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Entrevista 43
Wânia Sant' Anna
5
Feminismo e sujeito político
Maria Betânia Ávila*
0
84/85 Março/Agosto de 2000
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Os homens tinham história, as mulheres tinham convivência humana, só pode ser buscada se as
destino. Esse destino heterônimo era ditado pelas influências igualadoras se estenderem a todas as
normas patriarcais, cuja instituição fundamental para instâncias da vida social. (Giddens, 1992)
aplicação e controle das mesmas foi a familia nuclear Seguindo as idéias de Giddens (1992) e
moderna. A familia tomou-se, portanto, um ponto concordando com ele, a intimidade só pode existir
de conflito estratégico para o feminismo. dentro de um projeto de democracia da vida privada.
Na reconstrução da história da vida privada, No que concerne à ação do feminismo, considero que
através das práticas feministas de autoconsciência, esse projeto está ligado à história de uma revolta que
o questionamento da vida familiar foi vivido provocou uma ruptura profunda no sentido do próprio
subjetivamente como uma contradição, onde o eu das mulheres e de seu entendimento do mundo.
desvelamento dos resquícios da servidão na Essa ruptura trazida pelo feminismo tem produzido
experiência pessoal significava uma experiência a possibilidade de as mulheres construírem a liberdade
tanto dolorosa quanto libertadora. Esse método para ter acesso à esfera pública como lugar de
revela que o ritual da construção da autonomia passa realização enquanto sujeito, como também de
também pela experiência da perda. É conhecer que construir a democratização nos espaços da vida
a fraqueza, como atributo imposto pelo outro, pode privada, o que significa a possibilidade de construir
ser usada também como artimanha ou estratégia para de fato os espaços da intimidade.
se safar, e não para se libertar do domínio do outro. Um ponto importante de se resgatar, a partir
Neste sentido, é importante trazer a pergunta da prática política feminista, é justamente a relação
que, segundo Chauí, foi feita por Spinoza e Merleau- entre vida cotidiana e democracia. A radicalização
Ponty, que é: "sem uma reflexão (teórica ou prática) do projeto democrático exige que a vida cotidiana
sobre as necessidades que determinam nossa vida, seja tomada como uma questão fundamental da
sem a compreensão de sua origem e de seu sentido, sua agenda política e da reflexão teórica de quem
seria possível a autonomia?" Essa pergunta parece- pensa a transformação social. A partir daí, a
me fundamental para dar significado ao método da dicotomia entre esfera pública e esfera privada e a
prática política feminista e por ser a questão da hierarquização da relação entre produção e
autonomia central na construção do sujeito. reprodução podem ser questionadas e repensadas.
Segundo essa autora, Spinoza, ao respondê-la É bom lembrar que a organização do tempo social
concluiu que "a servidão decorre muito mais de é feita a partir dessa dicotomia e dessa
atribuirmos apenas aos outros o que somos e hierarquização, as quais são baseadas na
fazemos, em lugar de o atribuirmos à nossa fraqueza, desigualdade de gênero, e são fundamentais para
ou melhor, é por fraqueza que depositamos fora de reprodução e acumulação do capital.
nós apenas, e não em nós também, as causas de Segundo Francisco de Oliveira: "É preciso
nossa servidão". (Chauí, 1985) enfatizar a notável contribuição que o movimento
Para o feminismo, portanto, a construção da feminista, em suas formas próprias e variadas, deu
esfera da vida privada como lugar de liberdade e e continua a dar à própria democratização da
igualdade e o acesso das mulheres à esfera pública sociedade na tomada de consciência do Estado
é uma questão dialética e indissociável para o sobre seus deveres. É uma democratização que
projeto de construção de cidadania e democracia. se dá ao nível do cotidiano e que, portanto, tem
Se a chegada das mulheres na esfera pública tudo para ser de um a radicalidade, numa
reestrutura e amplia o projeto democrático, o sociedade tão desigual, que os mais otimistas não
envolvimento dos homens nas tarefas e na são capazes de suspeitar" (Oliveira, 1995).
transformação da vida privada é igualmente Por outro lado, o fato de uma parcela das
necessário . A igualdade, enquanto um ideal de mulheres ter alcançado a esfera pública, e de ser
* Extraído do livro El Sigla de las Mujeres, Ana Maria Portugal e Carmem Torres (Ed.). ISTS Internacional,
Ediciones de las Mujeres, Santiago, Chile, out. 99.
**Antropóloga mexicana com formação psicanalítica, integrante do Conselho do Programa Universitário
de Estudos de Gênero da Universidade Autônoma do México.
Existem várias vertentes da influência feminista Coincidindo com as idéias pós-estruturalistas,
européia e norte-americana no feminismo latino- mas produto de um amplo processo político, a
americano. Neste ensaio elegi, mais que as práticas reflexão crítica feminista voltou-se para questionar
organizativas ou as questões simbólicas, a difusão da os princípios epistemológicos androcêntricos e
categoria gênero1 como a contribuição teórica mais sexistas que alimentam a história das idéias
significativa do feminismo contemporâneo em nossos ocidentais. Posteriormente, as feministas utilizaram
países. Ainda que a utilização da categoria de gênero a desconstrução para fazer um novo tipo de
tenha se popularizado na América Latina, seu uso investigação, com um esforço teórico dirigido a
não é rigoroso, o que não só produz confusões como desarmar os códigos patriarcais herdados da ética e
traz implicações políticas. da política e questionar as estruturas simbólicas que
Compreender corretamente o que são gênero possibilitam e regem as práticas e reflexões humanas.
e diferença sexual continua sendo fundamental Enquanto as academias e os teóricos inves-
para desenvolver uma concepção realista dos seres tigavam e criticavam a suposta objetividade e
humanos e indispensável para o avanço de uma universalidade do discurso científico, embasado
política democrática radical. O objetivo deste na concepção de um sujeito teoricamente neutro,
texto é mostrar que no movimento feminista mas simbolicamente masculino- o Homem-, o
existe uma correspondência conceitua! entre am- movimento feminista incorporou em seu discurso
bos os conceitos e advogar tanto por uma maior político a perspectiva que tomava o gênero como
precisão teórica como pela incorporação de razão explicativa da desigualdade. O movimento
autores não feministas no debate . Neste sentido, lutava para que se desse fim às discriminações e
estas pági nas devem ser lidas como uma opressões específicas no trato sexual, político,
autocrítica e também como um convite a romper trabalhista e social. Argumentava que tais
a circularidade do debate feminista. desigualdades derivam não da biologia e sim da
simbolização que se faz dela. Isto permitiu uma
A diferença entre sexo e gênero
intervenção que rompia com o determinismo
Um grande êxito do feminismo foi ter biológico e minava as noções tradicionais do que
conseguido modificar não somente a perspectiva são as mulheres e os homens.
política com que se abordava o conflito nas relações Sem aspirar a que se considerasse as mulheres
mulher-homem, mas também transformar o como idênticas aos homens, reformulou-se quase
paradigma utilizado para explicá-lo. O novo que imperceptivelmente o ponto central de
conceito gênero permitiu a compreensão de que dissenso com duas perguntas que ainda hoje
não é a anatomia que posiciona mulheres e homens marcam as fronteiras do pensamento feminista: 1)
em âmbitos e hierarquias distintos, e sim a se há uma igualdade essencial entre os sexos, qual
simbolização que as sociedades fazem dela. O é esta igualdade? 2) Se há uma diferença essencial,
feminismo desenvolveu o conceito de gênero como em que consiste tal diferença? A partir da denúncia
o conjunto de idéias em uma cultura sobre o que é básica do sexismo passou-se a colocar o dilema
"próprio" dos homens e "próprio" das mulheres e, entre lutar pela igualdade com os homens ou
com isto, se propôs a revisar como a determinação reivindicar a diferença como mulheres. Como bem
de gênero asseg ura a dicotomia na qual se assinalou Joan Scott, este é um assunto sem
fundamenta a tradição intelectual ocidental. Esta solução. Na medida em que mulheres e homens
tradição é, ademais, androcêntrica, o que envieza são iguais enquanto seres humanos e diferentes
a produção de conhecimento e gera certos
postulados que legitimam mecanismos de 1
Para uma introdução ao debate, remeto à minha
dominação e exclusão. compilação sobre gênero (Lamas, 1996)
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com papéis diferenciados para mulheres e
homens, pensou-se o corpo como mediador
passivo destas prescrições. Armar suas propostas
políticas sobre a conceituação de mente e corpo
como tábulas rasas (Gatens, 1991) levou parte
do feminismo a defender com perspectiva uma
espécie de recondicionamento social: um a
reeducação voluntarista e bem intencionada para
transformar os códigos patriarcais arbitrários e
opressivos e fomentar o aprendizado de condutas
e atitudes "politicamente corretas" 3 . Esta
atitude, movida por bons propósitos, questio-
nada pelas psicanalistas feministas inglesas
(Adams e Cowie, 1990), responde a uma divisão
teórica no pensamento psicanalítico.
Ainda que a psicanálise ultrapasse as duas
perspectivas - a biológica (o sexo) e a sociológica
(o gênero) - com as quais se pretende explicar
quanto ao sexos, não se pode optar, exclusivamente as diferenças entre homens e mulheres, pois coloca
e de uma vez por todas, pela igualdade ou pela a existência de uma realidade psíquica muito distinta
diferença (Scott, 1992). de uma essência biológica ou da marca implacável
Para elaborar suas posições teóricas, as da socialização, é necessário que se precise de qual
feministas norte-americanas recorreram à diferença psicanálise se está falando. Na reflexão feminista
de gênero, enquanto as européias, mais influenciadas manifestam-se claramente duas escolas psi-
pela psicanálise lacaniana, interessaram-se por canalíticas: a escola norte-americana, que trabalha
analisar a diferença sexual em toda a sua com gênero e a teoria das relações de objeto, e a
complexidade2. Ao circunscrever a definição de escola lacaniana, que usa o conceito de diferença
diferença sexual ao anatômico, limitando-a a uma sexual. O feminismo norte-americano, que teve mais
distinção substantiva entre os grupos de pessoas em influência na América Latina, desenvolveu uma
função de seu sexo, ou seja, a um conceito psicanálise sociologizada que não incorpora o
taxionômico, análogo ao de classe social ou ao de conceito lacaniano de realidade psíquica. Isto o leva
raça, as norte-americanas eludiram questões-chaves
sobre a constituição do sujeito. Ao não usar o 2
Uma exigência para avançarmos teoricamente é a
conceito psicanalítico de diferença sexual, que de colocarmo-no s de acordo sobre quais conceitos
ultrapassa os limites da mera interrogação sobre os correspondem a que termos em certas disciplinas ou
papéis sociais, ignora-se o papel do inconsciente na perspectivas teóricas. Por exemplo, diferença sexual, do
formação da identidade sexual, e a instabilidade de ponto de vista da psicanálise, é uma categoria que implica
no inconsciente. Do ponto de vista da sociologia, refere-
tal identidade, imposta a um sujeito que é
se a diferenças anatômicas e a papéis de gênero. Do ponto
fundamentalmente bissexual. Isto marcou a forma
de vista da biologia, refere-se a uma série de diferenças
pela qual a reflexão feminista distinguiu entre sexo
ocultas (hormonais, genéticas, entre outras), que podem
e gênero, e afloraram crenças pouco refletidas, como corresponder a algo distinto da anatomia aparente.
a dicotomia cartesiana entre mente e corpo. 3
Um caso paradigmático desta postura é O exercício
Ao imaginar a mente como uma página em da maternidade, de Nanc y Chodorow (1984), cuja
branco sobre a qual a sociedade escreve umscript popularidade na América Latina foi impressionante.
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a pensar que o que está em jogo primordialmente GÊNERO É UM
são os fatores sociais e, portanto, o gênero, com seu PROCESSO QUE ARTICULA
diferente "potencial de relação" entre os sexos4.
SEXO, DESEJO
Esta corrente de psicanalistas norte-americanas
considera que as pessoas são moldadas pela história
E PRÁTICA SEXUAL,
da sua própria infância, pelas relações do passado e NO QUAL O CORPO É
do presente dentro da familia e fora dela. Para elas a MOLDADO
diferença sexual se reduz as diferenças de sexo e os PELA CULTURA ATRAVÉS DO
registros simbólico e imaginário não existem. Sua DISCURSO
concepção do psíquico leva-as a considerar as
relações sociais de um modo muito simplista, como Por sua vez, as teóricas feministas ame-
se o princípio de igualdade fosse modificar o estatuto ricanas, ao reconhecerem a importância da
do psíquico. Ainda que uma alteração crucial das explicação psicológica, trataram de encontrar
relações sociais seja urgente, para o que é necessário uma perspectiva capaz de dar conta do psíquico
transformar o âmbito do social, é paradoxal tomar e "articular-se" com relatos sociais e históricos
o social como o fator determinante do psíquico. A sobre as mulheres. Para tanto, muniram-se com
possibilidade de incidir politicamente se potencializa outras categorias, como as de classe, raça e et-
justamente quando se compreende a diferença en- nicidade. Por isso, substituíram a categoria
tre o âmbito psíquico e o social. psicanalítica de diferença sexual por gênero, pois
Por outro lado, as psicanalistas lacanianas tal categoria cumpria este objetivo e lhes parecia
inglesas foram as que insistiram na necessidade de menos complexa do que aquela. O Gênero foi
utilizar a teoria psicanalítica para abordar o tema da conceptualizado como uma forma de se referir
diferença sexual. O grupo feminista reunido em tomo às origens exclusivamente sociais das
da revista mf 5 se propôs a esquadrinhar as identidades subjetivas de homens e mulheres, e
colocações feministas socialistas e demonstrar como com isso se eludiu o papel do inconsciente no
o discurso dá forma à ação e toma possíveis certas sistema total de valores que inclui a subjetividade
estratégias. Este grupo desenvolveu um projeto e a sexualidade.
desconstrutivista, no sentido mais amplo do termo, Neste contexto, não se deve estranhar o
e negou uma especificidade fundante ao feminismo sucesso das postulações de Judith Butler sobre
ao questionar a idéia deMulher. Ainda que sua adesão gênero, pois retoma questões psíquicas para
à psicanálise tenha lhe valido acusações de elitismo e colocar o gênero como um fazer que constitui a
indiferença diante das urgências políticas, m/f identidade sexual. Para Butler gênero é um
difundiu as idéias psicanalíticas para a teoria feminista. processo que articula sexo, desejo e prática sexual,
no qual o corpo é moldado pela cultura através
AS TEÓRICAS FEMINISTAS
AMERICANAS, ... TRATARAM 4
Por exemplo, para Chodorow as diferenças entre
DE ENCONTRAR UMA masculinidade e feminilidade resultam do fato das
mulheres desempenharem o papel de mães. Ela diz:
PERSPECTIVA CAPAZ DE DAR
"O fato das mulheres tornarem-se mães é o único
CONTA DO fator de sua subordinação e o mais importante"
PSÍQUICO E "ARTICULAR-SE" (Chodorow, 1984).
COM RELA TOS SOCIAIS E 5
A revista m/f foi publicada na Inglaterra durante
nove anos, de 1978 a 1986 . Muitos de seus artigos
HISTÓRICOS SOBRE AS
mais importantes foram publicados posteriormente
MULHERES em livro (Adams e Cowy, 1990).
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paradigmática da visão "falonarcisista" e da A CULTURA, A
cosmologia androcêntrica comuns a todas as LINGUAGEM, A VIDA
sociedades mediterrâneas, pois sua visão e
AFETIVA, INCULCAM NAS
cosmologia sobrevivem nos dias de hoje em nossas
estruturas cognitivas e nas estruturas sociais de
PESSOAS CERTAS
todas as culturas euro p éias . NORMAS E
Bourdieu documenta com insistência como a VALORES PROFUNDAMENTE
dominação masculina está ancorada em nossos TÁCITOS, DADOS POR
inconscientes, nas estruturas simbólicas e nas "NATURAIS"
instituições da sociedade. Por exemplo, mostra como
o sistema nútico ritual, que joga um papel equivalente Bourdieu amplia a definição de Mauss e
ao sistema jurídico em nossas sociedades, propõe defende que os habitus são "sistemas perduráveis e
princípios de divisão ajustados a divisões preexistentes transferíveis de esquemas de percepção, apreciação
que consagram uma ordem patriarcal. e ação, resultantes da instituição do social nos
Na sua perspectiva, a eficácia masculina se corpos" (Bourdieu, 1995: 87). Bourdieu recorre ao
radica no fato de que legitima uma relação de conceito chave dehabitus, como uma "subjetividade
dominação ao inscrevê-la no biológico, o que, em socializada" (Bourdieu, 1995: 87), e, com ele, se
si mesmo, é uma construção social biologizada. refere ao conjunto de relações históricas
D e início, o autor referenda o conflito episte- "depositadas" nos corpos individuais em forma de
mológico já assinalado: esquemas mentais e corporais de percepção,
Ao estarem incluídos homens e mulheres no apreciação e ação. A cultura, a linguagem, a vida
objeto que nos esforçamos em compreender, afetiva, inculcam nas pessoas certas normas e valores
incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes profundamente tácitos, dados por "naturais". O
de percepção e apreciação, as estruturas históricas habitus reproduz estas disposições estruturadas de
da ordem masculina; nos arriscamos, então, a recorrei; maneira não consciente, regulando e harmonizando
para pensar a dominação masculina, a formas de as ações. Assim, o habitus se converte em um
pensamento que são, elas mesmas, produto da mecanismo de retransmissão pelo qual as estruturas
dominação (Bourdieu, 1998: 11). mentais das pessoas tomam forma ("se encarnam")
na atividade da sociedade.
AO ESTAREM INCLUÍDOS As conseqüências disto são brutais. Bourdieu
HOMENS E destaca a violência simbólica como um mecanismo
opressor sumamente eficaz precisamente pela
MULHERES NO OBJETO QUE
introjeção que as pessoas fazem do gênero. Na sua
NOS ESFORÇAMOS EM definição de violência simbólica Bourdieu incorpora
COMPREENDER, a definição de Gramsci de hegemonia, dominação
INCORPORAMOS, SOB A com consentimento, e afirma que não se pode
FORMA DE compreender a violência simbólica a menos que se
ESQUEMAS INCONSCIENTES abandone totalmente a oposição escolástica entre
coerção e consentimento, imposição externa e
DE PERCEPÇÃO E
impulso interno. Bourdieu rearticula culturalmente
APRECIAÇÃO, a idéia de hegemonia fazendo notar que a dominação
AS ESTRUTURAS de gênero consiste no que em francês se chama
HISTÓRICAS DA ORDEM contrainte par corps, ou seja, constrangimento
MASCULINA efetuado mediante o corpo.
20
•
Assim, com a leitura de Bourdieu, o corpo produzir nas pessoas aspirações e ações compa-
aparece como um ente/ artefato simultaneamente tíveis com a prescrição cultural e com os requi-
físico e simbólico, produzido tanto natural como sitos objetivos de suas circunstâncias sociais.
culturalmente e situado em um momento histórico Se comparamos a teorização de Butler com a
concreto e em uma cultura determinada. O corpo de Bourdieu, podemos ver que ambos consideram
experimenta, no sentido fenomenológico, distintas que as diferenças essenciais entre mulheres e
sensações, prazeres, dores, e a sociedade lhe homens obedecem à imersão profunda nas
impõe acordos e práticas psicolegais e coercitivas. especificidades culturais e históricas do gênero. A
Todo o social é vivenciado pelo corpo, corpo este ordem social "naturaliza", quer dizer, oculta, sua
que pensa e que sente. própria arbitrariedade como "natural", mediante
Para Bourdieu, a socialização tende a efetuar uma dialética de aspirações subjetivas e estruturas
uma somatização progressiva das relações de objetivas. Nas suas leituras interpretativas dos
dominação de gênero. Este trabalho de inculcação, significados do discurso e do comportamento dos
ao mesmo tempo sexualmente diferenciado e seres humanos, Bourdieu e Butler defendem a ação
sexualmente diferenciador, impõe a "masculinidade" política como uma opção . Butler, por sua vez,
aos corpos dos machos humanos e a "feminilidade" sublinha a dimensão da transformação individual,
aos corpos das fêmeas humanas. Assim, a enquanto Bourdieu fala de uma revolução
somatização do arbítrio cultural também se torna simbólica que questione os próprios fundamentos
uma construção permanente do inconsciente. da produção e reprodução do capital simbólico e
Segundo Bourdieu, na pessoa se dá um assinala que a liberação das mulheres só poderá
confronto entre o subjetivo e o objetivo que a realizar-se mediante uma ação coletiva, uma luta
dispõe a fazer "espontaneamente" o que lhe simbólica capaz de desafiar, na prática, o acordo
exigem suas condições sociais. O habitus tende a imediato das estruturas encarnadas e objetivas.
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Gênero, sujeito e política FREUD DESCOBRIU
QUE NEM TUDO QUE
A construção social dos desejos, discursos e
PERCEBEMOS
práticas em tomo da diferença entre os sexos aponta,
mais que a uma articulação da mente com o corpo,
ENTRA NA CONSCIÊNCIA, E
uma integralidade difícil de concebei: A psicanálise, SIM QUE
que supera a concepção racionalista mente/ corpo, BOA PARTE PERMANECE
propõe conceber a diferença sexual como corpo e INCONSCIENTE
inconsciente: um corpo pensante, um corpo que fala,
que expressa o conflito psíquico, que reage de forma Todavia, hoje existem sérias dificuldades para
inesperada, irracional; um corpo que recebe e integrar o saber psicanalítico nas concepções -
interpreta percepções olfativas, táteis, visuais e teóricas e cotidianas - sobre as pessoas. Freud
auditivas que tecem sutilmente vínculos entre descobriu que nem tudo que percebemos entra na
sofrimento, angústia e prazer. Para a psicanálise é consciência, e sim que boa parte permanece
impossível fazer um corte claro entre a mente e o inconsciente. Mas isto que percebemos incons-
corpo, entre os elementos chamados sociais ou cientemente atua e deixa sua marca. Ainda que a
ambientais e os biológicos; ambos estão imbricados determinação somática da identidade de gênero que
constitutivamente. opera ao nível da mente não seja capaz de reco-
A perspectiva psicanalítica lacaniana serviu a nhecer os esquemas inconscientes que a constituem,
muitas feministas para decifrar o intricado processo isso não quer dizer que não tenham um efeito.
de resistência e assimilação do sujeito ante forças Através dela, algumas experiências corporais, que
culturais e psíquicas. Neste processo, é notável como não necessariamente têm uma significação cultural
destacam os mecanismos com os quais as pessoas fixa, ganham relevância simbólica em relação à
resistem às posições de sujeito impostas de fora, como feminilidade e o ser mulher e em relação à mas-
o gênero. O amplo e complexo panorama de fanta- culinidade e o ser homem. A etnografia documenta
sias, desejos e identificações detectado pela clínica divergências entre a experiência de gênero vivida
psicanalítica é um corpus que descreve a necessidade em corpo de mulher ou em corpo de homem6 , e
humana de ter uma identidade sexual, e também reconhece a distinção entre o que Bárbara Duden
mostra que as formas que essa identidade toma jamais enuncia como o corpo percebido e o entorno
são fixas. perceptivo (Duden, 1992: 471).
24
pouco autônomas são nossas escolhas, quão _ _ _ . 1990. Gender Trouble: Feminism
arraigados estão os habitus, com quanta freqüên- and the Subversion ofIdentity. Routledge.
cia cedemos aos incentivos, às intimidações, às Chodorow, Nancy. 1984. El ejercicio de la
tentações e às pressõe s de nossa cultura e do maternidad. Psicoanálisis y Sociología de la
nosso inconsciente. A possibilidade de uma mu- maternidad y paternidad en la crianza de los hijos.
dança aparece diante da aceitação dos nossos Barcelona: Ed. Gedisa.
limites e potencialidades - nossa mútua vul- Duden, Bárbara. 1992. Repertorio de historia
nerabilidade e incompletude - não para aspirar del cuerpo. Em Feher, Nadaff e Tazi _ _ .
ao antigo modelo de complementaridade, mas sim Feher, Michael; Nadaff, Ramona e Tazi,
para nos reconhecermos como seres humanos Nadia. 1990, 1991 e 1992. Fragmentos para una
divididos e castrados, necessitados de solida- historia del cuerpo humano, 3 vol. Madri: Taurus
riedade e de vida social. Ediciones.
Gatens, Moira. 1991. A critique of sex gen-
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- - - -. 1993. Bodies that Matter. Nova los usos de la teoría postestructuralista. Debate
y ork: Routledge. Feminista, n. 5, pp. 85-104.
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Nº 75 Economia solidária II integrado e sustentável
25
Nossos genes nos pertencem!
Bioética, feminismo e violência
,, .
genet1ca
Fátima Oliveira 1
1
Médica, Bolsista da Fundação MacArthur (projeto Divulgação ePopularização da Bioética: direitos reprodutivos).
Co-autora de: Fundamentos da bioética (Paulus, 1996); Tecnologias Reprodutivas: gênero e ciência (UNESP,
1996); Ciência e Tecnologia em debate (Moderna, 1998); e Questões de Saúde Reprodutiva (Ford/Fiocruz, 1999).
Autora de: Engenharia genética: o sétimo dia da criação (Moderna, 199 5); Bioética: uma face da cidadania
(Moderna, 1997) e Oficinas Mulher Negra e Saúde (Mazza, 1998).
A notícia de que o governo islandês vendeu Em 1995, o governo dos EUA requereu o
as informações genéticas de toda a população do patenteamento dos genes de uma índia pana-
país (270 mil pessoas!), em fevereiro de 2.000, menha da tribo dos Guayami de cujas células foi
evidencia que a intimidade genética humana extraído um remédio para doenças degenerativas
tornou-se uma mercadoria de propriedade e leucemia. O presidente do Congresso Geral
governamental. Significa que podemos ter Guayami, Isidro Costa, conseguiu, via GATT
chegado ao fim da privacidade genética humana; (Acordo Geral de Comércio e Tarifas), o
que os governos não devem, mas podem repatriamento do material genético baseado na
expropriar seres humanos de seu patrimônio Convenção da Biodiversidade. No mesmo ano, o
genético pessoal! Instituto Nacional de Saúde (INH) obteve a
patente número 5.397.696 de uma linhagem
Nossos genes nos pertencem!
celular de indígenas de Papua Nova Guiné. A
H á anos bioeticistas vêm proclamando que o venda de DNA d e indígenas brasileiros, os
carro-chefe da luta pelos direitos humanos no século Karitiana e Suruí, de Rondônia, foi anunciada,
XXI seria o lema: "Nossos genes nos pertencem". em 1996, pela internet e em congressos científicos
Pressentia-se que o desenvolvimento das biociências da área, pela empresa americana de genética
poderia ter como decorrência a apropriação privada Coriell Cell. Até hoje, não sabemos qual a atitude
do patrimônio genético humano, alegando benefícios adotada pelo governo brasileiro, mas corria o
aparentemente humanitários, como fabricação de boato que o DNA à venda era "sobra" de uma
remédios para doenças raras e incuráveis, tal como pesquisa de doutorado, que o doutorando e o Prof.
ocorreu na Islândia. Dr. orientador, ambos cidadãos brasileiros,
As tentativas de acesso à intimidade genética decidiram não "desperdiçar" ... Eis um fato que
das pessoas, contra a sua vontade ou precisa ser apurado!
desconhecimento, e de tornar o DNA humano A comercialização de informações genéticas
uma mercadoria, são várias. Também são humanas não encontra respaldo ético, pois se em
inúmeras as denúncias de instituições e uma sociedade democrática cada pessoa não é
pesquisadores que, em nome do "progresso dona de seus genes e não tem o direito de decidir
científico", desconsideram os mais elementares sobre a sua intimidade genética, o que pode lhe
direitos das pessoas pesquisadas, como por restar de seu? O que concede a um governo ou
exemplo, o direito de saber, de compreender, de parlamento o direito de comercializar as infor-
dar ou não o consentimento e o de exigir, mações genéticas de alguém? E do conjunto da
explicitamente, qual o destino que deseja para população? Como a pessoa ou a população
seus genes ou produtos deles derivados. poderão se defender de tamanha arbitrariedade?
Desde 1993, acumulam-se denúncias de Após o ocorrido na Islândia, como ficam o respeito
infrações éticas cometidas por algumas equipes ao consentimento livre e esclarecido à confi-
do PDGH (Projeto da Diversidade do Genoma dencialidade dos dados e à competência para
Humano), os chamados "caçadores de genes". consentir? O governo islandês usurpou o direito
São de domínio público uma série de atitudes e a competência para consentir de todo o povo,
antiéticas de cientistas do PDGH na coleta de desrespeitando a Declaração Universal do
DNA, sem consentimento, de populações Genoma Humano e dos Direitos Humanos .
indígenas. A ausência do consentimento -livre e No mundo da genética, o DNA da população
esclarecido, na assistência e na pesquis a em islandesa é muito cobiçado com base na suposição
saúde, classifica qualquer procedimento como de ser um DNA "pouco mestiço'', posto que
antiético, logo é uma prática condenável. houve pouca imigração de mil anos para cá, época
28
EM 1995, O GOVERNO DOS "questões biológicas" em geral: da pesquisa básica
EUA REQUEREU O à aplicada; da qualidade, da competência na
prestação de serviços e da atitude de profissionais
PATENTEAMENTO DOS GENES
da área de saúde. A bioética pensa, fundamen-
DE UMA ÍNDIA talmente, em como atuar no presente; em delinear
PANAMENHA DA TRIBO DOS um projeto de futuro mais humanizado e na
GUAYAMI DE CUJAS redistribuição dos cuidados com a saúde de forma
CÉLULAS FOI EXTRAÍDO UM universalizada e em condições de igualdade.
REMÉDIO PARA Mulhere s na Bioética/Bioética e
DOENÇAS DEGENERATIVAS E as Mulheres/Bioética Feminista
LEUCEMIA
Atualmente temos uma presença expressiva de
Aqui, importa lembrar que a concepção de mulheres na bioética, inclusive no Brasil. É inegável
bioética que tem orientado este trabalho, há cerca que a maioria das mulheres que está na bioética não
de quase uma década, afirma a bioética como, é feminista. Mas é fato também que há uma corrente
literalmente, a ética da vida. Neste sentido, a feminista na bioética. Até mesmo podemos dizer
bioética é, essencialm ente, um humanismo de que há uma bioética feminista, todavia isso se deve
novo tipo. É um movimento social, que emergiu mais à presença e à form ulação teórica de algumas
na década 1970, preocupado com a reflexão, a poucas feministas que atuam, em caráter pessoal,
elaboração e a recomendação de normas para os na área do que uma decorrência de que há no
comportamentos tidos como os "mais éticos", ou movimento feminista algum encaminhamento a
de maior aceitabilidade pelas sociedades contem- respeito. Na América Latina, com destaque para o
porâneas, na área das biociências. Adquiriu sta- Brasil, são raríssimas as mulheres que "fazem
tus de disciplina nos anos 1980 e está em franca bioética'' que têm ligação orgânica com o movimento
expansão e consolidação no final do século XX. feminista. Parece-me que o mesmo é aplicável, de
No vasto temário da bioética merecem destaque uma forma generalizada, a muitos outros países, ou
os seguintes assuntos: Saúde e D ireitos Repro- a quase todos.
dutivos (concepção, contracepção, esterilização,
aborto, infertilidade e Novas T ecnologias Repro- A COMERCIALIZAÇÃO DE
dutivas Conceptivas - NTRC), Saúde e Direitos INFORMAÇÕES GENÉTICAS
Sexuais, Saúde Pública, Transplantes, D oentes
HUMANAS NÃO
T erminais, Eutanásia e Manipulações Genéticas.
A bioética é uma disciplina cujo campo
ENCONTRA RESPALDO ÉTICO,
semântico está delineado. É crescente a sua POIS SE EM UMA SOCIEDADE
institucionalização. A singularidade da bioética é que DEMOCRÁTICA
ela resulta da contribuição de vários setores dosa- CADA PESSOA NÃO É DONA
ber (multidisciplinar), o que lhe permite uma atuação DE SEUS GENES E
interdisciplinar e cria condições para um alcance
NÃO TEM O DIREITO
transdisciplinar. É um espaço de luta que aglutina
diferentes movimentos sociais e personalidades
DE DECIDIR SOBRE A SUA
democráticas . A bioética diz respei to a outros INTIMIDADE
questionamentos e temáticas, além da moralidade GENÉTICA, O QUE
e da aplicação dos novos saberes . Se ocupa das PODE LHE RESTAR DE SEU?
30 !ji•l•l•ÜM 0
84/85 Março/Agosto de 2000
compreendiam a importância do novo campo e nem A BIOÉTICA PENSA,
se faziam presentes nele. D esde então, a situação FUNDAMENTALMENTE, EM
pouco mudou: os h omens são, ainda, maioria
COMO ATUAR
absoluta na bioética, quantitativa e qualitativamente;
são os que mais publicam na área, coordenam os
NO PRESENTE; EM DELINEAR
cursos e dirigem as instituições de bioética. A Igreja UM PROJETO
Católica, mantém presença destacada na área. DE FUTURO MAIS
Embora a bioética se apresente com uma cara plu- HUMANIZADO E NA
ral, a categoria médica é a predominante. Os fóruns REDISTRIBUIÇÃO DOS
de bioética ainda são feudos masculinos e brancos.
CUIDADOS COM A SAÚDE DE
A subestimação da bioética pelo FORMA UNIVERSALIZADA E
feminismo EM CONDIÇÕES DE
IGUALDADE
A pouca presença da perspectiva de gênero na
reflexão bioética é algo que se mantém. São poucas Mas quais os motivos pelos quais a bioética
as mulheres bioeticistas. Há apenas uma instituição não tem "emplacado" no feminismo? Em primeiro
feminista de âmbito internacional dedicada ao lugar, todas temos mil e uma atividades, a luta
assunto: FAB - Feminist Approaches to Bioethics feminista tem muitas exigências cotidianas, e
(Rede Internacional sobre Perspectivas Feministas todas "prá ontem". Porém vários outros fatores
para a Bioéticawww.uncc.edu/fab). O movimento podem explicar as origens das dificuldades do
feminista continua distante do novo campo, em feminismo para com a bioética, a começar pela
termos de considerar a importância estratégica dele, subestimação que tivemos pelo campo - e em
assim como não se faz presente, em especial para certa medida ainda temos. Um outro motivo, é a
travar a luta de idéias. Embora tenhamos uma descrença na bioética, pois os ranços da ética
razoável publicação feminista na área, ela não patriarcal, aristotélica e hipocrática sobre a qual
aparece como "produção em bioética", apenas como se alicerça são tão fortes e tão visíveis que só de
"temas de saúde da mulher"! pensar na imensidão da luta de idéias que temos
pela frente é desanimador. Porém, é exatamente
NO MUNDO DA GENÉTICA, O por todo o trabalho que urge ser feito que nós, as
DNA DA POPULAÇÃO feministas, precisamos nos fazer presentes, pois
a bioética, assim como outros campos episte-
ISLANDESA É MUITO
mológicos, desenha seu corpo teórico, em grande
COBIÇADO COM BASE NA medida, pelas perspectivas de quem dela participa.
SUPOSIÇÃO DE
A garantia dos direitos humanos
SER UM DNA
na assistência e na pesquisa em
"POUCO MESTIÇO", POSTO
saúde
QUE HOUVE POUCA
IMIGRAÇÃO DE
Mas apesar de tantos defeitos de origem e de
MIL ANOS PARA CÁ, construção, o Movimento Bioético - grupos,
ÉPOCA DA CHEGADA núcleos, e instituições dedicados à reflexão/ ação
DOS VIKINGS À e/ ou ensino da temática e pelas comissões de
ISLÂNDIA bioética - vem se firmando como a referência e o
3
OLIVEIRA, Fátima. Ignorar a bioética é um
equívoco! Presença da Mulher, Ano XIII, nº 34,
espaço habilitado para o debate e as decisões éticas.
agosto/ setembro/ outubro de 1999.
E aqui não há porque tergiversar: ou comparecemos 4
OLIVEIRA, Fátima. Transgênicos: re-criando a
desde já, ou assumimos que depois teremos de Natureza?O direito de saber e a liberdade de escolher.
"correr muito mais atrás do prejuízo". No prelo.
Está na internet, desde 16 de março de 1998, pois todos os contatos são respondidos e os
época em que foi a segundahome pagede orientação endereços residenciais e eletrônicos são incluídos
feminista sobre bioética e, naquele tempo, a única na "lista de endereços" da RIB e passam a receber
que agregava à perspectiva feminista a abordagem todos os comunicados.
anti-racista. A Rede de Informação sobre Bioética O projeto Divulgação e Popularização
é uma "rede quase virtual". Trata-se de uma página da bioética: direitos reprodutivos está na
na internet, criada e coordenada por Fátima RIB/bioética&teoria feminista e anti-racista
Oliveira, cujas origens remontam a 1996 com os em espaço especial. É uma proposta de educação
boletins, de duas páginas "tamanho oficio", da Rede informal em bioética que tem o patrocínio do Fundo
de Informação sobre Bioética (RIB) -órgão de de Capacitação e Desenvolvimento de Projetos
comunicação da pesquisa Bioética& Teoria (FCDP) da The Jonh D. And Catherine T.
Feminista eAnti-racista: informações na grande MacArthur Foundation, com duração prevista de
imprensa/Direitos Reprodutivos e Genética 2 anos (setembro de 1998 a setembro do ano 2000),
Humana, como parte do projeto patrocinado pela cujo objetivo geral é " divulgar e popularizar a
Fundação Carlos Chagas. bioética, especificamente no campo dos direitos
Os boletins, que estão na internet, do N.º reprodutivos, junto ao movimento feminista,
01 ao 07, incluindo o Especial de agosto de 1996, movimento negro e estudantes de enfermagem,
foram elaborados durante os primeiros oito medicina e psicologia de Belo Horizonte, através
meses da realização da pesquisa. Os demais fo- de oficinas, laboratórios, ciclos de estudos,
ram elaborados após o término da pesquisa, seminários e da formação de uma Rede de
objetivando apenas manter a RIB/ Informação sobre Bioética ".
Bioética&Teoria feminista e anti-racista, uma Desde 3 de fevereiro de 2000 integra a
maneira de responder às freqüentes solicitações Rede de Informação sobre Bioética: bioética e
de inúmeras pessoas que compreendiam que eu teoria feminista&anti-racista a Lista Bioética
deveria manter acesa a chama de uma Rede de Feminista, que veicula notícias, opiniões e
Informação sobre Bioética que incluísse a promove discussões em temas da luta feminista
perspectiva feminista e a anti-racista. Então, o e/ ou anti-racista que comportem decorrências
que temos na internet é parte de um projeto de bioéticas, presentes e futuras, cujas
divulgação e popularização da bioética. As responsáveis são: Fátima Oliveira (médica)
pessoas participam sem necessidade de filiação. <fatimao@medicina.ufmg.br> e Mônica Bara
Fazendo o primeiro contato já entrou na "Rede", Maia (bióloga) <baramaia@net.em.com.br>
Para assinar a Lista Bioética Feminista, acesse:
http://www.widesoft.com.br / cgi-bin/ majordomo/ subscribe/bioetica
A lista Bioética faz parte do esforço de consolidação das idéias feministas na bioética. Embora ''Bioética'
seja uma lista aberta aos chamados temas gerais da bioética, ela foi idealizada como um espaço/instrumente
tle instigação/ mobilização das mulheres e de todas as pessoas que compreendem que a bioética não pode
mais prescindir de incorporar a perspectiva feminista e anti-racista em suas reflexões e ações, sob pena de
berder a sua característica fundamental: a busca do "bom e do melhor" para o ser humano e para a humanidade
35
• A tentativa de ligar a experiência no rúvel micro relações humanas serão pautadas pelos valores do
da vida cotidiana das mulheres a uma compreensão da cuidado pelos outros e da solidariedade. Neste
dinâmica das políticas macroeconômicas. mundo o papel reprodutivo das mulheres será
• Uma compreensão da natureza política do redefinido e os homens serão responsáveis pelo
desenvolvimento. seu comportamento sexual, fecundidade e o bem-
• Uso de uma perspectiva feminista - que estar de ambos os parceiros. O cuidado com as
rejeita dicotomias, legitima o esforço e a expe- crianças será partilhado por homens, mulheres e a
riência das mulheres e trabalha em solidariedade sociedade como um todo.
com as mulheres . Queremos um mundo onde recursos massivos
Essa análise mudou os termos do debate hoje utilizados na produção de meios de destruição,
sobre as Mulheres em Desenvolvimento (JíJ omen sejam canalizados para o alívio da opressão dentro
ln Development) . A evolução para uma análise efora das casas. Esta revolução tecnológica pode
política mais holística das questões também eliminar as doenças e a fome, e dar às mulheres
ajudou a mobilizar as mulheres através do mundo meios para ter controle sobre suas vidas, sua saúde,
na direção da formação de um pólo político em sua sexualidade e sua fecundidade.
torno da visão que a Rede DAWN assim traduz: Queremos um mundo onde todas as
Nós queremos um mundo onde a desigualdade instituições estejam abertas aos processos
baseada em classe, gênero e raça esteja ausente democráticos participativos, onde mulheres
em todos os países e na relação entre países. Nós partilhem das definições sobre prioridades e a
queremos um mundo onde necessidades básicas tomada de decisões. Em tal ambiente político
sejam entendidas como direitos básicos e onde a haverá condições sociais favoráveis para que a
pobreza e todas as formas de violência sejam integridade física de mulheres e homens e a
eliminadas. Cada pessoa terá a oportunidade para segurança de suas pessoas seja respeitada em
desenvolver seu total potencial e criatividade e as todas dimensões de suas vidas.
36
Na esteira do sucesso dos Grupos de Discussão e análise em curso da rede DAWN plantou as
do Fórum de Nairobi, as fundadoras da DAWN2 fundações de um pensamento estratégico que
organizaram um encontro no Rio de Janeiro para empoderou a militância das mulheres e serviu como
lançar um programa de pesquisa e militância. Um catalisador de um movimento de mulheres ancorado
Comitê Organizador, representativo das cinco no Sul e globalmente orientado, em busca de um
regiões do Sul (África, Ásia e Pacífico, América modelo de desenvolvimento em que relações e
Latina e Caribe), foi formado, sendo NeumaAguiar, arranjos de gênero mais desejáveis são integrais.
do IUPERJ, designada Coordenadora Geral. O Em 1996, o programa de trabalho da Rede
primeiro Secretariado da DAWN se estabeleceu no DAWN foi redefinido para incorporar os ganhos
Rio de Janeiro, usando o IUPERJ como base insti- obtidos através das conferências, preservando a
tucional, mas sempre ficou claro que devia ser função central da rede de produzir análises decisivas,
rotativo entre as diversas regiões. sob o ponto de vista das feministas do Sul, sobre
Nos primeiros quatro anos (1986-1990), o questões globais, em vista de apoiar os esforços em
trabalho da DAWN se concentrou nas temáticas da defesa de um desenvolvimento sustentável e justo
Dívida, Alimentação e Crises Energéticas e Visões em termos de gênero . Decidiu-se fortalecer os
eMovimentos das Mulheres, e produziu-se uma série engajamentos no âmbito regional e dar maior atenção
de estudos de caso. Na Assembléia realizada no Rio, às questões e prioridades regionais através de vínculos
em 1990, o Comitê Organizador se reestruturou, e trabalhos em parceria com as organizações e
em vista de fortalecer sua atuação e seu trabalho de instituições existentes. No âmbito global, acordou-se
pesquisa/ análise, separando-se as funções de que os esforços da DAWN deveriam se estender tanto
representação regional e de pesquisa e análise à participação nas iniciativas de reforma resultantes
propriamente ditas. Os temas foram selecionados a da crítica vigorosa do movimento feminista ao Banco
partir de uma análise de questões globais emergentes, Mundial na IV Conferência Mundial sobre a Mulher,
como degradação ambiental, direitos reprodutivos em Pequim, como a SAPRIN-StructuralAdjustment
e população, e perspectivas econômicas alternativas. Programs Review Iniciative Network e a EGCG -
Com o desenvolvimento do programa de Externa! Gender Consultative Group, quanto à criação
trabalho, decidiu-se usar as conferências da ONU de vínculos com as organizações e redes de desenvolvi-
como base para pesquisa e análise sobre os vários mento progressistas (como a Society for Internacional
temas . Assim, o trabalho da DAWN sobre Meio Development and Focus on the Global South), com
Ambiente se ligou à Conferência da ONU sobre Meio uma visão das questões e preocupações dominantes de
Ambiente e Desenvolvimento (Rio, 1992); sobre gênero. Os temas de pesquisa acordados em 1996 fo-
Direito Reprodutivo, à Conferência Internacional ram: globalização; direitos sexuais e reprodutivos;
sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994); e sustento/ subsistência sustentáveis; reestruturação
sobre Perspectivas Econômicas Alternativas, à política; e transformação soàal. Entre 1997 e 2000, esses
Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Social temas constituíram o centro dos esforços das redes tanto
(Copenhague, 199 5) e a IV Conferência Mundial nos âmbitos regionais como global.
sobre as Mulheres (Pequim, 1995). Esse vínculo com
2
as conferências da ONU ajudou a encontrar os Os membros fundadores eram mulheres que tinham
recursos, as oportunidades de mobilização e as participado do encontro de Banglore. Entre elas, Devaki
Jain, Gita Sen e Ela Bhatt (Índia); Hameeda Houssain
plataformas a partir das quais essas questões puderam
(Bangladesh); Noellen Heyzer (Malásia); Claire Slatter e
ser articuladas e desenvolvidas.
Vanessa Griffths (Fiji); Fatima Memissi (Marrocos); Achola
A mobilização popular pela mobilização popu- Pala Okeyo (Quênia); Marie Angelique Savane (Senegal);
lar pode ser inútil. A mobilização efetiva exige análise Neuma Aguiar e Carmen Barroso (Brasil); e Peggy
e pensamento estratégico. O programa de pesquisa Antrobus e Lucille Mair (Caribe).
*Engenheira agrônoma, técnica da SOF - Sempre Viva Organização Feminista e integrante da Secretaria
Executiva da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil.
A Marcha Mundial de Mulheres 2.000 é uma documento de análise e a plataforma de reivin-
ação do movimento de mulheres de diferentes dicações que combatem as causas estruturais e
partes do mundo na luta contra a pobreza e a as manifestações cotidianas da pobreza e a
violência sexista. Até dezembro de 1999, aderiram violência, e propõem formas de ação.
formalmente ao projeto 2.733 grupos de 140
A pl ataforma de reivindicações
países. Sua coordenação internacional está a cargo
da Federação de Mulheres do Quebec, no Canadá. As mulheres são as mais atingidas pelo
A inspiração veio da marcha "Pão e rosas", desemprego e pelo trabalho precário, seus salários
que aconteceu em junho de 1995. Durante 10 são inferiores aos homens, e ainda são responsáveis
dias, 850 mulheres marcharam pelo interior de pelo trabalho doméstico. A globalização econômica
Quebec chegando a Montreal onde foram e as políticas de ajuste estrutural reforçam antigas
recepcionadas por 15 mil pessoas . A principal desigualdades e criam novas formas de exploração:
conquista desta manifestação foi o aumento real flexibilidade no emprego, ataque às conquistas
do salário mínimo em uma economia de preços trabalhistas e na previdência social, cortes nos
estáveis e pressionada pelo mercado comum com gastos públicos na área social fazendo com que
os Estados Unidos. muitos serviços se mantenham às custas do trabalho
A proposta de reforçar a solidariedade voluntário das mulheres.
internacional entre as mulheres, em uma ação No contexto da Marcha as mulheres se unem
conjunta de combate à pobreza e à violência, se a outros movimentos internacionais que exigem
espalhou, através dos contatos com o movi- o controle cidadão da Organização Mundial do
mento feminista, sindical, ONGs de cooperação, Comércio (OMC) ; a taxação das transações
e pela div ulgação da propo sta em encontros financeiras e medidas para limitar o poder das
internacionais. Um encontro preparatório transnacionais e dos detentores do capital; o
aconteceu de 15 a 17 de outubro de 1998, em cancelamento da dívida dos países mais pobres e
Quebec, com a participação de 140 mulheres auditoria pública nos demais países; o fim dos
de 65 países. Neste momento definiu-se o programas de ajuste estrutural.
A Caminho de Beijing + 5
Wânia Sant'Anna
Ninguém nos deu nada de presente, mulheres: atrás de cada negociação, atrás de cada
conquista, estão as reuniões de autoconsciência, as marchas infinitas, as discussões eternas,
as análises acadêmicas e as instituições brilhantes; esta a luta de Joana por seu terreno, a de
Julieta na universidade e a de Sonia na enxada, a de Maria Elena, assassinada pelos que não
queriam a sua paz; a de Margot parada em qualquer esquina da grande avenida. A de A na
enamorando-se de Irene e a de Domitila nas minas que oxalá já não existam no século XXI.
Está a confrontação e o paciente diálogo. E estão, claro que estão, as horas roubadas de
sono pelo sonho, os amores perdidos e os conquistados, as rupturas e as cumplicidades.
Fomos milhares e seremos milhares as que participamos desta continuidade''.
Virgínza Va?gas
Forum de ONGs -Huairou/China - 1995
Proposta: Nesses últimos seis meses, adelanto de la mujer hasta el aiío 2000",
na agenda internacional do movimento Declaração e Plataforma de Ação acordadas
de mulheres, nota-se um crescente na IV Conferência Mundial da Mulher
envolvimento e participação na (Beijing, 1995 ). ""Beijing + 5", simplesmente,
Conferência Beijing+ 5. O que é esta se impõe como terminologia também aplicada
Conferência? Por que essas organizações aos processos de avaliação e revisão dos
tomaram para si esta tarefa? acordos assumidos em outras Conferências
convocadas pelas Nações Unidas na década
Primeiro, é importante destacar que passada, o chamado ciclo de conferências
Beijing+ 5 faz parte de um processo. Algumas sociais: Conferência das Nações Unidas sobre
de nós, envolvidas no movimento feminista e Desenvolvimento e Meio Ambiente (Eco-92);
movimento de mulheres, costumam afirmar II Conferência de Direitos Humanos (Viena,
que este processo já dura duas décadas e 1993); II Conferência Internacional sobre
outras tomam mais explicitamente o processo População e Desenvolvimento (Cairo, 1994);
de preparação da IV Conferência Mundial da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento So-
Mulher, realizada em Beijing, China, em 1995, cial (Copenhague, 1995 ); IV Conferência
como marco. Essas duas referências estão Mundial da Mulher (Beijing, 1995 );
corretas e não se contradizem. O processo Conferência sobre Assentamentos Humanos -
inaugurado em 1975, quando as Nações Habitat (Istambul, 1996 ). Enfim, todas essas
Unidas lançou a Década da Mulher (1975- Conferências têm tido o seu processo "+5",
1985), é de fato um marco e, desde então, tem ou se ja , avaliação dos compromissos
sido crescente a participação ativa das assumidos.
organizações de mulheres neste fórum No caso de Beijing+5 também é
internacional, ou seja, o das Nações Unidas. importante mencionar que esta Assembléia
Oficialmente, Beijing+ 5 será uma Sessão Geral das Nações Unidas está recebendo um
Especial da Assembléia Geral das Nações nome especial: "Mulheres 2000: Gênero,
Unidas destinada a rever a implementação da Igualdade e Paz no Século XXI". De alguma
Estratégias de Nairobi - "Estratégias de . forma, estamos recuperando o slogan lançado
N airobi orientadas hacia el futuro para el em 1975 e, ao mesmo tempo, lançando mão de
1
Socióloga feminista, educadora e ativista do SOSCORPO Gênero e Cidadania.
Em agosto do ano passado, ao final de um trabalho criados e foram hegemonizando o controle
seminário sobre gênero e a ação das IFMs no Brasil, tecnológico que permitia aumento de produtividade.
constituiu-se uma nova iniciativa protagonizada por O tema da desigualdade de gênero ganhou
mulheres. Com nome ainda indefinido, a Iniciativa espaço no debate em torno da cooperação ao
vem sendo apresentada pela longa frase que descreve desenvolvimento ao longo das décadas seguintes,
seus propósitos: "Iniciativa de Monitoramento da impulsionado, de um lado, e de maneira destacada,
Ação das Instituições Financeiras Multilaterais no pelas conferências internacionais promovidas pelas
Brasil numa Perspectiva de Gênero", no mais das Nações Unidas e os acordos, tratados, convenções
vezes simplesmente referida como a Iniciativa. e compromissos daí decorrentes. O tema ganhou
A Iniciativa tem por finalidade "promover o em densidade impulsionado também pela crescente
controle social sobre a ação das IFMs no Brasil capacidade de elaboração sobre o assunto
tomando a perspectiva da eqüidade de gênero e demonstrada pelos estudos e pesquisas de
efetivação dos direitos humanos das mulheres orientação feminista no campo da sociologia,
como foco" 2 , envolve até o momento cerca de economia e ciência política. Por fim, mas não menos
40 organizações e fóruns das diferentes regiões importante, o tema manteve-se na agenda e ampliou
do Brasil e está impulsionada pela Rede Entre seu campo de incidência impulsionado pela ação
Mulheres-Secção Brasil e Rede Brasil sobre IFMs, das organizações feministas de mulheres que
com apoio da Articulação de Mulheres Brasileiras. cresciam em presença na esfera pública internacional.
Neste breve artigo procuro refletir sobre os Entre os grupos e organizações de mulheres
possíveis sentidos e desafios que vislumbro para brasileiras circularam, e com mais intensidade a
a Iniciativa, à luz da experiência das mulheres e partir dos anos 90, uma série de estudos nesta
na ótica do pensamento feminista . direção publicados aqui ou na América Latina por
redes, entre as quais destacam-se as publicações
Um pouco de história
em espanhol e/ ou português de DA WN /
Estudos e pesquisas sobre os programas MUDAR3 , Red Entre Mujeres 4 e FEMPRESS 5 .
governamentais de desenvolvimento, impactos das
crises e dos programas de ajuste estrutural, assim 2
Apresentação da Proposta da Iniciativa (1999).
como o tema das relações de gênero nas políticas
Memória da Oficina Nacional de 12 de agosto.
de cooperação internacional estão na agenda 3
Development Alternatives With Women for a
feminista desde pelo menos os anos 70. Neste ano, New Era/Mulheres e Desenvolvimento para uma
Ester Boserup publicou seu estudo Women'sRole Nova Era publicou entre outros: Desenvolvimento,
in Economic Development, e com ele inseriu de Crises e Visões Alternativas: Perspectivas das Mulheres
modo definitivo o tema das iniqüidades de gênero do Terceiro Mundo; Desafiando lo Dado:
como problema do desenvolvimento, naquele Perspectivas sobre el Desarrollo Social; Mujer y Crisis
momento pensado de modo restrito à dimensão respuestas ante la recesion.
4
econômica. No seu estudo, Boserup demonstra O Entre Mujeres foi inicialmente um projeto de
como, por conta das relações desiguais de gênero, o diálogo sul-norte sobre gênero e cooperação ao
desenvolvimento, mais tarde transformado em rede
processo de modernização nos sistemas de produção,
sobre o mesmo tema e publicou entre outros: La
que muitos programas de desenvolvimento vinham
Feminización de la Pobreza en América Latina, Las
promovendo no âmbito da agricultura em países da
Mujeres e la Crisis enAmerica Latina.
África, ao contrário da suposta eqüidade de gênero 5
O Fempress, Rede de Comunicação Alternativa da
que promoveria, provocou o empobrecimento e Mulher, publica com freqüência em seu periódico artigos
maior exclusão das mulheres, uma vez que os sobre mulher e desenvolvimento, entre os quais sublinho
homens foram ocupando os novos postos de o encarte especial de 95:Desenvolvimento Social.
55
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Em termos de avaliação de impactos, através nas pautas o tema da feminização da pobreza
destes estudos, estiveram sendo repensados, sob provocado pelos modelos de desenvolvimento;
diferentes pontos de vista, os impactos das políticas promoveram denúncias, tribunais e mobilizações
de ajuste estrutural: recessão, reformas do Estado, de repúdio em torno às práticas de violência con-
suas políticas sociais e de privatização. Estudou- tra mulheres, a indústria do turismo calcada na
se o impacto sobre as mulheres, e estudou-se o exploração sexual das mulheres e o tráfico de
diferencial de impacto entre mulheres e homens, o mulheres; e trabalharam na elaboração,
que se passa com as fanúlias na crise, e como ficam legitimação e defesa de direitos, entre eles os
as mulheres nos grupos domésticos, suas jornadas direitos reprodutivos, uma invenção das mulheres.
de trabalho, sua saúde. Estudou-se os padrões de Em algumas circunstâncias, o tema da ação
emprego e desemprego que emergem da das IFMs esteve explícito, como no momento das
reestruturação econômica global, e ainda as Conferências de Copenhague e Beijing em 1995.
mudanças e conflitos em que vivem homens e Na primeira as mulheres promoveram uma série
mulheres nas relações interpessoais e sociais, ao de debates-denúncias em torno aos efeitos dos
mesmo tempo em que pesquisava-se sobre as programas de ajuste estrutural e foram
estratégias que implementam para organizar a sua importantes protagonistas da pressão pela revisão
sobrevivência. É relativamente extensa e destes programas, com o que acabou
diversificada a produção feminista latino-americana comprometendo-se os governos. Na segunda, em
e brasileira neste campo, e está ainda a merecer Beijing, as mulheres mobilizaram assinaturas e
uma cuidadosa revisão bibliográfica. lançaram uma campanha mundial pelo
No âmbito dos debates na arena política acompanhamento a reformas por elas
internacional, as mulheres colocaram em questão demandadas em carta ao BIRD, a campanha
as políticas de controle populacional; incluíram "Mulheres de Olho no Banco Mundial".
57
eqüidade buscada implicam realizar uma ampla concepções de democracia, direitos humanos e
agenda de transformações, na qual não há, nem justiça social quando a perspectiva de eqüidade, para
pretende-se, uma hierarquia de espaços e atores. além das classes, incluiu gênero, quando as mulheres
Fazer a Iniciativa é também fazer sensibilização afirmam que os direitos das mulheres são também
junto a outras mulheres, junto a homens, junto a direitos humanos.
organizações de mulheres e organizações mistas; Não sem dificuldades, as mulheres, como
é constituir um campo de alianças políticas e coletivo, vêm constituindo-se como sujeito na arena
cumplicidades utópicas em torno da igualdade, pública. E como sujeito de conhecimento dos
pensada a partir da experiência das mulheres nas problemas sociais, capacidade por muitos associada,
relações de gênero. até recentemente, aos homens, tomados que eram
A realização da eqüidade de gênero é o como os únicos, senão os verdadeiros ou mais
núcleo fundante do projeto emancipatório capazes, sujeitos da história, do pensamento político
feminista. Da aposta utópica nesta eqüidade e das transformações estruturais da sociedade.
derivam os motivos e inspirações para a constituição Esta aposta impõe às mulheres o esforço de
das iniciativas do movimento, inclusive os debates conceituação própria, de resignificar a própria
em torno do desenvolvimento. Da ação feminista identidade, de realizar-se como sujeito e disputar
derivou o alargamento e radicalização de espaços e projetos a partir de condições adversas:
59
problemas e novas visões de antigos problemas Povos Indígenas de Rondônia, Noroeste do Mato
do desenvolvimento e justiça, além de fortalecer Grosso do Sul e Sul do Amazonas, J acy Corrêa
novos sujeitos sociais, as mulheres, e, de quebra, Curado da Associação Mulher Informação -
ampliar um campo dos movimentos sociais Interativa Projetos & Intervenção, Jane Casella
democratizantes. do Instituto Polis, Lúcia Maria P. Aragão do
A Iniciativa foi criada na cidade de Brasília, CETRA - Centro de Estudos do Trabalho e do
numa oficina, no dia 12 de agosto de 1999, onde, Trabalhador, Maria Claudia F. da Silva do
além de seus propósitos e finalidades, indicamos CACES - Centro de Atividades Culturais,
os valores e princípios que a orientam e os tipos Econômicas e Sociais, Maria da Graça de
de atividades que pretende-se realizar. Desta Figueiredo Costa da FASE/Programa Pará,
invenção participaram: Benedita do Nascimento Maria Emília Lisboa Pacheco da FASE, Maria
Pereira do Fórum de ONGs de Rondônia, José Cyhlar Monteiro do Conselho Regional de
Beatriz Canabrava da Rede Mulher de Economia-RJ, Magnólia Azevedo Said do
Educação, Carla Batista do SOSCORPO Esplar, Márcia Andrade do Centro Josué de
Gênero e Cidadania, Cléa Anice Porto da Castro, Marlene Libardoni da AGENDE -Ações
CONTAG, Concita Maia do MAMA - Movi- em Gênero e Cidadania, Mirian da Silva Pacheco
mento Articulado de Mulheres da Amazônia, Nobre do SOF- Sempre Viva Organização
Cornélia Parisius do DED (Serviço Alemão de Feminista, Raimunda Damasceno da CONTAG,
Cooperação Técnica), Cristina Schroter Simião Rurany Ester Silva do Grupo Transas do Corpo,
do ADITEPP, Flávia Barros da Secretaria Sandra Quintela do PACS, Sara Eduarda de
Executiva Rede Brasil, !remar Pereira do Castro do Fórum Popular de Mulheres/ AMB Sul,
CUNPIR- Coordenação da União das Nações e Silvia Cordeiro do Centro das Mulheres do Cabo,
60
Sônia Cleide da Silva do Grupo de Mulheres regiões do Brasil, evitarei citar aqui os nomes
Negras Malunga, Vanda M. Barbosa do Fórum das mulheres e organizações de mulheres e mis-
de Entidades Autônomas de Alagoas, Wania tas que também já são instituintes da Iniciativa,
Sant'anna da Fase e eu . Até os primeiros três deixo aqui minhas desculpas.
m eses de existên ci a da Iniciativa, ou seja até
novembro do ano passado, estivemos discutindo
Bibliografia
e constituindo parcerias, agregando gen te,
detalhando nossa concepção metodológica de Anderson,Jeanine. Interes o]usticia. Donde
monitoramento, recolhendo informações. Este va la Discussion sobre la Mujer y el Desarrollo?
ano, queremos cair em campo. E o faremos com Lima: Edições Entre Mujeres, 1992.
mais gente, pois neste período se juntaram ao Ávila, Maria Betânia. "O Brasil que temos e
grupo de enlaces da Iniciativa: Soraya o Brasil que queremos: Uma reflexão Feminista".
Tupin ambá do In stituto Tetramar, Mirian J.O.Beozzo (org.) Brasil 500 anos: por um
Saldana P erez do Fórum Popular de M ulheres jubileu de Justiça e de Esperança. São Paulo:
de R ondônia, Maria do Socorro de Souza da CESEP / Paulus, 1999.
CONTAG. P or não termos ainda um mapea- Jaquette, Jane S. "Gênero y Justicia en el
mento completo da participação nos debates e D esarrollo Econômico". Propuestas. Documento
constituição de grupos de enlaces em todas as para el Debate. . 4. Lima; Red Entre Mujeres, s.d.
63
A Baixada Fluminense tem em sua Questões que merecem particular atenção na
composição, segundo dados recentes, em torno de região - e articulam-se entre si - referem-se aos
52% de mulheres e 60% de pessoas "não brancas". casos de pobreza, trabalho, escolaridade e
No caso específico de São João de Meriti - violência. Embora com a mesma - e até superior
considerada a de maior adensamento populacional - média de anos de estudo que os homens, as
do Brasil, com quase 450 mil habitantes em 34km2 mulheres ganham, em média, em todas as camadas
- há praticamente o mesmo número de mulheres e sociais, cerca de 30% a menos que estes4 .
homens no município. E, deste total, em torno de Sabemos que, além da jornada normal de
24% das mulheres são chefes de família3 . trabalho, cabe às mulheres não apenas os cuidados
No entanto, a precariedade de serviços públicos com a casa e com os filhos, mas também a
nas áreas de saúde, segurança pública (incluindo participação nas dinâmicas da vida comunitária.
violência doméstica), educação, saneamento e Essa mobilização ocorre em busca de solução para
creche têm impacto diferente, e podemos dizer, bem problemas que as afetam cotidianamente, tais como
mais perverso, em relação às mulheres - mais a escassez de creche, a precariedade dos serviços
especificamente, em relação às mulheres negras. nos postos de saúde, a preocupação com a falta de
Sendo as relações de gênero relações sociais escoamento do esgoto - que invade casas -, a falta
instituídas historicamente, cabe à parcela feminina de iluminação pública, expondo-as ao risco de
da população o zelo e a manutenção do espaço violência sexual, etc. Embora não tenhamos a
doméstico e a perpetuação de condições favoráveis
3
à reprodução da família - com maiores repercussões Fonte: Observatório de Políticas Urbanas e Gestão
Municipal, apurado a partir de dados do Censo de
sobre o tempo livre da mulher de baixa renda. Tanto
1991 , IBGE.
no âmbito privado, quanto no público, tais 4
Dados obtidos a partir da Organização Inter-
desigualdades estão presentes. nacional do Trabalho.
64
intenção de hierarquizar necessidades, podemos aprovação de leis6 relevantes para as mulheres em
afirmar que vivenciam o espaço comunitário, muitas São João de Meriti. Entre elas, destacamos a
vezes, de forma mais intensa que os seus parceiros. implantação do cartão de saúde da mulher e da
Portanto, olhar a cidade é - principalmente - gestante nos postos municipais de saúde,
reconhecer as diferentes necessidades geradas a assegurando ás mulheres um registro do histórico
partir dos papéis sociais de gênero. de exames e consultas realizados, e a que regula a
Objetivando afirmar essas diferenças - e criação, em caráter sigiloso, da Casa Abrigo para
erradicar desigualdades entre mulheres e homens-, mulheres vítimas de violência doméstica na cidade.
lançamos em maio 1997, em parceria com a Casa O cartão foi implantado, tendo funcionado por um
da Cultura5 , o projeto demonstrativo DiskMulher tempo.Junto ao Conselho Municipal de Saúde,
Baixada. Constituído como um serviço telefônico vimos debatendo a importância de sua manutenção.
de informações, o projeto volta-se a todas A Casa Abrigo ainda é alvo de luta das organizações
mulheres - que podem ligar anonimanente - de toda e deve ser construída em breve, vinculada ao
a Baixada informando sobre serviços públicos e governo do Estado. Embora aprovadas, as leis em
comunitários existentes nas áreas de saúde, AIDS, si não asseguram a existência de serviços de
violência, creche e cidadania. O Disk Mulher nasce qualidade. Assim, espaços de fiscalização e controle
da constatação de que as mulheres sequer tinham social sobre as deliberações do legislativo são
acesso às informações fundamentais sobre direitos importantes de serem ocupados. E dentre alguns
que lhe assegurassem a cidadania e propiciassem canais institucionais de democratização da gestão
qualidade de vida. No entanto, tínhamos clareza
da avalanche de problemas com a qual nos 5
A Casa da Cultura - Centro de Formação Artística
defrontaríamos, considerando a precariedade dos e Cultural da Baixada Fluminense - é uma entidade não
serviços públicos, os muitos indícios de violência governamental popular, fundada em 1991 por lideranças
doméstica e sexual contra mulheres e meninas e a dos movimentos sociais da região e de forte referência
dificuldade de acesso a serviços e equipamentos local. Volta-se para a valorização da cultura e estética
urbanos por parte das mulheres. afro, dos direitos das mulheres, crianças e adolescentes.
6
Portanto, para além da prestação de Apresentamos seis projetos de lei referentes ao combate
às discriminações contra mulheres ao Vereador Municipal
informações, sabíamos ser fundamental a
Jorge Florêncio (PT - São João de Meriti), oriundo do
articulação com entidades populares visando refletir
movimento popular. Os projetos, transformados em leis
sobre e elaborar ações afirmativas no campo da versam sobre: (i) Implantação do Cartão de Saúde da
cidadania das mulheres no plano local e mesmo re- Mulher e da Gestante nos postos de saúde; (ii)
gional. Era preciso, a partir de entidades populares Obrigatoriedade de todas as maternidades afixarem placas
sensibilizadas para o combate às desigualdades de informando sobre a gratuidade e o direito de acesso ao
gênero como algo imprescindível à construção de atestado de "nascido vivo"; (iii) Notificação compulsória
uma sociedade justa e igualitária, atuar intensamente: no caso de óbito em virtude de parto (ambos visando
(i) no campo da formulação de políticas públicas; combater os altos índices de mortalidade materno-infantil
(ii) no controle social da implementação e do por negligência médica e erros médicos no parto e pela
impacto na reversão das desigualdades de gênero; falta de pré-natais adequados); (iv) Proibição de entrada ou
permanência de menores de idade desacompanhadas em
(iii) na articulação com Conselhos Municipais
motéis, hotéis ou bares (combatendo a prostituição infantil,
setoriais, imprimindo às políticas públicas claro
que tem impacto mais forte sobre as meninas); (v)
recorte afirmativo de gênero e étnico. Obrigatoriedade dos motéis disponibilizarem gratuitamente
Assim, logo à época do lançamento do serviço, em seus quartos no mínimo três preservativos; (vi)
obtivemos conquistas iniciais significativas no Implantação de uma Casa Abrigo para mulheres vítimas
campo das políticas públicas: conseguimos a de violência doméstica, em caráter sigiloso.
1
Assistente social, Mestre em Psicologia Social pela PUC - SP, atualmente Assessora dos Direitos da Mulher na
Prefeitura de Santo André e, também, representante governamental no Conselho Municipal do Orçamento Participativo.
Este artigo resume a pesquisa de dissertação das relações sociais. Nesse sentido, é importante
de mestrado que investigou em que medida as a compreensão das mudanças sociais a partir da
dimensões de gênero e raça são incorporadas, com captação da intersubjetividade e de seu
base na visão das conselheiras integrantes do significado para a vida das pessoas que integram
processo de Orçamento Participativo (OP) 2 no os movimentos sociais (Sawaia, 1995).
município de Santo André 3 . O OP é, então, O conceito de relações de gênero traz uma
considerado espaço estratégico para a discussão contribuição para o tratamento da complexidade
de políticas públicas, da participação popular e das relações entre mulheres e homens: enquanto
das relações entre a sociedade civil e o Estado. "sexo" se refere às diferenças biológicas, gênero
As pessoas mais desavisadas perguntariam: se refere às diferenças construídas socialmente;
o quê o Orçamento Participativo e a Participação como categoria histórica, analítica, o estudo das
Popular têm a ver com as categorias de gênero- relações de gênero tende a desnaturalizar as
raça-classe? E, também, mais diretamente: por relações entre os seres humanos dos dois sexos,
que enfocar os sujeitos mulheres e negros a partir mostrando que essas são, também, relações de
de suas necessidades? Nas plenárias chamadas poder, hierarquizadas, em que a mulher ocupa a
para discutir o orçamento da cidade, intrigou-me posição inferior.
a escassa participação de negros, assim como a Diferentes abordagens na análise de gênero
relativa invisibilidade das mulheres que, embora convergem no reconhecimento de que as relações
presentes em maior proporção do que negros, de gênero têm base de poder e hierarquia,
partilham com estes o fato de poucas de suas referindo-se também à dicotomia entre o público
necessidades específicas serem atendidas . e o privado. Joan Scott (1995), Maria Jesus
A pesquisa desenvolveu-se mediante consulta
documental e a aplicação de questionários com 22 2
O Orçamento Participativo tem sido
e entrevistas com 4 conselheiras participantes do convencionalmente referido pela sigla OP.
3
OP' em Santo André. A escolha recaiu sobre as A participação nos movimentos feminista e negro,
conselheiras porque, embora tenham maior além da experiência profissional em ONGs -
participação relativa nas plenárias regionais, as Organizações não-Governamentais - e, mais
recentemente, a atuação em órgãos públicos trouxeram-
mulheres5 são menos numerosas que os homens
me a oportunidade de desenvolver reflexões quanto à
no Conselho - o que talvez, ao mesmo tempo,
incorporação das dimensões de gênero e raça em
reflita e justifique a invisibilidade das questões de
políticas públicas.
gênero. Um elemento importante na coleta de 4
O total de conselheiras nos anos de 1997 e 1998
dados, que não consta em nenhuma das demais foi de 25, três não foram localizadas.
pesquisas já realizadas no OP em Santo André, foi 5
A opção por entrevistar apenas as mulheres não
a consideração do quesito cor. implica na desconsideração da presença masculina no
OP, o homem aparece através da fala das mulheres,
Relações sociais e os significados como co-participe da questão . Assim, a mulher
de gênero e raça considerada socialmente como pólo inferior na
hierarquia de gênero, será tomada como porta-voz
das reflexões sobre gênero-raça.
Busquei a Psicologia Social (recorrendo, 6
Optei por utilizar o termo entrelaçamento, embora
ainda à História, à Sociologia, à Filosofia e cam-
ciente de outros termos utilizados para conotar a
pos mais recentes, como estudos feministas, de interpenetração entre as categorias gênero, raça e classe.
gênero e das relações raciais) para compreender Segundo Saffioti (1987), a simbiose entre essas
o entrelaçamento6 entre as categorias de gênero, categorias traduz a complexidade das relações entre
raça e classe social, isto é, apreender a diversidade homens e mulheres, entre raças e entre trabalhadores.
72
Maxine Molyneux (s.d.) e Caroline Moser (1992) questões de gênero - incluindo-se, portanto, a
apresentam ferramentas para analisar as diversidade de situações enfrentadas pelas mulheres
desigualdades entre homens e mulheres e -, o que seria uma condição para ampliar o grau de
propõem um modelo de desenvolvimento eficácia das ações municipais (p. 25).
baseando-se no fato de que as mulheres, devido No artigo Gênero e políticas públicas
a seus papéis na sociedade, têm necessidades municipais, I vete Garcia (1998) constata alguns
específicas. Segundo estas autoras, as mulheres avanços, no âmbito das políticas públicas,
exerceriam um triplo papel: como reprodutoras, comparados a períodos anteriores 9 . Quanto ao
como produtoras e como gestoras comunitárias. alcance dessas políticas 10 , considerando-se as
Porém, entre as várias correntes do feminismo, necessárias relações entre a micro e a macro-
esboçam-se críticas no sentido de compreender estrutura, a autora detecta problemas como falta
que as experiências diversas entre as mulheres de autonomia política, financeira e administrativa
geram também múltiplos interesses. dos órgãos encarregados de desenvolvê-las;
Duas pesquisas brasileiras recentes utilizam escasso poder de intervenção junto aos demais
os conceitos de interesses e necessidades de gênero. setores; desarticulação na gestão; e, em alguns
Deve gênero ser incluído nas políticas públicas para casos, a descontinuidade gerada pela a mudança
áreas urbanas? é o título da pesquisa realizada por de governo (p.180).
Leda M. V. Machado (1996a). A autora estabelece No que diz respeito ao tratamento da
comparação entre políticas públicas que incorpo- diversidade étnico-racial1 1 , a Prefeitura de Belo
raram a questão de gênero e as que não o fizeram. Horizonte, em convênio com o CEERT - Centro
Sua conclusão é de que a categoria gênero não pode de Estudos das Relações de Trabalho e Desigual-
ser considerada panacéia para o atendimento dades, em fins de 1995, realizou um diagnóstico
satisfatório de diferentes necessidades: "é um das desigualdades de raça que orientou políticas
instrumento que possibilita o entendimento mais
9
abrangente e complexo de como a sociedade é Após as eleições de 1988, foram criados órgãos
estruturada" (p.28). E, a autora acrescenta, relacionados às mulheres em cinco dos 36 municípios sob
idealmente as categorias classe e etnia também administração petista. A gestão 1997-2000 corresponde à
quarta "geração" de administrações municipais petistas,
deveriam ser levadas em consideração.
totalizando hoje 258 prefeituras (116 prefeitos e
A pesquisaMulher epolíticas públicas: opapel
participação de forma coligada em outras 142
dos municípios, realizada em âmbito nacional pelo administrações), e à criação de diversos órgãos relacionados
IBAM-Instituto Brasileiro de Administração Mu- às mulheres. Em 1998, são eleitos cinco governos estaduais
nicipal (Costa & Neves, 1995), desenvolveu uma petistas (dos quais dois em coligação); nos três governos
sondagem junto às prefeituras de 4.489 municípios petistas estão sendo implementados organismos relativos
brasileiros em 1989. Indagava sobre a pertinência às políticas de gênero, geralmente coordenadorias.
10
de se desenvolverem programas que atendessem às No que se refere às mulheres, destacam-se
necessidades próprias das mulheres; como isso se programas voltados à saúde da mulher; ao mundo do
justificaria e, ainda, em que áreas de atuação caberia trabalho; ao combate à violência contra a mulher, à
a implementação de programas. As autoras feminilização da pobreza, entre outros. Em relação às
desigualdades raciais, destacam-se programas de
consideram que as necessidades próprias das
educação para a igualdade, apoio à luta contra o racismo,
mulheres não devem ser objeto isolado de políticas
atendimento a queixas de discriminação e violência racial,
ou programas de um setor, nem devem ser atreladas impulsionados por organismos específicos para lidar
a uma única percepção de mulher. Acreditam que é com a questão racial.
importante incorporar a todo o processo de 11
Segundo as diretrizes da Convenção 111 da
planejamento ou de formulação de políticas as Organização Internacional do Trabalho - OIT.
75
Deve ser lembrado, contudo, que o or- As demandas priontanas, aprovadas pelo
çamento participativo não é a única forma de Conselho do Orçamento Participativo nos anos de
participação popular. Sua implantação deve 1997 e 1998, incluídas na peça orçamentária, somaram
ocorrer paralela à dos demais instrumentos do 53 no OP 97 /98 e 51 no OP 98/99. Poderemos
poder público prescritos pelas nova legislação e visualizar o agrupamento das demandas aprovadas em
dos canais de participação, como os diversos 1997 (incluídas no orçamento de 1998):
Conselhos Municipais 14 . Com isso, a prática do
OP passa a fazer parte de todo um processo que Demandas Número
envolve várias formas de organização, legi- 132
Manutenção
timando a participação popular e a parceria entre
Saúde 54
setores da sociedade e governo.
Na região do ABC paulista, tem-se como Habitação 33
DESIGUALDADES
17
Essa descrição baseia-se em relatório elaborado
ENTRE HOMENS E
pelas integrantes da Fé minina que coordenaram a
MULHERES atividade (Fé minina, 1999).
80
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fundos públicos: o caso do 'orçamento participativo' de Porto jul/ dez. 1995.
1
Texto elaborado originalmente como contribuição para o Seminário Internacional sobre Pesca Responsável,
em Beberibe-Ceará, de 5 a 7/ 09 / 97, promovido pelo Instituto TERRAMAR, de Fortaleza, e patrocinado pelo
Coletivo Internacional de Apoio aos Trabalhadores da Pesca (ICSF), de Madras, na Índia.
2
Socióloga do Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Morais sobre Mulher e Relações de Gênero, do
Projeto Integrado Desenvolvimento da Produção Familiar no Campo Paraense (UFPA) e do Projeto RE AS/
Museu Paraense Emílio Goeldi.
O conceito de "pesca responsável'', que de Pesca da FAO (Órgão das Nações Unidas para
idealmente vincula a exploração dos recursos Alimentação e Agricultura) propôs, em 1991, um
pesqueiros a um sentido de responsabilidade com sua conceito, considerado central, para nortear a
preservação, compreende também a preservação das promoção de um novo estilo de desenvolvimento
comunidades pesqueiras artesanais, responsáveis por da atividade pesqueira, que é o de pesca respon-
grande parte do abastecimento em vários países, in- sável.Trata-se de um enfoque muito importante,
clusive no Norte e Nordeste do Brasil. As lutas dessas pois pretende associar desenvolvimento e respon-
comunidades por sobrevivência e dignidade sabilidade. Seus princípios estão expressos no
relacionam-se à permanência de uma diversidade de Código de Conduta para a Pesca Responsável,
modos de vida e de usos diferenciados dos espaços elaborado sob os auspícios da FAO, a ser adotado
costeiros e marinhos. pelos vários países pesqueiros. O código
Entre populações pesqueiras, a produção das incorporou uma valiosa noção que havia sido
mulheres é tão importante quanto a dos homens, expressa na EC0-92, segundo a qual:
ainda que não seja reconhecida como tal. De fato, "o direito de pescar é inseparável do dever de
em um contexto de produção de mercadorias, as ordenar e de conservar os recursos, para as
atividades voltadas ao mercado alcançam neces- gerações presentes e futuras" (FA O, 199 5, p. 7).
sariamente maior visibilidade, obscurecendo-se as
Recoloca-se, assim, o debate sobre os prejuízos
outras dimensões da divisão social do trabalho e,
de uma pesca organizada fundamentalmente para
em particular, as conexões que se estabelecem en-
dar lucros a curto prazo, que prevalece até hoje. É
tre a casa e o mundo do trabalho. Os riscos e amea-
necessário mudar os próprios critérios de
ças vividas pelas comunidades de pescadores
racionalidade econômica dos investimentos, já que
artesanais têm conseqüências graves nas famílias,
o direito de usar os recursos do mar passa a ser
podendo-se dizer que, em grande medida, a
vinculado à obrigação de preservá-los mediante uma
capacidade de resistência dessas comunidades
exploração judiciosa.
repousa nas estratégias de sobrevivência implemen-
A despeito dos avanços indiscutíveis dessa
tadas pelas mulheres e por outras categorias sociais
nova abordagem, permanece o inconveniente de
tidas como "inativas", tais como as crianças, ou as
enfatizar tão somente a proteção dos recursos e do
pessoas idosas. Daí a importância de se conhecer e
meio ambiente. Daí a preocupação de organizações
de se buscar mecanismos de apoio aos trabalhos
não-governamentais e de entidades profissionais, que
desenvolvidos pelos diferentes membros dos grupos
alertam que é preciso ampliar o alcance do termo
domésticos nessas comunidades, na esfera produtiva
responsabilidade, para incluir questões como:
e, também, reprodutiva.
Este texto tece considerações sobre os papéis "a saúde e o bem-estar das comunidades
das mulheres na pesca. Discute as vinculações costeiras, muitas das quais dependem em
entre o que se passa em terra e no mar, analisando grande medida da pesca para obter
alimentos"((FAO, 1995,p. 7).
como elas assumem, no dia a dia, parte dos riscos
da atividade pesqueira. Em vários países, como no Brasil, são
pescadores de pequena escala que têm assegu-
Pesca responsável: preservação
rado considerável parcela do abastecimento
dos recursos e das comunidades interno em produtos pesqueiros, geralmente com
pesqueiras tecnologias de baixo impacto ambiental e sem
apoio do poder público. No Norte e Nordeste,
Diante da grave crise mundial do setor eles contribuem com 70% ou mais do total da
pesqueiro desde a década de 1980, o COFI - Comitê produção pesqueira. Enfrentam grandes
adversidades para vender seu produto, concor- ligado ao sistema produtivo da pesca. Por isso,
rendo com frotas industriais e tendo precário ganham relevo hoje as abordagens de gênero e
acesso a direitos previdenciários e trabalhistas. de idade que direcionam nosso olhar para a
Por outro lado, sofrem a pressão da especulação divisão de trabalho entre os sexos e as gerações.
imobiliária, da poluição industrial e doméstica, Trata-se de uma dimensão geralmente pouco
e da degradação dos ecossistemas litorâneos . valorizada, quer no âmbito dos estudos, que
Compreende-se, portanto, que os esforços para privilegiam a situação do homem pescador, quer
preservar e fomentar as comunidades de pescadores no âmbito das políticas e das organizações
artesanais são parte inseparável de um projeto de pesca sindicais de pescadores onde ainda predomina
responsável. Sua sobrevivência depende diretamente uma concepção restritiva de pescador.
da conservação dos estoques pesqueiros. Nesse sentido, Observa-se, porém, nos movimentos de
eles têm todo interesse em pesquisas científicas que pescadores (Movimento Nacional de Pescadores -
conduzam ao ordenamento pesqueiro eficaz, à melhoria MONAPE e seus congêneres nos Estados), em
tecnológica e à obtenção de alternativas de emprego e organizações de apoio a essa categoria (Conselho
renda, que são a condição sine qua non para o uso Pastoral da Pesca entre outras), bem como por parte
sustentável dos recursos pesqueiros. de pesquisadores (por exemplo, no Projeto RENAS
e no GEPEM, no Pará3 ), um interesse crescente
Gênero, desenvolvimento e pesca sobre o tema do papel das mulheres na pesca e na
responsável manutenção das comunidades pesqueiras.
3
Projeto RENAS (Recursos Naturais e Antropologia
Compreender como as comunidades de
das Sociedades Marítimas, Ribeirinhas e Lacustres) do
pescadores artesanais vêm se reproduzindo
Museu Paraense Emílio Goeldi; GEPEM (Grupo de
requer um olhar abrangente, que leve em conta
Estudos e Pesquisas "Eneida de Morais" sobre Mulher
o trabalho das famílias, direta ou indiretamente e Relações de Gênero), da UFPA.
84
NO BRASIL, SÃO D aí a necessidade premente de se conhecer
PESCADORES DE PEQUENA como, em vários casos específicos no Brasil, as
mulheres vêm desempenhando esse papel de
ESCALA
suporte. É essencial analisar as atividades das
QUE TÊM ASSEGURADO mulheres no espaço doméstico, tais como cuidar
CONSIDERÁVEL dos filhos, manter a casa e pescar e plantar para o
PARCELA DO consumo das famílias. São elas que, mais que os
ABASTECIMENTO homens, enfrentam cotidianamente as dificuldades
INTERNO EM PRODUTOS da vida em terra. Por isso, elas têm condições de
levantar importantes questões relacionadas com a
PESQUEIROS ....
qualidade de vida e de inseri-las na agenda das
NO NORTE E NORDESTE, organizações profissionais de pescadores. Por outro
ELES CONTRIBUEM lado, em diversas situações elas estão atuando na
COM 70% própria pesca. É o caso das "marisqueiras"
OU MAIS (coletoras de mariscos em praias nordestinas), das
DO TOTAL "tecedeiras" de redes de pesca, das pescadoras nas
praias e nos rios, das que beneficiam pescado, das
DA PRODUÇÃO
que fazem farinha de pescado (na região dos lagos
PESQUEIRA do Baixo Amazonas), das ex-pescadoras, das
Visando cobrir essa lacuna, o Coletivo esposas e filhas de pescadores, bem como das
Internacional de Apoio aos Trabalhadores da presidentes ou membros de diretorias de colônias
Pesca - ICSF, executou no período 1993-1996, o ou outras associações . Ademais, muito do que
programa "Mulheres na Pesca" (Women in Fish- fazem não se destina ao mercado e não é visto,
ing), em diferentes países. D entre as diretrizes portanto, como trabalho, mesmo quando se trata
desse programa constavam: estudar a história do de tarefas que permitem aos homens pescar:
papel das mulheres na pesca, registrar suas lutas cozinhar, costurar velas de canoa, confeccionar
contra a marginalização e examinar como as armadilhas de pesca p_ara o marido e os filhos, fazer
organizações de pescadores podem integrar a o café e o carvão que eles levam a bordo, remendar
perspectiva de gênero em suas lutas pela roupas de trabalho, etc . (MANESCHY,
sobrevivência. Conforme um membro da ALENCAR e NASCIMENTO, 1995).
coordenação do ICSF:
"Questões que se relacionam às mulheres
AS ATIVIDADES FEMININAS
enquanto trabalhadoras e enquanto
membros de comunidades e sociedades, são TENDEM, POIS,
raramente assumidas pelas organizações de A SER MULTI DIRECIONADAS,
trabalhadores na pesca. As mulheres estão AO CONTRÁRIO
envolvidas com os problemas que afetam o
setor pesqueiro, assim como com as grandes
DAS MASCULINAS,
questões relativas à viabilidade das co- GERALMENTE
munidades pesqueiras artesanais. A CENTRADAS EM UMA OU
capacidade de resistência que estas vêm DUAS
demonstrando é, em grande medida, con-
seqüência do papel de suporte desem- ATIVIDADES PRINCIPAIS,
penhado pelas mulheres e crianças" COMO POR EXEMPLO, PESCA
{SHARMA, 1996, p. 46). E LAVOURA
85
As atividades femininas tendem, pois, a ser "Ele vai prá pesca, às vezes mata peixe, às vezes
multidirecionadas, ao contrário das masculinas, não mata, não dá nem prá pagar o vale que ele
geralmente centradas em uma ou duas atividades tira" (Pêdra, mulher de tripulante, 23 anos).
principais, como por exemplo, pesca e lavoura Mulheres presentes ao Seminário Internacional
(ALENCAR, 1991). Esse fato reforça a invisibilidade sobre Pesca Responsável, em Beberibe (Ceará),
de seu trabalho e dificulta sua identificação como lembraram, ainda, as vicissitudes da própria
trabalhadoras. Nessa condição, ficam excluídas dos atividade pesqueira, que impõem longas ausências
correspondentes direitos sociais e previdenciários. do companheiro, ampliando sua responsabilidade
Se a construção de um modelo de pesca no lar: "a gente tem que ser pai e mãe, criar e educar
responsável passa pelo fortalecimento das os filhos e ainda se dividir para muitas coisas". Por
comunidades de pescadores artesanais, é outro lado, as tensões do trabalho refletem-se no
necessário ressaltar as relações entre homens e âmbito doméstico. Várias delas referiram-se à falta
mulheres. Segundo o modelo tradicional de de apoio e de compreensão dos companheiros.
divisão de tarefas, ao homem cabe o trabalho fora, Em contrapartida aos variados e reduzidos
para sustento da família e, à mulher, a função de ganhos dos pescadores, elas buscam diferentes
dona de casa, no máximo trabalhando fora para estratégias para manter o grupo doméstico, em
"ajudar". Na prática, as coisas estão longe de ser condições geralmente difíceis. E las freqüen-
assim . Como expressaram duas mulheres da temente submetem-se a condições exploratórias
cidade de Vigia, no litoral ,d o estado do Pará: sobre seu trabalho, exercido em contextos
"Tem viagem que eles trazem bastante produção, informais. Nessa trajetória, participam também
eles ficam alegres, se Deus quiser essa viagem de grupos comunitários - como Clubes de Mães
vai dar prá gente comprar alguma coisa, pagar ou associações de moradores - que podem
o que a gente deve. E aí quando eles chegam contribuir na sua constituição em sujeitos políti-
com o patrão, patrão apresenta aquela conta e cos. Elas podem passar, assim, a se destacar na
eles até se espantam de ver, muitas das vezes luta por melhores níveis de vida, por escolas para
tem pescador de não tirar nada de saldo" (Hel- os filhos, ou na resistência contra processos
ena, mulher de tripulante, 38 anos).
especulativos sobre as terras onde habitam.
Mulheres na pesca,
Nesta oportunidade cabe, então, levantar a
questão do estatuto da mulher enquanto organização coletiva e políticas
trabalhadora da pesca. O caráter muitas vezes públicas: espaços a conquistar
inconstante e variado de seu trabalho, bem como
o fato de que a renda que produz não assume Como ficou claro, portanto, muitos dos
necessariamente a forma monetária - por exemplo, trabalhos assumidos por mulheres em comunidades
peixes, mariscos ou produtos da roça para consumo pesqueiras apresentam como características a
doméstico, reparos ou confecção de apetrechos de variabilidade no tempo e no espaço, a irregularidade
pesca para o marido ou filhos, etc. - tem na demanda, sua compatibilização com as tarefas
contribuído para ocultar esse trabalho. Além do domésticas e, por conseqüência, a dificuldade de
mais, como dito acima, do ponto de vista jurídico- contabilizar o tempo de trabalho. Esses fatores
político prevalece uma concepção restrita do reforçam a visão corrente das mulheres mais como
trabalho da pesca como sendo aquele que retira donas de casa, "ajudantes" do companheiro e não
seres vivos de ambientes aquáticos. O conjunto como sujeitos produtivos. Tal visão exprime-se no
de tarefas pré e pós-captura ficam excluídas da baixo número de mulheres filiadas nas colônias de
definição formal do que seja trabalho de pesca. pescadores, que constituem o órgão de classe
Em vários lugares as "marisqueiras" já estão tradicional dessa categoria no país.
conseguindo seu reconhecimento como pescadoras. A despeito de um tímido - mas progressivo -
As demais "trabalhadoras da pesca", embora de reconhecimento da presença feminina na pesca,
maneira menos articulada, estão também pleiteando muito há para construir no sentido de sua inserção
um reconhecimento social e profissional. No plena nas organizações de pescadores e, também,
89
ela tem promovido seminários sobre a temática de As atividades a que se dedicam, ou pretendem
gênero. Na Baía do Sol, em Mosqueiro, próximo à implementar, são a tecelagem de redes, o
cidade de Belém, cerca de cinqüenta mulheres beneficiamento de produtos da pesca, a comer-
inscreveram-se recentemente na colônia. cialização do pescado, a produção de remédios
A Federação de Pescadores do Estado de Minas caseiros e de artesanato, a preservação ambiental
Gerais, até 1999, era dirigida por uma mulher. No e a valorização das manifestações culturais locais.
Seminário ocorrido em Salvador, supra citado, essa Além de inúmeros obstáculos à manutenção dos
representante apresentou uma moção, da qual foi grupos, elas se ressentem da falta de apoio do
extraído o trecho a seguir, que caracteriza a mulher setor público na forma de linhas de crédito e de
enquanto trabalhadora e partícipe na sustentabilidade programas de formação, além do freqüente
das comunidades pesqueiras: distanciamento da colônia.
"O papel da mulher na pesca que, com as De diferentes modos, portanto, as mulheres
atividades de venda do pescado, manufatura desempenham papéis cruciais na manutenção das
e conserto de petrechos, auxílio à pesca, comunidades pesqueiras artesanais: manipulando
na organização das colônias e ainda na recursos de diferentes ecossistemas, terrestres e
produção de complemento alimentar como aquáticos, gerando rendas complementares à da
produtora rural. Note-se, ainda, o papel pesca, agregando valor a produtos locais e
indireto da mulher no setor pesqueiro participando de organizações coletivas.
através das campanhas de educação Resta alcançar um efetivo reconhecimento
ambiental e formação escolar e de agente social, que implicaria em sua inclusão nas
formadora de opinião."
políticas de desenvolvimento do setor. Assim, no
Em localidades pesqueiras do nordeste tocante ao crédito, torna-se necessário que as
paraense, nos municípios de Vigia, São Caetano agências financiadoras mudem o enfoque
de Odivelas e Marapanim, registram-se associa- dominante, que privilegia o financiamento de
ções de mulheres que, a exemplo das associações barcos e instrumentos de captura, de maneira in-
de pescadores ou de trabalhadores rurais, buscam dividual, para incluir o fomento a grupos que
meios para criar alternativas de trabalho ou renda. processam e aproveitam subprodutos da pesca,
90
de maneira integrada ao financiamento da ALENCAR, E. F. 1991. Companheiras,
produção pesqueira. No tocante à capacitação pescadeiras e perigosas: a pesca feminina na Ilha
profissional, sobretudo, trata-se de concebê-la em dos Lençóis-MA. Dissertação de Mestrado, UNB,
um sentido amplo, que assegure não só a eficácia Brasília. (inédita).
no trabalho, como também, que possibilite às ESCALLIER, C. e MANESCHY, M . C.
comunidades lançar mão de alterna tivas d e 1996. Weaving a living. SAMUDRARepart. ICSF,
sobrevivência, abso lutamente necessárias em Madras.n. 14.March.p.3-4.
períodos de interrupção da pesca, ou em situações F AO. 199 5. Responsible fisheries. DEEP; De-
em que os estoques são objeto de intensa velopment Education Exchange Papers. October.
exploração. Estas são condições inerentes à FONTELES-FILHO, A. A. (ed .), 1997.
instituição da chamada "pesca responsável". A na is do workshop internacional sobre a pesca
Finalmente, no que tange às entidades de artesanal. Fortaleza., Imprensa Universitária da
classe dos pescadores, importa romper a concepção Universidade Federal do Ceará. p. 133-155.
segundo a qual as mulheres são dependentes do MANESCHY, M. C., ALENCAR, E. e
marido pescador. Sua participação nesses espaços, NASCIMENTO, I. 1995. Pescadoras em busca de
certamente, trará à ordem do dia as condições cidadania. ln: ALVARES, M. L. e D 'INCAO, M. A.
concretas em que trabalham, as exigências de con- A mulher existe?uma contribuição ao estudo da
ciliar casa e trabalho, seu ganho monetário diminuto mulher e gênero na Amazônia. Belém, GEPEM/
ou incerto, dificultando-lhes, mais que aos homens, Museu Paraense Emílio Goeldi. p. 81-96.
honrar as mensalidades da colônia e da previdência, NIEUWENHUYS, O. 1989. Invisible nets;
além das barreiras culturais que persistem. women and children in Kerala's fishing. MAST,
2(2) : 174-94.
Referências Bibliográficas
SHARMA, C. 1996. Different voices, simi-
A VOZ dos Pescadores do Brasil. Boletim lar concerns. SAMUDRAReport. ICSF, Madras.
informativo do MONAPE, n.3, dez. 1999. n. 15.July. p. 46-49.
91
Eleições 2000 cotas para ampliar
a presença da mulher nos espaços
de poder político
Iara Bernardi *
*Iara Bernardi é deputada federal (PT / SP) e 2ª Vice-Presidente Nacional do Partido dos Trabalhadores.
Professora, atuou como vereadora petista em três mandatos em Sorocaba-SP, sendo eleita pela primeira vez
em 1982, na primeira eleição disputada pelo Partidos dos Trabalhadores. Publicou a cartilha "Vereadora 2000,
agora são outros 500- Subsídios para a mulher candidata a vereadora", que pode ser solicitada pelo e-mail:
dep.iarabernardi@camara.gov.br
Disputar uma vaga de vereadora ou prefeita havia 40 deputados classistas e dentre estes figura-
nas eleições do ano 2000 implica, antes de tudo, va também uma mulher, a trabalhadora Almerinda
conhecer um pouco da trajetória de lutas de outras Farias Gama, representante do Sindicato dos
mulheres pela conquista do direito ao voto e para Datilógrafos e Taquígrafos e da Federação do
mudar nossas vidas e torná-la melhor. Trabalho do Distrito Federal.
As mulheres, no mundo e no Brasil, tiveram No quadro abaixo, podemos acompanhar
como primeiras lutas a busca do direito à edu- quando o direito ao voto feminino foi conquistado
cação e ao voto . Foi nos Estados Unidos onde em outros países.
ocorreram as primeiras manifestações organizadas A conquista do voto feminino no mundo
em prol dos direitos da mulher, no século XIX. A
luta contra a escravidão explodiu junto com a luta 1893 Nova Zelândia
1917 União Soviética, com a Revolução Socialista
pela libertação feminina.
1918 Alemanha
No Brasil, as primeiras organizações de 1919 Estados Unidos
mulheres surgiram após 1850 e sua principal 1928 Inglaterra
bandeira era e mesma de outros países, pelo direito 1934 Brasil
à instrução e ao voto. A voz feminina manifestava- 1945 França, Itália e Japão
se através da abolicionista, republicana e feminista A revolta das mulheres repercutiu enor-
nascida no Rio Grande do Norte, Nísia Floresta memente nos organismos internacionais, levando
(1809-1885), e da baiana Violante Bivare V elasco, as Nações Unidas (ONU) a instituir o ano de 1975
que fundou, em 1852, o primeiro jornal dirigido como o Ano Internacional da Mulher.
por mulheres: o jornal das Senhoras. Em 1873, a No Brasil, o Ano Internacional da Mulher
professora Francisca Senhorinha da Motta Diniz foi um importante marco no ressurgimento das
criou em Campanha, Minas Gerais, o jornal organizações de mulheres. Sob o regime militar e
feminista O Sexo Feminino, que lutava por essas com as liberdades democráticas cerceadas, a
duas bandeiras. Em 1922, sob a liderança de Ber- iniciativa das Nações Unidas propiciou às
tha Lutz, é fundada no Rio de Janeiro a Federação mulheres brasileiras um espaço de discussão e
Brasileira pelo Progresso Feminino. organização . Neste período, foi criado o Mo-
A década de 1920 foi uma época conturba- vimento Feminino pela Anistia, unindo a luta pela
da, anunciando as grandes transformações dos democratização do país com as questões
anos 30 . A classe operária se organizava, os específicas de gênero.
intelectuais rompiam com o pensamento tradi- No início dos anos 80, havia inúmeros
cional, as classes médias pediam mais repre- grupos de mulheres espalhados pelo Brasil,
sentação política e as mulheres queriam tudo representando um amplo leque de posições
isso e muito mais! feministas constituindo um movimento de
Em 1932, o governo de Getúlio Vargas, '
mulheres brasileiras. Este movimento alcançou
formado após a Revolução de 1930, promulgou as mulheres trabalhadoras, que passaram, por sua
o novo Código Eleitoral pelo Decreto nº 21.076, vez, a organizar dezenas de encontros. Foram
garantindo, finalmente, o direito de voto às metalúrgicas, químicas, trabalhadoras em geral,
mulheres brasileiras. Nas eleições de 1933, convo- que se descobrem mulheres, oprimidas, mas que
cada para a Assembléia Nacional Constituinte, se desejavam autônomas na sua luta específica
foram eleitos 214 deputados e uma única mulher, em relação aos partidos políticos, aos homens e
a paulista Carlota Pereira de Queiroz. Bertha Lutz, ao Estado.
concorrendo pelo Distrito Federal (RJ), foi eleita A lenta chegada ao Estado de Direito no
primeira suplente. Neste processo constituinte Brasil, após a anistia em 1979 e início dos anos
Dinamarca A lei federal define o equilíbrio entre os sexos nos comitês 1985
consultivos e administrativos
Finlândia A representação de cada sexo não pode ser inferior a 40% 1986
nos comitês e órgãos públicos de decisão
Irlanda Os partidos adotam cota mínima de 40% para cada sexo nas 1990
instância de decisão
Bélgica A lei federal define o limite máximo de 2/3 das listas para um 1990
sexo
Uruguai Nenhum sexo poderá ter mais de 75% nas listas de 1992
candidatos.
Itália Nas listas eleitorais com mais de um candidato, devem se 1993
alternar homens e mulheres
Argentina 30%, no mínimo, das listas de candidatos devem ser 1993
preenchidas por mulheres
Brasil Nenhum partido poderá ter mais de 70% de candidatos do 1995
mesmo sexo
Colômbia Determina igual proporção de homens e mulheres nas listas 1998
eleitorais.
No Brasil, a cota mínima para candidaturas que se rompesse uma série histórica d e baixos
de mulheres nas chapas partidárias foi instituída índices de participação feminina no poder, que,
em 1995. Projeto de lei da deputada Marta Suplicy desde 19 34, mantinha uma média de aumento
(PT /SP), subscrito por outras 30 deputadas, percentual de 1% a cada quatro anos no número
propunha o mínimo de 30% de mulheres de vereadoras eleitas. Segundo dados do IBAM,
candidatas a todos os cargos eletivos. O primeiro de 3.952 vereadoras eleitas em 1992 (8%),
resultado dessa iniciativa foi a incorporação do passamos para 6.536 em 1996 (11 %). A lei de
mínimo de 20% de mulheres candidatas na Lei cotas permitiu um avanço de vinte anos em um.
9.100/95 (a rt. 11, § 3° - "Vinte por cento, no O número de mulheres no Executivo também
mínimo das vagas de cada partido ou coligação cresceu. Em 1992, foram eleitas 171 (3%)
deverão ser preenchidos por candidaturas de prefeitas e 302 (6%), em 1996.
mulheres'), que estabeleceu as normas
Cargo / Nº de Eleitas 1992 1996
para as eleições municipais de 19 96 .
Prefeitas 171 (3%) 302 (6%)
Foi um grande marco na história da
Vereadoras 3.952 (8%) 6.536( l1 %)
participação das mulheres nas eleições.
Como primeira experiência de ação Fonte: IBAM- Instituto Brasileiro de Administração
afirmativa levada a cabo em nosso país, permitiu Municipal
Com a cota de 20% para candidaturas Relação entre candidatos e eleitos por
femininas nas eleições de 1996, o Brasil se sexo - 1998
antecipou às recomendações da Plataforma
' Ca nd. Cand. % Eleito Eleito % Eleito
de Ação Mundial de Beijing, assinada sem Fem. Masc. Fem. Fcm. Masc. Fem.
restrições pelo nosso país na Conferência Dep. Estadua l/ Distrital 1.388 8.778 19,01 105 954 9.92%
Mundial da Mulher, em setembro de 1995, Dep. Federal 352 3.065 10,30% 29 484 5,65 %
que recomendou aos países a adoção de Fonte: Tribunal Superior Eleitoral - TSE
ações afirmativas para apressar a diminuição da
exclusão das mulheres e se chegar à igualdade en- O tempo entre a aprovação da lei de cotas
tre os sexos nos centros de poder político. e a sua colocação em prática foi muito reduzido.
O resultado da política de cotas foi altamente Nas duas primeiras experiências, nenhum
positivo. Obrigou os partidos a incorporar a partido conseguiu preencher o percentual
preocupação com as questões das mulheres em seus definido pela lei. Não se tem conhecimento de
projetos de campanha, tornando a questão da que tenha existido alguma ação específica, no
mulher um tema de maior importância na mídia e âm bito partidário, a fim de estabelecer uma
no dia-a-dia. Alguns partidos, pela primeira vez, meta de eleição de mulheres ou investir em
tiveram que se confrontar com a inexistência de candid aturas femininas.
mulheres em seus quadros políticos. As mulheres Para superar esta dificuldade é necessário
foram estimuladas a se filiar aos partidos, a que os partidos coloquem à disposição das
participar como militantes, a enfrentar as disputas mulheres os meios para que possam disputar
internas e as campanhas eleitorais. em condições de igualdade. É preciso que se
A campanha "Mulheres sem Medo do Poder", pratique, nos partid os e coligações, uma dis-
em 1996, coordenada pela bancada feminina no tribuição igualitária dos recursos financeiros e
Congresso Nacional, conseguiu um enorme êxito e materiais.
teve grande impacto na conscientização das mulheres Será uma ação afirmativa tão importante para
sobre a importância da representação feminina no as mulheres como foi a inclusão do artigo "a" nas
parlamento. Foi um tema que entrou forte no debate cédulas eleitorais e na urna eletrônica, que
e na agenda política nacional. permitiu às candidatas deixarem de ser vereador,
Com o aumento das cotas para 25% nas eleições deputado, senador e governador e passarem a ter
de 1998, a representação de mulheres nas seu gênero reconhecido.
Assembléias Legislativas teve um aumento de 33%, É preciso tornar efetivo aquilo que o Brasil
sendo eleitas 105 deputadas, distribuídas por 15 assinou sem reservas em Beijing.Já está mais do
partidos políticos. que na hora de termos uma divisão eqüitativa de
Em relação à representação na Câmara dos responsabilidades na vida familiar, na vida
Deputados, vários fatores contribuíram para a profissional e no poder político.
99
do poderio de estrutura de determinados
candidatos. A eleição será definida no dia 1º
de outubro, pelo seu esforço, trabalho,
determinação e competência.
Explore os aspectos positivos da
, participação das mulheres na política:
seriedade, honestidade, compromisso com
o social e sensibilidade. E-tenha claro quais
são as funções de uma vereadora. Não
prometa coisas que você sabe que não pode
cumprir ou que não competem à Câmara
Municipal. Porém, não dirija a sua
plataforma e campanha unicamente para as
mulheres. Pode até ser a sua prioridade. O
seu programa e a campanha devem ser
amplos, mesmo porque a mulher está
presente com seus problemas em todos os
setores da sociedade.
Procure falar e se destacar sempre nos
eventos partidários, como caminhadas,
comícios, panfletagens. Não perca nenhuma
oportunidade de divulgar sua candidatura,
suas propostas e de conquistar mais votos.
Voto nunca é demais.
Não perca tempo disputando espaços
com candidatos dentro do seu partido ou
coligação. Eles não são os seus adversários. A
Dicas úteis para o dia-a-dia da somatória de votos de todos os candidatos do seu
sua campanha partido ou coligação é que vai eleger alguns e você
poderá estar entre eles/as. Tente conciliar suas
Nunca julgue que a campanha está ganha. Faça tarefas partidárias e de campanha com as tarefas
campanha sempre. Não desanime com a resistência do lar, que pesam muito sobre a mulher. O apoio
de alguns eleitores. Respeite a opinião de todos. Con- do marido, companheiro, namorado e familiares é
verse muito, tente convencer as pessoas a votarem importante para o andamento das suas tarefas. Sem
em você. Mas não perca tempo quando o eleitor conflitos domésticos, tudo vai andar melhor.
disser que já tem outro candidato. Existem milhares D ê importância a sua aparência . Ela é
de outros que ainda não se decidiram. Estes devem primeira avaliação que o eleitor fará de você. Seja
ser o seu "alvo" preferencial. Mas nunca tenha discreta, mas sem descuidar do modo de ves tir,
vergonha de dizer que é candidata, por que é maquiar ou algum detalhe específico que você
candidata, qual o seu partido, quem você apoia para adotar como marca pessoal.
prefeito/ a e os apoios que você tem. O eleitor quer E saiba que, mesmo que você não se eleja
saber estas informações. agora, você será uma vitoriosa. Sairá de todo este
Você também não deve se intimidar diante de processo com credenciais para outras disputas.
candidaturas que acham estar ganhas e nem diante No partido e na sociedade.
100
lji.l•I•fjM N°84/85 Março/Agosto de 2000
O Futuro das Metrópoles: Desigualdades e Governabilidade
Organizador: Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Observatório IPPUR/UFRJ/FASE
Este livro conta com artigos de Adauto Lucio Cardoso, Carlos A de Mattos, Jesús
Leal Maldonado, José Luís Fiori, José Luis Coraggio, Licia Valladares, Orlando
dos Santos Jr., Suzana Pastemak Daschner, entre outros.
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tempo e que acreditam que o futuro não está predestinado, mas que será resultado
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ações pelo entendimento dos rumos do crescimento econômico brasileiro; um processo
dinâmico e potente marcado, pelas suas características de exclusão social e de
injustiça espacial, comprometendo o alcance do desenvolvimento. São ensaios que
iluminam problemas e questões que a elite brasileira não tem nenhum interesse em
ver compreendidas e discutidas pelos que não a integram. É certamente uma leitura
pouco cômoda para alguns e da maior importância e significado para a maioria.
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A impunidade e a injustiça na Apostando no Turma 2000 do Curso Políticas
[>Q uem Somos
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[> Pab1vra da Fue seus massacres, confrontos e Jovens Capacitac~o de Conselheiros
[> F•I• Conosco assassinatos, é o pano de fundo Municipais em Nova lguacu. RJ .
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