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SEGREDO OU PUBLICIDADE?

A TENTAÇÃO DE KAFKA1 NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL


PORTUGUESA

INÊS FERREIRA LEITE

Com a Reforma de 2007 foi introduzido um novo paradigma na fase de investigação, passando o
inquérito a decorrer em publicidade como regra geral. Esta alteração traz certamente dificuldades
práticas, essencialmente devidas a alguma precipitação por parte do legislador, e implicará, a
médio e a longo prazo, que se repensem os métodos e estratégias de investigação criminal. Em
contrapartida, as alterações feitas ao art. 371.º do Código Penal, passando agora a ser inviável o
entendimento segundo o qual esta incriminação não abranja os jornalistas, tornam imperioso que o
aplicador do Direito assuma a sua responsabilidade na ponderação dos interesses em conflito e na
concretização de juízos de concordância prática entre a tutela da investigação, a protecção dos
direitos fundamentais de terceiros e as necessidades de prossecução do interesse público. Com este
trabalho procura encontrar-se algumas linhas orientadoras para a resolução deste conflito de
interesses, passando uma vista crítica pelo regime actualmente em vigor, já com as alterações
introduzidas em 2010.

ÌNDICE: I. Introdução; 1. Os antecedentes da reforma do Código de Processo Penal de 2007; 2. A Reforma de 2007:
processo e objectivos; 3. As propostas da Unidade de Missão, o processo legislativo e o novo Código de Processo Penal; 4.
As alterações propostas em 2010; 5. Análise comparativa dos diversos regimes; II. Publicidade e eficácia na investigação
criminal; 6. Trajectos de reforma: algumas perplexidades; 7. As imposições constitucionais e o conflito de interesses; 8. A
tutela da investigação e o segredo interno; III. Segredo de Justiça e meios de comunicação social; 9. Segredo de Justiça,
interesse público e reserva da vida privada; 10. A tutela da investigação, os direitos de terceiros e o segredo externo; 11. O
novo crime de violação do segredo de justiça; 12. O artigo 88.º n.º 4 do Código de Processo Penal de 2007.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação social, Direitos fundamentais, Inquérito, Interesse Público, Intimidade privada,
Investigação criminal, Media, Ministério Público, Presunção de inocência, Processo Penal, Publicidade, Reforma Penal de
2007, Reserva da vida privada, Segredo de justiça, Trial by newspaper, Violação do segredo de justiça.

I. INTRODUÇÃO

1. Os antecedentes da reforma do Código de Processo Penal de 2007

O presente estudo2 tem como linha condutora um esforço de leitura constitucional do regime do
segredo de justiça em vigor, quer no âmbito processual, quer no que respeita à respectiva tutela penal.

1
Sobre a associação de significado jurídico entre “O Processo” de Kafka e o espaço do sigilo no processo penal, ver
VICTOR CORREIA, “Direito e Literatura. O processo de Kafka”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 69,
vol. VII, 2009, disponível também em versão integral no sítio da Ordem dos Advogados, em
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30777&idsc=84047&ida=84120.
2
Este texto parte do esboço delineado para a conferência sobre Segredo de Justiça, apresentada no âmbito do curso de Pós-
graduação da Faculdade de Direito de Lisboa dedicado ao tema “Reforma e Crise do Direito Penal e do Direito Processual
Para que se possa alcançar uma melhor compreensão do texto legal em vigor, parece-me fundamental
que se conheçam os seus antecedentes e se conheçam também os objectivos e os diversos
intervenientes naquilo que é um processo legislativo mas, inevitavelmente também, um processo de
consenso político.

As alterações introduzidas pela reforma do Código de Processo Penal de 2007 – aprovadas pela
Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto – não correspondem a um mero capricho do legislador ou qualquer
espécie de fúria legislativa de um Governo ou legislatura, embora se possa apontar alguma
precipitação nos métodos escolhidos e, talvez, algum radicalismo nas soluções finalmente impostas. O
certo é que estas alterações constituíram uma muito rogada resposta a um preocupante avolumar de
jurisprudência contraditória em matérias fulcrais para a condução do processo penal e para a tutela da
posição processual do arguido e do assistente3 e à extensa – e extremamente crítica – jurisprudência
constitucional4. Na verdade, uma considerável parte das alterações introduzidas pelo legislador de
2007 surge como uma solução in extremis para certos excessos jurisprudenciais e para os inúmeros
abusos por parte dos meios de comunicação social.

Sejamos claros, se fizermos um périplo pelas notícias e artigos publicados nos vários ramos da
comunicação social, a conclusão não pode ser outra: no início de 2007, o processo penal estava em
crise. O sistema processual penal português, os tribunais e a própria prossecução de justiça
enfrentavam a maior crise de sempre5. O mediatismo de processos como o Caso Casa Pia, o Caso
Esmeralda, o Caso do Envelope9, o Caso Apito Dourado, entre outros, lançou na opinião pública um
conjunto de temas difíceis e geradores de polémica, dos quais se podem destacar os excessos na
aplicação da prisão preventiva, as condições de realização de escutas telefónicas e as sucessivas
violações do segredo de justiça.

No que respeita ao tema do presente estudo, importa salientar os principais problemas – tal como
foram focados pelos meios de comunicação social e pelos vários sectores críticos do processo penal –
suscitados pelo regime que então vigorava, que eram os seguintes:

Penal na Sociedade de Risco”, em 2008 e do I Curso de Pós-graduação em Direito da Investigação e da Prova, realizado
em 2010 na mesma Faculdade.
3
Ver, entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 27 de Fevereiro de 2002, Acórdão da Relação do Porto de 18 de Abril
de 2007, Acórdão da Relação de Guimarães de 14 de Junho de 2004. Em sentido divergente, ainda antes da reforma, de
modo representativo da jurisprudência de Lisboa ver Acórdão da Relação de Lisboa de 13 de Dezembro de 2006, todos
disponíveis em http://www.dgsi.pt/.
4
Concretamente sobre a problemática do acesso aos autos em fase de inquérito ver, entre outros: Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 121/97 de 19 de Fevereiro, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 416/03 de 24 de Setembro e Acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 607/03 de 5 de Dezembro, todos disponíveis em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
5
Sobre a importância da comunicação social para a prossecução de justiça e a estabilização da paz pública ver CUNHA
RODRIGUES, “Justiça e Comunicação Social. Mediação e Interacção”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 7, n.º
4, 1997, pp., 531 e ss.; e SOUTO MOURA, “Comunicação social e segredo de justiça hoje”, in Estudos de direito da
comunicação, Coimbra, Instituto Jurídico da Comunicação, 2002, pp. 65 e ss..
i) Uma forte limitação do acesso do arguido aos autos, a partir de uma aplicação rígida e
formal da regra do segredo interno na fase de inquérito;

ii) Uma regulação deficiente do acesso dos meios de comunicação social ao processo e a
inexistência de jurisprudência sobre a resolução do conflito de interesses;

iii) A constante publicitação de nomes de suspeitos e vítimas, por parte dos meios de
comunicação social, em fases preliminares do processo; e

iv) A criação de situações de conflito de direitos para os arguidos, obrigados também ao


segredo de justiça, quando confrontados com “acusações” realizadas pelos meios de
comunicação social.

2. A Reforma de 2007: processo e objectivos

Ponderado o enorme risco de descredibilização dos tribunais e da justiça – face aos sucessivos
“ataques” por parte dos meios de comunicação social – e a necessidade de dar corpo normativo a uma
extensa jurisprudência constitucional, a qual, quer pela sua extensão, quer pela abrangência de
matérias, ameaçava já tornar inoperante o funcionamento do regime previsto no Código de Processo
Penal de 87 no que respeita ao segredo de justiça e às escutas telefónicas, o XVII Governo
Constitucional decidiu dar início a uma reforma do Direito Penal, procedendo, por Resolução de
Conselho de Ministros6, em Julho de 2005, à criação da Unidade de Missão para a Reforma do Direito
Penal.

A unidade de Missão, que teve como coordenador o Mestre Rui Pereira, funcionou junto do
Ministério de Justiça e, para além dos membros da unidade – encarregues de elaborarem as propostas
legislativas – integrava também um Conselho Consultivo, no qual tiveram assento representantes
permanentes dos mais variados serviços e órgãos relacionados com os tribunais e a justiça7 e ainda
diversos investigadores e professores universitários8. Os trabalhos da Unidade iniciaram-se a 3 de
Outubro de 2005 e no fim de Julho de 2006 – já depois de entregue e aprovada a proposta de alteração
ao Código Penal – foi entregue em Conselho de Ministros uma proposta de lei de alteração ao Código
de Processo Penal.

6
Resolução de Conselho de Ministros n.º 138/2005 de 29 de Julho, publicada no DR, I-B, de 17 de Agosto.
7
Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, Ordem dos Advogados, Polícia Judiciária; Centro de
Estudos Judiciários; Direcção-Geral dos Serviços Prisionais; Instituto de Reinserção Social; Instituto Nacional de Medicina
Legal, Polícia de Segurança Pública, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e vários gabinetes ministeriais, vide Actas do
Conselho Consultivo da Unidade de Missão, disponíveis em http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-
eventos/imprensa/historico/2-trimestre-de-2008/actas-da-unidade-de/.
8
Tais como Damião da Cunha, Paulo Sousa Mendes, Paulo Pinto de Albuquerque, Margarida Silva Pereira, Paula Ribeiro
de Faria, vide Actas do Conselho Consultivo da Unidade de Missão, disponíveis em
http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/imprensa/historico/2-trimestre-de-2008/actas-da-unidade-de/.
A Unidade de Missão foi criada para dar concretização a um conjunto de reformas legislativas na
área do Direito Penal9, dando-se assim cumprimento às metas legislativas estabelecidas no programa
do XVII Governo Constitucional10: “Em sede de revisão do Código de Processo Penal, devem ser
precisadas as competências dos sujeitos e participantes processuais (juízes, magistrados do
Ministério Público, advogados e órgãos de polícia criminal) na investigação e garantia dos direitos
de vítimas e arguidos e clarificados, designadamente, os regimes do segredo de justiça, das escutas
telefónicas e da prisão preventiva, de modo a torná-los inequivocamente congruentes com os
princípios e normas constitucionais.”

Ora, tomando como ponto de partida a vinculação aos objectivos programáticos da reforma –
alcançar uma perfeita compatibilidade entre as normas sobre os regimes em foco e a Constituição –
foram discutidas todas as propostas de alteração ao Código de Processo Penal e ouvidas todas as
opiniões no seio das reuniões semanais do Conselho Consultivo, tendo, nessa sede, ficado consolidada
a versão que parecia reunir maior consenso, sem que fossem descurados tais objectivos.

Aliás, a versão final da proposta de lei – que veio dar origem ao documento que foi,
posteriormente, entregue pelo Governo à Assembleia da República – foi formalmente aprovada pelo
Conselho Consultivo em reunião de 24 de Julho de 2006, tendo sido, inclusivamente, acolhidas várias
sugestões de aperfeiçoamento propostas por alguns dos representantes no Conselho11.

3. As propostas da Unidade de Missão, o processo legislativo e o novo Código de Processo


Penal de 2007

O texto da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto não corresponde ao texto que foi apresentado pela
Unidade de Missão ao Governo, nem pelo Governo à Assembleia da República. A proposta de Lei n.º
109/X, entregue pelo Governo da Assembleia da República a 20 de Dezembro de 200612 – e que
correspondia, na essência, ao texto elaborado pela Unidade – continha soluções bastante diversas em
matéria de segredo de Justiça13. A opção fundamental da Unidade, nesta matéria, assentava na
manutenção do segredo externo, enquanto regra na fase inquérito, salvo quando o Ministério Público

9
A própria Resolução 138/2005 referia a revisão do Código Penal e do Código de Processo Penal, o enquadramento da
definição e da execução da política criminal, a lei-quadro da reforma do sistema prisional e respectivos diplomas
complementares e o regime das bases de dados para fins de investigação criminal.
10
Ver Ponto IV.II.6 do Programa do Governo, p. 141, publicado em
http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos_Constitucionais/GC17/Programa/.
11
Ver Acta n.º 25 da UMRD, publicada em http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/imprensa/historico/2-
trimestre-de-2008/actas-da-unidade-de/.
12
Texto publicado no Diário da AR, II-A, n.º 31/X/2, 23.12.2006, pp. 6 a 178 e disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?ID=33345.
13
Para uma análise comparativa dos três textos ver PEDRO VAZ PATTO, in “O Regime do Segredo de Justiça no Código
de Processo Penal Revisto”, Revista do CEJ, n.º 9, 2008, pp. 45 e ss..
determinasse a publicidade, podendo tal determinação ser feita a requerimento do arguido ou
oficiosamente14.

Mais tarde, já em Conselho de Ministros, foi introduzido um n.º 4 ao artigo 86.º, prevendo que
quando o arguido requeresse a publicidade e houvesse indeferimento por parte do Ministério Público,
caberia ao juiz de instrução decidir, por despacho irrecorrível (cfr. artigo 86.º n.os 2 a 4 da proposta de
lei). Veja-se que, fiel à missão de que tinha sido incumbida, a Unidade de Missão limitou-se a adequar
o regime legal do segredo de justiça às imposições constitucionais nesta matéria, seguindo a
jurisprudência do TC a qual, não sendo revolucionária, favorecia uma leitura constitucional das
disposições vigentes favorável à restrição do segredo interno15. De mais polémico, enquanto atribuível
ainda às propostas da Unidade de Missão sobre estas matérias, destaca-se a associação entre a
passagem dos prazos do inquérito e a cessação definitiva do segredo de justiça, mesmo quando
requerido pelo Ministério Público (ver n.º 6 do art. 89.º da Proposta de Lei n.º 109/X)16 e a
incriminação pela publicação do conteúdo de escutas telefónicas (ver n.º 4 do art. 88.º da Proposta de
Lei n.º 109/X).

Foi já em fase de discussão na especialidade, que foi apresentada uma proposta de alteração –
subscrita conjuntamente pelo PS e pelo PSD17 – do artigo 86.º n.os 1 a 5, a qual veio a ser aprovada
com os votos favoráveis dos subscritores e do CDS/PP, votos contra do PCP e abstenção do BE18.
Outras alterações de pormenor foram feitas aos artigos 88.º e 89.º, designadamente a tão controversa
referência ao “prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação” constante do n.º 6 do
art. 89.º da Lei n.º 48/2007. Pode, assim, concluir-se pela existência acordo político no que toca à
importância da publicidade na fase de inquérito em processo penal19. Já no Acordo Político-
parlamentar celebrado entre o PS e o PSD em 8 de Setembro de 200620 se fazia referência à imposição
da publicidade como regra geral na fase de inquérito. Aliás, o regime aprovado em 2007 não é mais do

14
Para um desenvolvimento sobre os objectivos de revisão da UMRP ver JORGE DOS REIS BRAVO, “Inquérito penal e
publicidade: novas regras, os mesmos segredos”, in Revista do Ministério Público, ano 30, n.º 119, 2009, pp. 14 e ss.
15
Entendendo isto mesmo, LAMAS LEITE, Segredo de justiça interno, inquérito, arguido e seus direitos de defesa, Sep.
da Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, nº 4, 2006, pp. 549 e 550.
16
Medida esta que já havia sido sugerida por FREDERICO COSTA PINTO, em “Segredo de Justiça e acesso ao
processo”, in Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 97 e 98.
17
Para uma visão global do processo legislativo que decorreu na Assembleia ver JORGE DOS REIS BRAVO, “Inquérito
penal…”, cit., pp. 15 e ss..
18
Proposta que ia no sentido do proposto no Acordo Político Parlamentar entre os mesmos dois partidos. Ver relatório de
votação na especialidade na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, publicado no Diário
da AR, II-A, n.º 117/X/2, 23.07.2007, p. 20 e disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?ID=33345.
19
No mesmo sentido se conclui no A Justiça Penal..., cit., p. 535.
20
Disponível em http://www.mj.gov.pt/sections/documentos-e-publicacoes/temas-de-justica/acordo-para-a-
justica/downloadFile/attachedFile_f0/Acordo_Justica_Assinada_08_09_2006.pdf?nocache=1157736136.84.
que uma concretização legislativa das directivas constantes do Acordo no que toca à reforma do
Código de Processo Penal21.

Não será possível, claro está, reconstruir as motivações subjacentes ao teor das propostas em
questão, nem determinar em que medida é que as mesmas poderão ter sido motivadas por este ou
aquele processo mais mediático. Certo é que, no que respeita à publicidade em fase de inquérito, se
tratou de uma inversão radical do sentido constante na proposta apresentada pelo Governo à
Assembleia da República. Certo é também que a redacção que foi, em definitivo, aprovada pela
Assembleia da República constitui – esta sim – uma verdadeira revolução face ao regime
anteriormente vigente.

4. As alterações propostas em 2010

A 12 de Novembro de 2009, após 2 anos de acompanhamento da reforma, o Ministro de Justiça


criou, por despacho22, uma Comissão para a revisão do Código de Processo Penal. A comissão foi
criada na sequência da apresentação, por parte do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa do
Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, de um conjunto de
relatórios de monitorização23 da Reforma de 2007 de onde constavam reflexões críticas sobre a mesma
e se propunham “alterações legais cirúrgicas correctivas”. Sendo constituída por representantes dos
operadores judiciários e professores universitários24, a Comissão ficou encarregue de “analisar as
conclusões dos relatórios do Observatório Permanente da Justiça e de formular propostas de
alteração aos diplomas legais em causa”. Frisou-se ainda no referido despacho que a Comissão não
ficaria “limitada às referidas conclusões, podendo apresentar outras propostas que se lhe afigurem
adequadas à obtenção de uma maior eficácia do sistema de investigação e julgamento na acção
penal, no quadro da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”.

A 11 de Janeiro de 2009, foram apresentadas ao Conselho Consultivo da Justiça as “Conclusões da


Comissão do Processo Penal”25, no âmbito das quais constavam as orientações seguidas para a

21
Para uma análise crítica do Acordo ver, GERMANO MARQUES DA SILVA, “Um olhar sobre o projecto e o Acordo
político para a revisão do Código de Processo Penal” in Julgar, n.º 1, 2007, pp. 137 a 153.
22
Disponível em http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-
eventos/arquivo/2009/comunicado1462/downloadFile/attachedFile_f0/Comissao_Despacho_Nov_2009.pdf?nocache=1258
131747.26.
23
Disponíveis em http://opj.ces.uc.pt/.
24
A Comissão, que foi presidida pelo Secretário de Estado da Justiça, João Correia, e secretariada pelo Procurador-Adjunto
Rui Batista, membro do Gabinete do Secretário de Estado da Justiça, continha ainda os seguintes membros: Alfredo
Castanheira Neves, Advogado; Euclides Dâmaso, Procurador-Geral-Adjunto; Francisca Van Dunem, Procuradora-Geral
Distrital de Lisboa; Helena Morão, Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; José Mouraz Lopes,
Juiz Desembargador; Manuel da Costa Andrade, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra; e Maria Fernanda Palma, Professora Catedrática da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
25
Disponíveis em http://www.smmp.pt/wp-content/apresentacao_mj_alteracoes_cpp.pdf.
elaboração das propostas de alteração ao Código de Processo Penal. A Comissão entendeu, no que
respeita ao segredo de justiça, elaborar duas propostas alternativas de revisão do regime do segredo de
justiça: uma baseada na publicidade e outra assente na regra do segredo, tendo esta última obtido
maior consenso. A Comissão concluiu ainda que, qualquer que fosse a opção a seguir como regra,
deveriam ser sempre seguidos três princípios base: a) “a decisão de alterar a regra depende da
ponderação, em cada caso, dos interesses da investigação e da necessidade de protecção de direitos
fundamentais; b) deverá haver uma “clarificação da função do Ministério Público como titular da
investigação, podendo alterar a regra, oficiosamente, apenas no sentido do segredo, ou a
requerimento; e c) deverá haver um reforço da função do Juiz como último garante dos direitos,
liberdades e garantias dos cidadãos, intervindo a requerimento do arguido, assistente, ofendido ou
suspeito que não se conformem com a decisão do Ministério Público.”

Em Março de 2010, o Governo entregou na Assembleia da República a Proposta de Lei n.º 12/XI26
para alteração do Código de Processo Penal, afirmando-se, no preâmbulo, que “no que se refere ao
regime processual do segredo de justiça, entende-se manter a regra estabelecida pela reforma de
2007 da publicidade do processo, como princípio legitimador da acção penal e essencial para o
controlo democrático da actividade dos poderes públicos. Por um lado, não foram detectados
quaisquer problemas na aplicação prática da regra da publicidade. Por outro lado, para além de na
maior parte dos processos não se ter justificado a sujeição a segredo de justiça, na quase totalidade
dos casos em que o Ministério Público assim o entendeu, o juiz validou a decisão.” No mesmo mês,
foram apresentados projectos de lei de alteração do Código de Processo Penal por parte do BE27,
CDS/PP28, PCP29, PSD30, todos com referências à matéria do segredo de justiça, salvo no que toca ao
projecto do CDS/PP.

A 29 de Outubro de 2010 entrou em vigor a Lei n.º 26/2010, que aprova a 19.º alteração ao Código
de Processo Penal, publicada a 30 de Agosto de 201031, a qual, estranhamente não contém nenhuma
alteração relevante ao regime da publicidade e segredo de justiça na fase de inquérito.

5. Análise comparativa dos diversos regimes

26
Proposta de Lei n.º 12/XI, apresentada à Assembleia da República a 18 de Março, disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35137.
27
Projecto de Lei n.º 181/XI, apresentado a 19 de Março de 2010, disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheDiplomaAprovado.aspx?BID=16119.
28
Projecto de Lei n.º 173/XI, apresentado a 11 de Março de 2010, disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheDiplomaAprovado.aspx?BID=16119.
29
Projecto de Lei n.º 38/XI, apresentado a 10 de Novembro de 2009, disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheDiplomaAprovado.aspx?BID=16119.
30
Projecto de Lei n.º 275/XI, apresentado a 27 de Maio de 2010, disponível em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheDiplomaAprovado.aspx?BID=16119.
31
Disponível no DR 1 série, n.º 168, e em http://dre.pt/pdf1sdip/2010/08/16800/0378203787.pdf.
Apesar de se ter procedido, com a Reforma de 2007 a uma total inversão de valores no âmbito do
segredo de justiça, quer o regime anterior a, quer o regime pós-reforma, quer o que se encontra hoje
em vigor, assentam num conjunto de pilares fundamentais que se mantêm inalterados e que são os
seguintes: a distinção entre segredo de justiça interno e externo (artigos 86.º e 89.º); o alcance da
publicidade do processo penal (artigo 86.º n.º 6); as imposições imediatamente decorrentes do segredo
de justiça (art. 86.º n.º 8); a necessidade de medidas de flexibilização em qualquer um dos modelos,
segredo ou publicidade, face à tutela de outros direitos fundamentais (artigo 86.º n.os 7, 9 e 11 a 13); e
a necessidade de regular e limitar o acesso dos meios de comunicação social ao processo (artigo 88.º).

Apesar das muitas diferenças, existe alguma continuidade entre os dois regimes, pelo que não
ficam em crise todos e quaisquer ensinamentos que se podiam retirar da legislação anterior. A título de
exemplo, mantêm-se inalterados os conceitos de segredo interno e externo32. O segredo interno
corresponde sempre à limitação de acesso aos elementos probatórios e de outro tipo constantes dos
autos, que incide sobre os sujeitos e participantes processuais, bem como as limitações de assistência
dos mesmos a certos actos e à sua narração33; enquanto o segredo externo implica sempre a limitação
de acesso por parte do público, em geral, aos elementos probatórios e de outro tipo constantes dos
autos, bem como à assistência do mesmo a certos actos e à sua narração34.

Contudo, alguns aspectos da regulamentação destes institutos sofreram, é certo, alterações


profundas. Desde logo, nos termos do n.º 1 do artigo 86.º, a partir de 2007, passa impor-se, como regra
geral, a publicidade do processo, mesmo durante a fase de inquérito. A publicidade – interna e externa
– só poderá ser afastada, em duas ocasiões:

a) A requerimento do Ministério Público (MP) ou dos sujeitos processuais, mediante despacho


judicial, quando estejam em causa direitos fundamentais dos sujeitos ou participantes
processuais, artigo 86.º n.º 2 do CPP07;

b) Por despacho do MP, sob validação judicial, quando estejam em causa os interesses da
investigação ou os direitos dos sujeitos processuais, artigo 86.º n.º 3 do CPP07;

Mesmo quando o processo venha a ser sujeito ao segredo de justiça pode o mesmo vir a ser
levantado por decisão do MP ou por decisão judicial, mediante requerimento do assistente ou do
ofendido, artigo 86.º n.os 4 e 5 do CPP07.
32
Sobre estes conceitos ver, entre outros, AGOSTINHO EIRAS, Segredo de Justiça e controlo de dados automatizados,
Lisboa, 1992, pp. 13 e 14; JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Publicidade e Justiça Criminal”, in Revista da Faculdade de
Direito da Universidade do Porto, ano IV, Coimbra Editora, 2007, pp. 127 e ss..
33
Em sentido semelhante, LAMAS LEITE, Segredo de justiça interno…, cit., p. 541.
34
GONZÁLEZ GARCÍA distingue três níveis de publicidade, todos beneficiando de protecção constitucional: a
publicidade interna, enquanto garantia de defesa e acesso ao direito (no plano intraprocessual, relativa ao direito das partes
de tomarem conhecimento da tramitação processual); a publicidade face a terceiros, como garantia institucional da
imparcialidade e objectividade dos tribunais (referindo-se à publicidade das audiências e ao direito de assistência do
público em geral); e a publicidade das actuações processuais num plano extraprocessual, relativa à vinculação do direito à
livre divulgação e discussão na comunicação social, in “Entre el derecho de defensa y el drecho a la información: viejas e
nuevas cuestiones sobre la publicidad de las actuaciones del proceso penal”, Revista del Poder Judicial, 80, 2005, p. 62.
No que respeita ao segredo interno, as alterações foram ainda mais revolucionárias. Assim, nos
termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 89.º do CPP07, a imposição de segredo interno deixa de
valer como regra geral, impondo-se apenas quando ocorram, simultaneamente, de três
condicionalismos:

a) O processo foi sujeito ao segredo externo, nos termos do disposto no n.os 2 e 3 do artigo 86.º
do CPP07;

b) O MP opôs-se ao levantamento do segredo interno quanto a certos elementos do processo, com


fundamento nas necessidades de investigação ou direitos dos intervenientes processuais; e

c) Houve concordância do juiz de instrução (JI).

Em suma, nunca se poderá invocar a existência de segredo externo no processo como fundamento,
por si só, para obstar o acesso aos autos por parte dos sujeitos processuais. A recusa de acesso aos
autos – imposição absoluta de segredo interno – só ocorrerá quanto a certos elementos deles constantes
– concretos e identificados – quando existam fundamentos especiais para tal recusa e a mesma venha a
ser validada pelo JI. Foi aqui que ocorreu a grande revolução de valores. De facto, na lei anterior, o
segredo interno quanto a todo o processo era a regra, sendo o direito de acesso aos autos a excepção e,
quando existia, sempre limitado ao estritamente necessário para:

a) Acautelar a conveniência do esclarecimento da verdade (artigo 86.º n.º 5 do CPP87); ou

b) Garantir o acesso a declarações prestadas e a requerimentos e memoriais por eles apresentados,


bem como a diligências de prova a que pudessem assistir ou a questões incidentais em que
devessem intervir (artigo 89.º n.º 2 CPP87).

O acesso aos autos era negado mesmo quando tal recusa se revelava frontalmente contrária às mais
basilares garantias de defesa, de como foi exemplo a necessidade de uma intervenção do Tribunal
Constitucional no que respeita ao recurso de medidas de coacção35. Com a reforma de 2007, o segredo
interno passa a ser, claramente, uma excepção, sendo obrigatória a ponderação dos interesses em
conflito, em concreto e caso a caso, para que o mesmo venha a ser imposto quanto a certos elementos
constantes dos autos. Tendo sido estabelecida a publicidade do processo36, e criados os mecanismos
para garantir os interesses da investigação e dos intervenientes processuais, o restante regime manteve-
se, essencialmente, inalterado37 (artigo 86.º n.os 6 e 7 e 87.º do CPP0738).

35
Sobre esta questão ver LAMAS LEITE, Segredo de justiça interno…, cit., pp. 552 e ss.; e MARIA JOÃO ANTUNES,
“O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medidas de coacção”, Liber Discipulorum para Jorge de
Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003., pp. 1237 e ss..
36
Num sistema semelhante ao vigente no direito espanhol, sendo que os prazos de manutenção do segredo interno são
bastante mais apertados, de acordo com GONZÁLEZ GARCÍA, “Entre el derecho de defensa...”, cit., pp. 72 e ss.
37
GERMANO MARQUES DA SILVA chega mesmo a defender que não houve, realmente, uma alteração de paradigma
com a Reforma de 2007, dadas as inúmeras excepções previstas na lei à regra da publicidade, in “A Publicidade do
Processo Penal e o Segredo de Justiça”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 18, n.os 2 e 3, 2008, p.273. Em
Ora, é precisamente esta continuidade de regime, no que respeita à assistência do público aos actos
processuais, que tem suscitado alguns problemas interpretativos, uma vez que parece ter-se difundido
a ideia de que resultaria deste novo regime um direito absoluto de assistência, por parte do público em
geral, a quaisquer actos processuais, inclusivamente aos praticados no âmbito do inquérito. Este
problema foi resolvido pela Lei n.º 26/2010, que veio alterar o disposto no n.º 6 do art. 86.º na versão
de 2007, prevendo-se agora que a publicidade, como regra, permita apenas a assistência, pelo público
em geral, ao debate instrutório e aos actos processuais na fase de julgamento.

Esclareça-se, contudo, que esta solução era já a que se deveria retirar de uma leitura conjugada do
n.º 6 do artigo 86.º e do n.º 1 do artigo 87.º do CPP07. Parece-me que a melhor interpretação é que
compreende que o disposto no n.º 1 do artigo 87.º vem regular e condicionar o disposto no n.º 6 do
artigo 86.º, pelo que apenas haverá direito de assistência ao público em geral quando a lei qualifique o
acto processual em causa como um acto público39. Uma coisa será determinar a publicidade do
processo – a qual implica que, por regra, possam ser exercidos os direitos previstos no n.º 6 do artigo
86.º – outra coisa diferente é a designação de cada acto processual como um acto público, designação
que o n.º 1 do artigo 87.º parece exigir para se possam ser exercidos os direitos previstos na alínea a)
do n.º 6 do artigo 86.º CPP0740. Assim, mesmo na vigência da lei anterior, e estando a fase instrutória
sujeita à publicidade – como acontecia, por exemplo, sempre que o arguido a requeresse isoladamente,
sem se opor à publicidade – nem por isso se deveria entender que os actos instrutórios e o próprio
debate instrutório tinham natureza pública, podendo haver assistência do público em geral aos
mesmos41.

Contudo, sendo certo que já antes de 2007 existiam entendimentos diversos sobre o assunto, sem a
alteração aprovada em 2010 ficava instalada a dúvida quanto à possibilidade de assistência a actos de

sentido contrário, pela maioria da doutrina, JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Sobre a revisão do Código de Processo
Penal Português”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 18, n.os 2 e 3, 2008, p. 371.
38
De referir apenas um alargamento dos casos em que a assistência do público a actos processuais deverá ser excluída, para
os casos de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, independentemente da idade da
vítima.
39
No mesmo sentido, GERMANO MARQUES DA SILVA, “A Publicidade do Processo Penal…”, cit., p.277, e
FREDERICO COSTA PINTO, “Publicidade e segredo na última revisão do Código de Processo Penal”, in Centro de
Estudos Judiciários Estudos - Jornadas sobre a Revisão do Código de Processo Penal. Revista n.º 9 (Especial), 2008, pp.
34 e ss..
40
A incidência da publicidade sobre o processo deve ser adaptada à fase processual em causa. Mesmo decorrendo o
inquérito em situação de publicidade do processo, tal não significa que todos os actos do inquérito, instrução e julgamento,
devam merecer o mesmo tratamento por parte da lei. Assim, a lei não impõe que os actos processuais de inquérito sejam
públicos, isto é, possam ter assistência do público em geral. Conquanto o n.º 6 do artigo 86.º estabeleça que esta possa ser
publicidade do processo implicará, regra geral, a publicidade dos actos processuais, o n.º 1 artigo 87.º prevê que esta possa
ser excluída por motivos ponderosos previstos na lei, como dispõe o n.º 2 do artigo 87.º, oficiosamente ou a requerimento
do MP e sujeitos processuais, elencando os motivos: a) a publicidade manifesta-se contrária ao princípio da dignidade da
pessoa humana (aplicável a todos os actos que envolvam desnudamento, total ou parcial, perícias sobre personalidade,
detenção de arguidos ou suspeitos, sempre que a publicidade do acto contenda frontalmente com a reserva da vida privada
ou a necessidade de protecção da identidade de intervenientes no acto); b) a publicidade manifesta-se contrária à moral
pública; e c) a publicidade impede ou prejudica gravemente o normal decurso do acto (sempre que a publicidade coloque
em causa a realização ou a eficácia do acto processual).
41
Em sentido contrário, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.03.2005, disponível em
http://www.dgsi.pt/.
inquérito e de instrução. Foi, portanto, pertinente, a intervenção do legislador no sentido de vir
expressamente identificar os actos processuais aos quais o público em geral pode vir a assistir42.

Por fim, uma das alterações mais significativas consistiu na associação entre a passagem dos
prazos de inquérito (previstos no art. 276.º) e a supressão absoluta do segredo interno, resultante do
disposto no n.º 6 do art. 89.º do CPP07, alteração que suscitou as maiores resistências e, também,
graves dificuldades de aplicação prática, na maioria dos casos suscitadas pelo curtíssimo prazo de
vacatio legis43.

II. PUBLICIDADE VERSUS EFICÁCIA NA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL?

6. Trajectos de reforma: algumas perplexidades

A reforma de 2007 suscita-me alguns momentos de perplexidade no que respeita a certas


inovações legislativas, especialmente na temática do segredo de justiça. Digo perplexidades, pois trata-
se de inovações legislativas que não resultam da jurisprudência do Tribunal Constitucional, não
decorreram de jurisprudência contraditória de tribunais superiores, nem se ficam a dever a clamores
doutrinários. Um desses momentos resulta da leitura da nova incriminação constante do art. 88.º n.º 4
do CPP07 e que corresponde a uma alteração de última hora face aos trabalhos da Unidade de
Missão44, mas sobre a mesma irei falar alongadamente mais à frente45.

Uma outra perplexidade assenta nas alterações surpresa introduzidas, já no seio da discussão da
proposta de lei na especialidade, pela Assembleia da República, relativamente à inversão da regra
geral de segredo na fase de inquérito e à introdução de um prazo cuja duração é a “objectivamente
indispensável à conclusão da investigação” (cfr. art. 89.º n.º6 do CPP07). E fico perplexa – não porque
discorde das soluções – mas porque não conheço os fundamentos das mesmas, não consigo reconstruir
a intenção do legislador para encontrar uma interpretação adequada das mesmas e não posso deixar de
concluir que se trataram de alterações pouco reflectidas, pois não só não foi feita a devida

42
Diferentemente se deverá concluir no que respeita aos sujeitos processuais, os quais, valendo a publicidade, deverão ter
sempre direito a assistir à prática dos actos processuais cuja natureza não seja manifestamente incompatível com a presença
do sujeito processual (total ineficácia do acto processual face à presença do arguido ou do assistente) ou cuja assistência
não se revele contrária à dignidade da pessoa humana (situações em que a assistência seria uma intromissão injustificada na
reserva da vida privada de terceiros), devendo, nestes casos, fazer-se uma ponderação mais exigente dos interesses a
contra-tutelar.
43
Neste sentido, ver as conclusões finais do Observatório Permanente de Justiça sobre a Reforma de 2007, em A Justiça
Penal. Uma reforma em avaliação, relatório do Observatório Permanente de Justiça, disponível em http://opj.ces.uc.pt/, pp.
303 e ss..
44
Ver actas da UMRD, publicadas em http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/imprensa/historico/2-trimestre-
de-2008/actas-da-unidade-de/.
45
Ver infra, capítulo III, ponto 12.
harmonização legislativa, como não foram ainda tomadas em consideração as possíveis dificuldades
de aplicação prática destas disposições legais.

Por fim, aquela que é a perplexidade mais insondável diz respeito à vacatio legis estabelecida para
a Lei n.º 48/2007, publicada a 29 de Agosto para entrar em vigor a 15 de Setembro do mesmo ano.
Veja-se que, se é verdade que a data fixada para a entrada em vigor estabelecida pela Proposta de Lei
n.º 109/X era de 1 de Setembro, cumpre considerar que esta proposta foi entregue à Assembleia da
República em Novembro de 2006 e nada fazia esperar que a mesma apenas viesse a ser aprovada em
Agosto do ano seguinte. Tratou-se, assim, de uma subordinação dos interesses dos operadores
judiciários, medidos pela necessidade de bom funcionamento do sistema, à comodidade de um
determinado calendário político46.

É certo que o legislador da Assembleia da Republica é soberano e possui legitimidade popular. Por
outro lado, o processo legislativo conduzido pelos deputados é, em si, tendencialmente público, uma
vez que as discussões e votações em plenário são abertas ao público em geral. E há ainda que ponderar
o processo de formação da decisão legislativa no âmbito da Assembleia, o qual não resulta de estudos
ou trabalhos de planeamento legislativo, mas antes dos consensos que são momentaneamente possíveis
de obter.

Contudo, não considero que estes factores – ainda que conjugados – sirvam de desculpabilização
do legislador parlamentar e nem por isso deverá este ficar desonerado de reflectir profundamente sobre
cada alteração legislativa, mantendo-se, pelo contrário, um dever de ponderação e fundamentação das
mesmas.

Penso, assim, que a reforma de 2007 é espelho de um aspecto negativo da democracia –


principalmente de uma democracia pouco responsável – no sentido em que a maioria surge como
única justificação para a adopção de uma determinada solução, sem que subsistam preocupações de
racionalização e sustentação do caminho escolhido. Quando tal acontece, estamos perante uma
“ditadura da maioria”, a qual pode ser tão incomodativa como a minoritária. E insisto nesta questão,
apesar de não querer transformar este estudo num manifesto político neste ou naquele sentido,
precisamente porque entendo que o enquadramento político da Reforma de 2007 foi, em grande
medida, responsável por muitas das suas falhas ou dessincronias.

A bondade do legislador está sempre sujeita à tolerância do aplicador de Direito e a existência de


um pré-disposição deste último para desentender o sentido da lei e não a adaptar às necessidades dos
casos é um factor importante na eficácia de qualquer reforma legislativa. No mesmo sentido conclui o
OPJ no seu relatório final47, no âmbito do qual atribui parte da responsabilidade por algumas das

46
Neste sentido, A Justiça Penal... p. 548.
47
“«Passivamente», os agentes judiciais produzem despachos sobre despachos em investigações que sabem de antemão
da sua ineficácia em termos de acusação e de condenação ou aplicam penas de prisão de curta duração a arguidos que
dificuldades práticas de aplicação da Reforma de 2007 aos próprios operadores judiciários, referindo a
existência de alguma passividade, resistências à aplicação da lei ou mesmo mera desaplicação por
discordância da lei48. Sendo certo que, em todo este processo, não deixa de apontar o legislador como
o principal responsável.

A Reforma de 2010 também surpreende, embora num sentido inverso ante a de 2007. Depois de
dois anos de aceso debate político e judiciário sobre o antecipadamente anunciado falhanço da
Reforma de 2007, o OPJ concluiu que, afinal, o falhanço não é manifesto, que está localizado em
alguns aspectos muitos concretos da nova legislação e vem a recomendar que sejam feitas apenas
“alterações legislativas cirúrgicas”49. Mais, no que respeita ao segredo de justiça, o OPJ conclui que “a
publicidade do processo, para a maioria da criminalidade, é vista como um mecanismo de
transparência e que potencia, inclusivamente, a possibilidade de controlo do desenrolar da
investigação e de participação por parte do assistente, que, assim, se pode transformar em verdadeiro
coadjuvante do Ministério Público no desfecho do inquérito, embora, como também foi referido, nem
sempre o Ministério Público “aproveite” esta possibilidade. Além de poder comportar aquelas
vantagens, segundo a maioria dos entrevistados, trata-se de uma medida inócua para a grande
maioria da criminalidade, o que justifica que os pedidos de validação do segredo apenas ocorram
numa ínfima percentagem dos processos de inquérito50”.

Já nas recomendações, o OPJ entende que o regime não deve ser substancialmente alterado51,
sugerindo apenas que seja esclarecido o âmbito do prazo de prorrogação previsto no art. 89.º n.º 6 do
CPP07 e que sejam aumentados os prazos de duração do inquérito – e, subsequentemente, de
imposição do segredo de justiça – para os casos da criminalidade muito grave, complexa e económico-
financeira52.

Apesar das brandas – face ao que era esperado ante as reacções dos operadores judiciários –
conclusões do OPJ sobre a matéria do segredo de justiça, o Governo entendeu, na Proposta de Lei n.º
12/XI, fazer algumas alterações de relevo ao regime da publicidade na fase de inquérito. As alterações

pouco perigo constituem para a sociedade e muito menos para o Estado democrático, ou entopem os serviços com pedidos
burocráticos de relatórios que só servem, como demonstramos em vários capítulos, para “cumprir” etapas, sem que,
aparentemente, tal facto lhes cause grande estranheza ou incómodo ou os leve a interrogarem-se sobre os custos de tais
práticas para a sociedade, ou, ainda, sem que procurem fomentar uma discussão consequente sobre a bondade da lei. Os
órgãos de governo do poder judicial devem assumir, para que possam verdadeiramente protagonizar processos de
mudança, a sua responsabilidade por essa passividade.”, A Justiça Penal..., cit., p. 551.
48
A Justiça Penal…, cit., pp. 549 e ss..
49
A Justiça Penal…, cit., pp. 566 e ss..
50
A Justiça Penal…, cit., p. 306.
51
“Apesar de várias questões levantadas e dos problemas evidenciados ao longo do relatório nesta matéria, consideramos
que a solução, por muitos defendida, de regresso ao modelo anterior ou outras próximas não é a via adequada num
momento em a reforma começa a ganhar estabilidade e se registam dinâmicas de mudança de reorganização e de
adaptação das estratégias da investigação. Além de que não devemos perder de vista que os problemas colocam-se
relativamente a um número reduzido de processos – os processos de criminalidade grave e complexa. Para os restantes, a
não sujeição a segredo de justiça não constitui dificuldade acrescida para a investigação”, A Justiça Penal…, cit., p. 566.
52
Em Monitorização da Reforma Penal. Relatório Complementar, p. 14, disponível em http://opj.ces.uc.pt/.
ao art. 86.º do CPP07 iam no sentido – tal como identificado no preâmbulo da proposta – de
estabelecer um “(…) um regime que reforça os direitos fundamentais dos cidadãos e, ao mesmo tempo
que elimina actos rotineiros, clarifica as funções desempenhadas pelo Ministério Público e pelo Juiz,
assumindo-se aquele como o titular da acção penal e este como o Juiz das liberdades e dos direitos
dos cidadãos.53” Consequentemente, foi proposta a eliminação da necessidade de validação pelo Juiz
de Instrução da decisão do Ministério Público de sujeitar o processo a segredo de justiça por se
entender tal necessidade colocaria o Juiz de Instrução numa função de defesa dos interesses da
investigação e não de defesa dos direitos e liberdades fundamentais.

No regime proposto pelo Governo, compete ao Ministério Público decidir fundamentada,


oficiosamente ou a requerimento, se o caso concreto justifica que o processo fique sujeito à regra do
segredo, seja em defesa das necessidades da investigação seja em defesa dos direitos fundamentais dos
sujeitos ou participantes processuais. Caso tal decisão viesse a afectar direitos fundamentais, poderiam
o arguido ou o assistente requerer a publicidade do processo, estando a subsequente decisão do MP,
caso colocasse em causa os interesses do requerente ou de outro interessado, sujeita à intervenção do
Juiz de Instrução, que decidiria ponderando os direitos fundamentais e os interesses efectivos da
investigação.

Todos os partidos com assento parlamentar apresentaram projectos de lei de revisão do CPP e
quase todos propunham algumas alterações de pormenor, em geral semelhantes, ao regime do segredo
de justiça. Mas apenas no projecto do PCP se previa o regresso ao sistema previsto pelo CPP87 e
apenas o projecto do CDS/PP era absolutamente omisso no que respeita a esta matéria54. Pode, assim,
concluir-se pela manutenção de um consenso político em torno da publicidade na fase de inquérito em
processo penal no início do processo de revisão de 2010.

Mas, se havia consenso político, entre os operadores judiciários não podia haver maior
discordância. O Conselho Superior do Ministério Público, em Parecer entregue na Assembleia da
República55, concluiu que o âmbito de algumas inovações introduzidas especialmente no domínio da
“publicidade do inquérito” e do “segredo de justiça” não é compatível com as exigências de eficácia
da investigação criminal, que ao Ministério Público compete dirigir. Contudo, mais à frente no
mesmo Parecer, o CSMP admite reconhecer algumas vantagens da inversão da regra da publicidade,
operada em 2007, para uma maior transparência da actuação do MP e para uma melhor e mais
adequada protecção do segredo nos casos em que o mesmo seja mesmo necessário. Entende, apesar
disso, haver necessidade de uma nova revisão do regime, pontual, no sentido de ajustar o dispositivo
legal à nova regra da publicidade.

53
Disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35137.
54
Os projectos de lei associados à Proposta de Lei do Governo, que foram discutidos em simultâneo, encontram-se
disponíveis em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheDiplomaAprovado.aspx?BID=16119.
55
Disponíveis em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35137.
A Associação Sindical de Juízes Portugueses56 não discorda frontalmente com a regra da
publicidade, entendendo serem úteis a correcções propostas pelo Governo, mas defende o regresso ao
regime anterior no que respeita à relação entre a publicidade e os prazos do inquérito. Já o Sindicado
dos Magistrados do Ministério Público, no Parecer sobre a Proposta de Lei n.º 12/XI57, sustenta
veemente o regresso ao regime anterior e a consagração do segredo como regra para o inquérito. Sabe-
se que algumas das considerações tecidas nestes pareceres foram tomadas em conta na fase de
discussão na especialidade da Proposta de Lei do Governo, pois foram feitas sugestões de alteração,
nesta fase que reflectem alguns dos pontos referidos pela Procuradoria-Geral da República, em matéria
de segredo de justiça58. Contudo, e aqui encontramos mais uma insondável perplexidade, as normas
relativas ao segredo de justiça ficaram praticamente intocadas.

De alterações que abrangiam os arts. 86.º n.os 2 a 6 e 89.º n.os 2, 4, 6 e 7 do CPP07, o processo de
revisão findou com uma singela alteração à alínea a) do n.º 6 do art. 86.º – no sentido de clarificar
quais os actos aos quais pode assistir o público em geral – e ao n.º 10 do mesmo artigo, alteração esta
que tem efeitos de mera organização administrativa e de controle do acesso ao processo por terceiros
durante a fase de inquérito. Não é possível compreender o porquê de mais uma inversão radical, face
ao proposto pelo Governo, em sede da Assembleia da República, até porque os diários da Assembleia
relativos à aprovação na especialidade não estão, ainda, disponíveis no site da mesma. Certo é que os
vários clamores dos operadores judiciários ficaram por satisfazer.

Tendo ficado tudo, essencialmente, na mesma, mas sendo de esperar que muitas das dificuldades
práticas se mantenham e que persista a resistência dos operadores judiciários a uma cabal aplicação da
Reforma de 2007, ganham ainda mais acuidade estas conclusões do OPJ: “Neste esforço de adaptação
à reforma e aos seus objectivos não podem estar isentos os operadores e, acima de tudo, as suas
estruturas organizativas. Já dissemos que as reformas da justiça podem ser um excelente campo de
novas oportunidades ou um campo onde se fazem valer velhas e novas resistências ou reivindicações
corporativas. O seu curso será diferente se elas forem olhadas na perspectiva dos cidadãos ou na
perspectiva dos interesses corporativos. É dever de todos os corpos envolvidos contribuírem para a
quebra de resistências para atenuar ou eliminar as disjunções entre a lei e a sua prática. A verdade é
que entre nós, não assistimos, em geral, a uma atitude pró-activa nesta matéria, por parte dos órgãos
dos corpos profissionais, em especial dos Conselhos Superiores das Magistraturas e do Ministério
Público, que deslocam para o campo do poder político o ónus dessa função. (…)”59. Fica, então, por
saber se estas «alterações cirúrgicas» feitas em 2010 serão suficientes para aplacar os ânimos judiciais

56
Parecer disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35137.
57
Disponível em http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35137.
58
Como aconteceu com a proposta de alteração do GPPSD que veio a reforçar o já proposto pelo Governo no que respeita
à separação entre MP e JI, acrescentando uma clarificação no sentido da irrecorribilidade do despacho do JI, ver
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35137.
59
A Justiça Penal..., cit., páginas 547 e ss..
e se a sedimentação jurisprudencial poderá, sozinha, eliminar os mais graves problemas de aplicação
prática do novo regime da publicidade na fase de inquérito.

7. As imposições constitucionais e o conflito de interesses

Desde 1997 que o segredo de justiça beneficia de protecção constitucional expressa, constante do
n.º 3 do artigo 20.º da lei fundamental60. Tal significa somente que a lei deverá prever uma protecção
“adequada” do segredo de justiça e não que se imponha constitucionalmente a existência permanente
de segredo de justiça, interno ou externo, durante o processo penal61. A manutenção do segredo de
justiça deverá respeitar a ponderação de interesses ou valores constitucionais em conflito a partir da
compreensão dos fundamentos para a sua existência e do seu respectivo valor constitucional62. A
inserção sistemática da referência constitucional ao segredo de justiça – num artigo relativo ao acesso
ao direito e à tutela jurisdicional efectiva – não terá sido inocente e deverá permitir que se retirem,
desde já, algumas conclusões. Assim, o segredo de justiça aparece como um valor constitucional
inerente quer à eficácia da investigação criminal quer à protecção dos sujeitos processuais no acesso
ao direito63. Não se reconduz a um direito fundamental, que possa ser titulado por este ou aquele
interveniente, mas sim a uma garantia institucional, instrumental à protecção de interesses da
comunidade e de outros direitos fundamentais64.

O segredo de justiça visa ainda proteger os sujeitos processuais, ofendido e arguido65 – protecção
da reserva da vida privada, para ambos, e da presunção de inocência, para este último66 – e dos
participantes processuais, designadamente de testemunhas, no que respeita à defesa destas face a
eventuais pressões, ameaças ou influências externas que possam comprometer ou descredibilizar a sua
intervenção no processo. A protecção do segredo na fase de inquérito não deve ser perspectivada como

60
Referindo que já anteriormente a 97 se entendia que o segredo de justiça tinha protecção constitucional, PAULO DÁ
MESQUITA, “O segredo do inquérito penal – uma leitura jurídico-constitucional”, separata, Direito e Justiça, vol. XIV,
T.2, 2000, Lisboa, p. 54.
61
Neste sentido, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 56.
62
No mesmo sentido, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 49.
63
Neste sentido, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p.
204.
64
No mesmo sentido, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 63.
65
Neste sentido, assumindo a tripla vertente das finalidades do segredo de justiça: protecção da investigação e do arguido e
ofendido e de garantia de outros intervenientes, COSTA PINTO, “Segredo de Justiça e acesso ao processo”, cit., pp. 67 e
ss.; LAMAS LEITE, Segredo de justiça interno…, cit., pp. 542 e ss.; PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito
penal…”, cit., p. 55; RODRIGUES DA COSTA, “Segredo de justiça e comunicação social”, in Revista do Ministério
Público, Lisboa, ano 17, n.º 68, 1996, p. 55; GONZÁLEZ GARCÍA, “Entre el derecho de defensa...”, cit., pp. 83 e ss..
Contra, AGOSTINHO EIRAS, Segredo de Justiça e controlo de dados automatizados, cit., p. 61.
66
Neste sentido, MÁRIO FERREIRA MONTE, “O segredo de justiça: algumas questões postas a propósito da anunciada
alteração do seu regime”, in Maia Jurídica, Revista de Direito, ano IV, 1, 2006, p. 19. Admitindo que o segredo de justiça
visava a protecção da investigação e a presunção de inocência do arguido, ainda antes da reforma, Acórdão do Tribunal da
Relação do Porto de 5 de Março de 2003.
um “confronto opacidade versus transparência67”, ou seja, como uma característica intrínseca da fase
de inquérito ou como um fim em si mesmo, mas antes como um mero elemento instrumental aos
objectivos constitucionalmente prosseguidos pelo inquérito e como meio de garantir tais valores
constitucionais.

Ficam, portanto, definidos os fundamentos da existência – e da imposição de uma tutela penal – do


segredo de justiça e, simultaneamente, identificados os interesses em conflito, que deverão ser
tomados em consideração na tarefa de concordância prática:

a) Protecção da investigação (tutela jurisdicional efectiva e prossecução de justiça)

b) Garantias de defesa do arguido (tutela jurisdicional efectiva e dignidade da pessoa humana)

c) Presunção de inocência (dignidade da pessoa humana)

d) Protecção dos interesses do ofendido (tutela jurisdicional efectiva)

e) Reserva da vida privada (dignidade da pessoa humana)

f) Protecção de testemunhas (dignidade da pessoa humana, tutela jurisdicional efectiva e reserva


da vida privada).

Não sendo de esquecer, também, que a publicidade do processo é, de um modo geral, um direito e
uma garantia de natureza constitucional, assente na proibição do arbítrio e indispensável a uma tutela
jurisdicional efectiva68. Aliás, o direito a um processo público consta de vários textos internacionais
recebidos pela nossa Constituição69. A publicidade do processo é ainda um valor instrumental face à
garantia de um processo equitativo, uma forma de garante da transparência e imparcialidade das
decisões judiciais70 e uma via para a manutenção da confiança da sociedade nos tribunais,
configurando, portanto, um direito fundamental e uma garantia institucional71.

Ora, na análise da nova legislação, deveremos ter estes valores em mente, buscando as
interpretações e soluções que melhor garantam uma protecção efectiva e ponderada de todos eles.

67
Neste sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição da República
Portuguesa Comentada, Lisboa, 2000, p. 102 e PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 51.
68
No mesmo sentido, AGOSTINHO EIRAS, Segredo de Justiça e controlo de dados automatizados, cit., pp. 27 e ss.; e
ANA AZURMENDI, “Derecho a la información y administración de justicia”, Revista Española de Derecho
Constitucional, ano 25, 75, 2005, pp. 142 e ss..
69
O direito a um processo público está previsto no art. 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, pelo art. 6.º
n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e no art. 14.º n.º 1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos, normas estas que vigoram em Portugal por via do art. 8.º n.º 2 da CRP. Sobre estas normas internacionais, ver
AGOSTINHO EIRAS, Segredo de Justiça e controlo de dados automatizados, cit., pp. 22 e ss..
70
No caso Bocellari et Rizza v.Italie, o TEDH afirma que “(…) la publicité de la procédure des organes judiciaires visés à
l'article 6 § 1 protège les justiciables contre une justice secrète échappant au contrôle du public; elle constitue aussi l'un
des moyens de préserver la confiance dans les cours et tribunaux. Par la transparence qu'elle donne à l'administration de
la justice, elle aide à réaliser le but de l'article 6 § 1 : le procès équitable, dont la garantie compte parmi les principes de
toute société démocratique au sens de la Convention (…).”
71
Neste sentido, comentando a Constituição Espanhola, que expressamente prevê a publicidade como regra geral em todos
os processos, sendo permitido ao legislador ordinário a imposição de excepções, GONZÁLEZ GARCÍA, “Entre el derecho
de defensa...”, cit., pp. 56 e ss..
Propõe-se, então, uma leitura do regime estabelecido em 2007 e mantido, agora, em 2010, que atente à
necessária e constante composição destes interesses e a uma interpretação das normas processuais
penais que dê lugar à sã convivência entre todos eles. No que respeita à investigação criminal, não se
busca uma eficácia em sentido economicista – obtenção de uma acusação/condenação – mas sim uma
eficácia na obtenção da verdade material e consequente prossecução de justiça, pois só esta será apta a
garantir a tutela jurisdicional efectiva quer do ofendido, quer do arguido72. Por outro lado, a própria
tutela jurisdicional efectiva, mesmo na fase de investigação criminal, deverá compreender a
participação de ambos, ofendido e arguido, na busca desta verdade, sob pena de nos afastarmos do
sentido do artigo 32.º n.º 1 da CRP73.

Não se discute que numa perspectiva perfeitamente introversa, a manutenção de um sistema rígido
de segredo de justiça, interno e externo, durante a fase de investigação criminal, possa trazer enormes
vantagens para a eficácia da mesma investigação. Não se contesta que o secretismo é um agente
potenciador de resultados mais eficazes no campo da investigação criminal. Principalmente, se
adoptarmos uma visão puramente inquisitória da fase de investigação – o inquérito – e de um conceito
de eficácia assente na produção de resultados objectivamente mensuráveis, tendentes à prolação de um
maior número de acusações, ou seja, de um conceito jurídico-económico de eficácia penal.

Contudo, não é a estrutura inquisitória a que domina o nosso sistema processual penal74. Pelo
contrário, o artigo 32.º n.º 5 da Constituição impõe a estrutura acusatória do processo penal, impondo
ainda o respeito pelo contraditório em alguns actos instrutórios75. E são muito esclarecedoras sobre
qual o conceito de eficácia penal que nos deverá orientar, estas palavras inscritas no preâmbulo do
Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo Penal: “(…) a procura
da eficácia e da celeridade não obedeceu a uma lógica puramente economicista de produtividade pela
produtividade. A rentabilização da realização da justiça é apenas desejada em nome do significado
directo da eficiência para a concretização dos fins do processo penal: realização da justiça, tutela de
bens jurídicos, estabilização de normas e paz jurídica dos cidadãos.76”

Por fim, é ainda importante reforçar que, no plano da ponderação dos valores constitucionais, fica
definitivamente afastado qualquer critério interpretativo que assente na mera graduação abstracta dos

72
Entendendo que “constitui um maior inêxito acusar um inocente ou alguém contra quem não existam provas suficientes,
do que arquivar um processo por insuficiência de provas”, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”,
cit., p. 68.
73
O próprio Ministério Público conclui no sentido de ser vantajosa para a investigação a intervenção participativa do
Assistente, reforçada após 2007 com a regra da publicidade. O mesmo foi reconhecido pelo OPJ, A Justiça Penal…, cit., p.
306.
74
Neste sentido, JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Publicidade e Justiça Criminal” …, p. 129.
75
Isto mesmo foi afirmado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo
Penal, publicado no DR, I-A, 40, p. 622. Sobre os princípios do acusatório e do contraditório nas fases instrutórias e sobre
a relação entre ambos na fase de inquérito ver PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., pp. 101 e
ss..
76
Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro, p. 625.
interesses instrumentalmente protegidos pelo segredo de justiça, que não atende às circunstâncias
concretas do casos e ao modo como, no plano efectivo, estes interesses se confrontam77.

8. A tutela da investigação e o segredo interno

Antes da reforma de 2007, o Código de Processo Penal dispunha que o processo estivesse em
segredo durante a fase de inquérito, sem excepções, num regime demasiado rígido, que padecia de
graves inconvenientes. Desde logo, a inexistência de excepções, mesmo quando não estivesse em
causa a condução da investigação, a protecção de testemunhas ou a necessidade de acautelar a prova,
implicava uma prevalência absoluta, e em abstracto, dos interesses da investigação mesmo quando, ad
absurdum, os interesses da investigação pudessem ditar o levantamento do segredo, pelo menos, na
vertente interna. Este regime foi amplamente criticado pela doutrina78 e deu azo a diversas decisões
enformadoras por parte do Tribunal Constitucional, especialmente no que respeita à vertente interna
do segredo79. Por outro lado, a inflexibilidade do regime anterior impedia, de modo absoluto, o acesso
do arguido aos autos na fase de inquérito, mesmo aquando da aplicação de medidas de coacção, numa
clara colisão com as mais básicas garantias de defesa80.

Até 2007 procedia-se sempre à compressão máxima do direito de defesa do arguido – o qual, por
vezes, nem sequer teria direito a conhecer os factos de que era acusado – mesmo quando tal
compressão não fosse necessária ou proporcional face aos fins de investigação, tendo esta limitação
suscitado a prolação de inúmeros Acórdãos do Tribunal Constitucional, de que são exemplo os
Acórdãos 121/1997 e 416/2003, nos âmbito dos quais o Tribunal alcançou a seguintes conclusões:

a) O respeito pelo direito à defesa consagrado nos artigos 32.º n.º 1 e 28.º n.º 1, no que respeita
aos meios de reacção à privação da liberdade, é incompatível com a restrição absoluta do
acesso do arguido aos autos, que decorreria de uma interpretação literal do artigo 89.º do CPP,

77
Parece ter sido esta a linha condutora da jurisprudência constitucional a qual, sem colocar em crise a existência e
manutenção do segredo de justiça enquanto regra na fase de inquérito, veio impor diversas derrogações ao mesmo em
função das necessidades de concordância prática dos valores em conflito. Neste sentido ver, também, PAULO DÁ
MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 66 e MARIA JOÃO ANTUNES, “O segredo de justiça…”, cit., pp.
1240 e ss..
78
Entre as vozes mais críticas ver COSTA ANDRADE, “«Bruscamente no verão passado», a reforma do Código de
Processo Penal – observações críticas sobre uma lei que podia e devia ter sido diferente”, RLJ, ano 137º, pp. 134 e ss.; e
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo penal à luz da Constituição da República e da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2007, pp. 241 e ss..
79
Ver supra, notas (4) e (34).
80
Em violação, também, das garantias mínimas previstas no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH), como demonstraram os Casos Lamy v. Belgium (Acórdão de 30 de Março de 1989) e Garcia Alva v. Alemanha
(Acórdão de 13 de Fevereiro de 2001), ambos disponíveis em http://www.echr.coe.int. Ver também, sobre estes casos, DÁ
MESQUITA, “O Segredo do inquérito penal – Uma leitura jurídico-constitucional”, in Direito e Justiça, XIV, 2000, t.2, p.
106 e MARIA JOÃO ANTUNES, “A Jurisprudência do TC relativa ao segredo de justiça”, in Estudos de Direito
Constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 147.
o qual, assim interpretado, impede que o JI faça uma ponderação dos interesses em conflito e
uma apreciação em concreto da possibilidade de acesso aos autos81;

b) O arguido tem direito ao conhecimento dos factos que lhe são imputados e dos meios de prova
que fundamentam a aplicação de uma medida de coacção. Este direito só pode ser restringido
mediante uma ponderação concreta dos interesses em conflito, o do arguido, por um lado, e o
da investigação, por outro82.

Estas conclusões são, aliás, mera decorrência dos princípios do acusatório e do contraditório (ainda
que mitigado em fase de inquérito). O acusatório impõe que o órgão titular da acção penal seja distinto
do órgão que venha a aplicar a medida de coacção e ainda o dever que o primeiro tem de fundamentar,
indicando os factos, a imputação ao arguido de um crime com pena superior a 3 anos, necessária para
que se possa promover a aplicação da medida de coacção83 (cfr. artigo 28.º n.º 1 da CRP). Por outro
lado, o contraditório – estando em causa a restrição de direitos, liberdades e garantias – impõe que o
arguido seja informado das razões da sua detenção e das que subjazem à aplicação de uma medida de
coacção, para que possa defender-se da imputação feita pelo Ministério Público, contrariando os factos
e a respectiva qualificação ou colocando em causa os indícios reunidos (cfr. artigos 27.º n.º 4 e 28.º
n.º1 da CRP)84.

Era, portanto, urgente reformar e flexibilizar as regras de acesso aos autos, dando ao JI margem de
manobra para estabelecer critérios de concordância prática, tornando-se possível – e devida – uma
ponderação dos interesses em concreto no sentido de que, respeitadas as necessidades da investigação
e a protecção dos direitos de terceiros, a solução não passasse sempre pela supressão absoluta das
garantias de defesa do arguido85. E se bem que possa concordar com PAULO DÁ MESQUITA
quando conclui que a Constituição não impunha a previsão de outros momentos ou possibilidade de
acesso aos autos, por parte do arguido, salvo os já previstos momentos de aplicação de medidas
privativas da liberdade, penso que este autor fez uma análise demasiado ligeira do regime legal em
vigor até 200786. De facto, já anteriormente a 2007, o artigo 141.º n.º 4 previa que o JI comunicasse ao
arguido os motivos da detenção e “os factos que lhe são imputados”. No entanto, a leitura

81
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 121/97, publicado no DR, II S, a 30 de Abril.
82
“A comunicação dos factos deve ser feita com a concretização necessária a que um inocente possa ficar ciente dos
comportamentos criminais que lhe são imputados e da sua relevância jurídico-criminal, por forma a que lhe seja dada a
‘oportunidade de defesa’ (artigo 28.º n.º 1 da Constituição.)”, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 416/2003, DR, II S,
a 6 de Abril.
83
Vide os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 537/97 (publicado no DR, II S, a 20 de Outubro) e 522/98 (publicado
no DR, II S, a 10 de Outubro), todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
84
PAULO DÁ MESQUITA sustentava uma leitura constitucional do regime anterior, referindo-se a “uma interpretação
integrativa” que tornasse possível a compatibilização do direito positivo com as imposições constitucionais, “O segredo do
inquérito penal…”, cit., pp. 116 e ss. Mas as tendências jurisprudenciais mostravam uma enorme dificuldade em
estabelecer tal interpretação ou mesmo uma certa indiferença ante as exigências da Lei Fundamental.
85
Neste sentido também, a propósito da aplicação de medidas de coacção, JORGE DOS REIS BRAVO, “Inquérito
penal…”, cit., p. 21.
86
PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 116.
jurisprudencial desta norma, em conjugação com o disposto no art. 89.º do CPP87, no que respeita ao
segredo interno, ia no sentido de uma ponderação rígida e abstracta sempre em favor do segredo,
sempre a favor dos “supostos” interesses da investigação, mesmo quando nem sequer os houvesse.
Leitura esta que esteve, justificadamente, na base da prolação dos diversos Acórdãos do Tribunal
Constitucional no sentido da inconstitucionalidade do regime em anteriormente em vigor87.

A reforma de 2007 teve, assim, o enorme mérito de deixar claro que o arguido deverá ter acesso
aos elementos do processo que indiciam os factos imputados, salvo quando tal divulgação – e trata-se
de uma ponderação que tem que ser feita em concreto – colocar em causa a investigação, dificultar a
descoberta da verdade ou criar perigo para os intervenientes no processo (cfr., artigo 141.º n.º 4
CPP07).

Contudo, segundo as vozes dominantes, a reforma terá ido longe demais com a consagração da
publicidade como regra na fase de inquérito. Contra a opção da publicidade como regra geral,
invocam-se duas grandes desvantagens: o possível recurso a “meios ocultos de prova” e processos
paralelos por parte das polícias e a quebra de eficácia nos processos mais complexos de criminalidade
grave, organizada ou económico-financeira88. A primeira tendência foi já descartada pelas conclusões
do OPJ89, mas a segunda questão foi identificada como problemática, principalmente por força dos
curtos prazos de inquérito, depois de 2007 associados à duração máxima do segredo interno. Foi
também já referido, como desvantagem, o excesso de burocracia inerente à obrigação, por parte do
Ministério Público, de requerer a aplicação do segredo de justiça e a perda de tempo resultante da
validação pelo JI. Contudo, também nesta sede, o OPJ concluiu em sentido negativo, constatando que
80% dos pedidos feitos pelo MP são validados em menos de 5 dias pelo JI90.

A um outro nível, tem sido afirmada a inconstitucionalidade do novo regime, face ao disposto no
n.º 3 do art. 20.º da CRP, com o argumento de que a regra da publicidade violaria os limites
“essenciais” ou “constitutivos” do conceito de segredo de justiça ou mesmo da presunção da
inocência, consagrada no artigo 32.º n.º 5 da CRP. São ainda avançados alguns outros fundamentos
para a inconstitucionalidade do novo regime, dos quais se destaca a violação do princípio do

87
Afirmação que é sustentada pelos inúmero acórdãos da 1.ª instância e das Relações que estiveram na base dos Acórdãos
censuradores do Tribunal Constitucional, e que espelhavam uma tendência jurisprudencial que se manteve até 2005.
Mesmo já depois das declarações de inconstitucionalidade, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação
de Lisboa n.º 6812/2003 de 16 de Outubro, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 6997/2004 de 23 de Setembro,
negando, em absoluto, o acesso aos autos, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Abril de 2007, negando o
direito do arguido de conhecer as provas que fundamentam a aplicação da prisão preventiva. Em favor de uma leitura
conforme à Constituição, mas também já após as declarações de inconstitucionalidade, vejam-se os Acórdãos da Relação
de Lisboa de 17 de Dezembro de 2003, 17 de Junho de 2004 e de 13 de Dezembro de 2006, estes últimos disponíveis em
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase.
88
Para além destes, JORGE DOS REIS BRAVO invoca ainda a desprotecção de outras informações sujeitas a sigilo que
constam do processo penal e que, anteriormente a 2007, beneficiavam do segredo de justiça, “Inquérito penal…”, cit., p.
10.
89
A Justiça Penal…, cit., pp. 303 e ss..
90
De acordo com o relatório final do OPJ, mais de 97% dos pedidos são deferidos, e em mais de 50% dos casos o
deferimento ocorre nos dois seguintes à apresentação do requerimento, A Justiça Penal…, cit., pp. 311 e ss..
acusatório91. De um modo geral, posso desde já adiantar que não subscrevo os juízos de
inconstitucionalidade do novo regime – no que respeita à mera alteração da regra no sentido da
publicidade – que muitos autores têm vindo a fazer desde que a reforma entrou em vigor92. Não me
parece que a constituição imponha o segredo de justiça como regra, pelo que a mera inversão de
valores não constitui, em si, um ataque à Constituição93. Já para saber se este regime confere uma
“protecção adequada ao segredo de justiça” será necessário analisar alguns pontos com maior detalhe
e, fundamentalmente, aguardar pelas concretizações jurisprudenciais que sejam feitas, pois delas
dependerá a avaliação do novo regime94.

No que respeita ao princípio da presunção de inocência pode desde já dizer-se que o actual regime
não o deixa de tomar em consideração, podendo o mesmo ser salvaguardado em dois momentos
distintos. Pode, logo no início do inquérito, ser o Ministério Público a determinar a imposição de
segredo externo com fundamento na necessidade de proteger a presunção de inocência do arguido – o
que, aliás, deverá fazer sempre que estejam em causa arguidos com prévia exposição pública em
processos mais delicados – ou pode vir o arguido requerer a sujeição ao segredo, com o mesmo
fundamento. Pode, claro, colocar-se uma questão: havendo contradição de vontades entre o Ministério
Público e o arguido, ou entre este último e o assistente, como deverá decidir o JI95? A resposta parece-
me, contudo, relativamente fácil. A imposição de segredo externo nunca prejudica a investigação, pelo
que não se vislumbram razões para que haja oposição por parte do Ministério Público a tal decisão, ou
seja, este não tem interesse em opor-se. A imposição de segredo externo dificilmente prejudica a
tutela dos interesses do assistente, uma vez que, de acordo com o novo regime, este mantém a
possibilidade de acesso aos autos nos termos do n.º 1 do art. 89 CPP07. Assim, caso seja imposto o
segredo externo, por requerimento do arguido, quer este quer o assistente mantêm o direito de acesso
aos autos, salvo quando, com relação a um qualquer documento ou informações concretas, o
Ministério Público se opuser a tal acesso invocando as necessidades de protecção da investigação ou

91
Em súmula, argumenta a doutrina que a nova articulação de competências entre o MP e o JI põe em causa a função
constitucional do MP de cumprir a sua função de exercer a acção penal dentro do prazo que a lei lhe confere para a
conclusão do inquérito e de que decorre o monopólio da direcção do inquérito, pondo também em causa o princípio do
acusatório quando coloca nas mãos do JI a tutela dos interesses da investigação (por conta da necessária validação judicial
do despacho do MP que sujeita o processo ao segredo).
92
Defendem a inconstitucionalidade, MANUEL DA COSTA ANDRADE, “«Bruscamente no verão passado»…”, cit., p.
235; MANUEL SIMAS SANTOS, “Segredo de justiça e modelo de processo penal”, in Justiça XXI. A reforma do sistema
penal de 2007. Garantias e eficácia. Coimbra, 2008, pp. 31 e ss.; e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, “Comentário
do Código de Processo Penal …”, cit., pp. 241 e ss.. Sem afirmar a inconstitucionalidade, mas opondo várias críticas ao
novo regime, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “Garantias e eficácia no quadro da nova reforma penal”, Justiça XXI. A
reforma do sistema penal de 2007. Garantias e eficácia. Coimbra, 2008, pp. 149 e ss.
93
Em sentido semelhante, GERMANO MARQUES DA SILVA, “A Publicidade do Processo Penal e o Segredo de
Justiça”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 18, n.os 2 e 3, 2008, pp.274 e ss..
94
Tendo a concordar com JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, quando afirma que a vigência da publicidade como regra
geral apenas será compatível com o disposto no n.º 3 do art. 20.º da CRP, após um esforço interpretativo “por formas
restritivas tais que permitam o restabelecimento de um mínimo de concordância prática entre a manutenção do segredo
indispensável à generalidade dos inquéritos, sobretudo da criminalidade grande e grave, e o mais liberal acesso aos autos
possível da parte dos interessados”, “Sobre a revisão do Código de Processo Penal…”, cit., pp. 374 e 375.
95
Entendendo que o processo pode ser público mesmo contra a vontade do arguido e considerando tal hipótese contrária à
presunção de inocência, PEDRO VAZ PATTO, in “O Regime do Segredo de Justiça…”, cit., pp. 46 a 48.
dos direitos de participantes processuais ou vítimas. De onde se conclui que a imposição de segredo
externo não vem a fragilizar a posição do assistente – uma vez que se houver razões para negar o
acesso deste aos autos é porque também houve razões para que o MP determinasse o segredo externo –
pelo que este não terá, em regra, fundamentos relevantes para se opor. Pelo que, havendo fundamentos
para que o arguido requeira a sujeição do processo a segredo externo, este deve ser imposto pelo JI.

Já a conformidade do novo regime com o princípio do acusatório suscita-me maiores dúvidas. E o


primeiro problema coloca-se, logo, a propósito da distribuição de competências para a sujeição do
processo ao segredo de justiça entre o MP e o JI. De acordo com o regime proposto pela reforma de
2007, o processo presume-se público salvo se o MP determinar a imposição do segredo com
fundamento nos interesses da investigação ou nos interesses dos sujeitos processuais (o arguido, do
assistente ou do ofendido também o podem requerer, para defesa dos seus próprios direitos), tal como
previsto nos n.os 2 e 3 do art. 86.º do CPP. O despacho do MP em que este determina a aplicação do
segredo de justiça é apresentado ao JI para validação, a qual deve ser decidida em 72 horas. Quando
haja requerimento apresentado pelos sujeitos, o JI decide, ouvido o MP, impor o segredo quando
entenda que a publicidade prejudica os direitos dos requerentes (cfr. n.º 2 do art. 86.º).

Dois problemas se colocam a propósito deste regime, sendo um deles um problema de aplicação
prática da lei e ou outro um problema bastante relevante de conformidade da lei face à Constituição.
Desde logo, existem muitas dúvidas quanto ao alcance da “validação judicial” feita pelo JI96, havendo
quem entenda que, cabendo MP a direcção do inquérito e estando a intervenção do JI, na fase de
inquérito, limitada à defesa dos direitos fundamentais dos sujeitos processuais, a validação judicial da
aplicação do segredo de justiça deverá ser um acto meramente formal97. A maioria da jurisprudência
segue, contudo, o sentido inverso, exigindo que o MP fundamente o despacho que determina a
sujeição do processo ao segredo de justiça com factos concretos que demonstrem ser este o regime que
melhor protege, no caso, a investigação ou os interesses dos sujeitos processuais ou terceiros98. Tendo
a concordar com esta jurisprudência, embora sinta necessidade de chamar a atenção para algumas
nuances na aplicação do regime em vista deste entendimento.

96
Alertando para este problema, veja-se o que diz o relatório do OPJ: “O novo regime tem suscitado divergências de
interpretação da lei no que respeito à articulação e definição funcional de competências entre o Ministério Público e o
Juiz de Instrução Criminal. A questão reside em saber se esta validação é meramente formal ou material. A resposta tem
implicações na exigência e na extensão da fundamentação, bem como com no tipo de sindicância que o juiz de instrução
criminal é chamado a fazer”, A Justiça Penal…, cit., pp. 313.
97
José Joaquim Aniceto Piedade, no seu voto de vencido ao Ac. RP de 28.05.2008 conclui que esta validação dever
somente “verificar se o acto é formalmente conforme às disposições legais que lhe são aplicáveis, ou seja, se a decisão foi
tomada pela autoridade judicial competente (e não, por exemplo, por um órgão de polícia criminal), pela forma adequada
(despacho fundamentado) e se a mesma se não mostra excessivamente gravosa ou desproporcionada, do ponto de vista de
cerceamento dos direitos de defesa do arguido” Parece ser esta também a opinião de COSTA PINTO, que propõe a
eliminação da norma do art. 89.º n.º 3 CPP numa próxima revisão legislativa, “Publicidade e segredo…”, cit., pp. 7 e ss..
98
A título de exemplo, vejam-se os seguintes: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora n.º 2234/2008 de 9 de Dezembro,
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de Novembro de 2008, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de
Março de 2009, apenas disponíveis em http://www.vlex.com/.
O Tribunal Constitucional foi já chamado a pronunciar-se sobre o assunto, no Acórdão 110/2009,
de 11 de Março99, tendo concluído pela não inconstitucionalidade da norma constante de n.º 3 do art.
86.º do CPP07, por entender ser ainda possível uma leitura da mesma em conformidade com a
Constituição. Aderindo aos fundamentos da decisão recorrida, o Tribunal sustenta que a validação pelo
JI é ainda um acto de resolução de conflitos entre os interesses da investigação e os direitos
fundamentais do arguido ou do assistente, uma vez que a imposição do segredo acarreta sempre a
possibilidade de lesão destes direitos100. Tenho que discordar do Tribunal Constitucional neste ponto,
dando razão a MARIA DE JOÃO ANTUNES e ao seu voto de vencido101, pois também me parece que
quando o MP determina a sujeição do processo ao segredo de justiça, no início da investigação, com
fundamento na protecção dos interesses da investigação, não está ainda a lesar direitos fundamentais
dos sujeitos processuais. Aliás, estando no início da investigação, é muito provável que ainda não haja,
sequer, arguidos constituídos ou ofendidos identificados. Mesmo que os haja, estando garantido,
apesar do segredo, o acesso aos autos – art. 89.º n.º 1 – não haverá, à partida, qualquer lesão de direitos
fundamentais pela mera determinação do segredo. Esta necessidade de validação parece-me, portanto,
senão inconstitucional, pelo menos desnecessária face aos objectivos da Reforma de 2007. Seria
perfeitamente suficiente, e igualmente garantístico, limitar a intervenção do JI apenas quando
houvesse requerimento do arguido ou do assistente invocando a lesão dos seus interesses.

Tal não implica, contudo, que não seja possível uma leitura do preceito conforme à Lei
Fundamental, neste ponto dou razão ao Tribunal Constitucional102. Afasto-me, assim, das vozes mais
contestatárias que apontam, sem margem para dúvidas, no sentido da inconstitucionalidade deste
regime. Faço-o, contudo, sob determinadas condições, todas relativas ao modo de interpretação do
disposto nos artigos 86.º e 89.º do CPP07. Parecendo claro que a necessidade de validação pelo JI
mesmo na ausência de qualquer conflito de interesses veio a descaracterizar a função do JI como “juiz
das liberdades”103, importa, contudo, encontrar um ponto de compromisso entre o regime “ideal” e o

99
Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090110.html.
100
Nas palavras do recorrido Acórdão da Relação de Évora: “Tendo em vista tal finalidade, sem pôr em causa a
investigação (e o papel do Ministério Público enquanto titular da acção penal), a sujeição de processo ao segredo de
justiça deve ser abordada casuisticamente (como a lei processual penal exige) e no caso de se afirmar a necessidade
processual de aplicação de tal regime, a compreensibilidade da intervenção do juiz de direitos, liberdades e garantias
alcança-se da noção de que o segredo de justiça não pode eliminar as garantias de defesa do arguido. Trata-se de questão
que contende com direitos fundamentais, que, como tal, legitima a intervenção do Juiz de Instrução, funcionando, também
nesta sede, a regra de controlo os direitos, liberdades e garantias individuais, própria de todo o sistema processual penal
português.”
101
“Quando o Ministério Público, em nome dos interesses da investigação, determina a aplicação ao processo do segredo
de justiça, durante a fase processual cuja direcção lhe está constitucionalmente reservada, a tal determinação não
corresponde um ataque a direitos, liberdades e garantias que justifique uma intervenção ulterior do juiz de instrução, no
exercício da função processual que a Constituição lhe reserva em sede de inquérito (…).”
102
Inclinando-se também no sentido de ser possível tal interpretação, PEDRO VAZ PATTO, in “O Regime do Segredo de
Justiça…”, cit., pp. 45 e ss..
103
Neste sentido, em uníssono, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “Garantias e eficácia...”, cit., pp. 149 e ss.;
GERMANO MARQUES DA SILVA, “A Publicidade do Processo Penal…”, cit., pp.274 e ss.; JORGE DOS REIS
BRAVO, “Inquérito penal…”, cit., pp. 23 e ss.; MANUEL DA COSTA ANDRADE, “«Bruscamente no verão
passado»…”, cit., p. 235; MANUEL SIMAS SANTOS, “Segredo de justiça e modelo de processo penal”, cit., pp. 31 e ss.;
“real”, promovendo uma interpretação e aplicação da lei de modo conforme aos ditames
constitucionais. Assim sigo na linha de VAZ PATTO, quando sustenta que a intervenção do JI
aquando da validação da decisão do MP deverá suster-se ao âmbito de aferição compreendido pelas
suas funções de “juiz das liberdades”. Entende o autor que sendo o MP “o dominus desta fase
processual, é ele quem dirige o inquérito e é responsável pela investigação. Seria insólito que o juiz
de instrução sobrepusesse o seu critério a respeito dos interesses da investigação ao critério do
Ministério Público a esse respeito (estaria a “meter a foice em seara alheia”).104”

O que não quer dizer que ao JI caiba apenas uma formal função de validação “às cegas” ou em
abstracto. Parece-me ter razão a jurisprudência maioritária, quando sustenta que o acto de validação
pelo JI não é um acto meramente formal, de verificação dos pressupostos processuais105, mas sim um
juízo de legalidade106 tendo em conta os critérios avançados pelo art. 86.º CPP07: os interesses da
investigação ou os direitos dos sujeitos processuais107. O MP tanto pode determinar a sujeição do
processo ao segredo de justiça com fundamento nas necessidades de eficácia da investigação, como
tendo por base alguma necessidade especial do protecção dos sujeitos processuais, cabendo ao JI
verificar se, de acordo com os fundamento invocados pelo MP, está em causa qualquer uma destas
vertentes e, estando, validar o despacho do MP. Parece claro que o legislador, bem ou mal, quis que o
JI proferisse um juízo de conformidade material do despacho do MP à lei.

No entanto, o JI deve manter um papel passivo face à investigação, não devendo procurar
substituir-se ao MP na identificação e avaliação das necessidades da investigação, nem elaborar juízos
de oportunidade a favor ou contra o segredo de justiça108. Consequentemente, o JI deve aceitar os
fundamentos oferecidos pelo MP e a configuração que este faça dos interesses da investigação,

PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, “Comentário do Código de Processo Penal …”, cit., pp. 241 e ss.; e PEDRO VAZ
PATTO, in “O Regime do Segredo de Justiça…”, cit., p. 49.
104
PEDRO VAZ PATTO, in “O Regime do Segredo de Justiça…”, cit., p. 50.
105
Aliás, nem se vislumbra o que haveria para analisar, uma vez que os únicos pressupostos processuais são existir um
processo, ser o MP a proferir o despacho e não estarem ultrapassados os prazos máximos de inquérito.
106
“A aplicação do segredo de justiça pelo Ministério Público é considerada, em si, uma compressão dos direitos do
arguido – que estão em pé de igualdade com o interesse da investigação – pelo que o controlo judicial estipulado pela
norma do n.º 3, do artigo 86.º, do CPP – não é apenas a “aposição de uma chancela para cumprimento das formalidades
legais”, antes significa a “apreciação e ponderação sobre os fundamentos justificativos da determinação do segredo, ou
seja, uma apreciação de natureza substantiva e não de mero controlo dos requisitos formais”, Acórdão da Relação do
Porto, de 25.06.2008. Discordo, contudo, que se equipare automaticamente a sujeição de um processo ao segredo de justiça
e a compressão dos direitos do arguido, de acordo com o novo regime.
107
No mesmo sentido se conclui no Acórdão da Relação de Évora de 9 de Dezembro de 2008: “Na realidade, sendo a
"validação" sinónimo de «Acção ou resultado de legitimar, tornar válido um acto, um documento» e "validar" sinónimo de
«Provar ou confirmar que é verdadeiro ou que está correcto; fazer a validação de alguma coisa; autenticar, confirmar,
legitimar» (in Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, II Volume, Verbo,
2001, página 3699), o que parece resultar do normativo do artigo 86.°, n.º 3, do Código de Processo Penal, é uma
exigência de intervenção e de ponderação dos mesmos critérios (interesses da investigação e direitos de sujeitos
processuais) ao Ministério Público e ao Juiz de Instrução.”
108
No mesmo Acórdão se afirma em sentido idêntico: “(…) servindo a indicação e fundamentação destes, não para o juiz
elaborar um qualquer juízo de oportunidade ou de relevância, mas para alcançar o grau de lesão que para eles implicará
a publicidade dos autos de tal modo legitimador da aplicação do regime excepcional do segredo de justiça e
constrangedor dos direitos de defesa do arguido, sem perder de vista, porém, que o tempo do contraditório no processo
penal é diferido, vigorando de pleno apenas em fases processuais subsequentes.”
podendo apenas recusar a validação quando seja manifesta a inexistência de quaisquer interesses da
investigação ou necessidades dos sujeitos processuais, de acordo com a própria fundamentação do
MP109. O MP tem o dever de fundamentar o despacho, tal dever decorre, aliás, do disposto no n.º 5 do
art. 97.º CPP, caso contrário inviabiliza qualquer validação por parte do JI, uma vez que não pode
confirmar a existência, no caso, de um interesse legítimo da investigação, nem garantir a inexistência
de graves lesões dos interesses dos sujeitos processuais. Esta fundamentação não pode, portanto,
assentar na mera invocação de uma Directiva interna da Procuradoria-Geral da República, nem
assentar na mera referência do tipo legal de crime ou da sua gravidade em abstracto110.

Sendo compreensível a tendência natural do aplicador do Direito no sentido da formulação de


critérios gerais para a resolução de problemas, tais critérios, devendo conter alguma dose de
abstracção – ou seja, susceptibilidade de aplicação a vários casos semelhantes, independentemente das
circunstâncias – não podem ser tão abstractos que se limitem a assentar no tipo legal de crime. Tais
não são, de todo, critérios operativos, nem para ajudar o MP a identificar a real necessidade de sujeitar
o processo ao segredo de justiça, nem para servir de base de sustentação a qualquer validação por parte
do JI111. Devendo o JI manter um papel de passividade face à investigação, caso o MP não
fundamente, em concreto, o despacho de sujeição do processo ao segredo de justiça, àquele não será
legítimo que proceda a uma análise exaustiva do processo em busca dos fundamentos em causa – num
ou noutro sentido – uma vez que o JI não se deverá, nunca, substituir ao MP na determinação destes
interesses; sendo a sua função, somente, aferir da compatibilidade dos interesses da investigação com
a lei e com a Constituição. O que quer dizer que, na falta de fundamentação, o JI poderá apenas
recusar a validação com esse fundamento ou solicitar ao MP que venha fundamentar o despacho. O
mesmo tipo de aferição deverá ser feito, mutatis mutando, pelo JI a propósito do disposto no art. 86.º
109
Neste sentido, VAZ PATTO, “a responsabilidade indeclinável do juiz de instrução prende-se, antes, com o balanço e a
ponderação entre as exigências da investigação (aceitando, à partida, que essas exigências são como o Ministério Público
as configura), por um lado, e o direitos de defesa do arguido, por outro lado. São este tipo de juízo e de ponderação (não o
juízo e ponderação a respeito dos interesses da investigação, por si só) que são específicos da função do juiz de instrução.
Portanto, o que pode levar o juiz a divergir do Ministério Público não é uma sua divergência a respeito dos interesses da
investigação, como se devesse ajuizar a respeito desses interesses, mas uma ponderação entre esses interesses (aceitando-
os como o Ministério Público os configura) e os direitos de defesa do arguido”, citado na própria fundamentação do
Tribunal Constitucional no já referido Acórdão 110/2009.
110
Segundo a Directiva de 9 de Janeiro de 2008 da PGR “sempre que a investigação tenha por objecto os crimes previstos
no artigo 1.º, alíneas i) a m) do Código de Processo Penal, na Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, e na Lei n.º 5/2002, de 11
de Janeiro, o Ministério Público determinará, no início do inquérito, a sujeição do mesmo a segredo de justiça, nos termos
do disposto no artigo 86.º, n.º 3, do Código de Processo Penal”. Os crimes abrangidos são, assim, os seguintes: terrorismo
(as condutas que integrarem os crimes de organização terrorista, terrorismo e terrorismo internacional); criminalidade
violenta (as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas e forem
puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos); criminalidade especialmente violenta (as condutas
previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos); criminalidade altamente
organizada (as condutas que integrarem crimes de associação criminosa, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de
estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência ou branqueamento); e os crimes relativos à
criminalidade organizada e económico-financeira.
111
Assim o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Maio de 2008, segundo o qual a referida directiva da
Procuradoria-Geral da República “(…) não é fonte de direito e vincula apenas os magistrados do Ministério Público, seus
únicos destinatários (…)” e que “(…) o juiz de instrução, que só deve obediência à lei (artºs 3.º da Lei nº 3/99, de 13 de
Janeiro, 9.º, nº 1, do CPP, e 4.º, nº 1, da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho), terá de ver, em cada caso, se essa determinação é
fundada, à luz do nº 3 do artigo 86.º.”
n.º 2 e 89.º n.º 2 do CPP07. Em qualquer um dos casos, principalmente no que respeita ao acesso aos
autos, não caberá ao JI a elaboração de um juízo de oportunidade sobre as necessidades da
investigação, mas apenas a constatação de que o segredo ou a publicidade, consoante os casos, lesam,
de modo gravoso, os direitos fundamentais dos sujeitos processuais.

Ainda na busca do interesse prevalecente, o legislador de 2007 entendeu que a restrição de acesso
do arguido aos autos, mesmo quando justificada pelo MP e por decisão judicial, não poderia manter-se
indefinidamente. Porque o conforto que o sigilo traz à investigação tem tido tendência para se
perpetuar para lá do aceitável, estabeleceu-se no n.º 6 do art. 89.º que a ultrapassagem dos prazos de
inquérito tem como consequência o término do segredo, na vertente interna, ficando os autos
acessíveis aos sujeitos processuais. Assim se procurou construir um regime de equilíbrio entre, por um
lado, os interesses da investigação e a necessidade de protecção das vítimas e, por outro, as garantias
de defesa do arguido112. Mas será que este novo regime coloca em crise o sucesso da investigação113?
Deverá concluir-se que o legislador não acautelou os casos de criminalidade especialmente
complexa114?

O próprio n.º 6 do art. 89.º prevê que o segredo se mantenha, mesmo após o decurso dos prazos de
inquérito, durante mais algum tempo, quando se trate, precisamente, de terrorismo, criminalidade
violenta, especialmente violenta ou altamente organizada. O novo regime prevê uma primeira
prorrogação por três meses, à qual poderá seguir-se, em casos excepcionais, nova prorrogação pelo
período considerado indispensável à conclusão da investigação. Sem prejuízo da necessária
concretização jurisprudencial, que tem já sido feita pelos Tribunais Superiores, parece-me, desde já
que devemos assentar o debate deste problema nas seguintes premissas:

a) O prazo de 3 meses que é referido pelo legislador no artigo 89.º n.º 6 não foi escolhido de
modo aleatório. Pelo contrário, resulta de um esforço de confronto entre os prazos normais
de inquérito e as necessidades especiais de investigação, no sentido de se alcançar, logo na
primeira prorrogação, um prazo razoável para a criminalidade complexa;

112
Entendendo ser perfeitamente justificada a limitação temporal do segredo, JOSÉ LOBO MOUTINHO, “A limitação
temporal do segredo do processo relativamente ao arguido. O pós-Acórdão nº 428/08 do Tribunal Constitucional”,
Newsletter da Sérvolo&Associados, Sociedade de Advogados, RL, p.24, disponível em
http://www.servulo.pt/not_newsletters.php?filter_year=2008&filter_month=&filter_keywords=moutinho.
113
Em sentido afirmativo, ANTÓNIO HENRIQUES GASPAR, “Garantias e eficácia...”, cit., pp. 353 a 355; JORGE DE
FIGUEIREDO DIAS, “Sobre a revisão do Código de Processo Penal…”, cit., p. 371; FREDERICO DE LACERDA DA
COSTA PINTO, “Publicidade e segredo…”, cit., pp. 32 a 34; JORGE DOS REIS BRAVO, “Inquérito penal…”, cit., pp.
26 e ss.; e MANUEL DA COSTA ANDRADE, “«Bruscamente no verão passado»…”, cit., p. 232. Contra, mas antes da
vigência da reforma, LAMAS LEITE, Segredo de justiça interno…, cit., pp. 570 e ss..
114
Parece ser esta a conclusão do OPJ, no seu relatório. O OPJ conclui que, em regra, a publicidade não suscitaria
problemas de relevo, embora numa minoria de processos – os mais complexos – a sujeição do segredo aos prazos máximos
de inquérito pudesse trazer graves problemas à investigação, “A Justiça Penal…”, cit., pp. 320 e ss..
b) Na disposição legal em questão, o legislador fornece-nos os elementos úteis para a
realização da concordância prática, sempre que surja um conflito entre as necessidades de
investigação e o direito de defesa do arguido;

c) Não se poderá obter do artigo 89.º n.º 6 um prazo ideal de investigação da criminalidade
especialmente complexa, ou seja, aquele prazo que, idealmente, poderia estar à disposição
do investigador excessivamente zeloso;

d) O direito de defesa já não pode ser comprimido de modo excessivo ou indefinidamente,


pois existem parâmetros claros, que se retiram de uma análise sistemática do novo regime
de segredo de justiça, de que terá que ser sempre feita uma conciliação entre os dois
interesses em conflito.

Parece-me, portanto, ser justa a conclusão de que o prazo de três meses que é avançado pelo
legislador seja o parâmetro a escolher quando se optar por uma segunda prorrogação, em casos de
criminalidade especialmente complexa.

Contudo, não parece ter sido esta a intenção do legislador115. Pelo contrário, parece ter havido
uma clara vontade legislativa no sentido de se manter alguma flexibilidade normativa para fazer face a
situações de tão elevada dificuldade de investigação – que devem ser vistas como a excepção entre as
excepções – em que razões ponderosas justifiquem que a segunda prorrogação se prolongue por mais
do que 3 meses. Ficando instalada a dúvida, dividiu-se a doutrina e a jurisprudência, havendo quem
defendesse a limitação da 2.ª prorrogação aos 3 meses116 e quem sustentasse precisamente o
contrário117. Não estando encerrada a questão, claro, cumpre verificar que já foi, entretanto, proferido
Acórdão de uniformização de jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça118, no âmbito do qual
se optou pela interpretação mais próxima do sentido possível das palavras, permitindo-se que a
segunda prorrogação seja feita pelo “prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”,
podendo o mesmo ser superior aos 3 meses referidos na parte inicial da norma em causa.

115
Os Diários da Assembleia relativos à discussão na especialidade podem ser consultados em
http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=35137. Neste sentido aponta
também a a proposta do GPPS que veio acrescentar ao art. 89.º um n.º 7 com a seguinte redacção: “Em processo por
terrorismo, criminalidade violenta, especialmente violenta ou altamente organizada, ou que tenha sido declarado de
excepcional complexidade, nos termos dos n.os 2 a 4 do art. 215.º, o adiamento previsto no número anterior tem como
limite um prazo máximo igual ao que tenham correspondido ao respectivo inquérito, nos termos do art. 276.º”, disponível
no mesmo sítio.
116
No sentido da limitação a 6 meses, FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, “Publicidade e segredo…”, cit.,
p. 17 e PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, “Comentário do Código de Processo Penal …”, cit., p. 245. Ver também o
Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Janeiro de 2009, disponível em http://www.dgsi.pt/.
117
Neste sentido, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal II, Editorial Verbo, 2008, 4.ª ed., p. 31. e
PEDRO VAZ PATTO, in “O Regime do Segredo de Justiça…”, cit., pp. 64 e ss. No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa de 6 de Janeiro 2009 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de Abril de 2008.
118
Acórdão n.º 5/2010, de 15 de Abril, publicado no DR, I S, n.º 94, a 14 de Maio de 2010.
Penso que é mais avisada esta decisão do STJ do que a solução de limitar a prorrogação aos seis
meses sustentada pela doutrina e pelo relatório do OPJ119. Contra esta interpretação há, claro, uma
crítica que se pretende insuperável: a de que, lida deste modo a norma constante do n.º 6 do art. 89.º,
acaba por anular-se o efeito útil da “sanção” imposta pelo legislador de 2007, uma vez que o MP
poderá sempre obter a concordância do JI para a prorrogação por um prazo indefinido ou
excessivamente prolongado. Apesar da força desta crítica, parece-me que a mesma assenta numa
exagerada desconfiança ante a actuação do MP e tendo a concordar com os fundamentos invocados
pelo STJ120 no sentido de que o MP terá dever de fundamentar os pedidos de prorrogação invocando
concretas diligências de prova e, ainda, de que a intervenção do JI é suficiente para garantir que não
haverá lugar a uma compressão desproporcional dos interesses dos sujeitos processuais. Entendo
também que esta é a única solução que permite compatibilizar o regime da publicidade, a investigação
de processos complexos e o imposto pela constituição. Estando em causa processos em que foram
requeridas diligências necessariamente morosas, incompatíveis com os prazos legalmente fixados e, na
maioria das vezes, por razões não imputáveis à investigação ou mesmo ao Estado português121,
desrazoável seria inutilizar os vários meses de uma concreta investigação vedando a prorrogação pelo
tempo necessário, mesmo este fosse apenas de 3 meses e 5 dias. Sem dúvida, uma tal solução seria
manifestamente contrária à imposição constitucional de “protecção adequada do segredo de justiça” e
ao próprio valor da tutela jurisdicional efectiva, por se afigurar claramente desproporcional e não
estritamente necessária para defesa dos direitos dos sujeitos processuais que, num prazo apesar de tudo
breve, sempre terão total acesso aos autos.

Penso, além do mais, que o problema teve o seu pique de intensidade nestes primeiros anos de
aplicação da reforma, tendo tendência a normalizar-se. Por outro lado, a revisão de 2010 veio ainda
contribuir para menorização deste problema com as alterações que efectuou ao art. 276.º do CPP,
prevendo um aumento dos prazos máximos de inquérito quando o arguido não se encontre em prisão
preventiva122 e a possibilidade de suspensão do prazo de inquérito – por um período máximo não
superior a metade do prazo do respectivo inquérito – quando tenham sido requeridas cartas rogatórias.

119
Relatório Complementar, cit., p. 31.
120
“Objectivamente não pode significar outra coisa que não seja pelo tempo reputado necessário, mesmo por um
observador não implicado na investigação, o que obvia à invocada eternização do segredo de justiça, como pretendem
alguns defensores da rigidez do prazo, obrigando a uma ponderação rigorosa quer das diligências que se impõe efectuar e
da sua natureza quer das circunstâncias concretas que levaram o Ministério Público a requerer a prorrogação do prazo, o
que há -de ser bastante para afastar qualquer dilação injustificada.”, Acórdão n.º 5/2010, cit., p. 1671.
121
Veja-se a este respeito, as considerações tecidas pelo OPJ no seu relatório e a análise estatística feita aos inquéritos
iniciados após 15 de Setembro de 2007, “A Justiça Penal…”, cit., pp. 342 e ss..
122
O n.º 3 do art. 276.º do CPP10 dispõe agora que “O prazo de oito meses referido no n.º 1 é elevado: a) Para 14 meses,
quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º; b) Para 16 meses, quando,
independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do
n.º 3 do artigo 215.º; c) Para 18 meses, nos casos referidos no n.º 3 do artigo 215.º.
É de salientar, contudo, que estas hipóteses deverão ser vistas como absolutamente excepcionais,
e para que uma tal prorrogação possa ser concedida pelo JI deverão verificar-se as seguintes
circunstâncias, cumulativas:

a) A necessidade de realização de diligências de prova já identificadas e programadas que se


revelam cruciais para a investigação não é compatível com a limitação dos três meses, não
sendo possível prescindir-se, apressar-se ou substituir-se as referidas diligências, por razões
que não são imputáveis à própria investigação123; e

b) A publicidade do processo irá comprometer gravemente ou inviabilizar o sucesso das


diligências que justificam a prorrogação ou a investigação no seu todo.

Verificando-se este cenário, não vejo porque, a título duplamente excepcional, a prorrogação não
possa prolongar-se por mais do que os três meses, desde que a mesma tenha uma duração que não vá
para além do indispensável para a realização das diligências de prova referidas nas alíneas
anteriores124. Sendo certo que este período excepcional não poderá ser, em si mesmo, desproporcional
face aos prazos máximos de inquérito, sob pena de padecer de uma fatal contradição axiológica.
Assim, o segredo poderá manter-se, quando o arguido estiver preso, por um período máximo de 12
meses e quando o arguido se encontrar em liberdade, por um período máximo de 18 meses125.
Qualquer um destes prazos é prorrogável por mais três meses, caso tal se revele necessário, em
circunstâncias excepcionais, chegando aos 15 ou aos 21 meses, respectivamente. Dentro desta
excepcionalidade, quando o único modo de garantir a eficácia da investigação seja o recurso a um
prazo ligeiramente superior aos 3 meses, mas ainda compatível com uma limitação temporal razoável
do inquérito, tal poderá ser validado pelo JI.

Por outro lado, também não é verdade que o n.º 6 do art. 89.º permita um acesso imediato ou
automático do arguido aos autos, mesmo em casos excepcionais. Em primeiro lugar, porque o acesso
aos autos deverá ser feito mediante requerimento (artigo 89.º n.º 1 CPP07), pelo que a reforma não
veio impor, nem poderia fazê-lo, um livre e ilimitado acesso do arguido aos autos. Sendo obrigatório o
requerimento, o MP deverá avaliar, em cada, caso, quais os elementos dos autos que poderão ser
facultados ao arguido – recusando o acesso a quaisquer elementos dele constantes sempre que se
verifique um conflito com a investigação ou o direito de terceiros – com determinadas limitações.

123
Não serão imputáveis à investigação estes atrasos sempre que as diligências de prova hajam sido requeridas ou
determinadas assim que a sua realização se tornou possível ou necessária e as mesmas estejam a cargo de terceiras
entidades.
124
No regime do direito espanhol, o segredo interno pode ser imposto na fase de inquérito, como medida excepcional,
durante o prazo de um mês prorrogável também pelo período estritamente necessário aos interesses da investigação, sendo
esta prorrogação avaliada pelo tribunal, GONZÁLEZ GARCÍA, “Entre el derecho de defensa...”, cit., p. 74 e 75.
125
Ora, um prazo de 18 meses é mais que razoável, como regra geral, para a condução de uma investigação sigilosa,
mesmo nos casos complexos, como confluiu o OPJ no seu relatório de monitorização, “A Justiça Penal…”, pp. 342 e ss.
Também sobre esta questão já se pronunciou o tribunal Constitucional, no Acórdão 428/2008,
tendo concluído no sentido aqui defendido. Tratou-se de um processo em que, tendo sido
ultrapassados todos os prazos, o MP negou o acesso do arguido à parte dos autos correspondente a
documentos de terceiros protegidos pelo sigilo bancário e fiscal, com fundamento no disposto nos arts.
20.º n.º 3, 26.º n.os 1 e 2 e 202.º da CRP. Invocou o MP que “não estando ainda definido o relevo dos
elementos supra referidos para a prova, ou a sua imprescindibilidade para a defesa do arguido, que
aliás não é invocada pelo requerente, entende-se que o disposto no n.º 6 do artigo 89.º do CPP (que se
reporta por identidade de razões ao arguido, assistente e ofendido), não é fundamento suficiente para
ser permitido o acesso àqueles elementos bancários e fiscais”126. Já assim sustentava também
FREDERICO COSTA PINTO, ainda antes da prolação deste Acórdão, afirmando que “(…) numa
leitura articulada materialmente com o interesse público inerente à investigação criminal, o art. 89.º
n.º 6 não pode permitir o acesso automático aos autos sempre que tal possa por gravemente em causa
a investigação, se a sua revelação impossibilitar a descoberta da verdade ou se a sua revelação criar
perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou para a liberdade dos participantes processuais
ou vítimas do crime.127”

O Tribunal entendeu que o mero diferimento do acesso aos autos para um momento subsequente
ao respectivo encerramento não prejudicava, no caso concreto, o adequado exercício dos direitos de
defesa do arguido, julgando inconstitucional o n.º 6 do art. 89.º do CPP07, na interpretação feita pela
decisão recorrida128, por não proteger “adequadamente os interesses de terceiros, consentindo a lesão
da sua privacidade decorrente da irrestrita concessão de acesso a todos os elementos do inquérito aos
arguidos que o requereram.” Estando absolutamente de acordo com esta decisão, penso aliás que esta
interpretação é a única que se pode retirar de uma leitura normativa sistemática do regime da
publicidade e segredo no processo penal. Nem se pode dizer que foi intenção do legislador que o
arguido e o assistente tivessem um acesso ilimitado aos autos nesta situação, visto que a estes nunca
lhes assiste tal direito, mesmo na fase de julgamento129. Isto é, nunca será permitido aos sujeitos
processuais terem acessos a todos os documentos que alguma vez constaram do processo desde o seu
início, mas somente àqueles documentos que ainda constem do processo a partir da acusação e, mesmo
quanto a estes, com várias limitações. Assim, o disposto no n.º 7 do art. 86.º do CPP07 excepciona, em
qualquer caso, da publicidade, os elementos relativos à reserva da vida privada que não constituam
meio de prova; o n.º 8 do art. 188.º do CPP07 veda o acesso às escutas até ao encerramento do

126
Citado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 428/2008 de 12 de Agosto, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
127
“Publicidade e segredo…”, cit., pp. 7 e ss..
128
Discordando do Tribunal Constitucional, em comentário ao Acórdão 428/2008, JOSÉ LOBO MOUTINHO, “A
limitação temporal do segredo…”, cit., pp. 30 e ss..
129
Seria impensável que o legislador impusesse ao MP a revelação ao arguido (ou seu defensor) de um mandado de
detenção em seu nome que estivesse prestes a ser cumprido ou a aguardar cumprimento. E se deverá permitir-se o acesso
do arguido ao teor das intercepções telefónicas referidas no n.º 7 do art. 188.º, já será legítimo vedar o acesso a elementos
referentes a escutas telefónicas que estejam ainda a ser realizadas.
inquérito (mesmo que este decorra em publicidade), e, em qualquer caso, nos termos do n.º 6 do
mesmo artigo, nunca haverá acesso aos elementos estranhos ao processo que tenham sido abrangidos
pelas escutas; e, por fim, a alínea d) do n.º 4 do art. 141.º do CPP07 permite que não sejam facultados
certos elementos ao arguido, mesmo aquando da imposição de medidas de coacção, quanto tal
revelação colocar em perigo a investigação ou os direitos fundamentais de terceiros.

Não se concorda, contudo, com a aplicação analógica linear destes critérios, previstos no art. 141.º
n.º 4, aos casos abrangidos pelo n.º 6 do art. 89.º, como faz FREDERICO COSTA PINTO130. A
estabelecer-se tal equiparação ficava, então, desprovido de sentido o disposto no n.º 6 do art. 89.º pois
a entrega ao arguido de todo e qualquer meio de prova de uma investigação que foi, até certo
momento, sigilosa, implicará a verificação destes critérios131. Não se pode esquecer que, no momento
previsto no n.º 4 do art. 141.º do CPP07 não decorreram, ainda, os prazos máximos de inquérito. Há,
portanto, ainda, uma possível prevalência tendencial dos interesses da investigação. O mesmo não
sucede quando está em causa o acesso aos autos nos termos do n.º 6 do art. 89.º CPP07. Pois parece
por demais evidente que o legislador quis estabelecer um limite ao “feudo investigatório”, a partir do
qual a tutela da eficácia da investigação não deverá, em regra, prevalecer. Pelo que, apenas poderá ser
recusado o acesso aos autos no respeite à protecção de direitos de terceiros132 e já não, de um modo
geral, às diversas diligências processuais já realizadas, que constem do processo. No que toca à
investigação, apenas poderá ser negado o acesso do arguido a documentos relacionados com
diligências probatórias agendadas ou em curso, cuja revelação as torne impossíveis, inúteis ou
ineficazes133.

Quanto à questão de saber se este novo regime traz prejuízos para a investigação, a resposta é
necessariamente positiva. Qualquer limitação da actuação das polícias ou do MP trará sempre
prejuízos para a investigação. Contudo, há certos prejuízos que são inevitáveis num sociedade
democrática e assente na justiça. Aliás, em nenhum Estado de Direito Democrático se verifica a
possibilidade das investigações criminais decorrer por prazos ilimitados, nas condições ideias para o
investigação e com compressão dos direitos do arguido. Veja-se que se 18 meses, que podem ficar

130
“Publicidade e segredo…”, cit., p. 16.
131
Em sentido semelhante, discordando de COSTA PINTO, JOSÉ LOBO MOUTINHO, “A limitação temporal do
segredo…”, cit., pp. 25 e ss..
132
Sempre que tal acesso coloque em causa a reserva da vida privada de terceiros no que toca a elementos que não
constituam meios de prova (ou que ainda não tenham sido considerados como meios de prova), ou, mesmo constituindo
meios de prova, quando esteja em causa a vida, integridade ou liberdade de intervenientes no processo ou vítimas, sempre,
aliás, quando se trate de testemunhas protegidas, nos termos do disposto na Lei n.º 93/99 de 14 de Julho, ou de agentes
encobertos. Admitindo como legítimas, a todo o tempo, este conjunto de excepções (medidas cautelares e situações de
perigo para a vida ou liberdade de terceiros), GONZÁLEZ GARCÍA, “Entre el derecho de defensa...”, cit., pp. 75 e ss..
133
Em sentido semelhante, no que respeita ao âmbito do art. 188.º n.º 11 (anterior 188.º n.º 5 do CPP87) do CPP, entendia
PEDRO DO CARMO que o acesso às escutas não poderia ser ilimitado nem exigido a todo o tempo, podendo apenas ser
exigido no que respeitasse às intercepções já terminadas (nunca às que estivessem em curso) e, mesmo quanto a estas com
algumas restrições impostas pelos direitos de terceiro e pelas necessidades da investigação, “Acesso ao auto de transcrições
das conversas telefónicas interceptadas e segredo de justiça. Sentido e alcançe do disposto pelo art. 188.º n.º 5 do Código
de Processo Penal”, Revista do Ministério Público, ano 24, 94, 2003, Lisboa, p. 143 e ss..
suspensos durante 9 meses, podem ser prolongados por mais 3 meses e, ainda, pelo prazo
indispensável à conclusão da investigação em casos ultra excepcionais, num total que ultrapassa os
dois anos e meio de investigação, não garantem condições aceitáveis para investigar, urge reformar,
mas não é a lei134.

Por outro lado, o direito de acesso aos autos não impõe um direito de acesso a documentos
originais. Não há nenhuma obrigação legal de permitir o acesso ao arguido a documentos cujo original
seja um meio de prova indispensável. Pelo contrário, a lei é clara quando dispõe que o acesso dos
sujeitos processuais aos autos se efectua – independentemente de estar imposto o segredo ou não,
desde que o processo esteja a ser necessário no âmbito da investigação – por cópia avulso depositada
na secretaria (cfr. n.º 3 do art. 89.º CPP07).

Uma outra consequência importante da reforma diz respeito à possibilidade de consulta dos autos
vigorando a publicidade do inquérito. Uma medida que penso assumir extrema importância é a
imposição da gratuitidade da consulta dos autos prevista no n.º 4 do artigo 89.º do CPP07. No entanto,
apesar de se ter previsto esta medida importante, não se estabeleceu nenhuma regulamentação da
mesma, sendo certo o seguinte: o processo não poderá ser entregue indiscriminadamente a qualquer
sujeito processual, por um qualquer período de tempo135. Parece-me que a concessão do direito de
consulta dos autos fora da secretaria deverá obedecer aos seguintes critérios:

a) Sempre que for economicamente viável o recurso à entrega de meras cópias dos autos,
deverá ser privilegiado este mecanismo, evitando-se que o processo seja efectivamente
confiado ao sujeito processual (quando se trate de 5 a 10 cópias para um ou dois sujeitos
processuais);

b) Quando o recurso à cópia certificada implicar um dispêndio de tempo e recursos


desproporcional, o processo deverá ser confiado durante o tempo considerado
indispensável para a análise do mesmo e obtenção de cópias (2 a 3 dias úteis);

c) O prazo poderá ser encurtado quando exista a necessidade de que o mesmo seja confiado a
vários sujeitos processuais durante um curto prazo de tempo para exercício de direitos
processuais. Quando estejam a correr curto prazos simultâneos ou que abranjam vários
sujeitos processuais, a confiança deverá ser racionada pelos vários sujeitos processuais;

d) O prazo pode ser encurtado quando prementes necessidades de investigação imponham que
o mesmo deva estar acessível para o Ministério Público ou para o Juiz, desde que não se
comprometa irremediavelmente o exercício do direito de defesa – designadamente
134
Aliás, o OPJ conclui que “(…) o novo regime da publicidade dos autos teve o mérito de obrigar o sistema de justiça
penal a confrontar-se e a discutir, não uma questão nova, surgida em consequência da publicação da lei, mas a velha
questão dos meios e da organização do Ministério Público e das polícias no âmbito do inquérito, bem como da sua
articulação com outras entidades”, “A Justiça Penal…”, cit., p. 402.
135
Sobre esta questão, antes da reforma, LAMAS LEITE, Segredo de justiça interno…, cit., pp. 550 e ss..
inviabilizando uma consulta do mesmo na secretaria, necessária para o exercício de direitos
processuais;

O prazo poderá ser alargado quando, não estando a decorrer prazos para exercício de direitos
processuais aplicáveis a diferentes sujeitos processuais, nem havendo especiais necessidades de
investigação, tal seja requerido pelo sujeito processual, não devendo exceder os 10 dias.

III.SEGREDO DE JUSTIÇA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

9. Segredo de Justiça, interesse público e reserva da vida privada

O direito à informação, previsto no n.º 1 do art. 37.º da CRP, não se encontra na titularidade dos
órgãos ou membros da comunicação social, correspondendo antes a um direito de todos os cidadãos a
informarem, se informarem e serem informados136. No entanto, torna-se compreensível que a hodierna
complexidade social e a multiplicidade de fontes e alvos de informação tenham vindo contribuir para
uma concentração instrumental destes direitos na figura do jornalista137. No jornalista, enquanto
personagem-tipo do Estado de Direito, concentra-se um conjunto complexo, e por vezes dicotómico,
de direitos e deveres cuja protecção e manutenção são, sem dúvida, essenciais em democracia.
Enquanto procurador do público em geral, o jornalista tem o direito a ser informado e o direito –
quantas vezes, não mesmo, o dever – de informar138. Nos mesmos termos, compete-lhe assegurar,
também, a prossecução do interesse público (quer à informação, num plano imediato, quer
mediatamente, realizando, com a informação, os fins que esta instrumentalmente prossegue), sem que
se descure a sempre presente realização de fins privados, pois não se deverá esquecer que o jornalista é
um cidadão no exercício de uma profissão e de que a comunicação social é ainda uma actividade
económica que visa o lucro.

Mas uma das dicotomias mais óbvias no exercício da profissão de jornalista reside, parece-me, na
busca de um equilíbrio entre a prossecução do interesse público e a satisfação do interesse do público,
pois se o primeiro permite que o jornalista execute cabalmente a sua função social, o segundo é
indispensável para que possa exercer a sua profissão. E é aqui que com maior acuidade se coloca o

136
Sobre o direito às informação numa perspectiva judicial ver RICARDO PINTO LEITE, “Direito de informação e
segredo de justiça no direito português”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 51, II, 1991, pp. 511 e ss..
137
Entendendo isto mesmo, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 70.
138
No mesmo sentido, explicando que “Tanto a deontologia jornalística como o direito fundamentam a liberdade de
informar no direito que o público tem de ser informado. Por isso os direitos dos jornalistas são poderes-deveres, isto é,
poderes que devem ser exercidos, direitos de natureza instrumental que visam satisfazer a necessidade de informação por
parte dos cidadãos e que são, por isso, irrenunciáveis.”, SARA PINA, Media e Leis Penais, Almedina, Coimbra, 2009, p.
68.
problema dos limites ao segredo de justiça e dos limites à liberdade de imprensa. O art. 38º da CRP, no
seu n.º 1 alínea a) consagra o “direito dos jornalistas, nos termos da lei, ao acesso às fontes de
informação e à protecção da independência e do sigilo profissionais (…)”, o que permite que o
legislador ordinário venha a estabelecer limites ao exercício deste direito. Um desses limites poderá
ser, com certeza, o resultante da imposição de segredo de justiça – o qual também tem relevância
constitucional – na medida em que este visa a tutela da interesses de enorme valor constitucional, tais
como a tutela jurisdicional efectiva, a reserva de vida privada e a presunção de inocência139. E se a
liberdade de imprensa é, reconhecidamente, um dos pilares da democracia, não parece possível
conceber-se um Estado de Direito sem tutela jurisdicional efectiva ou um em que os seus cidadãos
estejam sujeitos a todo o tipo de intromissões na respectiva esfera privada. O Estado de Direito
Democrático pressupõe, em plano de igualdade, a liberdade, a existência de um espaço reservado de
intimidade e a efectividade na prossecução do Direito.

Sendo, à partida, admitidos limites, a definição dos mesmos não se encontra na livre e
discricionária disponibilidade do legislador ordinário; pelo contrário, este encontra-se vinculado à
concretização legal do constitucionalmente disposto, não lhe sendo permitido, através da lei, redefinir
os critérios materiais constantes da Lei Fundamental140. No regime anterior à Reforma de 2007,
concluía PAULO DÁ MESQUITA que os limites à liberdade de imprensa – na vertente, direito de se
informar e de informar – decorrentes da imposição de segredo de justiça não atingiam tal direito
fundamental de modo desproporcionado. E chegava a esta conclusão através de uma interpretação
restritiva do disposto no art. 371.º do CP – na redacção anterior a 2007 – segundo a qual os jornalistas
nunca seriam abrangidos pelo tipo, podendo aceder e divulgar qualquer informação sujeita a segredo
de justiça141. Mais uma vez, contudo, vejo-me forçada a discordar desta conclusão, quer porque não
me parece ser esta a melhor leitura do preceito, mesmo atendendo à sua redacção anterior a 2007142,
quer porque nem sequer era esta a leitura consensual da jurisprudência143. E não é a melhor leitura pois
em nenhum momento parece ter sido intenção do legislador excluir os jornalistas do âmbito subjectivo
do tipo previsto no art. 371.º CP95144.

139
No sentido de que as limitações à liberdade de imprensa são coincidentes com as impostas ao direito à informação, ver
GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Ed. revista, 1.º vol.,
Coimbra Editora, 2007, p. 229; COSTA ANDRADE, Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal: uma perspectiva
jurídico-criminal, Coimbra Editora, 1996, p. 40; e FREDERICO COSTA PINTO, "Segredo de justiça…”, cit., p. 83.
140
No mesmo sentido, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 122.
141
“O segredo do inquérito penal…”, cit., pp. 122 e 123.
142
“Quem ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre
coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena
de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de
processo.”
143
Ver, entre outros, os seguintes acórdãos: Acórdão da Relação de Coimbra n.º 1429/2006, de 8 de Novembro; Acórdão
da Relação de Évora n.º 855/2006, de 19 de Setembro; Acórdão da Relação do Porto de 18 de Fevereiro de 2004; Acórdão
da Relação de Guimarães n.º 1686/2004, de 24 de Janeiro.
144
Neste sentido, antes de 2007, A. MEDINA DE SEIÇA, “Comentário ao artigo 371.º do Código Penal”, in Comentário
Conimbricense do Código Penal, 3.º tomo, Coimbra Editora, 1999, p. 651. Entendendo, contudo, que os jornalistas não
A limitação decorrente do art. 86.º do CPP87, quando vinculava ao segredo de justiça apenas às
“pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de
elementos a ele pertencentes” é mais restritiva do que a actual redacção, mas da mesma não se retira a
inexistência de vinculação dos jornalistas ao segredo de justiça. Retira-se, outrossim, que esta
vinculação abrangerá todo o jornalista que, por qualquer título, tenho tomado contacto com o processo
e conhecimento de elementos delas constantes. Sendo que, como explicam RUI PATRÍCIO e TIAGO
GERALDO, este “contacto com o processo” não nos limita a uma dimensão meramente física do
processo, mas refere-se a este “enquanto realidade dinâmica, enquanto realidade unitária e
estruturada, enquanto conjunto ordenado de actos funcionalmente orientados à prossecução de uma
finalidade comum”145. As pressões cada vez mais intensas, naturais numa sociedade de informação e
estimuladas pela proliferação de processos de elevado perfil mediático, no sentido de um
acompanhamento público do processo penal aliaram-se a uma redacção duvidosa do artigo 371.º do
CP, na versão anterior à reforma.

Assim, e apesar do artigo 371.º do CP apresentar então, como hoje, uma estrutura de crime comum
– “quem ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que
se encontre coberto pelo segredo de justiça (…)” – para alguma doutrina e jurisprudência, a palavra
ilegitimamente implicaria uma remissão implícita para o disposto no n.º 4 do artigo 86.º do CPP, pelo
que só haveria responsabilidade penal se o jornalista tivesse tido, de modo necessariamente
fraudulento, ilícito, contacto directo com o processo146. Este entendimento radicava na percepção do
crime de violação de segredo como estando limitado no plano dos sujeitos aos que, previamente, se
encontrassem vinculados ao dever de segredo e na interpretação segundo a qual as referências,
constantes do n.º 4 do artigo 86.º do CPP, ao tomar contacto directo com o processo e ter
conhecimento dos elementos a ele pertencentes se constituam como requisitos cumulativos e
adicionais ao tipo previsto no artigo 371.º do CP147.

Ora, tal entendimento seria dificilmente sustentável ante uma análise valorativa da incriminação. O
artigo 371.º assumia-se, já antes da reforma, tal como a maioria dos crimes previstos no Capítulo III do
CP, como um crime comum, não havendo nenhuma dependência de sentido a uma vinculação prévia

estavam obrigados ao segredo de justiça, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do código de processo
penal…, cit., pp. 244 e 245.
145
“O crime de violação de segredo de justiça e a reforma penal de 2007: (algumas considerações e um caso-tipo de
jornalistas)”, Revista do Ministério Público, ano 30, nº 119, 2009, p. 58.
146
Neste sentido, na doutrina, entre outros, RUI PEREIRA, “Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social da
Comunicação Social”, cit. (9), p. 740; MENEZES LEITÃO, “O segredo de justiça em processo penal”, Estudos
Comemorativos do 150.º Aniversário do Tribunal da Boa-Hora, Ministério da Justiça, 1995, pp. 225 e ss.; AUGUSTO
ISIDORO, “Violação do segredo de justiça por jornalista”, Revista do Ministério Público, 14, n.º 53, 1993, pp. 99 a 103;
AGOSTINHO EIRAS, Segredo de Justiça e controlo de dados automatizados, cit., pp. 57 a 59; e, na jurisprudência,
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Outubro de 1989, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26
de Maio de 1999, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
147
Criticamente, sobre esta questão, ainda antes da reforma, COSTA PINTO explicava que a remissão para o art. 86.º teria
por efeito uma mera delimitação material e temporal do âmbito do segredo, “Segredo de Justiça…”, cit., p. 81.
ao dever de sigilo148. Aliás, a estrutura típica nem sequer assentava na violação do dever, mas na
violação do segredo, bastando que se desse, ilegitimamente149, conhecimento de factos sujeitos
àquele150. Esta corrente doutrinária, que dificilmente poderá persistir após a reforma151, implicaria que
o crime de violação de sigilo não fosse, na verdade, um crime comum. Se apenas poderiam praticá-lo
os agentes que, previamente se encontrem abrangidos pelo dever de sigilo, nos termos do CPP, então
no artigo 371.º não deveria ler-se “Quem (…)”, mas sim “Quem, estando vinculado ao dever de
segredo, (…)”. E esta era, realmente, uma leitura possível da norma, mas não desejável, se pensarmos
na multiplicidade dos interesses protegidos152. Pois se, em primeira linha, o bem jurídico é a boa
administração da justiça, não parece coerente excluir a punibilidade dos agentes que, apesar de terem
procedido à divulgação de elementos ou factos abrangidos pelo segredo, não tenham tido um “contacto
directo” com o respectivo processo, quer porque receberam meras cópias dos elementos em questão,
quer porque obtiveram conhecimento dos actos através de funcionário ou de outrem vinculado ao
segredo de justiça153.

Penso, aliás, que a leitura acima descrita tinha apenas uma razão se ser – a qual era meritória e até,
talvez, justificada face ao regime anteriormente em vigor – que se prendia com a necessidade de
interpretar restritivamente o artigo 371.º por força a garantir a concordância prática entre a tutela do
segredo de justiça e a liberdade de informação e de ser informado constante do n.º 1 do artigo 37.º da
CRP154. Porque, vejamos, à luz do anterior regime, uma interpretação ampla do artigo 371.º dificultava

148
O crime de violação de segredo de justiça encontra-se Capítulo III – Dos crimes contra a realização de justiça, do Título
IV – Crimes contra o Estado, do Código Penal. Á semelhança do que justifica a inserção sistemática neste mesmo capítulo,
do crime de denúncia caluniosa, uma análise material e valorativa do tipo previsto no art. 371.º permite-nos concluir não se
tratar de um crime de ratio meramente funcional, cuja censurabilidade assente essencialmente na violação de um dever,
visando-se antes uma tutela múltipla de interesses relacionados com a administração da justiça: interesses gerais do Estado
e da sociedade e interesses individuais, daqueles que venham a ser afectados por cada concreto procedimento penal.
149
Numa via intermédia, MÁRIO FERREIRA MONTE, entendia, já antes da reforma, que a expressão “ilegitimamente”
dizia respeito ao modo de obtenção da informação, tendo esta que ser ilícita, fraudulenta, mas não sendo forçoso que
resultasse de um “contacto directo com o processo”, em “O segredo de justiça...”, cit., pp. 26 e ss..
150
No mesmo sentido, concluindo que a incriminação da violação do segredo de justiça resultava da violação de um dever
autónomo (dar ilegitimamente a conhecer acto sujeito a segredo de justiça) e não da violação de um dever funcional,
“Segredo de Justiça e acesso ao processo…”, cit., p. 81.
151
Visto que o actual artigo 86.º n.º 8 do CPP dispõe que: “O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes
processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo ou conhecimento de
elementos a ele pertencentes (…)” (sublinhado nosso).
152
Pareceria assim que a tutela penal apenas abrangia os interesses da investigação e, mesmo estes, numa perspectiva
limitativa de integridade do processo e não de protecção do sigilo da investigação.
153
No sentido defendido no texto, na doutrina, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, cit., p.21;
AGOSTINHO TORRES, “Segredo de justiça, sigilo profissional e protecção das fontes de informação – Alguns aspectos
de uma perspectiva jurisdicional”, in Polícia e Justiça, 5, Lisboa, 2005, p. 223; RODRIGUES DA COSTA, “Segredo de
justiça e comunicação social”, in Revista do Ministério Público, Lisboa, 17, n.º 68, 1996, p. 64; AA.VV., “Anotação ao
CP”, in Legislação Anotada da Comunicação Social, cit. (12), p. 312; e na jurisprudência, para além dos já referidos,
vejam-se ainda os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 5 de Fevereiro de 2003, do Tribunal da Relação do Porto
de 18 de Fevereiro de 2004 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Novembro de 2007, todos disponíveis em
www.dgsi.pt.
154
Assumindo também uma leitura restritiva do preceito, antes de 2007, e entendendo que o mesmo apenas proibia ao
sujeito não participante processual divulgar a informação processual que havia sido ilegitimamente obtida, que apenas as
informações relativas ao processo, retiradas do processo e obtidas após o inquérito estavam abrangidas e que não eram
legitimadas outras restrições à liberdade de imprensa, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p.
72.
excessivamente qualquer exercício de concordância prática. Os processos estavam obrigatoriamente
em segredo de justiça durante o inquérito e, possivelmente, durante a instrução. Durante estas fases,
para as quais não havia verdadeiros limites temporais – uma vez que a ultrapassagens dos respectivos
prazos não acarretava qualquer sanção processual – o segredo de justiça vincularia todos aqueles que
tivessem conhecimentos do conteúdo de qualquer acto ou elemento processual, pelo que nada de
relevante poderia chegar ao conhecimento público. Daqui decorria que o direito à informação, mesmo
em processos de indiscutível interesse público, poderia ficar absolutamente excluído durante períodos
indefinidos de tempo, sem que, de algum modo, se pudesse fazer luz na escuridão imposta pelo
segredo. Ante a insustentabilidade de tal situação contextual, torna-se compreensível que doutrina e
jurisprudência procurassem atenuar os efeitos da escuridão, procurando formas de excluir da mão da
justiça a intervenção dos jornalistas. Simplesmente, parece-me que as necessidades de concordância
prática entre a protecção da eficácia da investigação (e dos direitos de terceiros) e o direito à
informação não podem passar nem pela imposição absoluta do segredo durante fases prolongadas do
processo, nem pela inexistência de quaisquer limites à actividade jornalística.

Sendo certo que o mero direito a informar155, por si só, não justifica a publicação de informações
abrangidas pelo segredo de justiça156, não cabe ao legislador ordinário estabelecer os critérios de
limitação à liberdade de imprensa ou os que presidam à prevalência do segredo de justiça ante ao
direito à informação. Estes critérios decorrem da própria constituição, da importância absoluta e
relativa da liberdade de imprensa (a liberdade de informação e de imprensa como um fim em si
mesmo, de realização pessoal e profissional; e a liberdade de informação e imprensa como garantes do
respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos por parte das autoridades judiciárias157) e da
importância absoluta e relativa do segredo de justiça (importância deste como fim em si mesmo, como
garantia da eficácia da investigação; e importância do mesmo como garantes de outros direitos
fundamentais). O que nos leva à questão fundamental, a de saber quando é que o interesse público
legitima a divulgação de informações sujeitas ao segredo de justiça?

A jurisprudência nacional não tem sido profícua na análise, em concreto, deste conflito, nem tem
sugerido critérios de concordância prática, o que se deve, em parte, à inflexibilidade do regime
anterior a 2007 quanto ao segredo de justiça e também às interpretações divergentes quanto ao âmbito
subjectivo do crime de violação de segredo de justiça. Contudo, merece referência o Acórdão da

155
Aliás, o n.º 3 do art. 8.º do Estatuto do Jornalista (Lei n.º 1/99 de 1 de Janeiro, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º
65/2007 de 20 de Dezembro) esclarece que ”o direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em
segredo de justiça”.
156
Neste sentido, referindo ainda o Acórdão Wallraff-Urteil do Tribunal Constitucional Alemão de 25 de Janeiro de 1984,
PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 123.
157
Nas palavras do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, trata-se do vital role da imprensa como public watchdog, in
Caso Stoll v. Switzerland, disponível em http://www.echr.coe.int/echr/. Utilizando as mesmas expressões sobre a função
dos jornalistas, SARA PINA, Media e Leis Penais, cit., p. 68.
Relação de Guimarães n.º 1686/2004158, já atrás mencionado, o qual, fazendo uma ponderação em
concreto dos interesses em causa e admitindo como lícita a quebra do segredo em determinadas
circunstâncias, conclui, no caso, pela inexistência de interesses prevalecentes que se sobreponham ao
segredo de justiça e pela violação do mesmo159.

Mais útil é a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no que respeita ao
âmbito da liberdade de imprensa referida no art. 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do
Homem160 e ao confronto entre esta e o segredo de justiça. Sendo admissível, ante a Convenção, que a
lei imponha restrições à liberdade de imprensa e de expressão, estas têm que visar um dos fins
referidos no n.º 2 do art. 10.º e limitar-se “ao necessário numa sociedade democrática”, ou seja,
obedecerem ao princípio da proporcionalidade. Sobre as limitações impostas pelo segredo de justiça à
liberdade de expressão, o TEDH proferiu três decisões emblemáticas e bastantes representativas161 das
necessidades de concordância prática nesta matéria, das q uais se podem retirar alguns princípios
orientadores:

a) A liberdade de expressão é um dos pilares do Estado de Direito Democrático, essencial para a


realização pessoal dos seus cidadãos e como garante da própria democracia;

b) Podem ser impostas por lei restrições à liberdade de expressão, desde que as mesmas visem um
objectivo legítimo numa sociedade democrática. Em matéria de segredo de justiça, estão em
causa a necessidade de manutenção da autoridade e da imparcialidade dos tribunais e a
protecção do direito ao nome e à reputação de terceiros;

158
Apenas disponível em www.vlex.com.
159
“(…) não se vê de que elemento ou elementos fácticos se poderá o intérprete socorrer para fazer prevalecer outro ou
outros interesses que não sejam os que justificam a criminalização da quebra do segredo de justiça, até porque a
liberdade de informar não ficaria significativamente coarctada com a divulgação dos elementos que o jornalista
confessadamente conhecia e vinha dominando desde 1995 (…). Ainda que se aceite o relevo conferido por uma figura
pública num processo de "facturas falsas" (expressão usada na 15ª "conclusão"), não temos como desproporcionado que a
notícia devesse aparecer amputada da referência aos concretos elementos da acusação enquanto esta se mostrasse
coberta pelo segredo de justiça. Não se reconhece por isso que no caso concreto o recorrente tivesse exercido o seu
direito/dever de informar, em termos de lhe conferir a virtualidade de excluir a ilicitude da conduta nos termos do artigo
31º, nº 2, alínea b), do CP.”
160
Article 10.º: "1. Everyone has the right to freedom of expression. This right shall include freedom to hold opinions and
to receive and impart information and ideas without interference by public authority and regardless of frontiers. This
Article (art. 10) shall not prevent States from requiring the licensing of broadcasting, television or cinema enterprises. 2.
The exercise of these freedoms, since it carries with it duties and responsibilities, may be subject to such formalities,
conditions, restrictions or penalties as are prescribed by law and are necessary in a democratic society, in the interests of
national security, territorial integrity or public safety, for the prevention of disorder or crime, for the protection of health
or morals, for the protection of the reputation or rights of others, for preventing the disclosure of information received in
confidence, or for maintaining the authority and impartiality of the judiciary." (fez-se a citação na versão inglesa pois foi
esta a língua utilizada nos Acórdãos relativos ao tema).
161
Em matéria de segredo de justiça foram proferidos três Acórdãos, no Caso do Sunday Times v. United Kingdoom,
processo n.º 6538/74; no Caso Weber v. Switzerland, processo n.º 11034/84; e o Caso Craxi v. Italy, processo n.º 25337/94.
Mais genericamente, sobre a liberdade de expressão, ver, por todos, o Caso Stoll v. Switzerland, processo n.º 69698/01,
todos disponíveis em http://www.echr.coe.int/echr.
c) A avaliação da legitimidade dos fins é feita, essencialmente, tendo em consideração o escopo
da lei, mas podem ser ponderadas as circunstâncias concretas que rodearam a aplicação das
restrições, em casos excepcionais;

d) Para que tais restrições sejam compatíveis com a CEDH estas têm que corresponder a uma
“pressing social need” (i. e., a uma necessidade de imperioso interesse público), devem limitar-
se ao estritamente necessário para garantir o fim visado e ser proporcionais aos interesses em
jogo;

e) A proporcionalidade afere-se tendo em consideração os seguintes critérios: avaliação do


interesse público (a informação divulgada deverá satisfazer necessidades ou preocupações
sociais legítimas), intensidade do interesse público em causa (nível de conflituosidade ou
polémica social e espaço de cobertura dada nos media ao assunto), âmbito da confidencialidade
das informações divulgadas (o Tribunal tem entendido diversamente consoante as informações
divulgadas eram já do conhecimento público ou não, e em que medida); intensidade do alcance
da divulgação das informações (análise do meio de comunicação social utilizado e do público-
alvo) e, por fim, carácter prejudicial das informações divulgadas (orientação da divulgação e
forma de apresentação das informações, tipo de informações divulgadas e aptidão destas na
lesão da reputação de terceiros ou na descredibilização da autoridade judiciária ou do processo
em causa).

Importa, no entanto, analisar cada um dos Acórdãos com mais atenção, até porque os problemas-
alvo são distintos em cada um e todos contêm critérios essenciais para orientar o aplicador do direito.
O caso mais importante é o Sunday Times v. United Kingdoom, no âmbito do qual se analisou a
compatibilidade de uma injunção imposta pela Câmara dos Lordes ao Jornal Sunday Times que vedava
a publicação de um artigo relativo aos conhecidos processos da Talidomina162 que, em 1972, ainda
decorriam – em fase de negociação tendo em vista um acordo – no Reino Unido163. A injunção foi
imposta ao abrigo da lei do contemp of court164, na sequência de um outro artigo do Sunday Times em
que o jornal apelava directamente à farmacêutica para elevar o valor das indemnizações em
negociação. Neste caso o Tribunal Europeu entendeu que tinha havido uma violação do art. 10.º da
CEDH pois embora o fim visado fosse legítimo – vedar a interferência abusiva da comunicação social

162
A talidomina é um medicamento analgésico que foi comercializado por várias farmacêuticas em diferentes países
(Alemanha, Inglaterra, Brasil, entre outros) como medicamento anti-enjoo a mulheres grávidas entre 1957 e 1965, tendo
sido constatada uma prevalência de malformações dos fetos das mulheres a quem o medicamento havia sido administrado.
Embora não se tenha demonstrado com absoluta certeza a relação entre o consumo da talidomina e as malformações, foram
intentadas pelos pais das crianças centenas de acções civis nos vários países afectados e pagas, mediante acordo,
indemnizações pelas farmacêuticas.
163
Sobre este caso ver, também, JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Publicidade e Justiça Criminal” …, pp. 143 e ss..
164
De acordo com o referido no Acórdão, o contempt of court integra as seguintes condutas: “(i) reprisals against
witnesses after the conclusion of proceedings; (ii) "scandalising the court", for example, abusing a judge qua judge or
attacking his impartiality or integrity; (iii) disobedience to court orders; (iv) conduct, whether intentional or not, liable to
interfere with the course of justice in particular proceedings”.
na condução de um processo judicial – a proibição de publicação do artigo em causa não era
“necessária numa sociedade democrática”. O Acórdão ponderou o estado da discussão pública, pois à
época tinham já proliferado os artigos em jornais e programas na televisão sobre o assunto, e a
natureza do artigo, o qual, de acordo com o Tribunal, apresentava de modo objectivo as perspectivas
antagónicas sobre o problema, para concluir que a injunção em questão não era proporcional ao fim
visado. Mais importante, o Tribunal reconhece legitimidade aos Estados para imporem limites à
liberdade de imprensa visando a defesa da imparcialidade e credibilidade das autoridades judiciais,
mas não um direito a que os assuntos discutidos no tribunal sejam, durante a pendência dos processos
ou de certas fases judiciais, silenciados na opinião pública165.

Numa perspectiva diametralmente inversa, no caso Craxi v. Italy, o Tribunal concluiu pela
existência de um abuso da liberdade de imprensa não sancionado pelo Estado Italiano aquando da
publicação do teor de escutas constantes de um processo-crime. O caso foi apresentado pelo próprio
Craxi, eminente político italiano, após a divulgação do conteúdo de escutas realizadas ao seu telefone
durante a fase do julgamento em que era arguido e no âmbito do qual havia sido declarado contumaz.
Quando foi feita a publicação do conteúdo das escutas telefónicas o processo não se encontrava em
segredo de justiça, pois decorria a fase de julgamento, mas as escutas eram sigilosas, uma vez que
ainda não tinham sido admitidas por um juiz nem referidas em qualquer momento do julgamento.
Consequentemente, a publicação das mesmas na imprensa constituía o resultado da quebra do dever de
segredo imposto ao Estado Italiano – na figura do poder judicial – devendo terem sido tomadas
medidas para que tal não sucedesse e sido accionados mecanismos que permitissem sancionar tal
divulgação pela comunicação social.

O Tribunal entendeu que apesar de se reconhecer a existência de um relevante interesse público


quanto ao desenrolar do processo quando estão em causa figuras públicas, estas não deixam de estar
protegidas, devendo ser salvaguardadas, como qualquer outro particular, de intrusões injustificadas na
reserva da vida privada. Esta posição é sustentada no Acórdão também porque o conteúdo das escutas
publicadas não assumia uma forte ligação com os factos que eram objecto do processo, sendo estas,
em contrapartida, altamente difamatórias para o Sr. Craxi166. O Tribunal concluiu assim que a
publicação das escutas não correspondia ao sentido justificador de interesse público, enquanto
interesse prevalecente, logo, que a mesma não fora legítima nem proporcional, constituindo antes uma
violação do disposto no artigo 8.º da CEDH. Porque se tratava de transcrições que não haviam sido
165
“There is general recognition of the fact that the courts cannot operate in a vacuum. Whilst they are the forum for the
settlement of disputes, this does not mean that there can be no prior discussion of disputes elsewhere, be it in specialised
journals, in the general press or amongst the public at large. Furthermore, whilst the mass media must not overstep the
bounds imposed in the interests of the proper administration of justice, it is incumbent on them to impart information and
ideas concerning matters that come before the courts just as in other areas of public interest. Not only do the media have
the task of imparting such information and ideas: the public also has a right to receive them.”
166
As escutas não diziam respeito aos factos julgados no processo, mas sim ao comportamento do arguido durante o
julgamento, às conversas que mantinha com amigos influentes e às tentativas de lançamento de campanhas difamatórias
contra os seus adversários políticos.
lidas em julgamento ou publicadas por sentença, e apesar de o processo não estar, na altura em
questão, sujeito ao regime de segredo de justiça, o TEDH entendeu que a divulgação das mesmas
havia resultado de uma quebra do dever de sigilo que cabia ao Estado.

Mais, a interpretação do artigo 8.º da CEDH pelo Tribunal permite que da mesma não se retire
somente um dever de abstenção do Estado no que respeita à prática de condutas que, arbitrariamente,
interfiram com a reserva da vida privada, como vai mais longe, retirando ainda desse normativo a
imposição aos Estados de um dever de, através da criação de medidas positivas e concretas, garantir
que estas intromissões não são levadas a cabo por terceiros e assegurar uma protecção efectiva da
reserva da vida privada167. Tendo, afinal, concluído que o Governo italiano era responsável por:

a) Não ter implementado medidas adequadas a evitar a divulgação do conteúdo de escutas


telefónicas;

b) Não ter procedido a um inquérito para determinar o modo como os jornalistas


obtiveram as escutas, nem ter aplicado quaisquer sanções aos responsáveis;

Afirma-se no Acórdão Craxi que “the Court considers that appropriate safeguards should be
available to prevent any such disclosure of a private nature as may be inconsistent with the
guarantees in Article 8 of the Convention (…) Furthermore, when such disclosure has taken place, the
positive obligation inherent in the effective respect of private life implies an obligation to carry out
effective inquiries in order to rectify the matter to the extent possible.” Pode então concluir-se que não
só a publicação de escutas telefónicas, nas circunstâncias mencionadas, é ilegítima e não corresponde
ao mero exercício de uma profissão, como incumbe aos Estados tomar todas as medidas adequadas
para evitar a divulgação injustificada de escutas e, ainda, adoptar as medidas necessárias para
sancionar as divulgações que não puderem ser evitadas.

Por fim, no caso Weber vs. Switzerland – em que estava em causa a validade de sanções aplicadas
ao ofendido por declarações proferidas em conferência de imprensa no âmbito de um processo penal
por difamação – o TEDH entendeu que havia sido violado o direito à liberdade de expressão, mas
apenas porque os factos relatados pelo ofendido já eram parcialmente do conhecimento público à data
das declarações, não estando abrangidos pelo sigilo judicial, porque as declarações em causa não eram
aptas a perigar a investigação e o processo e ainda porque, estando em causa a própria honra do
ofendido, que era uma figura pública, ao mesmo não podia ser negado o direito de, publicamente,
sustentar a sua defesa nos termos em que o fez.

167
Sobre o problema da violação do segredo de justiça, em Itália, ver CARLI, “Indagi preliminari e segreto investigativo”,
in Revista Italiana di Diritto e Procedura Penale, ano 37, 3, 1994, pp. 789 e ss.; e GIUSEPPE A. VENEZIANO,
“Indipendenza del pubblico ministero, segreto investigativo e protezzione dei pentiti”, in Questione Giustizia, ano XV, 1,
1996, pp. 40 e ss., e, na mesma revista no mesmo ano, 2, pp. 267 e ss..
Estes três casos dão-nos, portanto, preciosos critérios da delimitação do âmbito da liberdade de
imprensa e de informação ante a necessidade de preservar a integridade dos processos judiciais ou os
direitos de terceiros. Quer no caso Sunday Times, quer no caso Weber, o Tribunal não contesta a
legitimidade da lei em impor o segredo de justiça ou outras limitações à liberdade de imprensa tendo
em vista a boa administração da justiça. O que motivou os Acórdãos foi desnecessidade ou a
desproporcionalidade da aplicação destas medidas nos casos concretos. Já o caso Craxi serve de aviso
de cuidado para os legisladores dos Estados-Membros, no sentido de que têm que ser impostos limites
à liberdade de informação e que a informação obtida em processo-crime deve ser protegida em
determinadas circunstâncias. Resta saber, claro, se as medidas sancionatórias têm que passar pela
inclusão dos jornalistas no âmbito da violação do segredo de justiça. Este caso deve, portanto, levar-
nos a reflectir sobre a função da incriminação de violação de segredo de justiça enquanto ordenadora
da actividade da comunicação social ante o recurso a outros tipos penais, por ventura, mais adequados
a exercer esta função.

Veja-se que enquanto o segredo de justiça vigorava na ordem jurídica como regra formal e
inflexível, moldável apenas, em fase de instrução, aos interesses do arguido, não havia razão para
aprofundar a extensão dos interesses protegidos, salvo no que respeita à determinação da legitimidade
para a constituição como Assistente em processo penal168. Assentando a incriminação prevista no art.
371.º do CP, essencialmente, na violação do dever de segredo, a ponderação dos interesses tutelados
não só não cabia no tipo, como parecia irrelevante para o legislador. Contudo, após a reforma, ficando
claro que o tipo objectivo abrange qualquer pessoa que divulgue qualquer informação sujeita a segredo
de justiça, há que reconhecer, forçosamente, a multiplicidade dos interesses protegidos pelo tipo de
ilícito e que estabelecer critérios de concordância prática em face da prossecução do interesse público
por parte dos media. Não será suficiente, atendendo aos princípios da culpa e da intervenção mínima
do Direito Penal, fundamentar a censura penal na mera violação do dever, quando todos estamos
abrangidos pelo dever, mesmo quando não tenhamos qualquer vínculo funcional ao processo. Pelo que
o legislador, ao assumir expressamente o âmbito universal da norma, veio indirectamente impor uma
moderação na leitura e na aplicação da incriminação ao caso concreto.

Como já se viu atrás169, é amplamente reconhecido, no plano constitucional, que a protecção do


segredo de justiça não visa apenas fins institucionais relacionados com a boa administração da justiça.
Estão necessariamente também em causa os interesses dos intervenientes e participantes no processo: a
reserva da vida privada de todos, a segurança das testemunhas e a presunção de inocência do arguido.
O que não quer dizer que todos estes interesses devam ser tutelados pela incriminação da violação do
segredo de justiça. Nada obsta a que alguns destes interesses beneficiem de outras formas de tutela ou

168
No sentido da impossibilidade de constituição como assistente em processo penal por crime de violação do segredo de
justiça, antes da reforma, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 1996, 21 de Junho de 2000.
169
Ver supra, capítulo II, ponto 7.
de outras vias de tutela penal. Assim, importa distinguir três níveis de relevância e de intensidade de
tutela penal no que respeita aos valores abrangidos pelo segredo de justiça.

Em primeiro plano, temos o interesse da eficácia da investigação – que corresponde a um interesse


público – em paralelo ao interesse público prosseguido pelos media, razão pela qual é legítimo ao
Estado que imponha deveres de contenção informativa para defesa do mesmo. A prevalência do direito
a informar em prol do interesse público quando estejam em causa os interesses investigatórios será
excepcional, uma vez que é o próprio interesse público quem dita a importância da reserva da
investigação. Mais, tomando em consideração as conclusões que têm sido retiradas de estudos,
trabalhos científicos e análises estatísticas sobre a relação entre os media e a aplicação da lei penal170,
é o próprio interesse público quem dita a abstenção jornalística no que respeita à divulgação de
informação sobre processos-crime. De facto, tem sido já largamente reconhecido que os efeitos
perversos do chamado trial by newspaper não se limitam à lesão da honra dos possíveis arguidos,
antes colocando em causa o bom funcionamento dos tribunais e a sua credibilidade171.

Num segundo plano, temos a protecção da presunção de inocência do arguido, que é


imediatamente tutelada também pela imposição de segredo de justiça, o que aliás fica claramente
reconhecido no actual regime, quando se permite que o arguido possa invocar a protecção dos seus
direitos fundamentais para requerer a sujeição do processo ao segredo172. Contudo, neste plano, já não
haverá o mesmo índice de prevalência do segredo173, uma vez que não é possível afirmar-se
categoricamente que a divulgação de factos constantes de um determinado processo-crime implique
uma derrogação da presunção de inocência. Tal é dificilmente demonstrável num sistema judiciário
assente em decisões tomadas por magistrados judiciais, os quais estão sujeitos à lei e têm dever de
objectividade e imparcialidade174. Já quando haja intervenção do júri, o problema pode ser mais
complexo, uma vez que será mais fácil que cidadãos não formados em direito possam vir a ser

170
Sobre esta matéria, citando diversos estudos relativos às relações entre os media e a elaboração e aplicação das leis
penais, SARA PINA, Media e Leis Penais, cit., pp. 126 e ss. e 168 e ss..
171
O TEDH entendeu que seria legítimo ao Estado impor limites à liberdade de imprensa em nome do interesse público de
protecção da investigação e da tutela da administração de justiça, assumindo como prejudiciais para esta os “trial by
newspapers” no caso Sunday Times v. The United Kingdom. O tribunal admitiu que “Again, it cannot be excluded that the
public’s becoming accustomed to the regular spectacle of pseudo-trials in the news media might in the long run have
nefarious consequences for the acceptance of the courts as the proper forum for the settlement of legal disputes”.
172
Cfr. artigo 86.º n.º 2 do CPP07.
173
Em sentido ligeiramente divergente, entendendo que os interesses do arguido – quando assentes na sua dignidade
humana – devem sempre prevalecer ante o interesse público ou o interesse da realização de justiça, no plano da restrição da
publicidade, JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Publicidade e Justiça Criminal” …, p. 132.
174
O Tribunal Constitucional Espanhol já reconheceu, em Acórdão n.º 136/99 de 20 de Julho, que a elaboração de “juízos
paralelos” aos que seriam legitimamente feitos em juízo, quando realizados de forma intensa por parte dos meios de
comunicação social pode reduzir a possibilidade de um julgamento justo para os acusados ou perigar a confiança da
comunidade nos tribunais, entendendo que estas possibilidades podem ditar limites à liberdade de expressão, ver
GONZÁLEZ GARCÍA, “Entre el derecho de defensa...”, cit., pp. 97 e ss..
influenciados pelos media, pelo que um pré-julgamento em “praça pública” pode vir a revelar-se fatal
para a credibilidade da posterior decisão judicial175.

Mas, mesmo quando a decisão fica inteiramente entregue aos magistrados, parece não ser possível
negar algum nível de influência mediática176. Sendo os magistrados também cidadãos, inseridos como
os restantes num ambiente comunicacional cujas linhas orientadoras são definidas pelos meios de
comunicação social líderes de mercado, a influência mediática actua, até, a um nível pré-consciente,
determinando a percepção que cada um de nós tem da sociedade em que vive e das funções que devem
ser desempenhadas pelo sistema judicial177. Foi com base nesta assumpção que o Comité de Ministros
do Conselho da Europa emitiu a Recomendação 2003(13)178, relativa à divulgação mediática dos
processos penais, no âmbito da qual reconhece o direito dos jornalistas a um seguimento mediático
livre dos processos penais, salvo quando tal coloque em causa a presunção de inocência dos
arguidos179, recomendando que os Estados garantam aos arguidos sujeitos, efectivamente, a prejudical
pre-trial publicity, medidas de compensação efectivas180.

Por fim, num terceiro plano, temos ainda a protecção da reserva da vida privada dos intervenientes
no processo181. No que respeita ao arguido, esta protecção não abrange a narrativa histórica nem a
mera divulgação desta sua qualidade, uma vez que a prática de crimes é um facto que ficará,
tendencialmente, fora do núcleo essencial da reserva da vida privada182. Já quanto ao ofendido,
testemunhas e outros intervenientes incidentais, no que respeita ao núcleo essencial da intimidade –
informações de teor íntimo ou que incidam sobre dados em geral reservados – o problema ultrapassa o
escopo do segredo de justiça. Neste plano, o segredo é instrumental face ao dever do Estado de

175
Entendendo que o julgamento em praça pública traz consequências irreparáveis para o arguido e que os meios
tradicionais (incriminação da difamação e denúncia caluniosa) são insuficientes para garantir uma protecção eficaz dos
interesses dos possíveis suspeitos e defendendo esta defesa como uma das funções do segredo de justiça, GONZÁLEZ
GARCÍA, “Entre el derecho de defensa...”, cit., p. 82. O autor faz ainda referência ao caso Channel v. United Kingdoom e
a algumas medidas de direito interno espanhol para protecção da imparcialidade dos jurados, ob.cit., p. 99.
176
No direito francês (Lei de 13 de Julho de 1990, sobre liberdade de imprensa) é punível a divulgação da imagem de
suspeitos em investigações criminais antes da existência de um juízo de condenação, se tal divulgação resultar embaraçosa
para o suspeito, sendo ainda proibida a realização de sondagens ou inquirições populares sobre a culpabilidade de
suspeitos, GONZÁLEZ GARCÍA, idem, p. 99.
177
Dando conta disto mesmo, SARA PINA, Media e Leis Penais, cit., pp. 168 e. A autora refere ainda que vários dos
magistrados inquiridos no seu estudo reconheceram que os media acabam por funcionar como um meio de pressão eficaz
sobre o sistema judicial, e que muitos magistrados não são imunes ao efeito atractivo da comunicação social, cit., pp. 202 e
ss. No mesmo sentido, AGOSTINHO TORRES, “Segredo de justiça…”, cit., pp. 233 e ss..
178
Disponível em https://wcd.coe.int/ViewDoc.jsp?id=51365.
179
Principle 2 - Presumption of innocence: Respect for the principle of the presumption of innocence is an integral part of
the right to a fair trial. Accordingly, opinions and information relating to on-going criminal proceedings should only be
communicated or disseminated through the media where this does not prejudice the presumption of innocence of the
suspect or accused.
180
Principle 11 - Prejudicial pre-trial publicity: Where the accused can show that the provision of information is highly
likely to result, or has resulted, in a breach of his or her right to a fair trial, he or she should have an effective legal
remedy.
181
Sobre o problema da reserva da vida privada, nas suas múltiplas perspectivas, no âmbito do processo penal ver
FERNANDA PALMA, “Tutela da vida privada e processo penal (soluções para o conflito de valores na jurisprudência
constitucional) ”, in Estudos em Memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida, Coimbra Editora, 2007, pp. 655 e ss..
182
Assim, MANUEL DA COSTA ANDRADRE, “Comentário ao art. 192.º do Código Penal”, in Comentário
Conimbricense do Código Penal, t.I, Coimbra Editora, 1999, p. 731.
guardar reserva e garantir a confidencialidade destes dados183 e a incriminação da violação do segredo
de justiça a consequência que deve recair, em primeira linha, sobre os operadores judiciários, pela
quebra de sigilo. Do acórdão Craxi retira-se apenas que os Estados-Membros têm o dever de guardar
reserva e de sancionar a quebra do dever de reserva – e, eventualmente, a divulgação de tais factos –
mas não que a tutela da reserva da vida privada deva estabelecer-se através da incriminação da
violação do segredo de justiça. Cumpre então saber qual o escopo de intervenção do crime previsto no
art. 371.º, o que não implica que outros abusos da liberdade de imprensa não possam ser sancionados
por outras vias.

Não cabe também no âmbito deste trabalho alcançar uma definição operativa de interesse público
– tarefa assaz difícil em qualquer contexto184 – mas sim deixar claro que esta problemática deve ser
analisada em dois patamares distintos. Num primeiro momento, reconhece-se a legitimidade
constitucional de imposição do respeito pelo segredo de justiça aos jornalistas e, em geral, aos meios
de comunicação social, cabendo ao intérprete apenas a delimitação do tipo em função das necessidades
de tutela e dos objectivos visados185. Num segundo momento, delimitado o tipo incriminador, deverão
ser ponderadas eventuais causas de exclusão da ilicitude na divulgação de facto sigilosos, em função
do interesse público186 ou mesmo do interesse dos participantes processuais, como foi reconhecido no
caso Weber, tarefa esta que cabe naturalmente ao aplicador do Direito e que apenas pode ser feita em
cada caso, sendo concretamente ponderados os valores em conflito.

Uma última conclusão pode ainda ser retirada deste conjunto de decisões: mais importante do que
alcançar uma definição rígida de interesse público ou de quantificar os casos em que deve prevalecer o
direito a informar, é compreender que o interesse público tanto pode ditar a publicação da
informação187 como obrigar ao silêncio, e que a protecção de outros direitos fundamentais de
participantes processuais ou terceiros tanto pode ir no sentido da manutenção do segredo como no da
divulgação de alguns factos a ele sujeitos188.

10. A tutela da investigação, os direitos de terceiros e o segredo externo

183
Ver sobre isto o já referido Caso Craxi.
184
Sobre a tarefa de concordância prática entre o interesse público, a realização de justiça e os direitos de terceiros ver
AGOSTINHO EIRAS, Segredo de Justiça e controlo de dados automatizados, cit., pp. 93 e ss..
185
O que farei, nos pontos 11 e 12.
186
No mesmo sentido, JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Publicidade e Justiça Criminal” …, pp. 151 e 152. Deixando claro
que não haverá “interesse público” quando a notícia vise o mero entretenimento, a satisfação da curiosidade do leitor, o
puro sensacionalismo, a publicidade ou incida sobre a vida privada e familiar de pessoas anónimas”, FIGUEIREDO DIAS,
“Direito de informação e tutela da honra do Direito Penal da imprensa portuguesa”, in Revista de Legislação e
Jurisprudência, ano 115, 1982, p. 137.
187
Referindo, também, a importância da publicitação operada pela comunicação social na realização dos fins do direito
penal e processo penal, JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Publicidade e Justiça Criminal” …, p. 130.
188
Em sentido semelhante, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito penal…”, cit., p. 123; GONZÁLEZ
GARCÍA, “Entre el derecho de defensa...”, cit., p. 89.
Das conclusões que retirei no capítulo anterior, bem se vê que o regime anterior a 2007, se
aplicado literal e restritivamente, nunca permitiria a conformidade com os critérios seguidos pelo
Tribunal Europeu e, bem assim me parece, pelos critérios constantes da Constituição portuguesa, nem
no que respeita ao direito de defesa do arguido, nem no que concerne à liberdade de imprensa. Não
que o regime actual alcance tais resultados na perfeição, como já se viu. Assim, também no que toca
ao segredo externo se impõem algumas “leituras constitucionais” de regime, designadamente a
propósito da tarefa de concordância prática entre a liberdade de imprensa e a incriminação por
violação do segredo de justiça e a necessária interpretação restritiva que terá que fazer-se do n.º 4 do
art. 88.º do CPP07. A melhor solução, numa perspectiva de reforma, teria sido a redacção do art. 371.º
sugerida pela UMRDP a propósito da reforma do Código Penal189. Esta versão da norma permitia uma
distinção entre o desvalor presente na mera violação do dever de segredo – a quem esteja
funcionalmente a ele vinculado – e o desvalor associado à divulgação de informações cobertas pelo
segredo de justiça, tendo como barómetro o prejuízo que tal divulgação teria para a eficácia da
investigação criminal. Uma tal redacção legal, caso acautelasse também a lesão dos direitos de
terceiros abrangidos pela informação sujeita a segredo de justiça190, permitiria uma conformidade
perfeita ante a jurisprudência do TEDH, embora, como se confluiu no capítulo anterior, devesse ainda
ser sujeita ao escrutínio do interesse público.

Por outro lado, não me parece que concentrar a tutela de todos os interesses mediatamente ou
reflexamente tutelados pelo segredo de justiça na incriminação prevista pelo art. 371.º do CP seja a
única ou mesmo a melhor forma de alcançar uma protecção equilibrada dos mesmos. É, contudo, dado
o cenário legislativo vigente, a melhor solução, desde que não se esqueça que os níveis de tutela são
distintos e que deverá ser ponderado sempre o interesse público como motivo justificante da violação
do segredo de justiça. O MP deverá impor o segredo externo na fase de inquérito sempre que estejam
em causa os interesses da investigação, nos quais se incluem os interesses das vítimas e das
testemunhas de não serem identificadas e o interesse do arguido em que se mantenha reserva sobre o

189
A redacção da proposta da UMRDP para o art. 371.º do CP era a seguinte: “1 - Quem, estando vinculado ao segredo de
justiça, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, de acto ou elemento de processo penal que se encontre
coberto por esse segredo, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de
prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo. 2
- A mesma pena é aplicada a quem, tendo tomado conhecimento de acto ou elemento previsto no número anterior, dele der
conhecimento, no todo ou em parte, prejudicando a investigação criminal. 3 - Para efeitos do número anterior considera-
se que prejudica a investigação criminal quem divulgar: a) meio de obtenção de prova promovido, autorizado ou
ordenado, ainda por realizar ou em curso, ou meio de prova a produzir, quando já promovida a sua produção ou
autorizada ou ordenada a sua realização; b) mandado de detenção ou medida de coacção ou de garantia patrimonial cuja
execução ainda não tiver sido iniciada, frustrando os seus fins cautelares; c) a identidade de testemunha sob protecção ou
de agente encoberto.”
190
A crítica que se poderia fazer à proposta da Unidade residia precisamente na total desconsideração dos direitos de
terceiros (presunção de inocência e reserva da vida privada) cuja relevância pode não coincidir com a da investigação
criminal, mas que também são reflexamente protegidos pelo segredo de justiça. Em contrário, pode sempre argumentar-se
que a tutela penal quando estivesse em causa a reserva da vida privada seria sobejamente assegurada pela incriminação
relativa à devassa da vida privada, designadamente no que respeita à alínea d) do n.º 1 do art. 192 do CP.
processo191, sempre que a mediatização do mesmo seja, na perspectiva do MP, contraproducente para
o sucesso da investigação (cfr. art. 86.º n.º 3 CPP07)192. Claro que, na inexistência desta ponderação,
poderão o assistente e arguido vir requerer a sujeição do processo ao segredo externo, invocando os
seus próprios interesses, nos quais se incluem o direito a uma tutela jurisdicional efectiva – que pode
ser fragilizada pela mediatização do processo – para além dos tradicionais direito à reserva da vida
privada e direito à presunção de inocência (cfr. 86.º n.º 2 CPP07).

Sendo imposto o segredo de justiça, necessariamente mediante validação judicial, foi já feito um
primeiro juízo de concordância prática entre o interesse público e os interesses da investigação por
parte do MP e do JI. E é este juízo, em concreto, que legitima a posterior censura penal dos jornalistas
que venham a divulgar informações relevantes cobertas pelo segredo, só excepcionalmente se
admitindo que uma segunda ponderação do interesse público possa a ser tomada em conta no
julgamento penal (cfr. 86.º n.º 3 CPP07). Já a imposição do segredo externo com fundamento na tutela
dos interesses dos sujeitos processuais, pedida a requerimento destes e determinada pelo JI, pode ter
sido completamente alheia a qualquer juízo de ponderação do interesse público, uma vez que cabe
apenas ao JI verificar se existem direitos dos sujeitos processuais a tutelar e nunca ponderar o interesse
público dos meios de comunicação no acesso ao processo, neste sede (cfr. 86.º n.º 2 CPP07). Pelo que
o espaço de intervenção da incriminação prevista no art. 371.º – podendo ainda implicar censura penal
quando estejam em causa apenas os interesses dos sujeitos do processo – será necessariamente menor,
pois terá ainda que ser ponderada prossecução do interesse público por parte dos media.

Sem que se caia no absurdo de censurar – imputando-lhe a prática de um crime de difamação (cfr.
art. 180.º do CP) – a testemunha por ter prestado declarações objectivamente lesivas do direito à honra
de um dos arguidos no processo, que veio depois a não ser pronunciado por ter ocorrido a prescrição
do processo, quando tais declarações foram, posteriormente, publicadas em meios de comunicação
social, como parece ter-se feito no Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de Outubro de 2006193. Não se
pode, aliás, discordar mais destas conclusão a que chega o Tribunal: “Com efeito, embora o arguido
tivesse prestado depoimento como testemunha em processo criminal em fase de inquérito, coberta
pelo segredo de justiça, não tendo sido ele que directamente procedeu ao aproveitamento mediático
que foi feito do seu depoimento, o que é facto é que não podia deixar de conhecer a enorme gravidade

191
Neste sentido, impondo várias obrigações às autoridades judiciais no que respeita ao dever de reserva, os artigos 3.º, 7.º
e 10.º da Recomendação n.º 2003(13), dos quais se destaca este último (Principle 10 - Prevention of prejudicial influence):
In the context of criminal proceedings, particularly those involving juries or lay judges, judicial authorities and police
services should abstain from publicly providing information which bears a risk of substantial prejudice to the fairness of
the proceedings.
192
O que não implica que o processo fique absolutamente em segredo interno, pois os argumentos a favor do segredo
externo podem não permitir que se vede o acesso dos sujeitos aos autos, impondo-se ao MP, no âmbito do n.º 1 do art. 89.º
do CPP07, invocar razões que fundamentem a sua oposição ao acesso de arguido ou do assistente a este ou aquele
documento constante dos autos.
193
Acórdão disponível em
http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/2815d4328f3966e88025722e005327e5?OpenDocument.
dos factos que imputava ao assistente que é uma figura pública e que o processo em causa pela
natureza e circunstâncias em que tinham sido praticados os crimes em investigação seria alvo de
notícias apetecidas. Além disso, o arguido não podia deixar de saber que o segredo de justiça não se
prolonga ao longo de todas as fases do processo e que mais tarde ou mais cedo o conteúdo e as
figuras públicas apontadas nas suas declarações”. Caso as testemunhas contassem com a
possibilidade de, não sendo bem sucedido o processo por qualquer razão, ficarem sujeitas a processos
por difamação em que lhes competiria – sem os meios disponíveis no âmbito de uma investigação
criminal ou quando esta tenha falhado – demonstrar a veracidade das declarações, certo é que
dificilmente se conseguiria qualquer testemunho contra arguidos em posições de destaque ou poder.
Tal entendimento é, assim, um forte obstáculo à prossecução da justiça e à descoberta da verdade
material. Se a divulgação massificada das declarações lesivas de uma testemunha causa prejuízos ao
arguido, ou ex-arguido, a censura deve recair apenas em quem tenha violado o segredo de justiça e
nunca na própria testemunha, salvo quando fique demonstrado ter havido denúncia caluniosa (cfr. art.
365.º CP) ou falsidade de depoimento (cfr. art.359.º CP). Fazer repercutir o abuso da liberdade de
imprensa perpetrado pelos jornalistas nas testemunhas que prestaram declarações no processo é, para
além de uma cobardia jurídica, atentatório da boa administração de justiça.

Sendo certo, no entanto, que as violações do segredo de justiça trazem graves inconvenientes à boa
administração de justiça, sob todas as perspectivas, cumpre saber se a publicidade do processo, tal
como foi definida pelo legislador de 2007, se revela contraproducente ante os objectivos visados, sem
esquecer que a publicidade também corresponde a um valor constitucional. Contra a publicidade
externa, como regra geral, apontam-se vários inconvenientes, já aqui referidos, desde o
enfraquecimento da presunção de inocência do arguido à descredibilização dos tribunais ante a
comunidade, passando pela intromissão na reserva da vida privada dos intervenientes processuais e
pela atemorização ou perturbação das testemunhas, entre outros. Uma das vozes mais críticas da
reforma, COSTA ANDRADE, vem ainda apontar, contra a publicidade externa, o perigo de
promiscuidade entre o juízo judicial e o juízo popular que esta encerra194. Segundo o autor, “(…) a
publicidade querida pelo legislador tende para a total transparência do inquérito na direcção dos
sujeitos processuais, dos media e do público. É a investigação coram populum e em interacção com as
emoções, a reacções e os impulsos do povo.195” O autor escreveu apenas seis meses após a entrada em
vigor da reforma e, precisamente, durante o seu período mais conturbado de aplicação, sendo aquele
um temor compreensível, dadas as circunstâncias e o carácter inovador do sistema implementado.

194
Alternado também para estes perigos, ANA AZURMENDI, “Derecho a la información…”, cit., pp. 149 e ss..
195
COSTA ANDRADE, “«Bruscamente no verão passado»…”, cit., p. 231.
E embora se concorde, de princípio, com a prejudicialidade de uma confusão entre sentimento
popular e juízo judicial196, não me parece que a responsabilidade por tamanha promiscuidade se fique
a dever ao regime legal da publicidade. Na verdade, os mais exemplificativos casos mediáticos das
últimas décadas – Casa Pia197, Envelope9198, Apito Dourado199 – nasceram e viveram no seio de um
regime legal em que o segredo era uma regra de imposição rígida e formal. Parece-me, aliás, que o
anterior regime – ao proibir sem critério – se tornava legitimador de violações sem critério. Quando o
horizonte é de absoluta proibição, a tendência é de que se passe para uma postura de rebelião absoluta
à lei, uma vez que os destinatários da norma não conseguem determinar em que situações é que lhes é,
efectivamente, devido o respeito pela proibição legal. Consequentemente, penso que o actual regime
trouxe vantagens, ao habilitar o aplicador do direito com um conjunto de critérios operativos com que
ponderar a aplicação da lei e com um amplo espaço para que possa realizara a concordância prática
dos interesses e conflito.

Passados dois anos de aplicação da reforma, a minha avaliação enquanto cidadã não confirma os
temores de COSTA ANDRADE. Não têm surgido mais notícias sobre inquéritos em curso após 2007,
o que talvez seja motivado pela inexistência de novos processos polémicos nestes últimos tempos, nem
se tem aprofundado a ingerência da comunicação social no âmbito da investigação criminal face ao
que sucedeu em casos como os referidos no parágrafo anterior. Resta apenas esperar que esta reforma
seja moralizadora da actividade dos media na fase de inquérito e que o reforço de sentido axiológico e
constitucional dado ao segredo nesta fase delicada traga maior contenção por parte dos operadores
judiciários e jornalistas.

11. O novo crime de violação do segredo de justiça

Contudo, se, por um lado, se flexibilizou o regime no âmbito do Processo Penal, a revisão do
Código Penal poderá vir a revelar-se mais gravosa no que respeita à responsabilização dos jornalistas

196
Sobre este assunto ver SARA PINA, Media e Leis Penais, cit., pp. 151 e ss.; PAQUETE DE OLIVEIRA, “A
comunicação social e os tribunais”, in Sub Judice. Justiça e Sociedade, 15/16, 1999, pp. 25 e ss..
197
Neste caso foram, durante a fase de inquérito, divulgados os nomes dos suspeitos (de pessoas que, talvez tenham sido
suspeitas, mas nunca chegaram, sequer, a ser arguidos), os locais do crime, o modus operandi dos arguidos e o conteúdo do
testemunho das vítimas (tendo mesmo ficado em risco a identidade de algumas das testemunhas essenciais à descoberta da
verdade). Sobre este caso ver SARA PINA, Media e Leis Penais, cit., pp. 211 e ss.; e VANESSA FERNANDES AMARO,
O jornalismo investigativo no processo Casa Pia de Lisboa. O semanário Expresso e o caso português de pedofilia,
Universidade Nova de Lisboa, disponível em http://www.bocc.ubi.pt/.
198
O caso do Envelope9 surge, precisamente, no âmbito de caso Casa Pia, quando o jornal 24 Horas noticiou a existência,
entre os documentos do processo de pedofilia na Casa Pia, de uma listagem de telefonemas de vários titulares de órgãos de
soberania. Sobre o mesmo ver a Nota para a Comunicação Social da PGR sobre o respectivo processo-crime, disponível
em http://www.pgr.pt/portugues/grupo_soltas/noticias/06/nota%2009_22_09.htm.
199
No âmbito deste caso foi publicado o teor de escutas telefónicas em periódicos nacionais durante a fase de inquérito e,
após o arquivamento do processo em relação a alguns dos arguidos, foi possível encontrar a publicação integral de escutas
realizadas contra esses mesmos arguidos na fase de inquérito em sites da internet.
pela violação do segredo de justiça, por tornar claro o que antes admitia divergência de interpretação.
Embora me parecesse mais avisada a solução legal proposta pela Unidade de Missão, não se poderá
ver, no texto aprovado, uma absoluta contradição axiológica ou o reflexo de uma inversão de política
criminal. Isto porque, de acordo com o regime processual anterior200, toda e qualquer divulgação de
informação do processo, durante a fase de inquérito, seria qualificada como violação de segredo, não
havendo espaço para a ponderação do interesse público ou de outros interesses prevalecentes. O
mesmo não sucede actualmente.

Tendo sido restringida a possibilidade temporal de imposição do segredo – no regime processual –


mas mantido o âmbito subjectivo da incriminação – no plano substantivo – importa retirar algumas
conclusões no que respeita à sucessão da lei penal (e processual) no tempo. Tomando como ponto de
partida a linha doutrinária que sempre incluiu os jornalistas no espectro subjectivo do tipo previsto no
art. 371.º do CP, parece, de facto, não ter ocorrido qualquer alteração legislativa de relevo com a
reforma de 2007, não se tratando de um caso de verdadeira criação de uma nova incriminação.

No entanto, e mesmo nesta perspectiva, há que reconhecer-se que as inovações legislativas vieram
impor certeza onde anteriormente apenas existiam dúvidas e que, indubitavelmente, estas alterações
inverteram o curso de muitas decisões jurisdicionais sobre processo pendentes, porquanto após 15 de
Setembro de 2007 não será mais possível absolver o jornalista por não se ter demonstrado o “contacto
com o processo”. Portanto, nem que seja ponderando o problema numa linha semelhante à aplicável
aos casos de reversão de jurisprudência – mediante juízos de exclusão da culpa com base na falta de
consciência de ilicitude – parece-me mais sensato recusar-se, de um modo geral, um “efeito neo-
criminalizador” da reforma, no que respeita aos crimes praticados antes da entrada em vigor da
mesma201.

Por outro lado, e em contrapartida, também não deverá aceitar-se como descriminalizadora a nova
redacção do n.º 1 do art. 86.º do CPP07, quando estabelece como regra a publicidade do processo202.
Na realidade, o âmbito material do crime de violação de segredo de justiça manteve-se inalterado.
Quer antes, quer após a reforma, o crime abrange a divulgação de factos sujeitos a segredo de justiça.
Simplesmente, tais factos eram, antes da reforma, sujeitos ao segredo ope legis, quando esta sujeição
depende agora de uma decisão judicial. Mantendo-se a possibilidade de um inquérito secreto, onde
haja informações de inquérito sujeitas a segredo, há uma continuidade jurídico-normativa que justifica

200
E que a Unidade de Missão não alterava radicalmente, mantendo como regra o segredo de justiça (nos termos do artigo
86.º então proposto, apenas o Ministério Público poderia determinar a publicidade, não havendo, sequer, controlo judicial
desta decisão).
201
Neste sentido, admitindo, pelo menos, esta hipótese RUI PATRÍCIO/TIAGO GERALDO, “O crime de violação de
segredo de justiça…”, cit., pp. 59 e ss..
202
Sobre esta questão, em sentido semelhante, Acórdão da Relação do Porto de 9 de Fevereiro de 2009.
a manutenção da incriminação203. O mesmo já não se poderá entender quanto às violações do segredo
de justiça ocorridas na fase de instrução, anteriormente à entrada em vigor da reforma de 2007. Nesta
hipótese, onde antes havia espaço punitivo, hoje não há qualquer censura penal. Não sendo, já,
possível, nem sequer em teoria, sujeitar a fase de instrução ao segredo de justiça – e tendo havido, por
parte do legislador, uma clara intenção de limitar a contenção e a reserva a um prazo razoável, dentro
dos limites da fase de inquérito – não parece viável a manutenção da incriminação destes casos após
15 de Setembro de 2007204.

Atendendo, então, ao regime legal actualmente em vigor, o que é que se pede, hoje, aos jornalistas
e ao público em geral? Pede-se apenas que durante uma fase inicial da investigação criminal –
necessariamente limitada no tempo – se abstenham de divulgar publicamente factos que constem de
um processo sujeito a segredo. Pede-se, então, um mínimo de contenção jornalística em nome da
viabilidade da investigação criminal, quando a publicidade esteja em frontal contradição com as
possibilidades de eficácia da mesma, e em nome do respeito pelos direitos fundamentais de arguidos,
ofendidos e outros intervenientes processuais, quando a publicidade os coloque em causa205. Mas, o
que se expôs serve também para reforçar a conclusão seguinte, de que a leitura possível do artigo
371.º, em conjugação com o n.º 8 do artigo 86.º, hoje, só pode conduzir à inclusão dos jornalistas no
âmbito da tipicidade e de que tal inclusão não é contrária a nenhum princípio constitucional.

Haverá violação de segredo de justiça, penalmente censurável, quando qualquer pessoa que i) tome
contacto directo com o processo (tenha acesso a elementos ou documentos constantes do processo); ii)
tome contacto indirecto com o processo (tenha acesso a cópias de tais elementos ou a informações
retiradas, por outrem do processo); iii) tome conhecimento de elementos a ele pertencentes (tenha
conhecimento, por qualquer forma, de factos ou informações que estejam, também, contidas no
processo) – assim se concretizando a expressão “independentemente de ter tomado contacto com o
processo” constante do n.º 1 do artigo 371.º206 – dê conhecimento, de modo ilegítimo, do teor (e não
da mera ocorrência) de acto processual abrangido pelo segredo de justiça ou cuja publicidade, em
concreto, tenha sido excluída207. Por conseguinte, o disposto no actual n.º 8 do artigo 86.º do CPP
assume, sem complexos, a sua função de origem, que é a de, apenas, delimitar, na perspectiva dos

203
Sobre o conceito de sucessão de leis no tempo e o âmbito da descriminalização ver AMÉRICO A. TAIPA DE
CARVALHO, Sucessão de leis penais, Coimbra Editora, 1997, pp. 90 e ss..
204
Em sentido contrário, admitindo a manutenção da censura penal a uma violação de segredo de justiça praticada, antes de
2007, durante a fase de instrução, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 15 de Dezembro de 2009.
205
No mesmo sentido, JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Publicidade e Justiça Criminal” …, pp. 148 e ss..
206
Mediante a qual nem parece necessário recurso a uma qualquer função integrativa da norma processual que delimita os
sujeitos vinculados ao segredo de justiça.
207
Para uma abordagem mais aprofundada do âmbito material do art. 371.º ver o meu artigo “Direito Penal da
Comunicação Social – Um Direito de excepção para os Jornalistas?”, in Direito Sancionatório das Autoridades
Reguladoras, coordenação de Maria Fernanda Palma/Augusto Silva Dias/Paulo de Sousa Mendes, Coimbra Editora, 2009,
pp. 448 e ss..
sujeitos208, a vinculação ao dever de segredo, sem que se confunda esta função com a necessidade de
punição da divulgação de factos sujeitos a segredo, que é tutelada no CP209.

Esclareça-se, contudo, que apenas se deverá considerar abrangida pela incriminação a divulgação
do «teor de acto processual», ou seja, a leitura de partes de actos processual, a descrição fáctica ou a
publicitação do acto, quando o teor do mesmo se esgote na sua própria materialidade, e já não meras
referências à normal tramitação do processo, à situação processual do arguido que se revele notória, à
ocorrência de diligências, sem que estas sejam descritas ou identificadas nominalmente os
intervenientes nas mesmas, ou mesmo à mera narrativa histórica que originou o processo e que, por
natureza, seja do conhecimento público210. Em contrapartida, a expressão “ilegitimamente” não parece
relacionar-se com a fonte de obtenção do conhecimento – a qual poderá ser perfeitamente legítima –
mas sim ao próprio acto de dar conhecimento. Uma interpretação que relacione a expressão
“ilegitimamente” à forma de obtenção de conhecimento dos elementos ou factos do processo parece
mesmo carecer de qualquer apoio linguístico face à redacção da norma211. Assim, a forma como se
obteve o conhecimento será irrelevante, enquanto a divulgação terá que ser ilegítima, por não se
encontrar coberta por nenhum dever, direito ou autorização legal212.

Mais, a divulgação de factos, informações e documentos relativos a processos em curso em relação


aos quais se impõe o segredo de justiça, será sempre ilegítima quando não se contenha dentro dos

208
Talvez o sistema fosse melhor se o Código de Processo Penal se limitasse a definir quais os factos sujeitos a segredo,
mantendo-se a natureza de crime comum para o artigo 371.º do CP e, caso se quisesse dar particular relevância à
vinculação funcional ao dever de segredo, poderia então definir-se o leque dos obrigados – de modo naturalmente restrito –
prevendo-se uma pena agravada para os respectivos agentes. A Unidade de Missão Para a Reforma Penal apresentou uma
proposta semelhante, a qual não vingou na Assembleia da República, aquando da discussão da proposta de lei que veio a
alterar o CP. Sobre esta questão ver, RUI PEREIRA, “Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social da Comunicação
Social”, cit., p. 743.
209
Sendo, talvez, toda esta confusão o resultado inevitável de um percurso histórico acidentado, no que respeita à punição
dos que procedem à divulgação de factos sujeitos a segredo. Ora, durante a vigência do CP de 1886 e do CPP de 1929, a
punição da violação do dever de segredo de justiça decorria da lei de processo, mediante uma remissão para o crime de
violação de segredo profissional, art. 290.º do CP1886, abrangendo esta apenas os magistrados e funcionários, enquanto
agentes sujeitos ao dever de segredo. A publicação de factos abrangidos pelo segredo constituía crime de desobediência,
previsto de modo autónomo no art. 74.º CPP1929. Ora, se o elemento histórico tem relevância, sempre se pode dizer que a
redacção do actual art. 371.º do CP é herdeira, não do seu antecessor relativo à violação de segredo, enquanto crime
específico, mas da anterior previsão do crime de desobediência para todos os que, mesmo não abrangidos pelo dever de
segredo, procedessem à divulgação de informações sigilosas. Poderá então dizer-se que, finalmente, foi retomada a função
inicial da previsão do crime de violação de segredo de justiça no direito nacional.
210
Neste sentindo, distinguindo os factos históricos do teor de actos processuais, excluindo os primeiros do âmbito do
artigo 371.º, COSTA PINTO, “Segredo de Justiça…”, cit., pp. 76 a 98. Em sentido semelhante, restringindo o âmbito do
artigo 371.º à divulgação de elementos do processo ou de teor de acto processual (excluindo tal violação perante a mera
divulgação de que teria havido irregularidades na fase de instrução), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de
Outubro de 1990, disponível em www.dgsi.pt e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Novembro de 2007,
disponível em http://www.trp.pt.
211
Frontalmente contra, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Maio de 1999, disponível em www.dgsi.pt.
212
Pretende claramente excluir-se a responsabilidade do magistrado que transmite informações sigilosas ao funcionário ou
a uma testemunha, no decorrer de acto processual ou a responsabilidade do mandatário que comunica os factos de que tem
conhecimento ao arguido, no âmbito do exercício da procuradoria, por exemplo. Ou, ainda, os casos em que o próprio
arguido divulga factos que, embora incluídos no artigo 371.º, sejam indispensáveis à defesa da sua vida, integridade física
ou moral, honra e reputação (artigos 24.º, 25.º e 26.º da CRP), por não ser exigível que, nestes casos, se mantenha a
imposição de segredo. Neste sentido, o já referido caso Weber vs. Switzerland, do TEDH, publicado em www.echr.coe.int.
limites do interesse público213, mesmo que a forma como o jornalista tomou conhecimento de tais
factos seja autónoma ao processo penal214 e o resultado de uma sua investigação paralela215. Tal
significa que se o jornalista se dirigir ao arguido ou a uma das testemunhas referidas no processo e,
obtendo assim conhecimento de factos que constem dele, os venha a divulgar, pratica também o crime
previsto no artigo 371.º, não valendo como exclusão da responsabilidade a identificação da fonte nem
a invocação de sigilo profissional216. Este entendimento impõe-se, não como forma transversal de
tutelar os interesses do arguido, como tem vindo a ser, erroneamente, colocada a questão por tantos
autores217, mas como necessidade imperiosa de protecção dos fins da investigação criminal. Não se
trata de inviabilizar o “jornalismo de investigação”, que é louvável e corresponde à execução de um
interesse público, mas apenas de garantir que o exercício do direito a obter informação e a informar
não torna inútil a prossecução da acção penal218. E esta tutela apenas pode ser feita com recurso ao
segredo de justiça, pois apenas a incriminação prevista no art. 371.º impede a divulgação, na fase de
inquérito – de um inquérito em que, fundamentadamente, foi requerido e validado o segredo de justiça
– da identidade de testemunhas e do conteúdo das suas declarações, com o consentimento destas. A
proibição de uma tal divulgação, na fase de inquérito – garantida pelo segredo de justiça – não visa
apenas proteger o interesse da testemunha (quanto à sua segurança e reserva da vida privada), pelo que
o seu consentimento é, aqui, irrelevante, mas, e acima de tudo, garantir a eficácia da investigação219.
Se assim não fosse, aliás, seria extremamente difícil conseguir uma condenação pela violação do
segredo de justiça, pois bastaria ao arguido invocar a obtenção da informação por meio não
relacionado ao processo e, consequentemente, invocar o sigilo profissional para se eximir de
213
Acentuando, também, que o cerne da ilicitude material do crime de violação de segredo de justiça assenta da próprio
“divulgação” da informação e não na forma como se obteve tal informação, JORGE RIBEIRO DE FARIA, “Publicidade e
Justiça Criminal” …, p. 136.
214
Em sentido contrário entende o Tribunal Constitucional Espanhol, de acordo com GONZÁLEZ GARCÍA, “Entre el
derecho de defensa...”, cit., p. 93 e ANA AZURMENDI, “Derecho a la información…”, cit., pp. 147 e ss..
215
Entendendo que o que o jornalista descobre por fontes próprias está fora do âmbito do artigo 371.º, AGOSTINHO
TORRES, “Segredo de justiça, sigilo profissional e protecção das fontes de informação – Alguns aspectos de uma
perspectiva jurisdicional”, cit. (71), p. 223; RODRIGUES DA COSTA, “Segredo de justiça e comunicação social”, cit.
(71), pp. 65 e 66. No mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Outubro de 1989, concluindo que
a divulgação de factos que o jornalista obteve através do próprio arguido ou de testemunhas estará excluída da tutela penal,
uma vez que estas últimas, pela sua natureza, não estão obrigadas a esse mesmo segredo de justiça, disponível em
www.dgsi.pt.
216
No mesmo sentido, COSTA PINTO, “Segredo de Justiça e acesso ao processo”, cit. (72), p. 81.
217
Frontalmente contra, PAULO DÁ MESQUITA, entendendo que a protecção dos direitos dos interessados contra
eventuais abusos de da liberdade de imprensa contidos na divulgação de factos sujeitos a investigação criminal não deve
ser feita através da incriminação do segredo de justiça, mas antes com recurso aos tipos penais associados aos crimes de
imprensa, “O segredo do inquérito penal…”, cit., pp. 76 e ss..
218
No mesmo sentido aqui defendido, considerando a posição do Tribunal Constitucional Espanhol, quando levada ao
extremo, um absurdo face à necessidade de proteger a investigação, GONZÁLEZ GARCÍA, “Entre el derecho de
defensa...”, cit., p. 94. Em sentido semelhante, também, NUNO B. M. LUMBRALES “Liberdade de imprensa e segredo de
justiça”, in Lusíada, série II, n.º 6, 2008, Lisboa, p. 60.
219
A admissibilidade de inclusão no âmbito de uma incriminação relativa à violação do segredo de justiça de factos obtidos
através de “investigações paralelas” foi admitida pelo TEDH, no caso Sunday Times v. The United Kingdom, disponível em
http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/portal.asp?sessionId=59085335&skin=hudoc-en&action=request. O Tribunal entendeu
que, em princípio, a lei do Contempt of Court poderia impor limites à liberdade de imprensa, mesmo que respeita a
informações obtidas por meios alternativos e não por contacto directo com o processo, desde que tais limitações fossem
necessárias numa sociedade democrática, ou seja, correspondessem a um objectivo social imperioso e fossem
proporcionais aos objectivos visados.
responsabilidade penal220, o que nos remeteria para a mesma casuística contraditória que existia antes
da reforma de 2007221.

Mas, claro, uma opção quanto a este problema dependerá sempre do sentido axiológico que se der
ao tipo previsto no art. 371.º do CP e às funções reconhecidas ao segredo de justiça. Se o segredo de
justiça foi visto como uma característica do processo penal nas fases preliminares inerente à
manutenção do sigilo em torno dos factos que estão a ser divulgados – e não podem ser conhecidos,
pois estão envoltos em “secretismo” – então não se poderá sancionar qualquer divulgação obtida
através das “investigações paralelas”, uma que vez que, nestas, não houve qualquer intromissão nem
contacto com o processo. Já se o segredo de justiça foi visto como um elemento instrumental à
prossecução dos fins da investigação – que tutelam interesses gerais da comunidade – associada a um
determinado processo penal222 compreende-se o porquê da inclusão no âmbito da incriminação de
quaisquer informações essenciais para o processo – e para a obtenção dos seus fins – cuja divulgação
seja prejudicial ao mesmo, independentemente do modo como tais informações foram obtidas.

Assim, a concordância prática deverá ditar, numa fase inicial da investigação e respeitado um
prazo razoável, a prevalência da tutela de uma investigação eficaz quando tal restrição for o único
meio para garantir a viabilidade da mesma223, devendo antes prevalecer o direito a informar sempre
que a publicidade não contenda com a investigação ou direitos dos intervenientes processuais e, em
qualquer caso, quando estejam ultrapassados todos os prazos razoáveis224. Apenas duas correcções
deverão feitas ao sistema acima delineado, a primeira no sentido de reforçar o direito a informar,
excepcionando-se do segredo a mera divulgação de actos processuais, diligências, factos notórios ou
que já sejam do conhecimento público, ou cuja natureza seja incompatível com a manutenção do

220
Referindo o problema que esta interpretação traz para a perseguição do crime de violação de segredo ante o dever de
sigilo profissional e a necessidade de protecção das fontes, MÁRIO FERREIRA MONTE, “O segredo de justiça na revisão
do código de processo penal: principais repercussões na comunicação social”, in Scientia iuridica, Braga, 48, 280-282,
1999, pp. 424 e ss..
221
Não se trata aqui de confundir a posição de jornalista com a de arguido, como transparece em alguma jurisprudência,
em se coloca em causa o direito ao silêncio do arguido jornalista, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra n.º
1429/06 de 8 de Novembro e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora n.º 855/06 de 19 de Setembro. Simplesmente, a
exigência do “contacto com o processo” impunha à acusação a prova do mesmo, a qual era, na maioria da vezes,
impossível de demonstrar. O que, aliado à possibilidade que o arguido jornalista tinha de invocar uma fonte autónoma ao
processo, escondendo a identidade desta, conduzia a que só por milagre se obtivessem condenações de jornalistas por
violação de segredo de justiça. Sobre a prevalência do dever de responder à verdade em prol do dever de sigilo, na
perspectiva do jornalista como testemunha, ver AGOSTINHO TORRES, “Segredo de justiça…”, cit., pp. 239 e ss..
222
Preferindo esta perspectiva, embora conclua em sentido diferente, PAULO DÁ MESQUITA, “O segredo do inquérito
penal…”, cit., p. 65.
223
Ou, paralelamente, quando a publicidade externa afecte de modo insuportável os direitos fundamentais dos
intervenientes processuais, considerando-se como tais, o direito à vida e integridade física ou moral e os direitos de reserva
da vida privada, honra e reputação (ver artigo 86.º n.º 2 do CPP), sendo a imposição do segredo o único meios eficaz de
garantir estes direitos.
224
Cfr. art. 89.º n.º 6 CPP07.
segredo225; e a segunda, para esclarecer que o direito a informar nunca deverá prevalecer quando atinja
o núcleo fundamental do direito à reserva da vida privada226.

Em qualquer caso, deverá ficar claro que a reforma pretendeu eliminar quaisquer dúvidas sobre a
possibilidade de punição dos jornalistas que, independentemente da forma como obtiveram
conhecimento dos factos – tendo tido acesso aos autos, tendo recebido cópias de elementos relevantes,
ou recebido meras informações por parte de funcionários ou outros jornalistas, de outro interveniente
ou mesmo por interposta pessoa – venham a divulgar informações que se encontrem, ainda, em
segredo de justiça e secretas227.

O que nos leva à problemática, que não passa pela vinculação ao dever de segredo, relativa aos
limites da incriminação na perspectiva do acto de divulgação. Isto é, na divulgação de informações
abrangidas pelo segredo no âmbito dos fenómenos de “arrastão noticioso”, quando, após uma
divulgação inicial por um meio de comunicação social, os restantes se limitam a fazer referência à
notícia original ou a comentários posteriores à referida notícia. Este problema não se resolve pelo
artigo 86.º do CPP, mas sim mediante interpretação do próprio artigo 371.º do CP. A incriminação
abrange apenas e só as condutas daqueles que “dêem conhecimento de teor de acto de processo
penal”. Ora, nestes casos, os jornalistas em questão estão apenas a divulgar actos que i) dizem respeito
a notícias publicadas e não a actos processuais; e ii) já são do conhecimento público, ficando excluída
a responsabilidade penal, desde que a peça noticiosa se limite a transcrever ou repetir os factos já
divulgados228.

12. O artigo 88.º n.º 4 do Código de Processo Penal de 2007

Outra questão importante, no que respeita à punibilidade de condutas intrinsecamente associadas


ao exercício da actividade de comunicação e às novidades da reforma, prende-se com a vexata questio
da publicação do teor de escutas telefónicas, conduta que é punida com a pena prevista para o crime de
desobediência simples – pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias – nos termos do n.º 4
do artigo 88.º do CPP.

225
Trata-se de garantir o direito a informar quando o mesmo só tenha utilidade face a uma informação actual e não esteja
em causa a divulgação do teor ou conteúdo de elementos do processo, por exemplo, quando se anuncia a detenção de um
suspeito ou a sujeição a prisão preventiva de um arguido.
226
Assim a vítima de um crime contra a liberdade sexual tem o direito a não ver exposta a sua identidade, se sempre a
preservou, associada à divulgação dos factos que integraram a prática do crime, por exemplo (ver artigo 88.º n.º 2 alínea c)
do CPP).
227
Uma vez que, aliás, após a reforma, todos se devem considerar vinculados ao segredo de justiça nos termos do n.º 8 do
artigo 86.º do CPP.
228
A responsabilidade deverá manter-se sempre que a notícia envolva novos elementos – sujeitos a segredo – ainda que
apenas digam respeito a confirmações de dados com novas fontes ou pormenores de concretização ante a notícia original.
Em sentido próximo, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de Maio de 1999, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, a publicação de conversas que cidadãos pensam estar a decorrer no âmbito da sua
privacidade ou intimidade, coloca sempre em causa o direito à reserva da vida privada e o direito à
palavra229. Como, bem, afirmou o Tribunal Constitucional: “O direito à palavra a que se refere o
artigo 26º da CRP – próximo do direito à imagem, enquanto direito pessoal, e por isso
estruturalmente distinto do direito à liberdade de expressão (artigo 37º) – pressupõe a existência de
uma «liberdade de disposição na área da comunicação não pública», em que o que é dito –
justamente por ser dito fora do espaço público, ou seja, não com o intuito de ser escutado – faz parte
da «acção comunicativa» espontânea, «inocente e autêntica». Quem «escuta» um discurso assim, feito
para não ser escutado, infere sentidos. A decisão unilateral e externa (isto é, tomada sem o
conhecimento do autor do próprio discurso) quanto ao se e ao modo da descontextualização do
mesmo, permite que às inferências de sentido iniciais se venham a sobrepor outras, numa escala
potencialmente progressiva de redução da compreensibilidade do que foi dito.” E, pode acrescentar-
se, com uma intensidade lesiva do direito à disposição da imagem e manifestação da personalidade
bastante superior à que se poderia alcançar pela palavra escrita. Neste sentido, o artigo 199.º do
Código Penal230 estabelece já uma punição para quem, contra a vontade do titular:

c) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público;

d) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo


que licitamente produzidas;

Sendo certo, contudo, que a publicação pode ser justificada, quer porque o próprio a autoriza, quer
porque foi legitimada de acordo com um raciocínio de interesse prevalecente. Mas é preciso
demonstrar, no caso, a prevalência de um interesse de valor constitucionalmente superior, mediante
um juízo de concordância prática. Portanto, a pergunta que se coloca é a seguinte: o mero interesse
público, no âmbito da liberdade de imprensa, justifica a publicação do conteúdo de escutas
telefónicas? E ainda, saber se é indiferente, para a nossa resposta, que o conteúdo das escutas haja sido
previamente tornado público por sentença ou outro acto judicial.

Do já referido caso Craxi pode retirar-se uma conclusão importante: a decisão do TEDH teria sido
diferente, se as escutas em questão tivessem anteriormente sido lidas em julgamento ou constassem de
sentença. O que justifica então a publicação de escutas contra a vontade do escutado, em nome do
interesse público, é a relevância do conteúdo destas para um determinado processo-crime e
consequente apuramento da responsabilidade penal. Mas esta relevância – tratando-se de conversações
cujo conhecimento foi obtido através de uma intromissão na intimidade privada, perpetrada pelo

229
Previsto, desde 1989, no artigo 26.º n.º 1 da CRP. Sobre a tutela devida ao direito à palavra ver FARIA COSTA, “As
telecomunicações e a privacidade. O olhar (in)discreto de um penalista”, in Direito Penal da Comunicação (Alguns
escritos), cit. (1), 1998, pp. 146 e ss.; COSTA ANDRADE, Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal…, cit., pp.
184 e ss.
230
Sobre este crime ver COSTA ANDRADE, “Comentário ao artigo 199.º do Código Penal”, cit., pp. 817 e ss.
Estado em nome de interesses da colectividade – não pode ser determinada pelos interessados na
divulgação (os meios de comunicação social), sendo sempre necessário o crivo judicial.Veja-se que as
próprias escutas – e, por conseguinte, a utilização da transcrição do que foi, na sua essência, uma
comunicação fechada e não destinada ao uso público – realizadas pelos órgãos de polícia criminal
apenas não constituem a prática de um crime por se encontrar justificada na necessidade de garantir
um outro valor constitucional, num primeiro exercício de concordância prática. O que quer dizer que
qualquer utilização das transcrições – ou do material no qual foi cristalizada a conversação escutada –
configurará sempre a prática de crime231, caso não intervenha uma causa de exclusão da ilicitude que
admita tal utilização, através de um segundo juízo de concordância prática.

Ora, o direito a informar232 só poderá constituir tal causa de justificação se os elementos escutados
se revelarem relevantes para o processo, sendo, enquanto tais, para aí transcritos, assim se fechando o
círculo em torno desta questão. Ou ainda, quando não tendo qualquer relação com aquele processo,
sejam de manifesto interesse público por versarem de modo relevante sobre factores estruturantes da
sociedade em questão233. Através de uma leitura sistemática do novo regime, conclui-se que o dever de
respeito pela reserva da vida privada impõe-se, num primeiro momento, ao juiz do processo, o qual
deverá mandar destruir imediatamente as escutas cuja divulgação possa afectar gravemente direitos,
liberdades e garantias, dever que decorre da alínea c) do n.º 6 do artigo 188.º do CPP. Aliás, esta
necessidade de destruição imediata já tinha sido equacionada pelo Tribunal Constitucional nos
Acórdãos 660/2006 e 450/2007234, afirmando-se, neste último: “Deve no entanto considerar-se que a
ordem de destruição parcial das escutas pode ainda ser justificada por outra razão, atinente à
protecção da reserva da intimidade da vida privada do próprio arguido e de terceiros. Colocar-se-á
então o problema de saber se, nesses casos, não será (precisamente ao contrário do que até agora se
tem vindo a defender) constitucionalmente devida a ordem do JIC de destruição de parte das
gravações efectuadas, por corresponder ela «à possibilidade de correcção pelo tribunal de uma
intromissão injustificada na reserva de intimidade da vida privada do arguido ou de terceiros.” Num
segundo momento, impõe-se a todos os que tomem contacto com as escutas em causa, como decorre
do mesmo n.º 6, o qual impõe um dever de sigilo. E, num terceiro momento, impõe-se aos cidadãos
em geral, estabelecendo-se uma proibição de publicação de escutas que não sejam consideradas, pelo
Tribunal, como relevantes para o processo. Isto porque só são transcritas para o processo as escutas

231
Previsto no artigo 199.º n.º 1 alínea b) do CP.
232
Uma vez que não se deverá incluir no direito a informar, o direito de aceder ilegitimamente a material escutado que não
tenha sido transcrito para o processo para posteriormente o divulgar.
233
Está a pensar-se, por exemplo, na divulgação de escutas que tenham incidido sobre responsáveis políticos ou membros
de altos cargos público e que versem sobre assuntos de Estado, tal como aconteceu no caso Face Oculta, em que foi
publicado o teor de escutas telefónicas realizadas a membros do Governo e titulares de cargos públicos.
234
Acórdãos n.º 660/2006 de 28 de Novembro e n.º 450/2007 de 18 de Setembro (do qual se retirou a citação), ambos
disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
relevantes para a prova – as restantes, não sendo logo destruídas, também não são transcritas – e só
podem ser publicadas as escutas que se tornem públicas por constarem já do processo.

A norma incriminadora constante do artigo 88.º n.º 4 deve, então, ser interpretada no sentido de
proibir a divulgação, sob a forma de reprodução, de escutas telefónicas que, estando ou não o processo
sob o segredo de justiça, não hajam sido alvo de uma divulgação no âmbito judicial235. Nestes casos, a
publicação só será, então, justificada quando haja consentimento do escutado, quando as transcrições
tenham sido tornadas públicas no âmbito judicial, por terem sido consideradas relevantes, enquanto
elementos de prova, para uma determinada decisão e, ainda, quando haja um manifesto interesse
público na divulgação das mesmas. Portanto, somente lida em conformidade com o que aqui foi dito, é
que a norma constante n.º 4 do artigo 88.º não viola a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou
a Constituição, nem colide com a jurisprudência do TEDH ou do Tribunal Constitucional.

ABREVIATURAS

AR – Assembleia da República
CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem
CEJ – Centro de Estudos Judiciários
Cit. – Citado
CP – Código Penal após a reforma de 2007
CP95 – Código Penal após a reforma de 1995
CPP – Código de Processo Penal após a reforma de 2010
CPP87 – Código Processo Penal na redacção originária
CPP07 – Código Processo Penal após a reforma de 2007
CRP – Constituição da República Portuguesa
DR – Diário da República
JI – Juiz de Instrução
MP – Ministério Público
OPJ – Observatório Permanente de Justiça
STJ – Supremo Tribunal de Justiça
TC – Tribunal Constitucional
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos do Homem
UMRDP – Unidade de Missão para a Reforma do Direito Penal

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AMARO, Vanessa Fernandes O jornalismo investigativo no processo Casa Pia de Lisboa. O semanário
Expresso e o caso português de pedofilia, Universidade Nova de Lisboa,
disponível em http://www.bocc.ubi.pt/;

235
Sobre as relações de concurso entre este crime de desobediência e os crimes de violação de segredo de justiça (art. 371.º
CP) e de gravações ou fotografias ilícitas (art. 199.º CP) ver o meu “Direito Penal da Comunicação Social…”, cit., pp. 476
e ss..
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