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PALAVRAS INICIAIS
Este trabalho apresenta reflexões realizadas pela autora tendo por base os
resultados da pesquisa que teve como objeto um projeto de alfabetização de
trabalhadores da construção civil no Rio de Janeiro, no período de 2000 a 2003.
Naquele momento pretendíamos analisar como os empresários do ramo da
construção civil se apresentavam como atores educativos e quais as relações que
estabeleciam com seus trabalhadores no que se refere ao processo de alfabetização e
escolarização desses sujeitos.
Nesse texto nos propomos a apresentar as relações estabelecidas entre
trabalhadores e empresários que, por sua vez, são potencialmente traduzidas por
algumas formas de exclusão da classe trabalhadora do saber escolar formal e sua
inserção – ou retorno – posterior a um outro espaço de conquista do direito de ser
alfabetizado. O projeto “Alfabetizar é Construir” se apresenta como esse outro espaço
(o não-formal) de acesso dos trabalhadores à possibilidade de escolarização.
Mas o que é o projeto “Alfabetizar é Construir”? Criado no início da década de
1990 pelo Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio de Janeiro - SINDUSCON-
Rio - em parceria com a Fundação Roberto Marinho, o Serviço Social da Indústria
(SESI) e a Secretaria Nacional de Educação Básica do Ministério da Educação, o
projeto se propõe a alfabetizar trabalhadores da construção civil das empresas a ele se
conveniada no âmbito do estado do Rio de Janeiro.
A primeira etapa de atuação do SINDUSCON-Rio consiste no recrutamento das
empresas para a implantação do projeto em seus canteiros de obras, haja vista que é esse
sindicato o responsável por definir, junto às empresas interessadas, a estrutura mínima
para o funcionamento das escolas dos canteiros. Também é responsável, junto com o
SESI, da seleção e treinamento dos professores que atuam nas salas de aula dos
canteiros, além do acompanhamento pedagógico do projeto. Cabe ao Serviço Social da
indústria, também, a certificação dos alunos.
A escolha do local, dentro do canteiro de obras, para a instalação da sala de aula
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fica a cargo das empresas, bem como o mobiliário a ser utilizado por alunos e
professora. O pagamento dessa também é de responsabilidade das empresas.
Para as fundamentações teóricas, recorremos a Gramsci, Frigotto, Gentili,
Neves, Castel, Paoli, dentre outros, haja vista a contribuição desses autores para as
reflexões sobre exclusão, cidadania, filantropia, pensamento empresarial, além da
relação entre trabalho e educação.
Tal perspectiva aponta para o fato de que não basta que o cidadão operário
(trabalhador manual) se qualifique; é preciso que, como cidadão, seja formado para ser
dirigente, ou seja, para governar. Cabe à sociedade cumprir essa tarefa, ainda que se
precise desempenhar esforços antes não imaginados.
A abordagem gramsciana sobre a educação considera, ainda, a importância de
garantir a todos – e, sobretudo a classe trabalhadora que, por se constituir como maioria
explorada em nossa sociedade, necessita desempenhar maiores esforços para se tornar
dirigente desta mesma sociedade – uma escola que seja desinteressada em relação aos
interesses mais imediatos do capitalismo. Condena, conseqüentemente, a ênfase numa
educação que forme aligeiradamente o indivíduo.
Transportando o pensamento de Gramsci para a realidade das sociedades
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capitalistas do século XXI, a escola que atende ao que consideramos como os interesses
mais imediatos do capitalismo, pode ser sintetizada pela idéia de mercoescola1.
O modelo de educação que acreditamos ser importante experimentar pressupõe,
ainda, uma escola que seja “formativa”, ou seja, que considere a educação muito mais
como um canal de formação da cultura geral e de construção do conhecimento e do
homem como um ser dirigente, do que educação como possibilidade restrita de
informação ou transmissão de determinados conteúdos.
Cabe observar que diante da crise pela qual atravessa o sistema educacional
brasileiro e, também considerando que para uma leitura de Gramsci deve-se ter o
cuidado de perceber o seu tempo e a situação política, sobretudo da Europa no período,
é de grande relevância entendermos que a escola que Gramsci propõe para a classe
trabalhadora deva ser:
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Consideramos como mercoescola o modelo de escola que desenvolve um processo de ensino-
aprendizagem centrado na transmissão da ideologia do capital e que, por sua vez, atrele a educação à
perspectiva e às demandas empresariais, transformando a tarefa educacional num mecanismo de
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O pensamento empresarial parece ter admitido que as ações sociais precisam ter
seu espaço, embora continue a valorizar o lucro e não a solidariedade. No entanto, a
percepção de que o lucro requer posturas mais éticas e solidárias, está levando as
empresas a se adaptarem às exigências da sociedade civil nesses novos tempos.
resolver as questões sociais. O que pode ser justificado pelo fato de que, por mais que as
ações filantrópicas tenham se expandido na sociedade brasileira, milhões de cidadãos
ainda estão condenados a mais absoluta miséria. E o Brasil continua apresentando
elevados índices de desigualdade social.
Se você vai trabalhar na obra aqui, tem muita coisa que tem que
ser marcada pelo desenho, se você não tiver estudo você não vai fazer.
Laje é por medida. Se você não estudar, não souber nada, não vai
saber medir uma medida porque não sabe ler. Então muita coisa já
melhora pra gente, porque você vai errar menos, já vai calcular seu
trabalho, o que você pode dar de produção. Então tudo isso já melhora
pra eles, pro patrão (Operário, Empresa A).
Eu acho que foi o bom senso que fez ele [o empresário] fazer
isso para os alunos. Um bom negócio pra ele mesmo (Operário,
Empresa A).
Outros trabalhadores, por sua vez, atribuem essa iniciativa empresarial à boa
ação dos empresários: “Eu acho que ele deve ter analisado a ficha das pessoas. Eu acho
que ele viu que muitas pessoas que trabalhavam aqui comigo não sabiam ler, e eles
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resolveram fazer isso aí, ta entendendo? (...). Eu acho que é aquela coisa: ele não ta
querendo forçar, ele ta querendo ajudar” (Bombeiro eletricista, Empresa A).
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