Sunteți pe pagina 1din 33

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL


FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO
CURSO DE LETRAS

BRUNA MARIA DOS SANTOS GONÇALVES

DOROTHY E ALICE NAS ENTRELINHAS DO FANTÁSTICO

CAMPO GRANDE – MS
NOVEMBRO – 2019
2

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL


FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO
CURSO DE LETRAS

BRUNA MARIA DOS SANTOS GONÇALVES

DOROTHY E ALICE NAS ENTRELINHAS DO FANTÁSTICO

Trabalho apresentado como avaliação parcial da disciplina de


Teoria da Literatura III do Curso de Letras da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, no quarto semestre de 2019,
ministrada pelo Prof. Drº. Edgar Cézar Nolasco.

CAMPO GRANDE – MS
NOVEMBRO – 2019
3

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer ao Professor Doutor Edgar Cézar

Nolasco pela oportunidade e confiança de elaborar essa análise comparatista, sendo

um grande e complexo desafio para mim, porém demasiado produtivo.

Agradeço pelas orientações dadas em sala de aula, pois foram de grande

valia para a minha construção teórica e crítica. Além, disso agraço pela paciência e

por compartilhar seus conhecimentos com ampla dedicação e empenho para que

este trabalho seja entregue com um resultado satisfatório.


4

RESUMO

O objetivo desse trabalho é explorar e fazer uma análise comparatista entre as

obras: Alice no País das Maravilhas e O mágico de Oz, demonstrando as,

dessemelhanças, tradição e outros conceitos que farão parte do aporte teórico.

Realizarei um exame sobre a construção do herói, com a teoria do monomito de

Joseph Campbell, também conhecida como jornada do herói. E por fim, falaremos

sobre o lócus e a relação do entre - lugar demonstrando o real no ficcional.

Palavras-chave: Literatura Comparada; herói; O mágico de Oz; Alice no país das

maravilhas; dessemelhanças.
5

RESUMEN

El objetivo de este trabajo es explorar y hacer un análisis comparativo entre las

obras: Alicia en el país de las maravillas y El mago de Oz, demostrando, las

diferencias, la tradición y otros conceptos que formarán parte del marco teórico.

Echaré un vistazo a la construcción de héroes con la teoría del monomito de Joseph

Campbell, también conocida como el viaje del héroe. Y finalmente, hablaremos

sobre el lugar y la relación de lugar que demuestra lo real en lo ficticio.

Palabras clave: literatura comparada; héroe El Mago de OZ; Alicia en el País de las

Maravillas; disimilitudes.
6

LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Verossimilhança......................................................................................11

Figura 02: Capa do livro Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll...................13

Figura 03: Capa do livro O mágico de Oz de Lyman Frank Baum............................13

Figura 04 – Diagrama mostrando como estão dispostas as etapas da jornada do


herói...........................................................................................................................19
Figura 05 – Alice e Dorothy.......................................................................................22
Figura 06 –Alice se olhando no espelho....................................................................27
Figura 07 – Desenho de Dorothy por Denslow......................................................... 28
7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – VOU TE CONTAR UM SEGREDO...............................................08

CAPÍTULO I – ERA UMA VEZ(...)............................................................................10


1.1 – E foi assim que (...).........................................................................................11
2.2 – Enquanto isso(...)............................................................................................15

CAPÍTULO II – O HERÓI EM CONSTRUÇÃO..........................................................17


2.1 – O herói em construção...................................................................................18
2.2 – A fuga do estereótipo
feminino.....................................................................................................................21

CAPÍTULO III – O ENTRE- LUGAR DA VOLTA AO LAR........................................23


3.1 – O real no ficcional...........................................................................................24
3.2– A Passagem para um novo outro mundo......................................................26

CONCLUSÃO – DENTRO DA CAIXA TEM UMA HISTÓRIA..................................29

REFERÊNCIAS .........................................................................................................32
8

INTRODUÇÃO –
VOU TE CONTAR UM SEGREDO

Quanto a mim, creio que o escritor revolucionário é aquele em


que se fundem indissoluvelmente a consciência do seu livre
compromisso individual e coletivo, e essa outra soberana
liberdade cultural que confere o pleno domínio do ofício.
CORTÁZAR. Valise de cronópio, p. 160.
9

INTRODUÇÃO – VOU TE CONTAR UM SEGREDO

Este trabalho consiste em uma pesquisa teórica e prática, que tem por

finalidade a execução de uma análise comparatista das obras: O mágico de OZ de

Lyman Frank Baum e Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll. Dialogando e

fazendo ponte entre Alice e Dorothy, com a teoria da jornada do herói, elaborada por

Joseph Campbell. Minha proposta é uma abordagem metafórica dessas heroínas, se

valendo também do meu próprio bios, de acontecimentos do meu cotidiano comum e

artístico, mas que de alguma forma possam ser relacionadas com cada narrativa

escolhida, de modo que seja construído um paralelo, pois como compreende

Campbell:

[...] não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de


todos os tempos às enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em
toda a sua extensão. Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde
temíamos encontrar algo abominável, encontraremos um deus. E lá, onde
esperávamos matar alguém, mataremos a nós mesmos. Onde
imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria
existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do
mundo todo.

CAMPBELL. O poder do mito, p. 137, 1990.

A construção do presente trabalho foi dividida em três partes que correram

em paralelo e complementam-se: a parte teórica, localizada no CAPÍTULO I – ERA

UMA VEZ (...) que consistirá em uma pincelada sobre a literatura comparada

fazendo um aprofundamento relativo, para preparar o leitor para o CAPÍTULO II – O

HERÓI EM CONSTRUÇÃO, que tem como principal objetivo demonstrar e como as

personagens Alice e Dorothy possivelmente foram criadas, dando um ponta pé para

o CAPÍTULO III – O ENTRE LUGAR DA VOLTA AO LAR que vai analisar essa

construção de personagem no “novo mundo”.

.
10

CAPÍTULO I – ERA UMA VEZ (...)

Toda obra literária origina-se de uma determinada época e de


uma determinada cultura, isto é, é gerada num certo tempo e
num certo espaço, filiando-se a uma determinada classe ou
espécie ou inaugurando um novo horizonte através de um
conjunto próprio de regras.
ARAGÃO. Gêneros literários, p. 64.
11

1.1 – E foi assim que(...)

A literatura nasce de uma dupla falta: uma falta sentida no


mundo, que se pretende suprir pela linguagem, ela própria
sentida em seguida como falta.
PERRONE-MOISÉS. Flores da escrivaninha, p. 103.

A Literatura tenta representar a realidade, mas infelizmente ou felizmente

falha, alcançado somente os pés da verossimilhança, tal qual, mantém o elo com a

realidade, se utilizando de uma linguagem que presa pelo sentido, fazendo uma

ponte com a relação que se estabelece entre imagem e ideia, como podemos ver na

imagem a seguir:

Figura 01 – Verossimilhança
Fonte: Google Imagens

De certa forma tudo que está relacionado com a literatura precisa de

verossimilhança, todos os mundos que são apresentados são verossímeis, ainda

que baseados em fatos reais ou que fujam da realidade, como os bizarros mundos

de Alice no País das Maravilhas e O mágico de OZ, objetos principais deste

trabalho.

Nesse ínterim, por mais que esses mundos não funcionem como o nosso

mundo “real”, a partir do momento que é escrito, esse mundo passa a existir e
12

possui suas próprias regras, estabelecendo divisões da sociedade que ali habita,

funções de poder político, quem é bom e quem é mal. Enquanto tudo estiver dentro

das regras estabelecidas, o leitor não necessita se preocupar com o anormal, pois, a

verossimilhança se encarrega de ordenar esses elementos no núcleo duro da

história.

Porém, é aí que surge a maior dificuldade de um escritor que está dentro

da literatura fantástica e/ou infantil, explorar minunciosamente cada detalhe afim de

que tudo faça sentido. Entretanto, não só o mundo pode ser verossímil, mas seus

personagens também, sua aparência, comportamento, personalidade, processo de

crescimento dentro da narrativa e entre vários outros aspectos pertencentes aquele

universo...

Desta maneira, um chapeleiro maluco possivelmente não poderia ser

situado em um mundo que visa copiar os detalhes da sociedade tida com real, como

por exemplo, é apresentada em A culpa é das estrelas de John Green, mas se ele

fosse parar no maravilhoso mundo de O mágico de Oz seria perfeitamente aceito,

pois se trata de um lugar similar ao seu mundo de criação, um local onde tudo é

magia, e sua personalidade é naturalizada.

Visando respeitar essas regras de mundo faremos uma análise

comparatista entre as obras Alice no País das Maravilhas e O mágico de OZ, com

base no conceito de Literatura comparada de Wellek e Warre (1948) apresentada e

traduzida por Leyla Perrone-Moisés no seu livro Flores da escrivaninha:

(*) “ A literatura comparada é a arte metódica, pela busca de ligações de


analogia, de parentesco e de influência, de aproximar a literatura dos outros
domínios da expressão ou do conhecimento, ou então os fatos e os textos
literários entre eles, distantes ou não no tempo e no espaço, contanto que
eles pertençam a várias línguas ou várias culturas participando de uma
13

mesma tradição, a fim de melhor descrevê-los, compreendê-los e apreciá-


los.”
Perrone-Moisés. Flores da escrivaninha, p. 92.

Figura 02 – Capa do livro Alice no País das Maravilhas Figura 03 – Capa do livro O mágico de Oz
Fonte: Google Imagens Fonte: Google Imagens

Quando pegamos as obras que escolhidas já criamos a ideia que se trata

de algo totalmente fantástico, insólito e imaginoso. Todavia, Todorov em seu livro

Introdução à literatura fantástica, apresenta o conceito de Fantástico, que conversa

muito com o caráter imaginoso citado por Jesualdo, formulando uma discussão

absolutamente imersiva, pois se entrelaçam nas obras aqui escolhidas, não me

causando surpresa ao fato das obras despertarem tanto o interesse das crianças e

não só delas.

De fato viver em mundo envolvido pela imaginação e criação do inexistente

é no mínimo peculiar aos olhos de quem o lê, mas o que seria essa forma de

escrever? Nada mais é do que a escrita em nonsense, Vasconcelos em Sentido do


14

não-sentido: contributos para uma reflexão sobre a escrita nonsense, busca explicar

melhor com base em Anthony Burgess:

Num ensaio intitulado Nonsense, Anthony Burgess define o caráter do


discurso do <<não-senso>> como <<um modo bizarro de fazer sentido>>,
integrando-o numa tradição peculiarmente britânica, com raízes
periodológico-literárias no século XIX vitoriano e reflexos de influência nas
escritas surrealistas.
VASCONCELOS. Sentido do não – sentido: contributos para uma reflexão
sobre a escrita nonsense, 1998.

Dessa forma, se passarmos um pente fino nas obras fica evidente a escrita

nonsense através de alguns trechos, como por exemplo, logo no primeiro capítulo de

Alice no país das Maravilhas, a personagem Alice avista um coelho muito fora do

convencional:

“mas quando viu o Coelho tirar um relógio do bolso do colete e tirar as


horas, e depois sair em desparada, Alice se levantou num pulo, porque
constatou subitamente que nunca tinha visto antes um coelho com bolso de
colete, nem com relógio para tirar de lá.”

CARROLL, Alice no país das maravilhas, p. 6.

Porém há um detalhe um tanto quanto interessante, quando retomamos ao

Mágico de Oz, onde na própria introdução do livro de 2002 publicado pela editora

Zahar, é dito que Baum criticava o nonsense de Lewis Carroll:

O Mágico de Oz, de L. Frank Baum, está para os Estados Unidos assim


como Alice no País das Maravilhas para a Inglaterra, ou os contos dos
irmãos Grimm para a Alemanha. Desde o início, por sinal, o livro foi
comparado ao clássico de Lewis Carroll – e não sem um fundo de verdade.
Baum criticava o nonsense do autor de Alice, mas gostava do fato de
estar sempre acontecendo alguma coisa, não raro algo inusitado ou meio
maluco, o que levava as crianças a serem arrebatadas, e deliciadas, pela
história. Era esse entusiasmo que o americano procurava inspirar com suas
narrativas.

BAUM. O mágico de oz, p.7.

Para tanto esta foi a principal questão que me gerou curiosidade comparar

estas duas grandes obras que participaram de nossas infâncias.


15

1.2 Enquanto isso (...)

Inventar um outro mundo mais pleno ou evidenciaras lacunas desse em


que vivemos são duas maneiras de reclamar da falta. Mas aí chegamos ao
grande paradoxo que funda o fazer literário. A literatura empreende suprir
a falta por um sistema que funciona em falta, em falso: esse sistema é a
linguagem.

PERRONE-MOISÉS. A criação do texto literário, p.105.

Levando em conta que Alice no país das Maravilhas foi publicada no ano

de 1865 e O Mágico de Oz em 1897, partirei do próprio conceito de

intertextualidade:

Todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e


transformação de um outro texto. A intertextualidade designa o diálogo
entre os textos [...]
BAKHTIN apud COMPAGNON. O demônio da teoria, p.11.
Embora Frank Baum tenha criticado o nonsense de Lewis Carroll não

significa que o mesmo não tenha sido influenciado por ele e vice e versa, pois a

influência como um todo é cíclica, ela que causa aqui as dessemelhanças, onde o

autor tenta não se influenciar, mas já está tomado por toda essa intertextualidade,

como podemos ver que Alice é totalmente influenciada por Dorothy em questão de

características comportamentais e físicas, da mesma forma que Dorothy é

influenciada por Alice na busca de um mundo, onde ela poderia se enquadrar.

A intertextualidade é [...] o mecanismo próprio para a leitura literária.


Somente ela na verdade, produz a significância, enquanto a leitura linear,
comum aos textos literário e não literário, não produz senão o sentido.
RIFFATERRE apud COMPAGNON. O demônio da teoria, p.110.
Isto tem muito a ver com a própria tradição, que não é nada linear, muito

pelo contrário trata-se de todo um fator cultural que visa causar um efeito de

transmissão de valores, muito além do tempo cronológico-histórico:

[...] por tradição literária entendemos não apenas uma sequência de obras
intertextualmente ligadas, mas o efeito produzido por uma vontade de
16

transmitir valores, estéticos e semânticos, para além de sua própria


existência limitada no tempo. Mais do que uma referência ao passado, à
ideia de tradição indica, assim, uma confiança no futuro. Aponta para a
convicção de alguém que, examinado o que lhe foi legado e consciente da
própria finitude, decide passar para as gerações futuras os valores de seu
tempo, os considerados relevantes e dignos de serem transmitidos.

SANTOS. Tradição e intertextualidade, s/p

Enquanto Alice no País das Maravilhas demonstra fatores políticos da

época que foi escrito, criticando por meio dos personagens e pelo enredo da

narrativa, O mágico de Oz segundo Lyman Frank Baum exposto na edição da Zahar

(2002) é somente para o prazer das crianças.

L. Frank Baum,

Chicago, abril de 1900

Com essa ideia em mente, a história de O Mágico de Oz foi escrita

apenas para o prazer das crianças de hoje. Pretende ser um conto de

fadas modernizado, em que a admiração e a alegria se conservam e

os sofrimentos e pesadelos são deixados de fora.

BAUM. O mágico de oz, p. 9.

Mesmo que O mágico de Oz contenha um nonsense mais leve, ele critica

por diversas vezes a sociedade nas entrelinhas como no caso do espantalho que é

de palha, não tem cérebro, porém, fala.

Nesse ínterim, não poderia deixar de mencionar as maiores igualdade para

mim até o momento que são o fato de ambas as narrativas não possuírem um tempo

cronológico, ficando tão “ausente” que até os personagens ficam um pouco

perdidos.

Outro fato em comum é que ambas as protagonistas estão pisando em

ovos nos respectivos “mundos novos”, possuindo um caráter imaginoso como fator

primordial.
17

CAPÍTULO II – O HERÓI EM CONSTRUÇÃO

Sempre pensei que a narrativa é a arte primordial dos seres


humanos. Para ser, temos que nos narrar, e nessa conversa
sobre nós mesmos há muitíssima conversa fiada: nós nos
mentimos, nos imaginamos, nos enganamos.
MONTERO. A louca da casa, p. 12.
18

2.1 – O herói em construção


A Lagarta e Alice olharam-se uma para outra por algum tempo
em silêncio: por fim, a Lagarta tirou o narguilé da boca, e dirigiu
– se à menina com uma voz lânguida, sonolenta.
“Quem é você?”, perguntou a Lagarta.
CARROLL. Alice no país das maravilhas, p. 41.

Campbell percebeu que muitas passagens narrativas eram bastante

parecidas entre si, mesmo pertencendo a povos extremamente diferentes;

organizando essas passagens, ele foi capaz de identificar uma série de etapas

necessárias para a construção do herói.

O autor nos traz assim uma outra maneira de compreender este processo,

que independente da região do mundo, da época, ou do quanto os povos sejam

distintos, sempre apresenta características comuns no sentido de suas narrativas.

Nesse sentido, Campbell nos convida a prestar atenção em passagens

muito semelhantes nas narrativas de histórias que à primeira vista são

completamente distintas, demostrando que cada uma se encontra imerso em sua

realidade. Seguindo este pensamento somos apresentados ao arquétipo do Herói, e

em como se dá sua jornada de construção.

Campbell descreve e organiza esta jornada em vários passos, que podem

apresentar algumas mudanças de acordo com o meio á que está envolto, no entanto

de maneira geral mantém seu sentido.

Além do limiar, então, o herói inicia uma jornada por um mundo de forças
desconhecidas e, não obstante, estranhamente íntimas, algumas das quais
o ameaçam fortemente. Quando chega ao nadir da jornada mitológica, o
herói passa pela suprema provação e obtém sua recompensa. Seu triunfo
[...]; intrinsecamente, trata-se de uma expansão da consciência e, por
conseguinte, do ser. No limiar de retorno, as forças transcendentais devem
ficar para trás; o herói reemerge do reino do terror. A benção que ele traz
consigo restaura o mundo.

CAMPBELL, Herói de mil faces, p. 241.


19

Figura 04 – Diagrama mostrando como estão dispostas as etapas da jornada do herói

Fonte: CAMPBELL, Herói de mil faces, p. 241.

Dessa forma a jornada do herói funciona tanto como estrutura narrativa,

quanto como metáfora para acontecimentos reais do dia-a-dia das pessoas, sendo

praticamente uma linguagem universal entre ambos.

Pensar no processo de construção de um personagem me faz refletir em

quem sou eu? Qual o motivo de ter escolhido essas duas narrativas e não outras?

Vejo que assim como Dorothy e Alice também sou um personagem no mundo que

vivo, pois o fato de ser artista me torna quem eu sou, pontua meu modo de pensar,

meu modo de agir e interagir.

Mas qual seria a semelhança de Alice, Dorothy e eu? De fato Alice e

Dorothy são heroínas para além de seu tempo, que não se contentam com o mundo
20

que a cercam, sempre enfrentando novas aventuras e por que não novos mundos?

Além disso, com o passar do tempo nota-se que vão surgindo personagens que

embora sejam diferentes do convencional, sempre representam pessoas ou

sentimentos do mundo que conhecemos como mundo real ou realidade.

Porém, e onde fica o meu bios? Por meio do teatro posso ser qualquer

desses personagens, qualquer objeto, literalmente qualquer coisa que possa

imaginar, mas no final das contas, todas nós temos necessidade de voltar para casa,

mas o que significa voltar para casa? Voltar para casa não se trata só da casa física,

trata - se de voltar a aquilo que chamamos de nós mesmo.

O teatro estava sempre esteve de portas abertas para mim, com alegria,

aventuras, biscoitos e chá, seria ele meu Chapeleiro Maluco?. Já minha mãe, com

seus pés no chão, no cinzento Mato Grosso do Sul assim como o Kansas de

Dorothy, me deixava claro que ali era o meu lar.


21

2.2 – A fuga do estereótipo feminino

Existem algumas personagens que fogem do estereótipo feminino

tradicional como: Alice, Dorothy, Chapeuzinho Vermelho, Coraline, entre outras.

Porém ,como se desenrolou no capítulo anterior me deterei somente a Alice e

Dorothy, cuja questão do feminino é representada fortemente, sendo uma

representação muito inovadora para a época.

Em relação com as princesas de outros contos clássicos é notório que

tanto Alice como Dorothy são personagens demasiadas contemporâneas, pois não

ficam esperando a salvação de seus príncipes ou de alguém que se encontra no

universo masculino. Elas pensam e reagem aos fatos, fazem escolhas boas ou

ruins, enfrentando as consequências destas escolhas.

Dorothy a protagonista de O mágico Oz de Lyman Frank Baum, sempre é

caracterizada como corajosa, independente, curiosa, sendo características

totalmente inovadoras, pois não se trata somente do empoderamento feminina, mas

de uma personagem da literatura infantil.

Da mesma forma, Alice protagonista de Alice no País das Maravilhas cuja

autoria é do escritor e matemático Charles Lutwidge Dodgson, mais conhecido por

seu pseudônimo Lewis Carroll, rompe todos os padrões instaurados e impostos pela

sociedade, pois Alice ao longo da narrativa mostra e demonstra que é muito além

de seu tempo, contendo um conhecimento, linha de pensamento, atitudes e

escolhas que não correspondem idade ou época.

Ambos os autores na criação dessas suas personagens reforçam alguns

estereótipos femininos, porém não tomam isto como um fator obrigatório, sendo que,
22

estas personagens adquirem um determinado poder de escolha, como diz a cientista

e tradutora Ana Carolina Lazzari Chiovatto em entrevista (2017): “Geralmente se usa

esses estereótipos para quebrar ou para dar uma profundidade psicológica maior

para a personagem pessoas não esperam de obras infantis”.

Deste modo, não se tem a inferiorizarão da figura masculina para que

ocorra o enfoque feminino, porém coloca essas personagens femininas “em

situações em que geralmente colocariam um protagonista menino”, como conta Ana

Carolina Lazzari Chiovatto.

Figura 05 – Alice e Dorothy

Fonte: Google Imagens


23

CAPÍTULO III – O ENTRE- LUGAR DA VOLTA AO LAR

– Minha querida criança! – exclamou ela, envolvendo a menina


nos braços e cobrindo o seu rosto de beijos. – De onde você
está vindo?
– Da Terra de Oz – respondeu Dorothy com toda a seriedade.
– E Totó também voltou comigo. E ah, tia Em, como estou feliz
por ter voltado para casa!
BAUM. O mágico de Oz, p. 109.
24

3.1 – O real no ficcional


Tudo isso é verdade, e fico feliz de ter podido ajudar os meus
bons amigos – disse Dorothy. – Mas agora que eles todos já
conseguiram o que mais queriam, e cada um ainda ganhou um
reino para governar, acho que quero voltar para o Kansas.
BAUM. O mágico de oz, p. 107.
A literatura do período escolhido em contrapartida ao fantástico ganha a

função pedagógica, por meio de romances e manuais, onde os escritores eram

como profetas e guias morais, utilizando como instrumento personagens bons e

maus, reafirmando um modelo social já existente, valorizando os padrões já

existentes. Porém, nem todos os escritores como Lewis Carroll e Lyman Frank

Baum.

Nesse ínterim, é possível fazer uma leitura crítica de suas obras, onde as

próprias personagens fogem do padrão, se valendo da ousadia, buscando a sua

satisfação pessoal, quebrando convenções, entre outras coisas.

Em Alice nota- se a sátira a alguns símbolos sociais importantes,

ridicularizando, por exemplo, a rainha. Trazendo um caráter crítico.

Dessa maneira, tanto em Alice no País das Maravilhas quanto em O

Mágico de Oz, mesmo nas entrelinhas, questionam os padrões sociais e

comportamentais.

Por fim, foi um grande avanço para a Literatura fantástica, tendo o

fantástico como o acontecimento de um fato estranho, que instigam aqueles que

lêem. Tendo a imaginação como alicerce. Ainda sobre o fantástico, Todorov explicita

três condições que são muito bem utilizadas pelos autores das obras escolhidas.

Primeiro, é preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo das


personagens como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma
explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos
evocados. A seguir, esta hesitação pode ser igualmente experimentada por
uma personagem; desta forma o papel do leitor é, por assim dizer, confiado
25

a uma personagem e ao mesmo tempo a hesitação encontra-se


representada, torna-se um dos temas da obra; no caso de uma leitura
ingênua, o leitor real se identifica com a personagem. Enfim, é importante
que o leitor adote uma certa atitude para com o texto: ele recusará tanto a
interpretação alegórica quanto a interpretação “poética”. Estas três
exigências não têm valor igual. A primeira e a terceira constituem
verdadeiramente o gênero; a segunda pode não ser satisfeita.

TODOROV, Introdução à literatura fantástica, p. 38.


26

3.2– A Passagem para um novo outro mundo

Sempre me perguntei com a curiosidade de Alice e o foco de Dorothy se

poderia existir um lugar que estivesse aguardando por mim, pois ao viver sempre

nesse entre-lugar, fantasia/realidade, tetro/letras, palcos/livros, atriz/ professora,

assim como Alice Inglaterra/País das Maravilhas e Dorothy Kansas/Terra de Oz. De

certa forma nós que formamos essa tríade vivemos de uma forma tão diferente, tão

peculiar, tão multicultural.

Quando Alice e Dorothy vão até um novo “mundo” é como se fosse um

encontro com elas mesmas, levando em consideração tudo aquilo que elas

desejavam, suas atitudes e comportamentos que não eram bem vindos em suas

vidas “reais”, ainda mais no caso de Alice na representação da vida real de Lewis

Carroll perante a sociedade inglesa da Era Vitoriana devido sua indignação da

literatura ter somente o papel de exaltar os padrões da sociedade, sendo um

instrumento pedagógico.

Nesse ínterim, é possível saber por qual motivo o Gato de Cheshireque

afirmou que todos são loucos, incluindo Alice.

Mas eu não quero ficar entre gente maluca‟, Alice retrucou. „Oh, você não
tem saída‟, disse o Gato, „nós somos todos malucos aqui. Eu sou louco.
Você é louca.‟ „Como você sabe que eu sou louca?‟, perguntou Alice. „Você
deve ser‟, afirmou o Gato, „ou então não teria vindo para cá.‟ Alice não
achou que isso provasse nada afinal: entretanto, ela continuou: „E como
você sabe que você é maluco?‟ „Para começar‟, disse o Gato, „um cachorro
não é louco. Você concorda?‟ „Eu suponho que sim‟, respondeu Alice.
„Então‟, o Gato continuou, „você vê os cães rosnarem quando estão bravos
e balançar o rabo quando estão contentes. Bem, eu rosno quando estou
feliz e balanço o rabo quando estou bravo. Portanto, eu sou louco.

CARROLL, Alice no País das Maravilhas, p. 51.

Deste modo, tanto Dorothy quanto Alice ao experenciar o novo mundo é

notório a relação com a própria fase de crescimento no processo de construção de


27

identidade, ainda com muitas dúvidas e reflexões entre desequilíbrios e equilíbrios,

não havendo assim uma identidade finalizada, ou até mesmo uma personagem

totalmente construída, a impressão que dá é que enquanto Lyman Frank Baum e

Lewis Carroll as criavam eles iam construindo e desconstruindo o eu em verdade

das mesmas.

„O senhor poderia me dizer, por favor, qual o caminho que devo tomar para
sair daqui?‟ „Isso depende muito de para onde você que ir‟, respondeu o
Gato. „Não me importo muito para onde..‟ retrucou Alice. „Então não importa
o caminho que você escolha‟, disse o Gato.

CARROLL, Alice no País das Maravilhas, p. 51.

Figura 06 – Alice se olhando no espelho


Fonte: Google Imagens
28

Por mais que no caso de Dorothy jamais tenha se especificado uma idade

definida, pelos desenhos de Denslow e as representações físicas em outras obras

da série Oz é possível que ela tenha chegado a Oz com cerca de seis anos de

idade. Porém, Baum descreve adultos que têm a mesma altura que ela, priorizando

a igualdade.

Figura 07 – Desenho de Dorothy por Denslow

Fonte: Google Imagens


29

CONCLUSÃO – DENTRO DA CAIXA TEM UMA HISTÓRIA

O drama está em nós; somos nós! E é grande a nossa


impaciência, o nosso desejo de representá-lo, impelidos que
somos pela paixão que ferve dentro de nós e não nos dá
trégua!

PIRANDELLO. Seis personagens à procura de um autor, p. 17.


30

CONCLUSÃO – DENTRO DA CAIXA TEM UMA HISTÓRIA

Escrever, enfim, é estar habitado por uma mixórdia de


fantasias, às vezes preguiçosas como os lentos devaneios de
uma sesta estival, às vezes agitadas e febris como o delírio de
um louco.
MONTERO. A louca da casa, p. 20.

Olhar para o que se produz e ver todas as transformações de uma ideia, de

seu princípio à sua concretização, talvez seja a coisa mais interessante do processo

de criar algo, compreender que por mais que se tenha uma ideia sensacional, nela

ainda há espaço para se lapidar, e que por mais habilidoso que se seja, é preciso

aprender com os erros e seguir adiante.

Executar este trabalho foi antes de tudo uma conquista pessoal para mim,

uma vez que nunca tinha me disposto a realizar uma pesquisa deste porte, e muito

menos me comprometido a fazer uma análise com esse nível de seriedade e

comprometimento, então concluí-la me traz um sentimento de orgulho e superação

muito grande.

Cada nova etapa que passava se mostrou para mim um degrau necessário

para que pudesse evoluir, tanto como pesquisadora quanto como artista do mundo,

e no fim das contas a jornada do herói, muito mais que um tema para

fundamentação teórica, foi um caminho que trilhei.

Os pensamentos e conhecimentos que aqui realizei e adquiri formam o

trabalho mais maduro que já produzi, fruto tanto do conhecimento teórico que adquiri

quando do refinamento técnico, sem esquecer é claro de toda a experiência obtida

ao longo do processo.
31

Desta maneira, este trabalho foi um grande ajudante na descoberta de

novos caminhos, propondo questões como: quem sou eu? Para onde vou? O que

quero fazer? Além de me levar à imersão e certo incômodo, no sentido filosófico,

porque me fez repensar e querer modificar a realidade instaurada.

A nível conteúdista, a discussão que aqui foi apresentada demonstrou que

sempre estamos em um estado de (re)construção, revisão e complementação de

estudos anteriores.

No primeiro capítulo, buscamos explorar e valorizar essa visada da

fundamentação teórica posto que tantos os autores das obras escolhidas como nós

mesmos somos formados do passado e agentes do futuro.

No segundo capítulo, vimos como o herói narrativo é construído, além de

sua evolução para além de seu tempo, fator essencial para o indivíduo tem a

capacidade de se inserir na história, seja de forma direta ou indireta, sendo como

narrador

O que se reforça, no capítulo III, onde vimos como a narrativa se vincula na

ponte do real e do ficcional além de como essas personagens evoluem neste outro

mundo.
32

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Tradução por

Vinícius Nicastro Honesko. 2.ed. Chapecó: Argos, 2010.

ARAGÃO, Maria Lúcia. In: SAMUEL, Rogel (org.). Manual de teoria literária.

Petrópolis: Vozes, 1985.

BAUM, L. Frank. O mágico de oz. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2013.

BERND, Zila. Afrontando fronteiras da literatura comparada: da transnacionalidade à

transculturalidade. Revista brasileira de literatura comparada, v. 15, n. 23, p. 211-

222, 2017.

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. 10. ed. São Paulo: Cultrix/Pensamento,

2005.

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990.

CARVALHAL, Tânia Franco. O próprio e o alheio. São Leopoldo: Editora Unisinos,

2003.

CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 1999.

CARROLL, Lewis. Alice no país das maravilhas. Rio de Janeiro: Editora Arara azul,

2002.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Trad. de

Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

CORTÁZAR, Julio. Valise de cronópio. Tradução por Davi Arrigucci Jr. e João

Alexandre Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 1993.


33

ELIADE, Mircea. Mito e Relidade. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1972.

HELENA, Lúcia. A construção da literatura comparada na história da

literatura. Revista brasileira de literatura comparada, v. 2, n. 2, p. 39-46, 2017.

MONTERO, Rosa. A louca da casa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Flores da escrivaninha. São Paulo: Companhia das

Letras, 1990.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas. São Paulo: Companhia das Letras,

1998.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. A criação do texto literário. In: PERRONE-MOISÉS,

Leyla. Flores na escrivaninha. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 100-110.

SANTOS, Michael Jhonatan Sousa; JESUS, Dagoberto Rosa de. Tradição e

intertextualidade. In: Revista Caribeña de Ciencias Sociales. Disponível em:

https://www.eumed.net/rev/caribe/2018/04/tradicaointertextualidade.html//hdl.handle.

nt/20.500.11763/caribe1804tradicao-intertextualidade. Acesso em: 10 de outubro de

2019.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Editora

Perspectiva, 1975.

VASCONCELOS, Filomena Aguar de. Sentido do não – sentido: contributos para

uma reflexão sobre a escrita nonsense. In: Revista da Faculdade de Letras: línguas

e literaturas, Porto, XV, 1998, p. 35 – 56.

S-ar putea să vă placă și