Os antibióticos aminoglicosídeos constituem um armamento muito importante,
no arsenal do veterinário, contra infecções por gram-negativos. Como grupo, são os fármacos de escolha para o tratamento de infecções serias por gram-negativos nos animais. Os aminoglicosídeos compreendem uma classe terapeuticamente essencial cuja utilidade é frequentemente restrita por sua nefrotoxicidade e potencial ototóxico. Os aminoglicosídeos constituem uma classe de compostos antimicrobianos produzidos por cepas de Streptomyces spp., Micromonospora spp. e Bacillus spp. Quimicamente, são aminociclitóis: hidroxil e amino ou guanidina substituindo cicloexano, com amino açúcares unidos por ligações glicosídicas a um ou mais dos grupos hidroxil. Essas moléculas possuem excelente hidrossolubilidade, porém má lipossolubilidade; são termodinamicamente estáveis por uma ampla variação de valores de pH e temperaturas e apresentam pesos moleculares variando de 400 a 500g/mol. A estrutura química desses antibióticos está relacionada à atividade antimicrobiana, à resistência bacteriana e à capacidade de produzir efeitos tóxicos. Em relação, por exemplo, ao mecanismo de nefrotoxicidade, foi associado o número de grupos aminos livres da molécula com esse efeito. Assim, quanto mais ionizável o aminoglicosídeo, como a neomicina que apresenta seis grupos aminos, mais tóxico e maior afinidade de ligação aos tecidos do animal, quando comparado com aminoglicosídeos menos ionizáveis, como a estreptomicina que apresenta três grupos aminos livres.
Os aminoglicosídeos exercem sua ação antibacteriana pela ligação irreversível
a uma ou mais proteínas receptoras na subunidade 30S do ribossomo bacteriano, interferindo, por isso, em vários mecanismos no processo de translação do ARNm.
Esses mecanismos incluem o rompimento de um complexo de iniciação entre o
ARNm e a subunidade 30S, bloqueando ainda mais a translação, e dessa forma causando terminação prematura da cadeia ou provocando a incorporação de um aminoácido incorreto no produto protéico .É significante que a maioria dos antimicrobianos que interferem na síntese protéica do ribossoma sejam bacteriostáticos, ao passo que os aminoglicosídeos são bactericidas.
O mecanismo de penetração bacteriana pelo aminoglicosídeo através da
membrana celular é bifásico. O fármaco difunde-se através da membrana mais externa das bactérias gram-negativas por meio dos canais aquosos formados pelas proteínas porinas. Uma vez no espaço periplásmico, um processo de transporte necessitando de oxigênio transporta o fármaco para dentro da célula, onde interage com o ribossomo. O transporte dependente do oxigênio é ligado a um sistema transportador de elétrons, que faz o citoplasma bacteriano ficar carregado negativamente com relação ao periplasma e ao ambiente externo. As bactérias anaeróbicas são, portanto, resistentes aos efeitos antibacterianos dos aminoglicosídeos.
Os únicos usados em qualquer extensão na clínica veterinária são a amicacina,
a gentamicina,a canamicina, a neomicina (apenas topicamente) e a estreptomicina.A metilmicina, a sisomicina e a dibecacina são componentes mais novos que podem ser clinicamente usados no futuro.
Os aminoglicosídios são antibióticos bactericidas usados principalmente para o
tratamento de infecções graves causadas por bactérias aeróbicas gram- negativas e estafilococos (bactérias gram-positivas).Amicacina entobramicina têm excelente atividade contra Pseudomonas aeruginosa. Esses antibióticos são ativos contra os enterococos, e o tratamento contra os estreptococos é mais eficiente quando associado aos antibióticos betalactâmicos.
Os aminoglicosídios apresentam propriedades farmacocinéticas similares. A
absorção no trato gastrintestinal é desprezível, porém são ativos no lúmen intestinal, quando administrados por via oral. Deve ser ressaltado que em neonatos e em animais com enterite a absorção após a administração oral pode ser significativamente aumentada. Para o tratamento de infecções sistêmicas, os aminoglicosídios devem ser empregados por vias parenterais. A partir do local da injeção intramuscular ou subcutânea, estes antibióticos se distribuem por vários tecidos, atingindo concentrações efetivas nos líquidos sinovial, pleural, peritoneal, pericárdico e perilinfa. Já foi também descrito que a gentamicina administrada a vacas por infusão intrauterina e intramamária foi absorvida,resultando em resíduos teciduais por tempo prolongado.
Todos os aminoglicosídios causam, em maior ou menor grau, nefrotoxicidade e
ototoxicidade. Estes efeitos tóxicos ocorrem porque estes tecidos contêm concentrações mais elevadas de fosfolipídios (em particular, o fosfatidilinositol) na sua matriz celular, fazendo com que os aminoglicosídios catiônicos sejam atraídos pelos fosfolipídios aniônicos. Essa interação é saturável e é competitivamente inibida por cátionsbivalentes, como cálcio e magnésio. Foi observado, por exemplo, que dietas ricas em cálcio reduzem o risco da nefrotoxicidade causada por aminoglicosídios. A nefrotoxicidade, caracterizada pela necrose tubular aguda, é o efeito adverso mais comum durante o tratamento com aminoglicosídios. A neomicina é considerada o aminoglicosídio mais nefrotóxico, e os menos tóxicos são a estreptomicina, a dihidroestreptomicina e a tobramicina. Os aminoglicosídios, após a filtração glomerular, alcançam os túbulos renais. As membranas das células dos túbulos proximais renais são constituídas de fosfolipídios aniônicos, os quais atraem os aminoglicosídios que são moléculas catiônicas. Esses antibióticos entram, então, no interior dessas células por meio de pinocitose mediada por carreador e são translocados para o interior de vacúolos citoplasmáticos. Esses vacúolos se fundem com os lisossomos. À medida que os aminoglicosídios vão penetrando nas células tubulares, ocorre o acúmulo no interior dos lisossomos; estes têm sua função alterada e podem se romper, liberando enzimas lisossômicas, fosfolipídios e os próprios aminoglicosídios no citoplasma das células dos túbulos proximais, desorganizando outras organelas e levando à morte celular. Atualmente, é comum empregar aminoglicosídios em dose alta e uma única vez ao dia no tratamento de infecções sensíveis, pelo fato de serem antimicrobianos concentração-dependentes e com efeito pós antibiótico (supressão do crescimento bacteriano que se segue após a remoção do antimicrobiano). Esse uso evita a resistência bacteriana e também a nefrotoxicidade, uma vez que as células renais ficam expostas ao aminoglicosídeo por um período total de tempo menor, devido ao aumento do intervalo entre as doses.
A ototoxicidade dos aminoglicosídios ocorre pelo mesmo mecanismo descrito
para a nefrotoxicidade. Foi demonstrado que existe acúmulo dos aminoglicosídios na perilinfa e endolinfa da orelha interna, podendo afetar a audição e o equilíbrio, devido à destruição das células sensoriais da cóclea e do vestíbulo. A ototoxicidade pode ser irreversível.
Principais aminoglicosídeos disponíveis no mercado