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14 janeiro 2016
Após cinco semanas de caminhada, avistou a montanha e começou a fazer planos sobre
a conversa que teria com o primeiro homem de oração. Já o imaginava: longas barbas
brancas, sentado em uma esteira, em profunda oração diante de um belo e raro ícone
bizantino, no fundo de uma gruta úmida, iluminada por velas artesanais.
Após horas de subida sob o peso de seu equipamento que unia-se ao sol causticante para
queimar-lhe as costas, chegou a uma casa avarandada, cercada de flores multicoloridas.
Um homem de calça jeans surrada varria a varanda, assoviando.
– Boa tarde, senhor! O senhor sabe onde posso encontrar por aqui o homem de oração?
– Ah! Você deve ser o Fares! Venha, entre, entre! – Disse, retirando o boné e
recolocando-o, em uma tentativa vã de alinhar os cabelos suados. Depois continuou:
– Estava mesmo esperando por você! Sou o Zeca, o segundo homem de oração que você
encontrará em sua jornada! Prazer!
– Sim, claro! – Respondeu Fares, esforçando-se para acompanhar a gargalhada com que
o homem de oração finalizara sua frase, batendo-lhe levemente nas costas.
– Vamos lá, sente-se, sente-se! Vou pegar um café para nós e volto já.
Enquanto digeria a surpresa misturada a uma certa decepção com o jeito de ser do
homem de oração, o jovem esforçava-se de todo jeito para tirar seu equipamento das
costas antes que o anfitrião voltasse. Foi em vão. Deus sabe por que razão, as alças que
se lhe prendiam aos ombros, à cintura e às pernas recusavam-se a soltarem-se das
presilhas.
– Bem que eu gostaria, mas isso cabe a você. O que tem aí? – Perguntou, sorvendo o
café e apontando com a cabeça para o equipamento.
– Água, enlatados, pão, queijo, mortadela, repelente de insetos, filtro solar, lanterna,
fogareiro, roupas, coberta, capa para chuva, óculos de sol, tenda, colchonete, faca de
ponta, talheres… ahn, o que mais… deixa eu ver, copo…
– O que faria se, hoje à noite, enquanto dorme, todas estas coisas lhe fossem tiradas?
O homem de oração sentou-se e, sorvendo o café, ficou olhando ao longe. Fares tentou
várias vezes quebrar o silêncio incômodo. Em vão. Fez-lhe perguntas, contou-lhe sua
vida, suas motivações para a viagem. Nada. Perguntou-lhe sobre sua família, elogiou a
paisagem. Silêncio por resposta. Nada parecia retirar o homem de oração daquele
estado. Seus olhos continuavam grudados no vale que se deitava, como um cão fiel, a
seus pés.
O silêncio fazia os pés de Fares arderem em suas botinas. Seu relógio equipado com
altímetro, bússola e horário de vários países só conseguia passar-lhe uma informação
trivial: estava ali, de pé, sob o peso do equipamento, há duas horas e meia. Tentava
sentar-se. Impossível. Talvez encostar-se à parede? Só piorava a situação. Sentar-se no
chão? Queda certa! Era o jeito esperar. O pior é que ninguém dizia nada. Não aguentava
mais! Pensou em ir embora, mas isso seria abandonar todos os seus planos e sonhos. Já
escurecia quando Fares, exausto, pediu, quase chorando, ao homem de oração:
– Quero que me liberte – Disse, envergonhado por estar soluçando como uma criança
apavorada.
O homem de oração saiu sem pressa e voltou com uma grande tesoura, que entregou a
Fares. Em seguida, sentou-se e voltou a olhar Deus sabe para o quê. Fares compreendeu.
Tomou a tesoura e cortou as tiras que lhe prendiam as pernas, a cintura, os ombros. O
equipamento caiu com um barulho surdo. O homem de oração disse, simplesmente:
– Primeiro passo: liberte-se de tudo o que o distrai, de tudo o que ocupa seu coração.
Fique atento ao seu interior, onde você leva somente a Deus e a você mesmo.
Nesse momento, uma menina, com riso límpido, cabelo solto ao ar, passou, dançando,
pelo jardim, vinda de nenhum lugar, indo para lugar algum.