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PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA

A Produção de teoria
composicional no Brasil
Liduino José Pitombeira de Oliveira

1. Introdução
O tema desta mesa – “teorias do compor : a contemporaneidade brasileira”
– nos convida inicialmente a uma série de indagações de caráter conceitual.
Com relação à primeira par te do título – “teorias do compor”, pode-se per-
guntar : o que é teoria composicional? No âmbito do fazer composicional, exis-
te uma prática composicional que se contrapõe dialeticamente a uma teoria
e que, para efeito de observação, pode ser dela dissociada? Como as teorias
composicionais dialogam com as técnicas, os sistemas e as estéticas compo-
sicionais, com as teorias analíticas e com outros campos teóricos que ultra-
passam os limites da música? Como são transmitidas e ensinadas as teorias
composicionais?
Com relação à segunda par te do tema – “a contemporaneidade brasileira”
– examinaremos quatro teorias praticadas no Brasil, que me interessam como
pesquisador/compositor : teoria dos contornos, análise par ticional, teoria da
variação progressiva e teoria dos sistemas composicionais. Esta última, associa-
da ao conceito de modelagem sistêmica, será focalizada com maiores detalhes,
por ser um tema sobre o qual venho me debruçando desde 2007, tendo já
produzido diversas publicações. Pequenos exercícios composicionais ilustrarão
as potenciais aplicações composicionais dessas teorias.
Dessa forma, sem pretender obviamente ser exaustivo ou apresentar uma
resposta definitiva sobre o assunto, este trabalho visa inicialmente indagar so-
bre o significado e a abrangência do termo “teoria composicional”, propondo
hipóteses que nos ajudem a pensar essa questão, para em seguida fazer um
breve levantamento sobre as quatro teorias supramencionadas.

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2. Teoria composicional O que é afinal teoria composicional? Seria, sob uma perspectiva ontológica,
Matthew Brown (1986, p.844), no New Harvard Dictionary of Music, define um saber dedicado ao exame da natureza essencial de uma composição ou de
teoria musical, esse corpo maior com o qual a teoria composicional compar ti- seus princípios fundamentais? Seria um corpo teórico associado ao conjunto de
lha elementos comuns, como “os princípios abstratos incorporados na música diretrizes estéticas que norteariam a aplicação prática e em sentido reverso de
e nos sons que a compõem”. Thomas Christenssen (2007, p.2-3), ao traçar ferramentas desenvolvidas primariamente para a teoria analítica? Seria um con-
uma trajetória etimológica, afirma que o termo teoria evoluiu par tindo de seu junto de fundamentos teórico-estéticos, racionais ou intuitivos, que regulariam
significado visual pré-socrático associado simplesmente à observação, passan- a criação de sistemas composicionais próprios?
do pelo significado socrático de aquisição de conhecimento (episteme), até Imaginemos o seguinte exercício composicional. Suponhamos que me foi soli-
ser relacionado aristotelicamente à ontologia. Assim, para Christenssen a teoria citado compor um minúsculo Dies Irae de cerca de doze segundos para soprano
musical não se preocuparia como uma obra é composta ou executada, “mas e trio de cordas (violino, viola e violoncelo), com uma série de instruções fixas
com questões ontológicas básicas: qual a natureza essencial da música? Quais de tal forma que possa soar “sempre o mesmo” a cada performance. Digamos
os princípios fundamentais que governam sua aparição?” Dessa forma, “teoria
que eu documente todas as fases do processo de composição desse trecho, ou,
composicional” poderia ser um corpo teórico de caráter mais prático incluído
para utilizar uma terminologia de Roger Reynolds (1994, p.5), que eu descreva
no âmbito da teoria musical. Vale salientar que, segundo Christenssen (2007,
pormenorizadamente os passos metodológicos que me permitiram passar do
p.3), para Aristóteles, “teoria não seria algo oposto à prática, mas sim uma for-
material para a forma. A intenção é identificar nesse exercício os traços de uma
ma mais elevada de prática, enquanto prática seria um tipo de teoria aplicada”.
Assim, é possível combinar os dois termos sem contradição. Christenssen agru- teoria composicional que viabilizará a transformação de materiais amorfos em
pa no tópico “teoria composicional” assuntos ligados ao contraponto medieval, uma narrativa musical com forma definida.
renascentista e barroco (incluindo sua pedagogia), à teoria da performance e à Um compositor do século XXI tem à sua disposição uma gama variada de
teoria dodecafônica. materiais, alguns deles fornecidos pela teoria analítica: as classes de alturas, os
Por sua vez, Joel Lester (1996, p.6) em seu Compositional Theory in the Ei- contornos, os ritmos, as sonoridades estruturais etc. Mesmo obras de natureza
ghteenth Century, embora não forneça uma definição explícita para o termo móvel, que se constroem a cada performance, podem utilizar esses materiais
“teoria composicional”, inclui no campo composicional assuntos como “teoria como tijolos básicos de construção. Decidi utilizar, como estrutura fundamental
elementar, intervalos e acordes, harmonia e condução de vozes, considerações do trecho, uma sonoridade que, segundo Richard Cohn (2004), guarda uma sim-
melódicas, fraseologia e forma musical e o próprio processo de trabalhar uma bologia associada à ideia de morte, já que se trata da criação de um Dies Irae. Essa
composição”.1 sonoridade, o polo hexatônico, mostrada na Figura 1, pode ser vista a partir de
Paul Berg (1996, p.25) afirma que as esferas da teoria musical e da composi- diferentes perspectivas, como a sobreposição: (1) do primeiro grau de uma tona-
ção são essencialmente diferentes: “a teoria musical é inerentemente normativa lidade maior com seu sexto grau abaixado menor (mediante cromática terciária2);
e reflete uma codificação de conquistas do passado; a composição é criativa e (2) de dois acordes aumentados separados por um semitom; (3) de dois tricordes
expande a teoria”. Berg afirma ainda que existe uma notória falta de diferencia- da classe de conjuntos [014] que tenham uma relação de T9I entre si (Figura 1).
ção entre os dois campos – teoria musical e composição – quando se utilizam
os sistemas analíticos de forma reversa para a composição, uma estratégia que 2 Segundo Aldwell (1989), a mistura primária consiste no uso de um acorde de uma tonalidade homônima; a
ele não considera interessante pelos resultados estéticos. mistura secundária consiste na alteração da terça de um acorde diatônico; a mistura terciária, denominada por Aldwell de
double mixture, consiste em alterar a terça de um acorde emprestado de uma tonalidade homônima (p.508). No exemplo
1 “Composition is construed here rather broadly to include everything from musical rudiments, intervals and chords, da Figura 1, Lá maior seria o VI emprestado da tonalidade de Dó# menor, homônima de Dó# maior. Esse empréstimo teria
the study of harmony and voice leading, considerations of melody, musical phrasing and form, and the actual process of configurado uma mistura primária. Como, além de tomar emprestado da tonalidade homônima o acorde teve sua terça
working out a composition”. alterada, produzindo um acorde Lá menor, dizemos que houve mistura terciária.

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Figura 1. Polo hexatônico e sua estrutura multifacetada


Essa visão multifacetada do polo hexatônico nos permite ampliar a simbologia
e considerar o acorde aumentado, um dos componentes do polo hexatônico,
como símbolo da ideia de eternidade, por conta da estabilidade geométrica do
triângulo, que é a figura formada pelas alturas desse acorde dentro do círculo
cromático, e também incluindo as tríades maiores e menores para simbolizar a
dualidade/temporalidade humana, levando-se em consideração que uma tríade
maior/menor pode ser vista como uma deformação parcimoniosa em qualquer
um dos componentes de um acorde aumentado. Assim podemos criar um ciclo
simbólico: eternidade, temporalidade e morte. Em termos de sonoridades os
componentes desse ciclo serão unificados pelo emprego de polos hexatônicos
Figura 2. Macroestrutura do Dies Irae
em diferentes transposições.3 Os polos apresentarão diferentes facetas corres-
pondendo à simbologia do ciclo. Dessa forma, no ciclo eternidade o polo hexa-
tônico será fragmentado em dois acordes aumentados e no ciclo temporalidade
será fragmentado em duas tríades, uma maior outra menor, que guardam entre
si uma relação de mediante terciária. No ciclo correspondente à morte, o polo
aparece integrado, cumprindo a função descrita por Cohn.
Acrescentemos ainda uma simbologia numérica associada ao aspecto métrico:
o trecho da eternidade terá um compasso 3/8; o trecho da temporalidade terá
um compasso 9/8, uma vez que o número 9 pode ter um simbolismo associado à
ideia de humanidade como um conjunto de seres humanos vivenciando a finitude
temporal (a soma dos algarismos do apocalíptico 144.000); e o trecho da morte
terá um compasso 12/8, considerando que o número 12 pode ser associado à
ideia de morte por sua direta conexão com os signos zodiacais, ou seja, com a
ideia de destino (carma).
O diagrama da Figura 2 mostra um possível plano macroestrutural para a com- Figura 3. Dies Irae
posição. Observemos que esse plano não é específico com relação aos materiais Voltando então à nossa indagação inicial, que tínhamos enunciado antes de
motívicos, à estrutura rítmica, à dinâmica etc. Isso significa que ele pode resultar realizarmos esse pequeno exercício composicional: que teoria composicional
em diferentes obras, todas aparentadas, no entanto, pela mesma narrativa que viabilizou a transformação de um material neutro, o polo hexatônico, em uma
revela as diferentes facetas do polo hexatônico. Uma possível realização musical obra musical? Como chegamos ao plano que resultou na obra? Podemos revisitar
desse plano é apresentada na Figura 3. nossos passos de forma sintética, conforme mostramos no diagrama da Figura
3 O polo hexatônico, embora não esteja na seleta lista de Messiaen, é um modo de transposição limitada de nível 4. Primeiramente escolhemos o material, que no caso desse exercício consistiu
4, ou seja a partir da quarta transposição tem seu conteúdo de alturas repetido.

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unicamente no polo hexatônico. Em seguida, olhamos esse material a partir de É nossa segunda hipótese que um plano sempre está sempre presente no ato
diferentes perspectivas, o que nos revelou diferentes facetas de sua estrutura. Es- de compor, ainda que de forma subliminar. Dessa maneira, mesmo ao compor
sas facetas foram então associadas a uma simbologia que influenciou na métrica e linearmente, revelando a obra sequencialmente, compasso a compasso, e se sur-
na distribuição temporal das alturas do polo: ora como acordes aumentados, ora preendendo individualmente com os resultados de cada decisão local, o compo-
como tríades relacionadas por mistura terciária e, finalmente, como bloco único. sitor está realizando um plano implícito.
A “performance” ou realização do plano gerou então uma partitura final, que não É nossa terceira hipótese que o plano é o resultado prático de uma estrutura
é a única possível, mas apenas uma de suas inúmeras possibilidades. teórica ainda mais profunda e abstrata, que denominaremos de sistema composi-
cional. Essa estrutura funciona como um arquétipo, uma generalização de tendên-
cias que se particularizam em possíveis planos composicionais. É nessa estrutura
que reside a teoria composicional própria de determinada obra. Para usar as
palavras de Joel Lester (1996, p.6), teoria composicional é “o próprio processo de
trabalhar a composição”. A descrição desse processo, a identificação de suas leis
internas revela a teoria composicional de determinada obra. São palavras-chave
identificadas com a teoria composicional inerente ao nosso exemplo: escolha de
sonoridade, associação simbólica, fragmentação e narrativa de conexão.
No caso do nosso exemplo, a teoria composicional capaz de gerar o plano
composicional e, na sequência, a partitura da obra, pode ser encontrada na ge-
neralização dos passos que tomamos para gerar o plano. Essa generalização se
Figura 4. Passos para a geração do plano composicional do Dies Irae corporifica em um conjunto de diretrizes, que são apenas tendências gerais, sem
particularidades específicas (mostradas na Figura 5). Nessas diretrizes, e não no
É nossa primeira hipótese que a realização do plano tem um caráter perfor- material ou na teoria analítica, está contida a teoria composicional que sustenta o
mático e prático: é um campo aber to para as escolhas pessoais, sendo, por tanto, plano composicional e a obra.
variável. Essa realização, como toda performance, envolve aspectos mecânicos,
especialmente relacionados ao movimento: o lápis no papel ou o mouse na tela
do computador gerando os gráficos da par titura, que são uma série de instru-
ções performáticas para o instrumentista. Realizar o plano, esse ente teórico
produzido por uma teoria que estamos tentando identificar, seria, por assim
dizer, uma prática composicional. Mas essa prática logo produz um ente teórico,
uma par titura, uma série de instruções congeladas no papel, um gráfico espe-
rando por sua próxima performance, quando se transformará em som e, assim,
novamente em um ente prático: compressões e rarefações das moléculas de ar Figura 5. Sistema composicional do Dies Irae
produzidas por um instrumento musical. Esse som, pela multiplicidade semântica
e cultural, se torna um ente teórico, um objeto simbólico, que se transforma Pensando isomorficamente podemos imaginar que a performance desse ente
novamente em algo prático, em nível individual nos ouvidos de quem os deco- teórico denominado sistema composicional, que é a teoria arquetípica geradora
difica em música. da obra, produz um ente prático: o plano composicional. Esse plano, como vimos

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acima, se torna um ente teórico, um conjunto de regras, e ao ser executado pro- elementos em interação”, situando a música em um nível hierárquico denomina-
duz uma partitura, seu produto prático. Na próxima seção traçaremos a origem e do sistemas simbólicos, nos quais os modelos se organizam a partir de algoritmos
forneceremos uma definição sobre o conceito de sistema composicional. simbólicos (2008, p.53).
Partindo desses referenciais teóricos, Flávio Lima (2011, p.65) define sistema
3. Sistemas composicionais composicional como “um conjunto de diretrizes, formando um todo coerente, que
Klir (1991, p.4-5) define sistema como “um conjunto ou arranjo de coisas rela- coordenam a utilização e interconexão de parâmetros musicais, com o propósito
cionadas ou conectadas de tal maneira a formar uma unidade ou todo orgânico”.4 de produzir obras musicais”. Sugerimos uma atualização para essa definição com
Na equação S=(O,R), S é o sistema, O, o conjunto de objetos e R, o conjunto de o intuito de deixar claro que o sistema atua em nível generalizado (diferenciando-
relações entre os objetos desse sistema. Observando a definição de Klir, pode-se -se assim do planejamento, que atua em nível particular) e que manipula não só
verificar que um sistema necessita simultaneamente de objetos e de relações. parâmetros, isto é, abstrações de materiais observados sob certas perspectivas,
Dessa forma, um conjunto qualquer de classes de alturas somente passa a ser mas também os próprios materiais integralmente considerados.5 Isso é particular-
um sistema quando estabelecemos composicionalmente ou identificamos ana- mente útil no caso de sistemas intertextuais que utilizam os intertextos de forma
liticamente uma regra de ordenação entre as classes de alturas desse conjunto. integral sem manipulações adicionais.
Assim, por exemplo, o conjunto desordenado {1,3,5,7,9,11} pode ser ordenado Apresentamos na Figura 7 um sistema composicional aleatório, no qual as altu-
em uma partitura segundo uma regra na qual o conteúdo de pares adjacentes de
ras são determinadas por sorteio. As etapas de planejamento desse sistema con-
classes de alturas soma doze (ca1+ca2 = ca3+ca4 = ca5+ca6 = 12) e as durações
sistem simplesmente na determinação da instrumentação e da tessitura de cada
sejam atribuídas de acordo com a cardinalidade da classe de altura, tomando a
instrumento e na realização de um sorteio para as alturas. Independentemente do
colcheia como unidade. Na Figura 6, temos essas classes de alturas desordenadas,
sistema, o compositor pode optar por realizar um planejamento estrutural, rítmi-
ou seja, como objetos isolados (lado esquerdo) e em seguida a ordenação dessas
classes de alturas de acordo com uma das possibilidades que atende à regra de co, das dinâmicas e das articulações, uma vez que o sistema trata exclusivamente
ordenação. das alturas. A instrumentação escolhida será quarteto de cordas com as tessituras
para cada instrumento mostradas no início da Figura 9, na qual se observa uma
associação numérica para as alturas. O sorteio foi realizado por um script muito
simples, em Python, mostrado na Figura 8 (primeira coluna), juntamente com os
resultados (segunda coluna) sorteados no âmbito da tessitura definida pelo com-
positor. Na Figura 9 temos o trecho realizado.
Figura 6. Classes de alturas desordenadas (esquerda) e ordenadas segundo
a regra: ca1+ca2=ca3+ca4 = ca5+ca6 = 12

Meadows (2008, p.11) acrescenta à definição de Klir, outro componente: a


função. Assim, para Meadows, um sistema é composto de três itens: objetos,
interconexões e função. Por sua vez, Ludwig von Bertalanffy (2008, p.84), o for- Figura 7. Sistema composicional aleatório

mulador da teoria geral dos sistemas, nos diz que “um sistema é um complexo de
5 Essa foi uma valiosa sugestão do Prof. José Augusto Mannis, durante o congresso da ANPPOM de 2013, em
4 “A set or arrangement of things so related or connected as to form a unity or organic whole”. Natal.

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É importante salientar que um sistema composicional é simplesmente um pro-


cedimento metodológico de caráter organizacional que se utiliza de diversos re-
ferenciais teóricos e estéticos. Assim, as diretrizes de um sistema composicional
podem se apoiar no espectralismo, no indeterminismo, em procedimentos de
manipulação textural, em procedimentos de manipulação motívica, em controles
de parâmetros musicais, em ferramentas intertextuais etc.
Os sistemas que operam a partir de intertextualidade – literal ou abstrata –
nos interessam particularmente, uma vez que podem nos revelar características
arquetípicas e tendências estéticas de um determinado compositor e motivar a
criação de obras originais que tenham parentesco com esses arquétipos e ten-
dências. Denominamos modelagem sistêmica um procedimento para identifica-
ção da estrutura arquetípica de uma determinada obra de tal forma que nos
permita propor um sistema composicional que hipoteticamente teria sido defini-
Figura 8. Script em Python e o sorteio resultante
do pelo compositor dessa obra. Na próxima seção examinaremos esse conceito
com maiores detalhes.

4. Modelagem sistêmica
“Um modelo é definido como a representação simplificada de um sistema real
com o objetivo de estudo deste sistema” (Mororó, 2008, p.27). No âmbito da en-
genharia, a modelagem consiste na criação de um modelo físico (protótipo), em
proporções reduzidas, e de um modelo matemático, ou seja, um aparato formal
que descreve as propriedades e o funcionamento do sistema modelado.
No âmbito da análise musical, é possível realizar um procedimento análogo à
modelagem sistêmica, com a finalidade de examinar os princípios estruturais dos
diversos parâmetros musicais de uma obra, bem como as relações entre os valo-
res agregados a estes parâmetros, em suas diversas dimensões. Se a modelagem é
realizada com fins composicionais, pode resultar na definição de um sistema, que
descreve, de forma generalizada, a aplicação desses parâmetros e suas relações
internas. Nesse caso, a generalização destas relações é uma fase essencial na defi-
nição do sistema já que o objetivo é criar obras originais e não reproduzir o texto
original. As peculiaridades são decididas em uma etapa subsequente, denominada
planejamento composicional. A obra analisada é, dessa forma, simplesmente re-
sultado de um dos prováveis planejamentos composicionais emanados de uma
estrutura mais profunda – o sistema composicional.
Figura 9. Tessitura e realização dos dados produzidos por sorteios (veja Figura 8)

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Nas três próximas seções faremos um estudo panorâmico da teoria dos con- (tutti). A utilização de contornos no âmbito dos sistemas composicionais pode
tornos, da teoria da variação progressiva (e Grundgestalt) e da análise particional, envolver diversos paradigmas: o emprego de gramáticas fundamentadas em hie-
incluindo um exame conciso do potencial dessas teorias como ferramentas de rarquização quantitativa, a reconfiguração de intertextos ou a manipulação de
modelagem sistêmica. padrões gráficos extraídos de paisagens e fotografias. Um exemplo desse último
caso pode ser encontrado em Silva, Santos e Pitombeira (2014).
5. Teoria dos contornos
O introdutor da teoria dos contornos no Brasil, Marcos Sampaio (2012, p.1),
define contorno como “o perfil, desenho ou formato de um objeto.(...) É possível
abstrair contornos de qualquer parâmetro musical como altura, densidade, ritmo,
timbre, e intensidade.”6
As configurações topológicas de contorno crescem à medida que aumenta a
cardinalidade, ou seja, a quantidade de pontos envolvidos. Assim, por exemplo,
três pontos geram seis possibilidades de contorno, quatro pontos geram vinte e
quatro possibilidades. O valor dessas possibilidades é calculado pela permutação
da quantidade de pontos (Pn = n!). Na Figura 10 temos as possibilidades de con-
torno para cardinalidade quatro (contornos em vermelho são duplicações e não
são contabilizados). Essas configurações são agrupadas em classes de contornos,
similarmente ao que ocorre na teoria das classes de alturas de Forte. Sampaio Figura 10. Topologia do contorno de quatro pontos <0123>
(2012) desenvolveu bibliotecas em Python que fornecem diversas possibilidades
de operações com contornos, incluindo a determinação da forma normal e da
forma prima. Operações básicas incluem a retrogradação, a inversão e a rotação.
A operação de inversão no contorno <1230> produz o contorno <2103>. Essa
operação é efetivada tomando-se a cardinalidade do contorno subtraída de 1 e,
em seguida, subtraindo esse valor pelos componentes do contorno (3-1,3-2,3-3 e
3-0). A operação de retrogradação aplicada ao mesmo contorno inicial produz o
contorno <0321>, cujo inverso é <3012>. A rotação de <1230> em nível 1, isto
é, a rotação em apenas um ciclo, produz o contorno <2301>, em nível 2 produz
o <3012> e em nível 3 produz o <0123>.
Uma aplicação musical é mostrada na Figura 11, onde se emprega unicamente
o contorno <1230> nos formatos original (violino 1), inverso (violino 2), retró- Figura 11. Aplicação musical com o contorno <1230> e cinco contornos gerados a partir
grado (viola), retrógrado invertido (violoncelo) e rotacionado em níveis 1 e 3 de operações básicas.

6 “Parâmetro é uma variável independente; por exemplo, em acústica: amplitude ou frequência; em discussões Propomos agora um pequeno exercício de modelagem sistêmica utilizando
analíticas, especialmente da música serial, parâmetro é a característica de um som que pode ser especificada separadamente,
como, por exemplo, classe de altura, duração, timbre, volume, registro.” (RANDAL, 1986, p. 607, tradução nossa). O texto a teoria dos contornos na reconfiguração de um intertexto: os seis primeiros
original é: “An independent variable; e.g., in acoustics, amplitude or frequency; in analytical discussions, especially of serial compassos do Ponteio N.2, do primeiro caderno de Ponteios, de Camargo Guar-
music, any of the separably specifiable features of a sound, e.g., pitch class, duration, timbre, loudness, register”.
nieri, mostrados na Figura 12. Esse trecho consiste de três camadas: a primeira

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camada é uma linha melódica que aqui será segmentada em dois gestos (g1 e g2); por ROT1(a), e o contorno <120> é o retrógrado de a, RET(a). O segundo ges-
a segunda camada consiste em um ostinato de colcheias construído a partir da to (g2) da primeira camada possui contorno <243210>. Da mesma forma que
escala diatônica de Dó maior menos uma nota (Fá); e a terceira camada é forma- consideramos para o primeiro gesto, esse contorno pode ser segmentado em
da por prolongamentos predominantemente regulares das alturas mais graves da dois contornos: <243> e <210>. O contorno <243> pode ser simplificado para
segunda camada, com exceção da primeira altura, que complementa o conjunto <021>, ou seja, a, e o contorno <210> é a ROT1(a). Observamos que o fator de
diatônico. simplificação (2) coincidiu, nesse caso, com o ponto de contorno de maior valor
que é obtido pela subtração de 1 do número de ordem (3-1).
Podemos, a partir dessa análise, propor um sistema composicional através da
generalização das características exclusivamente observadas para o parâmetro
contorno. Nessa generalização o fator registro será desconsiderado ao optarmos
pela utilização de classes de alturas. O detalhamento desse sistema encontra-se
na Figura 13.

Figura 12. Seis primeiros compassos do Ponteio N.2, 1º Caderno, de Camargo Guarnieri.

A segunda camada pode ser analisada como três contornos justapostos (++):
<021> ++ <021> ++ <0321>. Esse conjunto de contornos pode ser resumido
como a a a’. O terceiro contorno desse conjunto (a’) é, como podemos verificar,
uma variação de a, produzida pela interpolação de um ponto de contorno depois
do primeiro ponto, ou seja, o contorno <0321> pode ser visto como o contorno
<021> no qual o ponto 3 foi inserido depois do primeiro ponto. Denominare-
mos essa operação de INT1(a). A terceira camada possui contorno <2101>, que Figura 13. Sistema composicional dos seis primeiros compassos do Ponteio N.2, 1º Cader-
pode ser analisado como a rotação do primeiro elemento, ROT1(a), acrescido do no, de Camargo Guarnieri.
segundo ponto de contorno (1). Denominaremos essa operação de ADD2(RO-
T1(a)). Para o planejamento de um novo trecho oriundo do mesmo sistema que hipo-
teticamente teria dado origem ao trecho mostrado de Guarnieri, iniciaremos com
a escolha do contorno e da escala. Escolheremos o contorno <0312> e a escala
O primeiro gesto (g1) da primeira camada possui contorno <432120>. Esse cromática. Partindo desse contorno inicial, definiremos o contorno do ostinato
contorno pode ser imaginado como a justaposição de um contorno <432> e de da segunda camada, segundo a definição 2 do sistema: <0312> ++ <0312> ++
um contorno <120>. O contorno <432>, por sua vez, pode ser simplificado para <04312>. O contorno da terceira camada será <31201>, formado pela rotação
<210> (subtraindo-se 2 de cada ponto), ou seja, esse contorno pode ser obtido 1 do contorno inicial (<3120>) justaposto ao segundo ponto de contorno (1). O

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contorno do primeiro gesto da primeira camada será <64532130> que resulta tantes das variações realizadas em unidades musicais precedentes (Haimo, 1997)
da rotação 1 do contorno original (<3120>) somada ao número 3 (número de e é uma excelente ferramenta para gerar repositórios composicionais.
ordem menos 1) justaposta ao retrógrado do contorno original (<2130>). O Carlos Almada, coordenador do grupo de pesquisas MusMat da UFRJ, tem re-
contorno do segundo gesto, por sua vez será <36453120>. A instrumentação do alizado grandes avanços nessa teoria, incluindo a criação de uma série de aplica-
trecho será trio de madeiras (oboé, clarinete e fagote). A Figura 14 mostra a reali- tivos originais, escritos em MatLab, que realizam a variação progressiva algoritmi-
zação musical desse planejamento em um trecho composto a partir da realização camente produzindo várias gerações a partir de uma célula original, denominada
do sistema composicional de contornos oriundo dos seis primeiros compassos axioma, e de operações transformacionais selecionadas pelo usuário.
do Ponteio N.2, 1º Caderno, de Camargo Guarnieri.
Segundo Almada (2012), por exemplo, a Sinfonia de Câmara Op. 9, de Scho-
enberg é arquitetada com base na variação progressiva de quatro ideias primor-
diais, mostradas na Figura 15: um intervalo de nona menor, um acorde quartal,
um acorde de tons inteiros e um arquétipo cromático descendente. Um exemplo
de utilização dessa técnica pode ser encontrado na Figura 16, onde se observa o
arquétipo B (quartal) utilizado como gesto melódico de onde se derivam, poste-
riormente, um gesto rítmico (x) e uma variação de B (b-1).

Figura 15. As quatro Gründgestalten auxiliares da Primeira Sinfonia de Câmara op.9


Fonte: Almada (2012)

Figura 14. Trecho composto a partir da realização do sistema composicional de contornos


oriundo dos seis primeiros compassos do Ponteio N.2, 1º Caderno, de Camargo
Guarnieri.

6. Teoria da variação progressiva


A variação progressiva versa sobre uma série de procedimentos aplicados com
a finalidade de gerar contínuas mutações de uma ideia primordial (Grundgestalt
de Schoenberg), originando materiais temáticos. É uma metodologia de variação
Figura 16. Derivação do Tema Quartal da Primeira Sinfonia de Câmara op.9 (c. 5-6)
em que estruturas de maior magnitude podem ser compreendidas como resul-
Fonte: Almada (2012)

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Partiremos do mesmo trecho de Guarnieri utilizado anteriormente (mostrado duas quartas justas consecutivas descendentes extraídas do conjunto universo:
na Figura 12 e reproduzido novamente na Figura 17) como exemplo de mode- Sol-Ré-Lá. Essa ideia (Gr1) passa por três operações antes de se fundir com a
lagem sistêmica, utilizando dessa vez a teoria da variação progressiva. Para isso Gr2 de forma a gerar a camada superior do ostinato da mão esquerda do piano.
teremos de supor que esse trecho representa a integralidade da obra, a qual A primeira operação consiste no deslocamento de oitava da primeira altura (T-12(-
surgiu a partir de mutações de ideias primordiais. Introduzimos ainda o conceito
Gr1(1))), seguida da operação PRD(2,3), preenchimento diatônico das alturas
de conjunto universo, algo como um pano de fundo, do qual derivam os materiais
2 e 3 e da operação REP(3,4), repetição das alturas 3 e 4. Essas três operações
básicos para a construção das Grundgestalten.
produzem um conjunto de alturas denominado a2. Um novo conjunto de alturas
(b) surge a partir de uma relação de complementaridade de a2 com o conjunto
universo (U-a2). Esses dois conjuntos de alturas (a2, b) são acoplados a Gr2 (rit-
mo) e amalgamados, formando o ostinato da mão esquerda do piano.
Os gestos melódicos da mão direita também derivam da mesma ideia primor-
dial, só que tendo como pano de fundo a escala diatônica de Sol maior, como
mencionamos anteriormente. Iniciamos com o segundo gesto (comp. 4 da Figura
17) que tem sua origem em a1 sem a primeira altura (a1-1). A essa quarta preen-
chida (Ré-Dó-Si-Lá) são justapostas duas alturas, uma anterior e outra posterior.
Essas alturas têm posições relativas de +2 e -2, com relação à altura inicial (Ré)
no contexto da escala diatônica de Sol maior. O primeiro gesto também consiste
em uma quarta, construída a partir da altura inicial do segundo gesto, preenchida
diatonicamente, e tendo a penúltima altura prolongada por bordadura diatônica.
Figura 17. Seis primeiros compassos do Ponteio N.2, 1º Caderno, de Camargo Guarnieri. A essa altura prolongada (Sol) se justapõe uma altura que tem posição relativa -2
no âmbito de Sol maior (Mi). O passo final na elaboração desses gestos melódi-
Consideramos que o pano de fundo para o trecho do Ponteio N.2 de Guar- cos consiste em acoplar a ideia primordial rítmica.
nieri é para o ostinato da mão esquerda a escala diatônica de Dó maior (Dó, Ré, A modelagem sistêmica desse trecho segundo a teoria da variação progres-
Mi, Fá, Sol, Lá, Si) e para os gestos melódicos da mão direita, uma transposição siva se encontra nas Figuras 18 e 19 (coluna esquerda). Podemos reconstruir
dessa escala que tenha a maior quantidade possível de notas comuns. Nesse caso, esse modelo partindo de um pano de fundo diferente, mas mantendo todas as
Guarnieri está utilizando a escala diatônica de Sol maior (Sol, Lá, Si, Dó, Ré, Mi,
relações e operações do texto original. Assim, em vez da escala diatônica de Dó
Fá#). Propomos que os materiais gerados no trecho derivam de duas ideias pri-
maior utilizaremos o modo 5 de Messiaen (Si, Dó, Dó#, Fá, Fá#, Sol) juntamente
mordiais: uma associada ao parâmetro ritmo e outra associada ao parâmetro al-
tura. Essa última, por sua vez, se desenha no âmbito do universo escalar proposto. com uma transposição com maior quantidade de notas comuns (Dó, Dó#, Ré,
Fá#, Sol, Sol#). A coluna direita das Figuras 18 e 19 descrevem graficamente o
A ideia rítmica (Gr2) tem um “DNA” ternário, de tal forma que atua sobre
configurações de alturas ora gerando grupos de três notas (incluindo-se aqui as procedimento operacional. A Figura 20 mostra o novo trecho resultante, escrito
pausas), ora gerando figuras rítmicas que consistem na aglutinação de três notas para trio de madeiras.
com a mesma altura. A ideia associada ao parâmetro altura (Gr1) consiste em

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7. Análise particional
A análise particional é uma abordagem original que surge da confluência da
Teoria das Partições de Euler (1748) e da Teoria Textural de Berry (1976). Essa
teoria, desenvolvida pelo compositor Pauxy Gentil-Nunes, do grupo de pesquisa
MusMat, da Escola de Música da UFRJ, tem como um de seus méritos mais rele-
vantes apresentar uma taxonomia exaustiva para o parâmetro textura, com porte
e profundidade similares ao trabalho que Allen Forte fez para o parâmetro altura,
em sua teoria das classes de alturas. Tal taxonomia é alcançada através de um
processo denominado particionamento rítmico, efetivado a partir de um algorit-
mo de filtragem que avalia as simultaneidades e as contraposições temporais das
estruturas rítmicas de determinada textura musical (Gentil-Nunes, 2009, p.241).
Além disso, essa teoria propõe outros tipos de particionamento – melódico e de
eventos – que não serão abordados nesse trabalho.
Figura 18. Modelagem sistêmica do ostinato do Ponteio N.2 (Caderno 1) de Guarnieri, O autor propõe na fundamentação dessa teoria, diversos conceitos e ferra-
segundo a teoria das variação progressiva e aplicação em outro contexto escalar.
mentas (aglomeração e dispersão, particiograma, indexograma etc.) e processos
analíticos com enorme potencial de aplicação composicional: redimensionamento,
revariância, transferência, concorrência e reglomeração. Um robusto aplicativo
computacional, denominado Parsemat, desenvolvido em MatLab pelo autor du-
rante a pesquisa e em constante aperfeiçoamento, permite o fácil acesso do com-
positor e do analista às ferramentas e conceitos da Análise Particional.
“A teoria das partições é uma área da teoria aditiva dos números que trata
da representação de números inteiros como somas de outros números inteiros”
Figura 19. Modelagem sistêmica dos gestos melódicos do Ponteio N.2 (Caderno 1) de
Guarnieri, segundo a teoria da variação progressiva e aplicação em outro contexto escalar.
(Andrews, 1984, p.9). Assim, por exemplo, o número 5 pode ser representado pe-
las sete partições mostradas na Figura 21. É importante observar que as partições
são conjuntos desordenados e que a quantidade de partições de um número
cresce rapidamente à medida que o valor desse número aumenta: enquanto o
número 5 tem 7 partições, o número 7 tem 15 e o número 10 tem 42.
Os conceitos de aglomeração e dispersão surgem ao consideramos as relações
binárias de congruência e discordância, ou seja, de colaboração e contraposição,
entre as estruturas rítmicas dos elementos texturais atuantes em determinado
momento de uma obra musical. A quantidade de tais relações binárias é cal-
culada pela combinação de n dois a dois, onde n é a densidade-número, isto
Figura 20. Trecho composto a partir da Modelagem sistêmica do Ponteio N.2 (Caderno é, “o número de componentes sonoros presentes na trama em determinado
1) de Guarnieri, segundo a teoria da variação progressiva e aplicação em outro contexto momento” (Gentil-Nunes, 2009, p.18). Assim, por exemplo, em um evento onde
escalar.

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quatro componentes atuam simultaneamente, há


a possibilidade de seis relações binárias. No pe-
queno trecho para quarteto de cordas mostrado
na Figura 24, onde se observam todas as possí-
veis relações de interdependência textural7, veri-
ficamos a máxima discordância rítmica entre as
partes no compasso 7 e a máxima concordância
Figura 21. Partições do número
5 (esquerda) e sua representação no último compasso. Gentil-Nunes (2009, p.37)
abreviada (direita) fornece um algoritmo de cálculo dessas relações
de aglomeração e dispersão para as diferentes
possibilidades de interdependência textural. Na equação da Figura 22, a é o índice
de aglomeração, p o número de partes e Ti a densidade-número de cada parte
separadamente. A Figura 23 fornece os valores de aglomeração e dispersão para
cada situação de interdependência textural do quarteto de cordas da Figura 24.
O índice de dispersão “é a diferença entre o índice de aglomeração e o número
total de relações da partição” (Gentil-Nunes, 2009, p.37).

Figura 24. Demonstração de todas as relações de interdependência textural em um trecho


para quarteto de cordas

Figura 22. Cálculo do índice de aglomeração, segundo Gentil-Nunes (2009)

A B
Figura 25. Exemplo de um trecho polifônico e seu indexograma gerado pelo Parsemat

Define-se ainda, nessa teoria, o conjunto-léxico de um número n como sendo “a


união dos conjuntos formados pelas partições de inteiros de 1 a n” (Gentil-Nunes,
2009, p.16). Assim o conjunto-léxico de 4 é {1,12,2,13,21,3,14,212,22,13,4}, que consis-
te na união das partições dos números 1, 2, 3 e 4. O conjunto-léxico é um aspecto
de natureza composicional particularmente notável no âmbito da associação entre
Figura 23. Relações de aglomeração e dispersão do exemplo da Figura 24
a teoria das partições e a teoria textural de Berry, especialmente no tocante ao as-
pecto da interdependência textural. Veja-se, no exemplo da Figura 24, que todas as
7 Considerando-se o compasso como janela de observação.
possibilidades de interdependência textural para um quarteto de cordas coincidem

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exatamente com o conjunto-léxico para o número 4, lembrando que partições são


conjuntos desordenados, ou seja, para produzir uma determinada partição diversas
possibilidades de combinação instrumental são possíveis.
Duas ferramentas gráficas permitem a visualização imediata das situações de in-
terdependência textural e das relações binárias de aglomeração e dispersão. No
indexograma são plotados, no eixo das ordenadas, a dispersão (parte positiva) e
a aglomeração (parte negativa) contra o tempo, no eixo das abscissas. A plotagem
forma uma série de bolhas que dão uma ideia gráfica bastante intuitiva do quadro de
dispersões e aglomerações texturais de determinada obra. No particiograma, plo-
ta-se o conjunto-léxico, cujos componentes apontam para suas respectivas aglome-
rações (abscissas) e dispersões (ordenadas). Esses gráficos são produzidos automa-
ticamente pelo Parsemat a partir de um arquivo MIDI. As Figuras 26 e 27 mostram
o indexograma e o particiograma do trecho para quarteto de cordas da Figura 24.
Observamos aqui um detalhe importante entre a análise textural de Berry e a análi- Figura 27. Particiograma do trecho para quarteto de cordas da Figura 24.
se de Gentil-Nunes implementada no Parsemat: enquanto Berry utiliza o compasso
como janela analítica, Gentil-Nunes avalia as relações de interdependência textural Um passo mais avançado da análise particional são os processos de transfor-
com maior detalhamento, considerando pontos de entrada e saída das notas MIDI. mação de uma partição em outra, gerando movimentos dentro do particiograma.
Assim, para o exemplo da Figura 25a, enquanto a relação de interdependência tex- Gentil-Nunes (2009, p.44-52) define cinco processos transformacionais que rea-
tural seria indicada em Berry como 12, o indexograma gerado pelo Parsemat é mais lizam essa movimentação, mostrados na Figura 28.
detalhado (Figura 25b) indicando um momento inicial monofônico (1).

Figura 26. Indexograma do trecho para quarteto de cordas da Figura 24.


Figura 28. Processos de transformação particionais

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Um exemplo de modelagem simples e direta utilizando a análise particional


consiste em tentar construir uma textura o mais próxima possível de uma textura
revelada pelo indexograma de um intertexto. Utilizaremos o mesmo exemplo
anterior (seis compassos iniciais do Ponteio N.2, Caderno 1, de Guarnieri), que
apresenta o indexograma mostrado na Figura 31. Partindo desse indexograma
construiremos um novo trecho sem associação com o exemplo original em ter-
mos dos parâmetros altura, ritmo, dinâmica e articulação. Somente a textura será
predominantemente a mesma. Para esse trecho planejamos que as alturas derivam
das seis transposições do Modo 5 de Messiaen, partindo de transposições com
menor quantidade de alturas comuns para transposições com maior quantidade
de alturas comuns. Essas seis transposições e a discriminação da quantidade de
alturas comuns tomando como referência a primeira transposição são mostrados
na Figura 29. Um planejamento de utilização das transposições do Modo 5 em or- Figura 31. Indexograma para os seis compassos
iniciais do Ponteio N.2 (Caderno 1) de Guarnieri.
dem crescente de notas comuns é mostrado na Figura 30. O trecho composto é
mostrado na Figura 32 e o indexograma correspondente é mostrado na Figura 33.

Figura 29. Seis transposições do Modo 5 de Messiaen


e notas comuns entre a primeira transposição e as demais.

Figura 30. Plano de utilização dos seis transposições do Modo 5 de Messiaen no


novo trecho composto com a mesma textura dos seis primeiros Figura 32. Novo trecho composto a partir do indexograma dos seis compassos iniciais do
compassos do Ponteio N.2 (Caderno 1) de Guarnieri. Ponteio N.2 (Caderno 1) de Guarnieri.

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O PENSAMENTO MUSIC AL CRIATIVO PARTE II - TEORIAS DO COMPOR: A CONTEMPORANEIDADE BRASILEIRA

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Figura 33. Indexograma do novo trecho composto a partir Ponteio N.2 (Caderno 1) de (3): 349-365.
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8. Conclusão University Press.
Lima, Flávio. 2011. Desenvolvimento de Sistemas Composicionais a partir de Intertextuali-
Neste trabalho introduzimos uma metodologia denominada Modelagem Sis- dade. 2011. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB.
têmica, que se mostra efetiva na manipulação de intertextos, utilizando-os como
Meadows, Donella. 2009. Thinking in Systems: a Primer. London: Earthscan.
repositórios composicionais a partir da determinação de um sistema hipotético
Mororó, B. O. 2008. Modelagem Sistêmica do Processo de Melhoria Contínua de Processos
regulador do texto original. Utilizamos como estudo de caso, os seis primeiros Industriais Utilizando o Método Seis Sigma e Redes de Petri. Dissertação de Mestrado. PUC,
compassos do Ponteio N.2 (Caderno 1) de Guarnieri, que foi modelado de acor- São Paulo, SP.
do com três teorias composicionais praticadas no Brasil: teoria dos contornos, Randel, Don. 1986. The New Harvard Dictionary of Music. London: The Belknap Press of
teoria da variação progressiva e análise particional. Consideramos que a modela- Harvard University Press.
gem sistêmica partindo destes experimentos analítico-composicionais e aplicando Reynolds, Roger. 2002. Form and Method: Composing Music. New York: Routledge.
diversas teorias composicionais como ferramentas, se revela proveitosa para a Reynolds, Roger. 2005. Mind Models: New Forms of Musical Experience. 2ª Ed. New York:
geração de materiais composicionais, sobretudo do ponto de vista pedagógico, ao Routledge.
motivar o contato com a linguagem de outros compositores e ao possibilitar um Sampaio, Marcos. 2012. A teoria das relações de contorno: inconsistências, soluções e
desenvolvimento contínuo de uma voz composicional própria pela prática efetiva ferramentas. Tese de Doutorado. Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA.
de uma metodologia pré-composicional. Silva, Halley; Santos, Raphael; Pitombeira, Liduino. 2014. Utilização de contorno fotográfico
no planejamento composicional de Açude velho para quinteto de metais. Anais do XIV
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