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Reflexões para

o ensino de
Jornalismo no
Brasil:
algumas abordagens

Fabiano Ormaneze e Rogério Bazi (orgs.)

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Reflexões para
o ensino de
Jornalismo
no Brasil:
algumas abordagens

Fabiano Ormaneze e Rogério Bazi (orgs.)

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Fórum Nacional de
Professores de Jornalismo (FNPJ)
Diretoria Executiva Sudeste I: Boanerges Lopes (UFJF)
Presidente: Mirna Tonus (UFU) Sudeste II: João Pedro Dias (UERJ)
Vice-presidente: Marcelo Bronosky (UEPG) Sul I: Elson Faxina (UFPR)
Secretaria-geral: Edson Spenthof (UFG) Sul II: Zaclis Veiga (UP)
Segundo secretário: Paulo Roberto Botão Centro-Oeste I: Sabrina Moreira de Moraes
(Unimep) Oliveira (PUC-GO)
Tesouraria: Sílvio Melatti (Ielusc) Centro-Oeste II: Álvaro Marinho (Unic/Kroton
Segunda-tesouraria: Wanderley Garcia (Uni- -MT)
mep)
Diretoria científica: Rogério Bazi (PUC-Campi- Vogais
nas) Jociene Carla Bianchini Ferreira (UEMG)
Vice-diretoria científica: Soraya Venegas (Está- Juliano Mendonça (Unicap)
cio de Sá)
Diretor editorial e de comunicação: Gerson Luiz
Conselho Consultivo
Martins (UFMS)
Vice-diretor editorial e de comunicação: Jorge Josenildo Guerra (UFS)
Arlan Pereira (UFMT) Joaquim Lannes (UFV)
Diretor de relações institucionais: Juliano Car- Leonel Azevedo de Aguiar (PUC/RJ)
valho (Unesp) José Ricardo Mello (Unicap)
Vice-diretor de relações institucionais: Erivam Valci Zuculoto (UFSC)
de Oliveira (ESPM) Socorro Veloso (UFRN)

Diretorias Regionais Conselho Fiscal


Norte I: Ana Prado (Unama) Marcel Cheida (PUC-Campinas)
Norte II: Maria Ataíde Malcher (UFPA) Sandra de Deus (UFRGS)
Nordeste I: Marcus Assis Lima (Uesb) Carmen Lucia Ribeiro Pereira (UniCarioca /
Nordeste II: Gisélia Castro (UFMA) Universidade Castelo Branco/RJ)

Organização:
Fabiano Ormaneze (PUC-Campinas)
Rogério Bazi (PUC-Campinas)

Projeto e design gráfico:


Adauto Marin Molck (PUC-Campinas)

070 Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (1. : 2014; Curitiba, PR)


F745r Reflexões para o ensino de jornalismo no Brasil: algumas abordagens /
FNPJ ; organização de Fabiano Ormaneze, Rogério Eduardo Rodrigues
Bazi. - Campinas: 2014.
107p.

1. Jornalismo. 2. Jornalismo - Estudo e ensino. 3. Jornalismo - Brasil.


4. Comunicação de massa. I. Ormaneze, Fabiano. II. Bazi, Rogério Eduar-
do Rodrigues. III.Título.

CDD – 070

ISBN 978-85-68733-00-4
3
Sumário

5 Apresentação
Fabiano Ormaneze e Rogério Bazi

Fundamentos para a Ciência do Jornalismo:


bases conceituais a partir de Weber e Groth
Hebe Maria Gonçalves de Oliveira
9
21
A Objetividade e a Subjetividade Jornalística:
Elementos Condutores na Produção do
Jornalismo Impresso
Márcia Eliane Rosa

O Ensino e a Extensão em Jornalismo Diante da


Demanda por Informação Local
Antonio Carlos Sardinha e Marli Barboza da Silva 32
51 Artefato: O Ensino Laboratorial de Jornalismo
e as Novas Diretrizes Curriculares
Karina Gomes Barbosa e André Luís Carvalho

Jovens Digitais e a Recepção Radiofônica no


Século da Convergência
Antonio Francisco Magnoni e Giovani Vieira
Miranda 72
95
As Tecnologias como Suporte de (In)Formação:
o Compartilhamento de Imagens como
Ferramenta de Comunicação
Erivam Morais de Oliveira

4
Apresentação
Fabiano Ormaneze e Rogério Bazi
Organizadores

5
Apresentação
Este livro é resultado do 15° Encontro de Grupos de Pesquisa do
Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), realizado
na Universidade Positivo, em Curitiba (PR), entre os dias 24 e 26
de abril de 2014. Reunimos aqui, a partir de uma escolha realizada
por cada um dos seis grupos de trabalho do FNPJ, artigos que aju-
dam a pensar o campo do Jornalismo nesse período de intensas
mudanças, não só no cenário da profissão, mas também nas exi-
gências feitas aos cursos, seja pelo mercado de trabalho ou pelas
determinações legais, como são as novas diretrizes, que devem
ser adotadas pelos cursos a partir de 2016.
Os artigos reunidos neste livro podem ser agrupados em dois
blocos. De um lado, há os trabalhos que refletem teoricamente so-
bre o campo do Jornalismo e suas interfaces com outras áreas
do conhecimento. De outro, há os artigos que abordam práticas
pedagógicas que levam à ação tais discussões teóricas, de modo
a oferecer ao leitor um panorama bastante geral das discussões da
área e do que vem sendo feito nos cursos de Jornalismo para, ao
mesmo tempo em que se discute a teoria, capacite-se o egresso
para o exercício da profissão, a reflexão e a criticidade sobre os
processos midiáticos contemporâneos.
O primeiro capítulo, de Hebe Maria Gonçalves de Oliveira, pro-
duz uma importante reflexão sobre o Jornalismo como campo com
autonomia científica, abordando quais seriam as prerrogativas para
tal, a partir de dois importantes teóricos, Max Weber e Otto Groth.
A partir do primeiro, a autora indica as características dos cam-
pos científicos e, relacionando-as com os postulados de Groth, de-
monstra as características da chamada “Ciência Jornalística”. Tal
discussão faz-se cada vez mais pertinente, num momento em que
os cursos de Jornalismo desvinculam-se das antigas “habilitações”,
como parte da Comunicação, para se firmarem como área de for-
mação que, mesmo mantendo sua interdisciplinaridade, possui
fundamentos e história próprios.
O segundo capítulo, de Márcia Eliane Rosa, aborda uma te-
6
mática das mais discutidas em cursos de Jornalismo, mas ainda
bastante envolvida em mitos: a dualidade entre a objetividade e a
subjetividade. A partir da experiência na docência em Jornalismo
impresso, a autora discute de que forma esses dois polos farão,
necessariamente, parte do trabalho jornalístico. A discussão en-
volve, ainda, a abordagem dos gêneros e das categorias jornalís-
ticas, mostrando, por exemplo, a diferença entre “subjetividade”,
“opinião” e “interpretação”, conceitos que, embora interligados, têm
suas particularidades.
O terceiro capítulo, escrito por Antonio Carlos Sardinha e Marli
Barboza da Silva, constitui-se como uma passagem entre esses
aspectos mais teóricos, tratados pelos dois primeiros textos, e os
seguintes, de caráter mais prático. Abordam-se as características
do ensino e da extensão em Jornalismo, a partir das demandas
atuais, focalizando, principalmente, a necessidade de atender às
necessidades regionais. Neste capítulo, os autores expõe a experi-
ência de extensão por meio da criação de uma agência regional de
notícias na região de Alto Araguaia, no Sudeste de Mato Grosso.
O quarto capítulo, de autoria de Karina Gomes Barbosa e André
Luís Carvalho, aborda, a partir da experiência com o jornal-labora-
tório da Universidade Católica de Brasília (DF), quais são os desa-
fios e as metas a serem lançados para as publicações produzidas
nos cursos de Jornalismo diante do contexto das novas Diretrizes
Curriculares Nacionais. Entre as discussões, está a migração/inte-
ração das plataformas impressas para as digitais, que se mostram
como prognóstico e, para alguns, como uma preocupação.
O quinto capítulo, de Antonio Franciso Magnoni e Giovani Vieira
Miranda, apresenta um recorte de uma pesquisa sobre as perspec-
tivas e as percepções sobre o rádio entre os jovens pertencentes
à chamada Geração Y. O texto contribui para a reflexão sobre os
rumos da produção radiofônica diante desse novo público, ligado à
interatividade e à volatilidade das informações. O que se espera do
rádio? Como se ouve rádio? Que avaliação se faz da programação
das emissoras? Já existe uma prática de acessar as webrádios?
Essas são algumas das reflexões propostas a partir de um levanta-
7
mento quantitativo feito em Bauru, no interior de São Paulo.
O sexto capítulo, de Erivam Morais de Oliveira, promove refle-
xões acerca do papel da fotografia nos ambientes digitais e diante
das novas tecnologias para sua edição e publicação, disponíveis
não só a fotojornalistas, mas também aos usuários de smartphones
e tablets. Com isso, mostra como a imagem teve, contemporane-
amente, reforçada a sua função de mediadora e de motivadora à
participação popular, refletindo, entre outros pontos, sobre como as
redes sociais digitais e os dispositivos tecnológicos popularizados
tiveram importante papel para levar multidões às ruas das grandes
cidades brasileiras na série de manifestações de junho de 2013.
Esperamos que este livro possa trazer importantes reflexões
para os envolvidos com a formação em Jornalismo e que o FNPJ
possa continuar sendo um agregador de reflexões, inquietações e
propostas para a área.
Boa leitura!

8
Capítulo 1
FUNDAMENTOS PARA A CIÊNCIA DO JORNALISMO:
BASES CONCEITUAIS A PARTIR DE WEBER E GROTH

Hebe Maria Gonçalves de Oliveira

9
Fundamentos para a Ciência do
Jornalismo: Bases Conceituais a partir
de Weber e Groth

Introdução
O que caracteriza o Jornalismo enquanto ciência? Qual a natu-
reza da ciência do Jornalismo? A história do Jornalismo já o confir-
ma como uma instituição social consolidada, constituída, portanto,
de uma prática social, isto é, um modo específico do fazer, e uma
função social, traduzida na sua importância na vida das pessoas e
seu significado na sociedade há mais de 300 anos. Da constituição
das primeiras escolas de Jornalismo, que datam do início do sé-
culo XX, à consolidação de pesquisas nos programas de pós-gra-
duação (mestrado e doutorado) no mundo e, particularmente, no
Brasil, nas últimas três décadas confere-se a conquista de território
acadêmico.
Mas, como aponta Gislene Silva (2009), “conquistar território
acadêmico não é o mesmo que ganhar alcance teórico”. Há ain-
da um desafio pela frente. Pois, para a autora, “acrescenta pouco
ao aperfeiçoamento da Teoria do Jornalismo, de sua epistemologia
própria, proclamar insistentemente a consolidação institucional do
campo científico”. Neste artigo, busca-se traçar aproximações con-
ceituais sobre o conhecimento científico a partir de dois autores,
Max Weber e Otto Groth, para os fundamentos do Jornalismo en-
quanto ciência ou a ciência do Jornalismo. Esta reflexão se baseia
em dois artigos dos autores citados. No caso de Weber, no artigo
intitulado “A objetividade do conhecimento na ciência social e na
ciência política” (1904), o autor apresenta princípios para o que se
denominam ciências sociais. Já em Groth, no texto “A ciência dos
jornais – A tarefa da pesquisa científica sobre a cultura”, o autor,
com base em Weber, anuncia, de forma genuína – até então ao
que se tem tido o acesso – os fundamentos para a autonomia do
10
Jornalismo como a “ciência dos jornais” ou “ciência jornalística”.
Importante destacar que o primeiro texto, datado de 1904, de-
marca às ciências sociais o seu status de ciência autônoma em
relação às demais. Já o segundo, publicado pela primeira vez em
1965 após a morte do autor (MEDISCTH e SPONHOLZ, 2011,
p.13), pode ser visto como uma influência do primeiro, consideran-
do que Groth1 faz o percurso demarcado por Weber, mas, por sua
vez, na defesa de uma “ciência dos jornais”. Com este artigo, tem-
se a modesta proposta de trazer as aproximações teóricas entre os
dois autores, destacando as suas considerações sobre o que se
entende por nova ciência, autonomia, objetividade e validade cien-
tíficas, a formulação da teoria, suas leis, organização do sistema e,
por fim, a crença na verdade científica.

Uma ciência nova


Uma das primeiras questões abordadas pelos autores se refere
à questão primordial, “como nasce uma nova ciência?”. Para Weber
(1998, p.98), o “domínio científico” tem como base as “conexões
conceituais entre os problemas”, mas não as conexões “‘objetivas’
entre as ‘coisas’”. “Só se estuda um novo problema com o auxílio
de um método novo, e se descobrem verdades que abrem novas e
importantes perspectivas, é assim que nasce nova ciência”.
“Novas ciências específicas nascem, via de regra, – segundo
Groth (2011, p. 29) – das necessidades, da ‘urgência’ da vida. O
seu porvir e o seu progresso são influenciados pelos resultados
que a análise científica promete para a prática”. Mas o autor desta-
ca que não bastam as reivindicações da prática para o surgimento
de novas ciências. Há ainda as dificuldades enfrentadas pelo em-
bate no interior das próprias ciências:
O ordenamento das faculdades, que se tornou histórico e as-
sistemático, também traz dificuldades para uma nova ciência
que se anuncia. (...) As universidades negam o reconheci-
mento e o acesso (por bons motivos) não só aos esforços

1 Jornalista, Otto Groth foi aluno de Max Weber e obteve o doutorado em 1915, em Tubingen (ME-
DISCTH e SPONHOLZ, 2011, p.13).
11
exclusivamente “técnicos-práticos”, cujo número é grande e
aumenta constantemente com a diferenciação de nossa cul-
tura, mas também ao trabalho histórico e teórico. (GROTH,
2011, p. 30)

Uma posição de igual às demais ciências, a posição de uma


ciência própria fundamentada dentro do sistema como um todo, re-
quer algumas posições determinadas, segundo Groth (2011, p. 31,
grifo no original): “Primeiro, cada ciência tem que comprovar ter um
‘objeto próprio’ que as outras ciências até agora não analisaram e
cujas análises as intenções destas ciências também não permitem.
Ou com o qual as outras ciências até já se ocuparam, mas a nova
ciência pode fazê-lo a partir de outra perspectiva”.
Essa nova perspectiva é o que o autor denomina de “modo es-
pecial de contemplação e elaboração de um objeto”, assim como
é o que “proporciona um conhecimento específico do objeto, que é
ordenado segundo princípios específicos de classificação” (p. 31).
Ainda segundo Groth (2011, p.31, grifo no original), “este conheci-
mento tem que ser colocado em um ‘sistema’ e só então a nova ci-
ência está fundada, só então ela pode reivindicar o reconhecimento
de sua autonomia”.
Um segundo aspecto colocado pelos autores em relação à de-
cisão científica se refere às escolhas, que dependem das prefe-
rências do pesquisador: “Trata-se de uma ‘escolha de dados’. Esta
escolha possibilita a delimitação do objeto. A partir delas desenvol-
vem-se as questões, as definições dos conceitos” (GROTH, 2011,
p. 31). Sobre as escolhas no mundo da ciência, Weber (1998, p.
101) também esclarece sobre as limitações da chamada “parciali-
dade” científica, consideradas positivas para o conhecimento:

Não existe nenhuma análise científica totalmente “objetiva-


da” da vida cultural, ou (...) dos “fenômenos sociais”, que
seja independente de determinadas perspectivas especiais
e parciais, graças às quais estas manifestações possam ser,
explícita ou implicitamente, consciente ou inconscientemen-
te, selecionadas, analisadas e organizadas na exposição, en-
quanto objeto de pesquisa.

Para Weber (1998, p. 110-111), “o conhecimento da realidade


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cultural é sempre um conhecimento subordinado a pontos de vista
especificamente particulares”. Escreve o autor: “O conhecimento
científico-cultural, tal como o entendemos, encontra-se preso, por-
tanto, a premissas ‘subjetivas’, pelo fato de apenas se ocupar da-
queles elementos da realidade que apresentam alguma relação,
por muito indireta que seja, com o acontecimento a que conferimos
uma significação cultural”.
Mas se as “ideias de valor são subjetivas”, Weber (1998, p.112)
deixa claro que não significa que a “investigação científico-cultural
apenas conseguiria obter resultados ‘subjetivos’, no sentido de se-
rem válidos para uns, mas para outros não”. Pelo contrário:

No que concerne ao método da investigação, o “como” é o


ponto de vista dominante que determina a formação dos con-
ceitos auxiliares de que se utiliza. E, quanto ao método de
utilizá-los, o investigador encontra-se evidentemente ligado
às normas de nosso pensamento. Porque só é uma verdade
científica aquilo que pretende ser válido para todos os que
querem a verdade. (WEBER, 1998, p. 112)

Como dito até aqui, a nova ciência implica em um novo modo de


contemplação. A autonomia de uma ciência requer uma nova pers-
pectiva, o que não vale recorrer a métodos próprios de outras das
ciências já consolidadas. Groth (2011, p. 31) pontua que “se é es-
colhida, portanto, uma perspectiva que já serve como diretriz para
uma outra ciência, então esta perspectiva não justifica uma nova
ciência”. “A nova ciência não é feita pela novidade dos ‘objetos’,
mas sim pela novidade do ‘objeto’ gerado primeiramente pelo novo
modo de contemplação”, o que o autor denomina de “método”.

A formulação teórica
Uma das tarefas da ciência é a formação de conceitos. Qual
o significado da “teoria e da formação teórica dos conceitos para
o conhecimento da realidade?” (WEBER, 1998, p.113). “Os con-
ceitos são configurações as quais construímos relações, por meio
da utilização da categoria de possibilidade objetiva, que a nossa
imaginação, formada e orientada segundo a realidade, julga ade-

13
quada. (...) Os conceitos se tornam, então tipos ideais, isto é, não
se manifestam em sua plena pureza conceitual”.
Enquanto tipos ideais, os conceitos têm caráter genérico, isto
é, o “significado de um conceito-limite, puramente ideal, em rela-
ção ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo
empírico de alguns dos seus elementos importantes, e com o qual
esta é comparada” (WEBER, 1998, 120). Para o autor, os con-
ceitos genéricos não implicam a ausência de validade científica.
Weber (1998, p. 130-131) ressalta o caráter transitório dos concei-
tos e afirma que o progresso do conhecimento científico resulta do
“constante processo de transformação dos conceitos através dos
quais tentamos apreender a realidade”:

Qualquer ciência social ou da cultura, com as suas disciplinas


descritivas e normativas, é construída a partir de um conceito
(princípio) que sintetiza todas as manifestações, que devem
ser analisadas do todo cultural e social. Por isso, esse con-
ceito precisa primeiramente ser formado e esclarecido com
método especial, na forma de contemplação específica na
qual nós vemos estas manifestações. Todos os demais con-
ceitos da ciência devem ser desenvolvidos a partir dele. (...)
Ele é o fundamento, ponto de partida e centro. Por isso tudo
depende sua formação correta. (GROTH, 211, p. 83)

Os conceitos (princípios) são formados na investigação da es-


sência do objeto. É o que lhe confere uma ciência nova. Segundo
Groth (2011, p.41), a primeira tarefa para a disciplina teórico-siste-
mática é “submeter-se à pesquisa da essência, se quiser enfim ser
reconhecida como ciência” [grifos nossos]:

Para uma Ciência dos Jornais, o “essencial”, ou seja, o im-


portante fundamentado, é exclusivamente a “ideia”, a “essên-
cia”, a “natureza das obras” – a similaridade do seu sentido,
seus lados considerados essenciais, suas qualidades cons-
tantes, as “características” e a estrutura desta unidade – e o
que está ligado a isto. É no essencial que ela tem seu objeto
e o seu método próprio, ele fundamenta o sistema dela. A in-
vestigação do essencial gera a ciência da cultura, a “Ciência
dos Jornais”. (GROTH, 2011, p. 35)

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A investigação da essência possibilita a formação de uma teoria
pura:

No conceito básico de um sistema cultural, a essência co-


mum, a ideia comum de todas as manifestações pertencen-
tes a este sistema, é apreendida. Ele tem que ser composto
de acordo com ela. Ao ficar tão livre de todas as caracterís-
ticas individuais, de todas as formas de materialização e de
todas as condições espaço-temporais das criações isoladas
do sistema cultural, o conceito básico nos dá a possibilidade
de desenvolver uma teoria pura do sistema como um todo em
sua validade universal. (GROTH, 211, p. 103)

A pesquisa da essência implica no isolamento do objeto, o que


não quer dizer desprezar as suas relações com os outros e com
todos, no intuito de conhecer não só as partes, mas o todo, a es-
sência.

O requisito para elaboração puramente teórica produtiva do


conceito básico, no entanto, é a análise e fixação completa
do conteúdo do conceito ao todo e às partes. Mas isto signifi-
ca que não só o sentido e as características isoladas do todo
têm que ser conhecidas, mas também a sua relação umas
com as outras e com o todo, a estrutura, a “composição” do
todo. Só quem contempla “as partes como um todo, como
algo que é real primeiro no seu relacionamento uns com os
outros e com o seu todo”, entende o todo. (GROTH, 211, p.
103, grifos no original)

Como já dito aqui, a investigação da essência também visa à


formação de um conceito geral, de uma teoria pura. Mas esta teoria
pura também é do tipo ideal. Mas, segundo Groth (2011, p. 104),
a “teoria pura é o ‘mundo utópico’ do que elas ‘são’, elas ‘valem’. A
teoria pura é o ‘mundo utópico’ do que é pensável, das ‘possibilida-
des puras’, ‘o mundo transcendental das sentenças e das verdades
em si’”.
Weber (1998, p. 115) descreve que o fim supremo da ciência
“é estabelecer leis”. E, para conseguir estabelecê-las, segundo o
autor, “parte-se do fato de que experimentamos constantemente as
relações da atividade humana em sua realidade imediata”. Groth
(2011, p. 104) escreve que “chegamos, portanto, às leis (regulari-
15
dades) e tipos por dois caminhos: por meio de deduções a partir do
conceito básico e de indução das manifestações empíricas do sis-
tema. Pelo primeiro caminho, às leis e tipos ideais. Pelo segundo,
às leis e tipos reais (‘empíricos’)”. Segundo o autor, “leis e tipos são
formulações conceituais de algo geral, constante na área do con-
creto, são descrições sintéticas de similaridades e consonâncias
no ser, no acontecer e nas relações das manifestações reais”. Ru-
dolf Eisler (apud Groth, 2011, p. 105) descreve que “uma lei nada
mais é do que a formulação mental de uma ordem constante dos
acontecimentos, uma expressão para a regularidade de uma cone-
xão... Qualquer lei é a expressão de um comportamento constante,
que deriva da essência das coisas e das suas relações”.
As leis próprias da obra vêm do conceito básico, conforme os
autores:

As leis próprias da obra vão da generalidade do sistema até


a individualidade de cada criação. As leis próprias gerais se
baseiam primeiramente na natureza geral do ser, nas suas
racionalidades e irracionalidades gerais, nas situações e ne-
cessidades humanas iguais, nos mesmos limites da compo-
sição de obras coerentes e da combinação dos elementos
significativos. (GROTH, 211, p. 110)

O que vale dizer para as Ciências dos Jornais, segundo Groth


(2011, p.110): “A teoria da Ciência dos Jornais tem então que tentar
esclarecer o geral e o constante, o regular. Ela tem que tentar es-
clarecer as correlações entre os sistemas culturais e sociais, entre
a sociedade moderna como um todo por um lado e a imprensa pe-
riódica de outro lado, as quais surgem das leis próprias de ambos
os lados. E tem que ordenar as correlações e interações no seu
sistema”.

O sistema da ciência
Ao longo da abordagem de Groth, está presente a ideia de sis-
tema, entendida aqui como aquilo que dá unidade a um dado co-
nhecimento autônomo em relação às demais ciências. “O sistema
de uma ciência é a organização de todos os conhecimentos ob-

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tidos por uma ciência até agora em um todo segundo um princí-
pio unitário” (GROTH, 211, p. 123). Na divisão dos sistemas da
ciência, o autor classifica a Ciência dos Jornais como a ciência da
cultura. “Jornais e revistas são obras culturais. Cultura é entendida
aqui como o conjunto das criações mentais humanas que cresce e
muda continuamente” (GROTH, 211, p. 33).
Embora autônoma, o autor destaca as relações e correlações
da Ciência dos Jornais entre as diferentes ciências. Mas demarca
como errônea a sua incorporação à sociologia, psicologia social
e ciências da literatura, consideradas ciências auxiliares autôno-
mas. A ideia da correlação entre as ciências também é reforçada
por demais autores, no esforço da constituição de novas ciências,
como escreve Milton Santos (2008, p. 20): “Uma disciplina é uma
parcela autônoma, mas não independente, do saber geral. É assim
que transcendem as realidades truncadas, as verdades parciais,
mesmo sem a ambição de filosofar ou de teorizar”.
Mas como se estrutura o sistema? “O sistema é todo estruturado
pela organização das partes sobre e ao lado das outras. O que o
caracteriza é a conexão interna das partes entre si e com relação
ao todo, no qual as partes, ou seja, os conhecimentos isolados,
recebem da ideia central uma determinada posição” (GROTH, 211,
p. 123). Nesse sentido, a autonomia científica pressupõe, portanto,
a organização do conhecimento gerado em torno de um sistema.

As análises científicas (...) só podem reivindicar o seu reco-


nhecimento como ciência autônoma com sucesso quando
os conhecimentos obtidos a respeito do objeto próprio por
meio de uma forma de contemplação (método) própria forem
reunidos em um sistema. Conhecimentos isolados sem co-
nexão, ainda que sejam muitos, não bastam. Só o volume do
que é interessante não consegue fazer isto. Uma quantidade
de leis próprias e tipos também não dão a uma ciência a base
duradoura, teórica. Ela tem que ser fixada sistematicamente.
(GROTH, 211, p. 122)

Qual a finalidade da organização do conhecimento em forma de


sistemas?

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Essa organização deve nos garantir, portanto, a ausência de
contradições, a harmonia interna de todos os conhecimentos
sobre o objeto, deve nos proporcionar o domínio completo da
realidade do nosso objeto em todas as suas áreas, deve nos
possibilitar ver o conjunto de tudo o que nós sabemos dele e
alcançar um aspecto deste conhecimento por meio de outro
por um caminho aberto, ininterrupto. (GROTH, 211, p. 123)

A organização do sistema também está condicionada ao


objeto. “Por isso o sistema, assim como o método, não pode ser
formado arbitrariamente. O sistema também tem que se voltar para
o objeto. Ele deve ser estabelecido de acordo com o princípio dado
pela coisa, ele é, portanto, ‘correlativo’ à ‘coisa’, ou seja, ao obje-
to científico” (GROTH, 211, p. 123). Segundo Hoenigswald (apud
GROTH, 211, p. 123), “não inventamos a sistemática que serve às
ciências, naturalmente a ciência real e correta, pois ela está nas
coisas, onde nós a simplesmente encontramos, descobrimos”.
Então, aqui a pergunta: Qual o lugar do conceito básico em rela-
ção ao sistema? “O conceito básico representa o centro do sistema
como um todo estruturado. O sistema, que permite sistematizar e
classificar todas as generalidades, regularidades e tipos, não só as
reais, mas também as possíveis, têm que se desenvolver a partir
dele” (GROTH, 211, p. 124).
Mas a ideia de conceito básico que representa o centro do
sistema tem em si a natureza fechada do sistema, mas ao mesmo
tempo aberto às demais “coisas” ao seu entorno, às demais ciên-
cias:

Qualquer sistema é, portanto, um sistema do possível em


geral, que fica dentro da região do conceito básico. A predis-
posição do sistema com relação ao tudo que for possível nos
permite adotar a qualquer momento o que aparece de novo
no desenvolvimento do nosso objeto. Este é de fato na cone-
xão interna, dada pelo conceito básico, formalmente fechado,
mas está ao mesmo tempo aberto para todos os conteúdos
que o chegam. (GROTH, 2011, p. 124)

Qual o lugar da Ciência dos Jornais no sistema das ciências?
Segundo Groth (2011, p.137), ela pertence às ciências humanas,

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o que chama de “a ciência dos seres objetivados, às ciências da
cultura, às ciências das obras culturais e das filosóficas que a sin-
tetizam (a sociologia cultural, a filosofia da história, a filosofia da
cultura)”.
Para finalizar, os autores destacam o caráter transitório dos con-
ceitos. “Na essência da tarefa da ciência, está o caráter transitório
de todas as construções típico-ideais, mas também o fato de serem
inevitáveis construções tipo-ideais sempre novas” (WEBER, 1998,
p. 130). Os conceitos são tentativas para conferir a compreensão
da realidade e “são realizadas com base no estado atual dos nos-
sos conhecimentos e nas estruturas conceituais de que dispomos”
(WEBER, 1998, p.131).
O que separa a ciência da crença? “A validade objetiva de todo
saber empírico baseia-se única e exclusivamente na ordenação da
realidade dada segundo categorias que são subjetivas, no senti-
do específico de representarem o pressuposto do nosso conheci-
mento e de associarem, ao pressuposto do que é valiosa, aquela
verdade que só o conhecimento empírico nos pode proporcionar”
(WEBER, 1998, p. 131). Esclarece ainda o autor: “Com os meios
da nossa ciência, nada poderemos oferecer àquele que considere
que essa verdade não tem valor, visto que a crença no valor da
verdade científica é produto de determinadas culturas, e não um
dado da natureza”.

Considerações finais
As questões tratadas neste artigo, portanto, requerem ainda
outro debate sobre duas questões – uma que trata da teoria dos
sistemas e outra da teoria dos campos. Qual a distinção entre am-
bos? Rodrigues (2000, p. 193-194) define “campo social como uma
instituição dotada de legitimidade indiscutível, publicamente reco-
nhecida e respeitada pelo conjunto da sociedade, para criar, impor,
manter, sancionar e restabelecer uma hierarquia de valores, assim
como um conjunto de regras adequadas ao respeito desses valo-
res, num determinado domínio específico da experiência”. Ainda
segundo o autor (p. 194), instituição deve ser entendida como uma
19
categoria “abstrata e arbitrária”, não podendo também ser “con-
fundida com organização, na medida em que tanto pode abarcar
uma ou várias organizações como pode não se concretizar em ne-
nhuma organização”. Mas quais as implicações em denominar a
Ciência do Jornalismo como sistema – como apresentada por Gro-
th (2011) neste artigo – e não como campo social ou vice-versa?
Nesse sentido, essas (in)certezas apontam para a necessidade de
novas reflexões de forma que possam contribuir para a almejada
autonomia científica do Jornalismo.

Referências Bibliográficas:
GROTH, O. A ciência dos jornais. A tarefa da pesquisa científica
sobre a cultura. Parte I. In: ____. O poder cultural desconhecido.
Fundamentos da Ciência dos Jornais. Petrópolis (RJ): Vozes,
2011, p. 27-140.
MEDISCTH, E.; SPONHOLZ, L. Prefácio. Bases para uma teoria
do Jornalismo 2.0. In: GROTH, O. O poder cultural desconheci-
do. Fundamentos da Ciência dos Jornais. Petrópolis (RJ): Vozes,
2011. p. 9-25.
SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e tempo. Razão e
Emoção. São Paulo: Edusp, 2008.
RODRIGUES, A. A emergência dos campos sociais. In: REVAN,
R. S. (org.). Reflexões sobre o mundo contemporâneo. Teresina:
UFPI, 2000, p. 189-198.
SILVA, G. O fenômeno noticioso: objeto singular, natureza plural.
Estudos em Jornalismo e Mídia. Ano VI, n. 2, 15 jul./dez, 2009.
WEBER, M. A “objetividade” do conhecimento na ciência social e
na ciência política – 1904. In: OLIVEIRA, P. S. O. (org.). Metodo-
logia das ciências humanas. São Paulo: Hucities/Unesp, 1998. p.
81-137.

20
Capítulo 2
A OBJETIVIDADE E A SUBJETIVIDADE
JORNALÍSTICA: ELEMENTOS CONDUTORES NA
PRODUÇÃO DO JORNALISMO IMPRESSO

Márcia Eliane Rosa

21
A Objetividade e a Subjetividade
Jornalística: Elementos Condutores na
Produção do Jornalismo Impresso

Os gêneros jornalísticos e suas fronteiras


Ao estudar e organizar as categorias jornalísticas brasileiras,
José Marques de Melo estabelece que os gêneros como a notícia,
a nota e a entrevista estão na categoria informativa e, na opinativa,
ficam os editoriais, artigos, críticas e comentários, entre outros. O
conflito é gerado, no entanto, quando falamos do gênero reporta-
gem: tipo de texto que, para o também pesquisador do tema, Luiz
Beltrão, cria outra categoria: a interpretativa. Melo discorda e en-
tende que esse gênero é, em princípio, informativo e que a ideia de
criar uma categoria interpretativa não fica muito clara, já que esta
está entre as funções de informar e opinar.
O tema é, de fato, polêmico e conflitante. Compreender o que é
interpretar, informar e opinar pede atenção às linhas de fronteiras
tênues que se apresentam. Divisões que ficam ainda mais inde-
finidas quando tentamos classificar e produzir gêneros que apre-
sentem o estilo literário no texto. Quando a proposta de produzir
e discutir a produção de textos em Jornalismo avança para essa
diversidade de gêneros, é preciso deixar claras as definições para
que se possa ter consciência e usar essa diversidade como ferra-
menta de trabalho. É preciso fazer com que o aluno conheça não
apenas a produção da notícia com todas suas intocadas caracte-
rísticas, tanto em conceito como estrutura, mas também a possibi-
lidade da reportagem com suas características informativas e inter-
pretativas, além dos textos que se aproximam muito da construção
literária, como as narrativas cronológicas do chamado Jornalismo
Literário.
Para essa tarefa, é fundamental compreender significados im-
portantes dos princípios jornalísticos que permitem o avanço em

22
entender essas divisões entre os gêneros. Nesse momento do
aprendizado, é importante fazer o aluno compreender a diferença
entre objetividade e subjetividade, elementos que, muitas vezes,
são confundidos com a pragmática na produção jornalística como
produzir um texto que “vá direto ao ponto”, busque a imparcialida-
de, isenção e outras características originárias do campo da pro-
dução. Enquanto o aluno pensa que essa é a formula para chegar
à objetividade tão almejada pelos jornalistas, ele não compreen-
de que a objetividade somente pode ser alcançada por meio de
um processo e exercício contínuos do jornalista, primeiro tomando
consciência das subjetividades inclusas no próprio sistema da pro-
dução jornalística e depois de sua própria subjetividade enquanto
sujeito se despindo de ideias pré-concebidas e possibilitando se
aproximar mais da realidade que ele pretende retratar. Vejamos
a seguir um pouco mais detalhados os elementos complicadores
para o alcance desse objetivo no processo da produção de texto.

A literatura e os conflitos no universo jornalístico


A literatura é a arte da criação verbal, da livre imaginação, mes-
mo que baseada nos fatos reais. Desenvolve-se nas bases da
dualidade entre a razão e a emoção. O Jornalismo tem, em suas
bases, o compromisso de retratar a realidade. Mas a ideia de fic-
ção e não ficção não pode ser tomada como única fonte para essa
diferença. Com diversas características inter-relacionadas, parece
possível afirmar que essas convergências textuais entre o Jornalis-
mo e a literatura são frequentes e trazem mais união que diferença,
e essas relações exercem múltipla influência:

As relações entre Jornalismo e literatura são múltiplas e ex-


traordinariamente variadas. Não se trata apenas de que, em
um ou outro caso, o instrumento fundamental – a palavra e
suas estratégias discursivas verbais – seja comum. No pro-
cesso de desenvolvimento histórico e de institucionalização
de ambas as séries discursivas, encontram-se coincidências
muito interessantes e interações mútuas. (CASTRO; GALE-
NO, 2002, p. 15)

Mas, se temos que falar em diferenças, a questão mais apropria-


23
da entre Jornalismo e literatura que melhor define esse dilema é
entender a função dos textos. “A principal finalidade do Jornalismo
é fornecer aos cidadãos as informações de que necessitam para
serem livres e se autogovernar” (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003,
p. 31). Já em literatura, a estética é o elemento central que orienta
o autor na construção do texto.
A preocupação do jornalista é com a informação do real, com
o reportar e o recortar da realidade. O pesquisador Gustavo de
Castro faz uma análise do texto jornalístico, comparando-o à lite-
ratura e, apesar de confirmar que alguns elementos como o estilo
enquanto método de pensamento, o gosto literário e o uso de argu-
mentos são importantes para a literatura e para o Jornalismo, há de
se entender que, na expressão estética, não existe essa unidade:

Bem que o Jornalismo poderia ter certa autonomia estética,


a exemplo da literatura, mas as limitações de espaço-tem-
po fazem com que ele pratique permanentemente o salutar
exercício do enxugamento, da síntese e da rapidez, e talvez
seja essa a precisão o que tem a ensinar à estilística literária.
(CASTRO; GALENO, 2002, p.79)

Alguns escritores e jornalistas defendem a postura de que Jor-


nalismo e literatura se diferenciam apenas pela questão do estilo.
Entre os vários comentários do escritor Gabriel García Márquez
sobre a natureza do Jornalismo e suas relações com o universo
literário, é comum encontrarmos a definição de Jornalismo como
um gênero da literatura. Tal posicionamento causa polêmica se
levarmos em consideração as definições de gêneros jornalísticos
pesquisados pelos professores Luiz Beltrão e, também, por José
Marques de Melo1.
Essa definição que aproxima o Jornalismo da literatura e até o
coloca como um gênero dela é indicada por diversos outros au-

1 Os gêneros podem ser definidos, basicamente, em três categorias: informativa (que especifica gê-
neros como notícia, nota), opinativa (que especifica gêneros como artigo, editorial, crônica e crítica)
e uma última categoria, que apresenta divergência entre os autores, a interpretativa (que especifica
gêneros como a reportagem).

2 Medel é catedrático de Literatura e Comunicação na Universidade de Sevilla.


24
tores, como lembra Medel2, ao citar Alejo Carpentier, um escritor
cubano que usa de grande erudição e cultura em seus trabalhos:
Para mim, o jornalista e o escritor integram uma só persona-
lidade... Poderíamos definir o jornalista como um escritor que
trabalha no calor da hora, que segue, rastreia o acontecimen-
to dia a dia, ao vivo. O novelista, para simplificar a dicotomia,
é um homem que trabalha retrospectivamente, contemplan-
do, analisando o acontecimento, quando sua trajetória tem
chegado ao final. O jornalista que trabalha no calor da hora
o faz sobre a matéria ativa e cotidiana. O romancista a con-
templa na distância com a necessária perspectiva como um
fato cumprido e terminado. (CASTRO; GALENO, 2002, p. 20)

O argumento que distancia Jornalismo e literatura, na maioria


das discussões sobre o tema, é a ideia da objetividade e da exa-
tidão que o Jornalismo contemporâneo incorporou. A professora
Florence Dravet valoriza a contextualização da reportagem e cri-
tica os moldes nos quais o texto da notícia se desenvolveu, na
padronização, em busca de lucros, quando deixou o leitor na ânsia
da amplitude do recorte social:

O Jornalismo industrializado oferece, portanto, informações


ditas objetivas e claras para serem consumidas por leitores
obedientes, resignados, submissos, semimortos. Se os cha-
mo de semimortos é porque um leitor que quer ler notícias
claras e objetivas é um leitor sem desejo, sem paixão, um lei-
tor que não quer envolver suas emoções, suas experiências,
sua subjetividade, no ato da leitura. Quero acreditar que esse
leitor não existe como sujeito, que só pode existir no imagi-
nário das sociedades de consumo industrial; que ele sempre
é o outro, o produto da representação criada para que tenha
gente se comportando como leitor semimorto. (CASTRO;
GALENO, 2002, p.87)

Dravet pontua, de forma crítica, a postura dos jornalistas ao cul-


pá-los por não oferecerem mais qualidade no material produzido:

Os jornalistas, como os escritores, precisam ouvir, ler e es-


crever, compreender e interpretar, exercer sua sensibilidade,
saber e conhecer através dos escritos e ditos dos outros.
Mas precisam, sobretudo, dar nova vida ao leitor que está
morrendo. Porque o patrimônio cultural e universal que é a
língua não existe por si só, mas depende de nossa subje-

25
tividade para se transformar em objetos de arte, poesias,
músicas, lições, mas também em notícias e crônicas. E se
esse papel é, hoje, o do Jornalismo, é porque a indústria da
informação tomou, nas sociedades modernas, parte da cena
da educação. Vítimas e acusados, os jornalistas não podem
mais jogar palavras inconsideradas na lagoa do conhecimen-
to de seus leitores. (CASTRO; GALENO, 2002, p. 90-91)

A reportagem, outra história


Ao analisar o trabalho de João do Rio, em “Notícia: um produto
à venda” (1988), a professora Cremilda Medina identifica aspectos
da reportagem que trazem, novamente, à discussão a controverti-
da questão sobre onde começa o Jornalismo e termina a literatura
ou vice-versa. Os textos de João do Rio recontam a história por
meio de uma observação direta e antecipam informações, além de
apresentar elementos encontrados na narrativa literária, conforme
constatações apresentadas pela autora (MEDINA, 1988, p. 60),
conforme sintetizamos a seguir:

Quanto ao universo da informação jornalística no processo


de captação de dados:
A) A observação da realidade;
B) A coleta de informações (entrevistas e fontes especificas);
C) A ampliação da informação com aprofundamento de contex-
to, humanização e reconstituição histórica.

Quanto ao tratamento estilístico no processo de construção


de texto de reportagem:
A) A descrição de ambientes (repórter como narrador);
B) O diálogo (repórter/fonte);
C) A frase e os recursos literários.

Medina (1988) aponta, assim, os aspectos do início da reporta-


gem presentes nas características da produção de João do Rio e
tenta encerrar a discussão entre Jornalismo e literatura:

Um aspecto se tornou claro: não se trata de discutir as ma-


nifestações da mensagem jornalística conforme uma classifi-
26
cação literária de gêneros. Nem cabe a velha questão: Jorna-
lismo, um gênero literário? O fato da palavra, o signo verbal,
ser um elemento comum e o fato de, numa fase histórica, o
escritor se confundir com jornalista, não sustenta o enqua-
dramento do Jornalismo na literatura, nem em sua divisão de
gêneros. (MEDINA, 1988, p. 66)

O professor e pesquisador Edvaldo Pereira Lima classifica o


“Jornalismo Literário” como uma modalidade que apresenta recur-
sos oriundos do universo da literatura, ou seja, recursos narrativos
desenvolvidos pela literatura de ficção.
Lima define Jornalismo Literário como uma modalidade da prá-
tica da reportagem de profundidade e do ensaio jornalístico que se
utiliza de recursos de observação e redação com origem ou inspi-
ração na literatura. As principais características dessa modalidade
são a imersão (o mergulho do repórter no universo da história) e a
voz autoral (a presença do estilo de produção e estrutura de tex-
tos próprios do repórter). Além dessas, há o uso de simbologias
e metáforas e, principalmente, a humanização, que caracteriza o
fato por ser contado e visto sob uma dimensão humana e, nessa
abordagem, as pessoas não são simples fontes.
As características do texto encontradas por Cremilda Medina
e Edvaldo Pereira Lima convergem em aspectos que conceituam
a reportagem no Jornalismo. É de comum compreensão dos au-
tores que, tanto os aspectos narrativos, citados por Medina, e as
características literárias, abordadas por Lima, trazem elementos
necessários para o desenvolvimento da chamada reportagem de
profundidade.
A possibilidade de abordar o texto de uma forma humanizada é
o que se destaca nas duas concepções de reportagem. A pesquisa
do tema e a coleta de informação de uma forma bastante presen-
cial do repórter, citados pela professora, é o que Lima chama de
imersão, ao entender a presença do repórter para uma vivência
com suas fontes e o objeto, o que facilita a humanização da produ-
ção jornalística.
Quando Medina aborda o “tratamento estilístico” da matéria e
aponta para o uso de diálogos e “frases literárias”, parece interes-
27
sante lembrar o que o professor Lima caracteriza como digressão
do texto no Jornalismo Literário. É proposta a busca de novas
possibilidades de tratar um assunto, ao desviar-se, ao fugir e afas-
tar-se do tema e dos personagens centrais. Trata-se de um artifício
para criar novas formas de compreensão da realidade. Assim, tam-
bém, é possível trazer para os textos referenciais contextualizados
que tornam mais claros determinados acontecimentos e atitudes.

Os mitos entre objetividade e subjetividade


Perseu Abramo (2003) é bem esclarecedor ao tratar esse tema.
Segundo o autor, os dois extremos, objetividade e subjetividade,
podem ser alcançados sempre de forma gradual, ao se respeitar o
universo do conhecimento. Para Abramo, num primeiro momento,
é preciso diferenciar objetividade de elementos que aparecem vin-
culados à ideia de neutralidade, imparcialidade e isenção. Estes,
considerados como virtualidades do Jornalismo, somente são atin-
gidos se respeitadas as regras no campo da ação:

O conceito de objetividade, porém, situa-se em outro campo,


que não o da ação: o campo de conhecimento. (...) A obje-
tividade tem a ver com a relação que se estabelece entre o
sujeito observador e o objeto observável (a realidade externa
ao sujeito ou externalizada por ele), no momento do conheci-
mento. (ABRAMO, 2003, p. 39)

Para obter contextualização e afetar o espírito crítico e a sensibili-


dade do leitor, é preciso que a subjetividade seja expressa por meio
da emoção e da descrição dos fatos e momentos. Esse elemento,
quando incorporado ao texto, não elimina o processo objetivo do
jornalista que deve estar compromissado com o distanciamento de
estereótipos e se despir de preconceitos. Esse procedimento não
está no campo da ação, mas sim, no universo do conhecimento.
O pensamento de Perseu Abramo nos deixa diante dessa se-
paração entre objetividade e subjetividade. A expressão da emo-
ção e a descrição de espaços, ambientes e pessoas expressam a
subjetividade do repórter, mas parece um formato honesto quanto
à informação. O texto oferece ao leitor a possibilidade de ver um
28
recorte daquele fato social sob o olhar autoral do jornalista que es-
creve o que não é diferente do que acontece em toda a produção
jornalística, atitude repelida em parte das redações atuais.
Pensar nesse fato é afetar o universo mecanicista da padroniza-
ção, no qual a suposta objetividade é perseguida como forma de
deixar o texto mais exato. É ter a objetividade como regra, como
proposta a ser desenvolvida no campo da ação, que, se utilizada
pelos jornalistas sem a devida relatividade, deixaria o texto obtuso
na exploração da realidade retratada que precisa dialogar com tan-
tas outras instâncias.

Considerações para debate


Assim, no processo de aprendizagem de produção dos textos,
as principais dificuldades estão em:

a. Desmitificar o conceito de objetividade impregnada no senso


comum da ideia de Jornalismo;
b. Construir a ideia de compreensão sobre o exercício de estar
aberto para descobrir a realidade de forma mais livre possível das
subjetividades produzidas pelo sistema de produção jornalística e
de suas próprias subjetividades.

Entendido o conceito, o segundo passo, que se dá através das


análises e da produção de reportagens, é perceber que:

a. O texto interpretativo não é totalmente objetivo e o interpre-


tador deve saber que não encontrará a verdade, mas uma parte
dessa verdade, o que não torna a interpretação menos verdadeira.
O texto interpretativo deve oferecer diferentes ângulos de visão da
situação, complementando-as com históricos, depoimentos, dados
estatísticos, documentário fotográfico, outras ilustrações, enqua-
dramentos ideológicos, prognósticos;
b. Perceber que opinião nada se aproxima da tarefa de infor-
mar, de compor textos que trabalhem fatos a serem apresentados
dentro de uma linha de objetividade, também de isenção e distan-
29
ciamento. A opinião deve trazer o modo de ver, de pensar, de deli-
berar um parecer, um conceito, um juízo valorativo, uma ideia, um
princípio, uma doutrina;
c. Perceber que os textos do universo de Jornalismo Literário
usam da subjetividade como forma de trazer ao leitor maior com-
preensão daquela realidade sem necessariamente opinar, mas
descrever;
d. A opinião do autor sobre seus sentidos, quando texto autoral,
são apenas metafóricos e não a opinião sobre o fato ou informação
objetiva daquela realidade retratada.

De forma geral, é preciso esclarecer para o aluno que somente


podemos tomar consciência do processo de produção dos textos,
usando a diversidade de gêneros como instrumento de trabalho,
quando sabemos buscar a objetividade e nos livrar o máximo pos-
sível da subjetividade. Esse fator se dá quando estamos prepara-
dos para distinguir o externo, ou seja, os elementos que se apre-
sentam de forma prática no momento da produção jornalística e
discernir o interno, ou seja, os elementos internalizados por nós
enquanto formação e que podem interferir no reconhecimento da-
quela realidade. Somente assim é possível alcançar autonomia na
produção dos distintos gêneros jornalísticos e, principalmente, as
suas funções informativas, interpretativas e opinativas.

Referências bibliográficas:
ABRAMO, P. Padrões de manipulação da grande imprensa. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003.
AMARAL, L. A objetividade jornalística. Porto Alegre: Sagra-Luz-
zatto, 1996.
BELTRÃO, L. Jornalismo interpretativo. Porto Alegre, Sulina,
1976.
CASTRO, G.; GALENO, A. Jornalismo e literatura: a sedução da
palavra. São Paulo: Escritura, 2002.
KOVACH, B.; ROSENSTIEL, T. Os elementos do Jornalismo. São
30
Paulo: Geração Editorial, 2003.
LIMA, E. P. Páginas Ampliadas – o livro-reportagem como exten-
são do Jornalismo e da literatura. Barueri (SP): Manole, 2004.
MEDEL, M. A. V. Discurso literário e discurso jornalístico: conver-
gências e divergências. In: CASTRO, G.; GALENO, A. Jornalismo
e literatura: a sedução da palavra. São Paulo: Escritura, 2002, p.
15-28.
MEDINA. C. A. Notícia: um produto à venda: Jornalismo na Socie-
dade urbana e Industrial. 2. ed. São Paulo: Summus, 1988.
MELO, J. M. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis (RJ):
Vozes, 1985.

31
Capítulo 3
O ENSINO E A EXTENSÃO EM JORNALISMO DIANTE
DA DEMANDA POR INFORMAÇÃO LOCAL

Antonio Carlos Sardinha


Marli Barboza da Silva

32
O Ensino e a Extensão em
Jornalismo Diante da Demanda por
Informação Local

Introdução
O Jornalismo como atividade de interesse público tem histori-
camente se consolidado como prática indispensável em uma so-
ciedade democrática, por garantir, a partir de seus fundamentos
como campo profissional e de conhecimento, o direito à informação
de interesse coletivo apta a subsidiar e fortalecer a cidadania dos
cidadãos que buscam informar-se para participar e atuar de manei-
ra autônoma no cotidiano onde vivem (KOVACH e ROSENSTIEL,
2004).
No cenário contemporâneo, marcado pela globalização e pelo
avanço das tecnologias, a produção de informação jornalística tem
sofrido impactos com as mudanças do mercado de mídia, cada vez
mais concentrado e comprometido com a rentabilidade, o que con-
tribui para uma cobertura jornalística pouco aprofundada e crítica
para temas e questões de interesse da sociedade (MARCONDES
FILHO, 2002).
A operação do mercado de mídia, marcado pelas grandes cor-
porações, aprofunda a circulação vertical de informação. Os meios
de comunicação jornalísticos apresentam dificuldades para atender
às demandas do cotidiano dos seus leitores, que pouco se veem
representados no noticiário de sua cidade e/ou região.
Somando a isso, está a dificuldade da imprensa, sobretudo da
imprensa regional e local, em se debruçar para a cobertura de uma
agenda social envolvendo direitos humanos e políticas públicas
(VIVARTA e CANELA, 2006) como tópicos centrais diretamente re-
lacionados ao cotidiano dessas comunidades.
Temas ligados aos direitos sociais, econômicos, culturais e polí-
ticos formatam uma agenda pública necessária de ser discutida, a
33
partir da mediação do Jornalismo. Problemas no acesso à saúde,
informações de utilidade pública sobre alimentação, discussões so-
bre a eficácia de ações do poder público nas áreas de saneamento
básico e emprego, além das dificuldades para implementar políti-
cas culturais e educacionais, são temas que ilustram uma gama de
questões que estão fora da cobertura e da pauta dos veículos de
comunicação, a chamada grande mídia.
Por outro lado, a imprensa local ainda tem restrições técnicas
e profissionais para cobrir e tratar desse conjunto de questões en-
volvendo essa agenda social. Nesse cenário, a demanda por in-
formação local, voltada a atender o direito em saber, conhecer os
problemas envolvendo o cotidiano da comunidade, não é corres-
pondida pelo conjunto dos meios de comunicação locais, apesar
de sua importância em atuar como fórum público comunitário. Em
tempos de globalização e de tecnologias, o local como território e
espaço de cidadania ganha um sentido peculiar, exigindo do Jor-
nalismo que repense seu lugar e papel no contexto das sociedades
contemporâneas (SILVA e SOARES, 2011).
As mudanças e possibilidades sociotécnicas trazidas pelas no-
vas tecnologias da informação e da comunicação e pela própria
internet têm sido colocada com uma forma estratégica para com-
pensar os déficits por informação local. Os recursos de interativida-
de e proximidade com o leitor, a participação mais protagônica do
público no envio, na produção e na divulgação da informação pelos
recursos das novas mídias pontuam as possibilidades para o Jor-
nalismo em revitalizar a esfera pública local com agendamento de
temas e questões de interesse da comunidade pela proximidade e
interação por meio dos recursos da internet. O campo de investiga-
ções em torno do Jornalismo digital tem se debruçado sobre essas
questões, em especial sobre o chamado Jornalismo colaborativo e/
ou cidadão, que inclui a participação do público leitor no processo
de produção da informação por meio dos recursos de participação
da internet.
Nesse contexto, portanto, o presente artigo apresenta a atuação
da Focagen (Agência Júnior de Jornalismo), vinculada ao curso de
34
Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat),
como espaço experimental para prática do Jornalismo com viés ex-
tensionista, na perspectiva de contribuir com a formação profissio-
nal dos acadêmicos diante da integração e convergência midiática
e dos desafios para atuação dos profissionais de Jornalismo na
sociedade digital e em cidades de pequeno porte.
Ao mesmo tempo, a agência busca tornar-se espaço de pres-
tação de serviço à comunidade local com a oferta de informação
jornalística capaz de atender à demanda por informação local,
apropriando-se dos recursos e possibilidades das tecnologias na
promoção do Jornalismo participativo e cidadão.

O ensino de Jornalismo diante das demandas locais


A formação em Jornalismo demanda encontrar saídas pedagógi-
cas para preparar o acadêmico no cenário cada vez mais complexo
para produção do Jornalismo diante das mudanças tecnológicas,
da necessidade de atender o direito à informação das comunida-
des e sociedades e da necessidade de subsidiar a participação e a
cidadania dos públicos consumidores de notícias. Do ponto de vista
da pesquisa científica, compreender e buscar saídas para fortale-
cer o campo profissional do Jornalismo e garantir sua legitimidade
como atividade pública que se relaciona de maneira umbilical com
a cidadania são questões que provocam a busca de alternativas
para produção da informação.
Identifica-se, nesse contexto, uma demanda em qualificar a pro-
dução de informação para a cobertura de uma agenda social que
inclui os direitos sociais, econômicos, sociais e culturais e o com-
plexo e amplo tema das políticas públicas responsáveis pela garan-
tia de direitos e promoção da cidadania, desde a institucionalização
das políticas sociais após a constituição de 1988 (BONETTI, 2006;
BEHRING e BOSCHETTI, 2006).
As comunidades e as sociedades locais exigem do Jornalismo
nessas esferas uma cobertura representativa das questões coti-
dianas envolvendo a realidade em que vivem. Ao mesmo tempo, o
Jornalismo local marcado em sua maioria por uma cobertura oficial
35
e institucional tem tido dificuldade para captar e se aproximar des-
sa realidade, que se coloca para a cobertura jornalística, dificultan-
do que os jornais locais tornem-se a esfera pública para o debate
sobre questões de interesse coletivo. Isso porque as notícias, ao
surgirem no tecido social existente, são capazes de configurar re-
ferentes coletivos e gerar determinados processos modificadores
dessa mesma realidade (SOUSA, 2002).
As tecnologias da informação e da comunicação, somadas ao
potencial comunicativo do espaço virtual para a prática do Jorna-
lismo, desafiam a implantação de projetos de mídias informativas
capazes atender ao cenário exposto.
O presente projeto, portanto, ao propor como extensão a imple-
mentação e o funcionamento de uma agência de notícias, capaz
de potencializar e expressar os esforços no âmbito do ensino e
da pesquisa em torno do Jornalismo digital e das demandas por
coberturas especializadas na agenda social, em interface com as
demandas locais pelo direito à informação, busca atender diretrizes
previstas na Política Nacional de Extensão para a área.
A comunicação na extensão universitária deve contemplar o uso
e a relação com os meios. Reconhece-se que a área de comunica-
ção está a dever uma proposta mais efetiva para o uso público dos
meios de comunicação da própria universidade, uma vez que não
são apenas meios de comunicação da instituição de ensino, mas
espaços relevantes para extensão na garantia do direito à informa-
ção e à comunicação.
Nessa perspectiva, a busca por apropriar-se dos veículos de
comunicação institucional e/ou laboratorial (pensados sob a ótica
acadêmica e pedagógica), entendendo-os como produtores e difu-
sores de conteúdo público e educativo, precisa também estar co-
nectada a uma vertente emancipatória, capaz de superar a típica
ação assistencialista do público alvo das ações extensionistas de
comunicação.
Pensar uma agência universitária de notícias para prática la-
boratorial e estágio acadêmico para formação de estudantes de
Jornalismo, considerando os desafios teóricos e conceituais de
36
produção do Jornalismo digital local, é considerar o funcionamento
dos sistemas de mídias digitais e o redesenho que a produção de
informação assume com a internet.
Por isso, a proposta editorial da Focagen, além de preocupar-se
com a cobertura local de uma agenda social negligenciada pelos
veículos de comunicação, busca trabalhar com a referência do Jor-
nalismo colaborativo (e/ou Jornalismo cidadão), que permite incluir
a comunidade nas decisões editoriais da cobertura, a construir e a
publicar seus relatos com a produção de informação com a partici-
pação e a perspectiva dos próprios leitores, de forma a garantir e
explorar o potencial interativo e participativo de uma proposta edi-
torial para o formato digital e das demandas por informação local,
apta a ser suprida por uma cobertura jornalística qualificada.
Vivemos em uma sociedade da informação. Os jovens nascidos
na era do computador são extremamente sensíveis ao mundo das
comunicações. Sabem usar tudo o que o aparelho eletrônico pos-
sa lhes oferecer. São os protagonistas desse magnífico mundo de
imagens, sons, textos que se complementam numa intertextualida-
de baseada na interlocução.
Para Castells (1999), nas redes de trocas de informações e ma-
nipulação de símbolos, são estabelecidas relações entre os atores
e as instituições sociais. Em tal cenário, é importante destacar con-
ceitos plurais – éticos, técnicos, estéticos – para uma compreen-
são do Jornalismo, que terá de assumir uma linguagem narrativa
e uma eficácia argumentativa no espaço público. Na medida em
que esteja à altura das complexidades do mundo em que vivemos,
o Jornalismo torna-se confiável para a expressão, a viabilização e
a elucidação dos confrontos discursivos das ações humanas, na
nova dinâmica da atualidade (CHAPARRO, 2001).
No âmbito das transformações contemporâneas e que perpas-
sam as mutações sociotécnicas e discursivas que afetam o campo
jornalístico, destaca-se que, nos limites da modernidade-mundo
(IANNI, 2000), estão os lugares de memória, de imagens fortemen-
te simbólicas, que se instauram movimentos específicos mais am-
plos com relação a valores e aos próprios conceitos de espaço e
37
tempo partilhado pelas pessoas (SILVA; SOARES, 2011).
A ciência, a tecnologia e a informação, com seus respectivos
estatutos cognitivos e dispositivos, estão nas bases de todas as
formas de utilização do espaço/tempo contemporâneos. O mundo
se globaliza e, ao mesmo tempo, hierarquiza-se e fragmenta-se,
fazendo emergir uma nova relação entre o global e o local: ao se
unificarem no global e se unirem no local, as diferenças e contradi-
ções – portanto, identidades – só podem aparecer enquanto locais
(SILVA; SOARES, 2011, p. 187).
O cotidiano surge como quinta dimensão do espaço. O tempo
do cotidiano compartilhado é um plural, o tempo dentro do tempo,
segundo Milton Santos (1993). Nesse contexto, como compreen-
der o Jornalismo, enquanto instituição social que, nascida sob a
égide da modernidade, é desafiado no âmbito das transformações
disseminadas pelas redes midiáticas globais. Apesar das mutações
tecnológicas que impactam sobremaneira o mercado da informa-
ção e o fazer jornalístico, o Jornalismo em si mantém seus funda-
mentos como instituição produtora de sentido. Fundamentos esses
que estão para além dos processos de produção da informação, ao
contrário, incluem também os diversos e distintos modos de recep-
ção da notícia.
Conforme Jorge Pedro Sousa (2002), as notícias, dentre tantas
funções, participam na definição de uma noção partilhada do que é
atual e importante e do que não o é, elaborando o que se conven-
ciona como conhecimento singular (MEDISTICH, 1992) sobre a re-
alidade e sugerindo, a partir do fórum de debate que promove, res-
postas às perguntas que cotidianamente os cidadãos enfrentam.
O consumo de notícias reforça ou transforma pequenas ações coti-
dianas até as decisões políticas que tomamos na vida social.
Diante do descolamento que os jornais tiveram das demandas
e questões de interesse de sua comunidade de leitores (KOVACH;
ROSENSTIEL, 2004), pela própria dinâmica da produção da infor-
mação em função de mudanças no mercado, o Jornalismo tem tido
dificuldade para garantir que seus fundamentos históricos organi-
zem a prática profissional e atenda aos preceitos e às demandas
38
como função pública de natureza fundamental em sociedades de-
mocráticas.
A internet surge como mais um meio a desafiar a produção de
notícias e em meio à fluidez desmedida de informação e da partici-
pação de leitores na produção e difusão de conteúdos informativos.
A queda de circulação de jornais, mais do que revelar a com-
petição entre as mídias, demonstra que os padrões de consumo
e acesso à informação jornalística passam para uma revisão, exi-
gindo novas narrativas e práticas criativas do fazer jornalístico que
aproveite os potenciais desse cenário proporcionado pelas novas
tecnologias e que seja capaz não só de atender às questões es-
téticas, éticas e técnicas do Jornalismo e sua reafirmação como
valores fundamentais da profissão nesse cenário, como também
posicionar o papel e o lugar do Jornalismo como discurso singular
e produtor de sentido em meio à constante e indiscriminada fluidez
de dados e informações.
O potencial comunicativo da internet como mídia para o Jornalis-
mo (PINHO, 2003), considerando os recursos da interatividade e de
participação de usuários e os formatos de consumo de informação,
bem como a natureza e consumo do conteúdo jornalístico (FER-
RARI, 2003), surgem como possibilidade para atender à demanda
por informação local, uma tendência em países como os Estados
Unidos, para garantir a sustentabilidade das próprias empresas de
mídias, que procuram atender a demandas por informação local
em tempos de globalização e oligopolização e concentração na
indústria da informação jornalística (formada por grandes redes e
cadeias de rádios, jornais e televisões).
O Jornalismo na plataforma digital dialoga de modo mais pre-
sente com a participação de leitores, convivendo com sua ação
mais pró-ativa em não só agendar e pautar a cobertura, mas moni-
torar e apontar críticas ao trabalho dos profissionais de mídia quan-
to à abordagem, ao tratamento e até mesmo à ausência de rigor
na apuração e na reportagem dos fatos e questões de interesse
público.
A participação assume um caráter colaborativo em muitas situa-
39
ções. É o chamado Jornalismo colaborativo (BRAMBILLA, 2006) e/
ou Jornalismo cidadão, em que o leitor participa da produção e da
divulgação da notícia, assumindo o papel de repórter ao informar
e pautar temas de interesse de sua comunidade, sempre distantes
da agenda oficial de cobertura dos jornais.
A prática do Jornalismo sob a perspectiva participativa com a
presença de leitores, como preferimos adotar para fins de conceito
neste artigo, tem sido problematizada por pesquisadores pela rela-
ção contraditória, tensa e nem sempre consensual que se estabe-
lece entre comunicadores cidadãos e as redações com propostas
editoriais pouco comprometidas com a cobertura da agenda social.
De todo modo, têm-se verificado experiências nesse sentido em
jornais mundo afora, sobretudo no Brasil.
Conforme Primo (2004), a interação no Jornalismo na internet
pode ser interativa-reativa, própria da navegação. É uma intera-
ção cujas trocas são pré-determinadas em uma lógica de ação-re-
ação, como acontece nos espaços abertos para opinião do leitor e
o recurso de enquete. Mas há outras formas de interação, como a
interação mútua, na qual o processo interativo é negociado entre
os participantes, com impacto recursivo sobre a interação, seus
participantes e produtos (PRIMO, 2004). É o Jornalismo de inter-
net chamado de participativo que conta, no qual o interagente é
integrado ao processo de produção da notícia. Os termos corren-
tes para designar as notícias, reportagens, peças audiovisuais e
imagens produzidas por qualquer interagente e distribuídas no ci-
berespaço são Jornalismo cidadão (citizen journalism), Jornalismo
participativo, grassroots Journalism, e Jornalismo opensource (isto
é, de fonte aberta). O desafio, no entanto, é fazer com que a práti-
ca colaborativa possa ser referenciada pela credibilidade e o rigor
da linguagem e métodos do Jornalismo e de seu campo profissio-
nal e de conhecimento, para que a participação e a colaboração
dos leitores, mesmo que pró-ativa e participativa, no conjunto do
processo de produção, reportagem, edição e publicação, não seja
descaracterizada e/ou usada para suprir a necessidade de um Jor-
nalismo local de qualidade, apto a atender à demanda por direito
40
a receber informação e proporcionar alterações no cotidiano das
comunidades.

A agência e sua atuação no contexto do ensino e extensão


A Focagen (Agência Júnior de Jornalismo do curso de Comuni-
cação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade do
Estado de Mato Grosso – Unemat) foi criada em 18 de maio de
2009, para atender a uma necessidade da disciplina de Jornalismo
Digital, quando foi elaborado seu regimento interno e constituída
de fato. O nome Focagen foi escolhido por alunos da instituição via
concurso, realizado pelo Departamento de Jornalismo.
Institucionalizada via projeto de extensão no ano de 2012, tendo
como intuito servir de espaço de estágio para os acadêmicos do
curso de Jornalismo, seu regimento interno é atualizado. A partir de
então, a agência propõe-se a oportunizar aos alunos do curso de
Jornalismo vivência prática da profissão, dentro da área de Jorna-
lismo digital. Além disso, tem como intuito ofertar conteúdo jorna-
lístico voltado a atender às demandas por informação de interesse
público local da comunidade acadêmica e da sociedade em geral
de Alto Araguaia (MT).
A Focagen é uma agência experimental de notícias para práti-
ca de estágio supervisionado e para a difusão dos produtos ela-
borados nas disciplinas de formação profissional, como Redação
e Reportagem, Jornalismo Digital, Assessoria de Comunicação e
Imprensa, Planejamento Gráfico e Fotojornalismo. Comprometi-
da com os princípios e fundamentos históricos do Jornalismo, tem
como função garantir abordagem plural e equilibrada sobre temas
de interesse público local, com a finalidade de promover debate
público e o acesso à informação.
Na tentativa de suprir a carência que existe em Alto Araguaia e
região por informação apta e qualificada, a agência contribui com a
prestação de serviço à comunidade local, por meio da elaboração
de pautas, apuração, entrevistas e edição de conteúdos voltada
ao webjornalismo. Ao mesmo tempo, apresenta-se como espaço
alternativo e experimental à formação acadêmica no curso.
41
A missão principal da Focagen é produzir informação jornalística
comprometida com a independência, a credibilidade e a pluralida-
de, na proposta de atender ao direito à informação da comunidade
de Alto Araguaia e região.
O curso de Comunicação Social atende a uma região geoedu-
cacional que, além de compreender os quatro municípios da sua
microrregião, localidades entre as quais é possível o descolamento
diário, ou seja, inferior a 100 km, tem um universo demográfico
próximo a 40 mil habitantes.
A consolidação do curso e as contribuições oferecidas em uma
região com demanda por formação nessa área, no entanto, trou-
xeram novos desafios envolvendo o mercado de mídia local e os
desafios contemporâneos inerentes à profissão, à formação e à
produção de conhecimento na área.

Figura 01- Blog da Focagen

O curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo


alcançou os seus objetivos iniciais, ou seja, atender à Microrregião
de Alto Araguaia e as microrregiões vizinhas de Goiás, já que pas-
sou a receber acadêmicos de outras mesorregiões do Estado de
42
Mato Grosso e de outros estados vizinhos.
Nessa etapa de consolidação do curso, foi possível perceber
a sua importância na formação de jornalistas, como também na
produção de conhecimentos capazes de contribuir para fortalecer
o campo profissional e qualificar o mercado de mídia local, com as
especificidades e demandas do Jornalismo nesses espaços.
O mercado local possui uma emissora de televisão, uma rádio
FM e um site de variedades, que traz algo de notícia local, além
de uma rádio online. No entanto, ao analisar empiricamente os
conteúdos produzidos por essas mídias, pudemos observar que a
imprensa local tem restrições técnicas e profissionais em cobrir e
tratar desse conjunto de questões envolvendo a agenda social das
comunidades. A atuação dos veículos acompanha a perspectiva
oficial de cobertura da imprensa interiorana, atrelada fortemente à
agenda do poder público local.
Em relação aos demais municípios que compõem a Microrregião
de Alto Araguaia, a cidade vizinha, Santa Rita do Araguaia (GO),
não possui veículos de mídia local. Alto Garças (MT), a 56 km de
Alto Araguaia, possui apenas uma rádio comunitária que dá supor-
te e busca atender à demanda por informação. O município de Alto
Taquari (MT), distante aproximadamente 70 km, possui um canal
de televisão, um site de notícias e um blog. O agenciamento das
notícias se dá na perspectiva do poder local, em discursos unilate-
rais e promocionais da figura dos gestores e grupos políticos locais.
Registra-se a ausência de agendamento sobre temas da agenda
local sobre a dinâmica cotidiana das comunidades.

O funcionamento da Agência Júnior


A Focagen possui infraestrutura própria e cria situações que es-
timulem o aluno a expressar atitude de cooperação e intercâmbio
da instituição de Ensino Superior e a comunidade (mediante meios/
problemas), por meio do planejamento, desenvolvimento e manu-
tenção do blog Focagen (http://focagen.wordpress.com), a partir
dos preceitos do webjornalismo, que objetivem oferecer incremen-
to das mudanças necessárias à melhoria dos processos de comu-
43
nicação social e instrumentar esses processos com novas técnicas
e métodos próprios para atender à sua demanda.
Para viabilizar o funcionamento da agência, elaborou-se o pro-
jeto de extensão “Focagen – Agência de Jornalismo”, instituciona-
lizado via Pró-Reitoria de Extensão e com financiamento institucio-
nal de bolsistas.
Sob a supervisão do Departamento de Jornalismo, a agência
produz conteúdo jornalístico para a web, com envolvimento e parti-
cipação dos alunos do estágio supervisionado e demais disciplinas
que desenvolvam produtos informativos como podcasts, vídeos,
textos e fotos, a serem divulgados por meio do blog da agência.
Dessa forma, a Agência Júnior é espaço experimental para prá-
tica do Jornalismo e tem como perspectiva contribuir com a forma-
ção profissional dos acadêmicos, diante da integração e da conver-
gência midiática e dos desafios para atuação dos profissionais de
Jornalismo na sociedade digital.
Ao apropriar-se dos recursos e das possibilidade das tecnolo-
gias na promoção do Jornalismo participativo e cidadão, a Focagen
torna-se espaço de prestação de serviço à comunidade local, com
a oferta de informação jornalística capaz de atender à demanda por
informação.
Na busca por alternativas criativas para atender às problemáti-
cas de comunicação da região, em relação à falta de informação de
interesse público, a Focagen surge como uma proposta integran-
do ensino, pesquisa e extensão. Ao mesmo tempo, atende a uma
necessidade interna do curso, por espaço de difusão da produção
elaborada nas disciplinas de formação profissional e como campo
interno de estágio supervisionado para atender aos alunos traba-
lhadores.
A equipe, composta por bolsistas vinculados ao projeto de ex-
tensão, professores e alunos matriculados nas disciplinas de está-
gio supervisionado, é organizada a partir das habilidades e compe-
tências de cada membro. São utilizadas reuniões de equipe para
definição de papéis e atividades desenvolvidas. Também adota-se
a dinâmica circular, de construção coletiva, que parte do princípio
44
de que as redes são construídas por meio de ‘nós’ intencionais,
agrupados para promover intercâmbio, diálogo, reflexão e produ-
ção. Esse é o princípio que a Focagen busca proporcionar enquan-
to vivência aos alunos.
A primeira etapa para estruturar a agência foi a discussão e a
pesquisa exploratória para definir formatos, natureza e linha edito-
rial que orientam a cobertura jornalística. Esse foi um momento de
discussão acerca das perspectivas e dos desafios técnicos, éticos
e estéticos do Jornalismo, assim como os desafios do Jornalismo
participativo e de sua relação com o trabalho profissional.
O trabalho de organização e preparação das equipes de repor-
tagem e de colaboração subsidia a formatação das propostas e
dos temas de cobertura jornalística da agência, iniciando a partir
daí a etapa de produção de conteúdo, com definição do cronogra-
ma de atualização, seguido das respectivas reuniões de pauta. A
produção de conteúdo é de caráter permanente, com atualização
semanal do conteúdo conforme cronograma e rodízio das equipes,
definidos previamente. O mesmo procedimento foi adotado para
avaliação do processo de produção jornalística e do conteúdo pu-
blicado.
A produção da agência tem como foco a agenda das políticas
públicas relativa às demandas por direitos no âmbito da comuni-
dade e conteúdos ligados ao cotidiano comunitário. A partir dos
conceitos e da prática do Jornalismo colaborativo e cidadão, o pro-
jeto possibilitou aos alunos, via oferta de oficinas à comunidade
estudantil da rede pública de ensino estadual e municipal local, a
vivência de reais situações prático-metodológicas que viabilizaram
realizar a integração dos conhecimentos adquiridos e produzidos
no decorrer do curso.
Na busca pela participação cidadã, realizamos oficinas sobre
Jornalismo colaborativo e pactuação das formas de participação
de repórteres cidadãos em uma das comunidades da cidade, com
o intuito de que membros da comunidade tornem-se futuros cola-
boradores do blog.
Temas como “crítica da mídia”, “produção de notícia” e “criação
45
de blogs” foram abordados e discutidos nas oficinas com alunos
da rede pública de ensino, com o objetivo de fomentar a formação
de uma rede de blogueiros e consumidores capazes de pensar as
problemáticas comuns à sua comunidade. Ao mesmo tempo, essas
discussões possibilitaram a inserção de novas pautas na agenda
da Focagen, contribuindo para a produção de novos conteúdos,
assim como aproximando o futuro jornalista das demandas reais
da comunidade local.
Essa dinâmica de trabalho adotada pela Agência Júnior de Jorna-
lismo foi considerada “inovadora” e “estimulante” por alguns alunos
bolsistas e estagiários do curso. Todo o processo de planejamento,
mobilização, execução e avaliação das oficinas foi empreendido
pelos estudantes do curso, bolsistas e estagiários, com acompa-
nhamento e orientação de docentes. Registra-se que o processo
de mobilização para as oficinas foi dificultado, pois as escolas es-
taduais da rede pública de ensino aderiram à greve deflagrada no
segundo semestre de 2013 por um período de quase dois meses,
o que demandou criatividade e empenho dos alunos/bolsistas para
realizar as oficinas. Para executar o cronograma proposto pelo pro-
jeto, foi necessário reduzir o número de oferta de turmas/oficinas.
As primeiras oficinas realizadas junto a jovens estudantes de
escola pública local demonstrou que, além de perceberem a falta
da representação e de informação sobre demandas reais coletivas
de sua comunidade na mídia local, eles tinham muito claro qual
deve ser o papel desses meios de comunicação. Ao ser discutido
o conceito de notícia, os jovens não tiveram dificuldades em se
posicionar, ao apontar particularidades que afetam diretamente sua
comunidade, dentre as temáticas escolhidas e abordadas por eles
nas oficinas.
Os produtos resultantes da oficina “produção de notícia” foram
publicados nos blogs criados pelos estudantes durante a oficina de
criação de blog. Alguns desses alunos sugeriram ao final dos tra-
balhos a oferta de novas oficinas, pois, segundo eles, há a necessi-
dade de mais atividades dessa natureza para os jovens estudantes
da rede pública na cidade de Alto Araguaia.
46
Alunos da rede pública que participaram das oficinas conside-
raram “interessante a oficina”, assim como observaram que “só
aparecem coisas ruins sobre o bairro onde moro”. Sobre sentir-se
representado pela mídia local, alguns comentaram que “a televisão
e a rádio não mostram coisas boas, nem nossos problemas”. Se-
gundo esses alunos, a mídia local deixa a desejar em relação às
informações que realmente lhes interessam ver ou ouvir.
Observa-se que poucos dos participantes das oficinas possuem
o hábito de ler jornal ou revista, impressa ou em formato digital.
Dividem seu tempo entre redes sociais, bate-papo e alguns conteú-
dos disseminados na rede que, por ventura, chamem-lhes atenção.
Em sua maioria, pesquisam assuntos solicitados pelos professores
em sala de aula, mas de forma superficial. A maioria desconhece
locais de pesquisa que possam contribuir para enriquecer sua for-
mação e conhecimento, ficando apenas nas informações primeiras
que os sistemas de busca apresentam.
Um dos desafios dessa proposta de extensão foi fazer com que
a prática colaborativa pudesse ser referenciada pela credibilidade e
pelo rigor da linguagem e pelos métodos do Jornalismo, enquanto
campo profissional e de conhecimento, para que a participação e
colaboração dos leitores, mesmo que pró-ativa e participativa, no
conjunto do processo de produção, reportagem, edição e publica-
ção, não fosse descaracterizada e/ou usada de forma equivocada,
mas como fio condutor para estimular os acadêmicos de Jornalis-
mo a observação da agenda local de cobertura.
Todo o conteúdo jornalístico produzido pela equipe e divulgado
no blog da Focagen teve como preocupação a perspectiva da de-
manda por informação local, voltada a atender o direito em saber,
conhecer os problemas envolvendo o cotidiano da comunidade,
não correspondida pelo conjunto dos meios de comunicação locais.
Do ponto de vista da formação acadêmica, durante a vigência do
projeto, possibilitou-se aos partícipes a vivência de reais situações
prático-metodológicas que viabilizaram realizar a integração dos
conhecimentos adquiridos e produzidos no decorrer do curso, por
meio da oferta de informação jornalística de interesse público à co-
47
munidade acadêmica e à sociedade em geral, a partir do conceito
e das referências da prática do Jornalismo colaborativo e cidadão.
Nesse sentido, o projeto de extensão “Focagen – Agência de
Jornalismo” constitui-se como um espaço privilegiado, tanto para
a formação acadêmica (envolvendo técnicas, praticas, extensão),
quanto para a divulgação jornalística para a sociedade local.

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50
Capítulo 4
Artefato: O Ensino Laboratorial
de Jornalismo e as Novas Diretrizes
Curriculares

Karina Gomes Barbosa


André Luís Carvalho

51
Artefato: O Ensino Laboratorial
de Jornalismo e as Novas Diretrizes
Curriculares

Considerações iniciais
Introduzido nas escolas de Jornalismo nos anos 1970, como
contraponto ao que era considerada a extrema teorização dos cur-
sos, e tornado obrigatório pelo Ministério da Educação em 1984
(Resolução 2/84), o jornal-laboratório é um espaço do aprendizado
das técnicas, rotinas e normas de produção de um veículo impres-
so. Também é um espaço de experimentação, questionamento e
reflexão constantes da prática jornalística. Essa definição parece
unir o que dizem nomes como José Marques de Melo, Luiz Beltrão
e Bruno Fuser, a respeito do estatuto do jornal. Como afirma Dir-
ceu Fernandes Lopes, é “instrumento fundamental” nos cursos de
Jornalismo, ao oferecer ao estudante condições de “realizar treina-
mento na própria escola, possibilitando que coloque em execução,
ainda que experimentalmente, os conhecimentos teóricos adqui-
ridos (…) integra os alunos na problemática da futura profissão”
(LOPES, 1989, p. 49). Nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) dos cursos de Jornalismo do Conselho Nacional de Educa-
ção (CNE), publicadas no Diário Oficial da União em 1o de outubro
de 2013, prevendo até o ano de 2015 para implantação, o jornal-la-
boratório, bem como o Jornalismo impresso em geral, se integra a
outros suportes do fazer jornalístico. Há, inclusive, recomendação
expressa para que o impresso não seja a espinha dorsal nem refe-
rência profissional, conforme atesta o parágrafo 6o do artigo 4o:

VI - ter como horizonte profissional o ambiente regido pela


convergência tecnológica, em que o jornalismo impresso,
embora conserve a sua importância no conjunto midiático,
não seja a espinha dorsal do espaço de trabalho, nem
dite as referências da profissão. (MEC, 2013, p. 2)

52
Ainda assim, há que se reconhecer a importância histórica
dos veículos laboratoriais impressos como espaços de aprendiza-
do e experimentação nos cursos de Jornalismo. Tanto é que sua
natureza perpassa três eixos das novas DCNs: o de formação pro-
fissional, e mais diretamente o de aplicação processual e de prática
laboratorial, este último tendo a seguinte redação: “Possui a fun-
ção de integrar os demais eixos, alicerçado em projetos editoriais
definidos e orientados a públicos reais, com publicação efetiva e
periodicidade regular” (MEC, 2013, p. 5). Ora, o jornal-laboratório
Artefato vem se fundando, desde 2010, e mais notadamente desde
2011, exatamente (mas não apenas) por esses pilares. É interdis-
ciplinar, tem projetos editoriais redigidos e distribuídos, disponíveis
à consulta; é voltado a públicos reais, e não apenas à comunidade
acadêmica do curso ou da universidade; é efetivamente publicado
e tem periodicidade regular (nos períodos letivos). A essas premis-
sas se alia a constatação pedagógica de que, de um lado, o jornal
-laboratório não pode se limitar à “reprodução” dos modelos vigen-
tes no mercado e, de outro, não pode consistir apenas na criação
de um modelo alternativo, desconectado da realidade da imprensa
local e da realidade social local.
Na Universidade Católica de Brasília, o jornal-laboratório
existe desde 1999, primeiro como Art&fato e, depois de alguns
anos, como Artefato. O jornal passou por várias fases, conforme
apontado por Rafiza Varão e Janara de Sousa: já foi temático (co-
brindo assuntos relativos à comunicação social); já foi mural; volta-
do ao público infanto-juvenil; geral; standard. As autoras distinguem
ainda três vertentes principais para esse tipo de veículo no país: o
de cobertura da IES; o temático; e o de variedades (que abordam
os mesmos temas da imprensa local) (SOUSA E VARÃO, 2005, p.
5). Como se vê, o Artefato passou pelas três vertentes.
Ao longo de sua história, passou por momentos em que a
posição consolidada que tinha foi colocada à prova. Houve perío-
dos de oscilação do nível de envolvimento e penetração no curso.
A falta de memória e acervo conservado do jornal ao longo dos
anos é apenas o sintoma mais visível dessa instabilidade institucio-
53
nal. Ao mesmo tempo, teve ainda uma série de propostas editoriais
plurais, como é característica de veículos laboratoriais em todo o
país. Diante desse diagnóstico, desde 2010, havia uma busca por
resgatar o valor simbólico do jornal-laboratório dentro do curso, es-
timulando constantemente os estudantes, desde o primeiro semes-
tre, a desejarem cursar a disciplina, a se integrarem ao processo
produtivo e a discutirem o jornal em sala de aula, com professores,
entre si, com os repórteres.
Nesse processo de pouco enraizamento, variaram a perio-
dicidade, o formato, a inflexão, a metodologia. Ao analisar critica-
mente os ciclos pelos quais o Artefato passou, percebeu-se que a
historicidade do jornal vinha sendo deixada de lado, o que poderia
levar a uma desvalorização do veículo dentro da instituição. Do que
se tem de registro, até o segundo semestre de 2010 eram duas
edições semestrais; no primeiro semestre de 2011, passaram a ser
três. A meta era chegar a quatro edições semestrais em dezembro
daquele ano – o que efetivamente foi alcançado e, desde então,
publicam-se oito edições por ano, uma por mês, normalmente entre
março e dezembro, a depender de pequenas variações no calen-
dário acadêmico.
Além disso, havia uma convicção entre os professores da
disciplina de que para provocar essa virada institucional e simbó-
lica seria preciso transformar o jornal em algo mais que portifólio
dos repórteres, mas em um veículo com projeto editorial e propó-
sito jornalístico que abarcasse, mas não se esgotasse, no exercí-
cio laboratorial com fim intrínseco. Ou seja, desenvolver a ideia de
um jornal construído a partir do interesse público, com público-alvo
definido e estudado e que extrapolasse os muros da universida-
de. Havia, portanto, uma série de problemas detectados e cujas
soluções vinham sendo planejadas, até que no segundo semestre
de 2011 lançou-se e/ou consolidou-se uma série de iniciativas que
visavam melhorar o aprendizado dos estudantes, o envolvimento
com a disciplina e a importância cidadã do jornal, a saber:

a. Construção de uma redação jornalística específica;


54
b. Reaproximação com professores de diagramação, e apro-
ximação com os de fotografia;
c. Aumento do número de edições, para possibilitar o verda-
deiro exercício laboratorial aos alunos, e uma maior familiaridade
entre o público e o veículo;
d. Redação de um projeto editorial a cada semestre, mas
sempre a partir de alguns princípios editoriais que atravessam as
turmas;
e. Mais controle nas hierarquias e funções editoriais, bem
como nos processos e fluxos editoriais do jornal.

O jornal-laboratório é coordenado por um professor, que
orienta as turmas matutina e noturna1, e conta com a participação
de um professor editor de texto. Ainda conta com a participação
dos professores de fotografia, de diagramação2 e outros colabora-
dores. Cada turma possui 30 vagas para estudantes que, em geral,
estão no sexto semestre do curso. O jornal-laboratório Artefato é
produto laboratorial da disciplina Produção e Edição de Impressos3.

Onde estamos, quem nos lê?


A Universidade Católica de Brasília é a única universidade
privada do Distrito Federal (DF). Situa-se em uma das maiores e
mais desenvolvidas regiões administrativas do Distrito Federal, Ta-
guatinga, e no limiar de outra região administrativa, Águas Claras.
Esta, o maior canteiro de obras da América Latina e bairro vertical,
tem 16 anos, e ultimamente apresenta grande crescimento econô-
mico e populacional. Um dos distritos de Águas Claras chama-se
Areal. Toca a universidade fisicamente – nos muros que dividem
espaço com as casas – e é tocado por ela, no impacto econômico

1 Eventualmente, pode não haver oferta da disciplina nos dois turnos, como vem ocorrendo no 1°
semestre de 2014, em que a disciplina está sendo ministrada apenas no turno noturno.
2 Até o 2o semestre de 2012, havia um professor de diagramação atuando na disciplina, mas o mo-
delo tem se mostrado esgotado na instituição.

3 Disciplina obrigatória do Curso de Jornalismo, do sexto semestre.

55
e social que recebe com a presença da instituição. O Areal, embora
muito próximo a Águas Claras e a Taguatinga, é uma região pouco
desenvolvida, com problemas estruturais como saneamento bási-
co, educação e acesso a serviços de saúde.
Esse contexto econômico, muito distinto das outras princi-
pais instituições que possuem cursos de Jornalismo no DF e que
produzem jornais-laboratórios, engloba rendas per capita altíssi-
mas, como em Águas Claras (sobretudo graças à presença de ser-
vidores públicos), e IDHs baixos, no Areal, no Riacho Fundo II, no
Recanto das Emas, na Estrutural e em outras regiões próximas,
que têm pouca presença do Estado e carências histórias de edu-
cação, saneamento, infraestrutura, transporte público e acesso às
tecnologias de informação e comunicação (TICs).
Diante desse entorno, desse extramuros tão rico e desafia-
dor, estimulados pelos professores, os estudantes do Artefato bus-
cam construir projetos editoriais a partir de quem poderia lê-los, e
essa descoberta só é possível a partir do conhecimento de onde
estão. Assim, assumem o desafio de realizar um jornal voltado para
algumas dessas comunidades, especificamente as que têm menos
acesso a jornais, internet, revistas, TV a cabo, com base nos dados
da Pesquisa Distrital por Amostragem de Domicílios (PDAD), divul-
gada anualmente pela Codeplan-DF. Dados de 2011 estimam essa
população em cerca de 1,178 milhão de habitantes.
Para falar a esse público, têm optado pela linguagem do jor-
nalismo popular, com variações – ora é um tom de serviço, ora de
denúncia, ora de cobrança. De acordo com Macia Franz Amaral,
esse tipo de jornalismo – que herda do penny press a ligeireza, o
apetite pelo fait divers, o gosto pelo sensacional, exótico e popu-
laresco – tem nos últimos anos inflexionado rumo a um jornalismo
que proporcione um sentindo de inclusão:

Atualmente, os jornais preocupam-se com que o leitor te-


nha um sentimento de pertencer à determinada comunidade,
percebendo que o jornal faz parte do seu mundo. Assim, o
sensacionalismo continua existindo, principalmente por inter-
médio da exacerbação dos relatos, mas é um conceito que
não basta porque é generalista e não dá conta de importantes
56
características dos novos jornais populares. (AMARAL, 2006,
p. 24)

É importante ressaltar a característica cotidiana do jornal po-


pular: em vez dos ideais de opinião e visão de mundo, trata-se
da “vida da cidade” (GABLER, 1999, p. 62). Tal característica, ex-
plorada por Neal Gabler, Amaral e outros, é uma das marcas do
jornalismo proposto para o Artefato. Sair da esfera do jornalismo
de referência (AMARAL, 2006) para um jornalismo que olhe para a
cidade, para as cidades. No Distrito Federal, é como se o Artefato
marcasse uma posição: em vez de olhar para “o quadradinho” (a
imagem do Plano Piloto demarcado no mapa), pousar o olhar sobre
o que se encontra no entorno.
Pedagogicamente e metodologicamente, a mudança de ru-
mos do jornal-laboratório vinha já se operando desde o primeiro se-
mestre de 2010. Com maior ou menor sucesso, os repórteres abra-
çavam a ideia de escrever para esse público. Os motivos para que
o jornal tenha, aos poucos, introduzido esse modelo – consolidado
no segundo semestre de 2011 – podem ser resumidos a seguir:

a. Dar conta, jornalisticamente, de uma realidade social que


é marginalizada na cobertura diária dos veículos de referência do
DF;
b. Estimular os estudantes a diversificarem o olhar jornalístico
para além das pautas agendadas pelas assessorias de imprensa,
pelas redes sociais e pelos próprios meios de comunicação;
c. Aprofundar os laços com uma comunidade intensamente
impactada pela presença da universidade e marcada por indeléveis
contradições sócio-econômicas e culturais;
d. Exercitar as técnicas de produção jornalística, notadamen-
te as que dizem respeito ao texto, voltadas para um público-alvo
concreto, embasado por meio de indicadores, e também distinto
daquele com o qual, costumeiramente, se trabalha no ensino do
Jornalismo;
e. Praticar o exercício de pensar conceitualmente um projeto
editorial e tentar aplicá-lo ao longo do semestre, o que implica em
57
maior cuidado com sugestão de pautas, angulação e abordagem
de matérias;
f. Estreitar a vocação extensionista da universidade, que es-
tende sua atuação para várias dessas comunidades que, durante
o semestre, se tornam público-alvo e espaço de abrangência do
veículo.

Como é feito?
O jornal organiza-se em torno de uma redação que busca
afinar as rotinas produtivas com papéis claramente definidos.
Para isso, no segundo semestre de 2011, o curso inaugurou
uma redação física, com 30 computadores, mesa de reunião de
pauta, equipamentos de apuração e arquivo, para proporcionar
maior aproximação com a experiência laboratorial de vivência
de um ambiente de redação e ainda buscar preservar a memó-
ria esparsa que o veículo possui, resgatando aos poucos, com
ex-alunos, ex-professores e exemplares antigos.
No início do semestre, os alunos são apresentados a um
balanço do semestre anterior, com os principais acertos e er-
ros, e à proposta de um jornal popular voltado para as classes
B, C e D do entorno (expandido) da universidade. A linha edi-
torial, portanto, ancora-se em torno do “jornalismo popular de
interesse social”, com variações propostas pelas turmas, o que
lhes garante, a cada semestre, identidades próprias. Ao acei-
tarem o desafio, as turmas, em discussões virtuais e presen-
ciais, começam a delinear o que virá a ser o projeto editorial do
jornal, que norteia todas as decisões conceituais e práticas do
semestre.
Há semestres em que os estudantes optam por trabalhar
com editorias fixas, como Cidades, Meio Ambiente, Política,
Economia, Cultura, Cidadania, Saúde, Esportes e Comporta-
mento. Em outros semestres a opção é por manter as editorias
abertas, passíveis de mudança a cada edição, dependendo
das pautas que surjam.
À exceção de Política e Economia, essas têm sido, ao
58
longo dos semestres, as editorias com maior presença de pau-
tas e sugestão de temas nas reuniões de pauta. Há também
constante interesse pelo investimento em formatos distantes
do lead, como o Jornalismo Literário, o conto, o perfil, o artigo.
A figura do ouvidor, chamada de ombudsman ou ombudsk-
vinna, institucionalizada em 2005 (SOUSA E VARÃO, 2005, p.
11), tem presença errática: até o primeiro semestre de 2012,
era publicado na versão impressa do jornal. Desde o segun-
do semestre de 2012, primeiro foi publicado no site do jornal
e, em seguida, saiu de circulação por opção administrativa. O
ombudsman, quando existe, é escolhido pelo professor da dis-
ciplina e atua durante o semestre, acompanhando o jornal.
Definidas as diretrizes gerais, os estudantes elabora-
ram, em conjunto, o projeto editorial, com as seguintes seções:
Missão, Visão, Valores, Linha Editorial, Formatos, Funções,
Editorias, Público-Alvo. Com o projeto editorial definido e como
apoio às decisões editoriais, se debruçam na construção do
projeto gráfico, seguindo tradição do jornal-laboratório que,
a cada semestre, renova logomarca e todos os elementos vi-
suais. Além do formato tabloide, de 24 páginas coloridas em
papel offset, permanecem também os princípios editoriais já
descritos acima.
Na primeira reunião de pauta de cada turma (se há mais
de uma turma no semestre), as funções editoriais são divididas
nos seguintes cargos (espelhados, se for o caso): editor-che-
fe; editor de arte; editor de fotografia, editores de texto (três
em cada turno); editor web; editor de fotografia; diagramadores
(dois por turno). Os outros alunos integram o grupo de repór-
teres da edição, que conta também com checadores, respon-
sáveis por realizar uma checagem de padrão incipiente. Cada
edição possui tabela com pautas, fotógrafos e editores. As ma-
térias têm prazos de entrega para primeira, segunda e terceira
versões, antes da versão final, corrigida e finalizada pelo pro-
fessor em parceria com os editores-chefes. A constante circu-
lação de versões garante que o texto seja construído processu-
59
almente com participação dos estudantes e dos professores.
Dentro das rotinas produtivas do jornal, desde o segundo se-
mestre de 2010 o curso vem realizando uma parceria com a disci-
plina de Fotojornalismo e com o Núcleo de Fotografia Captura3 , em
busca de aumentar a integração curricular. Os alunos da referida
disciplina, do quarto semestre da matriz curricular, e os do Núcleo,
participam ativamente da reunião de pauta, escolhem o que dese-
javam fotografar, conhecem os repórteres e obedecem aos mes-
mos deadlines estabelecidos para cada edição, coordenados pelos
professores de fotografia. O Captura atualmente é composto por
estudantes que estão cursando desde o segundo semestre, quan-
do se matriculam na disciplina Introdução à Fotografia, a outros de
períodos mais avançados. Sob a orientação de um professor, com
carga horária semanal destinada a essa atividade, desenvolve co-
berturas fotográficas que atendem desde demandas institucionais
como eventos acadêmicos, passando por projetos de extensão e
de pesquisa, e chegando a trabalhos autorais, no desenvolvimento
de produções temáticas com vistas a exposições coletivas.
É importante destacar que, até essa experiência interdisci-
plinar, boa parte das imagens do jornal era retirada da internet, de
bancos de imagens gratuitos, como agências Câmara e Brasil (de-
vidamente creditadas e atendendo a todos os cuidados ligados à
autorização de uso), produzidas pelos repórteres de texto do Arte-
fato ou por estudantes do curso. Essa ausência de diretrizes edito-
riais acabava deixando em segundo plano a cobertura fotográfica,
tanto por não haver alunos suficientes para atender a tais deman-
das simultâneas, quanto por não existir a figura de um professor da
área de fotografia, com a carga horária necessária, para orientar
essa produção.
Assim, a partir da integração do Núcleo de Fotografia e da
disciplina de Fotojornalismo, a fotografia passa a adquirir um status
tão relevante quanto a produção textual no jornal-laboratório. E faz
avançar as ações efetivamente interdisciplinares, que preveem a

4 Projeto extracurricular, criado pelos professores Duda Bentes e André Carvalho, e que, ao longo
dos mais de 14 anos de existência, vem articulando toda a área de fotografia do curso.
60
elaboração de um produto jornalístico que congrega os diversos
aspectos de sua complexidade. Além de possibilitar, ao estudante
de períodos anteriores e posteriores ao do Artefato, um entendi-
mento mais amplo da articulação das linguagens textual e visual na
construção do conteúdo noticioso.
Um aspecto importante a se considerar, no que diz respeito
à viabilidade dessa ação para a disciplina Fotojornalismo, é que
apenas parte de seu plano de ensino é tomado pelas ações com o
jornal-laboratório. O restante visa conteúdos e atividades didático
-pedagógicas específicas. O que por sua vez não repete a fórmula
muitas vezes adotada pelas Escolas de Jornalismo de se criar uma
disciplina para atender outra, e chamar essa iniciativa de interdis-
ciplinar. No caso acima, mantêm-se as características de cada dis-
ciplina envolvida e amplia-se ainda mais a interdisciplinaridade e
a experiência laboratorial de forma articuladora, conforme previsto
pelas novas DCNs.
Ao longo do andamento da edição, professores e editores-
chefes começam a decidir possíveis matérias de capa e uma pagi-
nação provisória. Com todo o material produzido (texto e imagem),
tem início o processo de diagramação do jornal, feita pelos estu-
dantes do próprio Artefato, com o apoio do professor de design,
com horas destinadas a essa atividade na estrutura do jornal-labo-
ratório. O processo de fechamento reúne toda a turma, os profes-
sores e os fotógrafos na redação, executando diversos processos
simultâneos, como revisar matérias, fechar chamadas de capa,
legendar e tratar imagens, propor títulos e sutiãs. A diagramação
em si sempre foi a área mais nevrálgica da disciplina, mas com
a criação da redação física, os alunos puderam ter recursos para
diagramar com mais autonomia. Aqui, ao contrário da fotografia,
a experiência não se estabelecia entre disciplinas, mas dentro do
jornal-laboratório. Um dos problemas acabava sendo um envolvi-
mento excessivamente pontual do professor de diagramação no
processo de construção do produto. Outra reclamação constante
entre os estudantes é a distância, na matriz curricular, entre as dis-
ciplinas de diagramação e a disciplina no âmbito da qual se produz
61
o jornal-laboratório.
Com o jornal na gráfica, uma reunião de balanço é realizada
a cada edição. O último passo consiste na entrega do jornal pelos
alunos, em uma tabela de distribuição que privilegia estações do
metrô, alguns pontos estratégicos dentro da universidade, as re-
dações de Jornalismo do DF e as outras escolas de Jornalismo da
capital. Finalmente, após a entrega, profissionais de Jornalismo do
Distrito Federal são convidados a realizarem um balanço externo
do conteúdo da edição nos chamados Conselhos Editoriais. Em
geral, são quatro por semestre, um a cada edição.

As edições
As quatro edições do jornal demonstram os diferentes níveis
de adequação da turma ao projeto editorial proposto por ela mesma
e às aspirações dos estudantes ao longo do processo. Constante-
mente, as linhas gerais acordadas pelos estudantes se mostram
difíceis de serem executadas diante do desejo, especialmente, de
escrever muito. Há dificuldades notórias em utilizar outras lingua-
gens textuais para a construção da informação, como infografias,
reportagens fotográficas, quadros e adereços como números e li-
nhas do tempo, entre outros.
Se levarmos em conta a área demográfica a que o jornal se
destina, sua tiragem, de 2 mil exemplares, é insuficiente. Uma das
estratégias adotadas para aumentar a área de abrangência e o
acesso do público é distribuí-lo em estações de metrô, postos do
governo de atendimento ao cidadão, que no Distrito Federal são
chamados de Na Hora.
Um dos impactos positivos do jornal é, sempre, ver transfor-
mada em pauta para diversos veículos da cidade uma das ma-
térias executadas no laboratório. Um caso notório foi reportagem
sobre grupo de mulheres que joga futebol em um campo de ter-
ra. Muitos veículos populares, como o jornal Aqui-DF, dos Diários
Associados, e telejornais da Record, produziram a matéria – de-
pois, inclusive, de entrar em contato com a redação para pedir os
contatos das personagens – comprovando que o jornal destaca,
62
em geral, valores-notícia ade-
quados àquele público-alvo
e àquela proposta editorial. A
seguir, uma amostra dos sete
semestres em que essa linha
editorial do jornal-laboratório
tem sido executada.
No segundo se-
mestre de 2010, o jornal-la-
boratório realizou uma sonda-
gem (os questionários foram
aplicados pelos estudantes)
eleitoral no campus da UCB,
com amostragem calculada,
Figura 1: edição de setembro de 2010 índice de confiabilidade e ale-
atoriedade garantidos por esta-
tísticos. Os resultados obtidos foram bastante próximos àqueles
das eleições presidenciais e para governador no Distrito Federal.
Esta é a primeira edição (Figura 1) em que a parceria interdiscipli-
nar entre Fotojornalismo e o
Artefato foi efetivada.
No semestre seguinte,
o projeto editorial do jornal
-laboratório apresentou te-
mas voltados a denúncias
e discussões polêmicas. A
última edição do semestre
debateu fé, prostituição e
uso de crack na periferia da
capital. A edição de maio de
2011 traz na capa (Figura 2)
o resultado de um debate
ético. Um estudante propôs
como pauta passar uma noi-
te em um albergue social do Figura 2: edição de maio de 2011

63
Areal, região carentes no
entorno da universidade,
para relatar o que ocorre
no local. Dois alunos pas-
saram 24 horas no alber-
gue sem se apresentarem
como repórteres, levando
o dilema sobre a adequada
identificação do jornalista
para a sala de aula.
O segundo semestre
de 2011 marcou a inaugu-
ração da redação própria
do Artefato, o Laboratório
Digital. A primeira turma a
produzir o jornal no espaço
Figura 3: edição de outubro de 2011
optou por um Jornalismo de
serviços e com temais mais
leves. A capa da edição de
outubro (Figura 3) apresen-
ta uma pauta em que os re-
pórteres tiveram dificuldade
em identificar a importância
da história de mulheres ví-
timas de abuso que jogam
futebol na periferia ante
uma pauta institucional dos
times de futebol da UCB.
Essa pauta foi, por alguns
meses, requerida ou refeita
por vários veículos televisi-
vos e impressos da cidade.
A turma seguinte foi a pri-
Figura 4: edição de junho de 2012 meira a formalizar o projeto
editorial em um documento
64
com missão, visão, valores,
objetivos, público-alvo, linha
editorial, linguagem, editorias,
seções, formatos de texto, fun-
cionamento. A opção do proje-
to gráfico foi por uma disposi-
ção de elementos similar a um
tablet. A capa da última edição
(Figura 4) traz reportagem pro-
posta na primeira edição e pla-
nejada ao longo de quatro me-
ses. Um grupo de repórteres
sugeriu uma pauta no presídio
feminino do DF, mas sem foco.
Figura 5: edição de agosto de 2012
Instadas a repensarem, decidi-
ram acompanhar condenadas
que trabalham no regime semiaberto na rotina de ir ao trabalho e
voltar para a cela. Graças ao planejamento editorial, conseguiram
autorização da Justiça do DF para fotos dentro das celas e para a
entrada de quatro repórteres.
A série de quatro edições
produzidas no segundo se-
mestre de 2012 foi a vencedo-
ra do Expocom Centro-Oeste
na categoria jornal-laboratório
impresso (Figura 5). O foco
era em cultura acessível, sus-
tentabilidade, saúde, compor-
tamento e cidadania, em um
tom jornalístico bastante posi-
tivo. No semestre seguinte, a
turma manteve o investimento
em temas voltados ao Jorna-
Figura 6: edição de junho de 2013 lismo popular de serviços, com
inflexão inédita para a econo-
65
mia. A capa e a reportagem central da quarta edição (Figura 6) foi
alvo de debate entre os editores de texto e fotografia, bem como
entre os professores de texto e fotografia, pois a pauta tratava de
crianças indígenas ameaçadas de morte. A preocupação com a
não-exposição dessas crianças levou ao corte da imagem da capa
e à pós-produção de algumas imagens internas.
A polêmica logomarca
rosa e a diagramação blocada
(Figura 7) foram elementos do
primeiro semestre em que se
tornou obrigatória a produção
de material multimídia para o
portal-laboratório Pulsátil em
todas as pautas do jornal. A
experiência piloto apresen-
tou pontos altos e baixos, em
turma que optou pelo tom de
cobrança política do governo
aliada a pautas inusitadas,
também refeitas por veículos
Figura 7: edição de setembro de 2013
de referência.

E com as novas diretrizes?


Retomando as orientações propostas pelas novas DCNs do
ensino de Jornalismo, hoje o Artefato claramente se enquadra,
conforme já justificado anteriormente, no eixo VI, da prática labora-
torial. E possui experiências interdisciplinares com evidente avan-
ço em sua linha histórica. Mas que podem ser ampliadas em um
currículo mais abrangente e integrador. Talvez o maior e melhor
desafio que se coloca é atualizá-lo, de forma mais efetiva do que
o que se já tem experimentado, para o “jornalismo digital”, uma
“convergência multimídia” sólida, associado “às novas formas de
articulação da informação”, sem perder de vista o público a que se
destina. Com vistas a essa integração, passou a ser obrigatória, no
66
2o semestre de 2013, a produção de conteúdo multimídia para to-
das as reportagens veiculadas no jornal impresso. Esse conteúdo
é publicado no portal-laboratório do curso, Pulsátil (www.pulsatil.
com.br). A experiência piloto foi oscilante, tanto na questão da pro-
dução quanto na questão da publicação no site, mas é promissora
no que diz respeito aos desafios apresentados aos estudantes de
pensarem o conteúdo informativo do jornal de maneira mais condi-
zente com as novas configurações midiáticas.
Não há, efetivamente, como desconsiderar o papel predomi-
nante que a convergência tem hoje na comunicação, papel esse
que tem de se refletir no ensino do Jornalismo, conforme demons-
tra Eduardo Meditsch:

No atual momento desta mutação isso significa ter como nor-


te o jornalismo digital, a convergência multimídia e as novas
formas de circulação da informação na sociedade, como as
redes sociais, que estão redefinindo o papel do Jornalismo.
Isso significa superar uma concepção de currículo que até
hoje teve o jornalismo impresso como centro. Mas o bom
senso indica que não se abandone totalmente o que com-
provadamente funcionou bem nesta fase (o Jornalismo é o
único curso universitário que ensina efetivamente a escre-
ver, por exemplo), e que o fascínio pelas novas tecnologias
não desvie o objetivo do curso, pois as ferramentas são um
meio imprescindível de dominar mas não um fim em si, e as
mais inovadoras hoje estarão obsoletas em poucos anos. As
novas diretrizes podem durar uma ou duas décadas até a
próxima atualização, e deve­-se ter o cuidado de não fixar os
currículos em tecnologias e processos datados, para evitar
os transtornos que isso pode trazer. (MEDITSCH, 2014, s/p)

Um dos maiores desafios que a reforma proposta pelas DCNs


encontra nas instituições de ensino superior talvez seja a concreti-
zação de um saber e fazer interdisciplinares ou convergentes, ca-
pazes de reconfigurar de forma factível os projetos pedagógicos
dos cursos, bem como a execução de suas matrizes com qualida-
de. Vale lembrar o óbvio: que grande parte dos professores que
hoje discutem e deverão implementar tais mudanças foram forma-
dos em uma lógica das “caixinhas” ou “gavetas” disciplinares, em
que, em muitos casos, para se chegar ao jornal-laboratório, era an-

67
tes preciso passar por todas as técnicas e linguagens nele imbrica-
das, em semestres curriculares excessivamente específicos e es-
tanques. Parece ser essencial reaprender a ensinar o Jornalismo,
interdependendo e complexificando cada plano de ensino aos que
se encontram no mesmo semestre de sua disciplina, e também às
dos semestres anteriores e posteriores, numa transdisciplinaridade
que atravessa e alinhava menos linearmente os conhecimentos do
curso.
A respeito do Jornalismo digital, especialmente no caso do
que se pretende com os jornais-laboratórios, é preciso cuidar de
conhecer em profundidade cada público a que se destinam. O de-
safio está em realizar isso, de forma contundente, em um país que
ainda engatinha em muitas de suas pesquisas de características
de audiência, justamente para que a norma sobre “públicos reais,
com publicação efetiva e periodicidade regular” não se converta
apenas em estratégias digitais de adequação sem compromisso
com o alcance, o acesso, o impacto de cada publicação. É claro
que essa orientação faz avançar o comprometimento dos cursos
com a formação de jornalistas capazes de compreender e atuar no
mundo social. Contudo apenas migrar de impresso para digital não
melhora necessariamente o processo de formação. É claro que
também insistir somente no impresso pode somente piorar essa
condição. No caso específico do Artefato, não basta adotar o digital
como eixo, mesmo que respeitando o que há de mais atual em sua
concepção e linguagem, para, por exemplo, aumentar os índices
de leitura do jornal, ou mesmo do entendimento e da contribuição
de seus leitores sobre e para o produto.
Agora, se levarmos em conta o primeiro item das competên-
cias gerais que se espera dos jornalistas, o Artefato parece estar
no caminho certo, especialmente se pensarmos que democracia,
pluralismo de ideias e justiça social pressupõe também garantir a
todos o direito de ser percebido, contemplado, levado em conta
pela mídia:

I – Competências gerais:
a) Compreender e valorizar, como conquistas históricas da
68
cidadania e indicadores de um estágio avançado de civiliza-
ção, em processo constante de riscos e aperfeiçoamento: o
regime democrático, o pluralismo de ideias e de opiniões, a
cultura da paz, os direitos humanos, as liberdades públicas, a
justiça social e o desenvolvimento sustentável. (MEC, 2013,
p. 3)

Considerações finais
Em 2014, o Artefato completa 15 anos. Enfrenta o desafio de
se manter relevante e de se integrar às novas formas de constru-
ção e circulação da informação: a questão que se coloca diante do
jornal-laboratório é como preservar sua identidade e agregar as
transformações históricas e as mudanças demandadas pelas no-
vas diretrizes curriculares? Diante disso, o Artefato está no centro
de um processo de transição em que, de um lado, consolidou sua
posição institucional no curso:
- Tem periodicidade estabelecida, linha editorial definida e cir-
culação ampla;
- As rotinas e os processos produtivos estão delineados, ain-
da que em constante aperfeiçoamento;
- A interdisciplinaridade com a fotografia está consolidada;
- É discutido em sala de aula por professores e estudantes;
- Possui redação própria, equipamentos de apuração, apoio
técnico e equipe de professores.

De outro, ainda enfrenta o desafio de resgatar uma memó-


ria que, hoje, está dispersa e não permite traçar todo o percurso
do jornal. Precisa repensar o modelo de programação visual da
disciplina, bem como ampliar os mecanismos de produção digital.
Tem de dar conta, também, dos processos de convergência digital
tentando, ainda experimentalmente, capacitar os estudantes a pen-
sarem a informação transversalmente a diversos suportes, meios e
linguagens. Este é o jornal-laboratório que completa 15 anos com o
desejo de que sejam, pelo menos, mais 15 anos, tendo diante dele
os desafios de se manter como o desejo expresso em editorial de
junho de 2011:
69
Coletivamente, o jornal diz muito. Diz sobre quem o produ-
ziu: o que pensavam, como escreviam, o que fotografavam,
como contavam histórias; diz sobre o mundo que noticiou:
os fatos, os temas, as pessoas, os pensamentos. (...) Por
tudo isso, um jornal não serve só para embrulhar peixe. Ser-
ve para ser analisado, estudado, preservado, como memória
de um tempo, um lugar e um conjunto de pessoas que faz e
pensa o Jornalismo de maneira específica. E para merecer
esse cuidado e atenção, o jornal-laboratório deve ser objeto
de paixão. (GOMES BARBOSA e CUNHA, 2001, p. 2)

A crença, portanto, é de que o jornal-laboratório mantenha as


conquistas realizadas ao longo dos anos e as expanda; que supere
os desafios diante de si; e crie novas maneiras de inserção no cur-
so de Jornalismo, de modo que a preservação de sua memória e o
exercício com paixão sejam capazes de encantar e reencantar os
estudantes que passam por ele.

Referências Bibliográficas
AMARAL, M. F. Jornalismo popular. São Paulo: Contexto, 2006.
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70
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71
Capítulo 5
JOVENS DIGITAIS E A RECEPÇÃO RADIOFÔNICA NO
SÉCULO DA CONVERGÊNCIA

Antonio Francisco Magnoni


Giovani Vieira Miranda

72
Jovens Digitais e a Recepção
Radiofônica no
Século da Convergência1

Introdução
O presente trabalho propõe um estudo teórico e de campo
para mensurar o interesse de estudantes adolescentes de 12 a 17
anos pela programação de rádio, seja em audição convencional,
pela internet ou por dispositivos digitais portáteis. Os atuais adoles-
centes constituem o principal grupo social da denominada Geração
Y ou Geração da Internet. São pessoas em formação sociocultural,
educacional, psicológica e profissional, e intensamente influencia-
das pelas culturas da informática, da comunicação audiovisual e
também pela globalização cultural e econômica. Por isso, repre-
sentam um público estratégico para as pesquisas sobre recepção
e cultura midiática.
De certo modo, ao apresentar esses dados, a pesquisa tam-
bém apontará os atuais estágios dos índices de recepção radio-
fônica entre as novas gerações brasileiras, que poderão diminuir
quantitativamente em decorrência dos processos de digitalização
dos meios e dos suportes de Comunicação, e também, pela con-
vergência de plataformas, conteúdos e linguagens midiáticas.
O instrumento analítico foi um estudo quantitativo e qualitativo
desenvolvido em duas escolas de ensinos Fundamental e Médio
de Bauru, no interior de São Paulo. O universo amostral será de
100 estudantes, com distintos níveis socioeconômicos e culturais.
Para abordar o grupo selecionado, foram utilizados questionários
com perguntas abertas e fechadas para identificar os tipos de pro-

1 Análises referentes à Pesquisa de Iniciação Científica “Perspectivas e percepções do novo rádio:


um estudo de recepção do conteúdo radiofônico atual entre os ouvintes na Geração Y”, financiada
pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), orientada pelo professor Dr. Antonio
Francisco Magnoni, no período de março de 2012 a dezembro de 2013.

73
dutos de comunicação mais consumidos e quais veículos têm a
preferência dos estudantes.
Em tempo, os hábitos, formas e índices de consumo de ou-
tros meios de comunicação pelo público delimitado serão confron-
tados com os índices gerais de audiência radiofônica, que também
deverão revelar em qual dispositivo receptor de rádio são sintoni-
zadas as programações prediletas e quais tipos de atrações ainda
seduzem os grupos pesquisados dentro do ambiente definido an-
teriormente.

A concepção de um novo ambiente radiofônico


A atual etapa de convergência de mídia faz com que os jo-
vens sejam analisados como uma nova geração de consumidores
diários de vários tipos de mídia, desde que o acesso ao conteúdo
de cada uma delas possa ocorrer preferencialmente num mesmo
dispositivo ou plataforma digital. O rádio é um veículo de comunica-
ção sonora com programação de predomínio local e regional, cujas
emissoras ainda preservam a tecnologia analógica de transmissão
e de recepção. Assim, os radiodifusores se deparam com um cená-
rio com dificuldade crescente para atrair os jovens e adolescentes,
que não cultivam mais o hábito de utilizar dispositivos ou terminais
de comunicação que não sejam digitais, interativos e de fluxo mul-
tilateral.
Embora o rádio ainda permaneça muito bem posicionado en-
tre os meios com grande alcance entre várias camadas sociais,
alguns indicadores oficiais revelam o declínio gradual de consumo
de aparelhos receptores, o aumento da abrangência da televisão
e a ascensão do consumo de novas mídias digitais, que despon-
taram no mercado brasileiro durante a década passada. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
2000, 87,9% dos lares brasileiros tinham um aparelho de rádio em
casa, contra 87,2% da televisão. O rádio permanecia como o apa-
relho de comunicação mais encontrado nos domicílios brasileiros.
Resultados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (PNAD, 2011) relativos às tecnologias de informação e
74
comunicação (TICs) mostram um cenário diferente com os recep-
tores de televisão presentes em 96,9% das residências, seguidos
do uso de aparelhos de telefones fixos ou móveis, com 89,9%, um
aumento de três pontos percentuais em relação a 2010. Os recep-
tores de rádio aparecem na terceira posição, com 83,4%. Apesar
de apresentar um crescimento de dois pontos percentuais em re-
lação ao ano anterior, a pesquisa do IBGE constatou que ele era
o único item com constante diminuição de consumo nos domicílios
brasileiros. A aquisição de receptores de rádio apresenta maior
queda de consumo desde 2001.
Em contrapartida, de 2009 para 2011, os bens duráveis com
maior crescimento foram o microcomputador com acesso à internet
(39,8%) e o celular (26,6%). De acordo com a pesquisa, no mesmo
período de tempo, todas as regiões do país tiveram crescimento
no percentual de pessoas que declararam ter usado a internet pelo
menos três meses antes da abordagem. Com exceção dos grupos
acima de 40 anos, todas as faixas etárias apresentaram percentu-
ais acima de 50% de uso do computador com conexão à internet e
pelo celular com rede. Das pessoas com 10 anos ou mais, ocorreu
um aumento significativo de 14,7% de consumo em relação a 2009,
tendo ainda o grupo de 15 a 17 anos alcançado 74,1% e 71,8%
entre os de 18 ou 19 anos. De acordo com a pesquisa, 69,1% da
população de 10 anos ou mais de idade declararam ter um celular.
O maior percentual de pessoas com celular estava na faixa etária
de 25 a 29 anos (83,1%) e o menor grupo era formado por crianças
e adolescentes de 10 a 14 anos (41,9%). Os dispositivos digitais
móveis reproduzem hoje semelhanças com o que ocorreu durante
a disseminação dos receptores portáteis de rádio. Eles possibilita-
ram a reorganização do perfil midiático das rádios brasileiras, dian-
te da agressiva escalada das emissoras de televisão. A mobilidade
proporcionou condições modestas de sobrevivência para as rádios,
que, mesmo com a drástica redução do faturamento publicitário,
puderam preservar a audiência e a força cultural e política.
Os números das TICs no Brasil mostram um novo panora-
ma da comunicação, no qual os receptores tradicionais de rádio
75
perdem espaço para os demais dispositivos digitais, enquanto a
televisão digital lidera o consumo de eletrodomésticos. No entanto,
a momentânea liderança não ameniza a preocupação das grandes
redes de televisão com a crescente concorrência dos microcom-
putadores conectados e dos tablets e smartphones com internet
portátil, dispositivos móveis que, no disputado território da conver-
gência digital, em algumas circunstâncias, são aliados na disse-
minação da televisão portátil, em outros, são inimigos ao servir de
ferramentas para a desconstrução das grades lineares e unilate-
rais de programação das redes tradicionais de TV. Por enquanto,
a televisão ainda dispõe de muito fôlego econômico e também de
tecnologia para enfrentar as ameaças vindas da internet. É bem
mais preocupante a situação do rádio, que ainda prossegue um
veículo de transmissão e recepção analógica. Na atual sociedade
imagética, o veículo rádio torna-se cada vez mais dependente de
conquistar seus novos ouvintes não mais pela capacidade de indu-
ção de imagens imaginárias, mas pelas produções mulmidiáticas
capazes de disputar a atenção do público durante os processos de
recepção.
Ferrareto (2010, p. 42) aponta para a “definição de um novo
conceito de rádio” devido à capacidade de adaptação e aproxima-
ção do veículo com os novos meios de comunicação e suportes
tecnológicos. O autor destaca que o rádio tem passado por profun-
das alterações, devido às constantes transformações tecnológicas.
Para ele, a história radiofônica é marcada pelo avanço tecnológico,
desde a invenção do transistor, da incorporação das pilhas e o pro-
cesso de miniaturização, até a revolução gerada pela internet.
A popularização do ciberespaço acena com boas possibilida-
des de inovação para o rádio brasileiro, enquanto aciona o sinal
de alerta para radiodifusores e profissionais do setor. A mudança
que fustiga o veículo não é apenas tecnológica, é conceitual e dos
hábitos culturais de recepção da comunicação radiofônica. Assim,
as pesquisas e teorias clássicas sobre o veículo e suas linguagens
também passam a ser confrontadas pela conjuntura atual.
Em âmbito global, uma nova forma de comunicação ganhou
76
escopo quando os tradicionais meios de comunicação de massa e,
de certa forma, a telefonia fixa, entraram em contato com o avanço
da rede de internet, com o aparecimento da TV por assinatura, a
telefonia móvel e as demais tecnologias que, com o avançar do
tempo, possibilitaram a quase extinção dos fios, entre outras im-
portantes mudanças. Essa liberação dos fios possibilitou que os
usuários enxergassem nas novas tecnologias importantes aspec-
tos que antes ficavam limitados ao uso do computador pessoal.
No novo ambiente midiático independente dos fios, destaca-se a
capacidade da mobilidade, de manter as pessoas conectadas in-
dependentemente de onde estiverem, assim como já previa Costa
(2002) no início do século:

Parece que o início do século 21 está preparando outra mu-


tação na maneira que as pessoas se comunicam. Se olhar-
mos para a direção certa, será possível detectar os primeiros
sinais de comunidades virtuais que se distanciam dos desk-
tops e saem do ciberespaço. É a chegada dos sem-fio. A es-
sência desses novos grupos tem um nome: mobilidade. Eles
se conectam por telefones, celulares, palmtops ou pequenos
radiotransmissores de curto alcance. São os portáteis. O
essencial é poder estar ‘sempre’ ligado em qualquer lugar.
(COSTA, 2002, p. 74)

Jenkins (2009, p. 293) acredita que esse é um momento de


transição, no qual “o papel político da internet está se expandindo,
sem diminuir o poder da mídia de radiodifusão”. Para o autor, as
velhas e novas mídias se colidem e o fenômeno pode ser descrito
como um

Fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos,


à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao com-
portamento migratório dos públicos dos meios de comunica-
ção, que vão a quase qualquer parte em busca da experi-
ência de entretenimento que desejam. Convergência é uma
palavra que consegue definir transformações tecnológicas,
mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem
está falando e do imaginam estar falando. (JENKINS, 2009,
p. 29)

Dessa forma, é operante afirmar que, no iminente processo de


77
convergência, os meios de comunicação não são apenas sistemas
de distribuição e de tecnologia, mas são sistemas culturais. Assim,
a convergência de mídia ultrapassa a barreira tecnológica e altera
a relação existente entre mercado, gêneros, públicos e tecnologias.
Em um sentido mais amplo, a convergência vai além de qualquer
aparato tecnológico e afeta, essencialmente, as interações sociais
de cada consumidor.
Nesse aspecto, a convergência dos meios de comunicação
proporcionada pelas novas tecnologias cria uma nova relação entre
o público e os produtores de conteúdo. Jenkins (2009) aponta que
o fenômeno da convergência não é viabilizado apenas pela pre-
sença de aparelhos sofisticados, mas sim por meio das interações
sociais dos consumidores individuais dos conteúdos das mídias,
ou seja, faz parte do comportamento desse consumidor receptor e
emissor, relação quase sem pontos de limites:

Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia


como ocupantes de papéis separados, podemos agora con-
siderá-los como participantes interagindo de acordo com um
novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por
completo. Nem todos os participantes são criados iguais.
Corporações – e mesmo indivíduos dentro de corporações
de mídia – ainda exercem maior poder do que qualquer con-
sumidor individual, ou mesmo um conjunto de consumido-
res. E alguns consumidores têm mais habilidades para par-
ticipar dessa cultura emergente. A convergência não ocorre
por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a
ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumi-
dores individuais e em suas interações sociais com outros.
(JENKINS, 2009, p. 30)

O processo de convergência e suas inúmeras possibilidades


é um ambiente atrativo por propiciar formas fáceis de comunica-
ção e o surgimento de redes de interações e sociabilidade. Cada
vez mais, esse é um território gerador de relações com a presença
significativa de códigos e estruturas. Essa geração nem sempre
é inédita, mas adaptada às condições de espaço e tempo virtuais
da convergência. Essa multiplicação dos canais faz com que os
conteúdos elaborados, produzidos e divulgados não se limitem em

78
etapas impostas de cima para baixo, mas por um novo paradigma
democrático e compartilhado.
Apesar da mudança induzida pela expansão da digitalização
de todos os meios de comunicação, em plena era da imagem e da
comunicação interativa, o rádio resiste em sua forma original, como
veículo unissenrorial, com seus repertórios orais-sonoros vincula-
dos ao linguajar popular, aos diversos sotaques, aos vocabulários,
expressões e percepções culturais locais e regionais. A dinâmica
da comunicação radiofônica é um grande instrumento de aproxima-
ção entre veículo e público, exatamente porque a maioria das mais
de 4 mil emissoras nacionais adota programações relativamente
individualizadas e destinadas aos públicos locais. Com a segmen-
tação das emissoras e da programação, o rádio continua o melhor
meio para atingir, por exemplo, populações com pouca escolarida-
de ou analfabetas.
Ao mesmo tempo, é um veículo versátil, que se serve para
difundir os diversos padrões e sentidos de informação, cultura e de
consumo entre setores populares e médios e até entre os setores
ricos da sociedade brasileira. Com a digitalização, tornou-se ne-
cessário detectar as diferentes maneiras das novas gerações con-
sumirem informação e entretenimento em vários suportes, muitas
vezes ao mesmo tempo. No entanto, as pesquisas de identificação
das formas de relacionamento e de consumo midiático não podem
ficar limitadas a grupos sociais específicos. Crianças e adolescen-
tes pobres, que por restrições econômicas não estão em constante
contato com os aparatos digitais, também buscam por espaços vir-
tuais para trocarem amizades e visualizarem conteúdos, formatos,
linguagens e estéticas inovadores, ou seja, buscam sempre aquilo
de que precisam ou que desejam. Daí a necessidade de não igno-
rar as diferentes formas de recepção em diferentes setores sociais
(MAGNONI, 2010).
Apesar das incertezas ocultas no futuro, o rádio brasileiro ain-
da é o veículo de comunicação que as pessoas mais usam para
receber informação e entretenimento diários. A portabilidade, a pro-
ximidade da programação das emissoras com seus públicos locais
79
e regionais e os receptores de baixo preço sustentam há várias
décadas a popularidade radiofônica. Mais recentemente, o suporte
radiofônico também se beneficiou com o crescimento da frota auto-
motora e com a enorme quantidade de aparelhos celulares em uso,
que embutem gratuitamente receptores FM. A interatividade e a
conectividade são recursos comunicativos muito recentes e típicos
dos novos meios digitais (embora o rádio dispusesse, desde o iní-
cio, de tecnologia para tal), mesmo assim já contribuem para definir
os padrões de consumo midiático e de bens e serviços e para mol-
dar outras formas de relacionamento interpessoal e social, entre as
gerações que nasceram ou cresceram em plena “era digital”.
Pesquisadores do meio e os próprios radiodifusores não po-
dem ignorar a consolidação dos fatores tecnológicos e culturais
que influenciam para a modificação gradual do perfil de consumo
midiático entre os adolescentes e jovens. A pesquisa sobre parti-
cipação no consumo do meio por faixa etária divulgado pelo Mídia
Dados em 2011, por exemplo, aponta que, para a faixa etária de
15 a 19 anos, o rádio ocupa a quarta posição, empatado com a te-
levisão, com 12%. Em primeiro lugar, aparece a internet com 19%,
seguido pela revista com 14% e mídia exterior com 13%. Em último
lugar, aparece o jornal, com apenas 10% de participação. Esses
dados revelam que o rádio continua sendo um veículo presente no
cotidiano de jovens com a mesma porcentagem de penetração que
a imagética televisão:

Ao mesmo tempo, o rádio é considerado um veículo ultra-


passado e a internet o jeito mais gostoso de ficar informado,
melhor conteúdo informativo e próximo das pessoas de sua
geração. A TV é indispensável na vida e serve para entreter e
divertir. (CUNHA, 2010, p. 171)

Segundo pesquisa do Morgan Stanley Research Europe,


de 2009, a maioria dos adolescentes não são ouvintes regu-
lares de rádio. São jovens leitores de imagens, portadores de
dispositivos móveis de múltiplas operações, tais como recepção
de conteúdos multimidiáticos – músicas, entretenimento, redes
sociais –, tudo a partir de um único suporte. São considerados
80
“ouvintes ocasionais”, sem programa de preferência específico
e muitos estão migrando para dispositivos e/ou sites que possi-
bilitem a produção e o armazenamento da própria programação
audiofônica.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos/Merplan e di-
vulgada pelo Mídia Dados (2011) aponta que a maior taxa de
penetração do rádio encontra-se entre as faixas de 15-19 anos
(81%) e 20-29 anos (82%). As taxas de abrangência nesse seg-
mento etário são mantidas quando levadas em consideração a
segmentação em emissoras de Amplitude Modulada (AM), e de
Frequência Modulada (FM).

Metodologia da análise
Para estabelecer as relações entre o cenário esboçado
anteriormente com o consumo de conteúdos radiofônicos e os
hábitos, formas e índices de consumo do rádio pelos jovens, foi
realizada uma pesquisa empírica com estudantes pertencentes
à denominada Geração Internet, com o intuito de retratar o perfil
deles, compará-los às definições compreendidas por outros au-
tores e, enfim, apontar as tendências de recepção radiofônica,
em um contexto nacional de rápida digitalização de todos os
meios de comunicação e dos sistemas de produção da indústria
cultural, desenvolvida desde a metade do século XIX.
A Geração Internet é representada, segundo Tapscott
(2010), pelos nascidos entre 1977 e 1997, compreendendo a
atual faixa etária entre 15 e 35 anos de idade. Várias outras
denominações também são utilizadas para identificar essa gera-
ção, tais como Geração Digital, Millenials, Geração Y e Nativos
Digitais. Todas são válidas para o desenvolvimento e aplicação
desta pesquisa, uma vez que elas, por si só, já revelam as ca-
racterísticas e os comportamentos do segmento escolhido. Tais
denominações revelam pontos que servem de base para definir
o perfil dessa faixa populacional relacionados a sua proximidade
com tecnologias como a internet e o universo digital, caracte-
81
rísticas fundamentais para as diferenças entre a denominada
Geração X2 , e a seguinte, a Geração Z3 .
Para tanto, foi realizada a elaboração da estrutura dos ques-
tionários para a coleta de dados, sendo esse composto por 12
questões divididas em dois blocos: 1) dados pessoais e 2) e de re-
cepção. O primeiro grupo de perguntas teve como objetivos traçar
o perfil individual do entrevistado, dos pais ou responsáveis e o per-
fil socioeconômico da família. O segundo bloco, por sua vez, visou
identificar o posicionamento dos jovens em relação ao veículo rádio
com foco na forma de recepção e consumo de conteúdos levando
em consideração o público pesquisado. A redação das questões
foi realizada com linguagem clara, sem a utilização de termos téc-
nicos para facilitar o entendimento. Além disso, o questionário foi
elaborado com poucas questões de referência pessoal. Optou-se
pelo uso preferencial de questões impessoais, com redação direta
e estrutura de perguntas mistas, com a formulação de questões
fechadas e espaço para complementação das respostas.
Os participantes foram selecionados pelos responsáveis pela
direção das escolas dentro universo amostral de 100 estudantes
com distintos níveis socioeconômicos e culturais, sendo 50 estu-
dantes da “Escola Estadual Dr. Luiz Zuiani” e outros 50 do “Colé-
gio Fênix/Uniesp Bauru”. Na primeira escola, foi mantida a propor-
ção de dez alunos por ano de ensino analisado (8º ano do Ensino
Fundamental ao 3° ano do Ensino Médio). Na segunda, devido ao
baixo número de alunos em cada ano, os questionários foram dis-
tribuídos de acordo com o número absoluto de estudantes na faixa

2 De acordo com Tapscott (2010), corresponde aos nascidos entre 1965 e 1976. No período conside-
rado, logo após a fase baby boom, a taxa de natalidade nos Estados Unidos ficou 15% menor. Segun-
do o autor, essa geração também atende pelo nome de baby bust (Retração da Natalidade), embora o
termo não tenha sido incorporado. Geração X é uma referência ao título de “Generation X: Tales for
an Accelerated Culture”, do escritor Douglas Coupland, romance em que um grupo de pessoas que
sentiam excluídas da sociedade e estavam perdendo oportunidades para seus irmãos mais velhos.

3 Nascidos a partir de 1994 e que entraram nos anos 2000 com menos de 10 anos de idade, em pleno
desenvolvimento da internet e de outras inovações tecnológicas pós-modernas ou pós-industriais.
Estão em permanente busca pelo novo, em constante contato com redes sociais digitais, blogs, celu-
lares, computadores, iPods, videojogos e conjuntos de telas e vídeos em alta definição.

82
etária analisada. Os locais para aplicação da pesquisa foram de-
terminados com a finalidade de representar diferentes contextos,
uma vez que há distinção de classes sociais, níveis de estudo, fa-
miliarização com o meio de comunicação escolhido para análise e
de níveis culturais.

Tendências de uma identidade de um novo ouvinte


A pesquisa quantitativa aplicada entre os jovens das duas ins-
tituições de ensino revela que o rádio é um veículo de comunica-
ção que acompanha a rotina da maioria deles, estando presente
em diversos momentos cotidianos. Todos os estudantes abordados
apontaram que ouvem rádio. Quando indagados sobre a frequên-
cia, ocorreu um empate (34%) entre aqueles que afirmaram que
ouvem sempre e os que ouvem raramente. Esses dados prelimi-
nares reforçam a tese de que o rádio ainda se mantém presen-
te no cotidiano das pessoas jovens mesmo em meio às pressões
das novas tecnologias e de meios de comunicação cada vez mais
convergentes. Também comprovam as estatísticas do Mídia Dados
(2011) que apontou a segunda maior audiência do rádio (81%) na
faixa etária entre 15 e 19 anos, atrás apenas da faixa etária de
20 a 29 anos com 82%, duas maiores parcelas de público de um
veículo sonoro bem diferente da televisão. Contrapondo os dados
com outros de âmbito mais geral, estimativas da pesquisa do Ins-
tituto Meta de 20104 apontam que o rádio era ouvido por 80,3%
da população, percentual significativo, mas inferior ao hábito de
assistir à televisão, com 96,6%. De acordo com a pesquisa, 60,9%
dos entrevistados que dizem ouvir rádio ainda mantêm o hábito de
audição, de uma a quatro horas diárias em média.
Uma questão de destaque é a influência que os pais e os
familiares exercem nos jovens sobre o consumo de conteúdos ra-
diofônicos, uma vez que o rádio está mais presente nas rotinas de
seus pais, pertencentes à Geração X. Do total de estudantes abor-

4 Disponível em: http://www.fenapro.org.br/relatoriodepesquisa.pdf. Acesso em: 20 nov. de 2013.

83
dados, 61% apontaram que seus pais ouvem rádio frequentemen-
te e 19% indicaram que ouvem raramente ou com frequência não
determinada. A influência dos pais e dos avós para a manutenção
do hábito de escutar rádio e para a formação de uma nova geração
de ouvintes ficou evidente no momento em que 52% dos entrevis-
tados revelaram receber influência direta dos pais e 10% dos avós,
em contraste com os 38% que disseram terem criado o hábito sem
nenhum tipo de influência. Ou seja, 62% dos ouvintes nativos di-
gitais revelam que tiveram influência das gerações anteriores na
formação do hábito de ouvir rádio, números que também revelam a
ligação desses jovens com os demais membros da família.
Dos jovens abordados, 29% dos jovens que responderam ao
questionário apontaram que ouvem rádio por meio do aparelho do
carro, 19% por meio do computador, 17% no celular e um empa-
te de 11% no aparelho convencional (rádio portátil, microsystem,
receiver) e dispositivos como MP3, MP4 e iPods, sendo apenas
9% os que apontaram ouvir rádio por meio da internet do celular.
(Observação: os jovens que ouvem no carro, disseram, então, ou-
vir junto com os pais, uma vez que a maioria deles ainda não tem
idade para dirigir).
O ouvir rádio no carro é um cenário frequente, principalmente,
nas cidades de médio e grande porte. Nesses locais, o rádio do
carro tornou-se um companheiro no trânsito na ida de casa para
o trabalho, para a escola ou em horários de picos e em conges-
tionamentos. Pelo fato de o público-alvo ser composto por jovens
estudantes sem carteira de habilitação, pode-se inferir que o ato
de ouvir rádio pelo aparelho do carro é um hábito adquirido devido
à influência de terceiros, principalmente os pais. Segundo dados
do Target Group Index, divulgados pelo grupo Ibope Media (2012),
para os membros da Geração X, o rádio é uma mídia que pro-
porciona comodidade, interação social, participação em meio a um
ambiente de notícias e informações. Dessa forma, para os pais do
público analisado, o rádio no trânsito funciona como veículo pres-
tador de serviços, informando em tempo real as principais informa-
ções da cidade, desde as condições do trânsito, boletins informati-
84
vos e previsão do tempo. “O rádio reconstrói o espaço urbano em
movimento, a cidade da pressa, das vias de circulação, do trânsito
de automóveis”.
Quando comparados aos dados de onde esses jovens cos-
tumam ouvir o rádio, percebe-se que o carro aparece em primei-
ro lugar com 42% da preferência, seguido de perto por aqueles
que indicaram sintonizar determinada programação de suas casas
(37%). Esses dados, necessariamente, não representam que o es-
tudante está acompanhando a programação de uma emissora no
dial do aparelho do automóvel. Por pertencerem a uma geração
conectada com os mais variados aparelhos tecnológicos e pelo fato
de o rádio estar incorporado em grande parte deles, o dado é signi-
ficativo para evidenciar o hábito desses jovens usarem a mídia em
questão mais no automóvel do que na própria casa. Provavelmen-
te, os 10% que apontaram ouvir rádio na rua marcaram a opção
em contraste ao ouvir no automóvel. No entanto, quando conside-
ramos as escolas distintamente, observa-se a predominância do
ouvir rádio em casa entre os estudantes da rede pública, mais ne-
cessitados economicamente e que possuem menor disponibilidade
do automóvel como transporte até a escola. Ao todo, foram 40%
das respostas em contraste com os 36% daqueles que sintonizam
no carro. A situação se inverte quando consideramos os estudan-
tes da rede particular, sendo que 50% das respostas apontaram
que há preferência em ouvir o rádio do carro, em contraposição aos
36% dos que disseram que ouvem mais em casa.
Dos jovens entrevistados nas escolas para a pesquisa, a
maioria (67%) revelou ainda que prefere acompanhar a progra-
mação de emissoras FM, seguidos por aqueles que preferem os
conteúdos de emissoras da internet (17%) e 12% ainda preferem
as rádios AM. Apenas 4% dos entrevistados revelaram preferir fa-
zer downloads de podcasts a sintonizar determinada emissora. O
desinteresse pelas estações AM se destaca nas duas instituições
analisadas. Não há diferença significativa entre o percentual dos
ouvintes que preferem estações FM na rede pública (65%) e na
rede privada (68%). Já a audiência de webrádios é mais expressiva
85
entre aqueles que estudam na rede particular, totalizando 25% em
comparação aos 10% da rede pública. A mesma situação é obser-
vada no caso dos podcasts: 5% das respostas do colégio particular
apontam para ouvintes que baixam conteúdos radiofônicos da in-
ternet, contra os 3% dos ouvintes de escola pública, um indicador
claro de que a cultura de uso de determinado dispositivo digital
depende diretamente da possibilidade de acesso.
Levando em consideração o perfil dos ouvintes abordados, a
preferência por emissoras FM pode ser justificada pelo fato de que,
na cidade de Bauru, das seis emissoras representativas, apenas
uma seja em AM. Do total de emissoras em FM com produção em
Bauru, três são comerciais (96 FM, 94 FM, Band FM), duas são
culturais e educativas (Unesp FM e Véritas FM), uma comunitária
(87,9 FM) e uma religiosa protestante (Rádio Líder). Todas essas
emissoras apresentam um portal de notícias online, no qual tam-
bém disponibilizam a programação em tempo real e on-demand,
além de ferramentas que propiciam a interação do internauta-ou-
vinte com a emissora.
Em tempo, a preferência por emissoras em frequência modu-
lada é uma tendência nacional. Segundo dados da pesquisa Ibope
de 2012, a audiência das emissoras AM teve uma queda de 1,6
ponto percentual, passando de 3,8 em 2000 para 2,2% em 2011.
Enquanto isso, as emissoras em FM passaram de 13,6% em 200
para 12,8% em 2011, ou seja, queda de 0,8%. No entanto, a audi-
ência das emissoras AM somente apresentou queda no período de
tempo analisado, enquanto as emissoras em FM passaram por mo-
mentos de alta e baixa (de 2010 para 2011 houve crescimento de
0,8 pontos percentuais). A pesquisa Mídia Dados de 2012 também
comprova a maior presença de emissoras em frequência modulada
no país em 2011. Em comparação com a pesquisa do ano anterior,
as emissoras AM tiveram diminuição de 0,3% e as em FM registra-
ram crescimento de 0,2%, mostrando, dessa forma, estabilização
no cenário apresentado.
Em tempo, o levantamento desta pesquisa também envolveu
informações subjetivas sobre o que atrai e o que repele os ouvintes
86
em relação ao rádio AM/FM e às webradios. Os dados indicam que,
para os jovens, o rádio é utilizado como elemento de entretenimen-
to e descontração. Independentemente do tipo de aparelho ou de
emissora, a preferência dos jovens ainda é pela programação mu-
sical. Do total de respostas, 64% apontaram preferir ouvir música
no rádio, seguido por um empate entre a programação de notícias
em geral e de humor, com 11% cada.
Devido ao impulso das inovações tecnológicas que permiti-
ram ao ouvinte ser o programador de playlist pessoal, aos poucos
o rádio foi se desvinculando da música e vice-versa (KISCHINHE-
VSKY, 2007). Como já mencionado, em época de convergência de
mídia, é possível ter a sua lista pessoal de música no computador
de casa, nas palmas das mãos com os dispositivos móveis, como
celular e tocadores de MP3 player. No entanto, os jovens ainda
se lembram do veículo como sinônimo de musicalidade, fator que
reforça a importância que a música ainda tem para a construção de
uma identidade na sociedade:

A música é um produto social e simbólico de grande impor-


tância nas diferentes formações culturais, principalmente se
considerarmos a sua capacidade de criar vínculos afetivos
entre as pessoas. A música pode usar diferentes formas de
linguagem e expressão, sendo produto cultural de caracterís-
ticas muito especiais: nenhum produto cultural tem mostrado
tamanha capacidade de adaptação aos diferentes meios de
comunicação. (SANTINI, 2005, p. 8)

Em relação aos estilos musicais preferidos pelos jovens abor-


dados para esta análise, 20% dos entrevistados apontaram como
principal escola o eletrônico, 19% as músicas internacionais, 15%
preferem sertanejo ou pop, 13% rock, 6% samba, 5% axé e 2%
forró. Todos os estilos escolhidos se enquadram nos perfis das
emissoras segmentadas apontadas por Kischinhevsky, quadro que
aponta que o jovem atual, apesar de fazer a própria playlist, ainda
ouve o que é destacado na mídia. Apenas 5% apontaram preferir
outros estilos além dos apontados.
No entanto, o rádio não é o principal meio para os jovens e
os adolescentes quando o assunto é playlist. De acordo com uma
87
pesquisa divulgada pelo jornal The Guardian5 , em 2010, o site de
compartilhamento de vídeos YouTube é a primeira opção na hora
de escutar música. O jornal apontou que 64% dos 3 mil adoles-
centes norte-americanos entrevistados preferem “assistir” às suas
canções preferidas, mesmo que o videoclipe não seja disponibili-
zado no site de vídeos. O gosto por ouvir e ver algo ficou à frente
daqueles que preferem os CDs (50%), as estações de rádio (56%)
ou músicas compradas em lojas virtuais como o iTunes (53%), em-
bora a pesquisa tenha mostrado que 72% dos entrevistados com-
praram música nos últimos 12 meses, mais do que a média de
todas as faixas etárias.
Por outro lado, o que mais incomoda os jovens nas progra-
mações das emissoras tradicionais ou pela internet são os comer-
ciais (53% das respostas), fato que indica a necessidade de uma
mudança de estratégia pelo mercado publicitário. Suprimir os in-
tervalos publicitários é uma missão quase impossível para o atual
modelo de negócio da radiodifusão, em que a maioria das emisso-
ras se distribui em cidades brasileiras pequenas e médias e vive,
principalmente, das inserções pagas modicamente pelo mercado
varejista e não encontrariam outros meios de sustentar os custos
da atividade radiofônica. Em tese, portanto, os números levantados
pela pesquisa devem servir como fonte de preocupação para os
radiodifusores, pois mostra uma tendência do público pertencen-
te à Geração Y de rejeitar os formatos tradicionais dos intervalos
comerciais, optando pela troca de estação. A rejeição por mais da
metade dos entrevistados aos intervalos publicitários apresenta-se
como um problema futuro bastante intrincado para a radiodifusão
comercial. Talvez a digitalização das emissoras e a convergência
de parte da programação para a internet poderão oferecer novos
instrumentos e canais para que o rádio consiga definir outras es-
tratégias para sustentar seu modelo de negócio. Música ruim (24%
das respostas) é o segundo fator mais lembrado pelos entrevista-

5 Disponível em: http://www.guardian.co.uk/music/2012/aug/16/youtube-teens-first-choice-music.


Acesso em: 20 nov. 2013.

88
dos, para justificar a repulsa ao rádio, seguido pela repetição de
conteúdos na programação (17%) das emissoras tradicionais.
Por último, é possível destacar a identificação dos jovens
abordados com a programação local, premissa confirmada quando
43% apontam preferir uma emissora da sua cidade. Se somarmos
os 17% dos ouvintes que sintonizam emissoras da região, o nú-
mero de ouvintes locais e regionais passa para 60%. No entanto,
os jovens dão maior preferência à programação de uma emissora
disponível na internet (20%) a uma emissora especificamente da
região de Bauru (17%). Esses dados, em suma, confirmam o fato
de o rádio local ainda exercer forte influência entre os seus ouvin-
tes, mesmo em tempo de internet e de convergência, no qual as
barreiras da geografia e do dial foram rompidas.
A seguir, são disponibilizados alguns gráficos resultantes da
pesquisa de campo:

Figura 1 – Influência dos pais no hábito de ouvir rádio

89
Figura 2 – Frequência com que os entrevistados ouvem rádio

Figura 3 - Os diferentes modos de ouvir rádio pelos jovens digitais

90
Figura 4 – Lugares onde os entrevistados costumam ouvir rádio

Figura 5 – As preferências na programação

91
Figura 6 – Sintonia preferida

Considerações finais
Com as pesquisas quantitativas elaboradas, bem como suas
análises qualitativas, fica evidente que os jovens integrantes da
Geração Y, desde os indivíduos mais velhos, hoje com 36 anos
de idade, até os mais novos, com 16 anos em 2013, estão em
constante procura por conteúdos midiáticos. No entanto, a relação
desses jovens com os veículos de comunicação não é a mesma da
vivenciada pelos seus pais e avós.
Diferentemente do que muitos imaginavam, o advento e pro-
pulsão das novas tecnologias não foram determinantes para a
superação das mídias tradicionais existentes. Pelo contrário, elas
contribuíram para a criação de um ambiente de convergência de
meios e tecnologias. Em muitos casos, alterou-se a forma como
os conteúdos produzidos eram consumidos e as novas tecnologias
colaboraram para que ocorresse maior produção de conteúdos e
para que esses conteúdos fossem disseminados para variadas pla-
taformas e com diferentes processos de recepção.
Para a maioria desses jovens, o rádio é consumido por curtos
períodos de tempo, seja no carro, no celular enquanto caminha ou
92
pega ônibus, ou na internet. O uso mais frequente do rádio conven-
cional ocorre no rádio do carro, provavelmente nos trajetos para a
escola e para a casa. Como os jovens entrevistados não possuem
carteira de habilitação, o consumo dos conteúdos é influenciado
por outras pessoas, geralmente seus pais.
Fica evidente que ouvir rádio ainda é encarado por muitos
como fundo musical para outras atividades ou para circunstâncias
transitórias. Dessa forma, apesar de estar ligado por períodos mais
curtos de tempo, o rádio costuma ser o som principal enquanto rea-
lizam outras atividades que requerem mais atenção, especialmente
a visual, como dirigir ou navegar na internet. Essa característica
entre os indivíduos da Geração Y é ainda mais intensificada, uma
vez que esses são jovens caracterizados pela simultaneidade de
atividades realizadas e, com o consumo de mídias, o comporta-
mento não é diferente.
Com a portabilidade e acentuada convergência de meios, o
rádio deixou de ser um veículo exclusivamente doméstico e pode
ser encontrado e consumido em outros aparelhos. Os integrantes
da Geração Y estão em contato com grande diversidade nos mo-
dos de ouvir, em comparação com a geração de seus pais e avós,
pois já podem escutar em arquivos MP3 de tocadores digitais, no
rádio por celular e por internet, podcasts, webrádios e sites musi-
cais ou até mesmo estações de rádio retransmitidas por TV a cabo.
Dessa forma, os novos ouvintes não estão mais presos às
ondas hertzianas e ao espaço geográfico. A internet veio potencia-
lizar essa característica. Já é possível ouvir pela internet emissoras
locais em qualquer parte do mundo. Além da transmissão de con-
teúdo via streaming em tempo real, algumas emissoras produzem
conteúdos exclusivamente para ser disponibilizados na internet.
No entanto, o rádio convencional ainda tem um poder muito
forte sobre a rotina das pessoas. As rádios locais e suas progra-
mações variadas fazem parte do cotidiano dos jovens. Verifica-se
maior preferência pelas emissoras FM, que ainda reproduzem a
onda jovem das segmentações implementadas a partir da década
de 1970 e focam uma programação musical com os hits do momento.
93
Referências bibliográficas
COSTA, R. A cultura digital. São Paulo: Publifolha, 2002.
CUNHA, M. R. Os jovens e o consumo de mídias surge um novo
ouvinte. In: FERRARETTO, L. A.; KLÖCKNER, L. (orgs.). E o
rádio? - novos horizontes midiáticos. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2010, p. 176 - 182. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/
eoradio.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2012.
FERRARETTO, L. A. Rádio e convergência – Uma abordagem
pela economia política da comunicação. Anais do XIX Encontro
Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação
em Comunicação (Compós). Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010.
KISCHINHEVSKY, M. O rádio sem onda – Convergência digital e
novos desafios na radiodifusão. Rio de Janeiro: E-Papers, 2007.
MAGNONI, A. F. Estudo comparativo do processo de implantação
da televisão digital terrestre no Brasil e na Argentina. (Relatório de
atividades apresentado à Pró-Reitoria de Pesquisa da Unesp, de
estágio de pós-doutoramento). Universidad Nacional de Quilmes,
Argentina, 2010.
TAPSCOTT, D. A hora da geração digital. Rio de Janeiro: Editora
Agir, 2010.
_______ Geração digital: a crescente e irreversível ascensão da
geração Net. São Paulo: Makron Books, 1999.
SANTINI, R. M. Admirável chip novo. Rio de Janeiro: E-papers,
2005.

94
Capítulo 6
AS TECNOLOGIAS COMO SUPORTE DE
(IN)FORMAÇÃO: O COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS
COMO FERRAMENTA DE COMUNICAÇÃO

Erivam Morais de Oliveira

95
As Tecnologias como Suporte de
(In)formação: o Compartilhamento de
Imagens como Ferramenta de
Comunicação

Introdução
A fotografia encanta por suas diversas possibilidades de co-
municação e reinvenções e, ao mesmo tempo, por sua modernida-
de. Como na mitologia, a fotografia analógica pode ser comparada
a uma fênix que renasce das cinzas em busca da eternidade, obri-
gando-nos a traçar uma releitura sobre fatos históricos que a origi-
naram e o aparecimento das primeiras pesquisas da fotografia no
Brasil, passando pela utilização nos meios de comunicação e sua
evolução para o sistema digital.
Além disso, não se pode perder de vista as possibilidades
de utilização da fotografia nos mercados editoriais, artísticos e cul-
turais como suporte tecnológico. Essa história remete a inúmeras
formas de convergência de comunicação entre o velho mundo aná-
logo e a vanguarda digital, transpassando das velhas formas de
comunicação por meio dos sais de prata para a juventude massifi-
cada e a revolucionária arte de produção de imagens por compo-
sição binária.
A capacidade de transformação da fotografia possibilita a
integração com a comunicação, agregando tecnologia com a sa-
bedoria aos princípios básicos de informar. Quando as principais
cidades do mundo foram sacudidas por protestos e manifestações,
muita dessas concentrações organizadas via redes sociais conta-
ram com lideranças de jovens de classe média que nunca tiveram
experiência ou engajamento político partidário. Entretanto, com
vasto conhecimento e domínio do mundo tecnológico, no qual a
fotografia agrega e se reinventa.
O fenômeno de organização e rapidez na distribuição de in-
96
formações espontâneas, que jamais ocorreu na história da huma-
nidade, provocou grande apreensão dos governantes do mundo
moderno e a fotografia foi um dos suportes mais utilizados para
mostrar a indignação popular e ferramenta de denúncia fundamen-
tal para documentar e mostrar ao mundo a ação truculenta dos
agentes do Estado opressor.
Entender e compreender as diversidades culturais e as tec-
nologias do poder não constituído pelas urnas, mas pela vontade
popular que brota e floresce a cada dia nas ruas das principais
cidades brasileiras, e aceitar suas transformações como proces-
so de aprendizagem e suas práticas sociais, seus efeitos políticos,
culturais e tecnológicos são fatores importantes que merecem ser
analisados e compartilhados.
Portanto, torna-se mais relevante no Brasil, por ser classifica-
do como um país pacífico e até omisso em relação aos desman-
dos políticos que ocorrem no dia a dia de nossas cidades. Esses
questionamentos tipicamente brasileiros são “conflitos entre as for-
mas emancipadas que surgiram na sociedade e puderam proliferar
nas redes digitais, em uma economia crescentemente baseada em
bens imateriais e intangíveis.” (SILVEIRA; PRETTO, 2008, p. 08).
Para o sociólogo espanhol Manuel Castells (1999), os cida-
dãos têm hoje um instrumento próprio de informação, auto-orga-
nização e automobilização que até pouco tempo não existia. Para
mobilizar um grupo de pessoas num passado próximo, exigia-se
um esforço muito grande de tempo, além de recursos materiais
de divulgação que tinham custo financeiro elevado. Portanto, aos
descontentes só restava atender às convocações organizadas por
partidos e sindicatos, que na maioria das vezes representavam um
grupo específico de pessoas ou uma categoria profissional.
Agora, a capacidade de auto-organização é espontânea e
praticamente imediata. As convocações são feitas via redes so-
ciais, o que possibilita a mobilização de milhares de pessoas para
uma manifestação em questão de horas. Isso é muito novo, isso é
o mundo virtual, que sempre acaba no espaço público, nas praças,
nas ruas e nas avenidas.
97
Essa é a grande novidade nas diferenças entre as manifesta-
ções do período de exceção, dos chamados “anos de chumbo”1 , e
as manifestações realizadas no período democrático do país. Não
existe mais a dependência de categorias sindicais, grupos políticos
ou mesmo dos meios de comunicações tradicionais e conservado-
res que tratam a notícia como um produto vinculado à sociedade
do espetáculo. Hoje, a sociedade tem o poder e a capacidade de
se organizar, debater e intervir nos espaços públicos e virtuais, pro-
vocando o maior fenômeno de comunicação independente e autô-
noma.
Os fatores mais importantes para essa nova forma de se ex-
pressar é a descoberta das ferramentas e aplicativos de comunica-
ção que possibilitam a transmissão de informação em tempo real,
documentando ações muitas vezes truculentas, dos agentes que
representam os poderes constituídos.
As interferências habituais de veículos de comunicações que
omitem informações para que sejam beneficiados pelos pacotes
recheados de dinheiros, disfarçados em campanhas publicitárias,
ou exclusivamente com interesses políticos que lhes permitem pri-
vilégios em informações jornalísticas, são também fatores relevan-
tes a serem considerados.
Estudar e conhecer os grupos que foram às ruas bem como
as ferramentas de comunicação e documentação que viabilizaram
e colocaram cidadãos do mundo dentro das manifestações e pro-
testos, encurralando políticos e governos, obrigando-os a prestar
contas de suas ações e declarações à sociedade, torna-se um de-
ver dos acadêmicos e dos comunicadores.
A objetividade e a pluralidade das massas nos acontecimen-
tos, bem as diferenças sociais e culturais, são peças fundamentais
para utilização de ferramentas de transmissão de conteúdos para
que os principais avanços democráticos, civilidade e participação
dos movimentos contemporâneos do povo brasileiro sejam respei-
tados pelo Estado.

1 Os chamamos anos de chumbo correspondem ao período em que o Brasil foi governado por mili-
tares, entre 1964 até 1985, quando vários direitos civis e políticos foram desrespeitados.
98
O fotojornalismo busca travar um equilíbrio entre a fotografia
moderna e os estudos deixados por Víllen Flusser; entre o que é
essencial na divulgação de imagens e a banalização a que nos ha-
bituamos, frutos da revolução digital, e o comportamento do repór-
ter-fotográfico em relação a sua “presa”, observando o movimento
de caça. “O antiquíssimo gesto do caçador paleolítico que perse-
gue a caça na tundra”2 . Com a diferença que o fotógrafo não se
movimenta em pradaria aberta, mas na floresta densa da cultura.
(FLUSSER, 1985, p. 18).
Para muitos, a análise de Flusser parece exagero, mas a ati-
tude do fotógrafo mencionada por ele pode ser encontrada qua-
se que diariamente na imprensa brasileira. A busca desenfreada
pela imagem inédita e com impacto faz com que os profissionais
de imprensa muitas vezes se esqueçam de que o objetivo maior é
informar.

A caminho do século XXI


Os novos rumos da fotografia rompem com a velha mídia, que
só consegue enxergar a fotografia estática, sem pensar na inclusão
dela como referência midiática, dificultando a inclusão de compo-
nentes da globalização.
A desterritorialização do espaço real em favor do virtual, pro-
vocando o anseio de atualizar e manifestar a importância da fo-
tografia nesse mundo cada vez mais sem fronteiras e com uma
linguagem tecnológica e contemporânea, possibilita inúmeras in-
cursões pelo mundo da fotografia em movimento:

Ao propor a inclusão da fotografia na discussão do compo-


nente da globalização e desterritorialização do espaço real
em favor do virtual, anseio atualizar e manifestar a impor-
tância midiática da fotografia, não somente como arte no
conceito mais nobre da palavra, mas também como arte de
informar, transformar e interagir com as mais diversas mídias
e movimentos sociais e artísticos. (OLIVEIRA, 2011, p. 121)

2 Tundra: pantanal siberiano.

99
A fotografia deverá tomar rumos importantes nos próximos
anos, uma vez que as mídias colaborativas corroboram para uma
maior dinamização do ato fotográfico e de seu compartilhamento.
Isso já foi constatado nas manifestações populares no segundo se-
mestre de 2013 na cidade de São Paulo.
Após diversas revoluções tecnológicas, entramos em uma
nova era. Agora, a convergência midiática, ao transformar o antigo
em moderno, aliando plataformas e linguagens por meio de aplica-
tivos e programas pré-estabelecidos, que promovem a integração
da informação em diferentes suportes, rompem o limite entre espa-
ços concretos e subjetivos da comunicação.
Nessa realidade, espera-se que os setores tecnológicos das
empresas de comunicação possam realizar investimentos no setor
e em profissionais para o desenvolvimento de aplicativos necessá-
rios para abastecer o mercado, para atender às necessidades dos
sites, blogs e portais jornalísticos.
Surgem assim, novas alternativas tecnológicas para o mer-
cado comunicacional e jornalístico, que vão desde a interativida-
de das imagens em movimento por meio de time-lapse, fotografias
360º, mosaico, photosynth, fotoáudio reportagem e exposições vir-
tuais. Recursos desse tipo deverão se tornar, nos próximos anos,
presença obrigatória em jornais eletrônicos, fomentando as discus-
sões éticas sobre suas utilizações no fotojornalismo.
O mercado jornalístico tradicional terá que se adaptar aos
novos tempos de leitores que usam exclusivamente os aparelhos
eletrônicos. Esse leitor não aceita mais as mídias convencionais,
ele quer interagir. Essa interação, na fotografia, passa pelos diver-
sos recursos disponíveis na captura e transformação das imagens,
criando efeitos e movimentos.
Os veículos de comunicação, detentores das diversas mídias,
terão que apresentar alternativas para esses consumidores, além
de manter o noticiário tradicional.
A fotoáudio reportagem é um novo formato multimídia infor-
mativo que uniu a fotografia ao áudio, em que ambos apresentam
informações jornalísticas captadas de formas diferentes. Atualmen-
100
te, esse novo formato consolida-se principalmente nos Estados
Unidos (portal MSNBC), na Argentina (portal Clarín.com) e no Bra-
sil (portal UOL). Segundo Daniela Barros (2009), esse novo forma-
to, citado por ela como “histórias fotográficas”, surgiu em 2005, no
portal americano MSNBC.
Entretanto, classificá-lo como formato ainda provoca alguma
polêmica. Como afirma Ramos, outra diferenciação necessária é
que nas mídias digitais temos a geração de linguagens artificiais,
que são determinadas por várias classes de códigos tecnológicos.
Se o conceito de gênero surgiu a partir da língua natural, não é
possível aplicá-lo diretamente à linguagem artificial no sentido de
que são os gêneros que designam os formatos. “Como entende-
mos que, neste caso, são os formatos que designam os gêneros,
através da linguagem mediada por códigos?” (RAMOS, 2009, p.
03).
A fotografia 360º possibilita ao leitor observar a imagem feita
pelo repórter fotográfico em um ângulo de 360 graus, acabando
com o recorte imposto pelo profissional ou editor na cobertura jor-
nalística. Essa ferramenta é muito parecida com a que é utilizada
pelo Google Earth.
O mosaico possibilitará que os veículos de comunicação pu-
bliquem todas as imagens capturadas em eventos de grandes pro-
porções. Isso pode ocorrer em campanhas políticas, campeonatos
esportivos ou mesmo em uma grande cobertura de repercussão,
nos quais a produção de imagens é muito farta. A exploração das
imagens formatada em mosaico vem sendo utilizada para fins de
fetiche imagético estético, frequentemente percebido na exposição
justaposta de fotografias autobiográficas em perfis de redes so-
ciais. Nessas produções, são incitadas não só a curiosidade, mas
também as novas possibilidades funcionais para o uso dessa práti-
ca com objetivo jornalístico.
Uma coletânea de imagens – com destaque para apenas uma
delas com poder de identificação e de unidade de sentido – pode
ser utilizada de várias maneiras que atendam às narrativas jornalís-
ticas intermidiáticas baseadas no conceito de convergência. Des-
101
sa maneira, justificam-se novas nuances em questões de imagem
no contexto do jornalismo multimídia nos meios digitais, incluindo,
nessa vertente inovadora, o mosaico.
As exposições virtuais fazem parte de um conjunto de alterna-
tivas que os veículos têm para distribuir e divulgar os materiais foto-
grafados nas grandes coberturas jornalísticas, oferecendo ao leitor
opções de aprofundamento e entendimento da notícia por meio de
imagens e legendas.
Dentro dessas possibilidades tecnológicas, encontramos o
photosynth, que foi usado pela primeira vez pela CNN, com cunho
jornalístico, na posse do presidente estadunidense Barack Obama.
As imagens de profissionais e amadores foram utilizadas pelo site
da empresa, proporcionando uma repercussão positiva no mundo
jornalístico e tecnológico.
A palavra photoSynth vem do inglês, sendo sua tradução “sin-
cronia de fotos”. Isso porque a função do dispositivo é analisar uma
série de fotografias comuns tiradas em um mesmo local. A partir
daí, a ferramenta é capaz de encontrar similaridades entre as fo-
tos, utilizando esses dados para estimar onde a foto foi tirada e
sincronizá-la, gerando a recriação do ambiente ou da cena em uma
imagem tridimensional, em 360 graus, na qual se pode navegar.
O que diria Lewis Hine, autor da frase “embora as fotografias
não possam mentir, os mentirosos podem fotografar”, com todas
essas possibilidades convergentes nos meios fotográficos? (KON-
ZEN, 2004, p. 193).
Talvez o pensamento que melhor traduza essa realidade no
mundo convergente seja a expressão do fotógrafo catalão Joan
Fontcubuerta ao dizer que “a fotografia mente sempre, o importan-
te é saber o que podemos fazer com esta mentira” (FONTCUBER-
TA, 1998, p.13).
Portanto, os meios de comunicação terão que aprender com
a população e a juventude dos movimentos culturais e sociais, que
estão antenadas com os recentes formatos midiáticos, sua impor-
tância e facilidades para distribuir a informação com rapidez e cria-
tividade.
102
Acredito que esse é o momento para que os veículos de co-
municação saiam da redoma, promovam e incentivem o debate,
provocando reflexões no segmento fotográfico e midiático. Dessa
forma, podem proporcionar a oportunidade de revisão sobre o mo-
mento histórico que a fotografia atravessa, fomentar a realização
de entrevistas, exposições e publicações, além de estimular tam-
bém a criação de núcleos de estudos interdisciplinares de preser-
vação e memória, de documentação social por meio de fotografias
nas escolas, faculdades, universidades e sociedade civil.
As contribuições dos meios de comunicação podem desper-
tar o interesse nas entidades públicas, proporcionando condições
e materiais de pesquisas sobre os profissionais e colaboradores
das diversas classes sociais, cidadãos que disponibilizam seus
trabalhos nas redes sociais, apresentando importantes registros e
imagens que viabilizam os questionamentos e as mudanças de ati-
tudes da população que estão transformando o Brasil.
O conhecimento e a divulgação das tecnologias estão provo-
cando mudanças significativas e fundamentais para a democracia
e justiça social.

O poder, a cultura, a educação e as formas de distribuição


de riqueza foram atentamente observados por ativistas e
pesquisadores dos fenômenos contemporâneos, deixando
claro, como pode ser visto nos textos, a impossibilidade do
poder existir longe das tecnologias, demandando de todos
uma mudança no olhar sobre as novas dependências, sobre
o que está em jogo nas redes de informação. Por isso, as tec-
nologias da informação e da comunicação foram avaliadas
em suas dimensões mais importantes. As explicações nas-
cidas da matriz do pensamento único, a qual procura escon-
der suas determinações histórico-sociais sob o discurso de
uma racionalidade neutra, foram confrontadas com aquelas
que pretendem dar transparência aos processos e politizar o
debate sobre tais dimensões tecnológicas e sobre as históri-
cas relações entre a ciência, o capital e o poder. (SILVEIRA;
PRETTO, 2008, p. 08)

Na penúltima semana do mês de outubro de 2013, várias evi-


dências sobre o desaparecimento de um morador na favela da Ro-
cinha no Rio de Janeiro colocam mais uma vez os órgãos oficiais
103
sobre suspeita de abuso de poder, obrigando tomadas de decisões
no sentido da transparência nas abordagens. O fato levou à apre-
sentação de uma nova tecnologia em estudo e desenvolvida no
Brasil em que os policiais irão transmitir on-line, para uma central,
todas as suas ações e abordagens nas unidades pacificadas no
Estado do Rio de Janeiro. Esses avanços são fruto da transmissão,
pelos diversos meios de comunicação e pelas redes sociais, de
manifestações ocorridas no segundo semestre de 2013 no Brasil.
A truculência oficial, por meio de um estado militar repressor,
tem encontrado resistência por parte dos diversos profissionais de
imagens que lutam por sua autonomia e independência para regis-
trar o dia a dia das manifestações populares.
A incompetência e a arrogância do Estado têm chegado a um
ponto em que, para se fotografar livremente em algumas cidades e
parques – como no vilarejo de Paranapiacaba, pertencente ao mu-
nicípio de Santo André, em São Paulo, ou mesmo no Parque Ibira-
puera, na capital paulista –, é necessária autorização prévia. Esses
casos, acredito serem mais uma forma de encobrir a incompetên-
cia governamental em se preservar os locais públicos e de tentar
coibir a população pagadora de impostos em postar fotografias ou
vídeos nas redes sociais, fazendo críticas aos (ir)responsáveis di-
retos pelas mazelas das cidades.
O triste, nessa situação, é que o autoritarismo não respeita
nem aspectos da Constituição brasileira, como a liberdade de ex-
pressão e o direito de ir e vir. Mas isso é outra história e que merece
ser abordada em outro artigo.

Conclusão
O importante, nesse momento, é buscar as diferentes formas
de olhar a sociedade. Atitude fundamental para a modernização
dos meios de se comunicar com o uso de imagens, possibilitando
a integração da fotografia com os cidadãos, aproximando-a cada
vez mais com tecnologia do mercado editorial internacional, com
imagens jornalísticas, documentais e artísticas. Ao mesmo tempo,
104
é hora de questionar e apontar dúvidas e soluções, trazendo um
olhar singelo e apaixonado pelo cotidiano do povo brasileiro.

Apoiado em teorias que debatem a globalização em suas


mais diversas faces, procurou-se compreender em que me-
dida os avanços tecnológicos contribuíram para uma perda
da noção de espaço. Por meio de programas como Google
Earth, Photosynth e as imagens em 360 graus, RA – Rea-
lidade Aumentada, o conceito de desterritorialização do es-
paço-tempo é passível de percepção através das imagens
fotográficas, assim como no passado vivemos a grande
transformação de valores imagéticos e comunicacionais,
principalmente no campo do Jornalismo, onde procuramos
formas e meios para sobreviver à avalanche tecnológica de
nossos tempos. (OLIVEIRA, 2011, p. 121)

A análise de imagens e ferramentas de transformação social


acrescenta informações importantes para entendermos momentos
e períodos relevantes da mudança na atitude do povo brasileiro.
Dessa forma, contribuimos com a coleta de dados e informações
das ferramentas tecnológicas que possibilitam a comunicação de
ações sociais de baixo custo, contemplando as fotografias realiza-
das pelos fotojornalistas profissionais e amadores.
São esses cidadãos comuns que estão transformando a for-
ma de ver e participar das coberturas e das manifestações sociais
na cidade de São Paulo. Eles têm possibilitado, inclusive, a alte-
ração nos discursos oficiais com a promessa de mudanças nas
ações e transparência online e nas abordagens policiais. É a utili-
zação dessas tecnologias na formação de uma consciência política
adormecida no povo brasileiro no período pós-abertura política.
O uso político e propagandista das imagens por parte dos
meios de comunicações tradicionais e alternativos e dos governos,
bem como os meios e métodos de repressão e enfrentamento dos
movimentos, são questões de honra para jornalistas e acadêmicos
que lutam pela liberdade de expressão e de manifestação.
A fotografia, mais uma vez, nos ensina um código visual trans-
formado e ampliado, de acordo com nossos conceitos culturais e
de observação, construindo-se, dessa forma, uma cultura visual
embasada na ética e na estética. O registro fotográfico sinaliza a
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existência de determinados cenários socioculturais, econômicos e
políticos, podendo refletir essa ou aquela ideologia. “Um instante
que não poderá ser reproduzido novamente, levando-se em consi-
deração a época, os costumes e as tradições que ficam eterniza-
dos no instante fotografado” (BARTHES, 1984, p. 13).
Talvez a verdadeira busca do real, atribuída muitas vezes, er-
roneamente, à fotografia, passe pelos educadores e fotojornalistas.
Esses indivíduos têm a responsabilidade de estimular a reflexão e
a lapidação da consciência daqueles que irão registrar nosso co-
tidiano por meio de imagens fotográficas, sejam profissionais ou
amadores, alertando para a importância da ética e do correto arma-
zenamento das imagens e suas responsabilidades com a memória
do século XXI.

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Reflexões para o ensino de Jornalismo no Brasil:
algumas abordagens
Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ)
(http://www.fnpj.org.br)

Organização:
Fabiano Ormaneze e Rogério Bazi

Projeto e Design Gráfico:


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