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Universidade do Sul de Santa Catarina

Ética Contemporânea
Disciplina na modalidade a distância

Palhoça
UnisulVirtual
2011
Créditos
Universidade do Sul de Santa Catarina | Campus UnisulVirtual | Educação Superior a Distância
Avenida dos Lagos, 41 – Cidade Universitária Pedra Branca | Palhoça – SC | 88137-900 | Fone/fax: (48) 3279-1242 e 3279-1271 | E-mail: cursovirtual@unisul.br | Site: www.unisul.br/unisulvirtual
Reitor Coordenadores Graduação Marilene de Fátima Capeleto Patrícia de Souza Amorim Karine Augusta Zanoni
Ailton Nazareno Soares Aloísio José Rodrigues Patricia A. Pereira de Carvalho Poliana Simao Marcia Luz de Oliveira
Ana Luísa Mülbert Paulo Lisboa Cordeiro Schenon Souza Preto Mayara Pereira Rosa
Vice-Reitor Ana Paula R.Pacheco Paulo Mauricio Silveira Bubalo Luciana Tomadão Borguetti
Sebastião Salésio Heerdt Artur Beck Neto Rosângela Mara Siegel Gerência de Desenho e
Bernardino José da Silva Simone Torres de Oliveira Desenvolvimento de Materiais Assuntos Jurídicos
Chefe de Gabinete da Reitoria Charles Odair Cesconetto da Silva Vanessa Pereira Santos Metzker Didáticos Bruno Lucion Roso
Willian Corrêa Máximo Dilsa Mondardo Vanilda Liordina Heerdt Márcia Loch (Gerente) Sheila Cristina Martins
Diva Marília Flemming Marketing Estratégico
Pró-Reitor de Ensino e Horácio Dutra Mello Gestão Documental Desenho Educacional
Lamuniê Souza (Coord.) Cristina Klipp de Oliveira (Coord. Grad./DAD) Rafael Bavaresco Bongiolo
Pró-Reitor de Pesquisa, Itamar Pedro Bevilaqua
Pós-Graduação e Inovação Jairo Afonso Henkes Clair Maria Cardoso Roseli A. Rocha Moterle (Coord. Pós/Ext.) Portal e Comunicação
Daniel Lucas de Medeiros Aline Cassol Daga Catia Melissa Silveira Rodrigues
Mauri Luiz Heerdt Janaína Baeta Neves
Aline Pimentel
Jorge Alexandre Nogared Cardoso Jaliza Thizon de Bona Andreia Drewes
Pró-Reitora de Administração José Carlos da Silva Junior Guilherme Henrique Koerich Carmelita Schulze Luiz Felipe Buchmann Figueiredo
Acadêmica José Gabriel da Silva Josiane Leal Daniela Siqueira de Menezes Rafael Pessi
Marília Locks Fernandes Delma Cristiane Morari
Miriam de Fátima Bora Rosa José Humberto Dias de Toledo
Eliete de Oliveira Costa
Joseane Borges de Miranda Gerência de Produção
Pró-Reitor de Desenvolvimento Luiz G. Buchmann Figueiredo Gerência Administrativa e Eloísa Machado Seemann Arthur Emmanuel F. Silveira (Gerente)
e Inovação Institucional Marciel Evangelista Catâneo Financeira Flavia Lumi Matuzawa Francini Ferreira Dias
Renato André Luz (Gerente) Geovania Japiassu Martins
Valter Alves Schmitz Neto Maria Cristina Schweitzer Veit
Ana Luise Wehrle Isabel Zoldan da Veiga Rambo Design Visual
Maria da Graça Poyer
Diretora do Campus Mauro Faccioni Filho Anderson Zandré Prudêncio João Marcos de Souza Alves Pedro Paulo Alves Teixeira (Coord.)
Universitário de Tubarão Moacir Fogaça Daniel Contessa Lisboa Leandro Romanó Bamberg Alberto Regis Elias
Milene Pacheco Kindermann Nélio Herzmann Naiara Jeremias da Rocha Lygia Pereira Alex Sandro Xavier
Onei Tadeu Dutra Rafael Bourdot Back Lis Airê Fogolari Anne Cristyne Pereira
Diretor do Campus Universitário Patrícia Fontanella Thais Helena Bonetti Luiz Henrique Milani Queriquelli Cristiano Neri Gonçalves Ribeiro
da Grande Florianópolis Roberto Iunskovski Valmir Venício Inácio Marcelo Tavares de Souza Campos Daiana Ferreira Cassanego
Hércules Nunes de Araújo Rose Clér Estivalete Beche Mariana Aparecida dos Santos Davi Pieper
Gerência de Ensino, Pesquisa e Marina Melhado Gomes da Silva Diogo Rafael da Silva
Secretária-Geral de Ensino Vice-Coordenadores Graduação Extensão Marina Cabeda Egger Moellwald Edison Rodrigo Valim
Adriana Santos Rammê Janaína Baeta Neves (Gerente) Mirian Elizabet Hahmeyer Collares Elpo Fernanda Fernandes
Solange Antunes de Souza Aracelli Araldi Pâmella Rocha Flores da Silva
Bernardino José da Silva Frederico Trilha
Diretora do Campus Catia Melissa Silveira Rodrigues Rafael da Cunha Lara Jordana Paula Schulka
Elaboração de Projeto Roberta de Fátima Martins Marcelo Neri da Silva
Universitário UnisulVirtual Horácio Dutra Mello Carolina Hoeller da Silva Boing
Jucimara Roesler Jardel Mendes Vieira Roseli Aparecida Rocha Moterle Nelson Rosa
Vanderlei Brasil Sabrina Bleicher Noemia Souza Mesquita
Joel Irineu Lohn Francielle Arruda Rampelotte
Equipe UnisulVirtual José Carlos Noronha de Oliveira Verônica Ribas Cúrcio Oberdan Porto Leal Piantino
José Gabriel da Silva Reconhecimento de Curso
José Humberto Dias de Toledo Acessibilidade Multimídia
Diretor Adjunto Maria de Fátima Martins Vanessa de Andrade Manoel (Coord.) Sérgio Giron (Coord.)
Moacir Heerdt Luciana Manfroi
Rogério Santos da Costa Extensão Letícia Regiane Da Silva Tobal Dandara Lemos Reynaldo
Secretaria Executiva e Cerimonial Rosa Beatriz Madruga Pinheiro Maria Cristina Veit (Coord.) Mariella Gloria Rodrigues Cleber Magri
Jackson Schuelter Wiggers (Coord.) Sergio Sell Vanesa Montagna Fernando Gustav Soares Lima
Marcelo Fraiberg Machado Pesquisa Josué Lange
Tatiana Lee Marques Daniela E. M. Will (Coord. PUIP, PUIC, PIBIC) Avaliação da aprendizagem
Tenille Catarina Valnei Carlos Denardin Claudia Gabriela Dreher Conferência (e-OLA)
Mauro Faccioni Filho (Coord. Nuvem)
Assessoria de Assuntos Sâmia Mônica Fortunato (Adjunta) Jaqueline Cardozo Polla Carla Fabiana Feltrin Raimundo (Coord.)
Internacionais Pós-Graduação Nágila Cristina Hinckel Bruno Augusto Zunino
Coordenadores Pós-Graduação Anelise Leal Vieira Cubas (Coord.) Sabrina Paula Soares Scaranto
Murilo Matos Mendonça Aloísio José Rodrigues Gabriel Barbosa
Anelise Leal Vieira Cubas Thayanny Aparecida B. da Conceição
Assessoria de Relação com Poder Biblioteca Produção Industrial
Público e Forças Armadas Bernardino José da Silva Salete Cecília e Souza (Coord.) Gerência de Logística Marcelo Bittencourt (Coord.)
Adenir Siqueira Viana Carmen Maria Cipriani Pandini Paula Sanhudo da Silva Jeferson Cassiano A. da Costa (Gerente)
Walter Félix Cardoso Junior Daniela Ernani Monteiro Will Marília Ignacio de Espíndola Gerência Serviço de Atenção
Giovani de Paula Renan Felipe Cascaes Logísitca de Materiais Integral ao Acadêmico
Assessoria DAD - Disciplinas a Karla Leonora Dayse Nunes Carlos Eduardo D. da Silva (Coord.) Maria Isabel Aragon (Gerente)
Distância Letícia Cristina Bizarro Barbosa Gestão Docente e Discente Abraao do Nascimento Germano Ana Paula Batista Detóni
Patrícia da Silva Meneghel (Coord.) Luiz Otávio Botelho Lento Enzo de Oliveira Moreira (Coord.) Bruna Maciel André Luiz Portes
Carlos Alberto Areias Roberto Iunskovski Fernando Sardão da Silva Carolina Dias Damasceno
Cláudia Berh V. da Silva Rodrigo Nunes Lunardelli Capacitação e Assessoria ao Fylippy Margino dos Santos Cleide Inácio Goulart Seeman
Conceição Aparecida Kindermann Rogério Santos da Costa Docente Guilherme Lentz Denise Fernandes
Luiz Fernando Meneghel Thiago Coelho Soares Alessandra de Oliveira (Assessoria) Marlon Eliseu Pereira Francielle Fernandes
Renata Souza de A. Subtil Vera Rejane Niedersberg Schuhmacher Adriana Silveira Pablo Varela da Silveira Holdrin Milet Brandão
Alexandre Wagner da Rocha Rubens Amorim
Assessoria de Inovação e Jenniffer Camargo
Gerência Administração Elaine Cristiane Surian (Capacitação) Yslann David Melo Cordeiro Jessica da Silva Bruchado
Qualidade de EAD Acadêmica Elizete De Marco
Denia Falcão de Bittencourt (Coord.) Jonatas Collaço de Souza
Angelita Marçal Flores (Gerente) Fabiana Pereira Avaliações Presenciais
Andrea Ouriques Balbinot Juliana Cardoso da Silva
Fernanda Farias Iris de Souza Barros Graciele M. Lindenmayr (Coord.)
Carmen Maria Cipriani Pandini Juliana Elen Tizian
Juliana Cardoso Esmeraldino Ana Paula de Andrade
Secretaria de Ensino a Distância Kamilla Rosa
Maria Lina Moratelli Prado Angelica Cristina Gollo
Assessoria de Tecnologia Samara Josten Flores (Secretária de Ensino) Simone Zigunovas
Mariana Souza
Osmar de Oliveira Braz Júnior (Coord.) Cristilaine Medeiros Marilene Fátima Capeleto
Giane dos Passos (Secretária Acadêmica) Daiana Cristina Bortolotti
Felipe Fernandes Adenir Soares Júnior Tutoria e Suporte Maurício dos Santos Augusto
Felipe Jacson de Freitas Delano Pinheiro Gomes Maycon de Sousa Candido
Alessandro Alves da Silva Anderson da Silveira (Núcleo Comunicação) Edson Martins Rosa Junior
Jefferson Amorin Oliveira Andréa Luci Mandira Claudia N. Nascimento (Núcleo Norte- Monique Napoli Ribeiro
Phelipe Luiz Winter da Silva Fernando Steimbach Priscilla Geovana Pagani
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Fernando Oliveira Santos
Priscila da Silva Djeime Sammer Bortolotti Maria Eugênia F. Celeghin (Núcleo Pólos) Sabrina Mari Kawano Gonçalves
Rodrigo Battistotti Pimpão Lisdeise Nunes Felipe Scheila Cristina Martins
Douglas Silveira Andreza Talles Cascais Marcelo Ramos
Tamara Bruna Ferreira da Silva Evilym Melo Livramento Daniela Cassol Peres Taize Muller
Marcio Ventura Tatiane Crestani Trentin
Fabiano Silva Michels Débora Cristina Silveira Osni Jose Seidler Junior
Coordenação Cursos Fabricio Botelho Espíndola Ednéia Araujo Alberto (Núcleo Sudeste) Thais Bortolotti
Coordenadores de UNA Felipe Wronski Henrique Francine Cardoso da Silva
Diva Marília Flemming Gisele Terezinha Cardoso Ferreira Janaina Conceição (Núcleo Sul) Gerência de Marketing
Marciel Evangelista Catâneo Indyanara Ramos Joice de Castro Peres Eliza B. Dallanhol Locks (Gerente)
Roberto Iunskovski Janaina Conceição Karla F. Wisniewski Desengrini
Jorge Luiz Vilhar Malaquias Kelin Buss Relacionamento com o Mercado
Auxiliares de Coordenação Juliana Broering Martins Liana Ferreira Alvaro José Souto
Ana Denise Goularte de Souza Luana Borges da Silva Luiz Antônio Pires
Camile Martinelli Silveira Luana Tarsila Hellmann Maria Aparecida Teixeira Relacionamento com Polos
Fabiana Lange Patricio Luíza Koing  Zumblick Mayara de Oliveira Bastos Presenciais
Tânia Regina Goularte Waltemann Maria José Rossetti Michael Mattar Alex Fabiano Wehrle (Coord.)
Jeferson Pandolfo
Márcio Renato Bartel

Ética Contemporânea
Livro didático

Design Instrucional
Ana Cláudia Taú

1ª edição revista

Palhoça
UnisulVirtual
2011
Copyright © UnisulVirtual 2011
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Edição – Livro Didático


Professor Conteudista
Márcio Renato Bartel

Design Instrucional
Ana Cláudia Taú
Marina Cabeda Egger Moellwald (1ª edição revista)

Assistente Acadêmico
Geovania Japiassu Martins

Projeto Gráfico e Capa


Equipe UnisulVirtual

Diagramação
Anne Cristyne Pereira
Daiana Ferreira Cassanego (1ª edição revista)

Revisão
Papyrus Textos Ltda.

ISBN
978-85-7817-347-0

170
B25 Bartel, Márcio Renato
Ética contemporânea : livro didático / Márcio Renato Bartel ; design
instrucional Ana Cláudia Taú, [Marina Cabeda Egger Moellwald] ;
[assistente acadêmico Geovania Japiassú Martins]. – 1. ed. rev. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2011.
134 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7817-347-0

1. Ética. 2. Rawls, John – 1921- 2002. 3. Retórica – Ética. I. Taú, Ana


Cláudia. II. Moellwald, Marina Cabeda Egger. III. Martins, Geovania Japiassú.
IV. Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul.


Sumário

Apresentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
Palavras do professor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9
Plano de estudo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

UNIDADE 1 - A ética contemporânea e a responsabilidade moral. . . . . . . . 15


UNIDADE 2 - A ética do discurso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
UNIDADE 3 - Uma teoria ético‑política da justiça: John Rawls . . . . . . . . . . . 55
UNIDADE 4 - Liberdade e igualdade preferencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
UNIDADE 5 - O desenvolvimento humano: inteligência,
intuição e responsabilidade ética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Para concluir o estudo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123


Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125
Sobre o professor conteudista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Respostas e comentários das atividades de autoavaliação. . . . . . . . . . . . . . 131
Biblioteca Virtual. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Apresentação

Este livro didático corresponde à disciplina Ética Contemporânea.

O material foi elaborado visando a uma aprendizagem autônoma e


aborda conteúdos especialmente selecionados e relacionados à sua
área de formação. Ao adotar uma linguagem didática e dialógica,
objetivamos facilitar seu estudo a distância, proporcionando
condições favoráveis às múltiplas interações e a um aprendizado
contextualizado e eficaz.

Lembre-se que sua caminhada, nesta disciplina, será acompanhada


e monitorada constantemente pelo Sistema Tutorial da
UnisulVirtual, por isso a “distância” fica caracterizada somente na
modalidade de ensino que você optou para a sua formação, pois, na
relação de aprendizagem, professores e instituição estarão sempre
conectados com você.

Então, sempre que sentir necessidade, entre em contato; você tem


à disposição diversas ferramentas e canais de acesso tais como:
telefone, e-mail e o Espaço Unisul Virtual de Aprendizagem, que é
o canal mais recomendado, pois tudo o que for enviado e recebido
fica registrado para seu maior controle e comodidade. Nossa equipe
técnica e pedagógica terá o maior prazer em lhe atender, pois sua
aprendizagem é o nosso principal objetivo.

Bom estudo e sucesso!

Equipe UnisulVirtual.

7
Palavras do professor

Neste livro didático, voltamos nossa atenção para o estudo


da ética contemporânea. Você verá que a renovação
contemporânea dos princípios éticos clássicos pretende o
questionamento dos princípios religiosos, da força afirmativa
da vida humana, da realidade, da responsabilidade, da
liberdade e da igualdade, da diferença, da cultura estética, da
autodeterminação e do respeito à vida.

Jürgen Habermas, além de apresentar um princípio novo,


enraíza‑o dentro de uma nova concepção de racionalidade e
de um modo diferente de entender o desenvolvimento dessa
sociedade capitalista. Uma das características fundamentais
da ética do discurso de Habermas é a necessidade da busca
pelo consenso.

Hans Jonas e Henri Bergson propõem uma metafísica para o


domínio e a reflexão sobre o campo tecnológico e científico.
Discutem‑se e questionam‑se os princípios e os ideais
de progresso, tecnologia e ciência das utopias modernas.
Questionam‑se a tecnologia e a ciência em seus modelos
artificialistas de tentar prolongar a vida, de controlar os
comportamentos, de proceder à manipulação da vida usando a
engenharia genética, enfim, todos os procedimentos científicos
sem valores humanos são questionados.

John Rawls apresenta a teoria ética da justiça e os princípios


da justiça, considerada como uma das teorias mais importantes
no campo filosófico e ético contemporâneo. Interessa‑lhe
fundamentar os princípios que presidem as desvantagens
sociais e as atribuições de direitos e de liberdade entre os
homens. Assim, a ética consistiria em cumprir‑se a justiça.
O convívio justiça‑virtude‑princípio confere sentido ao sonho
humano de todas as civilizações: viver feliz em uma ordem
social justa.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Peter Singer foi o primeiro filósofo, no século XX, a


redimensionar o alcance da responsabilidade moral humana
perante os animais. Singer propõe ampliar a comunidade moral
incluindo seres capazes de sentir dor e sofrer. Ele desafia a todos
nós a repensarmos o significado e o alcance do princípio da
igualdade; e propõe um limite à liberdade individual sempre que
as ações do agente moral forem capazes de afetar negativamente
os interesses de outros seres, capazes de sofrer.

Com essa disciplina, você iniciará uma viagem interessante


pelo universo desses filósofos que pretendem renovar os
princípios éticos para tornar esse mundo melhor. E não é isso
que todos queremos?

Então boa viagem e bons estudos!

Prof. Marcio Bartel

10
Plano de estudo

O plano de estudos visa a orientá-lo no desenvolvimento da


disciplina. Ele possui elementos que o ajudarão a conhecer o
contexto da disciplina e a organizar o seu tempo de estudos.

O processo de ensino e aprendizagem na UnisulVirtual leva


em conta instrumentos que se articulam e se complementam;
portanto, a construção de competências dá-se sobre a
articulação de metodologias e por meio das diversas formas de
ação/mediação.

São elementos desse processo:

„„ o livro didático;

„„ o Espaço UnisulVirtual de Aprendizagem (EVA);

„„ as atividades de avaliação (a distância, presenciais e de


autoavaliação); e

„„ o Sistema Tutorial.

Ementa
A questão ética no período contemporâneo. Ética da
alteridade. Ética do Discurso. Uma teoria ético-política da
justiça: John Rawls. O princípio da responsabilidade: Hans
Jonas. A Ética na Filosofia da América Latina.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Objetivos da disciplina

Geral
Conhecer a natureza da ética contemporânea; suas correntes
e suas virtudes; o problema ético na sociedade; a bioética e as
questões controversas, visando a desenvolver um pensar ético,
voltado para a crítica e a criatividade.

Específicos
„„ Compreender os conceitos básicos da ética
contemporânea.

„„ Identificar a reflexão ética de alguns filósofos


contemporâneos.

„„ Conhecer e discutir alguns pontos de controvérsia em


torno da bioética.

„„ Exercitar um raciocínio crítico para entender que é


desastroso construir um mundo sem ética.

Carga Horária
A carga horária total da disciplina é de 60 horas-aula.

Conteúdo programático/objetivos
Veja, a seguir, as unidades que compõem o livro didático desta
disciplina e os seus respectivos objetivos. Estes se referem aos
resultados que você deverá alcançar ao final de uma etapa de
estudo. Os objetivos de cada unidade definem o conjunto de
conhecimentos que você deverá possuir para o desenvolvimento
de habilidades e competências necessárias à sua formação.

Unidades de estudo: 5

12
Ética Contemporânea

Unidade 1 – A ética contemporânea e a responsabilidade moral


Nesta unidade, você estudará as mudanças provocadas no mundo
do pensar e do agir ético. Verá, também, as principais condições
para se responsabilizar moralmente uma pessoa e a relação entre
as três posições do problema da liberdade.

Unidade 2 – A ética do discurso


Nesta unidade, você acompanhará uma abordagem sobre o
pensamento de Kant e a reformulação feita por Habermas.
Você estudará os fatores de pretensões de validade do discurso
na comunidade ideal de comunicação. Estudará, também, a
contradição performativa e os fundamentos da ética do discurso.

Unidade 3 – Uma teoria ético-política da justiça: John Rawls


Você verá, na unidade em questão, que a reflexão ética de John
Rawls pretende estabelecer os princípios de justiça, que serão
pactuados e contratados entre pessoas racionais, livres e iguais na
posição original. Você estudará o conceito de posição original,
descrito por John Rawls, em sua Teoria da Justiça.

Unidade 4 – Liberdade e igualdade preferencial


Nesta unidade, você estudará as mudanças provocadas pela
reflexão ética sobre a liberdade e a igualdade. Estudará também a
incoerência da moral tradicional. Você verá que para se aprimorar
moralmente é necessário incluir, em nossas considerações éticas,
todos os seres capazes de sentir dor e de sofrer.

Unidade 5 – O desenvolvimento humano: inteligência, intuição e


responsabilidade ética
Na unidade em questão você verá que o desenvolvimento
humano, segundo Henri Bergson e Hans Jonas, faz-se com:
inteligência, intuição e responsabilidade ética. Você poderá
entender que o papel da ciência no conhecimento do ser humano
e compreender o mecanismo da inteligência. Você estudará
também a possibilidade de determinar o momento inicial de
13
Universidade do Sul de Santa Catarina

um ser humano. Acompanhará uma abordagem sobre o papel


da Intuição filosófica e da ética no desenvolvimento do ser
humano. Por último, você estudará como se dá a possibilidade de
determinar o instante preciso do início da vida humana.

Agenda de atividades/Cronograma

„„ Verifique com atenção o EVA, organize-se para acessar


periodicamente a sala da disciplina. O sucesso nos seus
estudos depende da priorização do tempo para a leitura, da
realização de análises e sínteses do conteúdo e da interação
com os seus colegas e professor.

„„ Não perca os prazos das atividades. Registre no espaço


a seguir as datas com base no cronograma da disciplina
disponibilizado no EVA.

„„ Use o quadro para agendar e programar as atividades relativas


ao desenvolvimento da disciplina.

Atividades obrigatórias

Demais atividades (registro pessoal)

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1
UNIDADE 1

A ética contemporânea e a
responsabilidade moral

Objetivos de aprendizagem
„„ Compreender as mudanças provocadas no mundo do
pensar e do agir ético na contemporaneidade.

„„ Identificas as principais condições para se


responsabilizar moralmente uma pessoa.

„„ Estabelecer relação entre as três posições do


problema da liberdade.

Seções de estudo
Seção 1 O fenômeno ético na contemporaneidade

Seção 2 A responsabilidade moral

Seção 3 A Responsabilidade moral e o problema


da liberdade
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


A contemporaneidade é marcada pela diversidade no pensar e
no agir ético e esta diversidade é fruto da mudança de muitos
paradigmas. A partir do estudo desta unidade, você poderá
ampliar suas informações e conhecimentos sobre o fenômeno
ético contemporâneo.

Ao estudar esta unidade, você também terá subsídios para saber


quais são as condições para se responsabilizar moralmente uma
pessoa. Além disso, verá como se estabelece a relação entre as três
posições do problema da liberdade.

Seção 1 – O fenômeno ético na contemporaneidade


A idade contemporânea é o período específico da história atual
do mundo ocidental, iniciado a partir da Revolução Francesa
(1789 d.C.). O seu início foi bastante marcado pela corrente
filosófica iluminista, que elevava a importância da razão. Havia
um sentimento de que as ciências iriam sempre descobrindo novas
soluções para os problemas humanos e que a civilização humana
progredia a cada ano com os novos conhecimentos adquiridos.

Com o evento das duas grandes guerras mundiais, o ceticismo


imperou no mundo, com a percepção de que nações consideradas
tão avançadas e instruídas eram capazes de cometer atrocidades
dignas de bárbaros.

Decorre daí o conceito de que a classificação de nações mais


desenvolvidas e das nações menos desenvolvidas tem limitações de
aplicação. A idade contemporânea está marcada, de maneira geral,
pelo desenvolvimento e consolidação do regime capitalista no
ocidente e, consequentemente, pelas disputas das grandes potências
por territórios, matérias‑primas e mercados consumidores.

16
Ética Contemporânea

É, portanto, a partir deste contexto capitalista que você


refletirá sobre o conceito de ética. Partimos então de
um fato reconhecido por todos.

A ética é um tema bastante presente em todos os lugares. Pode‑se


afirmar que a ética está na moda. No entanto, para uma parte
significativa dos estudiosos, a concepção do que vem a ser ética
está em crise. A bibliografia nessa área é ampla. E a crise ética
traz uma sensação de vazio e de perda dos paradigmas.

Jacqueline Russ (1999, p. 10‑11) refere‑se a esse vazio ético


contemporâneo da seguinte maneira:

[...] vivemos num momento em que as referencias


tradicionais desapareceram, em que não sabemos mais
exatamente quais podem ser os fundamentos possíveis
de uma teoria ética. O que é que, hoje, nos permite
dizer que uma lei é justa? Nós o ignoramos. É num
vazio absoluto que a ética contemporânea se cria, nesse
lugar onde se apagaram as bases habituais, ontológicas,
metafísicas, religiosas da ética pura ou aplicada. A
crise dos fundamentos que caracteriza todo o nosso
universo contemporâneo, crise visível na ciência, na
filosofia ou mesmo no direito, afeta também o universo
ético. Os próprios fundamentos da ética e da moral
desapareceram. No momento em que as ações do homem
se revelam grávidas de perigos e riscos diversos, estamos
mergulhados nesse niilismo, essa relação com o ‘nada’,
da qual Nietzsche foi, no século passado, o profeta e o
clínico sem igual. O que significa niilismo? Precisamente
que todas as referências ou normas da obrigação se
dissipam, que os valores superiores se depreciam. O
niilismo designa o fenômeno espiritual ligado à morte de
Deus e dos ideais supra‑sensíveis. É nele que se origina a
crise atual da ética.

Em certa medida, percebemos que, de fato, o niilismo é o


responsável pela crise atual da ética. Porém, há um exagero na
afirmação de que a ética contemporânea nasce em um vazio
absoluto, sem nenhum fundamento. O contexto de crise em que
está o discurso ético nada mais é do que um reflexo do pensar a
ética em conformidade com o mundo sensível, secular.

Unidade 1 17
Universidade do Sul de Santa Catarina

Os iluministas começaram esta empreitada com suas


reivindicações. As ideias iluministas ganham força na concepção
de Kant sobre a autonomia e nas fórmulas utilitaristas de
Bentham e Stuart Mill. Acontece, aqui, um declínio da
fundamentação religiosa.

A ética secular também se depara com divergências e


controvérsias radicais.

No mundo secular, o que dinamiza a reflexão ética é o


confronto crítico de ideias diferentes e divergentes, isto
é, o confronto entre pontos de vista diversos.

É necessário então ter clareza de que a contemporaneidade,


depois do declínio da fundamentação religiosa, não aceita mais
conviver com visões éticas monolíticas.
Visões éticas monolíticas são
Atualmente, repete‑se muito a ideia de que os tempos atuais
rígidas e não admitem rupturas.
caracterizam-se pela pluralidade, pela riqueza das diferenças,
pelas particularidades, pela relatividade. Neste sentido,
conclui‑se que o discurso ético atual constrói suas certezas em
um mundo fragmentado. E parece não haver outra maneira: ou
a reflexão ética faz-se nesse contexto, ou dele se exclui com uma
reflexão descontextualizada.

É bom salientar que a realidade moral apresenta-se, para


nós, cheia de tensões e conflitos. Os dilemas morais surgem
inesperadamente. A realidade coloca-nos em face de situações
insólitas ou de circunstâncias embaraçosas.

A ética, sendo reflexão e vivência da moral, convive


com a crise por força das situações morais conflitivas.

É importante você compreender que o mundo transforma‑se,


amplia horizontes, projeta uma existência humana mais longa.
Com as transformações, surgem novas formas de convivência. A
mudança, portanto:

18
Ética Contemporânea

„„ provoca impactos;

„„ exige uma redefinição dos valores;

„„ redimensiona a compreensão dos juízos éticos; e

„„ questiona a possibilidade de justificar universalmente


uma norma.

Ao observarmos a vivência moral na contemporaneidade, vamos


perceber que há uma instabilidade provocada pela tensão entre a
prática e o ideal, entre o valor e o interesse, entre a subjetividade
e a objetividade:

„„ o mundo da moral vivida é atingido pela crise de quem


se dispõe a viver um valor com a consciência de que é
preciso caminhar na busca do ideal, da utopia, do bem
maior; e

„„ o mundo da moral pensada, também, desenvolve sua


reflexão em meio ao confronto entre pontos de vista
totalmente opostos. Como veremos posteriormente, na
reflexão da moral pensada, ainda não se encontrou uma
fórmula objetiva e universal para conciliar as diferentes
visões da moral.

Ao longo desse estudo, você verá que a complexidade da


realidade moral, vivida e pensada, abre espaço para a existência
de inúmeras razões éticas, isto é, vários pontos de vista sobre a
mesma coisa. Os pontos de vista morais são variados e opostos
porque existe uma questão controvertida. Esta questão diz
respeito ao problema da fundamentação absoluta ou relativa dos
valores ou das normas.

Segundo Silva (2005, p. 12):

A preocupação, genuinamente moral, que problematiza


a nossa convivência, que se instala nas relações que
desenvolvemos com os outros pode receber a seguinte
formulação: o que avaliamos como bom éticamente
vale para todos, para toda a sociedade, para toda a
humanidade? Aquilo que considero bom para mim pode
também ser apreciado como bom para os outros?

Unidade 1 19
Universidade do Sul de Santa Catarina

Eis a questão! A partir desse momento, damos início a uma longa


caminhada... Vamos transitar pelo horizonte de moral vivida,
pelo plano de moral pensada, com o intuito de examinar como
a problemática sobre a fundamentação moral converte-se em
peça‑chave das discussões que se propõem a investigar a eticidade
do agir humano.

Seção 2 – A responsabilidade moral


A elevação da responsabilidade dos indivíduos é um dos índices
fundamentais para o desenvolvimento moral. O enriquecimento
da vida moral é sinônimo do aumento da responsabilidade
pessoal. Logo, o primeiro tem importância primordial.

Os atos morais são aqueles por meio dos quais


podemos atribuir ao agente uma responsabilidade não
só pelo que se propôs a realizar, mas, também, pelos
resultados ou consequências da sua ação.

Somente admitindo‑se que o agente tem certa liberdade de opção


e de decisão é que se pode responsabilizá‑lo por seus atos. Com
isso, não basta julgar o ato segundo uma norma ou uma regra
de ação; é preciso examinar as condições concretas nas quais ele
se realiza para poder imputar ao agente uma responsabilidade
moral. Portanto, pergunta‑se:

Quais são as condições necessárias e suficientes


para poder imputar a alguém uma responsabilidade
moral por determinado ato? Quando se pode afirmar
que um indivíduo é responsável pelos seus atos
ou se pode isentá‑lo total ou parcialmente da sua
responsabilidade?

20
Ética Contemporânea

Aristóteles, no livro Ética a Nicômaco (2001), responde a essas


questões afirmando que, para se responsabilizar um sujeito, isto
é, imputar‑lhe algo, é necessário que o comportamento do sujeito
possua um caráter consciente e que sua conduta seja livre.

Responsabilidade moral e ignorância


Podemos responsabilizar somente o sujeito que, conscientemente,
escolhe, decide e age com liberdade. Quem faz o contrário,
ou seja, age sem ter nenhuma ciência de seus atos, apresenta,
portanto, uma condição que o exime da responsabilidade moral.

Porém, não basta afirmar que o autor de algum ato imoral


ignorava essas circunstâncias para livrá‑lo da responsabilidade. É
necessário acrescentar que, não só não as conhecia, mas que não
podia e não tinha a obrigação de conhecê‑las.

Sendo assim, pense na seguinte situação: quem dá ao neurótico


Y um objeto que lhe provoca uma reação específica de
cólera não pode ser responsabilizado pela sua ação se afirma
fundadamente que ignorava estar tratando com um doente desta
natureza ou que, com o objeto em questão, pudesse provocar
nele uma reação tão desagradável. Certamente, por X ignorar as
circunstâncias em que se produzia a sua ação, não podia prever
as consequências negativas.

Mas não basta X afirmar que ignorava essas circunstâncias para


livrá‑lo da responsabilidade. É necessário acrescentar que, não
só não as conhecia, mas que não podia e não tinha a obrigação
de conhecê‑las. Somente assim a sua ignorância o isenta da
respectiva responsabilidade.

Em contrapartida, os familiares do neurótico Y, que o


autorizaram a ir à casa de X e que, lá, não avisaram a X da
suscetibilidade de Y em face do objeto em questão, podem
certamente ser considerados responsáveis pelo que aconteceu, já
que conheciam a personalidade de Y e as possíveis consequências
para ele do ato de X. Vemos, portanto que, num caso, a
ignorância exime da responsabilidade moral e, no outro, a
justifica plenamente.

Unidade 1 21
Universidade do Sul de Santa Catarina

Neste sentido, é possível colocar a seguinte pergunta:

A ignorância é sempre uma condição suficiente para


eximir uma pessoa da responsabilidade moral?

Antes de responder a esta pergunta, coloquemos outra situação: o


motorista que estava fazendo uma longa viagem e se chocou com
outro, que estava enguiçado numa curva da rodovia, provocando
graves prejuízos materiais e pessoais, pode alegar que não viu o
carro que ali estava estacionado (isto é, ignorava a sua presença),
porque a luz de seus faróis era muito fraca. Mas esta desculpa
não é moralmente aceitável, porque ele poderia e deveria ver o
carro enguiçado se tivesse feito a revisão dos seus faróis, como é
a obrigação moral e legal de quem vai fazer uma longa viagem
rodoviária de noite. Certamente, neste caso, o motorista ignorava,
mas podia e devia não ignorar.

Assim, a tese de que a ignorância exime da responsabilidade


moral não deve ser concretizada, pois há circunstâncias em que
o agente ignora o que poderia ter conhecido ou o que tinha
obrigação de conhecer. Em poucas palavras, a ignorância não
pode eximi‑lo da sua responsabilidade, já que ele é responsável
por não saber o que devia saber.

Mas, como dissemos antes, a ignorância das circunstâncias nas


quais uma pessoa age, do caráter moral da ação (da sua bondade
ou da sua maldade), ou das consequências, não pode deixar de
ser tomada em consideração, particularmente quando é devida
ao nível de desenvolvimento moral pessoal em que o sujeito se
encontra ou ao estado de desenvolvimento histórico, social e
moral em que se encontra a sociedade.

Assim, por exemplo, a criança, em certa fase do


seu desenvolvimento, quando não acumulou a
experiência social necessária e possui unicamente uma
consciência moral embrionária, não somente ignora as
consequências dos seus atos, mas também desconhece
a sua natureza boa ou má, com a particularidade de
que não podemos responsabilizá‑la por sua ignorância.
Pela impossibilidade subjetiva de superá‑la, a criança
fica isenta da responsabilidade moral.

22
Ética Contemporânea

Algo parecido pode ser dito dos adultos no que diz respeito ao seu
comportamento individual, considerado sob o ponto de vista da
necessidade histórico‑social. Já sublinhamos antes que a estrutura
econômico‑social da sociedade abre e fecha determinadas
possibilidades ao desenvolvimento moral e, por conseguinte, ao
comportamento do indivíduo em cada caso concreto.

Na antiga sociedade grega, as relações propriamente morais só


podiam ser encontradas entre os homens livres e, pelo contrário,
não podiam verificar‑se entre os homens livres e os escravos, visto
que estes não eram reconhecidos como pessoas pelos primeiros.

O indivíduo, ou seja, o cidadão da polis, não podia ultrapassar,


em seu comportamento, o limite histórico‑social em que estava
situado ou do sistema do qual era uma criatura. Por este motivo,
ele não podia tratar moralmente a ideia de escravidão como a
concebemos hoje. Este cidadão, então, ignorava e não podia
deixar de ignorar as implicações de se conceber uma sociedade
baseada na escravidão, uma vez que o escravo também era um
ser humano e não um simples instrumento. Isto também era
ignorado pela mente mais sábia, de que se tem relato, do seu
tempo: Aristóteles.

Portanto, dado o nível do desenvolvimento social


e espiritual de uma determinada sociedade, não
podemos responsabilizar individualmente os homens
que nela vivem pela sua ignorância.

Por conseguinte, também não podemos considerá‑los moralmente


responsáveis pelo tratamento que dispensavam aos escravos.
Como poderíamos responsabilizá‑los pelo que ignoravam e
que – dadas as condições econômicas, sociais e espirituais da
sociedade grega escravista – não podiam deixar de ignorar?

Em resumo: a ignorância das circunstâncias, da natureza ou das


consequências dos atos humanos autoriza a eximir um indivíduo
da sua responsabilidade pessoal. Mas essa isenção estará justificada
somente quando, por sua vez, o indivíduo em questão não for
responsável pela sua ignorância, ou seja, quando ele se encontra na
impossibilidade subjetiva (por motivos pessoais) ou objetiva (por
motivos históricos e sociais) de ser consciente do seu ato pessoal.

Unidade 1 23
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para ser responsabilizada por um ato, a pessoa deve estar livre


de coação externa. A causa do ato deve estar dentro da própria
pessoa, ou seja, não deve provir de algo ou alguém que o force a
realizar o ato.

A pessoa só pode ser moralmente responsável por


atos cuja natureza conhece e cujas consequências
pode prever.

Podemos dizer que um indivíduo normal é moralmente


responsável pelo roubo que comete, à diferença do
cleptomaníaco que rouba por um impulso irresistível.
(VÁZQUEZ, 2002, p. 116).

Seção 3 – A responsabilidade moral e o problema da


liberdade
A responsabilidade moral pressupõe a possibilidade de agir,
vencendo a coação externa ou interna. A responsabilidade moral
exige a possibilidade de decidir e agir livremente.

Portanto, note que somente podemos responsabilizar


alguém por seus atos morais se existir liberdade, isto é,
se ele o fizer livremente.

Existem três posições referentes ao problema da liberdade:

„„ se o comportamento do homem é determinado,


não tem sentido falar em liberdade e, portanto, em
responsabilidade moral. O determinismo é incompatível
com a liberdade;

24
Ética Contemporânea

„„ se o comportamento do homem é determinado, trata‑se


somente de uma autodeterminação do eu, e, nisto,
consiste a sua liberdade. A liberdade é incompatível com
qualquer determinação externa ao sujeito (da natureza ou
da sociedade); e

„„ se o comportamento do homem é determinado,


esta determinação, longe de impedir a liberdade,
é a condição necessária da liberdade. Liberdade e
necessidade conciliam-se.

Veja a explicação de cada uma dessas proposições a seguir.

Determinismo absoluto
Neste mundo, tudo tem uma causa. É a afirmação do
determinismo absoluto. Esta tese é confirmada pela experiência
cotidiana e pela ciência.

Aqui também se evidencia que a atividade do


homem – seu modo de pensar ou sentir, de agir e
organizar‑se política ou socialmente, seu comportamento
moral, seu desenvolvimento artístico etc. – está sujeita a
causas. Ora, se tudo é causado, como podemos evitar agir
como agimos? Se o que faço neste momento é resultado
de atos anteriores que, em muitos casos, nem sequer
conheço, como se pode dizer que a minha ação é livre?
(VÁZQUEZ, 2002, p. 120‑121).

No determinismo absoluto elimina‑se toda a possibilidade


de intervenção livre do homem e se estabelece uma
antítese absoluta entre a necessidade causal e a liberdade
humana. Tudo é causado, logo não existe liberdade
humana e, portanto, responsabilidade moral.

O determinismo absoluto, e sua consequente recusa da liberdade,


encontra‑se representado pelos materialistas franceses do século
XVIII, encabeçado pelo barão d’ Holbach. Para estes pensadores,
os atos humanos não são nada mais que elos de uma cadeia causal

Unidade 1 25
Universidade do Sul de Santa Catarina

universal; nela, o passado determina o presente. O físico Laplace


(2002, p. 121) resumiu o determinismo nos seguintes termos:

Um calculador divino, que conhecesse a velocidade


e a posição de cada partícula do universo num dado
momento, poderia predizer todo o curso futuro
dos acontecimentos na infinidade do tempo. (apud
VÁZQUEZ, 2002).

Como você vê, no determinismo absoluto, elimina‑se a


possibilidade de intervenção livre do homem. Porém, o homem
não é simplesmente efeito das circunstâncias que determinam o
seu comportamento. O homem é causa consciente de si mesmo.
Insere‑se conscientemente na trama causal universal.

Por conseguinte, o fato de que seja causalmente


determinado, não significa que o homem não possa, por
sua vez, ser causa consciente e livre de seus atos. Portanto,
o que aqui se impugna não é um determinismo universal,
mas absoluto; ou seja, aquele que é incompatível com
a liberdade humana, isto é, com a existência de várias
formas possíveis de comportamento e com a possibilidade
de escolher livremente uma delas. (VÁZQUEZ, 2002,
p. 122‑123).

O libertarismo
Para este ponto de vista, ser livre significa decidir e agir como
você bem entender e achar melhor. Significa que este ponto de
vista, libertarista, rejeita a ideia de que o homem seja ou esteja
causalmente determinado pelo exterior.

Como, por exemplo: pelo ambiente social em que vive;


quer do seu próprio interior, como, por exemplo, pelos
seus desejos, pelo seu caráter, etc.

A liberdade apresenta-se como um dado da experiência imediata


ou como uma convicção que não pode ser destruída pela

26
Ética Contemporânea

existência da causalidade. No pensamento libertário afirma‑se


que, na esfera moral, o comportamento humano é absolutamente
livre, isto é, livre a respeito da determinação dos fatores causais.
Para Vázquez (2002, p. 124),

[...] a característica desta posição é a contraposição


entre liberdade e necessidade causal. Nela, a liberdade
da vontade exclui o princípio causal, porque se pensa
que, se aquilo que se quer, se decide ou se faz tem
causas – imediatas ou remotas ‑, esse querer ou essa
decisão e ação seriam propriamente livres. A liberdade
implica, portanto, uma ruptura da continuidade causal
universal. Ser livre é ser incausado. Uma verdadeira
ação livre não poderia ser determinada nem sequer pelo
caráter do sujeito. Para que a autodeterminação seja
pura, é preciso excluir também a determinação interna
do caráter e deve implicar numa escolha do eu na qual
este transcenda o próprio caráter. Somente assim se pode
gozar de uma genuína liberdade.

Se tudo é possível, com que critério pode‑se julgar a moralidade


de um ato? Num mundo em que dominasse somente o acaso, em
que tudo fosse igualmente possível, nem sequer teria sentido falar
em liberdade e responsabilidade moral.

Dialética da necessidade e da liberdade


A liberdade e a necessidade, entendidas como causalidade,
não podem excluir‑se reciprocamente. Tem que haver uma
conciliação entre elas. Mas não podemos aceitar uma falsa
conciliação das duas, como a postulada por Kant (1986). Vejamos
a sua posição:

Kant faz uma falsa conciliação ao situar a liberdade e a necessidade


em dois mundos distintos:

„„ a necessidade no reino da natureza, da qual faz parte o


homem empírico; e

„„ a liberdade no reino inteligível, do qual faz parte o


homem como um ser moral.

Unidade 1 27
Universidade do Sul de Santa Catarina

Portanto, observe que Kant divide a realidade em dois


mundos, e divide o homem em duas partes, a empírica
e a moral.

Também não encontramos uma verdadeira conciliação da


necessidade e da liberdade em Nicolai Hartmann. O autor
postula um novo tipo de determinação, que é a chamada
determinação teleológica, ou seja, a necessidade é determinada
por fins e não é causada.

Há um abismo intransponível entre a causalidade propriamente


dita e a causalidade teleológica. Assim, a continuidade casual fica
interrompida, portanto, não pode haver uma conciliação entre a
liberdade e a necessidade.

Vejamos, agora, três tentativas de conciliação entre a liberdade e a


necessidade casual.

Spinoza
A primeira tentativa importante foi de Spinoza, para quem
o homem, como parte da natureza, está sujeito às leis da
necessidade universal e não pode subtrair‑se a elas de maneira
alguma. O homem comporta-se como um ser passivo e regido
pelos afetos e paixões nele suscitados por causas externas.
Portanto, o homem é um escravo. Veja a Figura 1.1. Sendo assim,
permanece a seguinte questão.

Figura 1.1 - Spinoza


Fonte: Benedictus de Spinoza Como o homem eleva-se da escravidão à liberdade?
([200-]).

Ora, ser livre é ter consciência da necessidade, ou seja, é


compreender que tudo o que sucede a mim, por conseguinte,
também ocorre porque é necessário. Portanto, a liberdade reside
no conhecimento da necessidade.

28
Ética Contemporânea

Limites da solução dada por Spinoza


O homem liberta‑se no plano do conhecimento, mas continua
escravo na sua relação efetiva e prática com a natureza e a
sociedade. Assim, a liberdade não é somente sujeição consciente
à natureza, mas, também, domínio e afirmação do homem
diante dela.
Contribuição de Spinoza
A contribuição seria de que a consciência da necessidade casual
é sempre uma condição necessária da liberdade.
Uma segunda contribuição importante foi de Hegel. Veja a seguir.

Hegel
Hegel move-se no mesmo plano de Spinoza, pois, para ambos,
a liberdade é a necessidade compreendida. No entanto, ele se
diferencia de Spinoza ao relacionar a liberdade com a história.
Veja a Figura 1.2.

O conhecimento da necessidade depende, em cada


época, do nível em que se encontra o espírito no
seu desenvolvimento, e este se manifesta na história Figura 1.2 – Hegel
da humanidade. Fonte: Ramos ([200-]).

Observe que, para Hegel, a liberdade é histórica, pois

[...] há graus de liberdade ou de conhecimento da


necessidade. A vontade é tanto mais livre quanto mais
conhece; e, portanto, quando a sua decisão se baseia
num maior conhecimento de causa. Vemos assim que
para Hegel – como para Spinoza – a liberdade é um
assunto teórico, ou da consciência, ainda que a sua teoria
da liberdade se enriqueça ao colocar esta última em
relação com a história e ao ver a sua conquista como um
progresso ascensional histórico (a história é ‘progresso na
liberdade’). (VÁZQUEZ, 2002, p. 129).

Unidade 1 29
Universidade do Sul de Santa Catarina

Há, ainda, uma terceira contribuição importante feita por Marx e


Engels. Acompanhe:

Marx e Engels
Marx e Engels aceitam as ideias de Spinoza e Hegel. Para
ambos, a liberdade é, por conseguinte, a consciência histórica da
necessidade. Porém, eles acrescentam que a liberdade acarreta
um poder, um domínio do homem sobre a natureza, e, também,
sobre a sua própria natureza. A liberdade não é só teórica, isto é,
conhecimento da necessidade, ela exige uma atividade prática,
transformadora. Veja a Figura 1.3.

Figura 1.3 – Marx e Engels


Fonte: Agenda Cultural de Conquista (2011).

De acordo com Marx e Engels, a liberdade tem um caráter


histórico‑social porque o homem não é um ser isolado, ele
mantém relações sociais. A liberdade está situada na história e
na sociedade.

Não se pode falar de liberdade em abstrato, isto é, fora


da história e da sociedade. Mas, seja que se trate da
liberdade como poder do homem sobre a natureza, seja
como domínio sobre a sua própria natureza (controle
sobre as suas próprias relações ou sobre os seus próprios
atos individuais), a liberdade implica uma ação do homem
baseada na compreensão da necessidade causal. Trata‑se,
pois de uma liberdade que, longe de excluir a necessidade,
supõe necessariamente a sua existência, assim como o
seu conhecimento e a ação dentro de seu próprio âmbito.
(VÁZQUES, 2002, p. 130).

30
Ética Contemporânea

Para Marx e Engels, o problema das relações entre a


necessidade e a liberdade soluciona-se na superação
ou na conciliação dialética dos contrários.

Observe que a responsabilidade moral pressupõe necessariamente


certo grau de liberdade, mas esta, por sua vez, implica também
inevitavelmente a necessidade causal. Responsabilidade
moral, liberdade e necessidade estão, portanto, entrelaçadas
indissoluvelmente no ato moral.

Síntese

Nesta unidade, você pôde refletir sobre o agir ético no mundo


contemporâneo, marcado por profundas modificações no
pensamento e na prática.

Você viu que as modificações são consequências da mudança de


referenciais básicos, fundamentais. Os referenciais tradicionais,
como a religião, a ontologia e a metafísica, perdem força. Os
referenciais passam a ser seculares, físicos, sensíveis. Eles,
também, deixam de ser absolutos e passam a ser relativos,
contextualizados. Valoriza‑se o diferente, a pluralidade, a
utilidade, etc.

Você também teve a oportunidade de estudar alguns autores


que consideram a contemporaneidade um tempo de profunda
crise por causa da perda dos referencias tradicionais. Em
contrapartida, você viu que outros autores acham que a crise não
está realmente na perda dos referenciais tradicionais, mas na falta
de encontrar um fundamento absoluto para unificar os diversos
pontos de vista que, na atualidade, são conflitantes, pois, afinal,
mantém‑se a questão sobre a universalidade dos valores.

Enfim, você pôde compreender que estas são questões que


devemos tentar responder com responsabilidade. E, neste

Unidade 1 31
Universidade do Sul de Santa Catarina

contexto contemporâneo, a elevação da responsabilidade dos


indivíduos é um dos índices fundamentais para o progresso
moral. O enriquecimento da vida moral é sinônimo do
aumento da responsabilidade pessoal. Logo, o primeiro tem
importância primordial.

Atividades de autoavaliação

1) Quando se pode afirmar que um indivíduo é responsável pelos seus atos


ou se pode isentá‑lo total ou parcialmente da sua responsabilidade?

2) Se o comportamento do homem é determinado, esta determinação,


longe de impedir a liberdade, é a condição necessária da liberdade.
Liberdade e necessidade conciliam-se. Explique esta afirmação.

32
Ética Contemporânea

Saiba mais

Se você desejar aprofundar seus conhecimentos, sugerimos a


leitura dos seguintes livros.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Brasília: UnB, 2001.

PRADO, Junior, Caio. O que é liberdade. São Paulo:


Brasiliense, 1999. (Primeiros Passos).

RUSS, J. Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus,


1999.

SILVA, M. B. Parâmetros de fundamentação moral.


Petrópolis: Vozes, 2005.

VÁZQUEZ, A. S. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


2002.

Sugerimos, também, a visualização de alguns filmes:

O expresso da meia noite. Um jovem americano é preso na


Turquia por posse de drogas e sua luta pela liberdade.

Bird – Asas da liberdade. A história de um rapaz que queria


voar como os pássaros.

Um sonho de liberdade. Mais um filme sobre a vida nas prisões.


Parece que percebemos melhor a liberdade quando ela nos falta.

Unidade 1 33
2
UNIDADE 2

A ética do discurso

Objetivos de aprendizagem
„„ Compreender o pensamento de Kant e a
reformulação feita por Habermas.

„„ Identificar os fatores de pretensões de validade do


discurso na comunidade ideal de comunicação.

„„ Entender o que é contradição performativa e os


fundamentos da ética do discurso.

Seções de estudo
Seção 1 Linguagem e entendimento: Habermas e Kant

Seção 2 Comunidade ideal de comunicação

Seção 3 Contradições performativas e os fundamentos


da ética do discurso
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você irá refletir e ampliar informações e
conhecimentos sobre a ética do discurso elaborada por Jürgen
Habermas (2002). Você verá que este autor, reformulando e se
opondo em alguns aspectos a Immanuel Kant, aborda que a
linguagem humana tem por finalidade o entendimento entre os
possíveis falantes da comunidade ideal de comunicação.

Você poderá perceber que a linguagem na comunidade ideal


deve seguir algumas condições que são chamadas de fatores
de pretensões de validade. Caso não siga essas pretensões, a
comunidade dos falantes poderá cair em contradição, abalando os
fundamentos da ética do discurso.

Bom estudo!

Seção 1 – Linguagem e entendimento: Habermas e Kant


Nesta seção, procuraremos refletir sobre a linguagem e o
entendimento no pensamento de Habermas.

Jürgen Habermas (Düsseldorf, 18 de Junho 1929), filósofo e


sociólogo alemão, é o principal responsável pela importante
reformulação da ética de Kant, que passou a ser conhecida como
ética discursiva. Veja a Figura 2.1.

Figura 2.1 - Habermas


Fonte: Brito (2009).

36
Ética Contemporânea

Ao iniciar seus estudos sobre as teorias de Habermas, é


importante que você compreenda o pensamento de Kant para, em
seguida, perceber no que consiste, exatamente, essa reformulação.
Acompanhe!

A ideia básica dessa abordagem de Habermas


sobre a ética discursiva é que o telos fundamental
da linguagem humana é o entendimento entre
possíveis falantes. Telos ou teleologia (do
grego τέλος, finalidade,
e -logía, estudo) é o estudo
filosófico dos fins, isto é,
Antes de darmos continuidade à explicação de Habermas sobre a estudo do propósito, do
linguagem, é importante que você compreenda o conceito de telos objetivo, da finalidade.

sobre o ponto de vista da filosofia. Vários filósofos abordaram


essa questão do telos, ou seja, da finalidade dos fenômenos. Veja o
que disseram Platão e Aristóteles:

Platão
No Fédon, Platão afirma que a verdadeira explicação de
qualquer fenômeno físico deve ser teleológica. Ele se queixa
daqueles que não distinguem entre as causas necessárias e as
causas suficientes das coisas, que ele identifica, respectivamente,
como a causa material e a causa teleológica. O filósofo diz que
os materiais que compõem um corpo são condições necessárias
para seu movimento e ação de uma determinada maneira, mas
que os materiais não podem ser condições suficientes para seu
movimento e ação, que seriam determinados pelas finalidades
impostas pelo demiurgo (Deus-artesão).

Aristóteles
Aristóteles também desenvolveu sua ideia de causa final. Ele
acreditava que o telos era a explicação determinante de todos
os fenômenos. Sua ética afirmava que o bem em si mesmo é o
fim a que todo ser aspira, resultando na perfeição, na excelência,
na arte ou na virtude. Todo ser dotado de razão aspira ao bem
como o fim que possa ser justificado pela razão.

Agora, você já sabe que, quando Habermas fala de telos,


ele está se referindo à finalidade, especialmente no que diz
respeito à finalidade da linguagem humana. Assim, o discurso

Unidade 2 37
Universidade do Sul de Santa Catarina

argumentativo do autor passa a ser o meio pelo qual podemos


alcançar um entendimento acerca das questões morais, etc.
Lembramos que esse entendimento deve ser alcançado entre os
falantes, isto é, no seio de uma comunidade.

De certa forma, na teoria de Habermas, abandona‑se a


pressuposição de Kant de que um indivíduo isolado seja capaz
de decidir por si só quais são as regras morais que qualquer um
poderia seguir. Veja a Figura 2.2.

Figura 2.2 - Kant
Fonte: Frases Variadas (2010).

Vamos relembrar algumas ideias de Kant a seguir!

Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), Kant


tem como objetivo central: encontrar e estabelecer o princípio
supremo da moralidade, que teria validade absoluta.

Neste sentido, é imprescindível você compreender que o princípio


supremo é igual a uma máxima, uma norma, uma lei, uma regra
subjetiva, que passou pelo crivo do imperativo categórico. Vamos
entender isso:

A máxima é um “princípio subjetivo do querer”. (KANT, 1986, p. 25).

38
Ética Contemporânea

De acordo com essa máxima, uma pessoa que enfrenta muitos


problemas na vida assume como máxima (norma) que, por amor
próprio, deve encurtá‑la. Perceba que uma máxima de ação é uma
regra de agir com validade apenas para um indivíduo. Portanto,
uma máxima de ação é uma regra subjetiva do agir, a possível
portadora do dever moral.

É necessário estabelecer sob que condições uma máxima


(regra subjetiva do agir) pode ser considerada uma lei moral
com validade absoluta e universal. Para fazer isso, Kant testa
as máximas a partir do princípio supremo da moralidade, o
imperativo categórico.

Um imperativo é um mandamento da razão,


uma prescrição racional. E todos os imperativos
exprimem‑se pelo verbo dever.

Kant considera que há dois imperativos:

„„ o imperativo hipotético – apresenta uma ação como


necessária para atingir um determinado fim. Se você,
por exemplo, quiser levar uma vida com qualidade,
pratique exercícios físicos, alimente‑se de forma
saudável, estude Kant; e

„„ o imperativo categórico – este imperativo ordena uma


ação como sendo válida em si mesma. Veja o caso
da seguinte lei moral: “Não deves cometer suicídio”.
Observe que ela parte do pressuposto de que tirar a
própria vida é intrinsecamente mau.

Veja o que diz Kant (1986, p. 50‑51) a respeito:

No caso de a ação ser apenas boa como meio para


qualquer outra coisa, o imperativo é hipotético; se a
ação é representada como boa em si, por conseguinte
como necessária numa vontade em si conforme a razão
como princípio dessa vontade, então o imperativo é
categórico. [...].

Unidade 2 39
Universidade do Sul de Santa Catarina

O imperativo hipotético diz, pois apenas que a ação


é boa em vista de qualquer intenção possível ou real.
O imperativo categórico, que declara a ação como
objetivamente necessária por si, independentemente
de qualquer intenção, quer dizer, sem qualquer outra
finalidade, vale como princípio.

Você pode concluir o seguinte:

O imperativo categórico é o princípio que estabelece


se as máximas de ação, que são regras subjetivas do
agir, podem ser consideradas leis práticas, isto é, leis
morais no sentido de um imperativo categórico, que
ordena uma ação como válida em si mesma.

Há uma formulação geral do imperativo categórico e algumas


formulações secundárias, que procuram torná‑lo compreensível
(intuível) nos seus pressupostos básicos. A fórmula geral do
imperativo categórico, isto é, do princípio moral supremo, é:

“Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo


tempo querer que ela se torne lei universal”. (KANT, 1986 p. 59).

A fórmula acima é o critério pelo qual se devem testar as regras


subjetivas do agir: a possibilidade de universalizá‑las, isto é, de
valerem como leis para todos os racionais. Para a compreensão
das implicações dessa fórmula geral, vamos enunciar as outras
formulações do imperativo categórico e esclarecer as suas
possíveis aplicações.

A primeira formulação do “imperativo categórico” leva o


nome de lei universal da natureza

“Age como se a máxima da tua ação se devesse tornar, pela tua


vontade, em lei universal da natureza”. (KANT, 1986, p. 59).

40
Ética Contemporânea

Observe que o pressuposto dessa fórmula é que somente as


máximas, as quais podem ser universalizadas e valer como leis da
natureza, podem ser consideradas válidas moralmente.

Antes de passar aos exemplos de como esse princípio funciona


na prática, é bom lembrar que o que ele está testando é uma
regra de ação.

Veja o seguinte caso: alguém com extrema dificuldade em


sua vida, com mais sofrimento do que alegrias, considera a
possibilidade de suicidar‑se.

Você acha que essa máxima poderia se estabelecer


como lei universal da natureza?

Kant (1986, 422) diz que não, porque “uma natureza, cuja lei
seria destruir a vida através de um sentimento, quando deveria
por essência promover a duração da vida, contradiria a si mesma”.

Para Kant, a natureza e as suas formas de vida não existiriam se


não houvesse luta diante das dificuldades. Cometer suicídio vai
contra o sentimento geral de autopreservação da vida. Portanto, o
suicídio é moralmente proibido.

Note que o imperativo categórico, neste caso,


funciona como um procedimento de teste, um
princípio que fundamenta as nossas regras de ação.

Pode‑se afirmar que somente depois de julgarmos se a nossa


máxima pode ou não ser uma lei da natureza é que temos
condições de formular uma lei moral. Há outras formulações do
imperativo categórico, que auxiliam a entender a sua fórmula
geral. Acompanhe.

Unidade 2 41
Universidade do Sul de Santa Catarina

A segunda formulação do “imperativo categórico” leva o


nome de lei da humanidade

“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa


como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente
como fim e nunca simplesmente como meio”. (KANT, 1986, p. 69).

O pressuposto fundamental dessa formulação é: um ser racional,


ou seja, um ser que é capaz de agir a partir de representações e,
portanto, tem uma vontade, é um fim em si mesmo.

Da mesma maneira que testamos uma máxima usando a primeira


formulação do imperativo categórico, podemos agora repeti‑la
com esta nova formulação.

Apliquemos agora a segunda fórmula do imperativo categórico


na seguinte situação.

“Quem comete suicídio trata a si mesmo como um mero objeto,


como um meio para aliviar o seu sofrimento”. (KANT, 1986, p. 67).

Perceba que a máxima não contempla o respeito das pessoas


como fins em si mesmas.

Tratar‑se como mero objeto é algo que o princípio fundamental


proíbe. Novamente a lei moral: “Não deves cometer suicídio”,
legitimada pela nova formulação do imperativo categórico.

Percebemos, aqui, a necessidade de não apenas respeitarmos a


autonomia da pessoa, mas de buscarmos uma noção mais forte de
respeito à pessoa enquanto tal.

Você sabe o que significa tratar alguém como meio ou


como fim em si?

42
Ética Contemporânea

Esse princípio será adaptado por Tugendhat à linguagem


dos direitos humanos. “O outro agora é visto como sujeito de
direitos e não apenas como mero objeto de nossas obrigações;
compreendemos nossa obrigação como um reflexo do seu direito”.
(TUGENDHAT, 1997, p. 375).

A terceira formulação do “imperativo categórico” leva o nome


de lei da autonomia da vontade.

“Age de tal maneira que a tua vontade pela sua máxima se possa
considerar a si mesma ao mesmo tempo legisladora universal”.
(KANT, 1986, p. 76).

Observe que a ideia fundamental desta formulação é a de que


uma vontade racional é autônoma, isto é, é livre para seguir as
suas próprias leis. Esta autonomia deve ser contemplada em
uma legislação moral. Em outros termos, uma vontade racional
é autolegisladora.

Essa nova formulação também pode ser usada para testar


máximas de ação como fizemos anteriormente. Veja a seguinte
situação: um indivíduo que quer cometer suicídio estaria
eventualmente abdicando de legislar.

Ele estaria negando a sua própria autonomia, a sua própria


capacidade de ser um legislador universal. Por mais este motivo, a
lei moral é “Não deves cometer suicídio”. Para Kant, a autonomia
significa autoimposição de leis morais; a autonomia é algo
absoluto, incondicional.

Em resumo, podemos dizer que cada máxima


pode ser testada pelas diferentes formulações do
imperativo categórico.

Unidade 2 43
Universidade do Sul de Santa Catarina

Vamos retomar ao nosso exemplo e considerar mais uma vez


a máxima do suicídio e ver como ela se comporta diante das
diferentes formulações tomadas conjuntamente agora.

Não é possível querer que essa máxima valha como lei universal
da natureza. Além disso, esta máxima não está de acordo com
a exigência positiva da humanidade como fim em si mesma.
Finalmente, tal máxima não poderia fazer parte de uma
legislação universal.

É desse modo que Kant pensa ter mostrado que uma máxima
pode ser testada pelo imperativo categórico para decidir se ela é
uma lei moral ou não.

Espero que a pressuposição de Kant, de que um


indivíduo isolado é capaz de decidir por si só quais
são as regras morais que qualquer um poderia seguir,
tenha ficado clara para você.

Diferentemente de Kant, para Habermas, não é mais o indivíduo


isolado quem decide quais são as regras morais.

De acordo com Habermas, as regras morais são estabelecidas no


interior da comunidade dos falantes, isto é, intersubjetivamente,
procurando, dessa forma, o entendimento. Mas a ética discursiva
de Habermas não abandona um traço essencial da ética de Kant,
cujas regras morais devem ser universalmente válidas. Veja a
Figura 2.3.

Figura 2.3 - Grupo decide


Fonte: Câmara dos Deputados ([200-]).

44
Ética Contemporânea

Seção 2 – Comunidade ideal de comunicação


Nesta seção, você acompanhará uma reflexão sobre a comunidade
ideal de comunicação, cujo objetivo é que, a partir dessa reflexão,
você possa identificar os fatores de pretensões de validade do
discurso nessa comunidade.

É importante você compreender que, sob o ponto de vista


metodológico, a ética discursiva parte de um procedimento
teórico, de um experimento de pensamento, para estabelecer as
regras fundamentais do agir humano.

Os defensores da ética discursiva imaginam uma situação


hipotética, idealizada, mas que pode ser real, em que regras
de comportamento seriam discutidas e assumidas por todos
os membros da chamada comunidade ideal de comunicação.
Essa comunidade seria composta por pessoas que apresentam
seus pontos de vista morais uns aos outros e os justificam
argumentativamente, buscando um possível consenso sobre
regras universalmente válidas.

O termo consenso comporta uma controvérsia no que diz respeito


ao que o sustenta, por isso, o termo discursivo traduz com mais
precisão a ideia que embasa a presente teoria moral.

O termo discursivo, em relação ao termo consensual,


tem a vantagem de destacar o caráter processual.

Para perceber o que está em questão, uma citação retirada da


concepção consensual‑discursiva da verdade de Habermas (1989,
p. 16) pode ser ilustrativa:

Esse consenso vale como critério de verdade, porém o


significado da verdade não consiste na circunstância de
que se alcance um consenso, mas que em todo momento
e em todas as partes, desde que entremos num discurso,
seja possível chegar a um consenso.

Unidade 2 45
Universidade do Sul de Santa Catarina

Agora, nessa comunidade ideal de comunicação, algumas


restrições devem ser observadas para que o discurso atinja a sua
finalidade. Pense na seguinte situação: todos têm igual direito
a apresentar os seus argumentos, isto é, os seus pontos de vista
sobre questões morais, mas isto deve ser feito de uma forma
particular. Isto quer dizer que os fatores de poder, por exemplo,
não podem ser levados em consideração. Você pode se perguntar,
conforme abaixo.

Mas e como ficam aqueles que não podem


apresentar os seus pontos de vista, como é o caso
do embrião ou do feto em relação ao aborto? E das
crianças; dos deficientes mentais; dos senis; dos
comatosos; dos animais e do meio ambiente? E,
ainda, o caso dos náufragos?

Estas são questões que necessitam de um estudo pautado em


mais pesquisas para que nossa observação seja crível. Vamos
retornar à questão do argumento, de acordo com Habermas:

O melhor argumento é o que terá maiores chances de atingir


o consenso e não aquele que foi apresentado por alguém
autoritariamente, isto é, utilizando‑se do poder.

Dito de outro modo, para Habermas, todos os pontos de vista


devem ser igualmente considerados. Por ter este pano de fundo
democrático, a ética do discurso encontra, hoje, forte apelo popular.

Cada argumento que for apresentado na comunidade de


comunicação, isto é, para o grupo envolvido na discussão, deverá,
também, preencher uma série de condições ou de fatores.

Habermas chama esses fatores de pretensões de validade e eles


são basicamente quatro:

„„ a pretensão de inteligibilidade;

„„ a pretensão de verdade;

46
Ética Contemporânea

„„ a pretensão de correção; e

„„ a pretensão de sinceridade.

Algumas dessas exigências seriam discursivas, como é o caso da


verdade. Outras, como a inteligibilidade, seriam não discursivas.
Isto quer dizer que cada argumento deverá seguir uma
determinada forma: ele deve ser apresentado respeitando essas
pretensões de validade.

Veja a explicação de cada uma das pretensões de validade a seguir.

„„ A pretensão de inteligibilidade – segundo o dicionário


Aurélio, inteligibilidade é sinônimo de inteligível. E
inteligível é algo que se compreende bem. Que é relativo
à inteligência. Em filosofia, dizemos que é algo que se
conhece pela inteligência ou pela razão em oposição ao
conhecimento sensível. O inteligível está inserido em um
sistema de significações ou relações lógicas já conhecidas.

A pretensão de inteligibilidade é, portanto, uma condição


de todo e qualquer diálogo comunicativo, não apenas o
moral. Assim, também o discurso instrumental, aquele
da tecnologia, que calcula meios para determinados fins,
deve ser inteligível para poder possibilitar a comunicação.

„„ A pretensão de verdade – é outro fator coercitivo,


que deve ser levado em consideração pelos possíveis
participantes de um discurso comunicativo, pois cada
um deve se comprometer a apresentar conteúdos fáticos
verdadeiros nos seus discursos. Quer dizer, deve ser
possível comprovar se alguém está falando a verdade pela
análise daquilo que está sendo dito.

„„ A pretensão de correção – distingue‑se da pretensão


de verdade por não possuir um conteúdo fático, mas
é semelhante no sentido de que o falante deve estar
dizendo algo normativamente correto.

„„ A pretensão de sinceridade (veracidade) – também


deve acompanhar a expressão dos argumentos morais
numa comunidade ideal de comunicação. Quer dizer,

Unidade 2 47
Universidade do Sul de Santa Catarina

os participantes devem expressar de forma honesta


os argumentos que apresentarem e possuírem boa‑fé,
acreditando na necessidade de sua implementação.

Se perguntarmos agora a questão abaixo.

Por que alguém que venha a participar de uma


comunidade de comunicação deve assumir essas
pretensões de validade?

Habermas responderia que as pretensões de validade, analisadas


acima, são condições essenciais do discurso e, que, negá‑las, leva
a contradições performativas.

Seção 3 – Contradições performativas e os


fundamentos da ética do discurso
Nesta seção, você acompanhará uma reflexão sobre as
contradições performativas, de forma a acompanhar a
explicação de exemplos para que você aprenda a identificá‑las.
Você estudará também os fundamentos da ética do discurso
e acompanhará algumas observações críticas, também
exemplificadas para uma maior compreensão.

Habermas, ao falar sobre contradições performativas, está sendo


influenciado pela teoria de John Langshaw Austin. Veja um
pouco sobre as teorias desse filósofo no quadro a seguir.

48
Ética Contemporânea

John Langshaw Austin (1911‑1960) foi um filósofo da linguagem


britânico, que desenvolveu uma grande parte da atual teoria dos
atos de discurso. Filiado à vertente da Filosofia Analítica, ele se
interessou pelo problema do sentido em filosofia. Veja a Figura 2.4.
Na Filosofia da linguagem, ele alinhou‑se
com Ludwig Wittgenstein, preconizando
o exame da maneira como as palavras
são usadas para elucidar seu significado.
Austin elaborou um estudo sobre conceitos
de verdade e falsidade, qualificando os
atos de fala como sendo verdadeiros ou
falsos a depender da descrição que é feita.
Iniciou as ideias sobre o performativo,
onde falar é fazer, diferenciando atos
de meras descrições, porque eles nada Figura 2.4 - John L. Austin
descreviam, nada relatavam, etc. Sobre o Fonte: Cleves (2009).
performativo, ele desenvolveu uma teoria
que transformava os atos em felizes ou infelizes, ligando o ato da
fala a circunstâncias ideais de proferimento.

Para Habermas, um exemplo de contradição performativa seria


quando alguém fala: Eu não estou falando. Observe que o ato de
falar está, aparentemente, em contradição com o conteúdo do
que é dito.

A ideia de uma contradição performativa a ser


evitada é o que serve de justificativa para se assumir
as pretensões de verdade na comunidade ideal de
comunicação, que estabelecerá as regras morais a
serem seguidas por todos.

Todavia, perceba, que nem tudo está sujeito ao discurso


argumentativo visando ao consenso. As pretensões de validade
são anteriores ao próprio discurso comunicativo e funcionam
como condições de possibilidade do consenso. Por esta razão, elas
não precisam ser discutidas numa comunidade de pessoas que
dialogam e refletem juntas. Isto quer dizer que os fundamentos

Unidade 2 49
Universidade do Sul de Santa Catarina

da ética do discurso não estão sujeitos à discussão. Tendo


formulado um procedimento para decidir quais são as possíveis
regras morais de conduta, Habermas pôde apresentar o princípio
básico que embasa a ética discursiva.

Habermas (1989, p. 116) argumenta que uma determinada norma


somente pode ser aceita numa comunidade de comunicação se:

as conseqüências e efeitos colaterais, que previsivelmente


resultam de uma obediência geral da regra controversa
para a satisfação dos interesses de cada indivíduo, podem
ser aceitos sem coação por todos.

Habermas chamou esse princípio de princípio da


universalização e ele é a base da ética discursiva. Mas ele, por
si só, não pode garantir a fundamentação das normas de ação.
Assim, Habermas (1989, p. 116) apresenta o princípio do discurso
como complemento: “só podem reclamar validez as normas que
encontrem (ou possam encontrar) o assentimento de todos os
concernidos enquanto participantes de um discurso prático”.

Vamos tentar aplicar esse princípio na prática, diante


de alguns exemplos sobre temas polêmicos. Pense nos
seguintes questionamentos:

„„ será que é possível haver consenso entre médico, paciente,


familiares, as políticas de saúde pública ou privada?; e

„„ será que a sociedade pode chegar a um consenso em


questões como o aborto, a eutanásia, a pena de morte, a
utilização de células‑tronco embrionárias, as cotas raciais?

A ética discursiva parece valer‑se de um procedimento pouco


eficaz para a tomada de decisões morais tão cruciais quanto as
apontadas acima. Isto significa que o procedimento na prática
parece ser insuficiente, pois ele permite que os participantes
do discurso comunicativo tenham crenças diferentes, senão
antagônicas, sobre as questões que influenciam o tratamento de
problemas, como os mencionados acima. Por isso, parece utópico
esperar consenso sobre as questões colocadas.

50
Ética Contemporânea

Por isso, mesmo que todos sigam as pretensões de


validade em um discurso argumentativo, nas situações
idealizadas pela comunidade de comunicação,
parece ser difícil atingir um consenso sobre questões
polêmicas, tabus, crenças, etc.

Por outro lado, a grande vantagem da ética discursiva é chamar


a atenção para a necessidade de debate público sobre as grandes
questões e procurar democratizar o processo de estabelecimentos
de normas de ação.

Percebe‑se que no agir comunicativo, consoante à interpretação


habermasiana, duas premissas evidenciam-se. Primeiro, a
tentativa de alcançar o entendimento mútuo leva as pessoas a se
colocarem em acordo, a buscarem o consenso, o assentimento.
No agir comunicativo, um é motivado racionalmente pelo outro
para uma ação de adesão. Segundo, também é notório que não
existe adesão sem pretensões de validez, sejam elas de verdade, de
correção, de sinceridade em relação a algo que se refere ao mundo
objetivo, social, moral ou subjetivo.

Unidade 2 51
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você pôde compreender melhor a ética


discursiva. Você estudou sobre a linguagem e o entendimento
no pensamento de Habermas e, antes, viu a necessidade de
compreender o pensamento de Kant para, posteriormente,
perceber no que consistia, exatamente, a reformulação da ética
discursiva elaborada por Habermas. Você pôde entender que a
ideia básica da ética discursiva é que a finalidade fundamental da
linguagem humana é o entendimento entre os possíveis falantes.

Você viu também que, para Habermas, diferentemente de


Kant, não é mais o indivíduo isolado quem decide quais são
as regras morais a seguir. Estas são estabelecidas no interior
da comunidade dos falantes, isto é, dentro de um ambiente de
intersubjetividade na busca pelo entendimento.

Você também estudou que a ética discursiva não abandona um


traço essencial da ética de Kant, ou seja, a tese de que regras morais
devem ser universalmente válidas. Você viu que, para que sejam
universalmente válidas, é necessário que a regras morais sigam
determinadas condições ou fatores de pretensões da validade.

Por último, você viu que a ideia de uma contradição performativa


a ser evitada é o que serve de justificativa para se assumir as
pretensões de verdade na comunidade ideal de comunicação, que
estabelecerá as regras morais que devem ser seguidas por todos.
Essas regras morais são os princípios da ética do discurso.

52
Ética Contemporânea

Atividades de autoavaliação

1) Assinale verdadeiro (V) ou falso (F).


Kant (1986, p. 59) afirma: “Age apenas segundo uma máxima tal que
possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.
a) (  ) A fórmula acima é o critério pelo qual se devem testar as regras
subjetivas do agir.
b) (  ) A fórmula acima é o critério que deve valer como lei para todos
os racionais.
c) (  ) A fórmula acima é o imperativo hipotético.
d) (  ) A fórmula acima é o imperativo categórico.

2) Descreva qual é a principal diferença entre Kant e Habermas.

Unidade 2 53
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade,


consultando as seguintes referências:

HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio


de janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa:


Edições 70, 1986.

TUGENDHAT, E. Lições de ética. Petrópolis: Vozes, 1997.

54
3
UNIDADE 3

Uma teoria ético‑política


da justiça: John Rawls

Objetivos de aprendizagem
„„ Entender que John Rawls, em sua teoria da
justiça, pretende estabelecer os princípios de
justiça que serão pactuados e contratados
entre pessoas racionais, livres e iguais na
posição original sob o véu de ignorância.

„„ Compreender em que consiste o conceito


de posição original, descrito por John
Rawls, em sua Teoria da Justiça.

Seções de estudo
Seção 1 A justiça como equidade em John Rawls

Seção 2 Conceito de posição original


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, vamos perceber que John Rawls (1999), em sua
teoria da justiça, pretende fazer uma interpretação kantiana da
concepção de justiça. Esta interpretação baseia-se na noção de
Kant sobre a autonomia. Kant supõe que a legislação moral deva
ser aceita sob condições que caracterizam os homens como entes
racionais, livres e iguais.

A descrição da posição original é uma tentativa de interpretar


essa concepção. Nesta posição original, as pessoas têm a tarefa
de reconstruir a sociedade começando por estabelecer, por meio
de um pacto ou de um contrato, quais os princípios de justiça
que deverão servir de base para o estabelecimento dessa nova
sociedade feita de homens livres, iguais e autônomos.

Seção 1 – A justiça como equidade em John Rawls


Nesta seção, você perceberá que John Rawls, em sua teoria da
justiça como equidade, pretende estabelecer os princípios de
justiça que serão pactuados e contratados entre pessoas racionais,
livres e iguais na posição original sob o véu de ignorância.
(RAWLS, 1981).

Essa equidade, da qual fala Rawls, consiste na


adaptação dos princípios de justiça à situação
concreta, observando‑se os critérios de racionalidade,
liberdade e igualdade.

Pode‑se dizer, então, que a equidade adapta a regra a um caso


específico, a fim de deixá‑la mais justa. Ela é uma forma de se
aplicar o Direito, mas sendo o mais próximo possível do justo
para as duas partes.

56
Ética Contemporânea

A justiça como equidade


A teoria da justiça como equidade,
defendida pelo norte‑americano John
Rawls (1929‑2002), é um enfoque
ético‑político formado por princípios
deontológicos. Veja no quadro a seguir um
pouco mais sobre a deontologia.
Figura 3.1 - John Rawls
Fonte: O’Neill (2011).

Deontologia
Deontologia (do grego δέον, translit. deon “dever, obrigação”
+ λόγος, logos, “ciência”), na filosofia moral contemporânea, é
uma das teorias normativas, segundo as quais as escolhas são
moralmente necessárias, proibidas ou permitidas. Portanto, ela
se inclui entre as teorias morais que orientam nossas escolhas
sobre o que deve ser feito.
O termo foi introduzido em 1834, por Jeremy Bentham,
para referir‑se ao ramo da ética, cujo objeto de estudo é os
fundamentos do dever e as normas morais. É conhecida também
sob o nome de “Teoria do Dever”.
A deontologia também se refere ao conjunto de princípios e
regras de conduta – os deveres – inerentes a uma determinada
profissão. Assim, cada profissional está sujeito a uma deontologia
própria a regular o exercício de sua profissão, conforme o Código
de Ética de sua categoria. Neste caso, é o conjunto codificado
das obrigações impostas aos profissionais de uma determinada
área, no exercício de sua profissão. São normas estabelecidas
pelos próprios profissionais, tendo em vista não exatamente a
qualidade moral, mas a correção de suas intenções e ações, em
relação a direitos, deveres ou princípios, nas relações entre a
profissão e a sociedade.
Fonte: Wikipédia (2011).

Portanto, perceba que a deontologia refere‑se a princípios e


fundamentos, diferentemente da teleologia, que se refere às
finalidades. Um exemplo de moral deontológica é a moral
kantiana. Ela é guiada pela obrigação do dever, isto é, pelo
imperativo categórico.

Unidade 3 57
Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas, para início de conversa, vamos esclarecer em que medida


Rawls pode ser considerado um filósofo da moral, que segue a
tradição de Kant. Segundo John Rawls (1981, p. 251):

[...] interpretação kantiana da concepção de justiça [...].


Essa interpretação se baseia na noção de Kant sobre a
autonomia. [...] Kant supõe que a legislação moral deva
ser aceita sob condições que caracterizam os homens
como entes racionais, livres e iguais. A descrição da
posição original é uma tentativa de interpretar esta
concepção.

Rawls afirma que sua teoria da justiça pretende estabelecer


princípios de justiça, que seriam contratados entre pessoas
racionais, livres e iguais na posição original sob o que chama de
véu de ignorância.

Esses princípios de justiça

são também imperativos categóricos no sentido de


Kant, pois Kant entende por imperativo categórico um
princípio de conduta que se aplica a uma pessoa em
virtude de sua natureza como ente racional, livre e igual.
(RAWLS, 1981, p. 253).

A teoria da justiça de Rawls é deontológica, pois o cerne


da preocupação dele é kantiana, ou seja, diz respeito ao
estabelecimento do ponto de vista moral e não às questões
práticas, isto é, relativas ao bem‑agir e ao ser feliz.

Para Rawls (1981, p. 256), é necessário ter presente qual é o


conceito central da filosofia moral e política de Kant, pois, “é
um erro enfatizar o lugar da generalidade e universalidade na
ética de Kant”.

A força real da filosofia moral kantiana estaria na noção de


autonomia, isto é, da propriedade da vontade racional de ser lei
mesma e de submeter‑se unicamente àquelas normas que a razão
mesma cria para si, independentemente de toda a coerção empírica,
pois os princípios morais são o objeto de uma escolha racional.

58
Ética Contemporânea

A legislação moral tem de ser pública e não apenas aceita por


todos. Somente dessa forma será possível construir uma teoria
da justiça, que dê conta dos desafios da sociedade atual, marcada
pelo pluralismo moral.

É importante esclarecer porque Rawls dá tanta ênfase à justiça na


sua teoria ética e política. Explicaremos qual é a função da justiça
numa sociedade.

O papel da justiça, ou melhor, de um conjunto de princípios,


numa sociedade é o de fornecer uma opção entre os vários
ajustes sociais possíveis, que irão determinar, por sua vez, uma
divisão das vantagens da cooperação social entre os indivíduos e
assegurarão um acordo para uma partilha correta.

Uma sociedade é definida por Rawls (1981, p. 4) como

[...] uma associação auto‑suficiente de indivíduos que em


suas inter‑relações reconhecem a certas regras de conduta
o papel do amálgama e que agem, na maior parte das
vezes, em conformidade com elas.

Essas regras determinam um sistema de cooperação com a


função de desenvolver o que for desejável para aqueles que fazem
parte dessa sociedade.

Todavia, apesar da sociedade ser uma reunião


de cooperadores cujo intuito é obter vantagens
mútuas, ela está marcada por conflitos e por
interesses individualizados.

Uma sociedade está, por isso, em boa ordem quando é regulada


por um conceito público de justiça. Nas sociedades ocidentais
secularizadas, o justo e o injusto estão em discussão. Existem
diferentes noções do bom e do correto, do justo. A nossa
sociedade tem as seguintes noções de justiça:

„„ a cada um, segundo a sua necessidade;

„„ a cada um, segundo os seus méritos;

Unidade 3 59
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ a cada um, segundo a sua classe social;

„„ a cada um, segundo o que a lei lhe atribui;

„„ a cada um, segundo suas obras; e

„„ a cada um de modo igual.

Há vários conceitos de justiça aparentemente incomensuráveis.


Isso revela que as sociedades ocidentais são pluralistas. Todavia,
apesar dessas diferentes noções de justiça, cada indivíduo tem um
conceito de justiça e está convencido da necessidade de tê‑lo.

Mais do que isso, apesar desse pluralismo ético, existe a consciência


de que é necessário estabelecer princípios públicos de justiça.

Essa é a única forma de chegar a um acordo sobre os princípios


da justiça, dado que existem diferentes concepções do bem e da
própria justiça.

John Rawls (1981) sustenta que sua teoria política da justiça como
equidade é capaz de cumprir essa função. Por isso, a partir dela,
é possível determinar os direitos e os deveres das instituições
básicas de uma sociedade e uma distribuição dos benefícios e dos
encargos da cooperação social.

Para John Rawls (1981), o sujeito da justiça é a estrutura básica


da sociedade, isto é, a maneira pela qual as principais instituições
sociais distribuem os direitos e deveres fundamentais, e
determinam a partilha dos benefícios da cooperação social.

Você sabe quais são essas instituições?

Veja quais são elas a seguir.

„„ A constituição: é a Carta Magna, a Lei Maior de


uma Nação, na qual estão estabelecidos os princípios
fundamentais sobre os quais todas as outras leis e
decretos devem se fundamentar sob pena de serem
considerados Inconstitucionais. E a Constituição da
República Federativa do Brasil, promulgada em 1988,
em seu artigo 3º, expressa os objetivos fundamentais,
60
Ética Contemporânea

sendo o primeiro: “Construir uma sociedade livre, justa


e solidária”.

„„ A forma de governo: é aquela escolhida pelo povo. A


nossa está expressa no artigo 1º da Constituição:

A República Federativa do Brasil, formada pela união


indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui‑se em Estado democrático de direito e
tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores
sociais e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.
Parágrafo Único. Todo poder emana do povo, que o
exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição. (BRASIL, 1988).

„„ A forma de organização econômica: o artigo 170 da


Constituição de 1988 diz:

A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho


humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social [...]. (Idem).

„„ A forma de organização social: estabelece os direitos


sociais e o artigo 6º da CF assim se expressa:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a


moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. (Idem).

„„ A proteção da livre iniciativa e da concorrência: o artigo


170, inciso IV, da CF, garante a livre concorrência. E no
parágrafo único do referido artigo, a lei assim expressa:

É assegurado a todos o livre exercício de qualquer


atividade econômica, independentemente de autorização
de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. (Idem).

Unidade 3 61
Universidade do Sul de Santa Catarina

„„ A defesa da propriedade privada tendo um fim social:


a Constituição Brasileira tem como princípios gerais da
atividade econômica: a propriedade privada e a função
social da propriedade (conferir art. 170, inc. II e III,
da Constituição Federal). Isto significa que o direito
de propriedade privada não é absoluto, pois os direitos
coletivos e sociais têm prioridade. E o artigo 5º, inc.
XXII e XXIII, afirma claramente: “é garantido o direito
de propriedade; a propriedade atenderá a sua função
social”. (Idem).

„„ A proteção da liberdade de expressão: a Constituição


Brasileira no artigo 5º, inciso IX, expressa; “é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, cientifica
e de comunicação, independentemente de censura ou
licença”. (Idem). E, ainda, no artigo 206, inciso II:
“Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber”. (Idem).

 A proteção de ir e vir:

é livre a locomoção no território nacional em tempo de


paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele
entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”; e muito
importante; “conceder‑se‑á habeas corpus sempre que
alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência
ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade
ou abuso de poder. (Idem).

 A proteção e garantia da família, tal qual concebida


no ocidente: “A família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado”. (Idem).

Como você pôde perceber, todas essas instituições


básicas da sociedade brasileira estão profundamente
relacionadas com o senso de justiça.

62
Ética Contemporânea

A ideia de sociedade que John Rawls concebe é a da sociedade


pautada em fundamentos democráticos sólidos e liberais, tanto
em sua política como em sua economia.

Pergunta‑se, então:

Como John Rawls estabelece as condições para que


os princípios de justiça possam ser discutidos e aceitos
pelo contrato entre as partes e possam, também,
regulamentar as instituições básicas da sociedade?

Esta pergunta pode ser respondida esclarecendo‑se o conceito de


posição original. É isso que vamos fazer na próxima seção.

Seção 2 – Conceito de posição original


John Rawls (1981), na tentativa de interpretar a concepção
kantiana da autonomia, elabora a teoria da posição original.

A posição original refere‑se à reconstrução da


sociedade, cujas pessoas têm a tarefa de estabelecer,
por meio de um pacto ou um contrato, quais os
princípios de justiça que deverão servir de base para
o estabelecimento dessa nova sociedade feita de
homens livres, iguais e autônomos.

Veja, a seguir, uma explicação mais detalhada do que vem a ser o


conceito de posição original. Acompanhe.

Unidade 3 63
Universidade do Sul de Santa Catarina

Posição original
Vamos esclarecer em que consiste o conceito de posição original,
criado por John Rawls (1981, p. 108‑109). Segundo ele,

a posição original é definida de tal modo que seja um


status quo, pelo qual quaisquer acordos alcançados
sejam equitativos. É uma situação na qual as partes
são igualmente representadas como pessoas morais
e o resultado não é condicionado por contingências
arbitrárias ou pelo relativo equilíbrio das forças sociais,
pois a justiça enquanto equidade está apta a usar a pura
idéia de justiça processual desde o início.

Para isso, é interessante supor a seguinte situação: vamos


imaginar que alguém, repentinamente, entre em um estado
parcial de amnésia por causa de um acidente. Nesse estado de
perda parcial da memória, ele não se lembra de fatos essenciais
sobre sua própria pessoa. Portanto, ele:

Status social é a situação, estado „„ não sabe qual é a sua posição na sociedade onde mora;
ou condição de alguém perante
a opinião das pessoas, ou em „„ não lembra se é empregado ou é patrão;
função do grupo ou categoria em
que é classificado, e que pode „„ não lembra se é aluno ou professor;
lhe conferir direitos, privilégios,
obrigações, limitações, etc. É,
também, o grau de distinção
„„ não sabe se é branco ou negro;
ou de prestígio, ou a situação
hierárquica de um indivíduo ou „„ não sabe se é perfeito fisicamente ou se tem
grupo de indivíduos perante os algumas deficiências;
demais membros de seu grupo
social, dependente de avaliações „„ não sabe se é homem ou mulher;
e critérios variáveis, conforme as
diferentes sociedades, e associados
„„ não sabe se é heterossexual ou homossexual; e
a ações, comportamentos e
expectativas correspondentes.
„„ não se lembra tampouco qual é o seu status social.

A pessoa, neste estado de amnésia, além de não se lembrar de


seus status, não se recorda de suas capacidades naturais, por
exemplo, não sabe se tem algum talento; não sabe se é inteligente.

A pessoa também não se lembra da sua condição psicológica.


Ela não sabe, por exemplo, se é depressiva; se sofre de angústia;

64
Ética Contemporânea

ou se é extremamente feliz. Não sabe se é religiosa; e, em


sendo, não sabe a que religião pertence; não sabe definir o que
é o bem; não sabe ou, melhor, não se lembra dos valores que
costumava observar.

A pessoa não se lembra de coisas essenciais do meio em que vivia:


da sua situação econômica; da sua situação política; de seu nível
cultural. A pessoa também não se lembra a qual geração pertence
e, neste caso, não sabe se é pai ou avô, ou se é solteiro.

Mas é interessante frisar que a pessoa não esquece


completamente de tudo, ela se lembra de algumas coisas, poucas,
porém, interessantes. Vejamos: o sujeito que sofreu a amnésia
se lembra de que uma sociedade necessita de um mínimo de
organização; que é necessário que haja cooperação entre as
pessoas; que a sociedade está submissa às circunstâncias da
justiça; que a sociedade deve ser politicamente organizada e que
são necessários alguns princípios econômicos para conduzi‑la.

Nessa situação de esquecimento parcial, ou melhor,


de amnésia parcial, o indivíduo encontra‑se no que
John Rawls chama de posição original. O indivíduo
está sob um véu de ignorância: não conhece
as particularidades de sua própria pessoa e as
particularidades de sua sociedade, mas conhece as leis
gerais da sociedade e da sua própria psicologia.

Vamos, agora, imaginar a seguinte situação: todas as pessoas


de uma determinada sociedade ou do mundo todo estão nesta
situação de esquecimento, isto é, de amnésia parcial. Estas
pessoas, portanto, têm a tarefa de reconstruir a sociedade,
começando por estabelecer, por meio de um pacto ou de um
contrato, quais os princípios de justiça que deveriam servir
de base para o estabelecimento dessa nova sociedade. Neste
caso, elas deveriam fazer uma constituição e, em seguida, as
leis infraconstitucionais; deveriam decidir sobre que forma de
governo a sociedade deveria se submeter; deveriam decidir sobre
como seriam organizadas as atividades econômicas, etc.

Unidade 3 65
Universidade do Sul de Santa Catarina

Como o grupo teria que decidir sobre quais princípios de justiça


iriam construir a nova sociedade, pergunta‑se:

Quais seriam esses princípios de justiça escolhidos, ou


pactuados, na posição original?

John Rawls (1981, p. 232) responde que, na posição original, os


indivíduos contratariam e escolheriam dois princípios distintos:
os princípios de igualdade e de diferença. Veja a explicação de
Rawls para cada um deles.

Primeiro princípio – Cada pessoa tem de ter um igual


direito ao mais extensivo sistema total de básicas
liberdades iguais, compatíveis com um similar sistema de
liberdades para todos.

Segundo princípio – As desigualdades sociais e econômicas


têm de ser ajustadas de maneira que sejam tanto para o
maior benefício dos menos privilegiados, consistente com
o princípio justo de poupança quanto ligadas a cargos
e posições abertos a todos, sob condições de equitativa
igualdade de oportunidade.

Sendo assim, você pode concluir que:

O primeiro princípio requereria igualdade na atribuição


dos direitos e deveres básicos; e o segundo, que se
manteriam as desigualdades sociais e econômicas,
ou as desigualdades de riquezas e de autoridade,
sendo estas justas apenas se resultarem em benefícios
para todos e, em particular, para os membros menos
privilegiados da sociedade.

O primeiro princípio define e garante a igualdade das liberdades


básicas entre os cidadãos. Para Rawls (1981, p. 68):

As liberdade básicas do cidadão são, de forma geral,


a liberdade política (o direito de voto e a elegibilidade
para cargos públicos) associada à liberdade de expressão
e de reunião; a liberdade de consciência e de pensar; a

66
Ética Contemporânea

liberdade pessoal associada ao direito à propriedade; e a


liberdade de não ser preso arbitrariamente e de não ser
retido fora das situações definidas pela lei.

A necessidade desse princípio é determinante, pois nenhuma


sociedade se constituiria justa se todos os cidadãos não se
encontrassem no mesmo nível de igualdade em relação aos
direitos básicos. Já o segundo princípio prevê a possibilidade de
desigualdades socioeconômicas no tocante à distribuição de renda
e de bens. Segundo Rawls (Idem):

O segundo princípio, numa primeira aproximação, se


aplica à distribuição de renda e de bens, aplicando‑se
também aos propósitos de organizações que se utilizam
de diferenças na autoridade e na responsabilidade
ou na corrente de comando. Quanto à distribuição
de bens e rendas, ela não deve ser necessariamente
igualitária, deverá sempre ser de forma a dar a maior
vantagem possível para todos, sendo que, ao mesmo
tempo, as posições das autoridades e dos órgãos de
comando devem ser acessíveis a todos. Pode‑se aplicar
o segundo princípio, mantendo‑se as posições abertas e,
então sujeitas a esse tipo de pressão, organizando‑se as
desigualdades socioeconômicas para que sejam obtidas
vantagens para todos.

Nesse item, porém, um limite ético impõe-se, isto é, que as


desigualdades sejam administradas e organizadas para que
a obtenção de vantagens inclua a todos, principalmente os
mais necessitados.

Veja que esses princípios nos apontam que as liberdades básicas


devem ser igualmente distribuídas; as diferenças sociais e
econômicas, se por algum motivo tiverem que existir, devem
beneficiar os menos favorecidos, isto é, os mais necessitados.
A necessidade deve ser o critério de distribuição dos recursos,
pois ela estabelece o princípio da justiça, conhecido como
princípio da diferença.

Sendo assim, pense em como John Rawls justifica que


a posição original é a forma mais adequada para o
estabelecimento dos princípios da justiça.

Unidade 3 67
Universidade do Sul de Santa Catarina

John Rawls (1981) apresenta duas razões:

„„ a situação descrita na posição original contempla


pressupostos que são aceitos por todos; e

„„ é necessário ver se os princípios de justiça,


consensualmente estabelecidos, igualam as convicções de
justiça que temos ou as estendem de forma aceitável.

A obra Uma teoria da justiça (1981) é a prova mais cabal de quão


original é o esforço de John Rawls para implantar as bases da
sociedade em uma estrutura de princípios morais.

Síntese

Nesta unidade, você pôde perceber que John Rawls, em sua teoria
da justiça com equidade, pretende estabelecer os princípios de
justiça que são pactuados e contratados entre pessoas racionais,
livres e iguais na posição original.

Você viu que a equidade consiste na adaptação dos princípios


de justiça à situação concreta, observando‑se os critérios de
racionalidade, liberdade e igualdade. Sendo assim, a equidade
adapta a regra a um caso específico, a fim de deixá‑la mais
justa. Ela é uma forma de se aplicar o Direito, sendo este o mais
próximo possível do justo para as partes.

Você pôde compreender, então, que os princípios de justiça


como equidade nascem no contexto da posição original. Viu que
a descrição da posição original é uma tentativa de interpretar
a concepção kantiana da autonomia. Nesta posição original, as
pessoas têm a tarefa de reconstruir a sociedade, começando por
estabelecer, por meio de um pacto (contrato), quais os princípios
de justiça que deverão servir de base para o estabelecimento desta
nova sociedade feita de homens livres, iguais e autônomos.

68
Ética Contemporânea

Atividades de autoavaliação

1) Assinale nas assertivas abaixo quais são falsas (F).


Nas sociedades ocidentais secularizadas, o justo e o injusto estão em
discussão. Existem diferentes noções do bom e do correto, do justo. A
nossa sociedade tem as seguintes noções de justiça:
a) (  ) a cada um, segundo o seu desejo;
b) (  ) a cada um, segundo seus méritos;
c) (  ) a cada um, segundo sua classe social;
d) (  ) a cada um, segundo o que a lei lhe atribui;
e) (  ) a cada um, segundo suas obras;
f) (  ) a cada um de modo desigual.

2) John Rawls fala que as instituições básicas da sociedade devem distribuir


os direitos e deveres fundamentais e devem determinar a partilha dos
benefícios da cooperação social. Tomando como base o que autor
aborda sobre o assunto, descreva sobre a Constituição; a propriedade
privada; e a liberdade de expressão na Constituição brasileira.

Unidade 3 69
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade,


consultando as seguintes referências:

RAWLS, J. Uma teoria da justiça. Brasília: UnB, 1981.

SILVA, M. B. Parâmetros de fundamentação moral.


Petrópolis: Vozes, 2005.

70
4
UNIDADE 4

Liberdade e igualdade
preferencial

Objetivos de aprendizagem
„„ Compreender as mudanças provocadas pela reflexão
ética sobre a liberdade e a igualdade.

„„ Identificar a incoerência da moral tradicional.

„„ Entender que, para se aprimorar moralmente, é


necessário incluir, em suas considerações éticas, todos
os seres capazes de sentir dor e de sofrer.

Seções de estudo
Seção 1 Liberdade e igualdade

Seção 2 A moral tradicional: dois pesos e duas medidas

Seção 3 A dor e o prazer


Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você refletirá e ampliará seu conhecimento sobre
os conceitos de liberdade e de igualdade. Como você já pode
notar, a liberdade e a igualdade são princípios ético‑políticos
muito importantes para a tradição. Eles têm sido considerados
abrangentes o suficiente para permitir à razão humana abandonar
seu projeto de limitar o círculo moral aos interesses exclusivos de
sujeitos racionais.

A proposta desta unidade é sugerir uma reflexão acerca desses


conceitos, de modo que você compreenda a abrangência da
comunidade moral, que inclui todos os seres capazes de sentir dor
e de sofrer, não na condição de agentes morais, mas na condição
de pacientes morais.

Seção 1 – Liberdade e igualdade


Nesta seção, procuramos apontar as mudanças provocadas
pela reflexão ética, feitas por Peter Singer (1994), a respeito da
liberdade e da igualdade entre todos os seres capazes de sentir
dor e de sofrer, isto é, todos os seres sencientes.
Senciência é a capacidade
de sofrer ou de sentir prazer
ou felicidade. Ela não inclui, Peter Singer (2004) está entre
necessariamente, a autoconsciência. os primeiros filósofos ocidentais,
do século XX e XXI, a propor um
redimensionamento ao alcance da
responsabilidade moral humana
perante os animais. Ele apresenta
seus argumentos no livro Libertação
Animal. Veja a Figura 4.1. Figura 4.1 - Peter Singer
Fonte: Pavão (2010b).

O projeto do filósofo Peter Singer rompeu o círculo tradicional


da moralidade, incomodando os adeptos mais ferrenhos da
discriminação moral especista, isto é, das espécies. Sua proposta

72
Ética Contemporânea

é a de ampliar a comunidade moral, incluindo nela todos os seres


capazes de sentir dor e de sofrer, não na condição de agentes
morais, mas na condição de pacientes morais.

A liberdade e a igualdade são princípios


ético‑políticos muito importantes para a tradição.
Elas têm sido consideradas por Peter Singer como
abrangentes o suficiente para permitir à razão humana
abandonar seu projeto de limitar o círculo moral aos
interesses exclusivos de sujeitos racionais.

Peter Singer (1994, p. 23) desafia todos os moralistas tradicionais


“a repensarem o significado e o alcance do princípio da igualdade
e propõe um limite à liberdade individual”. Segundo ele, isto
deve ocorrer sempre que as ações do agente moral, ou do sujeito
moral, forem capazes de afetar negativamente interesses de outros
seres, capazes de sofrer e de sentir dor.

Para este autor, o sujeito que age moralmente deve ser guiado
por um princípio racional. Este princípio está expresso
no reconhecimento do dever de igual consideração de
interesses semelhantes.

Mas este princípio não deve ser considerado absoluto. Porém,


para definir bem as circunstâncias nas quais um princípio moral
fundamental deve ceder lugar a um segundo princípio moral,
há que se ter em vista os desdobramentos ou consequências
da ação para todos os seres afetados pela decisão. Se as
consequências da ação exigirem, o princípio ético fundamental
pode ser complementado por outro princípio, desde que sua
aplicação represente a garantia de resultados mais compatíveis
com o ideal da igualdade moral no tratamento de interesses e
de preferências semelhantes.

O princípio da igual consideração de interesses,


por exemplo, embora determine que as ações
morais respeitem do mesmo modo os interesses
semelhantes, cede lugar para um segundo
princípio, o da diminuição da utilidade marginal, em
circunstâncias inigualitárias (SINGER, 2004).

Unidade 4 73
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para Peter Singer (2002), a ética tem como objetivo prestar


ajuda para a formulação de juízos morais apropriados a cada caso
particular, sem perder de vista a finalidade das ações morais.
Assim, a ética deve contribuir para a igualdade no tratamento de
interesses semelhantes, abolindo todas as formas de discriminação
moral, passando pelo racismo, sexismo e pelas espécies.

Os seres racionais, isto é, dotados de razão, podem e devem


compreender o bem e o mal que fazem e, por essa razão, são
considerados sujeitos ou agentes morais. Sendo assim, são capazes
de estabelecer limites às suas próprias ações quando elas fazem
mal a outros seres que sofrem e sentem dor. Dizemos isso porque
o mal que sujeitos racionais são capazes de praticar não afeta
somente seus iguais, seres dotados de razão e linguagem humana.

Se a razão e a linguagem humana são necessárias


para o conhecimento e a compreensão das
consequências das próprias ações, não é verdade que
sejam necessárias para que o sujeito sinta o impacto
de ações danosas, violentas, dolorosas e letais.
Qualquer ser vivo, capaz de sofrer, pode sentir os
impactos violentos. Não é necessário possuir razão ou
linguagem humana perfeita para sentir dor.

É por essa razão que Peter Singer propõe uma revisão do


conceito e do alcance dos deveres morais para incluir seres não
racionais, seres com outros tipos de linguagem, porém dotados
de sensibilidade, no âmbito da comunidade humana, na qual se
estabelecem os deveres morais. Veja a Figura 4.2.

Figura 4.2 - Protesto em favor dos animais


Fonte: Francione (2010).
74
Ética Contemporânea

Nos anos 70 do século passado, revivemos a luta contra todas as


formas de discriminação. Acompanhe.

Racismo
O racismo é a tendência do pensamento, ou do modo de pensar,
em que se dá grande importância à noção da existência de raças
humanas distintas e superiores umas às outras. Nele, existe a
convicção de que, em alguns indivíduos, as suas relações entre
características físicas hereditárias e determinados traços de
caráter e inteligência, ou manifestações culturais, são superiores a
outros. Veja a Figura 4.3.

Figura 4.3 - Logo contra o racismo


Fonte: UNICEF (2011).

Sexismo
Sexismo é um termo que se refere ao conjunto de ações e
ideias que privilegiam entes de determinado gênero (ou, por
extensão, que privilegiam determinada orientação sexual) em
detrimento dos entes de outro gênero (ou orientação sexual).
Veja a Figura 4.4. Figura 4.4 - Não ao sexismo
Fonte: Zazzle (2000-2011).

Autoritarismo
O Autoritarismo pode ser definido como um comportamento
em que uma instituição ou uma pessoa excede-se no exercício
da autoridade que lhe foi investida. Ele pode ser caracterizado
pelo uso do abuso de poder e da autoridade, confundindo‑se com
o despotismo. Nas relações humanas, o autoritarismo pode se
manifestar na vida nacional, em que um déspota ou ditador age
sobre milhões de cidadãos; até na vida familiar, na qual existe a

Unidade 4 75
Universidade do Sul de Santa Catarina

dominação de uma pessoa sobre outra usando o poder financeiro,


econômico ou pelo terror e coação. Veja a Figura 4.5.

Figura 4.5 - Autoritarismo


Fonte: Schuster (2010).

Em meados da década de 70 do século passado, a luta pela


igualdade racial e sexual abalava a estrutura tradicional do poder
dos homens brancos. Neste mesmo período, nas universidades
e nas ruas, a defesa da igualdade configurou‑se na luta pelo fim
da discriminação praticada pelos adultos contra os jovens. Estes
eram submetidos, por conta de sua dependência econômica,
ao mando, à prepotência de autoridades escolares, familiares,
universitárias e políticas.

A luta pela igualdade entre indivíduos de gerações do presente


e do futuro da humanidade tomou uma grande proporção. Isso
era evidente nas manifestações políticas pela preservação da
natureza. As gerações futuras foram, pela primeira vez, tidas
como iguais, no que diz respeito ao direito de usufruir dos
recursos naturais necessários a uma vida saudável.

Podemos afirmar que os anos 70 foram tempos


importantes de luta e de reflexão sobre a liberdade
e a igualdade.

76
Ética Contemporânea

Neste período, a concepção de igualdade, apregoada no século


XIX pelos socialistas, passou a ser abordada nos textos e nas
ruas. Tal crítica, caracterizada como libertária, desvelava o
significado moral e político do ideal da liberdade e da igualdade.
Este ideal, até então, era destinado apenas a realizar o projeto
ético de homens brancos, proprietários, acumuladores do valor do
trabalho de outros homens, reprodutores, estes, de uma força de
trabalho disponível ao capital capaz de contratá‑la.

A igualdade apregoada pelos pensadores do século XVIII era um


ideal destinado aos homens de negócios, e não aqueles que na
época eram considerados

incapazes de firmar e cumprir contratos: negros,


mulheres, jovens, crianças, deficientes, animais e outros
seres vivos não livres para se confrontar com aqueles que
se autodeclaram iguais, os homens. (CARVALHO,
2007, p. 170‑171)

Desde Aristóteles, a igualdade sempre foi pensada


como princípio para nortear as relações dos que
possuem uma mesma natureza. Em Atenas, os
iguais eram do sexo masculino, nascidos na cidade,
proprietários e donos de seus negócios. Apenas
seu interesse contava na esfera pública, para a
qual a virtude da justiça foi constituída no tratado
Ética a Nicômaco, destinado a orientar o homem
para o exercício de sua liberdade em condições de
igualdade com os muitos que a ele se assemelhavam Figura 4.6 - Aristóteles
em natureza e poder. Veja a Figura 4.6. Fonte: Moreira (2011).

A ética de Peter Singer (CARVALHO, 2007) em defesa dos


animais critica o ideal de igualdade, cujos pressupostos – razão,
linguagem e autonomia – acabam por restringir o acesso da
maior parte dos indivíduos ao âmbito da comunidade moral.
Esta noção de ética surge no contexto da luta pela libertação de
todos os seres vulneráveis à exploração, ao abuso e à violência
individual e institucional.

Unidade 4 77
Universidade do Sul de Santa Catarina

Se o sujeito moral quer ser ético, se quer ser justo em


suas decisões e ações, ele deve preservar um único
princípio: o do respeito à igualdade de interesses
semelhantes.

Para Peter Singer (CARVALHO, 2007), todos os seres


constituídos como sujeitos de interesses são seres sencientes, ou
seja, seres dotados da capacidade de sentir dor e de comprazer‑se
com o que é bom ou agradável, ainda que tais conceitos devam
ser entendidos sempre como peculiares a cada indivíduo. Para
este autor, os seres sencientes devem ser incluídos no âmbito da
consideração moral, mesmo que não sejam membros da espécie
Homo Sapiens.

A ética de Peter Singer (CARVALHO, 2007) propõe a superação


da filosofia moral especista.

O termo especismo, apareceu, pela primeira vez, num panfleto


escrito por Richard D. Ryder, na Inglaterra, em 1973. Especismo
completa, a par dos termos racismo e machismo – este último
tendo sido posteriormente designado na literatura feminista por
sexismo –, a trilogia de conceitos políticos, que designam as mais
diversas formas de discriminação: racial, sexual e biológica.
O termo especismo designa o que Peter Singer (2004) passou
a considerar a questão central da ética contemporânea,
a discriminação praticada pelos seres humanos contra os
interesses dos animais, por não pertencer à espécie humana.

Inevitavelmente, Singer desafia o sujeito moral a superar


a duplicidade de critérios e a confrontar‑se com a própria
incoerência, por defender um princípio quando seus interesses
estão em jogo e outro, contrário àquele, quando interesses alheios
semelhantes estão em jogo. (CARVALHO, 2007).

Peter Singer (CARVALHO, 2007) valoriza as informações


biológicas ao propor que respeitemos a tendência natural humana
de cuidar do bem‑estar daqueles que formam nosso círculo

78
Ética Contemporânea

mais próximo. O autor acrescenta ainda que, com base nessa


tendência, proponhamos regras racionais para expandir o círculo
da moralidade, a fim de contemplar os mesmos interesses de
todos os seres capazes de sentir dor e de sofrer.

Seção 2 – A moral tradicional: dois pesos e duas medidas


Nesta seção, você aprenderá a identificar a incoerência da
moral tradicional ao se utilizar de dois pesos e de duas medidas
para fundamentar a sua prática moral. Além do grave erro em
fundamentar a prática moral em um critério: o da pertinência à
determinada espécie.

Os especistas, isto é, os que fundam na pertinência a uma


determinada espécie o direito de um indivíduo qualquer ser
considerado moralmente digno de respeito, incorrem ainda em
um segundo erro.

O de estabelecer como princípio moral o dever


exclusivo do respeito aos próprios interesses,
os da espécie Homo Sapiens.

Podemos afirmar que, da ética construída sobre esses critérios


(o da pertinência à determinada espécie e o dever exclusivo de
respeito aos próprios interesses), resulta como consequência um
prejuízo para os membros de todas as demais espécies vivas.

Uma ética que legitima a prática de atos de destruição da vida de


outros seres vivos para beneficio daqueles seres que se declaram os
únicos dignos de terem suas vidas preservadas não pode atender a
nenhum dos três requisitos fundamentais de um princípio moral:
universalidade, generalidade e imparcialidade. Esses requisitos
essenciais não são atendidos pela moral especista. Esta declara
ser imoral praticar determinados atos somente se o sujeito afetado
negativamente pertencer à espécie humana.

Unidade 4 79
Universidade do Sul de Santa Catarina

Desse modo, o princípio da não-maleficência e o da


beneficência deixam de ter validade universal caso o
paciente de uma ação, isto é, aquele que sofre, não
pertença à espécie humana.

A ética especista autoriza que os mesmos atos condenados, caso


afetem seres humanos, sejam aprovados quando o sujeito que os
sofre não pertença à espécie humana, violando, desse modo, o
critério racional da aplicabilidade de um princípio considerado
universalmente válido à generalidade dos casos semelhantes.
Atos considerados violentos, cruéis e imorais, caso praticados
contra seres humanos, são considerados irrepreensíveis, quando
praticados contra seres de outras espécies, ainda que representem
o mesmo tipo de tortura e a destruição da vida de um ser dotado
de senciência. (CARVALHO, 2007).

O Abatimento de Animais
Gail Eisnitz transcreve, em seu livro Slaughterhouse (EISNITZ,
1997) os depoimentos colhidos pessoalmente de dezenas de
trabalhadores empregados em frigoríficos norte‑americanos
para matar frangos, porcos e bois. Os matadores de porcos,
bois e frangos relatam a ineficácia dos métodos empregados
para nocaute dos animais, antes de sofrerem os procedimentos
corriqueiros de depenação, limpeza dos pelos e retirada do
couro, no caso dos bovinos.
Os porcos são nocauteados com pistola de pressão, antes da
sangria e despelamento. Mas, devido à mobilidade do alvo – o
crânio do porco vivo em movimento na esteira da morte –, dois
terços do total de porcos abatidos são sangrados e imergidos nos
tanques de água fervente ainda conscientes, o que representa
a mais cruel das mortes, pois o animal inspira água fervente
para dentro de seus pulmões. Vale lembrar o fato de que
provavelmente dois terços da carne de porco consumida mundo
afora resultam da morte por afogamento em água fervente,
sofrida pelo animal no momento do abate.
Analogamente ao que ocorre com os porcos, frangos e bois
são abatidos em meio à imensa agonia, diariamente, ao redor
do planeta. Mas não temos escrúpulos moral algum em

80
Ética Contemporânea

relação ao fato de comermos carne de animais abatidos no


meio do maior sofrimento.
Quando se trata de sofrimento idêntico infligido a seres humanos,
porém, temos clareza quanto à injustiça de quem o produz.
Com sujeitos humanos, num contexto específico caracterizado
como ato criminoso, os meios de comunicação de massa nos
relataram, em 1º de agosto de 2004, o incêndio que matou
quase quatrocentas pessoas num supermercado em Assunção,
Paraguai. Os médicos confirmaram que muitas pessoas morreram
por respirar o ar quente que se concentrou no interior do
supermercado, não por alguma queimadura ou fratura.
O mesmo horror que se apossa de nós, ao imaginarmos a agonia
daquelas pessoas trancadas no edifício a respirar ar em fogo,
não se manifesta em relação aos animais que comemos após
eles terem sofrido a mesma espécie de morte, nos caldeirões
dos abatedouros.
Temos, enfim, dois pesos e duas medidas para avaliar o
sofrimento de seres sensíveis. Esses dois pesos resultam do
cultivo de dois sentimentos morais contraditórios: um para
proteger nossos próprios interesses, outro para ignorar os
interesses alheios. Tal moralidade é dúbia.

Na moral especista, um mesmo sujeito, o humano, tem não


apenas um, mas dois critérios morais distintos:
„„ um deles para justificar o atendimento de seus interesses
especistas; e

„„ outro para justificar a destruição de interesses e


preferências de outros pelo simples fato de não
pertencerem à espécie moralmente certa.

O sujeito moral é um mesmo, mas tem duas faces,


pois não admite que seus interesses sejam sacrificados
para beneficiar interesses alheios, mas defende que
interesses alheios sejam violentados para beneficiá‑lo
(CARVALHO, 2007, p. 180).

Unidade 4 81
Universidade do Sul de Santa Catarina

Aristóteles (2001), em seu livro Ética a Nicômaco (livro I,


1102a 25‑30 e 1102b.), já esclarecia aos filósofos morais sobre a
constituição da natureza humana. Em comum com os animais,
os seres humanos partilham algumas formas de expressão da
alma, ou seja, os movimentos constitutivos de seus interesses
mais básicos: o vegetativo, o nutritivo e o desiderativo ou
apetitivo. Em alguns animais, até mesmo o raciocínio aparece,
ainda que em uma forma distinta da do humano.

Seres vivos raciocinam de um modo ou de outro, quando são


capazes de distinguir o que dá prazer e bem‑estar do que causa
desconforto e mal‑estar. Todos os seres sensíveis são constituídos
de um movimento ou ânimo desiderativo e de certa capacidade
de raciocinar com as informações, resultado das experiências
de interação física e mental com o ambiente natural e social.
Essa capacidade os ajuda a identificar o que é bom e útil à
preservação de sua integridade orgânica animal. Seres dotados de
ânimo desiderativo também o são de sensibilidade, pela qual se
configuram as experiências elementares da dor e do prazer.

Jeremy Bentham (2000) publicou em


Londres, em 1781, o livro An introduction
to the principles of moral and legislation.
Nessa obra, ele denuncia a moral
tradicional por estabelecer a aparência
biológica e não a capacidade moral
de sofrer como critério definidor da
linha divisória, que distingue os seres
em relação aos quais temos o dever de
respeito dos demais.
Figura 4.7 - Jeremy Bentham
Benthan (veja a Figura 4.7) declara, em Fonte: Pavão (2010a).
sua ética, que jamais o ser humano
alcançará o aprimoramento moral, a menos que passe a incluir
em suas considerações éticas todos os seres capazes de sentir
dor e de sofrer.
Alegar que os animais não falam, não pensam, nem são capazes
de fazer acordos, que os protejam contra a violência que podem
sofrer, não constituem um argumento válido, afirma Bentham.

82
Ética Contemporânea

Se esse argumento fosse universalmente válido, muitos seres


humanos seriam excluídos da comunidade moral. Argumentar
dessa forma implica reconhecer valor não aos interesses dos seres,
mas apenas à sua capacidade de firmar contratos.

Em outras palavras, para a filosofia moral tradicional, os


interesses de um sujeito não têm valor moral algum se ele não for
capaz de raciocinar.

Peter Singer (CARVALHO, 2007) retoma alguns dos


conceitos da ética de Bentham, especialmente os de igualdade
e interesses. Uma consideração verdadeiramente ética pelo
outro deve se basear no propósito igualitário de não tratar de
forma discriminatória o semelhante. Sendo assim, se temos
um princípio para tratar um interesse específico, todos os casos
semelhantes devem ser tratados com igual consideração.

Atento aos riscos de se buscar uma semelhança na aparência


para facilitar o emprego de meios semelhantes no atendimento
de necessidades semelhantes, Singer (CARVALHO, 2007)
estabelece que a posse da razão e da linguagem não serve de
critério para definir a semelhança moralmente significativa.

Instigado pela crítica e sugestão de Bentham, Singer


(CARVALHO, 2007) adota a sensibilidade como novo
parâmetro ético.

Os interesses de um sujeito moral podem até nascer de


sua racionalidade, mas os de um paciente moral têm
origem em sua sensibilidade.

Em vez do respeito exclusivo ao que tem origem no raciocínio,


Singer propõe que o sujeito moral respeite no paciente moral
sua condição senciente, ou seja, sua vulnerabilidade à dor e ao
sofrimento. Com isso, alarga‑se a responsabilidade moral do
sujeito, que passa a abranger todas as ações humanas capazes de
afetar negativa ou positivamente os interesses de todos os seres
sencientes. (CARVALHO, 2007).

Unidade 4 83
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 3 – A dor e o prazer


Nesta seção, você poderá entender que, para se aprimorar
moralmente, é necessário incluir, em nossas considerações éticas,
todos os seres capazes de sentir dor e de sofrer.

Os utilitaristas definem a dor e o prazer daqueles que são


afetados pelas ações de sujeitos morais como critério delimitador
do respeito ético. Eles rompem com, pelo menos, dois dos
critérios da moralidade tradicional: a razão e a linguagem. Neste
sentido, os utilitaristas expandem o círculo da moralidade para
incluir interesses antes excluídos de qualquer consideração.

Em filosofia, o utilitarismo é uma doutrina ética


que prescreve a ação (ou inação) de forma a otimizar
o bem‑estar do conjunto dos seres senciente. O
utilitarismo é, então, uma forma de consequencialismo,
ou seja, ele avalia uma ação (ou regra) unicamente
em função de suas consequências. Filosoficamente,
pode‑se resumir a doutrina utilitarista pela frase: agir
sempre de forma a produzir a maior quantidade de
bem‑estar (princípio do bem‑estar máximo).

Todos os seres dotados de sensibilidade e consciência,


denominados sencientes por Peter Singer, constituem‑se em
membros pacientes da comunidade moral, ainda que não possam
ser agentes morais.

O sujeito moral deve nortear sua vontade pelo princípio da


coerência, regulando de modo semelhante todas as decisões
relativas aos casos de uma mesma natureza.

Por exemplo, minimizar a dor e o sofrimento


ou promover o bem‑estar e a felicidade,
independentemente do aspecto físico exterior
daquele que sofre as consequências da ação.

A dor experimentada conscientemente por seres humanos e por


animais de qualquer espécie impede-os, igualmente, da atividade
de prover‑se, ou seja, de atender aos próprios interesses com
autonomia prática.
84
Ética Contemporânea

A expressão autonomia prática designa a capacidade,


nos animais, de se autoprover, algo que os constitui
em sujeitos de direitos constitucionais, pelo menos
em sujeitos das duas liberdades físicas fundamentais,
asseguradas aos humanos pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos: a do movimento ou não
aprisionamento e a do autoprovimento ou não
escravização e exploração.

Seres sencientes têm pelo menos duas características:

„„ o interesse em não sentir dor; e

„„ a preferência por estar bem na vida.

A comunidade moral deve ser redefinida para abranger os


interesses e preferências de todos os seres, ainda que milhões
deles não tenham a configuração biológica Homo Sapiens. Por
uma questão de coerência, o mesmo argumento sustentado
para a defesa de humanos destituídos de razão e linguagem,
mas constituídos de senciência – que os habilita a compor a
comunidade de seres dotados de interesses e preferências – deve
ser empregado para exigir da filosofia moral a consideração de
pelo menos um interesse semelhante em todos os seres sencientes:
o de não sentir dor nem sofrer.

Portanto, para Peter Singer (CARVALHO, 2007), o


princípio da igual consideração de interesses exige
a ampliação do círculo da comunidade moral para
abranger com respeito os interesses de todos os seres
sencientes, independentemente da espécie biológica à
qual pertençam.

Com relação à proteção ambiental, Singer (CARVALHO, 2007)


defende a natureza, não por considerar que plantas e ecossistemas
sejam sencientes, mas por considerar que os interesses e as
preferências de seres sencientes devem ser respeitados. O
ambiente natural, florestas, rios e ecossistemas, fontes de vida
de valor inestimável, devem ser preservados para as gerações
sencientes futuras, cuja existência se caracteriza pela autonomia
prática na busca da própria sobrevivência.

Unidade 4 85
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ecossistemas devem, pois, ser preservados ao redor do planeta


por uma razão indireta. Singer não reconhece às plantas e aos
ecossistemas em geral a posse de interesses e de preferências.
Mas reconhece aos sujeitos sencientes a posse de um interesse
fundamental, o de não sofrer.

Destruir as fontes naturais da vida representa um


imenso sofrimento para seres sencientes. Tem‑se aí
suficiente argumento para a defesa dos ambientes
naturais, ainda que eles não se constituam em pessoas.

O critério da senciência parece não satisfazer os ambientalistas,


para os quais a linha divisória da defesa do valor da vida deve ser
traçada na diversidade das espécies vivas e não na complexidade
mental dos indivíduos.

Peter Singer constrói uma ética para a defesa dos


interesses semelhantes de todos os sujeitos para além
de seu formato exterior. Os ambientalistas defendem
uma ética de proteção de ecossistemas sem considerar
particularmente o valor da vida mesma para um
indivíduo particular.

De qualquer modo, a proposta ética de Peter Singer introduz,


na filosofia moral tradicional, perfeccionista e contratualista, a
crítica ao critério da razão e da linguagem como definidor da
linha divisória, que separa interesses morais de outros destituídos
de qualquer valor. Veja a Figura 4.8.

Figura 4.8 - Singer e a ovelha


Fonte: Terra (2011).

86
Ética Contemporânea

Peter Singer está certo ao afirmar que o interesse em


não sentir dor nem sofrer pode estar escondido sob as
mais estranhas aparências.

Uma ética abrangente e não discriminatória deve ser capaz de


respeitar o que de fato importa para o indivíduo em questão:
seu desejo de interagir prazerosamente com o ambiente natural
e social no qual sua forma de vida se configure, livremente
(CARVALHO, 2007). Veja as Figuras 4.9 e 4.10:

Figura 4.9 - Koalas Figura 4.10 - Cão e gato


Fonte: Koala Bear (2010). Fonte: Mariana (2011).

Unidade 4 87
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você pôde refletir e ampliar as suas informações e


conhecimentos sobre os conceitos de Liberdade e Igualdade. Você
pôde conferir estes conceitos sob o ponto de vista do filósofo
Peter Singer. Viu que os conceitos de liberdade e de igualdade
são princípios ético‑políticos muito importantes para a tradição
e têm sido considerados, por Singer, abrangentes o suficiente
para permitir à razão humana abandonar seu projeto de limitar o
círculo moral aos interesses exclusivos de sujeitos racionais.

Você pôde entender, a partir dos conceitos apresentados por


Singer, qual a importância de ampliar a comunidade moral,
incluindo nela todos os seres capazes de sentir dor e de sofrer,
não na condição de agentes morais, mas na condição de
pacientes morais.

Você viu também que, para este autor, há uma incoerência da


moral tradicional ao se utilizar de dois pesos e duas medidas
para fundamentar a sua prática moral. Uma consideração
verdadeiramente ética pelo outro deve basear‑se no propósito
igualitário de não tratar de forma discriminatória o semelhante.
Sendo assim, se temos um princípio para tratar um interesse
específico, todos os casos semelhantes devem ser tratados com
igual consideração.

Enfim, você pôde entender que, para nos aprimorarmos


moralmente, é necessário incluir, em nossas considerações éticas,
todos os seres capazes de sentir dor e de sofrer. E, ainda, que o
interesse em não sentir dor nem sofrer pode estar escondido sob
as mais estranhas aparências.

88
Ética Contemporânea

Atividades de autoavaliação

1) Peter Singer desafia os moralistas tradicionais a repensarem o


significado e o alcance do princípio da igualdade e propõe um limite à
liberdade individual. Analise as afirmações abaixo e assinale verdadeiro
(V) ou falso (F):
a) (  ) Sempre que as ações do agente moral ou sujeito moral forem
capazes de afetar negativamente interesses de outros seres,
capazes de sofrer e de sentir dor.
b) (  ) O sujeito que age moralmente deve ser guiado por um princípio
racional. Este princípio está expresso no reconhecimento do
dever de: igual consideração de interesses semelhantes.
c) (  ) Mas este princípio não deve ser considerado absoluto.
d) (  ) Se as consequências da ação exigirem, o princípio ético
fundamental pode ser complementado por outro princípio,
desde que sua aplicação represente a garantia de resultados
mais compatíveis com o ideal da igualdade moral no tratamento
de interesses e preferências semelhantes.

2) Descreva qual é a incoerência da moral tradicional, segundo Peter Singer.

Unidade 4 89
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade,


consultando as seguintes referências.

CARVALHO, M. C. O utilitarismo em foco: um encontro com


seus proponentes e críticos. Florianópolis: UFSC, 2007.

EISNITZ, Gail A. Slaughterhouse. The shocking story of


greed, neglect, and inhumane treatment inside the U.S. meat
industry. Amherst, NY: Prometheus Books, 1997.

FELIPE, Sonia. Ética e experimentação animal. Fundamentos


abolicionistas. Florianópolis: UFSC, 2007.

SINGER, Peter. Ética prática. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

______. Libertação animal. Porto Alegre: Lugano, 2004.

______. Vida ética. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

90
5
UNIDADE 5

O desenvolvimento humano:
inteligência, intuição e
responsabilidade ética

Objetivos de aprendizagem
„„ Entender que o desenvolvimento humano, segundo
Henri Bergson e Hans Jonas, faz‑se com: inteligência,
intuição e responsabilidade ética.

„„ Reconhecer o papel da ciência no conhecimento do ser


humano e compreender o mecanismo da inteligência.

„„ Analisar a possibilidade de determinar o momento inicial


de um ser humano.

„„ Perceber o papel da Intuição filosófica e da ética no


desenvolvimento do ser humano.

„„ Observar a possibilidade de determinar o instante


preciso do início da vida humana.

Seções de estudo
Seção 1 O desenvolvimento humano: inteligência, intuição
e responsabilidade ética

Seção 2 O papel da ciência no conhecimento do ser


humano e o mecanismo da inteligência

Seção 3 A possibilidade de determinar o momento inicial de


um ser humano

Seção 4 A intuição filosófica e a ética no desenvolvimento


do ser humano

Seção 5 A possibilidade de determinar o instante preciso do


início da vida humana
Universidade do Sul de Santa Catarina

Para início de estudo


Nesta unidade, você terá um encontro com dois grandes
pensadores: Henri Bergson e Hans Jonas; pensadores
importantes, sistemáticos, teóricos e práticos. Eles nos fazem
entender que o conhecimento do desenvolvimento humano faz‑se
com inteligência, com intuição e com responsabilidade ética.

Esses filósofos reconhecem o papel da ciência no conhecimento do


ser humano e nos explicam o mecanismo da inteligência. Porém,
fazem‑nos perceber o papel da intuição filosófica e da ética no
processo de conhecimento do desenvolvimento do ser humano.
É preciso cuidar do presente e do futuro das novas gerações.

Seção 1 – O desenvolvimento humano: inteligência,


intuição e responsabilidade ética
Henri Bergson (1979) e Hans Jonas (2006), ao refletirem sobre
o problema do desenvolvimento do ser humano e do organismo
vivo em geral, revelam problemas com os quais a ciência se
depara. Esses pensadores dirigem uma visão crítica sobre o modo
como a ciência se lança no conhecimento da realidade que nos
circunda, especialmente quanto aos seres vivos. Veja as Figuras
5.1 e 5.2:

Figura 5.1 - Henri Bergson Figura 5.2 - Hans Jonas


Fonte: Bergson ([200-]). Fonte: Hans Jonas ([200-]).

92
Ética Contemporânea

Bergson problematiza a dificuldade de encontrarmos algumas


respostas sobre o desenvolvimento humano, mediante nossas
observações científicas. Ele realça o problema do movimento
como determinante da dificuldade.

Segundo o autor, (veja a Figura 5.3),

o desenvolvimento do embrião é uma perpétua mudança


de forma. Quem queira observar todos os seus aspectos
sucessivos há de perder‑se num infinito, como acontece
quando lidamos com uma continuidade. (BERGSON,
1979, p. 27). Figura 5.3 - Embrião
Fonte: Simplesmente Inês
(2009).
Realmente é o que se constata ao analisar os aspectos biológicos
do desenvolvimento humano: a incessante mudança de formas. E
é em meio a essas mudanças que se encontra, presumivelmente, o
momento inicial da pessoa humana. Veja a Figura:

Figura 5.4 - Desenvolvimento da vida


Fonte: Ivo&Maria (2011).

Unidade 5 93
Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas como entender esse perder‑se em um infinito, se


a ciência apresenta atualmente etapas bem definidas
dessas mudanças contínuas, em que uma forma sucede
a outra, como um processo mecanicamente previsível?

Esse tipo de raciocínio aplica-se à matéria inerte (matéria não


viva), em que os estados se sucedem como numa causalidade. Ou
seja, a condição em que se encontra um corpo inerte se explica
eficazmente em relação à sua situação anterior, por meio de
equações matemáticas.

Contudo, as leis da vida não obedecem à mesma regra. A matéria


viva comporta-se de modo diferente:

A evolução do ser vivo, como a do embrião, implica um


registro ininterrupto da duração, uma persistência do
passado no presente, e por conseguinte, uma aparência pelo
menos de memória orgânica. (BERGSON, 1979, p. 28).

Com isso, afirma‑se que a matéria viva dura, ou seja: para


explicar o estado atual em que ela se encontra não basta recorrer
a seu estado anterior, mas se deve juntar a ele todo o passado do
organismo, com sua hereditariedade e o conjunto de sua longa
história. Veja a Figura 5.5:

Figura 5.5 - O tempo


Fonte: Doutor Z (2009).

94
Ética Contemporânea

O conceito de duração é de grande importância na


compreensão desse pensamento. Diferente do tempo
da ciência, que é mensurável e constituído de sucessão
de instantes idênticos, a duração dá uma ideia do
tempo real, que é fluido, de mobilidade constante, que
não é sucessão de momentos, mas uma conservação
de tudo o que passa e continua passando.

Algo que dura é algo que se estica, como o DNA que conserva os
aspectos formados em si. É permanência do passado no presente,
semelhante à memória que conserva em si o tempo passado. Veja
a Figura 5.6:

Figura 5.6 - DNA


Fonte: Davidson College (2008).

É neste sentido que podemos perceber o porquê do perder‑se


no infinito e, consequentemente, a dificuldade em determinar,
com precisão, o momento do início do ser humano, já que esse
momento vem carregado de passado e continua seu movimento
incessante. E é devido a essas características – movimento e
duração – que a ciência encontra limites.

Por isso, é relevante analisar a relação que há entre o método


científico e o objeto, e o modo como ambos se comportam. Veja a
Figura 5.7.

Unidade 5 95
Universidade do Sul de Santa Catarina

Figura 5.7 - O método


Fonte: Viper (2011).

É importante esclarecer que se trata do objeto material não vivo


com os seguintes termos: matéria inerte, matéria bruta ou
matéria inorgânica. Todos expressam o mesmo sentido ao se
oporem à matéria viva, ou orgânica.

A ciência atua sobre seu objeto com o fim de compreendê‑lo e


de aumentar a sua influência sobre ele. Isso ela o faz mediante a
decomposição do objeto em partes mais simples, transformando
o uno em múltiplo. E quanto mais partes simples do objeto
forem decompostas, mais refinada e precisa será a explicação do
seu todo.

Posteriormente, a justaposição dessas partes revela o mecanismo


de funcionamento do objeto, que, se observado em seu estado
original e uno, é demasiado complexo para se entender. Com
as partes distintas entre si, é possível estabelecer as suas
mútuas relações e, assim, compreender o objeto, que revela o
funcionamento das partes e do todo.

Observe as Figuras 5.8 e 5.9:

96
Ética Contemporânea

Figura 5.8 - Moléculas


Fonte: Calouros da Biotecnologia UFAM (2011).

Figura 5.9 - Aspirina


Fonte: Ryan (2006).

Note que estas duas figuras representam a mesma coisa, isto é,


uma aspirina. Uma é composta e a outra decomposta. A ciência
positiva é obra de pura inteligência e a inteligência tem por
função estabelecer relações. Portanto, ao estabelecer relações
entre as partes que ela mesma divide, sua intenção é de uni‑las,
para compreendê‑las.

Unidade 5 97
Universidade do Sul de Santa Catarina

Ora, então você pode se perguntar: a inteligência, cuja


função é relacionar, propõe‑se, com isso, a dividir ou a
unir o objeto?

Hans Jonas e Bergson respondem a essa questão afirmando que


a inteligência visa a primeiro fabricar, o que consiste nas duas
atitudes de dividir (tornar múltiplo) e unir (retornar ao uno).
Fabricar, então,

consiste em montar partes de matéria que se modelou


de tal modo que se as possa inserir umas nas outras e
obter delas uma ação comum. [...] A fabricação vai, pois,
da periferia ao centro ou, como diriam os filósofos, do
múltiplo ao uno. [...] A obra fabricada desenha a forma do
trabalho de fabricação. Entendo por isso que o fabricante
encontra exatamente em seu produto aquilo que nele
pôs. Se ele quer fazer certa máquina, ele a desenhará
peça por peça, e depois as montará: uma vez construída,
a máquina exibirá tanto as peças como a montagem. O
conjunto do resultado representa no caso o conjunto do
trabalho, e a cada parte do trabalho corresponde uma
parte do resultado. (BERGSON, 1979, p. 88).

Dessa forma, a nossa inteligência naturalmente se relaciona com


o seu objeto como uma fabricação, e apreende de cada parte
somente o sólido inorganizado.
O termo inorganizado é entendido
É com a matéria bruta que a inteligência se sente à vontade, pois
aqui como o oposto do termo
organizado ou orgânico, que a qualidade desse objeto é ser extenso e divisível em tantas partes
caracteriza os corpos vivos. quanto se queira, arbitrariamente. Isto confere à inteligência
a possibilidade de manipulação, pois ela traz em si um
geometrismo oculto, que se manifesta cada vez mais à medida
que ela vai penetrando na intimidade da matéria inerte.

À medida que a inteligência vai pensando essa matéria


bruta de maneira mecânica, geométrica, maior é o
domínio sobre ela.

98
Ética Contemporânea

O resultado disso são as inúmeras invenções mecânicas que a


inteligência alcança com sucesso, pois a matéria física adapta‑se
naturalmente nos esquemas seus, ou seja, é passiva de ser
medida matematicamente.

Mesmo sendo a matéria inerte, seu objeto natural não deixa de


ser um móvel. Aqui, no trato da matéria como móvel – pois a
matéria, assim como toda a realidade, é devir – a inteligência
preocupa-se antes de tudo com a necessidade da ação, e se
limita a tomar, do transformar‑se constante da matéria, pontos
instantâneos, e, por isso mesmo, imóveis. Este argumento é
chave para a compreensão da relação da inteligência humana
com a realidade.

Seção 2 – O papel da ciência no conhecimento do ser


humano e o mecanismo da inteligência
O papel da inteligência é, com efeito, presidir
ações. Ora, na ação, é o resultado que nos
interessa; os meios importam pouco desde que
o alvo seja atingido. E daí decorre também que
só o termo no qual nossa atividade repousará é
representado explicitamente ao nosso espírito.
O espírito transporta‑se imediatamente ao alvo,
isto é, à visão esquemática e simplificada do ato
supostamente realizado. Veja a Figura 5.10.

Portanto, a inteligência só representa para a


atividade os objetivos a atingir, isto é, só lhe Figura 5.10 - Inteligência
representa pontos de repouso. E de um objetivo Fonte: Gonçalves (2011).
atingido a outro objetivo atingido, de um
repouso a outro repouso, nossa atividade transporta-se por uma
série de saltos, durante os quais nossa consciência se desvia o
mais possível do movimento em realização para só contemplar a
imagem antecipada do movimento realizado.

Unidade 5 99
Universidade do Sul de Santa Catarina

Podemos fazer uma comparação interessante disso com um rolo


de filme, usado em máquinas cinematográficas. A inteligência
usa o mesmo artifício dessa máquina: o rolo de filme consiste
numa série de imagens impressas, como fotografias, que são
projetadas numa tela, de modo que uma substitua a outra
rapidamente. Tem‑se, então, a impressão do movimento da
imagem que, na realidade, é imóvel. São várias imagens imóveis
que se justapõem, e, assim, a máquina cinematográfica recompõe
um movimento artificial da realidade. Veja a Figura 5.11.
Figura 5.11 - Rolo de filme
Fonte: Euakrb (2008). Do mesmo modo opera a inteligência, recompondo o devir da
realidade artificialmente, segundo Bergson (1979, p. 265):

Tomamos aspectos quase instantâneos da realidade que


passa, e, como eles são característicos dessa realidade,
basta‑nos incluí‑los ao longo de um devir abstrato,
uniforme, invisível, situado no fundo do aparelho do
conhecimento, para imitar o que há de característico
nesse próprio devir.

A própria característica de ação de nossa inteligência a faz ser


assim, apreendendo da realidade somente os aspectos que lhe
interessam para montar sua ação. Somos constituídos para agir e
para pensar, mas, quando pensamos, pensamos para agir.

É incontestável que toda ação humana tenha seu ponto de


partida em uma insatisfação, e, por isso mesmo, em um
sentimento de carência. Não agiríamos se não nos propuséssemos
um objetivo, e só procuramos alguma coisa porque sentimos falta
dela. Por isso, os hábitos da ação permanecem nos hábitos do
pensamento, pois nos comportamos no pensamento do mesmo
modo que quando agimos.

A realidade é movimento, é devir constante e instável.


Porém, se essa realidade se apresentasse à inteligência
como um fluir perpétuo, não conseguiríamos pôr um
termo em nenhuma das nossas ações.

Por isso, a inteligência, ao procurar o que lhe interessa e carece,


detém‑se nas extremidades do objeto móvel, e não no seu

100
Ética Contemporânea

intervalo, que lhe escapa. É como um móvel que, na matemática,


move-se de um ponto ao outro. E são esses pontos que se fixam
na inteligência. Mesmo que se queira fazer uma análise entre
eles, é um novo ponto que a inteligência isola do movimento.
E ela pode proceder assim, dividindo o intervalo ao infinito, e
nunca alcançará o movimento real do objeto no espaço.

Para Hans Jonas

percepção, intelecção, fala, procedem de modo geral


assim. Quer se trate de pensar o devir, de exprimi‑lo, ou
mesmo de percebê‑lo, nada mais fazemos senão acionar
uma espécie de máquina cinematográfica interior. (2004,
p. 219).

A ciência, como ato de inteligência, ao analisar seu objeto, atua


com esse mecanismo: ela retém pontos imóveis de sua trajetória
fluida da matéria móvel. Tais pontos, ou etapas, são virtuais, pois
que só existem como abstração na inteligência. Ao reter esses
pontos, a ciência cria sinais para identificá‑los, dá nomes a eles,
cria termos, conceitos.

Isso equivale a dizer que, quando a ciência manipula a


matéria, na verdade ela manipula signos da matéria, os
conceitos, que são ideias fixas e imóveis recolhidas do
objeto, que é móvel.

Isso significa que

os signos são constituídos para nos livrar desse esforço


ao substituir pela continuidade móvel das coisas uma
recomposição artificial que lhe equivalha na prática e
que tenha a vantagem de se manipular sem dificuldade.
(BERGSON, 1979, p. 284).

Não é a matéria em si que a ciência manuseia quando a trata por


conceitos, pois ela, sendo constante movimento, precisaria de
esforço enorme da inteligência para acompanhar cada mudança
que ocorre.

Unidade 5 101
Universidade do Sul de Santa Catarina

Os conceitos são sinais desses momentos essenciais retidos do


movimento – como as fotos no rolo de filme – os quais são
suficientes para que a inteligência recomponha-os e compreenda
em unidade e, com isto, compreenda seu movimento. Porém, ele
é um movimento aparente, artificial, imitação do real.

Por isso, quanto maior o conhecimento que a


ciência obtém de um objeto, tanto maiores são
os momentos que ela isola desse objeto. Quanto
mais refinado é o conhecimento, tanto mais ele
é também simbólico. E tudo aquilo que se passa
no movimento e não é retido, o intervalo entre
os pontos, escapa à técnica científica, pois esta se
refere sempre aos pontos, aos momentos isolados.

A ciência moderna está submissa à lei cinematográfica. É da sua


essência, com efeito, manipular signos que ela põe em lugar dos
próprios objetos. São aspectos tomados da realidade contínua que
a inteligência isola e armazena nos conceitos que ela cria.

A ciência

considera sempre momentos, sempre paradas virtuais,


sempre, em resumo, imobilidades. O que equivale a
dizer que o tempo real, considerado como um fluxo ou,
em outras palavras, como a própria mobilidade do ser,
escapa no caso ao domínio do conhecimento científico.
(BERGSON, 1979, p. 290).

O objetivo essencial da ciência é aumentar nossa influência sobre


as coisas. Por isso, é sempre a utilidade prática a sua finalidade.
E como já foi dito, a ação procede por saltos; ela não se refere ao
intervalo, mas às extremidades.

A realidade física é movimento, devir, por isso, dura. E duração


é a conservação do passado no presente, mas isso sempre em
movimento, sempre em evolução. A ciência não atinge, com seu
método, a duração, pois possui hábitos estáticos, parte de dados
imóveis para tentar explicar o móvel; não considera o todo real
e, sim, a justaposição das partes, um todo artificial. Desse modo,
se os momentos que interessam destacam da duração, e só esses
instantes são retidos.
102
Ética Contemporânea

Do devir só percebemos estados, da duração só instantes,


e mesmo quando falamos de duração e de devir, é noutra
coisa que pensamos. Tal é a mais flagrante das ilusões: crer
que podemos pensar no instável por meio do estável, o
movente por meio do imóvel. (BERGSON, 1979, p. 239).

Contudo, mais problemático é ainda quando a ciência trata da


matéria viva, do ser biológico, do ser orgânico. Isto porque “[...]
a vida é um processo e uma organização em que a conduta da
matéria é diferente da que se observa nos estados não vivos”.
(ABBAGNANO, 2003, p. 734). A matéria orgânica viva, ou
biofísico, tende a evoluir, algo que não acontece com a matéria
inorgânica, que é inerte. E evolução não é sucessão de momentos,
mas dissociação, ela é desdobramento. (JONAS, 2004).

A vida é um impulso tendencioso, que organiza a


matéria em que ela atua de tal forma que esse ser
cria‑se a si mesmo, modificando‑se constantemente.
A função da vida é inserir indeterminação na matéria,
ou seja, as formas que a vida cria paulatinamente
na matéria são imprevisíveis. Tais formas também
possuem uma liberdade indeterminada em suas
atividades, que servem como veículos para a vida.

Assim, a vida mostra‑se como evolução, uma evolução que


se cria, criação essa que é livre e indeterminada, é instável,
ou seja, a vida em geral é a própria mobilidade. Esse impulso
vital, ao manifestar‑se nos vários indivíduos orgânicos,
mesmo sendo instáveis, revela-se à inteligência como
relativamente estável, devido aos aspectos aparentemente
repetitivos do seu movimento. Ele chega, assim, a imitar
tão bem a imobilidade que o tratamos como coisas mais que
como progressos, esquecendo que a própria permanência
de sua forma não passa de um projeto de movimento.

Portanto, o ser vivo é, sobretudo, um lugar de passagem, e o


essencial da vida reside no movimento que a transmite. Desse
modo, entendemos que a matéria inerte adapta-se aos esquemas
da inteligência, e que, quanto à matéria viva, esses esquemas não
são apropriados.

Unidade 5 103
Universidade do Sul de Santa Catarina

Mas a ciência, quando trata do vivo, age da mesma


forma como age com o inerte?

O método científico é essencialmente empírico, e, além disso, a


ciência positiva é obra de pura inteligência. Tal inteligência trata
a matéria inorgânica com um mecanismo geométrico tal que,
ao realizar construções e ao fabricar objetos com esse material,
alcança grandes êxitos. Ou seja, as características da matéria inerte
estão em harmonia com o mecanismo da inteligência. Logo,

quando a inteligência empreende o estudo da vida,


necessariamente ela trata o vivo como o inerte, aplicando
a esse novo objeto as mesmas formas, transportando para
esse novo domínio os mesmos hábitos que lhe foram tão
proveitosos no antigo. (BERGSON, 1979, p. 175).

Ora, se a matéria orgânica comporta-se de modo diferente


da matéria inerte, a ciência terá o mesmo êxito que teve, por
exemplo, na física, na matemática, na química?

Uma coisa é certa: o ser humano é matéria viva, não deixa de ser
material. Sendo matéria, é extensão, e pode ser medido, pesado
matematicamente, assim como avaliado fisicamente e analisado
quimicamente. Nisso reside o avanço real da ciência médica em
geral e o êxito da inteligência no estudo do ser vivo.

Ora, a física e a química são já ciências avançadas, e a


matéria viva só se presta à nossa ação na medida em
que podemos tratá‑la pelos processos de nossa física e
química. A organização só será estudável cientificamente
se primeiramente o corpo organizado for reduzido
à máquina. As células serão as peças da máquina,
o organismo será a sua montagem. E os trabalhos
elementares, que organizaram as partes, serão destinados
a serem os elementos reais do trabalho que organizou o
todo científico. (JONAS, 2004, p. 234).

104
Ética Contemporânea

A ciência, na análise do desenvolvimento do ser humano,


procedeu dessa maneira. Têm‑se cada célula como peças dessa
máquina, e as várias etapas do processo como os principais
momentos da construção, que revelam a montagem da mesma
(máquina). Sendo assim, restam as seguintes questões.

„„ Se a ciência presta-se a isolar momentos do movimento


e ela já possui os momentos essenciais, por que a
discordância entre as teorias?

„„ O que faz, então, o ser humano ser um humano?

„„ É necessário que haja mais etapas, momentos mais


pormenorizados desse processo para descobrir isso?

A resposta, segundo Bergson e Hans Jonas, é não, pois o


organismo vivo tem duração: ou ele é tomado em sua totalidade,
um uno, ou ele será continuamente dividido, ao infinito, sem
nunca alcançar seu verdadeiro ser, que é devir.

Muitos aspectos do objeto orgânico escapam do domínio da


inteligência. Então, esse momento simplesmente escapa, por
enquanto, do conhecimento científico, ou a inteligência é incapaz
de apreendê‑lo. Ora, sendo assim, nós poderíamos dizer que se
todo ser humano usa a sua inteligência para conhecer o que resta
saber, isto é como conseguir resolver este problema.

Parece que, enquanto um ser que dura, o aspecto “momento”


adquire uma complicação maior. Isolar momentos, fragmentar
o tempo, reter instantes que não duram fazem parte da natureza
da inteligência. O tempo real e fluido, do qual participa o ser
humano, é a própria duração.

Unidade 5 105
Universidade do Sul de Santa Catarina

Seção 3 – A possibilidade de determinar o momento


inicial de um ser humano
Ora, quando a inteligência empreende o estudo da vida,
necessariamente ela trata o vivo como o inerte, aplicando a esse
novo objeto as mesmas formas, transportando para esse novo
domínio os mesmos hábitos que lhe foram tão proveitosos no
antigo. E ela tem razão em proceder assim, porque só sob essa
condição o vivo se exporá à nossa ação do mesmo modo que a
matéria inerte. Mas a verdade a que se chega desse modo torna‑se
inteiramente relativa à nossa faculdade de agir. Não é mais que
uma verdade simbólica.

É dever da filosofia intervir aqui ativamente, examinar o vivo


sem preconceito de utilização prática, abstraindo formas e hábitos
propriamente intelectuais. Seu objeto próprio é o especular,
isto é, ver; sua atitude para com o ser vivo não poderia ser a da
ciência, que só tem em mira o agir, e que, só podendo agir por
intermédio da matéria inerte, encara o restante da realidade sob
esse único aspecto. Assim, perguntamos:

O que acontecerá se a filosofia deixar os fatos


biológicos e os fatos psicológicos para a ciência
positiva sozinha, como o fez, corretamente, quanto aos
fatos físicos?

A priori, ela aceitará uma concepção mecanicista de toda a natureza,


concepção esta irrefletida e mesmo inconsciente, decorrente da
necessidade material. E, embora a ciência alcance certo domínio
sobre o ser vivo, isso não é alcançado sem maiores problemas:

[...] é por acaso – probabilidade ou convenção, como se


queira – que a ciência obtém sobre o vivo um domínio
análogo ao que tem sobre a matéria bruta. No caso a
aplicação dos esquemas do entendimento não mais
é natural. Não queremos dizer que ela não mais seja
legítima, no sentido científico da palavra. Se a ciência
deve estender nossa ação sobre as coisas, e se só podemos
agir com a matéria inerte por instrumento, a ciência pode
e deve continuar a tratar o vivo como tratava o inerte.

106
Ética Contemporânea

Compreende‑se, contudo, que quanto mais ela se afunde


nas profundezas da vida, mais o conhecimento que ela
nos fornece se torna simbólico, relativo às contingências
da ação. Nesse novo terreno, a filosofia deverá, pois,
acompanhar a ciência, para sobrepor à verdade científica
um conhecimento de outro gênero, que podemos chamar
de metafísico. (BERGSON, 1979, p. 177‑178).

Enquanto a inteligência trabalhar de acordo com o método


científico, é inteiramente em vista da ação que o objeto será
tratado, e, como já analisado, a ação procede por saltos, não
tomando o objeto em sua totalidade, e, analogamente, a
realidade também.

Uma abordagem unicamente materialista e


mecanicista sobre a vida humana só pode acarretar
uma representação equivocada e grosseira da sua
realidade, porque, se a análise estiver sempre restrita
à representação mecanicista que a inteligência dá da
vida, tal representação será necessariamente artificial
e simbólica. Isso porque se reduz a atividade da vida
à forma de certa atividade humana, que não passa de
manifestação parcial e local da vida, efeito ou resíduo
da operação vital.

Bergson e Jonas alertam sobre a necessidade de um conhecimento


que abarque o objeto de maneira diferente do modo como a
inteligência científica o estuda. Por isso, eles exprimem o porquê
do conhecimento filosófico, especialmente do ético, intervir nesse
contexto. O olhar da filosofia é diferente do olhar da ciência, pois
esta visa ao dado particular, e aquela visa ao universal.

A função própria da filosofia e da ética seria inserir‑se no


movimento evolutivo do organismo em si “para o acompanhar
até em seus resultados atuais, em vez de recompor artificialmente
esses resultados, com fragmentos de si mesmos”. (BERGSON,
1979, p. 317). Isso porque, na duração, há a geração de elementos,
não apenas composição de partes.

A vida é um total fluxo, e não uma soma de fragmentos. De


acordo com nossos autores:

Unidade 5 107
Universidade do Sul de Santa Catarina

não se chegará à duração por um desvio: impõe‑se


instalar‑se nela de uma só vez. E a isso se recusa a
inteligência no mais das vezes, habituada que está
a pensar o movimento por intermédio do imóvel.
(BERGSON, 1979, p. 318).

Como se percebe, a inteligência é mediata, ou seja, ela sempre


atinge o objeto usando os meios, seja por meio de conceitos
abstratos, para falar sobre a matéria inerte, seja por meio de
conceitos e de matéria física, para tratar do organismo vivo.

Seção 4 – A intuição filosófica e a ética no


desenvolvimento do ser humano
Enquanto a inteligência harmoniza-se com os esquemas da
matéria inerte, a faculdade da intuição harmoniza-se com os
esquemas da vida em si.

Intuição e inteligência representam duas direções opostas do


trabalho consciente: a intuição caminha no próprio sentido da
vida; a inteligência segue em sentido inverso, e ela se acha, assim,
de modo inteiramente natural, regida pelo movimento da matéria.

Seria isso o mesmo que afirmar que, enquanto a inteligência


relaciona-se com o exterior do seu objeto (conhecimento
formal), a intuição relaciona‑se com o interior
(a matéria, o conteúdo).

A intuição é aquele aspecto do instinto que se


torna consciente de si mesmo, capaz de refletir
seu objeto. Tal movimento seria semelhante
ao da inteligência, porém não igual. Só que,
pelo fato do instinto não estar situado fora dos
limites do espírito, tanto a inteligência quanto a
intuição envolvem-se no conhecimento, criando
Figura 5.12 - Colmeia
dificuldades no ato de conhecer.
Fonte: Scholze (2011).

108
Ética Contemporânea

Os instintos são formas de comportamento dos


organismos não adquiridas durante a vida do
indivíduo, mas que são herdadas. É um estímulo ou
impulso natural, involuntário, pelo qual os animais
excutam certos atos sem conhecer o fim ou o porquê
desses atos.

Analisando o instinto dessa forma, percebe‑se que ele detém


certo tipo de conhecimento, que orienta a ação do indivíduo.
Mas esse conhecimento é inconsciente pelo fato de não se saber
o fim ou o porquê dele. Tal tarefa seria da inteligência. Mas,
mesmo não sendo acessado pela inteligência, não deixa de ser um
conhecimento. Para ficar mais claro o que estamos lendo, vamos
utilizar o exemplo de vespas (um tipo de inseto), que paralisam
suas vítimas sem as matar, para que sirvam de alimento às suas
crias. Acompanhe a explicação no quadro a seguir.

O caso da vespa
A escólia, que ataca a larva de cetônia,
pica‑a num só ponto, mas nesse ponto
se acham concentradas os gânglios
motores, e só esses gânglios, pois a
picada em outros gânglios poderia Figura 5.13 - Vespa
ocasionar a morte e a putrefação, que Fonte: Alves (2010).
se trata de evitar.
O esfex de asas amarelas, que escolheu por vítima o grilo, sabe
que o grilo tem três centros nervosos que movem seus três pares
de patas, ou, pelo menos, age como se soubesse. Ele pica o
inseto primeiro embaixo do pescoço, e depois atrás do protórax,
e, finalmente, na base do abdômen.
A amófila encrespada dá nove golpes de ferrão sucessivos em
nove centros nervosos de sua lagarta, e, por fim, abocanha a sua
cabeça e a mastiga lentamente, precisamente o suficiente para a
paralisia sem causar a morte.

Unidade 5 109
Universidade do Sul de Santa Catarina

Perceba que esses animais, como tantos outros, agem somente


por instinto, ou seja, eles não têm mecanismos de conhecimento
inteligente como o ser humano. Mas de onde lhes advém esse
conhecimento tão rigoroso do processo de paralisação? Como
é que eles conhecem tão bem o organismo da vítima, se agem
somente por instinto e não racionalmente?

Tal conhecimento não foi adquirido por tentativas e erros


inteligentes. Nem mesmo a suposição de hábitos adquiridos por
transmissão hereditária bastaria para explicar um conhecimento
tão preciso e rigoroso.

Os animais, usando o instinto, como que por dentro de si


mesmos conhecem a vulnerabilidade de suas vítimas. É como
se houvesse uma simpatia entre a vespa e a lagarta. Simpatia é
uma palavra que vem do grego sympathia e significa uma suposta
correspondência entre duas coisas, e, aqui neste contexto, ela
assume o significado de comunhão.

Por isso, na compreensão do organismo vivo, o


caminho a se seguir não seria mais o da ciência, que se
orienta pela inteligência, mas se seguiria pela filosofia
e pela ética, que se orientam por essa comunhão, uma
filosofia da intuição.

A ciência, ao analisar o instinto, não pode fazer outra coisa senão


traduzi‑lo em termos de inteligência, e construirá assim uma
imitação do instinto por meio de conceitos abstratos e artificiais,
em vez de penetrá‑lo. Portanto, só o instinto conhece o interior
da vida (constante devir) como ela é.

A inteligência conheceria certos dados, e o fluxo restante


escaparia de seu domínio. Se o instinto pudesse voltar para o seu
objeto e refletir sobre si mesmo, ele daria a chave das operações
vitais – assim como a inteligência, desenvolvida, introduz-nos à
matéria inerte.

110
Ética Contemporânea

A inteligência, por meio da ciência, revela-nos


o segredo das operações físicas, mas ao próprio
interior da vida nos conduziria à intuição, que é
o conhecimento instintivo das operações vitais,
percepção interna do organismo.

É justamente essa percepção interna, intuitiva, que os animais


possuem. Contudo, ela é de alcance restrito, pois o animal,
sem dúvida, apreende pouca coisa, precisamente o que lhe
interessa. Mas, pelo menos, ele apreende esta percepção por
dentro, de modo inteiramente diverso do de um processo de
conhecimento: por uma intuição (vivida mais que representada)
que se assemelha, sem dúvida, ao que chamamos de comunhão
adivinhadora. Segundo Bergson:

O conhecimento intuitivo é direto, imediato, porém é


restrito, ao contrário do conhecimento pela inteligência.
Esta, por ser formal, é ampla o bastante para se
aplicar a qualquer objeto, mas que, no entanto, é de
um conhecimento superficial, e não atinge o devir
da duração, o interior da vida. Mas, mesmo assim, o
conhecimento intelectual é suficiente para garantir
vantagens da raça humana sobre as demais: [...] esse
conhecimento inteiramente formal da inteligência
tem uma incalculável vantagem sobre o conhecimento
material do instinto. Uma forma, precisamente pelo
fato de ser vazia, pode ser preenchida alternadamente, à
vontade, por um número infinito de coisas, inclusive para
coisas que nada servem. Assim é que o conhecimento
formal não se limita ao que é útil na prática, não obstante
seja em vista da utilidade prática que ele surge no mundo.
Um ser inteligente traz em si aquilo com que ultrapassar
a si mesmo. (1979, p. 137).

A humanidade perfeita e completa seria aquela em que essas


duas formas de atividade consciente (inteligência e intuição)
atingissem seu pleno desenvolvimento. A evolução poderia ter
gerado humanos ainda mais inteligentes ou mais intuitivos.
Porém, não é esse o caso da nossa condição, pois, na humanidade
de que fazemos parte, a intuição acha‑se quase completamente
sacrificada à inteligência.

Unidade 5 111
Universidade do Sul de Santa Catarina

A intuição, reduzida em sua capacidade durante a evolução


do humano, está presente, porém, com manifestações vagas
e fugidias, e se revela em fenômenos como, por exemplo, do
sentimento, ou sempre quando um interesse vital está em jogo.

As Figuras 5.14 e 5.15, Ghandi e Einstein, representam essa parcela


da humanidade que busca as duas formas de atividade consciente
(inteligência e intuição) para atingir seu pleno desenvolvimento.

Figura 5.14 - Gandhi Figura 5.15 - Einstein


Fonte: Bruxa (2010). Fonte: D’Ornellas (2011).

Assim, a filosofia e a ética, apoderando‑se dessas intuições


fugidias, poderão fazer‑nos captar aqueles fatos que escapam à
inteligência e possibilitar algum meio de completá‑los e, assim,
compreender a vida. Esse gênero de conhecimento pode ser
chamado de metafísico.

Quanto mais a filosofia e a ética avançarem nesse trabalho, tanto


mais se aperceberá que a intuição é o próprio espírito e, em certo
sentido, a própria vida: a inteligência nela se destaca por um
processo imitador daquele que engendrou a matéria. Desse modo
é que aparece a unidade da vida mental. Só a reconhecemos
colocando‑nos na intuição para ir dela à inteligência, porque da
inteligência não se passará jamais à intuição. Veja a Figura 5.16:

112
Ética Contemporânea

Figura 5.16 - Homem solitário


Fonte: Mara (2010).

A intuição é um esforço para transcender a


inteligência pura. Mas somente a inteligência é capaz
de relacionar os fatos para compreendê‑los, e, com o
conteúdo fornecido pela intuição, que faltava em suas
explicações, a realidade da vida, vivida também por
dentro na sua duração, poderá ser compreendida.
Desse modo, a filosofia, a ética e a ciência se auxiliam.

Portanto, o modo de se
conhecer a realidade vital está
numa relação entre o método
científico e uma filosofia
ética intuitiva. Os dados do
seu objeto que essa filosofia
fornecesse seriam relacionados
com os dados alcançados pela
ciência, e, assim, a intuição
poderá levar a inteligência
a reconhecer que a vida não
entra completamente em seus
esquemas, e que suas categorias
não dão uma tradução Figura 5.17 - Comunhão do homem com todos os animais
suficiente do processo vital. Fonte: Zoo Rosto (2010).

Unidade 5 113
Universidade do Sul de Santa Catarina

E mais:

Essa cooperação entre a inteligência e a intuição


estabelecerá uma comunicação comungante entre o
humano e o restante dos seres vivos, pela dilatação que
obterá de sua consciência, e o introduzirá no domínio
próprio da vida, que é interpenetração recíproca,
criação infinitamente continuada.

É a duração que se terá alcançado, o devir do ser vivo, uma


duração em que o passado, sempre em marcha, enche-se sem
cessar de um presente absolutamente novo. É a esse ponto que
essa reflexão visa a chegar; é este presente absolutamente novo,
que se renova sem cessar, um presente que possa revelar o início
de um novo ser integrante da raça humana.

Esse presente é integrante de um ser vivo em constante fluxo,


uma única corrente fluida, em que não existem cortes nítidos
nem separações. Ele é indiviso e, nele, em cada instante, tudo é
novo e tudo ao mesmo tempo é conservado.

Essa é a complexidade do organismo vivo, o qual é inapreensível


pelo mecanismo da inteligência pura. Este mecanismo necessita
de pontos, momentos para fazer entre eles relações. Tal realidade
só é acessada pela intuição que, no entanto, revela apenas dados
fugidios desse fluxo constante.

Ora, então buscar determinar um instante preciso, um


corte nesse fluxo, seria tarefa impossível?

Não seria se a intuição fornecesse todas as informações da


realidade vital que faltam à inteligência; e se essa, por sua vez,
relacionasse todos esses dados com a sua formalidade.

114
Ética Contemporânea

Seção 5 – A possibilidade de determinar o instante


preciso do início da vida humana
Do ponto de vista da intuição, sabe‑se que o ser vivo é um
fluxo contínuo e indiviso, evolução que se cria constantemente.
Resta agora saber como a inteligência iria trabalhar com essa
informação, por meio do seu mecanismo formal.

O filósofo grego, Heráclito de Éfeso (540‑470 a.C.), vê a realidade


como devir constante ao afirmar que: “tudo flui, nada persiste,
nem permanece o mesmo”. (HERÁCLITO, 1973, p. 92).

Esta concepção também é aceita e usada pelo filósofo alemão


Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770‑1831).

Figura 5.18 - Heráclito Figura 5.19 - Hegel


Fonte: Montalbo (2008). Fonte: Fonseca (2010).

Na sua obra Fenomenologia do Espírito (1806), Hegel faz uma


análise do que seria o indicar o agora (o momento, o instante) por
uma racionalidade que é consciente do devir da realidade. Ele
explica que, quando se indica, no tempo, o presente, um agora,
enquanto ele é indicado, deixa de ser um agora devido ao fluxo
contínuo do tempo.

Somente a inteligência é capaz do imóvel, pois ela


representa conceitos abstratos. Logo, enquanto a
inteligência afirma que o agora é, na realidade ele já
foi, passou.

Unidade 5 115
Universidade do Sul de Santa Catarina

Então, Hegel diz que o agora é precisamente isto: é “um


que‑já‑foi”, e essa é a sua verdade. (HEGEL, 1992).

Agora, analise a seguinte frase de Heráclito:

“O que é, ao mesmo tempo já novamente não é”.


(HERÁCLITO, 1973, p. 93).

Heráclito quer dizer, com isso, que o indicar do agora comporta


um movimento que funciona da seguinte maneira: primeiro, eu
afirmo que o agora é (o ser é) e essa é a primeira verdade. Porém,
ao fazer isto, o tempo passou e o agora já foi, não mais é, já fluiu.
Ao perceber esse movimento do tempo, eu afirmo, então, que o
agora foi (ser‑que‑foi), então nego a primeira verdade: o agora
não é (o ser não é).

Suprassumo a primeira verdade, e esta fica sendo a segunda


verdade. Novamente, ao afirmar isto, o tempo, que é fluido,
Suprassumir significa o ato de
tomar algo e conservar; assim, como
passou, e então afirmo que, o ser‑que‑foi , já foi, (ser‑que‑foi não
na duração, o presente é recolhido é). Fazendo isto, eu nego a segunda verdade, ou seja: nego uma
e, em seguida, suprassumido, negação (o ser não é, não é). Suprassumo a segunda verdade e
conservado, como instantes acabo afirmando a primeira verdade, que o agora é (o ser é).
presentes que passam. A diferença é
que o suprassumir hegeliano é uma
Hegel quis dizer que, ao afirmar um momento (o agora), não se
operação da inteligência, enquanto
que a duração bergsoniana afirma o momento imediato, mas se afirma um movimento que
é uma operação da vida. contém momentos diversos. O agora que se afirma vem carregado
de “agoras suprassumidos”.

Isto acontece quando se quer refletir o momento indicado: ora,


refletir gasta tempo, e, com isso, “os agoras” vão passando e
se acumulando, de maneira que a inteligência nunca alcança
“o agora” em si, o momento instantâneo. O que ela alcança é uma
pluralidade de “agoras” rejuntados. Por isso Hegel diz que indicar
o agora, esse momento imediato do presente, é experimentar que
este não é um momento particular, mas um momento universal.

Nos termos de Hans Jonas e Bergson, o “agora suprassumido”


seria como aquilo que é substituído durante o movimento. No
devir do ser vivo, a inteligência só considera o substituído, e não
se ocupa do que está sendo substituído. Este substituído só existe
como abstração na inteligência. É preciso, para continuar a vê‑lo
e, por conseguinte falar dele, voltar as costas à realidade, que flui
do passado ao presente, de trás para frente.

116
Ética Contemporânea

Verifica‑se a mudança, a substituição, como um viajante de um


ônibus veria o trajeto olhando para trás e não quisesse conhecer,
a cada instante, senão o ponto em que ele deixou de ser. Ele não
determinaria jamais sua posição atual senão por relação àquela que
acaba de deixar em vez de exprimi‑la em função de si mesma.

Ao fazer, então, uma afirmação de um momento, a inteligência


está, na verdade, negando o que ele é em si, o seu ser. Ela está
afirmando não aquilo que é, mas aquilo que já foi. Definir o
momento, o agora, é falar daquilo que não é realidade, mas
daquilo que é abstrato, que só existe na inteligência, que é formal.

Essa é a dificuldade de se determinar um instante estático daquilo


que é um fluxo contínuo. O próprio mecanismo da inteligência é
um movimento, como disse Hegel no indicar do agora, e, como
disse Bergson, quando o compara à maquina cinematográfica.

As únicas coisas realmente estáticas são as fotos


no rolo de filme e os agoras suprassumidos;
a pura abstração dos conceitos criados pela
inteligência. São justamente os espaços entre
as fotos do rolo e os agoras suprassumidos que
a filosofia e a ética devem buscar preencher,
desenvolvendo a faculdade da intuição.

Mas como isso seria possível de se fazer em meio aos conceitos


biológicos da ciência?

A possibilidade de se encontrar o momento


Fica evidente, assim, que a ciência positiva não tem condições
suficientes de agir sozinha se quiser saber da verdade sobre o ser
vivo, assim como é equivocada a pretensão de, por si mesma, isolar
e julgar um momento como sendo o início de um ser humano.

Como já dito anteriormente, esse conhecimento é exterior,


superficial, e não trata o objeto em seu interior, na sua duração.
E, além do mais, “quanto mais ela se afunde nas profundezas da
vida, mais o conhecimento que ela nos fornece se torna simbólico,
relativo às contingências da ação”. (JONAS, 2004, p. 178).

Unidade 5 117
Universidade do Sul de Santa Catarina

E, ao relacionar esses dados simbólicos da vida, a ciência constrói


uma unidade artificial daquela, pois esses momentos simbólicos
não atingem a duração do ser vivo, ou seja, o seu ser verdadeiro,
que é devir criativo e evolutivo.

Cada conceito simboliza um conjunto de momentos percebidos


no movimento contínuo. O conceito, além do mais, não passa de
símbolo, de uma representação do real. Por ser uma representação,
ela não passa de uma cópia, uma imitação artificial.

Figura 5.20 - Células tronco embrionárias


Fonte: Mendez-Otero ([200-]).

O termo zigoto, por exemplo, não diz respeito a


um único momento simples, mas a um conjunto de
momentos suprassumidos, semelhante ao indicar do
agora hegeliano. O conceito zigoto encerra, congela,
paralisa em si toda uma realidade em constante
movimento, de gametas que se uniram e de um
material genético em ampla evolução.

Por isso, enquanto a discussão sobre o início do ser humano


pairar somente sobre os dados físicos da biologia, o máximo que
se chegará será a uma compreensão mecânica e artificial, longe da
duração verdadeira. Veja a Figura 5.20.

Hans Jonas e Bergson abordam isso considerando que a essência


da explicação mecânica consiste em se calcular o passado e o
futuro por meio do presente, e, assim, o todo seria conhecido.

118
Ética Contemporânea

Evidentemente, conhecendo o todo de um ser humano,


facilmente poder‑se‑ia dividi‑lo e compreendê‑lo mecanicamente,
de forma que as definições e explicações seriam perfeitas.

Mas,

a definição perfeita só se aplica a uma realidade


completa: ora, as propriedades vitais jamais estão
inteiramente realizadas, mas sempre em via de realização.
(BERGSON, 1979, p. 22).

Mediante tal percepção, fica inviável para as capacidades


humanas definir com precisão um momento inicial do ser
humano; mesmo com a aplicação mais aprofundada da faculdade
intuitiva, pois a realidade humana está sempre em vias de
evolução, nunca completa. O próprio termo momento tem uma
conotação mecânica, pois significa divisão do tempo.

O problema de determinar o momento preciso para o início do


ser humano permanece sem solução, pois há

coisas que só a inteligência é capaz de procurar, mas


que por si mesma, jamais encontrará. Essas coisas, só o
instinto as encontraria; mas ele jamais irá procurá‑las.
(BERGSON, 1979, p. 138).

Entretanto, está mais evidente que não é um problema tão


simples quanto alguns possam conceber. Ele perpassa várias
áreas do conhecimento humano. Tal problema desafia a
biologia e todas as suas ramificações, como também a filosofia,
pois o problema, antes de ser ético e bioético, é de teoria do
conhecimento. E, ainda, quando analisamos a inteligência
humana, analisamos o cerne da faculdade de conhecer. Ao
contrapor esse modo de conhecer à faculdade da intuição,
tiramos a inteligência do seu posto solitário como fonte geradora
de conhecimento.

Unidade 5 119
Universidade do Sul de Santa Catarina

Síntese

Nesta unidade, você viu que a função da vida é inserir


indeterminação na matéria, ou seja, as formas que a vida cria
paulatinamente na matéria são imprevisíveis. Assim, a vida
mostra‑se como evolução que se cria. Criação, essa, que é livre
e indeterminada; é instável, ou seja, a vida em geral é a própria
mobilidade. O ser vivo é, sobretudo, um lugar de passagem, e o
essencial da vida reside no movimento que a transmite.

Você pode compreender que, quanto mais a ciência mergulha nas


profundezas da vida, mais o conhecimento que ela nos fornece
se torna simbólico, relativo às contingências da ação. Nesse
novo terreno, a filosofia e a ética deverão, com responsabilidade,
acompanhar a ciência.

Por fim, você pôde entender que uma abordagem unicamente


materialista e mecanicista sobre a vida humana só pode acarretar
uma representação equivocada e grosseira da sua realidade,
porque, se a análise estiver sempre restrita à representação
mecanicista que a inteligência dá da vida, tal representação será
necessariamente artificial e simbólica.

120
Ética Contemporânea

Atividades de autoavaliação

1) Assinale verdadeiro (V) ou falso (F).


Na visão de Henri Bergson e Hans Jonas, o conhecimento do
desenvolvimento humano faz-se com inteligência, intuição e
responsabilidade ética. Significa dizer que:
a) (  ) Esses pensadores dirigem uma visão crítica sobre o modo como
a ciência lança-se no conhecimento da realidade.
b) (  ) Eles problematizam a dificuldade de encontrarmos algumas
respostas sobre o desenvolvimento humano, mediante nossas
observações científicas.
c) (  ) Bergson realça o problema do movimento como determinante
da dificuldade.
d) (  ) A evolução do ser vivo, como a do embrião, implica um registro
ininterrupto da duração, uma persistência do passado no presente.

2) Um dos nossos objetivos era que, ao final desta unidade, você


compreendesse o mecanismo da inteligência. Na segunda seção,
explicamos o mecanismo da inteligência, comparando‑o com um
rolo de filme usado em máquinas cinematográficas. Disserte sobre
essa associação.

Unidade 5 121
Universidade do Sul de Santa Catarina

Saiba mais

Se você desejar, aprofunde os conteúdos estudados nesta unidade,


consultando as seguintes referências.

BERGSON, Henri. A Evolução criadora. Rio de Janeiro:


Zahar, 1979.

JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética


para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006.

JONAS, Hans. O princípio vida: fundamentos para uma


biologia filosófica. Petrópolis: Vozes, 2004.

122
Para concluir o estudo

Vive‑se o atual momento histórico com transições


paradigmáticas acentuadas, perda de referenciais e
parâmetros seguros; secularização massiva da sociedade;
vontade de poder; aumento desmedido da acumulação
de bens e capitais por parte de alguns em detrimento da
vida de tantos outros seres vivos; iniciativas desastrosas e
incontroláveis de domínio e de poder.

O forte interesse atual pela ética aparece como forte


impulso, quase instintivo, dos sujeitos orientados por
questões de sobrevivência e a longo prazo. Questiona‑se,
então, qual a razão da grande preocupação ética no
mundo contemporâneo? Vivemos em um período que
parece ter perdido os referenciais e os parâmetros para
situar o ser humano.

A religião foi deslocada de seu centro pela ciência e


pela razão, que, por sua vez, já perderam a hegemonia.
É o que poderíamos chamar de secularização, quando,
por meio da ciência, o homem controla a natureza, não
precisando da religião para explicar os fenômenos. Há
uma importante transformação da consciência coletiva.

O efeito incontrolável da vontade de ter poder;


o aumento desmedido do poder econômico e da
acumulação de bens e de capitais; os negócios, as
atividades científicas e as políticas de desenvolvimento,
tornam‑se, às vezes, iniciativas que podem ter efeitos
desastrosos e incontroláveis para a vida das nações.

Diante dessas condições, o interesse pela ética não é


um movimento apenas de intelectuais, mas um forte
impulso, quase instintivo, dos sujeitos orientados por
questões de sobrevivência e de preocupação com as
futuras gerações e com todos os seres capazes de sofrer.
Universidade do Sul de Santa Catarina

Precisamos ser éticos hoje, não por temor ou teimosia, mas


por imperativo histórico e existencial. Por sermos humanos,
devemos ser éticos e não perdermos jamais a capacidade de nos
indignarmos perante as injustiças e os desmandos da própria
razão humana.

124
Referências

AGENDA CULTURAL DE CONQUISTA. Fundamentos do Marxismo:


Leituras de Marx e Engels. (2011). Disponível em: <http://
agendaculturaldeconquista.blogspot.com/2011/02/fundamentos-
do-marxismo-leituras-de.html >. Acesso em: 19 ago. 2011.
ALVES, Rafael. Como as rainhas são escolhidas entre as vespas? 18
jul. 2010. Hypescience. Disponível em: <http://hypescience.com/
como-as-rainhas-sao-escolhidas-entre-as-vespas/>. Acesso em:
22 ago. 2011.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Brasília: UnB, 2001.
BENEDICTUS DE SPINOZA. [200-]. Disponível em: <http://www.
benedictusdespinoza.pro.br/mediac/400_0/media/DIR_123/
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BENTHAM, Jeremy. An Introduction to the Principles of
Moral and Legislation. 1781. Kitchener: Batoche Books, 2000.
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BERGSON, Henri. A evolução criadora. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
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128
Sobre o professor conteudista

Marcio Renato Bartel

Possui licenciatura em Filosofia pela UNICS


de Palmas (1991), mestrado em Filosofia pela
Universidade Católica de Lovania, Bélgica (1996),
doutorado em Filosofia pela Universidade Católica
de Paris (2003), especialização em educação pela
UNC (1992), bacharelado em Teologia no ITESC,
Florianópolis (1987) e é bacharelando em Direito na
UNISUL. Foi coordenador do curso de Filosofia,
membro do Comitê de Pesquisa, membro do Conselho
Acadêmico, membro do Conselho Administrativo e
professor na UNIFEBE, Brusque (SC). Atualmente é
professor na Faculdade São Luiz de Brusque, membro da
Comissão Científica e membro do Colegiado de Curso.
É professor colaborador na UNIVILLE, Joinville, e
avaliador do SINAES. Tem experiência na área da
Filosofia e da Educação com ênfase em ética e bioética.
Respostas e comentários das
atividades de autoavaliação

Unidade 1
1) Para se responsabilizar um sujeito, isto é, imputar‑lhe algo,
é necessário que o comportamento do sujeito possua um
caráter consciente e que a sua conduta seja livre.
2) A responsabilidade moral pressupõe necessariamente certo
grau de liberdade, mas esta, por sua vez, implica também
inevitavelmente a necessidade causal. Responsabilidade
moral, liberdade e necessidade estão, portanto, entrelaçadas
indissoluvelmente no ato moral.

Unidade 2
1) A, B e D são verdadeiras (V) e a C é falsa (F).
2) Kant pressupõe que um indivíduo isolado é capaz de
decidir por si só quais são as regras morais que qualquer
um poderia seguir. Diferentemente, para Habermas, não é
mais o indivíduo isolado quem decide quais são as regras
morais. De acordo com Habermas, as regras morais são
estabelecidas no interior da comunidade dos falantes,
isto é, intersubjetivamente, procurando, dessa forma, o
entendimento. Mas a ética discursiva de Habermas não
abandona um traço essencial da ética de Kant, cujas regras
morais devem ser universalmente válidas.

Unidade 3
1) A e F são falsas.
2) Constituição é a Carta Magna, a Lei Maior de uma Nação, na
qual estão estabelecidos os princípios fundamentais sobre os
quais todas as outras leis e decretos devem se fundamentar,
sob pena se serem considerados Inconstitucionais. E a
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada
em 1988, em seu artigo 3º, expressa os objetivos
fundamentais, sendo o primeiro: “Construir uma sociedade
livre, justa e solidária”.
Universidade do Sul de Santa Catarina

A propriedade privada: a Constituição Brasileira tem como princípios


gerais da atividade econômica: a propriedade privada e a função social
da propriedade (conferir art. 170, inc. II e III, da Constituição Federal).
Isto significa que o direito de propriedade privada não é absoluto,
pois os direitos coletivos e sociais têm prioridade. E o artigo 5º, inc.
XXII e XXIII, afirma claramente: “é garantido o direito de propriedade; a
propriedade atenderá a sua função social”.
A liberdade de expressão: a Constituição Brasileira no artigo 5º,
inciso IX, expressa; “é livre a expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação, independentemente de censura ou
licença”. E ainda no artigo 206, inciso II: “Liberdade de aprender, ensinar,
pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.

Unidade 4
1) Todas são verdadeiras (V).
2) A incoerência da moral tradicional está em fundamentar a prática moral
no critério da pertinência à determinada espécie e estabelecer o dever
exclusivo do respeito aos próprios interesses, os da espécie Homo
Sapiens, como princípio moral.

Unidade 5
1) Todas são verdadeiras (V).
2) O papel da inteligência é, com efeito, presidir ações. Ora, na ação, é
o resultado que nos interessa; os meios importam pouco desde que
o alvo seja atingido. E daí decorre também que só o termo no qual
nossa atividade repousará é representado explicitamente ao nosso
espírito. O espírito transporta‑se imediatamente ao alvo, isto é, à visão
esquemática e simplificada do ato supostamente realizado.
Portanto, a inteligência só representa para a atividade os objetivos a
atingir, isto é, só lhe representa os pontos de repouso. E de um objetivo
atingido a outro objetivo atingido, de um repouso a outro repouso, nossa
atividade transporta-se por uma série de saltos, durante os quais nossa
consciência se desvia o mais possível do movimento em realização para
só contemplar a imagem antecipada do movimento realizado.
Podemos fazer uma comparação interessante disso com um rolo
de filme, usado em máquinas cinematográficas. A inteligência usa o
mesmo artifício dessa máquina: o rolo de filme consiste numa série
de imagens impressas, como fotografias, que são projetadas numa
tela, de modo que uma substitua a outra rapidamente. Tem‑se, então,
a impressão do movimento da imagem que, na realidade, é imóvel.
São várias imagens imóveis que se justapõem, e, assim, a máquina
cinematográfica recompõe um movimento artificial da realidade.

132
Biblioteca Virtual

Veja a seguir os serviços oferecidos pela Biblioteca Virtual aos


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<www.unisul.br/textocompleto>
„„ Acesso a bases de dados assinadas
<www.unisul.br/bdassinadas>
„„ Acesso a bases de dados gratuitas selecionadas
<www.unisul.br/bdgratuitas>
„„ Acesso a jornais e revistas on-line
<www.unisul.br/periodicos>
„„ Empréstimo de livros
<www.unisul.br/emprestimos>
„„ Escaneamento de parte de obra*

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solicitar a reprodução; lembrando que, para não ferir a Lei dos direitos
autorais (Lei 9610/98), pode-se reproduzir até 10% do total de páginas do livro.

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