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LIBERALISMO E DEMOCRACIA

Norberto Bobbio
Por Og F. Leme

A LIBERDADE DOS ANTIGOS E DOS MODERNOS

Por “liberalismo” entende-se uma determinada concepção do Estado, na qual o Estado


tem poderes e funções limitados, contrapondo-se, portanto, ao Estado absoluto e ao Estado que
hoje chamamos de social; por “democracia” entende-se uma das várias formas de governo, nas
quais o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos, ou melhor, da maior
parte. Um Estado liberal não é necessariamente democrático. Um governo democrático não dá
necessariamente vida a um Estado liberal: ao contrário, o Estado liberal clássico foi posto em crise
pelo progressivo processo de democratização produzido pela gradual ampliação do sufrágio até
alcançar o sufrágio universal.
Sob a forma da contraposição entre liberdade dos modernos e liberdade dos antigos, a
antítese entre liberalismo e democracia foi enunciada e sutilmente defendida por Benjamin
Constant (1767-1830) num discurso de 1818, no qual ele se refere às controvertidas relações entre
as duas exigências fundamentais de que nasceram os Estados contemporâneos nos países mais
desenvolvidos: a exigência de limitar o poder e, por outro lado, de distribuí-lo. O objetivo dos
antigos era a distribuição do poder político entre os cidadãos, e a isso chamavam de liberdade; o
objetivo dos modernos é a segurança nas fruições privadas, e chamam de liberdade as garantias
acordadas pelas instituições para aquelas fruições. Como liberal sincero, Constant considerava
que esses dois objetivos estavam em contraposição: a participação direta nas decisões coletivas
termina por submeter o indivíduo à autoridade do todo e por torná-lo não livre no privado, quando é
exatamente a liberdade do privado que o cidadão exige hoje do poder público.

OS DIREITOS DO HOMEM

O pressuposto filosófico do Estado liberal é a doutrina dos direitos do homem elaborada


pela escola do direito natural: os seres humanos têm por natureza e, portanto, independentemente
de sua própria vontade, e menos ainda da vontade de alguns poucos, certos direitos fundamentais,
como o direito à vida, à liberdade, à segurança, à felicidade. Cabe ao Estado respeitar, e não
invadir esses direitos.
Atribuir a alguém um direito significa reconhecer que ele tem a faculdade de fazer ou não
fazer algo conforme seu desejo e também o poder de resistir, recorrendo, em última instância, à
força, contra o eventual transgressor.
“Direito” e “dever” são duas noções pertencentes à linguagem prescritiva, e enquanto tais
pressupõem a existência de uma norma ou regra de conduta.
De acordo com o jusnaturalismo, existem leis que não são postas pela vontade humana e
que, portanto, precedem a formação de qualquer grupo social. Essa doutrina dos direitos naturais
está na base das Declarações dos Direitos proclamadas nos Estados Unidos, a partir de 1776, e
na França revolucionária, desde 1789. Através dessas Declarações se afirma o princípio
fundamental do Estado liberal como Estado limitado.
Historicamente, o Estado liberal nasce de uma contínua e progressiva erosão do poder
absoluto do rei e, em períodos históricos de crise mais aguda, de uma ruptura revolucionária;
racionalmente, o Estado liberal é justificado como o resultado de um acordo entre indivíduos
inicialmente livres que convencionaram estabelecer os vínculos estritamente necessários a uma
convivência pacífica e duradoura.
A doutrina percorre caminho inverso ao da história, na medida em que parte da hipótese
de um estado inicial de liberdade, e apenas enquanto concebe o homem como naturalmente livre é
que consegue construir a sociedade política como uma sociedade com soberania limitada. Assim, a
doutrina dos direitos naturais inverte o curso da história, colocando no início, como fundamento,
aquilo que é historicamente o resultado.
Afirmação dos direitos naturais e teoria do contrato social são coisas estreitamente
ligadas. Para ser legítimo, o poder político deve fundar-se no consenso daqueles sobre os quais
será exercido e, portanto, sobre um acordo entre aqueles que se submetem a um poder superior e
com aqueles a quem esse poder é confiado. O que une a doutrina dos direitos do homem e o
contratualismo é a comum concepção individualista da sociedade: primeiro existe o indivíduo
singular com seus interesses e carências, e depois a sociedade, e não vice-versa, como sustenta o
organicismo.
O contratualismo moderno é uma reviravolta na história do pensamento político; sem ele,
não seria possível a doutrina do Estado liberal. Sem individualismo não há liberalismo.

OS LIMITES DO PODER DO ESTADO

O liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes
quanto às suas funções. A noção corrente que representa o primeiro é o Estado de direito; a que
representa o segundo é o Estado mínimo. Pode ocorrer um Estado de direito que não seja mínimo,
como também um Estado mínimo que não seja um Estado de direito. O Estado de direito se opõe
ao Estado absoluto; o Estado mínimo se contrapõe ao Estado máximo.
Por Estado de direito entende-se geralmente um Estado em que os poderes públicos são
regulados por normas gerais e devem ser exercidos no âmbito das leis que os regulam. Trata-se da
doutrina da superioridade do governo das leis sobre o governo dos homens.
O Estado de direito significa não só subordinação dos poderes públicos às leis, mas
também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos
fundamentais considerados constitucionalmente e, portanto, invioláveis.
Integram o Estado de direito os mecanismos constitucionais que impedem o exercício
arbitrário e ilegítimo do poder, bem como o abuso do poder. Os mais importantes desses
mecanismos são: 1, o controle do Poder Executivo pelo Legislativo; 2, o eventual controle do
parlamento no exercício do Poder Legislativo ordinário por parte de uma corte jurisdicional, a quem
se pede a averiguação da constitucionalidade das leis; 3, uma relativa autonomia do governo local
em todas as suas formas e graus, com respeito ao governo central; 4, uma magistratura
independente do poder político.

LIBERDADE CONTRA PODER

Os mecanismos constitucionais que caracterizam o Estado de direito têm o objetivo de


defender o indivíduo dos abusos do poder.
“Liberdade” e “poder” são termos antitéticos; quando aumenta um, reduz-se o outro, e
vice-versa. Para os liberais, a liberdade individual é garantida, mais do que pelos mecanismos
constitucionais, também pelo fato de que ao Estado são reconhecidas tarefas limitadas à
manutenção da ordem pública interna e internacional. Pode-se dizer que a limitação das tarefas do
Estado constitui condição sine qua non do controle dos poderes coercitivos do Estado. O Estado
mínimo é mais controlável do que o Estado máximo.
Uma vez defendida a liberdade no sentido predominante da doutrina liberal como
liberdade em relação ao Estado, a formação do Estado liberal pode ser identificada como o
progressivo alargamento da esfera de liberdade individual diante dos poderes públicos.
A concepção liberal do Estado contrapõe-se às várias formas possíveis de paternalismo,
segundo as quais o Estado deve tomar conta de seus súditos tal como o pai de seus filhos. O
Estado liberal existe para garantir a liberdade e a propriedade dos indivíduos, e não para exercer o
paternalismo.
Kant preocupou-se principalmente com a preservação da liberdade moral; Adam Smith
com a preservação da liberdade econômica. Por sua vez, Wilhelm von Humboldt (1767-1835)
escreveu a síntese mais perfeita do ideal liberal do Estado em Idéias para um Ensaio sobre os
Limites da Atividade do Estado (1792), ideal esse coerente com a identificação do Estado como um
meio, e não como fim em si mesmo.

O ANTAGONISMO É FECUNDO

Humboldt nos explica que a intervenção estatal, além das tarefas que lhe cabem na
preservação da ordem interna e externa, termina por criar na sociedade comportamentos
uniformes que sufocam a natural variedade de caráter e as disposições individuais. A defesa do
indivíduo contra a tentação do Estado de prover seu bem-estar golpeia não apenas a esfera dos
interesses, mas também a esfera moral. A crítica que hoje fazemos ao Welfare State é de tal forma
concentrada nos aspectos econômicos do problema que chegamos a nos esquecer dos danos
morais que decorrem desse tipo de paternalismo estatal.
Ao tema da variedade individual contraposta à uniformidade estatal vincula-se o
outro tema característico e inovador do pensamento liberal: a fecundidade do antagonismo, do
contraste e da competição entre eles. Partindo da concepção geral do homem e sua história, a
liberdade individual, entendida como emancipação dos vínculos que a tradição, o costume, as
autoridades sacras e profanas impuseram aos indivíduos no decorrer dos séculos, torna-se uma
condição necessária para permitir o conflito e, no conflito, o aperfeiçoamento recíproco. No ensaio
Idéia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita (1784), Kant expressou com o
máximo de desprendimento a convicção de que o antagonismo é “o meio de que se serve a
natureza para realizar o desenvolvimento de todas as suas disposições”.
Como teoria do Estado limitado, o liberalismo contrapõe o Estado de direito ao Estado
absoluto e o Estado mínimo ao Estado máximo. Através da teoria do progresso via antagonismo,
entra em campo a composição entre os Estados europeus e o despotismo oriental. A categoria do
despotismo é antiga e sempre teve, além de seu significado analítico, um forte valor polêmico. Com
a expansão do pensamento liberal, a essa categoria se acrescenta uma ulterior conotação
negativa: precisamente em decorrência da submissão geral, os Estados despóticos são
estacionários e imóveis, não estando sujeitos à lei do progresso indefinido que vale apenas para a
Europa civil. Desse ponto de vista, o Estado liberal converte-se, mais que numa categoria política
geral, também num critério de interpretação histórica.

DEMOCRACIA DOS ANTIGOS E DOS MODERNOS

Como teoria do Estado, o liberalismo é moderno, enquanto a democracia, como forma de


governo, é antiga. Os gregos nos legaram uma tipologia de formas de governo, das quais uma é a
democracia, entendida como governo da maioria ou dos muitos. O que se considera que foi
alterado na passagem da democracia dos antigos à democracia dos modernos não é “o povo”
enquanto titular do poder político, mas o modo de exercer o direito de tomar as decisões coletivas.
No mesmo tempo em que nasce o Estado constitucional moderno, os autores do Federalista, nos
Estados Unidos, contrapõem a democracia direta dos antigos à democracia representativa, que é o
único governo popular num grande Estado. E o que constituía a única e sólida razão da
democracia representativa eram objetivamente as grandes dimensões dos Estados modernos.
Tanto os autores do Federalista quanto os constituintes franceses estavam convencidos
de que o único governo democrático adequado a um povo era a democracia representativa, em
que o povo não toma ele mesmo as decisões, mas elege seus representantes, que devem decidir
por ele.
Tanto a democracia direta quanto a indireta descendem do mesmo princípio da soberania
popular, apesar de se distinguirem pelas modalidades e pelas formas com que essa soberania é
exercida.
Para tornar vinculatória a separação entre representante e representado, os constituintes
franceses inscreveram na Constituição de 1791: “Os representantes nomeados nos departamentos
não serão representantes de um departamento particular, mas da nação inteira [...]”. Desde então,
a proibição feita aos representantes de receber um mandato vinculatório da parte de seus eleitores
tornar-se-ia um princípio essencial ao funcionamento do sistema parlamentar, tão diferente do
Estado de estamentos. A dissolução do Estado de estamentos liberta o indivíduo na sua
singularidade e na sua autonomia.
Se por democracia moderna entende-se democracia representativa, e se a esta é
inerente a desvinculação do representante com relação ao representado e a seus interesses
particulares, então a democracia moderna pressupõe a atomização da nação e a sua
recomposição num nível mais elevado e ao mesmo tempo mais restrito, que é o das assembléias
parlamentares. Desse mesmo processo de atomização nasceu a concepção do Estado liberal.

DEMOCRACIA E IGUALDADE

O liberalismo dos modernos e a democracia dos antigos (que não conheciam a doutrina
dos direitos naturais e nem a conveniência da limitação dos poderes estatais) foram
freqüentemente considerados antitéticos. Já a democracia moderna não só não é incompatível
com o liberalismo como pode ser considerada, até certo ponto, seu natural prosseguimento. Com
uma condição: que se tome o termo “democracia” em seu significado jurídico-institucional, e não no
ético.
Historicamente, “democracia” teve dois significados, conforme se ponha em maior
evidência o conjunto de regras que dá à maioria o poder político ou o ideal em que um governo
democrático deveria se inspirar, que é o da igualdade.
Costuma-se distinguir a democracia, como governo do povo, da democracia como
governo para o povo. Dessas duas versões, é a primeira que está historicamente ligada à
formação do Estado liberal. A segunda gera dificuldades nas relações entre liberalismo e
democracia. De fato, esse problema se traduz no difícil relacionamento entre liberdade e igualdade.
Liberdade e igualdade são valores antitéticos: não se pode realizar plenamente um sem
limitar fortemente o outro. Uma sociedade liberal-liberalista é inevitavelmente não-igualitária, assim
como uma sociedade igualitária é inevitavelmente não-liberal. Para o liberal, o fim principal é o
desenvolvimento individual, ao passo que para o igualitário o principal é o desenvolvimento da
comunidade, mesmo que ao custo da diminuição da liberdade. A única forma de igualdade
compatível com a liberdade é a igualdade na liberdade, o que inspirou dois princípios
fundamentais: a) a igualdade perante a lei; b) a igualdade dos direitos. Pelo primeiro, o Estado
liberal se identifica com o Estado de direito. O segundo significa o igual usufruto, por parte dos
cidadãos, de alguns direitos fundamentais garantidos pela Constituição e que são aqueles, e
somente aqueles, que devem ser gozados por todos os cidadãos sem discriminações de classe,
sexo, religião, raça, etc.
O ENCONTRO ENTRE LIBERALISMO E DEMOCRACIA

O pensamento liberal se projetou até a aceitação, além da igualdade jurídica, da


igualdade das oportunidades que prevê a igualdade nos pontos de chegada. Com respeito,
portanto, aos vários significados possíveis de liberdade, liberalismo e democracia estão destinados
a não se encontrar. Mas o liberalismo não só é compatível com a democracia como esta pode ser
considerada o desenvolvimento natural do Estado liberal, se tomada não pelo lado do ideal
igualitário, mas pelo lado da sua forma política, que é a soberania popular.
Existem boas razões para crer: a) que hoje o método democrático seja necessário para a
salvaguarda dos direitos fundamentais da pessoa, que estão na base do Estado liberal; b) que a
salvaguarda desses direitos seja necessária para o correto funcionamento do método democrático.
O melhor remédio contra o abuso do poder é a participação direta dos cidadãos, do maior número
de cidadãos, na formação das leis.
Ideais liberais e métodos democráticos vieram gradualmente se combinando, de tal forma
que hoje apenas os Estados nascidos das revoluções liberais são democráticos, e apenas os
Estados democráticos protegem os direitos do homem: todos os Estados autoritários do mundo
são ao mesmo tempo antiliberais e antidemocráticos.

INDIVIDUALISMO E ORGANICISMO

Democracia e liberalismo têm um ponto de partida comum: o indivíduo. Ambos repousam


sobre uma concepção individualista da sociedade.
Toda a história do pensamento político está dominada por uma grande dicotomia:
organicismo (holismo) e individualismo (atomismo). O primeiro é antigo; o segundo, moderno. O
organicismo se preocupa com a vida do todo (da comunidade) e não atribui qualquer autonomia
ao indivíduo; o individualismo considera o Estado um conjunto de indivíduos e o resultado da
atividade deles e das relações por eles estabelecidas entre si.
No que diz respeito ao liberalismo, uma concepção organicista, que considera o Estado
uma totalidade anterior e superior às suas partes (indivíduos), não pode conceder nenhum espaço
a esferas de ação independentes do todo, nem reconhecer uma distinção entre esfera privada e
esfera pública.
No que diz respeito à democracia, que se funda sobre uma concepção ascendente do
poder, o organicismo, fundando-se numa concepção descendente, se inspira em modelos
autocráticos de governo.
Embora sendo o liberalismo e a democracia concepções individualistas, o indivíduo do
primeiro não é o mesmo da segunda. O interesse individual que o primeiro se propõe a proteger
não é o que a segunda protege. Isso ajuda a entender a complementaridade entre liberalismo e
democracia, complementaridade essa que não apenas é possível, como também necessária.
LIBERAIS E DEMOCRATAS NO SÉCULO XIX

No continente europeu, a história do Estado liberal e da sua continuação no Estado


democrático pode ter seu início fixado justamente na idade da restauração, chamada por
Benedetto Croce de a idade “da religião da liberdade”, na qual ele via o início de uma nova
civilização. A teoria e a praxis moderna do Estado liberal tinham, na verdade, começado na
Inglaterra do século XVII, permanecendo por séculos o modelo ideal para a Europa e os Estados
Unidos.
Se por democracia se entende a extensão dos direitos políticos a todos os cidadãos
maiores, então o ideal democrático teve a sua primeira afirmação forte nos anos da great rebellion:
foram de fato os Niveladores que, no Pacto do Livre Povo Inglês (1649), se mostraram contra o
princípio da limitação dos direitos políticos apenas aos proprietários.
Além do mais, apenas na Inglaterra, a partir da segunda revolução (1688), a passagem
para o Estado de direito e a democracia alargada se dá por evolução interna, num processo
gradual e pacífico. Na França, o processo de democratização foi bem mais acidentado.
Por todo o século XIX, os processos de liberalização e democratização continuaram a se
desenvolver, ora conjuntamente, ora separadamente, conforme a ampliação do sufrágio fosse
considerada uma necessária integração do Estado liberal ou um obstáculo ao seu
desenvolvimento, um acréscimo ou uma diminuição da liberdade. Nesse tipo de relacionamento
entre Estado liberal e democracia prolongou-se no amplo alinhamento liberal a contraposição entre
um liberalismo radical, ao mesmo tempo liberal e democrático, e um liberalismo conservador,
liberal mas não democrático, que jamais renunciou à batalha contra qualquer proposta de
ampliação do direito de voto, considerada ameaça à liberdade. Do mesmo modo, no âmbito do
amplo alinhamento democrático, passaram a existir democratas liberais e não-liberais. Entre os
democratas puros e os liberais conservadores a distância é tamanha que os torna incompatíveis.
A relação entre liberalismo e democracia pode ser representada por três combinações: a)
liberalismo e democracia são compatíveis e, portanto, componíveis, no sentido de que pode existir
um Estado liberal e democrático sem, porém, que se possa excluir um Estado liberal não-
democrático e um Estado democrático não-liberal; b) liberalismo e democracia são antitéticos, no
sentido de que a democracia levada às suas extremas conseqüências termina por destruir o
Estado liberal; c) liberalismo e democracia estão necessariamente ligados, no sentido de que
apenas a democracia está em condições de realizar os ideais liberais, e apenas o Estado liberal
pode ser a condição de realização da democracia.
A TIRANIA DA MAIORIA

As duas alas do liberalismo europeu, a mais conservadora e a mais radical, são bem
representadas por Tocqueville e John Stuart Mill, respectivamente.
Tocqueville foi antes liberal que democrata. Para ele, democracia significava uma forma
de governo em que todos participavam da coisa pública, bem como uma sociedade inspirada no
ideal da igualdade. Segundo Tocqueville, a ameaça que deriva da democracia como forma de
governo é a tirania da maioria: a progressiva realização do ideal igualitário é o nivelamento, cujo
efeito final é o despotismo. Mill igualmente visualizara aquela ameaça.
Tocqueville se revela sempre um escritor liberal e não-democrático. Jamais demonstra a
menor hesitação em antepor a liberdade do indivíduo à igualdade social. Entre os efeitos deletérios
da onipotência da maioria estão a instabilidade do Legislativo, a conduta arbitrária dos
funcionários, o conformismo das opiniões e a redução do número de homens ilustres na política.
Para Tocqueville, o poder é sempre nefasto, não importa se régio ou popular. E o bom governo não
se julga pelo número dos que o detêm, mas pelo número grande ou pequeno das coisas que lhe
compete fazer. Aguda era a sua percepção da inconciliabilidade em última instância entre o ideal
liberal da autonomia individual com o ideal igualitário de uma sociedade de indivíduos semelhantes
nas aspirações, gostos, necessidades e condições. Jamais teve muitas ilusões a respeito da
sobrevivência da liberdade na sociedade democrática.

LIBERALISMO E UTILITARISMO

Ao contrário de Tocqueville, Mill foi liberal e democrata. Considerou a democracia um


desenvolvimento natural e conseqüente dos princípios liberais. Não que ele não percebesse os
males de que sofria o governo democrático. Mas buscou-lhes os remédios com maior confiança
num futuro de progresso gradual e necessário.
Seguidor do utilitarismo de Jeremy Bentham, Mill pôs a doutrina liberal sobre um
fundamento diverso do fundamento que prevalecia entre os escritores precedentes, que baseavam
a restrição dos poderes públicos na existência de direitos naturais (invioláveis) dos indivíduos. Em
contraposição à tradição secular do jusnaturalismo, Bentham formulou o “princípio de utilidade”,
segundo o qual o único critério que deve inspirar o bom legislador é o da feitura de leis que tenham
por efeito a maior felicidade possível. O que quer dizer que, se devem existir limites aos poderes
dos governantes, eles não derivam dos direitos naturais, mas da consideração objetiva de que os
homens desejam o prazer e rejeitam a dor. A melhor sociedade, então, é a que consegue obter o
máximo de felicidade para o maior número de pessoas.
A partir de Bentham, utilitarismo e liberalismo passam a caminhar no mesmo passo, e a
filosofia utilitarista torna-se a maior aliada teórica do liberalismo. E Mill foi um utilitarista convicto.
Seguindo a tradição liberal, Mill se apóia no conceito negativo de liberdade, de acordo
com o qual a liberdade é uma situação em que um indivíduo ou grupo não se encontra impedido
por uma força externa de fazer aquilo que deseja e não está constrangido a fazer o que não
deseja. Trata-se, então, de delimitar a esfera privada com respeito à pública, de modo que o
indivíduo possa gozar de uma liberdade protegida contra a invasão por parte do Estado. “O único
objetivo pelo qual se pode exercer legitimamente um poder sobre qualquer membro de uma
comunidade civil, contra a sua vontade, é o de evitar danos aos outros”.
O liberalismo se revela em Mill, como em Locke e em Kant, a doutrina antipaternalista por
excelência. “Cada um é o único guardião autêntico da própria saúde, tanto física quanto mental e
espiritual”. O princípio da liberdade vale, portanto, apenas para indivíduos na plenitude de suas
faculdades. Não vale para os menores e para as sociedades atrasadas, que podem ser em bloco
consideradas como formadas por menores de idade.

A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

Tanto quanto Tocqueville, Mill também teme a tirania da maioria e a considera um dos
males a serem evitados. Isso, porém, não o leva a renunciar ao governo democrático. Ao contrário,
ele vê claramente o nexo entre liberalismo e democracia: “A participação de todos nos benefícios
da liberdade é conceito idealmente perfeito do governo livre”. Essa posição de Mill o leva a tornar-
se promotor da extensão do sufrágio, sobre a trilha do radicalismo de origem benthamiana de que
nascera a reforma eleitoral inglesa de 1832. Um dos remédios contra a tirania da maioria está
exatamente no fato de que, para a formação da maioria, participem das eleições tanto as classes
abastadas quanto as populares, desde que paguem um imposto, por menor que seja.
Mill reconhece o valor educativo da participação no processo eleitoral, mas exclui os
analfabetos do direito do voto. Por outro lado, defende o voto feminino.
O segundo remédio contra a tirania da maioria é, para Mill, uma mudança do sistema
eleitoral que levasse do sistema majoritário para o sistema proporcional.
Quase para atenuar o efeito inovador do sufrágio ampliado, Mill propõe o instituto do voto
plural, que caberia não aos mais ricos, mas aos mais instruídos.

LIBERALISMO E DEMOCRACIA NA ITÁLIA

A obra de Mill representou fecundo encontro do pensamento liberal com o pensamento


democrático. Não obstante isso, liberais e democratas continuaram, como de resto continuam até
hoje, a dar vida a movimentos e alinhamentos políticos diferenciados, contrapostos conforme o
alvo principal seja a crescente invasão do Estado, interpretada pelos liberais como uma
conseqüência do processo de democratização, ou a persistência de oligarquias políticas e de fortes
desigualdades econômicas, interpretadas pelos democratas como conseqüência da lentidão com
que aquele processo de democratização ocorreu e dos obstáculos que a ele foram interpostos
pelos beati possidentes.
O desenvolvimento da doutrina liberal está estreitamente ligado à crítica econômica das
sociedades autocráticas; o desenvolvimento da doutrina democrática está mais estreitamente
ligado a uma crítica de caráter político ou institucional. O certo é que por todo o século passado
liberalismo e democracia designam doutrinas e movimentos antagônicos entre si: os liberais, que
defendem a conquista ou a exigência dos direitos de liberdade, desconfiam das nostalgias
revolucionárias dos democratas; os democratas, que entendem não ter-se completado o processo
de emancipação popular, rejeitam os liberais como o partido dos moderados.
Para uma gradual convergência entre a tradição liberal e a democrática contribuem
precisamente a formação dos partidos socialistas e, mais tarde, o aparecimento de regimes nem
liberais nem democráticos, como o fascismo e o comunismo russo. Diante da novidade dos
Estados totalitários do século XX, as diferenças originárias entre liberalismo e democracia tornar-
se-ão histórica e politicamente irrelevantes.
No pensamento político italiano da segunda metade do século passado, a contraposição
entre a escola liberal e a democrática é bastante clara.
Esse contraste pode ser representado pela posição antagônica dos dois maiores
protagonistas do risorgimento italiano: Cavour e Mazzini. Dois dos primeiros autores a influenciar
Cavour foram Constant e Bentham. Deles, Cavour extraiu a idéia da insustentabilidade das teorias
jusnaturalistas e uma forte convicção a respeito da bondade do utilitarismo.
Cavour é um admirador de Tocqueville, com quem divide a apreensão pela marcha
inexorável da humanidade para a democracia. Cavour, liberalista convicto e irredutível, foi seguidor
das teorias do livre-cambismo, que Mazzini sempre combateu com força, propugnando por um
Estado investido de função educativa e oposto à concepção liberal do Estado como mal inevitável
e, portanto, limitado tão-somente ao ofício de agente de polícia.
Nada de mais hostil à mentalidade de Cavour, favorável ao progresso através da gradual
adaptação das instituições à evolução da sociedade, que o abstrato revolucionarismo de Mazzini.

A DEMOCRACIA DIANTE DO SOCIALISMO

A despeito da lenta aproximação na história entre ideais liberais e democráticos, o


contraste entre essas duas doutrinas jamais chegou a diminuir. Ao contrário, sob certos aspectos
veio se acentuando nos últimos anos.
A relação entre liberalismo e democracia nunca foi de antítese radical, ao contrário da
relação entre o primeiro e o socialismo, que foi desde o início de antítese clara, com o pomo da
discórdia situado na liberdade econômica, que pressupõe a defesa ilimitada da propriedade
privada. A relação entre socialismo e democracia foi, desde a origem, bem mais uma relação de
complementaridade, assim como houvera sido até então a relação entre democracia e liberalismo.
Tornou-se opinião corrente que o socialismo, julgado até então incompatível com o liberalismo, não
era de fato incompatível com a democracia.
A indissolubilidade do binômio democracia socialismo passou a ser demonstrada, por
parte das correntes principais do socialismo, como condição necessária do advento do socialismo.
Isso, porém, não quer dizer que a relação entre democracia e socialismo tenha sido sempre
pacífica. De qualquer modo, a dúvida sobre a validade do método democrático para a fase de
transição [para o socialismo] jamais cancelou por completo a inspiração democrática de fundo dos
partidos socialistas, no que se refere ao avanço da democracia numa sociedade socialista, e a
convicção de que uma sociedade socialista seria de longe mais democrática do que a liberal,
nascida e crescida com o nascimento do capitalismo.
O fato de que movimentos antitéticos como o movimento liberal e o socialista tenham
ambos abraçado o ideal democrático ao ponto de darem origem a regimes de democracia liberal e
a regimes de democracia social, embora não socialista, pode fazer pensar que desde dois séculos
a democracia é uma espécie de denominador comum de todos os regimes que se desenvolveram
nos países economicamente mais avançados. Mas o conceito de democracia não permaneceu o
mesmo na passagem da democracia liberal para a democracia social. No binômio liberalismo mais
democracia, esta significa principalmente sufrágio universal; no binômio democracia mais
socialismo, democracia significa ideal igualitário. A ambigüidade do conceito de democracia surge
em toda a sua evidência na assim chamada “democracia social”, que deu origem ao Estado de
serviços, isto é, o welfare state.

O NOVO LIBERALISMO

A emergência e a difusão da doutrina e de movimentos socialistas e a aliança desses


movimentos com os partidos democráticos reabriram o contraste histórico entre liberalismo e
democracia, exatamente quando parecia ter havido uma conciliação histórica definitiva entre
liberalismo e democracia.
Precisamente na reação contra o avanço do socialismo, com seu planejamento
econômico e a coletivização dos meios de produção, a doutrina liberal foi cada vez mais se
concentrando na defesa da economia de mercado e da livre iniciativa econômica, identificando-se
como a doutrina econômica chamada liberismo, na Itália.
Houve tentativas de conciliação entre liberalismo e socialismo, mas o ideal de um liberal-
socialismo permanece até hoje uma doutrina abstrata, tão sedutora em teoria quanto problemática
quanto às instituições que fundamentariam aquele ideal.
Enquanto a conjugação de liberalismo e socialismo foi até agora tão nobre quanto
inviável, a progressiva identificação do liberalismo com o liberismo é um dado de fato indiscutível.
Ao observar-se o significado prevalente de liberalismo com referência particular às
diversas correntes chamadas neoliberais, é preciso reconhecer que, entre o filósofo e o
economista, teve razão o segundo ( Bobbio se referia ao famoso debate entre o filósofo Croce e o
economista Einaudi, que defendia a idéia de que a liberdade econômica é condição necessária da
liberdade política). Por neoliberalismo se entende hoje, principalmente, uma doutrina econômica
conseqüente, da qual o liberalismo político é apenas um modo de realização, nem sempre
necessário; ou, em outros termos, uma defesa intransigente da liberdade econômica, da qual a
liberdade política é apenas um corolário.
Hayek insistiu na indissolubilidade da relação entre liberdade econômica e liberdade sem
quaisquer outros adjetivos, reafirmando assim a necessidade de distinguir claramente o
liberalismo, que tem seu ponto de partida numa teoria econômica, da democracia, que é uma teoria
política, e atribuindo à liberdade individual um valor intrínseco e à democracia apenas um valor
instrumental.
Liberalismo e democracia respondem a questões diferentes: o liberalismo à questão das
funções do governo e à limitação de seus poderes; a democracia ao problema de quem deve
governar e com quais procedimentos. Nas palavras de Hayek: “O liberalismo exige que todo poder
seja submetido a limites, inclusive o da maioria. A democracia, ao contrário, chega a considerar a
opinião da maioria o único limite aos poderes do governo”.
O pensamento de Hayek, que pode ser considerado a suma da doutrina liberal,
representa notável confirmação daquilo que foi o núcleo originário do liberalismo clássico: uma
teoria dos limites do poder do Estado. Tais limites valem para quem quer que detenha o poder
político, inclusive para um regime democrático em que todos os cidadãos têm o direito de
participar, mesmo que indiretamente, da tomada das grandes decisões, e cuja regra é a regra da
maioria. O Estado é tão mais liberal quanto mais reduzidos são esses poderes e, correlativamente,
quanto mais ampla é a esfera da liberdade negativa.
Na formulação hoje mais corrente, o liberalismo é a doutrina do “Estado mínimo”. Ao
contrário dos anarquistas, para quem o Estado é um mal absoluto e deve, pois, ser eliminado, para
o liberal o Estado é sempre um mal, mas é necessário, devendo, portanto, existir, mas dentro dos
limites mais restritos. Dentro do espírito de Robert Nozick (Anarquia, Estado e Utopia), a conclusão
é que o Estado mínimo, embora sendo mínimo, é o mais extenso que se possa conceber; qualquer
outro Estado é imoral.

DEMOCRACIA E INGOVERNABILIDADE

A relação entre liberalismo e democracia foi sempre difícil. Hoje, quando o liberalismo
parece bem ancorado na teoria do Estado mínimo, a relação se tornou ainda mais difícil. Nos
últimos anos o tema principal da polêmica foi o da ingovernabilidade.
O problema da ingovernabilidade pode ser articulado em três pontos:
a) os regimes democráticos se caracterizam por uma desproporção crescente entre o
número de demandas provenientes da sociedade civil e a capacidade de resposta do sistema
político;
b) nos regimes democráticos a possibilidade de conflito social é maior do que nos
regimes autocráticos. E quanto mais aumentam os conflitos, mais aumenta a capacidade de
dominá-los. Os interesses contrapostos são múltiplos, sendo difícil satisfazer um deles sem
ofender a um outro, numa cadeia sem fim;
c) nos regimes democráticos o poder está mais amplamente distribuído do que nos
regimes autocráticos, neles se encontrando, em contraste com o que ocorre nos regimes opostos,
o fenômeno hoje conhecido como poder “difuso”. Uma das características da sociedade
democrática é a de ter mais centros de poder: o poder é tanto mais difuso quanto mais o governo é
regulado por procedimentos que admitem a participação, o dissenso e, portanto, a proliferação dos
lugares em que se tomam decisões coletivas. Surge a possibilidade da fragmentação que cria
concorrência entre os poderes, terminando por criar um conflito entre os próprios sujeitos que
deveriam resolver os conflitos, uma espécie de conflito à segunda potência.
A ingovernabilidade tende a sugerir soluções autoritárias que se movem em duas
direções: reforçar o Poder Executivo, dando preferência a sistemas de tipo presidencialista;
antepor sempre novos limites à esfera das decisões que podem ser tomadas com base na regra da
maioria.
Os remédios para a “sobrecarga” das demandas da sociedade são essencialmente dois:
melhor funcionamento dos órgãos de decisão ou drástica limitação do seu poder.
O contraste contínuo e jamais resolvido entre a exigência dos liberais - um Estado que
governe o menos possível - e a dos democratas - um Estado no qual o governo esteja o mais
possível nas mãos dos cidadãos - reflete o contraste entre dois modos de entender a liberdade,
costumeiramente chamados de liberdade negativa e liberdade positiva.

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