Sunteți pe pagina 1din 392

Dano Moral

e sua Quantificação
Dano Moral
e sua Quantificação
Dano Moral
e sua Quantificação

Coordenação:
SÉRGIO AUGUSTIN

Artigos doutrinários - Colaboradores

Ângela Almeida Luiz Rodrigues Wambier


Atalá Correia Marcelo Silva Britto
Boris Padron Kauffmann Pedro Augusto Lopes Sabino
Caio Rogério da Costa Brandão Renata de Carvalho Morishita
Cristiano Heineck Schmitt Rodolfo Mário Veiga Pamplona Filho
Fernando M. H. Moreira Rogério Vidal Gandra da Silva Martins
Hugo de Brito Machado Rui Stoco
Irineu Strenger Ruy Rosado de Aguiar Júnior
Ivan Cesar Moretti Sérgio Augustin
Ives Gandra da Silva Martins Sérgio Gabriel
J. J. Calmon de Passos Teresa Arruda Alvim Wambier
Jânio de Souza Machado Vanderlei Arcanjo da Silva
José Roberto Ferreira Gouvêa Zely Fernanda de Toledo Pennacchi
Luis Henrique Paccagnella Machado

Fluxogramas processuais da Ação de Dano Moral


Ritos Ordinário, Sumário e Sumaríssimo (Lei 9.099/95), com
conceitos explicativos.
© Editora Plenum, 2007

Coordenação:
Sérgio Augustin

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Universidade de Caxias do Sul

D188 Dano moral e sua quantificação / Coordenador Sérgio Augustin.


4. ed. rev. ampl. Caxias do Sul, RS : Editora Plenum, 2007.
392 p.: il. ; 23cm.

Apresenta Bibliografia
ISBN 978-85-88512-18-4

1. Dano moral 2. Responsabilidade civil. 3. Direito Civil.


I. Augustin, Sérgio
CDU: 347.426

Índice para o catálogo sistemático:


1. Dano moral 347.426
2. Responsabilidade civil 347.513
3. Direito Civil 347

Catalogação na fonte elaborada pelo Bibliotecário Marcos Leandro


Freitas Hübner - Registro CRB 10/1253.

Todos os direitos reservados:

www.plenum.com.br
0800.979.7447
ÍNDICE

APRESENTAÇÃO
Sérgio Augustin ................................................................................ 9

PREFÁCIO
André Luís Callegari e Cristina R. da Motta ......................................... 11

O dano moral e a fixação do valor indenizatório


BORIS PADRON KAUFFMANN ............................................................ 13

Dano moral: valoração do quantum e razoabilidade objetiva


CAIO ROGÉRIO DA COSTA BRANDÃO ................................................ 25

Indenização por dano moral do consumidor idoso no âmbito dos contratos


de planos e de seguros privados de assistência à saúde
CRISTIANO HEINECK SCHMITT ......................................................... 45

A fixação do dano moral e a pena


FERNANDO M. H. MOREIRA e ATALÁ CORREIA .................................. 71

Responsabilidade pessoal do agente público por danos ao contribuinte


HUGO DE BRITO MACHADO .............................................................. 93

Novo Código Civil - dano moral


IRINEU STRENGER ........................................................................... 123

A indenização por danos morais no STJ


IVAN CESAR MORETTI ...................................................................... 141

Privacidade na comunicação eletrônica


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e ROGÉRIO VIDAL GANDRA DA
SILVA MARTINS ................................................................................ 153

O imoral nas indenizações por dano moral


J. J. CALMON DE PASSOS .................................................................. 165

O MERCOSUL e a indenização pelo dano moral


JÂNIO DE SOUZA MACHADO ............................................................. 179
Quantificação dos danos morais pelo Superior Tribunal de Justiça
JOSÉ ROBERTO FERREIRA GOUVÊA e VANDERLEI ARCANJO
DA SILVA .......................................................................................... 197

Dano moral ambiental


LUIS HENRIQUE PACCAGNELLA ......................................................... 213

A prova do dano moral da pessoa jurídica


LUIZ RODRIGUES WAMBIER e TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER ..... 225

Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no novo


Código Civil
MARCELO SILVA BRITTO ................................................................... 235

Fixação de montante indenizatório de dano moral: defesa de processo


bifásico de mensuração como conseqüência do imperativo constitucional
de motivação das decisões
PEDRO AUGUSTO LOPES SABINO ...................................................... 255

Noções conceituais sobre o assédio moral na relação de emprego


RODOLFO MÁRIO VEIGA PAMPLONA FILHO ....................................... 265

Responsabilidade civil por erro judiciário em ação penal condenatória


RUI STOCO ....................................................................................... 289

Responsabilidade civil no direito de família


RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR ..................................................... 301

Dano moral coletivo: a indefinição jurisprudencial em face da ofensa a


direitos transindividuais
SÉRGIO AUGUSTIN e ÂNGELA ALMEIDA ............................................ 315

Dano moral e indenização


SÉRGIO GABRIEL .............................................................................. 333

A quantificação do dano moral


ZELY FERNANDA DE TOLEDO PENNACCHI MACHADO e RENATA DE
CARVALHO MORISHITA .................................................................... 345

FLUXOGRAMAS PROCESSUAIS

Ação de danos morais - considerações prévias .......................................... 355

Rito ordinário .......................................................................................... 358

Rito sumário ............................................................................................ 370

Rito sumaríssimo - Lei nº 9.099/95 ........................................................... 382


APRESENTAÇÃO

Através da responsabilidade civil obtêm-se as garantias da reparabili-


dade da integridade moral e material das pessoas físicas e jurídicas, abala-
das em decorrência de ilícitos. Todavia, a avaliação e quantificação do dano
moral, diante da ausência de critérios objetivos, apresentam-se contraditó-
rias nas decisões judiciais. A reparabilidade prevista na Constituição Fede-
ral de 1988 não estipula nenhum valor legal prefixado, nenhuma tabela a
ser observada pelo juiz. O caráter subjetivo do dano moral cria inúmeras
dificuldades para o estabelecimento de um quantum monetário que sirva
de equivalente ao sofrimento dele decorrente.
Importa, assim, buscar ou criar critérios para que se possa, de forma
prudente, moderada (razoável), estabelecer a indenização por dano moral.
Nos diversos textos a seguir, visões distintas apresentam subsídios
para a confecção de trabalhos jurídicos.
Nesta quarta edição, foram acrescentados novos artigos doutrinários,
contendo aspectos tanto teóricos quanto práticos dos caminhos que po-
dem ser percorridos num processo de dano moral.
Recomenda-se, portanto, a leitura do presente livro, que poderá em
muito prestar auxílio aos juízes, desembargadores, promotores de justiça,
advogados, bem como aos interessados não operadores do Direito que se
depararem com a mencionada questão.

SÉRGIO AUGUSTIN
Coordenador
PREFÁCIO

É com grande honra e satisfação que cumpro a missão de apresentar


este livro de trabalhos desenvolvidos sobre “Dano Moral e sua Quantificação”.
Trata-se de trabalho elogiável em prol da cultura jurídica, pois desenvolve
tema instigante e deveras atual, qual seja, a quantificação do dano moral.
A evolução da sociedade brasileira, em diversos aspectos técnicos e
científicos, contribuiu para a abertura política, a formação da Assembléia
Nacional Constituinte e a promulgação da Carta de 1988.
A Constituição da República de 1988 alargou o leque de direitos fun-
damentais que havia na CF/69. Além disso, deu-lhes significação majorada
tendo-os transposto para o art. 5º da nova Carta Política. Tal inserção garantiu
a difusão da consciência do cidadão acerca de seus direitos, bem como da
possibilidade de ressarcimento de danos não só patrimoniais, mas também
morais.
A viabilidade da indenização encontra, entretanto, uma barreira que é
tema dos mais palpitantes, haja vista a dificuldade que se encontra na
quantificação deste dano.
Há carência de material para consulta, local onde o estudioso do Di-
reito possa buscar soluções para as suas dúvidas, enfim, para estabelecer
critérios científicos transcendendo o critério subjetivo ou empírico utilizado
diante da lacuna doutrinária específica para a quantificação. A presente
publicação demonstra o espírito de estímulo à pesquisa, ao estudo, ao
profissional que escreve e, também, ao profissional que necessita atualiza-
ção e novas fontes de consulta.
Os temas publicados nesta obra não poderiam ser mais atuais e
enriquecedores, pois trazem reflexões sobre distintas perspectivas, de di-
versos autores acerca da responsabilidade civil extrapatrimonial, pois como
a interpretação puramente subjetiva do caso concreto dada pelo intérprete
12 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

estabeleceria insegurança nas relações jurídicas, a fixação de critério, re-


gra geral de conduta veda a limitação, mas torna precisa a maneira pela
qual se dará a quantificação.
A profusão de demandas buscando a responsabilidade civil pelo dano
extrapatrimonial e em contrapartida, as soluções dadas a cada caso de-
monstram a necessidade de estudo específico sobre o assunto. Assim, como
se vê, os autores souberam aproveitar o momento para trazer à baila tema
tão carente de debates e reflexões. Os artigos que agora se publicam
espelham as novas tendências do Direito Civil. É importante que se conti-
nue buscando o debate e a crítica através de iniciativas como esta, pois só
assim o jurista cresce e desenvolve suas idéias.
O estudo é atual, didático e fundamental para a compreensão da
matéria. Portanto, a iniciativa da publicação dos pontos abordados retoma
um papel fundamental, qual seja, a demonstração das diferentes perspec-
tivas aceitas no âmbito da quantificação do dano extrapatrimonial, dando
sentido, adequacidade e segurança aos intérpretes, proporcionando um
enfoque da visão dos operadores do Direito, visão essa que agora poderá
ser aceita ou criticada, de acordo com a concepção de cada interessado
pela ciência. Porém, o fundamental é a publicação, o incentivo e a fonte de
pesquisa. Tudo isso ajudará na construção dos pilares sólidos de uma dou-
trina moderna e respeitável no que concerne às novas tendências da res-
ponsabilidade civil, e pontualmente na liquidação do referido dano.

ANDRÉ LUÍS CALLEGARI


Doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid/Espanha
Especialista em Criminologia pela PUC/RS
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da ULBRA
Professor de Direito Penal nos cursos de Graduação e Pós-Graduação da ULBRA
Professor de Direito Penal na Escola Superior da Magistratura do RS
Membro da Comissão Redatora do Código Penal Tipo Ibero-americano

CRISTINA R. DA MOTTA
Advogada
Mestre em Direito pela PUC/RS
Professora de Pós-Graduação em Processo Civil na ULBRA
e Escola Superior da Magistratura da AJURIS
O DANO MORAL E A FIXAÇÃO
DO VALOR INDENIZATÓRIO

BORIS PADRON KAUFFMANN


Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

1. Alguns doutrinadores vão buscar no Código de Hamurabi, do século


XXII a.C., o primeiro dispositivo assegurador da reparabilidade do dano mo-
ral. O art. 127 determinava a raspagem de metade do cabelo do homem livre
que estendesse seu dedo para uma sacerdotisa, ou contra a esposa de outro
homem livre, sem comprovação.1 Outros, como fazia Ihering, situam a gêne-
se da reparabilidade dessa espécie de dano no direito romano, cuja Lex
Duodecim Tabularum previa a actio injuriarum para a defesa de direitos per-
sonalíssimos, como a honra.2
As dificuldades para a admissão da indenizabilidade de um dano dessa
natureza centravam-se no fato da relutância natural em admitir um preço
para a dor, na incerteza da própria existência do dano e na impossibilidade de
sua avaliação, como ressaltou Maria Helena Diniz.3
No entanto essa “demanda reprimida’’ acabou por orientar a doutrina e
a jurisprudência, anotando Yussef Said Cahali que o acórdão pioneiro* admitin-
do a indenizabilidade do dano moral surgiu no Rio Grande do Sul, em 29.09.1976,
proclamando que “o dano moral é indenizável, tanto quanto o dano patrimonial”.4

1
Carlos Dias Motta, Dano moral por abalo indevido de crédito, RT 760/74.
2
Yussef Said Cahali, O dano moral e sua reparação, RT, 1998. p. 28.
3
Curso de direito civil brasileiro, Saraiva, v. 7, 1998. p. 83.
4
Op. cit., p. 18.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
14 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

No Brasil, a tendência negativista, na fase da legislação pré-codificada,


apoiada por Lacerda de Almeida e Lafayette Rodrigues Pereira, encontrava
espeque no fato da reparabilidade ser admitida não como um princípio geral,
mas em razão da existência de certas disposições específicas nesse sentido.
E, com o Código Civil do início do século passado, as divergências cresceram.
Orlando Gomes, por exemplo, nega a indenizabilidade dessa espécie de dano
aduzindo que a indenização não tem o efeito de eliminar o prejuízo e suas
conseqüências, acrescentando que não havia na legislação pátria qualquer
preceito que consagre o princípio.5 Agostinho Alvim, por seu turno, apesar da
existência de dispositivos casuísticos tidos como referentes a dano moral,
também nega a reparabilidade em razão da falta de uma norma de caráter geral.6
No entanto, a maioria dos doutrinadores adotou a tese positivista, quer
se apoiando no fato do art. 159 do CC/1916 não restringir a indenizabilidade
apenas aos danos patrimoniais, aludindo a “dano” de forma genérica, quer
porque o art. 76 do mesmo diploma legitimava o detentor de interesse mera-
mente moral à propositura de uma ação, ou para contestá-la, quer também
porque, no seu art. 1.543, ao aludir ao valor da coisa a ser restituída, quando
não mais poderá sê-lo, incluiu o “valor de afeição” entre os elementos para a
apuração do montante em que se converte a obrigação.
Grande impulso foi dado pela Lei de Imprensa7 ao prever, no art. 49, a
indenização dos danos morais resultantes do dolo ou culpa no exercício da
liberdade de manifestação de pensamento.
A Constituição da República, promulgada em 05.10.1988, além de
prestigiar esse posicionamento, elevou o direito à indenização ao nível cons-
titucional, como cláusula pétrea, assentando, entre os direitos e garantias
fundamentais, “o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indeni-
zação por dano material, moral e à imagem” e, reconhecendo o direito à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, assegurou “o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.8
Permaneceram, todavia, controvérsias acerca da indenizabilidade do
dano moral puro, ou a sua absorção pelo dano material, culminando o STJ
por fixar a sua orientação dominante na Súm. 37, aprovada pela Corte Espe-
cial em 13.03.1992: “São cumuláveis as indenizações por dano material e
moral oriundos do mesmo fato”.9

5
Obrigações, Forense, 1968. p. 326.
6
Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, Ed. Jurídica Universitária, 1965. p. 221.
7
Lei 5.250, de 09.02.1967.
8
CF, art. 5º, V e X.
9
DJU 17.03.1992, p. 3.172.
O DANO MORAL E A FIXAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO 15

Importante contribuição também foi dada pelo Código de Defesa do Con-


sumidor10 ao estabelecer, como direito básico do consumidor, no art. 6º, “a
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, co-
letivos ou difusos”.
Não se pode deixar de mencionar, também, que o atual Código Civil, em
seu art. 186, dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamen-
te moral, comete ato ilícito”.
2. De início, a conceituação de dano moral era obtida por contraposição
ao dano material. Adriano de Cupis salienta que “dano não patrimonial, confor-
me sua negativa expressão literal, é todo dano privado que não é abrangido
pelo dano patrimonial, tendo por objeto um interesse não patrimonial, vale
dizer a um bem não patrimonial”.11 José de Aguiar Dias também deduz negati-
vamente o conceito de dano moral afirmando: “Quando ao dano não
correspondem as características do dano patrimonial, dizemos que estamos em
presença do dano moral”.12
Ocorre que o conceito de patrimônio é que não pode ser reduzido. O
patrimônio não é apenas o conjunto de bens e valores com conteúdo econômi-
co, mas também aquele conjunto de valores imateriais, diretamente ligados à
vida do homem, como a paz, a tranqüilidade, a liberdade, a integridade, a
honra, e outros. Carlos Alberto Bittar conceituava os danos morais como aque-
les que atingem “os relativos a atributos valorativos, ou virtudes, vale dizer, dos
elementos que a individualizam como ser, de que se destacam a honra, a repu-
tação, as manifestações do intelecto”.13 O dano moral, portanto, envolve tam-
bém a esfera social da pessoa ofendida, seu conceito perante terceiros.
Este conceito mais amplo conduz ao reconhecimento da possibilidade da
pessoa jurídica, ou outro ente personalizado, sofrer danos morais. Também
estes têm um conceito que pode ser atingido, sem que sofram efeitos patrimoniais
como resultado da ofensa, ou que os efeitos patrimoniais ocorram ao lado dos
danos morais.

10
Lei 8.078, de 11.09.1990.
11
Danno non patrimoniale, conformemente alla sua negativa espressione letterale, é ogni
danno privato che non rientra nel danno patrimoniale, avendo por oggetto un interesse non
patrimoniale, vale a dire relativo a bene non patrimoniale” - Il danno, citado por Yussef Said
Cahali, op. cit., p. 19.
12
Da responsabilidade civil, Forense, t. II, 1960. p. 771.
13
Reparação civil por danos morais, RT, 1998. p. 34.
16 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Como se vê, a inclusão da pessoa jurídica como ofendida moralmente


dependerá da acepção que se der ao dano moral, e a jurisprudência, se nos
tribunais locais ainda é vacilante a respeito, no c. STJ já assentou a tese
ampliativa. Recentemente, ao apreciar um Agravo Regimental interposto no
AgIn 347.884-GO*, a 3ª Turma, relator o Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
por unanimidade reafirmou a orientação daquela Corte: “O Tribunal a quo,
em consonância com o entendimento desta Corte, admitiu, expressamente, a
possibilidade de pagamento de indenização por danos morais às pessoas
jurídicas”.14
O dano moral, por outro lado, pode estar diretamente ligado ao fato
danoso ou resultar de outra violação anterior. Nesse sentido, a doutrina indi-
ca os primeiros como danos morais puros, enquanto estes últimos seriam
danos morais reflexos. “São puros, portanto, os danos que se exaurem nas
lesões a certos aspectos da personalidade, já referidos, enquanto os reflexos
constituem efeitos ou interpolações de atentados ao patrimônio ou aos de-
mais elementos materiais do acervo jurídico lesado”.15
Por aí se vê a impossibilidade de se relacionar, de maneira exaustiva,
todas as hipóteses de danos morais, mormente tendo em consideração que
os avanços tecnológicos e o surgimento de novas formas de relacionamento
social, que acabam gerando novas espécies de danos morais.
Em relação aos cartões de crédito, tema de interesse mais específico
desta exposição, as hipóteses de danos morais, puros ou reflexos, são inú-
meras, decorrendo do fato de que os vários contratos envolvidos numa única
operação possibilitam inúmeras situações fáticas geradoras dessa espécie de
dano.
Apenas para lembrar, inicialmente dois são os contratos que possibili-
tam a emissão do cartão de crédito: o que regula o relacionamento entre o
emissor do cartão e o titular do cartão e o que regula o relacionamento entre
o emissor do cartão e o fornecedor do bem ou do serviço. Quando o cartão de
crédito é utilizado, agrega-se um novo contrato, trazendo dificuldades para
interpretar esses contratos, que se interligam. Fran Martins lembra que para
“a existência dessas operações são indispensáveis três figuras diferentes: um
organismo que emite os cartões de crédito, chamado de emissor; uma pes-
soa a favor de quem o cartão é emitido, comumente denominada de titular,
portador ou usuário do cartão; e uma empresa que serve de vendedora dos

14
DJU 07.05.2001, p. 141.
15
Carlos Alberto Bittar, op. cit., p. 52.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
O DANO MORAL E A FIXAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO 17

bens ou prestadora dos serviços desejados pelo usuário, a qual é geralmente


denominada por fornecedor”.16
Um primeiro problema de dano moral puro surge quando o emissor en-
via, sem solicitação, um cartão ao titular, fixando um prazo para que este mani-
feste sua discordância. A providência constitui prática abusiva prevista no art.
39, III, do CDC, gerando indenização pelas dificuldades e pelo trabalho e incô-
modo que o titular terá para manifestar sua recusa. Um dano moral puro tam-
bém ocorrerá se, ao cabo de algum tempo sem a manifestação do titular, o
emissor efetuar a cobrança da taxa de manutenção. Também, se o titular igno-
rar essa cobrança, seu nome for enviado a algum cadastro de inadimplentes,
do tipo SPC ou Serasa.
A inclusão de débitos não pertencentes ao titular, reduzindo, por efeito
de débito da fatura em conta bancária, o seu saldo, poderá acarretar danos
morais pela emissão de cheques sem a devida cobertura, atingindo o concei-
to que o titular tinha perante terceiros.
A própria recusa do cartão, pelo fornecedor, quando ilegítima, acaba
atingindo o conceito do titular, sua honra, seu bom nome, gerando direito à
indenização pelos danos morais resultantes. E ainda que a recusa seja mani-
festada indevidamente pelo fornecedor, sem consulta ao emissor, é deste
último a responsabilidade pelos referidos danos, já que, por contrato assegu-
rou, dentro de certas condições, a aceitação daquele documento de compra.
Como se vê, inúmeras e inesgotáveis as hipóteses de atos geradores
do direito à indenização por danos morais atribuíveis às operadoras de car-
tões de crédito, lembrando que são abusivas as cláusulas limitadoras da res-
ponsabilidade, na forma do art. 51, I, do CDC.
Não se pode esquecer, no entanto, que se para a caracterização do fato
gerador do direito à indenização ou compensação necessária a sua ilicitude,
fatos outros podem excluí-la, como a força maior, o caso fortuito, o fato de
terceiro e o fato da vítima do dano.
O “caso fortuito” e a “força maior” dizem respeito à impossibilidade de
cumprimento da obrigação assumida no contrato. É situação ligada intima-
mente à idéia de ausência de culpa. Assim, é um evento estranho à vontade
do devedor da obrigação. Também a ação ilícita de terceiros pode, em certas
situações, impossibilitar o cumprimento de uma obrigação, e o próprio credor
dela pode praticar ato que impeça esse cumprimento, eximindo, desta forma,
a responsabilidade do devedor pelo dano resultante.

16
Cartões de crédito - Natureza jurídica, Forense, 1976. p. 20.
18 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Assim, a par da conjugação dos três elementos básicos para o surgimen-


to do direito à reparação - impulso do agente, o resultado lesivo e o nexo causal -,
necessária a inocorrência de qualquer causa excludente da injuridicidade ou,
como admitem outros, do nexo de causalidade.
3. É comum nos depararmos com alegações de não comprovação do
dano moral ocorrido. A jurisprudência, a respeito, vem se apoiando em duas
diretrizes distintas: a da responsabilização pelo simples fato da violação e a
da desnecessidade da prova do prejuízo moral experimentado.
Era natural tal tendência devido às dificuldades para a demonstração
ou caracterização do efetivo dano moral experimentado, que poderia condu-
zir à inocuidade da previsão constitucional.
A simples demonstração do ato ilícito e a sua potencialidade danosa
aos elementos inerentes à personalidade ou situação do ofendido em seu
meio se mostram suficientes para gerar o direito à indenização, ou mais pre-
cisamente, à compensação. Prescinde-se, portanto, da análise da subjetivi-
dade do agente, bem como da prova do efetivo prejuízo experimentado pelo
ofendido. Como assinalou Carlos Alberto Bittar, “satisfaz-se, pois, a ordem
jurídica com a simples causação”.17
São situações em que o dano é evidente, como, por exemplo, a dor
sofrida pela mãe com a morte do filho ou a divulgação equivocada da situa-
ção de inadimplência de uma pessoa. Basta a prova do fato - morte do filho
ou divulgação equivocada da inadimplência - para se admitir o prejuízo moral
decorrente. Yussef Said Cahali ao abordar o problema do ônus da prova do
dano, alude à presunção de sua ocorrência. Em nota de rodapé faz referência
à “presunção de dor, de sofrimento, de angústia, padecidos pela pessoa físi-
ca, em razão da morte de um familiar querido, de uma deformidade perma-
nente, de um dano estético ou mesmo, como será observado, em razão do
‘abalo de crédito’ ”.18
Exemplo disso está na ementa do REsp 165.727*, do Distrito Federal,
julgado por unanimidade pela 4ª T. em 16.06.1998, relator o Min. Sálvio de
Figueiredo Teixeira. Diz ela: “Nos termos de jurisprudência da Turma, em se
tratando de indenização decorrente de inscrição irregular no cadastro de
inadimplentes, ‘a exigência de prova de dano moral (extrapatrimonial) se satis-
faz com a demonstração da existência da inscrição irregular’ nesse cadastro”.19

17
Op. cit., p. 215.
18
Op. cit., nota 85, p. 397.
19
Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 115, p. 369.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
O DANO MORAL E A FIXAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO 19

4. A dificuldade maior para o julgador, no entanto, é a fixação do mon-


tante para compensar o dano moral experimentado pelo ofendido.
Em primeiro lugar relembra-se que a fixação do montante a ser pago ao
ofendido não tem a finalidade da restitutio in integrum, já que impossível o
retorno à situação em que se encontrava antes da violação. Carlos Dias Motta
lembra a respeito: “Na impossibilidade de reparação equivalente, compensa-se
o dano moral com determinada quantia pecuniária, que funciona como lenitivo
e forma alternativa para que o sofrimento possa ser atenuado com as comodi-
dades e os prazeres que o dinheiro pode proporcionar’’.20
A ampla liberdade na fixação do quantum é uma tendência que se vem
observando na legislação, deixando ao arbítrio do julgador a melhor forma de
compensar o dano moral experimentado. Em relação à própria Lei de Im-
prensa, que estabelecia parâmetros para a indenização,21 a jurisprudência vem
admitindo que tal dispositivo acabou não recepcionado pela atual Carta Políti-
ca,22* adotando orientação esposada por Darcy de Arruda Miranda.23
A absoluta ausência de critério para o arbitramento impede que se
relegue, para a fase de liquidação, a apuração do valor indenizatório. Caso
contrário, seria do perito o arbítrio na fixação do seu montante. Aliás, o art.
1.553 do CC/1916, norma genérica que era aplicada, determinava que, na
falta de norma específica, “se fixará por arbitramento a indenização’’.
As dificuldades aumentam para o julgador em razão da inclusão do
exemplary damages do direito norte-americano, destinado a desestimular a
reiteração da infração. Bittar apontava que “a indenização por danos morais
deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à
sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento
lesivo advindo”.24 Não se pode negar que, num sistema capitalista, a sanção
pecuniária exemplar é o meio mais eficiente de se induzir ao comportamento
adequado as pessoas físicas ou jurídicas.
Assim, se de um lado a fixação do valor indenizatório deve compensar
o dano moral sofrido, de outro deve levar em consideração o efeito que o
valor deve representar para o ofensor, desestimulando-o a repetir o ato lesivo.
Também vem se observando, na doutrina, o crescimento de orientação
no sentido de se substituir a compensação pecuniária por outros meios também

20
Op. cit., p. 79.
21
Arts. 51 e 52.
22
STJ - REsp 295.175-RJ, DJU 02.04.2001, p. 304.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
23
Comentários à Lei de Imprensa, RT, 1995. p. 734.
24
Op. cit., p. 233.
20 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

eficazes para a busca da restituição ao statu quo ante. Seriam satisfações tam-
bém de ordem moral, o que significaria, na verdade, um retorno à Lei de Talião
a que nos referimos logo no início. Tal orientação permite, também, a compen-
sação quando o autor do ato lesivo não tenha patrimônio suficiente para aten-
der eventual valor indenizatório.
5. Às vezes observa-se um exagero na fixação do valor indenizatório
pelos magistrados. Ainda são recentes as notícias vindas do Estado do
Maranhão, cujos magistrados arbitravam indenizações excessivamente altas.
Ganhou o noticiário nacional a condenação sofrida pelo Banco do Brasil em
razão da recusa indevida de um cheque de um magistrado. Lembro-me que
um banqueiro, em reunião da qual participei, chegou a pensar seriamente em
fechar as agências naquele Estado, argumentando que o movimento que elas
tinham não compensava o risco de operar no Maranhão.
No Estado de São Paulo, em razão de alegado ataque à honra de um
magistrado feito por um jornal do interior, a indenização fixada inicialmente
representaria a falência da empresa jornalística.
Tais exageros é que levaram o STJ a intervir na fixação dos valores, a
despeito da ausência de qualquer norma legal violada ou cuja vigência tives-
se sido negada. No REsp 295.175*, do Rio de Janeiro, julgado por unanimidade
em 13.02.2001 pela 4ª T., o rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira assim justi-
ficou a intervenção no tema: “Relativamente ao quantum indenizatório, em pri-
meiro lugar, é de destacar-se, consoante se tem proclamado neste Tribunal,
que o valor da indenização por dano moral não escapa ao controle do STJ
(dentre vários, o REsp 215.607-RJ, DJ 13.09.1999, desta 4ª T.). Esse entendi-
mento, aliás, foi firmado em face dos manifestos e freqüentes equívocos e
abusos na fixação do quantum indenizatório, no campo da responsabilidade
civil, com maior ênfase em se tratando de danos morais, pelo que entendeu ser
lícito ao STJ exercer o mencionado controle”.25
Vê-se, pois, que o Tribunal não conheceu do recurso em função de
eventual contrariedade a tratado ou lei federal, ou por ter sido negada a sua
vigência, ou então em razão de ter sido julgada válida lei local e contestada
em face de lei federal, ou por ter dado à lei federal interpretação divergente
da que lhe haja atribuído outro Tribunal, requisitos constitucionais para o
recurso especial,26 mas pela necessidade de se uniformizar os arbitramentos
feitos pelas justiças locais, absolutamente díspares e muitas vezes exagerados.

25
<http://www.stf.gov.br> - inteiro teor em 31.05.2001.
26
CF, art. 105, III.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
O DANO MORAL E A FIXAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO 21

No AgRg no AgIn 267.503*, também do Rio de Janeiro, julgado por una-


nimidade pela 3ª T. em 13.12.2000, relator o Min. Ari Pargendler, ficou assente
a excepcionalidade da interferência daquela Corte no arbitramento da indeniza-
ção pelo dano moral presente “quando o valor fixado pela instância
local afronta o princípio da razoabilidade”,27 ou, como indicado em outro julgado,
também o “bom senso”.28*
Em outra oportunidade, o mesmo Tribunal salientou que o “arbitramento
deve ser feito com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível
socioeconômico da parte autora e, ainda, ao porte econômico da ré, orien-
tando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência,
com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à
realidade da vida e às peculiaridades de cada caso”.29* Também deve ser evita-
do, segundo outro julgado, o enriquecimento ilícito ou sem causa.30*
Colhem-se, desses julgados, os critérios que devem nortear a fixação
do valor da indenização: em relação ao autor do ato danoso, o grau de sua
culpa e o seu porte econômico; em relação ao ofendido, o nível socioeconômico;
em relação ao ato, a sua potencialidade danosa. Tudo temperado com a
moderação.
Mas também influi, na fixação do valor, eventual ato culposo do ofendido,
contribuindo para a ocorrência do dano moral. Lembro um caso, julgado pela 5ª
Câm. da Seção de Direito Privado do TJSP, envolvendo a recusa de uma nota de
cem reais pela suspeita de ser falsa: a recusa foi feita reservadamente, mas o
próprio “ofendido”, aos gritos, é que provocou a ampla divulgação no restauran-
te, reclamando, depois, pelos danos morais sofridos. Na fixação do valor
indenizatório levou-se em consideração esse ato do ofendido, reduzindo-se sen-
sivelmente o montante da indenização que havia sido fixada.
6. No REsp 255.056-RJ*, apreciou-se o dano moral ocasionado pelo erro
na cobrança de cartão de crédito, debitado em conta da autora, o que ocasio-
nou a devolução de um cheque por ela emitido e a inclusão de seu nome no
Serasa. A sentença impôs indenização por danos morais no montante de 50
salários mínimos, elevado para 150 salários mínimos pelo Tribunal de Justiça. O
STJ manteve a fixação por entender que não era exagerada.31

27
DJU 05.02.2001, p. 108.
28
REsp 299.690, do Rio de Janeiro, DJU 07.05.2001, p. 153.
29
REsp 259.816, do Rio de, Janeiro, DJU 27.11.2000, p. 171.
30
REsp 255.056, do Rio de Janeiro, DJU 30.10.2000, p. 154.
31
<http://www.stf.gov.br> em 30.05.2001.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui links para os acórdãos mencionados.
22 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Nesse caso observam-se duas espécies de danos morais. A primeira de-


las diretamente ligada à operadora dos cartões de crédito por ter incluído des-
pesas de terceiros em sua fatura, obrigando a uma série de contatos entre a
titular e o emissor, sem sucesso; outra dizendo respeito ao abalo de crédito
pois, debitado em conta a fatura com os valores indevidos, a titular teve cance-
lado o cartão e devolvido um cheque de sua emissão.
No REsp 233.076-RJ*, enfrentou-se a questão do cancelamento indevido
do cartão de crédito e inclusão do seu número do “boletim de proteção”,
tendo sido recusada compra que a titular pretendeu realizar. A fixação dos
danos morais foi no valor de 50 salários mínimos, tendo sido reformada a
sentença porque não havia sido comprovado o dano moral alegado.32 No
caso, admitiu-se a existência do dano moral pela simples demonstração da
inscrição irregular.
No REsp 165.727-DF*, o titular teve seu cartão de crédito furtado e co-
municou o fato ao emissor. No entanto, em função das compras realizadas com
o cartão furtado, o titular teve seu nome incluído no SPC. Também neste caso
exigiu-se a prova do dano moral, exigência afastada pelo STJ, fixada a indeni-
zação pelos danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor que, na época
do julgado, correspondia a 78 salários mínimos”.33
O 1º TACivSP, na ApCiv 741.879-5-SP, reconhecendo devida a indeni-
zação pela cobrança indevida de despesa e negativação do nome do titular no
Serasa pela utilização indevida de cartão não solicitado, fixou a indenização
devida em 5 vezes o valor cobrado (R$ 1.340,68).34 Na época da fixação, o
valor total correspondeu, a 50 vezes o salário mínimo. Já na ApCiv 667.663-5, o
mesmo Tribunal, em razão da indevida cobrança feita pela emissora do cartão,
com inclusão do nome do titular no SPC, fixou a indenização em 100 salários
mínimos.35 Neste último acórdão, pesou a necessidade de desestimular a ope-
radora quanto a esse comportamento irregular.
Em outro caso, apreciou-se o dano moral ocasionado pelo bloqueio do
cartão de crédito internacional, fato somente conhecido pelo titular quando
estava em viagem no exterior. O 1º TACivSP reconheceu o dano moral, manten-
do a fixação da indenização em 100 salários mínimos.36

32
<http://www.stf.gov.br> em 30.05.2001.
33
<http://www.stf.gov.br> em 30.05.2001.
34
Juis - Jurisprudência Informatizada Saraiva (24).
35
Juis - Jurisprudência Informatizada Saraiva (24).
36
Juis - Jurisprudência Informatizada Saraiva (24).
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui links para os acórdãos mencionados.
O DANO MORAL E A FIXAÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO 23

7. Graças a uma maciça promoção, vem se observando, no Brasil, um


enorme crescimento na utilização dos cartões de crédito, o que vem exigindo
atenção maior da doutrina a respeito dos vários contratos envolvidos e a
inter-relação entre eles. Em compensação, como é natural, os litígios envolven-
do os titulares desse meio facilitado de aquisição de bens e serviços e o emissor
do cartão também crescem, surgindo diferentes lides exigentes do trabalho dos
advogados e magistrados.
Sem dúvida alguma, até para se efetivar os direitos constitucionalmen-
te assegurados, a conceituação do dano moral deve se ampliar para abranger
todas as violações que atingem a pessoa, mormente em relação ao conceito
que ela detém no meio em que vive. É advertência de Wladimir Valler, citado
por Rui Stoco, que os juízes devem conferir interpretação ampliativa às nor-
mas constitucionais de modo que os danos extrapatrimoniais sejam repara-
dos da forma mais ampla possível.37 Por outro lado, a compensação desse
dano deve desestimular a repetição dos atos violadores.
No entanto, como vem salientando a Corte Superior, não deve se trans-
formar em causa de enriquecimento, e nem desestimular a atividade lícita. A
palavra-chave é, sem dúvida, a “razoabilidade”, critério que deve imperar na
fixação da quantia compensatória dos danos morais.

BIBLIOGRAFIA
AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. Forense, 1960.
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. Jurídica Universitária,
1965.
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. RT, 1997.
BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. Saraiva, 1998.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. RT, 1998.
CASTRO, Moema Augusta Soares de. Cartão de crédito. Forense, 1999.
GOMES, Orlando. Obrigações. Forense, 1968.
MARTINS, Fran. Cartões de crédito - Natureza jurídica. Forense, 1976.
__________. Contratos e obrigações comerciais. Forense, 2000.
MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à Lei de Imprensa. RT, 1995.
MOTTA, Carlos Dias. Dano moral por abalo indevido de crédito. RT 760/74.
SANTOS, J. A. Penalva. Aspectos atuais do cartão de crédito. Revista do Consumidor n. 18.
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. RT, 1999.

37
Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial, RT, 1999. p. 672.
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO
QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA

CAIO ROGÉRIO DA COSTA BRANDÃO


Advogado/SP. Especialista e Pós-Graduado em Direito
Tributário e Direito Processual Civil pelo CEU. Pós-Graduado
em Direito do Consumidor pelo Centro Universitário das
Faculdades Metropolitanas Unidas - UNIFMU.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. A valoração subjetiva - 3. Os critérios de


valoração do dano - 4. A razoabilidade e o interesse público - 5. A teoria
do valor de desestímulo - 6. A razoabilidade objetiva no ordenamento
jurídico e uma estimativa legal do quantum indenizatório - 7. Conclusão.

Resumo: A valoração do dano moral tem sido, ao longo dos últimos anos,
palco de grandes debates na tentativa de se chegar a uma solução para a
ausência de previsão legal, considerando-se o ultra-subjetivismo do objeto do
direito à moral. O presente trabalho faz uma abordagem científica a fim de
contribuir para uma maior compreensão do instituto através de uma análise
investigativa da doutrina, leis e principalmente princípios norteadores de nossa
Ordem Jurídica, inclusive vislumbrando a possibilidade de uma limitação legal
do quantum nas Ações de indenização por danos morais.
Palavras-chave: Dano moral - Razoabilidade - Quantum - Valoração sub-
jetiva - Valoração objetiva - Estimativa prudente - Interesse público - Segurança
jurídica.
26 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

1. INTRODUÇÃO

O dano moral por muito tempo foi motivo de grandes debates jurídicos
relativos à possibilidade de se obter indenização por lesão ao seu objeto, qual
seja, a honra, a dignidade e a integridade psicológica, haja vista que são bens
incorpóreos, abstratos, aos quais é impossível atribuir um valor exato e aritmé-
tico que os defina. Existia uma corrente negativa e outra positiva quanto à pos-
sibilidade jurídica do pedido de indenização por danos morais.
A partir da vigência da Carta Magna de 1988, consolida-se em definitivo
a sua possibilidade de reparação com supedâneo no art. 5º, V e X do mesmo
diploma, assim como nos arts. 186 e 927, caput, do CC/2002, sendo que desta
feita o Direito à Moral passa a ser exercido com mais disposição e rigor.
Uma vez superada a velha discussão, atualmente o direito brasileiro,
assim como o de outros países, como os EUA, enfrenta uma polêmica, da qual
com o passar do tempo se constituíram diversas teses no que se refere à
quantificação do dano moral. As peculiaridades que envolvem o assunto têm
contribuído para o exagero e exorbitância, tanto aqui como alhures, em detri-
mento da própria essência do direito. Tal realidade é denominada por muitos
críticos e estudiosos do assunto de “INDÚSTRIA DO DANO MORAL”, na qual o
interesse econômico-privado se sobrepõe à coerência e ao próprio interesse
público.
A banalização do dano moral, haja vista os inúmeros pedidos inócuos e
extremamente oportunistas fomentados por uma lacuna derivada de um rigoro-
so subjetivismo em relação ao seu quantum, e que atualmente vem sendo com-
batida por alguns critérios doutrinários e jurisprudenciais adotados, é que tem
inspirado relevantes questionamentos entre os juristas e operadores do direito.

2. A VALORAÇÃO SUBJETIVA

Após a Constituição Federal de 1988, mais especificamente com o seu


art. 5º, V e X, o Dano Moral consagrou-se em nossa realidade jurídica e social
como um pleito possível junto ao Poder Judiciário, por meio do qual se busca
uma valoração pecuniária como forma de satisfação compensatória ao lesado,
considerando-se que a dor, as angústias, assim como todo e qualquer senti-
mento com repercussão negativa à personalidade de alguém não tem preço,
sendo impossível lhes auferir um valor exato.
Hoje em dia, o que se discute bastante entre os estudiosos do assunto é
a forma de liquidação do dano moral através de avaliação associada a uma
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 27

valoração, a qual tem caráter preponderantemente subjetivo, uma vez que a


legislação pátria é omissa, recaindo sobre os nossos magistrados a árdua tare-
fa de quantificar o valor da indenização, mesmo quando requerido de forma
previamente mensurada pelo lesado.
No caso em tela, o magistrado aplica o juris dicio utilizando-se do Princí-
pio do Livre Convencimento do Juiz, em prol de uma justiça segura e eqüitativa,
podendo recorrer à analogia, costumes e princípios gerais do direito, conforme
prevê o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil:
“Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a
analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”.
Para Wilson Melo da Silva “o arbitramento é critério por excelência para
indenizar o dano moral”. (O dano moral e sua reparação. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1983).
No entendimento de Clayton Reis: “A idéia prevalente do livre arbítrio do
Magistrado ganha corpo na jurisprudência, na medida em que transfere para o
juiz o poder de aferir, com o seu livre convencimento e tirocínio, extensão da
lesão e o valor da indenização correspondente. Afinal, é o juiz quem, usando de
parâmetros subjetivos, fixa a pena condenatória de réus processados criminal-
mente e/ou estabelece o quantum indenizatório, em condenação de danos
ressarcitórios, de natureza patrimonial”. (Dano moral. 4. ed. atual. 1997. p. 94).
É importante ressaltar que nos casos de indenização por dano moral não
se pode buscar uma equivalência entre o dano e o valor da satisfação, pois, de
fato, o objeto da Ação é imensurável e absolutamente insusceptível de valoração
exata, cabendo ao juiz auferir uma compensação em valor monetário ou até
mesmo em obrigações de fazer ou não fazer.
Neste sentido, a Profª Maria Helena Diniz diz: “Na reparação do dano
moral o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de
cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponder à lesão,
e não ser equivalente, por ser impossível a equivalência”. (Curso de direito civil
brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2003).
Ademais, para José de Aguiar Dias “a condição da impossibilidade mate-
maticamente exata da avaliação só pode ser tomada em benefício da vítima e
não em seu prejuízo. Não é razão suficiente para não indenizar, e assim bene-
ficiar o responsável, o fato de não ser possível estabelecer equivalente estado,
porque, em matéria de dano moral, o arbítrio é até da essência das coisas”. (Da
responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 1987. p. 863).
De fato, a inexatidão do quantum indenizatório não pode ser fator
impeditivo do dever de indenizar. Porém, com a devida máxima vênia ao ilustre
28 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Prof. Aguiar Dias, não se pode estabelecer um parâmetro de valoração somente


em benefício da vítima, como também não somente em benefício do réu, ou
seja, tem que haver a responsabilidade de um em prol da satisfação do outro,
contudo com equilíbrio, através da razoabilidade, para não se incorrer em inde-
nizações exorbitantes e nem ínfimas, com valores extremamente irreais, atra-
vés de uma prejudicada condenação.
Com efeito, no que tange à analogia como um recurso utilizado pelo juiz
em detrimento da omissão legal, podemos nos reportar à previsão do art. 620
do CPC:
“Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução,
o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.
É possível uma aplicação analógica do dispositivo pertinente ao processo
de execução no processo de conhecimento, haja vista que o mesmo busca um
equilíbrio associado à equidade entre a responsabilidade do devedor (réu no
processo de conhecimento) e o direito de satisfação de um crédito não adimplido
(direito lesado pertinente à vítima - Processo de Conhecimento), através da
razoabilidade no arbítrio do quantum indenizatório.
O Projeto de Lei 6.960/2002*, em tramitação no Congresso Nacional,
altera o art. 944 do CC acrescentando um parágrafo que assim dispõe:
“§ 2º A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao
lesado e adequado desestímulo ao lesante”.
O “adequado desestímulo ao lesante” disposto nesse parágrafo refuta
qualquer condenação de excessiva onerosidade atribuída ao responsável, mes-
mo que este tenha uma fortuna ou patrimônio considerável, pois a adequação
não deve recair somente sobre a condição pessoal do agente, mas sim tam-
bém, levar em conta aspectos socioeconômicos, como o gritante desnível de
renda existente em nosso país, motivado pelo enriquecimento sem causa.
Infelizmente, diante da inexistência de elementos objetivos para se che-
gar à quantificação do dano moral, deparamo-nos, às vezes, com julgadores
que, na inexistência destes, decidem de forma incriteriosa, fixando condena-
ções em valores exagerados e totalmente inadequados, como foi o caso do juiz
da 8ª Vara Cível de São Luís do Maranhão, que abalou a opinião pública nacio-
nal ao mandar arrombar os cofres do Banco do Brasil para pagar uma indeniza-
ção por danos morais e patrimoniais no valor de R$ 255.000.000,00 (duzentos
e cinqüenta e cinco milhões de reais), não observando que o cálculo do perito
era de valor discrepante. Nestes casos, de acordo com o artigo de Eduardo

* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o projeto mencionado.
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 29

Junqueira (Números loucos. Revista Veja, São Paulo, 14 maio 1997. p. 35-36), o
jurista Cândido Rangel Dinamarco aponta que “há de se duvidar do valor e
mandar refazer o cálculo”.
No caso de qualquer destempero, como o acima citado, cometido por
alguns de nossos juízes em primeira instância, as decisões poderão ser
reapreciadas em segundo grau, por nossos Tribunais.
Atualmente, mesmo com a razoabilidade sendo usada como critério
determinante nas decisões de nossos Tribunais Superiores, nada obsta que
casos como o acima mencionado ocorram com certa freqüência, fato que, além
de banalizar o instituto da indenização por danos morais, compromete a Segu-
rança Jurídica revelando ainda uma grande lacuna a ser preenchida no sentido
de ser necessária uma fórmula mais eficaz e realista para se chegar a um
resultado mais útil, não só individualmente considerado, na valoração do quantum
a ser pago por ocasião de indenização por danos morais. Daí nasce a idéia de
criar uma “estimativa prudente” legalmente quantificada.

3. OS CRITÉRIOS DE VALORAÇÃO DO DANO

As leis esparsas na legislação brasileira trazem alguns critérios para a


avaliação do Dano Moral que são observados por muitos de nossos aplicadores
do direito, frisando-se que esses critérios não fixam o quantum indenizatório,
porém servem de parâmetros ao magistrado para a posterior definição do mes-
mo.
O Código Nacional das Telecomunicações (Lei 4.117/62) no seu art. 84,
revogado pelo Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967, previu:
“Art. 84. Na estimação do dano moral, o juiz terá em conta notadamente
a posição social ou política do ofensor, intensidade do ânimo de ofender, a gra-
vidade e a repercussão da ofensa”.
Observe-se que o art. 84, na parte em que prevê que “o juiz terá em
conta notadamente a posição social ou política do ofensor”, nesta parte, o dis-
positivo, ao estabelecer um dos parâmetros para se auferir o valor a ser pago a
título de indenização não deixa de afrontar os princípios fundamentais do nosso
direito, como o Princípio da igualdade, estabelecido no art. 5º, caput, da Carta
Magna de 1988, o qual também serve de pressuposto para o Princípio da Pari-
dade Processual.
Sendo assim, por esse parâmetro é possível que uma pessoa com uma
posição social ou até política elevada, com exceção de sua situação econômica,
30 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

seja tratada com certa discriminação ao ter uma condenação mais gravosa do
que uma outra pessoa que não tem a mesma situação social ou política, mas
que comete o ato ilícito nas mesmas configurações. Por isso acreditamos que
diante de tal distorção, especificamente em relação à valoração do quantum do
dano moral, não há que se falar em recepção pela Constituição de 1988.
Com efeito, é importante ressaltar que, por outro lado, a situação econô-
mica do ofensor deve ser levada em consideração para se verificar se o mesmo
pode responder pecuniariamente pelo dano ou se sua responsabilidade incorre-
rá em obrigação de fazer ou não fazer, assim como para se poder atribuir uma
responsabilização capaz de satisfazer um critério elementar atualmente adota-
do, qual seja: o didático, disciplinador ou, como alguns chamam, penalizador
(Teoria do Valor de Desestímulo), sendo que, neste caso, não há que se falar
em incongruência com o referido Princípio, pois cada qual responderá nos limi-
tes de sua capacidade econômica, para que assim seja tutelado o interesse
jurídico, e não preponderantemente o econômico do lesionado.
Os demais parâmetros estabelecidos nesse artigo estão adequados a
uma busca coerente e eqüitativa de um valor para aquele direito, mesmo que
imaterial, a ser pago pelo responsável de uma lesão.
Ademais, a Lei 5.250, de 09.02.1967, que regula a liberdade de pensa-
mento e informação, no seu art. 53 dispõe:
Art. 53 No arbitramento da indenização em reparação
de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente: I -
A intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade,
a natureza e repercussão da ofensa e a posição social
do ofendido; II - A intensidade do dolo ou grau de cul-
pa do responsável, sua situação econômica e a sua con-
denação anterior em ação criminal ou civil fundada em
abuso do exercício da liberdade de manifestação do
pensamento ou informação; III - A retratação espontâ-
nea e cabal, antes da propositura da ação penal ou civil,
a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de
retificação, nos prazos previstos em lei e independente
de intervenção judicial, e a extensão da reparação por
esse meio obtido pelo ofendido.

Não resta dúvida que esta legislação trata com maior profundidade e
acerto alguns critérios que, observados, orientam o magistrado rumo a um
arbitramento do valor a ser pago pelo dano moral causado, uma vez que alguns
critérios adotados em leis esparsas são bem adequados.
Para Américo Luís Martins da Silva (Dano moral e a sua reparação civil.
2. ed. 2002. p. 314) existem três maneiras diferentes de fixação da reparação
de danos decorrentes de atos ilícitos, quais sejam: a) por acordo entre o ofensor
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 31

e ofendido, ou por quem tem a obrigação de indenizar e o ofendido, também


denominada reparação convencional, cujo quantum é fixado pela vontade dos
interessados; b) em alguns casos, por determinação da lei, chamada de repa-
ração legal, cujo quantum é fixado pela lei; c) e por arbitramento judicial, tam-
bém conhecida como reparação judicial, cujo quantum é fixado por sentença
judicial.
Segundo o Prof. Orlando Gomes, nos casos de reparação pecuniária a
primeira dificuldade é a determinação do quantum. Algumas vezes há elemen-
tos concretos para fixá-lo, mas freqüentemente não existem. Na sua ausência,
o valor da indenização deve ser calculado por aproximação, mediante arbitra-
mento.
É o que de fato acontece hoje em dia nas ações de indenização por
danos morais, em que o juiz, depois de verificar a efetiva existência do dano,
passa para a segunda etapa, qual seja: mensurá-lo por aproximação, utilizan-
do-se de critérios já consagrados pela doutrina e em alguns casos pela própria
lei, devido à inexistência de uma estimativa legal a qual visasse à prudência.
Diante da falta de uma estimativa prudente do quantum indenizatório,
existe um critério consagrado pela jurisprudência, o qual vem servindo de su-
porte para os demais já conhecidos, para um arbitramento adequado, dentro
de uma concepção justa e coerente com a realidade subjetiva (cada pessoa) e
objetiva (do coletivo, socioeconomicamente), associada a um equilíbrio, o que é
fundamentalmente a finalidade do direito.
A razoabilidade é um princípio adotado como um critério não muito evi-
dente, mas com certeza bastante ativo nas decisões judiciais. Consagrou-se
nos tribunais através de reformas das decisões monocráticas consideradas in-
coerentes e demasiadamente excessivas em suas condenações. Na atualidade
é bastante levado em consideração, mesmo que implicitamente, no arbitramento
do valor a ser pago pelo ofensor nas demandas de indenização por danos mo-
rais.
Algumas das diversas jurisprudências justificam:
Ementa: Civil e processual. Ação de indenização. Dano
moral. Ofensas veiculadas em programa radiofônico. Ele-
vação do valor de ressarcimento. Acórdão fundamenta-
do. CPC, art. 458. Nulidade não configurada. Quantum.
Razoabilidade.
I - Achando-se fundamentado o acórdão estadual em
sua conclusão sobre a elevação do valor da indenização,
em face da situação fática revelada na causa, sobre a
gravidade das acusações feitas em programa radiofônico
à honra e reputação do autor, não padece a decisão de
32 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

vício que justifique a pretendida nulidade com base no


art. 458 do CPC.
II - Ressarcimento fixado em parâmetro compatível com
a lesão sofrida. (grifei)
III - Recurso especial não conhecido.
(STJ, REsp 416.100/PR; 2002/0021563-1 - STJ);
Ementa: Recurso especial. Dissídio não configurado.
Responsabilidade civil. Encerramento indevido de conta
de poupança. Indenização. Danos morais. Quantum
indenizatório. Padrão de razoabilidade. Majoração.
Descabimento.
I - Inadmissível o especial pelo fundamento do dissídio
se, na forma do que dispõe o art. 255, § 2º, do RI/STJ,
inexiste similitude fática entre os casos confrontados.
II - Fixado o valor da indenização por danos morais de-
correntes do encerramento indevido de conta de pou-
pança dentro de padrões de razoabilidade, faz-se des-
necessária a intervenção deste Superior Tribunal. (grifei).
Recurso especial a que se nega conhecimento.
(STJ, REsp 480.213/SP; 2002/0166002-0 - STJ).

Através desse critério busca-se um equilíbrio, na medida em que o Esta-


do não deixa de prestar a sua tutela jurisdicional através de uma apreciação em
favor do demandante, mas também do demandado ou ofensor.
Assim, não recai uma responsabilização excessiva ou muito aquém, com
arbitramentos do quantum de forma astronômica e irreal ou hipossuficiente, a
ponto de descaracterizar o ideal do direito como instrumento de uma justiça
coerente e eqüitativa.
É importante ressaltar que o critério da razoabilidade em matéria de
dano moral, mesmo sendo um instrumento de equilíbrio utilizado pela jurispru-
dência, apresenta, por excelência, natureza subjetiva, pois a concepção de
razoabilidade pode muito bem variar entre os julgadores ou colegiados, a ponto
de o que vem a ser razoável para um não o ser para o outro, sem se falar da
mutabilidade das decisões jurisprudenciais, vislumbrando assim que ainda não
temos uma situação definida em relação a um arbitramento prudente do quantum,
persistindo, desta feita, a possibilidade de indenizações desproporcionais, o
que não deixa de retratar uma insegurança jurídica eminente.

4. A RAZOABILIDADE E O INTERESSE PÚBLICO

A adoção do Princípio da Razoabilidade, cuja conceituação se origina no


Direito Administrativo, como critério para o arbitramento da indenização por danos
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 33

morais vem sendo de fundamental importância, no sentido de refutar tanto


quantias pequenas e insuficientes quanto exorbitantes e milionárias, evitando
uma degeneração do instituto e descaracterização do direito em si, devendo,
assim, buscar um equilíbrio entre a satisfação da vítima e o dever do causador
do dano através de uma quantia pecuniária a ser paga.
A necessidade da adoção deste princípio como critério se consolidou a
partir da Constituição de 1988, quando a reparabilidade do dano moral no Brasil
ganhou mais força, passando a ser absolutamente incontestável a sua possibi-
lidade jurídica.
Para uma boa parte dos estudiosos que já escreveram trabalhos científi-
cos sobre o assunto a aplicação do princípio da razoabilidade é uma novidade
que tende a solucionar a problemática da valoração do quantum nas ações
dessa espécie.
Data venia, é indiscutivelmente a solução mais eficaz a serviço da Ordem
Jurídica, que de resto não se descuida em momento algum das presunções de
moralidade, legalidade e boa-fé, como pressupostos da Segurança Jurídica nos
atos provenientes do Estado, principalmente no ato de legislar.
Corrobora tal raciocínio o entendimento de J. J. Gomes Canotilho (Direito
constitucional e teoria da constituição. 6. ed. São Paulo: Almedina, 1997.
p. 1.169):
Qualquer que seja a indeterminabilidade dos princípios
jurídicos, isso não significa que eles sejam impredictíveis.
Os princípios não permitem opções livres aos órgãos ou
agentes concretizadores da constituição (impredictibili-
dade dos princípios); permitem, sim, projeções ou irra-
diações normativas com um certo grau de discriciona-
riedade (indeterminabilidade), mas sempre limitadas pela
juridicidade objetiva dos princípios. Como diz Dworkin, o
“direito - e, desde logo, o direito constitucional - desco-
bre-se, mas não se inventa”.

Outrossim, seria aceitável entendermos que o papel da jurisprudência


atualmente, em relação à matéria em estudo, vem sendo o de aplicar a
razoabilidade interpretando-a em si mesma, pois aqui a razoabilidade existe, só
que de forma implícita, nos preceitos como o art. 5º, V e X, da CF/88 e arts. 186
e 927 do CC/2002.
Com efeito, o melhor exemplo que podemos trazer de forma específica
ao nosso tema é o projeto de Lei 6.960/2002, em tramitação no Congresso
Nacional, alterando o art. 944 do CC/2002 ao acrescentar um parágrafo que
prevê o seguinte:
34 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

“§ 2º A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao


lesado e adequado desestímulo ao lesante”.
O termo “adequado desestímulo ao lesante” está dotado de razoabilidade
que carece de interpretação para produzir os seus efeitos no caso concreto,
haja vista a inexistência de um limite pecuniário a ser deduzido pela lei
(razoabilidade expressa no sentido de quantificação).
Por sua vez, na responsabilidade penal a razoabilidade também é presu-
mida, porém de forma expressa no que tange à sua quantificação, pois as
penas possuem um limite mínimo e máximo suficientes para dar efetividade ao
jus puniendi em seus diversos aspectos, exteriorizando desta feita a mesma
razoabilidade existente em preceitos constitucionais como art. 5º, XXXIX, da
CF/88 (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”), resguardando assim o cidadão de um possível arbítrio ilimi-
tado do Estado em relação à sua liberdade de locomoção, o que seria segura-
mente irrazoável.
O Prof. Luis Roberto Barroso (Temas de direito constitucional. 2. ed. São
Paulo: Renovar, 2002. p. 156) divide a razoabilidade em duas espécies:
“razoabilidade interna” e “razoabilidade externa”, como se demonstra:
Deve ela aferir-se, em primeiro lugar, dentro da lei. É a
chamada razoabilidade interna, que diz com a existência
de uma relação racional e proporcional entre seus moti-
vos, meios e fins. Incluí-se aí a razoabilidade técnica da
medida.
De outra parte, havendo a razoabilidade interna da nor-
ma, é preciso verificar sua razoabilidade externa, isto é:
sua adequação aos meios e fins admitidos e preconiza-
dos pelo texto constitucional. Se a lei contravier valores
expressos ou implícitos na Constituição, não será legíti-
ma nem razoável à luz desta, ainda que o fosse interna-
mente.

Sendo assim, a previsão constitucional, apesar de ter pacificado a sua


possibilidade, porém, fez com que nascesse uma outra polêmica no campo
infraconstitucional: a quantificação do dano, a qual é bastante complexa devido
ao seu caráter ultra-subjetivo relacionado à falta de disposição legal expressa
em relação ao valor quantitativo (razoabilidade objetiva expressa) e pela abso-
luta abstração do objeto, o que dificulta ao máximo buscar-se uma valoração
aritmética exata.
Esse ultra-subjetivismo possibilita pedidos absurdos que buscam quantias
astronômicas, assim como decisões arbitrando quantias ilógicas e irreais, no
sentido de se valorar “muito” ou “pouco”, as quais em muitos casos vêm sendo
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 35

reformadas pelos Tribunais Superiores, embasados em uma “interpretação” da


razoabilidade.
É importante esclarecer que ainda não foi encontrada uma solução legal
para a problemática do quantum indenizatório, pois mesmo com a razoabilidade
adotada como critério nas decisões judiciais, principalmente nos Tribunais, atra-
vés das inúmeras jurisprudências, a valoração continua essencialmente subje-
tiva, o que ainda abre precedente para ocorrência de valorações exageradas ou
hipossuficientes, colaborando, no primeiro caso, com o atual congestionamento
do Judiciário, oriundo, dentre outras causas, dos inúmeros pedidos de indeniza-
ção por danos morais sem qualquer causa de pedir, ou, quando a possuem, são
motivados pela possibilidade de ganhar muito dinheiro, o que vem a ser, na
maioria dos casos, a verdadeira causa petendi.
As possíveis exorbitantes indenizações em nossa Ordem Jurídica não
deixam de retratar uma afronta ao próprio interesse público, pois um país como
o Brasil, e com as peculiaridades que tem, com os indicadores sociais de pobre-
za e concentração de renda nos primeiros lugares do ranking mundial, os valo-
res elevados, favorecendo certa supremacia econômica de uns sobre outros,
associados a um enriquecimento sem causa, a título de indenização, são veemen-
temente incompatíveis e tornam o Poder Judiciário um instrumento mais econô-
mico do que jurídico, maculando a própria função jurisdicional, a qual deve ser
entendida como ensina a renomada doutrina processualista:
O processo, legitimamente relacionado ao poder políti-
co jurisdicional, precisa ser apto a dar a quem tem um
direito, na medida do que for praticamente possível tudo
aquilo a que tem direito e precisamente aquilo a quem
tem direito. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A instru-
mentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2002.
p. 365).

Princípios doutrinários da ciência jurídica ensinam que o interesse parti-


cular no caso em apreço satisfação de um direito pessoal lesado, não pode se
sobrepor ao interesse público, no sentido de que aquele deve estar nos moldes
deste, sem que o contrarie ou o ameace.
Para o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello “o princípio da supremacia
do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de direito ine-
rente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não
se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros
aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os
princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidor ou do
meio ambiente (art. 170, III, V e VI) ou em tantos outros. Afinal, o princípio em
36 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

causa é um pressuposto lógico do convívio social”. (Curso de direito administra-


tivo. 7. ed. 1995. p. 53).
O enriquecimento de uns paralelo à miséria de outros, com causa ou sem
causa, está diretamente relacionado ao interesse público, pois com certeza
contribui para agravar os indicadores sociais, assim como congestionar a má-
quina judiciária com milhares de pedidos sem qualquer interesse jurídico, devi-
do à ganância de muitos.
Não há dúvidas que o caráter ultra-subjetivo na valoração do quantum é
uma lacuna, a qual permite que em nossa realidade jurídica sejam retratados
absurdos, com arbitramentos de montas que muitas vezes jamais fazemos idéia
de quanto representam em espécie, quando não a possibilidade de reformas de
decisões pelos Tribunais que ensejam uma desvalorização do direito a ser tute-
lado, reduzindo-o de forma suntuosa. A subjetividade pertinente ao dano moral
é insuperável em relação ao seu objeto, porém pode ser abrandada e limitada
frente à Segurança Jurídica e, por via de conseqüência, ao próprio interesse
público, acarretando assim uma diminuição significativa das elucubrações
valorativas e também em um maior controle jurídico, o que propicia uma maior
consistência do direito.

5. A TEORIA DO VALOR DE DESESTÍMULO

A teoria do valor de desestímulo teve sua origem no direito norte-ameri-


cano, através da expressão “punitive damages” que traduzindo para o vernácu-
lo significa danos punitivos. A finalidade do instituto está relacionada a um
desestímulo à prática de condutas danosas por meio de uma imposição de pa-
gamento de grandes quantias, as quais significam atribuir valores milionários
às vítimas lesadas, isto também, conseqüentemente, proporcionando um exemplo
à própria sociedade, de forma a inibi-la na prática de atos que possam atentar
contra o patrimônio moral de alguém.
Para Rodrigo Mendes Delgado (O valor do dano moral. Como chegar até
ele. Teoria e prática. São Paulo: J. H. Mizuno, 2003. p. 256) deve-se entender:
“A teoria do valor do desestímulo é um instituto através do qual, por meio da
condenação a uma soma milionária, pretende-se obter, a um só tempo, a puni-
ção do ofensor, desestimulando-o a reincidir no erro, e proporcionar um exem-
plo à sociedade como um todo, como meio preventivo”.
O Brasil, a partir da expressa possibilidade de reparabilidade por danos
morais, de acordo com o art. 5º, V e X, da CF/88, acolheu com mais voracidade
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 37

a teoria do valor de desestímulo, tendo como grandes defensores Carlos Alberto


Bittar e o eminente Prof. João Catillo.
No que diz respeito aos valores indenizatórios aplicados, no Brasil reve-
lou-se, em um primeiro momento, situação análoga à dos Estados Unidos, com
os contínuos pagamentos de valores milionários. Aliás, há um movimento por lá
para rever os critérios de indenização em face das conseqüências econômicas
sofridas, as quais vêm inviabilizando, inclusive, atividades profissionais.
Por adotarem várias indenizações extremamente elevadas, os Estados
Unidos vivenciam atualmente uma crise da responsabilidade civil. Esta crise do
sistema da chamada loteria judicial (judicial lottery) pode ser observada no livro
de autoria de Peter Huber (Liability, The Legal Revolution and its Consequences.
New York: Basic Books, 1988). No Brasil, esta vertente de indenizações eleva-
díssimas, por enquanto e com “perigosa” maleabilidade, vem sendo contida
através da adoção do princípio da razoabilidade como critério, principalmente
nas decisões do STJ, firmando precedente no sentido de que, embora em regra
não se revisem valores, excepcionalmente, em caso de indenizações aberrantes,
pode-se sim alterar o valor das mesmas.

6. A RAZOABILIDADE OBJETIVA NO ORDENAMENTO


JURÍDICO E UMA ESTIMATIVA LEGAL DO QUANTUM
INDENIZATÓRIO

Inexiste na principal fonte do direito brasileiro, a lei, “uma estimativa


prudente” da quantificação do dano moral, a qual disporia de um teto máximo
para as indenizações, fato que não comprometeria o livre convencimento do
magistrado, pois o quantum variaria do mínimo até um máximo permitido em
lei, sendo que a quantificação dentro dessa estimativa dependeria do arbítrio
exercido pelo julgador, assim como possibilitaria ao juiz que mensurasse a in-
denização acima do valor máximo permitido em lei para fazer valer o caráter
disciplinador da condenação (nos casos de o ofensor ser possuidor de elevado
poderio econômico que comprometa a própria efetividade da condenação);
porém, este valor excedente não se destinaria ao ofendido, mas sim a um fundo
social, o que, desta feita, levaria o Estado, através da sua função jurisdicional,
a corresponder tanto à necessidade da pretensão do direito privado quanto ao
resguardo do interesse público.
Para Luis Alberto Barroso (Temas de direito constitucional. 2. ed. São
Paulo: Renovar, 2002. p. 52): “A lei, por sua vez, opera a despersonalização do
38 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

poder, conferindo-lhe o batismo da representação popular. Visa, sobretudo, a


introduzir previsibilidade nos comportamentos e objetividade na interpretação”.
O grande e saudoso jurista André Franco Montoro uma vez escreveu:
“Nas sociedades modernas, a lei é indiscutivelmente a mais importante das
fontes formais da ordem jurídica. Ela é a forma ordinária e fundamental de
expressão do direito. É a lei que fixa as linhas fundamentais no sistema jurídico
e serve de base para a solução da maior parte dos problemas do direito”. (Intro-
dução à ciência do direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 327).
Mutatis mutandis, o “Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do
Homem” reafirma a importância da lei como fonte precípua do direito em uma
sociedade politicamente organizada ao declarar como “essencial que os direitos
do homem sejam protegidos pelo império da lei”.
Ademais, o nosso Ordenamento Jurídico incorporou em seus preceitos
tal princípio quando na própria Carta Política prescreve no seu art. 5º, II, que
“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”, assim como conferiu um caráter secundário às demais fontes
quando a Lei de Introdução ao Código Civil, no seu art. 4º, dispõe que “quando
a lei for omissa” é que poderão ser aplicadas as demais formas de expressão
do direito.
Com efeito, podemos seguramente afirmar que a “estimativa legal” da
quantificação das indenizações por danos morais em nada lesionaria qualquer
princípio ou instituto jurídico; pelo contrário, favoreceria para uma maior con-
sistência do direito material em prol da própria Segurança Jurídica.
Para uma maior compreensão, a expressão “Segurança Jurídica” passou
a designar um conjunto abrangente de idéias e conteúdos, objetos de uma
verdadeira evolução tanto doutrinária quanto jurisprudencial, quais sejam: “a
existência de instituições estatais dotadas de poder e garantias, assim como
sujeitas ao princípio da legalidade; a confiança nos atos do Poder Público, que
deverão reger-se pela boa-fé e razoabilidade; a estabilidade das relações jurí-
dicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em
relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face
da lei nova; a previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser
seguidos como os que devem ser suportados; a igualdade na lei perante a lei,
inclusive com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas”. (Luis
Roberto Barroso em seu livro: Temas de direito constitucional. 2. ed. São Paulo:
Renovar, 2002. p. 50).
Assim, não resta dúvida que a Segurança Jurídica em relação ao direito
de indenização por danos morais, em uma concepção moderna, inevitavelmen-
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 39

te requer, dentre outros requisitos, a previsibilidade, boa-fé e razoabilidade


como pressupostos necessários de quaisquer atos do Poder Público, em especial
dos atos legislativos. A razoabilidade, como bem foi analisada, já existe de
forma implícita através de preceitos constitucionais e até mesmo
infraconstitucionais, restando apenas a sua previsibilidade em uma quantificação
moldada não no interesse privado, mas soberanamente, no interesse público.
O Prof. Hely Lopes Meireles (Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São
Paulo: Malheiros, 2004. p. 92) deixou-nos o seguinte ensinamento em relação
ao Princípio da Razoabilidade: “Sem dúvida, pode ser chamado de princípio da
proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade
entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas
por parte da Administração Pública. Como se percebe, parece-nos que a
razoabilidade envolve a proporcionalidade, e vice-versa. Registre-se ainda que
a razoabilidade não pode ser lançada como instrumento de substituição da von-
tade da lei pela vontade do julgador ou do intérprete, mesmo porque ‘cada
norma tem uma razão de ser’ ”.
Destarte, a jurisprudência não tem deixado de exercer um papel de ex-
trema relevância quando da ausência de previsão legal acerca do quantum,
todavia o seu caráter maleável apenas garante uma previsibilidade parcial ou
até mesmo precária, o que no caso em discussão fragiliza a Segurança Jurídica.
Para o Prof. André Franco Montoro (Introdução à ciência do direito. 25. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 353): “A jurisprudência, como a lei,
traça uma norma jurídica geral e obrigatória. Mas se distingue da lei por sua
maior flexibilidade e maleabilidade”.
Por sua vez, Vicente Ráo (O direito e a vida dos direitos. 6. ed. São
Paulo: RT, 2004) expõe o seguinte entendimento consentâneo à doutrina aceita
na ordem jurídica contemporânea: “a lei surge como fonte direta e imediata do
direito, seguindo-se-lhe, tão-somente, com caráter mediato e direto, o costu-
me. Além dessas, nenhuma outra fonte pode admitir-se, nem mesmo com ca-
ráter supletivo. E também se exclui a jurisprudência, isto é, a auctoritas rerum
similiter judicatarum, porque por maior que seja a influência dos precedentes
judiciais, jamais eles adquirem o valor de uma norma obrigatória e universal,
podendo, quando muito, propiciar reformas ou inovações legislativas, como tam-
bém pode fazer a ciência jurídica”.
Ademais, se faz mister destacar que nos tempos antigos, mais precisa-
mente à época concernente ao Código de Hamurabi, a quantificação do dano
era objetiva, não no sentido de se ter uma estimativa legal prudente do valor a
ser pago, como se sugere aplicar no Brasil, mas sim, uma valoração exata, ou
40 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

seja, um valor certo para cada tipo, como podemos observar em alguns casos:
§ 209 - Se um homem livre (awilum) ferir o filho de um
outro homem livre (awilum), e em conseqüência disso,
lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á 10 ciclos de prata
pelo aborto.
§ 211 - Se pela agressão fez a filha de um Muskenun
expelir o (fruto) de seu seio: pesará cinco ciclos de pra-
ta (cinco ciclos de prata correspondiam a mais ou me-
nos 40 gramas de prata).
§ 212 - Se essa mulher morrer, ele pesará meia mina de
prata (meia mina equivale a 250 gramas de prata).
Atualmente o Projeto de Lei 1.443/2003* em tramitação no Congresso
Nacional (Anexo IV), estabelece critérios para a definição do valor da indeniza-
ção, mais precisamente, no seu art. 2º, §§ 1º e 2º conforme se observa:
Art. 2º A indenização do dano moral será fixada em até
duas vezes e meia os rendimentos do ofensor ao tem-
po do fato, desde que não exceda em dez vezes o
valor dos rendimentos mensais do ofendido, que será
considerada limite máximo.
§ 1º Na ocorrência conjunta de dano material, o valor
indenizatório do dano moral não poderá exceder a dez
vezes o valor daquele apurado.
§ 2º A autoridade judicial deverá levar em considera-
ção, para a fixação do montante indenizatório, o com-
portamento do ofendido e se houve retratação por parte
do ofensor, podendo reduzir a indenização e, até mes-
mo, cancelá-la se houver anuência do ofendido.

O referido projeto apresenta uma finalidade de relevante interesse, tan-


to jurídico quanto social, ao levarmos em consideração que o direito também é
uma ciência social ao dispor sobre uma estimativa prudente com a adoção de
um limite máximo para as indenizações, porém carece de uma previsão mais
aperfeiçoada, pois se observa que o legislador não aplica a razoabilidade de
forma a corresponder uma solução eficaz para a problemática da quantificação
do dano moral, ou seja, esquece da proporcionalidade como elemento inte-
grante da razoabilidade objetiva (previsão expressa em relação ao debitum), a
qual se pretende.
Quando o art. 2º, caput, prevê que “A indenização do dano moral será
fixada [...], desde que não exceda em dez vezes o valor dos rendimentos men-
sais do ofendido, que será considerada limite máximo”, percebemos que a pro-
porcionalidade é esquecida se nos deparamos com um caso concreto de o ofen-

* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o projeto mencionado.
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 41

dido receber mensalmente um salário mínimo. Neste caso a indenização máxi-


ma que essa pessoa poderia receber hoje seria de R$ 3.000,00 (três mil reais),
valor este, dependendo do caso de dano e da capacidade econômica do ofensor,
muito aquém.
Para uma previsão legal mais eficaz torna-se necessário que na estima-
ção prudente, através de um “piso” e um “teto” indenizatório, se busque um
equilíbrio fundado na razoabilidade objetiva, que possibilite o pagamento de
indenizações nem hipossuficientes nem exageradas, assim como também refu-
te qualquer tipo de disparidade processual, fazendo-se valer princípios funda-
mentais como o da igualdade, legalidade e principalmente o da segurança jurí-
dica, juntamente com o resguardo do interesse público.
Ademais, retrata uma movimentação institucional, mesmo que ainda
incipiente, no sentido de solucionar legalmente a definição do quantum, afas-
tando ao máximo a possibilidade de indenizações absurdas e sem qualquer
razoabilidade.
A referida iniciativa legislativa vislumbra uma tendência da sociedade,
devidamente representada, de estabelecer um parâmetro legal para a valoração
do Dano Moral ao criar uma estimativa, almejando coerência com o escopo do
direito e com a realidade socioeconômica do país, evitando-se assim grandes
distorções e o desvio da própria finalidade do Poder Judiciário.

7. CONCLUSÃO

Podemos entender que não vem a ser prudente partir do pressuposto de


que o patrimônio moral é quantitativamente imensurável para justificar tanto o
não pagamento de eventual lesão quanto o pagamento com base em somas
elevadas a ponto de desequilibrar a própria relação jurídica.
Um Estado Democrático de Direito exige para sua própria consistência a
impossibilidade de se impor poderes ilimitados assim como de se exercer direi-
tos sem qualquer restrição legal como garantia da sua própria ordem institucional.
A finalidade do presente trabalho não foi criticar a sistematização atual-
mente adotada para tentar valorar as indenizações por danos morais, mas sim
demonstrar que apesar da razoabilidade estar presente nas decisões de nossos
Tribunais, a subjetividade persiste em detrimento de uma definição legal que
garanta não somente o exercício do direito privado, mas também respeito às
limitações que resguardem uma maior Segurança Jurídica e, por conseguinte, o
Interesse Público.
42 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

No caso em estudo, é de se observar um conflito entre garantias consti-


tucionais, quais sejam: uma de direito privado, relacionada ao direito de ser
indenizado em virtude de lesão à moral (art. 5º, V e X, da CF/88); e outra de
ordem pública, no sentido de vedar o enriquecimento sem causa e tudo que
atente contra a liberdade, justiça e solidariedade, assim como zelar pela lega-
lidade, maior segurança jurídica e erradicação da pobreza, da marginalização e
principalmente das desigualdades sociais (arts. 3º e incisos e 5º, II), sendo vital
para a sociedade que haja a prevalência de alguns princípios ou garantias mais
importantes do que outros existentes em nossa Constituição.
Com efeito, é Princípio Geral do Direito que o interesse público se sobre-
ponha ao direito privado como forma de garantir a harmonia e ordem social, as
quais constituem características precípuas de uma sociedade politicamente or-
ganizada.
É por isso que neste sentido o grande mestre J. J. Gomes Canotilho (Di-
reito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. São Paulo: Almedina, 1997.
p. 1.168) concluiu com muita propriedade:
Considerar a constituição como uma ordem ou sistema
de ordenação totalmente fechado e harmonizante sig-
nifica esquecer, desde logo, que ela é, muitas vezes, o
resultado de um compromisso entre vários actores so-
ciais, transportadores de idéias, aspirações e interesses
substancialmente diferenciados e até antagônicos e
contraditórios. [...].
Daí o reconhecimento de momentos de tensão ou an-
tagonismo entre os vários princípios e a necessidade,
atrás exposta, de aceitar que os princípios não obede-
cem, em caso de conflito, a uma “lógica do tudo ou
nada”, antes podem ser objeto de ponderação e con-
cordância prática o seu “peso” e as circunstâncias do
caso.

Por fim, diante do estudo acima apresentado, podemos concluir pela pos-
sibilidade de um sistema legal de valoração, pois está bem evidenciado que a
nossa Ordem Jurídica, por meio de seus princípios fundamentais, leis e doutri-
nas admite uma estimativa legal do quantum indenizatório nas ações de danos
morais.
DANO MORAL: VALORAÇÃO DO QUANTUM E RAZOABILIDADE OBJETIVA 43

8. BIBLIOGRAFIA

BARROSO, Luis Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2002.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 6. ed. São Paulo:
Almedina, 1997.
DELGADO, Rodrigo Mendes. O valor do dano moral. Como chegar até ele. Teoria e prática. São
Paulo: J. H. Mizuno, 2003.
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, 1987.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2003.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. São Paulo: Malheiros, 2002.
FIÚZA, Ricardo. Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2002.
JUNQUEIRA, Eduardo. Números loucos. Revista Veja, São Paulo, 14 maio 1997. p. 35-36.
MATIELO, Fabrício Zamprogna. Dano moral, dano material e reparações. 3. ed. Porto Alegre:
Sagra Luzzato, 1997.
MEIRELES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 7. ed. São Paulo: Malheiros,
1995.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999.
HUBER, Peter. Liability, The Legal Revolution and its Consequences. New York: Basic Books,
1988.
REIS, Clayton. Avaliação do dano moral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
______. Dano moral. 4. ed. atual. 1997. p. 94.
SANTINI, José Raffaeli. Dano moral: doutrina, jurisprudência e prática. 2. ed. rev. e ampl.
Campinas: Agá Júris, 2000.
SILVA, Américo Luís Martins da. O dano moral e a sua reparação civil. 2. ed. atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
VALLE, Chistiano Almeida do. Dano moral: doutrina, modelos e jurisprudência. Rio de Janeiro:
Aide, 1996.
VALLER, Wladimir. A reparação do dano moral no Brasil. São Paulo: E.V. Editora, 1994.
VICENTE Ráo. O direito e a vida dos direitos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004.
ZENUN, Augusto. Dano moral e dano moral e sua reparação. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1997.
INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO NO ÂMBITO
DOS CONTRATOS DE PLANOS E DE SEGUROS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

CRISTIANO HEINECK SCHMITT


Advogado. Mestre em Direito pela UFRGS. Pós-Graduado pela
Escola da Magistratura do Rio Grande do Sul - AJURIS.
Membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da
OAB/RS.

SUMÁRIO: Introdução - 1. Prerrogativas de proteção contratual do


consumidor idoso de planos e de seguros privados de assistência à saúde
- 2. Indenização por dano moral do consumidor idoso face à rescisão
abusiva de contrato de plano de saúde - 3. Indenização por dano moral
do consumidor idoso face a negativas abusivas de cobertura de tratamentos
médico-hospitalares - Conclusão - Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 230, traz regra expressa


acerca da proteção do idoso no âmbito da sociedade: “A família, a sociedade e
o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua partici-
pação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-
lhes o direito à vida”.1

1
Caput do artigo 230 da Constituição Federal de 1988.
46 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

O aludido dispositivo constitucional é uma reiteração das prerrogativas


fundamentais de proteção à dignidade,2 à vida,3 à igualdade,4 focalizando-se,
no entanto, na pessoa idosa.
Contudo, a proteção da pessoa idosa recebeu importante implementação,
através da Lei nº 10.741/03, denominada de “Estatuto do Idoso”, que passa a
ser um marco oficial na regulamentação de direitos assegurados às pessoas
com idade igual ou superior a sessenta anos de idade, conferindo-se assim
melhor aplicabilidade ao supramencionado artigo 230 da Constituição Federal.5
Referido diploma legal, vigente desde início de janeiro de 2004, visa a
permitir a inclusão social dos idosos no Brasil, garantindo-lhes tratamento igua-
litário. Através do Estatuto do Idoso, pretende-se impedir que os idosos conti-
nuem sendo mantidos, em sua maioria, à margem da sociedade, como se fos-
sem cidadãos de segunda classe.
Como aduz BRAGA, “O tipo de desenvolvimento econômico vigente no
país tem gerado estruturalmente e sistematicamente situações práticas contrá-
rias aos princípios éticos: gera desigualdades crescentes, gera injustiças, rom-
pe laços de solidariedade, reduz ou extingue direitos, lança populações inteiras
a condições de vida cada vez mais indignas. Ou seja, a classe dos excluídos está
cada vez maior, dentre esses, temos os idosos. A sociedade brasileira está
despreparada para receber a população crescente de idosos, afinal, o aumento
da média de vida do brasileiro ainda não foi assimilado pela própria popula-
ção”.6

2
Inciso III do artigo 1º da Constituição Federal de 1988.
3
Caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
4
Inciso IV do artigo 3º e caput do artigo 5º, ambos da Constituição Federal de 1988.
5
Cita-se, neste sentido, o enunciado dos artigos 2º e 3º do aludido estatuto: Art. 2º: “O idoso
goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção
integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu
aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.
Art. 3º: “É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar
ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade,
ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
6
BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Envelhecimento, ética e cidadania. Disponível em: <http://
www.mundojuridico.adv.br/>. Acesso em: 4 fev. 2004. Segundo a autora: “Cabe ao Direito
brasileiro reconhecer que o idoso não é um cidadão de segunda classe, mas uma pessoa mais
bem dotada cronologicamente. A sociedade e a família, conseqüentemente, precisam entender
o envelhecimento de seus integrantes como uma evolução e não como um peso! Quando
reconhecermos o potencial de nossos membros idosos, passaremos a lutar para que o Direito
os reconheça como cidadãos. E finalmente, uma vez que os idosos tenham sua cidadania
reconhecida e garantida, será possível dividir entre a Família, o Estado e a Sociedade, a
responsabilidade e o prazer de cuidar daqueles que estão envelhecendo”.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 47

No entanto, tentando corrigir injustiças há muito verificadas, o Estatuto


do Idoso enuncia, por exemplo, garantias de prioridade ao idoso, que compre-
endem atendimentos preferenciais em órgãos públicos e privados de prestação
de serviços à população, bem como destinação7 privilegiada de recursos desti-
nados às áreas relacionadas à proteção do idoso.8
É notória a situação caótica da saúde pública no Brasil, não representan-
do, de forma alguma, concorrência para as empresas administradoras de pla-
nos e seguros de assistência privada à saúde, que passam a desfrutar de amplo
mercado consumidor, podendo ditar as regras conforme seus anseios. A notar a
expansão de determinadas empresas do ramo, não pesam dúvidas acerca da
existência de determinados monopólios.
Evidente que quando uma determinada categoria exerce predomínio so-
bre a outra, aí podemos visualizar a relação havida entre a empresa adminis-
tradora de planos e de seguros de assistência à saúde e o consumidor, em que
aquela acaba ditando, por exemplo, as regras de um contrato, de forma livre e
sem controle algum. Neste caso, não se poderá cogitar em relações equilibra-
das.
Se um dos contratantes observa a vontade do outro reduzida à mera
aceitação do trato, sem que lhe seja possibilitado barganhar, aquele que usufrui
de posição dominante estabelecerá regras que protejam somente os seus inte-
resses, e, neste caso, não se poderá falar em contrato de prestações equilibra-
das. Todos os contratantes almejam uma vantagem na relação; o problema,
observamos assim, surge com o desvirtuamento da vantagem que, de justa,
pode transformar-se em puro desequilíbrio contratual.
Analisando-se este cenário, o consumidor idoso, ante a fragilidade que
lhe é natural em razão da idade avançada, que o torna ainda mais vulnerável,
se comparado às demais pessoas,9 não raro acaba sendo atingido por práticas
comerciais abusivas que, em muitos casos, causam lesões que superam a esfe-
ra patrimonial, provocando danos de ordem moral.
O intuito de nosso trabalho, considerando este “consumidor especial”
que é a pessoa idosa, é trazer à colação alguns julgados que conferiram inde-
nização por danos morais perpetrados contra consumidores idosos. São situa-
ções nas quais os consumidores idosos tiveram seus contratos de planos de

7
Vide artigo 3º, parágrafo único, inciso I do Estatuto do Idoso.
8
Vide artigo 3º, parágrafo único, inciso III do Estatuto do Idoso.
9
Acerca do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, vide o
inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor...
48 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

saúde rescindidos ilegalmente, ou que foram vítimas de negativas de cobertura


de atendimentos cuja responsabilidade pelo custeio era da empresa adminis-
tradora do plano ou do seguro-saúde.
São poucos ainda os casos em que tais perspectivas indenizatórias são
desenvolvidas, sendo objetivo desta pesquisa fomentar o debate em torno do
tema.

1. PRERROGATIVAS DE PROTEÇÃO CONTRATUAL DO


CONSUMIDOR IDOSO DE PLANOS E DE SEGUROS
PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Entendemos ser essencial para a compreensão de nossa pesquisa indi-


car alguns motivos e elementos normativos específicos que conferem proteção
à posição contratual do consumidor idoso no âmbito de contratos de planos e de
seguros privados de assistência à saúde.
Nesta linha de proteção, BRAGA comenta que “A ética que foi negada aos
idosos dos séculos passados deve nortear o relacionamento entre a sociedade
e os idosos deste início de século. Garantir os direitos dos que estão envelhe-
cendo agora é um dever que não podemos passar para as gerações futuras, já
adiamos o reconhecimento da cidadania do idoso por muito tempo, e se não
podemos redimir os erros cometidos no passado, pelo menos podemos impedir
que eles continuem a acontecer”.10
O Código de Defesa do Consumidor, não bastasse o reconhecimento ex-
presso cerca da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, desta-
cado no inciso I do seu artigo 4º,11 cogita também uma fraqueza ainda maior
quando se trata de consumidor idoso, pois dispõe no inciso IV do caput do seu
artigo 39 tratar-se de prática abusiva, vedada pelo fornecedor de produtos ou

10
Op. cit.
11
Merece transcrição, neste sentido, o comentário de Marques: “Ninguém discute hoje mais
porque o consumidor foi o único agente econômico a merecer inclusão no rol dos direitos
fundamentais do art. 5º da Constituição Federal, foi escolhido porque seu papel na sociedade
é intrinsecamente vulnerável frente ao seu parceiro contratual, o fornecedor. Trata-se de
uma necessária concretização do Princípio da Igualdade, de tratamento desigual aos desiguais,
da procura de uma igualdade, uma igualdade material e momentânea para um sujeito com
direitos diferentes, sujeito vulnerável, mais fraco” (MARQUES, Cláudia Lima. Solidariedade
na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em contratos de planos
de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: SARLET, Ingo Wolfgang
(Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. p. 189).
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 49

serviços, “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em


vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhes
seus produtos ou serviços”.
A respeito, Marques sustenta que, “tratando-se de consumidor “idoso”
(assim considerado indistintamente aquele cuja idade está acima de 60 anos)
é, porém, um consumidor de vulnerabilidade potencializada. Potencializada pela
vulnerabilidade fática e técnica, pois é um leigo frente a um especialista organi-
zado em cadeia de fornecimento de serviços, um leigo que necessita de forma
premente dos serviços, frente à doença ou à morte iminente, um leigo que não
entende a complexa técnica atual dos contratos cativos de longa duração deno-
minados de “planos” de serviços de assistência à saúde ou assistência funerá-
ria”.12
Nesta linha de proteção do consumidor idoso, a Lei nº 9.656/98, editada
para regular os contratos de planos e de seguros privados de assistência à
saúde, considerando a alteração imposta pela Medida Provisória nº 2.177-44/01,
previa ao menos três dispositivos expressos, e que se tratavam dos artigos 14,13
15 (caput e parágrafo único)14 e 35-E (inciso I do caput e §§ 1º, 2º e 3º, e
respectivos incisos),15 os quais se voltam para a proibição de discriminação de

12
MARQUES, Solidariedade..., op. cit., p. 194.
13
Artigo 14: “Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de
deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à
saúde”.
14
Art. 15: “A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos
de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em razão da idade do consumidor,
somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os
percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela
ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E”. Parágrafo único: “É vedada a variação a que alude
o caput para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos
produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, há mais de dez anos”.
15
Art. 35-E: “A partir de 5 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados
anteriormente à data de vigência desta Lei que: I - qualquer variação na contraprestação
pecuniária para consumidores com mais de sessenta anos de idade estará sujeita à autorização
prévia da ANS”. Parágrafo 1º: “Os contratos anteriores à vigência desta Lei, que estabeleçam
reajuste por mudança de faixa etária com idade inicial em sessenta anos ou mais, deverão
ser adaptados, até 31 de outubro de 1999, para repactuação da cláusula de reajuste,
observadas as seguintes disposições: I - a repactuação será garantida aos consumidores de
que trata o parágrafo único do art. 15, para as mudanças de faixa etária ocorridas após a
vigência desta Lei, e limitar-se-á à diluição da aplicação do reajuste anteriormente previsto,
em reajustes parciais anuais, com adoção de percentual fixo que, aplicado a cada ano,
permita atingir o reajuste integral no início do último ano da faixa etária considerada; II -
para aplicação da fórmula de diluição, consideram-se de dez anos as faixas etárias que
tenham sido estipuladas sem limite superior; III - a nova cláusula, contendo a fórmula de
aplicação do reajuste, deverá ser encaminhada aos consumidores, juntamente com o boleto
ou título de cobrança, com a demonstração do valor originalmente contratado, do valor
50 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

consumidores idosos, traçando regras de reajustes de prestações em razão de


mudanças de faixas etárias.
No que tange ao artigo 35-E, conforme a redação que lhe foi dada pelas
Medidas Provisórias nº 2.177-44/01 e 1.908-18/99, o mesmo teve a sua eficá-
cia suspensa em razão de medida liminar concedida parcialmente pelo Supre-
mo Tribunal Federal no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.931-8.
Esta ação fora proposta pela Confederação Nacional de Saúde, órgão nacional
representativo das empresas administradoras de planos e de seguros de assis-
tência privada à saúde, contra dispositivos da Lei nº 9.656/98 que, em outros
aspectos, entende ofenderem o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, em
razão de regras que atingem contratos celebrados antes de sua vigência. Os
dispositivos atacados, no caso, beneficiavam os consumidores, especialmente
os idosos.
Ocorre que, tentando-se restaurar direitos que tiveram a eficácia suspensa
ante a liminar concedida no bojo da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 1.931-8, foi inserido no corpo legal do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03),
que passou a viger em janeiro de 2004, o parágrafo 3º do artigo 15, o qual veda
quaisquer formas de discriminação do consumidor idoso de planos e seguros de
saúde e que se manifestem através de cobranças de valores diferenciados em
razão da idade.
Considerando que o Estatuto do Idoso é norma de proteção específica de
pessoas de idade igual ou superior a sessenta anos de idade, como preceituado
em seu artigo 1º, a leitura do parágrafo 3º do artigo 15 deste diploma legal
deve ser realizada no sentido de concluir pela proibição de aumentos de men-
salidade de contratos de planos e de seguros de assistência à saúde para con-
sumidores que atinjam sessenta anos. Ou seja, o último aumento permitido por
mudança de faixa etária deve ocorrer aos cinqüenta e nove anos do consumi-
dor, restando vedado qualquer outro acima desta idade.

repactuado e do percentual de reajuste anual fixo, esclarecendo, ainda, que o seu pagamento
formalizará esta repactuação; IV - a cláusula original de reajuste deverá ter sido previamente
submetida à ANS; V - na falta de aprovação prévia, a operadora, para que possa aplicar
reajuste por faixa etária a consumidores com sessenta anos ou mais de idade e dez anos ou
mais de contrato, deverá submeter à ANS as condições contratuais acompanhadas de nota
técnica, para, uma vez aprovada a cláusula e o percentual de reajuste, adotar a diluição
prevista neste parágrafo”. Parágrafo 2º: “Nos contratos individuais de produtos de que
tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, independentemente da data de sua celebração,
a aplicação de cláusula de reajuste das contraprestações pecuniárias dependerá de prévia
aprovação da ANS”. Parágrafo 3º: “O disposto no art. 35 desta Lei aplica-se sem prejuízo do
estabelecido neste artigo”.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 51

Destaca-se que, tal como redigido, o parágrafo 3º do artigo 15 do Esta-


tuto do Idoso incide sobre contratos anteriores e posteriores à sua vigência.
No entanto, a questão da aplicação ou não dos dispositivos legais supra
mencionados, ou seja, o parágrafo 3º do artigo 15 do Estatuto do Idoso, bem
como o artigo 35-E da Lei nº 9.656/98, sobre os contratos ajustados antes de
suas respectivas vigências, dependerá evidentemente do julgamento final da
referida Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.931-8.
Assinala-se, outrossim, que são plenamente aplicáveis às relações
contratuais mantidas entre consumidores idosos e administradoras de planos e
de seguros de assistência à saúde as normas constantes do Código de Defesa
do Consumidor (Lei nº 8.078/90), com destaque para os incisos III e IV do
artigo 6º, para os artigos 30, 31, 36, 37, 46, 47 e 51, e para os parágrafos 3º e
4º do artigo 54, os quais garantem o direito do consumidor à informação plena
e compreensível acerca do serviço contratado, proibindo a propaganda engano-
sa, tornando vinculativa toda e qualquer promessa prestada pela fornecedora,
prevendo a interpretação pró-consumidor em casos de dúvidas decorrentes da
interpretação de cláusulas contratuais,16 e vedando a utilização de cláusulas
reputadas abusivas que acarretem desequilíbrio contratual em detrimento do
consumidor.17
Mister recordar que nos contratos em análise, como ocorre nos negócios
em geral, a “tônica das condutas”, como aduz Marques, é a boa-fé,18 a qual,
enunciada no inciso III do artigo 4º e no inciso IV do caput do artigo 51 do
Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, sintetiza muito bem o espírito
do código na regulação da relação contratual consumidor-fornecedor, coibindo
o emprego de cláusulas abusivas nos contratos de consumo.19

16
Neste sentido, pode ser utilizado também o artigo 423 do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/02),
que prevê a interpretação mais favorável ao aderente do contrato de adesão, em casos de
ambigüidade ou contradição entre cláusulas do instrumento negocial.
17
Não menos importante é a incidência do inciso IV do caput do artigo 39, assim como o inciso
I do artigo 4º, ambos do Código de Defesa do Consumidor, e anteriormente referidos.
18
“Solidariedade...”, op. cit., p. 209.
19
Sobre o inciso IV do caput do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, Martins-Costa
comenta: “No caso concreto, o juiz deverá precisar o que a sociedade onde vive tem para si
com “incompatibilidade com a boa-fé”, tarefa eminentemente hermenêutica. Essa valoração
determinará sua premissa. Uma vez configurada, o caso é simplesmente de aplicar a norma,
havendo como conseqüência jurídica a nulidade de disposição contratual”. Há uma valoração
por parte do magistrado, competindo-lhe “...um poder extraordinariamente mais amplo, pois
não estará tão-somente estabelecendo o significado do enunciado normativo, mas, por
igual, criando direito, ao completar a fattispecie e ao determinar ou graduar as conseqüências”
(MARTINS-COSTA. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 330). A ilustre jurista preconiza que a cláusula
geral conduz a um poder criativo do juiz inexistente nas normas postas casuisticamente.
52 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Além das normas constantes do Código de Defesa do Consumidor, o con-


sumidor de planos e de seguros de saúde, não necessariamente o idoso, en-
contra amparo também junto a Portarias da Secretaria de Direito Econômico do
Ministério da Justiça, que prevêem rol de cláusulas contratuais consideradas
abusivas e são editadas em aditamento ao elenco constante do artigo 51 do
estatuto consumerista. Neste caso, são consideradas abusivas as cláusulas des-
critas no item 14 da Portaria nº 04/98 (“imponham limite ao tempo de internação
hospitalar, que não o prescrito pelo médico”), no item 02 da Portaria nº 03/99
(“imponham, em contratos de planos de saúde firmados anteriormente à Lei
9.656/98, limites ou restrições a procedimentos médicos (consultas, exames
médicos, laboratoriais e internações hospitalares, UTI e similares, contrariando
prescrição médica”), no item 13 da Portaria nº 03/01 (“impeça o consumidor de
acionar, em caso de erro médico, diretamente a operadora ou cooperativa que
organiza ou administra o plano privado de assistência à saúde”), nos incisos IV
(“imponha em contratos de seguro-saúde, firmados anteriormente à Lei nº 9.656/98,
de 3 de junho de 1998, limite temporal para internação hospitalar”) e V (“pres-
creva, em contrato de plano de saúde ou seguro-saúde, a não cobertura de
doenças de notificação compulsória”) do item 01 da Portaria nº 05/02, e no
artigo 1º (“considerar abusiva, nos termos do artigo 39, inciso V da Lei nº
8.078, de 11 de setembro de 1990, a interrupção da internação hospitalar em
leito clínico, cirúrgico ou em centro de terapia intensiva ou similar, por motivos
alheios às prescrições médicas”) da Portaria nº 07/03.
Observam-se, portanto, inúmeros dispositivos legais de proteção especí-
fica e genérica ao consumidor idoso de contratos de planos e de seguros de
saúde. No entanto, algumas condutas adotadas por determinadas empresas do
ramo superam o mero conflito acerca da interpretação contratual de dispositi-
vos negociais,20 expressando verdadeiras práticas abusivas que, além de comprometer

Entre nós, como destaca Negreiros, a boa-fé atua “...como instrumento por excelência do
enquadramento constitucional do direito obrigacional, na medida em que a consideração
pelos interesses que a parte contrária espera obter de uma dada relação contratual não é
mais do que o respeito à dignidade da pessoa humana em atuação no âmbito obrigacional”
(NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da
boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 270).
20
Até pouco tempo, era majoritária a orientação dos tribunais acerca da ausência de dever de
indenização por danos morais de consumidores de planos de saúde, caso a negativa quanto
à cobertura de determinado tratamento decorresse de interpretação razoável de cláusulas
do contrato. Neste sentido, o seguinte acórdão, cuja ementa transcreve-se: “Seguro. Plano
de saúde. Angioplastia coronariana. Colocação de “stent”. Negativa de cobertura. O “stent”
não constitui prótese como pretende fazer crer a requerida, sendo, portanto, descabida a
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 53

de forma ilegal o patrimônio material do consumidor, não somente o idoso,


atingindo também a sua integridade psíquica. Em razão disto, por motivos de
justiça, devem estas empresas ser condenadas a ressarcir também o dano
moral praticado contra o consumidor, como vem sendo definido pela jurispru-
dência.

2. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR


IDOSO FACE À RESCISÃO ABUSIVA DE CONTRATO DE
PLANO DE SAÚDE

No âmbito de proteção dos direitos de personalidade, os quais estão


relacionados à proteção à vida e à dignidade, destaca-se o Novo Código Civil
brasileiro,21 em vigor desde 11 de janeiro de 2003, que, entre suas inovações,
traz capítulo específico sobre a matéria,22 amparando situação não prevista
expressamente no revogado Código Civil de 1916, e que trata da indenização
por dano moral.23

negativa de cobertura. Precedentes jurisprudenciais. Indenização por dano moral.


Indeferimento. A negativa de cobertura do “stent”, sob a alegação de que esta seria uma
prótese, deu-se em razão de haver cláusula contratual expressa de exclusão de cobertura
de prótese. Tratando-se de interpretação razoável de cláusula contratual, não há que se
falar em dano moral ou dever de indenizar. Apelações desprovidas”. (Apelação Cível nº
70005623376*, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator
Cacildo de Andrade Xavier, julgado em 03.09.2003). No entanto, como veremos, o grande
número de abusos cometidos em detrimento de consumidores em situações análogas tem
motivado o Poder Judiciário a rever certas posições, como a apresentada acima, passando
a fixar indenizações por danos morais a certas empresas que têm negado o custeio de
tratamentos garantidos pelo contrato de plano ou de seguro de saúde.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
21
Lei 10.406/02.
22
Vide artigos 11 a 21 do referido diploma legal.
23
Consta, por exemplo, no artigo 12 do Novo Código Civil que “pode-se exigir que cesse a
ameaça, ou lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei”. No mesmo sentido, o artigo 186 deste Código que “Aquele
que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Por sua vez, a obrigação
de indenizar, no caso de dano moral, assim como no de dano material, é enunciada a partir
do artigo 927 do referido Código. Até então, a garantia de indenização pelo dano moral, era
obtida a partir de interpretação extensiva normalmente conferida ao artigo 159 do Código
Civil revogado. Em verdade, o acolhimento a este tipo de pretensão somente recebeu
respaldo a partir de dispositivos da Constituição Federal de 1988, em especial os incisos V e
X do caput do artigo 5º. Tratando-se de relação de consumo, após a edição e vigência do
Código de Defesa do Consumidor, foram outorgadas ferramentas legais que asseguraram
este tipo de indenização ao consumidor, como bem demonstra o enunciando do inciso VI do
artigo 6º do referido diploma normativo.
54 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Indicar propriamente quais as situações que envolvem danos morais é


tarefa da jurisprudência e da doutrina,24 tendo em visa que a mera referência a
“dano moral”, tal como anunciada em artigos como o 186 do Novo Código Civil
brasileiro, ou no inciso VI do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor,
requer, no mínimo, seja mencionado qual atributo da moral está sendo atingido
no caso concreto.
Por exemplo, analisando-se o artigo 20 do Novo Código Civil brasileiro,
nota-se referências à “honra, boa fama e respeitabilidade”, como atributos
personalíssimos que podem ser atingidos pelo uso indevido de escritos, da pa-
lavra e da imagem da pessoa. Havendo ofensa em razão disto, no mesmo dis-
positivo legal há menção ao direito à indenização em razão da agressão come-
tida aos mencionados atributos, que se trata de um dano moral. No entanto, é
muito mais comum a utilização pelo legislador de expressão genérica acerca do
dano moral, deixando para a jurisprudência e para a doutrina a tarefa de cria-
ção de catálogo de situações que revelam agressão a algum atributo da pessoa
ligado a sua moral.
Sobre o tema abordado, salienta-se que casos envolvendo tentativas de
exclusão de pessoas idosas de planos de saúde não são poucos. Em verdade,
raras são as situações que tais fatos são levados à justiça, o que justifica ainda
mais a abordagem do tema.
O indivíduo que durante boa parte de sua vida contribui com mensalida-
des, permitindo o crescimento da empresa administradora de planos e de segu-
ros de saúde, pode passar a ser visto como um fardo para esta fornecedora
quando começa a utilizar com freqüência os serviços garantidos pelo seu con-
trato.
Em princípio, uma pessoa jovem que paga normalmente seu plano, as-
sim o faz por precaução. Naturalmente, a idade avançada acaba se tornando o
período a partir do qual o indivíduo poderá demandar uma atenção maior para

24
Nery Júnior e Andrade Nery apontam como objeto de direito de personalidade, aspectos
relacionados por estes juristas como “componentes da vida humana”: a vida, a potência
vegetativa (forças naturais, crescimento, nutrição e procriação), potência sensitiva (sensação,
cognição sensitiva, senso comum, fantasia, auto-estima e memória), potência apetitiva
(apetite sensitivo, concupiscível, irascível), potência intelectiva (inteligência, vontade,
liberdade, dignidade), potência realizada (atos) (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria
de Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003. p. 157). Entendemos que a agressão a qualquer um destes componentes
acima referidos resulta em inevitável dano moral ao titular deles, gerando-se o dever de
indenizá-lo.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 55

com a sua saúde, sendo comum a manifestação de determinadas patologias


até então inexistentes. Em geral, nos contratos de assistência de saúde privada
de pessoas idosas verifica-se, por exemplo, um número maior de consultas
médicas.
Portanto, a partir deste momento, utilizando com maior freqüência os
serviços garantidos pelo plano ou pelo seguro de saúde, o indivíduo acaba trans-
formando-se em motivo de despesa, o que obviamente não é conveniente às
empresas fornecedoras.
Por isso, analisando-se as razões que conduzem ao aumento do valor
das mensalidades de planos ou seguro de saúde, o fator idade desponta como
primordial. Assim, à medida que o indivíduo envelhece, sua mensalidade segue
aumentando, de acordo com a sua faixa etária, pois especula-se que quanto
mais velho, mais doente é o consumidor, daí a razão de ter que pagar mais pela
assistência à saúde.
No entanto, tem-se observado que, não obstante a cobrança de valores
bastante superiores àqueles inicialmente ajustados com a empresa administra-
dora do plano de saúde justamente em função do avanço da idade, ainda assim
algumas fornecedoras deste ramo têm feito uso de expedientes abusivos e
amplamente contrários à boa-fé que acabam culminando na rescisão do con-
trato do consumidor idoso.
Partindo-se da assertiva que a administradora de planos de saúde não
pode aumentar as mensalidades dos consumidores de forma arbitrária, sob
pena de violação de dispositivos normativos como o inciso X do caput do artigo
51 do Código de Defesa do Consumidor,25 a situação que envolve a exclusão do
consumidor idoso apresenta-se como excelente alternativa econômica a esta
fornecedora, essencialmente no que tange à redução de custos com cobertura
de atendimentos.
Verifica-se, por exemplo, situações como a omissão de envio de bloquetos
de pagamento do contrato de plano de saúde ao consumidor, ou o envio destes
documentos de cobrança informando valores equivocados, impedindo o paga-
mento normal da mensalidade, ocasionando, de forma propositada, a
inadimplência do consumidor idoso. E, uma vez configurada a inadimplência, o
consumidor terá seu contrato rescindido, com amparo no inciso II do parágrafo

25
De acordo com o aludido dispositivo legal, é reputada abusiva e nula de pleno direito a
cláusula contratual que permita “ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço
de maneira unilateral”.
56 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

único do artigo 13 da Lei nº 9.656/98, não podendo mais ser invocada a cober-
tura da administradora para com o tratamento de enfermidades que este con-
sumidor possa apresentar.26
Casos como estes demandam atitudes incisivas do Poder Judiciário que
sirvam para punir aquelas empresas administradoras de planos de saúde cuja
conduta, algumas vezes, denota desumanidade, estando pautada por manifes-
ta má-fé. Trata-se de situações que revelam manifesto constrangimento, sofri-
mento e humilhação suportados pelo consumidor idoso que é descartado ilegal-
mente do âmbito de proteção do plano ou do seguro de saúde. Em razão disto,
invoca-se a indenização por dano moral destes indivíduos.
Neste sentido, há o caso ocorrido no ano de 2002 com os consumidores
W.M.E. e N.W.E.,27 à época com 71 e 68 anos respectivamente, os quais propu-
seram uma ação indenizatória por danos morais e materiais contra a empresa
Golden Cross.28

26
A inadimplência e a fraude são as duas únicas hipóteses admitidas pela lei para justificar a
suspensão ou rescisão do contrato de plano ou de seguros de assistência à saúde.
27
A fim de se preservar a identidade dos consumidores envolvidos, refere-se a eles por meio
das iniciais dos respectivos nomes.
28
O referido processo, no qual tivemos a honra e o privilégio de atuar como patrono dos
consumidores, trata-se de verdadeiro leading case sobre a matéria, especialmente ante a
ausência de abordagem judicial acerca de situação específica. Trata-se do processo nº
109736281, que, em primeiro grau, tramitou perante a 7ª Vara Cível do Foro Central da
comarca de Porto Alegre/RS. Resumindo-se o caso, em 1985, o autor W.M.E. havia celebrado
um contrato de assistência médica, ingressando como associado da Golden Cross,
principalmente por ter sido, há vários anos, representante comercial da mesma. A co-autora
N.W.E. era esposa de W.M.E., e como tal foi incluída como sua dependente. Conforme
pactuado, cabia à fornecedora enviar aos consumidores os bloquetos de cobrança das
mensalidades do plano adquirido. Ocorre que o consumidor W.M.E. não recebeu da
fornecedora os bloquetos referentes aos meses de março e abril de 2001, fato comunicado
inúmeras vezes à Golden Cross. Contudo, foi enviado aos autores o bloqueto do mês de
maio de 2001, o qual foi adimplido, mesmo que informando valor substancialmente superior
ao normalmente pago (R$ 612,00). A mensalidade de maio fora elevada, sem aviso algum
por parte da fornecedora, para R$ 811,00, perfazendo uma diferença de quase R$ 200,00
em relação ao último pagamento, realizado em fevereiro do mesmo ano. O referido aumento
motivou novo pedido de explicações à fornecedora, a qual não se manifestou. Entretanto,
após o mês de maio de 2001, os autores tentaram insistentemente pagar as parcelas
referentes aos meses de março e abril de 2001, pedindo à fornecedora envio dos bloquetos
respectivos, que, acredita-se, não tenham sido enviados propositadamente. Assim se sucedeu
com os meses posteriores a maio de 2001, ou seja, a fornecedora suspendeu o envio de
bloquetos de cobrança da mensalidade dos planos. Surpreendentemente, a fornecedora
informou ao autor W.M.E. que seu plano havia sido rescindido por inadimplência referente
aos meses de março, abril e maio de 2001. Considerando como rescindido o plano, para
reativá-lo, a fornecedora exigiu o montante de R$ 7.000,00 (sete mil reais), que representa
soma maior do que o décuplo daquilo que vinha sendo pago pelos autores, que, em razão
disto, recusaram a oferta. Somente a partir de e dezembro de 2001, a fornecedora resolveu
restaurar o envio de bloquetos de cobrança do plano. Seguindo orientação da fornecedora,
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 57

Transcorrido o processamento regular da referida ação, o julgador, Juiz


Oyama Assis Brasil de Moraes, em sentença prolatada em 11.11.2002, conside-
rou a Golden Cross culpada pela situação verificada com os consumidores W.M.E.
e N.W.E.
Assim, assinalando que “as afirmativas postas pela ré carecem de supor-
te no conjunto probatório, ao passo que as afirmativas postas na inicial afinam-
se com a prova produzida”, o magistrado de primeiro grau julgou parcialmente
procedente a pretensão de indenização pelo dano material, condenando a Golden
Cross a indenizar os autores no que tange aos pagamentos de mensalidades

os autores efetuaram o pagamento dos meses de dezembro de 2001, janeiro e fevereiro de


2002, na expectativa que lhe fossem enviados os bloquetos dos meses anteriores. Em
março de 2002, os autores receberam para pagamento os bloquetos referentes aos meses
de março, abril, maio (que já estava pago), junho, julho, agosto, setembro, outubro e
novembro de 2001. Contudo, não foi possível quitar as parcelas de 2001 remanescentes,
pois foi informado pela fornecedora, em março de 2002, que a co-autora N.W.E. havia sido
excluída do plano contratado desde maio de 2001. O autor W.M.E. não poderia anuir com a
situação criada pela fornecedora, pois não manteria um plano de saúde para si, deixando
sua esposa a depender da própria sorte. Cumpre salientar que o autor W.M.E., à época do
início da vigência da lei reguladora de planos de saúde no Brasil, mantinha o contrato com a
Golden Cross há mais de quatorze anos, possuindo 71 anos de idade. Mesmo assim anuiu
assinar um adendo contendo cláusula adicional às condições gerais do seu plano, pela qual
seu contrato iria ser ajustado aos parâmetros da Lei nº 9.656/98, arcando, inclusive, com
aumento de mensalidades decorrente das novas coberturas trazidas pelo referido diploma
legal. Por várias vezes, a fornecedora tentou aumentar a mensalidade paga pelos autores,
justificando-se com base no argumento da mudança de faixa etária. Não bastando isto, a
Golden Cross efetivamente excluiu do plano a co-autora N.W.E., tendo conhecimento de
que esta situação provocara a retirada do co-autor W.M.E. Com o desligamento do plano,
como conseqüência do eventual inadimplemento forjado pela fornecedora, o autor W. e sua
esposa estão dependendo da própria sorte, sendo que, para poderem retornar para o
plano, deveriam suportar uma mensalidade muito superior àquela que pagavam normalmente.
Caso tivessem que optar por outro plano, os autores teriam que suportar o período de
carência normalmente imposto pelas seguradoras, os quais somente são superáveis com o
pagamento de enormes quantias, impraticáveis para os demandantes, que perderam todos
os descontos e benefícios já adquiridos com o plano antigo administrado pela Golden Cross.
Face à quebra da confiança, da transparência e da boa-fé, por parte da fornecedora,
tornou-se impossível aos autores a manutenção do contrato, pois, mesmo que exista
condenação em razão dos abusos praticados, não há certeza de que a fornecedora não
voltaria a incidir no mesmo delito, ou que formularia outras situações no intuito de excluir os
autores do plano ou impor aumento ilegal de mensalidades, sem falar em possíveis argumentos
de negativa de cobertura para determinados atendimentos. A situação gerou danos morais
aos consumidores, decorrentes da frustração das expectativas com a rescisão injusta de um
contrato pago pontualmente há mais de quinze anos, além da angústia pela falta de cobertura,
que se estenderá até a difícil celebração de ajuste similar com outra seguradora, com a superação
do período de carência, mais a caracterização da inadimplência. Outrossim, observam-se também
danos materiais consistentes, até então, no valor das parcelas pagas durante o ano de
2001, quando os autores foram alijados da cobertura do plano, uma vez que considerado
rescindido o contrato a partir de março daquele ano, além da exclusão da co-autora N.W.E.
a contar de maio de 2001.
58 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

efetuados a partir do mês de maio de 2001, totalizando R$ 2.689,57, devendo


tais parcelas ser corrigidas monetariamente pelo IGP-M, desde a data de cada
um dos pagamentos, e acrescidas de juros legais a contar da citação.
No que tange ao dano moral postulado pelos consumidores, o ilustre
julgador concluiu que, “... inquestionavelmente foram os autores submetidos a
situação aflitiva, pois pessoas de idade avançada, viram-se privados da cober-
tura do plano de saúde, estando sujeitos apenas à saúde oficial sabidamente
deficiente. Tal situação, por óbvio, traduz desconforto, transtorno e angústia,
mormente porque incidente em pessoas de idade avançada e por isso mesmo
mais necessitadas de cuidados médicos e a falta de cobertura para despesas
médico-hospitalares traz, sem sombra de dúvida, sérias perturbações ainda
mais porque praticamente inviável a contratação de nova cobertura securitária”
(grifo nosso).
Outrossim, salientou o magistrado que, “... indiscutivelmente, a mácula
sofrida pelos autores foi extremamente gravosa, pois despojados de cobertura
securitária no caso da vida e com mínimas possibilidades de contratar outro
seguro” (grifo nosso). Destaco que a indenização por dano moral, em seu duplo
aspecto, objetiva compensar a mácula sofrida e tem o caráter de sanção ao
causador do dano devendo ser levada em consideração, principalmente, a si-
tuação financeira do ofensor de modo que indenização sirva para desestimular
a prática do ato danoso.
Quanto à fixação do valor da indenização pelos danos morais dos consu-
midores, o emérito julgador aduziu que “de nada adianta, portanto, fixar a
indenização a ser paga por grandes corporações em 10 salários mínimos, como
comumente acontece, pois tal valor nada representa para uma instituição do
porte da ré. Fixar indenizações em patamares baixos, longe de punir, represen-
ta verdadeiro prêmio ao causador do dano. Nesse norte, tenho que na fixação
de indenização por dano moral deve-se estar atento à situação financeira do
ofensor, pouco ou nada importando que o ofendido receba quantia considerável
e que os honorários do advogado do vencedor também sejam polpudos. Não há
que se ter mente, portanto, o enriquecimento do ofendido, mas sim a adequada
punição ao ofensor” (grifo nosso).
Diante destes argumentos, restou à Golden Cross indenizar os consumi-
dores em valor correspondente a cinqüenta vezes o montante da última parcela
paga, o que perfazia R$ 31.306,50 para cada autor, corrigidos monetariamente
desde 13.02.2002, correspondente à data do último pagamento efetuado, de-
vendo ser acrescidos de juros legais a contar da citação. Em razão do decaimento
mínimo, restou a Golden Cross condenada ao pagamento das custas do processo,
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 59

mais honorários advocatícios aos patronos dos autores, fixados em dez por
cento do valor total da condenação.
Inconformada com a condenação que lhe foi imposta, a Golden Cross
recorreu, interpondo a Apelação Cível nº 70005890710, a qual foi julgada em
03.09.2003, pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.29*
No acórdão, que acolheu em parte o recurso da Golden Cross, foram
mantidas as condenações pelos danos materiais e morais, reduzindo-se, no
entanto, ainda que sensivelmente, os valores fixados no primeiro grau de juris-
dição.
Assim, ao final, restou a fornecedora condenada a pagar aos consumido-
res uma indenização de R$ 20.000,00 a cada um deles, corrigíveis pelo IGP-M a
partir da prolação do acórdão, a título de dano moral, mais R$ 1.437,31, refe-
rentes ao dano material, isto é, parcelas despendidas com o plano, corrigíveis
pelo IGP-M a partir do desembolso, a título de danos materiais, mantidas as
demais cominações fixadas na sentença, inclusive quanto à incidência de juros
legais sobre os valores acima indicados.
Embora se tenha dado parcial provimento ao recurso da Golden Cross,
ainda assim, em seu voto, consignou o ilustre Relator do acórdão, o Desembar-
gador Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: “Verifica-se, portanto, que os autores
ficaram privados de seus direitos, já em idade avançada, depois de anos de
contribuição, por culpa exclusiva da ré, que abusivamente aumentou a presta-
ção e por negligência e imperícia excluiu a mulher do autor dos benefícios do
plano. Não colhe o argumento da apelante de que se verifica fundada dúvida
jurídica a respeito da diluição do aumento. O art. 35-H, I, da Lei 9.656/98,
acrescentado pela MP 1.801-10, de 25.02.1999, é cristalino a respeito e, além
disso, constitui mero reforço, visto que o aumento de preços de qualquer faixa
etária, de forma unilateral, está proibido de forma taxativa pelo art. 51, X, do
CDC”.

29
Cita-se ementa do aludido julgado: “Seguro-saúde. Golden Cross. Aumento abusivo da
mensalidade, sob pretexto de alteração da faixa etária. Conduta expressamente vedada
pelo Código de Defesa do Consumidor. Exclusão culposa, ainda, da mulher do segurado dos
benefícios do plano. Casal em idade avançada. Dano moral que se impõe reparar. Danos
materiais decorrentes do pagamento indevido das mensalidades em período em que o plano
estava cancelado. Ajustamento dos quantitativos fixados na sentença às circunstâncias da
causa. Apelação em parte provida”. Participaram do julgamento, ocorrido em 03 de setembro
de 2003, os ilustres Desembargadores Cacildo de Andrade Xavier, João Batista Marques
Tovo e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, sendo este último o Relator.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
60 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

O caso exposto demonstra que alguns consumidores de idade avançada,


especialmente no âmbito dos contratos de planos e seguros de saúde, podem
ser profundamente vitimados por procedimentos escusos cujo fim é justamente
aliviar a administradora de planos de saúde de gastos promovidos por estas
pessoas sobre quem o interesse econômico perdura enquanto pouco ou nada
utilizam do plano.
Ao definir o contrato de plano de saúde, Marques destaca que “efetiva-
mente, o contrato de planos de saúde é um contrato para o futuro, mas contra-
to assegurador do presente, em que o consumidor deposita sua confiança na
adequação e qualidade dos serviços médicos intermediados ou conveniados,
deposita sua confiança na previsibilidade da cobertura leal destes eventos futu-
ros relacionados com saúde. É um contrato de consumo típico da pós-moderni-
dade: um fazer de segurança e confiança, um fazer em cadeia, um fazer reite-
rado, um fazer de longa duração, um fazer de crescente essencialidade. É um
contrato oneroso e sinalagmático, de um mercado em franca expansão, onde a
boa-fé deve ser a tônica das condutas”.30
Esta jurista assinala que, após o pagamento repetido de contribuições ao
sistema da administradora do plano de saúde, o que pode ter transcorrido du-
rante anos, gerando expectativas de coberturas futuras de riscos ligados à saú-
de, é amplamente prejudicial ao consumidor a rescisão de seu contrato.31
A respeito do tratamento dispensado pelas administradoras de planos de
seguros de saúde aos consumidores idosos, essencialmente em sede de re-
ajustes por mudança de faixa etária, Carvalho Sobrinho comenta que “a lei,
para os contratos anteriores à data de sua vigência, tentou evitar aumentos
abusivos aos idosos, com mais de 60 (sessenta) anos, ao determinar que os
reajustes necessitariam aprovação prévia da ANS (art. 35-E, I). Ignorando a
disposição legal, a prática demonstra que as operadoras insistem em aplicar
reajustes superiores a cinqüenta por cento, não acata as reclamações, e os
contribuintes inseguros, com medo de perder a proteção à saúde, na idade em
que tanto precisam, com aposentadorias que recebem reajustes ínfimos, ficam
acuados e indefesos. Só conseguirão resolver o problema na justiça. Solução
inviável para a maioria, pois além de parcos recursos, padecem de ter uma emer-
gência e não poderem utilizar o que levaram anos pagando: o seu plano de saúde.

30
“Solidariedade...”, op. cit., p. 209.
31
Idem, p. 208.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 61

Se não podemos evitar que tenham essa situação, podemos ao menos garantir,
morrerão sem assistência do plano de saúde”.32
No mesmo sentido, Nunes refere que, “para se ter uma idéia da maneira
como as operadoras tratam seus usuários, leia-se a notícia trazida pelo Jornal
da Tarde, de São Paulo (27 nov. 1998, p. 15-A), que diz que o Ministério da
Saúde estava para fazer uma auditoria numa grande operadora de planos de
saúde por ela ter aumentado o preço da mensalidade de consumidores que
tinham mais de sessenta anos e contribuíam com o plano há mais de dez. Se for
verdade o que disse o jornal, a resposta oficial da empresa, foi, no mínimo,
cínica: ela alegou que achava que a lei só valeria daqui a dez anos!!!”.33
Resta claro, portanto, que tentativas de exclusão de consumidores ido-
sos de planos de saúde podem assumir contrastes lastimáveis, devendo ser
rechaçadas. A imposição de valores significativos a título de indenização por
danos morais que devem ser pagos ao consumidor deve servir também para
evitar a reincidência. Ou seja, a cada novo dano provocado aos consumidores,
a administradora do plano de saúde é condenada a despender valores em
percentuais tão significativos que acaba sendo “incentivada” a abrir mão da
adoção de certas práticas lesivas. Em verdade, trata-se de fórmula eficiente

32
E continua o autor: “Considerando que as aposentadorias jamais acompanham os reajustes
dos planos de saúde, acreditamos que se a Constituição (arts. 196 e 197) garante ser dever
do Estado a proteção à saúde de todos os brasileiros, através de ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação, implantando políticas sociais e econômicas que visem à
redução do risco de doença; e, em sendo de grande relevância o interesse social em oferecer
maior segurança aos aposentados, tendo-se em vista que houve um esforço do mesmo,
durante anos, em manter um plano de saúde e, justamente quando ultrapassa a barreira
dos 60 (sessenta) anos, inquestionavelmente, precisará como nunca da garantia objetivada
e pretendida, não terá como pagá-la, pois o valor recebido na aposentadoria não lhe
proporcionará condições. Haveria, provavelmente, motivos para se iniciar uma política social
e econômica, como determina a Constituição, fixando um percentual sobre o valor recebido
referente à aposentadoria, para manutenção do plano de saúde pago, até então pelo
aposentado. Alguma coisa precisa e deve ser feita para evitar a expulsão dos idosos dos
planos de saúde. Podemos notar que o legislador já se apercebeu da situação dos idosos ao
proibir o reajuste para quem tenha mais de 60 (sessenta) anos de idade e participe do
seguro ou plano de saúde há mais de 10 (dez) anos (art. 15, parágrafo único). Impõe-se
uma questão; o reajuste fica proibido para quem paga as prestações há mais de 10 (dez)
anos, como ficará o consumidor que paga há sete, oito, ou nove anos e não recebe a
aposentadoria suficiente para quitar o plano de saúde; perderá o investimento integralmente.
Assinala-se, neste ponto, que as operadoras e seguradoras de planos de saúde integram o
sistema nacional de saúde, partilhando suplementarmente e subsidiariamente, do dever
imposto pela Constituição/88 de garantir a saúde, serviço de relevância pública, para elas
repassado, em complemento. (Secção II - Da saúde, CF)” (CARVALHO SOBRINHO, Linneu
Rodrigues de. Seguros e planos de saúde. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001. p. 30-31).
33
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários à lei de plano privado de assistência à saúde. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2000. p. 59.
62 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

para provocar a mudança de determinados comportamentos abusivos por parte


destas empresas, uma vez que se torna mais dispendiosa a manutenção destas
condutas, sendo mais coerentes atitudes balizadas nos moldes legais, que não
causem prejuízos aos consumidores.34
Salienta-se que, uma vez tendo seu contrato rescindido, o consumidor
idoso dificilmente logrará êxito em filiar-se a outro plano de saúde, tendo em
vista os elevados valores cobrados a pessoas de sua idade. Via de regra, os
consumidores de idade avançada contam apenas com o pagamento de suas
aposentadorias, não tendo mais forças para produzir, tampouco para reingressar
no mercado de trabalho, sendo impossível a eles auferir ganhos que lhes per-
mitam contratar planos de saúde com valores mensais que superam a soma de
dois salários mínimos. Sem outra alternativa, o indivíduo que durante anos pa-
gou por um plano de saúde, ao alcançar determinada idade poderá estar rele-
gado a depender unicamente do sistema público de saúde, cujo caos é notório.

3. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR


IDOSO FACE A NEGATIVAS ABUSIVAS DE COBERTURA DE
TRATAMENTOS MÉDICO-HOSPITALARES

Destaca-se também o excesso de negativas abusivas quanto à cobertura


de determinadas enfermidades, que acabam gerando um excessivo desgaste
pessoal do consumidor, em especial do idoso, levando-o a desistir do plano ou a
vivenciar um calvário até a obtenção de respaldo judicial que garanta o trata-
mento que necessita.
Concluindo pela presença de abusos, a jurisprudência pátria tem se ma-
nifestado favoravelmente à indenização pelo abalo moral causado aos consumi-
dores de planos de saúde que ilegalmente têm visto frustradas suas expectati-
vas quanto ao atendimento médico-hospitalar que não é coberto. São situações
que inegavelmente acarretam angústia e constrangimento ao consumidor, em
razão da falta do atendimento médico-hospitalar assegurado.

34
Neste sentido, Severo argumenta que “a indenização de caráter exemplar ou punitivo, ponto
que interessa no presente momento, é estabelecida como uma reposta jurídica ao
comportamento do ofensor e como mecanismo de defesa de interesses socialmente
relevantes”. Destaca o autor que esta indenização “trata-se de um elemento importante na
prevenção de comportamentos anti-sociais”. (SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais.
São Paulo: Saraiva, 1996. 252 p.).
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 63

Nesse sentido, há o julgamento da Apelação Cível nº 41.119-4, pela 5ª


Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ocorrido em
15.10.1998, sendo Relator o Desembargador Ivan Sartori, que tornou certo o
dever de indenizar pela prestadora de serviço de assistência médico-hospitalar,
em razão de toda angústia decorrente do não fornecimento abusivo dos servi-
ços oferecidos ao segurado ou ao beneficiário do plano de saúde.35 No seu voto,
o ilustre Relator do citado acórdão referiu que “... a composição de danos mo-
rais se afigura adequada, haja vista o profundo desgosto que vem experimen-
tando o autor, a refletir em seu íntimo, tudo em função da ameaça constante
que o atinge, de não receber tratamento contratado, embora seriamente doen-
te e já bastante idoso” (grifei).36
Caso similar, no qual o consumidor idoso também fora exposto a abalo
moral em razão de abusos cometidos pela fornecedora foi julgado em 11.02.1999
pela 6ª Câmara de Direito Privado do também Tribunal de Justiça de São Paulo,
nos autos da Apelação Cível nº 62.883, sendo Relator o Desembargador Testa
Marchi.37
No seu voto, o Relator do julgado acima referido identificou o descaso da
fornecedora do plano de saúde para com o segurado e beneficiários, causando
extremo constrangimento, humilhação, desconforto, angústia e sofrimento, além
de forçar os autores-consumidores a procurar a justiça na tentativa de garantir
aquilo por que pagaram durante boa parte da vida. Neste sentido, aduziu que “o
não-atendimento da paciente pelo convênio porque a empresa prestadora de

35
Cita-se a íntegra da ementa: “Plano de saúde - Contrato - Inadimplência - Inocorrência -
Consignatória julgada procedente - Conhecimento pelo réu - Recurso não provido. Plano de
saúde - Cobertura médico-hospitalar - Cirurgia neurológica - Doença crônica incluída no
contrato - Exclusão pretendida - Inadmissibilidade - Afronta ao artigo 115 do Código Civil -
Ilegalidade, ademais, de imposição clausular que confere à ré o direito de eleger a doença
crônica a ser excluída - Contrato de adesão, sem possibilidade de alteração pelo contratante
- Recurso não provido. Indenização - responsabilidade civil - dano moral - plano de saúde -
pessoa idosa seriamente doente - profundo desgosto diante da ameaça constante de não
receber tratamento médico-hospitalar contratado - verba devida - valor fixado que não se
afigura elevado, sopesadas a extensão dos danos e a posição socioeconômica da contratada.
Plano de saúde - Cobertura médico-hospitalar - Cirurgia neurológica - Doença crônica incluída
no contrato - Pagamento das despesas diretamente aos hospitais e médicos - Previsão
contratual - Obrigatoriedade - Pena pecuniária - Cominação em um salário mínimo por dia de
atraso - Fluência a partir da citação na execução - Juros e correção monetária devidos -
Recurso provido para esse fim”. Acórdão referido por NUNES, op. cit., p. 268.
36
Referido por NUNES, op. cit., p. 270.
37
Acórdão referido por NUNES, op. cit., p. 271. Cita-se a ementa: “Dano moral - Empresa
prestadora de serviços médico-hospitalares - descredenciamento de hospital sem prévio
aviso - associado e familiares submetidos à demora vexatória e humilhante em face desse
desligamento - Indenização devida”.
64 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

serviços médicos não avisou com antecedência o associado sobre o


descredenciamento do hospital, o que provocou demora e desconforto à usuária
e seus familiares, expondo-os a vexame público, está a exigir a reparação do
dano moral sofrido, sabido que este tem também função punitiva para o ofensor.
De fato, só não foram prestados melhores serviços pelo hospital pelo fato de
não mais existir o convênio. Se a cliente tivesse sido avisada com antecedência
pelo réu, certamente seus familiares procurariam outro estabelecimento em
busca de tratamento, sem necessidade de incorrer nos riscos da demora no
atendimento e de se expor às dificuldades, obstáculos, dissabores e aflição que
a situação lhes causou”.38
Merece referência, também, o acórdão proferido nos autos da Apelação
Cível nº 2002.001.25364, julgada em 16.04.2003 pela Décima Terceira Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sendo Relatora a Desembargadora
Helena Belc Klausner, o qual restou por condenar a empresa administradora do
plano de saúde a custear a colocação de próteses coronárias de que necessita-
va o cliente, impondo-lhe igualmente indenização de R$ 20.000,00 em razão de
dano moral praticado contra o consumidor idoso, tendo em vista a abusividade
detectada na negativa de cobertura do tratamento esboçada pela fornecedora.39*
Destaca-se também a decisão proferida pela Primeira Câmara Cível do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, nos autos da Apelação Cível nº 2002.014481-4,
datada de 15.10.2002, da qual foi Relator o Desembargador Carlos Prudêncio.

38
Conforme destacou o Relator do acórdão, em seu voto, “A dor, o vexame e humilhação, no
caso, fugiram à normalidade de uma demora num nosocômio qualquer, não estando fora de
órbita a necessidade de reparação porque o réu descurou do exercício de suas atividades,
pois competia-lhe avisar, com a antecedência necessária sobre o desligamento daquele
hospital, cabendo-lhe indenizar a segurada e seus familiares que se viram impedidos do
atendimento com presteza, provocando um desconforto e uma situação que gerou sofrimen-
to, angústia, humilhação e abatimento moral, além de obrigar os autores a procurarem a
Justiça para o ressarcimento dos gastos tidos com o tratamento. Outrossim, não é exercício
regular do direito o encerramento do convênio entre a empresa prestadora de assistência
médico-hospitalar e o nosocômio, sem prévio aviso ao associado, fazendo com que este se
dirija ao hospital descredenciado quando o caso requeria tratamento de seus familiares
acompanhantes, atingindo-os internamente no seu sentimento de dignidade, causando-lhes
não só constrangimento ou melindre e, indiscutivelmente, dano moral pelos sentimentos
repulsivos que a dispensa unilateral do nosocômio, sem prévio aviso, gerou”. Julgado refe-
rido por NUNES, op. cit., p. 272-273.
39
Cita-se a ementa: “Indenizatória - plano de saúde - negativa de autorização para colocação
de próteses coronarianas - paciente idoso acometido de angina aguda, o qual não estava de
posse do contrato de adesão - prática nociva ao direito do contratante do pacto - avença de
mais de 20 (vinte) anos de existência do plano de assistência integral - abusiva a cláusula
posterior que retira direito preexistente - dano moral cabível em sede de inadimplemento
contratual pela situação excepcional autorizadora de sua aplicação - provimento parcial do
segundo apelo e desprovimento do primeiro”.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 65

No caso, tratava-se de ação ajuizada para garantir cobertura de consumidor de


plano de saúde que teve negado custeio de prótese cardiovascular denominada
de stent, cumulada com indenização por dano moral em decorrência das conse-
qüências da negativa da fornecedora para com a pessoa do usuário do plano.
Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina não só garantiu ao con-
sumidor a cobertura do tratamento pretendido como também condenou a for-
necedora a indenizá-lo em quinhentos salários mínimos pelos danos morais
provocados, além do pagamento de multa por litigância de má-fé.40*
Observa-se, portanto, acolhimento a pretensões indenizatórias em de-
corrência de danos morais sofridos por consumidores idosos de seguros e pla-
nos de saúde que são constrangidos e humilhados ante a falta de assistência
médico-hospitalar que, durante anos, é custeada por eles.
Ainda são poucos os casos em que se constata a condenação de empresas
administradoras de planos de saúde por danos morais praticados aos consumido-
res em razão de situações como as abordadas. No entanto, observa-se que a
tendência jurisprudencial é justamente estabelecer indenizações aos consumido-
res, nas situações reportadas, restringindo cada vez mais os abusos cometidos.

40
Cita-se a ementa do acórdão supra referido: “Apelação cível. Plano de saúde. Recusa de
cobertura para prótese cardiovascular, stent, prevista no contrato, para casos de necessidade
absoluta. Urgência. Desembolso pelo beneficiário e familiares. Dano moral. Ocorrência.
Dever de indenizar. A recusa de cobertura de plano de saúde para a prótese cardiovascular
stent, sob o argumento de tratar-se de prótese endovascular é frágil e não merece guarida
no Judiciário, porquanto não há divergência interpretativa no contrato capaz de entender-
se não devida a cobertura no caso em questão, restando cristalina a obrigação contratual da
apelada, Unimed de Florianópolis Cooperativa de Trabalho Médico, mormente por haver nos
autos laudo de médico especialista atestando a urgência e absoluta necessidade em sua
colocação. Dano moral. Quantum a indenizar. Aferição por arbitramento e valoração do juiz.
Majoração. Valor que condiz com a gravidade da lesão, suas conseqüências e as partes
envolvidas. É lamentável que uma pessoa que paga em dia as prestações de seu plano de
saúde, com cobertura não apenas para simples e eventuais consultas ou rotineiros exames,
tenha seu direito contratualmente assegurado negado quando da necessidade de cobertura
especializada prevista, ficando ao arbítrio de laudos de negativação de requerimentos
inconsistentes e flagrantemente ilegais, causando ainda maiores transtornos e incomodações
em momento delicado de comprometimento de saúde. O dano moral puro, em razão da
impossibilidade de quantificação da dor sofrida, deve ser arbitrado e valorado a critério do
magistrado. No caso em apreço deve ser majorado para a importância equivalente a 500
(quinhentos) salários mínimos, levando-se em consideração as partes envolvidas, a gravidade
da lesão e as conseqüências advindas de tal ato. Litigância de má-fé. Ofensa ao art. 17,
inciso II do cânone processual civil. Aplicação da multa em 1% e indenização em 20% sobre
o valor global da indenização. Age de má-fé a parte que altera a verdade dos fatos,
alegando fato contrário à prova documental produzida, incidindo, com tal proceder, no inciso
II do art. 17 do CPC. Diante de tal conduta temerária, nada mais justo do que se lhe aplicar
a multa por litigância de má-fé, no percentual de 1% e perdas e danos de 20% sobre o valor
global da indenização”.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
66 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

CONCLUSÃO

Além de assegurar a aplicação de dispositivos legais concernentes ao


direito à indenização pelo dano moral, os casos descritos acabam por conferir
dignidade e garantir a cidadania das pessoas idosas, impedindo que estas, em
razão de sua condição natural, tornem-se sujeitos sem direito.
Conforme aduz Braga, “A cidadania pressupõe o desenvolvimento de va-
lores éticos que se objetivam nas seguintes virtudes cívicas: solidariedade, tole-
rância, justiça e valentia cívica, engendradas na relação da vida pública e vida
privada. A legitimidade social destas virtudes significa a constituição de cida-
dãos que apóiam a construção de um mundo sociopolítico mais justo, onde a
dominação e a submissão sejam superadas. Cidadão é aquele que luta para
que todos sejam cidadãos, é aquele que participa, que conquista a autonomia,
que não é tutelado. A cidadania não é uma interação primária e por isso é
adquirida no convívio e precisa ser cultivada; supõe valores éticos e implica em
redução de espaços individuais para oportunizar ao outro ocupar um espaço
que é de todos. A expressão cidadania está hoje em toda a parte, num certo
sentido, isso é positivo porque demonstra que a expressão ganhou espaço na
sociedade, mas por outro lado, existe a necessidade emergente de delimitar
seu significado. Neste ponto, encontramos a ética! Podemos então criar uma
relação interessante: a ética, enquanto conjunto de princípios que norteiam o
comportamento da sociedade, tem que absorver um novo paradigma em rela-
ção ao idoso. Ou seja, entre os princípios que regem a sociedade, deve existir o
respeito ao idoso no sentido mais amplo que for possível. Esta “nova ética” será
capaz de garantir o espaço social que o idoso merece, e que não lhe pode mais
ser negado. Neste momento, seremos capazes de reconhecer a cidadania do
idoso, e a partir desta inserção social, abriremos nossos horizontes no sentido
de nos prepararmos para o ciclo natural da vida e então, talvez, será mais fácil
reconhecer que começamos a envelhecer no momento em que nascemos...”.41
Evidente que não é prejudicial, tampouco terapêutica, a mera condena-
ção da empresa administradora de planos e de seguros de assistência médica à
cobertura do tratamento de que necessita o consumidor. No caso, está-se ape-
nas obrigando a fornecedora a cumprir um dever que era inerente ao contrato e
que ela havia assumido quando da contratação. Em verdade, a demora no aten-
dimento representa lucro para a fornecedora, em razão do tempo por ela auferido
até o desembolso efetivo do custo do tratamento utilizado pelo consumidor.

41
BRAGA, op. cit.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 67

No entanto, forçar a fornecedora a entregar algo a que ela estava obrigada por
força do contrato não se mostra suficiente para provocar a alteração de determi-
nadas condutas abusivas, principalmente quando se trata de consumidor idoso,
o qual naturalmente acaba sofrendo mais.
Por esta razão, torna-se necessário um número maior de condenações
por danos morais em prol daqueles consumidores de panos de saúde que aca-
bam sendo expostos a um calvário na tentativa de assegurar tratamento médi-
co-hospitalar, ou que têm seu contrato de plano de saúde rescindido injusta-
mente.
Considerando-se a capacidade econômica das empresas administrado-
ras de planos e de seguros de assistência médica, em alguns casos ligadas a
grupos financeiros internacionais que não raro possuem faturamento anual vul-
toso, os valores aplicados nas indenizações devem ser também suficientes para
que, além de amenizar a dor da vítima, possam se constituir em um desestímulo
à reincidência, evitando-se que outros membros da coletividade tenham sua
esfera psíquica e patrimonial também atingidas por situações análogas.
Conforme a lição de Cahali, “na solução dos interesses em conflito, o
direito como processo social da adaptação estabelece aquele que deve prevale-
cer, garantindo-o através de coerção até mesmo física, preventiva ou sucessiva,
que não é desconhecida também do direito privado. Assim, pode acontecer
que, para induzir alguém a que se abstenha da violação de um preceito, o
direito o ameace com a cominação de um mal maior do que aquele que lhe
provocaria a sua observância. Nesse caso - assinala Carnelutti - tem-se a san-
ção econômica do preceito; e os meios de diferentes espécies, que visam asse-
gurar a observância do preceito, recebem justamente o nome de sanção, pois
sancionar significa precisamente tornar qualquer coisa, que é o preceito, inviolável
e sagrada”.42
Valores indenizatórios ínfimos, ou a falta de condenação por danos mo-
rais, nas situações cotejadas, não justificam a mudança de comportamento do
fornecedor, pois representam uma via mais econômica do que aquela referente
ao oferecimento de serviços com qualidade, nos moldes exigidos pelo Código
de Defesa do Consumidor.
Como sabido, a indenização por dano moral, além de pessoal, como não
poderia deixar de ser, é também um benefício voltado à coletividade, pois trará
maior segurança ao tráfico jurídico, seja com a retirada de maus comerciantes

42
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 37.
68 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

do mercado, seja com a educação dos faltosos, para que forneçam serviços e
produtos adequados, não nocivos à integridade psíquica, física e patrimonial
dos consumidores.
A perspectiva acerca da indenização por dano moral em situações como
as que foram descritas é recente. Esperamos ter podido incrementar a discus-
são a respeito da matéria, restando por incentivar a proteção do consumidor
idoso de planos e seguros de assistência médica privada, especialmente quanto
a determinados abusos de que são vítimas e que são observados com certa
freqüência justamente em razão da fragilidade que é peculiar a essa categoria
de consumidores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A boa-fé e o controle das cláusulas contratuais abusivas nas
relações de consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 6, abr./jun. 1993. p. 27-33.

BARBOSA, Antonieta. Câncer: direito e cidadania. São Paulo: ARX, 2003. 322 p.

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Código de Defesa do Consumidor comentado


pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. 1016 p.

BONATO, Cláudio; MORAES, Valério Dal Pai. Questões controvertidas no Código de Defesa do
Consumidor. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. 242 p.

BOURGOIGNIE, Thierry. O conceito de abusividade em relação aos consumidores e a necessidade


de seu controle através de uma cláusula geral. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 06,
abr./jun. 1993. p. 6-16.

BRAGA, Pérola Melissa Vianna. Envelhecimento, ética e cidadania. Disponível em:


<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 4 fev. 2004.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. O direito do consumidor no limiar do século XXI. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, n. 35, jul./set. 2000. p. 96-108.

______. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. 3. tir. São Paulo: Malheiros, 2000. 242 p.

FACHIN, Luiz Edson; RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Direitos fundamentais, dignidade da
pessoa humana e o novo Código Civil: uma análise crítica. In: SARLET, Ingo (Org.). Constituição,
direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 87-104.

FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito


privado. In: SARLET, Ingo (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 11-60.

FERNANDES, Flávio da Silva. Envelhecimento e cidadania. Disponível em:


<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 5 fev. 2004.
GRAU, Eros Roberto. Interpretando o Código de Defesa do Consumidor: algumas notas.
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 05, jan./mar. 1993. p. 181-189.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DO CONSUMIDOR IDOSO 69

HECK, Luís Afonso. Direitos fundamentais e sua influência no direito civil. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 29, jan./mar. 1999. p. 40-54.

ITURRASPE, Jorge Mosset. Como contratar en una economia de mercado. Buenos Aires:
Rubinzal-Culzoni, 232 p.
JAYME, Erik. Visões para uma teoria pós-moderna do direito comparado. Tradução Cláudia Lima
Marques. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, n. 759, jan. 1999. p. 24-40.
LÔBO, Paulo Luiz Neto. Constitucionalização do direito civil. Disponível em:
<http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 3 ago. 2003.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Analisis crítico de la autonomia privada contractual. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, n. 14, abr./jun. 1995. p. 05-19.
LOUREIRO, Luiz Guilherme de Andrade V. Seguro-saúde. São Paulo: Lejus, 2000. 394 p.
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. Rio de Janeiro:
Max Limonad, 1998. 402 p.
MARQUES, Cláudia Lima. Novas regras sobre proteção do consumidor nas relações contratuais.
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 1, p. 27-54; Revista da Ajuris, Porto Alegre,
n. 52, jul. 1991. p. 34-61.
______. A abusividade nos contratos de seguro-saúde e assistência médica no Brasil. Revista
da Ajuris, Porto Alegre, n. 64, jul. 1995. p. 34-77.
______. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. 2. tir. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1999. 674 p.
______. Planos privados de assistência à saúde. Desnecessidade de opção do consumidor pelo
novo sistema. Opção a depender da conveniência do consumidor. Abusividade de cláusula
contratual que permite a resolução do contrato coletivo por escolha do fornecedor (parecer).
Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 31, jul./set. 1999. p. 129-169.
______. A questão das cláusulas abusivas nos contratos e planos de saúde. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, n. 34, abr./jun. 2000. p. 98-101.
______. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o aparecimento
de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo, n. 35, jul./set. 2000. p. 61-96.
______. Diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil: do “diálogo
das fontes” no combate às cláusulas abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 45,
jan./mar. 2003. p. 71-99.
______. Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de “ações afirmativas” em
contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso. In: SARLET,
Ingo (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003. p. 185-222.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 546 p.
MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e
conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito
privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 105-148.
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.
3. ed. Rio de Janeiro: AIDE, 1991. 189 p.
NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-
fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. 305 p.
70 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código Civil anotado e legislação
extravagante. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 157.
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia
privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994. 268 p.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O Código de Defesa do Consumidor e sua interpretação
jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1997.
______. Comentários à lei de plano de privado de assistência à saúde. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2000. 338 p.
PASQUALOTTO, Adalberto. Defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo, n. 06, p. 34-60.
______. O Código de Defesa do Consumidor em face do novo Código Civil. Revista de Direito
do Consumidor, n. 43, jul./set. 2002. p. 96-110.
PEREIRA, Daisy Maria de Andrade Costa. Os direitos humanos e a inclusão do idoso. Disponível
em: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em: 5 fev. 2004.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução
Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. 369 p.
SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e o direito privado: algumas considerações em
torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais. In: SARLET, Ingo Wolfgang
(Org.). A Constituição concretizada: construindo pontes com o público e o privado. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 107-163.
SCHMITT, Cristiano Heineck. As cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor. Revista
de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 33, jan./mar. 2000. p. 161-181.
SCHMITT, Cristiano Heineck; MARQUES, Cláudia Lima. Visões sobre os planos de saúde privada
e o Código de Defesa do Consumidor. In: ARANHA, Márcio Iorio; TOJAL, Sebastião Botto de
Barros (Org.). Curso de especialização à distância em direito sanitário para membros do Ministério
Público e da Magistratura Federal. Brasília, 2002. p. 285-373.
SEVERO, Sérgio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996. 252 p.
SOBRINHO, Linneu Rodrigues de Carvalho. Seguros e planos de saúde. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2001. 294 p.
TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Direito e medicina: aspectos jurídicos da medicina.
Belo Horizonte: Del Rey, 2000. 418 p.
TEPEDINO, Gustavo (Coord.). O Código Civil, os chamados microssistemas e a Constituição:
premissas para uma reforma legislativa. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de direito
civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 1-16.
TEPEDINO, Maria Celina B. M. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de direito
civil, imobiliário, agrário e empresarial, São Paulo, n. 65, jul./set. 1993. p. 21-32.
A FIXAÇÃO DO DANO
MORAL E A PENA

FERNANDO M. H. MOREIRA
Advogado/SP.

ATALÁ CORREIA
Advogado/SP.

“É próprio dos tempos civilizados procurar moldar a sanção de


tal forma que venha a ter eficácia satisfativa e não vingativa ou
penal, proporcionando-a ao conteúdo da obrigação para que o
credor seja, quanto possível, integralmente satisfeito, receben-
do tudo a que tem direito.”
(Liebman, Tratado de execução, nº 1, p. 15)

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Critérios de fixação do dano moral - 3. Da


opinião dos doutrinadores - 4. O conceito de pena - 5. Das justificativas
levantadas pela doutrina no intuito de justificar o caráter punitivo - 6. A
punição nos danos morais e a Constituição - 7. Da exclusão do caráter
penal dos danos morais pela especial destinação da reparação ao lesado -
8. Comparações com o sistema norte-americano - 9. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

O objeto do presente estudo é uma análise, ainda que superficial, dos


critérios estabelecidos pela doutrina para a fixação de danos morais por arbi-
tramento. Em tal investigação ter-se-ão em vista principalmente os princípios
constitucionais de Direito Civil.
72 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Para tanto, parte-se do pressuposto de que o dano moral é indenizável.


Deixam-se de lado todas as questões que afligiram os juristas nacionais duran-
te décadas até a vinda da Constituição Federal de 1988, que, pela prescrição de
seu art. 5º, V e X, não deixa mais espaço para tal discussão.
Se parece certo que não há um pretium doloris, também não é menos
verdade que alguma compensação deve ser estabelecida. Deixar o agente do
ato ilícito sem sanção jurídica sem dúvida é mais injusto e antijurídico do que
estabelecer critérios para que se compense o lesado.
Portanto, a chamada indenização por danos morais não indeniza, mas
somente compensa. A compensação não repara o sofrimento, apenas o ate-
nua, proporcionando um benefício futuro.

2. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO DANO MORAL

Pois bem, tão certa quanto a indenizabilidade do dano moral é sua


subjetividade. Muitos foram os juristas que tentaram, e tentam, estabelecer
um critério justo para que dor e pecúnia sejam reduzidas a um denominador
comum. Tal tarefa tem se revelado como uma das mais árduas do direito
contemporâneo. Efetivamente, a ninguém é dado saber quanto o próximo
sofreu.
No entanto, como dito, não é pela dificuldade de se encontrar um valor
para a compensação que se deixará de fixá-la. Neste diapasão, a doutrina
pátria aponta basicamente três métodos para a fixação do quantum devido a
título de compensação pelos danos morais causados.
O primeiro é o consensual. Por este critério, as partes podem transigir
e chegar a um entendimento comum acerca do montante devido. Parece não
apresentar maiores problemas, pois, além de envolver interesses meramente
privados, é a forma mais efetiva de pacificação social entre partes iguais.
Se não há consenso, a única solução viável é a submissão dos interes-
ses privados ao juízo de um terceiro. No presente estudo só teremos em
mente a submissão à jurisdição estatal. Deixaremos de lado a composição de
interesses por juízo arbitral que, a princípio, não está afastada.
Para a solução judicial apresentam-se outros dois métodos de fixação.
A compensação tarifada (ou legal) e a por arbitramento judicial. Pela primei-
ra, a lei estabelece margens fixas para a indenização. Para determinado agra-
vo sofrido pela vítima, passa a ser possível uma indenização de valores que
variam no intervalo entre “x” e “y”. É o exemplo do que ocorre na Lei de Impren-
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 73

sa (Lei nº 5.250 de 09.02.67), que estabelece um teto máximo de 200 salários


mínimos (vide arts. 51 e 52).1
Quando não se encontra uma solução pelos métodos anteriores, resta
submeter a fixação do quantum debeatur ao arbitramento judicial. Assim, o
juiz, através de critérios preestabelecidos, avalia a extensão do dano moral e
obriga o ofensor a repará-lo diretamente. Se isto é impossível, toma lugar a
reparação in pecunia, determinando-se qual quantia será suficiente à com-
pensação. Obviamente a tarefa não é das mais fáceis. Uma eventual superva-
loração do dano corresponde a um enriquecimento sem causa do lesado. Por
outro lado, a fixação de um valor subestimado não compensa o dano moral.
Nossa análise se debruçará sobre esta última espécie de técnica para a
arbitragem do quantum que compensará o dano moral.

3. DA OPINIÃO DOS DOUTRINADORES

Sem dúvida, as lições do Prof. Carlos Alberto Bittar vieram ao encontro


dos que ansiavam por certeza num campo de tantas dúvidas. Segundo seu
magistério, o ressarcimento por danos morais deve se balizar em dois pon-
tos: a) a intensidade do dano sofrido; e b) a peculiar situação econômica do
agente e seu dolo.
Em relação ao último critério esclarece o seguinte:
Recomenda-se, também, em atos ofensivos a aspectos
morais, que a fixação do quantum obedeça a critério de
sancionamento rigoroso, como meio de desestímulo a no-
vas investidas (como, por exemplo, no âmbito de viola-
ções a aspectos da personalidade humana, ou a criações
intelectuais, em que o valor da indenização deve ser fixa-
do em níveis que desestimulem a repetição da prática:
assim, por exemplo, no uso abusivo de determinada cria-
ção - falta de autorização autoral, ou extrapolação contratual
- deve a reparação compreender soma que ultrapasse os
valores habituais da contratação normal, exatamente como
sanção ao ilícito).2

Tais critérios encontram fundamento legal a partir da interpretação


extensiva do art. 53, da Lei nº 5.250/67:

1
Para uma crítica a este método, vide Antônio Junqueira de Azevedo, “Dano moral - Lei de
imprensa e interpretação conforme a Constituição”, in Direito ao Avesso, vol. 4 (esta é uma
publicação do Grupo de Direito Privado).
2
BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil - teoria & prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1990. p. 77-78.
74 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

No arbitramento da indenização em reparação do dano


moral, o juiz terá em conta, notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a
natureza e repercussão da ofensa e a posição social e
política do ofendido;
II - a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsá-
vel, sua situação econômica e sua condenação anterior
em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício
da liberdade de manifestação do pensamento e informação;
III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura
da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da
resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na
lei e independentemente de intervenção judicial, e a ex-
tensão da reparação por esse meio obtido pelo ofendido.

Sérgio Pinheiro Marçal, do “Pinheiro Neto - Advogados”, em artigo publi-


cado no Boletim do 3º RTD, São Paulo, set./97, nº 126, afirma que “o que temos
visto hoje é uma rápida mudança de um sistema que amparava a quase
irresponsabilidade por danos morais para um sistema que perigosamente vem
procurando se aproximar dos padrões norte-americanos dos punitive damages.
Essa mudança se deve não às previsões legais feitas pela Constituição Federal
e pelo Código de Defesa do Consumidor, mas sim a alguns julgados que vêm
tentando consolidar a jurisprudência a chamada ‘teoria do valor do desestímulo’ ”.
Louvável a iniciativa do ilustre colega em insurgir-se contra essa distorção
da fixação da indenização por danos morais, como querem alguns fazer; no
entanto, gostaríamos de aproveitar a iniciativa e tratar o tema com um pouco
mais de profundidade.
Rui Stoco, comentando o artigo acima, assim posiciona-se:
A busca de indenizações milionárias e a utilização do insti-
tuto da responsabilidade civil como fonte de enriquecimento
devem ser combatidas e veementemente repelidas.
Mas cabem alguns reparos.
O primeiro está em que a “teoria do valor do desestímulo”
não tem apenas o sentido e dimensão que se buscou
emprestar-lhe.
Nem mesmo pode ser repudiada se adequadamente apli-
cada, em associação com outros critérios que o caso con-
creto exigir. Também não se identifica a perfeição com os
padrões americanos dos punitive damages.
[...] Ademais a tendência moderna é a aplicação do
binômio punição e compensação, ou seja, a incidência
da teoria do valor do desestímulo (caráter punitivo da
sanção pecuniária) juntamente com a teoria da com-
pensação, visando a destinar à vítima uma soma que
compense o dano moral sofrido.
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 75

[...] Não se há de repudiar a teoria do valor do


desestímulo enquanto critério, pois o propósito de
desestimular ou alertar o agente causador do mal com a
objetiva imposição de uma sanção pecuniária não signi-
fica a exigência de que componha um valor absurdo,
despropositado e superior às forças de quem paga; nem
deve ultrapassar a própria capacidade de ganhar da víti-
ma e, principalmente, a sua necessidade ou carência
material, até porque, se nenhum prejuízo dessa ordem
sofreu, o valor apenas irá compensar a dor, o sofrimen-
to, a angústia etc., e não reparar a perda palpável, o
ressarcimento dito material.

Caio Mário da Silva Pereira assim entende:


Quando se cuida do dano moral, o fulcro do conceito
ressarcitório acha-se deslocado para a convergência de
duas forças: caráter punitivo, para que o causador do
dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela
ofensa que praticou; e o caráter compensatório para a
vítima, que receberá uma soma que lhe proporcione
prazeres como contrapartida do mal sofrido.

Dentre os adeptos da tese, alguns são ainda mais rigorosos quanto ao


segundo aspecto de fixação, chegando a afirmar:
Quanto à medida para garantir que a indenização signi-
fique verdadeira punição para o ofensor, lembramos que,
segundo a melhor doutrina, a reparação do dano moral
não tem como objetivo apenas compensar o ofendido,
mas também punir o ofensor. (Américo Luís da Silva, O
dano moral e sua reparação civil. São Paulo: RT, 1999.
p. 320)

Ainda que sejam de aceitação praticamente unânime na doutrina e juris-


prudência pátria, necessário tecer algumas ponderações sobre tais critérios
(compensação + punição). O caráter punitivo ou de desestímulo, não raro, tem
sido exacerbado, através da fixação de valores muito altos, para que o réu não
reincida na prática do mal causado.
Data maxima venia dos doutos mestres, não podemos concordar com
referido entendimento, notadamente no que tange ao caráter punitivo (ou do
desestímulo), que não pode prosperar em nosso sistema.
A ostensiva punição do agente não se concilia com o art. 5º, XXXIX,
CF/88, cuja dicção não deixa margem a dúvidas: “não há crime sem lei ante-
rior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.” Com efeito, ao se
atribuírem ao juiz poderes para que ele, se valendo do seu prudente arbítrio,
estabeleça “compensação punitiva”, cria-se pena sem prévia cominação legal.
76 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Deve-se ressaltar: que a CF não traz qualquer dispositivo que estabeleça


que o causador do dano moral deva ser punido, pois o inciso X, art. 5º, da CF,
que trata da reparação do dano moral, assim dispõe: “são invioláveis a intimi-
dade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à
indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Em verdade, quem causa dano moral está obrigado a compensar o
dano, e somente compensar, pois assim dispõe a norma constitucional supra
mencionada. Não poderia o causador de dano moral, além de compensar o
dano cometido, ser punido com um pagamento de indenização de grande e
despropositada monta como forma de punição ou desestímulo a nova prática
de tal ato.
Ademais, segundo as regras da hermenêutica jurídica, não se pode dar
aplicação extensiva em matéria de pena (caráter punitivo ou de desestímulo
da indenização). Isso porque o artigo retro citado prevê somente a obrigação
de reparar o dano, portanto não se poderia pretender aplicar uma pena com
fundamento em tais dispositivos legais.
Frise-se, antes de mais nada, que não se questiona aqui a compensa-
ção e a efetiva reparação do dano moral em si, nem a questão da amplitude
que deve ser dada à tutela do bem moral; apenas contesta-se o caráter puni-
tivo que querem aplicar à compensação por danos morais.
No entanto, para uma perfeita compreensão da questão aqui levanta-
da, faz-se necessária uma prévia análise da natureza jurídica da pena. O
caráter punitivo da compensação por danos morais faz com que ela seja
propriamente uma pena? Vejamos.

4. O CONCEITO DE PENA

Para Damásio Evangelista de Jesus, “pena é a sanção aflitiva imposta


pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como
retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e
cujo fim é evitar novos delitos”.3
De tal conceito, exsurgem as seguintes características fundamentais:
a) trata-se de sanção jurídica a ato ilícito; e b) finalidades retributiva e pre-
ventiva.
Efetivamente, na ciência do direito, ao se estudarem normas jurídicas,
tem-se em mente sempre uma estrutura básica. A norma jurídica sempre pre-

3
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal. v. I, São Paulo: Saraiva, 1995. p. 457.
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 77

vê determinadas hipóteses (fattispecie ou tabtstand), a ela atribuindo certas


conseqüências que devem ser, (se “A” é, “E” deve ser). Se a hipótese normativa
é desejada por motivos de política do direito, sua conseqüência é um estímulo,
um subsídio ou um auxílio estatal institucionalizado. Por outro lado, se não de-
sejada, diz-se que a hipótese é de ato ilícito, porque contrária ao ordenamento
jurídico. Sua conseqüência é, então, uma sanção (coerção institucionalizada).
Ao termo “sanção” se dá no presente estudo uma denotação de dever
ser. Sanção não é, portanto, sinônimo de pena ou de castigo, como muitas
vezes ocorre no uso popular da língua. Sanção é a conseqüência jurídica atribuída
a um ato ilícito.
Assim, à prática de um ato ilícito do qual em nexo de causalidade resulte
dano ao patrimônio ou a direito não patrimonial de terceiro sempre é atribuída
uma conseqüência jurídica mínima. Em verdade, tal forma consubstancia-se no
princípio jurídico do neminen laedere. Se houve lesão a bens de terceiros, a lei
atribui, com fundamento na culpa ou no risco, o dever de indenizar as perdas e
danos (danos emergentes e lucros cessantes) ou de compensar os danos mo-
rais. Compensação, indenização e pena são, desta forma, espécies de sanções
jurídicas.
O que diferencia a pena das demais sanções são suas finalidades peculia-
res.4 A pena é aplicada com a orientação teleológica clara. Não é um fim em si
mesma.
Entre os penalistas há a menção a duas finalidades principais. A primeira
seria a função retributiva. Por ela a pena é o combate do mal com o mal. Prega-
se que o infrator deve expiar suas faltas pelo sofrimento de um mal equivalente
àquele que causou a terceiro.
Já a finalidade preventiva pode ser subdividida em duas outras mais es-
pecíficas. A primeira, de prevenção especial, faz com que o agente não volte a
cometer outros delitos (corrige o corrigível, intimida o intimidável e neutraliza o
incorrigível ou o inintimidável).5 A segunda, de prevenção geral, faz com que a

4
Hans Kelsen é de opinião diametralmente oposta: “A custo será possível determinar o conceito
de pena pelo seu fim. Com efeito, o fim da pena não resulta - ou não resulta imediatamente -
do conteúdo da ordem jurídica. A interpretação segundo a qual a pena é dirigida é uma
interpretação que também é possível em face de ordenamentos jurídico-penais cujo aparecimento
não foi determinado pela idéia de prevenção, mas o foi tão simplesmente pelo princípio de que
se deve retribuir o mal com o mal. As penas de morte e de prisão permanecem as mesmas,
quer se vise ou não, ao estatuí-las, um fim de prevenção. Sob este aspecto existe qualquer
diferença essencial entre pena e execução (civil), pois também esta pode - sendo, como é,
sentida como um mal pelo indivíduo que atinge - ter um efeito preventivo, tal forma que o fim
de indenização se pode combinar, aqui, com o fim de prevenção.” (Hans Kelsen, Teoria Pura
do Direito. Tradução João Baptista Machado, São Paulo: Martins Fontes, 1991).
5
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. p. 20 apud Sérgio Salomão Shecaira
et al, Pena e Constituição, São Paulo: RT, 1995. p. 100.
78 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

coletividade evite a prática delituosa.6 Para atender a estas duas finalidades


(retributiva e preventiva) é essencial, portanto, que a pena varie de acordo com
o dolo, a culpa e culpabilidade do agente.
Como se pode perceber na indenização por danos materiais, não há
qualquer finalidade desta espécie. Não há como encontrar nesta sanção civil
qualquer caráter penal. O fim da sanção civil de indenização é meramente o
de sanar o dano. Aquele que causa um dano só está obrigado a restabelecer
as coisas a seu statu quo ante e, na impossibilidade, a ressarcir exatamente os
prejuízos causados. Quem perde o livro de um colega, por exemplo, deve com-
prar-lhe outro igual ou indenizar-lhe o valor correspondente ao bem.
A lei civil não faz com que o agente indenize mais que o efetivo prejuízo.
Se o ordenamento jurídico estabelecesse um plus indenizatório, o faria na in-
tenção de que o agente não voltasse a delinqüir, quer pela retribuição, quer pela
prevenção.
Como fica claro, o caráter punitivo que se tem atribuído à reparação
dos danos morais dá ao instituto a mesma natureza da pena. A compensa-
ção, pelo que entende a doutrina, tanto quanto a pena criminal, deve variar
na medida da culpabilidade do agente, tendo como finalidade a retribuição e
a prevenção. Inescusável, portanto, a não submissão ao princípio constitu-
cional da legalidade.
Com a prevalência do caráter punitivo da reparação dos danos morais,
fere-se, ainda, o princípio do non bis in idem. O agente que provoca lesão
corporal grave, por exemplo, responderá criminalmente por sua ação, estan-
do sujeito a pena restritiva de liberdade e multa (art. 20, CP). Além disto,
indenizará os danos materiais e será punido novamente quando da compen-
sação dos danos morais.
Cumpre ainda mencionar que a punição infligida através da compensa-
ção dos danos morais passa aos herdeiros do ofensor, o que é inadmissível no
direito contemporâneo.
A endossar a opinião aqui sustentada é a lição de Andrea Von Tuhr:
La ley sólo entiende por daño el daño patrimonial, pero no
los “daños morales”, o sean los quebrantos y dolores
fisicos o de orden moral quese le producen al hombre

6
A questão das finalidades da pena é extremamente controversa entre os penalistas. Além
das mencionadas correntes (retributiva e preventiva), há, ainda, teorias mistas que procuram
fundir as duas finalidades. Já em menor número podem-se encontrar aqueles que negam
qualquer finalidade à punição (para maiores detalhes sobre o tema, vide Sérgio Salomão
Shecaira, op. cit.).
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 79

cuando ilícitamente se atenta contra su persona o se


invade la esfera de sus personales intereses. La diferencia
del daño patrimonial que, bien sea mediante reposición en
especie o pago en dinero, puede indemnizarse plenamente,
restaurando el patrimonio en el estado que presentaría
de no haber ocurrido el suceso dañoso. Los quebrantos
morales no son susceptibles de reparación mediante
recursos jurídicos. Lo que si cabe, en cierto modo, es
compensarlos, o por mejor decir, contrapesarlos,
asignando al ofendido una cantidad de dinero a costa
del culpable. La ley ordena este procedimiento en una
serie numerosa de casos, bajo el nombre muy adecuado
de “satisfacción”. El lesionado tiene de este modo un
lucro patrimonial, que puede destinar a procurarse las
satisfacciones ideales o materiales que estime oportunas.
Esto, y la conciencia de que los medios para lograrlo
salen del culpable, contribuirá a compensar quebranto
que le haya producido la agresión y a acallar ese sentimiento
de venganza innato en el hombre, por moderno y civilizado
que este sea.
Mas la “satisfacción” a que aludimos no tiene carácter
de pena para el culpable, aunque se traduzca, al igual
que la multa, en un menoscabo de su patrimonio. Su
finalidad no es acarrear este pérdida al culpable, sino
procurar un lucro al lesionado. Por eso, en su aspecto
pasivo, estas obligaciones pasan a los herderos,
exactamente igual que la que versan sobre una
indemnización (Andrea Von Tuhr, Tratado de las
obligaciones. trad. W. Roces. T. I, 1. ed. Madrid: Reus,
1934. p. 88-89).

5. DAS JUSTIFICATIVAS LEVANTADAS PELA DOUTRINA NO


INTUITO DE JUSTIFICAR O CARÁTER PUNITIVO

Vejamos quais justificativas têm sido levantadas pela doutrina e juris-


prudência para a aceitação daquilo que parece ser clara punição sem prévia
lei.
Em sucinto resumo poderíamos elencar as seguintes justificativas: a) a
punição decorre do neminem laedere; b) a punição é intrínseca ao dano mo-
ral, que é constitucionalmente previsto; e c) não há pena porque esta implica
em multa em favor do Estado, enquanto que a compensação favorece o le-
sado.
Analisaremos a seguir estes fundamentos levantados.
80 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

6. A PUNIÇÃO NOS DANOS MORAIS E A CONSTITUIÇÃO

Como primeiro exemplo, tomemos a lição de Yussef Cahali que, ao tratar


do tema, assim fundamenta sua posição quanto ao caráter punitivo da indeniza-
ção por danos morais: “parece mais acertado dizer-se que, o mecanismo protetivo
da norma geral do ressarcimento neminem laedere identifica-se pela sua natu-
reza mista: sancionatória e reparadora, ao mesmo tempo.”
No entanto, não se pode admitir que na expressão contida no inciso X,
do art. 5º, CF, (“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a ima-
gem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação”) correspondente ao neminem laedere, es-
teja inserido um outro sentido que não o meramente reparatório e compen-
satório do dano.
O caráter de valor de desestímulo, como alguns querem dar à indeni-
zação por danos morais, é uma excepcionalidade justamente por não estar
contida expressamente na norma.
Segundo ensina Maximiliano, as regras de hermenêutica quando se
tratar de excepcionalidade em matéria punitiva assim devem ser interpretadas:
Consideram-se excepcionais, quer estejam insertas em
repositórios de Direito Comum, quer se achem no Direito
Especial, as disposições: a) de caráter punitivo, quando se
não referem a delitos, porém cominam multa; indeniza-
ção. (...); b) enfim, introduzem exceções, de qualquer
natureza, a regras gerais, ou a um preceito da mesma lei,
a favor, ou em prejuízo, de indivíduos ou classes da comu-
nidade.

E continua o hermeneuta:
A rubrica - Leis Penais - aposta, a este capítulo, compreen-
de todas as normas que impõem penalidades; e não so-
mente as que alvejam os delinqüentes e se enquadram
em Códigos criminais. Assim é que se aplicam as mesmas
regras de exegese para os regulamentos policiais, as pos-
turas municipais e as leis de finanças, quanto às disposi-
ções cominadoras de multas e outras medidas repressivas
de descuidos culposos, imprudências ou abusos, bem como
em relação às castigadoras dos retardatários no cumpri-
mento das prescrições legais. Os preceitos mencionados
regem, também, disposições de Direito Privado, de caráter
punitivo: as relativas à indignidade do sucessor, por exem-
plo, e diversas concernentes à falência. Toda norma impe-
rativa ou proibitiva e de ordem pública admite só a inter-
pretação estrita.
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 81

Sabiamente o Codex Juris Canonici, no c. 19, estabeleceu: Leges quoe


poenam statuunt, aut liberum jurium exercitium, coarctant, aut exceptionem a
lege continent, stricttoe subsunt interpretationi: “as leis que estatuem pena, ou
coartam o livre exercício de direitos, ou contêm exceção a preceito geral, estão
sujeitas a exegese estrita.” (grifado e destacado)
Além disto, é premente que se dê a maior eficácia possível a todas as
normas constitucionais. Assim, se uma norma pode ser interpretada de duas
formas, sendo que uma delas fere uma outra norma enquanto outra não fere,
sempre se dará preferência à primeira interpretação. A tal método exegético
dá-se o nome de interpretação conforme a Constituição.
O caso em discussão exige exatamente esta interpretação conforme.
Da expressão “danos morais” extraem-se dois sentidos: um prevê a punição
e o outro não. Ocorre que o primeiro, como visto, fere outro princípio consti-
tucional. Já a interpretação que não atribui nenhum caráter punitivo está em
acordo com todas as demais normas constitucionais, não devendo ser prete-
rida em benefício do sentido anterior.
Nada obstante, conferir caráter punitivo à compensação por danos
morais com base na Constituição Federal é ler onde não está escrito. É, ou-
trossim, propugnar pela punição com base somente em nossa Carta Magna,
prescindindo da Lei, que tem o fim precípuo de estabelecer os limites para a
pretensão punitiva estatal.
O brilhante ensinamento do constitucionalista Luís Roberto Barroso é
conclusivo sobre esta questão:
Em seus clássicos Comentários, escreveu Joseph Story que
as palavras de uma Constituição devem ser tomadas em
sua acepção natural e óbvia, evitando-se o indevido alar-
gamento ou restrição de seu significado. A doutrina, de
forma um tanto casuística, procura catalogar as hipóteses
de interpretação restritiva e extensiva. Há certo consenso
de que se interpretam restritivamente as normas que ins-
tituem as regras gerais, as que estabelecem benefícios, as
punitivas em geral e as de natureza fiscal.
A busca de um método jurídico de objetividade tão plena
quanto possível, e bem assim da neutralidade do intérpre-
te, foi objeto de um dos mais célebres escritos do direito
constitucional norte-americano: Em busca de princípios
neutros de direito constitucional, do Professor da Universi-
dade de Columbia Herbert Wechsler, publicado em 1959.
O trabalho se inseriu no contexto de uma ampla crítica
conservadora às decisões proferidas pela Suprema Corte
sob a presidência de Earl Warren (1953-1969), dentre as
quais se destacou a revolucionária decisão de integração
82 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

racial proferida em Brown vs. Board of Education. Em


sua condenação do ativismo judicial, o autor procura
traçar uma linha distintiva entre a atuação do Judiciário
e a dos outros dois Poderes. Em uma das mais inspira-
das páginas do credo liberal-conservador, escreveu
Wechsler:
“O que caracteriza as decisões judiciais, em contraste com
os atos dos outros Poderes, é a necessidade de que sejam
fundadas em princípios coerentes e constantes, e não em
atos de mera vontade ou sentimento pessoal. Discordo
assim, com veemência, daqueles que, aberta ou encober-
tamente, sujeitam à interpretação da Constituição e das
leis um ‘teste de virtude’ para verificar se o resultado ime-
diato limita ou promove seus próprios valores e crenças.
Quem julga com os olhos no resultado imediato, e em
função das próprias simpatias ou preconceitos, regride ao
governo dos homens, e não das leis. Se alguém toma
decisões levando em conta o fato de que a parte envolvida
é um sindicalista ou um contribuinte, um negro ou um sepa-
ratista, uma empresa ou um comunista, terá de admitir que
pessoas de outras crenças ou simpatias possam, diante dos
mesmos fatos, julgar diferentemente. Nenhum proble-
ma é mais profundo em nosso constitucionalismo do que este
tipo de avaliação e de julgamento ad hoc.”
O primeiro fundamento da teoria de Wechsler é o de que
as decisões constitucionais devem ser motivadas. Cabe
aos tribunais expor os autênticos fundamentos de seus
julgados e desenvolver claramente cada fase do raciocínio
que conduziu ao resultado produzido. Essas decisões, e
sua fundamentação, devem obedecer a princípios, isto é,
a critérios que podem ser formulados e postos à prova em
um exercício de dialética, e que não obedecem somente a
um desígnio da vontade. Por fim, esses princípios devem
ser neutros, de modo que as decisões tenham lastro em
análises e razões que desde logo transcendam ao resulta-
do imediato que se alcança. Pode-se dizer que alguém se
utiliza de princípios neutros se estiver disposto a segui-los
em outras situações em que eles sejam aplicáveis, desde
que com isso não se chegue a um resultado absurdo.
As idéias de Wechsler têm razoável apelo ao espírito e é
possível afirmar que elas são desejavelmente aplicáveis
em boa parte da atividade de interpretação judicial, inclu-
sive constitucional. Elas não deixam de ser um tempero
necessário a uma perspectiva diametralmente oposta das
decisões fundadas exclusivamente nos resultados. Nenhum
juiz, lembra Enrique Alonso García, orgulha-se de não ser
capaz de reconduzir suas decisões a determinados princí-
pios gerais. Embora possam ocorrer hipóteses em que o
juiz primeiro escolhe o resultado e somente após procura
fundamentá-lo, a necessidade de decisões lastreadas em
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 83

princípios reduz os excessos das decisões puramente


result-oriented.
Desde que o Iluminismo consagrou o primado da razão,
com o abandono de dogmas e de preconceitos, o mundo
construído pela ciência aspira à objetividade. As conclu-
sões divulgadas por um membro da comunidade científica
devem poder ser verificadas e comprovadas pelos demais.
A racionalidade do conhecimento procura despojá-lo das
crenças e emoções subjetivas, puramente voluntaristas,
para torná-lo impessoal, na medida do possível. A medida
do possível variará imensamente, e em poucas áreas en-
frentará dificuldades como no direito.

7. DA EXCLUSÃO DO CARÁTER PENAL DOS DANOS MORAIS


PELA ESPECIAL DESTINAÇÃO DA REPARAÇÃO AO LESADO

Podemos, aqui, novamente mencionar a posição de Américo Luís Martins


da Silva, para quem há uma sutil diferença entre multa pecuniária (pena) e
reparação de dano moral. A primeira é devida ao Estado, enquanto a segunda
é devida ao lesado.7
Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, sustenta a mesma opi-
nião:
Neste caso existe uma certa semelhança entre pena patrimonial e exe-
cução. Ambas são execução forçada de um patrimônio. Distinguem-se uma
da outra pelo fato de o valor patrimonial compulsoriamente subtraído ir, no
caso da pena patrimonial, que normalmente consiste em dinheiro, para um
fundo público (caixa estadual ou municipal), enquanto que, no caso da exe-
cução, tal valor é atribuído ao lesado para indenização do prejuízo material
ou moral, no que se revela um fim determinado pela ordem jurídica que, no
caso da pena, não existe. (Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito. Tradução João
Baptista Machado, São Paulo: Martins Fontes, 1991. p. 122)
Tais autores realmente realçam um ponto importante da questão. To-
davia, a especial destinação da reparação por danos morais não retira o cará-
ter de pena que a ela tem sido atribuído. Na busca da natureza de um institu-
to, no caso a pena, não se pode partir das conseqüências dele advindas, mas
somente de seus pressupostos e características imanentes. Falta, assim, a tal
diferenciação do método científico.

7
SILVA, Américo Luís da. O dano moral e sua reparação civil. São Paulo: RT, 1999. p. 320.
84 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Como se isto não bastasse, a história do direito é pródiga em exemplos


de penas privadas. Efetivamente, o caráter público da pena é nota caracterís-
tica do Estado Moderno. Esta asserção é endossada por Pasquale Voci,8 que
afirma: “nell’ambito della pena, intesa nel più largo senso, comprendente la
pena pubblica e la privata. Che, nell’ambito della pena privata, la condanna
sia - almeno nel diritto storico - necessariamente pecuniaria e venga
pronunciata a favore del’offenso, non ha grande importanza, e lo mostrerò tra
poço.”
E ainda:
In effetti, nel periodo primitivo lo Stato e ancor troppo
debole per assumersi il compito della repressione di tutti i
reati, e lascia che, per alcuni, organo della repressione sia
la gente offesa: ciò importa che ad essa sia fovuta la pena,
così com’era essa che si soddisfaceva sul corpo del reo. Ne
periodo storico, lo Stato - divenuto il dominatrore e il
distruttore delle gentes - non assume sempre com suo
l’interesse alia punizione del reo: e allora si limita, per mezzo
del processo, a sorvegliare la via per cui si giunge
all’irrogazione della pena, mentre, nell’ambito dei diritto
sostanziale, recepisce la consuetudine fissante il tasso di
composizione. Ne segue che la pena, conforme a questa
sua struttura privatistica, ha comune con il risarcimento
l’atribuzione di una somma al danneggiato attore.

8. COMPARAÇÕES COM O SISTEMA NORTE-AMERICANO

Outra reflexão que se faz necessária é, venia concessa, de que o cará-


ter de desestímulo da indenização por danos morais do sistema normativo
brasileiro não seria similar aos punitive damages do sistema norte-americano.
De lege ferenda, mesmo entendendo que sua aplicação no Brasil não
seria possível, pelo menos com o atual sistema normativo, mas que por ser
algo já há muito tempo utilizado lá, e ainda incipiente cá, entendemos que
uma comparação é merecida, a fim de que lições possam ser tiradas e

8
VOCI, Pasquale. Risarcimento e Pena Privata nel Dirito Romano Classico. in R. Università di
Roma, Milão: Dott. A. Giuffre, 1939. p. 11: “A opinião do autor é muito interessante. A pena
seria caracterizada por sua função e estrutura. A toda aplicação de pena corresponde uma
respectiva ação penal. A rei persecutio só tem escopo de restabelecer o patrimônio do lesado
quanto o ilícito haja subtraído, sendo que seu fim é diretamente patrimonial; a poenae persecutio
tem o escopo de punir o réu, ainda que pecuniariamente, sendo que seu fim é atingido
através do patrimônio.”
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 85

aprimoramentos sejam feitos em nosso sistema; para tanto, vejamos como


entendem os norte-americanos.
O instituto dos punitive damages (ou exemplary damages) existente
no sistema legal norte-americano consiste em impor uma indenização alta
para punir e dissuadir o transgressor da lei, conforme as palavras do Juiz
Stevens da Suprema Corte dos Estados Unidos, na fundamentação de sua
decisão por ocasião do julgamento do caso BMW x Gore, em que se decidiu
que o referido instituto viola o princípio do due process of law (presente na
14ª Emenda da Constituição americana e em nossa Constituição, no inciso LIV,
art. 5º):
Punitive damages may properly be imposed to further a
State’s legitimate interests in punishing unlawful conduct
and deterring its repetition (Indenização punitiva pode ser
corretamente aplicada para promover o legítimo interesse
do Estado em punir condutas ilegais e em prevenir sua
repetição - versão livre dos autores).

Ora, qual é a diferença entre a indenização com caráter de desestímulo,


como querem alguns aplicar no Brasil, e o instituto dos punitive damages dos
EUA?
E o Juiz Stevens continua sua fundamentação, demonstrando as ra-
zões de seu posicionamento:
Em nosso sistema federal, os Estados necessariamente
têm a considerável flexibilidade em determinar o nível dos
punitive damages que será permitido em diferentes clas-
ses de casos e em todo o caso particular. A maioria dos
Estados que autorizam os exemplary damages fornecem
ao júri latitude similar, requerendo somente que a indeni-
zação concedida seja razoavelmente necessária para vin-
gar os interesses legítimos do Estado em punir e dissuadir.
Somente quando uma concessão puder razoavelmente ser
categorizada como excessiva em relação a estes interes-
ses, entrará na zona da arbitrariedade que viola a cláusula
do devido processo legal da décima quarta emenda. Por
essa razão, a investigação federal de excessividade come-
ça adequadamente, com a identificação se a concessão de
uma indenização servirá aos propósitos dos interesses es-
tatais. Nós focalizamos conseqüentemente nossa atenção
primeiro no alcance dos legítimos interesses do Alabama
em punir a BMW e em deter uma futura má conduta. (ver-
são livre dos autores)9

9
“In our federal system, States necessarily have considerable flexibility in determining the
level of punitive damages that they will allow in different classes of cases and in any particular
case. Most Stales that authorize exemplary damages afford the jury similar latitude, requiring only
86 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

O Juiz Stevens pondera alguns indícios de razoabilidade, ou não, da con-


cessão de uma indenização por danos morais:
a) Grau de censurabilidade da conduta
Talvez o indício mais importante da razoabilidade da indenização por
punitive damages seja o grau de censurabilidade da conduta do réu. Como a
corte indicou quase 150 anos atrás, os exemplary damages impostos a um
réu devem refletir “a enormidade de sua ofensa”. Este princípio reflete o
ponto de vista aceito de que alguns erros são mais censuráveis do que ou-
tros. Assim, nós dissemos que “os crimes não violentos são menos sérios do
que os crimes marcados pela violência ou pela ameaça de violência”. Similar-
mente, a “trapaça e o engano” são mais repreensíveis do que a negligência.
A Suprema Corte de West Virginia e os juízes desta Corte colocaram a ênfase
especial no princípio de que os punitive damages não podem ser “brutalmen-
te desproporcionais à severidade da ofensa”. Certamente, para o Juiz Kennedy,
a malícia intencional do réu foi o elemento decisivo em um “caso parecido e
difícil”. Certamente, a evidência de que um réu tivera repetidamente a condu-
ta proibida ao saber ou ao suspeitar que era ilegal forneceria a sustentação
relevante para o argumento de que seria preciso um remédio forte para curar
o réu do desrespeito à lei - versão livre dos autores.10
b) Proporção entre a indenização por danos materiais e a por danos
morais
O segundo e talvez o mais geralmente citado indício de uma indeniza-
ção desarrazoada ou excessiva por punitive damages seja sua proporção ao

that the damages awarded be reasonably necessary to vindicate the States legitimate interests
in punishment and deterrence. (...) Only when an award can fairly be categorized as ‘grossly
excessive’ in relation to these interests does it enter the zone of arbitrariness that violates
the Due Process Clause of the Fourteenth Amendment. (...) For than reason, the federal
excessiveness inquiry appropriately begins with an identification of the state interests that
a punitive award is designed to serve. We therefore focus our attention first on the scope
of Alabama’s legitimate interests in punishing BMW and deterring in from future misconduct.”
10
“Perhaps the most important indicium of the reasonableness of a punitive damages award is
the degree of reprehensibility of the defendant’s conduct. As the Court stated nearly 150
years ago, exemplary damages imposed on a defendant should reflect ‘tire enormity of his
offense’. This principle reflects the accepted view that some wrongs are more blameworthy
than others. Thus, we have said that ‘nonviolent crimes are less serious than crimes marked
by violence or the threat of violence. Similarly, ‘trickery and deceit, at are more reprehensible
than negligence. In both the Wart Virginia Supreme Court and the Justices of this Court
placed special emphasis on the principle that punitive damages may not be ‘grossly out of
proportion to the severity of the offense. Indeed, for Justice Kennedy, the defendant’s
intentional malice was the decisive element in a ‘close and difficult case’ (...) Certainly,
evidence that a defendant has repeatedly engaged in prohibited conduct while knowing or
suspecting that it was unlawful provide relevant support for an argument that strong medicine
is required to cure the defendant’s disrespect for the law.”
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 87

dano material causado ao autor. Veja TXO, 509 E.U., em 459; Haslip, 499
E.U., em 23. O princípio de que os exemplary damages devem manter “um
relacionamento razoável” com os danos materiais tem um longo pedigree.
Estudiosos identificaram um número de antigos statutes ingleses que autori-
zavam a concessão de indenizações múltiplas para males particulares. Uns
65 enactments diferentes durante o período entre 1275 e 1753 calculando em
dobro, triplo, ou quádruplo a indenização - por punitive damages. Nossas
decisões em Haslip e em TXO endossaram a proposição de que uma compa-
ração entre a indenização por danos materiais e a punitiva é significativa.
Naturalmente, nós rejeitamos consistentemente a noção de que a linha cons-
titucional seja marcada por uma fórmula matemática simples, mesmo uma
que compare os danos materiais e potenciais à indenização punitiva. Certa-
mente, indenizações baixas por danos materiais podem corretamente supor-
tar uma relação mais elevada do que indenizações altas por danos materiais,
se, por exemplo, um ato particularmente intolerável resultar somente em um
pequeno dano econômico.
Uma proporção mais elevada pode também ser justificada nos casos
em que a lesão seja difícil de detectar ou o valor monetário do dano não
econômico seja difícil de determinar. É apropriado, conseqüentemente, reite-
rar nossa rejeição a uma aproximação categórica. Mais uma vez, nós retoma-
mos o que dissemos em Haslip: “Nós não necessitamos, e certamente não
podemos, traçar uma linha matemática perfeita entre o constitucionalmente
aceitável e o constitucionalmente inaceitável que coubesse a cada caso. Nós
podemos dizer, entretanto, que uma preocupação geral com a razoabilidade
entre corretamente no cálculo constitucional.” Na maioria dos casos, a pro-
porção será entre um espectro constitucionalmente aceitável, e a remittitur
(faculdade que cabe ao juiz de diminuir o valor de uma indenização excessi-
vamente concedida pelo júri) não será justificada nesta proporção. Quando a
proporção for a impressiva 500 para 1, entretanto, a indenização deverá cer-
tamente “levantar uma sobrancelha de suspeita judicial” - versão livre dos
autores.11

11
“The second and perhaps most commonly cited indicium of an unreasonable or excessive punitive
damages award is it ratio to the actual harm inflicted on the plaintiff. See TXO, 509 U.S., at 459,
Haslip, 499 U.S., at 23. The principle that exemplary damages must bear a ‘reasonable
relationship’ to compensatory damages has a long pedigree. Scholars have identified a number
of early English statutes authorizing the award of multiple damages for particular wrongs.
Some 65 different enactments during the period between 1275 and 1753 provided for double,
treble, or quadruple damages. Our decisions in both Haslip and TXO endorsed the proposition
that a comparison between the compensatory award and the punitive award is significant.
Of course, we have consistently rejected the notion that the constitutional line is marked by
88 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

c) Sanções para ilícitos semelhantes


A comparação da indenização por punitive damages e as penalidades
civis ou criminais que poderiam ser impostas para o ilícito compatível fornece
um terceiro indício de excessividade. Como o Juiz O’Connor corretamente
observou, uma Corte de revisão determinada a verificar se uma indenização
por punitive damages é excessiva deveria “conceder acatamento ‘substancial’
aos julgamentos legislativos a respeito das sanções apropriadas para a con-
duta em questão”.
Em Haslip, 499 E.U., 23, a Corte considerou que, embora a indenização
exemplar - exemplary damages - fosse “muito mais excessiva que a multa
que poderia ser aplicada!”, a prisão também era autorizada no contexto crimi-
nal. Neste caso a sanção econômica de US$ 2 milhões imposta à BMW é
substancialmente maior do que a multa estatutária prevista para similar ofen-
sa no Alabama e em outras partes.
A sanção imposta neste caso não pode ser baseada na fundamentação
de que era necessário deter o ilícito futuro, sem considerar se com remédios
menos drásticos poder-se-ia conseguir esse objetivo.
O fato de que uma penalidade multimilionária iniciou uma mudança na
atitude não esclarece a pergunta se uma medida menos drástica protegeria
adequadamente os interesses dos consumidores do Alabama. Na ausência de
antecedentes de desrespeito às exigências estatutárias conhecidas, não há
nenhuma base para supor que uma sanção mais modesta não seria suficiente
para motivar o pleno respeito à exigência de divulgação, imposta neste caso
pela Corte suprema do Alabama - versão livre dos autores.12

a simple mathematical formula, even one that compares actual and potential damages to the
punitive award. Indeed, low awards of compensatory damages may properly support a
higher ratio than high compensatory awards, if, for example, a particularly egregious act has
resulted in only a small amount of economic damages. A higher ratio may also be justified in
cases in which the injury is hard to detect or the monetary value of non economic harm might
have been difficult to determine. It is appropriate, therefore, to reiterate our rejection of a
categorical approach. Once again, ‘we return to what we said ... in Haslip: We need not, and
indeed we cannot, draw a mathematical bright line between the constitutionally acceptable
and the constitutionally unacceptable that would fit every case. We can say however
that[a] general concer[n] of reasonableness ... properly enter[s] into the constitutional
calculus. In most cases, the ratio will be within a constitutionally acceptable range, and
remittitur will not be justified on this basis. Men the ratio is a breathtaking 500 to 1, however,
the award must surely ‘raise a suspicious judicial eyebrow.”
12
“Comparing the punitive damages award and the civil or criminal penalties that could be imposed
for comparable misconduct provides a third indicium of excessiveness. As Justice O’Connor has
correctly observed, a reviewing court engaged in determining whether an award of punitive
damages is excessive should ‘accord substantial deference’ to legislative judgments concerning
appropriate sanctions for the conduct at issue. In Haslip 499 U.S., at 23, the Court noted
that although the exemplary award was ‘much in excess of the fine that could be imposed,
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 89

Do que se conclui que, se o intuito fosse punir o ofensor, ainda que sem
previsão legal, qualquer condenação excessiva (como caráter de desestímulo)
só poderia ser devida ao Estado, e não ao particular ofendido, pois só o
Estado é legitimado para aplicar pena , portanto qualquer condenação
pecuniária que pretendesse desestimular a reincidência da prática de danos
morais só poderia ser devida ao próprio Estado.
E conclui o magistrado norte-americano:
Além disso, nós naturalmente aceitamos o ponto de
vista da Corte do Alabama de que o interesse do Esta-
do em proteger seus cidadãos das práticas intoleráveis
de comércio justifica uma sanção adicional além à repa-
ração dos danos materiais. Nós não podemos, entre-
tanto, aceitar a conclusão da Corte Suprema do Alabama
de que a conduta da BMW era suficientemente intole-
rável para justificar uma sanção que fosse equivalente a
uma penalidade criminal severa. (...)
O julgamento é invertido, e o caso adiado para procedi-
mentos adicionais não incompatível com esta decisão. (ver-
são livre dos autores)13

Em vista disso, diante das várias razões acima, entendemos que o


modo como se quer aplicar aqui o instituto dos punitive damages, presente
no sistema norte-americano, é desregrado e incompatível com as atuais nor-
mas brasileiras, podendo levar a conseqüências desastrosas para o sistema
jurídico.
O perigoso caminho do caráter punitivo do dano moral poderá levar a
duas conseqüências de plano verificáveis: (I) a banalização do instituto do
dano moral; e (II) com o aumento da freqüência de indenizações altas, as
empresas começarão a tomar providências para o caso de uma possível

imprisonment was also authorized in the criminal context. In this case the $ 2 million economic
sanction imposed on BMW is substantially greater than the statutory fines available in Alabama
and elsewhere for similar malfeasance. The sanction imposed in this case cannot be justified on
the ground that it was necessary to deter future misconduct without considering whether less
drastic remedies could be expected to achieve that goal. The fact that a multimillion-dollar
penalty prompted a change in policy sheds no light on the question whether a lesser deterrent
would have adequately protected the interest of Alabama consumers. In the absence of a
history of noncompliance with known statutory requirements, there is no basis for assuming
that a more modest sanction would not have been sufficient to motivate full compliance with
the disclosure requirement imposed by the Alabama Supreme Court in this case.”
13
“Moreover, we of course accept the Alabama courts view that the state interest in protecting
its citizens from deceptive trade practices justifies a sanction in addition to the recovery of
compensatory damages. We cannot, however, accept the conclusion of the Alabama Supreme
Court that BMW’s conduct was sufficiently egregious to justify a punitive sanction that is
tantamount to a severe criminal penalty. (...) The Judgement is reversed, and the case
remanded for further proceedings not inconsistent with this opinion.”
90 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

condenação, seja através da contratação de seguros, como ocorre nos EUA,


seja através de provisionamento no faturamento, cujos custos, com toda con-
vicção, serão repassados aos consumidores.
A título de exemplo do que ocorre nos EUA, em que o instituto dos
punitive damages já vem sendo criticado em virtude de casos absurdos, vale
citar dois casos famosos ocorridos por lá:
1) Stella Liebeck vs. McDonalds
Neste caso, que ficou nacionalmente famoso, Stella Liebeck, uma mu-
lher idosa, derramou café após ter colocado o copo entre suas pernas e ten-
tar retirar a tampa plástica enquanto dirigia. Sofreu queimaduras de terceiro
grau em seus pés, virilha e nádegas. Sustentou que seus ferimentos deram-se
por falha do McDonalds, porque serviram o café mais quente do que outros
lugares. Um júri concedeu a Stella Liebeck US$ 2,9 milhões.
2) Diana Du Bois vs. Edifício 53 East 75th Street
A autora residia em um apartamento alugado no quarto andar de um
edifício em que sete unidades estavam sendo reformadas. A autora alegou
que o réu (proprietário) fez com que tivesse aflição emocional por ser incapaz
de viver normalmente em sua própria casa. O réu argumentou que os proble-
mas, tais como o ruído e a poeira, eram conseqüências inevitáveis da cons-
trução em outros apartamentos no edifício, que estavam sendo reformados.
O réu ofereceu US$ 50.000 e a devolução do apartamento. A autora pediu ao
júri US$ 930.000. O júri concedeu US$ 700.000, dos quais US$ 200.000 eram
compensatórios e US$ 500.000 como punição ao réu.

9. CONCLUSÃO

A compensação por danos morais não pode ter como fim causar mal
(retribuição) e tampouco prevenir outros ilícitos. Sua finalidade exclusiva deve
ser a exata medida da compensação do dano, proporcionando-se bem que
atenue o sofrimento experimentado. Nisto não há qualquer punição. A inter-
pretação não pode ser diversa, em que pese o argumento da mais gabaritada
doutrina. Punir pelo arbitramento judicial é conferir poderes ao Judiciário
sem autorização legal. É ferir direitos e garantias individuais; é a própria
negação do Estado Democrático de Direito.
Gostaríamos aqui de firmar nossa posição como bem o fez nosso ilus-
tre mestre, o Professor José Ignácio Botelho de Mesquita, para quem “nem é
preciso ir tão longe, pois é intuitivo que, em matéria civil, não cabe ao juiz,
A FIXAÇÃO DO DANO MORAL E A PENA 91

por sentença, criar multas, que antes não existiam, ou aumentar as que já
existissem”.
Por fim, por serem lapidares as palavras do Juiz Breyer da Suprema
Corte dos Estados Unidos no mesmo recurso ante citado, entendemos que
sua conclusão é irretocável, razão pela qual transcreveremos abaixo suas
palavras:
Esta preocupação constitucional, presente na Magna Car-
ta, surge da injustiça de privar os cidadãos da vida, da
liberdade, ou da propriedade, com a aplicação, não da lei e
de devidos processos legais, mas da coerção arbitrária.
Requerendo a aplicação da lei, ao invés de um capricho do
julgador, tem-se mais do que simplesmente fazer que os
cidadãos observem as medidas que podem sujeitá-los à
punição; ajuda também a assegurar o tratamento unifor-
me das pessoas, que é a essência da própria lei. - versão
livre dos próprios autores.14

14
“This constitutional concern, itself harkening back to the Magna Carta, arises out of the basic
unfairness of depriving citizens of life, liberty, or property, through the application, not of
law and legal processes, but, of arbitrary coercion. Requiring the application of law, rather
than a decision maker’s caprice, does more than simply provide citizens notice of what
actions may subject them to punishment, it also helps to assure the uniform general treatment
of similarly situated persons that is the essence of law itself.”
RESPONSABILIDADE PESSOAL
DO AGENTE PÚBLICO POR DANOS AO
CONTRIBUINTE

HUGO DE BRITO MACHADO


Juiz aposentado do TRF da 5ª Região. Professor Titular de
Direito Tributário da UFC. Presidente do Instituto Cearense
de Estudos Tributários.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. O dano indenizável: 2.1. O direito à


indenização; 2.2. O dano e suas espécies; 2.3. Dano simplesmente
moral, ou dano moral puro; 2.4. Dano moral com repercussão
econômica; 2.5. Lucro cessante; 2.6. Distinção entre lucro cessante e
repercussão econômica do dano moral; 2.7. Danos decorrentes de
execução fiscal injusta - 3. A responsabilidade do Estado: 3.1. Nas
Constituições anteriores; 3.2. Na Constituição de 1988 - 4. A
responsabilidade pessoal do agente público: 4.1. O agente público:
4.1.1. Os agentes políticos; 4.1.2. Agentes administrativos - 4.2. O
dever e a responsabilidade; 4.3. A responsabilidade e a sanção; 4.4.
Responsabilidades do agente político; 4.5. Responsabilidade do
magistrado; 4.6. Responsabilidade do agente fiscal - 5. As vantagens
da responsabilidade pessoal: 5.1. Insuficiência da responsabilidade
do ente público; 5.2. O efeito preventivo; 5.3. Efeito na harmonia
entre os poderes; 5.4. Efeito moralizador - 6. Questão da insegurança
jurídica: 6.1. Como argumento do agente fiscal; 6.2. Divisão eqüitativa;
6.3. Padronização de comportamentos - 7. Aspectos processuais: 7.1.
As questões suscitadas; 7.2. A denunciação da lide; 7.3. Ação contra
o agente público e contra o Estado; 7.4. Ação apenas contra o Estado
- 8. Conclusões.
94 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

1. INTRODUÇÃO

Tem sido freqüente a referência de empresários a atos de arbitrariedade


do fisco, praticados em circunstâncias várias e por várias razões, muitas vezes
inconfessáveis. Quem vivencia a relação tributária sabe muito bem que ela,
embora teoricamente seja uma relação jurídica, na prática é hoje muito mais
uma relação de poder, na medida em que os direitos fundamentais do contri-
buinte são pública e flagrantemente desrespeitados pelas autoridades fazendárias.
Basta citarmos as ameaças públicas de cancelamento do CPF de contribuintes
omissos,1 e as humilhações sofridas por quantos buscam as repartições
fazendárias para solucionar problemas surgidos na relação tributária.
O dever de pagar tributo, na atualidade, certamente integra o feixe de
relações jurídicas que se pode denominar o estatuto do cidadão. Embora nem
sempre tenha sido assim, pagar tributo é atualmente um dever fundamental
do cidadão. Há mesmo quem diga que o tributo é o preço da cidadania.
Ocorre que o desrespeito, pelas autoridades fazendárias, aos direitos do con-
tribuinte, deteriora o sentimento da cidadania e a própria crença no Direito
como instrumento de regulação das relações sociais. Tendo a toda hora os
seus direitos fundamentais desrespeitados pelo fisco, sente-se o contribuinte
moralmente desobrigado de cumprir a lei, que somente contra ele se mostra
eficaz. A violência ao Direito, praticada constantemente pela parte poderosa
na relação tributária, faz crescer no contribuinte a idéia de que as leis são
apenas um instrumento da força, desprovido de todo e qualquer fundamento
moral, porque os deveres morais são sempre bilaterais e assim, nas relações
fundadas na moral, quando uma parte não cumpre os seus deveres nada
pode exigir da outra.2
As autoridades da Administração Tributária certamente consideram ne-
cessárias certas práticas autoritárias, e mesmo arbitrárias, em face da sonega-
ção praticada pelos contribuintes. Tais práticas seriam justificáveis como instru-
mento de defesa do Erário. Ocorre que o Estado tem meios para coibi-las sem

1
O contribuinte que deixa de cumprir um dever legal submete-se à multa correspondente. A
inscrição no cadastro respectivo é a identidade do contribuinte, colocada hoje como condição
para o exercício de inúmeros direitos do cidadão na sociedade. O inscrever-se, antes de ser um
direito, é um dever. Quem o cumpriu, inscrevendo-se, não pode ser colocado na clandestinidade.
Salvo quando comprovada a falsidade da inscrição, em nenhuma outra hipótese pode ser esta
cancelada pela autoridade. O cancelamento de inscrições dos que não apresentaram a
denominada declaração de isento é um ato covarde, repleto de arbítrio, praticado contra pessoas
indefesas, a pretexto de colher na imensidão de pobres inocentes alguns poucos espertos que
estariam burlando a Fazenda Pública.
2
Dizem que o único dever moral sem contraprestação é o dever dos pais para com os filhos.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 95

violar as leis, não se justificando, portanto, em nenhuma hipótese, que alimente


o círculo vicioso da ilegalidade.
Não se pode negar a existência de sonegação, nem muito menos a
necessidade de defender-se o Erário contra as práticas evasivas do contribuin-
te. Mas não é razoável admitir-se que a defesa do Erário se faça mediante
práticas arbitrárias, pois estas produzem evidente e progressivo desgaste da
relação fisco-contribuinte. Desgaste que não pode ser superado pela intimida-
ção, hoje consubstanciada na definição do ilícito tributário como crime, com a
conseqüente e permanente ameaça de pena prisional.
A defesa do Erário há de dar-se, em primeiro lugar, mediante a edição
de leis justas e também noutros aspectos obedientes à Constituição. E em
segundo lugar, mediante um trabalho de fiscalização mais efetivo e compe-
tente, capaz de detectar as práticas evasivas e punir os infratores. Não ape-
nas os pequenos, mas também os grandes, pois a punição destes funciona
como exemplo capaz de exercer incomensurável influência positiva.
A lei justa e em todos os aspectos obediente à Constituição permite
que a relação tributária se desenvolva em clima de respeito mútuo das par-
tes nela envolvidas. E para ser justa a lei deve colocar as partes, fisco e
contribuinte, em posição de equilíbrio. Aliás, essa posição de igualdade che-
ga a ser mesmo da própria essência do Direito, posto que, como ensina
Arnaldo Vasconcelos,
tendo sido o Direito chamado a realizar a compartição das
liberdades, a fim de possibilitar-lhe a convivência, nunca
se poderia admitir que a parcela atribuída a um fosse
maior ou melhor do que a parte destinada ao outro. A
intervenção do Direito só se deu para que a compartição
obedecesse ao princípio da igualdade dos homens. Não
fosse assim, seria inteiramente prescindível.3

É lamentável que essa posição de igualdade, mesmo teoricamente,


ainda esteja longe de ser alcançada na relação tributária, que ainda é muito
mais uma relação de poder. Basta ver-se que a lei tributária comina penali-
dades para a violação de seus dispositivos, pelo contribuinte, mas em geral não
comina penalidades para as violações dos direitos do contribuinte, praticadas
pelos agentes e pelas autoridades da Administração Tributária. Estabelece pe-
nas pecuniárias para a não prestação, pelo contribuinte, de suas obrigações
tributárias, principal e acessória, mas no âmbito administrativo ou cível não

3
VASCONCELOS, Arnaldo. Direito, Humanismo e Democracia. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 23.
96 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

estabelece nenhuma sanção para o agente público que exige do contribuinte,


indevidamente, a prestação de qualquer de suas obrigações.
É exatamente por isto que se impõe ao jurista a busca de soluções
capazes de viabilizar o aperfeiçoamento da relação tributária, tornando-a uma
relação efetivamente jurídica. Enquanto os detentores do poder político não
promovem a edição de leis que regulem mais adequadamente a atuação das
autoridades da administração tributária, fazendo-as responsáveis pessoal-
mente pelos ilícitos que eventualmente cometam, cabe ao jurista buscar no
ordenamento um caminho para o equilíbrio das partes e o conseqüente aper-
feiçoamento da relação de tributação, com vantagens para o cidadão e para a
Fazenda Pública.
Temos sustentado que um desses caminhos é a responsabilização pes-
soal do agente público pelos danos por ele causados ao contribuinte, em
decorrência de práticas ilegais no trato da relação tributária. Responsabiliza-
ção que, não obstante respeitáveis opiniões em contrário, pode dar-se em
face da Constituição e das leis vigentes, como se vai neste pequeno estudo
demonstrar.

2. O DANO INDENIZÁVEL

2.1. O Direito à Indenização

Estabelece a lei as penalidades para os cometimentos ilícitos pratica-


dos pelo contribuinte na relação tributária, e nenhuma penalidade estabelece
para a Fazenda Pública para os casos de cometimentos ilícitos por esta prati-
cados na mesma relação. Isto não quer dizer que não exista sanção para o
ilícito cometido pela Fazenda Pública. Tal sanção consiste precisamente na
indenização pelo dano resultante do cometimento ilícito.
O direito à indenização decorre da conduta ilícita da Fazenda Pública,
lesiva do patrimônio, moral ou material, do contribuinte. Como qualquer ou-
tra pessoa, o contribuinte tem direito a que a Fazenda Pública seja obediente
às leis na relação de tributação. Em outras palavras, tem direito a que a
Fazenda Pública não adote na vivência da relação tributária nenhum compor-
tamento contrário ao direito. Se adota, e se daquele comportamento ilícito
seu decorre qualquer dano para o contribuinte, tem este o direito à indeniza-
ção correspondente.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 97

2.2. O Dano e Suas Espécies

A palavra dano designa prejuízo, ou detrimento. Geralmente tem sentido


econômico, ou patrimonial. “A noção patrimonialista de dano teve notáveis in-
fluências do direito romano, merecendo destaque a definição atribuída ao
jurisconsulto Paulo, que reduz o dano a uma equação de diminuição patrimonial.”4
Mas o dano pode atingir elementos não patrimoniais, elementos da personali-
dade que não são expressos em dinheiro, e neste caso geralmente vem qualifi-
cada pelo adjetivo moral.
A expressão dano moral é empregada quase sempre para designar os
prejuízos ou detrimentos ditos não patrimoniais. Há, aliás, quem prefira, em
vez de dano moral, a expressão dano extrapatrimonial.5 Mais adequada em
certo aspecto, posto que a palavra moral parece menos abrangente do que a
palavra extrapatrimonial. Entretanto, leva a uma outra questão terminológica,
qual seja a de saber o significado da palavra patrimônio, que pode ser empre-
gada em sentido restrito, para designar o conjunto de bens de valor econômi-
co, ou em sentido amplo, para designar o conjunto de todos os bens e direi-
tos, sejam ou não de conteúdo econômico.
É comum, aliás, o uso da expressão patrimônio moral, que de certo
modo invalida a distinção entre o que seja patrimonial, e extrapatrimonial. As-
sim, certos de que nesta, como nas questões jurídicas em geral, não se conse-
gue palavras e expressões incontroversas, preferimos a expressão dano moral,
à qual atribuímos um sentido amplo, sem prejuízo do emprego de qualificativos
destinados a lhe restringir o alcance, quando for o caso.
O dano moral consiste em um detrimento, uma agressão, a elementos
relacionados a uma pessoa, física ou jurídica, que não afeta imediatamente o
patrimônio da vítima, considerado este como o conjunto de bens de valor
econômico, e que, em se tratando de pessoas jurídicas, geralmente é objeto
de registros e demonstrações contábeis. O dano moral pode afetar o patrimônio
de forma indireta ou futura, e pode até não afetá-lo. Quando afeta, diz-se que
há dano moral com repercussão econômica, e quando não afeta diz-se que há
dano moral puro, ou dano simplesmente moral.
A idéia de dano moral, todavia, não se limita à questão de honra.
Abrange aspectos físicos, especialmente em se tratando de pessoas naturais,

4
TASCA, Flori Antonio. Responsabilidade civil - dano extrapatrimonial por abalo de crédito.
Curitiba: Juruá, 1998. p. 49.
5
Cf. TASCA, Flori Antonio. Responsabilidade civil - dano extrapatrimonial por abalo de crédito.
Curitiba: Juruá, 1998.
98 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

que nada dizem com a honra, ou honorabilidade, mas simplesmente com a


estética, ou beleza. Muitos, então, referem-se ao dano estético, como algo
diverso do dano moral. Preferimos, porém, considerá-lo incluído no conceito
de dano moral, mesmo sem desconhecer que em certos casos a distinção
pode ser relevante.
Para o adequado exame da questão de saber se a pessoa jurídica pode
sofrer dano moral, e se o imposto de renda incide sobre a indenização acaso
devida, relevante é a distinção entre dano moral com repercussão econômi-
ca, e dano moral puro, bem como a distinção entre dano moral e lucro cessante.

2.3. Dano Simplesmente Moral, ou Dano Moral Puro

O dano moral é sempre de natureza subjetiva. Afeta sempre elementos


imateriais que embora possam ter valor econômico não são objetivamente
avaliáveis. Pode ter, e pode não ter repercussão econômica. Quando não
tem, diz-se que se trata de um dano simplesmente moral, ou dano moral
puro.
Distingue-se do dano moral com repercussão econômica porque não
implica diminuição do patrimônio da vítima, nem atual nem futura. Afeta so-
mente o patrimônio moral, a honra, o bom nome, o conceito de que a vítima
desfruta no meio social em que vive. Atinge apenas sentimentos.
Dizer-se que se trata de dano simplesmente moral, ou dano moral
puro, depende das circunstâncias de cada caso concreto. Uma ofensa que em
determinadas circunstâncias pode ser simplesmente moral, em outras pode
ter repercussão econômica negativa, e em certos casos, excepcionalmente,
até pode ter repercussão econômica positiva.
Seja como for, importante é a certeza de que ocorrendo o dano, ainda
que simplesmente moral, há direito à indenização.6

2.4. Dano Moral com Repercussão Econômica

O dano moral pode ter e pode não ter repercussão econômica. Mesmo
quando tenha tal repercussão, todavia, não se confunde com o denominado
lucro cessante, como adiante será explicado. Tem caráter subjetivo, e a re-

6
Constituição Federal, art. 5º, incisos V e X.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 99

percussão econômica é uma potencialidade, que não se confunde com o pró-


prio dano.
Assim, se alguém publica um fato que evidencia a falta de higiene de
um hospital, ou de um restaurante, tal publicação pode ferir o bom nome, o
bom conceito, e por isso mesmo constituir um dano moral de que é vítima a
pessoa, física ou jurídica, proprietária do hospital, ou do restaurante. É pro-
vável que algumas pessoas deixem de ir ao hospital, ou ao restaurante, em
conseqüência da referida publicação. Trata-se, pois, de um dano moral com
repercussão econômica, que é sempre presumida em face das circunstâncias
qualificadoras do dano moral e de sua vítima.
Se alguém noticia prática desonesta de um determinado profissional, a
notícia pode consubstanciar um dano moral de que é vítima o referido profis-
sional. Dano moral que pode ter, ou não ter, repercussão econômica negativa,
e em certos casos pode ter até repercussão econômica positiva. Se a notícia
mostra o profissional de modo indesejável para sua clientela, certamente
poderá ter repercussão econômica negativa, mas pode ocorrer que uma notí-
cia, não obstante moralmente negativa, aumente a clientela do profissional.7
É clara, portanto, a diferença entre o dano moral e sua repercussão econômica.
Diferença também existe entre o dano patrimonial, ou econômico, e o
dano moral com repercussão econômica. No primeiro, a diminuição do valor
econômico do patrimônio é atual e pode ser demonstrada, enquanto no se-
gundo é futura e há de ser presumida.
Há quem se refira a dano material como sinônimo de dano econômico,
ou patrimonial, e a dano moral como sinônimo de dano imaterial. Pode pare-
cer que o dano material é aquele que atinge um bem de existência física,
enquanto o dano moral seria aquele que atinge os bens de existência imaterial.
Também aqui a questão da terminologia pode causar dificuldades. Na verda-
de existem bens imateriais com valor patrimonial ou econômico, como o nome
comercial, a marca de fábrica, o bom conceito de um profissional, entre ou-
tros, e o dano a esses bens certamente é um dano imaterial, se por
materialidade entendermos a existência física. Não é a materialidade do bem,
no sentido de sua existência física, de sua corporalidade, que importa, mas
ter ou não ter o bem uma expressão econômica.

7
Uma notícia que aponte um advogado como pessoa de grande habilidade para ganhar causas
perdidas, porque lida muito bem com armas escusas, pode ser moralmente detrimentosa,
mas trazer-lhe um aumento de clientela.
100 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

2.5. Lucro Cessante

O denominado lucro cessante é também uma espécie de dano, que con-


siste na privação de um aumento patrimonial esperado em razão do patrimônio
ou da atividade de quem dele é vítima. O taxista que tem o seu automóvel
abalroado, ou de qualquer outra forma danificado, e por isto deixa de trabalhar
durante algum tempo, deixa de auferir a remuneração pelos serviços que ficou
impedido de prestar. Sofre, assim, dois tipos de perdas, o prejuízo material,
correspondente ao valor dos reparos de que o veículo necessita para voltar a
ser utilizado, e o lucro cessante, consubstanciado no valor dos serviços que
deixou de prestar durante o tempo em que o veículo teve de ficar parado para
a realização dos reparos.
Inúmeras são as situações nas quais se pode caracterizar o lucro
cessante. Basta que se tenha a possibilidade efetiva, em virtude do desempe-
nho de uma atividade econômica, de obter incrementos patrimoniais, e estes
deixem de ocorrer em virtude da ação de outrem.
Diversamente da repercussão econômica do dano moral, que em mui-
tos casos é presumida, como acima se disse, o lucro cessante tem caráter
objetivo e carece de demonstração. É sempre quantificável, ainda que não se
exija nessa quantificação uma exatidão matemática.
Como contabilista, participamos de uma comissão que apurou o lucro
cessante de uma indústria, cujas máquinas foram danificadas em virtude da
queda de um avião da FAB. Não participamos da determinação dos danos
materiais, ocorridos nas edificações e nas máquinas e equipamentos, que foi
efetuada por uma equipe de engenheiros e economistas. Fizemos apenas a
apuração do lucro cessante. Verificamos qual era o volume da produção diá-
ria daquela indústria e a margem de lucro líquido que a mesma auferia sobre
os seus produtos. Com esses dados, e considerado o número de dias que a
empresa deixou de funcionar até que fossem feitos os reparos em suas má-
quinas e equipamentos, indicamos o valor do lucro cessante.

2.6. Distinção entre Lucro Cessante e Repercussão


Econômica do Dano Moral

Embora seja sutil, é inegável a distinção que há entre lucro cessante e


repercussão econômica do dano moral. O lucro cessante está ligado a um
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 101

dano patrimonial,8 do qual decorre a privação dos meios para produção do


lucro, ou a essa privação, ainda que não decorrente de qualquer tipo de dano,
seja patrimonial ou moral. Caracteriza-se, em qualquer hipótese, por sua
objetividade. E em conseqüência, pela possibilidade de seu dimensionamento
econômico. É sempre uma decorrência certa da privação dos meios de produ-
ção do lucro. Privação que pode decorrer de um dano patrimonial, como
acontece ao taxista que tem o seu automóvel abalroado e por isto fica sem
poder utilizado enquanto está na oficina para reparos. Ou pode decorrer de
um ilícito qualquer, que não consubstancia por si mesmo um dano patrimonial,
como acontece com o taxista que tem o seu automóvel ilegalmente apreendi-
do por uma autoridade do Departamento de Trânsito.
A repercussão econômica do dano moral, por seu turno, está sempre
ligada a um dano moral. Dano que é subjetivo e, em conseqüência, de
dimensionamento econômico impossível. É sempre uma decorrência apenas
provável, embora tal probabilidade seja de tal ordem que afasta a necessida-
de de prova, autorizando a presunção da ocorrência. A repercussão econômi-
ca do dano moral presume-se em virtude das circunstâncias. É induvidosa
mas não pode ser quantificada. Melhor dizendo, a sua quantificação é impra-
ticável.

2.7. Danos Decorrentes de Execução Fiscal Injusta

Os danos a cuja indenização o contribuinte tem direito podem decorrer


dos mais diversos comportamentos do fisco na relação de tributação. Não se
pode admitir que o fisco, porque tem o direito ao tributo, esteja na cobrança
deste agindo sempre licitamente. O tributo é devido nos termos da lei, e há
de ser cobrado pelos meios por lei estabelecidos.
Quando o fisco adota formas oblíquas de cobrança, mediante o que
temos denominado sanções políticas,9 pode estar provocando danos pelos
quais assume inteira responsabilidade. E pode estar provocando danos mes-
mo quando realiza a cobrança do tributo através do meio próprio, que é a

8
Poder-se-ia dizer que o lucro cessante é, em si mesmo, um dano patrimonial. Penso, porém,
que é mais adequado considerar dano patrimonial apenas aquele que afeta o patrimônio
presente, não o patrimônio vindouro, em formação, porque preferimos distinguir patrimônio
de renda, considerando patrimônio a riqueza vista em sua realidade atual, estática, e renda
a riqueza em sua formação, como expressão dinâmica.
9
Sobre as sanções políticas, veja-se nosso texto na Revista Dialética de Direito Tributário,
n. 30, p. 46.
102 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

execução fiscal, pois esse meio pressupõe a existência efetiva de crédito líquido
e certo, de sorte que se é utilizado abusivamente pode esse abuso implicar
dano indenizável.
No dizer autorizado de Liebman,
Quis-se favorecer a posição do credor reconhecendo a
probabilidade da existência a proteção que só deveria
corresponder à absoluta certeza de sua existência: essa
arma, que se lhe põe entre mãos, não encontra paralelo
em nenhum outro instituto do direito moderno. É imperio-
so, por conseqüência, estimular-lhe o senso de responsa-
bilidade, deixando-lhe a cargo o dano eventualmente pro-
vocado por sua imprudência ou impulsividade. Nem de
outra forma se lhe pode qualificar a conduta, se o crédito
não existir, porque esta é uma circunstância que o credor
bem dificilmente ignora, e, no caso de incerteza, não lhe
falece o modo de procurar seguro conhecimento das coi-
sas antes de deitar mão sobre o patrimônio do devedor.
Só a plena responsabilidade pelos danos ocasionados por
qualquer espécie de execução injustificada pode compen-
sar o favor dispensado à rapidez de realização do crédito e
impedir que ela se converta em insuportável injustiça.10

Pelos danos que de ilícitos praticados pelo fisco decorram para o con-
tribuinte responde, em princípio, o Estado, como se passa a demonstrar.

3. A RESPONSABILIDADE DO ESTADO

3.1. Nas Constituições Anteriores

Na Constituição de 1824 está prevista a responsabilidade pessoal dos


empregados públicos, pelos abusos e omissões praticadas no exercício das
suas funções, e por não fazerem efetivamente responsáveis aos seus subal-
ternos. É explicitamente assegurado o direito de petição a qualquer cidadão
que pretenda fazer valer tal responsabilidade.11
Na Constituição de 1891 também está previsto que os funcionários
públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que in-
correrem no exercício de seus cargos, assim como indulgência, ou negligên-
cia em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.12

10
LIEBMAN, Enrico Tullio. Embargos do executado. Tradução J. Guimarães Manegale, 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 1968. p. 243.
11
Constituição de 1824, art. 179, incisos XXIX e XXX.
12
Constituição de 1891, art. 82.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 103

A Constituição de 1934 estabelecia:


Art. 171. Os funcionários públicos são responsáveis soli-
dariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Muni-
cipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligên-
cia, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.
§ 1º Na ação proposta contra a Fazenda Pública, e funda-
da em lesão praticada por funcionário, este será sempre
citado como litisconsorte.
§ 2º Executada sentença contra a Fazenda Pública, esta
promoverá execução contra o funcionário culpado.

A Constituição de 1937 também estabelecia que os funcionários públi-


cos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou
Municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou
abuso no exercício dos seus cargos.13
A Constituição de 1946, por seu turno, estabeleceu que as pessoas
jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos
que os seus funcionários, nessa qualidade, causarem a terceiro. E ainda que
lhes caberá ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando
tiver havido culpa destes.14
A Constituição de 1967 reproduziu com ligeiras diferenças redacionais
a norma albergada pela Constituição de 1946.15 Referiu-se, ao tratar da ação
regressiva contra o funcionário, aos casos de culpa ou dolo. Mera explicitação,
porque também à luz da Constituição de 1946 é evidente a existência de
responsabilidade do funcionário nos casos de dolo.
A Constituição de 1969 também reproduziu a mesma norma, consa-
grando a responsabilidade objetiva do ente público e a responsabilidade sub-
jetiva do servidor.16
Como se vê, todas as Constituições Brasileiras anteriores a 1988 con-
sagraram a responsabilidade civil por danos causados ao cidadão no exercí-
cio da atividade pública, embora se possa dizer que em face das duas primei-
ras, a de 1824 e a de 1891, havia responsabilidade apenas do funcionário. O
Estado seria irresponsável.

13
Constituição de 1937, art. 158.
14
Constituição de 1946, art. 194 e seu parágrafo único.
15
Constituição de 1967, art. 105 e seu parágrafo único.
16
Constituição de 1969, art. 197 e seu parágrafo único.
104 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

3.2. Na Constituição de 1988

A vigente Constituição Federal, reproduzindo e explicitando norma con-


sagrada a partir da Constituição de 1946, estabelece que as pessoas jurídicas
de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público res-
ponderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a tercei-
ros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo
ou culpa.17
Não há dúvida, portanto, de que a Fazenda Pública, seja a federal, a
estadual ou a municipal, tem responsabilidade objetiva pelos danos que os
seus agentes causarem aos contribuintes. E não há dúvida também de que
estes são responsáveis por tais danos quando agirem com culpa, ou dolo.
Não apenas os agentes fiscais, funcionários públicos, mas todos os agentes
públicos.
Resta apenas saber se a responsabilidade pessoal do agente público,
nos casos de culpa ou dolo, pode ser cobrada diretamente pela vítima do
dano, ou se somente a Fazenda Pública, uma vez condenada a indenizar,
pode acionar o seu agente regressivamente.
É o que vamos a seguir examinar.

4. A RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO

4.1. O Agente Público

Com a expressão agente público designamos todas as pessoas que


agem corporificando o Estado. Como assevera Lúcia Valle Figueiredo, com
apoio em Celso Antônio Bandeira de Melo e em doutrinadores estrangeiros, o
conceito de agente público é bem mais amplo que o de funcionário público,
pois nele estão incluídos, além dos funcionários públicos, os agentes políticos
e os particulares que atuam em colaboração com a Administração Pública,
inclusive os contratados temporariamente.18
No que importa especialmente ao presente estudo, temos que a ex-
pressão abrange os agentes políticos e os agentes administrativos ou servi-
dores públicos em sentido estrito, sendo relevante a distinção entre essas

17
Constituição Federal de 1988, art. 37, § 6º.
18
Cf. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros,
2001. p. 263.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 105

duas categorias de agentes públicos em razão das condições em que se ca-


racteriza a responsabilidade civil dos integrantes de cada uma delas.

4.1.1. Os agentes políticos

Integram a categoria dos agentes políticos as pessoas que atuam em


nome do Estado, como governantes, sem os vínculos ordinários de subordi-
nação hierárquica. Sobre essa categoria de agentes públicos escreveu Hely
Lopes Meirelles:
Os agentes políticos exercem funções governamentais,
judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, con-
duzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com
independência nos assuntos de sua competência. São as
autoridades públicas supremas do Governo e da Adminis-
tração na área de sua atuação, pois não são hierarquizadas,
sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e
legais de jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm
plena liberdade funcional, equiparável à independência dos
juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo
de responsabilidade civil por seus eventuais erros de atua-
ção, a menos que tenham agido com culpa grosseira,
má-fé ou abuso de poder.
[...]
Nesta categoria encontram-se os Chefes de Executivo (Pre-
sidente da República, Governadores e Prefeitos) e seus
auxiliares imediatos (Ministros e Secretários de Estado e
de Município); os membros das Corporações Legislativas
(Senadores, Deputados e Vereadores); membros do Poder
Judiciário (Magistrados em geral); os membros do Minis-
tério Público (Procuradores da República e da Justiça, Pro-
motores e Curadores Públicos); os membros dos Tribunais
de Contas (Ministros e Conselheiros); os representantes
diplomáticos e demais autoridades que atuem com inde-
pendência funcional no desempenho de atribuições go-
vernamentais, judiciais ou quase-judiciais, estranhas ao
quadro do servidor público.19

19
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
p. 73-74.
106 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

4.1.2. Agentes administrativos

São também agentes públicos os agentes administrativos, categoria in-


tegrada pelos servidores públicos que não se qualificam como membros dos
poderes do Estado, nem o representam. Sobre essa categoria de agentes públi-
cos escreveu Hely Lopes Meirelles:
Os agentes administrativos não são membros de Poder
de Estado, nem o representam, nem exercem atribui-
ções políticas ou governamentais; são unicamente ser-
vidores públicos, com maior ou menor hierarquia, encar-
gos e responsabilidades profissionais dentro do órgão
ou entidade a que servem, conforme o cargo ou a fun-
ção que estejam investidos. De acordo com a posição
hierárquica que ocupam e as funções que lhes são co-
metidas, recebem a correspondente parcela de autori-
dade pública para o seu desempenho no plano adminis-
trativo, sem qualquer poder político. Suas atribuições
de chefia, planejamento, assessoramento ou execução,
permanecem no âmbito das habilitações profissionais
postas remuneradamente a serviço da Administração.
Daí por que tais agentes respondem sempre por sim-
ples culpa pelas lesões que causem à Administração ou
a terceiros no exercício de suas funções ou a pretexto
de exercê-las, visto que os atos profissionais exigem
perícia técnica e perfeição de ofício.20

4.2. O Dever e a Responsabilidade

É importante termos em mente que o dever e a responsabilidade, embo-


ra ordinariamente estejam ligados, são coisas distintas. A distinção, quase im-
perceptível no mais das vezes, é importante para justificar-se a necessidade da
sanção jurídica como elemento que contribui para a eficácia das normas. O
dever situa-se no âmbito da liberdade humana. Cada um decide se cumpre, ou
não cumpre o seu dever. A responsabilidade é um estado de sujeição. Quem é
responsável está sujeito a alguma conseqüência quando deixa de cumprir o seu
dever.
Ninguém nega que o agente público tem deveres, mas há quem esta-
beleça sérias limitações à responsabilidade, pelo menos daqueles que inte-
gram a categoria dos agentes políticos. Hely Lopes Meirelles, por exemplo,
minimiza a responsabilidade dos agentes políticos, doutrinando:

20
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
p. 74-75.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 107

Realmente, a situação dos que governam e decidem é


bem diversa da dos que simplesmente administram e
executam encargos técnicos e profissionais, sem res-
ponsabilidade de decisão e de opções políticas. Daí por-
que os agentes políticos precisam de ampla liberdade
funcional e maior resguardo para o desempenho de suas
funções. As prerrogativas que se concedem aos agen-
tes políticos não são privilégios pessoais; são garantias
necessárias ao pleno exercício de suas altas e comple-
xas funções governamentais e decisórias. Sem essas
prerrogativas funcionais os agentes políticos ficariam
tolhidos na sua liberdade de opção e de decisão, ante o
temor de responsabilidade pelos padrões comuns da
culpa civil e do erro técnico a que ficam sujeitos os fun-
cionários profissionalizados.21

Não se pode negar, é certo, que os agentes políticos, em muitas situa-


ções, devem desfrutar de maior liberdade de decisão e, conseqüentemente, a
responsabilidade dos mesmos deve ser aferida por padrões diferentes daque-
les que orientam a aferição da responsabilidade civil dos servidores públicos.
Não existe, todavia, uma linha divisória separando a responsabilidade dos
agentes políticos da responsabilidade dos agentes administrativos. Nem nos
parece que a distinção deva ser estabelecida simplesmente em razão da qua-
lidade do agente, sem levar em consideração o caso concreto em que a res-
ponsabilidade deva ser apurada.
Realmente, na maioria dos casos o agente político decide politicamen-
te, vale dizer, decide em situações para as quais a decisão não significa o
cumprimento nem o descumprimento de normas jurídicas, mas o exercício de
opções políticas. Isto, porém, não significa que o agente político não tenha
em muitos casos de adotar decisões que podem implicar o cumprimento ou o
descumprimento de normas jurídicas às quais deve obediência.
O agente administrativo, por seu turno, na maioria dos casos decide
juridicamente, vale dizer, decide em situações para as quais a decisão signifi-
ca o cumprimento ou o descumprimento de normas jurídicas, porque a Admi-
nistração Pública deve agir em obediência a princípios entre os quais se des-
taca o da legalidade. Mesmo assim, em alguns casos pode o agente adminis-
trativo decidir politicamente, vale dizer, em situações nas quais a decisão não
significa cumprir ou descumprir uma norma, mas simplesmente exercer uma
opção política.

21
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
p. 74.
108 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Não se pode, portanto, afirmar que a responsabilidade do agente político


é sempre diversa da responsabilidade do agente administrativo. O que define a
responsabilidade não é a condição de agente político, ou de agente administra-
tivo, mas a natureza da decisão adotada por um, ou pelo outro. Se a decisão é
jurídica, vale dizer, se implica cumprir ou não cumprir uma norma, haverá sem-
pre responsabilidade subjetiva do agente, seja ele agente político ou agente
administrativo. Se a decisão é política, vale dizer, caracteriza apenas o exercício
de uma opção política, a responsabilidade então resta mitigada, fazendo-se
presente apenas nos casos em que exista desvio ou abuso de poder.
Admitir que o agente político decide sempre politicamente é um equívoco
muito sério, que tem levado muitos agentes políticos ao descumprimento de
normas fundamentais do sistema jurídico, sem se submeterem à sanção cor-
respondente por serem autoridades de escalão superior e, assim, intocáveis.
Essa realidade em que o Direito se revela ineficaz já fez com que o Ministro
Marco Aurélio de Farias Mello, Presidente do STF, em debate no site UOL,
reconhecendo não ser possível consertar o Brasil com novas leis, afirmasse
que “precisamos, na verdade, de homens que cumpram as existentes, e isso
engloba aqueles que, nos diversos segmentos, dirigem o País.”22
Os que dirigem o país são exatamente os agentes políticos, e todos
eles têm o dever de cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis do país.
Esse dever fundamental, aliás, é geralmente afirmado solenemente em jura-
mento público no ato da posse dos agentes políticos, de sorte que o
descumprimento desse dever gera, indiscutivelmente, a correspondente res-
ponsabilidade, que é igual à de todos os agentes públicos. E o melhor cami-
nho para fazermos com que os dirigentes do País cumpram as leis é a respon-
sabilidade pessoal destes pelos danos que eventualmente causam aos parti-
culares, por seus abusos, inclusive com o descumprimento de decisões judi-
ciais. Responsabilidade civil, porque a experiência tem demonstrado ser
impraticável a efetivação da responsabilidade penal.

4.3. A Responsabilidade e a Sanção

A responsabilidade é o estado de sujeição à sanção. Quem faz uma op-


ção política, sem violação de nenhum dever jurídico, certamente não fica sujei-
to à sanção no plano do Direito, vale dizer, sanção jurídica, embora fique sujeito
à sanção que poderíamos qualificar como de natureza política.23 Não se deve

22
INFORME, publicação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, n. 102, jul./2001. p. 7.
23
A expressão tem aqui sentido diverso daquele com o qual a utilizamos anteriormente. Aqui
quer dizer a sanção eventualmente imposta pelo eleitorado.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 109

afirmar, portanto, a ausência completa de responsabilidade, mas estabelecer a


distinção entre responsabilidade jurídica e responsabilidade política, posto que
à responsabilidade corresponde sempre a sanção. Se o agente atua juridica-
mente, e assim suas decisões implicam cumprir, ou não cumprir normas, sub-
mete-se à sanção jurídica. Se atua politicamente, faz opções políticas, tem
responsabilidade política e submete-se à sanção política, que lhe é aplicada
pelo eleitorado. A natureza da sanção depende da natureza da responsabilida-
de que, por sua vez, depende da natureza do dever descumprido.
Não nos importa aqui o exame da responsabilidade e da correspondente
sanção política. Importa-nos o exame da responsabilidade jurídica e da corres-
pondente sanção.

4.4. Responsabilidades do Agente Político

O agente político tem duas responsabilidades. Tem a responsabilidade


política, que lhe é cobrada pelo eleitorado nas urnas, e tem também a res-
ponsabilidade jurídica, como qualquer pessoa capaz de direitos e obrigações.
Como acima já foi explicado, em muitas situações o agente político
decide politicamente, vale dizer, sua decisão não corresponderá necessaria-
mente ao cumprimento ou ao descumprimento de dever jurídico, podendo
corresponder ao exercício puro e simples de opções políticas. Existem, toda-
via, situações nas quais o agente político decide juridicamente, vale dizer,
cumprindo, ou deixando de cumprir deveres jurídicos.
Nem sempre é fácil estabelecer a fronteira entre o agir político, e o agir
segundo uma norma, explicando-se por isto mesmo a tendência de
doutrinadores que preconizam o abrandamento puro e simples da responsa-
bilidade do agente político. Tomemos o exemplo do magistrado, típico agente
político, talvez de todos eles o que mais necessita de independência quanto a
suas decisões e, conseqüentemente, de uma certa irresponsabilidade.

4.5. Responsabilidade do Magistrado

Diz a lei que, salvo o caso de impropriedade ou excesso de linguagem,


o magistrado não pode ser punido ou prejudicado pelas opiniões que mani-
festar ou pelo teor das decisões que proferir.24

24
Lei Orgânica da Magistratura Nacional, art. 41.
110 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Equivocado, porém, seria extrair daí a conclusão de que o magistrado


não tem responsabilidade. Essa irresponsabilidade diz respeito exclusivamente
ao mérito das opiniões e das decisões que profere na atividade judicante, e se
justifica por, pelo menos, três razões essenciais. Primeira, porque sem ela não
haveria independência no ofício de julgar. Segunda, porque o magistrado é
obrigado a decidir, não lhe sendo lícito omitir ou retardar sua decisão em face
de omissão ou obscuridade da lei, ou de divergências jurisprudenciais, e tercei-
ra, porque suas decisões são sempre proferidas em processos nos quais as
partes exercem ou podem exercer o respectivo controle, mediante a interposição
dos recursos cabíveis.
Dita irresponsabilidade, outrossim, não exclui de nenhum modo os
deveres do magistrado, que estão igualmente previstos em lei, a qual estabe-
lece específicas sanções, a demonstrar que o magistrado realmente não é
irresponsável.25 Nem é absoluta, mesmo no que diz respeito ao mérito das
suas opiniões e decisões, posto que o magistrado responde civilmente por
perdas e danos quando no exercício de suas funções proceder com dolo ou
fraude, e ainda quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, provi-
dência que deva ordenar de ofício ou a requerimento das partes,26 como é o
caso, por exemplo, do seguimento de um recurso.
Assim, em nosso ordenamento jurídico o magistrado não está isento
de responsabilidade civil na hipótese de causar dano ao contribuinte, numa
dessas hipóteses. Embora não seja fácil a demonstração de que agiu com
dolo, tal demonstração em certos casos pode ser feita. Menos problemática
ainda é a demonstração da omissão de providência que deva adotar, como,
por exemplo, a liberação de bens penhorados uma vez extinta a execução.27
No caso dos magistrados, aliás, essa relativa irresponsabilidade é ex-
tremamente nociva ao cidadão que questiona com o Estado, porque infeliz-
mente muitos magistrados estão a merecer a advertência feita por Rui Barbosa
aos bacharéis concludentes de Curso em turma da qual foi paraninfo, no senti-
do de, como juízes que poderiam vir a ser, não adotassem a presunção de que
a Fazenda Pública sempre tem razão. Em suas palavras:
Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença
de achar sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazenda;
por onde os condecora o povo com o título de “fazen-

25
Lei Orgânica da Magistratura Nacional, arts. 35 a 39.
26
Lei Orgânica da Magistratura Nacional, art. 49.
27
Alguns juízes deixam de liberar bens penhorados à consideração de que existem outros débitos,
e aguardam providências da Fazenda Pública para que se proceda nova penhora. O
comportamento é evidentemente arbitrário e pode ensejar a responsabilidade civil do
magistrado.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 111

deiros”. Essa presunção de terem, de ordinário, razão


contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à
Fazenda, ao Governo, ou ao Estado.
Antes, se admissível fosse aí qualquer presunção, havia
de ser em sentido contrário; pois essas entidades são as
mais irresponsáveis, as que mais abundam em meios de
corromper, as que exercem as perseguições administrati-
vas, políticas e policiais, as que, demitindo funcionários
indemissíveis, rasgando contratos solenes, consumando
lesões de toda a ordem (por não serem os perpetradores
de tais atentados os que pagam), acumulam, continua-
mente, sobre o tesouro público terríveis responsabilidades.28

Seja como for, a relativa irresponsabilidade do magistrado compara-se à


do legislador e à do governante, na medida em que exercem atividades políti-
cas, e não pode ser invocada por agentes administrativos, salvo em situações
excepcionais.

4.6. Responsabilidade do Agente Fiscal

Como todo agente público, também o agente fiscal é responsável pes-


soalmente pelos atos ilícitos que praticar no exercício de suas funções, ou a
pretexto de exercê-las. Responsável civil, administrativa e penalmente. Aqui,
porém, estamos nos ocupando apenas da responsabilidade civil da qual decorre
o dever de indenizar os danos eventualmente causados ao contribuinte.
O Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 85.450,
de 04.12.1980, estabelecia:
Art. 650. Serão punidos, com as penas previstas no Esta-
tuto dos Funcionários Públicos Civis da União, os funcioná-
rios da Secretaria da Receita Federal que, por ineficiência,
negligência, omissão ou dolo, no exercício de suas fun-
ções, deixarem de apurar devidamente faltas ou fraudes
cometidas pelos contribuintes em prejuízo da Fazenda
Nacional (Lei nº 2.354/54, art. 7º, 8).
§ 1º A aplicação das penas de que trata este artigo terá lugar,
também, quando o auto ou laudo de exame for julgado im-
procedente, em virtude de propositado abuso de autoridade
ou evidente erro grosseiro, praticado pelo fiscal de tributos
federais (Lei n° 2.354/54, art. 7º, 8, parágrafo único).
§ 2º O servidor que, de má-fé ou sem suficientes elemen-
tos de comprovação, promover lançamento de imposto
indevido, será passível de demissão, sem prejuízo da

28
BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Discursos, Orações e Conferências , São Paulo: Iracema,
1965. p. 225.
112 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

responsabilidade criminal (Lei nº 4.069/62, art. 52 e Lei


nº 4.862/65, art. 50).
§ 3º A falta de autuação de contribuinte incurso em infra-
ção às disposições deste Regulamento configurará a práti-
ca do ilícito de lesão aos cofres públicos, pelo fiscal de
tributos federais responsável (Decreto-Lei nº 1.024/69,
art. 9º).

Como se vê, os dispositivos das leis transcritas naquele Regulamento,


que aliás não foram revogados, ao mesmo tempo em que protegiam a Fazen-
da Nacional contra condutas indevidas de seus agentes fiscais, reconheciam
expressamente a responsabilidade pessoal destes pelos danos que, por dolo
ou culpa, causassem aos contribuintes. Os referidos dispositivos legais, como
se vê, reconheciam a falibilidade humana e assim protegiam igualmente as
partes na relação tributária. Protegiam o fisco cominando pena para as práti-
cas que poderiam eventualmente decorrer da fraqueza dos fiscais que se
deixassem corromper, favoráveis aos contribuintes presumidamente corrup-
tores. Mas protegiam também o contribuinte, contra possíveis represálias de
agentes fiscais corruptos que tivessem recusadas suas pretensões escusas.
Não obstante possam ainda estar em vigor aqueles dispositivos le-
gais, não foram eles, porém, consolidados no vigente Regulamento do Im-
29

posto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999. Isto,


porém, não quer dizer que tenha sido afastada a responsabilidade pessoal do
agente fiscal que age ilicitamente. Barbosa Nogueira afirma que um auto de
infração pode implicar a responsabilização funcional e a reparação civil dos
danos materiais e/ou morais.30

5. AS VANTAGENS DA RESPONSABILIDADE PESSOAL

5.1. Insuficiência da Responsabilidade do Ente Público

Qualquer pessoa que analise as relações entre o Estado e o cidadão há


de concluir que o ente público é contumaz violador da lei. Disso, aliás, é
eloqüente atestado o número cada vez maior de ações ajuizadas contra o
Poder Público, perante um Judiciário que se revela cada dia menor e menos
eficaz no controle da legalidade dos atos da Administração Pública.

29
É de se supor que não foram revogados, porque citados em nota ao art. 9º, do Decreto nº
70.235/72, que regula o processo administrativo fiscal no âmbito federal, por Ippo Watanabe
e Luiz Pigatti Jr., em Processo Fiscal Federal Anotado. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 33.
30
Direito Tributário Atual, Resenha Tributária, São Paulo, v. 11/12, 1992. p. 3161.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 113

Quem exerce atividade direta ou indiretamente ligada à tributação sabe


muito bem que os agentes do fisco geralmente não respeitam os direitos do
contribuinte e tudo fazem para arrecadar mais, ainda que ilegalmente. Pode-se
mesmo afirmar, sem exagero, que na relação tributária quem mais viola a or-
dem jurídica é a Fazenda Pública. Desde as violações mais flagrantes, como a
não devolução de empréstimos compulsórios, e de tributos pagos indevidamen-
te,31 até as violações oblíquas, como as denominadas sanções políticas, que
configuram verdadeiros desvios de finalidade ou abusos de poder.
A responsabilidade objetiva do Estado parece não ser suficiente para
coibir os abusos praticados pelos agentes públicos, “por não serem os
perpetradores de tais atentados os que pagam,” como já advertia Rui Barbosa
em sua oração aos moços.32
A responsabilização pessoal do agente público suprirá, sem dúvida,
essa insuficiência da responsabilidade objetiva do Estado como elemento ini-
bitório de cometimentos ilícitos.

5.2. O Efeito Preventivo

Realmente, é sabido que a indenização por cometimento ilícito tem dupla


finalidade. Uma, a de tornar indene, restabelecer o patrimônio de quem sofreu
o dano. A outra, a de desestimular a conduta ilícita de quem o causou. A res-
ponsabilidade objetiva do Estado por danos ao cidadão pode assegurar
a este a indenização correspondente, e assim fazer com que se efetive a
primeira dessas finalidades da indenização, mas não faz efetiva a segunda,
porque não atua como fator desestimulante da ilegalidade, pois quem a pra-
tica não suporta o ônus da indenização que, sendo paga pelos cofres públi-
cos, recai a final sobre o próprio universo de contribuintes.
Nos dias atuais quem corporifica o Estado age de modo praticamente
irresponsável no que diz respeito aos direitos individuais que eventualmente
lesiona. O agente do fisco, que formula em auto de infração exigência que sabe

31
A Fazenda Pública tem o dever de restituir, de ofício, o tributo que eventualmente lhe seja
pago indevidamente. Na prática, porém, não devolve nem de ofício nem a requerimento do
interessado, dando lugar a uma pletora de ações de repetição do indébito, e mesmo quando
vencida, com sentença transitada em julgado, protela o quanto pode o atendimento dos
correspondentes precatórios, com expedientes que no mais das vezes chegam a ser, além
de descabidos, verdadeiramente ridículos.
32
BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Discursos, Orações e Conferências , São Paulo: Iracema,
1965. p. 225.
114 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

ou deveria saber indevida, não sofre nenhuma conseqüência de seu ato ilícito,
não obstante esteja este legalmente definido como crime de excesso de exação.33
Não se conhece um único caso de ação penal por excesso de exação, e não é
razoável acreditar-se que nenhum agente do fisco o tenha praticado.
Preconizamos, pois, a responsabilidade do agente público por lesões que
pratique a direitos do contribuinte, sem prejuízo da responsabilidade objetiva
do Estado. Esta é a forma mais adequada de se combater o cometimento arbi-
trário do fisco. Uma indenização, por mais modesta que seja, paga pessoal-
mente pelo agente público produzirá, com certeza, efeito significativo em sua
conduta. Ele não agirá mais com a sensação de absoluta irresponsabilidade
como tem agido. Esse efeito salutar, aliás, começará logo com a citação. Tendo
de defender-se em juízo, de prestar depoimento pessoal, o agente público vai
pensar bem antes de praticar ilegalidades flagrantes, e assim já não cumprirá
aquelas ordens superiores que de tão flagrantemente ilegais não podem ser
dadas por escrito.
Terá, portanto, a responsabilização do agente fiscal, um significativo
efeito preventivo de litígios, evitando todos aqueles que sejam fruto de au-
tuações irresponsáveis.

5.3. Efeito na Harmonia entre os Poderes

Produzirá também um outro efeito preventivo de litígios, que preferimos


denominar efeito na harmonia entre os poderes. Há casos nos quais o arbítrio
reside na própria lei, que uma vez declarada inconstitucional em decisão defini-
tiva do Supremo Tribunal Federal não deve mais ser aplicada pela autoridade
administrativa.
A autoridade administrativa não deve deixar de aplicar uma lei por
considerá-la inconstitucional, mas é assim porque não lhe cabe dizer se a lei
é, ou não, inconstitucional. A declaração de inconstitucionalidade cabe ao
Judiciário e, em última instância, ao Supremo Tribunal Federal. Uma vez tran-
sitada em julgado essa declaração a autoridade administrativa já não pode
aplicar a lei inconstitucional. Se o fizer - e na prática em inúmeros os casos já
o fez - poderá ser pessoalmente responsabilizada.

33
Código Penal, art. 316, § 1º, com redação que lhe deu o art. 20, da Lei nº 8.137, de
27.12.1990.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 115

É certo que a declaração de inconstitucionalidade no denominado contro-


le difuso não produz efeitos gerais. Por isto há quem sustente que a autoridade
administrativa não está obrigada a abster-se de aplicar a lei que nessa via
tenha sido declarada inconstitucional, antes da suspensão da vigência desta
pelo Senado Federal. Na verdade, porém, assim não é. Uma vez declarada a
inconstitucionalidade de uma lei, em decisão definitiva, a autoridade adminis-
trativa já não a pode aplicar. Se a Fazenda Pública é parte no processo onde se
deu a declaração de inconstitucionalidade - como geralmente acontece em matéria
tributária - não há dúvida de que todas as autoridades administrativas a ela
vinculadas estarão obrigadas a não mais aplicar a lei declarada inconstitucional.
Tanto em razão do efeito processual que se produz em relação à parte, como
em razão do princípio da harmonia entre os Poderes do Estado.34 Se a Fazenda
Pública não é parte no processo onde se deu a declaração de inconstitucionalidade
- o que dificilmente ocorrerá em matéria tributária - mesmo assim, em razão do
dever de preservar a harmonia entre os Poderes do Estado, as autoridades
administrativas estarão, todas, impedidas de seguirem aplicando a lei declara-
da inconstitucional.
Realmente, nossa Constituição Federal consagra a separação de pode-
res, mas diz que estes são independentes e harmônicos entre si, e para que
exista realmente essa harmonia, faz necessário que as autoridades de um
respeitem as decisões das autoridades dos outros. Assim, se o órgão máximo
do Poder Judiciário afirma, em decisão definitiva, que uma lei é inconstitucional,
as autoridades dos dois outros Poderes devem respeitar esse entendimento,
e portanto devem deixar de aplicar a lei declarada inconstitucional. Elas não
podem, é certo, declarar a inconstitucionalidade. Nem deixar de aplicar uma
lei que não tenha sido declarada inconstitucional, porque até que isto ocorra
prevalece a presunção de constitucionalidade. Mas, declarada a inconstitu-
cionalidade em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, a harmonia
entre os poderes impõe às autoridades o dever de levar em conta tal declara-
ção, mesmo que o Senado Federal ainda não tenha decidido suspender a
vigência da lei em questão.
Em se tratando de declaração de inconstitucionalidade proferida no
controle concentrado, dúvida não pode haver quanto aos efeitos gerais que
esta produz. Assim, dúvida não pode haver de que todas as autoridades,
sejam fazendárias ou não, estarão impedidas de aplicar a lei declarada
inconstitucional.

34
Constituição Federal de 1988, art. 2º.
116 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

5.4. Efeito Moralizador

A responsabilização do agente fiscal terá também um significativo efeito


moralizador. Evitará que o agente fiscal utilize o seu poder de lavrar autos de
infração apenas para retaliar contra o contribuinte que não lhe atendeu as pre-
tensões escusas. Certo de que lavrando auto de infração em situações nas
quais não existe razão jurídica para tanto estará assumindo a responsabilida-
de pelos danos decorrentes de seu indevido comportamento, o agente fiscal
evitará esse mau procedimento.
Por outro lado, como não poderá lavrar irresponsavelmente tantos au-
tos de infração, quando encontrar situação na qual o auto é cabível tenderá a
lavrá-lo como forma de justificar a sua atividade fiscalizadora.
Quanto estiver em dúvida, tenderá a consultar oficialmente sua chefia,
fazendo com que esta possa manter um efetivo controle da conduta de cada
agente, tornando mais eficaz as normas internas de orientação dessa catego-
ria funcional.

6. QUESTÃO DA INSEGURANÇA JURÍDICA

6.1. Como Argumento do Agente Fiscal

Um dos argumentos quase sempre desenvolvidos contra a responsabi-


lidade pessoal do agente público consiste na insegurança jurídica resultante
da imprecisão das normas da legislação tributária, e da freqüente alteração
destas. Em face da inegável insegurança jurídica que há de enfrentar todos
os dias o agente fiscal de tributos, não seria justo responsabilizá-lo pelos
erros eventualmente cometidos em sua atividade.
Ocorre que a legislação tributária não é produzida pelo contribuinte,
mas pela Administração Tributária, que inclusive produz, quase sempre, os
anteprojetos de lei, e de emendas constitucionais. É menos injusto, portanto,
que a insegurança jurídica recaia sobre os seus agentes, do que sobre os
contribuintes. E assim não é razoável a sua invocação em favor daqueles,
quando a estes não exime de responsabilidade.

6.2. Divisão Eqüitativa

Na verdade a insegurança jurídica existe na relação de tributação, mas


a ela submete-se inteiramente o contribuinte, que se está sujeito a pesadas
sanções quando deixa de cumprir qualquer das normas que integram a legislação
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 117

tributária. Não importa se a norma é obscura ou imprecisa, nem se a jurispru-


dência é divergente. A essa insegurança, portanto, tem de submeter-se tam-
bém o agente fiscal.
Responsabilizando-se, pessoalmente, o agente fiscal, pelos erros que
cometer na aplicação da legislação tributária, ter-se-á uma divisão eqüitativa
dessa insegurança jurídica.

6.3. Padronização de Comportamentos

Para fugir à insegurança jurídica o agente fiscal tenderá a adotar, em sua


atividade, apenas aqueles comportamentos autorizados pelas autoridades su-
periores. Ter-se-á assim melhor padronização de comportamentos, do que re-
sultará também, a longo prazo, um certo incremento para a segurança na rela-
ção tributária, do qual serão beneficiárias ambas as partes nessa relação.
É sabido que a responsabilidade pessoal não existirá para o agente
público que atua em cumprimento a determinação oficial de superior hierár-
quico, posta em ato administrativo de efeito concreto, ou em ato administra-
tivo de caráter normativo, salvo quando esta seja flagrantemente ilegal. Se o
ato administrativo em cuja obediência atua o agente público é arbitrário, a
responsabilidade será da autoridade que o emitiu, e nos casos em que o
arbítrio esteja na própria lei, ainda não declarada inconstitucional em decisão
definitiva do Supremo Tribunal Federal, não haverá responsabilidade da auto-
ridade administrativa que simplesmente a aplica, pois essa autoridade, como
temos sustentado, não pode eximir-se de cumprir a lei alegando a sua in-
constitucionalidade.

7. ASPECTOS PROCESSUAIS

7.1. As Questões Suscitadas

Esclarecido que no Direito brasileiro o agente público é pessoalmente


responsável pelos danos que causar no exercício de suas funções, ou a pre-
texto de exercê-las, quando tenha agido com culpa ou dolo, duas questões têm
sido suscitadas.
Primeira, a de saber se promovida a ação pelo prejudicado contra o
ente público, faz-se obrigatória a denunciação da lide, para que o agente
público venha integrar o processo como litisconsorte passivo necessário.
118 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Segunda, a de saber se o prejudicado tem ação para cobrar diretamente


do agente público a indenização a que se considera com direito, ou se tem ação
apenas para cobrar do ente público, objetivamente responsável, e apenas este
pode, em ação regressiva, cobrar o correspondente ressarcimento fundado na
responsabilidade subjetiva do seu agente.

7.2. A Denunciação da Lide

A questão de saber se é obrigatória a denunciação da lide já foi resolvida


pela negativa pelo Supremo Tribunal Federal. Argumentou, com inteira proprie-
dade, o Ministro Decio Miranda, relator do caso:
A responsabilidade do Estado é objetiva. Independe de
prova da culpa. Este, porém, será o fundamento da res-
ponsabilidade do funcionário a quem se denuncia a lide.
Denunciar a lide do funcionário, para que conteste apenas
alegando a inexistência do dano, ou negando a falha do
serviço público que o tenha acarretado, será exigir-lhe ta-
refa superior a suas possibilidades. Fazê-lo, para que se
defenda com a ausência de culpa, será embaraçar inutil-
mente a pretensão do autor, que para o êxito do pedido
independe da prova de culpa do funcionário, bastando a
culpa impessoal do serviço público.
Diversos os fundamentos da responsabilidade, num caso,
do Estado em relação ao particular, a simples causação do
dano; no outro caso, do funcionário em relação ao Estado,
a culpa subjetiva, trata-se de duas atuações processuais
distintas, que se atropelam reciprocamente, não devendo
conviver no mesmo processo, sob pena de contrariar-se a
finalidade específica da denunciação da lide, que é a de
encurtar caminho à solução global das relações litigiosas
interdependentes.
Aqui não há essa dependência, senão quanto à prova do
dano em que incorreu o autor. Somente para ficar jungido
a ela, mas não à responsabilidade, que na primeira ação é
objetiva, e na segunda depende de prova da culpa, não é
de admitir que se faça obrigatória a presença do funcioná-
rio na ação movida contra o Estado.35*

Isto não quer dizer, porém, que a vítima do dano não possa promover
ação contra o agente público que o causou, como se vai a seguir demonstrar.

35
Voto do Ministro Decio Miranda, no Recurso Extraordinário nº 93.880 - RJ, em RTJ nº 100,
pág. 1355.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 119

7.3. Ação contra o agente público e contra o Estado

Segundo Hely Lopes Meirelles, em face da responsabilidade objetiva do


ente público, estabelecida pelo art. 37, § 6º, da vigente Constituição Federal,
não existe a responsabilidade pessoal do agente público, a não ser perante o
ente público a que serve, titular da ação regressiva contra ele nos casos de dolo
ou culpa.36
Toshio Mukai entende que a vítima do dano pode promover ação con-
tra o Estado, que tem responsabilidade objetiva, ou contra o funcionário, que
tem responsabilidade subjetiva pela respectiva indenização, na hipótese de
dano decorrente de ação estatal. Não admite a discussão dessas duas formas
de responsabilidade em uma ação única, somente sendo possível a cumulação
das ações na hipótese de dano decorrente de omissão, em que a responsabi-
lidade, tanto do funcionário, quanto do ente público, é subjetiva.37
Admitindo a possibilidade de ação contra o Estado e também contra o
agente público manifestam-se, entre outros, Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello e Celso Antônio Bandeira de Mello,38 este último invocando em seu
apoio a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que, segundo verifica-
mos, efetivamente tem reconhecido que o lesado pode mover ação contra o
Estado e contra o agente, conjuntamente.39
Ao optar pela ação também contra o agente público o autor estará
buscando fazer valer o sentido punitivo da indenização, atitude que segura-
mente funcionará, na medida em que muitos a adotarem, como excelente
remédio contra os abusos praticados em nome do Estado.
Aliás, só o fato de ser chamado a juízo como réu, e ter de contratar
advogado para defender-se, posto que em geral haverá conflito entre a defe-
sa do ente público e a de seu agente, impedindo o procurador do primeiro de
atuar como advogado do segundo, já fará com que o agente público passe a
tratar com mais cuidado com os direitos alheios. E uma condenação ao paga-
mento de indenização, por pequena que seja esta, certamente terá muito
mais efeito contra as práticas abusivas do que uma vultosa indenização a ser
paga pelo ente público, que a final sai do bolso de todos nós contribuintes.

36
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
p. 562.
37
Este é o ponto de vista que o eminente administrativista expressou em correspondência que
me dirigiu, no dia 12.12.2001, em resposta a meu questionamento a respeito do assunto.
38
Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 11ª edição, Malheiros, 1999.
39
RE 90.071, em RTJ 96, pág. 237; RE 94.121-MG, rel. Min. Moreira Alves, RTJ nº 105, págs. 225
a 234; entre outros julgados.
120 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Por isso, se a vítima do dano está convencida de que o agente público


agiu com dolo ou culpa, deve promover ação contra ele e contra o Estado. Dirá
que pretende provar a ocorrência de dolo, ou de culpa do primeiro réu, e pedirá
a condenação de ambos, responsáveis solidários que são pela indenização cor-
respondente. Formulará, porém, contra o Estado, que tem responsabilidade
objetiva, pedido subsidiário a ser deferido na hipótese de o julgador a final não
restar convencido da presença do elemento subjetivo indispensável ao atendi-
mento do pedido principal.
O inconveniente que o autor poderá enfrentar na instrução para provar
o dolo ou a culpa, com certeza será recompensado com a brevidade na exe-
cução da sentença contra o agente público, com a penhora e o leilão de bens,
que possivelmente nem chegarão a ocorrer porque, uma vez definitivamente
condenado, o réu certamente pagará a indenização devida para não sofrer o
constrangimento da execução.
Por outro lado, se o réu, agente público, não dispuser de patrimônio
suficiente para suportar a execução da sentença, poderá esta ser executada
contra o ente público, com a expedição do precatório correspondente.
Ressalte-se, finalmente, que a ação contra o agente público e contra o
Estado, conjuntamente, deve ser proposta somente nos casos em que a
individualização do responsável pelo dano não ofereça dificuldades, e possa
o elemento subjetivo necessário à responsabilização deste ser facilmente
demonstrado. Se não estiverem presentes esses dois requisitos, vale dizer, a
individualização do agente público causador do dano, e o dolo ou a culpa
deste, deve o autor optar pela ação somente contra o Estado.

7.4. Ação apenas contra o Estado

Realmente, em muitos casos não é fácil a individualização do agente


público responsável pelo dano. A complexidade da estrutura administrativa
muita vez dificulta a identificação da pessoa que a final deve ser responsabi-
lizada pela ação, ou pela omissão estatal causadora do dano.
Pode ocorrer, também, que o autor não queira se indispor contra o
agente público, por medo de retaliação ou por qualquer outra razão. Em tal
situação poderá optar pela ação apenas contra o Estado, que responde obje-
tivamente pelo dano.
Neste caso o processo de conhecimento será bem mais simples, posto
que será bastante a demonstração da existência do dano e da relação de
RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO 121

causalidade entre este e a ação estatal. Já a execução do julgado ficará a


depender do precatório que, sabemos todos, quase sempre é muito demorado.

8. CONCLUSÕES

Diante de tudo o que foi aqui exposto podemos firmar as seguintes


conclusões:
1ª) O contribuinte que sofrer dano material ou moral, ou tiver lucros
cessantes em virtude de ações ou omissões do fisco, tem direito à indeniza-
ção correspondente.
2ª) A indenização pode ser cobrada diretamente do agente público
causador do dano, em ação promovida contra ele e contra o ente público,
com pedido de condenação dos dois por serem solidariamente responsáveis,
e com pedido subsidiário de condenação do ente público para o caso de não
ser reconhecida a presença do elemento subjetivo.
3ª) A ação contra o agente público tem a virtude de fazer valer o efeito
punitivo da indenização, contribuindo para prevenir as práticas abusivas hoje
tão em voga contra o contribuinte. Além disto, a execução da sentença
condenatória não dependerá de precatório, sendo provável, aliás, que o réu
faça o pagamento da indenização para evitar o constrangimento da execu-
ção.
4ª) A ação contra o agente público, porém, só deve ser proposta nos
casos em que o causador do dano esteja plenamente identificado, e seja fácil
a demonstração do elemento subjetivo, vale dizer, do dolo ou da culpa.
5ª) Nos casos em que a identificação do responsável pelo dano seja
problemática, ou seja difícil a demonstração do dolo ou da culpa deste, ou
ainda, quando o autor por qualquer razão se sentir constrangido em acionar
o agente público pessoalmente, a ação deve ser promovida contra o Estado.
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL

IRINEU STRENGER
Professor. Advogado.

SUMÁRIO: 1. Conceito e natureza - 2. Controvérsias - 3. Aplicabilidade


válida - 4. Evolução no direito brasileiro - 5. Condições do dano moral
reparável - 6. Dano moral das pessoas jurídicas - 7. Determinação do
quantum indenizável.

1. CONCEITO E NATUREZA

A mais antiga das posições elaboradas pela doutrina para caracterizar o


dano é a que distingue entre danos materiais e danos morais. De acordo com
esse critério, por dano material dever-se-ia entender aquele perceptível pelos
sentidos, que se pode ver e tocar, enquanto o dano moral deve entender-se
como aquele que afeta a esfera imaterial ou invisível do sujeito.1
Em verdade, comumente a doutrina se estende em considerações para
distinguir as hipóteses a seguir em danos patrimoniais e não patrimoniais. Ge-
ralmente a questão fecunda mediante a caracterização do interesse privado em
jogo, isto é, a medida reparatória que se possa atribuir a cada uma das situa-
ções. Assim, o dano patrimonial seria a lesão traduzida no prejuízo pecuniário
que sofre uma pessoa ao encontrar-se em situação de menoscabo em relação

1
ORDOQUI, Gustavo; OLIVERA, Ricardo. Derecho extracontractual. Montevideo: Amalio E.
Fernandes, v. 2, 1974. p. 190.
124 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

ao interesse que possui sobre seu patrimônio ou sobre seus meios de ação;
essa diminuição patrimonial pode assumir a forma de dano emergente ou de
lucro cessante.
O dano não patrimonial seria aquele que, ainda que indiretamente, colo-
ca o prejudicado em uma situação de menoscabo em relação ao interesse que
possui sobre seu conceito.2
Bem patrimonial é qualquer um capaz de classificar-se na ordem da ri-
queza material, tradicionalmente avaliável em dinheiro, embora na linguagem
corrente se costuma falar em “patrimônio de saúde”, “patrimônio de beleza” e
muitas outras palavras sem significação jurídica. Patrimônio, para os juristas,
não é tudo aquilo de que o homem usufrui, mas uma esfera mais restrita, ou
seja, o complexo de bens que responde às suas necessidades econômicas.
Assim, dano patrimonial é aquele que atinge um interesse relativo a um bem da
descrita espécie patrimonial. Ou seja, como se encontra na passagem de Paulo:
“Damnum et damnatio ab ademptione et quase deminutone patrimoni
dicta sunt”. (L. 3 D. 39,2)
O conceito de não patrimonialidade não pode ser definido senão em
contraposição àquele de patrimonialidade. Esse princípio, porém, não foi sem-
pre levado em consideração. Entre os danos não patrimoniais (comumente di-
tos morais) se situam os que prevalentemente causam aflição ao estado de
espírito, ou aos sentimentos, vale dizer, afetam o psiquismo da pessoa, por
reflexo de uma conduta malévola de alguém. Para sanar essa situação foi exce-
lente a contribuição do direito germânico contra o dano não patrimonial, que se
intitulava pecunia doloris, Schmerzensegel.3
Advirta-se, como afirma De Cupis, que o sujeito passivo de um dano
moral ou não patrimonial pode ser, igualmente, a pessoa jurídica, a qual, se não
pode nutrir um sentimento de bem-estar, pode, por outro lado e indubitavelmente,
gozar de outros “bens” não patrimoniais. Desse modo, qualquer pessoa jurídica
pode sofrer dano não patrimonial, por exemplo, por uma campanha difamatória,
uma violação de segredo comercial, uma medida injusta que afete sua reputa-
ção etc. O argumento de que uma pessoa jurídica é incapaz de sofrer moral-
mente não é válido, dada a possibilidade de se configurar um dano não patrimonial
diferente da dor.4

2
LALOU. Traité pratique de la responsabilité civil. Paris: Pierre Azard, 1962.
3
Cf. CHIRONI. Del danno morale. Rivista di Diritto Commerciale, v. XI, n. 26, 1913, 09.01.1913.
4
DE CUPIS, Adriano. Il danno - teoria generale della responsabilità civile. Milão: A. Giuffrè,
1951.
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL 125

Determinado o respectivo significado do dano patrimonial e não


patrimonial, deve-se notar que estes podem verificar-se na dependência de um
mesmo fato.
O conceito de dano moral ainda não encontrou na doutrina colocação
definitiva. Sua incursão no terreno da responsabilidade extracontratual é recen-
te, em que pese sua longa história, já incidente no antigo direito romano. Entre-
tanto, como assinala Yussef Said Cahali, o princípio da reparabilidade dos danos
morais vem sendo paulatinamente consagrado pela maioria dos países civiliza-
dos, variando suas legislações unicamente quanto à amplitude que lhe confe-
rem.5
A esse propósito reproduz Cahali a classificação dos sistemas jurídicos
em quatro grupos, para demonstrar a extensão qualificativa concedida ao prin-
cípio da reparação por danos morais:
1º) No primeiro grupo situam-se os países cujas legislações consagram
de maneira ampla e geral o princípio da reparação dos danos morais. Por sua
vez, esses sistemas são suscetíveis de uma subdivisão, segundo admitam a
reparação somente no campo da responsabilidade aquiliana ou também o ad-
mitam no âmbito da responsabilidade contratual. França e Suíça seriam consi-
derados países protótipos deste último subgrupo, enquanto a maioria dos paí-
ses latino-americanos participaria do primeiro.
2º) No segundo grupo reúnem-se apenas sistemas que admitem a inde-
nização dos danos morais unicamente em certas hipóteses taxativamente enu-
meradas em lei. No pórtico desse grupo situa-se a legislação alemã, que tanta
influência exerceu sobre as codificações deste século.
3º) O terceiro grupo seria integrado pelo direito anglo-americano, de
características especialíssimas que o separam claramente dos sistemas dos
países de direito codificado.
4º) O quarto grupo é formado por aqueles países como Rússia e Hungria,
cujas codificações parecem ignorar o princípio da reparação dos danos morais,
ainda quando os textos, por sua amplitude, não o rejeitem de forma expressa.
Geralmente, porém, o dano moral se encontra obscurecido ou impreciso nos
autores e na jurisprudência, seja porque não se o define, seja porque, ainda que
definindo-o, incorre-se em contradições ao entrar nas aplicações práticas.
Quando se fala em dano moral tem-se em conta, especialmente, a ca-
racterização do resultado lesivo, considerando-se, como primeiro aspecto, a

5
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: RT, 1999.
126 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

verificação ou não de um dano, segundo sua concepção genericamente admiti-


da, ou seja, a existência de um ato ilícito punível, vale dizer, identificado com a
ofensa ou lesão de um direito ou de um bem jurídico qualquer.
A matéria relacionada com o dano indenizável é bastante ampla e exige,
para sua exata compreensão e aplicação, numerosas distinções, às vezes em-
panadas por variada terminologia que usam os escritores.
O dano moral, por não ter nenhuma vinculação com os valores econômi-
cos ou patrimoniais, não é, por si mesmo, suscetível de apreciação pecuniária,
e, por isso, deve ser uma indenização que se traduza numa soma de dinheiro,
estabelecida livremente pelos juízes.
O dinheiro se dá não porque o bem lesionado seja suscetível de aprecia-
ção pecuniária, como os bens patrimoniais, mas como compensação.
Na verdade, somente a jurisprudência, a ductibilidade de contemplação
dos casos concretos e específicos pode dar um conceito de dano moral que
contemple a verdadeira vocação do instituto de assegurar uma justa compen-
sação a todos aqueles que sofreram lesão na situação favorável ou de vanta-
gem que possuíam em relação a determinados bens.
Ressarcir os danos morais, ainda que seja de modo pecuniário, à falta de
outro melhor, não é materializar os interesses morais, mas, ao contrário,
espiritualizar o direito enquanto este não se limita à proteção dos bens econô-
micos, envolvendo também outros bens não econômicos que são inseparáveis
da pessoa humana.6
Tenha-se, porém, em conta, que a impossibilidade de uma exata valoração
do dano moral não deve conduzir à sustentação que sua apreciação pelo juiz
será absolutamente arbitrária. Isso conduz à insegurança e à injustiça. Haverá
decisões que ascendem a uma soma além do bom senso e outros valores sem
nenhuma transcendência, irrisórios ou puramente simbólicos.
Há quem sustente que no dano moral deve levar-se em conta a condição
social e econômica do ofendido. Porém, isso nos leva, em princípio, a subesti-
mar o dano moral dos pobres. Nesse sentido estamos de acordo com a opinião
de que não vale mais a dor dos ricos que a dos pobres, e resulta imoral medir
a dor em função do dano patrimonial que se possa ter sofrido. Deve-se, contu-
do, considerar a personalidade do agente, as circunstâncias condicionantes do
delito e a gravidade da falta cometida, atendendo à índole do fato, se culposo
ou doloso, ao tipo de antijuridicidade etc. A gravidade da falta para os fins
ressarcitórios se mede pelo resultado danoso.

6
ORGAZ, Alfredo. El daño ressarcible (actos ilicitos). 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1967.
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL 127

Como contribuição para um entendimento abrangente do dano moral,


oferecemos a seguinte definição:
“Chama-se dano moral qualquer ato não patrimonial que faça repercutir
na esfera da pessoa física ou jurídica conseqüências que afetem sua situação
social, comunitária, econômica ou familiar, causando danos avaliáveis segundo
o grau e extensão de seus efeitos”.

2. CONTROVÉRSIAS

O dano moral não é uma instituição aceita pacificamente pelos autores


que versam o assunto. A discórdia das colocações tem gerado diálogos
conflitantes, com alguma repercussão na jurisprudência. Nossa legislação é
bom exemplo, porque é questão omissa nos ordenamentos legais vigentes o
dano moral. A jurisprudência, entretanto, tem preenchido a lacuna, adotando o
critério da analogia nas considerações sobre a responsabilidade civil, atenden-
do seguras e valiosas manifestações doutrinárias.
Alguns escritores que mantêm oposição à reparação pecuniária do dano
moral invocam dois argumentos principais:
a) O dano moral - afirma-se -, como suscetível de apreciação pecuniária,
pode realmente ser reparado com uma soma de dinheiro; nesse sentido, pode
afirmar-se que nenhum dano material é irreparável. Contudo, se o dano moral,
por definição e por essência, é o que não é suscetível daquela apreciação, como
pretender reparação por meio de uma soma de dinheiro? Dar “preço à dor” ou
aos sentimentos íntimos importa, no fundo, uma imoralidade, uma degradação
dos mesmos valores que se quer salvaguardar.7
O erro dessa objeção repousa na advertência de que o dinheiro não
desempenha na reparação dos danos morais o mesmo papel que na indeniza-
ção dos danos materiais; nestes últimos pode aceitar-se que sua finalidade é a
de estabelecer uma equivalência mais ou menos completa entre o dano e a
reparação. Em relação ao agravo moral, ao revés, a indenização representa um
papel diferente, não de equivalência, mas de compensação ou satisfação; não
se trata, com efeito, de dar preço à dor ou aos sentimentos, pois nada disso
pode ter equivalência em dinheiro, mas de ministrar uma compensação a quem
foi injustamente ferido em seus sentimentos íntimos.

7
FISCHER, H. A. Los daños civiles y su reparación . Revista de Derecho Privado, Madri, 1928.
128 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

b) Como objeção derivada da anterior, argumenta-se com a inevitável


arbitrariedade de toda estimativa pecuniária na reparação dos danos morais.
Em quanto estimar a dor de um pai pela morte de seu filho?
Contudo, a esse propósito comentava Laurent:
“Do fato de não poder o juiz conceder uma reparação exata, não se pode
concluir que não deve conceder nenhuma reparação”.8
Por outro lado, essa mesma discricionariedade é comum a muitas outras
estimativas pecuniárias que toda a gente aceita sem reserva.9 Em nossos dias
essa controvérsia está bastante enfraquecida. Não mais se contesta com o
mesmo fervor a faculdade de o juiz estimar um valor a título de compensação
pelo agravo moral sofrido.
O que ainda prevalece é a distinção entre as razões que justificam a
condenação do agente. Para alguns sistemas, como ocorre nos Estados Unidos,
na quase totalidade dos estados, a indenização é de caráter primitivo, e, assim
sendo, é preciso que o valor estimado constitua algo, como se diz, que afete o
bolso, isto é, cause impacto na economia de quem (pessoa ou instituição) este-
ja pagando.10
A maioria dos tribunais, entretanto, assinala, que a reparação do dano
moral não tem caráter de pena, mas tão-somente de reparação.

3. APLICABILIDADE VÁLIDA

Nosso Código Civil não consagra expressamente a indenização do dano


moral, prevalecendo em tal hipótese o preceito geral ainda preso à concepção
da culpa e à necessidade de demonstração do prejuízo.
O mesmo não se pode dizer em relação à doutrina, em que a matéria fecun-
dou extraordinariamente, pela extensa literatura jurídica a respeito, podendo-se

8
LAURENT, F. Principes de droit civil français. 5. ed. v. XXVI, 1893.
9
Jhering em sua obra Jurisprudencia en broma y en serio, trad. espanhola, 1933, dizia:
“... porém que medida possui o juiz para avaliar em dinheiro o valor de uma lesão jurídica que
tinha por objeto não a coisa, mas a pessoa? Eu respondo: que medida tem ele para cominar
uma pena? Estabelecerá 10, 20, 30, 100 francos? Ponhamos nesta posição um teórico com
escrúpulos, um lógico que nada faz sem razão coercitiva: ele não chegará jamais a uma
decisão, pois, o que o força a fixar precisamente 30 francos, por que não 40 ou 50, 60 ou
somente 20 ou ainda 10? Esta seria a posição do asno de Buridan entre dois feixes de feno
absolutamente iguais. Na realidade, nenhum asno morreu ainda de fome nessa situação;
não há mais do que o asno da teoria que possa fazer esse tour de force, porque ele não
sente fome. O mesmo ocorre com o juiz etc.”. (reprodução do original)
10
No direito romano as ações de ressarcimento eram, sobretudo, ações penais. Cf. TUHR, A. von.
Derecho civil. Buenos Aires: Atalaya, 1946.
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL 129

registrar a presença de grandes nomes no elenco dos autores brasileiros, como,


exemplificativamente, Teixeira de Freitas, Espínola Filho, Alcino Salazar, Carlos
Alberto Bittar, Wilson Melo da Silva, Yussef Cahali, Edgard de Moura Bittencourt
e muitos outros.
Parece hoje inexistir opinião divergente quanto à configuração do dano
moral como lesão de direito que justifica uma ratio agendi.
No dano moral, a esfera da subjetividade é atingida de molde a violar a
intimidade da pessoa, causando-lhe grave mal-estar, principalmente quando
seus efeitos extravasam os limites da interioridade para tornar-se algo que tem
repercussão social.
O dano moral reveste, necessariamente, a forma de uma infração tam-
bém de perigo, pois coloca o atingido à mercê de graves conseqüências. O
delito se consuma e aperfeiçoa no momento em que a conduta do autor gera a
possibilidade do agravo ou do descrédito; esse momento existe quando a con-
duta agravante ou desacreditadora chega ao conhecimento de outra pessoa
distinta do autor.
Reparar um dano não é sempre refazer o que se destruiu, mas quase sem-
pre é a possibilidade de dar-se à vítima satisfação equivalente ao que perdeu.
Partindo de um conceito de indenização suficientemente amplo para ad-
mitir certa elasticidade na interpretação da idéia de equivalência que vai ínsita
em toda reparação, as hipóteses de dano moral são perfeitamente admissíveis.
A maioria da jurisprudência nacional se inclina também a sustentar a
reparabilidade do dano moral, que não tem um caráter satisfativo, mas com-
pensatório.
A dificuldade maior que enfrenta essa tese, que reconhece a procedên-
cia do ressarcimento do dano moral, revela-se na dificuldade de medir adequa-
damente a dor, a perturbação, o desgosto ou a tranqüilidade, sensações que
são essencialmente distintas, de acordo com a particular maneira de ser de
cada pessoa. Isso obriga a manejar elementos subjetivos, tais como a entidade
das lesões causadas por padecimentos físicos, sua duração e as seqüelas
motivantes da dor estritamente moral, assim como outros elementos objetivos
que se compadecem com a função de satisfação compensatória atribuída à
reparação do dano moral.
Como assinala o saudoso e querido professor Carlos Alberto Bittar:
localiza-se, assim, a temática dos danos morais na teoria
da responsabilidade civil, na exata medida da considera-
ção da pessoa em si, ou em suas projeções sociais, indi-
vidualizando-se aqueles nas lesões às sedes assinaladas.
130 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

São, no fundo, reações na personalidade do lesado a


agressões ou a estímulos negativos recebidos do meio
ambiente através da ação de terceiros, que atinjam seus
bens vitais. Com isso, os danos morais plasmam-se, no
plano fático, como lesões às esferas da personalidade
humana situadas no âmbito do ser como entidade
pensante, reagente e atuante nas interações sociais...
como atentados à parte afetiva e à parte social da per-
sonalidade.11

Seja como for, porém, devemos concluir que a natureza da reparação de


um prejuízo moral não se reveste exclusivamente de caráter compensatório ou
satisfativo, como entende a maior parte da moderna doutrina, mas possui tam-
bém traços primitivos em relação à conduta do agente do prejuízo; para fixar o
montante da indenização deve-se considerar a qualificação jurídica da conduta.
Sem embargo, é inevitável que a jurisprudência leve em conta a gravida-
de do comportamento do agente do dano, pois constitui um fator que sempre
incide na fixação do prejuízo moral e contribui no sentido de reafirmar a exis-
tência do traço primitivo desse instituto.
Contudo, o preço da honra é difícil de determinar, tendo em vista que há
situações que consistem na própria dignidade da pessoa humana, e formam
parte de sua existência moral, podendo envolver infinitas modalidades a respei-
tabilidade humana.
A tranqüilidade de cada um e a paz social exigem que a personalidade
alheia seja respeitada, não na medida que em cada caso ela realmente é, mas
de maneira objetiva, com a maior margem de independência da realidade do
caso particular que seja compatível com a ordem geral. Resulta daí a convicção
de que a toda pessoa corresponde um mínimo de respeitabilidade que deve ser
protegido pelo ordenamento jurídico. Ninguém está excluído a priori dessa tute-
la, nem sequer as pessoas desonestas ou de má reputação, pois estas também
podem ser sujeitos passivos de um delito contra um seu bem moral, sempre
que, de acordo com as circunstâncias, o ataque deva ser considerado como
ilegítimo, isto é, como não justificado por interesse superior. Esse é o motivo
porque a proteção do bem moral é extensiva aos desonrados, às crianças, aos
incapazes, às pessoas jurídicas, alcançando também a incolumidade da memó-
ria que os vivos têm de uma pessoa morta. Quanto a este último aspecto,
embora não tendo os mortos personalidade e, em conseqüência, não podendo

11
BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 3. ed. 2. tir. São Paulo: RT, 1999.
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL 131

ser sujeitos passivos de delito contra a honra, só podemos examinar os fatos


injuriosos relativos à pessoa viva e aquelas atitudes que têm a forma de ofen-
der a um defunto, porém que, em substância, subjetiva e objetivamente, ten-
dem a ofender pessoa viva. Em verdade a questão não põe em jogo o interesse
do defunto, mas o interesse de pessoas vivas em memória do morto. Há nesse
sentido, legislações que, especificamente, concedem ao cônjuge, filhos, pais,
netos e irmãos do falecido o direito de ação, e o bom senso admite ação de
responsabilidade por danos originados de ofensas à memória de pessoa faleci-
da, mesmo inexistindo norma que expressamente a consagre.
Conclusivamente, é válido afirmar que diante de todo comportamento
antijurídico que viole alguma faceta moral da pessoa, a indenização se convali-
da em face de qualquer prejuízo que resulte de calúnia, difamação, denunciação
caluniosa, de uso ilícito de nome, de afirmação contra a verdade ou de divulga-
ção de fatos que afetem a reputação, crédito ou indústria do ofendido.

4. EVOLUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

O direito brasileiro não é exemplo de adoção sistemática de regras que


visem tutelar os atos que atentem contra o bem moral da pessoa de modo a
propiciar adequadas reações daquele que é atingido, seja em sua dignidade,
seja em sua saúde espiritual. Entretanto, não somos ausentes de normatividade
em muitas questões dessa natureza, que são abordadas com certo ecletismo,
mas que não deixam de ser amparadas pelo direito positivo.
No elenco das regras vigentes encontramos disposições como os arts.
948, I, II, 949 e 950 do Novo Código Civil, nos quais se enuncia a tutela do
interesse moral sobre os bens que constituem a vida e a integridade corporal. É
evidente que toda ação ressarcitória por morte de uma pessoa deve interpor-se
por direito próprio, sobre a base do dano sofrido por quem a aciona, deixando-
se de lado a possibilidade de uma ação a título de herdeiro do morto. O motivo
desse procedimento indenizatório não é apreciado a partir do ponto de vista da
própria vítima, como acontece na ação jure herditatis, mas pelo ângulo dos
terceiros lesados. Em particular, interessa estimar o dano moral e econômico
que a perda da vida significa para o cônjuge, os filhos, os pais, vale dizer, para
aqueles que normalmente dependem, para sua subsistência, do morto (viúva e
filhos) ou podem chegar a depender no futuro (pais) e se encontram afetivamente
e intimamente ligados a ele.
Essa colocação equivale à sustentação de que, apesar de ter o poder, ter
a vida por si um valor econômico e moral para seu titular ou dono, pode ocorrer
132 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

que o seu truncamento ou produção antecipada não incidam nem econômica


nem moralmente sobre outras pessoas, que não apresentem danos de qual-
quer espécie, e, em conseqüência, que se declare improcedente o ressarci-
mento peticionado. Nesse sentido o art. 948 do Novo Código Civil tão-somente
enumera as verbas indenizatórias, mas é necessário provar que do homicídio
resultaram outros prejuízos, se se pretender que a imputação produza conse-
qüências da responsabilidade civil. A lesão corporal (art. 949 do NCC) também
trará conseqüências semelhantes, avaliando-se os resultados causados pelo
dano físico.
A injúria e a calúnia são igualmente institutos que recebem a tutela dos
arts. 953 e 954 do Novo Código Civil no que tange às conseqüências desse
delito, sendo que, na impossibilidade de demonstrar o prejuízo material, o ofensor
fica sujeito ao pagamento de valor que corresponde ao dobro da multa no grau
máximo da pena criminal correspondente.
Na Constituição de 1988 a possibilidade de reparação pelo dano moral
fica plenamente consolidada, pois o art. 5º, inciso V, “assegura o direito de
resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, mo-
ral ou à imagem”, e na seqüência, no inciso X, estabelece que “são invioláveis a
intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, garantida a inde-
nização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Naturalmente tais incisões de porte legislativo máximo propiciaram ou-
tros ordenamentos que igualmente zelam pelas violações ocasionantes de dano
moral, como o Código de Proteção ao Consumidor (Lei nº 8.078, de 11.09.1990),
que, em seu art. 6º, VI e VII, admite a reparação de danos patrimoniais e
morais; o Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu art. 17, combinado
com o art. 201, V, VII e IX, assegura à criança e ao adolescente o direito à
integridade física, psíquica e moral. E, como é do conhecimento geral, a Súmula
nº 37 do Superior Tribunal de Justiça consagra o princípio, dispondo que “são
cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mes-
mo fato”.
No dizer, sempre acatado, do professor Yussef Cahali:
Impende considerar que a Constituição de 1988 apenas
elevou à condição de garantia dos direitos individuais a
reparabilidade dos danos morais, pois esta já estava la-
tente na sistemática legal anterior, não sendo aceitável,
assim, pretender-se que a reparação dos danos dessa
natureza somente seria devida se verificados posterior-
mente à referida Constituição.12

12
CAHALI, op. cit., p. 69.
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL 133

Sem considerar per si, analiticamente, as normas que tutelam, no direito


cogente, a ofensa moral como mecanismo válido do ressarcimento em favor do
ofendido, podemos reafirmar que os ordenamentos legais brasileiros cooptados
por maciça jurisprudência já criaram de forma consolidada a possibilidade de
obter, quando não o desfazimento do dano, a obtenção de uma compensação
econômica que minore o sofrimento espiritual da pessoa e constitua também
uma forma de punição ao ofensor.
No rol das situações legais e jurisprudenciais que amparam as vítimas do
dano moral incluem-se o rompimento de promessa de casamento (noivado),
rompimento da relação concubinária, infração de deveres conjugais e oposição
de impedimento à celebração do casamento, assédio sexual, gravame à liber-
dade sexual etc.13

5. CONDIÇÕES DO DANO MORAL REPARÁVEL

Apesar da enunciação de inúmeras regras tutelando as relações jurídi-


cas de danos morais, não é válido afirmar que nosso direito consagra a
reparabilidade do dano moral, mas podemos, com segurança, asseverar que a
jurisprudência desempenha mais acentuadamente esse papel, sensível aos so-
frimentos psíquicos e dores padecidas pelas vítimas.
Todos os argumentos elaborados pela doutrina e pela jurisprudência re-
lativos à interpretação e à analogia somente servem para encobrir que a exegese
toma do Código exatamente o que pretende inferir dele. Vale dizer, o intérprete
cria os princípios e, para revesti-los de autoridade, os atribui ao legislador, pelo
menos em grande parte.
Não se trata, então, de descobrir se a expressão “dano” ou “injúria” deve
ser interpretada no sentido amplo ou restrito, ou se a Constituição consagra a
proteção dos valores morais, ou se a interpretação analógica ou a contrario
sensu de certas normas nos conduz a reconhecer a recepção da reparabilidade
do dano moral, mas de que ela é um princípio de acatamento cada vez mais
generalizado pelos nossos tribunais, os quais reconhecem justo e necessário que o
dano moral seja objeto de reparação, adequando e selecionando as premissas, a

13
Na obra já mencionada de Yussef Cahali, Dano moral, encontram-se magníficas análises de
todas essas situações, permitindo uma nítida compreensão de como enfrentar esses problemas,
tão ocorrentes na vida cotidiana.
134 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

fim de obter a conclusão desejada, invertendo, desse modo, o mecanismo do


silogismo clássico.14
Na abalizada opinião de Alfredo Orgaz, a reparação do dano moral re-
quer, desde logo, algumas condições, que são as seguintes:
a) que haja uma relação de causalidade entre o dano e o delito;
b) que o dano seja “certo”;
c) que seja pessoal da vítima;
d) que quem o invoca possa ser considerado como lesado no sentido
jurídico.15
Resumidamente, essas condições podem ser explicadas em função de
sua modalidade como:
a) necessidade de indenizar sem que o responsável seja obrigado a res-
sarcir mais do que as conseqüências não patrimoniais que ele causou com seu
ato;
b) certeza de dano moral equivale ao material, isto é, a obrigação de
provar que a vítima sofreu um dano efetivo, mas observada a peculiaridade
decorrente da natureza desse dano, isto é, mostrar a sua existência, que se
terá por acreditada pelo só fato da ação antijurídica e da titularidade do ofendi-
do. Trata-se de uma prova res ipsa;
c) condição de ser o dano reclamado pela própria vítima e não por outro,
a não ser um caso de representação legal ou convencional. Em razão dessa
característica, a ação de reparação do dano moral não pode ser cedida a tercei-
ros pelo titular, nem pode ser exercida por credores por sub-rogação, por
inexistência de vinculação com o patrimônio, a não ser no caso de restabelecer
um valor econômico destruído. Tampouco passa a ação, por causa de morte,
aos herdeiros do titular. Nos direitos alemão, anglo-americano, brasileiro e ou-
tros, não se concede ação a parentes no homicídio, nem a título próprio, nem
como herdeiros do morto;
d) conceder indenização a toda pessoa que justifique um vínculo afetivo
com a vítima, de certa intensidade, como, por exemplo, a comunidade de vida,
ou fundar o ressarcimento não sobre um elemento individual e subjetivo como
o afeto, mas sobre um objetivo e de existência legal como o parentesco. Essa
solução é a da generalidade das legislações, se bem que possam divergir quanto à
maior ou menor extensão que reconheçam ao parentesco. No Brasil, porém, nos

14
ORDOQUI; OLIVERA, op. cit., p. 102.
15
ORGAZ, op. cit., p. 129.
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL 135

termos dos arts. 948 e seguintes, não se libera a indenização do dano além de
à vítima do delito, com exclusão dos lesados indiretos, parentes ou não.
A partir dessa categorização, o conceito de dano moral deve ficar limita-
do àqueles prejuízos que incidem somente na esfera psíquica da pessoa,
lesionando seus sentimentos e afetos.

6. DANO MORAL DAS PESSOAS JURÍDICAS

O enquadramento do dano moral na esfera das pessoas jurídicas é ques-


tão incontroversa em nossos dias, pois não há mais sustentação que possa
convalidar o contrário. É evidente que o argumento de que uma pessoa ficta
não pode ser sujeito passivo de delito é logicamente exato, mas o problema não
se restringe a essa consideração, que é extremamente limitada e inoperante
em face dos eventos concretos que se multiplicam nessa área.
Assim sendo, as sociedades civis ou comerciais, os sindicatos profissio-
nais, as associações recreativas ou esportivas e todos os grupamentos gozando
de personalidade civil estão habilitados a invocar dano moral e, portanto, legiti-
mados a ingressar em juízo para reivindicar seus direitos.
Normalmente o que qualifica o exercício de demandar é o atentado à sua
reputação ou conceito, permitindo pleitear a necessária e cabível indenização.
Ninguém mais contesta que as pessoas jurídicas constituem uma realidade social
inegável. Gozam dos atributos e dos direitos da personalidade em consonância
com a natureza das coisas; têm direito à honra, ao segredo etc.; gozam dos
direitos constitucionais na mesma proporção daqueles outorgados à condição
humana. Uma das características da pessoa jurídica é a fungibilidade de seus
membros.
Por outro lado, a responsabilidade da pessoa jurídica por atos ilícitos
cometidos pelos seus subordinados ou auxiliares é similar à da pessoa de exis-
tência física. Assim, pode-se caracterizar como requisitos para o funcionamen-
to dessa responsabilidade indireta a atuação antijurídica, imputável ao subordi-
nado; a relação de dependência entre o autor do evento e quem deve respon-
der; e o dano provocado “em exercício” ou “por ocasião” das funções encomen-
dadas.
O sempre lembrado professor Carlos Alberto Bittar adverte que:
nessas relações incluem-se, portanto, as de caráter
interempresarial, ou seja, que reúnem pessoas jurídicas
entre si ou em grupos ou em associações de socieda-
136 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

des, nas quais a luta pela conquista de mercado, a riva-


lidade decorrente da disputa, a busca de meios e de
produtos novos e inúmeros outros elementos característicos
provocam, não raro, lesões aos valores em causa (as-
sim, por exemplo, as questões referentes à insolvência,
à concorrência desleal, aos contratos associativos e ou-
tras).

E, em outro trecho, prossegue:


Frise-se, ao revés, que pessoas jurídicas e entes não
personalizados podem figurar no pólo ativo da relação
reparatória, em fatos provocados por pessoas físicas ou
entidades outras, especialmente em razão de ilícitos
praticados, tanto no plano da contratualidade, como
no da extracontratualidade assim como ataques injus-
tos à reputação da empresa ou de dirigente, de produ-
to ou de serviço; divulgação de notícias tendenciosas
sobre a empresa ou seus produtos, ou serviços; uso
abusivo ou indevido de direitos autorais, de nome, de
marca, ou outro elemento identificador; violação de
segredo, ou de know-how por desafeto e outras situa-
ções.16

Como vemos, a pessoa jurídica está perfeitamente integrada na relação


jurídica por danos morais, tanto no pólo ativo como no passivo. No primeiro
caso como vítima; no segundo, como agente ou ofensora. Não há dúvida de que
muitas são as circunstâncias tipificadoras de delitos dessa natureza, muitas
vezes embaraçosas na determinação do responsável e na avaliação da obriga-
ção indenizatória.
Nossa jurisprudência já incorpora numerosas decisões envolvendo prin-
cipalmente instituições financeiras e outras entidades que, de um modo ou ou-
tro, afetaram a reputação de pessoas, ou também situações em que terceiros
provocaram indevidamente desconceituação comercial.
A enorme gama de situações em que intervém fator de desmoralização
ou provocação de delitos, com repercussão pública de caráter denegridor sobre
pessoas ou entidades, é demonstrativa de que o dano moral vem-se constituin-
do cada vez mais em evento antijurídico com efeitos de reparabilidade, a fim de
sanear o sofrimento de vítimas atingidas por tais episódios, tão comuns no dia-a-dia
de todos nós.

16
BITTAR, op. cit., p. 37.
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL 137

7. DETERMINAÇÃO DO QUANTUM INDENIZÁVEL


A enumeração de danos morais é de considerável tamanho, e essa cir-
cunstância explica as dificuldades que podem surgir para o julgador na estima-
ção dos ressarcimentos cabíveis, dado que não existem classificações ou
parâmetros de avaliação que permitam a determinação corrente do quantum
indenizatório ou compensatório. A verdade indiscutível é que não se pode pres-
cindir de estabelecer um valor. A maior tendência é no sentido de admitir uma
arbitralidade discricionária, mais com caráter de exemplaridade do que
reparatório, isto é, de natureza punitiva. Assim tem sido no sistema norte-
americano, com resultados favoráveis.
A preocupação principal é a de que o prejudicado receba, como forma de
compensação pelos sofrimentos causados, uma importância em dinheiro que
traduza, de certa forma, a reparação a que faz jus, por meio de critério que
permita um justo desenlace do caso. O dano moral equivale para a vítima a um
pretium da injustiça resultante do desvalor social da ação cometida pelo ofensor.
Do ponto de vista prático, ocorrem dois problemas distintos: o que deve
provar a vítima para poder afirmar a existência de um dano moral e também a
subsistência de uma hipótese de responsabilidade; e quais são os parâmetros
probantes que determinam a valoração, em concreto, do quantum justo para
restaurar o dano sofrido.
Apesar de esses dois pontos serem de extrema relevância, sua solução
ainda não é inteiramente clara, na doutrina e na jurisprudência.
Segundo alguns precedentes e parte da doutrina, a genérica solicitação
de ressarcimento inclui, de certo modo, o refazimento da verdade violada. Con-
tudo, há quem entenda que a liquidação do dano moral ocorre somente se
especificamente requisitada, isto é, desde logo avaliada.
Parece-nos, entretanto, preferível admitir o ressarcimento do dano mo-
ral, mesmo diante de um pedido genérico, mas a prova do prejuízo moral deve
ser adequadamente demonstrada, à exceção do fato notório. Mesmo assim, há
quem sustente que a hipótese caracteriza um damnum in re ipsa. Sem dúvida,
porém, impõe-se provar o abatimento, o sofrimento, a injusta turbação do es-
tado de ânimo conseqüentes da ofensa sofrida.
O dano não patrimonial é in re ipsa quando o fato lesivo assume conotação
difamatória. A liquidação do dano se faz com base em parâmetros que possam
ser individualizados na gravidade do débito, na forma de sua expressão, na
difusão da notícia, na personalidade do ofendido, conforme sua qualidade de
homem público, mas ressalte-se que mesmo a pessoa sem crédito merece
tutela, podendo essa circunstância influir no quantum.
138 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Quando se está em presença de lesões de interesses patrimoniais que


possam ter repercussão na esfera moral da vítima, parece correto exigir que
esta forneça por inteiro a demonstração de existência de tal repercussão e,
portanto, a existência do dano moral.
Quando se entra na esfera das causas morais há que distinguir os danos
genéricos dos danos in re ipsa específicos. Os primeiros são aqueles que resul-
tam, normalmente, no in quod plerumque accidit, na lesão causada pelo ofensor.
Se este difama a vítima, é razoável presumir que esta, em conseqüência, sofre-
rá um prejuízo, mas o mesmo ocorreria se lhe fosse subtraída a posse de uma
coisa, ou se inscrevesse ilegitimamente uma hipoteca, e assim por diante. Es-
ses danos podem, pois, ser presumidos pelo julgador com base no id quod
plerumque accidit, salvo se o lesante se propõe a apresentar prova em contrá-
rio que demonstre, no caso, ser o fato tido como lesivo a ele imputável inconse-
qüente para o lesado. Nessa hipótese o ofendido não é mais assistido pelo id
quod plerumque accidit, mas deve fornecer a prova do dano específico de que
se ressente.
Os danos específicos são, portanto, aqueles concretos, que a vítima pode
provar em juízo ter efetivamente sofrido, e que podem ser, casualmente, reco-
nhecíveis como praticado pelo ofensor.
Esse regime interpretativo é bem delineado na legislação italiana, com
base no art. 1.226 do Codice Civile, permitindo ao juiz reconhecer tanto os
danos genéricos como os específicos.
Como a determinação do dano moral não é tarefa fácil, fica sempre ao
juiz deferido certo poder discricionário na estimativa da indenização ou com-
pensação, sendo possível variar de um mínimo a um máximo, mas que não
pode faltar, porque o autor é vítima direta do fato delituoso imputável ao réu, e
a responsabilidade civil funciona como mecanismo que sinaliza o desvalor social
e ativa o interesse privado.
Como não se tem acesso a qualquer tabela indicativa, mesmo genérica,
de avaliação do dano moral, tem-se como válido o julgamento por eqüidade, de
que pode valer-se o juiz para estimar o valor da reparação. É o que podemos
chamar de personalização quantitativa, levando, assim, em consideração os
efeitos do dano moral em função de quem o sofre. Alguns autores estudaram o
assunto no plano do direito comparado, mas não chegaram a nenhuma
dilucidação que pudesse permitir a esquematização de critérios capazes de
enfrentar validamente o problema, vale dizer, o dano moral não tem tabelas
nem parâmetros de ressarcimento, ficando inevitavelmente nas mãos do julgador
a solução, a qual, entretanto, estará sempre sujeita aos limites impostos pelo
NOVO CÓDIGO CIVIL - DANO MORAL 139

senso comum. Para não deixar sem menção umas poucas hipóteses legais no
Brasil, lembramos o Novo Código Civil, arts. 944, parágrafo único, 945, 946, 948
e seguintes, a Lei de Imprensa, lei sobre comunicações, a lei sobre direitos
autorais, mas sem que possam servir de norte para a imensa quantidade de
situações em que se impõem estimativas para reparação do dano moral.17

17
Sobre o assunto é bastante elucidativo o artigo “O dano moral e sua avaliação” da autoria do
Desembargador José Osório de Azevedo Junior (Revista do Advogado (AASP), n. 49, dez.
1996. p. 7-14).
A INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS NO STJ

IVAN CESAR MORETTI


Advogado/PR.

SUMÁRIO: I. Introdução - II. A estimativa da indenização: fatores


preponderantes - III. Casuística: alguns julgados do STJ - IV. A indenização
e o enriquecimento “com causa” - V. Análise de fatos e provas em recurso
especial? - VI. Conclusão.

I. INTRODUÇÃO

Há quem diga, no momento atual, que a sociedade moderna evoluiu em


diversas áreas - como são exemplos os avanços tecnológicos e as conquistas
médicas das últimas décadas -, mas regrediu em outros campos da natureza
humana, ou, como dizem alguns, em seus aspectos moral e espiritual-religioso.
Até a antes idolatrada “globalização” passou a ter seus aspectos negativos tam-
bém expostos por um número sempre maior de políticos, sociólogos, economis-
tas e cidadãos do mundo em geral. Um dos pontos negativos, e nisso todos são
unânimes, é a má distribuição de renda, que cresce ao invés de diminuir no
mundo moderno e globalizado: a riqueza mundial concentra-se cada vez mais
nas mãos de um número menor de pessoas e um número sempre maior de
cidadãos são atirados na pobreza ou na miséria absoluta.
Decorrência lógica e inevitável desse progressivo e alarmante desequilí-
brio econômico é o conseqüente desequilíbrio de forças havido entre as nações
e entre as diferentes classes socioeconômicas que internamente as compõem.
142 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

E é apenas este segundo aspecto que nos interessa no presente estudo, já que
a inferioridade, que chega às raias da submissão, de alguns países perante
outros é matéria de economia e política internacionais, do que não temos a
pretensão de cuidar.
Na tentativa de minimizar os efeitos dessa desproporção de poder en-
tre as diversas classes ou setores de um país, são editadas leis que visam a
reequilibrar os pratos da balança, como, v.g., leis de proteção ao trabalhador
e ao consumidor, categorias que, via de regra, acham-se numa condição menos
privilegiada frente ao patrão ou fornecedor do produto ou serviço.
Pois bem. Instrumento valiosíssimo, que ganhou força após a edição
da Carta Política de 1988 e que certamente poderia ser utilizado contra um
tipo específico de exacerbação do poder - a humilhação (lato sensu) e coer-
ção moral exercida sobre as pessoas em posição econômica ou socialmente
inferior - é a hoje famosíssima reparação do dano extrapatrimonial. Via de
regra, estará mais exposto a tais dissabores o indivíduo de parcos recursos
ou que esteja em posição mais vulnerável numa relação específica (de traba-
lho, de consumo, etc.). É o caso do empregado frente a seus patrões, do
cliente perante o estabelecimento comercial ou financeiro, ou do simples
freqüentador de um clube frente à diretoria do mesmo. Poderíamos dizer,
com a devida reserva, que em muitos casos a vulnerabilidade é proporcional
à diferença de forças entre os indivíduos ou classes de indivíduos, verificada
em cada caso concreto.
Com a Constituição de 1988 advogados e juízes foram se sentindo
mais confortáveis no combate ao chamado “dano moral”. As decisões judi-
ciais reparadoras dessa forma específica de violência e de humilhação tor-
naram-se mais abundantes. A par disso, temos que admitir, passaram a ser
impetradas demandas que traziam ao Judiciário questões com intuito duvi-
doso, situações de menor importância ou casos literalmente mesquinhos.
Tinha-se a impressão de que a suposta “vítima” estava a objetivar não um
alívio psicológico ou a afirmação/recomposição de seus valores morais pe-
rante a sociedade, mas sim uma polpuda quantia como um fim em si mes-
ma. Outro mau uso do consagrado direito de ação nesta seara foram os
exageros cometidos no arbitramento das indenizações. Vimos, no início, plei-
tos e decisões que pareciam andar no compasso norte-americano, em que
empresas modestas, mas sólidas financeiramente, já foram à bancarrota
por conta de indenizações estratosféricas.
Com o passar do tempo e provavelmente para coibir e reparar essas
distorções, o Judiciário - mais especificamente nosso Superior Tribunal de Justiça
A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO STJ 143

(e desde já pedimos vênia para expressarmos nossa opinião) - simplesmente


“pendeu para o outro prato da balança”. Seja para evitar exageros, seja para
desestimular o ajuizamento de ações com intenção e conteúdo duvidosos, o
fato é que, a nosso ver, o STJ foi ao outro extremo, concedendo indenizações
inexpressivas e literalmente “fazendo cócegas” em instituições financeiras e
outras empresas de grande porte, em que pese as lições de grandes mestres
no assunto, que já alertavam: a indenização também deve servir de exemplo e
advertência, coibindo a reincidência das práticas objurgadas e constituindo-se,
assim, em excelente instrumento de pacificação social, aliás, finalidade máxima
da jurisdição prestada pelo Estado-Juiz.
Entre os dois extremos a que nos referimos nos parágrafos anteceden-
tes, vários Tribunais permaneceram exemplarmente equilibrados naquela
balança: conferem indenizações que não chegam a enriquecer ninguém, mas
que também não são ridículas a ponto de estimular grandes empresas a con-
tinuarem com seu modus operandi. Só que, infelizmente, em grau de recurso
especial, vemos muitas vezes essas indenizações serem reduzidas a níveis mi-
croscópicos, e o ofensor que macula a honra, suja o nome e dificulta a vida
social de uma pessoa ou empresa, acaba saindo praticamente ileso. Afinal,
como sempre verbera a Colenda Corte Superior, tal verba “não deve ser motivo
de enriquecimento”, utilizando este chavão como uma clava que cai pesadamente
sobre aquele cidadão que, humilhado, confiou no Judiciário, mas que se desilu-
de, na maioria das vezes, após anos de espera...
As indenizações aplicadas pelo STJ, bem como os fundamentos dos
votos que temos analisado, data venia, não são justas e tampouco juridica-
mente corretas. Esta é nossa modesta opinião e este trabalho tem apenas o
escopo de conferir ares de publicidade à mesma, o que ao menos enriquece
o diálogo e evolui o Direito.

II. A ESTIMATIVA DA INDENIZAÇÃO: FATORES


PREPONDERANTES

Como este tópico não é, em si mesmo, o fim deste trabalho, mas ape-
nas o meio para se chegar à meta objetivada (analisar o posicionamento
atual do Colendo Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto), vamos
apenas resumir a opinião da corrente majoritária que buscou dar uma solu-
ção para a difícil tarefa de se estabelecer parâmetros à fixação da verba
indenizatória.
144 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Na opinião do mestre CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:


A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem
cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem
jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valio-
so do que os integrantes do seu patrimônio, deve rece-
ber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimen-
to, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstân-
cias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor
e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que
se converta em fonte de enriquecimento, nem tão
pequena que se torne inexpressiva.1 (destacamos)

Após discorrer sobre o assunto com a percuciência de sempre, o profes-


sor ARAKEN DE ASSIS conclui:
Quando a lei, expressamente, não traçar diretrizes para
a fixação do valor da indenização, a exemplo do que
deriva do art. 1.547, parágrafo único, do Cód. Civil, ca-
berá o arbitramento (art. 1.553), no qual se atenderá,
de regra, à dupla finalidade: compensar a vítima, ou o
lesado, e punir o ofensor.
Neste arbitramento, imposto por determinação legal, de-
verá o órgão judiciário mostrar prudência e severidade,
tolhendo a reiteração de ilícitos análogos.2

Já o festejado HUMBERTO THEODORO JUNIOR, ao tratar sobre a liqui-


dação do dano, preleciona:
Se de um lado se aplica uma punição àquele que causa
dano moral a outrem, e é por isso que se tem de levar em
conta a sua capacidade patrimonial para medir a extensão
da pena civil imposta; de outro lado, tem-se de levar em
conta a situação e o estado do ofendido, para medir a
reparação em face de suas condições pessoais e sociais.
(...)
Aplicando a mesma orientação, que se pode dizer univer-
sal nos pretórios, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais
teve oportunidade de assentar em acórdão recente:
“Para a fixação do quantum em indenização por danos
morais, devem ser levados em conta a capacidade econô-
mica do agente, seu grau de dolo ou culpa, a posição
social ou política do ofendido, a prova da dor” (TAMG, Ap.
140.330-7, Rel. Juiz BRANDÃO TEIXEIRA, Ac. 05.11.92,
DJMG, 19.03.93, pág. 09).3 (destacamos)

1
Responsabilidade Civil, n. 49, Rio de Janeiro, 1989. p. 67.
2
Indenização do Dano Moral, RJ n. 236, jun./97, p. 5.
3
ST nº 84, p. 7.
A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO STJ 145

Assim, daquilo que expusemos acima, louvando-nos nas lições de mes-


tres de renome, podemos resumir os fatores a serem considerados no
arbitramento da indenização do dano moral:
a) O nível econômico e a condição particular e social do ofendido;
b) O porte econômico do ofensor;
c) As condições em que se deu a ofensa;
d) O grau de culpa ou dolo do ofensor.
Assim, por exemplo, tem o primeiro deles importância para que a inde-
nização por dano moral não se constitua em instrumento de ganância ou
mero capricho, enriquecendo o ofendido de maneira desmedida. Mas, de ou-
tro lado, o segundo fator (porte econômico do ofensor), se não observado,
poderá levar a um julgado insignificante para o culpado, não se constituindo,
via de conseqüência, em reprimenda capaz de desestimular a reiteração da
prática moralmente danosa.

III. CASUÍSTICA: ALGUNS JULGADOS DO STJ

Não são poucas as decisões do STJ que, com todo o respeito, o subscritor
destas linhas entende incompatíveis com nossa realidade vigente,
tangentemente ao dano extrapatrimonial, exatamente por não observarem
os parâmetros recomendados pela melhor doutrina e acima resumidos. Mas
atenhamo-nos a três exemplos:
O primeiro deles, consubstanciado no RESP nº 232.437-SP* (4ª Turma,
rel. Min. Aldir Passarinho, v. u., j. 28.08.2001, DJU 04.02.2002), refere-se à
indenização de 50 (cinqüenta) salários-mínimos estipulada a favor de um co-
merciante que, mesmo provando não ter emitido um cheque que lhe fora furta-
do, não conseguiu evitar o protesto em cartório e ainda teve de esperar um ano
e três meses pela documentação exigida para cancelá-lo (a carta de anuência
do banco condenado). Isto mesmo: MAIS DE UM ANO de espera! E mais: esse
comerciante afirmava (o que não foi infirmado pelo réu) jamais ter sofrido um
único protesto em sua vida. Convenhamos, para tamanho descaso - que nos
induz mesmo a pensar em propósito doloso - a indenização fixada pelo STJ não
atendeu, no mínimo, a um daqueles elementos: o grau de culpa ou dolo.4

* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
4
Ou, dizendo de outra forma: tivesse o ofensor revelado um mínimo de zelo ou consideração
com a vítima, ao menos “consertando” rapidamente o erro cometido, i.e., fornecendo
imediatamente a carta de anuência, o quantum fixado pelo STJ estaria, a nosso ver, mais
coerente com as lições dos mestres.
146 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

O segundo caso, materializado no RESP nº 327.420-DF* (4ª Turma, rel.


Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, v. u., j. 23.10.2001, DJU 06.02.2002) refere-
se à indenização de míseros R$ 2.000,00 (dois mil reais) conferida a uma con-
sumidora que teve o nome injustamente maculado por uma empresa de telefo-
nia que, além de remeter sua conta telefônica a endereço errado, enviou o
título a protesto e incluiu seu nome no Serasa sem prévia comunicação. Em que
pese o acinte da ré ao contestar as alegações de dano moral sob a assertiva de
“fazer parte da vida” os contratempos e aborrecimentos experimentados pela
consumidora (!), viu-se aquela grande empresa praticamente “premiada” com
uma condenação irrisória, que certamente mais se constituiu num estímulo à
práticas similares e futuras que em punição inibitória. Triste realidade ...
O terceiro caso, e o mais estarrecedor de todos, deve ser de conheci-
mento da maioria dos leitores deste artigo, dada a ampla divulgação que teve
no meio jurídico, inclusive no próprio site do STJ. Trata-se de situação con-
templada no RESP nº 214.053-SP* (4ª Turma, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, v. u.,
j. 05.12.2000, DJU 19.03.2001), em que uma empregada doméstica foi injus-
ta e violentamente acusada de ser “ladra” pelo gerente de um supermerca-
do porque supostamente teria passado um cheque sem fundos - ou furtado
- naquele estabelecimento. E mais: a cena humilhante passou-se na frente
dos amigos de Igreja e dos policiais que acompanhavam o truculento geren-
te do supermercado. A pobre cozinheira quase teve a voz de prisão contra si
decretada e efetivada.
A empregada, que tanto primava por princípios morais e religiosos (prova
maior disso é que seus patrões lhe entregavam cheques em branco para as
compras), após ser humilhada e acusada da prática de um crime na frente de
todos e diante de sua igreja, obteve indenização equivalente a 200 salários
mínimos em primeira instância. Em segunda instância, o TJSP elevou a cifra
para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), dada a gravidade do caso e o porte
econômico do ofensor. Uma decisão louvável, sem dúvida.
Mas, por incrível que pareça, o STJ reduziu a indenização para (pas-
mem!) cinco mil reais (R$ 5.000,00). Não só para este subscritor, mas tam-
bém para muitos outros profissionais do Direito, os fundamentos do julgado,
consubstanciados no voto do Min. Relator Asfor Rocha, ao invés de ameniza-
rem a dor da doméstica devem ter causado novo “ferimento” em sua alma!
Explicamos: é que sua indenização foi reduzida sob o argumento de que
“a quantia fixada (pela instância anterior) é desproporcional ao padrão econômico

* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui links para os acórdãos mencionados.
A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO STJ 147

da recorrida (a vítima) e da recorrente”, como se estes fossem os únicos ele-


mentos a serem ponderados no arbitramento do caso, pouco importando, en-
tão, a gravidade do dano e o grau de culpa ou dolo do ofensor.
A impressão que a humilde cozinheira deve ter tido, então, é a de estar
condenada à pobreza eterna em nosso país, já que essa mesma situação é
levantada como fator impeditivo para um suposto “enriquecimento” (como se
a verba sabiamente deferida pelo TJ/SP - R$ 50.000,00 - tornasse alguém
rico!) e é fator utilizado até mesmo para mensurar e reduzir as compensações
a que ela eventualmente possa fazer jus em nossa “sociedade moderna”.
Assim, mais uma vez vimos a empresa (ir)responsável pelo dano ser premia-
da, sabedora, doravante, de que pode acusar alguém de “ladrão” até mesmo
no mais sagrado dos lugares (que, por isso mesmo, enseja restrições à cita-
ção no processo civil - cf. art. 217, I, do CPC) e, na pior das hipóteses e após
longos anos de “carência”, será condenada a pagar apenas R$ 5.000,00 (cin-
co mil reais) - desde que a vítima seja pobre, como a doméstica de que
cuidou o julgado.

IV. A INDENIZAÇÃO E O ENRIQUECIMENTO “COM CAUSA”

Após a exposição de algumas lições e de alguns julgados supratranscritos,


não poderíamos nos furtar à análise de um fundamento que tem sido repetido
incessantemente nas mais variadas cortes e esferas judiciais, e que apregoa
que a indenização por dano extrapatrimonial, se “excessiva”, configurará autên-
tico “enriquecimento sem causa” (ou frase equivalente na prática). Assim, re-
pete-se este chavão sem que se questione, com maior acuidade, sua veracida-
de.
Ora, o “enriquecimento” por conta de alguma indenização mais eleva-
da não significa, de modo algum, “enriquecimento sem causa” ou “indevido”
ou muito menos “ilícito”, o que a moral e o direito repudiam. Ao contrário,
quando o ordenamento jurídico prevê e o Judiciário defere um pleito indeni-
zatório, ainda que oriundo de prejuízo extrapatrimonial, há CAUSA sim, e
absolutamente lícita e devida a estribá-lo. São existentes os fatos (o evento
ilícito e danoso = CAUSA REMOTA) e os fundamentos jurídicos (previsão
legal da indenização = CAUSA PRÓXIMA) do pedido. Assim, se o julgador
chegasse à conclusão de que uma indenização “x” seria a mais coerente num
caso concreto (considerados os vários fatores já expostos, dentre eles o porte
econômico do ofensor), mesmo que se pudesse cogitar de que tal quantia po-
148 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

deria ser considerada “enriquecedora” frente às condições da vítima, ainda as-


sim eventual enriquecimento seria justo e “devido”, pois absolutamente
sedimentado nos vários parâmetros fáticos e jurídicos tomados em considera-
ção pelo aplicador da lei, e não apenas na situação financeira da vítima - como
tem ocorrido.
Prova maior disso é que até mesmo o enriquecimento oriundo da prá-
tica de jogos (referimo-nos aos lícitos, é óbvio) tem acolhida em nosso
ordenamento jurídico. O ganhador de uma loteria enriquece sem qualquer
contraprestação ou labor, mas nem por isso seu enriquecimento é juridica-
mente “sem causa”. Muito pelo contrário, já que a própria lei contemplou
referida hipótese.
O que diríamos, então, àquela doméstica citada no supramencionado
julgado? Que sua demanda era “menos” moral ou legítima que a prática de
loterias e outros jogos de azar? Que o prazer da aposta ou a crença no ganho
fácil é aceito por nossa sociedade e pode motivar o enriquecimento, mas a
sua honra, sua imagem perante amigos, familiares e comunidade em geral,
quando maculados não são, todavia, juridicamente admissíveis como fator
“enriquecedor”? Data venia, não podemos concordar com os que afirmam ser
“sem causa” uma indenização supostamente elevada, desde que atendidos
os pressupostos legais e sopesados os demais elementos no arbitramento de
seu valor (vale lembrar que o caso mencionado ocorreu com um supermerca-
do, e não com uma pequena banca de jornais ou uma modesta borracharia,
por exemplo).

V. ANÁLISE DE FATOS E PROVAS EM RECURSO ESPECIAL?

Pois bem. Ao lado dos critérios adotados em diversos julgados - que


reputamos injustos, por mais premiarem o ofensor do que inibi-lo -, o STJ
comete ainda uma impropriedade, a nosso ver, ao alegar que revendo o
quantum indenizatório não está a rever fatos e provas. É que a análise de
fatos e provas é obrigatória para se chegar a um mínimo de coerência na
fixação daquele valor, ao menos segundo a melhor doutrina. Em sede de
recurso especial haveria apenas duas opções na análise dos casos concretos:
a) ou não se investiga fatos e provas, e serão estipuladas indenizações ab-
solutamente arbitrárias e aleatórias ou, no mínimo, deficientemente fixadas
(com base em apenas um ou dois fatores, como, por ex., a situação econô-
mica e social do ofendido); ou b) analisa-se fatos e provas, única maneira de se
A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO STJ 149

investigar e mensurar os outros elementos/parâmetros, quais sejam: o grau


de dolo ou culpa e as circunstâncias em que se deu a ofensa, como recomenda
a melhor doutrina. Sem isto, não se pode dizer que este ou aquele juiz ou
tribunal exagerou na indenização ou foi tímido ao arbitrá-la.
Afora estas duas opções, teríamos que admitir uma falsa e odiosa “igual-
dade”, nivelando as indenizações (“iguais para todos”) ou aplicando-as sem-
pre segundo as condições econômicas de apenas uma das partes (a vítima),
mesmo quando distintas - de um julgado para outro - as condições econômi-
cas dos ofensores e as demais situações: evento danoso, gravidade da práti-
ca nociva e a intensidade do dolo (em seu aspecto qualitativo e temporal,
como, v.g., o tempo que um banco demora para “limpar” o nome da vítima
injustiçada). Somente analisando e “mensurando” estas diversas variantes,
em cada caso concreto, estar-se-ia, aí sim, tratando-se desigualmente as
situações desiguais - primado da justiça e da igualdade efetiva ou real, sob
pena de “tabelarmos” as indenizações, de acordo com a profissão e condição
financeira das vítimas.
Todavia, procurando visivelmente uma fórmula para adentrar na seara
da indenização por dano moral sem, todavia, violar sua própria Súmula 75 e a
tão falada “impossibilidade de reexame de fatos e provas na via do apelo
extremo”,6 passou o STJ a sustentar que, restringindo-se a modificar o quantum
não estaria analisando matéria fático-probatória. Data venia, entendemos
não ser assim, pelos motivos retromencionados.
E nem se alegue que ao rever determinado acórdão o STJ apenas se
vale dos fatos e provas ali narrados e expostos, sem investigar, por si, os
documentos e depoimentos contidos nos autos, pois o dano moral reclama
análise diversa, ao contrário do dano patrimonial ou de recursos processuais
que discutem apenas matéria de Direito. Em se tratando de litígio que versa
sobre o dano moral e sua indenização pecuniária, todos sabemos que a tarefa
de arbitrá-la não é simples questão aritmética. Assim sendo, se fosse o STJ
louvar-se apenas no raciocínio lógico e nos fundamentos adotados no decisum
recorrido, nossos Ministros haveriam de chegar ao mesmo montante, já que
exatamente por aqueles fundamentos a instância anterior chegou num valor
“x” ou “y”! Para rever tais julgados o STJ haveria, no mínimo, de efetuar a
mesma análise, percorrer o mesmo “trilho”, pois, do contrário, como reformá-lo?
Apenas “entendendo” ser pouca ou muita a indenização (alterada), num critério
absolutamente subjetivo?

5
Súmula 7: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”
6
STJ - AGA. 376333-MG - 2ª T. - Rel. Min. Paulo Medina - DJU 22.04.2002.
150 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Por outro lado, sempre causará estranheza um juízo emitido com base
apenas em um único elemento do processo (ainda que se trate da decisão
recorrida), quando a demanda reclama ampla investigação e a tarefa de esti-
pular uma indenização revela-se árdua, pois não-patrimonial o prejuízo cau-
sado. Afinal, o julgado recorrido, este sim, fora fruto de uma elaborada investi-
gação que resultou em dado convencimento/arbitramento, calcado, todavia,
em um conjunto fático-probatório, em elementos objetivos, concretos e peculi-
ares de cada caso. Só assim poderia o magistrado chegar numa valoração mais
coerente ou próxima da Justiça (meta nem sempre atingida, mas eternamente
perseguida).
Aliás, outro critério de decisão sempre abrirá maiores possibilidades à
opiniões estritamente pessoais ou, quiçá, até preconceituosas do julgador
(enquanto ser humano), já que desconsiderados fatos e provas de cada caso
concreto. O julgamento, assim, seria formulado de um modo exclusivamente
subjetivo, em que o magistrado (um ser humano, repita-se) provavelmente já
tem impresso em seu espírito se este ou aquele valor é “muito” ou “pouco”
para aquele tipo de pessoa, àquela classe ou categoria econômica. Claro que
a “valoração”, neste tipo de ação, sempre será uma ATIVIDADE subjetiva -
não estamos a negar isto. Mas deverá (ou deveria) ela dar-se exatamente
com base em ELEMENTOS e PROCEDIMENTOS objetivos, a fim de diminuir-lhe
ao máximo a margem de subjetivismo.

VI. CONCLUSÃO

Repisando o que já dissemos no início, nosso intuito resume-se a enri-


quecer o debate em torno do tema vertente, com todo o merecido respeito à
nossa Corte Superior, que tanto contribuiu e tem contribuído para o fortaleci-
mento da cidadania e das instituições democráticas do nosso país. Apenas na
questão do dano moral, entendemos que:
A) A indenização não deve ser exagerada a ponto de se converter em
causa de ruína completa do ofensor, mas também não deve ser insignificante
- segundo as posses do mesmo, vale lembrar - a ponto de não coibir ou ao
menos desestimular práticas futuras e semelhantes;
B) A fixação do quantum deverá levar em consideração os seguintes
fatores: o nível econômico e a condição particular e social do ofendido; o
porte econômico do ofensor; as condições em que se deu a ofensa; e o grau
de culpa ou dolo do ofensor;
A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS NO STJ 151

C) A percepção de uma indenização por danos morais nunca poderá ser


taxada de “enriquecimento sem causa” ou “indevido”, ou mesmo “exagerado”,
desde que perfeitamente agasalhada pelo ordenamento jurídico e calcada em
elementos fáticos que a justifiquem, dentro dos parâmetros suso mencionados;
D) O STJ, ao rever as indenizações aplicadas pelas instâncias inferiores,
mas impedido de rever fatos e provas em conjunto, acaba desconsiderando as
circunstâncias que envolveram o caso concreto e que foram tomadas em consi-
deração pelas esferas anteriores, sob a falsa idéia de que reformou o quantum
mas não reviu provas e fatos, o que, data venia, é impossível, sob pena de se
malferir o próprio princípio da igualdade, nivelando situações que, de fato, são
diferentes em natureza e gravidade. E nem se argumente que a Corte Superior
vale-se apenas dos fundamentos fáticos descritos nas decisões inferiores, sem
rever provas, pois foi exatamente em decorrência das provas apresentadas e
dos fatos verificados no caso concreto que se chegou a um quantum determina-
do, que seria, então, mais próximo da realidade do que a avaliação (fictícia -
exclusivamente subjetiva) do STJ, esta tomada à distância do conjunto probatório
contido nos autos, que, como vimos, é imprescindível para se investigar/mensurar
o porte econômico do ofensor e, principalmente, o grau de culpa ou dolo verifi-
cado in concreto, bem como as condições em que se deu a ofensa, com todas
as peculiaridades e dificuldades que envolvem este tipo de demanda (prejuízos
não-patrimoniais).
PRIVACIDADE NA
COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS


Professor Emérito das Universidades Mackenzie, Paulista e
Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente
do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio
do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão
Universitária - CEU.

ROGÉRIO VIDAL GANDRA DA SILVA MARTINS


Advogado/SP. Pós-Graduando em Direito Tributário pelo
Centro de Extensão Universitária.

Resumo
O trabalho aborda os problemas suscitados pela universalização eletrô-
nica e as dificuldade de aplicação de medidas jurídicas de controle, enfocadas
no direito à privacidade na comunicação eletrônica.

Palavras-chave
Comunicação eletrônica; Direito autoral; Informação.
Privacy in electronic communication

Abstract
This paper discusses the problems originated by the electronic
universalization and the difficulties of application of juridical measures of control,
with reference to the rights of privacy in communication.

Keywords
Electronic communication; Copyrights; Information.
154 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Muito se tem escrito sobre a informática e os problemas jurídicos que


suscita em variadas áreas por sua universalização e pelo fato de, no mais das
vezes, o fenômeno legal ser um fenômeno nacional e, portanto, de pouca
abrangência para a regulação do novo campo de comunicação.
A grande questão que se tem colocado é saber como se deve reger de
maneira uniforme a comunicação eletrônica, a partir de regramentos jurídicos
pertinentes a cada nação ou, ainda, como aplicar os acordos, tratados e convê-
nios internacionais assinados sobre a informática quando os pontos de trans-
missão e recepção se encontrem fora dos países signatários.1
Para os autores, a questão do controle da informática assemelha-se muito
ao controle da circulação da moeda e dos ativos financeiros, dos quais mais de
15 trilhões encontram-se fora do controle de qualquer banco central de países
civilizados, em face de transitarem por paraísos fiscais com regulação própria e
protetora de tais recursos, porque a eles interessa esta riqueza disponível.2

1
Marco Aurélio Greco reconhece a difícil problemática ao dizer: “Além das repercussões na idéia
de soberania e na eficácia das legislações, não se pode deixar de mencionar os reflexos que
serão gerados em relação ao exercício da função jurisdicional. Por um lado, a virtualização
dos bens e a mobilidade de pessoas e atividades dificultam a aplicação de provimentos
judiciais, desde os cautelares (por exemplo, apreensão do conteúdo de um site) até os
ligados ao próprio conteúdo da prestação jurisdicional (sua execução).
Não apenas a eficácia dos provimentos judiciais é afetada, como, principalmente, a
compreensão das realidades mundiais (portanto, que extrapolam o âmbito territorial local)
passa a ser relevante para interpretar a legislação interna. Em outras palavras, além de
fenômenos internacionais (por exemplo, o crime organizado) levar à necessidade de leis
especiais para serem aplicadas em nosso território (por exemplo, lei de lavagem de dinheiro),
surgirá o momento em que a interpretação e aplicação da legislação interna sofrerão influência
da realidade externa. De fato, uma lei terá seu efetivo alcance determinado em função da
interpretação que lhe for dada pelos aplicadores e juízes, e uma interpretação segundo
critérios tipicamente locais (por exemplo, amplitude dos tipos penais ou atribuir sentido
jurídico ou econômico a certos conceitos) podem ser a pedra de toque da eficácia ou ineficácia
do dispositivo, tendo em vista o conjunto de medidas que os Estados em geral tomarem para
enfrentar determinada realidade global” (Internet e direito. São Paulo: Dialética, 2000. p. 15).
2
Escrevi: “Elemento que tem preocupado cada vez mais os países desenvolvidos e em
desenvolvimento é o volume de dinheiro que os agentes econômicos anônimos detêm e que
circulam pelo mundo inteiro, calculado em 13 trilhões de dólares ou 2 PIBs americanos.
Tais recursos, cujos titulares os governos desconhecem em parte e cujos operadores oficiais
encontram-se em paraísos fiscais não controlados pelas grandes nações, são direcionados,
em velocidade crescente, para os países que oferecem melhores condições de lucratividade,
mas podem ser deles retirados na mesma rapidez com que lá entraram.
Na medida em que a globalização da economia exige crescente abertura cambial, a
movimentação de tais recursos é mais ágil, com o que os países em desenvolvimento, por
exemplo, podem recebê-los em quantidade maior do que no passado, desde que garantam
uma renda e ofereçam melhores condições que as dos países desenvolvidos” (Uma visão do
mundo contemporâneo. Pioneira, 1996. p. 92-93).
PRIVACIDADE NA COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA 155

Da mesma forma que a legislação punitiva do mercado interno contra a


lavagem do dinheiro é insuficiente e precária para surtir efeitos reais, qualquer
controle sobre a comunicação eletrônica propicia, também, pequenos resulta-
dos, visto que dois fatores dificultam supervisão maior:
a) a possibilidade de os pontos de ignição do sistema encontrarem-se
fora do alcance dos países com regulação jurídica possível;
b) os gênios da informática dificultarem sua localização, sobre poderem
ter acesso, quebrar sistemas de segurança, invadir e destruir informações alheias
com razoável freqüência e impunidade.3
Em outras palavras, no mundo da comunicação eletrônica, o “ativo finan-
ceiro” é a informação, e esta migra com velocidade surpreendente, assalta os
informatizados e pode restar sem paternidade a partir da genialidade dos que a
manipulam ou do refúgio em países onde a legislação seja flexível ou pouco
severa.
Por esta razão, as sucessivas diretivas da União Européia ainda são insu-
ficientes para conter os abusos que os hackers podem gerar, sobre não ser fácil
definir o tratamento tributário, concorrencial, jornalístico, comercial, econômi-
co e pessoal que se deve dar à informática.
Em outras palavras, a universalização da comunicação eletrônica carece
de uma legislação igualmente universal de controle de todos os países, median-

3
Edward A. Cavazos e Gavino Morin, em 1993, já se assustavam com esta realidade: “Cyberspace
has grown at an almost incredible rate over the last few years, and indications are that this
rate will continue. The bulletin board phenomenon clearly indicates this growth. The first
bulletin board software, written by Ward Christensen and called “CBBS”, was put on line in
1978. If Christensen’s board is still running, it is by no means alone, as 60,000 other systems
have come on-line since then.
Networks are also growing explosively. An indication of this trend is the Internet’s growth
since its beginnings in 1981. At that time, the number of host systems was 213 machines.
The time of this writing, twelve years later, the number has jumped to 1,313,000 systems
connecting directly to the Internet. The dramatic rate of growth becomes evident when the
numbers of hosts in 1992 - 727,000 - is compared to the 1.3 million figure of 1993.
The growth of the Internet will be further boosted by recently passed federal legislation
designed to bolster the development of a digital “information infrastructure”. The law, called
the High Performance Computing Act, was passed in 1991. It calls for a government and
industry coalition working to research the hardware and software needs for the digital
equivalent of the federal highway system with computer connections linking millions of
Americans.
Like the Internet, Fidonet has experienced startling growth. The original Fido BBS was
released in June of 1984, and within a year 160 nodes had signed on. Today with over 22,00
nodes, Fidonet is one of the fastest growing computer networks in the world” (Cyberspace
and the Law: Your Rights and Duties in the On-line World, The MIT Press, London, England,
1996, p. 10-11).
156 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

te disciplina jurídica idêntica e com possibilidades de intervenção supranacional


de órgãos internacionais e/ou comunitários.4
A informática, em última análise, tornou-se o meio mais fácil de comuni-
cação e veiculação de decisões, negócios, lazer, informações e correspondência
privada, mas sua disciplina universal ainda não existe e não sabemos se, sem
um Estado universal, será de fácil consecução.
A informática, todavia, é apenas um veículo moderno, rápido e universal
de comunicação.
Entre as cláusulas pétreas da Constituição brasileira encontra-se o direi-
to à preservação da intimidade a ensejar ações judiciais reparativas contra sua
violação.
O artigo 5º, inciso X, da lei suprema está assim veiculado:
“são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral de-
corrente de sua violação”.5
Um dos autores deste trabalho tem pessoalmente se manifestado contra
a indústria das ações reparadoras do dano moral, que forjam lesões inexistentes

4
Lê-se no parecer do Comitê Econômico e Social da União Européia (97/C290/04) sobre uma
sociedade global de informação, o seguinte: “1.3. O plano evolutivo é o resultado de “um
amplo processo de reflexão sobre a sociedade da informação, que levou à identificação de
4 novos domínios prioritários:
- melhorar o contexto empresarial através da liberalização das telecomunicações, com novas
acções a favor das PME;
- investir no futuro, privilegiando a escola e os jovens;
- centrar as atenções no cidadão, favorecendo igualmente a coesão e o emprego;
- considerar a importância da cooperação global, criando regras mundiais sobre acesso ao
mercado, direitos de propriedade intelectual, protecção da vida privada e proteção contra
utilizações ilícitas etc.” (Jornal Oficial das Comunidades Européias de 29.09.1997).
5
Celso Ribeiro Bastos assim o comenta: “A evolução tecnológica torna possível uma devassa
da vida íntima das pessoas, insuspeitada por ocasião das primeiras declarações de direitos.
É por isto que o seu aparecimento será um pouco mais tardio.
Contudo é bom notar que também não é uma preocupação dos nossos dias. O problema já
no século passado se fez eclodir, sobretudo na França, com a publicação indiscreta de fotos
de artistas célebres.
Nada obstante isto, na época atual as teleobjetivas, assim como os aparelhos eletrônicos de
ausculta, tornam muito facilmente devassável a vida íntima das pessoas. É certo que esta
intimidade já encontra proteção em uma série de direitos individuais do tipo inviolabilidade de
domicílio, sigilo da correspondência etc. ...
Sem embargo disto, sentiu-se a necessidade de proteger especificamente a imagem das
pessoas, a sua vida privada, a sua intimidade.
Podemos dizer que o direito à imagem consiste no direito de ninguém ver o seu retrato
exposto em público sem o seu consentimento.
Pode-se ainda acrescentar uma outra modalidade deste direito, consistente em não ser a
sua imagem distorcida por um processo malévolo de montagem” (Comentários à Constituição
do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 2, 1989. p. 62).
PRIVACIDADE NA COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA 157

na busca de um enriquecimento sem justa causa. Uma excessiva valorização do


“preço” da dor moral, do pretium doloris, em que não há dor, nem moral, mas
apenas um bom negócio, está a merecer reflexão de julgadores e juristas na
busca da justa medida para o ressarcimento pecuniário devido pela violência
praticada contra a privacidade e a dignidade das pessoas.6
O exagero e o artificialismo com que estas ações indenizatórias são ela-
boradas para a obtenção de polpudos benefícios para um dano maliciosamente
alegado não afastam, todavia, a necessidade de preservação de bens supre-
mos, que são a intimidade e a privacidade das pessoas.
Um dos autores deste trabalho, em palestra proferida e citando outros
autores, assim conformou sua visão da intimidade, também aceita pelo outro
co-autor e ora transcrita:
É bem verdade que houve uma grande evolução na
doutrina sobre o direito à imagem, à honra e à identida-
de, só não tecendo maiores comentários a respeito em
face da brilhante palestra de Carlos Alberto Bittar. De
qualquer forma não se pode deixar de lembrar a obra
de Gotrama Gonzalez publicada na “Nova Enciclopédia
Jurídica” (tomo XI, p. 301 e segs., Ed. Barcelona, 1962),
em que se refere a sete teorias sobre o direito à ima-
gem 1) negativista; 2) vinculada à honra; 3) expressão
do corpo; 4) direito à identidade; 5) direito à intimida-
de; 6) direito à liberdade e 7) patrimônio moral.
É reconhecida a evolução de um direito à honra para
um direito à imagem e finalmente à identidade do ser
humano, com suas circunstâncias e meio em que vive,
que conformam o denominado direito à personalidade.
A doutrina evoluiu para mostrar que o direito à honra
não compõe por inteiro a personalidade, nem a própria
imagem, ou mesmo a identidade, sendo esta o comple-
xo de atributos internos, externos e naturais que escul-
pem a pessoa humana.

6
Álvaro Villaça lembra que: “Problema de difícil solução que têm enfrentado nossos Tribunais é
o da quantificação, da avaliação ou da apuração desse dano, fundado em reprimir a sensação
dolorosa sentida pela vítima do dano moral.
Essa dificuldade, entretanto, jamais foi ou poderá ser levada a que não se indenize o dano
moral.
Nosso Código, por seu art. 1.553, apresenta solução genérica, para que não reste irreparado
qualquer dano, quando alude a que, nos casos não previstos em lei, no tocante à liquidação
de danos resultantes de atos ilícitos, a indenização dar-se-á por arbitramento” (Teoria geral
das obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 226).
158 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Fábio de Matia historia: “Os especialistas alemães, na


segunda metade do século XIX, cognominaram os direi-
tos da personalidade como ‘Individualiatsrechte’ e
‘Personlichkeitsrechte’ ”.
São outras as denominações usadas: “Direitos essen-
ciais ou fundamentais da pessoa, Direitos da própria pes-
soa, Direitos de Estado, Direitos personalíssimos”.
Uma denominação bem antiga é a de direitos inatos,
utilizada pela Escola do Direito Natural.
Arturo Valencia Zea os chamou de “derechos de
personalidad o humanos”.
A expressão consagrada é “direitos da personalidade”
ou então “direitos privados da personalidade”.
Simón Carrejo afirma que a expressão direitos da perso-
nalidade é aceita na doutrina da atualidade por “ser más
comprehensiva” (Estudos de Direito Civil, Ed. Revista
dos Tribunais, p. 102).
Sendo, pois, o direito à personalidade um bem imaterial,
sempre que tal bem seja atingido há de se compreen-
der uma justa reação do cidadão, que, todavia, não
pode, a meu ver, ser uma reação de quem quer apro-
veitar a lesão definida para, a partir dela, fazer um bom
negócio, risco de sua moral ou sua honra ou sua ima-
gem não valer muito mais do que aquela da história da
rapariga cuja honra tinha um preço. O “pretium doloris”,
como se a dor fosse redutível a um bom punhado de
dólares - ou reais -, é reduzir, a meu ver, o maior dos
bens de uma pessoa à sua expressão mais vil, embora
extremamente útil para que se possa usufruir a vida
mais confortavelmente a partir do ressarcimento
patrimonial de um dano moral.
À evidência, o dano moral que implique uma perda
patrimonial deve ser ressarcido pela lesão patrimonial,
mas o dano moral que implique uma desfiguração de
personalidade, no entender do desfigurado, só pode e
deve ser ressarcido após ter o “sofredor” quantificado o
volume financeiro da sua dor e ser este justo, na opi-
nião do julgador, depois de ter ponderado todos os as-
pectos que determinaram o valor pecuniário demanda-
do pela dor moral.
É interessante verificar que sempre que a dor é real-
mente moral não se procura tal ressarcimento na justi-
ça, como nos casos de adultério, em que o cônjuge
atingido pode pedir a separação, mas raramente ingres-
sa com a ação pertinente por dano moral.
Poder-se-ia dizer que a cópia de uma obra artística, o
plágio de um livro, a reprodução sem autorização de
trabalho intelectual possam representar dano moral, mas
o ressarcimento aí se justifica não pelo dano moral, mas
PRIVACIDADE NA COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA 159

pelo crime material e pelo benefício pecuniário resultan-


te da reprodução, devendo o intelectual furtado em
suas idéias, obras ou exteriorizações materiais ser mais
indenizado pela perda dos direitos por terceiros explora-
dos do que pelo próprio dano moral. Parece-me típico
caso de ressarcimento pecuniário por dano moral com
implicações patrimoniais.
É de se lembrar que para alguns dos direitos da perso-
nalidade violentados há proteção tarifária com cálculos
atuariais de lei que facilitam ao julgador sua aplicação.
Mas tais cálculos atuariais dizem mais respeito àqueles
direitos da personalidade cuja violência acarrete conse-
qüências de natureza patrimonial. E o dano moral puro
não é de fácil quantificação em tabelas atuariais.7

Tais valores são aqueles que devem ser preservados e protegidos contra
os agressores, principalmente quando desfiguram publicamente a imagem das
pessoas por qualquer veículo que permita o acesso a terceiros de informações
corrosivas.
É pacífico que a desfiguração pública pela imprensa torna possível a
detecção dos causadores do mal, permitindo as medidas judiciais pertinentes.8

7
Palestra de Ives Gandra da Silva Martins no 2º Ciclo de Estudos de Direito Econômico,
publicada no livro “Estudos de Direito Econômico”, Ed. IBCB, 1994, p. 130 a 131.
8
Limongi França elenca os seguintes direitos privados da personalidade:
“1. Direito à Integridade Física:
1.1. Direito à vida e aos alimentos
1.2. Direito sobre o próprio corpo, vivo
1.3. Direito sobre o próprio corpo, morto
1.4. Direito sobre o corpo alheio, vivo
1.5. Direito sobre o corpo alheio, morto
1.6. Direito sobre partes separadas do corpo, vivo
1.7. Direito sobre partes separadas do corpo, morto;
2. Direito à Integridade Intelectual:
2.1. Direito à liberdade de pensamento
2.2. Direito pessoal de autor científico
2.3. Direito pessoal de autor artístico
2.4. Direito pessoal de inventor;
3. Direito à Integridade Moral:
3.1. Direito à liberdade civil, política e religiosa
3.2. Direito à honra
3.3. Direito à honorificência
3.4. Direito ao recato
3.5. Direito ao segredo pessoal, doméstico e profissional
3.6. Direito à imagem
3.7. Direito à identidade pessoal, familiar e social” (Revista do Advogado, p. 5, transcrito na
palestra no 2º Ciclo de Estudos de Direito Econômico, livro “Estudos de Direito Econômico”,
op. cit. p. 132).
160 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Mesmo assim, é de se perguntar se a notícia divulgada sobre homem


público - que, para representar a população que nele confia, não pode esconder
nada da comunidade a que serve - pode ensejar ação reparatória.
Entendemos que a privacidade a que se refere o art. 5º inciso X diz
respeito àquele cidadão comum, ao homem corrente, e não aos que devem
representar a cidadania. Estes devem ter sua vida como um livro aberto. Os
“homens públicos” - neles incluo as mulheres, para diferenciá-las daquelas em
que o adjetivo indica profissão diversa - como a própria qualificação está a
indicar são “públicos”, e não “privados”, nada podendo esconder dos que repre-
sentam ou servem.
Não sem razão, em inúmeros dispositivos, a Constituição exige “expres-
samente” “reputação ilibada” para o exercício de certas funções, não se deven-
do entender, entretanto, que tal reputação seja desnecessária para as demais.
Para todos os ocupantes de funções públicas, é necessário reputação ilibada,
em face de o art. 37 da Constituição Federal exigir a “moralidade” como princí-
pio fundamental. Em visão abrangente desse princípio, não é de se admitir que
as pessoas possam ser “imorais” em determinadas áreas de atuação pública e
“morais” em outras.9
Para nós, fatos verdadeiros sobre homens públicos podem ser veiculados
sem ferir a privacidade do cidadão e sem ensejar as ações reparadoras. Se a
notícia for falsa, os meios de comunicação podem ser acionados para reparar o
dano civil, e também criminalmente, por difamação, mas só nesta hipótese.
Pergunta-se, entretanto, se a comunicação eletrônica ensejaria os mes-
mos mecanismos de defesa judicial que a comunicação clássica.

9
Os artigos 73, § 1º, inciso II, 101, 104, parágrafo único, têm a seguinte dicção: “Art. 73 ...
§ 1º Os Ministros do Tribunal de Contas da União serão nomeados dentre brasileiros que
satisfaçam os seguintes requisitos: ... II. idoneidade moral e reputação ilibada”;
“Art. 101 O Supremo Tribunal Federal compõe-se de 11 Ministros, escolhidos dentre cidadãos
com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”;
“Art. 104 ... Parágrafo único. Os Ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados
pelo Presidente da República, dentre brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos, de
notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pelo Senado
Federal, sendo: I. 1/3 dentre juízes dos Tribunais Regionais Federais e 1/3 dentre
desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio
Tribunal; II. 1/3, em partes iguais, dentre advogados e membros do Ministério Público Federal,
Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente, indicados na forma do art. 94”,
estando o “caput” do art. 37 assim redigido: “A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: ...”(grifos nossos).
PRIVACIDADE NA COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA 161

A Internet tornou inexistente a privacidade de todo o cidadão que a ela


tem acesso, pois sujeito a assaltos dos “predadores dos sistemas”, nada obstante
os esquemas de segurança e, muitas vezes, sem que o lesado tenha conheci-
mento de que seu sistema pessoal foi assaltado.
Mais do que isso, porque a vida social está hoje totalmente informatizada,
mesmo aqueles que, nos seus sistemas particulares, garantem-se contra tais
assaltos, evitando disponibilizar pela “internet” aquelas informações que enten-
dem privadas, mediante a utilização de linhas telefônicas distintas - uma para
rede interna, e outra conectada à internet -, acabam incorrendo em riscos, de
vez que são levados pelas autoridades a fazer suas declarações de rendas por
essa via de comunicação que não conta, nos dias de hoje, com meios de segu-
rança suficientes. Em razão disso, todos seus ativos e operações financeiras
realizados em instituições bancárias, informações sobre seus empregos, em-
presas e entidades com que trabalham tornam-se de fácil exposição aos veícu-
los de comunicação eletrônica.
A obtenção dolosa ou culposa dos dados pessoais de quase 2 milhões de
contribuintes junto à Receita Federal, tornando esse órgão passível de ações
indenizatórias por não ter sabido preservar as informações sigilosas de que
dispunha sobre a vida patrimonial de seus contribuintes, está a demonstrar
como a internet se transformou em um espaço aberto, com mecanismos insu-
ficientes de proteção à privacidade das pessoas, exposta aos mais variados
tipos de devassa.10
A questão, todavia, da desfiguração da imagem via internet deve mere-
cer o mesmo tratamento privativo que aquele dos meios clássicos de comunica-
ção, cumprindo à legislação adotar os meios para que isso se torne possível.
Hoje, por exemplo, se um cidadão brasileiro tiver sua imagem atingida
por comunicação emitida de países que não aderirem a convenções internacio-
nais de proteção jurídica para a área - embora de fácil e imediato acesso por
todos os que quiserem receber tal imagem no país - nada obstante possa tal
conduta caracterizar o dano moral ressarcível, dificilmente esse ressarcimento
será possível, à falta de mecanismos jurídicos para fazê-lo.

10
Nada obstante o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal, assim redigido: “é inviolável o
sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”, garanta o
sigilo de dados, tal sigilo é relativo à luz da exposição pública da internet.
162 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Questão interessante é a de saber se a mera troca de informações entre


pessoas cuja “sala” não disponibilizada para terceiros é acessada e revelada
por hackers ensejaria ação contra os “provedores”, visto que seriam de difícil
localização os “assaltantes”. Temos sérias dúvidas, pois, tecnicamente, os pro-
vedores apenas veiculam informações como entidades neutras.
Toda esta matéria está a merecer tratamento jurídico-legal, indepen-
dentemente dos tratados e da discussão internacional, que só teria validade e
eficácia se gerasse uma convenção mundial, com adesão de todos os países.11
Cremos que no Brasil, à luz da legislação vigente e da jurisprudência
sobre preservação da intimidade, poderiam ser adotados os seguintes pontos
de referência:
1) toda a comunicação eletrônica pública deve ter o mesmo tratamento
para efeitos ressarcitórios da comunicação clássica pela imprensa;
2) toda a comunicação eletrônica privada não pode ensejar ações
reparatórias - à falta de intenção de torná-las públicas - se a publicidade se der
por violação dos sistemas de segurança;
3) todo o depósito de dados desfigurativos que não é público, mas que
não possui sistema de segurança, de tal forma que qualquer pessoa possa
acessá-lo, ensejaria os mesmos procedimentos ressarcitórios da comunicação
clássica;
4) a desfiguração de imagem por informações colocadas fora da sobera-
nia das leis do país ensejaria os meios ressarcitórios clássicos, se alavancada
no Brasil, cabendo aos que difundiram a imagem corroída a responsabilidade
pelo ressarcimento.
Até que se cristalize uma legislação mundial de proteção à liberdade de
informação e disciplinadora da responsabilidade pertinente, esse nos parece o
melhor caminho para cuidar da preservação da privacidade das pessoas no
campo da informação eletrônica.12

11
José de Oliveira Ascenção formula quatro questões sobre a nova forma de informação:
“1. A sociedade da informação não será também a sociedade da desinformação?
2. A sociedade da informação não será também a sociedade do excesso de informação?
3. A sociedade da informação não será, por outro lado, a sociedade da redução da informação?
4. A sociedade da informação não será também a sociedade da monopolização da informação?”
(O direito de autor no ciberespaço. Portugal-Brasil ano 2000. p. 102-103).
12
É ainda José de Oliveira Ascenção que, com certo desconsolo, afirma: “Um grande princípio
da nossa sociedade é o da liberdade da informação. A informação é livre; quem quer a toma,
onde ela se encontrar, e utiliza-a como entender. Isto era considerado básico para a
participação sem entraves de todos no diálogo social.
Mas esta, como outras liberdades, está sendo objeto de corrosão contínua.
PRIVACIDADE NA COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA 163

É de se lembrar, por fim, que o Decreto nº 3.505 de 13 de junho de 2000,


que institui a política de segurança da informação nos órgãos e entidades da
Administração Pública Federal, não infirma nenhuma das observações do pre-
sente trabalho.

No domínio do direito autoral surge o chamado direito sui generis sobre as bases de dados.
Este é, decididamente, um direito cujo objecto é o próprio dado informativo. A informação
passa a ser objecto de direitos, de modo que a sua utilização fica reservada ao consentimento
do produtor ou empresário da base de dados - para além evidentemente da limitação já
representada pelo próprio acesso condicionado à base de dados.
Mas não há apenas isto. A concentração, a nível mundial, das empresas de comunicação - e,
muito mais vastamente, das empresas da sociedade da informação - faz formarem-se grandes
blocos, que dominam a comunidade e a informação disponível.
Esse movimento está em marcha, sem que nenhuma atitude esteja a ser tomada, a nível
global da disciplina da sociedade da informação, para o contrariar. Muito pelo contrário: no
próprio âmbito do direito de autor se combatem ferozmente restrições admitidas pela
Convenção de Berna, no sector de radiodifusão, por exemplo, que visavam afastar o abuso
de entidades que houvessem adquirido para si posições monopolísticas.
Temos assim que, insensivelmente, da informação livre se passa à informação apropriada ou
dominada por grandes conglomerados. Onde havia liberdade passa a haver espaços cada
vez maiores de dominação. A informação torna-se objecto de comércio privado e tem o
destino de toda a mercadoria.
Isto significa também que a hora do dealbar da sociedade da informação pode ser também a
hora do crepúsculo de uma liberdade fundamental: a liberdade da informação” (O direito de
autor no ciberespaço. Op. cit., p. 103).
O IMORAL NAS INDENIZAÇÕES
POR DANO MORAL

J. J. CALMON DE PASSOS
Professor Emérito da Faculdade de Direito da UFBa. Professor
e Coordenador do Curso de Especialização do Centro de
Cultura Jurídica da Bahia. Procurador de Justiça aposentado.

1. Quando refletimos sobre o que constitui o essencial da condição hu-


mana, duas coisas de logo ressaltam - liberdade e responsabilidade. Isso já foi
intuído desde milhares de anos atrás e está representado, simbolicamente, no
documento mais representativo do mito fundamentador da civilização ocidental
- a Bíblia. No Livro do Gênesis, narra-se que Deus criou o céu e a terra, e para
fazê-lo disse Haja luz e houve luz. E assim prosseguiu, sempre ordenando.
Ordenou às águas que existissem, o mesmo às estrelas e a tudo enfim. No
momento final da criação, entretanto, ele não disse Haja o homem, colocando-
o sob o inelutável de sua vontade. Agiu diferente. Disse: Façamos o homem e
nesse façamos inseriu no que era também criatura um atributo negado a todas
as outras já existentes - o poder de opção. Tudo quanto existente até aquele
momento era apenas criatura. A partir dele, entretanto, surgia um ser distinto,
ao mesmo tempo criatura e criador, porque compelido a tomar decisões e ca-
paz de acrescentar ao quanto já criado tudo que viesse a criar. Por isso Deus
prescreveu-lhe uma norma, um dever ser - Não deves comer da arvore da
ciência do bem e do mal, porque se comeres dos seus frutos, morrerás ao
certo. Deixou-lhe, assim, o poder da desobediência. Nesse preciso instante, se
pôs o dilema inafastável: ou permanecer o homem, como todas as coisas, sob
o império da necessidade e dos instintos, renunciando a sua humanidade, ou
romper essa barreira, assumindo todos os riscos de ser livre, tornando-se tam-
166 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

bém responsável pelo seu próprio destino, submetendo-se ao imperativo da


regulação social de sua conduta, obrigado a definir, individual e socialmente, o
que deve e não deve ser feito.
2. Porque capaz de opção, o homem fez-se responsável. Tendo condi-
ções de fazer acontecer o que sem seu agir jamais teria acontecido, tornou-se
obrigado a responder pelas conseqüências de seus atos. O relato bíblico consig-
na também esse primeiro momento. No episódio de Abel e Caim, está o começo
da história de nossa responsabilidade. Abel, que sem dúvida morreria um dia,
morreu, contudo, por ato de vontade de Caim. Por isso Deus o interpelou per-
guntando-lhe sobre seu irmão. E pouco lhe valeu ter respondido: Serei eu aca-
so guardião de meu irmão? Foi amaldiçoado, por haver matado o que ainda não
tinha chegado à hora de seu perecimento, segundo o imperativo das leis que
obrigam inelutavelmente tudo quanto existe. O homem revelou-se não só apto
para criar, como para destruir. Tornou-se capaz de ser homicida, genocida,
ecocida e até mesmo suicida. Conseqüentemente, pode ser interpelado: Que
fizeste a mim?, Que fizeste ao teu irmão? E nossa responsabilidade se instituiu
em face do outro e na medida em que podemos ser interpelados pelo outro a
respeito dos danos que lhe causamos, a ele ou às coisas que lhe pertencem.
Impossível cogitar-se de responsabilidade sem a culpa e sem o dano. Portanto
ela é impensável dissociada de um protagonista identificável, com um rosto, um
nome e uma atividade, não o homem enquanto vocábulo, conceito, espécie,
grupo ou coletividade, sim como alguém que pode ser interpelado: O que fizes-
te a teu irmão? Quando não sabemos a quem culpar, simplesmente suportamos
o mal, por não podermos identificar quem no-lo causou, ou, irracionalmente,
praguejamos, destruímos pessoas e coisas, acometidos de fúria, sejam elas
culpadas ou não.
3. Pensar nesses termos a responsabilidade também exige de nós refletir
sobre o que é, afinal, isso que chamamos de liberdade, de capacidade, diria
mesmo necessidade de opção de que não nos podemos libertar. A mim, sempre
pareceu que ser livre é muito menos ser capazes de fazer o que nos aprouver,
pois temos perfeita consciência dos muitos obstáculos que limitam o nosso que-
rer, e muito mais não sabermos o que devemos fazer e no entanto estarmos
compelidos a decidir para viver. Por isso mesmo a liberdade já foi qualificada
de “maldição”. Ela não nos fez poderosos, sim temerosos. Sabemos que há
um futuro, mas ignoramos o que ele será. Por força disso, experimentamos
medo e ansiedade e nos embriagamos cultivando o mito da salvação, ou nos
deixando afogar no fugidio instante de nosso presente, porque, em verdade, se
é significativo o nosso poder de agir, é bem precário o nosso poder de previsão.
O IMORAL NAS INDENIZAÇÕES POR DANO MORAL 167

O amanhã é sempre uma porta aberta para o imprevisível. Cada decisão huma-
na aponta para o inesperado e para o incontrolável, pelo que lutamos por tornar
o futuro sempre cada vez mais controlável e previsível. Para minimizar o medo
que essa perpétua interrogação gera em nosso espírito, o homem busca solu-
ções em termos de fé, de ciência e de técnica.
4. Quando, entretanto, aprofundamos a reflexão sobre nossa culpa, pa-
radoxalmente concluímos que não somos rigorosamente responsáveis por nada.
A sociedade nos faz e nos molda predominantemente. Há uma pré-compreen-
são que condiciona nossa abordagem dos fatos e dos acontecimentos. Sabe-
mos sobre as coisas já pré-informados por um saber que nos foi inculcado. A
par disso, nosso agir se dá num tecido de instituições que nos precederam e
que não podemos, nem individual nem coletivamente, modificar em curto pra-
zo. Somos, outrossim, condicionados por um código genético que nos impele
em direções das quais, comumente, nem mesmo temos consciência. Daí a
expressividade dos versos de Adélia Prado: visto do alto da janela, nenhum
homem tem culpa de nada. Sempre que aprofundamos nossa análise, abranda-
mos nosso julgamento. E se fôssemos rigorosamente justos, chegaríamos à
conclusão de que ninguém é culpado sozinho por nada do que faça, por mais
livre que aparente ser. Para cada falta nossa, convergiram muitas causas não
percebidas, um sem-número de fatores e variáveis, pelo que, em última análi-
se, toda culpa é sempre coletiva. Muitos se ocultam sob a capa do único que é
escolhido para ser responsabilizado, deixando na sombra a culpa de todos. A
necessidade de conviver sobrevivendo, entretanto, obriga-nos a responsabilizar
o homem e esta determinação individual da responsabilidade sempre se fez
necessária. Assim foi e é porque, simplificando, dizemos que ao homem é sem-
pre possível dizer não em qualquer situação concreta de seu existir. Nem pode-
mos fugir desse dilema, por mais questionável que seja a sua justiça. Se não
personalizarmos a culpa, impossível cogitar de responsabilidade e reparação
de danos. Tudo que acontece sem a participação do homem ou sem que seja
possível identificar seu causador é inapto para gerar responsabilidade.
5. Porque tudo isso, tão evidente, problematizou-se em nosso tempo e
deixou de responder às necessidades da convivência humana? Por que passa-
mos a falar de responsabilidade objetiva, tornando muitas vezes irrelevante o
problema da culpa? Por que se diz que o foco do interesse deslocou-se da culpa
para o dano? Por que se afirma que a ilicitude do ato é descartável para deter-
minação da responsabilidade? Em resumo - por que se excluiu da cena o mais
importante dos protagonistas, o homem enquanto ser livre e responsável? Ou
dizendo melhor: por que o homem, enquanto ser inédito e irrepetível, pessoa
168 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

humana, como o qualificamos, deixou de ser preservado, buscando-se apenas


fixar um preço para sua mutilação ou destruição? Para tentar responder a essas
perguntas, precisamos lembrar que nada acontece aos homens, em termos
coletivos, como fruto do acaso ou de alguma necessidade que nos compele a
percorrer predeterminados caminhos. Recuso adesão aos que afirmam sermos
livres, ou aparentemente livres, em termos individuais, porém socialmente tão
determinados quanto todos os seres existentes. Se a sociedade nos molda, e o
faz poderosamente, não podemos esquecer que somos nós que fazemos a so-
ciedade que nos faz. É o agir individual tornado hábito que, socializando-se,
molda as instituições da estrutura social. Sendo assim, as mudanças que se
derem na origem do processo geram necessariamente transformações ao seu
término, pelo que a sociedade de amanhã pode ser diferente da de hoje, como
a de hoje é diferente da de ontem. Necessário, conseqüentemente, refletirmos
sobre o que adquiriu força suficiente para determinar as mudanças que ocorre-
ram e moldaram a sociedade de nossos dias, a qual, por sua vez, igualmente
nos conforma.
6. A modernidade assentou-se em três pilares - o do Estado, o do merca-
do e o da comunidade. A par disso, deu visibilidade à dialética da convivência
humana, que se processa pela interação entre regulação e emancipação. Tra-
duziu-se, em termos ideológicos, pela trilogia da Revolução Francesa - liberda-
de, igualdade e fraternidade. O Estado no papel de fiador da liberdade; o mer-
cado como propiciador da igualdade; a fraternidade seria mera conseqüência
da realização de ambas. A lógica intrínseca do capitalismo e o fato de haver-se
confundido o desenvolvimento da racionalidade econômica com o da racionalidade
tecnocientífica importou, entretanto, num déficit de fraternidade e de solidarie-
dade. Todas as tentativas de se compatibilizar a liberdade com a igualdade
resultaram frustrantes ou insuficientes para colocar a fraternidade em condi-
ções de efetivar-se. Nem o logrou o Estado, como por igual o mercado, inexistindo,
mesmo em médio prazo, no contexto da filosofia capitalista, perspectiva de que
isso se faça possível. Essa realidade foi precisamente o que levou à teorização
da responsabilidade objetiva, que, antes de ser um avanço teórico, é uma con-
seqüência inelutável dos pressupostos de natureza sócio-político-econômica que
a determinaram. Ao falarmos em responsabilidade sem culpa, usamos, na ver-
dade, de um eufemismo encobridor de algo que ideologicamente precisa ser
dissimulado. O puro fato da natureza, quando nos causa dano, se situa no
âmbito do infortúnio, da fatalidade, da impotência humana diante de tudo quan-
to ainda não é capaz de controlar. Em verdade, todas as hipóteses de responsa-
bilidade sem culpa são ocorrências em que o causador do dano e responsável
O IMORAL NAS INDENIZAÇÕES POR DANO MORAL 169

por ele ou se tornou anônimo, dada a intensa mecanização e massificação da


vida moderna, ou de tal modo está distanciado da vítima que seria uma
injustificável exigência atribuir ao lesado o dever de identificá-lo. Sem esquecer
que, em seu núcleo, a teoria do risco, a mais objetiva das teorias objetivas,
apenas atende ao fato de haver-se tornado em si mesmo perigoso, em nossos
dias, viver e conviver. E se todos somos coletivamente culpados pela adesão
emprestada a esse estilo de vida que legitimamos com o nome de progresso,
tornamo-nos todos também coletivamente responsáveis. Os proveitos e vanta-
gens do mundo tecnológico são postos num dos pratos da balança. No outro, a
necessidade de o vitimado, em benefício de todos, poder responsabilizar al-
guém, em que pese o coletivo da culpa. O desafio é como equilibrá-los. Nessas
circunstâncias, fala-se em responsabilidade objetiva e elabora-se a teoria do
risco, dando-se ênfase à mera relação de causalidade, abstraindo-se, inclusive,
tanto da ilicitude do ato quanto da existência de culpa.
7. Sobre esse estado de coisas Niklas Luhmann e Raffaele de Giorgi, em
trabalho intitulado L’analisi e lo studio del rischio nelle società complesse, afir-
mam poder este tema “ser objeto de pesquisa sociológica e de pesquisa orien-
tada para uma teoria da sociedade”, tal sua relevância. Lembram caber às
ciências sociais a tarefa de fornecer análises que tornem possível uma compre-
ensão das condições de vida da sociedade contemporânea. O horizonte de per-
cepção desta sociedade, esclarecem, é caracterizado por uma crescente possi-
bilidade de decisão. E se entendermos perigo como a probabilidade de um evento
futuro danoso, resultante do que pode ser imputado a algo externo, colocado
fora do poder de opção do agente, será possível falar-se de risco quando um
dano, qualquer que seja, for passível de ser entendido como conseqüência de
uma decisão, seja ela imputável ao agente ou atribuível a um outro que não ele.
Nesses termos, a sociedade contemporânea caracteriza-se pela diminuição do
perigo e incremento do risco. A ciência, a tecnologia, a economia de nossos
dias contribuíram para a redução do perigo. A previsibilidade e o controle que a
tecnologia já permite no tocante aos acontecimentos externos autorizam esta
conclusão O que é danoso por determinação externa se tornou altamente pre-
visível e controlável, graças aos avanços da ciência. Contudo, na medida em
que se tornam evidentes e mais numerosas as possibilidades de decisão em
relação a comportamentos, ou na medida em que podem se tornar visíveis as
possibilidades das quais depende a ocorrência de danos futuros efetivos, im-
põe-se a tematização dos riscos. O horizonte do futuro se retrai, a sua prospectiva
se desloca do âmbito do perigo para o âmbito do risco. Os riscos, agora, estão
estreitamente relacionados ao desenvolvimento da própria sociedade, ao de-
170 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

senvolvimento da ciência, da tecnologia, da medicina, da política e em geral às


transformações da estrutura nas quais se torna possível a comunicação social.
Em suma, concluem, o risco se fez integrante do próprio modo de ser da socie-
dade contemporânea.
8. A par desse fenômeno da incorporação do risco à dinâmica da socie-
dade de nossos dias, fala-se também, hoje, com total procedência, em socieda-
de de massa, produção de massa, consumo de massa, comunicação de massa,
contrato de massa, evidenciando-se o que já não pode mais ser ignorado por
ninguém - um nível de interdependência entre os homens como jamais existiu
antes, a par da capacidade das organizações privadas de atingir, com
impositividade bem próxima da que é específica dos organismos estatais, um
universo ponderável de sujeitos impotentes para lhes oferecer resistência efi-
caz. No campo delimitado por essas duas coordenadas - o incremento do risco
e o crescente esgarçamento e anonimato das relações sociais - a velha respon-
sabilidade civil viu-se compelida a buscar outros fundamentos que não a culpa
individual, deduzida de um comportamento sobre o qual teria o agente algum
poder de opção, procurando, contudo, ocultar a culpa social que a substituiu.
Daí porque, na atualidade, deslocou-se o ponto focal da responsabilidade, jus-
tamente em sua dimensão mais significativa, a do causador imediato do dano e
de sua culpa, para o imperativo da reparação do dano que, embora experimen-
tado individualmente, tem sua causa em algo de que, mesmo indireta e remo-
tamente, beneficia-se a própria vítima.
9. As luzes se dirigem, agora, para o que se fez centro por sua relevância
- o dano. É ele que cumpre seja reparado, independente da investigação de
quem foi seu real causador e de sua culpabilidade, uma vez que se tornou
produtora de danos a própria convivência humana na sociedade do capitalismo
avançado e da revolução tecnológica. Dissociada da culpa, a responsabilidade
foi vinculada ao nexo causal entre o evento e o resultado danoso, imputando-se
ao agente mais facilmente identificável a responsabilidade pelo ressarcimento,
ainda quando nenhum ou quase nenhum seu poder de influir sobre os aconteci-
mentos. Responsável e vítima são apenas peças de uma engrenagem que ope-
ra segundo uma lógica impiedosa que, paradoxalmente, premia e pune tanto
vitimador quanto vitimado. Para essa realidade nova, as respostas antigas se
mostraram ou iníquas ou inócuas. As conseqüências dramáticas e imobilizantes
a que conduziria a persistência do antigo entendimento, segundo o qual a res-
ponsabilidade se vinculava à culpa individual, já reclamara sua ultrapassagem
pela teorização da culpa presumida, avançando para a responsabilidade objeti-
va, que se pretende seja ultrapassada pela teoria do risco, só justificável se
O IMORAL NAS INDENIZAÇÕES POR DANO MORAL 171

entendida como responsabilidade coletiva, porque fruto de uma sociedade que


incorporou o risco ao seu quotidiano como preço a pagar pelo que foi erigido
em prioridade - o progresso tecnológico, casado à filosofia capitalista. Os danos
que decorrem de atividades cuja licitude foi admitida em proveito (teoricamen-
te) de todos, conseqüentemente em benefício da convivência social, em que
pese seu componente de risco, devem ser por essa mesma sociedade suporta-
dos. Revelou-se induvidoso que admitir a responsabilidade pelo risco, de matriz
social, mantendo-se a antiga técnica de reparação às custas do patrimônio do
responsável mais próximo, significaria inviabilizar-se a atividade produtiva, in-
capaz de arcar com o ressarcimento dos danos inerentes a essa mesma ativi-
dade, caso conservada a velha perspectiva. Para se tornar operacional a teoria
do risco, sem acarretar graves disfuncionalidades, impôs-se a solução pelo se-
guro, que institucionaliza, em termos técnicos, um tipo de solidariedade impositiva
numa sociedade de riscos. O que surgiu como um contrato entre pessoas, no
qual uma delas assumia os riscos de indenizar a outra por força de algum
sinistro que viesse a atingir o seu patrimônio ou a sua pessoa, tornou-se um
instrumento a serviço do interesse geral, mais adequadamente definível como
seguridade social ou segurança social, publicizando-se, ou socializando-se, se
assim se preferir, sua configuração e sua finalidade.
10. É nesse contexto que a responsabilidade por danos morais deve tam-
bém ser analisada. Para fazê-lo, impõe-se uma reflexão prévia sobre o que
entendemos por dano. Tenho para mim que o elemento central do conceito é a
existência de um prejuízo, da perda ou desfalque de algo que ao sujeito é
passível de ser integrado, quer em termos de patrimônio, quer por inerente ao
seu corpo ou a sua personalidade. Porque ocorreu o dano, deixamos de ter o
que tínhamos ou se fez impossível obter o que certamente conseguiríamos. Os
danos materiais, isto é, os que afetam econômica e financeiramente nosso
patrimônio, são de fácil determinação. Constituem-nos os já bem conhecidos e
badalados danos emergentes e lucros cessantes. Mesmo quando a lesão afeta
o nosso corpo, sendo possível restabelecer-se o estado anterior, conceitua-se
como danos materiais quanto seja necessário despender para lograr esse re-
sultado, acrescido do que deixaremos de auferir por força da lesão. Tudo quan-
to se fizer indispensável para retornar-se ao statu quo ante ou para minorar a
perda sofrida, deve ser da responsabilidade do causador da lesão. Resta o
problema da indenização devida quando a recuperação se torna inviável. Con-
seqüências materialmente avaliáveis podem resultar desse fato. A incapacida-
de total ou parcial da vítima para o trabalho, a fragilização de sua saúde e
provável redução da expectativa de vida etc. Tudo isso suscetível de avaliação.
172 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Há danos, contudo, que não afetam nosso patrimônio nem nosso corpo. Eles
representam perda naquela dimensão do existir especificamente humano, todo
ele constituído do sentido e da significação que emprestamos ao nosso agir,
algo que se situa não nas coisas nem na materialidade de nosso corpo, porém
na dimensão de nossa subjetividade. Por falta de um nome adequado, ou pela
inconveniência de denominá-los por exclusão, qualificamo-los de danos morais,
ao invés de simplesmente considerá-los como danos não-materiais. Porque
insuscetíveis de avaliação e dada a necessidade de também serem materializa-
dos, devem ser estimados em termos monetários. Outras reparações possíveis
para eles foram descartadas, por incompatíveis com uma civilização em que
tudo se fez mercadoria, deve ter um preço e submete-se às leis do mercado.
Essa particularidade torna bem complexa a técnica do seu ressarcimento ou,
com mais acerto, bem mais arbitrária e aleatória. Ainda mais entremeado de
dificuldades é o problema do ressarcimento dos danos que afetam a nossa
personalidade, os que provocam mudança no modo como nos víamos ou como
éramos vistos (avaliados) pelos outros. Em que pesem essas peculiaridades,
tenho para mim que se deve afirmar como necessário, para serem atendidos
uns e outros, os critérios fundamentadores da liquidação dos danos materiais -
devem ser precisamente provados, repelindo-se, tanto como critério para
certificação de sua existência quanto para sua estimativa, o juízo de valor que a
vítima faz de si mesma, cingindo-nos rigorosamente a padrões socialmente
institucionalizados, o que assegura o mínimo de objetividade exigido de toda e
qualquer aplicação do direito ao caso concreto.
11. Há mais uma observação que gostaria de fazer. Todo e qualquer dano
insere em nosso existir um incômodo, algo que se soma à perda sofrida. Os
contratempos derivados do conserto do carro objeto de colisão, por exemplo,
mesmo que sejam pagas as despesas com a utilização de outro veículo, pertur-
baram nosso quotidiano e algum desconforto ocorreu que jamais teria ocorrido
não fosse aquele ato causador do dano. O sofrimento e o risco inerentes à
cirurgia e ao tratamento a que tivemos de nos submeter etc. Assim sendo, é da
própria essência do dano esse acréscimo de desconforto e quebra de normali-
dade em nossa vida. Será este o dano moral indenizável? Se a resposta for
positiva, o correto seria acrescermos ao gênero perdas e danos, além dos da-
nos emergentes e dos lucros cessantes, essa nova espécie representada pelo
incômodo ou dor que todo dano determina. Seriam eles não danos morais, sim
um consectário inerente a todo dano material, devendo ser estimados em fun-
ção desses mesmos danos materiais. Se não é disso que cuidamos, o que será
o dano moral puro, ou seja, possível de existir inexistindo danos materiais ou
O IMORAL NAS INDENIZAÇÕES POR DANO MORAL 173

que nenhuma relação mantém com os mesmos? Só nos resta afirmar que nos
situamos, aqui, no espaço do que se qualifica como valor, algo especificamente
humano e insuscetível de objetivação, salvo se considerado em sua legitimação
intersubjetiva. Sem esse consectário, torna-se aleatório, anárquico, inapreensível
e inobjetivável. Não são os meus valores os tuteláveis juridicamente, sim os
socialmente institucionalizados, porque é da essência mesma do direito seu
caráter de regulação social da vida humana.
12. Essa minha percepção sempre me levou a não compreender o que
seja a famosa reparação pela dor experimentada por alguém, associada ao ato
do sujeito a quem se atribui tê-la provocado e que, não fora isso, jamais teria
sido experimentada. Nada mais suscetível de subjetivizar-se que a dor, Nem
nada mais fácil de ser objeto de mistificação. Assim como já existiram carpideiras
que choravam a dor dos que eram incapazes de chorá-la, porque não a experi-
mentavam, também nos tornamos extremamente hábeis em nos fazer
carpideiras de nós mesmos, chorando, para o espetáculo diante dos outros, a
dor que em verdade não experimentamos. A possibilidade, inclusive, de retirar-
mos proveitos financeiros dessa nossa dor oculta, fez-nos atores excepcionais e
meliantes extremamente hábeis, quer como vítimas, quer como advogados ou
magistrados. Para ressarcir esses danos, deveríamos ter ao menos a decência
ou a cautela de exigir a prova da efetiva dor do beneficiário, desocultando-a.
Hipocritamente descartamos essa exigência, precisamente porque, quando real
a dor, repugna ao que sofre pelo que é insubstituível substituí-lo pelo
encorpamento de sua conta bancária. Daí termos também, na nossa sociedade
cínica, construído uma nova forma de responsabilidade objetiva - a responsabi-
lidade por danos morais à base de standards de moralidade abstrata, visto
como a moralidade concreta já nem consegue se fazer ouvir, de tão debilitada
que está. O anonimato do culpado sem rosto, por isso mesmo coletivo, e a
adesão à sociedade do risco desvincularam o problema moral da culpa,
desnaturando-a. A par disso, ou como consectário disso, o anonimato da moral,
por força de suas muitas e mudáveis faces, já que se tornou caleidoscópica,
levou à responsabilidade por danos morais sem se indagar concretamente so-
bre o problema moral no caso concreto. Se o filho é vitimado, o pai é premiado
com uma indenização, sem se cogitar das verdadeiras relações afetivas que
existiam entre este reprodutor, chamado de pai, e o fruto de sua ejaculação.
Antes, quanto menos dor realmente ele experimentar tanto maior será a sua
dor oculta para fins de indenização Não se indaga se aquele que se enche de
furor ético porque teve recusado um cheque de sua emissão teve, por força
disso, forte abalo emocional, ou é simplesmente um navegador esperto no mar
174 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

de permissividades e tolerância que apelidamos de ousadia empreendedora.


Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para
fora no momento em que bem nos convier. E justamente porque a moralidade
se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o
relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo
têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se
objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente.
O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado,
descaracterizando-se como reparação de natureza moral, para se traduzir em
ressarcimento material, vale dizer, o dano moral é significativo não para repa-
rar a ofensa à honra e a outros valores éticos, sim para acrescer alguns troca-
dos ao patrimônio do felizardo que foi moralmente (?) enxovalhado.
13. Precisamos refletir seriamente sobre que relação traduzível em di-
nheiro há entre a ofensa à honra e as pessoas do ofensor e do ofendido. A
honra, no mundo capitalista, também se fez mercadoria e tem um valor de
mercado. Se não vale a lei da oferta e da procura, vale a lei do desencoraja e
enriquece. O ofendido precisa lucrar com a ofensa e o ofensor estimar que o
preço pago convida-o a sair do mercado, porque não compensador o negócio.
Não me parece justo, entretanto, seja o ganho do ofendido tão estimulante que
ele se sinta tentado a explorar tão rendoso negócio. Sem esquecer o sócio de
ambos os contendores, o advogado, sempre beneficiado com uma parcela não
muito desprezível do resultado obtido, resultado esse impossível de ser alcan-
çado sem que entre na cena um terceiro personagem também suspeito - o
magistrado. Meu receio é que talvez tenhamos, dentro em breve, empresas
especializadas no treinamento de pessoas para habilitá-las a criar situações
que levem alguém a ofendê-lo moralmente. Sem esquecer que a transmudação
do dano moral em dinheiro nem pede mais a repercussão social da ofensa. O
que se tem que avaliar é a dimensão “subjetiva” da dor, tanto maior quanto
menor o senso moral do ofendido, o que lhe dá desenvoltura para traduzir em
cifras o tamanho da ofensa experimentada. Mas há também alguma esperança.
Nosso tempo, tão rico em avanços tecnológicos e fantásticas descobertas no
campo da biologia, já se anunciando que poderemos fabricar, no futuro, ho-
mens dos tipos que forem socialmente necessários, certamente terá também,
dentro em breve, condições de fabricar artefatos eletrônicos capazes de, me-
diante a simples inserção de um cartão magnético específico no aparato, regis-
trar quanto nos é devido pela ofensa moral de que fomos vítimas, caso registrável
no programa elaborado com esse objetivo. Com simplicidade e presteza, inclu-
sive aliviando a tremenda sobrecarga de trabalho do Poder Judiciário e as dia-
O IMORAL NAS INDENIZAÇÕES POR DANO MORAL 175

bólicas tentações que acometem advogados, vítimas e julgadores, resolvere-


mos tudo com presteza, objetividade, eliminando o risco de sermos achacados
pelos excessivamente ambiciosos que postulam e dos excessivamente magnâ-
nimos que concedem.
14. Gostaria de encerrar este meu trabalho referindo-me a quatro casos
concretos nos quais tive participação. São paradigmáticos sob dois pontos de
vista - ocorrerem sem que nenhuma punição houvesse para advogados, magis-
trados e vítimas em face de seu escancaradamente imoral e criminoso compor-
tamento e nada terem de excepcional no quotidiano da vida forense, tanto que
nenhuma reprovação social determinam. O primeiro deles envolve um magis-
trado integrante de um dos nossos tribunais superiores, que acionou um grande
banco de nosso país pleiteando R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a título
de danos morais, com base nos seguintes acontecimentos. Fora, durante al-
guns anos, correntista desse banco, tendo deixado de movimentar sua conta
por cerca de dez anos. Ocorre que alguém, jamais identificado, apoderou-se de
um talonário referente a essa velha conta-corrente e que não se explicou por
que, sendo inútil, foi conservado por tão longo tempo e guardado com tanto
descuido, a ponto de ter sido furtado sem que do furto se desse conta o magis-
trado. Esse ladrão incógnito, de posse do talonário, preencheu alguns cheques
de pequeno valor, firmando-os grosseiramente com o nome do correntista ne-
gligente. O banco devolveu-os todos por impossibilidade de resgatá-los, visto
que inexistiam fundos para honrá-los. Obediente às normas do Banco Central,
comunicou-lhe a ocorrência. O correntista descuidado, desejando obter um che-
que especial de outro banco, foi informado de que era impossível consegui-lo,
por ter seu nome incluído na lista elaborada pelo BACEN. Pois bem, sem ter
postulado do banco de que foi correntista qualquer providência saneadora do
episódio, inclusive jamais tendo avisado ao banco de que seu talonário fora
furtado, acionou-o postulando a respeitável quantia já indicada para ter sua dor
oculta amenizada. Entre os fundamentos do pedido constavam as alegações de
que o banco não lhe informara sobre o furto do talonário (!) e fora descortês
deixando de entrar em contato com ele antes de recusar o pagamento dos
cheques. O magistrado reduziu a indenização para R$ 400.000,00 (quatrocen-
tos mil reais) tendo julgado antecipadamente a lide. O segundo caso não é
menos representativo. Uma microempresa da área de metalurgia comprou, em
mãos de uma multinacional do ramo de alumínio, alguns tubos desse material e
de determinada especificação pelo valor de R$ 2.600,00. Ingressou em juízo,
depois de ter requerido e obtido uma antecipação de prova pericial realizada
sem citação da requerida, com uma ação principal pleiteando danos morais no
176 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

valor de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) porque com os tubos, à seme-


lhança do que ocorreu com o milagre dos peixes e dos pães, iria fabricar milha-
res e milhares de aros para rodas de bicicleta e, dada a imprestabilidade do
material vendido (apurada na tal perícia inaudita altera parte) teve que desfa-
zer vários contratos e ficou desacreditado na praça, sendo obrigado a vender
suas quotas na sociedade. Curioso nessa artimanha primária é que o moral-
mente ofendido estipulou uma cláusula no instrumento de venda de suas quo-
tas, segundo a qual, sendo a empresa vitoriosa no pleito que em nome dela fora
ajuizado, e não em nome de quem sofreu a dor oculta, reverteria em favor
desse mártir todo o valor obtido como indenização pela empresa. Para não ser
prolixo, esclarecerei que a ação foi julgada procedente em julgamento anteci-
pado da lide, sem que nenhuma estranheza tivesse causado ao juiz o fato de
uma compra de dois mil e seiscentos cruzeiros poder justificar um ganho tão
fabuloso... O terceiro caso é o de uma senhorita já balzaquiana que, na casa de
sua sogra, num dia de festa e no quintal da habitação, foi atingida por um
brinquedo conhecido como “fadinha bailarina”, manipulado por uma criança que
ficou anônima no feito. O brinquedo, no seu rodopiar, atingiu o olho da vítima
que, por sinal, já se submetia a tratamento oftalmológico há algum tempo. Pois
bem, em virtude desse episódio doméstico, uma fábrica de brinquedos que
tem, sem exclusividade, autorização para importar o artefato de fabricação
chinesa, e sem que se fizesse qualquer prova da existência mediata ou imediata
de alguma relação jurídica com a vítima, foi acionada para pagar modestos R$
800.000,00 (oitocentos mil reais) de danos morais. O curioso dessa tramóia é
que a vítima, caso tivesse reclamado lucros cessantes, por ter ficado (e não
ficou) totalmente incapacitada para trabalhar pelo resto de sua provável vida,
não obteria nem a quarta parte do que pediu e obteve. Para encerrar o relato,
um quarto caso, mais requintado. Advogados e magistrados urdiram o seguinte
estratagema. Os advogados se valiam de pessoas de escassos recursos (no
caso uma empregada de uma loja de departamentos) e ajudavam-nas a abrir
uma conta-corrente em um banco importante da praça. Recebido o talonário,
eram emitidos alguns cheques com fundos. Depois disso, um dos integrantes do
grupo progressista imitava a assinatura do correntista e emitia cheque, que
sabia não ter fundos para ser honrado, em favor de um outro integrante da
quadrilha. O banco, certamente, recusava o pagamento. O beneficiário do che-
que, membro da quadrilha, dava conhecimento do fato à polícia e pedia fosse
processado o emitente do cheque, que se defendia negando a autenticidade de
sua assinatura. Feita a perícia e comprovada a inautenticidade do cheque, a
vítima outorgava amplos poderes a um dos advogados que ajuizava ação contra
O IMORAL NAS INDENIZAÇÕES POR DANO MORAL 177

o banco com exigência de, no mínimo, R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).


No caso em que funcionei, a vítima, empregada de salário mínimo, foi de logo
mandada para outra cidade, já com emprego certo. Por força da boa estrela
dos advogados e das vítimas, os julgadores dos vários casos eram sempre total
ou parcialmente os mesmos.
15. O elenco poderia ser bastante enriquecido. Acho, entretanto, que as
preciosidades narradas são suficientes para exigir de nós alguma reflexão. O
que tornou possível esse estado de coisas sem nenhuma reação quer por parte
dos defraudados, quer por parte das autoridades, quer no próprio espaço so-
cial. Parece que perdemos a capacidade de nos indignar, precisamente por
força da grave atrofia do nosso sentimento ético. Se não temos tido capacidade
de nos indignar, justiça se faça, comecemos a nos acautelar. Contra sabido,
sabido e meio, segundo afirma a sabedoria popular. Recebi, há alguns dias,
convite para participar de um evento cuja temática giraria em torno de técnicas
para nos prevenir contra indenizações abusivas por danos morais e materiais.
Antes de estar perdendo tempo com problemas éticos, ganhemos tempo nos
adestrando em expedientes técnicos. Nada de surpreendente. No momento em
que os ganhos tecnológicos e os ganhos financeiros se fazem mais valiosos que
a vida humana, e a imoralidade se torna um negócio propiciador de excelentes
lucros, nada mais correto que aprendermos a fazer da imoralidade um negócio
desencorajador para os outros.
O MERCOSUL E A
INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL

JÂNIO DE SOUZA MACHADO


Juiz de Direito/SC.

SUMÁRIO: O dano moral e a sua indenização: Conceito e características


principais; A natureza divergente da indenização; Os critérios divergentes no
arbitramento de valores indenizatórios - O direito de indenização pelo dano
moral nos estados-partes: A legislação da indenização pelo dano moral no
Brasil; A legislação da indenização pelo dano moral na Argentina; A legislação
da indenização por dano moral no Uruguai; A legislação da indenização pelo
dano moral no Paraguai.

O DANO MORAL E A SUA INDENIZAÇÃO

A luta pela preservação da dignidade humana, aí incluído o direito à


vida privada, imune aos ataques injustos, atingiu seu ponto de destaque com
a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Im-
punha-se, então, uma nova etapa, compreendendo a garantia de indenização
pela violação.

Conceito e Características Principais

O princípio estabelecido no artigo XII da Declaração Universal dos Direi-


tos Humanos, de 1948, depois repetido no artigo 17 do Pacto Internacional dos
Direitos Civis e Políticos, e no artigo 11 da Convenção Americana de Direitos
180 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Humanos, deve ser preservado pelos Estados-Partes por intermédio de legisla-


ção própria, a cargo de cada uma dessas unidades estatais.
Dano, para efeito de responsabilidade civil, deve ser compreendido
como toda e qualquer ofensa ao patrimônio ou bem tutelado juridicamente
(Pereira, 1999, p. 53). É ele o pressuposto da responsabilidade civil, daí por-
que a “ação antijurídica imputável não é punível se não ocasiona um dano”,
no dizer de Jorge Mosset Iturraspe (1979, p. 139). Se assim é, não faz senti-
do a restrição à indenizabilidade do dano moral, que deve coexistir ao lado do
dano material, independentemente da comprovação de reflexos que este possa
provocar naquele. Ou, na lição de Caio Mário da Silva Pereira, “o que é da
essência da reparação do dano moral é a ofensa a um direito, sem prejuízo
material. Admitir, todavia, que somente cabe reparação moral quando há um
dano material é um desvio de perspectiva.” (1999, p. 55).
O dano moral, na definição de José de Aguiar Dias, seria a “reação
psicológica à injúria, são as dores físicas e morais que o homem experimenta
em face da lesão” (1983, p. 825). Na lição de Wilson Melo da Silva,
são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural
de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por
patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio mate-
rial, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível
de valor econômico. (1983, p. 1)

São, no dizer de Caio Mário da Silva Pereira, os


direitos integrantes de sua personalidade, o bom con-
ceito de que desfruta na sociedade, os sentimentos
que exornam a sua consciência, os valores afetivos,
merecedores todos de igual proteção da ordem jurídi-
ca. (1999, p. 59)

Ou, como explicita Carlos Alberto Bittar,


Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera
da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na so-
ciedade, em que repercute o fato violador, havendo-se,
portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais
íntimos da personalidade humana (o da intimidade e o da
consideração pessoal), ou o da própria valoração da pes-
soa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da
consideração social). (1993, p. 46)

Yussef Said Cahali bem observa a dificuldade para se delimitar o cam-


po de incidência do dano moral:
Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que
molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe grave-
O MERCOSUL E A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL 181

mente os valores fundamentais inerentes a sua perso-


nalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está
integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano
moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evi-
denciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na
tristeza pela ausência de um ente querido, falecido; no
desprestígio, na desconsideração social, no descrédito
à reputação, na humilhação pública, no devassamento
da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíqui-
ca, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no
desgaste psicológico, nas situações de constrangimen-
to moral. (1998, p. 20)

Ramon Daniel Pizarro, após analisar as distintas correntes de pensamen-


to doutrinário que procuram apresentar um conceito de dano moral, segundo a
ótica do que julgam ser o ponto relevante - dano moral é todo dano não
patrimonial; o dano moral se determina pela índole extrapatrimonial do direito
lesionado; o dano moral é entendido como desprezo a direitos da personalida-
de, independentemente de sua repercussão na esfera econômica; no dano moral
se considera o caráter não patrimonial do interesse lesionado e, no dano moral,
se leva em consideração o resultado ou conseqüência da ação que causa o
prejuízo. Finaliza dizendo que é dano moral o que importa
uma modificação desvaliosa do espírito, no desenvolvi-
mento de sua capacidade de entender, querer ou sen-
tir, conseqüência de uma lesão a um interesse não
patrimonial, que haverá de traduzir-se em um modo de
estar diferente daquele ao que se achava antes do fato,
como conseqüência deste e animicamente prejudicial.
(1996, p. 47)

Roberto H. Brebbia define e caracteriza o dano moral a partir do rasgo


que ele considera como o mais essencial na definição jurídica de dano, que é
a “da natureza jurídica do direito subjetivo desprezado, qualificada, por sua
vez, pela qualidade patrimonial ou pessoal (extrapatrimonial) do bem tutela-
do.” (1967, p. 47). A partir deste critério objetivo, por ele tido como o único
certeiro e eficaz, considera compreendidos na denominação danos
extrapatrimoniais ou morais todos “aqueles danos produzidos na raiz da vio-
lação de algum dos direitos da personalidade.” (1967, p. 64).
Na lesão aos direitos da personalidade o dano moral se faz presente
com mais intensidade e é mais facilmente perceptível pelo intérprete. Mas
não se pode, aí, encerrar todas as possibilidades de indenização pelo dano
moral (Monteiro Filho, 2000, p. 47). Nessa altura pode-se incluir os danos
resultantes de uma dor íntima pela perda de um parente, pelo resultado de
182 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

lesões corporais sofridas pela própria vítima, pela lesão estética, pela lesão de
cunho psicológico,1 pela ofensa à honra, pela perda de um bem ou objeto de
valor estimativo ou de afeição, pela indevida publicidade de dados acobertados
pelo sigilo fiscal e bancário etc. Então, a violação ao direito à privacidade, mes-
mo não provocando dano suscetível de imediata aferição econômica, gera o
dever de indenização por dano moral, uma vez atendidos os demais pressupos-
tos presentes na legislação ordinária.

A Natureza Divergente da Indenização

A prática da imposição de pena indenizatória de natureza civil, ainda que


por fato tipificado em lei penal, não deixa de ser um reflexo dos tempos moder-
nos, em que o Direito Penal vai ganhando novos contornos, abandonando-se a
imposição de penas degradantes.2 Casos como o de Damiens, na cidade de
Paris que, em praça pública teve seu corpo violentado, de forma continuada,
começando com o uso de uma tenaz, chumbo derretido, óleo fervente e piche
em fogo, até o arrancamento dos membros com a utilização de tração animal
(Foucault, 1987, p. 9), ou o de Tiradentes, que foi conduzido pelas ruas públicas
de Vila Rica até o lugar da forca e, depois de morto, teve o corpo cortado e
pregado em poste alto até ser consumido pelo tempo (Gil, [197-], p. 280), não
encontram mais aceitação na atualidade, ao menos entre os povos ditos civili-
zados. Recorde-se do instituto da transação penal, da possibilidade de substi-
tuição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, das propos-
tas do Direito Penal Mínimo - minimalismo - de Luigi Ferrajoli, da abolição do
sistema penal - ou abolicionismo - de Louk Hulsman, e do Direito Penal Mínimo
e fortalecimento das garantias liberais, de Eugenio Raúl Zaffaroni e Alessandro
Baratta (Andrade, V., 1997, p. 185).
Limongi França deteve-se no estudo dos direitos da personalidade,
apresentando várias classificações segundo os critérios da extensão da esfe-
ra do Direito, dos aspectos fundamentais da personalidade e do Estado. E, no
concernente à tutela dos direitos da personalidade pela ação de responsabi-
lidade civil, que se constitui em uma sanção privada - a sanção pública seria
de natureza constitucional e penal - anotou:

1
Já se encontra quem trate de forma distinta o dano psicológico do dano moral (Daray, 1995.
230p.).
2
Sobre esses tipos de penas crudelíssimas ver, Oliveira, Odete, 1996b.
O MERCOSUL E A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL 183

É a mais antiga e se vinha exercitando antes mesmo de


uma consciência científica e uma legislação própria
concernente aos direitos da personalidade. No que a
ela respeita, deve-se ressaltar a importância da evolu-
ção da responsabilidade por dano moral, sem o que,
mesmo sob esse aspecto, a matéria continuaria insuficien-
temente protegida. 3

Moacyr de Oliveira trata da evolução dos direitos de personalidade, ob-


servando que
somos senhores de nossa vida, liberdade, honra e ou-
tros atributos do estado natural da pessoa, mas nem
assim há de ficar ao arbítrio de cada um fazer de si o que
bem entende. Seria negar uma condição basilar do aper-
feiçoamento do homem: a vida em sociedade. A lei con-
dena de modo geral todo abuso do direito. (1969, p. 29)

Ao mesmo tempo em que a lei procura preservar os direitos de persona-


lidade, também dispõe acerca das conseqüências pelos abusos praticados, tudo
com o propósito de assegurar uma convivência pacífica e mais próxima da
harmonia.
Independentemente das sanções de natureza penal ou administrativa -
que não são objetos deste estudo - o violador do direito à privacidade estará
obrigado à indenização de natureza civil. Em primeiro lugar, e como medida
prioritária, buscar-se-á a reconstituição natural - dentro daquilo que o caso
concreto possibilitar e o interesse que o ofendido venha a demonstrar. De-
pois, buscar-se-á a indenização em dinheiro - ainda segundo a conveniência
e o interesse do ofendido - como conseqüência do dano ocasionado. E aí se
compreenderá tanto o dano material quanto o moral, este em conformidade
com a exposição que se fará em seguida, observadas as regras prevalentes
em cada um dos Estados-Partes do Mercosul.
A palavra indenizar, ensina João Casillo, aparece, “etimologicamente,
como uma conseqüência do dano. É a palavra dano (damnum), antecedida
da partícula negativa in’’ (1994, p. 80). Daí ele preferir o emprego da palavra
indenização, em detrimento de reparação ou ressarcimento. Caio Mário da Silva
Pereira se reporta ao étimo indemnizar, “que contém em si mesmo a idéia de
colocar alguma coisa no lugar do bem lesado” (1999, p. 54), para afirmar que
“indenizar será, por conseqüência, suprir em espécie ou pecuniariamente à
vítima a perda que sofreu.” (1999, p. 54).

3
França, 1983, p. 15 (grifo no original).
184 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

A indenização civil se processa de duas formas: “pela reparação natural


ou específica e pela indenização pecuniária” (Dias, 1983, p. 805). Em se tratan-
do de dano extrapatrimonial a reparação natural ocorre de forma rara e espo-
rádica. O comum, o usual, é converter a reparação em valor monetário. E aí
entra a questão de se saber qual o caráter da indenização arbitrada. Para Carlos
Alberto Bittar, a indenização reveste-se de duplo caráter: compensatório em
face da impossibilidade de se apagar os efeitos da lesão (1993, p. 68), e “inibidor
do sancionamento” (1993, p. 69). João Casillo anota o caráter de compensação
para a vítima e sancionadora para o ofensor (1994, p. 79). Américo Luís Martins
da Silva reporta-se à dupla função da compensação - de expiação em relação
ao culpado, e de satisfação em relação ao ofendido - que não é um ressarci-
mento (1999, p. 62). Clayton Reis enfatiza a necessidade de se impor uma
verba satisfativa, que teria o “importante poder de persuasão e educação no
espírito do lesionador” (1998, p. 89). Assim, continua o referido autor, “a inde-
nização possui um caráter punitivo, ou seja, representa uma resposta adequa-
da à sociedade que reclama punição do ofensor, em virtude da sua contribuição
ao desequilíbrio social” (1998, p. 90). Caio Mário da Silva Pereira afirma que o
fundamento do conceito ressarcitório encontra-se na convergência de duas for-
ças: caráter punitivo para o causador do dano e caráter compensatório para a
vítima (1999, p. 55). Cláudio Antônio Soares Levada enfatiza o caráter punitivo
ao ofensor, “visando ao desestímulo de atos semelhantes, em proteção não
apenas à vítima do prejuízo moral, mas - e principalmente - à comunidade
como um todo.” (1995, p. 86). Para Yussef Said Cahali, em face da impossibili-
dade de se eliminar o prejuízo e suas conseqüências, “a reparação se faz atra-
vés de uma compensação, e não de um ressarcimento” (1998, p. 42). Roberto
H. Brebbia assinala a função satisfatória da indenização (1967, p. 229), o mes-
mo fazendo Alfredo Orgaz, enfatizando não se tratar de uma pena (1960, p.
230). Esta divergência de enfoque - se de natureza compensatória, reparatória,
satisfativa ou punitiva - é um retrato fiel das dificuldades existentes para a
correta apuração do montante indenizatório, face à impossibilidade de se con-
tar, de um ponto de vista monetário, a extensão do dano moral. Ou seja, é
matéria que diz respeito à mensuração do valor indenizatório.
Na tentativa de solucionar o impasse, mas sem defender o puro e sim-
ples tabelamento, como faz a jurisprudência francesa, Cláudio Antônio Soares
Levada oferece como sugestão uma nova redação ao artigo 1.553 do Código
Civil do Brasil, nos moldes do que hoje já faz o Código Penal:
O juiz fixará a indenização devida pelo dano moral puro
levando em conta os motivos, as circunstâncias e conse-
O MERCOSUL E A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL 185

qüências da ofensa, em relação à vítima e sua família,


bem como a posição social cultural e econômica do ofensor
e da vítima.
§ 1º Avaliada a extensão do dano moral, o juiz arbitrará
o montante indenizatório, entre o mínimo de um e o
máximo de 500 salários mínimos. Se julgar adequado ao
caso concreto, poderá cominar prestação de fazer ou
não fazer, isolada ou cumulativamente à pena pecuniária.
§ 2º Em qualquer caso a pena relativa ao dano moral
puro poderá ser cumulada à indenização eventualmen-
te devida em razão do dano patrimonial sofrido pela víti-
ma.
§ 3º Morto o autor da ação no curso do processo, seus
herdeiros necessários, cônjuges, companheiro em regime
de união estável ou irmãos poderão dar-lhe prosseguimen-
to, respeitada a ordem de vocação hereditária e equipara-
do o companheiro ao cônjuge em todos os efeitos legais.
(1995, p. 76)

A responsabilidade civil, recorde-se, é apresentada na doutrina como


sendo de origem contratual ou extracontratual, esta também conhecida por
aquiliana. Em se tratando de dano moral, a doutrina tem-se mostrado favorá-
vel à reparação em ambas as hipóteses, sem maiores restrições, assim como
o faz em relação ao dano patrimonial (Brebbia, 1967, p. 101 e 206; Cahali,
1998, p. 460 e 530; Casillo, 1994, p. 60; Bittar, 1993, p. 151).

Os Critérios Divergentes no Arbitramento de Valores


Indenizatórios

O dano moral, em princípio, não é passível de mensuração. Prevalece,


na maioria das legislações em que foi adotado, a responsabilização por danos
morais puros, sem a presença de critérios rígidos e fixos. Raramente, em
casos especiais, houve o arbitramento do montante indenizatório por ofensa
a dano não-patrimonial, como foi o caso da Lei de Imprensa, no Brasil.
Os maiores óbices apresentados por aqueles que não aceitavam a in-
denização do dano moral sem reflexo na órbita material, dentre outros, refe-
riam-se à extrema dificuldade de sua demonstração e o extenso arbítrio con-
cedido ao juiz na fixação do montante indenizatório (Dias, 1983, p. 820; Reis,
1998, p. 17; Brebbia, 1967, p. 87). Essas barreiras estão sendo superadas,
desempenhando o Judiciário importante papel na sua correta adequação e
fixação. Os tribunais superiores vêm exercendo um preponderante papel na
uniformização dos valores arbitrados nas instâncias inferiores, de modo a
adaptar o instituto do dano moral às respectivas realidades. Ao assim agirem,
186 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

exercem sua função pedagógica, na tentativa de evitar distorções e abusos nos


montantes fixados, muito embora nem sempre conseguindo, conforme aborda-
gem a seguir.
O arbitramento é tarefa, então, do julgador, que passa a ter um poder
discricionário - embora não arbitrário, pois precisa ser motivada a decisão que
fixa o montante -, objeto ora de críticas, ora de elogios. Diogo Leite de Campos,
ao tratar da violação dos direitos da personalidade à luz da legislação em vigor
em Portugal, faz menção aos
montantes normalmente muito baixos das indenizações
fixadas pelos tribunais, em termos de verdadeira “desvalo-
rização” da pessoa humana. E a extrema dificuldade com
que dão como provada a existência de danos não-
patrimoniais. (1995, p. 72)

Antonio Fayos Gardó deteve-se no estudo da indenização por violação à


privacidade nos tribunais da Espanha, anotando que os juízes de primeira ins-
tância são mais favoráveis aos demandantes - os que se queixam da referida
violação - havendo a correção dos excessos em grau de recurso. Ressalta a
gritante diferença dos valores arbitrados, mesmo quando os fatos que supor-
tam o pedido sejam idênticos, como aquele envolvendo um coronel e um capi-
tão: a primeira instância fixou em quinze milhões de pesetas para um coronel e
dez milhões de pesetas para um capitão - tratava-se de violação à honra pelos
meios de comunicação -; o Supremo Tribunal entendeu que o critério não era
lógico, afastando-o para fixar em dez milhões de pesetas tanto para um quanto
para outro militar.4 Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho, para enfatizar a difi-
culdade de quantificação do dano moral, cita dois casos verificados no Rio de
Janeiro em 1991. No primeiro deles reclamava-se indenização pela perda de
dois filhos menores; no segundo, pela perda de dois cães. Ambos os pedidos
foram acolhidos, sendo que para o primeiro caso fixou-se indenização equiva-
lente a 10 salários mínimos pela perda de cada filho; no segundo, o valor equi-
valente a 50 salários mínimos pela perda de cada cachorro (2000, p. 147).

4
“Se o resultado atual vem sendo, como assinala a maior parte da doutrina, que estas são
insuficientemente compensadas pelo dano sofrido, algo não está funcionando adequadamente
na aplicação da lei. Ou a mesma requer uma reforma. E pensamos que a polêmica que se está
gerando ultimamente acerca da função de nosso direito de danos e de responsabilidade civil
extracontratual (compensação-reparação/prevenção/castigo) não é alheia ao tema. Porque o
que se trata é, em definitivo, saber se nosso direito repara adequadamente os danos ou há que
se buscar outro sistema. Ainda assumindo que o Direito Civil não deve ser tomado como um
direito sancionador, no estado atual de coisas, e em especial no que se refere aos direitos à
honra e à intimidade, há que manifestar que nem sequer cumpre adequadamente sua função
reparadora.” (Fayos Gardó, 2000, p. 423).
O MERCOSUL E A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL 187

Há enormes dificuldades a serem superadas por ocasião do arbitramento


por violação ao dano moral. Salvo raras exceções,5 nos países integrantes do
Mercosul, a legislação ordinária que trata do assunto não é tarifária. Vale dizer,
então, que são traçados parâmetros genéricos, o que acaba provocando um
debate acalorado, inclusive permitindo um novo ataque àqueles que são
contrários.
Jorge Mosset Iturraspe, jurista argentino, apresenta dez regras a se-
rem observadas na quantificação do dano moral.6 Para este autor, a tentativa
de tarifar o dano moral, com piso e teto, constitui-se num “critério absurdo,
simplista e sem base lógica ou jurídica, apartado de toda razoabilidade” (1996,
p. 3). Gustavo Ordoqui Castilla, jurista uruguaio, também é contrário à
tarifação, mostrando-se receptivo ao estabelecimento de pautas de orienta-
ção, o que chamou de “valores de partida ou valores de base”, sendo que elas
não vinculariam o julgador, mas apenas o orientariam, sem que lhe fosse
retirado o direito de analisar as circunstâncias do caso, não confundindo
discricionariedade com arbitrariedade (1996, p. 108). Relata que nos países-
membros da Comunidade Econômica Européia já se “começou a trabalhar com
a idéia de chegar algum dia a unificar certos critérios básicos”.7 O autor apre-
senta, ainda, em trabalho que contou com a colaboração de Eduardo González
Shaban, pautas a partir de julgados tratando de indenização por morte de fi-
lhos, de mãe ou pai, de cônjuge, de irmãos, lesões corporais diversas, prisão
indevida, demissão indevida e outros danos (1996, p. 147-205). Carlos Fernández
Sessarego, jurista peruano, numa abordagem ao dano à pessoa ou dano subje-
tivo (do qual o dano moral seria uma espécie nele compreendido) observa que
pela tendência européia atual, jurisprudencial e doutrinária, são considerados
os fatores de uniformidade e de flexibilidade, cuja adequada combinação se faz

5
É o caso da Lei de Imprensa e do Código Brasileiro de Telecomunicações, no Brasil.
6
“1. Não à indenização simbólica. 2. Não ao enriquecimento injusto. 3. Não à tarifação com
‘piso’ ou ‘teto’. 4. Não a uma porcentagem do dano patrimonial. 5. Não à determinação sobre
a base da mera prudência. 6. Sim à determinação segundo a gravidade do dano. 7. Sim à
atenção às peculiaridades do caso: da vítima e do agressor. 8. Sim à harmonização das
reparações para casos semelhantes. 9. Sim aos prazeres compensatórios. 10. Sim a somas
que podem pagar-se, dentro do contexto econômico do país e o geral ‘standard’ de vida.”
(Mosset Iturraspe, 1996, p. 1).
7
“Começou a difícil tarefa de unificar critérios entre os países membros da C.E.E. Assim,
McIntosh e Holmes prepararam um interessante informe no ano de 1992 intitulado: indenizações
corporais nos países da C.E.E. Trabalhou-se sobre duas hipotéticas vítimas: a) varão, médico,
40 anos de idade e dois filhos; b) mulher solteira, estudante, 20 anos de idade, sem familiares
sob sua responsabilidade. Neste mercado de jurisdições diferentes, os conceitos, critérios,
as pautas consideradas foram muito diversas. O importante a destacar é que se tem começado
a trabalhar com a idéia de chegar algum dia a unificar certos critérios básicos”. (Ordoqui
Castilla, 1996, p. 106).
188 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

necessária para uma eqüitativa valorização (1996, p. 40).


Jorge Gamarra analisa o tormentoso tema segundo os julgados proferi-
dos pelas Cortes de Justiça do Uruguai, afirmando ser dos juízes a tarefa de
interpretar e representar a “consciência social e a mentalidade imperante”
para o fim de arbitrar o montante indenizatório (1994, p. 364). Nesse traba-
lho o intérprete deverá levar em consideração os níveis econômicos de cada
país, que são muito diferentes, mas não poderá “deixar-se levar exclusiva-
mente por suas inclinações particulares, nem tampouco fixar somas que não
guardam relação com o meio social e econômico em que vive” (1994, p. 364).

O DIREITO DE INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL NOS


ESTADOS-PARTES

Se não mais é possível a vingança pessoal, se aos poucos são abandona-


das as soluções violentas, e se há necessidade de se assegurar a todo indivíduo
um mínimo de dignidade, a solução para o caso de violação ao direito à privaci-
dade passa, necessariamente, pelo campo da responsabilidade civil. Daí porque
a presente investigação procura respostas à luz das legislações e das soluções
apresentadas em cada um dos Estados-Partes do Mercosul, o que se faz numa
abordagem dúplice: a) se a previsão da indenização pelo dano moral acontece
no nível constitucional ou ordinário; b) se a fixação do montante indenizatório
obedece ao critério do arbitramento judicial ou é decorrente de tarifação legal.

A Legislação da Indenização pelo Dano Moral no Brasil

O fundamento da indenização pelo dano moral na legislação brasileira,


apesar das restrições de natureza jurisprudencial, já era encontrado nos arti-
gos 76, 159, 1.537, 1.538, 1.543, 1.547, 1.548, 1.549 e 1.550, todos do Código
Civil, legislações especiais, como Lei de Imprensa de 1967,8 Código Brasileiro de

8
Em comentário crítico à nova lei de imprensa que tramita na Câmara dos Deputados, Ives
Gandra da Silva Martins insurgiu-se contra os altos valores lá previstos, referindo-se a uma
“indústria de danos morais” e a “forjadores de pleitos judiciais”, com expressa menção a abusos
que vêm sendo cometidos nos Estados Unidos em tal área do Direito: “Tenho para mim que a
advocacia americana ficou desmoralizada - são os profissionais mais repudiados, nos Estados
Unidos - pela ‘indústria’ de danos morais, principalmente em face de a ‘captação de clientela’
não ofender, naquele país, o Código de Ética. Os ‘forjadores de pleitos judiciais’ são, hoje, os
grandes aventureiros e os grandes beneficiários de tal indústria de reclamar indenizações
por danos morais. Ora, se prevalecer a tese do projeto, ter-se-á não uma imprensa mais
O MERCOSUL E A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL 189

Telecomunicações de 1962, Código Eleitoral de 19659 e a antiga Lei dos Direitos


Autorais de 1973.10 Com o advento da Constituição de 1988 - artigo 5º, incisos
V e X - a legislação da indenização pelo dano moral restou uniformizada, afas-
tando-se todo e qualquer argumento contrário ou mesmo a dúvida.11
Posteriormente o Código de Defesa do Consumidor de 1990, em seu
artigo 6º, inciso VI, arrolou como direito básico do consumidor, dentre ou-
tros, “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, indivi-
duais, coletivos e difusos.”12 A atual Lei de Direitos Autorais, de 1998, nos arti-
gos 24 a 27, assegura, de forma expressa, os direitos morais do autor. E o novo
Código Civil, aprovado pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em seu
artigo 185, prevê o dano moral como causa de responsabilidade civil, desde que
o ato praticado seja considerado ilícito.

cautelosa, mas simplesmente acuada, o que vale dizer: não prestará os serviços que deveria
prestar. Temo, entretanto, que tal ‘indústria’ nascente poderá levar as ações indenizatórias
contra o Judiciário e o Ministério Público, sempre que as respectivas decisões e denúncias
venham a ser formadas após terem atingido a honra de terceiros, pois estes, ao se sentirem
prejudicados, também poderão pleitear do Estado indenização, com base no artigo 37, § 6º,
da Constituição Federal, assim redigido: ‘As pessoas jurídicas de Direito Público e as de
Direito Privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa.’ E, à evidência, por ação popular sempre se poderá
compelir o Estado a exercer o direito de regresso contra juízes e membros do Ministério
Público que tenham prejudicado cidadãos com imputação da autoria de fatos não comprovados
ou com decisões ao final reformadas. Teremos, então, as duas forças da democracia atingidas
(poder judiciário e imprensa) por uma lucrativa ‘indústria’ que servirá apenas para enriquecer
alguns profissionais e desfigurar imagem da advocacia no país. O tema merece reflexão de
parlamentares, profissionais de Direito e da mídia.” (Martins, 1998, p. 19).
9
Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, na redação original do artigo 244, previa expressamente
a “reparação do dano moral” nos casos de ofensa à honra.
10
Lei nº 5.998, de 14 de dezembro de 1973, em seus artigos 25 a 28, tratava dos direitos morais
do autor. Ela foi expressamente revogada pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que
alterou, atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais.
11
A jurisprudência tem caminhado com relativa segurança neste sentido - veja-se a Súmula 37 do
STJ - muito embora a constatação de eventuais abusos, percebendo-se, em alguns casos, a
mera tentativa de enriquecimento ilícito. É o que já se chamou de “demanda reprimida”, “que
por vezes tem degenerado em excessos inaceitáveis, com exageros que podem comprometer a
própria dignidade do instituto.” (Cahali, 1998, p. 8). Assim, efetivamente, deu-se em um
rumoroso caso envolvendo o Juízo da Comarca de São Luís do Maranhão que, após fixar a
indenização em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) em decorrência da devolução indevida
de um cheque no valor de pouco mais de três salários mínimos, motivando a inscrição do
nome do correntista no cadastro do SERASA, determinou o arrombamento dos cofres do
banco com o uso de maçarico, bem como o seqüestro da importância de R$ 230.000,00
(duzentos e trinta mil reais) e prisão do gerente da agência (Brasil, 2001). Mais tarde o
Superior Tribunal de Justiça tratou de estabelecer bases mais realistas, reduzindo
sensivelmente o montante indenizatório, que atingiu o valor equivalente a 20 salários mínimos
a título de dano moral (Recurso Especial nº 222.525-MA*, Relator Ministro Ari Pargendler,
julgado em 16 de dezembro de 1999).
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
12
Lei nº 8.078, de 11 de novembro de 1990.
190 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

São por demais conhecidas as dificuldades na realização da tarefa de


fixação do montante indenizatório. Há ausência de legislação segura acerca de
quando seria devido e, mais importante, do quantum devido. A tarefa ficou para
o judiciário, que tem apresentado soluções nem sempre uniformes. Aos pou-
cos, contudo, percebe-se uma sedimentação, passando a prevalecer o entendi-
mento de que o dano moral não pode representar uma loteria ou jeito fácil de
obtenção de lucro. A convivência em sociedade impõe restrições e exige certo
grau de tolerância. Não se pode, sem maiores cuidados, trazer para a realidade
nacional uma outra alienígena, que se encontra em desconformidade com a
nossa economia e nossa formação cultural. Décio Antônio Erpen* adverte para
a necessidade de a lei estabelecer critérios seguros acerca dos “reais valores
que integrariam o que seria, de verdade, o dano moral”. O estímulo a demandas
generalizadas levaria ao que ele chamou de desagregação social,13 não poden-
do o Judiciário ser instrumento de multiplicação de litígios.14 Essas ponderações
são pertinentes e conseguem apreender a angústia dos juízes que, no dia-a-dia,
viram-se, de uma hora para outra, diante de um sem-número de ações aforadas
sob a rubrica “indenização por dano moral”. A discussão acerca dos critérios
para a aferição do montante indenizatório é atual e não se vislumbra, a curto
prazo, providências de natureza legislativa capazes de solucionar tão angus-
tiante tema. Ao contrário, percebe-se na jurisprudência, mesmo naqueles ca-
sos em que o arbitramento era tarifado - caso da Lei de Imprensa - uma ten-
dência em ampliar o volume indenizatório.15

13
“Sei que temos responsabilidade um diante do outro. Devemos prestigiar o instituto da
responsabilidade recíproca, mas sem abandonarmos sentimentos e valores que se inspiram no
amor, na solidariedade, no equilíbrio, na temperança, no respeito ao próximo e porque não
dizer, até na tolerância. A cobrança persistente e judicializada nos pequenos percalços, traduzida
em litígios generalizados, vai tornar a vida insuportável. Os profissionais exercem seu mister
em estado de suspense. Não é essa a nossa tradição.” (Erpen, 1998, p. 47).
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o artigo doutrinário
mencionado.
14
“A história mostra que as civilizações beligerantes foram inexoravelmente tragadas pelo
próprio ódio, exatamente por serem conflituais, alimentadas por demandas internas e
externas. Estaríamos, e disso estou seguro, criando uma sociedade belicosa tendo no
judiciário uma multiplicação de litígios onde se pleiteiam indenizações, muitas vezes milionárias
sem qualquer simetria da conseqüência com a causa. Bom exemplo disto é um pedido que
tramita nesta Corte onde é postulada alta indenização por dano moral pelo fato de um
consumidor ter encontrado um inseto no interior de um vidro de produto alimentício.” (Erpen,
1998, p. 49).
15
“Responsabilidade civil. Imprensa (publicação de notícia ofensiva). Ofensa à honra. Dano moral.
Valor da indenização. 1. Consoante a decisão recorrida, “Valor indenizatório a ser estabelecido
de acordo com o critério do prudente arbítrio judicial de modo a compor o dano moral de modo
razoável e que não se ponha irrisório para a empresa jornalística, pondo-se como forma de
efetiva proteção na preservação dos direitos constitucionais à intimidade e do nome das
pessoas. Inaplicabilidade do tarifamento previsto na Lei de Imprensa, diante do fato de a
O MERCOSUL E A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL 191

A Legislação da Indenização pelo Dano Moral na Argentina

A Constituição da Argentina, ao contrário do que ocorre com a Constitui-


ção do Brasil de 1988, não contém texto explícito acerca da indenização pelo
dano moral. Necessita-se, em conseqüência, realizar uma incursão pela legisla-
ção infraconstitucional para conhecer-se as regras que lá vigoram acerca do
tema.
O Código Civil da Argentina foi sancionado pela Lei nº 340, de 25 de
setembro de 1869, tendo sofrido várias alterações ao longo dos anos face ao
tempo já transcorrido desde sua edição. Apesar da época em que foi sancio-
nado, século XIX, trouxe em seu bojo regras específicas e pertinentes ao
dano moral, prevendo-o de maneira expressa e incontestável, numa demons-
tração inequívoca de grande avanço e progresso (Amarante, 1998, p. 295;
Reis, 1991, p. 36). Assim é que seu artigo 1.078, na redação original, dispunha:
Se o fato foi um delito do direito criminal, a obrigação
que dele nasce não só compreende a indenização das
perdas e danos, senão também do agravo moral que o
delito provocou na pessoa, molestando-lhe em sua se-
gurança pessoal, ou no gozo de seus bens, ou atingin-
do suas afeições legítimas. (Argentina, 1999a, p. 180).

Posteriormente, por força da alteração introduzida pela Lei nº 17.711, de


22 de abril de 1968, o dispositivo citado passou a ter a seguinte redação:
A obrigação de ressarcir o dano causado pelos atos ilíci-
tos compreende, além da indenização por perdas e da-
nos, a reparação do agravo moral ocasionado à vítima. A
ação por indenização do dano moral só competirá ao
lesionado direto; se do fato houver resultado a morte
da vítima, unicamente terão ação os herdeiros necessá-
rios. (Argentina, 1999a, p. 180)

O objetivo principal da alteração foi o de aclarar o alcance da indeniza-


ção, não mais a limitando a fatos que constituíssem delitos penais. Roberto
H. Brebbia, estudioso argentino do assunto, cujos ensinamentos repercutem

reportagem beirar o dolo eventual, hipótese a afastar sua incidência, além de se mostrarem
irrisórios os valores naquela estabelecidos, também não preencherem os requisitos da
reparação e, principalmente, da sua atuação como freio às violações dos direitos da
personalidade”. Em tal sentido, na jurisprudência do STJ, REsp’s 52.842* e 53.321*, DJ’s de
27.10.97 e 24.11.97. 2. Súmulas 283/STF e 7/STJ, quanto a cláusula “diante do fato de a
reportagem beirar o dolo eventual”. 3. Inexistência de dissídio jurisprudencial. 4. Recurso
especial não conhecido.” (Recurso Especial nº 192.786/RS. Terceira Turma do STJ. Relator:
Ministro Nilson Naves. julgado em 23 de novembro de 1999).
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui links para os acórdãos mencionados.
192 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

no Brasil,16 entendia, mesmo ao tempo da redação anterior, que a indenização


por dano moral estende-se a todos os casos de ofensas morais originados por
fatos ilícitos em geral - delitos ou quase-delitos civis - o que corresponderia ao
pensamento da maior parte dos autores e de um grande setor da jurisprudên-
cia nacional.17 A indenização alcançaria tanto a responsabilidade contratual,
quanto a responsabilidade aquiliana.18
Jorge Mosset Iturraspe anota a necessidade de se proteger a persona-
lidade, fato que se evidenciou desde a Declaração dos Direitos do Homem e
a posterior aprovação do Código de Napoleão, o que se fez nos níveis consti-
tucional, administrativo e penal (1979, p. 162). Atualmente, com os avanços
tecnológicos, far-se-ia necessária, não uma tutela declarativa, mas uma tute-
la de ressarcimento de danos (1979, p. 165).
Por força da importância das relações mercantis e a premente necessi-
dade de elaboração de um código único de Direito Privado (unificação do
Código Civil e Código Comercial), encontra-se em debate, na Argentina, o
Projeto de Código Civil elaborado pela Comissão Honorária de Juristas desig-
nada pelo Decreto nº 685, de 17 de maio de 1995 (Argentina, 1999c, p. 7).
No artigo 1600, b, é assegurado, explicitamente, o dano patrimonial e
extrapatrimonial - abandonando-se as expressões “dano moral” e “agravo
moral”. No dano extrapatrimonial fica compreendido o dano “que interfere no
projeto de vida, prejudicando a saúde física ou psíquica ou impedindo o pleno
desfrute da vida, assim como o que causa perturbação à liberdade, à segurança
pessoal, à dignidade pessoal ou em quaisquer outras lesões legítimas” (Argentina,
1999c, p. 7). Introduz, como se vê, o dano ao “projeto de vida”,19 bem como
prevê a isenção de responsabilidade ao autor de uma ofensa à dignidade pessoal

16
Em várias passagens de sua obra, Yussef Said Cahali faz menção ao jurista argentino: p. 23,
25, 28, 29, 30, 31, 32, 40, 71, 191, 348, 462, 667, 673 e 697. (Cahali, 1998). O mesmo se
verifica na obra de Carlos Alberto Bittar: p. 13, 21, 32, 33, 34, 53, 58, 62, 63, 75, 81, 86,
92, 127, 147, 154, 198, 200, 210 e 214. (Bittar, 1993).
17
“Do que foi dito nos parágrafos anteriores se deduz que a tese que pretende circunscrever
a reparação do dano moral ao caso de delito penal, é órfã de todo apoio quando se a analisa
à luz da pura doutrina, carece também de suporte no campo da lei positiva argentina. A
maior parte dos autores e um grande setor da jurisprudência nacionais aderem sem reservas
à teoria que considera que deve indenizar-se o agravo moral em todos os casos de delitos ou
quase-delitos civis, configurem ou não tais fatos delitos de direito criminal.” (Brebbia, 1967,
p. 189).
18
“No regime do Código Civil não se estabelecem, pois, diferenças no que respeita a reparação
dos agravos morais, conforme o fato danoso pertença aos domínios da responsabilidade
contratual ou da responsabilidade aquiliana.” (Brebbia, 1967, p. 206).
19
O dano ao projeto de vida corresponderia àquele que “afetaria a maneira de viver que cada um
- consciente ou inconscientemente - tenha eleito, e a liberdade que todos temos de definir
nosso próprio projeto existencial, de ser como somos e não de uma maneira distinta, imposta
por terceiros.” (Pizarro, 1996, p. 76).
O MERCOSUL E A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL 193

quando houver adequada e imediata retratação (artigo 1702, a), cuja finalidade
seria a de evitar o prolongamento do processo judicial, consoante ficou regis-
trado nos Fundamentos do Projeto de Código Civil.20
A legislação deixou ao juiz a tarefa de fixar o montante indenizatório,
cujos critérios, por serem subjetivos, permitem uma gama variada de inter-
pretações (Mosset Iturraspe, 1979, p. 262; Zavala de Gonzalez, 1996, p.
186), a despeito de se encontrar, no artigo 522 do Código Civil, alguns crité-
rios objetivos em se tratando de dano moral decorrente da responsabilidade
contratual.21 Nos artigos 1.084 a 1.090, o legislador civil enunciou mecanis-
mos especiais de liquidação para os casos de homicídio, lesões corporais,
crimes contra a liberdade individual, de estupro, rapto, calúnia, injúria ou
denunciação caluniosa, mas de qualquer forma atribuindo ao juiz a tarefa de
arbitramento.

A Legislação da Indenização por Dano Moral no Uruguai

A seção II - artigos 7º a 72 - da Constituição da República Oriental do


Uruguai trata dos direitos, deveres e garantias de seus habitantes. O artigo
7º garante a proteção ao gozo de sua vida, honra, liberdade, seguridade,
trabalho e propriedade. O artigo 24 trata especificamente da responsabilida-
de civil do Estado e seus órgãos pelos danos causados a terceiros, na execu-
ção dos serviços públicos. Esses dispositivos, e mais o contido nos artigos 10
e 72, que garantem um espaço privado em favor do indivíduo e esclarecem a
inexistência de exclusão dos direitos não enumerados na Constituição, e que
são inerentes à personalidade humana, constituem-se no fundamento básico
ao direito de indenização por danos causados.
O Código Civil desse país, por seu artigo 1.319, consagra regra de
caráter genérico, determinando a obrigação de reparar todo dano causado a
outrem, seja por dolo, culpa ou negligência. A leitura deste artigo em conjunto
com a do 1.32322 permite que se conclua pela existência de previsão acerca da
indenização pelo dano moral (Reis, 1998, p. 51), embora se encontre quem de

20
“Se exime de responsabilidade o autor de uma ofensa à dignidade pessoal, se é intimado a
retratar-se, e o faz adequada e imediatamente. Se estima que, de tal modo, se evitarão
muitos extensos e insatisfatórios processos judiciais.” (Argentina, 1999c, p. 99).
21
“Artigo 522. Nos casos de indenização por responsabilidade contratual o juiz poderá impor ao
responsável a reparação do agravo moral que houver causado, de acordo com a índole do fato
gerador da responsabilidade e circunstâncias do caso.”
22
“O dano compreende não só o mal diretamente causado, senão também a privação da
expectativa que foi conseqüência imediata do ato ilícito.” (Uruguai, 1999, p. 383).
194 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

modo diverso entenda a matéria, o que foi bem analisado por Wilson Melo da
Silva (1983, p. 249-261). A ausência de discriminação entre dano patrimonial e
extrapatrimonial fez com que a doutrina, majoritariamente, se orientasse pela
reparação integral, caminho também seguido pela jurisprudência, segundo nos
dá conta Jorge Gamarra.23
O fenômeno do aumento da litigiosidade também é perceptível no Uruguai.
Acresça-se, ainda, os resultados excessivos ou desproporcionais, bem como
a disparidade nos montantes indenizatórios, variando de tribunal a tribunal,
acabando por vulnerar o princípio da igualdade e da segurança jurídica
(Gamarra, 1994, p. 348). Tudo isto é uma decorrência da falta de critérios
rígidos,24 incumbindo ao juiz, caso a caso, a fixação do valor devido, mas
sempre tendo em conta os montantes estabelecidos nos casos similares
(Gamarra, 1994, p. 363).

A Legislação da Indenização pelo Dano Moral no Paraguai

O artigo 28 da Constituição Nacional do Paraguai, ao tratar do direito à


informação, assegurou a toda pessoa afetada pela difusão ou informação falsa,
distorcida ou ambígua, a possibilidade de exigir a sua retificação ou esclareci-
mento, sem prejuízo dos demais “direitos compensatórios”, do que se extrai o
direito de indenização pelo dano moral suportado. Mais adiante, o artigo 39

23
“No Uruguai a doutrina foi sempre favorável ao ressarcimento do dano moral, e inclusive nos
últimos tempos a lei passou a admitir a reparação (artigos 63, ley nº 13.892, 145, ley nº
14.106, de 20 de março de 1973 e ley nº 14.068, de 10 de julho de 1972, artigo 23) pelo que
o problema está resolvido afirmativamente na via legislativa. Coincidindo com isso teve lugar
uma marcada evolução jurisprudencial, que terminou por reduzir os pronunciamentos contrários
a uma escassíssima minoria; por outra parte, a jurisprudência da Corte está solidamente
assentada desde muito tempo atrás em prol da reparação, e os Tribunais acompanham este
critério, assim como também os juízes do Civil. O único Tribunal que adotou reiteradamente a
tese negativa foi o de primeiro turno, porém com oscilações, pois também a mesma Sala se
pronunciou favoravelmente em certas ocasiões. Os Tribunais restantes aceitam a reparação.”
(Gamarra, 1998, p. 259-260).
24
“Pois os juízes de cada país pertencem a sociedades diferentes, que têm níveis econômicos
muito diferentes e por conseguinte o magistrado, levado à tarefa de quantificar dano moral,
não pode deixar-se conduzir exclusivamente por suas inclinações particulares nem tampouco
fixar somas que não guardam relação com o meio social e econômico em que vive. Países com
maior riqueza estão em condições de conceder somas mais elevadas que os países
subdesenvolvidos; o princípio é que quanto mais rico é o país, os montantes indenizatórios
devem ser maiores. Se a situação econômica das partes é um fator que carece de influência,
não sucede o mesmo com a riqueza da sociedade. Não surpreende, então, que os EUA seja o
país que registra os montantes mais altos do mundo, nem que uma quantidade fixada na
Nigéria seja um terço do que a Inglaterra fixa para a mesma lesão.” (Gamarra, 1994, p. 364).
O MERCOSUL E A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL 195

assegura o direito a toda pessoa ser indenizada, “justa e adequadamente”,


pelos danos oriundos da idade estatal. A omissão no tocante aos danos provo-
cados por partir não retira tal possibilidade, até porque a legislação ordinária
(Código Civil) contém norma explícita.
O Código Civil paraguaio, que entrou em vigor em 1º de janeiro 1987,
traz, em seu corpo, dispositivos garantindo a reparação pela lesão material
ou moral causada por ato ilícito. O artigo 451 do Código Civil, inserido no
capítulo pertinente às obrigações em geral, prevê o ressarcimento por dano
não patrimonial, muito embora a hipótese aí tratada seja de obrigação não
cumprida e proveniente de ato a título oneroso. O artigo 1.835 do Código
Civil considera dano sempre que houver algum prejuízo à pessoa, seus direi-
tos ou faculdades, esclarecendo que o dano tanto poderá ser o material quanto
o moral (acrescenta em seguida regra de natureza processual, conferindo
legitimidade ativa unicamente ao que diretamente foi atingido pelo dano moral;
ou em tendo havido morte, a legitimidade é conferida aos herdeiros necessá-
rios). O artigo 1.858 do mesmo Código também prevê a indenização por dano
moral em casos de homicídio. A Lei nº 1.328, de 15 outubro de 1998 - que
trata dos direitos autorais - prevê em seu artigo 158, o direito de indenização
por danos morais, ao lado dos de natureza material, por violação a qualquer
um dos direitos reconhecidos na referida lei (Paraguai, 2000, p. 639). Estas
são demonstrações inequívocas de que o legislador ordinário não quis afastar
a possibilidade de a indenização ser a mais ampla possível, abarcando o dano
moral e o material.
Com isso tem-se como assegurada a indenização civil por ofensa oral
ao direito à privacidade, sendo que o valor será objeto de apreciação pelo juiz
(artigo 452 do Código Civil), que levará em consideração as circunstâncias de
cada caso em particular, não havendo piso ou teto (artigo 451 do Código Civil).
QUANTIFICAÇÃO DOS
DANOS MORAIS PELO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA*

JOSÉ ROBERTO FERREIRA GOUVÊA


Ex-Professor. Advogado. Procurador de Justiça. Coordenador
da obra CPC e Legislação Processual em Vigor, de Theotonio
Negrão.

VANDERLEI ARCANJO DA SILVA


Atualizador da obra CPC e Legislação Processual em Vigor, de
Theotonio Negrão.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Evolução do tema - 3. Competência do STJ


- 4. O valor das indenizações por dano moral - 5. Os valores segundo o
STJ - Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

Fonte de inesgotáveis discussões, a quantificação do dano moral tem se


revelado um tema amplamente controvertido e polêmico, não sendo raros os
comentários acerca da “indústria do dano moral” ou das “loterias indenizatórias”,
bem como os inconformismos relativos à sua fixação, tanto por parte dos ma-
gistrados quanto dos advogados, litigantes e estudiosos do direito em geral. O

* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui links para os acórdãos mencionados.
198 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

assunto recebe especial destaque sobretudo a partir das decisões de juízes


brasileiros que, seguindo os critérios adotados pela jurisprudência norte-ameri-
cana (na qual predomina de maneira expressiva o punitive exemplary damage),
estabelecem valores milionários e enriquecedores para as indenizações por
dano moral. Um exemplo notável é a sentença de um magistrado do Maranhão,
em 1997, que condenou o Banco do Brasil a pagar a quantia de R$ 255.500.000,00
(duzentos e cinqüenta e cinco milhões e quinhentos mil reais) a um empresário
em razão de devolução indevida de cheque, a título de danos morais e materiais,
valor que se distanciava completamente dos próprios cálculos do perito.1
Não pretendemos aqui (e nem poderíamos) indicar valores a serem apli-
cados de modo exato e absoluto em relação às diversas hipóteses ensejadoras
da indenização por dano moral, tendo em vista que a fixação do seu quantum
exige a análise sensível e cautelosa de variados fatores objetivos e subjetivos,
de diferentes elementos genéricos e circunstanciais, o que nos proíbe de alcan-
çar qualquer metodologia precisa ou vinculativa. O que buscaremos é tão-so-
mente o oferecimento de alguns exemplos, os quais poderão ser observados
nos casos mais comuns de reparação a esse dano, sendo que a sua inerente
subjetividade não deve ser considerada um impeditivo para que se tente visualizar
alternativas e esforços tendentes a, de um lado, minimizar o excesso de recur-
sos, a morosidade e a conseqüente sobrecarga do Poder Judiciário (ocasiona-
dos muitas vezes pelas divergências jurisprudenciais a respeito de assuntos
semelhantes) e, de outro lado, a proporcionar aos nossos magistrados de ins-
tâncias inferiores modelos quantitativos que possam de alguma forma norteá-
los no difícil momento de fixar os valores indenizatórios.
O próprio Superior Tribunal de Justiça entende que “o valor por dano
moral sujeita-se ao controle por via de recurso especial e deve ser reduzido
quando for arbitrado fora dos parâmetros fixados por esta Corte em casos
semelhantes”.2 Além disso, esse mesmo Tribunal sustenta que pode elevar ou
reduzir o valor fixado a título de dano moral, quando ele se mostrar exagerado
ou irrisório. Diante disso, sem qualquer equação uniforme, tentaremos elucidar
as quantias mais próximas desses “parâmetros”, assim como, nos casos de
maior freqüência, o que pode ser considerado “irrisório” ou “exagerado” na
visão recente do STJ, com o propósito de ilustrar genericamente os padrões de
razoabilidade e moderação utilizados por tal Corte.

1
Maranhão tem indústria de indenização. Folha de São Paulo, 25 maio 1997. 2º Caderno.
2
STJ, 3ª Turma, AI 512.494-RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 21.08.2003, decisão
monocrática, DJU 05.09.2003.
QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS PELO STJ 199

2. EVOLUÇÃO DO TEMA

Nem sempre a sua reparação pecuniária foi admitida, como se pode


extrair das lições de Caio Mário da Silva Pereira,3 o qual afirma que havia escritores
(como Pothier, Brinzi, Keller, Chironi) que negavam a ressarcibilidade do prejuí-
zo moral, sob o fundamento de que a dor é inindenizável economicamente por
ser um bem jurídico inestimável, constituindo-se essa reparação algo até mes-
mo imoral. Assim, inexistia, até o Código Civil de 1916, a indenização pecuniária
por dano moral.
A partir do Código de 1916, como descreve o mesmo autor,4 surgiram
hipóteses que abrangiam a reparabilidade do dano moral, como no caso do art.
1.538, que previa indenização adicional para as vítimas de lesão corporal que
acarretasse aleijão ou deformidade e para o ofendido que fosse mulher jovem
e solteira, ainda capaz de casar. A admissibilidade da reparação do dano moral
passa, então, a se tornar pensamento dominante no cenário jurídico nacional,
cristalizando-se na instituição do Código de Telecomunicações (Lei 4.117/62),
da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67) e do Código de Direitos Autorais. A Lei 4.117/62,
em seu art. 81, estabeleceu a indenização por dano moral em caso de calúnia,
difamação ou injúria por via de radiodifusão, fixada no mínimo de cinco e no
máximo de cem vezes o salário mínimo.
Washington de Barros Monteiro,5 em comentários ao Código de 1916,
observou que o seu art. 1.537, ao dispor sobre indenização no caso de homicí-
dio, foi diretamente influenciado pelos escritores que inadmitiam a reparação
do dano moral, por prever indenização apenas para: I) pagamento das despe-
sas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família; II) prestação de
alimentos a quem o defunto os devia. Esse autor, criticando a aludida restrição,
assinala a incongruência daquela norma, pois a simples lesão corporal do art.
1.538 abrangia a reparação dos lucros cessantes e do dano moral, ao passo

3
Instituições de direito civil. 6. ed. v. 2, p. 293.
4
“Num primeiro grau, o Código de 1916 já assentava hipóteses casuísticas em que o dano
moral é reparável. Assim é no caso da vítima sofrer ofensa corpórea que deixe lesão ou
deformidade; no do ofendido ser mulher jovem e solteira, e ainda capaz de casar (Código
Civil, art. 1.538)” (Instituições de direito civil. 6. ed. v. 2, p. 293).
5
“Haja vista o que sucede no caso do homicídio. Estabelece o art. 1.537 que a indenização, no
caso de homicídio, consiste: I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu
funeral e o luto da família; II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o defunto os
devia. Ora, se a lei preceitua que a indenização consiste nas verbas que enumera, não pode
ser ampliada a outras, como, por exemplo, lucros cessantes e dano moral” (Curso de direito
civil. 26. ed. v. 5, 2ª parte, p. 413).
200 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

que o homicídio, muito mais grave, excluía tais indenizações. Prosseguindo,6


retrata a infelicidade do legislador de 1916 nesse aspecto, asseverando a ne-
cessidade de impor ao lesante algum castigo e ao lesado algum consolo, o que
seria assegurado pela indenização por danos morais.
Por outro lado, existiram entre os doutrinadores brasileiros aqueles que,
como Lacerda de Almeida,7 negavam qualquer reparabilidade do dano moral
mesmo após a vigência do Código Civil de 1916, posicionamento que prevale-
ceu até a primeira metade do século XX, sustentando acima de tudo a inexistência
do dano civil de ordem não patrimonial.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, incisos V e X, consagrou
definitivamente a indenização por dano moral, eliminando ao menos teorica-
mente as controvérsias sobre sua admissibilidade, e estendendo-a às hipóteses
não enumeradas expressamente em textos de leis. Mais recentemente, o Códi-
go de Defesa do Consumidor (artigo 6º, incisos VI e VII) e o Código Civil de 2002
(artigos 186, 927 e 942) também resguardaram a reparação econômica dos
danos morais. A visão hoje predominante é a de que embora a dor não tenha
preço e nem seja mensurável, os danos morais são plenamente reparáveis. A
indenização em dinheiro não visa à restituição absoluta do statu quo da vítima
anterior ao dano e nem à recomposição total da dor e da angústia por ela
vivenciadas. O seu escopo é o alívio, a amenização, a diminuição dos sentimen-
tos negativos suportados pelo lesado, sob uma perspectiva de “correspondên-
cia” ou “proporcionalidade”, e não de “equivalência”, buscando ainda sancionar
o lesante a fim de que ele não reitere a conduta ofensiva. Assim, num contexto
mais amplo, consiste o objetivo dessa reparação pecuniária na defesa dos valo-
res essenciais à preservação da personalidade humana e do convívio social,
atribuindo à vítima algum tipo de compensação, bem como lhe devolvendo, na
medida do possível, sua integridade física, psicológica e emocional.

6
“Positivamente, não foi feliz o legislador pátrio; [...] quanto aos danos morais, porque, em
princípio, seriam estes ressarcíveis. Alega-se, quanto a estes, ser absurdo e até imoral
reduzi-los a valor pecuniário, compensando assim o sofrimento causado pela morte de um
ente querido com o pagamento de certa quantia. Não procede, todavia, semelhante objeção.
Não se procura pagar a dor ou compensar o abalo moral; cuida-se apenas de impor um
castigo ao ofensor e esse castigo ele só terá se for também compelido a desembolsar certa
soma, o que não deixa de representar consolo para a família do ofendido, que se capacita
assim de que impune não ficou o ato ofensivo e criminoso” (Curso de direito civil. 26. ed. v. 5,
2ª parte, p. 413-414).
7
“Ainda não me pude convencer da existência de damno civil de ordem não patrimonial. As
coisas inestimaveis repellem a sancção do Direito Civil que com ellas não se occupa...”
(Obrigações. 2. ed. p. 281).
QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS PELO STJ 201

3. COMPETÊNCIA DO STJ

Não obstante a revisão da indenização por danos morais estar condicio-


nada à análise de elementos fático-probatórios,8 o que, a princípio, impediria a
sua realização em sede de recurso especial (Súmula 7 do STJ), tem sido permi-
tido o reexame do seu quantum pelo Superior Tribunal de Justiça somente para
modificar valores exorbitantes ou irrisórios,9 com o intuito de se corrigirem as
constantes distorções verificadas em sua fixação por tribunais inferiores e ma-
gistrados de 1ª instância.10
É evidente que essa fixação, diante das circunstâncias e peculiaridades a
serem relevadas em cada caso, mostra-se mais pertinente quando realizada
nas instâncias ordinárias, as quais possuem maior liberdade e proximidade em
relação aos fatos e às partes. No entanto, isso não pode obstar à interferência
do STJ para alterá-la em hipóteses excepcionais, sob pena de se alastrarem as
quantificações inexpressivas ou exageradas que, por sua vez, atingiriam de
maneira acentuadamente perversa a harmonia social e até mesmo, no caso
das últimas, o equilíbrio econômico do país.11

8
“A pretensão da agravante de que seja revista a quantia arbitrada a título de reparação por
danos morais encontra óbice na Súmula 7/STJ, uma vez que importaria necessariamente no
reexame de provas, o que é defeso nesta fase recursal...” (STJ - 4ª Turma, AI 519.484-
AgRg-DF, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 15.04.2004, negaram provimento, v.u., DJU
01.07.2004, p. 204).
No entanto, há um acórdão em sentido contrário, afirmando que: “No que toca ao valor da
indenização, esta Corte Superior de Justiça firmou o entendimento de que pode majorar ou
reduzir, quando irrisório ou absurdo, o valor das verbas fixadas a título de dano moral, por
se tratar de matéria de direito e não de reexame fático-probatório” (grifo nosso) (STJ, 2ª
Turma, REsp 549.812-CE, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 06.05.2004, deram provimento parcial
ao recurso do réu, v.u., DJU 31.05.2004, p. 273).
9
“... pois a modificação da indenização fixada a título de danos morais ensejaria a incursão no
campo fático-probatório, procedimento vedado em sede de recurso especial. Cumpre
asseverar que, consoante reiterada jurisprudência deste STJ, o afastamento de tal óbice só
se justifica quando a indenização fixada revela-se demasiada ou irrisória, o que não ocorre
na hipótese dos autos” (grifo nosso) (STJ, 3ª Turma, AI 578.735-AgRg-RS, Relª Minª Nancy
Andrighi, j. 14.06.2004, negaram provimento, v.u., DJU 28.06.2004, p. 317).
10
É nesse âmbito que aduz o Min. Aldir Passarinho Junior: “Inicialmente registro que esta Corte
tem exercido controle sobre os valores fixados a título de danos morais, tanto para minimizar
a discrepância de decisões proferidas pelos diversos Tribunais do país, como também nos
casos em que o respectivo valor for irrisório ou abusivo” (STJ, 4ª Turma, AI 459.601-AgRg-RJ,
Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 05.12.2002, negaram provimento, v.u., DJU 24.03.2003,
p. 234).
11
Lembre-se, a respeito, o que ocorre nos Estados Unidos da América, onde as vultosas
indenizações por danos morais dificultam de maneira muito expressiva algumas atividades
empresariais e profissionais, notadamente no ramo da medicina.
202 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Tal possibilidade é ainda favorecida pelo fato de que a indenização dos


danos morais, conforme assinala freqüentemente o próprio STJ,12 dispensa a
prova objetiva do prejuízo, sendo necessário provar apenas o fato e o nexo de
causalidade entre ele e o dano sofrido (ao contrário dos danos materiais, que
exigem prova exata do desfalque sofrido no patrimônio da vítima). Incidindo
portanto os danos morais sobre um campo probatório limitado, facilita-se a
atuação do STJ no controle de sua quantificação, já que esse Tribunal tem sua
competência e sua estrutura direcionadas substancialmente às matérias de di-
reito, e não às de fato. Por fim, acrescente-se que já é admitida a análise do
valor indenizatório, até mesmo em decisão monocrática, pelo relator do recur-
so no STJ, o qual poderá modificá-lo ou mantê-lo, conforme verificamos no
AI 496.359/SP13 ou no REsp 609.225/PB.14

4. O VALOR DAS INDENIZAÇÕES POR DANO MORAL

Consolidada a reparação pecuniária dos danos morais, subsiste até os


dias atuais a dificuldade para liquidá-los e quantificá-los de forma satisfatória.
Os danos materiais são calculados com base no exato montante do prejuízo
econômico sofrido no patrimônio do ofendido. Os danos morais, entretanto, não
possuem dimensão monetária, sendo insuscetíveis de avaliação estrita. Assu-
me importância central, nesse ínterim, o arbítrio do juiz, que, para não se tor-
nar arbitrariedade, deve se fundamentar na prudência, na eqüidade e na
razoabilidade.
O valor dos danos morais não pode ser tão alto a ponto de acarretar
enriquecimento sem causa do autor ou de arruinar financeiramente o réu e
nem pode ser tão baixo a ponto de não penalizar o réu permitindo que ele
reitere a ofensa praticada ou não repare o dano sofrido pelo autor. Para a
definição do seu valor, que não deve ser irrisório e nem absurdamente elevado,

12
A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do
ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples
fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao
contrário do que se dá quanto ao dano material" (STJ, 4ª Turma, REsp 602.401-RS, Rel. Min.
Cesar Rocha, j. 18.03.04, negaram provimento, v.u., DJU 28.06.04, p. 335).
13
STJ, 4ª Turma, AI 496.359-SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 17.06.2003, deu provimento
parcial, DJU 04.08.2003.
14
STJ, 3ª Turma, REsp 609.225-PB, Rel. Min. Castro Filho, j. 21.06.2004, negou seguimento,
DJU 30.06.2004.
QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS PELO STJ 203

é necessário que o magistrado considere várias circunstâncias em cada caso


específico, tais como a intensidade da culpa e do dano, a conduta e a capacida-
de econômica do ofensor, a repercussão da ofensa, a posição social ocupada
pelo ofendido e as conseqüências por ele suportadas.
Ademais, como já consagrado pela jurisprudência do STJ,15 o valor da
causa estabelecido pelo autor no pedido inicial é meramente estimativo, servin-
do precipuamente para efeitos fiscais e não podendo se tornar paradigma para
a fixação da indenização, a qual tanto poderá ser inferior quanto superior em
relação àquele valor; não pode também o valor da causa ser tomado como
pedido certo para fixação de sucumbência recíproca caso a ação seja julgada
procedente em quantia inferior à pretendida pelo autor, sendo que a proporcio-
nalidade será garantida ao incidirem os honorários do advogado do autor sobre
o valor da condenação (ou seja: não se configura na reparação por dano moral
a sucumbência recíproca).
Outro problema refere-se à responsabilidade tarifada prevista na Lei de
Imprensa, tendo o STJ já se pronunciado16 no sentido de que a indenização por
danos morais não se sujeita aos limites nela estabelecidos, mas sim ao arbítrio
e bom senso dos magistrados, os quais deverão sopesar os fatores casuísticos,
podendo, por exemplo, fixá-la em valores mais elevados nas situações de grave
lesão, como a morte de um ente querido.

5. OS VALORES SEGUNDO O STJ

Reside aqui o cerne do presente trabalho, no qual passaremos a indicar


os valores entendidos como cabíveis pelo STJ nas hipóteses mais comuns de
indenização por dano moral, para que concretizemos os objetivos aos quais nos
propomos.

15
“Dada a multiplicidade de hipóteses em que cabível a indenização por dano moral, aliada à
dificuldade na mensuração do valor do ressarcimento, tem-se que a postulação contida na
exordial se faz em caráter meramente estimativo, não podendo ser tomada como pedido
certo para efeito de fixação de sucumbência recíproca, na hipótese de a ação vir a ser
julgada procedente em montante inferior ao assinalado na peça inicial. Proporcionalidade na
condenação já respeitada se faz sobre o real montante da indenização a ser paga.” (STJ, 4ª
Turma, REsp 332.943-SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 22.10.2002, deram provimento
parcial, v.u., DJU 17.02.2003, p. 283).
16
“Na linha da jurisprudência deste Tribunal, no entanto, a responsabilidade tarifada prevista
na Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição de 1988, de sorte que o valor da
indenização por danos morais não está sujeita aos limites nela previstos” (STJ, 4ª Turma,
REsp 513.057-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 18.09.2003, deram provimento
parcial, v.u., DJU 19.12.2003, p. 484).
204 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Valores fixados em indenização por danos morais decorrentes de:


a) Morte de pai de família: 200 salários mínimos para cada autor (REsp
468.93417); e 100 salários mínimos (REsp 435.71918).
Morte de filho: 300 salários mínimos (EREsp 435.15719 e REsp 514.38420);
250 salários mínimos (AI 477.631-AgRg21 e REsp 565.29022), 200 salários míni-
mos (REsp 419.20623); e R$ 65.000,00 (REsp 506.09924). Oportuna, nesse âmbi-
to, é a afirmação do Relator no acórdão do EREsp 435.157: “A dor da perda
dum filho é diferente daquela sentida pela morte do pai e do cônjuge. A inver-
são da ordem natural das coisas é sentida com maior intensidade e justifica a
diferença do dano moral”.
Morte ocasionada por erro médico, independente da posição familiar ocu-
pada pelo falecido: 300 salários mínimos (REsp 371.93525 e REsp 493.45326).
b) Lesões físicas de pequena monta, que não deixam seqüelas e ocasio-
nam incapacidade apenas temporária para o trabalho: R$ 6.000,00 (REsp
453.87427); e 20 salários mínimos (REsp 488.02428).
Lesões físicas razoáveis, causadoras de seqüelas e de incapacidade
parcial para o trabalho: R$ 54.000,00 (AI 480.836-AgRg,29 hipótese em que
ocorreu cegueira de um olho e deformidade no rosto); 100 salários mínimos

17
STJ, 4ª Turma, REsp 468.934-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 20.05.2004, deram
provimento parcial, v.u., DJU 07.06.2004, p. 231.
18
STJ, 3ª Turma, REsp 435.719-MG, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 19.09.2002, não conheceram,
v.u., DJU 11.11.2002, p. 214.
19
STJ, 2ª Seção, EREsp 435.157-MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 09.06.2004, não
conheceram, v.u., DJU 28.06.2004, p. 182.
20
STJ, 4ª Turma, REsp 514.384-CE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 18.03.2004, deram
provimento parcial, v.u., DJU 10.05.2004, p. 290.
21
STJ, 3ª Turma, AI 477.631-AgRg-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 06.02.2003,
negaram provimento, v.u., DJU 31.03.2003, p. 224.
22
STJ, 4ª Turma, REsp 565.290-SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 10.02.04, deram provimento
parcial, v.u., DJU 21.06.04, p. 227.
23
STJ, 1ª Turma, REsp 419.206-SP, Rel. Min. Garcia Vieira, j. 27.08.2002, não conheceram,
v.u., DJU 21.10.2002, p. 288.
24
STJ, 3ª Turma, REsp 506.099-MT, Rel. Min. Castro Filho, j. 16.12.2003, não conheceram,
v.u., DJU 10.02.2004, p. 249.
25
STJ, 2ª Turma, REsp 371.935-RS, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 02.09.2003, deram provimento
parcial, v.u., DJU 13.10.2003, p. 320.
26
STJ, 4ª Turma, REsp 493.453-RS, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 24.06.2003, deram
provimento, v.u., DJU 25.08.2003, p. 321.
27
STJ, 3ª Turma, REsp 453.874-RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 04.11.2003, deram
provimento, v.u., DJU 01.12.2003, p. 348.
28
STJ, 3ª Turma, REsp 488.024-RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 22.05.2003, deram
provimento parcial, um voto vencido, DJU 04.08.2003, p. 301.
29
STJ, 3ª Turma, AI 480.836-AgRg-SP, Rel. Min. Castro Filho, j. 09.09.2003, negaram
provimento, v.u., DJU 29.09.2003, p. 244.
QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS PELO STJ 205

(REsp 509.362,30 hipótese em que ocorreu apenas cegueira de um olho); e 200


salários mínimos (AI 479.935-AgRg,31 hipótese em que houve amputação de
dois terços da mão esquerda, ocasionando perda do movimento de pinça).
Lesões físicas graves, que causam incapacidade total e permanente para
o trabalho: 570 salários mínimos (AI 469.137-AgRg32); R$ 200.000,00 para um
autor e R$ 250.000,00 para o outro (REsp 505.08033). Nesse último acórdão, o
Relator ressaltou que os autores foram “... privados prematuramente - aos 21
anos de idade - do direito a uma vida plena, ante as limitações e deficiências
físicas e morais com as quais, sem dúvida, estarão obrigados a conviver pelo
resto de suas vidas”, após serem atingidos por “disparos de arma de fogo por
parte de policiais militares integrantes da Polícia Militar do Estado de Goiás”,
devendo ser mantidos esses valores “como meio apto a induzir o Estado a
exacerbar os seus meios de controle no acesso de pessoal, evitando que in-
gresse nos seus quadros pessoal com personalidade deveras desvirtuada para
a função indicada”.
c) Erro da instituição bancária na devolução de cheque e conseqüente
encerramento da conta corrente, sem a inscrição do nome do autor nos cadas-
tros de restrição de crédito: R$ 5.000,00 (REsp 577.89834).
Havendo, além da devolução indevida de cheque, inscrição do nome do
autor nos cadastros de proteção ao crédito: redução de 100 salários mínimos
para 50 salários mínimos (REsp 527.41435). No acórdão do Recurso Especial
retromencionado, sustenta-se que a 4ª Turma do STJ, em casos como estes,
“... costuma determinar a indenização em torno da quantia equivalente a 50
salários mínimos”.
Apresentação de cheque pré-datado pela empresa credora antes do pra-
zo ajustado, acarretando a sua devolução: 50 salários mínimos (REsp 213.94036).

30
STJ, 2ª Turma, REsp 509.362-PR, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 26.06.2003, não conheceram,
v.u., DJU 22.09.2003, p. 305.
31
STJ, 3ª Turma, AI 479.935-AgRg-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 22.05.2003,
negaram provimento, v.u., DJU 30.06.2003, p. 245.
32
STJ, 3ª Turma, AI 469.137-AgRg-RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 08.05.2003,
negaram provimento, v.u., DJU 16.06.2003, p. 339.
33
STJ, 1ª Turma, REsp 505.080-DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 14.10.2003, negaram provimento,
v.u., DJU 17.11.2003, p. 212.
34
STJ, 4ª Turma, REsp 577.898-SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 04.12.2003, deram
provimento parcial, v.u., DJU 14.06.2004, p. 236.
35
STJ, 4ª Turma, REsp 527.414-PB, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 25.11.2003, deram provimento
parcial, v.u., DJU 16.02.2004, p. 268.
36
STJ, 3ª Turma, REsp 213.940-RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 29.06.2000, negaram
provimento, v.u., DJU 21.08.2000, p. 124.
206 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

d) Transferência indevida de valores de conta-corrente para a conta de


terceiros, por negligência na conferência das assinaturas: redução de R$ 20.000,00
para R$ 5.000,00 (REsp 623.44137).
Cobrança equivocada de cheques que, em verdade, haviam sido emitidos
pelo homônimo do autor: 30 salários mínimos (REsp 550.912-AgRg38).
Fornecimento indevido ou extravio de talão de cheques: 100 salários
mínimos (REsp 474.78639 e AI 454.219-AgRg40).
e) Protesto indevido de título: 50 salários mínimos (REsp 503.89241 e
REsp 435.22842); e 20 salários mínimos (REsp 575.62443). Há um acórdão em
que foi adotado o dobro do valor dos títulos protestados, acarretando indeniza-
ção de R$ 10.429,00 (AI 535.551-AgRg44); no entanto, a 4ª Turma do STJ, ao
julgar o REsp 488.536,45 entendeu que a fixação do quantum indenizatório ba-
seada no valor dos títulos não se justifica, e que deve ser adotado, ordinaria-
mente, o valor de 50 salários mínimos para hipóteses semelhantes, sendo que,
no seu caso, porém, fixou-se em 300 salários mínimos porque a quantidade de
títulos protestados (19) foi considerada enorme e o abalo moral que o autor
(pessoa jurídica) sofreu foi de maior repercussão tendo em vista a intensidade
de suas relações comerciais.
f) Inscrição indevida do nome do autor em cadastros restritivos de crédi-
tos: 50 salários mínimos (AI 548.373-AgRg,46 AI 562.568-AgRg47 e REsp 602.40148

37
STJ, 4ª Turma, REsp 623.441-RJ, Rel. Min. Asfor Rocha, j. 18.03.2004, deram provimento
parcial, v.u., DJU 14.06.2004, p. 238.
38
STJ, 3ª Turma, REsp 550.912-AgRg-RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 16.03.2004,
negaram provimento, v.u., DJU 03.05.2004, p. 158.
39
STJ, 2ª Turma, REsp 474.786-RS, Relª. Minª. Eliana Calmon, j. 01.04.2004, deram provimento,
v.u., DJU 07.06.2004, p. 185.
40
STJ, 3ª Turma, AI 454.219-AgRg-RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 10.02.2004,
negaram provimento, v.u., DJU 08.03.2004, p. 248.
41
STJ, 4ª Turma, REsp 503.892-PB, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 05.02.2004, deram
provimento parcial, v.u., DJU 15.03.2004, p. 276.
42
STJ, 4ª Turma, REsp 435.228-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 26.05.2003, deram
provimento parcial, v.u., DJU 01.09.2003, p. 292.
43
STJ, 4ª Turma, REsp 575.624-PA, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 10.02.2004, deram
provimento, v.u., DJU 02.08.2004, p. 408.
44
STJ, 3ª Turma, AI 535.551-AgRg-SC, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 18.11.2003, negaram
provimento, v.u., DJU 15.12.2003, p. 311.
45
STJ, 4ª Turma, REsp 488.536-MT, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 09.09.2003, deram
provimento parcial, um voto vencido em parte, DJU 24.11.2003, p. 312.
46
STJ, 4ª Turma, AI 548.373-AgRg-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 06.04.2004, negaram
provimento, v.u., DJU 24.05.2004, p. 280.
47
STJ, 3ª Turma, AI 562.568-AgRg-RS, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 06.05.2004,
negaram provimento, v.u., DJU 07.06.2004, p. 224.
48
STJ, 4ª Turma, REsp 602.401-RS, Rel. Min. Cesar Rocha, j. 18.03.2004, negaram provimento,
v.u., DJU 28.06.2004, p. 335.
QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS PELO STJ 207

e REsp 432.17749); R$ 5.000,00 (REsp 303.88850); R$ 6.000,00 (REsp 575.16651


e REsp 564.55252); e R$ 7.500,00 por autor (REsp 577.89853). Ou seja: em
geral, varia aproximadamente entre 25 a 50 salários mínimos. O mais comum,
em casos envolvendo inscrição indevida de nome nesses cadastros, é a fixação
da indenização no valor de 50 salários mínimos, como se pode observar no
comentário feito pelo Min. Fernando Gonçalves no acórdão do REsp 467.213:54
“Com efeito, esta Turma tem adotado o valor de 50 salários mínimos como
parâmetro de reparação por danos morais, em questão análoga, envolvendo
inscrição indevida em cadastros de proteção ao crédito”. O voto no acórdão do
AI 548.373-AgRg, por sua vez, traz a seguinte afirmação: “De efeito, cinqüenta
salários mínimos tem sido o parâmetro adotado pelas 3ª e 4ª Turmas para o
ressarcimento de dano moral em situações assemelhadas, como de inscrição
ilídima em cadastros, devolução indevida de cheques, protesto incabível, etc.”.
Manutenção do nome do autor em cadastros de restrição do crédito,
mesmo após a quitação da dívida: R$ 3.000,00 (REsp 299.45655); e R$ 6.000,00
(REsp 511.92156). Ou seja: varia aproximadamente entre 15 e 25 salários míni-
mos.
g) Extravio de bagagens e atraso de 10 horas de vôo internacional: redu-
ção para R$ 3.000,00 (REsp 602.01457).
Atraso de 25 horas em vôo internacional: redução para R$ 2.500,00 por
autor (REsp 478.281-AgRg58). Atraso de, pelo menos, 36 horas em vôo internacional:

49
STJ, 4ª Turma, REsp 432.177-SC, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 23.09.2003, deram
provimento parcial, v.u., DJU 28.10.2003, p. 289.
50
STJ, 4ª Turma, REsp 303.888-RS, Rel. Min. Castro Filho, j. 22.11.2003, deram provimento,
v.u., DJU 28.06.2004, p. 300.
51
STJ, 4ª Turma, REsp 575.166-PA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 18.03.2004, deram
provimento parcial, v.u., DJU 05.04.2004, p. 273.
52
STJ, 4ª Turma, REsp 564.552-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 25.11.2003, não conheceram,
v.u., DJU 16.02.2004, p. 272.
53
STJ, 4ª Turma, REsp 577.898-SC, Rel. Min. Cesar Rocha, j. 04.12.2003, não conheceram,
v.u., DJU 14.06.2004.
54
STJ, 4ª Turma, REsp 467.213-MT, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 16.02.2004, deram
provimento parcial, v.u., DJU 03.02.2004, p. 260.
55
STJ, 4ª Turma, REsp 299.456-SE, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 19.12.2002, não
conheceram, v.u., DJU 02.06.2003, p. 299.
56
STJ, 4ª Turma, REsp 511.921-MT, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 09.03.2004, deram
provimento parcial, v.u., DJU 12.04.2004, p. 213.
57
STJ, 4ª Turma, REsp 602.014-RJ, Rel. Min. Cesar Rocha, j. 18.12.2003, deram provimento
parcial, v.u., DJU 14.06.2004, p. 237.
58
STJ, 4ª Turma, REsp 478.281-SC, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 21.08.2003, deram
provimento parcial, v.u., DJU 28.10.2003, p. 290.
208 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

redução para R$ 5.000,00 (REsp 575.48659 e AI 459.601-AgRg60).


Extravio de bagagens em viagem internacional: R$ 20.000,00 (AI 574.867-
AgRg ); e R$ 18.000,00 (AI 538.459-AgRg62). Em viagem nacional: 50 salários
61

mínimos (REsp 156.24063).


h) Divulgação de mensagem ofensiva à honra do autor, mas não através
da imprensa: R$ 20.000,00 (AI 463.946-AgRg,64 caso em que “a mensagem
denominando-o de ‘mau caráter’ e de ‘péssima formação profissional’ passou a
ser de conhecimento de todas as empresas de viagens, ramo no qual trabalha-
va o ofendido, tendo, até mesmo, que se explicar perante o gerente da firma na
qual trabalhava para que não fosse demitido”).
Divulgação, através da imprensa, de notícias e matérias caluniosas e
ofensivas à honra da vítima: 200 salários mínimos (REsp 448.604,65 REsp
243.09366 e REsp 226.95667); 300 salários mínimos (REsp 488.921,68 REsp
448.60469 e REsp 575.02370); 400 salários mínimos (REsp 72.34371); e 500 sa-
lários mínimos (REsp 513.05772). Ou seja: varia aproximadamente entre 200 e
500 salários mínimos.

59
STJ, 4ª Turma, REsp 575.486-RJ, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 03.02.2004, deram
provimento parcial, v.u., DJU 21.06.2004, p. 228.
60
STJ, 4ª Turma, AI 459.601-AgRg-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 05.12.2002, negaram
provimento, v.u., DJU 24.03.2003, p. 234.
61
STJ, 3ª Turma, AI 574.867-AgRg-DF, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 14.06.2004, negaram
provimento, v.u., DJU 28.06.2004, p. 315.
62
STJ, 3ª Turma, AI 538.459-AgRg-RJ, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 06.11.2003, negaram
provimento, v.u., DJU 09.12.2003, p. 288.
63
STJ, 4ª Turma, REsp 156.240-SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 23.11.2000, deram
provimento, v.u., DJU 12.02.2001, p. 118.
64
STJ, 3ª Turma, AI 463.946-AgRg-RJ, Rel. Min. Castro Filho, j. 17.06.2003, negaram
provimento, v.u., DJU 18.08.2003, p. 204.
65
STJ, 4ª Turma, REsp 448.604-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 06.11.2003, deram
provimento, v.u., DJU 25.02.2004, p. 180.
66
STJ, 4ª Turma, REsp 243.093-RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 14.03.2000,
deram provimento parcial, v.u., DJU 18.09.2000, p. 135.
67
STJ, 4ª Turma, REsp 226.956-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 06.06.2000, deram
provimento parcial, v.u., DJU 25.09.2000, p. 107.
68
STJ, 4ª Turma, REsp 488.921-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 05.06.2003, deram
provimento parcial, v.u., DJU 15.09.2003, p. 327.
69
STJ, 4ª Turma, REsp 448.604-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 06.11.2003, deram
provimento, v.u., DJU 25.02.2004, p. 180.
70
STJ, 2ª Turma, REsp 575.023-RS, Relª. Minª. Eliana Calmon, j. 27.04.2004, negaram
provimento, v.u., DJU 21.06.2004, p. 204.
71
STJ, 4ª Turma, REsp 72.343-RJ, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 16.08.2001, deram
provimento parcial, um voto vencido, DJU 04.02.2002, p. 363.
72
STJ, 4ª Turma, REsp 513.057-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 18.09.2003,
deram provimento parcial, v.u., DJU 18.09.2003, p. 484.
QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS PELO STJ 209

i) Imputação temerária ao autor, em notícia-crime perante autoridade


policial, de delito que ele não praticou: R$ 40.000,00 (REsp 470.36573); e R$
60.000,00 (REsp 494.86774).
Acusação infundada de furto em interior de supermercado, seguida de
atitudes humilhantes do preposto do réu: R$ 25.000,00 (REsp 512.881-AgRg75).
Acusação indevida de furto em loja de roupas, havendo condução do acusado à
delegacia de polícia: R$ 20.000,00 (AI 566.114-AgRg76).
Falsa imputação ao autor (empregado) de crime de apropriação indébita
e conseqüente despedimento por justa causa: R$ 54.000,00 (AI 510.336-AgRg77).
Prisão indevida do autor, “por erro judiciário ou permanência do preso
por tempo superior ao determinado na sentença”: R$ 30.000,00 (REsp 434.97078).
j) Divulgação equivocada de imagem do autor: elevação de R$ 10.000,00
para R$ 36.000,00 (REsp 480.62579).
Utilização de imagem do autor sem sua autorização: R$ 50.000,00 (EREsp
230.26880 e REsp 270.73081).
l) Constrangimento a que foi exposto o autor ao ser barrado em porta
giratória de estabelecimento bancário, além de disparo de alarme sonoro:
R$ 10.000,00 (REsp 504.14482).
m) Realização de exame preventivo em gestante para constatação de
vírus HIV, cujo resultado foi erroneamente positivo, recusando-se o Posto de

73
STJ, 3ª Turma, REsp 470.365-RS, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 02.10.2003, deram provimento
parcial, um voto vencido, DJU 01.12.2003, p. 349.
74
STJ, 3ª Turma, REsp 494.867-AM, Rel. Min. Castro Filho, j. 26.06.2003, deram provimento
parcial, v.u., DJU 29.09.2003, p. 247.
75
STJ, 3ª Turma, REsp 512.881-AgRg-CE, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 10.02.2004, negaram
provimento, v.u., DJU 15.03.2004, p. 268.
76
STJ, 4ª Turma, AI 566.114-AgRg-RS, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 04.05.2004, negaram
provimento, v.u., DJU 02.08.2004, p. 407.
77
STJ, 3ª Turma, AI 510.336-AgRg-MG, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 29.10.2003, negaram
provimento, v.u., DJU 15.12.2003, p. 309.
78
STJ, 1ª Turma, REsp 434.970-MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 26.11.2002, negaram provimento,
v.u., DJU 16.12.2002, p. 257.
79
STJ, 4ª Turma, REsp 480.625-DF, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 09.03.2004, deram provimento
parcial ao recurso da autora, v.u., DJU 24.05.2004, p. 278.
80
STJ, 2ª Seção, EREsp 230.268-SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 11.12.2002,
acolheram os embargos, três votos vencidos, DJU 04.08.2003, p. 216.
81
STJ, 3ª Turma, REsp 270.730-RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 19.12.2000,
deram provimento, dois votos vencidos, DJU 07.05.2001, p. 139.
82
STJ, 3ª Turma, REsp 504.144-SP, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 06.06.2003, deram provimento,
v.u., DJU 30.06.2003, p. 249.
210 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Saúde a fornecer-lhe o resultado do segundo exame: 100 salários mínimos


(REsp 546.27083).
n) Atraso de quatro anos verificado no pagamento de prestação
convencionada em contrato de seguro: R$ 20.000,00 (AI 546.723-AgRg84).
o) Venda de veículo supostamente zero quilômetro, sendo posteriormen-
te comprovado que ele fora acidentado e danificado antes em um test drive: 60
salários mínimos (REsp 369.97185).
p) Recusa na aceitação de cartão de crédito do autor perante um estabe-
lecimento comercial de cidade onde não residia: redução de R$ 75.000,00 para
R$ 2.400,00 (REsp 488.15986).
Cobrança indevida em operação com cartão de crédito: redução para 50
salários mínimos (REsp 467.21387).
q) Afetação e interdição de imóvel do autor, após construção, de respon-
sabilidade do réu, realizada com erros técnicos e incorreto estudo do local,
ocasionando “rachaduras” e “crateras”: 200 salários mínimos (REsp 451.25188).
r) Falsificação e comercialização indevida de produtos do autor (titular da
marca): R$ 25.000,00 para cada autor (REsp 466.76189).
Nas hipóteses abaixo, foi levada em consideração a conduta do réu para
a fixação do valor indenizatório, acarretando sua diminuição, já que, conforme
aduziu o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira no acórdão do REsp 234.592:90 “A
existência de outros protestos em nome do postulante dos danos morais, no
momento do protesto da duplicata, não exclui, no caso, a indenização, porém a
reduz a um valor simbólico”. Além disso, Ezequias Nunes Leite91 assevera que
na reparação por dano moral devem ser observadas: “a) conduta do ofendido
na proteção diária de sua reputação; sua vida pregressa, sua projeção social,

83
STJ, 2ª Turma, REsp 546.270-PR, Rel. Min. Franciulli Netto, j. 09.03.2004, negaram
provimento, v.u., DJU 14.06.2004, p. 202.
84
STJ, 3ª Turma, AI 546.723-AgRg-DF, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 23.03.2004, negaram
provimento, v.u., DJU 19.04.2004, p. 194.
85
STJ, 3ª Turma, REsp 369.971-MG, Rel. Min. Castro Filho, j. 16.12.2003, não conheceram,
v.u., DJU 10.02.2004, p. 247.
86
STJ, 4ª Turma, REsp 488.159-ES, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 06.05.2003, deram
provimento parcial, v.u., DJU 08.09.2003, p. 339.
87
Ver nota 50.
88
STJ, 3ª Turma, REsp 451.251-SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 17.06.2003,
deram provimento parcial, v.u., DJU 01.09.2003, p. 280.
89
STJ, 3ª Turma, REsp 466.761-RJ, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 03.04.2003, deram provimento,
v.u., DJU 04.08.2003, p. 295.
90
STJ, 4ª Turma, REsp 234.592-MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 16.11.1999,
deram provimento, v.u., DJU 21.02.2000, p. 135.
91
Revista Jurídica, n. 271, p. 27.
QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORAIS PELO STJ 211

etc.; b) a participação do ofendido no resultado ou na potencialização do resul-


tado danoso”. É o que a doutrina denomina de “culpa concorrente”.
Valores fixados em indenização por danos morais decorrentes de:
a) Manutenção do nome do autor em cadastro de inadimplentes após a
quitação do débito, havendo outros registros em seu nome: R$ 500,00 (REsp
437.23492).
b) Devolução indevida de cheques por falta de provisão de fundos, ha-
vendo equívoco parcial no preenchimento da guia de depósito realizado na con-
ta corrente do autor: R$ 2.500,00 (REsp 424.40893).
c) Morte ocasionada por acidente ferroviário em que a culpa foi atribuída
tanto à vítima quanto ao réu: R$ 15.000,00 para cada autor (REsp 257.09094); e
R$ 20.000,00 para cada autor (REsp 445.87295).

CONCLUSÃO

Conforme procuramos demonstrar, tem o Superior Tribunal de Justiça se


esforçado para efetuar as correções necessárias a fim de que o valor dos danos
morais seja fixado de forma consentânea com os seus objetivos: sancionar o
ofensor; salvaguardar a honra e a paz interior do ofendido, atenuando o seu
sofrimento; impedir o enriquecimento sem causa; e, acima de tudo, zelar pela
eficácia e credibilidade da prestação jurisdicional buscada por aqueles que dela
precisam.
Para que essas metas sejam alcançadas, adquire relevância ímpar o jul-
gamento realizado com prudência, moderação, eqüidade e razoabilidade, ele-
mentos indissociáveis que poderão ser obtidos não só a partir do bom senso do
magistrado, mas também por meio do respeito à doutrina e à jurisprudência
amplamente consolidadas. O entendimento jurisprudencial do STJ vem aos pou-
cos se assentando de modo paradigmático em relação às hipóteses mais comuns
de dano moral, o que nos permitiu tecer as considerações que se seguiram, na

92
STJ, 3ª Turma, REsp 437.234-PB, Relª. Minª. Nancy Andrighi, j. 19.08.2003, deram provimento,
v.u., DJU 29.09.2003, p. 241.
93
STJ, 3ª Turma, REsp 424.408-ES, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 29.11.2002,
deram provimento parcial, v.u., DJU 24.02.2003, p. 227.
94
STJ, 3ª Turma, REsp 257.090-SP, Rel. Min. Castro Filho, j. 16.12.2003, deram provimento
parcial, v.u., DJU 01.03.2004, p. 178.
95
STJ, 3ª Turma, REsp 445.872-SP, Rel. Min. Ari Pargendler, j. 29.11.2002, deram provimento,
v.u., DJU 24.03.2003, p. 216.
212 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

esperança de que contribuam para uma possível redução das divergências e


elasticidades constatadas nas decisões jurisdicionais e que tanto prejudicam a
efetividade do processo civil brasileiro.

BIBLIOGRAFIA

AITH, Marcio. Maranhão tem Indústria de Indenização. Folha de São Paulo, 25 maio 1997.
2º Caderno.
ALMEIDA, Lacerda de. Obrigações. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1916.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil - 2ª parte. 26. ed. São Paulo: Saraiva,
v. 5, 1993.
BAPTISTA, Ezequias Nunes Leite. O dano moral - aspectos relevantes na quantificação da
indenização. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 271, 2000.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 2,
1981.
DANO MORAL AMBIENTAL

LUIS HENRIQUE PACCAGNELLA


Promotor de Justiça/SP.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Dano moral difuso e coletivo - 3. Dano


moral ambiental - 4. Dano moral ambiental: casuística - 5. Critérios de
indenização - 6. Conclusões - Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

O Direito Ambiental possui diversos princípios que informam sua aplica-


ção prática. Para o tema desta tese interessa, sobremaneira, o denominado
“Princípio da Responsabilização”.
Como sabemos, nosso sistema jurídico consagra a tríplice responsabili-
dade: administrativa, civil e penal.
A responsabilidade civil, como uma dessas três espécies, deve ser inte-
gralmente aplicada diante de danos ambientais, em vista do princípio acima
noticiado.
A respeito desse Princípio, ensina Álvaro Mirra: “Assim, para que se te-
nha um sistema completo de preservação e conservação do meio ambiente é
necessário pensar sempre na responsabilização dos causadores de danos
ambientais e da maneira mais ampla possível. Essa amplitude da responsabili-
zação do degradador está relacionada, em primeiro lugar, com a autonomia e
independência entre os três sistemas de responsabilidade existentes: civil, ad-
ministrativa e penal. Nesses termos, um poluidor, por um mesmo ato de polui-
ção, pode ser responsabilizado, simultaneamente, nas esferas civil, penal e
214 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

administrativa, com a viabilidade de incidência cumulativa desses sistemas de


responsabilidade em relação a um mesmo fato danoso”.1
A Constituição da República prevê a obrigatoriedade da reparação dos
danos ambientais: “Art. 225, § 3º. As condutas e atividades consideradas lesi-
vas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar
os danos causados”.
Como exposto, a responsabilidade civil, em matéria ambiental, deve ser
integral. Isso significa que deve ser imposta a reparação dos danos morais,
inclusive.
A Constituição de 1988, conforme pacífico na doutrina, reconheceu o
caráter indenizável dos danos morais (art. 5º, V e X).
Leciona o Des. Yussef Said Cahali:
Segundo entendimento generalizado na doutrina, e de
resto consagrado nas legislações, é possível distinguir,
no âmbito dos danos, a categoria dos danos patrimoniais,
de um lado, dos danos extrapatrimoniais, ou morais, de
outro; respectivamente, o verdadeiro e próprio prejuí-
zo econômico, o sofrimento psíquico ou moral, as do-
res, as angústias e as frustrações infligidas ao ofendido.2

Por sua vez, a possibilidade de cumulação entre indenizações por danos


materiais e danos morais está consagrada na jurisprudência, de acordo com a
Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça: “São cumuláveis as indenizações
por dano patrimonial e moral oriundas do mesmo fato”.

2. DANO MORAL DIFUSO E COLETIVO

Perfeitamente possível o reconhecimento do dano moral difuso ou coleti-


vo, ao lado do dano “patrimonial” ou material.
De fato, como acentuam Leite, Dantas e Fernandes, “assim como o dano
moral individual, também o coletivo é passível de reparação. Isto pode ser
depreendido do próprio texto constitucional, no qual não se faz qualquer espé-
cie de restrição que leve à conclusão de que somente a lesão ao patrimônio
moral do indivíduo isoladamente considerado é que seria passível de ser repa-
rado”.3

1
In Revista de Direito Ambiental 02/62.
2
Dano Moral, p. 19.
3
In Revista de Direito Ambiental 04/66.
DANO MORAL AMBIENTAL 215

De modo coerente com o pensamento constitucional, o legislador federal


disciplinou o assunto na Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal 7.347/85, com a
redação da Lei Federal 8.884/94):
Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem pre-
juízo da ação popular, as ações de responsabilidade por
danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio ambien-
te; II - ao consumidor; III - a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV -
a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V - por
infração da ordem econômica. (grifei)

Em suma, inegável o caráter indenizável do dano moral, cumulativamen-


te com o dano material, em tema de interesses difusos e coletivos.

3. DANO MORAL AMBIENTAL

Como já exposto, é juridicamente possível o ressarcimento de danos


morais difusos e coletivos.
Portanto, é admissível o reconhecimento do dano moral ambiental. Ques-
tão mais complexa, porém, é a definição desse dano moral ambiental.
De início, convém lembrar que a doutrina do dano moral individual o
conceitua como o sofrimento, a dor, a emoção, o sentimento negativo, impostos
ao ser humano. Isso por ato ou omissão ilícita da parte de outrem.
Contrapõe-se, assim, o dano moral ao dano patrimonial. Este é aquele
que possui repercussão direta no mundo físico (material), causando prejuízo
econômico.
Essa distinção é essencial, em matéria de dano moral ambiental. Com
efeito, aqui há uma aparente dificuldade na distinção entre o dano patrimonial e
o dano moral.
A confusão talvez surja da palavra “patrimonial”, que no seu sentido indi-
vidualista dá idéia exclusiva de prejuízo econômico.
Acontece que, no âmbito dos interesses difusos, é impossível a exclusiva
consideração do dano material sob o aspecto econômico.
Aqui devemos nos ater ao conceito de “patrimônio ambiental”, que não
se encaixa na visão individualista de valor econômico.
O dano ao patrimônio ambiental, ou dano ecológico, é qualquer altera-
ção adversa no equilíbrio ecológico do meio ambiente.
Segundo ensina Marcos Mendes Lyra “podemos, pois, concluir que o dano
ambiental é toda e qualquer forma de degradação que afete o equilíbrio do
216 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

meio ambiente, tanto físico quanto estético, inclusive, a ponto de causar, inde-
pendentemente de qualquer padrão preestabelecido, mal-estar à comunida-
de”.4
Por sua vez, o dano moral ambiental não tem repercussão no mundo
físico, em contraposição ao dano ao patrimônio ambiental.
Esse dano moral ambiental é de cunho subjetivo, à semelhança do dano
moral individual.
Aqui também se repara o sofrimento, a dor, o desgosto do ser humano.
Só que o dano moral ambiental é o sofrimento de diversas pessoas dispersas
em uma certa coletividade ou grupo social (dor difusa ou coletiva), em vista de
um certo dano ao patrimônio ambiental.
Tal distinção é importante, na medida em que os exemplos que costu-
mam ser apontados como danos morais ambientais, na verdade são casos de
danos patrimoniais (ou materiais).
Danos efetivamente causados aos ecossistemas, ou mesmo a algumas
árvores, são danos ao patrimônio ambiental.
O mesmo se diga de lesões à saúde da população, em vista de qualquer
tipo de poluição.
Também é dano patrimonial ambiental a lesão concreta a uma determi-
nada paisagem (patrimônio paisagístico).
O mesmo se diga da lesão física a um patrimônio histórico ou cultural, ou
da supressão de um espaço público de lazer.
Em resumo, a diminuição da qualidade de vida da população, o desequi-
líbrio ecológico, a lesão a um determinado espaço protegido, os incômodos
físicos ou lesões à saúde, se constituem em lesões ao patrimônio ambiental.
Isso dentro do conceito da Constituição Federal, que assegura a todos
um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Portanto esses fenômenos, quando analisados sob o aspecto da reper-
cussão física ao ser humano e aos demais elementos do meio ambiente, cons-
tituem dano patrimonial ambiental.
O dano moral ambiental vai aparecer quando, além (ou independente-
mente) dessa repercussão física no patrimônio ambiental, houver ofensa ao
sentimento difuso ou coletivo.
Ou seja, quando a ofensa ambiental constituir dor, sofrimento, ou des-
gosto de uma comunidade.
Exemplificando, se o dano a uma paisagem causar impacto no sentimen-
to da comunidade daquela região, haverá dano moral ambiental.

4
Revista de Direito Ambiental 08/52.
DANO MORAL AMBIENTAL 217

O mesmo se diga da supressão de certas árvores na zona urbana, ou de


uma mata próxima ao perímetro urbano, quando tais áreas forem objeto de
especial apreço pela coletividade.
Entendo, assim, que o reconhecimento do dano moral ambiental não
está ligado, diretamente, à repercussão física no meio ambiente.
Está, ao contrário, relacionado com a violação do sentimento coletivo,
com o sofrimento da comunidade ou grupo social, em vista de certa lesão
ambiental.
O critério deve ser o mesmo para a definição do dano moral individual: a
dor, o sofrimento, a emoção negativa.
A única diferença, em relação ao dano moral individual, é que no dano
moral ambiental a dor ou sofrimento é de caráter difuso ou coletivo.
Ou seja, o sentimento negativo é suportado por um grande número de
indivíduos, dispersos em uma comunidade (dano moral ambiental difuso) ou
em um grupo social (dano moral ambiental coletivo).
Em vista da inegável previsão legal da reparação do dano moral ambiental,
sua confusão com o dano ao patrimônio ambiental é perigosa.
Assim, difícil ao degradador negar, genericamente, o dever de reparar o
dano moral ambiental. Mais “fácil” que se procure confundir o mesmo com o
dano patrimonial, no caso concreto. Por essa via ilegítima se evitaria, por con-
seqüência, a reparação do prejuízo moral.
Portanto, muito cuidado deve ter o operador jurídico, para que não con-
funda o dano ao patrimônio ambiental com o dano moral ambiental.
Sempre que existir prejuízo moral ambiental deve ser buscada a respec-
tiva indenização, independentemente da reparação do patrimônio ambiental.
Isso sob pena de não caracterização da reparação integral do dano
ambiental, exigida pelos princípios do Direito Ambiental.

4. DANO MORAL AMBIENTAL: CASUÍSTICA

Pela própria natureza difusa ou coletiva da ofensa ao meio ambiente,


nem sempre a degradação ambiental caracterizará o dano moral ambiental.
Na verdade, de regra, só em casos de degradação contra patrimônio
ambiental objeto de especial admiração ou importância para uma comunidade
ou um grupo social, será caracterizada a ofensa ao sentimento coletivo.
Creio, contudo, que em diversas hipóteses existirá dano moral ambiental.
E, sempre que ele ocorrer, de rigor a respectiva reparação, em vista do Princí-
pio da Responsabilização.
218 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Podemos citar um caso de uma área de mata nativa ou de um parque,


situados na zona urbana, objeto de especial admiração e gozo por considerável
número de cidadãos.
A destruição (do todo ou de parte) desse patrimônio ambiental por certo
suscita a reparação material.
Mas também há o sofrimento coletivo, em decorrência do desgosto pela
perda do espaço público e pela observação da área degradada. Tal dor, uma
vez dispersa em considerável número de cidadãos, é indenizável sob o aspecto
ambiental.
O mesmo se diga da demolição de prédio tombado, de rara beleza. Ou
da poluição que suja lago utilizado para o lazer dos munícipes.
Também é possível ser vislumbrado o dano moral ambiental em casos de
corte de árvores situadas em praças públicas, objeto de admiração ou gozo da
população.
Em resumo, sempre que houver um prejuízo ambiental objeto de como-
ção popular, com ofensa ao sentimento coletivo, estará presente o dano moral
ambiental.
A ofensa ao sentimento coletivo se caracteriza quando o sofrimento é
disperso, atingindo considerável número de integrantes de um grupo social ou
comunidade.
Contudo, desnecessária a unanimidade, ou mesmo caráter majoritário,
para tal caracterização.
Basta que a degradação ambiental provoque sentimento negativo disper-
so na comunidade, em considerável número de pessoas. Isso em virtude da
natureza difusa do Direito Ambiental.
Eventual apoio de outra parcela da população, em prol do ato causador
de degradação ambiental, por si só não afasta o dano moral ambiental. Isso
desde que a degradação seja de fato contrária ao direito.
Aliás, em tema de conflitos de massa, como é o caso das lides ambientais,
a divergência de idéias é da natureza das coisas. Tanto assim que se tratam de
interesses titulados como difusos e coletivos, não sendo por outra razão que a
lei conferiu iniciativa processual para amplo leque de legitimados.
Cabe ao operador do direito avaliar, no caso concreto, se a degradação
ambiental causou impacto no sentimento da população da região afetada. E, se
a resposta for positiva, estará presente o dano moral ambiental.
DANO MORAL AMBIENTAL 219

5. CRITÉRIOS DE INDENIZAÇÃO

O dano patrimonial ambiental deve ser reparado integralmente.


Isso pressupõe a reconstituição do meio ambiente degradado, às custas
do responsável.
Assim, uma floresta cortada ou queimada deve ser replantada com espé-
cies nativas; uma lagoa poluída deve ser limpa, e assim por diante. Tudo median-
te imposição de obrigações de fazer e não fazer.
Contudo, há casos em que a reconstituição é parcial ou totalmente im-
possível, por ausência de tecnologia para tanto.
Somente nesses casos o dano ao patrimônio ambiental será objeto de
indenização em dinheiro (total ou parcialmente, conforme a dimensão da
irreversibilidade do dano).
O dano ao patrimônio ambiental, naquilo em que for insuscetível de res-
tauração ao estado anterior, deverá ser objeto de avaliação, em termos econô-
micos.
Para tanto devem ser adotados critérios técnicos, de acordo com o caso
concreto. De se levar em consideração, aqui, o valor estimado do patrimônio
ambiental definitivamente perdido (servem de referência, por exemplo, a di-
mensão dos prejuízos ao equilíbrio ecológico do local e região; a extensão da
diminuição da qualidade de vida da população; a existência de ambientes simi-
lares em outros locais; o prejuízo temporário ao meio ambiente, até a eventual
recomposição, etc.).
Vale lembrar que o prejuízo temporário (acima mencionado) é indenizável,
já que mesmo que haja efetiva recomposição, a demora dos seus efeitos carac-
teriza prejuízo ao patrimônio ambiental.
É aquilo que o mestre Antonio Herman Vasconcelos Benjamin, em suas
palestras, denomina “dano ambiental interino”.
A tal respeito, veja-se a doutrina de Marcondes e Bittencourt:5 “A socie-
dade deverá ser ressarcida da impossibilidade de desfrutar, durante o tempo
em que se verificou a poluição e do necessário à sua completa restauração, de um
meio ambiente ecologicamente equilibrado e propício à sadia qualidade de vida”.
Feitas tais breves considerações, quanto ao dano patrimonial, é de se
notar que no dano moral ambiental a reparação sempre ocorrerá em pecúnia.
Isso tal como ocorre no dano moral individual. Tudo em razão da nature-
za do objeto da indenização, a saber o sofrimento humano.

5
In Revista de Direito Ambiental 03/144.
220 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

No âmbito jurisdicional nem o dano irrecuperável ao patrimônio ambiental,


nem o dano moral ambiental, podem ser reparados através de uma prestação
de fazer ou não fazer, ainda que de interesse ambiental. Tratar-se-ia de pedido
juridicamente impossível, por ausência de correlação entre os fatos e o pedido
inicial.
Há quem entenda, contudo, que há possibilidade de prestação de fazer
ou não fazer, nesses dois casos, através de transação judicial ou extrajudicial.
Observo que nosso sistema legal, quando incabível a reparação integral,
impõe indenização a um fundo, gerido de maneira coletiva e pública, por legiti-
mados na matéria.
Não vejo possibilidade jurídica de que o autor abra mão dessa verba, em
troca de um fazer ou não fazer que julgue interessante ao meio ambiente (ge-
rindo diretamente a maneira da reparação, em substituição à gestão coletiva no
sistema do Fundo).
Trata-se de situação que contraria a Lei da Ação Civil Pública, daí porque
penso que são nulos acordos de tal natureza.
Ademais, anoto que a reparação do dano moral ambiental é autônoma,
em relação à reparação do patrimônio ambiental.
Ainda que o dano patrimonial seja reparado por indenização (no todo ou
em parte, por irreversibilidade técnica da degradação), outra indenização será
devida pelo dano moral ambiental.
E, aqui, o objeto da avaliação não será o prejuízo ao patrimônio ambiental
(leia-se à qualidade de vida; ao meio ecologicamente equilibrado; etc.). O obje-
to da avaliação, agora, será o sofrimento coletivo.
A avaliação econômica do dano moral ambiental, tal como se dá no dano
moral individual, deve ser feita por arbitramento.
Primeiro pelo autor, na inicial. A final, pelo Juiz, na sentença.
Aliás, vale lembrar que se dificuldades existem para o arbitramento do
dano moral ambiental, elas são semelhantes àquelas referentes ao dano moral
individual. Nem por isso a criatividade da jurisprudência deixou sem solução os
casos concretos, no âmbito individual.
Para arbitramento de valor ao dano moral individual a jurisprudência
construiu uma combinação de critérios, a saber: intensidade da culpa ou dolo;
extensão do prejuízo; capacidade econômica e cultural do responsável; neces-
sidade de ser desestimulada a reiteração da ilicitude.
Não há razão para maiores inovações dessa consolidada construção, no
âmbito do dano moral ambiental. Cabe ao operador do Direito, portanto, sope-
sar no caso concreto: a extensão do prejuízo ambiental; a intensidade da res-
DANO MORAL AMBIENTAL 221

ponsabilidade pela ação ou omissão, inclusive pelo exame do proveito do agen-


te com a degradação; a condição econômica e cultural do degradador; valor
suficiente para prevenção de futuros danos ambientais.
No que toca à extensão do prejuízo ambiental, deve ser analisada a even-
tual reversibilidade, bem como, conforme o caso, eventual prejuízo moral inte-
rino. Quanto a esse último aspecto, portanto, possível a caracterização de dano
moral ambiental interino.
Isso na medida em que a demora da restauração ao patrimônio ambiental
cause novo sofrimento coletivo (dano moral interino), que exceda o desgosto
comunitário pela degradação em si (dano moral originário).
Quanto à extensão da responsabilidade pela ação ou omissão, o julgador
deve adaptar as teorias individualistas ao critério legal da responsabilidade ob-
jetiva. Assim, ao invés de análise da intensidade da culpa ou dolo, deve ser
examinada a intensidade do proveito com a degradação ambiental, bem como o
tempo de duração e a complexidade da ação ou omissão.
Por fim, em seu estágio atual a jurisprudência vem entendendo que a
reparação do dano moral, no âmbito individual, deve servir como instrumento
de desestímulo a futuras reiterações de atos ilícitos, assumindo verdadeiro ca-
ráter “punitivo”.
Tal construção se encaixa perfeitamente no âmbito do Direito Ambiental,
uma vez que ele é informado pelo “Princípio da Prevenção”. De acordo com esse
princípio, há uma necessidade de atuação estatal preventiva, para que se evi-
tem os danos ambientais. Isso em vista das dificuldades e custos relacionados
com a integral reparação dos mesmos.

6. CONCLUSÕES

1. A responsabilização civil ambiental é integral e é independente das


responsabilidades penal e administrativa;
2. O dano moral ambiental está previsto em nosso sistema jurídico, sen-
do indenizável;
3. São cumuláveis indenizações por danos patrimoniais e morais, de ca-
ráter ambiental;
4. Os danos ambientais com repercussão no mundo material são danos
patrimoniais, como por exemplo: a diminuição da qualidade de vida da popula-
ção, o desequilíbrio ecológico, a lesão a um determinado espaço protegido, os
incômodos físicos ou lesões à saúde, etc.;
222 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

5. O dano moral ambiental é o dano subjetivo, tal como: o sofrimento, a


dor, o desgosto de uma certa coletividade, em vista de um determinado dano ao
patrimônio ambiental;
6. O dano ao patrimônio ambiental deve ser objeto de recomposição
integral, mediante obrigações de fazer e não fazer. Somente nos aspectos em
que o dano for irreversível, por impossibilidade técnica, será possível a indeni-
zação em dinheiro (quanto ao todo ou parte irrecuperável);
7. No dano moral ambiental a reparação sempre ocorre em pecúnia;
8. A avaliação econômica do dano moral ambiental, tal como se dá no
dano moral individual, será feita por arbitramento;
9. O objeto da avaliação não será o prejuízo ao patrimônio ambiental
(leia-se qualidade de vida; meio ecologicamente equilibrado; etc.), mas sim o
sofrimento difuso ou coletivo, decorrente daquele prejuízo patrimonial;
10. Ainda que o dano patrimonial seja reparado por indenização (no todo
ou em parte), indenização cumulativa e independente será devida pelo dano
moral ambiental;
11. Cabe ao Juiz, ao arbitrar o valor do dano moral ambiental, sopesar
no caso concreto: a extensão do prejuízo ambiental; a intensidade da respon-
sabilidade pela ação ou omissão, inclusive pelo exame do proveito ao degradador;
a condição econômica e cultural do responsável; a suficiência do valor para a
prevenção de futuros danos ambientais.

BIBLIOGRAFIA

ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental. Renovar, 1992.


BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e (coord.) Manual Prático da Promotoria de Justiça
do Meio Ambiente. 1. ed. São Paulo, publicação da Procuradoria Geral de Justiça de São Paulo
e da IMESP (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), 1997.
BITTENCOURT, Darlan Rodrigues e outro. Lineamentos da responsabilidade civil ambiental.
Revista de Direito Ambiental, 03/108, São Paulo: Revista dos Tribunais, set./1996.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
DANTAS, Marcelo Buzaglo e outros. O dano moral ambiental e sua reparação. Revista de
Direito Ambiental, 04/61, São Paulo: Revista dos Tribunais, dez./1996.
FERNANDES, Daniele Cana Verde e outros. O dano moral ambiental e sua reparação. Revista
de Direito Ambiental, 04/61, São Paulo: Revista dos Tribunais, dez./1996.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Manual de Direito Ambiental. 1. ed. São Paulo: Max Limonad,
1997.
LEITE, José Rubens Morato e outros. O dano moral ambiental e sua reparação. Revista de
Direito Ambiental, 04/61, São Paulo: Revista dos Tribunais, dez./1996.
DANO MORAL AMBIENTAL 223

LYRA, Marcos Mendes. Dano ambiental. Revista de Direito Ambiental, 08/49, São Paulo: Revista
dos Tribunais, dez./1997.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 1995.
MARCONDES, Ricardo Kochinski e outro. Lineamentos da responsabilidade civil ambiental.
Revista de Direito Ambiental, 03/108, São Paulo: Revista dos Tribunais, set./1996.
MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 7. ed., São Paulo: Saraiva,
1995.
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995.
MESQUITA, José Ignácio Botelho de Mesquita. Dano moral - Lei de Imprensa. Revista Jurídica,
251/149, Porto Alegre: Síntese, set./1998.
MILARÉ, Édis. Legislação Ambiental do Brasil. São Paulo, Edição APMP (Associação Paulista do
Ministério Público), 1991.
MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do Direito Ambiental. Revista de Direito
Ambiental, 02/50, São Paulo: Revista dos Tribunais, jun./1996.
NERY Jr., Nelson e outra. Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997.
NERY, Rosa Maria Andrade e outro. Código de Processo Civil comentado. 3. ed. São Paulo:
Revista das Tribunais, 1997.
RIBAS, Luiz César. Os processos de gestão ambiental, de avaliação ambiental e de mensuração
de danos ambientais - escopo conceitual. Revista de Direito Ambiental, 08/107, São Paulo:
Revista dos Tribunais, dez./1997.
VALLE, Cristiano Almeida do. Dano moral. 1. ed. Rio de Janeiro: Aide, 1993.
A PROVA DO DANO MORAL DA
PESSOA JURÍDICA*

LUIZ RODRIGUES WAMBIER


Advogado. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de
Londrina. Doutor em Direito pela PUC/SP. Professor na
Universidade Estadual de Ponta Grossa, na Universidade
Tuiuti do Paraná e no Curso de Mestrado em Direito da
Faculdade de Direito de Curitiba. Membro do Instituto
Brasileiro de Direito Processual.

TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER


Advogada. Mestre e Doutora em Direito pela PUC/SP.
Professora nos Cursos de Graduação, Especialização,
Mestrado e Doutorado da PUC/SP, na Universidade Tuiuti do
Paraná e no Curso de Mestrado em Direito da Faculdade de
Direito de Curitiba. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito
Processual.

A regra clássica da divisão do ônus da prova encontra-se prevista no art.


333 do Código de Processo Civil. Lá se diz que ao autor cabe provar os fatos
constitutivos de seu direito e ao réu incumbe a prova dos fatos extintivos,
modificativos ou impeditivos do direito do autor. Não há como deixar de dizer
que esta é a regra geral no processo civil brasileiro,1 tanto no sistema do CPC

* Trabalho escrito em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover.


1
A esse respeito, ver WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso avançado de processo civil. 6. ed. São Paulo: RT, v. 1, 2003. p. 438-440: “O
Código de Processo Civil, no art. 333, divide o ônus da prova pela posição processual que a
parte assume. Se no pólo ativo, compete-lhe provar apenas o fato constitutivo de seu
pretenso direito. Se no pólo passivo, somente deverá provar se alegar fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito alegado pelo autor”.
226 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

quanto no do Código de Defesa do Consumidor, e que se aplica a leis extrava-


gantes e em relação a quaisquer outros subsistemas (salvo eventual norma
expressa em sentido contrário).
Todavia, esta regra vem sofrendo uma série de temperamentos, tanto no
plano da doutrina quanto no da jurisprudência e no da própria lei. É que nos
últimos tempos tem prevalecido na doutrina posição, fruto do desejo de que a
verdade constatada no processo corresponda o mais possível à verdade real,
que procura afastar o rigor daquela forma de repartição do ônus da prova entre
autor e réu, cada vez em mais casos.
Uma das formas de atenuar a rigidez desta norma é uma concepção
descrita pela expressão “carga dinâmica das provas”. O ônus de provar deveria,
segundo esta concepção, ser deslocado do autor para o réu e vice-versa (por
isso carga “dinâmica”, contrapondo-se à regra do art. 333, que seria “estáti-
ca”).
O ônus é imposto àquele que se encontra em melhores condições de
produzir a prova, de acordo com as peculiaridades do caso.
A regra que permite de modo expresso a inversão do ônus da prova
consta hoje do CDC, art. 6º, VIII. Incide quando forem verossímeis os fatos
alegados pelo autor ou quando este for hipossuficiente (e, mesmo nesta última
hipótese, parece-nos não há de ser descartada a verossimilhança, ainda que a
exigência em relação a esta deva ser atenuada).
A carga dinâmica impõe o dever de colaborar2 e não inverte, propria-
mente, o ônus da prova. Trata-se de concepção de que, segundo alguns, deve
lançar mão o juiz quando se aperceber de que existe profundo desequilíbrio
entre as partes.
Outros fatos há que dificilmente seriam objeto de prova direta. Por isso
se permite que o juiz, sendo provado um fato a, tenha o fato b como ocorrido,
sendo este último o fato probando. Assim se descreve sucintamente o fenôme-
no da presunção hominis.
Um determinado fato x, ou um conjunto de fatos, é objeto de prova dire-
ta, documental ou testemunhal, por exemplo. E o magistrado é levado a crer,
por um processo mental de natureza indutiva, que um outro fato y terá ocorri-
do.
É o que nos ensina Arruda Alvim: “A prova tida por indireta ou lógica o é,
precisamente, por não se retratar nela mesma o fato probando; pelo contrário,

2
SANTOS, Antonio Jeová. Dano moral indenizável. 4. ed. São Paulo: RT, p. 533, 125.6.
A PROVA DO DANO MORAL DA PESSOA JURÍDICA 227

retrata-se nela apenas um outro fato, a que muitos denominam de fato auxiliar
ou fato base, o qual levará à percepção do fato probando (fato principal).
A presunção, tanto a legal quanto a hominis, situa-se precisamente na
esfera das chamadas provas indiretas, exatamente porque uma e outra deman-
dam elaboração mental para conduzir o magistrado ao fato probando [...].
Os indícios e presunções hominis geralmente só poderão ser idoneamen-
te utilizados, no campo da atividade probatória, quando se demonstrar que não
é possível trazer-se ao juiz o fato probando em si, mercê da prova direta [...].
As presunções hominis têm lugar toda vez que a lei não as assumir de
forma expressa, pois que de forma implícita as assumiu ao referir-se à possibi-
lidade de o juiz fazer uso das ‘máximas de experiência’ (art. 335)”.3
As regras de experiência, embora não exclusivamente, são utilizáveis
pelo juiz na apuração de fatos. Trata-se de tema, como reconhece Barbosa
Moreira, intimamente ligado às praesumptiones hominis ou presunções judi-
ciais. Têm também a função de orientar o juiz no que diz respeito à valoração
da prova.4
Em nosso entender, das regras de experiência comum nascem as pre-
sunções. Assim, não se trata exatamente do mesmo fenômeno, mas de fenô-
menos intrínseca e umbilicalmente conectados: é-se levado a presumir que
determinado fato (principal) tenha ocorrido, porque teve lugar e foi objeto de
prova direta outro fato (o fato secundário ou indício). O que leva o juiz (e o
homem médio) a entender teria ocorrido o fato principal são justamente as
regras de experiência comum.
As regras de experiência dizem respeito àquilo que “todos sabem”, ou
melhor, àquilo que “se sabe”, sem que este dado diga respeito a um aconteci-
mento específico concreto, como, por exemplo, um incêndio que tenha sido
amplamente divulgado nos meios de comunicação. Aí estar-se-ia diante de um
fato notório. Estes dados que se tem, porque são coisas que “se sabe” genérica
e abstratamente, como, por exemplo, que motoristas de veículos que batem na
traseira de outros geralmente são culpados pelo acidente que desta colisão

3
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. São Paulo: RT, v. 2, p. 608-609.
4
José Carlos Barbosa Moreira, em primoroso texto, explica que tais regras de experiência são
“noções que refletem o reiterado perpassar de uma série de acontecimentos semelhantes,
autorizando, mediante raciocínio indutivo, a convicção de que, se assim costumam apresentar-
se as coisas, também assim devem elas, em igualdade de circunstâncias, apresentar-se no
futuro” (Regras de experiência e conceitos juridicamente indeterminados. Temas de direito
processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 62. 2. série).
228 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

possa resultar; é comum as pessoas não estarem inteiramente sóbrias durante


festejos carnavalescos, etc.
Absolutamente imprescindível que qualquer que seja o contexto em que
se aluda à presunção hominis ou às regras de experiência, o raciocínio que a
partir delas se poderá desenvolver será indutivo e, portanto, poderá ver-se
desmanchado em face da prova direta no sentido de que naquele caso as coisas
não se passaram como a presunção hominis teria levado a se acreditar. Na
verdade, as regras de experiência comum e as presunções hominis a que estas
levam só prevalecem se inexistir prova direta em sentido inverso.
Trata-se de fenômeno semelhante ao que ocorre com as presunções
legais juris tantum: devem ser afastadas em face de prova que leve à conclusão
contrária.
Portanto, considerando-se que o raciocínio lógico-dedutivo conduz a uma
conclusão inexorável como único resultado possível de suas premissas, parece
realmente que o raciocínio que tem lugar quando se pensa em presunções
hominis, regras comuns de experiência e presunções legais relativas é do tipo
indutivo.5
Um outro fenômeno aparentado com as presunções tem servido para
explicar por que os danos morais, em si mesmos, não se provam. Trata-se de
um dano in re ipsa, ou seja, é o dano que “se compreende”, de certo modo, em
sua própria causa. O que se há de comprovar é a ocorrência de acontecimento
que provoca dano moral, mas não atributos, dimensão ou qualidades deste.
Vale dizer, provado o fato caracterizador do dano moral, ipso facto haver-se-á
de estimar ou quantificar o dano moral. A reparabilidade do dano decorre do
simples fato da violação e não da comprovação do dano em si mesmo. Dor,
vergonha, perturbação, intranqüilidade, angústia e outros estados de alma não
são objeto de prova em ação em que se pleiteia indenização por dano moral.
O objetivo destas reflexões é exatamente o de diferenciar esta situação
da que diz respeito às presunções hominis e às regras da experiência comum,
principalmente no que tange ao dano moral da pessoa jurídica.
A concepção no sentido de que o dano terá ocorrido como conseqüência
de certos acontecimentos (como, p. ex., a morte, a perda de um membro, etc.)
parte da pressuposição de que há uma essência comum universal aos homens.

5
Barbosa Moreira, no texto já mencionado, precisamente na nota nº 3, afirma: “Hoje - vale
ressalvar - não repetiríamos com a mesma tranqüilidade a afirmação [...] de que o mecanismo
cognitivo baseado no indício se encaixa com justeza no esquema da dedução” (grifo no
original).
A PROVA DO DANO MORAL DA PESSOA JURÍDICA 229

Não se pretende que alguém demonstre que sofreu em virtude da perda de um


ente querido e nem o quanto sofreu. Basta que se comprove o ilícito que levou
à morte de alguém e a autoria deste ilícito. O dano moral é in re ipsa.
Por conseguinte, ao réu não aproveita a comprovação de que não teria
havido sofrimento, dor, abatimento.
Leva-se em conta a reação do “homem médio”, tenha ou não esta existi-
do no plano empírico.
Hoje prevalece no direito brasileiro a teoria de que as pessoas jurídicas
podem sofrer dano moral (Súmula 277 do Superior Tribunal de Justiça). Diz-se
que este dano ocorre quando a pessoa jurídica é atingida em seu nome, em seu
prestígio, em sua reputação.6
Evidentemente não se trata de dano idêntico àquele sofrido pela pessoa
física, sendo, em relação à pessoa jurídica, a expressão dano moral usada por
analogia. São interesses extrapatrimoniais, embora evidentemente não de na-
tureza biopsíquica. Ainda que se haja de reconhecer diferenças entre a pessoa
física e a jurídica, a esta última destina-se a regra do art. 52 do Código Civil
(Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos
da personalidade).
O dano seria decorrente da violação ao bom nome, à honra, à fama, à
reputação: são bens que integram o patrimônio moral das pessoas jurídicas.
Mas, integrando esse “patrimônio moral” da pessoa jurídica, repercutem no
patrimônio propriamente dito, o que não se passa com as pessoas naturais. Por
outras palavras, uma pessoa jurídica é “negociável”, o que não ocorre com as
pessoas naturais.
Trata-se, evidentemente, de fatos difíceis de serem diretamente demons-
trados pela via da prova direta. Isto não significa, todavia, ao que nos parece,
que o dano moral de pessoa jurídica também seja in re ipsa, como ocorre com
o dano moral das pessoas físicas.
Por isso, nos parece imprescindível ressaltar que a dispensa integral de
prova do dano moral só pode ocorrer nos casos em que este se dá in re ipsa.
Este fenômeno significa que a prova efetiva do dano pode ser afastada porque
qualquer homem médio que tivesse passado pela situação da vítima do dano
teria experimentado as mesmas sensações (a mesma dor, o mesmo sofrimento,
etc.). É o que ocorre, por exemplo, no que diz respeito à situação da perda de
um ente querido.

6
A esse respeito, ver Mirna Cianci (O valor da reparação do dano moral. São Paulo: Saraiva,
2003. p. 13 e ss.).
230 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Tanto isso é verdade que para a fixação desses danos não se leva em
consideração a sensibilidade pessoal do ofendido. A jurisprudência fixa
parâmetros para a dor média, sendo desnecessária a prova da intensidade do
sofrimento, que se presume. Independentemente de todo tipo de característica
individual (classe social, religião, sexo, etnia, etc.). Entende-se que as circuns-
tâncias específicas objetivas (colocar o nome num cadastro de restrição de
crédito, por exemplo) são capazes de gerar nos homens situações passíveis de
serem razoavelmente padronizadas.
O mesmo, evidentemente, não ocorre com as pessoas jurídicas, que não
têm uma “essência comum”, como têm os homens. Como são criações huma-
nas, as pessoas jurídicas são profundamente diferentes entre si; portanto, essa
espécie de padronização, permitida pela concepção do dano in re ipsa, não
existe no que diz respeito a danos morais sofridos por pessoa jurídica.
Cada pessoa jurídica apresenta características distintas, capazes, por si
só, de determinar que certo tipo de ofensa moral gere conseqüências diferen-
tes numa e noutra.
Pensemos em duas situações distintas, tiradas do conjunto de informa-
ções jornalísticas que recebemos diariamente: 1) um pai americano e um pai
iraquiano sofrem igualmente a perda de um filho na insana guerra instalada no
território do Iraque. É possível perceber-se, nas terríveis cenas que a TV nos
mostra diariamente, que judeus e palestinos têm a mesma reação emocional
diante da explosão de uma bomba que ceifa vidas de entes queridos. É essa a
padronização a que nos referimos. É essa a “média” da dor moral, capaz de ser
padronizada, apesar das diferenças que separam as pessoas de cores diferen-
tes, de classes sociais diferentes, de níveis culturais diferentes, e que desunem
os povos que, apesar disso, continuam sendo compostos por seres humanos
com a mesma “essência”, por assim dizer.
Diferentemente, porém, se passa com as pessoas jurídicas, verdadeiras
ficções geradas pela inteligência humana, mas absolutamente desprovidas de
essenciais traços comuns. Veja-se o exemplo, famoso na mídia nos últimos
anos, da Escola de Base, em São Paulo, cujos professores-diretores foram acu-
sados injustamente de assédio sexual a crianças. A Escola foi fechada, os seus
diretores jamais poderão voltar a trabalhar com educação infantil e, enfim,
estabeleceu-se situação absolutamente singular diante das peculiaridades da-
quela escola. Imagine-se, agora, hipótese de denúncia de assédio sexual contra
clientes, que teria ocorrido no ambiente de pessoa jurídica que tenha outros
objetivos sociais: a fabricação de peças para motores de veículos, por exemplo.
Por mais que a denúncia, igualmente injusta, como ocorreu no caso da Escola
A PROVA DO DANO MORAL DA PESSOA JURÍDICA 231

de Base, possa afetar a reputação da empresa, oficinas mecânicas e usuários


em geral muito provavelmente continuarão comprando peças para motores fei-
tas em sua linha de produção, sem que, evidentemente, seja afetado o seu
resultado comercial; sem que, como ocorreu no outro exemplo, o exercício das
atividades previstas em seu contrato social fique inviabilizado. Seria possível
padronizar os danos morais sofridos pelas pessoas jurídicas, num e noutro
caso? Por certo que não, dependendo, sua fixação, em cada caso, da análise da
prova da extensão do dano e suas conseqüências, levando-se em conta todas
as peculiaridades que envolvem uma e outra.
Isto não significa, todavia, que não possa o dano moral da pessoa jurídi-
ca ser comprovado pela via das presunções.
Existe, sim, a possibilidade de que à existência de dano moral de pessoa
jurídica chegue o magistrado por presunção hominis, que admite, como se sabe,
prova em contrário.
Esta possibilidade deriva da natural dificuldade que há no que diz respei-
to à demonstração de que tenha havido, p. ex., comprometimento da reputação
de uma empresa. A diminuição de seu faturamento, v.g., pode ser vista como
indício significativo da ocorrência daquele fato, ou seja, do dano moral, embo-
ra, em si mesma, possa gerar demanda em que se pleiteie o ressarcimento de
dano patrimonial.
Regras de experiência norteiam o juiz a entender ter havido dano moral
de pessoa jurídica, como, por exemplo, no caso de protesto de título já pago.
Sabe-se que a empresa que tem título protestado fica impedida de parti-
cipar de licitações, assiste à desconfiança de seus fornecedores, deixa de ter
crédito. Estas conseqüências não precisam ser diretamente provadas, porque
sabe-se que elas ocorrem: são as regras comuns da experiência. Mas não se
trata de dano in re ipsa, pois se está, aqui, diante de situação que admite
contraprova.
O dano moral de pessoa jurídica consistente no abalo da reputação de
que goza publicamente pode não ter efeitos diretos em seu patrimônio, mas
estes danos, em si mesmos, serão indícios de que aquele outro dano
extrapatrimonial terá ocorrido. Terá sido abalada a honra objetiva, para se usar
expressão empregada pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar, em acórdão
freqüentemente referido.7 Este Ministro, que foi Relator, coloca lado a lado a
honra subjetiva, própria das pessoas físicas, e a objetiva, das pessoas jurídicas,

7
RT 727/126.
232 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

que ocorre quando há comprometimento da sua reputação, do seu nome e do


respeito que os outros lhes têm.
Em acórdão de que foi Relator o Min. Sálvio Figueiredo, no REsp 134.993-MA,
lê-se: “Bem é verdade que a pessoa jurídica não sente, não sofre com a ofensa
à sua honra subjetiva, à sua imagem, ao seu caráter, atributos do direito de
personalidade, inerente somente à pessoa física. Mas, não se pode negar, a
possibilidade de ocorrer ofensa ao nome da empresa, à sua reputação, que,
nas relações comerciais, alcançam acentuadas proporções em razão da influência
que o conceito da empresa exerce”.8*
A honra é o complexo ou o conjunto de predicados da pessoa que lhe
conferem consideração social e estima própria; a honra subjetiva é o sentimen-
to que cada um tem da própria dignidade moral, significando a soma de valores
que cada indivíduo atribui a si mesmo; a honra objetiva é a estima ou a opinião
que os outros têm de nós, pois representa o patrimônio moral que deriva da
consideração alheia e que se define como reputação.
É relevante frisar-se que apesar de o dano moral de pessoa jurídica não
ser um dano in re ipsa, e poder ter sua existência indicada pela presença de
prejuízos de ordem material (que terão sido fruto da reputação comprometida
e que poderão ser ressarcidos independentemente), não deve ser esta a única
forma por meio da qual possa ser demonstrado. Até mesmo porque pode haver
casos como o de uma entidade filantrópica, de fins beneficentes, que tendo sua
reputação e seu prestígio abalados, não virá a comprovar seu dano moral por
meio de prejuízos, propriamente ditos.
Como já observamos, parece-nos que há diferenças relevantes entre o
dano moral que atinge a pessoa natural e o dano moral que afeta a pessoa
jurídica, justamente porque são diferentes pessoa natural e pessoa jurídica. De
fato, não se trata do mesmo fenômeno. Estas diferenças não se limitam a des-
pertar interesse no plano acadêmico, mas interferem na forma por meio da
qual entendemos devem ser provados referidos danos. Resumindo o que antes
dissemos: o dano moral de pessoa física é in re ipsa e, pois, não aproveita ao
réu alegação e comprovação de que não houve abalo; o dano moral de pessoa
jurídica pode, eventual e circunstancialmente, dispensar prova direta e ser pro-
vado pela via das presunções. Entretanto, prova de que o dano efetivamente
não ocorreu certamente aproveitará àquele que se apontou como causador da
lesão.

8
DJ 16.03.1998.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
A PROVA DO DANO MORAL DA PESSOA JURÍDICA 233

Para aqueles que receberam com certa dose de surpresa essas nossas
considerações, pedimos vênia para sugerir a indagação sobre se esta estranhe-
za não deveria dizer respeito à própria existência do dano moral de pessoa
jurídica, desvinculado e indenizável, independentemente do dano material.
Conforme observamos, dano moral de pessoa física é um fenômeno in-
trínseca e substancialmente diferente do dano moral de pessoa jurídica. Fala-se
em dano moral de pessoa jurídica quase que por analogia.
Mas se se admite que os há e se o dano moral da pessoa jurídica se
confunde com a idéia (reputação, imagem, etc.) que se tem sobre esta, esta
repercussão negativa necessariamente tem de ser demonstrada, ainda que pela
prova indireta, embora, certamente, admita prova em contrário.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA NO
NOVO CÓDIGO CIVIL

MARCELO SILVA BRITTO


Juiz de Direito/BA. Professor de Direito Processual Civil da
UNIME/BA. Especialista em Direito Civil pela UNIFACS.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Breve histórico da responsabilidade civil -


3. Conceito de responsabilidade civil - 4. Responsabilidade civil objetiva e
responsabilidade civil subjetiva - 5. Pressupostos da responsabilidade civil:
5.1. Conduta humana; 5.2. Dano: 5.2.1. Dano patrimonial; 5.2.2. Dano
moral - 5.3. Nexo de causalidade - 6. Atividade de risco - 7. Questões
processuais da responsabilidade objetiva - 8. Critérios valorativos da
indenização - 9. Conclusão - 10. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

A antiga tendência, hoje já consagrada, de não se permitir que a vítima


de atos ilícitos deixe de ser ressarcida dos prejuízos que lhe são causados,
evoluiu sobremaneira com o advento do atual Código Civil brasileiro.
Amenizou-se, com o novo diploma, a falta de sistematização com que o
Código Civil de 1916 tratou do instituto da responsabilidade civil, a ele dedican-
do reduzido número de dispositivos, talvez porque, à época da sua elaboração,
esse direito obrigacional ainda não era muito difundido.
Com efeito, o antigo Código, no seu art. 159, limitou-se a estabelecer
que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência,
236 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A


verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto
neste Código, arts. 1518 a 1.532 e 1.537 a 1.553”.
O atual Código Civil brasileiro, diversamente, dedicou maior número de
dispositivos à matéria. Na Parte Geral, nos arts. 186, 187 e 188, estabeleceu a
regra geral da responsabilidade aquiliana1 e algumas excludentes. A Parte Es-
pecial, no art. 389, tratou da responsabilidade contratual, dedicando-lhe, ainda,
dois capítulos, um à “obrigação de indenizar” e outro à “indenização”, sob o
título “Da Responsabilidade Civil”.2
Em verdade, a nova codificação trouxe significativos avanços à civilística
nacional, notadamente quando evidenciou a sua marcante tendência à objetivação
da responsabilidade, chegando ao ápice no parágrafo único do art. 927, que
estabeleceu a responsabilidade objetiva por danos derivados de atividade de
risco.
Chegou com atraso, todavia, a norma expressa no art. 186 do Código
Civil de 2002, que inseriu a garantia de reparação do dano “ainda que exclusiva-
mente moral” no atual estágio da jurisprudência brasileira, onde há muito não
se contesta a reparabilidade do dano moral.
Aliás, diante da rápida e extensa expansão que vem experimentando o
dano moral nos últimos anos, pode-se verificar, com efeito, que o dano patrimonial
era normalmente mais freqüente em demandas judiciais do que o dano
extrapatrimonial, realidade que hoje, sem qualquer incerteza, foi invertida.
Por isso mesmo, ao que nos parece, deixou o legislador se esvair a opor-
tunidade de prever, por exemplo, alguns parâmetros para disciplinar a extensão
e os contornos do dano moral, bem como a sua liquidação, o que se constitui
numa flagrante omissão, sobretudo porque o debate sobre o dano moral centra-
se hoje menos na sua reparabilidade e mais na sua quantificação.
Atribui-se, ainda, ao magistrado uma discricionariedade que antes per-
tencia exclusivamente ao legislador. Os tribunais e a doutrina precisarão desen-
volver critérios para elucidar conceitos abertos que foram introduzidos no nosso
código, a exemplo do de atividade de risco (art. 927, parágrafo único) e do fato
de se considerar a gravidade da culpa (art. 944, parágrafo único) para efeito de
aferição do valor da indenização, num sistema que, paradoxalmente, colocou
em destaque a responsabilidade civil objetiva.

1
A expressão “responsabilidade aquiliana” tomou da Lei Aquília (Lex Aquilia) o seu nome
característico, pois nela é que se esboça o princípio geral regulador da reparação do dano.
2
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 2.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 237

Assim, persuadido de que o nosso Código Civil novamente relegou a ta-


refa de dissipar essas e outras omissões e conceitos à doutrina e à jurisprudên-
cia é que cuidamos de analisar a matéria, com a esperança de fornecer alguma
contribuição, ainda que singela, para o estudo da responsabilidade civil à luz da
nova codificação, mormente no que concerne a “alguns aspectos problemáticos
da responsabilidade civil objetiva”, tema central deste artigo.
Feito esse intróito, convém, para bem entendermos o tema em estudo,
tecer algumas breves considerações sobre as noções gerais da responsabilida-
de civil.

2. BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

No Direito romano não houve construção de uma teoria da responsabili-


dade civil. Não se pode desprezar, todavia, a contribuição dos romanistas para
a evolução histórica desse instituto, que foi, à época, desenvolvido no desenro-
lar de casos de espécie, decisões de juízes e pretores, respostas de jurisconsultos
e constituições imperiais, de onde foram extraídos princípios e sistematizados
conceitos.
Entre os romanos, não havia distinção entre responsabilidade civil e res-
ponsabilidade penal, constituindo-se ambas numa pena imposta ao causador
do dano.
Como observam os brilhantes professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho, “De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem
como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na con-
cepção da vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do
ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido”.3
É na Pena do Talião, com a visão do delito do Direito Romano, pois, que
se encontra o berço da responsabilidade civil, a qual evoluiu sensivelmente com
o advento da Lei das XII Tábuas, que fixou o valor da pena a ser paga pelo
ofensor ao ofendido.
A idéia de responsabilidade, portanto, segundo lembrou Heron José
Santana, “ingressa na órbita jurídica após ultrapassada, entre os povos primitivos,

3
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo:
Saraiva, v. 3, 2003. p. 10.
238 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

a fase da reação imediata, inicialmente grupal, depois individual, passando pela


sua institucionalização, com a pena do talião, fundada na idéia de devolução da
injúria e na reparação do mal com mal igual, já que qualquer dano causado a
outra pessoa era considerado contrário ao direito natural”.4 A partir daí, com o
desenvolvimento tecnológico e a conseqüente divisão social do trabalho, a pena
deixou de ser pessoal para ser patrimonial.
Maior evolução do instituto ocorreu, porém, com a Lex Aquilia, que deu
origem à denominação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual, ou
seja, a chamada responsabilidade civil aquiliana, já referida.
A concepção de pena foi, então, aos poucos, sendo substituída pela idéia
de reparação do dano sofrido, finalmente incorporada ao Código Civil de
Napoleão, que exerceu grande influência no Código Civil brasileiro de 1916.
Nos idos de 1955, o Livre-docente da Faculdade de Direito da Universida-
de de Minas Gerais, Wilson Melo da Silva, escreveu a memorável e pioneira
obra “O dano moral e sua reparação”, onde historiou, detalhadamente, toda
trajetória da evolução da responsabilidade civil, a partir dos Códigos de Manu e
de Hammurabi, passando pelas codificações da Alemanha, Itália, França,
Espanha, Suíça, Áustria, Japão, China, Portugal, Uruguai e Argentina, até o
Direito brasileiro.5
Por outro lado, em 1966, o Supremo Tribunal Federal admitiu, pela pri-
meira vez, a reparação do dano moral,6 embora a jurisprudência tenha conti-
nuado hesitante até 1988, quando, por força de texto constitucional expresso, a
reparabilidade do dano moral tornou-se incontestável (CF, art. 5º, V e X).
Já agora, o nosso ordenamento jurídico reconhece expressamente tanto
a responsabilidade subjetiva (estribada na culpa) quanto a responsabilidade
objetiva (independente de culpa).
A Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, estabele-
ceu, por exemplo, no seu art. 37, § 6º, que “As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegu-
rado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
No mesmo diapasão, o art. 12 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990 (Código de Defesa do Consumidor), previu a responsabilidade objetiva,

4
SANTANA, Heron José. Responsabilidade civil por dano moral ao consumidor. Minas Gerais:
Ciência Jurídica, 1997. p. 4.
5
SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955.
6
RTJ - 39/38-44.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 239

estabelecendo que: “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estran-


geiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa,
pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes
de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apre-
sentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos”.
Por derradeiro, o Código Civil brasileiro de 2002, conquanto repetindo
em grande parte ipsis litteris alguns dispositivos do Código de 1916, e corrigin-
do a redação de outros, consagrou a responsabilidade civil objetiva no parágra-
fo único do art. 927 e previu, no art. 186, a reparação do dano exclusivamente
moral.

3. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL.

Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da res-


ponsabilidade. A palavra “responsabilidade” origina-se do latim, “respondere”,
que consiste na idéia de segurança ou garantia da restituição ou compensação.
Diz-se, assim, que responsabilidade e todos os seus vocábulos cognatos expri-
mem idéia de equivalência de contraprestação, de correspondência.
Sintetizando a conceituação desse instituto, Maria Helena Diniz asseve-
rou que “poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medi-
das que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a ter-
ceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde,
ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou,
ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)”.7
Essa sinótica definição parece abranger, com elevado rigor doutrinário,
as diversas hipóteses de obrigação de indenizar decorrentes da responsabilida-
de civil, seja ela subjetiva ou objetiva.

7
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro - Responsabilidade civil. 15. ed. São Paulo:
Saraiva, v. 7, 2001. p. 34.
240 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

4. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E RESPONSABILIDADE


OBJETIVA

O Direito Civil moderno consagra o princípio da culpa como basilar da


responsabilidade extracontratual, abrindo, entretanto, exceções para a respon-
sabilidade por risco, criando-se, assim, um sistema misto de responsabilidade.
A responsabilidade civil, conforme o seu fundamento, pode ser subjetiva
ou objetiva.
Diz-se subjetiva a responsabilidade quando se baseia na culpa do agen-
te, que deve ser comprovada para gerar a obrigação indenizatória. A responsa-
bilidade do causador do dano, pois, somente se configura se ele agiu com dolo
ou culpa. Trata-se da teoria clássica, também chamada teoria da culpa ou sub-
jetiva, segundo a qual a prova da culpa lato sensu (abrangendo o dolo) ou
stricto sensu se constitui num pressuposto do dano indenizável.
A lei impõe, entretanto, em determinadas situações, a obrigação de re-
parar o dano independentemente de culpa. É a teoria dita objetiva ou do risco,
que prescinde de comprovação da culpa para a ocorrência do dano indenizável.
Basta haver o dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade
civil do agente. Em alguns casos presume-se a culpa (responsabilidade objetiva
imprópria), noutros a prova da culpa é totalmente prescindível (responsabilida-
de civil objetiva propriamente dita).
Tratando da distinção entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, o
insuperável José de Aguiar Dias, com absoluta precisão, escreveu: “no sistema
da culpa, sem ela, real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no
sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou, melhor, esta indagação não tem
lugar”.8
Conclui-se, assim, que a variação dos sistemas da obrigação indenizatória
civil se prende, precipuamente, à questão da prova da culpa, ao problema da
distribuição do ônus probatório, sendo este o centro em que tem gravitado a
distinção entre a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil obje-
tiva.

8
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, v. 1, 1944. p. 94-95.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 241

5. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Assentado o princípio, universalmente aceito, de que todo aquele que


causar dano a outrem é obrigado a repará-lo, cabe-nos agora analisar, em
linhas gerais, os pressupostos ou elementos básicos da responsabilidade civil.
O art. 186 do Código Civil de 2002 (art. 159 do CC-1916) estabelece que:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudên-
cia, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral,
comete ato ilícito”.
Da hermenêutica do supratranscrito dispositivo, que foi mais abrangente
que o seu correspondente da lei anterior, porquanto introduziu na norma a
previsão do dano moral, extraem-se os seguintes pressupostos da responsabi-
lidade civil, a saber: conduta humana (ação ou omissão); culpa ou dolo do
agente; relação de causalidade; e o dano experimentado pela vítima.
Entretanto, persuadido de que o nosso direito positivo não só admitiu,
como priorizou muito mais a idéia de responsabilidade civil sem culpa, ou seja,
a responsabilidade civil objetiva, não podemos aceitar a culpa ou dolo do agen-
te como pressuposto ou elemento essencial da responsabilidade civil.
Hoje, com a evolução do nosso Direito Civil, já não se admite a ultrapas-
sada concepção de que a responsabilidade civil está sempre interligada à culpa.
Ao contrário, ao menos em termos quantitativos, o que se verifica é a predomi-
nância de demandas judiciais indenizatórias fundadas em responsabilidade sem
culpa. Caiu por terra, portanto, a idéia de que a responsabilidade subjetiva é a
regra e a responsabilidade objetiva a exceção.
Com a clareza que lhes é peculiar, os já referidos professores Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho assim sentenciaram:
A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas
sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento
de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da
responsabilidade civil são apenas três: a conduta huma-
na (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo
de causalidade...9

Não se pode desprezar, contudo, a relevância do estudo da culpa na


responsabilidade civil, tanto mais porque, conforme adverte Caio Mário da Silva

9
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit., p. 29.
242 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Pereira: “A abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado anti-social
e amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à
qualificação da boa ou má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre
para aquele que procede na conformidade da lei, quanto para aquele outro que
age ao seu arrepio”.10
Desta forma, conforme bem observou a culta professora Jeovanna Viana
Alves, em sua excelente tese de doutoramento, “a responsabilidade civil não
pode assentar exclusivamente na culpa ou no risco, pois sempre existirão casos
em que um destes critérios se revelará manifestamente insuficiente. A teoria do
risco não vem substituir a teoria subjectiva, mas sim completá-la, pois, apesar
dos progressos da responsabilidade objetiva, que vem ampliando seu campo de
aplicação, seja através de novas disposições legais, seja em razão das decisões
dos nossos tribunais, por mais numerosas que sejam, continuam a ser exce-
ções abertas ao postulado tradicional da responsabilidade subjectiva”.11
Também, segundo a preleção do mestre Sílvio Venosa, ao comentar o
parágrafo único do 927, o novo Código Civil não “... fará desaparecer a respon-
sabilidade com culpa em nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou res-
ponsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa
que autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato
ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos
excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá concluir
pela responsabilidade objetiva no caso que examina. No entanto, advirta-se, o
dispositivo questionado explica que somente pode ser definida como objetiva a
responsabilidade do causador do dano quando este decorrer de ‘atividade nor-
malmente desenvolvida’ por ele”.12
Ainda assim, por questões didáticas, nos permitiremos evitar uma análi-
se mais aprofundada da responsabilidade civil subjetiva, porquanto o âmago
deste trabalho está na responsabilidade objetiva, qual seja, aquela que é im-
posta por lei independentemente de culpa e sem a necessidade de sua presun-
ção.

10
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 5,
1997. p. 391.
11
ALVES, Jeovanna Viana. Responsabilidade civil dos pais pelos actos dos filhos menores.
Renovar, biblioteca de teses, 2003.
12
VENOSA, Sílvio de Salvo. A responsabilidade objetiva no novo Código Civil. Disponível em:
<http://www.societario.com.br>. Doutrina.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 243

Fixado esse entendimento, têm-se como pressupostos ou elementos bá-


sicos da responsabilidade civil: a conduta humana, o dano e o nexo de causali-
dade.

5.1. Conduta Humana

A conduta humana como pressuposto da responsabilidade civil, “vem a


ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetiva-
mente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa
inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos
do lesado”.13
À luz dessa definição, constata-se que a responsabilidade decorrente de
ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, enquanto que a responsabilidade sem
culpa (objetiva) funda-se no risco.
Por outro lado, essa conduta, positiva ou negativa, passível de responsa-
bilidade civil pode ser praticada: a) pelo próprio agente causador do dano; b)
por terceiros, nos casos de danos causados pelos filhos, tutelados, curatelados
(art. 932, I e II), empregados (art. 932, III), hóspedes e educandos (art. 932,
IV); e, ainda, c) por fato causado por animais e coisas que estejam sob a
guarda do agente (art. 936).

5.2. Dano

Para que a conduta humana acarrete a responsabilidade civil do agente é


imprescindível a comprovação do dano dela decorrente. Sem a prova do dano,
ninguém pode ser responsabilizado. O dano, ou prejuízo, é, pois, um dos pres-
supostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, porquanto,
sem a sua ocorrência inexiste a indenização.
Com precisão, Sérgio Cavalieri Filho, citado por Pablo Stolze Gagliano e
Rodolfo Pamplona Filho, salientou que:
O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilida-
de civil. Não haveria que se falar em indenização, nem
em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver

13
DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 37.
244 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

responsabilidade sem culpa, mas não pode responsabili-


dade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer
que seja a modalidade do risco que lhe sirva de funda-
mento - risco profissional, risco proveito, risco criado etc.
-, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tan-
to é assim que, sem dano, não haverá o que reparar,
ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa.14

O dano é doutrinariamente classificado em: patrimonial (material) ou


extrapatrimonial (moral).

5.2.1. Dano patrimonial

O dano patrimonial, ou material, consiste na lesão concreta ao patrimônio


da vítima, que acarreta na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens
materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de quantificação pecuniária e de
indenização pelo responsável. O dano patrimonial abrange o dano emergente
(o que efetivamente se perdeu) e o lucro cessante (o que se deixou de ganhar
em razão do evento danoso).

5.2.2. Dano moral

O dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física


ou jurídica. A Constituição Federal de 1988 fortaleceu, de maneira decisiva, a
posição da pessoa humana e de sua dignidade no ordenamento jurídico, lo-
grando a determinação do dever de reparar todos os prejuízos injustamente
causados à pessoa humana.
Assim, os tribunais têm reconhecido a existência de dano moral não ape-
nas nas ofensas à personalidade, mas também sob forma de dor, sofrimento e
angústia. Há “situações em que a frustração, o incômodo ou o mero aborreci-
mento é invocado como causa suficiente para o dever de indenizar”.15

5.3. Nexo de Causalidade

A relação de causalidade entre a conduta humana (ação ou omissão do


agente) e o dano verificado é evidenciada pelo verbo “causar”, contido no art. 186

14
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Op. cit., p. 40.
15
SCHREIBER, Anderson. Arbitramento do dano moral no novo Código Civil. RTDC, Rio de
Janeiro: Padma, v. 12, 2002. p. 4-5.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 245

do Código Civil. Sem o nexo causal, não existe a obrigação de indenizar. A


despeito da existência do dano, se sua causa não estiver relacionada com o
comportamento do agente, não haverá que se falar em relação de causalidade
e, via de conseqüência, em obrigação de indenizar. Nexo de causalidade é, pois,
o liame entre a conduta e o dano.

6. ATIVIDADE DE RISCO

A necessidade de adequação do direito civil ao cunho social dos princí-


pios fundamentais da nossa Carta Magna16 fez nascer a marcante tendência do
novo Código à objetivação da responsabilidade civil, que está explícita no dispo-
sitivo a seguir transcrito:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvi-
da pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem. (grifos nossos)

Nenhuma novidade significativa se verifica no caput do dispositivo


supratranscrito. Trata-se da responsabilidade civil extracontratual, anteriormente
prevista no art. 159 do Código Civil de 1916, cuja imputabilidade do agente
representa o elemento subjetivo da culpa e se constitui na reação provocada
pela infração a um dever preexistente.
No parágrafo único, diversamente, se, por um lado, laborou com acerto
o legislador ao consagrar a responsabilidade civil objetiva independentemente
de culpa, noutro, não andou bem quando introduziu na codificação o conceito
aberto de atividade de risco, transferindo para os magistrados e doutrinadores
a tarefa de definir o que efetivamente vem a ser atividade de risco, apta a
justificar a obrigação de reparar o dano.

16
“O direito civil atual, repita-se, já não se limita a regular de forma neutra as relações jurídicas
entre particulares, tendo adquirido um cunho eminentemente social, fulcrado na nova ordem
constitucional, a qual se erige em fonte maior da matéria. As normas constitucionais,
principalmente os artigos que estabelecem os valores e princípios fundamentais da Constituição
de 1988, não se constituem em princípios gerais do direito, cujo papel de integração do
ordenamento depende da inexistência de lei ou costume; antes, são direito positivo, no
vértice do ordenamento e se aplicam diretamente a todas as relações havidas no seio da
coletividade.” (MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rego. Problemas de responsabilidade
civil do Estado. RTDC, Rio de Janeiro: Padma, v. 11, 2002. p. 37).
246 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Parece ter passado despercebido pelo legislador que a falta de delimita-


ção do conceito de atividade de risco, por certo, ao menos até que a jurispru-
dência se pacifique - o que, sem dúvida, demorará anos ou até décadas - dará
ensejo a inúmeras decisões díspares, causando, também, aumento significativo
de demandas judiciais indenizatórias, a serem apreciadas nos diversos juízos e
tribunais, já tão avolumados de trabalho.
Com efeito, vaticinando esse problema, Carlos Roberto Gonçalves, assim
previu: “... a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de ativida-
de que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma
genérica como está no texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos ca-
sos de dano indenizável”.17
É bem verdade, como disse Anderson Schreiber, que a “história das
codificações mostra que um código consiste menos nas suas palavras, e mais
no que sobre elas se constrói. De fato, o conteúdo de um código é sempre
dinâmico, no sentido de que suas normas não são nunca dadas, mas construídas
e reconstruídas dia-a-dia pelos seus intérpretes”.18
Na hipótese em discussão, porém, o Código Civil, não delimitando o con-
ceito de atividade de risco, relegou ao magistrado uma discricionariedade que
antes pertencia exclusivamente ao legislador. Terá o juiz a difícil missão de, por
exemplo, decifrar, para reconhecer a responsabilidade civil, a que categoria de
pessoas estaria o legislador se referindo como executora de atividade de risco.
A pessoa comum que utiliza o seu veículo para se locomover, ao fazê-lo estaria
exercendo atividade de risco? Havendo um acidente de veículo, com danos,
ficaria o motorista obrigado a repará-los mesmo sem a comprovação da sua
culpa? Essas são apenas algumas indagações que serão suscitadas acerca da
atividade de risco.
Feitos esses registros, cabe-nos agora a árdua tarefa de tentar compre-
ender o sentido da norma em análise, talvez o dispositivo mais polêmico do
novo Código Civil.
Duas situações são verificadas: na primeira, a responsabilidade civil
poderá ser reconhecida, independentemente de culpa, nos casos especifica-
dos em lei; e na segunda, por sua vez, a responsabilidade civil poderá ser
reconhecida, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente

17
GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 25.
18
SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 3.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 247

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direi-
tos de outrem.
A primeira situação é muito clara e dispensa maiores questionamentos.
A hipótese prevê a reparação do dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, a exemplo da norma inserta no art. 14 do Código de
Defesa do Consumidor, que estabelece: “O fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados
aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
A outra, entretanto, é muito mais complexa. É onde nos deparamos com
o conceito demasiadamente aberto, ou melhor, a falta de conceituação da ativi-
dade de risco a que se refere a norma.
No que diz respeito à responsabilidade objetiva, várias concepções em
torno da idéia central do risco são identificadas, dentre as quais, conforme a
contundente e precisa preleção do Desembargador do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro e Professor Sérgio Cavalieri Filho, podem ser destaca-
das as teorias do risco-proveito, do risco profissional, do risco excepcional, do
risco criado e do risco integral.19
Cuidaremos a seguir, em aligeiradas linhas e com o objetivo meramente
ilustrativo, dessas modalidades de risco:
a) Na teoria do risco-proveito a responsabilidade incorre sobre aquele
que adquire algum proveito da atividade danosa. De acordo com essa teoria, a
vítima do fato lesivo teria de provar a obtenção do proveito, ou seja, do lucro ou
vantagem pelo autor do dano.
b) A teoria do risco profissional sustenta que o dever de indenizar sem-
pre decorre de um fato prejudicial à atividade ou profissão do lesado, tal como
ocorre nos danos causados por acidente de trabalho.
c) O risco excepcional é aquele que escapa à atividade comum da vítima,
ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça, a exemplo dos casos
de acidentes de rede elétrica, exploração de energia nuclear, radioatividade etc.
d) Na teoria do risco criado, segundo o insigne mestre Caio Mário, citado
por Sergio Cavalieri Filho, “aquele que, em razão de sua atividade ou profissão,
cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo se houver

19
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros,
2003. p. 146-147.
248 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo” (Responsabilidade civil. 3. ed.


Forense, 1992. p. 24).20 Diferem as teorias do risco-proveito e a do risco criado
ao passo que, nesta última, não se correlaciona o dano a um proveito ou vanta-
gem do agente.
e) Por fim, a teoria do risco integral é uma modalidade extremada da
doutrina do risco, porquanto nela se dispensa até mesmo o nexo causal para
justificar o dever de indenizar, que se faz presente somente em razão do dano,
ainda que nos casos de culpa exclusiva da vítima.
Em sintonia com essas teorias, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, em
seu renomado dicionário da língua portuguesa, definiu a expressão “atividade”,
como sendo: “qualquer ação ou trabalho específico; meio de vida; ocupação;
profissão; exercício efetivo de função ou emprego”; etc. E assim conceituou o
“risco”: “perigo ou possibilidade de perigo; situação em que há probabilidades
mais ou menos previsíveis de perda ou ganho”.21
À luz dessa conceituação, poder-se-á entender por atividade de risco,
apta a justificar a obrigação indenizatória, aquela empreendida habitualmente
pelo agente causador do dano com fins lucrativos, como meio de vida ou como
profissão. A freqüência da prática da atividade e a sua finalidade lucrativa indu-
zem à previsibilidade ou probabilidade do risco para direitos de outrem.
Com o liame entre a atividade normalmente desenvolvida pelo agente
com fins lucrativos, conduta humana e o dano, além do nexo de causalidade, é
que se justificaria o dever de indenizar, ainda que inexistente a ilicitude ou a
culpa.
É essa, ao que nos parece, a melhor hermenêutica da norma inserta na
segunda parte do polêmico parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil.
Todavia, por certo, a amplitude desse dispositivo somente será delimitada pela
jurisprudência após o aprofundado exame dos casos concretos que serão sub-
metidos à apreciação dos julgadores, o que, como já dito, demandará muito
tempo.
Nessa esteira de raciocínio exclui-se, de logo, a possibilidade de se res-
ponsabilizar civilmente, sem a comprovação de culpa, aquele motorista que se
envolveu em acidente de trânsito com danos quando utilizava o veículo apenas
para sua locomoção, sem fins lucrativos.

20
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 3. ed. Forense, 1992. p. 24 apud
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit., p. 148.
21
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário eletrônico Aurélio do século XXI. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 249

Dir-se-ia, então, a contrário senso, que todo ato danoso praticado no


exercício de atividade profissional, com fins lucrativos, portanto, seria indenizável.
A questão não é tão simples assim.
O que dizer, por exemplo, da atividade médica? Sem sombra de dúvida, o
médico, assim como o dentista, o enfermeiro, o farmacêutico etc., exerce ativi-
dade de risco. O dano decorrente do exercício de sua profissão seria indenizável,
independentemente de comprovação de culpa?
O nosso novo Código Civil estabelece que:
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se
ainda no caso de indenização devida por aquele que, no
exercício de atividade profissional, por negligência, im-
prudência ou imperícia, causar a morte do paciente,
agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o
trabalho.

Essa disposição legal, correspondente à do art. 1.545 do CC-1916, evi-


denciou a exclusão da responsabilidade objetiva dos profissionais da medicina,
a exemplo do que já ocorria com os profissionais liberais em geral, cuja respon-
sabilidade, a teor do que estabelece o art. 14, § 4º, do Código do Consumidor,
é apurada mediante a verificação da culpa.

7. QUESTÕES PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE


OBJETIVA

Também no âmbito do Direito Processual Civil, com a obrigação de se


reparar o dano independentemente de comprovação de culpa, alguns aspectos
controvertíveis hão de surgir em demandas judiciais acerca da responsabilida-
de civil objetiva.
Poderá o juiz, por exemplo, numa ação judicial escorada na responsabi-
lidade civil subjetiva, onde a culpa não resultou comprovada, condenar o agente
causador do dano a indenizar a vítima, fundamentando a sua decisão na ocor-
rência da responsabilidade civil objetiva?
Pense-se na hipótese de uma demanda judicial em que se pede a conde-
nação do réu a indenizar danos causados por ação ou omissão voluntária, negli-
gência ou imprudência, ou, ainda, por ato ilícito (arts. 186 e 927, caput, do CC).
Durante a instrução do processo o autor não satisfez o seu ônus de comprovar
a culpa ou o ato ilícito do agente causador do dano. Mas o evento danoso foi
praticado no exercício de atividade de risco por ele normalmente desenvolvida
com fins lucrativos, o que resultou sobejamente provado nos autos.
250 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Poderá o julgador, nesse caso, julgar procedente o pedido de reparação


de danos, com fulcro na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do Códi-
go Civil, ou seja, com base na responsabilidade civil objetiva?
Ora, conforme determina o art. 282, inciso III, do Código de Processo
Civil, insta ao autor expor na petição inicial os fatos e os fundamentos jurídicos
do pedido, sendo que na fundamentação está a causa de pedir.
Na hipotética exemplificação, a ação foi fundamentada na responsabili-
dade civil subjetiva, cuja causa de pedir vem a ser: a) a conduta humana; b)
nexo causal; c) o dano; e d) a culpa. Na responsabilidade objetiva, por sua vez,
a causa petendi é: a) a conduta humana; b) o nexo causal; c) o dano; e d) o
risco. A culpa e o risco são, portanto, elementos que distinguem as causas de
pedir desses dois sistemas de responsabilidade.
A solução da questão sob exame, ao que parece, está na análise das
causas de pedir da responsabilidade subjetiva e da responsabilidade objetiva.
Inexistindo identidade entre as causas petendi dos dois sistemas de responsabi-
lização, por óbvio, não poderá o juiz inovar no processo alterando a causa de
pedir da demanda.
Com efeito, dispõe o art. 264 do Código de Processo Civil:
Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou
a causa de pedir, sem o consentimento do réu, man-
tendo-se as mesmas partes, salvo as substituições per-
mitidas por lei.
Parágrafo único: A alteração do pedido ou da causa de
pedir em nenhuma hipótese será permitida após o sa-
neamento do processo. (grifo nosso)

Nesse diapasão, o art. 460, do mesmo estatuto processual, estabelece que:


É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de
natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu
em quantidade superior ou em objeto diverso do que
lhe foi demandado.

Da inteligência das disposições processuais transcritas, extrai-se que,


ainda que durante a instrução do processo resulte comprovado o nexo de causa
e efeito entre a conduta, o risco e o evento danoso, se a pretensão do autor não
se fundamentou no risco, mas sim na culpa, não há que se falar em responsa-
bilidade objetiva do agente causador do dano.
Por conseguinte, no nosso entender, não poderá o juiz, numa ação judi-
cial fundamentada exclusivamente na responsabilidade civil subjetiva, condenar
o agente causador do dano a indenizar a vítima com base na ocorrência da
responsabilidade civil objetiva, sob pena de nulidade da sentença.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 251

8. CRITÉRIOS VALORATIVOS DA INDENIZAÇÃO

Da conduta humana, do dano e do nexo de causalidade, e inexistindo


quaisquer das excludentes da responsabilidade civil, advém a obrigação
indenizatória. Mas como quantificar tal indenização?
Sabe-se que a finalidade jurídica da indenização, conforme se depreende
do disposto no art. 402 do Código Civil, é a recomposição integral do patrimônio
daquele que sofreu o dano, devendo abranger não só o que se perdeu (dano
emergente), mas também o que deixou de ganhar com o evento danoso (lucro
cessante).
A responsabilidade civil tem, pois, essencialmente, a função reparadora
ou indenizatória, embora possa vir a assumir, acessoriamente, caráter punitivo.
Essa indenização, no que diz respeito ao conteúdo da reparação
obrigacional, pode ser: a) específica ou in natura, que consiste em fazer com
que as coisas voltem ao estado em que se encontravam antes de ocorrido o
evento danoso; e b) por equivalência, que se traduz no pagamento por equiva-
lente em dinheiro. Nesta, o juiz deve estabelecer o conteúdo do dano, conside-
rando o dano emergente, o lucro cessante e, às vezes, o dano moral.
O Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil, em alguns
casos, estabeleceram critérios para tarifação da indenização, a saber:
a) danos causados por demanda de dívida inexigível (arts. 939 a 941 do
CC-02 e art. 42 do CDC);
b) danos à vida e à integridade física da pessoa (arts. 948 a 951 CC-02);
c) danos decorrentes de usurpação e esbulho (arts. 952 CC-02);
d) por injúria, difamação ou calúnia (art. 953 CC-02);
e) por ofensa à liberdade pessoal (art. 954 CC-02)
No entanto, a regra básica de Direito Civil para a mensuração do quantum
debeatur está expressa no art. 944, do novo Código, que dispõe:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre
a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
eqüitativamente, a indenização.

O caput do artigo transcrito é muito claro. A indenização deve ser medida


de acordo com a extensão do dano. Se o prejuízo é de “X”, compreendendo o
dano emergente e o lucro cessante, a indenização terá de ser também de “X”.
O problema está no parágrafo único desse artigo. Como poderá o juiz
considerar a gravidade da culpa para fixar o valor indenizatório na hipótese de
responsabilidade civil objetiva, que independe de culpa?
252 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Comentando esse dispositivo legal, Rui Stoco, citado por Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, assim expressou a sua preocupação: “Tam-
bém o parágrafo único desse artigo, segundo nos parece, rompe com a teoria
da restitutio in integrum ao facultar ao juiz reduzir, eqüitativamente, a indeniza-
ção se houver ‘excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano’. Ao
adotar e fazer retornar os critérios de graus da culpa obrou mal, pois o dano
material não pode sofrer influência dessa gradação se comprovado que o agen-
te agiu culposamente ou que há nexo de causa e efeito entre a conduta e o
resultado danoso, nos casos de responsabilidade objetiva ou sem culpa. Aliás,
como conciliar a contradição entre indenizar por inteiro quando se tratar de
responsabilidade objetiva e impor indenização reduzida ou parcial porque o
agente atuou com culpa leve, se na primeira hipótese sequer se exige culpa?”22
Em verdade, não nos parece coerente admitir a influência da gradação
da culpa se comprovado o nexo de causa e efeito entre a conduta e o resultado
danoso, nos casos de responsabilidade civil objetiva, em que sequer se analisa
a culpa para impor a indenização.
Assim, à primeira vista, deduz-se que o parágrafo único do art. 944 do
Código Civil somente será aplicado nos casos de responsabilidade subjetiva,
nos quais a comprovação da culpa é imprescindível para gerar o dever de inde-
nizar. Se inexistir culpa na conduta do agente causador do dano, por óbvio não
poderá haver a sua gradação no momento da fixação do valor indenizatório.
Por outro lado, no artigo em comento deixou o legislador se esvair a
oportunidade de prever parâmetros para disciplinar a extensão e os contornos
do dano moral, tanto mais porque, superadas as divergências acerca da sua
reparabilidade, o foco principal de debates reside, hoje, na sua quantificação.
Buscando suprir essa lacuna, e defendendo o caráter punitivo da indeni-
zação por danos morais, ao adotar a teoria do “valor do desestímulo”, o Projeto
de Lei nº 6.960/2002, que altera dispositivos do novo Código Civil, acrescenta
um segundo parágrafo ao artigo 944, in verbis: “§ 2º A reparação do dano
moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo
ao lesante”. O quantum indenizatório, portanto, compreenderia também um
valor capaz de dissuadir a prática e a reiteração do ato ou fato que gerou o
dano.

22
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil - Responsabilidade civil e sua interpretação
jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 13 apud GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA
FILHO, Rodolfo. Op. cit., p. 161.
ALGUNS ASPECTOS POLÊMICOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA 253

Tratando dos critérios valorativos do dano moral, Maria Celina Bodim de


Moraes, lembrou que o “STJ, de modo especial nos votos do Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira, tem sustentado sistematicamente que, na fixação do quantum
reparatório, devem ser considerados os seguintes critérios objetivos: a mode-
ração, a proporcionalidade, o grau de culpa, o nível socioeconômico da vítima e
o porte econômico do agente ofensor. No espaço de maior subjetividade, esta-
belece, ainda, que o juiz deve calcar-se na lógica do razoável, valendo-se de
sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades
de cada caso”.23
Para fixar o valor da indenização decorrente de dano moral, portanto,
deve o juiz observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de
modo que ela se constitua em compensação ao lesado e sirva de desestímulo
ao agente causador do dano.

9. CONCLUSÃO

De tudo quanto foi exposto, extrai-se que, não obstante os anacronismos


e as incongruências que foram tratadas neste trabalho, sobretudo as que se
verificam nas normas insertas nos arts. 927 e 944 do Código Civil, a responsa-
bilidade objetiva mereceu lugar de destaque na nova codificação, trazendo,
sem sombra de dúvida, extraordinário avanço no campo do Direito Civil.
Como dito, essas são apenas algumas indagações que serão suscitadas
acerca da atividade de risco de que trata o parágrafo único do art. 927 do novo
Código Civil. Outras controvérsias pertinentes à responsabilidade objetiva por
certo irão surgir ao longo do tempo.
Talvez a intenção do nosso legislador, ao relegar à jurisprudência a defi-
nição de alguns importantes conceitos sobre esse tema, tenha sido mesmo a de
fazer com que a nossa codificação civil vigore por muito mais tempo, desenvol-
vendo-se à luz da inteligência jurisprudencial e em harmonia com a evolução do
próprio direito.

23
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana - Uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 290.
FIXAÇÃO DE MONTANTE
INDENIZATÓRIO DE DANO MORAL: DEFESA DE
PROCESSO BIFÁSICO DE MENSURAÇÃO COMO
CONSEQÜÊNCIA DO IMPERATIVO
CONSTITUCIONAL DE MOTIVAÇÃO DAS
DECISÕES

PEDRO AUGUSTO LOPES SABINO


Professor de Direito Constitucional do Estado da Bahia
(UNEB). Bacharel em Direito pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Pós-Graduado em Direito Público pela
Universidade Salvador (UNIFACS).

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Parâmetros de fixação - 3. Duplo objetivo


da indenização por danos morais - 4. Individualização da sanção - 5. Prática
jurisprudencial - 6. O processo bifásico de aplicação do quantum
indenizatório - 7. Conclusão - 8. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico pátrio, após longo período de hesitação


jurisprudencial, consagrou definitivamente a reparação do dano exclusiva-
mente moral. Inicialmente, em face do enunciado do art. 159 do Código Civil
de 1916, relutou a jurisprudência em reconhecê-lo. Após a Constituição de
1988, a controvérsia esvaeceu. Atualmente, a certeza da existência do dano
unicamente extrapatrimonial impera na doutrina mais autorizada de escol.
Partindo do citado dispositivo do Código Civil, foi consagrada pelo Supremo
Tribunal Federal (STF), inicialmente, uma interpretação restritiva, albergando
apenas os danos que demonstrassem reflexos patrimoniais. Posteriormente, o
256 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Pretório Excelso reconheceu o direito dos pais à indenização pela morte do filho
arrimo de família. Em seguida, dando continuidade a sua linha evolutiva, a Cor-
te reconheceu o direito à indenização, mesmo não sendo o descendente o sus-
tentáculo financeiro da família, consistente nos gastos que eles tiveram até
então na criação do filho. Saliente-se que ainda nesta fase estava o Tribunal
demasiadamente atrelado ao referencial objetivo de mensuração do quantum
indenizatório.1
A doutrina - cumprindo sua função de apresentar alternativas
hermenêuticas no processo criativo que culmina por ocasião da decisão
jurisprudencial2* - acompanhou o desenvolvimento do STF na compreensão do
tema.
Após a Carta Magna de 1988, a grande controvérsia cessou. Conforme
determina o art. 5º da CF, “é assegurado o direito de resposta, proporcional
ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem” (grifei)
e “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação” (grifei). Recentemente, o Código Civil de 2002, de modo explícito,
consagrou a reparabilidade do dano moral. Resta, porém, a incerteza da comu-
nidade jurídica quanto à fixação do montante indenizatório diante de uma hipó-
tese de dano.

2. PARÂMETROS DE FIXAÇÃO

A doutrina, valendo-se da aplicação analógica da Lei de Imprensa (Lei nº


5.250 de 9 de fevereiro de 1967), passou a indicar os seguintes critérios ao
prudente arbítrio do magistrado:3 a natureza da ofensa sofrida; a intensidade
efetiva do sofrimento do ofendido; a repercussão da ofensa no meio social; a

1
Acerca da evolução do entendimento do STF na compreensão do tema, cumpre fazer refe-
rência ao estudo jurisprudencial de cunho histórico empreendido pelo douto professor Silvio
Rodrigues, Direito civil - responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1993.
2
Abordando o tema da contribuição da doutrina na evolução jurisprudencial, Pedro Augusto
Lopes SABINO, “Notas acerca do valor metodológico do estudo jurisprudencial”, Revista Eletrônica
Mensal do Centro de Pesquisas Jurídicas - CPJ , www.unifacs.br/revistajuridica/
edicao_julho2003/index.htm.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o artigo doutrinário
mencionado.
3
Art. 53. No arbitramento da indenização em reparação do dano moral, o juiz terá em conta,
notadamente:
I - a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da
ofensa e a posição social e política do ofendido;
II - A intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua
condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade
de manifestação do pensamento e informação;
FIXAÇÃO DE MONTANTE INDENIZATÓRIO DE DANO MORAL 257

existência de dolo, por parte do ofensor, na prática do ato danoso e o grau de


sua culpa; a situação econômica do ofensor; a possibilidade e a capacidade real
de o ofensor voltar a praticar e/ou vir a ser responsabilizado pelo mesmo fato
danoso; a prática pretérita do ofensor relativa ao mesmo fato danoso, ou seja,
se ele já cometeu a mesma falta; as práticas atenuantes realizadas pelo ofensor
visando diminuir a dor do ofendido.4
Tais parâmetros foram amplamente difundidos na jurisprudência. Su-
cede que, não obstante a pertinência dos mesmos, a sua aplicação mecânica
não atende ao comando constitucional que impõe o dever de motivar as de-
cisões judiciais. O respeito meramente formal aos paradigmas consagrados
na doutrina e na jurisprudência, em verdade, constitui um véu para uma
inaceitável restrição à máxima efetividade do princípio do devido processo
legal. A máxima efetividade é norma princípio de interpretação constitucional
destacado pela moderna doutrina como condição indispensável para que a
atividade hermenêutica se manifeste em toda a sua extensão e complexida-
de. O princípio da máxima efetividade determina que “na interpretação das
normas constitucionais devemos atribuir-lhes o sentido que lhes empreste
maior eficácia ou efetividade”.5 Cumpre gizar o fato de a citação mecânica
dos parâmetros de fixação do montante indenizatório não ser capaz de legi-
timar a atuação do julgador - diversamente dos integrantes do Legislativo e
do Executivo, legitimados periodicamente pelas eleições, o Judiciário tem a
dinâmica de sua atuação legitimada pelo processo regular de produção de
normas disciplinadoras de situações concretas, submetido aos instrumentos
de controle inafastáveis de um Estado Democrático de Direito.

3. DUPLO OBJETIVO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS

Em conformidade com entendimento amplamente aceito na doutrina e


na jurisprudência nacionais, a indenização por danos morais possui caráter

III - a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a


publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na lei
e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio
obtida pelo ofendido.
4
Luiz Antonio RIZZATO NUNES e Mirella D’Angelo Caldeira afirmam no livro O dano moral e sua
interpretação jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 4, que “esse aspecto comportamental
do ofensor tem servido de base para que as indenizações sejam fixadas em valores menores na
comparação com casos semelhantes”.
5
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1997. p. 91.
258 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

dúplice: satisfativo e punitivo. Paga-se, em pecúnia, ao ofendido uma satisfação


atenuadora do dissabor suportado (evidentemente, não haverá uma equivalên-
cia aritmética entre o valor indenizatório e a dor sofrida) e, ao mesmo tempo,
castiga-se o ofensor, causador do dano, desestimulando a reiteração de sua
prática lesiva.6 A indenização não pode ser, em conformidade com este entendi-
mento, estabelecida de tal forma que seja preferível para o causador do dano
persistir com suas práticas abusivas.

4. INDIVIDUALIZAÇÃO DA SANÇÃO

Precisamente na observância deste duplo aspecto da indenização por


danos morais encontramos as maiores incoerências jurisprudenciais. A práti-
ca revela a constante enumeração dos diversos parâmetros de fixação do
valor indenizatório supracitados bem como o duplo caráter da indenização.
Todavia, procedendo deste modo, em verdade, o julgador se afasta de qual-
quer referencial ensejador do controle de seus atos. Os cidadãos ficam à
mercê do sempre lembrado prudente arbítrio do juiz. Com efeito, esta con-
cepção não revela comprometimento com a efetividade da Constituição. Pri-
meiramente, a República é a forma de Governo pautada pela responsabilida-
de - idéia contraposta a de uma monarquia absoluta. Este dever de responder
perante o detentor da soberania é extensível a todos os ocupantes dos car-
gos públicos. De outro modo, não se atenderá ao princípio de interpretação
constitucional da força normativa da Constituição, amplamente difundido na
doutrina. Obedecendo esta norma, “na interpretação constitucional devemos
dar primazia às soluções que, densificando as suas normas, as tornem efica-
zes e permanentes”.7 O dever de motivar uma decisão não se exaure com a
explanação mecânica dos fatos, do direito positivo e da decisão. Cumpre ao
julgador demonstrar a efetiva apreciação do caso sob seu julgamento e a
observância concreta dos parâmetros utilizados para a fixação do valor. De
outro modo, o magistrado não irá satisfatoriamente realizar o seu ofício.
Mais do que isto, situação absurda se constata quando exigências con-
sagradas pelo Pretório Excelso em um ramo do direito não são rigorosamente

6
Luiz Antonio Rizzatto NUNES e Mirella D’Angelo CALDEIRA. O dano moral e sua interpretação
jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 2. No mesmo sentido, afirmando o caráter
compensatório e sancionador, Maria Helena DINIZ, Curso de direito civil brasileiro - respon-
sabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 1998. p. 56.
7
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 1997. p. 91.
FIXAÇÃO DE MONTANTE INDENIZATÓRIO DE DANO MORAL 259

seguidas em outro sem qualquer justificativa válida. É inadmissível que o jurista


tenha uma pretensão de coerência sistêmica do ordenamento jurídico e conviva
com desequiparações injustificadas de princípios de um ramo para outro do
direito. Convém, para a melhor compreensão do quanto afirmado, a leitura da
seguinte ementa do STF, na seara criminal:
Não responde à exigência de fundamentação de indivi-
dualização da pena-base e da determinação do regime
inicial de execução de pena a simples menção aos crité-
rios enumerados em abstrato pelo art. 59 do CP, quan-
do a sentença não permite identificar os dados objeti-
vos e subjetivos a que eles se adequariam, no fato con-
creto, em desfavor do condenado (STF - HC 68.751* -
Rel. Sepúlveda Pertence - DJU, 1º.11.1991, p. 15.569)
(grifo do autor).

No mesmo sentido:
Traduz situação de injusto constrangimento o compor-
tamento processual do Magistrado ou do Tribunal que,
ao fixar a pena-base ao sentenciado, adstringe-se a
meras referências genéricas pertinentes às circunstân-
cias abstratamente elencadas no art. 59 do Código Pe-
nal. O juízo sentenciante, ao estipular a pena-base e ao
impor a condenação final, deve referir-se, de modo es-
pecífico, aos elementos concretizadores das circunstân-
cias judiciais fixadas naquele preceito normativo (STF -
HC 69.141-2* - Rel. Celso de Melo - DJU, de 28.08.1992,
p. 13.453) (grifo do autor).

Com sua indiscutível autoridade, o douto Fernando da Costa Tourinho


Filho leciona:
A exigência de motivação justifica-se porquanto permi-
te às partes concluir se aquela atividade intelectual de-
senvolvida pelo Magistrado lhe permite chegar àquela
conclusão. Embora julgue de acordo com o seu livre
convencimento (art. 157 do CPP), tal não significa, con-
tudo, seja ele um déspota no decidir, mas, simplesmen-
te, que tem liberdade na aferição, na valoração das pro-
vas. E a motivação vai demonstrar se houve excessos,
se houve erros de apreciação ou falhas nos processos
reflexivos do Magistrado 8 (grifo do autor).

* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui links para os acórdãos mencionados.
8
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática do processo penal . 22. ed. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 398.
260 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Será que devemos nos contentar com a aparência de motivação? A que


custo nós almejamos a celeridade da prestação jurisdicional? A motivação é
propiciadora de controle da atividade jurisdicional. Sem esta possibilidade, o
cidadão não passará de um vassalo.
A individualização de uma sanção ocorre em fases distintas. Na seara
penal, a primeira delas é a individualização legislativa determinadora do mí-
nimo e do máximo da sanção a ser imposta. Na seara cível, no que concerne
aos danos morais, isto não ocorre. Os critérios foram sendo desenvolvidos
pela doutrina e consagrados pela jurisprudência.
No momento de aplicação de uma sanção, o julgador exerce o segundo
momento de sua individualização. Do preceito geral (número indeterminado
de destinatários em potencial) e abstrato (número indeterminado de casos
ensejadores de sua aplicação), parte-se para o plano concreto protagonizado
pelo julgador. A este propósito, vale a referência a José Frederico Marques:
a sentença é, por si, a individualização concreta do co-
mando emergente da norma legal. (...). Trata-se de um
arbitrium regulatum, como diz Bellavista, consistente na
faculdade a ele expressamente concedida, sob a obser-
vância de determinados critérios, de estabelecer a quanti-
dade concreta da pena a ser imposta, entre o mínimo e o
máximo legal para individualizar as sanções cabíveis.9

Na esfera penal, onde já se incorporaram ao direito positivo as etapas


a serem seguidas, a doutrina salienta o dever de encontrar o julgador a san-
ção necessária e suficiente para reprovar a conduta e prevenir tanto a reite-
ração da mesma por parte do autor quanto a intimidação dos demais inte-
grantes da comunidade no que se refere às conseqüências de seu agir. Para
tanto, deve o magistrado seguir etapas previamente estabelecidas por lei
(processo trifásico de fixação da pena).
No cálculo da pena a ser aplicada na sentença criminal, o magistrado
fixa uma pena-base, considerando as circunstâncias judiciais; considera as
atenuantes e agravantes incidentes na hipótese; e, por fim, são consideradas
as causas de diminuição e de aumento. Estas fases, facilmente identificadas
em uma sentença penal, permitem um controle eficaz dos atos jurisdicionais.
No âmbito cível, apesar de inexistir dispositivo legal semelhante ao existente
no Código Penal, a necessidade de etapas a serem cumpridas decorre do
comprometimento que a comunidade jurídica deve ter com a efetividade ótima
da Constituição, notadamente com o devido processo legal.

9
MARQUES, José Frederico. Tratado de direito penal. v. III, p. 297 apud Rogério GRECO,
Curso de direito penal. 2. ed., Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 612.
FIXAÇÃO DE MONTANTE INDENIZATÓRIO DE DANO MORAL 261

Conforme leciona o festejado professor da Pontifícia Universidade Ca-


tólica de São Paulo, Nelson Nery Junior, em seu brilhante trabalho Princípios
do processo civil na Constituição Federal, por ocasião da análise dos princí-
pios processuais derivados do devido processo legal “a motivação das deci-
sões judiciais surge como manifestação do estado de direito, anterior, portan-
to, à letra da norma constitucional que a refira expressamente”.10
Ainda em consonância com o entendimento do douto professor paulista:
A motivação da sentença pode ser analisada por vários
aspectos, que vão desde a necessidade de comunicação
judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz,
até sua submissão, como ato processual, ao estado de
direito e às garantias constitucionais estampadas no art.
5º, CF, trazendo conseqüências a exigência da imparciali-
dade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legali-
dade da mesma decisão, passando pelo princípio constitu-
cional da independência jurídica do magistrado, que pode
decidir de acordo com sua livre convicção, desde que mo-
tive as razões de seu convencimento (princípio do livre
convencimento motivado).11

O magistrado, ao motivar, dá as razões de fato e de direito que o


conduziram a decidir de determinada maneira. Este dever não é satisfatoria-
mente cumprido com a simples menção aos documentos da causa ou às
testemunhas, desprovida de qualquer análise concreta dos referidos docu-
mentos e demais provas dos autos.12 Não sendo obedecidas as normas do
art. 93, IX e X, da Constituição Federal determinadoras da motivação, a deci-
são judicial ou administrativa será nula, não preenchendo “o requisito consti-
tucional da motivação como fator da higidez das decisões judiciais”.13
Mister se faz salientar que motivações lacônicas, omissas, contraditó-
rias atingem o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (princípio
do direito de ação) e o princípio do contraditório, ambos ínsitos no devido pro-
cesso legal. Ao direito de ação corresponde o dever estatal de apresentar res-

10
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. Coleção estudos
de direito de processo Enrico Tullio Liebman, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 21,
2000. p. 173.
11
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. Coleção estudos de
direito de processo Enrico Tullio Liebman, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 21, 2000.
p. 175-176.
12
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. Coleção estudos de
direito de processo Enrico Tullio Liebman, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 21, 2000.
p. 176-177.
13
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. Coleção estudos de
direito de processo Enrico Tullio Liebman, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 21, 2000.
p. 177.
262 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

posta constitucionalmente satisfatória.14 O contraditório tem os meios e recur-


sos a ele inerentes assegurados pela Constituição. A decisão alijada de motiva-
ção adequada dificulta a impugnação precisa do ato judicial, prejudicando, pois,
a eficácia ótima do referido princípio.

5. PRÁTICA JURISPRUDENCIAL

É freqüente a admissão pela jurisprudência que verba indenizatória por


dano moral seja equivalente ao valor patrimonial envolvido multiplicado, v.g.,
por quinze,15 vinte16 ou mesmo cem vezes.17 Estes parâmetros vão sendo
repetidos pela jurisprudência e terminam por prejudicar uma aferição concre-
ta da capacidade econômica da parte. Cria-se o hábito de fazer referência aos
critérios de fixação e, em seguida, adotar o valor econômico envolvido multi-
plicado como nas decisões citadas acima. Tal prática, preocupada com a cha-
mada “indústria do dano moral”, não se desvela eficaz contra a muito mais
nociva “indústria da ilegalidade”.
A inércia intelectual que conduz à adoção de um critério tão simplório
sob o pálio da segurança jurídica, supostamente benéfico por proporcionar a
previsibilidade das decisões - previsibilidade de decisões descomprometidas
com a individualização efetiva da sanção - de fato, apenas incrementam a
frustração da vítima indenizada com montante irrisório pago por um notório
violador do direito de um enorme contingente de pessoas.

6. O PROCESSO BIFÁSICO DE APLICAÇÃO DO QUANTUM


INDENIZATÓRIO

Almejando fornecer parâmetros razoavelmente seguros para a aplicação


de uma indenização por danos morais, deve-se adotar um processo bifásico de
fixação do montante indenizatório. Observando-se o duplo caráter do dano moral,
deve-se distinguir uma etapa de explícita identificação do valor apto a atender o
caráter satisfativo da indenização e outra etapa atenta ao montante punitivo.

14
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. Coleção estudos
de direito de processo Enrico Tullio Liebman, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 21,
2000. p. 98.
15
Quinze vezes o valor de cheque indevidamente devolvido: JTJ, Ed. LEX, 181: 61.
16
Vinte vezes o valor de título protestado indevidamente: JTACSP, 157: 178.
17
Cem vezes o valor de título protestado indevidamente: JTJ, Ed. Lex, 168: 98.
FIXAÇÃO DE MONTANTE INDENIZATÓRIO DE DANO MORAL 263

Claramente sendo identificado o valor atribuído pelo magistrado para


compensar a vítima, esta poderá opor-se especificamente contra este em re-
curso eventualmente interposto. Por outro lado, a identificação precisa do quanto
foi atribuído com o escopo de inibir a reiteração da conduta pelo causador do
dano propicia a impugnação precisa deste valor. Se o valor não for capaz de
satisfazer o ofendido, este poderá exercer com plenitude seu direito de recor-
rer; se o valor atribuído pelo magistrado para punir o ofensor for muito além de
sua capacidade econômica, este poderá - dando efetividade ao contraditório -
demonstrar o equívoco do decisum com maior facilidade.
Cumpre salientar que a segunda etapa a ser observada na fixação da
indenização só poderá influenciar a majoração do valor devido. Se determi-
nado valor for fixado na primeira fase para atender o caráter punitivo da
indenização, ainda que este seja elevado, não poderá ser reduzido por oca-
sião da apreciação da situação econômica da vítima. Se esta apreciação im-
portar em redução, estaremos desatendendo o caráter punitivo para nos limi-
tarmos ao satisfativo.
O que não se pode admitir é que uma decisão reconheça o duplo cará-
ter da indenização, baseie-se nos critérios de fixação supracitados e, por fim,
arbitrariamente, fixe valor irrisório para não estimular aventuras processuais
de pessoas de má-fé. Ou o duplo caráter é aceito e duas fases são observa-
das na fixação do montante; ou deve apenas ser reconhecido à indenização o
caráter satisfativo. De outro modo incorre-se em incoerência inaceitável.
Fixado um valor inicial - objetivando inibir a reiteração da prática lesiva
- na segunda etapa, ou deverá ser majorado o montante inicial ou este deve-
rá ser mantido. A “indústria da ilegalidade”, cujo papel principal é desempe-
nhado por agentes detentores do capital, deve ser temida e combatida. A
criminalidade econômico-social, de enorme repercussão na comunidade, é
muito mais grave e ameaçadora para o Estado democrático de direito -
fomentador da igualdade e da justiça social - do que a eventual má-fé de um
indivíduo que queira se beneficiar com uma indenização a que não fizesse
jus.

7. CONCLUSÃO

Feitas estas considerações, baseando-se o aplicador do direito na eficácia


ótima que deve ser dada às normas constitucionais dentro de seu contexto
histórico, cumpre demonstrar de modo inequívoco a utilização dos critérios de
fixação do montante indenizatórios consagrados na doutrina e na jurisprudência.
264 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Neste sentido, a utilização de fases distintas para a individualização da


indenização, independente de legislação explícita acerca do assunto como ocor-
re na esfera criminal, é uma conseqüência necessária do devido processo legal.
Deve-se pautar o julgador no duplo caráter da indenização por danos morais
(satisfativo e punitivo) distinguindo, por conseguinte, duas fases para a fixação
do valor devido.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição: fundamentos de uma


dogmática constitucional transformadora. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução Maria Celeste Cordeiro Leite
dos Santos. 9. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. p. 184.
______. Teoria generale del diritto. Torino: G. Giappichelli Editore, 1993. p. 297.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 755.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed.
Coimbra: Almedina, 1998. p. 1352.
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
1997.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2003.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. Coleção estudos de
direito de processo Enrico Tullio Liebman, 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 21, 2000.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2001, p. 342.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade. São Paulo:
Celso Bastos Editor, 1998.
______. Jurisdição constitucional - o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 3. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 1999. p. 375.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto; CALDEIRA, Mirella D’Angelo. O dano moral e sua interpretação
jurisprudencial. São Paulo: Saraiva, 1999.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil - responsabilidade civil. 13. ed., São Paulo: Saraiva, 1993.
SABINO, Pedro Augusto Lopes. Notas acerca do valor metodológico do estudo jurisprudencial.
Revista Eletrônica Mensal do Centro de Pesquisas Jurídicas - CPJ, Universidade Salvador - UNIFACS,
Salvador, n. 37, jul./2003, 16 p. Disponível em <www.unifacs.br/revistajuridica/edicao_julho2003/
index.htm>. Acesso em: 18 set. 2003.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática do processo penal. 22. ed. São Paulo: Saraiva,
2001.
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO
MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO

RODOLFO MÁRIO VEIGA PAMPLONA FILHO


Juiz do Trabalho/BA. Professor Titular de Direito Civil e Direito
Processual do Trabalho da Universidade Salvador - UNIFACS.
Coordenador do Curso de Especialização Lato Sensu em
Direito Civil da UNIFACS. Mestre e Doutor em Direito do
Trabalho pela PUC/SP. Especialista em Direito Civil pela
Fundação Faculdade de Direito da Bahia.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Conceito e denominação - 3. Importância


do tema - 4. Distinção do assédio moral para o assédio sexual e o dano
moral - 5. Classificação - 6. Elementos caracterizadores: 6.1. Conduta
abusiva; 6.2. Natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do
indivíduo; 6.3. Reiteração da conduta; 6.4. Finalidade de exclusão;
6.5. Algumas palavras sobre a necessidade ou não de dano psíquico-emocional -
7. Casuística - 8. Conseqüências do assédio moral: 8.1. Do ponto de vista
da vítima: 8.1.1. Seqüelas físicas e psicológicas; 8.1.2. Caracterização da
despedida indireta; 8.1.3. O dano moral e sua reparação - 8.2. Do ponto
de vista do assediante: 8.2.1. Justa causa; 8.2.2. Responsabilidade
patrimonial; 8.2.3. Conseqüências criminais - 8.3. Do ponto de vista do
empregador: 8.3.1. Conseqüências pecuniárias diretas: a) Custo do
absenteísmo; b) Queda de produtividade; c) Rotatividade da mão-de-
obra - 8.3.2. Responsabilidade civil: a) Responsabilidade civil do empregado
em face do empregador; b) O litisconsórcio facultativo e a denunciação
da lide; c) Responsabilidade civil do empregador por dano ao empregado
- 9. Combate - 10. Considerações finais - 11. Referências.
266 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

1. INTRODUÇÃO

Falar sobre assédio moral é, em verdade, dissertar sobre um tema que


remonta a tempos imemoriais e que há bem pouco tempo poderia ser encarado
como um exagero ou uma suscetibilidade exacerbada.
De fato, encarar seriamente o assédio moral como um problema da
modernidade é assumir que os valores de hoje não podem ser colocados na
mesma barema de outrora, uma vez que a sociedade mudou muito a visão da
tutela dos direitos da personalidade.
E é disso mesmo que se trata o assédio moral: uma violação a um interesse
juridicamente tutelado, sem conteúdo pecuniário, mas que deve ser preservado
como um dos direitos mais importantes da humanidade: o direito à dignidade.

2. CONCEITO E DENOMINAÇÃO

O assédio moral pode ser conceituado como uma conduta abusiva, de


natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de
forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do
convívio social.
Este nosso conceito busca um sentido de generalidade, pois o assédio
moral não é um “privilégio” da relação de emprego, podendo ser praticado em
qualquer ambiente onde haja uma coletividade, como, por exemplo, em esco-
las, comunidades eclesiásticas, corporações militares, entre outros.
Na relação de trabalho subordinado, porém, este “cerco” recebe tons
mais dramáticos, por força da própria hipossuficiência de um dos seus sujeitos,
em que a possibilidade de perda do posto de trabalho que lhe dá a subsistência
faz com que o empregado acabe se submetendo aos mais terríveis caprichos e
desvarios, não somente de seu empregador, mas até mesmo de seus próprios
colegas de trabalho.
Por isso mesmo, os autores que têm se debruçado sobre a questão acabam
sempre conceituando o fenômeno dentro do campo das relações de trabalho.
Neste sentido, Marie-France Hirigoyen entende o assédio moral como
sendo “toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por com-
portamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à perso-
nalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em
perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”.1

1
HIRIGOYEN, Marie France. A violência perversa do cotidiano. Tradução Maria Helen Huhner.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. p. 65.
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 267

No mesmo diapasão, é o conceito elaborado por Sônia Aparecida Costa


Mascaro Nascimento, que afirma que o “assédio moral se caracteriza por ser
uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade
psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situa-
ções humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalida-
de, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posi-
ção do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a
jornada de trabalho e no exercício de suas funções”.2
Por fim, vale registrar que a expressão “assédio moral” é, sem sombra
de dúvida, a mais conhecida. Todavia, a título de informação, saliente-se que tal
fenômeno é também denominado como mobbing3 (Itália, Alemanha e países
escandinavos), bullying (Inglaterra), harassment (Estados Unidos), harcèlement
moral (França), ijime (Japão), psicoterror laboral ou acoso moral (em países de
língua espanhola), terror psicológico, tortura psicológica ou humilhações no tra-
balho (em países de língua portuguesa).

3. IMPORTÂNCIA DO TEMA

O tema do assédio moral se encontra na “crista da onda”.


De fato, o enorme interesse despertado sobre o tema, na contempora-
neidade, se revela na imensa quantidade de publicações destinadas ao esclare-
cimento e estudo da matéria.
A própria Organização Internacional do Trabalho, em seus periódicos
mais recentes, tem reservado grande espaço para a análise desse complexo
fenômeno que pulula em diversos países.
Independentemente disso, vale salientar que a própria preocupação mun-
dial com o problema é, por si só, um grande sinal de sua importância, uma vez
que mostra que a atenção dos juslaboralistas modernos não se resume ao
conteúdo patrimonializado da relação trabalhista, mas sim a uma efetiva tutela
dos interesses das pessoas envolvidas nesta “elétrica” relação jurídica.

2
NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. Assédio moral no ambiente do trabalho. Revista LTr, São
Paulo: LTr, v. 68, n. 08, ago. 2004. p. 922-930.
3
Vocábulo derivado do verbo to mob que significa cercar, assediar, agredir, atacar. “Collana”
Mobbing é uma experiência dirigida pelo pesquisador alemão Herald Ege que reúne obras de
estudiosos do assédio moral e argumentos conexos ao fenômeno.
268 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

4. DISTINÇÃO DO ASSÉDIO MORAL PARA O ASSÉDIO


SEXUAL E O DANO MORAL

Um ponto extremamente relevante, na visão introdutória sobre o assédio


moral, é a sua distinção para o assédio sexual e para o dano moral.
De fato, qualquer uma das formas de assédio (tanto sexual quanto mo-
ral) traz, em seu conteúdo, a idéia de cerco.
Todavia, a diferença essencial entre as duas modalidades reside na esfe-
ra de interesses tutelados, uma vez que o assédio sexual atenta contra a liber-
dade sexual do indivíduo, enquanto o assédio moral fere a dignidade psíquica
do ser humano.
Embora ambos os interesses violados sejam direitos da personalidade,
não há que se confundir as duas condutas lesivas, embora seja possível visualizar,
na conduta reiterada do assédio sexual, a prática de atos que também atentam
contra a integridade psicológica da vítima.
Já a noção de dano moral, definitivamente, não pode ser confundida com
o assédio.
De fato, o assédio, seja sexual ou moral, é uma conduta humana, como
elemento caracterizador indispensável da responsabilidade civil, que gera po-
tencialmente danos, que podem ser tanto materializados quanto extrapatrimo-
niais.
O dano moral é justamente este dano extrapatrimonial que pode ser
gerado pelo assédio, ou seja, a violação de um direito da personalidade causa-
da pela conduta reprovável ora analisada.

5. CLASSIFICAÇÃO

Toda classificação varia de acordo com a visão metodológica de cada autor.


Todavia, no campo do assédio moral é possível se visualizar três modali-
dades básicas, a saber, o assédio moral vertical, horizontal ou misto.
O assédio vertical é aquele praticado entre sujeitos de diferentes níveis
hierárquicos, envolvidos em uma relação jurídica de subordinação. Trata-se da
modalidade mais comumente admitida de assédio moral, dada a desigualdade
entre os sujeitos envolvidos. Quando praticado pelo hierarquicamente superior,
com intuito de atingir o seu subordinado, denomina-se vertical descendente,
em razão do sentido adotado pela conduta.
Por sua vez, vertical ascendente será, quando o hierarquicamente inferior
agir com intuito de assediar o seu superior. Esta violência “de baixo para cima”
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 269

não é tão rara como se possa imaginar à primeira vista. Como exemplos, pode-
mos citar situações em que alguém é designado para um cargo de confiança
sem a ciência de seus novos subordinados (que, muitas vezes, esperavam a
promoção de um colega para tal posto). No serviço público, em especial, em
que os trabalhadores em muitos casos gozam de estabilidade no posto de tra-
balho, esta modalidade se dá com maior freqüência do que na iniciativa privada.
Já o assédio horizontal é aquele praticado entre sujeitos que estejam no
mesmo nível hierárquico, sem nenhuma relação de subordinação entre si.
Frise-se que, assim como no vertical, a conduta assediadora pode ser
exercida por uma ou mais pessoas contra um trabalhador ou um grupo destes,
desde que seja este grupo determinado ou determinável, não se admitindo a
indeterminabilidade subjetiva (exemplo: toda a coletividade). Afinal, a conduta
hostil e excludente do assédio moral, diante de sua característica danosa, será
sempre dirigida a um funcionário específico ou a um grupo determinado para
atingir sua finalidade.
Já o assédio moral misto exige a presença de pelo menos três sujeitos: o
assediador vertical, o assediador horizontal e a vítima. Pode-se dizer que o
assediado é atingido por “todos os lados”, situação esta que por certo, em
condições normais, se torna insustentável em tempo reduzido.

6. ELEMENTOS CARACTERIZADORES

Na falta de uma previsão legal genérica sobre assédio moral no


ordenamento jurídico brasileiro, uma adequada visão metodológica da matéria
impõe, para a fixação de claros limites para a sua caracterização, o destrinchar
do conceito doutrinário propugnado, de forma a permitir uma efetiva compre-
ensão do instituto.
Como conceituamos assédio moral como “uma conduta abusiva, de natu-
reza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma
reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio
social”, podemos extrair quatro elementos, a saber:
a) conduta abusiva;
b) natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo;
c) reiteração da Conduta;
d) finalidade de exclusão.
Alguns autores insistem em colocar a necessidade de um dano psíquico-
emocional como imprescindível para a caracterização do assédio moral. Embora
270 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

não concordemos com tal concepção, faremos algumas breves observações


sobre a necessidade ou não de tal demonstração.

6.1. Conduta Abusiva

A concepção de conduta abusiva aqui utilizada se refere ao abuso de


direito como ato ilícito, na forma propugnada pelo art. 187 do vigente Código
Civil brasileiro.
Isso porque o convívio humano enseja o estabelecimento de laços de
amizade e camaradagem, em que brincadeiras podem ser feitas de forma livre.
Todavia, quando tais gracejos extrapolam os limites do aceitável, adentra-
se ao campo do abuso de direito, que deve ser duramente reprimido como ato
ilícito que efetivamente é.

6.2. Natureza Psicológica do Atentado à Dignidade Psíquica


do Indivíduo

O campo de investigação do assédio moral reside na violação a direitos


da personalidade do indivíduo com prática de atos atentatórios à sua dignidade
psíquica.
Quando a conduta afeta também aspectos corpóreos do ser humano,
pode-se verificar a ocorrência de algum outro tipo de ato ilícito, qual seja, a
agressão física ou o esbulho patrimonial, entre outros.
Esse é um elemento bastante relevante, pois poderá delimitar o campo
de alcance da eventual reparação que se pretender em juízo.

6.3. Reiteração da Conduta

O assédio moral se caracteriza visivelmente através da prática de condu-


tas repetitivas e prolongadas de conteúdo ofensivo e/ou humilhante.
Como regra geral, tanto o assédio moral quanto o sexual depende, para
a sua configuração, de que a conduta do assediante seja reiterada.
É sempre importante mencionar que a idéia de assédio lembra “cerco”, o
que normalmente não é algo tópico ou esporádico...
Um ato isolado geralmente não tem o condão de caracterizar doutrinaria-
mente tal doença social.
Na situação do assédio sexual, há, de fato, precedentes jurisprudenciais
no Direito Comparado que entendem que se a conduta de conotação sexual do
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 271

assediante se revestir de uma gravidade insuperável (como, por exemplo, em


casos de contatos físicos de intensa intimidade não aceitável socialmente), é
possível o afastamento deste requisito.
Como nos informa, com sua autoridade peculiar, Alice Monteiro de Barros,
“o Tribunal do Reino Unido, no caso Bracebridge Engineering Ltd. x Darby, en-
tendeu que um só incidente é suficientemente grave para se aplicar a lei contra
discriminação sexual. A propósito, a legislação da Costa Rica assegura a possi-
bilidade do assédio sexual configurar-se pela prática de uma única conduta,
desde que seja grave”.4
Apesar desse “desprezo jurisprudencial” por este requisito, a sua men-
ção nos parece fundamental, uma vez que, salvo eventual divergência funda-
mentada em direito positivo (em que valerá o brocardo dura lex sed lex), é
sintomática a observação de que o afastamento deste requisito se dá sempre
como exceção.
Isso não implica, por certo, que o dano decorrente de único ato ofensivo
não venha a ser reparado. O que se quer dizer é que, em síntese, tal conduta
danosa não deve ser tida como assédio moral.

6.4. Finalidade de Exclusão

O elemento anímico no assédio moral não pode ser desprezado.


Com efeito, a conduta abusiva e reiterada, atentatória à dignidade psí-
quica do indivíduo, deve ter por finalidade a exclusão da vítima do ambiente.
Ressalte-se que essa finalidade pode ser implícita ou explícita, pois, em
verdade, se a manifestação é expressa no sentido de afastar a vítima do am-
biente social, nenhuma dificuldade se tem na verificação da ocorrência do assé-
dio moral.
Todavia, a questão é muito mais profunda do que se possa imaginar à
primeira vista, uma vez que tal finalidade pode ser extraída dos fatos postos em
juízo, mesmo quando a intenção declarada ao público é diametralmente oposta.
É o caso, por exemplo, das campanhas motivacionais tão incensadas no
meio empresarial, notadamente nos ramos destinados a vendas.

4
BARROS, Alice Monteiro de. O assédio sexual no direito do trabalho comparado. In: Genesis
- Revista de Direito do Trabalho, Curitiba: Genesis, v. 70, out. 98. p. 503. Maiores informações
podem ser obtidas no minucioso artigo de Jane Aeberhard-Hodges (Womem Workers and
the Courts. In: International Labour Review, v. 135, n. 5, 1996).
272 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Se há a intenção de motivar o trabalhador para o alcance de metas, que


se estimule ou premie os melhores, de forma a fazer com que aqueles que não
tiveram o mesmo êxito busquem lograr tal galardão. Contudo, é inaceitável a
imposição de “brincadeiras” que exponham a vítima ao ridículo.
Algumas dessas situações serão abordadas no tópico de casuística deste
artigo.

6.5. Algumas Palavras sobre a Necessidade ou não de Dano


Psíquico-Emocional

Sendo o assédio moral a conduta lesiva, o dano psíquico-emocional deve


ser entendido como a conseqüência natural da violação aos direitos da perso-
nalidade da vítima.
Note-se, portanto, que a necessidade do dano não é um elemento da
caracterização do assédio moral, mas sim da responsabilidade civil decorrente
de tal conduta.
Nesse ponto discordamos da ilustre e culta colega Sônia A. C. Mascaro
Nascimento, quando afirma que “a configuração do assédio moral depende de
prévia constatação da existência do dano, no caso, a doença psíquico-emocio-
nal. Para tanto, necessária a perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da
área para que, por meio de um laudo técnico, informe o magistrado, que não
poderia chegar a tal conclusão sem uma opinião profissional, sobre a existência
desse dano, inclusive fazendo a aferição do nexo causal”.5
De fato, a doença psíquico-emocional, como patologia, pode advir do
assédio, mas não necessariamente ocorrerá, nem é elemento indispensável,
pois o que é relevante na caracterização do mobbing é a violação do direito da
personalidade, cuja materialização ou prova dependerá do caso concreto.

7. CASUÍSTICA

Nossa atuação profissional tem nos permitido conhecer situações de as-


sédio moral nos mais diversos rincões do país.
Embora tenhamos, em nossos arquivos, cópias de sentenças e de outras
peças processuais comprovadoras dos fatos que a seguir serão relacionados,
optamos por omitir as fontes, preservando a intimidade dos envolvidos.

5
NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. Assédio moral no ambiente do trabalho. Revista LTr, São
Paulo: LTr, v. 68, n. 08, ago. 2004. p. 922-930.
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 273

O elemento comum em todos os processos, que pululam em pontos di-


versos da jurisdição nacional, é que a finalidade de exclusão era apenas impli-
citamente reconhecida, pois todas se travestiam de campanhas motivacionais
de alcance de metas empresariais.
No estado da Bahia, por exemplo, em diversos processos judiciais, foi
constatada a ocorrência de uma campanha motivacional em que os emprega-
dos que não alcançavam a meta tinham de ficar em um auditório, posicionados
nas últimas cadeiras, sendo taxados de “morcegões”, “vampiros” ou “sangues-
sugas”, pois estariam, supostamente, “tirando o sangue da equipe”, ao não
alcançar a meta pretendida.
Ainda no mesmo estado, o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma
ação civil pública em face de uma indústria local de bebidas, pois a conduta
assediadora do seu gerente de vendas em relação a seus colegas de trabalho
chegou ao cúmulo de queimar as nádegas de uma funcionária, que foi - pas-
mem! - oferecida como “prêmio” aos vendedores que atingissem determinada
cota mensal de vendas ou a clientes que adquirissem os produtos da empresa.
No estado de Sergipe, uma conhecida empresa fazia pequenos quadros
de seus vendedores menos produtivos segurando um “excremento de brinque-
do”, para destacá-los como os funcionários que foram uma “m...”, como consta
no depoimento do próprio preposto da empresa reclamada.
No estado de Santa Catarina, a “brincadeira” era mais “ingênua”... Os
vendedores que não alcançassem a meta deveriam dançar a conhecida canção
“Na Boquinha da Garrafa” perante todos os seus colegas...
Em São Paulo, a exposição ao ridículo, em determinada empresa, varia-
va entre desfilar de saias (para os vendedores do sexo masculino) e até mesmo
se submeter à “brincadeira” (brincadeira só tem graça quando todos se diver-
tem...) do “corredor polonês” (todos os vendedores se posicionavam em duas
filas e as vítimas passavam correndo entre eles, sob pauladas...)
Definitivamente, não há limites para a criatividade humana quando quer
violentar direitos!

8. CONSEQÜÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL


O estudo das conseqüências do assédio moral, assim como do sexual, na
relação de emprego deve ser procedido de forma sistemática, de acordo com o
protagonista envolvido.
Isso porque, sem sombra de dúvida, as conseqüências serão diferencia-
das para a vítima (empregado assediado), para o assediador (caso este não
seja o empregador pessoa física) e para a empresa envolvida no assédio moral.
274 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Neste tópico, esclarecemos que estamos abordando as conseqüências


genéricas da ocorrência do assédio, tomando como base a idéia de ser um
empregado assediado por um colega de trabalho, o que acarretará conseqüên-
cias também para a empresa empregadora.
Vale destacar, porém, que é possível uma variação dessas conseqüências
nas hipóteses do assediador ser o próprio empregador ou, em situação excep-
cional extrema, o assédio partir do empregado contra o empregador.
Vejamos, portanto, estas conseqüências, de acordo com as peculiarida-
des de cada ator desta tragédia social que é o assédio moral.

8.1. Do Ponto de Vista da Vítima

As conseqüências mais dramáticas do assédio são reservadas, sem som-


bra de qualquer dúvida, à vítima da conduta abusiva reiterada (e rejeitada) de
natureza psicológica.
De fato, em primeiro lugar, a própria interferência na relação de trabalho
em si gera, quase sempre, um evidente prejuízo no rendimento do(a) trabalha-
dor(a), pois cria um ambiente laboral inadequado, com extrema pressão psico-
lógica.
Além disso, a divulgação do fato, ainda que de forma restrita ao âmbito
da empresa, não deixa de afetar a intimidade da vítima, seja pelos comentários
dos colegas de trabalho, seja através das próprias investigações internas sobre
o caso. Isto sem falar em eventuais represálias (também caracterizadoras de
reparação de danos morais e materiais), como, por exemplo, recusa de promo-
ções, transferência de função ou de locais de trabalho ou até mesmo a despe-
dida direta.
É preciso ter em mente, portanto, que o assédio é, em qualquer uma de
suas espécies, uma ofensa para a vítima, à sua dignidade como pessoa.

8.1.1. Seqüelas físicas e psicológicas

O assédio pode ser encarado como um trauma na vida do indivíduo.


Isso porque gera, muitas vezes, seqüelas físicas e psicológicas de tal
ordem na vítima que lembram cicatrizes, pois podem até não doer tanto no
futuro, mas ficarão indelevelmente marcadas na história daqueles indivíduos.
Quanto a essas seqüelas, tem-se observado que a maioria das pessoas
ofendidas passou a padecer das formas mais graves de tensão, ansiedade,
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 275

cansaço e depressão, com a necessidade de tratamentos médicos, particular-


mente de natureza psicológica.
Uma investigação realizada pela Confederação Internacional de Organi-
zações Sindicais Livres (CIOSL) concluiu, em relação ao assédio sexual, que ele
mesmo produzia um meio de trabalho tenso e hostil, observando-se nas víti-
mas, por meio dos estudos médicos realizados, dores de cabeça, pescoço, es-
tômago e costas, com uma diminuição considerável da concentração e um ma-
nifesto desinteresse pelo trabalho, com o surgimento/aprofundamento de sin-
tomas como insônia, indiferença e depressão,6 o que demonstra a correlação
desta figura com a segurança, saúde, integridade física e moral das pessoas.

8.1.2. Caracterização da despedida indireta

O assédio também caracteriza, do ponto de vista do direito positivo bra-


sileiro, uma hipótese de despedida indireta (ou demissão forçada, como prefe-
re denominá-la José Martins Catharino) do(a) trabalhador(a).
Seu enquadramento se dará, em regra, na alínea “e” (“praticar o empre-
gador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da
honra e boa fama”) do artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho.
A depender, porém, da situação fática correspondente, o enquadramento
poderá se dar na alínea “c” (“correr perigo manifesto de mal considerável”),
caso seja admitida, pelo direito positivo brasileiro, a hipótese de tentativa de
assédio moral.
Ressalte-se, porém, que a despedida indireta é sempre uma situação de
extrema delicadeza, pois significa, em última análise, que a situação laboral se
deteriorou de tal forma que o trabalhador prefere abrir mão de seu posto de
trabalho - fonte normalmente única de sua subsistência - a continuar se subme-
tendo às condutas que lhe são impostas pelo empregador ou seus prepostos.

8.1.3. O dano moral e sua reparação

A esfera extrapatrimonial dos indivíduos é profundamente violentada com


a prática do assédio.

6
CALVO, Maria del Mar Serna. Acoso Sexual en las relaciones laborales. In: Relasur - Revista
de Relaciones Laborales en America Latina - Cono Sur, España: OIT/Ministerio de Trabajo y
Seguridad Social, n. 2, s/d. p. 34
276 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

De fato, o cerceamento dos valores da dignidade e da liberdade fere


profundamente um âmbito da personalidade do ser humano e não pode ser
reduzido pecuniariamente.
A fórmula encontrada pelo ordenamento jurídico para reparar tal dano
foi a possibilidade jurídica de estipulação de uma compensação, não necessaria-
mente pecuniária (apesar de ser esta, freqüentemente, a mais adotada), para
tentar amenizar a dor sofrida pela vítima. A sanção pelo dano moral poderá,
inclusive, consistir em uma retratação ou desagravo público, o que, de certa
forma, também compensa a dor sentida pela vítima.
Assim sendo, a reparação civil por danos morais é constantemente
invocada quando se fala em assédio moral, havendo inclusive quem denuncie a
existência de uma “indústria” de milionárias indenizações por danos morais.
Vale destacar, porém, que o pleito poderá versar tanto pelo dano moral
quanto material, com fundamento em violação do direito à intimidade, assegu-
rado no art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988.7
Destacamos o sub-tópico do dano moral em relação aos itens anteriores,
pelo fato de que o mesmo pode decorrer não somente do assédio moral em si,
mas também das eventuais represálias perpetradas pela recusa da vítima (tais
como recusa de promoções, transferências de função ou local de trabalho, des-
pedida etc.), o que é ainda mais agravado quando, em que pese ser denunciada
a conduta indesejada e reiterada de natureza psicológica, não são adotadas,
em troca, quaisquer medidas, durante a vigência da relação de direito material,
contra o ofensor.

8.2. Do Ponto de Vista do Assediante

O ordenamento jurídico não pode, nem deve deixar que o assediante,


violentador da dignidade da vítima, fique impune pelos atos praticados.
As conseqüências para o assediante podem ser analisadas sob três or-
dens: trabalhista (caracterização de justa causa para a extinção do vínculo
empregatício), civil (responsabilidade patrimonial direta pelo dano causado) e
criminal (aplicação de sanções penais, caso os atos praticados se enquadrem
em tipo previamente existente).

7
Alice Monteiro de Barros destaca que uma “hipótese de dano material ou patrimonial,
decorrente do assédio, seria a impossibilidade de permanecer a trabalhadora no emprego ou
de conseguir outro em razão de má reputação conseqüente ao assédio”. (BARROS, Alice
Monteiro de. Op. cit., p. 510).
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 277

Vejamos, pois, essas conseqüências.

8.2.1. Justa causa

No assédio moral praticado por empregado contra colega de trabalho, a


hipótese é visivelmente de justa causa para a extinção do contrato de trabalho,
com fundamento no artigo 482, alínea “j” (“ato lesivo da honra ou da boa fama
praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas
condições, salvo em legítima defesa, própria ou de outrem”) da Consolidação
das Leis do Trabalho.

8.2.2. Responsabilidade patrimonial

Em matéria de assédio (tanto sexual quanto moral), alguns ordenamentos


jurídicos no Direito Comparado albergam previsões de responsabilidade
patrimonial do empregado assediador, independentemente da responsabilidade
patrimonial da empresa.8
Essa é uma medida das mais louváveis, uma vez que o efetivo violador da
moralidade média foi o empregado, e não diretamente a empresa empregadora.
Todavia, tal disciplina muitas vezes impossibilita a efetiva reparação dos
danos, por falta de condições financeiras do agente assediante.
No Brasil, a sistemática do direito positivo trouxe previsão de responsabi-
lidade civil objetiva do empregador pelos atos dos seus prepostos, independen-
temente e sem prejuízo da possibilidade de responsabilização direta do agente
causador do dano, conforme verificaremos em tópico posterior, em que esmiu-
çaremos a matéria.
Todavia, isto não exclui a possibilidade de uma ação própria, ainda que
regressiva, do empregador contra o empregado assediante/assediador, para
ressarcimento dos gastos que teve pelo ato imputável a este empregado.

8
“Na hipótese de o assédio sexual por chantagem ser praticado por prepostos (gerente,
supervisor, etc.) do empregador, a legislação de alguns países (Austrália, Canadá, EUA,
Reino Unido e Nova Zelândia) considera este último responsável solidário, por ter delegado
poderes para aquele tomar decisões que afetem a situação do empregado no ambiente de
trabalho, com efeitos tangíveis.” (BARROS, Alice Monteiro de. O assédio sexual no direito do
trabalho comparado. In: Genesis - Revista de Direito do Trabalho, Curitiba: Genesis, v. 70,
out. 98. p. 509).
278 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Acreditamos que é possível inclusive a denunciação da lide do emprega-


do assediante na ação ajuizada pelo empregado assediado contra a empresa,
de forma a verificar especificamente a delimitação de responsabilidades pelo
ato discutido em juízo.
Esse nosso posicionamento, inclusive, nos parece respaldado pela previ-
são do § 1º do art. 462 consolidado - que traz a regra geral sobre a possibilida-
de de descontos no salário do trabalhador (“Ao empregador é vedado efetuar
qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de
adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo”) - que expressa-
mente preceitua: “Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será
lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de
dolo do empregado”.
Não se deve erigir a grau absoluto a responsabilidade objetiva do empre-
gador quanto ao assédio praticado nas relações de trabalho por seus agentes
ou prepostos, pois isto seria instituir um enorme risco à atividade empresarial,
estimulando uma verdadeira febre de indenizações, sem responsabilizar os
autores diretos dos atos considerados ilícitos, sob a perspectiva da dignidade
psíquica.
Essas idéias serão melhor trabalhadas em tópico posterior.

8.2.3. Conseqüências criminais

Além das conseqüências trabalhista (justa causa) e civil (responsabilida-


de patrimonial) do empregado assediador, é possível existir, ainda, uma respon-
sabilização criminal, caso a conduta ou os atos praticados se enquadrem em
alguma das previsões tipificadas no vigente Código Penal brasileiro.

8.3. Do Ponto de Vista do Empregador

O assédio prejudica também, e de vários modos, a empresa empregado-


ra, ocasionando absenteísmo, queda de produtividade e substituição de pes-
soal, além da possibilidade concreta de responsabilização patrimonial - em con-
denações judiciais por danos morais e materiais - por força dos atos de seus
empregados (assediadores).
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 279

8.3.1. Conseqüências pecuniárias diretas

Em termos de organização empresarial, o assédio gera, normalmente,


diversas conseqüências pecuniárias diretas, a saber, o custo do absenteísmo, a
queda de produtividade e a rotatividade da mão-de-obra.
Analisemos, ainda que rapidamente, essas três conseqüências.
a) Custo do absenteísmo
Os empregados assediados tendem a faltar ao serviço, ainda que muitas
vezes formalmente sem justificação, como uma forma de “escapar” do compor-
tamento assediador de seus algozes.
De fato, não é raro também o afastamento, com a suspensão do contrato
de trabalho, mediante a apresentação de atestados médicos, demonstrando/
comprovando situações em que os empregados (assediados) necessitam de
afastamento do local de trabalho.
Ressalte-se que não se trata aqui de falsificação de atestados médicos,
mas sim a manifestação direta das seqüelas físicas e psicológicas a que os
assediados estão sujeitos, levando-os à somatização de suas apreensões, com
o surgimento de doenças que justificam o afastamento do trabalho.
Essa ausência dos trabalhadores é bastante grave para a empresa, prin-
cipalmente se o trabalhador for especializado na sua atividade, não havendo
como substituí-lo imediatamente, o que leva a uma conclusão apriorística de
que o assédio moral de empregados que exercem funções com conhecimento
especializado é muito mais danoso à empresa do que o relativo a outras situações.
b) Queda de produtividade
Ainda que o trabalhador permaneça laborando no seu local habitual de
trabalho, apesar do assédio, é perfeitamente natural - e, por isso, dentro das
expectativas médias sobre o problema - que a sua produtividade caia visivel-
mente.
Isso porque não há como se exigir razoavelmente que um empregado
vítima de assédio possa ter a tranqüilidade e a paz de espírito necessárias para
o regular desempenho de suas atividades laborais.
Dessa forma, novamente, o assédio gera uma conseqüência pecuniária
danosa direta ao empregador, pois a queda da produtividade do empregado
diminuirá certamente sua expectativa de ganho, o que é ainda mais dramático
em uma economia globalizada como a contemporânea.
Como se isso não bastasse, o conhecimento, pelos demais empregados,
da existência de um caso de assédio não apurado ou não punido gera insegurança
e intranqüilidade no ambiente de trabalho, notadamente entre aqueles operários
280 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

que estejam em situação pessoal e funcional semelhante à da vítima, levando


também a uma queda geral de produtividade, onerando excessivamente a or-
ganização empresarial.
c) Rotatividade da mão-de-obra
Chegando à situação limite dramática de impossibilidade da continuidade
do vínculo empregatício, mais uma conseqüência pecuniária terrível surgirá para
o empregador.
De fato, além do pagamento das verbas rescisórias devidas pela extinção
do vínculo empregatício (o que, segundo os apóstolos do combate ao denun-
ciado “custo Brasil”, já é um valor elevado para a maioria dos pequenos e mé-
dios empresários), o trabalho decorrente da rotatividade da mão-de-obra tam-
bém gera custos.
Com efeito, ter que treinar novos trabalhadores para a função outrora
exercida pelo empregado assediado afastado gerará um custo financeiro não
previsto originalmente na programação orçamentária de qualquer empresa.
Além disso, uma grande rotatividade da mão-de-obra gera insegurança
dentro da organização (notadamente para aqueles que desconhecem os fatos
geradores desta dispensa), pelo temor de dispensas em massa, o que afeta
também a produtividade, como no tópico anterior.
Como se isto não bastasse, vale lembrar que esta rotatividade não ocor-
re somente em função de extinções de vínculos empregatícios, mas também
em função de transferências de local de trabalho ocorridas para evitar novos
contatos entre assediante e assediado no ambiente laboral.

8.3.2. Responsabilidade civil

De acordo com o novo ordenamento jurídico, a responsabilidade civil do


empregador por ato causado por empregado no exercício do trabalho que lhe
competir, ou em razão dele, deixou de ser uma hipótese de responsabilidade
civil subjetiva, com presunção de culpa (Súmula 341 do Supremo Tribunal Fe-
deral), para se transformar em uma hipótese legal de responsabilidade civil
objetiva.
A idéia de culpa na modalidade in eligendo tornou-se legalmente irrele-
vante para se aferir a responsabilização civil do empregador, propugnando-se pela
mais ampla ressarcibilidade da vítima, o que se mostra perfeitamente compatí-
vel com a vocação de que o empregador deve responder pelos riscos econômi-
cos da atividade exercida.
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 281

E essa responsabilidade é objetiva, independentemente de quem seja o


sujeito vitimado pela conduta do empregado, pouco importando que seja um
outro empregado9 ou um terceiro ao ambiente laboral (fornecedor, cliente, tran-
seunte etc.).
Todavia, essa responsabilização civil do empregador, de forma objetiva,
pode ensejar quem sustente que isso poderia estimular conluios entre o empre-
gado e a vítima, com o intuito de lesionar o empregador.
Se a tentação para o mal é uma marca humana, o Direito não deve se
quedar inerte diante de tal condição.
E demonstraremos isso nos próximos dois tópicos.
a) Responsabilidade civil do empregado em face do empregador.
A redação do art. 934 do Código Civil brasileiro de 2002 (art. 1.524, CC-16)
enseja o direito de regresso daquele que ressarciu o dano causado a outrem.10
No campo das relações de trabalho, contudo, o dispositivo deve ser inter-
pretado em consonância com o já mencionado art. 462 da Consolidação das
Leis do Trabalho, que dispõe, in verbis:
Art. 462. Ao empregador é vedado efetuar qualquer
desconto nos salários do empregado, salvo quando este
resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de
contrato coletivo.
§ 1º Em caso de dano causado pelo empregado, o des-
conto será lícito, desde que esta possibilidade tenha
sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.

9
“RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DO TRABALHO. EMPREGADOR. PERDA DO OLHO
ESQUERDO. BRINCADEIRA DE ESTILINGUE DURANTE O ALMOÇO. PENSIONAMENTO. DANO
MORAL. 1) Ato ilícito: empregado atingido no olho esquerdo, durante o horário do almoço no
estabelecimento industrial, por bucha de papelão atirada com estilingue feito com a borracha
de luva. Perda da visão do olho esquerdo. 2) Culpa da empresa demandada: presença da
culpa da empresa requerida in vigilando (falta de controle dos funcionários à sua disposição)
e in omittendo (omissão nos cuidados devidos). 3) Culpa concorrente da vítima: não
reconhecimento da culpa concorrente da vítima no caso concreto. 4) Pensionamento: redução
da capacidade laborativa caracterizada pela necessidade de dispêndio de maior esforço, em
função da visão monocular (art. 1.539 do CC). Fixação do percentual da pensão com base
na perícia do DMJ (30%) a incidir sobre a remuneração do empregado acidentado na data da
ocorrência do acidente. Redução do valor arbitrado na sentença. 5) Dano moral:
caracterização do dano moral pela grave ofensa à integridade física do empregado acidentado.
Manutenção do valor da indenização arbitrado na sentença, que abrangeu os danos morais
e estéticos. Sentença de procedência modificada. Apelação parcialmente provida.” (Tribunal
de Justiça do RS, Apelação Cível nº 70003335924, Nona Câmara Cível, Relator: Des. Paulo
de Tarso Vieira Sanseverino, julgado em 12.12.2001).
10
“Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago
daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou
relativamente incapaz.”
282 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Assim, para que o empregador possa descontar valores referentes a


danos causados culposamente pelo empregado, será necessária a pactuação
específica, seja prévia, seja quando da ocorrência do evento danoso, o que é
dispensável, por medida da mais lídima justiça, no caso de dolo, o que é eviden-
te no caso de assédio moral.
Da mesma forma, o elemento anímico deverá ser comprovado pelo em-
pregador, evitando abusos que importariam na transferência do risco da ativi-
dade econômica para o empregado.
Mais importante, porém, é o fato de que essa regra compatibiliza o cará-
ter tuitivo que deve disciplinar toda norma trabalhista com a rígida regra de
direito de que a ninguém se deve lesar, não se chancelando pela via estatal a
irresponsabilidade de trabalhadores enquanto cidadãos, pelos atos danosos
eventualmente praticados.
E se o dano causado pelo empregado for justamente o resultado
patrimonial de um ato praticado por ele, lesando direitos de terceiros a que o
empregador teve de responder objetivamente?
É o que enfrentaremos no próximo tópico.
b) O litisconsórcio facultativo e a denunciação da lide
Se decorrer da novel regra legal que o empregador responde objetiva-
mente pelos danos causados pelo empregado, não há óbice para que a preten-
são indenizatória seja direcionada em face do empregado, fulcrada na idéia de
responsabilidade civil subjetiva, ou, melhor ainda, diretamente contra os dois
sujeitos, propugnando por uma solução integral da lide.
Trata-se de medida de economia processual, pois permite verificar, des-
de já, todos os campos de responsabilização em uma única lide, evitando sen-
tenças contraditórias.
E se a pretensão for deduzida somente contra o empregador, caberá a
intervenção de terceiros conhecida por denunciação da lide?
A denunciação da lide, conforme ensina Manoel Antonio Teixeira Filho,
“traduz a ação incidental, ajuizada pelo autor ou pelo réu, em caráter obrigató-
rio, perante terceiro, com o objetivo de fazer com que este seja condenado a
ressarcir os prejuízos que o denunciante vier a sofrer, em decorrência da sen-
tença, pela evicção, ou para evitar posterior exercício da ação regressiva, que
lhe assegura a norma legal ou disposição do contrato”.11
Essa forma de intervenção de terceiros está prevista no art. 70 do vigen-
te Código de Processo Civil brasileiro, que dispõe, in verbis:

11
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros no
processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1993. p. 196.
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 283

Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:


I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a
coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que
esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta;
II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por
força de obrigação ou direito, em casos como o do usu-
frutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu,
citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa
demandada;
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo con-
trato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que
perder a demanda.

As duas primeiras previsões não interessam, por certo, ao campo das


relações de trabalho, uma vez que é muito pouco provável que o direito mate-
rial discutido em um processo de tal natureza se refira aos temas ali tratados.
Todavia, a terceira hipótese (obrigação, pela lei ou pelo contrato, de
indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda) pode ser
perfeitamente aplicável em um litígio dessa natureza.
Imagine-se, por exemplo, que o empregador esteja sendo acionado, sob
a alegação de que uma empregada tenha sido assediada sexual ou moralmente
por um colega de trabalho.12
Em função dos danos materiais e morais causados por tal empregado, na
sua atividade laboral, deve a empresa empregadora responder objetivamente,
se provados todos os três elementos indispensáveis para a caracterização da
responsabilidade civil, sem quebra do nexo causal.
Nesse caso, baseando-se no já mencionado art. 462 da Consolidação das
Leis do Trabalho, é plenamente cabível a responsabilização regressiva do em-
pregado.
Por que não fazê-la nos mesmos autos da ação principal?
Poder-se-ia argumentar que isso faria demorar o ressarcimento da víti-
ma, por ser gerada uma nova lide entre dois sujeitos, não tendo ela interesse
jurídico em discutir a culpa, pela previsão legal de responsabilização objetiva.
Essa não nos parece, porém, a melhor solução.
Imagine, por exemplo, que não seja deferida a denunciação da lide sob
tal fundamento - muito comum, inclusive, em ações de responsabilidade civil do
Estado - mas, na ação regressiva, o suposto assediador NEGA a autoria e
materialidade do fato.

12
Sobre o tema, confira-se PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Assédio sexual na relação de emprego.
São Paulo: LTr, 2001.
284 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Haveria, sem sombra de dúvida, a possibilidade jurídica de sentenças


contraditórias que desprestigiariam a atividade jurisdicional.
Assim sendo, consideramos não somente possível a formação do
litisconsórcio passivo, mas principalmente recomendável o eventual deferimen-
to da denunciação da lide, garantindo-se, assim, uma resolução integral da
demanda, possibilitando uma maior celeridade na efetiva solução do litígio e
uma economia processual no sentido macro da expressão.
Até mesmo se tal ação foi ajuizada na Justiça do Trabalho não haverá
motivo razoável para se afastar a intervenção de terceiros, pois a regra de
competência material do art. 114 da Constituição Federal de 1988 estará sendo
estritamente observada, uma vez que teremos, sempre, demandas entre tra-
balhadores e empregadores (no exemplo dado, empregada assediada X em-
pregadora responsabilizada e empregadora responsabilizada X empregado
assediador).
c) Responsabilidade civil do empregador por dano ao empregado
Uma questão interessante sobre o tema da Responsabilidade civil nas
relações de trabalho se refere não aos danos causados pelo empregado, mas
sim aos danos causados ao empregado.
Trata-se de uma diferença relevante.
No primeiro caso, como visto, o sistema positivado adotou a teoria da
responsabilidade civil objetiva.
No segundo, porém, não há uma norma expressa a disciplinar o proble-
ma, pelo que a resposta deve ser encontrada dentro do sistema normativo.
E, sendo assim, a resposta dependerá das circunstâncias em que esse
dano for causado.
Se esse dano decorrer de ato de outro empregado, a responsabilização,
como já explicitado, será objetiva, cabendo ação regressiva contra o agente,
nos casos de dolo ou culpa.
E se o dano, porém, for causado por um terceiro, ainda que no ambiente
de trabalho?
Não temos dúvida em afirmar que na regra geral a responsabilidade civil
continua a ser subjetiva.
E isso somente quando não houver a quebra do nexo causal!
Exemplifiquemos, para que nos tornemos mais claros.
Imagine-se, por exemplo, que um cliente do empregador, ao manobrar
seu próprio carro, colida com o carro estacionado do empregado, no estaciona-
mento da empresa.
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 285

É óbvio que esse dano patrimonial não deve ser exigido do empregador,
ainda que o trabalhador esteja em seu horário de trabalho, à disposição da
empresa, pois, nesse caso, o ato é imputável somente ao cliente.
Diferente é a situação em que o próprio empregador colide o seu carro
com o automóvel do empregado, nas mesmas circunstâncias. Nesse caso, em-
bora razoavelmente fácil de provar, o elemento anímico (dolo ou culpa) deve
ser demonstrado em juízo.
Com isso, queremos dizer que a responsabilidade civil do empregador
por danos causados ao empregado será sempre subjetiva?
Não foi isso que dissemos.
Em verdade, acreditamos que em condições normais a responsabilidade
civil, nesses casos, é, sim, subjetiva, salvo alguma previsão legal específica de
objetivação da responsabilidade, como a do Estado ou decorrente de ato de
empregado.
Todavia, não podemos descurar da nova regra da parte final do parágra-
fo único do art. 927 do CC-2002, que estabelece uma responsabilidade civil
objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano im-
plicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A regra parece ser feita sob medida para relações empregatícias, pois,
como já exposto, é o empregador que deve assumir os riscos da atividade
econômica. É lógico que o risco a que se refere a disposição celetista é o risco/
proveito, ou seja, a potencial ruína pelo insucesso da atividade econômica com
que se pretendeu obter lucro.
Mas e quando essa própria atividade econômica pode, por si só, gerar
um risco maior de dano aos direitos do empregado?
Aí sim, como uma situação supostamente excepcional, é possível, sim,
responsabilizar objetivamente o empregador.
Note-se, inclusive, que, por força de normas regulamentares, há uma
série de atividades lícitas que são consideradas de risco para a higidez física
dos trabalhadores, parecendo-nos despiciendo imaginar que, provados os três
elementos essenciais para a responsabilidade civil - e ausente qualquer
excludente de responsabilidade - ainda tenha o empregado lesionado de provar
a culpa do empregador, quando aquele dano já era potencialmente esperado...
O raciocínio, aqui desenvolvido genericamente pode ser aplicado, mutatis
mutandis, para o assédio moral, a depender da atividade exercida pelo empre-
gador.
286 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

9. COMBATE

Apenas a título de arremate, fica a pergunta que não quer calar: como
combater o assédio moral?
A melhor forma, respondemos nós, somente pode ser uma: prevenção.
Sem sombra de dúvida, “é melhor prevenir do que remediar”.
Esta máxima, fruto da sabedoria popular, é perfeitamente adequada para
o problema do assédio moral.
O ideal é que haja uma política - pública e/ou privada - de combate ao
assédio moral, política esta de caráter obviamente preventivo, o que evitará,
por certo, muita “dor de cabeça” de empregadores e trabalhadores.
A importância da atividade de prevenção é evidente não somente pelas
altas quantias arbitradas comumente a título de indenizações por danos morais
e materiais decorrentes do assédio moral, mas também pelo fato de o próprio
tempo despendido, bem como o pessoal dedicado à investigação de condutas já
tornadas públicas terem um valor econômico não desprezível, sendo conve-
niente adotar medidas de precaução.
O mais importante a destacar, porém, no que toca à atividade de preven-
ção ao assédio moral, não exclusivamente em relação ao vínculo trabalhista, é
que ela passa necessariamente por dois enfoques básicos, a saber, educação e
fiscalização.
No que diz respeito à educação, a organização de campanhas esclarece-
doras, seja por organismos públicos, seja por entidades não governamentais, é
uma iniciativa extremamente válida na prevenção desta doença social.
De fato, a informação prévia evidencia que determinados comportamen-
tos, às vezes comuns em certos meios sociais - como, por exemplo, certas
“liberdades” no trato entre amigos - não podem ser tolerados no ambiente de
trabalho.
Esta atividade de educação possibilita, também, o afastamento de even-
tuais alegações dos assediadores de desconhecimento das restrições de condu-
ta adotadas, o que é um aspecto de grande relevância.
O exercício diuturno da liberdade, por incrível que pareça, deve ser ensi-
nado, pois o convívio social é, em última análise, como já observado, a discipli-
na das restrições à liberdade individual.
Exemplificando de forma simplista, mas didática, as regras de comporta-
mento social em um campo de nudismo são e devem ser obviamente diferentes
das regras a ser adotadas em um convento ou em uma academia de ginástica
(para utilizar paradigmas bem distintos).
NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O ASSÉDIO MORAL NA RELAÇÃO DE EMPREGO 287

Já a atividade de fiscalização deve ser exercida pelo empregador direta-


mente (ainda que subjetivamente possa ser feita pelo Estado), uma vez que
implica necessariamente em uma atuação mais efetiva na própria relação de
direito material.
Como o assédio moral deteriora o relacionamento entre as pessoas e a
imagem da empresa e dos protagonistas do caso, comprometendo a atividade
empresarial (o que afeta a produção, custos, vendas, despesas etc.), não há a
menor sombra pálida de dúvida de que o interesse primordial do combate ao
assédio é do próprio empregador, sendo, inclusive, uma prerrogativa do seu
poder de direção.
No desenvolvimento da fiscalização do assédio, a própria vítima pode ter
um papel ativo na advertência (e - por que não dizer? - confronto) ao assediador
de que determinadas atitudes não são bem recebidas no caso concreto.
As atividades de fiscalização, porém, podem ser atribuídas, inclusive,
aos prepostos da empresa. Recomendamos, porém, que esta atividade de fis-
calização não seja exercida por um único preposto, pela circunstância óbvia de
que este indivíduo pode ser, eventualmente, o próprio agente violador da liber-
dade e dignidade dos demais empregados, o que lhe retiraria a isenção de
ânimo para atuar como fiscal do empregador.

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estas são algumas rápidas considerações que consideramos conveniente


trazer à baila, tendo em vista as atuais discussões doutrinárias sobre o proble-
ma do assédio moral.
Sem qualquer pretensão de que sejam encaradas como verdade absolu-
ta, colocamo-nos à inteira disposição de todos aqueles que se propuserem a
enfrentar (e combater) o assédio moral na sociedade brasileira.
Para um eventual aprofundamento no estudo do tema, elencamos, ao
final, uma pequena bibliografia, onde o leitor poderá encontrar outros subsídios
para o debate, bem como as principais fontes de consulta para o desenvolvi-
mento deste artigo.
288 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

11. REFERÊNCIAS

AEBERHARD-HODGES, Jane. Womem Workers and the Courts. In: International labour review,
v. 135, n. 5, 1996.
AGUIAR, André Luiz Souza. Assédio moral: o direito à indenização pelos maus-tratos e
humilhações sofridos no ambiente do trabalho. São Paulo: LTr, 2005.
ALKIMIN, Maria Aparecida. Assédio moral na relação de emprego. Curitiba: Juruá, 2005.
BARRETO, Margarida Maria Silveira. Violência, saúde e trabalho: uma jornada de humilhações.
São Paulo: EDUC, 2003.
BARROS, Alice Monteiro de. O assédio sexual no direito do trabalho comparado. In: Genesis -
Revista de Direito do Trabalho, Curitiba: Genesis, v. 70, out. 98. p. 503.
BARROS, Renato da Costa Lino de Góes. Assédio moral: caracterização de prova. Monografia
(inédita) apresentada sob a orientação do Prof. Dr. Rodolfo Pamplona Filho no curso de Direito
da UNIFACS, 2005.
CALVO, Maria del Mar Serna. Acoso sexual en las relaciones laborales. In: Relasur - Revista de
Relaciones Laborales en America Latina - Cono Sur, España: OIT/Ministerio de Trabajo y Seguridad
Social, n. 2, s/d. p. 34.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 3. ed. São
Paulo: Saraiva, v. 3, 2004.
GUEDES, Márcia Novaes. Terror psicológico no trabalho. São Paulo: LTr, 2003.
HIRIGOYEN, Marie France. A violência perversa do cotidiano. Tradução Maria Helen Huhner.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
______. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução Rejane Janowitzer. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
MENEZES, Claudio Armando C. Assédio moral e seus efeitos jurídicos. In: Revista de direito
trabalhista, São Paulo, ano 8, n. 10, out. 2002. p. 12-14.
NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. Assédio moral no ambiente do trabalho. In: Revista LTr,
São Paulo: LTr, v. 68, n. 08, ago. 2004. p. 922-930.
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Orientação sexual e discriminação no emprego. In: VIANA, Márcio
Túlio; RENAULT, Luiz Otávio Linhares (Coord.). Discriminação. São Paulo: LTr, 2000.
______. O assédio sexual na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2001.
______. O dano moral na relação de emprego. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.
______. Responsabilidade civil nas relações de trabalho e o novo Código Civil brasileiro. In:
Revista LTr, São Paulo: LTr, ano 67, maio 2003. p. 556-564; Repertório IOB de Jurisprudência,
n. 10, v. II, 2. quinzena maio 2003. p. 259-268; RTDC - Revista Trimestral de Direito Civil, ano
4, v. 13, jan./mar. 2003. p. 177-197; Revista de Direito do Trabalho, São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 111, ano 29, jul./set. 2003. p. 158-176; Revista da Academia Nacional de Direito
do Trabalho, ano XI, n. 11, São Paulo: LTr, 2003. p. 78-92; Revista do Tribunal Superior do
Trabalho, ano 70, n. 1, jan./jun. 2004. p. 101-118; e Revista Trabalhista Direito e Processo,
Rio de Janeiro: Forense, v. XII, out./dez. 2004. p. 183-202.
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros no
processo do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1993. p. 196.
RESPONSABILIDADE CIVIL
POR ERRO JUDICIÁRIO EM AÇÃO PENAL
CONDENATÓRIA

(Exigência de que, no Julgamento da Revisão Cri-


minal, as Câmaras, Turmas Conjuntas ou Tribunal
Pleno, reconheçam expressamente tanto o erro
como o direito à justa indenização)

RUI STOCO
Desembargador do Tribunal de Justiça/SP. Pós-Graduado em
Direito Processual. Professor e Coordenador de Cursos de
Pós-Graduação. Sócio Fundador e Membro do Conselho
Consultivo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.
Membro da Comissão de Reforma do Código de Processo
Penal.

SUMÁRIO: 1. O Direito e os fatos - 2. Erro judiciário e a obrigação de


indenizar - 3. Correção do erro judiciário e revisão criminal - 4. Exigência
de reconhecimento expresso do erro judiciário e do direito à justa
indenização na ação revisional - 5. Pressupostos exigidos para o
reconhecimento do erro judiciário - 6. Impossibilidade de reconhecimento
ex officio do erro judiciário - 7. Conclusão.

Resumo: O artigo tem por objetivo perquirir de que modo o erro judiciá-
rio, a que se referem a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, se
caracteriza e formalmente se materializa. Busca demonstrar que no julgamento
da Revisão Criminal impõe-se aos órgãos julgadores (Câmaras Criminais, Tur-
mas Conjuntas ou Tribunal Pleno) que, além de decretar a reforma do julgado
290 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

recorrido e conseqüente absolvição do acusado - quando tal ocorra - reconheçam,


expressamente, tanto o erro como o direito à justa indenização. Assenta, tam-
bém, o entendimento no sentido de que, sem o cumprimento desses pressu-
postos, o acusado absolvido não terá título executivo para aparelhar a ação de
execução e buscar a fixação e satisfação do quantum da indenização no juízo
cível. Assume, finalmente, o entendimento de que esse reconhecimento do erro
judiciário e o direito à justa indenização dependem de provocação do interessa-
do, não podendo ser declarado de ofício em sede revisional, sendo certo, ainda,
que ao juízo cível não compete tal reconhecimento, nem se lhe permite qual-
quer cognição a esse respeito.
Palavras-chave: Erro judiciário - Revisão Criminal - Justa indenização.
Obrigação de indenizar.

1. O DIREITO E OS FATOS

O Direito é e sempre será fonte inesgotável de novas hipóteses e de


divergências.
A dinâmica da vida e dos fatos, o avanço tecnológico e as mutações
sociais o torna um dínamo que gera novas discussões, enseja o nascimento
de teorias inéditas - até então impensadas - ou o renascimento de teorias
revividas - e provoca a dúvida, que conduz à certeza; e o erro, que conduz ao
acerto.
Afirmou IHERING que “O Direito não é uma pura teoria, mas uma força
viva”.
E TOBIAS BARRETO acrescentou ser o Direito um fenômeno histórico;
um produto cultural da humanidade.
O certo é que “a lei não esgota o Direito, como a partitura não exaure
a música” (MÁRIO MOACYR PORTO), posto que o fato, como fenômeno do
mundo físico, nasce primeiro e somente quando alcança suficiente dignidade
e importância é que recebe disciplina legal.
Significa que a subsunção dos fatos às normas, sejam elas permissi-
vas, proibitivas, regulamentadoras de atividades, repressivas ou meramente
declaratórias de direitos e obrigações, pressupõe entender essas regras jurí-
dicas tendo em vista o contexto legal em que inseridas e considerando os
valores tidos como válidos em determinado momento histórico. “Não há como
interpretar-se uma disposição, ignorando as profundas modificações por que
passou a sociedade, desprezando os avanços da ciência e deixando de ter em
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO JUDICIÁRIO EM AÇÃO PENAL 291

conta as alterações de outras normas, pertinentes aos mesmos institutos jurídi-


cos”.1

2. ERRO JUDICIÁRIO E A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR

A questão relativa ao erro judiciário, por mais que sobre ela se tenha
debruçado e debatido, ainda enseja disceptações e exige disquisição, seja
qual for o enfoque que se lhe dê, até mesmo à luz do aspecto evidenciado no
prólogo acima.
Como não se desconhece, para que surja a obrigação de indenizar,
quando se fala em responsabilidade aquiliana decorrente de ato ilícito, exige-
se uma ação ou omissão, que dela decorra; um resultado danoso ou a ocor-
rência de um dano; um elo de ligação entre o comportamento do agente e o
dano (nexo causal) e que esse comportamento seja doloso ou culposo (ele-
mento subjetivo).
Contudo, quando a responsabilidade é objetiva, prescinde-se apenas
do último elemento, como sói acontecer, ad exemplum, nas hipóteses do art.
37, § 6º da Constituição Federal. Basta a ação, o dano e o nexo etiológico entre
eles, dispensada qualquer investigação acerca da culpabilidade do agente.
Estabelecidos esses parâmetros mínimos, apenas para firmar o funda-
mento nuclear da obrigação de indenizar, traz-se à discussão aspecto peculiar
acerca do tema.

3. CORREÇÃO DO ERRO JUDICIÁRIO E REVISÃO CRIMINAL

Esse aspecto pertine em saber de que modo o erro judiciário se caracte-


riza e formalmente se materializa.
Relembrou o jurista e se mostra oportuno registrar o conceito de erro
judiciário: “Considera-se erro judiciário a má aplicação do direito ou a deficien-
te apreciação dos fatos da causa, por parte do órgão jurisdicional, que resulta
em decisão contrária à lei ou à verdade material”.2
Já afirmamos anteriormente que corrigir o erro através da Revisão Cri-
minal não é o mesmo que “reparar o erro”, no sentido civilístico da palavra, o
que só se consegue no Juízo Cível, após a declaração dessa circunstância.

1
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 3ª T., REsp. 194.866*, Rel. Eduardo Ribeiro, j. 20.04.99,
RSTJ 119/348.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
2
MÉDICE, Sérgio de Oliveira. Revisão Criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
p. 215.
292 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

A “correção do erro judiciário” consiste na desconstituição de uma deci-


são proferida no âmbito penal e desfavorável à pessoa, com a declaração de ter
sido equivocada e fruto de desacerto do julgador, com o reconhecimento do
direito à reparação pecuniária, enquanto que a “reparação do erro” significa
dar àquela declaração de caráter constitutivo as significantes conseqüências e
os efeitos que, de lege lata, dela decorrem, quais sejam, a efetiva busca no
juízo cível da fixação e satisfação do quantum debeatur, através do processo de
execução.
Portanto, também nos filiamos à corrente doutrinária que defende a
necessidade de desconstituição e cessação dos efeitos do julgado de que não
cabe mais recurso, através da Revisão Criminal, como condição fundamental
para o reconhecimento do erro judiciário e a declaração do dever de indenizar
do Estado.
A atuação no plano civil é meramente conseqüencial e subsidiária, onde
apenas se executa tanto quanto já havia ficado decidido no âmbito criminal.
Ou seja, quem desconstitui o julgado e, em conseqüência, constitui o direito
de reparar é o juízo criminal.
Significa a indispensabilidade de aviventar a ação de revisão do julga-
do, que impôs a condenação e a sua desconstituição por essa via, como condi-
ção para obter a reparação do erro judiciário.
Em outras palavras, “a obrigação de indenizar se torna certa depois que
o Tribunal, concedendo a revisão, reconhece ao condenado ‘o direito a uma
justa indenização pelos prejuízos sofridos’ (CPP, art. 630, caput)”.3

4. EXIGÊNCIA DE RECONHECIMENTO EXPRESSO DO ERRO


JUDICIÁRIO E DO DIREITO À JUSTA INDENIZAÇÃO NA
AÇÃO REVISIONAL

Mas ainda assim remanesce questão importante, não respondida satis-


fatoriamente por tantos quantos se debruçaram sobre o tema.
A indagação primeira que se deve fazer e perquirir é a que segue:
O só fato do acolhimento da Revisão Criminal, com a conseqüente absol-
vição do acusado pressupõe a ocorrência de erro judiciário, nascendo então a
obrigação do Estado de indenizar o “erro” do julgador?

3
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2. ed. Campinas: Millennium,
v. 4, 2000. p. 428.
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO JUDICIÁRIO EM AÇÃO PENAL 293

Essa a proposição e o enunciado que se apresentam à meditação e dis-


cussão.
Figure-se, apenas para exemplificar, a hipótese em que o acusado foi
condenado criminalmente em primeira instância, com mantença da decisão
em sede de recurso ordinário (apelação) e posterior trânsito em julgado. Inter-
posta Revisão Criminal, o acórdão proferido pelo Grupo de Câmaras Criminais
do Tribunal de Justiça do Estado (ou por qualquer outra Corte de Justiça) julga
procedente a ação revisional, desconstitui a decisão condenatória e absolve o
recorrente com base no art. 621, inciso I do Código de Processo Penal. Poste-
riormente, diante da decisão favorável em sede revisional, o acusado ingressa
no Juízo Cível com ação ordinária de reparação de danos por erro judiciário
(que pressupõe uma fase de cognição), visando à reparação do dano. Ocorre,
que na ação revisional esse interessado não alegou o erro judiciário, nem re-
quereu que se reconhecesse o direito à justa indenização pelos prejuízos sofri-
dos, tal como dispõe o art. 630 do Código de Processo Penal.
Ainda assim poder-se-ia afirmar a ocorrência de erro indenizável do
Estado?

5. PRESSUPOSTOS EXIGIDOS PARA O RECONHECIMENTO


DO ERRO JUDICIÁRIO

No que pertine ao instituto da Revisão Criminal o Código de Processo


Penal dispõe:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I -
quando a sentença condenatória for contrária ao texto
expresso da lei penal ou à evidência dos autos.

Portanto, a absolvição teria ocorrido, ad exemplum, por insuficiência de


provas ou porque a condenação estaria em contradição com texto expresso da
lei penal, que conduziria a outra solução, únicas hipóteses de erro propriamen-
te dito, estabelecidas no referido art. 621 do Código de Processo Penal.
Impõe-se assentar - para que fique retido in mente - que o só fato de o
interessado aviventar a revisão e lograr reverter o resultado condenatório para
absolutório não significa que o Tribunal tenha reconhecido o erro judiciário.
Apenas quando o Colegiado, por provocação do interessado, afirme ex-
pressamente o erro é que este estará efetivamente caracterizado.
Significa, ainda, que, para obter reparação o pressuposto é a caracte-
rização e declaração expressa do erro judiciário na ação específica, de modo
294 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

que um dos argumentos e fundamentos nucleares de toda petição inicial de


Ação de Revisão Criminal (que para nós não constitui “recurso” propriamente
dito, embora assim classificado no Código de Processo Penal, no Livro III, Título
II, Capítulo VII, mas ação de conhecimento de natureza constitutiva4) deve ser o
da ocorrência de erro judiciário, razão pela qual não se adere ao entendimento
de alguns operadores no sentido de que, se há dano ao particular pelo só fato
do ato jurisdicional, o Estado deve ser chamado a compô-lo, sem que isso
signifique que o juiz tenha praticado ato ilícito ou cometido “erro judiciário”.
Isto porque em casos que tais a responsabilidade do Estado pressupõe o
agir culposo do seu preposto, de modo que o erro indesculpável ou inescusável
desse preposto do Estado - como o é o Estado-Juiz - traduz-se em culpa stricto
sensu e impõe ao Estado a obrigação de utilizar-se da via regressiva para
responsabilizar este último, posto não se tratar de questão de oportunidade ou
conveniência mas de dever que, não exercido, importará em prevaricação e ato
de improbidade administrativa por parte da autoridade administrativa responsável.

6. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO EX OFFICIO


DO ERRO JUDICIÁRIO

Portanto, a resposta à indagação acima e que aviventa e dá impulso ao


tema só pode ser negativa.
E esta resposta é dada e afirmada de lege lata, à luz da lei em vigor.
Revisitemos o Código de Processo Penal, incursionando no Capítulo
que dispõe sobre a Revisão Criminal.
Nele se colhe a redação do dispositivo principal e condutor que preceitua:
Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, pode-
rá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos
prejuízos sofridos.
§ 1º - Por essa indenização, que será liquidada no juízo
cível, responderá a União, se a condenação tiver sido pro-
ferida pela Justiça do Distrito Federal ou de Território, ou o
Estado, e o tiver sido pela respectiva justiça.

4
O Colendo Superior Tribunal de Justiça deixou assentado que “Na sistemática do CPP a re-
visão criminal é uma ação de conhecimento, de natureza constitutiva, de que se utiliza o réu,
ou seu procurador, ou, ainda, se já falecido, seu cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão, para rescindir sentença condenatória com trânsito em julgado, sendo admissível nas
hipóteses elencadas no art. 621 do CPP” (STJ, REsp. 79.693*, j. 25.06.1996, Rel. Min.
Vicente Leal, DJU 02.09.1996, p. 31.125).
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO JUDICIÁRIO EM AÇÃO PENAL 295

Ressuma claro e icto oculi do canon contido no referido artigo 630 caput,
as seguintes conclusões, em exegese sistemática:
a) que a só procedência da ação de Revisão Criminal - que tem caráter
constitutivo-negativo e natureza dúplice: penal e civil, pois tem o poder de
desconstituir a condenação anterior, de declarar a ocorrência de erro e de reco-
nhecer o direito à reparação do dano material, quando requeridos - não signifi-
ca, por si só, o reconhecimento implícito do erro judiciário, nem faz surdir o
dever de reparar.
Seria, segundo entendemos, rematado absurdo.
Aliás, JOSÉ FREDERICO MARQUES dá conforto a esse entendimento ao
observar: “Não é suficiente que o Tribunal absolva o réu anteriormente conde-
nado para que se admita a indenização”.5
O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu que: “O direito à
indenização por erro judiciário só ocorre quando houver condenação a esse
título ou quando persistir a prisão além do tempo fixado na sentença”.6
Colhem-se, ainda, expressivos julgados de algumas Câmaras de Direi-
to Público desse mesmo Tribunal:
“Nos termos do Código de Processo Penal (artigo 630,
caput) e de dispositivos da Constituição da República an-
terior (artigo 107), incidente na hipótese (hoje, Constitui-
ção da República de 1988, artigo 5º, inciso LXXV), respon-
de o Estado pelos danos oriundos de erro judiciário, reco-
nhecido em revisão criminal, mediante decreto absolutório
fundado no artigo 386, inciso IV, do Código de Processo
Penal. O Pretório Excelso já se pronunciou no sentido de
que o Estado só responde pelos erros dos órgãos do Po-
der Judiciário, na hipótese prevista no artigo 630 do Códi-
go de Processo Penal. Fora dela domina o princípio da
irresponsabilidade, não só em atenção à autoridade da coisa
julgada como também à liberdade e independência dos
Magistrados (RSTF 51/63). A sentença, como ato judicial
típico, não enseja a responsabilidade civil da Fazenda Públi-
ca: a única exceção é a decorrente da revisão criminal,
desde que haja requerimento expresso (Código de Pro-
cesso Penal, artigo 630). Nos demais casos, as decisões
judiciais, como atos de soberania interna do Estado, não
propiciam qualquer ressarcimento por eventuais danos,
como pretende demonstrar o autor. Na lição de Hely Lopes
Meirelles, a liberdade decisória dos Magistrados não pode

5
MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense,
v. 4, 1965. p. 363.
6
TJSP, 1ª C., Ap. Cível, Rel. Des. Álvaro Lazzarini, j. 07.12.1993, RJTJSP 155/117.
296 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

ficar à mercê de responsabilidades patrimoniais pela falibili-


dade humana de seus julgamentos (Direito administrativo
brasileiro, 11ª ed., p. 610)”.7
Indenização. Responsabilidade civil do Estado. Alegação
de erro judiciário. Inocorrência. Não reconhecimento em
revisão criminal. Precedente da Câmara. Ausência de pro-
va do nexo causal entre a prisão e as perdas decorrentes.
Pedido de danos, material e moral, prejudicados. Ação
indenizatória improcedente. Recurso do autor, não provido.8
O só fato do acolhimento da Revisão Criminal, com a con-
seqüente absolvição do acusado não pressupõe a ocor-
rência de erro judiciário. Impõe-se que o autor da Ação
Rescisória requeira expressamente o reconhecimento do
erro e do seu direito à justa indenização e que o Grupo de
Câmaras Criminais julgador os reconheça, sendo vedado o
seu reconhecimento de ofício por parte deste ou mesmo
a substituição deste juízo de valor não declarado na sua
sede própria, por outro da Turma Julgadora da Câmara de
Direito Público na ação civil, com indevido caráter cognitivo,
considerando que, nos termos do art. 630, § 1º do CPP,
ao juízo cível compete apenas a liquidação da indenização
reconhecida e a apuração do quantum debeatur.9

b) Portanto, para nós, o Tribunal, ao apreciar a ação de Revisão Criminal


não pode, de ofício, condenar o Poder Público a reparar o erro judiciário, caso
o reconheça.
Resta claro que apenas o autor da Revisão pode requerer que se reconheça
o erro e o direito decorrente desse pronunciamento, qual seja, a justa indenização.
É o que decorre claramente do caput do art. 630 do Código de Processo
Penal em exegese teleológica.
Tanto isso é certo que no juízo cível apenas se faz a liquidação e apura-
ção do quantum da indenização, significando que a condenação do Estado há de
estar fixada no acórdão que reconhecer o erro judiciário.
A respeito do tema GUILHERME DE SOUZA NUCCI observa: “A nature-
za da decisão impositiva de indenização “é condenatória, não se tratando de
mero efeito da procedência da ação revisional. Justamente por isso, precisa
haver requerimento do autor para que seja reconhecido esse direito”.10

7
TJSP, 5ª C. Dir. Público, Ap. Cível 277.039-2, Rel. Menezes Gomes, JTJ-LEX 223/56.
8
TJSP, 5ª C. Dir. Público, Ap. Cível 26.983-5, Rel. William Marinho, j. 11.02.1999, JTJ-LEX
223/53.
9
TJSP, 3ª C. Dir. Público, Embs. Infrs. 75.585-5/2-01, Rel. Rui Stoco, j. 07.05.2002, Voto
3.367/02.
10
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 899.
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO JUDICIÁRIO EM AÇÃO PENAL 297

Ora, se a inicial não pedir expressamente o reconhecimento desse erro e


o Tribunal o reconhecer estará ofendendo o due process of law, impedindo a
outra parte de valer-se da ampla defesa e de atuar segundo o contraditório.
Lembre-se que a desconstituição da sentença definitiva de natureza
condenatória é novamente submetida a exame de natureza revisional com pos-
sibilidade de absolvição criminal e do reconhecimento de erro judiciário, com
declaração do direito à reparação pecuniária. Portanto, o órgão julgador de
segunda instância também recebeu da lei processual penal competência para
proferir decisão de natureza extrapenal, com caráter constitutivo de direito a
benefício de ordem pecuniária e que imporá ao Poder Público a obrigação civil
de indenizar.
Como ressuma óbvio e indene a disceptação, ambas as questões hão
de submeter-se ao contraditório, assegurando-se ampla defesa.
Essa a razão pela qual o reconhecimento ex officio do erro judiciário
mostra-se incompossível.
Nesse sentido já obtemperava JOSÉ FREDERICO MARQUES, assim se
manifestando: “Não cabe impô-la, o Tribunal, ex officio, pois o art. 630, atrás
citado, fala em “se o interessado requerer”, condicionando, assim, expressa-
mente, o reconhecimento à indenização, ao pedido do condenado”.11
Fica então vedada essa fixação no juízo cível onde somente poderia
ocorrer a liquidação e apuração do quantum debeatur e não reabrir uma fase
de cognição própria e exclusiva da ação de revisão.
Sob esse aspecto parece-nos que a sentença que vier a ser proferida
no juízo cível, onde tem curso a ação de reparação de danos, e reconhecer o
erro judiciário e o v. acórdão da Câmara Civil do Tribunal, que, em sede de
reexame, através de apelação, eventualmente a confirmar, estarão impregna-
dos do vício da nulidade, pois não poderiam substituir juízo de valor privativo e
exclusivo do Grupo de Câmaras Criminais ou do Plenário com competência para
processar e julgar as ações revisionais, pelo seu.
Como antes observado, não se pode aceitar a afirmação de que na
Revisão Criminal é possível prescindir do elemento subjetivo, ou seja, da
culpabilidade.
Impõe-se, mais uma vez e em reiteração, discordar.
Para divergir desse entendimento transcrevemos parte do que já ficou
assentado em nossa obra:

11
JOSÉ FREDERICO MARQUES, ob. cit., p. 362.
298 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Não há como admitir que o erro judiciário possa ser


antevisto e caracterizado apenas na má subsunção do
comportamento à norma em vigor à época do fato; o
erro de perspectiva ou a falsa percepção dos fatos e na
equivocada interpretação da lei.
Nem pode decorrer da falsa percepção que o julgador
tem do preceito legal in abstracto, dando-lhe inadequa-
da exegese no exato instante de aplicá-lo ao caso con-
creto, como, por exemplo, reconhecer atentado vio-
lento ao pudor e aplicar a absurda pena de 6 a 10 anos
de reclusão prevista no art. 214 do Código Penal àquele
que trocou carícias com a própria namorada, ou aplicou
disposição anacrônica, reconhecendo a sedução (CP, art.
217) praticada contra mulher devassa e já prostituída,
embora ainda virgem.
Embora aqui se trate de erro grosseiro por inadequada
subsunção dos fatos ao preceito primário da norma penal
incriminadora, cabe não deslembrar que o erro de pers-
pectiva ou o mero erro de enquadramento não se confun-
de com o erro judiciário, tal como o idealizou o legislador
ordinário de 1941, com o advento do Código de Processo
Penal, e o legislador constitucional de 1988, com o artigo
5º da Carta Magna.
Essa a razão pela qual não se adere integralmente ao
entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho quan-
do preleciona: “É razoável que se indenize quem sofreu
erro judiciário. A sociedade deve-lhe reparação pelo dano
material ou moral que tenha sofrido. Ao Estado cabe,
nesse caso, a responsabilidade objetiva, pois é ele quem
representa a sociedade como um todo” (Comentários à
Constituição Brasileira de 1988. 2. ed. São Paulo: Sarai-
va, v. I, 1997. p. 83).
Note-se que o art. 630 do CPP estipula que “que a
indenização não será devida se o erro ou a injustiça da
condenação proceder de ato ou falta imputável ao pró-
prio impetrante, como a confissão ou a ocultação de
prova em seu poder” (§ 2º, a).
Contudo, não definiu nem esclareceu o que seja “erro ju-
diciário” e o alcance da expressão, causando dificuldades
e perplexidades ao relegar essa tarefa a outros instrumen-
tos legais que não vieram a lume.
Ora, se de responsabilidade objetiva se tratasse, desne-
cessário seria o instrumento da revisão criminal para sua
declaração. Bastaria que no âmbito civil ficasse demons-
trado o dano. Portanto, o erro há de qualificar-se como
erro intencional ou culposo, aquele que não se admite,
sendo, portanto, inescusável, sendo certo que tanto a
desídia como a omissão enquadram-se nesse conceito.
O legislador de antanho - infelizmente pouco técnico -, ao
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO JUDICIÁRIO EM AÇÃO PENAL 299

apontar o erro genericamente como fundamento da


reparação do dano, converteu em “erro judiciário” o
erro inescusável e incluiu este no conceito de culpa,
equiparando-o ao mau funcionamento ou falha da ativi-
dade estatal.
Também alargou, perigosamente, o espectro da injusti-
ça nos julgamentos, sabido que, em se tratando de
atividade judiciária, a injustiça da decisão tem a ver com
o meritum causae que, por sua vez, exprime a convic-
ção do julgador, sempre intocável e inviolável.
Assim, só será possível reconhecer a “injustiça da conde-
nação”, segundo a dicção do art. 630 do Código de Pro-
cesso Penal, quando ela for intencional ou decorra de
desídia ou equívoco inescusável, grosseiro, ou teratológico,
a sugerir grave falha na distribuição da justiça e da ativida-
de do Estado-Juiz.
Quando a lei ordinária fala em “injustiça da condenação”
não está permitindo juízo de valor subjetivo do julgador
em sede de reexame, sob pena de substituir-se um juízo
de valor por outro, o que não se admite. Está se referindo
ao erro típico, impregnado daquele componente qualificador
(dolo ou culpa), seja por ação ou por omissão.12

7. CONCLUSÃO

Portanto, para nós, será de rigor exigir que, no Julgamento da Revisão


Criminal, as Câmaras, Turmas Conjuntas ou Tribunal Pleno, além de
desconstituírem a sentença que julgou procedente a ação penal, reconheçam,
no plano civil, expressamente, tanto o erro como o direito à justa indenização,
sem as quais não se poderá exigir o quantum debeatur no juízo cível.

BIBLIOGRAFIA

MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 2. ed. Campinas: Millennium,
v. 4, 2000.
__________. Elementos de Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Forense, v. 4, 1965. p. 363.
MÉDICE, Sérgio de Oliveira. Revisão criminal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

12
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
p. 795-796.
300 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 3ª T., REsp. 194.866, Rel. Eduardo Ribeiro, j. 20.04.99,
RSTJ 119/348.
__________. REsp. 79.693, j. 25.06.1996, Rel. Min. Vicente Leal, DJU 02.09.1996, p. 31.125.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
TJSP, 1ª C., Ap. Cível, Rel. Des. Álvaro Lazzarini, j. 07.12.1993, RJTJSP 155/117.
__________. 5ª C. Dir. Público, Ap. Cível 277.039-2, Rel. Menezes Gomes, JTJ-LEX 223/56.
__________. 5ª C. Dir. Público, Ap. Cível 26.983-5, Rel. William Marinho, j. 11.02.1999, JTJ-
LEX 223/53.
__________. 3ª C. Dir. Público, Embs. Infrs. 75.585-5/2-01, Rel. Rui Stoco, j. 07.05.2002,
Voto 3.367/02.
RESPONSABILIDADE CIVIL NO
DIREITO DE FAMÍLIA

RUY ROSADO DE AGUIAR JÚNIOR


Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça.

1. O tema relacionado com a responsabilidade civil no Direito de Família


tem, mais do que outros, o sentido da bipolaridade, podendo ser visto de pontos
antagônicos sob mais de um aspecto.
Começo por lembrar que são dois os valores constitucionais em confron-
to. De um lado, o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), que
deve ficar protegida de qualquer agressão, idéia que se expande também para
o direito privado e tem vigência no Direito de Família. Neste, a necessidade de
proteção da dignidade do membro da família como pessoa pode entrar em
conflito com o interesse da entidade familiar, pois uma norma/objetivo atribui
ao Estado o dever de preservar a família, instituição social valiosa, “base da
sociedade, tem especial proteção do Estado” (artigo 226). Esse fim (proteção
da família) por certo fica dificultado ou pelo menos abalado com a possibilidade
de pleitos judiciais entre os cônjuges, reparatórios de ofensas e prejuízos; ou
entre pais e filhos, litígios que podem ir desde a definição da filiação à conser-
vação do nome.
A seguir, surge uma segunda ordem de fatores divergentes.
Como facilmente se percebe das alterações do nosso ordenamento nos
últimos quinze anos, o Direito Civil cada vez mais se constitucionaliza, mercê
das inúmeras disposições inseridas na Carta, cujos muitos princípios, regras e
políticas dizem diretamente com o direito privado. Nessa linha, o Direito de
Família se abre a considerações de ordem social e mostra uma tendência à
“socialidade” de que nos fala o Mestre Reale. Porém, o ordenamento tende a
302 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

deixar cada vez mais a critério das pessoas a decisão sobre o casamento e sua
dissolução, amplia o direito do filho, e nesses pontos reforça o individualismo e
a autonomia da vontade; o interesse predominante passa a ser o da pessoa,
não o da entidade familiar.
De sua vez - e este é o terceiro fator da contradição entre as forças que
orientam o estudo do Direito de Família - o posicionamento da pessoa como
centro da ordem jurídica não se harmoniza com a regra do Código Civil que
prescreve: o casamento “estabelece comunhão plena de vida” (artigo 1.511).
Essa regra de integração absoluta já estava no Gênesis e era aceita no
antigo Direito Inglês, segundo o qual a unidade resultante do casamento fazia
crer que “o marido e a mulher são uma única pessoa em direito. Assim, o ser ou
a existência legal da mulher se suspende durante o matrimônio ou, ao menos,
se incorpora e consolida na do marido”, conforme observava Blackstone, no
Século XVIII. Nessa idéia de plena integração, o princípio da supremacia da
pessoa, sobre o qual se fundamenta o pedido indenizatório para reparação de
toda ofensa à pessoa, se mostra incompatível com a velha concepção sobre o
consortium, e também com a unidade de vida descrita no artigo 1.511 do Códi-
go Civil, que significa, embora, menos do que a idéia antiga, mas que sempre
representa uma espécie de integração. Ou há uma unidade plena de vida, com
supressão ou limitação de demandas entre os conviventes, ou bem se resguar-
da a integridade da pessoa, inclusive com o incentivo a demandas judiciais
indenizatórias.
Ainda lembro que o casamento, visto como instituição - cujas regras não
são alteráveis pelos cônjuges, que, por isso mesmo, se submetem ao seu
regramento não ampliável por disposição judicial -, é diferente do casamento
concebido como contrato, a que seriam aplicáveis supletivamente as regras do
Direito das Obrigações, entre elas as que dispõem sobre a obrigação de indeni-
zar o dano.
Por fim, o nosso tema se situa no vértice de duas tendências modernas:
- de uma parte, a ampliação do instituto da responsabilização civil, cujo
eixo se desloca do elemento fato ilícito para cada vez mais se preocupar com a
reparação do dano injusto, qualquer que seja a sua natureza e o ambiente onde
ocorra, o que facilita o deferimento do pedido de indenização;
- de outra, a abstração do elemento culpa, para a separação e o divórcio,
o que elimina a possibilidade de incidência do instituto da responsabilidade sub-
jetiva nessas situações.
Quer dizer: a dissolução da relação conjugal é momento propício para
aflorarem pedidos indenizatórios, cujo deferimento está hoje facilitado com a
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA 303

importância que se atribui à demonstração do dano injusto, mas o modo pelo


qual se resolve a separação ou o divórcio inibe qualquer exame de elemento
subjetivo a afastar eventual pedido de reparação. Já a extensão que cada vez
mais se concede à responsabilidade objetiva não se ajusta à situação familiar,
onde o normal será a exigência de fator de atribuição de natureza subjetiva.
2. Acredito que a presença dessa questão na doutrina e na jurisprudên-
cia, sempre com maior intensidade, decorre da preocupação com o tema da
dignidade da pessoa humana, “núcleo duro” do sistema constitucional de 1988,
parâmetro para a interpretação do sistema.
Como observou Judith Martins Costa, “o conceito de dano não é dado,
mas construído”, modificando-se no mesmo passo em que a comunidade altera
sua idéia do que deva ser juridicamente protegido. Lembrou a participação da
Psicanálise, algum tempo atrás, e da internet, nos dias de hoje, como fatores
determinantes da mudança de concepção dos interesses que podem ser viola-
dos e, por conseqüência, do próprio conceito de dano (COSTA, Judith M. Os
danos à pessoa no Direito Brasileiro e a natureza da sua reparação, RT, n. 789,
p. 21).
Para o que nos interessa, “a reconstrução do conceito de pessoa” serviu
para estimular o estudo dos direitos da personalidade e da sua ofensa. Nesse
novo tempo, continua a ilustre Professora, passou “o Direito a construir princí-
pios e regras que visam à tutela dessa dimensão existencial, não patrimonial,
mas ligada fundamentalmente à proteção da pessoa e da personalidade humana
e daquilo que é o seu atributo específico, a qualidade de ser humano”. (Bioética
e dignidade da pessoa humana, in Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, n. 18,
p. 160).
A idéia de pessoa vem acompanhada da dos direitos da personalidade,
aqueles “que exigem um absoluto reconhecimento, porque exprimem aspectos
que não podem ser desconhecidos sem afetar a própria personalidade humana”
(ASCENSÃO, José Oliveira. Os direitos de personalidade no Código Civil brasi-
leiro). São os direitos que visam à defesa de valores inatos, como a vida, a
intimidade, a honra e a higidez física, no dizer de Carlos Alberto Bittar F. (Tutela
da personalidade no atual Direito brasileiro, in Revista de Informação Legislativa,
p. 125-146), e também a integridade psíquica, a privacidade, a imagem, o nome,
a criação intelectual, e se estendem para o campo da bioética.
À medida que se alcança a exata compreensão do conceito “dignidade da
pessoa humana” e se lhe dá o devido desdobramento na definição dos corres-
pondentes “direitos da personalidade”, logo se percebe o aumento das hipóte-
ses de ofensa a tais direitos, e se ampliam as oportunidades para a existência
304 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

do dano (ver sobre isso Carlos Fernández Sessa-Rego: Protección a la persona


humana, Ajuris, p. 56-87, que refere o dano psíquico, o dano biológico, o dano
ao projeto de vida, e outros). E essa constatação é importante no Direito que
trata da família, a menor célula social em que a pessoa convive, porque no seu
seio sempre se deu prevalência à instituição da família, ainda que com o sacri-
fício eventual do interesse da pessoa.
O principal enunciado da Constituição, hoje, não enaltece a subordinação
da pessoa aos interesses da família, mas sim realça o valor da pessoa humana
que participa da família, os cônjuges, companheiros, pais, filhos, parentes, ain-
da que isso possa afrouxar o laço familiar. Enquanto a legislação do início do
Século XX criava presunções absolutas sobre a paternidade e impedia a busca
do seu reconhecimento ou de sua negação para a proteção da família, a ten-
dência de hoje para atender ao princípio da dignidade da pessoa, no qual se
inclui o direito de saber quem são os pais e quais são os filhos, é a de admitir as
ações que levam à verdade real, com o estreitamento das hipóteses de deca-
dência e flexibilização do princípio da coisa julgada.
Nessa linha de entendimento, é preciso aceitar, em primeiro lugar, a pos-
sibilidade de incidência imediata dos princípios constitucionais sobre as rela-
ções de direito privado, inclusive as tamisares (ver, sobre isso, Joaquim de
Souza Ribeiro: Constitucionalização do Direito Civil, Boletim da Faculdade de
Direito, Coimbra, 1998, LXXIV, p. 729; Gustavo Tepedino: Temas de Direito
Civil, p. 50; Maria Celina Bodin de Moraes: A caminho de um Direito Civil cons-
titucional, Revista Direito, Estado e Sociedade, p. 1-59; Luis Afonso Heck: Direi-
tos Fundamentais e sua influência no Direito Civil, Revista da Fac. Dir. da UFRGS,
p. 16-111; Ingo Wolfgang Sarlet: Eficácia dos Direitos Fundamentais, p. 205;
Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Ruzyk: Direitos fundamentais, dignidade da
pessoa humana e o novo Código Civil, in Constituição, Direitos Fundamentais e
Direito Privado, p. 87).
Em segundo lugar, é preciso buscar critérios de hermenêutica para a
solução dos conflitos que surgem com a colisão dos princípios (Gilmar Ferreira
Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco: Hermenêutica
Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 241; Maria Celina Bodin de Moraes:
O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo, in
Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado, p. 105). E, nesse ponto,
há de se concluir com a doutrinadora por último citada: “O único princípio capaz
de dar harmonia, equilíbrio e proporção ao ordenamento jurídico de nosso tem-
po: a dignidade da pessoa humana, onde quer que ela, ponderados os elemen-
tos contrapostos, se encontre”.
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA 305

3. Feitas essas considerações de ordem genérica, devo estabelecer al-


gumas classificações para o efeito deste estudo, que se limita ao exame da
responsabilidade entre os cônjuges ou companheiros:
a) quanto ao fato gerador da responsabilidade, pode ele ser a infração
cometida pelo cônjuge durante a convivência, ordinariamente prevista como
causa da separação ou do divórcio; ou constituir-se no dano decorrente da
separação ou do divórcio;
b) ainda quanto ao fato gerador, pode ele estar tipificado na lei, ou de-
correr da aplicação da cláusula geral de responsabilização do ato ilícito
extracontratual, independente de prévia definição legal tipificadora;
c) os atos ofensivos podem ser os que se caracterizam como fato ilícito
absoluto, e o seriam em quaisquer circunstâncias da vida civil, ou fica seu con-
ceito restrito aos atos contrários às disposições do Direito de Família, na regulação
das relações entre os cônjuges;
d) os danos podem ser de natureza patrimonial ou extrapatrimonial;
e) do ponto de vista subjetivo, os danos a considerar podem ser os pra-
ticados pelos cônjuges, um contra o outro; os praticados por terceiro contra um
dos cônjuges ou companheiros;
f) pode haver o prejuízo por ricochete ou reflexo, de que nos fala Clovis
do Couto e Silva: “Os casos mais comuns relacionam-se a alguém que tenha
sofrido um dano que o impede de pagar alimentos a quem deveria recebê-los,
seja em razão de lei, seja por motivo de casamento”. Se existir um vínculo de
parentesco do qual decorre o direito de haver alimentos, admite-se a existência
do direito de requerê-los em juízo (O conceito de dano no Direito brasileiro e
comparado, in O Direito Privado Brasileiro na visão de Clóvis Veríssimo do Couto
e Silva. p. 217).
g) a responsabilidade seria extracontratual para os que vêem no casa-
mento uma instituição; seria contratual, se definido como contrato;
h) a inocência do cônjuge tem sido exigida por alguns como condicionante
do direito à indenização;
i) a finalidade da condenação à reparação do dano pode ser apenas para
a cobertura dos prejuízos ou pode se estender para atingir também a finalidade
sancionadora.
4. Os sistemas para o tratamento dessas questões podem ser sumaria-
mente classificados entre:
- os que admitem amplamente a responsabilização por danos materiais e
morais causados pelo cônjuge contra o outro, seja por ofensas anteriores à
separação, seja pelo dano que decorre da separação ou do divórcio;
306 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

- os que negam peremptoriamente a possibilidade dessa ação;


- em posição intermediária, há os que admitem a responsabilidade por
ato do cônjuge, com restrições quanto à natureza, ao fato gerador e à gravida-
de do prejuízo.
5. O estudo do Direito Comparado evidencia a diversidade de tratamento
dispensado ao tema.
- No Direito anglo-americano, a partir da idéia de consortium, segundo o
qual, pelo matrimônio, o marido e a mulher são uma única pessoa em direito,
com o que se inadmitia qualquer reclamação entre eles, evoluiu-se para a Law
Reform (Husband and Wife), 1962, na Inglaterra, e o Married Women Act, nos
EEUU, que admitem a ação de um cônjuge contra o outro pelos danos causados
por dolo ou culpa (Prosser, Handbook of the Law of Torts, 4. ed. p. 860).
Na Espanha, “o princípio geral contido no artigo 1.902 do CC, segundo o
qual quem causa dano a outrem deve repará-lo, se aplica no âmbito das rela-
ções familiares, mas se constrói de forma distinta quando o dano é ocasionado
nas relações entre os cônjuges e entre determinados parentes. Quer dizer, não
existe imunidade, com o que não se rompe o princípio de que o causador do
dano deve ressarci-lo. O que ocorre é que a lei tipificou determinados danos,
prevendo qual será a sua conseqüência. Portanto, o princípio geral se aplica
através das normas que tipificam determinados danos” (Encarna Roca I Trias;
Juan A. M. Martinez (Coord). La responsabilidad civil en el Derecho de Família,
in Perfiles de la Responsabilidad Civil. Dykinson, 2000, p. 539).
Na vizinha República Argentina, a maioria da doutrina admite a repara-
ção dos danos materiais e morais derivados do divórcio ou da separação, em si
mesmos, assim como também autoriza ação indenizatória dos danos derivados
de fatos que permitem o decreto de divórcio (Cecília Grosman; Carlos Ghersi
(Coord). Danos derivados del proceso de divorcio, in Nuevos Danos. Hammurabi,
p. 391, com ampla exposição das diversas correntes).
Na França, Jean Carbonnier lecionava, ainda antes da reforma da legis-
lação sobre a família: “Também se pode imaginar outros danos, (além do desa-
parecimento do dever de auxílio) e assim o reconhece a Lei de 1941, que alude
no artigo 301, segundo parágrafo, que o cônjuge inocente tem direito ao res-
sarcimento do prejuízo material (não reparado mediante a pensão alimentícia)
ou moral causado por dissolução do matrimônio. A Lei se propôs combater o
divórcio mediante uma sanção moralizadora”. (Derecho Civil, I/II, p.189). Com
a reforma de 1975, “segundo o artigo 266 do CC, o cônjuge autor da ação que
deu causa ao divórcio pode ser condenado a reparar o prejuízo material ou
moral que a dissolução do casamento causou ao seu consorte; as causas que
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA 307

justificam o pagamento de indenização são idênticas às que existiam antes da


reforma de 1975; isto é, ele poderá agir, por exemplo, pela perda de uma
situação material interessante (prejuízo material) ou pela desconsideração em
um certo meio social (prejuízo moral)” (Claude Colombe. La famille. PUF, p. 349).
O Prof. Fábio Siebeneichler de Andrade resumiu as soluções encontradas
na França, em Portugal e na Alemanha: “Do exame do regramento do problema
no Direito francês, chega-se à conclusão de ser preponderante a concepção de
que o regime da responsabilidade civil abrange as relações entre os cônjuges,
sem que se estabeleça uma distinção técnica entre o Direito de Família e o
Direito das Obrigações [...]”.
“Muito embora a jurisprudência portuguesa demonstre ter o cuidado de
estabelecer contornos rígidos para a concessão do dano moral, também em
Portugal é dominante a concepção de que a responsabilidade civil abrange as
relações conjugais [...]”.
“O Direito de Divórcio alemão baseia-se, desde 1977, exclusivamente no
princípio da ruptura conjugal. Isso significa, na prática, que não se examinam
no Direito alemão fatores como a culpa de um dos cônjuges para a concessão
do divórcio. O único pressuposto para o divórcio é, em essência, a constatação
de fracasso da relação conjugal. [...] Nestas circunstâncias, seria incoerente ao
sistema que se previsse, no âmbito do Direito de Família, o dever de indenizar o
cônjuge culpado pela dissolução”. A responsabilização extracontratual está limi-
tada ao dano a certos bens (vida, corpo, saúde, liberdade, propriedade, um
direito especial), entendimento que também dificulta a aceitação da sua inci-
dência no âmbito do Direito de Família. Nem o desenvolvimento dos estudos
sobre o princípio de proteção aos direitos da personalidade tem sido aceito
como fundamento para a responsabilização: “Considera-se que a perturbação
do matrimônio não constitui uma causa da falência matrimonial, e, isto sim, um
efeito. Em vista disso, no Direito alemão parte-se do princípio de que o reconhe-
cimento do dever de indenizar constituiria uma limitação à esfera de liberdade
de um dos cônjuges, que estaria constrangido a manter-se vinculado ao regime
matrimonial” (A reparação de danos morais por dissolução do vínculo conjugal
e por violação dos deveres pessoais entre cônjuges, RT 802, p. 11-26).
6. É difícil para o intérprete vencer a controvérsia sobre a responsabilida-
de civil por ato praticado no âmbito do Direito de Família, uma vez que a respos-
ta deve levar em linha de conta inúmeros fatores de ordem jurídica, e até
moral, além de considerar a evolução histórica de diversos institutos. Por isso,
o seu estudo passa por distintos caminhos, todos eles confluentes para o encontro
308 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

da resposta à seguinte indagação: no âmbito do direito de família, cabe a res-


ponsabilidade civil do cônjuge (ou companheiro) autor do dano?
Para essa resposta, devemos atender a que o fato pode ser ilícito abso-
luto ou apenas infração a dever conjugal, familiar ou sucessório. O ato pode
estar tipificado na lei, ou não; a lei definidora da conduta pode ser civil ou
criminal; o autor pode ser cônjuge ou companheiro que atinge a vítima na
posição que lhe decorre do Direito de Família; o dano pode ser patrimonial ou
extrapatrimonial, ou pode ser específico, por atingir direito regulado no Livro da
Família ou das Sucessões ou constituir-se em dano a direito assegurado gene-
ricamente às pessoas, assim como disposto no artigo 186 do Código Civil; a
conseqüência da infração ao direito pode ser sanção prevista na norma de
Direito de Família ou reparação aplicada de acordo com as regras próprias do
instituto da responsabilidade civil, assim como disposto nos artigos 944 e se-
guintes, com ou sem aplicação cumulativa.
Deve ainda ser ponderada a colisão de princípios, a exigir ou não, confor-
me a posição a ser adotada, tratamento diferenciado na solução das diversas
hipóteses.
7. Exponho de modo sucinto os argumentos que são apresentados de
parte a parte no exame da questão. Os que respondem negativamente à inda-
gação costumam aduzir:
- não há previsão legal para esse tipo de imputação;
- a tendência do Direito de Família é a de reservar a dissolução do casa-
mento à disposição livre das partes, o que seria contrariado com a condenação
de um deles pelos danos causados ao outro;
- a negociação entre as partes envolvidas com as questões de família fica
comprometida com o incentivo à ação indenizatória;
- a tese afirmativa em nada contribui para a melhoria das relações familia-
res, não elimina nem diminui o número de separações, nem beneficia os filhos;
- ao contrário, a sua aceitação seria motivo de discórdia entre os casados e
entre pais e filhos, contribuindo para o esfacelamento da harmonia familiar;
- a violação aos deveres familiares gera sanções específicas, previstas
no âmbito do Direito de Família, sendo-lhe inadequada a extensão das disposi-
ções sobre responsabilidade civil;
- o casamento é uma instituição, e como tal não se afeiçoa à aplicação
analógica de normas do Direito das Obrigações;
- há preceito ético que afasta a possibilidade de o cônjuge atingido pelo
adultério do outro procurar ressarcimento para “cobrar-se do preço de sua
honra”;
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA 309

- não cabe indenização pela dissolução do casamento, porque no sistema


que o admite amplamente a hipótese é sempre uma alternativa a considerar
por quem pretende casar-se. Por isso, não há pleitear indenização pelo que o
ordenamento prevê e admite como solução adequada para vencer a crise con-
jugal;
- o casamento existe em razão de uma relação afetiva cujo rompimento
não pode ser objeto de indenização pecuniária;
- a infração do cônjuge às regras do casamento pode ser a conseqüência
de causas de ordem afetiva e psicológica postas pelo outro, sendo absoluta-
mente inconveniente que o Direito ingresse nessa seara de ordem pessoal e
íntima para avaliar danos e ressarci-los com pecúnia.
Os partidários da responsabilização ponderam:
- o Direito moderno preocupa-se com o respeito à pessoa humana e com
a pronta responsabilização dos que a ofendem; para isso, a responsabilidade
civil é instrumento eficaz;
- a obrigação de indenizar é genérica, devendo ser reconhecida sempre
que presentes seus pressupostos;
- o familiar não tem direito a uma posição privilegiada, ficando exonera-
do da reparação dos prejuízos que causar;
- a falta de previsão genérica para o Direito de Família não impede a
incidência, além das regras específicas, do instituto da responsabilidade civil;
- a separação ou o divórcio pode ocasionar danos próprios, que não são
ressarcidos com as conseqüências previstas no Direito de Família. A condena-
ção em alimentos, que mais se aproxima dessa idéia, tem outro fundamento e
diferente propósito;
- a indenização deve atender tanto aos danos ocorridos durante a convi-
vência, dando causa à separação, como também aos provenientes da separa-
ção em si, com a dissolução do vínculo;
- a indenização deve contemplar, além do propósito reparatório, também
a finalidade sancionadora.
8. O sistema legal brasileiro não dispõe de regra geral, como acontece
em alguns códigos europeus, prevendo expressamente a indenização dos da-
nos praticados contra o cônjuge.
Enumero regras do Código Civil de 2002 sobre condutas a serem obser-
vadas pelos cônjuges, parentes, herdeiros, tutores e curadores, cujo
descumprimento gera direito à indenização: artigo 1572; artigo 1573; artigo
1.637; artigo 1.638; artigo 1.752; artigo 1.774; artigo 1.814; artigo 1.995; arti-
go 12.
310 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Essas disposições legais referem-se a condutas que podem levar à res-


ponsabilização do seu autor, desde que presentes os demais pressupostos da
responsabilidade civil (ação ou omissão, dano injusto, relação de causalidade,
fator de atribuição - que ordinariamente é a culpa em sentido lato).
9. A nossa jurisprudência inclui alguns precedentes sobre o tema (Ap.
Cív. 597.155.167, 7ª CCTJRS, de 11.02.98; Ap. nº 14.156, 14ª CCTJRJ, Rel. Des.
Marlan de Moraes Marinho; Ap. Cív. 36.010, 17.03.81, do TJRS, na RT 560/178;
Ac. da 2ª Câm. de Dir. Privado do TJSP, de 23.01.99, na RT 765/191, comentado
por Regina Beatriz Tavares da Silva, em “Responsabilidade civil dos conviven-
tes”, Revista Brasileira de Direito de Família, 01.03.99, p. 24; Al 136.366-4.1, da
6ª Câm. de Direito Privado do TJSP, Revista Brasileira de Direito de Família, nº 7,
2000, p. 64; ver, sobre isso, Dano moral e juízo de família, José Rogério Cruz e
Tucci, na Tribuna do Direito, out/2000, p. 12; Ap. Cív. 268.411 - 6/000, da 5ª
Câm. Cív. do TJMG, j. 06.03.2003, Rel. Des. Aluízio Quintão; Ap. Cív. 338.374-2/000,
6ª Câm. Cív. TJMG, Rel. Des. Jarbas Ladeira; Recurso Especial 412.684/SP, 4ª
Turma, de 20.08.2002, de minha relatoria; Ap. Cív. 70001046937, 9ª Câm. Cív.
TJRS, de 28.11.2001. Rel. Des. Ana Lúcia Pinto Vieira; Embargos Infringentes
nº 500360169, 1º Grupo de Câmaras Cíveis, Ac. de 05.05.89, Rel. Des. Elias
Elmyr Manssour).
Desses, menciono o mais antigo, que foi o voto vencido proferido pelo
Des. Athos Gusmão Carneiro, na Ap. Cív. 36.010, no TJRS, em 17.03.81, defe-
rindo a indenização em favor do cônjuge inocente:
Rogo vênia para julgar procedente em parte a apela-
ção. E o faço porque me parece que, em princípio, nos
casos de separação contenciosa, é possível ao cônjuge
inocente postular indenização a ser prestada pelo côn-
juge culpado, quando os motivos da dissolução da socie-
dade conjugal são de molde a causar ao cônjuge ino-
cente um grave dano moral [...]. No caso concreto, o
desquite foi decretado por haver o marido cometido
agressões físicas, sevícias, e ainda injúria grave contra a
mulher. Da agressão física não resultaram apenas as even-
tuais conseqüências no âmbito penal, nem apenas a
indenização pelos prejuízos no âmbito patrimonial que a
lesão à saúde, em conseqüência da agressão, possa ter
provocado. Tenho que a agressão física acarreta ao in-
justamente agredido um dano moral, aliás, mais rele-
vante em se tratando de agressão de um cônjuge con-
tra o outro. E esse dano moral, creio, impende seja
ressarcido.

Por último, transcrevo a ementa do leading case do STJ, no Recurso


Especial nº 37.051/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, julgado em 17.04.2001:
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA 311

Separação judicial. Proteção da pessoa dos filhos (guar-


da e interesse). Danos morais (reparação). Cabimento.
[...] 2. O sistema jurídico brasileiro admite, na separa-
ção e no divórcio, a indenização por dano moral. Juridi-
camente, portanto, tal pedido é possível: responde pela
indenização o cônjuge responsável exclusivo pela sepa-
ração. 3. Caso em que, diante do comportamento inju-
rioso do cônjuge varão, a Turma conheceu do especial
e deu provimento ao recurso, por ofensa ao artigo 159
do Código Civil, para admitir a obrigação de se ressarci-
rem os danos morais.

Os julgados mostram a grande divergência que lavra entre os tribunais,


mas de sua leitura se percebe forte orientação no sentido favorável ao pedido
de indenização por danos decorrentes de infrações ao dever imposto aos cônju-
ges e aos companheiros, com destaque para o acórdão do STJ, sendo que
foram deferidos alguns pedidos de indenização pelo rompimento da relação.
10. Na doutrina, pode-se dizer com alguma segurança que a maioria se
inclina pela admissibilidade da responsabilização no âmbito do Direito de Famí-
lia, como se colhe das seguintes fontes:
I) artigo de doutrina do ilustre advogado José de Castro Bigi (RT 679/46,
de 1992);
II)·lições de Aguiar Dias (Da responsabilidade civil, n. 160), Caio Mário
(Instituições, V/156), Carlos Roberto Gonçalves (Responsabilidade Civil, p. 69);
III) Yussef Said Cahali lamenta que a lei não tenha contemplado a hipóte-
se de indenização pelos danos afligidos ao cônjuge inocente (Divórcio e Separa-
ção, 8. ed. p. 953, mas no seu Dano Moral, p. 666, alude à crescente manifes-
tação doutrinária favorável à tese da indenização do dano moral;
IV) Belmiro Pedro Welter, em Separação e Divórcio, aceita a tese, nos
limites que propõe (p. 365); Regina Beatriz Tavares da Silva, na sua clássica
Reparação civil na separação e no divórcio e no artigo acima citado; Rolf
Madaleno, em Divórcio e dano moral, quando comenta acórdão do TJ-RJ, na
Revista Brasileira de Direito de Família, n. 2, 1999, p. 59, põe em evidência as
limitações do pedido indenizatório, preconizando a imediatidade do pedido de
indenização no caso de dano decorrente da separação; Fernanda e Vitor Hugo
Oltramari, em As tutelas da personalidade e a responsabilidade civil na juris-
prudência do Direito de Família, na Revista do Direito de Família, n. 13, 2002, p.53.
11. Feito esse breve escorço das questões que me parecem as mais
relevantes para o exame da matéria, com referência ao Direito Comparado, à
nossa legislação, aos precedentes jurisprudenciais e à Doutrina, posso propor
algumas conclusões:
312 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

I - A colisão entre os princípios de proteção da dignidade da pessoa


humana e da conservação da família e preservação da intimidade das pessoas
deve ser resolvida de modo a que prevaleça a regra geral da responsabilização
civil do autor do dano, ainda que o ato tenha sido praticado contra cônjuge. O
fato do casamento ou da união estável não é causa eximente da responsabilida-
de civil, nem causa privilegiadora de isenção.
II - A existência do conflito de princípios exige que essa regra geral de
responsabilidade seja aplicada com temperamento no âmbito do Direito de Fa-
mília, de modo a não destruir os outros valores em voga, que são os da prote-
ção da família, da intimidade dos cônjuges, de respeito ao interesse dos filhos.
Por isso, a ação somente será cabível quando demonstrada a gravidade da
ofensa, a justificar que essas restrições sejam afastadas para permitir a justa
indenização do ofendido.
III - Um bom critério é o de começar por admitir a indenização nos casos
tipificados na lei como infração ao dever de cônjuge ou companheiro, desde
que demonstrada a existência do dano material ou moral, e da gravidade do
resultado.
Além disso, como já observado por Rolf Madaleno, conveniente, no caso
de pedido de indenização por separação, seja apresentado imediatamente após
a separação.
IV - Considerando a peculiaridade de ser o casamento resultado de uma
relação afetiva, o juiz há de evitar reconhecer a responsabilidade do cônjuge
apenas porque se retirou da relação pelo desaparecimento do afeto, salvo quando
a conseqüência dessa conduta é altamente lesiva, como no caso do noivo que
abandonou a cerimônia religiosa do casamento, obrigando a noiva e sua família
a mudarem-se da cidade, ou causadora de dano material.
V - A responsabilização pode decorrer de ato ilícito absoluto, nos termos
dos artigos 186 e 187 do CC, ou de fato tipificado no Direito de Família ou no das
sucessões. Assim, por exemplo, as lesões culposamente causadas na esposa,
pelo marido, em acidente de trânsito, são atos ilícitos reparáveis, pelo que pode
ser requerido o pagamento do seguro contratado pelo marido para cobertura
de tais situações.
VI - As regras do Código Penal são úteis para orientar a decisão sobre
responsabilidade no Direito de Família. Se no Direito Criminal é isento de pena
o cônjuge que pratica crime contra o patrimônio em prejuízo do outro, não seria
adequado admitir-se ação civil para obtenção de indenização de dano moral por
essa infração cometida pelo cônjuge na constância do casamento. Se na seara
penal o Estado tem por inconveniente deflagrar processo, a mesma razão deve
RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA 313

ser causa obstativa de tal demanda no juízo cível. De outra banda, nos casos
em que a lei criminal agrava ou aumenta especialmente a pena, ou inclui como
elementar do crime o fato de ser casado, essa também deve ser uma causa a
influir na aceitação do processo civil de reparação do dano.
VII - O cônjuge que tenha sido julgado como o único culpado pela sepa-
ração ou divórcio não tem o direito de pedir indenização por violação a deveres
do casamento; mas não se pode eliminar a possibilidade de o cônjuge que
também seja culpado pela dissolução vir a juízo pedir indenização contra o
outro, também culpado pelo fato a este atribuído.
VIII - A indenização deve reparar o dano material e também o
extrapatrimonial.
12. Em conclusão, há de se admitir no nosso Direito a possibilidade de
ser intentada ação de responsabilidade civil pelo dano a cônjuge ou companhei-
ro, por ilícito absoluto ou infração à regra do Direito de Família, a) por fato
ocorrido na convivência do casal, com infração aos deveres do casamento ou b)
por dano decorrente da separação ou do divórcio, aceitas as restrições que a
peculiaridade da relação impõe.
Em especial, cabe ao juiz ponderar os valores éticos em conflito, atender
à finalidade social da norma e reconhecer que o só fato de existir a família não
pode ser causa de imunidade civil, embora possa inibir a ação quando dela
surgir dano social maior do que o pretendido reparar. De outra parte, deve
perceber que na especificidade da relação fundada no amor o desaparecimento
da afeição não pode ser, só por si, causa de indenização.
DANO MORAL COLETIVO:
A INDEFINIÇÃO JURISPRUDENCIAL EM FACE
DA OFENSA A DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

SÉRGIO AUGUSTIN
Professor no Departamento de Direito Público da UCS.
Doutor em Direito pela UFPR. Juiz de Direito/RS.

ÂNGELA ALMEIDA
Mestranda em Direito pela UCS.

SUMÁRIO: Introdução - 1. A Posição da Primeira Turma do STJ em face da


ofensa a direitos transindividuais - 2. O processo de reconhecimento dos
direitos coletivos - 3. A teoria dos direitos coletivos lato sensu - 4. A posição
legislativa e doutrinária em face do dano moral coletivo - 5. A quantificação
do dano moral coletivo - 6. Modalidades de reparação: 6.1. Prestação in
natura; 6.2. Prestação pecuniária: 6.2.1. Destinação Da Parcela - 7. Conclusão.

INTRODUÇÃO

A consignação de uma expressa disposição constitucional assegurando a


inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pes-
soas representa um marco decisivo entre a ausência de indenização por danos
morais e a adoção de critérios que autorizam a indenização dos referidos danos
(art. 5º, incisos V e X, CF/88).
316 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Muito embora o ressarcimento dos prejuízos extrapatrimoniais já se en-


contrasse insculpido no ordenamento jurídico brasileiro, conforme se observa
no Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), na Lei de Imprensa
(Lei 5.250/67) e na Lei de Direito Autoral (Lei 4.117/62), somente após a pro-
mulgação da Constituição Federal de 1988, inúmeras legislações incluíram em
seus dispositivos normas específicas alusivas à indenização dos danos morais.
Como exemplo, pode-se citar o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90),
o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o Código de Ética do
Servidor Público (Decreto nº 1.171/94), a nova Lei de Direitos Autorais (Lei
9.610/98) e ainda o novo Código Civil Brasileiro, de 2002, que prescreve em seu
art. 186, in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”.
Na literatura jurídica brasileira, em 1944, Alcino de Paula Salazar e Ávio
Brasil já defendiam a reparação dos danos não patrimoniais. Na mesma senda,
Clóvis Beviláqua, José de Aguiar Dias, J. M. de Carvalho Santos e Pontes de
Miranda foram precursores sobre a indenizabilidade dos danos morais. Em 1949,
Agostinho Alvim fez expressas referências às discrepâncias entre a jurispru-
dência e a doutrina da época sobre a matéria.1
Clayton Reis2 destaca que o acolhimento do dano moral pela doutrina
jurídica apenas se deu após uma lenta e gradual evolução da jurisprudência no
campo da responsabilidade civil. O Supremo Tribunal Federal durante décadas
não admitiu a indenização dos danos morais, em decorrência da impossibilida-
de de fixação da pretium doloris, fato que impediu a aceitação do instituto pela
doutrina.
Assim, a constitucionalização do dano moral indiscutivelmente inaugurou
uma nova fase no direito brasileiro, porquanto institucionalizou a obrigação de
compensar a dor ou a humilhação sofrida pelo indivíduo em decorrência da
prática de ato ilícito. Todavia, o mesmo não se pode dizer em relação ao dano
moral coletivo, visto que a evolução dos diplomas legais disciplinando as ações
coletivas não tem sido suficiente para garantir uma tutela de prevenção à ofen-
sa a direitos transindividuais.

1
REIS, Clayton. O verdadeiro sentido da indenização dos danos morais. In: LEITE, Eduardo de
Oliveira. Dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 49-94.
2
Ibid., p. 54.
DANO MORAL COLETIVO 317

1. A POSIÇÃO DA PRIMEIRA TURMA DO STJ EM FACE DA


OFENSA A DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS

A dificuldade para interpretar o instituto do dano moral em face da ofen-


sa a direitos transindividuais observa-se na posição adotada pela Primeira Tur-
ma do Superior Tribunal de Justiça, em 02.05.2006, ao julgar o REsp 598.281,
em que se discutia a ofensa ao meio ambiente por conduta de empresa do setor
imobiliário.3* Por maioria, os julgadores entenderam, na esteira do raciocínio
elaborado pelo Ministro Teori Zavascki, que “a vítima do dano moral é, necessa-
riamente, uma pessoa”.4
Em seu voto, o referido Ministro afirma que “não parece ser compatível
com o dano moral a idéia de ‘transindividualidade’ (= da indeterminabilidade do
sujeito passivo e da individualidade da ofensa e da reparação) da lesão”,5 não
acatando a tese do Ministério Público de Minas Gerais, recorrente, segundo a
qual o reconhecimento da ocorrência do dano ambiental implicaria necessaria-
mente a condenação por dano moral coletivo. Mais adiante, o Ministro afirma
ser “perfeitamente viável a tutela do bem jurídico salvaguardado pela Constitui-
ção (meio ambiente ecologicamente equilibrado), tal como realizada nesta ação
civil pública, mediante a determinação de providências que assegurem a res-
tauração do ecossistema degradado, sem qualquer referência a um dano moral”.6
Sob a perspectiva de que “o dano moral envolve, necessariamente, dor,
sentimento, lesão psíquica”,7 o Ministro argumentou que o Ministério Público
não indicou em que consistiria o alegado dano moral (pessoas afetadas, bens
jurídicos lesados, etc.). “Ora, nem toda conduta ilícita importa em dano moral,
nem, como bem observou o acórdão recorrido, se pode interpretar o art. 1º da
Lei da Ação Civil Pública de modo ‘a tornar o dano moral indenizável em todas
as hipóteses descritas nos incisos I a V do art. 1º da referida lei’ ”.8

3
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo Civil. Ação Civil Pública. Dano ambiental. Dano
moral coletivo. Necessária vinculação do dano moral à noção de dor, de sofrimento psíquico,
de caráter individual. Incompatibilidade com a noção de transindividualidade (indeter-
minabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa e da reparação). Recurso Especial
Improvido. REsp 598.281-MG - 1ª T. - STJ - maioria - rel. p/ o acórdão Min. Teori Albino
Zavascki. DJ 01.06.2006 p. 147. Lex: Jurisprudência do STJ. Disponível em: <http://
www.stj.gov.br>. Acesso em: 9 jan. 2007.
* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui link para o acórdão mencionado.
4
REsp 598.281-MG - 1ª T. - STJ - maioria - rel. p/ o acórdão Min. Teori Albino Zavascki. DJ
01.06.2006 p. 147.
5
Ibid.
6
Ibid.
7
Ibid.
8
Ibid.
318 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

De modo divergente, o Ministro Luiz Fux, em voto vencido, consignou que


“o meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável para a humanida-
de, tendo por isso alcançado a eminência de garantia constitucional”.9 Ainda de
acordo com o Ministro Luiz Fux, a leitura do dano moral a partir da Constituição
Federal de 1988 ressuma ultrapassada a barreira do indivíduo para abranger o
dano moral à pessoa jurídica e à coletividade.
Salvo melhor juízo, entende-se que o voto vencedor no Pretório - negan-
do a ocorrência de dano moral coletivo - não representa a melhor compreensão
da matéria. A discussão acerca do dano moral coletivo exige, contrario sensu,
alusão aos direitos coletivos e aos seus respectivos instrumentos de tutela, com
base no efeito almejado pela lei, ou seja, o de prevenir a ofensa a direitos
transindividuais, ora se aproximando de elementos e noções de responsabilida-
de civil, ora se aproveitando de perspectiva própria do direito penal.

2. O PROCESSO DE RECONHECIMENTO DOS DIREITOS


COLETIVOS

A partir da década de 50, assistiu-se ao surgimento de movimentos so-


ciais sem tradição histórica de confrontação, tais como os movimentos de mu-
lheres, consumidores, ambientalistas e homossexuais, todos em luta por novos
direitos sociais nos mais diversos setores: segurança, saúde, educação, mora-
dia, transporte, meio ambiente, qualidade de vida, etc. Por conta disso, interes-
ses difusos e coletivos, como a proteção ao meio ambiente sadio e ecologica-
mente equilibrado e a proteção ao homem consumidor em suas relações com
fornecedores de produtos e serviços, passaram a compor o catálogo de direitos
fundamentais.
No campo das relações de trabalho, interesses metaindividuais de natu-
reza coletiva foram detectados, com destaque para a exigência de atestados de
esterilização para a contratação de mulheres, a assinatura em branco de pedi-
dos de demissão, o não recolhimento dos depósitos do FGTS, a adoção de
medidas discriminatórias contra os autores de reclamatórias trabalhistas e a
utilização de trabalho escravo, no meio rural, sem pagamento de salários e com
proibição de saída do local.

9
Ibid.
DANO MORAL COLETIVO 319

Ainda acerca do meio ambiente do trabalho, a tutela à segurança e à


saúde do trabalhador carrega caracteres essencialmente difusos e coletivos,
como, v.g., quando acontece uma descarga de benzeno em uma unidade produ-
tiva do setor petroquímico, ou existe a necessidade de implantação de disposi-
tivos de segurança (portas giratórias) em agências bancárias.10
Certo é que a clássica dicotomia processual - A versus B - e a divisão
tradicional do direito positivo em público e privado careciam de espaço para
acomodar todos esses interesses situados a meio, entre o público e o privado.
A discussão acerca dos direitos coletivos, por conta disso, iniciou-se com a
doutrina de direito processual, mais precisamente no momento em que surgi-
ram diplomas legais disciplinando as ações coletivas.
A Constituição Federal, a par de ampliar o catálogo de direitos materiais,
instituiu o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), possibilitou aos sindi-
catos e às associações defender em juízo interesses da respectiva coletividade
(art. 5º, XXI e 8º, III), ampliou o objeto da ação popular (art. 5º, LXXIII), au-
mentou o número de legitimados para propositura de ação direta de
inconstitucionalidade (art. 103) e fez referência expressa à ação civil pública
para a proteção do “patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos”, cuja promoção é função institucional do Ministé-
rio Público, sem a exclusão de outros entes (art. 129, III e § 1º).
No âmbito infraconstitucional, a Lei da Ação Civil Pública representou um
importante marco na evolução do direito processual coletivo, na medida em que
conferiu disciplina sistemática à matéria, além de conter amplo espectro de
incidência, permitindo a judicialização de questões vinculadas ao meio ambien-
te, à ordem urbanística, ao consumidor e a bens de valor artístico, estético,
histórico e paisagístico, bem como ao patrimônio cultural.
O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, inspirando-se na class
actions for damages do direito norte-americano, possibilitou a tutela judicial
dos danos pessoalmente sofridos em ação coletiva.
Atualmente, a ação civil pública pode ter por objeto qualquer espécie de
matéria, desde que se caracterize a tutela de interesses difuso, coletivo ou
individual homogêneo. A Constituição (art. 129, III) e o Código de Defesa do
Consumidor (Lei 8.078/90, art. 110 e 117) foram expressos no sentido de que a

10
ROCHA, Júlio Cesar de Sá da. Direito ambiental do trabalho: mudanças de paradigma na
tutela jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2002. p. 280.
320 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

restrição havida anteriormente, pela qual somente os interesses relativos ao


meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural poderiam ser tutelados por
meio da ação civil pública, não mais existe. O Código de Defesa do Consumidor
acrescentou o inciso IV ao art. 1º da Lei 7.347/85, ensejando a defesa de “qual-
quer outro interesse difuso ou coletivo”.
Além disso, apesar de o art. 3º da Lei 7.347/85 dispor que “a ação civil
poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obriga-
ção de fazer ou não fazer”, sugerindo um caráter exclusivamente condenatório,
com o advento do Código de Defesa do Consumidor e sua absoluta integração
com a Lei da Ação Civil Pública (art. 117, CDC), são possíveis pedidos de natu-
reza constitutiva, declaratória, mandamental e executiva, nos termos do art.
83: “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e
efetiva tutela”.

3. A TEORIA DOS DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

O Código de Defesa do Consumidor (art. 81), ao conceituar direitos difusos


e coletivos, promoveu um avanço importante no desenvolvimento de uma teoria
dos direitos coletivos lato sensu. Antes do advento da Lei 8.078/90 (CDC), sem-
pre que se falava em direitos coletivos e direitos difusos, surgia a questão da
sinonímia entre eles. Para alguns doutrinadores, os dois termos eram sinôni-
mos, visto que ambos se destinavam a proteger interesses metaindividuais.
A Lei 8.078/90 (CDC), elucidou a questão estabelecendo sensíveis dife-
renças entre uns e outros. A indeterminação do titular de um direito difuso é
muito mais significativa do que a indeterminação do titular de um direito coleti-
vo stricto sensu. Além disso, a circunstância de fato que liga os indeterminados
titulares do direito difuso, no caso de direito coletivo stricto sensu, é substituí-
da por uma relação jurídica preexistente que vincula seus titulares entre si, ou
com a parte contrária. Todavia, ambos (difuso e coletivo stricto sensu) são
direitos transindividuais, pelo que são espécies do gênero direito coletivo lato
sensu.
Para a proteção dos direitos difusos, encontram-se as medidas -
jurisdicionais ou não - para evitar a poluição do ar de determinada cidade, ou
que proíbem a veiculação de publicidade enganosa ou abusiva (art. 37 do CDC).
Todas as pessoas expostas a esses fatos são beneficiárias da tutela. Não se
poderia nem mesmo afirmar que essas pessoas se limitam, por exemplo, aos
moradores da cidade; os não moradores, dentre eles turistas e visitantes, também
DANO MORAL COLETIVO 321

são titulares do direito. Os direitos difusos pertencem a um número indeterminável


de pessoas. São materialmente difusos. Não é uma lei que os define como tal,
mas sua própria natureza.
Como exemplo de direito coletivo stricto sensu, destaca-se o interesse
de todos os contratantes de determinado plano de saúde de não sofrer reajuste
das parcelas mensais em desacordo com orientação legal ou ofensa à cláusula
geral da boa-fé objetiva (art. 51, IV, do CDC). Cite-se ainda o reconhecimento
de nulidade de determinada cláusula padrão, utilizada em milhares de contra-
tos de incorporadora imobiliária com atuação em âmbito nacional. Se a deman-
da houver sido proposta em ação de caráter coletivo, por entidade associativa,
em defesa dos interesses e direitos dos seus associados, a sentença civil prolatada
abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação,
domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator, em consonân-
cia com o art. 2º da Lei 9.494/97. Tal dispositivo, todavia, contraria a regra da
eficácia ultra partes da sentença em ação coletiva visando à tutela de interesse
coletivo stricto sensu, estabelecida pelo art. 103, inciso II, do CDC, segundo a
qual a eficácia estende-se independente do local onde os beneficiários se en-
contrem, pois basta a estes enquadrar-se na categoria.
Em sede doutrinária, há o entendimento, ainda que minoritário, de que
os direitos coletivos são “interesses ou direitos individuais que ganham o cará-
ter de indivisibilidade e transindividualidade, quando veiculados mediante ações
coletivas, pelo artifício da extensão subjetiva da coisa julgada, quando aí, en-
tão, o resultado tem de ser uniforme para toda a classe invariavelmente”.11
Por último, o Código de Defesa do Consumidor instituiu a categoria dos
direitos individuais homogêneos, definindo-os simplesmente como aqueles “de-
correntes de origem comum” (art. 81, III). Importante assinalar que os direitos
individuais homogêneos são simplesmente direitos subjetivos individuais. A
homogeneidade não descaracteriza a sua natureza, mas apenas permite que
se relacionem entre si os direitos individuais assemelhados, permitindo a defe-
sa coletiva de todos eles. A sua tutela tem como objetivo o ressarcimento dos
danos morais e materiais pessoalmente sofridos em decorrência de um mesmo
fato. Não se trata, portanto, de dano moral coletivo, aplicável apenas aos direi-
tos difusos e coletivos stricto sensu, mas sim de aproveitamento de provimento
jurisdicional coletivo para posterior liquidação do dano individual.

11
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: SAFE,
1998. p. 196-197.
322 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

4. A POSIÇÃO LEGISLATIVA E DOUTRINÁRIA FRENTE O


DANO MORAL COLETIVO

O dano moral coletivo encontra-se consagrado expressamente no


ordenamento jurídico brasileiro. A Lei 8.078/90 (CDC, art. 6º) enumera os direi-
tos básicos do consumidor, in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] VI - a
efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos e difusos; [...] VII - o aces-
so aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à
prevenção ou reparação de danos patrimoniais e mo-
rais, individuais, coletivos e difusos [...] (grifou-se).

Além disso, o Código de Defesa do Consumidor alterou o art. 1º da Lei


7.347/85, cuja nova redação é a seguinte:
Art. 1º Regem-se, pelas disposições desta lei, sem pre-
juízo da ação popular, as ações de responsabilidade por
danos morais e patrimoniais causados: I - ao meio am-
biente; II - ao consumidor; III - a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; IV - a
qualquer outro interesse difuso ou coletivo; V - por in-
fração da ordem econômica (grifou-se).

No campo doutrinário, em face da simplicidade com que o tema foi trata-


do legalmente, a par da ausência de modelo teórico próprio e sedimentado
para atender aos conflitos envolvendo direitos transindividuais, fez-se necessá-
rio construir soluções que se utilizam, a um só tempo, de algumas noções e
conceitos extraídos da responsabilidade civil e da perspectiva própria do direito
penal.
Carlos Alberto Bittar Filho,12 por exemplo, conceitua o dano moral coleti-
vo como a “injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é
a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos”. A seguir,
o autor esclarece:
Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazen-
do menção ao fato de que o patrimônio valorativo de
uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente
considerado, foi agredido de maneira absolutamente

12
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro.
In: AUGUSTIN, Sérgio (Coord.). Dano moral e sua quantificação. 3. ed. rev. e ampl. Caxias
do Sul, RS: Plenum, 2005. p. 43-66.
DANO MORAL COLETIVO 323

injustificável do ponto de vista jurídico; quer dizer isso,


em última instância, que se feriu a própria cultura, em
seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara de dano
moral individual, aqui também não há que se cogitar de
prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo
simples fato da violação (damnum in re ipsa).

No que diz respeito à função da condenação, Carlos Alberto Bittar Filho13


sustenta:
Em havendo condenação em dinheiro, deve aplicar-se,
indubitavelmente, a técnica do valor de desestímulo, a
fim de que se evitem novas violações aos valores coleti-
vos, a exemplo do que se dá em tema de dano moral
individual; em outras palavras, o montante da condena-
ção deve ter dupla função: compensatória para a cole-
tividade e punitiva para o ofensor; para tanto, há que
se obedecer, na fixação do quantum debeatur, a deter-
minados critérios de razoabilidade elencados pela dou-
trina (para o dano moral individual, mas perfeitamente
aplicável ao coletivo), como, v.g., a gravidade da lesão,
a situação econômica do agente e as circunstâncias do
fato.

André de Carvalho Ramos,14 por sua vez, expõe: “O ponto chave para a
aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito,
deixando de ser o dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclu-
sividade de pessoas físicas”. O autor argumenta que qualquer abalo no patrimônio
moral de uma coletividade merece reparação, sendo que em outra passagem
ressalta:
Devemos ainda considerar que o tratamento transindi-
vidual aos chamados interesses difusos e coletivos origi-
na-se justamente da importância destes interesses e da
necessidade de uma efetiva tutela jurídica. Ora, tal im-
portância somente reforça a necessidade de aceitação
do dano moral coletivo, já que a dor psíquica que
alicerçou a teoria do dano moral individual acaba ceden-
do lugar, no caso do dano moral coletivo, a um senti-
mento de desapreço e de perda de valores essenciais
que afetam negativamente toda uma coletividade.

13
Ibid., p. 64.
14
RAMOS, André de Carvalho. Ação civil pública e o dano moral coletivo. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo: RT, n. 25, jan./mar. 1998. p. 80-98.
324 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho,15 para justificar sua con-


cepção sobre o dano moral coletivo, destaca os seguintes pontos sobre a matéria:
1) Mostra-se inconveniente a separação rígida entre in-
teresse público-pena e interesse privado-reparação (res-
sarcimento ou reintegração); 2) Quando se protege o
interesse difuso, o que se está protegendo, em última
instância, é o interesse publico; 3) Tal interesse público
pode ser tutelado pelo modo clássico de tutela de inte-
resses públicos, tipificando-se a conduta do agente cau-
sador do dano como crime e sancionando-a com uma
pena criminal, mas pode ocorrer, por razões várias, que
o ordenamento jurídico não tipifique tal conduta como
crime, caso em que os instrumentos próprios para a
proteção de interesses privados acabam assumindo níti-
da função substitutiva da sanção penal; 4) Deve-se ad-
mitir uma certa fungibilidade entre as funções
sancionatória e reparatória em matéria de interesses
difusos lesionados; 6) Com essa conformação e preocu-
pação, surge o recém denominado dano moral coletivo,
o qual deixa a concepção individualista, caracterizadora
da responsabilidade civil, para assumir uma outra, mais
socializada, preocupada com valores de uma determina-
da comunidade, e não apenas com o valor da pessoa
individualizada.

Xisto Tiago de Medeiros Neto,16 depois de destacar o avanço legal relati-


vamente à proteção aos interesses de essência moral (extrapatrimonial) e aos
direitos coletivos lato sensu, registra:
A ampliação dos danos passíveis de ressarcimento refle-
te-se destacadamente na abrangência da obrigação de
reparar quaisquer lesões de índole extrapatrimonial, em
especial as de natureza coletiva, aspecto que corres-
ponde ao anseio justo, legítimo e necessário apresenta-
do pela sociedade de nossos dias. Atualmente, torna-
ram-se necessárias e significativas, para a ordem e a
harmonia social, a reação e a resposta do Direito em
face de situações em que determinadas condutas vêm
a configurar lesão a interesses juridicamente protegi-
dos, de caráter extrapatrimonial, titularizados por uma
determinada coletividade. Ou seja, adquiriu expressivo

15
CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por dano não patrimonial
a interesse difuso (dano moral coletivo). Revista da EMERJ - Escola da Magistratura do Rio
de Janeiro, v. 3, n. 9, 2000. p. 21-42.
16
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. São Paulo: LTr, 2004. p. 134.
DANO MORAL COLETIVO 325

relevo jurídico, no âmbito da responsabilidade civil, a


reparação do dano moral coletivo (em sentido lato).

O autor supracitado defende que o conceito de dano moral coletivo não


deve restringir-se ao sofrimento ou à dor pessoal, e sim ser compreendido
como toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, a qualquer vio-
lação aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade.
Com efeito, toda vez em que se vislumbrar o ferimento
a interesse moral (extrapatrimonial) de uma coletivida-
de, configurar-se-á dano possível de reparação, tendo
em vista o abalo, a repulsa, a indignação ou mesmo a
diminuição da estima, infligidos e apreendidos em di-
mensão coletiva (por todos os membros), entre outros
efeitos lesivos. Nesse passo, é imperioso que se apre-
sente o dano como injusto e de real significância, usur-
pando a esfera jurídica de proteção à coletividade, em
detrimento dos valores (interesses) fundamentais do
seu acervo.17

No que concerne à destinação do dinheiro decorrente de condenação por


dano moral coletivo, o mesmo autor observa:
Na hipótese da reparação do dano moral coletivo ou
difuso, o direcionamento da parcela pecuniária ao Fun-
do é de importância indiscutível, por apresentar-se a
lesão, em essência, ainda mais fluida e dispersa no âmbi-
to da coletividade. Além disso, tenha-se em conta que
a reparação em dinheiro não visa a reconstituir um bem
material passível de quantificação, e sim a oferecer com-
pensação diante da lesão a bens de natureza imaterial
sem equivalência econômica, e sancionamento exem-
plar ao ofensor, rendendo-se ensejo para se conferir
destinação de proveito coletivo ao dinheiro recolhido.18

Assim, entre os doutrinadores predomina a idéia de que o dano moral


coletivo cumpre, idealmente, além de seu caráter compensatório e punitivo,
uma função eminentemente preventiva, de modo a garantir real e efetiva tutela
ao meio ambiente, ao patrimônio cultural, à ordem urbanística, às relações de
consumo, enfim, a quaisquer outros bens que extrapolam o interesse individual.
Contudo, uma vez aceito o objetivo punitivo da condenação por dano moral,
resta saber quais os critérios a serem adotados para a fixação de seu quantum.

17
Ibid., p. 136-137.
18
Ibid., p. 177.
326 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

5. A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL COLETIVO

Pondera-se, no que diz respeito ao dano moral coletivo, tratar-se de


interesse de natureza moral em que, no mais das vezes, são indetermináveis os
integrantes da coletividade. A dificuldade do seu real e integral dimensionamento,
por conta da imprecisão dos parâmetros para compensar o dano, favorece e
torna mais pertinente o objetivo de sancionar o agente causador, desestimulando
outras ofensivas, à vista dos efeitos deletérios da conduta.
Sobre o tema, pronuncia-se Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho:19
[...] havendo dano a interesse público ou difuso, per-
feitamente possível a imposição de reparação civil com
caráter marcadamente sancionatório sob a forma de dano
punitivo. Contudo, a imposição de indenização com ca-
ráter de sanção deve ser cercada de cuidados para não
exorbitar sua finalidade repressiva e dissuasiva. [...] A
sua aplicação comedida e prudente levaria a uma maior
esfera de proteção ao interesse público e aos novos
conceitos de interesse difuso e coletivo. A reparação,
nesses casos, deve ser feita por arbitramento judicial, a
exemplo do que ocorre no dano moral tradicional.

Destaca-se, ainda, a posição abalizada de José Augusto Garcia:20


Antes de forma um tanto receosa, e ultimamente de
maneira bem mais resoluta, passou-se a admitir uma fun-
ção punitiva para as condenações relativas a danos mo-
rais.
Na verdade, poderíamos falar, mais apropriadamente, em
uma função preventivo-pedagógica para os danos mo-
rais, a qual se mostra intimamente conectada ao tema
da coletivização jurídica. De fato, em conflitos meramente
intersubjetivos, a aludida função preventivo-pedagógi-
ca pouco tem a brilhar, mormente porque se trata, em
regra, de lides eventuais, não habituais, não profissio-
nais. Tudo muda de figura, entretanto, quando estamos
diante de conflitos carregados de dimensão coletiva.
[...]
A função preventiva da indenização por danos morais e
a ênfase na conduta do ofensor, para efeitos de quan-
tificação da indenização, há anos e anos não traduzem
mais novidade alguma no meio jurídico.

19
CARVALHO, op. cit., p. 37.
20
GARCIA, José Augusto. O princípio da dimensão coletiva das relações de consumo: reflexos
no “processo do consumidor”, especialmente quanto aos danos morais e às conciliações.
Revista da EMERJ - Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, 1998. p. 4-28.
DANO MORAL COLETIVO 327

[...]
Com efeito, a manifestação pretoriana há de demons-
trar cabalmente a reprovação estatal em relação a com-
portamentos que infrinjam a ordem pública [...],
desestimulando o infrator da maneira a mais persuasiva
possível. Não é possível que a decisão judicial, mesmo
condenando (o ofensor), estimule ainda mais o proce-
der ilícito.

Maria Celina Bodin de Moraes,21 apesar de assumir posição restritiva em


relação à natureza punitiva da reparação do dano moral individual, admite a
função sancionatória em sua vertente pedagógica (relativamente ao efeito exem-
plar da condenação) quando a ação versar sobre casos em que se faça “impe-
rioso dar uma resposta à sociedade, isto é, à consciência social, tratando-se,
por exemplo, de conduta particularmente ultrajante ou insultuosa em relação à
consciência coletiva, ou, ainda, quando se der o caso, não incomum, de prática
danosa reiterada”.
E conclui, enfaticamente, reconhecendo
[...] um caráter punitivo na reparação de dano moral
para situações potencialmente causadoras de lesões a
um grande número de pessoas, como ocorre nos direi-
tos difusos, tanto na relação de consumo quanto no
Direito Ambiental. Aqui, a ratio será a função preventi-
vo-precautória que o caráter punitivo inegavelmente
detém, em relação às dimensões do universo a ser pro-
tegido.
Nesse casos, porém, o instituto não pode se equiparar
ao dano punitivo como hoje é conhecido, porque o
valor a maior da indenização a ser pago “punitivamen-
te”, não deverá ser destinado ao autor da ação, mas,
coerentemente com o nosso sistema [...], servirá a
beneficiar um número maior de pessoas, através do
depósito em fundos [...].

Em vista dessas assertivas, compreende-se que nas questões individuais,


em que as peculiaridades da lesão em face da vitima são mais visivelmente
identificadas, é justo que a função compensatória assuma supremacia em rela-
ção à de caráter sancionador-pedagógico, ensejando sobre ela maior consi-
deração na esfera jurisprudencial. De outro modo, pode-se dizer que nas hipóteses

21
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 263.
328 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

de dano moral coletivo, diante da inegável relevância da sua reparação, torna-


se essencial que se cumpram as duas funções, com a necessária valorização da
sancionatório-pedagógica.

6. MODALIDADES DE REPARAÇÃO

6.1. Prestação In Natura

Quanto à forma de reparação do dano moral coletivo, da mesma manei-


ra observada em relação ao dano moral individual, admite-se a possibilidade de
reparação in natura, muito embora em raríssimos casos tal solução se faça
viável. Pode-se cogitar, por exemplo, da imposição de retratação pública, eficaz
em caso de discriminação a grupos ou coletividades de pessoas. Na órbita do
direito do consumidor, é possível a imposição de contrapropaganda, prevista no
art. 60 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), nas hipóteses de
prática de publicidade enganosa ou abusiva.

6.2. Prestação Pecuniária

A forma de reparação de maior recorrência em sede de dano moral


coletivo, sem dúvida, dá-se pela via indireta da condenação, em parcela
pecuniária. Nesse caso, o juiz deverá arbitrar o valor, valendo-se da eqüidade e
do bom senso, observando, em sua fixação, o princípio pedagógico, relativa-
mente ao efeito exemplar da condenação, ao agregar valor hábil a dissuadir
outras condutas danosas a interesses coletivos extrapatrimoniais.
Essa modalidade de reparação requer, outrossim, que a decisão seja
motivada, fundamentando-se por elementos racionais a composição do quantum,
como exigência do princípio do devido processo legal, evitando-se, com isso, a
fixação de valores desarrazoados, para mais ou para menos, em prejuízo ao
interesse tutelado e ao sistema jurídico.
A quantificação do valor levará em conta a extensão, a natureza, a gra-
vidade e a repercussão da ofensa, observando-se, ainda, a situação econômica
do ofensor, o grau de culpa presente em sua conduta e a intensidade e as
dimensões do efeito negativo do dano infligido à coletividade.
DANO MORAL COLETIVO 329

André de Carvalho Ramos22 preconiza que “um valor considerado exces-


sivamente elevado para o caso concreto deve ser visto como razoável para
alertar não só o causador do dano, mas todos os demais causadores potenciais
do mesmo dano, de que tais comportamentos são inadmissíveis perante o Di-
reito”.
Para José Rubens Morato Leite,23 “não havendo critérios legais seguros
para se aferir o quantum indenizatório do dano extrapatrimonial, deve o julgador,
observadas as circunstâncias do caso concreto, utilizar-se do arbitramento para
fixar o valor da condenação”.
Tenha-se presente, pois, que sempre haverá o risco de ocorrer discre-
pância entre os valores arbitrados pelos órgãos judiciais em casos idênticos e
homólogos. Sobre essa possibilidade, pronuncia-se Xisto Tiago de Medeiros
Neto:24
Tal situação enseja seja compreendida como um dado
ou elemento de inconveniência circunstancial absorvido
pelo próprio sistema, superável inequivocamente pela
significação e importância que representa para a socie-
dade a garantia da busca da reparação integral e justa
dos danos de natureza extrapatrimonial.

O autor ainda destaca o papel da jurisprudência, principalmente das Cor-


tes Superiores, no sentido de dar congruência aos valores das condenações,
em hipóteses que guardem semelhança ou identidade entre si, com o amadure-
cimento do tema em face da sua reiteração, estabelecendo paradigmas de orien-
tação, ressalvadas, caso a caso, as singularidades.

6.2.1. Destinação da parcela

Com relação ao destino da parcela pecuniária correspondente à repara-


ção do dano moral coletivo, de acordo com a regra do art. 13 da Lei da Ação Civil
Pública (Lei 7.347/85), havendo condenação em dinheiro, a indenização rever-
terá para um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais,
com a participação do Ministério Público e de representantes da comunidade,

22
RAMOS, op. cit., p. 85-86.
23
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São
Paulo: RT, 2000. p. 449-450.
24
MEDEIROS NETO, op. cit., p. 175.
330 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

atualmente denominado Fundo de Defesa de Direitos Difusos, sendo seus re-


cursos destinados à reconstituição dos bens lesados.
Hugo Nigro Mazzilli25 afirma que a dúvida em relação ao destino de even-
tual condenação pecuniária, no caso de tutela de interesses coletivos, erigiu-se,
a princípio, como obstáculo ao surgimento do próprio processo coletivo. Em
seguida, o autor enfatiza:
O legislador acabou enfrentando a questão de maneira
razoável, ao criar um fundo destinado à reparação dos
interesses transindividuais lesados, de modo que, quan-
do o produto da indenização se referir a danos indivisíveis,
será usado de maneira flexível, em proveito da defesa
de interesses equivalentes àqueles que geraram a con-
denação judicial.

No mesmo sentido, José dos Santos Carvalho Filho26 registra que se fazia
necessária uma previsão, pelo legislador, acerca do destino da indenização em
dinheiro a que fosse condenado o réu na ação coletiva, e que, como esta não
poderia ser destinada aos grupos que sofreram os danos, foi concebida “a ins-
tituição de um fundo, sob o controle do Estado, o qual, para não perder a cone-
xão com as espécies de interesses protegidos, seria destinado à reconstituição
de bens lesados”.
A regulamentação do fundo em comento encontra-se hoje efetivada pelo
Decreto 1.306, de 09.11.1994, e pela Lei 9.008, de 21.03.1995.
Art. 1º O Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD),
criado pela Lei nº 7347, de 24 de julho de 1985, tem
por finalidade a reparação de danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor ar-
tístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por in-
fração à ordem econômica e a outros interesses difusos
e coletivos. (art. 1º do Dec. 1.306/94)

Os recursos arrecadados serão aplicados na recuperação de bens, na


promoção de eventos educativos e científicos, na edição de material informativo
especialmente relacionado com a natureza da infração ou do dano causado,
bem como na modernização administrativa dos órgãos públicos responsáveis
pela execução das políticas relativas às áreas mencionadas (art. 1º, § 1º, da Lei
9.008/85).

25
MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 9. ed. rev. e atual. São
Paulo: Saraiva, 1997. p. 374.
26
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública: comentários por artigo. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1995. p. 347.
DANO MORAL COLETIVO 331

Há, porém, áreas em que foram instituídos fundos próprios, com destinação
específica, como, por exemplo, o Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, cria-
do pela Lei 7.998/90, com a finalidade de custear o Programa de Seguro-De-
semprego, o pagamento do abono salarial e o financiamento de programas de
desenvolvimento econômico (art. 10). A especialização e a compatibilidade do
referido Fundo, com a natureza do interesse trabalhista tutelado, ensejam que
seja destinada para ele, a indenização judicialmente fixada a título de dano
moral coletivo.
De igual modo, no campo dos direitos coletivos lato sensu relacionados à
criança e ao adolescente, à vista do preceito do art. 214, inserido no Capítulo
VII (Da proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos) da Lei
8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA), deve-se destinar o valor
da condenação ao competente Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente,
criado no âmbito do Município, e, em sua falta, no do Estado ou da União (art.
88, IV, e 93 do ECA; art. 6º da Lei 8.242/91).

7. CONCLUSÃO

Conforme exaustivamente demonstrado, a compreensão legal e doutri-


nária do instituto do dano moral não exige, para sua necessária caracterização,
qualquer afetação psíquica da pessoa, mormente quando se trata de interesse
que extrapola a esfera individual.
Cumpre assinalar que a conduta antijurídica que atinge interesses coleti-
vos há de ser exemplarmente rechaçada pelo sistema político-jurídico, o que se
concretiza por meio de uma reparação coletivamente considerada e suficiente a
inibir novas investidas. Isso significa que o valor da condenação imposta pelo
juiz, além de ser revertida a fundos nacionais, estaduais ou municipais (art. 13
da Lei 7.347/85), cujos recursos destinam-se à reconstituição dos bens lesados,
deve ter um caráter sancionatório-pedagógico, visto ser dessa atividade re-
pressiva jurisdicional que surge o efeito almejado pela lei: prevenir a ofensa a
direitos transindividuais.
Em última análise, para afastar as dificuldades havidas na interpretação
dos novos conceitos, torna-se imprescindível a compreensão pelos órgãos judi-
ciários dos aspectos substantivos dos pleitos, principalmente daqueles que con-
sagram direitos coletivos e difusos, pois, em tese, qualquer ofensa a esses
direitos, como, v.g., ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
(art. 225, CF/88), enseja a condenação por dano moral decorrente da ilicitude
332 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

perpetrada contra bem de interesse coletivo ou difuso - no caso em tela o meio


ambiente -, consoante o referido no voto do Ministro Luiz Fux (REsp 598.281-MG -
1ª T. - STJ - maioria - rel. p/ o acórdão Min. Teori Albino Zavascki. DJ 01.06.2006
p. 147).

REFERÊNCIAS

BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. In:
AUGUSTIN, Sérgio (Coord.). Dano moral e sua quantificação. 3.ed. rev. e ampl. Caxias do Sul,
RS: Plenum, 2005. p. 43-66.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo Civil. Ação Civil Pública. Dano ambiental. Dano
moral coletivo. Necessária vinculação do dano moral à noção de dor, de sofrimento psíquico, de
caráter individual. Incompatibilidade com a noção de transindividualidade (indeterminabilidade
do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa e da reparação). Recurso Especial Improvido.
REsp 598.281-MG - 1ª T. - STJ - maioria - rel. p/ o acórdão Min. Teori Albino Zavascki. DJ
01.06.2006 p. 147. Lex: Jurisprudência do STJ. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>.
Acesso em: 9 jan. 2007.
CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por dano não patrimonial
a interesse difuso (dano moral coletivo). Revista da EMERJ - Escola da Magistratura do Rio de
Janeiro, v. 3, n. 9, 2000. p. 21-42.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação civil pública: comentários por artigo. Rio de Janeiro:
Freitas Bastos, 1995.
GARCIA, José Augusto. O princípio da dimensão coletiva das relações de consumo: reflexos no
“processo do consumidor”, especialmente quanto aos danos morais e às conciliações. Revista
da EMERJ - Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, 1998. p. 4-28.
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações coletivas: história, teoria e prática. Porto Alegre: SAFE,
1998.
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. São Paulo: LTr, 2004.
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
RAMOS, André de Carvalho. Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 25, jan./mar. 1998. p. 80-98.
REIS, Clayton. O verdadeiro sentido da indenização dos danos morais. In: LEITE, Eduardo de
Oliveira. Dano moral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 49-94.
ROCHA, Júlio Cesar de Sá da. Direito ambiental do trabalho: mudanças de paradigma na tutela
jurídica à saúde do trabalhador. São Paulo: LTr, 2002.
DANO MORAL E INDENIZAÇÃO

SÉRGIO GABRIEL
Graduado em Direito e Administração de Empresas. Pós-
Graduado em Administração de Empresas pela FAAP.
Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela UNIMES.
Advogado na área empresarial. Professor de Direito
Empresarial, Direito do Consumidor e Direito Tributário da
USF. Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da UNICSUL.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Conceito de dano moral - 3. Fundamentos


para reparação do dano moral - 4. A questão da caracterização do dano
moral - 5. A questão da fixação do quantum indenizatório - 6. Conclusão
- 7. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

Apesar de ser o tema do momento e estar devidamente consolidado pela


Constituição Federal, o dano moral ainda exige um estudo mais acurado, prin-
cipalmente porque certas questões pertinentes ao instituto ainda não se encon-
tram devidamente pacificadas, como é o caso da caracterização do dano e do
quantum indenizatório.
Porém, como dito pelo Professor Tércio Sampaio Ferraz Jr.: “Estudar o
direito é, assim, uma atividade difícil, que exige não só acuidade, inteligência,
preparo, mas também encantamento, intuição, espontaneidade. Para
compreendê-lo é preciso, pois, saber e amar. Só o homem que sabe pode ter-lhe o
domínio. Mas só quem o ama é capaz de dominá-lo rendendo-se a ele” (in
Introdução ao Estudo do Direito, Editora Atlas, SP, 1991, p. 25).
334 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

O tema passa nesse momento por uma reciclagem de conceitos depois


de sua positivação através do texto constitucional. Agora o enfrentamento jurí-
dico passa a ser com a disciplinação do uso do instituto, visto que a demanda
reprimida que existia tem levado a sua aplicação sem uma uniformidade de
critérios.
Logo, a questão emergente passa a ser a da identificação do dano moral,
e a fixação de parâmetros para sua liquidação, já que a sua aplicação se tornou
realidade, como bem preleciona o Professor Yussef Said Cahali: “O instituto
atinge agora a sua maturidade e afirma a sua relevância, esmaecida de vez a
relutância daqueles juízes e doutrinadores então vinculados ao equivocado pre-
conceito de não ser possível compensar a dor moral com dinheiro” (in Dano
Moral, Editora Revista dos Tribunais, SP, 1998, 2ª edição, p. 17).
Sabe-se que, antes da positivação do instituto, duas correntes enfrenta-
vam o tema, a dos “positivistas” defendida por Ripert, Minozzi, Bruggi, Ferrini,
Giorgi, Calamandrei, Carnelutti, De Cupis, Savatier e outros; e a dos “negativistas”,
sustentada por Savigny, Gabba, Massin, Mazzoni, Cavagnari e outros.
A essa altura, revela-se despicienda a minudente análise dos argumen-
tos aduzidos pelos “positivistas” e pelos “negativistas”, sendo que a enumera-
ção anterior tem apenas a finalidade de demonstrar o peso que se travou na
sustentação de tais correntes, ante a qualidade de seus defensores.
Superada a questão de seu cabimento, cabe agora a conceituação do
dano moral para que se explique a sua aplicação.

2. CONCEITO DE DANO MORAL

A necessidade de conceituação de dano moral está ligada diretamente à


decidibilidade do caso concreto, restando, portanto, a sua importância.
Em verdade, a aceitação da doutrina que defende a indenização por dano
moral repousa numa interpretação sistemática de nosso direito, abrangendo o
próprio artigo 159 do antigo Código Civil e 186 do novo, que, ao aludir à “viola-
ção de um direito” não está limitado à reparação ao caso de dano material
apenas.
Porém, qual seria a sua amplitude. A extensão do significado dano moral
exige acuidade, inteligência e preparo, conforme nos ensinou o Professor Tércio
Sampaio Ferraz Júnior, pois do seu conteúdo é que se discute as diversas hipó-
teses de ressarcibilidade.
Vamos procurar elucidá-lo.
DANO MORAL E INDENIZAÇÃO 335

Para Savatier, dano moral “é qualquer sofrimento humano que não é


causado por uma perda pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da
vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilida-
de, ao seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas
afeições, etc.”. (Traité de La Responsabilité Civile, vol. II, nº 525, in Caio Mario
da Silva Pereira, Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1989).
Para o Professor Yussef Said Cahali, dano moral “é a privação ou diminui-
ção daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a
paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual,
a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se des-
se modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputa-
ção, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza,
saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial
(cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)” (obra citada,
p. 20).
Segundo Minozzi, um dos Doutrinadores Italianos que mais defende a
ressarcibilidade, Dano Moral “é a dor, o espanto, a emoção, a vergonha, a
aflição física ou moral, em geral uma dolorosa sensação provada pela pessoa,
atribuindo à palavra dor o mais largo significado”. (Studio sul Danno non
Patrimoniale, Danno Morale, 3ª edição, p. 41).
Em adequadas lições, ensina o grande jurista luso, Professor Inocêncio
Galvão Telles que “Dano moral se trata de prejuízos que não atingem em si o
patrimônio, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O patrimônio
não é afectado: nem passa a valer menos nem deixa de valer mais”. “Há a
ofensa de bens de caráter imaterial - desprovidos de conteúdo econômico,
insusceptíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a
integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade, a reputação. A
ofensa objectiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjectivo na vítima,
traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral”. “Vio-
lam-se direitos ou interesses materiais, como se se pratica uma lesão corporal
ou um atentado à honra: em primeira linha causam-se danos não patrimoniais,
v. g., os ferimentos ou a diminuição da reputação, mas em segunda linha po-
dem também causar-se danos patrimoniais, v. g., as despesas de tratamento
ou a perda de emprego”. (‘Direito das Obrigações’, Coimbra Editora, 6ª edição,
p. 375).
Nas palavras do Professor Arnoldo Wald, “Dano é a lesão sofrida por
uma pessoa no seu patrimônio ou na sua integridade física, constituindo, pois,
uma lesão causada a um bem jurídico, que pode ser material ou imaterial. O
336 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

dano moral é o causado a alguém num dos seus direitos de personalidade,


sendo possível a cumulação da responsabilidade pelo dano material e pelo dano
moral” (Curso de Direito Civil Brasileiro, São Paulo: Editora Revista dos Tribu-
nais, 1989, p. 407).
Wilson de Melo Silva, em síntese, diz que “dano moral é o conjunto de
tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”. (O dano Moral e sua
Reparação, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1993, p. 13).
O Desembargador Ruy Trindade, diz que dano moral “é a sensação de
abalo à parte mais sensível do indivíduo, o seu espírito” (RT 613/184).
Para Carlos Alberto Bittar, “são morais os danos e atributos valorativos
(virtudes) da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade (como, v. g.,
a honra, a reputação e as manifestações do intelecto)” (Tutela dos Direitos da
Personalidade e dos Direitos Autorais nas Atividades Empresariais, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993, p. 24).
Segundo Maria Helena Diniz, “Dano moral vem a ser a lesão de interes-
ses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo”
(Curso de Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva, SP, 1998, p. 81).
Dessa forma, verifica-se que o conceito de Dano Moral é indefinido como
se viu pelas diferenças apontadas em cada um dos conceitos anteriormente
esposados.
Por outro lado, também se constata que salvo as diferenças conceituais
apresentadas, o espectro conceitual reside no sentimento interior do indivíduo
para com ele mesmo e para com a sociedade.
Assim sendo, toda lesão não patrimonial que venha a sofrer o indivíduo,
que cause repercussão no seu interior, é em tese passível de reparação.
Daí porque alguns autores dizem que se revela mais adequado classificar
os danos em patrimoniais e pessoais.

3. FUNDAMENTOS PARA REPARAÇÃO DO DANO MORAL

A Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso V, assim preleciona: “é


assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem”.
Porém, anteriormente o Código Civil Brasileiro falava em reparação de
danos, sem restringir apenas aos danos materiais como equivocadamente era
interpretado, como se vê: “Artigo 159 - Aquele que, por ação ou omissão volun-
tária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem,
fica obrigado a reparar o dano”.
DANO MORAL E INDENIZAÇÃO 337

Atualmente, na legislação codificada civil, o assunto encontra-se melhor


disciplinado, como se vê: “Artigo 186 – Aquele que, por ação ou omissão volun-
tária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda
que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
A diferença é que, antes da Constituição Federal de 1988, os danos mo-
rais não estavam normatizados em nenhum diploma legal, o que levava ao
entendimento de que não era um direito legalmente reconhecido.
E, inexistindo direito reconhecido, não havia que se falar em violação.
Outros defensores da corrente “negativista” sustentavam também que
ainda que se quisesse reconhecer a existência do dano moral, esse era
inindenizável, haja vista que não se podia reparar em dinheiro a dor moral de
um indivíduo, pois o dinheiro não traria o status anterior da ofensa.
No entanto, Clóvis Bevilacqua, em suas notas ao artigo 76 do antigo Có-
digo Civil, ao enunciar que, “para propor, ou contestar uma ação, é necessário
ter legítimo interesse, econômico ou moral”, já consignava que se o interesse
moral justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é claro que tal interesse
é indenizável, ainda que o bem moral não se exprima em dinheiro. É por uma
necessidade dos nossos meios humanos, sempre insuficientes, e, não raro,
grosseiros, que o direito se vê forçado a aceitar que se computem em dinheiro
o interesse de afeição e outros interesses morais.
Presentemente, o Código de Defesa do Consumidor, inscreve, no artigo
6º, como direito básico deste, “a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Remontando a história, encontramos precedentes no Direito Romano,
em especial nos delitos privados, em que a obrigação de indenizar estava ao
arbítrio do próprio ofendido, através da chamada actio.
Além disso, no período pré-clássico do Direito Romano, entre 754 a.C.
até 126 a.C., também se podia reparar o dano, inclusive moral, através da
interpretatio dos jurisconsultos.
Em 455 a.C., com a edição da primeira codificação das Leis Romanas,
consubstanciada na Lei das XII Tábuas, foram consolidados entre os delitos
privados os fatos ilícitos contra a pessoa - a iniura, ou seja regulamentou-se a
vingança privada, e o ius civile contemplava três figuras delituosas:
- membrum ruptum - referia-se ao delito de mutilação de um membro do
corpo, para o qual era previsto a punição com a pena de Talião, ou seja, o autor
deveria sofrer a mesma mutilação a que havia dado causa, deixando-se a crité-
rio da vítima a opção de optar pela composição pecuniária, sem regulamenta-
ção legal nesse sentido;
338 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

- fractum - referia-se à quebra ou fratura de ossos, e por tratar-se de


delito menos grave, a pena de Talião foi substituída pela pena pecuniária no
valor de 300 asses em se tratando de homem livre e 150 asses em se tratando
de escravos;
- iniura - consistia em violência leve, que abrangia outras ofensas corpo-
rais, tais como tapas, beliscões, etc., com punição equivalente a 25 asses.
No entanto, foi com a adoção do ius honoratium que eram as criações do
Pretor Peregrino visando a regular situações não previstas no ius civile, que se
abandonou o antigo conceito de lesão física, passando a abranger também a
personalidade moral, significando esta como difamação, ofensa à honra alheia,
surgindo então o efetivo instituto do dano moral.
Criou-se então a actio injuriarum aestimatoria, aplicável aos casos de
ofensa à personalidade e físicas, proibindo-se contudo a pena de Talião, ficando
a ressarcibilidade a critério do Pretor.
Essa condenação, quando concedida, era sempre pecuniária, e tinha como
pressuposto a existência de injúria voluntária por parte do ofensor.
Depois na época do período pós-clássico, o instituo do dano moral sofreu
alterações, porém sempre com a cominação de uma pena pecuniária.
É evidente da análise dos fatos históricos jurídicos narrados, que o Direi-
to Romano, apesar de não ter fixado princípios sobre a matéria, não desconhe-
cia o interesse moral; ao contrário, plantou a semente da reparabilidade dos
danos morais.
Certo é também, que o Direito Romano não chegou ao refinamento de
construir uma teoria sobre a responsabilidade civil uma vez que o pagamento
devido pelo ofensor sempre conservou o caráter de multa, de pena pecuniária.
Já no Direito Luso, poucas são as referências sobre a instituição do dano
moral, porém nas Ordenações Manuelinas, Livro III, Título 71, parágrafo 31 e,
Filipinas, Livro III, Título 86, parágrafo 16, assim encontra-se sua existência:
“... E se o vencedor quiser haver, não somente a verdadeira estimação da cousa,
mas segundo a affeição que ella havia, em tal caso jurará elle sobre a dita
afeição; e depois do dito juramento pode o juiz taxá-lo, e segundo a dita taxa-
ção, assim condenará o réu, e fará execução em seus bens, sem outra citação
da parte ...”
No Direito Canônico, mais especificamente nas arras esponsalícios, con-
sagrava-se a reparação dos danos e prejuízos pela ruptura da promessa de
casamento.
Recentemente, em 1983 com a adoção do Novo Código Canônico, carac-
terizada foi a indenização por danos morais, como se vê: “Cân. 220 - a ninguém
DANO MORAL E INDENIZAÇÃO 339

é lícito lesar ilegitimamente a boa fama de que alguém goza, nem violar o
direito de cada pessoa de defender a própria intimidade”.
Na Declaração Universal dos Direitos dos Homens proclamada em 10 de
dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas, a honra vinha tutela-
da, como se vê: “Artigo 12 - Ninguém será objeto de intromissões arbitrárias
em sua vida particular, em sua família, em seu domicílio, ou em sua correspon-
dência, nem padecerá, seja quem for, atentados à sua honra e à sua reputação”.
Com isso, é de se verificar que desde que o direito passou a ser codifica-
do, a ressarcibilidade por danos morais sempre esteve presente, ainda que
indiretamente, e de outra forma não poderia ser, acabou por ser positivado no
direito brasileiro, ainda que tardiamente.
Cabe lembrar que, no Brasil, mesmo antes da Constituição Federal de
1988, o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62), a Lei de Im-
prensa (Lei nº 5.250/67) e a Lei dos Direitos Autorais, já consagravam a
reparabilidade por danos morais.
Talvez até por essa delonga, e pela conseqüente demanda reprimida, é
que hoje o instituto do dano moral enfrenta dois grandes questionamentos: o
da caracterização do dano moral; e o quantum indenizatório.

4. A QUESTÃO DA CARACTERIZAÇÃO DO DANO MORAL

Quando se fala em caracterização do dano moral discute-se os pressu-


postos necessários para sua ressarcibilidade.
Nessa discussão, duas correntes encontram-se presentes: a dos que
defendem a necessidade de se comprovar a dor; e a dos que entendem a
necessidade de se comprovar o nexo causal entre o ato praticado pelo agente e
o dano que por sua vez se presume.
A primeira corrente defende que não se pode restringir apenas à narra-
tiva dos fatos, deve o autor demonstrar a extensão da lesão sofrida, até porque,
será o parâmetro para fixação da indenização na hipótese de condenação. Al-
guns mais extremistas chegam inclusive, a suscitar na possibilidade de se rea-
lizar uma prova pericial psicológica.
A segunda corrente defende que não se está em questão a prova do
prejuízo, e sim a violação de um direito constitucionalmente previsto.
Essa corrente vem encontrando guarida no Superior Tribunal de Justiça,
que assim já decidiu: “A concepção atual da doutrina orienta-se no sentido de
que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força
do simples fato da violação (damnum in re ipsa), não havendo que se cogitar da
340 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

prova do prejuízo” (REsp nº 23.575-DF*, Relator Ministro César Asfor Rocha,


DJU 01.09.97). “Dano moral - Prova. Não há que se falar em prova do dano
moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos
íntimos que os ensejam (...)”. (REsp nº 86.271-SP*, Relator Ministro Carlos A.
Menezes, DJU 09.12.97).
É natural que antes de aderir por uma ou por outra corrente, deve se
levar em consideração que o instituto requer uma análise minuciosa a cada
caso concreto, pois à justiça, através do devido processo legal, cabe a aplicação
do direito ao caso concreto.
Nesse critério, claro está que cabe ao julgador analisar os fatos narrados
pelo autor em sua peça exordial, bem como contrapô-los à contestação apre-
sentada pelo réu.
Nessa contraposição se verificará os fatos controvertidos que serão ma-
téria de prova. Agora, inexistindo fatos controversos, tem-se que resta apenas
ao julgador verificar se se trata de dano garantido pelo sistema normativo pátrio.
Dessa forma, a única prova que se concebe nas ações indenizatórias, é a
da existência dos fatos colacionados na peça prefacial.
Incontroversos os fatos, ou devidamente provados na fase instrutória do
processo, resta para se caracterizar a existência de dano moral, apenas o esta-
belecimento do nexo causal entre o ato ilícito praticado pelo agente e os fatos
narrados pelo autor.
Caso estabelecido esse nexo, e tratando-se de direito garantido pelo sis-
tema normativo pátrio, nova questão surge para a conclusão do tema, que se
trata da quantificação pecuniária dessa lesão.
A Professora Maria Helena Diniz complementa essa questão, se
posicionando da seguinte forma: “O dano moral, no sentido jurídico não é a dor,
a angústia, ou qualquer outro sentimento negativo experimentado por uma pes-
soa, mas sim uma lesão que legitima a vítima e os interessados reclamarem
uma indenização pecuniária, no sentido de atenuar, em parte, as conseqüências
da lesão jurídica por eles sofridos” (obra citada, p. 82).

5. A QUESTÃO DA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO

Questão crucial é justamente essa que diz respeito à quantificação do


dano moral, aliás, a dificuldade que isso representa, por muito tempo foi o
óbice para aceitação da tese da reparabilidade do dano moral.

* Nota do Coordenador: este artigo, no CD-ROM, possui links para os acórdãos mencionados.
DANO MORAL E INDENIZAÇÃO 341

No entanto, fica-se em dúvidas no tocante aos parâmetros a serem con-


siderados para a fixação do quantum. Sabe-se da função eminentemente de
ressarcimento da responsabilidade civil, que visa tanto possível, ao
restabelecimento do statu quo ante pela recomposição do patrimônio lesado, o
que não se afigura difícil nos danos materiais.
A matéria ganha, todavia, diverso relevo quando se trata de danos mo-
rais, nos quais, não se pode deixar de reconhecer, que não visa à indenização a
recompor sentimentos, insuscetíveis, por sua natureza, deste resultado por efeito
só dela, nem se prestando a compensar lesão a bens ofendidos.
Busca propiciar ao lesado meios para aliviar sua mágoa e sentimentos
agravados, servindo, por outro lado, de inflição de pena ao infrator.
Levam-se, pois, em conta, em sua determinação, as condições pessoais
(sociais, econômicas) do ofendido e do causador do dano, o grau de sua culpa
ou a intensidade do elemento volitivo, assim como a reincidência. São critérios
preconizados no artigo 53, I e II da Lei de Imprensa, e no artigo 84 do Código
Brasileiro de Telecomunicações.
Aqui, ainda, um cuidado se impõe: de evitar a atração, apenas pelo cará-
ter de exemplaridade contido na reparação, de somas que ultrapassem e que
representou o agravo para o ofendido.
Nesta seara, mais do que nunca, há de reter-se não consistir a responsa-
bilidade civil em fonte de enriquecimento para o ofendido. Os critérios da
razoabilidade e proporcionalidade são recomendáveis, para sem exageros, atin-
gir-se indenização adequada.
Neste campo, mais ainda se redobram cautelas, eis que, tendo em vista
ser o agente economicamente mais poderoso do que o lesado, quase sempre,
insinuar-se-á tentação de impor-lhe reparação elevada. Não condiz, todavia,
com sua natureza.
Mas, se por um lado, a reparação efetiva dá-se, até excepcionalmente,
prescindindo de base subjetiva, de outro lado, há, por estes mesmos fatores,
de ser alcançada de forma módica, compatível, sem absurdos que possam
desestimular a cadeia de sua oferta.
Alguns doutrinadores, bem como alguns julgados, defendem que a
ressarcibilidade do dano moral deve propiciar meios sucedâneos ou derivativos
que visam amenizar o sofrimento da vítima, como passeios, divertimentos, ocu-
pações e outros do mesmo gênero.
Porém, certo é que a dor não é generalizada, ao contrário, é
personalíssima, variando de pessoa para pessoa, de forma que uns são mais
fortes outros mais suscetíveis.
342 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Assim sendo, pensar no critério de ressarcimento através de meios que


possam transpor essa dor, geraria a uma diversificação de critérios para sua
fixação de forma a torná-lo também personalíssimo.
Dessa forma, coerente é a doutrina que indica que além de respeitar os
princípios da equidade e da razoabilidade, deve o critério de ressarcibilidade
considerar alguns elementos como: a gravidade do dano; a extensão do dano;
a reincidência do ofensor; a posição profissional e social do ofendido; a condi-
ção financeira do ofensor; a condição financeira do ofendido.
Finalmente, como órgão de distribuição de justiça, cabe ao julgador apli-
car a teoria do desestímulo, de forma a evitar a reincidência da prática delituosa.
Assim, poderíamos dividir os critérios para fixação da indenização por
danos morais em positivos e negativos.
Nos positivos, deveria ser observado: condição econômica, pessoal e social
do ofendido; condição econômica do ofensor; grau de culpa; gravidade e inten-
sidade do dano; hipótese de reincidência; compensação pela dor sofrida pelo
ofendido; desestímulo da prática delituosa.
Nos negativos, observar-se-ia: enriquecimento do ofendido; viabilidade
econômica do ofensor.
De qualquer forma, além da observação desses critérios, a aplicação
deve ser norteada pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e
equidade.

6. CONCLUSÃO

No que diz respeito à natureza das lesões passíveis de indenização, hoje


não mais subsistem dúvidas quanto à plena reparabilidade de toda e qualquer
espécie de dano havido, seja de natureza patrimonial ou moral, sobretudo por-
que a cada dia adquire-se maior consciência de que se incrementa a
vulnerabilidade do ser humano ante as incessantes transformações da civiliza-
ção de massa, transformações estas de efeitos ainda pouco assimilados.
A respeito da caracterização do dano, parece claro que a segunda cor-
rente mencionada encontra-se bem mais próxima do acerto, pois com efeito,
em se tratando de direitos oriundos da personalidade humana, impera a hominis,
restando apenas a necessidade da prova do fato, sendo que a dor apenas deve
guardar nexo com a causa, o que por sinal já vem sendo reconhecido pelos
Tribunais Superiores.
DANO MORAL E INDENIZAÇÃO 343

Sobre a questão do quantum indenizatório parece-nos prudente conside-


rar os ensinamentos do Mestre Caio Mário da Silva Pereira, segundo o qual a
soma não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento,
nem tão pequena que se torne inexpressiva.
Os excessos e as mitigâncias só levam à desmoralização do instituto,
restando necessário que se considere os princípios da equidade, da razoabilidade,
e principalmente o bom senso do julgador.
Na falta de parâmetros objetivos para fixar o quantum, devem os Tribu-
nais, em atenção às suas finalidades, arbitrá-lo dentro dos princípios menciona-
dos, sempre considerando o gravame em relação ao todo, respeitando elemen-
tos como: a gravidade do dano; a extensão do dano; a reincidência do ofensor;
a posição profissional e social do ofendido; a condição financeira do ofensor; a
condição financeira do ofendido.
Sua fixação não pode, assim, ultrapassar os limites do bom senso, fazen-
do-se a necessária justiça através da aplicação da já mencionada teoria do
desestímulo.

7. BIBLIOGRAFIA

BITTAR, Carlos Alberto. Tutela dos direitos da personalidade e dos direitos autorais nas atividades
empresariais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
Código Civil Brasileiro.
Código Civil Brasileiro, 1916.
Código Civil Brasileiro, 2002.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1998.
FERRA JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito. São Paulo: Atlas, 1991.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1989.
RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
Revista do Advogado. Publicada pela Associação dos Advogados de São Paulo, n. 49, dez. 1996.
SILVA, Wilson de Melo. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989.
A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL

ZELY FERNANDA DE TOLEDO PENNACCHI MACHADO


Advogada. Diretora Acadêmica da UNITOLEDO.

RENATA DE CARVALHO MORISHITA


Advogada.

RESUMO: O ponto de discussão básico deste artigo se refere ao quantum


a ser recebido pela vítima quando frente a uma perda extrapatrimonial, levan-
do-se em conta a inexistência de critério visando o estabelecimento do exato
valor a ser ressarcido.
PALAVRAS-CHAVE: Dano Moral
Quantificação do Dano

APRESENTAÇÃO

O presente artigo versa sobre a Responsabilidade do Dano Moral e sua


Quantificação. No contexto geral, procura-se absorver o conceito de dano
enfatizando o dano moral e sua evolução. Para tanto, procura-se citar as
condições necessárias para a reparação do dano e de que forma pode-se
analisar a quantificação do dano moral.
Constata-se, no decorrer do artigo, que o dano moral, apesar de ter sido
consagrado no art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal do Brasil (1988), na
Doutrina e na Jurisprudência, é ainda muito discutido, principalmente em se
tratando da referida quantificação - dado o teor subjetivo da questão - que,
frente à inexistência de “métodos exatos” para defini-lo, inexiste, igualmente, a
possibilidade de reunir uma certeza, deixando, assim, ao arbítrio do magistrado.
346 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Necessário se faz, portanto, que os magistrados decidam com modera-


ção e ponderação, observando a intensidade do dolo e grau da culpa do respon-
sável, sua situação econômica, além da intensidade do sofrimento do ofendido,
a gravidade, a repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido.
Por outro lado, alguns equiparam-no ao disposto nos artigos 51, 52 e 53 da Lei
da Imprensa, que oferece um parâmetro para a discutida quantificação, deixan-
do ao arbítrio do magistrado, a fixação do valor da reparação.

INTRODUÇÃO

Em matéria de responsabilidade civil em questão, a reparação do dano


moral é, atualmente, muito discutida entre os grandes juristas e doutrinadores.
A Constituição Federal de 1988, em seus incisos V e X do art. 5º,
consagrou, definitivamente, a indenização por dano moral, mas, mesmo as-
sim, eméritos julgadores se sentem de mãos atadas pela difícil associação da
reparação pecuniária perante a perda extrapatrimonial.
WILSON MELLO DA SILVA (1983), define o dano moral da seguinte
maneira:
DANOS MORAIS são lesões sofridas pelo sujeito físico, ou
pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, enten-
dendo-se por patrimônio ideal, em contraposição com o
patrimônio material o conjunto de tudo aquilo que não
seja suscetível de valor econômico.

Já para o professor RUBENS LIMONGI FRANÇA (maio 1988), temos:


“[...] dano moral é aquele que, direta ou indiretamente, a
pessoa, física ou jurídica, bem assim a coletividade, so-
fre no aspecto não econômico dos seus bens jurídicos”.

Desta maneira podemos observar que os juristas supracitados adotam o


critério negativo de conceituar.
A discussão deste tema é bastante interessante, importante e útil na
esfera jurídica, diante da evolução tecnológica que assola o mundo de hoje,
em face da necessidade de transformar uma ofensa de essência não econô-
mica numa reparação pecuniária.
Pretende-se no decorrer deste artigo abordar as formas de quantificação
dos Danos Morais, considerando, para tanto, as teorias abaixo descritas, mesmo
em sabendo do processo de evolução ocorrido na distinção entre elas:
Teoria Negativista: alguns juristas não admitiam a satisfação dos danos
de natureza extrapatrimonial e outros entendiam que tal satisfação não era
A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL 347

prevista na legislação civil. Estes sempre colocavam objeções à reparabilidade


do dano moral.
Teorias Mistas, Ecléticas ou Limitativas: estas teorias caracterizam um
estágio intermediário, acolhendo a tese da reparabilidade de danos morais
advindos dos reflexos patrimoniais, ou só admitindo a reparabilidade do dano
moral se este for originado de um delito; ou ainda admitindo a reparação no
caso de ofensa a determinados interesses. Tais teorias são muito bem aborda-
das por SERGIO SEVERO (1996).
Teoria Afirmativa: a tese da reparabilidade do dano moral, na doutrina
brasileira e na maioria dos países que possuem modernas legislações, salvo em
alguns países socialistas, vem evoluindo, sendo que alguns sistemas jurídicos
que resistiam na sua inadmissibilidade hoje se questionam da sua admissibilidade
irrestrita da satisfação de tais danos.
Diante do que foi acima elencado, é notória a necessidade de se pesquisar
sobre o problema exposto.

A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL

Em se tratando de lesão a interesse não patrimonial, ou seja, que gerou


dor, angústia ou aflição ao lesado, há que se falar em ressarcimento.
Atualmente, falando-se em ressarcimento por dano moral, o ponto de
maior discussão na doutrina e na jurisprudência de nosso país, ainda é em
relação ao “quantum” a ser recebido pela vítima, observando-se que inexiste
critério para estabelecimento do exato valor do dano moral, simplesmente por-
que é impossível avaliar a dor, o constrangimento, a auto-estima de uma pes-
soa.
Contudo, a indenização não tem o condão de retornar as coisas ao “statu
quo ante” já que isso é inviável em se tratando de danos morais.
Segundo Teresa Ancona Lopes de Magalhães:

A ofensa derivada de lesão a um direito da personalida-


de não pode ficar impune e, dentro do campo da res-
ponsabilidade civil, a sua reparação tem que ser a mais
integral possível para que, caso não possam as coisas
voltar ao estado em que se encontravam antes, tenha
a vítima do dano, pelo menos alguma satisfação ou com-
pensação e, dessa forma, possa ver minorado o seu
padecimento. (1980, p. 23)
348 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

O quantum pleiteado, a título de indenização por dano moral, pela lesão


sofrida, serve de consolo para reduzir o irreparável ou minorar a extensão do
mal que padeceu.
A reparabilidade do dano moral não apaga o sofrimento do lesado, mas
tem, assim, duplo escopo: em relação à vítima, subjetivamente pode ameni-
zar tal sofrimento, na medida em que o fato tenha reconhecimento judicial,
servindo assim de resposta ao seu desalento; em relação ao causador do
fato, serve como freio visando que a conduta não se repita.
A função da quantia paga em dinheiro, em espécie, não é a de repor
matematicamente um desfalque patrimonial, mas apenas a de representar
para a vítima uma satisfação igualmente moral ou, que seja, psicologicamen-
te capaz de neutralizar ou anestesiar em parte o sofrimento impingido. Por
fim, a prestação pecuniária tem função meramente satisfatória.
Neste sentido, a ilustre jurista Maria Helena Diniz comenta:
A reparação do dano moral, em regra, é pecuniária, vi-
sando neutralizar os sentimentos negativos compensan-
do-os com alegria. O dinheiro seria apenas um lenitivo,
que facilitaria a aquisição de tudo aquilo que possa con-
correr para trazer ao lesado uma compensação por seus
sofrimentos. Além disso, há julgados usando,
analogicamente, como parâmetro para estabelecer o
montante da reparação do dano moral o artigo 59 do
Código Brasileiro de Telecomunicações com alteração
do Decreto-Lei nº 236/67. (Revista Literária de Direito,
1196, p. 09)

Assim, diante da falta de regulamentação específica (já que não é possí-


vel ao legislador enunciar todas as hipóteses de danos, e, de outro lado, espe-
cificar os diferentes critérios de ressarcimento admitidos pela experiência jurí-
dica), tem-se a clareza, devido às pesquisas efetuadas nas doutrinas, revistas,
jurisprudência, publicações e sentenças, a fixação do quantum competirá ao
prudente arbítrio do magistrado, de acordo com o estabelecido em lei, e nos
casos não contemplados legalmente a reparação correspondente será fixada
por arbitramento.
Como julgador e dirigente do processo, pode o juiz ter conhecimento
direto das partes, dos fatos e das respectivas circunstâncias, habilitando-se,
assim, à luz do direito aplicável, a definir de modo mais adequado a repara-
ção devida no caso concreto.
A respeito do livre arbítrio do juiz, Rubens Limongi França comenta:
A boa doutrina pondera que inexistam “caminhos exatos”
para se chegar à quantificação do dano moral, levando-se
A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL 349

em conta a ponderação e a responsabilidade do juiz, a


fim de que alcance o equilíbrio na fixação do quantum
da indenização . (Reparação do Dano Moral - RT -
631/34-36)

De acordo com Christino Almeida do Valle


Prevalece o livre arbítrio do magistrado, conforme a
doutrina e a jurisprudência. Ele fixa a pena, com o seu
critério subjetivo quando se trata de direito penal, como
de resto, estabelece o quantum indenizatório na con-
denação dos danos ressarcitórios de ordem patrimonial.
Aí é importante e vasto o critério do magistrado, por-
que ele leva em conta a eqüidade e as circunstâncias
que rodeiam cada caso e quantia a ser fixada deve
corresponder à lesão, mas não equivalente por ser isso
impossível. (1996, p. 141).

A jurisprudência tem se utilizado dos critérios estabelecidos no Código


Brasileiro de Telecomunicações, na Lei de Imprensa, na lei sobre direitos
autorais, bem como no próprio artigo 948 e seguintes do Código Civil, deven-
do ainda levar em conta o julgador as condições das partes, a gravidade da
lesão e sua repercussão e, as circunstâncias fáticas, posto que a Constituição
Federal não determinou qualquer limite.
Há doutrinadores que entendem ser necessária a fixação de critérios
para estabelecer o quantum indenizatório. Contudo, a avaliação aritmética é
impossível por causa do subjetivismo deduzido da avaliação.
É de competência jurisdicional o modo como o agente deve reparar o
dano moral, baseando-se em critérios subjetivos (posição social e política do
ofendido, intensidade do ânimo de ofender: culpa ou dolo), ou objetivos (si-
tuação econômica do agente, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa).
Assim, ao sentenciar quanto aos valores da reparação, tem-se a expec-
tativa que os ilustres julgadores levem em conta tanto a estimativa prudencial
quanto o princípio da eqüidade.
Na estimativa prudencial, observa-se a gravidade objetiva do dano, a
personalidade da vítima e do agente. No princípio de equidade, a pondera-
ção, moderação e justiça no cálculo, tendo por base critérios de igualdade.
Infelizmente, diante da inexistência de “caminhos exatos” para se che-
gar à quantificação do dano moral, deparamo-nos, às vezes, com julgadores
sem preparo, que não adotam tais critérios.
No caso de abusos cometidos por juízes mal preparados em primeira
instância, as decisões poderão ser reapreciadas em segundo grau, por nos-
sos Tribunais que se encontram bem instruídos para isso.
350 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Por outro lado, em análise às respeitáveis sentenças que nos foram


fornecidas para elaboração da monografia que deu origem ao presente artigo,
nos colocamos frente a casos concretos obtendo, assim, resultados mais dinâ-
micos da prudência dos juízes ao quantificarem a reparação do dano moral.
Observamos que estes admitem, de forma pacífica, o cabimento de im-
posição de uma indenização em face de dano moral sempre que o resulta-
do de um ato ilícito traduzir-se em alteração para pior dos sentimentos afetivos
de um sujeito de direito. No entanto, a fixação desta indenização exige uma
investigação da chamada dor moral.
A dor moral trata-se de fenômenos ligados diretamente à personalida-
de humana, lesando os aspectos subjetivos dos sentimentos de forma que,
em regra, basta a prova do fato lesivo para autorização do sofrimento.
Verificam ao estipularem o quantum, a posição social do lesado, inten-
sidade do dano, dor sofrida pela vítima, a gravidade da ofensa e o grau de
culpa do lesado, repercussão social da ofensa e situação econômica do agen-
te causador, e ainda incluem pessoas da família do lesado a ponto de ter-lhes
provocado trauma ou choque.
Por fim, acabam quantificando prudentemente, julgando com modera-
ção, ponderação e justiça nos cálculos.
Clayton Reis citando Aguiar Dias esclarece:
A condição de impossibilidade matematicamente exata da
avaliação só pode ser tomada em benefício da vítima e
não em seu prejuízo. Não é razão suficiente para não in-
denizar, e assim beneficiar o responsável, o fato de não
ser possível estabelecer equivalente estado, porque, em
matéria de dano moral, o arbítrio é da existência das coi-
sas. (apud Christino Almeida do Valle, 1996, p. 141)

O grande jurista Carlos Alberto Bittar admitiu ainda novas formas de


reparação, que não a pecuniária. O emérito professor nos ensina que:
(...) caso o agente não tenha bens, ou sejam estes insufi-
cientes, frustrando-se a reparação do lesado, pode-se lan-
çar mão de sanção não pecuniária, com a submissão pes-
soal do lesante a obrigações de fazer, ou de não fazer,
como por exemplo, a prestação de serviços, a abstenção
de certas condutas, o cerceamento de certos direitos, já
utilizadas, há mais tempo, no plano penal como penas
restritivas de direitos. (BITTAR, 1994, p. 217)

Assim sendo, busca-se, sempre, uma indenização justa e próxima da


realidade dos fatos, para que esta possa elevar a valoração humana por meio
do resgate da dignidade.
A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL 351

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


1990.
______. Reparação civil por danos morais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.
BRASIL, Avio. O dano no Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Jacinto, 1944.
CAHALI, Yussef Said. Dano e indenização. São Paulo: Revista dos Tribunais; 1980.
CARMIGNANI, Maria Cristina da Silva. A evolução histórica do dano moral. Revista do Advogado,
São Paulo, n. 49, dez. 1996. p. 32-46.
CHAVES, Antonio. Tratado de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 3, 1995.
DEDA, Artur Oscar Oliveira. Dano Moral (Reparação). Enciclopédia Saraiva do Direito, Rubens
Limongi França (Coord.). São Paulo: Saraiva, v. 22, 1977.
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 3. tir., v. 1,
1997.
______. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 3. tir., v. 2, 1997.
DINIZ, Maria Helena. Anotações. Código Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 1995.
______. A responsabilidade civil por dano moral. Revista Literária de Direito, São Paulo, jan./
fev. 1996. p. 7-14.
FISCHER, Hans Albrecht. A reparação dos danos no Direito Civil. Tradução Antonio de Arruda
Ferrer Correia. São Paulo: Saraiva, 1938.
FRANÇA, Rubens Limongi. Reparação do dano moral. Revista do Tribunais, São Paulo, v. 631,
maio 1988. p. 29.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994.
JUNQUEIRA, Eduardo. Números loucos. Revista Veja, São Paulo, 14 maio 1997. p. 35-36.
LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de Direito Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, v. 5,
1962.
MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopez de. O dano estético. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
MEIRA, Leopoldino Amaral. Ações de indenização ou de reparo do dano. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1937.
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, t.
III - arts. 154 a 281, 1974.
MONTEIRO, Whashington de Barros. Curso de Direito Civil. 5. ed., São Paulo: Saraiva, s/d.
NEGRÃO, Theotônio. Anotações. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 26.
ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 1499.
OLIVEIRA, Juarez de (Org.). Constituição da República Federativa do Brasil. 13. ed. São
Paulo: Saraiva, 1996.
______. (Org.). Código Civil. 46. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
OLIVEIRA, Valdeci Mendes de. Direito das Obrigações aplicado: obrigações e responsabilidade
civil. Bauru: Edipro, 1996.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
352 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

REIS, Clayton Reis. Dano moral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, responsabilidade civil. 13. ed. São Paulo: Saraiva, v. 4, 1993.
SANTINI, José Rafaelli. Dano moral. São Paulo: Leud, 1997.
SEVERO, Sergio. Os danos extrapatrimoniais. São Paulo: Saraiva, 1996.
SILVA, Wilson Mello da. O dano moral e sua reparação. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
______. Dano Moral. Enciclopédia Saraiva do Direito, (coord. Professor Rubens Limongi França).
São Paulo: Saraiva, v. 22, 1977.
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1995.
FLUXOGRAMAS

PROCESSUAIS
AÇÃO DE DANOS MORAIS -
CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

É a ação proposta pelo lesado contra o lesante pelos danos morais que
culposamente lhe foram causados, por ação ou omissão, pleiteando o reconhe-
cimento do dano e a sua reparação in natura, ou seja, a reconstituição do statu
quo ante e, se impossível for, o pagamento de uma indenização em dinheiro,
cujo valor deverá ser estabelecido pelo consenso entre as partes ou pelo juiz.
De acordo com Maria Helena Diniz, o dano moral pode ser classificado em
direto ou indireto. O dano moral direto seria a “lesão a um interesse que visa a
satisfação ou o gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da
personalidade (como a vida, a integridade corporal, a liberdade, a honra, o de-
coro, a intimidade, os sentimentos afetivos e a imagem) ou nos atributos da
pessoa (como o nome, a capacidade e o estado de família)”. Já o dano moral
indireto, segundo a autora, seria a “lesão a um interesse tendente à satisfação
ou ao gozo de bens jurídicos patrimoniais que produz menoscabo de um bem
extrapatrimonial, ou melhor, provoca prejuízo a qualquer interesse não patrimonial,
devido a uma ofensa a um bem patrimonial da vítima”. (DINIZ, Maria Helena.
Dicionário jurídico. 2. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Saraiva, v. 2, 2005. p. 6).
De modo divergente, alguns doutrinadores defendem a tese de que “[...]
não há outras hipóteses de danos morais além das violações aos direitos da
personalidade.” (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Danos morais e direitos da personalida-
de. Grandes temas da atualidade - dano moral. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 364).
A Constituição Federal, nos incisos V e X do artigo 5º, determina que são
invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, asse-
gurando o direito à indenização por dano material ou moral, ou à imagem, de-
corrente de sua violação.
A diferença estrutural entre dano material e moral acredita-se que está
ancorada no caráter compensatório ou não da indenização. A indenização por
dano material é estabelecida através do cálculo direto dos prejuízos impostos à
vitima, com a finalidade de compensar as perdas, enquanto o valor indenizatório
356 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

por danos morais é arbitrado no sentido de amenizar o sofrimento, consideran-


do-se a gravidade do dano, a condição pessoal da vítima e a capacidade econô-
mica do ofensor, entre outras variáveis circunstanciais.
Para Humberto Theodoro Júnior, “o mal causado à honra, à intimidade e
ao nome, em princípio, é irreversível. A reparação, destarte, assume o feitio
apenas de sanção à conduta ilícita do causador da lesão moral. Atribui-se um
valor à reparação, com o duplo objetivo de atenuar o sofrimento injusto do
lesado e de coibir a reincidência do agente na prática de tal ofensa, mas não
como eliminação mesma do dano moral”. (Apud STOCO, Rui. Tratado de res-
ponsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 1.684).
Uma vez que o instituto da responsabilidade civil é o mesmo, os requisitos
para a configuração do direito à indenização por danos morais e materiais tam-
bém são os mesmos. Há, porém, uma peculiaridade: “quem busca indenização
por dano material precisa provar o ato e o prejuízo, enquanto quem pretender
indenizado o dano moral carece de comprovar apenas o ato lesivo à sua honra,
servindo este - por si só - como prova do dano”. (OLIVEIRA, Frederico Abrahão
de; OLIVEIRA, Daniela Marquesan da Silva. Teoria e prática do processo civil. 2. ed.
rev. atual. e ampl. Caxias do Sul: Plenum, 2006. p. 241).
Em outras palavras, para que o autor tenha reconhecido o seu direito à
indenização por danos morais, é necessário que produza provas apenas da vio-
lação que lhe acarretou a dor moral, bem como da existência de nexo causal
entre a ação ou omissão voluntária, ou negligência, ou imprudência praticada
pelo agente, e o dano.
A propósito, o art. 186 do CC determina: “Aquele que, por ação ou omis-
são voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a ou-
trem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. E o art. 187 acrescen-
ta: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-
fé ou pelos bons costumes”.
Para provar a prática do ato ilícito que lhe causou dano moral, a vítima
poderá fazer uso de todos os meios legais, bem como dos moralmente legíti-
mos, ainda que não especificados na legislação (art. 332 do CPC).
Quanto à obrigação de reparar, o caput do art. 927 do CC estabelece:
“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado
a repará-lo”. Tal obrigação, conforme dispõe o parágrafo único do mesmo arti-
go, independe de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.
AÇÃO DE DANOS MORAIS - CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS 357

De acordo com o art. 942 do CC, os bens do responsável pela ofensa ou


violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado, e, se
a ofensa partir de mais de um autor, todos respondem solidariamente pela repa-
ração.
O art. 932 do CC considera solidariamente responsáveis com os autores e
co-autores do dano moral: os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua
autoridade e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados
que se acharem nas mesmas condições; o empregador ou comitente, por seus
empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir,
ou em razão dele; os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos
onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspe-
des, moradores e educandos; os que gratuitamente houverem participado nos
produtos do crime, até a concorrente quantia.
No que se refere ao rito processual, a ação de dano moral poderá seguir
o rito ordinário, sumário ou sumaríssimo.
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO ORDINÁRIO

Petição inicial
(Art. 282 do CPC)

Emenda ou Deferimento e citação Indeferimento


complementação da do réu (Art. 295 do CPC)
petição inicial (Art. 285 do CPC)
(Art. 284 do CPC)

Apelação
Sem contestação (Art. 296 c/c Art. 513
(revelia) ambos do CPC)

Nomear curador
e especificar Resposta do Réu Indeferimento
provas (Art. 297 do CPC) arquivamento

Do julgamento
antecipado da
lide (Art. 330, II do
CPC)

Reconvenção Contestação Exceções


(Art. 315 do CPC) (Arts. 300 a 303 do CPC) (Arts. 304 a 314 do CPC)

Contestação à Providências Processamento em


reconvenção Preliminares apenso
(Art. 323 do CPC) (Art. 299 do CPC)

Réplica

Especificação de
provas

Julgamento conforme Conciliação (Art. 331, Audiência de Instrução


o estado do processo § 1º do CPC) ou Julgamento
(Arts. 329 e 330 do CPC) (Art. 331, § 2º do CPC)

Sentença
(Arts. 458 a 466 do CPC)
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO ORDINÁRIO 359

CONCEITO

A ação de danos morais obedece ao rito ordinário (CPC, art. 282 e ss.)
quando o valor da causa for superior a 60 (sessenta) salários mínimos.
O autor poderá, porém, optar entre o rito ordinário e o procedimento dos
Juizados Especiais, desde que renuncie ao valor da causa excedente ao limite de
40 (quarenta) salários mínimos (Lei 9.099/95, art. 3º, § 3º).

PETIÇÃO INICIAL (Art. 282 do CPC)

É um pedido escrito à autoridade judiciária, que exige alguns requisitos


essenciais determinados em lei, sob pena de ser a petição considerada inepta.
Tais requisitos encontram-se expressos no art. 282 do CPC, que dispõe in verbis:
A petição inicial indicará:
I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida;
II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicí-
lio e residência do autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido, com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a
verdade dos fatos alegados;
VII - o requerimento para a citação do réu.

Da análise de cada requisito:


I - O primeiro diz respeito à competência. É necessário que a parte saiba
a quem dirigir a sua petição, para que seu pedido possa ser apreciado por quem
tem competência para tal. No caso de reparação de dano, a regra geral para
fixação da competência se estabelece pelo local do ato ou fato, conforme art.
100, inciso V, alínea a, do Código de Processo Civil.
Nesse sentido:
[...] Enquanto a norma do art. 100, IV, “a”, objetiva
fixar o foro geral das pessoas jurídicas, a regra do inciso
V, ‘a’, do mesmo artigo, sobre ela prevalece em se
tratando de ação de reparação de dano moral. BRASIL.
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 178.264
(1998/0043751-7), do Distrito Federal, 4. Turma.
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Deci-
são unânime. Brasília, DF, 01 de setembro de 1998.
Diário da Justiça da União de 03 de novembro de
1998, p. 167.

II - A segunda exigência legal trata da qualificação das partes. Ele está


estritamente ligado à condição da ação. Somente pode estar em juízo quem tem
360 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

legitimidade para estar tanto no pólo ativo como no pólo passivo. É importante
constar todos os dados mencionados no inciso II do artigo 282: nomes, preno-
mes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e réu.
III - O fato e os fundamentos jurídicos do pedido referem-se à causa de
pedir. Também dizem respeito às condições da ação. O Juiz, com base na causa
de pedir, irá analisar se o autor tem direito ou não àquele pedido, não podendo
conceder nem a mais, nem a menos, pois este seria o limite de sua jurisdição.
IV - É através do pedido que será verificada qual a pretensão do autor. É
no pedido, com suas especificações, que o autor poderá manifestar, expressa-
mente, qual a sua vontade, o que está pretendendo buscar. “É para alcançar o
que consta no pedido que o autor vem a juízo. Já se disse que o pedido é o
modelo de sentença que se aguarda, pois representa o desejo de ver atuar a lei
sobre a situação jurídica reclamada”. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio
Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: teoria
geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. rev. atual. ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2003. p. 94).
Existem divergências quanto à necessidade do pedido ser certo e deter-
minado ou genérico:
PETIÇÃO INICIAL - EMENDA. Retificação do valor da
causa para aquele pretendido a título de danos morais -
Desnecessidade - Pedido genérico - Inteligência do arti-
go 286, II do Código de Processo Civil - Quantum do
prejuízo moral que será arbitrado pelo Magistrado no
momento da prolatação da sentença, após encerrada a
instrução, quando serão apurados todos os elementos
a permitir uma justa estimativa e pedido genérico, ade-
mais, que não fere o direito de defesa da parte contrá-
ria, que pode discutir a incidência ou não do ressarci-
mento moral pretendido - Valor da causa mantido - Re-
curso provido para este fim. BRASIL. Tribunal de Alçada
Civil (1. São Paulo). Agravo de instrumento nº 968.797-6.
4. Câmara Cível. Relator: Rizzatto Nunes. Decisão unâni-
me. São Paulo, 22 de novembro de 2000.
Responsabilidade civil - Ação de indenização por danos
morais - Necessidade de especificação na inicial do
quantum pretendido a título de reparação. BRASIL. Tri-
bunal de Justiça (São Paulo). Agravo de instrumento nº
83.512.4/9. 8. Câmara de Direito Privado. Relator: Yussef
Cahali. Decisão unânime. São Paulo, 13 de maio de 1998.
[...] Despicienda, na ação de reparação de danos, a
formulação, na inicial, de pedido determinado relativa-
mente ao montante da indenização postulada pelo au-
tor, quando o quantum a ser ressarcido é suscetível de
apuração em liquidação de sentença. Observância dos
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO ORDINÁRIO 361

arts. 286, II, e 258 do Código de Processo Civil. IV -


Recurso especial conhecido e provido em parte apenas
para manter o valor da causa fixado na petição inicial.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial
nº 194.540 (1998/0083270-0), do Distrito Federal, 3. Tur-
ma. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Decisão unâni-
me. Brasília, DF, 06 de fevereiro de 2001. Diário da Jus-
tiça da União de 25 de junho de 2001.

V - O quinto requisito é quanto ao valor da causa. Diz respeito ao procedi-


mento que será adotado. O rito poderá ser sumário, quando o valor da causa
não exceda 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, ou pode ser também da com-
petência dos Juizados Especiais Cíveis, que tratam de pedidos com pequenos
valores. Também serve de parâmetro para que o juiz possa condenar a parte
vencida nos honorários advocatícios.
VI - As provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos
alegados. Para a maioria dos doutrinadores basta que o autor expresse, de
forma genérica, o desejo de produzir as provas no decorrer do processo, não
precisando especificar na petição inicial por quais meios irá demonstrar a verda-
de dos fatos alegados.
VII - E, por fim, a petição inicial deverá requerer a citação do réu, para
que ele possa vir ao processo apresentar sua defesa.
A petição inicial deverá estar acompanhada de documentos indispensá-
veis à propositura da ação, conforme estabelece o artigo 283 do CPC.

EMENDA OU COMPLEMENTAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL (Art.


284 do CPC)

A ausência de qualquer um dos requisitos previstos nos artigos 282 e 283


do CPC, autoriza o juiz a intimar o autor para que, no prazo de 10 dias, emende
a inicial, sob pena de ser considerada inepta, nos termos do artigo 284 do CPC.

INDEFERIMENTO (Art. 295 do CPC)

Não atendendo à determinação judicial da emenda ou complementação,


o juiz irá declarar inepta a petição inicial. A petição também poderá ser indefe-
rida quando faltar alguma das condições da ação (legitimidade das partes, pos-
sibilidade jurídica do pedido e interesse de agir) ou quando já transcorridos os
prazos de prescrição ou decadência. O artigo 295 do CPC ainda traz como motivo
para indeferimento da petição inicial: “quando o tipo de procedimento, escolhido
pelo autor, não corresponder à natureza da causa, ou ao valor da ação; caso em
que só não será indeferida, se puder adaptar-se ao tipo de procedimento legal”.
362 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

APELAÇÃO (Art. 296 c/c Art. 513 ambos do CPC)

Da decisão que indeferir a petição inicial caberá recurso de apelação,


conforme artigo 296, combinado com artigo 513, ambos do CPC, podendo o juiz,
no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar a sua decisão e dar prossegui-
mento ao processo. Caso o juiz não reforme a sua decisão, os autos serão
encaminhados ao tribunal competente.

INDEFERIMENTO - ARQUIVAMENTO

Se o juiz não reformar a sua decisão, e os autos subirem ao Tribunal


competente, e neste for improvido o recurso, ratificando a decisão de primeiro
grau, o processo será arquivado.

DEFERIMENTO E CITAÇÃO DO RÉU (Art. 285 do CPC)

Estando presentes as condições da ação e os requisitos da inicial, o juiz


deve deferi-la, determinando a citação do réu, que terá o prazo de 15 dias para
oferecer resposta escrita ao juiz da causa, que poderá ser contestação,
reconvenção ou exceção.
A citação do réu tem os seguintes efeitos: a prevenção de juízo, a
litispendência, torna a coisa litigiosa, constitui o réu em mora, quando for o caso,
e interrompe a prescrição. A citação, sempre que possível, deverá ser feita pes-
soalmente, na pessoa do réu, ou de seu representante legal, quando a lei exigir.
A citação poderá ser real, quando é feita pelo correio ou pelo Oficial de Justiça
ou ficta, quando for feita por edital ou hora certa. Há possibilidade de citação
através de procurador com poderes especiais.

SEM CONTESTAÇÃO (REVELIA)

Caso o réu seja citado e não apresente defesa escrita dentro do prazo de
15 dias, ser-lhe-á decretada a revelia. Luiz Rodrigues Wambier e outros
doutrinadores afirmam que:
[...] ocorrerá a revelia se o réu, citado: a) não compare-
ce; b) comparece, mas desacompanhado de advoga-
do; c) comparece, acompanhado de advogado e con-
testa, mas intempestivamente; d) comparece, acom-
panhado de advogado, no prazo, e produz outra moda-
lidade de defesa, que não a contestação; e) comparece,
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO ORDINÁRIO 363

acompanhado de advogado, contesta no prazo, mas


não impugna especificamente os fatos narrados pelo
autor na petição inicial. (WAMBIER, Luiz Rodrigues;
ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo.
Curso avançado de processo civil: teoria geral do pro-
cesso e processo de conhecimento. 6. ed. rev. atual.
ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2003.
p. 402).

É importante ressaltar que a citação deve ser válida para que a revelia
possa ser decretada. Um dos principais efeitos da revelia, quando o réu citado
pessoalmente não comparece ao processo, é que os fatos narrados pelo autor
são reputados como verdadeiros.

NOMEAR CURADOR E ESPECIFICAR PROVAS

O efeito da revelia não ocorrerá quando o réu for citado através de edital
ou por hora certa - citação ficta. Nesse caso, o juiz deverá nomear curador
especial, nos termos do art. 9º, II, do CPC, para que este conteste a ação. A
contestação será feita de forma genérica, conforme estabelece o art. 302, pará-
grafo único, do CPC. Não haverá julgamento antecipado da lide, sendo necessá-
ria a produção de provas. O réu poderá comparecer posteriormente, porém
receberá o processo no estado em que se encontrar (art. 322 do CPC).

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE (Art. 330, II do CPC)

Caso seja declarada a revelia do réu, os fatos narrados pelo autor serão
reputados como verdadeiros, sendo desnecessária a produção de provas, por se
tratar apenas de matéria de direito. Nesse caso, o juiz, nos termos do artigo
330, II, do CPC, poderá julgar antecipadamente a lide.

RESPOSTA DO RÉU (Art. 297 do CPC)

Existem três possibilidades de resposta do réu (Contestação, Reconvenção


e Exceções) que serão analisadas individualmente.

CONTESTAÇÃO (Arts. 300 a 303 do CPC)

O direito de defesa está previsto na Constituição Federal, no art. 5º, LV.


A contestação é o meio, por excelência, de exercício
do direito de defesa, pois esta peça processual veicula
364 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

fundamentalmente a impugnação de mérito, ou seja,


ao pedido do autor, bem como algumas modalidades de
defesa processual. Representa, para o réu, aquilo que a
petição inicial representa para o autor, pois, na
contestação, compete ao réu alegar “toda a matéria de
defesa” (art. 300), no que diz respeito à defesa de
mérito. (WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio
Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado
de processo civil: teoria geral do processo e processo
de conhecimento. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, v. 1, 2003. p. 362).

Ao réu caberá o ônus da impugnação de cada fato deduzido pelo autor,


sob pena de serem reputados como verdadeiros os fatos não impugnados.

EXCEÇÕES (Arts. 304 a 314 do CPC) E PROCESSAMENTO EM


APENSO (Art. 299 do CPC)

Outro meio de defesa é a argüição de exceção referente à incompetência


relativa do juízo e ao impedimento ou suspeição do juiz. A exceção é incidente
processual, e sempre deverá ser proposta em petição separada da contestação.
Caso a exceção seja recebida, o processo principal ficará suspenso até o seu
julgamento definitivo. Se necessária, poderá haver produção de prova na exceção.

RECONVENÇÃO (Art. 315 do CPC)

A reconvenção é uma nova ação do réu contra o autor,


proposta no bojo do mesmo procedimento já em cur-
so. É um modo de cumulação de ações, pois o réu,
tendo pedido a deduzir em face do autor, exerce o
direito de ação no mesmo procedimento em que está
sendo demandado. A reconvenção não substitui a de-
fesa, pois, mesmo que o réu apresente reconvenção,
não está isento do ônus da impugnação ao pedido da
ação principal. Com a reconvenção, o objeto do proces-
so sofre alargamento, passando a conter duas lides: a
originária, entre o autor e o réu, e a reconvencional,
entre o réu/reconvinte e o autor/reconvindo, sendo
que ambas serão julgadas na mesma sentença (art. 318).
(WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato
Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de pro-
cesso civil: teoria geral do processo e processo de co-
nhecimento. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 1, 2003. p. 379).
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO ORDINÁRIO 365

CONTESTAÇÃO À RECONVENÇÃO

O autor/reconvindo terá o prazo de 15 (quinze) dias para contestar a


reconvenção, nos termos do art. 316 do CPC, quando poderá argüir toda matéria
de defesa prevista nos artigos 300 a 303. Após a apresentação da contestação,
a reconvenção seguirá simultaneamente com os demais atos do processo princi-
pal, realizando a produção de provas, se necessário. A reconvenção será julgada
juntamente com o processo principal.

PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES (Art. 323 do CPC)

Após a contestação, os autos serão conclusos ao juiz, que determinará,


dentro do prazo de 10 dias, conforme o caso, as providências preliminares. Tais
providências poderão ser: a determinação de produção de provas, mesmo es-
tando o réu revel, quando não incidirem seus efeitos; a análise das preliminares
argüidas na contestação; e a determinação de saneamento de vícios ou irregu-
laridades, quando for possível (arts. 324, 326 e 327 do CPC).

RÉPLICA

Sempre que o réu, em contestação, alegar fatos impeditivos, modificativos


ou extintivos do pedido, bem como alegar alguma preliminar prevista no art. 301
do CPC, o autor da demanda deverá ser intimado a se manifestar, em 10 dias,
sobre a defesa do réu. Quando o réu juntar documentos à contestação, o autor
também será intimado a se manifestar, porém no prazo de 05 dias, conforme
art. 398 do CPC. Se a contestação tratar somente de matéria de mérito, o autor
apenas se manifestará nos debates (ou alegações finais).

ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS

Em certas situações, será necessária a produção de provas. Assim, autor


e réu, quando este não for revel, serão intimados a especificar as provas que
pretendam produzir (art. 324 c/c art. 326, parte final, do CPC).
Caberá ao autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito.
Caberá ao réu o ônus de provar os fatos modificativos, impeditivos e extintivos
do pedido.
Conforme dispõe o art. 332 do CPC, “todos os meios legais, bem como os
moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis
para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa”.
366 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Assim, as partes poderão requerer qualquer tipo de prova, seja ela atra-
vés de confissão, de documentos, de testemunhas ou de perícia.
Com relação à necessidade de produção de prova, na ação de reparação
de danos, o doutrinador Rui Stoco assim já se manifestou:
A causação de dano moral independe de prova, ou
melhor, comprovada a ofensa moral, o direito à indeni-
zação desta decorre, sendo dela presumido.
[...]
Contudo, a assertiva acima feita comporta esclarecimen-
tos [...]
Sob esse aspecto, porque o gravame no plano moral
não tem expressão matemática, nem se materializa no
mundo físico e, portanto, não se indeniza, mas apenas
se compensa, é que não se pode falar em prova de um
dano que, a rigor, não existe no plano material.
[...]
Ou seja, não basta, ad exemplum, um passageiro alegar
ter sido ofendido moralmente, em razão do extravio de
sua bagagem, ou do atraso no vôo, em viagem de fé-
rias que fazia, se todas as circunstâncias demonstram
que tais fatos não o molestaram, nem foram suficientes
para atingir um daqueles sentimentos d’alma, nem criou
óbice às suas férias.
A só devolução de um cheque pela instituição financei-
ra ou o protesto de um título de crédito já pago nem
sempre tem força suficiente para denegrir a imagem de
uma empresa ou para ofender sua honra objetiva,
enodoando seu prestígio perante o público.
[...]
Significa dizer, em resumo, que o dano em si, porque
imaterial, não depende de prova ou de aferição do seu
quantum. Mas o fato e os reflexos que irradia, ou seja,
a sua potencialidade ofensiva, dependem de compro-
vação ou pelo menos que esses reflexos decorram da
natureza das coisas e levem à presunção segura de que
a vítima, face às circunstâncias, foi atingida em seu
patrimônio subjetivo, seja com relação ao seu vultus,
seja, ainda, com relação aos seus sentimentos, enfim,
naquilo que lhe seja mais caro e importante. (STOCO,
Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. rev. atual.
e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 1.691-
1.692).
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO ORDINÁRIO 367

JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO (Arts.


329 e 330 do CPC)

No julgamento conforme o estado do processo pode haver sentença com


ou sem julgamento de mérito.
A sentença sem resolução de mérito ocorrerá quando o juiz acolher algu-
ma das hipóteses previstas no artigo 267 do CPC.
Caso o juiz decida julgar o mérito conforme o estado do processo, tratan-
do-se de questão de direito, ou de direito e de fato, sem necessidade de prova,
ocorrerá o chamado “julgamento antecipado da lide”, de acordo com o disposto
no artigo 330 do CPC. Isso também acontece quando ocorre a revelia.

CONCILIAÇÃO (Art. 331, § 1º do CPC)

Após a especificação, e antes de serem produzidas as provas, versando a


causa sobre direitos que admitam a transação, o juiz poderá designar audiência
preliminar para obter a conciliação das partes. O prazo para designação dessa
audiência é de 30 dias, conforme dispõe o artigo 331 do CPC. Se as partes
transigirem, haverá a extinção do processo, com julgamento do mérito, confor-
me dispõe o artigo 269, III, do CPC.

AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO OU JULGAMENTO (Art. 331, §


2º do CPC)

Se não ocorrer acordo, nem o julgamento do processo conforme o estado


em que se encontra, o juiz analisará as questões processuais pendentes (despa-
cho saneador) e determinará a produção de provas. Para tanto, designará audiên-
cia de instrução ou julgamento, nos termos do artigo 331, § 2º, do CPC.

SENTENÇA (Arts. 458 a 466 do CPC)

O artigo 458 dispõe que:


São requisitos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma
do pedido e da resposta do réu, bem como o registro
das principais ocorrências havidas no andamento do pro-
cesso;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões
de fato e de direito;
368 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões,


que as partes lhe submeterem.
A nota marcante das sentenças é o seu conteúdo,
preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa,
que as distingue dos demais pronunciamentos do juiz.
Tem-se, portanto, que a sentença é o pronunciamento
judicial que tem por conteúdo o estabelecido nos arts.
267 e 269 do CPC e que tem por efeito principal o de
pôr fim ao procedimento em primeiro grau de jurisdição
e, em não havendo recurso, também ao processo.
(WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato
Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de pro-
cesso civil: teoria geral do processo e processo de co-
nhecimento. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 1, 2001. p. 590-591).

Para Ovídio A. Baptista da Silva “sentença é o ato jurisdicional por exce-


lência e consiste no provimento por meio do qual o juiz põe termo ao processo
decidindo ou não o mérito da causa. Tendo em vista esta circunstância, subdivi-
dem-se as sentenças em terminativas - quando extinguem a relação processual
sem decidir a respeito do mérito da causa - e definitivas - quando encerram a
relação processual decidindo o mérito da causa.” (SILVA, Ovídio Araújo Baptista
da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. 5. ed. rev. e atual. São
Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, 2000. p. 200).
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMÁRIO

Petição inicial com


indicação das provas e rol
de testemunhas (Arts. 282
c/c 276 ambos do CPC)

Emenda ou Deferimento: citação Indeferimento


complementação da do réu; designação de (Art. 295 do CPC)
petição inicial audiência de
(Art. 284 do CPC) conciliação
(Art. 277 do CPC)

Apelação
Acordo - homologação Audiência de (Art. 296 c/c Art. 513
por sentença conciliação ambos do CPC)

Sem contestação Indeferimento


(revelia) arquivamento

Salvo se o contrário
Ação Contrária
resultar da prova dos
(Reconvenção) Art. 278,
autos, reputam-se
§ 1º do CPC
como verdadeiros os
fatos alegados
Contestação à Ação
Contrária
Do julgamento
(Reconvenção)
antecipado da lide (Art.
330, II do CPC)

Decisão de plano sobre Resposta do Réu


exceções e
impugnação ao valor
da causa - possibilidade
Manifestação do autor
de conversão em
procedimento ordinário
(Art. 277, § 4º do CPC)
Juiz designa audiência
de instrução e
Rito Ordinário julgamento

Hipóteses previstas Oitiva dos peritos,


nos arts. 329 e 330, I, testemunhas, Debates
do CPC

Sentença na audiência
ou no prazo de 10 dias
(Art. 281 do CPC)
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMÁRIO 371

CONCEITO

A ação de indenização obedece ao rito sumário se o valor da causa é de


até 60 (sessenta) salários mínimos, conforme artigo 275, inciso I, do Código de
Processo Civil, in verbis:
“Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário:
I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do
salário mínimo; [...]”.
Ressaltamos que o autor pode escolher entre o rito sumário do CPC e o
rito sumaríssimo da Lei 9.099; limita-se apenas o quantum indenizatório, que
não ultrapassará, no caso do rito sumário, o valor de 60 (sessenta) salários
mínimos e, no caso do rito sumaríssimo, o de 40 (quarenta) salários mínimos.

PETIÇÃO INICIAL COM INDICAÇÃO DAS PROVAS E ROL DE


TESTEMUNHAS (ART. 282 c/c ART. 276, AMBOS DO CPC)

O ato inicial de um processo, no qual a parte interessada manifestará a


sua vontade de solucionar determinado conflito de interesse, chama-se petição
inicial.
Tal peça deverá observar os requisitos previstos no artigo 282 do CPC,
sob pena de ser considerada inepta.
Importante ressaltar dois aspectos em relação à petição inicial que tem
como objetivo a reparação por danos morais.
O primeiro diz respeito à competência do Juízo. A regra geral é a fixação
da competência pelo local do ato ou fato, conforme art. 100, inciso V, alínea “a”,
do Código de Processo Civil.
Conforme a jurisprudência:
[...] Enquanto a norma do art. 100, IV, ‘a’, objetiva fixar
o foro geral das pessoas jurídicas, a regra do inciso V, ‘a’,
do mesmo artigo, sobre ela prevalece em se tratando
de ação de reparação de dano moral. BRASIL. Superior
Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 178.264 (1998/
0043751-7), do Distrito Federal, 4. Turma. Relator: Mi-
nistro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Decisão unânime.
Brasília, DF, 01 de setembro de 1998. Diário da Justiça
da União de 03 de novembro de 1998, p. 167.

Outro aspecto relevante diz respeito à necessidade de o pedido ser certo


e determinado ou genérico.
Nesse sentido:
372 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

PETIÇÃO INICIAL - EMENDA. Retificação do valor da


causa para aquele pretendido a título de danos morais -
Desnecessidade - Pedido genérico - Inteligência do arti-
go 286, II do Código de Processo Civil - Quantum do
prejuízo moral que será arbitrado pelo Magistrado no
momento da prolatação da sentença, após encerrada a
instrução, quando serão apurados todos os elementos
a permitir uma justa estimativa e pedido genérico, ade-
mais, que não fere o direito de defesa da parte contrá-
ria, que pode discutir a incidência ou não do ressarci-
mento moral pretendido - Valor da causa mantido - Re-
curso provido para este fim. BRASIL. Tribunal de Alçada
Civil (1. São Paulo). Agravo de instrumento nº 968.797-6.
4. Câmara Cível. Relator: Rizzatto Nunes. Decisão unâni-
me. São Paulo, 22 de novembro de 2000.
Responsabilidade civil - Ação de indenização por danos
morais - Necessidade de especificação na inicial do
quantum pretendido a título de reparação. BRASIL. Tri-
bunal de Justiça (São Paulo). Agravo de instrumento nº
83.512.4/9. 8. Câmara de Direito Privado. Relator: Yussef
Cahali. Decisão unânime. São Paulo, 13 de maio de 1998.
[...] Despicienda, na ação de reparação de danos, a
formulação, na inicial, de pedido determinado relativa-
mente ao montante da indenização postulada pelo au-
tor, quando o quantum a ser ressarcido é suscetível de
apuração em liquidação de sentença. Observância dos
arts. 286, II, e 258 do Código de Processo Civil. IV -
Recurso especial conhecido e provido em parte apenas
para manter o valor da causa fixado na petição inicial.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial
nº 194.540 (1998/0083270-0), do Distrito Federal, 3. Tur-
ma. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Decisão unâni-
me. Brasília, DF, 06 de fevereiro de 2001. Diário da Jus-
tiça da União de 25 de junho de 2001.

O rito sumário tem por objetivo ser mais célere e simplificado que o rito
ordinário. Em vista disso, a petição inicial deve estar acompanhada do rol de
testemunhas e, se o autor pretender que seja realizada perícia, deve formular
os quesitos, podendo indicar assistente técnico.

EMENDA OU COMPLEMENTAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL (ART.


284 DO CPC)

A ausência de qualquer um dos requisitos previstos no artigo 282 do CPC


autoriza o juiz a intimar o autor para que, no prazo de 10 dias, emende ou
complemente a inicial, sob pena de ser considerada inepta, nos termos do artigo
284 do CPC.
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMÁRIO 373

DEFERIMENTO: CITAÇÃO DO RÉU; DESIGNAÇÃO DE


AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO (ART. 277 DO CPC)

Preenchidos os requisitos da ação e da petição inicial, o juiz deverá defe-


ri-la, designando, desde já, audiência de conciliação a ser realizada no prazo de
30 dias, devendo o réu ser citado com antecedência mínima de 10 dias.
A citação deverá conter a advertência constante no § 2º do artigo 277 do CPC.
Deverá ser observado o prazo de citação, com antecedência mínima de
10 dias da realização da audiência, pois, caso contrário, o réu poderá ser preju-
dicado na sua defesa, que deverá ser apresentada na própria audiência de con-
ciliação, quando não houver acordo entre as partes.

INDEFERIMENTO (ART. 295 DO CPC)

O juiz declarará inepta a petição inicial se não for atendida a determina-


ção judicial da emenda ou complementação prevista no artigo 284 do CPC.
A petição também pode ser indeferida quando faltarem algumas das con-
dições da ação (legitimidade das partes, possibilidade jurídica do pedido e inte-
resse de agir), ou quando já transcorridos os prazos prescricionais ou
decadenciais.
O artigo 295, inciso V, do CPC, determina que a exceção ao indeferimento
da petição inicial ocorrerá quando autor escolha um tipo de procedimento que
não corresponde à natureza da causa ou ao valor da ação, mas possa ser adap-
tada a outro tipo de procedimento legal. Assim, a ação pelo rito sumário poderá
ser convertida em rito ordinário.

APELAÇÃO (ART. 296 C/C ART. 513 AMBOS DO CPC)

Da decisão que indeferir a petição inicial, caberá recurso de apelação,


conforme artigo 296, combinado com artigo 513, ambos do CPC, podendo o juiz,
no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, reformar sua decisão e dar prossegui-
mento ao processo. Caso o juiz não reforme a sua decisão, os autos serão
encaminhados ao tribunal competente.

INDEFERIMENTO - ARQUIVAMENTO

Se o juiz não reformar a sua decisão, e os autos subirem ao Tribunal


competente, improvido o recurso e ratificada a decisão de primeiro grau, o pro-
cesso será arquivado.
374 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO

Na audiência de conciliação, o juiz tentará obter um acordo entre o autor


e o réu, que deverão comparecer pessoalmente ou se fazer representar por
prepostos com poderes para transigir (art. 277, § 3º, do CPC).
Se o réu não comparecer à audiência, injustificadamente, reputar-se-ão
verdadeiros os fatos alegados pelo autor, salvo se o contrário resultar da prova
dos autos (art. 277, § 2º, do CPC).
Todavia, o não comparecimento do autor não implicará nenhuma sanção,
tornando apenas a conciliação prejudicada.

ACORDO - HOMOLOGAÇÃO POR SENTENÇA

Havendo conciliação entre as partes, será lavrado o respectivo termo, que


deverá, obrigatoriamente, ser homologado pelo juiz. No caso de não cumpri-
mento, tal acordo será executável.

SEM CONTESTAÇÃO (REVELIA)

O artigo 277, § 2º do CPC menciona que se o réu não comparecer à


audiência de conciliação, será decretada a sua revelia, reputando-se verdadei-
ros os fatos alegados pelo autor (art. 319 do CPC), e o juiz poderá proferir,
desde logo, a sentença.

SALVO SE O CONTRÁRIO RESULTAR DA PROVA DOS AUTOS,


REPUTAM-SE COMO VERDADEIROS OS FATOS ALEGADOS

Nem sempre que for decretada a revelia reputar-se-ão como verdadeiros


os fatos alegados pelo autor. Se o juiz entender necessária a realização de pro-
va, a mesma será determinada, independentemente da revelia do réu.

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE (ART. 330, II, DO CPC)

O julgamento antecipado da lide ocorre em decorrência da revelia ou


quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de
fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência (art. 330, II, do
CPC).

AÇÃO CONTRÁRIA - ART. 278, § 1º DO CPC

O réu poderá formular pedido em seu favor na contestação, desde que


fundado nos mesmos fatos referidos na inicial (art. 278, § 1º do CPC).
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMÁRIO 375

Discute-se muito se é caso de reconvenção. Alguns doutrinadores dizem


que esse pedido em favor do réu tem caráter de ação dúplice, enquanto outros
mencionam que se trata de ação contrária.
No que concerne à reconvenção, o art. 2º, da Lei 9.245/95
expressamente revogou o § 2º do art. 315, pelo qual
‘não se admitirá reconvenção nas causas de
procedimento sumaríssimo’. O pedido do réu contra o
autor passa a ser admitido (embora sem a denominação
explícita de reconvenção) no § 1º do art. 278, mediante
a atribuição à ação de caráter dúplice. (CARNEIRO, Athos
Gusmão. Do rito sumário na reforma do CPC: Lei nº
9.245, de 26-12-1995. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 49).
Nesta perspectiva, nenhuma das ações catalogadas no
art. 275, II, é materialmente dúplice. No tocante às
ações de rito sumário em razão do valor (art. 275, I),
algumas terão tal natureza. Na realidade, o art. 278, § 1º
autorizou pedido contrário, análogo ao do art. 32, caput,
segunda parte, da Lei 7.244/84. Ele é similar à
reconvenção. Também constitui uma pretensão con-
trária e autônoma do réu perante o autor, ou seja, com-
parando com a contestação, um contra-ataque do réu.
Mas distingue-se da reconvenção, porque não ostenta
autonomia procedimental e seu campo de atuação é
reduzido. (ASSIS, Araken de. Procedimento sumário .
São Paulo: Malheiros, 1996. p. 94).
A diferença é que tal pedido formulado a favor do réu
não tem a desenvoltura de uma reconvenção, que por
ser ação do Réu contra o Autor, prossegue, ainda que a
ação principal seja extinta, ou seja, o pedido a favor do
Réu fica prejudicado se por qualquer razão houver
extinção do procedimento Sumário. Por último, como
se trata de uma única ação (e não duas, como quando
há reconvenção), haverá uma única condenação em
honorários, do vencido em favor do vencedor, consoante
art. 20 do CPC. (BORTOLAI, Edson Cosac. As reformas
do CPC e o procedimento sumário. Juris Plenum, Caxias
do Sul: Plenum, v. 1, n. 92, jan./fev. 2007. 2 CD-ROM).

Miguel Kfouri Neto, em artigo doutrinário, cita o seguinte ensinamento de


José Rogério Cruz e Tucci:
Com efeito, a reconvenção redunda em uma ação ajui-
zada pelo réu nos autos do processo em curso, na qual
citado para apresentar resposta ao pedido formulado
pelo autor. Mais exatamente, é a “ação conexa com a
do autor ou com o fundamento da contestação ao pe-
dido deste, proposta pelo réu no mesmo processo ini-
ciado com a ação do antagonista”. Já a ação dúplice é
376 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

aquela em que identificadas as situações processuais de


ambas as partes; nela, “a condição dos litigantes é idên-
tica, nenhum se encontra na situação determinada de
réu ou autor, mas cada um representa ambos os pa-
péis”. (...) Por fim, ação contrária é a que, ostentando
cunho reconvencional, e fundada nos mesmos fatos ou
fato, se apresenta autonomamente, com a formulação,
pelo réu, de pedido antagônico ao do autor, implicando
o julgamento conjunto de ambas as contrastantes pre-
tensões (...) Ora, isso esclarecido, nenhuma dificuldade
há para inferir-se que, não cogitando de ação dúplice, e
inadmitindo reconvenção, o dispositivo comentado re-
fere-se, tão-só, à ação contrária” (Processo Civil, Reali-
dade e Justiça, São Paulo, Saraiva, 1994, páginas 126-
128). (NETO, Miguel Kfouri. As modificações do CPC -
procedimento sumário. Juris Plenum, Caxias do Sul:
Plenum, v. 1, n. 92, jan./fev. 2007. 2 CD-ROM).

CONTESTAÇÃO À AÇÃO CONTRÁRIA

Aduzindo o réu pedido em seu favor, o juiz determinará que o autor con-
teste a ação contrária, oferecendo um prazo para tanto. Não há, na lei, prazo
definido para contestar a ação contrária. Araken de Assis traz a seguinte solu-
ção: “No caso de necessidade do prosseguimento de demanda, se oferecerá ao
juiz e às partes uma solução convidativa; assinar ao autor o prazo cabível, que
se encerrará antes da audiência de instrução e julgamento” (ASSIS, Araken de.
Procedimento sumário. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 96).

RESPOSTA DO RÉU ORAL OU ESCRITA COM EXCEÇÕES E


IMPUGNAÇÃO DO VALOR DA CAUSA, ACOMPANHADA DE
DOCUMENTOS E ROL DE TESTEMUNHAS, SE REQUERER
PERÍCIA, INDICARÁ QUESITOS E ASSISTENTE TÉCNICO

Não obtida a conciliação, o réu oferecerá, na própria audiência, a sua


resposta, podendo esta ser escrita ou oral. A resposta deverá estar acompanha-
da de documentos e rol de testemunhas, bem como deverá fornecer os quesitos
e indicar assistente técnico, caso postule a realização de perícia (Princípio da
Concentração).
Na contestação, o réu poderá alegar qualquer matéria de defesa, seja
processual, seja de mérito, não havendo nenhuma restrição ao conteúdo.
Poderá, ainda, ser impugnado o valor da causa. Uma das hipóteses em
que a ação poderá ser proposta pelo rito sumário dá-se em virtude do valor da
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMÁRIO 377

causa. Se o réu não concordar com o valor, ele poderá impugnar, requerendo
que o rito passe a ser o ordinário.
Alguns doutrinadores, como Araken de Assis, afirmam que “a boa ordem
do rito sumário indica a conveniência de o réu, antes de oferecer a contestação,
argüir a inadmissibilidade do procedimento. Ao menos no que tange ao valor da
causa, a impugnação prévia é obrigatória, haja vista as razões expostas. Do seu
ponto de vista, a vantagem desta atitude é inestimável: acolhida a preliminar, o
juiz converterá, incontinenti, o sumário em ordinário, abrindo-se ao réu o prazo
de quinze dias para contestar, reconvir ou excepcionar; rejeitada, ainda lhe res-
tará ocasião de ‘responder’, no próprio sumário, a teor do art. 278, caput” (ASSIS,
Araken de. Procedimento sumário. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 92).
O réu poderá, ainda, argüir, por meio de exceção, a incompetência relati-
va, o impedimento ou a suspeição, nos termos do art. 304 e seguintes do CPC.

MANIFESTAÇÃO DO AUTOR

Além de contestar ação contrária, o autor deverá se manifestar sobre as


questões suscitadas pelo réu, ou seja, alegação de fatos novos ou questões
preliminares. A doutrina recomenda que tal manifestação se dê na própria au-
diência, após o réu ter apresentado a sua defesa, em virtude do princípio da
concentração dos atos.
Se o réu, porém, requerer a juntada de documentos, o autor terá o prazo
máximo de 05 dias para se manifestar, conforme determina o artigo 398 do CPC.

DECISÃO DE PLANO SOBRE AS EXCEÇÕES E IMPUGNAÇÃO


AO VALOR DA CAUSA - POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM
PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (ART. 277, § 4º, DO CPC). A
CONVERSÃO TAMBÉM OCORRERÁ QUANDO HOUVER
NECESSIDADE DE PROVA TÉCNICA DE MAIOR
COMPLEXIDADE

Caso o autor já se manifeste em audiência sobre os fatos alegados pelo


réu, o juiz deverá, de plano, decidir sobre as exceções e a impugnação ao valor
da causa. Se for o caso de conversão do procedimento ordinário, deverá assim
proceder de imediato.
Se o julgador entender que o processo exige prova técnica de maior com-
plexidade (o legislador não especificou o que seja prova de maior complexidade,
já que no procedimento sumário é possível a realização de perícia), poderá, de
ofício, converter o rito em ordinário.
378 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

Não parece adequada, entretanto, a conversão do rito


para o ordinário quando houver necessidade de produ-
ção de prova técnica de maior complexidade, que é o
caso da perícia. Isso gera uma insegurança tal, que é a
mesma que na celebração do casamento constar que
ficando difícil a vida em comum, fica o casamento
convolado em divórcio. Na hipótese parece haver o re-
conhecimento tácito por parte do legislador, que a pe-
rícia é incompatível com o rito sumário, por tumultuá-lo,
daí determinando sua conversão em ordinário. Mas teria
sido melhor se tivesse adotado a fórmula anterior,
explicitando não ser lícito ao autor a produção de prova
pericial, embora facultando-a ao réu. Na prática, como
produzida a perícia e após manifestação das partes so-
bre a mesma, é designada audiência para terminar a
instrução, ou seja, o que aconteceria no Sumário, acon-
tece no ordinário, é supérflua e leva a confusão a de-
terminação do prosseguimento do Sumário com rito
ordinário, porque na fase recursal não se aplicarão as
disposições relativas ao Sumário, ou seja, haverá neces-
sidade de revisor, não está adstrita a julgamento em 40
dias etc. (BORTOLAI, Edson Cosac. As reformas do CPC
e o procedimento sumário. Juris Plenum, Caxias do Sul:
Plenum, v. 1, n. 92, jan./fev. 2007. 2 CD-ROM).

RITO ORDINÁRIO

Caso o juiz entenda que deve haver a conversão do rito, este passará a
ser ordinário.

JUIZ DESIGNA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

Após a análise das questões suscitadas pelas partes, não sendo o caso de
conversão do rito para ordinário, o juiz designará audiência de instrução e julga-
mento, se houver necessidade de produção de prova oral.
O artigo 278, § 2º do CPC prevê que a audiência de instrução e julgamen-
to deverá ser designada para data próxima, não excedente a trinta dias, salvo
quando houver determinação de perícia.
Importante ressaltar que, no rito sumário, as audiências poderão ser de-
signadas no período de férias forenses, conforme estabelece o artigo 174, II do
CPC.
As partes deverão ser intimadas pessoalmente na audiência preliminar, e
as testemunhas serão intimadas através do correio ou por Oficial de Justiça.
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMÁRIO 379

Quando necessária a prestação de esclarecimentos, deverão ser intima-


dos para audiência o perito e os assistentes técnicos.

OITIVA DOS PERITOS, TESTEMUNHAS, DEBATES

Aberta a audiência de instrução e julgamento, alguns doutrinadores en-


tendem que o juiz deverá propor, novamente, a conciliação entre as partes,
porém tal tentativa não é obrigatória, uma vez que não foi estabelecida por lei.
Em seguida, verificada a impossibilidade de conciliação entre as partes, o
juiz deverá fixar os pontos controvertidos e passar para a coleta da prova.
A ordem de produção da prova é aquela estabelecida no artigo 452 do
CPC, ou seja, primeiro serão ouvidos os peritos e assistentes técnicos; após, o
juiz tomará os depoimentos pessoais das partes; e, por fim, ouvirá as testemu-
nhas do autor e do réu.
O artigo 279 do CPC estabelece que os atos probatórios realizados em
audiência poderão ser documentados através de taquigrafia, estenotipia ou ou-
tro método hábil de documentação, sendo que a sua transcrição somente se
procederá se o juiz determinar. O parágrafo único do mesmo dispositivo legal diz
ainda que, em caso de não haver na Comarca taquigrafia, estenotipia ou outro
método de documentação, os depoimentos serão reduzidos a termo, mas ape-
nas constará o essencial.
Instruído o feito, o juiz passará, imediatamente, para os debates orais, e
as partes terão 20 (vinte) minutos prorrogáveis por mais 10 (dez) minutos para
se manifestar, conforme estabelece o artigo 454 do CPC.

HIPÓTESES PREVISTAS NOS ARTIGOS 329 E 330, I DO CPC

Não sendo caso de designação de audiência de instrução e julgamento,


ocorrendo alguma das hipóteses previstas nos artigos 329 e 330, I do CPC, o juiz
deverá de imediato proferir a sentença.
O artigo 330, I do CPC é a hipótese de julgamento antecipado da lide, já
mencionado no item específico.
O artigo 329 do CPC é a hipótese do julgamento conforme o estado do
processo. Poderá ocorrer a extinção do feito sem resolução de mérito (art. 267
do CPC) ou com resolução de mérito (art. 269, incisos II a V, do CPC).
380 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

SENTENÇA NA AUDIÊNCIA OU NO PRAZO DE 10 DIAS (ART.


281 DO CPC)

Em audiência, ou no prazo de 10 dias, o juiz proferirá


sentença, após os debates orais (art. 281). Quanto à
forma, impende acentuar a admissibilidade da sentença
estenotipada, posteriormente objeto de versão
datilográfica. Tirante tal aspecto, em nada diferirá o pro-
nunciamento do juiz, máxime nos seus requisitos
extrínsecos (art. 458) e substanciais, do paradigma do
rito ordinário. Por outro lado, a inobservância do prazo
de 10 dias só possui efeitos administrativo e disciplinar.
A prolação da sentença é desejável, e com tal atitude o
magistrado corresponderá às expectativas nele deposi-
tadas pelo princípio da oralidade. (ASSIS, Araken de.
Procedimento sumário. São Paulo: Malheiros, 1996.
p. 116-117).
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMARÍSSIMO

Petição inicial escrita


ou relato oral
(Art. 14 da Lei nº
9.099/95)

Independente de
autuação e distribuição
designa-se audiência
de conciliação
(Art. 16 da Lei nº
9.099/95)

Audiência de
Conciliação
Ausente o réu (revelia) Ausência do autor
(Art. 20 da Lei nº
9.099/95) Extinção do feito

Preclusão de matéria
de fato - salvo se o
Acordo
contrário resultar da
convicção do juiz.
(Art. 20, "in fine", da Lei Ausência de acordo Lavratura e
nº 9.099/95) homologação do termo
de acordo
Audiência de Instrução
e julgamento

Decisão de plano sobre Resposta do Réu, oral Apresentação de


incompetência do ou escrita documentos por parte
juizado ou do autor
ilegitimidade de parte e
demais incidentes que
possam interferir no
seguimento da Pedidos contrapostos
audiência Oitiva das partes, (Artigos 17, § único, 31
(Art. 29 da Lei nº coleta de provas na "in fine" e 29, 2ª parte,
9.099/95) audiência (Art. 28 c/c todos da Lei nº 9.099/95)
art. 33 ambos da Lei nº
9.099/95)
Contestação ao pedido
contraposto
Sentença na audiência (Art. 31, § único da Lei nº
por parte do juiz leigo 9.099/95)
ou em 10 dias (Art. 40
da Lei nº 9.099/95)

Juiz togado proferirá Homologação pelo juiz Juiz togado requer


outra sentença togado novas provas antes de
proferir sentença
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMARÍSSIMO 383

CONCEITO

Segue-se o rito sumaríssimo, na ação de reparação por danos morais,


sempre que se tratar de causas cíveis de menor complexidade, assim considera-
das aquelas em que o valor da causa não exceder 40 (quarenta) salários míni-
mos ou aquelas enumeradas no art. 275, inciso II, do CPC (art. 3º, caput e
incisos, da Lei nº 9.099/95).
Alfeu Bisaque Pereira, ao tratar sobre o rito processual nos Juizados Es-
peciais, assim expõe:
[...] autores têm sustentado que apenas a matéria é
limitadora da competência. Assim, seria possível aforar
pedido de reparação de danos materiais e morais decor-
rentes de acidente de trânsito, por exemplo, em que a
soma chegasse a R$ 150.000,00, por hipótese. Várias
razões justificam a impossibilidade dessa interpretação,
a meu sentir.
Inicialmente, é preciso atentar para a razão da própria
existência desse procedimento [...]
Quando imaginados e implantados os primeiros procedi-
mentos, [...] pretendia atender às demandas reprimi-
das, compreendidas estas como as que, em razão da
significação econômica pouco expressiva, não justifica-
vam o procedimento tradicional.
Sob este fundamento se espalharam os Juizados com a
idéia de que essas contendas fossem trazidas a juízo e
resultassem em composição. [...]
Como se tratavam de demandas sem maior expressão,
as custas seriam dispensadas, como continuam sendo,
ex vi do art. 54 da Lei nº 9.099/95. [...]
A par disso, quando o inc. II menciona as causas enu-
meradas no art. 275, inc. II, do Código de Processo
Civil, não repete o mandamento daquele dispositivo que
acrescenta: nas causas qualquer que seja o valor.
Portanto, o legislador de 1973 estabeleceu o elenco de
matérias inseridas no procedimento sumário, como fez
o de 1995, mas excluindo qualquer limite de valores, o
que não foi feito agora e, entendo, nem poderia, dada
a finalidade e princípios norteadores dos Juizados Cíveis.
[...]
Logo, no exemplo antes citado, o pedido de reparação
de danos materiais e morais, mesmo elencado entre os
que compõem o inc. II do art. 275 do CPC, em sede de
Juizados Especiais, deve-se limitar ao valor de alçada
estabelecido na lei especial. [...]
Sabe-se que nenhuma condenação pode ultrapassar o
valor de alçada porque o excedente é ineficaz. A própria
lei estabelece quando esse limite pode ser ultrapassado,
384 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

fixando que apenas quando se tratar de transação - art.


3º, § 3º, última parte, ou quando for homologado
judicialmente acordo extrajudicial de qualquer valor ou
natureza -, art. 57. (PEREIRA, Alfeu Bisaque. Juizados
Especiais Cíveis: uma escolha do autor em demandas
limitadas pelo valor do pedido, ou da causa. Juizados
Especiais Cíveis e Criminais. Caxias do Sul: Plenum, 2004.
1 CD-ROM).

O jurista Rui Stoco assim diz:


[...] a ação de reparação de danos também poderá ser
ajuizada nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, por op-
ção do autor, quando o valor da causa não exceder a 40
(quarenta) vezes o salário mínimo, nos termos do art.
3º, inciso I, da Lei 9.099/95 ou, independentemente
do valor da causa, naquelas hipóteses enumeradas no
art. 275, inciso II, do CPC (Lei 9.099/95, art. 3º, II).
[...]
Contudo, como a Lei dos Juizados Especiais Cíveis Esta-
duais (Lei 9.099/95) não estabeleceu sua competência
absoluta, como fez a Lei dos Juizados Especiais Cíveis
Federais (art. 3º, § 3º), até o limite de 40 salários míni-
mos, nada impede o autor de optar entre o procedi-
mento sumaríssimo da Lei 9.099/95 e o procedimento
sumário do art. 275, inciso I, do Código de Processo
Civil.
[...]
Cabe reiterar, ainda, não obstante renomadas e respei-
táveis vozes em sentido contrário, que o autor ou víti-
ma pode optar por um ou outro dos ritos referidos
(sumaríssimo da lei especial e sumário do Código de Pro-
cesso Civil).
Essa opção já nos pareceu clara apenas diante da dic-
ção do art. 3º, § 3º, da Lei 9.099/95 ao dispor que ‘a
opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará
em renúncia ao crédito excedente ao limite estabeleci-
do neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação’.
Mas, se esse preceito pode conduzir a dúvidas e a dis-
sidência hermenêutica, o cometimento ou entrega de
competências idênticas às varas comuns, sob o proces-
so sumário e aos Juizados Especiais Cíveis as espanca.
Em outras palavras: se o processo sumário, em sede de
indenização em ações de responsabilidade civil, abriga a
mesma competência para processar e julgar causas que
tais, atribuída aos Juizados Especiais Cíveis, caberá ao
autor escolher um ou outro.
[...]
Obtempere-se, porém, que o interessado poderá optar
entre o rito ordinário e o procedimento dos Juizados
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMARÍSSIMO 385

Especiais, ainda que o valor da causa ultrapasse o limite


de 40 salários mínimos, desde que renuncie ao valor
excedente a esse limite (Lei 9.099/95, art. 3º, § 3º).
(STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 1.309-1.311).

PETIÇÃO INICIAL ESCRITA OU RELATO ORAL - ART. 14 DA


LEI Nº 9.099/95

A petição inicial poderá ser escrita ou oral e deverá ser dirigida à Secre-
taria do Juizado, contendo os requisitos previstos no § 1º do artigo 14, da Lei nº
9.099/95:
§ 1º Do pedido constarão, de forma simples e em lin-
guagem acessível:
I - o nome, a qualificação e o endereço das partes;
II - os fatos e os fundamentos, de forma sucinta;
III - o objeto e o seu valor.

O pedido poderá ser genérico, quando não for possível determinar, desde
logo, a extensão da obrigação, nos termos do art. 14, § 2º, da Lei dos Juizados
Especiais.
Nesse sentido, a jurisprudência já se manifestou, mesmo quando o pedi-
do for de reparação por danos morais.
PETIÇÃO INICIAL - EMENDA. Retificação do valor da
causa para aquele pretendido a título de danos morais -
Desnecessidade - Pedido genérico - Inteligência do arti-
go 286, II do Código de Processo Civil - Quantum do
prejuízo moral que será arbitrado pelo Magistrado no
momento da prolatação da sentença, após encerrada a
instrução, quando serão apurados todos os elementos
a permitir uma justa estimativa e pedido genérico, ade-
mais, que não fere o direito de defesa da parte contrá-
ria, que pode discutir a incidência ou não do ressarci-
mento moral pretendido - Valor da causa mantido - Re-
curso provido para este fim. BRASIL. Tribunal de Alçada
Civil (1. São Paulo). Agravo de instrumento nº 968.797-6.
4. Câmara Cível. Relator: Rizzatto Nunes. Decisão unâni-
me. São Paulo, 22 de novembro de 2000.
[...] Despicienda, na ação de reparação de danos, a
formulação, na inicial, de pedido determinado relativa-
mente ao montante da indenização postulada pelo au-
tor, quando o quantum a ser ressarcido é suscetível de
apuração em liquidação de sentença. Observância dos
arts. 286, II, e 258 do Código de Processo Civil. IV -
Recurso especial conhecido e provido em parte apenas
para manter o valor da causa fixado na petição inicial.
386 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial


nº 194.540 (1998/0083270-0), do Distrito Federal, 3. Tur-
ma. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Decisão unâni-
me. Brasília, DF, 06 de fevereiro de 2001. Diário da Jus-
tiça da União de 25 de junho de 2001.

Quando o pedido for oral, este deverá ser reduzido a escrito pela Secre-
taria do Juizado, que poderá se utilizar de sistema de fichas e formulários im-
pressos (art. 14, § 3º).
Outro aspecto importante de se ressaltar é que os pedidos poderão ser
alternativos ou cumulados, sendo que nesta última hipótese desde que conexos
e a soma não ultrapasse o limite fixado no art. 3º da Lei dos Juizados Especiais
Cíveis (art. 15).

INDEPENDENTE DE AUTUAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DESIGNA-


SE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO - ART. 16 DA LEI Nº
9.099/95

Após o recebimento da petição pela Secretaria do Juizado, independente-


mente de distribuição e autuação, será designada a audiência de conciliação, a
ser realizada no prazo de quinze dias, tendo em vista este procedimento ser
mais célere que o comum (art. 16, da Lei dos Juizados Especiais).

AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO

Comparecendo inicialmente ambas as partes, instaurar-se-á, desde logo, a


sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação (art. 17).
A audiência de conciliação poderá ser conduzida por juiz togado ou leigo,
ou conciliador.
O juiz, ou conciliador, permitirá que as partes discutam sobre o litígio,
advertindo-as, se necessário, que o ambiente exige respeito mútuo. Também
serão advertidas sobre as vantagens da conciliação (art. 21).
Caso as partes não cheguem a um acordo, quem estiver conduzindo a
sessão deverá sugerir alternativas concretas, como a possibilidade de pagamen-
to parcelado, ou a entrega de um bem, ou, ainda, um pedido público de descul-
pas etc.

ACORDO

Se houver acordo entre as partes, este deve ser reduzido a termo, sendo
especificada a forma, o prazo e o local para o cumprimento da obrigação.
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMARÍSSIMO 387

Quando as partes transigirem que o pagamento da dívida será feito no ato


da audiência, o conciliador ou o juiz togado ou leigo, deve consignar, no termo,
que o valor recebido é suficiente, para que os litigantes não ajuízem outra ação.
Deverá também identificar o cheque dado em pagamento, com todos os dados
indispensáveis (emitente, banco, agência e conta), e fazer constar que será
necessária a compensação do mesmo para que o acordo tenha validade.
É recomendável que se estabeleça uma inserção de multa cumulativa (a
ser exigida juntamente com a obrigação principal) quando houver pagamento
parcelado, para os casos de mora ou inadimplemento (art. 411 do Código Civil).
Deverá, ainda, ser consignado no termo o local do pagamento, a data, a espécie
de recibo a ser fornecido e a previsão do vencimento antecipado do total devido,
caso alguma das parcelas não seja paga.

LAVRATURA E HOMOLOGAÇÃO DO TERMO DE ACORDO

Após a assinatura das partes, o termo deve ser encaminhado ao Juiz


togado, quando a sessão não for conduzida por este, para verificação e homolo-
gação.

AUSÊNCIA DO AUTOR E EXTINÇÃO DO FEITO

Se o autor não comparecer à audiência de conciliação, sua ausência acar-


retará a remessa dos autos ao Juiz togado, para que proceda a extinção do
processo, nos termos do art. 51, I, da Lei 9.099/95.

AUSENTE O RÉU (REVELIA) - ART. 20 DA LEI Nº 9.099/95

A ausência do réu implicará a remessa dos autos ao Juiz, para que seja
verificada a incidência dos efeitos da revelia, ou seja, se os fatos alegados no
pedido inicial serão reputados como verdadeiros (art. 20 da Lei 9.099/95).

PRECLUSÃO DE MATÉRIA DE FATO - SALVO SE O


CONTRÁRIO RESULTAR DA CONVICÇÃO DO JUIZ - ART. 20,
“IN FINE”, DA LEI Nº 9.099/95

Caso o réu não compareça à sessão de conciliação ou à audiência de


instrução e julgamento, haverá preclusão da matéria de fato. Se o juiz, porém,
estiver convicto de que a decisão é contrária ao autor, não poderá decidir em
favor deste.
388 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

AUSÊNCIA DE ACORDO

Não havendo acordo entre as partes, e não sendo instituído o Juízo arbitral
(arts. 24 a 27 da Lei nº 9.099/95), compete ao juiz togado ou leigo, ou ao
conciliador, orientar as partes, para que mencionem as provas que pretendem
produzir na audiência de instrução e julgamento, tais como testemunhas, no
máximo de três, e documentos.

AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

A audiência de instrução e julgamento será procedida imediatamente,


desde que não resulte prejuízo para a defesa (art. 27, caput da Lei nº 9.099/95).
Caso não seja possível a continuação da audiência, será designada nova data
para instrução e julgamento, nos quinze dias subseqüentes, dando-se ciência às
partes e às eventuais testemunhas presentes (parágrafo único do art. 27 da Lei
dos Juizados Especiais).

DECISÃO DE PLANO SOBRE INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO


OU ILEGITIMIDADE DE PARTE E DEMAIS INCIDENTES QUE
POSSAM INTERFERIR NO SEGUIMENTO DA AUDIÊNCIA -
ART. 29 DA LEI Nº 9.099/95

Quando as partes forem pessoas físicas, estas deverão comparecer pes-


soalmente às audiências designadas, conforme estabelece o art. 9º da Lei 9.099/95.
As pessoas jurídicas e a firma individual deverão se fazer representar na
pessoa do sócio, com poderes para representação, do preposto, devidamente
credenciado ou, ainda, pelo titular. O documento que comprova tais poderes é o
ato constitutivo da empresa, que poderá ser o estatuto ou o contrato social, a
declaração de firma individual, ou a carta de preposição, que deverá vir autenti-
cada e acompanhada de comprovação dos poderes de seu signatário.
Se o juiz entender que algumas das partes presentes não são legítimas
para estar em Juízo, deverá declarar a sua ilegitimidade.
Outro ponto importante é com relação à competência do Juízo.
Nos casos de reparação por dano moral, a regra geral para fixação da
competência se estabelece pelo local do ato ou fato, conforme art. 100, inciso V,
alínea “a”, do Código de Processo Civil.
Nesse sentido:
[...] Enquanto a norma do art. 100, IV, “a”, objetiva
fixar o foro geral das pessoas jurídicas, a regra do inciso
V, “a”, do mesmo artigo, sobre ela prevalece em se
AÇÃO DE DANOS MORAIS - RITO SUMARÍSSIMO 389

tratando de ação de reparação de dano moral. BRASIL.


Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 178.264
(1998/0043751-7), do Distrito Federal, 4. Turma.
Relator: Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Decisão
unânime. Brasília, DF, 01 de setembro de 1998. Diário
da Justiça da União de 03 de novembro de 1998,
p. 167.

Todos esses incidentes devem ser decididos de plano, para que não pos-
sam interferir no seguimento da audiência, nos termos do art. 29 da Lei nº
9.099/95.

APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS POR PARTE DO AUTOR

Iniciada a audiência de instrução e julgamento, o juiz receberá os docu-


mentos do autor para examiná-los, dando vista, em seguida, ao requerido, para
que se manifeste, juntamente com a contestação.

RESPOSTA DO RÉU - ORAL OU ESCRITA

O réu poderá oferecer resposta de forma oral ou escrita, na qual constará


toda a matéria de defesa, com exceção da argüição de suspeição ou impedimen-
to do juiz, que deverá ser processada de acordo com a legislação em vigor (art.
30, da Lei dos Juizados Especiais Cíveis).

PEDIDOS CONTRAPOSTOS - ART. 17, PARÁGRAFO ÚNICO,


ART. 31, “IN FINE” E ART. 29, 2ª PARTE, TODOS DA LEI Nº
9.099/95

No procedimento sumaríssimo, previsto na Lei nº 9.099/95, não cabe


reconvenção.
Todavia, é possível o réu formular pedido em seu favor, nos limites do art.
3º da referida lei, desde que fundado nos mesmos fatos que constituem objeto
da controvérsia (art. 31, in fine).
Havendo pedido contraposto poderá ser dispensada a contestação for-
mal, sendo que ambos os pedidos serão apreciados na mesma sentença (art.
17, parágrafo único e art. 29, 2ª parte, da Lei nº 9.099/95).

CONTESTAÇÃO AO PEDIDO CONTRAPOSTO - ART. 31,


PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 9.099/95

Realizado pedido contraposto, a parte autora terá que apresentar contes-


tação na própria audiência, ou solicitar que seja designada nova data, que já
390 DANO MORAL E SUA QUANTIFICAÇÃO

deverá ser fixada, cientificando-se todas as partes presentes (parágrafo único


do art. 31, da Lei dos Juizados Especiais).

OITIVA DAS PARTES, COLETA DE PROVAS NA AUDIÊNCIA -


ART. 28, C/C ART. 33, AMBOS DA LEI Nº 9.099/95

O artigo 32, da Lei dos Juizados Especiais Cíveis prevê que: “Todos os
meios de prova moralmente legítimos, ainda que não especificados em lei, são
hábeis para provar a veracidade dos fatos alegados pelas partes”.
Assim, as provas devem ser produzidas na audiência de instrução e julga-
mento, ainda que não tenham sido requeridas com antecedência, podendo o Juiz
limitar ou excluir aquelas que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias
(art. 33 da Lei nº 9.099/95).
Autor e Réu poderão arrolar no máximo três testemunhas, que serão
levadas pela parte a comparecer à audiência, independentemente de intimação.
Se a parte requerer antecipadamente a intimação da testemunha, o juiz deverá
determinar a diligência (art. 34, da Lei dos Juizados Especiais Cíveis).
Se necessário poderão ser realizadas outras espécies de provas, tais como:
inquirição de técnicos ou inspeção de pessoas ou coisas (arts. 35 e parágrafo
único da Lei nº 9.099/95).
A prova oral não será reduzida a termo, sendo que o juiz, ao proferir a
sentença, irá referir apenas o essencial dos depoimentos colhidos (art. 36 da Lei
do JEC).

SENTENÇA NA AUDIÊNCIA POR PARTE DO JUIZ LEIGO OU


EM 10 DIAS - ART. 40 DA LEI Nº 9.099/95

A sentença será proferida contendo brevemente o resumo dos fatos rele-


vantes ocorridos em audiência, dispensando-se o relatório.
Mesmo que o pedido seja genérico, é inadmitida a sentença ilíquida. Tam-
bém é ineficaz a parte da sentença condenatória que exceder o limite estabele-
cido na Lei dos Juizados Especiais.
O artigo 40 da Lei nº 9.099/95 dispõe que o juiz leigo que dirigiu a instru-
ção deverá proferir a sua decisão e imediatamente submetê-la ao juiz togado,
que poderá seguir três caminhos:
a) homologar a decisão;
b) proferir outra em substituição; ou
c) determinar a realização de outras provas que entender necessárias,
antes de se manifestar.

S-ar putea să vă placă și