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Desafios contemporâneos
Nome do Autor
XXXX Nome do Livro
2015 / Nome do Autor. – X. ed. – Curitiba : Editora Prismas, 2015. XXX p. ; 21 cm
ISBN: XXX-XX-XXXXX-XX-X
1.XXX. 2. XXX. 3. XXX. 4. XXX. 5. XXX. I. Título.
CDD xxx.xxx(xx.ed)
CDU xxx(xx)
Consultores científicos
VIOLÊNCIA E POLÍTICA........................................................................7
Referências bibliográficas:............................................................20
PARTE 1
Manifestações, Polícia e Ação Coletiva............................................21
Exceção e desobediência civil - violência e Estado de direito......23
Renata Schittino
A cidadania em movimento.........................................................39
Daniel Aarão Reis
A imagem militante......................................................................67
Silvana Louzada
PARTE 2
Violência política e resistência no mundo contemporâneo..........131
Notas sobre o debate relativo ao estado, ao poder e à violência
na França: tradição revolucionária e ancoragens do discurso
político.......................................................................................133
Daniel Wanderson Ferreira
Tempos de Desencanto: as raízes profundas do ódio e da violên-
cia no tempo presente...............................................................167
Tatiana Poggi
60 Sobre o papel civilizador em sua relação com o papel do Estado como
um dos elementos novos do processo de secularização, ver ELIAS, 1993-
1994. Sobre a forma da sociedade de corte e o papel rei nessa sociedade,
destacamos principalmente os capítulos 5 e 6, ELIAS, 2001.
138 Juniele Rabelo De Almeida | Renata Schittino | Tatiana Poggi (orgs)
compreender melhor como se dava a sociabilidade do Antigo
Regime. O elemento fundamental dessa percepção, para Ladu-
rie, é a ideia da realeza como eixo que tanto denota o sentido
e a ordem social, quanto participa imediatamente da ordem,
uma vez que ele não se posiciona nem acima nem abaixo, mas
inserido nessa forma de mundo. Se o rei se submetia ao regime
da etiqueta e da compostura, isso se dava porque ser ele no-
bre como os demais, muito embora destacado em relação aos
outros (LADURIE, 2004). Segundo Elias, o arranjo da sociedade
de corte compunha uma teia de interdependência que permi-
tiu, pela composição da etiqueta e da noção de civilidade, uma
ampliação dos elementos seculares da realeza. Nesse caso, a
ênfase recai sobre a simbologia dos sistemas de hierarquia e
o funcionamento da ordem social apresentava-se segundo um
novo jogo de relações rituais. Tendiam a se organizar menos em
função de relações místicas e mais em virtude das interdepen-
dências sociais, principalmente a partir do governo de Henrique
IV, entre 1589 e 1610, quando o rei deixou de ser um guia da
guerra para ser um estrategista, e, com Luís XIV, quando Versail-
les passou a ocupar um lugar central no sistema social.61
Ao mesmo tempo, entretanto, ordem e hierarquia
como princípios regentes da corte de Luís XIV não significavam
necessariamente uma imutabilidade da distribuição dos favo-
res e do acesso ao rei. Tal aspecto era justamente o ponto ne-
vrálgico do sistema, segundo Saint-Simon. Ele era de linhagem
nobiliária antiga e defendia que a sociedade de corte devia se
compor em um mecanismo de manutenção da pureza, princi-
palmente quando a emergência de novos atores parecia balan-
çar os esquemas mais tradicionais de funcionamento da hierar-
quia.62 Já Molière, em sua peça de teatro O burguês fidalgo (Le
64 Ver JOUANNA, 2013, p. 52 et seq. Ver BAKER, op. cit., p. 36-37.)Esse tipo
de argumento parece-nos pouco sensível ao movimento de opiniões dos
atores sociais, crítica que também fazemos a Koselleck. KOSELLECK, 1999.
65 Este argumento é apresentado por Foucault e, mais recentemente,
Jouanna analisa a relação conturbada e conflituosa segundo a qual tanto
o rei quanto os legisladores e juristas compunham-se como elementos da
ordem, principalmente a partir da Reforma. O aspecto fundamental das
duas análises é a descontinuidade das opções históricas, apresentadas como
uma capacidade dos atores sociais em se posicionar e escolher segundo
contingências políticas, bem como a partir de debates de opiniões diversas
e heterogêneas.
66 Um aspecto que nos parece ainda insuficientemente respondido
relaciona-se ao caráter místico da autoridade do poder político ocidental e
VIOLÊNCIA E POLÍTICA - Desafios contemporâneos 141
II. A Revolução e uma nova profusão de
discursos sobre o poder
72 “C’est la cour qui a régné et non le monarque. C’est la cour qui fait et
défait, qui appelle et renvoie les ministres, qui crée et distribue les places,
etc. Et qu’est-ce que la cour, sinon la tête de cette immense aristocracie qui
couvre toutes les parties de la France, qui, par ses membres, atteint à tout
et exerce partout ce qu’il y a d’essentiel dans toutes les parties de la chose
publique? Aussi le peuple s’est-il accoutumé à séparer dans ses murmures le
monarque des moteurs du pouvoir
”. Idem, ibidem, cap.II.
73 “Ainsi je reclame, non la perte d’un droit, mais as restitution”; “L’empire
de la raison s’étend tous les jours davantage; il nécessite de plus en plus la
restitution des droits”; “Inutilement, le tiers état attendait-il du concours de
toutes les classes, la restitution de ses droits politiques et la plénitude de ses
droits civils”. Idem, ibidem, cap. II, IV e VI, respectivamente.
74 Sobre a linguagem de Sièyes, ver BAKER, p. 195-205. Disponível em:
<http://www.library.vanderbilt.edu/Quaderno/Quaderno2/Q2.C11.
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As referências ao contrato social, ao corpo da nação,
ao voto por cabeça e às possibilidades de a França aprender
com a história inglesa porque os princípios da ordem comum
haviam sido uma realidade no passado apareciam a Sièyes
como parte de sua lógica argumentativa.Delineava-se, assim,
uma segunda ancoragem para a defesa do terceiro estado. À
retomada do passado associava-se ao vocabulário emergente,
a fim de que se produzisse uma nova identidade política. Para
Sieyès, o argumento da justiça, que convencionalmente forne-
cia as bases para a monarquia e os privilégios, virava um ponto
de apoio para uma nova restauração, o que representava, fi-
nalmente, um avanço significativo nas proposições políticas a
serem discutidas pelos Estados Gerais de 1789.75
Após as jornadas de julho, mas ainda no verão de 1789,
os impasses presentes no sistema político ampliaram-se, o que
levou Nicolas Bergasse, jurista de origem nobre, a discursar na
Assembleia Nacional, em 17 agosto de 1789. Nesse momento,
já se delineava tanto à composição da identidade do Antigo Re-
gime quanto, por oposição, à definição do Estado e do poder
político revolucionários. Daí, também, o esforço de Bergasse em
apresentar uma proposta sobre o poder judiciário e seu papel
para a compreensão do poder político. Era um tempo bastante
oportuno para a apresentação de um discurso intitulado “Rela-
tório sobre a organização do poder judiciário” (Rapport sur l’or-
ganisation du pouvoir judiciaire), em que se fazia uma defesa da
monarquia. Isso explica ainda certa aceitação da proposição jun-
Baker.pdf >. Consultado em 11 mai 2015; Idem, op. cit., p. 36-44. Sobre
os problemas inerentes à constituição de conceitos relativos aos direitos
humanos, ver HUNT,2009.
75 Retomando Baker, ressaltamos que as insuficiências da argumentação
de Sièyes se manteriam por algum tempo, uma vez que ainda em 1791 havia
dúvidas sobre como construir em sistema representativo os mecanismos de
contrato e de valorização da vontade da nação, vista como terceiro estado.
Ver BAKER, p. 203 et seq.
VIOLÊNCIA E POLÍTICA - Desafios contemporâneos 147
to à plenária, o que seria diferente algumas semanas depois. O
próprio Bergasse revisaria alguns de seus argumentos, voltando
a discursar, novamente em defesa da monarquia, mas pensan-
do-a a partir de limitações do poder legislativo e do executivo, à
moda de parâmetros discutidos em Montesquieu.76
Nesse primeiro discurso de 17 de agosto, entretanto,
Bergasse defendeu que uma Justiça ancorada na cidadania im-
plicava, necessariamente, em uma descentralização do poder
real e na constituição de uma força mais ampla, vista como par-
te da coletividade. O poder judiciário era dito como um dos fun-
damentos principais da ideia de justiça, sendo uma peça chave
para a compreensão dos cidadãos e de suas ações.
90 “Le législateur qui établit cette peine renonce à ce principe salutaire, que
le moyen le plus efficace de réprimer les crimes est d’adapter les peines au
caractère des différentes passions qui les produisent, et de les punir, pour
ainsi dire, par elles-mêmes”. Idem». Discours sur la peine de mort prononcé
à la tribune de l’Assemblée nationale le 30 mai 1791. In op.cit.
91 Acreditamos que aqui, novamente, faz-se alguma apropriação da tópica
dos princípios da cura em Rousseau. Ver STAROBINSKI, p. 162-230, 2001.
156 Juniele Rabelo De Almeida | Renata Schittino | Tatiana Poggi (orgs)
dido como um processo unificador e de exclusão da divergência
política, há nele, contudo, certo avanço na ideia de uma unida-
de de vontade que devia ser conjugada com o conceito de povo.
93 Ver ARENDT, 2011, p. 328 et seq.; idem. Réflexions sur la Révolution
Hongroise, 2002.
VIOLÊNCIA E POLÍTICA - Desafios contemporâneos 159
de valores humanos. Também não nos parece possível senão
enunciar um plano de hipóteses que tentem colocar em ques-
tão essa natureza da política ocidental e francesa em seus laços
mais essencialistas e centralizados. Esse fato que ainda precisa
ser melhor definido, porque tem como base a ideia de autori-
dade e da história como lugar de permanência, constitui a ala-
vanca que anularia a dispersão política, dito de outra forma, as
formas mais plurais de se compreender o mundo dos homens.
De igual maneira, acreditamos que as divergências en-
tre os discursos que apostam na força e na dispersão do poder,
negando, como o fez Donatien de Sade, a possibilidade de um
enfrentamento e punição senão aquele empreendido pelos pró-
prios homens entre si, tendem a ser normatizados de alguma
forma. Assim, embora novamente essa questão escape a nosso
objetivo aqui, parece que um apagamento nega aos homens
como corpos repletos de desejo e que compõem a sociedade
um lugar mais próprio e perdurável. Nesse sentido, lembramos
risco para a política de um chamado como aquele apresentado
pelo panfleto “Franceses, mais um esforço si vós quereis ser re-
publicanos (Français, encore um effort si vous voulez être répu-
blicains)”. Esse panfleto, de autoria de Sade e publicado em A
filosofia da alcova (La philosophie dans le boudoir), em 1795,
convocava os franceses a pensarem novamente a chance de
serem republicanos, porém, enfatizava um governo de força,
de liberdades inigualáveis que partiam da anulação da religião
como sistema, para avançar em um argumento que diminuía ao
mínimo os sistemas opressivos e morais. A verdadeira república
e o espaço político seriam o de homens em potência, o que, de
certo modo, assustava pela escolha da anulação do crime por-
que resultado de um jogo de força entre um homem e outro: