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a qualidade de vida tem sido definida por alguns autores como “afirmação pessoal da
positividade ou negatividade dos atributos que caracterizam a vida de cada um” (Grant &
cols. citado por Ogden 2004, p. 389).
Seidl e Zannon (2004) afirmam que a conceituação de qualidade de vida (QV) pode ser
genérica ou específica/relacionada à saúde. A conceituação genérica é refletida em estudos
que utilizam amostras de pessoas saudáveis da população, sendo que muitos deles se
embasam na definição de QV proposta pela OMS. O conceito de QV relacionada à saúde, por
sua vez, focaliza aspectos mais diretamente relacionados às enfermidades ou intervenções em
saúde. Uma definição interessante dessa modalidade específica citada pelas autoras é a de
Patrick e Erickson (1993) que definem a QV como o “valor atribuído à duração da vida,
modificado pelos prejuízos, estados funcionais e oportunidades sociais que são influenciados
por doença, dano, tratamento ou políticas de saúde”(p.583).
Canini, Reis, Pereira, Gir e Pelá (2004) ressaltam que o termo qualidade de vida é muito
amplo, estando diretamente relacionado às experiências individuais num dado contexto
sociocultural. De acordo com Seidl e Zannon (2004) o conceito de qualidade de vida pode ser
utilizado na linguagem cotidiana (por pessoas da população em geral, profissionais de
diversas áreas ou políticos) e no contexto da pesquisa científica. As autoras ressaltam que na
área da saúde, o interesse por este conceito é relativamente recente e está ligado ao crescente
desenvolvimento de novos paradigmas em práticas e políticas de saúde, nas últimas décadas.
Espera-se que a implementação de políticas públicas em saúde acarrete em impacto positivo
na qualidade de vida de diferentes populações, em especial aquelas que apresentam maior
vulnerabilidade.
Segundo Fleck (2000) a própria OMS, ciente da dificuldade de conceituação do termo
qualidade de vida, procurou construir um conceito que pudesse embasar a criação de
instrumento de avaliação desses aspectos. Assim, a OMS reuniu especialistas de várias partes
do mundo que definiram a qualidade de vida como “a percepção do indivíduo de sua posição
a vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações (The WHOQOL Group, 1995 em Fleck,
2000). O autor ressalta ainda que esta é uma definição ampla que abrange a complexidade
desse construto e procura inte-rrelacionar o meio ambiente com aspectos físicos, psicológicos
nível de independência, relações sociais e crenças pessoais.
Apesar de recente, consolida-se algum consenso em dois aspectos relevantes acerca do
conceito de qualidade de vida: subjetividade e multidimensionalidade. A subjetividade
considera a percepção da pessoa sobre as várias dimensões relacionadas à qualidade de vida,
desde o estado de saúde até aspectos não-médicos, como os contextos social e ambiental
Ogden (2004) afirma que diante da necessidade de estudar melhor os fatores relacionados à
qualidade de vida, era necessário que se criassem medidas objetivas de avaliação desse
construto. Observa-se, portanto, o desenvolvimento de várias escalas que procuram medir as
diferentes dimensões presentes na saúde. Há uma forte tendência de se valorizar as medidas
multidimensionais que procuram avaliar a saúde de forma mais abrangente, focalizando as
diversas dimensões do construto. No entanto, uma crítica que essas medidas sofrem é
justamente pelo fato de serem muito abrangentes, correndo o risco de se utilizar uma
definição vaga das variáveis em foco.
Ogden (2004) afirma que os pesquisadores têm procurado desenvolver medidas individuais
de QV, que não só pedem aos sujeitos para classificarem seu estado de saúde, como também
para definir as dimensões que devem ser consideradas. Cita o exemplo de Fallowfield (1990)
que definiu pelo menos quatro dimensões básicas da QV a serem avaliadas: psicológica
(humor, sofrimento emocional, adaptação à doença), social (relacionamentos, atividades
sociais e de lazer), ocupacional (trabalho pago e não pago) e física (mobilidade, dor, sono e
apetite). Uma dessas medidas, o Schedule for Evaluation of Individual Quality of Life
(SEIQol), desenvolvida por McGee & cols (1991) e O’Boyle e cols. (1992) pede aos sujeitos
que selecionem cinco áreas importantes da vida, para ponderá-las em termos de sua
importância e depois classificar seu grau de satisfação com cada uma delas. O
desenvolvimento de instrumentos de avaliação nessa área tem colaborado para o aumento do
interesse pelo tema e ampliado o leque de investigações em saúde.
Os instrumentos de avaliação da qualidade de vida da OMS, o WHOQOL-100 e sua versão
breve, foram desenvolvidos com base em um enfoque transcultural e procurando envolver a
criação de um único instrumento feito através da colaboração de vários centros de pesquisa.
Estes centros participaram da operacionalização dos domínios da avaliação de qualidade de
vida, redação e seleção de questões, derivação da escala de respostas e teste de campo nos
países envolvidos nesse processo. Houve uma grande preocupação com procedimentos que
pudessem garantir a participação de diversas culturas e países com níveis de desenvolvimento
diferentes, incluindo a disponibilidade de serviços de saúde. O instrumento passou por vários
procedimentos de tradução e re-tradução e a discussão em grupos focais da versão com os
pacientes e profissionais de saúde envolvidos no processo (Fleck, 2000).
Seidl e Zannon (2004) descrevem que o processo de construção do construto “qualidade de
vida”pela OMS se deu em quatro etapas: a) clarificação do conceito por especialistas
representantes de diferentes culturas; b) estudo qualitativo realizado em 15 cidades de 14
países, com grupos focais constituídos por pacientes de diferentes patologias, profissionais de
saúde e pessoas da população em geral para conhecer as representações e significados que o
termo “qualidade de vida” significava em cada cultura ; c) desenvolvimento de testes de
campo para análise fatorial e de confiabilidade, validade de construto e validade
determinante. O WHOQOL-100 consiste em cem questões com perguntas diferentes em seis
domínios: físico, psicológico, nível de dependência, relações sociais, meio ambiente e
espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais. As respostas são dadas numa escala tipo Likert
de cinco pontos que podem ser respondidas através de quatro tipos de escala, de acordo com
o tipo da pergunta: intensidade, capacidade, freqüência e avaliação.
Cabe lembrar que Fleck (2000) chama a atenção para a possibilidade do WHOQOL- 100 se
constituir em um instrumento muito extenso para algumas aplicações. Pensando nisso, a
OMS desenvolveu uma versão abreviada do WHOQOL-100, criando portanto o WHOQOL-
bref com 26 questões. O critério de seleção das questões foi tanto psicométrico quanto
conceitual, e a versão em português do instrumento apresentou características satisfatórias de
validade discriminante, de critério concorrente, consistência interna e fidedgnidade de teste-
reteste. A experiência de Fleck e cols (2000) nos motivou a incluir o WHOQOL-bref nesse
estudo, como uma possibilidade de avaliar a qualidade de vida dos participantes, conforme
descreveremos com mais detalhes no capítulo referente à metodologia.
Além do processo de desenvolvimento de instrumentos e medidas de avaliação da qualidade
de vida, um outro fator importante para o crescimento do interesse na área como objeto de
pesquisa foi a mudança observada na prevalência de doenças crônico-degenerativas em
países em desenvolvimento nas últimas décadas. Na medida em que a possibilidade de
sobrevida foi ampliada através do maior controle dessas enfermidades, outros fatores
precisam ser mais bem compreendidos como, por exemplo, a convivência com uma patologia
de longa duração e a adesão ao tratamento.
Para Joyce-Moniz e Barros (2005) é importante considerar que em algumas patologias é
difícil diferenciar um processo agudo de um processo crônico. Citam Reiss e De Nour (1989)
que descrevem a emergência de um processo crônico através das metáforas: a) relâmpago,
pois ataca sem avisar, colocando o indivíduo em situação de emergência médica; b) do
crescendo de sintomas, aparentemente comuns como fraqueza, fadiga, tosse, dores que pode
levar um tempo até ser caracterizado como doença crônica; c) do acaso, quando sem haver
expectativas da sua existência, o médico descobre o problema em um exame de rotina; d) da
chegada à cronicidade, com processos que começam comuns ou agudos e depois, em vez de
resolução esperada, evoluem para uma condição mais grave ou incapacitadora. Os autores
destacam que na doença crônica a crise gerada pela convivência com a condição é mais
extensiva do que no processo agudo, podendo afetar sobremaneira a qualidade de vida,
levando as pessoas a várias modificações para adaptar-se à nova realidade.
Na esfera biomédica, a adaptação ao processo crônico pode ser avaliada em termos de tempo
ou anos de sobrevivência, mas em uma perspectiva biopsicossocial, essa adaptação pode
partir de uma profunda alteração na qualidade cognitiva, afetiva, social ou profissional do
indivíduo. Todas essas mudanças podem gerar uma crise de identidade, acarretando uma
transformação de valores, normas e atitudes, a que a pessoa pode responder com reações
emocionais de ansiedade, depressão, pânico ou raiva. Tais reações podem estar ligadas a uma
falsa resignação ao evento concreto, culpa por não ter feito algo para se prevenir ou impedir a
progressão da doença ou desvalorização do seu presente ou futuro.
Percebemos que nas pessoas vivendo com HIV/aids estes processos também estão presentes e
adaptar-se à condição de portador de uma doença crônica ainda carregada de preconceito e
peso social pode levar a um impacto ainda maior na qualidade de vida.
2.2.2 Qualidade de Vida e HIV/aids
Vários autores destacam a importância de estudos sobre a qualidade de vida em pessoas
vivendo com HIV/aids, uma vez que a partir da possibilidade de tratamento com os ARV, a
aids passou a ser vista como uma doença crônica e com várias implicações para as pessoas
soropositivas (Low-Beer & cols, 2000; Fleck, 2000). Observa-se, por outro lado, uma
carência de pesquisa nessa área (Carballo & cols., 2004; Seidl, Zannon & Tróccoli, 2005).
Alguns autores (Heckman, 2003; Canini & cols, 2004) afirmam que é importante reconhecer
as variações na qualidade de vida de pacientes que fazem uso de TARV. Tais variações
podem estar relacionadas à gravidade/estado da doença, efeitos colaterais do tratamento,
existência ou não de apoio social e estado emocional do paciente.
Em estudo desenvolvido por Perez e cols. (2005) na Espanha, foram analisadas associações
entre variáveis sócio-demográficas e características psicossociais, além de componentes da
qualidade de vida. Melhor percepção da QV esteve associada às condições de ser mulher,
jovem, estar empregado, realizar trabalhos manuais, não realizar tratamento psiquiátrico, não
apresentar morbidade psicológica, não ter co-infecção (hepatite ou tuberculose), receber
apoio social, ter parceiro/a estável e não fazer uso de drogas injetáveis. Os resultados do
estudo sugerem que fatores como disponibilidade e satisfação com o apoio social, condição
econômica satisfatória, não uso de drogas e boa saúde mental parecem interferir
positivamente na qualidade de vida das pessoas vivendo com HIV/aids da amostra estudada,
independente de sua condição clínica.
Low-Beer e cols. (2000) afirmam que estudos prévios em qualidade de vida de pessoas
vivendo com HIV/aids sugerem que, à medida que a doença progride, os indivíduos
experimentam maiores dificuldades físicas e funcionais. Esses achados são apoiados por
resultados de estudos que demonstraram que sintomas de depressão são mais freqüentes e a
qualidade de vida é menor em pacientes com aids do que em pessoas portadoras do HIV
assintomáticas. Os autores ressaltaram ainda que poucos estudos têm sido realizados acerca
do impacto do tratamento ARV na qualidade de vida destes pacientes. Citam um estudo
realizado com zidovudina (Wu, Rubin & Mathews, 1999) onde apesar dos benefícios
clínicos, não houve melhoria significativa na qualidade de vida dos pacientes.
Outro estudo realizado com pacientes portadores do HIV foi conduzido por Galvão,
Cerqueira e Marcondes-Machado (2004). As autoras optaram por utilizar um instrumento
desenvolvido por Holmes e Shea (1999) para avaliar a qualidade de vida especificamente em
pessoas portadoras do HIV. O HIV/AIDS Quality of Life (HAT-Qol) passou por um processo
de tradução e retradução, utilizando tradutores diferentes, com línguas maternas diferentes e a
versão final passou por uma fase piloto com cinco pacientes. Após esse processo, o HAT-Qol
foi aplicado em 73 mulheres com infecção pelo HIV ou já com aids, em ambulatório
especializado de uma universidade pública do Estado de São Paulo/Brasil, no período de
Pollejack, Larissa
TCC
A adesaõ ao tratamento, como outros comportamentos de saúde, tem sido estudada por vários modelos teóri- cos
da psicologia. Dentre esses modelos, a abordagem cognitivo-comportamental tem destacado a relaçaõ entre
variáveis psicológicas - percepçaõ de controle, otimismo, autoe cácia, habilidades de enfrentamento do estresse,
crenças de saúde e atitudes relacionadas à doença e ao tratamento - e comportamentos de adesao ̃ (Barros, 2003;
Gebo, Keruly & Moore, 2003; Sun, Zhang & Fu, 2007; Tuldrà & Wu, 2002).
White e Freeman (2000/2003) assinalam que o traba- lho em grupo de base cognitivo-comportamental permite o
desenvolvimento de tais habilidades. Entre as técnicas mais utilizadas para o alcance desse objetivo podemos
citar a contestação de pensamentos e o balanço de vantagens e desvantagens (Feilstrecker, Hatzenberger &
Caminha, 2003), o autorregistro e monitoramento (Rehm, 1996/1999) e o relaxamento (Feilstrecker & cols.,
2003; Lipp, 1997).
Uma proposta de intervenção com enfoque cognitivo- comportamental em grupo para melhorar a adesão ao tra-
tamento em pessoas soropositivas foi avaliada por Murphy, Lu, Martin, Hoffman e Marelich (2002). Os
inscritos foram distribuídos randomicamente no grupo controle (n=25) e no grupo de intervenção (n=27). Em
ambos, os participantes realizaram avaliação inicial (linha de base) e duas avaliações de seguimento, uma logo
após o encerramento da intervençaõ e outra, três meses depois. Ao nal do estudo observou-se que o grupo
experimental apresentou níveis maiores de adesão ao tratamento.
Outros estudos têm demonstrado que o senso de controle e a expectativa de autoe cácia estão relacionados à
busca de soluções para problemas de saúde, incluindo a procura por informações relevantes e adesão às
prescrições do tratamento (Haidt & Rodin, 1999). Entre as teorias que têm apresentado um modelo explicativo
para as relações entre comportamento e controle, podemos destacar a teoria da cogniçaõ social de Bandura
(Haidt & Rodin, 1999).
Seguindo tal concepção, é fundamental que o pro ssional da área de saúde entenda como as pessoas
desenvolvem habi- lidades e percepções para lidar com as demandas do ambiente que afetam sua qualidade de
vida ou levam ao adoecimento (Silva, 2004). Nessa perspectiva, Bandura (1994a) de niu autoe cácia como “as
crenças das pessoas sobre suas capaci- dades para produzir determinados níveis de desempenho que exerçam in
uência sobre eventos que afetam suas vidas” (p. 2). Estudos têm apontado que percepções mais otimistas de
autoe cácia tendem a propiciar a capacidade de realização e o bem-estar psicológico das pessoas (Bandura
1994b).
Utilizando o referencial da teoria social cognitiva, Reynolds e cols. (2004) realizaram um estudo com 980
pessoas soropositivas que estavam iniciando o tratamento. O objetivo era avaliar crenças sobre a TARV e
características psicossociais que poderiam in uenciar a conduta de adesão. Os resultados indicaram que fatores
pessoais e situacionais - como depressaõ , presença de estressores e menos escola- ridade - estiveram
relacionados a níveis mais reduzidos de con ança na efetividade da TARV e na autoe cácia perce- bida para
aderir ao tratamento antirretroviral. Os resultados indicaram a importância de identi car, de modo oportuno, as
variáveis pessoais e situacionais que podem interferir negativamente no comportamento de adesão de pessoas
em TARV, para empreender ações que auxiliem o paciente no manejo das mesmas.
Outra variável psicológica de destaque nesse campo de estudos da psicologia da saúde sao ̃ estratégias de en-
frentamento. Estudos têm apontado que as estratégias de enfrentamento mediam a relação entre eventos
estressores e indicadores de capacidade de adaptaçaõ , como saúde física e aspectos psicológicos (Endler, Parker
& Summerfeldt, 1998; Folkman, Lazarus, Gruen & DeLongis, 1986).
comportamentais. Assim, seu surgimento e desenvolvimento se mesclam aos das teorias cognitivas e
comportamentais (Bahls & Navolar, 2004; A. T. Beck, 1993; J. S. Beck, 2011, 2013; Guimarães,
2001; Knapp & A. T. Beck, 2008; Wright et al., 2008).
Já a terapia cognitiva emergiu a partir, principalmente, dos estudos de Aaron T. Beck e Albert Ellis,
desenvolvidos no início da década de 1960, o que culminou em uma “revolução cognitiva”. Aaron
Beck partiu de insatisfações com as formulações psicodinâmicas sobre a depressaõ . Ao observar seus
pacientes, esse estudioso naõ encontrou evidências de que a depressaõ resultasse de raiva voltada ao
self. Ao verificar o conteúdo de pensamentos e sonhos de pessoas com depressão, identificou uma
tendência a interpretações negativistas dos fatos, ou seja, havia um padraõ negativo de processamento
cognitivo. Nesse perio ́ do ele desenvolveu uma conceitualização cognitiva da depressão no qual os
sintomas estavam relacionados a um estilo negativo de pensamento em três domiń ios (triá de cognitiva
negativa): visão negativa de si mesmo, do mundo e do futuro. Aaron Beck apresentou uma série de
trabalhos baseados nas suas primeiras formulações, que centravam no papel do processamento de
informações desadaptativo em transtornos de depressaõ e ansiedade. A proposta de Aaron Beck de
uma terapia cognitivamente orientada, com o objetivo de reverter cognições disfuncionais e
comportamentos associados, foi testada por diversos pesquisadores. As teorias e métodos descritos
por Aaron Beck se estenderam a uma grande variedade de quadros clínicos, incluindo depressaõ ,
transtornos de ansiedade, transtornos alimentares, esquizofrenia, transtorno bipolar, dor crônica,
transtornos de personalidade e abuso de substâncias (Bahls & Navolar, 2004; J. S. Beck, 2011, 2013;
A. T. Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979; Falcone, 2001; Guimarães, 2001; Knapp & A. T. Beck,
2008; Wright et al., 2008).
Assim, desde a década de 1960 houve uma unificaçaõ das formulações cognitivas e comportamentais
na psicoterapia. Embora existam aqueles que defendem a utilização da abordagem comportamental ou
cognitiva isoladas, terapeutas mais pragmáticos entendem que métodos cognitivos e comportamentais
são conjuntamente eficazes, tanto na teoria como na prática. Ademais, muitas pesquisas
demonstraram a eficácia da combinação de técnicas cognitivas e comportamentais (A. T. Beck, 1993;
J. S. Beck, 2011, 2013; Guimarães, 2001; Wrigh et al., 2008).
Quase cinquenta anos após Aaron T. Beck e Albert Ellis delinearem os fundamentos da terapia
cognitivo-comportamental, a pesquisa cliń ica e experimental continua demonstrando a sua eficácia no
tratamento de diversos transtornos psiquiátricos e ampliando a sua aplicabilidade além do contexto
cliń ico, consolidando seu espaço especialmente no campo de atuaçaõ da psicologia da saúde (Bahls &
Navolar, 2004; A. T. Beck, 1993; J. S. Beck, 2011, 2013; Knapp, 2004; Sage, Snowden, Chorlton, &
Edeleanu, 2008).
As crenças intermediárias ocorrem sob a forma de suposições ou regras, naõ estando, portanto,
relacionadas diretamente às situações. Esse segundo niv́ el de pensamento reflete ideias e
entendimentos mais profundos, sendo mais resistentes a mudanças do que os pensamentos
automáticos (A. T. Beck et al., 1979; J. S. Beck, 2013; Falcone, 2001; Taylor, 2006).
O terceiro niv́ el de pensamentos refere-se às crenças centrais ou esquemas, constituindo o nível mais
profundo da estrutura cognitiva. Elas são compostas por ideias absolutistas, riǵ idas e globais que uma
pessoa tem de si mesmo, dos outros e do mundo (A. T. Beck et al., 1979; J. S. Beck, 2013; Falcone,
2001; Taylor, 2006).
Assim, a terapia cognitiva produz mudanças no pensamento e no sistema de crenças do individ́ uo, o
que leva a alterações duradouras nas emoções e no comportamento. Para tanto, alguns princípios
caracterizam o processo cliń ico nessa abordagem, apesar do processo terapêutico variar de acordo
com o problema apresentado: construção de uma aliança terapêutica segura; abordagem com caráter
educativo; terapia baseada nos problemas do individ́ uo e no estabelecimento de metas especif́ icas;
sessões com estrutura pré-determinada; e preocupaçaõ com a prevençaõ de recaid́ as (J. S. Beck, 2013;
Falcone, 2001; Taylor, 2006).
A TCC tem sido adaptada para pacientes com diversos niv́ eis de escolaridade e renda, culturas e
idades (crianças, jovens, adultos e idosos). Também tem sido utilizada em cuidados primários e outros
serviços médicos, escolas, programas vocacionais, prisões, entre outros contextos. Além da aplicaçaõ
em acompanhamentos tradicionalmente individuais, a TCC tem sido empregada no atendimento de
casais, famílias e no formato de grupo. Ademais, suas técnicas podem ser usadas pontualmente, fora
do ambiente psicoterapêutico, em vários contextos, incluindo a prática em saúde (J. S. Beck, 2011,
2013), sendo uma abordagem aplicável à populaçaõ com HIV/aids (Brito & Seidl, 2015; Crepaz,
Passin, Herbst, Sima, & Malow, 2008; Faustino & Seidl, 2010; Petersen, Koller, Vasconsellos, &
Teixeira, 2008).
De uma maneira geral, existem três razões que justificam a aplicabilidade da terapia cognitivo-
comportamental em pessoas com doenças crônicas, incluindo HIV/aids: 1) é uma abordagem útil no
tratamento de sintomas psicológicos que podem coexistir com a doença ou ser exacerbados devido a
estressores associados com a condiçaõ de saúde; 2) aborda prontamente os problemas e desafios
vivenciados pelo enfermo; 3) tem sustentaçaõ empírica de sua eficácia. Ademais, a TCC facilita a
adesaõ a tratamentos médicos; fornece suporte emocional e estabilidade durante a crise decorrente do
diagnóstico recente; previne ou reduz comportamentos que podem ter consequências negativas para a
saúde do indivíduo (como fazer sexo sem preservativo e/ou usar drogas); favorece o empoderamento
em relaçaõ aos cuidados com a saúde; promove o senso de percepção de controle sobre os sintomas e
ensina os pacientes a serem seus próprios terapeutas; educa os pacientes com relaçaõ à sua saúde,
fornecendo uma estrutura para que possam tomar decisões com relaçaõ ao seu tratamento; melhora a
saúde e o funcionamento imunológico por meio do gerenciamento do estresse; e auxilia na redução do
uso excessivo de medicaçaõ ou de visitas ao médico decorrentes de erros de interpretaçaõ de
sintomas, como aqueles associados à ansiedade (Taylor, 2006).
Ademais, as cognições sobre o HIV/aids de uma pessoa infectada estão relacionadas com as
informações que se tem sobre a doença, o que irá influenciar o surgimento e intensidade de alterações
emocionais, mediadas pelos erros no processamento de informação (Poletto et al., 2015; Remor,
1999). Para tanto, saõ utilizados diferentes tipos de materiais educativos e métodos de exposiçaõ da
informaçaõ , sendo materiais breves e concisos, adequados e suficientes para as intenções de
psicoeducaçaõ básica (Dobson & Dobson, 2010).
Na área da saúde se utilizam frequentemente materiais psicoeducativos, como manuais de cuidados
em saúde, folhetos e cartilhas, que visam o fornecimento de informações e a promoçaõ de mudanças
de comportamento. Todavia, apesar de sua relevância, existe pouca literatura sobre os procedimentos
necessários à elaboração desse tipo de ferramenta. A relevância da sua contribuiçaõ está condicionada
ao respeito a princiṕ ios de comunicação preconizados pela literatura (Echer, 2005; Reberte, Hoga, &
Gomes, 2012).
Durante o processo de construção de materiais educativos em saúde se deve estar atento às seguintes
recomendações: buscar na literatura cientif́ ica o conhecimento atualizado e especializado sobre o
assunto; abordar o conteúdo com clareza; estar atento à linguagem, de maneira a assegurar que esteja
acessível a todas as camadas da sociedade e níveis de instrução; selecionar informações realmente
importantes, de maneira a tornar o material atraente e objetivo; assegurar que as informações sejam de
fácil compreensaõ , estimulando a leitura do público alvo; incluir ilustrações que favoreçam o
entendimento do conteúdo; abarcar uma etapa de qualificaçaõ com avaliaçaõ do material construído
por profissionais de saúde e pacientes. Os profissionais de saúde funcionam como peritos nesse
processo, assegurando a replicação de um conhecimento seguramente especializado. Já os pacientes,
permitem a adequação do conteúdo ao seu interesse, bem como viabilizam a adequação dos recursos
de comunicação. Respeitadas essas recomendações, os profissionais de saúde e pacientes terão acesso
a uma material de qualidade, adequado para ser utilizado durante a psicoeducaçaõ no contexto de
saúde, incluindo a assistência em HIV/aids (Echer, 2005; Pooe et al., 2010; Reberte, Hoga, & Gomes,
2012).
Outro recurso de grande utilidade são os cartões de enfrentamento, que podem auxiliar o paciente a
lidar de maneira mais adaptativa com relaçaõ à doença e o tratamento. Nesses cartões a pessoa
escreve instruções que gostaria de dar a si mesmo para ajudá-las a enfrentar questões ou problemas
especif́ icos (Wright et al., 2008). Por exemplo, um indivíduo com dificuldades de adesaõ ao
tratamento pode escrever aspectos que o motive a tomar os antirretrovirais e lê-los diariamente no
inić io do dia.