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O Romantismo

J. Guinsburg
O rg a n izaç ão
1. ROMANTISMO, HISTORICISMO E
HISTÓRIA

J. Guinsburg

Quem estuda as manifestações artísticas e as


idéias que as alimentaram ou cercaram, sobretu­
do nos séculos X IX e XX, depara-se imediata­
mente com a palavra “romantismo” . £ como se
tudo o que foi criado nos últimos duzentos anos,
obra de literatura, pintura, teatro, escultura, ar­
quitetura, houvesse surgido do confronto e da
união com este “espírito'* mágico, que, buscando
as esferas mais profundas do homem, reptou o
consagrado, o estabelecido, o modelado aparen­
temente desde e para todo o sempre, efetuando
uma revolução fundamental na conceituação e
na realização de todas as artes, mesmo daquelas
que não sentiram ou expressaram de modo ime­
diato ou feliz os efeitos da fermentação român­
tica.
O que é o Romantismo? Uma escola, uma
tendência, um a forma, um fenômeno histórico,
um estado de espirito? Provavelmente tudo isto
junto e cada item separado. Ele pode apresen­
tar-se como um a dentre uma série de denomina-

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ções como Classicismo, Barroco, Maneirísmo, pe­ vino através de Seus atos de vontade, cuja pri­
las quais designamos os vários agrupamentos de meira manifestação seria a Gênese, ponto de
formas e peculiaridades que são os estilos, os mo­ partida de uma sucessão de intervenções provi­
dos de formar, e que traduzem qualidades e estru­ denciais e miraculosas ao nível do humano e ter­
turas da obra de arte. Mas o Romantismo de­ reno, cujo term o seria o Juízo Final e a insta­
signa também um a emergência histórica, um lação do reino beatífico dos justos e dos santos.
evento sócio-cultural. Ele não é apenas um a con­ Artigo de fé, esta concepção presidiu dogmati­
figuração estilística ou, como querem alguns, uma camente o pensamento patrístico, medieval e da
das duas modalidades polares e antitéticas — Clas­ Contra-Reform a, alcançando eloqüente altitude
sicismo e Romantismo — de todo o fazer artís­ sermonária nas vozes de Bossuet e Vieira e ra­
tico do espírito humano. Mas é também uma es­ dical precisão lógico-filosófica na onipresença di­
cola historicamente definida, que surgiu num vina do ocasionalismo de M alebranche. O século
dado momento, em condições concretas e com de Voltaire e Diderot, na esteira de Spinoza e
respostas características à situação que se lhe outros, submete, entretanto, à crítica da Razão
apresentou. Como tal, está inserido não ape­ as peripécias da História Sagrada, m inando o
nas no processo, digamos, de uma dialética das consenso que a cercava e, com isso, os funda­
formas ou, se se quiser, de idéias platônicas hi- mentos das instituições religiosas, sociais e po­
postasiadas como estilos, mas igualmente no líticas, que pareciam dadas para a eternidade,
processo real da história européia e ocidental, o pela própria lei divina e que só ela poderia
que evidentemente não exclui a existência de tra­ derrogar. Com Montesquieu e Rousseau, as ins­
ços romantizantes ou, mesmo, uma tendência tituições, costumes e normas sócio-jurídicas pas­
mais definida neste sentido, em diferentes épocas sam a ser entendidas como produto das con­
e culturas, sem que isto subordine realmente as dições, do comércio e contrato dos seres huma­
várias expressões a uma geratriz ou matriz uni­ nos, a certa altura de suas relações coletivas, isto
versal que possa receber o nome categorial, a não é, em certo momento da história da sociedade,
ser como alavanca de apoio à compreensão, de mas de uma sociedade de indivíduos dotados de
o Romântico. Já disse alguém que houve tantos direito natural.
romantismos quantos românticos, o que seria, por Mas o Romantismo pôs de lado não só o
outro lado, a máxima concreção do Romantismo enfoque teológico judio-cristão, como também a
no seu caráter individualista, essencialização que, concepção clássica da História,\porque no século
por seu turno, implica uma redução sub specie X V III, embora já se fale de um a história natu­
clássica. . . ral das instituições, o pensamento dominante é
Seja como for, o Romantismo é um fato his­ aquele que considera a História com o produto
tórico e, mais do que isso, é o fato histórico que das “vidas ilustres", do sábio, filósofo, herói, rei,
assinala, na história da consciência humana, a gênio, cuja razão e ação (rei-filósofo, déspota
relevância da consciência histórica. É, pois, uma esclarecido), ainda que às vezes toldadas pelas
forma de pensar que pensou e se pensou histo­ paixões e pagando por estas falhas trágicas o
ricamente. Com efeito, o Romantismo é antece­ preço heróico, iluminam e melhoram o homem,
dido pelo Século das Luzes, que abandonou um a produzindo o aperfeiçoamento ou progresso nas
visão de História que se mantivera pelo menos suas instituições. Com efeito, a noção de pro­
formalmente, apesar da contestação maquiavé­ gresso começa a instalar-se agora na arena his-
lica do Renascimento, desde a instauração do toriosófica, como um dos principais sucedâneos do
Cristianismo. Trata-se de uma visão teocêntri- arbítrio divino e, mesmo, deste como ato pessoal
ca e teológica judio-cristã, que concebia a His­ de Deus, da finalidade providencial, tanto mais
tória como um ciclo de revelação do poder di­ quanto encerra, senão um paraíso como termo.

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pelo menos um “mundo sempre melhor” como cosmo como uma harmonia universal operada
uma proximidade terrena, dentro do tempo histó­ por leis e funções mecânico-matemáticas de um
rico, dependente apenas da atuação do homem. Deus não-intervencionista ou de um a tnáquina-
Contudo, se Voltaire e Diderot já conhecem este -m undo), promovendo pelo exercício reformador
conceito, cuja expressão mais radical no Ilumi- do entendimento critico e do juízo esclarecido a
nismo surgira com Condorcet ( “A perfectibili- história pela civilização, o Romantismo, aprofun­
dade do homem é absolutamente infinita” e nun­ dando a trilha aberta por Vico, o grande precur­
ca'p o d e ser “retrogressiva” ), 6 evidente que não sor da sócio-história da “sociedade civil” e do
o vêem como uma lei condutora ou uma causa historicismo, inverte em toda linha esta maneira
do processo histórico, mas como resultado de de ver. O discurso histórico sofre mudança revo­
atuações e ilustrações discretas, individuais. Co­ lucionária. Deixa de ser meramente descritivo e
mo exemplo, basta mencionar a posição de am­ repetitivo, para se tornar basicamente tanto in-
bos em face dos déspotas esclarecidos, como Fre­ tcrpretativo quanto formativo, genético. É a his­
derico o Grande, Catarina II da Rússia, Jo­ toria que produz a civilização’. Mas não a His­
sé II da Áustria ou o Marquês de Pombal, para tória, e sim as histórias. Suas fontes propulsoras
citar um caso próximo. Esta posição traduz de estão menos na ação isolada do homem abstrato,
certo modo a de grande parte do racionalismo singularizado na sua ratio, do que, de um lado,
ilustrado na primeira metade do século X V III e, no indivíduo, fantasioso, imprevisível, de alta com­
inclusive, na segunda metade, a de Kant, ape­ plexidade psicológica, centrado na sua imagina­
sar de sua noção “cultural” e “racial” da Histó­ ção e sensibilidade, gênio intuitivo investido de
ria, pois as Idéias da Tazão são para ele, em últi­ missão por lance do destino ou impulso inerente
ma análise, os fins e valores “práticos” mas po­ à sua personalidade, que é o herói romântico, en­
lares do curso histórico desencadeado por via carnação de uma vontade antes social do que
das “causas” e “predisposições” empírico-natu- pessoal, apesar da forma caprichosamente subje­
rais no homem. Transparece, portanto, quão lon­ tiva de seus motivos e decisões, e, de outro lado,
ge, mesmo quando bastante perto, se encontram num ser ou organismo coletivo dotado de corpo
ainda as Luzes, pelo menos em formulações mais e alma, de alma mais do que de corpo, cujo es­
específicas ou positivas na ordem das atribuições pírito é o centro nevrálgico e alimentador de uma
causais sobre as origens e motores históricos, de existência conjunta. Procedendo a uma espécie
concepções ou idéias-força como nação, povo, de “onticização” fenomenológica das caracterís­
massa, opinião pública, classe, e outros agentes ticas e das expressões grupais, o Romantismo, na
históricos, políticos, sociológicos, econômicos, sua propensão historicizante, aglutina as socieda­
culturais e ideológicos que são tidos como fonte des em mundos, comunidades, nações, raças, que
dos processos, dos dinamismos, dos movimen­ têm antes culturas do que civilizações, que secre-
tos, das consciências, dos espíritos e das vonta­ tam uma individualidade peculiar, uma identi­
des coletivas que surgiram em praça pública com dade, não de cada indivíduo mas do grupo es­
a Revolução Francesa e, mais especialmente, com pecífico, diferenciado de quaisquer outros. Já
o Romantismo. no Pré-Romantismo, sobretudo em sua face histo-
De fato, se a Ilustração acredita fundamen­ ricista, essas manifestações começam a salientar
talmente no poder exemplar e didático da razão com Herder, por exemplo, na Alemanha, a fusão
natural, que se propõe enquanto cógito cartesia- de natureza e cultura nas peculiaridades do povo
no em e para o indivíduo ou a pessoa humana, teutônico, da raça nórdica, as quais teriam m ar­
e atua em termos de “bom senso” , equilíbrio, cado as suas produções em diferentes épocas com
verdade lógica (não é à-toa que, metafisicamente o selo de seu Volksgeist, “Espírito do Povo” (mi­
exaltada ou cientificamente contida, projeta o tologia germânica, Lutero, Shakespeare, e t c . . . ) .

ROMANTISMO, HISTORICISMO E HISTÓRIA 15


Mas é no seu desenvolvimento romântico que os Nestas condições, pode-se verificar que o
elementos assim consubstanciados assumem um Romantismo em si se apresenta envolto caracte-
caráter mais particularizado. risticamente em nebulosas mitopoéticas ou em
Sob o impulso da mitificação, subjetivação, buscas que estão à frente ou atrás, dentro ou
idealização e espiritualização que se desencadeia a fora, mas sempre “além” do atual, jamais preci­
partir da imaginação produtora do e no Eu Puro samente aqui e agora, distinguindo-se inclusive
de Fichte e culmina nas “realizações” da dialéti­ pela tensão e dinamismo de seu “estar-af’, dio­
ca hegeliana da Idéia a caminho do Espírito, vas­ nisíaco por natureza, em devir constante, sem
tos conglomerados geoculturais são integrados his­ nunca ser definitivamente. Ao mesmo tempo, po­
toricamente em grandes comunidades, como o rém, o movimento romântico efetua um a descida
m undo oriental, o mundo greco-romano e o mun­ na escala metafísica, aproximando-se, ainda que
do moderno ou germânico das Lições da Filosofia por cima, idealisticamente, do mundo das “reali­
da História de Hegel. Concomitantemente, por dades” no espaço e no tempo, mas não apenas
obra do mesmo movimento de concentração das secas realidades racionais do universo físico-
histórica, -matemático, como outrossim as da multiplicida­
desde o camponês eslavo, que celebra em seus cantos de qualitativa, tópica, fenomenal dos tempos ca­
e danças o apego a um passado glorioso, até o eru­ racterísticos e dos espaços ambientais — não
dito germânico, que descobre e interpreta os documen­ mais sagrados — revestidos de cor local. Tudo
tos comprobatórios da perenidade de uma cultura
nacional, efetua-se todo um trabalho graças ao qual se baixa das alturas do Absoluto exceto a Idéia que,
fixam, pouco a pouco, as características, os contornos no entanto, lá permanece, mesmo nos grandes
e o lugar dessas coletividades que aspiram a obter o sistemas do idealismo alemão, mais como um pólo,
seu reconhecimento ou manifestar melhor o seu vi­ um a condição-limite da possibilidade do Ser e
gor >.
do Valor, o que a torna alvo, antes, de uma
Ê a “Jovem Europa” que encontra assim, procura, de um anseio, de um a nostalgia
recuperando piospectivamente no plano etnopo- (sehnsucht) do embasamento ontológico e axio-
lítico o que foi captado retrospectivamente no Iógico no Absoluto. A via fenomenológica e histó­
plano mitopoético e filosófico, as determinantes rica começa a impor-se irresistivelmente, naque­
nacionais de sua ideologia, que será o lêvedo da le momento menos como método ou abordagem,
“primavera dos povos” de 1848 e um dos rea- do que modo de ser em função deste curso do
gentes de importância na formação das idéias pensamento, da sociedade, do empuxo que cada
de nacionalidade, bem como das correntes do na­ qual exerceu sobre o outro e da m aneira como
cionalismo moderno. Do mesmo modo, por uma o traduziu. É um deslocamento do centro de gra­
destilação concomitante e decorrente, o rom an­ vidade social, cultura], filosófico, histórico e, em
tismo social gera, a partir de seu sincretismo geral, antropológico, correspondentemente ao
idealista, de sua mística do povo e de seu mes­ econômico e ao político, que se translada em
sianismo universal, marcadamente nas elabora­ todos os sentidos para as “medianias”, pondo
ções do chamado socialismo utópico de Saint-Si- em relevo, pela própria luz que em ana destas
mon, Fourier, Cabet, Proudhon, Richard e Owen, regiões, o homem contingente e as contingências
alguns dos principais conceitos operativos não só de seu contexto ou habitat. Com isso, precisa­
do que será denominado de “socialismo cientí­ mente, a História, conquanto bastante permeada
fico” de Marx e Engels, como da sociologia, mes­ pelo tempo mítico e psicológico, passa a inscre­
mo para adiante de seus princípios comtianos. ver-se num tempo “real” ou, caso se prefira, num
tempo “mais” real, do ponto de vista concreto-
] . - S e n NRSB, R otert O Sécu lo X I A \ São Paulo, D ifcl, 2.
Ed. 1961, p. 75. -humano e mesmo científico, do que o utilizado

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A Liberdade Conduzindo o Pvvo, 1830. por Dalacroix. Paniãa puta ú xuerra, buixo-rckvo do Arco do Triunfo
de l Etoilc, por Rude, 1792.
por ela anteriormente. A própria inflexão épica quanto, já num universo civil e burguês, carre­
e “civil”, esta apesar do culto napoleônico, que gado de atrações críticas e científicas, de reivin­
lhe é dada, a obriga, já pelo vetor mesmo de dicações liherais e pressões democratizantes, on­
seu movimento basicamente burguês, a desdo­ de pode haver um monarca como Luís Filipe
brar-se de uma forma mais colada ao m undo e que é “rei-cidadão” e que jura fidelidade à Cons­
aos acontecimentos, desvendando no ocorrer des­ tituição e à Nação, as ações e relações que re­
tes sua ponta de “fato” . U m a evolução muito cebem o nome de históricas, em virtude de seu
semelhante, enform ada sem dúvida pelo mesmo efeito e significado para a massa de procedi­
processo e pelas mesmas forças, ocorre contem- mentos e acontecimentos que os precede, envolve
poraneamente na épica ficcional, onde, em meio e segue num dado quadro e momento da asso­
ao gótico, ao romântico, ao fantástico das nar­ ciação humana, vão necessariamente se dessacra-
rativas de Scott, Novalis, E.T.A. Hoffmann, ou lizando, por sublimes e augustas que pareçam,
do histórico-aventuroso e sócio-melodramático pois perdem a incondicionalidade da inspiração
dos folhetins de Dumas pai e de Sue, ou dos M i­ celestial, da unção divina ou até da determina­
seráveis de Hugo, despontam, com os romances ção lógico-racional, devendo haurir seu sentido
de Balzac, Stendhal e Flaubert, as grandes com­ do fato de acontecerem num certo contexto e
ponentes da efetiva expressão realista, sem que no num certo tempo que as orienta e, em função
entanto percam de todo a sua impregnação e, com disto, organiza em rede de nexos. O papel da
freqücncia, param entação românticas. cronologia cresce, pois, consideravelmente. Ela
Assim, porque tudo se faz '‘história” no R o ­ ascende em status semântico, uma vez que a
mantismo, a História se faz então "realidade”, História no seu todo fica submetida à tempo-
integrando historiograficamente o estudo do de­ ralidade cronografada, que dá significação às suas
senvolvimento dos povos, de sua cultura erudita e ocorrências, segundo semas que parecem estar
de seu saber popular (folclore), de sua persona­ no Povo, na Revolução Francesa, no Gênio do
lidade coletiva ou espírito nacional, de suas ins­ Cristianismo, em 1789, na Restauração, na Con-
tituições jurídicas e políticas, de seus mores e tra-Reforma, mas que lhe são inerentes ou a en­
práticas típicas, de seus modos de produção e tidades estritamente dependentes dela.
existência material e espiritual, cada vez mais Engatado no tempo, como se quisesse ilustrar
nas linhas de um tempo cada vez menos mítico a doutrina kantiana sobre o espaço e o tempo co­
ou idealizado. Por aí a cronologia, que ao lado mo formas primeiras do conhecimento a priori,
do "fato” , da “lei”, da “observação", da “fonte", o Romantismo, em sua consciência historicista,
do “documento” , dominará inconteste a subse­ tampouco podia fugir à relativização que Cronos
qüente historiografia positivista, começa a instau­ impõe a tudo quanto toca, deuses e mortais. E
rar-se “realmente” na História. Ela passa a fazer- certo que, sob a tutela de seus numes ou espí­
-se valer com efetividade, não só balizando o mo­ ritos (geiste) e de seus heróis por eles inspirados,
vimento histórico por um a datação mais precisa, a história romântica traça a trajetória de cada
como plasmando-o em “etapas”, “períodos” , “ida­ povo, país ou nação como se ela fosse imbuída
des”, o que reúne em estruturações temporais de de um íelos, de uma finalidade a presidir-lhe o
certa organicidade, e mais ou menos comandadas sentido dc sua existência e nascida de um ontos
por denominadores comuns, as ações e os su­ intrínseco, do ser-do-grupo e do ser-em-grupo,
cessos que fulcram a vida das nações e dos cuja verdade específica, irrefutável em seu cam­
grandes complexos históricos no seu âmbito po específico porque não sujeita a prova empí­
geocultural (a derivação positivista de “meio” rica ou lógica, inapreensível só pela razão sem
e “clima”, devida a Taine, é ulterior). Esta es- o sentimento e a intuição, guiaria a grei, reali­
scncialízação cronológica é tanto mais acentuada zando-se nela e levando-a através de crises e tra­

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gédias personalizadas ou coletivas às realizações rico-político e sócio-cultural, forças estas dota­
expressivas de seus fastos e dos feitos de seus das de alta energia e poder de transformação,
expoentes. Um exemplo marcante é Michelet. viu-se na contingência de mobilizar e criar um
novo instrumental intelectual para apreender e
H á um a missão particular a esta época, tanto na operar a realidade que se lhe propunha.
França como na A lem anha — escreve A lbert Tbibau-
d e t2 — e da qual Michelet parece particularm ente o No setor específico que ora nos ocupa, mas
delegado: cia consiste em pensar a história como um não só nele se se quiser aprofundar a questão,
absoluto, em sentir e exprimir um a mística da histó­ tal encargo importou em largo uso de conceitos
ria.
e fatores, encarecidos ou desenvolvidos em fun­
E mais adiante, ao salientar os elementos ção desta demanda social, que, embora dispondo
que formam a obra e a figura do autor da His- de generalidade num certo conjunto, dependem
toire de France e Histoire de la Rêvolution Fran- em sua capacidade significativa e operativa de
çaisc: um contexto particular onde foram gerados, ca­
recendo da universalidade que o Iluminismo, pelo
Uma arte de ressuscitar o passado, uma filoso­ domínio do juízo de razão, e os períodos de pri­
fia da hum anidade enquanto ela dura, um a mística dos mazia das grandes religiões, pelo poder do arti­
povos que se criam e criam, é com estas forças, estas
divindades suas, que a pessoa de M ichelet coincidiu e go de fé, pareciam conferir às suas representações
vibrou. e veículos. Os deuses por direito próprio estavam
substituídos por semideuses ou simples heróis,
Mas, não obstante o fervor místico do culto autóctones, talvez, mas sem dúvida cruzando o
que lhes dedicou não só o historiador francês, telúrico e o celestial. Em lugar dos porten­
as novas deidades não o eram “pela graça de tosos sistemas a more geometrico (S p n o za),
Deus", mesmo quando proclamadamente auto­ monadológicos (Leibniz) ou mecânico-matemáti-
cráticos. Na realidade, seus poderes não mana- co (Holbach, La Mettrie e os Enciclopedistas, em
vam de uma fonte com autovalor absoluto, boa parte) e das vastas polifonias teológicas (Es-
a-histórico ou sobre-histórico, como era o caso
colástica árabe-judio-cristã, Bossuet no Discurso
do Deus Onipotente da religião monoteísta em sobre a História Universal), todas axiomática ou
suas várias formas ou mesmo do Ser Supremo ou
dogmaticamente arrimadas nas “esferas superio­
Inteligência-Máquina da metafísica racionalista, res", tinha-se agora uma espécie de nova mi-
porém de valores decantados, no plano das idéias, topoética histórica, defroquée, rica pela variedade
pelo processo histórico e que agora, quando se e colorido nacionais de suas epopéias coletivas e
verificava uma historicização geral do modo do
de seus heróis culturais, mas carregado de ele­
homem conceber-se no universo, assumiam am­ mentos semilendários, emblemas patrióticos ou
plo sentido e vigência. De outro lado, tendo que paroquiais e idealizações acríticas, acientíficas,
atender igualmente a configurações nacionais, não obstante intuições certeiras e descobertas fe-
étnicas, sociais e culturais diversas, com tradições edndas, mais tarde verificadas com os recuraos
e reivindicações muitas vezes conflitantes, ainda de uma ciência histórica mais apurada e rigoro­
que consistentes e justificadas em si e para si, o sa, cujo desenvolvimento, aliás, só pôde dar-se
historicismo romântico precisou recorrer, tam­ graças a essas contribuições românticas. Em si,
bém aqui, às “classes médias” das idéias-signo porém, era um discurso arraigado em particularis-
e das idéias-força. Isto significa que, para res­ mos, quase sempre envoltos em gloriosa auréola
ponder no nível ideológico à dinâmica e direção nacional e em simbólicas vestes talares, senão sa­
das novas forças propulsoras do processo histó­ cerdotais, parecendo falar de coisas eternas e
verdades indiscutíveis. N a realidade, este brilho
2. TiH D A iu»ET, A lb e r t. H i s to i r e dc h l it té r a tu r c f r a n ç a i je .
Paria, Stock, 1938» pp, 271, 272. e matizamento das cores locais mal conseguiam

ROMANTISMO, HISTORICISMO E HISTÓRIA 19


ocultar, já então, a prosaica roupa de baixo, “ci­ fazem relativos a oulras séries fatuais. Está cla­
vil” e “cidadã”, o acentuado grau de seculariza- ro que no Romantismo esta corrente de relativos
çâo e relativização a que estava sendo submeti­ e relativizante não se estende sem termo, con­
do tudo no Romantismo, inclusive este seu dis­ cluindo-se por um certo núcleo, um princípio-
curso, e que transmutava em essência seu interpre- -fim, sempre no entanto situado muito longe,
tante e suas expressões. quase inatingível, em espaços e tempos ideais
Com efeito, a história passou neste momento ou na própria Idéia, da qual a realidade parece
a referir o seu sentido à própria história. Em se alienada, entregue a seu próprio curso decaído,
tratando de uma ordem de significações cujos sem validade própria ou, quando muito, com uma
valores representativos são dados fundamental­ validade remotamente delegada. Assim, tudo no
mente a partir de dados temporais, sucessivos ou plano da atualidade fática, sobretudo no mundo
não, mas singulares, rebeldes à redução catego­ do homem e de sua existência, exceto a arte, que
ria! e à determinação causai, embora costumei- é comunicação direta e materializada da ideali-
ramente apareçam sob a égide e agrupados por dade, se apresenta em fluxo, com uma ou outra
idéias gerais de toda espécie, sua auto-referência fluência, com diversidade de “tempos”, e na de­
só podia constituir-se num segundo fator de re­ pendência relacionai quase absoluta que assim se
lativização do universo em questão. O primeiro estabelece, não im portando as “essências” apa­
fator já vinha com o evento dito histórico, cujos rentadas.
limites começaram a alargar-se extraordinaria­ De outro lado, não há como ignorar que
mente desde esta época precisamente, a ponto num tal distanciamento das cauções básicas, ain­
de hoje incluir tudo o que dele era excluso e da que seu acesso possa estar aberto ao racio­
lhe era marginal na tradição historiográfica (além cínio filosófico, acentua-se o caráter fenomenal
das classes operárias e camponesas, as heresias do ser em geral que tende a transformar-se em
e insubmissões de toda sorte, a mais ampla va­ epifenômeno de um ser-no-tempo. A existência
riedade de setores socialmente alienados, como começa a ser posta à frente da essência, num
loucos, prostitutas, feiticeiras, bandidos e outros primeiro afloramento fenomenológico da famosa
componentes estruturais da vida histórica e das divisa do existencialismo moderno, ao levar às
mentalidades nela reinantes). E o segundo esta­ últimas conseqüências o processo de transferên­
va em que, em última análise, tal evento passa cia que, se não se iniciou, se declarou no movi­
a remeter o seu nexo e valia históricos a si pró­ mento romântico e que, através de Kierkegaard,
prio ou a uma rede de acontecimentos-relações Heidegger e Sartre. em seu conflito dialético com
que se fecha nele, levando o processo a uma o relativismo positivista ou fenomenológico e os
espécie de circularidade lógica ou à remessa ad dogmatismos materialistas (derivados também, em
mfinitum a significações relativas, nunca plenas, aspectos importantes, deste m ovim ento), se tor­
pela própria natureza da temporalidade e do nou um dos mais expressivos da nova visão do re­
“suceder” na História, mesmo se se tom ar em lacionamento homem-mundo. de sua “situação’’
conta o papel crescente da interpretação e dos neste e de seus dilemas, ou da consciência do ho­
interpretantes meta-históricos, ideológicos, pois mem moderno, quanto ao seu estar-no-mundo e
estes, de sua parte, também têm ao menos os lé­ seu modo de ser, se se quiser condicioná-lo. De
xicos vinculados ao fluxo e contexto históricos. todas as maneiras, um dos efeitos mais relevantes
Daí a perda que a historicização romântica co­ deste curso de idéias é que o homem passa a
meça a infligir à valência dos fatos como tais. ser o centro de si mesmo, do sentido de seu vi­
Convertidos em “eventos”, “ocorrências”, “fenô­ ver; e seu estar-no-mundo, perdidos os demais
menos” , seu peso específico tom a-se relativo a focos de ordenação, constitui-se no âmago de to­
antecedentes e conseqüentes, que por sua vez se do e qualquer significado de sua existência e a

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do mundo, para ele. Com tal premissa, é fácil
depreender o papel que fica reservado à História.
E que ela o assume, testemunha-o o processo
avassalador de historicização que se desenca­
deou, não apenas sob form a hlstoriográfica, mas
também antropológica com o historicismo ro­
mântico. Em seu bojo é que foi gerada a ciên­
cia histórica moderna. Ainda que se lhe oponha
muitas vezes em espírito e tendências e, certa­
mente, n a metodologia de pesquisa e síntese,
ela recebeu dele não apenas uma idéia de His­
tória, mas a efetiva percepção do homem como
ser histórico, na praxis e no pensamento. Por
isso talvez não seja exagero dizer que com o Ro­
mantismo e sua revolução historícista se enceta a
era propriamente historiocêntrica da História.
2 OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO
ROMANTISMO

Nachman Falbel

I. Introdução

Um dos mais autorizados estudiosos da histó­


ria européia contemporânea, ao traçar o plano
de sua obra sobre a época do Romantismo, escre­
ve "serem poucos os períodos da história, como os
anos entre 1815 e 1848, que realçam com tanta
evidência o fato de cada período não ser mais
do que uma ,£ tap a_ n o processo^ histórico.1”.
Na verdade, o exame do período não permite ao
historiador fixar balizas cronológicas nítidas en­
tre causas e efeitos e nem tampouco determinar
uniformemente o início e o fim do grande movi­
mento espiritual que tão profundas raízes deixou
no Ocidente.
Pré-Romantismo e Romantismo nascem do
mesmo movimento histórico e o seu início coinci­
dente em vários lugares, com diversos grupos que
kcvK ãí. i**t'*ciaJ ilesl.e trabalho: Fnny Knri.
I Tvi.MhN, J 1. Romantismo r RiTvita. Unfflpa 1^15-1848.
J.Ul.Ma, «mI, V erho. 1967, p. 7.

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 23


então se desconhecem uns aos outros, mostra o de sua liberdade nacional. Boa parte das nações
quanto tentaram resolver os mesmos problemas européias acabam por adotar as formas governa­
humanos nas circunstâncias que favorecem a mentais republicanas que substituem os Estados
ruptura com o passado próximo, ou com o mun­ monárquicos absolutistas. Tais revoluções se alas­
do “ordenado” da Idade Média, permitindo uma trariam inevitavelmente a outros continentes, en­
nova transmutação de valores. contrando solo fértil nas colônias espanholas da
América e outras regiões do Continente europeu.
O período do Romantismo é fruto de dois
grandes acontecimentos na história da humanida­ O fundo geral de tais revoluções aponta
de, ou seja. a Revolução Francesa e suas deriva­ causas ligadas à própria estrutura da sociedade,
ções, e a Revolução Industrial. As duas revolu­ ao desenvolvimento econômico e às conjunturas
ções provocaram e geraram novos processos, políticas do tempo. A “idade do absolutismo” 2,
desencadeando forças que resultaram na forma­ que se estende de 1660 a 1815, caracteriza-se pelo
ção da sociedade moderna, moldando em grande estabelecimento de governos fortes, assentados sob
parte os seus ideais (sociais). As instituições polí­ o absolutismo monárquico, é justamente contra
ticas tradiconais sofreram fortes abalos e as fron­ o princípio político absolutista que vão atuar as
teiras entre os povos foram modificadas criando idéias e os programas políticos dos revolucioná­
novo equilíbrio entre as nações. O nacionalismo rios do século XVIII, os quais fazem do ideal
nesse tempo irrompe impetuosamente em cena. democrático sua bandeira de luta, de forma que
arrastando consigo boa parte dos povos europeus a história da humanidade caminha cada vez mais
em direção às suas aspirações políticas e sociais. nesse rumo e as massas populares participam
Novas ideologias e teorias acerca do Estado acom­ mais e mais nas decisões políticas ligadas ao seu
panham as mudanças rápidas inerentes a tal pro­ próprio destino. Sob esse aspecto o A nvien Regime
cesso. As ciências se ampliam em um vasto nú- era na verdade fundamentado sobre classes ou
meTO de novas áreas do conhecimento humano, grupos privilegiados, limitados a certas oligar­
que se abrem para a investigação e o estudo. As quias rurais e urbanas concentradas tão-somente
artes recebem os novos elementos gerados em em seus próprios interesses. Tal situação, que
tais circunstâncias, incorporando-os em suas vá­ cingia a uma pequena minoria as conquistas cul­
rias formas de expressão, já anteriormente pre­ turais e científicas da civiliazção, era o ideal para
parados com a revolução intelectual dos séculos represar descontentamento e revolta que iriam
x v ii e x v m . . eclodir com violência a partir da segunda metade
do século X V III. O desenvolvimento de novas
O período que se estende de 1770 a 1848 é forças sociais e de novos credos políticos e filo­
agitado incessantemente por revoluções e basta­ sóficos se conjugaram no assalto às velhas insti­
ria lembrarmos as mais significativas para ava­ tuições que já apresentavam sinais de fissura e
liarmos o quanto determinaram o espírito da anacronismo.
época. De 1770 a 1783, temos a Revolução Am e­
ricana que daria um governo constitucional e As revoluções, Americana e Francesa, seriam
democrático aos Estados Unidos. De 1787 a 1790, as primeiras de uma longa série de revoluções
deparamo-nos com uma onda de agitação revo­ que teriam como cenário as mesmas ou idênticas
lucionária nos Países Baixos austríacos que se causas. Mas ao movimento político antecede um
sublevam contra o absolutismo ilustrado de processo econômico e social profundo, que ocor­
José II. De 1787 a 1789, assistimos à Revolução reu na Europa aproximadamente a partir de
Francesa, que determinaria de modo tão decisivo 1750: a Revolução Industrial.
os destinos das nações européias. De 1788 a 1794,
2 . B e l 0 F -F , M í i x . The A g e of A b s o l u l i m i> J 6 0 O-JIS1 5 . Nova
a Polônia trava uma luta revolucionária em prol Y ork, H arper Torchbooks, 1962.
II. A Revolução Industrial e Intelectual e rendas, onde não faltam as artimanhas da es­
peculação que a caracterizará futuramente.
As múltiplas inovações ocorridas na técni­ Na Inglaterra, desenrola-se o início de uma
ca industrial a partir dos meados do século evolução industrial que vai substituir as oficinas e
X V I I I tinham por fundo histórico mais longín­ tendas dos artesãos pelas grandes manufaturas e
quo o desenvolvimento do comércio que levou, abrir o caminho a um avanço tecnológico decisivo
como conseqüência, ao desenvolvimento e ao na história da economia ocidental.
estímulo dado à indústria. O comércio marítimo,
que se fazia enlre as metrópoles e as colônias O fenômeno paralelo que acompanha e parti­
cipa desse processo é o crescimento demográfico
espanholas e portuguesas, até as do Extremo
que, numa demonstração estatística ligada à re­
Oriente, traz ao Continente europeu um gran­
gião da Inglaterra e ao País de Gales, aponta
de afluxo de metais preciosos. A Inglaterra,
que o número de habitantes em 1700 era ao redor
com sua política colonial e, utilizando-se de
de 5,5 milhões, em 1750 de 6,5 milhões e era
tratados que a favorecem abertamente, tais co­
1801 de 9 milhões, atingindo em 1831 a cifra de
mo o de M ethuen, em 1703, e o de Paris,
14 m ilhões3. O fato é que na segunda metade
em 1763, adquire privilégios comerciais imensos do século X V m a população havia aumentado
que acabam canalizando para seus cofres quan­ em 40% e nas três primeiras décadas do século
tidades significativas de metal precioso. Tam bém
X IX o crescimento foi superior aos 50% . No
a França se beneficia do comércio intenso com a
Continente, por volta de 1700, a população passa­
Espanha e acumula continuamente o metal tão
ria de 118 milhões para 180 milhões no fim do
procurado pelos governos das nações implicadas
século. Este aumento populacional não era con­
nesse comércio internacional. Além do mais, já
seqüência somente da taxa de natalidade, mas de
naquela época, pela facilidade e caráter prático, é
outras causas, tais como a queda do índice de
introduzido o papel-m oeda que acompanha a di­
mortalidade, que decresceu quase continuamente
fusão da técnica bancária, bastante aperfeiçoada
a partir de 1740. Segundo Ashton, a introdução
pelo acúmulo de uma experiência que vinha des­
das colheitas de tubérculos tornou possível ali­
de as grandes ciaades medievais ligadas ao comér­
mentar mais gado nos meses de inverno, tom ando
cio internacional, tais como as cidades costeiras
maior o fornecimento de cam e verde durante todo
da Itália e outras como Antuérpia, Amsterdã, que
o ano. A produção cada vez mais elevada do trigo
receberão posteriormente no século X V II, incen­
e de cereais forneceu alimento im portante para
tivos. Os bancos conquistam os Estados europeus
aum entar a resistência dos indivíduos às doen­
do Ocidente ao Oriente, e as transações comer­
ças. A imunização contra as enfermidades tam­
ciais já não se fazem habitualmente com o empre­
bém cresceu devido à aquisição de hábitos de
go direto do valor metálico, mas de um meio cir­
higiene pessoal melhor difundidos. O emprego de
culante mais cômodo e rápido, como o papel-
tijolos em lugar de madeira e da pedra em lugar
-moeda, títulos de banco, letras de câmbio, que
acabam por sobrepujar o anterior. Os bancos e os do colmo na feitura dos telhados das casas pro­
tegeu melhor as populações contra as epidemias.
banqueiros incentivam a indústria, desenvolvendo
uma técnica de credito que encoraja os empreen­ O cuidado com a localização das habitações ope­
dimentos e os negócios industriais através de rárias longe dos lugares insalubres e nocivos
empréstimos fáceis, às vezes, em troca de tí­ trouxe mais conforto doméstico. O desenvolvi­
tulos e ações. Esse é o passo dado para a criação mento urbano levou ao emprego da pavimenta­
ção das ruas e à utilização de esgotos e água
de sociedades de ações que encontram na Bolsa
o seu mercado de transações, onde pululam os
3. A s ít t o n , T . S . A Revolução Industrial. Lisboa, Pub.
agentes de câmbio que vendem ações, obrigações E uropa-A m érica, 1971, p. 23.

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 25


corrente, tom ando a vida da cidade mais saudá­ também exercia alguma atividade agrícola ao
vel do que era antes. A evolução das ciências mé­ par do seu trabalho artesanal onde produzia teci­
dicas, da higiene, da cirurgia e construção acele­ dos, armas e outros artigos que entravam no
rada de hospitais contribuíram para combater circuito do mercado nacional e eram também ex­
doenças que até então ceifavam as populações portados para as colônias no estrangeiro. Mas,
menos favorecidas. O progresso industrial deu quando os comerciantes se dedicam à indústria,
também sua ajuda ao cerscimento populacional, altera-se o sistema dc produção; eles mesmos
pois a multiplicação dos meios de subsistência aju­ passam a fomecer a matéria-prima e a exercer o
dou a desenvolver o nível do consumo em rela­ papel de distribuidor do produto no mercado, li­
ção ao passado próximo. dam diretamente com o com prador e o fornece­
A introdução de novas culturas e dissemina­ dor. sendo que o passo final c decisivo será a
ção de outras, como o nabo e a batata, além transformação do artesão independente em as­
de fornecerem uma alimentação mais substancio­ salariado com a apropriação das máquinas pelo
sa ao gado e aos homens, levou a um aproveita­ comerciante, quer pelo fato de o artesão não
mento maior das áreas a serem lavradas. Houve poder cumprir com os compromissos financeiros
ampliação da superfície cultivada, pântanos e assumidos com o comerciante-empresário, quer
águas estagnadas foram drenados e antigas pas­ por causa de adversidades ligadas à atividade agrí­
tagens comunais transformadas em solo arável. cola do produtor artífice. Nesse período, o da
O aumento do capital que se verifica na época manufatura, encontramos as primeiros escalas na
também c acompanhado de um acréscimo na divisão do trabalho que se aprofundarão na in­
capacidade de poupança em largas camadas da dústria moderna. A divisão de trabalho está liga­
sociedade, poupança essa aplicada no mercado da à introdução da técnica do fabricante em
de capital que experimenta grande impulso nessas série, que encontra um modelo precursor na in­
condições. A diminuição gradativa da taxa de dústria da lã e na de alfinetes onde, segundo
juros em meados do século X V III constituiu um Adam Smith, em 1776. os operários, executando
sério fator que acentuou o desenvolvimento eco­ uma, duas ou três das dezoito operações em que
nômico, pois a livre iniciativa era estimulada por se dividia o fabrico, conseguiam produzir à mão,
encontrar capital relativamente barato. 48 000 alfinetes por dia s. Se a manufatura, de
um modo generalizado, caracterizava-se pelo fa­
As relações comerciais com os países ultra­
lo de a produção se fazer em pequenas oficinas
marinos, a intensificação das trocas, a demanda
individuais que trabalhavam para um comercian­
cada vez maior de produtos, as necessidades ou
te, paralelamente encontramos grandes oficinas
os gostos especiais dos novos clientes, a luta con­
onde se realiza o acabamento final do produto,
tra os concorrentes haviam operado uma con­
oficinas que já pressupõem as fábricas da nova
centração comercial na indústria4. Tal situação
sociedade industrial.
faria com que a indústria doméstica, principal­
mente a indústria da lã. onde trabalhavam nu­ .A Revolução Industrial também se realizou
merosos proprietários das máquinas que utiliza­ graças a empresários ambiciosos que souberam
vam, sofresse a pressão das novas necessidades empregar a imaginação a fim de combinar os
do mercado. Até agora o artesão comprava a fatores produtivos em função do atendimento
matéria-prima, trabalhava-a em sua máquina, para dos mercados, ampliando-os em benefício pró­
depois vendê-la pessoalmente, como produto, no prio. Tal espírito empreendedor era acompanha­
mercado. Normalmente era ele um camponês que do de uma nova mentalidade e de novos senti­
mentos cuja bússola econômica foi a livre em-
•l. M orsN iK K , K. v R. I.A DRorssK. O Srrulo Xl'111. S .r*
Paulo, D ifuaáo Européia 4o Livro, 1968. d. 136. > Iilttti, } bi di tn. p 137.

26
presa. A regulamentação da indústria e, ao mes­ inventores fossem homens sempre destituídos de
mo tempo, sua limitação por meio de corpora­ saber teórico, como muitos autores afirmam com
ções, leis municipais e pelo Estado, cede lugar à insistência, pois ninguém ignora que físicos e
livre-iniciativa, e foi nas regiões menos submeti­ químicos, assim como cientistas de várias áreas,
das à regulamentação c onde não se faziam sentir estavam vinculados por diferentes laços de ami­
as organizações corporativas, tais como Manches- zade a muitas das personalidades da indústria, o
ter e Birmingham na Inglaterra, que se deu um Hue envolve de certo modo uma via de comuni­
rápido desenvolvimento industrial. cação entre a ciência do pesquisador de gabinete
O espírito inventivo, devido aos fatores con­ ou laboratório e a experimentação na oficina de
cretos mencionados anteriormente, levou a uma trabalho, para a solução dos problemas surgidos
verdadeira eclosão de inventos, que vieram so­ na produção.
lucionar problemas ligados diretamente à técnica Uma longa série de inventos ocorrem em pri­
de produção. A indústria, a tecnologia e a ciência meiro plano na indústria do algodão, livre dos
estavam indiscutivelmente atendendo às mesmas entraves corporativos e em rápido desenvolvimen­
necessidades econômicas e sociais, ainda que mui­ to. Em 1733 John Kay introduziu no tear im­
tas vezes o sistema de patentes, destinado a esti­ portante melhoria, a lançadeira. Ligada a um
mular o inventor, apresentasse o paradoxo de di­ sistema de duas rodas era atirada de uma ourela
ficultar o caminho a novas criações pelo fato de a outra por meio de martelos, atravessando com
confirmar privilégios durante espaço de tempo a tram a toda a urdideira. Tal inovação, a lan­
excessivo. Contra esses abusos criaram-se asso­ çadeira volante, acarretava grande economia de
ciações que não só visavam a contestar a legali­ trabalho e permitia a um único tecelão confeccio­
dade dos direitos exigidos pelos patenteadores, nar panos de uma largura que antes exigia o tra­
mas procuravam convencer os inventores a colo­ balho de dois homens. Já em 1760, após serem
carem seus inventos à disposição de todos, como vencidas as dificuldades da inovação, a lançadeira
no caso da Sociedade Prom otora das Artes, M a­ estava difundida na indústria têxtil. Em 1738 Le-
nufaturas e Comércio, fundada em 1754, que wis Paul introduziu o cilindro de torção que de­
também os premiava. O Parlamento, por seu la­ sempenhou enorme papel na indústria da fiação.
do, concedeu igualmente recompensas àqueles A partir desse marco, os aperfeiçoamentos
que abrissem mão dos produtos de seu engenho técnicos na indústria têxtil se sucederam num
em favor da sociedade e em benefício direto dela. encadeamento contínuo, tais como a fiação com
Desta forma podemos encarar a Revolução In ­ mais de um fuso ou spinning-jenny. em 1764,
dustrial como ligada à divisão de trabalho, sendo de James Hargrcaves; a wal.er-fiame, a máquina
em parte causa e em parte efeito dessa divisão, movida a íg u a, em 1767. de Thomas Highs; o
que significava uma ampliação do princípio da engenho mecânico de fiação, um desenvolvimento
especialização. da máquina automática de Lewis Paul, foi a con­
Devemos ainda considerar que o surto de tribuição decisiva de Richard Arkwrighl, em 1768,
invenções durante o período em questão, especial­ para o avanço da técnica têxtil; a mule-jenny,
mente na Inglaterra, é fruto de um processo de cm 1774, de Samuel Compton, que permitiu a
acúmulo de conhecimentos teóricos, a partir de urdidura de fios finos e resistentes; em 1784,
Francis Bacon, que contribuiu para o estabeleci­ Cartwright constrói o tear inteiramente mecânico
mento da ciência experimental, com a contribui­ e, no mesmo ano, Delaroche, na França, a m á­
ção de uma plêiade de filósofos e cientistas, tais quina de aparar o tecido. Na metalurgia, a fun­
como Robert Boyle e lsaac Newton, que assen­ dição do coque, em 1735, por Darby, resolve o
taram os fundamentos do método científico m o­ problema da escassez do carvão vegetal, devido
derno. Não parece ser algo firmado que os à constante ampliação dos pastos e a conse-

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS 0 0 ROMANTISMO 27


quente derrubada das florestas. Em 1740, Ben- lucionam os entraves técnicos da produção, de­
jamin Huntsman inova a técnica do aço, inven­ sencadeia-se uma verdadeira caudal de aperfei­
tando a fundição por cadinho que abre caminho çoamentos industriais, que procuram incrementar
à produção industrial ligada à metalurgia. A a produção e baratear o custo da mercadoria,
pudelagem e a laminação foram patenteados por ampliando e estimulando o mercado de consumo.
Henry Cort, cerca de 1784, libertando a Inglater­ Um invento provoca outro, numa sucessão inin­
ra da necessidade de importar grandes quantida­ terrupta, que leva uma indústria a auxiliar a
des de carvão vegetal do Báltico e deslocando as outra, para a melhoria de todas. O fenômeno
forjas para as zonas carvoeiras, onde o preparo de das concentrações industriais também faz p arte.
ferro fundido sc podia fazer ao lado dos altos-for- do processo ligado à Revolução Industrial. Onde,
nos produtores da gusa. A produção de ferro au­ até há pouco, a dispersão imperava, passava-se a
mentou extraordinariamente e o metal substituiu a concentrar certas indústrias em determinadas
madeira e a pedra em muitos dos produtos que áreas. Verifica-se, não somente a concentração
habitualmente eram usados. A máquina a vapor geográfica mas a chamada concentração verti­
de Newcomen, inventada no século XVI, foi aper­ cal, de forma que certos capitalistas reúnem em
feiçoada por James Watt em 1765 e utilizada em suas mãos os mais variados ramos da atividade
vários tipos de indústria, nas fábricas de cervcja, industrial, desde a possessão de minas até fun­
nas destilarias, nas salinas, nos reservatórios de dições e outros ramos. Algumas vezes a concen­
água, e outras atividades. tração se dá em um único ramo tendendo à mo­
A engenharia civil desenvolve-se como uma nopolizar certa produção industrial. Toda essa
nova indústria impulsionada pelas necessidades transformação estava ligada ao grande comércio
comerciais que levam à melhoria dos meios de de importação e exportação, como no caso da
comunicação. Construíram-se novas estradas, Inglaterra, berço e centro da Revolução Indus­
pontes, canais, bem como se aplicaram novas trial, que importava do estrangeiro madeira, fi­
técnicas no travejamento das minas de carvão bras, seda, algodão, produtos de tinturaria e ou­
além de se aperfeiçoar □ sua exploração. O grave tros como chá, café, tabaco, e exportava produ­
problema da infiltração de água nas minas, amea­ tos manufaturados de lã, ferro, couro, para as
ça permanente a este setor industrial, foi sendo regiões pouco desenvolvidas, desde a África até
aos poucos solucionado pelo aperfeiçoamento dos as índias Ocidentais. Tratava-se de um comércio
meios de bombeamento e extração da água. Outro por vezes triangular em que a Inglaterra trocava
invento cuja plenitude técnica seria atingida pos­ com a África quinquilharias e bugigangas por
teriormente, mas que teve seus primórdios nesse escravos, que, por sua vez, eram cambiados nas
período, é a locomotiva a vapor, que substitui­ índias Ocidentais por matéria-prima e artigos de
ria o cavalo como tração. Houve alguns prece­ luxo. O comércio intenso com as índias Ociden­
dentes antes que George Stephenson construísse tais e o Báltico teve importância capital na
o seu “Foguete", a primeira locomotiva a vapor acumulação de grandes fortunas por determina­
empregada na tração por ferrovia. Este foi um das famílias participantes dessas empresas.
dos maiores trunfos da Revolução Industrial. Mas a Revolução Industrial não se produziu
Todos os setores das principais atividades do sem m arcar profundamente a vida social. Em
homem em sua luta econômica participaram, de meio à grande expansão econômica, ao súbito
certo modo, na Revolução Industrial, que no seu enriquecimento de uma minoria, da desabalada
todo representou uma conjuntura onde as cres­ corrida dos inventos e inovações no setor tecno­
centes disponibilidades de terra, m ão-de-obra e lógico, e à crença na prosperidade e progresso
capital favoreciam a grande expansão industrial. humanos, surgiram graves problemas de ordem
À medida que os novos inventos se impõem e so­ social em relação às massas de trabalhadores que

23
este processo mobilizava e proletarizava, junta­ dições de trabalho assaz precária para a vida
mente com suas famílias, e que, no fundo, eram do trabalhador que consumia seus dias junto às
a base humana na qual se apoiava a profunda m áquinas.'
transformação sofrida pela sociedade européia O desenvolvimento econômico-industrial des­
daquele tempo. M uito já se escreveu sobre as crito anteriormente apresentaria as contradições
difíceis condições de trabalho que envolveram que passaram a ser conhecidas, devido a certas
a vida operária durante a Revolução Industrial. freqüências, como os fenômenos de superpro­
/O s ganhos desses trabalhadores eram insuficien­ dução, da Iivre-concorrência descontrolada e, por
tes e na maioria das vezes recebiam seus magros outro lado, das tentativas de regulamentar a pro­
salários de uma forma irregular, através de in­ dução, assim como controlar os preços e o mer­
termediários duros, que viam unicamente a quan­ cado. Do mesmo modo que se formavam clubes e
tidade produzida, pois normalmente a paga era associações de indústrias e de homens de negó­
feita pelo número de peças produzidas. A pre­ cios nos mais diversos níveis, também os traba­
cariedade das instalações industriais, a falta de
lhadores (e isto desde a primeira metade do
segurança, as péssimas condições higiênicas dos século X V III) se associavam em organizações
locais onde mulheres e crianças constituíam a
várias, tais como as de cardadores de lã, alfaia­
mão-de-obra ao lado de homens, respirando o
tes, tecelões, fabricantes de prego, segundo um
ar contaminado das minas, das oficinas mal ins­
molde que em média se aproximava da antiga
taladas, tudo isso convertia o período em um
corporação e do sindicato moderno. Tais asso­
dos mais cruéis para a grande massa que sempre
ciações visavam a vários objetivos ligados aos seus
viveu do suor do rosto. Da escravidão na Anti­
guidade à nova escravidão, poucas eram as di­ interesses de classe. Enquanto a dos industriais
ferenças, mesmo se do ângulo jurídico-legal o procurava ampliar sua influência junto ao poder
trabalhador agora não fosse propriedade do em­ governamental, a ponto de fundar na Inglaterra,
pregador ou do industrial. Na realidade, a depen­ uma Câm ara Geral da Indústria em 1785, para
dência do operário sob o aspecto financeiro, combater a política de admitir a participação da
muitas vezes, era tal que o peso das dívidas o le­ Holanda no comercio externo e colonial inglês; a
vava a ficar inteiramente ao dispor de seu pa­ dos trabalhadores, além de procurar regulamen­
trão. A falia de regulamentação quanto à jornada tar questões ligadas diretamente ao salário, assu­
de trabalho, ao emprego de aprendizes e à limita­ mia posições cada vez mais radicais, chegando a
ção de idade tom ava o labor nas fábricas em um organizar greves, quebrar engenhos, máquinas e
castigo divino e um sofrimento sem fim, por mais casas, motivados pela fome e opressão. Tais asso­
que se procurassem justificativas para tal fato. ciações tinham na maioria das vezes caráter pro­
Os contratos de trabalho, em certas atividades, visório e se desfaziam logo que eram atendidas
eram de longos anos, ainda que com o tempo co­ em suas reivindicações imediatas. Somente no
meçassem a ser restringidos, como no caso do fim do século é que a organização sindical apa­
serviço nas minas. Os salários passaram a depen­ recerá como capaz de impor uma política traba­
der do jogo da oferta e da procura, sujeitando-se lhista de longo alcance. P or isso mesmo será
às variações do mercado de m ão-de-obra, mas combatida pela legislação vigente na época em
vale notar que uma boa parte subiu, o que se tra­ que, segundo a lei de 1799, qualquer pessoa que
duziu na melhoria do nível de vida, ocasionando se unisse a outra para tentar obter um aumento
melhores condições de alimentação e saúde e, de salário ou redução de horas de trabalho, se­
por conseqüência, prolongando a duração da ria levada a juízo. Este período de individualismo
existência humana. Porém, muitos setores da ati­ e de laisser-faire, que eliminou a interferência do
vidade industrial continuaram apresentando con­ poder do Estado nos assuntos econômicos nada

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 29


mais deixando-lhe senão o papel de preservador Concord e de Lexington, que um exército civil
da ordem em seu favor, voUar-se-á na França poderia se sobrepor a um exército militar, der­
diretamente contra a estrutura estatal, eliminando rotando-o. Já em 1775, após o segundo Con­
os últimos entraves políticos do processo que ha­ gresso “Continental” , os patriotas americanos, sob
via se iniciado com a Revolução Industrial. o comando de George Washington, organizaram
as milícias a fim de lutar contra as forças da me­
trópole. Sua plataforma política era anunciada
III. O Período Revolucionário: A Revolução
por Thomas Paine num folheto onde pregava a
Francesa e as Revoluções Européias
independência das colônias c, mais do que isso, a
Podemos falar na existência de um período sua transformação em república. Em 4 de julho
revolucionário que se inicia a partir da Revolu­ de 1776, após o Congresso que constituíra a
ção Americana e se estende até a Revolução Federação Americana, declarava-se a indepen­
Francesa. A colônia inglesa na América, bem su­ dência. A Revolução Americana antecedia assim
cedida em seu desenvolvimento econômico, rei­ o movimento revolucionário europeu e fortifica­
vindicou a independência em relação à Inglater­ ria os sentimentos de independência entre aque­
ra, após uma fase de luta intensa contra o do­ les que observavam os acontecimentos e cons­
mínio britânico. tatavam a sua vitória. Voluntários vindos da E u­
ropa, tais como o polonês Kosciusko e o fran­
' A Revolução Americana foi provocada pela cês La Fayette, mostravam que os acontecimen­
imposição inglesa proibindo a colônia de além- tos no solo americano eram vivamente acompa­
-m ar de comerciar com qualquer outro país que nhados pela Europa, pois a independência ame­
não fosse a metrópole, ou seja, a imposição de ricana alteraria o poderio colonial inglês. A
Um comércio unilateral e exclusivo que limitava França não deixou de enviar forças para lutar
a colônia e beneficiava a metrópole. Uma política ao lado dos americanos, até que a vitória militar
de impostos opressiva criou o ressentimento entre se decidiu favoravelmente aos revolucionários.
a população da colônia e fortificou o sentimento Em 1783, com o tratado franco-inglês de Versa­
de revolta. A sucessão de protestos contra a lhes, a própria Inglaterra reconheceria a inde­
Stamp Act de 1765 e contra os impostos do pendência dos Estados Unidos, que agora passa­
chá, papel, vidro, chumbo, apoiavam-se nas as­ riam a inspirar outros povos que tinham as mes­
sembléias coloniais que, por sua vez, se basea­ mas aspirações políticas. Se a revolução ou a
vam na sustentação popular. Ó boicote e a agita­ independência americana foi haurida nos escri­
ção aumentaram a tensão enire os colonos ame­ tos dos filósofos europeus desde Locke, M on-
ricanos e os soldados ingleses, a ponto de se da­ tesquieu e Rousseau, cujas teorias políticas foram
rem os primeiros recontros violentos em março de adaptadas às aspirações locais das colônias, por
1770, na conhecida “matança” de Boston.1 outro lado. as constituições c as declarações de
Em prosseguimento a esse conflito, que se de direitos por ela elaborados serviram de mode­
travava entre a Companhia das Índias e as co­ lo a serem imitados pelos europeus em geral e em
lônias americanas, o centro da disputa se desloca particular pelos franceses durante a sua revolu­
para o monopólio do chá. Além das leis coer­ ção.
citivas contra os interesses dos colonos, a Quebec O movimento de idéias que antecede a R e­
A ct de 1774, aumentou mais ainda o descon­ volução Francesa conhecido sob o nome genérico
tentamento geral, originando o Congresso antibri- de "Filosofia da". Luzes” serviu de fundo ideológi­
tânico, organizado pelas colônias em 1774. Logo co para as teorias revolucionárias. Observa-se
a guerra frontal eclodiria contra os ingleses, que Lock, em seu tratado sobre o governo civil,
revelando pela primeira vez, nas batalhas de em 1689. isto é. cem anos antes da Revolução

ao
O í'at!tio de Terceiru Classe, por Daumicr.

Rainha Victária t o Duque de Wellington passando à


nuarda em revista, c. 1839, por Sir Edwin Landseer.
Francesa, a firm a v a que todo governo deve se fun­ lução Francesa, que atirou burgueses e campe-
dam entar em um contrato entre soberano e go­ sinos contra a nobreza monopolizadora dos car­
vernados c que a condição de um governo bem gos e das grandes propriedades de terras. Uma
sucedido seria a separação dos poderes legislati­ grave crise econômica, que vinha se alastrando
vo, executivo e judiciário. Cerca de sessenta anos por muitos anos sem que se encontrasse solução
mais tarde, Montesquieu, no Espírito das Leis, adequada, comprometia seriamente a estabilidade
estudaria a própria origem e fundamento do po­ do regime. Além do mais, a multiplicidade dos
der e a influência exercida por fatores exteriores impostos constituía um verdadeiro peso para as
na organização da sociedade humana. Voltaire, camadas mais pobres da população. Uma ten­
o grande demolidor de verdades convencionadas tativa de Turgot, inspetor geral, de modificar a
do passado, mesmo não negando a monarquia, política financeira de impostos foi criticada pe­
apoiava-a sobre o povo e a orientava pelos fi­ los nobres e pelo alto clero, devendo ser abando­
lósofos. Atacando os privilégios da aristocracia nada. Com o ingresso da França na guerra ame­
e condenando os clérigos, Voltaire lembra que ricana o déficit acumulado dos anos anteriores
todos são iguais perante a monarquia e segundo se avoluma cada vez mais, e o ministro das Fi­
o direito natural. Em Rousseau se manifestam as nanças, Necker, foi destituído quando apresen­
idéias democráticas novamente fundamentadas no tou em 1781 um com pte rendu au roi, onde se
direito natural e expressas pela teoria de que o revelavam os pesados tributos que o rei outorga­
poder legislativo deveria ser exercido por todos va à nobreza cortesã. Ao lado da crise financei­
os cidadãos e o poder executivo seria subordina­ ra. a crise econômica era também profunda, e
do a ele. O Estado ideal para Rousseau é a pe­ era motivada, em parte, por fatores indepen­
quena República do tipo existente na Antiguida­ dentes da vontade humana. Más colheitas que se
de grega lal qual a de Atenas. Essa concepção re- acumularam durante alguns anos, a grande seca
percutiriíi aléra das intenções de seu autor e pos­ de de 1785, que dizimou parte dos rebanhos e
teriormente sofreria acréscimos significativos. Os do gado, arruinou o campesinato francês tão
escritos de Rousseau — o Discurso sobre as pressionado pelos impostos. De fato, nota-se um
Aries e Ciências (1 7 5 5 ), o Discurso sobre a De­ decréscimo de nascimentos em contraste com o
sigualdade (1755) e o Contrato Social (1762) aumento da mortalidade, à medida que se pas­
—• constituem a literatura política de onde todas sa do esplendor do reinado de Luís XV à deca­
as tendências modernas encontrarão uma filoso­ dência do reinado de Luís XVI. T anto no co­
fia para a organização do Estado e da sociedade. mércio como na indústria, a França se achava
Foi a Enciclopédia, publicada a partir de 1751 numa posição inferior e de atraso em relação
e traduzida em muitas línguas, que reuniu em à Inglaterra e uma política econômica desastro­
seus verbetes a grande elaboração intelectual do sa de exportação ajudou mais a outros países do
IJuminismo. Na efervescência política c cultural que à própria França: Desde 1783, quando Ca-
desse período, surgiram uma infinidade de socie­ lonne é nomeado inspetor geral de Finanças, a
dades para divulgar as novas idéias dos Enciclope­ inquietação ein torno dos problemas financeiros
distas e seus discípulos. Antes que derrubassem aumenta consideravelmente, em grande parte de­
a Bastilha, símbolo do Ancien Régime, minaram vido aos projetos de reforma do novo ministro.
os seus alicerces com as novas idéias. A Assembléia dos Notáveis, reunidos em 22 de
A revolução de 1789 pode ser considerada fevereiro de 1787, que deveria aprovar os pro­
como parte da grande onda revolucionária que jetos de reforma, não os aceitou e Calonne foi
atingiu todo o Ocidente europeu na luta contra o substituído pelo arcebispo de Toulouse, Lomé-
Aniigo Regime. £ claro que causas particulares nie de Brienne, paTa esta função. Diante da opo­
agiram favoravelmente para o sucesso da Revo­ sição reiterada da Assembléia frente ao novo

32
ministro, Luís XVT acabou por dissolver a As­ Com a formação da Assembléia Nacional, o
sembléia, encerrando com este ato a primeira o Terceiro Estado estava preparado para uma in­
manifestação da nobreza contra a monarquia. vestida política que procurava representar os inte­
Isto serviria de preâmbulo ao futuro movimento resses do povo francês, começando por impor os
político da revolução. Quando o ministro Brienne seus projetos ao rei, a ponto de Luís XVI permi­
recorreu ao Parlam ento de Paris para aprovar os tir aos nobres que se juntassem aos “comuns”, na
seus projetos de reforma, viu-se rechaçado no Assembléia, A interpretação desse movimento
mais importante de todos, que era o da subven­ político por parte da burguesia e do campesinato,
ção territorial, e mais ainda, o Parlam ento exi­ a certa altura, foi de temor e desconfiança em rela­
giu a convocação dos Estados Gerais. Mediante ção a um possível complot da aristocracia contra
tal pressão, e em conseqüência da agitação aris­ os interesses do povo. Em princípios de julho de
tocrática que estava se formando, o governo foi 1789, tanto o campo como as cidades francesas, e
forçado a ceder. A monarquia, a essa altura, em especial Paris, passaram a hostilizar aberta­
começara a perder o apoio da aristocracia, e os mente a aristocracia. Com a destituição de Necker,
parlamentares para obter o apoio da burguesia a rebelião explodiu com violência, e, em 14 de
falavam em nome dos “direitos da nação” . Não julho, o povo de Paris, após ter assaliado os depó­
é de se estranhar que se tenha formado um par­ sitos de armas, se dirigiu à Bastilha, símbolo do
tido de luta contra o governo com o nome de “na­ poder real. A revolta alastrou-se por toda a Fran­
cional” ou “patriota” , liderado pelos nobres li­ ça em pouco tempo e o povo, desenfreado, pôs-se
berais, por alguns magistrados, periodistas, “filo- contra os poderes municipais. O campesinato em
sófos" e advogados. Um comitê de coordenação fúria, encontrando resistência, queimava os caste­
centralizava a ação desse “partido" e uma de los feudais e as mansões senhoriais, querendo
suas exigências básicas era a convocação dos abolir pela violência o regime feudal. A violência
Estados Gerais, ainda que divergisse da aristocra­ gerou o terror e entre os próprios insurgentes im­
cia quanto ao número de representantes do Ter­ perava o pânico, Ia grande peur. O medo ao ter­
ceiro Estado e à exigência do “ voto por cabeça” e ror campesino impôs à Assembléia Nacional uma
de ama “constituição” . A situação política torna- alteração em sua ação política, pois se tom ou
va-se cada vez mais delicada, quando um decreto urgente a necessidade de terminar com a insurrei­
anunciou que os Estados Gerais deveriam ser con­ ção do campo antes que ela atingisse a proprie­
vocados a primeiro de maio de 1789. Desde os dade burguesa. A forma de fazê-lo era canalizar
primórdios de 17SP começaram os preparativos as reivindicações dos camponeses para os do
para as eleições dos Estados Gerais, dando opor­ Terceiro Estado. Por isso a Assembléia Na­
tunidade à burguesia de reivindicar livremente a cional decretou a abolição do regime de privilé­
supressão dos privilégios, a elaboração de uma gios, a igualdade perante os impostos, a supressão
constituição e também a introdução do liberalis­ dos dízimos, resoluções que repercutiram por todo
mo econômico. Em suma. a Revolução Francesa o país e arrefeceram o ímpeto revolucionário do
principia como uma revolta dos corpos consti­ campo.
tuídos pela oposição aristocrática e passa em A Assembléia Nacional, através de seus cons­
seguida a ser substituída por uma revolta da bur­ tituintes, iniciou em seguida a elaboração da De­
guesia, que recebe o apoio maciço do campe- claração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
sinato./Este movimento no seu todo resultará na cujo teor acentuadamente universalista ultrapas­
queda do velho regime fi. sou, em significado, o documento elaborado pelos
revolucionários americanos. A ênfase dada à
liberdade, fundamentada na afirmação de que
0. 4 T o m 1* 11*11 , \ /*(< / i ,■: .t ( / I 7• > - / > [ í ; i r c i ‘ ’. u n ; u
N urva S lio. 1969, p 44. "os homens nascem livres e devem viver livres”.

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 33


é o que se destaca no documento. A liberdade in­ A Revolução Francesa serviu de modelo e
dividual é incorporada ao individualismo da socie­ comunicou a chama revolucionária a todo o con­
dade burguesa, que nascia politicamente com a tinente europeu. Os clubes “jacobinos” forma­
Revolução. A liberdade é formulada juridica­ ram-se na Inglaterra, nos Países Baixos, na Suíça,
mente como um pressuposto básico na nova so­ espalhando-se o processo revolucionário pela Eu­
ciedade e se expressa sob a forma de liberdade ropa central, isto é, Alemanha, Áustria até a Hun­
de opinião e liberdade de imprensa. Óutro prin­ gria, Polônia e Suécia. N a Europa meridional, em
cípio que a Declaração enfatiza é a igualdade, especial na Itália, o ardor revolucionário m ani­
pois “os homens nascem iguais” . Perante a jus­ festou-se também na formação dos clubes “jaco-
tiça, perante a lei, todos os cidadãos são iguais. binos”, que foram pesadam ente perseguidos pelas
Também perante a responsabilidade do fisco a autoridades oficiais.
igualdade é consagrada. A Declaração dos Di­ Ao movimento revolucionário seguiu-se o mo­
reitos do Homem se preocupa com a proprie­ vimento contra-revolucionário, que atuou na esfera
dade privada como um dos direitos naturais e ideológica-doutrinária de um modo bastante frá­
afirma que a propriedade é inviolável e sagra­ gil e mais eficientemente no campo da ação prá­
da, base do novo regime político.. A Declaração tica, reprimindo com violência os clubes de agi­
esmiuçará em vários itens e artigos outros aspectos tadores. Um dos poucos trabalhos significativos
ligados à nova organização político-social, que a no campo teórico foram as Reflexões sobre a R e­
bem-sucedida revolução do Terceiro Estado che­ volução da França, escrito pelo inglês BuTke, que
gou a elaborar. Mesmo o direito à rebelião ou de que teve como efeito principal isolar a burguesia
resistência à opressão entra como princípio nesse inglesa das idéias revolucionárias. Além da obra
documento que separa o antigo regime do novo. importante de Burke, escreveram em apoio às
idéias contra-revolucionárias o suíço M allet du
A sociedade do Antigo Regime estava funda­ Pan e José de Maistre. Em essência, tais escritos
mentada na hierarquia e no privilégio de classes. servem de cenário para uma política radical con­
Ainda que a Declaração dos Direitos do Homem tra o elemento revolucionário, a ponto de mo­
proclamasse a igualdade perante a lei, as discus­ narcas ilustrados, que se destacavam p o r um go­
sões em torno da concessão de igualdade aos verno moderno, passarem a abandonar a linha
judeus, bem como a supressão das discriminações de tolerância e a atitude racionalista em face das
entre brancos e negros nas colônias francesas, evi­ idéias ligadas à formação de repúblicas democrá­
denciavam quão frágil era o princípio perante a ticas e de regimes liberais. A coligação dos países
realidade social. Contudo, a igualdade de direitos anti-revolucionários levou a França à guerra e ao
permitiu maior mobilidade social, fazendo com terror interno como reação contra o perigo que
que o monopólio tradicional dos cargos públicos, ameaçava a Revolução. Por fim, após enfrentar
que se encontrava em mãos da nobreza, fosse os exércitos coligados, a França sairia vitoriosa,
deslocado para a burguesia, pois era, de fato, a mas nos demais países, os que se preparavam pa­
única preparada culturalmente para exercê-los. No ra derrubar o Antigo Regime, não alcançaram o
exército, também ocorreram certas modificações mesmo êxito e, pior ainda, teriam suas pátrias
que permitiram uma limitada ascensão de ele­ dividas entre os aliados, como no caso da
mentos oriundos das camadas mais baixas da po­ Polônia, que após a batalha de Valmy em fins de
pulação. Mas a grande transformação deu-se 1792 foi partilhada entre a Prússia e a Rússia.
mesmo na legislação, que conseguiu abolir os
entraves característicos do regime feu d al7. IV. O Despertar das Idéias Sociala
A filosofia política do Terceiro Estado não
7 » i'MiK< l l O T . \ Cl t |'1> satisfez a todos os espíritos da época em que a

34
Revolução Francesa causava o maior impacto subsistência. Os observadores da vida social tam ­
na vida social européia. O pensamento social, a bém perceberam o paradoxo criado pela riqueza,
partir desse tempo, criticou os sistemas sociais do de um lado, e a extrema miséria, do outro, de
passado como fundamentados na violência e no modo que, em meio da abundância, grassava a
egoísmo que impediam o livre desenvolvimento fome provocada muitas vezes por crises decorren­
da natureza privilegiada do ser hum ano, ápice da tes de um regime de produção desordenado e
criação divina. O socialismo passou a fazer parte anárquico, conceituado pelo liberalismo econô­
de todas as doutrinas políticas que procuravam mico.
criar condições que permitissem o surgimento de Os pensadores mais extremados, como Blan-
uma sociedade harmoniosa e justa, onde o homem qui, Babeuf, Buonarrotti, partiram das posições
poderia dar expressão ao seu ser e à criatividade, jacobinas radicais para formularem uma doutri­
livre de entraves econômicos e sociais. na social esteada na igualdade absoluta. Esses
A Revolução Francesa, ainda que abolisse os pensadores não tratam somente da revolução po­
direitos e as instituições feudais, não aboliu a lítica mas também da revolução social e acredi­
desigualdade entre os homens. A liberdade sem tara na transform ação do homem considerado
a igualdade foi considerada insatisfatória, pro­ como um animal social capaz de evoluir cada
pondo-se, já naquela ocasião, que a propriedade vez mais, se o meio o favorecer. Na afirmação de
fosse limitada perante a lei e se reduzisse a dis­ Blanqui, de que a moralidade é o fundamento da
tância abissal entre pobres e ricos, ou entre os sociedade, encontra-se uma crença otimista quan­
possuidores e “os que nada tinham a perder” . A to à natureza humana, bem como fé na ciência e
política revolucionária formulou a teoria da to­ no valor da educação. Mas esse progressismo de
mada do poder e a tática de m anutenção no poder. Blanqui não o impede, por outro lado, de se
A resistência dos privilegiados e da aristocracia mostrar intolerante, chauvinista e anti-semita,
provava que toda transform ação social era im­ atributos que passarão a ser típicos da burguesia
possível sem coação ou opressão social através francesa no fim do século XIX.
do uso da violência. A idéia de que a revolução O jargão revolucionário que antecede o sur­
exigia a formação de um governo revolucionário gimento do marxismo, posteriormente, aparece
ou de uma d:tadura revolucionária tinha como nos escritos daqueles pensadores cujo “socialis­
fundamento a experiência francesa e os dias do mo” transparece em concepções confusas e
Terror que visava a com bater a reação contra-re- muito vagas, ainda que um Blanqui escreva ser
volucionária.
A igualdade social e o regime de propriedade a emancipação dos trabalhadores, o fim do regime de ex­
foram alvo de novas teorizações por parte dos ploração . . . o advento de uma nova ordem social destina­
pensadores franceses e ingleses. Esses últimos da a libertar os trabalhadores da tirania do capitalismo
seguiam princípios filosóficos que vinham desde aquilo que a república deve re a liz a r8.
Locke e se estendiam através de Adam Smith,
penetrando no terreno mais sólido da economia. Buchez, em 1833, na Introduction à Ia Science
O capital, na interpretação dos socialistas, era de 1’Hisloire, considera que é a sociedade dividida
o fruto do trabalho dos operários, após terem em classes, uma das quais possui os instru­
eles recebido o seu quinhão em forma de salá­ mentos de trabalho, terra, fábricas, casas, capi­
rio; portanto, eram os trabalhadores os criadores tais, nada possuindo a outra, “que trabalha para
da riqueza social. Assim sendo, era injusto que a primeira” s.
não tivessem o direito ao valor integral do pro­
duto de seu trabalho e ficassem limitados apenas R. T c m t iia m ij,
Ed. T tcniw , 1970, p. 442.
J f/istona Jr lu
* 'X
jP f f là iY W .
9 C.É ' )
^ A ln ilr i,

a uma parte do valor que permite apenas a sua 9. fdvm, ibidfm, p. 445.

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 35


O romantismo político manifesta-se muitas participação popular. Chegou a vez do verbo, do
vezes com tendências sociais contraditórias, sendo, convencimento, do entusiasmo, todos eles confi­
portanto, impossível determinar-se qual a ligação gurados pela literatura política típica do Roman­
direta do socialismo da época com todas as dire­ tismo. A literatura histórica é parte da literatura
ções que o Romantismo tomou em termos po­ política. As grundes obras, como a Histoire de
líticos, Podemos até diferenciar entre o rom an­ la Révolution Française de Thiers, escrita entre
tismo político alemão, nitidamente conservador, e 1823 e 1827, a Histoire des Girondins de Lam ar­
o italiano, cm sua maioria liberal, o inglês apre­ tine. escrita durante os anos de 1848-1849, ou
sentando as duas tendências em vários do seus ainda a Histoire de la Révolution de Michelet, em
representantes, como poderíamos exemplificar em 1 847. foram elaboradas com conceitos impregna­
Byron e Coleridge. dos de romantismo político, procurando, ao mes­
Na França, várias foram as fases do rom an­ mo tempo, extrair do passado uma orientação para
tismo político, não se encontrando nenhuma linha o futuro da sociedade humana. A História oferece
uniforme que permita fazer uma caracterização os argumentos para a luta política, comprovando
precisa. Se. de um lado. o saudosismo sentimen­ as concepções pessoais dos historiadores e tal in­
tal pura com a antiga França impera nos primei­ tenção é expressa por Thierry no prefácio ao Dix
ros românticos, já em Chaieaubriand e Lam arti- ,4/ij D'Lii(de\ Htsioriques, quando escreve que
ne se visualiza uma concepção inteiramente mo­
nárquica. Na Revolução de 1830 contra a m onar­ em IS ]7. prcocupudn pelo vivo desejo ilc contribuir
para o triunfo das idéias constitucionais rne propus a
quia dos Bourbons, os revolucionários parecem procurar nos livros de História provas e argum entos
ao mesmo tempo querer derrubar o romantismo eni apoio :is minhas crcnvas poliliciiN |u.
difundido nos meios intelectuais franceses. Mais
tarde, com Victor Hugo. que se identifica com A imaginação do historiador e sua participa­
as idéias de progresso, fraternidade e democracia ção política pessoal nos acontecimentos da época,
do povo. deparamos com uma nova tendência do bem como suas convicções intelectuais são ele­
romantismo político. mentos que interferem na ciência histórica desses
Certos valorej, sobressaem-se nesse romantis­ homens. £ inegável, porém, que a ciência histó­
mo político, valores esses que o definem melhor e rica da época se vincule ao romantismo político
o qualificam historicamente como pertencente ao e aos sentimentos mais profundos sobre um pe­
século XIX, pois ele se alimenta das evocações da ríodo considerado de transição, paralelamente do­
Revolução Francesa e do Império que a sucede. minando o entusiasmo para com o futuro e a
O heroísmo, o sacrifício, o sangue derramado nostalgia para com o passado.
vinculam-se a essa evocação do passado próxi­ A “questão social" encontra lugar na histo­
mo. No âmago ocorre a eterna idealização do riografia romântica e, novamente de um modo
passado representado pelos grandes acontecimen­ próprio, se manifesta como piedade para com os
tos históricos, O Romantismo, em sua expressão humildes, as classes não privilegiadas ou, ainda,
historicista. através de Walter Scoti. Lamartine, para com a grande massa do povo. As obras de
Thierry. Guizot. Michelet. será, sob esse aspecto, Lamennais, L ’Essai Sur L'Indifference en Ma-
imensamente rico e criador. A idealização ocorre tière de Religion e Livre du Peuple, foram escritos
também em relação à política que, desde M a- com este espírito, tendente a um socialismo senti­
quiavel. estava ligada às manifestações mais mental de uma personalidade romântica. Nele se
“feias” da alma humana, assentando-se na habili­ mesclam e acabam se identificando ética religio­
dade da manipulação pessoal, secreta e enganado­ sa com ética social, onde "o que o povo quer,
ra. Agora, a política é arejada pela participação
pública do acontecimento c pelo apelo verbal à 10 fd r m . ib iá rtn . -fOrt

36
Deus mesmo o quer", sendo a causa do po­ de Blanc, muitas vezes mal interpretado, teve
vo uma causa santa, a causa de Deus. M ui­ aceitação bastante ampla no meio operário da
tos o verão como o precursor da democra­ época e calou fundo no romantismo popular,
cia cristã. Buchez (1796-1865), que escreveu próprio do movimento revolucionário daquelas
uma significativa Histoire Parlementaire de la décadas.
Revolution Française, entre 1834-1838, influen­ Uma boa parte das idéias socialistas que fer­
ciado pelas doutrinas de Saint-Simon, procura­ mentavam no século passado derivou das doutrinas
rá demonstrar que os princípios do Revolu­ propagadas pelo aristocrata Conde de Saint-Simon
ção Francesa não se acham em contradição com (1760-1825), que havia participado na Guerra
os princípios cristãos, mas que decorrem deles. de Independência americana, à qual assistiu e deu
Para Buchez, a civilização cristã culmina na R e­ um significado histórico-político transcendental,
volução Francesa e a civilização m oderna se crendo, mesmo, que levaria a transformação à
inspira no Evangelho. Entre as idéias socializan- sociedade européia então vigente. O saint-simo-
tes que Buchez desenvolve, já nos deparamos com nismo chegou a formar uma verdadeira escola
a afirmação teórica da associação operária e do com a multiplicação de adeptos que o seguiram
cooperativismo de produção. Sua influência foi e adaptaram as doutrinas originais do fundador.
importante nos meios operários e constata-se Um centro de irradiação de suas doutrinas foi a
certa relação entre suas idéias, que formulam um Escola Politécnica de Paris, onde se destacaram
socialismo cristão, e as de Picrre Leroux (1797- nomes, como Enfantin, Michel Chevalier e ou­
-1871), que tenta uma síntese entre o Evange­ tros engenheiros, que seguiram o espírito positivis­
lho e a Revolução em um vasto conjunto de obras ta das férteis idéias de Saint-Simon. O positivis­
dedicadas às questões sociais. No mesmo período mo filosófico sairá do arsenal de idéias de Saint-
temos o nome de Louis Blanc (1811-1882) cujas -Simon através de seu famoso secretário Augusto
idéias deixaram a burguesia francesa preocupada, Comte. Touchard dirá com razão que o saint-si-
devido a ênfase dada à "organização do trabalho”. monismo é um positivismo apaixonado, impregna­
Em um folheto publicado em 1840, sob o título do de romantismo u .
ÜOrganisation du Travail, propõe um plano de Saint-Simon ressalta, antes de tudo, o papel
reforma com o objetivo de eliminar a concorrên­ vital da produção na existência da sociedade hu­
cia e melhorar o destino de todos, mediante a mana, exemplificando o seu ponto de vista com
participação livre dos indivíduos e a sua frater­ a famosa parábola segundo a qual a perda de
nal associação11. Blanc propaga a idéia de “ofici­ três mil dos principais sábios, artistas e artesãos
nas sociais”, que dariam aos trabalhadores a possi­ da França, envolveria praticamente todas as clas­
bilidade de comprar os instrumentos de produção, ses produtoras, causando uma catástrofe bem
preconizando que estes deveriam pertencer-lhes, à maior do que poderia causar a perda de trinta mil
medida que fossem educados e preparados para representantes mais eminentes do Estado, desde
tanto. O Estado seria o veículo natuTal e capaz de a família real, ministros, altos funcionários, alto
criar tais oficinas sociais, podendo-se ainda contar clero, juizes e os proprietários mais ricos do país.
com a generosidade dos capitalistas, que estariam Portanto, os produtores ou o que ele chama de
interessados no empreendimento como sócios, de classe industrial, passam a ser a classe mais impor­
modo que todos acabariam se beneficiando igual­ tante na sociedade. No pensamento saint-simonia-
mente, e, dadas as vantagens reais que o fato no encontramos a afirmação de que organização
traria, ao fim substituiria todo e qualquer outro econômica é primordial e mais relevante do que a
tipo de organização econômica. O pensamento de preocupação político-institucional, pondo mesmo

11. ibidcm, p. -44(1 12. l d e m f «bídrm, p. 428.

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 37


em dúvida o liberalismo político e a democracia. 0 falanstério serviria de modelo para refor­
Se cabe exigir do Estado uma ação em favor da m ar a sociedade, tomando como base um núm e­
mudança social, ele deve empreendê-la organi­ ro limitado de 1 600 pessoas que assumiriam to­
zando a economia e em particulaT o crédito. O go­ das as funções do pequeno núcleo social reve­
verno ideal seria um governo tecnocrático que ti­ zando-se uns aos outros. A arquitetura do falans­
vesse a capacidade de planejar os assuntos econô­ tério obedece a critérios que devem favorecer a
micos. Mas seria simplificar em demasia se vísse­ criação de um ambiente agradável e atraente aos
mos em Saint-Simon apenas o formulador de uma seus habitantes. O trabalho deverá ser organiza­
reforma econômica, incapaz de extrair conclusões do de modo a evitar o cansaço e a rotina desgas­
mais amplas sobre a vida social. Desde já deve­ tante, alternando-se o labor artesanal com a fama
mos declarar que o aristocrata francês antecede, agrícola. Também Fourier, que não preconiza exa­
em suas conclusões, boa parte das premissas teó­ tam ente um sistema comunista, quer associar os
ricas de M arx e seus seguidores mais próximos. capitalistas à criação dos falanstérios, sob a pro­
Porém em Saint-Simon e sua escola o progresso é messa de que as inversões de capital resultarão em
representado como uma linha contínua que deverá bons lucros. Na composição da sociedade ideal,
levar a uma nova sociedade da fartura onde reina­ isto é, do falanstério, haveria que levar em conta
rá a harmonia universal. A realização desses so­ a diversidade da natureza humana e as paixões
nhos ficará a cargo de engenheiros, como Fer- que movem o homem em sua ação a fim de
dinand de Lesseps, que abrirá o Canal de Suez; com binar os caracteres em grupos harmônicos
dos irmãos Péreire, que organizarão o crédito e integrados. Orientadas com inteligência, as
mobiliário, de financistas, administradores, como paixões favoreceriam a fraternidade e a colabo­
Michel Chevalier, expoentes da economia capita­ ração entre os membros do falanstério, que
lista em franca expansão. A utopia social saint- seria o modelo de uma sociedade racional, au-
-simoniana vai ao encontro do próprio desenvol­ todirigida e capaz de satisfazer os anseios huma-
vimento do capitalismo e do bem -estar que ele po­ manos.
derá promover em toda a sociedade. Com a morte de Fourier, suas doutrinas con­
Menos influente do que Saint-Simon, porém tinuaram sendo divulgadas principalmente por
mais imaginativa, é a obra de Charles Fourier Victor Considerant, que teve de enfrentar as diver­
(1772-1837), homem de origem humilde e que sas interpretações dadas às concepções fourierístas.
passou a vida de pequeno comerciário sonhando Alguns experimentos falansterianos foram reali­
com a reforma da sociedade humana. Critica zados na França, Inglaterra, Estados Unidos e
radicalmente, em sua obra, a sociedade capitalista, outros lugares, mas, na prática, fracassaram co­
propondo, porém, soluções que fogem inteiramen­ mo tentativas de criar uma nova sociedade, resul­
te às possibilidades de concretização. Nas suas tando, em alguns casos, em bem sucedidas associa­
concepções, o elemento utópico se mescla a um
ções cooperativasI3. Assim, a contribuição de
romantismo etéreo, onde não há lugar para a in­
Fourier também terá uma ligação indireta com o
dústria nem para o comércio. Fourier é mais movimento cooperativista, que se estenderá pelo
incisivo em relação ao comércio, que descreve
mundo como uma tentativa adicional de encon­
como uma atividade parasitária e em contraste
trar o remédio certo para os males sociais.
com a miséria do proletariado urbano — que
ele viu de perto em Lyon — considera a agricultu­ Na Inglaterra, o socialismo utópico tem seu
ra como a mais salutar das atividades humanas. representante num empresário de talento, bem
Sua preocupação não é o aumento de produção sucedido economicamente, que pouco especulou
mas o bem -estar dos consumidores e a organiza­
1 . P 0 '.'t_ A T , E . l.r,f iith I í T í M i o >■ »/i- /-ttiiti.r |'.u *« ..
ção da sociedade ideal que denomina falanstério. Ed. de M inu it, 1957.

38
sobre a natureza humana, mas que sc empenhou reinará uma nova moral e imperará a felicidade
com energia e aplicação metódica em realizar a entre os homens, concepções que expressa no
reforma social. R obert Owen (1771-1858) co­ Catecismo do Novo Mundo Moral em O Novo
meça seu programa de reforma assumindo uma Mundo Moral. O pragmatismo de Owen, qne con­
atitude filantrópica perante o trabalhador de sua fiava na reforma da sociedade sem a necessidade
própria empresa, melhorando sua habitação, re­ do emprego de meios políticos, contrasta com o
duzindo a jornada de trabalho, construindo esco­ cartismo, que no início foi impulsionado por
las, desenvolvendo as condições de higiene, au­ owenistas dissidentes e antigos discípulos do indus­
mentando os salários e dando-lhe boas condições trial inglês. O movimento cartista adotou essen­
de trabalho. Nesse sentido, o experimento em New cialmente uma linha política e a W orking M en’s
Lanark foi uma inovação para os padrões da Association, fundada em 1836, era composta
época, apresentando-se Owen como um empre­ somente de trabalhadores, apresentando-se como
sário pioneiro e ilustrado, assim como um capi­ uma organização popular. Animado por uma ideo­
talista inovador em relação à classe produtora. logia de classe, transforma-se em um movimento
Por outro lado, o pensamento de Owen recorre à revolucionário que penetrará nas regiões mais
ajuda do Estado para que se imponha uma le­ industrializadas da Inglaterra, mas que começará
gislação social capaz de proteger o trabalho de a esmorecer a partir de 1848.
menores e, em 1819, tal legislação foi adotada, Notável será a influência de Proudhon (1809-
ainda que com um espírito diverso ao de seu au­ -1865) na formação do pensamento socialista do
tor. À semelhança de Fourier, adota uma posição século XIX. Após estar ligado ao gmpo e à pessoa
crítica perante a indústria e favorece a agricultura, do fundador do chamado socialismo científico,
sonhando com a criação de pequenas comunida­ que foi Karl M arx, Proudhon a partir de 1846,
des coletivas, onde seria abolida a propriedade ano em que publicou o Système des Contradictions
privada e a produção seria fundamentalmente Economiques ou Philosophbe de la Misère, rom­
agrícola. O modelo de tal comunidade se realizou perá com os radicais alemães, para cultivar con­
em New Harmony nos Estados Unidos, mas, cepções sociais próprias mas nem sempre expostas
após certo período de existência, a experiência sistematicamente. Daí associar-se, muitas vezes,
redundou em fracasso. Owen toma a iniciativa de seu nome a um socialismo francês independente
fundar um banco onde se intercambiam bônus de do marxismo. Proudhon, assim como Owen, tam­
trabalho, pois considera o trabalho como a me­ bém considera que a questão social não po­
dida de valor. Tal projeto também malogrará logo de ser resolvida pela política mas que deve ser
após sua fundação em 1832. Esse socialismo objeto da ciência da sociedade representada pela
mutualista está muito próximo das idéias preconi­ economia política. Tampouco acredita na demo­
zadas pelos francês Proudhon, mas tal socialismo, cracia parlamentar, porém aceita como importante
que se mantém no âmbito do intercâmbio, não a educação do povo para a modificação da socie­
será levado à produção econômica. P or esse moti­ dade. Anti-religioso convicto, justifica sua ruptura
vo, os seguidores de Owen são participantes no com M arx por se colocar o marxismo na posi­
desenvolvimento de cooperativismo, que recebeu ção de uma nova religião, “ainda que essa religião
ajuda imensa do empresário-filântropo. Owen fosse a religião da lógica, a religião da razão"
acredita profundamente na possibilidade de mol­ Assim como não crê na democracia, muito menos
dar a natureza humana, produto de condições confia no Estado ou em outro tipo qualquer de
exteriores, e na educação do homem para uma autoridade. Sua visão social, em última instância,
vida melhor. Talvez seja essa a razão pela qual é de uma sociedade anárquica, onde o poder polí­
nos últimos anos de sua vida se fixa na idéia e tico seria substituído pela livre associação dos tra­
na crença de que se aproxima o tempo em que balhadores. A sua concepção de Estado é federa-

o s FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 38


lista, pois no seu entender, essa, instituição é con­ prometêico de Proudhon e, mesmo que se possa
seqüência da reunião de vários grupos diferentes, criticar as fórmulas pouco aplicáveis que propôs
por natureza e por objetivo, “formados cada um para aliviar as enfermidades sociais, não deixa
para o exercício de uma função especial e a cria­ de ser admirável até os dias de hoje a riqueza
ção de um objeto particular, unidos sob uma. que manifesta sua obra.
lei comum e com um interesse idêntico” 14. O O anarquismo que frutificou, ao lado do socia­
princípio federalista também se estende ao campo lismo como uma forma do romantismo político da
internacional, apresentando-se como solução para época, também teve em Proudhon um de seus
as relações entre países; nesse sentido, escreveu doutrinadores. Os historiadores do anarquismo,
uma obra em 1863 sob o título Du Príncipe Fédê- como George Woodcock, apontam o papel rele­
ratif. A diferença de Proudhon com respeito a vante que as idéias proudhonianas exerceram no
muitos dos socialistas contemporâneos é o iguali- movimento:
tarismo extremado, e a famosa frase segundo a
qual “a propriedade é um roubo" advém de uma Em 1840, Pierrc-Joseph Proudhon, aquele tempes­
tuoso, argum cnlativo individualista que se orgulhava
convicção profunda na igualdade de condições, de ser um hom em de paradoxo e provocador de con­
que Proudhon considera o princípio universal da tradições. publicou a obra que o firmou como um pen­
sociedade. A liberdade e a igualdade devem en­ sador libertário pioneiro. Foi O que c a propriedade?,
contrar o seu equilíbrio, sem o sacrifício de uma onde deu à sua própria pergunta a célebre resposta:
à outra, mas se realizando pela solidariedade fra­ “A propriedade é um roubo". No mesmo livro tornou-se
o primeiro hom em a reivindicar voluntariam ente o titulo
ternal. Em Confessions (TUn Rêvolutionnaire for­ de anarquista le.
mula seu ponto de vista, dizendo:
Do ângulo social, liberdade e solidariedade são termos
O socialismo do século passado, que se le­
idênticos: a liberdade de cada um encontra na liberda­ vantara contra o liberalismo, defensor das posi­
de dos demais, não um limite, mas um apoio: o ho­ ções da classe média, proclamando os direitos das
mem mais livre é o que tem mais relações com os seus classes trabalhadoras 1T, reuniu em sua formação
semelhantes 15.
três contribuições, segundo a feliz interpretação
N a aplicação prática dessas idéias, e como uma de Moises Hess: a francesa, no campo da teoria
possibilidade de resolver o problema social sem revolucionária; a inglesa, no campo da economia; e
violência e sem luta de classes, propõe como a alemã, na esfera da filosofia. A intenção univer-
modelo a associação mutualista, que garante a salista dos pensadores socialistas não era suficien­
segurança econômica e social aos seus afilia­ temente forte para impedir a manifestação de ca­
dos. Proudhon imaginou o Banco do Povo co­ ráter nacional, onde poderíamos encontrar as
mo uma das formas mutualistas sem que tal raízes mais profundas de sua inspiração. É im­
projeto fosse jamais concretizado na prática. possível entendermos o rom antism o político da
Apesar de tudo, encontra-se no proudhonismo época sem levarmos em conta a poderosa força
uma exaltação radical de valores morais, fun­ do nascente nacionalismo.
damentalmente o da justiça, que justifica as
revoluções na história da humanidade. A essência V. A questão nacional e o surgimento do
da justiça é o respeito à dignidade humana no nacionalismo
tempo e no espaço, sem compromissos com os
obstáculos que se possam apresentar em sua de­ 0 golpe de Estado de 18 de brumário do
fesa. Aqui surge o fundamento do humanismo ano V III (9 de novembro de 1799) passou a ser

14. De (a usticc, quarto esludo, a p u d T o v cíia ju ), O p. cit., 1 f\. W o o d c o c k , C i. Anarchism. P e n iíu in R u i> k s. 1970. f.. 9
p. 4J7. 17. L a jk i. U . J. E l liberalismo eurppca. M éxico, E d . Fondo
15. T ou ch aro, Op. cit., p. 437. dô Cultura E cunónnca, I95J, p. 206,

40
um marco histórico não somente para a França esses utilizados na literatura patriótica do século
mas tambcm para o continente europeu. Além de passado. Foi Rousseau quem deu ênfase ao patrio­
estabelecer um regime autoritário apoiado na força tismo republicano que identificaria a Revolução
militar, desencadeará um novo processo de conso­ com a nação. Em seu Discurs Sur L ’Origine ei
lidação da Revolução Francesa perante os Esta­ Les Fondemenís de UInégaliié Parmi Les
dos europeus. As guerras empreendidas p o r N a- Hommes, transparece esse patriotismo sob a for­
poleão Bonaparte faziam parte desse desenvolvi­ ma de am or à liberdade e às leis e costumes tra­
mento político-militar que levaria os exércitos da dicionais. Na Encydopédie escreve que o amor à
França a enfrentarem as forças coligadas da In ­ pátria é o meio mais seguro para alguém ser um
glaterra, Áustria, Nápoles e os Estados satélites bom cidadão: “O amor à pátria é ó meio mais efi­
que dependiam dos aliados. Com habilidade de caz; pois, como já disse, todo homem é virtuoso
estadista e gênio militar, Napoleão havia impos­ quando sua vontade particular é conforme em tudo
to em 1801 um a verdadeira pacificação geral com a vontade geral, e nós queremos de bom
entre os beligerantes europeus, mas os trata­ grado aquilo que querem as pessoas que ama­
dos assinados nesse ano foram de pouca duração. mos” 18. M as é necessário ressaltar que, em Rous-
Outros planos se escondiam atrás da política do scau, o cidadão individual continua sendo a base
ditador corso, pois logo ficou evidente que cons­ da pátria, e o fim do Estado é a felicidade e a li­
truíra um a estratégia ligada a um a forte ambição berdade individuais. Com razão um autor ressal­
pessoal, que deveria assumir a form a de uma ta que, em Rousseau, a natureza mais íntima
monarquia expansionista tendo por objetivo a do homem é constituída pelos simples sentimen­
conquista de todo o Continente. Durante o seu tos morais e gostos estéticos que são desfigura­
poder, as vitórias e as derrotas, a g u e r T a e a paz, dos e embotados pelas exigências da civilização.
contribuíram para transform ar o panoram a políti­ O Estado ideal seria aquele que pudesse restabe­
co europeu e, mais ainda, ajudaram à emergência lecer urna primeira idade de ouro, onde uma co­
de novos Estados nacionais inspirados, de um lado, munidade natural está unida por sentimentos mo­
nas idéias revolucionárias e, de outro, nas tradi­ rais e um a vontade comum 1B, A sua contribuição
ções culturais e populares despertadas em na­ maior para o nacionalismo moderno foi a de ape­
cionalidades que haviam recém-descoberto a sua lar aos fundamentos sentimentais e morais da co­
consciência nacional e ambicionavam um lugar ao munidade e do Estado para levar o cidadão a
sol entre as nações. A figura romântica do im­ participar ativamente como responsável por seu
perador francês aparece, ao mesmo tempo, co­ destino. O amor à pátria e à virtude eram possí­
mo o “libertador” das nações, a ponto de um veis em um Estado no qual os cidadãos fossem li­
Beethoven dedicar-lhe uma de suas composições vres e iguais.
musicais, para retirar a dedicatória pouco depois, Rousseau já compreendia o papel que as
com forte sentimento de decepção para com o condições históricas e ambientais assumiam ao
“opressor” das nacionalidades. Cedo ou tarde, diferenciar os agrupamentos humanos e criar as
essas nacionalidades reivindicariam o direito à individualidades nacionais. Em um de seus úl­
autodeterminação, convictas de que eram do­ timos escritos políticos, Considérations Sur Le
nas de seu próprio destino, não devendo obe­ Gouvernement de Pologne, esclarece qual de­
diência a nenhum poder, vendo na liberdade ve ser o método acertado para educar os ci­
coletiva e na igualdade da cidadania a realiza­ dadãos desde a infância para que adquiram o
ção dos ideais supremos da humanidade.
Nesse sentido, certos conceitos são emprega­ 18 , K .O H N , I T jd s . f f i s t or i a </«.'/ >104 M éxico, E d,
dos como se possuíssem o mesmo significado, tais Foml*' *lt* C u liu ra EccKiomica. 1‘M^. pp. 2Q&-209.
19. C rossm an , R..H ,S R io a ra fiú ãcí F.stada M ftd rrn n . M é x i­
como república, pátria, nação, Estado, termos co. Ld. Fondo de C u l lu r n I ic u n o n ic iJ , iy 7 0 , U J-4 .

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 41


Napoleõo, medalhão em bronze de D avid D'Angers. 4 R evolta, por Daumier.
amor a pátria e cresçam imbuídos de sentimentos da du alma. A língua c o repositório cultural de
para com a nação, com hábitos viris e respeito às um povo, fruto de um acúmulo de tradições e cria­
instituições. O currículo escolar defendido por tividade durante séculos e séculos de história, e
Rousseau, em boa parte, ilustra suas idéi&s fun­ é através da língua que o conhecimento se torna
damentais e constituiu uma revolução na pedago­ possível, assim como as diferenças lingüísticas re­
gia de seu tempo, mas o objetivo de seu progra­ fletem diferentes experiências dos povos. A teo­
ma educativo é tanto mais claro quanto aos dez ria estética de Herder liga-se à idéia de que a
tnos, após o aprendizado da leitura e exercício poesia constitui um produto de condições natu­
sobre textos que retratam a pátria, o aluno po­ rais e históricas captadas por intermédio de uma
lonês deveria conhecer os seus produtos, aos doze, experiência do “sentir” (Gefühl). Ainda que au­
suas províncias e cidades, aos quinze, toda sua tônoma, a obra poética está relacionada com o
história, aos dezesseis, suas leis, de modo que a seu ambiente gerador, que nela se incorpora e se
Polônia e seu passado pertencessem u cada crian­ transforma num ‘‘sentir'’ em si e que, no decorrer
ça polonesa. do tempo, além de o refletir, também o influen­
Na França, se o nacionalismo era essencial­ cia. A linguagem poética, que pertence a todos
mente político-social, tal como é conceituado por e não a alguns predestinados, é a “língua-mãe da
Rousseau, na Alemanha sofre alterações radicais humanidade” e aparece, em sua pureza original e
quando o conceito legal e racional de cidadãos sua força, nos períodos primitivos de cada na­
é substituído pelo Volk ( “ Povo"), que permi­ ção, como comprova a riqueza lingüística do Ve­
tia, após a sua descoberta pelos humanistas ale­ lho Testamento, dos Edas, de Homero. Na antiga
mães, uma utilização menos definida e mais per­ poesia se revela a imensa riqueza lingüística de
meável à imaginação romântica e ao despertar cada nação, que servirá aos poetas posteriores
das emoções. Nele se poderia descobrir as raízes como fonte de cujas águas cristalinas irão beber
primitivas da nacionalidade, vista quase como um permanentemente. H erder desenvolveu suas con­
feito natural rodeado de mistério a ser desven­ cepções em diversos estudos como o Über die
dado no passado longínquo, nas origens ou gê­ Wirkung der Dichíkunst auf die Sitten der Vôl-
nese da comunidade primeva. O nacionalismo ker in alten und neuen Zeilen (1778), o Vom
alemão adotaria o conceito de Volk, a comu­ Geist der Hebracischen Poesie (1782-1783) e ou­
nidade popular, para expressar um ideal político tros. T&Ivez a maior importância de suas idéias
por ama mística do irracional. O movimento do resida na descoberta da língua como meio de in-
Sturm und Drang será o precursor desse nacio­ dividualização das nações, idéia que iria impri­
nalismo que busca as raízes originais do Volk e mir grande estímulo ao nascente nacionalismo eu­
que posteriormente as encontrará não somente ropeu e em particular entre os povos eslavos. Na
na pré-história mas fundamentalmente na bio­ verdade, este pôde crescer na esteira das inva­
logia. Esse nacionalismo terá em Herder o seu sões napoleônicas que contribuíram para abalar as
precursor, devido em grande parte à influência dinastias tradicionais do Continente, bem como o
da concepção rousseauniana sobre a importância próprio princípio dinástico.
das etapas primitivas e pré-civilizadas da evolução A reação contra as invasões dos exércitos
humana 20. Em Herder, o conceito de V olk ainda napoleônicos também se apresentou sob a forma
assume um significado cultural mais do que polí­ de lut& entre dois princípios: o nivelador ou uni­
tico e, de fato, os estudos que encetou no campo versal, que visava eliminar as peculiaridades na­
da lingüística e da literatura revelam a paixão cionais de cada povo, e o princípio da identida­
pelo trabalho erudito e pela investigação profun- de nacional, que cada território invadido sentia
ameaçado. A resistência militar contra as tropas
Jti. K o ffv . (Jf1. ,-it. j'» ;. francesas de Napoleão provocaram o advento

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 43


dos exércitos nacionais que foram substituindo as Revolução Francesa recomeça, pois se trata sem­
tropas mercenárias. A participação de voluntários pre da m esm a. . . ” 2i.
nas guerras de libertação da Alemanha, em 1813,
serviu para aum entar o entusiasmo patriótico da VI. As grandes modlflcaçOe» no panorama
população obrigada a enfrentar as tropas napo- politico: da queda do Império à Primavera
leônic&s, as quais acabaram assim por dar início do Povos
à unificação dos principados alemães. A Espanha
de 1808 também pode servir de exemplo desse Com a catástrofe ocorrida na Rússia com os
nacionalismo despertado pela invasão napoleôni- exércitos napoleônicos, ficava aberta a porta pa­
ca, que é retratado em sua crueldade nas pin­ ra os patriotas de todos os países se lançarem às
turas de G oya21. A cadeia de rebeliões naciona­ suas guerras de libertação que, como movimento,
listas foi se estendendo por toda a Europa, atin­ já haviam dado mostras de rebeldia no ano de
gindo outrossim a Itália e a Rússia. As monar­ 1809. Mas, enquanto nesse ano pouco alcance ti­
quias, sentindo-se ameaçadas, elaboraram um veram os esforços isolados dos grupos rebeldes,
plano político que fizesse frente a tal situação; agora, com a derrota do exército imperial, o movi­
daí o surgimento da Santa Aliança, que M etter- mento de libertação assumia proporções amplas,
nich manipularia com habilidade para combater repercutindo mesmo profundamente no continente
as revoluções dos povos que despertavam para americano. Na Espanha, na Itália e na Alema­
a sua autodeterminação. Com exceção da Inglater­ nha, a derrota era evidente e o bloqueio econômi­
ra, as monarquias se alinharam numa atitude con- co já não encontrava mais nenhum suporte polí­
tra-revolucionária, que deveria atingir os grupos tico para ter qualquer êxito. P or outro lado,
mais atuantes do movimento nacionalista europeu. na França, o império via-se diretamente sob a
Intelectuais, estudantes, burguesia liberal esta­ ameaça de elementos que se organizavam para
vam à testa desses movimentos nacionais e en­ impor, no futuro, um novo regime. N a verdade,
contravam neles uma oportunidade de auto-ex- começava a partir de 1815 um a era de insurrei­
pressão literária e política. O conflito entre os ve­ ções. Elementos dispostos à agitação se agrupam
lhos e os novos ideais literários se manifesta tam ­ em sociedades secretas, animados por um ideal
bém na justificação da legitimidade do poder mo­ revolucionário. São grupos relativamente peque­
nárquico e na aceitação dos ideais democrático- nos como os carbonari italianos, a Charbonerie
-republicanos. De um lado, encontra-sc Kant que francesa, as sociedades republicanas do tipo So~
aceita plenamente os ideais republicanos e, de ciété ães familles, Société des saisons. a Liga
outro, Hegel que formula o absolutismo do Esta­ dos Justos na Alemanha, a Sociedade do Norte na
do coerentemente fundamentado no idealismo Rússia e muitas outras espalhadas pela Europa. A
absoluto. Por seu turno, a legitimidade monárqui­ Restauração da Europa, após os eventos de 1789-
ca acha-se vinculada a uma política ampla de 1815, era realmente difícil. O T ratado de Paris, de
pacificação européia encetada pela Santa Alian­ novembro de 1815, levou a França a retom ar às
ça, enquanto que os ideais republicanos e demo­ suas fronteiras de 1790 e lhe impôs uma pesada
cráticos estão ligados ao movimento nacionalista soma de indenizações como passo im portante pa­
e ao despertar dos povos. Os períodos agitados ra resolver os problemas do Continente. O Tratado
de 1820-1821, 1830 e 1848 atingem os grandes de Viena, de junho de 1815, que reunia o impe­
impérios e ameaçam a sua integridade; como diz rador Alexandre I da Rússia; M etterních. o chan­
de Toqueville, em relação à última: “E eis que a celer da Áustria; Karl August von Hardenberg,

J. / r*M•f',r v Jt/irr/irr m l>, i f i - i . i ■n u ti. S< ll s * h »*. H. <> V i n / ' \/.\. Sfln l' :ii il n . I J-urn-
Barceliin;*. Nu*va |>. 11? Ip r i í j 1 1f ■ l.iv r n , jv R fl
como representante do rei da Prússia; Lorde Cas- ja Rom ana recupera seu prestígio e assume nova­
tlereagh atuando pela Grã-Bretánha e Tallsyrand mente uma elevada posição, recebendo apoio
pela França, tinha por objetivo apaziguar as ques­ do Estado e participando ativamente na socieda­
tões européias, atacando de frente as velhas pen­ de. Mesmo na França onde fora perseguida, ela
dências. Antes de tudo, devia-se evitar uma nova ganha terreno com a reação ao racionalismo do
agressão da França e restaurar os legítimos go­ século anterior e ao livre pensamento dos grupos
vernantes em seus respectivos territórios a fim de mais radicais.
estabelecer o equilíbrio do poder entre os gran­ Os anos de 1815-1816 não foram favoráveis
des Estados. Tal princípio condutor da política do às colheitas e os resultados se fizeram sentir em
Tratado de Viena acabou por designar territórios todos os setores da vida econômica, provocando
a poderes contra a vontade de seus habitantes. A uma depressão geral. Desemprego, altos impos­
Bélgica e a Holanda formaram os Países Baixos tos. falência de bancos e de muitas companhias
como um Estado-tam pão contra a França. A N o­ comerciais caracterizaram esses anos difíceis, que
ruega passou da Dinamarca para a Suécia. O já faziam parte do grande processo de revolução
Palatinado se agregou à Bavária. As províncias industrial descrito anteriormente. Tal situação
alemãs da Saxônia, Vestfália e da Renânia, bem não trazia simpatias políticas ao regime monár­
como as polonesas de Posen e Pomorze passaram quico restaurado. O crescimento demográfico ex­
à Prússia, incluindo-se também a Pomerânia sue­ plosivo, acompanhando o desenvolvimento econô­
ca. A Alemanha foi constituída em confederação mico que forçou a mudança na técnica de pro­
de Estados dominados pela Áustria, englobando dução e na formulação das ciências em toda a ex­
a Lombardia e Veneza. A Polônia perdeu a sua tensão, exigiu e formou novas classes, remodelou
independência como Estado, caindo boa parte a organização estatal, criou novas forças políti­
de seu território nas mãos da Rússia. Esta obteve cas que disputaram o poder político com a aristo­
ainda a Finlândia e a Bessarábia. A Grã-Bretanha, cracia. Banqueiros influentes, financistas e indus­
além de conservar boa parte de suas conquistas, triais exigiam a participação na conduta dos as­
acabou ganhando M alta e Heligolândia, além das suntos de governo e Estado e começaram a
cotôaias holandesas do Cabo, Ceilão e as Ilhas substituir nobres, clérigos e militares com a í d -
Maurício. A Grã-Bretanha, Prússia, Á ustria e tenção de defenderem seus interesses. A aristo­
Rússia se propuseram a manter o estabelecido cracia estava pouco habilitada a enfrentar e di­
segundo o princípio do equilíbrio do poder durante rigir uma sociedade política inteiramente trans­
muito tempo, mas pouco duraria a união entre os formada e avançando para novos rumos históri­
grandes Estados europeus. A Inglaterra se mos­ cos. A revolução econômica se refletiu nas rela­
trava pouco propensa a intervir em outros E sta­ ções entre os povos europeus e os de outros con­
dos para manter o combinado; no Congresso de tinentes, levando à emancipação das colônias
Aix-Ia-Chapelle de 1818 e novamente no de americanas, bem como à abolição da escravatura.
Troppau em 1820, ela se negou a fiscalizar a po­ A fermentação política caracteriza o período a
lítica européia. T al papel caberia à Áustria, que partir de 1815. Espanha, Portugal, Piemonte e Ná­
o aceitou de boa vontade e Metternich tornou-se poles, inspirados na tentativa fracassada da Espa­
o cão de guarda do Continente, estabelecendo um nha, de conseguir um a Constituição em 1812, se
sistema de espionagem e repressão contra todo e vêem envoltos por agitações e revoltas que es­
qualquer lugar que apresentasse sinais de agita­ touram nos anos de 1820-1821. Os revoltosos
ção revolucionária. exigem constituições democráticas para os seus
A Restauração trouxe de volta a monarquia países e reinos. E enquanto as tropas austríacas se
e o princípio dinástico, que atTaíram as forças de dispuseram a sufocar os levantes do Piemonte e
maiores oposição contra si. Além do mais, a Igre­ de Nápoles, as rebeliões em Portugal e Espanha

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS 0 0 ROMANTISMO 45


conseguiram um sucesso momentâneo ante a sultando em matanças de população civil e ino­
recusa da Inglaterra e da França de intervirem cente, o que retrata o grau de selvageria dos mili­
com medidas repressivas. Na verdade, a Santa tares. No Vice-Reinado do Prata, os adeptos da
Aliança, que nascera com o objetivo de levantar independência se dividiram, sendo que os habitan­
o prestígio do princípio dinástico e de assegurar a tes do Paraguai não quiseram depender de Buenos
estabilidade política dos monarcas, agora atuava Aires, separando-se para inaugurar uma ditadura
diretamente como uma organização internacional que, sob a chefia de G aspar Rodriguez de França,
para sufocar as revoltas onde quer que elas se se manteve até o ano de 1840. Montevidéu tam ­
manifestassem. bém não quis aceitar a hegemonia política de
Na América Latina, nota-se também a mes­ Buenos Aires e permaneceu fiel a Fernando VII
ma ânsia de independência estimulada com o até 1814, quando se rendeu às tropas argentinas.
exemplo dado pela América do Norte. Houve Em 1816, após um período intenso de lutas, foi
tentativas nas colônias da Espanha a partir de proclam ada a independência da República A r­
1809 e, em 1810, o cabildo de Caracas depôs gentina. No Chile, ao ser deflagrado o movimen­
o governador espanhol, apoderando-se do poder. to separatista, pela pressão que exercia Napoleão
O mesmo sucede em Buenos Aires, em Carta- sobre Fernando V II da Espanha, a liderança foi
gena das Índias, em Santa F é de Bogotá e em disputada por C arrera e Bernardo 0 ’Higgins, sen­
Santiago do Chile. Alguns se mantiveram fiéis a do que este, com a ajuda do General San M artin,
Fernando VII, mas outros não, como é o caso conseguiu atravessar os Andes, vencer as tropas
de Caracas e Buenos Aires. Países, com o a Ve­ espanholas e declarar a independência chilena
nezuela sob a liderança de M iranda e Bolívar, e a em 1818. Pouco a pouco, nas primeiras décadas
região do Prata, sob a direção de Belgrano, pro­ do século passado, os países da América Central
clamaram a sua independência. Ao serem anun­ e do Sul foram conquistando a soberania política
ciados tais acontecimentos as Cortes de Cádis, e os impérios coloniais de Portugal e Espanha
se apressaram a declarar que os Estados espa­ foram se desfazendo. A doutrina M onroe ameri­
nhóis dos dois hemisférios formavam uma úni­ cana, de 1823, ajudou a consolidar a consciência
ca monarquia e uma única nação, tendo os ame­ nacionalista latino-americana contra as ameaças
ricanos os mesmos direitos que os europeus. Na da política da Santa Aliança e serviu de defesa
prática, a representação política das colônias ideológica contra o colonialismo europeu, ainda
americanas nas Cortes de Espanha era despro­ que a esquadra britânica houvesse contribuído
porcional à sua população e nem mesmo a liberda­ ponderavelmente para a conquista da indepen­
de de comércio ou a abolição do pacto colonial dência do Novo Continente.
foram alcançados. O movimento de independên­ O mundo europeu na época da Restauração
cia continuou se ampliando até chegar ao M éxi- fermentava sob a influência do liberalismo e do
co, onde a rebelião assumiu um caráter social nacionalismo. Os gregos, que se rebelaram em
muito acentuado. 1821 contra o domínio turco, provocaram ade­
Desde 1811 se desencadeou uma guerra civil sões em muitos países e a Turquia se sentiu
entre partidários e adversários da independência ameaçada por um eventual ataque por parte da
na América espanhola, incluindo Peru, Vene­ Rússia, que poderia ser justificado como defesa
zuela, Nova G ranada e países do Prata. Os exér­ de um movimento nacionalista cristão, em luta
citos em luta, comandados de um lado por contra o poder arbitrário dos infiéis. O Congresso
criolos e de outro pelos “peninsulares”, eram de Verona de 1822, além de tratar da insurrei­
formados por mestiços ou índios recrutados à for­ ção espanhola, também se preocupo j com a re­
ça e sem saber exatamente os objetivos das guer­ belião grega, tendo a Inglaterra, a França e a
ras. Os embates foram prolongados e cruéis, re­ Rássia ajudado esse nacionalismo a vencer a

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luta e obter a independência grega em 1830. Em cípios liberais. Logo em seguida ao levante fran­
1826-1827, a Inglaterra também interferiu em cês, uma revolução de caráter nacionalista estou­
Portugal, para preservar um governo constitucio­ rou na Bélgica, que se encontrava unida à Holan­
nal. Boa parte dos levantes de 1820-1821, como da, em virtude das resoluções do Congresso de
já dissemos, não foram vitoriosos, mas serviram Viena. A aspiração dos insurretos belgas era a
para pavimentar o caminho que levaria às gran­ de realizar a separação e criar um reino indepen­
des insurreições de 1830. Na França, o Conde dente. Com a ajuda da esquadra inglesa, que
de Artois, sob o nome de Carlos X, provocou a bloqueou a costa da Holanda, os revolucionários
ira dos revolucionários com a sua política osten­ belgas foram bem sucedidos, impondo como so­
sivamente reacionária que chegou a indenizar os berano do novo reino, Leopoldo de Saxe-Cobur-
antigos nobres pelos bens a eles expropriados, go. Em 1839, a Bélgica foi reconhecida como
durante a Revolução de 1789. Os melhores repre­ reino independente. Em outros lugares da E u­
sentantes da vida intelectual francesa e dos cír­ ropa, tais como nos Estados confederados da Ale­
culos liberais lideraram a oposição à monarquia manha, em Hanover, Saxônia e Brunswick irrom­
pouco habilidosa de Carlos X , figurando, entre peram revoltas locais que lograram certas conces­
eles, Lamartine, Victor Hugo, Thiers e Royer- sões de seus governantes. Em alguns Estados, co­
-Collard, que não pouparam esforços em apon­ mo Baden e Bavária, que já haviam instaurado
tar a política retrógrada do governo. O maior sistemas parlamentares, os liberais chegaram a
embate entre o rei e a opinião pública se deu ter vitórias políticas que favoreceram a liberda­
no momento em que Carlos X propôs a supres­ de de imprensa e permitiram atitudes abertamen­
são da liberdade de imprensa contra a vontade te críticas em face da política governamental. Mas
da Câmara, o que levou à dissolução desta. A em 1832, a Áustria e a Prússia forçaram a Con­
seguir, o rei assinou as “Ordenações de Julho” federação, em Frankfurt, a aprovar resoluções
que decretavam: a ) a supressão da liberdade que possibilitaram controlar a imprensa e oprimir
de imprensa; b ) a modificação da lei eleitoral, a oposição em todos os Estados germânicos. Na
alterando o censo exigido aos eleitores; c ) a dis­ Itália e nos Ducados de Parma, de M odena e na
solução da Câm ara; d) a convocação de novas Romagna, que pertenciam ao Papa, o movimen­
eleições. Era o que faltava para que se deflagrasse to revolucionário, a partir de fevereiro de 1831,
a insurreição dos grupos republicanos e bonapar- procurará estabelecer regimes constitucionais em
tistas que, com armas, invadem as casas e arrastam lugar dos déspotas do poder e também criar as
atrás de si o povo revoltado. Os amotinados con­ “províncias unidas da Itália” , como início de uma
seguem enfrentar as tropas legalistas e provo­ grande unificação nacional. Os austríacos, não
cam a abdicação de Carlos X que se refugiou na consentindo que se chegue a concretizar tal inten­
Inglaterra. Tudo indicava que a república como ção poUtica, esmagarão a revolta com os seus
o ideal político almejado pelos insurretos triunfa­ exércitos. Por fim, as lutas e insurreições de 1830
ria em 1830, mas, na verdade, o novo governo entre forças conservadoras, dinásticas e clericais,
por orientação de Thiers, coube à pessoa de Luís de um lado, e as liberais nacionalistas e republi­
Filipe de Orleans, que deu início a uma nova canas, de outro, tornaram-se generalizadas na
realeza, embora mascarada por um soberano bur­ m aior parte dos territórios do continente euro­
guês. As “Ordenações de Julho” e a censura são peu. A maioria dos liberais, que desejava criar
abolidas e o monarca passa a usar o título de regimes parlamentares e representativos, também
“Rei dos Franceses”, que substitui o de “R ei da era nacionalista, e visava à unificação e à inde­
França”. No fundo, a revolução dos republicanos pendência das nacionalidades que tinham cons­
e bonapartistas levou à criação de um a m onar­ ciência de suas diferenças em relação às demais.
quia constitucional, inspirada, é verdade, em prin­ E ra um período favorável às sociedades secretas

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 47


que conspiravam na ilegalidade c mantinham con­ parte, apoio da Guarda Nacional. Graves inci­
tato umas com as outras em nome dos ideais dentes e choques com o Exército incendiaram a
democráticos e da autodeterminação nacional. Por revolução fomentada pela burguesia e operariado.
nuiro lado. Mailernich e a Santa Aliança não dei­ Mesmo a demissão de Guizot e a nomeação de
xavam de acompanhar os passos dos conspirado­ Tliiers não foi o suficiente para anim ar os âni­
res através de um aparelho de espionagem mobi­ mos exaltados dos revolucionários, que invadiram
lizado nas mais diversas camadas da população. a Câm ara provocando a abdicação de Luís Filipe
Nessa atmosfera política, e propulsionada por e a formação de um novo governo. A Segunda
ela, é que o Romantismo encontra sua expressão República estava formada por elementos que
na literatura e nas artes. Liberais e nacionalistas representavam as mais diversas tendências políti­
também são românticos, sejam eles poloneses, cas de esquerda e de direita, que não podiam
gregos ou franceses. A segunda onda revolucioná­ harmonizar permanentemente numa linha políti­
ria, que irromperia com maior intensidade do que ca comum. O conflito de classe se manifestava
no período de insurreição de 1830, dar-se-ia em na própria revolução. No sufrágio universal e
1848, tendo como fundo as aspirações liberais e direto, realizado em 23 de abril do ano tur­
nacionalistas, além das dificuldades econômicas bulento. o resultado foi favorável aos moderados,
que caracterizaram o período. As rebeliões de e o governo, para atender as classes trabalhadoras
1848 foram urbanas, em boa parte, e refletiam e o problema do desemprego, inspirado nas idéias
o desenvolvimento industrial galopante e as di­ de Louis Blanc, criou as “Oficinas de Trabalho".
ficuldades pelas quais passavam as camadas mais Mas tal orientação se mostrou inoperante e anti­
baixas da população citadina e, em especial, o econômica, não solucionando a questão do de­
proletariado. Já em 1834, havia explodido uma semprego, o que levou o governo a fechar as
insurreição de operários em Lyon, ao mesmo "Oficinas”. O proletariado, desgostoso com a si­
tempo que um a grande agitação republicana, diri­ tuação, levantou-se e foi novamente para as barri­
gida contra o regime de Luís Filipe, tomava con­ cadas, provocando uma reação violenta por parte
ta de Paris, promovida pela importante sociedade do governo, o qual nomeou o célebre General Ca-
secreta, intitulada Sociedade dos Direitos do vaignac, que reprimiu com violência e muito san­
Homem. gue a rebelião. As tristes “Jornadas de Junho"
O clima de agitação política na França era resultaram num balanço trágico para o operaria­
motivado, além do mais pelos grupos que pro­ do francês. Uma nova Constituição rezava que o
cura v&m criar condições para a volta de Carlos Poder Executivo deveria ser exercido por um
X ao poder; eiam eles os legitimistas, ao passo presidente eleito por quatro anos, mas as classes
que outros grupos, bonapartistas, queriam provo­ conservadoras conseguiram elevar à presidência
car a revolta das guarnições militares em favor Luís Napoleão, que acabou estabelecendo uma
de Luís Napoleão, sobrinho do imperador. A ditadura e por fim assumiu o título de Napoleão
oposição dos socialistas de Louis Blanc e dos mo- III.
narquistas moderados como Thiers, juntamente
com Odilon Barrot, começou no verão de 1847 O movimento nacionalista italiano teve em
com uma campanha em todo o país em favor de 1848 uma atuação política intensa sob a chefia
uma reforma eleitoral inspirada no modelo inglês. de Mazzini, que era animado por um idealismo
O método adotado para a difusão da campanha liberal voltado para a restauração do velho espírito
era o da realização de banquetes que, em dado nacional e contra o domínio austríaco. Mas o mo­
momento, foram proibidos pelo ministro Guizot. vimento não era uniforme, pois os conservadores
O povo revoltado por esse fato levantou barrica­ liberais dirigiam os olhos para Carlos Alber­
das e a insurreição se alastrou, recebendo, em to de Piemonte e Sardenha, os católicos fede-

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ralistas depositavam suas esperanças políticas no vam-se governos fortes, como o de Schwarzenberg
papado e os republicanos de Mazzini aspiravam a ná Áustria, o de Brandenburg na Prússia, o Car­
uma república democrática. A demissão de Metter- deal Antonelli cm Roma. As esperanças das pe­
nich favoreceu em geral os levantes dc caráter quenas nacionalidades se desvaneceram em boa
nacionalistas e também o da Itália, mas ainda parte c muitas seriam obrigadas a esperar muito
levaria algum tempo ate que Camilo de Cavour tempo até que lhes fosse dada uma nova oportu­
conseguisse chegar à unidade nacional. nidade histórica para realizarem os anseios, de
Autodeterminação. Mas não só as nacionalidades
O Império dos Habsburgo eslava agora sen­
saíram frustradas desse período de agitações,
tado sobre um barril de pólvora, pois o movi­
também as classes operárias veriam seus sonhos
mento revolucionário adquirira caruter interna­
cairem por terra frente à violenta reação con­
cional, chegando mesmo ao coração do seu do­
servadora. que separou e alertou, atemorizada,
mínio, como evidenciava a rebelião de Lajos Kos-
os antigos aliados burgueses contra a ameaça
suih, na Hungria. Se não fossem as profundas di­
do "perigo vermelho" que despontava nos céus
visões internas desses movimentos, eles teriam co­
da Europa a .
lhido maiores êxitos políticos.
Na Alemanha e na Áustria, a agjiaçáo po-
VII. Uma palavra final
lítica entre os intelectuais que pregavam a unidade
nacional e uma Constituição que favorecesse a li­
berdade política, fizeram com que, em maio de Apesar de tudo, devemos distinguir no século
1848, um corpo representativo se reunisse em XIX. em relação a luta entre o nacionalismo c
Frankfnrt para servir de Assembléia Constituin­ a legitimidade, dois períodos, o de 1815 a 1851,
te e atender as aspirações nacionalistas do po­ onde a reação conservadora procura conter a
vo. Os motins populares dc Berlim haviam alcan­ grande onda revolucionária e manter com certo
çado seu primeiro sucesso efetivo com o Parla­ equilíbrio o mapa político europeu, e a etapa
mento eleito por sufrágio universal. Porém, a ten- que vai ile 1851 a 1871, quando se dá o triunfo
tiva de oferecer a coroa imperial a Frederico Gui­ do princípio das nacionalidades em suas bases
lherme da Prússia foi recebida com solene re­ essenciaisM. Os dois grandes impérios, o Aus­
cusa. Mesmo assim, o Parlamento dirigiu-se aos tríaco e o Otomano receberão os golpes mais for­
príncipes alemães para realizar a tarefa de uni­ tes de parte do movimento nacionalista, sendo
ficação n&cional em 1850 com a “União Restri­ que o primeiro durará até o término da Primeira
ta”, mas um ultim ato austríaco terminou com o Guerra Mundial, enquanto o segundo desmoro­
projeto. Com o “recuo de Olmutz", a Alemanha nará às vésperas do grande conflito de 1914.
voltava aos anos anteriores aos da grande onda No Império Austríaco encontramos tchecos, es-
revolucionária. Na Áustria, o Im perador Fernan­ lovacos, poloneses, eslavos do sul (eslovenos,
do I, pressionado pelas circunstâncias, teve que croatas,» sérvios), húngaros, romenos, além dos
outorgar uma Constituição liberal e favorecer a italianos e dos austríacos de língua alemã. A Sér­
criação de um regime parlam entar, porém esse via será uma das primeiras pequenas nacionalida­
mesmo im perador sufocou com sangue a subleva- des a conquistar a autonomia, seguindo-se, em
ção dos tchecos. Seu sucessor, Francisco José,
impôs de novo o absolutismo, suprimindo a Cons­ 2 3 . P ara uma visão de cunjuulo da disptila (Kilitica entre aa
nações européias uo período que vai Uu ttrgiuida m etade do téciilo
tituição outorgada anteriormente. E m fins de X IX aô início dn séculu X X , consultar a obra im portante de
J . P T a y lo b , Th? StruOUie f ú t Xl ostery i« J iu rp pf i I848-IÍM8,
1850, a grande onda revolucionária, iniciada dois O xford, 1960.
anos antes em quase toda a Europa, obtivera
.M , O f R O W u K , F n ;/,• /.V /j y j m j j oi trS, P q ils ,
poucos resultados e, à testa do poder, encontra­ N o u v eJIt Cllo, 1967, p . 107.

OS FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DO ROMANTISMO 49


1821, a revolta da Grécia contra os turcos, que corporou e gerou, ao mesmo tempo, o espírito
serviu de exemplo e modelo para a literatura ro­ romântico.
mântica e patriótica do período, suscitando o en­
A caracterização feliz do espírito desse mo­
tusiasmo das elites intelectuais do Ocidente. O
movimento de libertação grego era composto de vimento, que parece ter atingido em espaço e tem ­
po diferentes os povos do Velho Continente, esten­
Klephtas, que viviam nas m ontantas da Moréia,
do-se aos demais, pode ser encontrada nas pala­
resistentes à aceitação de todo elemento estran­
vras de J, L. Talmon:
geiro, e de uma burguesia culta e enriquecida pelo
comércio marítimo, bastante desenvolvido. Além
Os entusiasmos e paixões, os vôos do pensam ento e do
do mais, o nacionalismo grego encontra apoio na idealismo, as leorias, as aspirações e a.s ilusões, por con­
Hetairia, sociedade patriótica no estrangeiro, que traditórias que pareçam , e. .sem dúvid;i os empreendi
procura angariar o apoio da opinião pública em mentos artísticos da época podem ser enenradus comu
favor de seus objetivos. Múltiplas razões favore­ reflexos de um a grande luz. n do Romonlismo. Foi esii-
impulso, a penetrar mdo, que elevou as energias du
ciam o apoio de várias potências políticas euro­ homem e deu a (Virmu u um lisitlo distinto, íjue d iu -
péias. pois a imagem da Helade amiga se identi­ rcncia nitidamente t'sia epuca de iodas a:, que a p re­
ficava. na mente das pessoas culias. com a Grécia cederam ou se lhe seguiram 25
atual, e para os cristãos, .sc-u.s irmãos de fe. os
gregos estavani em luta conira os muçulmanos,
assim como a simpatia dos liberais alinhava-se
com aqueles que combatiam pela independên­
cia de sua pátria. Apesar da intervenção de Mo-
hamed Ali, que infligiu aos gregos as graves
derrotas dos anos de 1824-1827. a rebelião re­
cebeu o apoio da Rússia, da França e da Ingla­
terra, acabando por destruir as forças otomanas
e criando um Estado autônomo grego em 1830.
No mesmo ano explode a mal sucedidó revolta
polonesa, cultivada pelo patriotismo recalcado
de uma nação espoliada. Ao movimento naciona­
lista grego, sucederam-se outros em vários recan­
tos dos impérios dominantes na Europa. Os esfor­
ços de unificação da Alemanha e da Itália foram
motivados, indiretamente, por uma mudança que
se processava nos meios de produção, nas co­
municações, acompanhando a formidável expan­
são econômica e financeira, derrubando frontei­
ras regionais e caminhando em direção à unidade
nacional. Na Alemanha, o passo político impor­
tante foi dado com o Zollverein, que se mantinha
dentro de um espírito conservador, enquanto que,
na Itália, o nacionalismo de Mazzini apresentava
um caráter revolucionário e radical. Assim, como
se procurou mostrar ao longo desse estudo, o na­
cionalismo, tal como os movimentos sociais que
se encetam a partir da Revolução Francesa, in­ Ji rn I I.. |Ir. m. ||. l.is

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