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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E


SEMIÓTICA

KATRIN RIATO

A horizontalização nos processos da produção cinematográfica:


Estudos a partir de Gabriel Mascaro e o caso Pernambucano

Artigo apresentado como requisito parcial


para aprovação na disciplina “A Teoria da
Mídia de Harry Pross”, ministrada pelo
Prof. Dr. Norval Baitello Junior, que está
inserida dentro do programa de
Comunicação e Semiótica da PUC-SP.

São Paulo
2019
1

A horizontalização nos processos da produção cinematográfica:


Estudos a partir de Gabriel Mascaro e o caso Pernambucano

Katrin Riato1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP

RESUMO
Este artigo tem como objetivo abordar os processos de horizontalização na
produção cinematográfica, tendo como objeto de estudo o filme Avenida Brasília
Formosa do diretor pernambucano Gabriel Mascaro. Também será discutido como o
processo da vertical e horizontal são representadas simbolicamente na
representação arquitetônica da cidade de Pernambuco, cenário do filme, a partir de
uma articulação com os conceitos de verticalismo, sincronização, teoria da mídia,
amplificação do eu e campo simbólico do jornalista e cientista político alemão
Harry Pross.
PALAVRAS-CHAVE: cinema; verticalismo; Gabriel Mascaro; horizontalidade;
Pernambuco.

ABSTRACT
This article has as objective to approach the processes of horizontalization in the
cinematographic production, having as object of study the movie Avenida Brasília
Formosa of the director from Pernambuco Gabriel Mascaro. It will also be discussed
how the process of vertical and horizontal are represented symbolically in the
architectural representation of the city of Pernambuco, scenario of the film, from an
articulation with the concepts of verticalism, amplification of the self and symbolic
field of the journalist and german political scientist Harry Pross .
KEY WORDS: cinema; verticalism; Gabriel Mascaro; horizontality; Pernambuco.

1
Pesquisadora e mestranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, onde desenvolve a
pesquisa Performatividade como procedimento no Cinema Contemporâneo: Estudos a partir de Gabriel Mascaro.
Graduada em Comunicação Social com habilitação Rádio e TV, pela FAAP (2017) e cursando MBA em
Marketing pela USP. Atriz formada pelo Studio Fátima Toledo (2017). É integrante do Grupo de Estudos
Extremidades: redes audiovisuais, cinema, performance e arte contemporânea, coordenado por Christine Mello.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/6314624689311435
E-mail: katrinriato@gmail.com
2

INTRODUÇÃO

A realidade contemporânea cíbrida2 vem passando diversas transformações


no que tange a arte, cultura e comunicação. O processo de desenvolvimento da
tecnologia está ampliando conceitos, e dentro dessa realidade há a necessidade de
compreender novos formatos e hibridizações que estão em andamento.

“A popularização dos dispositivos portáteis de comunicação sem-fio com


possibilidade de conexão à internet e a implantação de hotspots que permitem
acesso à rede via ondas de rádio (Wi-Fi, wireless fidelity) apontam para a
incorporação do padrão de vida nômade e indicam que o corpo humano se
transforma, rapidamente, em um conjunto de extensões ligadas a um mundo cíbrido,
pautado pela interconexão de redes e sistemas on e offline” (BEIGUELMAN, 2005,
p.1)

O surgimento de novas plataformas digitais, as redes sociais, a vida


acontecendo offline e online sincronicamente, criam necessidades, formas de vida e
uma estrutura social engendradas sobre conexionismos, processos colaborativos,
compartilhamentos, novas presenças, o real time e a construção de uma rede
agenciadora de experiências compartilhadas.

Dentro desse contexto, o cinema é atravessado por essa realidade criando


novas perspectivas e olhares sobre o cinema contemporâneo.

Nesse sentido, o presente artigo busca compreender a produção audiovisual


contemporânea, que parece basear-se, acima de tudo, no processo de
horizontalização da produção, da dissolução de hierarquias, no encontro de corpos,
novos modos de estar no mundo, compartilhamento de experiências, ocupações de
espaços e mobilizações de forças coletivas, colaborativas e afetivas. Junto a isso,
busca-se aqui compreender o conceito de horizontalidade, buscando alicerces e

2
O termo cíbrido foi gerado pelo arquiteto Peter Anders, para caracterizar um meio híbrido onde se
manifestam as modos sociais relacionadas à cibercultura. Com a disseminação da Internet 1.0 nos
anos 90, em que há a popularização dos computadores pessoais, grandes áreas do conhecimento e
da arte se estudaram as implicações da origem de um novo ambiente: o espaço virtual.
3

diálogo com os conceitos da horizontal e vertical de Pross3, assim como seus


aspectos simbólicos e relativos aos conceitos de poder.

Cinema Industrial e Cinema Pós-Industrial

Uma nova maneira de se produzir cinema no contemporâneo está


diretamente relacionado com o sistema econômico em que vivemos hoje,
denominado por alguns autores como capitalismo pós-industrial. Para Cezar
Migliorin4, em seu ensaio Por um Cinema Pós-Industrial, expressa que a forma como
vivenciamos o capitalismo hoje está diretamente relacionada com a produção de
cinema, que não é mais pautada por uma indústria, que tem estrutura vertical, e sim,
estabelecida dentro de relações horizontais:

O cinema pós-industrial se constitui com uma outra estética do


set e das produtoras. Grupos e coletivos substituem as
produtoras hierarquizadas, com pouca ou nenhuma separação
entre os que pensam e os que executam. O que temos visto
nos filmes reflete novas organizações de trabalho já distantes
do modelo industrial.
(MIGLIORIN, 2011, p.4)

Essa formação, é oposta à lógica industrial moderna, verticalizada, aonde os


sujeitos têm lugar e espaço definido para ocuparem em sociedade. Nessa lógica, o
cinema é organizado de maneira hierárquica na produção, de modo que haja
roteirização e organização prévia, determinados pela previsibilidade, rejeitando
qualquer tipo de desestabilização. Dentro do sistema industrial, temos a noção de
poder bem estruturada, em que cargos e posições podem ser facilmente localizados
pela própria estrutura do set de gravação. Um exemplo clássico é o posicionamento
do diretor: a cadeira do diretor é mais alta que a do resto da equipe, ele tem acesso
à uma pequena televisão que mostra o que está sendo gravado em tempo real, ou

3
Harry Pross (Karlsruhe, 2 de setembro de 1923-Weiler-Simmerberg, Distrito de Lindau, 11 de março
de 2010) jornalista, radialista, cientista político e da comunicação, assumiu de 1968 a 1983, a cátedra
de Política da Comunicação da Universidade Livre de Berlim. A partir do final da década de 60,
construiu uma Teoria dos Meios de Comunicação pioneira.
4
Cezar Migliorin foi presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual e
atualmente é professor do Departamento de Cinema e membro do Programa de Pós-Graduação em
Cinema e Audiovisual na UFF.
4

seja, tem a visão mais próxima da totalidade da cena, e somente ele tem acesso à
essa visão. Sua voz é a única que pode ser verticalizada sonoramente, pois ele tem
acesso exclusivo ao megafone, e portanto, pode falar mais alto que todos e atingir
espaços mais longínquos com a reverberação de sua voz. Ele também tem o
controle do tempo, e pode dizer quando a claquete bate, determinando o início da
cena, e quando deseja terminar a gravação, basta dizer “corta!”. O diretor tem
controle do espaço e do tempo, e isso é apenas um exemplo do que é estudado por
Pross, quando o autor fala das origens da horizontal e da vertical, da ontogênese da
comunicação humana e como isso se relaciona simbolicamente com o poder.

A dominação, entendida como regulação da comunicação, se apresenta com


uma grande quantidade de combinações de símbolos, de dentro e de fora, do
acima e do abaixo, o claro e o escuro. (tradução livre)
(PROSS, 1980, p.81)

Para Pross, a experiência do espaço inicia-se na infância de forma horizontal,


no chão, e ao longo do tempo, o indivíduo conquista a vertical.
A conquista tanto da horizontalidade como da verticalidade é a experiência
pré-predicativa do espaço. Porém, essa conquista se mostra em sociedade, de
forma simbólica, pois Pross compreende que há um raio de alcance horizontal
social, e também há um raio de alcance na vertical, e isso está relacionado
diretamente com a estrutura simbólica do poder e o conceito de campo.
Para o autor:

“A sinalização vertical <erguida> como objeto, transforma o espaço em


seu entorno. E o espaço circundante sinalizado pelos quatro lados,
nós o designamos como campo. A ocupação do campo já marcado
com signos se revelou como sua apropriação simbólica. E o campo
assim apropriado, por sua vez, como um símbolo de espaços maiores;
que permite transferir para outras relações sociais (veja o campo de
jogo, o campo de batalha) decisões adotadas lá” (tradução livre)

(PROSS, 1980, p.58-59)


5

Nessa obra, Pross destaca que essa estrutura do poder e a ordem política
está imersa no cotidiano, pois essa ordem é transportada pelos portadores dos
símbolos, que são os indivíduos, os meios de comunicação e os próprios objetos
que estão no espaço, no campo.
A partir disso, pode-se compreender que o cinema, em seu aspecto industrial
e moderno, apresenta a predominância da vertical, da estrutura hierárquica e com
definições simbolicamente claras, vistas pelos cargos relacionados ao poder.
Pode-se ver essa estrutura através da análise arquitetônica do set
cinematográfico, e pela própria maneira como uma equipe de cinema é organizada.

Fonte: https://8mugen.wordpress.com/2011/02/24/aequipe/

Ainda assim, como pode-se ver no organograma acima, sob uma ótica de
cinema industrial, o produtor executivo está acima de toda a equipe, pois é ele quem
financia e detém o poder de compra dos equipamentos de gravação. Dessa
maneira, o cinema moderno, que não viveu a democratização dos meios e da
tecnologia, teve essa estrutura que permaneceu rígida até meados do início dos
anos 90, momento em que inicia-se o processo de popularização da tecnologia,
fazendo com que essa estrutura se desestabilize, e novos diretores e dinâmicas
6

apareçam, criando uma nova estrutura organizacional, e assim, uma ressignificação


de poderes e simbologias.
Pross não trabalhou o conceito de horizontal tanto quanto trabalhou o
conceito da vertical. Isso é compreensível e adequado ao momento histórico em que
viveu. As relações verticais são a base fundadora da economia, cultura e sociedade
industrial, em que as relações sociais e profissionais são demarcadas de modo
claro, e a temporalidade e sincronização é estabelecida pelo calendário, pelas
guerras e pelos meios tradicionais de comunicação. De modo sucinto, Pross
menciona a horizontal em sua obra Estructura Simbólica del Poder:

A horizontal une-se no mesmo plano, separando o acima do abaixo.


Outras delimitações de horizonte são a sucessão de sinalizações,
fronteiras, cercas, muros, linhas de perigo de morte. A relação de
acima e de abaixo na simbologia política, na forma lingüística e
presentativa, funciona como um meio de obrigar a obediência, por não
ter dado antecipadamente a vertical e qualquer limite para cima, mas
estando vinculada e pesando em direção ao abaixo. Abaixo e escuro
como valores escassos, frente à amplitude, altura e luz. (tradução
livre)
(PROSS, 1980, p.77)

A atual produção contemporânea tem-se como principal eixo fundador o


acontecimento, a produção processual e colaborativa " (...) uma vez que trabalham o
filme dentro de um processo de construção em que o projeto é composto de
intenções, encontros, performances, compartilhamentos - e não de roteiro e
realização, como prevê a lógica industrial." (MIGLIORIN, 2011, p.5).
Para Migliorin, as novas produções cinematográficas carregam as
características de um capitalismo pós-industrial. Este tem como características a
substituição do trabalho físico pelo trabalho imaterial e cognitivo, em que a
subjetividade e forças criativas são convocadas a operarem no interior do processo
produtivo. A produção de imagens está nesse contexto, sendo assim, possível
pensar o trabalho hoje como signo. Para Lazzarato9 (2014, p.39) "os fluxos de
signos são condições de produção tanto quanto os fluxos de trabalho e moeda".
7

" (...) trata-se de um capitalismo flexível, não hierárquico (...) Ou seja, o


capitalismo contemporâneo torna-se, cada vez mais intensamente,
capilarizado à vida ordinária, a seus excessos e suas gratuidades".
(BRASIL; MIGLIORIN, 2010, p.88)

No capitalismo industrial o valor está no produto e é baseado na lógica da


restrição e do controle. Enquanto algo tem valor, há algo que não tem.
Já no capitalismo pós-industrial, o valor é localizado no que é gerador e
propagador: é intensificado pelo compartilhamento, pela viralização5. Na estrutura
industrial, os meios de produção estão localizados na classe dominante/que
possuem poder ou status; no segundo momento, os meios são dispersivos,
deslocados e acessíveis.
Nesse sentido, poderíamos pensar a organização do cinema como a própria
organização em rede, como pode-se observar essa estrutura no espaço virtual.
Dessa maneira, pode-se pensar a organização da equipe cinematográfica
hoje dentro de um modelo rizomático.

Ao fazer uma analogia com os termos da botânica, clareia-se o


significado deste conceito a nível filosófico. Na biologia, um
rizoma é uma estrutura componente em algumas plantas cujos
brotos podem ramificar se em qualquer ponto e transformar-se
em um bulbo ou um tubérculo. Este rizoma pode funcionar
como raiz, talo ou ramo, independente de sua localização na
planta.

(MEIMES; RAMOS, 2010, p.1)

Diferentemente de uma árvore, portanto, o rizoma tem a capacidade de


conectar um ponto a qualquer outro. Não possui uma raiz pivotante (inexistência de
uma unidade que sirva de pivô). Esse tipo de organização desterritorializada,
horizontal e multiplicadora é vista no atual cinema contemporâneo.
Isso não significa que essa nova horizontalidade nos processos e formas são
uma alternativa ao atual sistema econômico, muito pelo contrário, no atual

5
Fenômeno decorrente do ambiente virtual que ocorre com o compartilhamento simultâneo e
abundante num curto período de tempo entre um grande número de pessoas.
8

capitalismo cognitivo e imaterial, a flexibilidade e a não hierarquização são


fundamentais para a preservação da estrutura econômica.
Vladimir Safatle em sua obra Cinismo e Falência da Crítica (2008), identifica
que a sociedade de consumo levou os processos de socialização do desejo para o
âmago do capitalismo. Sendo assim, esses processos não dependem mais da
repetição da norma e de estereótipos pois eles estão desterritorializados. Dessa
forma, a flexibilização e as horizontalidades também servem para a manutenção do
capitalismo.

O que pode ser entendido como afirmação de que o capitalismo não


procurava mais impor conteúdos normativos privilegiados, mas
socializar o desejo através de sua desterritorialização violenta, da
fragilização de seus próprios códigos, da flexibilização das identidades
que ele mesmo produz.
(SAFATLE, 2008, p.18)

Identificado isso, pode-se perceber a importância do audiovisual diante do


capitalismo cognitivo e imaterial, pois na sua dimensão micropolítica e inserido
dentro dos fluxos subjetivos, o cinema tem a capacidade de tensionar as formas
hegemônicas de poder.

Podemos dizer, assim, que a guerra econômica do capitalismo é uma


guerra sensível, uma disputa que se dá na virtualidade, no
acontecimento. É nessa disputa, sem fora, que o documentário
encontra e tensiona o capitalismo.
(MIGLIORIN, 2011, p.19)

Dessa maneira, tem-se aqui um processo de horizontalização que foi ganhado


com a democratização da tecnologia, mas ao mesmo tempo, esse processo ganhou
forças maiores e poder, podendo-se questionar até que ponto a horizontalidade
pode estar mais próxima da verticalidade hoje. Porém, um fenômeno dentro do
cinema pernambucano parece reafirmar o colaborativo de forma positiva em termos
de produção, e foi nomeado localmente de brodagem.
9

Redes colaborativas e o fenômeno da Brodagem

O fenômeno da brodagem, gíria que é um aportuguesamento da palavra


brother (irmão em inglês), demonstra um modo de produção e organização coletiva,
local e colaborativa das produções audiovisuais em Pernambuco, que também se
estabelece num sistema afetivo de amizades e favores. O próprio nome faz alusão
a um sistema horizontal, de irmandade, de coletivo e de família.
Assim dito por Amanda Mansur Custódio Nogueira "Cada cineasta, por si só,
estabelece e estreita essas relações, ao aprovar novos projetos, conseguindo
emprego para os outros amigos e retribuindo favores. Assim, a manutenção do
emprego de cineasta, dentro dessa cena audiovisual na cidade, vem do número e da
qualidade das relações estabelecidas" (NOGUEIRA, 2014, p.49).
O filme Avenida Brasília Formosa de Gabriel Mascaro, e outros da produção
contemporânea, podem ser localizados dentro desse contexto de cinema realizado
numa produção comum, que também é resultado de alguns fatores específicos em
Pernambuco, como os mecanismos de financiamentos e editais públicos, utilização
de baixo orçamento e uma nova configuração de distribuição e exibição que se
estabelece na cena audiovisual de Pernambuco.
Nesse sentido é possível localizar essa obra dentro de uma estética
relacional, dada por Bourriad, conceito que desenvolveu através da ênfase entre o
vínculo das relações humanas com a arte, do artista com outros artistas e com seu
"público".
Nessa estética relacional, há uma valorização das relações que os trabalhos
constituem em seu processo de realização e de exibição, com o envolvimento de
artistas e do público, no qual nos encontros dentro e fora do filme, efetivam uma
elaboração coletiva de sentido.
Dessa maneira, o filme se estabelece como uma proposição artística
relacional que cria momentos de sociabilidade e que opera dentro do universo das
relações humanas, e somente com ela, pode existir.
Da mesma maneira, pode-se convocar aqui o pensamento de Norbert Elias6,
que em sua obra A Sociedade dos Indivíduos reitera que é somente nas relações e

6
Norbert Elias (Breslávia, 22 de junho de 1897 — Amsterdã, 1 de agosto de 1990) foi um sociólogo
alemão. É considerada sua magnum opus a obra O Processo Civilizador (1939).
10

por meio delas que “os indivíduos podem possuir características humanas, como
falar, pensar e amar”.
Dentro desse mecanismo de afetos e favores, o cinema contemporâneo,
produzido dentro da lógica do encontro, conta com a presença de corpos, e com ela
somente o cinema existe.
Pross viu o corpo como mídia, algo extremamente inovador em sua época, e
o classificou dentro da sua teoria da mídia como meio primário, em que a
comunicação primária do corpo, e entre corpos, está em jogo. E para essa
comunicação ser realizada, é somente preciso estar vivo, estar no presente.
Esta proposição, da presença do corpo e do encontro entre corpos, é o
leitmotiv7 da grande maioria dos documentários contemporâneos, e pode-se assim
observar, que o cinema hoje é feito a partir do corpo, das relações e da presença. A
reflexão sobre mídia primária foi apresentada na obra Medienforschung, publicada
em 1971.

“Toda comunicação humana começa na mídia primária, na qual os


participantes individuais se encontram cara a cara e imediatamente
presentes com seu corpo; toda comunicação humana retornará a esse
ponto”
(PROSS, 1971, p.128)

Cezar Migliorin expressa essa condição do cinema contemporâneo em


Ensaios no Real, entendendo o termo “conectar” em sua dimensão primária e como
função essencial do “diretor como conector”.

"Conectar, se colocar em relação com o outro, procurar coimplicações,


confrontações com o espaço coletivo; ação no lugar da contemplação,
a experiência para alargar o saber, os gestos, as atitudes, os
conhecimentos, dinamizar as criações e as conexões, possibilitando a
vivência de fenômenos inéditos, “o cineasta como conector”.
(MIGLIORIN, 2011, p.4)

Essa horizontalidade não somente está presente na produção e na relação


construída entre os moradores, já que o jogo de construção do filme se baseia numa

7
Termo alemão, pode ser entendido como “motivo condutor” de uma obra artística ou discurso.
11

invenção compartilhada a partir da construção de conexões entre moradores de


Brasília Teimosa, em que se utiliza a avenida como ponto de encontro.

Mas também se encontra na própria relação horizontal dentro dos elementos


do filme: a cidade, os objetos e as pessoas apresentam igual importância na
composição da obra.
Para Ana Goldenstein, ao observar o Teatro do Absurdo8 e essa
horizontalidade dos elementos e uma não lógica verticalizada dos quadros e cenas
desse movimento teatral, identifica que as horizontalidades são típicas nas
linguagens que estão em tensionamento "Esse tratamento horizontal dos elementos
é comum a outras linguagens, com ênfase naquelas híbridas" (GOLDENSTEIN,
p.34, 2012).

A verticalização da cidade

Esse longa-metragem, também aborda questões sociais e arquitetônicas


acerca do bairro de Brasília Teimosa situado na zona sul de Recife. Com a cidade
como pano de fundo, o filme articula questões sobre a especulação imobiliária,
fenômeno decorrente de uma grande intervenção urbana em 2004, resultando em
uma construção de uma avenida à beira-mar.

Nessa avenida, que dá nome ao filme, são construídos parques, academias,


quiosques e bares. Com esse novo processo de urbanização e construção da
avenida, a região se torna alvo de interesse por parte do mercado imobiliário, em
razão da boa localização e vista à beira-mar.

As imagens do filme, em vários momentos, trazem essa problematização


através da simbolização do poder da vertical, por meio das cenas em que pode-se
observar os prédios altos e imponentes, em meio a comunidade. Novamente,
podemos convocar Pross e sua simbologia do poder. Os prédios representam o
mercado imobiliário tomando conta, aos poucos, de uma região que está ali
estabelecida desde 1947, e que resistiu a inúmeros despejamentos e ações do
8
O teatro do absurdo é um movimento artístico-cultural, espécie de gênero teatral, que surgiu no
começo da década de 1950 na França. O nome, dado em 1961 pelo crítico teatral húngaro Martin
Esslin, é uma referência aos temas absurdos tratados nas peças deste gênero.
12

governo para destruí-la. Esses prédios demonstram a potencialidade da destruição


de toda uma cultura ali estabelecida e de uma comunidade fortemente conectada
em suas relações. Assim como, a presença da comunidade em meio aos prédios,
representa a resistência da comunidade e de sua identidade e cultura local.

9
Frame do filme em que se vê os prédios em meio a comunidade.

Frame do filme em que se vê os prédios atrás do barco do pescador Pirambu, que foi
despejado da comunidade.

9
Frame é uma imagem fixa de um produto audiovisual.
13

Outro aspecto visual e simbólico que pode-se perceber no filme, é a


colocação espacial das pessoas no quadro: os mais afortunados estão sempre na
frente do quadro, e os que possuem baixa renda se localizam ao fundo do quadro.

Frame do filme em que se vê a disparidade social pela ocupação espacial das pessoas na
cena.

Dessa forma, o filme de Mascaro também faz parte da ocupação de Brasília


Teimosa, e por ser cinema, não é uma ocupação física, mas simbólica, que
ressignifica e revela estruturas e relações de poder.
Da mesma forma que Pross inicia seus questionamentos depois de ir para a
guerra e identificar o sentimento e conceito de "nós", coletivo e nação, o cinema aqui
em pesquisa, parte de uma premissa um tanto parecida.
Como o cinema foi afetado pela diluição da hierarquia, consolidando um
cinema colaborativo, baseado na construção de coletivos, na base de afetos e
favores locais?
Para Pross, o rádio, como um dos meios de comunicação principais da época,
era visto como receptor do povo. O rádio tinha capilaridade, política e artística, e
transportava cultura, ciência e arte para a Alemanha. O cinema que é visto aqui, tem
como hipótese principal, produzir esses mesmos efeitos, construindo hoje, uma
geração de cineastas profícuos em Pernambuco, em que o cinema brasileiro, foge
14

da rota Rio-SP, provocando como nunca antes, um cinema de imagens


descolonizadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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