Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
19
criminológicas, ela reflete a própria inventiva da décima primeira do lumpemproletariado, o uso genérico das fases intelectuais do
das Teses sobre Feuerbach,(3) que muito bem poderia ser colocada autor etc.;(18) da carta de Bobbio a Baratta, na qual questionava o
nos seguintes termos: “os criminólogos apenas interpretaram estatuto de uma “teoria materialista do desvio”, seja quanto ao uso
a questão criminal de modos diferentes; é preciso, agora, do referente material como fator decisivo ou exclusivo de análise,
transformá-la”. Muito embora haja estável concordância de que o sob pena de se incorrer no mais do mesmo ou em um economicismo
filósofo de Trier e seus precursores não sistematizaram uma “teoria denunciado no âmbito do próprio marxismo;(19) do texto de Zolo
materialista do desvio e da pena”,(4) o corpus marxiano possibilitou e Ferrajoli, publicado na revista Questione Criminale, no qual
que fossem forjadas “criminologias marxistas” – analíticas sociais se sustentou que, muito embora a análise marxista oferecesse
desenhadas para explicar o delito e o controle penal a partir dos elementos necessários para a compreensão dos processos de
eixos de classe, poder e Estado.(5) criminalização nas sociedades modernas, tais ferramentas seriam
Visionário que foi, além de inserir chaves de leitura até hoje insuficientes para a elaboração de uma teoria “total” sobre o desvio
indispensáveis (v.g. mais-valia, luta de classes, materialismo criminal – à qual deveriam ser conjugados elementos empíricos de
dialético etc.), antecipou no século XIX a crítica da razão punitiva ordem sociológica, psicológica, política e cultural.(20)
que seria feita pela penologia e sociologia do desvio na segunda De todo modo, inegável que questões externas e internas
metade do século passado. Para exemplificar: em seu artigo no precisam ser (re)pensadas face ao acúmulo teórico – a exemplo,
New York Daily Tribune, em 1859, já havia algo de labelling respectivamente, do eurocentrismo (crítica pós-colonial), do
(que, futuramente, seria problematizado pelos próprios marxistas) patriarcalismo (crítica feminista), do racismo (crítica antirracista),
no questionamento às estatísticas criminais e na descrição dos do determinismo economicista, das leituras ortodoxas reducionistas,
processos de criminalização; bem como, antes disso, em 1853, da percepção funcionalista do controle social etc., arsenal este que
já publicava o argumento do esvaziamento empírico das teorias confessa o ímpeto pela interdisciplinaridade e confirma a hipótese
retributivas e ressocializadoras da pena – hipóteses levantadas no de negação de um saber universalizante autossustentável.(21)
debate sobre a lei contra o furto de madeira, publicado em 1842
na Gazeta Renana –, sempre partindo do pressuposto de que as O que não pode ocorrer é o seu abandono, conforme a
relações jurídicas somente poderiam ser compreendidas com seminal passagem de Foucault: “Ocorre-me frequentemente citar
base nas condições materiais de existência.(6) Não é à toa que a conceitos, frases e textos de Marx, mas sem me sentir obrigado a
contribuição central apropriada pelas ciências criminais tenha sido acrescentar a pequena peça autentificadora que consiste em fazer
quanto ao método.(7) uma citação de Marx, em colocar cuidadosamente a referência
elogiosa, por meio da qual eu possa ser considerado como alguém
Seguindo o raciocínio, a acumulação originária descrita
que conhece Marx, que reverencia Marx e que será honrado pelas
em seu capolavoro(8) se torna indispensável para a percepção da
revistas ditas marxistas. Cito Marx sem dizê-lo, sem colocar
origem histórica do cárcere e sua íntima vinculação à organização
aspas, e como eles não são capazes de reconhecer os textos de
da vida econômico-social: essa expropriação violenta que
Marx, passo por ser aquele que não cita Marx. Será que um físico,
transformou produtores servis (exploração feudal) em assalariados
quando faz física, experimenta a necessidade de citar Newton
(exploração capitalista) disciplinados nas corporações, sem meios
ou Einstein? (...). É impossível fazer história atualmente sem
de produção, excluídos, marginalizados e criminalizados na era
20 do protocapital. A relevância conceitual é tamanha que recebeu
utilizar uma sequência infindável de conceitos ligados direta ou
indiretamente ao pensamento de Marx e sem colocar um horizonte
dedicação específica no estudo de Rosa Luxemburgo;(9) e
atualização por Harvey,(10) a partir da noção de “acumulação por descrito e definido por Marx”.(22) Nesse sentido, tanto a coletânea
espoliação” aplicável à geografia do “novo imperialismo”. organizada por Greemberg(23) quanto por Laval, Paltrinieri &
Fehrat(24) são imprescindíveis para um balanço problematizador
Torna-se, assim, fértil o terreno para uma crítica radical
atual.
ao liberalismo humanizador da prisão e aos ideais burgueses
de legalidade, segurança e igualdade (Escola clássica), bem Dada a crise estrutural do sistema penal e sua configuração
como às proposições etiológicas e deterministas do positivismo refratária aos direitos humanos, o encarceramento em massa, o
criminológico (Escola positiva) – estas, ainda presentes no genocídio em curso, a desigualdade social (de classe, de raça e de
modelo oficial de ciência penal(11) –, crítica essa amplamente gênero) e a seletividade que movem as agências penais, sobretudo
desenvolvida por Pachukanis,(12) Rusche & Kirchheimer,(13) em países periféricos, não resta alternativa senão retomar as bases
Foucault,(14) Melossi & Pavarini(15) e Baratta(16) – intelectuais fundacionais da criminologia radical, afinal, “se o pensamento
que aprofundaram os fundamentos contemporâneos sobre crítico se caracterizou historicamente pela capacidade de
penalidade, criminalização e controle social (v.g. retribuição demarcar uma posição radical contra a reificação do humano,
equivalente, less eligibility, disciplina, ilegalismos, isomorfismo, fundamental, neste cenário, retomar sua potência desconstrutora
microfísica, defesa social etc.), tendo em comum a associação e, sem qualquer semanticismo que possa reduzir sua força,
da operacionalidade dos sistemas punitivos aos sistemas de reafirmar o núcleo teórico e político que o sustenta”.(25)
produção. Se a reconstrução da vida revolucionária de um militante
O que não se pode ignorar é que o referencial, tal qual qualquer cientista social – que, como ninguém, analisou rigorosamente
outro complexo e denso campo do conhecimento, não está um regime antipopular de produção, em busca da construção de
blindado a críticas.(17) Quanto a esse aspecto, fundamental situar uma sociedade sem opressão e miséria(26) – evidencia a completa
alguns “pontos altos” das tensões epistemológicas em torno da mudança dos rumos da história, não se pode ignorar, nos termos
inserção do marxismo na questão criminal, a exemplo: do debate de Vera Malaguti Batista, que “é em Marx que tudo começa. Só
promovido entre Hirst e Taylor & Walton, publicado na histórica os tolos podem achar que a obra marxista está superada; ela só
coletânea Critical criminology (1975), em que se discutiu o desvio será superada quando derrotarmos o capitalismo”,(27) tarefa a ser
como objeto de preocupação científica marxiana, a romantização gestada e vocacionada por intelectuais revolucionários.
BOLETIM IBCCRIM - ISSN 1676-3661 Moyano, Luana Oliveira, Luis Gustavo Sousa, Luiza Gervitz, Luiza Guedes Pirágine, Mendes Valadão, Rodrigo Olhiara da Silva, Rossana Brum Leques, Stela
EDITOR- CHEFE: Luigi Giuseppe Barbieri Ferrarini. Manoel Alves da Silva Junior, Marco Aurélio Florêncio Filho, Mariana Beda, Mariana Valim, Stephan Gomes Mendonça, Suzane Cristina da Silva, Thais Felix,
Chies, Matheus Chiocheta, Matheus Pupo, Milene Maurício, Milene Cristina Santos, Thaís Marcelino Resende, Verônica Carvalho Rahal e Vivian Peres da
EDITORES/AS ASISSTENTES: Ana Maria Lumi Kamimura Murata,
Octavio Orzari, Otávio Espires Bazaglia, Pedro Beretta, Pedro Augusto Simões Silva.
Bernardo Pinhón Becthlufft, Daiane Ayumi Kassada, Danilo Dias Ticami e Erica
da Conceição, Pedro Machado de Almeida Castro, Rachel Lerner Amato, Rafael COORDENADOR DO VOCABULÁRIO BÁSICO CONTROLADO ( VBC ):
do Amaral Matos.
Fecury Nogueira, Rafael Tiago Silva, Raul Abramo Ariano, Renata Macedo, Ricardo Roberto Portugal de Biazi.
EDITORES/AS EXECUTIVOS/AS: Rafael Vieira, Taynara Lira e Caiado, Rodrigo Sardenberg, Rogério Taffarello, Rosa Cantal, Salomão Shecaira,
Willians Meneses. Sâmia Zattar, Theodoro Balducci, Thiago Baldani Gomes de Filippo, Thiago Tezani, PRODUÇÃO GRÁFICA: Editora Planmark - Tel.: (11) 2061-2797
CORPO DE PARECERISTAS: Verônica Carvalho Rahal, Vitor Hugo da Silva, Vinicius Vasconcellos e Yuri Felix. planmark@editoraplanmark.com.br
Acacio Miranda Filho, Alexis Eliane, Amélia Emy Rebouças Imasaki, Anderson CORPO DE PESQUISA JURISPRUDENCIAL: REVISÃO: FAZENDARIA, Consultoria em recursos humanos, pesquisa e texto
Bezerra Lopes, André Azevedo, André Felipe Pellegrino, André Lozano Andrade, Ana Beatriz Tabarelli Krasovic, André Campagnaro Rampinelli, Arthur Ltda. - ME - Tel.: (11) 3673-7564 - E-mail: midiafazmal@gmail.com.
Andre Ricardo Godoy, Antonio Baptista Gonçalves, Arthur Sodré Prado, Átila Inácio, Arthur Martins Soares, Bruna Brandt, Bruna Diamante, Bruno IMPRESSÃO: Ativaonline - Tel.: (11) 3340-3344
Machado, Beatriz Jubilut, Bruno Salles, Carlos Garcete, Carlos Viveiros, Christiany Maurício, Camila Torres Cesar, Caroline Bussoloto de Brum, Caroline
Pegorari, Clara Masiero, Cristiano Barros, Daiana Ryu, Daiane Ayumi Kassada, O Boletim do IBCCRIM circula exclusivamente entre os associados e membros
Mutaf, Cesar Janoti, Dafne Sena Coutinho Ribeiro, Fábio Suardi D’Elia,
Daniel Del Cid, Daniel Leonhardt, Daniel Nicory, Dayane Fanti, Décio Franco de entidades conveniadas. O conteúdo dos artigos publicados expressa a
Felício Nogueira Costa, Felipe Azenha, Felipe Monea, Frederico Manso
David, Edson Roberto Baptista de Oliveira, Emília M. Giuliani, Evandro Camilo Brusamolin, Gabriela Alcarpe, Gabriela Rodrigues Moreira Soares, opinião dos autores, pela qual respondem, e não representa necessariamente
Vieira, Fernanda Carolina de Araújo, Fernanda Vilares, Fernando B. Dias, Frederico Giancarlo Silkunas Vay, Ingrid Oliveira, Isabela Perrella, Jairton Ferraz a opinião deste Instituto.
Manso Brusamolin, Gabriel Huberman Tyles, Gabriela Gama, Guilherme Lobo Júnior, Karen Regina Amorim Carmo, Luana Oliveira, Ludmila Bello, Tiragem: 4.500 exemplares
Marchioni, Guilherme Suguimori Santos, Henrique Buhl Richter, Hugo Leonardo, Marcela Vieira da Silva, Matheus Pupo, Michelle Pinto Peixoto de Lima, ENDEREÇO DO IBCCRIM:
Hugo Leonardo Rodrigues Santos, Jacqueline Valles, Jamil Chaim Alves, João Anhê Milene Maurício, Paula Mamede, Pedro Augusto de Padua Fleury, Pedro Rua Onze de Agosto, 52 - 2º andar, CEP 01018-010 - S. Paulo - SP
Andorfato, Jorge Nader, Jose Carlos Abissamra Filho, José Roberto Coêlho de Fernandes, Pedro Machado de Almeida Castro, Renato Silvestre Marinho, Tel.: (11) 3111-1040 (tronco-chave)
Almeida Akutsu, Juliana Regassi, Letícia Garducci, Lévio Scattolini, Luan Nogués Renato Watanabe de Morais, Roberta Werlang Coelho Beck, Roberto www.ibccrim.org.br