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Os bastidores da arte de trovar nas (meta)cantigas galego-portuguesas1

Fernanda Scopel Falcão

Resumo: Esta comunicação observará como os galego-portugueses efetuavam a crítica do


fazer trovadoresco de forma metalinguística, por meio de cantigas satíricas (especialmente as
tenções) que nos revelam suas considerações estéticas, numa lúdica disputa de competências
poéticas – atrelada, as mais das vezes, a uma disputa de estatutos poético-sociais.

A produção trovadoresca da Idade Média peninsular chegou a nosso conhecimento,


como se sabe, por meio de cancioneiros coligidos posteriormente à realização das cantigas.
Também se revela a existência de tal arte por meio de tratados retóricos (como a Arte de
Trovar) ou legislativos (como as Partidas de Alfonso X) que se referem a ela ou a pretendem
regular.
E a “crítica literária” contemporânea às cantigas? Infelizmente, pela carência de
relatos documentados, é dificultoso saber como eram recebidos pelo público os textos
trovadorescos, saber sob que critérios de valor a audiência palaciana avaliava determinado
trovador ou cantiga, saber como o “círculo literário” da corte estabelecia a crítica do fazer
trovadoresco. Essa é uma das dificuldades inerentes ao estudo do trovadorismo galego-
português. Não se sabe de crítica literária contemporânea às cantigas, pelo menos não no
sentido que a concebemos hoje.
Então, já que não temos acesso a testemunhos autênticos da realidade medieval, e já
que as cantigas constituem-se de reflexos dessa realidade, são elas que temos de tomar como
fonte. Como recomenda Nuno Júdice, ao lidarmos com a Idade Média,

não havendo autor, no sentido clássico, nem sendo possível estabelecer um


contexto social, histórico, económico, que permita uma compreensão
profunda do texto – para além das banalidades conhecidas, do tipo da
origem feudal ou da concepção cavaleiresca ou religiosa do universo da
literatura da época – idéias que desembocam em clichés e em caricaturas
desse universo – é então o texto que deverá ser o objectivo da
interrogação e é a partir dele que necessariamente a resposta se irá
estabelecendo (JÚDICE, 1993, p. 205. Destaque nosso).

1
Publicado em A crítica literária: percursos, métodos, exercícios. Vitória: PPGL, 2009, p. 266-272.
ISBN: 9788599345115
2

Por isso, é nas próprias cantigas, com destaque para as tenções, que descobriremos
como os artistas galego-portugueses efetuavam a crítica do fazer trovadoresco: de forma
metalinguística, esses homens do trovar não somente nos revelam suas considerações estéticas
sobre a obra de outrem, mas também deflagram uma lúdica disputa de competências poéticas,
que por sua vez está, como veremos, atrelada a uma disputa de estatutos poético-sociais.

***

As cantigas satíricas eram produzidas pelos trovadores e jograis para serem divulgadas
nos momentos de docere et delectare da corte. Respondiam, pois, a fins de divertimento,
devendo ser lidas, nesse caso, como um jocoso exercício literário; e também podiam revelar
intenções censoras, num equilíbrio entre intervenção e ludismo (LOPES, 2002, p. 13). A
divulgação das cantigas constituía-se num momento de aprendizado e reforço (mediados pelo
divertimento) da moral e dos costumes oficiais. Mas é claro que em muitos casos deparamo-
nos com cantigas que extrapolam o decoro e a cortesia medievais – um “desrespeito” que é,
igualmente, convenção e faz parte do caráter literário da sátira, bem como de sua dimensão
lúdica. Com esses fins, os trovadores e jograis elaboraram diversas cantigas, com uma
variedade de tons e objetivos, em que mofaram ou criticaram diversos alvos (as soldadeiras,
os ricos-homens, o amor cortês, os costumes, os vícios etc.), com uma linguagem que ia do
gracejo ao obsceno – eis a variedade, uma indelével e tradicional marca do gênero satírico.
E esses artistas riram inclusive deles próprios. De acordo com Graça Videira Lopes, o
grupo de cantigas que os trovadores e jograis mutuamente se dirigem “sobressai de forma
determinante no corpus satírico galego-português” (LOPES, 1994, p. 294): são 78 textos,
sendo 37 de ordem pessoal e 41 de ordem “profissional”. Essas últimas cantigas, que fazem a
crítica do trovar alheio, são as que mais nos interessam aqui, pois é por meio delas que temos
conhecimento dos bastidores da arte de trovar – e, ainda melhor, pelos olhos de seus próprios
atores.
Na opinião de Giuseppe Tavani, esses metacantares revelam o ethos trovadoresco, ao
utilizarem um campo sêmico que, dentre os que o estudioso considera próprios da sátira
galego-portuguesa, merece lugar de destaque (TAVANI, 2002, p. 248). Isso porque nesses
textos, encontramos muitas pistas sobre o fazer trovadoresco, bem como os seus termos
“técnicos”, a exemplo de cortesia, mesura, razon, don, cantares, mester, canto, cobra, rimar,
seguir, tanger, citolar, chufar, escarnho, maldizer, travar, jogar, entençar, sabedoria,
conhocer, maestria, iguar etc. Por meio das cantigas galego-portuguesas, tomamos
conhecimento até mesmo das trovas provençais. É o caso de uma tenção entre João Soares
3

Coelho e Picandom, em que o trovador João Soares acusa o jogral Picandom de não fazer bem
a “jograria” (isto é, cantar e/ou citolar), e de ter uma queda para o jogo e a bebida. Picandom,
o jogral que servia ao famoso trovador provençal Sordello, defende-se dessas acusações
gabando-se de ganhar muitos dons, de ser muito “preçado como segrel” na “jograria” das
modalidades trovadorescas de origem provençal, como as cançós e os sirventeses, e ainda de
conhecer muitas cantigas e de cantá-las muito bem. Abaixo, a título de ilustração, a cantiga.

― Vedes, Picandon, soo maravilhado


eu d’ En Sordel, [de] que ouço entenções
muitas e boas e mui boos sões,
como fui eu en teu preito tan errado:
pois non sabedes jograria fazer,
por que vos fez per corte guarecer?
Ou vós ou el dad’ ende bon recado.

― Joan Soárez, logo vos é dado


e mostrar-vo-lo-ei en poucas razões:
gran dereit’ ei de gaar [muitos] dões
e de seer en corte tan preçado
como segrel que diga: “Mui ben m’ es
en cançós e cobras e serventés”,
e que seja de falimen guardado.

― Picandon, por vós vos muito loardes,


non vo-lo cataran por cortesia,
nen por entrardes na tafularia,
nen por beverdes nen por pelejardes:
e, se vos esto contaren por prez,
nunca Nostro Senhor tan cortês fez
como vós sodes, se o bem catardes.

― Joan Soárez, por me deostardes,


non perç’ eu por esso mia jograria;
e a vós, senhor, melhor estaria
d’ a tod’ ome de segre ben buscardes:
ca eu sei canções muitas e canto ben
e guardo-me de todo falimen
e cantarei, cada que me mandardes.

― Sinher, conhosco-mi-vos, Picandon,


e do que díxi peço-vos perdon
e gracir-vo-l’ ei, se mi perdoardes.

― Joan Soárez, mui de coraçon


vos perdoarei, que mi dedes don
e mi busquedes prol per u andardes.
(LAPA, 1995, p. 163)
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Como mostra Lopes, uma das formas de crítica empregada pelos trovadores em suas
metacantigas é a retomada e/ou prolongamento de textos anteriores “que, pelo que se
depreende, se achou particularmente interessante” (LOPES, 1994, p. 301), o que demonstra a
admiração existente entre os pares. Mas o que se destaca nessa crítica intra-trovadoresca,
como já se pôde perceber na tenção anteriormente citada, são as denúncias (por vezes
fictícias) de incompetência na arte de trovar, como o uso de técnicas ou temas inadequados.
Uma querela muitíssimo famosa na escola trovadoresca é a que Carolina Michaëlis de
Vasconcelos chama de “O processo da amas” (VASCONCELOS, 2004, p. 29-108). Trata-se
de um ciclo de cantigas originadas em crítica a um cantar de amor que João Soares Coelho
teria dedicado a uma ama. Como se sabe, é convenção que a senhor louvada pelos trovadores
seja uma dama da nobreza; logo, o uso de personagens não contempladas nessa tradição é
visto como inadequado e acaba por gerar críticas. E como ressalta Graça Videira Lopes, o
problema, aqui, parece não se originar puramente de um preconceito de ordem social:

A questão é a da adequação de uma arte com determinadas normas a


personagens que [...], por mais respeitáveis que sejam, são obviamente
exteriores ao universo dessa arte. A questão é, portanto, mais das normas
artísticas em si do que da personagem daquela ama em particular (LOPES,
1994, p. 315-316).

No caso da “polêmica das amas”, um trovador é criticado por seus colegas. Isso
acontece, porém, a maioria das acusações encontradas nos metacantares é dirigida aos jograis,
o que nos revela a existência de uma disputa não só de competências poéticas, mas também de
estatutos poético-sociais. A maior parte das críticas não diz respeito à composição de cantigas,
mas à jograria, pois ao jogral, devido à sua origem social de vilão, cabia apenas “tocar,
acompanhar musicalmente ou cantar as cantigas do trovador ou do segrel” (LOPES, 1994, p.
305). Já o segrel era o pequeno nobre que fazia da arte de trovar um trabalho, com o qual
garantia renda2. E o trovador é o nobre que tem no fazer trovadoresco uma arte
desinteressada, “uma ocupação, como a caça ou os torneios, e ao mesmo tempo uma marca
cultural socialmente distintiva, nunca um trabalho” (LOPES, 1994, p. 304)3. Por isso mesmo,
como confirma Lopes, um jogral que se atreva a “veleidades de composição trovadoresca
torna-se inevitavelmente assim um motivo de chufa” (LOPES, 1994, p. 303). Foi o que

2
É por isso que na tenção antes citada, o jogral Picandom gaba-se de ser “preçado como segrel”, ou seja, como
um nobre, ainda que de pequena nobreza.
3
Apesar de ser muito utilizada pelos estudiosos, é importante destacar que “a diferenciação
trovador/segrel/jogral tem gerado ao longo dos últimos anos uma série de discussões” (SOUZA, 1997, f. 1, nota
7).
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aconteceu com Picandom e muitos outros, como Lourenço, um dos mais famosos jograis
afonsinos. Tanto que suas cantigas foram objeto de estudo de um capítulo das Lições de
Literatura Portuguesa de Rodrigues Lapa, intitulado “As impertinências do jogral Lourenço”.
Menéndez Pidal, na sua Poesia juglaresca, e também Carolina Michaelis, nas suas Glosas
marginais, reconhecem o talento poético do jogral. Ficamos sabendo que a tão cantada
inabilidade de Lourenço (e certamente de outros jograis) deve-se apenas a uma falsa/lúdica
inveja dos trovadores, já que suas obras “equivalem às dos trovadores nobres”
(VASCONCELOS, 2004, p. 88), pois ele “possuía facilidade de palavra, engenho e ousadia”
(VASCONCELOS, 2004, p. 88).
Para concluirmos essas breves notas, passemos à leitura de uma tenção travada entre
João Soares Coelho e o jogral Lourenço:

― Quen ama Deus, Lourenç’, ama verdade,


e farei-ch’ entender por que o digo:
ome que entençon furt’ a seu amigo
semelha ramo de deslealdade;
e tu dizes que entenções faes
que, pois non riman e son desiguaes,
sei m’ eu que x’as faz Joan de Guilhade.

― Joan Soárez, ora m’ ascuitade:


eu ôuvi sempre lealdade migo;
e quen tan gran parte houvesse sigo
en trobar com’ eu ei, par caridade,
ben podia fazer tenções quaes
fossen ben feitas; e direi-vos mais:
lá con Joan Garcia baratade.

― Pero, Lourenço, pero t’ eu oía


tençon desigual e que non rimava,
pero qu’ essa entençon de ti falava,
[o] Demo lev’ esso que teu criia:
ca non cuidei que entençon soubesses
tan desigual fazer, nena fezesses,
mas sei-m’ eu que x’a fez Joan Garcia.

― Joan Soárez, par Santa Maria,


fiz eu entençon, e bena iguava
con outro trobador que ben trobava,
e de nós ambos ben feita seria;
e non vo-lo posso eu mais jurar;
mais se [un] trobador migu’ entençar,
defender-mi-lh’ ei mui ben toda via.
(LAPA, 1995, p. 162)
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Nessa cantiga, Coelho acusa o jogral Lourenço de trovar uma tenção que não é sua,
porque ela seria de baixa qualidade poética (era “desigual” e “non rimava”) e só poderia ter
sido composta, então, por seu amo João Garcia de Guilhade. As intenções literais de João
Soares são, nessa feita, criticar Guilhade, por não saber “iguar” e rimar, e condenar o jogral
por mentir e roubar. Aqui, a “incompetência” de Lourenço foi amplificada, já que, além de
não compor boas cantigas, ainda roubaria outras sem qualquer qualidade. Talvez ainda
pudéssemos pensar que João Soares culpa Guilhade pelas canções ruins de seu jogral: como
poderia Lourenço bem trovar se o seu mestre não o sabe e, portanto, não poderia ensinar-lhe?
Entretanto, uma possibilidade não nos escapa: os sons desiguais ou seriam mesmo do jogral
ou nem existiriam, já que a inabilidade de Lourenço deve-se a uma lúdica inveja dos
trovadores, como vimos. Nesse caso, a cantiga mal feita poderia ser apenas fruto de uma
ardilosa brincadeira que, de fato, se atribui a Coelho. João Soares, para atacar Guilhade e pôr
em dúvida sua capacidade, inventa que é este trovador quem compõe as cantigas desiguais
para Lourenço divulgar. Constrói-se, desse modo, um discurso que se afirma como verdadeiro
e faz a apologia da verdade como uma virtude divina (o provérbio “Quem ama Deus ama a
verdade”), mas que se fundamenta, pelo contrário, numa burla. Nessa leitura, ainda se entende
que o provérbio é usado como argumento de autoridade; porém, parodicamente, “autoriza”
um discurso oposto ao seu.
Nesse texto, salta aos olhos não somente a competência retórica de João Soares
Coelho, mas também a habilidade poética de Lourenço, que se põe a par do trovador com
quem canta. Aí também encontramos quase todos os tópicos/temas da crítica
intratrovadoresca: a crítica ao trovador sem técnica, a crítica ao jogral com veleidades de
compositor, o roubo de trovas.

***

Como se vê, é por meio dessas metacantigas que temos acesso aos bastidores da arte
de trovar, pois elas fazem referência aos modelos estéticos e morais valorizados pelos
trovadores, aos critérios com que a arte galego-portuguesa era avaliada. E “nos mostram,
antes de mais, um ambiente trovadoresco formado por grupos relativamente coesos e mais ou
menos fixos [...]. Uma sociedade cortês cujas normas, não só poéticas, mas também de
comportamento, são comuns” (LOPES, 1994, p. 297). Além disso, comprovam que a Idade
Média foi um tempo ilustrado com engenho e arte, com risos e cores, e não um rabisco em
preto e branco como até pouco tempo se pensava.
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Referências

JÚDICE, Nuno. O elemento popular no texto medieval (problemas de metodologia). In:


CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO HISPÂNICA DE LITERATURA MEDIEVAL, 4., 1991,
Lisboa. Actas... Lisboa: Cosmos, 1993. p. 205-208.

LAPA, Manuel Rodrigues (Ed.). Cantigas d’escarnho e de mal dizer dos cancioneiros
medievais galego-portugueses. Vigo/Lisboa: Ir Indo/João Sá da Costa, 1995.

______. Lições de literatura portuguesa: época medieval. 8. ed. rev. e acresc. Coimbra:
Coimbra, 1973.

LANCIANI, Giulia; TAVANI, Giuseppe. As cantigas de escarnio. Traducción de Silvia


Gaspar. Vigo: Xerais de Galicia, 1995.

LOPES, Graça Videira. A sátira nos cancioneiros medievais galego-portugueses. Lisboa:


Estampa, 1994.

SOUZA, Risonete Batista de. Estudo descritivo do vocabulário de Pero da Ponte. 1997. 236
f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística,
Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1997.

TAVANI, Giuseppe. Trovadores e jograis: introdução à poesia medieval galego-portuguesa.


Porto: Caminho, 2002.

VASCONCELOS, Carolina Michaëlis de. Glosas marginais ao cancioneiro medieval


português. Tradução de Yara Frateschi Vieira et al. Coimbra: Universidade de Coimbra,
2004.

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