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9 a 12 de Julho de 2019,
UFSC – Florianópolis, SC
Grupo de Trabalho: GT09 Pensamento Social no Brasil
1 A discussão que segue é uma versão revisada de uma série de comunicações apresentadas em
diferentes momentos e locais, incorporando sugestões e dialogando com a critica recebida. Assim,
versões diferentes desta argumentação podem ser encontradas em: Não sede o que desejam que
sejais. In: MARTINS, Maro Lara. (Org.). Intelectuais, Cultura e Democracia. 1.ª ed.São Paulo:
Perse, p. 277-292; Não sejais o que lhe desejam que sejam. In: I Seminário de Pensamento Social
Brasileiro: Intelectuais, Cultura e Democracia, 2018, Vitória. ANAIS I SEMINÁRIO DE
PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO. Vitória, 2018. v. 1. p. 181-190; Não sejamos aquilo que
desejem que sejamos. In: IX Seminário Nacional Sociologia & Política, 2018, Curitiba. Anais IX
Seminário Nacional de Sociologia & Política; Elites intelectuais imperiais: uma interpretação. In:
XIV Encontro Estadual de História da ANPUH-RS: Democracia, liberdade e utopias. Anais [do] 14
Encontro Estadual de História da ANPUH-RS, Porto Alegre, 24 a 27 de julho de 2018 [e-book].
Porto Alegre: ANPUH-RS; Um espetáculo em branco e preto: relações raciais na obra de Lilia
Schwarcz apresentada no X Seminário Nacional Sociologia e Política, Curitiba de 15 a 17 de maio
de 2019 na Universidade Federal do Paraná; COSTA, Hilton; DORIGAN, Micheli. L. . Criando
Realidades: jornais e relações raciais segundo Lilia Schwarcz. Revista NEIAB, v. 2, p. 1-15, 2018.
Negro, 1987. Nascido de uma dissertação de mestrado, Retrato em Branco e
Negro, 1987, é um dos primeiros livros de Lilia Schwarcz. Advindo da dissertação
de mestrado em Antropologia Social da autora realizado na Universidade
Estadual de Campinas, São Paulo (UNICAMP). A obra em questão pode ser
alocada em um conjunto de pesquisas que deram outros caminhos para as
investigações acerca da população negra do Brasil.
A abordagem do objeto passou por uma localização do tempo de produção
da análise da autora. A década de 1980 é um momento relevante de transição
para a sociedade brasileira, no que diz respeito, a atividade intelectual, desde fins
dos anos 1970, inúmeras pessoas retornam ao país pós-exílios forçados e/ou
voluntários e voltam a atuar. De modo a ser viável inferir que as experiências
trazidas de fora do país novas possibilidades de leitura de uma bibliografia
conhecida, bem como novas autoras e novos autores para a pauta. A constituição
de novos olhares para problemas seculares da sociedade brasileira se forma
nessa seara. A presença negra e as relações raciais no Brasil são temas que
foram diretamente atingidos por estes novos olhares. Em tal contexto a
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP – ocupou, e ainda ocupa lugar
central. A UNICAMP pode ser notada como um dos centros de irradiadores da
leitura de Edward P. Thompson no Brasil. A UNICAMP não foi o único centro de
leitura deste autor no país, todavia nesta instituição houve certo de encontro da
discussão de Thompson acerca da formação da classe operária na Inglaterra com
os estudos sobre o escravismo e as relações raciais no Brasil. Esta situação
possibilitou a constituição de novos olhares para as referidas temáticas. A
guinada nestes tipos de estudos está, sobretudo, no insight oriundo dos escritos
de Thompson, que não nega a agência da pessoa escravizada, bem como da
pessoa oriunda do cativeiro. Ou seja, a pessoa escravizada e ou oriunda do
cativeiro possuiria agência sobre as suas ações. A compreensão da visualização
da agência de pessoas anteriormente entendidas como elementos
completamente passivos é fundamental para o entendimento da análise de Lilia
Schwarcz. Complementam a metodologia utilizada as considerações de Pierre
Bourdieu acerca do contexto de produção do conhecimento e nas posições de
John Pocock sobre o vocabulário normativo.
Os objetivos desta feita foram como mencionados compreender como a
autora construiu sua análise das relações raciais nos seus primeiros trabalhos,
sobretudo, na obra Retrato em Branco e Negro, 1987. Apesar do foco ser Retrato
em Branco e Negro aborda-se também O espetáculo das raças, 1993.
Em termos de resultados pode se observar os seguintes pontos. A ordem
discursiva presente nos periódicos buscava e criava, é o que Retrato em Branco e
Negro nos permite pensar, aquilo que Pierre Bourdieu denominou de efeito de
teoria. As elites intelectuais que em inúmeros momentos era também a elite
política procuraram e pode se afirmar que conseguiram com bastante eficácia
criar uma imagem de inviabilidade do povo brasileiro, culpabilizando o mesmo
pelo “fracasso” e ou pelo “atraso” do país. De modo, a ser o único caminho para a
“redenção” da nação seria criar um povo novo. O caminho para isso seria a
imigração europeia. Esta visão das elites fundamenta no evolucionismo, no
darwinismo social, nas teorias raciais, em grande medida, ganhou as ruas via
periódicos. Assim, os periódicos possuíram um papel significativo na divulgação
das ideias das elites por um lado, de outro colaborou substancialmente para a
internalização pelo povo brasileiro de sua condição de suposta inferioridade. Em
tal contexto poucas vozes emergiram em sentido contrário no interior das elites,
cabendo destaque a Manoel Bomfim e Alberto Torres. Estes autores por
caminhos diferentes é fato, indicavam não ser o povo o “culpado” pelo “atraso” e
ou “fracasso” do Brasil. Desta feita, até o momento foi possível interpretar a
análise de Schwarcz como o processo de compreensão de uma elaboração
intelectual. A criação do Brasil ideal em oposição ao Brasil real. O Brasil ideal é
branco, europeu, o Brasil real é negro, africano, a imperfeição das pérolas.
Pérola Negra
O negro no mundo dos brancos foi publicado, pela primeira vez na década
de 1970, e marca certa mudança no pensamento de Florestan Fernandes acerca
das relações raciais no Brasil. Fernandes reviu, reavaliou posições presentes em
trabalhos anteriores como, por exemplo, os presentes em Brancos e Pretos em
São Paulo (anos 1950), A integração do negro na sociedade de classes (anos
1960). Em O negro no mundo dos brancos, o autor denota a função do racismo,
do preconceito racial a ordem capitalista e na estruturação basilar da sociedade
brasileira.
Fernandes indicou com pertinência em O negro no mundo dos brancos que
a presença da miscigenação e da mestiçagem não é um indicativo por si só da
ausência de racismo, discriminação e preconceito racial. (FERNANDES, 2007).
Contudo, os fenômenos da miscigenação e da mestiçagem, a mistura de raças foi
é considerado tanto em interpretações estrangeiras quanto nas nacionais como
elemento fundamental da identidade e coesão nacional. A percepção do Brasil
como um “espetáculo das raças”, um “laboratório racial” é algo que ora foi
percebido como nefasto ora como redentor. No entanto, no Brasil a conciliação é
uma arte, uma tradição, uma constante. Michel Debrun observa que
Pérola Imperfeita
(...) a ciência social deve englobar na teoria do mundo social uma teoria
do efeito de teoria na teoria do mundo social uma teoria do efeito de
teoria que, ao contribuir para impor uma maneira mais ou menos
autorizada de ver o mundo social, contribui para fazer a realidade desse
mundo. (...) (BOURDIEU, P. 2008 p 82).
3 Esta observação da autora está vinculada a análise que ela realiza de matérias
publicadas em 17, 18, 19, 20 e 21 de dezembro de 1890 no Correio Paulistano. Nas matérias a
pessoa que escrevia no periódico afirmava: “os homens não nascem iguaes abosutamente.
Suppoe-se uma igualdade presumida pela lei sem o que não haveria lei.” (SCHWARCZ, L. p 105)
A “sciência” seria imparcial não se moveria por paixões e simpatias, como
afirmava Raymundo Nina Rodrigues, importante intelectual do período, ela a
“sciência” é que dizia ser a população negra e mestiça inferior, não seria um
julgamento individual. (RODRIGUES, R. 1988). Com efeito, coube, então, aos
periódicos divulgar a “verdade” da “sciência”. Esta verdade versaria por construir
a África como exemplo da anti-civilização, as pessoas negras como violentas por
excelência, a ideia do cativeiro como “processo civilizador” da população negra, a
associação automática entre pessoas negras e o crime, a incapacidade das
pessoas negras para a liberdade, a livre iniciativa, além de fazer circular estas
ideias o jornais também faziam ratificar imagens tradicionais sobre a população
negra agora sob a égide da “sciência”, ações como a da feitiçaria, bruxaria,
magia, depravação sexual, a dependência com atributos inerentes destas
pessoas e “prova” de sua inferioridade. Imagens novas e antigas sobre a
população negra como associação ao alcoolismo, a tendência ao suicídio e tantas
outras são retrabalhadas sobre a égide da “sciência” para comprovar a
inferioridade da população negra. (SCHWARCZ, L. p 163-245).
Ao se tomar Retrato em Branco e Negro sob o viés da proposta analítica
aqui colocada, ou seja, tentar compreender como Schwarcz problematizou as
relações raciais no Brasil. Apresenta-se viável neste momento da pesquisa, que
análise da função dos jornais, da capacidade deles fazerem circular ideias e
criarem realidades não se realizou tão somente pela análise de conteúdo e ou de
forma. A análise de Schwarcz procurou indicar como este conteúdo e forma
visavam responder a uma questão empírica fundamental para aquelas elites
políticas e intelectuais: como manter a desigualdade dentro da igualdade. Não
ocorrendo uma utilização simples e ou ingênuo das teorias europeias. Em sentido
contrário a imponente assertiva a autora indica que as ideias estavam no lugar. E
nesta aplicação das ideias estrangeiras, por assim dizer, para responder
demandas locais seja no século XIX, seja no século XX ou mesmo na virada do
XX para o XXI um fator primordial para a eficiência da ação estaria na completa
negação da capacidade de agência da pessoa escravizada, da pessoa egressa
do cativeiro, bem como da população negra. Neste ponto é possível notar a
marca de E. P. Thompson no pensamento de Schwarcz, uma vez que a ideia da
agência das pessoas é fundamental ao autor inglês, agência passível de ser
exercida de diferentes formas, a negação desta agência seja pelos periódicos
oitocentistas, seja pela historiografia novecentista seria uma maneira de
compreender o movimento de efeito de teoria criado, fazendo as pessoas serem
aquilo que não necessariamente elas eram.4
A população negra era uma imperfeição, a ordem discursiva presente nos
periódicos buscava e criava uma imagem de inviabilidade do povo brasileiro, de
maioria negra, culpabilizando o mesmo pelo “fracasso” e ou pelo “atraso” do país.
De modo, a ser o único caminho para a “redenção” da nação seria criar um povo
novo, cultivar novas pérolas. O caminho para isso seria a imigração europeia.
Esta visão das elites fundamentada no evolucionismo, no darwinismo social, nas
teorias raciais, em grande medida, ganhou as ruas via periódicos. Assim, os
periódicos possuíram um papel significativo na divulgação das ideias das elites
por um lado, de outro colaborou substancialmente para a internalização pelo povo
brasileiro de sua condição de suposta inferioridade.
As ideias que circulavam nos periódicos eram produzidas em algum lugar e
este lugar não seria necessariamente fora das fronteiras nacionais. Lilia Schwarcz
indica isso na obra O espetáculo das raças. O espetáculo das raças: cientistas,
instituições e questão racial no Brasil 1870-1914 tem origem na tese de doutorado
da autora realizada na Universidade de São Paulo. Uma maior investigação
acerca do ambiente intelectual existente no Programa de Pós Graduação em
Antropologia Social no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 é algo ainda
por fazer. A tese intitulada Homens de sciencia e a raça dos homens: cientistas,
instituições e teorias raciais no Brasil de finais do século XIX foi defendida em
1993 e teve a orientação de Maria Manuela Ligeti Carneiro da Cunha. No mesmo
ano a tese foi versada em livro.5 Da época da sua publicação até o presente
momento a obra em questão se tornou uma referência bastante importante para
os estudos sobre as elites intelectuais oitocentistas, bem como para os estudos
acerca das relações raciais no Brasil. O espetáculo das raças no que diz respeito
pessoas, mesmo sob as circunstâncias mais adversa detêm a capacidade de agência. E esta
capacidade de agência está articulada a uma série de circunstâncias, ou seja, o contexto onde a
pessoa está inserida pode aumentar e ou diminuir a capacidade de agência das pessoas, mas não
a extingui.
5Uma questão que não será abordada aqui é o lugar da autora no mercado editorial
brasileiro. No atual momento da pesquisa não há como avaliar se existe relação entre a posição
da autora no mercado editorial e a sua posição no campo intelectual.
ao seu conteúdo pode ser observado pelas premissas de Pierre Bourdieu acerca
do efeito de teoria, por sua vez a posição da autora do livro pode ser tratada
seguindo John Pocock.
O espetáculo das raças está inserido, pode-se inferir, no debate ocorrido
nos anos 1980 e 1990 acerca da existência de uma originalidade ou não no
pensamento brasileiro oitocentista. As discussões em torno da questão se
estariam as ideias no lugar ou não foram bastante importantes na investigação do
Brasil no período em questão. O texto de Roberto Schwarz, As ideias fora do
lugar, 1977, foi fundamental nesse cenário. Ao discutir a impropriedade do
liberalismo no Brasil oitocentista, dado a presença e centralidade do escravismo,
bem como da lógica do favor na condição de elementos estruturantes da
sociedade, Schwarz levanta e defende o seguinte argumento: “Ao longo de sua
reprodução social, incansavelmente o Brasil, põe e repõe ideias europeias,
sempre em sentido impróprio.” (SCHWARZ, R. 2008, p 29).
Ao longo dos anos 1980, chegando aos anos 1990 inúmeras autoras e
autores inspirados pelo argumento de Schwarz seguem com ele para ir contra ele,
indicando a existência de um pensamento brasileiro original nos oitocentos. Nesta
direção, trabalhos como os de Nicolau Sevcenko (1983-2003), Roberto Ventura
(1993), Alexandro Trindade (2004-2011), por um lado os de Angela Alonso
(2002), Hebe Mattos (2004) entre outras e outros indicam a originalidade do
pensamento brasileiro do período. Até mesmo a destacada incompatibilidade do
liberalismo com o escravismo pode ser analisada sob outros vieses.6 Com efeito,
O espetáculo das raças pode ser alocado em um conjunto de obras que visaram
demonstrar que as ideias estavam no lugar, que as elites intelectuais não faziam
só reproduzir ideias europeias, elas eram manuseadas com qualidade para
responder a demandas empíricas dadas, resultando, portanto, em um
O que se pode dizer é que as elites locais não só consumiram esse tipo
de literatura, como a adotaram de forma original. Diferentes eram os
modelos, diversas eram as decorrências teóricas. Em meio a um
contexto caracterizado pelo enfraquecimento e fina da escravidão, e pela
realização de um novo projeto político para o país, as teorias raciais se
apresentavam enquanto modelo teórico viável na justificação do
complicado jogo de interesses que se montava. (SCHWARCZ, L. 1993, p
17-18)
Considerações finais
Referências
____________. (2018a). Não sede o que desejam que sejais. In: MARTINS, Maro
Lara. (Org.). Intelectuais, Cultura e Democracia. 1.ª ed.. São Paulo: Perse, p. 277-
292.
___________. (2018b). Não sejais o que lhe desejam que sejam. In: I Seminário
de Pensamento Social Brasileiro: Intelectuais, Cultura e Democracia, 2018,
Vitória. ANAIS I SEMINÁRIO DE PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO. Vitória,
2018. v. 1. p. 181-190.
__________. (2018c). Não sejamos aquilo que desejem que sejamos. In: IX
Seminário Nacional Sociologia & Política, 2018, Curitiba. Anais IX Seminário
Nacional de Sociologia & Política.
DARWIN, Charles. (2010). A origem das espécies. São Paulo: Folha de São
Paulo.
FERNANDES, Florestan. (2007). O negro no mundo dos brancos. 2.ª Ed. São
Paulo: Global.
RODRIGUES, Raymundo Nina. (1988). Os Africanos no Brasil. 7.ª Ed. São Paulo:
Editora Naciona; Brasília: Editora UnB.
SCHWARCZ, Lilia Katri Moritz. (2012). Nem preto nem branco, muito pelo
contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma.