idoso em casa, junto à família, tem sido uma premissa mundial, mas,
para isto acontecer, os países desenvolvidos têm investido massivamente em programas formais de
apoio aos cuidadores informais. Assim, o Estado investe em cursos, auxílio financeiro e benefícios para
estes, que podem ser familiares ou pessoas contratadas. Tal política gera menos gastos para o governo
do que a criação e manutenção de instituições asilares e hospitais. Contudo, em casos de extrema
debilidade, há ainda maior dependência do apoio governamental. (UJIKAWA, 2010)

Ujikawa (2010) apresenta um plano de ação criado pela OMS que visa orientar os governos sobre suas
políticas voltadas aos idosos, o qual se baseia em respostas a sete novos desafios causados pelo
envelhecimento populacional. O primeiro consiste no combate às efemeridades, ou seja, às doenças
transmissíveis e – principalmente por dominarem os diagnósticos de hoje em dia – àquelas não
transmissíveis. O idoso, diferente de pessoas em outras faixas etárias, consome mais serviços de saúde
– com internações mais frequentes –, sem que se obtenha resultados significativos em termos de
recuperação da saúde. As doenças desse grupo etário são, em geral, crônicas e múltiplas, exigindo
acompanhamento e cuidados constantes. (VERAS, 2003)

O segundo desafio apontado pela OMS refere-se ao risco de deficiências, especialmente daquelas
causadas pelo envelhecimento, podendo-se tentar adiá-las ou evitá-las com políticas de acesso a meios
de prevenção e diagnóstico; ou ainda através de campanhas contra maus hábitos. Para os que já
possuem tais deficiências, deve-se garantir o acesso universal a edifícios, espaços e serviços públicos
com acessibilidade, entre outras medidas. Uma rede de apoio aos idosos constitui o terceiro desafio,

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sendo categorizado em: cuidado formal, informal e autocuidado. Manter o idoso em casa pelo maior
tempo possível é a forma menos onerosa de oferecer auxílio, mas, para tanto, é necessário investir em
cuidado ambulatorial ou de instâncias intermediárias, tais como: centros-dia, internação ou assistência
domiciliar e espaços alternativos, como os ditos centros de convivência. (NUNES, 2018)

O quarto desafio a ser enfrentado, ainda citando Ujikawa (2010), refere-se à feminilização da velhice.
Muitas mulheres envelhecem sem terem participado efetivamente do mercado de trabalho e,
portanto, dependem de seus cônjuges ou da família para o sustento. Por viverem mais tempo, também
estão mais suscetíveis a deficiências. Já o quinto desafio trata sobre ética e desigualdade social, pois
as discriminações por raça, cor, credo, gênero, situação social e idade são levadas ao extremo no
envelhecimento. As responsabilidades sociais para com essa parcela da população e a superação
desses preconceitos devem ser assim redefinidas.

Os impactos na economia e na saúde causados por esse grupo etário crescente representam o sexto
desafio destacado pela OMS. No caso da economia, é preciso discutir maneiras de equilibrar os gastos
públicos sem que o benefício da aposentadoria seja ameaçado, posto que a falta de recursos resultaria
em um aumento da pobreza em todo o país. Por fim, o sétimo e último desafio diante do
envelhecimento fundamenta-se em criar uma nova imagem do idoso e reformular seu papel na
sociedade – desta vez, como um indivíduo ativo. Para isto, é preciso instigar o respeito e a efetivação
de seus direitos por meio de programas governamentais e da reinvenção da visão proposta pela mídia.
Uma opção seria o investimento em educação, cujos benefícios ultrapassam o campo do saber, uma
vez que contribuem para a manutenção da capacidade funcional do idoso e garantem envelhecimento
com qualidade de vida. (UJIKAWA, 2010)

Além desses desafios lançados tanto à sociedade quanto aos governos, a velhice impõe várias
limitações, sobretudo para quem a vivencia, o que leva à necessidade de readaptação em diversas
áreas, principalmente nos campos biológico, psicocognitivo e socioeconômico. Fiedler et Peres (2008)
listam algumas dificuldades reveladas na idade avançada, tais como: complicações na visão, audição,
coordenação motora e intelecto, assim como o surgimento de doenças crônicas degenerativas, que
ocasionam dependência nas atividades cotidianas e aumento da procura por sistemas de saúde.

O Ministério da Saúde aponta quatro doenças como as principais que acometem os idosos brasileiros:
enfermidades no aparelho circulatório, diabetes, câncer e doenças respiratórias crônicas (BRASIL,
2007). Carlos et Pereira (2015) classificam as doenças cardiocirculatórias como sendo as primeiras do

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ranking, incluindo: infartos, anginas, insuficiência cardíaca e Acidente Vascular Cerebral (AVC). Esses
autores adicionam como enfermidades comuns aos idosos: mal de Parkinson, mal de Alzheimer
(demência), osteoporose, osteoartrose e catarata. Além disto, Stoppe Junior et Louzã Neto (1999)
destacam outro distúrbio mental grave que ocorre comumente na velhice: a depressão. Muitas vezes,
esta doença fica sem diagnóstico e tratamento por meses ou até anos.

Todos esses desafios impostos pela terceira idade comprovam que não basta apenas viver mais, pois
isto pode acarretar em uma sobrevida com dependência e incapacidade. O envelhecimento deve estar
diretamente ligado à qualidade de vida (PASCHOAL, 2000). Portanto, no final da década de 1990, a
OMS adotou o termo “envelhecimento ativo” de modo a qualificar positivamente o processo de
envelhecer. Desde então, vem promovendo sua difusão como um “processo de otimização das
oportunidades de saúde, participação e segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à
medida que as pessoas ficam mais velhas” (OPAS, 2005, p. 14).

Tal política pública de saúde procura oferecer bem-estar biopsicossocial aos idosos, buscando a sua
participação ativa na sociedade e respeitando suas limitações, carências e direitos. Tem por objetivo
melhorar a qualidade de vida das pessoas mais velhas, preservando sua autonomia e independência e
ampliando suas relações sociais com a implantação de programas que envolvem sua integração ativa,
por meio de grupos comunitários, interação entre gerações, programas de alfabetização, aprendizado
e desenvolvimentos de novas habilidades. Isto incide diretamente nos aspectos relacionados a
propostas projetuais de espaços arquitetônicos, paisagísticos e urbanísticos.

3 ARQUITETURA E ENVELHECIMENTO
A arquitetura desempenha papel fundamental na busca por qualidade de vida destacadamente para
pessoas com necessidades especiais, sendo que faz parte deste grupo toda a população idosa.
Conforme Frank (2004), ela pode ser utilizada como aliada na melhoria das condições dos idosos, pois,
quando seu estado psicofísico é bom e ainda não requer atenção médica permanente, necessitam
soluções espaciais que assegurem tanto acesso adequado quanto permanência confortável e segura
aos ambientes de habitação e convívio. Com base no conceito geral de gerontologia – termo que
provém do grego geros; “velhice” – como o conjunto de conhecimentos científicos aplicados ao estudo
do envelhecimento humano, nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais (JORDÃO NETTO, 1997),
surgiu a expressão “gero-arquitetura”, que passou a se referir à atividade projetual voltada a este
público específico: os idosos.

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Nos últimos anos, arquitetos e designers em todo o mundo começaram a repensar como a moradia
para idosos deve ser tratada, promovendo encontros e debates para analisar quais seriam as
necessidades contemporâneas da pessoa idosa (SABATER; MALDONADO, 2009). A nova abordagem
apresenta uma concepção mais livre e muito sensível sobre como encontrar soluções arquitetônicas
que se afastem do tradicional e voltem-se para o objetivo comum de tornar a habitação desejável para
seus próprios moradores. Viver em comunidades adequadamente previstas e construídas oferece uma
oportunidade de maior engajamento e interação, ao mesmo tempo em que pode eliminar o estigma
da velhice e permitir que os residentes mantenham sua independência. (USHER, 2018)

Embora de iniciativa bastante recente, a arquitetura amigável aos idosos vem ganhando importância
especialmente nos países em que o envelhecimento já atinge uma parcela considerável do total
populacional, o que já resultou em diversas experiências de projeto (SCHITTICH, 2007; LORENZO,
2008). Suas raízes históricas encontram-se nas iniciativas em remover barreiras arquitetônicas aos
indivíduos com deficiências que se tornaram mundiais em meados do século XX. Foi na década de 1950
que ocorreram algumas ações isoladas, o que ajudou a disseminar ideologias projetuais, as quais foram
reunidas na expressão “Desenho Universal” (DU). Esta passou a ser usada nos anos 1960, quando o
arquiteto norte-americano Ronald Lawrence Mace (1941-1998) empregou-a ao se referir a uma
filosofia de projeto que pensa o espaço de modo que todos os usuários possam utilizá-lo, sem
adaptações. O primeiro passo para a concretização desta nova forma de projetar, de acordo com Gaia
(2005), foi o reconhecimento governamental da necessidade de se regulamentar normas e
procedimentos para projetos acessíveis através da publicação de um manual: o American with
Disabilities Act – ADA Guide (1995-2002).

Basicamente, o DU busca soluções que abranjam todas as pessoas, sem estigmatizar os usuários com
base em suas possíveis deficiências e limitações. Tal conceito de design acessível tem origem na
premissa de se projetar para que todos os usuários do ambiente – ou equipamento – tenham
condições de locomoção e desenvolvimento de ações físicas completas, com a mesma intensidade e
eficiência daquelas realizadas por pessoas sem qualquer índice de deficiência física. Desde que surgiu,
tal postura projetual tem evoluído e alterado a concepção de espaços, podendo ser aplicada em
diversos tipos de edifício; e tendo como principal meta garantir a acessibilidade e usabilidade de todos
os equipamentos ou ambientes, sejam estes existentes ou ainda a existir. (GAIA, 2005)

Brawley (2006) afirma que, ao encontrar soluções que funcionem para pessoas nos extremos do
espectro da capacidade funcional, com deficiências cognitivas – e físicas – significativas, é muito

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provável que se acabe beneficiando a todos. As limitações nos idosos são, conforme Zimerman (2007),
naturais e gradativas, sendo influenciadas pelas características genéticas de cada indivíduo, mas
principalmente pelo seu modo de vida. Entre elas, destaca-se: a diminuição do tônus muscular, o
enrijecimento das articulações que reduzem a habilidade nos movimentos e a mudança no equilíbrio
e no caminhar, além da diminuição dos reflexos, o que acaba prejudicando a mobilidade corporal.
Soma-se a estas alterações bastante frequentes a todos os idosos o fato de alguns apresentarem
dificuldade em enxergar e em ouvir.

Segundo Assis (2006), o envelhecimento também pode provocar várias transformações psicológicas
no indivíduo, como a dificuldade de se adaptar a novos papéis na família e também na sociedade, além
da falta de motivação, baixa autoestima, depressão e outras. Cada idoso é um usuário único, pois cada
alteração fisiológica pode ocasionar uma restrição distinta em cada pessoa. Para Dorneles, Ely et
Pedroso (2006), essas alterações às quais os indivíduos estão suscetíveis ao longo da vida, sejam
externas ou internas, tornam o idoso mais vulnerável, dificultando a sua adaptação ao meio e sua
relação com outras pessoas. Na maioria dos casos, suas principais necessidades são de esferas
espaciais, que abrangem ambientes adequados, os quais respeitem as suas limitações, podendo as
mesmas serem classificadas em três categorias: físicas, informativas e sociais.

As carências mais facilmente percebidas são aquelas de caráter físico, as quais estão intimamente
ligadas ao estado físico-biológico do idoso. De acordo com Hunt5 (1991), citado pelos autores, tais
deficiências – que são decorrentes do desgaste no envelhecimento, ocasionadas por uma enfermidade
crônica ou ainda por doença degenerativa – podem provocar a diminuição do reflexo adaptativo ao
ambiente, podendo ser suprimidas através de medidas que facilitem o deslocamento e a mobilidade.
Logo, um ambiente projetado supre as necessidades físicas do idoso se estiver livre de obstáculos e
ser de fácil manutenção de modo a evitar acidentes. Deve ser atrativo para todos e estar de acordo
com as características biomecânicas e antropométricas desta população usuária.

Com relação às necessidades informativas do idoso, estas estão ligadas à sua percepção sobre o meio
ambiente. Nessa fase da vida, é comum a diminuição do funcionamento cognitivo. Logo, a dificuldade
em perceber e processar as informações acaba interferindo na atividade dos sentidos. Nesta categoria,
é relevante a promoção do estímulo de mais de um sentido, de modo que o idoso tenha mais
possibilidades em reconhecer as informações emitidas. Assim, deve-se procurar projetar espaços
legíveis e estimular todos os sentidos, para que, no caso de haver restrição em algum deles, o ambiente
supra a informação através dos demais. No caso de um idoso com restrição visual, por exemplo, a

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utilização de elementos com cores contrastantes, odores e/ou texturas diferenciadas serve como
referencial para sua orientação. (SOUZA, 2017; NUNES, 2018)

Quanto às necessidades sociais do idoso, estas estão relacionadas com a promoção do controle da
privacidade e da convivência social. Deve-se ter cuidado com a aparência dos locais projetados para
pessoas mais velhas, de modo que estes pareçam familiares, além de proporcionar um senso de
comunidade, onde a vizinhança e a camaradagem ocorram naturalmente. Este é o caso, por exemplo,
da existência de sacadas nas residências de idosos, as quais oferecem a oportunidade de controle da
interação com a vizinhança. Deve-se procurar projetar ambientes que proporcionem uma relação de
familiaridade, enfatizando a independência do idoso e procurando promover o contato social de forma
segura e confortável. (PEREIRA, 2004; DORNELES; ELY; PEDROSO, 2006)

Além disso, conforme Araújo et Barbosa (2014), um sentimento de perda social é experimentado pelo
indivíduo que se encontra nessa fase da vida. Observa-se que, por possuírem limitações físicas ou de
coordenação, os idosos tendem a se isolarem e diminuírem seus laços com a sociedade. E, pelo fato
de seus sentidos estarem comprometidos, podem passar a interagir menos com o ambiente que os
cerca, tendo sua percepção comprometida por informações complicadas, o que contribui para
alimentar uma sensação de incompetência e inutilidade. Isto pode ser contornado através de arranjos
e disposições espaciais voltadas à interação e convivência. (SCHWARTZ; BRENT, 1999)

Enfim, outro ponto a ser destacado em relação ao envelhecimento com implicações no projeto
arquitetônico consiste no aparecimento da fragilidade ou fragilização que, segundo o Ministério da
Saúde, trata-se de uma síndrome multidimensional que envolve uma interação complexa dos fatores
biológicos, psicológicos e sociais no curso de vida individual, culminando com um estado de maior
vulnerabilidade associado ao maior risco de ocorrência de desfechos clínicos adversos como: declínio
funcional, quedas, hospitalização, institucionalização e morte. Este fenômeno clínico distinto do
envelhecimento em si é passível de diagnóstico assim como de intervenções preventivas. Estima-se
que de 10 a 25% das pessoas acima dos 65 anos e 46% acima dos 85 anos que vivem na comunidade
sejam frágeis, conferindo-lhes alto risco para essas situações críticas. (BRASIL, 2007)

Projetando espaços e equipamentos amigáveis aos idosos


A busca por um padrão de dimensionamento e a definição de medidas ideais estão presentes em toda
a história da arquitetura. Tais modelos em sua maioria foram desenvolvidos analisando-se as
dimensões do ser humano médio, o que pode ser constatado nas propostas do Homem Vitruviano de

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Leonardo da Vinci (1452-1519) ou do Modulor de Le Corbusier (1887-1965). Prioritariamente, os
estudos antropométricos consideravam somente as dimensões corporais dos usuários e não
trabalhava com variações de deficiências que podiam acometer esses indivíduos, nem mesmo aqueles
que já possuíam alguma limitação. Foi apenas com o recente surgimento dos conceitos de
acessibilidade e de Desenho Universal (DU) que as pessoas portadoras de alguma necessidade especial
passaram a ter melhores condições de viver de forma segura e autônoma. (UJIKAWA, 2010)

A ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT), por meio da norma NBR 9050 – que trata sobre
acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos; e encontra-se em sua
terceira edição – estabelece regras e parâmetros técnicos para projeto e construção de edificações,
visando proporcionar acesso de modo indiscriminado, independentemente de idade, estatura ou
limitação de mobilidade; e garantindo a utilização segura de um ambiente ou equipamento (ABNT,
2015). Porém, embora esta norma inclua a população idosa como portadora de deficiência física, este
público não é composto necessariamente por pessoas deficientes. Enquanto o indivíduo que é
portador de deficiência tem seu quadro bem definido quando às suas debilidades, o idoso pode sofre
inúmeras alterações, não sendo possível determinar com exatidão o seu grau de limitação e em que
momento da velhice isto ocorrerá.

Basicamente, a gero-arquitetura requer novas posturas projetuais, as quais também incluem o


dimensionamento de todos os espaços segundo normas específicas, prevendo igualmente que os
usuários poderão utilizar cadeiras de rodas, muletas, bengalas ou andadores. Quando existirem
barreiras arquitetônicas – elementos que provoquem dificuldade de transposição como: escadas,
rampas, desníveis, muretas e aberturas, por exemplo –, deve-se atentar ainda mais para essas normas
de dimensionamento. É necessário considerar as larguras mínimas ou recomendáveis, além das alturas
máximas para degraus, patamares de descanso, corrimãos com duas alturas em ambos os lados de
escadas, rampas ou corredores, entre outros. (SOUZA, 2017; NUNES, 2018)

Torna-se fundamental especificar materiais adequados para todos os ambientes e superfícies – pisos,
paredes, esquadrias e mobílias –, os quais possuam facilidade de limpeza. Deve-se evitar cantos para
que não haja acúmulo de poeira e, consequentemente, possíveis focos de infecção; e, no caso do
mobiliário, não usar quinas e ângulos agudos, de modo a evitar acidentes. As alturas dos móveis devem
ser específicas para as medidas antropométricas do idoso, incluindo aqueles em cadeira de rodas ou
com dificuldades de movimento. Em locais de higiene, torna-se ainda mais importante o cuidado com

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texturas e contrastes, além da inclusão de barras de apoio adaptadas para cada finalidade. Nos
chuveiros, é recomendável a inserção de um assento para banho. (BESTETTI, 2006; HUBE, 2008)

Nas áreas privativas, a iluminação deve proporcionar diferentes cenários, incluindo momentos de
eficiência luminosa e/ou luz complementar, tanto por meio natural – através de aberturas como:
janelas, zenitais e claraboias – quanto artificial, a qual precisa ser eficiente e controlada. É fundamental
prever a ventilação natural e o condicionamento da temperatura interna, o que inclui sistemas de
climatização, ventiladores e aquecedores. Deve haver isolamento para ruídos externos ou internos
entre cômodos, assim como a utilização de cortinas e/ou tapetes para absorção de parte dos sons
emitidos no interior dos ambientes. Em paralelo, recomenda-se o tratamento adequado e seguro dos
espaços externos e áreas verdes, o qual valorize uma relação saudável e harmoniosa com a natureza.

Em suma, nas propostas amigáveis aos idosos, a edificação deverá equilibrar suas limitações visuais,
auditivas e motoras, além da redução de sua capacidade mental, por meio de adaptações específicas.
A partir das experiências e fontes consultadas, pode-se elencar na sequência algumas preocupações
de projeto que trazer melhorias significativas no conforto e na interação do idoso com os ambientes.

Diretrizes quanto às deficiências visuais:


• Prever pisos táteis de alerta e direcionais próximos a possíveis obstáculos;
• Propor sensores de presença para acionamento de iluminação em corredores, halls e outros
ambientes de uso comum;
• Instalar interruptores com teclas iluminadas, de modo a facilitar a identificação noturna, além de
placas de sinalização e identificação com letras grandes e legíveis, utilizando contrastes de cor;
• Usar maçaneta disposta abaixo da fechadura para não oferecer obstáculo na utilização da chave;
• Utilizar cores contrastantes, a fim de humanizar e beneficiar a animação do ambiente, diminuindo
as consequências causadas pela depressão e sentimento de abandono; e
• Planejar adequadamente a iluminação artificial e natural, de forma que não causem incômodo
visual nem provoquem dificuldades ou perda de direção.

Diretrizes quanto às deficiências auditivas:


• Disponibilizar alarmes de emergência que utilizam luzes;
• Prever a existência de aviso visual de chamada telefônica; e
• Instalar alarmes de emergência que utilizem frequências baixas (abaixo de 10.000 Hz) e que tenham
sons periódicos (não contínuos), para chamar a atenção de pessoas com perda de audição.

Diretrizes quanto às deficiências motoras:

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• Especificar acionadores do tipo alavanca, meia volta, monocomando para torneiras e registros de
pressão, assim como corrimão de apoio em corredores e locais que exijam apoio para a
movimentação;
• Prever ponto de interfone ou telefone em banheiros e cozinhas, além de próximos ao leito, para
facilitar o chamado de ajuda;
• Propor pisos antiderrapantes em áreas molhadas, pisos contínuos na máxima extensão possível e
desníveis de piso inferiores a 1,5 cm;
• Dispor tomadas a, no mínimo, 40 cm do piso, evitando o esforço de agachar-se; e uma altura máxima
de interruptores a 1,20 m;
• Criar estantes em alturas de alcance que evite o uso de escadas e banquinhos, assim como gavetas,
armários e prateleiras com pouca profundidade, assentos com alturas não superiores a 45 cm e
mobiliário com bordas arredondadas; e
• Usar rampas em desníveis, além de calçadas e passeios construídos com declividade adequada, livre
de quaisquer obstáculos, evitando-se ao máximo irregularidades e tapetes soltos.

Diretrizes quanto às deficiências mentais:


• Empregar uma linguagem simples e de fácil compreensão nas sinalizações, a qual precisa ser de
identificação direta através de imagens e contrastes;
• Prever diferenciações de superfícies por texturas e cores para ativar a sensibilidade;
• Instalar detectores de gás em cozinhas e banheiros, com sensores para desligamento automático; e
• Utilizar sistemas de segurança como fechaduras eletrônicas ou travas em portas e janelas.

Além dessas e outras recomendações projetuais de DU, as quais beneficiariam a população em geral,
Brito (2015) salienta que, ao cuidar especificamente do idoso, deve-se atentar ainda para três
aspectos: mudar-se a tempo, envelhecer no lugar e envelhecer juntos. O primeiro refere-se ao
momento de substituir uma casa convencional por uma estrutura adequada que disponibilize
assistência, mas conserve independência e identidade ao indivíduo de idade avançada. O segundo
relaciona-se ao rápido desenvolvimento da sua fragilidade, que pode passar, em curto prazo, de um
estágio de independência e locomoção total para um de mobilidade reduzida. A estrutura disposta a
acolher este público deve estar preparada para tais mudanças, tornando possível que o indivíduo
continue morando no mesmo local, de modo seguro; e esse ambiente se adapte às suas necessidades.

Já o terceiro aspecto corresponde à ideia de que o idoso deve morar em um local que proporcione
convívio social, de forma controlada para que sua privacidade não seja violada, mas a velhice deixe de
ser um processo solitário. Destaca-se que uma boa arquitetura voltada a este público deve estar
preparada para se adaptar às mudanças do corpo, de modo a suavizá-las e minimizar – ou mesmo

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neutralizar – o sofrimento individual. Deve-se, ainda, evocar as memórias dos idosos para lhes permitir
saber quem são e manter assim sua vitalidade. (SCHWARZ; BRENT apud BIANCHI, 2013)

Brawley (2006) critica os arquitetos que muitas vezes buscam direcionar o comportamento dos
usuários ao invés de criar espaços que deem suporte às suas próprias necessidades físicas, espirituais
e emocionais. Para a autora, entender as demandas dessas pessoas, especialmente as idosas, é o
primeiro passo para qualquer decisão de partido. Um exemplo deste equívoco, em instituições, clínicas
e casas de repouso voltadas a idosos, é a existência comum de casos de isolamento social devido ao
tamanho do edifício e às longas distâncias que os usuários com mobilidade reduzida devem percorrer.
Prever espaços de modo a incentivar interações sociais e relacionamentos é uma importante
contribuição que projetistas podem trazer para eliminar a solidão na velhice.

Ruivo (2014) considera como objetivos primordiais em uma gero-habitação os aspectos de integração,
proteção e independência, sugerindo ser importante conservar as conexões e laços preexistentes dos
usuários com pessoas ou lugares que faziam parte de seu cotidiano. O projeto do edifício deve
contemplar, portanto, espaços destinados ao encontro familiar e visitas de amigos e vizinhos, ao
mesmo tempo em que permita a interação com outros moradores, evitando o isolamento. O resultado
conferido aos idosos será sempre o de sentimento de integração e participação social.

Um novo conceito residencial voltado os idosos, além de se refletir na escala, no programa funcional
e na conformação do edifício, tem impactos na escolha de materiais e acabamentos, pois estes devem
favorecer a percepção do ambiente como uma habitação – e não como um edifício hospitalar.
Exemplificando: se todos os cômodos tiverem a mesma cor e tratamento, isto instantaneamente
resultará em um aspecto institucional. Elementos decorativos diversificados e coloridos, que remetam
à própria casa onde os usuários já viveram, por exemplo, adicionam interesse ao local e favorecem a
adaptação ao ambiente. Sugere-se inclusive a possibilidade de personalização de cômodos privados –
como os dormitórios –, trazendo assim maior identidade ao espaço. (NUNES, 2018)

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O envelhecimento populacional corresponde a um aspecto positivo do desenvolvimento humano e um


dos grandes avanços recentemente alcançados, uma vez que resulta dos progressos do conhecimento
científico e tecnológico, além da ampliação dos recursos em assistência e tratamentos médicos, assim
como da melhoria das condições e qualidade de vida das pessoas. Contudo, este fenômeno resulta

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também em novos desafios, especialmente aos arquitetos e projetistas que precisam começar a
atentar para as necessidades de um público antes praticamente invisível: os idosos.

Mesmo atingindo certa idade, as pessoas mais velhas continuam, com o passar do tempo, susceptíveis
a uma grande variedade de riscos, deficiências e limitações inerentes à sua própria condição etária. Há
maior possiblidade de alteração da marcha e da postura, assim como se aumenta o risco de acidentes
que conduzem frequentemente a altos índices de morbimortalidade, redução da capacidade funcional
e institucionalização precoce. A própria moradia de uma pessoa idosa pode contribuir com alguns tipos
de intercorrências devido à presença de escadas, pisos escorregadios, tapetes soltos e iluminação
inadequada. Isto tudo tem relação direta com as condições de arquitetura e design de interiores e
exteriores; e precisa ser levado em conta.

Paralelamente, as deficiências sensoriais dos idosos – principalmente auditivas e visuais –, podem


limitar a sua habilidade para atividades cotidianas, ampliando as chances de confusão mental, quedas
e esbarrões. Como o processo natural de envelhecimento associa-se a uma redução da acuidade visual
devido às alterações fisiológicas dos olhos, déficit de campo visual e doenças de retina, além do
declínio da percepção auditiva, os projetos necessitam prever tais limitações, trabalhando com cores,
tons e contrastes adequados, além de dispositivos sonoros que evitem acidentes. Se bem combinados,
efeitos cromáticos e tratamentos de luz, assim como texturizações de piso e paredes, podem favorecer
a estimulação sensorial dos idosos, inclusive reduzindo impactos psicológicos trazidos com a solidão e
a sensação de abandono. Como cores quentes são, em geral, mais estimulantes; e as frias, por sua vez,
tranquilizantes, podem respectivamente gerar efeitos antidepressivos e diminuir a ansiedade.
Superfícies opacas e sem brilho, pisos regulares e macios, acabamentos não escorregadios e
disposições mais acolhedoras também contribuirão para uma arquitetura mais amigável aos idosos.

Como o envelhecimento a que estamos todos sujeitos acarreta o declínio psicomotor e sensorial –
cujas limitações mais comuns são: a diminuição da visibilidade, a lentidão e dificuldade para realizar o
movimento de marcha, o prejuízo na audição e as deficiências ligadas à mente –, embora isto varie de
indivíduo para indivíduo – e independentemente da legislação e normas vigentes, que obrigam os
estabelecimentos a se adequarem às necessidades de acesso e permanência –, é fundamental pensar
em todos os aspectos projetuais relacionados à segurança e ao conforto dos usuários mais velhos.

Um dos principais desafios da gero-arquitetura é o de manter, no projeto de habitações assistidas,


conjuntos de moradias e Instituições de Longa Permanência (ILP), justamente o seu caráter residencial

17
e, ao mesmo tempo, criar condições para atender usuários com necessidades especiais, sejam traços
de demências ou aspectos de mobilidade reduzida, carência psicológica ou mental. Estas edificações
devem ser tão humanas e normais quanto for possível, buscando assim oferecer o conforto e suporte
esperado de um ambiente residencial. A tendência global tem sido a de diminuir a escala desses locais
e, em consequência, as distâncias caminháveis, de modo a se obter uma assistência e cuidado dos
idosos em ambientes menores, com um caráter nitidamente mais amigável e domiciliar.

Em locais não voltados especificamente aos idosos, deve-se também aplicar os princípios dessa nova
forma de pensar, mais inclusiva e que confere a todos ambientes uma maior universalidade,
incorporando a crescente ampliação da longevidade humana. Destaca-se, por fim, que a adoção da
gero-arquitetura impõe uma completa mudança de cultura por parte dos projetistas. No caso de
instituições especializadas, é fundamental que se abandone um modelo de clínica geriátrica
caracterizada por um sistema no qual os residentes são bem cuidados e seguros, mas sem poder
decisório, para um novo modelo regenerativo, este focado no usuário, de modo que aumente sua
autonomia e seu senso de controle. Já quanto às edificações em geral, deve-se projetar espaços que
permitam cada vez mais a realização de atividades que aumentem as possibilidades de um
envelhecimento ativo com qualidade de vida, por meio do estímulo da autoestima, da independência
e da sociabilidade, fortalecendo os vínculos pessoais e familiares, ou seja: integrando os idosos, ao
invés de segregando-os e estigmatizando-os.

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1 Segundo dados do INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE, 2011; 2015), a expectativa média de vida ao nascer no
país é de 75,8 anos. Houve um aumento de 30,3 anos quando comparado ao indicador observado em 1940, sendo que a
previsão para 2030 é que tal expectativa chegue a cerca de 78,64 anos. No último censo realizado, observa-se que a
representatividade dos grupos etários de até 25 anos de idade diminuiu em comparação aos dados dos anos 1991 e 2000.
Ao mesmo tempo, percebe-se que o topo da pirâmide etária brasileira vem alargando-se progressivamente, pois a
população de 65 anos ou mais representava 4,8% em 1991, passando para 5,9% em 2000 e chegando a 7,4% em 2010.
2 Foi como país signatário do Plano Internacional de Ação para o Envelhecimento (1982) que o Brasil adicionou este tema em
sua agenda política. Como resultado desse processo, na Constituição federal (BRASIL, 1988), foi incluído o conceito de
“seguridade social”, passando a consistir na primeira a contar com um capítulo – Da Ordem Social: Título VIII – que trata da
família, da criança, do adolescente e do idoso (IPEA, 2016).
3 Foi nessa época que a população idosa no Brasil passou a ganhar destaque, pois teve um crescimento significativo e, com
esse aumento do número de idosos, o país começou a desenvolver políticas voltadas à questão social das pessoas mais
velhas. Por meio do PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA AO IDOSO (PAI), criado em 1976, surgiram os primeiros grupos de convivência, os
quais promoviam ações voltadas às pessoas idosas estimulando a discussão de direitos e suas reinvindicações; e
promovendo sua valorização na própria comunidade. (RODRIGUES, 2001)
4 Outro fato relevante foi a aprovação em 1999 do Decreto federal n. 3.298, o qual regulamentava a lei n. 7.853/89 que
dispõe sobre a política nacional de integração de pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Em 2000,
criou-se o Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH) por meio da Lei federal n. 10.098, que estabelece normas
gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade (BRASIL, 2000). Já a Portaria n. 73, de 10 de maio de 2001,
consistiu em mais uma etapa de regulamentação da PNI, pois abordava procedimentos e mudanças de paradigmas na
definição de normas e padrões de funcionamento para serviços e programas de atenção à pessoa idosa, definindo as
modalidades de projeto e suas peculiaridades voltadas a este público em especial. (BRASIL, 2001)
5 HUNT, M. E. The design of supportive environments for older people. In: CONGREGATE Housing for the elderly, Haworth
Press, 1991.

21
Ambiente construído pela ótica do usuário com deficiência: o estudo
de caso da Reitoria da Universidade Federal da Paraíba
Environment built by the user's with disabilities perspective: the study case of the
Rectory of the Federal University of Paraíba

Ambiente construido por la óptica del usuario con discapacidad: el estudio de caso
de la Rectoría de la Universidad Federal de la Paraíba

NÓBREGA, Abraão Pinto de Oliveira


Graduando em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Paraíba,
abraaonobrega02@gmail.com

SARMENTO, Bruna Ramalho


Doutora em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Paraíba, brunarsarmento@hotmail.com

RESUMO
A acessibilidade plena, embora utópica, deveria ser destacada com a devida ênfase na produção arquitetônica,
principalmente nas obras de cunho público. Percebe-se a defasagem na distribuição igualitária de acessos com
base nas particularidades dos usuários. Esta pesquisa apresenta a percepção de diferentes grupos – com e sem
deficiências – sobre as principais dificuldades enfrentadas durante um trajeto pré-definido pela Reitoria da
Universidade Federal da Paraíba. Através de passeios acompanhados, um questionário semiestruturado e do
próprio relato dos voluntários foram diagnosticadas as principais problemáticas da edificação no que diz respeito
à orientabilidade e sistemas de sinalização. Objetiva-se entender e diagnosticar as demandas públicas, para a
edificação institucional em questão, resultando em um diagnóstico prévio que levasse em consideração as críticas
de usuários. Para atender princípios do desenho universal os voluntários se distribuíram em grupos com
deficiência – físico-motora, visual, auditiva e mobilidade reduzida – além dos sem deficiências. O estudo
possibilitou a criação de diretrizes para sistemas de sinalizações acessíveis que poderiam ser aplicados integrados
ou não, visando igualar o acesso de informação a todos os públicos, embasando-se nos princípios de Wayfinding
e de normativas como a NRB 9050 [ABNT (2015)] e a Lei n. 13.146 [Brasil (2015)].
PALAVRAS-CHAVES: acessibilidade, sistemas de sinalização, orientabilidade, diretrizes projetuais.

ABSTRACT
Though utopic, full accessibility should be emphasized with due emphasis on architectural production, especially
in public works. It is perceptible the lag in the equal distribution of accesses based on the peculiarities of the
users. This research presents the perception of different groups - with and without disabilities - regarding the
main difficulties faced during a pre-defined course by the Rectory of the Federal University of Paraíba. Using
guided walks, a semi-structured questionnaire and the volunteers' own reports, the main problems of the
building were diagnosed with regard to orientation and signaling systems. The objective is to understand and
diagnose the public demands, for the institutional building in question, resulting in a previous diagnosis, this
taking into account the criticisms of users. In order to comply with universal design principles, volunteers were
distributed in groups with disabilities - physico-motor, visual, hearing and reduced mobility - in addition to those
mentioned previously as without disabilities. Such practices allowed the creation of guidelines for accessible

1
signaling systems that could be applied integrated or not, in order to match information access to all audiences,
based on the principles of Wayfinding and standards such as NRB 9050 [ABNT (2015)] and Law no. 13. 146 [Brazil
(2015)].
KEY WORDS: accessibility, signalling systems, orientability, design guidelines.

RESUMEN
La accesibilidad plena aunque utópica debería ser destacada con el debido énfasis en la producción
arquitectónica, principalmente en las obras de cuño público. Se percibe el desfase en la distribución igualitaria de
accesos con base en las particularidades de los usuarios. Esta investigación presenta la percepción de diferentes
grupos -con y sin deficiencias- sobre las principales dificultades enfrentadas durante un trayecto predefinido por
la Rectoría de la Universidad Federal de Paraíba. A través de paseos acompañados, un cuestionario
semiestructurado y del propio relato de los voluntarios fueron diagnosticadas las principales problemáticas de la
edificación en lo que se refiere a la orientabilidad y sistemas de señalización. Se pretende entender y diagnosticar
las demandas públicas para la edificación institucional, en cuestión, resultando en un diagnóstico previo que
tomara en consideración las críticas de usuarios. Para atender principios del diseño universal los voluntarios se
distribuyeron en grupos con deficiencia - físico-motora, visual, auditiva y movilidad reducida - además de los sin
deficiencias. En estudio del caso de los sistemas de señalización accesibles que podrían aplicarse integrados o no,
con el objetivo de igualar el acceso de información a todos los públicos, basándose en los principios de Wayfinding
y de las normativas como la NRB 9050 [ABNT (2015)] Ley n. 13.146 [Brasil (2015)].
PALABRAS CLAVE: accesibilidad, sistemas de señalización, orientabilidad, directrices de diseño.

1 INTRODUÇÃO
A produção arquitetônica tem como finalidade abrigar o ser humano e possibilitar segurança para que
desempenhe as mais diversas atividades [Zevi (2009)]. Portanto, deveria atuar como um mecanismo
de inclusão que abrangesse os diversos perfis de usuários. Nesse sentido, embora seja um dever de
todas as edificações, nas obras públicas é ainda mais necessário enfatizar a acessibilidade pelo seu
caráter abrangente em respeito ao usuário. Ademais, obras de cunho institucional / educacional devem
possuir acessibilidade espacial com base no decreto 5.296 [Brasil (2004)]. Este estabelece que
ambientes de ensino precisam oferecer condições de acesso igualitário em todos os espaços,
independentemente de sua atividade.

Nesse cenário, os campi universitários demandam soluções voltadas à problemática, pois grande parte
das instituições federais de ensino superior é histórica, tendo suas edificações concebidas num período
onde acessibilidade não era tida como fator intrínseco ao processo projetual. Deste modo, há
defasagem não apenas em rotas e fluxos, mas também em sinalização, mobiliários e equipamentos
que permitam o uso igualitário para a comunidade, independente de sua condição física e/ou mental.

Segundo Brasil (2015) o usuário com deficiência é, muitas vezes, impedido de desempenhar suas
atividades, com qualidade e equidade, em decorrência das barreiras físicas e sociais encontradas em

2
seu caminho. Elas vão desde elementos urbanos e arquitetônicos que se constituem fisicamente como
limitadores de suas ações a questões atitudinais e excludentes por parte da sociedade como um todo.

Segundo Veloso e Elali (2014) os espaços constituídos não devem ser interpretados como acessíveis
espacialmente apenas pelo fato de possibilitarem a locomoção. Acessibilidade vai além, demanda que
o usuário tenha autonomia e que possa entender o funcionamento do espaço como um todo
permitindo seu fluxo seguro e eficaz.

A metodologia de projeto participativo – método utilizado como base para o desenvolvimento do


diagnóstico – se apresenta como o usuário tendo um papel ativo durante a elaboração do projeto, não
sendo apenas aquele que irá dizer suas necessidades. Não chega a um processo de coautoria, mas sim
uma presença ao longo de todo o desenvolvimento, uma visão do próprio usuário final desde o começo
da idealização da composição arquitetônica. Além disso, também é apontado que a produção
arquitetônica passa a ser mais conectada com o usuário final, visto que passa a ser mais integrado com
o processo projetual e não apenas deixado como um ouvinte [Lana (2007)].

Nesse contexto, através da participação efetiva da comunidade acadêmica em uma iniciativa de


Extensão foi realizado o diagnóstico das condições da sinalização presente na reitoria. Objetivando
entender qualitativamente a orientabilidade e seus componentes físicos e/ou sociais, quer sejam
mecanismos de sinalização ou direcionamentos verbais, de comunicação informal por funcionários,
usuários e visitantes.

OBJETO DE ESTUDO
No caso da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) não é diferente, a atual edificação da Reitoria,
objeto empírico desta pesquisa (Figura 1), tem sua construção datada de 1968 e através de sua
evolução histórica passou por um conjunto de modificações em seu partido arquitetônico. Essas
intervenções, pautadas primordialmente em alocar e organizar as diversas funções que edificação
abriga, gerou, em seu interior, uma organização espacial complexa, fomentadora de uma difícil
legibilidade ao longo de seus quatro pisos (térreo mais três).

3
Figura 1: 1.1 Mapa de Localização do Estado da Paraíba; 1.2. Da cidade de João Pessoa. 1.3. Do bairro Castelo Branco; 1.4.
Da Universidade Federal da Paraíba e 1.5. Reitoria da Universidade no centro do campus.
Reitoria da UFPB.

Fonte: (1.1 a 1.3) Adaptado de Wikipédia, 2019; (1.4) Adaptado de Google Maps, 2019; (1.5) Adaptado de UFPB, 2015.

Dada a atual situação da edificação no que diz respeito aos mecanismos de sinalização foi que esta
pesquisa se viu necessária. Não há variação dos sistemas de informação, sendo que todas as fontes
informativas se resumem ao conteúdo visual/textual, tendo variações no meio de implantação nas
portas. Assim, as poucas placas existentes podem ser divididas em dois grandes grupos: I) placas
improvisadas em papéis e II) placas feitas em papel adesivo (Figura 2). Estas se distribuem em diversas
tipologias de portas, gerando cada vez mais a perca da unidade e de uma linguagem padrão.

Figura 2: 2.1 Placa em papel fixada através de fitas adesivas. 2.2. Placa desenvolvida em papel adesivo.

Fonte: (2.1 e 2.2) os autores (2019).

2 MÉTODO
Para compreender a perspectiva do usuário esta pesquisa fundamentou-se no método participativo,
guiando-se, também, através da revisão bibliográfica e documental – plantas baixas, cortes e modelos
tridimensionais – para reconhecimento do objeto de estudo. A Reitoria se destaca pela sua implantação

4
centralizada no campus, além de sediar o conjunto de ações burocráticas responsáveis pela direção e
gestão da universidade. Foi realizado o recorte espacial para a análise e intervenção, restringindo o
diagnóstico ao primeiro pavimento, por este sediar o Comitê de Inclusão e Acessibilidade (CIA), órgão
responsável por diversos projetos para beneficiar a comunidade acadêmica com alguma deficiência.
Também é evidenciado que a localização do Comitê é mais próximo ao Norte da edificação (Figura 3),
encontrando-se distante do acesso ao pavimento pelo hall.

Através da análise do material gráfico foram traçadas duas rotas para analisar os fluxos em eixos de
circulação que demandariam maior foco de análise na produção dos elementos de sinalização. Assim,
criando-se um percurso que se iniciaria no hall e seguiria até o CIA, pela rota laranja, o voluntário iria
se deparar com um perfil de corredor e salas diferentes da rota vermelha, que seria o percurso de
retorno ao hall, finalizando o trajeto.

Figura 3: Sistema de rotas pré-estabelecidas para reconhecimento das dificuldades de orientação dos usuários no primeiro
pavimento da Reitoria.

Fonte: os autores, 2019.

As rotas serviram como base para a execução dos passeios acompanhados [Dischinger (2012)] que
marcaram a etapa prática de participação da comunidade. O passeio consistia em que o voluntário

5
chegasse ao objetivo (Comitê de Inclusão e Acessibilidade) guiando-se pelos mecanismos que
normalmente o fariam. Deste modo, caso fosse de sua vontade os voluntários poderiam:

I. Dirigir-se à recepção em busca de orientações dos funcionários;

II. Guiar-se pela livre interpretação do espaço;

III. Pedir informações às pessoas que estivessem nos corredores/salas;

IV. Orientar-se pelo sistema de sinalização existente.

Em nenhuma das situações os aplicadores interviriam no desenrolar do trajeto, exceto caso voluntário
ultrapassasse dez minutos e não conseguisse chegar ao objetivo. Ao encontrar o Comitê o voluntário
seria guiado de volta ao hall principal pela outra rota para que tivesse a vivência de ambas às
possibilidades. Por fim, através de um questionário semiestruturado com onze perguntas fechadas,
seriam abordadas questões específicas sobre a qualidade do passeio:

i) Dificuldades do trajeto;

ii) Qualidade da sinalização e da informação;

iii) Zonas de maior dificuldade para locomoção ou reconhecimento;

iv) Elementos que poderiam vir a facilitar sua vivência.

Buscando abranger as particularidades necessárias para promover igualdade aos diversos usuários os
passeios foram realizados com os principais grupos de deficiência tendo como referência os dados do
Censo [IBGE (2010)]. No Brasil, 23,9% da população possui pelo menos uma das deficiências
investigadas - visual, auditiva, motora e mental ou intelectual. Dentro destas, a prevalência variou de
acordo com a natureza delas, sendo a visual que apresentou a maior ocorrência, afetando 18,6% da
população brasileira. Em segundo lugar ficou a motora, ocorrendo em 7% da população, seguida pela
auditiva, com 5,10% e por fim a mental ou intelectual, com 1,40%. Ainda segundo o Censo [IBGE (2010)]
no estado da Paraíba são 1.045.631 pessoas com deficiência, um percentual de 27,76%, apresentando
um valor ainda maior em relação à nacional.

Assim, foram realizados trinta e dois passeios, dos quais vinte dois foram realizados com usuários com
alguma das deficiências supracitadas, configurando 68.5% da amostragem enquanto dez passeios
foram com voluntários sem quaisquer deficiências, atingindo 31.25% do total. O maior grupo se

6
subdividiu num cenário em que nove têm mobilidade reduzida, sete são deficientes visuais, quatro são
deficientes físico-motores e dois são deficientes auditivos (Tabela 01).

Tabela 01: Resumo da amostragem


Grupos Total Numérico
Deficiência Visual 7
Deficiência Físico-Motora 4
Mobilidade Reduzida 9
Deficiência Auditiva 2
Sem Deficiência 10
Fonte: os autores, 2019.

Como descrito pela Lei n° 13.146 [Brasil (2015)] não são apenas as barreiras físicas que interferem na
vivência dos cidadãos com alguma deficiência, as barreias atitudinais interferem, impedem e/ou
prejudicam a participação social da pessoa com deficiência em relação às demais em respeito ao
aproveitamento de espaços públicos e/ou privados. Elementos como rampas com inclinações fora dos
padrões pré-estabelecidos pela NBR 9050 [ABNT (2015)] atuam como barreiras físicas por se tornarem
circulações desconfortáveis para os usuários, dificultando o trânsito de pedestres.

3 DISCUSSÃO E RESULTADOS
Como principal macro resultado da atividade prática tem-se o mapeamento, através da separação dos
grupos em camadas, das dificuldades e críticas dos voluntários (Figura 4; Tabela 2). Na Figura abaixo
destacam-se na divisão de cores os grupos e as zonas que se mostraram mais problemáticas para cada
uma das deficiências. Nos círculos distribuídos em ordem alfabética são apontadas as situações
desfavoráveis mapeadas com base nos grupos de análise.

Esta etapa evidenciou a constância de barreiras atitudinais por toda a rota comumente utilizada como
principal – em destaque laranja na Figura 3. Nela são encontrados equipamentos e mobiliários
dispostos nos corredores, os quais não são largos e atrapalham o fluxo, principalmente de pessoas com
deficiências físico-motoras e mobilidade reduzida.

7
Figura 4: Mapeamento das rotas a partir das dificuldades em respeito à sinalização e acessibilidade geral pelos usuários com
base em suas particularidades.

Fonte: os autores, 2019.

Tabela 02: Relação dos grupos de usuários, suas dificuldades e críticas.


Grupos Dificuldades Críticas
Amplidão do Hall / perca da noção espacial; Sinalização exclusivamente visual; Ausência de
Deficiência Visual Mobiliários, extintores e portas de vidro no informação em Braille;
meio de corredores, indetectáveis pela guia. Ausência de Pisos táteis e/ou mapas táteis.
Ausência de placas e/ou elementos de sinalização;
Deficiência Físico- Difícil acesso pela rampa (inclinação);
Má qualidade da informação oferecia na
Motora Corredores estreitos indicados pela recepção.
recepção.
Ausência de placas e/ou elementos de sinalização;
Mobilidade Reduzida Corredores estreitos indicados pela recepção. Má qualidade da informação oferecia na
recepção.
Ausência de placas e/ou elementos de sinalização;
Má qualidade da informação oferecia na
Deficiência Auditiva Dificuldade/impossibilidade de comunicação.
recepção/ falta de treinamento para os
funcionários.
Dificuldade em se localizar/guiar-se pelos
Sem Deficiência corredores pela falta ou má qualidade da Ausência de placas e/ou elementos de sinalização;
sinalização.
Fonte: os autores, 2019.

8
Há também o fato que a informação da edificação é, em sua totalidade, oral ou visual, dificultando para
alguns grupos obterem o direcionamento eficaz para o objetivo na edificação. Não há presença de pisos
táteis que funcionem como guias e, dada à complexidade de seu programa de necessidades e arranjo
espacial, além da ausência ou ineficiência do sistema de sinalização, a possiblidade do indivíduo não
chegar ao destino é alta.

Em relação ao próprio sistema de sinalização torna-se evidente sua ineficácia em razão da falta de
unidade – pelo fato de cada região possuir um tipo de placa diferente – como também pela parca
presença de elementos, gerando a informação fragmentada e de pouca qualidade. Com base nas
críticas apontadas é possível traçar o conjunto de diretrizes que viria a estruturar a organização do
sistema de sinalização possibilitando acesso à informação aos diferentes grupos avaliados:

I) Propor elementos de sinalização baseados em identidade visual, promovendo uma


linguagem padrão que permeie os diferentes pavimentos, tipos de porta e ambiente.

II) Desenvolver três grupos de elementos sinalizadores, divididos entre suas bases
informativas, gerando não apenas elementos visuais.

a. Sistema visual – composto por placas e aplicações de cores para identidade.

b. Sistema tátil – composto por paginações de pisos táteis e mapas.

c. Sistema assistivo – uso de sensores, fontes sonoras e plataformas digitais informativas.

III) Propor diferentes sistemas que podem ser aplicados separadamente e/ou integrados,
proporcionando versatilidade e adaptabilidade ao projeto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Graças à conjuntura de abordagens prática e teórica é que este estudo se evidencia como importante
fomentador da pesquisa em acessibilidade. Pela diversidade de grupos abordados nesta pesquisa e
pelo mapeamento de suas necessidades foi possível deixar em destaque a ótica das dificuldades
enfrentadas por uma parcela da população. Pelo caráter participativo é facilitada a comunicação entre
produção acadêmica e o público alvo destas pesquisas.

As demandas gerais sobre acessibilidade e orientabilidade foram brevemente mapeadas e estruturadas


em uma concatenação coerente com as etapas de estudo, permitindo a comunicação entre o âmbito
teórico e prático, embora o número de sua amostragem não seja volumoso. A principal dificuldade

9
enfrentada foi aplicar o passeio com quantidades semelhantes entre os grupos, para que fossem
traduzidas suas opiniões / necessidades em uma escala padronizada.

Além disso, criar as categorias de análise sem que fossem excludentes também se mostrou como um
processo complexo a se realizar. Embora o processo tenha sido realizado com uma pequena porção de
voluntários já é possível apontar soluções baseadas nas críticas existentes, buscando na continuidade
da pesquisa, o refinamento de propostas e de soluções adotadas para implantação real.

Conclui-se a partir deste estudo que é possível desenvolver projetos integrados entre acessibilidade e
orientabilidade que atendam diferentes grupos de usuários. Desde que sejam entendidas a fundo suas
particularidades e demandas específicas, tendo como ferramenta importante a participação efetiva da
comunidade que irá usufruir destes sistemas / serviços.

REFERÊNCIAS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário,
espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT, 2015. Disponível em: <
https://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-
filefield-description%5D_24.pdf>.
BRASIL. Decreto-lei nº. 5.296, 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nº 10.048, de 8 de novembro de
2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000,
que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília, 2004. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5296.htm>.
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, 2015. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>.
DISCHINGER, M.; BINS ELY, V.; PIARDI, S. Promovendo acessibilidade espacial nos edifícios públicos: programa
de acessibilidade às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida nas edificações de uso público.
Florianópolis: Ministério Público do Estado de Santa Catarina, 2012.
LANA, Sibelle Meyer. O arquiteto e o processo de projeto participativo: o caso do RSV. 2007, 153 f. Dissertação
(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. 2007.
VELOSO, Maísa; ELALI, Gleice Azambuja. Projeto como construção coletiva: da participação à colaboração –os
desafios do ensino. In: Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo. Arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva. 3, 2014, São Paulo. Anais: ANPARQ. São
Paulo, 2014.
ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. 9ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

10
Diretrizes projetuais para ambientes escolares infantis baseados no
método de ensino de Montessori

Projects guidelines for Montessori-based infant school environments

Directrices para los ambientes escolares infantiles basados en el método


Montessori

RUDOLPHO, Caroline Roberta


Especialista, PUCPR, carol_rudolpho@gmail.com

CARARO, Juliana Fernandes Junges


Mestra, PUCPR, julianacararo.arq@gmail.com
RESUMO
O artigo trata de como o meio físico onde se dá o ensino e o aluno passa grande parte do seu tempo pode
contribuir de maneira significativa para a melhora na produção do conhecimento e no desenvolvimento do
estudante. Para ter um espaço escolar bem planejado, de acordo com as necessidades das crianças e suas
respectivas atividades, a arquitetura escolar tem que trabalhar com a pedagogia e seguir o método de ensino
estabelecido pela escola. Nesta pesquisa, aprofundou-se o estudo no método Montessori, que tem abordagem
voltada à autoeducação e autonomia da criança, com a observação e auxílio pontuais do professor nos
momentos necessários, buscando compreender quais são as diretrizes para a concepção de ambientes
escolares de acordo com esse método. Assim, teve como objetivo principal a criação de um quadro de
diretrizes para projetos de arquitetura escolar que venham a adotar o método montessoriano. Como
metodologia, adotou-se a pesquisa bibliográfica, buscando referenciais teóricos sobre o contexto da educação
infantil, o espaço escolar e os métodos de ensino tradicional e de Montessori. Como resultado, o quadro de
diretrizes proposto pode ser um referencial norteador para profissionais da área de arquitetura, que atuam no
desenvolvimento de projetos de ambientes escolares, baseados principalmente no método de Montessori.
PALAVRAS-CHAVES: Educação infantil, Método montessoriano, Arquitetura escolar, Projeto de arquitetura.

ABSTRACT
The article deals with how the physical environment where the teaching takes place, and in which the student
spends much of his time, can contribute significantly to the improvement of knowledge production and student
development. In order to have a well-planned school space, according to the needs of the children and their
respective activities, the school architecture must work together with the pedagogy, follow the teaching
method established by the school. In this research, the study was carried out in the Montessori Method, which
focuses on the self-education and autonomy of the child with the observation and assistance of the teacher in
the necessary moments, seeking to understand what are the guidelines for the design of school environments
according to this method. Thus, its main objective was the creation of a framework of guidelines for school
architecture projects that would adopt the Montessori method. As a methodology for this research, the
bibliographical research was adopted, which sought theoretical references on: the context of early childhood
education, the school space and the traditional teaching methods and Montessori. As a result of this research,
the proposed framework of guidelines may be a guiding reference for professionals in the area of architecture,
who work in the development of projects in school environments, based mainly on the Montessori method.
KEYWORDS: Child education, Montessori method, Scholar architecture, Architecture project.

1
RESUMEN
El artículo trata de cómo el medio físico donde se da la enseñanza, y en el cual el alumno pasa gran parte de su
tiempo, puede contribuir de manera significativa para la mejoría en la producción del conocimiento y en el
desarrollo del estudiante. Para tener un espacio escolar bien planeado, de acuerdo con las necesidades de los
niños y sus respectivas actividades, la arquitectura escolar tiene que trabajar junto con la pedagógica, seguir el
método de enseñanza establecido por la escuela. En esta investigación, se profundizó el estudio en el Método
Montessori, que tiene un enfoque orientado a la autoeducación y autonomía del niño con la observación y
auxilio específico del profesor en los momentos necesarios, buscando comprender cuáles son las directrices para
la concepción de ambientes escolares de acuerdo con ese método. De esta forma, tuvo como principal objetivo
la creación de un cuadro de directrices para proyectos de arquitectura escolar que vengan adoptando el método
montessoriano. Como metodología para esta investigación, se adoptó la investigación bibliográfica, la cual
buscó referenciales teóricos sobre: el contexto de la educación infantil, el espacio escolar y los métodos de
enseñanza tradicional y de Montessori. Como resultado de este estudio, el cuadro de directrices propuesto
podrá ser referencial orientador para profesionales del área de arquitectura, que actúan en el desarrollo de
proyectos de ambientes escolares, basados, principalmente en el método de Montessori.
PALABRAS CLAVE: Educación infantil, Método montessoriano, Arquitectura escolar, Proyecto de arquitectura.

1 INTRODUÇÃO
Ao pensar em educação, muitas palavras relacionadas vêm à tona: alunos, professores, livros e, claro,
escola, o lugar físico. A arquitetura escolar é um fator essencial ao aprendizado e, normalmente,
deixada de lado no planejamento de educadores. Ela pode contribuir de maneira significativa para a
melhora na produção de conhecimento e no desempenho dos estudantes.

A criança tem o primeiro contato com o mundo pela escola, onde são criadas as primeiras relações
sociais e adquiridos os primeiros conhecimentos científicos. Um local que proporcione maiores
experiências às crianças, com espaços humanizados e lúdicos, permite que elas se apropriem
livremente, o que pode trazer novos aprendizados, como também despertar o interesse pelos
estudos. Os alunos precisam se sentir acolhidos e amar aquele lugar e, assim, é preciso transformar
as alocações comuns em ambientes mais vívidos, inspiradores e produtivos. Para Kowaltowski (2010,
p. 42), “[...] o espaço físico escolar deve ser alvo de reflexão para que se consiga criar o ambiente
ideal, mais propício ao aprendizado, precisamos pensar não apenas no conteúdo e nas práticas de
ensino, mas também no design e arquitetura do ambiente”.

A arquitetura escolar pode ser, segundo Frago e Escolano (2001), definida como a relação do aluno
com o ambiente, tendo um papel importante pela compreensão da percepção do espaço e das
inúmeras influências que elementos como cores, natureza e materiais promovem nas pessoas. Citam
a arquitetura escolar como um tipo de programa que discute a sua materialidade a respeito da ordem
e disciplina, fundamentais para a aprendizagem sensorial e motora. Ainda, o espaço escolar deve ser

2
avaliado como uma construção que evoluiu culturalmente e expressa não apenas a sua
materialidade, mas, por ser um mediador em relação à formação das áreas cognitivas e motoras, é
um elemento fundamental para a aprendizagem e significativo para a construção do currículo.

Apesar de as escolas declararem o método de ensino adotado, ainda existe uma grande carência de
informação sobre as práticas pedagógicas e espaços apropriados para exercerem as atividades
conforme o método escolhido, ou seja, o ambiente preparado com metodologias de ensino é ponto
relevante para o desenvolvimento da criança na educação.

Embora haja muitos estudos sobre a importância da dimensão espacial das atividades relacionadas à
educação, esse assunto ainda não foi esgotado. Colocou-se em questão uma problemática
envolvendo especialmente as escolas de educação infantil, considerando que, para ter um espaço
escolar bem planejado, de acordo com as necessidades das crianças, a arquitetura escolar e a
pedagogia têm que trabalhar juntas e seguir as diretrizes que um método de ensino pode vir a
estabelecer. Assim, nesta pesquisa, tomou-se como referência de estudo o método de ensino de
Montessori, por observar que não contraria a natureza humana, pois conduz as crianças ao próprio
aprendizado e tem o professor como mediador do processo particular em que cada um manifesta
seu potencial. Como problema de pesquisa, buscou-se responder à seguinte pergunta: quais são as
diretrizes para a concepção de ambientes escolares de acordo com a metodologia de ensino
baseada no método de Maria Montessori?

Este trabalho adotou como metodologia a pesquisa bibliográfica, pela qual foram retiradas
informações para criação de um quadro de diretrizes para projetos de espaços escolares
direcionados ao ensino de Montessori. O estudo bibliográfico, ainda inicial, foi desenvolvido para um
trabalho de conclusão de curso de pós-graduação lato sensu e, mesmo não envolvendo análise
bibliométrica e pesquisa do tipo estado da arte, pôde-se chegar a uma proposta preliminar de
diretrizes para projetos de espaços escolares. Para Gil (1991), a metodologia de pesquisa é
compreendida pelo conjunto de estratégias adotadas, que possibilitam a solução de um problema
em questão e direcionam o pesquisador aos resultados esperados. Então, para responder ao
problema de pesquisa proposto para esta investigação, seguiram-se as seguintes etapas: (i) revisão
bibliográfica do contexto da educação infantil, espaço escolar e métodos de ensino tradicional e de
Montessori; (ii) comparativo entre os métodos de ensino pesquisados; (iii) construção do quadro de
diretrizes para projetos de espaços escolares direcionados ao ensino montessoriano.

3
2 O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A ESCOLA
A Constituição Federal de 1988 é um marco importante por ter reconhecido a criança e o adolescente
como sujeitos de direitos e definido o atendimento a eles como responsabilidade do Estado para com
a educação (CRAIDY, 2006; FLORES; ALBUQUERQUE, 2006). A educação das crianças, até então
considerada assistência, passou a ser um direito desde o nascimento e dever do Estado.

Em 1990, foi homologado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069, de 13 de julho
de 1990), o qual reafirmou o direito constituinte da criança e adolescentes à educação. Declarou-se
também o dever do Estado em assegurar-lhes o direito mediante o atendimento em creches e pré-
escolas para as crianças menores de seis anos de idade (LEITE FILHO; NUNES, 2013). Tendo a criança
como cidadã, foram criados programas e projetos de educação para a formação de professores de
pré-escolas, de acordo com Carvalho (2015), desenvolvidos por meio de orientações didáticas para o
trabalho com música, dança, expressão artística, ciências, jogos, linguagem escrita e aritmética. Cabe
salientar que a retomada e a reafirmação do direito à educação infantil se deram também em razão
da homologação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996), pela qual a educação infantil passou a ser considerada a primeira etapa da
educação básica, tendo como objetivo o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de
idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, de modo complementar à ação da
família e da comunidade (LEITE FILHO; NUNES, 2013).

Reconhece-se a criança como sujeito do processo educacional e principal usuário do ambiente


educacional. Por isso, é necessário identificar parâmetros essenciais de ambientes físicos que
ofereçam condições compatíveis com os requisitos definidos pelo Plano Nacional de Educação (PNE),
bem como os conceitos de sustentabilidade, acessibilidade universal e a proposta pedagógica. Assim,
a reflexão sobre as necessidades de desenvolvimento da criança (físico, psicológico, intelectual e
social) constitui requisito essencial para a formulação dos espaços destinados à educação infantil.
Não se constrói ou organiza uma escola sem seguir algumas instruções e ter em mãos
planejamentos. O espaço escolar já não pode mais ser construído sem critérios ou com critérios
pobres e antipedagógicos. Em geral, as escolas contam com infraestruturas bastante diferenciadas e
infelizmente existem espaços chamados escolas apenas por possuírem aluno e professor.

4
3 O ESPAÇO ESCOLAR
O espaço escolar pode contribuir muito para a melhora na produção de conhecimento e no
desempenho de estudantes. Para Nair, Fielding e Lackney (2009), a evolução nos métodos de ensino
e a incorporação de novas tecnologias precisam vir acompanhadas de mudanças consideráveis no
espaço físico escolar. É essencial parar de produzir padrões defasados e considerar como a escola
deveria ser para atender às demandas atuais.

As salas de aula foram projetadas para obedecer a uma hierarquia, na qual o professor era o
protagonista. Isso mudou e é preciso entender como os estudantes atuais aprendem, para organizar
a escola a fim de intervir positivamente na aprendizagem. Com a modelagem anterior, o aluno atual
não se sente incluído, nem estimulado. Precisa-se, então, pensar não apenas no conteúdo e práticas
de ensino, mas também no design e arquitetura do ambiente. Diante disso, esta pesquisa tem como
objetivo criar diretrizes para projetos de arquitetura de interiores seguindo a metodologia de ensino
montessoriana, para responder a questionamentos sobre os espaços adequados na área da
educação infantil e instruir os profissionais da área sobre como planejar um espaço a partir de uma
metodologia e suas necessidades.

Torna-se compreensível que o mundo da educação dedique sua atenção ao espaço pedagógico como
instrumento didático. A arquitetura dos edifícios escolares é uma questão atual.

O espaço físico isolado do ambiente só existe na cabeça dos adultos para medi-lo, vendê-lo, guardá-lo. Para a
criança, existe o espaço-alegria, espaço-medo, espaço-proteção, espaço-mistério, espaço-descoberta, enfim, os
espaços de liberdade ou de opressão (LIMA, 1989, p. 30).

Pensando em discutir o espaço educacional sob a perspectiva da arquitetura, a arquiteta Mayumi S.


de Lima trouxe importantes contribuições ao estudo dos ambientes escolares, sobretudo no
destaque que dá à abordagem histórica do espaço escolar (HORN, 2004). Sua ênfase recai sobre o
modo como o espaço interfere no disciplinamento das crianças e no controle dos movimentos
corporais. Suas considerações acerca desse tema nas décadas de 1950 e 1960, resultado de estudos
realizados nas escolas públicas de São Paulo, mostram que os espaços escolares não eram muito
diferentes dos da França e Inglaterra no século XIX. Tais espaços, sua disposição interna de mobiliário
e a planta dos prédios escolares impunham ordem, controle e disciplina das crianças.

No entanto, Horn (2004) comenta que Mayumi S. de Lima apontou algumas modificações no modo
como as escolas, mais especificamente as salas de aula, organizam seus espaços atualmente.
Segundo ele, os estrados foram retirados e os cantos de castigo desapareceram, mas isso não

5
significou que tenham de fato sido retirados, pois o modo de o professor conduzir sua prática reflete
a existência do estrado e das classes enfileiradas, mesmo sem a concretude disso.

No espaço físico, a criança consegue estabelecer relações entre o mundo e as pessoas,


transformando-o em um pano de fundo no qual se inserem emoções e sendo essa qualificação do
espaço físico que de fato o transforma em um ambiente (HORN, 2004). Para Escolano (2001), a
escola é um lugar construído que se decompõe e recompõe à luz das energias e das relações sociais
que se estabelecem. Com elementos simbólicos próprios e adquiridos, a arquitetura da escola
responde a padrões culturais e pedagógicos que as crianças vão aprendendo. Portanto, a arquitetura
escolar é, por si só, o que materializa todo um esquema de valores, de crenças, bem como os marcos
da atividade sensorial e motora. Sendo assim, está inserida em uma cultura e a desvela, em suas
formas, arranjos e adornos, cujos estímulos seriam transmitidos por mediação dos adultos e de
práticas culturais.

De acordo com Horn (2004), essa ideia já estava presente na educação infantil há muito tempo, por
meio das teorias de Friedrich Froebel (1782-1852) e Maria Montessori (1870-1952), que legitimavam
um espaço organizado para crianças pequenas, procurando integrar princípios de liberdade e
harmonia interior com a natureza, propondo um arranjo espacial em ambientes muito diferentes dos
vividos na época por crianças menores de seis anos. Esses teóricos planejaram um espaço que fez
parte integrante de suas metodologias, definindo-o à luz das necessidades infantis. Para Horn (2004),
a grande inovação, naquela época, foi o fato de adequar os espaços às necessidades das crianças,
fazendo uma revolução no que diz respeito aos espaços e aos ambientes de educação infantil, sendo
Froebel e Montessori considerados os grandes precursores da importância da organização do espaço
na metodologia do trabalho com crianças.

No método de Montessori, o controle passa do educador para o ambiente, por entender que o
espaço deveria ser organizado de modo que a vigilância do adulto e seus ensinamentos fossem
minimizados, reduzindo sua interferência. Ainda, declarava ser a beleza do ambiente e o desafio dos
objetos os estimulantes às crianças agirem, devendo a condição fundamental da organização desse
ambiente ser a harmonia, o colorido, a disposição de móveis e objetos que convidasse as crianças a
interagir e brincar (HORN, 2004).

Nesse método, o destaque está no equipamento, material e mobiliário, que, além de serem
adequados ao tamanho das crianças, permitem que mesas, cadeiras e poltronas sejam transportadas

6
por elas e valorizam a arte e a estética. Assim, entende-se o avanço dessa proposta como o fato de o
planejamento espacial ser parte constitutiva de um novo modo de considerar a criança.

De acordo com Montessori (1965), os pilares educacionais que sustentam o método são:

 Educação cósmica: forma como se devem apresentar todas as coisas à criança; tudo tem uma
função no mundo, inclusive ela, que deve entender qual é seu papel e como pode contribuir
para melhorar o ambiente onde vive.
 Educação como ciência: o professor irá observar hipóteses e teorias que são mais eficazes ao
seu trabalho com cada criança, compreendendo o processo individual de ensino e
aprendizagem.
 Ambiente preparado: local sensível às demandas da criança, onde ela possa explorar, conhecer
e desenvolver a sua autonomia. Ambiente planejado e construído para ela e atendendo às suas
necessidades.
 Adulto preparado: profissional que atue como facilitador do desenvolvimento da criança, com
conhecimento de suas fases, domínio de as técnicas e ferramentas de ensino e guia desse
processo de aprendizado.
 Criança equilibrada: criança em seu processo de desenvolvimento natural, que, pela disposição
de ferramentas, ambiente e adultos preparados, pode apresentar o máximo de suas habilidades.

Com esse referencial, acredita-se ser recomendável que ambientes educacionais infantis ofereçam
oportunidades para as crianças desenvolverem sua individualidade, permitindo-lhes ter seus próprios
objetos e poder participar da personalização e organização do espaço, seguindo, para tanto,
diretrizes para que atendam às necessidades das crianças e às metodologias de ensino e
aprendizagem adotadas. Portanto, este trabalho propõe-se a responder aos questionamentos sobre
os espaços adequados na área da educação infantil, criando diretrizes para projetos de arquitetura
de escolas que adotam o método de ensino montessoriano.

4 MÉTODO TRADICIONAL X MÉTODO MONTESSORIANO


Com a intenção de conhecer e comparar as características principais entre o método montessoriano
e os métodos de ensino tradicionais, também chamados conservadores, em que a aprendizagem está
focada no professor e pautada na reprodução de conhecimentos trazidos por ele, apresenta-se o

7
Quadro 1 da Associação Brasileira de Educação e Cultura (ABEC), que evidencia a grande diferença
entre os métodos citados.

Quadro 1: Comparativo entre o método montessoriano e o método tradicional


MÉTODO MONTESSORIANO MÉTODO TRADICIONAL
Enfatiza as estruturas cognitivas e o desenvolvimento Enfatiza o conhecimento e o desenvolvimento intelectual.
social.
O aluno participa ativamente no processo de ensino e O aluno participa passivamente no processo de
aprendizagem. A mestra e o aluno interagem igualmente. aprendizagem. A mestra é dominante em sala.
Encoraja a autodisciplina. A força atuante na disciplina é a mestra.
O ensino se adapta ao estilo de aprendizagem de cada O ensino em grupo é de acordo com o estilo de ensino
aluno. para adultos.
Os alunos são motivados a colaborar e se ajudar Não se motiva a colaboração.
mutuamente.
A criança escolhe seu trabalho ou atividade pelo seu A estrutura curricular é feita com pouco enfoque nos
interesse. interesses das crianças.
A partir do material selecionado, a criança é capaz de O conceito é entregue diretamente à criança pela mestra.
formular seu próprio conceito.
A criança trabalha no seu tempo. É estipulado um limite de tempo à criança no seu trabalho.
É respeitada a velocidade de cada criança para aprender e O passo da introdução é ditado pela maioria da turma ou
fazer sua informação adquirida. professora.
Permite à criança descobrir seus próprios erros pela Os erros são corrigidos e assinalados pela professora.
retroalimentação do material.
Na repetição das atividades, é reforçada internamente a A aprendizagem é reforçada externamente pela
aprendizagem e o aluno pode desfrutar do resultado de memorização, repetição, recompensa ou desalento.
seu trabalho.
O material multissensorial permite exploração física e Possui poucos materiais sensoriais e ensino conceitual, na
ensino conceitual pela manipulação concreta. maioria das vezes, abstrato.
A criança tem liberdade para trabalhar, se mover pela sala, A criança na maioria das vezes fica sentada em sua cadeira
ficar onde se sentir confortável, conversar com os colegas e quieta.
sem atrapalhar os demais.
Os pais participam de um programa para explicar a Os pais se reúnem voluntariamente e em geral não
filosofia de Montessori e processo de aprendizagem de participam no processo de aprendizagem de seus filhos.
seus filhos.
Fonte: ABEC (2009).

5 DIRETRIZES PARA PROJETOS DE INTERIORES NA ÁREA DA EDUCAÇÃO INFANTIL


A partir dos estudos do método de Montessori, com a contribuição trazida pelo referencial teórico,
foi criado um quadro de diretrizes para projetos de arquitetura escolar (Quadro 2).

8
Quadro 2: Diretrizes para projetos de ambientes escolares
PARÂMETROS DO PROJETO CARACTERÍSTICAS
1. Salas de aula, ambientes de ensino e comunidades  Livre movimentação.
pequenas de aprendizado  Diversas atividades.
 Área expositiva.
 Layouts modificáveis.
 Integração interno-externo.
 Trabalhos individuais ou em grupo.
 Professores interagem, foco no estudante, o professor é
um facilitador.
 Área de circulação minimizada.
2. Entrada convidativa  Identidade própria.
 Espaço de transição amplo.
 Área de entrada com exposição de trabalhos ou vista
para locais de atividade dos alunos.

3. Espaços de exposição dos trabalhos dos alunos  Diversas áreas pela escola.
 Superfícies verticais e horizontais.
 Utilizados também como elemento decorativo.
 Feitos com trabalho dos ou sobre os alunos.

4. Espaço individual para armazenamento de materiais  Próximo às áreas de estudo.


 De fácil acesso para as crianças, dimensões ideais para
elas.
 Cada aluno com espaço.
5. Arte, música e atuação  Espaço de exposição de atividade artística.
 Espaços para apresentações espontâneas.
 Área para construção de cenários, figurinos, teatro.
 Áreas externas e salas multiuso.

6. Área de educação física  Atividades em espaços internos.


 Áreas tradicionais de esportes para usos variados.
7. Áreas casuais de alimentação  Refeições em cafés menores, com horários flexíveis.
 Refeitórios menores.
 Área com contato com o exterior.
 Área para preparação dos alimentos pelas crianças.

8. Transparência  Acesso visual a áreas de socialização e estudo individual.


 Visibilidade entre classes e áreas informais de
aprendizagem.
 Corredores com luz natural.
 Visibilidade para corredores.

9. Vistas interiores e exteriores  Horizontes fora da sala.


 Uso de vidros.

9
10. Tecnologia distribuída  Presente em grande parte dos ambientes escolares.
 Diversidade de tecnologia.

11. Conexão entre os espaços externos e internos  Conexão com a natureza (trilha, pomar, horta, animais).
 Externo como extensão do interno (vistas, terraços,
salas ao ar livre).
 Conexões físicas diretas e de livre acesso.

12. Mobiliários confortáveis  Variedade de mobiliários.


 Mobiliários especiais para crianças, do seu tamanho,
permitindo sua movimentação.

13. Espaços flexíveis  Generosidade no dimensionamento.


 Modulações inteligentes, separados da estrutura.
 Móveis de fácil movimentação.

14. Iluminação natural  Luz natural para apoio à eficiência energética.

15. Ventilação natural  Ventilação cruzada.


 Janelas possíveis de ser manipuladas.

16. Iluminação, cor e aprendizagem  Iluminação de acordo com as atividades e funções.


 Utilização de cores nos ambientes.
17. Conexão com a comunidade e pais  Localização próxima ao centro da cidade.
 Relação com comércio e infraestrutura locais.
 Abertura para uso da comunidade.
 Participação dos pais nas atividades.

18. Assinatura local  Expressão da pedagogia e valores da escola.


 Elementos simbólicos internos e externos.
19. Elementos de sustentabilidade  Redução do impacto da construção.

10
 Materiais recicláveis.
 Minimização do consumo de água.
 Aproveitamento da energia solar passiva.
20. Banheiros como os de casa  Banheiro não institucional.
 Superar caráter impessoal.
 Mobília de acordo com as crianças.
21. Professores como profissionais  Escritórios e locais de armazenamento.
 Espaços para reuniões em grupo.
 Espaços para preparação de aula, de acordo com a
observação do professor aos alunos, e descanso.
22. Recursos de aprendizado compartilhados e biblioteca  Acessíveis a todos.
 Espaços confortáveis para leituras.
23. Cores e materiais adequados  Uso de objetos (material dourado, lúdico e outros) para
desenvolver a coordenação motora, raciocínio lógico,
criatividade, memorização e sensibilidade.
 Uso de cores nos ambientes e objetos para aumentar
atividade cerebral, provocar relaxamento, estimular o
aprendizado, interação social etc.
Fonte: As autoras (2019). Imagens: Souza (2018).

11
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação infantil tem papel fundamental no desenvolvimento dos indivíduos, pois, além da
aprendizagem, socializa, desenvolve habilidades, melhora o desempenho escolar no futuro, pode
fazer uma grande diferença na formação intelectual, propiciando à criança resultados efetivos para a
vida toda. Contudo, poucas instituições de ensino infantil seguem modelos de ensino construtivistas
e, naquelas que não os seguem, o espaço não é pensado conforme as necessidades das atividades
exercidas pelas crianças, o que desestimula todo o seu processo de desenvolvimento.

A elaboração do quadro de diretrizes para projetos de arquitetura de ambientes escolares infantis,


visando a atender às necessidades espaciais da criança ao adotar o método de ensino de Montessori,
bem como do comparativo entre esse método e o tradicional, constitui um norteador para que
profissionais da área de arquitetura passem a planejar espaços escolares com critérios focados na
necessidade das crianças e nas atividades exercidas dentro de um método de ensino específico.

A organização do espaço consiste em um ótimo parceiro pedagógico. Quanto mais rico e desafiador
esse espaço for, mais qualificadas serão as aprendizagens das crianças. Os ambientes devem ser
resultantes de uma atenta e documentada observação do educador, considerando as necessidades
das crianças e suas diferenças.

O quadro de diretrizes foi elaborado baseado em um único método de ensino e em um estudo


bibliográfico preliminar, ressaltando que existem outros métodos de ensino, para os quais devem ser
estudadas e seguidas novas diretrizes, assim como sugere-se, em novos estudos, o aprofundamento
da pesquisa bibliográfica. Com o que foi estudado, conclui-se que é de grande importância o método
de ensino andar com o projeto de um ambiente escolar. A qualidade do espaço interno é muito
importante, pois traz funcionalidade, estética, conforto e atende às necessidades das crianças. Por
isso, cada projeto é um caso e deve levar esses critérios em consideração.

7 REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990.
BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Referencial curricular nacional para educação Infantil. Brasília, DF: MEC,
1998.

12
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Política nacional de educação infantil: pelo
direito das crianças de zero a seis anos à educação. Brasília, DF: MEC/SEB/DPE/COEDI, 2005.
CARVALHO, R. S. Análise do discurso das diretrizes curriculares nacionais de educação infantil: currículo como
campo de disputas. Educação, v. 38, n. 3, p. 466-476, set./dez. 2015.
CRAIDY, C. M. O educador de todos os dias: convivendo com crianças de 0 a 6 anos. Porto Alegre: Mediação,
2006.
ESCOLANO, A. A arquitetura como programa. In: FRAGO, A. V.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e
subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
FRAGO, A. V.; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001.
HORN, M. G. S. Sabores, cores, sons, aromas: a construção do espaço na educação infantil. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
KOWALTOWSKI, D. C. C. K. Arquitetura escolar: o projeto do ambiente de ensino. São Paulo: Oficina de Textos,
2011.
LEITE FILHO, A. G.; NUNES, M. F. Direitos da criança à educação infantil: reflexões sobre a história e a política.
In: KRAMER, S.; NUNES, M. F.; CARVALHO, M. C. (Org.). Educação infantil: formação e responsabilidade.
Campinas: Papirus, 2013. p. 67-88.
LIMA, M. W. S. A cidade e a criança. São Paulo: Studio Nobel, 1989.
MARIA Montessori biografia. Disponível em: http://www.abec.ch/portugues/subsidioseducadores/biografias/
montessori.pdf. Acesso em: 25 jan. 2019.
MARIA Montessori e a valorização dos alunos. Disponível em: https://escolaeducação.com.br/
maria-montessori/. Acesso em: 25 jan. 2019.
MARIA Montessori. Disponível em: www.conteudoescola.com.br. Acesso em: 25 jan. 2019.
NAIR, P.; FIELDING, R.; LACKNEY, J. The language of school design: design patterns for 21st century schools.
[S.l.]: Designshare, 2009.
SOUZA, L. N. Arquitetura escolar, parâmetros de projeto e modalidades de aprendizagem. 2018. 190 f.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2018. Disponível em:
http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/331683. Acesso em: 31 ago. 2019.

13

Para um habitar mais versátil, diversificado e inclusivo



Towards a more versatile, diverse and inclusive dwelling

Para un habitar más versátil, diversificado y inclusivo


FARIAS, Hugo L.
Professor Auxiliar, Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design (CIAUD), Faculdade de
Arquitetura da Universidade de Lisboa (FAUL), hfarias@fa.ulisboa.pt, hugolfarias@gmail.com

RESUMO (100 a 250 palavras)


A habitação, hoje, tem que tem que responder às profundas transformações sociais que ocorreram nas últimas
décadas, e que criaram exigências diferentes e em constante evolução ao nível do espaço da casa. Uma clara
dissociação entre os modos de vida emergentes e os modelos habitacionais propostos, herdeiros das propostas
racionalistas da arquitetura moderna e, como tal, excessivamente pré-determinados funcionalmente e
espacialmente hierarquizados, pode ser observada. Com vista a responder a esta questão, diferentes
estratégias – tanto para o apartamento como para o edifício residencial – podem ser apontadas como
possibilidades para se encontrar uma habitação mais adequada à acelerada transformação dos modos de
habitar contemporâneos. O artigo procura estabelecer um conjunto de princípios e estratégias de projeto
desenvolvidos para promover uma habitação mais aberta ao uso, mais versátil e mais adaptada à
transformação, presente e futura, logo mais inclusiva, igualitária e democrática.
PALAVRAS-CHAVES (3 a 5): habitação, versatilidade, diversidade, igualdade, democracia.

ABSTRACT (100 to 250 words)
Dwelling, today, must meet the profound social changes that occurred in recent decades, and brought different
and evolving requirements to the house. A clear dissociation between emerging ways of living and proposed
housing models, heirs of modern rationalist architecture, can be observed. Addressing this question, different
strategies, both for the apartment and for the residential building can be pointed out as a way to find a more
suitable house for the accelerated transformation of contemporary ways of dwelling. The article aims to
contribute to the establishment of design principles and strategies developed to promote a more open-use and
versatile interior domestic space, more adapted to change, present and future, thus more inclusive, equalitarian
and democratic.
KEY WORDS (3 a 5): dwelling, versatility, diversity, equality, democracy.

RESUMEN (100 a 250 palabras)
La habitación, hoy, debe responder a las profundas transformaciones sociales que ocurrieran en las ultimas
décadas y que criaran exigencias diferentes y en constante evolución al nivel del espacio de la casa. Una clara
disociación entre los modos de vida emergentes y los modelos de viviendas propuestas, herederos de las
propuestas racionalistas de la arquitectura moderna y, como tal, excesivamente predeterminadas
funcionalmente y espacialmente jerarquizadas, puede ser observada. Para responder a esta cuestión, diferentes
estrategias – tanto para el apartamento cómo para el edificio residencial – pueden ser apuntadas como
posibilidades para se encontrar una vivienda más adecuada à la acelerada transformación de los modo de
habitar contemporáneos. El artigo procura establecer un conjunto de principios y estrategias de proyecto
desarrolladas par promover una habitación más abierta al uso, más versátil y más adecuada à la
transformación, presente y futura, luego más inclusiva, igualitaria y democrática.


PALABRAS CLAVE: habitación, versatilidad, diversidad, igualdad, democracia.

1 INTRODUÇÃO
A habitação constitui um dos temas centrais de investigação da disciplina arquitectónica, na medida
em que a questão do habitar será sempre central à vida e à sociedade humanas.

Face ao caráter permanente do habitar, constata-se a contínua transformação dos espaços da


habitação, uma vez que as transformações vivenciais e sociais do ser humano, ao longo do tempo,
correspondem a uma evolução e modificação do espaço doméstico. Hoje, com as profundas
transformações sociais, culturais, laborais, tecnológicas a que assistimos, começa a constatar-se uma
inequívoca dissociação entre os modos de vida emergentes e os modelos habitacionais propostos.

Pode afirmar-se que os modelos de habitação hoje generalizadamente propostos estão desajustados
e que os edifícios e apartamentos que habitamos - herdeiros, em grande medida, das propostas da
arquitetura moderna racionalista e funcionalista - constituem modelos rígidos, pouco diversificados,
pouco adaptáveis e pouco abertos à transformação. Esta situação pode constatar-se ao nível do
apartamento: na pré-determinação funcional dos espaços, na configuração espacial, e na hierarquia
dimensional e de circulação entre compartimentos; e ao nível do edifício: na excessiva padronização
e repetição, na mono funcionalidade, na adoção de soluções tipológicas padronizadas e pouco
abertas à diversidade e individualidade dos habitantes.

Toda esta condição diminui a capacidade de a habitação se adaptar, no presente, aos diferentes
modos de habitar e às necessidades, aspirações e desejos de uma população urbana muito
diferenciada e em profunda transformação; e, ao longo do tempo, a diferentes exigências funcionais,
sociais, familiares, laborais, ou outras.

O artigo procura enquadrar um conjunto de princípios para um habitar mais versátil, mais aberto ao
uso e à transformação, mais diversificado e mais inclusivo, que promova um habitar mais rico e
individualizado, logo mais igualitário e mais democrático.

2 HABITAÇÃO PARA UMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO


A sociedade humana existe em constante evolução e transformação. A habitação, enquanto
“componente fundamental da cultura material de uma determinada sociedade e (...) território por


excelência de expressão das particularidades identitárias e vivenciais dos indivíduos que nela
coabitam” (PEREIRA, 2010, p.315) participa directamente nestas mudanças, incorporando e
manifestando, lentamente, na sua forma e organização, as transformações dos modos de vida dos
seus habitantes.

No entanto, a aceleração a que temos assistido, nos últimos anos, nas mudanças sociais e de formas
de vida, levam-nos à constatação de que a habitação, tal como hoje é concebida e proposta, se
encontra desadequada face às necessidades dos habitantes que pretende acolher. Não é de
estranhar, pois, que na introdução ao livro Casa Collage – Un ensayo sobre la arquitectura de la casa,
Monteys e Fuertes coloquem a seguinte questão: “Quantos (arquitetos) construirão realmente a casa
de que necessita o século XXI?” (FUERTES, MONTEYS, 2001, p.8).

De acordo com Paricio e Sust, as principais mudanças que ocorreram nos últimos anos, com
relevância para o tema da arquitectura da habitação prendem-se, em primeiro lugar, com a questão
das profundas transformações sociais: o aumento da longevidade das pessoas; a descida significativa
da taxa de natalidade e a conseqüente diminuição da dimensão média da família; a diminuição do
número de casamentos; o aumento de uniões de fato e de outras formas de convivência familiar ou
de grupo; o aumento da idade de saída dos jovens da casa dos pais, o atraso na idade do casamento
e do nascimento de filhos; o aumento do número de separações e divórcios; o aumento de famílias
mono parentais, famílias unipessoais e famílias recompostas; a emergência de outras formas de
convivência na habitação. (PARICIO, SUST, 2000, p.13). Estes autores apontam ainda transformações
ao nível do crescimento e redistribuição da riqueza e ao nível dos valores e hábitos da sociedade,
como fatores de transformação do habitar contemporâneo.

Constata-se, assim, que a habitação tem hoje usuários muito diversificados, com exigências,
necessidades e preferências variadas, em significativa evolução, que geram ocupações e usos
também de grande diversidade; a aceleração com que as transformações têm ocorrido leva-nos a
pensar que esta é uma tendência crescente, que cada vez mais a habitação irá ser palco de modos de
vida e modelos de uso diferenciados e em transformação.

A abordagem convencional à questão habitacional, muito referenciada, ainda, aos modelos


racionalistas e funcionalistas de meados do século XX, tende a tipificar, homogeneizar e padronizar o
habitante e a habitação. Por todas estas razões, parece justificar-se plenamente uma reflexão atual
sobre como a casa deve acolher esta diversidade presente, e procurar prever a adequação futura,


proporcionando um maior leque de respostas às crescentes exigências, pela ampliação da sua
capacidade de uso.

3. PARA UMA HABITAÇÃO MAIS VERSÁTIL, DIVERSIFICADA E INCLUSIVA

No sentido de dar resposta aos desafios que se colocam atualmente à concepção da habitação - na
procura de uma habitação mais versátil, mais diversificada, mais aberta ao uso e mais adaptada à
transformação futura –, e partindo de autores que, a partir do último quartel do século XX,
começaram a propor conceitos, idéias e princípios como possíveis respostas para uma concepção
mais aberta do espaço habitacional, procuremos propor um conjunto de princípios de concepção,
tanto ao nível do apartamento, como ao nível do edifício habitacional.

Ao nível do apartamento

Ao nível da concepção do apartamento, as propostas atuais devem procurar encontrar soluções mais
versáteis, mais abertas ao uso e aos diferentes usuários, e mais preparadas para enfrentar as futuras
transformações. Para este objetivo, podem concorrer as idéias de flexibilidade e de adaptabilidade
do espaço da habitação.

Flexibilidade e Adaptabilidade

A idéia de flexibilidade no espaço da habitação apresenta-se como uma resposta adequada ao


excessivo determinismo da casa, como uma possibilidade de responder às mudanças sociais, à
evolução dos modos de vida e à atual dissociação entre modelos propostos e modos de habitar
(PARICIO, SUST, 2000, p.25). Para Eleb-Vidal (1988, p.102) “a flexibilidade coloca o problema da
adaptação do habitat aos modos de vida dos utentes, ao mesmo tempo que as possibilidades de
apropriação das habitações pelos habitantes”.

A idéia de flexibilidade deve ser encarada como a possibilidade de criação de maior uso e
versatilidade na casa, devendo sobretudo ser pensada como uma questão de potencial (FUERTES,
MONTEYS, 2001, p.50). Como afirma Koolhaas (1995, p.240): “a flexibilidade é a criação de uma
capacidade de ampla margem que permita diferentes e mesmo opostas interpretações e usos do
espaço”.

Neste sentido, engloba as idéias de flexibilidade ativa e de flexibilidade passiva, dois tipos de
estratégia que concorrem para a concepção de uma habitação mais aberta ao uso, mais preparada


para a evolução, para as alterações da vida familiar e para a incorporação futura de novos
equipamentos e atividades.

Por flexibilidade ativa podemos entender as soluções que se caracterizam pela possibilidade que
oferecem aos habitantes de alterar fisicamente a forma dos espaços interiores da habitação. Nesta
categoria encontramos soluções técnicas que procuram distinguir, à partida, na concepção da
habitação, os elementos fixos e perenes dos que podem ser elementos móveis ou alteráveis; tirando
partido das possibilidades dos segundos, preconizam-se soluções que propõem a utilização de
elementos móveis ou de instalação/remoção facilitada, que possam garantir diferentes
configurações interiores do espaço da habitação (HABRAKEN, 2000).

Por flexibilidade passiva – ou adaptabilidade - podemos entender a idéia de garantir diferentes


possibilidades de uso e apropriação no interior doméstico sem a alteração física da sua estrutura
configuracional. Como afirma Maccreanor (1998, p.40): “a adaptabilidade é uma forma diferente de
ver a flexibilidade. O edifício adaptável é simultaneamente transfuncional e multifuncional e deve
permitir a possibilidade de mudança de usos; (...) como um contentor de vários usos simultâneos”.

Cabrita e Coelho defendem também a idéia de adaptabilidade como central para a concepção do
interior doméstico, apontando as características dimensionais e organizacionais dos diferentes
compartimentos do fogo como responsáveis por esta possibilidade espacial (Cabrita, Coelho, 2009).

As propostas para um habitar mais atual, devem também procurar soluções que transcendam os
modelos mais convencionais de apartamento, ainda herdeiros dos processos de racionalização da
habitação de entre as guerras, que constituem modelos muito rígidos ao nível da determinação
funcional dos seus espaços, da hierarquia dimensional entre compartimentos, e da hierarquia de
circulação dentro da casa. Para este objetivo concorrem as idéias de polivalência, ambigüidade
espaço-funcional, e desierarquização espacial.

Polivalência

A idéia de polivalência surge da vontade de contrariar a determinação mono funcional que os


diferentes espaços, na habitação de referência modernista, ainda mantêm: cada cômodo é
desenhado para responder, de forma eficiente, a uma função; no apartamento moderno, sala de
estar, sala de comer, quarto, cozinha, etc., são pensados para garantir, apenas, o desenvolvimento
de uma função específica.


Hertzberger é um dos defensores da idéia de polivalência, como meio para uma arquitetura mais rica
e com maior possibilidade de apropriação. Em Lições de Arquitetura, Hertzberger (1999, p.146)
propõe que “a única abordagem construtiva para uma situação que está sujeita à mudança é uma
forma que parta da própria mudança como fator permanente – isto é, como um dado
essencialmente estático: uma forma que seja polivalente. Por outras palavras, uma forma que se
preste a diversos usos sem que ela própria tenha que sofrer mudanças, de maneira que uma
flexibilidade mínima possa produzir uma solução ótima.”

Para a concepção da habitação, a idéia de polivalência resulta na proposta de espaços que sejam
pensados e desenhados para múltiplos usos e funções, abrindo assim a possibilidade de uma maior
adaptabilidade do espaço ao seu usuário.

Ambigüidade espaço-funcional

A idéia de ambigüidade surge da vontade de contrariar a excessiva pré-determinação funcional que a


maioria das habitações correntes ainda apresenta.

De fato, por influência do processo de racionalização dos processos de projeto que ocorreram a
partir do início do século XX (KLEIN, 1980), o desenho da casa moderna funcionalista assenta
sobretudo na idéia de otimização do espaço, baseando-se numa pré-determinação, a três níveis: uma
determinação objetiva das atividades domésticas e necessidades funcionais a garantir na habitação;
a determinação da forma e dimensão de cada compartimento, para acolher as atividades e
necessidades; a determinação das relações entre cada um destes espaços, ditada também por
pressupostos exclusivamente funcionais. Daqui resulta uma configuração da habitação cujos
compartimentos estão rigidamente hierarquizados, tanto do ponto de vista das suas dimensões e
área, como do ponto de vista da sua posição e relação espacial.

A ambigüidade – tanto funcional como espacial - deve ser entendida como a possibilidade de propor
espaços sem pré-determinação funcional, abertos, pela sua área, forma e caracterização
arquitetônica, a diferentes possibilidades de uso e apropriação.

Monteys e Fuertes (2001, p.46) defendem a idéia de ambigüidade espacial e funcional como meio
para uma casa mais aberta ao uso e à apropriação, propondo uma maior equivalência formal e
dimensional entre diferentes compartimentos da casa e uma maior indeterminação funcional no
desenho dos espaços como meio para uma casa mais rica e interessante. Também Paricio e Sust


(2005, p.25) sustentam a idéia de uma compartimentação ambígua da casa, como possibilidade de
ampliação da polivalência do uso dos espaços, sem necessidade de os transformar fisicamente.

Desierarquização do espaço habitacional

Finalmente, a idéia de desierarquização do espaço da habitação (FARIAS, 2016), que se propõe como
um conceito que congrega alguns dos pontos anteriores: por um lado, refere-se ao desmontar da
hierarquia de dimensão e forma dos compartimentos da habitação, suportando-se no mesmo
conceito da ambigüidade funcional dos espaços. Defende-se assim a proposta de criação de
compartimentos formal e dimensionalmente equivalentes, de modo a que essa indeterminação
constitua uma abertura ao uso, isto é, que todos possam servir para o desenvolvimento de diversas
atividades domésticas. Por outro, refere-se ao desmontar das relações tradicionalmente
estabelecidas entre os compartimentos da casa, propondo-se que as circulações sejam
incrementadas e mesmo duplicadas, criem redundâncias, para que se perca a excessiva
hierarquização de circulação entre os espaços da casa.

Na procura da idéia de desierarquização do espaço doméstico, saliente-se que muitas das soluções
habitacionais urbanas pré-modernas apresentam organizações espaciais com as características e
qualidades apontadas e que assim ampliam as possibilidades de apropriação da casa, permitindo
modos de vida distintos, e a sua evolução ao longo do tempo. Constituem casos de estudo relevantes
para a verificação das idéias apontadas, e para o estabelecimento de princípios e estratégias para
uma casa mais versátil e aberta o uso.

Ao nível do edifício

Ao nível da concepção do edifício habitacional, as propostas atuais devem procurar encontrar


soluções que evitem as características mais críticas da arquitetura residencial de referência
modernista - excessiva padronização, monotonia, mono funcionalidade - e promovam as idéias de
diversidade de escolha e de individualização da habitação.

Para este objetivo podem concorrer as seguintes idéias de concepção do edifício habitacional:
diversidade habitacional, hibridez funcional, diversidade tipológica e morfológica, casa elástica e
casa dispersa.


Diversidade habitacional

A idéia de diversidade habitacional surge como forma de combater a excessiva padronização e


monotonia de muitas das soluções de habitação coletiva recente (FERREIRA, 2012, p.93). A idéia é
conceber edifícios que possam oferecer diversidade de tipologias de apartamento, tanto ao nível da
sua dimensão e numero de cômodos (T0, T1. T2, etc.), como ao nível da sua disposição espacial
(simplex, duplex, triplex, outras) e relação com o espaço público da rua (entradas diretas, a partir de
galerias exteriores, de núcleos de acesso vertical, etc.). Este conceito contribui para uma maior
possibilidade de adequação da casa ao seu habitante, para uma maior possibilidade de acesso
(compra ou aluguer) à habitação, e igualmente para a identificação deste com a sua casa,
promovendo a idéia de individualização da casa, e, através desta, a identificação da idéia de Lar.

Hibridez funcional

A idéia de hibridez funcional (FENTON, 1985) (GEHL, 2011) surge como forma de combater a mono
funcionalidade. A função exclusiva habitacional – típica do edifício moderno - tem sido apontada
como uma característica negativa, tanto para o edifício, que funciona majoritariamente como um
espaço de dormitório, encontrando-se, muitas vezes, quase deserto durante grande parte do dia,
como para a cidade, na medida em que o espaço urbano envolvente não fica ativado pela sua falta
de vida. Pelo contrário, um edifício que contenha um programa funcional híbrido, - conjugando, por
exemplo, habitação com comércio, serviços, cultura, saúde, educação, etc. – garante o seu uso e
vitalidade ao longo de todo o dia, funcionando como um catalisador da vida do espaço urbano à sua
volta.

Diversidade tipológica e morfológica

A idéia de promover diversidade tipológica e morfológica (GEHL Architects, 2014, p.29) surge,
novamente, da necessidade de combater a estandardização, repetição e monotonia das soluções
mono tipológicas e mono morfológicas que caracterizam muitos dos conjuntos residências atuais
(FERREIRA, 2012, p.86 e p.130). Assim, como forma de oferecer casas diferentes para pessoas
diferentes, a proposta de promover diferentes tipologias de edifícios num mesmo conjunto – casas
isoladas, geminadas, em banda; edifícios em esquerdo-direito, galeria, torre; e, também, a idéia de
propor híbridos tipológicos, isto é, edifícios que conjugam dois ou mais tipos convencionais de
habitação.


A diversidade morfológica, outra característica diretamente conectada com a identificação do
habitante com a sua habitação e com individualização de cada habitante, pode surgir como
conseqüência da variedade tipológica.

Casa Elástica

A Idéia da casa elástica (ELEB-VIDAL, 1988, p.103). prende-se diretamente com a possibilidade de
transformação do apartamento ao longo do seu tempo útil, como forma de dar resposta a diferentes
necessidades dos seus habitantes. Assim, preconizam-se soluções em que o edifício é concebido de
forma a permitir que o apartamento possa crescer (anexando cômodos) ou decrescer (libertando
cômodos), de modo a poder acompanhar a dinâmica da vida familiar dos seus habitantes. Esta idéia
é particularmente interessante para garantir a possibilidade de acesso de uma família à sua
habitação, prevendo-se, desde o início, a evolução socioeconômica acompanhada da melhoria da
habitação.

Casa Dispersa

A idéia da casa dispersa (FUERTES, MONTEYS, 2001, p.146) baseia-se na possibilidade de se poder
aumentar a superfície útil do apartamento, mas para espaços que não estão em continuidade
espacial com este. Preconizam-se, neste sentido, soluções que prevêem, dentro do edifício
habitacional, espaços complementares ao apartamento que possam estar dispersos pelo edifício. Isto
permite que a casa possa crescer, para espaços autônomos, mas equipados, conforme as
necessidades dos seus usuários.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As transformações sociais refletem-se nos modos de vida e de habitar contemporâneos, em
constante evolução e mudança. Os modelos de habitação herdados do período da arquitetura
moderna apresentam uma rigidez espacial e funcional que colocam em questão a sua adequação e
adaptabilidade às necessidades e aspirações dos habitantes, tanto presentes como futuras.

Para o apartamento, as idéias de flexibilidade, adaptabilidade, polivalência, ambigüidade e


desierarquização apresentam-se como possibilidades interessantes para a concepção de habitação
mais adaptada a cada morador, assim como mais aberta a futuras necessidades e aspirações. Para o
edifício residencial, os conceitos de diversidade habitacional, hibridez funcional, diversidade


tipológica e morfológica, e as idéias de casa elástica e casa dispersa, podem igualmente proporcionar
soluções que promovam um habitar mais rico, mais diversificado e, logo, mais adequado a cada
habitante, a cada família, a cada grupo familiar.

A procura por um habitar mais versátil, mais diversificado, justifica-se hoje, na medida em que, num
tempo de permanente e significativa mudança, pode constituir um contributo para o alcançar de
uma habitação mais aberta e acessível aos diferentes usuários, logo mais inclusiva, igualitária e
democrática.

5 REFERÊNCIAS
CABRITA, A. e COELHO, A. Habitação Evolutiva e Adaptável, Lisboa: LNEC, 2009.
ELEB-VIDAL, M.; CHATELET, A.; MANDOUL, T. Penser l’habité: le logement en questions, Paris: Pierre Mardaga,
1988.
FARIAS, H. A more versatile and adaptable dwelling, for a changing society. Em MANUEL COUCEIRO DA COSTA
(Ed.), FILIPA ROSETA (Ed.), JOÃO PESTANA LAGES (Ed.) e SUSANA COUCEIRO DA COSTA (Ed.) - Architectural
Research Addressing Societal Challenges: Proceedings of the EAAE ARCC 10th International Conference (EAAE
ARCC 2016). Lisboa: CRC Press Taylor & Francis Group, 2016.
FENTON, J. Hybrid Buildings, Princeton Architectural Press, 1985.
FERREIRA, J. S. W. (Coord.) Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano.
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FUERTES, P.; MONTEYS, X.; Casa Collage - Un ensayo sobre la arquitectura de la casa, 1ª edición, Barcelona:
Gustavo Gilli, , 2001.
GEHL Architects, Fazenda Paranoazinho, Colorado-Sobradinho Brasília, UPSA, 2014.
GEHL, J. Life Between Buildings; Using Public Space, Island Press, Washington, 2011.
HABRAKEN, J. El diseño de soportes, Barcelona: Gustavo Gili, 1979.
HERTZBERGER, H. Lições de Arquitetura, São Paulo: Martins Fontes, 1999.
KLEIN, A. Vivienda Mínima, Barcelona: Gustavo Gilli, 1980.
KOOLHAAS, R. S, M, L, XL, New York: The Monacelli Press, 1995.
MACCREANOR, G. “Adaptability”, in a+t – Housing and Flexibility I, n.º12, 1998.
PARICIO, I., SUST, X. La vivienda contemporánea: Programa y tecnología, Barcelona: Institut de Tecnologia de la
Construcció de Catalunya, 2000.
PEREIRA, S. M. Casa e Mudança Social, Lisboa: Caleidoscópio, 2010.

10
A ARQUITETURA BIOCLIMÁTICA NOS HOSPITAIS DO ARQUITETO JOÃO
FILGUEIRAS LIMA, LELÉ: Análise comparativa entre a primeira e a
última unidade da Rede Sarah de Hospitais.

BIOCLIMATIC ARCHITECTURE IN THE HOSPITALS OF THE ARCHITECT JOÃO


FILGUEIRAS LIMA, LELÉ: Comparative analysis between the first and last unit of the
Rede Sarah of Hospitals.

La ARQUITECTURA BIOCLIMÁTICA EN LOS HOSPITALES DEL ARQUITECTO JOÃO


FILGUERAS LIMA, LELÉ: Análisis comparativo entre la primera y la última unidad de
la Red Sarah de Hospitales.
DALLA CORTE, Carla
Arquiteta e Urbanista, Mestranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e
Urbanismo da IMED (PPGARQ-IMED), carladallacorte@icloud.com
CARDOSO, Grace Tibério
Doutora em Ciências da Engenharia Ambiental, Docente no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Arquitetura e Urbanismo da IMED (PPGARQ-IMED), grace.cardoso@imed.edu.br

RESUMO
Este artigo aborda a temática do conforto ambiental em hospitais e discute as estratégias bioclimáticas utilizadas
pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o “Lelé”, em dois hospitais da Rede Sarah. Estratégias passivas de conforto
em projetos, que consideram a influência do clima local, contribuem diretamente na melhoria da qualidade do
ambiente construído e no conforto dos usuários. Lelé é conhecido por considerar estas questões em seus projetos
tanto na forma, quanto na funcionalidade. Nos hospitais da Rede Sarah Kubitschek as soluções adotadas pelo
arquiteto proporcionam ambientes mais agradáveis, salubres e diminuiu o uso de sistemas mecânicos de
condicionamento do ar, reduzindo o consumo de energia elétrica. Deste modo, o presente artigo tem como
objetivo verificar a evolução dos processos projetuais utilizados na Rede Sarah de hospitais, tendo como objetos
de estudo o primeiro hospital da Rede, o Sarah Brasília – DF (1980) e o último, Sarah Rio de Janeiro – RJ (2009).
A metodologia do artigo é composta pela revisão bibliográfica sistemática e a análise simples dos aspectos
projetuais adotados pelo arquiteto nos hospitais. A análise evidenciou grande evolução nas decisões projetuais,
que condicionaram ao melhoramento de elementos construtivos bastante presentes em suas obras, tais como
os “sheds”, resultado de grande estudo e experimentação do arquiteto, aliados à sua preocupação em criar
espaços agradáveis aos usuários.
PALAVRAS-CHAVES: Arquitetura Hospitalar. João Filgueiras Lima (Lelé). Conforto Ambiental.

ABSTRACT
This article addresses the theme of environmental comfort in hospitals and discusses the bioclimatic strategies
used by architect João Filgueiras Lima, or “Lelé”, in two hospitals of the Sarah Network. Passive comfort strategies
in projects, which consider the influence of the local climate, directly contribute to improving the quality of the
built environment and user comfort. Lelé is known for considering these issues in his projects, both in form and
capacity. In Sarah Kubitschek Network hospitals, as solutions adopted by the architect that offer more pleasant,
healthy and diminished environments or the use of mechanical air conditioning systems, use or consumption of
electricity. Thus, this article aims to verify the evolution of the processes designed in the Sarah Network of
hospitals, having as its object of study the first hospital of the Network, Sarah Brasília - DF (1980) and the last,
Sarah Rio de Janeiro - RJ (2009). The methodology of the article is composed by systematic literature review and

1
a simple analysis of the projected aspects adopted by the architect in hospitals. An analysis showed great
evolution in the projected decisions, which conditioned and improved constructive elements very present in his
works, such as “barracks”, the result of a great study and experimentation of architect, allied to his organization
in creating items pleasant to the users.
KEY WORDS: Hospital Architecture. João Filgueiras Lima (Lelé). Environmental comfort.

RESUMEN
Este artículo aborda el tema de la comodidad ambiental en los hospitales y analiza las estrategias bioclimáticas
utilizadas por el arquitecto João Filgueiras Lima, o "Lelé", en dos hospitales de la Red Sarah. Las estrategias de
confort pasivo en proyectos, que consideran la influencia del clima local, contribuyen directamente a mejorar la
calidad del entorno construido y la comodidad del usuario. Lelé es conocido por considerar estos temas en sus
proyectos, tanto en forma como en capacidad. En los hospitales de la Red Sarah Kubitschek, como soluciones
adoptadas por el arquitecto que ofrecen ambientes más agradables, saludables y disminuidos o el uso de sistemas
mecánicos de aire acondicionado, uso o consumo de electricidad. Así, este artículo tiene como objetivo verificar
la evolución de los procesos diseñados en la Red de hospitales Sarah, teniendo como objeto de estudio el primer
hospital de la Red, Sarah Brasilia - DF (1980) y el último, Sarah Rio de Janeiro - RJ (2009) La metodología del
artículo está compuesta por una revisión sistemática de la literatura y un análisis simple de los aspectos
proyectados adoptados por el arquitecto en los hospitales. Un análisis mostró una gran evolución en las decisiones
proyectadas, que condicionaron y mejoraron elementos constructivos muy presentes en sus obras, como los
"cuarteles", resultado de un gran estudio y experimentación del arquitecto, aliado a su organización en la creación
de elementos agradables para los usuarios.
PALABRAS CLAVE: Arquitectura Hospitalaria. João Filgueiras Lima (Lelé). Confort Ambiental.

1 INTRODUÇÃO
O espaço físico tem grande influência na saúde do usuário, tanto pode contribuir positivamente na
melhora do paciente, quando criado para isso, ou negativamente quando não projetado corretamente
(GUADAGNIN, 2005). Após muito tempo usufruindo de espaços inadequados para o exercício da
medicina, estratégias foram inseridas no processo construtivo dos hospitais, melhorando o espaço
físico.

O desenvolvimento de projetos hospitalares consiste numa tarefa complexa, devido às normativas


vigentes. As soluções arquitetônicas adotadas ao projetar um hospital devem resultar em ambientes
mais confortáveis, que aproveitam recursos naturais, como ventilação e iluminação, pensando sempre
no conforto e no bem-estar de pacientes, familiares e profissionais do espaço, criando espaços
humanizados (BONI et al, 2018). Fushimi (2017) define o termo “humanizar” como a relação direta
entre pessoa-ambiente, justaposta à sensibilidade do arquiteto ao promover esses espaços

No Brasil, um dos arquitetos mais conhecido por projetos hospitalares é João Filgueiras Lima, o “Lelé”,
idealizador da Rede de Hospitais Sarah Kubitschek. A Rede Sarah está presente em oito Estados
brasileiros, e sua primeira sede foi construída em Brasília-DF no ano de 1980. Os hospitais da Rede
Sarah são destinados ao atendimento de pacientes com problemas de locomoção e à promoção da

2
reabilitação. A arquitetura desses hospitais é marcada pela sequência de elementos construtivos que
priorizavam a ventilação e iluminação naturais, bem como as condicionantes do local de implantação
(WESTPHAL, 2007).

Neste contexto, o objetivo desse artigo consiste em fazer um comparativo simples entre a primeira
unidade, o Centro de Reabilitação Sarah Kubistchek em Brasília-DF, e a última o Centro Internacional
de Neurorreabilitação e Neurociências Sarah Kubitschek, localizada no Rio de Janeiro-RJ, a fim de
entender a evolução das estratégias projetuais utilizadas pelo arquiteto. O desenvolvimento deste
estudo foi estruturado a partir da pesquisa bibliográfica a fim de obter subsídios teóricos a respeito da
arquitetura hospitalar e estratégias bioclimáticas, bem como informações relacionados aos dois
hospitais selecionados. Para a realização da análise simples dos projetos selecionados, será levantado
os aspectos projetuais e composição da forma, a relação com o entorno e as limitações de cada região.

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 A Evolução Hospitalar e o Conforto Ambiental nessas Edificações


A caracterização funcional e espacial do que hoje define-se como Hospital, foi influenciada ao longo
dos anos por mudanças políticas e sociais em conjunto a grandes evoluções na medicina. Ao se analisar
a evolução arquitetônica dos espaços hospitalares e as diferentes alternativas retratadas em cada
momento histórico (Figura 01), é possível observar as soluções arquitetônicas evoluindo em conjunto
com a cultura da sociedade (SILVA, 1999).

Figura 01: Evolução da arquitetura hospitalar

Fonte: Lima (2010)

3
Enquanto Enquanto na Antiguidade os espaços eram retratados por blocos únicos quadrangulares, na
Idade Média há um maior espraiamento da edificação, tendo edificações mais horizontais. Já na
arquitetura hospitalar da Idade Moderna vê-se a criação de pátios internos, rodeados por galerias e
corredores, priorizando a centralidade na disposição dos espaços. Na última ideia, a arquitetura
contemporânea dá continuidade ao sistema radial, porém com ramificações de blocos, dividindo as
funções a partir de suas particularidades.

Nos hospitais, locais onde as condições de trabalho são podem gerar alto nível de estresse, e o
atendimento é direcionado às pessoas com algum tipo de enfermidade, não considerar a importância
da arquitetura para uma melhor ambientação do espaço, pode vir a atrapalhar a realização dos serviços
ofertados e desencadear mais problemas, tanto para funcionários como para pacientes (GOÉS, 2011).
Na realização de um projeto hospitalar, além de grande quantidade de normativas, deve-se levar em
consideração as condições climáticas locais, de maneira a aproveitar adequadamente os recursos
naturais disponíveis para melhoramento da ambiência e redução do consumo de energia.

Neste contexto destaca-se a grande obra arquitetônica hospitalar de João Filgueiras Lima, Lelé, que
trabalhou pela instituição Rede Sarah de Hospitais, projetando hospitais distribuídos em diversas
localidades no Brasil.

2.2 A Arquitetura de João Filgueiras Lima, Lelé


A trajetória profissional do arquiteto Lelé foi marcada por experiências que foram imprescindíveis para
que se instaurasse um novo padrão de arquitetura. Fez parte do maior feito urbanístico brasileiro na
construção da cidade de Brasília - DF, junto do arquiteto Oscar Niemeyer. Em Brasília Lelé conheceu Dr.
Aloysio Campos da Paz Junior, que lhe deu a oportunidade de ser idealizador da Rede Sarah de
Hospitais.

Lelé tem sua arquitetura caracterizada pelo uso de sistemas racionais e industrializados, como o uso
de materiais pré-fabricados, cujo objetivo é acelerar a construção e minimizar os custos, além de
permitir a flexibilização da estrutural para futuras ampliações e modificações dos ambientes
construídos (PERÉN, 2006). Outra característica da arquitetura de Lelé é a preocupação com o conforto
ambiental e a humanização dos ambientes projetados, e neste quesito o arquiteto desenvolveu
sistemas de ventilação e iluminação naturais, que contribuiu com a redução do condicionamento
ambinetal ativo, consumindo assim menos energia elétrica (PERÉN, 2006). Um exemplo são as

4
coberturas com sheds, que servem para aproveitamento de luz e ventilação naturais, uma das
características mais marcantes e presentes na arquitetura de Lelé.

O Arquiteto é considerado uma grande referência para a arquitetura hospitalar, sendo o idealizador
dos projetos dos hospitais da Rede Sarah Kubistchek, distribuídos em várias localidades brasileiras e
conhecidos mundialmente como verdadeiros exemplos de arquitetura bioclimática hospitalar. A
característica mais marcante na arquitetura destes hospitais é a utilização ao máximo de recursos
naturais, sempre levando em consideração os fatores locais.

3 ANÁLISE E RESULTADOS

3.1 Os hospitais Rede Sarah Kubistchek


A Rede Sarah Kubistchek teve início em 1980, com a implantação do primeiro hospital da Rede na
cidade de Brasília-DF, sendo essa unidade a pioneira da Rede. A expansão da Rede seguiu com a
implantação de unidades em São Luís (1993), Salvador (1994), Belo Horizonte (1997), Fortaleza (2001),
Lago Norte/Brasília (2003), Macapá (2005), Belém (2007) e, por fim, Rio de Janeiro (2009), todos
projetados por Lelé (Figura 02). Neste estudo serão analisados o primeiro, o Centro de Reabilitação
Sarah Kubistchek, e o último, o Centro Internacional SARAH de Neurorreabilitação e Neurociências.

Figura 02: Linha do tempo Hospitais Rede Sarah Kubitscheck.

Fonte: Autores (2018).

5
3.1.1 Sarah Brasília
Inaugurado em 1980, o Sarah Brasília localiza-se na Asa Sul do Plano Piloto da cidade, e foi concebido
como um hospital urbano por estar em uma área densamente ocupada, e por não dispor de áreas
verdes em seu entorno (LATORRACA, 1999). O hospital tem as funções de atendimento hospitalar,
centro de administração e de gestão hospitalar, treinamento e pesquisas, controle de qualidade e
formação de recursos humanos (REDE SARAH).

Figura 03: Vista aérea do Sarah Brasília.

Fonte: Latorraca (1999).

No projeto deste edifício, o arquiteto trabalhou elementos arquitetônicos direcionados aos


tratamentos aos pacientes, a partir de técnicas construtivas e conceitos de espaços humanizados,
transformando o hospital em centro de referência internacional em reabilitação motora. O partido
arquitetônico nesta obra diferencia-se dos demais hospitais da Rede Sarah, pois a maior parte dos
serviços e toda a parte de atendimento médico e internações são realizados no bloco vertical, e possui
em suas características físicas reflexos da arquitetura da própria da capital brasileira em sua
conceituação (LATORRACA, 1999).

No bloco vertical o arquiteto criou um jogo de escalonamento dos pavimentos, sentido oeste-leste, a
fim de proporcionar entrada de ventilação e iluminação natural, bem como o controle do
sombreamento em diferentes horários do dia (figura 04). Como resultado desse escalonamento, foi

6
possível a criação de terraços-jardins com espaços livres destinados à reabilitação e lazer dos pacientes,
uma vez que sua localização não permitiu a presença de áreas externas para essa finalidade.

Figura 04: Vista do bloco vertical do Sarah Brasília.

Fonte: Latorraca (1999), adaptada pelos autores (2019).

No subsolo foram utilizados os sheds pré-fabricados de concreto armado na cobertura para possibilitar
a entrada de iluminação e ventilação natural (figura 05). O desenho dos sheds é feito com linhas mais
retas, marcantes, devido à limitação de componentes construtivos disponíveis para a pré-fabricação
deste tipo de elemento. Apesar do uso destes elementos nesta obra, ainda se fez indispensável o uso
de sistemas mecanizados de climatização, por conta da verticalização e da localização proposta aos
ambientes.

Figura 05: Sheds do Sarah de Brasília e detalhamento em corte.

Fonte: Rede Sarah, adaptada pelos autores (2018).

7
Desta forma foi possível verificar que no primeiro projeto hospitalar para a rede Sarah, mesmo Lelé
não dispondo de áreas verdes e tendo que utilizar a verticalidade, conseguiu propor estratégias que
resultaram em espaços mais humanizados e confortáveis. Esses recursos, além de influenciar
positivamente na recuperação dos pacientes, também resultam na redução dos gastos de energia.

3.1.2 Sarah Rio de Janeiro


O Centro Internacional Sarah de Neurorreabilitação e Neurociências, inaugurado em maio de 2009,
está localizado na Barra da Tijuca, na cidade de Rio de Janeiro-RJ, e é a última unidade construída da
Rede Sarah (Figura 06). Neste hospital atende-se adultos e crianças portadores de lesões congênitas,
ou adquiridas, do sistema nervoso central e periférico. Além disso o Sarah Rio de Janeiro oferece
espaços amplos e integrados, favorecendo o trabalho interdisciplinar, as discussões de casos e a troca
de experiências entre os pacientes (REDE SARAH).

Figura 06: Vista aérea do Sarah Rio de Janeiro.

Fonte: ArcoWeb (2017).

A arquitetura desta unidade Sarah é considerada a obra prima de toda a Rede, pois todos os problemas
que ocorreram nos hospitais anteriores da Rede, foram repensados e solucionados nesta obra. O clima
de Rio de Janeiro é quente e úmido assim como as características do terreno (parcialmente alagado),
foram fatores determinantes para a concepção e criação do projeto. Na arquitetura predomina a

8
tipologia linear e a volumetria de grandes galpões, embora pontualmente a arquitetura revele o
volume esférico do auditório e estrutura em balanço do solário (GRONOW, 2017).

Neste projeto Lelé propôs três alternativas flexíveis de ventilação: a natural, a natural forçada e a de ar
refrigerado. A ventilação natural, que se dá exclusivamente pela cobertura, composto de sheds
permanentes com grandes aberturas. A ventilação natural forçada, que ocorre por dutos localizados
no piso técnico, foi pensada de forma a distribuir a circulação aos ambientes com o ar captado pelo
fan-coil, que recebem a circulação de água gelada produzida pela central frigorígena. O ar após o
resfriamento neste duto, é impulsionado pelas unidades de fan-coil aos ambientes (PERÉN, 2006).

O uso de diferentes alturas de pé-direito em conjunto com os sheds vão além da estética (Figura 07),
pois funcionam para facilitar o acesso de iluminação e ventilação natural aos ambientes internos. Pela
sua localização e clima local, mesmo utilizando de recursos naturais, o hospital possui sistema de ar-
condicionado em todos os ambientes, para uso quando necessário.

Figura 07: Corte do Hospital Rede no Sarah Rio de Janeiro.

Fonte: Acervo do Centro de Tecnologia Rede Sarah – CTRS.

O controle da ventilação e iluminação naturais se dá também pelas esquadrias retráteis no teto, não
dependendo somente dos sheds permanentes da cobertura. Nesse caso as aberturas dos tetos são
fechadas por sistema de automação. Outra proposta do arquiteto é o espelho d’água linear de grande
dimensão (Figura 08), que faz lado ao bloco de internações, criado com a finalidade ajudar na
umidificação dos ambientes internos, e de resguardar o hospital de possíveis inundações, por conta de
sua localização (GRONOW, 2017).

9
Figura 08: Espelho d’água e Sistema de refrigeração no Sarah Rio de Janeiro.

Fonte: ArcoWeb (2017).

O auditório com volume semiesférico e inclinado (Figura 08), é pontuado verticalmente por uma cúpula
metálica que, por meio da automatização, abre-se em “gomos” proporcionado entrada de luz natural
para o espaço interno (Figura 09) (GRONOW, 2017). Além disso, a incidência dos raios solares ocorre
diretamente no palco, originando assim a chamada iluminação cênica (Figura 10).

Figura 09: Maquete da cúpula. Figura 10: Interior do Auditório.

Fonte: Acervo do Centro de Tecnologia Fonte: ArcoWeb (2017).


. Rede Sarah – CTRS.

10
Nota-se a preocupação que o arquiteto teve em conhecer detalhadamente o terreno, o entorno e a
posição em que o edifício estaria em relação aos ventos predominantes e insolação, para tomar as
decisões projetuais. Também, houve uma grande evolução no desenho da forma e funcionalidade dos
sheds, resultado dos estudos de Lelé. Por conta disto, o Sarah do Rio de Janeiro virou referência como
hospital sustentável e humanizado, pois aproveitou o máximo de elementos naturais do local,
resultando em espaços agradáveis e confortáveis.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os hospitais Rede Sarah de Brasília e Rede Sarah do Rio de Janeiro são as pontas dessa linha de tempo
e de evolução. Ao longo dos 30 anos da Rede Sarah, Lelé encarou cada novo projeto como uma
continuação do anterior, aprimorando suas técnicas já utilizadas e realinhando o que fosse necessário.
As principais diferenças entre os edifícios é o local de implantação, no qual o Sarah Brasília possui
limitações por estar locado em área urbana completamente edificada, sendo o único hospital com
maior verticalidade da Rede. Já o Sarah Rio de Janeiro está em um local mais amplo, mas com limitações
de uso devido ao tipo de terreno, alagável em determinadas épocas do ano. Nos dois casos, o arquiteto
tirou proveito da implantação, abrindo o subsolo com os sheds em Brasília, e conseguiu explorar outras
técnicas de resfriamento no Rio de Janeiro.

É importante ressaltar que os hospitais analisados se encontram em zonas bioclimáticas diferentes,


cada cidade com suas particularidades climáticas, contudo Lelé conseguiu atender em cada projeto as
exigências necessárias para sua localidade. Devido ao clima quente em ambas as cidades, em dias de
extremo calor, se faz necessário o uso de sistema de climatização artificial. Nesse caso, Lelé criou
soluções de conforto para o Sarah Rio de Janeiro, juntando a climatização artificial, a natural e a natural
forçada, de forma com que a artificial seja utilizada somente quando necessário.

Essa evolução significativa que ocorreu entre os edifícios analisados, é recorrente aos estudos e
avanços das técnicas utilizadas pelo arquiteto. Conclui-se que o maior avanço ocorrido entre as
unidades é com relação ao sistema de cobertura utilizado no Sarah Rio de Janeiro. Também é
importante ressaltar que o projeto Sarah Brasília é do ano de 1980, época em que essas questões ainda
não eram tão discutidas e havia maior limitação de materiais para serem utilizados. Mesmo assim, Lelé
buscava evoluir nas soluções adotadas, criando ambientes confortáveis e humanizados aos usuários.

11
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONI, Cláudio; SILVA, Conrado Renan da; FORTUNA, Talita Carli. Conforto ambiental hospitalar na perspectiva dos
hospitais da Rede Sarah Kubistchek. Revista Contemporânea: Revista Unitoledo: Arquitetura, Comunicação,
Design e Educação, Araçatuba, Sp, v. 3, n. 1, p.74-88, 2018.

FUSHIMI, Flávia. A humanização dos espaços na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Colloquium Socialis,
Presidente Prudente, Sp, v. 1, p.624-630, 2017.

GOÉS, R. d. Manual prático de arquitetura hospitalar. São Paulo: Blucher, 2011.

GRONOW, Evelise. "Lelé: Hospital Rede Sarah, Rio de Janeiro. TRANSIÇÃO GRADUAL ENTRE ÁREAS EXTERNAS E
INTERNAS". ArcoWeb, 2017. Disponível em: https://www.arcoweb.com.br/projetodesign/arquitetura/arquiteto-
joao-filgueiras-lima-lele-hospital-rede-sarah-27-10-2009. Acesso em: 22 de setembro de 2018.

GUADAGNIN, Simone Vieira Toledo et al. Centro de material e esterilização: padrões arquitetônicos e o
processamento de artigos. Revista Eletrônica de Enfermagem, Goiânia, v. 7, n. 3, p.285-293, 10 dez. 2005.

LATORRACA, G. (Org) João Filgueiras Lima, Lelé. São Paulo: Instituto Lina BO e P.M. Bardi, 1999.

MIQUELIN, L, C. Anatomia dos edifícios hospitalares. São Paulo: Cedas. (1992).

PERÉN, J. I. Iluminação e Ventilação Naturais na obra de João Filgueiras Lima “Lelé”: Estudo dos Hospitais da Rede
Sarah Kubitschek Fortaleza e Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado) – Escola de Engenharia de São Carlos,
Universidade de São Paulo, São Carlos, 2006.

REDE SARAH. Disponível em: http://www.sarah.br/a-rede-SARAH/nossas-unidades/. Acesso em: 05 de setembro


de 2018.

SILVA, K.P. (1999). Hospital, espaço arquitetônico e território. Tese (Doutorado) – Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.

WESTPHAL, Eduardo. A Linguagem da Arquitetura Hospitalar de João Filgueiras Lima. Dissertação (Mestrado) -
Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

12
Desenvolvimento sustentável e acessibilidade: mapa tátil arquitetônico

Sustainable development and accessibility: architectural tactile map

Desarrollo sostenible y accesibilidad: mapa táctil arquitectónico

CONSTANTI, Andressa Pinheiro


Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, UnB, email : andressaconstanti@gmail.com

FERREIRA, Oscar Luís


Professor Adjunto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UnB, email: oscar@unb.br

RESUMO
O desenvolvimento sustentável é um conceito que busca a harmonia entre três pilares: econômico, social e
ambiental. E a acessibilidade deve ser levada em conta na composição desses pilares. No pilar econômico, a
acessibilidade garante um maior acesso e consequentemente maior circulação econômica. Além disso, o maior
número de pessoas tendo acesso a um edifício, permite uma maior inclusão e compreensão do patrimônio
cultural, também integrado ao pilar social. O desenvolvimento de recursos e serviços que contribuem para a
acessibilidade de pessoas com deficiência visual, proporcionam uma maior orientação e mobilidade nos edifícios
arquitetônicos. Um desses recursos consiste nos mapas táteis. Eles surgem como uma importante tecnologia
assistiva que amplia a função visual, uma vez que traduzem conteúdos visuais em informações táteis. Este artigo
tem o objetivo de conceber uma ferramenta para a inclusão de deficientes visuais, um mapa tátil arquitetônico,
utilizados para facilitar a mobilidade de pessoas com deficiência. O texto, desta maneira, se organiza em três
capítulos, o primeiro versa sobre a acessibilidade contemplando aspectos culturais, econômicos e sociais do
desenvolvimento sustentável. O segundo, investiga-se, a partir das exigências legais do Decreto Federal 5.296 e
da norma Nbr 9050:2015, às exigências e padronizações da cartografia e mapa tátil, para enfim propor um
protótipo de mapa tátil à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, localizada no Instituto Central de Ciências , da
Universidade de Brasília, visando facilitar o acesso, a mobilidade e a orientação às pessoas cegas e de baixa visão.
PALAVRAS-CHAVES: Sustentabilidade, Acessibilidade, Tecnologias Assistivas, Instituto Central de Ciências,
Mapa Tátil.
.

ABSTRACT
Sustainable development is a concept which seeks harmony between three pillars: economics, social and
environmental. Accessibility must be taken as part of those pillars. In the economic pillar, accessibility leads to
larger access and therefore larger economic circulation. Besides that, a larger number of individuals having access
to certain building allows a bigger inclusion and comprehension of the cultural patrimony, which is also integrated
to the social pillar. The development of resources and services which can help for better accessibility for blind
people allows proper orientation and mobility in architectural buildings. One of such resources is the tactile map.
Tactile maps arise as an important helping technology, improving visual functions as they translate information
from visual to tactile. This article has the objective of outlining the relations between accessibility and
sustainability, focusing in the discussion about tactile cartography and mapping uniformity. The text organizes
itself in three chapters which elaborate about accessibility englobing cultural, economics and social aspects of
sustainable development and then investigates the demands and patterns of tactile cartography and mapping
from the perspective of the legal propositions of the Federal Decree 5.296 and the standard Nbr 9050:2015, so it

1
can finally propose a prototype tactile map of the Architecture and Urbanism Faculty, located in the Central
Sciences Institute, part of Universidade de Brasília, aiming to facilitate access, mobility and orientation for blind
and low vision people.
KEY WORDS: Sustainability, Accessibility, Helping Technologies, Central Sciences Institute, Tactile Map.

RESUMEN
El desarrollo sostenible es un concepto que busca la armonía entre tres pilares: económico, social y ambiental. Y
la accesibilidad debe tenerse en cuenta en la composición de estos pilares. En el pilar económico, la accesibilidad
garantiza un mayor acceso y consecuentemente mayor circulación económica. Además, el mayor número de
personas que tienen acceso a un edificio, permite una mayor inclusión y comprensión del patrimonio cultural,
también integrado al pilar social. El desarrollo de recursos y servicios que contribuyen a la accesibilidad de las
personas con discapacidad visual, proporcionan una mayor orientación y movilidad en los edificios
arquitectónicos. Uno de estos recursos consiste en los mapas táctiles. Ellos surgen como una importante
tecnología asistiva que amplía la función visual, ya que traducen contenidos visuales en información táctil. Este
artículo tiene el objetivo de diseñar una herramienta para la inclusión de deficientes visuales, un mapa táctil
arquitectónico, utilizados para facilitar la movilidad de personas con discapacidad. El texto, de esta manera, se
organiza en tres capítulos, el primero versa sobre la accesibilidad contemplando aspectos culturales, económicos
y sociales del desarrollo sostenible. El segundo, se investiga, a partir de las exigencias legales del Decreto Federal
5.296 y de la norma Nbr 9050: 2015, a las exigencias y estandarizaciones de la cartografía y mapa táctil, para
finalmente proponer un prototipo de mapa táctil a la Facultad de Arquitectura y Urbanismo, localizada en el
Instituto Central de Ciencias, de la Universidad de Brasilia, buscando facilitar el acceso, la movilidad y la
orientación a las personas ciegas y de baja visión.
PALABRAS CLAVE: Sostenibilidad, Accesibilidad, Tecnologías Asistivas, Instituto Central de Ciencias, Mapa Táctil.

1 INTRODUÇÃO
A sustentabilidade é um conceito complexo que não se limita à esfera ambiental, ela abrange também
um equilíbrio econômico e social. Busca assegurar crescimento econômico, igualdade social e
preservação do meio ambiente. (VELLANI, RIBEIRO, 2009) Nesse cenário, a acessibilidade atua como
uma das protagonistas, pois garante o acesso, o uso e uma maior inclusão das pessoas com deficiência
e mobilidade reduzida.

Na dimensão social, a acessibilidade está relacionada à equidade de direitos em sociedade, garantindo


a inclusão das Pessoas com Deficiência ou Mobilidade Reduzida (PDMR) no convívio social. Na
dimensão econômica, está relacionada ao acesso e inclusão, ao possibilitar a pessoa usufruir de todos
os serviços do espaços, e consequentemente, da esfera comercial, ampliando a circulação econômica.
(SASSAKI, 2018)

Nesse contexto, , quando entendemos que estamos vulneráveis à violência, acidentes e ao inevitável
envelhecimento natural, a deficiência se mostra inseparável da vida humana. E a relação entre
acessibilidade e sustentabilidade vira intrínseca, pois todos os humanos, permanentemente ou
temporariamente, estarão limitados em suas capacidades sensoriais e motoras. Parte-se, inclusive, do

2
direito à cidade e o direito de ir e vir de cada cidadão, expressado pela Constituição Brasileira de 1988,
atendido, completamente, mediante condutas que buscam acessibilidade e sua máxima expressão, o
Desenho Universal. (FERREIRA, 2018)

Os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em 2010 – revelam uma
porcentagem de 23,9 da população, economicamente ativa do país, declarou algum tipo de deficiência
ou incapacidade, o que corresponde, aproximadamente a 45 milhões de pessoas no Brasil (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2010).

A quantidade de pessoas que declararam ter alguma dificuldade de enxergar permanente, no Brasil,
foi de 29 milhões (baixa visão) e mais de 500 mil declararam ser cegas, segundo o Censo Demográfico
2010 divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística – IBGE. Considerando que
a população brasileira era de 190 milhões, em 2010, do total de 23,9% que alegaram algum tipo de
deficiência, 18.8% se autodeclararam cegos ou com baixa visão.

Segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS, 39 milhões de pessoas eram cegas e 246 milhões
com baixa visão no mundo, totalizando 285 milhões de pessoas com deficiência visual (OMS, 2001).
Um dado alarmante é a concentração de 90 % dos deficientes nos países em desenvolvimento, sendo
que 82% das pessoas cegas possuírem mais de 50 anos. (OMS, 2001). Referente à terceira idade, o
Brasil será o 6° país com o maior número de idosos até 2025, com aproximadamente 32 milhões de
pessoas com mais de 60 anos (IBGE, 2010).

Diante desses dados, a ciência, através de tecnologias, é capaz de suprir necessidades especiais dos
portadores de deficiência. Na Declaração de Direitos das Pessoas Deficientes (resolução aprovada pela
Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 09/12/75) está escrito: “As pessoas deficientes
têm direito a medidas que visem capacitá-las a tornarem-se tão autoconfiantes quanto possível”.

O desenvolvimento de recursos e serviços que contribuem para a acessibilidade dessas pessoas com
deficiência visual, é imprescindível para o desenvolvimento sustentável do mundo todo, eles
proporcionam uma maior orientação e mobilidade nos edifícios arquitetônicos.

Quando é mencionado no trabalho o termo deficientes visuais (DVs), refere-se às pessoas com restrição
total ou parcial da visão, também denominados como cegueira ou baixa visão (SASSAKI, 2007). O
indivíduo é tido como deficiência visual total quando apresenta acuidade visual menor que 0,05, nos
dois olhos, não utilizando aparato auxiliar (SENA; CARMO, 2005).

3
Os mapas táteis surgem como uma tecnologia assistiva extremamente importante, que amplia a função
visual, uma vez que traduzem conteúdos visuais em informações táteis. Por mais comuns que sejam os
mapas na atualidade, e que possam ser utilizados e enxergados por uma porcentagem significante da
sociedade, existe uma camada expressiva sem o sentido da visão, as quais são desprovidas de ver e
utilizar esses mapas.

Assim, como uma forma de tornar os mapas “visíveis” para as pessoas com deficiência visual um
recurso viável consiste nos mapas táteis. São utilizados para facilitar a mobilidade de pessoas
portadoras de deficiência e promover, consequentemente, uma maior autonomia e inclusão dessas em
edifícios públicos de grande circulação como, por exemplo, nas instituições de ensino, nos centros
urbanos e nos terminais rodoviários.

Os mapas táteis mais conhecidos são os direcionais (Figura 1), pois já estão presentes em vários
edifícios como bancos, museus e hospitais. Os mapas táteis direcionais apresentam basicamente a
direção em linhas para se chegar aos espaços dos edifícios.

Os mapas táteis arquitetônicos (Figura 2), os quais não devem ser confundidos com as maquetes táteis,
já apresentam as paredes da construção e delimita as áreas das salas, ateliês, pátios, etc, em
consequência os mapas táteis arquitetônicos possibilitam uma maior compreensão da construção.

Figura 1: Mapa tátil direcional do Banco do Brasil

Fonte: Sinalização universal, http://www.arcomodular.com.br. Acesso em dezembro de 2018.

4
Figura 2: Mapa tátil arquitetônico da Torre Malakoff, em Recife

Fonte: Revista algomais,2018

Em relação às exigências legais sobre acessibilidade, o Decreto Federal 5.296 estabeleceu no Brasil
duas leis de números 10.048 e 10.098, as quais refletiram na norma Nbr 9050, revisada em 2015. A Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146, foi promulgada somente em 2015
(Estatuto da Pessoa com Deficiência). Partindo dessas leis, vigentes nos dias atuais, quais as exigências
e padronizações da cartografia e mapa tátil?

Nesse trabalho, além de esclarecer a intrínseca relação entre o desenvolvimento sustentável e


acessibilidade, pretende-se expor às exigências legais do Brasil que dizem respeito a cartografia e a
mapa tátil. O produto final é produzir, atendendo às exigências, um protótipo de mapa tátil
arquitetônico a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de Brasília, no intuito de
representar o espaço arquitetônico por meio de dispositivos táteis.

2 SUSTENTABILIDADE DE ACESSIBILIDADE
O conceito de desenvolvimento sustentável é, segundo a ComissãoBrundt-land, “ aquele que atende
as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
atenderem a suas necessidades e aspirações”. (Relatório Brundland, ONU, 1987).

E o conceito de acessibilidade dado pela a NBR 9050 é definida como:

“A possibilidade e [a] condição de alcance, percepção e entendimento para utilização com segurança e autonomia
de edificações, espaços, mobiliários, equipamento urbano e elementos pelas pessoas com deficiência e mobilidade
reduzida”. (NBR,2018)

Diante de desses dois conceitos abrangentes podemos inferir que sustentabilidade está
intrinsecamente ligado às necessidades das sociedade, no presente e no futuro. E, de uma forma
simplificada, podemos dizer que a acessibilidade é o direito de ir e vir de todas as pessoas com

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autonomia e segurança. (FERREIRA, 2018) Ou seja, a acessibilidade é uma necessidade do ser humano
além de um direito básico garantido pela Constituição Brasileira, no artigo 5º:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;” (BRASIL,1998)

Na Convenção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, a acessibilidade era a protagonista
principal. A definição de ambiente acessível vai além de contemplar a entrada nas escolas,
universidades ou mercado de trabalho, ela abrange as condições para a continuidade dos DVs nessas
instituições.

Essa visão exprime que a deficiência não é da pessoa e sim as barreiras existentes na relação entre ela
e o meio, ou sociedade. Quando o ambiente abraça e acolhe, oferecendo todas as naturezas de
acessibilidade a começar da física, arquitetônica e comportamental, pode ser chamado de ambiente
acessível.

As pessoas apresentam diferentes características físicas e psicológicas e estão sujeitas a acidentes,


assim como o inevitável envelhecimento. Assim, exercer plenamente seu direito de ir e vir, com
autonomia só é efetivo quando os conceitos da sustentabilidade, incluindo a acessibilidade em todos
os espaços e para todas as deficiências e diferenças, ultrapassam o campo teórico-conceitual.
(FERREIRA, 2018) Pois embora apresentam normas legais sobre o tema, torna-se perceptível no
cotidiano das cidades brasileiras, as insuficientes condições de acessibilidade.

A pessoa com deficiência é, em primeiro lugar, ser humano. E o ser humano é uma figura sociável, não
sobrevive isolada, mediante relações que desenvolve com outras pessoas desde seu nascimento.
Necessita de motivação e apoio, igualmente a todas as pessoas. Não deve-se confundir solidariedade
e cooperação com tratamento piedoso, caridade ou superproteção. Tornar um ambiente acessível,
nesse sentido , depende não só do Poder Público, a atitude de cada cidadão é essencial e impacta a
construção de uma sociedade sustentável. Além disso, a atribuição do Estado é atuar como efetivo
fomentador dos direitos que consagrou na elaboração de normas e ratificação de Convenções.

Diante dessa legislação, o exercício da acessibilidade não é unicamente lei, é principalmente uma
questão de cidadania, uma condição de respeito aos direitos humanos . Possibilita uma melhoria da
qualidade de vida com as viabilidade de deslocamento em condição de conforto, autonomia e
segurança. Para que a igualdade e justiça social seja alcançado na constituição de uma sociedade

6
inclusiva, deve-se levar em consideração as diferenças e os direitos ainda não consolidadas. É inevitável
contemplar e enfrentar a desigualdade na maneira de nos relacionarmos em todas as esferas da vida,
romper as barreiras físicas e sociais. É um dever de cada cidadão essa transformação, e não pode-se
esperar somente pelas leis. Hoje em dia a lei pode atribuir o tom, o Poder Público fornecer os
instrumentos, no entanto concerne à sociedade compor a música.

3 CARTOGRAFIA E MAPAS TÁTEIS NAS LEIS BRASILEIRAS.


Por mais comuns que sejam os mapas na atualidade, e que possam ser utilizados e enxergados por
uma porcentagem significante da sociedade, existe uma camada expressiva sem o sentido da visão, as
quais são desprovidas de ver e utilizar esses mapas. Assim , como uma forma de tornar os mapas
“visíveis” para as pessoas com deficiência visual um recurso viável consiste nos mapas táteis.

Os mapas táteis surgem como uma tecnologia assistiva extremamente importante, que amplia a função
visual, uma vez que traduzem conteúdos visuais em informações táteis. São essenciais na garantia da
possibilidade de locomoção autônoma das pessoas com deficiência visual (VOIGT; MARTENS, 2006).

O mapa tátil, é um exemplo da cartografia tátil, que é uma área própria da Cartografia, a qual
desempenha a função de confeccionar mapas e diferenciados produtos cartográficos que possibilitem
a leitura por pessoas com deficiência visual. Essa leitura interfere diretamente na percepção de mundo
e na inclusão social de pessoas com deficiência visual. (NOGUEIRA, 2007)

São originados a fim de atender basicamente duas necessidades de pessoas com deficiência visual: a
educação e a orientação/mobilidade. Por conseguinte, para a primeira necessidade os mapas táteis se
basearam em mapas de atlas, geográficos, de livros didáticos, aqueles de referência geral, sendo
concebidos em escala pequena. Em relação à segunda necessidade, os mapas devem ser concebidos
em escalas grandes, com base em mapas arquitetônicos auxílio à mobilidade em edifícios públicos.
Esses últimos mapas são basicamente plantas arquitetônicas, visto que representam em projeção
ortogonal, os elementos urbanos ou presentes em edifícios. (LOCH, 2008)

É importante lembrar que existem diferentes tipos de baixa visão, por isso, na elaboração de mapas
acessíveis, o público alvo são pessoas cegas, o que torna o mapa uma solução genérica que abrange a
maioria dos graus de deficiência, se não todos. No Brasil, só na década de 1990 foram iniciadas as
pesquisas pioneiras nessa área de conhecimento, para elaborar mapas táteis. No âmbito internacional
a preocupação em relação a mapas táteis iniciou vinte anos antes, na década de 1970, e mesmo assim

7
a informação existente hoje é pouco quando comparada a disseminação do sistema de escrita e
impressão para cegos, o braille, inventado por Louis Braille em 1825. (CABRAL; CARDOSO; PENA, 2018)

Geralmente as pessoas cegas e com baixa visão precisam de outras pessoas para indicar endereços,
ruas, obstáculos e outras informações visuais. Circulam com hesitações pelas ruas da cidade e ficam
desprotegidas e vulneráveis à situações de risco. Os mapas táteis possibilitam representar a arquitetura
para pessoas com deficiência visual, facilita o processo de leitura e entendimento com maior precisão
e clareza dos detalhes arquitetônicos por parte dos seus usuários. Consequentemente, há uma maior
autonomia e inclusão desses indivíduos, em edifícios públicos de grande circulação.

A norma brasileira tocante às pessoas com deficiência nas edificações é a ABNT NBR 9050, publicada
em 2004 e atualizada em 2015, prevê os critérios técnicos de sinalização em acessibilidade em
edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. A norma, em seu tópico 5, referente às
informações e sinalizações, conceitua o termo mapa acessível:

“5.4.2 Planos e mapas acessíveis 5.4.2.1 Os planos e mapas acessíveis são representações visuais, táteis e/ou
sonoras que servem para orientação e localização de lugares, rotas, fenômenos geográficos, cartográficos e
espaciais. 5.4.2.2 As informações aplicadas devem contemplar o disposto na Tabela 1. 5.4.2.3 Estes planos e mapas
devem ser construídos de forma a permitir acesso, alcance visual e manual, atendendo à Seção 4 e 5.4.1-a).” (NBR
9050, 2015)

Após observar a lei e as exigências da NBR 9050, tocantes às pessoas com deficiência visual nas
edificações, percebe-se a insuficiência de prerrogativas para produção de uma mapa tátil.

No Decreto Nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004 a única alusão à alguma orientação tátil é referente à
sinalização:

“Art. 26. Nas edificações de uso público ou de uso coletivo, é obrigatória a existência de sinalização visual e tátil
para orientação de pessoas portadoras de deficiência auditiva e visual, em conformidade com as normas técnicas
de acessibilidade da ABNT.” (BRASIL,1998)

As sinalizações táteis mais observadas na norma são as verticais e as horizontais. As informações


verticais são praticamente placas em Braille fixada em paredes e portas e as horizontais são pisos de
texturas distintas. Essas informações são insuficientes para os usuários adquirirem autonomia no
edifício, pois, caso decidam serem orientados pelas sinalizações, necessitam de instruções anteriores
de como chegar às portas ou paredes ou de quais rotas se percorrer.

4 A CONCEPÇÃO DO MAPA TÁTIL


Em 2008, LOCH descreve a elaboração de mapas táteis e considera a presença de duas fases, análogas
àquelas dos mapas convencionais, a de elaboração e a do uso. Por conseguinte, deve-se ter como

8
premissa o propósito do mapa e seu público-alvo. O encadeamento desses dois elementos na
concepção do mapa foi sintetizado na Figura 3:

Figura 3:Esquema ilustrativo da concepção de mapas táteis.

Fonte: LOCH, 2008, p.47

Com o objetivo de esmiuçar e conceber o mapa tátil, a compreensão dos fatores envolvidos é
imprescindível. Na elaboração do mapa tátil, os fatores conceituais abrangem a escolha dos mapas
convencionais básicos, a escolha da simbologia e das variáveis gráficas, a determinação do layout
padrão e o último fator é a inserção de texto em braile e som.

O primeiro fator é a “Escolha dos mapas convencionais básicos”, nessa etapa, selecionamos um mapa
arquitetônico para ser utilizado como base. O mapa arquitetônico base (Figura 4) que se utiliza para a
concepção do mapa tátil da Fau-UnB, foi baseado no arquivo em do software AutoCad, com extensão
.dwg, disponibilizado pelo Centro de Planejamento Oscar Niemeyer, CEPLAN, localizado no Campus da
Universidade de Brasília.( O CEPLAN é uma instituição encarregada pela gestão e planejamento das
obras arquitetônicas e pela esfera ambiental da UnB).

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Figura4: Planta arquitetônica simplificada do térreo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de Brasília,
utilizada como base na elaboração do mapa tátil.

Fonte: CEPLAN, 2018 (Adaptado).

É necessário a adaptação do mapa arquitetônico para o modo tátil, pois a totalidade de informação e
simbologias presentes nos mapas convencionais não é compatível para a leitura tátil. Nessa
compatibilização, pequenos elementos ou espaços, conforme sua relevância, estão sujeitos á “fusão,
seleção, realce ou deslocamento”, segundo Loch (2008). Por consequência, pode-se concluir que
acréscimos e modificações são consentidas na cartografia tátil, ao contrário do que acontece na
cartografia convencional.

O segundo fator é a “escolha da simbologia e das variáveis gráficas” (Figura 5), essas devem aparecer
no mapa tátil como variáveis táteis, em relevo. Em relação às simbologias como ponto, linha e área, ao
serem reproduzidos, estão sujeitos à mudança de forma, tamanho e orientação. Mas é essencial a
distinção entre essas variáveis visuais e volumes. A altura convencionalmente utilizada é menos de 0,2
centímetros, pois já é percetível ao tátil como variação de altura. Quando ultrapassa essa altura,
significa a mudança de volume. Em relação ao tamanho do ponto ou linha inseridos no mapa tátil,
podem variar até três tamanhos, sendo o menor 0,2 centímetros e o maior por volta de 1,2 centímetros
de diâmetro. Quando ultrapassa esse diâmetro máximo, pode-se induzir ao equívoco de compreender
a simbologia como sendo área. (LOCH, 2008)

10
Figura 5: Exemplos de variáveis gráficas táteis na implantação pontual, linear e em área.

Fonte: LOCH, 2008, p. 49

O terceiro fator é a “determinação do layout e do texto”, uma das principais partes na compreensão
do mapa tátil, relevante também no mapa convencional, permite entender o que está representado
no mapa, a partir dos textos existentes no seu corpo ou na legenda. O layout significa colocar cada
elemento em seu lugar, como a legenda e o título do mapa. Outro elemento imprescindível é a
marcação da direção Norte, a qual possibilita a orientação geográfica, assim como a escala gráfica que
facilita a assimilação das dimensões ou extensões da realidade, pelos deficientes visuais.

No caso do mapa tátil arquitetônico proposto, utiliza-se a simbologia para mapas táteis de escala
grande (Figura 6), que são para edifícios públicos e centros urbanos. Por ter a finalidade de

11
equipamentos urbanos públicos, como banheiros, cadeiras, totens informativos táteis, etc. A Figura 4
exibe três simbologias utilizadas em alguns dos mapas já elaborados no Brasil, pelo LabTATE (2008).

Figura 6: Catálogo de símbolos: alguns símbolos-padrão para mapas táteis em escala grande.

Fonte: LabTATE, 2008, s.p

O mapa tátil pode ganhar um upgrade quando aliado a um dispositivo sonoro, oferecendo mais
informações ao usuário, o que leva a eliminação do uso em braile e abrange um público maior.

Partindo para as “Limitações técnicas”, no que tange à Cartografia tátil, a introdução de computadores
na sua produção é recente quando comparado aos mais de vinte e cinco anos da experiência na
produção dos mapas convencionais. Ainda não é comum em todos os países a utilização de softwares
específicos na elaboração dos mapas táteis, apesar da ampla diversidade na maneira de confeccioná-
los.

A tecnologia aplicada no uso e fabricação do mapa pode ser requintada e custosa ou modesta e
artesanal, não obstante, salienta-se que a tecnologia sofisticada está sujeita a não ser a mais eficaz,
caso não possibilitar fácil cognição dos mapas acessíveis às pessoas com deficiência visual.

Para o protótipo confeccionado neste trabalho, o software utilizado foi o AutoCad por ser altamente
difundido e conhecido pelos arquitetos, além de produzir o formato vetorial da imagem. O vetor
possibilita realizar todas as operações na máquina escolhida para a realização do mapa tátil: a
cortadora a laser (Figura 9). A máquina de corte a laser foi escolhida por trabalhar com uma enorme

12
gama de materiais e realizar Em poucos minutos, em uma peça relativamente grande, o corte, a
gravação ou marcação.

A vantagem em conceber mapas táteis no computador consiste na viabilidade da padronização da


forma, tamanho e layout dos mapas; na representação com grande resolução de símbolos e textos; na
rápida reprodução a partir do arquivo, o que proporciona menor custo. (Voigt & Martens, 2006). Surge
então como uma ferramenta bastante conveniente à produção dos modelos táteis, contribuindo para
sua disseminação para qualquer lugar do país.

As operações que podemos usar na cortadora a laser para construir a qualquer peça é corte, gravação
ou marcação. O corte acontece quando o percorre o vetor transpassando completamente o material,
trajetória normalmente fechada. A marcação é similar ao corte, mas não transpassa o material,
produzindo uma impressão visível da área selecionada. A gravação já acontece quando o laser é
utilizado para percorrer a linha que delimita a imagem ou forma.

Na concepção do mapa tátil é essencial separar as três operações antes de importar o arquivo, do
AutoCad no caso, para o software da cortadora a laser identificar e realizar a execução pretendida. O
método utilizado foi colorir os vetores segundo as cores de RGB: Corte = Vermelho; Marcação = Azul;
Gravação = Verde.

O mapa tátil resultante (Figura 10) de todo o processo de adaptação do mapa arquitetônico
convencional, deve ser feito em três etapas. A primeira é a base onde será assinalado a marcação e
gravação (Figura 7), a segunda fase é o corte das áreas hachuradas(Figura 8), finalizando com a colagem
sob a base das peças cortadas assim.

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Figura 7. Mapa Tátil Arquitetônico da FAU-UnB , Térreo, para gravação na base

Fonte: AUTORAL, 2018

Figura 8. Mapa Tátil Arquitetônico da FAU-UnB , Térreo, para corte

Fonte: AUTORAL, 2018

Figura 9 . Cortadora a Laser utilizada

Fonte: AUTORAL, 2018

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Figura 10. Mapa Tátil Arquitetônico da FAU-UnB

Fonte: AUTORAL, 2018

5. CONCLUSÕES
A inclusão da acessibilidade em todos os espaços e para todas as deficiências e diferenças, só é efetivo
quando os conceitos da sustentabilidade ultrapassam o campo teórico-conceitual. E e importância do
desenvolvimento de tecnologias assistivas para as pessoas com deficiência vai além da facilitação de
acesso aos edifícios, permite que elas exerçam plenamente seu direito de ir e vir com autonomia.

Diante dessa compreensão, a ciência, através de tecnologias, é capaz de suprir necessidades especiais
dos portadores de deficiência. Mas, mesmo com a existência de normas legais sobre o tema, torna-se
perceptível no cotidiano das cidades brasileiras, as insuficientes condições de acessibilidade.

Nessa perspectiva, integrar um indivíduo não se remete apenas a uma ocupação física favorecida pelo
sistema de reserva de vagas para cidadãos com deficiência nas universidades e nas vagas de emprego,
ademais disso, proporcionar-lhes circunstâncias para uma autonomia e segurança dentro das
instituições de ensino, do ambiente de trabalho, em todos os espaços da cidade.

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Os mapas táteis surgem como uma tecnologia assistiva extremamente importante, que ampliam a
função visual, uma vez que traduzem conteúdos visuais em informações táteis. São essenciais na
garantia da possibilidade de locomoção autônoma das pessoas com deficiência visual (Voigt &
Martens, 2006).

Os mapas táteis possibilitam representar a arquitetura para pessoas com deficiência visual, facilitando
o processo de leitura e entendimento com maior precisão e clareza dos detalhes arquitetônicos por
parte dos seus usuários. Consequentemente, uma maior autonomia e inclusão social, econômica e
cultural desses.

A maioria dos edifícios da universidade de Brasília, não possui nenhum mapa tátil. O protótipo do
mapa tátil elaborado para a Faculdade de Arquitetura da UnB, foi projetado com o intuito de ser um
plano piloto na fabricação de mapas acessíveis para cada ambiente da Universidade de Brasília.

O resultado desse trabalho, certamente irá contribuir como auxílio na locomoção e inclusão social,
econômica e cultural do deficiente visual que estuda ou visita a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de Brasília. Além disso, irá contribuir para o direcionamento e ao aprofundamento
quanto ao processo de confecção a ser adotado na concepção dos mapas táteis, tendo em vista o
resultados obtido.

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16
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dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece
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FERREIRA, Oscar Luís. Mobilidade e Acessibilidade – uma Via para a Reabilitação Arquitetônica e Urbanística.
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17
Mobilidade e Planejamento Urbano em Rio Branco (AC)
Correspondências e contrapontos entre o Plano Diretor de Transporte e
Trânsito (PDTT/2009) e as diretrizes do Plano Nacional de Mobilidade
Urbana Sustentável (PNMUS/2004).

Urban Planning and Mobility in Rio Branco (AC)

Correspondence and counterpoints between the Transit and Transportation Master


Plan (PDTT/2019) and the National Sustainable Urban Mobility Guidelines Plan
(PNMUS/2004)

Urbanismo y Movilidad en Rio Branco (AC)

Correspondencia y contrapuntos entre el Plan Maestro de Tránsito y Transporte


(PDTT / 2019) y el Plan Nacional de Directrices para la Movilidad Urbana
Sostenible (PNMUS / 2004)

HAIDAR, Andre Soares.


Bacharel em arquitetura e urbanismo, mestrando no programa de Pós Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, as.haidar@hotmail.com.

SCHEUER, Paulo Eduardo.


Bacharel em arquitetura e urbanismo, mestrando no programa de Pós Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, paulo.scheuer@gmail.com.

RESUMO
A motivação para o presente artigo deve-se à expressiva escala da malha da estrutura cicloviária do município
de Rio Branco, no Acre, no qual em 2017 existiam 178,3 quilômetros dedicados a este modal de transporte não
motorizado. Este dado chama atenção pela dimensão da cidade, de 370.500 habitantes, sendo a proporção de
ciclovias per capta notadamente maior quando em comparação com outras cidades de maior porte. O artigo
pretende analisar as ciclovias como um ponto de partida para outro olhar, para discutir as políticas públicas
voltadas ao desenvolvimento urbano e da mobilidade urbana no município rio-branquense, com enfoque na
relação entre o Plano Diretor de Transporte e Trânsito de Rio Branco, de 2009, e as diretrizes do Plano Nacional
de Desenvolvimento Urbano, elaborado pelo Ministério das Cidades, em 2004. Para tanto, são primeiramente
abordados os conceitos que definem mobilidade urbana e sua inserção no contexto das políticas inter-setoriais
que o compreendem como peça fundamental no desenvolvimento dos centros urbanos e enfretamento das
desigualdades socioeconômicas que marcam estes territórios.
PALAVRAS-CHAVES: mobilidade, sistemas, ciclovias, Rio Branco.

1
ABSTRACT
The motivation for this article is the expressive scale of the cycling infrastructure system developed by the Rio
Branco municipality, in Acre state, where in 2017 there were 178.3 kilometers dedicated to this mode of non-
motorized transportation. This figure draws attention when we observe the size of the city, with only 370,500
inhabitants, contrasting with the proportion of cycle paths per capta being noticeably higher when compared to
other larger cities. The article intends to analyze the bicycle paths as a starting point for another look, to discuss
the public policies focused on urban development and urban mobility in the city of Rio Branco, focusing on the
relationship between the Rio Branco Transit and Transportation Master Plan, from 2009, and the guidelines of
the National Urban Development Plan, elaborated by the Ministry of Cities in 2004. Therefore, it is presented
the concepts that define urban mobility and its insertion in the context of intersectoral policies that comprise it
as fundamental piece in the development of urban centers and confronting the socioeconomic inequalities that
mark these territories.
KEY WORDS: mobility, systems, bike paths, Rio Branco.

RESUMEN (100 a 250 palabras)


La motivación para este artículo es la escala expresiva del sistema de infraestructura de ciclismo desarrollado
por el municipio de Rio Branco, en el estado de Acre, donde en 2017 había 178.3 kilómetros dedicados a este
modo de transporte no motorizado. Esta cifra llama la atención cuando observamos el tamaño de la ciudad,
con solo 370,500 habitantes, que contrasta con la proporción de carriles para bicicletas per capta que es
notablemente más alta en comparación con otras ciudades más grandes. El artículo pretende analizar los
carriles para bicicletas como un punto de partida para otra mirada, para analizar las políticas públicas centradas
en el desarrollo urbano y la movilidad urbana en la ciudad de Rio Branco, centrándose en la relación entre el
Plan Maestro de Tránsito y Transporte de Rio Branco, desde 2009, y las pautas del Plan Nacional de Desarrollo
Urbano, elaborado por el Ministerio de Ciudades en 2004. Por lo tanto, se presentan los conceptos que definen
la movilidad urbana y su inserción en el contexto de las políticas intersectoriales que la integran como pieza
fundamental en el desarrollo de los centros urbanos y confrontando las desigualdades socioeconómicas que
marcan estos territorios.
PALABRAS CLAVE: movilidad, sistemas, carriles bici, Rio Branco.

1 INTRODUÇÃO – EXPANSÃO URBANA E ACESSO À CIDADE


A compreensão das políticas públicas de mobilidade urbana passa pelo entendimento do seu
significado e como se relaciona com a realidade do padrão de urbanização brasileiro. As
possibilidades de deslocamento de indivíduos e bens e sua relação com o desenvolvimento urbano
são intrínsecas ao conceito de mobilidade, devendo ser consideradas suas dimensões sobre o
território e as razões históricas que configuram a realidade das cidades brasileiras.

O intenso processo de urbanização brasileiro desde a década de 1950 alterou o território,


influenciando fluxos migratórios em direção às cidades e transformou o Brasil em um país
majoritariamente urbano. Este processo constitui-se em grande parte pelo padrão de ocupação de
baixa densidade e expansão horizontal. Parte deste fenômeno deve-se também às políticas setoriais
de desenvolvimento urbano nas áreas de habitação, saneamento e transportes estabelecidas,

2
principalmente, na esfera federal, desde a década de 1970, por meio do Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND)i.

Atualmente, 82% da população é urbana. Deste montante, 70% está concentrada numa porção
menor do território (10%). Se visto o recorte quantitativo no total de municípios (5.570), cerca de 8%
concentram mais de 55% do total da população brasileira, sendo que 30% residem em Regiões
Metropolitanasii. Estes aglomerados urbanos demonstram, com seus altos índices de desigualdades
socioeconômicas, a dificuldade de acesso universal à terra, e infraestrutura de bens e serviços a
todos seus habitantes e os desafios para a preservação dos meios ecológicos.

No caso das camadas de menor renda, esta mesma lógica de expansão urbana ocorreu, mas com a
constituição de novas centralidades, caracterizadas pelos assentamentos precários e favelas, sem a
devida provisão de infraestrutura.

A segregação espacial resultante fez com que as faixas de renda mais baixas ficassem isoladas em
relação aos polos de emprego e outros equipamentos públicos e privados de saúde, lazer, etc.iii O
grau de acesso à cidade está relacionado a este processo. O aumento do uso do automóvel impacta
diretamente o nível de poluição da cidade. No Brasil a área do leito carroçável é utilizada de 80% a
90% por automóveis. (Ipea; ANTP, 1998).

Os grupos sociais mais beneficiados por estas políticas foram os de renda média e alta. A construção
do espaço do automóvel foi feita paralelamente à construção do espaço das classes médias, que
utilizaram o automóvel de forma crescente, para garantir sua reprodução social e economia. Este uso
foi permanentemente estimulado pelos formuladores e operadores das políticas públicas; enquanto
as áreas periféricas continuaram a ser ocupadas pelas pessoas mais pobres, espaços da classe média
se multiplicaram em áreas mais centrais, onde o novo estilo de vida passou a ser vivenciado com
conforto.

2 MOBILIDADE E DESENVOLVIMENTO URBANO


Neste contexto, a qualidade do acesso e usufruto da mobilidade é atravessado por outros
componentes, tais como índices de renda, idade, sexo, escolaridade, condição física, entre outros. A
forma pela qual ocorreu o desenvolvimento urbano no Brasil, como foi apontado, é marcada, em
grande medida, pela regulação precária do território, expressando-se na prática pela forma extensiva
do uso do solo em direção às áreas periféricas, como também na diferenciação da localização das

3
atividades urbanas. O aumento das distâncias a serem percorridas não é exclusivo das grandes
aglomerações urbanas, afetando cidades médias, por exemplo.

São atores destes movimentos pedestres, ciclistas, usuários do transporte coletivo e motoristas,
sendo o deslocamento categorizado segundo o esforço aplicado (direto, não motorizado ou
motorizado)iv. Sendo assim, o conceito de mobilidade urbana perpassa a ideia do ir e vir entre origem
e destino, aborda ainda a relação destes deslocamentos com o meio urbano e sua influência no
desenvolvimento urbano local e regional. A escolha do modal, o tempo de viagem, a localização das
atividades produtivas e de lazer constituem um conjunto de peças integrantes do conceito de
mobilidade, no que diz respeito ao potencial direto de ação de transformação sobre o uso e
ocupação do solo.

Destacamos na linha do tempo das políticas públicas direcionadas à mobilidade as diretrizes


estabelecidas pela Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), em 2004, sendo a Política
Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável (PNMUS), em 2004, sua frente setorial voltada às
políticas de transporte e circulação que propunham

“Proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não-
motorizados e coletivos de transporte, de forma efetiva, que não gere segregações espaciais, socialmente
inclusiva e ecologicamente sustentável. Ou seja, baseado nas pessoas e não nos veículos” (SeMOB, 2004).

Figura 01: Divisão modal por porte de município, cidades com mais de 60 mil habitantes – Brasil 2012 (em %).

Fonte: ANTP, 2012.

O PNMUS, desenvolvido pelo Ministério das Cidades e pela Secretaria Nacional de transporte e da
mobilidade urbana (SeMOB), congregou diretrizes para o encaminhamento de políticas públicas
transversais, nas quais, ao contrário de um plano de ação setorial voltado unicamente ao tema do

4
transporte, agregou o reconhecimento da diversidade do território urbano ao seu desenho
institucional, como ilustra o quadro abaixo:

Tabela 01: Principais aspectos da PNMUS


- O fortalecimento institucional, do planejamento e da gestão local da mobilidade urbana
- O reconhecimento da importância de uma gestão democrática e participativa das cidades no sentido de propiciar
formas de inclusão social e espacial.
- A garantia de maior nível de integração e compromisso entre as políticas de transporte circulação, habitação e uso do
solo
- A promoção de condições para as desejáveis parcerias entre os setores público e privado, que possam responder pelos
investimentos necessários para suprir as carências existentes nos sistemas de transportes e pactuar mecanismos que
assegurem a própria melhoria da qualidade urbana
- A priorização de ações que contribuam para o aumento da inclusão social, da qualidade de vida e da solidariedade nas
cidades brasileiras
- A promoção de formas de racionalização, integração e complementaridade de ações entre os entes federados na
organização do espaço urbano e dos sistemas integrados de transporte
Fonte: Política nacional de mobilidade urbana sustentável, 2004.

Segundo Renato Balbim, a importância do uso e da prática da noção de mobilidade sistêmica é


fundamental para as políticas públicas urbanas. Primeiro, porque define mobilidade como uma
forma síntese de política, inclusive urbana. Segundo, em razão de deixar de pensar o urbanismo
apenas a partir de seus fixos e dar o necessário valor aos fluxos urbanos de toda ordem. Terceiro, e
principalmente, porque permite pensar nos necessários novos instrumentos que poderão
transformar padrões urbanísticos socialmente injustificáveis, como a precariedade do habitat e a
segregação sócio-espacial. v

3 RIO BRANCO NO CONTEXTO DOS PLANOS DE MOBILIDADE


Com a criação em 2003 do Ministério das Cidades uma série de políticas foram desenvolvidas
buscando tratar dos desafios de um Brasil cada vez mais urbano. Tais iniciativas tocavam no cerne de
questões como parcelamento do solo, água potável, acesso à moradia e à mobilidade com
segurança. Nesse cenário foi apresentada no ano de 2004 a Política nacional de mobilidade urbana
sustentável, revisada posteriormente em 2012 com a publicação da cartilha e das exigências para a
criação de Planos de Mobilidade Urbana nos municípios. Neste artigo buscamos estudar
especificamente as relações entre a Política nacional de mobilidade urbana sustentável de 2004 e o
Plano Diretor de Transporte e Trânsito de Rio Branco (PDTT) de 2009, juntamente com uma análise,
tendo em conta o distanciamento temporal, dos já presentes impactos deste plano na capital
acreana.

5
Nos anos que antecederam as discussões do PDTT e do Plano Diretor de Rio Branco (PDRB) de 2006
(o qual já previa as discussões para a elaboração do PDTT) o município acreano já enfrentava as
adversidades apresentadas por uma área urbana em rápida expansão, formando periferias disformes
e esparsas. Entre os anos de 1991 e 2006 a população cresceu de 184.000 para 315.000 habitantesvi,
um crescimento de 71,2% no período. Considerando que 90% da população em 2006 era urbana, a
administração municipal precisou desenvolver propostas que ao mesmo tempo lidassem com
demandas de infraestrutura para as novas áreas ocupadas e buscassem reverter a tendência de
espraiamento da mancha urbana.

Partindo para análise da Política nacional de mobilidade urbana sustentável, além de aspectos e
pretensões mais gerais, em seu texto principal são elencadas 30 diretrizes fundamentais para serem
utilizados por agentes de políticas públicas no desenvolvimento de legislações adequadas às cidades,
as quais encontram forte correspondência nos princípios apresentados por VASCONCELLOS (1996) de
que a mobilidade “é um atributo associado às pessoas e aos bens”, analisando-se as necessidades de
deslocamento dos diferentes personagens presentes nas cidades, mas também expandindo a
discussão para a esfera do desenvolvimento urbano interligado, presente no seguinte trecho do
PNMUS:

“A mobilidade urbana, ao congregar em sua efetivação todas as principais características da configuração da


cidade, seus equipamentos, infraestruturas de transporte, comunicação, circulação e distribuição, tanto de
objetos quanto de pessoas, participa efetivamente das possibilidades de desenvolvimento de uma cidade.”
(PNMUS, 2004, p. 14)

No ano de 2005 o Governo do Estado do Acre e a Prefeitura Municipal de Rio Branco firmaram um
convênio dando início aos trabalhos para se desenvolver o PDTT. Apesar de trazer em seu nome os
conceitos de “transporte” e “trânsito”, este plano absorve e incorpora as discussões existentes no
momento histórico e muitos dos conceitos do PNMUS sobre mobilidade para a sua concepção,
partindo, inclusive, da articulação entre o poder público estadual e municipal para sua realização,
integração essa desejada pelo PNMUS.

A primeira adversidade levantada durante as pesquisas feitas pelo poder público em parceria com a
empresa de engenharia LOGIT foi a composição do perfil dos veículos motorizados que compunham
a frota presente nas ruas de Rio Branco. Segundo informações obtidas no DENATRAM (tabela 02), a
frota de veículos em 2007 era composta de 70.872 veículos, dentre estes um total de 79,9% eram
utilizados para transporte individualvii, contrastando drasticamente com uma parcela de 0,6% dos

6
veículos destinados para transporte coletivo (entre ônibus e micro-ônibus). Tais dados se somam
com um alto crescimento anual na frota de veículos (10% ao ano entre 1999 e 2007) para criar um
panorama insustentável que precisava ser abordado. A solução apresentada, como veremos melhor
posteriormente, foi o estudo para implantação de uma nova rede hierarquizada de ônibus públicos
aliada a uma malha de ciclovias.

Tabela 02: Principais aspectos da PNMUS


TIPO DE VEÍCULO NÚMERO PARTICIPAÇÃO
AUTOMÓVEL 29.475 41,60%
CAMINÃO 3.340 4,70%
CAMINHONETE 6.369 9,00%
MICROÔNIBUS 94 0,10%
MOTOCICLETA 22.470 31,70%
MOTONETA 4.654 6,60%
ÔNIBUS 368 0,50%
OUTROS 4.102 5,80%
TOTAL 70.872 100,00%
Fonte: PDTT, 2009.

Para se iniciar o estudo de Rio Branco foi feita uma leitura do território, buscando-se compreender
onde se encontravam os principais equipamentos que deveriam ser integrados pela nova rede de
transportes proposta. Buscando assim fornecer alternativas de acesso para que moradores de zonas
mais afastadas pudessem alcançar regiões mais bem providas de equipamentos.

7
Figuras 02 – Mapa de Distribuição dos Equipamentos em Rio Branco.

Fonte: Plano Diretor do Município de Rio Branco, 2006.

Com a apresentação deste mapa (Figura 02), nota-se uma concentração principalmente de
equipamentos de saúde e bancários nos bairros do Centro e Bosque, áreas mais consolidadas dentro
do município. Partindo-se dessas análises desenvolveram-se desenhos de redes de transportes
públicos, focando numa priorização dos transportes coletivos e alternativas não motorizadas,
integrando assim conceitos de mobilidade urbana difundidos no PNMUS.

A primeira ação tomada no PDTT foi a criação de duas redes separadas de ônibus, uma local, focada
na coleta de pessoas nos bairros mais periféricos, e outra com caráter mais expresso, fazendo a
ligação dos bairros diretamente com o centro e propondo-se ocupar faixa exclusiva nas vias para seu
deslocamento. A interligação entre as redes seria feita por meio da construção de terminais de bairro,
retirando a função centralizadora do único terminal de ônibus que existia no centro de Rio Branco,
conectando-se também a uma malha idealizada de ciclovias que cruzaria a cidade, conferindo uma
intermodalidade para essas estações (Figura 03).

8
Figura 03: Rede cicloviária e Terminais de Ônibus.

Fonte: PDTT, 2009.


Na hierarquização das redes de ônibus foram divididas as linhas em relação à distância que os ônibus
irão percorrer. Foram propostas linhas curtas de até 10 quilômetros para fazer a ligação dentro dos
bairros, principalmente até os terminais de conexão; linhas de média extensão possuem um traçado
mais radial, com percursos entre 10 e 25 quilômetros, conectando as estações de integração, bairros
mais distantes e distritos rurais diretamente ao terminal localizado no Centro; linhas de longa
extensão, para percursos acima de 25 quilômetros foram pensadas para atender bairros mais
distantes e municípios vizinhos.

Alinhando-se mais uma vez com o PNMUS, o PDTT busca trazer para sua discussão a questão do
meio ambiente, propondo projetos de requalificação de córregos e igarapés que foram tomados pela
urbanização desenfreada. Existiu exatamente uma conversa entre o Plano Diretor Municipal de 2006
e o PDTT, pois quando o primeiro citou a importância de se intervir nas áreas de mananciais
degradadas, houve a alinhamento com políticas de mobilidade com a intensão de se inserir caminhos
para o pedestre e ciclista.

4 IMPLANTAÇÃO DOS PROJETOS, DIFICULDADES E CRÍTICAS


O PDTT de Rio Branco foi desenvolvido de maneira a contemplar em seu texto muitas das diretrizes
apresentadas no PNMUS, contudo, até como uma crítica inicial, como nunca foi transformado em um

9
marco legal como estava previsto, todas as propostas apresentadas não passaram de estratégias
para futuras ações, tornando-se fundamental uma análise crítica do que realmente foi implantado e
qual o impacto real que tais propostas tiveram na vida da sociedade. Também é importante apontar
aspectos que simplesmente não foram mencionados no PDTT, mas que muito contribuiriam para o
debate sobre mobilidade.

Ao se observar o panorama município de Rio Branco, a intervenção mais marcante no território é o


chamado Parque da Maternidade, um trecho de córrego de cinco quilômetros cruzando os bairros de
Capoeira, Ipase, Bosque, Abraão Alab e Ivete Vargas que se encontrava poluído e com suas margens
ocupadas irregularmente. O projeto original foi inaugurado em 2002, com a limpeza do curso d’água
e transformação de suas margens em parque linear com equipamentos de educação e lazer.
Posteriormente esse espaço foi integrado ao desenho da malha cicloviária por meio da construção de
um conjunto de pequenas pontes e passarelas, permitindo assim o estabelecimento de uma ciclovia e
de vias para o pedestre integrando a malha proposta no PDTT (Figura 04).

Figura 04: Parque da Maternidade com canal e ciclovia.

viii
Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository. Autor: Filipe Mesquita de Oliveira. 2006.

No que tange a questão cicloviária, o projeto de Rio Branco contido no PDTT costuma ser alardeado
como o mais bem-sucedido no panorama nacional. Até 2017 foram instalados 178,3 quilômetros de

10
espaços destinados exclusivamente às bicicletas e outros transportes não motorizados,
compreendendo uma presença em 22% da malha total de vias e representando uma média de um
quilômetro para cada 2,1 mil habitantes, maior valor per capta do Brasilix.

No tocante dos transportes motorizados houve progressos quanto às redes de ônibus e à


implantação dos terminais de integração nos bairros. Segundo fontes do portal de transparência da
prefeitura de Rio Branco e da RBTrans, dos seis terminais idealizados, cinco já haviam sido
construídos em 2016, com o sexto em construção. Paralelamente, existiu o aumento do número de
linhas de ônibus de 38 em 2005 para 59 em 2016, buscando atender a idealização da rede feita pelo
PDTTx. Estas novas infraestruturas buscaram atender questões de mobilidade alusivas à
acessibilidade universal, elevando as plataformas ao nível dos ônibus para um acesso direto e
desimpedido.

Apesar de muitos avanços terem efetivamente sido feitos, com a construção de equipamentos e
inclusive com o melhoramento de índices de qualidade de vida como o IDH, evoluindo de uma taxa
de 0,485 em 1991 para 0,727 em 2010xi, muitos desafios infraestruturais ainda persistem e as
dificuldades que permeiam a questão da mobilidade na cidade também estão presentes.

Existe uma grande dificuldade de implantação de novos projetos, mesmo os já concretizados


apresentam amplos problemas de manutenção. A origem desses problemas aparece ao observarmos
as adversidades quanto ao financiamento das obras. Apesar do PNMUS estabelecer em uma de suas
diretrizes “desenvolver modelos alternativos de financiamentos para implementação de projetos da
mobilidade urbana”, a fonte das verbas empregadas pela administração municipal foram os
sucessivos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC’S) do governo federal. Rio Branco se
beneficiou de repasses diretos para projetos de infraestrutura urbana, porém, ao não buscar
alternativas de aporte, houve uma quebra na capacidade governamental de gerir as infraestruturas
quando o programa foi interrompido.

Esta crise de financiamento fica evidente em levantamento realizado pela agência Rede Amazônica
Acre, através de coleta de informações dos poderes municipal e estadual, mostrando que entre os
meses de Janeiro e Outubro de 2017 houve uma redução de 64% nos investimentos em mobilidadexii.
A consequência de tamanha redução já se faz perceptível na pesquisa realizada, com o aparecimento
de buracos em ciclovias e calçadas, ameaçando a segurança de usuários, e a perda de sinalização
adequada, fazendo com que carros comecem a invadir os espaços destinados para bicicletas.

11
A questão da rápida precarização das infraestruturas com ausência de manutenção pode ser atrelada
a outra crítica pertinente referente à maneira como as obras de mobilidade foram implantadas pela
prefeitura. Apesar do PDTT estabelecer dês de sua apresentação em 2009 critérios e diretrizes
técnicas para embasar e auxiliar na implantação de infraestruturas, especialmente no detalhamento
de projetos para reforma e implantação de novas vias, a efetiva concretização dos projetos
apresentou qualidade técnica aquém do detalhado. Muitas das novas vias apresentadas, inclusive
colocadas pela prefeitura como exemplos das políticas que foram empreendidas, apresentam
características que não se conformam com as orientações do PNMUS, especialmente nos assuntos
referentes à acessibilidade universal dos espaços públicos, exibindo falhas no desenho e até mesmo
ausência completa de calçadas, erradicando qualquer espaço para o pedestre.

2 CONCLUSÃO
A elaboração do Plano Diretor de Transporte e Trânsito de Rio Branco (PDTT) de 2009 pode ser
considerado um grande feito, principalmente ao se observar que passados nove anos em 2018,
segundo dados da Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana, apenas 193 municípios
brasileiros possuem alguma política de mobilidade urbanaxiii. Isto posto, a iniciativa do convênio
empreendido pelas administrações municipal e estadual para a elaboração de um plano de
transportes que englobasse conceitos de mobilidade apresentados na ainda recente Política nacional
de mobilidade urbana sustentável foi uma atitude inovadora no cenário nacional.

As intenções apresentadas no plano rio branquense buscaram envolver o máximo possível de


diretrizes presentes no PNMUS, realmente desenvolvendo propostas que almejaram tratar a questão
do transporte como ferramenta para o fomento de uma rede de mobilidade no município.
Exatamente essa leitura e desenvolvimento de uma rede de infraestruturas que foram organizadas
em sistema também podem ser considerados pontos relevantes do PDTT, tendo a administração sido
bem-sucedida neste aspecto, implantando uma malha cicloviária abrangente e terminais de
integração nos bairros, hierarquizando o sistema de transporte público.

As principais críticas de devem ser levantadas ao caso acreano tocam as questões de planejamento,
gestão e manutenção. Contrariando diretrizes presentes no PNMUS, a administração municipal
dependeu única e exclusivamente de financiamento federal para a concretização dos projetos, sem
buscar fontes alternativas de recursos. Isso gerou uma vasta lista de problemas de manutenção
quando a fonte de receitas foi cortada, mais notadamente foi a rápida deterioração das

12
infraestruturas existentes. Outro ponto negativo que foi observado ao se realizar este artigo engloba
aspectos técnicos, não houve um cruzamento entre o programa de obras da prefeitura e os aspectos
técnicos presentes no próprio PDTT, ocasionando exemplos de projetos entregues que
desrespeitavam preceitos de mobilidade como a acessibilidade universal à cidade.

Portanto, apesar dos problemas de financiamento e manutenção, a iniciativa de Rio Branco na busca,
proposta e implantação de uma rede de transportes e intervenções na malha urbana que buscaram
fomentar a mobilidade da população no território pode ser considerada como exemplo no panorama
nacional, especialmente para municípios de escala territorial e tamanho de população semelhante,
podendo que, através dos já nove anos nos quais a política foi aplicada, sejam filtrados os bons
projetos e observados os pontos que devem ser alvo de reformulação.

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS. Apresentação Anuario, 2016.


BALBIM, Renato. In: Cidade e movimento : mobilidades e interações no desenvolvimento urbano /
organizadores: Renato Balbim, Cleandro Krause, Clarisse Cunha Linke. – Brasília: Ipea: ITDP, 2016.
MINISTÉRIO DAS CIDADES, Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana. Política nacional
de mobilidade urbana sustentável, 2004.
PROGRAMA CIDADES SUSTENTÁVEIS. Artigo “Rio Branco é o exemplo brasileiro de priorização da
bicicleta como meio de transporte”. Disponível em: https://bit.ly/2GcqwVf - Acessado em Dezembro
2018.
REDE AMAZÔNICA. Artigo “Acre é o sexto estado com maior redução de recursos para projetos de
mobilidade urbana”. Disponível em: https://glo.bo/2LfWpv6 - Acessado em Dezembro.
RIO BRANCO (Município). Prefeitura do Município de Rio Branco. Plano Diretor de Transporte e Trânsito
de Rio Branco (PDTT). 2009
ROLNIK, Raquel e BOTLER, Milton – “Por uma política de reabilitação de centros urbanos”. Revista
Óculum, São Paulo, 2004.
VASCONCELOS, Eduardo A. – Transporte urbano, espaço e equidade. FAPESP, São Paulo, 1996.

NOTAS
i
MINISTÉRIO DAS CIDADES. Secretaria Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana Sustentável, Política nacional de
mobilidade urbana sustentável. 2004.
ii
VASCONCELLOS, Eduardo A. In: Cidade e movimento: mobilidades e interações no desenvolvimento urbano /
organizadores: Renato Balbim, Cleandro Krause, Clarisse Cunha Linke. – Brasília: Ipea: ITDP, 2016.

13
iii
idem ibidem
iv
idem ibidem
v
BALBIM, Renato. In: Cidade e movimento : mobilidades e interações no desenvolvimento urbano / organizadores: Renato
Balbim, Cleandro Krause, Clarisse Cunha Linke. – Brasília : Ipea : ITDP, 2016.
vi
IBGE, 2006.
vii
DENATRAN, 2008
viii
Imagem disponível sob licença livre “Creative Commons Attribution-Share Alike 3.0 Unported” (disponível em:
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Riobranco_canaldamaternidade.jpg )
ix
RBTrans, 2017 e Portal G1 Acre, 2017 (disponível em: https://glo.bo/2EnKkTT )
x
Prefeitura Municipal de Rio Branco e RBTrans, 2016.
xi xi
IBGE série histórica, 2010.
xii
Rede Amazônica Acre, 2017. (Disponível em: https://glo.bo/2LfWpv6 )
xiii
SNTMU, 2018

14
Vida ribeirinha: Uma análise de como a falta de acessibilidade pode
influenciar na qualidade de vida dos moradores da Ilha do Combu em
Belém, Pará.

River life: An analysis of how the lack of accessibility can influence the quality of life
the residents of Combu Island in Belém, Pará.
La vida del río: Un análisis de cómo la falta de accesibilidad puede influir en la
calidad de vida de los habitantes de la Isla del Combu en Belém, Pará.

MONTEIRO, Érica Corrêa


Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade Estácio Belém, ericapaulaarq@yahoo.com.br

FEIO, Angelo Giovani dos Santos


Estudante de Arquitetura e Urbanismo, Faculdade Estácio Belém, angelogiovani@live.com

ARAÚJO, Kayan Freitas de


Estudante de Arquitetura e Urbanismo, Faculdade Estácio Belém, kayanf22@gmail.com

RESUMO
As comunidades ribeirinhas de Belém sofrem com a falta e/ ou precariedade de infraestrutura básica de
saúde, principalmente para atendimentos de urgência e emergência, o que resulta em pacientes encaminhados à
capital. O problema é que o deslocamento destes até algum pronto-socorro em Belém não é rápido e pode ser
comprometido pela falta de acessibilidade espacial nos espaços físicos (os trapiches e as calçadas) e no transporte
aquaviário, cujas condições inadequadas e, muitas vezes, improvisadas podem piorar o quadro do paciente. Diante
disso, esta pesquisa tem como objetivo fazer uma análise do trapiche, calçadas de estivas e a UBS do Combu a
fim de verificar como esses espaços influenciam na qualidade de vida do cidadão. Para se alcançar este objetivo,
foi necessária a combinação de diferentes processos metodológicos. Dentre eles, o método de Pesquisa
Bibliográfica tendo como referência conceitos relacionados ao cenário ribeirinho e acessibilidade espacial. Já a
Pesquisa de Campo com abordagem multimétodos – visita exploratória, observação participante e entrevistas -
pôde contribuir para se conhecer com maior profundidade o ambiente estudado. Neste processo, foram
identificados vários problemas relacionados à acessibilidade espacial e de mobilidade urbana. Assim, os dados
alcançados permitiram discutir a complexidade e a importância de temas relacionados a melhorias e qualidade de
vida mais adequadas às comunidades ribeirinhas.

PALAVRAS-CHAVES: Arquitetura ribeirinha, acessibilidade espacial, saúde.

ABSTRACT
The riverside communities of Belém suffer with the lack and / or precariousness of basic health infrastructure, mainly
for urgent and emergency care, which results in patients going to the capital. The problem is that the transport to
some emergency room in Belém is not fast and may be compromised by the lack of space accessibility in the
physical spaces (piers and sidewalks) and in waterway transport, which inappropiate and often improvised
conditions may worsen the patient's condition. Therefore, this research aims to make an analysis of the pier,
stowage sidewalks and the Combu UBS in order to verify how these spaces influence the quality of life of citizens.
To achieve this goal, it was necessary to combine different methodological processes. Among them, the method of
Bibliographic Research having as reference concepts related to the riverside scenario and spatial accessibility. The
field research with a multi-method approach - exploratory visit, participant observation and interviews - could
contribute to know more about the studied environment. In this process, several problems related to spatial
accessibility and urban mobility were identified. Thus, the data obtained allowed us to discuss the complexity and
importance of issues related to improvements and better quality of life for riverside communities.

1
KEY WORDS: Ribeirinha architecture, spacial accessibility, health.

RESUMEN
Las Comunidades ribereñas de Belém sufren por la falta y/o precariedad de infraestructura basica de salud,
principalmente para atención en urgencia y emergencia, lo que resulta en pacientes encaminados a la capital. El
problema es que el desplazamiento de estos hasta algún puesto de socorro en Belém no es rápido y puede ser
comprometido por la falta de acessibilidad espacial en los espacios físicos (los trapiches y las calzadas) y el
transporte acuático, cuyas condiciones inadecuadas y, muchas veces, improvisadas pueden agravar el cuadro del
paciente. Frente a esto, esta investigación tiene como objetivo hacer un análisis del los trapiches, las calzadas y
el Combu UBS para verificar cómo estos espacios influyen en la calidad de vida de los ciudadanos. Para lograr
este objetivo, fue necesario combinar diferentes procesos metodológicos. Entre ellos, el método de Investigación
Bibliográfica que tiene como conceptos de referencia relacionados con el escenario ribereño y la accesibilidad
espacial. La investigación de campo con un enfoque de métodos múltiples (visita exploratoria, observación
participante y entrevistas) puede contribuir a conocer con mayor profundidad el ambiente estudiado. En este
proceso, se identificaron varios problemas relacionados con la accesibilidad espacial y la movilidad urbana. Por lo
tanto, los datos obtenidos nos permitieron discutir la complejidad e importancia de los problemas relacionados con
las mejoras y una mejor calidad de vida para las comunidades ribereñas.

PALABRAS CLAVE: Arquitectura de la ribera, accesibilidad espacial,salud.

1 INTRODUÇÃO
A arquitetura ribeirinha na Amazônia possui uma linguagem muito rica de respeito e harmonia com a
paisagem na qual está inserida. São representadas por meio de edificações de palafitas e/ ou de
flutuantes -dependendo das características da região, do solo e dos rios. Em Belém, do Pará, por
exemplo, existem várias ilhas que apresentam a arquitetura palafítica. Dentre essas, destaca-se a Ilha
do Combu, localizada a 1,5 km ao sul de Belém, que se tornou um dos locais com grande potencial
turístico devido suas particularidades arquitetônicas e culturais. No entanto, embora seja uma
arquitetura considerada apropriada à região, observa-se vários problemas sociais e ambientais
relacionados à saúde pública. Na ilha do Combu existe apenas um posto de saúde para atendimentos
básicos, o qual não consegue atender a demanda da ilha, o que resulta, em casos mais graves, no
encaminhamento dos ilhéus a médicos especialistas em Belém. Tal procedimento torna-se, muitas
vezes, inviável, já que a maioria dos postos de saúde e hospitais da cidade apresentam superlotação
por atenderem populações de diversas localidades no estado do Pará.

Junto a esse problema é importante ressaltar a falta de acessibilidade espacial em áreas ribeirinhas.
Tais problemas podem ser evidenciados nos acessos às edificações que são realizados por atracagem
de barcos aos trapiches e as calçadas palafitadas (Figura 1).

2
Figura 1. Estruturas físicas demandam muito esforço físico e /ou ajuda de terceiros para acessá-los

Fonte: Autores, 2019.

O problema é mais evidente no acesso ao posto de atendimento médico, já que a maioria das pessoas
que procuram este serviço estão debilitadas, e sua transferência do barco para o trapiche ou vice-versa,
principalmente quando a maré está mais abaixo do nível do piso do trapiche, pode gerar
constrangimento e/ ou perigo de acidentes mais graves ao serem carregadas por outras pessoas
(MONTEIRO, 2015).

Para se entender esses problemas, este artigo aborda uma análise das principais dificuldades
encontradas na Ilha. Cabe mencionar que o tema abordado possui pouco material científico a respeito
da acessibilidade espacial no cenário ribeirinho. Na falta de mais informações, a Pesquisa de Campo
foi relevante para se conhecer e vivenciar o cotidiano da população e, assim, entender questões
culturais, sociais e econômica que possam explicar parte desses problemas e gerar discussões que
tragam mais visibilidades à comunidade ribeirinha.

2 METODOLOGIA UTILIZADA
Para entender melhor o cotidiano da população da llha do Combu, recorreu-se ao método
multirrefencial por meio da Pesquisa Bibliográfica, na qual pôde-se procurar, recolher, analisar, interpretar
e julgar os materiais encontrados (LUDWIG, 2012). Neste caso, teve-se como referência conceitos e temas
que envolvessem o cenário ribeirinho, sua a cultura, suas tipologias palafitadas, além da questão social,
econômica e política.

3
A Pesquisa de Campo foi essencial para se compreender melhor a comunidade do Combu, sobretudo
sobre o aspecto da acessibilidade espacial nos espaços. As visitas à Ilha do Combu foram constantes e
para a busca de dados, utilizou-se uma abordagem multimétodos por meio de Visita Exploratória,
Observação participante, Levantamento técnico físico, Levantamento de imagens e Entrevistas
estruturadas e não estruturadas.

A visita exploratória tem por objetivo, segundo Lakatos e Marconi (2010, p.171), a formulação de
questões ou de problemas, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do
pesquisador com um ambiente a fim de realizar uma pesquisa futura mais precisa. Já as observações
realizadas, parte do conceito de Richardson (2008) que quando a observação é adequadamente
conduzida pode revelar inesperados e surpreendentes resultados que, possivelmente não seria
examinada em estudos que utilizassem técnicas diretivas. Assim, as observações podem obter
informações de fenômenos novos e inexplicados que desafiam nossa curiosidade. Por fim, para
conseguir maiores informações das pessoas, resolveu-se utilizar o método das entrevistas não
estruturadas, pois, em geral, as perguntas são abertas e podem ser respondidas dentro de uma conversa
informal (LAKATOS e MARCONI, 2010). Essa última foi relevante, uma vez que, muitas pessoas se sentiam
desconfortáveis diante de papel e caneta. A partir destes métodos pôde-se:

a) Observar e registrar por meio de desenhos, fotos e medições os ambientes ribeirinhos


utilizados para atracagem de barcos e embarque e desembarque, tais como os trapiches e
circulações de palafitas.

b) Conhecer a opinião da comunidade sobre o tema investigado e descobrir quais os seus desejos
e suas expectativas para a problemática de saúde.

c) Identificar as maiores dificuldades da população em relação a saúde médica e a acessibilidade


espacial.

Assim, a partir dessas metodologias, pôde-se fazer uma análise mais aprofundada da área de
estudo que será apresentada no próximo tópico.

4
3 ILHA DO COMBU: APRESENTAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A capital do Pará, Belém, possui um total de 39 ilhas em seu território. Destas, a Ilha do Combu faz
parte da sua zona rural e apresenta características particulares em suas tipologias palafitadas que
a fez ter uma visibilidade no turismo rural (BELÉM,2019).

A Ilha do Combu localiza-se na margem esquerda do Rio Guamá, em frente à orla de Belém, com
cerca de 1,5 mil hectares (BELÉM, 2019). A ilha é considerada, em tamanho e espaço territorial, a
quarta maior de Belém e é marcada por ser uma área de várzea, com variação anual de influencias
da maré. Por conta disso, apresenta-se de forma isolada, uma vez que seu acesso só é realizado via
rio (Figura 2)

Figura 2. Mapa de localização da Ilha do Combu

Fonte: PREFEITURA DE BELÉM, 1996; adaptado pelos autores, 2019; Autores, 2019.

A morfologia da ilha do Combu apresenta-se como um modelo dissociado. Conforme Granell e


Runge (2007), este modelo é aquele integrado por unidades de habitações ou de equipamentos
que possuem conexão entre si por via pedestre. No caso do Combu, existem particularidade, uma
vez que as habitações se concentram apenas na orla do igarapé do Combu e seus afluentes. Com
isso, de acordo com Monteiro (2015) observa-se que as casas são distantes uma das outras, e em
época de maré cheia, o acesso aos vizinhos, à escola e ao Posto de Saúde só é realizado por via
barco. Já em época de estiagem, a população faz pequenas trilhas entres quintais para o acesso
por terra, já que não existem ruas internas (Figura 3).

5
Figura 3- Ilha do Combu- Exemplo de assentamento dissociado, tendo em alguns trechos concentrações dispersas e em
outros compactos

Fonte: Monteiro (2015)

Para atender essa particularidade, as residências do Combu, sendo de madeira ou alvenaria,


seguem o mesmo padrão como um modelo-tipo, configurado como: Trapiche-calçadas de estivas-
edificação (MONTEIRO, 2015) (Figura 4).

Figura 4- Configuração como padrão-tipo das residências da Ilha

Fonte: Monteiro (2015)

Tal situação, vale a reflexão: se um ilhéu que mora no final do igarapé do Combu, por exemplo,
passa mal de madrugada, em época de vazante, como a família procederia para tentar salvar a sua
vida? Diante dessa pergunta, fez-se análises para prever o tempo e as formas de mobilidade para
se conseguir atendimento médico aos ilhéus.

Os desafios de mobilidade, acessibilidade e atendimento médico na Ilha do Combu

O grande desafio que deve ser abraçado pela mobilidade urbana é a inclusão de parcelas
consideráveis da população na vida das cidades, promovendo a inclusão social à medida que

6
proporciona acesso amplo e democrático ao espaço urbano (DUARTE; LIBARDI; SÁNCHEZ, 2007).
Nesse contexto, Belém dispõe de um potencial fluvial elevado devido aos rios que circundam a orla
da cidade e que conecta as ilhas aos equipamentos urbanos, serviços e comércios da capital. De
acordo com o Plano Diretor de Belém (2008), as ilhas estão assistidas por lei da seguinte maneira:

XVII - ampliar a acessibilidade interna nas ilhas por meio da melhoria de circulação viária e do
ordenamento dos diversos modos de circulação (BELÉM, PLANO DIRETOR, 2008, Art. 42, XVII).

Em contrapartida, verifica-se que, para grande parte dos ilhéus, o democrático esbarra no
deslocamento pelos rios e nas oportunidades de oferta, acesso e utilização desses equipamentos
pela comunidade ribeirinha.

Uma das problemáticas começa em como deslocar pessoas com alguma enfermidade na Ilha. Sair
de casa é um desafio, sobretudo para pessoas com deficiência e/ ou com sua mobilidade reduzida.
As calçadas de palafitas, isso quando existe, muitas vezes, encontram-se estreitas, quebradas, com
madeira apodrecida e escorregadias por conta do lodo e dos resíduos trazidos pela maré, o que a
torna um elemento perigoso às pessoas, principalmente as mais vulneráveis (Figura 5). Embora a
população saiba disso, uma das frases que mais se escuta diante da situação é “a gente dá um
jeito”. O que ressalta, muitas vezes, a descrença desses por melhorias nessas estruturas físicas.

Figura 5. A falta de acessibilidade espacial nas comunidades ribeirinhas, risco de acidente em potencial

Fonte: Imagem retirada de um vídeo realizada pelos autores, 2019.

Os trapiches apresentam problemas para o embarque e desembarque dos usuários, já que a


oscilação da maré pode influenciar no acesso dos trapiches para os barcos e vice-versa. Em alguns
casos a dificuldade é tão grande que as pessoas precisam ser carregadas, mas há preocupação de
que algum deslize, os dois podem cair e se machucarem.

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A partir desse ponto, vem outra preocupação: onde o levaremos para ser atendido por um médico?
A primeira opção seria a Unidade Básica de Saúde do Combu (UBS) que está situada em um trecho
central às margens do Igarapé do Combu. Em 2017, houve a entrega das obras de ampliação da
UBS junto a inclusão de um novo trapiche com cais flutuantes para facilitar o atracamento de
embarcações (Figura 6). ( BELÉM, 2017).

Figura 6. Mapa de localização da Unidade Básica do Combu

Fonte: Autores, 2019.

Para chegar nessa UBS, o acesso é realizado por meio de um flutuante de pequeno (Figura 6), mas
observou-se que a mesma não comporta toda demanda de pessoas por aglomerar diversos tipos
de embarcações. Nota-se que a rampa existente não se adequa às Normas de acessibilidade (NBR
9050/2015) e nem às de segurança (NBR 15450/2006), com relação a largura que é estreita e
restringe a passagem de cadeirantes, pessoas em macas e obesas. Além do guarda- corpo sem
proteção lateral e sem corrimão adequado para dar maior segurança às pessoas, sobretudo
quando precisam da ajuda dos acompanhantes.

Figura 7. Planta baixa do trapiche, aglomeração dos barcos em frente o flutuante e a rampa existente.

Fonte: Autores, 2019.

O paciente enfrenta outro agravante: se irá conseguir atendimento médico na UBS? De acordo com a
Prefeitura de Belém (2017) até 2017, a UBS do Combu atendia cerca de 2.200 pessoas de 560 famílias,

8
dentro do programa Estratégias de Saúde da Família que abrange as ilhas: Combu, Grande, do Papagaio
e do Murucutum. Um sistema de saúde deve caracterizar-se por ser de fácil acesso, especialmente à
população carente, e deve procurar atender as reais necessidades de um determinado território
(STEIN, 2008).

Durante as visitas e entrevistas realizadas na ilha, constatou-se que muitos dos serviços oferecidos
estavam parados, sobretudo, pela falta de médicos e/ou de materiais para o atendimento local. A falta
de recursos e médicos na ilha, faz com que parte dessa demanda de pacientes recorram a
atendimentos médicos em Belém.

Da UBS do Combu até Belém, os ribeirinhos enfrentam outros problemas. Caso o paciente apresente
um quadro grave, provavelmente, seu estado clínico pode piorar devido as más condições físicas dos
barcos junto ao tempo perdido no deslocamento. Assim, o tempo estimado para que o paciente chegue
à orla sul de Belém, mais especificamente, no Porto da Praça da Princesa Isabel, no bairro da Condor,
é cerca de 10 a 20 minutos dependendo da embarcação, sendo a lancha a mais rápida (Figura 8).

Figura 8. Praça Princesa Isabel no bairro da Condor, dificuldades encontradas para embarque e desembarque.

Fonte: Autores, 2019.

Na Praça Princesa Isabel, o trapiche de concreto apresenta dois níveis em sua estrutura para auxiliar
na transferência do barco para o trapiche e vice-versa, nos momentos de maré alta e baixa. As escadas
presentes ajudam na transferência, mas não apresentam elementos de seguranças como guarda-
corpo, corrimão e nem sinalizações de segurança nos pisos para que os usuários consigam acessar e
utilizar a estrutura de forma segura, com conforto e com autonomia, já que sempre há a necessidade
da ajuda de terceiros (Figura 8).

9
A partir dessa praça, os combuenses iniciam uma verdadeira peregrinação em várias UBS e hospitais
de Belém, em busca de soluções para o seu problema. Para isso, os ilhéus recorrem ao atendimento
em equipamentos de saúde pública mais próximos que são: Unidade Municipal de Saúde (UMS) e
Unidade de Pronto atendimento (UPA), Unidade Básica de Saúde (UBS) do Guamá, UBS da Condor, UBS
e UPA da Terra-Firme, UBS do Jurunas, UBS da Cremação e o HPSM do Guamá, conforme o mapa da
Figura 9.

Figura 9. Mapa de localização dos equipamentos de saúde pública mais próximos à Praça da Princesa Isabel

Fonte: Autores, 2019.

O que ocorre é que para a comunidade ribeirinha, essa situação torna-se onerosa e desgastante, uma
vez que os mesmos correm o risco de não serem atendidos por diversas situações, tais como: falta de
leito, falta de médico, falta de remédios, falta de recursos e materiais, de filas enormes, de serviços
sobrecarregados, de superlotação e entre outros problemas relacionados a questão da saúde em
Belém e que, neste artigo, não será aprofundado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para as comunidades ribeirinhas o acesso à educação, transporte e saúde com qualidade ainda é uma
questão de invisibilidade social e, sobretudo, da falta de políticas públicas mais coerentes à realidade
dos ilhéus. A questão saúde vai mais além do que explicado nesse artigo. A partir das vivências e
observações realizadas nas visitas técnicas, pôde-se perceber mais as dificuldades encontradas pela
comunidade até para realizar tarefas cotidianas. Falas como “a gente já está acostumado”, “é tem que

10
meter a cara” evocam um sentimento de se acreditar que só existem esses tipos de espaços e esses
tipos de transportes. Qualidade seria luxo, e diante disso, muitos se convencem que segurança está no
fato de saber se adaptar e se movimentar nos ambientes construídos, já que nada muda para melhorar
sua qualidade de vida, o que cabe a frase “pra tudo se dá um jeito” e, nisso, correm risco de acidentes
o tempo todo.

Infelizmente, um exemplo disso é a UBS do Combu. Houveram melhorias, colocou-se mais salas de
atendimento e, em menos de dois anos, observa-se um equipamento de saúde sem oferecer toda sua
capacidade funcional por falta de recursos e de médicos especializados, e quem perde, sempre são os
ilhéus.

Além disso, mesmo com o acréscimo de flutuante, trapiche, calçadas de estivas cobertas e com guarda-
corpo, as estruturas apresentam falhas de detalhes físicos, que parecem insignificantes para algumas
pessoas, mas que é essencial para a acessibilidade espacial para pessoas mais vulneráveis. Essas falhas
junto a falta de manutenção adequada ao espaço comprometem ainda mais a estrutura física e a
segurança das pessoas.

Diante disso, destaca-se a importância de se fazer uma avaliação de pós-ocupação para verificar como
os usuários se comportam nos ambientes. Em entrevistas, quando perguntados aos usuários o que
achavam do espaço, a frase dita com maior frequência era “melhor do que era”, o que pode ser
traduzida como uma forma de insatisfação. Dessa forma, a avaliação de pós- ocupação poderia coletar
os aspectos positivos para serem incorporados em novos projetos e, os negativos, para não serem
repetidos, o que traria qualidade aos futuros projetos e melhor adequação do espaço, sem considerar
a visão apenas do especialista.

Por fim, ressalta-se que Belém, de uma forma geral, apresenta muitas falhas na questão de saúde
pública. Tal situação, desdobra-se de forma injusta para as populações que estão em um contexto de
vulnerabilidade, onde tudo falta: educação, transporte acessível, tratamento de esgoto, abastecimento
de água potável e saúde pública de diversas especialidades para atender à realidade de seus habitantes
e suas necessidades. Falta bom senso, falta empatia e, principalmente, vontade pública para que as
comunidades ribeirinhas sejam inclusivas e mais democráticas.

11
5 REFERÊNCIAS
ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 15 450/2007: Norma brasileira de acessibilidade de
passageiros no sistema de transporte aquaviário. Rio de Janeiro, 2007.

ABNT, Associação Brasileira de Normas Técnicas. NBR 9050/2015: Norma Brasileira de Acessibilidade em
edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2015.

BELÉM. Prefeitura Municipal de Belém. Prefeitura de Belém inaugura obras de educação e saúde na ilha do
Combu. 2017. Disponível em:< http://www.belem.pa.gov.br/semec/site/?p=130>. Acesso em: 10/06/2019.

BELÉM. LEI Nº 8.655, de 30 de julho de 2008. Dispõe sobre o Plano Diretor do Município de Belém, e dá outras
providências.

DUARTE, Fábio; LIBARDI, Rafaela; SÁNCHEZ, Kárina. Introdução à mobilidade urbana. [S. l.]: Juruá, 2007.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. 7. ed. São Paulo:
Atlas, 2010. 320p.

LUDWIG, Antonio Carlos Will. Fundamentos e prática de Metodologia Científica. 2.ed- Petrópolis, RJ: Vozes,
2012, p.124.]

MONTEIRO, Érica Corrêa. Acessibilidade espacial em calçadas de estivas no Pará: estudo de caso na Ilha do
Combu e na cidade de Afuá. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal de
Santa Catarina, 2015.

RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social: métodos e técnicas. Colaboradores José augusto de Souza Peres
et al. 3. ed. 9. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2008.

STEIN, Airton Tetelbom. Acesso a atendimento médico continuado: uma estratégia para reduzir a utilização de
consultas não-urgentes em serviços de emergência. Tese (Doutorado)- Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 1998.

12
CICLOMOBILIDADE: AVALIAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DO PROGRAMA
CICLOVIÁRIO DA REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA

CYCLEMOBILITY: EVALUATION AND QUALIFICATION OF THE METROPOLITAN


REGION OF THE GRANDE VITÓRIA’S CYCLE PROGRAM

CICLOMOVILIDAD: EVALUACIÓN Y CUALIFICACIÓN DEL PROGRAMA CICLOVIARIO


DE LA REGIÓN METROPOLITANA DE LA GRANDE VITÓRIA

RODRIGUES, Pollyana Martins


Mestranda em Arquitetura e Cidade; Universidade Vila Velha – UVV, pollyanamr@gmail.com

FERREIRA, Giovanilton André Carretta


Doutor em Arquitetura e Urbanismo; Professor do Programa de Pós-Graduação Arquitetura e Cidade da
Universidade Vila Velha – UVV, giovanilton.ferreira@uvv.br

DE ANGELO, Michelly Ramos


Doutora em Arquitetura e Urbanismo – UVV, michellyr@hotmail.com

RESUMO
O artigo aborda a ciclomobilidade e sua importância como transporte sustentável, tendo como objetivo a
avaliação e qualificação das ações propostas pelo Programa Cicloviário da Região Metropolitana da Grande
Vitória (PC-RMGV), à luz dos conceitos de cidade cicloinclusiva, com foco na região Central de Vila Velha. A
metodologia adotada envolveu: revisão bibliográfica para a base teórica e identificação dos critérios de análise
do programa; diagnóstico da área de estudo focado nos aspectos da ciclomobilidade; avaliação das ações
propostas pelo Programa Cicloviário da RMGV; e apresentação de ações de planejamento e desenho urbano
visando qualificar o programa.
PALAVRAS-CHAVES: Ciclomobilidade; mobilidade urbana; cidade cicloinclusiva.

ABSTRACT
The paper discusses the cyclemobility and its importance as a sustainable transport, its objective is to evaluate
and qualify the proposed actions of the Metropolitan Region of Grande Vitória’s Cycle Program (PC-RMGV), in
the light of cycleinclusive city concepts’, focused on Vila Velha’s Central region. Based on the evaluation and the
theoretical framework adopted, a preliminary action plan is proposed for the program’s qualification. The
methodology adopted involved: bibliographic review for the theoretical basis and identification of the criteria
for analysis of the program; diagnosis of the study area focused on aspects of cyclemobility; evaluation of the
actions proposed by the RMGV’s Cycle Program; and presentation of planning and urban design actions aiming
to qualify the program.
KEY WORDS: Cyclemobility, urban mobility, cycle-inclusive city.

RESUMEN
El artículo aborda la ciclomobilidad y su importancia como transporte sostenible, teniendo como objetivo la
evaluación y calificación de las acciones propuestas por el Programa Cicloviario de la Región Metropolitana de
la Gran Victoria (PC-RMGV), a la luz de los conceptos de ciudad cicloinclusiva, con foco en la región Central de

1
Vila edad. La metodología adoptada implicó: revisión bibliográfica para la base teórica e identificación de los
criterios de análisis del programa; diagnóstico del área de estudio enfocada en los aspectos de la
ciclomobilidad; evaluación de las acciones propuestas por el Programa Cicloviario de la RMGV; y presentación
de acciones de planificación y diseño urbano para calificar el programa.
PALABRAS CLAVE: Ciclomovilidad; movilidad urbana; ciudad cicloinclusiva.

1 INTRODUÇÃO

A Mobilidade Urbana diz respeito à livre circulação de pessoas e cargas entre as diferentes áreas do
espaço urbano de um município. A priorização da mobilidade baseada no transporte motorizado
individual sobre os transportes coletivos e os não motorizados tem gerado conflitos no trânsito,
fazendo surgir congestionamentos, dificultando os deslocamentos, e gerando problemas ambientais
e de saúde pública por causa da poluição do ar.

Ao priorizar este insustentável padrão de mobilidade surge ainda o problema de acessibilidade


urbana já que a população que não possui automóvel particular encontra dificuldades em se
locomover pelas deficiências do transporte público, limitando o acesso ao trabalho e aos
equipamentos de saúde, cultura e lazer.

Uma boa política de mobilidade urbana deve garantir a todos os cidadãos o direito à cidade,
buscando assim a democratização do espaço público, a promoção da acessibilidade e a equiparação
de oportunidades. Solucionar esses problemas de mobilidade urbana tem sido um desafio em muitas
cidades do mundo, inclusive na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV).

A bicicleta tem se destacado como meio de transporte alternativo aos veículos particulares, pois é um
recurso de baixo custo operacional e, por não emitir poluentes, contribui para uma mobilidade mais
sustentável para o meio ambiente. E pode ser também uma solução para a diminuição dos problemas
de mobilidade, gerando maior democratização do espaço urbano e da acessibilidade.

Pensando nisso, várias cidades do mundo têm focado no planejamento cicloinclusivo. Segundo o
Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) Brasil (2017), uma cidade cicloinclusiva
é aquela que integra a bicicleta de forma efetiva como modo de transporte em seu sistema de
mobilidade, sendo necessária a adoção de um conjunto de estratégias que incluam itens como a
criação de redes cicloviárias contínuas, conectadas, seguras e confortáveis, a criação de sistemas de

2
bicicletas compartilhadas, a redistribuição do espaço viário, o compartilhamento das vias, o
desestímulo ao uso do automóvel, além da integração da bicicleta com outros modos de transporte.

O Governo do Estado do Espírito Santo, através da Secretaria dos Transportes e Obras Públicas
(SETOP), iniciou em 2012 o desenvolvimento de um Programa Cicloviário para a RMGV (PC-RMGV),
prevendo ações como a melhoria de infraestrutura, compartilhamento de bicicletas, campanhas de
conscientização, dentre outras (LIMA, 2016).

Observou-se que na RMGV, apesar de haver iniciativas e investimentos preliminares neste sentido,
ainda existem carências.

Este trabalho visa avaliar e qualificar as ações propostas pelo PC-RMGV, tendo como área de estudo a
Região Central de Vila Velha. Questão-problema: Em que medida as ações propostas pelo PC-RMGV
para a área de estudo, atendem aos princípios de cidade cicloinclusiva? Com base na avaliação
realizada é apresentado um conjunto de ações de planejamento e desenho urbano, a fim de
qualificar o referido programa, no intuito de favorecer e fomentar o uso da bicicleta como meio de
transporte, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.

Este artigo é um recorte de uma pesquisa mais ampla realizada para um Trabalho de Conclusão de
Curso, e tem como foco a análise crítica do plano cicloviário, por este motivo, serão apresentados
apenas resultados das seguintes etapas da metodologia adotada: revisão bibliográfica para a
fundamentação teórica e identificação dos critérios de análise do programa vinculados ao conceito
de cidade cicloinclusiva; desenvolvimento de diagnóstico da área de estudo focado nos aspectos da
ciclomobilidade; avaliação das ações propostas pelo Programa Cicloviário da RMGV e diretrizes
urbanísticas visando a qualificação das ações.

2 VILA VELHA E O PC-RMGV

A região de estudo está localizada em Vila Velha, município brasileiro do Estado do Espírito Santo e
integrante da RMGV (Vitória, Serra, Vila Velha, Cariacica, Viana e Fundão). Vila Velha possui
localização estratégica, há 5km de distância da capital capixaba, Vitória, com quem mantém suas
principais atividades econômicas (IBGE, 2015) (Figura 1).

Considerando a integração da bicicleta aos meios de transporte coletivo, adotou-se para este estudo
uma área com raio de abrangência de 2,5km, com ponto central no Terminal de Vila Velha do Sistema

3
TRANSCOL1, delimitado em função da distância média de deslocamento de um ciclista (ITDP, 2017)
(Figura 1). Assim a área de estudo definida abrange, predominantemente a Região Administrativa 1.

Figura 1: Localização estratégica da área de estudo

Fonte: Acervo próprio, 2017.

A cidade possui cerca de 486 mil habitantes, maior parte residente no perímetro urbano,
principalmente na Região 1 que representa 30% da população do município (IBGE, 2010). Ainda
segundo o IBGE (2010), grande parte dos residentes da Região 1 tem idade entre 15 a 64 anos,
população ativa. Estes dados demonstram a condição de centralidade principal da cidade, com maior
dinâmica socioeconômica e consequentemente de mobilidade urbana.

Segundo dados da Secretaria Municipal de Planejamento Orçamento e Gestão (SEMPLA, 2013), a


renda média dos moradores da Região 1 é de R$ 2.646,52, e está acima da média dos bairros do
município de Vila Velha, que é de R$ 1.881,36.

Um dos pontos críticos da mobilidade na área é a conexão com a capital, Vitória, que se dá através da
Terceira Ponte2, não comportando a quantidade de veículos que a utilizam em horários de pico
ocasionando congestionamentos.

4
Figura 2: Análise Socioambiental X Uso do Solo X Mobilidade

Fonte: Acervo próprio, 2017.

Em acordo com a Lei de Mobilidade Urbana - nº 12.587/2012, o Estado do Espírito Santo, em 2012,
desenvolveu o Programa Cicloviário da Região Metropolitana da Grande Vitória (PC-RMGV), com o
objetivo de elaborar políticas públicas e ações de gestão governamental para a promoção da bicicleta
na mobilidade da RMGV.

De acordo com Lima (2016), a proposta do programa é difundir e implantar projetos que promovam o
uso da bicicleta como meio de transporte para curtas distâncias (2 a 5km) e como modal
complementar às demais modalidades de transporte coletivo. As principais propostas do PC-RMGV
são: execução de obras de novos trechos de ciclovias e ciclofaixas; revitalização, recuperação de
pavimento e sinalização vertical e horizontal das ciclovias e ciclofaixas existentes; instalação de
bicicletários e paraciclos nos prédios públicos e nos terminais do transporte coletivo da RMGV; e
promover a educação, comunicação e incentivo do uso de bicicleta.

5
Assim, ainda segundo Lima (2016), desde 2012 os novos projetos viários do Governo do Estado
incluem a construção de ciclovias/ciclofaixas, pretendendo interligar trechos fragmentados e criar
anéis cicloviários metropolitanos.

A primeira iniciativa para uma integração metropolitana cicloviária foi a implantação do ônibus GV
Bike, adaptação de ônibus do sistema TRANSCOL com vagas para bicicletas, para o trajeto da Terceira
Ponte, ligando Vila Velha a Vitória.

A fim de orientar ciclistas para deslocamentos mais seguros, a SETOP desenvolveu o mapa de bolso
Ciclorrotas (2014). O material apresenta o mapeamento de tipologias cicloviárias implantadas nos
municípios da RMGV e propõem ciclorrotas3. O referido mapa serve como referência para esta
pesquisa avaliar o sistema cicloviário existente, em especial na área de estudo (Figura 3).

Figura 3: Mapa Cicloviário PC-RMGV

Fonte: Acervo próprio com base em Ciclorrotas (2014), 2017.

6
Para melhor avaliação, foi realizado o cruzamento de informações que gerou um Mapa Síntese, onde
é possível identificar aspectos relevantes sobre o sistema cicloviário existente (Figura 4).

Figura 4: Mapa Síntese

Fonte: Acervo próprio, 2017.

Ciclorrotas não possuem sinalização, e muitos trechos são indicados em vias arteriais e coletoras,
colocando o ciclista em risco. Alguns pontos não possuem pavimentação ou apresentam piso
irregular, gerando desconforto e risco de queda, outros indicam vias com declividades elevadas.

Segundo a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Mobilidade de Vila Velha (SEMDU,


2017), está em andamento a elaboração do Plano Municipal de Mobilidade e Acessibilidade
(PlanMobVV). Existe hoje apenas projetos e propostas pontuais, como construção de trechos de
ciclovia, fixação de paraciclos nos principais pontos de destino e de integração modal, campanha de
conscientização e compartilhamento de bicicleta.

7
A infraestrutura cicloviária existente é desconectada, induzindo o uso de calçadas e vias de alto fluxo
e velocidade de veículos. Desfavorece o acesso a terminais de ônibus, GV Bike, parques e praças.
Serve o trânsito dos bairros da orla, Centro, Polo de Moda Glória e Rua Jair de Andrade, e falha no
acesso a outros bairros.

O sistema de compartilhamento de bicicleta tem maior número de pontos na orla, privilegiando


bairros elitizados, e sem integração com o sistema de Vitória.

No geral, há pouca arborização e/ou elementos sombreadores, iluminação, paraciclos e bicicletários.


Pode-se concluir que ainda há aspectos relevantes a serem tratados a fim de que Vila Velha seja
cicloinclusiva.

3 AÇÕES COMPLEMENTARES PARA UM PROGRAMA METROPOLITANO CICLOINCLUSIVO

A partir da avaliação do PC-RMGV e do diagnóstico da região, foram planejadas ações que atendem
às estratégias para que Vila Velha seja mais cicloinclusiva.

Dentre elas, ampliar a infraestrutura e criar uma rede segura, confortável, contínua e conectada com
polos geradores de viagens e terminais de transporte coletivo, para isso, foram planejadas novas
rotas e conexões, estabelecendo as tipologias mais adequadas para cada tipo de via. Ao
compatibilizar a hierarquia viária e a segurança dos ciclistas, alguns trechos indicados pelo PC-RMGV
como ciclorrotas, passam a ter infraestrutura mais adequada, como ciclovia ou ciclofaixa (Figuras 5).

Para promover a estratégia de integração modal e o acesso aos outros municípios da RMGV, é
proposta a qualificação dos acessos aos terminais de ônibus e ponto do GV Bike, a fixação de racks
para o transporte de bicicletas em ônibus intermunicipais, a reativação do sistema aquaviário na
Grande Vitória e a implantação de ciclovia na Terceira Ponte (Figura 5).

Como forma de desestímulo ao uso do veículo individual, faz parte do planejamento a inserção de
estacionamento rotativo nas principais zonas atrativas e geradoras de viagens (Figura 5).

8
Figura 5: Nova Rede Cicloviária proposta

Fonte: Acervo próprio, 2017.

Propõe-se uma Rota Verde com tratamento paisagístico, humanização do espaço urbano e sinalização
informativa, conectando parques, praças, orla e polos de comércio e serviço, para valorizar o
potencial paisagístico da cidade e incentivar a relação da população com espaços públicos, além de
melhorar o conforto térmico e ambiental da região (Figuras 6, 7 e 8). Além de requalificação e/ou
revitalização dos espaços públicos, incluindo bebedouros, banheiros, paraciclos e bicicletários.

9
Figura 6: Rota Verde proposta

Fonte: Acervo próprio, 2017.

Figura 7: Sinalização informativa

Fonte: Acervo próprio, 2017.

10
Figura 8: Ciclovia arborizada

Fonte: Acervo próprio, 2017.

Para inserir infraestrutura cicloviária e alargar calçadas e faixas de serviço, é necessária a


redistribuição dos espaços, eliminando, quando oportuno, faixas de estacionamento e/ou reduzindo
faixas de rolamento. Ao adotar essa estratégia, além de democratizar o espaço público, reduz-se a
velocidade dos veículos, minimizando riscos de acidentes e fatalidades.

Baseado nos parâmetros apresentados por NACTO (2017) é possível identificar a tipologia cicloviária
adequada para cada tipologia viária (Tabela 1).

11
Tabela 1: Tipologias viárias X Tipologias cicloviárias
TIPOLOGIA
TIPOLOGIA VIÁRIA CICLOVIÁRIA EXEMPLO DE REDIMENSIONAMENTO DA VIA
ADEQUADA

Vias Arteriais 0 e vias Ciclovias bidirecionais


Coletoras
unidirecionais:

Velocidade acima de
50km/h e alto fluxo
de veículos

Vias Arteriais 1: Ciclovias


unidirecionais:
Velocidade máx.
60km/h e alto fluxo Seguindo a mesma
de veículos direção do fluxo de
veículos

12
Vias Coletoras Ciclofaixas
bidirecionais: bidirecionais

Velocidade máx.
50km/h e fluxo de
veículos moderado

Vias Coletoras Ciclofaixa


unidirecionais: unidirecional

Velocidade máx.
50km/h e fluxo de
veículos moderado

Fonte: Acervo próprio, 2017.

Ciclorrotas foram planejadas para algumas vias locais, com boa infraestrutura, cruzando o interior de
bairros, conectadas às ciclovias e/ou ciclofaixas para complementar a rede cicloviária (Figura 9).

13
Figura 9: Ciclorrota com sinalização adequada.

Fonte: Imagem do Google Maps com intervenção do autor, 2017.

A criação de ilhas para parada de ônibus, permite a continuidade da ciclovia e minimiza conflitos com
pedestres. Faixas de serviço recebem arborização para promover conforto térmico (Figura 10). E as
interseções recebem redesenho e sinalização para redução de conflitos e acidentes (Figura 11).

Figura 10: Ilha de parada de ônibus e arborização.

Fonte: Acervo próprio, 2017.

14
Figura 11: Redesenho e sinalização de interseção

Fonte: Imagem do Google Maps com intervenção do autor, 2017.

A partir da identificação dos polos geradores de viagens, foi possível mapear pontos e zonas de
interesse para a instalação de paraciclos e bicicletários. Paraciclos são indicados em esquema de
dispersão, com destinos múltiplos. Bicicletários, em esquema de concentração, para atender
demandas elevadas de ocupação simultânea. Esta ação pode ser feita por meio de incentivos e
parcerias com o setor privado ou organizações da sociedade civil (Figura 12).

Figura 12: Mapa de paraciclos e bicicletários.

Fonte: Acervo próprio, 2017.

15
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa buscou compreender a mobilidade cicloinclusiva com a adoção da região central do
município de Vila Velha como estudo de caso. Foram avaliadas as ações já propostas pelo Programa
Cicloviário da RMGV, e de acordo com as potencialidades e fragilidades identificadas no diagnóstico
desta área, é possível propor um plano de ações futuras para a qualificação do programa.

Dentre tal conjunto de ações complementares, pode-se destacar a ampliação da infraestrutura


cicloviária segura, confortável, contínua e conectada. Criação de uma Rota Verde com tratamento
paisagístico, mobiliário urbano adequado, como paraciclos e bebedouros, e sinalização informativa,
conectando parques, praças, orla e polos de comércio e serviço. A qualificação dos acessos aos
terminais de ônibus e ponto do GV Bike e a reativação do sistema aquaviário na Grande Vitória, a
aplicação de estacionamento rotativo nas principais zonas atrativas e geradoras de tráfego.

Outra estratégia considerável é a redistribuição dos espaços das vias para democratizar o espaço
público, reduzir a velocidade dos veículos e minimizar os riscos de acidentes e fatalidades.

Assim, com a adoção desse conjunto de estratégias, é possível tornar a cidade cicloinclusiva, onde a
bicicleta é integrada de forma efetiva como modo de transporte em seu sistema de mobilidade.

1
Sistema metropolitano de transporte coletivo integrado de estrutura tronco-alimentadora que funciona dentro da RMGV,
gerenciado pela Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (Ceturb-GV).
2
Ponte Deputado Darcy Castello de Mendonça

3
Conjunto de vias cicláveis, que apresentam menor volume de tráfego, baixa velocidade e infraestrutura viária de qualidade,
sinalizadas especificamente para o compartilhamento entre bicicletas e veículos motorizados.

5 REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 12.587, de 3 de janeiro de 2012. Política Nacional de Mobilidade Urbana. Planalto. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: 23 de maio de
2017.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico: resultados preliminares – São
Paulo, 2010. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/es/vila-velha/panorama>. Acesso em: 29 de
setembro de 2017.
ITDP – INSTITUTO DE POLÍTICAS DE TRANSPORTE E DESENVOLVIMENTO. Guia de Planejamento Cicloinclusivo.
São Paulo, 2017.
LIMA, M. R. T. R. de. PROGRAMA CICLOVIÁRIO: Planejamento e projetos para a Região Metropolitana da
Grande Vitória. In: COBRAC, 12, 2016, Florianópolis - SC. Anais do COBRAC 2016.

16
PREFEITURA MUNICIPAL DE VILA VELHA (PMVV). Lei nº 4.575/2007. Plano Diretor Municipal, 2007.
SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento Orçamento e Gestão. Perfil socioeconômico por bairros. Vila
Velha, 2013. Disponível em: <http://www.vilavelha.es.gov.br>. Acesso em: 29 de setembro de 2017.
SETOP - Secretaria de Estado dos Transportes e Obras Públicas. Ciclorrotas 2014. Vitória, 2014.
SETOP - Secretaria de Estado dos Transportes e Obras Públicas. Governo do ES apresenta Programa Cicloviário
Metropolitano. Vitória, 2015. Disponível em: <https://setop.es.gov.br/governo-do-es-apresenta-programa-
cicloviario>. Acesso em: 31 de maio de 2017.

17
Espaço público e Caminhabilidade: Avaliação na escala de avenida

Public Space and Walkability: Evaluate in the Avenue Scale

Índice de Caminos: Avance en la Escala de Avenida


RAMOS, Larissa Leticia Andara
Doutora, professora do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo de do Mestrado em Arquitetura
e Cidade da Universidade Vila Velha-ES (UVV), email: larissa.ramos@uvv.br

LOPES, Laura Akel


Aluna de graduação em Arquitetura e urbanismo da Universidade Vila Velha-ES (UVV), email:
laurakelopes@gmail.com

RAMOS, Suzany Rangel


Arquiteta e Urbanista, Mestranda em Arquitetura e Cidade da Universidade Vila Velha-ES (UVV), email:
Suzany.r@hotmail.com

RESUMO
O instituto de políticas de transporte e desenvolvimento (ITDP-Brasil) e o instituto Rio Patrimônio da Humanidade
(IRPH) desenvolveram o Índice de Caminhabilidade instrumento para avaliar a qualidade do espaço urbano na
escala do pedestre. Na sua versão mais atualizada (2.0) contém 6 categorias com 15 indicadores. A ferramenta
permite avaliar as condições do espaço urbano e monitorar o impacto de ações de qualificação no espaço público,
além de informar em que medida tais ações favorecem ou não os deslocamentos a pé. Sua implantação promove
um novo olhar sobre o meio urbano, com objetivo de promover a qualidade das vias a partir da ótica do pedestre
e priorizar os mesmos. No presente artigo serão apresentados os resultados da aplicação da ferramenta índice
de caminhabilidade, tendo como recorte a Av. Jair de Andrade, situada no município de Vila Velha-ES. Trata-se de
uma pesquisa de natureza aplicada e de abordagem quantitativa e qualitativa cujo método utilizado foi
estruturado em três etapas: Contextualização sobre espaço público e caminhabilidade, observação
comportamental e aplicação da ferramenta. Os resultados revelam que a avenida, embora seja um local
movimentado, com destaque para mobilidade e a atratividade do local, apresenta deficiências em relação a
segurança viária e segurança pública. As análises permitem compreender melhor a ferramenta índice de
caminhabilidade e sua adequação na avaliação da caminhabilidade, bem como apontar aspectos prioritários de
intervenção no espaço urbano.
PALAVRAS-CHAVES: Espaço público, Caminhabilidade, Pedestre, Vitalidade Urbana, Avenida.

ABSTRACT
The institute of transport and development policies (ITDP-Brazil) and the Rio Patrimony of Humanity Institute
(IRPH) developed the Toolability Index to evaluate the quality of urban space in the pedestrian scale. In its most
updated version (2.0) contains 6 categories with 15 indicators. The tool allows to evaluate the conditions of the
urban space and to monitor the impact of qualification actions in the public space, besides informing to what
extent these actions favor or not the displacements on foot. Its implementation promotes a new look at the
urban environment, aiming to promote the quality of the routes from the point of view of the pedestrian and
prioritize them. In this article, the results of the application of the index of roadability tool will be presented,
with Jair de Andrade Av., Located in the municipality of Vila Velha-ES, as a cut. It is a research of an applied
nature and a quantitative approach whose method was structured in three stages: Contextualization about
public space and walkability, behavioral observation and tool application. The results reveal that the avenue,
although it is a busy place, emphasizing mobility and the attractiveness of the place, presents deficiencies in
relation to road safety and public safety. The analyzes make it possible to better understand the tool index of

1
roadability and its adequacy in the evaluation of roadability, as well as to point out priority aspects of
intervention in the urban space.
KEY WORDS: Public Space, Walkability, Pedestrian, Urban Vitality, Avenue.

RESUMEN
El instituto de políticas de transporte y desarrollo (ITDP-Brasil) y el instituto Rio Patrimonio de la Humanidad
(IRPH) desarrollaron el Índice de Caminos instrumento para evaluar la calidad del espacio urbano en la escala del
peatón. En su versión más actualizada (2.0) contiene 6 categorías con 15 indicadores. La herramienta permite
evaluar las condiciones del espacio urbano y monitorear el impacto de acciones de calificación en el espacio
público, además de informar en qué medida tales acciones favorecen o no los desplazamientos a pie. Su
implantación promueve una nueva mirada sobre el medio urbano, con el objetivo de promover la calidad de las
vías a partir de la óptica del peatón y priorizar los mismos. En el presente artículo se presentarán los resultados
de la aplicación de la herramienta índice de caminabilidad, teniendo como recorte la Av. Jair de Andrade, situada
en el municipio de Vila Velha-ES. Se trata de una investigación de naturaleza aplicada y de abordaje
cuantiqualitativo cuyo método utilizado fue estructurado en tres etapas: Contextualización sobre espacio público
y caminabilidad, observación comportamental y aplicación de la herramienta. Los resultados revelan que la
avenida, aunque es un lugar concurrido, con destaque para movilidad y el atractivo del local, presenta
deficiencias en relación a seguridad vial y seguridad pública. Los análisis permiten comprender mejor la
herramienta índice de caminabilidad y su adecuación en la evaluación de la caminabilidad, así como apuntar
aspectos prioritarios de intervención en el espacio urbano
PALABRAS CLAVE: Espacio público, Caminata, Peatonal, Vitalidad Urbana, Avenida.

1 INTRODUÇÃO
O ato de caminhar está inserido diariamente no cotidiano das pessoas e no espaço urbano como a
principal e mais antiga forma de locomoção. “A caminhada é também o meio de transporte mais
sustentável e democrático na cidade” (ITDP Brasil, 2018). A grande liberdade de movimento é um traço
marcante do deslocamento de pedestres e que permite o aumento da interação com o espaço urbano
que o circunda, fazendo com que detalhes imperceptíveis para um ciclista ou condutor de automóvel,
por exemplo, tenham um impacto significativo para os pedestres (ITDP Brasil, 2018).

Porém, com o passar dos anos, a população foi encontrando maneiras diferentes de se deslocarem de
um local para outro e que demandavam menos tempo. Com a evolução dos meios de transportes e a
dependência veicular, os automóveis passaram a dominar o cenário das cidades, desvalorizando o ato
de caminhar.

Para o urbanista Speck (2013) existem 3 (três) grandes argumentos que conduzem o pensamento para
cidades mais caminháveis, que são do ponto de vista: econômico, saúde e ambiental. Para o autor a
caminhada deve ser proveitosa, segura, confortável e interessante.

2
Como forma de incentivar o ato de caminhar e visando melhorar a qualidade do espaço urbano o
Instituto de Políticas de Transporte e desenvolvimento (ITDP) desenvolveu o Índice de Caminhabilidade
(iCam), ferramenta que permite avaliar as condições do espaço urbano e monitorar o impacto de ações
de qualificação do espaço público, indicando em que medida favorecem ou não os deslocamentos a
pé, com o objetivo de promover um novo olhar sobre o meio urbano sobre a ótica do pedestre(ITDP
Brasil, 2018).

A ferramenta iCam , em sua versão mais atualizada (2.0), é composta por 15 indicadores agrupados em
6 diferentes categorias: Calçada, Mobilidade, Atração, Segurança Viária, Segurança Pública e Ambiente.
Cada uma delas incorpora uma dimensão da experiência do caminhar e são consideradas lentes
necessárias para avaliação da caminhabilidade, utilizadas como parâmetros centrais de referência para
avaliação.

A cidade de Vila velha é precária no que diz respeito a mobilidade ativa com vias que, apesar do fluxo
constante de pessoas, é nítida a desvalorização do pedestre. Desse modo, o presente trabalho tem
como objetivo apresentar uma reflexão sobre a caminhabilidade em bairros residenciais, trazendo com
ferramenta de análise a aplicação do índice de caminhabilidade, tendo como recorte a Av. Dr. Jair de
Andrade, localizada no município de Vila Velha-ES.

METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada, de caráter exploratório e descritivo que utiliza a
ferramenta índice de caminhabilidade (versão 2.0) para avaliação de uma via coletora situada em bairro
residencial.

O desenvolvimento do índice de caminhabilidade foi baseado em uma gama de referências nacionais


e internacionais sobre caminhabilidade e sobre a elaboração e aplicação de índices similares, incluindo
a análise de abordagens e métodos de classificação e pontuação. Entre as referências utilizadas,
incluem-se ITDP Brasil (2008) dos quais alguns dos indicadores foram extraídos ou adaptados. Seu
processo de construção foi tanto iterativo quanto interativo. “Sua composição foi avaliada e ajustada
diversas vezes, ampliando o olhar para a complexidade da realidade, e ao mesmo tempo, buscando
uma solução simples que resultasse numa aplicação eficiente no meio urbano para os pedestres.” (ITDP
Brasil, 2018).

3
A unidade básica de coleta de dados e avaliação de indicadores é o segmento de calçada que reflete
de maneira precisa a experiência do caminhar do pedestre. Refere-se a parte da rua localizada entre
cruzamentos adjacentes da rede de pedestres, inclusive cruzamentos não motorizados, levando em
consideração somente um lado da calçada.

Os segmentos de calçada recebem, para cada indicador, categoria ou índice final uma pontuação de 0
a 3, apresentando uma avaliação qualitativa da experiência do pedestre em insuficiente (0), suficiente
(1), bom (2) e ótimo (3). Uma vez que se tenham atribuído pontos para cada um deles, as seis categorias
também recebem uma pontuação de 0 a 3, resultante da média ponderada dos indicadores que a
compõem. A avaliação final consiste na média aritmética da pontuação das seis categorias. A
pontuação final dos índice de uma determinada região poderá variar, assim, de 0 a 3 pontos,
qualificados em insuficiente (0 a 0,9), aceitável (1 a 1,9), bom (2 a 2,9) e ótimo (3), conforme ilustrada
na tabela 1 ( ITDP Brasil, 2018).

Tabela 1: Pontuações

Fonte: acervo dos autores, 2019.

O iCam é baseado em três tipos de dados:

 Dados primários levantados em pesquisa de campo com fotografias, contagem e observação;

 Dados secundários coletados a partir de documentação preexistente, fotografias aéreas,


satélites e recursos de georreferenciamento;

 Dados secundários coletados juntos a agências públicas.

O ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE

A ferramenta iCam (Índice de Caminhabilidade) traz para a realidade um estudo do espaço público,
com objetivo de torná-lo melhor para os pedestres. Como já mencionado, é composto por 15
indicadores agrupados em 6 diferentes categorias. Cada uma delas incorpora uma dimensão da
experiência do caminhar e são consideradas lentes necessárias para avaliação da caminhabilidade e
são utilizadas como parâmetros centrais de referência para avaliação, definindo a distribuição da
avaliação. Dentre as categorias estão:

4
 Calçada: Incorpora a dimensão de caminhabilidade relativa à infraestrutura, considerando
dimensões, superfície e manutenção do piso adequadas ao pedestre. Esta categoria inclui os
indicadores: Largura e Pavimentação.

 Mobilidade: Relacionada a disponibilidade e ao acesso ao transporte público. Avalia também


a permeabilidade da malha urbana, através da Dimensão das Quadras e da Distância a pé ao
transporte.

 Atração: Inclui características de uso do solo que potencializam a atração de pedestres. Eles
avaliam atributos do espaço construído que podem um impacto decisivo na intensidade do uso
das rotas de pedestres e na sua distribuição ao longo do dia ou semana. Fazem parte os
indicadores: Fachadas fisicamente permeáveis, fachadas visualmente ativas, Uso público
Diurno e Noturno, Uso Misto.

 Segurança Viária: Inclui aspectos referentes à segurança de pedestres em relação ao tráfego


de veículos motorizados, assim como a adequação de travessias a requisitos de conforto e
acessibilidade universal. A categoria inclui dois indicadores: Tipologia de Rua e Travessias.

 Segurança Pública: Refere-se à influência do desenho urbano e das edificações na sensação de


segurança dos pedestres. Tema recorrente nas discussões sobre utilização da rua e de outros
espaços públicos, especialmente em países com profunda desigualdade social, como Brasil.
Esta categoria inclui dois indicadores, Fluxo de pedestres Diurno e Noturno e Iluminação.

 Ambiente: A categoria agrupa indicadores relacionados a aspectos ambientais que possam


afetar as condições de caminhabilidade de um espaço urbano. Esses indicadores estão
relacionados a aspectos de conforto e a condições ambientais, incluindo três indicadores:
Sombra e Abrigo, Poluição sonora e Coleta de Lixo e Limpeza.

A tabela 2 a seguir, ilustra cada uma das categorias e os indicadores correspondentes.

5
Tabela 2: Síntese das Categorias e Indicadores

Fonte: acervo dos autores, 2019.

RESULTADOS DA APLICAÇÃO PILOTO NA AVENIDA JAIR DE ANDRADE


A avenida em estudo - Av. Jair de Andrade - é classificada, segundo o Plano Diretor Municipal (VILA
VELHA, 2008) como uma via coletora. Possui intenso movimento de carros, pedestres e ciclistas,
principalmente durante os dias de semana e no horário comercial por apresentar comércio os quais,
em sua maioria, funcionam durante o dia. O perímetro avaliado consiste em 23 segmentos de calçada,
conforme ilustração da Figura 1.

6
Figura 1: Área da Aplicação piloto do Índice de Caminhabilidade Jair de Andrade

Fonte: elaborado pelas autoras, no programa ArcGis, 2019.

A categoria Segurança Viária obteve a menor pontuação (0,56) considerada insuficiente na aplicação
do Índice de Caminhabilidade. Os dois indicadores estudados e avaliados foram “Travessias” e
“Tipologia de Rua”. As “Travessias” receberam uma avaliação insuficiente (nota 0,13) e o indicador
“Tipologia de Rua” obteve a nota suficiente (1,0), conforme ilustrado na Tabela 3 .

Tabela 3: resultado da Categoria “Segurança Viária”.

Fonte: elaborado pelos autores, 2019.

As “Travessias” são consideradas requisito básico para que a rede de calçadas sejam completas e
correspondem a porcentagem de cruzamentos seguros e acessíveis em todas as direções a partir do
segmento de calçada. São consideradas ótimas quando contam com faixa de pedestres de largura de 2
metros ou mais, semáforo, demarcação e acesso completo à cadeira de rodas, piso tátil de alerta e
direcional entre outros.

Para o ITDP Brasil (20180) uma “Tipologia de Rua” não é adequada quando a calçada não é dedicada
de forma segura ao uso do pedestre, ou não é devidamente protegida do tráfego de veículos
motorizados quando eles se encontram em velocidades incompatíveis com a circulação de pedestres.
A relação entre velocidades dos veículos motorizados e fatalidades de pedestres tem comportamento

7
diretamente proporcional, em que a partir de uma velocidade maior que 30 km/h qualquer acréscimo
tem um efeito de fatalidade na colisão.

A maioria das travessias em todos os segmentos de calçada da Av. Jair de Andrade registraram a
pontuação mínima, quase nenhuma atendeu plenamente os requisitos. A falta da faixa de pedestre
visível, rampas adequadas e semáforos foram os pontos mais críticos. Já no indicador “Tipologia de
Rua”, a velocidade máxima na Avenida é 40km/h, com isso todos os segmentos de calçada ficaram com
uma nota suficiente.

Figura 2: Condições das travessias ao longo da Jair de Andrade

Fonte: elaborado pelos autores, 2019.

A categoria Segurança Pública, por sua vez, recebeu a segunda menor pontuação. O resultado (nota
1,01), foi considerado insuficiente de acordo com a avaliação. Dois indicadores foram avaliados:
“Iluminação” e “Fluxos de pedestres diurnos e noturnos”. O primeiro deles recebeu uma avaliação
insuficiente (nota 0,03) e o indicador “Fluxo de Pedestres Diurno e Noturno” obteve a nota suficiente
(1,95), conforme Tabela 4.

Tabela 4: Resultado avaliação categoria Segurança Pública

Fonte acervo dos autores, 2019.

Em relação a “iluminação” é analisada a quantidade de pontos voltados para a rua, dedicados ao


pedestre e iluminando as travessias. No “fluxo de pedestres diurno e noturno” é avaliada a circulação
de pedestres em diferentes horários, preferencialmente nos períodos de maior movimentação durante
o dia e a noite, em três horários diferentes de um mesmo dia útil.

8
A “iluminação” é o indicador com a pior pontuação. Todos os segmentos de calçada apresentaram uma
avaliação insuficiente em relação a qualidade de iluminação para os pedestres já que a avenida não
possui postes baixos na dimensão humana. Já o indicador “Fluxo de pedestres Diurno e Noturno”
apresenta uma avaliação positiva pois ao longo da avenida encontram-se bares, restaurantes,
comércios e serviços, garantindo, assim, a circulação de pessoas e a vigilância natural.

Figura 3: Pontos de iluminação ao longo da Jair de Andrade

Fonte acervo dos autores, 2019.

A categoria Ambiente resultou em uma nota suficiente (1,15) e foram analisados os aspectos
relacionados a “Coleta de Lixo e Limpeza”, “Poluição Sonora” e “Sombra e Abrigo”. O indicador “Coleta
de Lixo” recebeu uma avaliação boa (nota 2,21) e os indicadores “Poluição Sonora” “Sombra e Abrigo”
obtiveram notas insuficientes (0,27 e 0,96 respectivamente), conforme evidenciados na tabela 5.

Tabela 5: Parâmetros de Avaliação Ambiente

Fonte acervo dos autores, 2019.

A “ Coleta de lixo e limpeza urbana” no ambiente de circulação de pedestres foi avaliada observando a
presença de sacos de lixo, lixo crítico e entulhos.. A “Poluição Sonora” mede o nível de intensidade de
ruído nas ruas e, segundo a OMS, um ambiente urbano é adequado quando o nível de intensidade
sonora está abaixo de 55 dB (ITDP Brasil 2018). A Categoria Ambiente também considerada a

9
porcentagem do segmento de calçada que possui elementos de “Sombra e Abrigo” adequados, tais
como árvores, toldos, marquises, abrigos de transportes públicos ou edifícios.

Na avaliação da categoria Ambiente, o indicador “Poluição Sonora” foi o que obteve o resultado mais
desfavorável, resultando em uma classificação insuficiente (0,27). Como a Avenida Jair de Andrade tem
um movimento constante de pessoas e carros e muitos comércios de rua, o nível de intensidade sonoro
ficou muito acima do 55 dB estabelecido pelo OMS. Alguns trechos apresentaram nível de ruído
superior a 80dB. O indicador “Sombra e Abrigo” também apresentou uma média insuficiente (0,96),
evidenciando a falta de arborização urbana ao longo de toda a avenida. A avenida ainda possui boas
condições em relação a limpeza urbana sendo observado presença de sacos de lixo em apenas dois
trechos ( Figura 4).

Figura 4: acúmulo de lixo e marquises ao longo da Jair de Andrade

Fonte acervo dos autores, 2019.

A categoria Atração também recebeu nota suficiente (1,5). O indicador “Fachada Fisicamente
Permeáveis” recebeu uma avaliação quase boa (nota 1,94), os indicadores “Fachadas Visualmente
Ativas” e “usos mistos” receberam notas suficiente (1,88 e 1,40 respectivamente) e o indicador ”Uso
Público e Diurno” obteve nota insuficiente (0,96)

10
Tabela 6: Medias categoria Atração

Fonte acervo dos autores, 2019.

As “Fachadas Fisicamente Permeáveis” correspondem ao número médio de entradas e acessos de


pedestres por cada 100 metros de face de quadra. As “Fachadas Visualmente Ativas” equivalem a
porcentagem da área em metros quadrados de face de quadra com conexão visual com as atividades
no interior do edifício. O indicador “Uso Misto” refere-se a porcentagem dos diferentes tipos de usos
existentes nas edificações confrontantes ao segmento de calçada. O “Uso Público Diurno e Noturno”
indica o número médio de estabelecimentos e áreas públicas com uso público diurno e noturno por
cada 100 m de face de quadra .

Apesar da grande quantidade de atividades comerciais nos segmentos de calçada, notou-se um ponto
crítico em relação ao indicador “Uso Público Diurno e Noturno” que ficou com uma nota insuficiente,
classificando assim como a pior média da categoria já que o comércio presente na Avenida Jair de
Andrade, em sua maioria, só funciona de dia, tornando, assim, a Avenida em um espaço com baixo
movimento noturno.

Outro ponto crítico que interferiu na nota da categoria foi dentro do indicador “Usos Mistos” que ficou
com a média insuficiente (1,40). A maioria dos pavimentos predominam uma única atividade ou a
presença de lotes vazios, não dando uma dinâmica para o local. Quando há uma combinação
equilibrada de usos e atividades complementares, como usos residencial e comercial em um mesmo
empreendimento, propicia-se a formação de um ambiente adequado ao pedestre em que sua
necessidade de deslocamentos e as distâncias a percorrer são reduzidas.

Já os indicadores “Fachadas Fisicamente permeáveis” e “Fachadas Visualmente Ativas” ficaram com as


maiores medias da categoria pois grande parte dos segmentos de calçada, como já citado acima,
apresentam acessos para pedestres e presença de comércios e moradias, com vitrines e esquadrias de
vidro.

11
A categoria Calçada foi a segunda com a maior pontuação entre as avaliadas, com nota considerada
suficiente (1,88). Foram avaliados os indicadores “Largura” que recebeu uma pontuação suficiente
(1,53) e o indicador “Pavimentação” que obteve uma pontuação boa (2,00), conforme Tabela 7.

Tabela 7: Medias categoria Calçada

Fonte: acervo dos autores, 2019.

O indicador “Largura” apresenta a menor média da categoria, com o valor de 1,53 considerado
suficiente. Foi medida a largura da calçada em seu trecho mais estreito e algumas calçadas apresentam
larguras inferiores a 1,50 metros, resultando em pontuações insuficientes. Entretanto grande parte
dos trechos possuem larguras superiores a 1,50 m.

Em relação ao indicador “Pavimentação” a média foi considerada boa com o valor de (2,00). A presença
de buracos não foi predominante ao longo do percurso da Avenida. Muitos segmentos foram
considerados ótimos. Os pontos que apresentaram uma avaliação negativa foram aqueles
correspondentes as calçadas dos terrenos vazios e que acabam não tendo tratamento adequado.

Figura 5: Diferentes qualidades das calçadas ao longo da Jair de Andrade

Fonte: acervo dos autores, 2019.

12
A categoria Mobilidade foi a mais bem avaliada com nota considerada boa próxima a uma pontuação
máxima (2,77). Foram considerados os indicadores: ‘Dimensão das quadras” que corresponde a
extensão lateral da quadra e “Distância a pé ao transporte” equivalente a distância percorrida a pé (em
metros) até a estação mais próxima de transporte de média ou alta capacidade ou outros sistemas de
transporte público coletivo. As pontuações variam de 500 m com uma pontuação considerada ótima
até maior que 1 km considerada insuficiente.

O resultado dessa categoria foi influenciado positivamente pelo indicador “Distancia a pé ao


transporte” (nota 2,96) pois as distâncias entre os pontos de ônibus atendem aos parâmetros de
análise, fazendo com que os pedestres não tenham que andar muito para aguardarem o meio de
transporte público coletivo, uma média inferior a 500 metros. Em relação a “Dimensão das quadras”
(nota 2,59) ao longo da Jair de Andrade, a maioria das quadras possuem extensão lateral de quadra
inferior a 150 metros , contribuindo, assim, para a permeabilidade urbana e os deslocamentos a pé .

Tabela 14: Medias categoria Mobilidade

Fonte: acervo dos autores, 2019.

CONCLUSÕES
A aplicação do Indice de Caminhabilidade mostrou-se ser uma ferramenta adequada para a análise em
pequena escala focada na qualidade do espaço público, dando a oportunidade de realizar análises por
segmento, por rua ou área. A análise da Av. Jair de Andrade gerou resultados precisos, focando pontos
negativos e positivos que precisam ser priorizados pelo poder público. Todas as categorias estão
interligadas de alguma maneira, havendo investimento em uma delas, outras também serão
beneficiadas

Destaca-se como urgente, intervenções no que tange a “segurança viária” e “segurança pública” a
avenida, ambas consideradas insuficientes com travessias incompletas, falta de iluminação a nível do
pedestre e tipologia de rua que não favorece a caminhabilidade. Em relação aos aspectos ambientais,
as análises também evidenciam que a falta de arborização na avenida e o alto índice de ruídos
proveniente dos automóveis, ônibus e caminhões desfavorecem os deslocamentos à pé. As categorias

13
“mobilidade” e “calçada” foram bem avaliadas, destacando a boa condição da pavimentação das
calçadas, além da presença de pontos de ônibus e de quadras curtas que favorecem os deslocamentos
e incentivam a caminhabilidade na avenida.

Vale destacar que todas as categorias estão interligadas de alguma maneira, se altera uma outra vai ser
automaticamente atingida tanto positiva ou negativamente. Cada intervalo, sugere-se um grau de
prioridade de intervenção por parte dos gestores públicos: resultados classificados como “insuficiente”
são considerados intervenções prioritárias e que devem ser alvo de ações em curto prazo,
respectivamente. Para resultados dentro do intervalo bom a ótimo, as intervenções são consideradas
desejáveis, com ações que incentivam os aspectos positivos apontados.

A análise apresentada fornece ainda aspectos fundamentais para elaboração de diretrizes que possam
ser aplicadas visando melhora a caminhabilidade na avenida, bem como a busca de cidades mais
inclusivas.

REFERÊNCIAS
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Babilonia Cultural Editorial, 2017.
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SPECK, Jeff. Cidade Caminhável. 1. ed. São Paulo: Perspectiva, 2016. 272 p.
SOUZA, D. Instrumentos de Gestão de Poluição Sonora para a Sustentabilidade das Cidades Brasileiras. 2004.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Engenharia, UFRJ. Rio de Janeiro, 2004. Disponível em:
<http://www.ppe.ufrj.br/ppe/production/tesis/dssouza.pdf>.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Guidelines for Community Noise. 1999.

14
Análise Iconográfica sobre acessibilidade, ergonomia e inclusão em
Cartilhas de Acessibilidade Urbana

Iconographic Analysis on accessibility, ergonomics and inclusion in Urban


Accessibility Charts

Análisis Iconográfico sobre accesibilidad, ergonomía e inclusión en Cartilhas de


Accesibilidad Urbana

GEIA, Maíra Laurença


Mestranda, Unicamp, ma.geia@hotmail.com

BERNARDI, Núbia
Doutora, Unicamp, nubiab@unicamp.br

RESUMO
A arquitetura tem um papel fundamental e essencial para gerar inclusão, mobilidade, segurança e autonomia
das pessoas em todos os ambientes, e isso se torna uma demonstração clara dos desafios relacionados ao
ambiente construído. O objetivo deste artigo é apresentar uma avaliação sobre a adequada inclusão de
parâmetros de Desenho Universal, presentes em cartilhas sobre acessibilidade, ergonomia e inclusão
questionando seus impactos. Esta pesquisa está baseada em duas etapas metodológicas: revisão da literatura e
análise iconográfica de cartilhas do CREA (Conselho Federal de Engenharia e Agricultura) e CAU (Conselho de
Arquitetura e Urbanismo), com enfoque em acessibilidade urbana. Espera-se verificar como os materiais
iconográficos disponibilizados através de diferentes fontes podem contribuir para um olhar crítico sobre a
aplicação dos conceitos de Desenho Universal em projetos de arquitetura e urbanismo.
PALAVRAS-CHAVES: Acessibilidade, Universal Design, Iconografia.

ABSTRACT
Architecture has a fundamental and essential role in generating inclusion, mobility, security and autonomy of
people in all environments and this becomes a clear demonstration of the challenges related to the built
environment. The aim of this paper is to present an evaluation on the proper inclusion of Universal Design
parameters, ergonomics and inclusion questioning their impacts. This research is based on two methodological
steps: literature review and iconographic analysis of primers from CREA (Federal Council of Engineering and
Agriculture) and CAU (Council of Architecture and Urbanism), focusing on urban accessibility. We hope to see
how iconographic materials made available through different sources can contribute to a critical look at the
application of Universal Design concepts in architecture and urbanism projects.
KEY WORDS: Accessibility, Universal Design, Iconography.

RESUMEN
La arquitectura tiene un papel fundamental y esencial en la generación de inclusión, movilidad, seguridad y
autonomía de las personas en todos los entornos y esto se convierte en una clara demostración de los desafíos
relacionados con el entorno construido. El objetivo de este documento es presentar una evaluación sobre la
inclusión adecuada de los parámetros de diseño universal, presente en folletos sobre accesibilidad, ergonomía e
inclusión cuestionando sus impactos. Esta investigación se basa en dos pasos metodológicos: revisión de la

1
literatura y análisis iconográfico de cebadores de CREA (Consejo Federal de Ingeniería y Agricultura) y CAU
(Consejo de Arquitectura y Urbanismo), centrándose en la accesibilidad urbana. Esperamos ver cómo los
materiales iconográficos disponibles a través de diferentes fuentes pueden contribuir a una mirada crítica a la
aplicación de los conceptos de Diseño Universal en proyectos de arquitectura y urbanismo.
PALABRAS CLAVE: Accesibilidad, Diseño Universal, Iconografía.

1 INTRODUÇÃO

A questão da deficiência física passou a ter maior visibilidade a partir da segunda metade do Século
XX. Em 1948 a Organização das Nações Unidas, ONU, apresentou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, onde constava: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos” (ONU), e em
1981, fez com que o mundo prestasse mais atenção nas pessoas com deficiência e declarou como
sendo o ano Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiência. Em 2006 houve a Convenção das
Nações sobre Direitos das Pessoas com Deficiência, que surgiu como um instrumento de direitos
humanos e foi adotada em 2008, trazendo categorizações dos tipos de deficiência, direitos e
liberdades. Durante a década de 60, houve uma maior conscientização mundial sobre os direitos de
cidadania e participação de pessoas que possuem com deficiência. O termo Desenho Universal teve
início nos anos de 1980 e é mais completo que o termo acessibilidade, ele é um combinado de
técnicas e informações sobre as necessidades dos usuários aplicados durante o desenvolvimento do
processo de projeto.

Em 2013, o IBGE (2013) apresentou dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) sobre deficiências no
Brasil, onde 6,2% da população no Brasil maior de dezoito anos tinha ao menos uma deficiência.
Dados da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2011) de 2011 indicam que um bilhão de pessoas
vivem com alguma deficiência e que essas pessoas vivem em 80% em países em desenvolvimento.
Com o crescimento acelerado das cidades e a preocupação cada vez maior em democratizar o espaço
urbano, busca-se oferecer serviços mais acessíveis e com melhor qualidade para a heterogeneidade
populacional. Dito isso, é comum no nosso dia a dia encontrar barreiras arquitetônicas diversas,
causando mais exclusão, dificultando a mobilidade, autonomia e segurança das pessoas com
deficiência.

Desde a revisão da Norma NBR9050 na edição de 2004, muitos materiais complementares sobre
acessibilidade foram impressos e distribuídos em formato de cartilhas de orientação, com o intuito
de difundir os conceitos da acessibilidade arquitetônica aplicáveis ao ambiente construído e urbano.
Tendo em vista a importância destes materiais complementares à Norma, como substrato formador
e de conscientização sobre as questões das deficiências e da necessidade de acesso livre de barreiras

2
arquitetônicas, este artigo apresenta uma pesquisa sobre como estes materiais de auxilio (cartilhas)
são entregues aos profissionais e à população e se sua leitura impacta na aplicação das diretrizes em
um projeto arquitetônico e/ou urbano. A pesquisa aqui descrita apresenta uma análise de cartilhas
de acessibilidade, ergonomia e inclusão e busca entender o parâmetro iconográfico presente nas
representações gráficas de cartilhas de acessibilidade distribuídas no Brasil. Entende-se que estes
materiais iconográficos disponibilizados através de diferentes fontes, podem contribuir para um
olhar critico sobre a aplicação dos conceitos de Desenho Universal e ainda, para compreensão de
normas e legislações sobre acessibilidade em projetos de arquitetura e urbanismo.

2 OBJETIVO E METODOLOGIA

Este artigo é parte de uma pesquisa de mestrado (em andamento), que investiga como os materiais
iconográficos podem auxiliar na elaboração de parâmetros para definição de programa de
necessidades arquitetônicas e, qual a disponibilidade e oferta desses materiais em diferentes estados
do Brasil, através do estudo conceitual de Desenho Universal e análise iconográfica. Esta pesquisa se
apoia em duas etapas metodológicas: revisão da literatura e análise iconográfica. Na referida
pesquisa, foram selecionados um grupo de 56 cartilhas, sendo 22 delas do CAU e CREA. Para o
escopo deste artigo, utilizamos 2 cartilhas publicadas pelo CREA (Conselho Federal de Engenharia e
Agricultura).

1ª etapa: Revisão da literatura: do tipo bibliográfica, usando como fonte artigos e teses de
pesquisadores que são referência na área de acessibilidade, Universal Design, acessibilidade
arquitetônica, legislação e normas (vigentes). Também foram estudados os preceitos de uma análise
iconográfica aplicada à arquitetura, com a finalidade de estabelecer critérios para a análise das
cartilhas.

2ª etapa: Análise Iconográfica: método puramente descritivo de coleta e classificação. É


classificada por três níveis de interpretação (PANOFSKY, 2009) sendo eles: descrição pré-
iconográfica, descrição iconográfica e descrição iconológica.

1. Descrição pré-iconográfica: está relacionada ao significado primário, que consiste em


identificar formas, objetos e eventos presentes na imagem, limitando-se aos motivos como linhas,
cores e volumes. Considerou-se que as cartilhas deveriam apresentar ilustrações que possibilitassem
facilitar a compreensão do tema acessibilidade. Foram analisados:

3
 Categorização pelo Filtro Conceitual de acessibilidade de Sassaki (1997) arquitetônica,
comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal;
 Categorização pelas Deficiências;
 Categorização pela Legislação: tópicos pré-selecionados da Norma NBR 9050/2015
(ABNT, 2015);

2. Descrição iconográfica: é composta do significado secundário ou convencional, que se


difere, pois consiste na ligação das composições da imagem com assuntos e conceitos da percepção
das convenções sociais e culturais.

3. Descrição iconológica: está relacionado ao significado intrínseco, como fatores históricos


e sociais. Essa descrição não será abordada nesse trabalho em virtude de sua magnitude de inter-
relações abrangendo uma área muito vasta dentro do tema.

Figura 1: fluxograma da Análise Iconográfica

Fonte: da autora, 2019

3 DESENVOLVIMENTO

Foram analisadas, individualmente, as cartilhas: 1. Guia de acessibilidade urbana: Fácil Acesso para
Todos- CREA MG (2006); 2. Manual da Calçada Sustentável CREA GO (2012). A seguir é apresentada
a conceituação da análise iconográfica.

4
Figura 2: fluxograma da Análise Iconográfica

Fonte: da autora, 2019

3.1 ANÁLISE ICONOGRÁFICA: CONCEITUAÇÃO

Análise iconográfica, segundo Panofsky (2009) é um método que coleta e classifica, mas não se
considera obrigada ou capacitada a investigar a gênese. Para início é necessário obter informações
de documentação, ou seja, de Indexação. Após a indexação notou-se a necessidade de entender a
quem se destinava o documento e qual era a linguagem de textos utilizada, então ouve uma breve
análise quanto à Estrutura Estilística.

3.1.1.Indexação

Manini (2002) sugere que se faça uma análise baseada nas ideias de Panofsky, na qual a indexação
consiste na análise conceitual do documento e na representação em linguagem documental.
Segundo Kossoy (2007), essa indexação deverá ter informações concretas sobre o fato real (nome do
evento, data, local, pessoas envolvidas etc.). As Figuras 3, 4 e 5 apresentam a tabulação referente à
indexação das cartilhas, referências e dados de publicação.

Figura 3: Tabela de indexação

Fonte: da autora, 2019.

5
Figura 4: Tabela de referências editoriais

Fonte: da autora, 2019.

Figura 5: Tabela com os dados de publicação

Fonte: da autora, 2019.

3.1.2. Estrutura Estilística

A Estrutura Estilística estuda os processos de manipulação da linguagem, é muito importante


compreender a quem se refere às cartilhas e o conteúdo estilístico delas. A Figura 6 apresenta a
tabulação referente à estrutura estilística das cartilhas.

Figura 6: Conteúdo da estrutura estilística

Fonte: da autora, 2019.

3.1.3. Descrição Pré-Iconográfica

A descrição pré-iconográfica trata dos assuntos primários dos objetos e ações de formas naturais,
representados na imagem. O mundo das formas reconhecidas como portadoras de significados
primários pode ser chamado de mundo dos motivos artísticos, a enumeração desses motivos
constituiria uma descrição pré-iconográfica. A Figura 7 e 8 apresenta a tabulação referente à
descrição pré-iconográfica das cartilhas selecionadas em comparação ao universo de 56 cartilhas.

6
Figura 7: Conteúdo do produto visual

Fonte: da autora, 2019.

Figura 8: Descrição pré-iconográfica

Fonte: da autora, 2019.

Na sequência foram analisadas pelo viés da descrição pré-iconográfica, o Filtro Conceitual de Sassaki,
as Categorias das Deficiências e a categorização pela Legislação.

3.1.3.1. Filtros Conceituais

Garantir e oferecer igualdade são um dos principais objetivos quando pensamos em acessibilidade e
Universal Design. Nesse sentido, o pesquisador Romeu Sassaki (1997) desenvolveu uma classificação
para diferenciar segmentos de acessibilidade, que são: Arquitetônica: tem por objetivo eliminar as
barreiras ambientais que dificultam ou impeçam a locomoção e acesso; Comunicacional: a
eliminação de barreiras na comunicação (escrita ou virtual); Metodológica: objetiva eliminar
barreiras nos métodos e técnicas de estudo, trabalho e ação comunitária; Instrumental: eliminar
barreiras nos instrumentos e ferramentas de ensino, trabalho e lazer; Programática: visa eliminar
barreiras invisíveis embutidas em políticas públicas; Atitudinal: tem por objetivo eliminar
preconceitos, estigmas, estereótipos; Discriminatória, visa eliminar atitudes que afetam o pleno
desenvolvimento social e moral de um indivíduo. Utilizando-se deste filtro conceitual, buscou-se
classificar e contextualizar as cartilhas estudadas. A Figura 9 apresenta esses filtros das duas cartilhas
em comparação ao universo das 56 cartilhas.

7
Figura 9: Filtro Conceitual baseado em Sassaki

Fonte: da autora, 2019.

3.1.3.2. Categorias das Deficiências

Dentro do sistema normativo brasileiro, a deficiência é classificada de modo a alcanças a todos


independente de qualquer aspecto físico ou não. O Decreto no. 5.296/04 tem critérios e
categorizações para as deficiências, regulamentando as leis 10.048 e 10.098/2000, e definindo
deficiência física, deficiência auditiva, deficiência visual, deficiência intelectual, pessoa com
mobilidade reduzida (BRASIL, 2000). A Figura 10 apresenta a tabulação pelo critério das Deficiências
e Dificuldades em comparação ao universo das 56 cartilhas.

Figura 10: Deficiências e Dificuldades

Fonte: da autora, 2019.

3.1.3.3. Legislação

Para esta categoria, foram selecionados alguns itens da Norma NBR 9050/2015 , principalmente
aqueles relacionados com percurso e áreas para higiene pessoal: área de circulação, sinalização de
emergência, piso tátil, rampas, sanitários e sanitários. Não foi considerada se a correta aplicação à
norma ou eventuais erros ou acertos estavam descritos nas imagens das cartilhas, mas sim a inserção
do(s) item(s). A Figura 11 apresenta a tabulação com os itens da Norma NBR9050 em comparação ao
universo das 56 cartilhas.

8
Figura 11: Itens da Norma NBR9050

Fonte: da autora, 2019.

3.1.4. Descrição Iconográfica

Na primeira cartilha selecionada, o Guia de Acessibilidade Urbana: fácil acesso para todos, foi
publicada e produzida pelo CREA-MG, é voltada prioritariamente a profissionais da área de
engenharia. Constatou-se que as informações de ficha técnica para indexação estão incompletas. A
capa1 é uma mistura de imagens de um ambiente urbano, provavelmente uma praça bem
arborizada, com diversas pessoas (deficientes, idosos, crianças, etc.). Ao longo da cartilha é possível
notar alguns itens no ambiente urbano, como: praças, vegetação, piso tátil, símbolo internacional de
acessibilidade, ponto de ônibus, rampa, telefone público, telefone público acessível, passarela, faixa
de pedestres, estacionamento, banca de jornal, banco para descanso, edifícios, postes, playground,
escadas e corrimão. No quesito de representações humanas, notam-se diferentes padrões de
pessoas como: deficiente físico e visual, sobrepeso, idosos, gestante, família, casal, multidões,
diferentes gêneros e idades, todos com expressões faciais neutras. Há também doze fotos de
calçadas com buracos, barreiras, vegetação mal cuidada ou mal planejada e ou desníveis. Há um
desenho detalhado com ênfase de pisos táteis com cotas e informações.

A segunda cartilha selecionada é o Manual da Calçada Sustentável publicado em Goiânia-GO,


disponibilizada em formato digital e provavelmente em formato impresso. A capa é uma imagem de
um espaço público com via, construções, calçada, passeio e vegetação, conta também com uma
mulher levando um carrinho de bebê, um homem, aparentemente deficiente visual, com um cão
guia e um idoso com uma bengala. As primeiras imagens são representações de um ambiente urbano
com: ruas, calçadas, edifícios, vegetação, piso tátil, rampas, animais. As representações humanas

1
As capas das cartilhas não foram exibidas na pesquisa por conta dos direitos autorais.

9
variam muito: mães, bebês, idosos, deficientes visuais e físicos, homens e mulheres. Em termos
quantitativos, as 53 imagens da cartilha abordam, segundo algum aspecto, a acessibilidade
arquitetônica.

Figura 12: Itens da Norma NBR9050

Fonte: Guia de acessibilidade urbana: Fácil Acesso para Todos- CREA MG (2006).

Figura 13: Itens da Norma NBR9050

Fonte: Manual da Calçada Sustentável CREA GO (2012). A seguir é apresentada a análise iconográfica das 02 cartilhas
selecionadas.

De modo geral as cartilhas no universo das cinquenta e seis apresentaram informações incompletas
quanto à indexação, a cartilha do CREA-GO é uma das poucas dentre 26% que apresentaram uma
boa indexação. De modo geral as cartilhas do CREA representaram 15% de todo universo pesquisado.
O estado de Minas Gerais apresentou 10% das cartilhas pesquisadas e o Estado de Goiás apresentou

10
6% com cartilhas voltadas aos profissionais técnicos e 55% das cartilhas relatavam sobre
acessibilidade no ambiente urbano. Do universo a deficiência física apresentou em maior quantidade
(79%) quando que nas cartilhas apresentadas aqui neste artigo a deficiência física foi unânime,
sempre presente. As cartilhas do CREA representam 15% de todas as 56 cartilhas pesquisadas.

4. CONSIDERAÇÕES E ANÁLISE CRÍTICA

A análise destas duas cartilhas permitiu observar que: as duas foram publicadas antes de 2015 e
portanto antes da última versão da norma disponível. Todo o material é direcionado, em sua maioria,
para a deficiência de locomoção e em adequação dos espaços para cadeirantes, sendo que abordam
de forma superficial as soluções para deficientes visuais e auditivos. De maneira geral, pode-se dizer
que as duas cartilhas apresentam falhas na abordagem do conteúdo da acessibilidade,
principalmente por não considerar a multiplicidade de deficiências e diferentes condições dos
usuários do espaço. A cartilha do CREA MG é melhor elaborada graficamente. Voltada a um público
de profissionais, ela tem uma amplitude maior do aspecto urbano, no item calçadas, ela retoma mais
a ideia de união, de liberdade, de participação de todos em especial pessoas com deficiência no
ambiente urbano. Os ambientes parecem projetados para atender usuários. É mais completa de
conteúdo e informações relevantes aos profissionais, apresenta um bom repertório de
fundamentações. Notam-se contraexemplos apresentados com fotografias de experiências reais que
não são exclusivas de um local específico, mas que poderia ser notado em qualquer lugar do país,
fazendo um elo com a memória de cidade e a experiência urbana do leitor.

Já a segunda cartilha, Manual da Calçada Sustentável CREA-GO, apresenta imagens mais estilizadas,
com uma personalidade bem forte. Ela volta-se para uma abordagem restrita, enfatizando-se a
deficiência visual e motora e não avança no sentido de uma compreensão ampla do conceito de
acessibilidade bem como os diversos tipos de deficiências , com representações desconectadas e
isoladas do entorno urbano. Existe a presença de diferentes tipos de representações humanas,
porém elas parecem não ter uma interação e o desenho faz com que pareçam cabisbaixas ou
desanimadas e não aparecem em todas as imagens. Além disso, a cartilha parece perder o foco
quando usa imagens de tubulações ou mostra muitas fotografias de árvores, se especificamente
fazer relação com a acessibilidade. Existem muitas informações desnecessárias que só fazem
confundir.

11
Observa-se uma profusão de materiais informativos que poderiam auxiliar os profissionais na
implantação de políticas de acessibilidade, mas tem se notado que há dificuldade de transposição
dos sentidos denotativos e conotativo. Materiais gráficos atuam como guias para compreender e
orientar melhor através da linguagem do desenho, com informações de fácil interpretação e mais
acessíveis do que linguagem legislativa, mas é preciso verificar a eficácia dessas produções, pois
alguns conteúdos iconográficos podem ser difíceis de compreender ou o desenho pode sugerir outra
interpretação. Neste sentido, este estudo visa dar subsídios a esta discussão utilizando a análise
iconográfica e assim mostrando a necessidade de novas discussões e observações sobre o tema.

5 REFERÊNCIAS

ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário,
espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro, 2015.Disponível em
<http://portal.mj.gov.br/corde/arquivos/ABNT/NBR1532 0.pdf>. Acesso em 28/08/2018.
BRASIL. Decreto nº 5296 de 2 de dezembro de 2004 . Disponível em:
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_______. Lei Federal 10.048 de 08 de dezembro de 2000. Disponível em
:<http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/La0098. htm Acesso em 10/06/2019.
_______. Lei 10.098/2000, de 19 de novembro de 2000. Disponível em :
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10048.htm. Acesso em 10/06/2019
CONNELL, Bettye Rose; JONES, Mike; MACE, Ron; MUELLER, Jim; MULLICK, Abir; OSTROFF, Elaine; SANFORD,
Jon; STEINFELD, Ed; STORY, Molly; VANDERHEIDEN, Gregg. The Principles of Universal Design, Version 2.0. The
Center for Universal Design ,1997. Raleigh, NC: North Carolina State University.
Conselho dos Engenheiros e Agrônomos- MG. Guia de acessibilidade urbana: Fácil Acesso para Todos. 2. ed.
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<https://www.cbic.org.br/boaspraticasnaconstrucao/boas_praticas/Boas%20Pr%C3%A1ticas%20-
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2018.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Percepção do estado de saúde, estilos de vida e doenças
crônicas. In: Pesquisa Nacional de Saúde 2013. Grandes Regiões e Unidades da Federação. Brasil, 2013.
Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pns/2013/default.shtm> Acesso em:
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KOSSOY, B. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê Editorial, 2007.
MANINI, Míriam Paula. Análise documentária de fotografias: um referencial de leitura de imagens fotográficas
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2018.

12
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https://nacoesunidas.org/acao/pessoascomdeficiencia > Acesso em: 18/06/2018.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. Ed. Perspectiva S.A, São Paulo, SP, 2009
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: Construindo uma Sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997.
World Health Organization. Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde. Rio de Janeiro:
WHO, 2011. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/acao/pessoascomdeficiencia > Acesso em: 18/06/2018.

13
O ensino de projeto sob a ótica tectônica: uma análise a partir de
experiências acadêmicas na Inglaterra e no Brasil

Studio teaching from a tectonic perspective: an analysis from academic experiences


in England and Brazil

La enseñanza de proyecto bajo la óptica de la tectónica: un análisis a partir de las


experiencias académicas en Inglaterra y Brasil

SANTOS, Jéssica Mota de Melo


Arquiteta e Urbanista pela Universidade Federal de Pernambuco, com graduação
sanduíche na De Montfort University (2014-2015), e-mail: jessicamota.ms@gmail.com
MOREIRA, Fernando Diniz
Arquiteto, Ph.D em Arquitetura, University of Pennsylvania, Professor Associado do
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
email: fernando.diniz.moreira@gmail.com

RESUMO
O artigo busca contribuir para o debate sobre a relação entre a materialidade e o ensino de projeto, por meio
da apresentação de duas experiências em escolas de arquitetura. Primeiramente, são abordados aspectos
relacionados ao sentido ontológico dos materiais, ressaltando sua relevância no ensino e na prática da
arquitetura. Na segunda parte, é apresentada a experiência de um dos autores na De Montfort University, na
Inglaterra, uma escola que incentiva a concepção projetual a partir do detalhe. Posteriormente, são
apresentados os resultados da observação direta de processos de concepção em disciplina de projeto da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), bem como da aplicação de um questionário a uma parcela
significativa de alunos do curso, quando foi possível identificar uma lacuna quanto à dimensão material,
justificada pelo distanciamento entre as disciplinas de tectônica e projeto. Mediante tais observações, são
apresentadas considerações finais que apontam para a necessidade de fortalecer a abordagem tectônica no
ensino de projeto.
PALAVRAS-CHAVES: Ensino; Projeto; Materialidade; Detalhe.

ABSTRACT
This article aims to contribute to the debate of the relation between materiality and design as taught at school,
through the presentation of two different experiences. At first, we discuss aspects related to the ontological
meaning of the materials, emphasizing its importance for the understanding of architectural education and
practice. Secondly, we present the experience of one of the authors at De Montfort University, England, a
school that encourages designing projects starting with details. In the fourth part, we present the results of the
direct observation of Studio design processes at UFPE (Federal University of Pernambuco), and a questionnaire
survey taken by a significant number of students enrolled in the course – when it was possible to identify a gap
regarding the material dimension, justified by the distance between the disciplines of Tectonics and Studio.
Through these observations, final considerations are presented, which point to the need of reinforcing the
tectonic approach in design teaching.
KEYWORDS: Education; Design; Materiality, Detail.

1
RESUMEN
El artículo busca contribuir al debate acerca de la relación entre la materialidad y la enseñanza del proyecto,
por medio de la presentación de dos experiencias en escuelas de arquitectura. En un primer momento, se
abordan aspectos relacionados al sentido ontológico de los materiales, resaltando su relevancia en la
enseñanza y en la práctica de la arquitectura. A continuación, se presenta la experiencia de uno de los autores
en la De Montfort University, en Inglaterra, una escuela que incentiva el diseño proyectual a partir del detalle.
En los últimos años, se presentan los resultados de la observación directa de procesos de concepción en
disciplina de proyecto de la Universidad Federal de Pernambuco (UFPE), acompañada de la aplicación de un
cuestionario a una parte significativa de alumnos del curso, cuando fue posible identificar una laguna en
cuanto a la dimensión material, justificada por el distanciamiento entre las disciplinas de tectónica y proyecto.
Mediante tales observaciones, se presentan consideraciones finales que apuntan a la necesidad de fortalecer
el enfoque tectónico en la enseñanza del proyecto.
PALABRAS CLAVE: Enseñanza; Proyecto; Materialidad; Detalle

1 INTRODUÇÃO

O ensino de arquitetura no Brasil tem como principais problemas a falta de apoio teórico à
concepção projetual e a falta de uma maior ênfase à prática construtiva (COMAS, 1985; MINTO,
2009; COSTA LIMA, 2012; MAHFUZ, 2016; MEDEIROS, 2019). Diante disso, este trabalho busca
contribuir para o debate sobre a relação entre a dimensão material e construtiva e o ensino de
projeto, por meio da análise de duas experiências acadêmicas.

A primeira consiste na vivência de um dos autores, enquanto estudante, na De Montfort University


(DMU); escola na Inglaterra que incentiva a concepção projetual a partir da materialidade e do
detalhe. Em contraposição, são trazidos os resultados do estudo de campo desenvolvido na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em que foi possível identificar uma lacuna quanto à
materialidade, justificada pelo distanciamento entre as disciplinas de tectônica e projeto.

Em um primeiro momento, discute-se brevemente a importância da dimensão material, no


entendimento da arquitetura e no ensino da profissão. A segunda e a terceira parte referem-se às
duas experiências vivenciadas. Mediante tais observações, são apresentadas considerações finais,
que visam contribuir com o tema abordado.

2 DIMENSÃO MATERIAL E FORMAÇÃO

A relação significativa do homem com os espaços de arquitetura se dá primordialmente por meio dos
materiais. Essa força emocional da matéria foi ressaltada por críticos e arquitetos envolvidos com a

2
abordagem fenomenológica, como Tadao Ando, Steven Holl, Vittorio Gregotti, Kenneth Frampton,
Williams & Tsien, Peter Zumthor, Juhani Pallasmaa, e outros.

Segundo Pallasmaa ([1986] 2006), a experiência da arquitetura é uma interação entre nossas
memórias corporificadas e nosso mundo, que nos reconecta com o lugar e com a verdadeira essência
da missão do construir, possibilitando um novo interesse quanto à questão sensorial despertada pelos
materiais, pela luz, pela cor, e quanto à relevância do aspecto simbólico e tátil do detalhe.

A articulação dos materiais e superfícies na arquitetura se dá por meio dos detalhes, nos quais
manifestam-se as diversas linguagens arquitetônicas ao longo da história. A eles, e não à planta,
portanto, pode ser atribuída a função de geradores do projeto e base para todas as teorias e práticas
arquitetônicas (GREGOTTI, [1983] 2006). Assim, a partir deles pode-se entender toda a obra e seus
ambientes (SCHULZ, [1965] 2006).

Tal entendimento estabelece uma relação direta com a questão da tectônica: uma forma de
abordagem do edifício pelo entendimento das junções e da materialidade, que deve ser significativa,
revelar a cultura local da construção, e resulta da criatividade ao lidar com as diversas possibilidades
de materiais e técnicas construtivas, pela qual se pode compreender e conceber a arquitetura.
(FRAMPTON, 1995; CANTALICE, 2015; BALBI, 2018).

Aos poucos foi havendo um afastamento do saber fazer, conforme criticado por John Ruskin ([1849],
2008), e os arquitetos passaram a lidar com a arquitetura sob uma perspectiva elementarista, em
detrimento do que pode e deve ser uma experiência multissensorial (PALLASMAA, [1986] 2006). Houve
nesse sentido uma grande influência dos ideais modernistas, e ainda que os arquitetos modernos
brasileiros tenham dominado e explorado o aspecto construtivo e a materialidade, com o passar dos
anos, na esfera do ensino, priorizou-se a questão formal. Ao mesmo tempo, permaneceu também um
pensamento funcionalista, no qual a forma é concebida conforme resolve-se o programa
(CZAJKOWSKI, 1985). À dimensão material, tem-se atribuído um caráter de menor importância
(PIÑÓN, 2006), algo que pode ser percebido nos Trabalhos Finais de Graduação, como mostrado por
Balbi (2018) e Piñón (2006).

Deplazes (2005) defende uma arquitetura que enfatize a dimensão construtiva a partir do saber fazer,
associado à técnica e a uma ideia forte (conceito), elementos que permitem o entendimento das partes
do todo e justificam o desenvolvimento de um projeto de forma mais plena. Com base nos argumentos
apresentados quanto à importância da dimensão material para a arquitetura – no exercício

3
profissional, na experiência da obra e na formação – é fundamental haver um resgate de uma
arquitetura tectônica, que está associada à essência dessa profissão, e que independe de modismos, é
atemporal.

Tal proposição está presente nos parâmetros nacionais e internacionais para a formação da profissão,
entre eles, A Carta para Formação de Arquitetos da Unesco-UIA, bem como nos principais processos
de acreditação do mundo, como o National Architectural Accrediting Board (NAAB) dos Estados Unidos
e do Royal Institute of British Architects (RIBA) do Reino Unido e o Acordo de Camberra.

É essencial portanto que haja uma maior aproximação do aluno com a prática construtiva durante o
processo de concepção, para que os discentes tenham uma maior compreensão (teórica e prática) de
como solucionar problemas reais do fazer arquitetônico, algo essencial à tomada de decisões básicas
do projeto, conforme defendido por Comas (1985), Piñón (2006), Costa Lima (2012), Medeiros (2019)
e Minto (2009) – e o não entendimento disso afeta diretamente a arquitetura: em sua experiência, em
sua prática e em seu ensino.

3 A DIMENSÃO MATERIAL NO ENSINO DE PROJETO: A EXPERIÊNCIA NA DE MONTFORT


UNIVERSITY

Diversas escolas de arquitetura têm se notabilizado por conferirem forte ênfase na dimensão
tectônica no processo de ensino de projeto, como o ETH de Zurich, a GSD da Universidade da
Pennsilvânia, A Escola da Arquitetura da Academia Real Dinamarquesa e o Rural Studio da
Universidade de Auburn (EUA), todos com diferentes enfoques.

Para este artigo, foi escolhido o caso da Escola de Arquitetura da De Montfort University (DMU) em
Leicester, Reino Unido, pelo fato de um dos autores ter cursado um ano de Graduação-Sanduíche
nesta universidade, entre 2014 a 2015, pelo Programa Ciências Sem Fronteiras.

Foram desenvolvidos três projetos, dois na disciplina de Studio, (equivalente a Projeto no Brasil) e o
terceiro, na disciplina de Technology (associada ao conforto ambiental e às técnicas construtivas).

Na DMU, havia uma abordagem que estimulava a concepção de projetos arquitetônicos tendo como
elemento gerador o detalhe. O edifício surgia como resultado da criação de um conceito e da
construção de uma narrativa, considerando a materialidade e aspectos fenomenológicos. Assim, a

4
concepção começava a partir de partes, que integradas harmonicamente, resultavam no todo,
seguindo conceitos abordados no início deste trabalho.

Os dois primeiros projetos em Studio

O primeiro projeto consistiu na elaboração de uma nursery school (jardim de infância), e seguiu as
seguintes etapas:

1. Duas metodologias de ensino infantil, Montessori e Reggio Emillia, deveriam ser estudadas,
e posteriormente uma delas seria escolhida para servir como conceito norteador do projeto;

2. Estudos de caso que seguissem a linha de ensino escolhida; expressando em diagramas o


funcionamento dos espaços, incluindo materiais e texturas, aspectos sensoriais, integração
dos meios externo e interno, etc.

3. Criação de um pequeno elemento do projeto, o mini atelier, uma parte do todo (que poderia
ser um mobiliário, um cômodo, um espaço de aprendizado), seguindo um conceito - a partir
do qual o projeto geral seria concebido.

4. Análise e escolha entre duas possíveis áreas de implantação;

5. Criação de fluxogramas, com base nas análises espaciais dos estudos de caso.

6. Por fim, as primeiras propostas para o projeto.

Com todos esses elementos em mãos, parecia claro para a autora que o próximo passo seria
desenvolver a planta baixa e a volumetria. Para tal, foi criada uma maquete de estudos, composta por
blocos para cada cômodo, buscando unir o aspecto funcional ao conceito (Figuras 1 e 2). Foi possível
observar semelhanças no processo de outros alunos brasileiros (conforme Figura 3):

5
Figuras 1 e 2: Fluxograma e maquete de estudos desenvolvidos pela autora.

Fonte: Jéssica Santos, 2014.

Figura 3: Processo criativo de outra aluna brasileira, com destaque para dois aspectos: forma e função.

Fonte: Gabrielly de Souza, 2014.

6
Ao expor a proposta, a professora questionou essa forma de projetar “acomodando blocos”. Advertiu
que os estudos desenvolvidos deveriam conduzir os alunos à visualização do espaço: Que texturas as
crianças encontrariam assim que chegassem na escola, ao se despedir dos pais? Como os materiais
atuariam em suas percepções? Como seriam as aberturas, as alturas, a iluminação? A partir dessas
premissas, físicas e metafísicas, deveriam ser criados croquis esquemáticos, colagens conceituais, que
representassem situações e/ou partes dos projetos, formando uma espécie de narrativa (conforme os
exemplos nas Figuras 4, 5 e 6) a qual resultaria nos espaços, volumes, enfim, no projeto final, tendo a
dimensão material como protagonista.

Figuras 4. 5 e 6: A narrativa projetual elaborada pelos alunos: Tatiana Castro, Gabrielly de Souza, Francesca Bufano,
respectivamente.

Fonte: Gabrielly de Souza, 2014.

7
No primeiro projeto, foi bastante desafiador criar a partir dessa metodologia; bem diferente do que
havia sido visto pela autora até então, no curso no Brasil. Ainda que conseguisse imaginar detalhes do
espaço, tinha dificuldade em criar essa narrativa e materializar as ideias no espaço.

O processo trouxe diversos aprendizados, que seriam refletidos em mudanças na concepção dos
projetos seguintes.

O segundo projeto, um centro médico, foi uma proposta de restauro e ampliação de um edifício
tombado em Leicester, uma antiga fábrica. Houve um progresso significativo no processo de criação.
O conceito, que explorava o tema industrial, estava presente em diversas escolhas do projeto.
Contudo, observou-se que isto ainda acontecia especialmente em elementos funcionais e
compositivos: ele precisaria estar também presente na escolha dos materiais, nos espaços internos,
nos sistemas estruturais, “falando por si só”.

O terceiro projeto: Centro Cultural em Gana

Na disciplina de Technology, o conteúdo era dividido em dois semestres. Inicialmente, havia um


respaldo teórico, que no semestre seguinte deveria ser expresso em projetos desenvolvidos pelos
alunos, em grupos. Foram delimitadas áreas de diversos países, com climas diferentes, escolhidas
pelos professores.

A área delimitada para o grupo da autora, em Gana, na África, foi estudada à distância, considerando-
se edificações do entorno, tipo de solo, clima, vegetação, termos históricos e culturais. Observou-se a
presença marcante da vegetação, com destaque para as bananeiras, que serviram como inspiração
para o desenho da planta baixa. Esta foi concebida também visando a necessidade de haver um grande
espaço central, que abrigaria os encontros da comunidade. Os materiais locais foram utilizados no
projeto, entre eles, o bambu, a argila e a madeira. Buscou-se criar espaços amplos e ventilados; com
sombreamentos e proteção do calor e da chuva. Grandes beirais de um telhado que tornasse fácil a
drenagem das águas das chuvas e que lembrasse uma espécie de cabana. Estruturas com amarrações
simples e que ficassem expostas. Tudo isso fluiu de forma integrada, conforme os esquemas nas
Figuras 7 e 8:

8
Figuras 7 e 8: Processo criativo do centro cultural, desenvolvendo o projeto de forma integrada, tendo os materiais como
protagonistas na concepção.

Fonte: Jéssica Santos, 2015.

Foi possível perceber, ao fim desta atividade, que o processo de concepção tinha sido modificado em
diversos aspectos. Se tornou mais natural pensar, já no início, os materiais e a estrutura; juntamente à
planta, aos cortes, aos volumes, numa visão que não deixava de ser funcional e formal, mas que incluía
também os detalhes – a dimensão material. Essa experiência fomentou uma série de inquietações, que
motivaram o desenvolvimento do estudo de campo a seguir, no retorno para a UFPE.

4 ESTUDO DE CAMPO NA UFPE

O curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPE tem as disciplinas de projeto como a espinha dorsal da
grade curricular, congregando os conteúdos das demais disciplinas. Nas disciplinas de Tectônica,
ofertadas do primeiro ao oitavo período, os alunos entram em contato com aspectos da construção
em geral, por meio de aulas expositivas, exercícios em sala e visitas à obra.

9
Foi desenvolvido um estudo de campo, a partir de atividade de monitoria, tornando possível a
observação direta de processos de concepção desenvolvidos ao longo do semestre na turma de Projeto
do sexto período (P6), em 2018.2.

Observou-se um padrão quanto às etapas de desenvolvimento dos projetos, conforme a Figura 9:

Figura 9: Ordem em que os elementos começam a ser pensados na concepção, segundo estudo de campo na UFPE.

Fonte: Jéssica Santos, 2018.

A concepção projetual foi desenvolvida priorizando-se especialmente o aspecto compositivo e/ou o


aspecto funcional, não havendo ênfase à dimensão tectônica – do início ao fim do processo de
concepção, não só por parte dos alunos como também pela forma como os produtos eram cobrados
nas entregas e assessoramentos. A esse respeito, Piñón argumenta:

Não se pode conceber à margem de um sistema construtivo: o arquiteto ordena materiais


concretos, não linhas que são só uma simples declaração de intenções. A ideia do projeto
como mera expressão gráfica de um desejo, sem a tensão positiva que a construção material
introduz necessariamente na construção da forma, propicia uma arquitetura cuja falta de
identidade formal é agravada por uma atectonicidade congênita. (PIÑÓN, 2006, p. 130, 132)

Os dados observados em P6 quanto às etapas do processo de concepção foram confirmados também


por meio de aplicação de questionário a alunos das turmas do 4º ao 8º período do curso, incluindo
perguntas quantitativas e qualitativas. Diante da frase: “Sinto-me confiante quanto à definição de
detalhes construtivos, estrutura e materiais na criação de projetos”, 72,6% dos discentes afirmam
discordar ou discordar fortemente. Ao expandir para alunos em fase de elaboração do Trabalho de
Conclusão de Curso, o percentual sobe para 84,7%. Observou-se ainda uma quantidade significativa

10
de alunos que afirmou ter pouca ou nenhuma experiência prática relevante ligada à construção, seja
em atividades curriculares ou extracurriculares.

5 CONCLUSÕES

O afastamento da dimensão material no ensino de projeto vai contra as principais diretrizes de


qualificação dos cursos de arquitetura estabelecidas tanto no país quanto internacionalmente, que
reforçam que os aprendizados de projeto e da tectônica são codependentes.

Na experiência da DMU foi possível atentar para a importância de valorizar todo o processo criativo,
criando uma narrativa, e priorizando em todas as etapas a questão da materialidade. Percebeu-se
ainda que quando o projeto é desenvolvido juntamente a disciplinas teóricas que trabalham esse
aspecto, isso enriquece o aprendizado mútuo. Para tanto, há diversos meios, seja a partir da criação
de um projeto considerando-se a dimensão material como elemento gerador, seja a partir da
elaboração de projetos que são de fato construídos (de modo que planejamento e execução estejam
intimamente interligados), seja, ainda, a partir de experimentações em canteiro, que criam um maior
repertório, que fomenta também a concepção projetual.

Pelo acompanhamento dos processos de concepção dos discentes da turma de Projeto 6 da UFPE
observou-se que em geral, os projetos são desenvolvidos a partir de uma escala macro, do volume e
da planta, de modo que os aspectos da materialidade e os detalhes têm tido menor destaque.
Observou-se ainda que existe um consenso entre professores e alunos quanto à necessidade de haver
uma maior proximidade entre a dimensão tectônica e a prática projetual, algo que pode ser
trabalhado a partir de planejamentos desenvolvidos em conjunto.

Diante disso, na busca de trazer contribuições para o ensino em relação ao tema abordado, alguns
aspectos podem ser levados em consideração para caminhos futuros, especialmente na UFPE, mas
que podem também ser repensados em outras universidades do país. Entre eles:

Em relação às disciplinas relacionadas à dimensão construtiva, a necessidade de haver um canteiro de


obras e uma maior ênfase em aprendizados por meio de experiências práticas, sendo algumas delas
já desenvolvidas, mas que poderiam ter um maior nível de aprofundamento;

11
Em relação às disciplinas de projeto, a importância de buscar um maior incentivo ao potencial criativo
dos alunos, incentivando a superação da exclusividade das questões formais e funcionais no processo
de concepção, dando também a devida ênfase à materialidade, essencial para a compreensão e
criação da arquitetura.

6 REFERÊNCIAS

BALBI, Rafaela. A poética do projeto: a expressão tectônica de projetos arquitetônicos desenvolvidos em trabalhos finais de
graduação em escolas brasileiras de arquitetura e urbanismo. 2018. 229 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo),
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2018.

CANTALICE, Aristóteles. Descomplicando a tectônica: três arquitetos e uma abordagem. 2015. 304 f. Tese (Doutorado em
Desenvolvimento Urbano), Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2015.

COMAS, Carlos Eduardo (Org.). Projeto Arquitetônico. Disciplina em Crise, Disciplina em Renovação. São Paulo: Projeto CNPq,
1985.

COSTA LIMA, Hélio. Tectônica é uma disciplina, uma área ou uma abordagem da arquitetura? In: ENANPARQ, II, 2012.
Natal.
Anais...Natal: PPGAU, UFRN, 2012. CD-ROM

CZAJKOWSKI, Jorge. Arquitetura Brasileira: Produção e Crítica. In: COMAS, Carlos Eduardo (Org.). Projeto Arquitetônico.
Disciplina em Crise, Disciplina em Renovação. São Paulo: Projeto CNPq, 1985.

DESPLAZES, Andrea. Constructing Architecture: Materials, Processes, Structures. Basel: Birkhauser, 2008.

FRAMPTON, Kenneth. Rappel à l’ordre: argumentos em favor da tectônica. In: NESBITT, Kate (org.). Uma Nova Agenda para
a Arquitetura. Antologia Teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 557-569.

GREGOTTI, Vittorio. O exercício do detalhe (1984). In: NESBITT, Kate (org.). Uma Nova Agenda para a Arquitetura.
Antologia Teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 536-538.

MAHFUZ, Edson. Banalidade ou correção: dois modos de ensinar arquitetura e suas consequências. In Revista Projetar
Projeto e Percepção do Ambiente v.1, n.3, Dezembrol de 2016, p.8-25

MEDEIROS, Renato. O conteúdo tecnológico construtivo no atelier de ensino de projeto: uma análise em duas instituições
de ensino superior. In Revista Projetar Projeto e Percepção do Ambiente v.4, n.1, Abril de 2019, p.25-39

MINTO, Fabrício. A experimentação prática construtiva na formação do arquiteto.2009. Dissertação (Mestrado em


Arquitetura e Urbanismo) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

PALLASMAA, Juhani. A geometria do sentimento: o olhar sobre a fenomenologia da arquitetura. In: NESBITT, Kate (org.).
Uma Nova Agenda para a Arquitetura. Antologia Teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 482-489.

PIÑÓN, H. Teoria do Projeto. Porto Alegre: Livraria do Arquiteto, 2006.

RUSKIN, John. A lâmpada da memória (1849). São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.

12
SANTOS, Jéssica. A abordagem tectônica no ensino de projeto: uma análise da dimensão material em experiências de
concepção. 2018. 408f. Trabalho de Graduação. Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2018.

SCHULZ, Christian Norberg. O fenômeno do lugar. In: NESBITT, Kate (org.). Uma Nova Agenda para a Arquitetura. Antologia
Teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 444-461.

UNESCO; UIA. Carta para a formação dos arquitetos. Tokyo: UIA 2011. Disponível em:
<http://www.cialp.org/documentos/1439567302V4pFQ3qn3Jd55EK0.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2018.

13
A disciplina Projeto Arquitetônico no curso de Engenharia Civil.
Reflexão sobre uma prática didática
The Course of Architectural Project in the Civil Engineering College. Reflection about
a didactic practice

La disciplina Proyecto Arquitectónico en el curso de Ingeniería Civil. Reflexión


sobre una práctica didáctica

TAGLIARI, Ana
Doutorado em Arquitetura, Docente e pesquisadora FEC AU PPGATC Unicamp, tagliari.ana@gmail.com

RESUMO
Este texto tem o objetivo de apresentar e refletir sobre experiências didáticas envolvendo alunos da graduação
em Engenharia Civil na disciplina Projeto Arquitetônico. Este curso contempla conteúdos considerados
fundamentais para a compreensão da complexidade de um projeto de arquitetura. Neste artigo apresentamos
uma reflexão sobre a disciplina, seu conteúdo e metodologia, além das experiências didáticas ocorridas desde
2014. A partir destas experiências nesta disciplina pode-se verificar a importância desta para a formação do
Engenheiro Civil, que tem a oportunidade de se envolver e compreender a natureza do projeto de arquitetura,
uma vez que ambos os profissionais atuarão muito próximos em seus ofícios.
PALAVRAS-CHAVES: Disciplina Projeto Arquitetônico, Curso de Engenharia Civil, Experiência didática; Ensino-
aprendizagem.

ABSTRACT
This text purpose is to present and reflect on didactic experiences involving undergraduate students from the Civil
Engineering College in the course Architectural Project. This course includes content which are considered
fundamental for understanding the complexity of an architecture project. In this article we present a reflection
about the course, its content and methodology, as well as the didactic experience that has taken place since 2014.
From these experiences in this course it’s possible to verify its importance for the formation of the Civil Engineer,
who can become involved in and understand the nature of the architecture project, since both professionals will
act very closely in their occupations.
KEY WORDS: Discipline Architectural Project, Civil Engineering Course, Didactic Experience; Teaching-Learning.

RESUMEN
Este texto tiene el objetivo de presentar y reflexionar sobre experiencias didácticas involucrando alumnos de la
graduación en Ingeniería Civil en la disciplina Proyecto Arquitectónico. Este curso contempla contenidos
considerados fundamentales para la comprensión de la complejidad de un proyecto de arquitectura. En este
artículo presentamos una reflexión sobre la disciplina, su contenido y metodología, además de la experiencia
didáctica ocurrida desde 2014. A partir de estas experiencias en esta disciplina se puede verificar la importancia
de esta para la formación del Ingeniero Civil, que tiene la oportunidad de involucrarse y comprender la naturaleza
del proyecto de arquitectura, ya que ambos profesionales actuarán muy cerca en sus oficios.
PALABRAS CLAVE: Disciplina Proyecto Arquitectónico, Curso de Ingeniería Civil, Experiencia didáctica;
enseñanza-aprendizaje.

1
1 INTRODUÇÃO
A Faculdade de Engenharia Civil da Unicamp completa 50 anos no ano de 2019. A disciplina Projeto
Arquitetônico para o curso de Engenharia Civil é obrigatória e oferecida no quarto semestre. Possui
três horas semanais oferecidas em duas turmas com cerca de quarenta alunos cada, e cumpre um
requisito importante da formação do engenheiro civil, que, conforme suas atribuições profissionais,
pode realizar projeto de uma edificação.

Sob responsabilidade da autora deste texto desde 2014, a disciplina fora planejada de modo a
contemplar, em caráter introdutório, conteúdos fundamentais para que um estudante de Engenharia
Civil compreenda de maneira ampla a complexidade de um projeto de arquitetura. A disciplina foi
organizada em três partes. No primeiro momento os estudantes são estimulados a ampliar seu
repertório sobre arquitetura. No segundo momento são apresentados elementos materiais e imateriais
que compõem um projeto de arquitetura. No terceiro, os estudantes devem desenvolver um projeto,
utilizando o conhecimento discutido nas primeiras partes do curso.

A partir destas experiências, pode-se verificar a importância desta disciplina para a formação do
Engenheiro Civil, que tem a oportunidade de se envolver e compreender a natureza do projeto de
arquitetura, uma vez que ambos profissionais atuarão muito próximos em seus ofícios. O
conhecimento sobre a atividade de cada um é fundamental para um bom relacionamento.

Neste artigo é apresentada uma reflexão sobre esta disciplina, seu conteúdo e metodologia, por meio
de experiências didáticas ocorridas desde 2014. O artigo está estruturado em cinco partes: Introdução;
Referências; A disciplina; As experiências; Discussão e por fim as considerações finais.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O ofício do construtor é muito antigo, mas a denominação ‘engenheiro civil’ surge tardiamente em
meados do século XVIII, quando os engenheiros militares construtores de fortificações e infraestrutura
urbana, passaram a se dedicar de forma mais efetiva a construir também para a sociedade civil.
Portanto, a engenharia, enquanto conjunto organizado de conhecimentos com base científica
relacionadas à construção, é algo relativamente recente. Por outro lado, o papel do mestre construtor,
ou do arquiteto, seja qual for a denominação até o Renascimento, é algo que se assemelha com as

2
atividades destes profissionais, até o momento que algumas mudanças e rupturas ocorreram,
especialmente no período do Renascimento, com a denominada Era do Humanismo.

Histórica e milenarmente, tudo o que dizia respeito à construção enquadrava-se, de algum modo, no campo da
arquitetura – e o canteiro de construção constituía o lugar por excelência do aprendizado do ofício, a verdadeira
escola de formação dos arquitetos. Foi dos ateliês dos pintores e escultores do Renascimento, principalmente os da
Itália, que nasceram as academias de arte, que constituíram novas escolas de formação de arquitetos. A Academia
de Arquitetura de Paris foi fundada em 1761, sob inspiração do Renascimento Italiano. (GRAEFF, 1995, p.58)

Na França do século XVIII, a partir de 1747, a École Royale des Ponts et Chaussées formava engenheiros
para atuar na sociedade civil, construindo pontes e estradas. Enquanto isso, desde 1671 Académie
Royale d'Architecture, no início dirigida por François Blondel, formava arquitetos que tinham uma
educação advinda do ofício da construção, porém em pleno distanciamento do canteiro de obras. A
escola foi incorporada na Academia Real de Pintura e Escultura, que, após seu encerramento em 1793,
teve o ensino de artes e arquitetura restrito dentro da École Polytechnique, criada em 1794.

Neste contexto surge Jean-Nicolas-Louis Durand, primeiro professor a assumir a cadeira de Arquitetura
dentro da Escola Politécnica de Paris em 1796, que tinha como diretor Étienne-Louis Boullée. Durand
(1760-1835) foi um importante arquiteto, teórico e professor, e obteve sua experiência profissional no
escritório de Étienne-Louis Boullée no ano de 1778.

Em 1800 Durand publicou Recueil et parallèle des édifices de tout genre, anciens et modernes, que
apresenta exemplos de arquitetura antiga e moderna, desenhos organizados e padrozinados
geometricamente, categorização sistemática de exemplares da história da arquitetura, além de
classificações de ordens arquitetônicas organizadas em ordem cronológica.

As relações propostas tinham como objetivo um aprendizado de arquitetura baseado no repertório.


Em 1802-1805, publicou Précis des leçons d'architecture, que apresenta uma padronização e
sistematização de conceitos sobre arquitetura, com muitas ilustrações e notas.

Os princípios importantes observados em seus Tratados são: conveniência funcional e economia, que
envolvem estrutura, conforto e higiene, além de simetria, regularidade e simplicidade.

Em Précis des leçons d'architecture Durand apresenta sua visão sobre o que acreditava em relação a
educação em arquitetura baseada em princípios gerais. Durand é considerado o pioneiro da casa
modulada e pregava o funcionalismo e a economia da construção. Para o arquiteto, o principal objetivo
da arquitetura era a utilidade social. Sua maneira de sistematizar os desenhos criou um modo particular

3
de projetar arquitetura: baseado em formas simples e geométricas, modulações e tipologias, projetos
simétricos e eixos bem definidos. Havia também uma forte relação sobre o entendimento dos materiais
e técnicas construtivas.

Nos dias de hoje a referência de Durand é distante temporalmente, porém com ensinamentos
importantes para a formação. Um curso de projeto de arquitetura inserido na formação do Engenheiro
Civil, com duração de um semestre, com um método de ensino muito claro e organizado, envolvendo
a criação de repertório, o entendimento da construção e um raciocínio de projeto racional.

3 A DISCIPLINA PROJETO ARQUITETONICO NO CURSO DE ENGENHARIA CIVIL

A disciplina aqui apresentada é a única obrigatória de Projeto Arquitetônico nos cinco anos de
graduação.

A leitura de textos selecionados ocorre durante todo o semestre, para trazer fundamentação teórica e
crítica às aulas. Destaco aqui alguns textos selecionados do livro “Edifício” de Edgar Graeff (1973),
“Forma Estática – Forma Estética” de Joaquim Cardozo (2009), “A concepção estrutural e a arquitetura”
(2000) de Yopanan Rebello e “Informal” de Cecil Balmond (2002). Uma visita técnica à um edifício com
qualidade arquitetônica é organizada, e o incentivo às visitas individuais é algo estimulado desde o
início do curso. A disciplina se desenvolve praticamente todo o semestre no ambiente do ateliê.

Na primeira aula do curso é apresentada a estrutura da disciplina, e os alunos desenvolvem um


exercício de criatividade. Num dos exercícios já praticados (Figura 1), uma folha sulfite com um sinal
desenhado é entregue para cada aluno. A partir daquele sinal, que naturalmente induz à um
pensamento, o aluno deve elaborar um desenho. Assim, o tema criatividade é posto em discussão
inicial, pois frequentemente está associado ao exercício projetual em arquitetura. A ideia é despertar
nos estudantes o entendimento de um problema por diferentes ângulos, estimulando a reflexão.

Na sequência das aulas, é apresentada uma linha do tempo com obras importantes explorando
questões de ordem construtiva e arquitetônica, contextualizando no tempo e espaço.

No segundo momento do curso são apresentados elementos materiais e imateriais fundamentais que
compõe um projeto de arquitetura, numa abordagem em direção à aproximação, instrumentação e
representação. Duas aulas são dedicadas aos elementos de circulação vertical, tão importantes na
definição do projeto. Os alunos aprendem a calcular e desenhar escada e rampa, além de conhecer

4
algumas das normas brasileiras, como a NBR 9050. Nas aulas posteriores são apresentados diferentes
temas como cobertura, desenho topográfico, coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupação,
paisagismo, ergonomia e antropometria, percepção e comportamento humano, conforto ambiental.
Em cada aula há um conteúdo expositivo e um exercício prático individual sobre o assunto tratado.

Figura 1: Exemplo de um exercício de criatividade realizado na primeira aula

Fonte: Desenhos do autor, 2018. Ideia do exercício extraída de Montenegro (1987).

Após finalizar a parte inicial, uma aula aborda os assuntos sobre um projeto arquitetônico: o que é e
como se elabora um programa de necessidades, o partido arquitetônico, as etapas do projeto, além de
ressaltar a importância do conhecimento dos materiais e técnicas construtivas nas decisões projetuais.
Destaca-se a importância das relações entre os diversos profissionais que atuam no processo.

No terceiro momento os estudantes desenvolvem um projeto. Como primeiro exercício os alunos


realizam a análise de um projeto com programa similar, com objetivo de ampliar o repertório.

Desde 2014 foi proposto como exercício projetual, o projeto de uma residência unifamiliar, um
conjunto de habitação e um pavilhão de informações no campus. As propostas envolvem terreno real
e condicionantes a serem e consideradas no desenvolvimento do projeto.

4 EXPERIÊNCIAS DESDE 2014

O desenvolvimento do projeto ocorre em equipe de três alunos. O produto deve incluir desenhos de
concepção, modelo físico de estudo, além do estudo preliminar, com implantação, plantas, cortes,
elevações e isométrica. A nota é atribuída com base no processo realizado semanalmente.

A prática do desenho a mão é estimulada, e, como produto, é desejável que o projeto seja apresentado
em papel manteiga, com ou sem instrumentos, incentivando o trabalho ativo dentro do ateliê.

5
O projeto é realizado e estimulado a partir de croquis e modelos experimentais em diversos materiais
e técnicas, que contribuem para as funções cognitivas a cada fase do projeto (FLORIO, 2011). O uso da
isométrica a mão livre é uma grande aliada no processo de projeto, sobretudo para dar vazão a ideias.

O tema é apresentado aos alunos, junto com informações sobre as condicionantes: terreno, restrições
e legislação. Um programa de necessidades inicial é oferecido, junto com um pré-dimensionamento,
mas a reflexão sobre o programa é estimulada, incentivando revisões.

Uma visita ao terreno ocorre para o contato inicial com as condicionantes e, assim, inicia-se o
desenvolvimento do projeto pelos alunos no ateliê.

Nos primeiros anos o tema proposto foi um projeto de residência unifamiliar, para uma família
hipotética. O tema foi selecionado pela relativa simplicidade do programa. Entretanto, a falta de
repertório e de conhecimento geral sobre arquitetura, especialmente questões de ordem subjetiva e
de linguagem, acarretou projetos com alguns problemas.

Foi verificado que muitos dos alunos tomaram como referência residências sem valor arquitetônico,
que eles costumam ter contato no dia a dia. Alguns alunos procuravam resolver os problemas
apresentados no programa de uma maneira puramente objetiva e funcional, sem preocupação com
questões subjetivas e particulares dos clientes e condicionantes, que envolvem a arquitetura. Além
disso, muitos alunos expressavam o interesse em construir muros altos nos limites do terreno com a
justificativa de que a maioria das casas que conhecem são assim, ou por questões de segurança. Por
outro lado, a dimensão do projeto de uma residência foi um ponto positivo para que os estudantes
realizassem todos os desenhos do estudo preliminar com precisão.

No ano de 2016 foi proposto como tema um conjunto com seis unidades habitacionais para um terreno
de esquina com leve aclive. A mudança de tema surgiu do interesse em acrescentar assuntos
pertinentes no debate como: a relação mais efetiva com a cidade; os espaços público, semipúblico e
privado. Neste caso foi estimulado que os estudantes utilizassem os diversos elementos de arquitetura
e paisagismo para estabelecer os limites entre público e privado.

O estudo das unidades despertou o interesse dos alunos, especialmente pelas questões objetivas na
solução deste problema. Entretanto, o planejamento do térreo e da implantação foi um desafio, por
envolver questões espaciais e funcionais mais complexas.

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Figura 2: Desenhos do projeto do pavilhão de informações no campus

Fonte: Desenhos dos alunos. Fotos e composição do autor, 2018.

Em 2018 o tema de projeto foi um pavilhão de informações dentro do campus universitário (Figuras
2,3 e 4). Com programa relativamente simples, foi possível trabalhar mais intensamente com os alunos
questões de ordem conceitual, plástica, seleção de materiais, texturas e cores. O projeto deveria ser
fundamentado num conceito que expressaria os valores da Universidade no mundo contemporâneo.
O fato de que os estudantes também seriam os usuários foi significativo no processo.

Figura 3: Isométricas e perspectivas do projeto do pavilhão de informações no campus

Fonte: Desenhos dos alunos. Fotos e composição do autor, 2018.

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Uma breve aula expositiva foi apresentada, contendo referências de pavilhões pelo mundo. O livro
“Pavilhões de Exposição” (2000), de Moisés Puente, foi sugerido como referência inicial.

Figura 4: Modelos de estudo do projeto do pavilhão de informações no campus

Fonte: Modelos dos alunos. Fotos e composição do autor, 2018.

Este tema despertou interesse nos estudantes, pelas possibilidades em explorar a forma, a cobertura,
a estrutura, os materiais, cores, texturas e iluminação natural. A liberdade de criação formal foi muito
positiva no processo. A vinculação da questão do conceito com o projeto que seria proposto, tornou
ainda mais efetivo o entendimento sobre o que é conceito, partido e o projeto realizado.

5 DISCUSSÃO

Como arquiteta com experiência profissional em arquitetura, e docente há mais de dez anos em cursos
de Arquitetura e Engenharia Civil, reúno experiências ministrando disciplinas de Projeto Arquitetônico
para estudantes de ambos os cursos. A partir da observação atenta destas experiências didáticas desde
2014 foi possível verificar algumas questões importantes para serem discutidas.

O ensino de Projeto Arquitetônico, particularmente para estudantes do curso de Engenharia Civil,


depende de um conjunto de fatores, desde a metodologia adotada pelo professor, até os
conhecimentos, habilidades, experiências e atitudes dos estudantes. Esta atividade demanda do

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professor disciplina e organização, e sem elas não há como acompanhar os procedimentos e
desenvolvimento dos exercícios projetuais, e entender o desempenho de cada aluno.

Foi possível observar que existem particularidades entre ministrar esta disciplina no curso de
Arquitetura e de Engenharia Civil. Pode parecer óbvio, mas na prática há variantes que evidenciam as
diferenças. A primeira delas é o fato de que esta disciplina é oferecida em um único semestre, enquanto
no curso de Arquitetura é oferecida em todos os semestres. Outra questão é o fato de que há um único
docente em sala, enquanto no curso de Arquitetura existe a possibilidade da dupla docência. Outras
questões são relacionadas ao modo que os alunos estão acostumados a trabalhar nas outras
disciplinas, habilidades, conhecimentos, repertório, atitudes e comportamento.

Como observa o educador Marcos Masetto (1992, p.22), há condições facilitadoras de aprendizagem,
e listamos a seguir, no caso das experiências realizadas, relacionando com os pontos de Masetto:

i- o planejamento do curso: apresentado na primeira aula, realizado levando em consideração as


expectativas, problemas e interesses dos alunos, bem como a especificidade e condicionantes da
disciplina. Flexível permitindo adaptações. Garantiu sequência lógica e síntese ao final de cada assunto.

ii- definição do conteúdo do curso: assuntos selecionados são úteis para a formação dos alunos,
relacionando com situações práticas. Busca de soluções com troca de experiências e conhecimentos.

iii- seleção e utilização de estratégias: estratégias que propiciaram a integração dos alunos e
participação ativa, retirando-os da passividade.

iv- clima da sala de aula: ambiente de abertura, com possibilidade de questionamentos e de respeito
mútuo. Trabalho descontraído e espírito democrático. Ambiente de participação. Ligação efetiva entre
teoria e prática.

v- processo de avaliação: processo voltado para identificação do que o aluno aprendeu, contínuo,
valorizando retornos e comentários construtivos.

vi- características do professor: coerência entre discurso e ação, segurança e abertura com capacidade
de diálogo, competência para sua área didática, clareza e objetividade, preocupação com os alunos e
seus interesses, incentivo à participação.

A partir da observação atenta das experiências, abaixo pontuamos as dificuldades, obstáculos, soluções
e pontos positivos na realização do exercício projetual:

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A liberdade de criação no processo de projeto e liberdade de decisão na solução dos problemas a
princípio inibe o aluno de Engenharia Civil, pois este não está acostumado a trabalhar desta forma.
Como observa Florio (2011), o processo de projeto não ocorre de modo linear – de um problema à
uma solução. Observou-se, de modo geral, que o estudante de Engenharia Civil está acostumado a
trabalhar com problemas objetivos e exatos. O projeto de arquitetura apresenta um problema aberto
e indeterminado, sem solução exata, pois envolve múltiplas escolhas. O processo de projeto exige
poder de reflexão e questionamentos, além de um entendimento amplo sobre o que está sendo
tratado. Um problema mal definido, que vai sendo solucionado por aproximações sucessivas em
pequenos ciclos de análise, síntese e avaliação (LAWSON, 1980).

Os estudantes foram estimulados a observar e identificar um problema do projeto e procurar soluções


e alternativas. Procuramos combater a ideia de receitas prontas e sugerimos que as equipes
trabalhassem de modo a discutir diferentes soluções, fugindo de ideias fixas e inflexíveis que
normalmente surgem.

Constatou-se também que o desenvolvimento do exercício projetual em equipe fez com que os
estudantes praticassem o trabalho em equipe, de modo colaborativo, exercitando o poder de
argumentação, convencimento, e explanação de ideias.

Conforme relatos dos estudantes, o aluno de Engenharia Civil não está acostumado a estudar a obra
de um determinado engenheiro ou arquiteto como referência. Assim, pode-se notar que o exercício de
análise de um projeto referencial foi revelador e importante no processo. Sugerimos aos alunos que
extraíssem conhecimentos e soluções de projeto a partir dos estudos de caso, e adaptassem estas
soluções ao projeto que estavam desenvolvendo.

No exercício projetual do pavilhão verificamos que os estudantes apresentavam dificuldades em


trabalhar com a escala no processo de desenvolvimento do projeto. A partir desta verificação uma
malha foi introduzida como apoio neste processo. Quatro malhas foram oferecidas aos estudantes,
todas para serem utilizadas considerando-se escala 1/100 no processo de criação e relações com
materiais: uma malha retangular 0,60m X 1,20m; uma quadrada 1,20 X 1,20; uma radio-concêntrica
0,60m e uma de 30° para elaboração da isométrica (Figura 5).

A malha permitiu que os estudantes pudessem trabalhar com mais liberdade usando o papel manteiga
sobre ela, na maioria das vezes com desenhos a mão, e com mais segurança. A quantidade e qualidade
dos desenhos a mão aumentou consideravelmente após a introdução da malha no processo.

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Vale lembrar que a adoção de malha ortogonal era uma prática no curso de projeto de Durand. A
adoção da malha também faz com que o estudante tenha mais conhecimento da relação do projeto e
da construção e materiais.

Figura 5: Malhas geométricas oferecidas aos alunos

Fonte: Autor, 2018.

Alguns alunos insistiam em querer desenvolver o projeto em programas gráficos, como Sketchup, pois
consideravam que seria mais fácil. Os estudantes desejam ver rapidamente o resultado, sem considerar
a importância do processo. Com muita conversa foi possível convencer os estudantes que o
computador não fazia parte do processo deste exercício.

Os alunos também tiveram que se familiarizar com a construção de modelos tridimensionais de estudo
no processo de criação. A manipulação destes artefatos foi muito positiva para que os estudantes
pudessem observar a tridimensionalidade das decisões de projeto, em escala reduzida, e verificar a
relação parte-todo, proporção, encontros entre elementos e planos do espaço e da forma. Em alguns
casos surgiram dúvidas e questionamentos sobre o modelo de estudo e a maquete final, que não é
algo usual ao estudante de engenharia civil. Mas, tudo foi solucionado com a explicação necessária.

A ideia de que um projeto deve ter um conceito que o fundamenta, e que será evidenciado pela
organização do programa, e consequentemente pelo partido arquitetônico adotado, era algo muito
subjetivo inicialmente. Entretanto, verificou-se que, ao longo do desenvolvimento do projeto, este
tema foi apreendido pelos estudantes, especialmente pelo caráter simbólico que o programa do
pavilhão requer. As equipes discutiram conceitos possíveis para seus projetos e conseguiram
materializá-los nos seus respectivos partidos, utilizando os modelos de estudo para dar vazão às ideias
e facilitar na visualização espacial e formal.

Durante o desenvolvimento do projeto procurou-se criar um “hábito” de motivar os alunos a ter


liberdade e autonomia, com responsabilidade nas decisões, fazendo com que eles entendessem o
processo como um todo. Sobre o ensino de arquitetura, observa Perrone (2014, p.11) ensinar é
encorajar cada estudante até o seu próprio julgamento. A pesquisa sobre o que estava sendo

11
desenvolvido foi sempre estimulada para que os estudantes percebessem à natureza do projeto de
arquitetura como uma pesquisa, em várias áreas que se integram.

Em síntese, podemos afirmar que o exercício projetual contribuiu para o desenvolvimento do raciocínio
espacial e formal, do entendimento das relações entre arquitetura, construção, estrutura e técnicas,
relações entre os elementos da arquitetura e construção, os espaços e formas, além de uma relação
efetiva entre as outras disciplinas do curso.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há diferentes maneiras de se abordar a disciplina Projeto Arquitetônico para estudantes de Engenharia


Civil. Apresentamos neste texto as experiências didáticas desenvolvidas desde 2014, num processo de
reflexão, revisão e melhoramentos inerentes de uma disciplina dinâmica.

Diante das experiências realizadas é possível afirmar que o estudante aprende aquilo que tem
significado para ele. Os bons educadores costumam afirmar, em relação à assimilação do
conhecimento: ‘o mais importante não é ensinar, mas fazer com que os alunos aprendam a apreender’.

É importante fazer com que os estudantes tenham consciência sobre a natureza de um projeto de
arquitetura, como um planejamento de ações integradas. Nestas experiências houve a intenção de
introduzir os alunos no universo do projeto arquitetônico, num processo que envolve instrumentos
necessários, sem “pular etapas” da formação. É importante estimular e valorizar as práticas manuais
como aproximação inicial deste universo para posteriormente explorar uma relação mais próxima com
as novas tecnologias. Mais um semestre letivo seria necessário para abordar assuntos referentes ao
processo de projeto e construção na era digital. No entanto, como aproximação inicial, não seria
possível sobrepor estes conhecimentos de maneira apressada.

Procuramos, na medida do possível, dentro das condicionantes, da estrutura do curso e do espaço


físico, nestas experiências, unir e desenvolver, mesmo que inicialmente, as três noções fundamentais
que fazem parte deste curso de projeto: Construção de repertório; Entendimentos sobre o espaço,
forma e seus elementos; Produção de novos conhecimentos sobre projeto de arquitetura. Podemos
afirmar que os resultados obtidos foram positivos e construtivos, e estimulam aprimoramentos.

A disciplina Projeto Arquitetônico no curso de Engenharia Civil contribuiu para a formação do


profissional engenheiro civil, criando condições para uma visão integradora, desenvolvendo
habilidades e competências em sua atuação.

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Esta disciplina apresenta-se como uma oportunidade muito rica de despertar nos estudantes de
Engenharia Civil o entendimento e conhecimento sobre as práticas do profissional da Arquitetura, e
assim estimular um convívio harmônico e saudável entre os futuros profissionais.

5 AGRADECIMENTOS
Alunos e monitores da disciplina CV 402 - A e B, desde 2014. Coordenação, funcionários e secretaria
da FEC Unicamp.

6 REFERÊNCIAS
ADDIS, B. Edificação: 3000 anos de projeto, engenharia e construção. Porto Alegre: Bookman, 2009.
BALMOND, C. Informal. Munich, Berlin, New York: Prestel Verlag, 2002.
BAÚ, S. Os profissionais arquiteto e engenheiro civil: uma abordagem sobre suas práticas. Dissertação de
Mestrado: Mestrado profissional em Engenharia Civil, UFRGS, 2003.
CARDOZO, J. Forma estática-forma estética. Ensaios de Joaquim Cardozo sobre Arquitetura e Engenharia. Org.
Danilo M. Macedo e Fabiano J.A. Sobreira. Brasília: CDI, Edições Câmara, 2009.
DURAND, J.N.L. Précis des leçons D’Architecture donées a L’École Royale Polytechnique. Paris: L’École
Polytechnique, 1819.
FLORIO, W. Análise do processo de projeto sob a teoria cognitiva: sete dificuldades no atelier. Arquiteturarevista,
V.7, N.2, pp.161-171, Jul/Dez2011.
GRAEFF, E.A. Arte e técnica na formação do arquiteto. São Paulo: Fundação Vilanova Artigas/Stúdio Nobel, 1995.
GRAEFF, E.A. Edifício. São Paulo: Cadernos Brasileiros de Arquitetura - Projeto, 1976.
LAWSON, B. How designers think. London: The Architectural Press, 1980.
MASETTO, M.T. Aulas Vivas. São Paulo: MG Editores Associados, 1992.
MONTENEGRO, G. A invenção do projeto. São Paulo: Ed. Blucher, 1987.
OKAMOTO, J. Percepção Ambiental e comportamento em arquitetura. São Paulo: Plêiade, 1996.
PASSOS, E.M.B. A contribuição da arquitetura para a formação do profissional engenheiro civil. Dissertação de
Mestrado. São Paulo: PPGAU Mackenzie, 2002.
PERRONE, R.A.C. VARGAS, H.C. Fundamentos de projeto: Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: EdUSP, 2014.
PUENTE, M. Pavilhões de exposição. Barcelona: Gustavo Gilli, 2000.
REBELLO, Y. A concepção estrutural e a arquitetura. São Paulo: Zigurate Editora, 2000.
SNYDER, J. CATANESE, A. Introduction to architecture. New York: McGraw-Hill, 1979.
TAGLIARI, A. FLORIO, W. Ler cortes e aprender arquitetura. XII International Conference on Graphics Engineering
for Arts and Design – GRAPHICA, 2017.
TAGLIARI, A. Modelos conceituais de percurso e circulação no projeto de arquitetura. Revista 5% Arquitetura +
Arte, São Paulo, ano 13, volume 1, número 16, 2018.

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Desenho como estruturador do pensamento

Drawing as structurer of thought

Dibujo como diseñador del pensamiento

AFONSO, Caroline Ganzert


Mestre em Tecnologia UTFPR, Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo no Unicuritiba,
cgarquitetura@gmail.com

MIRANDA, Antonio Claret Pereira de


Mestre em Engenharia Civil, Coordenador e Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo no
Unicuritiba, antoniomiranda.arq@gmail.com

WEIHERMANN, Silvana
Doutorado pelo Programa de Pós Graduação em Educação UFPR, Professora do Curso de Arquitetura e
Urbanismo UFPR, silvana.w@ufpr.br

RESUMO
O desenho se insere como ferramenta fundamental para disciplinas do curso de Arquitetura, especialmente no
que tange a representação gráfica de soluções e problemas arquitetônicos. Deste modo, ele está na linha
estrutural, introdutória e de caráter geral de disciplinas como Projeto Arquitetônico. O desenho de estudo é de
suma importância para aliar o pensamento ao planejamento, contribuindo para que o exercício de representar
graficamente venha agregar no ato projetual. Ele é um ato cognitivo e a sua prática faz com que o pensamento
fique mais aguçado, mais rápido, e o senso de observação facilite a criação. É um ato repetitivo que proporciona
uma diversidade de possibilidade do pensamento da cognição do desenho. Este texto apresenta um exercício de
projeto do primeiro ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA,
no qual os desenhos e a manipulação de volumes consistem no método de trabalho, da criatividade e da
construção do conhecimento.
PALAVRAS-CHAVES: desenho, projeto arquitetônico, método de ensino.

ABSTRACT
The drawing is inserted as a fundamental tool for disciplines of the Architecture course, especially regarding the
graphic representation of solutions and architectural problems. In this way he is in the structural, introductory
and general character of disciplines such as Architectural Design. The study design is of paramount importance,
in order to combine the thought contributing to the exercise of representing graphically to add in the project act.
It is a cognitive act, and the practice of it, makes the thought sharpen, faster, and the sense of observation,
facilitates creation. It is a repetitive act that provides a diversity of possibility of thinking of the cognition of
drawing. This text presents a first year project exercise of the Architecture and Urbanism Course of the University
Center Curitiba - Unicuritiba, in which drawings and volume manipulation consist of the work method, creativity
and knowledge construction.
KEYWORDS: drawing, architectural design, teaching method.

1
RESUMEN
El diseño se inserta como herramienta fundamental para disciplinas del curso de Arquitectura, especialmente en
lo que se refiere a la representación gráfica de soluciones y problemas arquitectónicos. De este modo está en la
línea estructural, introductoria y de carácter general de disciplinas como de Proyecto Arquitectónico. El diseño de
estudio es de suma importancia, para aliar el pensamiento contribuyendo para que el ejercicio de representar
gráficamente venga agregar en el acto proyectual. Él, es un acto cognitivo, y la práctica de este, hace que el
pensamiento quede más agudo, más rápido, y el sentido de observación, facilite la creación. Es un acto repetitivo
que proporciona una diversidad de posibilidades del pensamiento de la cognición del diseño. Este texto presenta
un ejercicio de proyecto del primer año del Curso de Arquitectura y Urbanismo del Centro Universitario Curitiba -
Unicuritiba, en el cual los dibujos y la manipulación de volúmenes consisten en el método de trabajo, la creatividad
y la construcción del conocimiento.
PALABRAS CLAVE: diseño, diseño arquitectónico, método de enseñanza.

1 INTRODUÇÃO
Nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, a atividade do projeto arquitetônico, normalmente realizada
em ateliê, é considerada a principal linha para a qual convergem os conhecimentos. É a espinha dorsal,
que estrutura o currículo e o programa do curso. Consiste numa atividade prática, em que se simula o
exercício profissional por meio da proposição de problemas arquitetônicos e elaboração de soluções.
A matéria de desenho insere-se nesta linha estrutural como introdutória e de caráter geral. Juntamente
com estética, história das artes, estudos sociais e ambientais, o desenho forma o grupo das matérias
de fundamentação. O estudo do desenho abrange, além das geometrias e suas aplicações, todas as
modalidades expressivas, como modelagem, plástica e outros meios de expressão e representação.

Este texto apresenta um exercício de projeto do primeiro ano do Curso de Arquitetura e Urbanismo do
Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, no qual os desenhos e a manipulação de volumes
consistem no método de trabalho, da criatividade e da construção do conhecimento. Esta atividade
tem como intuito despertar a inventividade dos alunos como suporte da percepção da
tridimensionalidade e o ato projetual.

2
2 A EPISTEMOLOGIA DA PRÁTICA DO PROJETO COMO CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO E
O PAPEL DO PROFESSOR
O método do projeto de arquitetura, por meio da manipulação de volumes e do desenho de estudos,
como conteúdo curricular do ciclo de fundamentação (alunos e alunas iniciantes), quando trabalhado
em uma perspectiva didática construtivista e cuja ética da ação docente é a da cooperação, pode
favorecer o desenvolvimento de capacidades e aptidões, indo em direção à ideia da formação integral,
que une o conhecimento técnico e racional ao artístico e sensível, ambos necessários a este campo do
conhecimento.

Os estudos sobre a Teoria Construtivista começaram com Piaget (1896-1980), em sua Teoria do
Conhecimento, numa perspectiva interdisciplinar. A teoria construtivista pressupõe o sujeito
cognoscente como construtor de suas estruturas mentais, mediante a interação com o meio. São as
sucessivas e permanentes relações entre assimilação e acomodação (não necessariamente nesta
ordem) que permitem que o indivíduo "se adapte" ao meio externo por meio de um interminável
processo de desenvolvimento cognitivo, no sentido dialético do ensaio e erro, do ir e vir, devido ao
processo de construção das estruturas mentais e, justamente por ser um processo permanente e estar
sempre em desenvolvimento, é que a teoria foi denominada de "Construtivismo", dando-se a ideia de
que novos níveis de conhecimento estão sendo indefinidamente construídos a partir das interações
entre o sujeito e o meio.

Dentro dessa abordagem, o papel do professor é fundamental para que se aprenda o processo do
projetar em arquitetura e da sua linguagem do desenho, em suas várias funções, seja como
representação, estudo ou criação. A conotação artística do desenho do croqui, por exemplo, que
pressupõe o desenvolvimento da sensibilidade, da imagem mental, da memória e trabalha a
individualidade, pede uma relação de confiança mútua entre professor(a) e aluno(a). O ambiente
escolar que puder oferecer o estímulo para o(a) aluno(a) aprender por interesse e curiosidade, o que
implica uma reflexão constante sobre os conteúdos de ensino e as relações que os professores(as) e
alunos(as) estabelecem entre esses conteúdos e sua individualidade, sua formação e sua própria
cultura, favorecerá tanto o saber quanto o gostar de desenhar.

No ensino de arquitetura, como afirma SCHÖN (2000), ambos precisam querer desenvolver a forma do
“falar arquitetonicamente”, que se dá pela verbalização e pelo desenho concomitantemente, para o
sucesso do diálogo. Seu conceito de reflexão-na-ação é um processo de construção do conhecimento,
uma reflexão metacognitiva, baseada na investigação e na conceituação das características essenciais

3
da ação. O professor não pode criar no aluno a estrutura que lhe falta, mas deve criar um ambiente
propício ao diálogo, que desafie o aluno a justificar e demonstrar as razões pelas quais adotou um certo
padrão de ação. Portanto, é função do professor levá-lo a refletir sobre sua própria ação, para, como
corolário inevitável, transformá-la transformando-se.

Assim, como abordagem teórica para o desenvolvimento das aulas de projeto, propõe-se o papel do
professor como mediador na aprendizagem, em sintonia também com o que sugeria a hipótese
socioconstrutivista de Vygostsky. Essa abordagem da teoria cognitiva da aprendizagem privilegiava o
homem como um ser histórico e social, num contexto em constante transformação. E, “assim como
Piaget, Vygostsky acreditava que a pessoa é um ser ativo, atento e atuante sobre o seu ambiente”
(CAMPOS et al, 2013, p. 154).

Desta forma, o professor atua como mediador entre a realidade do(a) aluno(a) e o problema a ser
solucionado, expandindo os horizontes de conhecimento do educando. Os resultados são obtidos
pelo(a) próprio(a) aluno(a), que desenvolve e aprimora os resultados pessoais. Tal processo é explicado
pela passagem e pela figura 1:

(...) quando o indivíduo aprende algo, ele está aprimorando seu desenvolvimento. Como resultado, portanto, ele
torna-se capaz de fazer sozinho em razão das etapas já alcançadas (nível de desenvolvimento real).
O processo que consiste na presença de um mediador durante o processo de ensino-aprendizagem é denominado
“zona de desenvolvimento proximal”.
Parte-se do princípio que todos têm um potencial para aprender (nível de desenvolvimento potencial), isto é, a
capacidade de desempenhar tarefas com o auxílio de uma pessoa mais experiente. (CAMPOS et al., 2013, p. 156).

Figura 1: A construção do conhecimento segundo Vygotsky

Fonte: Costa, 2019.

4
Nesse desenvolvimento, observa-se a importante presença e função do professor como mediador no
processo de ensino-aprendizagem.

3 DESENHO COMO ESTRUTURADOR DO PENSAMENTO


O desenho consiste no método de trabalho do arquiteto e de representação de uma ideia. É a
linguagem do projeto arquitetônico, no sentido de comunicar e expressar uma intenção, um plano, um
propósito, por meio de técnicas de representação visual. O alargamento dessa linguagem pode auxiliar
no desenvolvimento do olhar sensível do estudante para a construção social da paisagem em que está
inserido.

Ao realizar um desenho de observação, o(a) aluno(a) desenvolve a percepção do espaço, a


compreensão da forma natural e construída, as relações de medidas e proporções, texturas, cores,
luzes e demais elementos que compõem a realidade concreta. O desenho de memória consiste na
representação daquilo que já foi vivenciado. Exige uma atividade mental intensa, uma vez que o
cérebro costuma sintetizar a realidade em elementos essenciais, para certas circunstâncias. É raro
lembrar todos os elementos que compõem um espaço, vivido em algum momento passado do
cotidiano, e representá-los na forma de desenho.

Para a compreensão do processo de representação de uma imagem, seja ela mental ou concreta, e
tendo como objetivo o ensino do desenho artístico nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, de forma
geral, os estudos realizados por PIAGET e INHELDER (1993) sobre o desenvolvimento das noções
espaciais orientaram-nos às conclusões a seguir: a intuição é considerada a inteligência elementar do
espaço; não é uma leitura das propriedades dos objetos, mas uma ação exercida sobre eles, que se
supera gradualmente até constituir esquemas operatórios. Estes são suscetíveis de serem formalizados
e de funcionarem dedutivamente por si mesmos. Assim, é a intuição geométrica, essencialmente ativa,
constituída de ações virtuais, que caracteriza a atividade do desenho, no momento em que o aluno
representa perspectivas, projeta sombras, rebate planos em projeções ortogonais, analisa proporções
das formas, altera escala, insere a figura humana no plano pictórico etc. Não é o resultado de uma
ação, como simples imaginação de um dado exterior, mas como uma ação verdadeiramente
interiorizada.

Como conteúdo curricular do ensino de Arquitetura, essa forma específica de expressão e


representação pode colaborar, ao nível cognitivo e afetivo, com outros caminhos para a construção do

5
conhecimento, pois, ao realizar um desenho artístico, seja de observação, de criação ou memória, o
aluno desenvolve a percepção espacial, do objeto, do edifício e da cidade, criando o seu repertório
sobre a realidade concreta.

Um simples desenho de observação, quando inserido em um processo didático, pode significar um


suporte ao diálogo entre a ideia e a materialidade, como afirma ROZESTRATEN (2006), ao pesquisar
sobre a importância do desenho e da modelagem nas disciplinas de projeto, nas faculdades de
Arquitetura e Urbanismo.

Na busca das reflexões acerca da relação entre o domínio do desenho e a capacidade de comunicação
e diálogo das intenções plásticas, espaciais e construtivas, inerentes ao projeto, o autor cita o escultor
Henry Moore1, que dizia que o hábito do desenho rompe a inércia e a preguiça do olhar. Para Moore,
“desenhar é uma reação à indolência desse olhar passivo que tende a se acomodar, e enxergar sem ver
o mundo” (ROZESTRATEN, 2006, s. p.). Essa forma de entender o desenho corrobora os conceitos sobre
a percepção visual como verdadeira operação abstrata de ações exercidas sobre os objetos percebidos
(PIAGET, 2001), como consciência social, de transformação ativa e natureza cognitiva (VYGOTSKY,
1991), como forma dinâmica e criativa de compreensão do mundo, elaborando e interpretando os
estímulos visuais (OSTROWER, 1998), como captação de estruturas significativas, ao invés de simples
registro de elementos (PUIG, 1979) e também como uma dimensão intelectual imputada de
conhecimento anterior e posterior ao próprio ato (MERLEAU-PONTY, 2006).

Assim, mais do que o resultado gráfico do desenho, o que parece interessar a Moore, segundo
ROZESTRATEN (2006), é a ação intencional de romper a acomodação displicente do olhar, articulando-
o dialeticamente ao pensamento e à mão. Nesse sentido, a dimensão criativa e imaginativa está
impregnada ao ato de desenhar, mesmo quando parece apenas reproduzir o mundo visível. Desenhar
é atribuir significado, introduzir novo símbolo de conteúdo artístico a cada novo traço.

4 O CROQUI COMO FORMA DA REPRODUÇÃO MENTAL


O croqui é um ato de representação gráfica. É um momento em que a memória é ativada para
reprodução do pensamento, com a seleção de multiplicidades de ideias. Podemos perceber, imaginar
e obter muitas interpretações que o croqui oferece, atuando na memória o repertório do sujeito, a
capacidade de articular as ideias e o pensamento. Segundo Herbert, “os desenhos são instrumentos

1 A partir de um depoimento em vídeo apresentado na retrospectiva de sua obra, em exposição na Pinacoteca em São Paulo.

6
exploratórios e não meros registros da imagem mental” (HERBERT, 1992, p. 33). O aluno, com
pequenos desenhos, representação mental, percepção e interpretação, produz novas informações que
irá ajudá-lo na composição e no processo de concepção do projeto.
Para Ana Leonor, a expressão desenho abrange um enorme registro gráfico (como croquis, desenhos
artísticos, técnicos, entre outros), o qual podemos chamar de desenho, “mais ou menos artístico,
continuamos a utilizar o termo com propriedade ao nomear como desenhos quaisquer códigos
gráficos” (RODRIGUES, 2000, p. 15-16).
O croqui é uma forma de pensar, expressa, sem a pretensão de ser definitivo, sem se preocupar com a
escala, sem definições claras, sem uso de tecnologias e instrumentos digitais. Para vários arquitetos, o
croqui é o apontamento ou registro mais evolutivo e significativo do pensamento. Nele são
apresentadas várias ideias simples e imediatas, na procura de uma ideia nova, ou algo assim, sem
objetivo claro e evidente, como uma linha de pensamento. É representado iconicamente, por várias
vezes, como forma de estudos, muitas vezes simbólico, esquemático, risco e/ou rabisco, à mão livre,
de maneira despretensiosa, podendo ser denominado desenho referencial [referential drawing],
segundo Michael Graves (1977 apud BARKI, 2002).
A imprecisão na elaboração dos croquis, dos registros de descobertas, na forma de notações gráficas,
principalmente do estudo inicial, é característica relevante para a criação, em que os traços serrilhados,
sobrepostos, vagos, instigam discussões, definições, divergência dos pensamentos, fomentando uma
riqueza de dados para o ato projetivo, por meio de imagens mentais, como suporte do pensamento,
na concretização da ideia que será transformada em um objeto ou até mesmo um projeto.
A rapidez com que se executa um croqui e o grau de abstração incitam a geração de variados tipos de
desenhos, muitas vezes carentes de formas, cheios e vazios, e até mesmo de um significado expressivo,
para auxílio de elaboração de uma ideia, podendo fazer com que surja no pensamento do arquiteto ou
do desenhador conceitos e capacidade de expressões mentais novas (FLORIO; LIMA; PERRONE, 2005).
Para Rozestraten (2006, s.p.), o croqui é “o desenho do pensamento em processo, aproximativo,
tateante, registro de um traço reflexivo que experimenta possibilidades. O croqui é o desenho que
acompanha o pensamento de quem projeta, no diálogo gráfico consigo mesmo, e com os outros. É o
desenho que se faz enquanto se fala e se pensa, e o registro plástico de um pensamento em curso”.

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Desenho e Pensamento

Para Ana Leonor, desenhar é uma situação quase lúdica, espontânea, com funções celebrais, o que
torna o desenho uma construção complexa do pensamento, que orienta e exercita esse pensamento
criador, “quer mecanismos de percepção específicos a este acto, quer ainda, e numa primeira fase,
automatismos plurissignificantes” (RODRIGUES, 2000, p. 18). O desenho tem implícito a vontade de
comunicar, que se manifesta livre e inventivamente, mas codifica-se em algumas situações, adquirindo
características de linguagem. Desenhar é o ato de registros dos movimentos da mão, é a relação
manifestada, por quem executa, sendo resultado desses registros. É uma disciplina artística, uma ação
de desenhar, um objeto, plástico ou material, sendo um objeto conceitual.
O desenho é um registro gráfico em uma plataforma bidimensional e existe um grande número de
grupos de registros, podendo referir-se, inclusivamente, a qualquer imagem ou desenho
bidimensional. O desenho, enquanto expressão artística, segundo Ana Leonor, tem “fortes
características inteligíveis”, é uma evidência da maneira de comunicar, sendo que a estrutura conceitual
inserida na estrutura material é uma necessidade para comunicar (RODRIGUES, 2000, p. 50).
Quem desenha tem a capacidade de desenvolver e processar informações vindas de áreas menos
conscientes, menos utilizadas e discursivas da mente, e “constitui afinal um estado puro de
comunicação entre mentes, codificada nas ordens estruturadas da materialidade e da conceptualidade
do desenho de notação rigorosa”. Entende-se o desenho como uma estrutura, considerando-o um
sistema de marcas e sinais.
O estudo do desenho à mão livre é parte essencial na formação do arquiteto, pois forma sua linguagem
aberta ao sentido e à percepção, alimenta mais valias para a linguagem compositiva, treina os músculos
para a reprodução das formas. Sem um bom desenvolvimento dessa ferramenta, fica prejudicada a
percepção do espaço, do volume arquitetônico e, consequentemente, das suas representações.
O desenho de observação é fundamental para auxiliar o desenvolvimento da representação da
espacialidade, da composição, dos cheios e vazios, os detalhes e a forma do observador enxergar o
objeto e o seu entorno.
O desenho de estudo é uma maneira de expressar todas as ideias, formas, conceitos e criação, por
meio do desenho, do croqui, do esboço, e até mesmo do desenho de observação. Ele auxilia o ato
projetual com a representação do desenho, fazendo com que o desenhador expresse de forma simples
o seu pensamento, colocando depois as ideias em forma de projeto. O desenho de estudo é de suma
importância, para aliar o pensamento ao planejamento projetual, identificando a importância e as

8
contribuições que esse exercício vem agregar no ato de concepção espacial. Ele é um ato cognitivo e a
sua prática faz com que o pensamento fique mais aguçado, mais rápido, e o senso de observação facilite
a criação. É um ato repetitivo que proporciona uma diversidade de possibilidade do pensamento da
cognição do desenho.
O desenho manifesta-se das mais diversas formas, em tudo que vemos e observamos, no nosso dia a
dia, como o desenho das formas de um objeto, o desenho de um trajeto de rua, o desenho gestual. O
desenho pode manifestar-se, não só por meio das marcas gráficas depositadas no papel (ponto, linha,
textura, mancha), mas também de sinais no céu, as nuvens, o desenho da digital (DERDYK 2004, p. 20).

5 MÉTODOS UTILIZADOS EM SALA DE AULA


Foram utilizados como métodos na disciplina de Projeto Arquitetônico I, do curso de Arquitetura e
Urbanismo do UNICURITIBA, as seguintes etapas: montagem volumétrica com embalagens, trabalho
de composição formal dessa volumetria, fotografia da solução final volumétrica com as embalagens,
desenho de observação a partir da fotografia, readequações plásticas e indicações de materiais (opacos
e transparentes), trabalho do volume em planta, corte e elevações, com dimensionamentos, e a
finalização, com desenhos humanizados e a maquete em escala com a prévia das soluções de cores e
materiais (como ilustra a figura 2).

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Figura 2: Esquema da sequência dos métodos aplicados na disciplina de Projeto Arquitetônico I

Volumetria com embalagens

Fotografia da composição

Tratamento de composição

Desenho de observação

Desenhos técnicos e
humanizados

Maquete em escala
Fonte: os autores, 2019.

A seguir, cada uma destas etapas estão descritas:


a) montagem volumétrica com embalagens
b) trabalho de composição formal desta volumetria,
c) fotografia da solução final volumétrica com as embalagens
d) desenho de observação a partir da fotografia
e) readequações plásticas e indicações de materiais (opacos e transparentes)
f) trabalho do volume em planta, corte e elevações, com dimensionamentos
g) desenhos humanizados
h) maquete em escala

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Como início do processo, foi solicitado aos alunos que desenvolvessem uma composição partindo-se
de objetos cotidianos, em especial utilizando-se de embalagens (fig. 3). A finalidade era transformar a
forma proposta em um volume.

Figura 3: Composição a partir de objetos cotidianos

Fonte: os autores, 2019.

A partir da montagem dessa composição, foram feitas análises junto aos alunos para que
compreendessem a forma gerada. Observando-se elementos como simetria, escala, proporção e
unidade, foram realizados ajustes, objetivando a melhoria do volume.
Quando um resultado chegasse a uma forma satisfatória ao aluno, ele deveria registrá-la com
fotografias em diferentes ângulos, para ser, em seguida, impressa. A sequência do exercício foi
redesenhar a forma a partir da fotografia (fig. 4), ainda observando os elementos compositivos.

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Figura 4: Registro das formas em fotografias a serem retrabalhadas na composição

Fonte: os autores, 2019.

Nesta etapa começam a ser definidos materiais e texturas (fig. 4), caracterizando as formas como
elementos translúcidos, opacos, com revelo, texturas e grafismos das mais diferentes maneiras,
conforme a bagagem compositiva e perceptiva dos alunos.

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Figura 5: Estudo de composição com materiais e texturas

Fonte: os autores, 2019.

A fase seguinte consistia em trabalhar as formas em escala, com dimensionamento, visando


transformar o volume em um espaço utilizável para a arquitetura. Para isso, a composição foi
representada em plantas, cortes, elevações. Notou-se que esse tipo de exercício, já possuindo a
volumetria previamente estudada, facilitou a representação e, principalmente, a compreensão da
forma arquitetônica entre os alunos.

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Figura 6: Estudo de composição com dimensionamento e representação em planta e elevação

Fonte: os autores, 2019.

Por fim, os desenhos foram humanizados (fig. 7), tendo tratamento de cores e texturas, para,
finalmente, resultar em uma maquete que demonstrasse todas as alterações pelas quais a forma
passou.

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Figura 7: Desenhos humanizados

Fonte: os autores, 2019.

Nesse processo, além da facilidade observada para a representação dos volumes, notou-se também
uma variada gama de soluções formais não observadas em outros métodos utilizados em aulas de
projeto arquitetônico. As volumetrias saíram da obviedade e produziu-se uma metodologia criativa
para o processo de desenvolvimento da plástica arquitetônica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo mergulhado(a) em conteúdos de natureza ainda sincréticos, sem nexos lógicos que possam ser
considerados de nível operatório formal, com métodos e técnicas ainda por desenvolver, o(a) aluno(a)
pode revelar, no desenho, alguns conceitos significativos e de composição suficientemente expressiva,
que não se comprometerá com a atividade pensante ou operatória ao nível da reflexão metacognitiva,
de conceitos científicos e objetivos. Ao contrário, o conhecimento racional inerente à capacidade de
realizar um croqui, quando este gera conceitos, armazena soluções, alerta possíveis conflitos e
incoerências, refina ideias ou forma a base para o projeto arquitetônico, funciona indiscutivelmente
como o alicerce do processo de criação.
Cabe ao professor entender como essas noções espaciais interferem na construção do conhecimento
relativo à prática do desenho e do projeto e, ao mesmo tempo, olhar cada aluno com suas
características, deficiências e competências individuais, considerando que cada um tem sua história no

15
desenvolvimento cognitivo e na afetividade. As atitudes tomadas pelo professor, frente às atividades
didáticas, constituídas de momentos especiais, de desequilíbrio da estrutura cognitiva, em busca de
uma nova estruturação, não tratam meramente da ação docente diferenciada, específica do campo da
formação do arquiteto. Quando embasadas na reflexão constante e no comprometimento, significam
a possibilidade da construção de um conhecimento que ultrapassa o caráter técnico e racional do
conteúdo do desenho e da composição e atinge outras esferas da integridade humana, como a
capacidade criadora, indagadora, crítica, bem como a sensibilidade artística. E isso tudo foi possível
verificar com os resultados do método de ensino aplicado em sala.

REFERÊNCIAS

BARKI, J. Desenhos iluminados. Disponível em: <htpp://www.vituvius.com.br/resenha/texto032.asp>. Acesso


em: 30 mai. 2019.
CAMPOS, J. A. de P. P.; BACARJI, K. M. G. D.; SOUZA, T. N. de; PARREIRA, V. L. C. Psicologia da educação. Batatais:
Claretiano, 2013.
COSTA, M. Abordagem construtivista na educação física escolar. 7 dez. 2018. Disponível em:
<https://www.dicaseducacaofisica.info/abordagem-construtivista-na-educacao-fisica/>. Acesso em: 13 mai.
2019.
DERDYK, E. Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. 3. ed. São Paulo: Scipione, 2004.
FLORIO, W.; LIMA, A. G. G.; PERRONE, R. A. C. Os croquis e os processos de projeto de arquitetura. In: Anais do I
Fórum de Debates FAU Mackenzie. São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Mackenzie, 2005.
GRAVES, M. The necessity of drawing: tangible especulation. Architectural Design, Londres, v. 47, n. 6, Academy
Editions, 1977.
HERBERT, D. M. Graphic processes in architectural study drawings. Journal of Architectural Education, v. 46, n. 1,
p. 28-39, 1992.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
ORTEGA, A. R.; WEIHERMANN, S.; BAIBICH, T. M. Diálogos gráficos: uma didática do ateliê de arquitetura. São
Paulo: Cortez, 2016.
OSTROWER, F. P. A sensibilidade do intelecto. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
PIAGET, J. A psicologia da criança. Trad. Octávio Mendes Cajado. 17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
______. A representação do espaço na criança. Trad. Bernardina Machado de Albuquerque. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1993.
PUIG, A. Sociología de las formas. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 1979.
RODRIGUES, A. L. M. M. O desenho, ordem do pensamento arquitectónico. Lisboa: Editorial Estampa, 2000.
RODRIGUES, L. F. S. P. O desenho, a expressão gráfica dos mecanismos da cognição. Tese (Doutoramento em
Arquitetura), Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2018.

16
ROZESTRATEN, A. O desenho, a modelagem e o diálogo. Vitruvius, Arquitextos, 2006. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp392.asp>. Acesso em: 31 mai. 2019.
SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Trad. Roberto
Cataldo Costa. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
VYGOTSKY, L. S. A. Pensamento e linguagem. Trad. Geferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1991.

17
As experiências na cidade e o ensino de projeto de arquitetura e
urbanismo nos dois primeiros semestres

The experiences in the city and the teaching of architecture and urbanism project in
the first semesters

Las experiencias en la ciudad y la enseñanza del proyecto de arquitectura y


urbanismo en los primeros semestres
CARVALHO, Ramon
Doutor, Professor Adjunto, Universidade Federal de Santa Catarina, ramon.carvalho@ufsc.br

FIORIN, Evandro
Doutor, Professor Adjunto, Universidade Federal de Santa Catarina, evandro.fiorin@ufsc.br

ISHIDA, Americo.
Mestre, Professor Adjunto, Universidade Federal de Santa Catarina, americo.ishida@ufsc.br

RESUMO (100 a 250 palavras)


Este artigo trata do ensino de projeto de arquitetura e urbanismo no primeiro ano do Curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Tem como objetivo demonstrar o arranjo didático-
pedagógico adotado para as duas disciplinas iniciais de projeto de arquitetura e urbanismo. Para tanto,
contextualiza o curso e as referidas disciplinas; discute as bases teóricas que embasam o processo; revela os
procedimentos utilizados para a inserir os alunos no âmago da discussão acerca da relação indissociável entre
arquitetura e cidade; e apresenta alguns trabalhos realizados pelos estudantes nos semestres letivos de 2018.2
e 2019.1. A título de discussão, analisa os trabalhos apresentados e avalia o grau de maturidade dos alunos, ao
fim do primeiro ano do curso, para lidar com os problemas de projeto e com o rol de soluções possíveis.

PALAVRAS-CHAVES (3 a 5): ensino de projeto de arquitetura e urbanismo; procedimentos didáticos-


pedagógicos; arquitetura e cidade.

ABSTRACT (100 to 250 words)


This paper deals with the teaching of architecture and urban design in the first year of the Architecture and
Urbanism Course of Universidade Federal de Santa Catarina. It aims to demonstrate the didactic-pedagogical
arrangement adopted for the two initial disciplines of architecture and urban design. To do so, it contextualizes
the course and related disciplines; discusses the theoretical bases underlying the process; reveals the procedures
used to introduce students to the heart of the discussion about the inseparable relationship between
architecture and city; and presents some work done by students in the last two academic semesters (201.2 and
2019.1). As a discussion, it analyzes the presented works and evaluates the degree of maturity of the students,
at the end of the first year of the course, to deal with the problems of design and with the list of possible
solutions.

KEY WORDS (3 a 5): teaching architecture and urban design; didactic-pedagogical procedures; architecture and
city.

RESUMEN (100 a 250 palabras)


Este artículo trata de la enseñanza de proyecto de arquitectura y urbanismo en el primer año del Curso de
Arquitectura y Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Tiene como objetivo demostrar el arreglo
didáctico-pedagógico adoptado para las dos disciplinas iniciales de proyecto de arquitectura y urbanismo. Para
ello, contextualiza el curso y las referidas disciplinas; discute las bases teóricas que fundamentan el proceso;
revela los procedimientos utilizados para insertar a los alumnos en el centro de la discusión acerca de la relación
indisociable entre arquitectura y ciudad; y presenta algunos trabajos realizados por los estudiantes en los
últimos dos semestres lectivos. A título de discusión, analiza los trabajos presentados y evalúa el grado de
madurez de los alumnos, al final del primer año del curso, para lidiar con los problemas de diseño y con el rol de
soluciones posibles.

PALABRAS CLAVE: enseñanza de diseño de arquitectura y urbanismo; procedimientos didácticos-pedagógicos;


arquitectura y ciudad.

1 INTRODUÇÃO
No curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina a matriz curricular
vigente é do ano de 1996 e contempla três unidades: I – Formação: com 3 semestres; II –
Desenvolvimento: com 4 semestres; III – Aprofundamento: com 3 semestres. As cadeiras de projeto
iniciam-se no primeiro semestre – “Introdução ao Projeto de Arquitetura e do Urbanismo” – e
continuam no segundo – “Projeto Arquitetônico e Paisagismo I”.

Com a realização de concursos para docentes, nos últimos três anos o referido curso recebeu
professores oriundos de diversas regiões do Brasil. Esta “renovação” abriu espaço para o debate,
junto aos professores com um maior tempo na instituição, sobre a possibilidade de implementação
de outros procedimentos didático-pedagógicos para os semestres iniciais do curso. Nesse sentido,
foram propostas modificações nas disciplinas relacionadas ao projeto de Arquitetura e Urbanismo,
cujos processos e resultados iniciais serão apresentados a seguir.

2 A CIDADE E O PROJETO DE ARQUITETURA, URBANISMO E PAISAGISMO


A disciplina de Introdução ao Projeto de Arquitetura e do Urbanismo, do primeiro semestre, pretende
proporcionar uma abordagem ampla e interdisciplinar, tendo como algumas de suas preconizações a
percepção e a construção histórica da cidade. Assim, parte-se do pressuposto de que as saídas a
campo são os primeiros exercícios para compreensão de conceitos a serem desenvolvidos em
projetos de Arquitetura e Urbanismo. Nesse sentido, a possibilidade de instrumentalizar a percepção
urbana se processa como chave para ruptura com os paradigmas pré-estabelecidos nos alunos
recém-chegados do Ensino Médio. Com esse propósito, a Semiótica, entendida como uma ciência
que ajuda ler o mundo, é pano de fundo para que as leituras não-verbais sejam processadas através
dos signos da cidade (PIGNATARI, 2004).

Nessa proposição, a frequentação do espaço é fundamental para o seu entendimento e para a


extração dos significados urbanos, os quais não sejam óbvios e que possam ser utilizados como parte
de um raciocínio de projeto. Acredita-se na cognição da cidade como lugar que potencializa novas
sensações e enriquece o repertório dos jovens estudantes, promovendo uma condição que permite,
através do caminho, que os novos alunos vivenciem por si mesmos suas experiências estéticas para,
assim, construir uma percepção dos espaços que não seja imposta, comandada ou simplesmente
reduzida a uma visão totalizadora. Um olhar de cunho fenomenológico, que é balizado por uma
experiência urbana tátil, sensorial, para além das suas aparências. Com base nessas premissas, o
processo de ensino-aprendizagem de projeto no primeiro semestre vai em busca das experiências
originárias da cidade, das suas essências, para além da distinção entre a forma e o conteúdo
(MERLEAU-PONTY, 1999).

Diante dessa preocupação, busca-se por uma leitura de construção da cidade que não possa ser mais
separada dos passos dos alunos que a vivenciam e nela interferem por meio dos seus projetos. Nessa
medida, uma “coemergência” entre a pesquisa e o projeto do espaço é intermediada pela experiência
do fazer. Assim, o projeto como uma pesquisa-intervenção se dá, já no meio do caminho,
perambulando pela cidade, através dos diários de diagramas, e continua na sala de aula nas
experimentações realizadas por meio de montagens, desmontagens e maquetes; sempre em um vai-
e-vem, porque em todo novo trabalho retornamos à cidade, na busca por uma inseparabilidade entre
o conhecer e o fazer, o dentro e o fora do ateliê (PASSOS & BARROS, 2015).

Parta tanto, são propostos três exercícios que articulam lugares capazes de provocar percepções
diversas, de modo a revelar não apenas uma construção histórica da cidade, mas, também, o seu
desenvolvimento e as suas contradições, por meio dos dispositivos de ligação urbana, da
estruturação da paisagem e dos limites do seu território. Com este objetivo, A Ponte e a Porta, A
Torre e a Escada e O Muro e a Janela são argumentos arquitetônicos e urbanísticos que buscam
possibilitar algumas reflexões urbanas para a produção de projetos em Florianópolis. A vivência
desses lugares envolve caminhadas pelo centro histórico da cidade e pelas imediações da Ponte
Hercílio Luz; pelo Morro da Cruz; e pela Fortaleza de São José da Ponta Grossa e Jurerê Internacional;
no sentido de abrir caminho para um (re)conhecimento urbano, de um ponto de vista estético-
experiencial (CARERI, 2013).

Da visita ao centro histórico e à Ponte Hercílio Luz abre-se a porta para a realização do 1º Projeto: um
trabalho individual para a construção de um dispositivo de ligação: a tradução de um trajeto por um
território, a ser localizado não necessariamente em áreas que foram visitadas pelo grupo, mas que
possa ligar um ponto ao outro. Dessa experiência surgem pontes e passarelas em lugares variados da
cidade de Florianópolis, na busca por traçar linhas de conexão entre a arquitetura e o urbanismo,
suas significações e seus encontros, onde se espera que o fazer projetual comece a ser trabalhado
pelo viés de uma fenomenologia do espaço. O exercício de um pensamento estético-construtivo,
entrelaçando noções de subjetividade e objetividade (HOLL, 1997).

Quando os professores e a turma saem para o campo, por entre as escadas das comunidades que
vivem nas encostas e no Morro da Cruz, visitam um dos locais mais altos da cidade de Florianópolis,
lugar onde se localizam torres e antenas de televisão. De cima é possível ter uma compreensão sobre
as áreas insulares e continentais densamente ocupadas, mas, também, pode-se observar as áreas de
preservação, como os manguezais, o mar e as montanhas. Neste 2º Projeto busca-se uma leitura de
como se estrutura a paisagem, esperando que aflore, sobretudo, um sentimento sobre
irracionalidades que poderiam se dar pela altura demasiada de qualquer novo elemento vertical na
cidade. Essas apreensões conflitantes são o estopim para criação das torres e ou marcos de
observação. Um exercício em dupla, que incita pôr em prática um raciocínio crítico, frente a um
estímulo primário: aquele que toda a criança já teve ao querer construir com joguetes de montar a
torre mais alta (UNWIN, 2013).

Caminhar por Jurerê Internacional, no norte da Ilha de Santa Catarina é poder visitar uma cidade sem
muros, mas cheia de contrassensos, pelas barreiras invisíveis que, essencialmente, impõe. Em
contraponto, a Fortaleza de São José da Ponta Grossa tende a ser um lugar onde a presença da noção
de limite se exerce fortemente, mas que pode ser rompido por algumas janelas que permitem mirar
mais ao longe. Dessa relação conflituosa, nascem muros capazes de permitir as passagens para além
dos limites físicos do território. Sendo assim, o 3º Projeto é a construção de muros em escala 1:1.
Recupera-se aqui uma preocupação com a conexão entre o desenho e o canteiro, a expressão da
materialidade e da tectônica, o uso de materiais reciclados e/ou descartados, além das dificuldades
inerentes ao fazer arquitetural. Um exercício em equipe de quatro pessoas ou mais, onde surgem
discussões sobre o lugar urbano em que vivemos e os seus meios de produção, podendo acabar por
articular uma postura política em relação à construção da cidade, ajudando a formar profissionais
mais aptos a fortalecer a democracia (MONTANER, 2014).

Entre os trabalhos desenvolvidos pelos alunos durante dois semestres letivos (2108.2 e 2019.2),
foram destacados três exemplos para que se discuta (no item “Discussões e Considerações”) como
algumas das questões colocadas estão sendo reverberadas. Vale ressaltar que os projetos foram
desenvolvidos por alunos do primeiro semestre do curso e, portanto, o grau de experimentação é
uma condição sine qua non em seu processo de representação e produção (Figuras 1, 2 e 3).

Figura 1: Projetando um dispositivo de ligação na Barra da Lagoa, Florianópolis.

Fonte: acervo dos autores – Trabalho de Clara Troncoso Mello.


2 – Projetando um estruturador da paisagem na Praia da Joaquina, Florianópolis.

Fonte: acervo dos autores – Trabalho de Sara Vicentini de Oliveira e Tiago Mitsuo Nagazaki.

3 – Projetando os limites do território no Campus Trindade da Universidade Federal de Santa Catarina.

Fonte: acervo dos autores – trabalho realizado por grupo de alunos da disciplina de Introdução ao Projeto.

Ao começarem o segundo semestre, os estudantes esperavam que os professores demandassem a


elaboração imediata de um Projeto Arquitetônico e de Paisagismo I, conforme indica o nome da
disciplina, como aconteceu nos semestres anteriores.i No entanto, diante de um processo de
reformulação dos conteúdos das disciplinas do primeiro ano do curso, os professores verificaram que
seria importante um aprofundamento na compreensão estrutural dos elementos fundamentais que
iriam gerar a arquitetura. Entendeu-se, portanto, que haveria a necessidade de uma reflexão crítica,
logo após os exercícios realizados na disciplina introdutória. Nesse sentindo, partiu-se de estudos já
publicados para a proposição de um outro tipo de exercício no lugar do projeto de espaço livre
(COSTA LIMA, 2003; CARVALHO, 2009; CARVALHO et al, 2009, OLIVEIRA, 2011, entre outros).

Neste novo exercício, os alunos passaram a estudar projetos de reconhecida qualidade a partir de
obras previamente selecionadas pelos professores. O objetivo era que cada dupla de alunos
estudasse uma obra e confeccionasse uma maquete, em escala 1/50, para entender cada elemento
do projeto, em especial, concepção estrutural e a forma gerada pela definição conceitual do arquiteto
(Figuras 4 e 5).
Figura 4 – Maquete Biovilla Pátio – Arquitetos Associados, Natal-RN, 2012-16.

Fonte: acervo dos autores – Trabalho de Miguel Miguel Philippi e Mateus Lima Fernandes de Souza.

5 – Maquete da Casa Elza Berquó – João Batista Vilanova Artigas, São Paulo-SP, 1967.

Fonte: acervo dos autores – Brunna Wehner Viana e Robertta de Maria Rozario.

O segundo exercício realizado na disciplina foi a elaboração de um projeto de edificação de pequena


dimensão (um espaço de criação – ateliê para um arquiteto, artista plástico, ceramista, entre outros),
que pretendia dar aos estudantes subsídios para enfrentar os problemas e propor soluções. Deste
modo, acredita-se que o estudo realizado por meio da elaboração de maquetes possibilitou aos
alunos a identificação dos principais elementos relativos à opção conceitual, estrutural e técnico-
construtiva (Figura 6). Permite, sobretudo, o encontro com uma autonomia em propor, cujo cerne
vêm da própria experiência do fazer, pois o metier da arquitetura guarda traços do ofício, sem
obliterar com isso outros traços advindos da arte, da tecnologia ou mesmo das ciências humanas
(Schön, 2000).

Figura 6 – Projeto para um Ateliê de Arquitetura em Florianópolis.

Fonte: acervo dos autores – Trabalho de Daniela Kramer.

3 DISCUSSÕES E CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS EXERCÍCIOS PROPOSTOS


Na disciplina introdutória o projeto de arquitetura e urbanismo não aparece em separado em todos
os exercícios que foram executados. Em especial, o projeto para a ponte da Barra da Lagoa (Figura 1)
traz para o ateliê uma questão que é bastante pertinente na sua relação intrínseca com a paisagem
em que está inserida. Há pistas da Land Art no trato do seu desenho, como também a proposição de
uma balsa lateral, que transcende a função de dispositivo de ligação permitindo criar um outro tipo
de experiência de passagem para os que frequentassem o local. Pode-se enxergar uma tentativa de
possibilitar que a travessia se dê como uma experiência sensória, seja pela terra ou pelo mar. Uma
influência do traço da arquitetura tipicamente brasileira se alia à paisagem exuberante do canal que
leva à Lagoa da Conceição.

A torre na Praia da Joaquina (Figura 2) mostra uma grande preocupação com as questões estruturais
do objeto a ser construído, ao mesmo tempo em que busca pela compreensão de um olhar alinhado
ao lugar. Assim, esse mirante tende a exprimir a sensação de se estar de pé sobre as pedras que
beiram a água. Urge propiciar que a brisa marinha sopre pelo rosto e que o cheiro do mar e dos seus
respingos resvalem nos corpos lá no alto, agora absortos por essa arquitetura da paisagem. Há, aqui,
uma relação indissociável do objeto com o seu entorno, além da importante preocupação com a
escala humana e o impacto que esta construção teria em um contexto litorâneo. Talvez, por isso, se
pretenda aberto, platôs sobre paliteiros fincados na pedra, em uma espécie de cai-não-cai lúdico-
construtivo.

No exercício de construção do muro, a equipe realizou o projeto de uma cerca de tubos transparente
(Figura 3). Optou por reutilizar um material descartado que outrora servia para proteger fiações
subterrâneas. A preocupação com o baixo custo na execução do projeto em uma escala 1:1 fez com
que promovessem a experimentação das suas possibilidades. A flexibilidade potencializou a criação
de um vai-e-vem de tubos saídos do chão, lembrando esculturas do artista Claes Oldemburb. Uma
semelhança que pode também se fazer presente pela ironia pop de não constituir limites em um
território, justamente porque localizado junto aos caminhos do Campus Trindade da Universidade
Federal de Santa Catarina, lugar este, que não deveria ter muros e, nem mesmo, cercas. Certamente,
um cerco ao processo de fortalecimento de uma postura política.

Os trabalhos desenvolvidos em Projeto Arquitetônico e Paisagismo I demonstram que, para além de


pura instrumentalização para o ato de projetar ou representar um projeto, a elaboração de maquetes
se revelou um poderoso meio de aprendizagem de arquitetura, tanto pelo fato de exigir um projeto
para sua execução, quanto pela possibilidade de fazer com que o estudante perceba as
consequências dos desenhos com dados insuficientes, muito recorrentes nas publicações.

Assim, entre esses dois extremos, há um rol de aspectos que se revelaram positivamente no processo
de ensino-aprendizagem, alguns mais sutis, outros evidentes. Pode-se dizer que não houve como não
notar a presença dos corpos (não só da mente) na execução da maquete: muito diferente de uma
sala de computadores, eles (os corpos) se espalharam sobre as mesas, pelo chão, preencheram o
quadro negro com seus diagramas, rabiscos e croquis na busca de um entendimento da obra,
recuperando um modo de aprender que o “ensino bancário”, no dizer de Paulo Freire, desde os
primórdios de suas respectivas trajetórias, fez com que esquecessem. Medir, cortar, recortar, colar,
fazer, refazer, conecta-se de novo com os jogos infantis. Ou seja, não há como não pensar em uma
circularidade do tempo, ao menos no que diz respeito ao ensino e aprendizagem de arquitetura,
principalmente porque já carregavam um passado saturado de um ensino com base nos créditos,
provas e de uma profunda assimetria entre “aquele que aprende” e “aquele que ensina”. Enfim, uma
nova simetria emergiu nesse processo, porque, também, os professores se mobilizaram e
aprenderam tanto ou mais sobre as mesmas obras.

É evidente que nas escolhas dessas obras houve uma triagem, onde as eleitas apresentavam
características similares: relativamente modestas nas suas dimensões, com suas estruturas e
instalações reveladas e participantes ativas do espaço, como a sua materialidade também manifesta.
E, ainda, tais obras colocam em pauta um dado que incorpora e se adequa aos imperativos da
ementa da disciplina: a relação entre o espaço aberto e o construído, o público e o privado, a
arquitetura e a paisagem. Nesse sentido, os projetos elencados para o feitio de maquetes não são
coisas em si, mas elementos relacionais. Ou seja, arquitetura e paisagem não são compreendidas em
separadas, uma constitui a outra e vice-versa.

No limite mesmo dos estudantes dos primeiros semestres, ao analisar a fundo um projeto de
arquitetura, vai se desenhando um novo recorte, que pode potencializar a construção de repertório e
o seu processo de concepção projetual. Mesmo porque a miríade de imagens de obras
arquitetônicas, oferecidas tanto pelas revistas, como pelos meios digitais, menos do que indicar
caminhos ou modos de projetar, se apresentam tal qual uma feira ou prateleira de supermercado,
criando demandas de consumo. Ou seja, as tais “referências”, como vem sendo utilizadas pelos
estudantes, e até mesmo pelos profissionais, não são mais que embalagens que procuram garantir
algum selo de qualidade ao produto, ou pelo menos, alguma segurança ao autor do projeto. Assim,
mais tarde, se o estudante não aderir ao caminho oferecido pelo recorte, ao menos saberá que
existem caminhos outros por entre a miríade de imagens de obras que lhe assoma frente aos seus
olhos no seu dia a dia.

Mas vale destacar que não bastou e não basta tão só recuperar algo do pretérito na atividade de
ensino e aprendizagem do presente. Essa preocupação foi apenas uma das estratégias que, por si só,
não dá conta de um processo complexo e repleto de incertezas.
É justamente sobre essa herança de um passado remoto que se apoia o processo de ensino
aprendizagem da disciplina: se no ofício a relação mestre e aprendiz se dava no fazer de ambos, a
autoridade do primeiro prescindia das palavras, da lista de chamada ou das notas, mas emergia do
próprio trabalho. A experiência vivida nesse fazer era compartilhada e gerava, mais do que conflito,
uma cumplicidade (BENJAMIN, 1994). Assim agora, no atelier, o lugar do mestre de ofício se encontra
vago, porque foi preenchido pelas obras estudadas. E as vivencias no ateliê de projeto e na cidade se
constituem como nosso melhor aprendizado.

4 REFERÊNCIAS

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i
Até o semestre de 2018.2, a disciplina trabalhava com dois exercícios: o projeto de um espaço livre (uma pequena praça
ou um “pocket park”) e o projeto para abrigar um ateliê de arquitetura (no mesmo sítio do projeto do espaço livre). No
entanto, os docentes identificaram que os estudantes ainda não estavam familiarizados com os problemas a serem
enfrentados e nem com as soluções possíveis para projetos desta natureza.
Repertório: esquemas culturais no aprendizado de projeto
arquitetônico

Repertory: cultural schemes in architectural design learning

Repertorio: esquemas culturales en el aprendizaje del diseño arquitectónico.

ORTEGA, Artur Renato


Doutor, UFPR, artur.ortega@ufpr.br

AYRES FILHO, Cervantes


Mestre, UFPR, cervantes@ufpr.br

RESUMO
Este texto trata do uso do repertório no processo de aprendizagem do projeto arquitetônico. Primeiramente
reflete-se de maneira geral sobre a cultura e sua relação direta com a formação de repertório. Num segundo
momento, aborda-se o conceito de esquemas culturais a partir de um modelo proposto por Gökçe K. Önal e
Hülya Turgut (2017). Por fim, são apresentadas algumas questões numa perspectiva da prática pedagógica dos
ateliês de projeto, na medida em que se possa utilizar o repertório como base das discussões de fazer e analisar
arquitetura, buscando uma maior equidade cultural ao mesmo tempo criando condições que visem uma
aprendizagem significativa. Procura-se, assim, apontar o uso do repertório na ação projetual estabelecendo
processos que permitam a sua evolução através da incorporação ativa e crítica do conhecimento formalizado, ao
invés da tradicional colonização tabula rasa do pensamento.
PALAVRAS-CHAVES: repertório, cultura, arquitetura, projeto.

ABSTRACT
This paper analyses the use of repertory in the architectural design learning process. Firstly, we make a brief
reflection on the concept of culture and its direct relation with repertory acquisition. Then we address the concept
of cultural schema through the model proposed by Önal and Turgut (2017). Finally, we pose some questions
relating to contemporary socio-pedagogical aims and the advantages of using the model at the studio as a
mediation for discussing theory and practice of architecture from a multicultural point of view. We hope to bring
into light processes that enable improvement of the repertory by active, critic acquisition of formal knowledge,
instead of the typical tabula rasa attitude which colonizes thinking.
KEY WORDS: repertory, culture, architecture, design.

RESUMEN
Este texto trata sobre el uso del repertorio en el proceso de aprendizaje del diseño arquitectónico. En primer lugar,
generalmente se refleja en la cultura y su relación directa con la formación del repertorio. En segundo lugar, el
concepto de esquemas culturales se aborda desde un modelo propuesto por Gökçe K. Önal y Hülya Turgut (2017).
Finalmente, se presentan algunas cuestiones desde la perspectiva de la práctica pedagógica de los estudios de
diseño, ya que el repertorio se puede usar como base para las discusiones sobre cómo hacer y analizar la
arquitectura, buscar una mayor equidad cultural y crear condiciones para el aprendizaje. Por lo tanto, buscamos

1
señalar el uso del repertorio en la acción del proyecto mediante el establecimiento de procesos que permitan su
evolución a través de la incorporación activa y crítica del conocimiento formalizado, en lugar de la tradicional
colonización del pensamiento mediante tabula rasa.
PALABRAS CLAVE: repertorio, cultura, arquitectura, diseño.

1. Repertório e cultura

Como todas as obras humanas, a arquitetura é criada pela combinação de elementos preexistentes. A
criação divina, a partir do nada, não é uma opção aberta aos humanos, como bem explica o crítico
literário George Steiner (2005). Criar requer um repertório de referências coletadas ao longo da vida,
pela atividade de olhar para o mundo e questionar o que é bom e o que é ruim, uma característica que
Austin Kleon (2013) chama de “roubar”, e considera típica dos processos artísticos.

Na arquitetura, essa relação entre o existente e o novo pode ser explicada pelo conceito de memória
de Alberto Campo Baeza (2013). Para ele, a história da arquitetura é formada pelas ideias perenes que
dão sentido aos edifícios, sem as quais estes seriam meras banalidades. A memória seria o repositório
dessas ideias, mas longe de prender a criação ao passado, fornece a ela referências para que a
arquitetura atinja novos patamares. A abordagem fenomenológica de Juhani Pallasmaa (2018) e Peter
Zumthor (2009) complementa o conceito de repertório ao incluir nele também a recordação das
experiências individuais, a vivência dos espaços, situações e lugares. O repertório é então formado em
um mesmo tempo pelo conhecimento experiencial, adquirido pessoalmente, e pela sua conexão com
uma fonte histórica, cultural.

A cultura que produz a memória e que precisa ser consumida (KLEON, 2013) para a formação do
repertório é aquela definida pelas ciências sociais: a complexa soma da vida material, da atividade
intelectual e dos sistemas de linguagem de um grupo particular, que constituem todo um modo de vida
(CRANZ, 2016, p. 37). A cultura é também um processo dinâmico: o conjunto de significados que dão
sentido às experiências e trocas sociais mas também permitem a sua ressignificação pela ação
individual criativa (GÓMEZ, 1998; GIDDENS, 2003; GARFINKEL, 2018).

2. Esquemas culturais como repertório no aprendizado de projeto

A construção do repertório a partir da cultura assemelha-se à descrição que faz o sociólogo Michel
Pollak (1992): constituir imagens do mundo, formadas para si e para outrem que resultam em uma

2
conformação de continuidade, coerência, e nas fronteiras entre o eu e o outro, ou seja, identidade.
Para que essas imagens não se tornem estereotipadas, limitadas por visões determinísticas ou até
autoritárias sobre a cultura, é preciso se abrir para a compreensão dos variados significados e valores
sociais que são conferidos aos diferentes elementos da arquitetura a partir de variados saberes e atores
sociais. É preciso reconhecer de maneira transdisciplinar, além das formas de fazer, as suas razões de
ser, o seu papel social e influência num contexto cultural que sempre é muito mais amplo do que a
criação na arquitetura.

Para facilitar esse tipo de compreensão na relação pedagógica do ensino de projeto e permitir uma
maior equidade cultural nos ateliês, as professoras Gökçe K. Önal e Hülya Turgut (2017) propõem a
utilização do conceito de esquema culturali, a ideia da formação do eu individual a partir de um
conjunto de saberes e ações que são influenciados pelo contexto cultural. No seu modelo explicativo,
esses saberes são chamados de componentes culturais, e se dividem entre fatores internos (pessoais)
e externos (sociais), que são a base para a codificação e interpretação do ambiente e influenciam todo
o processo cognitivo, incluindo a percepção (sentidos), a cognição (saber, compreensão, aprendizado,
mapeamento, memória, etc.) e a avaliação (escolha, decisão, comportamento). O processo cognitivo,
por sua vez, gera mecanismos comportamentais como territorialidade, identidade, privacidade,
pertencimento, etc., que se revelam, dentre outras formas, como ações no projeto. Como qualquer
aquisição de repertório será sempre culturalmente situada, Önal e Turgut (op. cit.) propõem então que
o ensino de projeto, que tradicionalmente já oferece estruturas de conhecimento e estratégias globais
de pensamento projetual, inclua também a explicação dos diferentes esquemas culturais, via reflexão
e discussão em sala.

A aceitação da premissa proposta por Önal e Turgut (op. cit.) para o ensino de projeto produz duas
importantes consequências: primeiro, um entendimento uniformemente distribuído do conteúdo no
ateliê é por natureza impossível, e portanto não se deve buscar regularidade na compreensão, mas sim
facilitar um máximo de operações de explicação do conteúdo orientadas pelos diferentes esquemas
culturais, ou seja, é preciso buscar uma regularidade na atividade de compreensão, tornando-a parte
integrante do mecanismo individual de construção do repertório. Segundo, como esquemas culturais
são altamente valorizados e defendidos de ameaças de mudança, a sua modificação, ou seja, as
operações que permitam ampliar a visão de mundo das pessoas, só podem ocorrer se as experiências

3
de aprendizado propostas se relacionarem consistentemente com os componentes culturais delas, o
que inclui o reconhecimento dessa relação por elas próprias.

Essas consequências sugerem que se deve permitir questionar todos os elementos que constituem a
criação na arquitetura: as formas de agir das pessoas, o comportamento nos ambientes, os sistemas
mais abstratos de organização geométrica e as exigências mais pragmáticas da construção, por mais
dados que possam parecer num primeiro momento. As questões que se apresentam como “de fato”
são desveladas nas verdadeiras questões de valor que são, entremeadas em diferentes relações de
significação, interesse e poder. Esse tipo de problematização orienta a coleta de dados e análises que
fornecem subsídios para uma tomada de decisão mais consciente no projeto, tornando-o mais situado
e intencional. A aquisição de conhecimento desta maneira é inerentemente crítica e situada, tem mais
chance de produzir aprendizagem significativa, e oferece uma oportunidade dupla: primeiro, pode
ajudar na compreensão individual e sensibilizar para as diferenças presentes no ateliê, um passo na
direção do ensino inclusivo que Margery Ginsberg e Raymond Wlodkowski (2009, p. 24) afirmam ser
mais motivador e mais propício para a aprendizagem significativa. E segundo, permite o
desenvolvimento de uma habilidade que pode ser utilizada profissionalmente, na compreensão das
intrincadas relações sociais que se estabelecem na produção da arquitetura, que é sempre coletiva
(SMITH, 2017), e que pode ser decisiva para facilitar a socialização profissional (LARSON, 2015).

3. Repertório e o ateliê de projetos

A forma principal de criar na arquitetura é através do projeto, que Bryan Lawson (2011) define como
um processo não linear, indeterminado, iterativo e recursivo de compreensão e busca por soluções
para problemas espaciais que são sempre sujeitos a diferentes interpretações culturais e valorizações.
A despeito de conter momentos objetivos e muito bem delimitados de análise e dedução, as
especificidades contextuais características dificultam a resolução algorítmica, e momentos subjetivos
de indução, abdução e síntese transdisciplinar tornam-se particularmente importantes para a solução.
Apesar de não ter um caminho perfeitamente definido, o projeto exige que se façam sucessivas
escolhas conscientes, defensáveis, culturalmente apropriadas e viáveisii, ou seja, bastante racionais. O
repertório auxilia nessas escolhas ao permitir comparar situações semelhantes e orientar a elaboração
de uma solução apropriada ao contexto, sempre específico em certa medida. A criação na arquitetura
incorpora muitos tipos de conhecimento, logo o repertório precisa ser razoavelmente eclético e

4
continuamente ampliado para que, com o tempo, a experiência de sucessivas soluções naturalize a
indeterminação e aumente a segurança de quem projeta.

No início do aprendizado, porém, o repertório costuma ser constituído majoritariamente por


impressões pessoais e preconceitos típicos do senso comum, e limita as escolhas de projeto. Além
disso, anos de ensino dirigido criam lentes positivistas, e a ideia de determinar criteriosamente uma
solução viável através de um processo indeterminado pode parecer uma grande incoerência, reduzindo
a segurança. Essa situação pode impor um grande desconforto e até descambar em reducionismo, em
negação ou na fuga para uma confortável visão linear do projeto, como uma equação cuja resposta
obrigatoriamente exista a priori. Uma típica expressão desse fenômeno é a insistência de projetistas
iniciantes em defender soluções pouco críticas, em não perceber ou admitir a necessidade de elaborá-
las, e, no limite, solicitar certezas absolutas que o ensino de projeto simplesmente não pode oferecer.

Essa dificuldade inicial é amplificada pelas próprias escolas de arquitetura, onde a pedagogia
permanece largamente marginal e o ensino de projeto adota modelos autoritários, compartimentados
e essencialmente transmissivos (SALVATORI, 2015; SALAMA, 2016), a despeito dos desenvolvimentos
educacionais progressistas que o estudo epistemológico do próprio fazer projetual inspirouiii. Ainda é
comum que a visão sobre o repertório seja bastante impositiva, influenciada pelo paradigma do ensino
programado. Dessa forma, estabelece-se um tipo de dominância docente sobre o estilo de projeto e
sobre as soluções apresentadas, que Bhzad Sidawi (2016) afirma prejudicar consideravelmente o
desenvolvimento da criatividade no ateliê. Mesmo quando são bem intencionadas, Sidawi afirma que
essas práticas são interpretadas por quem aprende como intimidação, reduzindo a confiança e a
autonomia. Essa situação piora quando as escolas não consideram adequadamente a diversidade,
valorizando apenas o que lhes é culturalmente familiar e reproduzindo esquemas elitistas que
dificultam a experiência educacional de pessoas com histórias de vida diferentes do padrão preferido,
como demonstra a pesquisa de Jennifer Payne (2015).

Isso revela uma desconsideração de um conceito chave do construtivismo, a influência do


conhecimento prévio das pessoas no seu processo de aprendizagem (LEGENDRE, 2014). No ensino
superior, a condição adulta e autodeterminada das pessoas produz sucessivas situações de confronto
de conhecimento que, sem exploração adequada, resultam apenas em conflitos, quando poderiam ser
oportunidades de reflexão (ZABALZA, 2007). Se considerarmos a teoria do aprendizado desenvolvida
pelo educador Knud Illeris (2017), fica clara a influência do modelo de ensino na aquisição do

5
repertório. Para ele, o ensino tradicional se concentra em conhecimento convergente (que é objetivo,
fácil de codificar e avaliar) adquirido por assimilação de esquemas mentais. O aprendizado de temas
ou competências complexas, em contraste, requer principalmente a aquisição de conhecimento
divergente (subjetivo, difícil de codificar e avaliar) adquirido por acomodação de esquemas mentais.
Isso mobiliza uma enorme quantidade de energia mental, que só se torna disponível quando a
interação entre o indivíduo e o meio motiva a reflexão e produz o reconhecimento individual da
necessidade de aprender. Mesmo assim, como explica a teoria da educação expansiva de Irjö
Engeström (2016), a aprendizagem significativa sempre é difícil, e está sujeita à rejeição inicial e até
traumas, quando não se permite que as pessoas recorram a uma sólida noção de identidade que as
proteja da anomia e da estereotipificação, fazendo-as a sua evolução ao longo do percurso.

Além desses impactos prejudiciais sobre estudantes, a desconsideração da diversidade cultural na


formação do repertório tem provocado o isolamento da academia, com prejuízos para a utilidade social
da profissão. Alexander Tzonis (2014a, 2014b) afirma que as escolas dão prioridade a um conhecimento
arquitetônico supostamente universal ou global, que ele chama de “núcleo”, e tendem a tratá-lo como
entidades abstratas eternas, sem consideração pelas condições particulares que o originaram. Pouca
ou nenhuma importância tem sido dada ao conhecimento arquitetônico e valores ambientais
concretamente contextualizados, que se originam de necessidades e aspirações culturais, um tipo de
conhecimento que ele chama de “local”. Tzonis questiona se estamos realmente oferecendo o
conhecimento necessário para projetar e construir no conturbado século XXI, concluindo que a
crescente perda de prestígio da academia precisa ser enfrentada com uma educação mais pragmática,
que agregue conhecimento sociológico e ecológico-ambiental para permitir a compreensão dos usos e
usuários cotidianos do ambiente construído, em vez de se concentrar em objetos abstratos e na
insistência em treinar supostas futuras celebridades da arquitetura.

É preciso deixar claro, porém, que utilizar esquemas culturais para orientar a construção do repertório
não é o mesmo que relatar esquemas culturais. A atividade não pode se limitar, nos momentos de
ensino-aprendizagem no ateliê de projeto, à superfície de conversas sobre gosto pessoal e senso
comum, nem à exposição de discordâncias aparentemente irremediáveis, que normalmente
constituem, como já foi discutido, o repertório de projetistas iniciantes. Isso resultaria em um localismo
pessoal entrincheirado, um tipo de reducionismo tão nocivo à formação do repertório quanto a própria
hegemonia do conhecimento global que se quer evitar com a atividade. Por outro lado, como o

6
dissenso é parte essencial da ideia dos esquemas culturais, não se pode pretender conformar as
explicações a grandes narrativas sociais, incluindo as da arquitetura, que ainda são muito presentes
nos ateliês. Essa conformação reduziria a complexidade do real a uma série de fatos sociais
determinantes que fatalmente se encaixariam na narrativa dominante, provavelmente a da docência,
resultando em colonização e preconceito. Cabe à docência, portanto, substituir o papel de transmissão
de informações – que são atualmente prontamente disponíveis para quem tem a motivação necessária
– por um mais elaborado, de instigação da descoberta e apoio e manutenção do equilíbrio necessário
entre o individual e o coletivo nas atividades, na linha do que já defendia Lawrence Stenhouse (1971)
para o estudo de humanidades.

Nesse sentido, é preciso estabelecer processos que permitam a evolução do repertório através da
incorporação ativa e crítica do conhecimento formalizado, ao invés da tradicional colonização tabula
rasa do pensamento. Isso significa aceitar o incômodo da natureza complexa do conhecimento, e
renunciar ao desejo de linearidade e regularidade, que já é questionado até nas ciências exatas. A
substituição da visão canônica e dirigida do repertório por outra, que favoreça a exploração autônoma,
a problematização e a reflexão, pode transformar a prática do projeto em um processo de investigação
dos limites da arquitetura, como defende Alberto Oliveira (2016). Trata-se de alinhar o ensino de
projeto com a formação da competência descrita por Edgar Morin (2011) como necessária para a nossa
época: abertura e segurança para lidar com o complexo, o mutável, para navegar pelos sistemas
indeterminados que constituem a realidade social; e, é claro, para contribuir na produção de espaços
arquitetônicos.

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i
Parte da definição do antropólogo Roy D’Andrade.
ii
As questões chamadas “técnicas” foram consideradas parte indissociável da cultura, como na definição de
Mumford (1967, p. 5).
iii
Ver, por exemplo, o clássico trabalho de Donald Schön (2000), a chamada metodologia de projetos (PRADO,
2011), a aprendizagem baseada em problemas (ARAÚJO e SASTRE, 2009) ou baseada em projetos (BENDER,
2014), e ainda os conceitos de design thinking e de design science.

9
O ensino-aprendizagem do (processo de) projeto de arquitetura

The teaching-learning of the (process of) architectural design

La enseñanza-aprendizaje del (proceso de) proyecto de arquitectura

ZUCCHERELLI, Moara
Mestre, professor adjunto, PUC/PR, moarazuccherelli@gmail.com

SASTRE, Rodolfo Marques


Doutor, professor titular, Universidade Positivo/PR, rodolfo.sastre@uol.com.br

RESUMO
Muito se tem falado e escrito sobre a existência de uma crise no ensino de Arquitetura e Urbanismo. Se essa crise
for verdadeira, a possibilidade de ter uma vinculação direta com a disciplina de Projeto de Arquitetura é
significativa. Uma disciplina que, pela importância na formação de competências e habilidades e carga-horária, é
a espinha dorsal na formação dos profissionais da área. O presente artigo propõe, contrário a uma lógica ainda
dominante no ensino e através de estudo de caso aplicado e testado, um processo projetual com etapas bem
definidas e sequenciais focando o ensino-aprendizagem dos arquitetos. Ensinar processo e não projeto, esse é o
objetivo.
PALAVRAS-CHAVES: Processo, Projeto, Ensino-aprendizagem, Experiência

ABSTRACT
Much has been said and written about the existence of a crisis in the teaching of Architecture and Urbanism. If
this crisis is true, the possibility of having a direct link with the discipline of Architecture Design is significant. A
discipline that, because of the importance in the formation of skills and abilities, and load-hour, is the backbone
in the training of the professionals of the area. Thus, this article proposes, contrary to a logic still dominant in
teaching and through a case study applied and tested, a design process with well-defined and sequential stages
focusing on the teaching-learning of architects. Teach process and not design, that is the goal.
KEY WORDS: Process, design, Teaching-learning, Experience

RESUMEN
Mucho se ha hablado y escrito sobre la existencia de una crisis en la enseñanza de Arquitectura y Urbanismo. Si
esta crisis es verdadera, la posibilidad de tener una vinculación directa con la disciplina de Proyecto de
Arquitectura es significativa. Una disciplina que, por la importancia en la formación de competencias y
habilidades, y carga horaria, es la espina dorsal en la formación de los profesionales del área. Siendo así, el
presente artículo propone, contrario a una lógica aún dominante en la enseñanza y a través de un estudio de caso
aplicado y probado, un proceso proyectual con etapas bien definidas y secuenciales enfocando la enseñanza-
aprendizaje de los arquitectos. Enseñar proceso y no proyecto, ese es el objetivo.
PALABRAS CLAVE: Proceso, Proyecto, Enseñanza-aprendizaje, Experiencia.

1
1 INTRODUÇÃO
Responsável por concentrar a maior carga horária dos cursos de graduação em Arquitetura e
Urbanismo no Brasil, presente em seus cinco anos de duração, a disciplina Projeto de Arquitetura (ou
suas variações de nomenclatura), é considerada a espinha dorsal na formação dos futuros
profissionais. Essencialmente prática, ela abrange parte significativa do aprendizado, pois é nela que
se exercita a prática projetual em diferentes níveis de complexidade. Sua importância é corroborada
pelas Diretrizes Curriculares Nacionaisi (Resolução CNE/CES n°2 de 17/06/2010), documento do
Ministério da Educação que, em seu artigo 5°, especifica treze competências e habilidades mínimas
que deverão constar na formação dos arquitetos e urbanistas, a maioria delas, desenvolvida nas
disciplinas de projeto.

A condição de disciplina espinha dorsal na formação dos arquitetos e urbanistas, acaba,


invariavelmente, absorvendo parte significativa das críticas que o ensino de Arquitetura e Urbanismo
vem recebendo. Ele tem sido apontado, há muito tempo, como um problema, algo que está em crise.
Nesse contexto, a noção de que o ensino do Projeto Arquitetônico carece de mudança, pesquisa e
inovação é contundente no meio acadêmico, contudo, as práticas de ateliê, salvo poucos exemplos,
não estão conseguindo atingir tais objetivos. Onde estariam as principais travas para a mudança nessa
disciplina? Nos conteúdos, nos professores, no método de ensino ou no velho entendimento de que
arquitetura se aprende, mas não se ensina?

A crença de que nascemos com habilidades inatas para nos tornarmos arquitetos e urbanistas
permeou, e ainda permeia, a formação de muitos arquitetos no Brasil e isto se reflete na postura de
alguns professores em sala de aula. Com um método de ensino - se pudermos identificá-lo como um
método - que se caracteriza pela apresentação do edital do tema (onde é escolhido um edifício de
determinado uso, como por exemplo: uma escola, um museu, entre outros), pelo fornecimento de um
programa de necessidades (mais próximo de uma breve lista dos ambientes que o edifício deve
comportar), pela escolha e apresentação do terreno onde o edifício deve ser proposto e pela
solicitação das peças gráficas a serem entregues para avaliação, os professores, ao longo da disciplina,
procedem às “assessorias”, como é chamado o acompanhamento (e onde eles “reformam” as
propostas dos estudantes) ao desenvolvimento do projeto, até a entrega final. O que ocorre é que este
tipo de procedimento acaba por dar a impressão de que são apenas estas as informações necessárias
e suficientes para o desenvolvimento, que se espera com excelência, de um projeto de arquitetura.
Procedendo deste modo, será que conseguimos realmente desenvolver as competências e habilidades

2
previstas para a formação do futuro arquiteto e urbanista? Ou o estudante acaba aprendendo através
de “tentativa e erro” ou pela ação e reação às questões propostas pelos professores nas assessorias?

Na nossa experiência como professores, sem as informações de fundamental importância para uma
“construção intelectual” do projeto, na maior parte das vezes os trabalhos desenvolvidos pelos
estudantes acabam resultando em desenhos, ou seja, “projetos” vazios, sem significado - que
objetivam apenas uma composição harmônica (em planta) e a utilização de materiais inovadores - e
não no que se pode chamar de projeto de arquitetura, onde inúmeros outros aspectos devem ser
contemplados. Esta situação fica evidente quando os estudantes apresentam seus projetos: não há
uma “construção” do problema que se deve resolver ou qualquer argumentação ou justificativa sobre
as escolhas feitas, não há um entendimento abrangente do que o edifício projetado irá significar para
o proprietário, usuários, vizinhança ou para a cidade, como um todo.

Este estudo, contrapondo-se à conduta já “estabelecida” no ensino da disciplina, parte de premissa de


que não pode haver planejamento (o projeto de arquitetura é o “planejamento” do edifício que virá a
existir) sem conhecimento prévio, ou seja, levantamento e análise abrangente e de forma sistemática,
das informações necessárias à abordagem do “problema” (o projeto). Chamamos isso de Processo de
Projeto ou, como já mencionava Silva (2006), a transformação da “caixa preta” projetual em uma
“caixa transparente”, onde é possível enxergar o processo para que nele se possa atuar.

Devemos ensinar a fazer projetos ou ensinar o estudante a desenvolver um processo de construção


de pensamento, um método de trabalho que o auxilie nas demandas arquitetônicas que enfrentará?

Foi neste cenário de grandes inquietações que, preocupados com as deficiências na formação dos
jovens profissionais de arquitetura e urbanismo, propusemos, em 2014, um curso de Especialização
intitulado “Arquitetura, Execução e Gerenciamento de Obras de Pequeno Porte”ii onde lançamos um
módulo de 45 horas chamado Processos de Projeto, visando o estudo de “ferramentas” que
auxiliassem no desenvolvimento de projetos arquitetônicos, focando no processo. A inserção inicial na
pós-graduação foi decidida por duas questões: a primeira foi a de verificar como os arquitetos recém-
formados se relacionavam com o processo projetual e, a segunda, foi pela questão temporal, pois em
um módulo com carga horária concentrada o processo poderia ser aferido com maior eficiência.

O módulo se desenvolve em três encontros de finais de semana, com aulas que intercalam teoria e
prática. O processo é abordado de forma linear, do início - a demanda (projeto) - até a materialização
do Partido Geral. O curso está em sua sexta edição e ainda estamos ajustando algumas práticas e

3
etapas e trazendo, paulatinamente, a experiência para as disciplinas de graduação. É essa experiência
que relatamos a seguir.

2 O PROCESSO PROJETUAL APLICADO


Aprendemos com Álvaro Siza, Frank Gehry e muitos outros, que a prática projetual é imprecisa, é algo
que não tem, e não pode ter, um processo claro porque “engessaria” a arquitetura. Será? Criar é como
se jogar de um abismo, brincar de roleta russa ou, ainda, um eterno processo de tentativa e erro?
Talvez não. Como explica Elvan Silva (1986), “a excelência de um projeto não é o resultado do acaso.
Se o projeto é o esforço racional para solucionar determinado problema, deve implicar algum tipo de
conhecimento organizado, ou organizável”.

E, se existe um processo de criação, ele pode ser entendido em suas etapas, como uma sucessão de
elementos que ocorrem de maneira sequencial e lógica, ou como coloca o autor “a projetação
arquitetônica envolve técnicas e rotinas instrumentais que são perfeitamente codificáveis e
transmissíveis por intermédio de abordagem teórica” (SILVA, 1986). E, quando falamos em ensino de
projeto,

Nesta nova ambiência, buscam-se conceitos e métodos que embasem, e sobretudo legitimem, a prática e o ensino
de projeto, pois não há dúvidas de que num projeto desenvolvido no contexto de uma escola de arquitetura, o
que está em jogo não é a construção de uma obra, e sim, a construção de um estudante, futuro projetista ou seja,
aprender a fazer projeto e fazer projeto são coisas diferentes. (CORDIVIOLA, 2001. Grifos nossos)

Ou seja, a escolha de uma “metodologia de projetação”, conceituada como “uma ordem de


procedimentos capaz de alimentar a mente do projetista de diferentes estímulos para a realização do
trabalho criativo” (NEVES, 1998) é uma opção que destitui formas pessoais de abordar o ensino.

No módulo do curso de Especialização mencionado acima, foram propostos “passos” - e atividades


específicas - a serem desenvolvidos, um a um e em sequência, acreditando que “a passagem entre
fases sucessivas em uma proposta projetual se apoia em um juízo realizado sobre a anterior” (PIÑON,
2007). Foram também propostas variadas dinâmicas de forma a incitar, em sala de aula, uma constante
reflexão sobre a prática projetual.

Dividimos o processo de projeto em duas etapas: a etapa Análise, que corresponde ao que chamamos
Levantamento de Dados e, a etapa Síntese, que compreende os primeiros estudos, a materialização
da Proposta Projetual (fig.1).

4
Figura 1: Etapas do Processo de Projeto

Fonte: os autores, 2018.

Etapa ANÁLISE

Partindo da premissa de que para desenvolver um projeto de arquitetura é preciso entender


profundamente o “problema” (a demanda projetual), por questões didáticas separamos esta etapa em
duas partes: conhecimento das questões relativas ao uso do edifício que se irá projetar, e as relativas
ao local em que o projeto será implantado.

Uso

Para entendermos o uso do edifício apresentamos oito “passos”: “Contato” com o tema, Análise de
Referências, Briefing, Conceito, Programa de Necessidades, Pré-Dimensionamento, Diagramas e
Esquematizações e, por fim, Legislação relacionada ao uso.

O “Contato” com o tema é um momento de reflexão - que sugerimos ser feito, já de início - a respeito
do que se entende ou do que se espera de um edifício com determinado uso: uma edificação que
abrigue uma residência, uma escola, um museu, e assim por diante. Começamos desta forma porque
muitas vezes, ao longo do desenvolvimento de um projeto nos cursos de graduação (e pós-graduação),
ao perguntarmos para o estudante qual o entendimento que ele tem a respeito do edifício que ele
está projetando, nos surpreendemos com a total falta de reflexão neste sentido.

5
Como segundo “passo” propomos a Análise de Referências, ou seja, desenvolver a análise técnica de
um projeto contemporâneoiii, de uso similar ao que se vai projetar, já executado. De acordo com Unwin
(2015):

A arquitetura é uma aventura mais bem explorada pelo desafio de praticá-la. Porém, como em qualquer outra
disciplina criativa, a aventura da arquitetura pode se inspirar na análise daquilo que outros fizeram e, por meio desta
análise, tentar entender as maneiras que eles encontraram para alcançar os desafios. (...) Acredito, simplesmente,
que podemos desenvolver a capacidade de praticar a arquitetura se estudarmos como ela foi praticada por outros.
(UNWIN, 2015)

Para a análise são necessários critério e disponibilizamos nove categorias para “decompor”, e
posteriormente analisar, os projetos selecionados, todas vinculadas à tríade vitruvianaiv (Utilitas,
Firmitas e Venustas):

A palavra “análise” vem do grego αναλυση (analyein), que significa “decompor” ou “soltar”. Analisar algo significa
liberar, soltar, expor para assimilar seus componentes e seu funcionamento – seus poderes. O objetivo da análise
da arquitetura, como de qualquer outra disciplina criativa, é entender seus componentes e funcionamentos
fundamentais a fim de assimilar e adquirir seus poderes. [...] A análise é mais útil quando oferece uma compreensão
do possível e desenvolve uma estrutura de ideias com a qual a imaginação possa trabalhar. (UNWIN, 2015)

Analisar um projeto, além do entendimento amplo que se adquire sobre o tema, é também uma forma
de adquirir e/ou ampliar o repertório arquitetônico.

O “passo” seguinte, o Briefing, é de onde se extrai as informações fundamentais do projeto a ser


desenvolvido. Se entendemos arquitetura como a resposta a uma demanda, podemos dizer que a
inexistência de um cliente, ou até mesmo a falta completa de uma simulação razoável de seus anseios
e expectativas, se configura como uma ficção problemática para a formação do futuro profissional.
Como nos lembra Silva (2006):

Pode-se concordar com a noção de que o processo criativo na arquitetura tem seu início efetivo com o esforço que
o projetista desenvolve no sentido de interpretar as expectativas, aspirações e necessidades do usuário, visando
fixá-las numa linguagem instrumental compatível com os procedimentos racionais próprios do processo projetual.
(SILVA, 2006. Grifo nosso)

E onde fica esse usuário no programa de necessidades, essa lista de ambientes que o edital da
disciplina fornece? Seria possível ir além deste programa se consideramos que o ensino de projeto é
baseado na simulação de situações, distanciado, desta forma, da realidade?

Mas o ensino de projeto arquitetônico, na escola, não se baseia na prática propriamente dita, mas na simulação da
prática. Mesmo que se ofereça ao aluno a representação de um terreno existente e a representação de um programa
autêntico, tudo o mais será hipotético, ou seja, carente de substância. O contexto real tem sua forma de interagir
com a prática projetual concreta; já o exercício realizado com base em um contexto hipotético está sujeito aos
desvios conceituais gerados pela falta de informação. (SILVA, 1986. Grifo nosso)

6
Para o exercício de projeto numa escola todos os condicionantes serão hipotéticos e as propostas
arquitetônicas apenas simulações. Mas isso não significa que esta simulação seja desprovida de
informações que possam aproximá-la da prática real.

O briefing norteará os “passos” posteriores do processo e, para desenvolvê-lo satisfatoriamente é


preciso haver um método de forma que a reunião de briefing não vire um jogo de perguntas e
respostas ou um interrogatório (na inexistência de um cliente real, pode-se simular um encontro com
usuários de edifícios existentes, com usos similares).

O Conceito, o próximo “passo”, é sem dúvida o mais polêmico e complexo, mas também o que garante
imprimir maior significado ao projeto. O Conceito - a ideia central, norteadora da proposta - aproxima
o processo de questões intangíveis, detectadas no desenvolvimento do briefing; ele é um exercício de
transformação de ideias subjetivas, captadas sobre o cliente e suas expectativas, em diretrizes
projetuais, materializadas no projeto através da estratégia de implantação, percursos, relação dos
espaços com a iluminação natural ou artificial, proporções, relações volumétricas, melhores visuais,
entre outros aspectos.

Com as informações dos “passos” anteriores, começa-se a desenvolver o Programa de Necessidades,


ou seja, a relação dos ambientes necessários para suprir as expectativas e os desejos do cliente.
Sugerimos a montagem de uma tabela com as seguintes informações: nome do ambiente, uso principal
e usos secundários, número de usuários previstos, relação do mobiliário suficiente para atender os
usos apontados e área ideal de cada ambiente (obtida no pré-dimensionamento, “passo” seguinte).

O Pré-Dimensionamento é o “passo” a seguir. Dimensionar os diferentes ambientes trará o


entendimento do “tamanho das necessidades”, a área necessária, para suprir os usos desejados pelo
cliente, vinculado ao briefing e previstos no programa. Simula-se um layout com o mobiliário (e
circulações) previsto no Programa de Necessidades para calcular a área aproximada ideal de cada
ambiente.

Muitas vezes negligenciado no dia a dia da prática profissional, o próximo “passo” é o dos Diagramas
e Esquematizações, separado aqui em fluxogramas e organograma. Ambos auxiliam muito na
compreensão dos aspectos gerais do projeto e na conferência, para eventuais ajustes, das expectativas
do cliente.

Os fluxogramas, como o próprio nome indica, são os diagramas de fluxos de pessoas, produtos ou
processos. O fluxo de pessoas, por exemplo, nada mais é do que a simulação do percurso a ser

7
realizado por cada um dos possíveis usuários do edifício. A simulação do passeio pelo programa está
fortemente embasada nas etapas anteriores do processo, ou seja, além de servir como checklist dos
ambientes, serve também para testar a relação do Conceito com o percurso dos usuários.

Após a montagem dos fluxogramas separados por usuários, monta-se o organograma, cujo objetivo é
demonstrar graficamente as conexões ideais entre os ambientes propostos. Aproveita-se, mais uma
vez, para entender e checar completamente o programa e uso dos ambientes propostos.

Como último “passo” deve-se realizar um levantamento e análise das normas que se referem ao tipo
de uso do edifício - normas específicas para edifícios de saúde, edifícios de ensino, etc. – entre outras
normas, tais como acessibilidade, saídas de emergências, etc.

Local

Por questões didáticas, baseadas na nossa experiência como professores, fornecemos o local onde
será desenvolvido o projeto apenas depois de finalizada a etapa anterior, pois, quando esta
apresentação ocorre no início do trabalho, o processo fica prejudicado já que parece existir uma “ânsia
incontrolável” do aluno de arquitetura em começar a projetar antes mesmo de coletar informações
mínimas sobre o projeto que irá desenvolver.

Para o perfeito entendimento do sítio, que é muito mais do que uma forma geométrica, com formato
e dimensões específicas, realizamos uma visita técnica ao local para perceber o terreno através da
imersão do “corpo” no espaço - onde as informações conseguem ser captadas pelos sentidos - e
desenvolver o que chamamos “leitura” dos condicionantes físicos, antrópicos e legais (ODEBRECHT,
2006) e, posteriormente, mapear estas informações (condicionantes) através de esquemas gráficos.

Alguns condicionantes físicos: dimensões, formato, área, visuais, situação na quadra (lote de meio de
quadra, de esquina, etc.), topografia, vegetação, orientação solar, direção dos ventos, entre outros;
condicionantes antrópicos (relativos ao entorno imediato): usos e gabarito da área, fluxo de pedestres,
fluxo de veículos, ruídos, dimensão e tipo de calçada, mobiliário urbano existente na área,
interferências (ponto de ônibus, poste, etc.), entre outros; e condicionantes legais: normas de
zoneamento, parâmetros urbanísticos, entre outros.

Etapa SÍNTESE

8
Finalizada a coleta de informações, na etapa Análise, passa-se à etapa Síntese, etapa onde se analisa,
avalia e sintetiza as informações coletadas – de uso e local - para materializá-las no terreno, através
dos primeiros estudos gráficos. Esta etapa apresenta duas partes bem definidas: a Estratégia de
Ocupação e o Partido Geral.

A Estratégia de Ocupação, etapa que consideramos de fundamental importância para o bom


desenvolvimento do projeto (apesar de ser, muitas vezes, negligenciada nas escolas), é a etapa onde
se começa a estruturar as principais diretrizes do projeto e da ocupação do terreno. Estas diretrizes,
construídas através do Contato com o tema, Briefing, Conceito, Programa de Necessidades, Pré-
Dimensionamento, Diagramas e Esquematizações e Condicionantes do local, devem ser transformadas
em esquemas (croquis, sketches) de fácil entendimento (fig.2). Só se deve prosseguir com o
desenvolvimento do projeto quando esta etapa estiver suficientemente trabalhada e conferida.

Figura 2: Síntese – Processo e Estratégia de Ocupação

Fonte: os autores, 2018.

Após a consolidação da Estratégia de Ocupação, começa-se a estruturar o Partido Geral. A


materialização do Partido Geral ocorre através de peças gráficas, de preferência elaboradas à mão
livre, tais como plantas, cortes, elevações e perspectivas esquemáticas, além de maquete de estudo.
É através destes elementos que, pela primeira vez, o projeto se materializa, se torna visível. Conforme
Corona e Lemos (apud SILVA, 2006),

9
Partido, na arquitetura, é o nome que se dá à consequência formal de uma série de determinantes, tais como
programa do edifício, a conformação topográfica do terreno, a orientação, ao sistema estrutural adotado, as
condições locais, a verba disponível, as condições das posturas que regulamentam as construções e,
principalmente, a intenção plástica do arquiteto. (CORONA E LEMOS APUD SILVA, 2006)

Só então se passa ao desenvolvimento do Estudo Preliminar e as etapas subsequentes (Anteprojeto,


Projeto Legal, Projeto Executivo e Detalhamento), não abordadas no módulo da Especialização.

Entendemos que a efetividade desse processo se dá pelas práticas didáticas propostas em sala de aula,
práticas estas que não fazem parte do escopo desse artigo. Cabe ao professor de projeto desenvolver
estratégias condizentes com as caraterísticas e formação específica da turma, com o período da
disciplina no curso e com as habilidades e competências esperadas ao longo da formação dos futuros
arquitetos.

3 CONCLUSÃO
No método do “aprender fazendo”, recorrentemente utilizado no ensino da disciplina de projeto de
arquitetura nas instituições de ensino superior brasileiras, uma grande parte dos professores não
percebe que as informações que fornecem em sala de aula - edital do tema contendo o programa de
necessidades (lista de ambientes?) e o terreno – são informações relativas ao exercício didático, ou
seja, ao edifício que deverá ser projetado; não são informações que se referem ao
ensino/aprendizagem de projeto. Este procedimento passa a impressão de que o estudante, em
processo de formação, já deveria saber projetar - por inspiração, talento ou intuição nata? (SILVA,
2006) - e que, cada novo projeto traz apenas um novo desafio a vencer. Infelizmente isto tem
acarretado uma visão distorcida e “simplificada” do significado de projeto na arquitetura e da
arquitetura em si.

Com este estudo procurou-se apresentar uma possibilidade de trabalhar com o ensino/aprendizagem
de projeto de forma sistemática, pelo menos nas etapas onde assim ele deve ser.

Projeto é processo que demanda atenção, trabalho, envolvimento, seriedade e profissionalismo, ou


seja, projetar é muito mais do que se “jogar no abismo” ou esperar que a “inspiração apareça”.

Na nossa experiência de ensino para alunos do Lato Sensu, no módulo da Especialização descrito
acima, praticar o processo pode auxiliar na melhora da qualidade dos projetos realizados, trazendo
mais segurança ao projetista, uma vez que incrementa a capacidade de atender satisfatoriamente os
anseios do cliente.

10
Se exercitado com estudantes de graduação, o processo pode imprimir mais significado ao projeto e
se tornar a peça fundamental no desenvolvimento da autonomia projetual (o professor passaria a ser
o orientador do ensino e não mais o repositório das grandes verdades arquitetônicas) e na aquisição
de habilidades e competências para gerir seu próprio aprendizado.

Melhorar a formação dos futuros arquitetos é uma importante tarefa uma vez que, ao participar da
construção do profissional, se está contribuindo para a qualidade das nossas cidades e,
consequentemente, para a qualidade de vida.

4 REFERÊNCIAS
CORDIVIOLA, A. R. Notas sobre o saber projetar. Arquitextos, Texto Especial nº 103. São Paulo, Portal Vitruvius,
outubro, 2001. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp103.asp. Acesso em 20
fevereiro de 2019.
MARTINEZ, A. C. Ensaio sobre o projeto. Brasília: Ed. da UnB, 2000.
NEVES, L.P. Adoção do partido na arquitetura. Salvador: Ed. da UFBA, 1998.
ODEBRECHT, S. Projeto arquitetônico: conteúdos técnicos básicos. Blumenau: Edifurb, 2006.
PIÑON, H. Teoria do Projeto. Porto Alegre: Ed. Livraria do Arquiteto, 2007.
Resolução CNE/CES nº 2, Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior do Ministério da
Educação, 17 de junho de 2010. Disponível em http://portal.mec.gov.br/escola-de-gestores-da-educacao-
basica/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/12991-diretrizes-curriculares-cursos-de-
graduacao. Acesso em 23 de março de 2019.
SILVA, E. Sobre a renovação do conceito de projeto arquitetônico e sua didática. In: Comas, C.E. (Org). Projeto
arquitetônico, disciplina e crise, disciplina em renovação. São Paulo: Projeto, 1986.
SILVA, E. Uma introdução ao projeto arquitetônico. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2006.
UNWIN, S. A análise da arquitetura. Porto Alegre: Bookman, 2015.

i
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo, alterando dispositivos da
Resolução CNE/CES nº 6/2006
ii Universidade Positivo, Curitiba, PR
iii
Evitamos as referências “clássicas” e históricas dos grandes mestres, por exemplo. Elas devem ser conhecidas pelos
arquitetos, sem dúvida mas estamos preparando alunos para demandas atuais e futuras, neste sentido o conhecimento da
arquitetura contemporânea se apresenta instrumentalmente mais útil, uma vez que visa atender as demandas de seu tempo.
iv
Entendemos que, quando observada e interpretada no amplo contexto apresentado no Tratado de Vitrúvio, ainda é a
maneira mais abrangente de se entender a arquitetura e seus critérios de qualidade.

11
O papel social do arquiteto e urbanista. Uma abordagem crítica e
aplicada a partir da formação acadêmica.

The social role of the architect and urbanist. A critical and applied approach
right from academic training.

El papel social del arquitecto y urbanista. Un enfoque crítico y aplicado a partir


de la formación académica.

VAZ, Murad Jorge Mussii


Professor Dr., Universidade Federal da Fronteira Sul, murad.vaz@uffs.edu.br.

RESUMO
O papel social da arquitetura e do urbanismo tem sido discutido sob vários aspectos, sobretudo no que concerne
à atuação profissional comprometida com o contexto socioeconômico, político e cultural brasileiro. Pode ser
interpretado como uma constante atividade formativa, crítica e reflexiva. Através de um olhar ao ensino em torno
de temas recorrentes em escolas de arquitetura e, na relação entre mercado e prática profissional, centramo-nos
nas práticas nem sempre coincidentes entre discurso e realidade. Buscamos compreender como o processo de
produção de conhecimento e formação pode representar um instrumento de dominação, tanto ao nível do
pensamento, como da prática, abrindo caminho a uma nova abordagem nas instituições de ensino. Nos motiva
refletir como os conteúdos de ensino, pesquisa e extensão podem romper barreiras conceituais, metodológicas,
práticas e profissionais não inclusivas, vinculados à pesquisa, à extensão e ao ensino. As noções de direito à
cidade e à cidadania perpassam a reflexão, assente na concepção e materialidade do espaço público. A extensão,
através de oficinas, e as abordagens curriculares de ensino em análise versam sobre a relação entre sociedade,
arquitetura e cidade, apoiada em vários campos de conhecimento. Ambos são experimentações que delineiam
caminhos, barreiras e, sobretudo, uma reflexão em aberto sobre a abordagem e a produção social do
conhecimento.
PALAVRAS-CHAVES: Ensino, pesquisa e extensão; formação acadêmica; produção do conhecimento,
abordagem decolonial.

ABSTRACT
The social function of architecture and urbanism has been explored in many aspects. Especially concerning the
professional role committed with Brazilian socioeconomic, political, and cultural context. As a notion, could be
interpreted as a constant formative activity. In this paper, we propose a rather specific view about the teaching
and learning process and how it has been addressed in currents subjects in architecture schools, and ultimately,
the relationship between the market and professional practice. This view analyses a “no-matching” relation
between speech, practice and reality. We aim to understand how the process of knowledge production has been
used as a domination apparatus, in theory and in practice. Thus, we concluded that the way to discuss and break
the conceptual, methodological, practices and professionals’ frontiers pass through a critical view about the
academic institutions. We introduce a research experience, linked to extension actions and direct interfaces with
teaching. The notions of Right to the City and Citizenship pass through radical reflections. Concepts and ideas of
public space, workshops for practical experiences, as the same as the relation among society, architecture and

1
the city has been interpreted and applied under multidisciplinary guidelines. It is an open way of thinking and
teaching.
KEY WORDS: Teaching, research and extension; academic formation; production of knowledge, decolonial
approach.

RESUMEN
La función social de la arquitectura y del urbanismo ha sido explorada en muchos aspectos. Especialmente cuando
se trata del rol profesional comprometido con el contexto socioeconómico, político y cultural brasileño. Como
noción, podría interpretarse como una actividad formativa constante. En este documento, proponemos una visión
bastante específica sobre el proceso de enseñanza y aprendizaje y cómo se ha abordado en las escuelas de
arquitectura y, en última instancia, la relación entre el mercado y la práctica profesional. Sob esta perspectiva
analizamos una relación "no coincidente" entre el discurso, la práctica y la realidad. Nuestro objetivo es
comprender cómo el proceso de producción de conocimiento se ha utilizado como un aparato de dominación, en
teoría y en la práctica. Así, concluimos que para discutir y romper las fronteras conceptuales, metodológicas,
prácticas y profesionales se hace necesaria una visión crítica de las instituciones académicas. Presentamos una
experiencia de investigación, vinculada a acciones de extensión e interfaces directas con la enseñanza. Las
nociones de derecho de uso de la ciudad y de la ciudadanía pasan por reflexiones radicales. Conceptos e ideas de
espacio público, talleres para experiencias prácticas, así como la relación entre la sociedad, la arquitectura y la
ciudad, se ha interpretado y aplicado bajo pautas multidisciplinares. Es una forma abierta de pensar y enseñar.
PALABRAS CLAVE: Enseñanza, investigación y extensión; formación académica; producción del conocimiento;
abordaje descolonial.

1 INTRODUÇÃO
A função social do arquiteto e do urbanista inicia na vida acadêmica, na reflexão sobre o processo de
formação e a produção do conhecimento que lhe está subjacente. Este processo influencia a prática
profissional, como atuação condicionada e condicionante por uma série de fatores vinculados às forças
hegemônicas e às resistências. Essa assertiva conduz à procura de novos métodos, abordagens e
práticas de ensino, pesquisa e extensão, pilares centrais de uma formação baseada, sobretudo, no
contato e análise de diferentes contextos, nomeadamente socioeconômicos, políticos e culturais.

Esses contextos, no nosso caso, situam-se em Erechim (BR) e em Maputo (MOZ) cidades em países e
continentes distantes, que expressam, cada um à sua maneira, processos de colonização alheios às
dinâmicas locais. Possuíram traçado urbano e projetos não coincidentes com seus territórios originais.
São submetidas a lógicas distantes e próximas a que se refere Lefebvre (2009, p. 52), que se
influenciam, somam e chocam entre si, sobre as quais são criadas narrativas históricas e práticas
socioespaciais sob diversas ideologias. Tentamos captar essas narrativas e práticas, analisá-las à luz das
noções de cidade e de espaço público, através de atividades de pesquisa-extensão e ensino, em ambos
os territórios (ver figura 01).

2
Figura 1 – Localização de Erechim (BR) e Maputo (MOZ).

Fonte: Trabalho do autor (2019) sobre imagem extraída do google.maps.

Objetivamos relatar e discutir nossas experiências como possibilidade de reflexão continuada e de


aprimoramento de abordagens metodológicas e pedagógicas que se pretendem mais inclusivas e
comprometidas com as questões urbanas atuais.

No que concerne ao projeto de pesquisa-extensão, as reflexões realizadas se dão sobre as duas cidades,
sobre espaços públicos e cidadania. As atividades de extensão foram desenvolvidas em Maputo,
durante 2018 e 2019. Com base na experiência e material levantado, estruturou-se um programa de
extensão sobre decolonização do pensamento e da prática, e um projeto sobre assistência técnica em
habitação de interesse social (ATHIS), na UFFS em 2019, com diversos parceiros (item 03).

Quanto ao ensino, apresentamos o processo de pesquisa-extensão e as reflexões que incidem sobre


alguns componentes curriculares (CCR) ministrados no curso de Arquitetura e Urbanismo, UFFS. As
implicações vinculam-se às bases teóricas do Direto à Cidade (Lefebvre, 2009) e à noção de cidadania
(Santos, 2014), além de outros autores. A experiência amadureceu a partir do acompanhamento do
CCR de Socio economia do Espaçoii, na Universidade Eduardo Mondlane (UEM) em 2018.

As atividades realizadas conduzem à discussão sobre os CCR ofertados em sua vinculação ao tripé
universitário, a partir da relação intrínseca entre direito à cidade, espaço público e cidadania, em
contraponto com os processos e práticas socioespaciais hegemônicos. Na linha de Paulo A. Rheingantz
(2014), considera-se que a produção do conhecimento em Arquitetura e Urbanismo parte do

3
cruzamento e do diálogo entre ciência e técnica (reflexão e prática). Os processos formativos induzem
à reflexão sobre o papel social do arquiteto e urbanista, como agente social e cidadão. Parafraseando
Carlos Nelson dos Santos (1978, p.22) “[...] estarão as pranchetas mudando de rumo?” aqui em
consonância com Vicente del Rio (1990, p.177), quando visualizamos a perspectiva de “Agora, um
caminho aberto”.

2 ABORDAGEM TEÓRICA E METODOLÓGICA EM DISCUSSÃO


O questionamento sobre a produção do conhecimento e a interrelação do tripé universitário, baseado
numa aproximação às dinâmicas invisibilizadas, no Brasil ou em Moçambique, assenta-se aqui numa
abordagem teórica e metodológica decolonial. Sob esse enfoque, partimos das possibilidades de
construção de um conhecimento transdisciplinar conforme:

Estou definindo transdisciplinaridade decolonial como orientação e suspensão de métodos e disciplinas a partir da
decolonização como projeto e como atitude. [...], a consciência decolonial busca decolonizar, des-segregar e des-
generar o poder, o ser e o saber [...].(MALDONADO-TORRES, 2016, p.93 e 94).

Portanto, buscamos romper as barreiras de um “conhecimento abissal”, a partir do que Boaventura S.


Santos (2009, p. 23 a 71) chamou de um “conhecimento pós-abissal”, ou seja, a “ecologia de saberes“,
tendo em conta ”a ideia da diversidade epistemológica, do mundo, o reconhecimento da existência da
pluralidade de formas de conhecimento, além do conhecimento científico.” (SANTOS, 2009, p.45). Nas
palavras do autor “é[...] próprio da ecologia de saberes constituir-se através de perguntas constantes e
respostas incompletas” (SANTOS, 2009, p.57).

Essa perspectiva decolonial, de um saber em construção, permitiu-nos retomar os questionamentos


de Carlos N. F. Santos (1978) sobre a formação de arquitetos e urbanistas no Brasil, nas décadas de
1960 e 1970, distantes das questões socioeconômicas espacializadas. Apesar do avanço, ainda é
necessária uma mudança na forma de pensar, agir e intervir.

Ao somar as possibilidades teóricas, metodológicas, epistemológicas, e a crítica sobre a atuação


acadêmica e profissional, alcançamos o paradigma da cidadania e dos espaços públicos no Brasil.
Assim, o espaço, tanto o urbano, quanto o ruraliii, permite uma reflexão ampliada. Dados os contrastes
socioeconômicos espacializados no Brasil, Milton Santos (2014, p. 107) aponta para a relação direta
entre cidadania e localização no território.

Portanto, são tecidos vínculos entre as estruturas sócio-política, econômica, cultural e simbólica,
espacializadas, incidindo no espaço público, marco para a cidadania. De acordo com Maria L. M. Covre

4
(2003, p. 10) “[...] só existe cidadania se houver a prática da reinvindicação [...].”. Esse vínculo entre
cidadania e espaço público significa-se constantemente. Destarte, resgatamos essas noções no âmbito
da geografia (com Ângelo Serpa, 2011, e Paulo C. da Costa Gomes, 2002), e no âmbito da arquitetura
(Abrahão, 2008).O desafio é vincular as noções de espaço público e de cidadania a lugares e territórios
constituídos sob diversos processos, induzindo-nos a olhar para Maputo.

Maputo resulta de um choque frontal entre processos históricos de longa e curta duração. Autores
como Joaquim Maloa (2016), Paul Jenkins (2001), Silvia Jorge (2017), Vanessa Melo (2015), Teodoro
Vales (2014), Isabel Raposo e Jochen Oppenheimer (2007), David Viana (2015), têm se debruçado sobre
sua urbanização ao longo do tempo, nomeadamente após a abertura ao capital internacional (década
de 1990). Para compreender esse contexto e refletir sobre o contexto brasileiro, uma nova abordagem
formativa e metodológica é necessária.

Ao considerarmos, nessa perspectiva, o processo de formação, buscamos interlocução com Paulo A.


Rheingantz, quando afirma que o “[...] conhecimento em arquitetura combina Ciência, tecnologia e
subjetividade; comporta dois ângulos distintos: materialidade e s[sic] qualidades.” (RHEIGANTZ, 2014,
p.05). Abre-se a possibilidade de discutir as universidades, nas quais “[...]faltam debates ou reflexões
sobre o papel do arquiteto na atualidade” (RHEIGANTZ, 2014, p 11).

O paralelo é feito com Yves Chalas (1998), quando o autor discute um urbanismo prático como menos
teórico, mais performativo, político e não espacialista, no qual “[...] não o verdadeiro projeto ou solução
vem antes do debate público, mas somente depois do debate público.” (CHALAS, 1998, p.210,
traduzido livremente).

Para alinhavar as noções e conceitos, partimos da noção de Direito à Cidade, como “[...] direito à
centralidade, a não ser posto à margem da forma urbana [...]” (LEFEBVRE, 2008, p. 175). Na ótica de
Lefebvre (2009, p.52) a cidade é uma mediação entre estruturas simbólicas, culturais, sociais,
econômicas construídas a partir de relações globais e locais, portanto, constroem-se os vínculos sobre
as noções acima apresentadas, a partir do direito à cidade como perspectiva.

3 RELAÇÃO ENTRE ENSINO-PESQUISA-EXTENSÃO, UMA AÇÃO EM PROCESSO


A pesquisa, realizada incialmente como uma tese em geografia (VAZ, 2016), seguiu na UFFS como
iniciação científica (2015). Na sequência, ampliou-se o olhar para outros contextos contidos no “lado
do Sul metafórico” (SANTOS E MENESES,2009, p.13), nomeadamente Maputo. Dessa forma,

5
desenvolvemos uma pesquisa de pós-doutorado entre a UFFS, a ULISBOA e a UEM durante o ano de
2018, intitulada “Maputo: cidade, espaço público, cidadania”.

A conjunção do tripé universitário, durante o pós-doutorado (2018), desconstruiu uma série de


“certezas” sobre a forma e a função dos espaços públicos, incluindo as praças, na capital moçambicana
(figuras 02 a 05).

Figura 2: Machamba, bairro Zimpeto. Figura 3 Apropriação, Praça 25 de Dezembro.

Fonte: Autor, 2018.


Fonte: Autor, 2018.

Figura 4 Comércio nas esquinas. Figura 5 Rua, bairro Zimpeto.

Fonte: Autor,2018 Fonte: Autor, 2018.

Ao trabalhar em bairros da cidade de Maputo (fig. 06), identificou-se a materialização de espaços de


trocas, de encontro e diálogo, suas formas e sua apropriação, ampliando o olhar para a pluralidade de
espaços públicos, incluindo os não estabelecidos pelos planos e projetos desde meados do século XIX

6
(Morais,2001; Maloa, 2016). Esta análise nos aproximou à vida urbana, a hábitos e tradições, que ora
entram em conflito, ora se somam e mimetizam.

Figura 6 – Bairros Estudados

Fonte: Trabalho autor e Cila Silvaiv (2018) sobre base google.maps

O trabalho exploratório, rediscutiu as bases teóricas e os procedimentos. Realizamos imersões nos


bairros e conversas com residentes (2018). Fotografias, croquis e mapeamentos, restituídos sempre
que possível à comunidade, permitiram a apreensão de modos de se fazer cidade a partir do cotidiano,
da resistência, da cultura e de histórias cruzadas ao longo do tempo (remoto e recente). O trabalho
empírico confrontou o material advindo da revisão bibliográfica. A análise dos planos urbanos permitiu
um olhar sobre a atuação do poder público no fazer cidade, e as bases cartográficas, enviadas por
pesquisadores e docentes, para além daqueles da Direcção Municipal de Planeamento Urbano e
Ambiente de Maputo, clarificaram a diferença entre o planejado e o real, em suas dinâmicas. Os dados
recolhidos, em Maputo, foram enviados para a equipe de Erechim, gerando-se os mapas. Essas
atividades, entre o pós-doutorado e a iniciação científica (2018), contribuíram com o aprimoramento
metodológico-procedimental.

As noções de cidadania, espaço público e direito à cidade (item 02) foram fundamentais à reflexão,
segundo uma perspectiva decolonial, questionando-se inclusivamente sua pertinência.

7
No âmbito da extensão, foi necessário “redirecionar as pranchetas”. Conduzimos o “Workshop: O
Espaço Público nos Assentamentos Informais de Maputo”, entre os dias 26 e 28 de setembro de 2018,
através de parceria com a Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da UEM, a UN Habitat e a
Associação IVERCAv. O objeto de intervenção foi o bairro da Mafalala (fig. 6), através de propostas
desenvolvidas pelos acadêmicos da FAPF-UEM para espaços públicos.

Na continuidade, entre 29 de julho e 01 de agosto de 2019, realizou-se uma oficina em Maputo e em


Boane, sobre o papel social do arquiteto. Resultou de uma parceria entre a UEM, a Wutivi-UniTiva, a
UFFS, a ASF (Arquitetura Sem Fronteiras) e o Centro Hakumanavi, integrando uma pesquisadora da
ULISBOA. Os acadêmicos visitaram o Centro Hakumana, o terreno para sua nova sede, assistiram
palestras, mesas redondas e propuseram estudos preliminares para essa nova sede. Adolescentes
assistidos pelo centro e educadores a ele vinculados acompanharam o trabalho. Os resultados foram
discutidos com a comunidade, refletindo entusiasmo, através de projetos reais, tantas vezes
obliterados na formação acadêmica. Retomamos, através dessas experiências, a arquitetura em seu
tensionamento entre ciência e técnica, e atuação socialmente comprometida.

O CCR, ministrado em Maputo (de agosto a novembro de 2018), versou sobre conteúdo geográfico. A
docente responsável discutiu a produção do espaço em Moçambique a partir de leitura
socioeconômica. Exploramos uma abordagem direta sobre temas vinculados à arquitetura, cidadania
e cotidiano. A docência compartilhada permitiu reflexões sobre nossos contextos (analisando
particularidades e linhas de conexão) e sobre a formação (ampliando o olhar dos docentes e dos
discentes).

Através das experiências, refletimos sobre os CCR de Arq. e Urb. da UFFS que temos ministradovii. Tanto
nas aulas quanto nos trabalhos de campo dos CCR, diferentes fases têm reconhecido a cidade em suas
dimensões socioespacial, econômica, simbólica e cultural. Preconiza-se a discussão teórica e o debate,
durante o ensino no ateliê. Conforme as especificidades de cada CCR, através do projeto, temos
inserido na 1º fase (Introdução à Arte, Arquitetura e Cidade), na 6º fase (Projeto Arquitetônico e
Urbano: da escala da cidade à do edifício) e na 9º fase (Planejamento urbano e regional), a noção da
cidade como espaço público e a arquitetura como prática social e cidadã. O reconhecimento do
cotidiano revela formas invisibilizadas de ser/estar na cidade, impactando no acesso a bens básicos e
à cidadania. O tripé universitário é fundamental para que os discentes se posicionem criticamente,
abrindo possibilidades. O olhar e o pensar críticos sobre a prática profissional, de docência e projeto,

8
possibilita avanços graduais. Metodologicamente, exploramos o reconhecimento in loco, os debates, a
reflexão e a autocrítica. Encara-se os discentes como sujeitos em sua formação, e reforça-se o aprender
a partir da descoberta e da liberdade.

A pesquisa (2019) segue na realização de reuniões (virtuais ou presenciais), mantendo o foco sobre
Maputo. Na extensão desenvolvemos um projeto sobre ATHIS e previmos mais oficinas em Maputo em
2020. No ensino, ministramos CCR sobre a urbanização de Maputo sob uma perspectiva decolonial
(2019).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ação conjunta entre ensino, pesquisa e extensão, sob uma abordagem decolonial, debruça-se sobre
o cotidiano, em suas práticas e dinâmicas socioespaciais. As técnicas escolhidas, do fazer e descobrir
junto com a comunidade, reforçam uma troca contínua entre academia e sociedade. As práticas
socioespaciais de Moçambique e Brasil demonstram diferenças simbólicas e culturais, mas o vínculo se
refaz sob o espectro da dominação e das agendas neoliberais, que têm conduzido a produção do
espaço urbano e rural à escala global. Nesses países, confrontam-se ordens próximas e distantes, num
constante avanço e retrocesso.

A pesquisa-extensão incide sobre os olhares de pesquisadores e discentes brasileiros, moçambicanos


e portugueses, ampliando a troca de referências e saberes. O trabalho de campo, com inserção
contínua, demonstra como a cidade se refaz a partir dos sujeitos, conforme suas lógicas, ideologias,
referências e especificidades socioeconômicas. Torna o olhar mais crítico às noções utilizadas
questionando sua aplicabilidade para cada contexto. O ensino, através da autonomia discente, permite
questionamentos constantes baseados no aprender e na prática, rompendo a hierarquia acadêmica.
Através de CCR sobre África, desvela-se o Brasil. A partir de diferenças e similaridades, aponta-se rumos
construídos para cada contexto.

O retomar de questionamentos, práticas e experimentações vinculadas às trocas de saberes e


experiências, respalda-se na afirmação de Santos (2009, p.57) de que são necessárias “perguntas
constantes e respostas incompletas.” As constatações até agora delineadas são parciais e não
generalizáveis. Resultam de um corpo teórico e de uma abordagem metodológica específicas, que
intentam não ser herméticas e estanques, sempre um “caminho em aberto”.

9
5 REFERÊNCIAS
ABRAHÃO, S. L. Espaço público: do urbano ao político. São Paulo: FAPESP; Annablume, 2008.
CHALAS, Y. L´urbanisme comme pensée pratique. In : Annales de la recherche urbaine, n. 80-81, p. 205-214,
1998.
COVRE, M. de L. M. O que é cidadania. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003.
DEL RIO, V. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo: PINI, 1990.
GOMES, P. C da C. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002
JENKINS, P. Strengthening Access to Land for Housing for the Poor in Maputo, MOZ. In: International Journal of
Urban and Regional Research. Vol. 25.3 09/ 2001
JORGE, S. M. B. Lugares Interditos. os bairros pericentrais autoproduzidos de MAPUTO. Tese de Doutorado.
Lisboa, FA Ulisboa: 2017.
LEFEBVRE, H. A Revolução Urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
.O Direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2009.
MALDONADO-TORRES, N. Transdisciplinaridade e decolonialidade. In: Revista Sociedade e Estado – Vol.31 N.1
Janeiro/Abril 2016
MALOA, J. M. A urbanização de Moçambique: uma proposta de interpretação. Tese de doutoramento. Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas: Geografia Humana. São Paulo, USP, 2016.
MELO, V. A produção recente de periferias urbanas africanas. Discursos, práticas e configuração espacial:
Maputo versus Luanda e Joanesburgo. Tese de doutorado. Lisboa:FA Ulisboa, 2015
MORAIS, J. S. Maputo-património da Estrutura e Forma Urbana Topologia. Lisboa: Livros Horizontes, 2001
OPPENHEIMER, J.; RAPOSO, I. (coords.) – Subúrbios de Luanda e Maputo. Lisboa: Edições Colibri, 2007.
RHEINGANTZ, P. A. Sobre ciência, conhecimento e arquitetura. Arquitextos: 175.02 ensino ano 15, dez. 2014.
SANTOS B.de S. e MENESES M. P. Epistemologias do Sul. Coimbra: G.C. Gráfica de Coimbra, 2009.
SANTOS B.S. Para além do Pensamento Abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. In : SANTOS B.de
S. e MENESES M. P. Epistemologias do Sul. Coimbra: G.C. Gráfica de Coimbra, 2009, p.23-71.
SANTOS, C. N. F. Associação de bairros e associações de moradores: estarão as pranchetas mudando de rumo?
In: Revista Chão, Rio de Janeiro, n.1, 1978, p.22-31.
SANTOS, M. O espaço do cidadão. São Paulo: Edusp, 2014.
SERPA, A. O Espaço público na cidade contemporânea. SP: Contexto, 2011.
VAZ, M. J. M. A produção do espaço público em Florianópolis: as praças e a vida urbana. Tese de Doutorado.
UFSC, Florianópolis, 2016.
VIANA, D. L. (Auto) organização e forma urbana: combinando diferentes abordagens morfológicas na análise de
Maputo. Tese de Doutorado. Porto: Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, 2015.
VALES, T. De Lourenço Marques à Maputo : genèse et formation d'une ville. Tese de doutorado. Grenoble :
Université de Grenoble. 2014.
VAZ, M. J. M. A produção do espaço público em Florianópolis: as praças e a vida urbana. 2016. Tese de Doutorado
- Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis: 2016.

10
i Pesquisador vinculado aos grupos de pesquisa: NETAP-UFFS e CIAUD-ULisboa.
ii CCR ofertado pela Faculdade de Filosofia e Letras para a FAPF, UEM, pela prof. geógrafa Inês M. Raimundo. Auxiliamos
em 2018.
iii “[...] chama a atenção o descaso das escolas com a arquitetura popular urbana ou rural [...]”( Rheingantz, 2014, p.12).
iv Voluntária da pesquisa sobre espaços públicos, iniciação científica UFFS (entre 2015 e 2019).
v Para mais consultar http://www.iverca.org/.
vi O Centro Hakumana, oferece serviço de ação social à comunidade sob várias frentes, incluindo ações vinculadas ao HIV-
SIDA e tuberculose.
vii Os CCRs têm sido concebidos e ministrados por três docentes. O trabalho e a discussão são coletivos, cada docente
contribui com referências. Além disso, conteúdos específicos são inseridos em cada CCR.

11
Ensino de Projeto de Arquitetura num Planeta de Favelas:
uma proposta metodológica de construção social da paisagem

Teaching of Architecture Project in a Planet of Slums: a methodological proposal of


social construction of the landscape

Enseñanza de Proyecto de Arquitectura en un Planeta de Favelas: una


propuesta metodológica de construcción social del paisaje

SOARES, Bernardo Nascimento


Doutorando em Urbanismo, Professor Substituto DPA/FAU/UFRJ, bsoares.urb@gmail.com

MELLO, Luiz Gustavo Costa


Estudante de Graduação, FAU/UFRJ, luizgfau@gmail.com

RESUMO
Este trabalho é uma revisão sobre o método aplicado ao exercício de projeto de arquitetura na disciplina
Projeto Arquitetônico IV, tratando-se de um apanhado sobre a proposta metodológica com objeto do projeto
arquitetônico para “edifício programaticamente complexo em cenários conflituosos. Compreendendo a cidade
como um lugar de conflitos, tendo em uma de suas expressões a marca da favelização, o projeto se coloca como
uma ferramenta de reflexão e experimentação de uma alternativa para a construção social da cidade e da
paisagem. Esta experiência traz a possibilidade de aplicação, através dos estudos, de um caso real e pertinente
para a criação de espaços de esperança para a justiça sócio espacial. E como uma motivação para os docentes e
os estudantes que se engajam sobre papel social da Arquitetura e do Urbanismo.
PALAVRAS-CHAVES Ensino de Projeto, Projeto de Arquitetura, Favela.

ABSTRACT
This work is a review on the method applied to the exercise of architectural project in the discipline Architectural
Project IV, being a survey about the methodological proposal with the object of the architectural project for
"building programmatically complex in conflicting scenarios. Understanding the city as a place of conflict,
having in one of its expressions the brand of favelization, the project stands as a tool for reflection and
experimentation of an alternative for the social construction of the city and the landscape. This experience
brings the possibility of applying, through studies, a real and pertinent case for the creation of spaces of hope
for social and spatial justice. And as a motivation for teachers and students who engage in the social role of
Architecture and Urbanism.
KEY WORDS Project Teaching, Architecture Project, Favela.

RESUMEN
Este trabajo es una revisión sobre el método aplicado al ejercicio de proyecto de arquitectura en la disciplina
Proyecto Arquitectónico IV, tratándose de un recopilado sobre la propuesta metodológica con objeto del
proyecto arquitectónico para "edificio mediante programa complejo en escenarios conflictivos. Comprendiendo
la ciudad como un lugar de conflictos, teniendo en una de sus expresiones la marca de la favelización, el
proyecto se coloca como una herramienta de reflexión y experimentación de una alternativa para la

1
construcción social de la ciudad y del paisaje. Esta experiencia trae la posibilidad de aplicación, a través de los
estudios, de un caso real y pertinente para la creación de espacios de esperanza para la justicia socio espacial. Y
como una motivación para los docentes y los estudiantes que se dedican al papel social de la Arquitectura y del
Urbanismo.
PALABRAS CLAVE: Enseñanza de Proyecto, Proyecto de Arquitectura, Favela.

1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é uma revisão sobre o método aplicado ao exercício de projeto de arquitetura na
disciplina Projeto Arquitetônico IV (PA IV), do Departamento de Projeto de Arquitetura da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de janeiro (DPA/FAU/UFRJ), nos
semestres 2018.1 e 2018.2. Trata-se de um apanhado sobre a proposta metodológica dispostas às
respectivas turmas, tendo como objeto o projeto arquitetônico para “edifício programaticamente
complexo, capaz de abrigar usos contraditórios em áreas urbanas caracterizadas por forte tensão de
centralidade e cenários conflituosos”. A “complexidade programática” se configura pela proposta de
um edifício multiprogramático, no entanto enfatizando o uso de comércio e serviços e pela a
interferência sobre os fluxos que as formas de apropriação que este caráter poderia propiciar. E a
proposta metodológica partiu de uma reflexão sobre o papel social do arquiteto e urbanista e sobre
como incorporá-lo ao objeto de estudo da disciplina, de modo que o território e a construção
pudessem corresponder a tais expectativas.

Assim, a metodologia partiu da compreensão do espaço urbano como um objeto complexo, reflexo e
condicionante social (CORRÊA, 1993) e como produto de uma urbanização marcada pela exclusão,
pela desigualdade e pela ilegalidade (MARICATO, 1996), em que a cidade se torna um teatro de
conflitos (SANTOS, 2009). E da reflexão sobre como as práticas projetuais têm se concentrado sobre
grupos sociais privilegiados na construção dos edifícios e das cidades, ao passo que tem respondido
de forma limitada aos conflitos e disputas recorrentes na produção social do espaço.

Em contraposição, buscou-se incorporar à metodologia a problematização do conflito, bem como a


criação de alternativas, através do projeto associado ao planejamento e à formulação de políticas
públicas a fim de atender a necessidades e demandas de grupos sociais não privilegiados – questões
ora singularizadas por meio de um determinado contexto. Este, por sua vez, foi delimitado pelo
fenômeno da produção da informalidade e da favelização, como produto e processo da urbanização
desigual e excludente no Brasil. E pelo enfoque sobre a população local e suas condições de
reprodução social.

2
Sendo assim, a proposta buscou um contexto representado por terreno diante de uma favela em área
metropolitana. O terreno proporcionado às turmas se localiza no bairro Vasco da Gama, área central
da cidade do Rio de Janeiro – RJ.

A partir da definição do terreno, o método seguiu o desencadear de um processo de projeto desta


dimensão: interpretações sobre o contexto; análise urbana e paisagística, bem como das
preexistências e das dinâmicas socioespaciais; a construção propositiva do programa do edifício,
considerando-se os usos em relação ao lugar; resolução dos problemas de inserção urbana e regional
e de implantação; resolução das relações de fluxo, acesso e circulação, bem como relações
público/privado; resolução técnica e construtiva (esquema estrutural, processos construtivos e
materiais); e expressão e representação gráfica das propostas (croquis, diagramas, perspectivas,
desenhos técnicos, diagramação de prancha etc.).

Para fins deste artigo, buscou-se realizar uma análise projetual das propostas elaboradas pelos
estudantes da turma. Esta análise, visa a contribuir para com reflexões sobre os modos de produção
em Arquitetura e Urbanismo no ensino e o privilégio na construção das cidades através do processo
de projeto. Estas reflexões, por sua vez, podem então orientar não apenas ao reconhecimento de
conflitos como também para alternativas sobre a prática de intervenção projetual e, sobretudo, os
métodos de ensino em Arquitetura e Urbanismo.

Com enfoque sobre a construção social da paisagem, análise projetual é composta por três
categorias: Programática; Territorialidade e Estratégia Projetual; e Espacialidade e Materialidade,
compondo a estrutura deste artigo. A primeira corresponde a reflexão e proposta, pelos trabalhos,
acerca das dimensões socioeconômicas e socioculturais da população local, especialmente os
moradores da favela, traduzindo-se em propostas de usos e atividades incorporadas e
proporcionadas pelo projeto. A segunda corresponde às interpretações sobre o contexto em sua
dimensão fisicoterritorial, a inserção regional, urbana e paisagística do terreno e do projeto, as
estratégias de implantação e partido arquitetônico e as relações de fluxo e permanência em caráter
público e/ou privado. E a terceira corresponde às diretrizes de relação material entre o espaço e a
forma, as composições estruturais e as técnicas construtivas, a qualidade dos espaços externos e
internos e os componentes arquitetônicos e materiais utilizados.

Da totalidade de propostas, a análise reconheceu as particularidades de cada projeto e buscou


ressaltar os aspectos distintivos de acordo com as categorias propostas. Com o decorrer da mesma,

3
se pretende compartilhar a experiência de uma reflexão crítica sobre a condição de privilégios e
conflitos na produção das cidades, bem como apontar para novas possibilidades a partir das práticas
de ensino e exercício projetual com bases na justiça socioespacial.

2. PROGRAMÁTICA
Partindo de uma reflexão sobre um “planeta de favelas” (ARANTES, 2008) repensando novas
alternativas programáticas para este contexto de informalidade, o curso teve como princípio a
discussão sobre o contexto através de suas dimensões sócio econômicas e culturais. E sua
fundamentação teórica acerca da questão da informalidade conferiu um direcionamento para a
produção social do espaço urbano – compreendendo-o como, simultaneamente, produto e produtor
de transformações da organização social, conforme Mark Gottdiener (2010). Isto é, a construção de
um arcabouço para direcionar o estudo da reprodução social para a perspectiva sobre a produção do
ambiente construído, a fim de criar novas possibilidades de mudança da estrutura urbana. Nesse
sentido, obteve-se na condição do Trabalho – e sua respectiva qualidade de geração de renda – uma
contribuição para a garantia ou melhor condição de direitos sociais e de uma série de bens e serviços
urbanos, (SOARES, 2018, p. 4).

Com isto, a discussão urbanística direcionou-se para uma problematização da relação entre as
estruturas físicas do edifício proposto – em correspondência à proposta programática e metodológica
da disciplina – e os usos e formas de apropriação do espaço pré-existentes no lugar. Isto propõe uma
direção peculiar, em contraposição ao “fanatismo dos arquitetos pela arquitetura” questionado por
Rem Koolhaas:

Maybe architects’fanatism – a myopia that has led them to believe that architecture is not only the
vehicle for all that is good, but also the explanation for all that is bad - is not merely a professional
deformation but a response to the horror of architecture’s opposite, an instinctive recoil from the
void, a fear of nothingness (KOOLHAAS et al., 1995, p. 199).

Embora Koolhaas esteja, com este argumento, se direcionado para a questão do sistema de vazios
urbanos, suas palavras nos trazem possibilidades de reflexão para importância do ambiente
construído para além do rigor da forma arquitetônica. No caso, esta reflexão induziu a exercícios de
construção programática em coesão sócio econômica e cultural com o lugar enquanto contexto
marcado pela favelização. Isto é, sem propor um programa fechado e determinado para todas as
propostas, o curso demandou a reflexão e proposição por parte de cada estudante, de modo a ter
percepção e consciência para com o contexto. Isto forneceu um processo enriquecedor de

4
interpretação e de aprendizado, cujos resultados são particularmente pertinentes. A figura a seguir
representa a distribuição programática correspondendo a usos diferenciados e compartimentação
dimensionalmente variada no plano vertical do edifício de seis das propostas realizadas pelos alunos:

Figura 1: Diagramas de Propostas Programáticas.

1 2 3

4 5 6

Fonte: Elaboração dos autores.

A proposta “1” se preocupa, principalmente, com a inserção dos moradores da região no mercado de
trabalho, em especial na área da construção, se importando também com o aprimoramento da
autoconstrução, muito presente nas favelas brasileiras. Para isso, possui oficinas e espaços de aulas e
educativos. Além disso, constitui espaços para lojas voltadas ao tema, como para materiais de
construção, espaços amplos e que poderiam ser usados para tal. Por fim, também dispõe de salas e
espaços que podem ser alugados, atraindo pessoas que passaram pelo processo educativo do edifício
ou profissionais que trabalham na área.

Figura 2: Proposta Programática 1.

Fonte: Elaboração dos autores.

5
A proposta “2” tem como foco o desenvolvimento de um espaço térreo para apropriação e uso das
pessoas. Organiza seu programa considerando esse pavimento para feiras, espaços de alimentação e
outras atividades e usos. Opta por edificar acima desse vazio, com espaços destinados a salas
comerciais e a salas coletivas e para trabalho coletivo. Valoriza, por esse meio, as atividades
preexistentes e desenvolve, a partir dessa multiplicidade de programas e da mistura de espaços
coletivos e individuais, um edifício dinâmico e de caráter transformador do espaço.

Figura 3: Proposta Programática 2.

Fonte: Elaboração dos autores.

A proposta “3” busca se afastar da concepção de um edifício comercial convencional, buscando a


participação das pessoas e convidando-as a usufruir do mesmo. Em seus pavimentos mais baixos,
conta com um cine-teatro, como um foco no papel cultural do projeto, oficinas para a área da
educação, além de lojas e espaços voltados a alimentação. Nesse sentido, é possível que uma pessoa
percorra o edifício de diversas maneiras diferentes, para diversos fins diferentes. Além disso, acima,
salas comerciais individuais e de uso coletivo. Um programa que possibilita pessoas com diferentes
intenções desfrutando do mesmo espaço.

Figura 4: Proposta Programática 3.

Fonte: Elaboração dos autores.

6
A proposta “4” tem como diferencial uma parte de seu programa destinado a habitação. Por meio
dessa, pretende gerar movimento e fluxo no edifício, além de suprir uma carência que existe na
oferta da mesma. Abaixo das habitações, trabalha com espaço para atividades coletivas e apropriação
por parte da comunidade ou dos moradores. Os três primeiros pavimentos, mais próximos aos
pedestres, se destinam mais ao comércio, lojas e salas comerciais, além de restaurantes e bares,
promovendo, a partir da proximidade e das relações, um fluxo mais intenso e com uma variedade de
usos por quem circula na região. Fora isso, conta com uma biblioteca, levando em consideração a
existência de escolas por perto e do fluxo de ida e vinda de alunos pelo terreno.

Figura 5: Proposta Programática 4.

Fonte: Elaboração dos autores.

A proposta “5” foca seu programa no comércio atacadista, compreendendo-o como um fator
relevante do qual as pessoas poderiam usufruir, também buscando a vivacidade do local e um
aproveitamento ao máximo potencial de us. O pavimento térreo é voltado para lojas e restaurantes;
os três seguintes para o comércio atacadista; e os dois superiores para salas comerciais, escritórios e
salas coletivas. Se define por seu forte caráter comercial e por seu intenso fluxo de usuários.

Figura 6: Proposta Programática 5.

Fonte: Elaboração dos autores.

7
E a proposta “6” tem, em seu térreo, um programa destinado a alimentação, como restaurantes,
bares, cafés e lojas voltadas para o tópico, inspirado nos usos que se têm em “mercadões” e praças
de alimentação. Em seus pavimentos superiores, se divide em dois volumes. Um deles é voltado a
salas comerciais, escritórios e consultórios, configurando o também aspecto comercial do edifício. O
o outro, voltado a atividades educativas e culturais. Um programa voltado a dar suporte a
comunidade e que, por meio de seus usos e atividades, busca suprir as diversas necessidades e
carências da região.

Figura 7: Proposta Programática 6.

Fonte: Elaboração dos autores.

Com um ensino que incentiva a discussão do programa, com liberdade para interpretações diversas,
os projetos levam em consideração o contexto de informalidade e incorporam a favela e suas
atividades. No âmbito da elaboração do programa, o projeto é compreendido como produto, quando
as atividades e o entorno definem escolhas a serem tomadas - a exemplo de espaços voltados para a
construção e educação, funções de suporte para dias de partidas de futebol - mas também, ao
mesmo tempo, como produtor do espaço, gerador de trabalho e renda, por todas as novas dinâmicas
propostas. Dá espaço e impulsiona a inclusão e a reprodução social.

3. TERRITORIALIDADE E ESTRATÉGIA PROJETUAL


A percepção territorial sobre o contexto se define por uma “urbanização que se expande como
verdadeira ‘desurbanização’, sobre territórios delapidados por populações empobrecidas” (ARANTES,
2008, p. 4), em que a informalidade assume o papel do “lugar comum” das cidades contemporâneas,
em especial nos países em desenvolvimento – marcadas por conflitos. Isto conduz a uma
compreensão do terreno proposto para o exercício projetual cuja inserção urbana e paisagística se

8
caracteriza por cenários multifacetados e conflituosos. E delimita uma interpretação sobre as pré-
existências que influenciam sobre o processo projetual, de modo a formular premissas para
alternativas quanto à relação entre o edifício e a paisagem, os espaços públicos e os lugares de
encontro e interlocução enquanto uma forma de produção social do espaço.

Enquanto exercício inicial, a discussão programática orientou a uma outra reflexão, também
encontrando ressonância nas formulações teóricas e conceituais de Rem Koolhas: os vazios urbanos e
seu caráter de liberdade na metrópole:

They all reveal that emptiness in the metropolis is not empty, that each void can be used for
programs whose insertion into the existing texture is a procrustean effort leading to mutilation of
both activity and texture (KOOLHAAS et al., 1995, p. 202).

Esta percepção conduziu, por sua vez, a uma interpretação primordial do contexto em suas
dimensões físico territoriais. Isto é, a percepção sobre o território no âmbito da favelização pressupôs
o reconhecimento e a valorização dos espaços de uso coletivo versus a escassez de espaço – este que,
no âmbito da informalidade, assume o caráter de um grande valor de troca. Na informalidade, se
“não há mais lugar para a própria política” (ARANTES, 2008, p. 4), falta lugar para o vazio. O vazio
significa, neste caso, um grande valor de uso – não apenas a direta e livre possibilidade de realizar as
mais diversas atividades cotidianas como também a possibilidade da produção social do espaço.

Neste sentido, a percepção territorial do vazio enquanto formador de espaço de caráter social
permeou, em alguma medida, as proposições dos alunos. A figura a seguir representa um conjunto
de estratégias urbanísticas, paisagísticas e arquitetônicas que, associadas às respectivas propostas
programáticas, buscam respostas ao contexto marcado pela relação adversidade/potencialidade
territorial, de cinco das propostas realizadas pelos alunos:

9
Figura 8: Estratégias projetuais.

1 2

4 3 5

Fonte: Elaboração dos autores.

A estratégia “1” parte da valorização dos espaços vazios, compreendendo que há uma precariedade
quanto à oferta desses espaços no bairro. Se pensa, assim, em um projeto com sua grande massa
edificada, elevada. Assim, valoriza a apropriação e o lazer no vazio que se cria abaixo dessa massa,
possibilitando, também, uma qualidade quanto a ventilação das ruas, já que há uma permeabilidade
abaixo do edificado. O projeto busca desenvolver espaços onde ocorreriam provocações diárias, isso
é, em constante transformação. Ora a partir das feiras que ocorrem no local, ora pela simples
apropriação dos moradores:

10
Figura 9: Estratégia 1.

Fonte: Elaboração dos autores.

A estratégia “2” opta por recuar o edifício em sua implantação, juntando-o ao que já está edificado
ao redor e criando uma grande praça e espaço para apropriações. Parte de uma valorização do
espaço público e das preexistências do território. Com um corte na diagonal em seu volume, se volta
para o Estádio São Januário, sendo esse plano diagonal superfície para projeção de partidas do clube
e para outras atividades culturais. O projeto busca ser, por meio desses artifícios, aberto à sociedade,
circundando o espaço livre e suas atividades:

11
Figura 10: Estratégia 2.

Fonte: Elaboração dos autores.

A estratégia “3” compreende que o território estudado é composto por duas frequências: o dia a dia
dos moradores e os eventos, que acontecem em dias e horários específicos na região. Se desenvolve
com o objetivo de valorizar essas individualidades ao mesmo tempo em que visa corrigir falhas no
tecido e amarrar determinadas potencialidades. Com um pátio interno, cria espaços para atividades,
pensando na qualidade de vida dos usuários, enquanto que, com a valorização da esquina, cria uma
conexão do espaço com a Praça Carmela Dutra, com o objetivo de amarrar os espaços:

12
Figura 11: Estratégia 3.

Fonte: Elaboração dos autores.

A estratégia “4” parte de uma leitura do terreno e de um desejo de ressignificá-lo, compreendendo o


projeto como uma série de “colagens” e levando em consideração a diversidade de usos, tipologias,
tempos e pessoas. Parte-se de dois galpões, tipos abundantes na região, ressignificando-os. O volume
da frente, mais próximo ao estádio e à circulação principal, é elevado de forma a buscar a
participação do pedestre na consolidação desse espaço e possibilitar a apropriação por feiras e
demais atividades, convidando a sociedade para participar de um “mercadão”, onde possam ser
vendidos produtos locais. Possui bares, restaurantes, além de lojas e salas comerciais e, inclusive,
unidades habitacionais:

13
Figura 12: Estratégia 4.

Fonte: Elaboração dos autores.

A estratégia “5” é elaborada a partir do conceito de movimento. Seja movimento pedonal, seja o
movimento pelo qual é caracterizada a topografia próxima ao terreno. O movimento do edifício não
se dá só pela forma em si, mas também pela experiência das pessoas ao percorrê-lo causando a
transformação constante do espaço, captando, também, o caráter compreendido como labiríntico
das favelas brasileiras. Quanto a topografia, o projeto apresenta um volume que cresce ao ponto que
se aproxima dela, se apropriando também desse aspecto do território:

14
Figura 13: Estratégia 5.

Fonte: Elaboração dos autores.

Compreendendo a potencialidade territorial diversa, marcada pela favela, o estádio, a informalidade


e pelas diversas ausências que são presentes em um "território delapidado", o território é
interpretado como um espaço de conflitos. Nesse sentido, os projetos elaborados valorizam os
espaços já consolidados, em especial os de uso coletivo, e buscam amenizar problemas advindos da
ausência do poder público e solucionar a falta de espaços que proporcionem a permanência e o
encontro.

4. MATERIALIDADES
A continuidade da discussão sobre o contexto em suas diversas dimensões, bem como a
conceituação de alternativas para a construção social da paisagem e do edifício nos conduziu a uma
reflexão de ordem estética: em se tratando de territórios marcados pela informalidade e pelo
conflito, como respeitar e preservar as pré-existências ao intervir diante das favelas? Como
patrimonializar a identidade cultural e estética através da paisagem e da arquitetura sem reproduzir

15
padrões técnicos, construtivos e ambientais [críticos] nem impor uma ordem autoritária de estética
formalista e, por vezes, enfadonha, da cidade dita formal?

Para Paola Berenstein Jacques, a discussão sobre o direito à urbanização – respondendo a questões
de conflitos territorias na construção das cidades – está além da ordem social e política, perpassando
uma “dimensão cultural e estética”:

(...) as favelas já não fazem parte da cidade há mais de um século? (...). Porque não se assume de
uma vez a estética das favelas sem as pequenas imposições estéticas, arquitetônicas e urbanísticas,
dos atuais projetos de urbanização que acabam provocando a destruição da arquitetura e do tecido
urbano original da favela para criar espaços impessoais (que muitas vezes não são apropriados pela
população local, ficando rapidamente deteriorados e abandonados)? (JACQUES, 2001, p. 1).

Ao teorizar sobre o tecido urbano informal, Jacques parte desde a cultura e a arte populares, de
modo a rebater seus valores para a arquitetura, a paisagem e o urbanismo, dissecando a “estética das
favelas” em três figuras conceituais – fragmento, labirinto e rizoma. Sendo assim, a abordagem do
curso estimulou a percepção da identidade espacial própria das favelas, inspirando-se pela ideia de
“movimento” conforme propõe a autora. O reconhecimento do espaço-movimento, bem como de
seus sujeitos sociais, moradores-construtores do espaço, no tempo, ensejou a representação do
movimento e dos modos de construir o espaço através da proposta de projeto.

Isto se refletiu não apenas própria constituição do espaço em suas relações paisagem/edifício e
público/privado como também em questões compositivas e estruturais da forma arquitetônica e
paisagística enquanto materialização dos valores estéticos identitários. Dentre os critérios, estiveram:
espacialidades enquanto extensões de vazios e para fins de apropriação diversos; releitura formal de
volumes, planos e superfícies presentes na estática das favelas; releitura espacial das “lajes” em sua
dupla dimensão funcional/estética; técnicas construtivas de fácil apropriação e aplicação; emprego
de materiais (relação textura/cor) identitários; e incorporação do movimento enquanto com
componente projetual – pensando as formação e as transformações do edifício e da paisagem, no
tempo e pelo sujeito social enquanto participante da construção.

A figura final, a seguir, representa uma sequência de imagens das propostas dos alunos:

16
Figura 14: Propostas projetuais.

17
Fonte: Elaboração dos autores.

As propostas materializam os princípios discutidos ao longo da disciplina. Os edifícios elaborados


refletem, em geral, um caráter de valorização da indústria da construção e da autoconstrução, dos
vazios, com espaços "inacabados" e oportunidades para gestão, participação e construção pelos
próprios usuários. A constituição do espaço leva em consideração os materiais da favela, as
preexistencias na mesma, além de seu caráter dinâmico e fragmentado. A materialidade está,
necessariamente, atrelada às soluções programáticas e à leitura de território realizada pelos alunos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo traz o relato de uma experiência de proposta metodológica sobre o ensino e a
aprendizagem em Arquitetura e Urbanismo através da disciplina de Projeto de Arquitetura, em que se
busca uma reflexão sobre o papel social do arquiteto e urbanista diante de uma cidade cuja
construção é marcada por conflitos. E a partir da qual o exercício do projeto se coloca como uma
ferramenta de engajamento e enfrentamento para uma construção social das relações entre a
paisagem e o edifício no contexto de um “planeta de favelas”.

No primeiro momento, realiza uma fundamentação teórica e conceitual em que a cidade se


apresenta como um lugar de conflitos e produto de um processo de urbanização marcada pela
exclusão, pela desigualdade e pela ilegalidade, em que a produção da informalidade se cristaliza pela

18
favelização. Diante deste quadro, o arquiteto e urbanista assume papel social crucial sobre o
pensamento e as práticas de intervenção sobre o ambiente construído – para o qual sua formação
deve provocar reflexões e experimentar alternativas de atuação através do exercício projetual. Sendo
assim, a proposta metodológica trata da problematização de um contexto marcado pela favelização e
da criação e provisão de novos espaços que contribua para a melhoria da qualidade de vida e como
um fator de justiça socioespacial, através do projeto de um equipamento social e de espaços
comunitários como uma forma de inclusão.

Em seguida, descreve a aplicação da proposta metodológica, constituída de três componentes:


programática; territorialidade; e materialidade. Em programática, compreende-se o contexto em suas
dimensões sócio econômicas e culturais e se propõe um arcabouço teórico e conceitual para o estudo
da reprodução social através da perspectiva sobre o ambiente construído; a transformação da
estrutura urbana é pensada e experimentada através de uma diversidade de propostas livres e
pertinentes de programas compostos por atividades para a geração de trabalho e renda da população
local. Em territorialidade, compreende-se a favela como o “lugar comum” de uma verdadeira
“desurbanização” e que o terreno do objeto de estudo se insere num cenário conflituoso e que a
interpretação sobre as pré-existências apontam para premissas quanto à relação entre o edifício e a
paisagem, os espaços públicos e os lugares de encontro e interlocução enquanto uma forma de
produção social do espaço; as alternativas direcionam à ressignificação do vazio como a possibilidade
mais diversas atividades cotidianas como também a possibilidade da produção social do espaço. E em
materialidade compreende-se a composição de espacialidades associada a uma proposta de ordem
estética para a valorização das pré-existências da favela através da forma e da técnica da construção;
isto se reflete na constituição do espaço em suas relações paisagem/edifício e público/privado como
também em questões compositivas e estruturais da forma arquitetônica e paisagística enquanto
materialização dos valores estéticos identitários, incorporando o espaço-movimento enquanto
componente projetual – pensando as formação e as transformações do edifício e da paisagem, no
tempo e pelo sujeito social enquanto participante da construção.

Com a conclusão do curso e a revisão de sua metodologia, percebe-se a importância de persistir com
as reflexões e práticas sobre o ensino através do projeto de arquitetura e urbanismo como um campo
potencial para experimentações e alternativas para a construção social da cidade. Esta experiência
traz a possibilidade de aplicação, através dos estudos, de um caso real e pertinente para a criação de

19
espaços de esperança para a justiça sócio espacial. E como uma motivação para os docentes e os
estudantes que se engajam sobre papel social da Arquitetura e do Urbanismo.

6 REFERÊNCIAS
ARANTES, Pedro Fiori. O Lugar da Arquitectura num “Planeta de Favelas”. In: Opúsculo: Pequenas Construções
Literárias sobre Arquitectura, Porto, ano 2008, n. 11, Dafne Editora, mar. 2008.
CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Editora Ática, 1993.
GOTTDIENER, Mark. A Produção Social do Espaço Urbano. São Paulo: Edusp, 2010.
JACQUES, Paola Berenstei. Estética das favelas. In:Arquitextos, São Paulo, ano 02, n. 013.08, Vitruvius, jun.
2001. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.013/883>. Acesso em: 27
mai. 2019.
KOOLHAAS, Rem; MAU,Bruce; OMA; S, M, L, XL. NY: The Monacelli Press, 1995.
MARICATO, Ermínia. Metrópole na Periferia do Capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo:
Editora HUCITEC, 1996.
SANTOS, Milton. A Urbanização Brasileira. São Paulo: Edusp, 2009.
SOARES, Bernardo. Produção social na urbanização de favelas: Trabalho e renda no Morar Carioca Barreira do
Vasco, Rio de Janeiro. In: III SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE URBANIZAÇÃO DE FAVELAS, 2, 2018, Salvador. Anais
eletrônicos... Salvador, UCSal – Universidade Católica do Salvador. Programa de Pós Graduação. 2018.
Disponível em: <https://www.urbfavelas2018ucsal.com.br>. Acesso em: 27 mai. 2019.

20
ZEIS como instrumento de promoção da Habitação Social: experiência
do primeiro Ateliê de Projetos no ensino de Arquitetura

Guidelines for submitting papers to the 9th Seminar ZEIS as an instrument for the
promotion of Social Housing: experience of the first Workshop of Projects in the
teaching of Architecture

Directrices para la presentación de ZEIS como instrumento de promoción de la


Vivienda Social: experiencia del primer Taller de Proyectos en la enseñanza de
Arquitectura

MUNIZ, Andreia Fernandes Muniz


Mestrado em Engenharia Civil, Universidade Vila Velha, andreia.muniz@uvv.br

SOUZA, Ana Dieuzeide Santos


Mestrado em Engenharia Civil, Universidade Vila Velha, ana.souza@uvv.br

CUNHA, Clóvis Aquino Freitas


Mestrado Profissional em Segurança Pública, Universidade Vila Velha, clovis.aquino@uvv.br

RESUMO
A criação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) é um importante instrumento para a viabilização do
acesso à terra urbanizada pelos mais pobres e também para a produção da habitação de interesse social. A Lei
nº 11.977 de 2009 que regulamentou o Programa Minha Casa Minha Vida define ZEIS como “parcela de área
urbana instituída pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal, destinada predominantemente à
moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo”.
São zonas que integram o perímetro urbano e devem possuir infraestrutura e serviços urbanos ou permitir a
viabilidade de sua implantação. Neste contexto, este artigo apresenta a experiência do ensino da temática da
habitação de interesse social na disciplina de Ateliê de Projetos I do curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Vila Velha/ES/Brasil, cuja metodologia é aplicada à elaboração de projetos integrados de
arquitetura, urbanismo e paisagismo em uma área de interesse social, tendo como fundamentação teórica
conceitos relativos à proposta de criação de ZEIS em área consolidada, parcelamento do solo, tipologias
habitacionais e habitação flexível evolutiva. Como produtos, os alunos desenvolvem os projetos de um
loteamento destinado a moradia social, um parque linear e a proposta de uma tipologia habitacional que possa
se adequar a um perfil familiar de baixa renda.
PALAVRAS-CHAVES: Habitação Social, Zonas Especiais de Interesse Social, Metodologia.

ABSTRACT
The creation of Special Zones of Social Interest (ZEIS) is an important instrument for the viability of access to
urbanized land by the poorest and also for the production of housing of social interest. Law No. 11,977 of 2009,
which regulated the Minha Casa Minha Vida Program, defines ZEIS as "a portion of an urban area established
by the Master Plan or defined by another municipal law, intended predominantly for the housing of low-income

1
population and subject to specific rules of installment, use and occupation of the soil ". These are areas that are
part of the urban perimeter and must have infrastructure and urban services or allow the feasibility of their
implementation. In this context, this article presents the experience of teaching the theme of housing of social
interest in the discipline of Atelier de Proyectos I of the course of Architecture and Urbanism of the Hidden
University Vila Velha / ES / Brazil, whose methodology is applied to the elaboration of integrated architecture,
urbanism and landscaping in an area of social interest, having as theoretical foundation concepts related to the
proposal to create ZEIS in a consolidated area, land subdivision, housing typologies and flexible housing
development. As products, the students develop the projects of a subdivision destined to social housing, a linear
park and the proposal of a housing typology that can be adapted to a low income family profile.
KEY WORDS: Social Housing, Special Areas of Social Interest, Methodology.

RESUMEN
El propósito de este documento La creación de Zonas Especiales de Interés Social (ZEIS) es un importante
instrumento para la viabilidad del acceso a la tierra urbanizada por los más pobres y también para la
producción de la vivienda de interés social. La Ley nº 11.977 de 2009 que reguló el Programa Mi Casa Mi Vida
define ZEIS como "parcela de área urbana instituida por el Plan Director o definida por otra ley municipal,
destinada predominantemente a la vivienda de población de baja renta y sujeta a reglas específicas de
parcelamiento, uso y ocupación del suelo ". Son zonas que integran el perímetro urbano y deben poseer
infraestructura y servicios urbanos o permitir la viabilidad de su implantación. En este contexto, este artículo
presenta la experiencia de la enseñanza de la temática de la vivienda de interés social en la disciplina de Ateliê
de Proyectos I del curso de Arquitectura y Urbanismo de la Universidad Vila Velha/ES/ Brasil, cuya metodología
se aplica a la elaboración de proyectos integrados de arquitectura, el urbanismo y el paisajismo en un área de
interés social, teniendo como fundamentación teórica conceptos relativos a la propuesta de creación de ZEIS en
área consolidada, parcelamiento del suelo, tipologías habitacionales y vivienda flexible evolutiva. Como
productos, los alumnos desarrollan los proyectos de una urbanización destinada a la vivienda social, un parque
lineal y la propuesta de una tipología habitacional que pueda adecuarse a un perfil familiar de bajos ingresos.
PALABRAS CLAVE: Vivienda Social, Zonas Especiales de Interés Social, Metodología.

1 INTRODUÇÃO
Em meio à crise urbana e habitacional que assolou o país na década de 60, em 1963, no Seminário de
Habitação e Reforma Urbana (SHRU), organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), o tema
da habitação social foi debatido amplamente por arquitetos e urbanistas, que alinhados à crise
político-social da época, formularam e publicaram a primeira proposta de uma política urbana e
habitacional no país. As recomendações do SHRU serviram de base às formulações da Política
Habitacional do BNH (Banco Nacional da Habitação) nos anos 60, Estatuto da Cidade (2001) e outros
documentos, no início do século XXI.

Em meio à crise política, social e econômica que assolou o país, o BNH foi extinto em 1986, assim
como a política habitacional do período militar. Somente a partir de 2002, o país retomou a proposta

2
de uma nova política habitacional, representado pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)
em 2009.

Como contribuição à promoção da habitação social, o Estatuto da Cidade (2001) estabeleceu, dentre
outros instrumentos, a instituição das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) destinadas à
viabilização da produção de habitação social em áreas delimitadas nos Planos Diretores Municipais
(BONDUKI, 2014, p.86).

A Lei nº 11.977 de 2009 que regulamentou o PMCMV define ZEIS como “parcela de área urbana
instituída pelo Plano Diretor ou definida por outra lei municipal, destinada predominantemente à
moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação
do solo”. Portanto, são zonas que integram o perímetro urbano e devem possuir infraestrutura e
serviços urbanos ou garantir a viabilidade de sua implantação (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2006, p.
15). As ZEIS podem ser classificadas em:

ZEIS 1: Áreas públicas ou privadas ocupadas por assentamentos precários tais como: favelas e
assemelhados, cortiços, loteamentos e conjuntos habitacionais irregulares, habitados por famílias de
baixa renda.

ZEIS 2: Áreas, terrenos e imóveis vazios, subutilizados ou não utilizados, adequados para a produção
de habitação de interesse social (HIS).

Dependendo das necessidades do município, esta classificação pode ser ampliada e alterada.

Neste contexto, a disciplina de Ateliê de Projetos Integrados em Arquitetura, Paisagismo e Urbanismo


I do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Vila Velha (UVV), localizada no estado do
Espírito Santo, tem como temática a habitação social inserida em uma área de intervenção
consolidada. Ministrada no terceiro período do curso, a metodologia para o desenvolvimento dos
projetos utiliza conceitos relativos à proposta de criação de ZEIS em área consolidada, parcelamento
do solo urbano para moradia social, tipologias habitacionais e habitação evolutiva flexível.

Como produtos, os alunos desenvolvem os projetos de um loteamento destinado à moradia social,


um parque linear integrado à área existente e a proposta de uma tipologia habitacional que possa se
adequar a um perfil familiar de baixa renda. Isso aproxima o aluno da realidade do mercado e
enfatiza a importância da prática de preparar os futuros arquitetos para atuarem em projetos em
áreas de interesse social.

3
2 METODOLOGIA
Ministrada de forma integrada por três professores arquitetos com habilidades em arquitetura,
paisagismo e urbanismo, a disciplina tem a metodologia dividida em dois bimestres. O primeiro é
destinado à fundamentação teórica e desenvolvimentos de projetos de urbanismo e paisagismo. O
segundo, destinado à temática do projeto de arquitetura de uma habitação social flexível evolutiva.

A metodologia é organizada nas seguintes etapas: fundamentação teórica sobre urbanização e


habitação social no Brasil; visita à área de intervenção; análise de parâmetros físicos-ambientais e
territoriais da área de intervenção (transformada em ZEIS); desenvolvimento de projeto de
parcelamento do solo na forma de loteamento destinado à moradia social; fundamentação teórica
sobre intervenções paisagísticas em áreas de interesse social (ênfase nos parques lineares); proposta
de projeto de um parque linear integrado ao loteamento e área do entorno; projeto de moradia
social flexível evolutiva proposta conforme perfil familiar identificado na área de intervenção (os
alunos desenvolvem três propostas para a habitação social, partindo de um módulo embrião inicial).
Todos os projetos são desenvolvidos em nível de estudo preliminar e anteprojeto.

A fundamentação teórica conceitual é destinada à abordagem histórica-conceitual sobre a temática


da habitação social e o processo de urbanização no país, com amplo recorte temporal, partindo de
1850 (Lei de Terras) à atualidade, com ênfase nas Políticas Habitacionais e tipologias de habitação de
interesse social produzidas no país.

As aulas expositivas e as referências utilizadas permitem aos alunos compreender as formas de


provisão da habitação social e assim discutir a relação entre as propostas feitas em momentos
históricos distintos e as propostas atuais. Além disso, o aporte teórico possibilita entender de que
forma a produção da habitação social foi viabilizada em seus aspectos políticos, econômicos, sociais e
urbanos.

Neste âmbito, os alunos são sensibilizados sobre o fenômeno da segregação e exclusão das
populações mais pobres do direito à moradia e à cidade e os impactos atuais no meio urbano: déficit
habitacional elevado; existência de favelas, aglomerados subnormais, autoconstrução e moradias
precárias; ocupações espontâneas, ausência de infraestrutura básica, etc. Destaca-se também o
papel importante dos arquitetos no debate da provisão da moradia e em propor novas formas de
habitação de interesse social (HIS).

4
3 A ÁREA DE INTERVENÇÃO
A área de intervenção (gleba) está localizada no bairro Porto de Santana, município de Cariacica, um
dos sete municípios que integram a da Região Metropolitana da Grande Vitória (figura 1).

Figura 1: Área de intervenção.

Fonte: GoogleMaps. Montagem dos Autores, 2019.

Os municípios mais populosos do estado do Espírito Santo e que compõem a Região Metropolitana
da Grande Vitória são os que ocupam as quatro posições mais elevadas no ranking de déficit
habitacional total do estado, que possui 74.110 famílias nesta situação. Em primeiro lugar está o
município da Serra com 15,33%, seguido de Vila Velha com 11,16 %; Vitória ocupa o terceiro lugar
com 8,55 % e Cariacica o quarto lugar com 7,70% relativo ao total do déficit estadual (IJSN, 2017).

Dados do Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) de 1985 demonstram que o município de Cariacica
passou por um processo de urbanização que englobou principalmente loteamentos, invasões e
ocupações espontâneas. Os loteamentos foram a principal forma de ocupação do solo, sendo os
primeiros registros datados de 1930. No período de 1946 a 1981 haviam 231 loteamentos
implantados no município, deste total, oitenta eram loteamentos clandestinos. Atualmente, no
município de Cariacica, ainda há famílias morando sobre palafitas às margens da Baía de Vitória
(figura 2).

5
Figura 2: Palafitas existentes próximo à área de intervenção. Foram identificadas cerca de 20 moradias nestas condições.

Fonte: Acervo dos autores, 2018.

Os loteamentos periféricos clandestinos e irregulares, as favelas e a autoconstrução representam as


formas de morar deste período para os mais pobres. Visando mitigar tais problemas, foi instituída a
Lei federal nº 6.766/79, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano.

A lei imputou responsabilidades ao loteador e ao Poder Público, ao definir parâmetros legais para o
parcelamento do solo (modalidades de loteamento e desmembramento), tais como obrigatoriedade
de infraestrutura básica, dimensões e área mínima do lote, existência de áreas livres de uso
público/equipamentos comunitários e sistema viário. Além disso, possibilitou aos municípios
regularizar os loteamentos já existentes.

A lei nº 6.766/79 foi flexibilizada pela lei nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999, que reduziu as exigências
para parcelamentos em zonas habitacionais de interesse social (ZHIS), excluindo da infraestrutura
básica a iluminação pública e a pavimentação. A alteração buscou reduzir os custos na viabilização do
parcelamento do solo para os mais pobres.

A gleba escolhida para o desenvolvimento dos projetos possui cerca de 30 mil m², é de propriedade
privada e está localizada em um bairro com vulnerabilidade social, porém com excelente interesse
paisagístico, próximo a uma Baía (mar) e a uma área de proteção permanente (mangue). Além disso,
tem forte relação com a pesca, sendo visto na região dezenas de canoas e pescadores que praticam a
pesca para subsistência e lazer (figura 3).

6
Figura 3: Vistas da área de intervenção.

Fonte: Acervo e montagem dos autores, 2019.

A região onde está inserida a gleba possui infraestrutura urbana e está inserida na malha urbana
consolidada, com acesso à transporte público e a 3km da capital Vitória. No entanto, é carente de
vitalidade e espaços públicos, com forte adensamento, com predomínio do uso residencial e
edificações de dois pavimentos.

A proposta inicial da disciplina para a gleba é a alteração do zoneamento aplicado pelo Plano Diretor
Municipal para a área, que possui alto potencial de receber um empreendimento destinado a
moradias sociais. A Zona de Ocupação Preferencial, destinada a induzir o adensamento e otimização
da infraestrutura municipal é alterada para ZEIS, com o objetivo de lidar com as carências
habitacionais do município de Cariacica.

A partir da análise de diferentes Planos Diretores da Região Metropolitana e das características locais
da vizinhança, foram definidos os índices urbanísticos a serem aplicados pelos alunos, assim como os
gabaritos e as tipologias. A análise das características da área de intervenção, em conjunto com os
condicionantes legais (Índices urbanísticos e parâmetros da legislação de parcelamento do solo)
norteiam às decisões de projeto dos alunos.

4 PROPOSTAS DE PROJETOS
A primeira proposta para a gleba é o parcelamento destinado a um loteamento para famílias de baixa
renda, ou seja, os alunos desenvolvem um projeto de loteamento, em nível de estudo preliminar,
para uma área de interesse social, seguindo as seguintes diretrizes: promoção da vitalidade urbana
através da proposta e inserção de diferentes usos (unifamiliar, multifamiliar e uso misto);

7
continuidade ao traçado viário existente, promovendo a conexão com as vias locais; adequação do
parcelamento aos condicionantes e características locais; valorização da paisagem natural e das
visuais; inserção de áreas livres de uso público que promovam a socialização; números de lotes que
permitam beneficiar o maior número de famílias possível em diferentes tipologias (casa e
apartamento). Um critério muito importante é a existência de no mínimo 20 lotes unifamiliares
destinados a abrigar as famílias que moram nas palafitas sob a Baía de Vitória.

Após a definição do projeto de loteamento é proposto o projeto paisagístico do loteamento, com a


inserção de um parque linear nos limites com o mangue e o mar. Este tipo de equipamento público
visa qualificar a área e a proposta deve promover a identidade local (a pesca), a valorização da
paisagem e espaços que promovam diferentes atividades (práticas esportivas, culturais, comerciais,
infantis, lazer, estar, contemplação, convivência social, etc).

As diretrizes englobam: pensar em um parque público, mantido e construído pelo município,


destinado a suprir a carência identificada de áreas livres de uso público destinadas ao convívio e lazer
no bairro Porto de Santana; integração do parque linear com a paisagem local e manutenção das
atividades pré-existentes (pesca).

Para o desenvolvimento das atividades os alunos são expostos a referências de projetos de parques e
praças na Grande Vitória, no país e no mundo. O enfoque é dado a projetos de intervenção em áreas
de interesse social.

A concepção dos projetos deve contemplar a especificação de arborização, paginação de pisos,


mobiliários, iluminação pública, ciclovia e equipamentos necessários ao desenvolvimento das
atividades propostas. As figuras 4 a 6 mostram as propostas de projeto dos alunos.

Figura 4: Proposta de parcelamento do solo (loteamento) e Parque linear.

Fonte: Trabalho apresentado pelos alunos Jonathan, Dayane, Estefânea e Any, 2018. Adaptado pelos autores, 2019.

8
Figura 5: Proposta de parcelamento do solo (loteamento) e Parque linear.

Fonte: Trabalho apresentado pelos alunos Filipe Marcon, Guilherme Pretti, Julio Henrique, Pedro Caffarello, Rafael Moulin, 2018.
Adaptado pelos autores, 2019.

9
Figura 6: Proposta de Parque linear integrado ao loteamento proposto.

Fonte: Trabalho apresentado pelos alunos Ana Muniz, João Ferreira, Mirella Dias, Thales H. Bastos, 2019.
Adaptado pelos autores, 2019.

Para a etapa seguinte, os alunos devem elaborar um projeto arquitetônico de uma Habitação de
Interesse Social Evolutiva (HIS-E), destinada a um perfil familiar pré-definido e localizada em um lote
unifamiliar do loteamento projetado. Define-se Habitação de Interesse Social Evolutiva a habitação
de dimensão mínima que permite modificações que acompanhem as melhorias das condições
financeiras e as necessidades de seus usuários ao longo de uma história familiar, ou seja, a condição
evolutiva da habitação pode ser identificada como a capacidade que o edifício apresenta de
acompanhar a história de uma família (MARTINS et. al, 2013).

Destaca-se, para o aluno, a importância da compreensão do conceito de flexibilidade para o


desenvolvimento do projeto da HIS-E, tomando como base a definição colocada por Martins et. al
(2013): capacidade do edifício de se adequar a um leque de necessidades específicas, além daquelas
necessidades básicas como abrigo, descanso, convívio, etc., a qual passa pela possibilidade de
transformação da edificação que, a partir do surgimento da necessidade e na presença de condições
financeiras favoráveis, pode ser modificada ou ampliada sem prejuízo da parte pronta, durante ou
após a obra.

Dessa forma, segundo os autores, a flexibilidade aplicada ao projeto da moradia é importante para
que se possa fazer alterações de arranjos espaciais e usos, sem a necessidade de grandes

10
modificações na edificação original e/ou inviabilização do uso da mesma durante a obra; e a previsão
de construção em etapas é uma forma racional de prever, no projeto, para onde e como a habitação
poderá ser modificada, seja pela criação de novos cômodos, seja pela ampliação dos já existentes
(MARTINS et. al, 2013).

As diretrizes para o desenvolvimento da proposta são:

- A habitação inicial deverá ser concebida como uma solução “embrião”, ou seja, a tipologia da
habitação inicial deverá ser uma habitação unifamiliar econômica com área total construída máxima
de 55 m². O projeto deverá ser adequado às necessidades do perfil familiar definido inicialmente;

- Na concepção do projeto da habitação embrião, deverá ser aplicado o conceito de flexibilidade para
que a habitação possa evoluir correspondendo às necessidades originadas do perfil familiar (arranjos
familiares);

- As modificações propostas deverão ser planejadas e corresponder às necessidades de evolução do


perfil familiar. As propostas de ampliações podem contemplar usos comerciais e serviços (uso misto),
uso multifamiliar (coabitação) ou manter o uso unifamiliar somente;

- Na expansão/ampliação deverão ser observados: posicionamento e preservação das áreas úmidas,


evitar demolições excessivas e privilegiar acréscimos a demolições, conexão entre setores, etc.

O aluno inicia a atividade a partir da definição do perfil familiar e o seu ciclo de vida completo.
Verificando-se uma crescente alteração no perfil tradicional e o surgimento de novos arranjos
familiares, cada equipe deve propor o perfil familiar a que atenderá, assim como o delineamento de
seu ciclo de vida, com base nos dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), onde se apresentam os diversos arranjos familiares contemporâneos.

Dessa etapa desdobra-se a elaboração do estudo preliminar, que apresenta a evolução do projeto em
suas três fases da moradia.

As figuras 7 e 8 exemplificam propostas para a habitação de interesse social a ser implantada em um


dos lotes do loteamento projetado para um perfil familiar definido pelos alunos, em função das
pesquisas realizadas. Verifica-se que a casa embrião é ampliada de acordo com as necessidades da
família. A flexibilidade do projeto permite que estas evoluções aconteçam sem que a família tenha
que deixar a moradia durante a reforma.

11
Figura 7: Proposta de habitação de interesse social flexível evolutiva.

Fonte: Trabalho apresentado pelas alunas Giulianna Sangali e Laís Callegari, 2018. Acervo da disciplina.

Figura 8: Proposta de habitação de interesse social flexível evolutiva.

Fonte: Trabalho apresentado pelos alunos Mirella Dias e Thales H. Bastos, 2019.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema da disciplina de Ateliê de Projetos I da Universidade Vila Velha é a habitação de interesse
social, proposta para uma área urbana consolidada da Região Metropolitana da Grande Vitória/ES –
RMGV, servida de infraestrutura urbana e transporte público; enfim, inserida em um contexto de
possibilidades na cidade, que permite a inserção social efetiva de seus usuários. A disciplina exercita a
transformação de uma área vazia da RMGV em ZEIS para a provisão da habitação social.

12
A criação de ZEIS é um importante instrumento para a viabilização do acesso à terra urbanizada pelos
mais pobres e também para a produção da HIS. A implementação de ZEIS pode envolver diferentes
agentes nos municípios: movimentos sociais de moradia, entidades profissionais, construtoras e
universidades.

A disciplina desperta os alunos para a reflexão sobre o contexto histórico, social, econômico, político
e urbano da provisão da moradia social no país. Além disso, desenvolve nos futuros arquitetos a
habilidade de desenvolver propostas projetuais para áreas de interesse social. Ao longo do processo
metodológico, verifica-se que os alunos buscam elaborar os projetos adequados à realidade local do
território, baseados em condicionantes físicos-ambientais-territoriais e legais levantados para a gleba,
associados às pesquisas que realizam sobre experiências e intervenções em áreas de ZEIS elaboradas
por arquitetos contemporâneos da arquitetura nacional.

A integração entre urbanismo (parcelamento do solo urbano), paisagismo (parque linear) e a


arquitetura (especificamente a habitação de interesse social) em uma área consolidada e vulnerável
socialmente, representa um desafio para os alunos, tendo em vista que precisam propor soluções
que articulem as características pré-existentes à inserção espacial de um novo loteamento e à
preservação e valorizando da paisagem local. Esse desafio é importante para a formação dos futuros
arquitetos.

5 REFERÊNCIAS
BENETTI, Pablo. Habitação Social e Cidade - Desafios Para o Ensino de Projeto. Rio de Janeiro: editora Rio
Books, 2012.
BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação social no Brasil: volume 1. 1ª edição. São Paulo: editora Unesp –
edições Sesc, 2014. 387 pag.
MARTINS, Marcele Salles; ROMANI Anicoli; MUSSI, Andréa Quadrado, FOLLE, Daiane. Projeto de
habitações flexíveis de interesse social. Revista Oculum ens. São Paulo 10 (2), julho-dezembro, 2013. Disponível
em < file:///C:/Users/andreia.muniz.UVV/Downloads/2148-4578-1-SM.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2017.
MINISTÉRIO DAS CIDADES. Guia para regulamentação e implementação de Zonas Especiais de Interesse Social –
ZEIS em Vazios Urbanos. Brasília, 2009.

13
(Re)significando a criatividade no projeto de arquitetura:
um estudo em publicações docentes
(Re)meaning the creativity in architecture project:
a study in teaching publications

(Re)significando la creatividad em el proyecto de arquitectura:


un estudio en publicaciones docentes

FERREIRA, Amanda Gabriella da Silva


Graduanda do Curso de Arquitetura e Urbanismo, UFRN, gabriellaamanda.sf@gmail.com

ELALI, Gleice Azambuja


Dra. Profa. do Curso de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN, gleiceae@gmail.com

RESUMO
Em Arquitetura e Urbanismo (AU) a formação profissional envolve a consolidação de repertórios projetuais e
implica tanto a (re)significação dos elementos/problemas derivados da realidade cotidiana quanto o cultivo da
criatividade. Essa constatação indica a importância do fomento à criatividade nos cursos brasileiros de AU,
temática que impacta diretamente no ensino-aprendizagem na área. Construído a partir de estudo
bibliográfico da produção docente neste campo, esse artigo apresenta um panorama do incentivo à
criatividade no ambiente acadêmico, focando os tipos de técnicas utilizadas pelos docentes. A pesquisa tomou
como universo as publicações nos anais dos Encontros Nacionais de Ensino de Arquitetura (ENSEA) promovidos
pela Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA) entre 2001 e 2016. Partindo da análise documental,
o texto faz um breve diagnóstico das práticas nesse campo, ilustradas por alguns casos paradigmáticos
detectados.
PALAVRAS-CHAVES: criatividade, ensino, projeto de arquitetura.

ABSTRACT
In Architecture and Urbanism (AU) professional training involves the consolidation of project backgroud and
requires the (re) signification of the elements/problems derived from everyday reality and the cultivation of
creativity. This finding shows the importance of fostering creativity in AU courses, a topic that has a direct
impact on teaching-learning in the area. Built from a bibliographical study of teaching production in this field,
this article presents an overview of the incentive to creativity in the academic environment, focusing on the
types of techniques used by teachers. The research took as a universe the publications in the proceedings of the
Encontros Nacionais de Ensino de Arquitetura (ENSEA - National Meetings of Teaching of Architecture)
promoted by the Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA - Brazilian Association of Education of
Architecture) published between 2001 and 2016. Starting from the documentary analysis, the text makes a brief
diagnosis of the practices in this field , illustrated by some paradigm cases detected.
KEYWORDS: creativity, teaching, architecture project.

RESUMEN
En la Arquitectura y Urbanismo (AU) la formación profesional implica la consolidación de repertorios
proyectivos y exige tanto la (re) significación de los elementos/problemas derivados de la realidad cotidiana

1
como el cultivo de la creatividad. Esta constatación muestra la importancia del fomento a la creatividad en los
cursos de AU, asunto que impacta directamente en la enseñanza-aprendizaje en el área. Construido a partir del
estudio bibliográfico de la producción docente en este campo, este artículo presenta un panorama del incentivo
a la creatividad en el ambiente académico, enfocando las técnicas utilizadas por los docentes. La investigación
tomó como universo las publicaciones en los los libros de actas de los Encuentros Nacionales de Enseñanza de
Arquitectura (ENSEA) promovidos por la Asociación Brasileña de Enseñanza de Arquitectura (ABEA) entre 2001 y
2016. Basándose en la análisis documental, el texto hace un breve diagnóstico de las prácticas en ese campo,
ilustradas por algunos casos paradigmáticos detectados.
PALABRAS CLAVES: creatividad, enseñanza, proyecto de arquitectura.

1 INTRODUÇÃO

Na formação profissional de arquitetos e urbanistas, o amadurecimento e o uso de repertórios


projetuais passa, necessariamente, pela (re)significação de elementos e problemas derivados da
realidade cotidiana e pelo cultivo da criatividade, entendida como habilidade essencial ao
enfrentamento destas questões. Nesse sentido, como um dos campos integrantes da chamada
“economia criativa”, a Arquitetura exige que a formação graduada impulsione o surgimento de
profissionais capazes de operar criativamente no desenvolvimento de produtos considerados
inovadores em sua área.
Controversamente, no entanto, “raramente o ensino superior de arquitetura adota práticas que
favoreçam a criatividade” (KOWALTOWSKI, BIANCHI, OETRECHE, 2009), ou seja, os métodos e
estratégias capazes de fomentar a atividade criativa são pouco trabalhados em âmbito acadêmico,
de modo que o desenvolvimento da criatividade estudantil no tratamento das questões que se
surgem em atelier é um dos desafios a serem enfrentados pelos docentes.
Essa problemática refletiu-se em um projeto de pesquisa (ELALI, 2017), cujo interesse recai sobre o
fomento da criatividade no processo projetual desenvolvido em Cursos de Arquitetura e Urbanismo
(CAUs) brasileiros que, somando-se a outros trabalhos do grupo (ELALI, 2013, 2015, 2016; ELALI,
VELOSO, 2015; ELALI, LIMA, SANTOS, 2017) articula análise de publicações docentes, entrevistas com
professores, aplicação de questionários a estudantes e visita a instituições. Como um recorte dos
resultados desta investigação, este artigo se baseia em parte das publicações docentes que discutem
a atividade criativa em ateliês de projeto de arquitetura. O texto tem como objetivo classificar e
apresentar as principais práticas de ensino identificadas, enfatizando as técnicas e recursos utilizados
pelos docentes para estimular a criatividade, os quais são ilustrados por meio de casos que se
destacaram devido a sua relevância e representatividade frente ao grupo.

2
2 MÉTODO
Este texto tem como base os artigos publicados pelo Encontro Nacional Sobre Ensino de Arquitetura
e Urbanismo (ENSEA) entre 2001 e 2016. A escolha do evento deve-se à sua importância no cenário
nacional, pois é promovido pela Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA), reunindo as
principais preocupações com o ensino de AU de CAUs brasileiros. O período contemplado deriva da
disponibilidade online do material, acessado na plataforma digital da ABEA (www.abea.org.br -
coleção: “cadernos ABEA”).

No universo delimitado foram selecionados os textos cujos títulos, resumos ou palavras-chave


contêm a palavra “criatividade”, “criação”, “criar” ou similares (criativ*), a fim de identificar-se
estratégias/técnicas para incentivo à criatividade presentes em ateliers de projeto, suas
características, modo de aplicação e principais agentes atuantes.

A definição dos elementos de análise recorreu ao referencial teórico estudado, que apontou como
aspectos mais trabalhados no fomento à atividade criativa (nesta ordem): métodos e técnicas para
incentivá-la (ALENCAR, FLEITH, 2003; BIANCHI; PAIVA; KOWALTOWSKI, 2009); busca por multi- e/ou
interdisciplinaridade (PIAGET, 1972/2001; RIQUE, NITZSCHE, 2012); qualidades do ambiente sócio
físico (CSIKSZENTMIHALYI, 1996; OLIVEIRA, 2010; PUCCIO, 2006; STENBERG, LUBART, 1991). Tal
entendimento gerou a definição de três categorias analíticas: técnica, interdisciplinaridade e
ambiente.

● Técnica: Aplicação de metodologias pedagógicas específicas, em geral elaboradas a partir


de outras técnicas e/ou conceitos e voltadas para explorar a criatividade em ambiente
didático.

● Interdisciplinaridade: Incentivo ao pluralismo e à busca por inspiração e conhecimento a


partir de outras áreas e/ou formas de expressões, usados para ampliar o repertório
estudantil.

● Ambiente: condições do contexto (social e físico) de aprendizado em que os discentes


estão inseridos, e seu papel para o desenvolvimento do potencial criativo.

Para ilustrar tais categorias foram selecionados oito artigos que se destacaram nos aspectos
investigados, os quais compuseram o corpus da análise textual detalhada.

3
3. DESCOBERTAS
No período analisado o ENSEA contabilizou 283 publicações, dentre as quais 42 (15%) traziam as
palavras procuradas (criar, criação, criativ*). A maior parte destas menções está nos resumos (38
artigos), seguidas pelo título (8) e palavras-chave (5), sendo que em 3 casos os artigos trouxeram a
informação em mais de um dos metadados considerados (Gráfico 1). Somando-se tais possibilidades
foram encontradas 54 citações do termo em estudo.

Figura 1: Gráfico de menções à criatividade nos metadados dos artigos do ENSEA

Fonte: as autoras, 2019

No tocante ao seu local de origem (Figura 2), as regiões sul e sudeste concentram a maior parte das
42 publicações – situação que não diverge da produção acadêmica brasileira em maior escala. O
norte/nordeste aparece em seguida, mas com diferença considerável quanto ao número de
participantes, enquanto o centro-oeste tem participação pontual. Observa-se a presença de apenas
uma instituição do exterior, fato esperável por tratar-se de um evento nacional.

No que se refere à autoria, apenas 05 dos 42 textos têm um só autor/a. Em termos de gênero (Figura
3) e considerando-se as coautorias, nota-se predominância de escritoras (61 mulheres e 36 homens).
Tal tendência é ainda mais evidente nos 8 textos destacados, nos quais o número de mulheres
supera o dobro da quantidade de homens (9 mulheres e 4 homens).

Esse quadro é proporcional ao que se verifica em relação aos estudantes matriculados nos CAUs
brasileiros, pois, de acordo com o Censo da Educação Superior do INEP/2016
(https://www.nexojornal.com.br/grafico/2017/12/13/G%C3%AAnero-e-ra%C3%A7a-de-estudantes-
do-ensino-superior-no-Brasil-por-curso-e-%C3%A1rea), na área de AU o número de mulheres
ultrapassa a 60% do alunado. Situação semelhante se repete no quadro docente que, segundo a

4
ABEA (http://www.abea.org.br), é composto por um número de mulheres cerca de 15% maior do
que o de homens.

Figura 2: Gráfico do local de publicação

Fonte: as autoras, 2019

Figura 3: Gráfico do quantitativo de autores por gênero (42 textos)

Fonte: as autoras, 2019

Quando consideradas as três esferas de atuação do ambiente acadêmico – ensino (genérico),


pesquisa e prática didática –nota-se que o material coletado faz mais menção ao ensino (28), seguida
da prática didática (10) e da pesquisa (4) - (Figura 4). Finalmente, os 38 textos relativos à criatividade
no ensino e em atividades didáticas foram reclassificados em função do modo de fomento à
atividade criativa neles enfatizado – técnica, interdisciplinaridade e ambiente –, sendo observada
predominância da primeira, em detrimento das demais (na ordem de aproximadamente 70%, 25% e
5%, respectivamente), conforme Figura 5.

5
Figura 4: Gráfico do tipo de atividade
30
25
20
15
10
5
0
ensino pesquisa prática didática

Fonte: as autoras, 2019.

Figura 5: Gráfico dos modos de fomento à criatividade.

Fonte: as autoras, 2019

oito textos se destacaram como especialmente ilustrativos destas categorias, dentre os quais cinco
relacionados à técnica, dois à interdisciplinaridade e apenas um ao ambiente. Em linhas gerais eles
questionam os métodos de ensino utilizados pelos CAUs, apresentam preocupação com modos de
incentivar a criatividade em sala de aula e indicam maneiras de unir o ensino à prática projetual.
Nenhum deles se referiu diretamente à pesquisa nesse campo, embora ela possa estar presente nas
entrelinhas.
Quanto às técnicas para desenvolver a criatividade dos alunos destacaram-se dois tipos de trabalho:
(i) os voltados para a aplicação de pedagogias nesse campo (PEREIRA, 2015; BARROS, 2015;
BATISTELLO, AFONSO, PEREIRA, 2013; GIROTO, 2014); (ii) a proposta de integração de componentes
curriculares (NASCIMENTO, ALBUQUERQUE, 2015).

6
O artigo de Pereira (2015) trata da aplicação de um exercício de fabricação baseado “na importância
do trabalho manual como parte do processo de projeto” (p. 64). A atividade evita os processos de
criação centrados no computador, oportuniza que os estudantes produzam protótipos interagindo
diretamente com técnicas e materiais, e promove o caráter colaborativo do processo de criação.

Defendendo a Análise Crítica Coletiva Programada (ACCP) – técnica didático-pedagógica baseada na


percepção crítica de projetos individuais ou em equipe –, Barros (2015) defende: (i) o enfrentamento
de problemas, (i) a participação ativa, crítica e criativa dos alunos e professores, e (iii) o
estabelecimento de relações menos hierárquicas entre os participantes. A atividade acontece em
sessões e, como o papel do professor é promover o exercício crítico entre estudantes, há
horizontalização do processo de aprendizagem e das relações entre docentes e discentes. Os
resultados mostram que a ACCP contribui para o aumento do referencial projetual dos alunos,
estimulando a troca de opiniões e conhecimentos, a crítica mútua e a autocrítica.

Batistello, Afonso e Pereira (2013) partem da análise de metodologias voltadas para auxiliar o
processo projetual (como os trabalhos clássicos de Ching, Clark, Pause e Unwin) para ressaltar o
papel da análise gráfica como suporte ao desenvolvimento de ideias criativas, sobretudo ao envolver
(re)desenho, verificação de ideias geratrizes, contextualização de conceitos de projetação e análise
gráfica de projetos de dificuldades intermediárias. Os autores defendem que, embora contribuam
diferentemente para a promoção e análise da produção arquitetônica, o uso destas estratégias é
fundamental para o fomento da atividade criativa.

Giroto (2014) justapõe o Design Thinking à problematização do projeto (definição de um problema e


das restrições impostas à sua solução), somando processos e técnicas enunciados pelas duas
abordagens (como análise, ideação, prototipação, brainstorming, jornada de usuários e pesquisas).
Em sua experiência pedagógica o autor trabalha exercícios que alimentam novas ideias a medida que
incentivam o debate, promovem a criação colaborativa e ampliam o background estudantil.

No tocante à integração de diferentes componentes curriculares oferecidos em um semestre


(principal pilar do Projeto Pedagógico do CAU a que se vinculam), Nascimento e Albuquerque (2015)
apresentam uma experiência que alia aulas teóricas/práticas das disciplinas envolvidas e uma viagem
de estudos (conjunta) a outra cidade. Os docentes definem as questões norteadoras das atividades e
conduzem as equipes (três alunos) na realização de percursos e na elaboração de registros
(fotográficos ou escritos). Ao final são solicitados trabalhos que devem ter caráter lúdico, interativo e

7
informativo (a ‘produção criativa’ dos estudantes) e conter os conteúdos trabalhados no semestre.
Para produzi-los os estudantes são orientados a promover interações com variadas interfaces e usar
mídias sociais e modos de apresentação diferentes dos rotineiramente trabalhados, o que resulta na
proposta de jogos, aplicativos e kits de eventos.

No que se refere ao incentivo à interdisciplinaridade como modo de inspiração e para a ampliação do


background do alunado destacaram-se os trabalhos desenvolvidos por Benedet e Oliveira (2006) e
Mesquita (2002), os quais ressaltam a influência de outros campos de conhecimento e formas de
expressão no projeto de Arquitetura, expressando sua potencialidade para incentivar o surgimento
de ideias que ampliam as referências projetuais do futuro arquiteto.

Benedet e Oliveira (2006) expõem um exercício pedagógico que motiva os estudantes a atribuírem
novos significados ao processo de concepção arquitetônica, por meio de reflexão sobre o conceito
projetual que é induzida por um filme. Para tanto, os alunos são solicitados a contextualizar um
projeto (tema livre) tendo por base as sensações que tiveram ao assistir a película, as quais são
associadas a suas experiências do dia-a-dia e a outras formas de expressão.

Fazendo uma interpretação própria da ‘Teoria da Correspondência das Artes’ de Souriau, Mesquita
(2002) sugere um método para seu uso na projetação, defendendo que ela pode se fundamentar em
outras formas de linguagens artísticas (música, dança, cinema, literatura, pintura, etc) e nas relações
entre elas. Em seu estudo o autor aplicou testes embasados na correspondência entre artes (a
exemplo do binômio música/arquitetura), solicitando que estudantes elaborassem um estudo
preliminar vinculado às sensações produzidas por percepções auditivas. Seus exercícios de
associação entre sons e formas bi ou tridimensionais, levaram os participantes a proporem cores,
materiais construtivos e sólidos geométricos, dentre outros elementos projetuais.

Finalmente, no tocante à influência do ambiente (contexto sócio físico) para o desenvolvimento do


potencial criativo do alunado, Dittmar, Carollo, Oba e Leitão (2002) relatam que a reformulação da
proposta pedagógica de um CAU resultou na proposição de diretrizes implantadas nos demais cursos
da universidade. Para incentivar a criatividade a proposta trabalhou condições consideradas
propícias ao processo criativo e que envolvem diversas alterações no ambiente (social e físico) do
curso e da instituição, tais como: exercício continuado do tentar-e-fazer, guiado por professor;
aumento da complexidade da solicitação, entendendo-se que restrições e impedimentos
proporcionam o desenvolvimento da capacidade de criar; incentivo para que as práticas de ensino-

8
aprendizagem se amparem nos pilares da técnica, teoria e prática, envolvendo atividades
colaborativas e participativas entre estudantes e professores; e busca por condições adequadas para
a realização das atividades.

A (inesperada) pouca menção ao ambiente, notadamente o físico, nos artigos analisados (isto é,
trabalhos provenientes do campo da AU), provavelmente está relacionada à indicação de Ittelson,
Proshanski, Rivlin e Winkel (1974, p. 13) refoçada por Rivlin (2003, p.218), segundo os quais “o
ambiente frequentemente opera abaixo do nível de consciência”. Ou seja, em geral as pessoas não
se conscientizam do papel do contexto nas atividades que realizam e no seu bem-estar individual e
coletivo, só se mostrando preocupadas com o ambiente “quando algo muda nele e é preciso
adaptar-se a isso”(Idem).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao apresentar dados derivados de uma análise exploratória da produção bibliográfica brasileira de


mais de uma década sobre a criatividade, o presente artigo mostra que ainda hoje ela continua a ser
considerada “novidade”, apesar do significado do tema (notadamente no campo da AU) e de haver
interesse pelo assunto e alguma produção bibliográfica sobre ele.

A maior naturalização desse tipo de preocupação nos CAUs exige a (re)estruturação e


(re)ssignificação do repertório docente com relação aos artifícios/estratégias utilizáveis nos
processos de ensino-aprendizagem de projeto arquitetônico, a articulação desse conhecimento com
a atividade em atelier e o incentivo à pesquisa na área.

A pesquisa ainda traz implícita a necessidade de reflexão acerca de uma questão de gênero, pois a
produção científica analisada mostra predominância de autoria feminina, revelando um possível
tema para investigações futuras.

Espera-se que os resultados obtidos até o momento possam, além de ajudar a compreender como é
trabalhada a criatividade no processo de ensino-aprendizagem de projeto de Arquitetura, funcionar
como norteadores para a elaboração e desenvolvimento de novas práticas didático-pedagógicas
estimuladoras do potencial criativo do alunado.

9
5 AGRADECIMENTOS

Registramos nosso agradecimento ao CNPq pela bolsa de Iniciação Científica da primeira autora e
pela bolsa de produtividade em pesquisa da segunda.

6 REFERÊNCIAS
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11
O sistema de espaços livres na constituição da forma urbana
contemporânea: grau de consolidação urbana da cidade de Passo
Fundo/RS

The system of open spaces in the constitution of contemporary urban form:


degree of urban consolidation of the city of Passo Fundo/RS

El sistema de espacios libres em la constitución de la forma urbana


contemporánea: grado de consolidación urbana de la ciudad de Passo
Fundo/RS

BASSO, Laura Campagna


Arquiteta e Urbanista (UPF), Especialista em Arquitetura de Interiores e Lighting (IMED),
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ) da
Faculdade Meridional, IMED, Campus Passo Fundo, lauracbasso@hotmail.com

RIBEIRO, Lauro André


Bacharel e Mestre em Administração (UFRGS), Doutor em Sistemas Sustentáveis de Energia
pela Universidade de Coimbra/Portugal, Docente do Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo (PPGARQ) da Faculdade Meridional, IMED, Campus Passo
Fundo, lauro.ribeiro@imed.edu.br

RESUMO
O Brasil é composto por uma grande variedade morfológica urbana. Dessa forma, este estudo tem o propósito
de contribuir, nacional e localmente, nos estudos dos sistemas de espaços livres na constituição da forma urbana
contemporânea da cidade de Passo Fundo. Em vista disso, o devido artigo tem por objetivo obter o grau de
consolidação urbana segundo análise do mapa de ocupação urbana da cidade de Passo Fundo. A metodologia
empregue foi uma técnica de geoprocessamento por meio do software QGIS, em seguida, para a análise dos
mapas, foi aplicado o método sistemático de interpretação de imagens. Desta maneira, pôde ser constatado o
caráter compacto da forma urbana da cidade, as características do sistema de espaços livres urbanos, como suas
áreas verdes significativas, corpos d’água, espaços especiais e elementos norteadores de expansão urbana. Por
fim, as manchas urbanas consolidada, em consolidação e não parceladas foram importantes para a constatação
do alto grau de consolidação urbana da cidade, aferindo Passo Fundo como um centro urbano consolidado e
com constantes espaços em consolidação.
PALAVRAS-CHAVES: Sistema de Espaços Livres, forma urbana, ocupação urbana, georreferenciamento.

ABSTRACT
Brazil is composed of a large urban morphological variety. Thus, this study aims to contribute, nationally and
locally, in the studies of free space systems in the constitution of the contemporary urban form of the city of
Passo Fundo. In view of this, the objective of this paper is to obtain the degree of urban consolidation according
to the urban occupation map of the city of Passo Fundo. The methodology used was a geoprocessing technique

1
through the QGIS software, then for the analysis of maps, the systematic method of image interpretation was
applied. In this way, it was possible to verify the compact character of the urban form of the city, the
characteristics of the system of urban free spaces, such as its significant green areas, water bodies, special spaces
and guiding elements of urban expansion. Finally, the consolidated urban spots, in consolidation and not in
installments, were important for the verification of the high degree of urban consolidation of the city, assessing
Passo Fundo as a consolidated urban center and with constant spaces in consolidation.
KEYWORDS: System of open spaces, urban form, urban occupation, georeferencing.

RESUMEN
Brasil está compuesto por una gran variedad morfológica urbana. De esta forma, este estudio tiene el propósito
de contribuir, nacional y localmente, en los estudios de los sistemas de espacios libres en la constitución de la
forma urbana contemporánea de la ciudad de Passo Fundo. En vista de ello, el debido artículo tiene por objetivo
obtener el grado de consolidación urbana según el análisis del mapa de ocupación urbana de la ciudad de Passo
Fundo. La metodología empleada fue una técnica de geoprocesamiento a través del software QGIS, a
continuación, para el análisis de los mapas, se aplicó el método sistemático de interpretación de imágenes. De
esta manera, se pudo constatar el carácter compacto de la forma urbana de la ciudad, las características del
sistema de espacios libres urbanos, como sus áreas verdes significativas, cuerpos de agua, espacios especiales y
elementos orientadores de expansión urbana. Por último, las manchas urbanas consolidada, en consolidación y
no parceladas, fueron importantes para la constatación del alto grado de consolidación urbana de la ciudad,
descubrimiento Passo Fundo como un centro urbano consolidado y con constantes espacios en consolidación.
PALABRAS CLAVE: Sistema de espacios libres, forma urbana, ocupación urbana, georreferenciación.

1 INTRODUÇÃO
O espaço urbano contemporâneo vem se transformando e desenvolvendo novos arranjos espaciais no
mundo todo (COCOZZA et al., 2014). Segundo Amorim Filho (2005), isso se deve à dispersão física,
descontinuidade urbana e desorganização territorial, fragmentada e segregada. Contudo, muitos
centros urbanos atuais apresentam uma variedade de espaços livres urbanos, tanto públicos como
privados, com um alto potencial de uso. Portanto, conforme Macedo et al. (2018), é essencial uma
avaliação conjunta dos espaços públicos e privados, para conduzir da melhor forma estudos que
abrangem a forma urbana brasileira.

Neste contexto, o Brasil é composto por uma grande variedade morfológica urbana (SILVA et al., 2014;
COCOZZA et al., 2014; MACEDO et al., 2018), que varia entre cidades planejadas a pequenos centros
espalhados pelo território nacional, marcando imensas diferenças de configurações. Por isso, nos
últimos anos, a busca por respostas acerca dos aspectos morfológicos das cidades brasileiras se
intensificou (COCOZZA et al., 2014). Em vista disso, no desenrolar do estudo da correlação do sistema
de espaços livres e a forma urbana, buscou- se o entendimento e a aplicabilidade do conceito de
espaços livres urbanos apresentado por Magnoli (1982) e Macedo et al. (2018).

De acordo com Magnoli (1982), espaços livres urbanos são aqueles que englobam todo o espaço não
construído, incluindo as áreas remanescentes da apropriação dos lotes, ruas, praças, parques e áreas

2
de preservação permanente (APP). Segundo Macedo et al. (2018, p. 14), “o Sistema de Espaços Livres
(SEL) não se define somente a partir dos seus elementos constituintes, mas também das relações entre
todos os espaços livres de edificações urbanas, independente da sua dimensão, qualificação estética
e funcional e de sua localização, sejam eles públicos ou privados”. Ou seja, Macedo et al. (2018)
presume que o sistema de espaços livres é aquele em que os espaços livres exibem relações de
conectividade e complementariedade, sendo estes planejados ou meramente implantados em um
local.

Estudos sobre o sistema de espaços livres relacionados à forma urbana brasileira têm sido realizados
por um grupo de pesquisa que reúne diversas instituições brasileiras, mas concentra seu núcleo
principal na cidade de São Paulo, por meio do Laboratório Quadro do Paisagismo no Brasil
(LABQUAPÁ), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo (FAUUSP). Assim, em
conformidade com esta linha de pesquisa, este estudo tem o propósito de contribuir, nacional e
localmente, nos estudos dos sistemas de espaços livres na constituição da forma urbana
contemporânea da cidade de Passo Fundo. Dessa forma, tem por objetivo obter o grau de consolidação
urbana segundo análise do mapa de ocupação urbana da cidade de Passo Fundo. A categoria de análise
que este estudo objetiva é utilizada para a concepção do mapa síntese, o qual demonstra que a
percepção do grau de consolidação urbana é de extrema importância para compreender os limites e
as oportunidades dos espaços livres (SILVA et al., 2014).

É importante salientar que o estudo em questão é um recorte de uma pesquisa que está em
andamento no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo da IMED,
Campus Passo Fundo.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Inicialmente, o método utilizado neste estudo foi uma técnica de geoprocessamento, mediante o uso
de um Sistema de Informações Geográficas (SIG). Neste caso, o software utilizado foi o QGIS, o qual
dispõe de um código aberto e é uma ferramenta que permite criar, visualizar e analisar mapas e dados.
No sistema operacional QGIS, para o estudo da ocupação urbana da cidade de Passo Fundo, foi levado
em consideração a malha urbana atual da cidade por meio do Plugin QuickMapServices, compatível
com a interface gráfica do programa. Neste, o acesso foi feito pela ferramenta Google Satellite (EPUSP,
2015).

3
Para que houvesse êxito na identificação das áreas livres, foi feito uso do Sistema de Referência
Geocêntrico para as Américas, o SIRGAS 2000 e foi adotado o UTM (Universal Transversa de Mercator)
zona 22S (Sul), como coordenada ortogonal, pois é nesta em que a cidade de Passo Fundo se situa
(EPUSP, 2015). Assim, a avaliação por meio de arquivos georeferenciados pôde ser realizada a partir
do método sistemático de interpretação de imagens (Moreira, 2005), ou seja, foi por meio do recurso
da fotointerpretação via satélite foi possível identificar as atuais condições de quadras e/ou espaços
da cidade de Passo Fundo, considerando as classificações descritas por Macedo et al (2018) como:
consolidadas, em consolidação e não parceladas.

Por fim, no processo de classificação e criação dos mapas, utilizou-se recursos previamente
estabelecidos. Um deles foi o uso de cores, o qual foi levado em consideração o padrão de cores
utilizado pelo grupo de pesquisa QUAPÁ-SEL, o qual já desenvolve estudos sobre a forma urbana das
cidades brasileiras desde 2005 e, por isso, possui um vasto acervo de estudos teórico-metodológico
nesta linha de pesquisa. Segundo o grupo, as cores utilizadas em seus estudos estão diretamente
correlacionadas com as informações transmitidas, ou seja, o emprego de cores escuras identifica as
áreas de ocupação mais densas e o emprego de cores mais claras caracterizam as áreas com menor ou
nenhuma construção.

A área de estudo

A cidade de Passo Fundo, localizada no norte do Estado do Rio Grande do Sul (Figura 1), é a área de
estudo desta pesquisa. O município se destaca regionalmente e no seu Estado pelo importante papel
econômico, cultural e social que desempenha. Atualmente, conta com uma população total de 201.767
habitantes, sendo considerada uma cidade bastante populosa, uma vez que seu território abrange
783,431 km² e o município concentra 97% da sua população em área urbana (FERRETTO, 2011; IBGE,
2019).

Figura 1. Localização geográfica da cidade de Passo Fundo e sua malha urbana.

4
Fonte: Autores (2019), segundo imagens online e QGIS.

Neste universo, notou-se que não há estudos que expõe uma análise sobre o grau de consolidação
urbana segundo o sistema de espaços livres, ou seja, como aspectos fundiários (consolidado, em
consolidação e não parcelado) que constituem a forma urbana da cidade de Passo Fundo. Portanto,
concebeu-se este, como centro de estudo deste artigo e de estudos futuros que irão ser realizados.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dado que “a cidade brasileira não tem uma forma padrão e esse fato pode ser constatado
primeiramente pela forma da sua mancha urbana e da inserção desta no suporte físico, que
configuram, somente por estes quesitos, paisagens diferentes” (MACEDO et al, 2018, p. 21), a forma
urbana da cidade de Passo Fundo se apresenta em uma mancha urbana tentacular, ou seja, àquela
descrita por Macedo et al. (2018, p. 21) como estruturada “por um núcleo central, compacto do qual
irradiam braços de urbanização ao longo de eixos viários ou corpos d’água”.

Partindo dessa classificação e considerando as pressões sobre o crescimento populacional, pressupõe-


se que, a mancha urbana de Passo Fundo poderá atingir a característica de uma mancha urbana
compacta, pois conforme afirma Macedo et al. (2018) as cidades de crescimento antigo que contém
sua origem em qualquer forma, inclusive a forma tentacular, com seu constante crescimento pode
tomar uma forma compacta e contínua.

Por isso, a partir da definição da sua mancha urbana, é possível afirmar que Passo Fundo contém um
sistema de espaços livres inserido em uma mancha urbana compacta (Figura 2). Apesar da cidade
conter elementos naturais dispersos, como coberturas verdes de porte como bosques, rodovias,
ferrovias e lagoas, estes não assumem um papel limitador do espaço urbano, se mantendo apenas

5
com obstáculos de suporte físico modestos. Por esta razão a mancha urbana da cidade não pode ser
considerada como descontinuada.
Figura 2. Mapa de ocupação urbana da cidade de Passo Fundo.

Fonte: Autores (2019) segundo QGIS.

Este modelo compacto pode apresentar a extrapolação de barreiras físicas, a exemplo da erradicação
e/ou drenagem de áreas alagadiças e canalização do curso natural de rios, o que, geralmente, é
transformado em áreas pavimentadas, condenando a cidade a ganhar extensas áreas impermeáveis,
ou seja, tendo sua mancha urbana alterada por meios técnicos. Entretanto, manchas urbanas
compactas não extensas são tidas como facilitadoras para o acesso aos moradores ao sistema de
espaços livres interligados à área urbana da cidade, pois estão diretamente atrelados a forma e a
dimensão da cidade, apresentando um caminho fácil e não demorado para os moradores alcançarem
campos e bosques que a circundam (MACEDO et al., 2018). Questões como estas estão claramente
vinculadas ao sistema de espaços livres de Passo Fundo e constituem a sua caracterização municipal.

Características do sistema

Os tipos de cobertura do solo foram mapeados com objetivo de contribuir para a caracterização da
mancha urbana da cidade. A identificação dessas coberturas (corpos d’água, cemitérios, praças e
canteiros centrais, parques, unidades de conservação e fragmentos arbóreos significativos) revelam
diferentes potencialidades, como por exemplo: ao identificar as densas coberturas arbóreas identifica-

6
se um potencial microclimático; ao mapear campos abertos verifica-se um potencial de uso; ao mapear
os cursos d’água e as reservas de mata ciliar percebe-se o potencial de adequação ambiental.
Nesse sentido, diante da mancha urbana verde constatada no mapa de ocupação (Figura 2), a
composição de árvores urbanas se torna um ponto importante de ser analisado. Dado que, a
caracterização da distribuição de cobertura vegetal urbana contribui tanto no valor estético, quanto
na modificação do clima da cidade, possibilitando o desenvolvimento de estratégias que mitiguem
ilhas de calor urbanas (AKBARI, 2002).

O sistema de espaços livres de convívio e lazer conta com importantes áreas da cidade, a exemplo do
Parque da Gare; Parque Banhado da Vergueiro; Parque Linear do Sétimo Céu; Corredor verde da
Avenida Brasil (principal avenida da cidade); as principais praças da cidade: Praça Marechal Floriano,
Praça Tochetto, Praça Tamandaré, Praça Antônio Xavier e Praça Capitão Jovino; e, a Universidade de
Passo Fundo, a qual concentra uma significativa área verde e aberta ao lazer público da cidade. Espaços
de áreas verdes importantes que estão inseridos na malha urbana da cidade são o Bairro Lucas Araújo,
mais conhecido pelos munícipes como Bosque, concentrando a maior área de preservação
permanente (APP) integrada à malha urbana. Esta área corresponde hoje a 0,19km² de Mata Atlântica,
situada na porção sul da cidade (Figura 3 e Figura 4). Outra área verde em destaque é composta pela
maior quantidade de vegetação várzea urbana da cidade, abrangendo 0,85km², concentrada próxima
ao Bairro Zacchia, lado noroeste da cidade (Figura 5 e Figura 6) (DIÁRIO DA MANHÃ,2018).

Figura 3. Recorte do mapa de ocupação urbana do Bairro Figura 5. Recorte do mapa de ocupação urbana do Bairro
Lucas Araújo. Zacchia.

Fonte: Autores, 2019. Fonte: Autores, 2019.

7
Figura 4. Recorte de imagem de satélite do Bairro Lucas Figura 6. Recorte de imagem de satélite do Bairro
Araújo. Zacchia.

Fonte: Google Satellite, 2019. Fonte: Google Satellite, 2019.

Os Espaços livres de uso especial, como por exemplo os cemitérios, são destacados no mapa por
obterem um carácter permanente na cidade (SILVA et al., 2014). Neste contexto, as áreas do exército
também se caracterizam nesta condição especial, porém, não foram diferenciadas no mapa, pois, se
tratando do contexto, a transformação do uso e conexão com outros setores da cidade já
aconteceram, por isso estas áreas hoje encontram-se públicas ou semi-públicas em Passo Fundo.

Há de considerar outros elementos e situações que a constituem, como: presença dos demais
fragmentos arbóreos significativos destacados no mapa de ocupação (Figura 2); presença de lagoas e
cursos d’água (constituído principalmente pelo Rio Passo Fundo e o Arroio Santo Antônio); e, constata-
se a escassa presença de mata ciliar às margens dos rios. Isto posto, é indiscutível que todos os espaços
anteriormente apontados auxiliam na concepção da forma urbana da cidade de Passo Fundo, contudo,
conforme o objetivo deste artigo, destaca-se como foco de estudo a malha urbana não parcelada, em
consolidação e consolidada.

Por isso, de modo a quantificar o grau de consolidação urbana de Passo Fundo, foi considerada como
não parcelada toda área externa à mancha urbana, ou seja, se hoje a cidade de Passo Fundo contém
783,431 km², a malha urbana consiste em aproximadamente 41,0 km², ocupando apenas 5% do
território total (Figura 7).

Figura 7. Quantidade em metros quadrados de ocupação territorial de Passo Fundo.

8
Fonte: Autores (2019).

Em vista disso, a malha urbana de Passo Fundo, representada pelos 5%, é constituída de 90% de malha
urbana consolidada (37 km²) e, apenas, 10% em consolidação (4 km²) (Figura 8).

Figura 8. Quantidade em metros quadrados de ocupação urbana de Passo Fundo.

Fonte: Autores (2019).

É notório, tanto em forma gráfica no mapa (Figura 2) quanto em forma quantitativa (Figura 8) a grande
presença de área consolidada no município. Por isso, é possível considerar que a mancha urbana

9
consolidada é a principal responsável pela caracterização da forma urbana atual de Passo Fundo, mas
não menos importante do que as demais mencionadas no decorrer deste artigo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerar que o Brasil apresenta uma grande diversidade morfológica, como mencionado no início
deste estudo, foi preciso considerar o contexto do lugar adotado como área de estudo. Em vista disso,
pode ser constatada a forma urbana da cidade de caráter compacto, características do sistema de
espaços livres urbanos, a exemplo das áreas verdes significativas, corpos d’água, espaços especiais e
elementos norteadores de expansão urbana.

Além disso, as manchas urbanas consolidada, em consolidação e não parceladas, completam o mapa
síntese apresentado na Figura 2 e foram importantes para a constatação do grau de consolidação
urbana da cidade. Em vista disso, foi classificada a malha urbana de Passo Fundo como contendo um
alto o grau de consolidação urbana.

Portanto, a partir dos processos de desenvolvimento do mapa síntese, suas categorias de análise e
definição do grau de consolidação urbana de Passo Fundo, foi percebido a favorável condição de
expansão territorial urbana a favor da cidade, uma vez que a malha urbana ocupa uma pequena
porcentagem diante da vasta territorialidade munícipe. Por isso, Passo Fundo encontra-se com um
núcleo urbano consolidado e em constantes espaços em consolidação, confirmando o crescimento do
espaço urbano contemporâneo no Brasil.

É esperado que o estudo até aqui abordado contribua na construção de premissas e critérios de ações
que buscam avançar na discussão da forma urbana e no de Espaços Livres das cidades brasileiras.

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11
Reinterpretación del paisaje a partir del espacio hodológico en
Lazareto: conflictos y posibilidades de los caminos.
PROJETAR 2019

Reinterpretação da paisagem a partir do espaço hodologico em Lazareto:


conflitos e possibilidades dos caminhos.
PROJETAR 2019

MARTINEZ, M., María Eugenia


Arquitecta Urbanista, Doctoranda en Arquitectura y Urbanismo (UnB), Docente colaboradora en el
Laboratorio Real (UAJMS) Bolivia. me.martinez.mansilla@gmail.com

RESUMEN
Lazareto, una comunidad emplazada sobre la Reserva Biológica Cordillera de Sama en la ciudad de Tarija-
Bolivia, guarda una entrañable memoria colectiva por los acontecimientos marcados en la historia que hoy se
resumen en la vivencia de fe y devoción de centenares de peregrinos hacia los manantiales de agua pura, fresca
y sanadora. Aunque el lugar tiene magia, todavía no cuenta con un reconocimiento del paisaje, el acervo
popular de las fiestas tradicionales marcan una huella difícil de borrar en el imaginario social, pero que
actualmente se ve amenazada por conflictos urbanos. El problema acontece con una inadvertida “identidad
artificial” que se introduce en medio del paraje natural. La discusión gira en torno a la interpretación del
espacio hodológico del paisaje, que no debe ser percibido como un hecho estático y lineal, más bien debe estar
relacionado con los umbrales y lugares de transición, escenario propicio para el ejercicio del Laboratorio Real
como proyecto de extensión universitaria. El objeto de este estudio de caso, es marcar los elementos
característicos para determinar lo que aquel sitio es y lo que podría llegar a ser, para comprender las
posibilidades del fenómeno de detención en un lugar que pocas veces es advertido en su real dimensión, esencia
y carácter, porque cuando el hombre comprende su relación con la naturaleza, interioriza el significado del
espacio y redescubre su espíritu, para que el lugar pueda definirse como un lugar de identidad, de historia con
una percepción pura a la que se agrega cultura y experiencia liminar.

PALABRAS CLAVE: Paisaje, conflictos urbanos, hodología, camino, Lazareto.

RESUMO
Lazareto, uma comunidade localizada na Reserva Biológica da Cordilheira de Sama, na cidade de Tarija –
Bolivia, tem uma memória coletiva íntima dos eventos marcados na história que são resumidos hoje na
experiência de fé e devoção de centenas de peregrinos às nascentes de água pura, fresca e curativa. Embora o
local seja mágico, ainda não reconhece a paisagem, o patrimônio popular dos festivais tradicionais deixa uma
marca difícil de apagar no imaginário social, mas atualmente ameaçado por conflitos urbanos. O problema
ocorre com uma "identidade artificial" inadvertida que é introduzida no meio da paisagem natural. A discussão
gira em torno da interpretação do espaço hodológico da paisagem, que não deve ser percebido como um fato
estático e linear, mas deve estar relacionado aos limiares e locais de transição, cenário propício ao exercício do
Laboratório Real como projeto de Extensão Universitária. O objetivo deste estudo de caso é marcar os

1
elementos característicos para determinar o que é esse local e o que poderia ser, para entender as
possibilidades do fenômeno de detenção em um local que raramente é percebido em sua real dimensão,
essência e caráter, porque quando o homem entende sua relação com a natureza, ele internaliza o significado
do espaço e redescobre seu espírito, para que o lugar possa ser definido como um lugar de identidade, de
história com uma pura percepção à qual cultura e experiência limiar são agregadas.

PALAVRAS CHAVE: Paisagem, conflitos urbanos, hodologia, caminho, Lazareto.

ABSTRACT
Lazareto, a community located on the Biological Reserve of Sama Mountain range in Tarija, city of Bolivia, has
an intimate collective memory for the events marked in history that are summarized today in the experience of
faith and devotion of hundreds of pilgrims to the springs of pure, fresh and healing water. Although the place
has magic, it still does not have a recognition of the landscape, the popular heritage of traditional festivals
make a difficult mark to erase in the social imaginary, but which is currently threatened by urban conflicts. The
problem occurs with an inadvertent "artificial identity" that is introduced in the middle of the natural landscape.
The discussion revolves around the interpretation of the landscape's hodological space, which should not be
perceived as a static and linear fact, but rather should be related to the thresholds and places of transition, a
scenario conducive to the exercise of the Real Laboratory as a project of College extension. The purpose of this
case study is to mark the characteristic elements to determine what that site is and what it could be, to
understand the possibilities of the detention phenomenon in a place that is rarely noticed in its real dimension,
essence and character, because when man understands his relationship with nature, he internalizes the
meaning of space and rediscovers his spirit, so that the place can be defined as a place of identity, of history
with a pure perception to which culture and experience are added to limit.

KEY WORDS: Landscape, urban conflicts, hodology, road, Lazareto.

1 INTRODUCCIÓN
Lazareto, una locación ubicada al lado oeste de la mancha urbana de la ciudad de Tarija, emplazada
sobre la Reserva Biológica de la Cordillera de Sama, sitio donde los afluentes de agua alimentan el
embalse San Jacinto, que irriga a 3.000 ha. de tierras cultivables, el Proyecto Múltiple cumplía el
objetivo de generar energía eléctrica y ser un polo turístico. La zona cumple entonces el servicio
ambiental de abastecimiento de agua, siendo imprescindible e indiscutible la preservación de su
ecosistema. En su condición de área protegida, entre las 60 áreas protegidas en Bolivia, que ocupan
el 16,63% del territorio Nacional Boliviano, según el SERNAP1, la Reserva Biológica Cordillera de
Sama2, a su vez se desprende de la cadena montañosa de la Cordillera de los Andes (Figura 1),

1 Servicio Nacional de Areas Protegidas, institución del Estado Plurinacional de Bolivia, encargada de salvaguardar las áreas
protegidas del país.
2 Se encuentra ubicada en la región oeste del Departamento de Tarija. Los municipios involucrados son Yunchará, Méndez y

Cercado. Fisiográficamente ocupa la región de la cordillera oriental sur (Cordillera de Sama), caracterizándose por su
topografía de abruptas pendientes, mesetas y lagunas altoandinas.

2
teniendo en Bolivia 66 de los 112 ecosistemas existentes en todo el mundo. Hoy en día la zona, se ha
convertido en lienzo, por su naturaleza, para desdibujar diversos conflictos de orden territorial que
afectan severamente el paisaje como atributo natural.

Figura 1: Región montañosa de la Cordillera de los Andes en Bolivia y


Ubicación de la Reserva Biológica de la Cordillera de Sama en Tarija.

Fuente: Licenciado en CC BY-AS3

A efectos de comprender el contraste que se vive en la zona por diferentes conflictos que acontecen,
se enuncian los principios y funciones de las áreas protegidas según la normativa boliviana. Las áreas
protegidas:

• Mantienen el aire puro, ya que los bosques son los mayores productores de oxígeno y
retenedores de carbono.
• Regulan el clima (temperatura, lluvia, radiación solar, humedad).
• Mantienen la fertilidad de nuestros suelos.

3 https://es.wikipedia.org/wiki/Geograf%C3%ADa_de_Bolivia

3
• Disponemos de agua potable, que para producirse requiere de ecosistemas diversos, desde
montañas y océanos, hasta bosques y desiertos.
• Aportan a la medicina con productos que sirven para curar distintas enfermedades.
• Generan divisas para el país y aumentan nuestros ingresos a través del ecoturismo.
• Disminuyen procesos erosivos de nuestros suelos.
• Como cabeceras de cuencas, captan y producen agua para el campo y las ciudades.
• Ayudan a evitar inundaciones y sequías regulando la producción de agua.
• Controlan de manera natural las plagas que amenazan a los cultivos.
• Proporcionan alimentos tanto vegetales como animales.
• Mantienen la diversidad biológica, es decir la variedad de especies de animales, plantas,
ecosistemas y recursos genéticos.
• Son territorios que tienen una gran importancia social y cultural, pues en ellos habitan los
diferentes grupos étnicos.
• Tenemos espacios de recreación y bellos paisajes.
• Cuidamos las poblaciones de animales y plantas al mantener los espacios en que viven.

Será entonces que basta únicamente ésta declaración para el desarrollo urbano y rural en estos
lugares? O será que se trata solo de un punto de partida, desnudando su carente situación, pues el
paisaje es esencial sin que esté demarcado en límites y es atemporal, puede ser instantáneo o
duradero [Simmel (2009)]. Teniendo por un lado la noción de un área a preservar, surge la siguiente
cuestión, cómo se puede resignificar el paisaje? reinterpretarlo? no podremos tener una visión del
paisaje si disociamos a la naturaleza de la cultura [Moore (2017)].
En la comunidad de Lazareto se aprecia una particular belleza escénica natural (ver figura 2), como
un valor de paisaje, donde inclusive el sentimiento del observador puede sugerir el paisaje, en una
constante transformación de la imagen, que la interiorizamos, acontece en nuestro ser, nos hace
vivir un sentimiento, una representación única de nuestra percepción de paisaje [Simmel (2009)].

Figura. 2. Belleza escénica como valor paisajístico en Tarija

4
Fuente: Autora, 2017

La geomorfologia es otro atributo que modela la vida y tiempo que transcurre, su evolución está
determinada e incumbe a nosotros interpretar y reinterpretar nuestras respuestas a partir de la
forma [Norberg (1979)]. En la zona, el suelo tiene una vocación potencial forestal, según [INIBREH
(2007)] y en su mayoría también están definidos por el uso actual de la tierra y sus múltiples
relaciones entre la sociedad y la naturaleza. Entre las actividades sociales y de carácter cultural más
destacadas en la zona, está la celebración de la novena de San Roque, el Santo Patrono de la Fiesta
Grande de Tarija con la peregrinación de los chunchos4 en el mes de agosto, la devoción y fe de los
promesantes junto a una feria rural, aglutina a visitantes y propios del lugar y guarda la memoria
histórica de las misiones católicas franciscanas que ordenaron la construcción del Hospital para
leprosos en una locación próxima a las nacientes de agua. Hoy en día se encuentran ruinas del
Complejo de Lazareto, mas la Capilla de los Lazarientos nos acoge en la festividad religiosa en torno a
la naturaleza (Figura 3).
Si el paisaje refleja la realidad ambiental de cada lugar, al tiempo que compendia la historia del
proceso antrópico que en él se haya podido desarrollar, se hace prevalente redefinir la importancia y
peso que representa la denominación de paisaje cultural, un reflejo de como el ser humano acuñó al
paisaje natural y viceversa en el transcurso del tiempo, permitiéndonos así, una visión amplia y
holística de un contexto y espacio cultural – natural – histórico [Kaiser (2016)].

4Denominación a los promesantes de la Fiesta Grande de Tarija, que bailan con una indumentaria especial que les cubre el
rostro y portan un turbante de plumas y flecha.

5
Figura 3: Fiesta tradicional de Lazareto en la capilla antigua de Lazareto

Fuente: Gabriela Jeréz, 2016

Según el Programa de las Naciones Unidas5 [UNESCO (2006)], señala que el término paisaje tiene
diferentes significados. Suele dársele una connotación artística: pintura o dibujo que representa
cierta extensión de terreno considerada en su aspecto artístico. Otros significados son más técnicos y
precisos, sistema territorial tomado por componentes y complejos de diferente rango tomados bajo
la influencia de los procesos naturales y de la actividad modificadora de la sociedad humana en
permanente interacción y desarrollo.
La ciudad como objeto de pensamiento y experiencia es un tema complejo y diverso [De Juan
(2003)]. Y aunque la ciudad sea considerada como una variable independiente, tiene los aspectos
sociales, económicos y políticos como pilares de la historia urbana, por eso los conflictos que se
encuentran en el lugar como cortes de talud en los abanicos aluviales, cambio de uso de suelo,
pérdida de áreas forestales y agrícolas para la producción, incompatibilidad de usos y ocupación del
suelo con criaderos y granjas de pollos, construcción de tipologías arquitectónicas que no respetan el
entorno natural, especulación inmobiliaria, lotes baldíos, falta de saneamiento de la infraestructura
básica, inadecuada movilidad urbana e inseguridad, representan esa complejidad.
Según Tapia y Alves (2016), estas consideraciones con el pasar del tiempo y sobre todo hoy en día al
contemporizar, se adapta en el medio un conformismo generalizado, el hombre se queda en la
banalización y ambivalencia, se regocija en una cultura reprogramada y se consuela en el consumo y
el desecho del paisaje, aunque la tendencia deba partir de la experiencia entre arte-hombre-paisaje.

5 Volumen sobre la Gestión de Paisajes Culturales.

6
Así mismo, para comprender esta dimensión, se expone una diferencia entre límite y liminar que
pertenece al orden del espacio, paisaje y tiempo y es una zona menos definida, evocando a
considerar un "entre", aspecto que en nuestro tiempo hemos perdido.
El paisaje no es lineal, ni estático, ni insípido, para pasar de largo por el paisaje sabe a memoria
colectiva y recoge la historia del pasado para situar en el presente toda su plenitud. Otro autor
filósofo, Del Pozo (2009), afirma que el paisaje, aunque se relaciona prioritariamente con los valores
racionales y estéticos, involucra también los otros dos grupos de valores, los éticos y los sociales, por
lo que se configura como un ámbito de la realidad en el que se proyectan las diversas dimensiones
de la experiencia humana.

2 CONFLICTOS TERRITORIALES

Con la descripción del contexto y exponiendo la zona con sus atributos, queda abordar las principales
problemáticas del día a día que se vive en torno a un elemento conector y constitutivo para la
presente discusión, el “camino” que comunica el área urbana de la ciudad con la comunidad de
Lazareto donde se evidencian conflitos de orden territorial.

El primero de ellos, en torno al paisaje. La imagen urbana de la zona, es muy precaria, devela el
desorden y caos por la ausencia de regulación en la construcción de viviendas que no corresponde a
la tipología del área rural y de hacienda, sobre la principal vía de acceso, se construyen casas en su
mayoría de dos a tres niveles de altura, con materiales de ladrillo y en la planta baja para habilitar los
comedores de fin de semana se colocan persianas de hierro galvanizado troquelado con enormes
publicidades de las bebidas que patrocinan el comedor. En la planta alta se disponen las habitaciones
donde generalmente se extiende voladizos de hasta 1,50mt hacia la vía, invadiendo la propiedad
municipal y el espacio público, las construcciones no cuentan con revoques exteriores y se exponen
los muros vistos de ladrillo y estructura de hormigón. Se confunde entre la escasa señalización y
mobiliario urbano, postes de energía eléctrica entre otros elementos. Ese es el “image” que se tiene
en la zona, durante el recorrido hacia Lazareto delante de la imponente belleza escénica del sitio
(Figura 4).
Como Paez (2010) señala, “si un lugar puede definirse como lugar de identidad, relacional e histórico,
un espacio que no puede definirse ni como espacio de identidad ni como relacional ni como
histórico, definirá un no lugar…” estos resultan espacios o agujeros negros del urbanismo capitalista

7
tardío. Añadido a ésto, se intuye que el trasfondo que envuelve esta problemática, obedece a la
especulación inmobiliaria, un mercado negro de tierras que parere ser el modus operandi adquirido
en el que la persona que no construye su casa, no adquiere el derecho a su vivienda. Sucede con
frecuencia que muchas de estas construcciones, sólo representan oportunidad de engorde 6 una
forma egoísta de ver, construir y vivir en la ciudad, pues sólo obedece a los intereses particulares y
no así al bien colectivo.

Figura 4: Imagen urbana y paisaje artificial sobre el caminho a Lazareto

Fuente: Mechtild Kaiser, RealLab 2018.

En segundo orden, sobre el medio ambiente. La falta de saneamiento básico, como una consecuencia
de la descontrolada urbanización y consolidación difusa, provoca efectos ambientales en todos sus
atributos y recursos naturales, es una grave amenaza contra la salud y vida de las personas. El área
rural por su naturaleza y vocación provee la canasta alimentaria a la ciudad, en ese sentido merma la
producción cuando se percibe la escasez de agua incluso para el consumo diario, pues se interrumpe
la escorrentía natural de aguas y no se cuenta con el sistema de desagüe de aguas grises. La falta de
tratamiento de éstas aguas también agudiza el problema. (Figura 5).

6Terrenos de engorde, hace referencia a la plusvalía que adquiere el predio con el paso del tiempo y acceso a los servicios
básicos e infraestructura y queda por lo general para el adquiriente del bien inmueble. No se cuenta en Bolivia com uma ley
de reparto de cargas y benefícios.

8
Figura 5: Contaminación ambiental por falta de infraestructura básica en una vivienda

Fuente: Mechtild Kaiser, RealLab 2018.

En tercer orden, sobre la movilidad. Es muy común que en las áreas rurales no se comprenda el
concepto de movilidad urbana, por cuanto no funciona un sistema que garantize el desplazamiento
de las personas, ni mucho menos se tenga identificado al espacio público como parte vital de uso y
disfrute del pedestre. Esa realidad estará latente entre tanto no se sensibilice con los comunarios la
importancia de ambos conceptos. El problema visible en la zona es tan evidente que amenaza la
seguridad del peatón porque a lo largo de la vía, no se encuentran habilitadas las aceras ni accesos
peatonales. Según estabelece la norma vigente, se tiene definido un perfil de vía de 50mt. de ancho,
por el cual se tiene un flujo vehicular importante que se acrecenta especialmente durante los fines
de semana. Los diferentes tipos de vehículos sobre la vía son de transporte público (taxi trufis,
micros), camiones de carga, vehículos particulares e incluso se a podido evidenciar en unas jornadas
especiales de paseo y visitas de campo en bicicletas, también por la vía se encuentra el tráfico de
animales (sobre todo vacas), sumado a eso las personas y niños que se dirigen a su unidad educativa
o viviendas. Todos ellos eventualmente utilizan y circulan al mismo tiempo en ese mismo espacio. Se
tiene registrado una cifra de 16 accidentes de tránsito durante el año 2016 que ha cobrado vidas, la
causa principal según relatan las personas que viven en la zona, es por el exceso de velocidad y
conductores en estado de ebriedad.

9
Figura 6: Falta de accesibilidad peatonal y seguridad vial.

Fuente: Mechtild Kaiser, RealLab 2018.

En esta descripción se refleja los principales conflictos de orden territorial y urbano en la zona de
Lazareto, todos de importancia porque con una adecuada gestión y atención pueden
significativamente revertir la situación, pero el principal motivo que provoca ésta reflexión gira en
torno al paisaje, porque es el primer aspecto que resulta a la vista de todos y que posibilita un
abanico de oportunidades bien aprovechadas serán de gran beneficio para los comunarios y turistas.
En en primera instancia reconocer que existe un trayecto para llegar a Lazareto, una transición, una
posibilidad para reconocer al paisaje no de froma lineal, como antes ya se ha mencionado sino para
percibir que a través del movimiento y espacio en la vía, nos permite llegar a él.

3 EL ESPACIO HODOLÓGICO, UN CAMINO


A través de una interpretación deductiva que expone los diferentes conflitos suscitados en torno a un
espacio vivido, se considera al “camino” como el espacio hodológico y escenario para redefinir y
reinterpretar el concepto del paisaje, pues las mayores dificultades derivan de los múltiples factores,
sujetos y componentes que interectúan en él, desentrañar e identificar sus rasgos más característicos
donde cada persona construye su propia percepción, puede diferenciar el espacio real para su
permanencia.

10
El camino a Lazareto, por sí mismo se constituye en el lugar que evoca y provoca la construcción de
nuevas condiciones y relaciones entre el espacio, paisaje y tiempo. Tapia y Alves (2016) consideran a
la hodología, como un viejo término que conserva los fundamentos que podrían reactivar la vitalidad
del paisaje como argumento de nuestro tiempo. La hodología, es considerada como ciencia del
estudio de los caminos y que al considerarla en el estudio del paisaje puede llegar hasta la
objetividad en la Convención Europea del Paisaje. Los autores sugieren una interpretación del paisaje
a partir de tres momentos clave, de una furtiva ascensión, una flexible acumulación y virtual
espacialización del paisaje. Cada uno de ellos refieren lo siguiente:
1. "Ascensión" encuentro con la naturaleza. Psicología de la forma o Gestalt 7, nuestras
percepciones son reconstrucciones mentales, imaginarios a elegir.
2. "Acumulación" del monumento al movimiento que se percibe a través de tres técnicas:
mutación, flujo y desorden. Implícitamente esto significa comprender el movimiento en
acción considerando la dimensión de ciudad y sus cuerpos, con límites.
3. "Espacialización" lo imaginario y lo real con un matiz propositivo. Provoca desplazamientos
en relación a la construcción del paisaje en consciencia y construcción del paisaje de la
ciudad. Esta última acoge la propia condición del espacio, la relación.

Deberíamos en este momento hacer una sobreposición o cruzamento entre los conflictos
territoriales sobre la vía y los principios de la hodología, pues generalmente tenemos concebida una
idea conceptual del paisaje según los principios declarados por la Unesco, la Convención Europea del
Paisaje y otras perspectivas que hacen referencia diversos autores en sus investigaciones, pero un
desafío importante es que podamos introducir otra interpretación, ese espacio que existe entre los
lugares, lo liminar. Es decir, se tiene por un lado el área urbana de la ciudad y por otro la comunidad
de Lazareto, entre estos dos lugares se encuentra la vía comunica a ambos, separa y une al mismo
tiempo, sobre este camino se presentan diferentes conflitos y acontecen en esa transición. Hallar el
camino, es el mecanismo de la hodología, aquello que une distintos polos no lineales [Tapia y Alves
(2016)].Así se expresa claramente que nosotro abolimos los pasajes y los ritos de los pasajes: ritos de
separación, de agregación, ritos de margen, de lo liminar, de transfomación, ritos que permiten dejar
un territorio estable y adentrarse en otro lugar, otro paisaje.

7 El termino Gestalt, figura o forma o configuracion, proviene del aleman. Puede referirse a uma escuela teórica y
experimental que se dedica al estúdio de la percepcion y de su relacion com el linguaje y la cultura.

11
4 CONCLUSIONES - LIMINAR EN DISCUSIÓN
Más allá de lo que acontece a la vista de todos, observando con una mirada tenue e inclusive
indiferente a este lugar, la discusión está en reobservar y considerar la experiencia liminar, aquellos
sitios de definición, aquellos espacios abiertos que se abren para recorrer distancias, que presentan
flujos y contraflujos, proponen viajes donde el lugar y el tiempo son los determinantes, sitios de
definición, para reconocer en esencia que estamos tratando en el paisaje y sobre todo su influencia
cultural pues no todo se reconoce por la mirada del hombre, su sensibilidad también configura el
paisaje, es un sentimiento unido a la naturaleza en su conjunto [Simmel (1913)]. El sentimiento del
observador puede sugerir el paisaje, es una constante transformación de la imagen, si la
interiorizamos y acontece en nuestro ser, nos hace vivir un sentimiento, una representación única de
nuestra percepción de paisaje. Para la academia, un paseo por la extensa acción universitaria, a
través de un laboratorio con experiencias y situaciones relaes.
Como un asunto de bien público, todos los hechos que acontecen en la calle, generan una memoria
pública y colectiva a partir de símbolos (monumentos) y elementos de paisaje, le agregan
significados, se convierte en un paisaje de memoria, una forma más plural de identificación [De Juan
(2003)]. Sin la interpretación adecuada no podemos entender, vivir ni experimentar el paisaje que
tiene el objeto de lograr en las personas esa interpretación, lo principal está en experimentar ese
movimiento, un viaje que se consume durante el camino.
El devenir es lo que convierte el trayecto mas mínimo o incluso una inmovilidad sin desplazamiento, en un viaje y
el trayecto es lo que convierte lo imaginario en un devenir. Los dos mapas, el de los dos trayectos y el de los
afectos, remiten el uno al otro... La escultura y el arte y la arquitectura en general, deja de ser monumental para
volverse hodologica: no basta com decir que es paisaje, y que acondiciona un lugar, un territrio. Lo que
acondiciona son los caminos, es ella misma un viaje(...) [DELEUZE (1996)].

No nos quedemos sin experiencias, sin desarrollar los pasajes liminares, como una forma de
desarrollo que sera sostenible en el tiempo, en términos de economía, por las acciones y
desplazamientos, en el aspecto social por la forma de comunicar las experiencias y ambiental para
redescubrir su peso neto, asi se podrá planificar, gestionar, aprovechar y reinterpretar el paisaje.

5 AGRADECIMENTOS
Agradecimiento a la Profesora Luciana Saboia por la orientación y motivación para la escrita del
presente artículo en Brasil. Agradecimeinto a la Profesora Mechtild Kaiser, mentora de ideas y
provocaciones para la extensión universitaria sobre el paisaje en Bolivia.

12
6 REFERENCIAS

CALZAVARINI, L. Presencia Franciscana y formación intercultural en el sudeste de Bolivia según documentos


del Archivo Franciscano de Tarija 1606-1936: Época Republicana Tomo IV. Centro Eclesial de Documentación.
Tarija. 2004.
CAVALCANTI, AGOSTINO, VIADANA, Adler. Organização do espaço e análise da paisagem. 2007.
DE JUAN, J. Writing Urban History for the Twentieth-Century City. Contemporary European History 12, no. 4,
573-84. Doi: 10.017/S0960777303001437. 2003.
DELEUZE, G. Critica y clinica. Anagrama, Barcelona. 1996.
FERNANDEZ, C. Genius Loci, lugares y significados: La construcción visual del paisaje. Iconografía urbana,
memoria e identidad territorial. Volumen 2: 561-574
HEATHERINGTON, C. y JORGENSEN, A. y WALKER, S. Understanding landscape change in a former brownfield
site. Landscape Research Group. (2019) Volumen 44: 19-34.
HOCH, C. Planning craft: How planners compose plans. Planning Theory 8.3. 219-241. 2009.
INIBREH. Atlas Ecosistémico de la Cuenca del río Tolomosa. Tarija: 1° Edición. 2007
KAISER, M. Paisaje Cultural y Patrimonio Arquitectónico. Tarija: Ediciones Patchworld. 2016.
MOORE, K. Overlooking the visual: Demystifying the art of design. Abingdon, Oxon; New York:Routledge. 2010.
NORBERG, C. Genius Loci: Towards and Phenomenology of Architecture. Rizzoli: Edinburgh College of Art
Library. 1979.
PAEZ, O. Los amigos del Genius Loci DC. 19-20/249. 2010.
SIMMEL, G. Filosofia da Paisagem. Universidade da Beira Interior Covilhã, 2009.
TAPIA, C. y ALVES, M. Townscapes/townscopes: del paisaje monumental al hodológico. Fundamentos de
arquitectura, paisaje, patrimonio. 2016.
UNESCO. Textos Básicos de la Convención del Patrimonio Mundial de 1972: Gestión de Paisajes Culturales.
Módulo 4. París: WHC-2006/WS/03. 2006.
WINTER, R. Paisagem Cultural e Patrimonio. Pesquisa e documentação do Iphan. 2007.

13
Os idosos e o parque urbano

The elderly and the urban park

Los ancianos y el parque urbano


CABRAL, Thaís
Arquiteta e Urbanista, aluna regular de mestrado da Universidade de Brasília,
arqthaiscabral@gmail.com

HOLANDA, Frederico de
Professor Emérito da Universidade de Brasília, Pesquisador Colaborador Sênior da Universidade de
Brasília, Pesquisador 1-A do CNPq, fredholanda44@gmail.com

RESUMO
Os parques urbanos de lazer proporcionam momentos de descanso, conversa, meditação, bronzeamento, plantio
alimentação, atividades físicas, recreativas, culturais e encontros sociais. Ao caminhar em um parque é possível
ver a grande variedade de faixas etárias, de bebês a pessoas com idade avançada. O público especifico para esta
pesquisa é a terceira idade, uma vez que essa população possui um perfil de envelhecimento crescente e contínuo
no país. Mas como se dá a relação deste espaço com a população mais idosa em sua vizinhança? Esta pesquisa
visa discutir a configuração dos parques e sua relação com o entorno imediato: se favorece o acesso a eles,
facultando a inclusão social dos mais velhos, e se cria as condições adequadas, no seu interior, para o convívio
dentro desta faixa social e dela com as demais. O objeto de estudo é o Parque Urbano Bosque Sudoeste, situado
em Brasília – Distrito Federal. Explorou-se a Teoria da Sintaxe Espacial para estudar as relações entre a
configuração do lugar e sua apropriação pelas pessoas. Secundariamente, por meio da observação e entrevistas
in loco com os idosos, foram analisados outros tipos de desempenho do parque: se responde bem às
necessidades práticas das atividades, se é confortável climaticamente, se o custo de manutenção é desejável, se
facilita a orientação espacial de seus usuários, se cria uma memória afetiva nos usuários, se tem elementos que
potencialmente o simbolizem e se é belo.
PALAVRAS-CHAVES: sintaxe espacial, idoso, parque, urbanismo, aspectos de desempenho.

ABSTRACT
The urban parks provide moments of rest, conversation, meditation, tanning, planting, eating physical activities,
recreation, cultural and social gatherings. When walking in a park you can see the wide variety of age groups,
from babies to the elderly. This research focuses on the third age, since this population has a growing and
continuous aging profile in the country. But how does the relation of this space with the older population in its
neighborhood occur? This research aims to discuss the configuration of the parks and their relationship with the
immediate environment: if it favors access to them, enabling the social inclusion of the elderly, and if it creates
the appropriate conditions for socializing amongst themselves and with the others age groups. The object of study
is the Parque Urbano Bosque Sudoeste, located in Brasília - Distrito Federal. Space Syntax Theory was used to
study the relations between the configuration of the place and its appropriation by the people. Secondly, by on-
site observation and interviews with the elderly, other types of park performance were analyzed: if it responds
well to the practical needs of the activities, if it is comfortable climatically, if the maintenance cost is desirable, if
it facilitates the spatial orientation of its users, if it creates an emotional memory in the users, if it has elements
that potentially symbolize it and if it is beautiful.
KEY WORDS: space syntax, elderly, park, urbanism, performance aspects.

1
RESUMEN
Los parques urbanos de recreación proporcionan momentos de descanso, conversación, meditación, bronceado,
plantación, alimentación, actividades físicas, recreativas, culturales y encuentros sociales. Al caminar en un
parque es posible ver la gran variedad de edades, de bebés a personas con edad avanzada. El público específico
para esta investigación es la tercera edad, ya que esta población tiene un perfil de envejecimiento creciente y
continuo en el país. Pero ¿cómo se da la relación de este espacio con la población de más edad en su vecindad?
Esta investigación pretende discutir la configuración de los parques y su relación con el entorno inmediato: se
favorece el acceso a ellos, facilitando la inclusión social de los más viejos, y se crea las condiciones adecuadas, en
su interior, para la convivencia dentro de esta banda social y de ella con las demás. El objeto de estudio es el
Parque Urbano Bosque Sudoeste, situado en Brasilia - Distrito Federal. Se exploró la Teoría de la Sintaxis Espacial
para estudiar las relaciones entre la configuración del lugar y su apropiación por las personas. En segundo lugar,
por medio de la observación y entrevistas in loco con los ancianos, se analizaron otros tipos de desempeño del
parque: se responde bien a las necesidades prácticas de las actividades, si es cómodo climaticamente, si el costo
de mantenimiento es deseable, se facilita la orientación espacial de sus usuarios, se crea una memoria afectiva
en los usuarios, si tiene elementos que potencialmente lo simbolicen y si es bello.
PALABRAS CLAVE: sintaxis del espacio, anciano, parque, urbanismo, aspectos de disempeño.

1 INTRODUÇÃO
Por acompanhar as mudanças urbanísticas das cidades, a verdadeira função do parque é de espaço
livre público, formado por vegetação e dedicado ao lazer da massa urbana, em constante processo de
recodificação. Cada vez mais as cidades brasileiras necessitam de parques que atendam solicitações de
lazer, tanto esportivas como culturais. Além disso, um dos atributos mais negligenciados é o lazer
contemplativo, característica dos primeiros parques públicos necessária para que a população possa
encontrar ambiente tranquilo e livre do estresse do trabalho e agitação da cidade. O parque ecológico
tornou-se popular na década de 1980, tem como propósito a conservação do bioma e integra, também,
áreas concentradas de lazer ativo- esportes e recreação infantil, e o lazer passivo- caminhadas por
trilhas bucólicas1.

Segundo dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (CODEPLAN) sobre o perfil da


população idosa do Distrito Federal (DF), em 2010, o DF tinha 197.613 pessoas acima de 60 anos, o
que corresponde a 7,59% de sua população. Foi possível constatar que 19,95% da população idosa,
maior percentual, reside no Lago Sul. Já no Sudoeste o percentual é de 7,94%2.

Com a rapidez que ocorre o crescimento proporcional dessa faixa etária, deve-se pensar que os centros
urbanos têm que estar cada vez mais adaptados ao uso dos mais velhos, que usufruem mais
frequentemente locais como pontos turísticos, transportes público, equipamentos comunitários e

1 MACEDO; SAKATA, 2010, p.13


2 SEPLAN, 2012, p.16 e 17

2
espaços de lazer. É necessário que envelheçam ativamente, otimizando as oportunidades de saúde,
participação e segurança, para melhorar sua qualidade de vida3. A atividade pode ajudar pessoas idosas
a ficarem independentes por um período de tempo mais longo. Vale frisar também que os “ambientes
físicos adequados à idade podem representar a diferença entre a independência e a dependência para
todos os indivíduos, mas especialmente para aqueles em processo de envelhecimento4.”

As cidades necessitam ser repensadas para melhor suportar essa faixa etária crescente e os espaços de
lazer devem ser reestruturados para receber as pessoas com idade mais avançada, permitindo que elas
sejam autônomas, independentes, tragam diversidade aos espaços públicos e contem com o suporte
comunitário.

2 METODOLOGIA
A pesquisa realizada utilizou vertentes da Sintaxe Espacial para entender como a arquitetura pode
afetar as pessoas. Estuda-se a relação do Parque Urbano Bosque Sudoeste com a vizinhança e com sua
configuração interna. Pode-se então compreender como essas interações favorecem a inclusão social
do idoso. Os aspectos analisados dividem-se em impactos práticos que envolvem: funcionalidade,
conforto térmico, investimentos econômicos e possíveis relações sociais; e em impactos expressivos:
identidade memorável, possíveis afetos com relação ao parque, capacidade de simbolização e se há
sensação de beleza. A análise dos aspetos busca identificar em cada um os pontos positivos e negativos
passíveis de aprimoramento, sendo o atributo de investimento econômico o que menos se relaciona
de imediato com a população idosa.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas no período de junho e julho de 2018, com onze idosos
frequentadores do parque a fim de se obter dados qualitativos sobre a satisfação desse público com os
espaços internos e externos, além dos equipamentos de lazer disponibilizados. A partir das entrevistas
realizadas pode-se compreender mais a fundo questões de acessibilidade ao local, segurança,
iluminação, mobiliário, vegetação, sua autonomia nos espaços, impressões pessoais e desejos. As
entrevistas duraram cerca de meia hora com cada entrevistado. A escolha dos entrevistados foi de
forma aleatória e indicações de idosos entrevistados.

3 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005, p.14


4 WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2005, p. 28

3
A idade média dos idosos no DF é de 69,47 anos5 e a média dos entrevistados no parque foi de 70,73
anos, sendo o mais velho de 79 anos. As entrevistas foram realizadas durante dois dias da semana e
um no final de semana, para abranger diferentes frequentadores. Começaram a ser realizadas a partir
das 10 horas da manhã, no outono, em Brasília, período em que começa a seca e que a temperatura
atinge os valores mínimos pela madrugada. Por isso, a partir do meio-dia foi o horário em que
começaram a aparecer mais idosos frequentadores, algo surpreendente, pois esse é o horário mais
nocivo com relação a luz solar.

Fez-se também um mapa de pontos para melhor representar a quantidade de idosos presentes no
parque no período das entrevistas e registros fotográficos dos principais espaços e dos equipamentos
públicos.

3 DESCRIÇÃO DO PARQUE
O Parque Urbano Bosque Sudoeste pertence a Região Administrativa Sudoeste e Octogonal, no DF
(Figura 1) e é administrado pelo Instituto Brasília Ambiental (IBRAM). Localizado no Sudoeste entre a
2ª e a 3ª avenida e a 370m de distância da 1ª avenida, considerada a principal do bairro, é uma opção
de lazer para os moradores. Com 7,88 hectares6 de área, o parque possui 1.025 novas mudas de
espécies nativas plantadas para dar jus ao nome Bosque.

5 CODEPLAN, 2013, p. 4
6 IBRAM, 2013, p. 28

4
Figura 1: Localização do Parque

Asa Norte

Lago
Paranoá

Brasília
Sudoeste

Asa Sul

Fonte: adaptado de Google Earth, 2018.

O espaço foi oficialmente entregue em março de 2013, funciona todos os dias das 6h às 22h, com
exceção dos momentos de poda da grama, quando é colocado um aviso prévio nos portões, e possui
segurança ostensiva durante 24 horas. Oferece para a população quadra de areia, quadra poliesportiva,
Ponto de Encontro Comunitários (PEC), academia de ginástica voltada para o público da terceira idade,
parque infantil, anfiteatro, banheiros públicos, sede administrativa, ciclovia, pistas de cooper na área
interna e externa.

Além de possibilitar acesso gratuito e irrestrito, o parque proporciona às pessoas de terceira idade o
contato com a natureza e facilita a interação com outros, socializando-os; promove bem-estar físico,
permite a prática esportiva ao ar livre, propicia contato com o sol e recreação. Com o crescimento
continuado dos espaços urbanos, tem-se observado uma valorização desses sítios e uma preocupação
da comunidade quanto à manutenção e quesitos de segurança nas áreas do entorno em favor dos
espaços.

4 ASPECTO SOCIAL
O parque está inserido na malha urbana, possui forma trapezoidal, e faz fronteira a nordeste com a
quadra QMSW 6, edifícios habitacionais de 4 pavimentos; a sudeste com a quadra SQSW 302 e

5
sudoeste com as quadras CCSW 01 e CCSW 02, edifícios habitacionais de 6 pavimentos mais pilotis; e
a noroeste, com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), (Figura 2).

Figura 2: Vizinhança do Parque

INMET
3ª avenida

Fonte: adaptado de Google Earth, 2018.

Antes da construção do parque a área era degradada e subutilizada para depósito de entulho de
construção e lixo. “As construtoras tinham interesse em construir mais uma quadra residencial, se não
fosse a comunidade lutando para a existência do parque, isso aqui seria mais um monte de prédios”,
conta o Sr. Sinésio Fernandes, 79 anos.

O espaço é cercado por alambrado possui duas entradas para pedestre, uma a Sudoeste e outra a
Noroeste. A maioria dos frequentadores são moradores do bairro e vizinhos vindos do Cruzeiro e
Octogonal, mas também é possível encontrar visitantes de outras localizações, como de Taguatinga.
Nos horários em que o parque se encontra fechado é possível utilizar a pista de cooper externa, porém
alguns frequentadores idosos não gostam destes momentos por não poderem utilizar a academia de
ginástica, mesmo com a existência de alguns aparelhos fixos do lado de fora do parque. Outra interação
que acontece com relação a vizinhança é com o ponto de água de coco da Dona Socorro, que possui
cadeiras para sentar abaixo da sombra e interagir com as pessoas que frequentam o parque ou que
estão de passagem (Figura 3).

6
Figura 3: Ponto de água de coco

Fonte: Autor, 2018.

É interessante perceber como a existência dessa área verde é importante para a compensação
ambiental do bairro ao criar uma zona de desafogo ao meio a tantos prédios. Mesmo com as áreas
verdes das superquadras os moradores preferem frequentar o parque. Pode-se constatar a assiduidade
de seus frequentadores, seu acolhimento em considerá-lo como o quintal de sua casa é percebido pelo
cultivo na área externa do parque, próxima a cerca do lado noroeste, por uma horta comunitária que
oferece frutas, legumes e ervas medicinais para a comunidade.

5 ASPECTO FUNCIONAL
O espaço do parque é denominado “fechado” em relação ao seu entorno por conta do alambrado ao
redor que o isola e delimita uma fronteira de entrada. Existem guaritas com vigias nos dois portões de
pedestres. O acesso se dá por meio de rampas e sinalização tátil (Figura 4). Todos os pontos de lazer
são integrados à pista de caminhada revestida em concreto, às trilhas mais intimistas em pedra
portuguesa e à ciclovia asfaltada, propiciando conforto e livre trânsito aos frequentadores.

7
Figura 4: Acesso de pedestres

Fonte: Autor, 2018.

O parque proporciona diversas atividades como as aulas coletivas de tai chi chuan, automassagem,
yoga e ginástica funcional que são oferecidas ao público regularmente por professores particulares.
Mas há também as atividades gratuitas, como caminhada, corrida, ginástica no PEC e aparelhos de
ginástica (Figura 5), andar de bicicleta, práticas de esportes nas quadras, brincadeiras no parque
infantil. Segundo o IBRAM, a visitação diária do parque está em torno de 300 pessoas nos dias de
semana e 500 nos feriados e fins de semana7. Possui vários bancos isolados para descanso ao ar livre,
mas expostos ao sol. Há, no entanto, quatro bancos que se encontram debaixo de uma árvore frondosa,
ponto disputado durante os dias de calor intenso e aos domingos pela manhã, devido à roda de choro
do Sudoca.

7
JORNAL DE BRASÍLIA, 2016

8
Figura 4: Acesso de pedestres

Fonte: Autor, 2018.

Os idosos procuram frequentar diariamente e no mesmo horário, formando vínculos de amizade entre
os assíduos, como a Dona Luzia, 76 anos, que gosta de ir ao parque para caminhar, se exercitar e marcar
com suas colegas do parque o café na padaria.

Figura 6: Mapa de pontos

Fonte: adaptado de Google Maps, 2018.

O mapa de pontos foi realizado no dia 25 de julho, às 11:30h. Verifica-se que 14 idosos estão presentes
no parque, o que corresponde a 38% da população presente, um número alto para o horário em que

9
foi realizado o mapa. Nota-se ainda que as pessoas mais velhas estão presentes em todos os pontos
do parque e principalmente na área destinada aos exercícios para idosos (Figura 6).

Um incômodo para a terceira idade são as crianças que brincam nos aparelhos de ginástica e correm
no meio deles enquanto estão se exercitando, atrapalhando-os e podendo causar algum tipo de
acidente.

Os mais velhos sentem-se seguros dentro do parque por ser um lugar pequeno e não possuir muitos
esconderijos para pessoas mal-intencionadas. Além disso, por conhecerem alguns de seus visitantes e
muitas vezes serem vizinhos e por conta da frequência com que vão ao parque, acabam adquirindo
empatia e se sentem vigiados. Também buscam frequentar os horários mais movimentados durante o
dia para não voltar no escuro para casa.

6 ASPECTO BIOCLIMÁTICO
Os espaços generosos (elementos-fim da arquitetura: “vazios”) são definidos pelos volumes
(elementos-meios: “cheios”), seja enquanto edifícios do entorno, ou como massas arbustivas e
arbóreas que constituem o bosque. Existe ventilação branda em seu interior, impedindo a formação de
ilhas de calor. A maior distância entre a fachada dos edifícios e o perímetro do parque é de 50m, com
relação à face sudoeste, e a menor distância, com 24m, localizada a nordeste. Os prédios possuem
acabamento em pastilha cerâmica e vidro, refletindo calor no parque. Por ser um local aberto, sem
cobertura arquitetônica e desprovido de arborização de grande porte, a insolação intensa castiga os
idosos durante o período, das 11h às 14h, porém não os inibe. Durante o outono e inverno, os idosos
evitam frequentar o parque até às 9h da manhã e após às 19h, quando o vento é mais frio.

A cobertura vegetal do local está em fase de crescimento (Figura 7) proporcionando poucos locais de
sombra para os frequentadores. Espera-se que ao atingir o porte ideal possam melhorar a sensação de
desconforto apresentada pela população, principalmente no PEC e nos aparelhos de ginástica para a
terceira idade. Uma solução bastante comentada durante as entrevistas com os idosos foi sobre a
possível construção de um coreto. Assim, protegidos do sol, eles poderiam realizar recitais, atividades
físicas, sociais e desfrutar o chorinho aos domingos. Seria interessante locar bancos individuais e que
formem espaços intimistas debaixo das futuras árvores para que os frequentadores possam descansar
e conversar com as outras pessoas por mais tempo. Outra solução que poderia ser adotada é a do

10
parque ter mais pontos de bebedouro e vapor d’água para suprimir um pouco a sensação de seca do
ambiente.

Figura 7: Plantio de árvores

Fonte: Autor, 2018.

7 ASPECTO ECONÔMICO
O investimento inicial para a construção do parque urbano foi cerca de R$ 3 milhões8. Sua manutenção
é realizada pelo IBRAM para que haja usufruto contínuo e adequado do espaço, com a poda realizada,
quando necessária, às segundas-feiras pela manhã. A Companhia Energética de Brasília investiu
aproximadamente R$349 mil9 para a instalação dos 71 postes de iluminação. A iluminação foi projetada
para atender a pista de caminhada, as quadras e equipamentos públicos, o sistema implementado de
três circuitos independentes foi elaborado com intuito de gerar economia de energia e proporcionar
segurança à noite à comunidade.

O parque urbano ocupa área de 78.800 m². Cerca de 25% é de área construída, com pavimentação em
concreto e asfalto, e o restante da área é gramada. Os materiais utilizados são de baixo custo e alta
durabilidade, com manutenção fácil e barata. O parque é provido de abastecimento d’água, coleta de
esgoto, distribuição de energia, oferece aos visitantes banheiro público, água potável e iluminação
artificial à noite.

8
SEGETH, 2013
9
CEB, 2014

11
A infraestrutura local é adequada para os tipos de atividades oferecidas à comunidade. Nos dias em
que houve racionamento d’água em Brasília os banheiros foram interditados, incomodando a
população idosa, pois estes utilizam os sanitários com mais frequência. O problema poderia ser
resolvido com uma caixa d’água como apoio ao local. A manutenção e limpeza são realizadas com
frequências, refletindo na limpeza dos banheiros e na inobservância de lixo e matéria orgânica derivada
da poda e de animais.

8 ASPECTO TOPOCEPTIVO
Captável essencialmente pelo sentido da visão, a topocepção busca entender se o lugar a ser analisado
possui forte identidade, se é fácil de memorizar e se favorece a orientação de direção através dele10. É
por meio dos volumes – cheios nos prédios e vazios nas praças e parque – que é possível sabermos
onde estamos situados. Os cheios formam um meio que nos permite compreender e usar os lugares.
Os vazios, elementos artificiais que favorecem o convívio e o encontro das pessoas, conectam-se com
áreas gramadas e livres de construção.

Ao serem questionados sobre a orientação espacial do local, os idosos responderam prontamente que
sabem se localizar. Alguns sentiram-se ofendidos por acharem que a pergunta estava relacionada a
alguma doença de falta de memória. “Apesar de eu ter marca-passo, problema de locomoção devido
a cirurgia no joelho e Parkinson eu acredito que ainda estou muito bem da memória”, comentou o
senhor Américo, de 73 anos. Após explicação mais detalhada e com exemplos, foi unânime a resposta
da facilidade da localização devido à dimensão do parque.

Por ser um parque pequeno, praticamente plano e estar inserido na malha urbana, é possível se
localizar de maneira fácil e ter uma leitura total do espaço. Sua relação com o entorno é bastante clara
e legível, não havendo pontos com total obstrução da vista direta para a vizinhança e facilitando a
localização imediata dos prédios (Figura 8).

10
HOLANDA, 2015, p. 86

12
Figura 8: Panorâmica do Parque

Fonte: Autor, 2018.

9 ASPECTOS AFETIVOS
Para identificar os aspectos afetivos do lugar foi realizado um exercício com 11 idosos frequentadores
do parque. Foram apresentadas as impressões com relação ao ambiente como um todo para que se
julgasse o adjetivo, dentro do intervalo semântico apresentado, que mais corresponde a sua sensação
(Tabela 1). O questionamento foi realizado após cada entrevista semiestruturada para não espantar os
idosos.

Tabela 1: Planilha-base
Parque Urbano Bosque Sudoeste
Inconversável -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Sociável
Agitado -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Tranquilo
Previsto -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Surpreendente
Frio -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Aconchegante
Monótono -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Dinâmico
Modesto -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Extravagante
Inseguro -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Seguro
Singelo -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Luxuoso
Informal -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Formal
Desinteressante -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Estimulante
Confuso -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Orientável
Variado -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Regulado
Comum -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Original
Pesado/ grave/ austero -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Gracioso/ brando/ leve
Contraposto (ante entorno)-5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Integrado (ao entorno)
Fétido -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Perfumado
Feio -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Belo
Fonte: Autor, 2018.

Os resultados foram sintetizados em uma nova planilha contendo: o resultado dos 11 participantes,
desvio padrão, média e valor absoluto (Tabela 2). Os valores absolutos indicam quão forte é a
personalidade do lugar11. Analisando essa coluna, percebe-se que apenas cinco das dezessete
sensações ficaram acima ou igual a 4 absoluto, ou seja, muito próximas a um dos adjetivos sugeridos,

11
HOLANDA, 2015, p. 93

13
sendo eles: tranquilo, aconchegante, seguro, integrado ao entorno e belo. Com relação ao desvio
padrão a média foi de 2,07, havendo certo consenso entre os participantes, mas algumas opiniões
diferentes sobre alguns aspectos.

De fato, os cinco sentimentos destacados foram os mais comentados pelo público alvo. A arquitetura
é perceptível pela visão e por outros sentidos, por vezes mais responsáveis pela personalidade do
lugar12. Sugere-se ainda que o exercício seja realizado em diferentes estações do ano para traçar um
perfil mais completo do parque estudado.

Tabela 2: Planilha síntese


Parque Urbano Bosque Sudoeste
Participantes
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 D. Padrão Média V. abs Aspecto Predominante
Valores
4 3 3 -3 5 5 5 5 4 5 4 2,34 3,64 3,64 Sociável
5 5 4 4 4 5 5 4 3 5 5 0,69 4,45 4,45 Tranquilo
0 -3 2 0 3 5 3 5 -2 -4 4 3,19 1,18 1,18 Surpreendente
5 5 3 4 5 5 5 5 3 5 4 0,82 4,45 4,45 Aconchegante
1 5 2 5 3 4 2 5 3 -3 5 2,43 2,91 2,91 Dinâmico
3 -3 -3 1 0 0 0 0 -3 -5 -4 2,45 -1,27 1,27 Modesto
3 5 5 5 5 5 5 5 4 5 3 0,82 4,55 4,55 Seguro
1 -2 -2 0 -5 -4 2 -4 -4 -5 -4 2,46 -2,45 2,45 Singelo
1 -2 -4 1 3 -5 -4 -4 -4 4 -5 3,35 -1,73 1,73 Informal
-5 4 2 5 4 5 5 3 4 5 4 2,90 3,27 3,27 Estimulante
3 5 3 0 4 4 5 4 4 5 5 1,47 3,82 3,82 Orientável
-5 0 -3 -4 3 -5 -3 3 2 5 5 3,95 -0,18 0,18 Variado
-5 4 3 2 -3 5 3 0 -4 -5 -2 3,76 -0,18 0,18 Comum
2 5 3 2 5 4 5 2 3 5 4 1,29 3,64 3,64 Gracioso/ brando/ leve
5 5 4 5 4 5 5 4 4 5 5 0,50 4,64 4,64 Integrado (ao entorno)
4 4 0 0 3 4 0 0 3 0 2 1,83 1,82 1,82 Perfumado
3 4 2 4 5 5 5 4 3 5 4 1,00 4,00 4,00 Belo

Média 2,07 2,15 2,83


Fonte: Autor, 2018.

10 ASPECTO SIMBÓLICO
O símbolo de um lugar pode variar no tempo, história, cultura, valores e ideias. Cada espaço possui o
seu marco arquitetônico que pode mudar com o passar dos anos. Foram citados como símbolo do
parque: a pista de caminhada; os bancos abaixo da árvore frondosa; a árvore mais alta do parque e o
ponto de ginástica. Não houve consenso nas respostas dos entrevistados. É interessante observar que
de fato os valores influenciam na percepção do espaço pelo usuário e na sua caracterização. Como

12
HOLANDA, 2015, p. 95

14
exemplo, Dona Luzia, 76 anos, que adora ir ao local para conversar e observar as pessoas, tem como
símbolo do parque os bancos debaixo da árvore (Figura 9).

Figura 9: Árvore frondosa

Fonte: Autor, 2018.

Por não possuir nenhum elemento arquitetônico ou natural diferenciado pode-se concluir que não há
consenso sobre o aspecto simbólico que mais represente o parque. Porém, acredito que o próprio
parque bosque seja o símbolo de lazer do bairro.

11 ASPECTO ESTÉTICO
Este aspecto está relacionado com a estética do lugar, incide diretamente nos sentidos e na
contemplação do ambiente. No exercício realizado e apresentado no item das relações afetivas, a
média calculada com relação aos adjetivos belo - feio foi de 4,00 para belo, característica com consenso
forte entre os entrevistados. Percebe-se nas respostas dadas a paixão dos idosos pelo parque.

A harmonia com o local ocorre pela presença dos poucos volumes, o deleite visual dá-se pela vasta
área gramada e a serenidade do espaço foi obtida pela brisa suave que paira sobre as plantas. Essas
sensações prazerosas são características que influenciam para que o espaço seja considerado belo.

12 CONCLUSÃO
A necessidade de compreensão do contexto dos idosos inseridos no parque urbano de lazer contribui
para a definição da sua singularidade, abrindo oportunidades para novas propostas de transformação.

15
Além da natureza da tarefa, da organização do trabalho, do mobiliário, dos equipamentos, outros componentes dos
espaços de trabalho podem influenciar diretamente na segurança, no conforto e na produtividade: a qualidade da
iluminação ambiente, a quantidade de ruído e a temperatura/ventilação13.

Mesmo com a eficiência das superquadras como espaços-parques de vizinhança pode-se observar que
os idosos apreciam o Parque Bosque, considerando-o um espaço de lazer ativo e que abriga áreas de
vegetação crescente. O Parque da Cidade é outra opção de lazer para os mais velhos a cerca de 1,5 km
do Parque do Sudoeste, porém a população idosa prefere frequentar este por ser menor, mais fácil de
se orientar, seguro e mais próximo de suas residências, sem ter que atravessar longas vias de tráfego
rápido.

A configuração interna do parque proporciona inclusão social dos mais velhos dentro de sua faixa etária
por possuir diferentes pontos de convívio. Com relação à interação das pessoas com mais de 60 anos
com as outras de diferentes faixas etárias foi possível observar convívio no parque infantil, quadras
poliesportivas e no gramado.

Pela Teoria da Sintaxe Espacial analisa-se que o parque responde bem às necessidades práticas
funcionais dos idosos oferecendo diferentes atividades. Os frequentadores mais velhos o consideram
surpreendente, dinâmico, estimulante e variado. Quanto ao conforto climático, a falta de uma
arborização densa, pontos de sombreamento estratégicos e de água potável castigam os mais velhos.
A infraestrutura e manutenção do local são adequadas. A orientação espacial no interior do parque é
de fácil compreensão. Sobre a memória afetiva com relação ao parque, os idosos confirmaram haver
cinco dos dezessete adjetivos apresentados na pesquisa, quais sejam: tranquilo, aconchegante, seguro,
integrado ao entorno e belo. O parque não possui um elemento único que potencialmente o simbolize,
mas acredito que seja um símbolo por si só. Por fim, é unanime entre os usuários sua beleza.

Estima-se que para o ano de 2018 a população idosa do DF seja de 311.433 pessoas com crescimento
aproximadamente 56% com relação a população do censo de 2010. Pensando no crescimento
proporcional dessa faixa etária, é preciso construir uma sociedade mais amigável com o idoso e
proporcionar ampla rede de comunicação. Ao promover equipamentos urbanos de qualidade, espaços
de descanso e sombreados, pista de caminhada e ciclovias acessíveis – no sentido de facilitar as
atividades diárias, favorece-se uma boa mobilidade e também cria-se uma referência de localização e
orientação, suscitando emoções de satisfação plena.

13
ABRAHÃO, 2009, p. 119

16
13 REFERÊNCIAS
ABRAHÃO, J; et al. Introdução à ergonomia: da prática à teoria. São Paulo: Blücher, 2009.
AGÊNCIA BRASÍLIA, Iluminação pública é inaugurada no Parque Bosque do Sudoeste. CEB, Brasília, 17 de fev.
2014. Disponível em: <http://www.ceb.com.br/index.php/todas-as-noticias/227-iluminacao-publica-e-
inaugurada-no-parque-bosque-do-sudoeste>.
CODEPLAN, Perfil dos idosos no Distrito Federal, segundo as Regiões Administrativas. Brasília: Codeplan GDF,
2013.
HOLANDA, F. 10 Mandamentos da arquitetura. 2ed. Brasília: FRBH, 2015.
IBRAM, Guia de Parques do Distrito Federal. Recursos Hídricos. Brasília: Ibram, 2013.
MACEDO, S; SAKATA, F. Parques urbanos no Brasil. 3ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.
SEGETH, Sudoeste – GDF entrega Parque Urbano Bosque do Sudoeste. SEGETH, Brasília, 25 de mar. 2013.
Disponível em: <http://www.segeth.df.gov.br/sudoeste-gdf-entrega-parque-urbano-bosque-do-sudoeste/>.
SOARES, I. Ponto de encontro, Parque do Bosque oferece desde atividades físicas a horta compartilhada. Jornal
de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: <http://www.jornaldebrasilia.com.br/cidades/ponto-de-encontro-
parque-do-bosque-oferece-desde-atividades-fisicas-a-horta-compartilhada/>.
SEPLAN, Perfil da população idosa do Distrito Federal. Brasília: Seplan, Codeplan, GDF, 2012.
World Health Organization. Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Tradução Suzana Gontijo. Brasília:
Organização Pan-Americana da Saúde, 2005.

17
Os avessos da trama monumental: investigação psicossociológica do
uso cotidiano dos espaços públicos e de mobilidade de Brasília/DF

The backside of the monumental fabric: psychosociological investigation of the


everyday use of the public and mobility spaces of Brasília/DF

Los reveses de la trama monumental: Investigación psicosociológica del uso


cotidiano de los espacios públicos y de movilidad de Brasília/DF

BARBOSA, Bárbara Helena Cunha de Sousa Barbosa


Acadêmica, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília - FAU/UnB,
barbarahcsb@gmail.com

RESUMO
O trabalho busca uma investigação crítica sobre como os espaços públicos e de mobilidade de Brasília, resultantes
das decisões de planejamento e desenhos urbanos realizadas na escala do espaço abstrato – concebido –, são
percebidos, usados e apropriados pela população em sua práxis cotidiana. Aborda-se teoricamente o exercício
do urbanismo como representação do poder, ao longo da história, mas sobretudo no modernismo, bem como a
centralidade do espaço como lócus de compreensão da sociedade e da vida cotidiana. As investigações
psicossociológicas realizadas por meio do cruzamento de questionários e mapas afetivos aplicados à cinquenta
pessoas abordadas nas principais estações de metrô de Brasília, permitiram identificar as subjetividades e
recorrências da percepção e vivência da população em relação à imagem da cidade monumental, da segregação
e exclusão, bem como das vinculações afetivas aos seus espaços. A escuta dessas vozes da rua constitui uma
possibilidade potente e humana de transformação da realidade pela revolução urbana.
PALAVRAS-CHAVES: Brasília, urbanismo do poder, vida cotidiana, produção do espaço, psicossociologia.

ABSTRACT
The paper seeks a critical investigation into how the public and mobility spaces of Brasilia, resulting from the
planning and urban design decisions performed in the abstract space scale – conceived –, are perceived, used and
appropriated by the population in their everyday praxis. It is broaches theoretically the exercise of urbanism as a
representation of the power, throughout the history, but especially in modernism, as well as the centrality of
space, as a locus of understanding of society and everyday life. The psycho-sociological investigation conducted
through the cross of the questionnaires and affective maps applied to the fifty people approached in the main
subway stations of Brasília, allowed to identify the subjectivities and recurrences of the perception and experience
of the population in relation to the image of the monumental city, segregation and exclusion, as well as the
affective ties to its spaces. The listening of the street voices constitutes a powerful and humane possibility of the
transformation of the reality by the urban revolution.
KEY WORDS: Brasília, urbanism of power, everyday life, production of space, psychosociology.

RESUMEN
El trabajo busca una investigación crítica sobre cómo los espacios públicos y de movilidad de Brasilia, que resultan
de las decisiones de planificación y diseños urbanos realizados en la escala del espacio abstracto – concebido -,

1
son percibidos, utilizados y apropiados por la población en su praxis cotidiana. Se aborda teóricamente el ejercicio
del urbanismo como representación de poder, a lo largo de la historia, pero sobre todo en el modernismo, así
como la centralidad del espacio como locus de comprensión de la sociedad y la vida cotidiana. Las investigaciones
psicosociológicas realizadas por medio del cruce de cuestionarios y mapas afectivos, aplicados a cincuenta
personas abordadas en las principales estaciones de metro en Brasilia, permitieron identificar las subjetividades
y recurrencias de la percepción y vivencia de la población con relación a la imagen de la ciudad monumental, de
la segregación y exclusión, así como de las vinculaciones efectivas a sus espacios. La escucha de las voces urbanas
constituye una posibilidad potente y humana de transformación de realidad por la revolución urbana.
PALABRAS CLAVE: Brasilia, urbanismo de poder, vida cotidiana, producción del espacio, psicosociología.

1 INTRODUÇÃO
Brasília é resultado do desenho de poder, da cristalização do sonho do Brasil grande, que queimaria
etapas e se modernizaria 50 anos em cinco, sob a égide juscelinista de levar as forças
desenvolvimentistas e abrir as fronteiras do interior do país.

Nasce assim como avesso do Brasil, apesar das tentativas dos modernos, e do próprio Lúcio Costa,
à frente do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de exaltação do genuinamente
nacional, buscando reproduzir nas superquadras a vida pacata do interior, misturada aos componentes
construtivos que aludem o vernáculo, como os cobogós, os balcões, entre outros.

Compreender e desinverter esses avessos se torna, portanto, o caminho a ser percorrido por este
trabalho que se pauta nos seguintes questionamentos: como a população percebe e se apropria deste
desenho do poder? Ela se adapta ao desenho programado ou busca formas de uso e apropriações
próprias, diferentes e apesar do projeto? Quais as possibilidades de transformação real e humana do
urbano a partir das vozes da rua?

Frente a esses questionamentos, o trabalho tem por objetivo analisar criticamente como os espaços
públicos e de mobilidade de Brasília, resultantes das decisões de planejamento e desenhos urbanos
realizadas na escala do espaço abstrato – concebido –, são percebidos, usados e apropriados pela
população em sua práxis cotidiana, de tal modo a identificar as subjetividades e recorrências nas vozes
da rua, que se constituem uma força bastante potente para um planejamento e desenho urbanos mais
humanos.

Para tanto, busca-se, teoricamente, discutir sobre o exercício do urbanismo como representação do
poder, ao longo da história, mas sobretudo no modernismo, bem como a centralidade do espaço como
lócus de compreensão da sociedade e da vida cotidiana. Para, em seguida, fazer uma investigação
psicossociologia, mediante aplicação cruzada de questionários e mapas afetivos, baseados nas

2
abordagens dos situacionistas (Debord, 1997; Jacques, 2003) e de Lynch (1997) 1 , de tal modo a
identificar as formas de uso, apropriação e percepção (simbólica e afetiva) dos espaços de Brasília pela
população; bem como dos motes mais recorrentes que possibilitariam uma revolução urbana pelas
vozes do cotidiano, conforme o pensamento de Lefevre (2001, 1999, 1991 e 1993), De Certeau (2003)
e Foucoult (2008).

Os questionários envolveram questões sobre: i) vinculação entre a origem e o destino 2 : vínculo de


dependência, frequência e tempo de permanência, meio e tempo de deslocamento, efeitos do
deslocamento na qualidade de vida; ii) percepção e práticas na cidade de origem: lembranças dos
lugares frequentados na infância, lugares favoritos, significados, descrição da cidade; iii) percepção e
práticas na cidade de destino: significados, o que chama a atenção na paisagem, pontos positivos e
negativos, o que chama a atenção no deslocamento, mudanças na paisagem ao longo do dia e do ano.

Para a elaboração dos mapas afetivos, solicitou-se que a população representasse, sobre o mapa
(do Plano Piloto e de Taguatinga), o caminho percorrido do local onde saiu até a estação de metrô onde
foi realizada a pesquisa, utilizando barbante colorido, bem como registrasse, em linguagem de ícones
e/ou post-its, as sensações e afeições marcantes do percurso. Os ícones foram divididos em quatro
categorias – elementos espaciais (conforme Lynch, 2007), elementos geográficos, experiências afetivas
e atividades desenvolvidas (conforme Débord, 1997; Jacques, 2003; De Certeau, 2003). Os mapas
afetivos permitem explorar os contatos entre o mundo físico e mental de cada um, representando suas
histórias, percepções, sentimentos, experiências pessoais, limites e possibilidades que identificam no
território.

Foram investigadas cinquenta pessoas – que realizaram as duas fases da pesquisa –, abordadas nas
principais estações do metrô de Brasília – na Praça do Relógio, em Taguatinga, no metrô Galeria, no
Setor Comercial Sul, e na rodoviária, essas duas últimas no Plano Piloto.

1 Cumpre ressaltar que esse método é uma adaptação daquele proposto por Lynch, visto que, ao solicitar aos investigados a
representação do trajeto e afeições sobre mapa da cidade já pronto, não se conseguiu extrair a qualidade/facilidade com que
a imagem mental da cidade é formada, expressa, geralmente, no desenho livre, como é caso do mapa mental. Assim como
não adotou a técnica da deriva urbana, mas apenas incorporou a interpretação dos caminhos e ambiências da
pscicogeografia.
2 Considerando que as antigas cidades-satélites, atualmente denominadas de cidades ou regiões administrativas, constituem

uma rede policêntrica e dispersa, que conforma a metropolização do território mais ampla, forjando um emaranhado de
fluxos cotidianos por esses espaços, embora com a primazia do Plano Piloto, que ainda concentra 41,53% dos postos de
trabalho (CODEPLAN, 2015). Derntl (2019) observa que o termo cidade-satélite foi institucionalmente banido em razão da
conotação negativa, reveladora de uma desigualdade socioespacial, bem como pela tentativa, frustada, de fazer destas
cidades dinamicamente independentes, como no congênere inglês da cidade-jardim.

3
2 O DESENHO DO PODER E O PODER DO DESENHO
Se a política é a organização social de um grupo que se desenvolve em um espaço, o lugar no qual esse espaço é
criado será integrador ou segregador, inclusivo ou excludente, estará orientado de acordo com a aspiração à
redistribuição da qualidade de vida ou com a perpetuação da exclusão e do domínio dos poderes. É por isso que a
arquitetura é sempre política (MONTANER; MUXÍ, 2014. p. 65-66).

É a partir do renascimento que a aliança entre o urbanismo e o poder se estabelece, quando o


arquiteto passa a emprestar os seus serviços para a relização do espaço extraordinário, das
manifestações do poder econômico e político, afastando-se do canteiro (Ferro, 1979). Sob a égide da
ordem estética e funcional dos tratados de Alberti, nesse momento, a praça e a rua passam por uma
primeira inflexão, deixando de ser o lugar das funções urbanas e da festa cultural (sagrada e profana)
das diversas classes sociais, para se tornarem percursos visuais, decorativos e com segregação dos
espaços de sociabilização da burguesia nascente (Caldeira, 2007).

Montaner e Muxí (2014) observam que o surgimento dos Estados-nação na Europa e nos Estados
Unidos fizeram com que instituições vinculadas ao Estado o consolidassem politicamente,
concretizando edifícios projetados por arquitetos e engenheiros que transmitiam a cultura dominante
e outros ensinamentos, fazendo com que estes simbolizassem um novo poder administrativo e
legislativo próximo a população.

Cumpre ressaltar também que as noções de princípios éticos, morais e estéticos nas relações entre
a arquitetura e a sociedade surgiram no século XIX, a partir dos estudos e publicações embasados nas
mudanças sociais introduzidas pelo ano de 1848 (Montaner; Muxí, 2014). A proposição da função social
da arquitetura só poderia ser pautada após os inúmeros protestos da classe trabalhadora e a tomada
da consciência de classe, culminando na primavera dos povos (Montaner; Muxí, 2014).

Se a arquitetura funciona como forma de domínio e controle perante à população, como não pensar
as cidades como produto de vários fatores históricos, políticos e sociais que obedecem ou projetam
uma ideologia? Para Lefebvre (1993), o espaço concebido – dos planejadores e urbanistas –
desempenha um papel social e político de maneira abstrata, estabelecendo uma relação entre objetos
e pessoas em uma lógica de dissolução de conflitos e contradições que surgem a partir dele. Esse
espaço abstrato teria, assim, um impacto prático, onde os usuários experimentariam o que foi imposto
a eles, justificado pelas representações concebidas por esses planejadores.

Geraria também uma homogeneização e normatização denominada pelo Estado, conforme suas
forças políticas econômicas. De tal modo que o espaço acaba sendo um produto conjunto entre a
arquitetura e o Estado, em uma lógica de ordem, racionalização e higienização.

4
A nova monumentalidade pautada pelo moderno simbolizava ideais coletivos, porém, se
transformou em instrumentos de controle do espaço, aumento dos lucros e a construção de um
imaginário que vinculava o progresso social ao econômico (Rodrigues, 2011). Na cidade moderna, a
monumentalidade se afirmaria nas diferenças de escalas, noções de hierarquia e setorizações muito
bem delimitadas3.

Juntamente ao debate da produção do desenho de poder, cabe registrar o surgimento, no século


XX, da figura do arquiteto liberal, gerando, no corpo da Bauhaus e do CIAM, a pressão para a
regulamentação do exercício das atividades técnicas na arquitetura por colégios profissionais
(Montaner; Muxí, 2014). O que foi dualizado pela Bauhaus imaginista, que buscava a arquitetura como
uma prática emancipadora e coletiva, na qual o arquiteto seria um “técnico a serviço da sociedade”, e
a Bauhaus funcionalista, que enfatizaria a sociedade liberal e a figura do arquiteto como criador.

3 INVESTIGAÇÃO PSICOSSOLÓGICA DA VIDA COTIDIANA NOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE


BRASÍLIA
Brasília é resultado das decisões sobre o espaço abstrato, quer pelos planos políticos de marcha
para o oeste e cepalino de integração e desenvolvimento do país, quer ainda pelo desenho de utopia
social de Lúcio Costa expressa no ato inaugural – “nasce do gesto primário de quem assinala um lugar
ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”
(CODEPLAN, 1991).

As primeiras cidades-satélites (atualmente chamadas de Regiões Administrativas) são inauguradas


antes mesmo do Plano, apesar de Lúcio Costa prever a sua criação somente depois que o Plano Piloto
atingisse cerca de 500 mil habitantes. Adicionalmente, frente ao problema de abastecimento dos
acampamentos de obras, ou mesmo da necessidade de fixação dos migrantes ao território, desde 1957,
o Governo Federal promoveu a concessão de lotes rurais, por longo prazo, para a formação de colônias
agrícolas (Derntl, 2019).

Derntl (2019) avalia que, na medida em que as novas urbanizações foram sendo criadas, adotava-
se o desenho do moderno periférico (Holanda, 2003), que reproduz o zoneamento funcionalista, mas
longe da monumentalidade do conjunto do poder. Enquanto isso, havia a extensão periférica das
cidades-satélites, em desenhos populares ou assentamentos precários, e a proliferação de

3Lucio Costa, no Relatório do Plano Piloto de Brasília, descreve a necessidade da concepção da nova capital ser monumental e organiza a
cidade em eixos e setores, configurando suas hierarquias com centralidades e diferenças de escala (CODEPLAN, 1991).

5
condomínios fechados, como alternativa de moradia da população de média renda, que não queria
morar nas cidades-satélites, mas não conseguia acessar o Plano; além da dispersão da mancha urbana
pelo entorno goiano, onde a atuação do solo privado representaria a possibilidade de acesso ao pedaço
de chão na metrópole brasiliense pelos segmentos populares.

Desse modo, a pretensão inicial de formação de uma rede urbana policêntrica, que pudesse
contrabalancear o Plano Piloto (Paviani, 2010), é contrastada pela formação de núcleos urbanos
dormitórios, carentes de uma base econômica diversificada e de equipamentos coletivos mais
qualificados, passando a depender, cotidianamente, de grandes deslocamentos para acessar
alternativas de emprego, saúde, educação e lazer melhor estruturados, enfim, o “direito à cidade”,
negado em seus territórios.

O conjunto do poder, pela monumentalidade, acaba produzindo uma paisagem de objetos, ao invés
de uma paisagem de lugares (Holanda, 2003), são monumentos que não têm portas para a rua, as
pessoas não sabem/não são convidadas a acessar. Brasília promove também a morte da rua, como
lugar simbólico das manifestações e encontros. Não é a toa que a cidade, sobretudo durante a ditadura
militar, pode ser vista como autoritária, não só por possuir seus conjuntos monumentais/simbólicos
protegidos da população, mas também por gerar um domínio perspectivo, muito propenso ao controle
panóptico.

Por fim, a cidade que já nasce pronta, e é protegida pelo patrimônio, não posssibilita a oportunidade
de construção do espaço pela população, enquanto as cidades-satélites suprem mais o desejo da
população de fazer a cidade, gerando, consequentemente, maior sentimento de pertencimento.

3.1 Explorando os resultados dos questionários e mapas afetivos aplicados à população


A pesquisa in loco teve por objetivo investigar as relações cotidianas que ocorrem no deslocamento
em massa dos brasilienses para outras cidades, bem como suas relações psicoafetivas com as mesmas.
Obteve-se uma amostra total de 50 pessoas, que acabou por formar dois grupos com relações distintas:
deslocamentos das Regiões Administrativas (R.A.) ou do Entorno goiano para o Plano Piloto e das R.A’s
e Entorno com a R.A Taguatinga.

6
Como escolha de abordagem para a pesquisa, optou-se por analisar a relação da R.A. Taguatinga e
o Plano Piloto, uma vez que a mesma, por mais que se estabeleça como um grande polo comercial e
de serviços4, ainda possui vínculos com o centro de Brasília.

Primeiramente, foram levantados perfis socioeconômicos dos questionados: idade, sexo (vide figura
1) e fluxos e fixos especializados (origem e destino x frequência semanal e durante o final de semana x
meio de transporte utilizado x tempo de deslocamento - vide figura 2 (a) e (b) e figura 3 (a) e (b)).
Posteriormente, mapas afetivos aplicados em pontos focais de mobilidade que concentram grandes
fluxos de transporte de acordo com Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do Distrito
Federal e Entorno (PDTU). No Plano Piloto, foram escolhidos a estação metroviária Galeria e a
Rodoviária, em Taguatinga, foi escolhida a estação metroviária Praça do Relógio.

Figura 1: Dados gerais dos questionados.

Masculino 13 10 1

Feminino 13 10 2 1

Adultos Jovens Crianças Idosos Não Informado

Fonte: arquivo pessoal da autora, 2019.

4 Dados do PDAD (2015) apontam Taguatinga como o segundo local que mais concentra postos de trabalho no DF depois do Plano Piloto.

7
Figura 2 (a) e (b): Deslocamentos das Regiões Administrativas (R.A.’s) e do Entorno goiano para a R.A. Plano Piloto e vínculo,
meio de transporte utilizado e horas de deslocamento.

Fonte: arquivo pessoal da autora, 2019.

8
Figura 3 (a) e (b): Deslocamentos das Regiões Administrativas (R.A.’s) e do Entorno goiano para a R.A. Taguatinga e vínculo,
meio de transporte utilizado e horas de deslocamento.

Fonte: arquivo pessoal da autora, 2019.

As perguntas subjetivas revelam uma segregação classista entre ser um morador do Plano Piloto ou
das regiões administrativas, a descrição do Plano Piloto como a capital da esperança e símbolo de
ascensão no imaginário coletivo é recorrente, sendo comum a utilização de palavras que remetiam à
beleza, organização e qualidade de vida. Seus monumentos e arborização são fortemente percebidos
pela população e a sensação de “morar dentro de um parque” e ter contato com uma “arquitetura com
identidade” contribuem para que muitas falas que coloquem o centro de Brasília como meta de vida.

9
Inclusive, por mais que o Plano Piloto fosse colocado enquanto meta, também foi criticado por ser uma
cidade com falta de vínculos de pertencimento.

Apesar da predominância das falas de orgulho aos espaços monumentais de Brasília, marcando,
possivelmente uma alienação sobre a realidade do espaço, algumas passagens permitiram identificar
problemas do desenho monumental: a excessiva distância para percorrer os atrativos (a Feira da Torre,
por exemplo), coibindo o seu uso mais sistemático; o Eixo Rodoviário e as passagens subterrâneas
sendo apresentados como barreiras e a excessiva setorização como dificultadora da realização das
tarefas cotidianas e orientabilidade na cidade.

O verde bucólico de Brasília demarcou a segregação socioespacial existente, falas da população


como "o verde vai mudando e ficando mais bonito quando chega no Plano" descrevem a transição de
uma cidade verde para as regiões administrativas que não possuem tal característica. Com isso, reforça
o papel de um paisagismo de qualidade acessível somente para uns, corroborando para que o mesmo
seja privilegiado em áreas com maior poder aquisitivo.

O Parque da Cidade foi muito relacionado como atrativo de finais de semana, o que pode
representar ainda um comportamento de lazer em massa. Porém, nas falas da população, as
dificuldades de acesso a ele, por meio do transporte coletivo, foram presentes em várias respostas.
Além disso, o uso dos shoppings centers prevaleceu dentre as opções de lazer em massa das
populações, representando uma cultura consumista capitalista onde o lazer predominante não se
estabelece em espaços públicos, e sim, privados.

No imaginário coletivo sobre as RA's, Ceilândia se apresenta como uma cidade que possui “raízes”
e se ressignifica como “resistência", a defesa da cidade como vítima de um preconceito geral surge em
várias falas que a defendem da imagem pejorativa que a perpetua como um lugar violento. Tanto ela,
quanto Taguatinga foram colocadas como cidades autossuficientes, com polos de cultura, comércio e
essência.

Os mapas afetivos aplicados em Taguatinga relacionaram comumente pontos de interesse afetivos


específicos do tecido urbano: uma padaria, uma lanchonete, as casas de uma rua, uma árvore na porta
de uma casa, etc.; ao passo que, no Plano Piloto, referenciou-se mais os principais atrativos – os
shoppings, o Parque da Cidade, o Jardim Zoológico, a Torre de TV, o Mané Garrincha, o Teatro Nacional
e o Lago Paranoá.

10
No que tange aos aspectos negativos relacionados à qualidade de vida e à mobilidade por meio dos
transportes públicos, 76% dos entrevistados afirmam que o tempo gasto no deslocamento causa
cansaço e estresse, atrapalhando a organização do tempo e diminuindo o tempo gasto em atividades
que promoveriam um maior bem-estar. Esses dados, então, confirmam a rotina exaustiva em que a
população é submetida nesses movimentos pendulares diários para o centro da capital.

5 CONCLUSÕES
A profissão do arquiteto, mesmo prestando serviços a instituições privadas, estabelece diálogo com
instituições públicas pois elas regulamentam sua atuação profissional ou no território. E no caso de
Brasília, a relação da arquitetura com o Estado já estabelecia um vínculo de proposta de serviço para
com eles, uma vez que o concurso de projeto da capital permitiu a implantação de um plano
arquitetônico urbanístico em grande escala.

O imaginário ainda presente de Brasília como a capital da esperança, estimulado pelo governo na
época de sua ocupação, ainda possui forte imageabilidade na percepção de vários brasileiros que
enxergam a capital como esperança na oferta de empregos. Todavia, cabe ressaltar que não somente
o caráter político da cidade a incentiva enquanto símbolo de ascensão, e sim, também sua
desigualdade socioespacial devido seu plano urbanístico concebido na parceria entre arquitetura e o
Estado. O centro de Brasília é tido como símbolo de sucesso e expectativa dos moradores do DF que
não o ocupam.

O dia a dia do brasiliense demonstra uma série de reinvindicações, quer por melhorias urbanas nas
Regiões Administrativas em que residem – pelo acesso aos serviços coletivos, mas também por sua
inclusão simbólica como referência monumental-modernista –, quer em Brasília – sobretudo, pela
demanda de melhoria do transporte coletivo e de melhor acessibilidade aos diversos pontos.

Diariamente, pessoas se deslocam até o centro da capital, usam-no e percebem-no como um sonho
quase inatingível e voltam para o seu território de origem. É urgente o incentivo a uma urbanidade não
centralizada, de proposições que fortaleçam os diferentes usos e apropriações nas cidades da
metrópole e possam desconstruir esse imaginário de reverência e desigualdade.

7 REFERÊNCIAS
CALDEIRA, J. M. A praça na cidade brasileira, trajetória de um espaço urbano: origem e modernidade. (tese de
doutorado) Campinas: Unicamp, 2007.
CODEPLAN. Relatório do Plano Piloto. Brasília, 1991.

11
________. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios do Distrito Federal – PDAD DF – 2015. Brasília, 2015.
DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.
DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DERNTL, M. F. O Plano Piloto e os planos regionais para Brasília entre fins da década de 1940 e início dos anos
60. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, São Paulo, V.21, N.2, 2019. p.26-44.
FERRO, S. O Canteiro e o desenho. São Paulo: Projeto, 1979.
GDF. Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do Distrito Federal e Entorno – PDTU – 2010. Brasília,
2010.
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HOLANDA, F. R. V. de. Uma ponte para a urbanidade. R . B . Estudos Urbanos e Regionais nº 5. São Paulo, 2002.
________, F. R. B. de. Brasília: da Carta de Atenas à cidade de muros. V Seminário Nacional Docomomo Brasil.
São Carlos, EESC USP, 2003.
HOLSTON, J. A Cidade Modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia/ James Holston; Tradução Marcelo Coelho.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
JACQUES, Paola B. (org.). Apologia da Deriva – escritos situacionistas sobre a cidade / Internacional Situacionista.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
KOOLHAS, R. Junkspace. In: SYKES, A. Krista (Org.). O campo ampliado da arquitetura: Antologia teórica 1993-
2009. Face Norte, volume 15. São Paulo, Cosac Naify, 2013.
KOOLHASS, R. Três textos sobre a cidade. Barcelona: G.G, 2010.
LEFEBVRE, H. A vida cotidiana do mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.
________, H. The production of space. Oxford, UK & Cambridge, 1993.
LYNCH, K. Imagem da Cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 227 p.
MONTANER, J. M. MUXÍ, Z. Arquitetura e política: ensaios para mundos alternativos/ Josep Maria Montaner e
Zaida Muxí. São Paulo: Gustavo Gili, 2014.
PAVIANI, A. Brasília, a metrópole em crise: ensaios sobre urbanização. Brasília: Ed. UnB, 2010.
_______, A. Patrimônio urbano de Brasília: urbanização com desigualdade socioespacial. Brasília, 2011.
RODRIGUES, C. M. Cidade, monumentalidade e poder. Paraná, 2001.

12
Análise de espaços livres de uso público para idosos: aplicação de
indicadores da qualidade na Regional Centro, Vila Velha - ES
Analysis of open spaces for public use for the elderly: application of quality indicators in
the Regional Center, Vila Velha – ES

Análisis de espacios libres de uso público para ancianos: aplicación de indicadores


de calidad en la Regional Centro, Vila Velha - ES

SOUZA, Rhaquel de Paula


Estudante, Universidade de Vila Velha, rhaqueldepaula@gmail.com

LUCIANA APARECIDA, Netto de Jesus


Doutora, Universidade Federal do Espírito Santo, Luciana.a.jesus@ufes.br

KARLA, Moreira Conde


Doutora, Universidade Federal do Espírito Santo, karla.conde@ufes.br

RESUMO
O envelhecimento populacional é um fenômeno demográfico em constante crescimento e em destaque na
realidade brasileira. Ao envelhecer, as ideias e paradigmas dos indivíduos mudam, inclusive em relação à
mobilidade e acessibilidade, e a relação deste público com os espaços livres urbanos, também se alteram. Neste
contexto, o presente artigo tem como objetivo verificar a inclusão de idosos em espaços livres de uso público
existentes na Regional I do município de Vila Velha – ES. O estudo foi realizado após uma contextualização do
tema e pesquisa bibliográfica, que auxiliaram na elaboração de indicadores baseados na adaptação da
ferramenta Índice de Caminhabilidade (iCam) e inclusão de novos, criados de acordo com as necessidades básicas
de um espaço público de qualidade. Tais indicadores foram divididos em quatro categorias, respectivamente:
Proteção e Segurança; Conforto e Imagem; Acessos e Conexões; e Sociabilidade, Usos e Atividades. E através
desta metodologia e com os resultados obtidos, foi possível compreender que os indicadores dentro das
categorias “Proteção e Segurança” e “Conforto e Imagem” influenciaram na qualidade e vitalidade dos espaços
públicos analisados.
PALAVRAS-CHAVES: espaços públicos, idosos, inclusão, sociabilidade.

ABSTRACT
Population aging is a growing and growing demographic phenomenon in the Brazilian reality. As people grow
older, the ideas and paradigms of individuals change, even in relation to mobility and accessibility, and the
relationship of this public with urban spaces also change. In this context, the present article aims to verify the
inclusion of elderly people in spaces free of public use existing in Regional I of the municipality of Vila Velha - ES.
The study was carried out after a contextualization of the theme and bibliographical research, which helped in
the elaboration of indicators based on the adaptation of the Tool Index of iCam and inclusion of new, created
according to the basic needs of a quality public space. These indicators were divided into four categories,
respectively: Protection and Security; Comfort and Image; Access and Connections; and Sociability, Uses and
Activities. And through this methodology and with the results obtained, it was possible to understand that the
indicators within the categories "Protection and Safety" and "Comfort and Image" influence the quality and
vitality of the Regional Center squares.

1
KEY WORDS: public spaces, the elderly, inclusion, sociability

RESUMEN
El envejecimiento poblacional es un fenómeno demográfico en constante crecimiento y en destaque en la realidad
brasileña. Al envejecer, las ideas y paradigmas de los individuos cambian, incluso en relación con la movilidad y
accesibilidad, y la relación de este público con los espacios libres urbanos, también se alteran. En este contexto,
el presente artículo tiene como objetivo verificar la inclusión de ancianos en espacios libres de uso público
existentes en la Regional I del municipio de Vila Velha - ES. El estudio fue realizado después de una
contextualización del tema e investigación bibliográfica, que ayudaron en la elaboración de indicadores basados
en la adaptación de la herramienta Índice de Caminos (iCam) e inclusión de nuevos, creados de acuerdo con las
necesidades básicas de un espacio público de calidad. Estos indicadores se dividieron en cuatro categorías,
respectivamente: Protección y Seguridad; Confort e imagen; Accesos y Conexiones; y Sociabilidad, Usos y
Actividades. Y a través de esta metodología y con los resultados obtenidos, fue posible comprender que los
indicadores dentro de las categorías "Protección y Seguridad" y "Confort e Imagen" influencian en la calidad y
vitalidad de las plazas de la Regional Centro.
PALABRAS CLAVE: espacios públicos, ancianos, inclusión, sociabilidad.

1. INTRODUÇÃO
A forma como os espaços públicos estão preparados para atender a população idosa tornou-se
temática de estudos e análises, realizados por diversos profissionais e estudantes da área de
arquitetura e urbanismo, devido ao atual cenário de envelhecimento que países como o Brasil vêm
passando.

Segundo as últimas projeções do IBGE (2018), a estimativa é de que, aproximadamente, em 2031, o


número da população idosa brasileira (acima de 60 anos) será maior do que o número de jovens (0 a
14 anos). O aumento é explicado pela baixa taxa de fecundidade e a evolução do conhecimento
científico e tecnológico que proporcionam uma melhor qualidade de vida e estendem o período de
longevidade.

Para envelhecer com bem-estar físico e mental, o indivíduo idoso busca permanecer ativo na
sociedade, utilizando-se do espaço na cidade que lhe ofereça atividades e equipamentos
(PFUTZENREUTER, 2014). E de acordo com os estudos de Gehl (2009), quanto mais as pessoas
permanecem nos espaços públicos, maior o número de encontros e conversas entre si, o que estimula
o contato e a inclusão social. Logo, pode-se afirmar a necessidade do uso do espaço público como
promotor da interação entre diferentes idades, que enriquece a vida social e cultural e favorece a
saúde da população idosa.

Porém, a terceira idade faz parte do segmento excluído da sociedade, o que é visível no preconceito
estabelecido nas relações sociais, em que a velhice é vista como uma fase de falência e perda de

2
motivação (CORREA, 2016). Os desafios enfrentados pelos idosos são considerados barreiras físicas e
sociais, que comprometem seu acesso ao espaço público urbano e ainda delimitam o(s) lugar(es) que
devem ocupar e a maneira como devem fazê-lo, principalmente nos tópicos de acessibilidade e
sociabilidade.

Devido ao atual quadro de envelhecimento no Brasil e os desafios enfrentados por esse público, fez-
se necessário identificar e qualificar os espaços públicos da cidade. O artigo busca entender como o
ambiente urbano está preparado para atender a população idosa, bem como o potencial de inclusão
do indivíduo, a partir da adaptação da ferramenta Índice de Caminhabilidade (iCam), elaborada pelo
Instituto de Pesquisas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil, 2018). De forma a promover a
avaliação do iCam aos espaços públicos, foi necessário propor a adequação dos indicadores existentes,
assim como, realizar novas abordagens, organizando-os em quatro categorias, que são: Proteção e
Segurança; Conforto e Imagem; Acessos e Conexões; e Sociabilidade, Usos e Atividades.

O estudo em questão atua em vinte praças da Regional Grande Centro, da cidade de Vila Velha -ES, e
está sendo realizado por um grupo de pesquisa entre duas universidades do Espírito Santo – Brasil.
Através da avaliação das praças, busca-se propor diretrizes projetuais para espaços livres de uso
público de forma a torná-los mais atraentes e estimulantes. Considera-se que a qualidade física dos
espaços públicos influencia no psicológico dos cidadãos e na sua participação nas atividades sociais.

2. MATERIAL E MÉTODO

O trabalho inicia-se com o levantamento bibliográfico, nesta etapa foi possível aprofundar-se no tema
de espaços livres com ênfase no idoso e o estudo de ferramentas destinadas a avaliação dos espaços
públicos. A partir desse levantamento, foram realizadas a análise e a adequação da ferramenta Índice
de Caminhabilidade (iCam), bem como, a proposta de inclusão de novos indicadores.

O método de avaliação proposto é organizado em categorias, atributos e indicadores. As categorias,


baseadas no Guia dos espaços públicos (2015), definem os temas abordados e considerados de maior
relevância na avaliação destes espaços. Os atributos são como “subcategorias”, contribuem na
organização das categorias e melhor direcionam a especificidade dos indicadores. Já os indicadores
serão os responsáveis pela qualificação e quantificação do desempenho do espaço analisado (CONDE
et al., 2019), seguindo a forma de pontuação estabelecida pelo próprio sistema de avaliação do iCam

3
(2018), no qual, obedecendo parâmetros previamente estipulados, pontua-se com valores de 0 (zero)
a 3 (três) para cada indicador (ver quadro 1).

Quadro 1: Pontuação definida para classificar os indicadores


Pontuação 3 Pontuação 2 a 2,9 Pontuação 1 a 1,9 Pontuação 0 a 0,9
Ótimo Bom Suficiente Insuficiente
Fonte: adaptado de Índice de Caminhabilidade, 2018.

Neste sentido, a pesquisa apresenta 22 indicadores, agrupados em 8 atributos e organizados em quatro


categorias, são elas: (A) Proteção e Segurança; (B) Conforto e Imagem; (C) Acessos e conexões; e (D)
Sociabilidade, usos e atividades. No Quadro 2 são apresentados as categorias, atributos e indicadores
(novos e adaptados do iCam), seguido de uma breve descrição dos temas abordados por categoria,
com ênfase na inclusão de idosos.

Quadro 2: Distribuição das categorias, atributos e indicadores


Elaborado
Adaptados do
Categorias Atributos Indicadores pelo Grupo
iCam
de Pesquisa
Travessias X
Segurança Viária
Tipologia de rua X
Levantamento alternativo para
(A) Proteção e X
iluminação
Segurança
Segurança Pública Fluxo de pedestres
X
Diurno e Noturno
Câmeras de segurança X
Coleta de lixo X
Poluição sonora X
(B) Conforto e Ambiente Sombra e abrigo X
Imagem Sombra e abrigo em área
X
específica
Mobiliário Assentos X
Dimensão das quadras X
Mobilidade Distância a pé do transporte
X
(C) Acessos e público
Conexões Largura da calçada X
Calçada e
Pavimentação da calçada X
pavimentação
Pavimentação da praça X
Fachadas fisicamente permeáveis X
Fachadas visualmente ativas X
Atração
Uso noturno e diurno X
(D) Sociabilidade,
Uso misto X
Usos e
Equipamentos físicos e serviços X
Atividades
Equipamentos e Atividades e apropriações
X
atividades comunitárias
Atividades que incluem os idosos X
Fonte: os autores, 2019.

4
2.1 Descrição das categorias e parâmetros de pontuação das praças

2.1.1 Categoria segurança e proteção


As transformações urbanas causam uma certa insegurança no indivíduo idoso, principalmente nos
quesitos de criminalidade e aumento do trânsito. Soma-se a isso, uma condição social de maior
vulnerabilidade dos idosos, pela ausência de proteções sociais mínimas, acentuando o sentimento de
temor e insegurança na cidade. Em vista disso, esta categoria busca referir a seguridade das praças ao
observar a velocidade das ruas de acesso; condições das travessias – faixa de pedestre, piso podotátil
e sinalização; requisitos mínimos para a permanência dos idosos, além de uma boa iluminação e fluxo
de pessoas. Os parâmetros para a pontuação destes indicadores são descritos no Quadro 3.

Quadro 3: Parâmetros de pontuação da categoria Proteção e Segurança


Parâmetro de avaliação
Categoria

Atributo

Indi ca dor Pontua çã o 3 Pontua çã o 2 a 2,9 Pontua çã o 1 a 1,9 Pontua çã o 0 a 0,9


(ótimo) (bom) (s ufi ci ente) (i ns ufi ci ente)

100% da s tra ves s i a s ≥ 75% da s tra ves s i a s < 50% da s


≥ 50% da s tra ves s i a s
cumprem os cumprem os tra ves s i a s cumprem
Tra ves s i a s cumprem os requi s i tos
requi s i tos de requi s i tos de os requi s i tos de
de qua l i da de
qua l i da de qua l i da de qua l i da de
Segurança viária

Vi a s Vi a s
compa rtil ha da s Vi a s compa rtil ha da s compa rtil ha da s
Vel oci da de ≤ 20 Vel oci da de ≤ 30 km/h Vel oci da de > 30
Vi a s excl us i va s pa ra km/h km/h
( A ) Proteção e Segurança

Ti pol ogi a de rua


pedes tres (ca l ça dões ) Vi a s com ca l ça da s Vi a s com ca l ça da s
Vi a s com ca l ça da s
s egrega da s s egrega da s
s egrega da s
Vel oci da de ≤ 30 Vel oci da de > 50
Vel oci da de ≤ 50 km/h
km/h km/h
Leva ntamento
Res ul tado da Res ul tado da Res ul tado da Res ul tado da
Al terna tivo pa ra
a va l i a çã o = 100 a va l i a çã o = 90 a va l i a çã o = 60 a va l i a çã o < 60
Il umi na çã o*
Segurança pública

us o/fl uxo de pes s oa s


us o/fl uxo de pes s oa s us o/fl uxo de a us ênci a us o/fl uxo
em um dos turnos
Fl uxo de Pedes tres nos turnos di urno e pes s oa s em um dos pedes tre em
dura ntes di a s utei s ou
Di urno e Noturno noturno em todos os turnos em todos os di ferentes turnos e
fi na i s de s ema na e
di a s da s ema na di a s da s ema na di a s de s ema na
feri a dos

Câ mera s de s egura nça pres ença a us ênci a

Nota: * Ba s ea do na a ná l i s e de requi s i tos pre-es tabel eci dos . Os requi s i tos s ã o pontua dos e a s oma tóri a foi util i za da pa ra
cl a s s i fi ca r o i ndi ca dor.
Fonte: adaptado de Índice de Caminhabilidade, 2018.

2.1.2 Categoria conforto e imagem


Na categoria Conforto e Imagem, verifica-se a situação do ambiente das praças e incluem-se atributos
de sombreamento e assentos. A qualidade do ambiente influencia diretamente na vitalidade do espaço

5
público, como refere Alves (2003), tais locais devem prover de conforto para a ocorrência de
experiências neles vividas e assim gerar condições de pertencimento ao local.

Para melhor entendimento, explica-se que o termo “área específica”, utilizado no indicador “Sombra e
abrigo em área específica” (Quadro 4), compreende a área dentro da praça destinada exclusivamente
para os idosos, e neste estudo são consideradas as academias de idosos e as mesas de jogos.

Quadro 4: Parâmetros de pontuação da categoria Conforto e Imagem


Parâmetro de avaliação
Categoria

Atributo

Indicador Pontuação 0
Pontuação 3 (ótimo) Pontuação 2 (bom) Pontuação 1 (suficiente)
(insuficiente)

Coleta Resultado da Resultado da Resultado da Resultado da


de lixo * avaliação = 100 avaliação = 90 avaliação = 80 avaliação < 80

≤ 55 dB(A) de nível de ruído ≤ 70 dB(A) de nível de ≤ 80 dB(A) de nível de > 80 dB(A) de nível de
Poluição sonora
no ambiente ruído no ambiente ruído no ambiente ruído no ambiente

≥ 50% da extensão do ≥ 25% da extensão do < 25% da extensão do


≥ 75% da área da praça
segmento da praça segmento da praça segmento da praça
Ambiente

apresenta elementos
Sombra e abrigo apresenta elementos apresenta elementos apresenta elementos
adequados de
adequados de adequados de adequados de
sombra/abrigo
( B ) Conforto e imagem

sombra/abrigo sombra/abrigo sombra/abrigo

≥ 50% da extensão do ≥ 25% da extensão do < 25% da extensão do


≥ 75% da área do espaço
segmento da praça segmento da praça segmento da praça
Sombra e abrigo em apresenta elementos
apresenta elementos apresenta elementos apresenta elementos
área especifica adequados de
adequados de adequados de adequados de
sombra/abrigo
sombra/abrigo sombra/abrigo sombra/abrigo

Presença de assentos Presença de assentos


(fixos ou móveis) em locais (fixos ou móveis) em
de permanência, em locais de permanência, em
Mobiliário

perfeitas condições, perfeitas condições,


Presença de assentos em
Assentos sombreados, em locais sombreados, em locais Ausência de assentos
locais de permanência
seguros e iluminados. (1 seguros e iluminados. (1
assento de 30,5 cm por assento de 30,5 cm por
cada 11 m2 de praça) cada 22 m2 de praça)

Nota: * Baseado na análise de requisitos pre-estabelecidos. Os requisitos são pontuados e a somatória foi utilizada para classificar o
indicador.
Fonte: adaptado de Índice de Caminhabilidade, 2018

2.1.3 Categoria acessos e conexões

As características como as dimensões das quadras e distância a pé ao transporte público, situadas no


atributo Mobilidade, destacam o deslocamento do pedestre idoso, devido a necessidade de atenção
no sentido de obter meios para facilitar suas atividades cotidianas, como desde possuir autonomia
para caminhar pela cidade até decidir sobre sua rotina.

6
Além disso, essa categoria apresenta dois indicadores de pavimentação no atributo Calçada e
pavimentação, são eles: o perímetro da calçada e a parte interna da praça, conforme é visto no Quadro
5.

Quadro 5: Parâmetros de pontuação da categoria Acessos e Conexões

Fonte: adaptado de Índice de Caminhabilidade, 2018

2.1.4 Categoria sociabilidade, usos e atividades

Esta categoria refere-se às questões sociais da praça, em que o objetivo é averiguar se o local é propício
a vivências, e diversidade cultural, o que é visto na divisão dos indicadores (Quadro 6) em dois
atributos, são eles: atração e equipamentos e atividades.

É possível notar que através dessas relações do espaço e o envelhecimento ativo, já se evidenciam
aspectos dos determinantes sociais e de saúde, como por exemplo, a prevenção à saúde mental
(depressão); a saúde física (risco de quedas e lesões); estilos de vida (prática de atividades físicas);
apoio social (isolamento social). Além disso, a importância da descoberta de novos significados para a
vida dos idosos.

7
Quadro 6: Parâmetros de pontuação da categoria Sociabilidade, usos e atividades

Fonte: adaptado de Índice de Caminhabilidade, 2018

2.2 Mapeamento e identificação dos espaços públicos a serem avaliados


Após a definição do método de avaliação a ser aplicado, iniciou-se a terceira etapa deste trabalho. Esta
refere-se ao mapeamento e análise socioespacial dos espaços públicos identificados na Região
Administrativa I do município de Vila Velha – ES. Para isso, buscou-se o auxílio de dados obtidos através
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Plano Diretor Municipal (PDM) de Vila Velha
e de programas de geoprocessamento, como o software ArcGIS, utilizando dados públicos municipais.

A Região Administrativa I do município de Vila Velha – ES (Figura 1, identificação em amarelo), possui


um total de 18 bairros, são eles: Boa Vista, Boa Vista II, Coqueiral de Itaparica, Cristóvão Colombo,
Divino Espírito Santo, Glória, Ilha dos Ayres, Itapuã, Jaburuna, Jockey de Itaparica, Olaria, Praia da
Costa, Praia das Gaivotas, Praia de Itaparica, Residencial Itaparica, Soteco e Vista da Penha. Destaca-
se como a região central, reunindo os principais polos de comércio e serviço do munícipio de Vila Velha
e conta com uma quantidade significativa de praças (20 no total), que estão identificadas por cada
bairro (ver figura 2).

8
Figura 1 – Mapa de localização da Regional I, Vila Velha - ES

Fonte: organização de arquivos da Prefeitura de Vila Velha, 2019

Figura 2: Mapa de localização das praças da Regional I, Vila Velha –ES

Fonte: organização de arquivos da Prefeitura de Vila Velha, 2019

9
3. RESULTADOS OBTIDOS

A partir da metodologia de avaliação proposta e a sua aplicação nos espaços públicos (praças) da
Regional Grande Centro, foram obtidos resultados que contribuem para o melhor conhecimento dos
espaços e o reconhecimento das principais demandas. Seguindo a organização das categorias
estabelecidas na pesquisa, apresenta-se nos quadros 7 a 10 a avaliação das praças por indicador.

3.1 Proteção e segurança nas praças

Ao observar o Quadro 7, percebe-se a grande quantidade de notas 0 (zero) nos indicadores “câmera
de segurança” e “travessias”, isso é explicado devido a maioria das praças não possuir câmeras de
segurança e nem travessias que cumpram os requisitos de qualidade, como presença de faixa de
pedestre, rampas com inclinação adequada ou piso podotátil. Fato que contribui para a falta de
independência e segurança para os idosos, já que tarefas consideradas simples, como atravessar uma
rua na faixa de pedestres, subir e descer da calçada, ou mesmo andar por ela, podem se transformar
em verdadeiros desafios.

Quadro 7: Valores dos indicadores obtidos na Categoria “Proteção e segurança” de cada praça da Regional I, Vila Velha – ES

Fonte: as autoras, 2019

10
A praça do Jockey obteve a pior pontuação do quadro, contando com somente nota 0.4 e identificada
como insuficiente. O local é afastado da área movimentada do bairro Jockey e há presença de pessoas
em condição de rua, afastando os moradores locais e impedindo de se apropriarem do espaço para
atividades de lazer, fato que contribui para a aparência de abandono e descaso da praça. No período
noturno o risco de caminhar pela praça aumenta com a falta de vivência e iluminação deficiente.

3.2 Conforto e imagem nas praças

Os indicadores “coleta de lixo” e “poluição sonora” foram os que obtiveram pontuação melhor,
seguindo aos parâmetros de limpeza e nível de ruído das praças, estipulados pelo iCam (ITDP Brasil,
2018). O indicador “Coleta de lixo” pontuou que a limpeza pública nas praças da Regional I é feita de
forma eficiente, contando com dez praças que receberam pontuação 3 (três). Apenas duas praças
ganharam nota 0 (zero) como visto no Quadro 8, são elas: Praça Argilano Dario e a Praça São Francisco
de Assis, nessas praças foram encontrados, principalmente, resíduos residenciais.
Quadro 8: Valores dos indicadores obtidos na Categoria “Conforto e Imagem” de cada praça da Regional I, Vila Velha - ES

Fonte: as autoras, 2019

11
No quesito “poluição sonora”, grande parte das praças, cerca de 80%, apresentou níveis de ruído abaixo
de 70dB, alcançando assim notas 3 (três) e 2 (dois). Porém, as Praça Duque de Caxias e Praça Moacyr
Loureiro, por estarem situadas em avenidas de grande fluxo de veículos, apresentaram nota 0 (zero)
com níveis de ruído acima de 80dB, o que não é adequado para um ambiente urbano, segundo a
Organização Mundial da Saúde (OMS).

As notas mais baixas foram encontradas nos indicadores “sombra e abrigo em área específica” e
“assentos”. Do total de praças, sete ficaram com nota 0 (zero) em ambos os indicadores, e outras dez
praças em pelo menos um deles. Tal situação mostra como os espaços públicos da Regional Grande
Centro não oferecem condições necessárias para a permanência dos cidadãos idosos, característica
que torna o espaço vazio ou subtilizado. Um bom exemplo foi registrado na visita a Praça Argilano Dario
no bairro Boa Vista II (figura 3).

Figura 3: Praça Argilano Dario, bairro Boa Vista II

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

3.3 Acesso e conexões nas praças

Nesta categoria, o indicador “distância a pé ao transporte público” possui a nota mais alta nesta
categoria, respectivamente 2,8. Todas os locais obtiveram pontuação 2 (dois) ou 3 (três), expondo que
as praças da Regional 1 são bem equipadas no quesito mobilidade urbana, com pontos de ônibus em
menos de 500 metros de distância.

Outros dois indicadores bem pontuados são “pavimentação da calçada” e “pavimentação da praça”,
obtendo, respectivamente, 2.2 e 2.3 nesta categoria. Fato curioso e contrastante com a realidade das
calçadas e ruas de toda a cidade de Vila Velha, embora o projeto “calçada legal” tenha sido
implantando, muitas áreas do munícipio carecem de infraestrutura nos passeios.

O pior indicador pontuado foi a “dimensão das quadras” com um total de 1,15 e do total das praças,
cerca de 55% ganharam nota 1 (um) e outros 15% com nota 0 (zero), conforme é observado no quadro

12
9. O tamanho das quadras ideal é de no máximo 110 metros de extensão, o que não ocorre nas praças
Central de Gaivotas, Coqueiral e Jockey, todas contanto com quadras de 130 metros de extensão para
cima.

Quadro 9: Valores dos indicadores obtidos na Categoria “Acessos e conexões” de cada praça da Regional I, Vila Velha – ES

Fonte: as autoras, 2019

3.4 Sociabilidade, usos e atividades nas praças

Nesta categoria, o item “fachadas fisicamente permeáveis” obteve a maior nota da categoria com um
total de 2,25. Ao analisar o perímetro das praças e edificações no entorno, constatou diversos
elementos como aberturas nas frentes de lojas; casas; restaurantes; e entradas ativas de serviço, que
são contemplados neste indicador. As praças do Centro do município, principalmente, são bons
exemplares nesse quesito, como na figura abaixo (Figura 4) em que mostra uma das quadras que faz
limite com a Praça Otávio Araújo.

Em contrapartida, o “uso misto” é pouco explorado em grande parcela das praças, possuindo apenas
o uso residencial, cerca de 65%. Somente quatro praças obtiveram nota 3 (três) nesse indicador, e duas
delas são conhecidas como espaços de atração de pessoas durante todos os dias da semana, são elas:

13
Praça Duque de Caxias e Praça Central de gaivotas. Ambas detêm de diversas atividades e
equipamentos, portanto também obtiveram nota 3 (três) em “equipamentos fixos e serviços”.

Figura 4: Vista de uma das quadras da Praça Otávio Araújo, Vila Velha- ES

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

Em contrapartida, o “uso misto” é pouco explorado em grande parcela das praças, possuindo apenas
o uso residencial, cerca de 65%. Somente quatro praças obtiveram nota 3 (três) nesse indicador, e duas
delas são conhecidas como espaços de atração de pessoas durante todos os dias da semana, são elas:
Praça Duque de Caxias e Praça Central de gaivotas. Ambas detêm de diversas atividades e
equipamentos, portanto também obtiveram nota 3 (três) em “equipamentos fixos e serviços”.

Por fim, outro indicador com baixo desempenho foi as “atividades que incluem idosos” (ver quadro
10), com uma média entre as praças de 1,1 pontos. Exemplos de piores praças para a permanência de
idosos, foram três, são elas: Praça Igreja do Rosário, Praça Almirante Tamandaré e Praça atrás do
Hospital Vila Velha, todas com nota 0 (zero). Percebe-se nelas a escassez de atividades para o indivíduo
idoso, sendo comum a todas os espaços públicos da Regional I.

14
Quadro 10: Valores dos indicadores obtidos na Categoria “Sociabilidade, usos e atividades” de cada praça da Regional I, Vila
Velha – ES

Fonte: as autoras, 2019

Após essa constatação, foram catalogadas a presença e o tipo de atividades para idosos na regional em
questão. Conforme o mapa apresentado na figura 4, existem apenas duas opções de lazer para a
terceira idade, identificadas como academia para idosos e mesas de jogos.

A diversidade de atividades poderia ser mais bem explorada em relação aos idosos na Regional Grande
Centro, na tentativa de promover uma maior sociabilidade para esse público. A inatividade física ao
longo dos anos debilita a saúde e segrega o indivíduo, afastando-o do contato e da interação social.
Portanto, a inclusão social deve ser a grande preocupação para os governantes, já que a vida pode ser
descrita pela quantidade de anos vividos e pela qualidade da satisfação gerada.

15
Figura 4: mapa de atividades oferecidas pelas praças da regional I para idosos, vila velha – ES

Fonte: as autoras, 2019

16
4. CONCLUSÃO
O planejamento de um espaço público tem a função de minimizar as limitações e propor medidas para
que haja a permanência de pessoas, tendo sempre o envelhecimento como uma realidade. Pois
percebe-se a importância do ambiente público de lazer como fomentador de saúde e qualidade de
vida de toda a população, principalmente para a terceira idade.

A análise nas praças da Regional Grande Centro, do município de Vila Velha – ES, retratam a carência
de arborização, possibilidades de assentos, travessias seguras e diversificação de atividades,
influenciando, assim, na qualidade sócio ambiental desses espaços.

O estudo permite ainda a compreender quais indicadores estão sendo levados em maior consideração
em relação a outros, facilitando, assim, na produção de diretrizes que propõem a melhoria e o
incentivo da inserção dos idoso nesses espaços.

REFERÊNCIAS
ALVES. F. Avaliação da Qualidade do Espaço Público Urbano. Proposta Metodológica. Coimbra,
Fundação Calouste Gulbenkian. 2003.
CONDE, K.; ALVAREZ, C.E.; BRAGANÇA, L. Proposta de critérios e indicadores de avaliação de
sustentabilidade urbana para países latino-americanos. In: EuroELECS 2019. III Encontro
Latinoamericano Y Europeo sobre Edificaciones y Comunidades Sostenibles. Argentina, Libro de
Actas... Santa Fe, Argentina, Maio 22-25, 2019 p.1412-1424.
CORREA, Mariele Rodrigues. Envelhecer na cidade. Revista Espaço Acadêmico. n. 184, p.35-46,
setembro. 2016
GEHL, Jan. Cities for people. Washington: Island Press, 2010.
PFUTZENREUTER. Andrea Holz. Viver a Cidade, Envelhecer na Cidade. Os Espaços Públicos como
Interface para o Envelhecimento Pessoal. 2014, 157p. Tese (doutorado em Arquitetura e Urbanismo)
- Programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São
Paulo, 2014.
ITDP Brasil. Índice de Caminhabilidade Ferramenta - ITDP, Versão 2.0. Rio de Janeiro, 2018.
NEW YORK. New York Plan. Seating. 2018. Disponível em:<
https://www1.nyc.gov/site/planning/plans/pops/pops-plaza-standards.page>. Acesso em 02 abril
2019.
VILA VELHA Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão - SEMPLA. Perfil
Socioeconômico por Bairros, 2013. Disponível em: <
http://www.vilavelha.es.gov.br/midia/paginas/Perfil%20socio%20economico%20R2.pdf>. Acesso em:
24 outubro 2018.

17
Os avessos da trama monumental: investigação psicossociológica do
uso cotidiano dos espaços públicos e de mobilidade de Brasília/DF

The backside of the monumental fabric: psychosociological investigation of the


everyday use of the public and mobility spaces of Brasília/DF

Los reveses de la trama monumental: Investigación psicosociológica del uso


cotidiano de los espacios públicos y de movilidad de Brasília/DF

BARBOSA, Bárbara Helena Cunha de Sousa Barbosa


Acadêmica, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília - FAU/UnB,
barbarahcsb@gmail.com

RESUMO
O trabalho busca uma investigação crítica sobre como os espaços públicos e de mobilidade de Brasília, resultantes
das decisões de planejamento e desenhos urbanos realizadas na escala do espaço abstrato – concebido –, são
percebidos, usados e apropriados pela população em sua práxis cotidiana. Aborda-se teoricamente o exercício
do urbanismo como representação do poder, ao longo da história, mas sobretudo no modernismo, bem como a
centralidade do espaço como lócus de compreensão da sociedade e da vida cotidiana. As investigações
psicossociológicas realizadas por meio do cruzamento de questionários e mapas afetivos aplicados à cinquenta
pessoas abordadas nas principais estações de metrô de Brasília, permitiram identificar as subjetividades e
recorrências da percepção e vivência da população em relação à imagem da cidade monumental, da segregação
e exclusão, bem como das vinculações afetivas aos seus espaços. A escuta dessas vozes da rua constitui uma
possibilidade potente e humana de transformação da realidade pela revolução urbana.
PALAVRAS-CHAVES: Brasília, urbanismo do poder, vida cotidiana, produção do espaço, psicossociologia.

ABSTRACT
The paper seeks a critical investigation into how the public and mobility spaces of Brasilia, resulting from the
planning and urban design decisions performed in the abstract space scale – conceived –, are perceived, used and
appropriated by the population in their everyday praxis. It is broaches theoretically the exercise of urbanism as a
representation of the power, throughout the history, but especially in modernism, as well as the centrality of
space, as a locus of understanding of society and everyday life. The psycho-sociological investigation conducted
through the cross of the questionnaires and affective maps applied to the fifty people approached in the main
subway stations of Brasília, allowed to identify the subjectivities and recurrences of the perception and experience
of the population in relation to the image of the monumental city, segregation and exclusion, as well as the
affective ties to its spaces. The listening of the street voices constitutes a powerful and humane possibility of the
transformation of the reality by the urban revolution.
KEY WORDS: Brasília, urbanism of power, everyday life, production of space, psychosociology.

RESUMEN
El trabajo busca una investigación crítica sobre cómo los espacios públicos y de movilidad de Brasilia, que resultan
de las decisiones de planificación y diseños urbanos realizados en la escala del espacio abstracto – concebido -,

1
son percibidos, utilizados y apropiados por la población en su praxis cotidiana. Se aborda teóricamente el ejercicio
del urbanismo como representación de poder, a lo largo de la historia, pero sobre todo en el modernismo, así
como la centralidad del espacio como locus de comprensión de la sociedad y la vida cotidiana. Las investigaciones
psicosociológicas realizadas por medio del cruce de cuestionarios y mapas afectivos, aplicados a cincuenta
personas abordadas en las principales estaciones de metro en Brasilia, permitieron identificar las subjetividades
y recurrencias de la percepción y vivencia de la población con relación a la imagen de la ciudad monumental, de
la segregación y exclusión, así como de las vinculaciones efectivas a sus espacios. La escucha de las voces urbanas
constituye una posibilidad potente y humana de transformación de realidad por la revolución urbana.
PALABRAS CLAVE: Brasilia, urbanismo de poder, vida cotidiana, producción del espacio, psicosociología.

1 INTRODUÇÃO
Brasília é resultado do desenho de poder, da cristalização do sonho do Brasil grande, que queimaria
etapas e se modernizaria 50 anos em cinco, sob a égide juscelinista de levar as forças
desenvolvimentistas e abrir as fronteiras do interior do país.

Nasce assim como avesso do Brasil, apesar das tentativas dos modernos, e do próprio Lúcio Costa,
à frente do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de exaltação do genuinamente
nacional, buscando reproduzir nas superquadras a vida pacata do interior, misturada aos componentes
construtivos que aludem o vernáculo, como os cobogós, os balcões, entre outros.

Compreender e desinverter esses avessos se torna, portanto, o caminho a ser percorrido por este
trabalho que se pauta nos seguintes questionamentos: como a população percebe e se apropria deste
desenho do poder? Ela se adapta ao desenho programado ou busca formas de uso e apropriações
próprias, diferentes e apesar do projeto? Quais as possibilidades de transformação real e humana do
urbano a partir das vozes da rua?

Frente a esses questionamentos, o trabalho tem por objetivo analisar criticamente como os espaços
públicos e de mobilidade de Brasília, resultantes das decisões de planejamento e desenhos urbanos
realizadas na escala do espaço abstrato – concebido –, são percebidos, usados e apropriados pela
população em sua práxis cotidiana, de tal modo a identificar as subjetividades e recorrências nas vozes
da rua, que se constituem uma força bastante potente para um planejamento e desenho urbanos mais
humanos.

Para tanto, busca-se, teoricamente, discutir sobre o exercício do urbanismo como representação do
poder, ao longo da história, mas sobretudo no modernismo, bem como a centralidade do espaço como
lócus de compreensão da sociedade e da vida cotidiana. Para, em seguida, fazer uma investigação
psicossociologia, mediante aplicação cruzada de questionários e mapas afetivos, baseados nas

2
abordagens dos situacionistas (Debord, 1997; Jacques, 2003) e de Lynch (1997) 1 , de tal modo a
identificar as formas de uso, apropriação e percepção (simbólica e afetiva) dos espaços de Brasília pela
população; bem como dos motes mais recorrentes que possibilitariam uma revolução urbana pelas
vozes do cotidiano, conforme o pensamento de Lefevre (2001, 1999, 1991 e 1993), De Certeau (2003)
e Foucoult (2008).

Os questionários envolveram questões sobre: i) vinculação entre a origem e o destino 2 : vínculo de


dependência, frequência e tempo de permanência, meio e tempo de deslocamento, efeitos do
deslocamento na qualidade de vida; ii) percepção e práticas na cidade de origem: lembranças dos
lugares frequentados na infância, lugares favoritos, significados, descrição da cidade; iii) percepção e
práticas na cidade de destino: significados, o que chama a atenção na paisagem, pontos positivos e
negativos, o que chama a atenção no deslocamento, mudanças na paisagem ao longo do dia e do ano.

Para a elaboração dos mapas afetivos, solicitou-se que a população representasse, sobre o mapa
(do Plano Piloto e de Taguatinga), o caminho percorrido do local onde saiu até a estação de metrô onde
foi realizada a pesquisa, utilizando barbante colorido, bem como registrasse, em linguagem de ícones
e/ou post-its, as sensações e afeições marcantes do percurso. Os ícones foram divididos em quatro
categorias – elementos espaciais (conforme Lynch, 2007), elementos geográficos, experiências afetivas
e atividades desenvolvidas (conforme Débord, 1997; Jacques, 2003; De Certeau, 2003). Os mapas
afetivos permitem explorar os contatos entre o mundo físico e mental de cada um, representando suas
histórias, percepções, sentimentos, experiências pessoais, limites e possibilidades que identificam no
território.

Foram investigadas cinquenta pessoas – que realizaram as duas fases da pesquisa –, abordadas nas
principais estações do metrô de Brasília – na Praça do Relógio, em Taguatinga, no metrô Galeria, no
Setor Comercial Sul, e na rodoviária, essas duas últimas no Plano Piloto.

1 Cumpre ressaltar que esse método é uma adaptação daquele proposto por Lynch, visto que, ao solicitar aos investigados a
representação do trajeto e afeições sobre mapa da cidade já pronto, não se conseguiu extrair a qualidade/facilidade com que
a imagem mental da cidade é formada, expressa, geralmente, no desenho livre, como é caso do mapa mental. Assim como
não adotou a técnica da deriva urbana, mas apenas incorporou a interpretação dos caminhos e ambiências da
pscicogeografia.
2 Considerando que as antigas cidades-satélites, atualmente denominadas de cidades ou regiões administrativas, constituem

uma rede policêntrica e dispersa, que conforma a metropolização do território mais ampla, forjando um emaranhado de
fluxos cotidianos por esses espaços, embora com a primazia do Plano Piloto, que ainda concentra 41,53% dos postos de
trabalho (CODEPLAN, 2015). Derntl (2019) observa que o termo cidade-satélite foi institucionalmente banido em razão da
conotação negativa, reveladora de uma desigualdade socioespacial, bem como pela tentativa, frustada, de fazer destas
cidades dinamicamente independentes, como no congênere inglês da cidade-jardim.

3
2 O DESENHO DO PODER E O PODER DO DESENHO
Se a política é a organização social de um grupo que se desenvolve em um espaço, o lugar no qual esse espaço é
criado será integrador ou segregador, inclusivo ou excludente, estará orientado de acordo com a aspiração à
redistribuição da qualidade de vida ou com a perpetuação da exclusão e do domínio dos poderes. É por isso que a
arquitetura é sempre política (MONTANER; MUXÍ, 2014. p. 65-66).

É a partir do renascimento que a aliança entre o urbanismo e o poder se estabelece, quando o


arquiteto passa a emprestar os seus serviços para a relização do espaço extraordinário, das
manifestações do poder econômico e político, afastando-se do canteiro (Ferro, 1979). Sob a égide da
ordem estética e funcional dos tratados de Alberti, nesse momento, a praça e a rua passam por uma
primeira inflexão, deixando de ser o lugar das funções urbanas e da festa cultural (sagrada e profana)
das diversas classes sociais, para se tornarem percursos visuais, decorativos e com segregação dos
espaços de sociabilização da burguesia nascente (Caldeira, 2007).

Montaner e Muxí (2014) observam que o surgimento dos Estados-nação na Europa e nos Estados
Unidos fizeram com que instituições vinculadas ao Estado o consolidassem politicamente,
concretizando edifícios projetados por arquitetos e engenheiros que transmitiam a cultura dominante
e outros ensinamentos, fazendo com que estes simbolizassem um novo poder administrativo e
legislativo próximo a população.

Cumpre ressaltar também que as noções de princípios éticos, morais e estéticos nas relações entre
a arquitetura e a sociedade surgiram no século XIX, a partir dos estudos e publicações embasados nas
mudanças sociais introduzidas pelo ano de 1848 (Montaner; Muxí, 2014). A proposição da função social
da arquitetura só poderia ser pautada após os inúmeros protestos da classe trabalhadora e a tomada
da consciência de classe, culminando na primavera dos povos (Montaner; Muxí, 2014).

Se a arquitetura funciona como forma de domínio e controle perante à população, como não pensar
as cidades como produto de vários fatores históricos, políticos e sociais que obedecem ou projetam
uma ideologia? Para Lefebvre (1993), o espaço concebido – dos planejadores e urbanistas –
desempenha um papel social e político de maneira abstrata, estabelecendo uma relação entre objetos
e pessoas em uma lógica de dissolução de conflitos e contradições que surgem a partir dele. Esse
espaço abstrato teria, assim, um impacto prático, onde os usuários experimentariam o que foi imposto
a eles, justificado pelas representações concebidas por esses planejadores.

Geraria também uma homogeneização e normatização denominada pelo Estado, conforme suas
forças políticas econômicas. De tal modo que o espaço acaba sendo um produto conjunto entre a
arquitetura e o Estado, em uma lógica de ordem, racionalização e higienização.

4
A nova monumentalidade pautada pelo moderno simbolizava ideais coletivos, porém, se
transformou em instrumentos de controle do espaço, aumento dos lucros e a construção de um
imaginário que vinculava o progresso social ao econômico (Rodrigues, 2011). Na cidade moderna, a
monumentalidade se afirmaria nas diferenças de escalas, noções de hierarquia e setorizações muito
bem delimitadas3.

Juntamente ao debate da produção do desenho de poder, cabe registrar o surgimento, no século


XX, da figura do arquiteto liberal, gerando, no corpo da Bauhaus e do CIAM, a pressão para a
regulamentação do exercício das atividades técnicas na arquitetura por colégios profissionais
(Montaner; Muxí, 2014). O que foi dualizado pela Bauhaus imaginista, que buscava a arquitetura como
uma prática emancipadora e coletiva, na qual o arquiteto seria um “técnico a serviço da sociedade”, e
a Bauhaus funcionalista, que enfatizaria a sociedade liberal e a figura do arquiteto como criador.

3 INVESTIGAÇÃO PSICOSSOLÓGICA DA VIDA COTIDIANA NOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE


BRASÍLIA
Brasília é resultado das decisões sobre o espaço abstrato, quer pelos planos políticos de marcha
para o oeste e cepalino de integração e desenvolvimento do país, quer ainda pelo desenho de utopia
social de Lúcio Costa expressa no ato inaugural – “nasce do gesto primário de quem assinala um lugar
ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”
(CODEPLAN, 1991).

As primeiras cidades-satélites (atualmente chamadas de Regiões Administrativas) são inauguradas


antes mesmo do Plano, apesar de Lúcio Costa prever a sua criação somente depois que o Plano Piloto
atingisse cerca de 500 mil habitantes. Adicionalmente, frente ao problema de abastecimento dos
acampamentos de obras, ou mesmo da necessidade de fixação dos migrantes ao território, desde 1957,
o Governo Federal promoveu a concessão de lotes rurais, por longo prazo, para a formação de colônias
agrícolas (Derntl, 2019).

Derntl (2019) avalia que, na medida em que as novas urbanizações foram sendo criadas, adotava-
se o desenho do moderno periférico (Holanda, 2003), que reproduz o zoneamento funcionalista, mas
longe da monumentalidade do conjunto do poder. Enquanto isso, havia a extensão periférica das
cidades-satélites, em desenhos populares ou assentamentos precários, e a proliferação de

3Lucio Costa, no Relatório do Plano Piloto de Brasília, descreve a necessidade da concepção da nova capital ser monumental e organiza a
cidade em eixos e setores, configurando suas hierarquias com centralidades e diferenças de escala (CODEPLAN, 1991).

5
condomínios fechados, como alternativa de moradia da população de média renda, que não queria
morar nas cidades-satélites, mas não conseguia acessar o Plano; além da dispersão da mancha urbana
pelo entorno goiano, onde a atuação do solo privado representaria a possibilidade de acesso ao pedaço
de chão na metrópole brasiliense pelos segmentos populares.

Desse modo, a pretensão inicial de formação de uma rede urbana policêntrica, que pudesse
contrabalancear o Plano Piloto (Paviani, 2010), é contrastada pela formação de núcleos urbanos
dormitórios, carentes de uma base econômica diversificada e de equipamentos coletivos mais
qualificados, passando a depender, cotidianamente, de grandes deslocamentos para acessar
alternativas de emprego, saúde, educação e lazer melhor estruturados, enfim, o “direito à cidade”,
negado em seus territórios.

O conjunto do poder, pela monumentalidade, acaba produzindo uma paisagem de objetos, ao invés
de uma paisagem de lugares (Holanda, 2003), são monumentos que não têm portas para a rua, as
pessoas não sabem/não são convidadas a acessar. Brasília promove também a morte da rua, como
lugar simbólico das manifestações e encontros. Não é a toa que a cidade, sobretudo durante a ditadura
militar, pode ser vista como autoritária, não só por possuir seus conjuntos monumentais/simbólicos
protegidos da população, mas também por gerar um domínio perspectivo, muito propenso ao controle
panóptico.

Por fim, a cidade que já nasce pronta, e é protegida pelo patrimônio, não posssibilita a oportunidade
de construção do espaço pela população, enquanto as cidades-satélites suprem mais o desejo da
população de fazer a cidade, gerando, consequentemente, maior sentimento de pertencimento.

3.1 Explorando os resultados dos questionários e mapas afetivos aplicados à população


A pesquisa in loco teve por objetivo investigar as relações cotidianas que ocorrem no deslocamento
em massa dos brasilienses para outras cidades, bem como suas relações psicoafetivas com as mesmas.
Obteve-se uma amostra total de 50 pessoas, que acabou por formar dois grupos com relações distintas:
deslocamentos das Regiões Administrativas (R.A.) ou do Entorno goiano para o Plano Piloto e das R.A’s
e Entorno com a R.A Taguatinga.

6
Como escolha de abordagem para a pesquisa, optou-se por analisar a relação da R.A. Taguatinga e
o Plano Piloto, uma vez que a mesma, por mais que se estabeleça como um grande polo comercial e
de serviços4, ainda possui vínculos com o centro de Brasília.

Primeiramente, foram levantados perfis socioeconômicos dos questionados: idade, sexo (vide figura
1) e fluxos e fixos especializados (origem e destino x frequência semanal e durante o final de semana x
meio de transporte utilizado x tempo de deslocamento - vide figura 2 (a) e (b) e figura 3 (a) e (b)).
Posteriormente, mapas afetivos aplicados em pontos focais de mobilidade que concentram grandes
fluxos de transporte de acordo com Plano Diretor de Transporte Urbano e Mobilidade do Distrito
Federal e Entorno (PDTU). No Plano Piloto, foram escolhidos a estação metroviária Galeria e a
Rodoviária, em Taguatinga, foi escolhida a estação metroviária Praça do Relógio.

Figura 1: Dados gerais dos questionados.

Masculino 13 10 1

Feminino 13 10 2 1

Adultos Jovens Crianças Idosos Não Informado

Fonte: arquivo pessoal da autora, 2019.

4 Dados do PDAD (2015) apontam Taguatinga como o segundo local que mais concentra postos de trabalho no DF depois do Plano Piloto.

7
Figura 2 (a) e (b): Deslocamentos das Regiões Administrativas (R.A.’s) e do Entorno goiano para a R.A. Plano Piloto e vínculo,
meio de transporte utilizado e horas de deslocamento.

Fonte: arquivo pessoal da autora, 2019.

8
Figura 3 (a) e (b): Deslocamentos das Regiões Administrativas (R.A.’s) e do Entorno goiano para a R.A. Taguatinga e vínculo,
meio de transporte utilizado e horas de deslocamento.

Fonte: arquivo pessoal da autora, 2019.

As perguntas subjetivas revelam uma segregação classista entre ser um morador do Plano Piloto ou
das regiões administrativas, a descrição do Plano Piloto como a capital da esperança e símbolo de
ascensão no imaginário coletivo é recorrente, sendo comum a utilização de palavras que remetiam à
beleza, organização e qualidade de vida. Seus monumentos e arborização são fortemente percebidos
pela população e a sensação de “morar dentro de um parque” e ter contato com uma “arquitetura com
identidade” contribuem para que muitas falas que coloquem o centro de Brasília como meta de vida.

9
Inclusive, por mais que o Plano Piloto fosse colocado enquanto meta, também foi criticado por ser uma
cidade com falta de vínculos de pertencimento.

Apesar da predominância das falas de orgulho aos espaços monumentais de Brasília, marcando,
possivelmente uma alienação sobre a realidade do espaço, algumas passagens permitiram identificar
problemas do desenho monumental: a excessiva distância para percorrer os atrativos (a Feira da Torre,
por exemplo), coibindo o seu uso mais sistemático; o Eixo Rodoviário e as passagens subterrâneas
sendo apresentados como barreiras e a excessiva setorização como dificultadora da realização das
tarefas cotidianas e orientabilidade na cidade.

O verde bucólico de Brasília demarcou a segregação socioespacial existente, falas da população


como "o verde vai mudando e ficando mais bonito quando chega no Plano" descrevem a transição de
uma cidade verde para as regiões administrativas que não possuem tal característica. Com isso, reforça
o papel de um paisagismo de qualidade acessível somente para uns, corroborando para que o mesmo
seja privilegiado em áreas com maior poder aquisitivo.

O Parque da Cidade foi muito relacionado como atrativo de finais de semana, o que pode
representar ainda um comportamento de lazer em massa. Porém, nas falas da população, as
dificuldades de acesso a ele, por meio do transporte coletivo, foram presentes em várias respostas.
Além disso, o uso dos shoppings centers prevaleceu dentre as opções de lazer em massa das
populações, representando uma cultura consumista capitalista onde o lazer predominante não se
estabelece em espaços públicos, e sim, privados.

No imaginário coletivo sobre as RA's, Ceilândia se apresenta como uma cidade que possui “raízes”
e se ressignifica como “resistência", a defesa da cidade como vítima de um preconceito geral surge em
várias falas que a defendem da imagem pejorativa que a perpetua como um lugar violento. Tanto ela,
quanto Taguatinga foram colocadas como cidades autossuficientes, com polos de cultura, comércio e
essência.

Os mapas afetivos aplicados em Taguatinga relacionaram comumente pontos de interesse afetivos


específicos do tecido urbano: uma padaria, uma lanchonete, as casas de uma rua, uma árvore na porta
de uma casa, etc.; ao passo que, no Plano Piloto, referenciou-se mais os principais atrativos – os
shoppings, o Parque da Cidade, o Jardim Zoológico, a Torre de TV, o Mané Garrincha, o Teatro Nacional
e o Lago Paranoá.

10
No que tange aos aspectos negativos relacionados à qualidade de vida e à mobilidade por meio dos
transportes públicos, 76% dos entrevistados afirmam que o tempo gasto no deslocamento causa
cansaço e estresse, atrapalhando a organização do tempo e diminuindo o tempo gasto em atividades
que promoveriam um maior bem-estar. Esses dados, então, confirmam a rotina exaustiva em que a
população é submetida nesses movimentos pendulares diários para o centro da capital.

5 CONCLUSÕES
A profissão do arquiteto, mesmo prestando serviços a instituições privadas, estabelece diálogo com
instituições públicas pois elas regulamentam sua atuação profissional ou no território. E no caso de
Brasília, a relação da arquitetura com o Estado já estabelecia um vínculo de proposta de serviço para
com eles, uma vez que o concurso de projeto da capital permitiu a implantação de um plano
arquitetônico urbanístico em grande escala.

O imaginário ainda presente de Brasília como a capital da esperança, estimulado pelo governo na
época de sua ocupação, ainda possui forte imageabilidade na percepção de vários brasileiros que
enxergam a capital como esperança na oferta de empregos. Todavia, cabe ressaltar que não somente
o caráter político da cidade a incentiva enquanto símbolo de ascensão, e sim, também sua
desigualdade socioespacial devido seu plano urbanístico concebido na parceria entre arquitetura e o
Estado. O centro de Brasília é tido como símbolo de sucesso e expectativa dos moradores do DF que
não o ocupam.

O dia a dia do brasiliense demonstra uma série de reinvindicações, quer por melhorias urbanas nas
Regiões Administrativas em que residem – pelo acesso aos serviços coletivos, mas também por sua
inclusão simbólica como referência monumental-modernista –, quer em Brasília – sobretudo, pela
demanda de melhoria do transporte coletivo e de melhor acessibilidade aos diversos pontos.

Diariamente, pessoas se deslocam até o centro da capital, usam-no e percebem-no como um sonho
quase inatingível e voltam para o seu território de origem. É urgente o incentivo a uma urbanidade não
centralizada, de proposições que fortaleçam os diferentes usos e apropriações nas cidades da
metrópole e possam desconstruir esse imaginário de reverência e desigualdade.

7 REFERÊNCIAS
CALDEIRA, J. M. A praça na cidade brasileira, trajetória de um espaço urbano: origem e modernidade. (tese de
doutorado) Campinas: Unicamp, 2007.
CODEPLAN. Relatório do Plano Piloto. Brasília, 1991.

11
________. Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios do Distrito Federal – PDAD DF – 2015. Brasília, 2015.
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São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
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_______, A. Patrimônio urbano de Brasília: urbanização com desigualdade socioespacial. Brasília, 2011.
RODRIGUES, C. M. Cidade, monumentalidade e poder. Paraná, 2001.

12
O ateliê de projeto de arquitetura como prática pedagógica: A
realidade do CAU UFCG

The design studios as a pedagogical practice: The reality of CAU UFCG

Los ateles de proyecto como práctica pedagógica: La realidad del CAU UFCG

LEITE, Izabel Farias Batista


Mestre, Doutoranda PPGAU/UFRN, izabelfbl@gmail.com

SILVA, Heitor de Andrade


Doutor, Professor adjunto UFRN, heitor.andrade@ufrn.abea.arq.br

RESUMO
Os ateliês de projeto, em geral, no Brasil, consistem em componentes curriculares típicos das estruturas
curriculares dos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo, sendo o principal espaço de formação dos
projetistas. Com uma carga horária acima da média, articulam teoria e prática, bem como são ambientes de
desenvolvimento cognitivo, de integração de conteúdos e ampliação de repertórios metodológicos e técnicos.
Por diversas razões, que podem incluir aspectos de ordem cultural, econômica e, inclusive, conceitual, nem
sempre os ateliês preservam todas essas características. O objetivo principal deste artigo é compreender os
ateliês de projeto de arquitetura, com ênfase em seu sentido pedagógico, tendo como estudo de caso a realidade
do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Campina Grande. A abordagem metodológica
adotada é de caráter predominantemente qualitativo e os resultados alcançados permitem concluir que a
instituição ainda se esforça para encaixar a prática do ateliê mediante o sistema educacional vigente.
PALAVRAS-CHAVES: ensino de arquitetura, ensino de projeto, ateliê de projeto.

ABSTRACT
The design studios, in general, in Brazil, consist of curricular components typical of the curricular structures of the
undergraduate courses in Architecture and Urbanism, being the main space of training of the designers. With an
above-average workload, they articulate theory and practice, as well as environments for cognitive development,
content integration, and the widening of methodological and technical repertoires. For various reasons, which
may include cultural, economic and even conceptual aspects, workshops do not always preserve all these
characteristics. The main objective of this article is to understand the ateliers of architecture project, with
emphasis on its pedagogical sense, having as case study the reality of the Architecture and Urbanism Course of
the Federal University of Campina Grande. The methodological approach adopted is of predominantly qualitative
character and the results achieved allow us to conclude that the institution still strives to fit the practice of the
studio through the current educational system.
KEY WORDS: teaching architecture, project teaching, design studios.

RESUMEN
Los ateles de proyecto, en general, en Brasil, consisten en componentes curriculares típicos de las estructuras
curriculares de los cursos de graduación en Arquitectura y Urbanismo, siendo el principal espacio de formación

1
de los proyectistas. Con una carga horaria por encima de la media, articulan teoría y práctica, así como son
ambientes de desarrollo cognitivo, de integración de contenidos y ampliación de repertorios metodológicos y
técnicos. Por diversas razones, que pueden incluir aspectos de orden cultural, económico e incluso conceptual, no
siempre los ateles preservan todas esas características. El objetivo principal de este artículo es comprender los
ateles de proyecto, con énfasis en su sentido pedagógico, teniendo como estudio de caso la realidad del Curso de
Arquitectura y Urbanismo de la Universidad Federal de Campina Grande. El enfoque metodológico adoptado es
de carácter predominantemente cualitativo y los resultados alcanzados permiten concluir que la institución
todavía se esfuerza por encajar la práctica del taller a través del sistema educativo vigente.
PALABRAS CLAVE: enseñanza de arquitectura, enseñanza de proyecto, ateles de proyecto.

1 INTRODUÇÃO
As disciplinas de projeto - essenciais para a arquitetura - se expressam no âmbito acadêmico por meio
de estruturas curriculares que adotam o ateliê como “espinha dorsal” do curso. Porém, a adoção da
prática pedagógica do ateliê, no Brasil, passa por crises na medida em que as escolas precisam se
adequar à estruturas curriculares convencionais (de base predominantemente teórica) e composta por
regime de créditos, disciplinas, carga horária e semestres, que por sua vez, desprezam as
características fundamentais e essenciais do ateliê de projeto.

Portanto, com base nessa perspectiva, que envolve o sistema universitário brasileiro, o ensino de
arquitetura e o ensino de projeto, pretende-se, neste artigo, compreender os ateliês de projeto de
arquitetura, com ênfase em seu sentido pedagógico. Tem-se como estudo de caso a realidade do Curso
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Campina Grande (CAU UFCG), cuja análise doi
realizada no período compreendido entre os meses de Outubro e Novembro de 2017. O artigo
apresenta parte dos resultados de dissertação desenvolvida no PpgDesign UFCG1 e aborda questões
próprias da discussão em torno do ensino de projeto, incluindo abordagens pedagógicas e a prática
dos ateliês de projeto do CAU UFCG.

2 O ATELIÊ E O ENSINO DE PROJETO DE ARQUITETURA


É sabido que existem algumas teorias pedagógicas, umas mais tradicionais, outras, mais recentes, que
contribuíram para as noções de ensino adotadas na atualidade. Podemos destacar o Construtivismo
que, surgido no século XX, sustenta a ideia de que todos os indivíduos nascem com potencialidades
para desenvolver diferentes competências e habilidades. Nesse sentido, o conteúdo aplicado na

1 Pesquisa realizada como parte da coleta de dados desenvolvida na dissertação do Programa de Pós-Graduação em Design
/ UFCG: “Ateliês de projeto de Design e de Arquitetura: Espaço, ensino e suas correlações” (2018).

2
prática de resolução de problemas proporciona o aprendizado por meio da experiência proporcionada
por atividades colaborativas, pesquisas exploratórias etc.

No âmbito do ensino superior, ainda são encontradas práticas tradicionais em que o professor se
apresenta como o detentor da informação, assumindo o estudante um papel de passividade no
processo de construção do conhecimento. Em componentes curriculares com carga horária teórica são
ainda bastante reproduzidos os recursos de aulas expositivas e avaliações escritas. De acordo com Silva
(2012), no que se refere especificamente ao ensino de projeto, que tem uma carga horária teórica e
prática, a realidade não é sempre diferente. Lebahar (1999) classifica quatro abordagens recorrentes
na prática acadêmica da projetação arquitetônica:

1ª As pseudo-metodologias de concepção - Nesse caso, reduz-se a atividade de concepção a um


procedimento sequencial, encadeando as transformações sucessivas desenvolvidas a partir do estado
inicial de representação do edifício. Estas fases seguem, na maioria das vezes, o refinamento crescente
de um conceito de construção, que pode ser reduzido a funções ou a modelos. Esses procedimentos
de refinamento permitem retornos às fases anteriores, das partes ao todo, ou dos meios aos fins.

2ª Práticas profissionais como guia - Fundamentada em princípios do direito, referem-se aos


regulamentos do que deve ser produzido para desenvolvimento de projetos, ou tipologias de
representações; as funções que devem conter cada representação e os meios de comunicação e
desenvolvimento das soluções arquiteturais propostas. Esses conteúdos, são comumente definidos
em concursos públicos de projeto e, no Brasil, essas definições são encontradas em normas técnicas,
que definem três conjuntos de representações: 1) Estudos preliminares; 2) Anteprojeto e 3) Projeto
executivo. Trata-se de um processamento resumido que prevê um "modelo de entrega".

3ª Resolução de problemas que consiste em uma aproximação da prática projetual a procedimentos


científicos ligados à inteligência artificial - Quatro princípios resumem essa abordagem: 1) A
inteligência humana e os computadores apresentam estruturas cognitivas comuns; 2) Existem duas
formas de inteligência (natural do homem e a artificial); 3) Os sistemas são racionais; 4) A racionalidade
dos sistemas é limitada. No entanto, essa abordagem limita a atividade de concepção a um
treinamento racional e, conforme observa Lawson (2011), os arquitetos e designs, diferentes dos
cientistas, pensam a partir da solução e não dos problemas.

4ª As competências de áreas multimeios e multidomínios: simulações e reduções de incertezas - Nessa


abordagem, a competência é também um olhar "mentalista", uma capacidade abstrata e invisível para

3
executar uma tarefa específica. Do ponto de vista relativista, podemos supor que a atividade de
projeto combina exploração, aprendizagem e julgamentos com base em argumentos racionais não
exclusivamente, em resoluções de problemas e dos diferentes aspectos considerados. O processo
projetual de arquitetura pode encontrar consistência na "competência” do projetista, ou seja, sua
proficiência em suas distintas fases e no domínio de todo o caminho.

Esses diferentes tipos de ateliês se expressam em disciplinas com carga horária maior do que as demais
oferecidas nas estruturas curriculares dos cursos de Arquitetura e demandam que o número de
estudantes orientados por cada professor seja menor do que naquelas consideradas convencionais
(teóricas), exatamente porque exigem do docente um contato mais próximo com os estudantes,
especialmente nos momentos de assessoria ao desenvolvimento dos projetos. Em geral, o ensino do
projeto nos ateliês baseia-se no pressuposto de que se aprende a projetar projetando, buscando
sempre o que Schön (2000) chama de reflexão na ação, direcionando o ensino de projeto para o
estímulo da criatividade e para a habilidade em solucionar problemas desconhecidos e únicos.

Diante do exposto, acredita-se que seja pertinente adotar alguns procedimentos nos ateliês de projeto
visando facilitar a aprendizagem de projetos, como por exemplo: considerar a “bagagem” de
conhecimentos dos projetistas em formação; relacionar o projeto com um contexto real, para que o
estudante possa construir um problema e participar ativamente de todo o processo; ensinar o projeto
de forma completa e integrada; incentivar atividades em equipe; ter um docente que atue como
mediador da aprendizagem; e utilizar o ateliê para interação entre professores de diferentes áreas do
conhecimento.

3 APROXIMAÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ATELIÊ DE PROJETO


Segundo Drapper (1977 apud KRONEMBERGER, 2012), o ateliê de projeto já existe no ambiente
acadêmico desde o século XIV, na Academie Royale dês Beaux-Arts, posteriormente transformada em
Ècole Nationale et Espéciale des Beaux-Arts, na França. De forma semelhante, a ideia de ateliê de
projeto também pode ser encontrada nas escolas alemãs Bauhaus (1919) e Ulm (1952).

As disciplinas de projeto são consideradas “espinha dorsal”2 dos cursos de Arquitetura e Urbanismo
do Brasil. De acordo com Carsalade (2015), estas matérias normalmente são oferecidas de três

2Em 1957 houve uma reforma na estrutura curricular do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. A
mudança se justificava pela pouca importância dada à “composição arquitetônica” no quadro do ensino. Deste modo, os

4
maneiras: disciplinas convencionais, ateliês de projeto e workshops ou oficinas, sendo essa última uma
modalidade mais recente.

As especificidades do ateliê enquanto espaço de síntese e de integração de conteúdos aparece


também em documentos considerados como referência no âmbito do ensino de Arquitetura, a
exemplo da carta da UIA/UNESCO (2011), das Diretrizes Curriculares (2010), do documento elaborado
pela Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA) a fim de auxiliar na criação e
avaliação dos cursos - “Perfis da área e Padrões de Qualidade” (SILVA et al, 1994) e, considerando o
estudo de caso aqui apresentado, o Projeto Político Pedagógico do CAU UFCG (2011).

Figura 1: O que a legislação diz sobre o ateliê de projetos.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2019.

Junta-se ao ateliê enquanto prática pedagógica, sua realização em espaços apropriados, bem como,
uma interação entre os envolvidos, com o intuito de analisar as relações que foram criadas no
ambiente pedagógico, visualizando questões de caráter mais simbólico e suas formas de manifestação.
Levando em consideração que o ensino de projeto é uma atividade prática integradora que trabalha
com várias vertentes ao mesmo tempo (reflexão, teoria, história, técnica, etc.), este precisa ser capaz
de realizar essa dinâmica de forma coerente, não se constituindo apenas como um espaço de exercício
projetual, mas se propondo a integração de competências.

profissionais sugeriram uma nova estrutura que tinha o “atêlier” como espinha dorsal do curso, com os demais componentes
curriculares para ele convergindo. (CONFEA, 2010, p. 64).

5
Segundo Schön (2000), os ateliês geralmente são dispostos em torno de projetos gerenciáveis de
design, que podem acontecer de forma individual ou coletiva e que tendem a reproduzir projetos
similares à uma situação real. Conforme o tempo passa rituais são criados, a exemplo de sessões de
avaliação de projetos e apresentações, no entanto, todos estão conectados a um processo central de
aprender através do fazer. Ainda de acordo com o autor, o ateliê se torna o espaço de maior
permanência dos estudantes, onde os mesmos poderão até utilizar para conversar, mas o foco será a
tarefa comum de desenvolvimento de projetos.

Consideramos que o ateliê funciona como um espaço de síntese para resolução de problemas de
projeto com base na reflexão, mas não apenas. É, sobretudo, o espaço para definição de hipóteses, ou
seja, soluções possíveis para as questões a serem verificadas e potencialmente desenvolvidas. Deste
modo, acredita-se que a infraestrutura disponibilizada influencia diretamente nos métodos que são
adotados pelo docente, uma vez que a depender dos equipamentos disponíveis, por exemplo, este
terá que readequar as estratégias planejadas. Além disso, a infraestrutura também pode interferir na
permanência do estudante no ateliê, em horário de aula ou não.

Apesar da noção do ateliê poder ser considerada uma boa prática pedagógica (“modelo” de ensino
reconhecido e adotado largamente no Brasil e no exterior), existem algumas dificuldades evidentes
quando são incorporadas às estruturas curriculares tradicionais nas instituições de ensino superior
(IES) brasileiras. Apenas considerando as orientações mais gerais, observamos o que estabelece as
Diretrizes Curriculares dos Curso de Arquitetura e Urbanismo, a qual prevê, além da integração entre
teoria e prática, a formação generalista e a divisão dos conteúdos por núcleos (conhecimentos de
fundamentação, profissionais e o trabalho de curso), uma organização curricular de acordo com regime
seriado anual e semestral, e o sistema de créditos com matrícula por disciplinas ou por módulos
acadêmicos. Tais determinações conflitam, em vários princípios, com o conceito de ateliê.

Conforme já foi exposto, as disciplinas de projeto possuem especificidades no tocante à relação


professor e estudante, a carga horária e a infraestrutura disponibilizada. Ainda assim, os cursos
superiores em Arquitetura e Urbanismo e os seus respectivos docentes se esforçam para se
enquadrarem nos padrões estabelecidos por um sistema que propõe estruturas curriculares fechadas,
fragmentadas e bem distantes da concepção do aprender fazendo, característico do ateliê de projetos
e das noções construtivistas da educação.

6
4 OS ATELIÊS DE PROJETO DO CAU UFCG

As disciplinas de ateliê do CAU UFCG, compostas por 5 ou 6 créditos semanais, são oferecidas
semestralmente e cada período possui eixos específicos que devem ser trabalhados: fundamentação,
forma e função, estrutura, público, habitação social, verticalização, complexidade e integralização (PPP
CAU UFCG, 2011). Deste modo, a coleta de dados foi realizada em três componentes curriculares –
Projeto de Arquitetura I, III e V e contou com três estratégias metodológicas: observação não-
participante, aplicação de questionários com estudantes e realização de entrevistas com os docentes
responsáveis. A análise revelou dados importantes com relação ao ensino de projeto propriamente
dito e as formas de avaliação, aqui brevemente apresentadas.

No que se refere ao ensino, docentes e discentes tinham preferência pelo assessoramento coletivo.
Verificamos que os estudantes participavam muito das orientações uns dos outros e costumavam
aceitar bem as críticas. Além disso, como meio de estimular a permanência do aluno no ateliê, os
professores costumavam aplicar exercícios projetuais, ou até mesmo utilizavam o meio formal, que é
o registro de presenças e faltas. Aliado a essas questões, ocorria também a estratégia de atividades
extraclasse, a exemplo de visitas ao local de intervenção.

Os conteúdos teóricos e práticos, eram apresentados aos estudantes a partir de informações


secundárias (com base na literatura adotada) e conhecimentos provenientes das experiências dos
docentes. Todos os professores entrevistados destacaram que as metodologias apresentadas por eles
não eram sempre as mesmas, pois eram definidas em função do contexto. Contudo, pôde-se perceber
que a condução do processo projetual do estudante era bastante controlada pelos mestres
responsáveis pelos ateliês.

Quanto a interdisciplinaridade, a análise realizada revelou que embora os professores cobrem


determinados assuntos que supostamente já foram vistos ao longo da graduação e os alunos também
os utilizem e visualizem a integração curricular, existem dois pontos preocupantes: o primeiro se refere
à não interdisciplinaridade em virtude da compartimentalização de conteúdos (VIDIGAL, 2010); e o
segundo à não interdisciplinaridade em decorrência da falta de diálogo entre os professores. Vale
salientar que este último poderia ser lentamente melhorado se houvessem reuniões de cunho
pedagógico e não somente organizacionais e burocráticas envolvendo os docentes.

A avaliação ocorria a partir de critérios expostos previamente, tal aspecto é interpretado por Mahfuz
(2009) como fundamental, pois são esses critérios que vão fundamentar todo o processo de ensino-

7
aprendizagem. Na maioria dos casos, os docentes atribuíam maior parcela da nota ao processo,
percebendo o projeto arquitetônico como uma ferramenta para se criar a Arquitetura.

Ademais, a avaliação ocorria de forma coletiva, de modo que os alunos conseguiam enxergar nos
trabalhos uns dos outros os pontos positivos e negativos, facilitando assim o desenvolvimento dos
projetos, a compreensão dos resultados obtidos e evitando posteriores falhas. A estratégia resulta em
um processo de aprendizado mútuo no qual o professor atua como um intermediador, sem
autoritarismo (RHEINGANTZ, 2003). De uma forma geral, o ensino de forma coletiva, seja no
assessoramento ou na avaliação, é algo difundido pelo construtivismo. Acredita-se que a orientação e
correção coletiva dos projetos, prática comum no curso da UFCG, é uma oportunidade de aprendizado
contínuo, ideia também defendida pela abordagem supracitada e destacada no conceito de ateliê aqui
apresentado.

5 CONCLUSÕES

Após a análise, foi possível verificar que, não diferente de outras situações no país, os professores do
CAU UFCG e o curso de uma forma geral tentam se enquadrar nos regimes estabelecidos pelo sistema
universitário. São muitas as dificuldades vivenciadas e relatadas pelos docentes, principalmente no
tocante à curta e insuficiente carga horária disponibilizada para as disciplinas de projeto, bem como a
compartimentalização dos conteúdos. Todavia, existe um esforço para que estratégias de
permanência no ateliê sejam implementadas como forma de melhorar o processo de ensino e
aprendizagem do projeto arquitetônico.

Verificamos também que os ateliês analisados podem se encaixar em duas das abordagens defendidas
por Lebahar (1999), sendo elas: Práticas profissionais como guia, uma vez que os docentes adotavam
a postura de um “modelo ou roteiro de entrega”, contendo todos os desenhos e informações que o
projeto final deveria conter; e também, parcialmente, a abordagem de áreas multimeios e
multidominínios, pois os projetos eram iniciados a partir da resolução de um problema específico e a
partir dele, muitas outras atividades eram desenvolvidas objetivando sempre o melhor processo de
aprendizagem para os alunos. Além disso, a maioria dos estudantes demonstravam segurança nas
decisões tomadas e tinham consciência de todo o seu processo – caminho - projetual.

6 REFERÊNCIAS

8
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de 17 de Junho de 2010. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Arquitetura e
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2015. PROJETAR 2015, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
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MAHFUZ, E. C. O ateliê de projetos como miniescola. 2009. Disponível em:
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paraná. 2011. 350 pg. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo. São Paulo, 14 de dezembro de 2010.

9
Ensino plural para uma arquitetura ética: uma análise das
bibliografias das disciplinas de projeto

Plural education for an ethical architecture: a bibliographic analysis of design


disciplines

Enseñanza plural para una arquitectura ética: un análisis de las bibliografías de


las materias de proyecto

JAYME, Isabela Mendes


Graduada em Arquitetura e Urbanismo, UFPR, isabelamj@gmail.com
FERREIRA, Felipe Rossi
Graduado em Arquitetura e Urbanismo, UFPR, fferreira.arch@gmail.com

RESUMO
O presente artigo busca verificar a presença de conteúdos sociais e políticos nas bibliografias exigidas nas
disciplinas de projeto arquitetônico, fomentando uma reflexão crítica sobre o ensino de arquitetura nas
universidades públicas brasileiras. Partindo de uma contextualização sobre o espaço, suas relações com grupos
sociais diversos, o ensino e a prática de arquitetos e urbanistas, procura-se entender como se buscam soluções
para essas complexidades nas aulas de projeto. Como metodologia de pesquisa, foram avaliados os cursos
melhores classificados no Enade 2017, investigando a inserção dessas temáticas em suas referências
bibliográficas a partir de uma categorização e análise do cunho das obras e do perfil de seus autores.
PALAVRAS-CHAVE: ensino público, arquitetura, dimensão sociopolítica, bibliografia, projeto arquitetônico

ABSTRACT
This article aims to verify the insertion of social and political contents in the required bibliographies for the
architectural design disciplines, providing a critical reflection on the teaching of architecture in brazilian public
universities. From a contextualization about space, its relations with different social groups, the teaching and
practice of architects and urban planners, this approach seeks to understand how solutions are sought for these
complexities in design classes. As a research methodology, the best rated courses in Enade 2017 were evaluated,
through an investigation of these themes’ presence in their bibliographic references, based on the categorization
and analysis of the nature of the works and the profile of their authors.
KEY WORDS: public education, architecture, socio-political dimension, bibliography, architectural design

RESUMEN
El presente artículo busca verificar la presencia de contenidos sociales y políticos en las bibliografías exigidas para
las materias de proyecto arquitectónico, fomentando una reflexión crítica acerca de la enseñanza de arquitectura
en las universidades públicas brasileñas. A partir de una contextualización sobre el espacio, sus relaciones con
grupos sociales diversos, la enseñanza y la práctica de arquitectos y urbanistas, se procura entender cómo se
buscan soluciones para estas complejidades en las clases de proyecto. Como metodología de investigación, se
evaluaron los cursos mejor calificados en el Enade 2017, investigando la inserción de estos temas en sus
referencias bibliográficas a partir de una categorización y análisis de la naturaleza de los trabajos y del perfil de
sus autores.

1
PALAVRAS CLAVE: educación pública, arquitectura, dimensión sociopolítica, bibliografía, proyecto
arquitectónico

1 INTRODUÇÃO

Para além das ciências exatas ou dos campos das artes, a arquitetura interage com um agente
complexo: uma sociedade com uma multiplicidade de vivências que, em suas relações e conflitos,
modelam as dinâmicas da cidade. Nesse quadro, o artigo se volta para o ensino de arquitetura em nível
de graduação nas universidades públicas brasileiras, explorando a inserção de conteúdos sociais e
políticos nos programas disciplinares e o quanto se buscam soluções para essas complexidades na
configuração do espaço. A partir de uma contextualização sobre esse panorama, questiona-se sobre o
papel social e as práticas do arquiteto e urbanista, que contribuem para as opressões ou subvertem a
episteme naturalizada e permitem existências plurais.

Assumindo que essas temáticas aparecem com mais frequência no ensino de urbanismo, como aponta
Marques (2010), o foco se dirigiu para onde elas podem carecer: nas disciplinas de projeto
arquitetônico, com uma análise de suas bibliografias por meio de uma categorização de obras e
autores. Sem intenção de julgar a qualidade dos cursos e entendendo que outros aspectos - como
estratégias de ensino e metodologias de avaliação - também poderiam servir como indicadores, o que
se propõe é uma reflexão direcionada à área da arquitetura baseada estritamente nas referências
indicadas nas fichas disciplinares. Dessa forma, procura-se questionar se estas ainda esbarram na
reprodução de pensamentos que refletem padrões de grupos sociais dominantes ou se incluem
entendimentos e práticas que incorporem experiências mais diversificadas e inclusivas.

2 CONTEXTUALIZAÇÃO TEMÁTICA

Dentre suas diversas conceituações, o espaço pode ser entendido tanto condição, quanto meio e
produto das práticas sociais, que conformam inter-relações em constante movimento, ligando as
dimensões mentais, culturais, sociais e históricas num processo complexo e simultâneo. Estas relações
de descoberta (de novos espaços-mundo outrora desconhecidos); produção (de organizações espaciais
específicas a cada sociedade); e criação (da paisagem enquanto materialidade social) configuram um
cenário onde cada sociedade com suas diversidades e particularidades produz um espaço, o seu
(LEFEBVRE, 2006).

2
Na especificidade social do espaço, sua inter-relação com homens e mulheres é permeada por relações
de dominação e subordinação que reafirmam o desenvolvimento desigual imposto por uma ordem
sociopolítica, econômica e cultural específica. Nessa perspectiva, Foucault (2000) atribui a capacidade
de controle do espaço como condição essencial para o funcionamento do poder, na qual a arquitetura
se apresenta como parte determinante da materialidade da paisagem cultural, uma vez que a sua
manipulação pode ser considerada como estratégia de preservação do poder dominante (SOARES;
ZARANKIN, 2004). Diante disto, pode-se entender que a arquitetura - enquanto edifício construído -
não apenas se ocupa de constituir limites físicos para a realização das atividades humanas, mas possui
em si a força intrínseca de favorecer ou limitar essas atividades. Como sugere Umberto Eco (1968), é
possível afirmar que a arquitetura atende a demandas sociais, ao mesmo tempo em que condiciona
pessoas a viverem de uma determinada maneira.

Ao revisitar as origens e trajetórias da arquitetura e do urbanismo ao longo da história, facilmente se


percebe que a figura do arquiteto por muito tempo esteve associada a grupos de maior domínio social,
econômico e político. O fazer da arquitetura se deu, durante séculos, quase que exclusivamente a
serviço da realeza, do poder religioso e da aristocracia. A normatização do ensino de arquitetura e
urbanismo de certo modo atribuiu ao sistema o poder “de formar e controlar os novos profissionais
autorizados a construir a própria paisagem do capitalismo, por meio da especialização e regulação do
ensino.” (SOARES; ZARANKIN, 2004, p. 26-27). Mesmo sob o advento da modernidade, quando a
arquitetura se viu, talvez pela primeira vez, influenciada por um desvio político sensível ao bem-estar
social, a ação de arquitetos ainda esteve limitada por uma perspectiva genérica e universalizante do
homem em sociedade. Em grande medida, o referencial continuou sendo o do homem branco,
europeu, heteronormativo e minimamente inserido numa ordem social pré-estabelecida (FUÃO;
SOLIS, 2018).

Para a arquiteta e urbanista Zaida Muxí (2018), até os dias de hoje o espaço urbano foi concebido a
partir de um ponto de vista que se pretendia neutro ou abstrato, quando na realidade este “neutro”
reproduzia um padrão recorrente história: a visão de um homem com melhores condições sociais, de
um extrato de classe minoritário e de uma raça minoritária. Ao se intencionar uma suposta
neutralidade, presume-se que a cidade poderá ser ocupada e apropriada de maneira universal. Pelo
contrário, esse discurso descarta todas as outras formas de apropriação que não aquela hegemônica
e dominante.

3
Considerando a cidade legal, é possível interpretar que muitas das suas formas não priorizam os
deslocamentos e vivências de corpos que transgridem a lógica de dominação, como o da mulher, os
corpos da negritude e os das periferias, por exemplo. Quando estes espaços, sejam públicos ou
privados, configuram normatizações que desvalorizam estas diferenças, o próprio uso cotidiano por
estes sujeitos indica o reconhecimento da luta emancipatória pela igualdade de acesso e direito à
cidade.

Para aplicar uma perspectiva de gênero, por exemplo, no estudo e na prática da arquitetura e do
urbanismo, Muxí (2018) coloca que o primeiro passo é entender que homens e mulheres possuem
papéis sociais e culturais diferentes, e devido a isso realizam tarefas, se locomovem e têm acessos
diferentes às oportunidades da cidade. Da mesma forma, em relação à diversidade sexual, a cidade
reproduz espaços heteronormatizados que restringem o acesso e liberdade das minorias, e geram
como uma de suas consequências negativas a intolerância, seja ela étnica, política, ou de gênero.
Tendo em vista que as dinâmicas urbanas podem gerar ressignificações, a prática urbanística pode ser
uma das instituições mediadoras desses conflitos (FARIAS, 2012).

Seguindo este raciocínio, é pertinente recordar do livro Supercrítico, no qual os arquitetos e


professores de projeto Peter Eisenman e Rem Koolhaas fazem um debate sobre a arquitetura na
contemporaneidade, o ensino e a pesquisa. Neste diálogo, quando se aborda a questão da
neutralidade, ambos concordam que buscam fazer projetos expressivamente “neutros” (EISENMAN,
2013). Na conjuntura da cidade contemporânea - lugar de dinâmicas complexas e em constante
transformação -, porém, é preciso um cuidado com o uso deste conceito, posto que é possível evocar
a ideia de um usuário neutro, um arquiteto neutro ou simplesmente um público neutro.

Em contraposição a este discurso, os teóricos de arquitetura Jeffrey Kipnis e Robert Somol


argumentam sobre os dilemas que existem em torno da ideia de um projeto crítico na atualidade. Para
Kipnis, faz-se necessário questionar se as formas institucionalizadas, às quais comumente se obedece,
ainda apresentam alguma eficácia para a sociedade. Se taticamente for possível separar a prática de
seus hábitos ou clichês, de alguma forma liberta-se e habitua-se para criar novamente “algo dinâmico,
que reage e responde à cultura” (EISENMAN, 2013, p. 109). Portanto, para perceber a prática crítica a
partir de uma ruptura a algo, primeiro entende-se que “o discurso universalizante que propõe
considerar todos os homens como iguais ou irmãos, acaba por rejeitar os diferentes e produzir
historicamente efeitos de exclusão os mais atrozes e sanguinolentos” (FUÃO; SOLIS, 2018, p.18).

4
Considerando a dimensão técnica e específica da arquitetura e do urbanismo, é comum existir a noção
equivocada de que a prática profissional não diz respeito à política ou não possui uma bagagem
ideológica, como se as escolhas fossem realmente neutras, puramente racionais. De acordo com Muxí
(2018), tudo o que fazem os arquitetos e urbanistas, cada decisão em suas vidas, é uma ação política.
Mesmo nas decisões técnicas existe um condicionante político, um posicionamento que, ainda que o
arquiteto não seja de capaz de controlar e prever tudo o que pode acontecer, é coerente com a sua
maneira de pensar.

Nessa reflexão sobre o papel sociopolítico da profissão, cabe repensar também a dimensão do ético
na esfera da arquitetura. Para Fuão e Solis (2018, p. 20), “o ético passa por um posicionamento diante
do mundo e dos outros, uma responsabilidade perante o mundo, a cidade e os outros homens, uma
postura diante do humano sobretudo”, ou seja, vai muito além dos valores de articulação entre
profissionais, convivência com clientes ou uma ética de mercado. Destarte, parece contraprodutivo
pensar a arquitetura, até mesmo sob um viés sociológico, sem recair o olhar a uma questão
indispensável a esta discussão: o ensino e a formação do arquiteto e urbanista.

Ainda que se compreenda que o ensino tem papel determinante na construção da responsabilidade
ética dos profissionais, é fundamental perceber que o universalismo epistemológico científico esteve
historicamente relacionado a processos de subordinação e invisibilização de sujeitos subalternos.
Conforme apontam Immanuel Wallerstein (1979) e Walter Mignolo (2000), a constituição do sistema-
mundo moderno a partir de ideais colonizadores e civilizatórios, assentou múltiplas “destruições
criadoras” de conhecimento, sobretudo no que diz respeito ao hemisfério Sul.

A essa discussão, Mignolo (2010) acrescenta que a colonialidade do poder se exerce também - para
além do domínio do conhecimento - a partir do controle da economia, da autoridade, da natureza e
dos recursos naturais, do gênero e da sexualidade. Para que sejam incorporadas outras formas de
saber e novas perspectivas a práxis arquitetônica, é necessária a consciência de que a produção e
conhecimento acadêmicos não se constrói a partir de verdades absolutas e incontestáveis. Portanto,
longe de configurar um domínio “abstrato, homogêneo e culturalmente indiferente”, o conhecimento
deve ser entendido como produção coletiva de um conjunto de diferentes sujeitos - com suas muitas
e diversas vozes, histórias, trajetórias e culturas (Harding, 1998 apud Santos, 2008, p. 151).

Como uma das possíveis alternativas a esta questão, a geógrafa Anita Loureiro de Oliveira (2018)
aponta que o pensamento decolonial - em oposição a colonialidade masculina, branca, heterossexual

5
e cristã do saber - sugere um diálogo mais frequente e fecundo com os grupos sociais e saberes
historicamente subalternizados e desqualificados enquanto conhecimento. A ciência, também
entendida como construção social, se encontra em posição passível ao debate e reavaliação,
especialmente nas áreas mais periféricas do sistema mundial onde a depreciação de saberes e
cosmologias alternativas pouco reflete a condição de realidades sociais vastas e plurais, como é no
cenário brasileiro.

Nesse contexto, não é difícil perceber certo distanciamento metodológico e projetual na atuação de
grande parte dos arquitetos frente às subjetividades do mundo real, seja pela valorização demasiada
de atributos formais e estéticos, ou simplesmente pela marketização das soluções arquitetônicas. Ao
avaliar a inserção dessas reflexões no ensino da arquitetura nota-se que de forma geral estes
conteúdos aparecem em discussão nas esferas do urbanismo e da teoria, mas que pouco se fazem
presente nos ateliês de projeto (MARQUES, 2010). O conhecimento científico adotado como regra nas
universidades pode e deve ser questionado acerca de sua suposta neutralidade frente a conjuntura
sociopolítica e cultural em que se manifesta.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS E ANÁLISE DE DADOS

Frente a essas questões, buscou-se avaliar a presença de tais discussões nas disciplinas de projeto
arquitetônico. Entendendo que uma visão geral implicaria examinar aspectos mais amplos de
dinâmicas e metodologias de ensino, muitos dos quais só poderiam ser devidamente entendidos a
partir da vivência em sala de aula, optou-se analisar as referências bibliográficas exigidas, por
corresponderem a um elemento comum a todos os currículos.

Para esta análise, foram selecionados os cursos das cinco universidades com os melhores conceitos no
Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) realizado em 2017. Em ordem de classificação,
são elas: a Universidade Federal do Paraná (UFPR) com conceito contínuo de 4,8459; a Universidade
Estadual de Maringá (UEM) com 4,8300; a Universidade Estadual Paulista (UNESP) com 4,7788; a
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com 4,7286 e a Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) com 4,6986.

Baseando-se nas fichas das disciplinas de cada período dos cursos, suas ementas e bibliografias
exigidas, procurou-se analisar o cunho das obras e o perfil de seus autores. Os documentos foram
obtidos nos sites oficiais dos cursos ou solicitados à coordenação dos mesmos quando não disponíveis

6
online. Por conseguinte, os exemplares das bibliografias foram contabilizados e agrupados em três
categorias (Figura 1):

Figura 1 - Categorias bibliográficas

Fonte: os autores, 2019.

Os períodos em que não constavam indicações bibliográficas foram desconsiderados dessa análise. A
partir desses critérios, os dados obtidos foram organizados em gráficos e analisados em conjuntos. Na
primeira sequência de gráficos (Figura 2) apresenta-se um panorama geral das obras que compõem a
bibliografia obrigatória e complementar das disciplinas de projeto.

7
Figura 2 - Relação de obras - total/por categorias

Fonte: os autores, 2019.

Conforme é possível observar nos gráficos, há notável diferença no volume de obras indicadas. A
bibliografia das disciplinas sofre uma variação significativa, de forma inversamente proporcional à
classificação de desempenho no Enade: a primeira colocada (UFPR) apresenta a menor bibliografia
exigida, não listando nenhuma obra de conhecimento interdisciplinar, enquanto a quinta colocada
(UFSC) apresenta a maior bibliografia e indicações de obras em todas as categorias analisadas. É
importante ressaltar que essa classificação considera a ordem de desempenho no conceito contínuo
(resultante da média ponderada das notas padronizadas na Formação Geral (25%) e Conhecimento
Específico (75%) (BRASIL, 2018).

Para a discussão desse artigo, no entanto, poderia-se considerar apenas o desempenho atingindo no
componente de Formação Geral, uma vez que este avalia os elementos integrantes do perfil
profissional que dizem respeito à formação ética e sociopolítica do arquiteto, conforme destacado no
quadro abaixo (Figura 3):

8
Figura 3 - Perfil Profissional - Formação Geral

Fonte: adaptado pelos autores (2019) a partir de BRASIL, 2017.

Nesse cenário, a classificação das universidades seria: UNESP, UNICAMP, UFSC, UFPR e UEM. Esta
ordem refletiria de forma diretamente proporcional a ordem das universidades que mais apresentam
obras de conteúdo interdisciplinar: UNESP (16,22%), UNICAMP (15,58%), UFSC (6,36%) e UFPR e UEM.
Mesmo que as duas últimas não apresentem títulos dessa categoria, poderia se considerar no lugar a
esfera de percepção e crítica - UFPR (18,18%) e UEM (9,36%).

Na segunda sequência de gráficos (Figura 4), apresenta-se os totais de obras organizados por períodos,
onde se nota uma distribuição desigual frente às categorias analisadas. De forma geral, os cursos
apresentam ementas com conteúdo progressivo em relação à complexidade dos programas
arquitetônicos abordados nas disciplinas, o que pode servir como indicativo para maior concentração
de conteúdos de fundamentação no início do curso, em contraposição aos mais críticos, locados ao
fim da formação. Em alguns casos, nota-se também a concentração de bibliografia específica em
períodos onde se trabalham programas temáticos, como acústica e iluminação.

Por fim, a última informação levantada se relaciona à proporção entre autores homens e mulheres
(Figura 5), onde a disparidade é evidente. Ainda que as relações não sejam ideais, mais uma vez é
possível a estabelecer relações diretas entre o desempenho das universidades no componente de
Formação Geral, com aquelas que possuem distribuição mais equânime de sua bibliografia.

9
Figura 4 - Bibliografia por período

Fonte: os autores, 2019.

10
Figura 5 - Proporção de autores e autoras

Fonte: os autores, 2019.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas exposições apresentadas, é possível inferir uma relação entre a diversidade de
conteúdos bibliográficos e o desempenho das universidades na avaliação da formação ética e humana
dos profissionais. No entanto, a amplitude do ensino de projeto não se define somente por conteúdos
didáticos e metodologias de avaliação. Existem também muitos fatores subjetivos que envolvem a
relação entre alunos e professores, suas vivências e dinâmicas, dentro e fora do ambiente acadêmico.
Assim, entende-se que não é possível creditar essas observações apenas à bibliografia adotada, uma
vez que esta também poderia ser questionada e avaliada em novos desdobramentos que permitam
análises futuras.

Possivelmente, os cursos que incluem uma bibliografia mais extensa e dinâmica, seguem a mesma
lógica na seleção de suas práticas e metodologias. Contudo, entendendo a indicação bibliográfica
como um dos elementos básicos da estruturação de uma disciplina, antecedendo inclusive a prática
didática, espera-se que esta reflita, de alguma forma, as discussões que são estimuladas em sala de
aula. Em razão disso, defende-se que as bibliografias já incluam uma variedade de referências que
instiguem novas respostas aos conflitos e dinâmicas sociais, e assim motivem ainda mais a condução
das aulas e as trocas em sala.

11
REFERÊNCIAS

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WALLERSTEIN, I. M. The Capitalist World-Economy. Cambridge/Paris: Cambridge University Press/Editions de la
Maison des Sciences de l’Homme, 1979.

12

Cara a cara com a/o cliente: experiências, aproximações e


atravessamentos no ateliê de projeto

Face to face with the client: experiences, approaches and crossings
at the project studio

Cara a cara con la/el cliente: experiencias, acercamientos y travesías
en el taller de proyecto

BERRIEL MERCADANTE STINGHEN, Andréa


Doutora em Engenharia Florestal pela UFPR. Mestre em Arquitetura pela URGS/PUC-PR. Graduada em
Arquitetura e Urbanismo pela UEL. Professora Associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Paraná – UFPR | andreaberriel@ufpr.br

RESUMO
Um dos desafios no ateliê de projeto de arquitetura é fazer uma aproximação com a prática profissional. No
entanto, um componente costuma ficar fora dos exercícios: a interlocução com a/o cliente, o diálogo com as
pessoas que trarão as demandas e/ou os recursos materiais que, num futuro profissional, condicionarão a
prática das(os) atuais estudantes. Esse trabalho constitui um breve relato de experiência sobre um exercício de
projeto realizado no primeiro semestre de 2019 com estudantes de segundo ano da graduação e clientes reais,
duas famílias que participaram voluntariamente em dois momentos: apresentação das necessidades e avaliação
dos resultados. Nos dois eventos as(os) estudantes tiveram que escutar atentamente e organizar o que estava
sendo dito, bem como se expressar e se posicionar como responsáveis pelo processo da produção
arquitetônica. Completam a narrativa dados qualitativos de um questionário aberto que foi passado à turma e
avaliações das(os) clientes. A pesquisa ainda está em fase inicial, e será repetida no primeiro semestre de 2020,
então com uma abordagem etnográfica. Longe de encerrar ou mesmo organizar satisfatoriamente o assunto,
esse breve relato espera fomentar o campo de debate sobre a alteridade, através do desenvolvimento de
metodologias de escuta sensível, com possibilidades e potências dentro do processo de ensino-aprendizagem.
PALAVRAS-CHAVES (3 a 5): ateliê de projeto, arquitetura, alteridade, escuta sensível.

ABSTRACT
One of the challenges in the architectural design studio is to approach professional practice. However, one
component is often left out of the exercises: dialogue with the client, dialogue with the people who will bring the
demands and / or material resources that can shape the student’s upcoming professional pactice. This paper is a
brief experience report on a project exercise carried out in the first semester of 2019 with second year
undergraduate students and real clients, two families who participated voluntarily in two moments:
presentation of needs and evaluation of results. In both events the students had to listen carefully and organize
what was being said, as well as express and position themselves as responsible for the process of architectural
production. The narrative completes the qualitative data from an open questionnaire report given for class and
customer evaluations. It is an ongoing early-stage project that will be repeated in the first half of 2020, then
with an ethnographic approach included. Far from closing or even satisfactorily organizing the subject, this brief
report hopes to foster the field of debate on otherness, through the development of sensitive listening
methodologies, with possibilities and powers within the teaching-learning process.
KEY WORDS (3 a 5): design studio, architecture, alterity, sensitive listening



RESUMEN
Uno de los retos del taller de proyecto de arquitectura es acercarse a la práctica profesional. Sin embargo, un
componente suele quedar fuera de los ejercicios: la interlocución con el cliente, el diálogo con las personas que
traerán las demandas y/o los recursos materiales para que los proyectos puedan tomar forma en el futuro
profesional de las/los estudiantes de hoy. Este trabajo es un breve informe de experiencia sobre un ejercicio de
proyecto realizado en el primer semestre de 2019 con estudiantes de segundo año de pregrado y clientes reales,
dos familias que participaron voluntariamente en dos instancias: presentación de necesidades y evaluación de
resultados. En esas dos oportunidades los estudiantes tuvieron que escuchar atentamente y organizar lo que se
decía, así como expresarse y posicionarse como responsables del proceso de producción arquitectónica. La
narrativa se completa con datos cualitativos de un cuestionario abierto que se entregó a la clase y a la
evaluación de los clientes. La investigación se encuentra todavía en su fase inicial y se repetirá en el primer
semestre de 2020, ahora con un enfoque etnográfico. Lejos de cerrar o incluso organizar satisfactoriamente el
tema, este breve informe apunta a fomentar el campo de debate sobre la alteridad, a través del desarrollo de
metodologías de escucha sensibles, con posibilidades y poderes dentro del proceso de enseñanza-aprendizaje.
PALABRAS CLAVE: taller de proyecto, arquitectura, alteridad, escucha sensible.

1 INTRODUÇÃO
“Por trás dos cenários
Da existência imensa, na escuridão do abismo,
1
Vejo distintamente mundos singulares”


Um dos desafios no ateliê de projeto de arquitetura e urbanismo é fazer uma aproximação com a
prática profissional. Durante os exercícios, os estudantes entram em contato com o terreno onde a
obra será implantada, com suas características morfológicas e topológicas - topografia, orientação
solar, ventos dominantes, entorno imediato e relação com a cidade, com o campo, com determinadas
preexistências que fazem dele um lugar único na face da Terra, que será visitado e analisado.

Soma-se à escolha do terreno, a escolha de um tema de projeto como casa, escola, café, banca de
revista, biblioteca etc. E, em muitos casos, cria-se o perfil de uma(um) cliente ou usuária(o)
imaginada(o) com determinadas características e necessidades que se transformam em uma lista,
composta por espaços (ambientes) e suas respectivas áreas em metros quadrados, chamada
programa de necessidades.

As estudantes e os estudantes entram em contato também com todo um léxico arquitetônico e


urbanístico, através da observação de obras projetadas e construídas, avalizadas como obras de
qualidade, seja porque foram publicadas ou premiadas. Essas obras servem de exemplo sobre o que
fazer, como fazer e também sobre o que evitar.

1
BENJAMIN, 2007, pág. 398.


São apresentados, pelos docentes, temas, problemas, exercícios. E as estudantes e os estudantes,
navegando em meio a tudo isso, tentando unir o emaranhado de informações que recebem por meio
das disciplinas e da internet, encaram a tarefa de gerar um projeto.

Unindo partes dissonantes de elementos e componentes conceituais e materiais, essas mesmas e


esses mesmos estudantes propõem soluções que são constantemente revistas e postas à prova,
através de interlocução com as(os) professoras(es) e com as(os) outra(os) colegas.

Ao longo de todo o processo - início, desenvolvimento e avaliação dos trabalhos – continuam sendo
utilizados, como modelos ou referências, os projetos publicados e premiados, que passaram pelo
crivo de outros profissionais arquitetos e urbanistas, ou seja, que foram produzidos e avalizados por
“pessoas do ramo”. Em nenhum desses momentos são escutadas pessoas leigas, sem a formação em
arquitetura e urbanismo, “pessoas que não sejam do ramo”.

Isso significa que o diálogo com o outro, ou seja, com as pessoas leigas, costuma ficar fora dos
exercícios. Isso prejudica de alguma maneira a formação dos profissionais, que podem apresentar um
despreparo nos momentos de interagir com aquela(e) que, depois de transpostas as etapas da
formação acadêmica, representará uma força sem a qual nada acontecerá: aquela(e) que necessita
do serviço e que dispõe de meios materiais para remunerar esse serviço, aquela(e) que não possui
uma formação na área, nem pretende ter, ou seja, “aquela e aquele que não são do ramo” ficam fora
da discussão acadêmica.

Existe uma lacuna, a ausência de uma(um) representante da sociedade, aquela(e) para a qual as(os)
estudantes estão sendo, em última instância, formados para atender. A ausência desse representante
raramente é notada ou problematizada. O que faz com que muitas(os) estudantes transfiram o papel
de cliente para a(o) professor(a) ou professores, ou seja, submete seu trabalho ao olhar e ao crivo de
um(a) arquiteta(o), fato que trará, inequivocamente, um desvio de rota, uma vez que o olhar dos
profissionais da área, apesar de importante como parte do processo, não basta para torná-lo uma
simulação próxima ao que as(os) estudantes enfrentarão no futuro, em suas vidas profissionais, pois
seus gostos e preferências estão muito distantes do gosto e das preferências da maioria da
população. Para além de gostos e preferências, as questões colocadas pelas(os) clientes são também
de outra ordem, trazem anseios e necessidades, não ainda claras e organizadas, de maneira que o
desafio dos estudantes seria desenvolver a capacidade de escutar atentamente, interpretar e
organizar o que está sendo dito.


Do latim alter, “outro”, significa qualidade do que é do outro. Alteridade é o outro, aquele que não
sou eu. O sentido de alteridade, para nosso estudo, considera grupos que tem alguma ou nenhuma
formação no campo de arquitetura e urbanismo. Considera-se nesse estudo, que docentes e
discentes, apesar das diferenças internas, pertencem a um mesmo grupo, que possui formação na
área.

A pergunta que se coloca é a seguinte: como desenvolver, nas(os) estudantes, sensibilidades que
as(os) tornem mais preparados para conviver com a diversidade, estabelecendo diálogo saudável, em
algumas situações, com pessoas diferentes delas(es) mesmas(os), possíveis clientes, interlocutores no
processo de projeto?

2 ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA NA CONSTRUÇÃO DE UM CORPO SENSÍVEL NO ATELIÊ


DE ARQUITETURA
É muito comum às pessoas, mesmo as que possuem alto grau de escolaridade, manifestarem-se com
ressalvas e críticas em relação ao resultado formal dos projetos de arquitetura e das obras
construídas, mesmo aquelas que tem qualidade reconhecida no meio acadêmico. Como é sabido, as
universidades têm, por natureza, a emulação, a simulação de mundos artificiais, de mercado e de
sociedade; mas o desejável é que sejam dissolvidas essas barreiras intransponíveis, que tornam o
ofício da arquitetura e urbanismo muito distante, e muito desconectado da realidade externa à
academia, ou seja, da sociedade.

Como é sabido, o projeto de arquitetura e urbanismo precisa materializar inter-relações, conexões


para formalizar proposições adequadas a cada situação que se apresente. E, em toda situação que se
apresenta, haverá sempre uma relação a ser construída entre uma pessoa ou um grupo de pessoas
que apresenta uma necessidade a ser satisfeita e, um profissional ou grupo de profissionais, que
atenderão a essa necessidade, através da prestação de um serviço, o projeto de arquitetura e/ou
urbanismo. Nessa relação, o sentido de alteridade deveria receber mais atenção dos arquitetos e
urbanistas. Alteridade implica que um indivíduo seja capaz de se colocar no lugar do outro, sem uma
relação baseada no diálogo e valorização das diferenças existentes.

De acordo com Pallasma (2010) “O arquiteto sábio percebe em outras áreas conceitos técnicos e
poéticos para qualificar suas proposições”. E, se pensarmos que na origem das proposições existem
os agentes (pessoas) que solicitaram o serviço, mesmo que pareçam em segundo plano nos livros,
nas palestras de muitas arquitetas e arquitetos, são o centro da questão e, a aderência ou não ao


projeto, ou seja, a chance de sucesso do empreendimento, depende de o quanto as linhas e
entrelinhas desse diálogo foram suficientemente claras e profundas para as duas partes envolvidas:
clientes e arquiteta(o)s.

Se o campo de ação da arquitetura e urbanismo é contraditório, ora um ato filosófico e utilitário,


tecnológico e artístico, ou até econômico e existencial, isso exige ponderações sobre as suas relações
com outros campos do conhecimento. Nesse ponto, podemos ressaltar que um campo que tem
ficado, muitas vezes, à margem do debate é o campo das humanidades, o campo psicológico,
sociológico, antropológico; principalmente quando esses campos poderiam oferecer algumas chaves
para compreender melhor a sociedade, suas mudanças, seus anseios e perspectivas, um campo que
poderia contribuir em muito com a compreensão dos projetos contemporâneos, aproximando-os da
vida das pessoas.

Na obra de Deleuze e Guattari (2011) a subjetividade se contrapõe à ideia de um sujeito pré-


existente, e é inseparável da noção de produção. Suas formas, sempre provisórias, em devir, são
resultantes do jogo de forças e agenciamentos que é imanente à nossa presença corpórea e afetiva
no mundo. O indivíduo está em permanente processo de subjetivação, do qual o seu corpo é ao
mesmo tempo um agente produtor e um produto. A percepção, então, não é invariante,
determinada exclusiva e completamente por sua organização fisiológica, mas faz parte, ela também,
deste jogo dinâmico de produção. Assim, práticas vinculadas a uma dimensão específica da
percepção permitem alcançar uma espécie de competência perceptiva, um certo conhecimento em
profundidade de determinada esfera do mundo sensível.

3 DE CARA A CARA COM O CLIENTE: REFLEXÕES, APROXIMAÇÕES E ATRAVESSAMENTOS


POSSÍVEIS
“O contato face a face entre o Eu (finito) e o outro (infinito)” é explicado pelo conceito de alteridade
de Lévinas (1982). Para que o contato entre o Eu e outro, face a face, ocorra, não basta apenas a
consciência da presença do outro, mas é preciso que haja desejo, um Desejo Metafísico,
caracterizado por tudo que vai além de completar, satisfazer. Este Desejo é que será responsável por
mover o Eu-em-mim-mesmo para o outro, face a face. É nesse momento que a ética surge como
fundamento da relação entre o Eu e o outro. A ética é a experiência de “sentir no Eu a infinitude do
outro”.

O exercício de projeto foi realizado no 1º semestre de 2019, com estudantes de segundo ano da


graduação. Participaram do processo duas famílias: a primeira constituída por um casal lesbo trans2
Luísa (27 anos) e Mel (24 anos), com a filha Júpiter (11 meses) e, a segunda família constituída pelo
casal heterossexual Luiza (27 anos) e Elian (30 anos) sem filhos (Figuras 01 e 02).

Figura 1: Lu, Mel e Jupter | Figura 2: Elian e Luiza


Fonte: Fotografias do instagran @meiodaterra e @luizakons

As duas famílias foram convidadas por mim, professora da disciplina, e participaram voluntariamente
do trabalho. Foram escolhidas - para além da importante questão da representatividade LGBTQI+3
que a primeira família trouxe ao trabalho - por ambas as família terem planos de habitar uma casa,
por terem rotinas e trabalhos ligados à vida doméstica com uma série de rebatimentos na estrutura
da casa e também por não serem proprietários dos terrenos analisados, para não gerar a expectativa
ou compromisso de que os projetos possam ser construídos, uma vez que os estudantes, ainda em
formação, não possuem atribuição profissional para esta prática.

As(os) clientes participaram do ateliê de projeto em dois momentos: apresentação de suas


necessidades e avaliação dos trabalhos finais (anteprojetos).

Nos dois momentos as(os) estudantes tiveram que escutar atentamente e registar o que estava
sendo dito, bem como se expressar e se posicionar como agentes do processo de produção
arquitetônica. A apresentação das necessidades foi feita em duas rodas de conversa, na qual as

2
Lesbo trans ou sapa trans, como se auto denominam.
3
A representatividade LGBTQI+ é uma questão muito em pauta na atualidade, discutida entre as/os estudantes, mas pouco
considerada nos ateliês de projeto.


famílias, em momentos diferentes, responderam a perguntas e expressaram suas necessidades e
desejos em relação à casa. Coube às(aos) estudantes formular perguntas e fazer anotações e, até a
aula seguinte, decodificar a “lista de desejos” das(os) clientes que deveria ser transformada e
organizada em um programa de necessidades.

De acordo com Engel (2009), a produção de um corpo sensível encontra um forte aliado no manejo
da postura atencional por parte daquele que percebe. A atenção, que pode ser entendida também a
partir do conceito de intencionalidade presente nos primeiros estudos da fenomenologia, opera
transversalmente em relação à percepção. Com caráter fluido e seletivo ela é uma espécie de
modulador da consciência, ou seja, é o que torna a percepção capaz de concentrar-se em
determinados aspectos do mundo percebido enquanto coloca outros entre parêntesis. Sem uma
aprendizagem da atitude atencional a percepção não consegue ser operada intencionalmente. É
importante mencionar que há diferentes modos de funcionamento da atenção, podendo estar
ligados a distintos modos de produção do corpo. Por exemplo, na diferenciação, especialmente
quando restrita a uma dimensão específica do sensível, é de suma importância conseguir estabelecer
um foco atencional que possibilite suspender temporariamente a sua tendência oscilante e manter
“afastadas” percepções que não interessam à ocasião.

Figura 3 a 12: Apresentação dos trabalhos


Fonte: Fotografias de Luiza Kons, 2019

Permanecendo na esfera do corpo sensível, é possível propor posturas em que a atenção permaneça
aberta, como na situação em que os estudantes escolheram trabalhar com os clientes de uma das
famílias, mas não se furtaram de discutir e se envolver com as questões da outra família. Como
resultados, foram observadas outras camadas afetadas pela experiência, tanto das estudantes e dos
estudantes, como minhas próprias, pois todas e todos passamos por atravessamentos diversos
durante a experiência: de lembranças, de afetos, de sentimentos de identificação ou repulsa que
foram observadas como saudáveis e inerentes ao processo.


Figura 13 a 14: Confraternização durante apresentação dos trabalhos


Fonte: Fotografias de Luiza Kons, 2019

De acordo com Engel (2009), a aprendizagem da sensibilidade perceptiva, entendida como a


capacidade de produzir um corpo sensível, aparece no ensino como um recurso relevante para o
arquiteto, seja por auxiliar na compreensão dos movimentos da produção de subjetividade (em que
está implicada a relação espaço-corpo), por permitir a produção de um estofo de experiências
significativas com a arquitetura (interessadas do ponto de vista da concepção do projeto), por
habilitar o emprego de olhares avaliativos relacionados à apreensão fenomênica daquilo que
constrói, ou ainda por promover ganhos na espessura sensível e doações de sentido ao mundo.
Trata-se, de qualquer modo, de aprender a exercer certos tipos de posturas. É uma prática que se
desenvolve na própria prática e, portanto, está além do alcance do professor simplesmente
prescrevê-la ou ordená-la. A ele talvez caiba apenas criar condições para que o aprendizado ocorra,
ou seja, instalar os estudantes em situações que lhes permitam produzir e cultivar produção de
corpos sensíveis, exercitando as diferentes posturas atencionais, os diversos olhares investigativos,
as apreensões avaliativas da matéria, as prospecções do ambiente construído, as leituras poéticas do
espaço e as experimentações com o próprio corpo. Finalmente, talvez também caiba ao professor
propor “reflexões sobre os caminhos percorridos durante os processos de invenção do corpo
sensível, para que possam permanecer ao alcance dos estudantes como verdadeiras práticas de si.”


Figura 14 a 19: apresentação dos trabalhos


Fonte: Fotografias da autora, 2019

10


Foi possível perceber, desde o início, que o trabalho gerou, entre as/os estudantes, ansiedade,
expectativa e entusiasmo.

Anteriormente ao relato das(os) estudantes (ANEXO 01) e à avaliação das(o) clientes, é possível fazer
algumas considerações:

- Das/os 20 estudantes da disciplina, 12 escolheram trabalhar com o casal heterossexual e 8 com o


casal lesbo trans – o que foi considerado um resultado equilibrado;

Com relação aos relatos, uma série de apontamentos podem ser feitos, destaco alguns deles:

- Das/os 20 estudantes, 15 fizeram um relato pessoal (que era opcional e poderia ser anônimo) sobre
a experiência;

- Das/os 15 estudantes que fizeram o relato, 15 avaliaram a experiência como importante e positiva;

- Das/os 15 estudantes que fizeram o relato, 5 destacaram alguns pontos negativos como excesso de
pressão e restrição da liberdade criativa, mas todos consideraram que ainda assim a experiência foi
importante e positiva;

- Cerca de 8 relataram alguma dificuldade em se adequar ao repertório das/os clientes que incluía
referências vernaculares, como a preferência por telhado de duas águas e uma série de elementos
que raramente fazem parte das narrativas visuais da arquitetura contemporânea feita por
arquitetas/os.

- Uma estudante relatou que se sentiu pessoalmente representada por ter um casal lesbo trans como
cliente.

Para além do relato, pôde ser observado em sala de aula que:

- Dois estudantes (que trabalharam para o casal 01) decidiram fazer telhados planos verdes, apesar
dos pedidos das clientes por telhados inclinados, mas esforçaram-se para atender uma série de
outros pedidos apresentados;

- As clientes relataram que gostaram muito de receber propostas com linguagem contemporânea,
sobre a qual não haviam pensado antes da experiência;

- A totalidade das(os) estudantes conseguiu desenvolver trabalhos com um bom resultado, tanto na
minha avaliação (professora), quanto na avaliação das famílias, adequando-se aos pedido das duas
família sobre possuírem telhados inclinados e referências vernaculares.

11


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Num mundo cada vez mais polarizado, o desenvolvimento de metodologias de escuta atenta e de
abertura para o diálogo, apesar das dificuldades de relacionamento advindas de diferentes critérios
de visão e categorização de mundo, apresenta-se como alternativa para uma produção de projetos
mais coerentes, que agradem igualmente arquitetos e clientes, mais profundamente conectados com
as poéticas, aspirações e expressões do século XXl.

A emulação de uma relação genuína, entre arquitetas(os) e clientes, pode ser incompleta, uma vez
que os clientes estão simulando uma contratação de serviço e os arquitetos estão ainda em
formação; mas, apesar disso, a experiência se apresentou como uma alternativa à interlocução
exclusivamente acadêmica, que geralmente se estabelece no ateliê, entre arquitetos formados
(professores) e arquitetos em formação (estudantes). Por se tratar de uma prática que vai se
construindo e se desconstruindo, não há fórmulas nem receitas, tampouco há indicativos de que as
experiências serão bem-sucedidas a médio e longo prazo. A experiência será repetida no primeiro
semestre de 2020, desta vez com uma estrutura de pesquisa etnográfica.

Às professoras e aos professores, talvez caiba criar as condições para que o aprendizado ocorra,
estimulando o desenvolvimento de uma escuta sensível, que acolha as pessoas. À professora e ao
professor cabe construir, junto às e aos estudantes, situações que permitam que estes desenvolvam
em seus corpos uma maior sensibilidade para com o mundo.

Longe de encerrar ou mesmo organizar satisfatoriamente o assunto, este breve relato espera
fomentar o campo de debate sobre a alteridade, pois a educação, como projeto coletivo, concretiza-
se através do exercício da alteridade. O fascismo constitui a negação das diferenças. O racismo, o
sexismo, a misoginia, a homofobia, a gordofobia e as demais violências, não seriam a negação e o
desrespeito pelas diferenças? É preciso aprender a reconhecer e respeitar as diferenças, não
nascemos com essa capacidade, ela precisa ser aprendida.

Um ato revolucionário em educação é, portanto, educar para a alteridade, para o reconhecimento


total da outra e do outro. E, no processo ensino-aprendizagem, educar para a alteridade é o mesmo
que educar-se. O passo seguinte, para além de reconhecer as diferenças e respeitar a outra e o outro,
será tornar-se responsável por ela e por ele.

12


5 AGRADECIMENTOS
Agradeço às estudantes e às(aos) estudantes do 2º ano de Arquitetura e Urbanismo que colaboraram
através de relatos de sua experiência durante a disciplina Arquitetura 1 e que cederam suas imagens
e as imagens dos seus trabalhos para ilustrar esse artigo. São elas(es): Alan De Mello Coelho, Amanda
Moreira Barchi, Andressa de Jesus Pedroso, Beatriz Fófano Chudzij, Camila Andressa Koloda
Lourenço, Cláudia Ohana Wiggers Colaço, Danielli Fernanda Ribeiro, Gabriela Zaruvne Baptista,
Giovanna Antoniazzi, Giovanna Figueiredo Telles, Ilana Kruchelski, Isaac André Sauer, Juan Galdino
Cordeiro, Kamilla Ferreira de Lima, Kamylle Cristiane Lima dos Reis, Luísa Cristina Grein, Mariane
Rodrigues Alves, Mateus Tedeschi Diogo dos Santos, Matheus Chuery Pinto e Milena Mottin Cavasso.

Agradeço também às clientes e ao cliente voluntários, essenciais para que essa experiência fosse
completa: Lu Lentz, Mel Bevacqua e Júpiter Bevacqua Lentz (Família 01), Luiza Possamai Kons e Elían
Woidello (Família 02).

6 REFERÊNCIAS
DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução de Ana Lúcia de Oliveira,
Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa. – São Paulo: Editora 34, 2011;
ENGEL, Pedro. Produzindo um corpo sensível. Algumas idéias para (re)pensar a aprendizagem da percepção na
formação do arquiteto. Arquitextos, São Paulo, ano 09, n. 106.04, Vitruvius, mar. 2009.
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/09.106/67;
LÉVINAS, Emmanuel. Ética e infinito. Tradução: João Gama. Lisboa: Edições 70, 1982;
PALASMAA, Juhani. Una arquitectura de la humildad. Barcelona: Caja de arquitectos, 2010;
BENJAMIN, Walter. Passagens. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007;

13


ANEXO 01
Quadro 01 – um pequeno recorte dos relatos voluntários sobre a experiência

Fale sobre a sua experiência ao trabalhar com clientes reais Retorno das(os) clientes:
Relato Estudante 01 CASA 02/Casal Lu e Mel com a filha
Júpiter, de 11 meses
“A experiência com clientes foi muito boa, achei muito divertido e instrutivo projetar para
clientes reais, pois, por mais bem pensado que seja o perfil familiar proposto pelo “Amamos a ideia de casas distribuídas,
professor, cada família terá suas próprias necessidades, coisas muito específicas que é de fato uma das nossas aspirações.
podem passar por artificiais se não vierem de pessoas reais. Desenvolvemos também nossa Aconchegante, muito verde e estilosa.
capacidade de síntese, pois os clientes não têm certeza do que querem ou querem tudo, e O pátio suspenso (c/ a vista!) e com
antes de começarmos temos que saber filtrar o que vai para o projeto e o que cabe muro labiríntico são lindas ideias,
conversar melhor com o cliente. originais e práticas. Muito gostosa a
vibe da vila! (Pintaríamos uma casa de
O processo também foi muito enriquecedor por trabalharmos com perfis familiares não cada cor). Seria interessante fazer mais
tão usuais, mas que existem e geralmente não são abordados na vida acadêmica. Ambos os retrô.”
casais apresentavam suas especificidades e ao projetar para eles é bom entender como
essa família funciona para poder oferecer o melhor projeto possível, que atenda às
necessidades dos clientes e que seja cabível de ser executado.”

Relato Estudante 6 CASA 01/Casal Luiza e Elian


“Minha experiência ao conversar com clientes reais no ateliê de projeto do 2° ano foi Luiza: “Amei as disposições, a casa por
bastante rica. O grande problema da faculdade de arquitetura e urbanismo é o fora é linda, o terraço lindo também. A
distanciamento da experiência acadêmica da experiência no mercado profissional e, no preocupação com a luz no estúdio
caso das disciplinas de projeto, isso se aplica a para quem vamos projetar o espaço [...].”
proposto. Isso influencia diretamente na definição de diretrizes projetuais e, na falta de um
cliente para fazer exigências, acabamos refletindo nossas próprias no projeto. É muito fácil Elian atribuiu nota 9 para o item
projetar para si mesmo, mas não é isso que encontraremos lá fora. Uma das características Beleza/plástica, nota 9 para o item
de um arquiteto é justamente traduzir os gostos e necessidades de um terceiro em um funcionalidade e 9 para o quanto
espaço e é necessário treinar essa habilidade durante o curso. Foi bastante desafiador atendeu suas expectativas de 0 a 10.
realmente entender o casal escolhido e isso me deu uma pequena ideia de com o que Média 9
vamos lidar depois de formados. Havia momentos em que ouvíamos frases como “eu
quero algo meio assim, não sei explicar” e tínhamos que dar um jeito de entender o que
era esse “algo”, apresentando opções, perguntando mais a fundo, explorando, e isso
realmente foi um exercício instigante – e até bastante exaustivo. Entrevistamos ambos os
casais propostos na mesma tarde, o que foi bastante pesado em termos de concentração e
de processar as informações. Não haveria nenhuma outra entrevista ou reunião até a data
de entrega então tivemos que captar o máximo de informações naquele momento. Eu
fiquei aliviada por ter escolhido o primeiro casal, pois fiquei tão concentrada na entrevista
deles que quando passamos para o segundo casal quase não conseguia mais nem pegar na
caneta. No geral, achei bastante válida a experiência e espero que essa prática não só
continue, mas que evolua para outros anos e talvez até para outras matérias – se for o
caso, não necessariamente no formato de entrevista com clientes, mas no sentido de
aproximar ou no mínimo simular condições do ambiente profissional.”

Relato Estudante 7 CASA 02/Casal Lu e Mel com a filha


Júpiter, de 11 meses
“Lidar com clientes em uma disciplina na faculdade foi uma experiência muito construtiva e
dificilmente teremos outra oportunidade como essa no curso. “Casa Terra – Essa casa é muito
funcional e atendeu demais às nossas
Essa vivência permitiu perceber que nós, como futuras arquitetas, precisamos aprender a premissas, principalmente a da
estabelecer um filtro entre o que a cliente pede e o que é possível realizar. Percebi, privacidade. A parte de vidro virada
enquanto escrevia esse relato, porque tive dificuldade em trabalhar com uma forma que para o pátio ficou muito linda e com
representasse elas e compusesse uma casa do século XXI: elas frisaram diversas vezes que ótima sensação de amplidão.
são “rainhas barrocas” e que gostam de tudo que é barroco, mas isso não condiz com a Adoramos as separações e a facilidade
contemporaneidade. Além disso, o que elas entendem por “barroco”? Esse ponto ilustra a de acesso e mudanças que gostamos
dificuldade em conciliar o que as clientes pedem e o que é condizente que a arquiteta faça. de fazer. Casa linda e maquete muito
Gostei, especialmente, de ter uma família com mães sapatrans (como elas se definem no bem feita, deu para visualizar
instagram). Isso trouxe uma representação em níveis que também não costumamos entrar perfeitamente!”
em contato. Não apenas são mulheres lésbicas, mas são mães, e uma delas, igualmente
mulher e igualmente mãe, é trans. Não digo isso como uma “espectadora maravilhada
pelas diversidades”, como é comum encontrar por aí, mas por me sentir pessoalmente
representada, e por isso escolhi trabalhar com elas.

14


Um aspecto talvez negativo (dependendo, claro, da pessoa) pode ser a reunião final, em
que as clientes verão o projeto e participarão da constituição da nota. Esse aspecto pode
exercer certa pressão no desenvolvimento do projeto, que pode ser perigosa como
primeira experiência de projetar. A preocupação de “será que elas vão se identificar com
essa casa? Será que condiz com o que elas imaginavam?” fica na minha mente. Ao mesmo
tempo, é interessante ter essa experiência logo no começo do curso justamente para
levarmos esse ensinamento na nossa formação e carreira. Estamos projetando para
pessoas, não para nós mesmas, e lidar com clientes em uma disciplina de projeto torna isso
muito mais palpável do que apenas criar clientes imaginárias.”

Relato Estudante 8 CASA 01/Casal Luiza e Elian


“Por um lado, eu achei a experiência de trabalhar com clientes reais extremamente “Excelente ouvinte, se preocupou com
enriquecedora, ela trouxe um aspecto real da profissão com o qual nós não teríamos a questão do aconchego, da casa ser
contato até muito mais tarde no curso, trazendo programas de necessidades reais e a em duas águas, no uso da madeira.
experiência de lidar com clientes que não estão inseridos na nossa realidade profissional Achei sensacional ele ter usado como
ou social. Com isso nós aprendemos a conduzir entrevistas e filtrar, de tudo o que foi referencial casas eslavas já construídas
falado, sonhado e pedido, o que realmente era relevante para o projeto, e acho que isso no Paraná. E também pensar nessa
foi uma experiência que só se tem realmente ao trazer clientes reais, que participam do questão entre velho e novo. Estes
exercício como se fosse uma coisa concreta, assim como da nossa parte em que jovens que gostam do imaginário de
trabalhamos nisso com empenho para realizar o sonho dessas pessoas. vó, mas tem a necessidade de jovens.”
Minha única ressalva foi que eu senti que isso pode ter limitado um pouco o modo como Elian atribuiu nota 9 para o item
conduzimos e concebemos os nossos projetos. Pelo que eu entendo do curso nesse ponto, Beleza/plástica, nota 9 para o item
nós somos conduzidos gradativamente ao mundo real, com cada semestre introduzindo funcionalidade e 10 para o quanto
novos conceitos que são importantes para o nosso futuro trabalho profissional, portanto o atendeu suas expectativas de 0 a 10.
momento para elaborar projetos que incentivem nossa criatividade pessoal, buscando Média 9,3
soluções que não necessariamente são viáveis de se fazer numa situação real, mas que
inadvertidamente vão nos ajudar a desenvolver um repertório pessoal, com as nossas
próprias soluções arquitetônicas, e acredito que esse exercício com clientes reais possa ter
impactado um pouco essa experiência, tendo nos limitado um pouco no quanto nós nos
prendemos a soluções mais convencionais, com exceções, claro, mas no geral eu percebi
que os projetos pareciam um pouco contidos demais. Mas ainda assim acredito que a
experiência foi muito válida e necessária para o nosso aprendizado.”

Relato Estudante 10 CASA 01/Casal Luiza e Elian


"Sobre a disciplina de Arquitetura I, gostei do método como o tema foi abordado, a Luiza: “Gostei da atenção com o
professora entende nossas dificuldades e preocupação em relação aos projetos, a forma de estúdio de fotografia, de conferir
trazer clientes reais para nosso projeto é uma experiência fantástica, sendo um preparo bastante luz, e de ter uma área
para nossa vida futura como profissionais. Ter conversas pessoalmente com os casais é externa de vidro em que eu posso
uma grande vantagem para se ter mais ideias do que pode ser feito para se adequar ao fotografar com a vista da cidade, mas
gosto dos clientes. Gostaria que houvessem mais disciplinas que seguissem este método!" preferiria os estúdios mais próximos
um do outro.”

Elian atribuiu nota 8 para o item


Beleza/plástica, nota 9 para o item
funcionalidade e 9 para o quanto
atendeu suas expectativas de 0 a 10.
Média 8,6.

Relato Estudante 13 CASA 02/Casal Lu e Mel com a filha


Júpiter, de 11 meses
“A experiência de trabalhar com clientes de verdade foi muito boa, pois aproxima o
processo projetual da realidade. Nós saímos do mundo imaginário de clientes irreais e “Casa Montanha Mágica: essa ficou
começamos a projetar para pessoas. O processo se torna mais complexo, mas resultado é incrível, sem palavras! O conceito, a
mais gratificante. Entender o mundo particular de cada pessoa e tentar levá-lo para o natureza, a beleza, as formas, a
projeto, só é possível quando trabalhamos com clientes de verdade. Acredito que isso de distribuição, os materiais, a
trabalhar com Clientes deveria acontecer em todos os anos de arquitetura, pois além de privacidade, o altar reservado, a
ajudar no aprendizado de projeto, quebra um pouco a bolha da Universidade e ajuda a magia, a arte, a apresentação, a
mostrar para as outras pessoas o que fazemos.” maquete, o telhado verde, a sala de
vidro, os quartos que dão na grama,
tudo perfeitamente projetado! Deu
para sentir o carinho, a casa é a nossa
casa! O aproveitamento do terreno
também ficou excelente. Olhando de
fora, é linda, e nem dá para imaginar o

15


quanto é mais linda ainda por dentro!
A separação da parte de trabalho
também é essencial. Sem defeitos.

Relato Estudante 14 CASA 01/Casal Luiza e Elian


"Eu achei a experiência incrível. Eu particularmente sou muito tímida, e quando a Luiza: “Amei o capricho de todos os
professora disse que teríamos que entrevistar os clientes, no primeiro momento, pensei detalhes e o pensamento artístico, de
que seria uma coisa muito chata, pq vendo pelo lado da minha timidez, eu achava que não colocar um palco para o Elian. A praça
conseguiria conversar com eles da forma que seria necessária para perceber o que eles para o cachorro quente. O uso da
realmente desejavam, mas a partir do momento que soube que seria uma entrevista madeira e a preocupação com a
coletiva, minha perspectiva mudou hahah. Depois de conversarmos com eles eu pude iluminação. Amei a grande janela na
perceber o quanto as pessoas parecem não saber realmente e por completo o que elas parte de baixo..”
querem. Os clientes pediram muitas coisas, o que para nós, parecia impossível atender por
completo, e eu acho que é aí que tá a verdadeira mágica da coisa. Na nossa vida como Elian atribuiu nota 9 para o item
arquitetos de verdade vão ser pessoas assim que vão nos procurar e não um perfil todo Beleza/plástica, nota 9 para o item
certinho que o professor vai nos dar mostrando que precisa de determinadas coisas funcionalidade e 8 para o quanto
específicas numa casa. Com a conversa, olhando realmente para uma pessoa de verdade, atendeu suas expectativas de 0 a 10.
vendo o jeito como ela se comporta, como trata determinado assunto, como da mais Média 8,6
importância e menos importância para certos detalhes, a meu ver, é o que realmente
mostra o que devemos filtrar e muitas vezes desprezar na execução de um projeto para
que essa pessoa seja realmente feliz dentro de sua casa e que tenha tudo o que ela
espera.
[...]
No geral, eu acho que não tenho nenhuma critica negativa para essa experiência que
tivemos dentro de sala de aula. Eu achei tudo muito legal e muito bem pensado pela
professora. E também, acredito que foi muito desafiador acontecer isso logo no nosso
primeiro semestre com a disciplina de projeto, mas percebo que já estou bem mais
preparada para os outros anos de curso, pq me parece que nada será tão provocador em
relação ao nosso lado criativo quanto isso foi. E confesso que senti que os nossos colegas
das outras turmas ficaram com uma certa invejinha do quanto isso foi animador pra nós
hahah.”

Relato Estudante 15 CASA 02/Casal Lu e Mel com a filha


Júpiter, de 11 meses
"Foi algo muito interessante, que nos proporcionou uma experiência mais real do que seria
projetar depois de formado. “Casa do Meio da Terra – demais a
ideia de ser no meio da terra! Linda a
Tem alguns pontos negativos, como tolher um pouco do nosso ato de criar, coisa que ao ideia de a visão ser toda verde, e de
meu ver no início do curso seria mais importante, mas é aquela coisa, no futuro não ficar invisível à rua. Amamos as ideias
seremos nós mesmos os clientes, então ao mesmo tempo é algo muito útil!" dos pátios – principalmente o do
nosso quarto! Banheira é top, e a área
da fogueira, o coração, sendo
integrada com as partes sociais ficou
muito agradável e fluido! Parece uma
casa muito confortável e receptiva J”

Fonte: a autora, 2019

16
Casa Rothschild: material propedêutico.

BARNABÉ, Paulo Marcos Mottos


Doutor, UFPR, pbarnabe@terra.com.br

RESUMO
Esse artigo designa ao professor o papel de atento promotor do ensino ativo através do uso de conteúdos
propedêuticos. Para exemplificar, utiliza-se uma obra não construída de Oscar Niemeyer: a residência
Rothschild, que responde a algumas inseguranças detectadas no dia a dia dos estudantes. Para tanto, foram
levantados e analisados memoriais, croquis e desenhos publicados em livros, periódicos, revistas e websites,
completados com materiais originais de estudo disponibilizados pela Fundação Oscar Niemeyer. O resultado
demonstrou que mesmo os grandes mestres utilizam croquis rápidos simplificados, também têm hesitações no
processo de projeto, e adotam obras não construídas como fonte para suas proposições futuras.
PALAVRAS-CHAVES: Arquitetura, ensino, propedêutica, Rothschild, Niemeyer.

SUMMARY
This article designates the teacher the role of attentive promoter of active teaching through the use of
propaedeutic contents. To exemplify, an unfinished work by Oscar Niemeyer: the Rothschild residence, which
responds to some detected insecurities in students' daily lives. Therefore, memorials, sketches and drawings
published in books, periodicals, magazines and websites were collected and analyzed, and completed with
original study materials provided by the Oscar Niemeyer Foundation. The result showed that even great
masters use simplified quick sketches, also have hesitations in the process design , and adopt unbuilt works as
a source for their future propositions.
KEYWORDS: Architecture, teaching, propaedeutic Rothschild, Niemeyer.

RESUMEN
Este artículo asigna al maestro el rol de promotor atento de la enseñanza activa a través del uso de contenidos
propedéuticos. Por ejemplo, un trabajo no construido de Oscar Niemeyer: la residencia de Rothschild, se usa
para responder a algunas inseguridades detectadas en la vida diaria de los estudiantes. Para ese propósito,
también se recopilaron y analizaron los memoriales, bocetos y dibujos publicados en libros, publicaciones
periódicas, revistas y sitios web, complementados con materiales de estudio originales puestos a disposición
por la Fundación Oscar Niemeyer. El resultado mostró que incluso los grandes maestros utilizan bocetos rápidos
simplificados, también tienen dudas en el proceso de diseño y adoptan trabajos no construido como fuente
para sus futuras propuestas.
PALABRAS CLAVE: Arquitectura, enseñanza, propedéutica, Rothschild, Niemeyer.

1 INTRODUÇÃO

Entende-se que o ensinar e o aprender advêm do interesse mútuo para construir conhecimentos,
dando ênfase à formação que incite processos emancipatórios. Para tanto, muitas vezes, professores
têm que desenvolver materiais propedêuticos que auxiliem os estudantes no transcorrer do Curso de
Arquitetura. Esse artigo explicita uma parcela desses materiais, preparados pelo autor a partir da

1
pesquisa sobre uma residência não construída de Oscar Niemeyer: a Casa Rothschild; pesquisa essa
que faz parte de uma investigação abrangente sobre o uso de elementos e conceitos arquitetônicos
como diretriz de projeto. Para isso, foram levantados e analisados memoriais e desenhos publicados
em vários meios de informação, completados com croquis originais disponibilizados pela Fundação
Oscar Niemeyer do Rio de Janeiro; além de estudos sobre algumas de suas residências construídas,
quinze anos antes e quinze anos depois de 1965, para identificar possíveis tratamentos plásticos que
poderiam ter sido adotados; e, finalmente, foram feitas simulações tridimensionais digitais.

Isso porque se detectou, nos anos de docência, que muitos estudantes têm dúvidas sobre os
métodos de projeto dos grandes mestres, pois esses normalmente os velaram e mitificaram. Outros
se envergonham de seus croquis, por não saber que os mestres, no momento de concepção,
também fizeram croquis de traços rápidos. Outros ainda desconhecem que obras não construída são
fonte de aprendizado, e, muitas vezes, inspiração para seus autores. Outros tantos têm dificuldades
para imaginar como essas obras não construídas poderiam ter sido materializadas.

2 NÃO CONSTRUÍDO

Na história da Arquitetura, inúmeros projetos não construídos foram avalizados como inspiradores
na formação de gerações; trouxeram consigo ideias e conceitos que caracterizaram a produção de
seus autores e de sua época, e serviram de alguma forma à comunidade de arquitetos como
exercícios investigativos, visionários, e utópicos. Certos projetos não foram propostos para serem
executados, pois eram modelos teóricos de um ideário, como, por exemplo, as “Casas sem Dono” de
Lúcio Costa de 1934 a 1936. Alguns serviram para incitar pesquisas tecnológicas e suas bases
utilizadas anos após, pelo próprio autor, como os arranha-céus de vidro de Mies van Der Rohe, 1921
e 1954, ou por terceiros, como o conceito estrutural da Hearst Tower de Norman Foster, 2003, que
se baseou no projeto de Louis Khan para City Tower Project, 1957.

Para a academia esses estudos auxiliam no entendimento da obra de um autor, facilitam o


aprendizado dos estudantes em relação às metodologias, elementos qualificadores, ou
enfrentamento de temas similares. Peter Cook (2008) observa que muitos arquitetos passaram por

2
fases com vários projetos não construídos para chegar à maturidade e terem projetos executados.
Na obra de Oscar Niemeyer observam-se muitos projetos não construídos, dentre os quais a
residência Rothschild, cujo estudo influenciou outras proposições do próprio arquiteto.

3 CROQUIS

Croquis arquitetônicos são esboços para concepção ou apresentação de ideias já amadurecidas.


Usam-se croquis durante o processo conceptivo de projeto como meio para o diálogo, para a
transmissão de ideias e como expressão individual, pois eles são a expressão física do pensamento
desde o início do projeto até os pormenores finais. Ao estudar a produção de um arquiteto percebe-
se que a qualidade de seus esboços também varia.

É o caso de Niemeyer que, nos estudos originais da residência Rothschild, faz perceber um desenho
mais livre de linhas sobrepostas, típicos da pressa de quem busca aleatoriamente uma ideia, e outro
mais elaborado, uma marca de suas palestras ao explicar um projeto concebido, ou até já construído.
No material agora divulgado pela Fundação percebe-se que o arquiteto deixou rastros ao reorganizar
o percurso natural de concepção: reordenou as folhas, apagou traços antigos, redesenhou sobre
croquis anteriormente feitos para esclarecer ou dissimular trajetórias, e evidenciar novamente o
traçado de apresentação final que o caracterizou.

4 CASA-PÁTIO

A sociedade contemporânea tem passado por constantes alterações no âmbito econômico, cultural,
e tecnológico. Nesse cenário, as organizações familiares tornaram-se cada vez mais diversificadas,
não restritas às estruturas tradicionais; todas estas transformações obrigaram os arquitetos a
adequar alguns tipos residenciais que ainda perduram. É o caso da casa-pátio, que não deve ser
confundida com uma casa-com-pátio: existem casas que fazem uso relevante deste lugar, como um
jogo de espaços cheios e vazios que servem não só para recolher a luz e ventilação, necessários às
áreas interiores, mas também se dispõem como áreas de permanência; e há casas em que os pátios
são residuais, pois não participam da configuração dos interiores (CAPITEL, 2005).

3
A casa-pátio como tipo habitacional encontra referências tão antigas como a própria origem da
atividade urbana; enquanto prematura forma espacial, ainda que geralmente esteja vinculada a
determinadas regiões, desenvolveu-se em todos os séculos e por todo o mundo (BLASER, 2004).

No início do Movimento Moderno, quando se buscava a ruptura com a tradição histórica, se recorreu
à origem e razão de ser das formas remotas e ancestrais; assim, esse movimento adotou a ideia do
pátio porque, despojado de individualizações formais de outra cultura, era portador da lógica
primeira de sua forma. Niemeyer nunca foi um Moderno padrão, suas referências à história antiga da
arquitetura foram citadas pelo autor em seu livro “A poética da luz natural na obra de Oscar
Niemeyer” (2008); a casa-pátio era uma delas, mas como sempre Niemeyer subvertia o modelo,
sobrepujava.

5 LUZ NATURAL

A luz do deserto de Cesareia difere da luz de outros lugares.

Cada lugar possui características específicas de luz, do qual as pessoas guardam lembranças... No deserto, por
exemplo, a luz é intensa e as sombras fortes a ponto de fazer “vibrar” e “dissolver” as coisas. Nele a rocha e a
montanha parecem anular-se entre dunas de areia... Essas luzes arquetípicas dizem onde se está, como se está
em certos lugares e, junto das cores e de outras pessoas, determinam uma “atmosfera”... (BARNABÉ, 2005, p.37).

Os pátios internos têm a capacidade de intensificar as relações entre interior e exterior, concentrar a
percepção das mudanças do tempo e as impressões tensas sobre o construído, reforçadas pela
luminosidade diurna. Os arquitetos sempre construíram os seus edifícios no espaço-luz, entre os
quais Niemeyer que projetou muitos edifícios com pátios intermediários, tirando partido da
mutabilidade da luz solar ao caracterizá-los através de suas dimensões, materiais, vegetações,
obtendo assim efeitos por reflexões múltiplas. Na Casa Rothschild nota-se também um artifício muito
utilizado pelo arquiteto, o de falsear o peso de suas estruturas, soltando as formas da terra,
tornando-as leves; e, nesse sentido, os contrastes entre volumes iluminados e as sombras intensas
tornaram-se decisivos. A análise da obra de Niemeyer comprovou que, realmente, a luz natural e a
sombra foram duas das principais diretrizes em seus projetos, pois elas dialeticamente promoveram
dinamismo, hierarquia e diversos efeitos cinéticos.

4
6 NIEMEYER

Alguns arquitetos brasileiros se consideravam Modernos, mas de um tônus diferenciado, que incluía
o trato afetivo, pois desenvolveram especial sincretismo entre preceitos universais e locais;
abstendo-se da modernidade como ruptura, vendo-a mais como transformação; abrindo-se para o
futuro, mas ainda confiando na validade da tradição. Nesse contexto, viveram em constante dilema
entre o Moderno eleito – “apolíneo”, branco e transparente – e o contexto local – “dionisíaco”,
colorido e suscetível também à sombra.

Niemeyer era um desses arquitetos, e o desenho seu instrumento favorito para expressar-se e para
conceber projeto. Ao apresentá-lo, eliminava qualquer discurso estético-formal, pouco esclarecendo
sobre as bases teóricas que estruturaram seu pensamento; em verdade, ele sempre velou seu
processo de concepção, porque, ao expor sua arquitetura com clareza e simplicidade de um gesto
artístico coerente, ocultava seu processo de investigação, embora uma parcela dela seja conhecida:
durante a concepção o desenho configurava as ideias no plano, em seguida, verificava a coerência de
suas propostas pelo texto e, caso a criação escrita não atendesse a expectativa, retornava para o
desenho outra vez. No entanto havia também o recurso dos modelos tridimensionais no seu
processo de criação, pois Gilberto Antunes, colaborador-maquetista, produzia modelos bem
elaborados que expandiam as possibilidades de seu conceber.

7 CASA ROTHSCHILD

Documentos de obras não construídas de Oscar Niemeyer são encontrados em vários níveis de
desenvolvimento. Recentemente foram disponibilizados os croquis de estudo dessa residência de
férias de aproximadamente 900,00m2, concebida em 1965, na região praiana de Cesareia, em Israel.
São 34 folhas do primeiro caderno, numeradas e alteradas pelo arquiteto, com desenhos da época
de concepção e outros feitos a posteriori sobre áreas apagadas, mas com resquícios. Algumas
questões ainda ficam indefinidas, gerando controvérsias, mas o material disponível permite intuir o
processo de concepção, as idas e vindas, e a solução final, aquela selecionada no segundo caderno,
avalizada para as publicações oficiais.

5
A residência se amoldaria ao contexto do deserto, e seria seu contraponto: “um oásis”. O invólucro
se definiria como uma caixa de planta quase quadrada, proporcionalmente baixa; um volume simples
fechado para o exterior, justificado por estar perto do mar e de um hotel, onde circulariam muitas
pessoas, gerando olhares indiscretos. O interior teria duas alas dispostas em dois níveis,
perpendiculares uns aos outros (social e serviços contrapostos à biblioteca e dormitórios), e um
jardim em parte coberto, organizado em torno de uma piscina.

Fig. 1, 2 e 3. Folha 04: dormitórios para Leste, salas sociais para Norte, serviços para Sul, e varanda para Oeste.
Folha 7: estudo funcional, além de fechamentos e estrutura da cobertura. Folha 28: galeria extensa - acesso pela varanda.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

A pureza do objeto daria margem ao livre desenvolvimento das funções no interior do volume,
dotando-o de variações e surpresas. Cada uma das quatro fachadas possuiria autonomia no jogo do
aberto e fechado, segundo sua orientação, e estabeleceria a fronteira de transição com o clima
desértico, garantindo a necessária habitabilidade. Após muitas idas e vindas, o arquiteto acabou
optando por deixar a Oeste grandes painéis protetores visuais, sem explicitar se fixos ou móveis,
permitindo relativas vistas para a praia, versão de antigos captadores de brisa; e a Leste, varanda
contínua com painéis verticais menores na frente dos quartos, brise-soleils de sombreamento.

Fig. 4, 5 e 6. Folhas 10 e 11: estudos de fachadas e acesso social e de veículos. Folha 14-15: idem, com planta nível inferior.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

6
O material divulgado não esclarece sobre sua localização exata, sabe-se próxima a outro
empreendimento estudado para os Rothschilds, o Centro Turístico de Cesareia; mas não se
encontrou implantação que mostrasse vias de acesso, terreno específico, e edificações vizinhas.
Alguns croquis a indicam à beira da praia, com o Mediterrâneo a Oeste e a casa a Leste; a piscina a
Norte, e a Sul a zona de chegada da casa, marcada por duas escadas, uma menor fechada de serviço,
de uso indefinido na proposta final, e outra maior aberta social.

Nos estudos verificam-se variações nesse acesso social em relação à proteção para automóveis e
desembarque de pessoas, com marquises reduzidas ou extensas; mas, assim como os estudos feitos
para o estacionamento e área de serviço sob a casa, isso foi abandonado e também não esclarecido
no desenho oficial.

Fig. 7, 8 e 9. Folha 8: acesso e garagens protegidos, arrimo recuado, e variações de fachadas. Folha 12-13: topografia
artificial e estacionamento piso inferior. Folha 32: locação da área de serviço em pavimento inferior semienterrado.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

No interior o pátio amenizaria o clima com sombra e água, buscando serenidade e proteção, riqueza
espacial contraposta à forma exterior sóbria. Sobre essa “atmosfera” de tranquilidade surgiria uma
cobertura plana com abertura em curva, imagem que faz lembrar a Casa da Estrada das Canoas no
Rio de Janeiro, 1952; mas em Rothschild a curva apareceria invertida, um vazio desenhado na
cobertura quadrangular para que penetrassem os raios do sol durante o dia e à noite a luz da lua,
além de permitir ver estrelas.

Ademais de dirigir o olhar ao céu, se veria refletida na piscina sob a mesma, numa contraposição
constante entre o geométrico rígido e o orgânico, a terra e o céu, o estático e o dinâmico; mesma
qualidade diacrônica entre a rica interioridade e exterior monástico.

7
Fig. 10 e 11. Folha 15-16: volumetria e cobertura, arrimo arredondado, variação de pilares e laje encurvada no acesso
social. Folha 17-19: cobertura com abertura ameboide, resquícios de desenhos a lápis da época da concepção.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

O projeto foi concebido a partir de uma malha de 34x36m, com módulo de 2m. Proporcionalmente,
ao olhar os croquis finais, imagina-se que deveria ter pé-direito em torno de 4m livre (embora nos
estudos iniciais exista uma cota que previa pé direito de 2,80m nas áreas sociais, 2,2m nas áreas
íntimas, e 0,6m de laje/vigas; em outro há uma previsão de um pé direito de 3,5m na área social e
2,5m nos quartos, sem considerar a altura da viga).

Fig. 12 e 13. Folha 5: desnível de um metro entre áreas íntimas e pátio, balanço de seis metros sob caixão perdido. Folha
13-14: pauta modular, base para estudo de funções, foco na área de serviço.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

As elevações sugerem que a casa se apoiaria em uma elevação de terra recuada das extremidades
para gerar sombra e, assim, continuar a obter o efeito usado tantas vezes nos edifícios de Brasília: a

8
ilusão de um objeto flutuando, pois leveza através do uso da sombra e da luz foi uma das estratégias
preferidas de Niemeyer em toda a sua obra. Na verdade a proposição previa a construção de
vigamento recuado, um balanço de 4,00m em todo o perímetro, a casa elevada em um metro do
chão (embora, considerando a escala humana, tenha sido desenhada com 2,00m), e acabamento em
curva suave.

Fig. 14, 15 e 16. Simulações digitais de vistas externas: intensa sombra sob a massa edificada - estratégia para obter leveza.

Fonte: Juliana Aparecida Hirayama.

Luz e sombra são elementos constantes. A casa das Canoas tem em seu memorial croquis e frases
caracterizando as áreas íntimas do pavimento inferior e da área do estar no térreo, da conversa com
os amigos, sombreada; enquanto as demais são mais iluminadas. Isso parece se repetir na casa
Rothschild, numa velada autorreferência: a casa deveria ser um refugio à luz intensa do exterior, uma
sombra amistosa para o “recolhimento e repouso”.

Fig. 17, 18 e 19. Simulações digitais de sombra no pátio em períodos diferentes (10h, 12h e 16h).

Fonte: Juliana Aparecida Hirayama.

Nos estudos, e no desenho final, estava previsto desde o início massas de vegetação de grande porte,
floreira e escultura em torno da piscina, e por toda casa mobiliários de grandes arquitetos; muretas

9
de pedra e painéis revestido de madeira. E na vedação da área social, em relação ao pátio, deduz-se
que apenas panos de vidro do piso ao teto ofereceriam proteção em relação a intempéries; já entre a
circulação da área íntima e o pátio não haveria painéis de vedação.

Fig. 20 a 25. Folha 02 e 33: solução prismática similar à proposta final, estudo de pavilhão longilíneo, e outro coberto por
laje ameboide - solução empregada na residência Burton Tremaine (1947), depois sugerida para Philippe Lambert (1976),
Federmann (1965) e Adolpho Bloch (1977).

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

Além de pistas sobre a concepção do projeto, esse caderno possibilita também conjecturas: algumas
soluções abandonadas foram utilizadas em outras proposições do arquiteto – como a laje ameboide
em frente a um pavilhão prismático (residências Burton Tremaine, 1947; Adolfo Bloch, 1977; Philippe
Lambert, 1976), ou as placas de proteção solar (residência Ferdermann, 1964). O partido geral foi
também utilizado no projeto executado para o Palácio Jaburu em Brasília, 1973-75. Várias soluções
foram ensaiadas sob a edificação, mas o projeto divulgado não esclarece a opção adotada para os
veículos – apenas sugere que a casa se elevaria sobre um relevo artificial; a estrutura da cobertura
inicialmente estava prevista constituída de vigas aparentes a vencer o vão de mais de 30m, similar ao
que ocorre no Itamaraty, 1962, ou com um recorte sobre a piscina, um “retângulo de sol a se

10
destacar na doce sombra da casa de Cesarea”, mas prevaleceu a laje plana com um desenho livre; a
região dos grandes painéis móveis ou fixos, voltada para o mar, foi estudada para ser uma grande
varanda, com um deck de madeira, sobre o qual se disporiam espreguiçadeiras, mas essa ideia não
foi registrada nos desenhos finais, pois o arquiteto preferiu simplificar mantendo um piso único,
extensão do que se usaria no entorno da piscina, em todo o pátio interno.

Fig. 26 e 27. Plantas do Palácio Jaburu, Brasília, 1973-75.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

O segundo caderno, com 06 folhas, pode ser chamado de “caderno oficial” para divulgação da obra
não construída, nele a solução final fica incompleta, nem tudo é esclarecido, mas o arquiteto tinha
que registrar a experiência e divulgá-la. E é esse o material que aparece nas revistas e livros.

Na folha número um apresenta um curto memorial, destacando a interioridade do partido adotado.


Os croquis enfatizam o prisma fechado, a cobertura ameboide, os dois níveis internos distintos dos
dormitórios e da área social, o prisma elevado em relação ao nível do terreno, um acabamento
diferenciado nos painéis, que nos estudos eram revestidos de madeira, e se tornaram lisos.

Na folha dois desenha a planta baixa e o corte transversal, mas não o nível do estacionamento e
serviços sob a casa, nem as marquises e rampas que protegiam o acesso social de pessoas e veículos.
Manteve o zoneamento, mas não a diferença de materiais da varanda e da área íntima. No corte o
autor destacou a estrutura de apoio recuada e a intenção de acabar utilizando material externo para
dar acabamento arredondado.

11
Fig. 28 e 29. Folha 1: Memorial com croquis. Folha 2: Planta elevada e corte genérico.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

Na folha três o arquiteto ilustrou as 04 elevações e um detalhe ampliado do encontro do piso


elevado em um metro em relação ao piso externo, a viga-arrimo recuada e o acabamento
arredondado com a terra ou areia local.

Fig. 30. Folha 3: Pequeno texto e elevações.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer.

Na folha quatro ilustrou uma perspectiva vista da área da piscina em direção à circulação íntima e a
área social. Novamente evidenciou o muro de arrimo e peitoril acabado em pedra e o painel de
madeira no fundo das salas de estar e jantar, além de uma escultura e massas de vegetação como
pontos de interesse visual, além do mobiliário moderno. Enfatizou a laje lisa com recorte ameboide,
fazendo desaparecerem as vigas aparentes. E deixou os painéis verticais indefinidos, anteriormente
eram representados de madeira, mas agora apareciam como se tivesse o mesmo acabamento das
paredes e tetos; e fez também desaparecer a marcação do deck de madeira na varanda.

12
Fig. 31 e 32. Folha 04: Perspectiva do pátio para área social e circulação dormitórios, e sua simulação digital.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer e Juliana Aparecida Hirayama.

Na folha cinco o arquiteto ilustrou a vista da circulação íntima, elevada em relação ao pátio, acesso
para os dormitórios, olhando para a área da piscina. E na folha seis a vista do hall social para a área
íntima e parte da área da piscina, evidenciando as portas de madeira do piso ao teto, a escada e o
piso soltos da área íntima, e a mureta guarda corpo da circulação íntima revestida de pedra, além
dos planos de vidro e o mobiliário moderno.

Fig. 33 e 34. Folha 5: Vista da circulação íntima para o pátio, e sua simulação digital.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer e Juliana Aparecida Hirayama.

13
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo ilustra a possibilidade de troca que deve ocorrer no ensinar e no apreender em
Arquitetura, momento no qual cabe ao professor o papel do atento orientador, facilitador, animador,
e promotor de um ensino ativo através de conteúdos propedêuticos, identificando as dificuldades
dos estudantes e, juntos, procurando caminhos para superá-las; transmitindo conteúdos
provocativos, superando a simples orientação ou atendimentos reativos e corriqueiros. Porque
pensar com a própria cabeça, situar-se no mundo, aprender para transformar, pesquisar para
reconstruir são metas de uma postura pedagógica que se propõe refazer criticamente o processo do
conhecimento, sem, todavia, apresentar este percurso isolado do contexto histórico-cultural: uma
pedagogia da interação que supera com vantagens a pedagogia da transmissão passiva.

Fig. 35 e 36. Folha 6: Vista do Hall social para a área íntima , pátio e estares sociais, e sua simulação digital.

Fonte: Fundação Oscar Niemeyer e Juliana Aparecida Hirayama.

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARNABÉ, Paulo M.M. A poética da luz natural na obra de Oscar Niemeyer. Londrina: Eduel, 2008.
BLASER, Werner. Pátios. 5000 años de evolución desde la antigüedad hasta nuestro dias. Barcelona: Gili, 1997,
2004.
CAPITEL, Antón – La Arquitectura Del Pátio. Barcelona: Gill, 2005.
COOK, Peter. Drawing: the motive force of architecture (Architectural Design Primer). New York: Paperback,
2008.

14
Relatos para um aprendizado arquitetônico.
USU1: uma experiência em aberto
Reports for an architectural learning. USU1: an open experience

Relatos para un aprendizaje arquitectónico: USU1: una experiencia abierta

FREITAS Fº, Hermano Braga Viriato de


Mestre em Conforto do Ambiente Construído 2017 USU Universidade Santa Úrsula
Livre Docente em Projeto de Arquitetura 1997 UGF Universidade Gama Filho
Especialização em Docência Universitária 1995 UGF Universidade Gama Filho
Arquiteto e Urbanista FAU UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro 1976
Professor Agregado Departamento de Arquitetura e Urbanismo PUC-Rio
Professor Assistente e Assessor Pedagógico de Curso de Arquitetura e Urbanismo USU Universidade
Santa Úrsula
hermano.freitas@usu.edu.br

RESUMO
O presente trabalho expõe parte dos resultados obtidos pelos estudantes de primeiro período, a partir
da aplicação do novo PPC, Projeto Pedagógico do Curso de Arquitetura e Urbanismo implantado em
2015.2 na Universidade Santa Úrsula, Rio de Janeiro, como contribuição para ampliação da discussão
sobre o ensino de arquitetura e urbanismo no meio acadêmico, a partir de um olhar mais atento aos
aspectos das relações sensoriais com o espaço que nos cerca. São apresentadas inicialmente as bases
que fundamentam nossa experiência, e, em seguida, os direcionamentos geradores do novo curso
como um todo, bem como sua estrutura curricular, blocos de conteúdos, eixos balizadores, disciplinas
e carga horária. Nessa apresentação vamos nos ater à produção dos estudantes que ingressam no curso
(o primeiro período), e, portanto, o material aqui apresentado reflete o desenvolvimento dos
conteúdos aplicados em sete semestres consecutivos de primeiros períodos a partir da implementação
do novo curso.
PALAVRAS-CHAVES: aprendizado, experiência, espaço, relações.

ABSTRACT
This paper presents part of the results obtained by the first period students, from the application of the new PPC,
Pedagogical Project of the Course of Architecture and Urbanism implanted in 2015.2 at Santa Úrsula University,
Rio de Janeiro, as contribution to broadening the discussion about teaching of architecture and urbanism in the
academic environment, from a closer look at the aspects of sensorial relations with the space that surrounds us.
The foundations that underlie our experience are initially presented to support the direction of the new course as
a whole, as well as its curricular structure, content blocks, goalposts, disciplines and workload. In this presentation
we will focus on the production of the students who enter the course (the first period). Therefore, the material
presented here reflects the content development applied in seven consecutive semesters of first periods, from the
implementation of the new course to the present day.
KEY WORDS: learning, experience, space, relationships.

1
RESUMEN
Este artículo presenta parte de los resultados obtenidos por los estudiantes del primer período, a partir de la
aplicación del nuevo PPC, Proyecto Pedagógico del Curso de Arquitectura y Urbanismo implantado en 2015.2 en
Universidad Santa Úrsula, Rio de Janeiro, como contribución para ampliar la discusión sobre la enseñanza de la
arquitectura y el urbanismo en el medio académico, desde una mirada más cercana a los aspectos de las
relaciones sensoriales con el espacio que nos rodea. Se presentan inicialmente los fundamentos que subyacen en
nuestra experiencia para respaldar la dirección del nuevo curso en su conjunto, así como su estructura curricular,
bloques de contenido, postes, disciplinas y carga de trabajo. En esta presentación nos centraremos en la
producción de los estudiantes que ingresan al curso (el primer período). Por lo tanto, el material presentado aquí
refleja el desarrollo de contenido aplicado en siete semestres consecutivos de primeros períodos, desde la
implementación del nuevo curso hasta el presente.
PALABRAS CLAVE: aprendizaje, experiencia, espacio, relaciones.

INTRODUÇÃO

Ainda consigo sentir na minha mão a maçaneta da porta, esta peça de metal moldada como as costas de uma
colher. Tocava nela quando entrava no jardim da minha tia. Esta maçaneta ainda hoje me parece um sinal especial
de entrada num mundo de ambientes e cheiros diversos. Recordo o barulho do seixo sob os meus pés, o brilho
suave da madeira de carvalho encerado nas escadas, ouço a porta de entrada pesada cair no trinco, corro ao longo
do corredor sombrio e entro na cozinha, o único lugar realmente iluminado nesta casa.
Apenas esta sala, assim me parece hoje, tinha um teto que não desaparecia na penumbra... (ZUMTHOR, 2005, p.
09)2

Aprendizado: ação de aprender, tempo que se gasta aprendendo, exercício inicial sobre aquilo que se
conseguiu aprender; experiência ou prática... vivência.

No ensino de arquitetura e urbanismo podemos observar algumas práticas diferenciadas de se


conduzir o aprendizado dos estudantes reverberadas pelos métodos e modelos curriculares, com seus
desdobramentos aplicados no desempenho dos ateliês de trabalho.

Tais práticas elaboram e tratam seus conteúdos curriculares segundo o “olhar” que se pretende
imprimir ao curso, e traçam as estratégias de abordagem desses conteúdos segundo as características
específicas de cada instituição; umas com ênfase mais teórica, outras com a prática do ofício mais
presente, por vezes com uma inclinação mais urbanística ou paisagística, por outras com uma
preponderância mais gráfica ou mesmo artística.

Algumas das questões que se discutem no meio acadêmico, no âmbito do ensino de arquitetura, são
relativas à contemporaneidade do projeto pedagógico, do seu não “engessamento” no tempo, da sua
capacidade de afetar os estudantes de forma ampla, complexa, e sobretudo de se colocar como fórum
das discussões sociais, éticas, técnicas, políticas e estéticas nos campos da arquitetura do paisagismo
e do urbanismo. Outra questão de fundamental importância é o desenvolvimento da sensibilidade aos

2
afetos e das capacidades analítica e crítica dos estudantes, como forma de se contribuir à formação de
profissionais seguros e com forte apelo humanístico.

Do nosso ponto de vista, entendemos que o ensino de arquitetura e urbanismo, deve abordar
discussões e práticas mais abrangentes, que incluam nossas interações com as coisas que nos cercam,
com o espaço e com todos os seres que nele habitam, desde as experiências iniciais dos estudantes -
já a partir do primeiro período do curso - aprofundando em complexidade ao longo do percurso
acadêmico. Entendemos, portanto, que precisamos agir de modo amplo abordando o ensino da
arquitetura não só a partir das questões fundamentais do uso das técnicas e da prática profissional,
mas sobretudo como um momento de experimentação do espaço, problematizando as ações e
interações do corpo no espaço (Fotos 1 e 2).

Fotos 1 e 2

Foto: Hermano Freitas Foto: Hermano Freitas

Essa prática, implica naturalmente na formulação e aplicação de um projeto pedagógico sensível às


singularidades não só técnicas, mas também às existenciais, sociais e geográficas dos ambientes
construídos ou não, e ainda das áreas naturais, e sobretudo que seja permeável às questões
contemporâneas e do território.

RELATOS PARA UM APRENDIZADO ARQUITETÔNICO

O espaço arquitetônico - até mesmo uma cabana cercada por terreno livre - pode definir essas sensações e torná-
las vivas.
Outra influência é: o ambiente construído implica ou mesmo impõe papéis sociais e relações. (TUAN, 1995, p.
102)3

3
Consideramos a experiência uma potente ferramenta para vários modos de se compreender e construir
a realidade. Tuan (1995, p. 8) reforça que os modos de percepção da realidade incluem desde os mais
diretos e passivos, como nossos sentidos básicos (cheiro, gosto, o toque, etc.), até formas mais
sofisticadas e dirigidas da nossa percepção visual, memória afetiva e de como racionalmente e
espiritualmente criamos sua simbologia. O corpo humano é, como sabemos, um corpo complexo, vivo
de sensações e emoções construindo seus espaços humanizados, e que, portanto, são espaços que
(co)respondem aos seus anseios mais profundos e, dessa forma, percebe-os com toda potência de seus
sentidos.

Como foi dito anteriormente é de se cuidar para que tenhamos um projeto pedagógico que não
estacione no tempo, um projeto onde haja sempre a possibilidade de se rever ou aderir novos
pensamentos. Entendemos que uma das formas possíveis de se propor uma experiência pedagógica
com um caráter mais aberto seja de não se configurar “tematicamente” os períodos a serem
percorridos pelos estudantes, isto é, não caracterizarmos cada semestre por um projeto específico a
ser desenvolvido. Propomos na verdade que os projetos a serem desenvolvidos surjam não de um tema
específico (residencial, hospitalar, comercial, hotelaria, etc.) mas sim a partir da discussão de uma
problemática (que aqui denominamos como agendas dos ateliês), uma questão percebida, construída
e colocada no mundo contemporâneo.

Cabe então problematizarmos questões atuais abrangentes (e aí a contemporaneidade e flexibilidade


do projeto pedagógico) como fonte para elencarmos eventuais práticas e projetos através dos quais
possamos discuti-las e traçar possíveis soluções arquitetônicas, urbanísticas e paisagísticas.

Sim, soluções possíveis nos três campos acima (arquitetônicas, urbanísticas e paisagísticas), pois a
nosso ver não existe fronteira entre eles, e a resolução de cada um desses aspectos depende
estreitamente de cada um dos outros. Portanto, desde os períodos iniciais do curso de arquitetura,
dentro da complexidade possível, propomos a resolução dos problemas colocados sempre nas três
instâncias: a cidade, a paisagem e a edificação.

Ponderamos ainda que as soluções que comumente denominamos “projetos”, não sejam frutos apenas
de uma única disciplina intitulada Projeto, pois entendemos que o projeto, em si, é na verdade o
resultado de uma construção conjunta de todas as disciplinas de um determinado semestre, gerando
- parafraseando Zumthor4 - uma “atmosfera” adequada à inauguração do espaço arquitetônico. Tais

4
disciplinas, em nossa experiência, estarão sempre ancoradas a determinados blocos aqui denominados
Blocos de Conteúdos.

Para tanto é importante esclarecer como os estudos são agrupados dentro dos cinco Blocos de
Conteúdos (Gráfico 1) que percorrem todos os semestres do curso, e como são distribuídas as
disciplinas dentro desses grupos.

Os cinco Blocos de Conteúdos:

Gráfico 1

Desenho: Hermano Freitas. Fonte: PPC CAU-USU

Pelo gráfico acima pode-se entender como é feita a distribuição quantitativa e qualitativa dos
conteúdos dentro de cada bloco. Nos ateliês de trabalho são ministradas as disciplinas que abordam
todos os conteúdos listados, com suas particulares ênfases semestrais, formando um conjunto de
práticas e experiências de aprendizado de caráter transversal, onde há total inter-relação entre esses
conteúdos.

A seguir (Gráfico 2) temos a distribuição dos ateliês ao longo do curso: são oito ateliês abordando
agendas diversas (A1, A2, A3, TR, BL, MD, CN, MT), e não projetos específicos, e mais dois ateliês finais
(TCC 1 e 2) onde os estudantes tem livre opção de abordagem e pesquisa, inclusive com a possibilidade
de realimentar os ateliês do 2º Ciclo com o retorno de suas práticas e pesquisas, para formalizar seus
TCCs dentro das agendas específicas de cada período, compondo assim os dez ateliês que integralizam
o Curso.

1º Ciclo: Formação Básica; 2º Ciclo: Desenvolvimento e Pesquisa; 3º Ciclo: Conclusão e Pesquisa.

5
Gráfico 2

Desenho: Hermano Freitas. Fonte: PPC CAU-USU

Nas planilhas a seguir (Gráfico 3) apresenta-se a trama de disciplinas que compõem os ateliês com
discriminação de cargas horárias e carregamento teórico/prático:

Gráfico 3

6
Desenho: Hermano Freitas. Fonte: PPC CAU-USU

O novo Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Santa Úrsula teve seu início no segundo
semestre de 2015 (Foto 3), e, no presente estudo, vamos nos ater a comentar as experiências realizadas
nos últimos anos apenas dentro do ateliê A1: Ambiental composto pelas disciplinas do primeiro
período do Curso, como uma nova proposta de abordagem no ensino.

Foto 3

Nossa primeira aula/turma com a aplicação do novo Projeto Pedagógico. Ago./2015. Foto: Prof. João Machado.

Sabemos que ao ingressar em um Curso de Arquitetura e Urbanismo o estudante anseia pelo ato que
comumente se associa ao arquiteto: projetar. Como já dissemos, ao nosso ver, projetar não se restringe
à prática específica de uma disciplina de projeto, mas de todo um complexo de disciplinas que vão
consolidar as ações que operam na formulação do projeto arquitetônico (Gráfico 4). Esse é exatamente
o primeiro desafio que enfrentamos todos os semestres ao recebermos os estudantes em seu primeiro
contato com o curso: como praticar essa compreensão com aqueles que acabaram de ingressar na
Universidade.

7
Gráfico 4

Desenho: Hermano Freitas. Fonte: PPC CAU-USU

O semestre letivo é dividido em três conjuntos de desenvolvimento: inicialmente as disciplinas


trabalham se apresentando de forma coordenada, colocando suas relações com as demais, embora
ainda com seus exercícios específicos para firmar, em seus conteúdos, as diversas discussões sobre o
meio/ambiente (dentro da agenda específica desse Ateliê), com a finalidade de se construir uma sólida
base de pensamento sobre a agenda. Em seguida, na parte intermediária do semestre, as disciplinas
se entrelaçam com as demais através de discussões transversais. E, durante a terceira etapa do
semestre, todas as disciplinas trabalham em um único produto/projeto que será avaliado em banca
por todos os professores e estudantes do Ateliê em seminário ao final do período. (Gráfico 5).

Gráfico 5

Desenho: Hermano Freitas. Fonte: PPC CAU-USU

Num primeiro momento praticamos com os novos estudantes uma visão da arquitetura que
compreenda sua inserção nas cidades, no território e na existência do planeta que habitamos - em
todas as suas formas de vida - nos seus diversos ambientes, (eco)sociais, (eco)culturais,
(eco)geográficos, (eco)econômicos, etc., como estratégia para o entendimento da presença de um
indissociável relacionamento entre esses diversos sistemas que moldam o (meio)ambiente.

Portanto, no Ateliê 1: Ambiental, a tônica recai nas discussões sobre o ambiente (construído ou não),
entendido aqui como portador de todas as relações entre todos os seres (humanos ou não) e “tudo ao
seu redor”, afirmando enfaticamente esse pertencimento.

8
Para quem sabe escutar a casa do passado, não será ela uma geometria de ecos? As vozes, a voz do passado ressoa
de forma diferente num cômodo grande e num pequeno quarto. De outra forma ainda ressoam os apelos na escada.
Na ordem das lembranças difíceis, bem além das geometrias do desenho, é preciso reencontrar a tonalidade da
luz, depois os doces aromas que ficam nos quartos vazios, pondo um selo aéreo em cada um dos quartos da casa
da lembrança. Será possível, ainda, no além, restituir não simplesmente o selo das vozes, “a inflexão das vozes caras
que se calaram”, mas ainda a ressonância de todos os aposentos da casa sonora? (BACHELARD s/data, p. 58)

Vamos trabalhar, nos primeiros encontros com a turma, em duas frentes: uma com as experiências
anteriores dos estudantes e suas memórias espaciais afetivas, como fontes para reflexão e registros
sobre o meio (e o que nos cerca); em outra, com experiências contemporâneas em percursos urbanos,
que despertem estímulos diferenciados a partir das situações encontradas nesses percursos, que serão
registradas gráfica e textualmente a partir de como nos afetam esses percursos e as vivências que
despertam (Fotos 3, 4 e 5). Nessa primeira fase do semestre são de fundamental importância os
desdobramentos obtidos entre todas as disciplinas: em Croquis (para expressão gráfica), Expressão
(experiência do corpo no espaço), Contemporâneo (formação de repertório), Filosofia Ambiental
(pensamento e crítica), Modelo (visibilidade e modelagem) e seus rebatimentos sobre Projeto
(visibilidade e proposta).

Nós acreditamos que, até podermos entender como as edificações afetam os indivíduos e as comunidades
emocionalmente, como eles transmitem às pessoas sensações de alegria, identidade e lugar, não há nenhuma
maneira de distinguir a arquitetura de qualquer ato cotidiano de construção. (BLOOMER & MOORE, 1977, p. ix)

Fotos 3, 4 e 5

Foto: 3 Hermano Freitas; Foto 4: Turma; Foto 5: Prof. Mario Magalhães (a experiência em espaços diversos)
EXERCÍCIO #1: TRÍPTICO

O exercício inicial (Exercício #1: Tríptico) busca, nas experiências e referências/memórias afetivas
individuais dos estudantes (no ambiente construído ou não), as bases para discussão das primeiras
modelagens teóricas e de proposição material5. Através de exercícios experimentais no ateliê, com
utilização de materiais de simples manuseio (Fotos 6 a 10), que possam traduzir as intenções (trazidas

9
das referências) a serem postas nas modelagens (teóricas e propositivas) são inauguradas as
formulações espaciais preliminares ancoradas nas experiências originais dos estudantes.

Fotos 6 a 10

Fotos: Hermano Freitas (experiência e prática em materiais e modelagem)

Paralelamente às modelagens, são apresentados e discutidos textos de


arquitetos/urbanistas/paisagistas referentes a apropriação do espaço em diferentes escalas e
ambientes, para auxiliar a compor uma ampla fonte de subsídios teóricos. Nesse ponto, a construção
teórica do pensamento e textos é apoiada pela Disciplina Filosofia Ambiental. Os resultados
preliminares dessa fase são discutidos e avaliados em seminário na turma, com a finalidade de
adequação e ajustes, para que se desenvolvam os produtos finais que serão apresentados como um
tríptico de montagem (denominamos Tríptico ao Exercício #1): modelo, discurso e gráfica, que
entendemos serem as três expressões básicas de um projeto arquitetônico.

Cabe acentuar que os exercícios propostos não têm um tema específico e definido, não se destinam a
um uso pré-fixado. A espacialidade é elaborada a partir das relações/sensações, vivências/percepções
que se deseja imprimir ao “lugar” a ser desenhado e àqueles que ali vão habitar (sentido amplo), e sua
escala/proporção dada pela inserção de figura humana de dimensão tal que atribua ao conjunto
projetado sua relação de tamanho.

Nossa consciência imediata do mundo fenomenológico é dada através da percepção. Nós somos altamente
dependentes de perceber nossos sentimentos de maneira que nos satisfaçam. Não apenas temos que encontrar
nosso caminho através da multidão de coisas, mas também devemos "entender" ou "julgar" as coisas para torná-
las úteis para nós. [...]. Na vida cotidiana, geralmente agimos com base em nossas percepções espontâneas, sem
tentar classificar ou analisar nossas impressões. (NORBERG-SCHULZ, 1979, p. 27)

Os exemplos a seguir apresentam alguns dos resultados obtidos a partir dessas experiências formais
onde são, por assim dizer, “dadas visibilidades” não pela determinação da existência de um lugar
especializado, utilitário, mas sim onde existe a possibilidade de abrigar e poder potencializar relações
afetivas. São na verdade lugares receptivos a experiências múltiplas (mesmo que contemplativas)
protagonizadas por aqueles que os vão habitar. Essas experiências incluem não só as relações ditas

10
físicas (e até mensuráveis), mas sobretudo aquelas em planos além da previsibilidade; falamos aqui
dos instintos das emoções e daquilo que nos toca ao espírito. (Fotos 11 a 19)

Barragán proclamou em seu discurso ao receber o prêmio Pritzker que "as palavras beleza, inspiração, feitiçaria,
sortilégio, encantamento" e também "serenidade, silêncio, intimidade e espanto" tinham desaparecido de
publicações dedicadas a arquitetura. E o mestre estava certo. A alguém pode parecer que todos esses termos
pertencem a um mundo difuso, etéreo ou inatingível, reservada apenas a uns poucos druidas da arquitetura.
(BARRAGAN, 1989, apud BAEZA, 2009, p.98)6.
Fotos 11 a 19

Jennyfer Olinto7 Ana C. Lopes & Bruna Miranda7 Alessandra de Paula & Henriqueta Resende7

Beatriz Santos & Tatiane Bezerra7 Maria Papouchado7 Turma 2018.1


Fotos: Hermano Freitas (resultados das modelagens Exercício #1: Tríptico)

EXERCÍCIO #2: O CUBO

No segundo exercício (Exercício #2: O Cubo) os estudantes são instados a compreender a


“desmaterialização” de um cubo composto por planos modulares (módulo de 3,5m x 3,5m, 3,5m) e
ortogonais nos três eixos (x, y e z), e a partir de então reposicionar os planos identificados, como
geradores de uma nova espacialidade capaz de imprimir novas sensações e relações espaciais aos
usuários dos espaços criados. Ao contrário do primeiro exercício onde trabalhamos espaços abertos,
não edificados, focamos agora na geração de espaços semiabertos, edificados, utilizando somente os
componentes planos oriundos do cubo dado, posicionados ortogonalmente entre si para a realização
dos modelos.

Mantendo ainda uma perspectiva de ação de não definição explícita da “utilidade” do lugar a ser
desenhado, e sim dos efeitos que produz em relação à nossa experiência (lembrar a vivência individual
de cada estudante), nesse exercício introduzimos noções mais direcionadas ao fato construído, como
por exemplo escala dimensional (lembramos que no primeiro exercício a escala é dada pela inserção

11
da figura humana), estrutura, modulação e algumas técnicas construtivas simples e possíveis nesse
momento inicial do Curso.

O exercício pressupõe ainda a utilização de estratégias simplificadas de modelagem para


posicionamento dos planos (deslocamento, sobreposição, adição, perfuração, penetração e
subtração), a fim de se obter os efeitos pretendidos - durante elaboração dos modelos teóricos
estudados - para essa fase de execução.

Algumas regras são aqui definidas tais como altura máxima e dimensões que não ultrapassem os limites
de um campo de implantação fornecido. São também abordadas nessa etapa, questões estruturais e
de estabilidade das construções, mesmo que bastante delimitadas quanto ao uso de estruturas através
de planos portantes, dispostos em trama modular, e com seus vínculos estruturais ancorados às lajes
projetadas.

Da mesma forma que no primeiro, nesse exercício as avaliações (em duas etapas) são realizadas em
seminário na turma com a apresentação e discussão de todos os projetos. Os trabalhos são sempre
apresentados em modelo, expressão gráfica, e texto fundamentador. (Fotos 20 a 30)

Em seguida imagens dos estudos e desenvolvimento do Exercício #2: O Cubo.

Fotos 20 a 30

Fotos: Hermano Freitas (estudos e desenvolvimento Exercício #2: O Cubo)

12
Fotos: Hermano Freitas (estudos e desenvolvimento Exercício #2: O Cubo

Durante a apresentação no seminário final do exercício a turma é solicitada a selecionar, dentre todos
os trabalhos apresentados, aquele que melhor contempla os objetivos, sendo esse trabalho construído
pela turma, com a utilização de chapas de madeira compensada de 15mm, em escala 1:58 em local a
ser determinado dentro do campus da universidade, em espaço interno ou externo, a critério da turma.

Para a construção é realizado um “projeto executivo” onde são desenhados todos os componentes a
serem construídos e recortados, formando um mapa de corte a ser executado nas chapas de
compensado. São então estudadas e desenvolvidas as possibilidades de execução com a utilização de
encaixes, cantoneiras, pinagem, cavilhas e colagens. Todo esse processo é executado pelos estudantes
com supervisão e participação dos professores de Modelo e Projeto. (Fotos 31 a 36)

A seguir imagens da execução do Exercício #2: O Cubo, projeto escolhido pela turma (2018.1).

Fotos 31 a 36

Projeto: Alinny Araujo. Fotos: Hermano Freitas (construção do projeto Exercício #2: O Cubo). Equipe de montagem: Alinny
Araujo, Breno Dantas, Carolina Sousa e Isabela Goulart. Supervisão: Profs. Hermano Freitas e Roberio Catelani.

13
EXERCÍCIO #3: INTERVENÇÃO EM ESPAÇO PÚBLICO

Até o século XIX havia poucos edifícios públicos, e mesmo estes não o eram de maneira integral. (...). Os verdadeiros
espaços públicos estavam quase sempre ao ar livre. (HERTZBERGER, 1999, p.68).
Num sentido mais absoluto podemos dizer: pública é uma área acessível a todos a qualquer momento; a
responsabilidade por sua manutenção é assumida coletivamente. (HERTZBERGER, 1999, p.12).

O terceiro exercício (Exercício #3: Intervenção em Espaço Público) - trabalho que abrange dois terços
do semestre - propõe uma intervenção em espaços públicos consolidados, de baixa complexidade,
onde os estudantes realizarão suas propostas de desenho do que adotamos denominar de “pavilhão”.

Entendemos que o espaço público é potente em seus múltiplos aspectos, pois é aquele, que por ser
público “permite”, em princípio, manifestações diversas dos cidadãos, e, eventualmente, ocupações
efêmeras (shows de música, desfiles, parklets, etc.) abertas à população de modo geral. Em sua
essência carrega um sem número de relações possíveis, com parte das quais propomos uma
aproximação dos estudantes, com a finalidade de percebê-las, relacioná-las, mapeá-las e utilizá-las
como fontes de análise para o desenho de suas intervenções.

Se as casas são domínios privados, a rua é domínio público. Dar igual atenção à moradia e à rua significa tratar a
rua não apenas como espaço residual entre quadras residenciais, mas sim como um elemento fundamentalmente
complementar, espacialmente organizado com tanto cuidado que possa criar uma situação na qual a rua possa
servir a outros objetivos além do trânsito motorizado. (...) a sequência de ruas e praças como um todo constitui
potencialmente o espaço em que deve tornar-se possível um diálogo entre moradores.
A rua foi, originalmente, o espaço para ações, revoluções, celebrações, (...). (HERTZBERGER, 1999, p.64).

Quando propomos que essa ocupação seja de caráter efêmero (aqui também não definimos usos
específicos), e a nomeamos “pavilhão”, estamos de certa forma atribuindo ao equipamento de
intervenção (pavilhão) - tal qual entendemos o espaço público - a potência de permitir múltiplas formas
de usos, que abrangem inclusive a possibilidade de se caracterizar (o pavilhão) como uma “instalação”,
e não necessariamente um espaço edificado.

Como conceito, “a vida entre edifícios” inclui todas as diferentes atividades em que as pessoas se envolvem quando
usam o espaço comum da cidade (...).
Há um contato direto entre as pessoas e a comunidade do entorno, ar fresco, o estar ao ar livre, os prazeres
gratuitos da vida experiências e informação. (GEHL, 2014, p.19).

Propõe-se sobretudo que esses novos espaços desenhados sejam realizadores de encontros,
conversas, novas experiências ou mesmo que sejam locais de descanso ou até mesmo de atividades
mais formais como se sentar à sombra e trabalhar em seu notebook. O que na verdade pretendemos

14
aqui é não classificarmos os espaços com esta ou aquela função específica, mas deixando-os permitir
que as pessoas os utilizem da melhor forma que lhes convier, como cabe em um lugar de livre acesso
público. Apostamos na liberdade de usos que um local aberto e público tem a oferecer.

Nesse terceiro exercício, exploramos ainda condições ambientais (insolação, ventilação, sombras,
ruídos, silêncio, morfologia, etc.), além de introduzirmos, em grau adequado ao período, o uso de
materiais diversos, sistemas de estruturas leves e alguns detalhes executivos de acordo com cada
projeto.

A apresentação dos projetos se dá em duas fases com apresentação em seminário aberto na turma.
Na primeira fase são discutidas as propostas, sua fundamentação e sua aplicação no espaço,
observando-se suas possíveis interferências e adequações (Fotos 37 a 47). As propostas são
apresentadas em desenhos, textos e modelos físicos tridimensionais com uma aproximação dos
materiais e técnicas construtivas a serem utilizados.

A seguir imagens dos estudos e desenvolvimento do Exercício #3: Intervenção em Espaço Público.

Fotos 37 a 47

Lucas Camargo & Pedro Marques7


Fotos: Hermano Freitas

15
Kizzi Motta & Luisa Albano7 Mariana Martins & Luiza Costinha7 Natasha Bets & Carolina Laranja7

Fotos: Hermano Freitas

É importante ressaltar que nesse terceiro exercício todas as disciplinas do período convergem com a
finalidade única de se produzir um único trabalho ao término do semestre, e na fase final que antecede
a avaliação, os estudantes ficam exclusivamente por conta de produzirem e ajustarem seus projetos
para a banca final, sem terem outras atividades didáticas ou conteúdos programados, contando apenas
com a assessoria dos professores do Ateliê. (Fotos 48 a 53)

Fotos 48 a 53

Ana B. Barbosa & Barbara Saldanha7 Bruna Novaes, Jorge Fernandes Gustavo Filipe, Iolaos Costa & Rodrigo Rivelo7
Octavio Cordioli7

16
Ana Paula Lacerda7 Lucas Almeida Ribas7 Nathalie Vieitas7
Fotos: Hermano Freitas

A apresentação final é realizada também em seminário na turma com a presença e comentários de


todos os professores e estudantes do Ateliê A1, onde os trabalhos já estão em sua forma final, com
todas as definições técnicas, executivas e de materialidade para avaliação final. (Fotos 54 e 55)

Fotos 54 e 55

Fotos: Hermano Freitas. (Aspectos da banca final do semestre)

Os resultados obtidos ao longo de nossa experiência nesses sete semestres refletem fortemente nossas
preocupações com o ensino de arquitetura transmitido aos estudantes, não só através das respostas
obtidas em seus projetos, mas, principalmente, pela consistência como são embasadas e articuladas
suas defesas durante as apresentações nas bancas semestrais.

Durante os sete períodos (2015.2 a 2018.2) de implementação, ajustes e desenvolvimento dos


conteúdos aplicados ao primeiro período, podemos verificar que os resultados dos trabalhos e análises
feitas a partir das bancas finais de avaliação do Ateliê A1: Ambiental (com a presença de todos os
professores e alunos do período), tem contribuído de forma incisiva para consolidação de nossa

17
experiência, orientando os futuros semestres em novas abordagens, que, devida à flexibilidade
inerente ao novo PPC adotado, são facilmente introduzidas e absorvidas pelo curso.

Como já dito anteriormente, essa flexibilidade e relativa facilidade de adaptação do Curso no tempo,
se dá em grande medida por conta de um permanente olhar e compreensão de como as questões do
mundo contemporâneo nos afetam e afetam o conhecimento, e, por consequência, o aprendizado,
permitindo assim que a construção desse conhecimento se dê a partir de um olhar sempre atual e
atento para novas formas de se pensar o território.

REFERÊNCIAS
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BLOOMER, Kent C.; MOORE, Charles W. Body, Memory and Architecture. New Heaven & London: Yale
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ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 2006, 76p.

1 Esse artigo trata da aplicação do novo PPC do Curso de Arquitetura e Urbanismo da USU - Universidade Santa Úrsula.
Implantado em 2015.2, o Curso ainda não formou sua primeira turma, estando atualmente (2019.1) em seu oitavo período.
2 Extraído de um texto do arquiteto Peter Zumthor publicado originalmente em 1988, de subtítulo “À procura da

arquitetura perdida”, in: “Uma intuição das coisas”.


3 Yi-Fu Tuan, geógrafo, China, 1930. É de sua autoria também um dos mais importantes livros que tratam (a partir de uma

visão da geografia humanista) dos afetos relacionados aos ambientes construídos ou mesmo naturais: Topofilia: um estudo
da percepção, atitudes e valores do meio ambiente de 1974.
4 Estendemos aqui aos nossos conteúdos o conceito de atmosferas cunhado por Zumthor em seu livro “Atmosferas”.
5 Importante frisar que, em paralelo, durante esse processo inicial, os estudantes praticam também métodos e técnicas de

elaboração de protótipos com a utilização de materiais e instrumentos básicos de modelagem.


6 Luis Ramiro Barragán Morfin, arquiteto, México (1902–1988), Prêmio Pritzker em 1980. Alberto Campo Baeza, arquiteto,

Espanha (1946).
7 As identificações que sublinham os projetos apresentados como referências nomeiam os estudantes autores das diversas

propostas. Autoria das fotos: Hermano Freitas.


8 Nessa escala, os trabalhos resultam e dimensões aproximadas em torno de 2,5 x 3,5 x 3,5m.

18
Laboratório experimental de Decio Tozzi -
Um estudo sobre o projeto do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa

Experimental laboratory of Decio Tozzi - A study on the Forum Ruy Barbosa project

Laboratorio experimental de Decio Tozzi – Un estudio sobre el proyecto do Foro Ruy


Barbosa

HELENA, Heloisa Martin Mendes Pereira


Mestranda em Arquitetura, PPGATC FEC Unicamp, heloisa.pe@hotmail.com

TAGLIARI, Ana
Doutorado em Arquitetura, Docente e pesquisadora FEC AU PPGATC Unicamp, tagliari.ana@gmail.com

RESUMO
Este artigo apresenta uma análise interpretativa da arquitetura de Decio Tozzi, a partir do pressuposto de que
este arquiteto realizou em seus projetos residenciais ensaios de determinadas estratégias projetuais que,
posteriormente, foram concretizadas em maior escala no projeto do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa. A pesquisa
foi realizada a partir da leitura dos textos do arquiteto, análise de desenhos do seu acervo de trabalho,
elaboração de desenhos investigativos, fotos e visitas. As estratégias projetuais observadas são: a planta e sua
organização do programa, o corte e a iluminação natural e a metáfora da “praça”.
PALAVRAS-CHAVES: Decio Tozzi. Arquitetura Paulista. Residências. Ensaios. Estratégias Projetuais.

ABSTRACT
This paper presents an interpretative analysis of the architecture of Decio Tozzi, based on the assumption that
this architect carried out in his residential projects experiments of certain design strategies that were later
concretized on a larger scale in the project of the Ruy Barbosa Labor Forum. The research was carried out from
the reading of the architect's texts, analysis of the drawings of the architect's collection, elaboration of
investigative drawings, photos and visits. The observed planning strategies are: the plan and the organization of
the program, the vertical section and the natural lighting and the metaphor of the “square”.
KEY WORDS: Decio Tozzi. Architecture of São Paulo. Residences. Experiments. Design Strategies.

RESUMEN
Este artículo presenta un análisis interpretativo de la arquitectura de Decio Tozzi, a partir del supuesto de que
este arquitecto realizó en sus proyectos residenciales ensayos de determinadas estrategias de diseño que
posteriormente se concretaron en mayor escala en el proyecto del Foro Laboral Ruy Barbosa. La investigación
fue realizada a partir de la lectura de los textos del arquitecto, análisis de los dibujos del acervo del arquitecto,
elaboración de dibujos investigativos, fotos y visitas. Las estrategias proyectadas observadas son: la planta e la
organización del programa, el corte e la iluminación natural y la metáfora da “plaza”.
PALABRAS CLAVE: Decio Tozzi. Arquitectura Paulista. Residencias. Ensayos. Estrategias Proyectuales.

1
1 INTRODUÇÃO

O presente ensaio é parte da pesquisa de mestrado sobre a arquitetura residencial de Decio Tozzi,
que está sendo desenvolvida no PPGATC FEC Unicamp desde 2018. O interesse em estudar a
arquitetura de Decio Tozzi, até o momento pouco explorada em pesquisas acadêmicas, coincidiu com
a doação do seu acervo pessoal de trabalho à biblioteca de arquitetura e engenharia BAE Unicamp.
No decorrer dos primeiros estudos sobre o arquiteto, bem como as investigações acerca do material
doado, foram estabelecidas algumas reflexões sobre as estratégias projetuais1 utilizadas por Tozzi.

Graduado em arquitetura e urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Decio Tozzi


pertence à geração de arquitetos paulista que se formou durante a implantação de Brasília. Seu
primeiro ano curricular, 1955, coincide com o concurso do plano piloto e o último, 1960, com a
inauguração da nova capital (TOZZI, 2005). A comoção em torno do evento era nacional e propiciava
um clima de debates e estudos do campo da arquitetura e do urbanismo.

Foi nesse contexto, favorável a reflexões que Decio Tozzi iniciou sua carreira profissional que, com
uma postura investigativa e o intuito de responder às necessidades da sociedade, chama atenção já
nos primeiros trabalhos (SANTORO, 2010). A arquitetura moderna promoveu muitas mudanças na
concepção dos edifícios e a estrutura como protagonista é uma característica marcante da
arquitetura deste período, especialmente entre os arquitetos paulistas. A relação com a cidade, a
noção de público, semipúblico e privado são questões cuidadosamente trabalhadas pelos arquitetos.

Desde o início de sua carreira o arquiteto esteve envolvido em projetos de maior escala e diferentes
programas, como o Instituto de Criminalística da USP e a Escola Técnica de Comércio de Santos. Por
outro lado, o programa residencial era o de maior demanda, conforme se identificou nos
levantamentos iniciais da obra de Tozzi, de modo que esse conjunto de propostas foi importante
para testar novos conceitos, técnicas e construir uma linguagem, se configurando como um
laboratório de experimentações.

Sobre essa abordagem da casa como ensaio Ruth Verde Zein afirma:

“É ainda muito comum ouvir-se que o projeto da casa é o grande laboratório do arquiteto. Essa frase tem dois
significados básicos, complementares: as casas servem de exercício, em ponto pequeno, de projetos mais
complexos, a conquistar, e têm um caráter experimental, permitindo ao arquiteto avaliar hipóteses e testar sua
utopia”. (ZEIN, 1985, P. 49)

2
Atribuímos também o entendimento da casa como um laboratório dos arquitetos a uma “(...) maior
liberdade, no projeto de uma residência o arquiteto pode experimentar e testar soluções de projeto
numa escala menor (...)” (TAGLIARI, 2012, P. 58). Desse modo ao observar o conjunto de residências
projetadas por Decio Tozzi identificamos muitas das estratégias projetuais que compõe seu
repertório arquitetônico, e que por sua vez fizeram parte de outras propostas de maior escala
assinadas por ele, como a do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

Este artigo se propõe a apresentar um ensaio interpretativo sobre o projeto do Fórum Trabalhista
Ruy Barbosa de Decio Tozzi, a partir do estudo de três residências de sua autoria. O pressuposto é
que algumas estratégias projetuais foram ensaiadas neste programa de menor escala, as residências,
sendo depois revisitadas e aprimoradas em propostas de maior escala, neste caso o Fórum Ruy
Barbosa. As estratégias identificadas são: a planta e a organização do programa; o corte e a
iluminação natural; e a metáfora da praça. A presente pesquisa foi realizada a partir da leitura dos
textos e diálogos com Decio Tozzi, análise dos desenhos do acervo do arquiteto, elaboração de
desenhos investigativos, fotos e visitas. O artigo está organizado em quatro partes: i - Introdução; ii -
Fórum Trabalhista Ruy Barbosa e os ensaios residenciais; a planta e a organização do Programa –; o
corte e a Iluminação Natural –; a Metáfora da cidade – a praça; iii -Transição de Escala; iv - Discussão
e Considerações Finais.

2 FÓRUM TRABALHISTA RUY BARBOSA E OS ENSAIOS RESIDENCIAIS

O edifício do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, de autoria dos arquitetos Decio Tozzi e Karla
Albuquerque, foi inaugurado em 2004 na capital paulista. O projeto é um dos mais conhecidos
dentro do conjunto da obra de Tozzi integrando o acervo permanente do Museu Nacional de Arte
Moderna em Paris (ROCHA, 2009).

Projetado para valorizar os aspectos de uma sociedade pós-industrial e democrática, o edifício rejeita
o autoritarismo clássico antes associado a essas construções públicas, segundo Figueirola (2004). A
proposta é um novo arranjo para o programa de um Fórum, que fosse capaz de manter a solenidade
característica de edifícios públicos institucionais, mas que também representasse uma nova visão de
justiça, mais humanizada.

3
Figura 1: Croquis iniciais Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

Fonte: Acervo Decio Tozzi – BAE/UNICAMP, 2018.

Figura 2: Concepção Final Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

Fonte: MENDELEZ, 2006.

Os croquis iniciais de Tozzi para este projeto manifestam uma expressão plástica destoante do
contexto urbano de São Paulo (Figura 1). A concepção final da volumetria (Figura 2) mantém a
mesma essência da anterior, dois volumes “opacos” conectados por um elemento permeável, porém
é mais próxima da paisagem urbana paulistana e isso contribui com a leitura feita pelo próprio
arquiteto de que: “O Fórum Trabalhista é uma metáfora da metrópole, é uma interpretação da
cidade” (apud. TRT2 - SÃO PAULO, 2013). Essa compreensão do fórum como um reflexo da cidade se
sustenta também pelo público que frequenta o conjunto diariamente, cerca de 15 a 20 mil pessoas,

4
que buscam os serviços específicos do fórum ou usufruem livremente das atividades cotidianas da
Praça da Justiça como bancos, agência do correio, restaurante, auditório (TRT2 - SÃO PAULO, 2013).

Podemos aferir que o projeto do Fórum trabalhista de Tozzi e Albuquerque é um ensaio, na escala do
edifício vertical, de novos arranjos para a cidade. Observamos que antes deste projeto se configurar
como um exercício oportuno para testar novas utopias, Decio Tozzi revisitou nele soluções
experienciadas em propostas residenciais anteriores.

Identificamos que há algumas estratégias projetuais, ensaiadas nas residências, presentes no edifício
do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, sendo elas: a organização do programa, a iluminação natural e a
praça. Já os projetos onde tais soluções foram ensaiadas são: “Residência Carmen Carvalhal
Gonçalves” (1971) em Ibiúna/SP, “Residência Teófilo de Andrade Orth” (1974) em São Paulo/SP, e
“Residência Francisco Moreno Pintor” (1965) em Sorocaba/SP. A seguir apresentamos cada uma
destas estratégias e suas possíveis relações interpretativas.

2.1 A planta e a organização do programa

Para Decio Tozzi o grande mérito dos arquitetos paulistas foi questionar as relações espaciais e
experimentar novas configurações de programa e plantas levando em consideração o binômio
arquitetura e sociedade (TOZZI, 2004). Esta geração de arquitetos expressava grande preocupação
em vencer as estruturas ultrapassadas do programa de necessidades e propor novas formas de
organização dos espaços.

A flexibilidade da técnica do concreto armado foi muito importante no desenvolvimento dos arranjos
espaciais dessa nova arquitetura, pois permitia a criação de ambientes mais amplos que abrigavam
mais de uma atividade e entorno do qual se organizava o restante do programa, buscando criar um
“espaço uno” (TOZZI, 1981, P.99). Na Residência Carmen Carvalhal Gonçalves é possível identificar
que a sala de estar é quem articula essa “densidade espacial” (TOZZI, 1981, P.99). Centralizada na
planta e com a circulação na parte posterior distribuindo o fluxo para os demais ambientes, o
perímetro do espaço de estar avança na fachada fazendo com que o balanço se destaque na
composição volumétrica (Figura 3 e 4).

5
Figura 3: Residência Carmen Carvalhal Gonçalves.

Fonte: TOZZI, 2005.

Figura 4: Planta Residência Carmen Carvalhal Gonçalves.

Fonte: TOZZI, 2005. Editado pelas autoras.

No Fórum Trabalhista (Figura 5) a planta também segue essa configuração, sendo a Praça da Justiça
que, mesmo nos pavimentos superiores, ordena todo o conjunto, com a circulação na parte posterior
articulando o restante do programa (Figura 6). Novamente verifica-se também o cuidado de realçar a
presença deste espaço estruturador na volumetria, que neste caso se destaca na composição pela
permeabilidade visual da pele de vidro.

6
Figura 5: Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

Fonte: TOZZI, 2005. Editado pelos autores.

Figura 6: Planta Térreo e Andar Tipo Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

Fonte: TOZZI, 2005. Editada pelas autoras.

7
2.2 O corte e a Iluminação natural

O clima tropical, de excessiva luminosidade e altas temperaturas, muito influência a arquitetura


brasileira. Segundo Goodwin (1943, P.84) a grande contribuição nacional para uma arquitetura nova
advém dessa condição climática, o brise soleil. Decio Tozzi cria soluções para transformar este
elemento imaterial, a luz solar, de modo que ele se torne adequado às atividades e também
aproveita suas qualidades estéticas e perceptivas na composição das obras (TOZZI,1981, P. 134).

Essa qualidade arquitetônica da iluminação natural na arquitetura de Tozzi é conduzida pela “síntese
entre a estrutura e a luz” (TOZZI, 1981, P. 134). Na residência Teófilo de Andrade Orth a pesquisa
sobre luz, espaço e matéria é o resultado da sintaxe entre a grelha de concreto, vazada sobre a
circulação, e a luz natural (COBIÁN, 2014, P. 88). A iluminação zenital no ambiente ressalta a forma
da escada bem como o painel do artista plástico Claúdio Tozzi, e ilumina os ambientes de forma
gradual e difusa (Figura 7 e 8).

Figura 7: Corte Residência Teófilo de Andrade Orth – Síntese da luz com a estrutura em grelha sobre a circulação.

Fonte: TOZZI, 2005. Editado pelas autoras.

Figura 8: Residência Teófilo de Andrade Orth – Sala de estar.

Fonte: TOZZI, 2005.

No edifício do Fórum Trabalhista o jogo de luz e sombra também é resultante do encontro entre a luz
natural, elemento imaterial, com uma estrutura da treliça metálica espacial que sustenta o pano de

8
vidro. O efeito dessa síntese agrega ao edifício qualidade espacial perceptiva e dinâmica (Figura 9,
10), sendo nas palavras de Cobián (2014, P. 89) “Un ornamento festivo, aleatorio, móvil y etéreo”. O
pano de vidro cria condições para um microclima interno controlado ao mesmo tempo em que busca
suavizar o edifício, de modo que as pessoas não se sintam intimidadas por ele (TRT, 2013). Tozzi
explica que "Usamos a transparência como elemento para melhorar as atividades e aproximar as
pessoas" (apud. TRT, 2013).

Figura 9: Corte Fórum Trabalhista Ruy Barbosa – Síntese da luz com a estrutura da treliça espacial metálica.

Fonte: TOZZI, 2005. Editado pelas autoras.

Figura 10: Fórum Trabalhista Ruy Barbosa – Sombras internas.

Fonte: Composição das autoras a partir de imagens de: TOZZI, 2005.

9
2.3 A praça e a metáfora da cidade

A metáfora da praça em arquitetura é algo presente no discurso de alguns arquitetos, especialmente


no período da pós-modernidade como Aldo Rossi, Vittorio Gregotti e Renzo Piano, numa
reaproximação aos tipos tradicionais da cidade clássica. Louis Kahn, que é um arquiteto importante
nas referências de Decio Tozzi, usa a metáfora da praça em sua arquitetura, indicando que a praça é
o lugar para encontros e conversas sobre vários assuntos da vida (GIURGOLA; MEHTA, 1994. P.155).
Tozzi utiliza o conceito da praça em muitos de seus projetos, o qual ele entende como um espaço
democrático e de uso coletivo, que dialoga com a paisagem externa permitindo a interpenetração
entre arquitetura e o urbanismo (TOZZI, 2013, P. 77).

A ideia da praça se aproxima da configuração e ideia do pátio que, no que diz respeito às residências,
está muito mais presente, especialmente devido ao programa e dimensões. Werner Blaser (1999)
observa que a casa pátio existe há cerca de 5000 anos e passou por muitas transformações ao longo
desses anos, desde a casa na cultura chinesa, no Oriente Médio, na cultura grega e romana. Nas villas
da Roma antiga e nas casas da Idade Média a conformação de um pátio interno tinha relação com
segurança e proteção. Na arquitetura paulistana já foi diversas vezes associado como uma reação à
cidade, onde o edifício torna-se introvertido, numa expressão de proteção. A partir dessa ideia que
Decio Tozzi elabora a residência Romeu Del Negro (1965), em São Paulo, como uma resposta as
condições urbanas delineadas pela especulação imobiliária que “violentaram e violentam a
paisagem”, de modo que: “A casa no Pacaembu “se fecha” para o bairro e busca no espaço interior,
cavado pela estrutura de concreto, um enriquecimento através de uma “abertura”(o pátio) no
agenciamento espacial(...)” (TOZZI, 1981, p. 21) (Figura 11).

Figura 11: Croquis de Decio Tozzi – Volumetria e “Pátio” da Residência Romeu Del Negro.

Fonte: Composição das autoras a partir de imagens de: TOZZI, 1981.

Entretanto, apesar das similaridades com relação à configuração, de modo geral, o conceito de praça
verificado na proposta do Fórum se aproxima mais da solução que Tozzi adota na Residência
Francisco Moreno Pintor, em Sorocaba. Nessa casa o pátio coberto de dupla altura não é mais um

10
ambiente interno, encerrado pela construção, ele adquire qualidades de praça. “A casa é um recinto
análogo à cidade” (BENEVOLO, 1997, p 60), e é assim que Tozzi desenvolve essa proposta na qual
uma passarela conecta a calçada a esse abrigo externo que, apesar de ser de uso privativo dos
moradores e seus convidados, tem visibilidade da rua e para além dos limites do lote, incentivando
uma relação fluída entre a propriedade particular e o restante da cidade (TOZZI, 2005, P. 69)(Figura
12).
Figura 12: Croqui de Decio Tozzi – Residência Francisco Moreno Pintor.

Fonte: TOZZI, 1978.

No edifício do Fórum Ruy Barbosa de Tozzi verificamos a proposta do vazio interno como um espaço
tanto de permanência como de transição, que estimula e promove encontros. Por se tratar de um
edifício institucional público no Fórum Trabalhista foi possível trabalhar “uma nova praça para a
cidade de São Paulo, banhada de sol, mas protegida das chuvas e dos ventos, proposta como um
lugar de encontro, convívio e concórdia entre os homens” (TOZZI, 2005, pg. 275). Com a
permeabilidades do vidro mantem-se a ideia de alcance visual a partir da rua observada na
residência de Sorocaba (Figura 13). A Praça da Justiça se propõe então como uma integração natural
da arquitetura e do urbanismo sob uma mesma cobertura.

Figura 13 - Praça da Justiça Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

Fonte: TOZZI, 2005.

11
3. TRANSIÇÃO DE ESCALA

Os projetos apresentados até o momento são residências unifamiliares de até dois pavimentos, de
modo que ao estabelecermos uma análise comparativa entre estas propostas e o Fórum Trabalhista
Ruy Barbosa lidamos com uma considerável diferença de escala. Essa transição de escala também foi
tema de experimentação do arquiteto no projeto do Edifício Spazio 2222 (1996) em São Paulo/SP, no
qual Tozzi (2013, P. 87) “reinterpreta, verticalmente, a espacialidade de uma vila operária paulistana
do final do século XIX resgatando sua qualidade de vida e interpretando a sucessão de espaços
urbanísticos desde a escala gregária da cidade até a escala coloquial da casa”. Esse projeto do bairro
Sumaré, que segue no âmbito da unidade residencial privada, mas agora multifamiliar e vertical,
também apresenta as três estratégias mencionadas anteriormente (Figuras 14).

Figura 14 – a) Planta térreo e pavimento tipo edifício Spazio 2222. b) Síntese da luz com a esquadria do pano de vidro no
edifício Spazio 2222. c) Croqui de Decio Tozzi, da Praça do Edifício Spazzio 2222.

Fonte: Composição das autoras a partir de imagens disponíveis em: ARCOWeb e TOZZI, 2005.

O Edifício Spazio 2222 possuí oito pavimentos de apartamentos, térreo e dois subsolos, enquanto o
Fórum trabalhista apresenta dezenove pavimentos, térreo e quatro subsolos. A diferença entre

12
escalas ainda é considerável, no entanto, ao relacionar essas propostas de edifícios verticais é
possível identificar premissas formais e plásticas semelhantes. A primeira delas é a composição da
volumetria formada por um bloco vertical único, composto por volumes retangulares laterais opacos
que são conectados por um pano de vidro central (Figura 15).
Figura 15 – Composição do Volume no Edifício Spazzio 2222 e no Forúm Trabalhista Ruy Barbosa.

Fonte: Composição das autoras a partir de imagens de: TOZZI, 2005.

A outra relação observada é a arte associada à circulação, no caso do condomínio residencial o painel
do artista plástico Claúdio Tozzi instalado nos planos externos do bloco de circulação e no fórum a
empena vertical de concreto desenhada com aberturas circulares localizadas a frente dos patamares
centrais das rampas (Figura 16). Em ambos as obras esse elemento de destaque artístico está
centralizado no eixo do pano de vidro, de modo que o tratamento dado agrega a composição
estética interna e externa dos edifícios (Figura 17).
Figura 16 – Ornamentação associada a circulação do Edifício Spazio 2222 e Forúm Trabalhista Ruy Barbosa.

Fonte: Composição das autoras a partir de imagens de: TOZZI, 2005.

13
Figura 17 – Visibilidade externa do elemento artístico no Edifício Spazio 2222 e no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

Fonte: Fonte: Composição das autoras a partir de imagens de: TCP TECNICORP e ARCOWeb.

4. DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da pesquisa que está sendo desenvolvida pudemos verificar alguns pressupostos
inicialmente levantados. O projeto do Fórum Ruy Barbosa como objeto de estudo e as residências
Carmen Carvalhal Gonçalves, Teófilo de Andrade Orth e Francisco Moreno Pintor como ensaio de
determinadas estratégias projetuais do arquiteto Decio Tozzi.

Diante dos estudos interpretativos verifica-se que algumas das residências projetadas por Decio Tozzi
podem ser consideradas como um laboratório de ensaios para parte das estratégias projetuais
desenvolvidas e adotadas ao longo de sua atuação profissional. Isso se atribui ao fato de este ser um
programa com maior demanda e de menor escala, o que o torna uma ocasião importante e oportuna
para explorar diferentes estudos, ideias e reflexões sobre arquitetura.

As residências projetadas por Decio Tozzi respondem a diferentes contextos e situações, fato este
que corrobora com a condição experimental observada dentro do programa, de modo que esse
conjunto de projetos apresenta uma grande liberdade plástica e formal. Portanto, é passível refletir
que foi com base nesse repertório arquitetônico residencial, e através do processo de adequação e
refinamento (Oxman;Oxman, 1992), que foram elaboradas algumas das soluções projetuais da
proposta do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

14
No edifício residencial Spazzio 2222 foram estabelecidos mais alguns raciocínios sobre a
experimentação de estratégias projetuais revisitadas no projeto do Fórum. Nessa proposta
residencial multifamiliar privada observamos que, além de incorporar as soluções ensaiadas nas
residências unifamiliares, existem afinidades com a proposta do Fórum trabalhista referentes a
composição volumétrica e estética. Essas aproximações plásticas são possíveis devido à escala
vertical de ambos os projetos, de modo que o edifício Spazzio 2222 se caracteriza como uma possível
transição entre as residências e o Fórum Trabalhista Ruy Barbosa.

Por fim, o presente estudo entende que a proposta do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, que foi
concebida a partir de um repertório de estratégias projetuais deste “laboratório residencial”, se
configura como um ensaio para novos arranjos maiores, na escala da cidade. O edifício propõe a
interpenetração entre arquitetura e urbanismo, além de agregar sob uma mesma cobertura
múltiplas formas de uso e apropriação, aspectos estes condizentes com as demandas da sociedade e
das cidades contemporâneas.

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metropole>.

ZEIN, Ruth Verde. Residências brasileiras, depois do laboratório. Revista Projeto, São Paulo, n. 73, p. 49-52,
mar. 1985.

NOTAS
1
Adotou-se a definição do termo “estratégias projetuais” de Rafael Moneo (2004, p.2): “(...) strategies. Here
this refers to the mechanisms, procedures, paradigms, and formal devices that recur, in the work, of architects –
the tools which they give shape to their constructions”.

16
Espaços para Crianças e Adolescentes no Sistema de Justiça: a
linguagem do ambiente construído como expressão da
efetividade de direitos

Spaces for Children and Adolescents in the Justice System: the language of the
built environment as an expression of the effectiveness of rights

Espacios para niños y adolescentes en el sistema de justicia: el lenguaje del entorno


construido como expresión de la efectividad de los derechos

FARIA, Cybelle S.S. Freitas


Mestre em Projeto e Cidade, UFG, cybelle.saad@uol.com.br

RESUMO
Este artigo aborda as políticas de atenção à criança e ao adolescente no Brasil refletidas no espaço construído de
Instituições públicas e privadas ao longo dos anos através da evolução dos Direitos da Criança e do Adolescente
e da história dos espaços institucionais públicos e particulares oferecidos a este público desde o período Colonial
até os dias de hoje. Parte-se do pressuposto de que o direito é reflexo da sociedade com todas as características
e aspectos complexos e heterogêneos que a compõe e de que o espaço físico, refletindo esses aspectos, é uma
linguagem, que fala de acordo com precisas concepções culturais e profundas raízes biológicas e ainda que seu
código nem sempre seja explícito e reconhecível, é percebido desde muito cedo pelo ser humano. E por outro
lado, todo comportamento é de algum modo influenciado pelo quadro espacial em que se manifesta. O objetivo
geral do trabalho foi descrever a evolução da condição histórica do público infanto-juvenil no cenário institucional
brasileiro e o objetivo específico foi o de proporcionar maior familiaridade com contextos que envolvam crianças
e adolescentes chamados aos ambiente da justiça em processos judiciais nos quais participam como vítimas ou
testemunhas. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica. O estudo contribuiu para a compreensão da
problemática que envolve a questão da criança e do adolescente no ambiente da justiça atual e para o
entendimento de que para fins de concepção do espaço projetado, este público tem sido negligenciado em suas
necessidades, expectativas e desejos.
PALAVRAS-CHAVES (3 a 5): Arquitetura institucional, Relação criança/adolescente ambiente, Adequação
ambiental, Depoimento de crianças e adolescentes;

ABSTRACT
This article addresses the policies of child and adolescent care in Brazil reflected in the built space of public and
private institutions over the years through the evolution of the rights of children and adolescents and the history
of public and private institutional spaces offered to this public. from the Colonial period to the present day. The
assumption is that law is a reflection of society with all the complex and heterogeneous characteristics and
aspects that compose it, and that physical space, reflecting these aspects, is a language that speaks according to
precise cultural and profound conceptions. Although its biological roots are not always explicit and recognizable,
it is perceived very early on by humans. And on the other hand, all behavior is somehow influenced by the spatial
framework in which it manifests itself. The general objective of this work was to describe the evolution of the
historical condition of the juvenile public in the Brazilian institutional scenario and the specific objective was to
provide greater familiarity with contexts involving children and adolescents called to the justice environment in
judicial processes in which they participate as victims or witnesses. The methodology used was the literature
review. The study contributed to the understanding of the problem surrounding the issue of children and

1
adolescents in the current justice environment and to the understanding that for the purpose of designing the
projected space, this audience has been neglected in their needs, expectations and desires.
KEY WORDS (3 a 5): Institutional architecture, Relationship between child and adolescent environment,
Environmental suitability, Testimonial of children and adolescents.

RESUMEN
Este artículo aborda las políticas de cuidado de niños y adolescentes en Brasil reflejadas en el espacio construido
de las instituciones públicas y privadas a lo largo de los años a través de la evolución de los derechos de los niños
y adolescentes y la historia de los espacios institucionales públicos y privados que se ofrecen a este público. desde
el período colonial hasta nuestros días. Se supone que el derecho es un reflejo de la sociedad con todas las
características y aspectos complejos y heterogéneos que la componen, y que el espacio físico, que refleja estos
aspectos, es un lenguaje que habla de acuerdo con concepciones culturales y profundas precisas. Aunque sus
raíces biológicas no siempre son explícitas y reconocibles, los humanos lo perciben muy pronto. Y, por otro lado,
todo comportamiento está influenciado de alguna manera por el marco espacial en el que se manifiesta. El
objetivo general de este trabajo fue describir la evolución de la condición histórica del público juvenil en el
escenario institucional brasileño y el objetivo específico fue proporcionar una mayor familiaridad con los
contextos que involucran a niños y adolescentes llamados al entorno de justicia en los procesos judiciales en los
que participan como víctimas o testigos. La metodología utilizada fue la revisión de la literatura. El estudio
contribuyó a la comprensión del problema que rodea el tema de los niños y adolescentes en el entorno de justicia
actual y al entendimiento de que con el propósito de diseñar el espacio proyectado, esta audiencia ha sido
descuidada en sus necesidades, expectativas y deseos.
PALABRAS CLAVE: Arquitectura institucional, Relación niño / adolescente ambiente, Adecuación ambiental,
Testimonio de niños y adolescentes.

1 INTRODUÇÃO
Grande parte da vida humana se desenrola em instituições. O espaço institucional pode ser definido
como um universo particular, onde se reúne, por algum tempo, um conjunto de indivíduos e onde se
desenrolam atividades definidas. Toda instituição, por sua vez, manifesta-se por um conjunto de
características materiais que acolhem atividades diversas e induzem atitudes ligadas à sua configuração
(FISCHER, 1994).

No entanto, o ambiente construído não se reduz às suas propriedades materiais. O modo como as
pessoas se comportam nos ambientes não depende apenas de suas qualidades construtivas. Existe
também uma realidade invisível desse mesmo espaço. A esfera imaterial de um espaço se relaciona
com o que é difícil mensurar, mas é imprescindível para a sensação de bem-estar e permitem
compreender a influência da arquitetura e do design nas sensações, sentimentos, impressões e nas
relações interpessoais (SOUZA & KNEIB, 2013, p. 118). Essa constatação implica num afastamento da
ênfase predominantemente visual da arquitetura (PALLASMAA, 2018, p. 54).

Por isso, o espaço construído pode ser definido como uma linguagem, “[...] que fala de acordo com
precisas concepções culturais e profundas raízes biológicas (RINALDI, 2017, p. 153). Nesse sentido, um

2
edifício “[...] será então apreendido e avaliado como a encenação de uma espécie de biografia social
de uma instituição e dos habitantes que o ocupam, do bairro em que se situa” (FISCHER, 1994, p. 38).

No entendimento de Fischer (1994, p. 38) um espaço “[...] conta sempre uma história: individual e
social; diz do grupo e ao grupo qual é sua maneira de viver, de habitar, de trabalhar, de viver
socialmente num lugar”. A linguagem do espaço é bastante forte e um fator condicionante porque é
analógica, revelando que “[...] ainda que seu código nem sempre seja explícito e reconhecível, nós o
percebemos e o interpretamos desde muito jovens” (RINALDI, 2017, p. 153).

A ideia que a criança faz do espaço ocorre desde o nascimento do indivíduo e é paralela às demais
construções mentais, constituindo-se com a própria inteligência e o desenvolvimento do intelecto
infantil (PIAGET apud OLIVEIRA, 2005). Esse processo se dá através de “[...] sucessivas adaptações entre
o indivíduo e o meio, e evolui por etapas sequenciais”, não se podendo negar, “[...] que desde o
nascimento, o desenvolvimento intelectual é, simultaneamente, obra da sociedade e do indivíduo”
(PIAGET, 1977 apud LA TAILLE, 1992, p. 11-12).

Rinaldi (2017, p. 157) entende que “[...] a competência e a motivação das crianças podem ser tanto
acentuadas quanto inibidas dependendo do grau de consciência e da força motivacional do contexto
circundante”. No entanto, para Horn (2004, p. 15) “[...] não basta a criança estar em um espaço
organizado de modo a desafiar suas competências; é preciso que ela interaja com esse espaço para
vivê-lo intencionalmente”. Isso quer dizer que os espaços deverão ser tanto desafiadores quanto
acolhedores, pois, consequentemente, proporcionarão interações entre elas e delas com os adultos.

É relevante, nessa questão, pontuar a importância do adulto no desenvolvimento das crianças, que se
desenrola, não apenas por meio de ações diretas, mas também pelo que o adulto pensa sobre a criança
e pelos espaços que oferecem a estas.

O que o adulto pensa sobre a criança se torna, então, um fator determinante na definição de sua
identidade ética e social e no estabelecimento de seus direitos (RINALDI, 2017). A imagem da criança
é, acima de tudo, “[...] uma convenção cultural (e, portanto, social e política) que torna possível
reconhecer nelas (ou não) certas qualidades e potenciais e interpretar expectativas e contextos que
dão valor a qualidades e potenciais ou, ao contrário, os negam” (RINALDI, 2017, p. 157).

Rinaldi (2017) e vários autores, entre eles, Calligaris (2010) e Silveira (2000) compreendem que a
definição de infância/adolescência está ligada à ótica do adulto e, como a sociedade está sempre em

3
movimento, a vivência dessas fases da vida humana muda, conforme os paradigmas do contexto
histórico dessa sociedade adultocêntrica.

A expressão sociedade adultocêntrica, no entendimento de Bitencourt (2009) dá ênfase a uma


sociedade direcionada aos interesses dos adultos, onde a relação entre a criança ou adolescente e o
adulto são hierárquicas, porque assentadas no pressuposto do poder do adulto sobre eles.

E assim, é possível pensar, como alerta Gonçalves (2016, p.11) que não são as crianças as verdadeiras
autoras de suas histórias e de seus direitos, mas os adultos os responsáveis por escrever, investigar e
defendê-los. E, assim, “[...] não há uma história da criança, mas uma história a respeito da criança,
interpretada, compreendida e escrita pelos adultos, ou seja, a infância pode ser compreendida como
uma representação que os adultos fazem dela” (GONÇALVES, 2016, p.11).

Nessa perspectiva, pode-se inferir que isso também acontece com os ambientes das crianças, uma vez
que projetados por adultos. Esta circunstância traz implícita e implica a agregação da experiência
pessoal e intransferível do projetista ao vivenciar o espaço. Além disso, Lima (1989, p.10) entende que,
para fins de concepção do espaço projetado, a criança não tem voz, nem vontade e nem mando, uma
vez que “[...] suas necessidades, suas expectativas e seus desejos passam pelo crivo interpretativo
daqueles que o subjugam”.

Tendo em mente essas considerações, pode-se afirmar que é uma necessidade cada vez mais intensa
compreender que espaços são oferecidos às crianças e aos adolescentes e, por sua vez, como eles
percebem, captam e utilizam esses espaços. No entanto, fala-se e estuda-se muito pouco sobre a
qualidade do espaço construído para esses pequenos usuários. Em geral, os estudos são direcionados
para o espaço da aprendizagem. Em consequência disso, buscou-se no estudo da evolução dos direitos
da criança e do adolescente e na história espaços institucionais públicos e privados de atendimento à
criança e ao adolescente, uma melhor compreensão de como estes passaram do anonimato para a
condição de cidadãos com direitos e deveres aparentemente reconhecidos e quais foram as mudanças
em termos de espaço decorrentes dessa emancipação infanto-juvenil.

Esse estudo foi essencial para compreender as complexas situações pelas quais passam crianças e
adolescentes chamadas ao Poder Judiciário para serem ouvidas e a importância de se assegurar o seu
direito a um ambiente acolhedor no momento em que o depoimento destes se reveste de grande
importância dentro da dinâmica processual.

4
2 MATERIAIS E MÉTODOS

O artigo, de caráter teórico e exploratório, tem como objetivo geral descrever a evolução da condição
histórica do público infanto-juvenil no cenário institucional brasileiro; e, como objetivo específico,
proporcionar maior familiaridade com contextos que envolvem crianças e adolescentes chamados ao
ambiente da justiça em processos judiciais nos quais participam como vítimas ou testemunhas.

3 BREVE HISTÓRIA DO ESPAÇO INSTITUCIONAL E DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DAS


CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL
A educação e a assistência pública e privada à criança e ao adolescente, no Brasil, demandaram, ao
longo do tempo, a criação e a construção de diversos colégios internos, seminários, asilos, escolas de
aprendizes, artífices, educandários, reformatórios entre outras edificações, que foram sendo erguidos
desde o período colonial, de acordo com as tendências educacionais e assistenciais de cada época
(RIZZINI & RIZZINI, 2004). Pode-se dizer que a história das várias fórmulas empregadas, as políticas
sociais implantadas, as legislações instituídas são, em síntese, instrumentos-chave para compreender
o pensamento do adulto sobre a criança ao longo do tempo e como procederam os adultos nas diversas
circunstâncias. A revisão da história mostra que foram muitas as mãos por que passaram tais crianças
e pode proporcionar valiosos ensinamentos para o presente (RIZZINI & PILLOTI, 2011).

Ao longo de muitos séculos, segundo Alves (2016, p.207), as crianças foram privadas de quaisquer
direitos legais e o seu maltrato não constituía qualquer crime. Vale lembrar que, conforme assinala
Tavares (2001, p. 40), entre quase todos os povos antigos, tanto do Ocidente como do Oriente, os filhos,
durante a menoridade, não eram considerados sujeitos de direito, porém, servos da autoridade
paterna”. Barros (2005, p. 73-74) esclarece que somente no século XIX passou-se a compreender a
criança como indivíduo, a quem deveriam ser dispensados afeto e educação.

Barros (2005) e Oliveira (2013) concordam em afirmar que há muito tempo existe o reconhecimento
da necessidade de se construir e consolidar políticas e práticas de proteção social para a criança e o
adolescente, mesmo que de forma não consensual, tanto na história nacional quanto sob diversos
contextos internacionais. Entretanto, Séguin (2002) contempla que, apesar da garantia da cidadania,
eles não têm, com certa frequência, a noção de que seus direitos estão sendo desrespeitados porque
nem sequer sabem que têm direitos.

Montaner & Muxi (2014, p.17) relatam que

5
Desde a II Guerra Mundial os organismos internacionais começaram a criar leis sobre direitos humanos universais,
que vão muito além daqueles próprios de cada país. Esses direitos de cumprimento obrigatório têm a ver com a
vida, a moradia, a salubridade, a justiça e o trabalho; envolvem todos os habitantes da terra, e cada governo é
responsável pelo seu cumprimento; e contemplam os novos direitos de grupos sociais até há pouco marginalizados
ou invisíveis, como as mulheres e as crianças.

Gonçalves (2016) reconhece que a visão da criança e do adolescente como detentores de direitos é um
fato recente na história mundial e local e só foi possível após muitos anos de luta, de debates e embates
pelos movimentos sociais, em fóruns, congressos e discussões.

3.1 Período Colonial e Imperial

No Brasil, durante o período colonial, eram raras as instituições de assistência à infância, ainda que o
abandono de crianças, escravas ou não, fosse uma prática bastante frequente até meados do século
XIX, mesmo nos países considerados ‘civilizados’. Segundo Oliveira (2007, p. 91), “[...] no meio rural,
onde residia a maior parte da população do país na época, famílias de fazendeiros assumiam o cuidado
das inúmeras crianças órfãs ou abandonadas, geralmente, frutos da exploração sexual da mulher negra
e índia pelo senhor branco”.

A assistência às crianças abandonadas, órfãs e pobres “seguiu os moldes ditados pela Corte e adotados
em Portugal, ou seja, era de responsabilidade das câmaras municipais, mas foi em grande parte
assumida pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia” (FALEIROS, 2011, p. 209).

Segundo a moral dominante na época, os filhos nascidos fora do casamento não eram aceitos e, com
frequência, estavam fadados ao abandono. Assim, nas zonas urbanas, conforme narra Oliveira (2007),
as crianças abandonadas pelas mães eram encaminhadas para a “Roda dos Expostos” existentes em
algumas cidades do Brasil.

Esse sistema, como descreve Rizzini (2011) foi implantado nas Santas Casas de Misericórdia e se
constituíam de um cilindro giratório, na parede, e permitia que a criança fosse colocada da rua para
dentro do estabelecimento, sem que se pudesse identificar qualquer pessoa, escondendo, assim, a
origem da criança e preservando a honra das famílias. Tais crianças eram denominadas enjeitadas ou
expostas. Surgida no período colonial, a Roda dos expostos foi provavelmente a primeira instituição de
assistência à infância do Brasil e persistiu até meados do século XX. Mendes (2015, p. 97) ressalta o
fato de que

[...] o primeiro olhar estabelecido pela sociedade para as instituições de assistência à infância era carregado de
preconceitos já que tais instituições eram apenas lugares de crianças pobres e carentes, marcadas pelo cuidado com
o corpo, saúde e alimentação.

6
Figura 01 - Santa Casa de Misericórdia em Salvador, na Bahia, com a Roda dos dos Expostos vista pelo lado externo

Fonte: CHANTAL, 2015.

No século XVIII, as primeiras instituições de assistência para órfãos foram instaladas em várias cidades
brasileiras, principalmente por religiosos (irmandades, ordens e iniciativas pessoais de membros do
clero). Rizzini e Rizzini (2004, p. 24) relatam que

O regime de funcionamento das instituições seguia o modelo do claustro e da vida religiosa. As práticas religiosas e
o restrito contato com o mundo exterior eram características fundamentais dos colégios para meninos órfãos e dos
recolhimentos femininos sendo que, no segundo caso, a clausura era imposta com mais rigor.

3.2 Primeira República

Na conjuntura da Proclamação da República, segundo Faleiros (2011, p. 36), o cenário da política para
a infância pobre era de que “omissão, repressão e paternalismo [...] decorrentes não só da visão liberal,
mas da correlação de forças com hegemonia do bloco oligárquico/exportador”. O autor explica que, na
visão liberal predominante na época, defendia-se a não intervenção do Estado na área social. Manuel
Vitorino (1981, p. 381 apud, FALEIROS, 2011, p. 37) relata não haver nesse período nenhuma lei ou
instituição que protegesse a primeira infância no Brasil.

Nos primeiros vinte anos da República, o empenho para a criação de uma legislação social aparece em

“[...] iniciativas pontuais para criação de escolas, liceus, subsídios às Santas Casas, asilos, numa articulação entre
público e privado, sem enfrentamento dos problemas de mortalidade infantil, do abandono, da péssima qualidade
dos asilos, da falta de instrumental jurídico para a proteção à infância” (FALEIROS, 2011, p. 41).

A prática de recolher as crianças em asilos particularizou a cultura assistencial do Brasil que se


caracteriza, até os dias de hoje, pela

[...] segregação do meio social a que pertence o “menor”; o confinamento e a contenção espacial; o controle do
tempo; a submissão à autoridade – formas de disciplinamento do interno, sob o manto da prevenção de desvios ou
da reeducação dos degenerados” (RIZZINI & PILLOTI, 2011, p. 20)

A filantropização do atendimento à criança, é uma característica apresentada e

7
[...] evidencia uma relação simbiótica público/privado, articulada à questão do patrimonialismo do Estado brasileiro
(FAORO, 1993) significando a apropriação de um bem público de forma privada, colocando-se o setor público a
serviço de interesses privados, com o favorecimento de verbas, cargos e privilégios em benefício privado (FALEIROS,
2011, p.34).

Nas instituições voltadas para a prevenção ou para a regeneração de crianças, a meta era, segundo
Rizzini & Pilloti (2011, p.20), “[...] incutir o sentimento de amor ao trabalho e uma conveniente
educação moral”. Faleiros (2011, p. 40) ratifica esta situação ao afirmar que, nesse período,
“[...]predomina o uso indiscriminado da mão-de-obra infantil, notando-se, a respeito, a omissão e a
complacência do Estado”. De outro lado, a grande demanda de força de trabalho nas fábricas,
impulsionou a contratação, com baixíssimos salários, de crianças recrutadas em asilos, que cumpriam
carga horária de trabalho semelhante à dos adultos. Rizzini & Pilloti (2011, p. 24) assinalam que “[...]
os patrões justificavam a exploração do trabalho infantil alegando que retiravam os menores da
ociosidade e das ruas, dando-lhes uma ocupação útil”. Observa-se assim que, no século XIX, a criança
continuava a ser considerada “[...] apenas como um adulto e ‘deveria falar como um adulto, pensar
como adulto, agir como adulto’ “(LIMA, 1989, p. 57).

Figura 02 - Exploração do trabalho infantil em fábrica no início do século XX

Fonte: LABHOI – UFF (2019)

Por volta da metade do século XIX, preocupações com a alta mortalidade infantil nas cidades
brasileiras, provocaram o surgimento da puericultura. Esta especialidade médica, destinada a

8
formalizar os cuidados adequados à infância, tinha como proposta intervir no meio ambiente e nas
condições higiênicas das instituições que abrigavam crianças e nas famílias (RIZZINI & PILLOTI, 2011).

Barros (2005, p.73-74) esclarece que:

Até o final do século XIX [...] a criança foi vista como um instrumento de poder e de domínio exclusivo da Igreja.
Somente no início do século XX, a medicina, a psiquiatria, o direito e a pedagogia contribuem para a formação de
uma nova mentalidade de atendimento à criança, abrindo espaços para uma concepção de reeducação, baseada
não somente nas concepções religiosas, mas também científica.

Como resultado das discussões sobre a Infância, no Brasil, em 1927, institui-se o Código de Menores,
também chamado de Código Mello Matos e, a partir disso, o estado assume a responsabilidade legal
pela tutela da criança órfã e abandonada. Criou-se, naquela oportunidade, a figura do Juiz de Menores
na administração da justiça em consequência, a esfera jurídica tornou-se na protagonista na questão
das crianças e adolescentes. O citado código consolidou-se como a primeira legislação brasileira para
as crianças e os adolescentes e incorporou “tanto a visão higienista de proteção do meio e do indivíduo,
como a visão jurídica repressiva e moralista” (FALEIROS, 2011, p. 47).

Rizzini & Pilloti (2011, p. 328) descrevem as circunstâncias da mudança com relação ao interesse do
Estado pela criança e pelo adolescente:

[...] foi criado o aparato jurídico especial para a menoridade: tribunais, juízes, curadores, delegacias, abrigos,
reformatórios e códigos de menores. Com ele, o problema da infância e da adolescência pobre transformou-se
numa questão de justiça e assistência social, dando origem à dicotomia entre criança/adolescente, de um lado, do
outro, escamoteando-se a dimensão política das desigualdades sociais.

Dessa forma, Melo (2016, p. 60) explica que “[...] se, para as crianças, a família e a escola cumprirão as
funções de controle e de socialização, para os ‘menores’, será necessária a criação de uma instância de
controle socio penal: o tribunal de menores” no qual não se fazia a distinção entre abandonados e
delinquentes.

Segundo Melo (2016, p. 58) com o surgimento do conceito de ‘menor’ é “iniciada a construção de
saberes pautados todos por uma ideia de reforma social e moral dos indivíduos sob os princípios da
psicologia, da psiquiatria e da educação” e ainda instituições judiciais e correcionais voltadas à sua
administração. E assim, “cria-se, portanto, um conceito, um direito e um aparato judicial” (idem,
ibidem, p. 59). Com a emergência social de crianças e adolescentes permitiu-se o advento de formas
de intervenção nas famílias, notadamente as populares, desmantelando-se famílias consideradas
fracassadas (MELO, 2016).

Rizzini & Rizzini (2004, p.13) afirmam que a documentação histórica sobre a assistência à infância nos
séculos XIX e XX expõe “que as crianças nascidas em situação de pobreza e/ou em famílias com

9
dificuldade de criarem seus filhos tinham um destino quase certo quando buscavam o apoio do Estado:
o de serem encaminhadas para instituições como se fossem órfãs ou abandonadas)”.

Nessa perspectiva, Rizzini e Pilotti (2011, p. 24) destacam que a família com poucos recursos aparece
como aquela que não é capaz de cuidar de seus filhos. O mito criado em torno da família das classes
empobrecidas serviu de justificativa para a violenta intervenção do Estado no século XX e assim, “com
o consentimento das elites políticas da época, juristas delegaram a si próprios o poder de suspender,
retirar e restituir o Pátrio Poder, sempre que julgassem uma família inadequada para uma criança”.

Roure (1996, p. 93) avalia que durante a vigência do chamado ‘Código de Menor’, “[...] seus princípios
de vigilância e proteção acabaram por transformar crianças e adolescentes em indivíduos dependentes
e submissos ou em marginais potencializados”. Diante desse cenário, surge o modelo do bem-estar do
menor, primeiramente nos Estados Unidos e Europa e, posteriormente, no Brasil, baseado, segundo
Melo (2016, p. 60)

[...] em ciências comportamentais que, supostamente autorizariam experts a avaliarem e a atenderem os interesses
das crianças e, por isso, a tomarem e a influenciarem grande gama de decisões sobre o que deveria ocorrer à criança
que, por uma razão ou outra, viesse à atenção das autoridades”.

Conforme aponta King (1981 apud Melo 2016, p.60), com o declínio da igreja, e com o crescimento do
pluralismo, as únicas verdades aceitas universalmente parecem ser aquelas manifestadas pelos
cientistas, de modo que a ciência passou a ser usada pelo Judiciário em casos afetos a crianças da
mesma forma que a moralidade cristã era usada anteriormente para justificar a remoção de uma
criança do convívio com uma mãe adúltera.

Paralelamente à organização de um campo de saberes sobre a infância e a adolescência, iniciado no


século XX, foram criadas instituições específicas para esse público, com o intuito de educar e disciplinar
moralmente essa faixa etária. Para amparo e vigilância, foram concebidas as instituições jurídicas e
correcionais, tais como asilos, preventórios, internatos, patronatos e presídios. Essas instituições, de
acordo com Grossman (2010, p. 49) “[...] buscavam o aperfeiçoamento do ser humano, a ser atingido
através da educação, da higiene e da ampliação dos direitos sociais”. Sobre esses espaços, Lima (1989,
p. 10) revela que

[...] a organização e a distribuição dos espaços, a limitação dos movimentos, a nebulosidade das informações visuais
e até mesmo a falta de conforto ambiental estavam e estão voltados para a produção de adultos domesticados,
obedientes e disciplinados – se possível limpos, destituídos de vontade própria e temerosos de indagações.

10
3.3 Era Vargas

Com o início do governo de Getúlio Vargas, a “família e a criança das classes trabalhadoras passaram a
ser alvo de inúmeras ações do governo, inaugurando uma política de proteção materno-infantil”
(RIZZINI & PILOTTI, 2011, p. 25). Estruturam-se o Departamento Nacional da Criança (1940) e o Serviço
de Assistência a Menores - SAM (1941), com o objetivo de dar uma orientação nacional às
práticas de assistência e controlar as instituições públicas e particulares que realizavam serviços
nessa área.

No entanto, para os ‘menores’ mesmo com a criação do SAM prevalece uma espécie de justiça
assistencialista (RIZZINI, 2011, p. 245). Mantém-se o modelo utilizado desde a década de 1920, de
forma que a justiça, através do juiz de menores, devia proteger, vigiar, preservar, prevenir ou regenerar
(Lei Mello Mattos). Esse sistema “[...] inaugurou uma política sistemática de internação em
estabelecimentos criados ou reformados para atender a população específica dos menores material
ou moralmente abandonados, e / ou delinquentes” (RIZZINI, 2001, p. 251).

Assim, a demanda por internações aumentou consideravelmente, mantendo-se sempre em número


superior à lotação dos estabelecimentos (RIZZINI, 2011, p. 245). Rizzini (2011, p. 252) relata ainda que
todos os estabelecimentos, mesmo os particulares sem qualquer vínculo com os poderes públicos,
estavam subordinados à fiscalização da Justiça. Ao Juiz de Menores também cabia o poder de arbitrar
e definir sobre a personalidade do menor através do que veio a ser chamado de periculosidade
(FALEIROS, 2011).

Nesse período o “Estado se articula com o setor privado fazendo-o semioficial, distribui verbas, busca
legitimação em troca de favores, e, ao mesmo tempo, deixa ao descaso as instituições públicas”
(FALEIROS, 2011, p. 54). As críticas ao sistema vigente emergem, então, tanto por parte de atores
governamentais como da sociedade. “Alguns juízes passam a condenar o SAM como fábrica de
delinquentes, escolas do crime, lugares inadequados” (idem, ibidem, p. 54). Sendo notório, o caso de
um menor que, decidido pelo Supremo Tribunal Federal, à época considerou que o SAM

[...] não tem condições necessárias para garantir a readaptação dos menores, mas que, ao contrário disso, como é
notório, e segundo depoimentos das autoridades as mais idôneas, esse estabelecimento tem contribuído para a
formação de verdadeiro núcleo de criminosos (FALEIROS, 2011, p. 61).

3.4 Governo Militar

A partir de 1964, a questão da assistência à infância passou para a esfera de competência do governo
militar e este “[...] via na questão social e, no seio desta, na questão do menor, um problema de

11
segurança nacional, julgando-o, portanto, objeto legítimo de sua intervenção e normalização” (RIZZINI
& PILOTTI, 20011, p. 26). O controle da questão do menor coube à Fundação Nacional do Bem-Estar
do Menor (FUNABEM) e a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM).

Rizzini & Rizzini (2004, p.46) apontam, com relação às condições de funcionamento das instituições
infanto-juvenis, “[...] o silêncio e a censura eram poderosos aliados oficiais no sentido de manter a
política de internação, nas piores condições que fossem, longe dos olhos e ouvidos da população”.

As atenções voltaram-se para o aumento da criminalidade entre menores, ao mesmo tempo em que
se vislumbrava que “[...] crianças podiam ser afetadas por circunstâncias individuais ou sociais,
sobretudo em razão da desagregação familiar ou contato com o vício, que as inclinariam ao crime”
(MELO, 2016, p. 59). Sendo assim, “[...] a tônica centrou-se na identificação e no estudo das categorias
necessitadas de proteção e reforma, visando o melhor aparelhamento institucional capaz de “salvar”
a infância brasileira do século XX” (RIZZINI & RIZZINI 2004, p. 28).

Figura 03 – Instituição sediada no Rio de Janeiro, em convênio com a extinta FUNABEM

Fonte: ALTOÉ (2008)

Altoé (2008) relata em ‘Infâncias Perdidas: o cotidiano nos internatos-prisão’ as condições de uma
Fundação Filantrópica cujo atendimento oferecido era considerado, à época, pela FUNABEM, órgão
oficial, como modelar (idem, ibidem, p. X):

12
os internos vivem uma ruptura entre o mundo do internato e o mundo real. Suas possibilidades de relacionamento,
portanto, são restritas às relações institucionais, que por sua vez não possibilitam a troca afetiva e o
estabelecimento de relações de confiança. As interdições são inumeráveis e, particularmente após oito anos de
idade, os internos são submetidos a situações de violência física das quais não tem como escapar – como
espancamento, malha e inclusive situações de violência sexual por parte de funcionários (ALTOÉ, 2008, p.164).

Também a escola, de acordo com Costa (2009), absorve a ideia de que a infância e a adolescência são
períodos da vida que precisam ser cuidados e moldados. Como descreve Monroe (1983, apud LIMA,
1989, P. 57), “[...] a criança era modelada pelo padrão dos mais velhos e não valia nada, nem tinha
direitos até que pudesse imitar bem o adulto”. Lima (1989, p. 39) explica a situação descrevendo as
características de antigas salas de aula na década de 1950 e 1960, em São Paulo:

Por solicitação dos educadores, as portas possuem visores, simples retângulos de vidro, à altura dos olhos dos
adultos, para que o diretor, passando pelo corredor, possa saber o que se passa no interior das classes. A simples
possibilidade de serem observadas, sem aviso prévio, faz com que as crianças contenham seus impulsos,
obedecendo assim aos princípios do panoptismo.

Confirma-se, desse modo, a análise de Foucault de que “[...] a visibilidade passa a ser uma armadilha,
cada um em seu lugar, as paredes laterais impedindo o contato com os outros. [...] é visto [pelo poder]
mas não vê” (LIMA, 1989, p. 40). Algumas práticas educativas, revela Lima (1989, p. 39), “[...] atingem
o paroxismo na aplicação dos meios de dominar o movimento do corpo e assim controlar o
pensamento da criança”. Segundo a autora, ainda em 1967, no Estado de São Paulo, as carteiras pés-
de-ferro, de inspiração inglesa, antes importadas, continuavam a ser especificadas para as escolas
estaduais. Assim, literalmente, “pregavam-se” as crianças junto com as carteiras, em posição rígida,
duas a duas, uma ao lado da outra, e estas duas também rigidamente colocadas detrás de outra dupla
similarmente sentada. Para tanto, as carteiras pés-de-ferro mantinham o detalhe de colocação de
prego no piso, também de madeira.

Figura 04 – Grupo Escolar Orozimbo Maia, Campinas, 1939

Fonte: SOUZA (2001)

13
Ao analisar os espaços da educação elementar, em São Paulo, no século XIX, Lima (1989, p. 56) relata
a existência de alguns elementos que indicam castigos corporais das crianças:

[...] o estrado alto, com a cátedra do professor, o canto destinado ao castigo e filas de carteiras colocadas
regularmente com dez crianças sentadas sem encosto. Castigava-se, assim, o corpo das crianças, dominavam-nas
pela imobilização, pela disciplina, pelo medo da punição, e o espaço projetado acompanhava a política da tortura

Lima (1989, p.10) considera que este “Não é um processo de despojamento. É um processo de redução:
redução cultural, redução de áreas, redução material, e tudo se volta para o empobrecimento dos
espaços”. A autora, entende que

[...] a infância é tratada como uma doença a ser curada ou um estado de desvio a ser corrigido, premiando as
crianças capazes de se aproximar mais do comportamento do adulto e punindo aquelas que se afastam do padrão
estabelecido.

Niemeyer (2002, p. 22-23) lembra que

[...] será com o florescimento das ideias relacionadas com a construção de uma identidade nacional e de um projeto
de nação, concebido pelas elites republicanas, a partir da virada do século XX, que a questão da infância começará
a despertar a atenção da sociedade no Brasil. Relacionando as origens da infância desvalida com as novas condições
sociais que o capitalismo industrial gerava, os reformadores sociais passaram a identificar a rua como um lugar
perigoso para a infância e, consequentemente, o menor como um problema crucial para a construção de uma
sociedade que se pretendia moralizada e organizada [...] a questão da infância tomará vulto como parte de uma
proposta republicana de organização moral da sociedade. Torna-se então objeto de um elaborado processo de
engenharia social, visando a construção do homem brasileiro com isso a geração de cidadãos “úteis e produtivos”
ao país.

A criança se torna então, o centro das atenções de uma nova proposta educacional e política, mas não
com o objetivo de reconhecimento de sua condição de criança. Segundo Nascimento (2009, p. 63),
“[...] a meta principal era a criminalidade infantil representada pela figura do ‘menor’ e de formar o
futuro cidadão, mão de obra qualificada necessária ao progresso do país”.

E assim, a política de bem-estar do menor foi paulatinamente sendo colocada em questão, pois
apresentava, segundo Melo (2016, p. 60), “[...] dificuldades inerentes à interpretação do que seja o
interesse superior das crianças”. Para esse autor (2016, p.60),

[...] o pressuposto implícito ao modelo de bem-estar assenta-se na possibilidade e na necessidade de descobrir as


necessidades da criança. Se isto pode ser menos embaraçoso em termos fisiológicos, em termos psicológicos e
sociais enfrenta-se uma enorme divergência de visões e de concepções, com resultados consideravelmente
distintos, assentados sobre representações sociais acerca da infância, da adolescência e da família [...]

É neste contexto que se firma a luta pela superação desse modelo de bem-estar, juntamente a outros
movimentos sociais, pelo direito à autodeterminação de crianças e adolescentes e aos três valores e
direitos fundamentais que, segundo Melo (2016, p. 62),

[...] se tornariam os eixos de um novo e renovado direito da criança: os três “Ps” da promoção, da proteção e da
participação, deslocando o direito da criança, de uma visão fundada nas necessidades, para outra, baseada em
interesses e em direitos. [...] importava, portanto, a desvinculação do discurso das necessidades de crianças e de
adolescentes para compreendê-las com base em seus próprios interesses. Com isto, passa-se a reconhecer-lhes

14
graus de protagonismo (agency) e se culmina com um outro entendimento e possibilidade de reconhecimento de
sua subjetividade jurídica.

Bauman (1999, p. 102 apud De Morais, 2010, p. 03) descreve este tipo de instituição, ao reiterar as
falas de Jeremy Bentham e Michel Foucault, caracterizando-as como ‘fábricas de ordens’

[...] e como todas as fábricas eram locais de atividades deliberadamente estruturadas em busca de se obter
resultados previamente estabelecidos: nesse caso se tratava de restaurar a certeza, eliminar a causalidade, tornar
o comportamento dos próprios membros regulares e previsíveis, ou melhor, torná-los “certos”.
Figura 05 – O espaço institucional é planejado para facilitar o trabalho dos atendentes

Fonte: RIZZINI & RIZZINI, 2004, p. 43

Apesar do tempo transcorrido e das muitas mudanças, Rizzini (2009) analisa que ainda se percebem
no presente, ideias e práticas cuja herança vêm de muito longe e a falta de adequação jurídica a esse
contexto particular, para Bitencourt (2009) mostra as instituições governadas, a partir da perspectiva e
valoração adulta, segundo lógicas lineares, que não são a lógica infantil. Rizzini & Rizzini (2004, p.14)
refletem que houve avanços no que se refere às práticas de atendimento às crianças em situação de
pobreza, porém persistiram resquícios da intervenção assistencialista e autoritária no âmbito da
família.

Roure (1996, p.156) em “Vidas Silenciadas: a violência com crianças e adolescentes na sociedade
brasileira” pontua que os discursos analisados em seu livro

materializaram a existência do exercício da violência como elemento presente na sociedade brasileira, regulador
das normas sociais. [...] Funcionando de forma implícita como “juridismo de senso comum”, a moralidade rege o
cotidiano do brasileiro de forma a não permitir a este instituição do novo, o reconhecimento de um outro valor, de
uma outra moral. O transgressor das normas consideradas legítimas deve ser punido ou eliminado.

Rizzini & Pilotti (2011, p.15) com visão histórica bastante crítica com relação à situação da infância, em
“A infância sem disfarces, uma leitura histórica”, refletem que

15
Instituições foram erguidas para ampará-la; leis foram formuladas para protegê-la; diagnósticos alarmantes
demandaram novos métodos para a sua educação ou reeducação; experiências de atendimento foram
implementadas, visando debelar o abandono e a criminalidade. O problema, no entanto, persiste e hoje atinge
milhões de crianças. [...] na verdade, quase não se saiu do mesmo lugar de origem.

Gradualmente as normativas internacionais foram se inscrevendo no panorama legal, estabelecendo


as especificidades da condição peculiar das crianças e dos adolescentes (SANTOS et al, 2016, p. 43).
Nesse caminho, os desafios enfrentados para a consolidação dos seus direitos, nos âmbitos
internacional e nacional, passaram respectivamente pela Declaração dos Direitos da Criança de
Genebra (1924), Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959), Convenção Internacional sobre
os Direitos da Criança (1989), Constituição Federal Brasileira (1988), Estatuto da Criança e do
Adolescente (1990), Resolução 20 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (2005),
Resolução 33 do Conselho Nacional de Justiça (2010), Lei 13.431 - Estabelece o sistema de garantia de
direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13
de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

3.5 Nova República

No Brasil, o tema da infância e juventude vai ganhar significativa relevância na doutrina jurídica pátria
apenas por meio da Constituição Federal de 1988 e da instrumentalização do ECA - Estatuto da Criança
e do Adolescente - em 1990, que, a partir de então, “[...] em vez de serem vistos como objetos de
intervenção e/ou tutela estatal, passam a ser percebidos como sujeitos de direitos, em toda a dimensão
e com todas as consequências que esta posição jurídica, mas sobretudo ética, lhes confere”
(CARVALHO, 2009, p. XV). As crianças e os adolescentes adquirem, com esses instrumentos jurídicos,
status diferenciado na agenda de implementação de políticas públicas e, somado a isso, é alterada a
forma de intervenção sobre tais sujeitos de direitos, quando é superado o modelo assistencialista e
paternalista da legislação anterior (Código de Menores) e consolida-se uma nova doutrina: a da
proteção integral (GONÇALVES, 2016). Os fundamentos jurídicos da Constituição Federal (1988) e do
ECA (1990) se apoiam no princípio da dignidade humana, que perpassa por todo o ordenamento
jurídico. Além desse princípio, vários outros foram incorporados aos direitos das crianças e dos
adolescentes, entre eles, citam-se os seguintes:

- o princípio da prioridade absoluta determina que todos os serviços públicos devem ser organizados
de modo a assegurar que os serviços destinados à garantia dos direitos das crianças tenham
atendimento prioritário;

16
- o princípio do melhor interesse estabelece a primazia das necessidades infanto-juvenis, como
critério de interpretação da norma jurídica, ou, mesmo, como forma de elaboração de futuras
demandas;

- o princípio da cooperação prevê que compete a todos – Estado, família e sociedade – o dever de
proteção contra a violação dos direitos da criança e do adolescente. É dever de todos prevenir a ameaça
aos direitos das crianças e dos adolescentes.

Apesar de o Estatuto estar completando três décadas, o conjunto de direitos previstos para as crianças
e para os adolescentes continuam desconhecidos para a maioria da população brasileira, (VILAS-BOAS,
2012). Na realidade, conforme assevera Gonçalves (2016) a efetivação de tais direitos ainda carece de
um tipo de articulação mais ampla e complexa, relacionada às transformações política, cultural e
econômica das diferentes sociedades, especialmente, a brasileira.

Vale destacar, para este estudo, o conteúdo do artigo 17 do ECA, que estabelece que

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do
adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos
espaços e objetos pessoais.

O empenho da comunidade científica, política e social no estudo e implementação de uma política de


‘tolerância zero’ e de combate aos comportamentos de violência contra a criança favoreceu o aumento
exponencial das denúncias de casos dessas violências (ALVES, 2016). E, em decorrência desse fato e da
evolução dos direitos infanto-juvenis decorreu “[...] um maior envolvimento das crianças no processo
judicial, sendo que em muitos dos casos a prova deve-se ao testemunho da criança e jovem” (Alves,
2016, p. 208). Assim, mais crianças e adolescentes são chamados em juízo para que se possa ouvi-las.
E o testemunho de crianças e adolescentes, no âmbito do processo judicial, se reveste de grande
importância.

A Resolução do Conselho Econômico Social das Nações Unidas, 2005/20 (ECOSOC, 2005) é a primeira
normativa a especificar os parâmetros internacionais para a aplicação de metodologias alternativas
para o depoimento de crianças e adolescentes, por meio das diretrizes para a justiça em assuntos
relativos a crianças e adolescentes vítimas e/ou testemunhas de crimes. Além de apresentar as
definições para “processo legal e procedimentos adaptados à criança, especifica os direitos de ser
protegido de sofrimentos durante o processo judicial”, ademais de recomendar a aplicação de
procedimentos especiais para obter as evidências de crianças vítimas e/ou testemunhas de delitos, a
fim de se reduzir o número de entrevistas forenses e de declarações, bem como de todo contato que

17
não seja necessário para o processo judicial, por exemplo, utilizando gravações de vídeo (SANTOS et al,
2016, p. 2016) para que se possa ter acesso aos seus testemunhos.

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça sugere aos Tribunais do país, através da Recomendação nº 33
– CNJ, a criação de serviços especializados para escuta de crianças e adolescentes vítimas ou
testemunhas de violência nos processos judiciais através da implantação de sistema de depoimento
vídeo gravado para as crianças e os adolescentes. O CNJ preconiza, no citado documento, que o sistema
deverá ser realizado em ambiente separado da sala de audiências, com a participação de profissional
especializado para atuar na prática do Depoimento Especial.

No entanto, os documentos que procuraram dar direitos às crianças são limitados quanto às questões
do espaço e do ambiente e seus atributos qualitativos, ainda que reconhecidamente “[...] tão
importantes para a apropriação e identidade com o ambiente construído, especialmente em
instituições que substituem (provisoriamente ou não) a casa [...]” (SAVI & DISCHINGER, 2016, p. 58).

4 A PARTICIPAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO AMBIENTE DA JUSTIÇA

Após a breve esboço sobre a evolução dos direitos da criança e do adolescente e da história das
instituições destinadas ao público infanto-juvenil, conclui-se que a emancipação pela qual passou a
criança e o adolescente na sociedade confirmou a intenção de assegurar os direitos da criança e do
adolescente tanto no âmbito internacional como nacional. Foi considerável o avanço na área
legislativa.
As novas leis e a nova compreensão da criança “transformou a concepção quanto à palavra da criança
e ao seu desejo, valorizando-a para que tenha um papel ativo nos conflitos e nos espaços que lhe
exigem participação” (EHLERS,2014, p.11). O direito da criança de ser ouvida e expressar seus desejos
e opiniões, assim como permanecer em silêncio (art. 5º da lei 13.431/17) e de ter sua opinião
devidamente considerada (art. 28, § 1º, da lei 8.069/90 – ECA) está exposto e consolidado nas leis
vigentes.
No entanto, em termos de implementação na prática, ainda se esbarra em obstáculos. Um deles, e
objeto de pesquisa deste artigo é o espaço. A preocupação com o espaço apropriado para o
acolhimento da criança no ambiente da justiça foi contemplado pela lei 13.431, aprovada em
04/04/2017, para entrar em vigor um ano após a aprovação da mesma.

18
A lei normatiza o depoimento especial de crianças e adolescentes, estabelecendo, quanto às condições
físicas dos ambientes, que os testemunhos infanto-juvenis deverão ser realizados em local apropriado
e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico adequado que garantam a privacidade da criança e dos
adolescentes. Devendo-se ainda, segundo a lei vigente, resguardá-los de qualquer contato, ainda que
visual com o suposto autor ou acusado ou com pessoas que representem ameaça, coação ou
constrangimento.
A nova legislação representou um grande avanço no que diz respeito à visibilidade e garantia de
privilégios para as crianças e os adolescentes. Ao entrar em vigor, esta nova lei criou um novo sistema
de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
Esta lei representa a concretização em nível nacional das “Diretrizes para a justiça em assuntos
envolvendo crianças vítimas ou testemunhas de crimes” estabelecidas pelas Nações Unidas, através
da Resolução nº 20/2005 – ECOSOC (ONU, 2005). Com esta lei, adequa-se o ordenamento jurídico
brasileiro à proteção internacional conferida ao tema.
Groeninga (2017, p. 1) considera que é de grande relevância o conteúdo da lei aprovada por dois
motivos: “Um é o de ampliar o escopo da consideração da violência também às crianças e adolescentes
que a testemunham, e o outro é o de especificar os tipos de violência: a física, a psicológica, a sexual
e a institucional”. A autora analisa que a inclusão da violência institucional pode ser considerado o
aspecto mais inovador e louvável da lei.
A violência institucional é definida no art. 4º da referida lei como “a praticada por instituição pública
ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização” (BRASIL, 2017), é perpetrada por agentes que
deveriam proteger as vítimas de violência, garantindo-lhes uma atenção humanizada, preventiva e
reparadora de danos (MURY, 2014).
No entanto, a lei não esclarece como devem ser estes locais. Fala-se muito pouco sobre o espaço onde
a oitiva de crianças e adolescentes deve acontecer. A falta de estudos nesta área faz com que se leve
à produção de soluções improvisadas e, muitas vezes, restritas à realização de pequenas intervenções
ou adequações posteriores às construções das edificações.
Adotando uma posição de desconforto com a natureza perversa das instituições penais, regidas pela
busca da verdade material, Bitencourt (2009, p. 14) ressalta a situação de que é “inerente às práticas
punitivas do Estado, o processo de redução dos sujeitos envolvidos no conflito (vítimas ou acusados)
à condição de meros objetos de investigação, simples fontes de prova, pueris instrumentos de
conquista da verdade”. Esta realidade contribui para a geração de danos psicológicos ao público

19
infanto-juvenil, provocados pelos órgãos e agentes judiciários, o que pode caracterizar a violência
institucional no âmbito do Poder Judiciário, provocando-se a revitimização.
A revitimização pode ser definida como o sofrimento emocional e psicológico infligido à criança, pela
lembrança do trauma que sofreu, o que acontece quando ela é requisitada pelo sistema judiciário a
relatar as circunstâncias da violência sofrida ou testemunhada (CHILDHOOD BRASIL, 2016).
Buscando soluções para evitar a revitimização no contexto judiciário, Lopes e Virgens (2016, p. 185)
ponderam que se trata de um desafio pensar em estratégias para ‘reduzir’ o dano quanto à oitiva de
crianças vítimas especialmente quando se busca a verdade real. Para as autoras,
[...] a justificativa para o depoimento antes denominado ‘sem dano’, com ‘redução de dano’ e, agora, ‘especial’ não
tem o condão de alcançar o objetivo anunciado de reduzir o que já está feito. No máximo, consegue uma menor
invasão inquisitorial sem, contudo, diminuir o constrangimento e o resgate da memória do que a criança luta para
esquecer.

Para Melo (2016, p. 72)


[...] são exemplos de práticas vitimizantes as reiteradas intimações, as longas esperas nos corredores, a necessidade
de esperar no mesmo espaço que o ofensor, a submissão a excessivos exames e perícias, a demora na finalização
do processo, a falta de informação sobre o processo.

Branco (2017, p. 18), que faz importante estudo sobre as condições dos espaços judiciários em
Portugal, entende que se deve favorecer “a não sujeição da criança a espaço ou ambiente
intimidatório, hostil ou inadequado à sua idade, maturidade e características pessoais”. Mas a autora
revela quanto à lei portuguesa, que “o legislador é vago, e não indica como deve ser configurado um
tribunal cujo ambiente não intimida, que é amigo das crianças ou adequado à sua idade, maturidade
e características pessoais”
É inegável que, nestas situações, o espaço assume grande importância, visto que a arquitetura e o
design demonstram sempre uma escolha mais aprofundada do que a mera questão da funcionalidade
estética. Por essas razões, o Poder Judiciário deve buscar oferecer maior bem-estar às crianças e aos
adolescentes vítimas ou testemunhas contribuindo para a minimização das consequências dramáticas
advindas da presença do público infanto-juvenil nestes ambientes.
Após um ano em vigor, o que se percebe é que poucas foram as mudanças no sentido de adaptar os
espaços para crianças e adolescentes no âmbito do Poder Judiciário. Colaço (2018, p. 4) analisa que
“[...] observa-se ter imperado uma anêmica ou quase inexistente preocupação com o tema”.
Torna-se importante destacar, nesse contexto, a pesquisa acadêmica encomendada pelo Conselho
Nacional de Justiça e desenvolvida recentemente pela Universidade de Fortaleza intitulada “A Oitiva
de Crianças no Poder Judiciário Brasileiro: estudo com foco na implementação da Recomendação n.
33/2010 do CNJ e da Lei n. 13.431/2017 (CNJ, 2019). A citada pesquisa aponta, entre os problemas

20
detectados (idem, ibidem, p. 142), diversos impasses para a implementação do Depoimento Especial
pelo Poder Judiciário Brasileiro
Diante dos pontos necessários à devida implementação do Depoimento Especial pelo Poder Judiciário brasileiro,
ao longo do processo da pesquisa, foi verificada a possibilidade de apresentação dos seguintes problemas. O elenco
de situações é exemplificativo, porém, deve-se considerar que precisam ser constatados e sanados pelos
responsáveis da administração judiciária: (1) Falta de pessoal; (2) Ausência de capacitação; (3) Deficiência
estrutural; (4) Gestão precarizada por falta de atenção; (5) Ausência de escolha e uniformidade de Protocolo; (6)
Questão relativa à destinação orçamentária para estruturação da política judiciária de implementação do
Depoimento Especial. (1) Falta de pessoal; (2) Ausência de capacitação, (3) Deficiência Estrutural, (4) Gestão
precarizada por falta de atenção, (5) ausência de escolha e uniformização de Protocolo, (6) Questão relativa à
destinação orçamentária para estruturação da política judiciária de implementação do Depoimento Especial.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Ao observar o quadro do institucional e as políticas de atenção à criança e ao adolescente no contexto
brasileiro é possível identificar que a legislação e as práticas se empenharam desde o período Colonial,
no atendimento a essa população no sentido de suprir as suas necessidades emergenciais, sendo que
pouca relevância foi dada aos seus desejos. Não se pode negar que apesar do tempo transcorrido e
das muitas mudanças realizadas, ainda se constata no presente ideias e práticas, com relação às
crianças e aos adolescentes, cuja herança vem de muito longe (RIZZINI & PILOTTI, 2009).
Nascimento (2009, p. 13) avalia que “[...] a inteligência espacial da infância foi, ao longo do tempo,
subestimada ou ignorada no ‘mundo dos arquitetos’, mas também entre os adultos de uma forma
geral”. Ao longo de décadas de execução de projetos de espaços para crianças, pode-se dizer que
pouca atenção se deu aos valores emocional e simbólico-cultural desses ambientes.
O valor emocional, de caráter subjetivo, segundo Krucken (2009, p.27), “[...] incorpora motivações
afetivas ligadas às percepções sensoriais que compreendem componentes táteis, visíveis, olfativos e
gustativos” de produtos ou de espaços. Esse valor engloba, ainda, “a dimensão ‘memorial’, relativa a
lembranças positivas e negativas de acontecimentos passados” (idem, ibidem). E o valor simbólico-
cultural, também de caráter subjetivo, relaciona-se com as tradições, os rituais, os mitos e significados
de determinado grupo de pessoas. Relaciona-se também com a origem histórica, do sentido de
pertença que evoca. Está associado ao desejo de manifestar a identidade social, pertença em grupo
étnico, posicionamento político, entre outras intenções. É fortemente influenciado pelo contexto
sociocultural (época, local) e pelos fenômenos contemporâneos, dimensão relacionada ao ‘espírito do
tempo’ e à condição de interpretação do produto ou espaço sob o prisma estético (KRUCKEN, 2009, p.
28).
Assim sendo, contempla-se como primordial que as instalações físicas das edificações institucionais
para crianças e adolescentes, nelas incluídas os ambientes judiciais, sejam compatíveis com as

21
complexas relações e procedimentos ali desenvolvidos, de forma que os espaços acolham as crianças
e os adolescentes, demonstrando o cuidado do Estado com a pessoa humana.
Sabe-se, através de estudos da relação homem-ambiente, que a conduta e as respostas sensoriais dos
ocupantes dos espaços, podem ser influenciadas por certas características dos espaços, pois “a
existência de consequências neuropsicológicas e neuro endocrinológicas geradas pela percepção e
pelos estímulos ambientais é um fato comprovado” (DEL RIO; DUARTE; RHEINGANTZ, 2002, p. 11).
Sabe-se também, através dos ensinamentos de Okamoto (2014, p. 68) que “a realidade não é
percebida tão somente pela objetividade das características exteriores, mas também pela
subjetividade [...] só temos a ideia da realidade se a influência dos sentimentos e das emoções formar
o princípio das ações humanas”.
As emoções, de acordo com Ornstein (1995, p. 133) “governam as nossas escolhas, determinam nossos
objetivos e guiam nossas vidas”. Fischer (1994) concorda, ao dizer que os estudos do ambiente
humano e social devem, pois, ter em conta esses fatores psicossociais, principalmente, quando se trata
de avaliar a qualidade de um ordenamento espacial, porque ele não pode ser reduzido às suas
características materiais, sobretudo porque não se pode compreender um espaço, sem conhecer a
cultura que o impregna. Silva e Santos (2012) consideram que os elementos subjetivos atuam junto
com os elementos objetivos, possuindo estreita relação de condicionamento e complementação uns
com os outros e ambos devem ser considerados para a análise dos espaços.
Ceppi e Zini (2013, p. 20) com base na experiência de Reggio Emilia1 ensinam que “é possível projetar
espaços de uma maneira diferente da tradicional: espaços que são mais agradáveis e flexíveis, menos
rígidos, mais acessíveis para infinitas experiências”, para isso, ao desenvolver um projeto, seja ele de
arquitetura, de design ou de administração do espaço é preciso “realizar uma pesquisa, não sobre as
formas, mas sobre as relações. O foco principal está nas diferentes formas de utilização do espaço e
nas conexões entre as coisas” (idem, ibidem, p.20).
O espaço é portador de um conteúdo educacional, ou seja, como portador de mensagens educacionais
e deve ser uma preocupação e uma responsabilidade comunitária (GANDINI, 2016). Deve-se
considerar que cada criança “[...] é uma unidade orgânica que necessita de espaço pessoal para agir e

1
O Instituto Reggio Children, em conjunto com a Domus Academy, deram início a uma pesquisa nas creches e pré-escolas
municipais de Reggio Emília, na Itálica, sobre como projetar espaços para crianças pequenas (CEPPI & ZINI, 2013, p. 13) e
são reconhecidas mundialmente como uma experiência de interesse cultural singular e constituem um modelo de “espaço
relacional” dedicado a crianças pequenas

22
se movimentar a seu próprio modo e temos que refletir isso” (MALAGUZZI, 1992, apud GANDINI, 2016,
p. 318).
Segundo Malaguzzi (1971, apud RINALDI, 2017, p. 146) a criança tem direito a um meio ambiente de
qualidade e também “[...] à beleza, o direito de contribuir para a construção desse meio ambiente e
dessa ideia de beleza”. Mas isso só será possível através de uma pesquisa baseada na observação
atenta e acurada do uso que crianças e adultos fazem dos espaços e da mobília e, por outro lado,
cuidadosa em relação a tudo que for trazido à luz dos estudos referentes à forma pela qual os espaços
e a arquitetura em geral são percebidos pelas crianças e pelos adolescentes.
Rinaldi (2017, p. 149) afirma que “[...] todos os espaços em que vivem crianças e adultos estão pedido
grandes mudanças”. No entanto a autora (idem, ibidem, p. 149) avalia que
[...] é impossível utilizar os velhos parâmetros e valores pedagógicos, arquitetônicos, éticos, sociais e educacionais,
e na qual, assim, torna-se essencial aventurar-se no novo e fazer planos para futuros reais. Embora seja, com
certeza, um momento de potencial desorientação e confusão, de incertezas muito difusas e de contradições, é
também um momento emocionante, rico de possibilidades. Muitas coisas “novas” podem ser criadas quando
abandonamos a presunção de que possuímos verdades indubitáveis ou, por outro lado, de que estamos no auge
de uma crise e, portanto, sem identidade ou valores com os quais possamos confrontar as muitas mutações
genéticas2 que estão sendo produzidas e que nos produzem. Nesse contexto, no veremos não como “mães” ou
“pais” do novo, mas como filhos em nosso próprio direito gerados pelo novo, desde que sejamos capazes de buscar
aquilo que une, e nos une, mais do que aquilo que nos separe”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados da pesquisa desenvolvida apontam que, do ponto de vista histórico, a concepção de


infância e adolescência que se tem hoje é decorrente de constantes transformações sócio culturais
sofridas ao longo dos anos no contexto nacional e internacional. Houve, com certeza, um avanço
significativo em termos de conquista de direitos e visibilidade da criança e do adolescente na sociedade
e no espaço construído. Foi um longo processo de transformação cultural, histórica e política. No
entanto, pode-se afirmar que diferentes concepções de infância e adolescência foram produzidas ao
longo da história infanto-juvenil no Brasil.
Por isso, mesmo diante de mudanças de concepção e visão acerca das crianças e adolescentes, é
preciso repensar o tratamento dado pelo Estado aos que necessitaram da sua intervenção no decorrer
da história. A revisão das várias fórmulas empregadas e das políticas sociais implantadas mostra que
em várias circunstâncias crianças e adolescentes abandonados, pobres ou considerados delinquentes
e perigosos foram alvo de desamparo, violência, falta de atenção, descaso e enfrentaram diversos

23
desafios para a sua sobrevivência e desenvolvimento. Por algum tempo até mesmo a falta de recursos
foi confundida com a delinquência.

Na prática ainda existe muito a ser conquistado em favor de crianças e adolescentes, principalmente
em termos de espaço projetado para esta faixa etária. Pode-se dizer que depende, além do
reconhecimento dos direitos da criança e do adolescentes previstos em lei, do reconhecimento por
parte de autoridades da necessidade de se destinar recursos e atenção à infância e adolescência,
principalmente aquela desprovida de recursos, informação e educação.
A questão da criança e do adolescente no ambiente da Justiça, abordada neste artigo, é uma das áreas
que carece ainda de atenção e recursos por parte das autoridades tanto em termos estruturais, para
adequação de espaços, quanto em termos para capacitação de profissionais, para abordagem
especializada ao público infanto-juvenil que necessita ser ouvido nos ambientes judiciais.
Depende também de arquitetos, designers e urbanistas que projetem e organizem ambientes que
levem em consideração os direitos infanto-juvenis já estabelecidos no papel, dando-lhes maior
visibilidade e devida importância aos seus sentimentos, desejos e percepções relacionados aos
espaços de forma que os ambientes se tornem mais inclusivos e agradáveis a este público.
A realidade pede um novo olhar sobre o projeto de ambientes para crianças e adolescentes no sistema
de justiça, livre de antigos padrões e da histórica desvalorização do público infanto juvenil, e
consequentemente, que o espaço seja capaz de expressar essa mudança. Os espaços para esta faixa
etária devem prever o potencial, aptidões e curiosidade do público infanto-juvenil, que reforcem suas
identidades, autonomia e segurança; que seja possível, nesses ambientes, saber que suas identidades
e sua privacidade serão respeitadas e principalmente que se ouçam as crianças e adolescentes para o
desenvolvimento dos projetos.
Mais do que uma questão de infraestrutura, a qualidade dos espaços de brincar, da educação infanto-
juvenil, da cultura, está relacionada com a interpretação que o Governo (seja municipal, estadual ou
federal) e a sociedade atribui às atividades indispensáveis para a formação humana. A educação não
se restringe a estímulos cognitivos. Nessa perspectiva, a aprendizagem não cabe somente dentro de
salas de aulas de creches, pré-escolas e escolas, mas se estende por toda a cidade e seus espaços. Toda
a cidade é um grande laboratório para a formação de crianças e adolescentes.

24
5 AGRADECIMENTOS
Especial agradecimento à minha orientadora, Dra. Rosane Costa Badan, pelas inestimáveis
contribuições à dissertação de mestrado intitulada “Nem Palácio nem ninho, um lugar para a Criança
e o Adolescente no Sistema de Justiça”, de onde foi feito o recorte para a escrita deste artigo.

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28
29
Sistematização de diretrizes projetuais para uma Unidade de
Acolhimento atrelados aos Princípios da Humanização

Systematization of design guidelines for a Host Unit linked to the Principles of


Humanization

Sistematización de pautas del proyecto para una Unidad de Acogimiento


vinculados a los Principios de Humanización

HAMES, Caroline
Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade do Estado de Santa Catarina,
carolinehamess@gmail.com

RESUMO
O presente artigo traz os já existentes parâmetros de recursos das Unidades de Acolhimento para pessoas em
situação de rua a fim de colocá-los em discussão para sistematização de critérios de avaliação que, aliados aos
estudos de casos, possam gerar diretrizes projetuais a serem correlacionadas aos princípios da humanização no
campo da arquitetura. Dessa forma, conheceu-se o funcionamento de uma Unidade de Acolhimento, adentrou-
se na realidade dos moradores de rua, nas suas carências e estudou-se o papel da humanização e da psicologia
ambiental nos espaços de saúde para criar um suporte ao lançamento das diretrizes. Os resultados apresentados
são oriundos da pesquisa desenvolvida para o trabalho de conclusão de curso.
PALAVRAS-CHAVES: Humanização, psicologia, arquitetura, acolhimento.

ABSTRACT
The present article brings the already existing parameters of resources of the Reception Units to street people in
order to put them in discussion for systematization of evaluation criteria that, together with the case studies, can
generate design guidelines to be correlated to the principles of humanization in the field of architecture. In this
way, the operation of a Reception Unit was known, it was introduced into the reality of the homeless people, in
their needs and the role of humanization and environmental psychology in the health spaces was studied to create
a support for the launching of the guidelines. The results presented are from the research developed for the course
completion work.
KEY WORDS: Humanization, psychology, architecture, reception.

RESUMEN
El presente artículo trae los ya existentes parámetros de recursos de las Unidades de acogida para personas en
situación de calle a fin de colocarlos en discusión para sistematización de criterios de evaluación que, aliados a
los estudios de casos, puedan generar directrices proyectivas a ser correlacionadas a los mismos principios de la
humanización en el campo de la arquitectura. De esta forma, se conoció el funcionamiento de una Unidad de
acogida, se adentró en la realidad de los habitantes de la calle, en sus carencias y se estudió el papel de la
humanización y de la psicología ambiental en los espacios de salud para crear un soporte al lanzamiento
directrices. Los resultados presentados son oriundos de la investigación desarrollada para el trabajo de conclusión
de curso.
PALABRASCLAVE: Humanización, psicología, arquitectura, acogida.

1
1 INTRODUÇÃO

Invisível e estigmatizado, o sujeito do habitar a rua requer ações efetivas que o direcione para a saída
da rua, reinsiram-no na sociedade como cidadão garantido de direitos e promovam soluções para a
problemática de sua permanência nas Unidades de Acolhimento. Problemática já citada pelo
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) em 2009 na Pesquisa Nacional sobre a População em
situação de Rua, onde 69,4% preferem permanecer nas ruas a usar uma instituição assistencial.

Sendo assim, nasce a temática de usar os princípios da humanização e da psicologia ambiental como
ferramentas para elaboração de diretrizes que possam promover um espaço físico de qualidade para
a efetivação das ações e dos serviços ofertados pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

Nesse viés, cabe ressaltar a afirmação de Loschiavo (2005) acerca da escassez de pesquisas acadêmicas
direcionadas ao estudo da arquitetura como ferramenta projetual para a concepção de espaços às
populações de rua.

Para tal, buscou-se a revisão bibliográfica das normativas da Unidade de Acolhimento pelo Ministério
da Saúde, da correlação dos conceitos de arquitetura com a humanização, pela perspectiva de Ciaco
(2010) e de Kowaltowski (1989), com a Psicologia Ambiental, por Aragonés e Amérigo (1998) e com o
Desenho Universal por Cambiaghi (2007) a fim de construir um embasamento teórico e compreender
as necessidades desse público.

Dessa forma, a aplicação dos critérios de avaliação gerados a partir da fundamentação teórica e o
tratamento dos dados coletados no estudo de caso, caminham a pesquisa para a elaboração de
diretrizes que visem atender as exigências das políticas públicas voltadas às pessoas em situação de
rua.

2
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Unidade de Acolhimento

A complexidade de propor uma Unidade de Acolhimento que consiga alcançar êxito em todas as suas
esferas de exigências está relacionada com as múltiplas facetas do habitante de rua e como atender
as necessidades inerentes a cada um. A Política Nacional para População de Rua (PNAS) adota o
seguinte conceito para a definição dessa população:

Grupo populacional heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos


familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e
que utiliza logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento,
de forma temporária ou permanente, bem como as Unidade de Acolhimento para pernoite
temporário ou como moradia provisória. (Decreto nº 7053/2009, art. 1º, Parágrafo Único).

E, ainda, estabelece os princípios para implementação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
que reorganiza os serviços de proteção social aos cidadãos, como: garantia da cidadania e dos direitos
humanos; geração de renda; saúde; moradia; cultura; acolhimento; projetos de capacitação e
alfabetização.

Como materialização do espaço físico para a promoção desses serviços, a Unidade de Acolhimento foi
instituída pela portaria GM/MS n.121 de 25 de janeiro de 2012 e se enquadra na classificação de
Proteção Social Especial de Alta Complexidade.

Para assegurar o exposto, o Ministério do Desenvolvimento Social e o Ministério da Saúde criam uma
cartilha com orientações para a estruturação efetiva desse serviço, indicando os ambientes mínimos
(tabela 1) e as ações (quadro 1) que estes devem atender.

Tabela 1 – Ambientes mínimos segundo o Ministério da Saúde


Quant. Área Unit. Mín.
Ambiente Área total (m²)
Mín. (aprox.) obrigatória (m²)
1. Sala de acolhimento 1 36 36
2. Quarto coletivo 4 18 72
3. Banheiros com chuveiros 2 4,8 9,6
4. Sala Administrativa (Escritório) 1 9 9
5. Sala de TV 1 30 30
6. Almoxarifado 1 3 3
7. Refeitório 1 18 18
8. Cozinha 1 16 16
9. Banheiro para funcionários 2 12 24
10. Lavanderia 1 7 7
11. Abrigo externo para resíduos sólidos 1 4 4
Área total 228,6
Área total + Área de circulação (20% [área total]) 274,32
12. Área externa de convivência 1 24 24

3
13. Área externa para embarque e
1 21 21
desembarque de ambulância
Área total (interna + externa) 319,32
Fonte: BRASIL, 2013. Adaptada pela autora, 2018.

Quadro 1 – Ações e Recursos necessários nas Unidades de Acolhimento


Ações Recursos Físicos Recursos Humanos Recursos Materiais
Acolhimento Banheiro Assistente social Armário Individual
Articulação da rede de Equipamentos de
Copa/cozinha Auxiliar administrativo
serviços informática com internet
Atendimento da rede de
Lavanderia Auxiliar educativo Guarda prontuários físicos
serviços assistenciais
Jogos; atividade
Coordenador em serviço social ou
Cadastro dos usuários Recepção recreativas; ocupacionais;
psicologia
terapêuticas
Convívio familiar, grupal e Lavagem e secagem de
Refeitório Cozinheiro
social roupas
Entrevista
Sala administrativa Motorista Material multimídia
individual/família
Oficinas e atividades Sala de atendimento Profissionais especializados em
Refeições diárias
coletivas individualizado abordagem social
Orientação e atendimento Sofás, cadeiras e bancos
Sala de coordenação Psicólogo
em grupo para atendimento
Orientação Jurídico-social Sala de Reunião Segurança
Serviços gerais
Técnico com formação em Direito, Veículo para utilização da
Sala de atividades
Programa de capacitação pedagogia, sociologia, equipe
coletivas
antropologia ou Terapia
Ocupacional
Fonte: BRASIL, 2011. Adaptada pela autora, 2018.

Ao comparar a tabela 1 do Ministério da Saúde com as exigências do Ministérios do Desenvolvimento


Social (Quadro 1), percebe-se que há carência de espaços físicos para a realização das ações. Como
contribuição compatibilizou-se a tabela e o quadro a fim de sistematizar uma que possibilite a
efetivação dos objetivos (ver Tabela 2). Os ambientes mínimos foram estabelecidos conforme as
orientações técnicas do Ministério da Saúde e o pré-dimensionamento baseado em Littlefield (2004).

Tabela 2 – Compatibilização das Tabelas 1 e Quadro 1


Setores Ambientes Área Mín.
Abrigo para resíduos sólidos 4m²
Almoxarifado 3m²
Banheiro funcionários 12m²
Copa funcionários 16m²
Embarque e desembarque de ambulância 21m²
Serviço
Estacionamento *dimensão para 1 vaga 13m²
Guarita 10,56m²
Garagem 14,5m²
Recepção 18m²
Vestuário 16,30m²
Quadra poliesportiva 432m²
Social Área externa de convivência 24m²
Sala de Jogos 40m²

4
Sala de TV 15m²
Ateliê 50m²
Biblioteca 303,6m²
Ensino Sala de atividades coletivas 56m²
Sala de aula 56m²
Sala de Inclusão Digital 28,4m²
Banheiros individuais 4,8m²
Quarto individual 13m²
Quarto coletivo (máx. 4 pessoas) 18m²
Refeitório + cozinha 120m²
Acolhimento
Sala de acolhimento 12,95m²
Sala de atendimento 12,95m²
Sala de atendimento médico 16m²
Lavanderia 7m²
Sala da coordenação 9m²
Sala de reunião 17,82m²
Administrativo
Sala da administração 9m²
Sala de arquivo 9m²
Fonte: Elaborado pela autora, 2018. Com base nas orientações do Ministério da Saúde e Ministério do Desenvolvimento
Social.

Todos os itens acima serão adotados como critérios de qualidade para avaliação nos estudos de caso.

Ainda com base nas orientações do Ministério do Desenvolvimento Social, o local onde está ou será
inserida a Unidade de Acolhimento deverá ser analisado através da aplicação dos critérios expostos no
quadro 3, a fim de gerar um Diagnóstico Socioterritorial que reunirá informações sobre a área e
qualificará sua viabilidade.

Quadro 3: Critérios para o Diagnóstico Socioterritorial


Critérios Avaliação
►Observar o fluxo de pessoas de rua ao entorno; Alta
Incidência de
►Em conversa com a comunidade e com os centros de assistência Média
pessoas em
social, saber se há um elevado fluxo e concentração de moradores de Baixa
situação de rua
rua na cidade.
Rede de ► Observar se há existência e articulação entre os serviços de Possibilita/Possibilita
articulação de assistência social; parcialmente/Não
serviços ►Mapear serviços assistenciais (CRAS, CREAS, CENTRO POP, CAPS, possibilita
próximos UBS e abordagem).
►visibilidade/Identificação; Alta/Média/Baixa
Local de fácil
►perto dos pontos de chegada dos moradores de rua; Próximo/Não próximo
acesso
►se há transporte público nas proximidades. Sim/Não
Fonte: BRASIL, 2011. Adaptado pela autora, 2018.

Humanização e Psicologia Ambiental

Ao pensar a arquitetura nos espaços assistenciais de saúde deve-se ter a consciência de que “é uma
arquitetura feita para o ser humano em sua condição de maior sensibilidade”. (CIACO, 2010, p. 27).
Dessa forma, estudar a Unidade de Acolhimento como um espaço de saúde que as pessoas em situação
de rua buscam para melhoria de suas vidas, tende a correlação dos princípios da Humanização

5
(domesticidade, privacidade, conforto ambiental e visual) e dos conceitos da Psicologia Ambiental,
como a preocupação com a percepção e sentimento do usuário no ambiente, conforme norteiam Ciaco
(2010) e Kowaltowski (1989). Nesse sentido, o Ministério da Saúde já orienta no Manual sobre o
cuidado à saúde junto à população em situação de rua: “a produção de uma rede de cuidado traz
consigo a proposta da humanização das ações e serviços de saúde” (BRASIL, 2012, p. 40).

No enfoque da Humanização, Kowaltowski (1989) afirma que ela atua como ferramenta para
concepção de espaços saudáveis voltados para o ser humano, onde a preocupação com criação de
laços com o ambiente e a sensação de conforto seja estimulada nos usuários.

Assim, a psicologia ambiental, segundo Aragonés e Amérigo (1998), traz a importância das trocas de
experiências na relação pessoa-ambiente e analisa como essa interação atua no funcionamento
psicológico do usuário frente a um determinado espaço.

Logo, Ciaco (2010) orienta que as ações dentro de um espaço de saúde devem ser aliadas aos fatores
como: implantação adequada; iluminação; ventilação; mobiliário; flexibilidade dos ambientes;
utilização de cores; som e água, e racionalização interior x exterior, como podem ser vistos no Quadro
4.

Quadro 4 – Aspectos Humanizadores


Fator analisado Avaliação
Valorização do usuário Conforto ambiental; organização; silêncio; acolhimento.
Orientações do Ministério da Saúde e do Ministério do Desenvolvimento Social;
Sob a ótica da legislação Política Nacional para População em Situação de Rua; Tipificação Nacional dos
Serviços Assistenciais.
Valorização dos profissionais da Ambiente privativo para os funcionários; qualidade; conforto ambiental.
saúde
Adequação ao local Insolação; Acessibilidade; Infraestrutura; Estudo do entorno; conforto ambiental.
Estudo do projeto deve ser Flexibilidade; previsão de expansão; percursos; fluxos segregados.
funcional e técnico
Racionalização: circulações e usos Agrupamento dos usos; circulação restrita e segregada.
Flexibilidade dos ambientes Adaptações; ampliação; planta livre; divisórias móveis.
Conforto Térmico; ventilação natural; conforto visual; iluminação natural; uso das
Conforto Ambiental
cores.
Presença do verde Presença de jardins externos/internos; cuidados paisagísticos.
Relação interior x exterior Aberturas: comunicação com a área externa.
Fonte: CIACO, 2010. Adaptada pela autora, 2018.

Concomitantemente aos requisitos básicos de Ciaco (2010), Kowaltowski (1989) revela como os
princípios arquitetônicos podem influenciar nas sensações dos usuários quando inseridos dentro de
um espaço mais humano (ver quadro 5).

6
Quadro 5 – Princípios Arquitetônicos na Humanização
Princípios Arquitetônicos Sensações
Estética Fornece estímulo/conforto visual.
Satisfação visual;
Natureza
Sentimento de ambiente saudável.
Proporciona a orientação espacial;
Maximização do funcionamento de grupos;
Porte reduzido das construções
Sentimento de territorialidade;
Locomoção horizontal.
Tradição, privacidade e família;
Domesticidade Ambiente de moradia tradicional;
Sentimentos territoriais.
Fonte: KOWALTOWSKI, 1989. Adaptada pela autora, 2018.

A domesticidade, como um dos princípios tratados por Kowaltowski (1989), resgata os sentimentos de
territorialidade, privacidade e tradição familiar também mencionados por Aragonés e Amérigo (1998)
no campo da psicologia ambiental.

Reitera-se “Os ingredientes de territorialidade, segurança e espaço pessoal, implicados pelos


princípios da domesticidade, têm conotações psicológicas pertencentes ao sentimento de posse,
simbolizados pela casa.” (KOWALTOWSKI, 1989, P. 131). Nessa concepção, a aplicação desse princípio
torna-se imprescindível para estimular a apropriação do espaço pelo usuário e assim causar a sensação
de pertencimento ao lugar.

Outro ponto comum estudado pela humanização e pela psicologia ambiental, citados por Kowaltowski
(1989) e por Aragonés e Amérigo (1998), é a importância do porte reduzido das edificações para
valorização da locomoção horizontal, da comunicação social e da orientação espacial e como isso está
diretamente relacionado à satisfação e bem-estar do usuário frente ao ambiente exposto.

Nesse sentido, Aragonés e Amérigo (1998) no âmbito da psicologia ambiental, colocam a pessoa como
foco central e estudam em seu contexto habitual a relação social-ambiental sobre seu psicológico e
junto aos princípios da humanização elencam os instrumentos essenciais para a produção de espaços
vividos pelo homem a fim de lhe garantir conforto e experiências efetivas sem esforços e sem estresse.

Portanto, torna-se necessário triangular a humanização, a psicologia ambiental e os espaços


assistenciais no processo de concepção de uma Unidade de Acolhimento para reestabelecer a saúde
mental, resgatar a qualidade de vida e reconstruir os vínculos rompidos para reinserir o morador de
rua na sociedade.

7
Desenho Universal

O conceito de Desenho Universal por Cambiaghi (2007) busca a consolidação dos Direitos Humanos
através da criação de ambientes que possam ser usados pelo máximo número de pessoas de forma
autônoma, segura, sem esforços desnecessários e com sentimento de bem-estar. Assim, não se trata
apenas de normas técnicas, e sim questões interdisciplinares entre humanização, psicologia e conforto
ambiental.

Por conseguinte, a preocupação com a relação pessoa-ambiente no cenário do Desenho Universal é


considerada, por Cambiaghi (2007) parte integrante do processo de criação de espaços acessíveis e
autônomos, funcionais e de qualidade.

Dessa forma, a aplicação do Desenho Universal por um olhar humanizado faz-se necessária no âmbito
da Unidade de Acolhimento, sendo, segundo Cambiaghi (2007), inerente ao projeto arquitetônico
ponderar sobre a heterogeneidade das deficiências e necessidades humanas.

3 METODOLOGIA

Procedimento metodológico para o estudo de caso

A seleção de três procedimentos metodológicos (entrevista, walkthrough e mapa comportamental)


para a análise do estudo de caso possibilita a triangulação dos métodos, o conhecimento dos aspectos
positivos e das problemáticas existentes nas instituições, as necessidades para o funcionamento das
ações e a geração das diretrizes projetuais a partir dos dados coletados.

Estudo de caso

Tomando-se por base a exigência da articulação entre os serviços sociais, pela Tipificação Nacional dos
Serviços Socioassistenciais, optou-se como objeto de estudo duas instituições do município de
Tubarão/SC. Sendo, o Centro POP, por ser um serviço especializado às pessoas em situação de rua e o
Albergue Noturno Pousada da Paz, por ser referência de Unidade de Acolhimento no Estado de Santa
Catarina.

Resultados e Discussões

Ao realizar a síntese comparativa entre as instituições e o entrelaçamento dos dados coletados durante
o estudo de caso, percebeu-se que ambas mostraram precariedade nos espaços ofertados às pessoas

8
em situação de rua quanto a presença, quantidade e qualidade. E ainda, apresentaram as dimensões
dos ambientes fora das normas do Ministério de Saúde. A assistente social do Centro POP reforça essa
situação com a sua fala, durante a entrevista, de que “Santa Catarina ainda tá muito mal preparada
para atender a população de rua”.

No que concerne à circulação, há conflitos de usos, onde um único espaço é usado para diversas
funções. O uso do verde mostrou-se ausente, bem como áreas de convivência externa, o que
impossibilita qualquer interação com o entorno. Os itens analisados dentro dos parâmetros do
Desenho Universal mostraram-se ausentes em sua maior parte, e quando presentes atendem de
maneira ineficaz.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por conseguinte, a triangulação dos dados coletados durante a metodologia possibilitou o


mapeamento das atividades, do comportamento dos usuários, fez-se compreender o funcionamento
de uma Unidade de Acolhimento na prática e dessa forma, conhecer as carências de ações e espaços.

Com base no exposto e nas deficiências encontradas, viu-se a necessidade de propor diretrizes
projetuais (ver Quadro 9) para uma Unidade de Acolhimento que atenda aos requisitos mínimos de
forma funcional e com qualidade.

Quadro 9 – Diretrizes Projetuais


Diretrizes Projetuais
Inserção em Zona Residencial;
Diagnóstico
Proximidade aos pontos de maior fluxo de moradores de rua;
Socioterritorial
Promoção das articulações dos serviços assistenciais;
Iluminação e ventilação natural → aberturas (conforto ambiental - condicionamento
Parâmetros
passivo);
Construtivos
Planta livres → flexibilidade;
Atender aos ambientes mínimos exigidos pelo Ministério da saúde e pelo Ministério do
Ambientes
Desenvolvimento Social.
Plantas livres → flexibilidade, adaptação de uso e alteração de layout;
Agrupamento de usos → fluxos segregados, racionalização de circulações;
Aberturas → iluminação e ventilação natural, relação interior x exterior;
Humanização
Valorização dos funcionários → ambiente privativo;
Paisagismo → conforto visual, espaços de convivência para auxiliar na saúde mental;
Privacidade → sentimentos de territorialidade e apropriação do espaço.
Uso autônomo;
Desenho Agrupamento de usos → evita grandes descolamentos;
Universal Ambientes acessíveis → NBR 9050;
Baixo esforço físico/fácil acesso → evitar desníveis.
Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

9
Dessa forma, todo o estudo aqui apresentado caminhou para formar uma base de diretrizes para o
lançamento de um programa de necessidades que cumpra com os requisitos quanto as normas do
Ministério da Saúde e do Ministério do Desenvolvimento Social e atrelado aos princípios da
humanização promova um ambiente mais saudável e humano dentro de centros assistenciais.

5 REFERÊNCIAS

ARAGONÉS, Juan Ignacio; AMÉRIGO, María. Psicología Ambiental. Madrid: Pirámide, 1998. 483 p.
______. Ministério do Desenvolvimento Social. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado para
População em Situação de Rua - Centro Pop. Brasília: Brasil Ltda, 2011. 3 v. Disponível em:
<http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientacoes_centro_pop.pdf>.
Acesso em: 12 fev. 2018.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual sobre o cuidado à saúde junto à
população em situação de rua. Brasília: Ms - Os, 2012. 100 p. (A). Disponível em:
<http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/manual_cuidado_populal cao_rua.pdf>. Acesso em: 09
maio 2018.
CAMBIAGHI, Silvana. Desenho Universal: Métodos e técnicas para Arquitetos e Urbanistas. São Paulo: Senac,
2007. 269 p. Ilustrações André Youssef.
CIACO, Ricardo José Alexandre Simon. A Arquitetura no Processo de Humanização dos Ambientes
Hospitalares. 2010. 150 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Escola de Engenharia de
São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010. Disponível em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/18/18141/tde-05012011- 155939/en.php>. Acesso em: 15 mar.
2018.
LOSCHIAVO, Maria Cecilia. Arquitetura, os moradores de rua e a transfiguração de nossa sociedade. 2005.
Disponível em: <https://www.ufrgs.br/propar/publicacoes/ARQtextos/PDFs_revista_7/7_Maria Cecilia
Loschiavo.pdf>. Acesso em: 9 jan. 2018.
KOWALTOWSKI, Doris Catharine Cornelie Knatz. Arquitetura e Humanização: Projeto. Projeto, v.126, n.
outubro, p. 129-132, 1989. Disponível em: <http://www.dkowaltowski.net/675.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2018.
LITTLEFIELD, David. Manual do Arquiteto: Planejamento, Dimensionamento e Projeto. 3. ed. Porto Alegre:
Bookman, 2011. 767 p. Tradução de: Alexandre Salvaterra.

10
A construção de um novo lugar social para a loucura: reflexões sobre
reuso de uma instituição psiquiátrica em Natal/RN

The construction of a new social place for madness: reflections about reuse of a
psiquiatric institution in Natal/RN

La construcción de un nuevo lugar social para la locura: reflecciones sobre la


reutilización de una instituición psiquiátrica en Natal/RN
MOREIRA, Stephanie M. C.
Arquiteta e Urbanista/UFRN, email:stephaniemacedo.moreira@gmail.com

MEDEIROS, Luciana de
Profª Dra. do DARQ/UFRN, email:medeiros.luciana@outlook.com

RESUMO
A crise do modelo hospitalocêntrico desde o fim do século XIX começou a delinear os caminhos do que viria a
ser a Reforma Psiquiátrica em todo o mundo. No Brasil, a consolidação desse processo foi marcada pela
promulgação de leis e políticas de saúde mental implementadas há 20 anos, especialmente após a criação da
Rede de Atenção Psicossocial. A arquitetura cria um elo com a reforma psiquiátrica porquanto pode ser
protagonista do rompimento com o espaço manicomial e da associação desses serviços com a cidade. O
objetivo deste artigo é discutir essas questões relacionando arquitetura, urbanismo e a construção de espaços
mais inclusivos, a partir de um estudo feito em um hospital psiquiátrico de Natal/RN.
PALAVRAS-CHAVES: Hospital, reforma psiquiátrica, espaços inclusivos.

ABSTRACT
The crisis of the hospital-centric model since the late nineteenth century began to outline the paths of what
would become the Psychiatric Reform throughout the world. In Brazil, the consolidation of this process was
marked by the enactment of mental health laws and policies implemented 20 years ago, especially after the
creation of the Psychosocial Care Network. The architecture creates a link with the psychiatric reform because
it can be protagonist of the rupture with the manicomial space and the association of these services with the
city. The objective of this article is to discuss these issues relating architecture, urbanism and the construction
of more inclusive spaces, from a study done in a psychiatric hospital in Natal / RN.
KEY WORDS: Hospital, psychiatric reform, inclusive spaces.

RESUMEN
La crisis del modelo hospitalocéntrico desde el fin del siglo XIX empezó a delinear los caminos de lo que vendría
a ser la Reforma Psiquiátrica en todo el mundo. En Brasil, la consolidación de ese proceso fue marcada por la
promulgación de leyes y políticas de salud mental implementadas hace 20 años, especialmente después de la
creación de la Red de Atención Psicosocial. La arquitectura crea un eslabón con la reforma psiquiátrica porque
puede ser protagonista del romp8imiento con el espacio manicomial y la asociación de esos servicios con la
ciudad. El objetivo de este artículo es discutir estas cuestiones relacionando arquitectura, urbanismo y la
construcción de espacios más inclusivos, a partir de un estudio realizado en un hospital psiquiátrico de Natal /
RN.
PALABRAS CLAVE: Hospital, Reforma Psiquiátrica, Espacios inclusivos.

1
1 INTRODUÇÃO
O início do processo de reforma psiquiátrica é contemporâneo ao movimento sanitário dos anos 70
em favor da mudança dos modelos de atenção e gestão da saúde. Essa iniciativa diz respeito à crise
do modelo hospitalocêntrico que, desde o final do século XIX, era visto como a forma de tratamento
mais eficaz para pacientes com transtornos psiquiátricos. Com o passar do tempo, o sistema asilar
começou a entrar em discussão e os tratamentos ditos “de sucesso”, como a lobotomia e o
eletrochoque, passaram a ser vistos como desumanos.

Em 2001, a promulgação da lei 10.216 representou a consolidação do processo de reforma


psiquiátrica no Brasil, uma vez que especificou os direitos da pessoa com transtornos mentais no que
diz respeito à assistência médica. O período atual caracteriza-se pela construção de uma rede de
saúde mental substitutiva ao modelo de internação hospitalar – a Rede de Atenção Psicossocial
(RAPS) – e à fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos (BRASIL, 2005).

Em meio a esse contexto de reforma, várias instituições de caráter asilar ainda sobrevivem em
diversas regiões do nosso país. Na grande maioria das vezes, são vistas pela comunidade como “locais
onde ficam os doidos”, carregando o estigma do manicômio, de separação entre o que seria “normal”
e o que seria visto como “loucura”. A normalidade não adentra os muros do manicômio, pois é lá que
está tudo que não quer ser visto.

Nesse sentido, a reforma psiquiátrica cria um importante elo com a arquitetura. Em contraposição a
essa imagem de segregação colocada pelo hospital, os dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial
crescem no debate da política de saúde mental como importantes mecanismos para a ressocialização
de pacientes que passaram por experiências de internação. Os CAPS, que cumprem o papel de
“coração” da rede, em conexão a outros componentes como Centros de Convivência e Cultura,
Residências Terapêuticas e Hospitais Gerais podem tornar-se fortes aliados nessa busca pela
construção de novos espaços de integração para a loucura focados na habilitação social do indivíduo.

Diante disto, este artigo apresenta uma parte das discussões desenvolvidas em um trabalho final de
graduação¹ cujo foco foi elaborar diretrizes de projeto para o reuso de um hospital psiquiátrico da
cidade de Natal/RN, visando transformá-lo em um complexo de saúde mental que contenha serviços
substitutivos da RAPS. Dentro dessa perspectiva, o texto aqui exposto estrutura-se a partir de dois
grandes eixos: a construção social do lugar da loucura dentro do hospital psiquiátrico e o reencontro
da cidade com a loucura, com exemplo de intervenção projetual em um hospital psiquiátrico da

2
cidade de Natal/RN. Considera-se, assim, a possibilidade de refletir sobre a relação entre arquitetura,
urbanismo e construção de espaços mais inclusivos, com ênfase na interdisciplinaridade e valorização
do usuário no processo de projeto.

2 A CONSTRUÇÃO SOCIAL DO LUGAR DA LOUCURA


A história da loucura, na verdade, surge primeiramente após o desaparecimento da lepra, assim que
este mal deixa de assombrar as cidades, ele vem dar lugar àquele outro fenômeno como marca na
história. “A navegação entrega o homem à incerteza da sorte”: era essa a alegoria que Foucault
(1972) usava para descrever esse primeiro momento. Stultifera navis ou a Nau dos Loucos desenvolve
no sentido de uma geografia semirreal a situação do louco na era medieval, as barcas cheias de
pessoas levavam a insanidade para outro mundo. A figura do louco tornava-se lúdica (louco,
simplório, bobo) e não marginal e tomava lugar no centro do teatro. A loucura não conduzia a um
estado “perdido” ou de cegueira e sim à verdade individual de cada um.

É a partir da metade do século XVII que o fenômeno deixa de ter lugar na paisagem social para dar
lugar a novas exigências. A esse gesto que designa um novo lugar, no sentido espacial, para os ditos
“loucos” Foucault chama de “A grande internação”. O hospital é a sequência do embarque. A data de
referência é 1656, quando ocorreu o decreto da fundação, em Paris, do Hospital Geral. A esta época o
hospital não assume ainda o papel médico, ele é uma instância da ordem. O que agrupa todos os
excluídos que residem nas casas de internação é a incapacidade de tomar parte na produção, na
circulação ou no acúmulo de riquezas. Este é o início da dinâmica da exclusão do louco na casa de
internamento para reestruturação do espaço social que vai se consolidar futuramente no capitalismo.

No século XVIII, encontra-se a criação de um novo personagem para a loucura: o isolamento. O


espaço do Hospital passa por grandes mudanças e passa a ser operado essencialmente a partir de
uma tecnologia política chamada: disciplina (AMARANTE, 2007). Esse período é definido como
medicalização do hospital e acontece em consonância com os ideais da Revolução Francesa.

Phillipe Pinel é o médico francês, considerado pai da psiquiatria, que trouxe pela primeira vez a ideia
de loucura como patologia. Uma das principais atitudes que Pinel teve quando trabalhou em Bicêtre
(Paris, 1793) como chefe do asilo para homens foi separar os doentes mentais dos demais
marginalizados, isolando estes pacientes para realizar o tratamento. O médico tinha a finalidade de
restituir “liberdade aos loucos” pois literalmente desacorrentava-os, mas para colocá-los no asilo

3
partindo da lógica de que: se as causas da alienação mental estão presentes no meio social só o
isolamento permitiria afastá-las (AMARANTE, 2007). O hospital passou a ser um espaço médico e a
disciplina hospitalar imposta tinha a função de “assegurar o esquadrinhamento, a vigilância e a
disciplinarização do mundo confuso do doente e da doença, como também de transformar as
condições do meio em que os doentes são colocados” (FOUCAULT, 1987, p. 108). É o surgimento da
lógica dos hospícios.

Nesse contexto cabe falar sobre o arquétipo do panóptico que surge da necessidade contínua de
vigilância dentro dessas instituições. A ideia original do panóptico é do filósofo Jeremy Bentham
como uma forma de estrutura arquitetônica projetada para cárceres e prisões. Essa referida estrutura
funciona como um arranjo circular de celas em torno de um núcleo central, o qual seria uma torre de
vigia de onde uma única pessoa poderia visualizar todas as células a fim de controlar o
comportamento de todos os indivíduos reclusos. A grande questão é que estes não podem estar
cientes de que são observados, já que a torre central supõe um objeto opaco. Assim, o prisioneiro
poderia ser monitorado a cada momento, tendo que controlar seu comportamento para não ser
punido. Foucault em sua obra Vigiar e Punir (1987) expande essa ideia para a sociedade como um
todo, com o princípio de que todas as suas instituições de poder se utilizam desse mecanismo para
manter o controle podendo assim vigiar e corrigir os problemas. Ele aponta esse procedimento como
a emergência da sociedade disciplinar dizendo que o panóptico expressa muito bem o tipo de
domínio que ocorre na era contemporânea: “os mecanismos de vigilância são introduzidos em
corpos, fazem parte de um tipo de violência que se articula através das expectativas e significados
que transmitem os espaços e as instituições” (FOUCAULT, 1987).

Um dos precursores teóricos que veio trazer à tona os primeiros movimentos contra a psiquiatria
conservadora foi Franco Basaglia, psiquiatra italiano que relatou em diversas obras a situação do
doente no hospital psiquiátrico e veio dar direções ao que seria o início da luta antimanicomial. O que
ele chama de “Instituições da violência” (BASAGLIA, 1968) mantém uma conversa com as ideias de
Foucault (1987) no sentido de que ele afirma que toda a sociedade está disposta sob essas relações
de poder: assim como o pai é autoritário para com seu filho, a escola ameaça o aluno e o empregador
explora o proletário, o manicômio destrói o doente. Ele defende que a atuação técnica do hospital
está em consonância com os interesses do sistema econômico e serve para justificar a exclusão do
indivíduo mais vulnerável socioeconomicamente. A partir da reflexão sobre as instituições da
violência delineiam-se os primeiros passos da luta antimanicomial nos anos 70.

4
Para Basaglia, não adianta reformar o hospital, o sujeito doente deve ter na cidade o seu processo
de reabilitação, ou melhor, de sua habilitação social. Dessa ideia é que nascem as novas propostas
relativas a uma reforma institucional. Começaram a ser pensadas a partir dessas teorias a ideia de
Centros regionais de base territorial, a criação de cooperativas de trabalho e a construção de
residências para ex internos, na intenção de reestabelecer um lugar social para a loucura. A partir da
desconstrução do manicômio seria possível considerar o ser humano em sofrimento mental como um
processo social complexo transcendendo a simples organização do modelo assistencial e alcançando
as práticas e concepções sociais (AMARANTE, 2007).

3 O REENCONTRO DA CIDADE COM A LOUCURA: DISCUTINDO FORMAS DE INTERVENÇÃO


PARA UM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO EM NATAL/RN
Ao longo dos últimos anos, no Brasil, novas estratégias na política de saúde mental têm sido
evidenciadas através da publicação de leis ou programas do Ministério da Saúde voltados para
serviços de base comunitária. A rede de atenção psicossocial (RAPS) surge, então, como uma rede de
saúde mental integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção para atender as
pessoas em sofrimento e/ou com demandas decorrentes dos transtornos mentais e/ou do consumo
de álcool, crack e outras drogas. Dela fazem parte diferentes tipos de serviço que se articulam com a
finalidade de atender as especificidades que abarcam o grupo de vulnerabilidade mental atuando no
território.

Fazem parte da RAPS os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o serviço Residencial Terapêutico
(SRT’s), os leitos de internação em Hospitais Gerais, as Unidades Básicas de Saúde, os Centros de
Convivência e Cultura entre outros. O aumento do investimento nesses serviços deve ocorrer sempre
em consonância com a diminuição dos leitos em hospitais psiquiátricos e gradativo declínio deste
modelo. No entanto, apesar de existir uma rede muito bem traçada, existem muitas dificuldades em
torno da implantação desse modelo. A falta de investimentos e atenção para com a saúde mental,
principalmente nesta época de instabilidade política e mudança de prioridades, coloca em cheque o
esforço feito ao longo de tantos anos para a criação desse sistema.

Numa aproximação mais atenta à rede de atenção psicossocial, pode-se observar que diferentes
níveis de atendimento correspondem a diferentes tipos de estabelecimentos ou possibilidades de
arranjos arquitetônicos para cada finalidade. Logo, percebe-se que há também, na lógica proposta
pela rede, diferentes possibilidades de relação entre os edifícios, a cidade e seus usuários, através da

5
implantação de projetos com diferentes escalas e atributos ambientais capazes de promover saúde e
recuperação. No entanto, vê-se, com maior frequência, uma grande quantidade de edificações
reformadas de modo inadequado ou mesmo grandes instituições obsoletas e subutilizadas.

Nesse contexto, torna-se válido ressaltar alguns dos aspectos discutidos a partir da realização de um
trabalho de reuso de um hospital psiquiátrico da cidade Natal/RN (Fig.1). A intenção foi desconstruir
sua imagem manicomial a partir da gradativa implantação de alguns elementos da rede de atenção
psicossocial, tendo como base características do estabelecimento e contexto específico. Embora o
material produzido inclua uma série de detalhes teórico-metodológicos que extrapolam os limites
desta publicação, é possível pontuar aspectos que cumpram o objetivo deste artigo. Algumas
imagens do espaço também foram resguardadas por questões éticas.

Figura 1: Vista superior do terreno do Hospital

Fonte: Google Maps modificado pelas autoras

O hospital em questão foi construído nos anos de 1950, num terreno que totaliza 61.647,30m². O
local, antes afastado e hoje altamente imerso em área valorizada da cidade, ainda possui grandes
espaços livres e áreas verdes remanescentes do período em que se utilizavam atividades agrícolas
como forma de tratamento e meio de subsistência dos enfermos (Fig. 2). Trata-se de um conjunto
edificado com tipologia pavilhonar, com blocos distribuídos de modo simétrico ao longo de eixo

6
central. A cada pavilhão tem-se a criação de núcleos comunitários, separando homens e mulheres,
com serviços de apoio necessários ao funcionamento das internações, como banheiros e os postos de
enfermagem. Na área comum tem-se o refeitório e outros espaços de convivência.

Trata-se do único hospital psiquiátrico do RN que é totalmente público e integra a média


complexidade. Possui ambulatório de egressos, a urgência e emergência e a internação psiquiátrica,
com um total de 117 leitos. Com uma estrutura física que já abrigou 800 leitos, apresenta diversos
espaços subutilizados e trechos da sua estrutura física em estado de conservação precário. O hospital
passou por algumas reformas para abrigar leitos de internação de outro hospital da cidade, mas
nenhum projeto de otimização para esses novos fluxos e acessos.

Figura 2: Zonas originais do hospital

Fonte: 3D produzido pelas autoras

Uma importante questão a ser abordada nessa perspectiva de reforma psiquiátrica são os espaços de
terapia alternativa. Há apenas uma pequena zona com terapia ocupacional localizada na parte
posterior do terreno, frequentada por poucos pacientes. No que diz respeito aos espaços livres,
muitos desses locais teriam potencial para tornarem-se núcleos de atividades ao ar livre com um
melhor direcionamento arquitetônico/paisagístico. O mesmo vale para outros recursos interessantes
existentes, como o campo de futebol, localizado na parte frontal direita do terreno e a extensa
vegetação existente no lado esquerdo, os quais denotam características interessantes a um projeto
de reuso.

7
Observa-se, portanto, muitos locais em desuso, desativados e sem função. São estruturas
extremamente antigas, com lógicas espaciais arcaicas e que não servem para ser reformadas. Dessa
maneira, verificou-se que a melhor forma de reaproveitar o terreno de ótima localização e os espaços
que ainda funcionam seria dando um novo uso e transformando-o num complexo com edificações
anexas, já que uma simples reforma em suas antigas estruturas não seria satisfatória, nem
recomendada. Paralelamente a essas questões e à complexidade inerente aos projetos
arquitetônicos complexos, seria necessário considerar os pacientes já residentes no hospital – em
situação de abandono – e os leitos de internação que fazem parte de outro estabelecimento da
cidade.

Para tanto, os passos seguintes englobaram: o diagnóstico dos serviços oferecidos e sua relação com
os existentes nas RAPS e o estudo das áreas a serem mantidas ou demolidas, com respectivo
embasamento teórico quanto aos acréscimos de novas edificações ao conjunto (DE GRACIA, 1992).
Para além dos serviços assistenciais, um dos principais motivadores do reuso seria dar hospital um
norteador projetual que trouxesse novas práticas terapêuticas. Dessa maneira tem-se também a ideia
do Centro de convivência e cultura (CCC). Esse é um dos dispositivos da RAPS, o qual não é
assistencial e tem o seu lugar dentro da rede na linha de frente da abertura à comunidade. Ele
representa a necessidade de romper os muros da mudança apenas nos serviços assistenciais e partir
para uma produção cultural e de trabalho que coloque o paciente no lugar de ator protagonista de
novas complexidades.

Reunindo todas essas reflexões, chegamos a diretrizes projetuais e recomendações para um futuro
projeto de reuso deste espaço. Foi sugerido um novo zoneamento (Fig.3), deixando no local original
os prédios administrativos, aos quais se reconheceu um valor de memória do estilo neocolonial, e as
alas utilizadas para internação do Hospital geral. Optou-se pela implantação de um CAPS III 24h no
lugar do Pronto Socorro e de duas residências terapêuticas junto a esse (Fig. 4 e 5). O Centro de
convivência foi locado de forma a ter um acesso independente, que seria viabilizado pela abertura de
uma praça em torno de um campo de futebol existente (Fig. 6). Sugere-se para esta intervenção do
CCC uma arquitetura diferenciada da preexistência, de forma a caracterizar uma justaposição
contextual. Este reuso baseia-se na ideia de ”abertura à comunidade”, então, através da suavização
dos muros (Fig. 7) e da integração desses novos espaços com a avenida (Fig. 8) foi possível melhorar a
relação do complexo com a rua. Novas vagas de estacionamento foram previstas, de acordo com o

8
código de obras, e novas vias de acesso sugeridas, de forma a melhorar a sinalização dos diferentes
serviços.

Figura 3: zoneamento dos novos usos para o hospital

Fonte: 3D esquemático produzido pelas autoras

Figuras 4, 5, 6, 7 e 8 (respectivamente): Imagens ilustrativas das propostas de reuso para o hospital

9
10
Fonte: Ilustrações elaboradas por Stephanie Macêdo

11
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir desse estudo, defende-se que a arquitetura vem estreitar os laços com a Reforma
Psiquiátrica com a intenção de ser uma das grandes responsáveis por promover as bases dessa
mudança. Não pode-se mais projetar os espaços de saúde mental sem que eles estejam voltados
para o alvo principal a que são destinados: as pessoas. Essa relação interdisciplinar nos leva
invariavelmente a reflexão entre loucura e direito à cidade. Na perspectiva contemporânea em que
se discute essas questões acerca de liberdade, ética e cidadania dentro do projeto de arquitetura
podemos levar em conta o papel protagonista que o arquiteto pode ter quando discute-se a
possibilidade de soluções mais inclusivas, neste caso em específico, a construção de uma rede que
funciona no território. A forma de evoluir para a efetivação da RAPS é, nesse sentido, uma
construção coletiva, baseada em resistência, em vistas da dificuldade de compreensão das forças
governamentais federais neste momento sobre a importância de desinstitucionalizar indivíduos
ainda presos pelas grades do manicômio. Esse tipo de representação assistencial centrado nos
Hospitais Psiquiátricos tem sido arduamente quebrado, por longos anos, através da luta
antimanicomial, dos profissionais da psicologia entre outros das ciências sociais, mas é hora de
olharmos para essa questão como uma pauta de direito à cidade: somente nos espaços coletivos
potencializados na cidade é que pode existir essa “luta em rede”, uma ideia que se opera produzindo
emancipação da vida. Conclui-se, dessa forma, que esses espaços precisam afirmar-se como parte do
território, que as grades precisam se abrir, os muros precisam cair, e a arquitetura pode, assim,
ajudar a produzir e incluir vida no cenário urbano da cidade e devolver a loucura seu lugar na
sociedade.
5 REFERÊNCIAS
AMARANTE, Paulo. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.
BASAGLIA, Franco. (Org.). A instituição negada: relato de um hospital psiquiátrico. Rio de Janeiro: Graal, 1968
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental.
Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de
Reforma dos Serviços de Saúde Mental : 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005.
DE GRACIA, Francisco. Construir en lo construído - la arquitectura como modificación. Madrid: NEREA, 1992.
FOUCAULT, Michel. História da Loucura na idade clássica. Paris: Gallimard, 1972.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M. Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987.

Notas

¹ Trabalho Final de Graduação apresentado ao curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte.

12
Ambientes podem educar.

Environments can educate.

Los ambientes pueden educar.

MERLIN, José Roberto


Professor Doutor, FAU PUC Campinas (SP), jrmerlin@puc-campinas.edu.br

RESUMO
Este trabalho objetiva discutir as possibilidades educadoras inerentes aos espaços, independente de estarem
sendo usados por programas de necessidades vinculados a objetivos educacionais. As mudanças trazidas pelo
processo de globalização estão demandando nova organização para o sistema de ensino hoje lastreado na
escola, na família e na igreja, incompatíveis com a “sociedade do conhecimento”. Entidades como a UNESCO,
consideram que o espaço urbano e a cidade podem ajudar na resolução desta questão. Assim, a urbanização
acelerada e a produção espacial poderiam assumir inúmeros novos papeis, como já vem assumindo para
resolver as crises do capital, cuidando da qualidade do ambiente urbano. Os procedimentos metodológicos
partiram de diferentes concepções de espaços, desdobradas em materialidade e linguagem, comparando-as
com proposições teóricas da arquitetura, evidenciando em algumas imagens, certas características espaciais
potencialmente educadoras.
PALAVRAS-CHAVES: espaço urbano educador, qualidade espacial, cidades contemporâneas.

ABSTRACT
This work aims to discuss the educational possibilities inherent to spaces, regardless of whether they are being
used by programs of needs linked to educational objectives. The changes brought about by the process of
globalization are demanding a new organization for the system of education that is nowadays school, family and
church incompatible with the "knowledge society". Entities like UNESCO, consider that the urban space and the
city can help in the resolution of this question. Thus, accelerated urbanization and spatial production could
assume many new roles, as it has already assumed to solve the crises of capital, taking care of the quality of the
urban environment. The methodological procedures started from different conceptions of spaces, unfolded in
materiality and language, comparing them with theoretical propositions of architecture, evidencing in some
images, certain potentially educative spatial characteristics
KEY WORDS: urban space educator, spatial quality, contemporary cities

RESUMEN
Este trabajo discute las posibilidades educativas inherentes a los espacios, independientemente de si están
siendo utilizados por programas de necesidades vinculados a los objetivos educativos. Los cambios provocados
por el proceso de globalización exigen nueva organización para el sistema de educación que hoy en día es la
escuela, la familia y la iglesia incompatibles con la "sociedad del conocimiento". Entidades como UNESCO,
consideran que el espacio urbano y la ciudad pueden ayudar en la resolución de esta cuestión. Por lo tanto, la
urbanización acelerada y la producción espacial podrían asumir muchos roles nuevos, como ya ha asumido
para resolver las crisis del capital, cuidando la calidad del entorno urbano. Los procedimientos metodológicos
partieron de diferentes concepciones de espacios, desplegados en materialidad y lenguaje, comparándolos con
proposiciones teóricas de arquitectura, evidenciando en algunas imágenes, ciertas características espaciales
potencialmente educativas

1
PALABRAS CLAVE: espacio urbano educador, calidad espacial, ciudades contemporáneas.

1 INTRODUÇÃO

Nos eixos temáticos do 9°PROJETAR são apontadas certas condições e privilégios de uns em
detrimento de outros nos espaços e na cidade, indagando como isto ocorre, se isto é verdadeiro, se
provocam conflitos e como enfrentar tais questões pelo planejamento e intervenções projetuais?
Também indagam como seria este enfrentamento e para quem?

Nas descrições dos eixos está colocado como papel do PROJETAR 2009 a necessidade de se proceder
a uma revisão crítica sobre como e quanto pensamos os projetos e a cidade para grupos
privilegiados, convidando todos para imaginar expressões plurais para todos, sob a égide da
democracia, da civilidade e da sustentabilidade.

De fato, os espaços têm sido pensados de forma incompleta, com algumas evasivas e omissões, já
que os arquitetos bebem em diversas fontes que lhes são estranhas profissionalmente, causando
imprecisões. Este texto, mesmo que de forma introdutório tem como objetivo iniciar uma discussão
acerca das potencialidades educadoras dos espaços, especialmente nas cidades. Verificar como eles
interferem no comportamento humano, não como subsídios e complementos as ações e eventos
ligados as posturas pedagógicas tradicionais onde agem como palco de ações educadoras, mas,
tentando desvelar características e qualidades naquilo que lhe é próprio e inerente, focando em suas
potencialidades educadoras ou deseducadoras, ativando processos ontológicos e epistemológicos.

Milton Santos (2002) define o espaço como um conjunto unificado de um sistema de objetos e
sistema de ações, mostrando que o espaço ultrapassa o limite da materialidade, portanto, o amplia
como categoria analítica, transformado em instância social, interagindo com outras áreas do saber.

A partir da noção de espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações podemos
reconhecer suas categorias analíticas internas. Entre elas estão as paisagens, a configuração territorial, a divisão
territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo. (SANTOS, 2002,
p.22)

O processo de urbanização mundial acelerado tem colocado a cidade e o espaço no centro das
atenções de inúmeros e distintos interesses, desde a década de setenta do século XX. David Harvey
(2006) tem colocado a produção da cidade e a reformulação de seus espaços, como solução para as
constantes crises do capital preconizadas por Marx, que tem acontecido desde o século XIX com o

2
Plano Haussmann, passando pela formação dos subúrbios americanos no pós-guerra Segunda
Guerra, chegando, hoje, no processo de construção das cidades vazias chinesas.

Henry Lefebvre (1991) segue pela mesma senda analítica e complementa, sugerindo que a superação
das crises pelo capital, está sendo protagonizada pela produção e reprodução dos espaços urbanos
de maneira tão vigorosa, que superou os meios de produção “strictu sensu “, ou seja, a produção das
mercadorias pelas fábricas.

Os meios técnicos, científicos e informacionais permitem agora, incorporar, rapidamente, na


produção do espaço das cidades o capital imobiliário. A urbanização acelerada do mundo e as
inúmeras transformações urbanas inauguradas nas cidades mundiais estão sendo reproduzidas por
todo o planeta. Seriam as vertentes destas transformações que confirmariam as afirmações de
Lefebvre de quanto ao papel da cidade na reprodução do capital, vaticinando que saímos do período
da “historicidade” para adentrar no período da “espacialidade”.

Também a UNESCO tem se preocupado com os espaços e as cidades enquanto possibilidades


educadoras, desde 1970, quando o processo de globalização se torna mais evidente, quando foram
constituídas comissões para fazer os primeiros estudos sobre as necessárias transformações nos
processos educacionais visando atender a uma nova ordem socioeconômica que estava se
desenhando em âmbito mundial. Tal processo ganha força em 1990, quando foi formada a
Associação Internacional das Cidades Educadoras, em Barcelona.

Destarte, a produção, uso e apropriação de espaço na cidade tem assumido inúmeros papéis:
antídoto das crises do capital preservando o sistema capitalista, lugar da efetivação mais contundente
do lucro agilizando as aplicações de capital imobilizado e lugar adequado para a criação de uma nova
e eficaz estrutura material para a adaptação da educação às demandas da globalização

2 CIDADES EDUCADORAS ASSOCIADAS

A UNESCO, atenta as transformações do mundo, a partir da década de 1970, começou a estudar as


possibilidades educadoras oferecidas pelas cidades, aproveitando o momento anterior de revisões
das relações internacionais que aconteceram no pós-guerra, buscando a criação de redes
colaborativas entre as cidades, que transpareciam de forma difusa, mas cada vez mais operantes.
Assim, foram fundadas inúmeras organizações visando agregar as cidades sob diferentes temas,
evidenciando a busca de nova forma de gestão administrativa, concretizadas em entidades como:

3
Mercocidades, Energie-Citiés, Cidades Irmãs, European Cities Marketing, Organization of World
Heritage Cities, United Cities and Local Governments. Esta postura gerou novo paradigma
administrativo vinculado a trocas de experiências entre as cidades através de redes, cujas
demarcações da vizinhança, superaram os limites físicos da geografia.

Esta tendência e a constatação de que a família, a igreja e a escola, estruturada rigidamente, estavam
em processo de letalidade frente as novíssimas demandas, levou a UNESCO a montar uma equipe de
trabalho internacional coordenada por Edgar Faure, objetivando discutir a educação e suas
transformações frente ao novo momento que se antevia acontecer na área da economia e da
política, previstas para o fim do século XX, demandadas pela globalização, engendrando um processo
de inclusão das cidades como possibilidades educadoras.

Em 1990, em Barcelona, sob a influência de todo este contexto, houve o coroamento institucional
desta proposição, quando foi fundada a Associação Internacional das Cidades Educadoras- AICE,
tendo como sócios-membros as cidades, objetivando trocar experiências exitosas entre si e
transformar todos os atos da administração local, em algo potencialmente educador.

A AICE elaborou a Carta das Cidades Educadoras em Barcelona (1990), que foi aperfeiçoada em
Bologna (1994) e depois em Genova (2004). Em seu preâmbulo consta:

Hoje mais do que nunca as cidades, grandes ou pequenas, dispõe de inúmeras possibilidades educadoras, mas
podem ser igualmente sujeitas a forças e inércias deseducadoras. De uma maneira ou de outra, a cidade oferece
importantes elementos para uma formação integral: é um sistema complexo e ao mesmo tempo um agente
educativo permanente, plural e transversal, capaz de contrariar os fatores deseducativos. (Carta da AICE,2004,

Esta organização em escala inédita, conta hoje com 482 cidades associadas (dentre as quais 18
brasileiras), em 34 países, a maioria situados na Europa. A presente Carta baseia-se na Declaração
Universal dos Direitos do Homem (1948); no Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e
Culturais (1966); na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989); na Declaração
Mundial sobre Educação para Todos (1990) e na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural
(2001), o que demonstra os interesses envolvidos na questão. A fundação da AICE , talvez possa ser
considerada, uma espécie de institucionalização dos interesses maiores no sentido de revisar a
educação para as demandas da globalização.

3 SOBRE ESPAÇOS POTENCIALMENTE EDUCADORES.

4
Extrapolando a materialidade do espaço e buscando explicitar a diversidade das possibilidades
educadoras inerentes aos espaços, listamos a seguir, declarações ou citações de diversos profissionais
procurando abarcar as diferentes possibilidades educadoras e ampliá-las, visando demonstrar as
potencialidades educadoras dos espaços e, consequentemente, das cidades.

“O espaço urbano é capaz de educar as pessoas” é o titulo de uma reportagem de Kátia Borges do
Jornal A TARDE (2017), Salvador, Bahia. A frase dita na entrevista é atribuída ao urbanista Gustavo
Restrepo, um dos responsáveis pela reestruturação urbana de Medellin, na Colômbia, que teve seus
índices de criminalidade baixados em cerca de 90%, entre os anos de 1991 e 2006, após a
implantação de transformações espaciais na malha urbana. Restrepo alerta que o processo de
produção do espaço deve ser feito de forma democrática em conjunto com a população, que deve ser
considerada soberana na concepção do programa de necessidades. Foi elaborado um livro com as 16
comunidades de Medellin, com 16 capítulos, um de cada comunidade, compondo uma banca de
“projetos” a serem realizados conforme a vontade da comunidade, como forma de pressionar os
agentes políticos. Restrepo diz textualmente na entrevista que “Quando os cidadãos se envolvem no
projeto de construção da cidade que querem, eles também se educam nesse processo, tornam-se
aptos a fazer democracia”.

Bernard Huet, urbanista francês, esteve em São Paulo e fez uma série de considerações acerca de
espaço urbano, arte urbana, monumentos, espaços públicos e outros símbolos urbanos, incluindo-os
como processos educadores. Polemizou comparando a vida nas ruas e nas escolas e finalizou
afirmando textualmente:

A primeira pedagogia é aquela oferecida pelo contato direto das pessoas entre si nos espaços públicos, cuja forma
pertence aos arquétipos urbanos da cidade europeia.
Esquece-se, hoje, o valor educativo e “civilizador”, que significa para uma criança a imersão numa verdadeira
cidade densa, complexa, estratificada e onde foi acumulado um arquivo inestimável e discreto de memórias
entrelaçadas. No meu entender, é muito mais importante abrir uma “boa” rua, criar uma verdadeira praça, do
que construir uma escola cuja arquitetura esteja loucamente na moda, ou um magnífico centro cultural colocado
num contexto urbano inexistente. Pois estou convencido de que as crianças e os adolescentes aprendem muito
mais nas ruas do que nas escolas, e que a cultura proporcionada pela frequência nos espaços de nossas cidades é
mais fundamental do que a das casas de cultura.(HUET, 2012, p.151)

Desde o final do século XX, Coelho Neto tem sugerido aos arquitetos brasileiros que estimulem seus
procedimentos e práticas profissionais ampliando as perspectivas de suas ações buscando a melhoria
da sociedade, com prerrogativas atentas ao processo educador próprio à arquitetura, superando os
limites da materialidade espacial e afirmando:

[...] é necessário, a partir desses dados, propor organizações espaciais que funcionem como informadoras e

5
formadoras (educadoras) dos usuários na direção de uma mudança de comportamento que possa ser
considerada como aperfeiçoadora das relações inter-humanas e motrizes do pleno desenvolvimento individual...
(COELHO NETO, 1997, p.47-48)

As ações pedagógicas nas escolas ou em qualquer outro ambiente dependem também das condições
espaciais, não apenas na proporção de conforto em sua totalidade, mas nas possibilidades que
oferecem de explorações espaciais proporcionadas pelos conteúdos materiais e simbólicos
provenientes do meio ambiente, que deve ser pensado para ativar a complexidade do cérebro e a
curiosidade como instigadora do saber. Estas características devem estar em relação simbiótica
criando uma espécie de unidade, qualificadora do lugar, visando estimular o aprendizado e formar
adequadamente o aprendiz.

A dimensão da realidade educativa como realidade física, ou melhor, que expressa o espaço de significações,
representações e materializações pedagógicas, torna-se questão imprescindível de reflexão e de pesquisa, se
considerarmos que o espaço, qualquer que seja, é um dado importante na determinação das atitudes, das
permanências e das convivências do homem no mundo. (KAPP, sem data, online.)

De forma mais sofisticada e abstrata a questão espacial e paisagística tem sido tratada através de
seus aspectos recônditos e difusos, delineando novos campos a serem tratados pelos espaços,
superando a mera materialidade.

A sensação de identidade pessoal, reforçada pela arte e pela arquitetura, permite que nos envolvamos
totalmente nas dimensões mentais de sonhos, imaginações e desejos. Edificações e cidades fornecem o horizonte
para o entendimento e o confronto da condição existencial humana. Em vez de criar meros objetos de sedução
visual, a arquitetura relaciona, media e projeta significados. O significado final de cada edificação ultrapassa a
arquitetura; ele redireciona nossa consciência para o mundo e nossa própria sensação de termos uma identidade
e estarmos vivos. A arquitetura significativa faz com que nos sintamos como seres corpóreos e espiritualizados.
Na verdade, essa é a grande missão de qualquer arte significativa. (PALLASMAA, 2011, p.11)

Nossos sentidos nos dão os primeiros conceitos das coisas e fatos. PULS (2006, p.8) faz uma
classificação dos sentidos como direto, semidireto ou indireto. O tato e o paladar são sentidos
diretos que outorgam ao sujeito manipular e contatar o objeto diretamente. Semidireto é o olfato
que permite sentir o objeto por micropartículas. Indireto são a visão e a audição que propiciam
conhecer o objeto, respectivamente, por ondas luminosas ou sonoras através de um meio físico. A
visão e a audição seriam sentidos teóricos, pois o sujeito não tem contato direto com o objeto
concreto, enquanto o tato e o paladar são práticos, por contatar diretamente o objeto. Estas
concepções detalham e aprimoram o entendimento e o conhecimento entre sujeito e objeto.

A ideia foi mostrar à exaustão, a arquitetura como linguagem e seus significados diversos que
extrapolam o artefato construído para evidenciar que arquitetura como linguagem é uma forma de
observar, sentir e apreender o mundo, desenvolvendo processos perceptivos. O espaço não pode ser

6
pensado apenas na sua dimensão métrica, sendo absurdo chama-lo de “espaço físico”, um grave
deslize conceitual.

Quando os espaços são tomados como instâncias sociais se tornam documentos, formativos e
informativos, como sistema indissociável de objetos e de ações, se constituem em híbridos, que
contém a sociedade e a sociedade os contém. Assim, revelam eventos pregressos, testemunhos da
história, ajudando a conhecer e revelar o mundo, pela sua materialidade e pela sua linguagem. Suas
relações de solidariedade e de verticalidade (SANTOS, 2002) se articulam em redes, proporcionadas
pela existência dos objetos técnicos contemporâneos, envolvendo entornos materiais e virtuais,
dilatando o conhecimento através de uma nova forma de apreensão do mundo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: SUGESTÕES PARA PROJETOS POTENCIALMENTE EDUCADORES

Após estas considerações parece plausível ensaiar algumas proposições no sentido de partilhar
pensamentos e possibilidades. Nossa proposta central não está terminada, portanto é despretensiosa
e tenta apenas enumerar algumas considerações, que podem auxiliar na feitura de projetos buscando
a sua qualidade.

Lynch (2010) propõe como qualidade os seguintes critérios avaliativos: vitalidade, sentido,
adequação, acesso e controle. Entretanto, pelas nossas pesquisas, colocamos em discussão outras
variáveis independentes baseadas em análises empíricas na observação de espaços de uso público,
listando pontos que o designer deve ter atenção para qualificar um espaço, lembrando que há uma
relação direta entre qualidade do espaço e seu potencial educador.

Assim os espaços podem se tornar educadores quando:

 Buscam relações adequadas com o entorno – propondo permeabilidades entre os diferentes


espaços, permitindo ampla acessibilidade e respeitando o meio ambiente natural e
construído;

 Estimulam encontros humanos – fazendo com que o desenho estimule o encontro de


pessoas e grupos, facilitando eventos sociais, políticos ou culturais que promovam a
alteridade e a urbanidade;

 Explicitam a história do lugar – mantendo relações com eventos pregressos ocorridos


naquele local ou próximo dele ou evidenciando claramente as intenções subjacentes ao

7
espaço;

 Suscitam novas percepções – estimulando os órgãos dos sentidos humanos ampliando as


sensações e a eclosão de estranhamentos, vinculando o espaço às linguagens da arte,
ampliando o repertório perceptivo;

 Elaboram programas de necessidades adequados – ao entender de forma complexa os


programas de necessidades conforme o desenvolvimento das forças produtivas do tema
naquele momento; e

 Busquem qualidade total em seu design- ao implantar o objeto de forma adequada


dignificando o lugar como produção cultural, oferecendo espaço de qualidade funcional,
técnica, ética, política e estética à apropriação pública pela qualidade de seu desenho.

Assim, apresentamos algumas fotos e pequenos comentários para evidenciar mais as qualidades
propostas, apenas como uma primeira referência para melhor explicitar alguns pontos. O primeiro é a
catedral de Brasília, que pode ser considerada uma obra educadora por relembrar das catacumbas,
por estar o cruzamento dos dois eixos que iniciaram a cidade, por instigar as sensações, contar a
história do lugar e dignificá-lo. (Figura 01)

Figura 1: Catedral de Brasília

Fonte: autor, 2017.

8
O Museu do Tietê em Salto (SP) também pode ser considerado um espaço educador pela
implantação à margem direita do próprio rio, mostrando sua última queda de água, lembrando a
história, suscitando percepções e valorizando o entorno que apresenta uma relação bastante valiosa
entre a natureza pura e as ações humanas. (Figura 2)

Figura 2: Museu do Rio Tietê em Salto (SP)

Fonte: Autor, 2010

O terceiro exemplo mostra uma das muitas praças em Medellin, na Colômbia, que dispõe de
equipamentos que aguçam as percepções, mexe com todas as sensações, revelam segredos da
ciência e foi implantada em local estratégico dignificando o lugar.(Figura 3)

Figura 3: Praça em Medellin

Fonte: autor, 2010.

9
Estes três exemplos nos ensinam que os espaços podem ser mais ou menos educadores conforme
cumprem uma ou mais das inúmeras características acima enunciadas, moldando um quadro
qualitativo com escalas diferenciadas. Este trabalho também procura evidenciar que quanto maior a
qualidade da arquitetura, maior será seu poder educador, havendo quase que uma relação direta e
biunívoca entre potencialidade educadora e qualidade espacial. As características aqui expostas
objetivaram se constituir em um guia de verificação e avaliação da qualidade do projeto bastante
inicial em seu desenvolvimento, que deverá sem complementado por outras pesquisas, mas que
poderá ter alguma utilidade para aqueles que pretendem checar pontos importantes num roteiro
avaliativo para projetos.

5 REFERÊNCIAS

AICE- Carta das Cidades Educadoras. Declaração de Barcelona, 1990, revisão Bologna, 1994, revisão Genova,
2004. Disponível em www.fpce.up.pt/OCE.
COELHO NETO, J. Teixeira. A Construção do Sentido na Arquitetura. São Paulo: Perspectiva, Coleção Debates,
1997.
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume,2006.
HUET, Bernard. Espaços públicos, espaços residuais. In: Seminário de planejamento urbano: o centro das
metrópoles, 2012. Disponível em: https://pt.slideshare.net/mackenzista2/espacos-publicos-espacos-residuais-
bernard-huet15.
LEFEBVRE, Henry. The production of space. Oxford: Blackwell,1991
KAPP, Tessia. A dimensão do espaço pedagógico: significações construtivas para o aprendizado. In: Diálogos
Possíveis. Disponível em www.faculdadesocial.edu.br/dialogospossiveis/artigos/6/01.pdf
LYNCH, Kevin. A boa forma da cidade. Lisboa: Edições 70, 2007.
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: A arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011.
PULS, Maurício Matos. Arquitetura e Filosofia. São Paulo: Annablume, 2006.
RESTREPO, Gustavo. O espaço urbano é capaz de educar as pessoas. In: Jornal A TARDE. Salvador, 16/01/2017.
Disponível em: http://atarde.uol.com.br/muito/noticias/1831275-o-espaco-urbano-e-capaz-de-educar-as-
pessoas.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: Técnica de Tempo, Razão e Emoção. São Paulo: Editora da Universidade
de São Paulo, 2002.

10
Experimentações com o lugar amazônico: Projeto Arquitetônico de
Unidade Básica de Saúde pelo tipo palafita (Barcarena – PA)

Experiments with the Amazonian site: Architectural Project of Basic Health Unit
by palafite type (Barcarena - PA)

Experimentos con el lugar amazónico: Proyecto Arquitectónica de Unidad


Básica de Salud por el tipo palafito (Barcarena - PA)

FELISBINO, Danielli de Araujo


Arquiteta e Urbanista, Bolsista de Apoio Técnico a Pesquisa CNPq/ UFPA, Discente de Design de
Interiores, IFPA, d.felisbinoarq@gmail.com

PERDIGÃO, Ana Klaudia de Almeida Viana


Professora Doutora, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará (UFPA), klaudiaufpa@gmail.com

RESUMO
Apresentam-se as etapas do processo projetual desenvolvidas durante o projeto arquitetônico de uma Unidade
Básica de Saúde para o Furo do Nazário, localizado na cidade de Barcarena - Pará – Brasil. Consideram-se as
relações espaciais e o modo de vida ribeirinho como referências de soluções arquitetônicas, associando
aspectos físicos e vivenciais para caracterização de uma arquitetura institucional na região Amazônica. Adotou-
se o conceito de permeabilidade e de lugar, como elementos humanizadores do exercício projetual. As soluções
propostas atendem à cultura ribeirinha da região, mesclando-se saber vernacular regional, com o saber formal
de arquitetura, adotando-se o tipo palafita amazônica como ponto de partida.

PALAVRAS-CHAVES: Projeto de Arquitetura, Tipo Palafita, Unidade Básica de Saúde, Amazônia.

ABSTRACT
The present article intends to expose the project process steps developed in the proposal of the architectural
design of Basic Health Unit for the region of the Nazario Hole, located in the city of Barcarena - Pará - Brazil.
Spatial relations and riverside life-style are considered as a strategy to stimulate architectural solutions by
associating physical and experiential aspects to an institutional health architecture in the Amazon region. The
concept of permeability and place was adopted as a humanizing element to guide the design exercise. The
proposed solutions serve the riverside universe of the Amazon, merging vernacular knowledge of the region
with the formal knowledge of architecture.

KEY WORDS : Architecture Project, Palafite Type, Basic Health Unit, Amazon.

RESUMEN
El presente artículo pretende exponer las etapas proceso proyectual desarrolladas en la propuesta del proyecto
arquitectónico de Unidad Básica de Salud para región del Agujero del Nazario, ubicado en la ciudad de
Barcarena - Pará - Brasil. Se consideran las relaciones espaciales y modo de vida ribereño, como estrategia para
estimular soluciones arquitectónicas asociando aspectos físicos y vivenciales hacia una arquitectura

1
institucional de salud en la región Amazónica. Se adoptó el concepto de permeabilidad y de lugar, como
elemento humanizador para orientar el ejercicio proyectual. Las soluciones propuestas atienden al universo
ribereño de la Amazonia mezclándose saber vernacular de la región con el saber formal de arquitectura.

PALABRAS CLAVE: Proyecto de Arquitectura, Tipo Palafito, Unidad Básica de Salud, Amazon.

1 INTRODUÇÃO

O reconhecimento de aspectos espaciais e culturais tão peculiares ao modo de vida ribeirinho


marcam as particularidades de um saber único para a produção do ambiente construído na
Amazônia.

A escolha pelo desenvolvimento de proposta arquitetônica de uma Unidade Básica de Saúde (UBS)
para região do Furo do Nazário, localizada em uma área de comunidades tradicionais, ocorreu em
virtude da falta de propostas de projetos de UBS para regiões ribeirinhas. Atualmente, o Sistema
Único de Saúde-SUS, destacando o Programa de Qualificação da Infraestrutura das Unidades Básicas
de Saúde – Requalifica SUS, contempla apenas quatro modelos de UBS, cujas construções não são
adequadas para áreas alagadas/alagáveis, sendo que o governo disponibiliza as unidades fluviais em
embarcações, contudo estas nem sempre podem trafegar em áreas estreitas dos rios amazônicos
devido sua dimensão.

De acordo com Passos Neto (2016), o processo de concepção arquitetônica possui uma metodologia
flexível e não universalizada no ambiente profissional, em que observa-se que alguns procedimentos
adotados por arquitetos são similares, mas se apresentam de modo informal e individualizado,
evidenciando um grau de complexidade e multidisciplinariedade com outros campos do
conhecimento. Neste sentido, alguns arquitetos levam em consideração fatores como cultura,
entorno, usuário e local no processo projetual, a fim de produzir uma arquitetura mais humanizada.

O presente trabalho, propõe-se a desenvolver uma proposta arquitetônica com foco na qualidade do
projeto por meio da operacionalização do processo de concepção e desenvolvimento do mesmo,
objetivando atender, de modo humanizado, às necessidades dos usuários sem perder de vista o
contexto local, ambiental e humano.

A proposta da UBS ribeirinha proporciona um acompanhamento mais sistemático do processo


projetual, consolidando mecanismos de atuação e considerando o sentido da humanização como
uma necessidade da escala humana de variações e ordens espaciais manipuladas pelos usuários.
Portanto, objetiva-se o atendimento dessas necessidades através de princípios como a natureza, que

2
está diretamente relacionada com a satisfação visual e com o sentimento de ambiente saudável
(KOWALTOWSKI, 1989).

Dessa maneira, torna-se indispensável à elaboração de estratégias uma forma de manter a relação
com o entorno, a tradição cultural e o modo de vida local, considerando o lugar como tentativa de
humanização do projeto. De acordo com Norberg- Schulz (2006), o conceito de lugar vai além de uma
localização abstrata é “constituídas de coisas concretas que possuem substancia material, forma,
textura e cor. Juntas essas coisas determinam uma qualidade ambiental que é a essência do lugar”.

Perdigão (2016) considera que a análise do tipo palafita aproxima saberes populares e intelectuais, e
permitem identificar condicionantes de projetos não tradicionais para produção arquitetônica,
condizentes com o lugar, fortalecendo os códigos profissionais da arquitetura. Segundo a autora, a
cultura amazônica vem se deformando frente às forças que lutam contra a tradição e o modo de vida,
tão peculiar da cultura ribeirinha, quando valores externos à região sobrepõem a arquitetura local,
abordando a palafita como uma arquitetura precária do ponto de vista construtivo. Deste modo, essa
arquitetura sem arquitetos (RUDOFSKI, 1964), revela soluções próprias que interagem com a natureza
e se adequa ao lugar. Portanto, trata-se de uma arquitetura orgânica de fácil adaptação espacial pelos
usuários (PERDIGÃO,2016), ou seja, uma arquitetura que agrega a representação de costumes
ribeirinhos, que trazem a essência do lugar através de elementos espaciais vernaculares, que se
manifestam como linguagem culturalmente reproduzida na região amazônica.

Atualmente, o que vem ocorrendo é o afastamento por parte dos profissionais de arquitetura e do
poder público do saber local, considerado como solução mais viável, contudo o que impera é a
erradicação desse sistema construtivo tão recorrente na Amazônia. As soluções propostas tem
resultado no distanciamento e falta de adequação por parte dos usuários.

O presente trabalho integra uma discussão mais abrangente sobre tipologias ribeirinhas para a
arquitetura institucional de saúde, através de uma proposta que aproxima conhecimento vernacular
e conhecimento profissional. Sustenta a discussão sobre os projetos propostos pelo poder público e a
realidade local, uma vez que o padrão da UBS não atende o modo de vida ribeirinho, o que pode
causar grandes impactos sobre a qualidade de atendimento ao usuário.

2 PROCESSO PROJETUAL: UMA REFLEXÃO PARA PROJETAR NA AMAZÔNIA

A proposta arquitetônica de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) para cidade de Barcarena-PA,
localizada na região do Furo do Nazário na Ilha das Onças (figura 1 ), é parte integrante do projeto de

3
extensão desenvolvido pela equipe do Laboratório Espaço e Desenvolvimento Humano da
Universidade Federal do Pará. O projeto arquitetônico foi resultado de visitas técnicas a Unidade
Básica de Saúde existente no Furo do Nazário (figura 2), de reuniões com os profissionais da área da
saúde que atuam na UBS (médicos, enfermeiros e agentes de saúde). Dessa forma, o projeto integra
o tipo palafita (MENEZES, et al., 2015) como ponto de partida para produção de uma arquitetura
institucional na área da saúde, uma vez que o padrão apresentado pelo Programa de Qualificação de
Infraestrutura da Unidade Básica Saúde - Requalifica SUS não atende ao modo de vida ribeirinho, o
que pode causar grandes impactos sobre a qualidade de atendimento ao usuário.

Figura 1: Mapa de localização.

Fonte: Felisbino, 2018.

A proposta arquitetônica tem como foco a qualidade por meio da operacionalização do processo de
concepção, objetivando atender de modo humanizado as necessidades dos usuários, incorporando o
reconhecimento da realidade local e considerando os recursos disponíveis. Ainda há uma resistência
por parte dos profissionais de arquitetura e do poder público em reconhecer aspectos espaciais e
culturais tão peculiares no modo de vida ribeirinho, adotando soluções que apresentam
distanciamento e falta de adequação por parte dos espaços aos usuários. Desta forma, propõe-se a
aproximação entre o conhecimento vernacular, vindo de análises das edificações construídas sem
arquitetos e o conhecimento formal de profissionais da arquitetura no intuito de propor soluções
adequadas no projeto arquitetônico da Unidade Básica de Saúde.

No Brasil, as palafitas estão presentes em varias regiões do país, dentre elas pode se destacar a região
Amazônica, onde existem povoados e cidades inteiras construídas sobre estacas, uma arquitetura que
vai além do sistema construtivo, dos materiais e técnicas, refletindo a forte relação de aproximação e
dependência com o ambiente natural e o rio. A palafita é um sistema construtivo que mantém
adaptabilidade ao ciclo das águas, por conta das cheias, e mantém uma relação orgânica com a
natureza ao adaptar-se ao ambiente (TRINDADE JR, 2002; BAHAMON & ALVAREZ, 2009; BARDA,
2009; OLIVEIRA JUNIOR, 2010; SIMONIAN, 2010).

4
Figura 2: Caracterização da área de estudo.

Fonte: Felisbino, 2018.

Segundo Menezes et al. (2015) o tipo palafita amazônico pode ser aprimorado para novos usos de
projeto, através da decifração das relações espaciais socialmente produzidas no habitar ribeirinho,
observando qualidades como proximidade e continuidade com a natureza, a floresta e o rio, que
agem como uma extensão da casa gerando uma relação de sucessão, tais qualidades trazem sentido
para o usuário que se apropria desse repertório espacial.

A análise das palafitas, possibilita a adoção de aspectos geométricos, por meio de propriedades
espaciais, a partir das quais se torna possível a elaboração de requisitos projetuais (COSTA, 2015;
PERDIGÃO, 2016; PAIXÃO & PERDIGÃO, 2017) para atender a cultura amazônica no uso espacial.
Assim, as respostas geométricas (PERDIGÃO, 2016) podem servir de subsídio para o projeto de

5
arquitetura, evidenciando a incorporação da essência do espaço espontâneo produzido na Amazônia.
Segundo Malard (2006), a arquitetura para ser bem compreendida na sua totalidade, precisa ser
considerada para além de seus aspectos visuais, ou seja, sua relação com a natureza do ser.

Neste sentido, vale ressaltar a relevância da análise das palafitas para a valorização de aspectos
humanos da arquitetura, especificamente, pela decifração de padrões espaciais que não podem ser
rompidos sob pena do não atendimento das verdadeiras necessidades dos usuários, os quais
facilitam a identificação de equivalentes espaciais que apoiariam as decisões do projeto de
arquitetura, o que é de fundamental importância para subsidiar o projeto, no sentido de oferecer a
continuidade das referências espaciais significativas. Dessa forma, ressalta-se a importância de
considerar o conhecimento vernacular como referência básica para soluções adaptadas a cultura
ribeirinha, como mostra a figura 3,4 e 5, com base na tipologia palafita.

O processo projetual foi realizado de forma investigativa por meio de pesquisa bibliográfica, registros
fotográficos, entrevistas com os usuários da Unidade Básica de Saúde existente, croquis, esquemas,
diagramas, normas técnicas, como normas de acessibilidade, e legislação sobre arquitetura para
saúde. As etapas da concepção ocorreram de forma não linear no ato de projetar, demonstrando
assim, várias conexões que podem ser estabelecidas entre diferentes áreas do conhecimento durante
a concepção do partido arquitetônico da edificação proposta. A volumetria da edificação visa atender
os condicionantes projetuais estabelecidos para a Unidade Básica de Saúde, buscando-se a conexão
simultânea de edificação com o rio e a mata, possibilitando maior visibilidade e permeabilidade da
unidade com o entorno. Dessa forma, o desenvolvimento da proposta ocorreu a partir de processos
experimentais, como o desenho à mão livre e o estudo de modelos. Esta sistemática possibilitou a
criação de quatro propostas preliminares, as quais foram amadurecendo para a proposta final.

Figura 3: Análise da configuração espacial.

Fonte: Acervo LEDH, 2018.

6
Figura 4: repertório do tipo palafita amazônica.

Fonte: Acervo LEDH, 2018.


Figura 5: Esquema de análise da palafita amazônica.

Fonte: Acervo LEDH, 2018.

3 PROJETO ARQUITETÔNICO PARA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE

O programa de necessidades foi desenvolvido partir da análise dos projetos padrões do Programa
Requalifica SUS e do programa de necessidades mínimo, proposto pelo Ministério da Saúde através
da PORTARIA nº 725 de 4 de maio de 2014. Realizou-se a classificação dos ambientes por setores,
expondo, de maneira clara, o organograma e o fluxograma com o objetivo de hierarquizar e organizar
os ambientes da UBS.

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Para a formação de repertório, selecionou-se exemplares na produção arquitetônica regional e
internacional, assim algumas associações foram adaptadas ao contexto proposto para UBS ribeirinha,
como caminho para viabilidade construtiva de baixo impacto e integração à paisagem local. No
repertório regional (figura 6), destaca-se a aplicação de materiais locais como madeira, circulação
integrada ao ambiente natural, cobertura que favorecesse a ventilação natural, beirais para
sombreamento e proteção contra radiação solar e chuvas, esquadrias de madeira, janelas de abrir
para permitir visibilidade do ambiente externo, piso elevado do solo, uso de painéis de venezianas
como recurso para renovação do ar e amenização da temperatura nas obras de arquitetos como
Milton Montes, Roberto Moita, Severiano Porto e João Castro Filho.

Figura 6: Repertório de elementos arquitetônicos.

Fonte: Felisbino, 2018.

No repertório internacional (figura 7), buscou-se algumas referências de projetos do arquiteto Renzo
Piano, o qual procura desenvolver em seus trabalhos o conceito de arquitetura e lugar. Como
método, adotou-se a análise da configuração espacial, acessibilidade e circulação, conforme Reis
(2002).

8
Figura 7: Repertório arquitetônico.

Fonte: Felisbino, 2018.

3.1 Proposta Arquitetônica

O projeto da Unidade Básica de Saúde foi pensado de maneira a atender características da região,
considerando o lugar e a cultura local, como parâmetros de projeto, enquanto atitude projetual
adequada à realidade das comunidades ribeirinhas. Consequentemente, nota-se a importância de
repensar o projeto para além da representação geométrica, considerando a dimensão cultural, social

9
e individual, incorporada a um exercício projetual pela interação entre prática e teoria da arquitetura.
Desse modo, o lugar torna-se um condicionante importante ao desenvolvimento do projeto
adequado a região, assim como a postura adotada no processo para criar lugares significativos e
adequados ao uso, gerando especificidades projetuais que necessariamente não são expressas
formalmente, mas na forma de repensar o fazer do projeto, tirando partido do conhecimento
vernacular local.

Neste sentido, a produção do espaço busca inspiração no interior da cultura ribeirinha por meio de
um olhar mais sensível, do reconhecimento e da interpretação dos aspectos e das diversidades
existentes, a fim de propor soluções menos impositivas e mais humanizadas, e assim possibilitando o
equilíbrio entre requisitos de espaço físico e requisitos humanos como mecanismos que asseguram
uma produção arquitetônica com qualidade reconhecida.

3.2 Partido

O projeto oferece uma proposta de permeabilidade através do desenvolvimento volumétrico e


construtivo simples e de fácil apreensão, mais próximo da realidade do usuário ribeirinho. O partido
arquitetônico adotado, define os seguintes aspectos volumétricos: distribuição dos ambientes de
cada setor em blocos distintos, interligados por uma estiva principal e uma secundária que se
conectam a cada bloco. O exercício projetual se desenvolveu por meio de diagramas que serviram
como instrumento para o processo de projeto, os quais foram testados até se alcançar a solução
espacial construtiva e de implantação, a partir do conceito de permeabilidade como mostra a figura
8, 9 e 10.

Figura 8: Diagrama de dados para o projeto.

Fonte: Felisbino, 2018.

10
Figura 9: Organização de dados para o projeto.

Fonte: Felisbino, 2018.

11
Figura 10: Experimentações preliminares para definição do partido arquitetônico.

Fonte: Felisbino, 2018.

3.3 Implantação

Para dispor os setores da Unidade Básica de Saúde, divididos em acolhimento, consultas,


procedimentos, atividades e administrativa/serviço/apoio, foram divididos em cinco blocos e
implantados de forma orgânica, respeitando a melhor distribuição no que tange aos aspectos
referentes ao terreno e ao entorno, preservando parte da vegetação natural. A principal estratégia é
dar atenção ao lugar que inclui as questões ambientais e culturais.

12
Figura 11: Implantação da UBS.

Fonte: Felisbino, 2018.


Figura 12: Configuração espacial dos Blocos da UBS- Varandas.

Fonte: Felisbino, 2018.

13
O acesso à Unidade Básica de Saúde é realizado por meio fluvial. Optou-se por deixar a plataforma
em frente a UBS com rampa móvel e acesso lateral ao trapiche. O trapiche é adaptado para
embarque e desembarque de pessoas e materiais, incluindo portadores de deficiência e mobilidade
reduzida. O acesso aos blocos é realizado por estivas, onde sua configuração e distribuição
contribuem para o conceito de permeabilidade e fluidez do projeto. A estiva principal inicia no
trapiche e se estende pelo terreno de forma orgânica até o último bloco da UBS, composta por três
áreas amplas que servem de espaço de convivência, espera externa. A área de Lazer, composta por
uma piscina natural, reaproveitando a água do rio para realização de atividades física, possui o acesso
por estivas secundárias, que estão conectadas à estiva principal.

A figura 13 mostra todos os blocos da Unidade de Saúde que estão dispostos de maneira a privilegiar
a observação da vegetação natural e do rio.

Figura 13: Setorização da UBS ribeirinha.

Fonte: Felisbino, 2018.

14
3.4 Decisões projetuais pelo tipo palafita

As decisões projetuais partiram da analise do tipo palafita como ponto de partida do processo do
projeto, na intenção de integrar a arquitetura ao lugar. As soluções foram resultado do conhecimento
do entorno e os condicionantes bioclimáticos, do modo de vida dos moradores ribeirinhos e da
relação com o rio e o ambiente natural. Esses fatores foram importantes para propor soluções
espaciais compatíveis com a cultura local que vai além da representação geométrica do espaço.

Segundo Menezes (2015), o tipo palafita absorve da cultura ribeirinha a relação de proximidade com
a natureza, através da forma como o ribeirinho estabelece a sua habitação em cima da água, a
margem de rios e de espaços de várzea, em vista que, a floresta e o rio são como a extensão da
palafita, como uma relação de continuidade da construção, a visibilidade do quintal é considerada um
elemento de sucessão ao espaço externo.

Por outro lado, é absorvido da cultura nordestina duas relações: a primeira de continuidade que se dá
na parte interna da construção por meio da circulação, que geralmente se desenvolve entre os
ambientes de uso, os quais são demarcados pela atividade, não apresentam limites físicos e são
pouco compartimentadas. A segunda relação absorvida é a de sucessão que ocorre pelo uso das
varandas e do trapiche, os quais atuam como intervalos entre o interior e exterior da palafita. Desta
maneira, fica evidente que o espaço físico do tipo palafita esta relacionado ao ambiente
natural/entorno e ao espaço interno da construção.

Os parâmetros de permeabilidade e lugar que foram adotados no processo de concepção, para


atender as categorias de continuidade, sucessão e proximidade, sendo o primeiro, representado pela
distribuição dos blocos conectados à estiva, a segunda categoria mostra a relação de sucessão que
ocorre desde o trapiche de acesso, e pelo uso das varandas em todos os blocos da Unidade e, por
último, a terceira categoria apresenta a relação de proximidade que é resultado da conservação da
vegetação no entorno, assim como a piscina natural com aproveitamento da água do rio. Tais técnicas
foram incorporadas ao projeto para manter a qualidade do ambiente natural que é própria do tipo
palafita.

As Figuras 14 a 18 apresentam, respectivamente, a imagem geral da Unidade Básica de Saúde


alcançada com a proposta arquitetônica demonstrando a viabilidade de se manter um diálogo com os
referenciais espaciais da arquitetura produzida com conhecimento informal e formal, possibilitando
assim, melhores condições para a adaptação espacial dos usuários (pacientes e funcionários).

15
Figura 14: Sistema construtivo dos Blocos da UBS.

Fonte: Felisbino, 2018.


Figura 15: Configuração espacial dos Blocos da UBS.

Fonte: Felisbino, 2018.

16
Figura 16: Volumetria – UBS Ribeirinha.

Fonte: Felisbino, 2018.


Figura 17: Volumetria – Área de convívio e Piscina.

Fonte: Felisbino, 2018.


Figura 18: Volumetria – Bloco de Consultas e procedimentos.

Fonte: Felisbino, 2018.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento da proposta de uma Unidade Básica de Saúde para região ribeirinha


proporcionou uma maior compreensão dos requisitos projetuais para produção arquitetônica
Amazônica, fortalecendo as bases de atuação profissional que nem sempre consideram o saber local,
expresso em espaços socialmente construídos. Dessa forma, o trabalho pauta-se no bem-estar do ser
humano pelo atendimento de necessidades através do ambiente construído, tendo a intenção de
manter a identidade espacial e cultural, fundamentais para a adequação local e identificação dos
usuários.

17
A análise das referências espaciais de arquitetura na Amazônia, associados aos aspectos de
integração, permeabilidade e sistema construtivo, contribuíram para formação do repertório de
soluções que permitiram compreender que há uma cultura arquitetônica que pode apoiar novas
soluções. Além disso, a visita técnica e as reuniões com a equipe de profissionais da UBS existente no
Furo do Nazário, contribuíram para o acúmulo de informações que permitiram a formulação de
decisões projetuais.

Neste sentido, a proposta do projeto foi pensada de maneira a atender características da região,
considerando o lugar e a cultura local como parâmetros principais, enquanto atitude projetual
adequada à realidade das comunidades ribeirinhas. Desta forma, vale ressaltar a importância de
repensar o projeto de forma mais abrangente que a representação geométrica, considerando a
importância incorporada a um exercício projetual pela interação entre prática e teoria da arquitetura.

O lugar torna-se um condicionante importante ao desenvolvimento do projeto adequado ao local,


assim como as posturas adotadas no processo para criar lugares significativos e adequadas ao uso,
gerando especificidades projetuais que necessariamente não são expressas formalmente, mas na
forma de pensar e de fazer o projeto, resultando em uma arquitetura integrada à região.

Por isso, a compreensão do lugar e das relações espaciais do modo de vida ribeirinho permitem
oferecer elementos que podem ser incorporados ao processo de projeto, a fim de proporcionar
soluções mais adequadas ao contexto da Amazônia.

Sendo assim, a sistemática desses dados colabora para criação de bases projetuais, que podem ser
utilizadas ao longo do exercício profissional, contribuindo para um novo modo de pensar no processo
de projeto, levando em consideração as referências espaciais locais da produção do ambiente
construído amazônico.

6 REFERÊNCIAS

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Requalificação de Unidades Básicas de Saúde (UBS). Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0725_02_05_2014.html> Acesso em 07 jan.
2018.

18
_____________. Portaria Nº 341, de 4 de março de 2013. Construção do Programa de Requalificação
de Unidades Básicas de Saúde (UBS). Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt0341_04_03_2013.html> Acesso em 07 jan.
2018.
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MAHFUZ, E. C. Nada provém do nada. São Paulo: Projeto n. 69, 1984. p. 90-95.
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de suas orlas fluviais. Revista Humanitas, v.18, n.2, p.135-148, 2002.

19
Externalidades: Desafios para a ciclabilidade
Externalities: Challenges for cyclability

Exterioridad: Desafio hacia el ciclismo

SILVA, Isabela Guilherme da


Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Londrina,
isabelag.silva@hotmail.com

FERNANDES, Danaê
Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Estadual de Londrina, daenandes@gmail.com

KANASHIRO, Milena
Profª Drª do Programa de Mestrado Associado UEL/UEM em Arquitetura e Urbanismo,
kanashiromilena@gmail.com

RESUMO
O processo de valorização do transporte motorizado individual e a precariedade dos transportes públicos têm
direcionado a um planejamento rodoviarista em nossas cidades. O presente trabalho, tem como estudo de caso
a cidade de Rolândia-Paraná, a qual apresenta 20% dos deslocamentos realizados por bicicleta, bem acima da
média nacional de 2% para municípios acima de 60.000 habitantes. Assim, esta pesquisa tem como intuito
entender esse fenômeno, primeiramente a partir da análise de sintaxe espacial – examinar se o choice (valor
NACH) possibilita a predição de rotas para o deslocamento por bicicleta e cotejar as rotas do NACH com as do
carregamento de dados da pesquisa de Origem-Destino. E, por fim, como objetivo principal, verificar a relação
das rotas cicláveis com os locais de acidente envolvendo bicicletas, considerado uma das principais
externalidades nesse tipo de deslocamento ativo. Os resultados deste estudo contribuem para a inclusão de
ferramentas de análise de rotas cicláveis e subsidiará estratégias de planejamento urbano para uma cidade mais
ciclável.
PALAVRAS-CHAVES: transporte ativo, ciclabilidade, estratégias de análise.

ABSTRACT
The process of valuing individual motorized transportation and the precariousness of public transport has led the
urban planning for car-friedly cities. The present study has as a case study the city of Rolândia-Paraná, which
presents 20% of the displacements by bicycle, well above the national average of 2% for municipalities above
60,000 inhabitants. Thus, this research intends to understand this phenomenon, firstly from the spatial syntax
analysis - if the choice (NACH value) enables the prediction of routes for the bicycle displacement and to compare
the NACH routes with those of the data loading Origin-Destination search. Finally, the main objective is to verify
the relationship between cycle routes and bicycle accident sites, considered one of the main externalities in this
type of active displacement. The results of this study contribute to the inclusion of cycle analysis tools and subsidize
urban planning strategies for a more bikeable city.
KEY WORDS: active transportation, bikeability, analysis strategies.

RESUMEN

1
El proceso de valorización del transporte motorizado individual y la precariedad del transporte público ha
orientado a una planificación de carreteras en nuestras ciudades. El presente trabajo, tiene como estudio de caso
la ciudad de Rolandia-Paraná la cual presenta el 20% de los desplazamientos por bicicleta, muy por encima del
promedio nacional del 2% para municipios superiores a 60.000 habitantes. Así, esta investigación tiene como
propósito entender ese fenómeno, primero a partir del análisis de sintaxis espacial - si el choice (valor NACH)
posibilita la predicción de rutas para el desplazamiento en bicicleta y cotejar las rutas del NACH con las del
cargamento de los datos de la carga búsqueda de Origen-Destino. Y, por fin, como objetivo principal verificar la
relación de las rutas ciclables con los lugares de accidentes por bicicletas, considerada una de las principales
externalidades en ese tipo de desplazamiento activo. Los resultados de este estudio contribuyen a la inclusión de
herramientas de análisis de rutas ciclables y subsidiará estrategias de planificación urbana para una ciudad más
ciclable.
PALABRAS CLAVE: transporte activo, ciclabilidad, estrategias de análisis.

1 INTRODUÇÃO

No início do século XX, as cidades começaram a receber os automóveis e modificar suas dinâmicas de
mobilidade e transportes. Como consequência à adesão do transporte individual motorizado, os
espaços públicos urbanos foram cedidos à crescente necessidade de expansão viária, perdendo
funções de sociabilidade (INSTITUTO DE ENERGIA E MEIO AMBIENTE, 2010).

Nesse processo, o planejamento urbano incorporou os veículos particulares como motriz essencial de
deslocamento, alterando a escala das cidades e expandindo seus limites. As mudanças de uso do solo
e distâncias proporcionadas pela velocidade de deslocamento trouxeram consequências negativas
para os modos de transporte não motorizados, que tiveram que conviver com as externalidades
produzidas pelos veículos automotores, como poluição e acidentes (VASCONCELLOS, 2014).

O Brasil detém um dos mais altos índices de fatalidades em acidentes de trânsito do mundo,
decorrente da incompatibilidade entre as características do ambiente urbano, o comportamento dos
motoristas e o deslocamento ativo sob condições inseguras. Esses fatores impactam intensamente os
usuários mais vulneráveis do sistema, que são os pedestres e os ciclistas (MINISTÉRIO DAS CIDADES,
2004).

Assim, na intenção de subsidiar as reflexões sobre o desenvolvimento do transporte por bicicleta, no


Estado do Paraná, o presente trabalho trata-se de um estudo de caso na cidade de Rolândia, que
apresenta 65.757 habitantes (IBGE, 2017). As cidades brasileiras de população inferior a 100 mil
habitantes são consideradas pequenas (STAMM et al., 2013) e, segundo o IBGE (2010), 95,5% dos
municípios paranaenses enquadram-se nesta categoria.

Além de representar a maioria das cidades do estado, Rolândia foi escolhida por exibir um número
significativo de deslocamentos por bicicleta, correspondendo a 20% de todas as viagens computadas

2
em pesquisa Origem Destino Domiciliar (ITEDES, 2018), o que se encontra acima da média nacional
para municípios com mais de 60 mil habitantes, que é de apenas 2% (ANTP, 2018).

Para a análise de operação das vias, recorreu-se à sintaxe espacial como estratégia analítica focada na
ordenação geométrica e configuracional do espaço na cidade (HILLIER, 2009), pois, segundo Oliveira
(2016), as relações entre espaço e padrões de movimentos humanos são aspectos fundamentais da
sintaxe espacial. Nesta abordagem, a medida sintática que mais se aproxima ao comportamento de
viagens por bicicleta é a angular Choice (RAFORD et al, 2007; NORDSTROM e MANUM, 2015), e se
refere ao caminho de menor desvio angular através do sistema, ou seja, a rota mais direta.

A segunda estratégia foi a espacialização dos dados de contagens do tráfego e informações de


deslocamentos por bicicleta, provenientes da Pesquisa Origem Destino Domiciliar (ITEDES, 2018). E,
por fim, foram sobrepostas as informações viárias, como a largura das vias e calçadas, as velocidades
máximas permitidas e a hierarquia viária, de acordo com o Plano Diretor Municipal (ROLÂNDIA, 2008).

Partindo da premissa de que a configuração do espaço urbano possui estreita relação com os padrões
de transporte, este estudo tem como objetivo verificar se existe associação entre as rotas cicláveis e
os locais de acidentes envolvendo bicicletas, através da sistematização dos dados e procedimentos de
análise. Entender o fenômeno de ampla utilização deste modal poderá trazer subsídios para um
desafio de cidades mais sustentáveis: a ciclabilidade.

2 MÉTODO

Rolândia é um município localizado no Norte do Paraná. A partir da elaboração de seu Plano de


Mobilidade Urbana (ITEDES, 2018), verificou-se que cerca de 20% de todos os deslocamentos urbanos
diários são realizados por bicicletas. Considerando que a média brasileira de deslocamento por
bicicleta para municípios de porte semelhante ao de Rolândia é de 2% (ANTP, 2018), utilizou-se deste
município como estudo de caso.

A cidade foi geoprocessada via ARCGIS 10.5, pelo Grupo de Pesquisa Design Ambiental Urbano,
permitindo a sobreposição dos dados da cidade e do Plano de Mobilidade realizado pelo ITEDES (2018).
Para o cálculo da medida sintática – Choice, foram usados o software Dephtmap e um mapa de eixos
viários com análise de segmentos, de acordo com o manual de morfologia urbana da Universidade de
Bartlett, em Londres (TURNER, 2004).

3
Na sequência, foram sobrepostos o carregamento das vias utilizadas para deslocamento por bicicletas,
compondo as rotas sugeridas pelo programa ARCGIS, assim como as informações viárias, de acordo
com o Plano Diretor Municipal (ROLÂNDIA, 2008). Foram listadas, ainda, as ocorrências de acidentes
envolvendo bicicletas (BOMBEIROS-PR, 2019), entre os anos de 2013 a 2017.

3 ANÁLISE

De forma a possibilitar a análise, a medida da sintaxe espacial, o Choice (valor do NACH), tem sido
aquela de maior aplicação para mensuração cicloviária em vias urbanas (RAFORD et al., 2007). De
acordo com Hillier et al. (2012), a medida de Choice tem a capacidade de determinar o número de
rotas em um sistema que transpassa um espaço particular da malha urbana, enquanto a medida de
Integration calcula a distância de cada elemento espacial em relação a todos os outros do sistema. A
união dessas medidas pode auxiliar na compreensão da acessibilidade para o transporte por bicicleta
(LAW et al., 2014).

A partir da sua forma normalizada (HILLIER et al., 2012), observou-se que, no mapa resultante do
Dephtmap, os valores maiores do NACH referiram-se a eixos viários de maiores conexões ao longo da
cidade, portanto de maior integração.

Figura 1 – Mapeamento dos valores do NACH

4
Fonte: autoras (2018)

Se considerarmos as discussões preditivas da ferramenta Choice, foi realizado o carregamento das vias
de maior contagem de tráfego. Verificou-se uma correspondência na Av. Getúlio Vargas (antiga linha
ferroviária), na Av. Aylton Rodrigues Alves (conexão norte), na Av. Atlanta e na Rua Reinaldo Massi
(sentido sul), cujos fluxos de bicicletas extrapolaram 60 bicicletas/hora.

5
Figura 2 – Mapeamento das vias de carregamento por bicicleta

Fonte: autoras (2019)

Ao aplicar-se um modelo de regressão linear com termo quadrático, cada trecho de via pôde ser
analisado de acordo com os dados obtidos na Pesquisa Origem Destino (ITEDES, 2018), levando-se em
conta os 535 relatos de viagem por bicicleta e seu parâmetro de verificação Choice.

Figura 3 - Cotejamento de dados entre valor NACH e ocorrência de viagens

Fonte: autoras (2019)

6
Como resultado, foi notado que as vias selecionadas apresentam a mesma tendência entre os valores
sintáticos NACH e a quantidade de ciclistas nos trechos correspondentes, embora os valores sejam
variáveis entre vias.

Posteriormente aos resultados dos valores NACH e dos carregamentos das vias, procedeu-se à
sistematização dos acidentes envolvendo bicicletas. Das 256 colisões ocorridas entre os anos de 2013
e 2017, 149 aconteceram com carros (58%), 83 com motos (33%), 18 com caminhões (7%) e apenas 6
acidentes com ônibus (2%). Conclui-se que o maior número de conflitos com bicicletas, na área urbana
de Rolândia, teve relação com o atropelamento por automóveis.

As vias que apresentaram mais acidentes foram as avenidas: Presidente Getúlio Vargas (26 acidentes),
Aylton Rodrigues (23 acidentes), Atlanta (14 acidentes) e Castro Alves (14 acidentes). Com exceção da
Av. Atlanta, que é definida como coletora na hierarquia viária e possui um limite de velocidade de 40
Km/h, as outras três vias são consideradas estruturais e exibem uma permissão de tráfego de até 60
Km/h, conforme explicitado na Tabela 1.

Tabela 1 - Informações físicas sobre as vias com maior número de ocorrência de acidentes envolvendo bicicletas

Fonte: Dados da Prefeitura Municipal e dos Bombeiros (2018)

Verificou-se uma incompatibilidade entre a hierarquia definida em Plano Diretor e as dimensões da


caixa viária de algumas vias. A Av. Aylton Rodrigues Alves, por exemplo, é categorizada como estrutural
e apresenta largura inferior à das vias coletoras. Entretanto, a ocorrência de acidentes parece estar
mais relacionada à dimensão da caixa viária do que com a hierarquia funcional instituída.

7
Entre as quatro vias com maior quantidade de acidentes por bicicletas, verificou-se que a Av.
Presidente Getúlio Vargas tem dimensão cinco vezes maior que a Av. Aylton Rodrigues em
comprimento. Apesar disso, as duas exibem um número semelhante de acidentes, sendo
concomitantes nos demais fatores físicos. As avenidas Atlanta e Castro Alves, por sua vez, apresentam
diferenças em todos os fatores (largura da caixa de rolamento, velocidade máxima, hierarquia e
comprimento da via) e, ainda assim, revelam um mesmo número de colisões.

A quantia de acidentes nas outras seis vias estudadas decresce, enquanto suas características mantêm
um padrão em relação à velocidade, à largura e pouca variação de comprimento. Com exceção da Av.
Palmeiras, as demais vias apresentam uma categorização de hierarquia viária inferior, como coletoras
e locais.

A Av. Castro Alves é a única via dotada de faixa exclusiva para circulação de bicicletas na cidade e,
embora seja definida na hierarquia como estrutural, possui pista única em cada sentido, com
estacionamento em ambos os lados. Ainda que a existência de estacionamento na via seja apontada
como impactante na segurança do transporte cicloviário (NIELSEN e SKOV-PETERSEN, 2018), este fator
não foi considerado como variável neste estudo, em virtude de todas as vias urbanas apresentarem
características muito semelhantes de estacionamento em ambos os lados.

Buscando, então, verificar a aproximação da ocorrência de acidentes com as características das vias,
procedeu-se ao cotejamento das informações da análise angular de segmentos, oferecida pelo
software Dephtmap (valor NACH), e os demais dados disponíveis (Figura 3).

8
Figura 3 - Valor NACH, número de rotas e contagens de bicicletas

Fonte: autoras (2019)

Exceção à Av. Palmeiras, identificou-se que as outras vias estudadas, aquelas com mais ocorrências de
acidentes envolvendo bicicletas, receberam valores NACH mais altos entre as vias. Embora nem
sempre o segmento da via com maior valor NACH atribuído corresponder ao ponto de maior índice de
acidente na via, verificou-se relações visíveis entre o valor NACH e a ocorrência de acidentes. Também
houve relações entre a quantidade de rotas sugeridas por segmento de via, principalmente em trechos
da Av. Pres. Getúlio Vargas, Av. Castro Alves e Av. Atlanta.

4. CONCLUSÕES

A pesquisa demonstrou que três vias de Rolândia se destacaram em razão do alto valor de
conectividade (valor NACH) e integração, por receberem um fluxo intenso de bicicletas e, também, por
serem cenário de uma grande quantidade de acidentes. São elas as avenidas Presidente Getúlio
Vargas, Aylton Rodrigues Alves e Atlanta, vias que ligam as regiões nordeste-sudoeste, norte e sul da

9
cidade, respectivamente. A disposição de cada uma dentro do sistema viário revela que, para chegar
a determinados locais do município, faz-se necessário passar, pelo menos, em um trecho dessas vias.

Tal fato pode ser conferido tanto na hierarquia definida pelo Plano Diretor Municipal, quanto na
atribuição do valor NACH. Deste modo, ressalta-se que o planejamento urbano municipal deve inserir
diretrizes para a construção de ciclovias em áreas onde o sistema viário não oferta muitas opções de
trajetos, configurando rotas intensas para todos os modos de transporte.

Essas três vias são as principais na geração de atropelamentos e nenhuma possui infraestrutura
específica para transporte por bicicletas. Suas caixas viárias são de até 14 metros e permitem que os
automóveis não apenas transitem por elas, em alta velocidade muitas vezes, mas também estacionem,
o que pode tornar-se um obstáculo para o ciclista que tenta deslocar-se na via. Além disso, os fatores
de microescala não abordados no trabalho, como qualidade do pavimento, iluminação e sinalizações
de trânsito, também influenciam no uso e na segurança deste tipo de deslocamento.

A Av. Castro Alves apresenta ciclovia e o mesmo número de acidentes da Av. Atlanta. Entretanto,
notou-se que ela não exibe um carregamento significativo de bicicletas, a não ser no trecho que
antecede a conexão com a Av. Aylton Rodrigues Alves. Seus valores NACH também não foram
elevados, porém, como a via localiza-se ao redor do centro, infere-se que a região possui várias opções
de rotas, não se restringindo a esta. A velocidade automotiva da via ainda pode ser uma condição que
gera as colisões com os veículos motorizados.

Concluiu-se que a permissão de velocidades até 60 km/h e a classificação de via estrutural foram
apontadas como um fator comum em quatro das dez vias com o maior registro de acidentes, assim
como caixas viárias de maiores dimensões. Os trechos de vias com aglomerados de rotas passantes
também ganharam evidência como locais proporcionais ao aumento de acidentes. Entretanto, essa
relação não pode ser considerada absoluta, visto que há trechos da Av. Atlanta, com grandes
aglomerados de rotas, desprovidos de acidentes.

Em relação a análise da medida Choice, observou-se que, em alguns casos, altos valores NACH
corresponderam às vias com maior taxa de acidentes. No entanto, foi constatado que futuras vias
estruturantes em áreas de expansão receberam elevado valor NACH, embora nenhuma ocorrência de
acidente tenha sido registrada. Nesse sentido, a medida sintática Choice apresenta-se como uma
potencial ferramenta para a predição de rotas com necessidade de infraestrutura específica para
bicicletas.

10
Enquanto limitação do estudo, embora a contagem de tráfego tenha capturado grandes fluxos de
ciclistas, a ampliação de pontos de monitoria de tráfego poderiam ocasionar outras análises na relação
configuracional e de acidentes com bicicletas.

Como contribuição, o trabalho verifica a complexidade do fenômeno da ciclabilidade como objeto de


estudo, por meio de estratégias analíticas para contribuir no entendimento do ambiente construído
como suporte a uma vida mais ativa. Nesse sentido, é preciso reforçar a necessidade de mais pesquisas
para vencer lacunas sobre a compreensão dos deslocamentos não motorizados.

Salienta-se que os deslocamentos ativos acontecem em grande número nas cidades brasileiras e,
mesmo assim, ficam em segundo plano nas políticas de trânsito. Em meio a isso, o profissional de
Arquitetura e Urbanismo deve ser o mediador fundamental dos padrões de planejamento de
transportes, que podem ora corroborar para uma cidade mais motorizada, ou mais amigável ao
pedestre e ciclista.

5 AGRADECIMENTOS

À Universidade Estadual de Londrina, que, através do programa de bolsas de Iniciação Científica,


colocou-me em contato com a pesquisa acadêmica. Agradeço ao Grupo de Pesquisa Design Ambiental
Urbano, coordenado pela Profª Drª Milena Kanashiro, por todo o conhecimento transmitido. Desejo,
ainda, que as minhas contribuições à pesquisa da mestranda Danaê Fernandes sejam úteis e lhe
rendam frutos.

6 REFERÊNCIAS

ANTP. Sistema de Informações de Mobilidade Urbana: relatório geral 2014. São Paulo: ANTP, 2018.
BOMBEIROS-PR. Sistema de registro e estatística de ocorrências. Disponível em:
http://www.bombeiroscascavel.com.br/registroccb/imprensa.php. Acesso em 15 mar. 2019.
HILLIER, B. Spatial sustainability in cities: organic patterns and sustainable forms. Proceedings of the 7th
International Space Syntax Symposium, p. 16-35. Estocolmo: Royal Institute of Technology, 2009
HILLIER, B; YANG, T; TURNER, A. Normalising least angle choice in Depthmap and how it opens up new
perspectives on the global and local analysis of city space. Journal of Space Syntax, v. 3, p. 155-193, 2012.
IBGE. Brasil em síntese. Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pr/rolandia/panorama. Acesso em 9
mai. 2019.
IEMA. A bicicleta e as cidades: como inserir a bicicleta na política de mobilidade urbana. São Paulo: Instituto de
Energia e Meio Ambiente, 2010.

11
ITEDES. Plano de mobilidade urbana de Rolândia-PR. Rolândia: Prefeitura Municipal, 2018.
LAW, S; SAKR, F. L; MARTINEZ, M. Measuring the changes in aggregate cycling patterns between 2003 and 2012
from a space syntax perspective. Behavioral Sciences, v. 4, ed. 3, p. 278-300, 2014
MINISTÉRIO DAS CIDADES. Trânsito, questão de cidadania. Brasília: Ministério das cidades, 2004.
NIELSEN, T. A. S; SKOV-PETERSEN, H. Bikeability - Urban structures supporting cycling. Effects of local, urban and
regional scale urban form factors on cycling from home and workplace locations in Denmark. Journal of Transport
Geography, v. 69, p. 36-44, 2018.
OLIVEIRA, V. Urban morphology. An introduction to the study of the physical form of cities. Switzerland: Springer,
2016
RAFORD, N; CHIARADIA, A; GIL, J. Space Syntax: The Role of Urban Form in Cycli.st Route Choice in Central
London. UC Berkeley Research Reports, 2007.
ROLÂNDIA. Plano diretor de Rolândia-PR. Rolândia: Prefeitura Municipal, 2008.
STAMM, C.; STADUTO, J. A. R.; LIMA, J. F. de; WADI, Y. M. A população urbana e a difusão das cidades de porte
médio no Brasil. Revista Interações, v. 14, p. 251-265, julho-dezembro 2013.
TURNER, D. Dephtmap 4 - A Researcher’s Handbook. Bartlett School of Graduate Studies. Londres: UCL, 2004.
VASCONCELLOS, E. A. Políticas de transporte no Brasil: a construção da mobilidade excludente. Barueri: Manole,
2014.

12
A extensão no ateliê de urbanismo e paisagismo: relato de uma
experiência

The extension practices in landscaping and urban planning atelier: relates the
experience

Las prácticas de extensión no Atelier de paisajismo y urbanismo: relatos de la


experiencia

TRENNEPOHL, Amanda Trautenmüller


Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Franciscana, trennepohlamanda@gmail.com

FLORES, Anelis Rolão


Arquiteta e Urbanista, Mestre em Arquitetura, Doutoranda PROPAR-UFRGS, Docente do curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Franciscana, anelis@ufn.edu.br

GUMA, Juliana Lamana


Arquiteta e Urbanista, Mestre em Planejamento Urbano e Regional, Docente do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Franciscana, juliana.guma@ufn.edu.br

RESUMO
A exigência da curricularização das práticas extensionistas trouxe novos questionamentos e possibilidades ao
ensino superior, fomentando a discussão sobre como essas práticas seriam inseridas teórica e
metodologicamente nos cursos de graduação. Este artigo relata a experiência da disciplina extensionista
denominada Ateliê Itinerante, ministrada para o 5º semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo e que tem
como foco o projeto de desenho urbano e de paisagismo. A partir das situações relatadas, fotos, imagens,
depoimentos dos alunos e de materiais produzidos até o momento, propõe-se a reflexão e o diálogo sobre o
significado da extensão para o processo de projeto e para os atores envolvidos. É possível afirmar que a troca de
saberes, proporcionado pela aproximação universidade e comunidade, permite novas experiências acadêmicas
e de vida, beneficiando principalmente os estudantes pela associação direta entre a teoria e a prática.
PALAVRAS-CHAVES: ensino, extensão, paisagismo, urbanismo

ABSTRACT
The requirement of curricularization of extension practices brought new questions and possibilities to higher
education, fomenting the discussion about how these practices would be inserted theoretically and
methodologically in undergraduate courses. This article relates the experience of the extensionist discipline called
Ateliê Itinerante, given for the 5th semester of the Architecture and Urbanism course, which focuses on the urban
design and landscaping project. From the situations reported, photos and images, testimonials from students and
materials produced so far, it is proposed to reflect and dialogue about the meaning of extension for the project
process and for the actors involved. It is possible to affirm that the knowledge exchange, provided by the university

1
and community approach, allows new academic and life experiences, benefiting mainly students by the direct
association between theory and practice
KEY WORDS: itinerant atelier, teaching, extension, landscaping, urban planning

RESUMEN
La exigencia de la curricularización de las prácticas extensionistas trajo nuevos cuestionamientos y posibilidades
a la enseñanza superior, fomentando la discusión sobre cómo esas prácticas serían insertadas teórica y
metodológicamente en los cursos de graduación. Este artículo relata la experiencia de la disciplina extensionista
denominada Ateliê Itinerante, ministrada para el 5º semestre del curso de Arquitectura y Urbanismo y que tiene
como foco el proyecto de diseño urbano y de paisajismo. A partir de las situaciones relatadas, fotos e imágenes,
testimonios de los alumnos y de materiales producidos hasta el momento se propone la reflexión y el diálogo
sobre el significado de la extensión para el proceso de proyecto y para los actores implicados. Es posible afirmar
que el intercambio de saberes, proporcionado por la aproximación universidad y comunidad, permite nuevas
experiencias académicas y de vida, beneficiando principalmente a los estudiantes por la asociación directa entre
teoría y práctica.
PALABRAS CLAVE: atelier itinerante, enseñanza, extensión, paisajismo, urbanismo

1 INTRODUÇÃO
Os projetos e cursos de extensão são práticas já consolidadas no ensino superior como atividades que
complementam o popular “tripé” ensino-pesquisa-extensão. Embora a extensão universitária já
estivesse prevista desde o Decreto nº 19.851, de 11/4/1931, que estabeleceu as bases do sistema
universitário brasileiro, é a partir da Resolução do MEC - CNE/CES 7/2018 que ela se torna obrigatória
nos currículos dos cursos de graduação através das disciplinas extensionistas. Tal exigência trouxe
novos questionamentos e novas possibilidades ao ensino superior, fomentando a discussão sobre
como essa prática seria inserida teórica e metodologicamente nos cursos de graduação.

A Universidade, em seus princípios, abre diversas opções de projetos de extensão, dois deles estão
presentes na disciplina aqui relatada: Educação Cultura e Comunicação e Desenvolvimento Regional
Sustentável. O primeiro, visa estimular a noção de cidadania, e assim busca a realização de práticas
educativas, com expressões artísticas e culturais, em ambientes formais e não formais. O segundo, é
um programa que procura o planejamento de iniciativas educativas e/ou empreendedoras de caráter
econômico ou solidário, sustentáveis, que promovam o crescimento econômico e a melhoria da
qualidade de vida da população.

Este artigo relata a experiência da prática extensionista na disciplina denominada Ateliê de Urbanismo
e Paisagismo, ministrada para o 5º semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo e pretende refletir
sobre o significado dessa experiência para o processo de projeto proposto e para os atores envolvidos
na ação. A união entre a teoria com a prática, a universidade com a comunidade, no caso estudado se

2
dá a partir da criação do Ateliê Itinerante, que busca promover e garantir a interação entre alunos,
professores e a comunidade. O campo de atuação da extensão, neste caso, é a área externa e a rua de
acesso de uma escola municipal de ensino fundamental visto que a disciplina tem como objetivo
teórico o aprendizado dos conhecimentos de desenho urbano e paisagístico.

2 A PROPOSTA METODOLÓGICA DO ATELIÊ ITINERANTE: NOVAS POSSIBILIDADES DE PENSAR


O PROCESSO DE PROJETO
Proposto com objetivo teórico de desenvolver projetos de desenho urbano e paisagístico que
contemplem as necessidades de comunidades e seu entorno, o Ateliê objetiva que os alunos
encontrem soluções para os problemas e demandas identificados na área de estudo, requalificando o
espaço urbano. Com isso, há o aprofundamento em conhecimentos relativos à funcionalidade,
concepção formal, materialidade e legislação pertinentes ao projeto.

Além da interação entre o curso e a comunidade, a disciplina auxilia no aperfeiçoamento de técnicas


de desenho e expressão gráfica, inerente ao processo de desenho urbano e paisagístico e seus
respectivos detalhamentos. Também, estimula a busca de informações sobre a comunidade e as
pessoas, sua história, como vivem e suas necessidades.

Para viabilização da atividade extensionista, foi solicitado a Secretaria da Educação Municipal a


indicação de qual escola necessitaria com mais urgência de diretrizes urbanísticas e paisagísticas. O
local determinado para o estudo foi a Escola Municipal de Ensino Fundamental Chácara das Flores.
Localizada na parte norte da cidade, a escola recebe crianças da comunidade do seu entorno,
caracterizada por baixa renda e precariedade de infraestrutura urbana.

No lote da escola existe a edificação que abriga as atividades educacionais, além de uma quadra de
esportes coberta e 2 pracinhas com pouca infraestrutura. Diferente de outras instituições de ensino
conhecidas na cidade, esta destaca-se por possuir uma grande área externa, hoje pouco utilizada em
função da topografia e inexistência de mobiliário e pisos adequados. O acesso à escola é feito por uma
via sem pavimentação, calçadas e infraestrutura urbana, o que ocasiona inúmeros problemas de
deslocamento para os alunos, pais e professores, principalmente em dias de chuva. Tais condições
tornaram essa instituição ideal para os objetivos da disciplina.

Assim, a disciplina de Ateliê Itinerante foi dividida em etapas cumulativas, sendo desenvolvida por meio
de aulas expositivas, visitas técnicas, reuniões e oficinas na comunidade escolar, pesquisas, palestras,

3
apresentações de trabalhos relacionados à temática e desenvolvimento e assessoramento de projeto.
As cinco etapas de trabalho, que compreenderam ações e saberes que transitaram entre o ensino e a
extensão, estão descritas a seguir.

1ª etapa: Conceituação do trabalho extensionista e da responsabilidade social do arquiteto.

Na primeira etapa, além de aprender sobre os condicionantes e atributos de um projeto paisagístico e


urbanístico, introdução ao desenho universal e estratégias de sustentabilidade, o acadêmico se depara
com os conceitos e definições da prática extensionista e é convidado a refletir sobre as
responsabilidades sociais que envolvem a arquitetura.

Segundo Vicente Del Rio (DEL RIO, 2012, p.54), o desenho urbano é o “(... ) campo disciplinar que trata
a dimensão físico-ambiental da cidade enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e sistemas de
atividades que interagem com a população através de suas vivências, percepções e ações cotidianas”.
E foi no intuito de compreender as percepções e ações da comunidade de estudo que se desenvolveu
a 2ª etapa.

2ª etapa: Levantamento de dados e interação com a comunidade.

Os alunos foram divididos em grupos de até 4 pessoas para realização de um levantamento completo
do local e para propor uma atividade de interação com a comunidade.

Num primeiro momento foi realizada a etapa de levantamento de dados e condicionantes locais, na
qual foram obtidos dados sobre o histórico da escola, fotografias, informações sobre sua área e
edificação, catalogação da vegetação existente e demais subsídios para um entendimento satisfatório
da realidade estudada. Após a visita, o material foi organizado pelos grupos e catalogado pelas
monitoras da disciplina e repassado à turma.

Posteriormente, foram propostas Oficinas Itinerantes que tinham como objetivo a construção do
programa de necessidades para o projeto em questão e a troca direta de saberes e expectativas entre
os acadêmicos e as crianças. Para a realização dessas oficinas foi solicitado um plano de trabalho prévio
que foi apresentado para a direção da escola que fez as suas adaptações e considerações para aplicação
junto aos alunos. A turma do curso de arquitetura e urbanismo foi até a escola, em data pré-agendada
e realizou a atividade com as crianças conforme planejado, alcançando os subsídios necessários para o
desenvolvimento do partido urbano-paisagístico.

4
3ª etapa: Programação e detalhamento da proposta.

Com base nos resultados das oficinas, criação de uma proposta que atenda as carências do local e de
seus usuários, utilizando a base de projetos urbanísticos e paisagísticos passadas em aula e estratégias
de sustentabilidade e reuso de materiais; os grupos foram divididos em duplas, e realizaram a
proposição de um partido paisagístico para a escola e um partido urbano para a via localizada em frente
a mesma.

4ª etapa: A prática de intervenção paisagística e urbanística.

Após as etapas de criação e detalhamento, tem início a prática de intervenção paisagística e


urbanística. Nesta etapa os alunos se deparam com as dificuldades inerentes ao processo de
aprendizagem de projetos de desenho urbano e paisagísticos, precisando detalhar as propostas
inicialmente lançadas. Para isso, voltamos à sala de aula para discussão técnica pertinente.

5ª etapa: Apresentação final para a comunidade

Após a finalização dos partidos e detalhamentos os resultados serão apresentados para a comunidade.
Um “Caderno de Ideias” que contará com resumos dos projetos desenvolvidos, os conceitos adotados,
plantas humanizadas e croquis explicativos, será preparado e posteriormente entregue a escola. Esta
etapa compreende um novo encontro entre os acadêmicos da graduação e os alunos da escola,
reforçando o vínculo iniciado e fornecendo uma resposta aos temas trabalhados em conjunto.

A metodologia, acima descrita, resulta de um desafiador processo de curricularização da extensão em


que se pretendeu associar de forma equilibrada os objetivos teóricos e práticos propostos à disciplina.
Na sequência, o relato dessa experiência assume o foco extensionista trazendo à discussão os
processos e resultados decorrentes da aplicação destas etapas.

3 A PRÁTICA EXTENSIONISTA NA DISCIPLINA: A UNIVERSIDADE VAI À ESCOLA


Entre os objetivos da inserção da extensão no ensino superior está a troca de saberes entre a
comunidade acadêmica e a comunidade externa beneficiada. Para isso, faz-se necessário que a
universidade se aproxime da realidade que está sendo estudada. No caso do Ateliê aqui relatado, a
Universidade precisou ir à escola. Os alunos envolvidos na disciplina foram aprender e compartilhar
conhecimento com os alunos de uma escola pública municipal. Tal aproximação, pode contribuir
significativamente com a formação do estudante e cidadão, que se insere diretamente em uma

5
realidade diferente da que está acostumado, tendo contato com todo o aprendizado que essa
experiência pode proporcionar.

Dentro da metodologia adotada na disciplina, o maior envolvimento entre os acadêmicos e as crianças


da escola se deu na etapa das Oficinas Itinerantes. O objetivo desta atividade foi colher informações
para montagem do programa de necessidades do projeto de desenho urbano e paisagístico do
semestre, mas principalmente auxiliar nos conhecimentos já trabalhados na escola ligados à
sustentabilidade.

Após a etapa de levantamento, os grupos elaboraram oficinas que foram realizadas com os estudantes
da escola. O trabalho se deu com turmas de até 15 crianças do ensino fundamental. Foram realizadas
atividades diversas que visaram a expressão das crianças de maneira gráfica e tática.

Entre as atividades propostas, estavam a produção de painéis com desenhos e frases aliados a
implantação da escola e bairro, desenhos e colagens, e ainda, montagem de maquetes interativas com
materiais reutilizados. As oficinas buscaram, também, retratar os desejos das crianças para a escola e
a comunidade, e posteriormente, se tornaram base e inspiração para as proposições de projeto na
disciplina. A Figura 1 mostra um compilado dos resultados das oficinas, onde podemos observar
palavras-chave, desenhos abstratos, muita cor e a volumetria de uma das maquetes construídas.

Figura 1 - Resultado das oficinas.

6
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

A partir das oficinas, houve o entendimento das carências e pontos positivos do local, foi possível
entender com clareza as necessidades das crianças e do quais eram as suas expectativas para a área
externa da escola. Entre outras coisas, esse aprendizado trata diretamente de um ponto de grande
importância na vida profissional, que é a construção relação profissional-cliente, os acadêmicos
conheceram seus clientes, suas necessidades reais e idealizadas.

A partir desta tarde de convívio e descobertas foi lançado, em sala de aula e de forma conjunta, o
programa mínimo de necessidades para a área de projeto. Observou-se que muitas demandas só foram
reconhecidas com a realização das oficinas e que itens de projeto considerados essenciais para os
estudantes de arquitetura sequer foram citados pelas crianças. Esse resultado reforça e reconhece a
importância da construção arquiteto-cliente e motiva os alunos à buscarem soluções diferentes das
suas próprias expectativas iniciais.

Os materiais obtidos com as oficinas também influenciaram nos conceitos e decisões dos Partidos
Urbano-paisagísticos, pois alguns projetos adotaram traçados semelhantes aos presentes nos
desenhos das crianças. Linhas e eixos foram propostos para a organização dos setores propostos,
criando espaços de lazer, recreação, trabalho, apoio e convívio. Além disso, mobiliários foram

7
propostos, atendendo as necessidades e desejos das crianças. Na escala urbana, foi proposto todo
apoio para infraestrutura do local, como pontos de drenagem, rede de iluminação pública e
pavimentação adequada para ruas, calçadas e áreas de travessia. As cores e formas utilizadas pelas
crianças foram reproduzidas de diversas maneiras nos itens citados, proporcionando interação das
pessoas com o local. A figura 2 ilustra uma das propostas que mais trouxe inspiração da tarde de
oficinas.

Figura 2 - Desenhos da oficina ‘’Meu sonho colorido’’ usados para a construção do conceito do projeto do grupo.

Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019

Entendendo que é na troca de experiências que se estabelecem as relações significativas, para a


finalização do Ateliê os alunos da escola que participaram das oficinas virão até a Universidade, com o
propósito de entender, conhecer e se relacionar com o meio acadêmico. Tal ação, tem o intuito de
retribuir a acolhida da escola e proporcionar uma nova vivência a todos os atores envolvidos,
invertendo os papeis inicialmente estabelecido, abrindo mais um campo de experimentação e
construção do conhecimento.

As crianças serão convidadas a passear pela instituição, conhecendo pontos importantes do campus
como laboratórios, ateliês, espaço de Rádio e Tv e espaços colaborativos. Ainda, atividades serão
desenvolvidas pelos acadêmicos em salas de aula, com o intuito dialogar sobre a área da arquitetura e

8
do urbanismo, sobre a universidade e sobre a cidade. As atividades serão realizadas pelos mesmos
grupos dos levantamentos e oficinas já realizados, sob supervisão de professores e monitores do curso
de arquitetura e urbanismo.

4 O IMPACTO NOS ATORES ENVOLVIDOS E NAS PROPOSIÇÕES PROJETUAIS: RESULTADOS


DA DISCIPLINA
“Repetimos que o conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aquêles que se julga não
saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se
aperfeiçoa na problematização crítica destas relações”. (FREIRE, 1969, p.22)

Paulo Freire fala que a extensão e o conhecimento dela advindo se concretiza nas relações
transformadoras homem-mundo. Esse entendimento de que a prática extensionista se dá a partir dos
diferentes saberes relacionados motivou o desenvolvimento deste Ateliê que buscou, na troca entre
alunos de uma escola de ensino fundamental e alunos da graduação, a construção de uma metodologia
de projeto mais eficiente e conectada a realidade.

Como resultado, observa-se uma experiência transformadora em diferentes níveis de envolvimento e


é possível reconhecer diferentes atores participantes deste processo. Podemos citar neste primeiro
momento os alunos de graduação, os monitores voluntários, os professores das disciplinas, a
comunidade da escola como um todo. Para tentar compreender um pouco dos impactos causados
pelas atividades até agora desenvolvidas em alguns atores do processo, optou-se por colher alguns
breves depoimentos.

Os acadêmicos matriculados no Ateliê Itinerante estão na metade do curso de Arquitetura e


Urbanismo, etapa de formação que proporciona um envolvimento com escalas mais abrangentes de
projeto, como o desenho urbano e o paisagismo. Abaixo estão transcritos os depoimentos de duas
alunas envolvidas na disciplina. Ambos indicam que a aproximação universidade-escola foi relevante
para o aprendizado acadêmico, como segue:

Durante o primeiro semestre de 2019 a experiência na cadeira extensionista de urbanismo e paisagismo


foi importante para o aprendizado acadêmico durante todo desenvolvimento do projeto, uma vez que
o contato com os alunos da escola e as atividades realizadas agregaram além de conhecimentos teóricos
que foram aprendidos também na prática. (Acadêmica 1 - 5º semestre)

9
Observa-se que a Acadêmica 1 ressalta a importância do contato direto com os alunos para todo o
processo de projeto. Ainda, a Acadêmica 2 ressaltou a importância da extensão para as decisões
projetuais, que focaram no reconhecimento de uma comunidade, e para o seu crescimento pessoal:

É a primeira disciplina de projeto que temos relacionada ao urbanismo, e também a primeira disciplina
extensionista do curso, mas acredito que essa primeira experiência foi muito positiva, pois tivemos
contato, não só com o espaço escolar, mas com seus usuários (alunos, professores, funcionários). As
experiências que tivemos nas oficinas foram fatores determinantes nas tomadas de decisões do projeto,
pois conseguimos entender o que eles queriam ou precisavam para a escola, e não apenas deduzir a
partir de observações rápidas do local. Tínhamos um terreno em uma escala grande e estudamos as
necessidades do local a partir da escala humana, com a perspectiva de seus usuários, o que com certeza
nos engrandece enquanto profissionais e ser humano, percebendo na prática que os espaços devem ser
projetados para as pessoas, e não apenas para o prestígio do arquiteto”. (Acadêmica- 5º semestre)

Convém ressaltar que a disciplina abriu espaço e despertou o interesse para que acadêmicos de outros
semestres a acompanhassem voluntariamente auxiliando nas atividades desenvolvidas, tanto teóricas
quanto práticas. Abaixo depoimento de uma das acadêmicas monitoras voluntárias.

Quando tive a oportunidade de participar da disciplina de Ateliê de Urbanismo e Paisagismo como


monitora, logo me interessei e aceitei participar. Sempre quis vivenciar um projeto extensionista, e
sabendo que iríamos trabalhar com crianças, buscando melhorar a qualidade de seu ambiente escolar,
me senti bem motivada. A monitoria proporcionou aprendizados e experiências multidisciplinares, tanto
no âmbito acadêmico, agregando conhecimento projetual através de embasamento teórico, quanto
pessoal, através da vivência das oficinas, onde pudemos entrar em contato com as crianças da escola,
ampliando nossa visão e sensibilizando-nos através do olhar dos mesmos, gerando uma troca, dos
nossos conhecimentos técnicos com a visão livre e criativa das crianças em relação ás suas necessidades
e o que realmente acham que seria legal para a sua escola. (Acadêmica voluntária – 9º semestre)

É importante destacar que esta aluna já está no último ano do curso de graduação e, durante sua
formação não teve a oportunidade de vivenciar uma disciplina extensionista. A temática que aborda
as crianças também foi fundamental para despertar o seu interesse, o que deve ser considerado
quando da escolha da comunidade que será estudada, neste caso, uma escola. Nem todas as temáticas
são motivadoras para os alunos de graduação, a sensibilidade de buscar uma problemática real e
conectada com os anseios dos estudantes pode facilitar as atividades propostas e o alcance dos
objetivos inicialmente delineados.

A Escola de Ensino Fundamental Chácara das Flores tem desenvolvido atividades ligadas ao tema da
sustentabilidade e este foi um dos caminhos buscados na organização da disciplina para atender a

10
demanda local. A diretora da escola relata o impacto da relação universidade-escola estabelecida,
destacando a atividade das oficinas, conforme relato descrito abaixo.

No ano de 2018, trabalhamos com os alunos a importância da sustentabilidade, sem a construção de


conceitos específicos sobre essa temática. Com a contribuição das oficinas oferecidas pelo curso de
arquitetura da UFN, os alunos conseguiram aprofundar o conhecimento, antes básico, sobre a temática
da sustentabilidade. Esse trabalho foi imprescindível para que a escola participasse do concurso jogue
limpo de uma empresa nacional onde o tema principal era a sustentabilidade. Com as oficinas os alunos
tiveram propriedade para debater e explanar sobre a temática. (Diretora da escola)

Além dos resultados já relatados, acredita-se que o evento final da disciplina oportunizará mais um
espaço de troca e partilha entre a universidade e a escola. Pretende-se neste dia, acolher os
depoimentos das crianças envolvidas nesta prática, a fim de fazer uma avaliação completa do processo
metodológico apresentado neste artigo.

5 AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à Secretaria Municipal de Educação e, principalmente, à Escola Municipal de Ensino
Fundamental Chácara das Flores pela acolhida e pela troca de experiências que viabilizaram e deram
significado a realização desta disciplina.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível afirmar que a troca de saberes, entre universidade e comunidade, proporciona novas
experiências acadêmicas e de vida, beneficiando principalmente os estudantes pela aproximação da
teoria com a prática. Para os professores, a inovação está na motivação dos atores envolvidos e na
organização teórico-metodológica da disciplina para atender satisfatoriamente tanto à comunidade
quanto à matriz curricular.

Considera-se que a inserção da extensão no currículo dos cursos de graduação, apesar de ser um
desafio acadêmico, traz ganhos significativos para a formação superior e para as comunidades
atendidas. Ainda, para classe profissional dos arquitetos e urbanistas, quase sempre elitizada, a
efetivação da curricularização da extensão nas Instituições de Ensino Superior oportuniza revelar a
responsabilidade social da profissão.

Conforme já citado, não se teve a pretensão de descrever uma metodologia de sucesso, mas sim de
colaborar nas discussões acerca deste tema, fundamental para o ensino de arquitetura e urbanismo.

11
Acredita-se que as práticas semelhantes à relatada neste artigo trazem novos olhares para
comunidades e ampliam as ações sociais, ganhando cada vez mais atenção e colaborando para a
formação de um profissional mais completo e consciente da realidade em que vive.

REFERÊNCIAS
D’OTTAVIANO, Camila. ROVATI, João F. (Organizadores). Para Além da Sala de Aula. Extensão Universitária e
Planejamento Urbano e Regional. 1º ed. - São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo e Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, 2017.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? São Paulo: Paz e Terra, 1983 [1969]
LERSCH, Inês Martina; OLIVEIRA, Clarice Misoczky de; RIBEIRO, Bárbara Maria Giaccom. Ateliê internacional: uma
experiência de Extensão Universitária. In: Anais do XVII ENANPUR. São Paulo, 22-26 de maio de 2017
RAMOS, Marina Bezerril Régis. Compartilhando saberes: uma experiência de projeto participativo entre a
academia e o ambiente escolar da EEHR. In: Anais do XVII ENANPUR. São Paulo, 22-26 de maio de 2017.

12
Projeto urbano e escala local: Relato de projetos realizados no curso
de Arquitetura e Urbanismo

Urban design and local scale: An account of the projects carried out in a course
of Architecture and Urbanism

Proyecto urbano y escala local: Un relato sobre los proyectos realizados en una
disciplina del curso de Arquitectura y Urbanismo
MENESES, Vítor Domício de.
Mestre em Arquitetura e Urbanismo e Design, UniFanor Wyden, domiciomeneses@yahoo.com.br

RESUMO
Este trabalho debate sobre o projeto urbano na escala local a partir da análise de projetos realizados na disciplina
de Intervenção Urbana Local do curso de Arquitetura e Urbanismo do UniFanor Wyden em 2019. O objetivo do
trabalho é refletir sobre a importância do estudo de metodologias de planejamento e projeto urbano nas
disciplinas do curso de Arquitetura e Urbanismo. Para atingir esse objetivo, primeiramente foi realizado um
levantamento bibliográfico sobre metodologia de planejamento urbano, intervenções efêmeras e participação. E
depois foram analisados seis trabalhos de alunos que consistem em projetos de intervenção urbana para bairros
de Fortaleza – CE. A análise dos trabalhos permite uma reflexão sobre o ensino de projeto urbanístico e suas
metodologias, além de evidenciar a importância do ateliê de projeto para a formação profissional do arquiteto e
urbanista.
PALAVRAS-CHAVES: Projeto Urbano, Escala Local, Arquitetura e Urbanismo; Ateliê de projeto.

ABSTRACT
This paper discusses urban design at the local scale from the analysis of projects carried out in the Local Urban
Intervention course of the UniFanor Wyden Architecture and Urbanism course in 2019. The aim of this paper is to
reflect on the importance of studying planning methodologies. and urban design in the subjects of the
Architecture and Urbanism course. To achieve this goal, a bibliographic survey on urban planning methodology,
ephemeral interventions and participation was first conducted. And then we analyzed six student works that
consist of urban intervention projects for neighborhoods of Fortaleza - CE. The analysis of the works allows a
reflection on the teaching of urban design and its methodologies, besides highlighting the importance of the
design studio for the professional formation of the architect and urban planner.
KEY WORDS: Urban Design, Local Scale, Architecture and Urbanism; Project workshop.

RESUMEN
Este documento analiza el diseño urbano a escala local a partir del análisis de proyectos realizados en el curso de
Intervención Urbana Local del curso de Arquitectura y Urbanismo de UniFanor Wyden en 2019. El objetivo de este
documento es reflexionar sobre la importancia de estudiar metodologías de planificación. y diseño urbano en las
asignaturas del curso de Arquitectura y Urbanismo. Para lograr este objetivo, primero se realizó una encuesta
bibliográfica sobre metodología de planificación urbana, intervenciones efímeras y participación. Y luego
analizamos seis trabajos de estudiantes que consisten en proyectos de intervención urbana para vecindarios de
Fortaleza - CE. El análisis de las obras permite una reflexión sobre la enseñanza del diseño urbano y sus
metodologías, además de resaltar la importancia del estudio de diseño para la formación profesional del
arquitecto y urbanista.
PALABRAS CLAVE: Proyecto Urbano, Escala Local, Arquitectura y Urbanismo; Taller de diseño.

1
1 INTRODUÇÃO

Ao longo da história, a cidade cresceu e transformou-se em um objeto de estudo que, para além de ser
discutido e compreendido, necessita ser planejado. A demasiada complexidade da cidade faz com que,
muitas vezes, por falta de uma compreensão adequada do fenômeno urbano, as intervenções urbanas
ocorram através de tentativas de simplificação do território e das suas relações (ALEXANDER, 2008).
Christopher Alexander reforça que, ao tentar compreender a cidade é preciso considerar as pessoas,
suas relações e percepções do espaço pois todas essas são partes importantes do território que será
planejado. Fruto dessa incompreensão do espaço e de seus componentes, a postura da gestão
municipal trabalha, muitas vezes, executando projetos pontuais na cidade que acabam sendo
ineficientes no enfrentamento dos problemas existentes.

A problemática apresentada evidencia tanto a necessidade de planejamento de um território sempre


em transformação quanto a importância da reflexão sobre as formas de planejar e intervir na cidade.
Este trabalho faz uma reflexão sobre as metodologias de planejamento e projeto urbano estudadas na
escola de Arquitetura e Urbanismo para debater acerca do seguinte questionamento: Como o exercício
de planejamento e projeto ao longo do Curso de Arquitetura e Urbanismo pode auxiliar em uma melhor
compreensão da cidade e, por consequência, contribuir para a realização de planos e projetos urbanos
mais eficientes?

Neste contexto, o presente trabalho tem o objetivo de refletir sobre a importância do estudo de
metodologias de planejamento e projeto urbano nas disciplinas de projeto urbanístico do curso de
Arquitetura e Urbanismo. Para atingir o objetivo proposto, a pesquisa foi dividida em duas partes. A
primeira foi a realização de uma revisão bibliográfica sobre metodologia de planejamento urbano
(FERRARI, 1986; SABOYA, 2000) intervenções efêmeras (ROSA, 2011) e participação (NUNES, 2006;
VILLAÇA, 2005; BORDENAVE, 1986).

A segunda parte é a coleta e análise de dados que foi realizada com alunos de duas turmas da disciplina
de Intervenção Urbana Local do Curso de Arquitetura e Urbanismo no ano de 2019, sendo analisados
seis trabalhos ao todo. Nesta parte da pesquisa, foram considerados tanto os dados escritos e gráficos
(coletados nos projetos entregues pelos alunos), como também a observação do professor durante as
aulas de ateliê em relação ao desempenho das equipes e a tomada de decisão no projeto. A observação
foi essencial para a realização da pesquisa pois o contato do pesquisador com os alunos permitiu o
conhecimento de fatores subjetivos nos processos de projeto, contribuindo para a validação dos dados

2
analisados a partir da leitura dos trabalhos (GIL, 2014; FERRARA, 1993). Portanto, essa parte é
composta pelo debate acerca do conteúdo estudado na disciplina e, por fim, da análise dos trabalhos
realizados pelos alunos nas fases de diagnóstico e plano de intervenção urbana. Os trabalhos foram
analisados a partir dos seguintes parâmetros: metodologia, intervenções efêmeras, participação, eixos
de intervenção, pontos positivos, pontos negativos. A intenção desta análise é perceber como o estudo
de metodologias de plano e projeto urbano influencia nos trabalhos realizados.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1. Metodologia de planejamento urbano

Refletindo sobre a cidade em suas diversas camadas de relações, percebe-se que o planejamento
urbano é sempre um processo permeado de diversos conflitos e contradições (SOUZA, 2000). Sendo o
planejamento uma atividade que pretende estudar o presente para propor ações futuras, para que
haja eficiência é necessário que sejam cumpridas algumas etapas básicas. Segundo pesquisa realizada
por Ferrari (1986), tais etapas são: conhecimento da área a ser planejada, compreensão e reflexão
sobre a realidade local, julgamento da situação estudada e a proposição de soluções e intervenções.
Essas etapas podem ser agrupadas em ações: Conhecer, Compreender, Julgar e Intervir e, portanto, o
planejamento urbano pode ser dividido em duas etapas principais: Elaboração do plano (pesquisa,
análise, diagnóstico, previsão e plano básico) e a Implantação do plano (execução do programa,
controle e fiscalização, avaliação, revisão e atualização) (FERRARI, 1986).

Por outro lado, Saboya (2000), ao comparar diversas tentativas de definição das fases de um processo
de planejamento, identificou uma estrutura básica contemplada por muitos dos autores consultados.
A estrutura básica de planejamento definida por Saboya é composta pelas seguintes etapas: Descrição
do Sistema, Definição do problema, Determinação dos objetivos, Definição de alternativas, Avaliação
e seleção da melhor alternativa, Implementação e Monitoramento (SABOYA, 2000).

2.2. Intervenções efêmeras em contraposição aos grandes projetos urbanos

Considera-se intervenção urbana como alguma ação ou um conjunto de ações que modifica a dinâmica
do espaço urbano com um objetivo específico. Este conceito pode referir-se a intervenção urbana
planejada no âmbito urbanístico ou a uma compreensão da intervenção urbana como uma ação
artística, ocorrida no território da cidade.

3
As intervenções realizadas no âmbito dos Grandes Projetos Urbanos (GPUs), necessitam de altos
orçamentos e ocasionam uma série de consequências para a cidade, tais como a valorização
exacerbada da terra e a especulação imobiliária. Além disso, esses projetos são discutidos “tão-
somente a partir de suas características arquitetônicas, ambientais e de custos”, não permitindo espaço
para um debate mais amplo da cidade (ULTRAMARI e REZENDE, 2007). Por advento deste tipo de
intervenção na cidade, principalmente em áreas centrais, é muito comum que ocorram processos de
gentrificação, ou seja, a remoção de populações do seu local de moradia original para dar lugar a
empreendimentos de alto padrão, compondo um contexto de retomada de investimentos econômicos
(PEREIRA, 2014).

Por outro lado, o microplanejamento é uma forma de intervenção que considera o potencial do
pormenor urbano em uma rede de pequenas ações que, integradas, contribuem para atingir o objetivo
desejado. Utilizando-se da atuação mínima com recursos existentes, o planejamento de pequenas
ações se mostra, em experiências já realizadas, mais eficiente e mais barato do que as formas de
intervenção tradicional:

Esse viés de leitura elege a cidade como um laboratório e campo de experimentação. Novas conexões e redes
estratégicas focam processos locais abertos a táticas bottom up (de baixo para cima), experiências localizadas que
carregam consigo a intenção da mudança dos locais a partir de novas operações arquitetônicas. As práticas urbanas
coletivas buscam por novas ferramentas capazes de lidar com estas realidades urbanas emergentes. A cidade real
interpretada como campo para experimentação – é um espaço construído a ser revelado. (ROSA, 2011. p. 14)

Dessa forma, a análise e a intervenção na microescala, ou escala microlocal (SOUZA, 2015), além de se
contrapor à lógica de realização dos Grandes Projetos Urbanos, também facilita a execução de
processos participativos.
2.3 A importância da participação no planejamento

Todas as intervenções no espaço partem de um pressuposto básico: sair de uma situação atual, que é
indesejada ou ineficiente, e objetivar uma situação futura que seja mais adequada, desejável. Dessa
forma, fica evidente a importância de promover processos participativos no planejamento urbano,
como evidencia Alexander:

...somente as próprias pessoas que formam a comunidade são capazes de dirigir um processo de crescimento
orgânico. Elas conhecem como ninguém suas próprias necessidades e sabem perfeitamente se os edifícios, a relação
entre edifícios e espaços públicos, são adequados ou não.5 (ALEXANDER, 1998. p.30).

Considerando o contexto no qual os projetos urbanos são realizados, a participação popular significa
muito além de uma prestação de contas entre poder público e os habitantes da cidade (VILLAÇA, 2005),
mas é uma necessidade inata do ser humano (BORDENAVE, 1983) e também uma condição de
cidadania (NUNES, 2006). Desenvolvendo este raciocínio, a participação popular possui um caráter

4
pedagógico no que concerne ao aprendizado da cidadania (NUNES, 2006). A realização de processos
de planejamento urbano sem a participação dos habitantes da cidade enfraquece as dimensões
democráticas e prolonga a situação de segregação presente na sociedade.

3 ANÁLISE DOS TRABALHOS PRODUZIDOS

3.1 O contexto da disciplina: conteúdos abordados e trabalho proposto

No caso estudado, a disciplina de Intervenção Urbana Local é ofertada no 5º semestre do Curso de


Arquitetura e Urbanismo, após os alunos já terem cursado disciplinas teóricas, envolvendo legislação
urbana e teoria do urbanismo e do planejamento urbano, e disciplinas práticas, envolvendo
representação de projeto e produção de mapas de análise. Como uma disciplina de projeto urbanístico,
a disciplina tem como exigência a análise e intervenção em escala local, ou seja, indo desde a escala
microlocal, no nível da rua e do quarteirão, passando pelo bairro e englobando até a escala municipal.

Os conteúdos previstos na ementa versam sobre Planos Diretores, planos municipais de habitação,
mobilidade, legislação urbana municipal, Estatuto da Cidade, intervenções em áreas centrais,
requalificação urbana em áreas de patrimônio e em sítios históricos, metodologia e escopo de
diagnóstico e projeto de intervenção urbana. Especificamente na abordagem do tema metodologias
de projeto urbano, além do estudo sobre as metodologias tradicionais, com a sequencia apresentada
por Ferrari (1986), por exemplo, foram apresentadas também metodologias alternativas para
diagnóstico e projeto urbano, tais como cartografia colaborativa, desenho urbano participativo,
intervenções efêmeras ou artísticas, inclusive abordando o tema através de exemplos já realizados em
espaços da cidade de Fortaleza-CE.

Dessa forma, o docente pretendia que os alunos fossem estimulados a não resumir o diagnóstico a
análises meramente físicas do espaço, mas que se questionassem sobre as razões da morfologia
analisada, que observassem as relações existentes e delas tirassem partido para propor as
intervenções.

O trabalho proposto para produção durante todo o semestre, contando com algumas aulas práticas de
ateliê, foi a elaboração de um diagnóstico e um plano de intervenção urbana para um bairro de
Fortaleza-CE. Os bairros selecionados, principalmente por sua diversidade e centralidade, foram:
Centro, Moura Brasil, Jacarecanga, Carlito Pamplona, Praia de Iracema e Cais do Porto. O mapa abaixo
mostra os bairros selecionados para análise (Figura 1).

5
Figura 1. Mapa de Fortaleza com a localização dos bairros estudados na disciplina.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2019.

Todos os bairros localizam-se na orla ou muito próximo da costa, em regiões centrais e históricas de
Fortaleza. A intenção de selecionar estas localidades foi permitir que os alunos estudassem diferentes
contextos urbanos, considerando questões relacionadas a habitação, zonas portuárias, turismo, uso do
solo, mobilidade, paisagismo, zonas comerciais e industriais. Assim, foi possível abordar diferentes
dinâmicas urbanas, com problemas e potencialidades diversos, estimulando diferentes leituras e
proposições de intervenção.

O trabalho proposto na disciplina foi dividido em duas etapas: Diagnóstico da área de intervenção e
Plano de Intervenção. No diagnóstico foi solicitado às equipes que coletassem os dados por meio de
visitas de campo, de levantamento bibliográfico e através de consulta aos documentos e arquivos da
Prefeitura de Fortaleza. Após isso, as equipes deveriam produzir o trabalho a partir da análise de
aspectos socioeconomicos e culturais, localização e entorno, uso e ocupação do solo, mobilidade
urbana e morfologia, com informações textuais e do levantamento fotográfico realizado. Esta primeira
etapa foi finalizada com a produção de uma tabela e um mapa de síntese-diagnóstico, apontando todas
as principais informações percebidas pela equipe sobre o bairro.

No plano de intervenção, foi demandado aos alunos que, com base no diagnóstico, fossem definidos
eixos de intervenção e, para cada eixo, fossem apontadas propostas de intervenção contendo ações,
projetos, prazos e atores sociais envolvidos. Também foi sugerido que os eixos e as propostas fossem
apresentados no formato de mapas e tabelas. Além disso, para exemplificar o padrão de urbanização
proposto no plano de bairro, as equipes deveriam produzir desenhos de um trecho viário do bairro
(trecho de vista superior, corte e perspectiva).

6
3.2. Relato sobre os trabalhos realizados

As equipes encontraram diversas dificuldades para realizar o diagnóstico, dentre elas, pode-se citar a
localização geográfica dos bairros estudados frente a dificuldade de locomoção dos alunos; a sensação
de insegurança ocasionada pelas ocorrências de violência urbana do bairro estudado; o
desconhecimento sobre o próprio processo de coleta de dados para diagnóstico; os problemas de
representação na produção de mapas e tabelas.

Por isso, nem todas as equipes visitaram o local de intervenção e este fato foi determinante na
qualidade dos trabalhos apresentados. A vivência própria no local de intervenção conferiu legitimidade
ao discurso das equipes que fizeram a visita, enquanto os alunos que não visitaram o bairro sempre se
refereriam ao local por meio de dados levantados por terceiros.

Um fato relevante é que outra profundidade de pesquisa pode ser percebida nos trabalhos cujas
equipes, além de visitar o local, entrevistaram moradores. O processo de escutar e analisar o discurso
dos habitantes e usuários do espaço a ser projetado é muito rico em informações e contribui
sobremaneira para a construção da demanda local. Abaixo está um quadro comparativo dos trabalhos
analisados na fase de diagnóstico (Quadro 1).

Quadro 1. Síntese da análise dos projetos realizados na disciplina de Intervençao Urbana Local.

METODOLOGIA INTERVENÇÕES PARTICIPAÇÃO EIXOS DE PONTOS PONTOS


EFÊMERAS INTERVENÇÃO POSITIVOS NEGATIVOS

Observação de Proposição de Sem Trânsito, Acessibilidade Como a área de


CENTRO

campo, consulta de feiras de proporição de Mobilidade, nos espaços intervenção é


bases de dados da artesanato alternativa Moradia, públicos; muito extensa, o
Prefeitura de periodicas. participativa. Infraestrutura Reapropriação diagnóstico ficou
Fortaleza e IBGE, e serviços do espaço; pouco preciso.
Produção de Mapas públicos Percepção de
temáticos, tabela aspectos sociais,
síntese problemas e culturais do
potencialidades. bairro.
Visita ao local, Proposição de Coleta de Espaço Visita de campo Dificuldades de
MOURA BRASIL

observação de intervenção informações público, permitiu maior representação


campo, Análise de artística com através de Saúde, proximidade da dos mapas; Os
mapas existentes, moradores em entrevistas, Acessibilidade, realidade; problemas na
análise de praça do proposta de Habitação, Reconhecimento apresentação dos
documentos bairro. intervenção Meio de potenciais dados coletados
históricos, participativa Ambiente. como solução criaram ruidos de
entrevistas com dos problemas; compreensão no
moradores. Percepção de trabalho.
aspectos sociais.

7
Análise de mapas, Proposta de Sem Espaços Mapa de Levantamento
JACARECANGA

consulta de bases quiosques proporição de urbanos, mobilidade com fotográfico e


de dados da itinerantes alternativa Segurança, polos geradores visita de campo
Prefeitura de para área participativa. Mobilidade. de tráfego e não foram
Fortaleza. comercial do análise de fluxo; realizados;
bairro Percepção dos Mapas sem
espaços de aprofundamento;
sobra da linha intervenção
férrea como baseada no
potenciais embelezamento.
espaços de lazer.
Análise de mapas, Sem Sem Espaços Aproveitamento Confusão entre
CAR. PAMPLONA

Análise de imagens proporição de proporição de públicos, dos espaços potencialidades e


do Google Street intervenções alternativa Acessibilidade, residuais, propostas de
View, Estudo da efêmeras. participativa. Segurança, propostas de intervenção;
legislação urbana Infraestrutura. reconversão de Propostas
do local. uso. pontuais e
desconectadas
entre si e dos
eixos propostos.
Visita de campo, Proposição de Sem Infraestrutura, O turismo como Não obtiveram
PRAIA DE IRACEMA

percursos a pé no realização de proporição de Mobilidade potencial de sucesso nas


bairro, estudo de um festival de alternativa urbana, transformação; entrevistas
mapas, entrevistas. cultura participativa. Arborização, percepção da realizadas,
periódico no Recursos importância do produzindo um
bairro. Hídricos. meio ambiente diagnóstico sem
(lixo, aborização, profundidade.
rios).
Aplicação de Sem Proposição de Saneamento Abordagem de Diagnóstico
CAIS DO PORTO

questionários, proporição de criação de básico, Lazer, aspectos como impreciso;


entrevista com intervenções associação de Habitação, segregação Intervenção
representante do efêmeras. moradores Uso do solo, espacial e deficit proposta é
setor de mais atuante mobilidade. habitacional. inadequada às
infraestrutura da para demandas.
regional do bairro. representar
moradores.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2019.

Outro dado relevante sobre a etapa de diagnóstico é que todas as equipes incluiram os temas “violência
urbana” ou “segurança” ou mesmo “insegurança” nos diagnósticos apresentados, alguns inclusive
tornaram-se eixos de intervenção, outros apenas foram temas citados ao longo do diagnóstico. É
relevante citar que, como muitas das fontes de pesquisa utilizadas são notícias de jornais e revistas
locais, os resultados apresentados podem não ter comprovação, muitos dados deste tipo dem ser
vistos nos mapas temáticos (Figura 2).

8
Figura 2. Mapa de uso e ocupação do solo produzido para análise do bairro Centro, em Fortaleza CE.

Fonte: Acervo do autor.

Para incentivar o livre desenvolvimento do plano e dos projetos, foram realizadas aulas de ateliê, onde
era disponibilizado tempo e infraestrutura para as equipes se reunirem e trabalharem em conjunto.
Nessas ocasiões, algumas vezes foram distribuidos mapas dos bairros pelo professor e, a partir de uma
exposição teórica sobre algum tema do diagnóstico ou do plano, os alunos eram estimulados a
produzir, a nível de croquis, a análise e as propostas para a área de intervenção.

Algumas equipes utilizaram ferramentas alternativas para auxiliar no processo de projeto e na


apresentação das soluções propostas. Uma ferramenta muito recorrente é o painel de referências, um
painel de diagramação livre que traz fotografias, desenhos, croquis de referências de projeto para
expressar as diretrizes de intervenção, as formas projetadas, as cores utilizadas, os conceitos
abordados, de forma a auxiliar na visualização da proposta. Esse recurso é importante tanto para a
apresentação, como para os autores do projeto, no processo de produção, para refletir sobre as ideias
e reforçar a mensagem a ser transmitida (Figura 3).

9
Figura 3: Painel de referências para redesenho viário.

Fonte: Acervo do autor.

A produção do detalhamento de um trecho de uma via foi proposta, tanto com objetivos didáticos,
para propor a experiencia de um redesenho viário, como também para permitir a produção de um
modelo de desenho urbano alinhado as propostas do plano de intervenção do bairro. Neste sentido,
as equipes desenharam um trecho de 100 metros de uma via do bairro de livre escolha, com
especificação de materiais e liberdade para propor modificações no uso dos lotes lindeiros caso fosse
necessário.

3.3 Reflexões a partir da análise

Conforme afirmado anteriormente no referencial teórico, pontos chave do projeto forma abordados
para que as equipes recebessem embasamento para a realização do trabalho: Metodologia de
planejamento urbano, Intervenções efêmeras e Participação.

Considerando isto, os principais resultados da análise dos trabalhos apresentados versam sobre a
forma que cada projeto abordou ou expressou cada um dos três temas supracitados. Sobre a
metodologia de planejamento, na fase de elaboração (pesquisa, análise, diagnóstico, previsão), em
geral os alunos apresentam bastante dificuldade para elaborar uma metodologia de coleta de dados,
principalmente pela complexidade do território planejado. No caso das áreas trabalhadas na disciplina
de Intervenção Urbana Local, muitas delas estão inseridas numa realidade de precariedade
habitacional, ambiental e de infraestrutura. Muitas equipes resumiram a etapa de diagnóstico somente
a produção de mapas, fato que prejudicou a leitura urbana necessária para elaboração do plano.
Algumas equipes não conseguiram visitar o local de estudo, tanto por receio como por impossibilidade,

10
este fato fez com que fossem criadas imagens urbanas a partir de outras interpretações, muitas vezes
preconcebidas. Neste caso, é importante considerar que nos ateliês de projeto, são necessárias oficinas
que permitam a simulação de todas as fases de planejamento visando o conhecimento e o
desenvolvimento de cada uma delas.

Sobre as intervenções efêmeras, pode-se dizer que a abordagem do tema, sem dúvida, contribuiu para
ampliar o repertório de projeto dos alunos, principalmente no que diz respeito ao processo de projeto
e planejamento. Ou seja, trabalhar este tema na disciplina contribuiu para a descoberta de que o plano
de intervenção não deve sempre trabalhar com transformações físicas definitivas e com grande prazo
de utilização. Perceber que as intervenções efêmeras também contribuem para atingir os objetivos
propostos par aum espaço urbano amplia a gama de possibilidades de projeto e estimula a construção
de espaços criativos. No entanto, os resultados observados nos trabalhos analisados resumiram-se a
criação de feiras, quiosques periódicos nos bairros e, também, a proposição de uma intervenção
artística com a participação dos moradores.

Sobre o último tema, a participação, é importante ressaltar que é um assunto de grande complexidade,
por isso, em geral as equipes enfrentaram dificuldades para refletir sobre alternativas para envolver os
moradores do bairro no processo. Como já foi dito, algumas equipes que não conseguiram visitar os
bairros estudados, então pensar o projeto sendo participativo se tornou mais dificil ainda. A realização
de entrevistas e questionarios com moradores ou com outras pessoas que estejam diretamente ligadas
ao bairro foram as alternativas mais utilizadas para compreender o bairro a partir da visão de seus
usuários e, além disso, investigar as demandas que os habitantes consideravam mais relevantes.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Além de ser uma atividade relevante para o ensino e para a formação profissional, a análise dos
projetos urbanos realizados provoca uma profunda reflexão sobre a prática profissional e o ensino de
arquitetura e urbanismo nas universidades. A análise dos projetos da disciplina de Intervenção Urbana
Local sucitou diversos questionamentos acerca das ementas e da forma de abordar os conteúdos na
universidade. Fica registrada a importância da prática do ateliê de projeto que, como percebido na
análise aqui realizada, influenciou sobremaneira na produção dos planos e projetos. O ateliê como
oportunidade de experimentação e prática projetual é ferramenta essencial para a compreensão do
processo de projeto e de intervenção urbana.

11
5 REFERÊNCIAS

ALEXANDER, Christopher. Urbanismo y Participación. Barcelona: Gustavo Gili, 1998.

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Monterrey: Tecnológico de Monterrey, 2008.

BORDENAVE, Juan E. Diaz. O que é participação? São Paulo: Editora Braziliense, 1983.

FERRARA, Lucrécia D’Alessio. O olhar periférico: informação, linguagem e percepção ambiental. São Paulo: Edusp,
1993.

FERRARI, Celson. Curso de Planejamento Municipal Integrado: urbanismo. São Paulo: Pioneira, 1986.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed., 6ª reimp. São Paulo: Atlas, 2014.

NUNES, Débora de Lima. Pedagogia da Participação: trabalhando com comunidades. Salvador: UNESCO /
Quarteto, 2006.

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Cadernos Metrópole . São Paulo: EDUC. v. 16, p. 307-328, 2014.

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SABOYA, Renato T. de. Análises Espaciais em Planejamento Urbano: Novas Tendências. R.B. Estudos Urbanos e
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SOUZA, Marcelo Lopes de. O planejamento e a gestão das cidades em uma perspectiva autonomista. Revista
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SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade. Uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2015.

ULTRAMARI, Clovis; REZENDE, Denis Alcides. Grandes Projetos Urbanos: conceitos e referenciais. Ambiente
Construído, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 7-14, abr./jun. 2007.

VILLAÇA, Flávio. As Ilusões do Plano Diretor. São Paulo, 2005. Disponível em:
<http://www.flaviovillaca.arq.br/pdf/ilusao_pd.pdf>.

12
Reflexão sobre o desenvolvimento da maquete de vegetação no
processo criativo do projeto da Arquitetura da Paisagem

BENVEGNÚ, Eliane Maria.


Mestre em Arquitetura Urbanismo, Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
email: eliane.benvegnu@univali.com

RESUMO
Esta comunicação descreve a prática do ensino realizada na disciplina de Paisagismo, e o desenvolvimento da
maquete de vegetação. O objetivo é refletir sobre o desenvolvimento da maquete de vegetação como um
recurso didático importante, que permite ao estudante converter seus saberes em conhecimento explícito, de
modo a torná-lo mais consciente de suas ações projetuais. A relação de ensino e aprendizagem decorre de um
conjunto de ações necessárias a fomentar a criatividade, no ensino do projeto de paisagismo, com vistas a
contribuir no processo de criação dos espaços livres de qualidade. A metodologia utilizada é o estudo de caso
sobre as vantagens decorrentes do desenvolvimento de uma maquete física da vegetação para melhor
perceber o arranjo volumétrico dos espaços livres, por meio da utilização dos diferentes estratos de vegetação.
As considerações finais demonstram a importância e vantagens desse recurso didático como ferramenta
tridimensional para o aprendizado do projeto da arquitetura da paisagem.
PALAVRAS-CHAVES: maquete de vegetação; processo criativo; paisagismo.

ABSTRACT
This paper describes the teaching practice carried out in the discipline of Landscaping, and the development of
the model of vegetation. The goal is to reflect on the development of the vegetation model as an important
didactic resource that allows the student to convert his knowledge into explicit knowledge, in order to make him
more aware of his or her project actions. The relationship of teaching and learning stems from a set of actions
necessary to undertake in the teaching of the landscaping project with a view to contributing to the process of
creating quality free spaces. The method used is the study case on the advantages derived from the
development of a physical model of vegetation, to better understand the volumetric arrangement of free spaces
through the use of different vegetation strata. The final considerations demonstrate the importance and
advantages of this didactic resource as a three-dimensional tool for learning landscape architecture design.
KEY WORDS: model of vegetation; creative process; landscaping

1 INTRODUÇÃO
O tema desta comunicação é sobre o processo criativo no projeto da arquitetura paisagística1.
Arquitetura da paisagem corresponde a uma ação de projeto específica, que passa por um processo

1
A resolução de nº 51 de 12 de julho de 2013 que dispões sobre as atribuições privativas dos Arquitetos e Urbanistas e as
áreas de atuação compartilhadas com outras profissões, define no anexo á resolução (glossário) que Arquitetura
paisagística é campo de atuação profissional da Arquitetura e Urbanismo que envolve atividades técnicas relacionadas à
concepção e execução de projetos para espaços externos, livres e abertos, privados ou públicos, como parques e praças,
considerados isoladamente ou em sistemas, dentro de várias escalas, inclusive a territorial.

1
de criação a partir de um programa dado, com vistas a atender a demandas sociais, sejam estas
requeridas pelo estado, por um incorporador imobiliário, uma família ou qualquer outro agente.

No processo de elaboração de projetos de espaços livres há diversas variáveis a levar-se em


consideração. Há diferentes abordagens possíveis ao buscar soluções criativas para as propostas
espaciais. Diante disto, destacam-se os seguintes problemas a serem tratados nesta comunicação:
Como desenvolver um pensamento criativo? De onde nascem às soluções projetuais?

A abordagem do tema se justifica na medida em que os docentes tem um compromisso com o


ensino-aprendizagem no sentido de ampliar e fomentar um pensamento criativo, crítico e reflexivo
no aluno, para que assim o espaço por ele projetado reflita na produção de espaços livres com
qualidade para a coletividade. Donald Schön (2000) propõe uma formação profissional baseada no
processo de reflexão-na-ação, ou seja, em um ensino reflexivo cuja capacidade de refletir seja
estimulada através da interação professor-aluno.

O embasamento teórico desta comunicação parte do pensamento de Pallasmaa (2011),


especialmente em relação às suas considerações a respeito do preocupante papel do computador no
processo de projeto, o que cria uma distância entre o criador e o objeto, restringindo a capacidade de
imaginação multissensorial:

“A criação de imagens por computador tende a reduzir nossa magnífica capacidade de imaginação multissensorial,
simultânea e sincrônica ao transformar o processo de projeto em uma manipulação visual passiva, em um passeio
na retina. O computador cria uma distancia entre o criador e o objeto, enquanto o desenho à mão e a elaboração
de maquetes convencionais põem o projetista em contato tátil com o objeto ou o espaço. Na nossa imaginação, o
objeto está simultaneamente em nossas mãos e dentro de nossa cabeça, e a imagem física projetada e criada é
modelada por nossos corpos. Estamos ao mesmo tempo dentro e fora do objeto. O trabalho criativo exige uma
identificação corporal e mental, empatia e compaixão” (PALLASMAA 2011 p12).

Partindo dessa premissa, o objetivo desta comunicação é provocar uma reflexão sobre como o
recurso didático da maquete física da vegetação pode contribuir no processo criativo, uma vez que
este recurso proporciona ao aluno aptidão no domínio da noção de espaço ou da percepção do
espaço.

A metodologia de abordagem para desenvolver esta comunicação parte da análise bibliográfica


aplicada a estudo de caso, tendo como referente a discussão sobre os desafios inerentes ao processo
criativo na elaboração projetual, diante de uma experiência didática no curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.

2
2 CRIATIVIDADE E O PROCESSO PROJETUAL

O tema da criatividade é tratado por diversos autores e admite abordagens que levam em
consideração tanto os aspectos psicológicos quanto os aspectos sociais, os quais, por sua vez,
dependem de fatores sociais, culturais e tecnológicos.

Domenico De Masi (2000), em seu livro O ócio criativo, afirma que a criatividade é uma síntese de
fantasia e imaginação, através da qual criamos e realizamos novas ideias. Para ele, a criatividade não
é necessariamente atributo exclusivo de um indivíduo criativo, mas que também pode ser resultado
de grupos de pessoas criativas.

De forma geral tem-se que a criatividade indica a capacidade de uma pessoa (ou de um grupo) de
produzir ideias, concepções, invenções, produtos novos ou originais com o propósito de contribuir na
resolução de um problema dado.

Alencar e Fleith (2003) afirmam que a criatividade envolve uma capacidade complexa de interação
entre as características pessoais — como habilidade de pensamento e raciocínio —, e características
do ambiente — como valores culturais e sociais —, além de oportunidade para expressão de novas
idéias. Nesse sentido a produção criativa não é mais somente atribuída à personalidade e à
habilidade do criador individualmente considerado, mas também às influências do ambiente e do
contexto cultural onde a pessoa está inserida.

Bianchi (2008) destaca as quatro abordagens para o estudo da criatividade descritas por Iványi e
Hoffer (1999), as quais podem ser tratadas e aprofundadas de acordo com o foco de cada área do
conhecimento ao qual estejam inter-relacionadas, sendo elas as seguintes: sob o ponto de vista do
indivíduo criativo; do produto criado; do processo criativo; e do ambiente criativo.

2.1. Algumas descrições do processo criativo

A criatividade humana se manifesta em diversas esferas do conhecimento, tanto artísticas quanto


científicas, produzindo inúmeras descobertas, soluções e invenções que possuem valor e
originalidade técnica.

3
Lawson (2011, p. 144), ao descrever o processo criativo desenvolvido por grandes gênios da história,
a respeito do surgimento súbito e inesperado das ideias, observa que “Não devemos, porém, nos
deixar levar pela ideia romântica do salto criativo para o desconhecido. Tipicamente, os pensadores
criativos trabalharam muito. [...] Assim, é improvável que as grandes ideias ocorram sem esforço”.

Lawson (2011) aborda o trabalho de Kneller (1965) no qual se destaca um consenso amplamente
aceito: é possível identificar um padrão no processo de criação, independente da área estudada. Esse
padrão identifica até cinco fases no processo criativo, conforme mostra o esquema da figura 01:

Figura 01. Esquema das cinco fases do processo criativo de Kneller.

Fonte: Produção da autora, 2018.

Cabe ponderar que as fases criativas do processo de projeto não são estagnadas; envolvem períodos
de atividades intensas, períodos mais relaxados. É muito provável que haja idas e vindas entre as
diversas fases, e por consequência podem haver constantes reformulações.

2.2. Processo projetual em paisagismo e o desafio de ensinar a criar espaços livres

Há diversos estudos sobre as estruturas gerais referentes ao processo projetual. De todas as formas,
fundamentalmente o projeto em arquitetura, urbanismo e paisagismo é a representação de uma
ideia proposta pelo arquiteto para a solução de um problema. Existe uma trajetória a ser percorrida
entre a formulação e a compreensão do problema, até se chegar a uma concepção e à representação
formal de uma ideia. Assim é que se compõe o que é chamado de processo projetual.

4
Ao se pensar num projeto de arquitetura paisagística deve-se considerar que a vegetação tem um
papel importante como elemento estruturador e definidor dos espaços, uma vez em que os arranjos
volumétricos propostos podem configurar planos de teto, de piso e de parede.

Abbud (2010) sustenta que a essência do espaço em paisagismo é diferente da essência do espaço
arquitetônico, pois o primeiro resulta de matéria prima distinta do segundo. Para o autor os
elementos e condicionantes da natureza, como a água; a topografia; a fauna, e principalmente a
flora, são elementos necessários na composição dos espaços de paisagismo. Ressalta ele que, assim
como os elementos arquitetônicos que compõem e conformam o espaço construído — piso, paredes
e teto —, os elementos vegetais, ao atuarem como estruturadores espaciais, também são capazes de
conformar espaços livres.

Neste aspecto, dar forma a um espaço livre é para o arquiteto paisagista algo palpável, que pode ser
conformado a partir do uso da vegetação. Árvores podem ser associadas a pilares, e suas copas às
coberturas; arbustos tendem a estabelecer a função de guarda-corpo ou de limites; diferentes tipos
de grama e forrações delimitam pisos, ou seja: a composição e organização da vegetação tende a
criar planos horizontais (piso e cobertura) e verticais (paredes). Por exemplo, ao se utilizarem árvores
agrupadas forma-se um teto que pode dar ao usuário a sensação de aconchego e proteção, ou a
partir de uma fileira de árvores cria-se um direcionamento, um caminho ou mesmo um marco na
paisagem.

A figura 02 demonstra a diferença entre dois espaços. A ilustração da esquerda é um espaço com
formas geométricas e permanentes; a da direita apresenta formas livres e fluidas, próprias dos
espaços livres criados com a vegetação.

Figura 02. Diferença entre o espaço arquitetônico e o espaço livre.

Fonte: Abbud, 2010.

5
A criação de um projeto de paisagismo é concebida com um propósito de organizar e orientar
plasticamente um espaço, a partir de determinada demanda e de uma determinada técnica, a fim de
que os espaços que forem criados e projetados possam refletir as necessidades e anseios dos
usuários. A partir desse pressuposto, iniciar um projeto pode deixar de ser uma tarefa angustiante.

Entretanto é necessário desmistificar esse ato criativo, quase sempre entendido como um ato
demiúrgico. O processo de criação envolve técnicas e rotinas instrumentais que podem ser
codificáveis e transmissíveis, daí a importância das fases de criação tratadas acima. Nesse sentido
apresentamos a seguir o exercício prático da maquete de vegetação, que contribui para a organização
do pensamento do estudante na busca do processo projetual.

3 O ENSINO NA DISCIPLINA DE PAISAGISMO

No Brasil o ensino nos cursos de Arquitetura e Urbanismo são tradicionalmente estruturados a partir
de eixos. Esses eixos são divididos em áreas, e estas em disciplinas com conteúdos específicos, sendo
que o conjunto das disciplinas configura a matriz curricular.

No curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI- é possível


identificar dois eixos temáticos relativamente autônomos entre si: a) Projeto integrado e projeto
arquitetônico, que tem ênfase na configuração das edificações; b) Planejamento, urbanismo e
paisagismo, com ênfase nos processos de transformação da cidade e seus espaços livres. Em essência
os dois eixos são complementares, o que causa uma constante sobreposição de conteúdos,
ministrados a partir de uma dinâmica pedagógica própria de cada disciplina2.

As disciplinas, da área do Paisagismo, com caráter teórico-prático são três, ministradas na sexta,
sétima e nona fase do curso. O grau de complexidade de cada uma das disciplinas de Paisagismo varia
de acordo com a abordagem das temáticas e das diferentes escalas de intervenção nos espaços livres
públicos. Na primeira disciplina o exercício projetual consiste no anteprojeto de uma praça, a qual
parte de uma escala de bairro e do entorno das edificações3; na segunda, o exercício projetual

2
Informações sobre o curso de Arquitetura e Urbanismo, Arquitetura e Urbanismo, campus Balneário Camboriú,
disponíveis em: https://www.univali.br/graduacao/arquitetura-e-urbanismo-balneario-camboriu/Paginas/default.aspx
3
Disciplina de Paisagismo (código 1003) 6ª fase. Disponível em: https://www.univali.br/graduacao/arquitetura-e-
urbanismo-balneario-camboriu/disciplinas/Paginas/default.aspx

6
consiste no anteprojeto de um parque linear, na escala de sistemas de espaços livres urbanos4; na
terceira disciplina, o exercício projetual consiste numa estrada parque, na escala do planejamento
ambiental5.

O objetivo desta comunicação é a abordagem da atividade da maquete de vegetação, desenvolvida


na disciplina de Paisagismo, ministrada na sexta fase do curso de Arquitetura e Urbanismo. A ementa
da disciplina trata dos seguintes tópicos: O contexto político e sócio-econômico na produção da
paisagem; Introdução ao paisagismo; Fatores condicionantes da paisagem; Modelamento de
terrenos; Conceitos básicos e procedimentos necessários à intervenção no espaço aberto; Estudo de
composição de praças e jardins; Elementos de composição do projeto paisagístico6.

O esquema da figura 03 representa uma síntese gráfica de como os conteúdos programáticos são
desenvolvidos, na disciplina de Paisagismo, ao longo do semestre no Curso.

Figura 03: Síntese gráfica dos conteúdos programáticos na disciplina de Paisagismo.

Fonte: Produção da autora, 2018.

Os conteúdos programáticos se concretizam através dos conteúdos teóricos e das atividades práticas,
cada um com determinadas estratégias para que o aluno atinja o objetivo proposto para a disciplina.

As atividades práticas desenvolvidas na disciplina se realizam a partir de um padrão de aprendizagem


que se dá com idas e vindas, por meio do desenvolvimento e assessoramento da atividade. O

4
Disciplina de Paisagismo (código 1009) 7ª fase. Disponível em: https://www.univali.br/graduacao/arquitetura-e-
urbanismo-balneario-camboriu/disciplinas/Paginas/default.aspx
5
Disciplina de Paisagismo (código 1010) 9ª fase. Disponível em: https://www.univali.br/graduacao/arquitetura-e-
urbanismo-balneario-camboriu/disciplinas/Paginas/default.aspx
6
Disponível em: https://www.univali.br/graduacao/arquitetura-e-urbanismo-balneario-
camboriu/disciplinas/Paginas/default.aspx

7
assessoramento tem por princípio vincular a teoria à prática, pois no momento em que o aluno relata
as intenções projetuais ele se vê forçado a tomar consciência a respeito dos procedimentos adotados.
Isso resulta da necessária explicação e justificação do que foi feito, e do por que optar por
determinada escolha projetual e não por outra.

3.1 A maquete de vegetação como recurso didático de aprendizagem para ensinar a criar espaços
na disciplina de Paisagismo.

A partir de aulas expositivas cujo tema é a vegetação como elemento de projeto, cada equipe de
alunos desenvolve uma maquete de vegetação na escala 1/200. O exercício da maquete de vegetação
tem caráter eminentemente prático, sendo que o objetivo principal é o estudo das relações de
composição, a partir de uma variedade de arranjos volumétricos, que a vegetação pode assumir no
desenho dos espaços livres e na construção dos planos de teto, de piso e de parede.

Os materiais utilizados para elaboração da maquete de vegetação são uma placa de isopor com
espessura variável e dimensão de 100 cm x 50 cm; cola; algodão e arame maleável, para se fazer o
tronco e a copa das árvores. A orientação dada para o desenvolvimento da maquete é que ela seja de
uma única cor, porque o objetivo inicial é apenas o de estimular a criação de arranjos volumétricos. O
exercício não propõe a elaboração de uma maquete final, a modo de apresentação realística de
determinados espaços criados, mas sim a elaboração da maquete como uma ferramenta no processo
criativo de espaços. Na figura 04 aparecem algumas fotografias das maquetes de vegetação
realizadas pelos alunos na disciplina de Paisagismo.

Figura 04: Maquetes de vegetação conformando espaços livres, elaboradas pelos alunos da disciplina de Paisagimo.

Fonte: Acervo da autora, 2018.

8
A figura abaixo sintetiza como foi realizado o processo criativo, a partir das cinco fases propostas por
Kenller no desenvolvimento da maquete de vegetação pelos alunos.

No início da atividade é apresentado o problema aos alunos, que têm a tarefa de construir uma
maquete de vegetação e a respectiva representação, em planta baixa, dos espaços criados.

Os alunos são agrupados em diversos grupos. A partir das atividades desses grupos se identifica uma
divisão marcada pelos procedimentos adotados, que podem ser classificados em duas formas
operacionais: A) De um lado se distingue a confluência de grupos que partem diretamente para o
estudo e manuseio de maquetes de vegetação; B) Os demais grupos se restringem a desenhos à mão
livre num primeiro momento, seguidos da elaboração da maquete. A figura 05 apresenta o esquema
da correlação das cinco fases do processo criativo de Kneller na prática da disciplina de Paisagismo.

Figura 05. As fases do processo criativo de Kneller relacionado ao processo criativo da maquete.

Fonte: Produção da autora, 2018.

Na análise do resultado final dos trabalhos dos alunos verifica-se que o grupo A, composto por
aqueles que optaram pelo início das atividades pelo manuseio da maquete de vegetação,
apresentaram melhores resultados em termos de criatividade dos espaços criados. Já os alunos do
grupo B (o daqueles que iniciaram as atividades por meio do desenho a mão livre, e portanto
tardaram um pouco mais para manusear a maquete) não apresentaram o mesmo desempenho em
termos de criatividade dos espaços criados.

Diante dos resultados descritos acima é de se confirmar a hipótese nos termos da proposta de
Pallasmaa (2011, p. 12), no sentido de que o desenho à mão livre e a elaboração de maquetes

9
convencionais proporcionam o contato tátil com o objeto e com o espaço. Isto traz vantagens para o
processo criativo em termos de “identificação corporal e mental, empatia e compaixão”.

Também é de se destacar que, ao ser aplicado o recuso didático da maquete de vegetação, identifica-
se que a experimentação de diferentes soluções possibilita ao aluno fazer o que Donald Schön (2000,
p. 64) denominou de reflexão na ação: “O experimento exploratório é a atividade investigativa e
lúdica, pela qual somos capazes de obter uma impressão das coisas”. Para esse autor o caráter
distintivo da experimentação na prática se dá quando o profissional reflete-na-ação, prestando
atenção ao fenômeno e fazendo vir à tona sua compreensão intuitiva. Isto significa, num sentido
amplo, que, segundo Schnön, experimentaré atuar a fim de ver o que resulta da ação.

Ao se confeccionar a maquete são produzidas experimentações em arranjos volumétricos com a


vegetação. Assim se possibilita aos alunos testarem ideias através do pensar e do fazer, na busca de
coerência entre artefato e ideia. O uso da maquete de vegetação no processo criativo dos espaços
livres possibilita que o aluno percorra, com os olhos, os espaços e sensações criadas. A maquete de
vegetação possibilita imaginar os espaços criados; possibilita perceber as variadas sensações a partir
dos diferentes arranjos volumétricos — com árvores mais altas ou mais baixas, com copas verticais ou
horizontais, com arbustos agrupados, enfileirados ou isolados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta comunicação objetivou demonstrar a forma como se desenvolve o pensamento criativo na busca
de soluções projetuais (problema projetual). A aplicação dos postulados teóricos sobre um caso
concreto de ensino, na disciplina de Paisagismo do curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIVALI,
possibilita identificar alguns resultados práticos ao se analisar o manuseio de maquetes de vegetação.

A atividade de criar espaços requer do aluno um pensamento abstrato, focado na percepção e na


sensação que se querem transmitir aos futuros usuários dos espaços. Nesse sentido se obteve uma
primeira constatação: a dificuldade do aluno em abstrair os dados que comumente são identificados
e desenvolvidos em outras disciplinas projetuais como, por exemplo, a identificação do entorno
imediato, do lugar e do programa.

Outra constatação é a importância do assessoramento para realinhar as decisões projetuais


desenvolvidas durante a confecção da maquete. A maquete de vegetação possibilita ao aluno

10
visualizar e perceber os arranjos espaciais criados como, por exemplo, os pontos focais, os
estreitamentos e alargamentos dos caminhos, os espaços de amplidão, as clareiras.

O recurso didático da maquete de vegetação é uma forma de o aluno simular a percepção e a


sensação a serem provocadas pelos espaços livres criados e projetados. O desenvolvimento do
processo projetual ocorre durante a prática do desenvolvimento da maquete, no seu contínuo fazer e
refazer. É neste processo de prática que surgirá a solução de espaços criativos para a problemática
apresentada, e a reflexão sobre a produção dos espaços propostos.

Também é de se destacar que os alunos que demoraram mais tempo para recorrer ao manuseio da
maquete, demonstraram resultados menos satisfatórios em termos de criatividade, no que se refere
aos espaços livres criados.

5 AGRADECIMENTOS
A autora agradece gentilmente os alunos que cederam as imagens das maquetes de vegetação.

6 REFERÊNCIAS
ABBUD, Benedito. Criando paisagens. Guia de trabalhos em arquitetura paisagística. São Paulo: Editora Senac,
2010.
ALENCAR, E.S.; FLEITH, D.S. Contribuições teóricas recentes ao estudo da criatividade. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, v. 19, n. 1, 2003.
BIANCHI, Giovana. Métodos para estímulo à criatividade e sua aplicação em arquitetura. Dissertação de
Mestrado - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo.
Campinas - São Paulo, 2008.
LAWSON, Bryan. Como arquitetos e designers pensam. São Paulo: Oficina de Textos, 2011.
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2001.
SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino aprendizagem. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
UNIVALI. Curso de Arquitetura e Urbanismo - campus Balneário Camboriú. Disponível em:
https://www.univali.br/graduacao/arquitetura-e-urbanismo-balneario-camboriu/Paginas/default.aspx
UNIVALI. Disciplina de Paisagismo. Disponível em: https://www.univali.br/graduacao/arquitetura-e-urbanismo-
balneario-camboriu/disciplinas/Paginas/default.aspx

11
A Cartilha da Cidade: a extensão como meio de alfabetização
urbanística e ressignificação do privilegiado campo do conhecimento
arquitetônico e urbanístico

A Cartilha da Cidade: extension as a means of urban literacy and resignification of


the privileged field of architectural and urban knowledge

A Cartilha da Cidade: la extensión como medio de alfabetización urbanística y


resignificación del privilegiado campo del conocimiento arquitectónico y
urbanístico

BUZZAR, Miguel Antônio


Professor Associado no IAU-USP, Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
mbuzzar@sc.usp.br

BERGANTIN, Rachel
Mestranda, Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
rachel.bergantin@usp.br

NEDEL, Miranda Zamberlan


Mestranda, Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
miranda.nedel@usp.br

RESUMO
O trabalho discute as atividades, experiências e metodologias do grupo de pesquisa e extensão Cartilha
da Cidade, a partir da conceituação de alfabetização urbanística, pensada e voltada à população em
geral, contrapondo-se à noção do conhecimento urbano como restrito a especialistas. Face à realidade
do desenvolvimento do campo de conhecimento da arquitetura e do urbanismo, pensado como lócus
erudito de domínio, propõe-se atividades que vinculam mutuamente pesquisa, extensão e ensino
como possibilidades de formação cidadã e desenvolvimento da função social da arquitetura e do
urbanismo. Busca-se desenvolver a acessibilidade a conhecimentos urbanísticos, assim como visibilizar
problemáticas urbanas, derivadas de interesses e poderes territorializados na cidade, por meio de
oficinas que incluem a dinâmica de jogos que convidam à participação e à construção colaborativa do
conhecimento urbanístico. O desenvolvimento de metodologia de extensão fomenta o debate acerca
do papel da educação na reprodução das contradições sociais e submissão à ideologia dominante,
postulando justamente o oposto, uma possibilidade de formação em sentido amplo, político social,
que de fato contribua à ação crítica, ativa e cidadã. Trata-se, de tornar visíveis as contradições,
interesses e relações urbanas, visando que se vislumbre, possibilidades de emancipação pela formação
cidadã.

1
PALAVRAS-CHAVES: alfabetização urbanística, extensão em arquitetura e urbanismo, formação cidadã,
dimensão social da arquitetura e do urbanismo.

ABSTRACT
The paper discusses the activities, experiences and methodologies of the research and extension group
Cartilha da Cidade, from the conceptualization of urban literacy is thought and directed to the general
population, opposing to the notion of urban knowledge as a restricted to specialists. Given the reality
of the development of architecture and urbanism field of knowledge, thought as a scholarly locus,
activities that mutually link research, extension and teaching as citizen training and development of
architecture and urbanism social function possibilities are proposed. It seeks to develop accessibility
to urban knowledge, as well as to make urban problems derived from territorial interests and powers
in the city visible, through workshops that include the dynamics of games that invite participation and
the collaborative construction of urban knowledge. The development of an extension methodology
stimulates the debate about the role of education in the reproduction of social contradictions and
submission to the dominant ideology, postulating precisely the opposite, a possibility of formation in
a broad sense, social political, that in fact contributes to the critical action, active and citizen-like. It is
a question of making the contradictions, interests and urban relations visible, in order to see
possibilities of emancipation for the citizen formation.
KEY WORDS: urban literacy, extension in architecture and urbanism, citizenship formation, social
dimension of architecture and urbanism

RESUMEN
El trabajo discute las actividades, experiencias y metodologías del grupo de investigación y extensión
Cartilha da Cidade, a partir de la conceptualización de alfabetización urbanística, pensada y volcada a
la población en general, contraponiendo a la noción del conocimiento urbano como restringido a
especialistas. A la realidad del desarrollo del campo de conocimiento de la arquitectura y del
urbanismo, pensado como locus erudito de dominio, se proponen actividades que vinculan
mutuamente investigación, extensión y enseñanza como posibilidades de formación ciudadana y
desarrollo de la función social de la arquitectura y del urbanismo. Se busca desarrollar la accesibilidad
a conocimientos urbanísticos, así como visibilizar problemáticas urbanas, derivadas de intereses y
poderes territorializados en la ciudad, por medio de talleres que incluyen la dinámica de juegos que
invitan a la participación ya la construcción colaborativa del conocimiento urbanístico. El desarrollo de
metodología de extensión fomenta el debate acerca del papel de la educación en la reproducción de
las contradicciones sociales y sumisión a la ideología dominante, postulando justamente lo opuesto,
una posibilidad de formación en sentido amplio, político social, que de hecho contribuya a la acción
crítica, activa y ciudadana. Se trata, de hacer visibles las contradicciones, intereses y relaciones
urbanas, visando que se vislumbre, posibilidades de emancipación por la formación ciudadana.
PALABRAS CLAVE: alfabetización urbanística, extensión en arquitectura y urbanismo, formación
ciudadana, dimensión social de la arquitectura y del urbanismo.

2
1 A FORMAÇÃO URBANÍSTICA: MÉTIER DE PRIVILEGIADOS EMBORA TERRITÓRIO DE TODOS

O estudo e a compreensão das temáticas arquitetônicas e urbanísticas constituem um território de


conhecimento erudito, em certo sentido, de privilegiados. Privilegiados pelo acesso a um
conhecimento que deveria ser de domínio comum, porque as questões urbanas integram o cotidiano
da população, embora raramente percebidas de forma consciente ou racionalizada. As interpretações
acerca das condições materiais e socioculturais das vivências nos territórios urbanos mantêm-se, em
geral, restrita aos que ingressam no ensino superior em cursos relativos ao urbano, escancarando a
origem social destes, nos quais o repertório cultural explicita as desigualdades reais de acesso,
formação e exercício de atividades dentro desse campo disciplinar.

Bourdieu e Passeron ([1964]/2018) explicitam as dimensões sociais das desigualdades culturais,


questionando as instituições de ensino enquanto reprodutoras de desigualdades sociais, como as
instituições de ensino superior, porém não somente: “Sem dúvida, no nível do ensino superior, a
desigualdade inicial das diversas camadas sociais diante da escola aparece primeiramente no fato de
serem desigualmente representadas.” (BOURDIEU; PASSERON,[1964]/2018, p. 16). A desigualdade
social ativa o privilégio social, que se manifesta a medida em que os objetivos da educação são
travestidos de finalidades estritamente econômicas, passando da possibilidade de formação em
sentido mais amplo para uma determinada especialização técnica/profissional.

Tomar a escola enquanto espaço de atuação de arquitetos e urbanistas nesta frente de formação
pressupõe algumas considerações relativas ao papel da escola enquanto instituição reprodutora de
desigualdades sócio culturais e da ideologia dominante, como bem explorado por Louis Althusser ao
conceituar a instituição escolar enquanto um aparelho ideológico de Estado que reproduz em seu seio
institucional “(...) a sujeição à ideologia dominante ou o manejo da ‘prática’ desta”. (ALTHUSSER,
[1970]/1980, p. 21, 22). Mesmo reconhecendo as dimensões contraditórias de uma atuação que busca
desenvolver a cidadania no quadro de uma instituição que não a almeja, propõe-se que os arquitetos
e urbanistas, atuem desmistificando parte de seu campo disciplinar e as territorializações de poder e
conflitos na cidade, tendo como um dos lócus possíveis para fazê-lo justamente os espaços escolares,
tendo em vista que para as classes menos favorecidas a escola ainda é uma das únicas formas de acesso
à cultura (BOURDIEU; PASSERON,[1964]/2018).

À possibilidade de conhecimento urbanístico supõe uma dimensão democratizante do ensino,


implicando na visibilização das relações de poder presentes na cidade. A submissão naturalizada é

3
tensionada com a visibilização das contradições, que não é suficiente, mas fomentar espaços nas
instituições escolares para desenvolver atividades que discutam a cidade e a sua produção social, é
apostar na ressignificação dos repertórios tradicionalmente associados à ideologia dominante,
potencialmente subvertendo-os e remetendo-os a um campo de disputa, via de regra, inexistente
porque os mesmos repertórios estão submetidos à reprodução de tal ideologia.

O projeto de extensão Cartilha da Cidade baseia-se no termo “alfabetização urbanística” como mote
das atividades a serem desenvolvidos com alunos, pesquisadores e professores de creches, escolas e
Universidades públicas. Crê-se na urgência em tomar a arquitetura e urbanismo como tema de ensino,
desde a educação infantil, territorializando o ensino a partir da discussão das problemáticas do espaço
urbano. Busca-se, tendo como referência uma educação libertadora e não alienada, conforme Paulo
Freire, substituir a “(...) inexperiência de participação e ingerência” da população “(...) pela
participação crítica, uma forma de sabedoria. Participação em termos críticos, somente como poderia
ser possível a sua transformação em povo, capaz de optar e decidir” (FREIRE, 1967, p.102).

Nesse sentido, o território de ação e reflexão dos “especialistas em cidade” é, também, o espaço
urbano no qual as pessoas vivem cotidianamente, e do qual são interditadas de pensarem e atuarem.
Assim, se alfabetização não se limita a ensinar a ler e escrever, a alfabetização urbanística, por sua vez,
potencializa a formação crítica e a interação dos alunos com a sociedade de forma ativa, vislumbrando
a possibilidade de atuarem no espaço social, ou seja, na cidade. A construção de espaços de diálogo e
de participação crítica corrobora, portanto, a possibilidade de formação urbana e cidadã.

2 A EDUCAÇÃO PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ

Segundo o Artigo 205 do Capítulo III “ Da Educação, da Cultura e do Desporto” da Seção I “Da
Educação” da Constituição Federal da República Federativa do Brasil, “A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL 1988). A educação no seu conjunto
tem um desenvolvimento muito baixo no país, e pior, o preparo para o exercício da cidadania possui
uma dimensão secundarizada na educação, o que em parte é devido à uma sujeição da educação
formal à ideologia dominante, a qual legitima toda sorte de desigualdades econômicas e sócio
espaciais, educação esta que se encontra, nas últimas décadas, crescentemente associada à uma

4
concepção neoliberal de educação, para a qual interessa sobremaneira o adestramento para o
trabalho.

O projeto almeja a constituição da “firmeza do eu” (ADORNO, 1969, p.180) político, revelando o
caráter de como a ideologia dominante, por exemplo, justifica os processos de segregação sócio
espacial em nome do desenvolvimento urbano.

O entendimento da cidade como um campo de disputa social, remete a luta por direitos e benefícios
urbanos, entendidos como o direito à cidade, referenciado na conceituação proposta por Henri
Lefebvre (1968) enquanto “lugar de encontro, prioridade do valor de uso, inscrição no espaço de um
tempo promovido à posição de supremo bem entre os bens” (LEFEBVRE, [1968]/2011, p. 108) a fim de
explicitar que uma etapa primeira à concretização do direito à cidade é de fato a formação crítica a
respeito da cidade e de suas relações sociais territorializadas.

3 ALFABETIZAÇÃO URBANÍSTICA

O analfabetismo urbanístico é um conceito que tem sido muito discutido pela arquiteta e urbanista
Ermínia Maricato, que atesta a necessidade de combatê-lo: “É necessário que a gente compreenda,
entenda, o que é a luta cotidiana pela cidade, pelo direito à cidade. (...) A luta do operário não é apenas
por condições de trabalho e salário, é também por condições de vida urbana” (MARICATO, 2016).

O conhecimento crítico das temáticas urbanas pressupõe que a formação relativa aos mesmos
contribua à ação ativa da população, em prol de seus interesses, junto aos agentes urbanos
responsáveis. Credita-se ao conhecimento das situações, contradições, poderes e interesses presentes
na cidade a possibilidade de melhor agir de forma qualificada em relação aos problemas urbanos. Sem
pretender criar uma fórmula “ mágica”, o meio aqui proposto, que evidentemente, necessita que
outras ações existam e se complementem, prevê que através da participação ativa, estimulada com
oficinas e jogos, possa-se estabelecer debates e aproximar a população das possibilidades de atuação
popular nos processos político-urbanos. Esses são os objetivos que animam o Projeto Cartilha da
Cidade.

5
A Construção de uma Metodologia de Extensão

A Cartilha da Cidade é um Projeto de Pesquisa e Extensão desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa


ARQUITEC do Instituto de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo, em São Carlos1.
Inicialmente, o projeto se caracterizou pela pesquisa e produção de material didático, que resultou em
uma publicação ilustrada de temáticas urbanas: transporte público, mobiliário urbano, energia,
iluminação pública, vegetação urbana, resíduos sólidos, água, drenagem e os impactos ambientais.
Como um projeto de extensão que visa conectar a universidade à comunidade, os integrantes do
projeto iniciaram uma série de oficinas e debates, com o objetivo de levar o conteúdo do primeiro
volume da publicação às escolas da rede pública de ensino da cidade em que atuavam, tendo sido
realizadas inicialmente dois conjuntos de oficinas em duas escolas públicas utilizando-se de percursos,
discussões e atividades de desenho.

A partir das experiências já realizadas e buscando incitar uma participação mais ativa dos alunos,
desenvolveu-se o jogo Agentes Urbanos - Cidades Participativas, tendo como referência o jogo “Paz
Mundial” criado pelo Prof. norte-americano John Hunter. Os alunos são, no jogo desenvolvido,
subdivididos em grupos de agentes urbanos (Movimentos sociais, os Empreendedores imobiliários, a
Prefeitura, as Secretarias, ONGs e o Ministério Público, entre outros) e instigados a buscar soluções
para problemas urbanos reais, de uma cidade imaginária representada em uma grande maquete, com
o objetivo de territorializar as problemáticas levantadas. O jogo foi desenvolvido, inicialmente, com
alunos do Ensino Médio no Colégio CAASO e com alunos do Ensino Fundamental I da Escola Estadual
Antonio Adolfo Lobbe, ambos em São Carlos (Figura 2). A ampla participação dos alunos e sua grande
interação com a maquete reiterou o caráter instigador do jogo através desta espécie de “tabuleiro” do
jogo urbano.

1
A concepção inicial surgiu em 1990 e teve início em 2012, originalmente intitulado Manual de Uso das Cidades, através de
um projeto integrado à rede FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos – e coordenado pelo Prof. Dr. Miguel Antônio Buzzar.
Posteriormente, contou com recursos e bolsistas do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
campus de São Carlos.

6
Figura 1: Oficina do jogo para alunos do Ensino Médio

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa e Extensão Cartilha da Cidade, 2018.

7
Figura 2: Oficina do jogo para alunos do Ensino Fundamental I

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa e Extensão Cartilha da Cidade, 2018.

Um terceiro modelo de oficina foi realizado em Salvador, no V Encontro da Associação Nacional de


Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (V ENANPARQ), com alunos de graduação e
pós-graduação, em sua maioria do curso de arquitetura e urbanismo. (Figura 3). Para a oficina, foram
apresentadas três situações-problema simultâneas, a fim de aproximar-se da complexidade e
concomitância com que as problemáticas urbanas de fato ocorrem na cidade, assim como foram
inseridas cartas individuais denominadas “conduta”, que instruíam os participantes a agirem de acordo
com interesses não necessariamente condizentes com os do agente representado, a fim de colocar em

8
questão as condutas éticas dos agentes urbanos. A questão do "valor da terra" passou a ser discutida
por meio dos distintos valores monetários atribuídos aos terrenos desocupados e os instrumentos
urbanos e legislações específicas ao campo do planejamento urbano (definidas sobretudo por meio do
Estatuto da Cidade) foram discutidos por meio de Cartas de Ação, que poderiam ser negociadas entre
Prefeitura, Empreendedores e demais agentes urbanos envolvidos.

Figura 3: Oficina do jogo para Ensino Superior.

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa e Extensão Cartilha da Cidade, 2018.

O quarto modelo de oficina foi aplicado na creche da Universidade de São Paulo, em São Carlos, com
crianças de cinco anos. A oficina foi adaptada com música, cartas de associação situações urbanas-
sentimentos, uma maquete (em escala urbana reduzida, com blocos coloridos de edifícios, árvores,
quadras de tecido, faixas de pedestre, todas as peças soltas produzidas em isopor e tecidos) (Figura 4)
e desenhos. Já em 2019 o grupo desenvolveu na mesma creche um conjunto de oficinas que
aconteceram ao longo do semestre e que trabalharam de forma lúdica a temática “A cidade por
aproximação”, perpassando as calçadas, as ruas, esquinas, as quadras, ampliando semanalmente a
escala de percepção da cidade através de desenhos, percursos, debates, fotografias, livros, quadros
de palavras e mapas (Figura 5).

9
Figura 4: Oficina do jogo para alunos de creche.

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa e Extensão Cartilha da Cidade, 2018.

Figura 5: Atividade integrante de um conjunto de oficinas desenvolvidas com alunos de creche.

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa e Extensão Cartilha da Cidade, 2019.

As oficinas também foram aplicadas em outros eventos como no 6o Seminário Docomomo SP, em São
Carlos, e na Oficina e Ateliê: Cartilha da Cidade, para a divulgação e integração de novos participantes

10
(Figura 6). Com base no retorno obtido nestas atividades, o Grupo concluiu que seria apropriado a
subdivisão do jogo em faixas etárias, levando em consideração as especificidades de cada público,
resultando em cinco kits de oficinas: o primeiro kit para alunos até o primeiro ano do ensino
fundamental, o segundo para alunos até o quinto ano, o terceiro para alunos até o nono ano, o quarto
kit para alunos do ensino médio e população em geral e, por fim, um kit para alunos da graduação e
pós-graduação em arquitetura e urbanismo. Ainda em formulação, os kits serão disponibilizados no
site do Projeto, a fim de que possam ser acessados e realizados por todos interessados.

Figura 6: Oficina do projeto para integrar novos participantes e interessados.

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa e Extensão Cartilha da Cidade, 2019.

O grupo participante do referido projeto também esteve presente no dia 15 de maio de 2019 na Praça
do Mercado Municipal de São Carlos, ocasião na qual foi possível conversar com os que trabalhavam
ou estavam de passagem por tal região central (Figura 7). Por meio de conversas e dinâmicas reforçou-
se a importância do referido projeto assim como a necessidade de que este se amplie, tendo como
uma das frentes a formação de professores, a fim de que o projeto possa ser utilizado como
instrumento de ensino urbanístico em diversas escolas.

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Figura 7: Oficina do projeto em Praça Pública da cidade de São Carlos

Fonte: Acervo do Grupo de Pesquisa e Extensão Cartilha da Cidade, 2019.

4 CONCLUSÃO: A ALFABETIZAÇÃO URBANÍSTICA COMO DIMENSÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA


ARQUITETURA

O grupo conta atualmente com 18 participantes (um professor coordenador, 9 alunos de graduação
em Arquitetura e Urbanismo, uma aluna de graduação em Eng. Ambiental, 5 alunos de pós-graduação
em Arquitetura e Urbanismo, uma ex-aluna da instituição, uma professora ex-aluna da instituição),
além de 6 antigos participantes e de ser integrado por pesquisadores de outra instituição de ensino
(que criaram a partir do Projeto um grupo de mesma temática em sua unidade de ensino). A
experiência do grupo não deseja se encerrar no âmbito local. A partir do desenvolvimento dos kits de
oficinas e jogos, que serão disponibilizados, almeja-se constituir uma rede de pesquisadores,
professores, alunos e cidadãos interessados com a temática e que se apropriem destas experiências
de pesquisa e extensão universitária enquanto metodologias de ensino, formação e do despertar de
um olhar outro para as cidades.

Como Paulo Freire bem define, “acontece, porém, que a toda compreensão de algo corresponde, cedo
ou tarde, uma ação. (...) Se a compreensão é crítica ou preponderantemente crítica, a ação também o
será” (FREIRE, 1967, p.105, 206). Assim, pretende-se que a construção de espaços de diálogo e
formação crítica relativo às cidades propicie ações críticas, que corroborem à formação cidadã.

12
5 AGRADECIMENTOS
O trabalho foi possível através de projetos do grupo de pesquisa Arquitec, através do projeto de
pesquisa e extensão "Cartilha da Cidade" apoiado, inicialmente, pela FINEP HAB24TS (Habitação de
Interesse Social / Tecnologia Social) MORAR.TS, e na sequência pelos: Programa Aprender com Cultura
e Extensão da USP, Programa Unificado de Bolsas de Estudos para Estudantes de Graduação na
vertente Cultura e Extensão (Edital PUB PRG USP), Edital Santander/USP/FUSP 2017, Edital USP
Empreendedorismo Social 2018. Além disso, o trabalho foi possível através do apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), agência da qual as duas alunas de Mestrado
são bolsistas.

6 REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra, 1995.

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. 3ª edição. Lisboa: Editorial Presença, 1980.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Tradução: Ione Ribeiro Valle,
Nilton Valle. 2ª ed. Florianópolis: Editora da UFSC, 2018.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> . Acesso em 13 de maio de 2019.

DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de
Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016.

FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

MARICATO, Ermínia. Cidade é luta de classes! In: Alfabetização Urbana para combater as desigualdades.
Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas. 2016. Disponível em:
http://www.fna.org.br/2016/01/18/alfabetizacao-urbana-para-combater-a-desigualdade/ . Acesso em: 17 de
maio de 2019.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Tradução: Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2011.

13
Do estudo de precedente no Trabalho Final de Graduação à uma
reflexão sobre a prática acadêmica

From Precedents’s study in final graduation design to a reflection on the


academic practice

Del estúdio de precedente em el Trabajo final de graduación a una reflexión


sobre la práctica académica

ANDRADE, Manuella Marianna Carvalho Rodrigues


Doutora, Universidade Federal de Alagoas, manuella.andrade@fau.ufal.br
PESSÔA, Gabriela Vasconcelos Cavalcante
Graduanda, Universidade Federal de Alagoas, gvcpessoa@gmail.com

RESUMO
O presente artigo se insere no eixo [Novos] repertórios significantes e objetiva apresentar conceitualmente o
estudo de precedente e discutir o modo como esse é entendido no processo de projeto acadêmico, tendo como
objeto o Trabalho Final de Graduação. A condução da reflexão expôs como os precedentes surgem durante o
desenvolvimento do projeto e o modo como são apropriados em tal atividade, propondo o entendimento do
precedente enquanto transgressão e por transposição correlata. Por fim, a discussão adentra o âmbito
acadêmico no qual o artigo se insere e apresenta inquietações e urgências para uma revisão do ensino de projeto
de arquitetura.
PALAVRAS-CHAVES: precedentes, processo de projeto, ensino de projeto.

ABSTRACT
The present article is in the axis [New] significant repertoires and aims to present conceptually the study of
precedent and to discuss how it is understood in the process of academic project, having as object the Final
Graduation Work. The conduct of the reflection exposed how the precedents arise during the development of the
project and how they are appropriate in such activity, proposing the understanding of the precedent as
transgression and by correlative transposition. Finally, the discussion goes into the academic context in which the
article is inserted and presents concerns and urgencies for a revision of the teaching of architectural design
KEY WORDS: precedentes, design process, design teaching.

RESUMEN
El presente artículo se inserta en el eje [Nuevos] repertorios significantes y objetiva presentar conceptualmente el
estudio de precedente y discutir el modo como ese es entendido en el proceso de proyecto académico, teniendo
como objeto el Trabajo Final de Graduación. La conducción de la reflexión expuso como los precedentes surgen
durante el desarrollo del proyecto y el modo en que son apropiados en tal actividad, proponiendo el entendimiento
del precedente como transgresión y por transposición correlata. Por último, la discusión adentra el ámbito
académico en el cual el artículo se inserta y presenta inquietudes y urgencias para una revisión de la enseñanza
de proyecto de arquitectura.
PALABRAS CLAVE: precedentes, processo de proyecto, enseñanza de proyecto.

1
1 INTRODUÇÃO
A noção de precedente e sua importância para o ensino é a temática de discussão do presente texto.
Outros dois termos recorrentes, repertório e correlato, relacionados ao tema também são definidos e
da diferenciação surge a inter-relação ao considerar a produção do conhecimento da Arquitetura por
meio da investigação de projeto. Entende-se por precedente qualquer obra de arquitetura que exista,
preceda o momento do ato projetual que a elegeu como referência para o estudo. A relação do
precedente com o ideário da “obra exemplar” não é assunto em pauta, visto que no âmbito acadêmico
do qual a discussão emerge, a definição da referência a ser estudada fica a cargo do discente que rege
sua escolha pela empatia com a obra.

A construção do raciocínio pautou-se em autores como Peter Collins (1998), reconhecido pela
contundente defensa do precedente, passando pela dissertação de Natália Sá (2014) que apresenta
Denis Bilodeau (1997) e propõe uma diferenciação entre precedente e correlato, contestada pelo
artigo. Completa a discussão Rogério Oliveira (2016) com sua preocupação epistemológica e
recorrentes publicações nacionais anunciando a urgência em se discutir a investigação em projeto no
ensino e na produção científica.

A análise reflexiva realizada a partir do relato textual do processo de projeto de Trabalho Final de
Graduação (TFG), intitulado “Complexo de Cultura e Lazer de Maceió”, configura uma ação
introspectiva da vivencia da primeira autora na acadêmica e no desenvolvimento do TFG da segunda
autora. A reflexão persegue as definições supracitadas e busca destacar incongruência no âmbito do
ensino no qual o trabalho está localizado. As considerações finais ampliam essa questão com a
contribuição reflexiva discente sobre a prática do estudo de precedentes nas disciplinas projetuais.

2 CONCEITUAÇÃO
É na crítica ao movimento moderno que se reativa o valor dos precedentes. Peter Collins introduziu a
ideia de precedente enquanto estudo do passado edificado para extrair princípios pertinentes que
possam ser usados no presente. A escolha do precedente tem grande importância, pois é em si um ato
criativo que permite a originalidade da análise comparativa dos precedentes (TUORNIKIOTIS, 2014).

Natália Sá (2014), em sua dissertação de mestrado, apresenta a tese de Denis Bilodeau (1997) que
numa investigação histórica dos discursos acadêmicos aponta a existência de duas maneiras de
configurar a ideia de precedente. A primeira atrelada ao cânone histórico, exemplar máximo da

2
qualidade arquitetônica que se torna objeto de imitação, sendo os precedentes utilizados nas ações
de composição do projeto pelo ato mimético. A segunda abordagem, entende os precedentes como
“formas de experiência com valor histórico, a serem usados por analogia para o julgamento e o
raciocínio critico no pensamento de projeto (SÁ, 2014, p.25).

Para Bilodeau, precedentes são soluções, regras e princípios abstratos que “podem desempenhar uma
função muito mais abrangente, crítica e criativa quando integrada em diferentes níveis no processo
racional do projeto” (BILODEAU, 1997, apud SÀ, 2014, p.25). Nesse mesmo sentido reflexivo, Rogério
Oliveira (2016, p.59) aponta que o “precedente implica em ‘reprojetá-lo’”, mas destaca que esse ato
de ambiguidade existe em duas frentes, que se aproximam das expostas por Bilodeau: a simples
reprodução do modelo ou a recomposição transformadora do tipo. Entre os autores, a reprodução do
modelo se aproxima da mimese e a recomposição transformadora do tipo se aproxima da analogia.

A convergência dos discursos ocorre também pela opção do estudo dos precedentes enquanto
abstração apreendida pela comparação e avaliação crítica, que auxiliará na concepção do projeto. Essa
postura dialoga positivamente com Collins, pois acredita que a principal consequência do estudo do
precedente reside na “possibilidade de recuperação de componentes arquitetônicos apropriados,
procedentes de distintos contextos”, conectores de uma nova síntese em conformidade com as
necessidades contemporâneas, levando a configuração de um sistema coeso entre todos os
componentes recobrados (TUORNIKIOTIS, 2014).

No entanto, Oliveira (2016) assinala o precedente como “critério de comparação (...) que entra em
jogo quando as circunstâncias e a estrutura interna da composição arquitetônica descobrem ou
inventam correspondências entre o projeto em elaboração e outros projetos, ou até mesmo imagens
avulsas (nem sempre arquitetônicas)” (OLIVEIRA, 2016, p.60). Na continuidade do raciocínio, Oliveira
(2016, p.60) coloca o precedente como “aberto a transgressões”, podendo ser “aceito ou rejeitado,
adaptado ou refeito, mas será sempre transformado, por decomposição e recomposição”.

Dos diversos termos utilizados para expressar o estudo de precedentes, destaca-se correlatos e
repertórios. As terminologias são entendidas da seguinte maneira: Precedente é por definição algo que
precede, que já existe, uma pré-existência, independentemente do valor atribuído (exemplar,
significante, cânone, ícone, etc). Repertório condiz com um conjunto de obras já interpretadas que
configura o habitus do sujeito, suas crenças e disposições (BOURDIER, 2011; 2002), caracteriza seu
conhecimento introjetado enquanto sujeito versado em sua área de atuação. Correlato é algo que se

3
constrói ou se identifica na comparação entre precedentes ou entre precedentes e novos projetos.
Nesse sentido, não define um estudo e sim uma ação, a ação de correlacionar apontando ou criando
relações mutuas entre dois elementos/obras, ao qual não há independência, mas também não há
subordinação.

Sá (2014, p.28) define correlato em contraposição a precedente.

Precedente não é o mesmo que correlato. Enquanto o primeiro está associado a noções abstratas que influenciam
soluções por utilização de princípios por analogia, o segundo está mais direcionado ao uso consciente de casos
existentes na concepção de um novo trabalho. Para utilização de correlato, a referência é buscada de forma
intencional (SÀ, 2014, p.28).

Há discordância. Todo correlato emerge de um precedente, mas nem todo precedente configura
correlação no processo de projeto. A escolha do precedente é também uma escolha intencional e
consciente, definida por critérios que podem ir da forma à função, da relação tipológica, do gosto
pessoal, isto é, da arbitrariedade do projetista. Nesse sentido, considera-se que o estudo do
precedente pode colaborar no processo de projeto de duas maneiras: por transgressão como definiu
Oliveira (2016) e por transposição por correlação.

A partir da definição desses três termos – precedentes, repertório, correlato – o relato do processo de
projeto do TFG escrito pela segunda autora do artigo será analisado pela primeira autora. No item
seguinte, o texto sublinhado expressa o relato e o texto não sublinhado a análise. A reflexão analítica
persegue as definições supracitadas circunscrita no ambiente acadêmico no qual o trabalho é
desenvolvido.

3 PRECEDENTES, REPERTÓRIO E CORRELATO NO TFG


O Trabalho Final de Graduação (TFG) propositivo “Complexo de Cultura e Lazer de Maceió” utilizou de
precedentes para prover conhecimento que permitiu elaborar o programa de necessidades e,
posteriormente, subsidiou o processo de criação e desenvolvimento do anteprojeto. A interessante
posição “funcionalista” de domínio do programa de necessidade antes do ato de criação do projeto
demonstra uma prática introjetada no âmbito acadêmico que condiciona a crença no programa como
primeiro ato projetual, o que induz o início da leitura do precedente pela identificação do mesmo.

O estudo dos precedentes consistiu na análise dos edifícios: Centro Cultural de São Paulo - São Paulo
(CCSP) e Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia - Lisboa (MAAT), escolhidos primeiramente pela
“impressão” de integração com a cidade, a paisagem e o entorno, gerando espaços livres, embora de
fluxos complexos. A plasticidade das obras foi o segundo elemento direcionador da escolha, seguido

4
pela percepção das relações interpessoais nas atividades, interatividade e sociabilidade permitido pelo
conhecimento presencial das obras. O primeiro critério de escolha já expunha, mesmo que talvez sem
consciência, o princípio gerador do futuro projeto: a “integração com a paisagem e entorno a partir de
espaços livres”. O segundo que poderia ser arbitrário, só não o é pela exigência solicitada de conhecer
presencialmente as obras analisadas. No entanto, a escolha dos precedentes foi intencional porque
acreditava que a proximidade temática poderia ser mais eficiente ao projeto a ser realizado, o que
expressa que a intencionalidade não se dá necessariamente pela excepcionalidade, exemplaridade ou
singularidade da obra e sim pela tipologia. Termo, inclusive, inculcado nos discentes de maneira
ordinária, sem entender a tipologia pelo estudo tipo e sim pelo estudo de obras do mesmo tema.

Tabela 1: Princípios identificados a partir da análise


Centro Cultural São Paulo (CCSP) Museu Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT)
Consideração da vegetação existente, fazendo-a útil e horizontalidade plástica da curva de sua volumetria
integrada ao edifício e entorno
sentido de continuidade com paisagem iluminação natural zenital
espaços amplos, flexíveis, permeáveis e com visibilidade a conectividade com o entorno a partir dos elementos do
entre o interno e o externo projeto
translucidez, conexão, continuidade da paisagem e áreas Permeabilidade urbana
livres.
Fonte: PESSÔA, Gabriela, 2019.

As análises aprofundaram conhecimentos em relação à forma espacial, funcionamento das atividades


e às características estruturais dos espaços culturais, permitindo identificar princípios que serviram à
elaboração da proposta. Iniciou-se por meio de maquetes e croquis o desenvolvimento volumétrico
do edifício. Para isso, distribui-se as atividades em blocos modulados retangulares unidos fisicamente
e fixados ao solo. O primeiro ato projetual não parte da volumetria dos precedentes estudados, o que
não seria um problema. Porém, a incongruência está na proposta negar os princípios identificados pela
análise dos precedentes e a proponente não se aperceber pelo fato de agir “automaticamente” na
prática vivenciada no ateliê, onde o precedente é apenas descrito; desse retira-se o programa, mas
não se alcança a análise, não se compreende o projeto pelos motivos que os fazem ser como são.
Talvez os fatores climáticos sejam os melhores apreendidos.

Figura 1: Estudo volumétrico da primeira proposta.

Fonte: PESSÔA, Gabriela, 2019.

5
Observando a proposta, concluiu-se que os blocos posicionados de forma modular possuem atividades
únicas, formando um edifício rígido, que não expressa interação entre si nem com o entorno, sem
leveza e fluidez. Revelar a incoerência despontou num ato reflexivo da proponente que “viu” a
dissonância entre a proposta e os princípios escolhidos como orientadores do projeto. Esse momento
apontou o ensino-aprendizado pela prática reflexiva de Schön (2008), mas ultrapassou o exercício
propositivo do TFG por certamente contribuir para a formação do sujeito sem o processo de inculcação
acadêmica. A partir desse momento, o estudo do precedente cumpriu seu papel de transgressão no
processo de projeto. As obras estudadas foram aceitas por seus princípios orientadores e não
necessariamente por sua materialidade, elementos compositivos ou espacialidade, demonstrando que
o estudo de precedentes não se configura por correlação no projeto.

A definição da madeira como material estrutural a ser utilizado no projeto, visava atender o princípio
de integração com o entorno natural. No decorrer da evolução da forma no exercício projetual,
surgiram outros exemplares arquitetônicos que serviram de inspiração em relação aos sistemas
estruturais. São eles: o Centro Cultural Max Feffer - Pardinho, SP; as obras do Escritório Carpinteria,
empresa brasileira especializada na execução de obras em madeira; e Centre Pompidou Metz, 2010,
projetado pelo arquiteto japonês Shigeru Ban. A emergência de outros referências demonstra que o
estudo de precedentes no início do processo pode ter sua eficiência, mas não é suficiente. O processo
de projeto aponta problemas a serem resolvidos no decurso da ação, demonstrando que não se tem
domínio do problema incialmente e que o retorno aos precedentes pode ser uma estratégia de ação,
principalmente no âmbito acadêmico.

Após estudos realizados sobre estruturas de madeira, produziu-se uma segunda proposta, baseada na
primeira. Com a definição da estrutura em madeira, observou-se que a integração com a paisagem do
entorno seria mais efetiva. A preocupação com o conforto térmico e a ligação entre os diferentes
ambientes provocou mudança no posicionamento dos blocos, através de rotação e elevação do solo
de todos os blocos, fazendo com que todo o pavimento térreo se tornasse uma ampla praça coberta.
Isso melhorou a relação do edifício com seu entorno, mas ainda havia o obstáculo visual para os
usuários, pois a relação entre os distintos blocos não estava bem definida. Essa relação foi resolvida
pela proposição da coberta como elemento integrador, princípio apreendido na obra do Shigeru Ban.
O último exemplo de obra em madeira estudado, atua no processo como precedente correlato, ou
seja, a proponente construiu uma correlação direta da solução estrutural da coberta de Shigeru Ban
com a sua proposta, demonstrando que o correlato está atrelado a uma ação de transposição ao

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adaptar a solução estrutural do arranjo das madeiras da paraboloide de Ban para a paraboloide da
proposta do TFG. Sendo duas paraboloides distintas, o projeto elaborado transgrediu o precedente
adaptando e transformando a paraboloide às contingencias do projeto em elaboração.

Figura 2: Maquete eletrônica da segunda proposta de evolução projetual.

Fonte: PESSÔA, Gabriela, 2019.

Figura 3: Maquete de estudo da paraboloide da coberta para a proposta final.

Fonte: PESSÔA, Gabriela, 2019.

O objetivo, a todo momento, foi a integração com o entorno conduzido pelo mínimo de obstáculos
visuais possíveis e para isso ocasionaram modificações nas formas do projeto inicial: propõem-se
agora, três blocos diluídos no terreno e uma coberta integradora dos blocos, estabelecendo um elo
entre os elementos, por cima (coberta) e por baixo (passarelas e espaço livre). Após o apanhado de
informações e diversas modificações, conscientiza-se que exercício projetual não é algo linear ou
continuado, mas sim cíclico e contingencial às demandas e problemas que surgem no processo para a
finalização da proposta. Apesar dos impasses, dúvidas, definições e redefinições, acredita-se que o
anteprojeto do Centro Cultural e Lazer de Maceió atende o princípio eleito e percorrido por todo
processo: forma estrutural integrada à natureza. Esse ato de escrita reflexiva e consciente das ações
realizadas demonstram a importância do estudo de precedente entendido como exposto na definição
conceitual do artigo. No entanto, acredita-se que a definição do procedimento de analise utilizado pela
proponente foi o diferenciador para alcançar o conhecimento por meio do estudo de precedente.
Identificar nos estudos os princípios orientadores das obras e o provável gerador da forma requereu
uma postura analítica atrelada ao raciocínio arquitetônico. No âmbito acadêmico, essa postura não é
desenvolvida nos ateliês e o “estudo de repertório” para usar o termo recorrente alcança apenas a
descrição.

7
Curioso ou, no mínimo, intrigante, foi presenciar a discordância de opinião sobre o estudo de
precedente apresentado pela proponente. Deveria ter sido surpreendente (mas não foi), o não
reconhecimento de importância do estudo para um TFG de projeto de arquitetura, “muito extenso”.
Ou mesmo a não apreensão da contribuição do estudo pela transgressão do precedente. O que de fato
se destacou foi a transposição por correlação do precedente no projeto proposto e não a prática
reflexiva que definiu o princípio e percorreu todo o processo buscando atender as definições da
proponente. Entre o reconhecimento do precedente por transgressão e do precedente por
transposição correlata prevaleceu a força da aparência que a correlação permite.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A máxima do projeto como algo ainda não visto, algo novo, ainda tem significativo valor no âmbito dos
ateliês. Isso aponta que o estudo de precedente “perde sua função” na ação projetual por não ser
entendido como possibilidade de transgressão e aplicação prática no projeto. As poucas
oportunidades de realização do estudo não constroem relação com os projetos a serem desenvolvidos,
são apenas informações descritivas que permitem conhecer sem compreender reflexivamente a obra,
não trazendo ganho ao processo de projeto.

A lacuna no conhecimento decorrente da incipiente investigação em projeto, ocorre em parte pela não
instrumentalização do discente. Os estudos de precedentes realizados cumprem a descrição de fatores
solicitados, mas não incentivam uma postura reflexiva visando auxiliar o desenvolvimento dos
projetos. Isso anuncia a necessidade de instituir didaticamente a estudo de precedente como
instrumento de ensino-aprendizagem, podendo ser apreendido tanto como transgressão como
transposição de correlato. Avançar na pratica acadêmica que ainda está atrelada apenas ao
conhecimento tácito. No âmbito do ensino só esse conhecimento não é suficiente, como também só
o conhecimento acadêmico não é. A busca pelo equilíbrio entre ambos ainda é um grande desafio.

Na localidade em que a reflexão do presente artigo se insere, a insuficiência investigativa sobre o


projeto e o processo de projeto na prática profissional e no ensino fazem do estudo de repertório um
dos poucos instrumentos de acesso ao possível conhecimento proveniente da investigação em projeto.
Porém, os estudos realizados não condizem com os conceitos definidos anteriormente, pois se
configuram pela descrição do programa, setorização, clima, localidade e estética. São os discentes que
escolhem a obra em função do tema a ser desenvolvido e não por uma intenção didática de aproximar
o aluno a exemplares de excelência singular da arquitetura.

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Muitas vezes, é no desenvolvimento do TFG que muitos discentes veem a possibilidade de ampliar o
seu conhecimento, trazendo questões não discutidas anteriormente ou se deparando com exigências
investigativas, técnicas e tecnológicas não antes vivenciada. O desafio é trazer para o corpo das
disciplinas do curso essa necessidade, consciência e postura investigativa na atividade projetual da
arquitetura, complementando todo o valor que o conhecimento tácito possui. Ou se não, manteremos
a imagem romântica do gênio criador, da caixa preta ou do conceito transcendental que persiste no
ateliê, enquanto os discentes praticam a transposição por correlação do Pinteresti.

6 REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. 8.ed. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2002.
__________. O senso prático. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
COLLINS, Peter. Changing Ideals in Modern Architecture 1750-1950. 2 ed. Montreal: MCGill-Queen’s University
Press, 1998.
SÁ, Natália Aurélio de. O projeto diz o que o estudante lê? estudos de projetos no Trabalho Final de Graduação
em Arquitetura. Dissertação de Mestrado, UFPB, 2014.
SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto
Alegra: Atrmed, 2008.

OLIVEIRA, Rogério de Castro. Usos de precedentes: a construção do repertório arquitetônico na prática projetual.
In: Revista Thésis. n.02, julho/dezembro, 2016.
PESSÔA, Gabriela Vasconcelos Cavalcante. Identidade e Sociabilidade: proposta de um Centro de Cultura e Lazer
de Maceió. Trabalho Final de Graduação. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UFAL, 2019.
TUORNIKIOTIS, Panayotis. La Historiografía de la arquitetctura moderna. Barcelona: Editorial Reverté, 2014.

i Pinterest: aplicativo de banco de imagens muito utilizado pelos discentes.



Abordagem fenomenológica e criativa no Trabalho Final de
Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Phenomenological and creative approach in the final work of graduation in
Architecture and Urbanism

Enfoque fenomenológico y creativo en el Trabajo Final de Graduación en


Arquitectura y Urbanismo

MOTTOS BARNABÉ, Paulo Marcos
Doutor e mestre em Projeto pela USP. Especialista em Didática do Ensino Superior e Graduação pela
PUC-PR. Professor Associado do Departamento De Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Paraná – UFPR | pbarnabe@terra.com.br

BERRIEL MERCADANTE STINGHEN, Andréa


Doutora em Engenharia Florestal pela UFPR. Mestre em Arquitetura pela URGS e Graduada em
Arquitetura e Urbanismo pela UEL. Professora Associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Paraná – UFPR | andreaberriel@ufpr.br



RESUMO
Em um mundo de mudanças rápidas, um dos desafios no ateliê de projeto de arquitetura e urbanismo é
encontrar repertórios significativos, ao mesmo tempo, para estudantes, professores e futuras usuárias e
usuários. Esse artigo relata a experiência de ensino-aprendizagem no quinto ano, durante o trabalho final de
graduação – TFG, na fase de pesquisa e de projeto. O objetivo é refletir sobre a abordagem fenomenológica e
de incentivo à criatividade, aceitando hibridismos e atravessamentos diversos no processo de concepção e
desenvolvimento dos projetos. A metodologia de trabalho apresenta-se como uma alternativa que pode
colaborar para um projeto mais livre, coerente, e profundamente conectado com as poéticas, aspirações e
expressões contemporâneas.
PALAVRAS-CHAVES (3 a 5): fenomenologia, criatividade, processo de projeto, TFG.

ABSTRACT
In a world full of changes, one of the challenges in an architecture and urban design studio is to find meaningful
repertories for students, teachers and future users at the same time. This article reports the teaching-learning
experience of the course’s last year, when is made the final graduation project - GP, at the research and project
phases. It aims to reflect about the phenomenological approach and the incentive to creativity, accepting
hybrids and diverse crossings in the process of conceiving and developing projects. The work methodology is
presented as an alternative that can collaborate for a freer, coherent, deeper connected with poetics,
aspirations and contemporary expressions project.
KEY WORDS (3 a 5): phenomenology, creativity, design process, GP.


RESUMEN
En un mundo de rápidos cambios, uno de los desafíos en el estudio de diseño de arquitectura y urbanismo es
encontrar repertorios significativos, al mismo tiempo, para estudiantes, profesores y futuros usuarios. Este
artículo relata la experiencia de enseñanza-aprendizaje en el quinto año, durante el trabajo final de graduación
– TFG, en la fase de investigación y de proyecto. El objetivo es reflexionar sobre el enfoque fenomenológico y el
incentivo a la creatividad, aceptando hibridismos y atravesamientos diversos en el proceso de concepción y
desarrollo de los proyectos. La metodología de trabajo se presenta como una alternativa que puede colaborar
para un proyecto más libre, coherente, y profundamente conectado con las poéticas, aspiraciones y expresiones
contemporáneas.
PALABRAS CLAVE: fenomenología, creatividad, proceso de proyecto, TFG.

1 INTRODUÇÃO
Em um mundo de mudanças cada vez mais rápidas, um dos desafios no ateliê de projeto de
arquitetura e urbanismo concentra-se em encontrar repertórios significativos para além do binômio
professor-aluno, considerando também futuras usuárias e usuários. Ou seja, buscar conjuntos de
ideias, práticas e posturas que façam sentido para pessoas com vivências e interesses particulares,
pertencentes a grupos heterogêneos. E também se torna necessário encontrar e utilizar
metodologias e aproximações viáveis que permitam o desenvolvimento de sensibilidades, nas quais
se destacam escutas atentas entre todos os agentes envolvidos no processo.

O projeto de arquitetura e urbanismo é, em sua essência, uma disciplina híbrida que necessita
materializar interações e inter-relações para formalizar proposições adequadas a cada situação que
se apresente. Se o seu campo de ação é contraditório, ora um ato prático e metafísico, ora utilitário e
estético, tecnológico e artístico, ou até econômico e existencial, isso exige ponderações sobre os
paralelos e as diferenças, as interdependências com outros campos do conhecimento. De acordo
com Pallasma (2010, p.37), o “arquiteto sábio percebe em outras áreas conceitos técnicos e poéticos
para qualificar suas proposições”.

O objetivo deste artigo, portanto, é refletir sobre a prática de projeto dentro do ateliê, valorizando o
processo de projeto mais do que o produto das entregas; encontrando e catalisando repertórios e
metodologias que auxiliem na construção de narrativas por parte dos estudantes e professores, cujo
resultado faça sentido e seja bem aceito por usuárias e usuários do espaço em suas experiências
cotidianas.

Apresenta-se parte da teoria utilizada nos ateliês com estudantes de todos os anos, com destaque
aos do quinto ano durante o Trabalho Final de Graduação (TFG), nas etapas de pesquisa e de projeto.
O objetivo é estimular as experiências sensoriais e a criatividade, aceitando hibridismos e


atravessamentos diversos no processo de concepção e desenvolvimento dos projetos, expressos
através de textos, colagens, diagramas, maquetes e modelos em todas as escalas.

2 PRESSUPOSTOS FENOMENOLÓGICOS APLICADOS AO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO


EM ARQUITETURA E URBANISMO
A prática do projeto de arquitetura e urbanismo deveria transcender a resolução de problemas
programáticos e construtivos, sobrepujar o dado material das construções, trazendo para o interior
da atividade de projetação - de espaços edificados e áreas livres - valores estéticos, simbólicos e
emocionais, centrados na busca de identidades culturais e nos anseios do espírito. E incluir também,
de alguma maneira, o corpo de quem projeta, corpo esse utilizado como instrumento de medida e
experiência sensorial da arquitetura e da paisagem, porque a “grande missão da arquitetura, sendo
ela uma arte significativa, é fazer com que as pessoas que nela adentram sintam-se como seres
corpóreos e espiritualizados” (PALLASMAA, 2011, p.11).

Compactuando com a atual teorização sobre fenomenologia, os autores desse artigo sempre
defenderam uma atitude transdisciplinar, no desenvolvimento do Trabalho Final de Graduação, pois
não se pode separar a experiência humana em partes. Portanto, todos os estudos relacionados à
experiência ambiental humana deveriam colaborar mutuamente com a disciplina da arquitetura,
havendo entrelaçamento com disciplinas como filosofia, psicologia, sociologia, antropologia,
geografia, entre outras; o que implicariam estudos sobre percepção, pensamento, memória,
imaginação, emoção, desejo, vontade, criatividade, consciência corporal, atividade social, etc.

É evidente a ligação simbiótica entre arquitetura e outras áreas do conhecimento; e essa


correspondência biunívoca deveria ocorrer durante a evolução do pensamento e da cultura
adquirida através dos anos, momento no qual a arquitetura evolui com aumento do conhecimento
técnico, ao mesmo tempo em que força a pesquisa de novos procedimentos, em função de
necessidades e proposições. A arquitetura, então, poderia absorver essas informações sem deixar de
manter seus princípios, seus elementos, suas relações primeiras: criar espaços caracterizados como
lugares habitáveis, nos quais as relações humanas são a prioridade; isso após entender “lugar” como
evento mental e experimental, além de cenário funcional, material e técnico - ato simbólico que
organiza o mundo das pessoas, porque não somente seus corpos e necessidades físicas devem


abrigados, mas também suas “mentes, memórias, sonhos e desejos deveriam ser acomodados e
habitados.“ (PALLASMAA, 2017, p.8).

Avessos à postura de que todos os seres humanos são iguais, independentes de seu contexto físico e
cultural, desde a década de 1960 arquitetos como Charles Moore, Christian Norberg-Schulz, Kenneth
Frampton, Robert Venturi, Joseph Rykwert, Vesley Dalibor, Juhani Pallasmaa, entre outros, tinham
preocupações a respeito da interação das pessoas com o ambiente natural ou construído, e
propunham uma ruptura com tal forma moderna de reprodução homogênea da realidade.

O afã moderno de universalidade se traduzia em perda de respostas situacionais e na emergência de


um intelectualismo alienado, uma espécie de neutralidade universal e falta de contexto. Na medida
em que essa ideologia materialista convertia as ideias em artigos de consumo, a natureza da
verdadeira qualidade artística se via obscurecida. O rechaço à tradição fazia da novidade e unicidade
um valor inerente, e implicava uma privatização gradual da cultura. (PALLASMA, 2010).

Felizmente, na contramão, muitos arquitetos, artistas, escultores e poetas lutaram, e ainda lutam,
para frear essa tendência e enfatizar em suas experiências os rituais e os valores locais: “raízes”. Em
seu processo criativo não apenas adotavam imagens e conhecimentos alheios, senão que os
“transformavam”, promovendo “pontes” entre diferentes culturas e saberes, que não excluíam a
cultura local. (CORREA, 2008).

Essas “pontes” têm sido compartilhadas com os estudantes nas experiências aqui relatadas, para que
tenham em vista posturas mais humanas, portanto diversificadas. Para que não se tornem objetos, e
sim sujeitos na história (PAULO FREIRE, 1996). Não indivíduos deslumbrados com informações que
chegam do exterior, mas pessoas com visão crítica e reconstrutiva daquilo que chega do mundo
(LUCIO COSTA, 1997). E isso não tem relação alguma com uma apologia a “nacionalismos”
ultrapassados, e sim com a necessária personalização e humanização dos processos. O sentido final
transcende assim os aspectos visuais, ajudando a modificar hábitos, dando voz ao mundo perceptivo
no qual outros sentidos possam ser estimulados e valorizados. Resgatando-se, assim, as relações
pessoais sensíveis no vivenciar da arquitetura e seu contexto físico-cultural local.

2.1 Fenomenologia e criatividade


Mesmo antes de terem sido sistematizados os pressupostos da filosofia fenomenológica aplicáveis ao
campo da arquitetura, desenvolvidas por Juhani Pallasmaa, Alberto Pérez-Gómez, Steven Holl, Glenn


Murcutt, Peter Zumthor, Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio, Tod Williams e Billie Tsien, tendo como
base o realismo específico da fenomenologia de Husserl, Merleau-Ponty, Edith Stein e Gaston
Bachelard, e do existencialismo de Heidegger e Hannah Arendt, postulava-se a importância
outorgada aos sentidos, à percepção e à experiência humana na reflexão sobre arquitetura nos
Trabalhos Finais de Graduação desenvolvidos pelos estudantes.

Dessa maneira, o Trabalho de Graduação poderia constituir não só o coroamento e avaliação de


conhecimentos assimilados durante o curso, mas, antes de tudo, o momento de discussão
aprofundada sobre a profissão e sua caracterização científica; tendo como premissa básica a
necessidade de produção de conhecimentos, acrescendo algo ao que já era conhecido e, portanto,
contribuindo com o acumulado; enfatizando, assim, o processo metodológico e não apenas a
recuperação de unidades programáticas, que seria apenas um projeto simulado e subserviente ao
mercado de trabalho. Ao invés disso, buscaria uma abordagem educativa, conceituada como
motivadora na formação de um profissional capaz de responder às questões sociais e em constante
aprimoramento.

A abordagem fenomenológica e criativa, então, tem se caracterizado como produção coletiva de


conhecimento, de maneira interdisciplinar e transdisciplinar, pela avaliação participativa e pelo uso
da pesquisa como processo de reflexão crítica. Sendo a escolha do tema vista agora como pretexto,
pois o objetivo maior tem sido o valor agregado, procurando entender quais são os elementos que
qualificam a arquitetura e a dignificam enquanto ofício, marcando sua pertinência centrada na
discussão subliminar, através das temáticas arquitetônicas e sua repercussão social, cultural,
simbólica e histórica. Posturas criativas que, apesar de advindas de conhecimentos diversos,
paradoxalmente gerem propostas capazes de sustentar características intrínsecas próprias.

O processo de ensino-aprendizagem passa, assim, a enfatizar a “competência questionadora”, que


prepara para novos desafios, que promove um processo emancipatório, tornando os estudantes
sujeitos capazes de enfrentar problemas com lucidez e critério. Para tanto, são chamados a se
atentar ao contemporâneo momento de niilismo e deslumbramento, a evitar assim a tentação das
propostas fotogênicas e narcisistas, a desenvolver o olhar para aquelas que não ignoram a cultura
pré-existente. Chamados a olhar para o ser humano e sua relação com o mundo através do corpo e
seus múltiplos sentidos, lembrando-se de organizar espaços nos quais as relações humanas devem
ser a prioridade, onde a vida se manifeste em encontros e desencontros - lugares estáveis,


confortáveis, flexíveis, adequados aos vários usuários e usuárias, e com respeito às histórias, às
culturas e aos sítios onde se inserem.

A desumanidade da cidade contemporânea entendida como consequência do egoísmo de um


“império ocular” dominante, que reverencia a imagem ao invés da experiência, alerta aos estudantes
que a arquitetura deveria materializar o sentido de cada pessoa no mundo; incorporar e inspirar
tanto estruturas físicas como mentais; lembrando o que o filósofo Merleau-Ponty disse: “a tarefa da
arquitetura é tornar visível como nos toca o mundo”, pois seu ideal seria tratar, primordialmente, da
“vida tal como é vivida, mais do que de abstrações”. Porque, diferente de outras artes cuja existência
transcende a vida, a arquitetura incorpora a vida.

Muitos pressupostos defendidos hoje pelos que sistematizam princípios teóricos e práticos da
filosofia fenomenológica aplicados à arquitetura e ao urbanismo já estavam presentes na maneira
com que, ao longo de mais de trinta anos, foram desenvolvidas, pelos autores, as orientações dos
Trabalhos Finais de Gradação; e hoje, elas vêm reforçar e ajudar ainda mais na materialização dessas
preocupações, ou seja, no foco ao ser humano e sua necessidade de perceber o mundo com todos os
seus sentidos. Alerta-se apenas para que o termo “Fenomenologia”, não ser torne, assim como
ocorreu com o termo “Sustentabilidade”, apenas um chavão da moda, um pastiche para justificar
uma escolha estética ou superficial, mas uma postura profissional coerente, ao fazer proposições que
se preocupem de fato com todos os agentes envolvidos: sociais, culturais, situacionais, etc.

Muito auxiliaram as várias publicações sobre fenomenologia aplicada à arquitetura, pois reforçam a
tese do focar os Trabalhos de Graduação nas possíveis experiências ambientais das futuras usuárias e
usuários. Não é que se devam ignorar as tecnologias, porém, a complexidade da experiência que a
arquitetura fornece ao ser humano não pode ser substituída pelos meios de informação e
comunicação existentes. Não se pode negar a natureza espacial do homem, necessária para que a
experiência seja completa, pois “qualquer espaço humano é sempre um espaço com significados”, e
esses estão, muitas vezes, relacionados às experiências que as pessoas tem no lugar, e não nas
formas do mesmo (PALLASMAA, 2006, p.488). Não se trata do uso de formas simbólicas óbvias, mas
do arranjo sensível dos elementos arquiteturais, incentivando e aprofundando, assim, a experiência
do sujeito no espaço.


A abordagem fenomenológica e criativa aqui relatada, faz parte da postura dos autores, seja em sala
de aula, seja nas pesquisas que desenvolvem. Trata-se de uma essência, uma potência, uma postura
diante da vida.

2.2 O corpo no processo de projeto e de aprendizagem


“O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que
não é de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a
de quem nele se insere. É a posição de quem luta para não ser objeto, mas sujeito da história”. (FREIRE, 1996, p.
60).

Nas dinâmicas de ensino-aprendizagem dos ateliês de projeto, a escolha e aderência de repertórios


significativos precisam buscar as essências, ir além das aparências e da superfície das coisas.
Deveriam ir além das perspectivas feitas para impressionar os olhos e buscar um olhar mais crítico,
que conduza a arquiteturas mais humanas, aquelas advindas das necessárias utopias em fricção com
a ideia de real. Nesse sentido, a escolha de novos repertórios significantes perpassa pela consciência
de que a arquitetura deva ajudar a tecer novas sensibilidades, dando suporte e oferecendo
oportunidades de troca, de interação e de comunhão consigo, com o mundo e com as outras
pessoas.

Figura 1: Colagem desenvolvida pelo aluno A


Fonte: Valdir Ribeiro junior, 2017


Assim, a proposição deste trabalho é a de que seja adotada uma estratégia de ação para o ateliê de
projeto, baseada em uma abordagem fenomenológica e criativa, na qual o professor aja como um
agente que considera e estimula os hibridismos nas estratégias de concepção, como por exemplo, a
colagem (Figura 1) desenvolvida pelo aluno A durante o processo de TFG, numa tentativa de
aproximação às atmosferas pretendidas, ferramenta potente na construção de narrativas visuais.

Juhani Pallasma, arquiteto e teórico finlandês influenciado pela arquitetura de Alvar Aalto e pela
corporalidade da fenomenologia de Merleau-Ponty, defende o papel do corpo na arquitetura e no
processo de projeto e de aprendizagem. Em alguns de seus vários livros, como “Ojos de la piel, los: la
arquitectura y los sentidos”(2008), “Una arquitectura de la humildad” (2010), “Habitar” (2017),
“Essências” (2018), defende a ideia do espaço existencial, a variação e a fluidez do tempo para
usufruir da arquitetura, o sentido de hapticidade para perceber texturas e temperatura das matérias,
a gravidade enfatizando a ligação da massa com a terra, a luz que revela o espaço e as qualidades da
matéria, a voz silenciosa da arquitetura, a sensação de habitabilidade do lar, a ambiência e a
memória vivida, o sentido de viver no mundo, a paisagem interiorizada, a diferenciação do espaço
em lugar, personificação da arquitetura, etc.

No desenho e na maquete do aluno A (Figura 2), durante o processo, se observam associações


elaboradas entre tecnologia e memória. Segundo o memorial descritivo do estudante, “a Colônia
Murici localizada no município de São José dos Pinhais, como resultado da política de imigração do
final do século XlX, foi ocupada por imigrantes poloneses. Seus imigrantes tinham uma tradição rural
baseada na cultura de subsistência e cultivo para abastecimento dos núcleos urbanos próximos (...) A
proposta de projeto foi desenvolver uma estrutura para aproveitamento turístico do local (...)
mantendo as tradições locais e preservando o patrimônio material e imaterial – a paisagem rural, a
cultura polonesa, o saber fazer dos mestres carpinteiros (...) Por isso propôs-se um conjunto de
cabanas de madeira como forma de escape da vida urbanizada dos grandes centros.”


Figura 2: Desenho e maquete desenvolvidos pelo aluno A (Tema: cabanas para turismo na Colônia Murici)


Fonte: Valdir Ribeiro junior, 2017


Há no trabalho do aluno A, como se verifica nas perspectivas (Figura 3), uma clara construção
fenomenológica, em que os corpos no espaço são o elemento definidor de sentido, o ponto chave da
arquitetura. O estudante utilizou, durante o processo de projeto, as experiências e fantasias relativas
ao seu próprio corpo no espaço para fazer as articulações entre interior e exterior, entre tectônica e
esteriotômica, entre materialidade e subjetividade, advindos do próprio desejo de encontrar um
refúgio, longe das atribulações das cidades, em que experiências concretas sejam possíveis.

Figura 3: Perspectivas, aluno A (Tema: cabanas para turismo na Colônia Murici)


Fonte: Valdir Ribeiro Junior, 2017


Muito do pensamento de Pallasma se relaciona com o de Steen Eiler Rasmussen, que em seu livro
“Arquitetura vivenciada” (1980[1959]) descreve diferentes formas de experienciar os espaços e o
caráter multifacetado da arquitetura, porque “nenhuma outra arte emprega uma forma mais fria e


mais abstrata, entretanto, nenhuma outra arte está tão intimamente ligada à vida cotidiana do
homem, do berço à sepultura”. (RASMUSSEN, 1986, p.13).

O memorial da aluna B fala sobre o Templo Budista que será implantado na Ecovila CEBB Sukhavati
em Quatro Barras, região metropolitana de Curitiba, no Paraná. “Sukhavati significa terra da suprema
felicidade. A ecovila faz parte do projeto de Aldeias CEBB, que visa a estabelecer Terras Puras: locais
que facilitem e propiciem a prática do Dharma e a promoção da vida humana, bem como os valores
budistas de sabedoria e compaixão de forma a gerar benefícios para todos os seres. O Templo é a
construção de maior importância simbólica dentro do complexo (...) O partido do projeto
desenvolveu-se a partir da fusão de dois conceitos: a circum-ambulação meditativa, que é o
caminhar ao redor do espaço sagrado ritualisticamente; e a Roda do Dharma, símbolo budista que
significa o fluxo incessante de renascimentos e a libertação através do caminho óctuplo que leva à
iluminação. A circum-ambulação se inicia na estrada de cascalho delimitada por um grande jardim
aromático que acompanha o percurso até o espelho d’água (Figura 4). Uma estrutura de madeira
acompanha lateralmente o caminho (...) Essa pele dá ritmo e também delimita a circum-ambulação,
seus veios horizontais direcionam a visão do transeunte. Ao chegar ao espelho d’água, no qual o céu
e a estrutura de madeira são refletidos, inicia-se uma rampa circular descendente ao redor do corpo
do templo que se encontra abaixo do espelho d’água.”

Figura 4: Perspectivas, aluna B (tema: templo budista)


Fonte: Camila Y. S. Sanchotene, 2016

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“Ao final da circum-ambulação, chega-se ao saguão no qual os praticantes tiram seus sapatos e
podem adentrar ao salão para a prática meditativa. O grande salão, dimensionado para abrigar cerca
de 400 pessoas, possui planta circular e sua estrutura é de concreto armado e protendido (Figura 5).
A grelha de vigas está desenhada como a Roda do Dharma, com oito ramificações principais, o que
lembra o caminho óctuplo, e, no centro, há uma zenital circular, que simboliza a iluminação. Apesar
da planta circular, o templo se volta para oeste, direção que simboliza o primeiro sermão de Buda e
seus ensinamentos. Nessa direção existe uma abertura de 1,50m do piso no qual se visualiza outro
espelho d’água. Sentado em posição para meditação é possível visualizar a estátua de Buda no
horizonte planando sobre a água.”.


Figura 5: Perspectivas, aluna B (tema: templo budista)


Fonte: Fonte: Camila Y. S. Sanchotene, 2016


Apesar dos andaimes do processo da aluna A não estarem tão claros, por falta de registro durante o
desenvolvimento, podemos observar as diversas camadas de componentes sensoriais apresentadas
seja nos espaços exteriores, seja nos interiores.

No Livro “Atmosferas: entornos arquitetônicos” (2006) e no “Pensar a arquitetura” (2006) Peter


Zumthor defende que a arquitetura não deve “provocar emoções, mas sim permiti-las”, e demonstra
a importância dos elementos na qualificação e ambiência de seus projetos. Cita a corporalidade
como massa, matéria e sua construtividade, a sonoridade definida pelo volume, a temperatura

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percebida, o conjunto de objetos que cercam o usuário, o movimentar-se no espaço, a tensão entre
interior e exterior, a graduação de intimidade, a luz sobre as coisas, enfim a arquitetura harmônica e
bela como espaço envolvente da vida.

Utilizando alguns princípios importantes, como o da “experiência” do espaço vivenciado, o encontro


do ser no mundo, que permeia a percepção com todos os sentidos do corpo e as características
morfológicas dos ambientes, a aluna C concebeu o projeto a partir do percurso que o ser humano
poderia fazer (figuras 6 e 7), e manipulou varias camadas de percepção que vão do espaço aberto
urbano ao espaço interno fechado, variando escalas, materiais e texturas, condições de luz e sombra,
sons, cores, temperatura, odor, ou seja, criando “(...) atmosferas em cada espaço do projeto”; além
de materializar resquícios da cultura local, da memória, da imaginação e do inconsciente;
propiciando vivências e ambiências que trariam “(...) sensações de conforto, acolhimento e o desejo
de permanência”. Através de sua proposição o espaço público se tornaria um “(...) reservatório de
experiências diversas, cognitivas, táteis, emocionais, estéticas, sensoriais e relacionais”.


Figura 6: Perspectivas do acesso superior da praça aberta, no nível da rua XV de Curitiba, Paraná.
Aluna C (tema: praça, museu e teatro de bolso).

Fonte: Isabela Jaime, 2017.



Figura 7: Perspectivas do teatro/cinema abertos no primeiro piso inferior e do teatro fechado e cascata
no segundo piso inferior. Aluna C (tema: praça, museu e teatro de bolso).


Fonte: Isabela Jaime, 2017.

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No memorial do TFG do aluno D se evidenciam diretrizes projetuais calcadas em princípios
fenomenológicos. Sua proposta se baseia na intenção de delinear um “local de experiências que se
oponham às relações automatizadas”, e deste modo, inverte o hábito de apreender os espaços
segundo uma estruturação conhecida, “possibilitando a reaquisição de novos sentidos” ao tratar o
mercado como uma “escultura barroca, impossível de ser apreendida totalmente a partir de um só
ponto de vista”. Seu projeto se norteou nos modos de perceber e vivenciar o mundo, nas concepções
do “eu” e nas relações deste com o “próprio corpo e com o espaço em que habita”. Para o aluno, o
corpo tem papel importante nas proposições e na aprendizagem, sendo utilizado por inteiro na
“percepção multissensorial dos espaços, em uma lógica na qual o tato é a fonte de todos os
sentidos”. As tensões e incertezas ganha destaque em relação à exatidão da “óculo-centralidade,
pois é a visão periférica que caracteriza a experiência espacial e a arquitetura passa a manter uma
relação corporal com a vida, respeitando as marcas do tempo”. Nas figuras 8, 9 e 10, percebe-se que
ele faz uso do tijolo aparente para intensificar a percepção tátil e visual, correlacionar com a
memória que os usuários tinham das antigas olarias do local, além de intercalar sucessivos efeitos de
luz e sombra, tons terrosos em contraponto com os cinza-violetas dos concretos aparentes, para
criar espaços sensorialmente orquestrados, espaços envolventes, onde a vida pode acontecer mais
rica e prazerosa, com todos os seus aromas e sons. Ao assim proceder, materializa a preocupação de
resgatar a experiência vivida com o entendimento do que realmente seja Arquitetura.

Figura 8: Perspectivas da praça do acesso principal e área das churrasqueiras.


Aluno D (tema: Mercado de bairro, Curitiba, Paraná).


Fonte: Danilo Akio Hiraoka, 2018.

13




Figura 9: Perspectivas dos espaços internos.
Aluno D (tema: Mercado de bairro, Curitiba, Paraná).


Fonte: Danilo Akio Hiraoka, 2018.

Figura 10: Perspectivas dos espaços internos.


Aluno D (tema: Mercado de bairro, Curitiba, Paraná).

Fonte: Danilo Akio Hiraoka, 2018.


Por fim, contrários aos privilégios, atentos aos conflitos, otimistas e acreditando em “possibilidades”
futuras, há que nos inspirarmos sempre nas palavras do mestre: “Gosto de ser gente porque a
história em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e
não de determinismo”. (FREIRE, 1996, p. 58).

14


3 AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos arquitetos e urbanistas Camila Y. S. Sanchotene, Danilo Akio Hiraoka, Isabela Jaime
e Valdir Ribeiro Junior que cederam as imagens dos seus trabalhos finais de graduação para ilustrar
esse artigo.

4 REFERÊNCIAS
CORREA, Charles. Um lugar a la sombra. Barcelona: Fundação Caja de Arquitectos, 2008.
COSTA, Lúcio. Lúcio Costa – Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das artes, 1997.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
PALASMAA, Juhani. A geometria do sentimento: um olhar sobre a fenomenologia da arquitetura. In: NESBITT,
Kate. (Org). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica 1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006;
----------. Os olhos da pele: a arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011;
----------. Una arquitectura de la humildad. Barcelona: Caja de arquitectos, 2010;
----------. Habitar. Barcelona: Gili, 2017;
----------. Essências. Barcelona: Gili, 2018.
RASMUSSEN, Steen Eiler. Arquitetura vivenciada. São Paulo: Martins Fontes, 1986;
ZUMTHOR, Peter. Atmosferas. Barcelona: Gili, 2009 [2006];
----------. Pensar a arquitetura. Barcelona: Gili, 2009 [2006].

15
O sentido do sentir: ressignificando o repertório de estudantes
recém ingressos no CAU através de instalações sensoriais

The sense of feeling: reframing the repertoire of students


newly admitted in the CAU through sensorial installations

El sentido del sentir: resignificando el repertorio de estudiantes


recién ingresados en el CAU a través de instalaciones sensoriales

SOUZA, Natalya Cristina de Lima


Mestranda do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, natalyalimasouza@gmail.com

ELALI, Gleice Azambuja


Profa. Dra. Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, gleiceae@gmail.com

RESUMO
Na contemporaneidade a ressignificação do background estudantil é um dos desafios do início dos Cursos de
Arquitetura e Urbanismo (CAU). Este artigo apresenta a experiência do Trabalho Integrado (TI) do primeiro
semestre do CAU-UFRN/Brasil, conduzido pela disciplina Espaço e Forma 01. Ele trata da elaboração, em escala
real, de instalações sensoriais de caráter efêmero, entendidas como meio para integrar as habilidades criativas
dos estudantes à sua percepção sensível e à releitura da realidade onde se insere. Além de contextualizar a
disciplina e o exercício proposto, o texto apresenta aspectos gerais que caracterizam as seis edições da
atividade. Os resultados mostram que a maioria dos recém ingressos se aproximou do primeiro exercício
projetual a partir da retratação de situações do seu cotidiano ou do resgate de momentos do passado coletivo,
em um processo de autoconscientização sobre o papel social do projetista.
PALAVRAS-CHAVES: percepção, ressignificação, background, instalações sensoriais.

ABSTRACT
At the present time the reframing of the student background is one of the challenges of the beginning of the
Architecture and Urbanism Course (AUC). This paper presents the experience of the Integrated Project (IP) of the
first semester of CAU-UFRN/Brazil, conducted by the discipline ‘Space and Shape 01’. It refers to the elaboration,
in full-scale, ephemeral sensorial installations, understood as a means to integrate creative skills of students to
their sensitive perception and to the (re)reading of the reality where they are inserted. In addition to
contextualizing the discipline and the proposed exercise, the paper presents general aspects that characterize
the six editions of the activity. The results show that most of the newly admitted approached the first design
exercise by retracting situations from their daily life or by retrieving moments from the collective past, in a
process of self-conscious about the social role of the designer.
KEY WORDS: perception, reframing, background, sensory installations.

RESUMEN
En la contemporaneidad la resignificación del background estudiantil es uno de los desafíos del inicio de los
Cursos de Arquitectura y Urbanismo (CAU). Este artículo presenta la experiencia del Trabajo Integrado del

1
primero semestre del CAU-UFRN/Brasil, conducido por la disciplina Espacio y Forma 01. Se trata de la
elaboración a escala real de instalaciones sensoriales de carácter efímero, entendidas como medio para integrar
las habilidades creativas del estudiante y de su percepción sensible y a la (re)lectura de la realidad donde se
inserta. Además de contextualizar la disciplina y el ejercicio propuesto, el texto presenta aspectos generales que
caracterizan las seis ediciones de la actividad. Los resultados muestran que la mayoría de los recién ingresados
se acercó al primer ejercicio proyectual a partir de la retractación de situaciones de su cotidiano o del rescate de
momentos del pasado colectivo, em um processo de auto-concientização sobre el papel social del proyectista.
PALABRAS CLAVE: percepción, resignificación, background, instalaciones sensoriales.

1 INTRODUÇÃO
Desde o século XX as questões de ensinabilidade (ou não) do projeto estão em discussão em Cursos
de graduação em Arquitetura e Urbanismo (CAU) e em eventos na área. Dentre as dificuldades nesse
campo Chupin (2003) e Marques (2010) apontam: i) pouca compreensão do problema e dos
processos envolvidos no projeto pelos estudantes; ii) pouco conhecimento do “background” dos
recém ingressos no curso pelos docentes; iii) dependência na relação docente-discente para tomada
de decisões.

Para enfrentar tais questões Carvalho (2015) indica ser essencial que as primeiras disciplinas de
projeto arquitetônico adotem metodologias que possibilitem a ressignificação do repertório
estudantil, promovendo a transição da visão de leigo para a de projetista. Para tanto um dos
caminhos é explorar ferramentas que ampliem a compreensão da bi e tridimensionalidade, e
possibilitem a expansão da percepção do estudante. Isso pode ser favorecido pela execução de
modelos experimentais, pois a manipulação de materiais viabiliza que o iniciante explore
“espacialidades, materialidades e técnicas construtivas e possa aferir o resultado na vivência real”
(CRUZ PINTO, 2007, p. 32), teste conhecimentos teórico-experimentais e desenvolva seu senso crítico
(FERNANDÉS-SAIZ, 2017).

Com base nessa argumentação, desde 2016 é desenvolvido um Trabalho Integrado (TI) no primeiro
período do CAU-UFRN, para o qual colaboram todas as disciplinas do semestre (projeto,
representação/linguagem, história/teoria e inter-áreas). O exercício corresponde à elaboração, em
escala real, de instalações sensoriais de caráter efêmero, visando integrar os domínios da imaginação
criativa e da realidade sensível e estimular a busca ativa por conhecimento. A atividade inicia o
processo de ressignificação do background dos estudantes, pressupondo que a valorização de
‘saberes’ já acumulados facilita a aquisição de novas informações, auxiliando a formação do
repertório projetual do futuro arquiteto-urbanista.

2
Para apresentar a experiência esse artigo contextualiza brevemente as instalações enquanto
movimento artístico (item 2), descreve a disciplina de Espaço e Forma 1 – EF1 e comenta o
desenvolvimento do TI (item 3). Ao final são analisadas as seis primeiras edições do TI, ocorridas
entre 2016.1 e 2019.1 e acompanhadas pelas autoras (item 4).

2 SOBRE INSTALAÇÕES
As instalações têm origem nos movimentos artísticos do final do século XIX e início do XX (dadaísmo,
surrealismo, minimalismo, arte pop e arte conceitual), hoje representados pelas intervenções
urbanas (COCHIARALE, 2002; GRAHAM-DIXON, 2012). Na época, a crescente consciência dos artistas
sobre a multidimensionalidade do trabalho artístico aproximou a pintura da escultura e sobre o papel
do espaço envolvente no usufruto da arte fez com que o espaço arquitetônico fosse gradativamente
valorizado (BARJA, 2002; PALLAMIN, 2002). Porém só na década de 1960 o termo foi disseminado e
as instalações (krafts) passaram a ser consideradas manifestações artísticas (FUREGATTI, 2007).

Enquanto obra artística a instalação envolve as pessoas que dela usufruem, proporcionando-lhes a
experiência de interação entre seu corpo e os elementos presentes, os quais provocam sensações
(táteis, térmicas, olfativas, auditivas, visuais, cinestésicas, que podem ser reais ou ilusórias,
prazerosas ou incômodas) e influenciam sua percepção. A meta da obra é fazer o observador refletir
e tirar suas próprias conclusões sobre a vivencia (DEMPSEY, 2003; PALLAMIN, 2002).

Como um espelho da contemporaneidade, a instalação tem caráter experimental e não permite


rotulação única, sendo caracterizada por: i) apropriar-se do espaço circundante; ii) ter caráter
efêmero (só existe durante a exposição e/ou é desmontável/remontável); iii) combinar suportes e
linguagens (desenho, escultura, luz, cor, som, vídeo, fotografia, dança, computação gráfica); iv)
provocar a produção de significados, despertando o olhar crítico do observador. Assim, seu público
não é formado por ‘espectadores externos’ e sim por ‘participantes ativos’, que precisam percorrer o
espaço para contemplar e interagir com o trabalho (DEMPSEY, 2003; GRAHAM-DIXON, 2012).

Por serem obras inacabadas, em processo de destruição/reconstrução, as instalações são


especialmente adequadas ao início de CAUs, pois sua elaboração enriquece o processo de
ensino/aprendizagem na medida em que, simultaneamente e em tempo reduzido: i) estimula a
criatividade dos estudantes; ii) os alça à condição de protagonistas na produção do espaço; iii) os
torna observadores dos efeitos de suas decisões sobre os visitantes.

3
3 O TRABALHO INTEGRADO E A DISCIPLINA DE ESPAÇO E FORMA 01
O modelo de Trabalho Integrado (TI) é uma estratégia curricular vigente no CAU-UFRN desde a
década de 1990, hoje em sua terceira versão – o currículo A-5 (http://darq.ufrn.br/graduacao/). O TI
acontece em todos os semestres letivos e no mínimo em uma unidade, propiciando a inter-
penetrabilidade dos conteúdos e avaliações das disciplinas. O TI do primeiro período (TI-1P) foi
proposto durante a discussão do Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso em 2006, começou a ser
testado em 2012 e assumiu o formato atual em 2016, capitaneado pela disciplina EF1.

Oferecida no primeiro semestre do curso, EF1 apresenta aos estudantes noções básicas do exercício
criativo e contribui para a formação de cultura arquitetônica. Sua carga horária é 60 horas/aula (4
créditos), com encontros semanais de 3:30 horas ministrados por uma professora, com auxílio de
estagiário docente (estudante da pós-graduação) ou monitor (graduação). A ementa prevê que os
estudantes percebam a dinâmica de transformação do espaço e adquiram noções de escala e estética
por meio da realização de exercícios de modelagem e representação gráfica. O conteúdo é dividido
em duas fases: exercícios presenciais (fase 1) e TI (fase 2).

São delimitadas oito semanas para o TI-1P, desenvolvido nas etapas concepção da proposta e
montagem/exposição da instalação. O trabalho é realizado em grupos de 3 a 6 membros, resultando
em 3 a 5 instalações por edição. As equipes são estimuladas a explorar no mínimo 2 sentidos
humanos e a usar materiais diversos, sobretudo reciclados. As instalações podem ocupar qualquer
lugar do átrio do prédio dos laboratórios de arquitetura da UFRN, e têm área útil entre 4m² e 6m².

Concepção da proposta

Quatro aulas são destinadas à concepção da instalação, iniciada pelo esclarecimento da proposta e
apresentação de referências relativas a aspectos sensíveis da arquitetura. Nas duas semanas
seguintes as aulas acontecem no local da intervenção, e possibilitam a concepção e
dimensionamento da proposta. Nas orientações a professora questiona os grupos sobre as
abordagens e os materiais escolhidos, promovendo reflexões sobre o produto. Para elucidar dúvidas
e reduzir incertezas, os estudantes fazem croquis e desenvolvem a maquete física de concepção
(1:10), o que envolve as noções de escala e espacialidade, devendo prever estratégias de circulação,

4
estrutura e iluminação, e representar os materiais pretendidos. A figura humana é fundamental neste
processo, sendo o corpo dos estudantes utilizado como base para o dimensionamento.

A apresentação da maquete e dos croquis da equipe (Figura 1) encerra a etapa de concepção e


direciona para a tomada de decisões construtivas. As outras disciplinas podem pedir produtos
complementares, como desenhos artísticos e técnicos. A avaliação é integrada, com participação de
todos os professores, que questionam detalhes e modos de exploração dos sentidos, e sugerem
mudanças para viabilizar a execução.

Figura 1: Croquis e maquete de concepção

Fonte: Acervo das autoras, 2016; 2019.

Montagem e exposição da instalação

A preparação da exposição é feita nas semanas seguintes, usando a aula para pesquisar/adquirir
materiais ou preparar detalhes. Os professores acompanham a atividade e esclarecerem dificuldades
de percepção e representação bi e tridimensional. Como cada grupo pesquisa itens de apoio a suas
ideias, há grande diversidade de componentes estruturais e de fechamento.

A montagem/exposição/desmontagem acontece na última semana. A montagem ocupa os dois dias


inicias. A abertura da exposição acontece à noite, para maximizar os efeitos de iluminação. Nela os
grupos apresentam a “maquete escala 1:1”, entregam o memorial descritivo (descrição do processo e
da intenção da proposta) e o material gráfico. Como primeiros convidados, professores e colegas
experienciam/exploram as instalações. A exposição é aberta a outros visitantes no restante da
semana. A desmontagem é feita na sexta-feira. Cada grupo é responsável pela limpeza e descarte dos

5
materiais. Na semana subsequente acontece uma roda de conversa entre os professores e a turma,
para balanço geral da experiência.

4 RESULTADOS
O TI integra as disciplinas do semestre, divulga seus produtos, promove o trabalho em grupos e
auxilia os “calouros” a entenderem o projeto como um processo de investigação conectado a várias
temáticas e que influencia o lugar onde está inserido.

Em seis semestres, 24 instalações sensoriais foram acompanhadas pelas autoras. Sua distribuição
espacial (Figura 2) demonstra a exploração de vários setores do átrio do laboratório de arquitetura do
CAU-UFRN, um espaço em 3 níveis e com diversos pés-direitos. Em geral os estudantes articulam suas
propostas a locais de circulação e convívio, se valendo dos elementos do espaço para planejar a
intervenção.

Figura 2: Distribuição das 24 instalações no átrio

Fonte: Produzido pelas autoras, 2019.

6
Metade (12) dos trabalhos se concentrou no nível inferior do átrio (-1), devido ao menor pé-direito
sob a laje do mezanino, que facilita o fechamento de um plano vertical paralelo a parede e o controle
da iluminação (pois já existe ‘cobertura’). Apenas uma instalação locada nesse nível não adotou tal
estratégia, e recorreu a uma trama de barbantes para delimitar o espaço.

No térreo o pé-direito é duplo. Os 6 grupos que fizeram estruturas enclausuradas escolheram esse
local e adotaram formas autoportantes (hexágono, cilindro, cone) para suportar o plano superior.
Apenas 3 trabalhos foram implantados nas áreas de circulação vertical (2 em patamar da rampa e 1
no vão sob a escada), aproveitando o formato desses espaços. Na circulação do mezanino, a área
posterior foi usada por 3 grupos, que ocuparam o espaço próximo aos cobogós de fechamento.

Temáticas e sentidos

Em termos temáticos verificou-se tendência a promover percepções específicas, ligadas a: uso dos
receptores sensoriais (olhos, pele, ouvidos, nariz e boca, nessa ordem); reações psicológicas (relativas
às dicotomias sombrio/luminoso, prazer/desprazer, medo/atração, monotonia/surpresa). Sob o
ponto de vista do significado os trabalhos foram agrupados em: ciclo de vida; urbanização;
comportamento sócio espacial; relações saúde-doença; violência/medo.

Em 2 trabalhos sobre o ciclo vital, os grupos criaram múltiplos ambientes sequenciais para retratar
fases (Figura 3): um explorou a fotografia em quatro etapas (infância, adolescência, vida adulta e
velhice) questionando a memória dos participantes; outro apresentou atmosferas (do ‘útero’ à
‘morte’) para refletir sobre o aproveitamento do tempo durante a vida. Para estimular a memória, em
ambas exposições foi inserido um cheiro e iluminação para cada etapa (a fim de despertar imagens
inconscientes) e usados objetos com cores e texturas diferentes (apelo a aspectos visuais e táteis).

Figura 3: Trabalhos sobre ciclo vital

Fonte: Acervo das autoras, 2016; 2018.

Sobre a urbanização, 3 grupos retrataram problemas da vida na cidade (Figura 4), como consumismo,
desmatamento, poluição e trânsito, para acentuar o desconforto de ambientes caóticos.

7
Contribuíram para aflorar os sentidos composições visuais (como ilusão de ótica e mudança de
luminosidade) e o uso de sons urbano. Um dos grupos usou a noção de escala para aproximar o
usuário das questões do cotidiano e diminuí-lo diante do universo. Já a instalação sobre o
desmatamento, indicou duas relações com a natureza: uma ligada ao que ela oferece (frutas que
estimulam o paladar; trinado dos pássaros ligados à audição) e outra que revela a ação negativa
humana (acúmulo de lixo, proliferação de animais nocivos e mal cheiro).

Figura 4: Trabalhos sobre urbanização

Fonte: Acervo das autoras, 2016; 2018.

O comportamento sócio espacial foi explorado em 7 instalações (Figura 5) que permitiam aos
usuários modificar o espaço ou serem vistos quando o estivessem explorando. Em 2 exposições, o
participante tinha contato direto com quem estava a sua volta através de uma janela que aproximava
o exterior (voyeurs) do que acontecia dentro. Outros 2 provocaram constrangimento em quem se
preocupava em desviar do que estava espalhado no chão. Para discutir diversidade, 3 equipes
possibilitaram a cada usuário caracterizar a si ou a um manequim disponível (trocar roupas, peruca,
adereços), estimulando o próximo visitante a também fazer mudanças.

Figura 5: Trabalhos sobre comportamento sócio espacial

Fonte: Acervo das autoras, 2016; 2018; 2019.

A relação saúde-doença foi trabalhada em 5 instalações (Figura 6), que abordaram o cuidado com o
corpo e mente ou incentivaram o usuário a se pôr no lugar de alguém com problemas/transtornos de
saúde. Assim, 2 instalações propuseram a exploração de um percurso com áudio controlado e que
retratava realidades não familiares ao participante. Outros 3 trabalhos incentivaram o relaxamento,

8
destacando a necessidade/importância do descanso físico e psicológico, pelo uso de colchões,
aromas terapêuticos e controle da iluminação e sons.

Figura 6: Trabalhos sobre relação saúde-doença

Fonte: Acervo das autoras, 2016; 2017.

A violência e o medo foram os assuntos mais tratados (7 trabalhos). Em geral eram ambientes
escuros, para provocar desconforto ao usuário e necessidade de afastar-se da situação, embora
exigindo que prestassem atenção aos elementos e objetos presentes (Figura 7). Dentre os assuntos
expostos estão violência urbana, incêndio, catástrofes naturais, guerras ou, ainda, eventos do
passado (como holocausto e ditadura).

Figura 7: Trabalhos sobre violência e medo

Fonte: Acervo das autoras, 2016; 2017; 2018.

Materiais e técnicas

Como trata-se de exposição temporária, há incentivo ao uso de materiais recicláveis, devido ao seu
baixo impacto ambiental e econômico, o que tem possibilitado grande variedade de arranjos. Os
componentes mais usados na estrutura básica são descarte de obras (ripas/caibros e painéis de
madeira), seguidos por tecidos tensionados (malha e “TNT”). Outros elementos reciclados utilizados
foram: estantes metálicas sem prateleiras (usadas como estrutura), caixas de papelão (estrutura ou
fechamento), canos de papel de impressão (estrutura), corpos de fita adesiva (parede vasada) e
blocos de isopor (fechamento).

Algumas instalações foram consideradas diferenciadas, por serem autoportantes ou inusitadas: um


grupo confeccionou um hexágono com cabos de vassoura e vedações em papelão; outro usou a

9
forma cilíndrica para elaborar o tronco de uma árvore com função de portal; uma estrutura em
tronco de cone foi feita com tecido tensionado amarrado na treliça da cobertura; um guarda-roupa
sem fechamento traseiro foi usado como porta de entrada de um ‘esconderijo’.

Quando os trabalhos propõem alguma transição (de tempo ou espaço), suas etapas são marcadas
verticalmente (com cortinas de tecido, papel ou material reciclado) e/ou no piso (brita, areia, folhas
de árvore, tapetes). Em um uso inesperado dos elementos existentes no átrio, um grupo utilizou as
folhas do portão posterior para fazer a transição entre espaços internos da instalação, planejada de
modo a aproveitar sua rotação.

Arquitetonicamente, as instalações costumam corresponder a espaços fechados (cerca de 92% delas)


e controláveis. Embora se verifiquem dificuldades em sua execução e acabamento (previsível em
turmas iniciantes e contornado pelos docentes ao sugerirem soluções com execução menos
exigente), as propostas conseguem bom nível de finalização. Esteticamente seu exterior costuma
explorar motivos simples, com composições aglomeradas (feitas com caixas de papelão ou blocos de
isopor reciclados) e painéis (lisos ou com efeitos de ilusão de ótica provocados por composições que
combinam triângulos, retângulos ou grafismos diversos) - (Figura 8).

Figura 8: Representações do exterior

Fonte: Acervo das autoras, 2016; 2017; 2018.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise das temáticas abordadas e das estratégias projetuais utilizadas nas instalações no TI-1P,
mostra que a maioria dos estudantes recém-ingressos se aproximou do seu primeiro exercício
projetual a partir da retratação de situações cotidianas ou do resgate de momentos do passado
coletivo cuja temática (estudada no ensino médio) permanece entre os saberes por eles acumulados.

Assim, no CAU-UFRN, o resgate de tais temas, sua tradução em sensações e a representação de


conceitos através de estruturas executadas em escala 1:1 (mas sem as exigências construtivas de uma
obra) estimula a atividade prática do alunado, alerta para a sustentabilidade ambiental (ampliada

10
pelo uso de materiais reciclados e pela busca de novos usos para objetos comuns do dia a dia), incita
sua imaginação criativa, promove a busca ativa por conhecimento, possibilita que os estudantes se
auto conscientizem sobre pontos a serem melhor estudados posteriormente (como programação
arquitetônica, tectônica, materialidade e exequibilidade/construtibilidade do objeto arquitetônico), e
promove a ressignificação do background dos estudantes e a gradual consolidação do repertório do
projetista em formação.

6 AGRADECIMENTOS
Ao CNPq pela bolsa de mestrado da primeira autora e pela bolsa de produtividade da segunda. Aos
estudantes do CAU-UFRN, que semestralmente aceitam o desafio de propor e executar instalações.

7 REFERÊNCIAS
BARJA, W. Intervenção/terinvenção - A arte de inventar e intervir diretamente sobre o urbano, suas categorias
e o impacto no cotidiano. Rizoma, 2002, s/p. Disponível em: < https://issuu.com/rizoma.net/docs/artefato >.
Acesso em: 21 mai. 2019.
CARVALHO, G. A iniciação em projeto de arquitetura: um estudo com docentes e discentes em três escolas no
Brasil e uma em Portugal. Tese (Doutorado). PPGAU/UFRN, 2015.
CHUPIN, J. P. A. As três lógicas analógicas do Projeto. In: LARA, F.; MARQUES, S. (Orgs.). Projetar - Desafios e
Conquistas da Pesquisa e do Ensino. Rio de Janeiro: EVC, 2003.
COCHIARALE, F. A (outra) arte contemporânea brasileira: intervenções urbanas micropolíticas. Rizoma (revista
eletrônica), 2002. Disponível em: < https://issuu.com/rizoma.net/docs/artefato >. Acesso em: 21 mai. 2019.
CRUZ PINTO, J. Processos e Metodologias de Projecto. Lisboa: Coleção Didactica, Centro Editorial da Faculdade
de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, 2007.
DEMPSEY, A. Estilos, escolas e movimentos: Guia enciclopédico da arte moderna. São Paulo: Cosac & Naify,
2003. p. 247.
FERNANDÉS-SAIZ, M. La dimensión técnica de la arquitectura. Experiencias 1 en 1. In: VIII SEMINÁRIO
INTERNACIONAL PROJETAR, 2017, La experimentación proyectual: Actas .... Buenos Aires. 2017. p. 264-276.
FUREGATTI, S. Arte e meio urbano - elementos de formação da estética extramuros no Brasil. Tese (Doutorado).
FAU/USP, 2007.
GRAHAM-DIXON, A. Arte, o guia visual definitivo. São Paulo: Publifolha, 2012.
MARQUES, R. A relação professor-aluno e a afirmação do discente como sujeito do processo projetual: um
estudo exploratório sobre a produção do Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo na UFC e
na UFRN. Dissertação (Mestrado). PPGAU/UFRN, 2010.
PALLAMIN, V. M. (Org.). Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana. São Paulo: Estação Liberdade,
2002.

11
Discussões teóricas sobre a prática docente na contemporaneidade e
estratégias para um projeto da autonomia

Theoretical discussions about teaching and strategies for an autonomy project


ANDREOLI, Marcelo Caetano
Doutor em Urbanismo (PROURB/UFRJ)
Professor Universidade Federal do Paraná e Universidade Positivo
marcelocandreoli@gmail.com

RESUMO (100 a 250 palavras)


O presente artigo busca discutir o papel docente dentro de novas possibilidades epistemológicas da arquitetura
e urbanismo na contemporaneidade, articulando conceitos que dialoguem com outras possibilidades reflexivas
do próprio ofício deste profissional. Para tanto, apresenta-se em primeiro momento um debate sobre a
arquitetura e urbanismo pela ótica da dialética espacial e da teoria crítica urbana. Num segundo momento são
apresentadas possibilidades alternativas sobre a prática docente no combate às dinâmicas homogeneizantes da
modernidade. Este breve artigo não busca esgotar uma temática, mas, principalmente ampliar um campo de
debate sobre possibilidades docentes a partir de uma discussão epistemológica da arquitetura e do urbanismo
em sala de aula.
PALAVRAS-CHAVES: arquitetura biopolítica; projeto participativo; teoria crítica urbana.

ABSTRACT (100 to 250 words)


This document discusses the teaching role within new epistemological possibilities of architecture and urbanism
in contemporary times, articulating concepts that dialogue with other reflective possibilities of this professional's
own craft. In order to do so, a debate about architecture and urbanism is presented first from the perspective of
spatial dialectic and urban critical theory. Secondly, alternative possibilities on teaching practice in combating the
homogenizing dynamics of modernity are presented. This brief article does not seek to exhaust a theme, but
mainly to broaden a field of debate about teaching possibilities from an epistemological discussion of architecture
and urbanism in the classroom.
KEY WORDS: biopolitical architecture; participative project; urban critical theory.

1
1 INTRODUÇÃO
O cenário do ensino de arquitetura encontra-se no centro dos debates da prática profissional, não mais
reduzido aos tradicionais modelos que buscam limitar a disciplina, mas relacionado ao seu oposto: na
construção de um campo ampliado. Somente neste sentido acredita-se que seja possível elaborar
respostas ao futuro, sem estar incluído nas incoerências da formação para um virtual mercado.

A estrutura deste pensamento parte do pressuposto que o mercado se redesenha em velocidades


exponenciais, diametralmente opostas ao tempo de acúmulo de conhecimento compreendido nas
universidades. A observação deste fenômeno permite-nos concluir de forma simplista e objetiva que
se por um lado o ensino da arquitetura atualmente é insuficiente para responder ao mercado, devido
ao seu caráter inflexível. Por outro lado, tal ensino tampouco consegue responder as incoerências
sociais e aos processos desiguais de acumulação.

Neste sentido o ensino atual passa a ser construindo para quem? Tal pergunta somente pode ser
respondida pelo olhar crítico dos métodos pedagógicos das salas de aula, afinal, a construção do
conhecimento ocorre mediante a reprodução dos reconhecidos bons exemplos. Tais exemplos são
legitimados a partir das publicações de capas de revistas e premiações públicas, julgadas por corpos
técnicos de arquitetos urbanista, também reconhecidos por capas de revistas e livros.

Este ciclo de críticos e arquitetos urbanistas se reproduz nas salas de aula pelo uso da mimese como
processo criativo de produção projetual, observando referenciais para a produção de uma arquitetura
autoral. Com isso se estimula o processo criativo determinado por um quadro de imagens específicas,
legitimadas pelas aparições em capas de revistas e premiações públicas. A arquitetura da internet é
deslocada de seu contexto e de suas fragilidades, a leitura espacial perde-se em meio aos processos
pouco analíticos e torna-se referencial fotográfico, por fim a reprodução do ensino passa a ser um
processo de cópia malfeita de estruturas pouco conhecidas em sua profundidade1.

O resultado deste processo é a arquitetura convertida na construção específica de uma imagem, cujos
resultados são observados não mais pelos recortes paradigmáticos correspondentes propostos pelas
definições espaciais, mas pela reprodução de uma estética específica, determinada pelo acúmulo
imagético construído ao longo de cinco anos de formação. Neste cenário a produção reflexiva de
arquitetura é negligenciada em detrimento da virtual distinção entre bom e mau gosto, resultando, por
fim, na produção de edificações caracterizadas pelo vazio estético.

2
Diante disso, o presente artigo parte desta crítica para num primeiro momento discutir o espaço
enquanto campo de atuação do arquiteto urbanista, campo de disputa e lócus da reprodução dos
sistemas de controle sociais. Num segundo momento será debatido papel do arquiteto urbanista como
agente de intervenção, capaz de pensar e moldar espaços a partir de táticas de radicalização da
democracia e do diálogo. Por fim, é proposta uma reflexão a partir da elaboração conceitual do
arquiteto como agente das práticas horizontalizadas da construção de cidades na contemporaneidade.

MACRO COMPREENSÕES: ESPAÇO - ARQUITETURA E URBANISMO

As transformações sociais experimentadas no início da década de 60 são motivadas por uma


conjuntura de discursos e possibilidades em diversas áreas do conhecimento, cujas retóricas
concentram-se no combate a um racionalismo dogmático e na valorização das multiplicidades. Diante
disso algumas reflexões sobre o espaço ganham novas perspectivas, a partir de teorias que não mais
concebem o tempo e o espaço como dimensões desvinculadas, mas diante de sua dialética construída
socialmente (Soja, 1993).

A teoria crítica urbana busca compreender esta ótica dialética de como o espaço se relaciona com o
desenvolvimento histórico do capitalismo e se compreende como produto e produtor deste sistema.
Portanto, a construção do espaço correspondente a cada sociedade é mediada pelas relações sociais
de produção, também articulando política e ideologia. Neste sentido, torna-se central afirmar que o
dinamismo e o expansionismo constantes inerentes ao capitalismo moldam o mundo em que vivemos
(Harvey, 1996 [1989]), contendo caráter essencialmente geográfico.

A radicalização das dinâmicas produtivo-econômico-sociais pós 1970, reconhecido pelos processos de


acumulação global do capitalismo tardio (Harvey, 1996 [1989]; Jameson, 2007 [1991]), inauguram,
portanto, uma nova dimensão cultural, que afeta visivelmente espaços de forma cada vez mais
relevante (Marcuse & Kempen, 2010). Este movimento é reconhecido por suas características
simultâneas e contraditórias, de expansão e fixação territorial de maneira sucessiva. Compreendido
pelo conceito de ajustes espaciais (Harvey, 2004), tais movimentos suportam as múltiplas formas pelas
quais o capitalismo é capaz de se reestruturar para garantir a sua sobrevivência enquanto modelo
hegemônico.

A crescente combinação entre capital e espaço redesenha as lógicas de ocupação territorial (Harvey,
2012), produzindo fragmentação que se legitimam a partir do conhecimento científico (típico da

3
modernidade2). Não obstante, a reprodução destas narrativas se conforma nos espaços reconhecidos
por suas dinâmicas disciplinares, cuja manutenção das estruturas sociais hegemônicas é dominante,
atuando pela transformação de corpos ativos em dóceis (Foucault, 2008).

A partir desta compreensão do espaço como campo de disputas, concretização da vida e arena de
legitimação das estruturas hegemônicas, a arquitetura e urbanismo se destaca enquanto campo
disciplinar importante para atuar com e pelo espaço. Principalmente por sua capacidade de produção
dos circuitos de ajustes espaciais, assim como pela criação e manutenção das estruturas de sociais de
controle a partir da mediação dos elementos simbólicos (Hays, 2009). Portanto, admite-se que se por
um lado o espaço reafirma as dinâmicas sociais coercitivas materializando-as; por outro, há igualmente
possíveis fissura para a construção de outras possibilidades e heterotopias (Foucault, 1968).

Compreender estes mecanismos que constroem os limites e as singularidades na contemporaneidade


nos permite traçar caminhos alternativos, que não se sustentem sob lógicas dominantes, mas que
encontrem na ressignificação dos processos atuais, orientações para o redesenho da realidade.
Acredita-se que existem espaços nos quais o pensamento reflexivo pode se sustentar, para atuar de
acordo com a “lógica dos cupins” (Harvey, 2013) como um convite para à práxis social do arquiteto
urbanista.

AS POSSIBILIDADES HORIZONTALIZANTES DA PRÁTICA ARQUITETÔNICA

A atuação do arquiteto urbanista enquanto sujeito capaz de compreender o espaço e suas


materialidades, percebe também a sublimação dos clássicos questionamentos que definiam a tensão
entre qualidades absolutas versus qualidades relativas do espaço. Afinal, para além do objeto isolado,
é somente por um olhar relacional que se compreende o sistema dialético de construção da estrutura
física das cidades.

A percepção deste movimento encontra lacunas importantes de reflexão crítica e propositiva por meio
do desenho e do projeto. Distante da imagem heroica deste profissional, a intenção é compreendê-lo
pela ação transformadora quando atuando junto com um contexto social plural, tornando-o potente
para articular alternativas e responder aos avanços das lógicas coercitivas homogeneizantes a partir
dos espaços construídos.

4
Para tanto, diante das dinâmicas sócio espaciais da contemporaneidade, com sua iminente expressão
física de concentração urbana e organização socioeconômica historicamente construída, é necessário
elaborar caminhos alternativos em relação a ortodoxa reflexão espacial. Esta construção, no entanto,
não parte de um esforço autônomo concentrado em uma disciplina, mas em processos subversivos das
hierarquias de poder que estimulam as dinâmicas de acumulação atualmente.

Tais processos e instrumentais de confronto estão interligados pela conciliação entre a dimensão da
cidade (como campo de conflito e das lutas) e dos corpos (como esfera de produção e reprodução). O
corpo pode ser concebido como potência criativa, cuja construção não se delimita pela materialidade,
mas é uma entidade relacional sustentada num fluxo espaço temporal de múltiplos processos (Harvey,
2004, p. 137), tendo potência natural transformadora:

Pessoas corporificadas dotadas de capacidade semiótica e vontade moral tornam seu próprio corpo um elemento
fundacional naquilo que há muitos chamam de "corpo político” (...) Lefebvre e Foucault (vigiar e punir) fazem aqui
causa comum: a libertação dos sentidos e do corpo humano do absolutismo do mundo produzido do espaço e do
tempo cartesiano/newtoniano se trona central às suas estratégias de emancipação (...) Se, por exemplo, os
trabalhadores são transformados, como sugere Marx em O Capital, em apêndices do capital tanto no local de
trabalho quanto na esfera do consumo (ou como prefere Foucault, se os corpos são transformados em corpos dóceis
pela ascensão, a partir do século XVIII, de forte aparato disciplinador), como podem seus corpos ser a medida, o
signo ou o receptáculo de qualquer coisa que se situe fora da circulação do capital ou dos vários mecanismos que
disciplinam esses corpos? (Harvey, 2004, pp. 138-140).

A dúvida exposta por Harvey orienta para uma análise acerca da produção social dos corpos, pois a
força capitalista embora tenha direitos sobre a mercadoria ela não pode expandir-se legalmente sobre
o trabalhador. Entretanto, o corpo não se constrói em arenas neutras, ausente de condicionantes e
limitação, mas se insere num espaço de tensão e de diversas articulações que orientam e são por ele
orientadas, esta dialética constrói o movimento de produção e consumo das cidades e pode ser o nexo
pelo qual se abordam possibilidades de políticas emancipadoras.

A esfera produtiva do corpo se constitui como elemento fundacional das práticas emancipatórias,
desenhando alternativas a partir da ontologia social do trabalho. Esta dinâmica encontra subsídios não
mais nas anacrônicas disputas pelo poder das narrativas revolucionárias, mas busca alternativas
horizontalizadas que redesenhem o próprio poder. Assim o trabalho não se concentra mais na sua
capacidade produtiva comercial, mas encontra no comum espaço para existência.

Atualmente está claro que somente os movimentos de base, que se articulam horizontalmente por
meio das subjetividades, que têm a capacidade de construir uma consciência de renovação e
transformação. Esta consciência já não descende dos setores intelectuais que são orgânicos, mas

5
surgem da multidão trabalhadora, que de forma autônoma e criativa depositam esperanças e sonhos
antimodernos (Hardt & Negri, 2011, p. 108)

A multidão emerge como conceito renovador das tradicionais lutas que não encontram mais espaço
diante das condições radicais de capitalização da vida, compreendendo que as perspectivas que
apontam para a disputa do poder são incapazes de construir alternativas e somente reproduzem as
lógicas da modernidade. Vias alternativas são possíveis por uma ótica diagonal, cuja construção seja
proposta pela ruptura com as perspectivas modernas e com todas as suas relações de poder
estabelecidas em sua composição (Hardt & Negri, 2011).

Diante da articulação das multiplicidades que concretamente devem se constituir como a luta
cooperativa pelo comum, a organização social da multidão proposta por Hardt e Negri (2005) estimula
respostas para a valorização das multiplicidades e singularidades. Esta construção social direciona para
o reconhecimento dos contrastes sócio políticos contemporâneos, encontrando no conjunto de
singularidades uma possível perspectiva para a atuação.

Portanto, o trabalho do arquiteto urbanista necessita reconhecer-se como parte desta multidão,
radicalizando os espaços de resistência e construindo canais de luta dentro das tradicionais arenas de
legitimação dos discursos hegemônicos. Neste sentido a universidade é centro de disputada, por conta
da histórica sobreposição dos saberes que diluem as autonomias por meio de dispositivos (Agambem,
2005). Necessariamente o espaço universitário e o papel do estudante em uma sociedade utilitarista
(Agambem, 2017) se diluem, tornando-se espaços técnicos de reprodução.

Pensar o vetor oposto destas lógicas é, sobretudo, pensar a criatividade dentro dos processos de
concepção de arquitetura como contraste com as formulações padronizadas e repetitivas, as quais não
orientam o homem para a descoberta de possibilidades próprias, mas o encarceram processos cíclicos
de produção e reprodução. Assim como afirma Bornheim (1996, p. 48), acredita-se que “a repetição
corresponde a uma espécie de animalização da condição humana”.

A arquitetura e urbanismo, portanto, percebe o espaço como resultado de contradições e tensões


inerentes a sua existência, não como um ponto de partida prévio sobre o qual o arquiteto urbanista
intervém, mas, sobretudo, é em si o resultado de uma proposição arquitetônica. Uma dialética de
transformar e transformar-se; arena de tensão, cujas dinâmicas podem ser rescritas a partir de novas
lógicas críticas. Neste sentido a figura do docente se concentra em sua capacidade crítica de assumir

6
tais contradições, explorá-las e admitir a contra narrativa pela potencialidade subversiva do projeto
acadêmico.

Construir um argumento sobre arquitetura diante deste cenário é, portanto, não se restringir somente
aos aspectos da materialidade arquitetônica, mas assumir um posicionamento crítico sobre a realidade
em movimento. Para tanto, é preciso atravessar as fronteiras que distanciam a prática profissional da
dimensão política, contestando os anacrônicos métodos de concepção arquitetônica que se baseiam
na “caixa preta” de Banham (1996). Segundo ele, o desenho se instrumentalizou como ferramenta
divisória que compreende o universo dos arquitetos separadamente da sociedade3, assim a arquitetura
é percebida pela sua capacidade de comunicação entre os próprios arquitetos e toda produção
descontextualizada dos métodos ou dogmas propagados dentro da disciplina é vista como suposta não-
arquitetura. A crítica proposta por Banham demanda um reposicionamento profissional acerca da
própria disciplina, não mais percebida na sua própria instrumentalização e comunicação interna, mas
pelas ruptura dos modelos que a conceberam.

Inevitavelmente a ação intencional do ato projetual se percebe como resultante de uma rede de
significações, compreender tais lógicas implica não mais formar arquitetos urbanistas, mas, sobretudo,
despertá-los para o olhar atento das dinâmicas sociais. Não se almeja, entretanto, uma atividade
protagonista no âmbito das lutas, mas o distanciamento em relação a histórica autonomia criativa que
oculta o conjunto de saberes inerentes ao produto arquitetônico. O arquiteto é visto, portanto, como
um dos agentes do complexo sistema de relações dentro do processo de concepção e construção civil,
cujo ofício se concentra no agenciamento das camadas que sustentam o produto arquitetônico.

A identificação da arquitetura como resultado de um processo de constituição de múltiplas camadas,


não significa que os resultados formais inerentes à prática não se constituam como significação
importante. Pelo contrário, compreende o saber técnico e o reposicionamento da arquitetura diante
da sua intrínseca capacidade de construir agenciamentos internos ao processo de concepção e
externos em relação as dinâmicas urbanas.

Assim, o reconhecimento desta dinâmica profissional situa o arquiteto urbanista num campo de outras
estéticas (Guattari, 2006), cujos valores estejam associados aos mecanismos de validação internos das
sociedades e não mais subjugados aos mecanismos da comoditização da forma (Aureli, 2015). Pensa-
se que estes podem ser passos fundamentais que confrontem as lógicas hierárquicas de dominação e
constituam pelo olhar criativo proposições subversivas.

7
Assim, a sala de aula se converte em espaço de liberdade, estimulada pela busca da autonomia e das
narrativas pessoais, cujos caminhos teóricos sejam estimulados pelo aprofundamento das motivações
que fundamentam a forma e não mais pela combativa narrativa dual que confronta má arquitetura e
boa arquitetura. Portanto, reposicionar o ensino é fundamental, para admitir a potência da arquitetura
como campo reflexivo e prático.

Por fim, estas páginas tinham a intenção de ampliar o debate, mas também não se furtará de tecer
pontuações sobre as possibilidades de um ensino para a autonomia. Diante disso, acredita-se que: a)
a universidade tem compromisso com a formação de profissionais competentes e críticos em relação
a cidade que está sendo construída. Os temas devem refletir uma oportunidade de exercitação de
posturas de distanciamento crítico aos produtos arquitetônicos atuais; b) O exercício projetual
enquanto ato político é rompido pelo distanciamento da universidade com as demandas sociais
urbanas, há que se olhar para fora dos muros e participar mais ativamente da vida das cidades; c) O
programa arquitetônico se constrói na oposição e no estranhamento com o que está dado pela
legislação, pelos produtos do capital imobiliário e pelas leituras urbanas incoerentes e superficiais.
Necessário questionar os programas e reestabelecer vínculos com possibilidades heterotópicas; d) A
complexidade social coloca-nos diante de problemáticas mais amplas que exigem o tensionamento e
a colaboração de outras áreas disciplinares, portanto existe uma necessidade imperativa pela
ampliação do léxico da arquitetura para uma reflexão profunda sobre a construção social; e) É
necessário estimular a identificação das linhas teóricas de cada professor, assim por meio das
contradições se evita a resposta correta da elaboração da problemática por trás do ato projetual.

REFERÊNCIAS
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agamben.html (acesso em 2017), 2017.
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AURELI, P. V. A spectacle of deepest harmony: notes on good architecture. Oase - Journal for Architecture #90,
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AURELI, P. V. Architecture and content: who's afraid of the form-object?” Log (Anyoune Corporation) 3, 29-36.
2004.
AURELI, P. V. The possibility of an absolute architecture. Massachusetts Institute of Technology. Cambridge,
2011.

8
BANHAM, R. A black box: the secret profession of architecture. Em Essays by Reyner Banham, por Mary Banham,
Paul Barker, Sutherland Lyall e Cedric Price, 292-299. University of California Press, Los Angeles, 1996.
BORNHEIM, G. Sistemas e criatividade. Em Cidade e Imaginação, por Eduadro Mendes de Vasconcellos Denise
Pinheiro Machado. Prourb, Rio de Janeiro, 1996.
BRENNER, N. O que é Teoria Crítica Urbana. E-metropolis, p.20-27. Dezembro, 2010.
FOUCAULT, M. De outros espaços. Cercle d'Études Architecturales. Paris, 1968.
FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica. Curso no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes,
2008.
GUATTARI, F. Caosmose: por um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 2006.
HARDT, M.; NEGRI A. Common wealth: el proyecto de una revolución del común. Barcelona: Akal, 2011.
HARDT, M.; NEGRI A. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001.
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HARVEY, D. Cidades rebeldes. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
HARVEY, D. Condição pós moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1996
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HAYS, K. M. Architecture's desire: reading the late avant-guarde. New York: MIT, 2009.
JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 2007 [1991].
LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: UFM, 2008 [1966].
MARCUSE, P; KEMPEN, R. Globalizing cities: a new spatial order. Lexington: Blackwell Publishing, 2010.
NEGRI, A. Junkspace e a metrópole biopolítica. Lugar Comum - estudos de mídia, cultura e democracia, 43 ed.:
p.287 – 292, 2014.
NEGRI, A. O comum: dos afetos à construção de instituições - entrevista com Antonio Negri feita por Thiago
Fonseca e Giuseppe Cocco, 2013.
SOJA, E. Geografias Pós-Modernas: a reafirmação do Espaço na Teoria Social Crítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.

Notas

1 Evidentemente o papel docente neste processo pode contribuir para problematizar tal processo, assim como pode
evidenciar leituras contextuais bem elaboradas.
2 Para tal crítica, ver: Latour, B. Jamais fomos modernos. Editora 34, São Paulo, 1994.
3 A crítica ao desenho também está presente no trabalho de Sérgio Ferro e pelo grupo Arquitetura Nova. Ao mesmo tempo,

o desenho, é desenvolvido como grande ponto de transformação nos trabalhos de Vilanova Artigas (O desenho, 1967),
confirmando-o como fermenta para transformação da produção industrial.

9
Projeto com palavras: imaginários, ensino de projeto e
experimentações

Project with words: imaginary, project teaching and experimentations

Proyecto com palavras: imaginários, enseñanza de proyecto y ensayos

ALBERTON, Josicler Orbem


Professora Adjunta do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Santa Maria-
UFSM, josicler.alberton@gmail.com

GIOVELLI, Marcos Guterres


Graduando do Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Santa Maria-UFSM,
marcosgiovelli@gmail.com

ROZESTRATEN, Artur Simões


Livre-docente na Área de Conhecimento de Representação do Projeto de Arquitetura e Urbanismo,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo-FAUUSP,
artur.rozestraten@gmail.com

RESUMO
Projeto com Palavras é um procedimento metodológico de ensino de projeto, desenvolvido desde 2011, que
tem como mote a investigação sobre palavras e seu entrelaçamento com a arquitetura pelo viés simbólico. A
palavra aqui é imagem poética (BACHELARD, 2008) capaz de disparar um processo de projeto reflexivo,
propositivo e poético amparado na valorização do sujeito e na sua capacidade de imaginação (CASTORIADIS,
1982). Neste cenário, o presente artigo apresenta a sistematização deste procedimento; com objetivos, etapas
e suas respectivas atividades; bem como algumas experimentações e resultados com o intuito de revisitar e
analisar, de maneira crítica, o que foi feito e construído até aqui.
PALAVRAS-CHAVES: Imaginários, Ensino de Projeto, Procedimento Metodológico, Experimentações,
Palavras.

ABSTRACT
Project with Words is a methodological procedure of project teaching, developed since 2011. The objective is
the research about words and its interweaving with the architecture by the symbolic bias. The word here is a
poetic image (BACHELARD, 2008) capable of triggering a reflexive, propositional and poetic project process
supported by the valuation of the subject and its capacity to imagine (CASTORIADIS, 1982). In this scenario, the
present article presents the organization and systematization of this procedure; with objectives, steps, and their
respective activities; as well as some experimentations and results, in order to critically revisit and analyze what
has been done and built up now.
KEY WORDS: Imaginary, Project Teaching, Methodological Procedure, Experimentations, Words

RESUMEN
Proyecto con Palabras es un procedimiento metodológico de enseñanza de proyecto, desarrollado desde 2011,
que tiene como mote la investigación sobre palabras y su entrelazamiento con la arquitectura por el sesgo
simbólico. La palabra aquí es imagen poética (BACHELARD, 2008) capaz de disparar un proceso de proyecto

1
reflexivo, propositivo y poético amparado en la valorización del sujeto y de su capacidad de imaginar
(CASTORIADIS, 1982). En este escenario, el presente artículo presenta la sistematización de este procedimiento;
con objetivos, etapas y sus respectivas actividades; así como algunas experimentaciones y resultados, con el
propósito de revisar y analizar, de manera crítica, lo que fue hecho y construido hasta aquí.
PALABRAS CLAVE: Imaginarios, Enseñanza de Proyecto, Procedimiento Metodológico, Experimentaciones, Palabras

1 INTRODUÇÃO
O procedimento metodológico “Projeto com Palavras” começou a ser formulado em 2011 com a
investigação inicial de quatro palavras: Envolvimento, Fluidez, Flexibilidade e Fragmentação. Em 2013
somou-se às investigações o corpo teórico dos Imaginários, de Gaston Bachelard (2008) e Cornelius
Castoriadis (1982), e, desde então, diversas experimentações foram realizadas no ambiente de
pesquisa e na sala de aula, junto à disciplina de Ateliê de Projeto de Arquitetura, Urbanismo e
Paisagismo II1.

Nesta conjuntura, os experimentos com palavras estão voltados para os anos iniciais dos cursos de
arquitetura2 porque é neste ciclo que o estudante inicia seus fazeres em projeto. O auxílio do
professor neste período é fundamental porque, por meio de seus saberes e práticas pedagógicas,
pode incentivar e promover o movimento criativo do aluno.

Porém, estes aspectos que dizem respeito à criação, embora substanciais à arquitetura, parecem ser
os mais difíceis de serem trabalhados pelo docente no ensino de projeto que, com frequência,
aborda a capacidade de criar como competência que antecede o curso e que diz respeito a
conhecimentos intransmissíveis que o estudante traz consigo (LINARES I SOLER, 2006). Neste
contexto, as discussões sobre ensino/aprendizagem não se sustentam porque a docência é excluída
de um processo onde a construção conjunta de conhecimentos não é valorizada.

Contudo, o professor é personagem fundamental porque é capaz de conduzir o aluno pelo


movimento projetual ao mesmo tempo que pode rever, reelaborar e produzir práticas pedagógicas
sustentadas pela própria importância que a construção do ensino e da pesquisa tem como
ferramenta eficaz para a qualificação da produção na arquitetura.

1 Este Ateliê é ofertado junto ao Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Maria onde, no anos
de 2013 a 2016, ocorreram diversas experimentações com palavras.
2 O termo arquitetura neste texto compreende todas as áreas de saberes que constituem os Cursos de Arquitetura e

Urbanismo no Brasil.

2
Assim, com o intuito de contribuir para com às discussões sobre ensino/aprendizagem de projeto,
este artigo narra como o procedimento metodológico Projeto com Palavras foi produzido e está
sendo construído ao longo destes oito anos.

2 SOBRE PALAVRAS QUE RESSOAM E REPERCUTEM


Uma palavra é imagem poética (BACHELARD, 2008), capaz de evocar outras tantas imagens e
provocar ressonâncias em uma novidade essencial que pode ser compreendida como presentação
vívida, polissêmica, diferente daquelas imagens que atestam a realidade numa condição passiva.
Como imagem poética uma palavra pode ser um mecanismo potente de subjetivação e de produção
de ideias originais.

Neste contexto, pensar não é somente raciocinar, calcular ou argumentar; pensar é sobretudo dar
sentido ao que somos, ao que nos acontece, e dar sentido tem a ver com palavras porque o modo de
viver do homem se dá na e como palavra (LARROSA, 2017). Desta maneira, uma palavra pode
provocar a imaginação e a capacidade de imaginar do sujeito pode ultrapassa a realidade e a
antecede como força que pode impelir o indivíduo a transpor sua própria condição humana
(BACHELARD, 2013).

Todavia, a capacidade imaginária do homem, "de ver em uma coisa o que ela não é, de vê-la
diferente do que é" (CASTORIADIS, 1982, p.154), só é possível pela dimensão simbólica e esta
dimensão, assim como outras como a funcional e tecnológica, também é constitutiva da arquitetura.
Neste contexto, o simbolismo é capaz de impulsionar o homem para além de suas necessidades
biológicas, de seus interesses práticos, ao encontro de um mundo ideal, da instituição do novo, do
progresso da cultura humana; e nesta conjuntura o homem racional é também animal symbolicum
(CASSIRER, 2012).

As palavras assim são presentações e representações que podem provocar, disparar a imaginação e
convidar os estudantes a criar sentidos, relações e formas; enfim, modos próprios de abordar e fazer
projeto. Assim, fazer projeto também é devanear.

Para Bachelard (2013, p.18), só terá novas visões aquele que for capaz de "se educar com devaneios
antes de educar-se com experiências, se as experiências vierem depois como provas de seus
devaneios" porque o pioneirismo humano está pautado na capacidade imaginativa tensionada pela
exceção, pela potencialidade do vir a ser. É a valorização da imaginação e, por conseguinte, da

3
dimensão simbólica, que torna o procedimento Projeto com Palavras singular porque no campo
metodológico do ensino de projeto o trabalho com palavras não é novidade.

Devanear, imaginar, investigar, experimentar são ações que dizem respeito ao projeto e acima de
tudo à condição existencial humana do habitar, do deixar rastros, vestígios, modificações e
construções no espaço. Estas ações, quando potencializadas no processo projetual, podem incentivar
o estudante a criar sua própria relação com a arquitetura e viabilizar, quiçá, a criação de histórias
inéditas.

3 PROCEDIMENTO METODOLOGICO: PROJETO COM PALAVRAS


A proposta consiste em uma investigação exploratória que exige do estudante/pesquisador presença
para olhar com atenção para um conjunto de apresentações e representações e fazer identificações,
interpretações, experimentações, enfim, construir relações, visuais e táteis, que dizem respeito à
compreensão das formas.

É importante destacar que a escolha de uma palavra, como disparador do processo de criação, não
significa fechamento, simplificação, redução de complexidade. Pelo viés da redução, assumir uma
palavra como conceito pode significar até falta de imaginação ou uma imaginação escolar
(BACHELARD, 2013) como aquela que cria castelos e quitandas de edifícios em formato de legumes e
frutas. Este cenário empobrecido é bastante criticado na academia porque distorce e esvazia o
próprio sentido da arquitetura.

Pautado em um movimento reflexivo intenta-se, com as palavras, encorajar o estudante a criar seu
próprio discurso através de um ir e vir por imagens mentais e sensíveis que tende à abertura, à
complexidade, às múltiplas possibilidades que visam contribuir para a construção de conhecimento
acerca da arquitetura.

Desde 2011 várias estratégias foram adotadas para selecionar as palavras. Já foram escolhidas
palavras antagônicas, como obscuridade e claridade, assim como uma só palavra que no início do
processo somou-se a outras que ganharam destaque ao longo da investigação. Um exemplo é uma
pesquisa sobre a palavra Controle que, depois do primeiro momento do procedimento, somou-se ao
termo Poder.

Ao longo do procedimento pode-se também adicionar outras palavras, secundárias, ou até mesmo,
trocar de palavra quando a própria investigação evidencia outros temas a serem explorados. Um

4
estudante, por exemplo, elencou a palavra Limite no início dos estudos de um Trabalho Final de
Graduação. Ainda no primeiro momento da pesquisa, somaram-se à palavra Limite outras palavras
como Terra, Ar, Chão e Céu que acabaram por direcionar a criação do partido de um aeroporto.

Contudo, a palavra a ser investigada deve ser aquela capaz de estabelecer uma relação direta com as
formas na arquitetura e de disparar investigações e experimentações. Para tanto, os exercícios que
compõem o Projeto com Palavras foram organizados em três módulos.

Ampliação dos Significados


Consiste na averiguação e na aferição de modo a identificar, analisar e compreender as definições
possíveis para a palavra. O estudante/pesquisador construirá relações entre os significados
encontrados com o objetivo de compreender, de maneira mais ampla, o termo estudado. Nesta
etapa a pesquisa pode ser direcionada para outra área de estudo, para autores que abordam, direta
ou indiretamente, o termo em questão.

Este primeiro módulo é composto por quatro exercícios.

Painel de Memórias
É um registro temporal, feito pelo estudante/pesquisador, dos significados e sentidos da palavra no
princípio da pesquisa. A atividade consiste em exarar em uma folha em branco, por meio de
desenhos, textos ou palavras, num tempo cronometrado de aproximadamente 15 minutos, tudo o
que o sujeito traz consigo sobre o termo.

Figura 1: Exemplos de painéis de memórias

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

Significados Formais
Diz respeito ao sentido denotativo, aos significados que podem ser encontrados nos mais diversos
dicionários. As definições, a etimologia, os sinônimos, as ideias afins e até mesmo, em alguns casos, a

5
utilização do termo no âmbito da arquitetura– dicionários específicos da área– pode constituir o
registro desta etapa que tem como foco principal o universo do texto.

Figura 2: Exemplos de significados formais

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

Significados Informais
O termo poderá ser encontrado em músicas, poemas, filmes, esportes, em suma, no contexto cultura
e artístico universal, nacional, regional ou local. O registro perfaz a condição metafórica, alegórica da
palavra e pode ser realizado através de imagens e textos.

Figura 3: Exemplos de significados informais de


Envolvimento

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

Narrativa: A Palavra e seus Significados


Configura-se como um fechamento da Ampliação dos Significados que consiste na construção de
uma narrativa com o objetivo de revisitar, organizar e analisar o que foi encontrado. Assim, pode-se
também vislumbrar novas possibilidades para a pesquisa.

Estudo das Representações Formais


Olhar a forma, reconhecer padrões de organização, vislumbrar possibilidades são ações constitutivas
do fazer arquitetônico, do ir e vir pela arquitetura. Conhecimentos relacionados a forma e sua

6
constituição são tão fundamentais para o fazer do projeto como aqueles associados à história e às
tecnologias, por exemplo.

Porém, é importante destacar que esta abordagem da forma extrapola a superfície, os efeitos visuais
e tem um sentido de interioridade, de substância tátil que perpassa limites e pode ser compreendida
como imagem material (BACHELARD, 2013), que diz respeito à matéria e sua constituição.

O estudante/pesquisador é convidado para olhar com atenção, observar forma e matéria encontrada
na natureza e nos espaços construídos pelo homem. Para tanto, há uma série de experimentações
com imagens, mentais e sensíveis, que visam a ampliação do repertório compositivo e formal do
estudante que foram organizadas nas três etapas que seguem.

Estudo da forma: Contextos Sobrepostos


Diz respeito a composição de um painel semântico que consiste no agrupamento de imagens que
representam de alguma maneira a palavra. Podem ser recortes de jornais, de revistas, de sites que
discorrem sobre enredos sociais, arte, assim como imagens da natureza. A escolha é aleatória,
intuitiva e de certa maneira até impulsiva porque parte, quase sempre, de uma primeira impressão,
sensação, causada pela imagem no sujeito.

A partir do painel semântico o objetivo passa a ser identificar propriedades e características


organizacionais das formas ali colocadas através de um exercício que propõe esquecer,
temporariamente, as funções que estão contidas nas imagens. Durante a atividade é elaborado um
texto sobre a relação imagem/palavra.

Por exemplo, num painel sobre Envolvimento há uma grande árvore (figura 4), um Flamboyant. No
momento do texto o pesquisador deve se ater a árvore como um objeto a ser descrito identificando
quais as características materiais e formais contidas na imagem que remetem a palavra
Envolvimento, a sensação do envolver, do estar envolvido.

7
Figura 4: Imagem utilizada para a abstração da forma

Fonte: acervo pessoal, 2012.

Assim, a árvore no texto vira haste, fio condutor que afunila, que equilibra em suas pontas um
grande volume que tem textura, é macio, vibrante e conforma uma cobertura que embora não toque
o chão parece envolver o ponto central através de um holograma que une o plano formado pela
sombra ao teto vermelho. Desta maneira, por meio da observação da imagem, há a construção de
um texto que não trata da arquitetura em si, mas que a atravessa porque diz respeito à forma, sua
organização e espacialidades possíveis.

Figura 5: Exemplos de painéis semânticos e abstrações da forma (2014)

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

8
Estudo da Forma: Projetos
Consiste na análise de projetos que representam a palavra de alguma maneira. Estas representações
podem ser apontadas no memorial conceitual e compositivo, implantação, relação com o entorno,
partido, articulação de ambientes internos e em elementos como coberturas e aberturas. A
espacialidade criada, a materialidade, a iluminação, enfim, percepções e sensações são citadas
bastantes nesta etapa.

Analisar estes projetos é importante porque há um imaginário instituído (CASTORIADIS, 1982),


cristalizado, de significações na arquitetura que a constitui e fazer projeto é também imergir, operar
com esta camada de sentidos. A palavra Claridade, por exemplo, é polissêmica e pode remeter à
higiene, ao destaque ou ao sagrado e ao longo da história foi traduzida na arquitetura de diversas
maneiras, dos vitrais góticos representando o divino às janelas em fita modernistas simbolizando
higiêne e modernização.

A partir de uma revisão dos espaços construídos, pelo viés simbólico, intenta-se movimentar diversos
conhecimentos sobre arquitetura que contemplam desde a história às questões compositivas e
teóricas.

Figura 6: Exemplos de estudo da forma

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

Narrativa: A Palavra e suas Representações


A atividade final consiste na elaboração de um quadro com as representações encontradas. O
objetivo é relacionar os conteúdos construídos até aqui por meio de uma síntese, de uma narrativa
mista, com textos e produção de imagens permitindo a confecção de um material que pode ser
consultado durante às materializações.

9
Materializações
Os exercícios deste terceiro módulo consistem em experimentações voltadas para materializações. A
atividade inicia com tarefas menos complicadas como escrever um texto (figura 7), compor um
objeto (figura 8) ou modelo espacial, físico ou digital, sem uma função pré-determinada; e finaliza
com metas mais complexas que devem considerar aspectos funcionais, técnicos, ergonômicos e
relacionados com o lugar (figura 9).

Junto à disciplina de Ateliê de Projeto II, por exemplo, os alunos construíram instalações temporárias
(figura 10) na escala 1:1, por quatro anos consecutivos, que foram abertas para à comunidade
acadêmica para visitação.

Figura 7: Exemplos da palavra aplicada em textos

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

Figura 8: Exemplos da palavra aplicada em objetos

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

10
Figura 9: Exemplos da palavra aplicada em projetos

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

Figura 10: Exemplos da palavra aplicada em instalações temporárias

Fonte: acervo da pesquisa, 2019

É importante destacar que durante o processo, cabe ao docente movimentar o termo estudado com
o objetivo de aprofundar questões conceituais e teóricas, lançar dúvidas e possibilidades para que o
estudante possa desenvolver suas próprias convicções, articular ideias e propor soluções.

4 APRENDIZADOS, RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES


Ao longo destes anos aconteceram discussões e aprendizados que dizem respeito, direta ou
indiretamente, a quatro pontos descritos abaixo.

11
• Formulação de um discurso consistente fundamentado no fazer projetual como ação
poética. O estudante/pesquisador é incentivado a escrever, desenhar, experimentar, enfim,
a criar um discurso reflexivo e propositivo por meio da valorização do que traz consigo e das
relações que é capaz de estabelecer com as questões específicas da arquitetura. Desta
maneira, a solidão do processo criativo dá lugar à troca, à cumplicidade entre professores e
colegas, e no vai e vem do projeto as pequenas conquistas, individuais e coletivas, são
valorizadas e podem impactar, positivamente, na autoestima do estudante.

• Aumento da compreensão da arquitetura e, por conseguinte, do repertório do


estudante/pesquisador. Através da investigação desta trama simbólica, há troca e
construção de conhecimento porque há um diálogo constante entre passado, presente e
futuro que se estabelece a partir de uma história que age e constitui a arquitetura. Desta
maneira, o sujeito é convidado a conhecer a arquitetura não só como instituição organizada
de conhecimentos, mas como rastro do habitar humano, como caminho de compreensão das
relações que o homem estabelece com o meio desde seus primórdios.

• Valorização do processo de projeto. Para o ensino/aprendizagem o processo é sempre


maior, mais complexo que a síntese contida no projeto final. O processo é soma,
amplificação, movimento que também depende das paradas, do silêncio e como ação
poética, transformadora que é, também é desistência. Neste contexto a síntese contém
muitas ausências, coisas que foram deixadas pelo caminho, mas que para o professor e o
aluno são muito importantes porque impulsionam, dão sentido e constituem a ação
projetiva.

• Sociabilização. As atividades colaboraram para interação entre colegas, professores e


comunidade acadêmica em geral. Por meio da organização de exposições, da formação de
grupos de estudos e de publicações em eventos científicos, revistas e livros a sala de aula
ganhou outros espaços na universidade, num entrelaçamento constante entre ensino e
pesquisa fundamental para formação do arquiteto e urbanista.

12
Nesta perspectiva de resultados, as atividades realizadas desde 2013 impactaram na revisão do
Projeto Político Pedagógico de Curso do CAU-UFSM que previu para o primeiro ano da graduação
disciplinas de projeto cuja ementas valorizam o momento da concepção e da geração da forma 3.

Contudo, há alguns temas que carecem de melhor aprofundamento, como é o caso da aplicação do
procedimento em disciplinas mais avançadas dos cursos e no âmbito dos Trabalhos Finais de
Graduação.

Um outro campo profícuo para futuros estudos diz respeito aos projetos desenvolvidos após a
incursão pelas palavras, o quanto da palavra ficou nos projetos ou se não ficou, quando e por que a
palavra foi abandonada?

Por fim, destaca-se que críticas e sugestões são muito bem-vindas porque a construção deste
procedimento metodológico, Projeto com Palavras, é contínua. Por meio de um movimento de
abertura, é possível rever, reelaborar e vislumbrar outras possibilidades de exercícios, voltados aos
estudantes, ao processo de criação em projeto e às discussões que atravessam o
ensino/aprendizagem nos cursos de arquitetura.

5 AGRADECIMENTOS
Aos professores e estudantes dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Vale do
Itajaí– UNIVALI, da Universidade Federal da Fronteira Sul– UFFS e da Universidade Federal de Santa
Maria– UFSM que contribuíram e contribuem, direta ou indiretamente, para o desenvolvimento do
procedimento metodológico Projeto com Palavras, em especial aos estudantes/pesquisadores que
participaram do Grupo de Estudos e Pesquisas CRIAR no CAU– UFSM.

6 REFERÊNCIAS
ARCHDAILY. Galaxy Soho, Zaha Hadid Architects by Hufton + Crow, 2012. Disponível em:
https://www.archdaily.com/294549/galaxy-soho-zaha-hadid-architects-by-hufton-crow. Acesso em: 06 de jun.
2019.
BACHELARD, Gaston.A Água e os Sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes,
2016.

3 Ver artigo publicado no 7º Seminário Projetar (2015) intitulado O desafio da geração da forma a partir da definição de
conceito no ensino de projeto: o caso das disciplinas de Ateliês I e II e capítulo do livro Tecnologias e Educação: Diálogos
Multidisciplinares– Volume I (2018) intitulado Poética no Ensino de Projeto de Arquitetura: conceito e construção de sentido
no desencadear de ideias para a criação da forma.

13
______. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
CASSIRER, Ernest. Ensaio sobre o homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins
Fontes, 2012.
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
LARROSA, Jorge. Tremores. Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.
LEDOUX, Andreu. Joan Brossa, 2019. Disponível em:
https://www.pinterest.pt/pin/126311964526685353/?lp=true. Acesso em: 06 de jun. 2019.
LINARES I SOLER, Alfred. La Enseñanza de la arquitectura como poética. Barcelona: Ediciones Upc, 2006.
MICHAELIS. Dicionário online, 2019. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/. Acesso
em: 06 de jun. 2019.

14
PROJETO ARQUIVO: METODOLOGIA DE ENSINO ALIADA À PRÁTICA
IN LOCO COMO FORMA DE RESGATE DA MEMÓRIA DE EXEMPLARES
ANÔNIMOS DA ARQUITETURA HISTÓRICA EM CURITIBA_PR, BRASIL

ARCHIVE PROJECT: TEACHING METHODOLOGY ALLIED TO IN LOCO PRACTICE AS


A WAY OF RESCUING THE MEMORY OF ANONYMOUS EXAMPLES OF HISTORICAL
ARCHITECTURE IN CURITIBA_PR, BRAZIL

PROYECTO ARCHIVO: METODOLOGÍA DE ENSINO ALIADA A LA PRÁCTICA IN


LOCO COMO FORMA DE RESCATE DE LA MEMORIA DE EJEMPLARES ANONIMOS
DE LA ARQUITECTURA HISTÓRICA EN CURITIBA_PR, BRASIL

SOBOTA, Bruno
Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo, UTFPR, brunosobota@alunos.utfpr.edu.br

BALDINI, Guilherme
Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo, UTFPR, baldini@alunos.utfpr.edu.br

RODRIGUES, Murilo
Acadêmico de Arquitetura e Urbanismo, UTFPR, m.murilorodrigues@gmail.com

RESUMO (100 a 250 palavras)


O Patrimônio Edificado é um objeto de estudo extremamente enriquecedor, pois evoca as mais variadas
sensações a quem se aproxima: nostalgia, afeto, memórias e curiosidade. Uma das diversas maneiras de
despertar o interesse do arquiteto em formação, é a aproximação destes objetos como fonte inesgotável de
pesquisa. Este artigo busca enfatizar uma discussão sobre os significados do patrimônio histórico para a
memória, a história e a construção de saberes acadêmicos, tendo em vista que a preservação do patrimônio
histórico, tem sido objeto das preocupações de historiadores, arquitetos e cientistas sociais, entre outros
estudiosos que abordam esta temática, se configurando como algo importante não apenas como objeto de
estudo, mas também como produção de conhecimento histórico significativo para a memória coletiva de cada
sociedade.
PALAVRAS-CHAVES (3 a 5): Patrimônio Arquitetônico, Mídias Digitais, Memória, Acervo.

ABSTRACT (100 to 250 words)


The Built Heritage is an extremely enriching object of study, since it evokes the most varied sensations to those
who are approaching: nostalgia, affection, memories and curiosity. One of several ways of arousing the interest
in information in the architect m is the approximation to these objects as an an inexhaustible source of research.
This article seeks to emphasize a discussion about the meanings of the historical patrimony for the memory, the
history and the construction of academic knowledge, considering that the preservation of the historical heritage,
has been object of worries of historians, architects and social scientists, among others scholars who approached
this theme, becoming important not only as an object of study, but also as a production of significant historical
knowledge for the collective memory of each society.
KEY WORDS (3 a 5): Architectural Heritage, Digital Media, Memory, Collection.

1
RESUMEN (100 a 250 palabras)
El Patrimonio Edificado es un objeto de estudio extremadamente enriquecedor, pues evoca las más variadas
sensaciones a quienes se aproxima: nostalgia, afecto, recuerdos y curiosidad. Una de las diversas maneras de
despertar el interés del arquitecto en información, es la aproximación de estos objetos como fuente inagotable
de investigación. Este artículo busca enfatizar una discusión sobre los significados del patrimonio histórico para
la memoria, la historia y la construcción de saberes académicos, teniendo en vista que la preservación del
patrimonio histórico, ha sido objeto de las preocupaciones de historiadores, arquitectos y científicos sociales,
entre otros estudiosos que abordan esta temática, configurándose como algo importante no sólo como objeto de
estudio, sino también como producción de conocimiento histórico significativo para la memoria colectiva de cada
sociedad.
PALABRAS CLAVE: Patrimonio arquitectónico, medios digitales, la memoria, el acervo.
.

1 INTRODUÇÃO
O falar em patrimônio histórico sempre implica em grande responsabilidade e, sobretudo, cautela
frente às novas tendências historiográficas que vem sendo abordadas e incorporadas nos conceitos de
preservação e restauração. As edificações antigas compõem, e contam por si só, a história e a memória
de um lugar. Elas falam de pessoas e de seus costumes, através de suas paredes e formas, adornos e
materiais; revelam tecnologias de um tempo há muito passado, e maneiras de se viver a cidade que se
encontram em nosso imaginário coletivo. São testemunhos vivos e arquivos da memória, como livros
em forma de construção, que podem ser abertos, lidos e estudados.

O grupo de pesquisa “Arquitetura, prospecção e memória: um olhar sobre a cidade construída” da


Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) desenvolve atualmente o projeto intitulado
ARQUIVO, uma iniciativa criada em 2018 dentro do curso de Arquitetura e Urbanismo da UTFPR e
advindo de um extenso acervo histórico e arquitetônico levantado por estudantes da instituição
durante as disciplinas de Patrimônio Cultural e Restauro I e II, lecionadas desde o surgimento do curso,
em meados de 2009, e que tem como objetivo produzir e sistematizar um inventário sobre o
Patrimônio Histórico Arquitetônico da cidade de Curitiba, tornando acessível um dossiê completo de
todas as obras levantadas. Apesar da “modernização” ou “progresso” da cidade, e a perda de alguns
exemplares significativos, o que se tem buscado com esse trabalho, é refletir sobre o modo como estão
sendo tratadas as edificações antigas que constituem parte do Patrimônio Histórico da cidade e até
que ponto, e de que maneira, elas estão presentes ou são importantes para a memória coletiva da
população. Por essa razão a investigação proposta através da metodologia didática consiste em
analisar e entender fragmentos de fontes previamente estudadas, sendo estas justapostas para se
formar o conjunto arquitetônico em questão, e apontar o que se deseja catalogar e compreender: O

2
que é? Quem morou? Como funcionava? Pra que serve? Como construíram? O que significam estes
ornamentos?

2 O PROJETO ARQUIVO

Assim, os fatos e as ações que temos mais facilidade em lembrar são do domínio comum, pelo menos para um ou alguns
meios. (…) e é por podermos nos apoiar na memória coletiva dos outros que somos capazes, a qualquer momento,
e quando quisermos, de lembrá-los. (HALBWACHS, 2004: 53-55)

Entende-se como patrimônio arquitetônico os edifícios, os conjuntos de obras e o contexto urbano


onde estão inseridas essas construções que, por seus valores históricos, culturais, técnicos e
emblemáticos, se tornaram significativos para a sociedade, e esta lhes concede o status de legado.
Tradicionalmente, essas obras são exemplares arquitetônicos de distinção de estilo e com uma
linguagem cultural expressiva. Cada sociedade determina que tipo de edifícios e complexos
patrimoniais são importantes para proteger, conservar e servir de legado à posteridade.

Diferentes políticas de intervenção se aplicam ao patrimônio arquitetônico ao longo do seu processo


de preservação. Ainda que essas políticas tenham como partido pensamentos distintos quanto à
abordagem destas construções, todas as decisões caminham para um mesmo fim: salvaguardar o
objeto de interesse, mantendo-o em boas condições e assegurando sua continuidade física e memorial
no cotidiano dos cidadãos, possibilitando um olhar histórico sobre a arquitetura das cidades.

Este trabalho tem como foco enfatizar e priorizar a questão da educação patrimonial através da prática
in loco como ferramenta de registro, valorização e sensibilidade com relação às edificações históricas
da cidade de Curitiba, além de agir como um instrumento de proteção destas obras. Sob essa
perspectiva, o edifício abordado sob este olhar será, em determinadas escalas, conhecido,
reconhecido e portanto preservado. Como um serviço a ser levado ao público em geral, a ideia é
oferecer à população de Curitiba, aos turistas, aos pesquisadores, aos estudiosos, e às futuras
gerações, um acesso a um passado edificado até então obscurecido em meio à uma paisagem urbana
que passa constantemente por turbulentas modificações.

3
Figura 1: Logo Projeto Arquivo

Fonte: ARQUIVO/Grupo de Pesquisa e Investigação em Patrimônio, 2018.

O Projeto Arquivo tem como base, a afirmação de Leonardo Benévolo, "hoje a prática precede a
teoria". Nesse contexto, a importância da vivência do aluno desde a investigação técnica e documental
das edificações históricas até a produção de material acadêmico é latente e tem como consequência
a introdução do estudante na prática profissional e, em se tratando de patrimônio, evoca o sentimento
de identidade e pertencimento coletivo.

Ao longo dos anos nas disciplinas de Patrimônio Cultural e Restauro I e II, ministradas no 5º e 6º
períodos da graduação, diversos imóveis históricos de Curitiba vêm sendo levantados pelos
estudantes, sob orientação dos professores responsáveis pela cadeira. Em cada semestre as equipes
organizavam e reuniam os materiais pesquisados: história do edifício e do entorno, projetos originais,
fotografias antigas e levantamentos arquitetônicos realizados por cada grupo. No entanto, o nível de
divulgação deste material ainda se encontrava aquém do que a cidade e a coletividade de fato
mereciam.

O processo de proximidade das pessoas com a cidade e suas edificações, gerando posteriormente o
sentimento de afeto, encontrava-se muitas vezes restrito aos estudantes, à academia e aos
proprietários dos imóveis investigados. Esta história de Curitiba, que havia recebido um singelo facho
de luz frente ao seu anonimato, necessitava de um brilho de maior intensidade, que fosse capaz de
tocar a memória de mais indivíduos, de uma maneira mais efetiva e prática.

4
Durante os anos em que as disciplinas vêm sendo lecionadas somou-se uma quantidade significativa
de trabalhos, compostos por: investigação histórica (1); levantamento arquitetônico (2) e produção de
maquetes (3). A consistência e qualidade dessas produções, aliadas ao volume de trabalhos disponíveis
resultou na busca por uma forma de disponibilizar os estudos realizados em uma plataforma aberta
para o meio acadêmico e acessível para aqueles que vivenciam a cidade. Assim surgiu a ideia do projeto
ARQUIVO, como maneira de democratizar o conhecimento de patrimônio resultado da união entre
pesquisa acadêmica e práticas em campo.

O processo de aprendizado aliado à prática faz com que o estudante compreenda as entrelinhas de
uma determinada obra, de uma determinada arquitetura. A compreensão destes pormenores faz com
que o indivíduo, em ambiente acadêmico, tome consciência da importância daquela edificação para a
história da cidade. Contudo, assim como a prática leva ao saber, o conhecimento também deve se
tornar algo prático, no sentido de que tenha amplo acesso e divulgação para a comunidade. Neste
sentido, o Projeto Arquivo, em sua concepção, visou unir a prática em campo dos estudantes, a
geração de conhecimento, e a divulgação deste material para a comunidade, como forma de criar afeto
frente ao passado edificado.

O patrimônio arquitetônico de Curitiba constitui uma herança que, através de várias tempos e estilos,
foi construída sob certas condições climáticas, materiais disponíveis e hábitos locais, refletindo o que
ROSSI (2001) define como o espírito da cidade. Essa arquitetura reflete, caracteriza e expõe as
qualidades e dificuldades locais; torna-se um objeto que discorre sobre a história da cidade. Estas
construções merecem maior atenção nas escolas de arquitetura e urbanismo enquanto objetos
didáticos que apresentam soluções e problemáticas arquitetônicas intrínsecas a região e ao momento
histórico. É necessário observá-las mais uma vez, com o anseio de redescobri-las e interpretá-las.

5
Figura 2: Site Projeto Arquivo

Fonte: ARQUIVO/Grupo de Pesquisa e Investigação em Patrimônio, 2018.

Metodologia e Resultados no processo de aprendizado

Como método aplicado, o trabalho desenvolvido no curso de Arquitetura e Urbanismo da UTFPR


contempla o princípio da investigação pelos acadêmicos em disciplinas de Patrimônio e Restauro.

Inicialmente são selecionados e levantados os imóveis antigos da cidade considerados relevantes


como futuros objetos de estudo. Este recorte pode ser realizado por obras localizadas em um mesmo
eixo histórico ou região da cidade, como por exemplo as construções da Praça Tiradentes ou da Rua
Trajano Reis. Outros tipos de recorte são as funções, a linguagem arquitetônica ou os materiais, como
o caso das Indústrias, da Arquitetura Modernista e das Casas de Madeira. Estes agrupamentos
permitem que os estudantes possam interagir sobre uma mesma categoria e que os grupos possam
colaborar no desenvolvimento das demais obras.

Posteriormente, a partir de fontes documentais e com autorização dos proprietários, estes imóveis
são identificados. Uma extensa pesquisa histórica é realizada nos acervos públicos da cidade, como na
Casa da Memória, na Biblioteca Pública do Paraná, e no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
de Curitiba. Com o auxílio dos proprietários e de vizinhos, são investigados documentos e fotos de
álbuns antigos, os moradores contam sobre o que sabem acerca do edifício, e a história e os valores
de cada obra são resgatados, tornando-se novamente conhecidos.

6
Na etapa seguinte são produzidos os desenhos arquitetônicos a partir dos levantamentos realizados,
os detalhes são registrados e as maquetes são confeccionadas. Catalogar nas dimensões históricas,
nos projetos e em volumetria se torna didático para o entendimento do edifício. Desta forma, emana-
se uma luz sobre o objeto de estudo, trazendo a este uma nova vida como bem urbano a ser
rememorado, tornando-se novamente um agente ativo da construção histórica da cidade.

Figura 3: Mapa Obras Levantadas_Projeto Arquivo

Fonte: ARQUIVO/Grupo de Pesquisa e Investigação em Patrimônio, 2018.

Finalizado o levantamento, este material é processado e organizado em uma plataforma digital, o


portal do projeto Arquivo: www.arquivoarquitetura.com. Esta base pode ser acessada não apenas por
acadêmicos, mas também pela população de forma geral, pois trata-se de um repositório público de
informações acerca das edificações históricas de Curitiba. A página inicial é composta por um mosaico
de obras já levantadas, e a partir destes links, revela-se o conteúdo de cada imóvel representado de
maneira didática: uma breve ficha técnica, história, maquetes, fotografias e projetos, prezando pelo
desenho como linguagem acessível. Os imóveis inventariados na plataforma recebem um selo de
identificação, um azulejo afixado no seu exterior, indicando para o transeunte que este imóvel faz
parte do acervo do projeto. Através de um smartphone, um QR Code conduz o observador à página da
respectiva obra, facilitando o acesso às informações e promovendo a utilização de mídias digitais como
forma de redescoberta do patrimônio arquitetônico da cidade.

7
Figura 4: Maquete Casa Frederico Kirschgässner_Projeto Arquivo

Fonte: ARQUIVO/Grupo de Pesquisa e Investigação em Patrimônio, 2018.

Figura 5: Maquete Patrimônio de Curitiba_Projeto Arquivo

Fonte: ARQUIVO/Grupo de Pesquisa e Investigação em Patrimônio, 2018.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

8
Os edifícios históricos são uma fonte de ensino e aprendizagem da história, mas é preciso fazer um uso
adequado dessas construções, pois apresentam muitas características a serem preservadas, discutidas
e valorizadas. A complexidade do trabalho arquitetônico, as dificuldades de interpretação pelos
fenômenos diacrônicos e os problemas didáticos decorrentes dos trabalhos de intervenção realizados
são elementos que o professor deve levar em consideração quando usar o patrimônio como fonte e
documento histórico.

O patrimônio arquitetônico é uma fonte de conhecimento histórico. As perguntas básicas que devem
ser feitas a um edifício histórico são: Como evoluiu ao longo do tempo?; É uma fonte primária ou
secundária ?; O edifício pode ser considerado histórico autêntico ou falso?; E as informações históricas
fornecidas são confiáveis?; O professor pode se encontrar na frente diferentes exemplares, sendo que
muitos talvez não tenham sofrido adequadas intervenções corretas (transferências, recriações
fantasiosas, reproduções etc.). O fator que determina a autenticidade e a pertinência de um edifício
histórico não é a originalidade dos materiais, a unidade do estilo ou a não evolução no tempo, mas os
critérios que foram seguidos nas suas interpretações, intervenções ou preservações.

Quando o professor faz uso do patrimônio arquitetônico, ele ajuda a desenvolver diferentes tipos de
conhecimento em seus alunos - natureza declarativa, processual-operacional e de atitudes; pode
ensinar diferentes conteúdos históricos - economia, sociedade, vida cotidiana, imaginário etc. - e
apresentar aos alunos os procedimentos e a metodologia da disciplina, seja a conclusão de
investigações simples ou análise de fontes arquitetônico. O patrimônio arquitetônico é um
instrumento didático que permite ensinar história e as ciências sociais. Deve-se ter em mente os
propósitos, objetivos, materiais e recursos disponíveis, bem como a oferta dos diferentes centros
patrimoniais a serem visitados. Recursos virtuais (modelos, desenhos de reconstruções, hipóteses,
etc.) e as novas tecnologias (simulação por computador) que podem ajudar os acadêmicos na
representação mental da arquitetura, dos espaços arquitetônicos. e do patrimônio.

Através desse trabalho de investigação espera-se que o patrimônio edificado das cidades seja visto e
lembrado, tendo suas informações levantadas e disponibilizadas com fácil acesso para a população.
Estima-se que o edifício, inicialmente objeto de estudo acadêmico, tenha seu valor reconhecido, e que
volte a fazer parte da construção da identidade urbana, e que este sensibilize as pessoas em prol do

9
resgate da memória das cidades. Desta forma, a pesquisa acerca do patrimônio construído, que
funciona como laboratório prático de estudo da arquitetura, pode também gerar relações de afeto
frente ao jovem pesquisador, encontrando nesta causa um motivo a mais para amar e refletir sobre a
arquitetura, a cidade, e acima de tudo, a memória. O futuro deste projeto visa a ampliação e o
aprofundamento deste conteúdo, alcançando os diversos movimentos arquitetônicos que marcaram
a cidade e interpretando essas construções como reflexo das vicissitudes de seus habitantes, como
fonte rica de pesquisa, e como parte do discurso histórico. O Projeto Arquivo busca dar este grande
passo rumo à uma educação patrimonial acessível, que forma pessoas, sensibiliza, e ensina a amar r
cuidar da história de nossas cidades.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Bauru: EDUSC, 2007.
BENEVOLO, L.; CARDOSO, A. L.; RIBEIRO, M. M. Introdução à arquitectura. Lisboa: Edições 70, 2009. ISBN
9789724413990.
CERTEAU, Michel de. A escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes de Menezes. 2 ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 3. ed. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Editora da
UNESP, 2006.
FONSECA, Cecília Londres. O Patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. Rio
de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 1997.
_________, Maria Cecília Londres. Para além da pedra e cal: por uma concepção ampla de patrimônio cultural.
In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário. (orgs.) Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003, p. 56-76.
HARTOG, François. Tempo e patrimônio. Varia Historia. Belo Horizonte, PPGHis-UFMG, v. 22, n. 36, jul./ dez.
2006, p. 261-273.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Laurent Léon Schaffter. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1990.
HORTA, M. de L. P; GRUMBERG, E. & MONTEIRO, A. Q. Guia Básico de Educação patrimonial. Brasília:
IPHAN/MinC; Petrópolis: Museu Imperial, 1999.
LE GOFF, Jacques. História e memória. 3. ed. Tradução de Irene Ferreira, Bernardo Leitão e Suzana Ferreira
Borges. Campinas: Editora da Unicamp, 1994.
MENESES, José Newton Coelho. História e Turismo cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
_________, José Newton Coelho. Memória e historicidade dos lugares: uma reflexão sobre a interpretação do
patrimonio cultural das cidades. In: AZEVEDO, Flávia Lemos Mota de; PIRES, João Ricardo Ferreira; CATÃO,
Leandro Pena (orgs.). Cidadania, memória e patrimônio: as dimensões do museu no cenário atual. Belo
Horizonte: Crisálida, 2009, p. 32- 45.
NEVES, Joana. Participação da comunidade, ensino de História e cultura histórica. Saeculum - Revista de História,
João Pessoa, DH/PPGH/UFPB, n. 6/7, 1999, p. 35-47.

10
ROSSI, Aldo. Arquitetura da Cidade, ed. Cosmos, Lisboa, 2001.

11
Compartilhando decisões: plataformas online para participação
cidadã

Sharing decisions: online platforms for citizen participation


Compartiendo decisiones: plataformas en línea para participación
ciudadana

TRAMONTANO, Marcelo Cláudio


Doutor, Prof. Assoc. IAU/USP, tramont@sc.usp.br

TRUJILLO, Juliana Couto


Mestre, Profa. Adj. FAENG/UFMS, juliana.trujillo@ufms.br

RESUMO
O artigo discute o uso de plataformas online de consulta pública que promovam a participação comunitária em
processos decisórios de intervenção urbana em espaços públicos. O texto apresenta estas plataformas como
espaços de debate público, considerando a diversidade de atores envolvidos em discussões e deliberações do
tipo bottom-up, que emergem da comunicação e troca de informação entre gestores, técnicos e comunidade. A
pesquisa identificou e estudou mais de 100 plataformas online de participação cidadã, em várias partes do
mundo para, em seguida, identificar categorias e elementos a serem considerados na concepção dessas
plataformas, com base no pensamento complexo de Edgar Morin e na teoria da conversação de Gordon Pask.
Entendemos que plataformas online de participação cidadã podem ampliar e enriquecer a comunicação, em
direção a uma sociedade mais envolvida na ação política através de processos participativos baseados em
abrangência e representatividade.
PALAVRAS-CHAVES: Processos participativos comunitários; Plataformas digitais online; Intervenção urbana;
Espaços públicos.

ABSTRACT
The article discusses the use of public consultation online platforms that promote community participation in
decision-making processes of urban intervention in public spaces. The text presents such platforms as places of
public debate, considering the diversity of actors involved in bottom-up discussions and deliberations that emerge
from the communication and exchange of information between public managers, technicians, and the
community. The research identified and studied over 100 online platforms for citizen participation, in several parts
of the world, to then identify categories and elements to be considered in the design of these platforms, based on
complex thought of Edgar Morin and the Conversation theory by Gordon Pask. We understand that online
platforms for citizen participation can broaden and enrich communication, towards a society more involved in
political action through participatory processes based on breadth and representativeness.
KEY WORDS: Community participatory processes; Online digital platforms; Urban intervention; Public spaces.

RESUMEN
El artículo discute el uso de plataformas online de consulta pública que promuevan la participación comunitaria
en procesos decisorios de intervención urbana en espacios públicos. El texto presenta estas plataformas como
espacios de debate público, considerando la diversidad de actores involucrados en discusiones y deliberaciones
del tipo bottom-up, que emergen de la comunicación e intercambio de información entre gestores, técnicos y

1
comunidad. La investigación identificó y estudió más de 100 plataformas online de participación ciudadana en
varias partes del mundo para luego identificar categorías y elementos a ser considerados en la concepción de
esas plataformas, con base en el pensamiento complejo de Edgar Morin y en la teoría de la conversación de
Gordon Pask. Entendemos que plataformas en línea de participación ciudadana pueden ampliar y enriquecer la
comunicación hacia una sociedad más involucrada en la acción política a través de procesos participativos
basados en alcance y representatividad.

PALABRAS CLAVE: Procesos participativos comunitarios; Plataformas digitales en línea; Intervención urbana;
Espacios públicos.

1 INTRODUÇÃO
Este artigo discute o uso de plataformas online visando a participação da população em processos de
projeto de intervenção urbana. Essa discussão faz parte de uma pesquisa mais ampla, de caráter
exploratório, desenvolvida no grupo de pesquisa Nomads.USP. Também foram feitos experimentos
que nos ajudaram a compreender com mais propriedade como se dá a participação das pessoas
através das plataformas online, que não serão tratados neste texto, mas que constituem duas
experiências distintas permitindo a observação e verificação de diferentes aspectos aqui abordados.

No campo da arquitetura e urbanismo, consultas à população não são uma ideia nova. Expressões
como 'projeto participativo' e 'planejamento participativo' tiveram grande destaque na área,
sobretudo a partir dos anos 1960, em diversos países, conhecendo igualmente grande desgaste, nas
décadas seguintes, talvez porque, em muitos casos, a participação da população era limitada e acabava
pouco influenciando os resultados das obras construídas. Luminosa baliza nesse percurso, o clássico
ensaio "A city is not a tree", publicado por Christopher Alexander, em 1965, chama a atenção para
duas questões fundamentais. A primeira, é que a cidade constitui um sistema complexo, e que toda
tentativa de entendê-la demanda uma abordagem sistêmica, sob pena de se perder seu maior tesouro:
a "pátina da vida", que só se constrói organicamente, ao longo do tempo, pela ação de seus habitantes.
A segunda, são os riscos de que, por basear-se em conhecimentos técnico-científicos como garantia
de sua racionalidade, o planejamento urbano moderno concentre excessivamente poder de decisão
nas mãos de projetistas, planejadores, administradores urbanos e incorporadores imobiliários,
acabando por ignorar, no processo, a cidade real, os modos de vida e as aspirações - sempre
conflitantes - de seus habitantes.

2
Na prática arquitetônica, questões como estas fundamentaram os procedimentos de projeto
participativo elaborados e aplicados por Lucien Kroll, nos anos 1970, na Bélgica, que, por sua vez,
influenciaram gerações de projetistas e gestores. Seus projetos mais emblemáticos - para a Residência
Universitária da Faculdade de Medicina de Louvain e o conjunto habitacional de Dordrecht - calçaram-
se em amplos debates com os habitantes, constituindo iniciativas pioneiras do esforço de
compartilhamento das decisões de projeto com a população. Para que esta colaboração se efetivasse,
e a decorrente multiplicidade de soluções espaciais e técnico-construtivas pudesse ser incorporada ao
projeto final, Kroll fez uso extensivo de modelos físicos, em madeira e papelão, e, a partir dos anos
1980, de programas computacionais (BATELI, 2015). É, no entanto, de Alexander a contribuição mais
incisiva para a informatização de processos de projeto visando a inclusão dos habitantes. Seu livro "A
pattern language", de 1977 (publicado, no Brasil, em 2013), tornou-se uma referência maior na área,
reunindo, ou mapeando, 250 padrões do comportamento humano no ambiente construído, à maneira
de parâmetros de projeto e organização.

No Brasil sob ditadura militar, práticas como os mutirões auto-gestionados revelaram-se poderosos
articuladores de comunidades que, ao perceber sua capacidade de organização em torno da
concepção e construção de suas habitações, passaram a mobilizar-se por novas reivindicações sociais
e políticas. O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01) prevê, desde 2001, “uma gestão democrática por
meio da participação da população e de associações representativas na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”, na qual a
participação é realizada através de debates, audiências e consultas públicas. O orçamento participativo
é fruto desta mesma lei, vinculando a aprovação de peças orçamentárias à obrigatoriedade da
participação popular na sua elaboração.

As questões que investigamos e que apresentamos neste artigo, sobre o uso de plataformas online de
participação comunitária, inscrevem-se nesta linha do tempo. Alinham-se com um certo resgate do
protagonismo da comunidade promovido por práticas como os mutirões, encorajados legalmente
desde 2001, na medida em que consideramos que o processo de participação é, antes de tudo, um
processo de tomada de consciência da posição de um coletivo na sociedade e na cena pública, uma
reivindicação do direito cidadão de opinar em decisões que continuamente reconfiguram o meio
urbano, em caráter, às vezes, irreversível.

A pesquisa dialoga com estudos de Harvey (2012), Castells (2003, 2013) e Manovich (2013, 2016), entre
outros, e entende que o uso de meios digitais, em especial aqueles baseados na comunicação via

3
Internet, podem configurar espaços de cidadania, articulação comunitária e reivindicação por direitos.
De fato, a noção de rede viu-se potencializada pelo advento da Internet, que, segundo Castells (2003,
p. 7), "passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede”.
Como reconhece Castells (2013), muito do debate público já vem sendo realizado nas chamadas redes
sociais online, contribuindo para a consolidação de uma cultura do uso de tais meios - e dispositivos
que permitem acessá-los - no debate de ideias. Tato e Vallejo (2013) estendem essa compreensão a
processos decisórios envolvendo reconfigurações do espaço urbano, entendendo que a Internet tem
se tornado o locus onde possibilidades mais avançadas de criação coletiva e auto-organização estão
sendo testadas. Nesse contexto de redes interconectadas, os autores acreditam que projetos urbanos
já não podem ser concebidos a partir de uma perspectiva singular, mas devem resultar de redes
abertas e colaborativas de profissionais criativos, especialistas técnicos, cidadãos e governantes.

É claro que estes meios não substituem o debate presencial na cena pública, mas, associados a ele,
podem constituir um território híbrido onde se desenvolvam parcelas importantes da vida urbana,
híbrido de concretude e virtualidade. Igualmente, tais meios podem contribuir para suscitar reflexões
coletivas sobre a importância de se garantir a implementação das decisões ali tomadas, assim como a
necessidade de novas formas de se encaminhar politicamente questões de interesse público (BORJA,
2003), ampliando seu alcance e seu papel catalisador e articulador.

Plataformas online de participação cidadã possibilitam a ampliação de metodologias clássicas para a


aproximação e identificação de desejos e necessidades de indivíduos e grupos da comunidade,
dificilmente perceptíveis de outra maneira, em geral evidenciando conflitos existentes no território.

2 METODOLOGIA

Após extensa revisão bibliográfica sobre os principais conceitos utilizados para construção de
plataformas online de consulta pública, mais de 100 exemplares de plataformas foram estudados,
produzidos por diversos organismos, em cidades com contextos diversos, visando atingir variados
objetivos específicos, a partir do objetivo comum da participação cidadã em processos decisórios de
intervenção urbana. As principais categorias analíticas consideradas foram agrupadas em 1.
Conceituais (objetivos, acordos iniciais, atores envolvidos e emergências, etc.), 2. Técnicas (tecnologia,
tipo de input e output, reprodutibilidade, etc.), 3. Usabilidade (forma de participação, navegabilidade,
níveis de interação, qualidade de input, etc.), e 4. Publicização (online, presencial, ambos).

4
Notamos que algumas plataformas parecem mais adequadas a processos de debate de ideias e a
votações, enquanto outras foram desenhadas para o recebimento de queixas da população, que
demandam uma ação rápida dos serviços administrativos, nem sempre possível. A concepção da
plataforma precisa ser cuidadosa para ser eficiente e inspirar confiança nos usuários, e adequada à
mediação de processos de comunicação de naturezas diversas.

3 RESULTADOS
Há, de fato, atualmente, uma grande diversidade de plataformas online e aplicativos computacionais
de consulta pública que permitem a participação cidadã objetiva e sem intermediários, ampliando
instrumentos legais já estabelecidos. Prefeituras de grandes cidades, como Paris, Barcelona e Madri,
têm incentivado seus habitantes a usar estes meios para manifestar-se sobre questões de interesse
público, da vida citadina, dos espaços urbanos, e até avaliando atos da própria administração.

Plataformas como, por exemplo, Decide.Madrid1, Decidim.Barcelona2 e Paris Budget Participatif3


gerenciam propostas, votações e processos decisórios em relação a temas variados como aplicação do
orçamento participativo, transporte e mobilidade, limpeza urbana, uso de energia limpa,
remodelações de logradouros e, neste último caso, permitem que a população decida qual dos
projetos urbanos propostos deve ser implementado. Em algumas delas, a população também pode
propor temas a serem debatidos e inserir propostas que, uma vez suficientemente apoiadas pelos
participantes, são incluídas no processo de votação do orçamento participativo.

Um exemplo bastante ilustrativo do funcionamento e potencialidades desse tipo de plataforma é o


projeto de remodelação da Praça Espanha, colocado em discussão pela Decide.Madri. O processo de
consulta pública iniciou-se em outubro de 2016 e durou pouco mais de um ano. Na primeira etapa, a
prefeitura convocou um grupo de trabalho multidisciplinar (associações de bairro, urbanistas, setor
hoteleiro, técnicos, entre outros) para desenvolver um questionário com perguntas relacionadas à
praça (https://bit.ly/2Ws3sF1). As perguntas abordavam desde se era necessário ou não reformá-la,
que outras funções a praça poderia ter, qual uso e frequência as pessoas faziam dela, sobre
estacionamento, entre outras. Esta consulta pública ficou aberta por 3 meses e resultou nas bases

1
https://decide.madrid.es/
2
https://www.decidim.barcelona/
3
https://budgetparticipatif.paris.fr/bp/

5
obrigatórias para o Concurso Internacional de Remodelação da Praça Espanha. Foram obtidas 26.961
respostas válidas, 99,14 % das quais recebidas através da plataforma e 0,86% pelo correio, através de
questionário impresso.

O concurso internacional teve 72 projetos inscritos e as propostas foram colocadas em exposição na


própria praça. Cada projeto foi apresentado em três painéis explicativos e ilustrativos, de forma
anônima. A população foi convidada a apreciar os projetos e a votar em uma proposta através da
plataforma. A partir da votação popular e de um júri formado por secretários e técnicos municipais,
membros do Colégio de Arquitetos de Madrid e arquitetos e engenheiros de notório saber, foram
selecionados 5 projetos (https://bit.ly/2MGxbu0). Esses cinco selecionados receberam uma premiação
de dez mil euros para desenvolver o projeto para a fase seguinte, em nível de anteprojeto. O júri
técnico selecionou dois projetos finalistas, o Projeto X: Welcome mother Nature e o Projeto Y: Un paseo
por la cornisa (https://bit.ly/2Wqd96Q). Os dois selecionados foram disponibilizados na plataforma,
uma nova votação foi aberta à população e o resultado desse processo de participação cidadã
determinou o vencedor do concurso (https://bit.ly/2MGxbu0). O projeto vencedor foi o Welcome
mother Nature (https://bit.ly/2lr4TkW) e sua execução teve início em maio de 2019.

A plataforma conferiu grande transparência ao processo, permitindo que os votantes discutissem os


projetos postando comentários (e comentando os comentários dos demais), disponibilizando toda a
documentação do processo (https://bit.ly/2wHKy2r), além de estatísticas sobre os votantes por faixa
etária, sexo e domicílio, entre outras informações. Exemplificado no caso de Madri, o papel que a
plataforma online pode desempenhar abre outras possibilidades de participação cidadã em decisões
urbanas, contribuindo para a realização, em um sentido mais amplo, de espaços mais democráticos,
plurais e, principalmente, a transparência em processos de gestão da cidade.

Ainda que, durante a pesquisa, tenhamos identificado um número expressivo de projetos e programas
no mundo anglo-saxão, no norte europeu e em países ibéricos, interessam-nos particularmente ações
na América Latina, onde as condicionantes culturais, políticas, econômicas e sociais permitem diversos
paralelos com realidades brasileiras. É o caso da proposição do escritório de arquitetura espanhol
Ecosistema Urbano para o master plan do Centro Histórico de Assunção, no Paraguai, o Plan CHA4, que
construiu e disponibilizou para acesso público à plataforma ASUmap, visando definir, junto com a
população, quais seriam as ações priorizadas pelo plano (ECOSISTEMA URBANO, 2016).

4
http://plancha.gov.py/circuloestrategias/

6
Vencedora de um concurso internacional lançado pelo governo do país e parcialmente implementada
entre 2014 e 2017, a proposta baseia-se em um conjunto de dez estratégias institucionais, conectadas
a lugares ou aspectos específicos da cidade. Cada uma delas contém um Plano de Ação, totalizando
mais de 100 ações, como workshops, mapeamentos, exposições, reuniões presenciais, consultas
através de plataformas digitais, kits escolares educacionais, entre outras. A ideia de que o próprio
processo coletivo de discussão e tomada de decisões constitui um dos principais objetivos da
requalificação urbana preside a formulação das inúmeras ações top-down e bottom-up para a
requalificação do centro de Assunção.

4 DISCUSSÃO

É importante perceber que, do ponto de vista teórico proposto pela pesquisa, as plataformas descritas
acima podem ser entendidas como sistemas complexos, conforme formulados por Edgar Morin. Elas
se referenciam no pensamento sistêmico, um conjunto de elementos interdependentes definido por
um observador, o qual também é parte do sistema, e que o altera ao utilizá-lo e observá-lo. Para Morin
“a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações,
determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico” (MORIN, 2011, p. 13). Teorias que
envolvem sistemas e complexidade pressupõem que fenômenos não podem ser entendidos com base
no estudo das partes isoladamente, mas sim das relações que os compõem.

Nessa perspectiva, um processo colaborativo que ocorre a partir das relações de troca entre os atores
envolvidos pode ter como resultado um fenômeno emergente. Morin (2002a) chama de emergências
os fenômenos que ocorrem em um sistema a partir da interação entre suas partes, em processos com
hierarquias reduzidas. Essas emergências são desejadas em um sistema complexo, que se abre ao
indeterminismo através da auto-organização, possibilitando novos aprendizados e resultados.

Baseados nos trabalhos de Gordon Pask (1976) e na noção de sistema de conversação, identificamos
os elementos que compõem esse sistema, considerados aqui categorias para observação das
plataformas online e para compreender seus processos de diálogo, a saber: quais os atores envolvidos;
quais os objetivos e acordos iniciais da conversação, e o lugar das emergências nesses processos. Em
processos decisórios colaborativos, a plataforma online possui a função de garantir a circulação da
informação e permitir que o sistema se mantenha aberto aos feedbacks dos diferentes atores e do
ambiente externo.

7
Outra atribuição importante nos sistemas de comunicação e trocas de informação é evitar a
estabilidade, onde o fluxo informacional se estagna, na manutenção do equilíbrio. A estabilidade, ou
estado de equilíbrio pode parecer a princípio desejável, já que poderia evidenciar um entendimento
entre os atores. Entretanto, do ponto de vista de fluxo informacional, o equilíbrio significa que a troca
de informações cessa e que, portanto, o sistema torna-se inerte (BERTALANFFY, 1977). Assim, é
importante notar que o sistema deve ser sempre dinâmico, com trocas de informação ocorrendo o
todo tempo, e constantes mudanças de posição dos atores. O equilíbrio não significa que todos os
atores são iguais o tempo todo, mas que há um equilíbrio global de forças.

Com a diminuição do fluxo comunicativo e informacional, sua dinâmica tende a deixar de existir,
incluindo o fenômeno da emergência. Assim, a função do controlador, ao contrário do que o nome
possa indicar, não visa reforçar regras e papéis de outros sistemas que interagem com eles, mas sim
de estimular que estes se auto-organizem em torno dos objetivos e processos, e em resposta aos
diferentes estímulos externos e internos. Essa auto-organização, assim como a manutenção do fluxo
informacional e as emergências, são condições essenciais para a compreensão dos processos
participativos e colaborativos como sistemas complexos, conforme formulação de Edgar Morin (2011).
O estudo de processos que visam a participação de diversos atores numa rede colaborativa, de
aprendizagem e retroalimentação do sistema, possibilitou compreender algumas formas de diálogos
e relações entre os elementos da conversação, identificados na pesquisa como categorias analíticas
desses processos.

De um ponto de vista funcional, as plataformas online apresentam possibilidades únicas de debate,


dificilmente encontradas em reuniões presenciais, a saber: 1. permitem a participação assíncrona, de
quem não esteve presente no debate; 2. permitem falas simultâneas e possibilitam a fala de todos os
envolvidos, independentemente de diferenças hierárquicas fora do debate 3. atenuam hierarquias,
mesmo havendo moderação; 4. constituem um repositório de registro de todo o processo, de todas
as falas e documentos.

É partir deste sentido organizacional que acreditamos na utilização da plataforma online como
potencializadora de processos cada vez mais democráticos, participativos e colaborativos, não apenas
na gestão das cidades e de seus recursos, mas também na retroalimentação das reflexões sobre os
modos de vida e os fluxos de atividades do quotidiano e, ainda, um caráter educador, mais amplo e
aberto, ao alcance de todos.

8
5 REFERÊNCIAS
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