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Conversas...

A Mãe

S H A K T I
Conversas...

A Mãe

Tradução: Thalysia de Matos Peixoto Kleinert

Colaboração: Lilian Faria Ferreira

Livro originalmente publicado pela Editora Shakti


2ª edição 1992 – esgotada

1ª Edição Eletrônica

Julho de 2012
Tradução do livro

CONVERSATIONS

Primeira edição em 1931

Tradução da edição de 1973

Publicado na Índia pela Sri Aurobindo Memorial Fund Society

© Sri Aurobindo Ashram Trust

Nota da Tradutora

Em Pondicherry, durante algum tempo em 1929, todos os domingos a Mãe cos-


tumava meditar com um pequeno grupo de discípulos e depois responder a
perguntas feitas por eles. CONVERSAS é a transcrição de quinze destes encon-
tros semanais. As palavras da Mãe, em inglês, foram anotadas em taquigrafia e
posteriormente corrigidas por ela e aprovadas para publicação. Elas foram edi-
tadas pela primeira vez em 1931 para divulgação particular e só em 1940 torna-
ram-se acessíveis ao público em geral.

Esta é a primeira tradução destas conversas em língua portuguesa, e foi baseada


na edição de 1973, publicada pela Sri Aurobindo Memorial Fund Society, em
Pondicherry, Índia.

Não posso deixar de expressar aqui minha gratidão a J. Gervásio de Figueiredo


que indicou este livro para ser publicado e gentilmente se ofereceu para revisá-
lo, bem como a Stella Amaral que, com seus conhecimentos profundos da língua
inglesa, tanto colaborou e auxiliou nesta tradução.

T. K.
Nota do Editor desta Edição Eletrônica

Esta versão eletrônica faz parte de um trabalho de coleta, editoração e publica-


ção na Internet da maior parte possível dos livros e textos de Sri Aurobindo e da
Mãe traduzidos para o português até a presente data.

O objetivo deste trabalho é o de divulgar e disponibilizar os ensinamentos des-


tes grandes mestres do Yoga à qualquer pessoa interessada, colocando-os nas
estantes virtuais da maior biblioteca que a humanidade já criou.

Temos também a esperança de que, desta forma, muitas pessoas que ainda não
conhecem estes ensinamentos venham a descobri-los e talvez utilizá-los em
suas vidas, assim contribuindo com a aceleração da evolução da Consciência em
nosso mundo.

Agradecemos especialmente aos tradutores destas obras pelo seu grande traba-
lho e sua dedicação, e também a seus herdeiros e ao Sri Aurobindo Ashram, por
permitirem que estes textos sejam publicados e distribuídos livremente no for-
mato pdf.

Brasil, julho de 2012


PREFÁCIO
(Texto escrito pela Mãe em 1912)

O objetivo geral a ser alcançado é o advento de uma harmonia universal pro-


gressiva.

Os meios para atingir este objetivo, quanto à terra, é a realização da unidade


humana pelo despertar em tudo e a manifestação, através de todos, da Divin-
dade interior, que é Una.

Em outras palavras - criar a unidade pelo estabelecimento do Reino de Deus que


está dentro de todos nós.

Este é, portanto, o trabalho mais útil a ser feito:

1) Cada um, individualmente, conscientizar-se da Presença Divina em si mesmo


e identificar-se com ela.

2) Individualizar os estados do ser que até agora nunca foram conscientes no


homem, e, através disso, colocar a terra em contato com uma ou mais das
fontes da força universal, que estão ainda seladas para ela.

3) Falar outra vez ao mundo a palavra eterna sob uma nova forma, adaptada à
sua mentalidade atual.
Isto será a síntese de todo o conhecimento humano.

4) Coletivamente, estabelecer uma sociedade ideal em um local apropriado


para o florescimento da nova raça, a raça dos Filhos de Deus.

***

A transformação e harmonização terrestre podem ser conseguidas por dois pro-


cessos que, embora opostos em aparência, devem combinar-se - devem atuar
um sobre o outro e completar-se mutuamente:

1) Transformação individual, um desenvolvimento interior que leve à união com


a Presença Divina.

2) Transformação social, o estabelecimento de um ambiente favorável ao flo-


rescimento e crescimento do indivíduo.

Considerando que o ambiente atua sobre o indivíduo e, por outro lado, o valor
do ambiente depende do valor do indivíduo, os dois trabalhos deveriam proces-
sar-se lado a lado. Mas isto só pode ser feito através da divisão de trabalho, o
que requer a formação de um grupo hierarquizado, se possível.
A ação dos membros do grupo deveria ser tríplice:

1) Realizar em si mesmo o ideal a ser atingido: tornar-se um perfeito represen-


tante terreno da primeira manifestação do Impensável, em todas as suas
modalidades, atributos e qualidades.

2) Pregar este ideal pela palavra, mas acima de tudo pelo exemplo, para assim
descobrir todos aqueles que estão preparados para realizá-lo por sua vez e
tornar-se também arautos de libertação.

3) Fundar uma sociedade típica ou reorganizar aquelas já existentes.

***

Para cada indivíduo também há um duplo trabalho a ser feito, simultaneamente,


cada aspecto dele ajudando e completando o outro:

1) Um desenvolvimento interior, uma progressiva união com a Luz Divina, a úni-


ca condição pela qual o homem pode estar sempre em harmonia com a
grande corrente da vida universal.

2) Uma ação externa que cada um deve escolher, de acordo com suas capaci-
dades e preferências pessoais. Ele tem que achar seu próprio lugar, o lugar
que apenas ele pode ocupar no concerto geral e dedicar-se inteiramente a
isto, não esquecendo que ele está tocando apenas uma nota na sinfonia ter-
restre, e contudo sua nota é indispensável à harmonia do todo e seu valor
depende da sua precisão.
NO MOMENTO EM QUE VOCÊ
PÁRA DE AVANÇAR, VOCÊ RETROCEDE.
NO MOMENTO EM QUE VOCÊ ESTÁ
SATISFEITO E NÃO ASPIRA A MAIS NADA,
VOCÊ COMEÇA A MORRER.

A VIDA É MOVIMENTO, A VIDA É


ESFORÇO, É MARCHAR PARA FRENTE,
ESCALAR MONTANHAS, ASCENDER
EM DIREÇÃO A FUTURAS REVELAÇÕES E
REALIZAÇÕES. NADA É MAIS PERIGOSO
DO QUE QUERER DESCANSAR.

É NA AÇÃO, NO ESFORÇO, NA MARCHA


PARA FRENTE QUE VOCÊ DEVE
ACHAR DESCANSO, O VERDADEIRO
DESCANSO QUE VEM DUMA TOTAL
CONFIANÇA NA GRAÇA DIVINA,
DA AUSÊNCIA DE DESEJOS, DA VITÓRIA
SOBRE O EGOÍSMO.

A MÃE
ÍNDICE

1. SOBRE YOGA .................................................................................11


2. OS PERIGOS DO YOGA ..................................................................13
3. SÃO AS VISÕES SINAL DE ALTA ESPIRITUALIDADE? .......................19
4. DEVE-SE SACRIFICAR TUDO PELO DIVINO? ...................................26
5. A FUNÇÃO EXATA DO INTELECTO .................................................34
6. SERES QUE PARECEM VAMPIROS .................................................40
7. O PODER DO PENSAMENTO .........................................................45
8. NOSSA VONTADE É APENAS O ECO DA VONTADE UNIVERSAL? ....51
9. O AMOR HUMANO E O AMOR DIVINO .........................................59
10. A NATUREZA DA RELIGIÃO ............................................................64
11. OS MALES FÍSICOS ........................................................................70
12. O ESTADO DE CONSCIÊNCIA DO YOGUE .......................................75
13. REPULSA AOS ANIMAIS .................................................................81
14. PODE O YOGUE TORNAR-SE UM ARTISTA? ...................................83
15. ENTREGA E SACRIFÍCIO .................................................................90
ALGUNS DADOS SOBRE A MÃE ................................................................. 96
ESBOÇO DA VIDA DE SRI AUROBINDO .................................................... 102
ENDEREÇOS PARA OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES .................................. 104
SOBRE YOGA 11

1. SOBRE YOGA

Poderá você dizer-nos alguma coisa sobre o Yoga?

Que pretende você do Yoga? Adquirir poder? Conseguir paz e calma? Servir
à humanidade?

Nenhum destes motivos é suficiente para mostrar que você está destinado
para o Caminho.

A pergunta que você devia responder é esta: você quer o Yoga pelo amor do
Divino? É o Divino o fato máximo de sua vida, a ponto de ser simplesmente
impossível passar sem Ele? Você sente que sua verdadeira ‘raison d’être’ é o
Divino e que sem Ele não há sentido algum em sua existência? Neste caso,
somente assim, pode-se dizer que você tem um chamado para o Caminho.

Esta é a primeira coisa necessária – aspiração pelo Divino.

A coisa seguinte que você deve fazer é zelar por ela, conservá-la sempre
atenta e desperta e viva. E o que é exigido para isto é concentração integral e
absoluta à sua Vontade e Propósito.

Concentre-se no coração. Entre nele, penetre-o, aprofunde-se tanto quanto


possível. Reúna todos os fios de sua consciência, que estão espalhados fora, à
sua volta, enrole-os, mergulhe e afunde.

Um fogo está ardendo lá, na profunda quietude do coração. É a Divindade


em você – seu verdadeiro ser. Escute sua voz, siga seus ditames.

Existem outros centros de concentração, por exemplo, um acima do alto da


cabeça e outro entre as sobrancelhas. Cada um tem sua própria eficácia e lhe
trará um resultado particular. Mas o ser central reside no coração e do coração
procedem todos os movimentos centrais – todo o dinamismo e anseio por trans-
formação e poder de realização.

“Que deve a pessoa fazer para preparar-se para o Yoga?”

Ser consciente, primeiro que tudo. Somos conscientes apenas de uma insig-
nificante porção de nosso ser, pois da maior parte somos inconscientes. É esta
inconsciência que nos mantém sujeitos à nossa natureza irregenerada e impede
a sua mudança e transformação. É através da inconsciência que as forças não
divinas entram em nós e nos fazem seus escravos. Você deve ser consciente de
si mesmo, deve despertar para sua natureza e seus movimentos, deve saber
12 CONVERSAS...

como e por que faz ou sente as coisas ou pensa nelas; deve entender seus moti-
vos e impulsos, as forças escondidas ou aparentes que o movem; na verdade,
você deve, por assim dizer, desmontar em pequenos pedaços o mecanismo
inteiro de seu ser. Somente quando se tornar consciente é que você pode dis-
tinguir e peneirar as coisas, pode ver quais as forças que o puxam para baixo e
quais as que o ajudam. E quando distinguir o certo do errado, o verdadeiro do
falso, o divino do não-divino, você deve agir estritamente segundo o seu conhe-
cimento; quer dizer, resolutamente rejeitar um e aceitar o outro. A dualidade se
apresentará a cada passo e a cada passo você terá que fazer a sua escolha. Terá
que ser paciente e persistente e vigilante – “desperto”, como dizem os adeptos;
você deve sempre recusar a dar ao não-divino qualquer oportunidade que seja
contra o divino.

“O Yoga é para o bem da humanidade?”

Não, é por amor à Divindade. Não é o bem-estar da humanidade que procu-


ramos, mas a manifestação do Divino. Estamos aqui para cumprir a Vontade
Divina, mais verdadeiramente, para sermos trabalhados pela Vontade Divina,
para que possamos ser seus instrumentos para a progressiva incorporação do
Supremo e o estabelecimento do Seu Reino sobre a terra. Apenas a porção da
humanidade que responder ao Chamado Divino receberá sua Graça.

Se a humanidade como um todo será beneficiada, se não diretamente, pelo


menos de modo indireto, dependerá das condições da própria humanidade. Se
formos julgar pelas condições presentes, não há muita esperança. Qual é a ati-
tude do homem médio de hoje, a humanidade representativa? Não se enraivece
ele e não se revolta quando encontra alguma coisa que participa do genuina-
mente divino? Não sente ele que o Divino significa a destruição de suas mais
queridas possessões? Não está ele continuamente protestando violentamente
contra tudo que o Divino pretenda e queira? A humanidade terá de mudar mui-
to, antes que pelo advento do Divino possa esperar ganhar alguma coisa.

“Como é que nos encontramos?”

Nós todos já havíamos nos encontrado em vidas anteriores. Do contrário,


não teríamos nos reunido nesta vida. Pertencemos a uma mesma família e
temos trabalho através de gerações pela vitória do Divino e sua manifestação
sobre a terra.
OS PERIGOS DO YOGA 13

2. OS PERIGOS DO YOGA

“Quais são os perigos do Yoga? É ele especialmente perigoso para os povos


do Ocidente? Disseram que o Yoga pode ser apropriado para o Oriente, mas que
tem o efeito de desequilibrar a mente ocidental.”

O Yoga não é mais perigoso para os povos do Ocidente do que o é para os do


Oriente. Tudo depende do espírito com que você se aproxima dele. O Yoga tor-
na-se realmente perigoso se o quiser para seu próprio benefício, para servir a
um fim pessoal. Ele não é perigoso, ao contrário, é mesmo a segurança e prote-
ção se você vier para ele com o senso de sua santidade, lembrando-se sempre
que o objetivo é de encontrar o Divino.

Perigos e dificuldades surgem quando as pessoas praticam o Yoga, não por


amor do Divino, mas, porque querem adquirir poder e sob o disfarce do Yoga,
buscam satisfazer alguma ambição. Se você não puder se livrar da ambição, não
se aproxime dele. É fogo que queima.

Há dois caminhos do Yoga, o do “tapasya” (disciplina) e o da entrega. O


caminho do “tapasya” é árduo. Nele, você confia somente em si mesmo, avança
por sua própria força. Você se eleva e realiza na exata medida de sua força. Exis-
te sempre o perigo de cair. E se cair, você se despedaça no abismo e dificilmente
há remédio. O outro caminho, o caminho da entrega, é seguro e infalível. É aqui,
entretanto, que os ocidentais encontram dificuldades. Eles foram ensinados a
temer e evitar tudo que ameace sua independência pessoal. Absorveram com o
leite de suas mães o senso de individualidade. E entrega significa abandonar
tudo isso. Em outras palavras, você pode seguir, como Ramakrishna diz, o cami-
nho do macaquinho ou o do gatinho. O macaquinho agarra-se à mãe para ser
transportado e deve segurar-se firme, por que, se afrouxar a mão, ele cai. De
outro lado, o gatinho não se agarra à mãe, mas é segurado pela mãe e não sente
medo nem responsabilidade; não tem nada a fazer senão deixar-se levar pela
mãe e gritar: mã, mã.

Se você adotar este caminho da entrega com toda a sinceridade, não há


mais perigo ou dificuldade séria. O essencial é ser sincero. Se você não for since-
ro, não comece o Yoga. Se estivesse lidando com assuntos humanos, então você
poderia trapacear; mas em suas relações com o Divino não há possibilidade de
farsa em lugar algum. Você pode avançar no Caminho em segurança se for cân-
dido e aberto até o âmago de seu ser e se a sua única finalidade for alcançar e
realizar o Divino e ser guiado pelo Divino.
14 CONVERSAS...

Existe um outro perigo; é com relação aos impulsos sexuais. O Yoga, em seu
processo de purificação, vai desnudar e expulsar todos os impulsos e desejos
escondidos. E você deve aprender a não esconder nada ou deixá-los de lado,
deve enfrentá-los e conquistá-los e remodelá-los. O primeiro efeito do Yoga,
contudo, é retirar o controle mental, e os desejos ardentes que jazem adorme-
cidos são subitamente postos em liberdade, precipitam-se e invadem o ser.
Enquanto este controle mental não tiver sido substituído pelo controle Divino,
há um período de transição, quando a sua sinceridade e entrega serão submeti-
das a um teste. A força destes impulsos, como os do sexo, decorre geralmente
do fato de que as pessoas lhes dão demasiada importância. Elas protestam vio-
lentamente contra eles e esforçam-se para controlá-los por coerção, reprimem-
nos dentro e sentam-se sobre eles. Mas quanto mais você pensar numa coisa e
disser: “Não quero isto, não quero isto”, tanto mais se prende a ela. O que você
deveria fazer é afastá-la de si, dissociar-se dela, dar-lhe a mínima importância
possível e, se acontecer de pensar nela, ficar indiferente e despreocupado.

Os impulsos e desejos que sobem pela pressão do Yoga devem ser encara-
dos com um espírito de desprendimento e serenidade, como alguma coisa
estranha a você ou pertencente ao mundo exterior. Eles deveriam ser ofereci-
dos ao Divino, para que o Divino os tomasse e os transmutasse.

Se você abriu algum dia ao Divino, se o poder do Divino começou a descer


em você e ainda assim se obstina em se apegar às forças antigas, você está pro-
curando problemas, dificuldades e perigos para si mesmo. Você deve ser vigilan-
te e compreender que não pode servir-se do Divino como uma capa para a satis-
fação de seus desejos. Há muitos que se intitulam Mestres, que não fazem outra
coisa. Então, quando você abandona o caminho reto e tem um pouco de conhe-
cimento e não muito poder, você é agarrado por seres e entidades de um certo
tipo que o transformam num instrumento cego em suas mãos e terminam por
devorá-lo. Sempre que há fingimento, há perigo: você não pode enganar a Deus.
Não se achegue a Deus dizendo: “Quero união com você” e no coração pensan-
do “Quero poderes e prazeres”. Cuidado! você está se encaminhando direto
para a beira do precipício. E, no entanto, é tão fácil evitar toda a catástrofe. Tor-
ne-se como uma criança, entregue-se à Mãe, deixe-a carregá-lo e não há mais
perigo para você.

Isso não significa que não tenha que enfrentar outras espécies de dificulda-
des ou que não tenha que lutar ou vencer outros obstáculos. A entrega não
assegura um progresso suave, tranquilo e contínuo. E isto porque seu ser não
está ainda unificado, nem sua entrega absoluta é completa. Apenas uma parte
sua se entrega; e hoje é uma e no dia seguinte é outra. O propósito total do
OS PERIGOS DO YOGA 15

Yoga é reunir todas as partes divergentes do ser e forjá-las numa unidade indivi-
sível. Até lá você não pode esperar ficar sem dificuldades – dificuldades como,
por exemplo, a dúvida, a depressão ou a hesitação. O mundo inteiro está cheio
de veneno. Você o absorve em cada respiração. Se trocar algumas palavras com
um homem indesejável ou mesmo se este homem meramente passar por você,
pode vir a contagiar-se. É suficiente que chegue perto de um lugar onde exista
praga para ser infectado pelo seu veneno; você não precisa saber, de forma
alguma, que a praga está lá. Você pode perder, em poucos minutos, o que levou
meses para ganhar. Enquanto fizer parte da humanidade e levar a vida comum,
não importa tanto se você se misturar com as pessoas do mundo; mas se quiser
a vida divina, você terá que ser excessivamente escrupuloso em suas relações e
seu ambiente.

“Qual é o caminho para estabelecer unidade e homogeneidade em nosso


ser?”

Conserve a vontade firme. Trate as partes recalcitrantes como a uma criança


desobediente. Aja sobre elas constante e pacientemente. Convença-as de seus
erros.

Nas profundezas de sua consciência está o ser psíquico, o templo do Divino


dentro de você. Este é o centro ao redor do qual deveria efetuar-se a unificação
de todas estas partes divergentes, de todos estes movimentos contraditórios de
seu ser. Quando você tiver alcançado a consciência do ser psíquico e sua aspira-
ção, estas dúvidas e dificuldades podem ser destruídas. Leva mais ou menos
tempo, mas você pode ter certeza do sucesso final. Uma vez que tenha se virado
para o Divino, dizendo: “Quero ser seu” e o Divino tenha dito: “Sim”, o mundo
inteiro não pode afastá-lo disto. Quando o ser central tiver feito a sua entrega, a
maior dificuldade desaparece. O ser exterior é como uma crosta. Nas pessoas
comuns esta crosta é tão dura e grossa que elas não estão conscientes do Divino
dentro de si. Se mesmo por um momento apenas, o ser interior tiver dito “Eu
estou aqui e sou seu”, então é como se uma ponte tivesse sido construído e
pouco a pouco a crosta se tornasse cada vez mais fina, até que as duas partes se
unissem completamente e o interior e exterior se tornassem um.

A ambição tem sido a desgraça de muitos Yogues. Este cancro pode se dis-
simular por muito tempo. Muita gente principia o Caminho sem nenhuma per-
cepção disto. Mas quando consegue poderes, sua ambição aumenta, tanto mais
violentamente se não tiver sido rejeitada no começo.

Conta-se a história de um Yogue que tinha adquirido poderes maravilhosos.


Um dia ele foi convidado por seus discípulos para um grande jantar, que foi ser-
16 CONVERSAS...

vido sobre uma mesa longa e baixa. Os discípulos pediram ao Mestre para mos-
trar seu poder, de algum modo. Ele sabia que não devia, mas a semente da vai-
dade estava dentro dele, e pensou: “Afinal, é algo muito inocente e pode pro-
var-lhes que estas coisas são possíveis e ensinar-lhes a grandeza de Deus”. Então
disse: “Tirem a mesa, mas apenas a mesa, deixem a toalha de mesa ficar como
está, com todos os pratos sobre ela”. os discípulos gritaram: “Oh! isto não pode
ser feito, tudo vai cair”. Mas ele insistiu e tiraram a mesa debaixo da toalha.
Vejam o milagre! A toalha e tudo que estava sobre ela continuaram lá, exata-
mente como se a mesa estivesse debaixo. Os discípulos ficaram maravilhados.
Mas de repente o Mestre deu um pulo e precipitou-se para fora gritando e cho-
rando: “Nunca mais terei um discípulo, nunca mais! Aí de mim! Traí meu Deus!”
Seu coração estava em fogo; ele tinha usado os poderes divinos para fins egoís-
ticos.

É sempre errado exibir poderes. Isso não quer dizer que eles não tenham uti-
lidade. Mas têm que ser usados do mesmo modo como vieram. Eles vêm pela
união com o Divino. Devem ser usados pela vontade do Divino e não para exibi-
ção. Se você encontrar alguém que seja cego e você tiver o poder de fazê-lo ver
– se for da Vontade Divina que ele veja - , você terá apenas que dizer: “Que ele
veja”, e ele verá. Mas se você quiser que ele veja, simplesmente porque quer
curá-lo, então você usa o poder para satisfazer sua ambição pessoal. Muitas
vezes, nestes casos, você não apenas perde o poder, mas provoca uma grande
perturbação na pessoa da qual você se ocupa. Contudo, na aparência, os dois
caminhos são o mesmo; porém, num caso, você age por causa da Vontade Divi-
na e, no outro, por motivos pessoais.

Como iremos saber, perguntarão vocês, se é a Vontade Divina que nos faz
agir? Não é difícil reconhecer a Vontade Divina. É inconfundível. Você pode
conhecê-la sem estar muito longe no caminho. Deve apenas ouvir a sua voz, a
vozinha que está aqui no coração. Quando se acostumar a ouvi-la, qualquer coi-
sa que faça contrária à Vontade Divina, sentirá um mal-estar. Se persistir na tri-
lha errada, você ficará muito perturbado. Se, entretanto, você der alguma justi-
ficativa material como causa de seu mal-estar e prosseguir no seu caminho, você
gradualmente perde a faculdade de percepção e finalmente continuará fazendo
toda a espécie de coisas erradas, sem sentir nenhum desconforto. Mas se quan-
do sentir a mais leve perturbação, você parar e perguntar a seu ser interior:
“Qual é a causa disto?”, então você vai ter a resposta real e a coisa toda se torna
bem clara. Não tente dar uma desculpa material quando você sentir uma
pequena depressão ou uma ligeira perturbação. Quando parar e procurar pela
razão, seja absolutamente direto e sincero. A princípio sua mente construirá
uma explicação muito plausível e bela. Não a aceite, mas procure além e per-
OS PERIGOS DO YOGA 17

gunte: “O que é que está por trás deste movimento? Por que estou fazendo
isto?” Finalmente você descobrirá, escondida num canto, uma pequena agitação
– um ligeiro desvio ou deformação de sua atitude, que está provocando o pro-
blema ou a perturbação.

Uma das formas mais comuns de ambição é a idéia de serviço à humanida-


de. Todo apego a esta idéia de serviço ou trabalho é sinal de ambição pessoal. O
Guru que acredita que tem a grande verdade para ensinar à humanidade e quer
muitos discípulos, e que se sente desconsolado quando vão embora, agarra
qualquer um que vem e tenta fazê-lo seu discípulo, evidentemente está seguin-
do apenas sua ambição. Você deve ser capaz, se estiver pronto para seguir a
ordem Divina, de assumir qualquer trabalho que lhe seja dado, mesmo o mais
assombroso, e de deixá-lo no dia seguinte com a mesma tranquilidade com que
o aceitou, e sem sentir que a responsabilidade seja sua. Não deveria haver
nenhum apego – a nenhum objeto ou nenhum modo de vida. Você deve ser
absolutamente livre. Se você quiser ter a verdadeira atitude Yóguica, deve estar
pronto para aceitar qualquer coisa que vier do Divino e largá-la facilmente e sem
tristeza. A atitude de asceta que diz: “Não quero nada” e a atitude do homem
do mundo que diz: “Quero esta coisa” são iguais. Um pode estar tão apegado à
sua renúncia quanto o outro à sua possessão. Você deve aceitar todas as coisas
que vêm do Divino – e somente essas coisas. Porque podem vir coisas de dese-
jos escondidos. Os desejos trabalham no subconsciente e trazem-lhe coisas que,
apesar de você não reconhecê-las como tais, não vêm, contudo, do Divino, mas
de desejos disfarçados.

Você pode facilmente saber quando uma coisa vem do Divino. Você se sente
livre, você se sente à vontade, você está em paz. Mas se alguma coisa se apre-
senta e você salta sobre ela e grita: “Oh! até que enfim consegui”, então você
pode estar certo que ela não vem do Divino. Equanimidade é a condição essen-
cial para união e comunhão com o Divino.

“O Divino algumas vezes não dá o que desejamos?”

Certamente. Havia um jovem que queria fazer Yoga. Mas ele tinha um pai
mesquinho e cruel que o atormentava muito e tentava impedi-lo de seguir sua
aspiração. Ele queria ardentemente livrar-se da interferência do pai. Pouco
depois o pai caiu seriamente doente; ficou quase à morte. Em conseqüência dis-
so a outra parte da natureza do rapaz acordou e ele deplorava em voz alta sua
infelicidade e chorava: “Oh! meu pobre pai está tão doente. Que coisa triste. Aí
de mim, que vou fazer?” O pai ficou bom. O jovem se rejubilou e voltou mais
uma vez ao Yoga. E o pai também começou outra vez a opor-se e a atormentá-lo
com redobrada violência. O filho arrancava os cabelos em desespero e exclama-
18 CONVERSAS...

va: “Agora meu pai fica no meu caminho mais do que nunca”. A coisa toda é
saber exatamente o que se quer.

O Divino traz sempre consigo perfeita calma e paz. Uma certa classe de
Bhaktas (devotos), é verdade, apresenta geralmente um quadro muito diferen-
te; eles pulam e gritam e riem e cantam, num acesso de devoção, como dizem.
Porém, tais pessoas, na realidade, não vivem no Divino. Vivem em grande parte
no mundo vital.

Você objeta que mesmo Ramakrishna tinha fases de excitação e andava de


um lado para o outro com as mãos levantadas, cantando e dançando? A este
respeito, a verdade é a seguinte. O movimento no ser interior pode ser perfeito;
mas coloca-o numa certa condição de receptividade a forças que o enchem de
intensa excitação emocional, se o ser exterior for fraco e não transformado.
Quando o ser exterior oferece resistência ao ser interior e não pode suportar a
totalidade da Ananda (felicidade) recebida, acontece esta confusão e anarquia
de expressão.

Você deve ter corpo e nervos fortes. Deve ter uma forte base de equanimi-
dade no ser exterior. Se tiver esta base, você pode conter um mundo de emoção
e mesmo assim não ter que proclamá-lo por aí. Isto não significa que você não
possa expressar sua emoção, mas que pode expressá-la de modo harmonioso e
bonito. Chorar ou gritar ou dançar é sempre prova de fraqueza, quer do vital ou
do mental ou da natureza física, porque em todos estes planos a atividade é
para a própria satisfação. Aquele que dança e pula e grita tem impressão de que
é de algum modo, bem fora do comum no seu excitamento, e sua natureza vital
sente nisso um grande prazer.

Se você quiser suportar a pressão da descida Divina, deve ser muito forte e
poderoso, de outro modo você será despedaçado. Algumas pessoas perguntam:
“Por que o Divino ainda não veio?”. Porque você ainda não está pronto. Se uma
pequena gota faz você cantar e dançar e gritar, que aconteceria se o todo des-
cesse?

Por isso dizemos às pessoas que não têm uma base ampla, forte e firme no
corpo, no vital e na mente: “Não puxem”, significando “não tentem puxar as
forças do Divino, mas esperem em paz e tranquilidade”, porque elas não seriam
capazes de suportar a descida. Mas àqueles que possuem a necessária base e
estrutura, dizemos, pelo contrário: “Aspirem e puxem”, porque essas seriam
capazes de receber, sem ficar perturbadas pelas forças que descem do Divino.
SÃO AS VISÕES SINAL DE ALTA ESPIRITUALIDADE? 19

“Existem casos de pessoas que se voltam para o Divino e todo apoio material
e tudo que elas gostam lhes é retirado de suas vidas. E se elas amam alguém,
esse alguém também é levado?”

Isso não acontece a todos. Acontece àqueles que são chamados. Qualquer
que seja a diferença entre o Ocidente e o Oriente, com relação à vida espiritual,
ela não reside no ser interior ou na natureza, que é uma coisa constante e inva-
riável, mas nos hábitos mentais, nos modos de expressão exterior ou de apre-
sentação, que resultam da educação e do meio ambiente e outras condições
externas. Todas as pessoas, quer ocidentais ou orientais, são semelhantes em
seus sentimentos mais profundos, mas diferentes no modo de pensar. Sinceri-
dade, por exemplo, é uma qualidade que é a mesma em todo lugar. Aqueles que
são sinceros, qualquer que seja a nação a que pertençam, são todos sinceros do
mesmo modo. Apenas as formas dadas a esta sinceridade variam. A mente tra-
balha de diferentes modos nas diferentes pessoas, mas o coração é o mesmo
em todo lugar; o coração é a realidade mais verdadeira, e as diferenças perten-
cem às partes superficiais. Desde que se aprofunde bastante, você encontra
alguma coisa que é uma em todos. Todos se encontram no Divino. O sol é o
símbolo do Divino na natureza física. As nuvens podem modificar-lhe a aparên-
cia, mas quando elas desaparecem, você vê que é o mesmo sol sempre e em
todo lugar.

Se você não pode sentir-se uno com alguém, isso significa que não se apro-
fundou bastante em seu sentimento.

3. SÃO AS VISÕES SINAL DE ALTA ESPIRITUALIDADE?

“Há uma idéia corrente de que visões são um sinal de alta espiritualidade.
Isto é verdade?”

Não, necessariamente. Especialmente porque ter visões é uma coisa, mas


compreender e interpretar o que se vê é coisa bem diferente e muito mais difí-
cil. Geralmente aqueles que veem são induzidos em erro porque dão o significa-
do ou interpretação que querem, de acordo com seus desejos, esperanças ou
ideias preconcebidas. E, ao lado disso, há muitos planos diferentes nos quais
você pode ver. Existe a visão mental, a visão vital e há algumas visões que são
vistas em um plano bem próximo do mais material. As visões que pertencem à
última categoria surgem em formas e símbolos que parecem ser absolutamente
materiais. E se souber como interpretá-las, você pode ter indicações muito exa-
tas de circunstâncias e da condição interior das pessoas.
20 CONVERSAS...

Vamos ilustrar. Aqui está uma visão que alguém realmente teve. Um cami-
nho sobe por uma colina íngreme e escarpada, banhada completamente pela luz
ardente do sol a pino. No caminho, uma pesada carruagem, puxada por seis
cavalos fortes, está avançando com grande dificuldade; ela prossegue no seu
caminho vagarosamente, mas com segurança. Chega um homem que examina a
situação, toma posição atrás da carruagem e começa a empurrá-la ou tenta
empurrá-la para cima da colina. Então aparece alguém que tem o conhecimento
e diz: “Por que você trabalha em vão? Você pensa que seu esforço vai resultar
em alguma coisa? Para você é uma tarefa impossível. Mesmo os cavalos acham-
na difícil.”

Agora, a chave do significado da visão está na imagem dos seis cavalos.


Cavalos são símbolos de poder e o número seis representa a criação divina;
assim, os seis cavalos significam os poderes da criação divina. A carruagem
representa a realização, a coisa que tem de ser realizada, alcançada, elevada à
culminância, à altura onde mora a Luz. Apesar destes poderes de criação serem
divinos, mesmo para eles é um trabalho árduo consumar a realização, porque
têm que trabalhar contra condições muito desfavoráveis, contra todas as forças
da natureza que puxam para baixo. Então entra em cena um ser humano, que
na sua arrogância e ignorância, com a sua pequena reserva de poderes mentais,
pensa que é alguém e pode fazer alguma coisa. O melhor que ele poderia fazer
seria subir para a carruagem, sentar-se confortavelmente e deixar os cavalos
carregarem-no.

Os sonhos são coisas completamente diferentes. São Mais difíceis de inter-


pretar porque cada pessoa tem seu próprio mundo de imagens de sonho, pecu-
liar a cada um. É claro que há sonhos que não significam muito, como os que
estão ligados à camada mais superficial e física da consciência e que são o resul-
tado de pensamentos extraviados, de impressões fortuitas, de reações mecâni-
cas ou de atividades reflexas. Estes não têm nenhuma organização regular nas
formas, nas estruturas ou no sentido; dificilmente são lembrados e quase não
deixam traços na consciência. Mas mesmo os sonhos que têm uma origem um
pouco mais profunda são ainda obscuros, porque são peculiarmente pessoais e
dependem assim, para sua formação, quase inteiramente das experiências e
idiossincrasias do indivíduo. Visões são também formadas por símbolos que não
contam necessariamente com a aceitação universal. Os símbolos variam segun-
do a raça, a tradição e a religião. Um símbolo pode ser especificamente cristão,
outro, particularmente hindu, um terceiro pode ser comum a todo o Oriente e
um quarto apenas ao Ocidente. Os sonhos, por outro lado, são exclusivamente
pessoais; dependem das ocorrências e impressões de cada dia. É extremamente
difícil para um homem explicar e interpretar o sonho de um outro. Cada homem
SÃO AS VISÕES SINAL DE ALTA ESPIRITUALIDADE? 21

é como um círculo fechado para qualquer outro homem. Mas cada um pode
estudar por si mesmo seus próprios sonhos, deslindá-los e achar seu significado.

Vejamos agora a maneira de proceder com os sonhos e o país dos sonhos.


Primeiro, torne-se consciente – consciente de seus sonhos. Observe a relação
entre eles e os acontecimentos de suas horas acordadas. Se você se lembrar de
sua noite, você será capaz de reconstituir, freqüentemente, as condições de seu
dia, pelas condições de sua noite. No sono uma ação ou outra está sempre se
produzindo no mental ou no vital ou em um outro plano; as coisas acontecem lá
e são elas que governam a consciência desperta. Por exemplo, alguns estão mui-
to ansiosos de se aperfeiçoar e fazem um grande esforço durante o dia. Vão
dormir e quando se levantam no dia seguinte não acham nenhum vestígio dos
seus esforços do dia anterior; eles têm que percorrer o mesmo caminho outra
vez. Isto significa que o esforço e qualquer outra realização que havia perten-
ciam às partes mais superficiais e despertas do ser, mas havia partes mais pro-
fundas e adormecidas que não haviam sido tocadas. No sono você caiu no
domínio dessas regiões inconscientes que absorveram e engoliram tudo que
você havia construído laboriosamente em suas horas conscientes.

Seja consciente! Seja consciente da noite como do dia. Primeiro você tem
que adquirir consciência, depois controle. Aquele que se lembra de seus sonhos
pode ter tido a experiência de que, mesmo enquanto dormia, sabia que era um
sonho; sabia que era uma experiência que não pertencia ao mundo material. No
momento em que souber, você pode agir de lá do mesmo modo que do mundo
material; mesmo durante o sonho, você pode exercitar sua vontade consciente
e mudar todo o curso de seu sonho-experiência.

E, conforme for se tornando cada vez mais consciente, você começará a ter
o mesmo controle sobre seu ser à noite, assim como durante o dia, talvez até
mais. Porque à noite você está livre, pelo menos parcialmente, da escravidão do
mecanismo do corpo. O controle sobre os processos da consciência-corpo é
mais difícil porque eles são mais rígidos, menos acessíveis de mudar que os pro-
cessos mental e vital. À noite, o mental e o vital, especialmente o vital, estão
muito ativos. Durante o dia, eles estão sob controle; automaticamente a cons-
ciência física reprime sua interpretação e expressão livres. No sono este contro-
le é removido e eles aparecem com seus movimentos naturais e espontâneos.

“Qual é a natureza do sono sem sonho?”

Geralmente, quando você tem o que se chama sono sem sonho, acontece
uma destas duas coisas: ou você não se lembra do que sonhou, ou você cai den-
tro da inconsciência absoluta, que é quase morte – o gosto da morte. Mas existe
22 CONVERSAS...

a possibilidade de um sono no qual você entra dentro do silêncio absoluto, da


imobilidade e da paz, em todas as partes de seu ser, e sua consciência se dissol-
ve no Sachchidananda1. Você quase não pode chamar a isto de sono, porque é
extremamente consciente. Você pode permanecer nesta condição por alguns
momentos, mas estes poucos momentos dar-lhe-ão mais descanso e refrigério
do que horas de sono comum. Você pode tê-lo por acaso; ele requer um longo
treinamento.

“Como é que nos sonhos encontramos e conhecemos pessoas que mais tarde
vamos encontrar e conhecer no mundo exterior?”

É por causa das afinidades que atraem certas pessoas, umas para as outras,
afinidades do mundo mental e vital. As pessoas sempre se encontram nestes
planos, antes de se encontrarem sobre a terra. Podem reunir-se lá, falar umas
com as outras e manter todas as relações que se pode ter na terra. Alguns
sabem destas relações, outros não. Alguns, na verdade, a maior parte, não têm
consciência do ser interior e da comunicação interna, e não obstante, quando,
por acaso, se encontrarem no mundo exterior com uma cara nova, achá-la-ão de
alguma forma muito familiar, muito bem conhecida

“Não existem falsas visões?”

Existe o que em aparência são falsas visões. Há, por exemplo, centenas ou
milhares de pessoas que dizem ter visto o Cristo. Deste número, aqueles que
realmente O viram representam talvez menos de uma dúzia, e mesmo com
estes há muito quer dizer sobre o que viram. O que os outros viram pode ser
uma emanação; ou pode ser um pensamento ou mesmo uma imagem relem-
brada pela mente. Existem, também, aqueles que são ardorosos crentes do Cris-
to e tiveram uma visão de alguma Força ou Ser, ou alguma imagem relembrada,
muito luminosa, que lhes causa uma forte impressão. Viram qualquer coisa que
sentem pertencer a um outro mundo, a uma ordem sobrenatural, que suscitou
neles uma emanação de medo, respeito ou alegria; e como eles acreditam no
Cristo, não podem pensar em outra coisa e dizem ser Ele. Mas se a mesma visão
ou experiência acontecesse com alguém que creditasse na religião hindu, mao-
metana ou outra qualquer, tomaria um nome e forma diferentes. A coisa vista
ou experimentada pode ser fundamentalmente a mesma, mas é formulada
diversamente, de acordo com a formação da mente perceptiva. Apenas aqueles
que podem ir além de credos e crenças, mitos e tradições, são capazes de dizer

1
Sachchidananda: (Sat-Chid-Ananda) - Existência, Consciência, Felicidade / Alegria, que é o
princípio trino da eterna natureza da Suprema Realidade. (N. da T.)
SÃO AS VISÕES SINAL DE ALTA ESPIRITUALIDADE? 23

o que realmente é; mas estes são poucos, muito poucos. Você deve estar livre
de toda construção mental, deve despojar-se de tudo que é meramente local e
temporal, antes que posas saber o que viu.

Experiências espirituais significa o contato com o Divino dentro de si (ou


fora, o que vem a dar no mesmo neste domínio). E é uma experiência idêntica
em toda parte, em todos os países, entre todas as pessoas e mesmo em todas as
idades. Se você encontrar o Divino, você o encontra sempre e em todo lugar, da
mesma maneira. A diferença aparece porque entre a experiência e sua formula-
ção há quase um abismo. Assim que você tem a experiência espiritual que acon-
tece sempre na consciência interna, ela é traduzida para sua consciência externa
e definida lá de um modo ou de outro, dependendo da sua educação, da sua fé,
da sua predisposição mental. Existe apenas uma verdade, uma realidade; mas
muitas são as formas pelas quais ela pode ser expressa.

“Qual foi a natureza da visão de Jeanne d’Arc?”

Jeanne d’Arc estava evidentemente em contato com entidades pertencentes


ao que nós chamamos o mundo dos Deuses (ou como os Católicos dizem, no
mundo dos Santos, apesar de não ser bem o mesmo). Aos seres que ela viu,
chamou-os de arcanjos. Estes seres pertencem ao mundo intermediário, entre a
mente mais alta e o supramental2, o mundo que Sri Aurobindo chama de
Sobremente. É o mundo dos criadores, os Formadores.

Os dois seres que sempre apareciam e falavam com Jeanne d’Arc, se vistos
por um indiano, teriam uma aparência bem diferente; pois quando se vê, proje-
tam-se as formas de nossa mente. Àquilo que vê, você dá a forma daquilo que
espera ver. Se o mesmo ser aparecesse simultaneamente em um grupo onde
estivessem cristãos, budistas, hindus, shintoistas, seria chamado por nomes
absolutamente diferentes. Cada um diria, com referência à aparição do ser, que
ele era deste ou daquele modo, todos diferindo e contudo seria uma única e
mesma manifestação. Na Índia você tem a visão que chamam de Divina Mãe, os
católicos dizem que é a Virgem Maria e os japoneses chamam-na Kwannon, a
Deusa da Misericórdia, e outros dariam nomes diversos. É a mesma Força, o
mesmo Poder, mas as representações feitas diferem nas diferentes crenças.

2
A Supramente - região de consciência da Supramente, é um plano de consciência entre o
Sachchidananda e os planos da mente, vida e físico.
A Supramente - Sri Aurobindo chama de Supramente à Verdade-Consciência, que é em sua
natureza o Conhecimento Divino, autoconsciente e autoexistente, onde não existe o princípio
de divisão e ignorância. (N. da T.)
24 CONVERSAS...

“Qual é o lugar de treinamento ou disciplina na entrega? Se alguém se


entregar, pode ele passar sem disciplina? A disciplina às vezes não atrasa?”

Pode ser. Mas a distinção deve ser feita entre o método de desenvolvimento
ou disciplina e uma ação determinada pela vontade. Disciplina é diferente; eu
estou falando da ação determinada pela vontade. Se você se entregar, você tem
de abandonar o esforço, mas isto não significa que deva abandonar também
toda a ação determinada pela vontade. Ao contrário, você pode apressar a reali-
zação cedendo sua vontade à vontade do Divino. Isto também é entrega, sob
uma outra forma.

O que é exigido não é uma entrega passiva na qual você se torna um bloco
inerte, mas colocar sua vontade à disposição da vontade Divina.

“Mas como se pode fazer isto antes da união ter sido efetuada?”

Você tem uma vontade e pode oferecer esta vontade. Tome o exemplo de
tornar-se consciente de suas noites. Se você tomar a atitude de entrega passiva,
dirá: “Quando for da vontade Divina que eu me torne consciente, então eu me
tornarei consciente”. Por outro lado, se oferecer sua vontade ao Divino você
começa a querer, e diz: ”Vou me tomar consciente de minhas noites”. Você tem
vontade de que isto seja feito; não se senta ocioso e espera. A entrega começa
quando você toma a atitude que diz: “Entrego minha vontade ao Divino. Desejo
intensamente tornar-me consciente de minhas noites e como não tenho o
conhecimento, deixo à vontade Divina resolver isto para mim”. Sua vontade
deve continuar a agir firmemente, não na maneira de escolher uma ação parti-
cular ou insistir num objeto particular, mas como uma ardente aspiração con-
centrada sobre o fim a ser alcançado. Isto é o primeiro passo. Se você estiver
vigilante, se a sua atenção estiver alerta, certamente receberá qualquer coisa
sob a forma de uma inspiração do que deve ser feito e do que deve continuar a
fazer, daí em diante. Apenas você tem que se lembrar que se entregar é aceitar
qualquer resultado de sua ação, mesmo que ele seja bem diferente daquilo que
você esperava. De outro lado, se a sua entrega for passiva, você não fará nada e
não tentará nada; irá simplesmente dormir e esperar por um milagre.

Agora, para saber se a sua vontade ou desejo está em consonância com a


Vontade Divina ou não, você deve olhar e ver se tem uma resposta ou não, se
você se sente apoiado ou contestado, não pela mente ou pelo vital ou pelo cor-
po, mas por aquela certa coisa que está sempre lá no fundo do seu ser interior,
no seu coração.
SÃO AS VISÕES SINAL DE ALTA ESPIRITUALIDADE? 25

“Não é necessário um crescente esforço de meditação, e não é verdade que


quanto mais tempo meditar, maior progresso você fará?”O número de horas
gastas na meditação não é prova de progresso espiritual. É prova de seu pro-
gresso quando você não mais tiver de fazer um esforço para meditar. Talvez
então tenha que fazer um esforço para parar de meditar: torna-se difícil parar
de meditar, difícil parar de pensar no Divino, difícil descer para a consciência
comum. A partir de então, você estar seguro de ter feito progresso, ter feito um
real progresso, quando a concentração no Divino é a exigência de sua vida,
quando você não pode passar sem ela, quando ela continua naturalmente de
manhã até à noite, qualquer que seja o trabalho que estiver fazendo. Quer você
se sente para meditar ou ande de lá para cá o faça coisas e trabalhe, o que é
exigido de você é consciência; isto é a única coisa necessária – ser constante-
mente consciente do Divino.

“Mas sentar-se para meditar não é uma disciplina indispensável e não se


consegue assim uma união mais intensa e concentrada com o Divino?”

Pode ser. Mas a disciplina por si mesma não é o que nós estamos procuran-
do. O que queremos é estar concentrados no Divino, em tudo que fizemos, a
qualquer momento, em todos nossos atos e em todo movimento. Aqui existem
alguns aos quais foi dito que meditassem; mas há outros também aos quais se
pediu que não fizessem nenhuma meditação. Mas não se deve pensar que eles
não estejam progredindo. Também seguem uma disciplina, mas de outra natu-
reza. Trabalhar, agir com devoção e com uma consagração interior também é
disciplina espiritual. O objetivo final é estar em constante união como Divino,
não apenas na meditação, mas em todas as circunstâncias e em toda a vida ati-
va.

Existem alguns que, quando estão sentados em meditação, entram em um


estão que consideram muito elevado e deleitoso. Sentam-se autocomplacentes
e esquecem o mundo; mas se forem perturbados, saem dele raivosos e inquie-
tos porque sua meditação foi interrompida. Este não é um sinal de progresso
espiritual ou disciplina. Há pessoas que agem e parecem sentir-se como se sua
meditação fosse um débito que devem pagar ao Divino; são como os homens
que vão à Igreja uma vez por semana e pensam que pagaram seu débito a Deus.

Se precisar fazer um esforço para entrar em meditação, você ainda está mui-
to longe de ser capaz de viver a vida espiritual. Quando for necessário um esfor-
ço para sair dela, então, realmente, sua meditação pode ser uma indicação de
que você está na vida espiritual.
26 CONVERSAS...

Há disciplinas como o Hatha Yoga e o Raja Yoga que se pode praticar e, con-
tudo não têm nada a ver com a vida espiritual; a primeira alcança geralmente
um controle do corpo, a última, o da mente. Mas entrar na vida espiritual signi-
fica dar um mergulho dentro do Divino, assim como você pularia dentro do mar.
E isso não é o fim, mas justamente o começo; porque depois de ter dado o mer-
gulho, deve aprender a viver no Divino. Como vai você fazer isto? Tem simples-
mente que pular diretamente dentro e não pensar, “Onde cairei? o que vai
acontecer comigo?” É a hesitação de sua mente que o impede. Você deve sim-
plesmente deixar-se levar. Se quiser mergulhar no mar e ficar pensando o tem-
po todo “Ah! mas pode haver uma pedra aqui ou ali”, você não vai saltar.

“Mas o mar você vê e assim pode pular diretamente dentro dele. Mas como
vai você pular dentro da vida espiritual?”

É claro que você deve ter tido algum vislumbre da Realidade Divina, assim
como deve ver o mar e saber alguma coisa sobre ele antes de poder pular.
Aquele vislumbre é geralmente o despertar da consciência psíquica. Mas alguma
realização você deve ter – um mental ou vital forte ou senão um profundo con-
tato psíquico ou mesmo um contato integral. Você deve ter sentido fortemente
a Divina Presença dentro ou à sua volta; você deve ter sentido o alento do mun-
do Divino. E você deve ter sentido também, como uma pressão sufocante, a
respiração antagônica do mundo ordinário, constrangendo-o a fazer um esforço
para sair daquela atmosfera opressiva. Se você já sentiu isso, então tem apenas
que procurar refúgio, sem restrição, na Divina Realidade e viver da sua ajuda e
proteção, nela somente. O que você tiver feito apenas parcialmente no curso de
sua vida habitual ou em algumas partes de seu ser ou às vezes ou ocasionalmen-
te, você deve fazê-lo integralmente e para sempre. Isto é o mergulho que você
tem que dar e, se não o fizer, pode praticar Yoga durante anos e mesmo assim
não saber nada da verdadeira vida espiritual. Dê o mergulho completo e total e
ficará livre desta confusão exterior e conseguirá a verdadeira experiência da
vida espiritual.

4. DEVE-SE SACRIFICAR TUDO PELO DIVINO?

“Dizem que para progredir no Yoga deve-se sacrificar tudo ao Divino, até
mesmo as pequenas coisas que se tem ou se faz na vida. Qual é exatamente o
sentido disso?”

Yoga significa união com o Divino; e a união é efetuada através da oferenda


– é fundamentada sobre a dádiva de si mesmo ao Divino. No princípio você
começa fazendo esta oferta de um modo geral, embora em definitivo; você diz:
DEVE-SE SACRIFICAR TUDO PELO DIVINO? 27

“Sou o servo do Divino; ofereço minha vida completamente ao Divino; todos os


meus esforços são para a realização da Vida Divina”. Mas isso é apenas o primei-
ro passo, porque não é suficiente. Quando a resolução tiver sido tomada, quan-
do você tiver decidido que a sua vida inteira será consagrada ao Divino, terá
ainda que se lembrar disto a cada momento e cumpri-la em todos os detalhes
de sua existência. Você deve sentir a cada passo que pertence ao Divino; deve
ter a experiência constante de que, em tudo que pensar ou fizer, é sempre a
Divina Consciência que está agindo através de você. Você nada possui que possa
chamar de seu; sente tudo como se viesse do Divino, e tem que oferecê-lo de
volta à sua fonte. Quando você puder realizá-lo, então a mais pequenina coisa à
qual usualmente não presta muita atenção ou cuidado deixará de ser trivial e
insignificante; tornar-se-á cheia de significado e desvendará um vasto horizonte
além.

É assim que você tem que cumprir sua oferenda indiscriminada em dádivas
detalhadas. Viva constantemente na presença do Divino; viva com a sensação de
que é esta presença que o move e está fazendo tudo que você faz. Ofereça
todos seus movimentos a ela, não apenas toda ação mental, todo pensamento e
sentimento, mas mesmo as ações mais comuns e externas, assim como comer,
quando comer, deve sentir que é o Divino que está comendo através de você.
Quando puder reunir assim todos os seus movimentos dentro da Única Vida,
então terá unidade dentro de si, em vez de divisão. Não é mais uma parte de sua
natureza doada ao Divino, enquanto o resto permanece no seu estado habitual,
absorvido em coisas comuns; sua vida inteira é elevada e uma transformação
integral é realizada gradualmente em você.

No Yoga integral, a vida integral, até mesmo nos mínimos detalhes, tem que
ser transformada, ser divinizada. Não há nada aqui que seja insignificante, nada
que seja indiferente. Você não pode dizer: “Quando estou meditando, lendo
filosofia ou ouvindo estas conversas, estou em condições de uma abertura à Luz
e ao chamado dela, mas quando saio para passear ou ver amigos, posso me
permitir esquecer tudo sobre isso”. Persistir nesta atitude significa que você se
conservará intransformado e nunca terá a verdadeira união; sempre está dividi-
do; quando muito terá vislumbres desta vida maior. Porque, apesar de você
poder alcançar certas experiências e realizações na meditação ou em sua cons-
ciência interior, seu corpo e sua vida exterior permanecerão inalterados. Um
iluminação interior que não toma conhecimento do corpo e da vida exterior não
é de grande aplicação; porque deixa o mundo como ele é. Isto é o que tem
acontecido continuamente até agora. Mesmo aqueles que tiveram uma realiza-
ção muito grande e poderosa retiraram-se do mundo para viver não perturba-
dos, numa paz e quietude interior; o mundo foi abandonado a seu destino, e a
28 CONVERSAS...

miséria e a estupidez, a Morte e a Ignorância continuaram, inafetadas, seu rei-


nado neste plano material de existência. Para aqueles que assim se retiraram,
pode ser agradável escapar desta agitação, fugir da dificuldade e encontrar em
algum lugar uma condição feliz para si; contudo, eles deixaram o mundo e a vida
não corrigidos e não transformados; e também deixaram as suas próprias cons-
ciências exteriores intransformadas e seus corpos irregenerados como sempre.
Se retornarem ao mundo físico, provavelmente eles se tornarão piores do que
as pessoas comuns, porque perderam o domínio sobre as coisas materiais e sua
relação com a vida física, com toda a probabilidade, será relaxada e desorienta-
da em seus movimentos e à mercê de toda força que passe.

Um ideal dessa espécie pode ser bom para aqueles que o desejem, mas não
é o nosso Yoga. Porque queremos a conquista divina deste mundo, a conquista
de todos seus movimentos e a realização do Divino aqui na terra. Se quisermos
que o Divino reine aqui, devemos dar tudo que temos e somos e fazemos aqui
ao Divino. Não adianta pensar que alguma coisa não é importante ou que a vida
externa e suas necessidades não são partes da vida Divina. Se assim fizermos,
permaneceremos onde temos sempre estado e não haverá conquista do mundo
exterior; nada durável terá sido feito nele.

“Voltam a este plano pessoas que avançaram muito longe?”

Sim, se nelas houver uma vontade de mudar este plano, então quanto mais
avançadas forem, mais seguramente haverão de voltar. E quanto àqueles que
têm vontade de fugir, mesmo eles, quando passam para o outro lado, podem
achar que, afinal, a fuga não adiantou muito.

“Muitos se lembram que passaram para o outro lado e estão de volta outra
vez?”

Quando você alcança um certo estado de consciência, você se lembra. Não é


tão difícil alcançar este estado parcialmente, por um curto tempo; em medita-
ção profunda, num sonho ou numa visão pode-se ter a sensação ou a impressão
de que já se viveu esta vida, que já se teve esta realização, conheceu estas ver-
dades. Mas não é a realização completa; para se chegar a isso, deve-se ter atin-
gido uma consciência permanente dentro de si, que seja constante e que man-
tenha unidas todas as suas existências no passado ou presente ou futuro.

“Quando estamos concentrados em movimentos mentais ou buscas intelec-


tuais, por que às vezes esquecemos ou perdemos o contato com o Divino?”

Em todas as buscas intelectuais ou ativas, seu único lema deveria ser “Lem-
brar e Oferecer”. Qualquer coisa que faça, seja feita em oferecimento ao Divino.
DEVE-SE SACRIFICAR TUDO PELO DIVINO? 29

E isto também será uma excelente disciplina para você; evitará muitas coisas
tolas e inúteis.

“Muitas vezes, no princípio da ação, isto pode ser feito; mas quando a pes-
soa fica absorta no trabalho, ela se esquece. Como é que ela vai se lembrar?”

A condição a ser almejada, a verdadeira realização do Yoga, a final perfeição


e consecução, pela qual tudo o mais é apenas uma preparação, é a consciência
na qual é impossível fazer qualquer coisa sem o Divino; porque então, sem o
Divino, a real fonte de sua ação desaparece; conhecimento, poder, tudo se vai.
Mas enquanto você achar que os poderes que usa são seus, não sentirá falta do
apoio Divino.

No começo do Yoga, muitas vezes você tende a esquecer o Divino. Mas pela
constante aspiração, aumenta sua lembrança e diminui o esquecimento. Porém
isto não deveria ser feito como uma disciplina severa ou uma obrigação; deve
ser um movimento de amor e alegria. Assim, muito breve virá um estágio em
que, se você sentir a presença do Divino a todo momento e em qualquer coisa
que estiver fazendo, você se sentirá, imediatamente, sozinho e triste e miserá-
vel.

Sempre que achar que pode fazer alguma coisa sem sentir a presença do
Divino e contudo estar perfeitamente à vontade, você deve compreender que
não está consagrado naquela parte de seu ser. Esta é a atitude da humanidade
comum que não sente qualquer necessidade do Divino. Mas para aquele que
procura a Vida Divina, é muito diferente. E quando você tiver realizado inteira-
mente a unidade com o Divino, então, se o Divino se retirar de você, mesmo por
um segundo apenas, você simplesmente cairá morto; pois o Divino é agora a
Vida de sua vida, sua existência total, seu apoio único e completo. Se o Divino
não estiver lá, nada resta.

“Nos estágios iniciais de Yoga é certo para o Sadhaka3 ler livros comuns?”

Você pode ler livros sagrados e contudo estar muito longe do Divino; e pode
ler as mais estúpidas obras literárias e estar em contato com o Divino. Não é
possível ter uma idéia do que a consciência transformada e seus movimentos
são, antes que tenha sentido o gosto da transformação. Há um estado de cons-
ciência em união com o Divino, no qual você pode apreciar tudo o que lê, bem

3
“Sadhaka” – aquele que pratica a disciplina do yoga com o objetivo de alcançar perfeição
(Siddhi). (N. da T.)
30 CONVERSAS...

como tudo o que observa, mesmo os livros mais indiferentes ou as coisas mais
desinteressantes. Você pode ouvir música sem valor, mesmo música da qual
gostaria de fugir e contudo gostar dela, não pela sua aparente individualidade,
mas por aquilo que está por trás. Você não perde a discriminação entre a música
boa e má, mas passa através de ambas para dentro daquilo que ela expressa.
Pois não há nada no mundo que não tenha sua verdade fundamental e apoio no
Divino. E se não for detido pela aparência física ou moral ou estética, mas ficar
por trás e entrar em contato com o Espírito, a alma divina nas coisas, você pode
alcançar a beleza e o deleite mesmo através daquilo que afeta o sentido comum
como algo pobre, doloroso ou discordante.

“Pode-se dizer, em justificação ao passado de alguém, que tudo que lhe


aconteceu na vida tinha que acontecer?”

Evidentemente, o que aconteceu tinha que acontecer; não teria sucedido se


não tivesse sido planejado. Mesmo os erros que cometemos e as adversidades
que caem sobre nós tinham que acontecer porque havia alguma necessidade
delas, alguma utilidade para nossas vidas. Estas coisas, na verdade, não podem
ser explicadas mentalmente e não deveriam ser. Pois tudo que acontece é
necessário, não por alguma razão mental, mas para conduzir-nos a alguma coisa
mais além do que a mente imagina. Mas afinal, há alguma necessidade de expli-
cação? O universo inteiro explica tudo a todo o momento, e uma coisa determi-
nada acontece porque o universo inteiro é o que é. Isto não significa que esta-
mos amarrados a uma aceitação cega da inexorável lei da Natureza. Pode acei-
tar o passado como um fato consumado e perceber a necessidade dele e ainda
usar a experiência que ele lhe deu para construir em você o poder de conscien-
temente guiar e molar seu presente e futuro.

“Também o tempo de um acontecimento é decidido no plano Divino das coi-


sas?”

Tudo depende do plano do qual se vê e se fala. Há um plano de consciência


divina onde tudo é absolutamente conhecido e o plano total das coisas, previsto
e predeterminado. Esta maneira de ver está situada nas esferas mais altas do
Supramental; é a visão própria do Supremo. Mas quando não possuímos esta
consciência, é inútil falar em termos que apenas se aplicam a esta região e não
são a nossa maneira presente de ver as coisas. Porque num nível mais baixo de
consciência, nada é realizado ou fixado de antemão, tudo está num processo de
formação. Nele não existem fatos estabelecidos; há somente o jogo das possibi-
lidades; do choque das possibilidades é realizada a coisa que tem que acontecer.
Nesse plano podemos escolher e selecionar, recusar uma possibilidade e aceitar
outra; podemos seguir um caminho e virar as costas a um outro. E isso podemos
DEVE-SE SACRIFICAR TUDO PELO DIVINO? 31

fazer, embora o que esteja efetivamente acontecendo possa ter sido previsto e
predeterminado em um outro plano mais alto.

A Consciência Suprema sabe de tudo antecipadamente, porque tudo é reali-


zado lá na sua eternidade. Mas pela necessidade de seu drama e a fim de execu-
tar efetivamente no plano físico o que está preordenado em seu próprio Eu
Supremo4, ela se move aqui sobre a terra como se não conhecesse a história
toda. Ela trabalha como se fosse um fio novo e nunca experimentado que esti-
vesse tecendo. É este aparente esquecimento de seu próprio pré-conhecimento
na consciência mais alta que dá ao indivíduo, na vida ativa do mundo, o sentido
de liberdade e independência e iniciativa. Estas coisas nele são os instrumentos
pragmáticos ou estratagemas usados pela Consciência Suprema e é através des-
te mecanismo que os movimentos e ordens planejados e previstos em outro
lugar são aqui realizados.

Se você tomar o exemplo de um ator, talvez possa ajudá-lo a compreender.


Um ator sabe a parte toda que tem que representar; tem na mente a sequência
exata do que vai acontecer no palco. Mas quando ele está no palco, tem que
aparentar como se não soubesse nada; tem que sentir e agir como se estivesse
experimentando tudo pela primeira vez, como se fosse um mundo inteiramente
novo, com todos os seus acontecimentos e surpresas ocasionais que estivessem
se desenrolando diante de seus olhos.

“Então não há verdadeira liberdade? É tudo absolutamente determinado,


mesmo sua liberdade, e o fatalismo é o mistério mais alto?”

Independência e fatalidade, liberdade e determinismo, são verdades que se


alcançam em diferentes níveis de consciência. É a ignorância que faz a mente
colocar os dois no mesmo nível e fazer oposição um ao outro. Consciência não é
uma realidade única, uniforme, ela é complexa, não é algo como um plano hori-

4
O Eu (Self) ou Espírito (em sânscrito Atma ou Brahman) é o princípio e suporte de toda a
existência. Do ponto de vista da existência manifestada, ele tem três aspectos:
1. transcendente: O Eu Supremo (Paramatman), Existência in esse, acima do indivíduo e do
cosmos, idêntico ao Ser Divino essencial, ao Absoluto, sem espaço e sem tempo (Parabrah-
man).
2. cósmico: o Eu Universal, o Espírito manifestado em infinita extensão de si mesmo, o Espíri-
to habitante, igual em todos os seres e em tudo.
3. individual (Jivatman): O Eu Individual, o ser central em cada entidade viva, a consciência
individual essencial, imutável e livre, não afetada por desejo, ego e ignorância.
O Eu é uno e indivisível, apesar de seus três aspectos (cf. The Future Evolution of Man, de Sri
Aurobindo, Pondicherry, Índia, 3ª ed., 1974, pg. 144). (N.da T.)
32 CONVERSAS...

zontal, é multidimensional. Na altura mais elevada está o Supremo e na profun-


didade mais baixa está a matéria. E há uma infinidade de gradações de níveis de
consciência entre esta profundidade mais baixa e a altura mais elevada.

No plano da matéria e no plano da consciência ordinária você está de pés e


mãos atados. Um escravo do mecanismo da Natureza, você está amarrado às
cadeias do karma e aí, nesta cadeia, qualquer coisa que aconteça é rigorosa-
mente a conseqüência do que tiver sido feito antes. Existe uma ilusão de movi-
mento independente, mas na verdade você repete o que todos os outros fazem,
reflete os movimentos-mundo da Natureza, revolve-se indefeso na roda esma-
gadora da máquina cósmica.

Mas não precisa ser assim. Você pode mudar de lugar, se quiser; em vez de
ficar embaixo esmagado pelo mecanismo ou movido como um boneco, pode se
levantar e olhar de cima e, pela mudança de sua consciência, pode mesmo segu-
rar alguma manivela para mover circunstâncias aparentemente inevitáveis e
mudar condições fixas. Depois que sair do remoinho e colocar-se bem acima no
alto, você vê que está livre. Livre de todas as compulsões, você não apenas não
é mais um instrumento passivo, mas torna-se um agente ativo. Não está somen-
te desligado das consequências de suas ações, como pode mesmo mudar as
consequências. Quando você vê o jogo de forças, quando se eleva a um plano de
consciência onde se encontram as origens das forças e identifica-se com estas
fontes dinâmicas, você não mais pertence ao que é movido, mas ao que move.

É este precisamente o objetivo do Yoga – sair do ciclo do karma para dentro


do movimento divino. Pelo Yoga você deixa a ronda mecânica da Natureza na
qual você é um escravo ignorante, um instrumento indefeso e miserável, e
ascende a um outro plano onde você se torna um participante consciente e um
agente dinâmico no desenvolvimento de um Destino mais alto. Este movimento
da consciência segue uma linha dupla. No princípio há uma ascensão; você se
eleva além do nível da consciência material para esferas superiores. Mas esta
ascensão do mais baixo para o mais alto chama a descida do mais alto para den-
tro do mais baixo. Quando você se eleva acima da terra, também traz para bai-
xo, sobre a terra, alguma coisa do que está em cima – alguma luz, algum poder
que transforma ou tende transformar sua velha natureza. E então estas coisas
que eram distintas, desconexas e disparatadas umas das outras – o mais alto em
você e o mais baixo, os subextratos interior e exterior do seu ser e consciência –
encontram-se e vagarosamente, vão se juntando e gradualmente se fundem em
uma única verdade, uma única harmonia.

É deste modo que os chamados milagres acontecem. O mundo é construído


de inumeráveis planos de consciência e cada um tem suas leis próprias distintas;
DEVE-SE SACRIFICAR TUDO PELO DIVINO? 33

as leis de um plano não são aplicáveis a um outro. Um milagre nada mais é que
uma brusca descida, um irromper de uma outra consciência e seus poderes –
mais freqüentemente são os poderes do vital – para dentro deste plano de
matéria. Há uma precipitação sobre o mecanismo material, do mecanismo de
um plano mais alto. É como se o lampejar de um relâmpago irrompesse através
das nuvens de nossa consciência ordinária e derramasse dentro dela outras for-
ças, outros movimentos e sequencias. Ao resultado chamamos de milagre por-
que vemos uma repentina alteração, uma abrupta interferência nas leis naturais
de nosso próprio alcance ordinário, mas a razão e ordem disso não conhecemos
nem vemos porque a fonte do milagre está situada em um outro plano. Tais
incursões dos mundos além para dentro de nosso mundo na matéria não são
muito incomuns; são até um fenômeno constante e, se tivermos olhos e sou-
bermos como observar, podemos ver milagre em abundância. Especialmente
eles devem ser constantes entre aqueles que estão se empenhando em trazer as
esferas mais altas para dentro da consciência-terra embaixo.

“Tem a criação um objetivo definido? Existe algo como um fim último em


direção ao qual está se movendo?”

Não, o universo é um movimento que está eternamente se desenrolando.


Não há nada que você possa fixar como o fim e único objetivos. Mas, por causa
da ação, temos que seccionar o movimento que é em si mesmo interminável, e
dizer que isto ou aquilo é ao alvo, porque na ação precisamos de alguma coisa
em que possamos fixar nosso objetivo. Em uma pintura você precisa de um
definido esquema de composição e cor; tem que estabelecer um limite, colocar
a coisa toda dentro de uma estrutura fixa; mas o limite é ilusório, a moldura é
uma mera convenção. Existe uma continuação constante do quadro que se
estende para além de qualquer moldura específica e cada continuação pode ser
desenhada nas mesmas condições, em uma interminável série de molduras.
Dizem que nossa meta é esta ou aquela, mas sabemos que é apenas o começo
de um outro alvo mais além e que, por sua vez, leva a um outro; a série se
desenvolve sempre e nunca pára.
34 CONVERSAS...

5. A FUNÇÃO EXATA DO INTELECTO

“Qual é a função exata do intelecto? É ele um auxílio ou um obstáculo ao


Sadhana5?”

Se o intelecto é uma ajuda ou um obstáculo depende da pessoa e do modo


como é usado. Há um movimento verdadeiro do intelecto e há um movimento
errado; um ajuda, o outro atrasa. O intelecto que acredita excessivamente na
sua própria importância e quer a satisfação de si mesmo é um obstáculo à reali-
zação superior. Aliás, isto é verdadeiro, não num sentido especial e para o inte-
lecto apenas, mas de um modo geral, para as outras faculdades também. Por
exemplo, as pessoas não consideram uma virtude a satisfação cega e imoderada
dos desejos vitais ou os apetites animais; o senso moral é aceito como um men-
tor para apontar os limites que não se podem transgredir. É somente nas suas
atividades intelectuais que o homem pensa que ele pode dispensar tal mentor
ou censor!

Qualquer parte do ser que se mantenha no seu devido lugar e execute o


papel que lhe é designado é útil; mas assim que ela passa além de sua esfera,
torna-se distorcida e pervertida, e consequentemente falsa. Um poder tem seu
movimento certo quando é colocado em atividade para o propósito Divino; tem
o movimento errado, quando é colocado em atividade para sua própria satisfa-
ção.

O intelecto, na sua verdadeira natureza, é um instrumento de expressão e


ação. É algo como um intermediário entre o conhecimento verdadeiro, cujo
lugar está nas regiões mais altas, acima da mente, e a realização aqui embaixo.
O intelecto, ou geralmente falando, a mente, dá a forma: o vital acrescenta o
dinamismo e poder-vida; o material vem por último e incorpora.

“Como se deve encarar as forças adversas – que são invisíveis e, entretanto,


bastante vivas e tangíveis?”

Muito depende do estágio de desenvolvimento de sua consciência. No


começo, se você não tiver nenhum poder e conhecimento oculto especiais, o
melhor que pode fazer é permanecer tão quieto e tranquilo quanto possível. Se
o ataque tomar a forma de sugestões adversas, tente afastá-las tranquilamente,
como faria com algum objeto material. Quanto mais quieto você ficar, mais for-
te se tornará. A base firme de todo poder espiritual é equanimidade. Você não

5
Sadhana: prática do yoga e de sua disciplina.
A FUNÇÃO EXATA DO INTELECTO 35

deve deixar que nada perturbe seu equilíbrio; então você pode resistir a qual-
quer espécie de ataque. Se, além disso, você possuir discernimento suficiente e
puder ver e apanhar as más sugestões quando elas chegarem a você, tornar-se-á
muito mais fácil afastá-las; mas algumas vezes elas vêm despercebidas e então é
mais difícil combatê-las. Quando isto acontecer, você deve sentar-se quieto,
fazer descer a paz e uma profunda quietude interior. Mantenha-se firme e invo-
que com confiança e fé: se sua aspiração for pura e firme, você certamente
receberá ajuda.

Os ataques das forças adversas são inevitáveis: você deve aceitá-los como
testes no caminho e prosseguir corajosamente através da provação. A luta pode
ser dura, mas quando sair dela, terá ganho alguma coisa, terá avançado um pas-
so. Há mesmo uma necessidade da existência das forças hostis. Elas tornam a
sua determinação mais forte, sua aspiração mais clara.

É verdade, entretanto, que elas existem porque você lhes deu razão para
existir. Enquanto houver em você algo que responda a elas, sua intervenção é
perfeitamente legítima. Se nada em você responder, se não tiver apoio em
nenhuma parte de sua natureza, elas se retirarão e do deixarão. De qualquer
forma, elas não devem parar ou entravar seu progresso espiritual. O único meio
de perder a batalha contra as forças hostis é não ter confiança verdadeira no
auxílio Divino. Sinceridade na aspiração sempre traz o socorro requerido. Um
chamado quieto, uma convicção de que, nesta ascensão em direção à realiza-
ção, você nunca caminha sozinho e uma fé de que toda vez que o auxílio for
necessário ele aparecerá, e há de conduzi-lo fácil e seguramente pelo caminho.

“Geralmente estas forças hostis vêm de fora ou de dentro?”

Se você pensa ou sente que elas vêm de dentro, possivelmente você se abriu
a elas e elas se instalaram sem você percebê-las. A verdadeira natureza das coi-
sas é de harmonia; mas há uma distorção em certos mundos que produzem per-
versão e hostilidade. Se tiver uma forte afinidade com estes mundos de distor-
ção, você pode fazer amizade com os seres que vivem lá e responder plenamen-
te às suas sugestões. Acontece, mas não é uma condição muito feliz. A consciên-
cia torna-se imediatamente obscurecida e não pode distinguir entre o verdadei-
ro e o falso; você não pode nem mesmo dizer o que é mentira e o que não é.

De qualquer jeito, quando um ataque vier, a atitude mais sábia é considerar


que ele veio de fora, e dizer: “Isto não sou eu e não tenho nada a ver com isto”.
Você deve lidar, da mesma forma, com todos os impulsos e desejos inferiores e
todas as dúvidas e indagações da mente. Se você se identificar com elas, a difi-
culdade em lutar contra elas tornar-se-á muito maior; pois então você tem a
36 CONVERSAS...

sensação de que está enfrentando a sempre difícil tarefa de superar sua própria
natureza. Mas desde que possa dizer: “Não, não sou eu, não tenho nada com
isto”, será muito mais fácil dispersá-las.

“Onde pode ser traçada a linha de demarcação entre o interior e o exterior?”

A linha é muito flexível; ela pode estar tão próxima ou distante quanto você
quiser. Você pode incluir todas as coisas e senti-las como uma parte ou parcela
de seu eu real; ou pode jogá-las fora como faria com um fio de cabelo ou pedaço
de unha, sem ser afetado por isso, de modo algum.

Tem havido religiões cujos seguidores não se separariam nem mesmo de um


fio de cabelo ou pedaço de unha, temendo perder algo de sua personalidade.
Aqueles que são capazes de expandir sua consciência de modo tão vasto quanto
o mundo, tornam-se o mundo; mas aqueles que estão fechados em seus peque-
nos corpos e sentimentos limitados detêm-se nestes limites: seus corpos e seus
sentimentos mesquinhos formam para eles a totalidade de seu ser.

“Pode a simples fé criar tudo, conquistar tudo?”

Sim, mas deve ser uma fé integral e absoluta. E deve ser da qualidade certa,
não meramente uma força de pensamento ou de vontade, mas alguma coisa
mais e mais profunda. A vontade gerada pela mente acarreta reações opostas e
cria uma resistência. Você deve ter ouvido falar algo sobre o método Coué de
curar doenças. Ele conhecia algum segredo deste poder e utilizava-o com consi-
derável efeito; mas chamava-o de imaginação e seu método deu à fé, que ele
utilizava, uma forma excessivamente mental. Fé mental não é suficiente: deve
ser completada e reforçada por uma fé vital e até mesmo física, uma fé do cor-
po. Se você puder criar em si mesmo uma força integral desta espécie em todo o
seu ser, então nada poderá resistir a ela; mas você deve descer ao mais sub-
consciente, deve fixar a fé em todas as células do corpo. Por exemplo, agora há
por aí o começo de um conhecimento entre os cientistas de que a morte não é
uma necessidade. Mas a humanidade, em geral, acredita firmemente na morte;
é, pode-se dizer, uma sugestão humana comum, baseada numa longa experiên-
cia imutável. Se esta crença pudesse ser extirpada, primeiro da mente conscien-
te, e depois da natureza vital e das camadas físicas subconscientes, a morte não
mais seria inevitável.

“Mas não é somente na mente do homem que a idéia de morte existe. A


criação animal já a conhecia antes dele.”

A morte como um fato tem sido associada à toda forma de vida na terra;
mas o homem a compreende num sentido diferente do significado que a Natu-
A FUNÇÃO EXATA DO INTELECTO 37

reza originalmente colocou nela. No homem e nos animais que estão mais pró-
ximos do nível dele, a necessidade da morte tomou uma forma e significação
especiais para suas consciências; mas o conhecimento subconsciente na Nature-
za inferior que suporta a morte é a sensação da necessidade de renovação, de
mudança e de transformação.

Foram as condições da matéria sobre a terra que fizeram a morte indispen-


sável. O sentido total da evolução da Matéria tem sido um crescimento que,
partindo de um primeiro estado de inconsciência, se dirige para uma consciência
sempre crescente. E por causa da maneira como as coisas aconteceram, a disso-
lução das formas tornou-se uma necessidade inevitável neste processo de cres-
cimento, porque foi necessária uma forma fixa para que a consciência individual
organizada pudesse ter um apoio estável. E, contudo, foi a fixidez da forma que
tornou a morte inevitável. A Matéria tinha de assumir formas; a individualização
e a incorporação concreta de forças-vida ou forças-consciência teriam sido
impossíveis sem esta colocação em formas, e sem estas forças teriam faltado as
primeiras condições de existência organizada no plano da matéria. Mas uma
formação definida e concreta adquire a tendência de tornar-se imediatamente
rígida, dura e petrificada. A forma individual persistiu como um molde excessi-
vamente apertado; não pode seguir os movimentos das forças; não pode mudar
em harmonia com a progressiva transformação no dinamismo universal; não
pode satisfazer continuamente a exigência da Natureza ou avançar tanto quanto
ela; assim ela é lançada fora da corrente. Num certo ponto desta crescente dis-
paridade e desarmonia entre a forma e a força que a pressiona, é inevitável uma
completa dissolução da forma. Uma nova forma deve ser criada, uma nova har-
monia e paridade possibilitada. Esta é a verdadeira significação da morte e esta
é sua utilidade na natureza. Mas se a forma pudesse tornar-se mais rápida e
mutável e as células do corpo pudessem ser despertadas para acompanhar a
mudança do estado de consciência, não haveria necessidade de uma dissolução
drástica, e a morte não seria mais inevitável.

“Dizem que desastres e catástrofes na Natureza, terremoto e dilúvio e afun-


damento de continentes, são consequências de uma humanidade discordante e
pecadora, e que, com o progresso e o desenvolvimento da raça humana, uma
mudança correspondente aparecerá na Natureza física. Até que ponto isto é
verdadeiro?”

Talvez fosse mais verdadeiro dizer que é um e o mesmo movimento de


consciência que se expressa numa Natureza oprimida por calamidades e catás-
trofes e numa humanidade em desarmonia. As duas coisas não são causa e efei-
to, mas estão no mesmo nível. Acima delas há uma consciência que está procu-
38 CONVERSAS...

rando manifestação e incorporação sobre a terra, e na sua descida em direção à


matéria encontra em todo lugar, no homem e na Natureza física, a mesma resis-
tência. Toda desordem e desarmonia que vemos na terra são o resultado desta
resistência. Calamidade e catástrofe, conflito e violência, obscuridade e ignorân-
cia – todos estes males provêm da mesma fonte. O homem não é a causa da
Natureza externa, nem a Natureza externa a causa do homem, mas ambos
dependem de uma mesma e única coisa que está por trás deles e é maior que
eles, e ambos são parte de um movimento perpétuo e progressivo do mundo
material, para expressá-la.

Agora, se houver despertado, em algum lugar sobre a terra, uma receptivi-


dade e abertura suficientes para trazer para baixo, na sua pureza, algo da cons-
ciência Divina, esta descida e manifestação na matéria podem mudar, não
somente a vida interior, mas também as condições materiais, a expressão física
no homem e na Natureza. Esta descida não depende, para sua possibilidade, da
condição da humanidade como um todo. Se tivéssemos de esperar que a massa
da humanidade alcançasse este estado de harmonia, unidade e aspiração sufi-
cientemente fortes para trazer para baixo a Luz e mudas as condições materiais
e o movimento da Natureza, haveria bem pouca esperança. Mas existe a possi-
bilidade de que um indivíduo ou um pequeno grupo ou um número limitado
possa conseguir a descida. Não é a quantidade ou extensão que importa. Uma
gota da Consciência Divina que penetrasse na consciência da terra poderia
mudar tudo aqui.

É o mistério do contato e fusão dos planos mais altos com os mais baixos
que é o segredo, a chave escondida. Este contato e esta fusão têm sempre uma
força transformadora; só que aqui seria em uma escala mais ampla e alcançaria
um grau maior. Se houver alguém na terra que seja capaz de entrar consciente-
mente em contato com um plano que ainda não tenha se manifestado aqui e se,
elevando-se até ele na sua consciência, puder fazer com que este plano se
encontre com o plano material e se harmonizem, então pode acontecer um
grande movimento decisivo de transformação da Natureza, ainda não realizado.
Um novo poder descerá e mudará as condições de vida sobre a terra.

Mesmo como é, todas as vezes que uma grande alma veio e revelou alguma
luz de verdade ou trouxe sobre a terra uma nova força, as condições na terra
mudaram, embora não exatamente do jeito desejado ou esperado. Por exem-
plo, um ser que tinha atingido um certo plano de conhecimento e consciência e
experiência espiritual veio e disse: “Estou vos trazendo libertação” ou “Estou vos
trazendo a paz”. Aqueles à sua volta acreditaram, talvez, que sua promessa
devia ser entendida de uma forma material; quando descobriram que não era
A FUNÇÃO EXATA DO INTELECTO 39

como tinham pensado, não puderam entender o que ele havia feito. O que ele
trouxe foi uma mudança na consciência, uma paz de uma espécie até então des-
conhecida, ou uma capacidade de libertação que não existia antes aqui. Mas
estes movimentos pertenciam à vida interior e não trouxeram nenhuma mudan-
ça externa, tangível ao mundo. Talvez a intenção de mudar o mundo externa-
mente não estivesse lá; talvez não houvesse o conhecimento necessário; entre-
tanto, apesar de tudo, estes pioneiros realizaram alguma coisa.

A despeito de todas as aparências adversas, pode bem ser que a terra esteja
se preparando para uma certa realização, passo a passo e por etapas. Tem havi-
do uma mudança na civilização e uma mudança na natureza. Se não é evidente,
é porque vemos do ponto de vista externo e porque a matéria e suas dificulda-
des até hoje nunca foram tratadas com seriedade e completamente. Contudo,
internamente houve um progresso; na consciência interior houve descidas da
Luz. Mas quanto a qualquer realização na matéria, é difícil dizer alguma coisa,
porque não sabemos exatamente o que pode ter acontecido lá.

Houve no passado remoto civilizações belas e grandes, talvez tão adiantadas


materialmente quanto a nossa. Sob um certo ponto de vista, as mais modernas
parecem ter sido somente uma repetição das culturas mais antigas e, entretan-
to, não se pode dizer que não houve progresso algum. Um progresso interior,
pelo menos, foi alcançado, e uma maior prontidão para responder à consciência
mais alta nasceu nos níveis materiais. Foi necessário fazer várias vezes as mes-
mas coisas, porque o que foi tentado nunca foi suficientemente bem feito; mas
cada vez se aproximou da maneira mais adequada de fazê-lo. Quando pratica-
mos um exercício muitas e muitas vezes, parece que estamos repetindo sempre
a mesma coisa e, todavia, o resultado acumulativo é uma mudança efetiva.

O erro é olhar para estas coisas através das dimensões da consciência


humana, porque, vistos assim, estes movimentos vastos e profundos parecem
inexplicáveis. É perigoso tentar explicar ou entendê-los com a inteligência men-
tal limitada. Esta é a razão pela qual a filosofia tem sempre falhado em desven-
dar o segredo das coisas; é porque tentou ajustar o universo ao tamanho da
mente humana.

“Quantos de nós se lembram das vidas anteriores?”

Em todos, em alguma parte de nossa consciência, há uma lembrança. Mas


este é um assunto perigoso, porque a mente humana gosta muito de romance.
Assim que ela sabe de qualquer coisa desta verdade do renascimento, quer
construir lindas histórias à volta dela. Muitas pessoas lhe fariam narrativas
maravilhosas de como o mundo foi criado e como prosseguirá no futuro, como e
40 CONVERSAS...

onde você nasceu no passado e o que você será futuramente, as vidas que viveu
e as vidas que ainda viverá. Tudo isto nada tem a ver com a vida espiritual. A
verdadeira lembrança de nascimentos passados realmente pode ser parte de
um conhecimento integral; mas não pode ser conseguido através destas fanta-
sias imaginativas. Se, de um lado, é um conhecimento objetivo, e aí existe muita
chance para invenção, distorção e construções falsas. Para alcançar a verdade
destas coisas, a consciência que tem a experiência deve ser pura e límpida, livre
de qualquer interferência mental ou vital, desembaraçada de noções e pensa-
mentos pessoais e do hábito da sua mente de interpretar ou explicar tudo à sua
maneira. Uma experiência de vidas passadas pode ser verdadeira, mas entre o
que você viu e a explicação ou a construção de sua mente acerca disso, há sem-
pre um grande abismo. Somente quando você puder se elevar acima de sua
mente é que poderá alcançar a verdade.

6. SERES QUE PARECEM VAMPIROS

“Existem seres humanos que parecem vampiros. O que são eles e por que são
assim?”

Eles não são humanos; têm apenas uma forma ou aparência humana. São
encarnações de seres do mundo que está imediatamente próximo do físico,
seres que vivem no plano que chamamos de mundo vital. É um mundo de todos
os desejos de violência e ganância e esperteza e toda espécie de ignorância; mas
todos os dinamismos estão também lá, todas as energias-força e todos os pode-
res. Os seres deste mundo têm, por sua natureza, um estranho domínio sobre o
mundo material e podem exercer sobre ele uma influência sinistra. Alguns deles
são formados dos restos de seres humanos que persistem depois da morte, na
atmosfera vital, perto do plano-terra. Seus desejos e ânsias ainda flutuam lá e
conservam-se em forma mesmo depois da dissolução do corpo; freqüentemente
são impelidos a continuar manifestando-se e satisfazendo-se, e a conseqüência
é o nascimento destas criaturas do mundo vital. Mas estes são seres de menor
importância; se podem causar problemas, não é, porém, impossível lidar com
eles. Existem outros, muito mais perigosos, que nunca estiveram em forma
humana, que nunca nasceram num corpo humano sobre a terra, porque, de
modo geral, eles se recusam a aceitar este modo de nascimento, pois é escravi-
dão à matéria e preferem permanecer em seu próprio mundo, poderosos e
nocivos, e de lá manter o seu controle sobre os seres da terra. Embora não quei-
ram nascer na terra, eles querem estar em contato com a natureza física, mas
sem ficar limitados a ela. Seu método é experimentar primeiro lançar sua
influência sobre um homem; então entram vagarosamente na sua atmosfera e
finalmente podem conseguir total domínio sobre ele, expulsando completamen-
SERES QUE PARECEM VAMPIROS 41

te a verdadeira alma e personalidade humanas. Estas criatura, quando na posse


de um corpo terreno, podem ter uma aparência humana, mas não têm uma
natureza humana. Seu costume é valer-se da vida-força dos seres humanos; ata-
cam e capturam um poder vital sempre que podem, e alimentam-se disto. Se
vierem para dentro de sua atmosfera, você se sentirá deprimido e exausto
repentinamente; se você ficar perto deles por algum tempo, cairá doente; se
viver comum deles, ele poderá matá-lo.

“Mas como é que se pode expulsar tais criaturas do ambiente de alguém,


quando já estiverem lá instaladas?”

O poder vital encarnado nestes seres é de uma natureza muito material e é


efetivo apenas dentro de uma pequena distância. Geralmente, se você não viver
na mesma casa ou não estiver em companhia deles, não cairá sob sua influência.
Mas se você abrir algum canal de conexão ou comunicação, através de cartas,
por exemplo, então você propicia um intercâmbio de forças e fica sujeito a ser
influenciado por eles, mesmo a uma grande distância. A maneira mais sábia de
lidar com estes seres é cortar toda conexão e não ter nada a ver com eles – a
não ser que você aprendido como resguardar-se e proteger-se – mas mesmo
assim é sempre uma coisa perigosa envolver-se com eles. Esperar transformá-
los, como algumas pessoas fazem, é uma vã ilusão porque não querem ser
transformados. Eles não têm nenhuma intenção de permitir qualquer transfor-
mação e é inútil todo esforço nesta direção.

Estes seres, quando num corpo humano, não estão sempre conscientes do
que realmente são. Algumas vezes têm uma vaga sensação de que não são intei-
ramente humanos, no sentido comum. Contudo, existem casos em que são
conscientes, e muito conscientes; não apenas sabem que não pertencem à
humanidade, mas sabem o que são, agem nesse conhecimento e deliberada-
mente vão ao encalço de seus fins. Os seres do mundo vital são poderosos pela
sua própria natureza; quando acrescentam conhecimento a seu poder, tornam-
se duplamente perigosos. Não há nada a ser feito com estas criaturas; você
deveria evitar ter qualquer relação com elas, a não ser que tenha o poder de
esmagá-las e destruí-las. Se você for obrigado a entrar em contato com elas,
cuidado com o fascínio que exercem. Estes seres vitais, quando se manifestam
no plano físico, têm sempre grande poder hipnótico, porque o centro de sua
consciência está no mundo vital e não no material, e eles não são velados e
diminuídos pela consciência material, como os seres humanos.
42 CONVERSAS...

“Não é verdade que estas criaturas são atraídas para a vida espiritual, por
alguma peculiar fascinação?”

Sim, porque elas sentem que não pertencem a esta terra, mas vêm de algum
outro lugar; e sentem também que possuem poderes dos quais perderam a
metade, e estão ansiosas para consegui-los de volta. Então, onde quer que
encontrem alguém que lhes possa dar algum conhecimento do mundo invisível,
correm para ele. Mas elas confundem o vital com o mundo espiritual e em sua
procura seguem os fins vitais e não os espirituais. Ou talvez, deliberadamente
procuram corromper a espiritualidade e construir uma imitação dela nos moldes
de sua própria natureza. Mesmo assim, é uma espécie de homenagem que pres-
tam, ou um tipo de reparação que faze, à sua maneira, à vida espiritual. E há
também uma espécie de atração que as compelem; elas se revoltaram contra as
regras Divinas, porém, apesar de sua revolta, ou talvez por causa dela, sentem-
se de algum modo presas e fortemente atraídas pela sua presença.

É por isso que acontece vê-las algumas vezes sendo usadas como instrumen-
tos, para estabelecer contato entre aqueles que devem realizar a vida espiritual
sobre a terra. Elas não se prestam propositadamente para esta finalidade, mas
são compelidas a ela. É uma espécie de compensação que dão. Por sentirem a
pressão da Luz que desce, percebem que o tempo chegou ou virá bem cedo,
quando devem escolher entre a conversão ou dissolução, escolher ou entregar-
se à Vontade Divina e fazer sua parte no Grande Plano ou mergulhar dentro da
inconsciência e deixar de existir. O contato com aquele que busca a Verdade dá
a estes seres sua chance de mudar. Tudo depende de como eles vão utilizar esta
oportunidade. Aproveitada corretamente, pode abrir seu caminho para a liber-
tação da falsidade e obscuridade e miséria, que é o estofo de que são feitas
estas criaturas do mundo vital, e levá-las à Regeneração e à Vida.

“Não têm estes seres um grande controle sobre o poder monetário?”

Sim. O poder do dinheiro está atualmente sob a influência ou nas mãos das
forças e seres do mundo vital. É por causa desta influência que você nunca vê o
dinheiro indo em quantias consideráveis para a causa da Verdade. Ele sempre se
extravia, porque está nas garras das forças hostis e é uma das maneiras princi-
pais pela qual elas conservam seu domínio sobre a terra. A influência das forças
hostis sobre o poder monetário é total, poderosa e completamente organizada,
e é uma tarefa das mais difíceis extrair alguma coisa desta compacta organiza-
ção. Todas as vezes que você experimenta arrancar um pouco deste dinheiro de
seus atuais detentores, você tem que travar uma batalha feroz.
SERES QUE PARECEM VAMPIROS 43

E, contudo, um único sinal de vitória em algum lugar sobre as forças adver-


sas que têm o controle do dinheiro, tornaria a vitória possível, simultânea e
automaticamente, em todos os outros pontos também. Se em um único lugar
eles cedessem, todos aqueles que agora sentem que não podem dar dinheiro
para a causa da Verdade experimentariam de repente um grande e intenso
desejo de fazê-lo. Não é que esses homens ricos, que são mais ou menos brin-
quedos e instrumentos nas mãos das forças vitais, se sintam com pouca vontade
de gastar; eles têm plena consciência de sua avareza, mas só quando os desejos
e impulsos vitais não são tocados. Pois quando é para satisfazer algum desejo
que consideram seu, eles gastam prontamente; porém, se chamados para parti-
lhar seu bem-estar e benefícios de sua riqueza com os outros, então acham difí-
cil separar-se de seu dinheiro. O poder vital que controla o dinheiro é como um
guardião que conserva sua riqueza num grande cofre, sempre hermeticamente
fechado. Cada vez que se pede às pessoas que estão em suas garras que repar-
tam seu dinheiro, elas levantam toda espécie de perguntas cuidadosas antes de
consentirem abrir suas bolsas, mesmo que seja apenas um pouquinho; mas se
um impulso vital se levantar dentro delas, com sua exigência, o guardião sente-
se feliz de escancarar o cofre e o dinheiro flui livremente. Comumente, os dese-
jos vitais aos quais ele obedece são conjugados com os impulsos sexuais, mas
muito freqüentemente também ele se submete ao desejo por fama e considera-
ção, desejo de comida ou qualquer outro que estiver no mesmo plano vital.
Tudo que não pertença a esta categoria é questionado e escrutinado rigorosa-
mente, relutantemente admitido e por fim mais comumente recusado o auxílio.
Naqueles que são escravos de seres vitais, o desejo pela verdade e luz e realiza-
ção espiritual, mesmo que isto os toque de algum modo, não pode compensar a
atração por dinheiro. Conseguir de suas mãos dinheiro para o Divino significa
expulsar o demônio dentro deles; você tem primeiro que conquistar ou conver-
ter o ser vital a quem eles servem, o que não é tarefa fácil. Homens que estão
sob a influência de criaturas vitais podem substituir uma vida fácil, rejeitar diver-
timentos e tornar-se intensamente ascéticos e contudo permanecer tão perver-
sos quanto antes e, mesmo pela mudança, tornar-se pior que antes.

“Por que é permitido a alguém exercer sua vontade sobre um outro?”

Não é que a alguém seja permitido exercer sua vontade sobre um outro,
mas é que existe uma vontade universal e aqueles que são mais ou menos capa-
zes de manifestar esta força parecem ter uma força de vontade mais forte. É
como a força vital ou a luz ou a eletricidade ou qualquer outro poder da nature-
za; alguns são bons canais ou instrumentos para manifestar o poder, outros são
canais deficientes. Não é uma questão de moralidade. É um fato da natureza,
uma lei do grande jogo.
44 CONVERSAS...

“Pode alguém encontrar seres vitais em seus próprios domínios?”

Os seres vitais se movem no mundo suprafísico onde os seres humanos, se


tiverem chance de entrar, sentem-se perdidos, desorientados e indefesos. O ser
humano sente-se à vontade e a salvo no corpo material; o corpo é sua proteção.
Alguns estão cheios de desprezo por seus corpos e pensam que as coisas serão
muito melhores e mais fáceis sem eles, depois da morte, mas o fato é que o
corpo é sua fortaleza e seu abrigo. Enquanto você estiver abrigado nele, as for-
ças do mundo hostil encontram dificuldade em conseguir qualquer controle
direto sobre você. Que são os pesadelos? São escapadas para dentro do mundo
vital. E qual é a primeira coisa que você tenta fazer quando está nas garras de
um pesadelo? Você volta correndo para dentro do seu corpo e tremendo entra
na sua consciência física normal. Porém no mundo das forças vitais você é um
estranho; é um mar não explorado no qual não tem nem bússola nem leme.
Você não sabe como ir, não sabe aonde ir e a cada passo faz exatamente o opos-
to do que deveria fazer. Quando você entra em qualquer região desse mundo,
tais seres se amontoam à sua volta e querem abarcar e tirar tudo que você tem,
extrair o que podem e fazer disto comida e presa. Se você não tiver uma luz e
força poderosas irradiando de dentro, você se moverá lá sem o seu corpo, como
se estivesse sem casaco para protegê-lo contra uma atmosfera cortante e fria e
não tivesse casa para abrigá-lo, mesmo nenhuma pele para cobri-lo, seus nervos
expostos e nus. Existem pessoas que dizem: “Como sou infeliz neste corpo”, e
pensam na morte como uma fuga! Mas depois da morte você tem os mesmos
arredores vitais e está exposto ao perigo das mesmas forças que são a causa de
sua miséria nesta vida. A dissolução do corpo força-o para dentro dos espaços
abertos do mundo vital. E você não tem mais defesa; não existe mais o corpo
físico, para onde possa voltar correndo em segurança.

É aqui na terra, no seu próprio corpo, que deve adquirir um conhecimento


total e aprender a usar um poder completo e perfeito. Somente quando tiver
feito isso, você estará livre para mover-se de um lado para o outro, em todos os
mundos, com inteira segurança. Unicamente quando for incapaz de ter o mais
leve medo, quando você permanecer impassível, como, por exemplo, no meio
do pior pesadelo, é que pode dizer: “Agora estou pronto para entrar no mundo
vital”. Mas isto significa a aquisição de um poder e um conhecimento que
podem vir apenas quando você for um perfeito senhor dos impulsos e desejos
da Natureza vital. Você deve ficar absolutamente livre de tudo que possa provo-
car os seres da escuridão ou permitir que eles o governem; se não estiver livre,
cuidado!
O PODER DO PENSAMENTO 45

Nenhum apego, nenhum desejo, nenhum impulso, nenhuma preferência;


perfeita equanimidade, paz imutável e fé absoluta na Divina proteção: com isto
você está a salvo, sem isto você está em perigo. E enquanto não estiver a salvo,
é melhor fazer como os pintinhos que procuram abrigo debaixo das asas da
mãe.

“Como o corpo físico atua como proteção?”

O corpo físico atua como proteção por sua densidade, por essa coisa justa-
mente de que nós o acusamos. Ele é apático e insensível, denso, rígido e duro; é
como uma fortaleza com espessas paredes.

O mundo vital é fluídico, lá as coisas se movem e se misturam e se interpe-


netram livremente; é como as ondas do mar que incessantemente fluem para
dentro uma das outras e movem-se e mesclam-se. Contra esta fluidez do mundo
vital você está indefeso, a não ser que possa opor a ela uma luz e força interior
muito poderosa; de outro modo, ela o penetra e não há nada que impeça sua
influência avassaladora. Mas o corpo intervém, isola-o do mundo vital e torna-se
um dique contra a torrente de suas forças.

“Mas existe alguma individualidade nas formas do mundo vital, já que ele é
tão fluídico?”

Individualidade há; só que suas formas não são tão fixas e duras como as dos
seres encarnados. Individualidade não significa uma rigidez que conhecemos,
mas há muito pouca individualidade nela. Tome dez ou vinte pedras juntas e
você terá que ser muito cuidadoso se quiser fazer distinção entre elas. Mas os
seres do mundo vital podem ser diferenciados um dos outros logo à primeira
vista. Você os identifica por alguma coisa na maneira como a forma é construí-
da, pela atmosfera que carrega com sigo, pelo modo como cada um se move e
fala e age. Assim como os seres humanos mudam suas expressões quando estão
felizes ou zangados, estes seres também sofrem mudança na intensidade de
seus humores, mas a alteração é mais considerável no mundo vital. Porque lá
não é apenas a expressão, mas mesmo as formas das feições mudam.

7. O PODER DO PENSAMENTO

“Qual é a natureza do poder que o pensamento possui? Como e até que pon-
to eu sou o criador do meu mundo?”

De acordo com os ensinamentos budistas, todo ser humano vive e se move


num mundo próprio, completamente independente do mundo no qual outra
46 CONVERSAS...

pessoa vive; somente quando uma certa harmonia é criada entre estes mundos
diferentes é que eles se interpenetram e os homens se encontram e se enten-
dem. isto é verdadeiro para a mente, porque todos se movem dentro do próprio
mundo mental, criado pelos próprios pensamentos. E isto é tão verdadeiro que
sempre que algo é dito cada um entende de uma forma diferente; o que ele
capta não é a coisa falada, mas alguma coisa que está na sua própria cabeça.
Mas isso é uma verdade que pertence ao movimento do plano mental e é válida
somente lá.

Porque a mente é um instrumento de ação e formação, e não um instru-


mento de conhecimento; a cada momento está criando formas. Pensamentos
são formas e têm uma vida individual independente de seu autor: enviados por
ele pelo mundo afora, movem-se nele, em direção à realização de sua própria
razão de ser. Quando você pensa em alguém, seu pensamento toma uma forma
e sai a procurá-lo, e se por trás de seu pensamento houver alguma vontade
associada a ele, o pensamento-forma que saiu de você faz uma tentativa de rea-
lizá-la. Digamos, por exemplo, que você sinta um desejo intenso de que uma
certa pessoa venha vê-lo e que, ao lado deste impulso vital de desejo, uma forte
imaginação acompanhe a forma-mental que fez; você pensa: “Se ele vier, será
assim ou daquele jeito”. Depois de alguma tempo você abandona a idéia total-
mente; e não sabe que, mesmo depois de tê-la esquecido, seu pensamento con-
tinua a existir. Porque ele ainda existe e continua em ação, independente de
você, e seria necessário um grande poder para trazê-lo de volta de seu trabalho.
Ele está trabalhando na atmosfera da pessoa a quem foi enviado, para criar nela
o desejo de vir. E se houver uma força de vontade suficientemente forte na sua
forma-pensamento, se for uma formação bem construída, ele conseguirá seu
objetivo. Mas entre a formação e a realização há um certo lapso de tempo, e se
neste intervalo sua mente tiver se ocupado com outras coisas diferentes, então
quando o seu pensamento esquecido se cumprir, pode até mesmo nem se lem-
brar de que uma vez lhe deu guarida; nem sabe que foi você o instigador da
ação dele e a causa do que aconteceu. E também sucede muito freqüentemente
que quando o resultado aparece, você já deixou de desejá-lo ou de lhe dar
importância. Existem alguns que têm um poder formativo desta espécie muito
forte e sempre veem suas formações realizadas; mas como não têm um ser
mental e vital bem disciplinados, eles querem uma coisa agora e depois outra, e
estas formações diferentes ou opostas produzem resultados que colidem e se
entrechocam. E estas pessoas se admiram de estar vivendo em tão grande con-
fusão e desarmonia! Elas não imaginam que foram seus próprios pensamentos e
desejos que construíram à sua volta as circunstâncias que lhes parecem tão
incoerentes e contraditórias e tornam suas vidas quase insuportáveis.
O PODER DO PENSAMENTO 47

Este é um conhecimento de grande importância, se for dado junto com o


segredo de seu uso correto. A autodisciplina e o autocontrole são o segredo; o
segredo é achar em si mesmo a fonte da Verdade e do constante governo da
Vontade Divina, que sozinha pode dar a cada formação seu poder total e sua
realização harmoniosa e integral. Geralmente os homens formam pensamentos
sem saber como estas formações se movem e agem. Formados neste estado de
confusão e ignorância, eles colidem entre si e criam uma impressão de tensão,
de esforço e de fadiga, e a sensação de que você está abrindo caminho através
de uma multidão de obstáculos. Estas condições de ignorância e incoerência
criam um conflito confuso no qual as formas mais fortes e permanentes conse-
guirão vitória sobre as outras.

Há uma coisa certa a respeito da mente e de seus trabalhos: é que você


pode entender apenas o que já conhece no seu próprio ser interior. O que o
impressiona num livro é aquilo que você já experimentou profundamente den-
tro de si mesmo. Os homens encontram um livro ou um ensinamento maravi-
lhoso e freqüentemente os ouve dizer: “Isto é exatamente o que eu sinto e sei,
mas não sabia como externá-lo ou expressá-lo tão bem como está aqui”. Quan-
do os homens deparam com um livro de verdadeiro conhecimento, cada um se
descobre nele e a cada nova leitura acha coisas que não tinha vistos antes; abre-
se-lhe cada vez um novo campo de conhecimento, que até então lhe tinha esca-
pado. Mas isto é porque ele alcança planos de conhecimentos que estavam
esperando por expressão no seu subconsciente; a expressão agora foi dada por
outra pessoa e muito melhor do que ele poderia ter feito. Mas, uma vez expres-
sa, ele imediatamente a reconhece e sente que é a verdade. O conhecimento
que parece chegar a você de fora é somente uma ocasião para externar o
conhecimento que está dentro de você.

A experiência da informação falsa de alguma coisa que disse-mos é muito


comum e tem uma fonte semelhante. Dizemos alguma coisa que é bem clara,
mas a maneira como é entendida é espantosa! Cada um vê nela uma outra coisa
do que era pretendido, ou mesmo põe nela algo que é completamente contrário
a seu sentido. Se você quiser entender verdadeiramente e evitar esta espécie de
erro, deve ficar por trás do som e do movimento das palavras e aprender a ouvir
em silêncio. Se ouvir em silêncio ouvirá e entenderá corretamente; mas enquan-
to houver qualquer coisa se mexendo e fazendo barulho na sua cabeça, enten-
derá somente o que está se mexendo na sua cabeça e não aquilo que lhe foi
dito.
48 CONVERSAS...

“Por que somos perseguidos por um batalhão de condições adversas assim


que entramos em contato com o Yoga? Dizem que, quando você abre a porta ao
Yoga, depara com uma multidão de obstáculos. Isto é verdade?”

Não é uma regra absoluta e muito depende da pessoa. Para muitos as condi-
ções adversas colocam à prova os pontos fracos da sua natureza. Equanimidade
é a base indispensável para o Yoga e deve ser bem estabelecida antes que você
possa palmilhar livremente o caminho. É claro que, deste posto de vista, todas
as perturbações são testes pelos quais você deve passar. Porém eles são neces-
sários também para destruir os limites que suas construções mentais ergueram
à sua volta e impedem que você se abra à Luz e à Verdade. Topo o mundo men-
tal no qual vive é limitado, mesmo que você não possa conhecer ou sentir suas
limitações, e alguma coisa deve vir e destruir esta construção na qual sua mente
se fechou, e libertá-la. Por exemplo, você tem algumas regras fixas, ideias ou
princípios aos quais você atribui uma importância absoluta; freqüentemente é
uma adesão a certos princípios ou preceitos morais, como o mandamento “Hon-
rarás Pai e Mãe” – ou “Não matarás” e outros. Todo homem tem alguma mania
ou uma ou outra palavra de ordem preferida; cada um pensa que é livre deste
ou daquele preconceito do qual os outros sofrem e está disposto a considerar
estas noções como absolutamente falsas; e é para ele a expressão da verdade, a
verdade verdadeira. Um apego a uma regra da mente é indicação de uma
cegueira ainda escondida em algum lugar. Tome, por exemplo, a superstição
bem universal, prevalecente em todo o mundo, de que o ascetismo e a espiri-
tualidade são uma única e mesma coisa. Se você quiser descrever alguém como
um homem ou uma mulher espiritual, as pessoas pensam logo em alguém que
não come ou que se senta o dia todo sem se mover, alguém que vive numa
cabana em extrema pobreza, alguém que deu tudo que possuía e que não guar-
da nada para si. Este é o quadro que imediatamente surge nas mentes de
noventa e nove pessoas em cem, quando se fala de um homem espiritual; a úni-
ca prova de espiritualidade para eles é a pobreza e a abstinência de tudo que é
agradável ou confortável. Esta é uma construção mental que deve ser derrubada
se você quiser ser livre para ver e seguir a verdade espiritual. Senão, veja o que
acontece: você entra para a vida espiritual com uma aspiração sincera e deseja
encontrar o Divino e realizá-Lo em sua consciência e em sua vida; sua busca o
leva a um lugar que não é de modo algum uma cabana e encontra um Deus-
Homem, que está vivendo uma vida confortável, comendo livremente, cercado
de coisas belas e luxuosas, não distribuindo o que ele tem aos pobres, mas acei-
tando e gozando de tudo que as pessoas lhe oferecem. Imediatamente com sua
regra mental fixa, você fica espantado e grita: “Mas o que é isso? Pensei que ia
encontrar um homem espiritual!” Esta falsa concepção tem de ser destruída e
desaparecer. Assim que ela se for, descobrirá algo que é muito mais alto que sua
O PODER DO PENSAMENTO 49

regra ascética estreita, uma abertura completa que deixa o ser livre. Se for para
possuir alguma coisa, você a aceita e se for para desistir desta mesma coisa,
você a deixa com igual boa vontade. As coisas vêm e você as toma, as coisas vão
e você as deixa passar, com o mesmo sorriso de equanimidade no tomar ou no
aceitar.

Ou então você adotou como sua regra dourada “Não matarás”, e tem horror
à crueldade e á mortandade. Não fique surpreso se você for imediatamente
colocado na presença da morte, não uma vez, mas repetidamente, até com-
preender que seu ideal não é mais do que um princípio mental e que um aspi-
rante à verdade espiritual não deveria ficar amarrado e apegado a uma regra
mental. E quando estiver livre dela, talvez perceba que todas estas cenas que o
perturbavam – e foram na verdade enviadas para perturbá-lo e sacudi-lo de sua
construção mental – cessarão, como por encanto, de acontecer na sua presença.

Quando você se volta para o Divino, deve abandonar todas as concepções


mentais; mas, geralmente, em vez de fazer isto, você joga todas as suas concep-
ções sobre o Divino e quer que o Divino as obedeça. A única atitude verdadeira
para um yogue é ser plástico e estar pronto para obedecer á ordem Divina,
qualquer que seja; nada deve ser indispensável, nada uma carga. Frequente-
mente o primeiro impulso daqueles que querem viver a vida espiritual é jogar
fora tudo que têm; mas fazem isso porque querem se livrar de um peso, não
porque querem se entregar ao Divino. Quando homens que possuem riquezas e
estão cercados de coisas que lhes dão luxo e prazer se voltam para o Divino, o
primeiro movimento deles, imediatamente, é fugir destas coisas – ou, como
dizem, “escapar de sua servidão”. Mas é um movimento errado; você não deve
pensar que as coisas que tem, pertencem-lhe – elas pertencem ao Divino. Se o
Divino quiser que você desfrute de alguma coisa, desfrute-a; mas esteja pronto
também para abandoná-la com um sorriso no momento seguinte, se isso for da
Vontade Divina.

“Que são os males físicos? São ataques das forças hostis de fora?”

Existem dois fatores a serem considerados no assunto. Há o que vem de fora


e há o que vem de sua condição interior. Sua condição interior torna-se uma
causa de doença quando existe uma resistência ou revolta nela ou quando
alguma parte do ser não responde á proteção; ou mesmo pode haver qualquer
coisa lá que, quase de boa vontade ou deliberadamente, chama as forças adver-
sas. Basta haver um ligeiro movimento desta espécie em você, as forças hostis
cairão imediatamente sobre você e seu ataque tomará freqüentemente a forma
de doença.
50 CONVERSAS...

“Mas as doenças não são, às vezes, o resultado da presença de micróbios e


não são uma parte do movimento do Yoga?”

Onde é que o Yoga começa e onde é que ele termina? Sua vida inteira não é
Yoga? As possibilidades de doenças estão sempre no seu corpo e à sua volta;
você as carrega dentro de si ou os micróbios e germes de todas as doenças fervi-
lham à sua volta. Como se explica que, de repente, você não resista a uma
doença que não tinha há anos? Você dirá que foi devido à “depressão da força
vital”. Mas de onde vem esta depressão? Vem de alguma desarmonia no ser, de
uma falta de receptividade às forças divinas. Quando você se desliga da energia
e da luz que o sustêm, então acontece esta depressão, cria-se o que a ciência
médica chama de um ”terreno favorável”, e alguma coisa se aproveita disso. É a
dúvida, a tristeza, a falta de confiança, um egoístico voltar-se sobre si que o des-
liga da luz e da energia divina e propicia ao ataque esta oportunidade. É isto
que é a causa que faz você cair doente e não os micróbios.

“Não ficou provado que o aperfeiçoamento das condições sanitárias melhora


a saúde do cidadão médio?”

A medicina e a higiene são indispensáveis à vida ordinária, mas não estou


falando agora do cidadão médio, estou falando daqueles que fazem Yoga. Existe
ainda a desvantagem da higiene, pois enquanto você diminui as chances de
apanhar uma doença, você também diminui seu poder natural de resistência. O
pessoal dos hospitais, que está sempre se lavando com desinfetantes, descobre
que suas mãos se tornam mais facilmente infectáveis e muito mais suscetíveis
do que as mãos dos outros. Há pessoas, ao contrário, que nada conhecem sobre
higiene e fazem as coisas mais anti-higiênicas e no entanto permanecem imu-
nes. A sua própria ignorância as ajuda, pois as isola das sugestões que advêm
com o conhecimento médico. Por outro lado, a sua crença nas precauções sani-
tárias que toma favorece o trabalho das mesmas. Porque o seu pensamento é
“Agora estou desinfetado e seguro” e isto, dentro do limite da ação de seu pen-
samento, o imuniza.

“Por que então devemos tomar precauções sanitárias, como beber somente
água filtrada?”

Existe entre vocês alguém que seja suficientemente puro e forte para não
ser afetado por sugestões? Se você beber água não filtrada e pensar “Agora
estou bebendo água impura”,tem todas as chances de cair doente. E mesmo
que estas sugestões não entrem através de sua mente consciente, todo o seu
subconsciente está lá, quase passivamente aberto para receber qualquer espé-
cie de sugestão. Na vida comum é a ação do subconsciente que tem a maior
NOSSA VONTADE É APENAS O ECO DA VONTADE UNIVERSAL? 51

importância e atua centenas de vezes mais poderosamente que as parte cons-


cientes. A condição humana normal é de um estado cheio de apreensões e
medos; se você observar profundamente sua mente por dez minutos, descobrirá
que, de nove entre dez vezes, ela está cheia de medos – carrega dentro de si o
medo de muitas coisas, pequenas e grandes, próximas ou distantes, visíveis ou
invisíveis e, ainda que você usualmente não tome conhecimento consciente do
medo, ele existe de qualquer forma. A libertação de todo medo só pode vir por
um esforço e disciplina constantes.

E mesmo que por disciplina e esforço você tenha libertado sua mente e seu
vital da apreensão e do medo, o mais difícil é convencer o corpo. Mas isto tam-
bém deve ser feito. Quando você entra para o caminho do Yoga, deve livrar-se
de todos os temores – os temores de

sua mente, os de seu vital, os de seu corpo, que estão alojados em suas pró-
prias células. Uma das vantagens dos golpes e pancadas que você recebe no
caminho do Yoga, é que o livram de todo o medo. As causas de seus temores
pulam sobre você repetidas vezes, até que possa permanecer livre e indiferente
diante deles, intocado e puro. Uns têm medo do mar, outros do fogo. Este últi-
mo descobrirá, talvez, que terá de enfrentar conflagração e mais conflagração
até que esteja tão treinado que nenhuma célula de seu corpo trema. Aquilo de
que você tem horror virá repetidamente até que o horror se vá. Aquele que pro-
cura a transformação e é um seguidor do Caminho, deve tornar-se completa-
mente sem medo, para não ser tocado ou abalado por nada, em nenhuma parte
de sua natureza.

8. NOSSA VONTADE É APENAS O ECO DA VONTADE UNIVERSAL?

“Se a nossa vontade é apenas uma expressão ou eco da vontade universal,


onde se situa a iniciativa individual? É o indivíduo unicamente um instrumento
para registrar os movimentos universais? Não tem ele poder de criação ou origi-
nalidade?”

Tudo depende de qual plano de consciência você está observando as coisas


e falando delas ou de qual parte do ser você age.

Se você olhar de um plano de consciência, o indivíduo parecer-lhe-á como se


fosse não apenas um instrumento ou gravador, mas um criador. Mas olhe de um
outro plano mais alto de consciência, com uma visão mais ampla das coisas, e
verá que isto é apenas uma aparência. Nos trabalhos do universo, qualquer coi-
sa que aconteça é o resultado de tudo que aconteceu antes. Como se propõe
você a separar um ser do jogo integral da manifestação ou um movimento da
52 CONVERSAS...

massa total de movimentos? Onde vai você colocar a origem e começo de uma
coisa? O jogo inteiro é uma corrente rigidamente ligada, um elo se fundindo
imperceptivelmente dentro de outro. Nada pode ser tirado da corrente e expli-
cado por si mesmo, como se fosse sua própria fonte e começo.

E o que quer você dizer quando diz que o indivíduo cria e origina um movi-
mento? É que ele tira tudo de si mesmo ou do nada, por assim dizer? Se alguém
fosse capaz de criar desta maneira um pensamento ou um sentimento ou ação
sequer, ou qualquer coisa, ele seria o criador do mundo. É apenas quando o
indivíduo retrocede em sua consciência até a Consciência maior, que é origem
das coisas, que ele pode ser um criador; ele pode iniciar um movimento somen-
te identificando-se com o Poder consciente, que é a fonte básica de todos os
movimentos.

Existem muitos planos de consciência e o determinismo de um plano não é o


mesmo que o de outro. Assim, quando você fala do indivíduo criativo, em qual
parte dele está pensando? Porque ele é uma entidade bem complexa. É de seu
ser psíquico que você fala, ou do mental, do vital ou do físico? Entre a fonte invi-
sível do movimento e sua manifestação, sua expressão externa através do indi-
víduo, existem todos estes graus e muitos outros; e em cada um, muitas modifi-
cações dessa fonte ocorrem, muitas distorções e deformações. São estas
mudanças que dão a ilusão de uma nova criação, uma nova origem, ou um novo
ponto de partida para um movimento. É como quando você coloca um bastão
dentro d’água; você vê o bastão, não na sua verdadeira linha, mas dobrado em
ângulo. Mas isto é uma ilusão, uma distorção da vista; não é mesmo um ângulo
verdadeiro.

Cada consciência individual, pode-se dizer, traz para dentro do movimento


universal alguma coisa que, de um certo ponto de vista, você poderia chamar de
sua própria deformação ou, de outro, de sua própria qualidade de movimento.
Essas noções individuais fazem parte do jogo do movimento Divino; não são ori-
gens, mas uma transformação de coisas cujas origens você deve procurar no
universo, como um todo.

O sentido de separação está espalhado por toda parte, mas é uma ilusão; é
destas falsas suposições que devemos ser curados se quisermos entrar para
dentro da verdadeira consciência. A mente corta o mundo em pequenos peda-
ços; ela diz: “Isto termina aqui”, “aquilo começa lá”, e com essa fragmentação
consegue deformar o movimento universal. Existe um grande fluxo de uma úni-
ca consciência que tudo contém, que tudo abarca, que se manifesta num uni-
verso sempre em desdobramento. Esta é a verdade que se encontra por trás de
todas as coisas; mas há também a ilusão que mascara a verdade para você, a
NOSSA VONTADE É APENAS O ECO DA VONTADE UNIVERSAL? 53

ilusão destes muitos movimentos que imagina serem separados um do outro,


que imagina existirem por si mesmos, neles mesmos e para si mesmos e que
cada um é uma coisa em si, separada do resto do universo. Eles têm a impressão
de que a ação e reação deles, de um sobre o outro, é qualquer coisa externa,
como se fossem mundos diferentes, colocados na presença um do outro, sem
nenhum ponto de contato, exceto alguma relação externa longínqua. Cada um
se vê como se fosse uma personalidade separada, existente por seus próprios
direitos. Este erro no sentido de separatividade tem sido permitido como parte
do jogo universal, porque era necessário para que a Consciência se objetivasse e
fixasse suas formas. Mas, por que foi permitido no passado, não significa que a
ilusão de separtividade deva continuar para sempre.

No drama universal existem alguns, a maioria, que são instrumentos igno-


rantes; são atores movidos como bonecos, não tendo conhecimento de nada.
Há outros que são conscientes e fazem a sua parte, sabendo que é um drama. E
existem alguns que têm o conhecimento completo do movimento universal e
estão identificados com ele e com a única Consciência Divina, e consentem,
entretanto, em agir como se fossem algo separado, um fragmento do todo. Exis-
tem vários estágios intermediários entre a ignorância e este conhecimento total,
muitos modos de participar no jogo. Há um estágio de ignorância no qual você
faz uma coisa e acredita ter sido você quem a decidiu; há um estágio de menor
ignorância no qual você faz algo, sabendo que teve de fazê-lo, mas não sabe
como nem por quê; e há também um estado de consciência no qual você está
plenamente consciente porque sabe o que é que age através de você. Sabe que
é um instrumento, sabe como e por que seu ato foi feito, seu processo e propó-
sito. O estado de ignorância, no qual você acredita ser o autor de seus atos, per-
siste enquanto for necessário para o seu desenvolvimento; mas assim que for
capaz de passar para uma condição mais alta, começará a perceber que é um
instrumento de uma única Consciência; então você sobe um degrau da escada e
se eleva a um nível superior de consciência.

“As forças hostis atacam alguém no plano mental como o fazem no plano
vital?”

É difícil dar uma resposta precisa sem entrar em um número de explicações


que não podemos dar agora.

A mente é um movimento, mas há muitas variedades de movimento, muitas


camadas que se tocam e mesmo se comprimem umas nas outras. Ao mesmo
tempo, o movimento que chamamos mente penetra dentro de outros planos.
No próprio mundo mental há muitos planos. Todos estes planos-mente e forças-
mente são interdependentes; mas ainda há uma diferença na qualidade de seus
54 CONVERSAS...

movimentos, e para facilidade de expressão temos que separá-los uns dos


outros. Assim, podemos falar de uma mente mais alta, de uma mente interme-
diária, de uma mente física e até mesmo de uma bastante material; e há muitas
outras distinções que podem ser feitas.

Bem, há planos mentais que estão situados no alto, acima do mundo vital e
escapam à sua influência; não existem neles forças ou seres hostis. Mas há
outros – e são muitos – que podem ser tocados ou penetrados pelas forças
vitais. O plano-mente que pertence ao mundo físico, à mente física, como nós a
chamamos usualmente, é mais material na sua estrutura e movimento que a
verdadeira mente e está muito mais sob a influência do mundo vital e das forças
hostis. Esta mente física mantém geralmente uma espécie de aliança com a
consciência vital mais baixa e seus movimentos; quando o vital mais baixo mani-
festa certos desejos e impulsos, esta mente mais material vem em seu auxílio
para justificá-los e apoiá-los com plausíveis explicações, raciocínios e excusas. É
esta camada de mente que é mais aberta a sugestões do mundo vital e mais
freqüentemente invadida por suas forças. Mas existe em nós uma mente mais
alta, que se move nas regiões das ideias desinteressadas e especulações ilumi-
nadas e é a criadora das formas, e há uma mente de ideias puras que ainda não
foram colocadas em forma; estes níveis-mente maiores estão livres dos movi-
mentos vitais e das forças adversas porque estão situados muito acima deles. Lá
pode haver movimentos contraditórios; lá pode haver movimentos e formações
que entram em choque com a Verdade ou estão em conflito uns com os outros;
mas não há perturbação vital, nada que possa ser chamado de hostil. A verda-
deira mente filósofa, a mente que é o pensador, descobridor, fazedor de formas,
e a mente de ideias puras que ainda não foram colocadas em forma, estão além
desta invasão e influência inferiores. Mas isto não significa que seus movimen-
tos não possam ser imitados ou suas criações mal usadas por seres hostis e per-
versos, de uma maior envergadura e de origem superior a daqueles de quem
falei até agora.

“Quais são as condições do mundo psíquico? Qual é a sua situação com rela-
ção às forças hostis?”

O mundo psíquico ou plano de consciência é aquela parte do mundo, do


mesmo modo que o ser psíquico é aquela parte do ser, que está diretamente
sob a influência da Consciência Divina; as forças hostis não podem ter nem
mesmo a mais remota ação sobre ele. É o mundo da harmonia e tudo se move
dentro dele, de luz em luz e de progresso em progresso. É a morada da Divina
Consciência, o Divino Eu no ser individual. É um centro de luz e verdade e
conhecimento e beleza e harmonia que o Divino Eu em cada um cria, pouco a
NOSSA VONTADE É APENAS O ECO DA VONTADE UNIVERSAL? 55

pouco, por sua presença; é influenciado, formado e movido pela Divina Cons-
ciência da qual é uma parte e parcela. É, em cada um, o ser interior profundo
que você deve encontrar a fim de que possa entrar em contato com o Divino
dentro de si. É o intermediário entre a Divina Consciência e sua consciência
exterior, e unir-se a ele, você pode encontrar a pura Consciência Eterna e viver
nela; em vez de ser movido pela Ignorância, como os seres humanos constan-
temente o são, você cresce consciente da presença de uma luz eterna e do
conhecimento dentro de si, e a isto entrega-se e consagra-se integralmente e
passa a ser movido por isto em todas as coisas.

Porque o ser psíquico é aquela parte sua que já está dada ao divino. É a sua
influência que, gradualmente, espalhando-se de dentro, em direção às frontei-
ras mais materiais e exteriores de sua consciência, provocará a transformação
de sua natureza inteira. Aí não pode haver obscuridade; é a parte iluminada em
você. A maioria das pessoas está inconsciente desta parte psíquica dentro de si
mesma. O empenho do Yoga é torná-lo consciente desta parte, para que o pro-
cesso de sua transformação, em vez de um trabalho vagaroso, estendendo-se
por séculos, possa ser condensado em uma vida ou mesmo em poucos anos.

O ser psíquico é aquilo que persiste depois da morte, porque é seu eterno
eu; é ele quem perpetua a consciência de vida em vida.

O ser psíquico é a real individualidade do ser indiviso divino e verdadeiro


dentro de você. Pois sua individualidade significa o seu modo especial de
expressão e seu ser psíquico é um aspecto especial da única Consciência Divina
que tomou forma em você. Mas na consciência psíquica não há este sentido de
divisão entre o indivíduo e a consciência universal, que afeta as outras partes de
sua natureza. Nela, você está consciente de que sua individualidade é sua pró-
pria linha de expressão, mas ao mesmo tempo você sabe também que ela é uma
expressão que objetiva a única consciência universal. É como se um pedaço de si
mesmo tivesse sido extraído e colocado à sua frente e houvesse entre os dois
um olhar mútuo e um jogo de movimentos. Essa dualidade era necessária para
criar e estabelecer a relação objetiva e desfrutá-la; mas no seu ser psíquica a
separação que intensifica a dualidade é vista como uma ilusão, uma aparência,
nada mais.

“Existe uma diferença entre o “espiritual” e o “psíquico”? São planos diferen-


tes?”

Sim, o plano psíquico pertence à manifestação pessoal; o psíquico é aquilo


que é divino em você, colocado para ser dinâmico no jogo cósmico. Mas quando
falamos do espiritual, estamos pensando em algo que está concentrado no Divi-
56 CONVERSAS...

no, mais do que na manifestação externa. O plano espiritual é uma coisa estáti-
ca que está por trás e acima do jogo exterior; sustenta os instrumentos da natu-
reza, mas ele mesmo não está incluído ou envolvido na manifestação exterior
aqui.

Mas, ao falar destas coisas, devemos ser cautelosos para não ficar aprisiona-
dos pelas palavras que usamos. Quando falo do psíquico ou do espiritual, quero
me referir as coisas muito profundas e reais que estão por trás da superfície
plana das palavras e mesmo intimamente ligadas em suas diferenças. Definições
e distinções intelectuais são muito superficiais e rígidas para alcançar a verdade
verdadeira das coisas. E contudo, a não ser que você esteja muito habituado a
falar um com o outro, existe quase uma necessidade de definir o sentido de suas
palavras – se é que você quer compreender o outro. A condição ideal para uma
conversa é quando as mentes estão tão bem sintonizadas que as palavras ser-
vem apenas de suporte para uma compreensão mútua espontânea, e você não
precisa explicar a cada passo o que você quer dizer. Esta é a vantagem quando
se fala sempre com as mesmas pessoas; a harmonia sintonizada é estabelecida
entre suas mentes e o significado das coisas faladas penetra nelas imediatamen-
te.

Existe um mundo de ideias sem forma e é lá que você deve entrar, se quiser
captar o sentido do que está por trás das palavras. Enquanto tiver que extrair a
sua compreensão das formas das palavras, é provável que você fique muito con-
fuso sobre seu verdadeiro sentido. Mas se no silêncio da mente você puder se
elevar até o mundo de onde descem as ideias para tomar forma, imediatamente
a real compreensão viria. Se você quiser ter certeza de compreender o outro,
deve ser capaz de compreender em silêncio. Existe uma condição na qual suas
mentes estão tão bem afinadas e harmonizadas em conjunto que se percebe o
pensamento do outro sem nenhuma necessidade de palavras. Mas se não existir
esta sintonia, haverá sempre alguma deformação no sentido porque, para aqui-
lo que você fala, a outra mente fornece seu próprio significado. Por exemplo, eu
uso uma palavra num certo sentido ou nuance de seu sentido; você está acos-
tumado a colocá-la em outro sentido ou nuance. Então, evidentemente você
compreenderá, não o meu exato significado dela, mas o que a palavra significa
para você. Isso é verdade, não apenas no falar, mas também no ler. Se quiser
entender um livro que contenha um profundo ensinamento, você deve ser
capaz de o ler no silêncio da mente; deve esperar e deixar que a expressão se
aprofunde dentro de você, na região onde não há mais palavras, e de lá voltar
vagarosamente para sua consciência exterior e seu entendimento superficial.
Porém, se deixar as palavras pularem para sua mente externa e tentar adaptar e
ajustar as duas, terá perdido completamente seu real sentido e poder. Não pode
NOSSA VONTADE É APENAS O ECO DA VONTADE UNIVERSAL? 57

haver perfeito entendimento a não ser que você esteja em união com a mente
não expressa, que está por trás do centro da expressão.

Falamos uma vez de mentes individuais que são como mundos distintos e
separados uns dos outros; cada um está fechado em si e quase não tem ponto
direto de contato com nenhum outro. Mas isso é na região da mente inferior;
nela, suas próprias formações o aprisionam; você não pode desembaraçar-se
delas ou de si mesmo; você apenas se compreende e às suas próprias reflexões
nas coisas. Contudo, nesta região mais alta da mente inexpressa e suas altitudes
mais puras, você está livre; quando entra lá, você sai de si e penetra dentro de
um plano mental universal, no qual cada mundo mental universal está como
dentro de um imenso mar. Aí pode compreender inteiramente o que está acon-
tecendo ao outro e ler a mente dele como se fosse a sua própria, pois nenhuma
separação divide mente de mente. É apenas quando você se une com os outros
nessa região que pode compreendê-los; de outro modo, não está sintonizado,
não está em contato, não tem meios de saber precisamente o que está aconte-
cendo na outra mente que não a sua. Muito freqüentemente, quando está na
presença de outrem, você está totalmente ignorante do que ele pensa ou sente;
mas se você for capaz de ir além e acima deste plano externo de expressão, se
puder entrar dentro de um plano onde uma comunhão silenciosa é possível,
então você pode ler nesta outra mente como se fosse na sua. Então as palavras
que usa para sua expressão são de pouca importância porque a compreensão
total está situada além delas, em alguma outra coisa, e um mínimo de palavras é
suficiente para atingir a finalidade. Aí longas explicações não são necessárias;
você não precisa que um pensamento seja completamente expresso porque a
visão direta do que ele significa está em você.

“Chegará um tempo em que não existirão mais as forças hostis?”

Quando a sua presença no mundo não for mais de nenhuma utilidade, elas
desaparecerão. Sua ação é usada como um processo de teste para que nada seja
esquecido, nada deixado de lado no trabalho de transformação. Elas não permi-
tirão nenhum erro. Se, no seu ser, você tiver negligenciado um único detalhe
que seja, elas virão tocar o ponto descuidado e torná-lo tão dolorosamente evi-
dente que você será forçado a mudar. Quando não forem mais necessárias para
esta operação, sua existência tornar-se-á inútil e elas desaparecerão. Foi-lhes
permitido existirem aqui porque eram necessárias à Grande Obra; mas desde
que não sejam indispensáveis, deverão mudar ou desaparecer.
58 CONVERSAS...

“Ainda falta muito tempo para acontecer isso?”

Tudo depende do ponto de vista. Pois o tempo é relativo; você pode falar
dele do ponto de vista humano comum ou do mais profundo, de uma consciên-
cia interna, ou do alto da perspectiva divina.

Quer a coisa a ser realizada leve milhares de anos ou apenas um ano, de


acordo com a computação humana, se você for uno com a Consciência Divina,
não tem a mínima importância, porque então deixa de lado as coisas da nature-
za humana e entra na infinitude e na eternidade da Natureza Divina. Aí você
escapa deste sentimento de extrema impaciência que obseda os homens, por-
que querem ver as coisas logo feitas. A agitação, pressa, inquietude, não levam a
nenhum lugar. É espuma no mar; é uma ansiedade exagerada que não produz
nada. Os homens têm a impressão de que se não estiverem correndo para lá e
para cá, precipitando-se em acessos de atividade febril, não estão fazendo nada.
É uma ilusão pensar que esses chamados movimentos mudam as coisas. É como
pegar uma xícara e sacudir a água que está dentro; a água se desloca, mas não é
mudada por toda essa agitação. Esta ilusão de ação é uma das maiores ilusões
da natureza humana. Ela prejudica o progresso porque incita à necessidade de
se lançar em qualquer movimento excitante. Se você pudesse unicamente per-
ceber a ilusão e ver a inutilidade de tudo isso, e como isso não muda nada! Você
não chega a lugar algum desta maneira! Aqueles que estão correndo assim, de
lá para cá, são instrumentos de forças que os fazem dançar para seu próprio
divertimento. E elas não são nem mesmo forças da melhor qualidade.

Tudo quanto tem sido feito no mundo, o foi pelos poucos que puderam con-
servar-se em silêncio, fora da ação; porque são eles os instrumentos do poder
Divino. Eles são os agentes dinâmicos, os instrumentos conscientes que fazem
descer as forças que transformam o mundo. É assim que as coisas podem ser
feitas, não por uma atividade irrequieta. Na paz, no silêncio e na tranquilidade o
mundo foi construído; e cada vez que algo tem de ser verdadeiramente cons-
truído, é na paz, no silêncio e na tranquilidade que isto deve ser feito. É ignorân-
cia pensar que você deve correr de manhã à noite e trabalhar em toda sorte de
coisas fúteis para fazer alguma coisa pelo mundo.

Basta você recuar destas forças turbulentas para regiões calmas, para ver
quão grande é a ilusão. De lá, a humanidade parece uma massa de criaturas
cegas, precipitando-se em todos os sentidos, sem saber o que fazem ou por que
fazem, apenas chocando-se e tropeçando uns nos outros. E é isso que eles cha-
mam de ação e vida! É agitação vazia, não é ação, não é a verdadeira vida.
O AMOR HUMANO E O AMOR DIVINO 59

Eu disse uma vez que para falar durante dez minutos, você deveria perma-
necer em silêncio por dez dias. Poderia acrescentar que, para agir utilmente
durante um dia, você deveria ficar quieto por um ano! É claro que não estou
falando das ações comuns do dia a dia que são necessárias para a vida cotidiana,
mas para aqueles que têm ou creem ter alguma coisa a fazer pelo mundo. E o
silêncio de que falo é a quietude interior que apenas têm aqueles que podem
agir sem se identificarem com suas ações, submersos nelas, cegos e surdos pelo
ruído e forma de seu próprio movimento. Conserve-se fora da ação; eleve-se até
os cumes dominantes destes movimentos temporais, entre na consciência da
Eternidade. Só então você saberá o que é a verdadeira ação.

9. O AMOR HUMANO E O AMOR DIVINO

“Qual é a relação que existe entre o amor humano e o amor Divino? É o


amor humano um obstáculo ao amor Divino? Ou, não seria a capacidade do
amor humano um índice da capacidade do amor Divino? Grandes figuras espiri-
tuais como Cristo, Ramakrishna e Vivekananda não foram notavelmente cheias
de amor e afetivas por natureza?”

O amor é uma das grandes força universais; existe por si mesmo e seu
movimento é livre e independente dos objetos nos quais e através dos quais se
manifesta. Manifesta-se em qualquer lugar onde encontre uma possibilidade de
manifestação, onde quer que haja receptividade, onde quer que haja alguma
abertura para ele. O que você chama de amor, e pensa ser uma coisa individual
e pessoal, é apenas sua capacidade de receber e manifestar esta força universal.
Entretanto, apesar de ser universal, não é uma força inconsciente; é um Poder
sumamente consciente. Conscientemente, ele procura sua manifestação e reali-
zação na terra; conscientemente escolhe seus instrumentos, desperta para suas
vibrações aqueles que são capazes de uma resposta, esforça-se para realizar
neles aquilo que é sua meta eterna, e quando o instrumento não é adequado,
deixa-0 e volta-se para procurar outros. Os homens pensam que, de repente, se
apaixonaram; veem seu amor chegar e crescer e gradualmente desaparecer –
ou, talvez, durar um pouco mais naqueles que são especialmente capacitados
para seu movimento mais durável. Mas a sensação de ser uma experiência pes-
soal toda sua era uma ilusão. Nada mais era que uma onda do mar sem fim do
amor universal.

O amor é universal e eterno; está sempre se manifestando e é sempre idên-


tico na sua essência. E é uma Força Divina; porque as deformações que vemos
nas suas aparentes expressões pertencem a seus instrumentos. O amor não se
manifesta apenas em seres humanos; está em todo lugar. Seu movimento está
60 CONVERSAS...

lá nas plantas, talvez nas próprias pedras; nos animais é fácil notar sua presença.
Todas as deformações deste grande Poder divino vêm da obscuridade e igno-
rância e egoísmo do instrumento limitado. O amor, a força eterna, não tem ape-
go ou desejo, não tem fome de posse nem ligação egoística; é, no seu movimen-
to puro, a procura da união do ser com o Divino, uma procura absoluta, indife-
rente a todas as outras coisas. O amor Divino dá-se e não pede nada. O que os
seres humanos fizeram dele não é preciso dizer – transformaram-no em algo
feio e repulsivo. E, entretanto, mesmo nos seres humanos, o primeiro contato
com o amor traz para baixo algo da sua substância mais pura; por um momento
eles se tornam capazes de esquecer-se de si mesmos, por um momento seu
toque divino desperta e amplia tudo que é bom e bonito. Mas depois vem à
tona a natureza humana, cheia de suas exigências impuras, pedindo alguma coi-
sa em troca, negociando com o que dá, clamando por suas próprias satisfações
inferiores, distorcendo e denegrindo o que era divino.

Para manifestar o amor Divino você deve ser capaz de receber o Amor Divi-
no, pois somente podem manifestá-Lo aqueles que por sua natureza são aber-
tos a seu movimento natural. Quanto mais vasta e clara a abertura, mais eles
manifestam o Amor Divino na sua pureza original; quanto mais misturado com
os baixos sentimentos humanos, maior será sua deformação. Aquele que não é
aberto ao amor na sua essência e na sua verdade, não pode se aproximar do
Divino. Mesmo aqueles que buscam, através do caminho do conhecimento,
chegam a um ponto além do qual, se quiserem avançar mais longe, são obriga-
dos a entrar ao mesmo tempo no amor e sentir os dois como um só: o conheci-
mento, a luz da união divina e o amor, o próprio cerne do conhecimento. Existe
um momento no progresso da alma em que eles se encontram e você não pode
distinguir um do outro. A divisão, a distinção que você faz entre os dois, a prin-
cípio é uma criação da mente: no momento em que você se eleva a um plano
mais alto, elas desaparecerão.

Entre aqueles que vieram a este mundo procurando revelar o Divino aqui e
transformar a vida terrena, alguns há que manifestaram o Amor Divino em uma
plenitude mais vasta. Em alguns a pureza da manifestação é tão grande que são
mal compreendidos por toda a humanidade e até mesmo são acusados de ser
duros e sem coração, embora o Amor Divino esteja lá. Porque neles, esse amor
é divino e não humano em sua forma e em sua substância. Pois quando o
homem fala de amor, ele o associa a uma fraqueza emocional e sentimental.
Mas a intensidade divina de autoesquecimento, esta capacidade de se dar intei-
ramente, sem nenhuma restrição ou reserva, como uma doação, não pedindo
nada em troca, é muito pouco conhecida dos seres humanos. E quando não está
O AMOR HUMANO E O AMOR DIVINO 61

misturado com emoções fracas e sentimentais, acham-no duro e frio; não


podem reconhecer nele o mais alto grau e intensidade do poder de amor.

O grande holocausto, a suprema doação, foi a manifestação do amor do


Divino no mundo. A Consciência Perfeita aceitou mergulhar e ser absorvida na
inconsciência da matéria, para que a consciência pudesse ser despertada nas
profundezas de sua obscuridade e pouco a pouco um Poder Divino crescer nela
e fazer de todo este universo manifestado amais alta expressão da Consciência
Divina e do Amor Divino. Este foi o amor supremo: aceitar a perda da condição
perfeita da divindade suprema, de sua consciência absoluta, de seu conheci-
mento infinito, para unir-se à inconsciência, coabitar no mundo com a ignorân-
cia e a escuridão. E, no entanto, ninguém talvez chamaria a isto de amor; por-
que não se reveste de um sentimento superficial; não faz exigências em troca do
que fez, não demonstra seu sacrifício. A força do amor no mundo está tentando
encontrar consciências que sejam capazes de receber este movimento divino na
sua pureza, e de expressá-lo. Esta corrida de todos os seres em busca do amor,
este empurrão irresistível e a procura no coração do mundo e em todos os cora-
ções é o impulso dado pelo Amor Divino, que se esconde atrás do anseio e busca
dos homens. Ele experimenta milhões de instrumentos, tentando sempre e
sempre falhando; mas este toque constante prepara esses instrumentos e subi-
tamente acordará neles um dia a capacidade de autodoação, a capacidade de
amar. O movimento do amor não é limitado aos seres humanos e é talvez
menos distorcido em outros mundos. Olhe para as flores e árvores. Quando o
sol se põe e tudo se torna silencioso, sente-se por um momento e coloque-se
em comunhão com a natureza: você sentirá, subindo da terra, de debaixo das
raízes das árvores, ascendendo e caminhando através de suas fibras até os mais
altos galhos espalhados, a aspiração de um amor intenso e saudade – uma sau-
dade de algo que traz luz e dá felicidade, pela luz que se foi e que gostariam de
ter de volta. Há um anseio tão puro e intenso que se você puder sentir o movi-
mento nas árvores, seu próprio ser também se elevará numa prece ardente pela
paz e luz e amor que ainda não são manifestados aqui. Se você entrar em conta-
to com este verdadeiro amor divino, vasto e puro, se você o tiver sentido mes-
mo por um momento e na sua forma ínfima, tomará consciência da coisa abjeta
na qual o desejo humano o transformou. Tornou-se, na natureza humana, algo
baixo, brutal, egoísta, violento, feio, ou então, algo fraco e sentimental, formado
de sentimentos mesquinhos, frágeis, superficiais e exigentes. E a esta torpeza e
brutalidade ou a esta fraqueza egoística chamam-na de amor!
62 CONVERSAS...

“O nosso ser vital deve tomar parte no Amor Divino? Se assim for, qual é a
forma certa e correta de participação que deve tomar?”

Onde deve parar a manifestação do Amor Divino? Deve ser confinado a


alguma região irreal ou imaterial? O Amor Divino imerge sua manifestação na
terra até a matéria mais material. É verdade que ele não se encontra nas distor-
ções egoísticas da consciência humana, mas o vital em si mesmo é um elemento
tão importante na manifestação do Amor Divino quanto o é no todo do universo
manifestado. Não há possibilidade de movimento e progresso sem a interven-
ção do vital; mas como este Poder da Natureza tem sido seriamente distorcido,
alguns preferem acreditar que ele tenha que ser arrancado completamente e
lançado fora. Mas é somente através do vital que a matéria pode ser tocada
pelo poder transformador do Espírito. Se o vital não estivesse lá para infundir
seu dinamismo e força vivificante, a matéria permaneceria morta; porque as
partes superiores do ser não entrariam em contato com a terra, não seriam con-
cretizadas na vida, mas partiriam insatisfeitas e desapareceriam.

O Amor Divino de que falo é um Amor que se manifesta aqui nesta terra físi-
ca, na matéria, mas para se encarnar deve ser puro das distorções humanas.
Nesta, como em toda outra manifestação, o vital é um agente indispensável.
Mas como tem acontecido sempre, os poderes adversos se apossaram desta
coisa tão preciosa. É a energia do vital que entra na matéria bruta e insensível,
tornando-a receptiva e viva. Mas as forças adversas distorceram-na; transforma-
ram-na em um campo de violência e egoísmo e desejo e de toda espécie de
fealdade e impediram-na de tomar parte no trabalho divino. A única coisa a ser
feita é mudá-la, sem suprimir seu movimento ou destruí-la. Porque sem ela
intensidade alguma é possível. O vital, na sua verdadeira natureza, é aquilo em
nós que pode se consagrar totalmente. Como ele é justamente aquilo que tem
sempre o impulso e a força de tomar, é também aquilo que é capaz de se doar
extremadamente; porque como ele sabe possuir, sabe também se entregar sem
reservas. O verdadeiro movimento vital é o mais belo e magnífico dos movimen-
tos; mas tem sido desfigurado e transformado no mais feio, no mais distorcido,
no mais repulsivo. Numa história de amor humano, onde que tenha entrado
pelo menos um átomo de amor puro, e tenha sido permitido manifestar-se sem
muita distorção, encontramos algo bonito e verdadeiro. E, se o movimento não
perdura, é porque ele não é consciente de sua própria finalidade, não tem o
conhecimento de eu não é a união de um ser com o outro que está procurando,
mas a união de todos os seres como Divino.

O amor é a força suprema que a Consciência Eterna emanou de si e lançou


sobre um mundo obscuro e escurecido, para que ele possa trazer de volta ao
O AMOR HUMANO E O AMOR DIVINO 63

Divino este mundo e seus seres. O mundo material, na sua escuridão e ignorân-
cia, havia esquecido o Divino. O Amor desceu dentro das trevas; despertou nelas
tudo que estava adormecido; murmurou, abrindo os ouvidos que estavam sela-
dos, “Há alguma coisa para a qual vale a pena acordar, para a qual vale a pena
viver, é o amor!” E com o despertar do amor, entrou no mundo a possibilidade
de retornar ao Divino. Através do amor, a criação se eleva em direção ao Divino
e, em resposta, o Amor Divino e a Graça se inclinam para baixo, para encontrar a
criação. O amor não pode existir em sua beleza pura, o amor não pode vestir
seu poder natural e alegria intensa de plenitude, até que haja esta troca, esta
fusão entre a terra e o Supremo, este movimento de Amor do Divino para a cria-
ção e da criação para o Divino. Este mundo era um mundo de matéria morta,
até que o Amor Divino desceu dentro dele e despertou-o para a vida. Desde
então ele tem andado em busca desta fonte divina de vida, mas em sua procura
tem dado todas as espécies de voltas e trilhado caminhos errados, vagueando
de lá para cá no escuro. A massa desta criação tem se movido na sua estrada
como cegos procurando pelo desconhecido, buscando mas ignorando o que
procuram. O máximo que alcançou é o que parece aos seres humanos, o amor
na sua forma mais alta, sua espécie mais pura e desinteressada, como o amor da
mãe pelo seu filho. Este movimento humano de amor está secretamente procu-
rando por alguma coisa a mais do que aquilo que encontrou; mas não sabe onde
encontrá-la, nem mesmo o que ela é. No momento em que a consciência do
homem desperta para o Amor Divino puro, independente de toda manifestação
nas formas humanas, ele sabe pelo que seu coração suspirava verdadeiramente,
todo o tempo. Isto é o começo da aspiração da Alma, que provoca o despertar
da consciência e seu anseio de união com o Divino. Todas as formas nascidas da
ignorância, todas as deformações produzidas por ela, devem, deste momento
em diante, enfraquecer e desaparecer e dar lugar a um único momento da cria-
ção, respondendo ao Amor Divino através de seu amor pelo Divino. Uma vez
que a criação esteja consciente, desperta, aberta ao amor pelo Divino, o Amor
Divino derramar-se-á sem reservas sobre a criação. O círculo do movimento vol-
ta-se sobre si mesmo e os extremos se encontram; há a junção dos extremos, o
Espírito supremo e a Matéria manifestante e sua divina união torna-se constan-
te e completa.

Grandes seres que nasceram neste mundo vieram trazer para baixo algo da
pureza soberana e poder do Amor Divino. O Amor Divino projetou-se neles em
forma pessoal para que sua realização sobre a terra pudesse ser ao mesmo
tempo mais fácil e mais perfeita. O Amor Divino, quando manifestado num ser
pessoal, é mais fácil de se realizar; é mais difícil quando não está manifestado ou
é impessoal no seu movimento. Um ser humano, despertado para a consciência
do Amor Divino por este toque pessoal, com esta intensidade pessoal, achará
64 CONVERSAS...

seu trabalho e sua transformação mais fáceis; a união que ele procura torna-se
mais natural e mais próxima. E a união e a realização também serão mais com-
pletas, mais perfeitas, pois a vasta uniformidade de um Amor impessoal e uni-
versal estará iluminada e vivificada com a cor e beleza de todas as relações pos-
síveis com o Divino.

10. A NATUREZA DA RELIGIÃO

“Qual é a natureza exata da religião? É ela um obstáculo no caminho da vida


espiritual?”

A religião pertence à mente superior da humanidade. É o esforço da mente


superior do homem de se aproximar, na medida de sua capacidade, de algo
além dela, de alguma coisa a que a humanidade dá o nome de Deus ou Espírito,
Verdade ou Fé, Conhecimento ou Infinito, uma espécie de Absoluto que a mente
humana não pode alcançar e mesmo assim tenta fazê-lo. A religião pode ser
divina na sua origem primária; na sua natureza presente não é divina, mas
humana. Na verdade, melhor seria falar de religiões do que de religião, porque
as religiões feitas pelos homens são inúmeras. Estas diferentes religiões, mesmo
que não tenham tido a mesma origem, foram feitas, a maior parte delas, do
mesmo modo. Sabemos como a religião cristã começou a existir. Não foi certa-
mente Jesus o responsável pelo que chamamos Cristianismo, mas alguns
homens eruditos e muito engenhosos que uniram seus esforços e a moldaram
tal qual a vemos. Não havia nada de divino no modo como foi formada, e tam-
bém não há nada de divino no modo como funciona. E contudo o pretexto ou
ocasião para a sua formação foi, sem dúvida, alguma revelação do que poderia
se chamar um Ser Divino, um Ser que veio de algum lugar, trazendo de uma
região mais alta um certo Conhecimento e Verdade para a Terra. Ele veio e
sofreu por sua verdade; mas muito poucos entenderam o que o que ele disse,
muito poucos se interessaram em achar e conservar-se fiéis à Verdade pela qual
ele sofreu. Buda retirou-se do mundo, sentou-se em meditação e descobriu um
caminho que libertava o homem do sofrimento e misérias terrestres, de toda a
doença e morte, desejo e fome. Ele viu uma verdade que se esforçou para
expressar e comunicar aos discípulos e seguidores, que se reuniam à sua volta.
Mas mesmo antes dele morrer, seu ensinamento já começara a ser deformado e
distorcido. Foi apenas depois de seu desaparecimento que o Budismo se firmou
como uma religião plenamente desenvolvida, baseada no que se supõe ter sido
dito por Buda e na suposta significação de seus enunciados. Mas bem cedo tam-
bém, porque os discípulos e os discípulos dos discípulos não podiam concordar
com o que o Mestre tinha dito ou queria significar com suas declarações, come-
çou a aparecer um batalhão de seitas e subseitas no corpo da religião-mãe: um
A NATUREZA DA RELIGIÃO 65

Caminho do Sul, um Caminho do Norte, um Caminho do Extremo-Oriente, cada


um proclamando ser o único, o original, a imaculada doutrina de Buda.

A mesma sorte teve também o que Cristo ensinou, que também foi trans-
formado, do mesmo modo, num conjunto de religiões organizadas. Diz-se mui-
tas vezes que, se Jesus voltasse, não seria capaz de reconhecer o que ensinara
nas formas que foram impostas, e que se Buda descesse de novo e visse o que
foi feito de seu ensinamento, voltaria correndo, desanimado, para o Nirvana!
Todas as religiões têm, cada uma, a mesma história a contar. A ocasião de seu
nascimento é a vinda ao mundo de um grande instrutor; ele vem e revela, e é a
encarnação da Verdade Divina. Mas os homens agarram-na, fazem comércio
dela, transformam-na quase em uma organização política. A religião é equipada
por eles com um governo e uma administração e leis, com seus credos e dog-
mas, suas regras e regulamentos, seus ritos e cerimônias, tudo imposto aos seus
adeptos, tudo absoluto e inviolável. Como o Estado, a religião assim constituída
também distribui recompensas ao leal e inflige punições àqueles que se revol-
tam ou se desviam, ao herético e ao renegado.

O primeiro e principal artigo de fé destas religiões estabelecidas e formais é


sempre: “Minha religião é a verdade suprema, a única; todas as outras são falsas
ou inferiores”. Porque, sem esse dogma fundamental, nenhuma religião basea-
da em crenças poderia subsistir. Se você não estiver convencido e não procla-
mar que só você possui a verdade única ou a verdade mais alta, não será capaz
de impressionar as pessoas e fazê-las afluir em multidão.

Essa atitude é natural à mentalidade religiosa; mas é precisamente isto que


faz da religião um empecilho no caminho da vida espiritual. Os artigos e dogmas
da religião são coisas produzidas pela mente, e se você se apegar a eles e se
fechar num código de vida delineado para você, você não sabe e não pode
conhecer a verdade do espírito que se estende além de todos os códigos e dog-
mas, vasta, ampla e livre. Quando você se detém num credo religioso e se liga a
ele, tomando-o pela única verdade do mundo, você pára o progresso e a expan-
são de seu ser interior. Mas se observar a religião de um outro ângulo, ela não
precisa ser sempre um obstáculo a todos os homens. Se você a encarar como
uma das mais altas atividades da humanidade, e se puder ver nela as aspirações
dos homens, sem ignorar a imperfeição de tudo que é de fabricação humana,
ela pode bem ser uma espécie de ajuda para você se aproximar da vida espiri-
tual. Considerando a religião como um espírito sério e cuidadoso, você pode
tentar descobrir qual a verdade que se encontra ali, qual aspiração que nela se
esconde, que inspiração divina sofreu transformação e deformação pela mente
e organização humanas, e com uma apropriada atitude mental, pode conseguir
66 CONVERSAS...

da religião mesmo como ela é, lançar alguma luz no seu caminho e proporcionar
algum apoio ao seu esforço espiritual.

Em todas as religiões achamos invariavelmente um certo número de pessoas


que possuem uma grande capacidade emocional e estão cheias de aspiração
real e ardente, porém têm uma mente muito simples e não sentem necessidade
de se aproximar do Divino pelo conhecimento. Para estas naturezas, a religião
tem sua utilidade, e é mesmo necessária a elas, pois através de formas externas,
como as cerimônias da Igreja, ela oferece uma espécie de apoio e serve de auxí-
lio à aspiração espiritual interior. Em cada religião existem alguns que desenvol-
veram alta vida espiritual. Não foi a religião que lhes deu espiritualidade; foram
eles que colocaram a sua espiritualidade dentro da religião. Colocada em qual-
quer outro lugar, nascidos em qualquer outro culto, teriam lá achado e vivido a
mesma vida espiritual. É a própria capacidade deles, é algum poder de seu inte-
rior e não a religião que professam, que os fez o que são. Este poder em sua
natureza é tal que a religião não se torna uma escravidão ou um cativeiro. Mas
como não têm uma mente forte, clara e ativa, eles precisam acreditar neste ou
naquele credo como absolutamente verdadeiro e consagrar-se a ele sem qual-
quer pergunta perturbadora ou dúvida. Tenho encontrado, em todas as reli-
giões, pessoas desta espécie e seria um crime perturbar sua fé. Para elas, a reli-
gião não é um obstáculo. Um obstáculo para aqueles que podem ir mais longe,
no entanto ela pode ser uma ajuda para quem não pode, porém que é capaz de
avançar até um certo ponto no caminho do Espírito.

A religião tem sido a instigadora tanto das piores coisas como das melhores.
Se as guerras mais ferozes têm sido travadas e as perseguições mais hediondas
promovidas em seu nome, também ela tem estimulado heroísmos supremos e
autosacrifícios por sua causa. Juntamente com a filosofia, ela marca o limite que
a mente humana alcançou nas suas mais altas atividades. É um impedimento e
uma cadeia, se você for escravo de sua forma exterior. Entretanto, se você sou-
ber como usar sua substância interna, pode ser o seu trampolim para o reino do
Espírito.

Aquele que professa uma fé particular ou descobriu alguma verdade tende a


pensar que apenas ele achou a Verdade, total e integral. Tal é a natureza huma-
na. Uma mistura de falsidade parece necessária para os seres humanos mante-
rem-se em seus pés e seguir seu caminho. Se a visão da verdade lhes fosse dada
de repente, poderiam ser esmagados sob seu peso.

Cada vez que algo da Verdade e da Força Divina desce para se manifestar na
terra, opera-se uma mudança na atmosfera terrestre. Aqueles que são recepti-
vos ao contato desta descida, são despertados para alguma inspiração, algum
A NATUREZA DA RELIGIÃO 67

toque, algum começo de visão. Se eles forem capazes de conservar e expressar


corretamente o que receberam, diriam: “Uma grande força desceu; estou em
contato com ela e o que eu entender dela, contar-lhes-ei”. Mas a maior parte
deles não é capaz disto, porque têm mentes limitadas. Eles se tornam ilumina-
dos, possuídos, por assim dizer, e gritam: “Eu tenho a Verdade Divina, possuo-A
total e integral”. Existem na terra, pelo menos, duas dúzias de Cristos e talvez
outros tantos Budas; a Índia sozinha pode fornecer uma quantidade incalculável
de Avatares, para não falar de manifestações menores. Apresentada desta
maneira, a coisa toda parece grotesca, mas se se olhar o que está por trás, não é
tão estúpida como parece á primeira vista. A verdade é eu a personalidade
humana entrou em contato com um ser, um poder, e sob a influência da educa-
ção e da tradição, ela o chama de Buda ou de Cristo, ou de qualquer outro nome
familiar. É difícil verificar se era o Buda mesmo ou o verdadeiro Cristo com quem
houve o contato, mas também ninguém pode afirmar que a inspiração que ela
recebeu não veio da mesma fonte que inspirou o Cristo ou o Buda. Estes recep-
táculos humanos podem muito bem ter recebido a inspiração de alguma fonte
semelhante. Se eles fossem modestos e simples, ficariam satisfeitos de dizer o
que aconteceu e nada mais; diriam: “Recebi esta inspiração deste ou daquele
Grande Ser”. Mas em vez disso, proclamam: “Eu sou aquele Grande Ser”.
Conheci um que afirmava ser ao mesmo tempo Cristo e Buda! Ele recebera algo,
experimentara a verdade, vira a Divina Presença em si e nos outros. Mas a expe-
riência foi muito forte para ele, a verdade muito grande. Tornou-se meio maluco
e no dia seguinte passeava pelas ruas proclamando que nele o Cristo e o Buda
tornaram-se um.

A Consciência Divina única está trabalhando aqui através de todos estes


seres, preparando seu caminho através de todas estas manifestações. Hoje em
dia está trabalhando aqui na terra mais poderosamente que nunca. Existem
alguns que são tocados por ela, de algum modo ou de outro, mas deformam o
que recebem, fazem-no propriedade sua. Outros sentem o toque mas não
podem suportar a força e enlouquecem sob a pressão. Mas alguns têm a capaci-
dade de receber e a força de suportar, e são eles que se tornarão receptáculos
do conhecimento pleno, seus instrumentos e agentes escolhidos.

Se você quiser avaliar o real valor da religião na qual você nasceu ou foi cria-
do ou ter uma perspectiva correta do país ou sociedade à qual pertence por
nascimento, se quiser descobrir como é relativo o ambiente específico onde
aconteceu de você ser projetado ou confinado, tem apenas que viajar ao redor
da terra e ver que o que você pensa ser bom é considerado mau em outro lugar
e o que é tido como mau em um lugar é acolhido como bom em outro. Todos os
países e todas as religiões são edificadas sobre um aglomerado de tradições. Em
68 CONVERSAS...

todas elas você encontrará santos e heróis, e personalidades grandes e podero-


sas, bem como gente mesquinha e malvada. Você perceberá então como é ridí-
culo dizer: “Como eu fui educado nesta religião, ela é a única verdadeira; como
eu nasci neste país, ele é melhor de todos”. Desta maneira pode-se ter a mesma
pretensão para sua família: “Como eu vim desta família, que viveu neste lugar
por tantos anos ou tantos séculos, estou preso às suas tradições; somente elas
são o ideal”.

As coisas têm um valor intrínseco e tornam-se-lhe reais unicamente quando


você as houver adquirido por sua livre escolha, e não quando lhes tiverem sido
impostas. Se quiser certeza de sua religião, você deve escolhê-la; se quiser ter
certeza de seu país, você deve escolhê-lo; se quiser ter certeza de sua família,
mesmo esta você deve escolher. Se aceitar, sem discussão, o que lhe tiver sido
dado pelo Acaso, você não pode nunca saber o que é bom ou mau para você, se
esta é a coisa verdadeira para a sua vida. Recue um passo de tudo que forma o
seu ambiente natural ou hereditário, construído ou imposto à força a você pelo
processo mecânico da Natureza cega; recolha-se e olhe tranqüila e desapaixo-
nadamente as coisas. Avalie-as, escolha-as livremente. Então você pode dizer
com uma verdade interior: “Esta é a minha família, este é o meu país, esta é a
minha religião”.

Se nos aprofundarmos um pouco dentro de nós, descobriremos que em


cada um existe uma consciência que tem vivido através de eras, manifestando-
se numa multidão de formas. Cada um já nasceu em vários países diferentes, já
pertenceu a muitas nações distintas, já seguiu inúmeras religiões variadas. Por
que devemos aceitar a última como a melhor? As experiências reunidas por nós
em todas estas muitas vidas, em diferentes países e religiões diversas, estão
armazenadas nesta continuidade interior de nossa consciência, que persiste
através dos nascimentos. Existe nela personalidades múltiplas criadas por expe-
riências passadas e quando nos tornamos conscientes desta multidão dentro de
nós, torna-se impossível falar de uma forma particular de verdade, como a única
verdade, de um país, como nosso único país, de uma religião como a única reli-
gião verdadeira. Existem pessoas que nasceram num país, apesar dos elementos
dominantes de suas consciências pertencerem obviamente a outro. Já encontrei
alguns, nascidos na Europa, que eram evidentemente indianos; outros, nascidos
em corpos indianos, que eram indiscutivelmente europeus. No Japão encontrei
alguns que eram indianos, outros europeus. E se qualquer um deles fosse para o
país, ou entrasse para a civilização com a qual tivesse afinidade, achar-se-ia per-
feitamente em casa.
A NATUREZA DA RELIGIÃO 69

Se o seu objetivo é ser livre, na liberdade do Espírito, você deve se desfazer


de todos os vínculos que não sejam a verdade interior de seu ser, mas que pro-
vém de hábitos subconscientes. Se quiser consagrar-se de maneira total, absolu-
ta e exclusiva ao Divino, você deve fazê-lo com toda integridade; não deve dei-
xar pedaços seus amarrados aqui e ali. Você pode objetar que não é fácil cortar
radicalmente, para sempre, as suas amarras. Mas você nunca olhou para trás e
observou as mudanças que lhe ocorreram no curso de uns poucos anos? Quan-
do isso acontece, quase sempre você se pergunta como foi que pôde se sentir
como se sentiu ou agiu do modo como agiu em certas circunstâncias; às vezes
você nem se reconhece na pessoa que era há apenas dez anos atrás. Como
pode, então, apegar-se ao que era ou ao que é, ou como pode fixar de antemão
o que pode ou não acontecer no futuro?

Todas as suas relações devem ser novamente construídas sobre uma liber-
dade de escolha interior. As tradições nas quais você vive ou foi educado foram-
lhe impostas pela pressão do ambiente ou pela mente geral ou pela escolha de
outros. Há um elemento de compulsão na sua aquiescência. A própria religião
tem sido imposta aos homens; quase sempre é sustentada pela influência de um
medo religioso ou por uma ou outra ameaça espiritual. Não pode haver nenhu-
ma imposição deste gênero em sua relação com o Divino; ela deve ser livre, o
resultado da escolha de sua mente ou de seu coração, seguida com entusiasmo
e alegria. Que união é essa em que se treme e se diz: “Eu tenho obrigação, não
posso fazer de outro modo”. A verdade é evidente por si mesma, e não tem que
ser imposta ao mundo. Ela não tem necessidade de ser aceita pelo homem, por-
que é autoexistente; ela não depende do que dizem as pessoas ou de sua ade-
são a ela. No entanto, aquele que está fundando uma religião necessita de mui-
tos seguidores. A força e a grandeza da religião são julgadas pelo homem, de
acordo com o número de seus seguidores, apesar da grandeza real não estar
nisto. A grandeza da verdade espiritual não está em números. Conheci o chefe
de uma nova religião, filho de seu fundador, e ouvi-o dizer certa vez que tal ou
qual religião levou tantas centenas de anos para ser construída, e uma outra,
outras tantas centenas, ao passo que a sua, no decorrer de 50 anos, já tinha
mais de quatro milhões de seguidores! “E assim você vê”, acrescentou, “quão
grande é a nossa religião!” As religiões podem medir a sua grandeza pelo núme-
ro de seus crentes, mas a Verdade permanecerá sempre Verdade, mesmo que
não tenha um único seguidor. O homem médio é atraído por aqueles que fazem
grandes exibições; ele não vai aonde a Verdade está se manifestando silencio-
samente. Aqueles que fazem grandes ostentações necessitam apregoar e anun-
ciar, pois de outro modo não poderiam atrair grande número de pessoas. O tra-
balho que é feito sem nenhuma preocupação pelo que as pessoas pensam dele
não é tão conhecido, não atrai multidões facilmente. Porém a Verdade não pre-
70 CONVERSAS...

cisa de anúncios; ela não se esconde, mas também não se proclama. Ela se con-
tenta em manifestar-se sem olhar os resultados, nem procurando aprovações
ou evitando desaprovação, não atraída ou perturbada pela aceitação ou nega-
ção do mundo.

Quando você vem para Yoga, deve estar pronto para ter todas as suas for-
mações mentais e todas as suas armações vitais despedaçadas. Você deve estar
preparado para ficar suspenso no ar, sem nada para sustentá-lo, além de sua fé.
Você terá que esquecer completamente seu passado e seus apegos, arrancá-los
de sua consciência e nascer outra vez, livre de toda espécie de escravidão. Não
pensar no que você era, mas no que você aspira ser; seja integralmente aquilo
que você quer realizar. Vire as costas ao seu passado morto e olhe direto para o
futuro. Sua religião, seus país, sua família está lá: é o DIVINO.

11. OS MALES FÍSICOS

“Todos os males físicos podem ser atribuídos a alguma desordem na mente,


como sua causa última? Neste caso, que espécie de desordem mental produziria,
por exemplo, a erupção ou a dor de garganta?”

Há tantas razões para uma doença quantas são as pessoas que adoecem; a
explicação é diferente para cada caso. Se você me perguntar “Por que tenho
esta ou aquela doença”, eu posso olhar e dizer-lhe a razão, mas não há regra
geral. Os males do corpo nem sempre são o resultado de uma desordem mental,
de uma desarmonia ou de um movimento errado. A fonte da doença pode ser
qualquer coisa na mente, pode ser também no vital; ou pode ainda ser devido a
algo, mais ou menos puramente físico, como nas doenças que surgem através
de um contato exterior. A perturbação pode resultar ainda de um movimento
no Yoga, e neste caso também há uma infinidade de possíveis causas.

Vamos considerar as doenças que são provenientes do Yoga, porque nosso


interesse está mais direta e intimamente ligado a elas. Embora nenhuma razão
possa ser dada a qualquer doença em particular, podemos separá-las em vários
grupos, segundo a natureza das causas que as provocam.

A força que desce naquele que está fazendo Yoga e ajuda na sua transfor-
mação, age de muitas maneiras diferentes e seus resultados variam de acordo
com a natureza que a recebe e como o trabalho a ser feito. Primeiro, ela apressa
a transformação de tudo no ser que está pronto para ser transformado. Se ele
estiver aberto e receptivo na sua mente, a mente, tocada pelo poder do Yoga,
começa a mudar e a progredir rapidamente. Pode acontecer a mesma rapidez
de mudança na consciência vital, se ela estiver pronta, ou até mesmo no corpo.
OS MALES FÍSICOS 71

Mas no corpo, o poder transformador do Yoga opera somente até certo ponto,
porque a receptividade do corpo é limitada. O plano mais material do universo
ainda se encontra numa condição em que a receptividade está misturada com
uma extensa quantidade de resistência. Mas o rápido progresso de uma parte
do ser que não seja seguido de um progresso equivalente das outras partes,
produz uma desarmonia na natureza, um deslocamento em algum lugar; e onde
e quando este deslocamento ocorre, pode traduzir-se em doença. A natureza da
doença depende da natureza do deslocamento. Uma espécie de desarmonia
afeta a mente e a perturbação que a produz pode levar até mesmo à loucura;
uma outra espécie afeta o corpo e vemo-la aparecer como febre ou erupção ou
qualquer outra desordem de maior ou menor importância.

De um lado, a ação das forças do Yoga apressa o movimento de transforma-


ção do ser, nas partes que estão preparadas para receber e responder ao poder
que está trabalhando sobre ele. O Yoga, deste modo, economiza tempo. O
mundo inteiro está um processo de transformação progressiva; se você seguir a
disciplina do Yoga, apressa em si mesmo este processo. O trabalho que levaria
anos no curso ordinário pode ser feito pelo Yoga em poucos dias ou mesmo em
poucas horas. Mas é a consciência interior que obedece a este impulso acelera-
dor, porque as partes mais altas de seu ser seguem prontamente o movimento
rápido e concentrado do Yoga e prestam-se mais facilmente ao contínuo ajus-
tamento e adaptação que ele necessita. O corpo, por outro lado, é geralmente
denso, inerte e apático. E se você tiver nesta parte algo que não responda, se
houver uma resistência nele, é porque o corpo é incapaz de mover-se tão rapi-
damente quanto o resto do ser. Ele deve ir devagar, deve caminhar no seu pró-
prio passo, como o faz na vida ordinária. O mesmo acontece quando os adultos
andam muito depressa para as crianças que estão em sua companhia; eles têm
que parar de vez em quando e esperar até que a criança, que vem vagarosa-
mente atrás, se aproxime e os alcance. Esta divergência entre o progresso do ser
interior e a inércia do corpo cria freqüentemente um deslocamento no sistema,
que se manifesta em forma de doença. É por isso que as pessoas que fazem
Yoga começam amiúde a sofrer de algum desconforto ou desordem física. Isto
não precisa acontecer, se forem precavidos e cuidadosos. Ou se houver uma
receptividade maior e incomum no corpo, então também eles escaparão. Mas
uma receptividade não misturada, fazendo as partes físicas seguirem de perto o
passo da transformação interior, é quase impossível, a não ser que o corpo já
tenha sido preparado no passado para os processos do Yoga.

Na vida comum do homem, um deslocamento progressivo é a regra. Os


seres animais e vitais do homem seguem como podem o movimento das forças
universais, e o curso da transformação interior e a evolução do mundo os con-
72 CONVERSAS...

duzem até uma certa parte do caminho; mas o corpo, amarrado à lei da nature-
za mais material, move-se muito vagarosamente. Depois de alguns anos, de
setenta ou oitenta, de cem ou duzentos – e isto talvez seja o máximo -, o deslo-
camento é tão sério que o ser exterior cai em pedaços. A divergência entre a
exigência e a resposta, a inabilidade crescente e a irresponsabilidade do corpo,
resulta no fenômeno da morte. Através do Yoga a transformação interior, que
está em processo constante e lento na criação, torna-se mais intensa e rápida,
mas o passo da transformação exterior permanece quase o mesmo que o da
vida ordinária. Como resultado, a desarmonia entre o ser interior e o ser exte-
rior naquele que está fazendo Yoga, tende a ser ainda maior, a não ser que pre-
cauções sejam tomadas e uma proteção assegurada que ajudem o corpo a
seguir a marcha interior tão de perto quanto possível. Mesmo assim, é a da pró-
pria natureza do corpo puxá-lo para trás. É por esta razão que somos obrigados
a dizer para muito “Não puxem, não se apressem; vocês devem dar tempo ao
corpo para seguir”. Alguns devem ser retidos durante anos e não lhes é permiti-
do fazer muito ou progredir demais. Algumas vezes é impossível evitar o dese-
quilíbrio e então aparecerá uma perturbação que varia de acordo com a nature-
za da resistência e a medida do cuidado que você tomou ou de sua negligência.
Este também é o motivo pelo qual toda vez eu há um forte movimento de pro-
gresso, ele é invariavelmente seguido de um período de imobilidade, o que
parece, para aqueles que não estão prevenidos, um intervalo de embotamento
e estagnação e desencorajamento, no qual todo o progresso é interrompido, e
eles perguntam, ansiosamente, “Que aconteceu? Estou perdendo tempo? Nada
está sendo feito”. Mas a verdade é que esse tempo é necessário para a assimila-
ção; é uma pausa que dá ao corpo um meio de se abrir mais e tornar-se recepti-
vo e aproximar-se mais do nível alcançado pela consciência interior. Os pais
tinham andado muito à frente; eles devem parar para que a criança deixada
atrás possa correr e segurá-los pela mão; somente então podem começar
novamente a viagem juntos.

Cada ponto do corpo é simbólico de um movimento interior; existe nele um


mundo de correspondência suis. Mas este é um assunto longo e complexo e não
podemos entrar em detalhes agora. O lugar específico no corpo afetado por
uma doença é o índice da natureza da desarmonia interior que ocorreu. Ele
mostra a origem; ele é um sinal da causa da indisposição. Revela também a
natureza da resistência que impede o ser de avançar na mesma velocidade. Ele
indica o tratamento e a cura. Se pudéssemos compreender perfeitamente onde
está o erro, descobrir o que não foi receptivo, abrir esta parte à força e à luz,
seria possível restabelecer num momento a harmonia que foi perturbada e a
doença desapareceria imediatamente.
OS MALES FÍSICOS 73

A origem de uma doença pode estar na mente, pode estar no vital, ou em


qualquer parte do ser. A mesma doença pode ser devida a uma variedade de
causas; pode surgir, em casos diferentes, de fontes diferentes de desarmonia. E
pode também haver uma aparência de doença, sem que haja doença alguma.
Neste caso, se você for suficientemente consciente, verá que existe apenas uma
fricção em algum lugar, uma parada no movimento, e corrigindo-a, você ficará
curado imediatamente. Esta espécie de doença não tem verdade nela, mesmo
quando parece ter efeitos físicos. Ela é meio fabricada pela imaginação e não
tem o mesmo poder sobre a matéria como uma doença verdadeira.

Em resumo, as fontes de uma doença são múltiplas e intrincadas; cada uma


pode ter uma porção de causas, mas sempre indica onde está a parte fraca no
ser.

Qualquer que seja a causa de uma doença, material ou mental, externa ou


interna, ela deve, antes que possa afetar o corpo físico, tocar uma outra camada
do ser que o cerca e o protege. Esta camada mais sutil é chamada, nos diferen-
tes ensinamentos, por vários nomes – o corpo etérico, o envoltório nervoso; é
um corpo sutil e, no entanto, quase visível. Em densidade é como se fossem as
vibrações que você percebe à volta de um objeto muito quente e fumegante;
emana do corpo físico e envolve-o estreitamente. Todas as comunicações com o
mundo exterior são feitas por seu intermédio, e é ele que é invadido e penetra-
do primeiro, antes que o corpo possa ser afetado. Se este envoltório for absolu-
tamente forte e intato, você poderá ir a lugares infestados das piores doenças,
mesmo a praga e a cólera, e permanecer completamente imune. Ele é a prote-
ção perfeita contra todos os possíveis ataques de doenças, enquanto estiver
completo e inteiro, totalmente consciente na sua composição e seus elementos
em perfeito equilíbrio. Este corpo sutil é construído, de uma parte com uma
base material, mas antes, de condições materiais do que de matéria física; de
outra, das vibrações de nossos estados psicológicos. Este seu segundo elemento
é constituído de Paz e equanimidade e confiança, fé na saúde, repouso imper-
turbável e alegria e contentamento radiante, e dão sua força e sua substância.
Ele é um veículo muito sensível, com reações rápidas e fáceis; aceita pronta-
mente toda espécie de sugestões e estas podem rapidamente mudar e quase
remodelar sua condição. Uma sugestão má atua fortemente sobre ele; uma boa
sugestão opera em sentido contrário, com a mesma força. A depressão e o
desencorajamento têm um efeito muito adverso; abrem buracos, por assim
dizer, em sua própria substância, tornam-no fraco e sem resistência e abrem
uma passagem fácil para os ataques hostis.
74 CONVERSAS...

É a ação deste veículo que explica parcialmente porque as pessoas sentem


muitas vezes, umas pelas outras, uma atração ou uma repulsa espontânea e
desarrazoada. O primeiro local destas reações está neste envoltório protetor.
Facilmente nos sentimos atraídos por pessoas que trazem um reforço ao nosso
envoltório nervoso; somos repelidos por aqueles que o perturbam ou ferem;
tudo que lhe dá um sentido de expansão e conforto e tranquilidade, tudo que o
faz responder com um sentimento de felicidade e prazer, exerce sobre nós uma
atração imediata; quando o efeito é no sentido contrário, ele responde com
uma rejeição protetora. Este movimento é muitas vezes mútuo, quando duas
pessoas se encontram. Não é, naturalmente, a única causa das afinidades, mas é
uma delas, e muito frequente.

Se o ser todo inteiro pudesse avançar simultaneamente na sua transforma-


ção progressiva, acompanhando o passo da marcha interior do universo, não
haveria doenças, não haveria morte. Mas teria de ser literalmente o ser comple-
to, integralmente dos planos mais altos, onde ele é mais plástico e cede na
medida exigida às forças transformadoras, até o mais material, que é por natu-
reza rígido, estacionário, refratário a qualquer rápida mudança remodeladora.

Há certas regiões que oferecem uma resistência muito maior à ação das for-
ças Yóguicas que as outras, e as doenças que as afetam são mais difíceis de ser
curadas. São as partes que pertencem às camadas mais materiais do ser, e as
doenças que pertencem a elas são, por exemplo, as de pele ou dentes ruins. Sri
Aurobindo falou certa vez de um Yogue que, ainda gozando de saúde robusta e
de um físico magnífico, tinha vivido quase um século às margens do Marmada.
Quando um discípulo lhe ofereceu um remédio para dor de dente, ele comen-
tou, ao recusá-lo, que um dente lhe dera problemas nos últimos duzentos anos.
Este Yogue tinha conseguido tanto controle sobre a natureza material que che-
gara a viver duzentos anos, mas durante todo aquele tempo não fora capaz de
dominar uma dor de dente.

Algumas das doenças consideradas as mais perigosas são as mais fáceis de


curar; outras consideradas de pouca importância podem oferecer a resistência
mais obstinada.

As origens de uma doença são múltiplas e intrincadas; cada uma pode ter
uma porção de causas, mas sempre indica onde está a parte fraca no ser.

Nove décimos do perigo de uma doença vêm do medo. O medo pode dar-
lhe os sintomas aparentes de uma doença; e pode dar-lhe a doença também –
seus efeitos podem chegar até esse ponto. Não há muito tempo, a mulher de
uma pessoa que frequentava o Ashram, porém que não praticava o Yoga, ouviu
O ESTADO DE CONSCIÊNCIA DO YOGUE 75

dizer que havia cólera na casa onde morava o seu leiteiro; o medo apossou-se
dela, que logo começou a mostrar os sintomas da doença. Porém ela pôde ser
rapidamente curada, porque os sintomas evidentes foram impedidos de se
desenvolver na doença real.

Existem movimentos físicos, efeitos da pressão do Yoga, os quais algumas


vezes criam receios infundados, que podem causar prejuízos, se o medo não for
rejeitado. Há, por exemplo, uma certa pressão na cabeça, sobre a qual tem
havido perguntas e que é sentida por muitos, especialmente nos estágios ini-
ciais, quando alguma coisa que ainda está fechada tem de se abrir. É uma aflição
que não leva a nada e que pode ser facilmente superada, se você souber que ela
é um efeito da pressão das forças às quais você está se abrindo, quando elas
trabalham fortemente no corpo para produzir um resultado e para apressar a
transformação. Tomada tranquilamente, ela pode ser transformada numa sen-
sação não desagradável de todo. Mas se você se assustar, certamente contrairá
uma forte dor de cabeça, e ela pode levar até à febre. O mal-estar é devido a
alguma resistência na natureza; se você souber como libertar a resistência, fica-
rá imediatamente livre do mal-estar. Mas fique assustado e o mal-estar pode se
transformar em algo muito pior. Qualquer que seja o caráter da experiência que
tenha, você não deve ter medo; deve manter uma confiança inabalável e sentir
que qualquer coisa que aconteça é a coisa que tinha de acontecer. Uma vez que
você escolheu o caminho, deve aceitar audaciosamente todas as conseqüências
de sua escolha. Mas se você escolher e depois recuar, e escolher novamente e
de novo recuar, sempre hesitante, sempre duvidando, sempre temeroso, cria
uma desarmonia no seu ser, que não somente retarda o progresso, mas tam-
bém pode ser a origem de toda espécie de perturbações na mente e no ser vital,
e desconforto e doença no corpo.

12. O ESTADO DE CONSCIÊNCIA DO YOGUE

“Pode um Yogue atingir um estado de consciência tal que posas saber todas
as coisas e responder a todas as perguntas relacionadas até mesmo com abstru-
sos problemas científicos, como, por exemplo, a teoria da relatividade?”

Teoricamente, e em princípio, não é impossível a um Yogue saber todas as


coisas; tudo depende do Yogue.

Mas há conhecimento e conhecimento. O Yogue não conhece à maneira da


mente. Ele não conhece tudo no sentido de que tenha acesso a todas as infor-
mações possíveis ou porque contenha em sua mente todos os fatos do universo
ou porque sua consciência seja uma espécie de enciclopédia miraculosa. Ele
76 CONVERSAS...

conhece pela sua capacidade de conter coisas, pessoas e forças, ou de identifi-


car-se com elas dinamicamente. Ou ele conhece porque vive num plano de
consciência ou está em contato com uma consciência onde se encontra a verda-
de e o conhecimento.

Se você estiver na consciência verdadeira, o conhecimento que tiver será


também da verdade. Portanto, você pode saber diretamente, sendo uno com
aquilo que você conhece. Se um problema lhe for colocado à frente, se lhe per-
guntarem o que se tem de fazer num assunto particular, você pode então,
observando com bastante atenção e concentração, receber espontaneamente o
conhecimento requerido e a resposta verdadeira. Não é por nenhuma cuidadosa
aplicação de teoria que você alcança o conhecimento, nem por exercitar-se
através de um processo mental. A mente científica precisa destes métodos para
chegar às suas conclusões. Mas o conhecimento do Yogue é direto e imediato;
não é dedutivo. Se um engenheiro tiver que achar a posição exata para construir
um arco, a linha de sua curva e o tamanho de sua abertura, ele o faz pelo cálcu-
lo, comparando e deduzindo de suas informações e dados. Mas o Yogue não
precisa nada disso; ele olha, tem a visão da coisa, vê que é para ser feito desta
maneira e não de outra, e esta percepção é o seu conhecimento.

Mesmo sendo verdade, de um modo geral e em certo sentido, que o Yogue


possa saber todas as coisas e responder a todas as perguntas de seu próprio
campo de percepção e consciência, disso não se conclui que não haja pergunta
que ele não queira ou não possa responder. O Yogue que tenha o conhecimento
direto, o conhecimento da verdade verdadeira das coisas, não se importa e tal-
vez ache difícil responder a perguntas que pertençam inteiramente ao domínio
das construções mentais dos homens. Pode ser que ele não possa ou não queira
resolver problemas e dificuldades que lhe sejam apresentados, atinentes apenas
à ilusão das coisas e às suas aparências. A atividade de seu conhecimento não
está na mente; se você lhe fizesse alguma pergunta mental toda desta espécie,
provavelmente ele não responderia. A concepção bastante comum de que se
pode fazer qualquer pergunta ignorante a ele, assim como se faz a um super
mestre-escola, ou exigir dele qualquer espécie de informação passada, presente
ou futura, e que ele tem obrigação de responder, é uma idéia ridícula. É tão
absurda quanto a expectativa de façanhas e milagres do homem espiritual, que
satisfariam à mente externa vulgar e a deixariam boquiaberta de admiração.

De mais a mais, o termo “Yogue” é muito vago e vasto. Existem muitos tipos
de Yogues, muitas linhas e classes de buscas espirituais e ocultas e diferentes
alturas de realizações. Existem alguns cujos poderes não ultrapassam o nível
mental; há outros que foram além. Tudo depende do campo ou natureza de
O ESTADO DE CONSCIÊNCIA DO YOGUE 77

seus esforços, da altura que chegaram, da consciência com a qual têm contato
ou na qual entraram.

“Não vão os cientistas às vezes além do plano mental? Dizem que Einstein
não achou a sua teoria da relatividade através de nenhum processo de raciocí-
nio, mas por uma espécie de inspiração súbita. Esta inspiração tem alguma coisa
a ver com a Supramente?”

O cientista que alcança uma inspiração que lhe revela uma verdade nova,
recebe-a da mente intuitiva. O conhecimento vem como uma percepção direta
no plano mental mais alto, iluminado por alguma outra luz, situada ainda mais
além. Mas tudo isso nada tem a ver com a ação da Supramente e este nível
mental mais alto está muito afastado do plano supramental. Os homens se incli-
nam facilmente a pensar que ascenderam a regiões totalmente divinas, quando
chegaram apenas acima do nível médio. Existem muitos estágios entre a mente
humana comum e a Supramente, muitas gradações e muitos planos intercala-
dos. Se um homem comum pudesse entrar em contato direto, mesmo que fosse
com um destes planos intermediários, ele ficaria ofuscado e cego; seria esmaga-
do sob o peso da imensidão percebida e perderia o juízo; e, contudo ainda não é
a Supramente.

Por trás da idéia comum de que o Yogue pode saber todas as coisas e res-
ponder a todas as perguntas, está o fato real de que há um plano na mente
onde a memória de tudo está armazenada e sempre existente. Todos os movi-
mentos mentais que pertençam à vida da terra estão memorizados e registrados
neste plano. Aqueles que são capazes de chegar até lá, se tiverem vontade,
podem ler nela e aprender tudo que quiserem. Mas esta região não deve ser
tomada pelos níveis supramentais. E no entanto, mesmo para chegar lá, você
deve ser capaz de silenciar os movimentos da mente física ou material; você
deve ser capaz de deixar de lado todas as suas sensações e parar de vez seus
movimentos mentais ordinários, quaisquer que sejam; você deve sair do vital,
deve libertar-se de toda escravidão do corpo. Só então você pode entrar nesta
região e ver. Mas se você estiver suficientemente interessado para fazer este
esforço, pode chegar lá e ler o que está escrito na memória da terra.

Assim, se entrar profundamente no silêncio, você pode alcançar um nível de


consciência no qual é possível receber resposta a todas as suas perguntas. E se
houver alguém que esteja aberto conscientemente à verdade total da Supra-
mente, e com ela esteja em constante contato, ele poderá certamente respon-
der a qualquer pergunta que mereça uma resposta da Luz Supramental. As
indagações devem vir de algum senso da verdade e realidade que está por trás
das coisas. Existem muitas perguntas e muitos problemas debatidos que são
78 CONVERSAS...

argumentos sutis tecidos por meras abstrações mentais, e movem-se na superfí-


cie ilusória das coisas. Estes pseudoproblemas não pertencem ao conhecimento
real; são uma deformação do conhecimento, e sua verdadeira substância é feita
da ignorância. Certamente o conhecimento supramental pode dar uma respos-
ta, sua própria resposta, aos problemas levantados pela ignorância da mente;
mas é provável que não seja nada satisfatório, e talvez nem mesmo inteligível
àqueles que perguntam do nível mental. Você não deve esperar que a supra-
mente trabalhe à maneira da mente ou pretender que o conhecimento próprio
da verdade seja capaz de ser misturado com o meio-conhecimento próprio da
ignorância. O esquema da mente é um, mas o da Supramente é completamente
outro, e não seria mais supramental se se adaptasse às exigências do esquema
mental. Os dois são incomensuráveis e não podem ser colocados juntos.

“Quando a consciência tiver atingido as alegrias supramentais, não toma ela


mais interesse nas coisas da mente?”

A supramente não se interessa pelas coisas mentais do mesmo modo que a


mente. Ela toma interesse à sua maneira, em todos os movimentos do universo,
mas de um diferente ponto de vista e com uma outra visão. O mundo tem para
ela uma aparência completamente diferente; existe uma inversão de perspecti-
va e tudo é visto de lá de uma forma diferente de como é visto pela mente, e
freqüentemente até mesmo oposta. As coisas têm um outro significado; o
aspecto, a movimentação e o processo delas, tudo que lhe diz respeito, são
observados com outros olhos. tudo que se passa aqui é seguido pela Supramen-
te; os movimentos da mente e não menos os do vital, os movimentos materiais,
todo o jogo do universo tem para ela um profundo interesse, mas de outra
espécie É quase a mesma diferença que há entre o interesse tomado num teatro
de marionete por aquele que segura os cordéis e sabe o que os bonecos devem
fazer e a vontade que os move e sabe que eles só podem fazer o que lhes for
determinado, e o interesse tomado por um espectador que assiste à peça, mas
vê apenas o que está acontecendo de momento a momento e nada mais sabe
além disso. Aquele que assiste à peça e não participa do seu segredo, toma um
interesse mais forte, mais intenso e mais apaixonado no que vai acontecer e
segue com uma atenção excitada os acontecimentos imprevisíveis ou dramáti-
cos; o que segura os cordéis e movimenta o espetáculo, permanece imperturbá-
vel e tranquilo. Existe uma certa intensidade de interesse que vem da ignorância
e está intimamente ligado à ilusão e que deve desaparecer quando você sair da
ignorância. O interesse que o ser humano toma pelas coisas é baseado na ilusão;
se esta fosse removida, eles não teriam mais nenhum interesse no jogo; achá-lo-
iam árido e insípido. É por isso que toda esta ignorância, toda esta ilusão tem
O ESTADO DE CONSCIÊNCIA DO YOGUE 79

durado tanto tempo; é porque os homens gostam dela, porque eles se apegam
a ela e ao gênero peculiar de atração que ela motiva.

“Que se deve fazer quando se quer modificar a condição do corpo, efetuar


uma cura ou corrigir alguma imperfeição física? Dever-se-ia concentrar no obje-
tivo a ser realizado e exercer a força de vontade, ou apenas viver na confiança
de que isto seja feito ou confiar no Poder Divino para produzir os resultados
desejados a seu tempo e à sua maneira?”

Todas estas são várias maneiras de fazer a mesma coisa, e cada uma em
diferentes condições pode ser eficiente. O método pelo qual você terá maior
sucesso depende da consciência que desenvolver em si e do caráter das forças
que for capaz de fazer entrar em jogo. Você pode viver na consciência da cura
radical ou transformação, e pela força de sua formação interior lentamente
motivar a alteração exterior. Ou se você souber e tiver a visão da força que é
capaz de efetuar estas coisas, e tiver a habilidade de manejá-la, poderá chamá-
la para baixo e concentrá-la nas partes onde é necessária a sua ação, e ela pro-
duzirá a mudança. Ou , ainda, você pode expor a sua dificuldade ao Divino e
pedir-Lhe a cura, pondo toda a sua confiança no Poder Divino. Mas qualquer
coisa que faça, qualquer que seja o processo que use, e mesmo que tenha
adquirido nele uma grande habilidade e poder, você deve deixar o resultado nas
mãos do Divino. Você pode sempre tentar, mas é o Divino quem vai dar ou não
os frutos de seu esforço. É aí que pára seu poder pessoal; se o resultado vier, é o
Poder Divino quem o traz e não o seu. Você se pergunta se é justo pedir estas
coisas ao Divino. Mas não há diferença alguma entre virar-se para o Divino para
a remoção de uma imperfeição física e orar para a eliminação de um defeito
moral. Porém tudo quanto pedir ou seja qual for seu empenho, deve sentir que,
mesmo enquanto estiver tentando o melhor, usando do conhecimento ou do
poder de que você dispõe, o resultado depende da Graça Divina. Já que adotou
o Yoga, tudo que fizer, deve ser feito num espírito de completa entrega. Esta
deve ser a sua atitude – “Eu aspiro, procuro curar minhas imperfeições, faço o
melhor, mas para o resultado coloco-me inteiramente nas mãos do Divino”.

“Será que ajuda se eu dizer: ‘Tenho certeza do resultado, sei que o Divino me
dará o que desejo’?”

Você pode considerar deste modo. Mesmo a intenção de sua fé pode querer
dizer que o Divino já decidiu que a coisa em questão será feita. Uma fé inabalá-
vel é um sinal da presença da Vontade Divina, uma evidência do que será.
80 CONVERSAS...

“Quais são as forças que atuam quando se está em meditação silenciosa?”

Tudo depende de quem medita.

“Mas na meditação silenciosa ele não se torna um vazio completo? Como


pode então depender tudo dele?”

Mesmo que você faça dentro de si um vazio absoluto, isso não muda a natu-
reza de sua aspiração nem lhe altera o domínio. Em alguns, a aspiração se move
nos níveis mentais ou na esfera vital; alguns têm uma aspiração espiritual. Da
qualidade da aspiração depende a força que responde e o trabalho que ela vem
fazer. Tornar-se vazio na meditação cria um silêncio interior; não significa que
você tenha se anulado ou se tornado uma massa inerte e morta. Tornando-se
um receptáculo vazio, você convida o que vai enchê-lo. Significa que você faz
cessar a pressão de sua consciência interior em direção à realização. A natureza
da consciência e o grau de sua pressão determinam as forças que você ou mes-
mo causar dano e atrasar.

Existem muitas e variadas condições sob as quais você pode meditar e todas
exercem seu efeito sobre as forças introduzidas ou atraídas e no trabalho delas.
Se você meditar sozinho, é a sua própria condição interna e externa que impor-
ta. Se você meditar com outros, é a condição geral que é de principal importân-
cia. Mas em qualquer caso, as condições variarão sempre e as forças que res-
pondem nunca serão as mesmas duas vezes. Uma concentração unificada, feita
convenientemente, pode ser uma grande força. Há uma velha tradição que diz
que se doze pessoas sinceras unirem sua vontade e sua aspiração e evocarem o
Divino, é certo o Divino manifestar-Se. Mas a vontade deverá ser unificada
numa única direção, e a aspiração sincera. Porque os que fazem a experiência
podem estar unidos na inércia ou mesmo num desejo errôneo ou pervertido e o
resultado será provavelmente desastroso.

Na sua meditação, a primeira necessidade imperativa é um estado de since-


ridade perfeita e absoluta em toda a consciência. É indispensável que você não
se iluda ou engane os outros, ou seja, por eles enganado. Muitas vezes as pes-
soas têm um desejo, uma preferência mental ou um desejo vital; querem que a
experiência aconteça de um modo particular ou tome uma direção que satisfaça
suas ideias, desejos ou preferências; não se conservam vazias e imparciais para
observar sincera e simplesmente o que acontece. Então, se não gostar do que
acontecer, é fácil enganar-se; você verá uma coisa, mas dará a ela um ligeiro
desvio e fará dela algo diferente ou distorcerá uma coisa simples e direta ou
engrandecela-á para uma experiência extraordinária. Quando se sentar para
meditar, você deve se tornar tão cândido e simples como uma criança, não
REPULSA AOS ANIMAIS 81

interferindo com sua mente externa, não esperando nada, não insistindo em
nada. Quando tiver obtido esta condição, todo o resto depende da aspiração
profunda dentro de você. Se, de dentro, você pedir paz, ela virá; se pedir força,
poder, conhecimento, também virão, mas tudo na medida de sua capacidade de
recebê-los. E se você invocar o Divino, então também – sempre admitindo que o
Divino esteja aberto a seu chamado, e isto significa que seu apelo é bastante
puro e forte para alcançá-Lo - você terá a resposta.

13. REPULSA AOS ANIMAIS

“Qual é o motivo da repulsa que instintivamente sentimos por certos ani-


mais, tais como cobras e escorpiões?”

Não é uma necessidade inevitável que se sinta esta ou qualquer outra repul-
sa. Não sentir nenhuma repulsa é uma das conquistas fundamentais do Yoga.

A repulsa de que você fala vem do medo; se não houvesse medo, ela não
existiria. Este medo não é baseado na razão; é instintivo; não é individual, mas
racial; é uma sugestão geral e pertence à consciência da humanidade como um
todo. Quando se toma um corpo humano aceita-se com ele uma massa destas
sugestões gerais, ideias de raça, sentimentos de raça da humanidade, associa-
ções, repulsas, medos.

O mundo está cheio de coisas que não são nem agradáveis nem bonitas, mas
isto não é razão para se viver num sentimento de constante repulsa por essas
coisas. Todos os sentimentos de retraimento e aversão e medo que perturbam e
enfraquecem a mente humana, podem ser superados. Um Yogue tem que supe-
rar estas reações; pois desde os primeiros passos no Yoga lhe é exigido que con-
serve uma equanimidade perfeita na presença de todos os seres e coisas e acon-
tecimentos. Você deve sempre permanecer calmo, imperturbável e impassível; a
força do Yogue reside nisto. Uma calma e uma tranquilidade completas desar-
marão mesmo os animais ferozes e perigosos que se confrontarem com você.

A repulsa é um movimento de ignorância. É um gesto instintivo de autodefe-


sa. Mas o que o protege melhor contra qualquer perigo não é uma aversão irra-
cional, mas o conhecimento, o conhecimento da natureza do perigo e uma apli-
cação consciente dos meios que irão removê-la ou anulá-la. A ignorância, de
onde estes movimentos procedem, é uma condição humana geral, mas pode ser
vencida, pois não estamos amarrados à natureza humana grosseira que está à
nossa volta e da qual se origina o ser exterior.
82 CONVERSAS...

A ignorância é abolida por uma consciência crescente; o que você precisa é


de consciência e cada vez mais de consciência, de uma consciência pura, simples
e luminosa. À luz desta consciência perfeita, as coisas apresentam-se como elas
são e não como elas querem parecer. É como se fosse uma tela gravando fiel-
mente todas as coisas enquanto elas passam. Você vê nela o que é luminoso, o
que é escuro, o que é direito e o que é torto. Sua consciência transforma-se
numa tela ou espelho; mas isto acontece quando você está num estado de con-
templação, um mero observador; quando está em atividade ela age como um
refletor. Você deve apenas acendê-lo, se quiser ver luminosamente e examinar
profundamente qualquer coisa em qualquer lugar.

O modo de conseguir esta consciência perfeita é aumentar sua consciência


presente, fazendo-a sair de sua rotina e limites atuais, educá-la, abri-la à Luz
Divina e deixar que a Luz Divina trabalhe nela plena e livremente. Mas a Luz só
pode fazer seu trabalho completo e desembaraçado quando você tiver se livra-
do de todo desejo e medo, quando você não tiver mais preconceitos mentais,
preferências vitais, apreensões ou atrações físicas para confundi-lo ou prendê-
lo.

A repulsa é um movimento de fraqueza. Ela vem porque você foi atingido e


ferido e esquiva-se daquilo que o magoa. A atmosfera de um ser, ou de um
homem, ou de um animal, ou suas emanações, pode ser-lhe prejudicial, mesmo
que não possa ser sentida por todos, e assim que ela o atinge, você se afasta
dela. Mas se for suficientemente forte, poderá deter o perigo à distância, não
deixando que ele o alcance ou lhe faça mal. Pois você veria e saberia imediata-
mente que havia algo prejudicial e colocaria uma barreira de defesa à sua volta
e mesmo que a coisa chegasse perto, não teria possibilidade de atingi-lo e você
permaneceria ileso e imperturbado por sua presença. “Se o Divino, que é todo
amor, é a fonte da criação, donde vêm todos os males que existem tão profu-
samente sobre a terra?”

Tudo vem Divino; mas a Consciência Uma, a Suprema, não criou o mundo
diretamente de si mesma; um Poder emanou dela e desceu através de muitas
gradações de suas atividades e passou por muitos agentes. Existem muitos cria-
dores ou antes, “formateurs”, fazedores de formas, que presidiram à criação do
mundo. São agentes intermediários que prefiro chamar de “Formateurs” e não
de “Criadores”, porque o que eles fizeram foi dar uma forma e movimento e
natureza à matéria. São numerosos; alguns formaram coisas harmoniosas e
benignas e outros deram formas a coisas perniciosas e más. E alguns também
foram mais distorcedores do que construtores, porque interferiram e estraga-
ram o que fora bem começado por outros.
PODE O YOGUE TORNAR-SE UM ARTISTA? 83

“Este nosso mundo material não está muito abaixo na escala do sistema de
mundos que formam a criação?”

O nosso é o mundo mais material, mas não está necessariamente “muito


abaixo”, pelo menos, não por esta razão; se ele está abaixo é porque é obscuro
e ignorante, não por ser material. É um erro fazer da “matéria” sinônimo de
obscuridade e ignorância. E o mundo material também não é o único mundo em
que vivemos: é antes, um dos muitos nos quais existimos simultaneamente, e de
uma certa forma o mais importante de todos. Pois este mundo de matéria é o
ponto de concentração de todos os mundos; é o campo de concretização de
todos os mundos; é o lugar onde todos os mundos terão de se manifestar. No
momento presente ele é desarmonioso e obscuro; mas isto é apenas um aciden-
te, um começo falso. Um dia ele se tornará bonito, rítmico, cheio de luz, porque
ele foi feito para essa consumação final.

14. PODE O YOGUE TORNAR-SE UM ARTISTA?

“É possível a um Yogue tornar-se artista ou pode um artista ser Yogue? Qual


é a relação que existe entre a arte e o Yoga?”

Os dois não são tão antagônicos como você parece pensar. Não há nada que
impeça um Yogue de ser artista ou um artista de ser Yogue. Mas quando você
está no Yoga, há uma mudança profunda no valor das coisas, da Arte, bem como
de tudo mais; você começa a olhar a Arte de um ponto de vista diferente. Já não
é mais para você a coisa suprema, contendo tudo, não é mais um fim em si
mesma. A Arte é um meio, não um fim; é um meio de expressão. E o artista,
então, cessa também de acreditar que o mundo inteiro gira à volta do que ele
está fazendo ou que seu trabalho é a coisa mais importante que já foi feita. Sua
personalidade não conta mais; ele é um agente, um canal, e sua arte é um meio
de expressar suas relações com o Divino. Ele a usa para este propósito, como
poderia ser usado qualquer outro meio que fizesse parte dos poderes de sua
natureza.

“Mas um artista não sente mais nenhum impulso de criar depois que ele
começa o Yoga?”

Por que não teria ele o impulso? Ele pode expressar sua relação com o Divi-
no por meio da arte, exatamente como poderia por qualquer outro. Se você qui-
ser que a arte seja a mais alta e mais verdadeira, ela deverá ser a expressão do
mundo divino, que foi trazido para o mundo material. Todos os verdadeiros
artistas têm algum sentimento deste gênero, alguma impressão de eu eles são
intermediários entre um mundo mais alto e esta existência física. Se você consi-
84 CONVERSAS...

derá-la sobe este aspecto, a Arte não é muito diferente do Yoga. Porém a maior
parte das vezes o artista tem apenas um sentimento indefinido, não tem o
conhecimento. Contudo, conheci alguns que o tinham; eles trabalhavam cons-
cientemente na sua arte com o conhecimento. Nas suas criações não punham
suas personalidades na frente, como o fator mais importante; consideravam seu
trabalho como uma oferta ao Divino, experimentavam expressar por ela seu
relacionamento com o Divino.

Esta era a função reconhecida da Arte na Idade Média. Os pintores “primiti-


vos”, os construtores das catedrais da Europa Medieval, não tinham outra con-
cepção da arte. Na Índia, toda a sua arquitetura, toda a sua escultura e a sua
pintura procederam desta fonte e foram inspiradas por este ideal. Os cantos de
Mirabai e a música de Thyagaraja, a literatura poética criada por seus devotos,
santos e Rishis, classificam-se entre os maiores patrimônios artísticos do mundo.

“Mas não é o trabalho de um artista aperfeiçoado quando ele faz Yoga?”

A disciplina da Arte tem no seu centro o mesmo princípio da disciplina do


Yoga. Em ambos o objetivo é tornar-se mais e mais consciente; em ambos você
tem que aprender a ver e sentir algo que está além da visão e sentimento
comuns, tem que se voltar para dentro e trazer de lá coisas mais profundas. Os
pintores têm que seguir uma disciplina para o crescimento da consciência de
seus olhos, que em si é quase um Yoga. Se forem verdadeiros artistas e tenta-
rem ver além das aparências e usar sua arte para expressar o mundo interior,
eles crescerão em consciência por esta concentração, que não é outra coisa
senão a consciência dada pelo Yoga. Por que não seria então a consciência
Yóguica um auxílio à criação artística? Conheci alguém que tinha muito pouco
treino e habilidade e contudo pelo Yoga adquiriu uma admirável capacidade
para escrever e pintar. Posso citar-lhe dois exemplos. Havia uma vez uma moça
que não tinha a mínima instrução; era uma dançarina e dançava relativamente
bem. Depois que ela adotou o Yoga, dançava apenas para amigos; mas sua dan-
ça alcançou uma profunda expressão e beleza que não tinha antes. E apesar de
lhe faltar instrução, ela começou a escrever coisas maravilhosas, pois tinha
visões e as expressava na mais bela linguagem. Mas havia altos e baixos em seu
Yoga, e quando ela estava em boas condições, escrevia lindamente; caso contrá-
rio, era bastante monótona, insípida e não criativa. O segundo caso é o de um
rapaz que estudara arte, mas só superficialmente. Filho de um diplomata, ele
tinha sido treinado para a carreira diplomática, mas vivia no luxo e seus estudos
não foram longe. No entanto, assim que adotou o Yoga, ele começou a fazer
desenhos inspirados, que expressavam um conhecimento interior e eram de
caráter simbólico; no fim ele se tornou um grande artista.
PODE O YOGUE TORNAR-SE UM ARTISTA? 85

“Por que são os artistas geralmente irregulares em sua conduta, e de caráter


não muito sério?”

Quando eles são assim, é porque vivem constantemente no plano vital e a


parte vital neles é extremamente sensível às forças deste mundo, do qual rece-
bem toda sorte de impressões e impulsos sobre os quais não têm nenhuma for-
ça de controle. E muitas vezes, também, eles têm a mente muito independente
e não acreditam nas convenções sociais e morais insignificantes que governam a
vida das pessoas comuns. Não se sentem presos às regras de conduta costumei-
ras, mas não acharam ainda uma regra interior que as substitua. Como não á
nada que detenha os movimentos de seu ser-desejo, facilmente se deixam levar
por uma vida libertina e licenciosa. Mas isto não acontece com todos. Vivi dez
anos entre artistas e encontrei muitos que eram burgueses até o fundo de seu
ser; eram casados e estabelecidos, bons pais, bons maridos e viviam de acordo
com a mais rígida idéia de moral sobre o que deveria ser feito ou não.

Existe um caso onde o Yoga pode parar o impulso criativo do artista. Se a


origem de sua arte está no mundo vital, quando ele se torna Yogue, perde a ins-
piração, ou melhor, a fonte de onde vinha sua inspiração não mais o inspirará,
porque então o mundo vital aparece na sua verdadeira luz, assume seu valor
real e este valor é muito relativo. A maior parte daqueles que se consideram
artistas tiram sua inspiração do mundo vital apenas, e ela em si não carrega sig-
nificação nem alta nem grande. Mas quando um verdadeiro artista, aquele que
busca sua fonte criativa num mundo mais elevado, se volta para o Yoga, desco-
brirá que sua inspiração se torna mais direta e mais poderosa e sua expressão
mais clara e mais profunda. Para aqueles que possuem um valor verdadeiro, o
poder do Yoga aumentará este valor; mas para os que têm só uma falsa aparên-
cia de arte, mesmo esta se desvanecerá, ou então perderá o seu atrativo. Para
quem é honesto no Yoga, a primeira verdade simples que impressiona sua visão
aberta é que, o que ele faz, é uma coisa muito relativa, em comparação com a
manifestação universal, com o movimento universal. Porém um artista é geral-
mente vaidoso e se considera um personagem da mais alta importância, uma
espécie de semideus no mundo humano. Muitos artistas dizem que se eles não
acreditassem ser de máxima importância o que fazem, não seriam capazes de
fazê-lo. Conheci, porém, alguns cuja inspiração vinha de um mundo mais eleva-
do e mesmo assim não consideravam de tão imensa importância o que faziam.
Esta última atitude é a mais próxima do espírito da verdadeira arte. Se um
homem é realmente levado a se expressar na arte, este é o mundo que o Divino
escolheu para se manifestar através dele, e assim, pelo Yoga, sua arte ganhará e
não perderá nada. Contudo toda a questão se resume nisto: é o artista indicado
pelo Divino ou por si mesmo?
86 CONVERSAS...

“Mas se alguém faz Yoga, ele pode elevar-se às alturas de Shakespeare ou


Shelley? Não tem havido tais exemplos.

Por que não? O Mahabharata e o Ramayana não são, certamente, inferiores


a nada criado por Shakespeare ou qualquer outro poeta, e dizem ter sido o tra-
balho de homens que eram Rishis e faziam “tapasya” ¹ Yóguica. A Gita, que se
classifica, assim como os Upanishads, entre as maiores obras literárias e espiri-
tuais, não foi escrita por quem não tinha nenhuma experiência de Yoga. E em
que são inferiores a seu Milton e Shelley os poemas escritos que na Índia ou na
Pérsia ou em outros lugares por homens reputados como santos, Sufis e devo-
tos? E você conhece todos os Yogues e suas obras? Entre os poetas e criadores
pode você dizer quem estava ou não em contato consciente com o Divino? Exis-
tem uns que não são Yogues oficialmente, não são gurus e não têm discípulos; o
mundo não sabe o que eles fazem; não estão ansiosos por fama e não atraem a
atenção dos homens; mas eles têm uma consciência mais alta, estão em contato
com o Poder Divino, e quando criam, é de lá que vem sua criação. As melhores
pinturas na Índia, e muitas das melhores esculturas e arquiteturas foram feitas
por monges budistas, que passaram suas vidas em contemplação e prática espi-
ritual; eles realizaram um trabalho artístico magnífico, mas não se importaram
de deixar seus nomes para a posteridade. A razão principal pela qual os Yogues
não são geralmente conhecidos por sua arte, é que eles não consideram sua
expressão artística como a parte mais importante de suas vidas e não dedicam a
ela muito tempo e energia, tal qual um mero artista. E o que eles fazem grandes
coisas e não as tornaram conhecidas do mundo!

“Alguns Yogues já fizeram dramas maiores que os de Shakespeare?”

O drama não é o mais elevada das artes. Alguém disse que o drama é a
maior de todas as artes, e a arte é maior que a vida. Mas não é bem assim. O
erro dos artistas é acreditarem que a produção artística é um fim em si e para si
mesma, independente do resto do mundo. A arte, como é entendida por tais
artistas, é como um cogumelo no vasto terreno da vida, qualquer coisa fortuita
e externa, não algo intimamente ligado à vida. Ela não alcança nem toca as rea-
lidades profundas e duradouras, não se torna parte intrínseca e inseparável da
existência. A verdadeira arte tem a missão de expressar o belo em íntima proxi-
midade com o movimento universal. As maiores nações e as raças mais cultas
sempre consideraram a arte como uma parte da vida e fizeram-na subserviente
à vida. A arte era assim no Japão, em seus melhores momentos; foi assim nos
melhores momentos da história da arte. Mas a maior parte dos artistas é como
parasitas crescendo à margem da vida; não parecem saber que a arte deveria
ser a expressão do Divino na vida e através da vida. Em tudo, em todo lugar, em
PODE O YOGUE TORNAR-SE UM ARTISTA? 87

todos os relacionamentos, a verdade deve ser manifestada em seu ritmo onia-


barcante, e cada movimento da vida deve ser uma expressão de beleza e har-
monia. A habilidade não é arte, o talento não é arte. A arte é uma harmonia e
beleza vivas que devem ser expressas em todos os movimentos da existência.
Esta manifestação da beleza e harmonia é parte da realização Divina na terra,
talvez mesmo sua parte mais importante.

Porque, do ponto de vista supramental a beleza e a harmonia são tão impor-


tantes como qualquer outra expressão do Divino. Mas elas não deveriam ser
isoladas, colocadas à parte das outras relações, retiradas do conjunto; deveriam
unir-se com a expressão da vida em sua totalidade. As pessoas têm o hábito de
dizer: “Oh, é um artista!” Como se um artista não fosse um homem entre
outros, mas devesse ser um ser extraordinário e à parte, que não pudesse ser
confundida com outras coisas comuns do mundo. A máxima: “A Arte pela Arte”
tenta incutir e dar ênfase a este mesmo erro, como se fosse verdade. É o mesmo
erro que os homens cometem quando colocam, no meio de seus salões, um
quadro emoldurado, que nada tem a ver com a mobília ou as paredes, mas é
colocado lá apenas por ser um 'objeto de arte'.

A verdadeira arte é um todo e um conjunto; é uma e do mesmo tecido da


vida. Você pode constatar alguma coisa desta íntima inteireza na Grécia e no
Egito antigos. Lá, quadros, estátuas e todos os objetos de arte eram feitos e
arrumados como parte do plano de arquitetura dum monumento, cada detalhe
uma porção do todo. É assim também no Japão, ou pelo menos era, até outro
dia, antes da invasão de um modernismo utilitário e prático. Uma casa típica
japonesa é um todo artístico maravilhoso; a coisa certa está sempre no lugar
certo, não há nada fora de lugar, nem muito, nem pouco. Tudo está onde preci-
sa estar e a casa mesma funde-se maravilhosamente com a natureza circundan-
te. Na Índia também a pintura, a escultura e a arquitetura formavam uma beleza
integral, um único movimento de adoração ao Divino.

Desde então tem havido uma grande degenerescência no mundo, neste sen-
tido. Da época da rainha Vitória e na França, desde o Segundo Império, entra-
mos num período de decadência. Generalizou-se o hábito de pendurar nas
paredes das salas quadros que nada têm a ver com os objetos ao redor; qual-
quer quadro, qualquer objeto artístico podia ser colocado onde quer que fosse,
e não fazia a mínima diferença. A finalidade da arte agora é mostrar habilidade,
inteligência e talento, não mais para englobar alguma expressão integral de
harmonia e beleza numa casa.

Mas ultimamente tem havido uma revolta contra esta falta de gosto burgue-
sa. A reação foi tão violenta que parecia uma completa aberração e fazia crer
88 CONVERSAS...

que a arte ia afundar num completo absurdo. Vagarosamente, porém, alguma


coisa emergiu do caos, algo mais racional, mais lógico, mais coerente, ao qual se
pode dar outra vez o nome de arte, uma arte renovada e, talvez, esperamos,
regenerada.

Em sua verdade fundamental, a arte não é mais nada menos que o aspecto
de beleza da manifestação Divina. Talvez, observando-se deste ponto de vista,
muito poucos artistas serão encontrados; entretanto, ainda há alguns e estes
podem muito bem ser considerados Yogues. Assim como o Yogue, um artista
entra em profunda contemplação para esperar e receber sua inspiração. Para
criar alguma coisa verdadeiramente bela, ele tem primeiro que vê-la dentro de
si, para concebê-la como um todo em sua consciência interior; só depois de tê-la
achado, visto e conservado dentro de si, é que ele pode executá-la exteriormen-
te; cria-a de acordo com esta visão interna maior. Isto também é uma espécie
de disciplina yóguica porque, através dela, ele entra em íntima comunhão com
os mundos interiores. Um homem como Leonardo Da Vinci era um Yogue, sem
dúvida. E ele era, se não o maior, pelo menos um dos maiores pintores — ape-
sar de sua arte não se limitar apenas à pintura.

A música também é uma arte essencialmente espiritual e esteve sempre


associada a sentimentos religiosos e à vida interior. Porém aí também a trans-
formamos em algo independente e autosuficiente, um `cogumelo da arte', como
é a música de ópera. A maior parte das produções artísticas que encontramos
são desta espécie, e quando muito, interessantes sob o ponto de vista da técni-
ca. Não digo que mesmo a música de ópera não possa servir como meio de
expressão de uma arte superior; pois qualquer que seja a forma, ela pode ser
utilizada para um propósito mais profundo. Tudo depende da coisa em si, como
é usada e daquilo que está por trás. Não há nada que não possa ser usada para o
propósito Divino — assim como qualquer coisa pode aparentar ser o Divino e,
contudo, pertencer à espécie 'cogumelo'.

Entre os maiores músicos modernos houve vários cujas consciências entra-


vam em contato com uma consciência superior, quando criavam. Cesar Franck
tocava órgão como se fosse inspirado, havia qualquer coisa nele que se abria à
vida psíquica; ele tinha consciência disto e na maior parte das vezes expressava-
a. Beethoven, quando compôs a Nona Sinfonia, teve a visão de uma abertura
para um mundo superior e da descida deste mundo para o plano terrestre.
Wagner tinha sugestões fortes e poderosas do mundo oculto; tinha o impulso
natural e o senso do ocultismo, e através disso recebia as suas maiores inspira-
ções. Porém ele trabalhava principalmente no plano vital e sua mente estava
constantemente intervindo e mecanizando sua inspiração. A maior parte de
PODE O YOGUE TORNAR-SE UM ARTISTA? 89

suas obras era bastante misturada e muito freqüentemente obscura e pesada,


apesar de poderosa. Mas quando ele conseguia ir além dos níveis do vital e do
mental e alcançava um mundo superior, alguns dos vislumbres que percebia
eram de uma beleza excepcional, como no Parsifal, em certas partes do Tristão e
Isolda — especialmente no fim do último grande ato.

Veja ainda o que os tempos modernos fizeram da dança; compare-a com o


que ela era antigamente. Houve um tempo em que a dança era uma das mais
altas expressões da vida interior; era associada à religião e ocupava uma impor-
tante parte nas cerimônias sagradas, na celebração de festivais, na adoração do
Divino. Em certos países ela alcançou um alto grau de beleza e uma extraordiná-
ria perfeição. No Japão conservaram a tradição da dança como parte da vida
religiosa e, como o senso rigoroso da beleza e da arte fosse um dom natural dos
japoneses, não permitiram que ela degenerasse em qualquer coisa menos signi-
ficativa e de propósitos menores. O mesmo aconteceu na índia. E bem verdade
que em nossos dias tem havido tentativas de ressuscitar as danças da Grécia
antiga e outras, mas o sentido religioso está faltando em todas estas ressurrei-
ções e parecem mais ginástica rítmica do que dança.

As danças russas são hoje famosas, porém são expressões do mundo vital e
há mesmo alguma coisa terrivelmente vital nelas. Como tudo que a nós chega
deste mundo, elas podem ser muito atrativas ou muito repulsivas, mas sempre
existem por si mesmas e não pela expressão de uma vida mais alta. O próprio
misticismo dos russos é de ordem vital. Como técnicos da dança, são maravilho-
sos; mas a técnica é apenas um instrumento. Se o seu instrumento for bom, tan-
to melhor, mas se não for uma expressão da sua entrega ao Divino, por melhor
que seja, está desprovido do que é superior e não pode servir a um desígnio
divino. A dificuldade é que a maior parte dos que se tornam artistas acreditam
que eles podem se apoiar em suas próprias pernas, e não precisam voltar-se
para o Divino. E urna grande pena, pois na manifestação divina o talento é um
elemento tão útil como qualquer outra coisa. O talento faz parte da construção
divina; só que ele deve saber se subordinar às coisas maiores.

Muito acima da mente existe um domínio que poderíamos chamar 'o mundo
da Harmonia' e, se você puder chegar até lá, achará as raízes de toda harmonia
que já se manifestou sob qualquer forma na terra. Por exemplo, há um certo
tema musical, composto de algumas notas supremas, que se encontra por trás
das obras de dois artistas, que vieram um após o outro — um, um concerto de
Bach, o outro, um concerto de Beethoven. Os dois não são parecidos no papel e
diferem ao ouvido exterior, mas na sua essência são iguais. Uma única e mesma
vibração de consciência, uma única onda de harmonia sugestiva tocou estes dois
90 CONVERSAS...

artistas. Beethoven apanhou a parte maior, mas nele misturou-se com inven-
ções e interpolações de sua mente; Bach recebeu menos, mas o que captou dela
foi mais puro. A vibração era a da emergência vitoriosa da consciência, da cons-
ciência surgindo do ventre da inconsciência, em triunfante ascensão e nasci-
mento.

Se, pelo Yoga, você for capaz de alcançar esta fonte de todas as artes, então
você será um mestre em todas as artes, se quiser. Aqueles que já foram lá antes
acharam talvez mais feliz, mais agradável ou repleto de conforto espiritual exta-
siante, permanecer e gozar a Beleza e o Deleite que lá se encontram, sem mani-
festá-los ou incorporá-los à terra. Contudo esta abstenção não corresponde a
toda verdade ou à verdade verdadeira do Yoga; melhor seria dizer que é uma
deformação, uma diminuição da liberdade dinâmica do Yoga, pelo espírito mais
negativo de Sannyasa6. A vontade do Divino é de se manifestar, não a de per-
manecer retirado completamente na inatividade e em um silêncio absoluto; se a
Consciência Divina fosse realmente uma inação de bem-aventurança não mani-
festada, nunca teria havido qualquer criação.

15. ENTREGA E SACRIFÍCIO

“Não é entrega o mesmo que sacrifício?"

Em nosso Yoga não há lugar para sacrifício. Mas tudo depende do sentido
que você dá a esta palavra. Na sua acepção pura tem o sentido de uma doação
consagrada, um tornar sagrado ao Divino. No significado que tem agora, sacrifí-
cio é algo que trabalha para a destruição; carrega consigo uma atmosfera de
negação. Esta espécie de sacrifício não é realização; é uma perversão, uma
autoimolação. São suas possibilidades que você sacrifica, possibilidades e reali-
zações de sua personalidade, que vão desde o nível mais material até o mais
espiritual. O sacrifício diminui o ser. Se você sacrifica fisicamente sua vida, seu
corpo, você renuncia a todas as suas possibilidades no plano material; você des-
trói as aquisições de sua vida na terra. Do mesmo modo, você pode sacrificar
sua vida moralmente; você desiste da amplitude e realização livre de sua exis-
tência interior. Há sempre nesta idéia de autoimolação um sentido de violência,
uma contrição, uma autonegação impostas. Isto é um ideal que não deixa lugar
para espontaneidades maiores e mais profundas da alma. Por entrega não que-
remos dizer isso, mas uma autodoação natural, uma doação de todo seu ser ao
Divino, a uma Consciência maior da qual você é uma parte. A entrega não dimi-

6
Sannyasa — Renúncia, abandono. (N. da T.)
ENTREGA E SACRIFÍCIO 91

nuirá, mas acrescentará; não depreciará, enfraquecerá ou destruirá a sua perso-


nalidade; ela a fortificará e a engrandecerá. Entrega significa uma doação livre e
total, com todo o deleite da oferenda; não há o sentido de sacrifício nela. Se
você tiver a mais leve sensação de que você está fazendo um sacrifício, então
não será mais entrega. Pois isto significa que você se reserva ou reserva aquilo
que está tentando dar, com má vontade ou com dor e esforço, e não tem a ale-
gria da doação, talvez nem mesmo o sentimento de que está dando. Quando
você fizer qualquer coisa com o sentido de uma repressão do ser, pode ficar cer-
to de que a está fazendo da maneira errada. A entrega verdadeira o engrandece,
aumenta a sua capacidade, dá a você uma medida maior em qualidade e em
quantidade que você não poderia ter tido por si mesmo. Esta medida nova e
maior de qualidade e quantidade difere de tudo o que você possa ter consegui-
do antes: você entra num outro mundo, numa expansão onde não poderia ter
entrado se não se entregasse. É como uma gota d'água que cai no mar; se ela
conservasse lá a sua identidade separada, permaneceria uma pequena gota d'á-
gua e nada mais, uma pequena gota esmagada por toda a imensidão à sua volta,
porque não se entregou. Mas entregando-se, ela se dissolve no mar e participa
da natureza, do poder e da vastidão do mar inteiro.

Não há ambiguidade nem incerteza no movimento; ele é claro, forte e defi-


nido. Se uma pequena mente humana ficar em frente à Mente Divina Universal
e persistir na sua separação, ela permanecerá o que é, uma coisa pequena e
limitada, incapaz de conhecer a natureza da realidade mais alta ou mesmo de
entrar em contato com ela. As duas continuam à parte e são, qualitativa e quan-
titativamente, bem diferentes uma da outra. Mas se a pequena mente humana
se entregar, ela imergirá na Mente Universal Divina e será urna em qualidade e
quantidade com ela; não perdendo nada, a não ser suas próprias limitações e
deformações, receberá dela sua vastidão e clareza luminosas. A pequena exis-
tência transformará sua natureza da verdade maior à qual se entregou. Mas se
ela resistir e lutar, se se revoltar contra a Mente Universal, então advirá um con-
flito e pressão inevitáveis, nos quais aquilo que é fraco e pequeno será atraído
infalivelmente para aquele poder e imensidão. Se ela não se entregar, sua única
outra sorte será a absorção e a extinção. Um ser humano que entre em contato
com a Mente Divina e se entregue, descobrirá que sua própria mente começa
imediatamente a ser purificada de suas obscuridades e a partilhar do poder e
conhecimento da Mente Divina Universal. Se ele ficar frente a ela, mas separa-
do, sem nenhum contato, permanecerá o que é, uma pequena gota d'água na
vastidão incomensurável. Se ele se revoltar, perderá o juízo, seus poderes dimi-
nuirão e desaparecerão. E o que é verdade da mente, é também de todas as
outras partes da natureza. É como se você lutasse contra alguém que é muito
forte para você — tudo que ganha é uma cabeça quebrada.
92 CONVERSAS...

Como pode você lutar contra algo que é um milhão de vezes mais forte?
Toda vez que você se revoltar, receberá um golpe e cada golpe tira uma parte
de sua força, como quando se entra num encontro pugilístico com um rival mui-
to superior e se recebe golpes sobre golpes e cada novo golpe o toma cada vez
mais fraco, até ser posto fora de combate. Não há necessidade de uma inter-
venção voluntária, a ação é automática. Nada mais pode acontecer se você se
arremessar contra a Imensidão. Enquanto você ficar no seu canto e seguir o cur-
so da vida comum, não será tocado ou ferido; mas se você entrar algum dia em
contato com o Divino, só lhe restam dois caminhos abertos. Você se entrega e
submerge nele, e sua entrega o engrandece e o glorifica; ou você se revolta e
todas as suas possibilidades são destruídas e seus poderes aos poucos vão desa-
parecendo, para serem absorvidos por Aquilo a que você se opõe.

Muitas ideias falsas circulam a respeito da entrega. A maior parte das pes-
soas aprecem considerá-la como uma abdicação da personalidade; mas isto é
um grave erro. Porque o indivíduo está destinado a manifestar um aspecto da
Consciência Divina, e a expressão de sua natureza característica é o que cria a
sua personalidade; então, tomando a atitude certa em relação ao Divino, esta
personalidade é purificada de todas as influências da natureza inferior, que a
diminuem e distorcem e se toma mais intensamente pessoal, mais ela mesma,
mais completa. A verdade e o poder da personalidade surgem então com uma
clareza mais resplandecente, seu caráter é mais precisamente marcado do que
poderia ser, quando misturado com toda a obscuridade e ignorância, toda a
sujeira e imperfeição da natureza inferior. Ela sofre uma elevação e glorificação
e enriquecimento de capacidade, uma realização do máximo de suas possibili-
dades. Mas para ter esta mudança sublimadora, o indivíduo deve primeiro
abandonar tudo que, distorcendo, limitando e obscurecendo a verdadeira natu-
reza, acorrenta e avilta e desfigura a verdadeira personalidade; ele deve afastar
de si tudo que pertence aos movimentos ignorantes mais baixos do homem
comum e de sua vida ordinária, cega e vacilante. E antes de tudo, ele deve desis-
tir de seus desejos, porque o desejo é o movimento mais obscuro e mais obscu-
recedor da natureza inferior.

Desejos são movimentos de fraqueza e ignorância que o mantém acorrenta-


do à sua fraqueza e à sua ignorância. Os homens têm a impressão de que seus
desejos nascem dentro deles mesmos; mas isto é uma falsa impressão. Desejos
são ondas de vasto oceano da natureza obscura inferior e passam de uma pes-
soa para á outra. Os homens não geram um desejo em si mesmos, mas são
invadidos por estas ondas; quem estiver aberto e sem defesa será apanhado
nelas e jogado de um lado para o outro. O desejo, absorvendo-o e possuindo-o,
torna-o incapaz de qualquer discernimento e dá a impressão de que manifestá-
ENTREGA E SACRIFÍCIO 93

lo é parte de sua natureza. Na realidade, ele não tem nada a ver com a sua natu-
reza verdadeira. É o mesmo com todos os impulsos inferiores, o ciúme ou a
inveja, o ódio ou a violência. Estes também são movimentos que o prendem,
ondas que o dominam e o invadem; eles deformam e não pertencem ao caráter
ou à natureza verdadeira; não são partes intrínsecas ou inseparáveis de você,
mas vêm do mar da obscuridade circunvizinha na qual se movem as forças da
natureza inferior. Estes desejos, estas partes, não têm personalidade, não há
nada neles ou na sua ação que lhes seja peculiar; eles se manifestam do mesmo
modo em todas as pessoas. Os movimentos obscuros da mente também, as
dúvidas e erros e dificuldades que nublam a personalidade e diminuem sua
expansão e realização, vêm da mesma fonte. São ondas que passam e apanham
todos aqueles que estejam preparados para ser apanhados e utilizados como
instrumento cego. E, entretanto, todos continuam a acreditar que estes movi-
mentos são partes de si mesmos e produto precioso de sua personalidade livre.
Até mesmo encontramos pessoas que se agarram a eles e às suas incapacidades
como o próprio sinal ou essência daquilo que chamam de sua liberdade.

Se você tiver compreendido isso, está pronto para entender a diferença, a


grande diferença entre espiritualidade e moralidade, duas coisas que são cons-
tantemente confundidas. A vida espiritual, a vida de Yoga, tem por objetivo
crescer em direção à Consciência Divina e, como resultado, purificar, intensifi-
car, glorificar e aperfeiçoar aquilo que está em você. Ela o transforma num
poder para a manifestação do Divino, eleva o caráter de cada personalidade a
seu valor total eleva-o à sua expressão máxima, porque isto é parte do plano
Divino. A moralidade procede de uma formação mental e, com algumas ideias
sobre o que é bom ou não, elege um tipo ideal com o qual todos devem se pare-
cer. Dependendo da época e do lugar, este ideal moral difere nos seus compo-
nentes e em seu conjunto. E ainda assim ele se proclama um tipo único, um
absoluto categórico; não admite nenhum outro além dele; nem mesmo admite
uma variação dentro dele. Todos têm de ser moldados de acordo com seu único
padrão ideal, todos se devem tornar uniformes e impecavelmente os mesmos.
Porque a moralidade é desta natureza rígida e irreal, ela é o contrário da vida,
espiritual, em seu princípio e trabalho. A vida espiritual revela a única essência
em tudo, mas revela também a sua diversidade infinita; ela trabalha pela diver-
sidade da unicidade e pela perfeição naquela diversidade. A moralidade levanta
um padrão artificial contrário à variedade da vida e à liberdade do espírito.
Criando algo mental, fixo e limitado, exige que todos se conformem com isso.
Todos devem lutar para adquirir as mesmas qualidades e a mesma natureza
ideal. A moralidade não é divina ou do Divino, é do homem e humana. Ela toma
como seu elemento básico uma divisão fixa do bem e do mal mas isto é uma
noção arbitrária. Ela toma coisas que são relativas e tenta impô-las como abso-
94 CONVERSAS...

lutas, porque este bem e este mal diferem em diferentes climas e tempos, épo-
cas e países. A noção moral chega ao ponto de dizer que há bons desejos e maus
desejos e exorta-o a aceitar uns e rejeitar outros. Mas a vida espiritual exige que
você rejeite o desejo completamente. Sua lei é que você deve livrar-se de todos
os movimentos que o afastem do Divino. Você deve rejeitá-los, não porque
sejam maus em si mesmos — eles podem ser bons para um outro homem e
numa outra esfera — mas porque eles pertencem aos impulsos ou forças que,
não sendo iluminadas e ignorantes, barram o caminho de sua aproximação ao
Divino. Todos os desejos, sejam bons ou maus, estão contidos nesta descrição;
porque o desejo em si surge de um ser vital não iluminado e de sua ignorância.
De outro lado, você deve aceitar todos os movimentos que o levem ao contato
com o Divino. Mas você os aceita, não porque são bons em si mesmos, mas por-
que o levam ao Divino. Aceite então tudo que o aproxime do Divino; rejeite tudo
que o afaste dele, mas não diga que isto é bom e aquilo é mau, nem tente impor
seu ponto de vista aos outros, pois o que você qualifica de mau pode ser justa-
mente a coisa que é boa parar seu vizinho, que não está tentando realizar a Vida
Divina.

Tomemos um exemplo, para ilustrar a diferença entre o ponto de vista


moral e o espiritual das coisas. As noções sociais em voga distinguem duas clas-
ses de homem — o generoso e o avarento. O homem avarento é desprezado e
culpado, enquanto o generoso é considerado altruísta e útil à sociedade, e elo-
giado por sua virtude. Mas à visão espiritual ambos estão no mesmo nível; a
generosidade de um e a avareza do outro são deformações de uma verdade
maior, de um poder divino maior. Há um poder, um movimento divino que
espalha, difunde, lança livremente forças e coisas e tudo o que possui, em todos
os níveis da natureza, do plano mais material ao plano mais espiritual. Por trás
do homem generoso e sua generosidade está um tipo-alma que expressa este
movimento; ele é um poder de difusão, de ampla distribuição. Há um outro
poder, um outro movimento divino que coleciona e amontoa; ele junta e acu-
mula forças e coisas e todas as posses possíveis, quer de planos mais baixos ou
de mais altos. O homem que você qualifica de avarento foi destinado a ser um
instrumento deste movimento. Ambos são importantes, ambos necessários no
plano inteiro; o movimento que armazena e concentra não é menos necessário
do que o movimento que espalha e difunde. Ambos, se verdadeiramente entre-
gues ao Divino, serão utilizados como instrumentos do trabalho divino, no mes-
mo grau e com igual valor. Mas quando eles não se entregam, ambos são igual-
mente movidos por forças obscuras à sua própria consciência e entre os dois
não há muito a escolher. Do ponto de vista superior do Yoga, poder-se-ia dizer
ao homem generoso muito elogiado: "Todos os seus impulsos de generosidade
na significam nos valores do espírito, porque vêm do ego e do desejo ignoran-
ENTREGA E SACRIFÍCIO 95

te". E, por outro lado, entre aqueles que são acusados de avareza, você pode ver
algumas vezes um homem amontoando e colecionando, cheio de uma determi-
nação quieta e concentrado no trabalho destinado a ele por sua natureza, o
qual, uma vez despertado, seria um instrumento excelente do Divino. Mas
geralmente o homem avarento age do ego e do desejo, assim como o seu opos-
to: é o outro extremo da mesma ignorância. Ambos terão de se purificar e de se
transformar antes que possam fazer contato com algo superior que está por trás
deles e expressá-lo do modo pelo qual são chamados por suas natureza.

Da mesma maneira, você pode tomar todos os outros tipos e remontá-los


até algum propósito original da Força Divina. Cada um é uma diminuição ou
caricatura do tipo pretendido pelo Divino, uma distorção mental e vital das coi-
sas que têm um valor espiritual maior. É um movimento errado que cria a dis-
torção ou a caricatura Quando este impulso falso é dominado, a atitude certa
tomada, o movimento certo achado, todos revelam seus valores divinos. Todos
são justificados pela verdade que está neles, todos igualmente importantes,
igualmente necessários, diferentes sim, mas instrumentos indispensáveis da
manifestação Divina.
96

ALGUNS DADOS SOBRE A MÃE

E eu Te vejo em todo ser, em cada coisa,


desde a brisa mais passageira,
até o Sol radiante que nos ilumina e
é Teu símbolo.

A Mãe

Há épocas na vida da humanidade em que criaturas extraordinárias descem


à terra com uma missão a cumprir, contribuindo com seu esforço para divulgar
ensinamentos mais elevados e ajudar aqueles que tateiam na escuridão do
mundo. Não é sem razão que a Mãe do Ashram de Sri Aurobindo fosse conside-
rada como um desses seres, respeitada e venerada por seus discípulos e admi-
radores e pelos que tiveram privilégio de conhecê-la e com ela conviver.

Mirra Alfassa, mais conhecida como a Mãe, nasceu em 21 de fevereiro de


1878 em Paris, a segunda filha de Maurice Alfassa, um banqueiro turco de
Adrianópolis e de sua esposa egípcia Mathilde Ismaloun, cujas famílias eram de
descendência aristocrática. Os Alfassa mudaram-se para Paris um ano depois do
nascimento do primeiro filho, Matteo, nascido em 1876 e, no devido tempo,
tornaram-se cidadãos franceses.

Mirra cresceu em Paris, onde passou a primeira parte de sua vida. Criança
bem diferente das outras, era “acima do nível humano, mesmo na infância”, dis-
se Sri Aurobindo, e dotada de grande força e determinação. Bem pequena ain-
da, começaram suas experiências espirituais e ocultas e ela sabia que não levaria
uma vida comum, mas que tinha uma grande missão a cumprir. Preparando-se
para esse momento, procurava conscientemente uma vida de desenvolvimento
interior, numa idade em que as outras crianças passavam o tempo brincando.

Talvez por causa de sua preocupação com a vida interior, começou tarde a
aprender a ler e a escrever, mas quando principiou, o progresso deu-se rapida-
mente e sua sede de aprendizado, compreensão e conhecimento eram infinitas.
Tinha também um poder de observação extremamente agudo.

Mirra possuía uma disposição natural para experiências ocultas e aos doze
anos já estava praticando ocultismo como uma disciplina consciente. Temores e
ALGUNS DADOS SOBRE A MÃE 97

receios eram-lhes desconhecidos, mesmo quando saía de seu corpo e entrava


em mundos que não eram sempre agradáveis.

Anos mais tarde, ao lhe perguntarem quando e como tinha se tornado cons-
ciente dessa missão respondeu: “Quanto ao conhecimento da missão, é difícil
dizer. É como se houvesse nascido com ela. Entre doze e treze anos umas séries
de experiências psíquicas e espirituais revelaram-me não apenas a existência de
Deus, mas a possibilidade de encontrá-Lo ou revelá-Lo integralmente em cons-
ciência e ação, e de prática para sua realização, foi me dado durante o sono, por
vários mestres, alguns dos quais vim a encontrar posteriormente no plano físico.
Mais tarde, enquanto os desenvolvimentos interiores e exteriores prosseguiam,
o relacionamento espiritual e psíquico com um desses seres tornou-se cada vez
mais claro e significativo, e, apesar de nessa época pouco conhecer das filosofias
indianas e religiões, fui impelida a chamá-lo de Krishna; daí em diante conscien-
tizei-me de que era com ele (a quem deveria encontrar um dia na terra), que o
trabalho divino deveria ser feito.”

Aos dezesseis anos, Mirra começou a estudar pintura e desenho num estú-
dio e completou seu treinamento na famosa Escola de Belas Artes de Paris. Tor-
nou-se uma pintora de talento e seus trabalhos foram exibidos no Salão Francês,
ao lado de outros grandes artistas da época – Renoir, Cézanne e outros. Tam-
bém dedicou-se à música e tocava órgão com muita inspiração.

Em outubro de 1897 Mirra casou-se com Henri Morisset, um discípulo do


pintor Gustave Moreau. Seu filho André nasceu no ano seguinte, em agosto. Os
próximos anos foram passados em ambientes de artistas altamente dotados. Foi
essa experiência que a possibilitou entender seus modos de vida e também lhe
proporcionou muitos vislumbres no processo criativo. Era também leitora assí-
dua e conhecia profundamente os museus, castelos, edifícios históricos da Fran-
ça e Itália. Sua cultura foi se expandindo, tornando-se vasta, profunda e refina-
da.

Embora sua preocupação com a vida interior continuasse, ela nunca fez a
usual distinção entre o espiritual e o mundano, separando os dois em compar-
timentos distintos. “Toda vida é Yoga”, disse Sri Aurobindo, e era assim que Mir-
ra a considerava. Foi nessa época que entrou em contato com algumas escritu-
ras indianas e leu o “Bhagavad Gita”. Era uma tradução pobre que lhe fora dada,
mas Mirra era capaz de intuitivamente entrar em seu espírito. Contudo, não era
em livros ou escrituras que ela confiava para se guiar, mas apenas em suas pró-
prias experiências que, infalivelmente, a conduziam a seu caminho destinado.
98 CONVERSAS...

Durante esse período, Mirra participou de um pequeno grupo chamado


“Idea”. Seus membros estavam intensamente interessados no futuro da huma-
nidade, e em achar soluções harmoniosas para seus imensos problemas, porém
rejeitavam as panaceias oferecidas pelas religiões estabelecidas. De fato, Mirra
nunca acreditou no Deus convencional das religiões; era o Deus interno que ela
sempre procurava. Um dos membros desse grupo de estudo em Paris era
Madame Alexandra David-Neel, que se tornou muito conhecida como uma Tibe-
tologista.

Mais ou menos em 1906, Mirra conheceu Max Théon, um exilado polonês


que era um grande ocultista, e sua esposa Alma, também altamente dotada
espiritualmente. Eles moravam em Tlemcen, uma pequena cidade na Algéria, às
margens do deserto do Saara. Esse encontro com Théon fortaleceu em Mirra a
decisão de estudar ocultismo em profundidade e os próximos dois anos passou-
os em Tlemcen. Muitas foram suas experiências nesse tempo (algumas das quais
relatadas por ela mais tarde), que lhe revelaram a existência de níveis de cons-
ciência, de seres e forças que normalmente não podemos conceber e também a
possibilidade de controlar essas forças. Contudo, a Mãe sempre dizia que o
Conhecimento Oculto, sem disciplina espiritual era um instrumento perigoso,
tanto para quem o usa como para os outros.

Dois anos depois, voltou a Paris. No mesmo ano seu casamento com Henri
Morisset se desfez. Era o começo de um outro período em que se encontrava
com pessoas e grupos que estavam à procura da verdadeira espiritualidade, e
ela os ajudava a enfrentar os problemas da vida e de trabalho. Em 1910 casou-
se com Paul Richard, um brilhante intelectual que estava profundamente inte-
ressado na espiritualidade oriental e ocidental. Quando Richard voltou de uma
viagem à Índia, Mirra soube por ele da existência de Sri Aurobindo, e sentiu-se
irresistivelmente atraída por aquele país, sabendo que seu destino estava ligado
a ele.

Um pouco mais tarde, a Mãe tornou-se a vida e a alma de um grupo que se


reunia regularmente com o objetivo de se conhecerem a si mesmos e se domi-
narem. O centro era Paris, mas a influência que exercia se estendia muito além,
e em palestras, discussões e planos eles tateavam em busca de um objetivo de
vida mais integral e os meios de realizá-lo. A visão da Mãe projetava-se no futu-
ro do destino do homem e o papel que ele desempenharia para apressar esse
destino. Foi nessa época que ela escreveu o prefácio publicado neste livro e que
era uma formulação do trabalho que se propunha a fazer, idêntico ao que Sri
Aurobindo havia iniciado na Índia.
ALGUNS DADOS SOBRE A MÃE 99

Vários eram os temas abordados durante essas reuniões que abrangiam os


mais diversos assuntos. Falava-se sobre Pensamento, sobre Sonhos, sobre a
autodescoberta do Divino, não como meras divagações intelectuais, mas como
verdadeira busca espiritual.

A Mãe já havia alcançado um estágio muito avançado de desenvolvimento


espiritual e sabedoria oculta quando, em fins de 1912, começou a escrever suas
preces e meditações de cada dia. Originalmente em francês, cada prece é uma
joia de espiritualidade dirigida diretamente a Deus como se com Ele conversasse
face a face e fossem íntimos amigos. Contudo, admitia seus lapsos, esperando
ser corrigida e confiando absolutamente Nele. Essas preces foram publicadas
mais tarde e algumas selecionadas e traduzidas para o inglês por Sri Aurobindo e
publicadas separadamente.

Finalmente, em 1914, a oportunidade de visitar a Índia chegou para Mirra,


quando seu marido resolveu disputar um lugar no parlamento francês em Pon-
dicherry.

Chegaram a Pondicherry nas primeiras horas do dia 29 de março e nesse


mesmo dia encontrou-se com Sri Aurobindo. Mirra reconheceu-o imediatamen-
te como o Mestre (Krishna) que lhe aparecia em sonhos e que há tempos procu-
rava. Aceitou-o como seu guru e seguiu sua disciplina, convencendo-se logo que
era a seu lado que deveria permanecer e trabalhar.

A gratidão da Mãe ao Divino por esse encontro foi expressa em seu diário
por estas palavras: “Não importa que milhares de seres estejam mergulhados na
mais profunda ignorância. Aquele a quem vimos ontem está na terra. Sua pre-
sença é suficiente para provar que a escuridão será transformada em luz, quan-
do Teu reino será na verdade estabelecido sobre a terra.”

Anos mais tarde, quando perguntaram a Sri Aurobindo quais tinham sido
seus sentimentos ao encontrar a Mãe pela primeira vez, ele pensou um momen-
to e disse: “Foi a primeira vez que soube que a entrega perfeita até a última
célula física era humanamente possível; foi quando a Mãe veio e se prostrou
que vi essa entrega perfeita em ação.”

Em Pondicherry ela ficou quase um ano tentando ajudar Sri Aurobindo em


tudo que podia e foi graças à sua colaboração e a de seu marido que o periódico
“Arya”, no qual Sri Aurobindo escreveu a maior parte de seus trabalhos mais
importantes, como a Vida Divina, Síntese do Yoga, o Ciclo Humano, bem como
artigos sobre diferentes assuntos, começou a circular. Mas, quando a I Guerra
Mundial eclodiu, o casal, sendo estrangeiro, viu-se obrigado a voltar a Paris, dei-
100 CONVERSAS...

xando o trabalho que apenas começara. Depois de passar os anos de guerra na


França e no Japão, a Mãe retornou à Índia no dia 24 de abril de 1920, para ficar
definitivamente. Logo, porém, descobriu que suas provações ainda não tinham
terminado e teve que enfrentar toda sorte de oposições e obstáculos antes de
começar o trabalho que lhe fora apontado por Deus. Apesar de todas as dificul-
dades, preparou seu campo de trabalho e foi conquistando palmo a palmo o
coração de seus discípulos.

Nessa época, o Ashram praticamente ainda não existia. Poucos eram os dis-
cípulos, uns oito ou dez, que, vivendo em condições bem difíceis, faziam o pos-
sível para aliviar as agruras da pobreza. Pouco a pouco, outros foram aparecen-
do atraídos pela mensagem do Jornal “Árya” e pela personalidade do autor dos
artigos. E o número de discípulos começou a crescer e uma vida coletiva foi
tomando forma. A Mãe, durante esses primeiros anos, vivia quase em reclusão,
dedicada à séria disciplina espiritual, apesar de supervisionar os afazeres domés-
ticos. Gradualmente as coisas começaram a melhorar e quando Sri Aurobindo se
retirou do convívio de seus discípulos em 1926, a Mãe assumiu a inteira respon-
sabilidade de dirigir a comunidade que estava se desenvolvendo, coordenando
os vários serviços e orientando os discípulos com grande carinho e dedicação.

Com um número sempre crescente de novos discípulos e mesmo visitantes


que acorriam de todos os lados, outras casas tiveram que ser alugadas e adqui-
ridas e providências tomadas para conseguir uma organização elaborada e que
cuidasse tanto da saúde material como espiritual da comunidade. No princípio,
unicamente os discípulos eram admitidos, mas depois muitas famílias e filhos de
discípulos começaram a se mudar para o Ashram, e aos poucos a atmosfera de
austeridade, que antes prevalecia, foi se transformando, e velhas barreiras
foram cedendo ante esse novo influxo. A Mãe tinha agora mais esse desafio:
cuidar da saúde mental, vital e física das crianças, tanto meninos como meninas.

Grande era a importância que Sri Aurobindo e a Mãe davam à educação. E


para tornar concreta essa visão e atender às necessidades imperiosas do
momento, a Mãe resolveu abrir uma escola para crianças em 1943 e, mais tarde,
em 1945, acrescentou o departamento de educação física, que mantinha os alu-
nos em atividade após o término das aulas, das 16h30 às 19h00. Não durou mui-
to, para que a Mãe começasse a se misturar com as crianças, demonstrando
crescente interesse em seus estudos, contando-lhes histórias e dispensando
uma boa parte de seu tempo entre elas. A escola do Ashram cresceu e vários
sistemas educacionais foram experimentados. Em 1952, foi inaugurado o “Sri
Aurobindo International Center of Education” (Centro Internacional de Educação
Sri Aurobindo) e é sob essa denominação que se tornou conhecido no mundo
ALGUNS DADOS SOBRE A MÃE 101

inteiro. Pela sua presença e gênio de organização, o Ashram de Sri Aurobindo foi
se expandindo e o trabalho desenvolvido pela Mãe crescendo cada vez mais em
volume e complexidade. Para ela não havia tarefa insignificante ou sem impor-
tância e tudo que fazia era permeado de beleza e significação espiritual. Suas
“Conversas” com os discípulos tornaram-se famosas e foram mais tarde publi-
cadas em revistas e livros do Ashram que, traduzidos, espalharam-se pelo mun-
do afora. Originalmente em inglês, depois que a Mãe começou a ensinar francês
aos discípulos, passaram a ser nessa língua, versando sobre os mais variados
tópicos e eram praticamente a introdução ao Yoga Integral de Sri Aurobindo. E,
até hoje, nos admiramos como foi possível a essa criatura tão frágil, que se ali-
mentava tão pouco e dormia ainda menos, conservar tantas delicadas engrena-
gens movendo-se sem atrito ou fricção, como conseguiu conciliar tantos tempe-
ramentos, raças e idades variadas, vindos de todos os recantos do mundo, com
tanta eficiência e harmonia. Mas é que a Mãe não era apenas uma admirável e
competente organizadora, não meramente uma grande líder espiritual que, com
seu exemplo guiava os discípulos, mas acima de tudo ela era a Mãe que conser-
vava juntas todas as pessoas e coisas do Ashram, como por laços invisíveis, que
tinha o poder de transformar a vida em alegria de viver e com sua ilimitada ter-
nura, fazê-los felizes, contentes, fiéis e obedientes.

Referindo-se ao Ashram, Sri Aurobindo disse uma vez: “O Ashram é criação


da Mãe e, sem ela, não teria existido”.

Grande foi a consternação de seus discípulos e admiradores do mundo intei-


ro quando, em 17 de novembro de 1973, a Mãe deixou seu corpo físico, com a
idade avançada de 95 anos. A notícia espalhou-se célere e dos quatro cantos da
terra acorreram seus admiradores e discípulos para prestar a última homena-
gem àquela que se tornou conhecida no mundo inteiro como a Mãe do Ashram
de Sri Aurobindo.
102

ESBOÇO DA VIDA DE SRI AUROBINDO


Sri Aurobindo nasceu em Calcutá, Índia, a 15 de agosto de 1872. Aos sete
anos foi enviado por seu pai com seus dois irmãos mais velhos para estudar na
Inglaterra. Muito cedo começou a escrever poesias e durante uma brilhante car-
reira acadêmica em St. Paul’s, Londres, e no King’s College, Cambridge, apren-
deu e dominou completamente o inglês, o grego, o latim e o francês. O alemão,
o italiano e o espanhol também lhe eram familiares. Estudou durante catorze
anos na Inglaterra, onde adquiriu um profundo conhecimento da cultura euro-
peia antiga, medieval e moderna.

Em 1893, aos 21 anos, retornou à Índia, com uma completa educação oci-
dental. Começou então a procurar pela sabedoria e verdade do Oriente. Apren-
deu o sânscrito e várias línguas indianas, e assimilou o espírito da civilização da
Índia, em todos os seus aspectos. Passou treze anos em Baroda, a serviço admi-
nistrativo e educacional para o Estado. Foram anos de aprendizado cultural e de
atividades literárias, porém uma grande parte deste período passou-os em
silenciosa atividade política.

Em 1906 foi para Bengala assumir abertamente o comando do movimento


revolucionário, que durante anos havia organizado em segredo. Ele foi o primei-
ro a publicar nas páginas de seu jornal “Bande Mataram” o ideal da completa
independência da Índia. Três vezes processado por suas atividades, todas as
vezes foi liberado por falta de provas. Finalmente, o governo britânico conse-
guiu prendê-lo e mantê-lo no cárcere durante um ano, entre 1908 e 1909. Foi
nesse período que Sri Aurobindo passou por uma série decisiva de experiências
espirituais que determinaram o curso de seu trabalho futuro. Liberado e certo
do sucesso do movimento libertador da Índia, e respondendo a um chamado
interior, Sri Aurobindo retirou-se do campo político e em 1910 e viajou para
Pondicherry, no sul da Índia, para devotar-se totalmente à sua missão espiritual.

Depois de quatro anos de recolhimento, em 1914, ele começou a editar, em


colaboração com sua discípula, Mirra Alfassa, que mais tarde se tornou conheci-
da como A Mãe, um jornal filosófico chamado “Árya”. Os mais importantes tra-
balhos seus – The Life Divine, The Synthesis of Yoga, Essay on the Gita e The
Ideal of Human Unity apareceram pela primeira vez. Esses trabalhos incluíam
muitos dos conhecimentos interiores adquiridos em sua prática de Yoga. Tendo
reunido todas as verdades essenciais de experiências espirituais passadas, ele
trabalhou por um método mais completo de Yoga, que pudesse transformar a
natureza humana e divinizar a vida neste mundo.
ESBOÇO DA VIDA DE SRI AUROBINDO 103

Sri Aurobindo anteviu a possibilidade de uma vida divina na Terra e lutou por
ela. Durante quarenta anos em Pondicherry permaneceu absorvido em seu tra-
balho espiritual, porém conservou-se a par de tudo o que estava acontecendo
na Índia e no mundo. Quando necessário interferia, mas apenas com sua força
espiritual e ação silenciosa.

Seu trabalho espiritual tornou-se conhecido como “O Yoga Integral de Sri


Aurobindo”, segundo o qual “Toda vida é Yoga”.

Sri Aurobindo deixou seu corpo em 1950, aos 78 anos de idade.


104

ENDEREÇOS PARA OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES


Sobre a Mãe, Sri Aurobindo e o Yoga Integral desenvolvido por eles.

Para informações em português:

Site da CASA Sri Aurobindo


www.casasriaurobindo.com.br

Grupo no Facebook (Sri Aurobindo Brasil)


www.facebook.com/groups/162421040488460/

Sri Aurobindo no Wikipédia


http://pt.wikipedia.org/wiki/Sri_Aurobindo

Sobre Auroville:
www.auroville-international.org/avi-centres/brazil/informacoes-gerais-sobre-
auroville.html

Para informações em inglês:

Site do Sri Aurobindo Ashram na Índia


www.sriaurobindoashram.org

Página com livros da Mãe que podem ser baixados no formato pdf:
www.sriaurobindoashram.org/ashram/mother/writings.php

Página com livros de Sri Aurobindo que podem ser baixados no formato pdf:
www.sriaurobindoashram.org/ashram/sriauro/writings.php

Site de Auroville
http://www.auroville.org/

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