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o ensino de
Jornalismo no
Brasil:
algumas abordagens
1
Reflexões para
o ensino de
Jornalismo
no Brasil:
algumas abordagens
2
Fórum Nacional de
Professores de Jornalismo (FNPJ)
Diretoria Executiva Sudeste I: Boanerges Lopes (UFJF)
Presidente: Mirna Tonus (UFU) Sudeste II: João Pedro Dias (UERJ)
Vice-presidente: Marcelo Bronosky (UEPG) Sul I: Elson Faxina (UFPR)
Secretaria-geral: Edson Spenthof (UFG) Sul II: Zaclis Veiga (UP)
Segundo secretário: Paulo Roberto Botão Centro-Oeste I: Sabrina Moreira de Moraes
(Unimep) Oliveira (PUC-GO)
Tesouraria: Sílvio Melatti (Ielusc) Centro-Oeste II: Álvaro Marinho (Unic/Kroton
Segunda-tesouraria: Wanderley Garcia (Uni- -MT)
mep)
Diretoria científica: Rogério Bazi (PUC-Campi- Vogais
nas) Jociene Carla Bianchini Ferreira (UEMG)
Vice-diretoria científica: Soraya Venegas (Está- Juliano Mendonça (Unicap)
cio de Sá)
Diretor editorial e de comunicação: Gerson Luiz
Conselho Consultivo
Martins (UFMS)
Vice-diretor editorial e de comunicação: Jorge Josenildo Guerra (UFS)
Arlan Pereira (UFMT) Joaquim Lannes (UFV)
Diretor de relações institucionais: Juliano Car- Leonel Azevedo de Aguiar (PUC/RJ)
valho (Unesp) José Ricardo Mello (Unicap)
Vice-diretor de relações institucionais: Erivam Valci Zuculoto (UFSC)
de Oliveira (ESPM) Socorro Veloso (UFRN)
Organização:
Fabiano Ormaneze (PUC-Campinas)
Rogério Bazi (PUC-Campinas)
CDD – 070
ISBN 978-85-68733-00-4
3
Sumário
5 Apresentação
Fabiano Ormaneze e Rogério Bazi
4
Apresentação
Fabiano Ormaneze e Rogério Bazi
Organizadores
5
Apresentação
Este livro é resultado do 15° Encontro de Grupos de Pesquisa do
Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), realizado
na Universidade Positivo, em Curitiba (PR), entre os dias 24 e 26
de abril de 2014. Reunimos aqui, a partir de uma escolha realizada
por cada um dos seis grupos de trabalho do FNPJ, artigos que aju-
dam a pensar o campo do Jornalismo nesse período de intensas
mudanças, não só no cenário da profissão, mas também nas exi-
gências feitas aos cursos, seja pelo mercado de trabalho ou pelas
determinações legais, como são as novas diretrizes, que devem
ser adotadas pelos cursos a partir de 2016.
Os artigos reunidos neste livro podem ser agrupados em dois
blocos. De um lado, há os trabalhos que refletem teoricamente so-
bre o campo do Jornalismo e suas interfaces com outras áreas
do conhecimento. De outro, há os artigos que abordam práticas
pedagógicas que levam à ação tais discussões teóricas, de modo
a oferecer ao leitor um panorama bastante geral das discussões da
área e do que vem sendo feito nos cursos de Jornalismo para, ao
mesmo tempo em que se discute a teoria, capacite-se o egresso
para o exercício da profissão, a reflexão e a criticidade sobre os
processos midiáticos contemporâneos.
O primeiro capítulo, de Hebe Maria Gonçalves de Oliveira, pro-
duz uma importante reflexão sobre o Jornalismo como campo com
autonomia científica, abordando quais seriam as prerrogativas para
tal, a partir de dois importantes teóricos, Max Weber e Otto Groth.
A partir do primeiro, a autora indica as características dos cam-
pos científicos e, relacionando-as com os postulados de Groth, de-
monstra as características da chamada “Ciência Jornalística”. Tal
discussão faz-se cada vez mais pertinente, num momento em que
os cursos de Jornalismo desvinculam-se das antigas “habilitações”,
como parte da Comunicação, para se firmarem como área de for-
mação que, mesmo mantendo sua interdisciplinaridade, possui
fundamentos e história próprios.
O segundo capítulo, de Márcia Eliane Rosa, aborda uma te-
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mática das mais discutidas em cursos de Jornalismo, mas ainda
bastante envolvida em mitos: a dualidade entre a objetividade e a
subjetividade. A partir da experiência na docência em Jornalismo
impresso, a autora discute de que forma esses dois polos farão,
necessariamente, parte do trabalho jornalístico. A discussão en-
volve, ainda, a abordagem dos gêneros e das categorias jornalís-
ticas, mostrando, por exemplo, a diferença entre “subjetividade”,
“opinião” e “interpretação”, conceitos que, embora interligados, têm
suas particularidades.
O terceiro capítulo, escrito por Antonio Carlos Sardinha e Marli
Barboza da Silva, constitui-se como uma passagem entre esses
aspectos mais teóricos, tratados pelos dois primeiros textos, e os
seguintes, de caráter mais prático. Abordam-se as características
do ensino e da extensão em Jornalismo, a partir das demandas
atuais, focalizando, principalmente, a necessidade de atender às
necessidades regionais. Neste capítulo, os autores expõe a experi-
ência de extensão por meio da criação de uma agência regional de
notícias na região de Alto Araguaia, no Sudeste de Mato Grosso.
O quarto capítulo, de autoria de Karina Gomes Barbosa e André
Luís Carvalho, aborda, a partir da experiência com o jornal-labora-
tório da Universidade Católica de Brasília (DF), quais são os desa-
fios e as metas a serem lançados para as publicações produzidas
nos cursos de Jornalismo diante do contexto das novas Diretrizes
Curriculares Nacionais. Entre as discussões, está a migração/inte-
ração das plataformas impressas para as digitais, que se mostram
como prognóstico e, para alguns, como uma preocupação.
O quinto capítulo, de Antonio Franciso Magnoni e Giovani Vieira
Miranda, apresenta um recorte de uma pesquisa sobre as perspec-
tivas e as percepções sobre o rádio entre os jovens pertencentes
à chamada Geração Y. O texto contribui para a reflexão sobre os
rumos da produção radiofônica diante desse novo público, ligado à
interatividade e à volatilidade das informações. O que se espera do
rádio? Como se ouve rádio? Que avaliação se faz da programação
das emissoras? Já existe uma prática de acessar as webrádios?
Essas são algumas das reflexões propostas a partir de um levanta-
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mento quantitativo feito em Bauru, no interior de São Paulo.
O sexto capítulo, de Erivam Morais de Oliveira, promove refle-
xões acerca do papel da fotografia nos ambientes digitais e diante
das novas tecnologias para sua edição e publicação, disponíveis
não só a fotojornalistas, mas também aos usuários de smartphones
e tablets. Com isso, mostra como a imagem teve, contemporane-
amente, reforçada a sua função de mediadora e de motivadora à
participação popular, refletindo, entre outros pontos, sobre como as
redes sociais digitais e os dispositivos tecnológicos popularizados
tiveram importante papel para levar multidões às ruas das grandes
cidades brasileiras na série de manifestações de junho de 2013.
Esperamos que este livro possa trazer importantes reflexões
para os envolvidos com a formação em Jornalismo e que o FNPJ
possa continuar sendo um agregador de reflexões, inquietações e
propostas para a área.
Boa leitura!
8
Capítulo 1
FUNDAMENTOS PARA A CIÊNCIA DO JORNALISMO:
BASES CONCEITUAIS A PARTIR DE WEBER E GROTH
9
Fundamentos para a Ciência do
Jornalismo: Bases Conceituais a partir
de Weber e Groth
Introdução
O que caracteriza o Jornalismo enquanto ciência? Qual a natu-
reza da ciência do Jornalismo? A história do Jornalismo já o confir-
ma como uma instituição social consolidada, constituída, portanto,
de uma prática social, isto é, um modo específico do fazer, e uma
função social, traduzida na sua importância na vida das pessoas e
seu significado na sociedade há mais de 300 anos. Da constituição
das primeiras escolas de Jornalismo, que datam do início do sé-
culo XX, à consolidação de pesquisas nos programas de pós-gra-
duação (mestrado e doutorado) no mundo e, particularmente, no
Brasil, nas últimas três décadas confere-se a conquista de território
acadêmico.
Mas, como aponta Gislene Silva (2009), “conquistar território
acadêmico não é o mesmo que ganhar alcance teórico”. Há ain-
da um desafio pela frente. Pois, para a autora, “acrescenta pouco
ao aperfeiçoamento da Teoria do Jornalismo, de sua epistemologia
própria, proclamar insistentemente a consolidação institucional do
campo científico”. Neste artigo, busca-se traçar aproximações con-
ceituais sobre o conhecimento científico a partir de dois autores,
Max Weber e Otto Groth, para os fundamentos do Jornalismo en-
quanto ciência ou a ciência do Jornalismo. Esta reflexão se baseia
em dois artigos dos autores citados. No caso de Weber, no artigo
intitulado “A objetividade do conhecimento na ciência social e na
ciência política” (1904), o autor apresenta princípios para o que se
denominam ciências sociais. Já em Groth, no texto “A ciência dos
jornais – A tarefa da pesquisa científica sobre a cultura”, o autor,
com base em Weber, anuncia, de forma genuína – até então ao
que se tem tido o acesso – os fundamentos para a autonomia do
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Jornalismo como a “ciência dos jornais” ou “ciência jornalística”.
Importante destacar que o primeiro texto, datado de 1904, de-
marca às ciências sociais o seu status de ciência autônoma em
relação às demais. Já o segundo, publicado pela primeira vez em
1965 após a morte do autor (MEDISCTH e SPONHOLZ, 2011,
p.13), pode ser visto como uma influência do primeiro, consideran-
do que Groth1 faz o percurso demarcado por Weber, mas, por sua
vez, na defesa de uma “ciência dos jornais”. Com este artigo, tem-
se a modesta proposta de trazer as aproximações teóricas entre os
dois autores, destacando as suas considerações sobre o que se
entende por nova ciência, autonomia, objetividade e validade cien-
tíficas, a formulação da teoria, suas leis, organização do sistema e,
por fim, a crença na verdade científica.
1 Jornalista, Otto Groth foi aluno de Max Weber e obteve o doutorado em 1915, em Tubingen (ME-
DISCTH e SPONHOLZ, 2011, p.13).
11
exclusivamente “técnicos-práticos”, cujo número é grande e
aumenta constantemente com a diferenciação de nossa cul-
tura, mas também ao trabalho histórico e teórico. (GROTH,
2011, p. 30)
A formulação teórica
Uma das tarefas da ciência é a formação de conceitos. Qual
o significado da “teoria e da formação teórica dos conceitos para
o conhecimento da realidade?” (WEBER, 1998, p.113). “Os con-
ceitos são configurações as quais construímos relações, por meio
da utilização da categoria de possibilidade objetiva, que a nossa
imaginação, formada e orientada segundo a realidade, julga ade-
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quada. (...) Os conceitos se tornam, então tipos ideais, isto é, não
se manifestam em sua plena pureza conceitual”.
Enquanto tipos ideais, os conceitos têm caráter genérico, isto
é, o “significado de um conceito-limite, puramente ideal, em rela-
ção ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo
empírico de alguns dos seus elementos importantes, e com o qual
esta é comparada” (WEBER, 1998, 120). Para o autor, os con-
ceitos genéricos não implicam a ausência de validade científica.
Weber (1998, p. 130-131) ressalta o caráter transitório dos concei-
tos e afirma que o progresso do conhecimento científico resulta do
“constante processo de transformação dos conceitos através dos
quais tentamos apreender a realidade”:
14
A investigação da essência possibilita a formação de uma teoria
pura:
O sistema da ciência
Ao longo da abordagem de Groth, está presente a ideia de sis-
tema, entendida aqui como aquilo que dá unidade a um dado co-
nhecimento autônomo em relação às demais ciências. “O sistema
de uma ciência é a organização de todos os conhecimentos ob-
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tidos por uma ciência até agora em um todo segundo um princí-
pio unitário” (GROTH, 211, p. 123). Na divisão dos sistemas da
ciência, o autor classifica a Ciência dos Jornais como a ciência da
cultura. “Jornais e revistas são obras culturais. Cultura é entendida
aqui como o conjunto das criações mentais humanas que cresce e
muda continuamente” (GROTH, 211, p. 33).
Embora autônoma, o autor destaca as relações e correlações
da Ciência dos Jornais entre as diferentes ciências. Mas demarca
como errônea a sua incorporação à sociologia, psicologia social
e ciências da literatura, consideradas ciências auxiliares autôno-
mas. A ideia da correlação entre as ciências também é reforçada
por demais autores, no esforço da constituição de novas ciências,
como escreve Milton Santos (2008, p. 20): “Uma disciplina é uma
parcela autônoma, mas não independente, do saber geral. É assim
que transcendem as realidades truncadas, as verdades parciais,
mesmo sem a ambição de filosofar ou de teorizar”.
Mas como se estrutura o sistema? “O sistema é todo estruturado
pela organização das partes sobre e ao lado das outras. O que o
caracteriza é a conexão interna das partes entre si e com relação
ao todo, no qual as partes, ou seja, os conhecimentos isolados,
recebem da ideia central uma determinada posição” (GROTH, 211,
p. 123). Nesse sentido, a autonomia científica pressupõe, portanto,
a organização do conhecimento gerado em torno de um sistema.
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Essa organização deve nos garantir, portanto, a ausência de
contradições, a harmonia interna de todos os conhecimentos
sobre o objeto, deve nos proporcionar o domínio completo da
realidade do nosso objeto em todas as suas áreas, deve nos
possibilitar ver o conjunto de tudo o que nós sabemos dele e
alcançar um aspecto deste conhecimento por meio de outro
por um caminho aberto, ininterrupto. (GROTH, 211, p. 123)
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o que chama de “a ciência dos seres objetivados, às ciências da
cultura, às ciências das obras culturais e das filosóficas que a sin-
tetizam (a sociologia cultural, a filosofia da história, a filosofia da
cultura)”.
Para finalizar, os autores destacam o caráter transitório dos con-
ceitos. “Na essência da tarefa da ciência, está o caráter transitório
de todas as construções típico-ideais, mas também o fato de serem
inevitáveis construções tipo-ideais sempre novas” (WEBER, 1998,
p. 130). Os conceitos são tentativas para conferir a compreensão
da realidade e “são realizadas com base no estado atual dos nos-
sos conhecimentos e nas estruturas conceituais de que dispomos”
(WEBER, 1998, p.131).
O que separa a ciência da crença? “A validade objetiva de todo
saber empírico baseia-se única e exclusivamente na ordenação da
realidade dada segundo categorias que são subjetivas, no senti-
do específico de representarem o pressuposto do nosso conheci-
mento e de associarem, ao pressuposto do que é valiosa, aquela
verdade que só o conhecimento empírico nos pode proporcionar”
(WEBER, 1998, p. 131). Esclarece ainda o autor: “Com os meios
da nossa ciência, nada poderemos oferecer àquele que considere
que essa verdade não tem valor, visto que a crença no valor da
verdade científica é produto de determinadas culturas, e não um
dado da natureza”.
Considerações finais
As questões tratadas neste artigo, portanto, requerem ainda
outro debate sobre duas questões – uma que trata da teoria dos
sistemas e outra da teoria dos campos. Qual a distinção entre am-
bos? Rodrigues (2000, p. 193-194) define “campo social como uma
instituição dotada de legitimidade indiscutível, publicamente reco-
nhecida e respeitada pelo conjunto da sociedade, para criar, impor,
manter, sancionar e restabelecer uma hierarquia de valores, assim
como um conjunto de regras adequadas ao respeito desses valo-
res, num determinado domínio específico da experiência”. Ainda
segundo o autor (p. 194), instituição deve ser entendida como uma
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categoria “abstrata e arbitrária”, não podendo também ser “con-
fundida com organização, na medida em que tanto pode abarcar
uma ou várias organizações como pode não se concretizar em ne-
nhuma organização”. Mas quais as implicações em denominar a
Ciência do Jornalismo como sistema – como apresentada por Gro-
th (2011) neste artigo – e não como campo social ou vice-versa?
Nesse sentido, essas (in)certezas apontam para a necessidade de
novas reflexões de forma que possam contribuir para a almejada
autonomia científica do Jornalismo.
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81-137.
20
Capítulo 2
A OBJETIVIDADE E A SUBJETIVIDADE
JORNALÍSTICA: ELEMENTOS CONDUTORES NA
PRODUÇÃO DO JORNALISMO IMPRESSO
21
A Objetividade e a Subjetividade
Jornalística: Elementos Condutores na
Produção do Jornalismo Impresso
22
entender essas divisões entre os gêneros. Nesse momento do
aprendizado, é importante fazer o aluno compreender a diferença
entre objetividade e subjetividade, elementos que, muitas vezes,
são confundidos com a pragmática na produção jornalística como
produzir um texto que “vá direto ao ponto”, busque a imparcialida-
de, isenção e outras características originárias do campo da pro-
dução. Enquanto o aluno pensa que essa é a formula para chegar
à objetividade tão almejada pelos jornalistas, ele não compreen-
de que a objetividade somente pode ser alcançada por meio de
um processo e exercício contínuos do jornalista, primeiro tomando
consciência das subjetividades inclusas no próprio sistema da pro-
dução jornalística e depois de sua própria subjetividade enquanto
sujeito se despindo de ideias pré-concebidas e possibilitando se
aproximar mais da realidade que ele pretende retratar. Vejamos
a seguir um pouco mais detalhados os elementos complicadores
para o alcance desse objetivo no processo da produção de texto.
1 Os gêneros podem ser definidos, basicamente, em três categorias: informativa (que especifica gê-
neros como notícia, nota), opinativa (que especifica gêneros como artigo, editorial, crônica e crítica)
e uma última categoria, que apresenta divergência entre os autores, a interpretativa (que especifica
gêneros como a reportagem).
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tividade para se transformar em objetos de arte, poesias,
músicas, lições, mas também em notícias e crônicas. E se
esse papel é, hoje, o do Jornalismo, é porque a indústria da
informação tomou, nas sociedades modernas, parte da cena
da educação. Vítimas e acusados, os jornalistas não podem
mais jogar palavras inconsideradas na lagoa do conhecimen-
to de seus leitores. (CASTRO; GALENO, 2002, p. 90-91)
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MELO, J. M. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis (RJ):
Vozes, 1985.
31
Capítulo 3
O ENSINO E A EXTENSÃO EM JORNALISMO DIANTE
DA DEMANDA POR INFORMAÇÃO LOCAL
32
O Ensino e a Extensão em
Jornalismo Diante da Demanda por
Informação Local
Introdução
O Jornalismo como atividade de interesse público tem histori-
camente se consolidado como prática indispensável em uma so-
ciedade democrática, por garantir, a partir de seus fundamentos
como campo profissional e de conhecimento, o direito à informação
de interesse coletivo apta a subsidiar e fortalecer a cidadania dos
cidadãos que buscam informar-se para participar e atuar de manei-
ra autônoma no cotidiano onde vivem (KOVACH e ROSENSTIEL,
2004).
No cenário contemporâneo, marcado pela globalização e pelo
avanço das tecnologias, a produção de informação jornalística tem
sofrido impactos com as mudanças do mercado de mídia, cada vez
mais concentrado e comprometido com a rentabilidade, o que con-
tribui para uma cobertura jornalística pouco aprofundada e crítica
para temas e questões de interesse da sociedade (MARCONDES
FILHO, 2002).
A operação do mercado de mídia, marcado pelas grandes cor-
porações, aprofunda a circulação vertical de informação. Os meios
de comunicação jornalísticos apresentam dificuldades para atender
às demandas do cotidiano dos seus leitores, que pouco se veem
representados no noticiário de sua cidade e/ou região.
Somando a isso, está a dificuldade da imprensa, sobretudo da
imprensa regional e local, em se debruçar para a cobertura de uma
agenda social envolvendo direitos humanos e políticas públicas
(VIVARTA e CANELA, 2006) como tópicos centrais diretamente re-
lacionados ao cotidiano dessas comunidades.
Temas ligados aos direitos sociais, econômicos, culturais e polí-
ticos formatam uma agenda pública necessária de ser discutida, a
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partir da mediação do Jornalismo. Problemas no acesso à saúde,
informações de utilidade pública sobre alimentação, discussões so-
bre a eficácia de ações do poder público nas áreas de saneamento
básico e emprego, além das dificuldades para implementar políti-
cas culturais e educacionais, são temas que ilustram uma gama de
questões que estão fora da cobertura e da pauta dos veículos de
comunicação, a chamada grande mídia.
Por outro lado, a imprensa local ainda tem restrições técnicas
e profissionais para cobrir e tratar desse conjunto de questões en-
volvendo essa agenda social. Nesse cenário, a demanda por in-
formação local, voltada a atender o direito em saber, conhecer os
problemas envolvendo o cotidiano da comunidade, não é corres-
pondida pelo conjunto dos meios de comunicação locais, apesar
de sua importância em atuar como fórum público comunitário. Em
tempos de globalização e de tecnologias, o local como território e
espaço de cidadania ganha um sentido peculiar, exigindo do Jor-
nalismo que repense seu lugar e papel no contexto das sociedades
contemporâneas (SILVA e SOARES, 2011).
As mudanças e possibilidades sociotécnicas trazidas pelas no-
vas tecnologias da informação e da comunicação e pela própria
internet têm sido colocada com uma forma estratégica para com-
pensar os déficits por informação local. Os recursos de interativida-
de e proximidade com o leitor, a participação mais protagônica do
público no envio, na produção e na divulgação da informação pelos
recursos das novas mídias pontuam as possibilidades para o Jor-
nalismo em revitalizar a esfera pública local com agendamento de
temas e questões de interesse da comunidade pela proximidade e
interação por meio dos recursos da internet. O campo de investiga-
ções em torno do Jornalismo digital tem se debruçado sobre essas
questões, em especial sobre o chamado Jornalismo colaborativo e/
ou cidadão, que inclui a participação do público leitor no processo
de produção da informação por meio dos recursos de participação
da internet.
Nesse contexto, portanto, o presente artigo apresenta a atuação
da Focagen (Agência Júnior de Jornalismo), vinculada ao curso de
34
Jornalismo da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat),
como espaço experimental para prática do Jornalismo com viés ex-
tensionista, na perspectiva de contribuir com a formação profissio-
nal dos acadêmicos diante da integração e convergência midiática
e dos desafios para atuação dos profissionais de Jornalismo na
sociedade digital e em cidades de pequeno porte.
Ao mesmo tempo, a agência busca tornar-se espaço de pres-
tação de serviço à comunidade local com a oferta de informação
jornalística capaz de atender à demanda por informação local,
apropriando-se dos recursos e possibilidades das tecnologias na
promoção do Jornalismo participativo e cidadão.
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50
Capítulo 4
Artefato: O Ensino Laboratorial
de Jornalismo e as Novas Diretrizes
Curriculares
51
Artefato: O Ensino Laboratorial
de Jornalismo e as Novas Diretrizes
Curriculares
Considerações iniciais
Introduzido nas escolas de Jornalismo nos anos 1970, como
contraponto ao que era considerada a extrema teorização dos cur-
sos, e tornado obrigatório pelo Ministério da Educação em 1984
(Resolução 2/84), o jornal-laboratório é um espaço do aprendizado
das técnicas, rotinas e normas de produção de um veículo impres-
so. Também é um espaço de experimentação, questionamento e
reflexão constantes da prática jornalística. Essa definição parece
unir o que dizem nomes como José Marques de Melo, Luiz Beltrão
e Bruno Fuser, a respeito do estatuto do jornal. Como afirma Dir-
ceu Fernandes Lopes, é “instrumento fundamental” nos cursos de
Jornalismo, ao oferecer ao estudante condições de “realizar treina-
mento na própria escola, possibilitando que coloque em execução,
ainda que experimentalmente, os conhecimentos teóricos adqui-
ridos (…) integra os alunos na problemática da futura profissão”
(LOPES, 1989, p. 49). Nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais
(DCNs) dos cursos de Jornalismo do Conselho Nacional de Educa-
ção (CNE), publicadas no Diário Oficial da União em 1o de outubro
de 2013, prevendo até o ano de 2015 para implantação, o jornal-la-
boratório, bem como o Jornalismo impresso em geral, se integra a
outros suportes do fazer jornalístico. Há, inclusive, recomendação
expressa para que o impresso não seja a espinha dorsal nem refe-
rência profissional, conforme atesta o parágrafo 6o do artigo 4o:
52
Ainda assim, há que se reconhecer a importância histórica
dos veículos laboratoriais impressos como espaços de aprendiza-
do e experimentação nos cursos de Jornalismo. Tanto é que sua
natureza perpassa três eixos das novas DCNs: o de formação pro-
fissional, e mais diretamente o de aplicação processual e de prática
laboratorial, este último tendo a seguinte redação: “Possui a fun-
ção de integrar os demais eixos, alicerçado em projetos editoriais
definidos e orientados a públicos reais, com publicação efetiva e
periodicidade regular” (MEC, 2013, p. 5). Ora, o jornal-laboratório
Artefato vem se fundando, desde 2010, e mais notadamente desde
2011, exatamente (mas não apenas) por esses pilares. É interdis-
ciplinar, tem projetos editoriais redigidos e distribuídos, disponíveis
à consulta; é voltado a públicos reais, e não apenas à comunidade
acadêmica do curso ou da universidade; é efetivamente publicado
e tem periodicidade regular (nos períodos letivos). A essas premis-
sas se alia a constatação pedagógica de que, de um lado, o jornal
-laboratório não pode se limitar à “reprodução” dos modelos vigen-
tes no mercado e, de outro, não pode consistir apenas na criação
de um modelo alternativo, desconectado da realidade da imprensa
local e da realidade social local.
Na Universidade Católica de Brasília, o jornal-laboratório
existe desde 1999, primeiro como Art&fato e, depois de alguns
anos, como Artefato. O jornal passou por várias fases, conforme
apontado por Rafiza Varão e Janara de Sousa: já foi temático (co-
brindo assuntos relativos à comunicação social); já foi mural; volta-
do ao público infanto-juvenil; geral; standard. As autoras distinguem
ainda três vertentes principais para esse tipo de veículo no país: o
de cobertura da IES; o temático; e o de variedades (que abordam
os mesmos temas da imprensa local) (SOUSA E VARÃO, 2005, p.
5). Como se vê, o Artefato passou pelas três vertentes.
Ao longo de sua história, passou por momentos em que a
posição consolidada que tinha foi colocada à prova. Houve perío-
dos de oscilação do nível de envolvimento e penetração no curso.
A falta de memória e acervo conservado do jornal ao longo dos
anos é apenas o sintoma mais visível dessa instabilidade institucio-
53
nal. Ao mesmo tempo, teve ainda uma série de propostas editoriais
plurais, como é característica de veículos laboratoriais em todo o
país. Diante desse diagnóstico, desde 2010, havia uma busca por
resgatar o valor simbólico do jornal-laboratório dentro do curso, es-
timulando constantemente os estudantes, desde o primeiro semes-
tre, a desejarem cursar a disciplina, a se integrarem ao processo
produtivo e a discutirem o jornal em sala de aula, com professores,
entre si, com os repórteres.
Nesse processo de pouco enraizamento, variaram a perio-
dicidade, o formato, a inflexão, a metodologia. Ao analisar critica-
mente os ciclos pelos quais o Artefato passou, percebeu-se que a
historicidade do jornal vinha sendo deixada de lado, o que poderia
levar a uma desvalorização do veículo dentro da instituição. Do que
se tem de registro, até o segundo semestre de 2010 eram duas
edições semestrais; no primeiro semestre de 2011, passaram a ser
três. A meta era chegar a quatro edições semestrais em dezembro
daquele ano – o que efetivamente foi alcançado e, desde então,
publicam-se oito edições por ano, uma por mês, normalmente entre
março e dezembro, a depender de pequenas variações no calen-
dário acadêmico.
Além disso, havia uma convicção entre os professores da
disciplina de que para provocar essa virada institucional e simbó-
lica seria preciso transformar o jornal em algo mais que portifólio
dos repórteres, mas em um veículo com projeto editorial e propó-
sito jornalístico que abarcasse, mas não se esgotasse, no exercí-
cio laboratorial com fim intrínseco. Ou seja, desenvolver a ideia de
um jornal construído a partir do interesse público, com público-alvo
definido e estudado e que extrapolasse os muros da universida-
de. Havia, portanto, uma série de problemas detectados e cujas
soluções vinham sendo planejadas, até que no segundo semestre
de 2011 lançou-se e/ou consolidou-se uma série de iniciativas que
visavam melhorar o aprendizado dos estudantes, o envolvimento
com a disciplina e a importância cidadã do jornal, a saber:
1 Eventualmente, pode não haver oferta da disciplina nos dois turnos, como vem ocorrendo no 1°
semestre de 2014, em que a disciplina está sendo ministrada apenas no turno noturno.
2 Até o 2o semestre de 2012, havia um professor de diagramação atuando na disciplina, mas o mo-
delo tem se mostrado esgotado na instituição.
55
e social que recebe com a presença da instituição. O Areal, embora
muito próximo a Águas Claras e a Taguatinga, é uma região pouco
desenvolvida, com problemas estruturais como saneamento bási-
co, educação e acesso a serviços de saúde.
Esse contexto econômico, muito distinto das outras princi-
pais instituições que possuem cursos de Jornalismo no DF e que
produzem jornais-laboratórios, engloba rendas per capita altíssi-
mas, como em Águas Claras (sobretudo graças à presença de ser-
vidores públicos), e IDHs baixos, no Areal, no Riacho Fundo II, no
Recanto das Emas, na Estrutural e em outras regiões próximas,
que têm pouca presença do Estado e carências histórias de edu-
cação, saneamento, infraestrutura, transporte público e acesso às
tecnologias de informação e comunicação (TICs).
Diante desse entorno, desse extramuros tão rico e desafia-
dor, estimulados pelos professores, os estudantes do Artefato bus-
cam construir projetos editoriais a partir de quem poderia lê-los, e
essa descoberta só é possível a partir do conhecimento de onde
estão. Assim, assumem o desafio de realizar um jornal voltado para
algumas dessas comunidades, especificamente as que têm menos
acesso a jornais, internet, revistas, TV a cabo, com base nos dados
da Pesquisa Distrital por Amostragem de Domicílios (PDAD), divul-
gada anualmente pela Codeplan-DF. Dados de 2011 estimam essa
população em cerca de 1,178 milhão de habitantes.
Para falar a esse público, têm optado pela linguagem do jor-
nalismo popular, com variações – ora é um tom de serviço, ora de
denúncia, ora de cobrança. De acordo com Macia Franz Amaral,
esse tipo de jornalismo – que herda do penny press a ligeireza, o
apetite pelo fait divers, o gosto pelo sensacional, exótico e popu-
laresco – tem nos últimos anos inflexionado rumo a um jornalismo
que proporcione um sentindo de inclusão:
Como é feito?
O jornal organiza-se em torno de uma redação que busca
afinar as rotinas produtivas com papéis claramente definidos.
Para isso, no segundo semestre de 2011, o curso inaugurou
uma redação física, com 30 computadores, mesa de reunião de
pauta, equipamentos de apuração e arquivo, para proporcionar
maior aproximação com a experiência laboratorial de vivência
de um ambiente de redação e ainda buscar preservar a memó-
ria esparsa que o veículo possui, resgatando aos poucos, com
ex-alunos, ex-professores e exemplares antigos.
No início do semestre, os alunos são apresentados a um
balanço do semestre anterior, com os principais acertos e er-
ros, e à proposta de um jornal popular voltado para as classes
B, C e D do entorno (expandido) da universidade. A linha edi-
torial, portanto, ancora-se em torno do “jornalismo popular de
interesse social”, com variações propostas pelas turmas, o que
lhes garante, a cada semestre, identidades próprias. Ao acei-
tarem o desafio, as turmas, em discussões virtuais e presen-
ciais, começam a delinear o que virá a ser o projeto editorial do
jornal, que norteia todas as decisões conceituais e práticas do
semestre.
Há semestres em que os estudantes optam por trabalhar
com editorias fixas, como Cidades, Meio Ambiente, Política,
Economia, Cultura, Cidadania, Saúde, Esportes e Comporta-
mento. Em outros semestres a opção é por manter as editorias
abertas, passíveis de mudança a cada edição, dependendo
das pautas que surjam.
À exceção de Política e Economia, essas têm sido, ao
58
longo dos semestres, as editorias com maior presença de pau-
tas e sugestão de temas nas reuniões de pauta. Há também
constante interesse pelo investimento em formatos distantes
do lead, como o Jornalismo Literário, o conto, o perfil, o artigo.
A figura do ouvidor, chamada de ombudsman ou ombudsk-
vinna, institucionalizada em 2005 (SOUSA E VARÃO, 2005, p.
11), tem presença errática: até o primeiro semestre de 2012,
era publicado na versão impressa do jornal. Desde o segun-
do semestre de 2012, primeiro foi publicado no site do jornal
e, em seguida, saiu de circulação por opção administrativa. O
ombudsman, quando existe, é escolhido pelo professor da dis-
ciplina e atua durante o semestre, acompanhando o jornal.
Definidas as diretrizes gerais, os estudantes elabora-
ram, em conjunto, o projeto editorial, com as seguintes seções:
Missão, Visão, Valores, Linha Editorial, Formatos, Funções,
Editorias, Público-Alvo. Com o projeto editorial definido e como
apoio às decisões editoriais, se debruçam na construção do
projeto gráfico, seguindo tradição do jornal-laboratório que,
a cada semestre, renova logomarca e todos os elementos vi-
suais. Além do formato tabloide, de 24 páginas coloridas em
papel offset, permanecem também os princípios editoriais já
descritos acima.
Na primeira reunião de pauta de cada turma (se há mais
de uma turma no semestre), as funções editoriais são divididas
nos seguintes cargos (espelhados, se for o caso): editor-che-
fe; editor de arte; editor de fotografia, editores de texto (três
em cada turno); editor web; editor de fotografia; diagramadores
(dois por turno). Os outros alunos integram o grupo de repór-
teres da edição, que conta também com checadores, respon-
sáveis por realizar uma checagem de padrão incipiente. Cada
edição possui tabela com pautas, fotógrafos e editores. As ma-
térias têm prazos de entrega para primeira, segunda e terceira
versões, antes da versão final, corrigida e finalizada pelo pro-
fessor em parceria com os editores-chefes. A constante circu-
lação de versões garante que o texto seja construído processu-
59
almente com participação dos estudantes e dos professores.
Dentro das rotinas produtivas do jornal, desde o segundo se-
mestre de 2010 o curso vem realizando uma parceria com a disci-
plina de Fotojornalismo e com o Núcleo de Fotografia Captura3 , em
busca de aumentar a integração curricular. Os alunos da referida
disciplina, do quarto semestre da matriz curricular, e os do Núcleo,
participam ativamente da reunião de pauta, escolhem o que dese-
javam fotografar, conhecem os repórteres e obedecem aos mes-
mos deadlines estabelecidos para cada edição, coordenados pelos
professores de fotografia. O Captura atualmente é composto por
estudantes que estão cursando desde o segundo semestre, quan-
do se matriculam na disciplina Introdução à Fotografia, a outros de
períodos mais avançados. Sob a orientação de um professor, com
carga horária semanal destinada a essa atividade, desenvolve co-
berturas fotográficas que atendem desde demandas institucionais
como eventos acadêmicos, passando por projetos de extensão e
de pesquisa, e chegando a trabalhos autorais, no desenvolvimento
de produções temáticas com vistas a exposições coletivas.
É importante destacar que, até essa experiência interdisci-
plinar, boa parte das imagens do jornal era retirada da internet, de
bancos de imagens gratuitos, como agências Câmara e Brasil (de-
vidamente creditadas e atendendo a todos os cuidados ligados à
autorização de uso), produzidas pelos repórteres de texto do Arte-
fato ou por estudantes do curso. Essa ausência de diretrizes edito-
riais acabava deixando em segundo plano a cobertura fotográfica,
tanto por não haver alunos suficientes para atender a tais deman-
das simultâneas, quanto por não existir a figura de um professor da
área de fotografia, com a carga horária necessária, para orientar
essa produção.
Assim, a partir da integração do Núcleo de Fotografia e da
disciplina de Fotojornalismo, a fotografia passa a adquirir um status
tão relevante quanto a produção textual no jornal-laboratório. E faz
avançar as ações efetivamente interdisciplinares, que preveem a
4 Projeto extracurricular, criado pelos professores Duda Bentes e André Carvalho, e que, ao longo
dos mais de 14 anos de existência, vem articulando toda a área de fotografia do curso.
60
elaboração de um produto jornalístico que congrega os diversos
aspectos de sua complexidade. Além de possibilitar, ao estudante
de períodos anteriores e posteriores ao do Artefato, um entendi-
mento mais amplo da articulação das linguagens textual e visual na
construção do conteúdo noticioso.
Um aspecto importante a se considerar, no que diz respeito
à viabilidade dessa ação para a disciplina Fotojornalismo, é que
apenas parte de seu plano de ensino é tomado pelas ações com o
jornal-laboratório. O restante visa conteúdos e atividades didático
-pedagógicas específicas. O que por sua vez não repete a fórmula
muitas vezes adotada pelas Escolas de Jornalismo de se criar uma
disciplina para atender outra, e chamar essa iniciativa de interdis-
ciplinar. No caso acima, mantêm-se as características de cada dis-
ciplina envolvida e amplia-se ainda mais a interdisciplinaridade e
a experiência laboratorial de forma articuladora, conforme previsto
pelas novas DCNs.
Ao longo do andamento da edição, professores e editores-
chefes começam a decidir possíveis matérias de capa e uma pagi-
nação provisória. Com todo o material produzido (texto e imagem),
tem início o processo de diagramação do jornal, feita pelos estu-
dantes do próprio Artefato, com o apoio do professor de design,
com horas destinadas a essa atividade na estrutura do jornal-labo-
ratório. O processo de fechamento reúne toda a turma, os profes-
sores e os fotógrafos na redação, executando diversos processos
simultâneos, como revisar matérias, fechar chamadas de capa,
legendar e tratar imagens, propor títulos e sutiãs. A diagramação
em si sempre foi a área mais nevrálgica da disciplina, mas com
a criação da redação física, os alunos puderam ter recursos para
diagramar com mais autonomia. Aqui, ao contrário da fotografia,
a experiência não se estabelecia entre disciplinas, mas dentro do
jornal-laboratório. Um dos problemas acabava sendo um envolvi-
mento excessivamente pontual do professor de diagramação no
processo de construção do produto. Outra reclamação constante
entre os estudantes é a distância, na matriz curricular, entre as dis-
ciplinas de diagramação e a disciplina no âmbito da qual se produz
61
o jornal-laboratório.
Com o jornal na gráfica, uma reunião de balanço é realizada
a cada edição. O último passo consiste na entrega do jornal pelos
alunos, em uma tabela de distribuição que privilegia estações do
metrô, alguns pontos estratégicos dentro da universidade, as re-
dações de Jornalismo do DF e as outras escolas de Jornalismo da
capital. Finalmente, após a entrega, profissionais de Jornalismo do
Distrito Federal são convidados a realizarem um balanço externo
do conteúdo da edição nos chamados Conselhos Editoriais. Em
geral, são quatro por semestre, um a cada edição.
As edições
As quatro edições do jornal demonstram os diferentes níveis
de adequação da turma ao projeto editorial proposto por ela mesma
e às aspirações dos estudantes ao longo do processo. Constante-
mente, as linhas gerais acordadas pelos estudantes se mostram
difíceis de serem executadas diante do desejo, especialmente, de
escrever muito. Há dificuldades notórias em utilizar outras lingua-
gens textuais para a construção da informação, como infografias,
reportagens fotográficas, quadros e adereços como números e li-
nhas do tempo, entre outros.
Se levarmos em conta a área demográfica a que o jornal se
destina, sua tiragem, de 2 mil exemplares, é insuficiente. Uma das
estratégias adotadas para aumentar a área de abrangência e o
acesso do público é distribuí-lo em estações de metrô, postos do
governo de atendimento ao cidadão, que no Distrito Federal são
chamados de Na Hora.
Um dos impactos positivos do jornal é, sempre, ver transfor-
mada em pauta para diversos veículos da cidade uma das ma-
térias executadas no laboratório. Um caso notório foi reportagem
sobre grupo de mulheres que joga futebol em um campo de ter-
ra. Muitos veículos populares, como o jornal Aqui-DF, dos Diários
Associados, e telejornais da Record, produziram a matéria – de-
pois, inclusive, de entrar em contato com a redação para pedir os
contatos das personagens – comprovando que o jornal destaca,
62
em geral, valores-notícia ade-
quados àquele público-alvo
e àquela proposta editorial. A
seguir, uma amostra dos sete
semestres em que essa linha
editorial do jornal-laboratório
tem sido executada.
No segundo se-
mestre de 2010, o jornal-la-
boratório realizou uma sonda-
gem (os questionários foram
aplicados pelos estudantes)
eleitoral no campus da UCB,
com amostragem calculada,
Figura 1: edição de setembro de 2010 índice de confiabilidade e ale-
atoriedade garantidos por esta-
tísticos. Os resultados obtidos foram bastante próximos àqueles
das eleições presidenciais e para governador no Distrito Federal.
Esta é a primeira edição (Figura 1) em que a parceria interdiscipli-
nar entre Fotojornalismo e o
Artefato foi efetivada.
No semestre seguinte,
o projeto editorial do jornal
-laboratório apresentou te-
mas voltados a denúncias
e discussões polêmicas. A
última edição do semestre
debateu fé, prostituição e
uso de crack na periferia da
capital. A edição de maio de
2011 traz na capa (Figura 2)
o resultado de um debate
ético. Um estudante propôs
como pauta passar uma noi-
te em um albergue social do Figura 2: edição de maio de 2011
63
Areal, região carentes no
entorno da universidade,
para relatar o que ocorre
no local. Dois alunos pas-
saram 24 horas no alber-
gue sem se apresentarem
como repórteres, levando
o dilema sobre a adequada
identificação do jornalista
para a sala de aula.
O segundo semestre
de 2011 marcou a inaugu-
ração da redação própria
do Artefato, o Laboratório
Digital. A primeira turma a
produzir o jornal no espaço
Figura 3: edição de outubro de 2011
optou por um Jornalismo de
serviços e com temais mais
leves. A capa da edição de
outubro (Figura 3) apresen-
ta uma pauta em que os re-
pórteres tiveram dificuldade
em identificar a importância
da história de mulheres ví-
timas de abuso que jogam
futebol na periferia ante
uma pauta institucional dos
times de futebol da UCB.
Essa pauta foi, por alguns
meses, requerida ou refeita
por vários veículos televisi-
vos e impressos da cidade.
A turma seguinte foi a pri-
Figura 4: edição de junho de 2012 meira a formalizar o projeto
editorial em um documento
64
com missão, visão, valores,
objetivos, público-alvo, linha
editorial, linguagem, editorias,
seções, formatos de texto, fun-
cionamento. A opção do proje-
to gráfico foi por uma disposi-
ção de elementos similar a um
tablet. A capa da última edição
(Figura 4) traz reportagem pro-
posta na primeira edição e pla-
nejada ao longo de quatro me-
ses. Um grupo de repórteres
sugeriu uma pauta no presídio
feminino do DF, mas sem foco.
Figura 5: edição de agosto de 2012
Instadas a repensarem, decidi-
ram acompanhar condenadas
que trabalham no regime semiaberto na rotina de ir ao trabalho e
voltar para a cela. Graças ao planejamento editorial, conseguiram
autorização da Justiça do DF para fotos dentro das celas e para a
entrada de quatro repórteres.
A série de quatro edições
produzidas no segundo se-
mestre de 2012 foi a vencedo-
ra do Expocom Centro-Oeste
na categoria jornal-laboratório
impresso (Figura 5). O foco
era em cultura acessível, sus-
tentabilidade, saúde, compor-
tamento e cidadania, em um
tom jornalístico bastante posi-
tivo. No semestre seguinte, a
turma manteve o investimento
em temas voltados ao Jorna-
Figura 6: edição de junho de 2013 lismo popular de serviços, com
inflexão inédita para a econo-
65
mia. A capa e a reportagem central da quarta edição (Figura 6) foi
alvo de debate entre os editores de texto e fotografia, bem como
entre os professores de texto e fotografia, pois a pauta tratava de
crianças indígenas ameaçadas de morte. A preocupação com a
não-exposição dessas crianças levou ao corte da imagem da capa
e à pós-produção de algumas imagens internas.
A polêmica logomarca
rosa e a diagramação blocada
(Figura 7) foram elementos do
primeiro semestre em que se
tornou obrigatória a produção
de material multimídia para o
portal-laboratório Pulsátil em
todas as pautas do jornal. A
experiência piloto apresen-
tou pontos altos e baixos, em
turma que optou pelo tom de
cobrança política do governo
aliada a pautas inusitadas,
também refeitas por veículos
Figura 7: edição de setembro de 2013
de referência.
67
tes preciso passar por todas as técnicas e linguagens nele imbrica-
das, em semestres curriculares excessivamente específicos e es-
tanques. Parece ser essencial reaprender a ensinar o Jornalismo,
interdependendo e complexificando cada plano de ensino aos que
se encontram no mesmo semestre de sua disciplina, e também às
dos semestres anteriores e posteriores, numa transdisciplinaridade
que atravessa e alinhava menos linearmente os conhecimentos do
curso.
A respeito do Jornalismo digital, especialmente no caso do
que se pretende com os jornais-laboratórios, é preciso cuidar de
conhecer em profundidade cada público a que se destinam. O de-
safio está em realizar isso, de forma contundente, em um país que
ainda engatinha em muitas de suas pesquisas de características
de audiência, justamente para que a norma sobre “públicos reais,
com publicação efetiva e periodicidade regular” não se converta
apenas em estratégias digitais de adequação sem compromisso
com o alcance, o acesso, o impacto de cada publicação. É claro
que essa orientação faz avançar o comprometimento dos cursos
com a formação de jornalistas capazes de compreender e atuar no
mundo social. Contudo apenas migrar de impresso para digital não
melhora necessariamente o processo de formação. É claro que
também insistir somente no impresso pode somente piorar essa
condição. No caso específico do Artefato, não basta adotar o digital
como eixo, mesmo que respeitando o que há de mais atual em sua
concepção e linguagem, para, por exemplo, aumentar os índices
de leitura do jornal, ou mesmo do entendimento e da contribuição
de seus leitores sobre e para o produto.
Agora, se levarmos em conta o primeiro item das competên-
cias gerais que se espera dos jornalistas, o Artefato parece estar
no caminho certo, especialmente se pensarmos que democracia,
pluralismo de ideias e justiça social pressupõe também garantir a
todos o direito de ser percebido, contemplado, levado em conta
pela mídia:
I – Competências gerais:
a) Compreender e valorizar, como conquistas históricas da
68
cidadania e indicadores de um estágio avançado de civiliza-
ção, em processo constante de riscos e aperfeiçoamento: o
regime democrático, o pluralismo de ideias e de opiniões, a
cultura da paz, os direitos humanos, as liberdades públicas, a
justiça social e o desenvolvimento sustentável. (MEC, 2013,
p. 3)
Considerações finais
Em 2014, o Artefato completa 15 anos. Enfrenta o desafio de
se manter relevante e de se integrar às novas formas de constru-
ção e circulação da informação: a questão que se coloca diante do
jornal-laboratório é como preservar sua identidade e agregar as
transformações históricas e as mudanças demandadas pelas no-
vas diretrizes curriculares? Diante disso, o Artefato está no centro
de um processo de transição em que, de um lado, consolidou sua
posição institucional no curso:
- Tem periodicidade estabelecida, linha editorial definida e cir-
culação ampla;
- As rotinas e os processos produtivos estão delineados, ain-
da que em constante aperfeiçoamento;
- A interdisciplinaridade com a fotografia está consolidada;
- É discutido em sala de aula por professores e estudantes;
- Possui redação própria, equipamentos de apuração, apoio
técnico e equipe de professores.
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71
Capítulo 5
JOVENS DIGITAIS E A RECEPÇÃO RADIOFÔNICA NO
SÉCULO DA CONVERGÊNCIA
72
Jovens Digitais e a Recepção
Radiofônica no
Século da Convergência1
Introdução
O presente trabalho propõe um estudo teórico e de campo
para mensurar o interesse de estudantes adolescentes de 12 a 17
anos pela programação de rádio, seja em audição convencional,
pela internet ou por dispositivos digitais portáteis. Os atuais adoles-
centes constituem o principal grupo social da denominada Geração
Y ou Geração da Internet. São pessoas em formação sociocultural,
educacional, psicológica e profissional, e intensamente influencia-
das pelas culturas da informática, da comunicação audiovisual e
também pela globalização cultural e econômica. Por isso, repre-
sentam um público estratégico para as pesquisas sobre recepção
e cultura midiática.
De certo modo, ao apresentar esses dados, a pesquisa tam-
bém apontará os atuais estágios dos índices de recepção radio-
fônica entre as novas gerações brasileiras, que poderão diminuir
quantitativamente em decorrência dos processos de digitalização
dos meios e dos suportes de Comunicação, e também, pela con-
vergência de plataformas, conteúdos e linguagens midiáticas.
O instrumento analítico foi um estudo quantitativo e qualitativo
desenvolvido em duas escolas de ensinos Fundamental e Médio
de Bauru, no interior de São Paulo. O universo amostral será de
100 estudantes, com distintos níveis socioeconômicos e culturais.
Para abordar o grupo selecionado, foram utilizados questionários
com perguntas abertas e fechadas para identificar os tipos de pro-
73
dutos de comunicação mais consumidos e quais veículos têm a
preferência dos estudantes.
Em tempo, os hábitos, formas e índices de consumo de ou-
tros meios de comunicação pelo público delimitado serão confron-
tados com os índices gerais de audiência radiofônica, que também
deverão revelar em qual dispositivo receptor de rádio são sintoni-
zadas as programações prediletas e quais tipos de atrações ainda
seduzem os grupos pesquisados dentro do ambiente definido an-
teriormente.
78
etapas impostas de cima para baixo, mas por um novo paradigma
democrático e compartilhado.
Apesar da mudança induzida pela expansão da digitalização
de todos os meios de comunicação, em plena era da imagem e da
comunicação interativa, o rádio resiste em sua forma original, como
veículo unissenrorial, com seus repertórios orais-sonoros vincula-
dos ao linguajar popular, aos diversos sotaques, aos vocabulários,
expressões e percepções culturais locais e regionais. A dinâmica
da comunicação radiofônica é um grande instrumento de aproxima-
ção entre veículo e público, exatamente porque a maioria das mais
de 4 mil emissoras nacionais adota programações relativamente
individualizadas e destinadas aos públicos locais. Com a segmen-
tação das emissoras e da programação, o rádio continua o melhor
meio para atingir, por exemplo, populações com pouca escolarida-
de ou analfabetas.
Ao mesmo tempo, é um veículo versátil, que se serve para
difundir os diversos padrões e sentidos de informação, cultura e de
consumo entre setores populares e médios e até entre os setores
ricos da sociedade brasileira. Com a digitalização, tornou-se ne-
cessário detectar as diferentes maneiras das novas gerações con-
sumirem informação e entretenimento em vários suportes, muitas
vezes ao mesmo tempo. No entanto, as pesquisas de identificação
das formas de relacionamento e de consumo midiático não podem
ficar limitadas a grupos sociais específicos. Crianças e adolescen-
tes pobres, que por restrições econômicas não estão em constante
contato com os aparatos digitais, também buscam por espaços vir-
tuais para trocarem amizades e visualizarem conteúdos, formatos,
linguagens e estéticas inovadores, ou seja, buscam sempre aquilo
de que precisam ou que desejam. Daí a necessidade de não igno-
rar as diferentes formas de recepção em diferentes setores sociais
(MAGNONI, 2010).
Apesar das incertezas ocultas no futuro, o rádio brasileiro ain-
da é o veículo de comunicação que as pessoas mais usam para
receber informação e entretenimento diários. A portabilidade, a pro-
ximidade da programação das emissoras com seus públicos locais
79
e regionais e os receptores de baixo preço sustentam há várias
décadas a popularidade radiofônica. Mais recentemente, o suporte
radiofônico também se beneficiou com o crescimento da frota auto-
motora e com a enorme quantidade de aparelhos celulares em uso,
que embutem gratuitamente receptores FM. A interatividade e a
conectividade são recursos comunicativos muito recentes e típicos
dos novos meios digitais (embora o rádio dispusesse, desde o iní-
cio, de tecnologia para tal), mesmo assim já contribuem para definir
os padrões de consumo midiático e de bens e serviços e para mol-
dar outras formas de relacionamento interpessoal e social, entre as
gerações que nasceram ou cresceram em plena “era digital”.
Pesquisadores do meio e os próprios radiodifusores não po-
dem ignorar a consolidação dos fatores tecnológicos e culturais
que influenciam para a modificação gradual do perfil de consumo
midiático entre os adolescentes e jovens. A pesquisa sobre parti-
cipação no consumo do meio por faixa etária divulgado pelo Mídia
Dados em 2011, por exemplo, aponta que, para a faixa etária de
15 a 19 anos, o rádio ocupa a quarta posição, empatado com a te-
levisão, com 12%. Em primeiro lugar, aparece a internet com 19%,
seguido pela revista com 14% e mídia exterior com 13%. Em último
lugar, aparece o jornal, com apenas 10% de participação. Esses
dados revelam que o rádio continua sendo um veículo presente no
cotidiano de jovens com a mesma porcentagem de penetração que
a imagética televisão:
Metodologia da análise
Para estabelecer as relações entre o cenário esboçado
anteriormente com o consumo de conteúdos radiofônicos e os
hábitos, formas e índices de consumo do rádio pelos jovens, foi
realizada uma pesquisa empírica com estudantes pertencentes
à denominada Geração Internet, com o intuito de retratar o perfil
deles, compará-los às definições compreendidas por outros au-
tores e, enfim, apontar as tendências de recepção radiofônica,
em um contexto nacional de rápida digitalização de todos os
meios de comunicação e dos sistemas de produção da indústria
cultural, desenvolvida desde a metade do século XIX.
A Geração Internet é representada, segundo Tapscott
(2010), pelos nascidos entre 1977 e 1997, compreendendo a
atual faixa etária entre 15 e 35 anos de idade. Várias outras
denominações também são utilizadas para identificar essa gera-
ção, tais como Geração Digital, Millenials, Geração Y e Nativos
Digitais. Todas são válidas para o desenvolvimento e aplicação
desta pesquisa, uma vez que elas, por si só, já revelam as ca-
racterísticas e os comportamentos do segmento escolhido. Tais
denominações revelam pontos que servem de base para definir
o perfil dessa faixa populacional relacionados a sua proximidade
com tecnologias como a internet e o universo digital, caracte-
81
rísticas fundamentais para as diferenças entre a denominada
Geração X2 , e a seguinte, a Geração Z3 .
Para tanto, foi realizada a elaboração da estrutura dos ques-
tionários para a coleta de dados, sendo esse composto por 12
questões divididas em dois blocos: 1) dados pessoais e 2) e de re-
cepção. O primeiro grupo de perguntas teve como objetivos traçar
o perfil individual do entrevistado, dos pais ou responsáveis e o per-
fil socioeconômico da família. O segundo bloco, por sua vez, visou
identificar o posicionamento dos jovens em relação ao veículo rádio
com foco na forma de recepção e consumo de conteúdos levando
em consideração o público pesquisado. A redação das questões
foi realizada com linguagem clara, sem a utilização de termos téc-
nicos para facilitar o entendimento. Além disso, o questionário foi
elaborado com poucas questões de referência pessoal. Optou-se
pelo uso preferencial de questões impessoais, com redação direta
e estrutura de perguntas mistas, com a formulação de questões
fechadas e espaço para complementação das respostas.
Os participantes foram selecionados pelos responsáveis pela
direção das escolas dentro universo amostral de 100 estudantes
com distintos níveis socioeconômicos e culturais, sendo 50 estu-
dantes da “Escola Estadual Dr. Luiz Zuiani” e outros 50 do “Colé-
gio Fênix/Uniesp Bauru”. Na primeira escola, foi mantida a propor-
ção de dez alunos por ano de ensino analisado (8º ano do Ensino
Fundamental ao 3° ano do Ensino Médio). Na segunda, devido ao
baixo número de alunos em cada ano, os questionários foram dis-
tribuídos de acordo com o número absoluto de estudantes na faixa
2 De acordo com Tapscott (2010), corresponde aos nascidos entre 1965 e 1976. No período conside-
rado, logo após a fase baby boom, a taxa de natalidade nos Estados Unidos ficou 15% menor. Segun-
do o autor, essa geração também atende pelo nome de baby bust (Retração da Natalidade), embora o
termo não tenha sido incorporado. Geração X é uma referência ao título de “Generation X: Tales for
an Accelerated Culture”, do escritor Douglas Coupland, romance em que um grupo de pessoas que
sentiam excluídas da sociedade e estavam perdendo oportunidades para seus irmãos mais velhos.
3 Nascidos a partir de 1994 e que entraram nos anos 2000 com menos de 10 anos de idade, em pleno
desenvolvimento da internet e de outras inovações tecnológicas pós-modernas ou pós-industriais.
Estão em permanente busca pelo novo, em constante contato com redes sociais digitais, blogs, celu-
lares, computadores, iPods, videojogos e conjuntos de telas e vídeos em alta definição.
82
etária analisada. Os locais para aplicação da pesquisa foram de-
terminados com a finalidade de representar diferentes contextos,
uma vez que há distinção de classes sociais, níveis de estudo, fa-
miliarização com o meio de comunicação escolhido para análise e
de níveis culturais.
83
dados, 61% apontaram que seus pais ouvem rádio frequentemen-
te e 19% indicaram que ouvem raramente ou com frequência não
determinada. A influência dos pais e dos avós para a manutenção
do hábito de escutar rádio e para a formação de uma nova geração
de ouvintes ficou evidente no momento em que 52% dos entrevis-
tados revelaram receber influência direta dos pais e 10% dos avós,
em contraste com os 38% que disseram terem criado o hábito sem
nenhum tipo de influência. Ou seja, 62% dos ouvintes nativos di-
gitais revelam que tiveram influência das gerações anteriores na
formação do hábito de ouvir rádio, números que também revelam a
ligação desses jovens com os demais membros da família.
Dos jovens abordados, 29% dos jovens que responderam ao
questionário apontaram que ouvem rádio por meio do aparelho do
carro, 19% por meio do computador, 17% no celular e um empa-
te de 11% no aparelho convencional (rádio portátil, microsystem,
receiver) e dispositivos como MP3, MP4 e iPods, sendo apenas
9% os que apontaram ouvir rádio por meio da internet do celular.
(Observação: os jovens que ouvem no carro, disseram, então, ou-
vir junto com os pais, uma vez que a maioria deles ainda não tem
idade para dirigir).
O ouvir rádio no carro é um cenário frequente, principalmente,
nas cidades de médio e grande porte. Nesses locais, o rádio do
carro tornou-se um companheiro no trânsito na ida de casa para
o trabalho, para a escola ou em horários de picos e em conges-
tionamentos. Pelo fato de o público-alvo ser composto por jovens
estudantes sem carteira de habilitação, pode-se inferir que o ato
de ouvir rádio pelo aparelho do carro é um hábito adquirido devido
à influência de terceiros, principalmente os pais. Segundo dados
do Target Group Index, divulgados pelo grupo Ibope Media (2012),
para os membros da Geração X, o rádio é uma mídia que pro-
porciona comodidade, interação social, participação em meio a um
ambiente de notícias e informações. Dessa forma, para os pais do
público analisado, o rádio no trânsito funciona como veículo pres-
tador de serviços, informando em tempo real as principais informa-
ções da cidade, desde as condições do trânsito, boletins informati-
84
vos e previsão do tempo. “O rádio reconstrói o espaço urbano em
movimento, a cidade da pressa, das vias de circulação, do trânsito
de automóveis”.
Quando comparados aos dados de onde esses jovens cos-
tumam ouvir o rádio, percebe-se que o carro aparece em primei-
ro lugar com 42% da preferência, seguido de perto por aqueles
que indicaram sintonizar determinada programação de suas casas
(37%). Esses dados, necessariamente, não representam que o es-
tudante está acompanhando a programação de uma emissora no
dial do aparelho do automóvel. Por pertencerem a uma geração
conectada com os mais variados aparelhos tecnológicos e pelo fato
de o rádio estar incorporado em grande parte deles, o dado é signi-
ficativo para evidenciar o hábito desses jovens usarem a mídia em
questão mais no automóvel do que na própria casa. Provavelmen-
te, os 10% que apontaram ouvir rádio na rua marcaram a opção
em contraste ao ouvir no automóvel. No entanto, quando conside-
ramos as escolas distintamente, observa-se a predominância do
ouvir rádio em casa entre os estudantes da rede pública, mais ne-
cessitados economicamente e que possuem menor disponibilidade
do automóvel como transporte até a escola. Ao todo, foram 40%
das respostas em contraste com os 36% daqueles que sintonizam
no carro. A situação se inverte quando consideramos os estudan-
tes da rede particular, sendo que 50% das respostas apontaram
que há preferência em ouvir o rádio do carro, em contraposição aos
36% dos que disseram que ouvem mais em casa.
Dos jovens entrevistados nas escolas para a pesquisa, a
maioria (67%) revelou ainda que prefere acompanhar a progra-
mação de emissoras FM, seguidos por aqueles que preferem os
conteúdos de emissoras da internet (17%) e 12% ainda preferem
as rádios AM. Apenas 4% dos entrevistados revelaram preferir fa-
zer downloads de podcasts a sintonizar determinada emissora. O
desinteresse pelas estações AM se destaca nas duas instituições
analisadas. Não há diferença significativa entre o percentual dos
ouvintes que preferem estações FM na rede pública (65%) e na
rede privada (68%). Já a audiência de webrádios é mais expressiva
85
entre aqueles que estudam na rede particular, totalizando 25% em
comparação aos 10% da rede pública. A mesma situação é obser-
vada no caso dos podcasts: 5% das respostas do colégio particular
apontam para ouvintes que baixam conteúdos radiofônicos da in-
ternet, contra os 3% dos ouvintes de escola pública, um indicador
claro de que a cultura de uso de determinado dispositivo digital
depende diretamente da possibilidade de acesso.
Levando em consideração o perfil dos ouvintes abordados, a
preferência por emissoras FM pode ser justificada pelo fato de que,
na cidade de Bauru, das seis emissoras representativas, apenas
uma seja em AM. Do total de emissoras em FM com produção em
Bauru, três são comerciais (96 FM, 94 FM, Band FM), duas são
culturais e educativas (Unesp FM e Véritas FM), uma comunitária
(87,9 FM) e uma religiosa protestante (Rádio Líder). Todas essas
emissoras apresentam um portal de notícias online, no qual tam-
bém disponibilizam a programação em tempo real e on-demand,
além de ferramentas que propiciam a interação do internauta-ou-
vinte com a emissora.
Em tempo, a preferência por emissoras em frequência modu-
lada é uma tendência nacional. Segundo dados da pesquisa Ibope
de 2012, a audiência das emissoras AM teve uma queda de 1,6
ponto percentual, passando de 3,8 em 2000 para 2,2% em 2011.
Enquanto isso, as emissoras em FM passaram de 13,6% em 200
para 12,8% em 2011, ou seja, queda de 0,8%. No entanto, a audi-
ência das emissoras AM somente apresentou queda no período de
tempo analisado, enquanto as emissoras em FM passaram por mo-
mentos de alta e baixa (de 2010 para 2011 houve crescimento de
0,8 pontos percentuais). A pesquisa Mídia Dados de 2012 também
comprova a maior presença de emissoras em frequência modulada
no país em 2011. Em comparação com a pesquisa do ano anterior,
as emissoras AM tiveram diminuição de 0,3% e as em FM registra-
ram crescimento de 0,2%, mostrando, dessa forma, estabilização
no cenário apresentado.
Em tempo, o levantamento desta pesquisa também envolveu
informações subjetivas sobre o que atrai e o que repele os ouvintes
86
em relação ao rádio AM/FM e às webradios. Os dados indicam que,
para os jovens, o rádio é utilizado como elemento de entretenimen-
to e descontração. Independentemente do tipo de aparelho ou de
emissora, a preferência dos jovens ainda é pela programação mu-
sical. Do total de respostas, 64% apontaram preferir ouvir música
no rádio, seguido por um empate entre a programação de notícias
em geral e de humor, com 11% cada.
Devido ao impulso das inovações tecnológicas que permiti-
ram ao ouvinte ser o programador de playlist pessoal, aos poucos
o rádio foi se desvinculando da música e vice-versa (KISCHINHE-
VSKY, 2007). Como já mencionado, em época de convergência de
mídia, é possível ter a sua lista pessoal de música no computador
de casa, nas palmas das mãos com os dispositivos móveis, como
celular e tocadores de MP3 player. No entanto, os jovens ainda
se lembram do veículo como sinônimo de musicalidade, fator que
reforça a importância que a música ainda tem para a construção de
uma identidade na sociedade:
88
dos, para justificar a repulsa ao rádio, seguido pela repetição de
conteúdos na programação (17%) das emissoras tradicionais.
Por último, é possível destacar a identificação dos jovens
abordados com a programação local, premissa confirmada quando
43% apontam preferir uma emissora da sua cidade. Se somarmos
os 17% dos ouvintes que sintonizam emissoras da região, o nú-
mero de ouvintes locais e regionais passa para 60%. No entanto,
os jovens dão maior preferência à programação de uma emissora
disponível na internet (20%) a uma emissora especificamente da
região de Bauru (17%). Esses dados, em suma, confirmam o fato
de o rádio local ainda exercer forte influência entre os seus ouvin-
tes, mesmo em tempo de internet e de convergência, no qual as
barreiras da geografia e do dial foram rompidas.
A seguir, são disponibilizados alguns gráficos resultantes da
pesquisa de campo:
89
Figura 2 – Frequência com que os entrevistados ouvem rádio
90
Figura 4 – Lugares onde os entrevistados costumam ouvir rádio
91
Figura 6 – Sintonia preferida
Considerações finais
Com as pesquisas quantitativas elaboradas, bem como suas
análises qualitativas, fica evidente que os jovens integrantes da
Geração Y, desde os indivíduos mais velhos, hoje com 36 anos
de idade, até os mais novos, com 16 anos em 2013, estão em
constante procura por conteúdos midiáticos. No entanto, a relação
desses jovens com os veículos de comunicação não é a mesma da
vivenciada pelos seus pais e avós.
Diferentemente do que muitos imaginavam, o advento e pro-
pulsão das novas tecnologias não foram determinantes para a
superação das mídias tradicionais existentes. Pelo contrário, elas
contribuíram para a criação de um ambiente de convergência de
meios e tecnologias. Em muitos casos, alterou-se a forma como
os conteúdos produzidos eram consumidos e as novas tecnologias
colaboraram para que ocorresse maior produção de conteúdos e
para que esses conteúdos fossem disseminados para variadas pla-
taformas e com diferentes processos de recepção.
Para a maioria desses jovens, o rádio é consumido por curtos
períodos de tempo, seja no carro, no celular enquanto caminha ou
92
pega ônibus, ou na internet. O uso mais frequente do rádio conven-
cional ocorre no rádio do carro, provavelmente nos trajetos para a
escola e para a casa. Como os jovens entrevistados não possuem
carteira de habilitação, o consumo dos conteúdos é influenciado
por outras pessoas, geralmente seus pais.
Fica evidente que ouvir rádio ainda é encarado por muitos
como fundo musical para outras atividades ou para circunstâncias
transitórias. Dessa forma, apesar de estar ligado por períodos mais
curtos de tempo, o rádio costuma ser o som principal enquanto rea-
lizam outras atividades que requerem mais atenção, especialmente
a visual, como dirigir ou navegar na internet. Essa característica
entre os indivíduos da Geração Y é ainda mais intensificada, uma
vez que esses são jovens caracterizados pela simultaneidade de
atividades realizadas e, com o consumo de mídias, o comporta-
mento não é diferente.
Com a portabilidade e acentuada convergência de meios, o
rádio deixou de ser um veículo exclusivamente doméstico e pode
ser encontrado e consumido em outros aparelhos. Os integrantes
da Geração Y estão em contato com grande diversidade nos mo-
dos de ouvir, em comparação com a geração de seus pais e avós,
pois já podem escutar em arquivos MP3 de tocadores digitais, no
rádio por celular e por internet, podcasts, webrádios e sites musi-
cais ou até mesmo estações de rádio retransmitidas por TV a cabo.
Dessa forma, os novos ouvintes não estão mais presos às
ondas hertzianas e ao espaço geográfico. A internet veio potencia-
lizar essa característica. Já é possível ouvir pela internet emissoras
locais em qualquer parte do mundo. Além da transmissão de con-
teúdo via streaming em tempo real, algumas emissoras produzem
conteúdos exclusivamente para ser disponibilizados na internet.
No entanto, o rádio convencional ainda tem um poder muito
forte sobre a rotina das pessoas. As rádios locais e suas progra-
mações variadas fazem parte do cotidiano dos jovens. Verifica-se
maior preferência pelas emissoras FM, que ainda reproduzem a
onda jovem das segmentações implementadas a partir da década
de 1970 e focam uma programação musical com os hits do momento.
93
Referências bibliográficas
COSTA, R. A cultura digital. São Paulo: Publifolha, 2002.
CUNHA, M. R. Os jovens e o consumo de mídias surge um novo
ouvinte. In: FERRARETTO, L. A.; KLÖCKNER, L. (orgs.). E o
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2010, p. 176 - 182. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/
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FERRARETTO, L. A. Rádio e convergência – Uma abordagem
pela economia política da comunicação. Anais do XIX Encontro
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em Comunicação (Compós). Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2010.
KISCHINHEVSKY, M. O rádio sem onda – Convergência digital e
novos desafios na radiodifusão. Rio de Janeiro: E-Papers, 2007.
MAGNONI, A. F. Estudo comparativo do processo de implantação
da televisão digital terrestre no Brasil e na Argentina. (Relatório de
atividades apresentado à Pró-Reitoria de Pesquisa da Unesp, de
estágio de pós-doutoramento). Universidad Nacional de Quilmes,
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TAPSCOTT, D. A hora da geração digital. Rio de Janeiro: Editora
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_______ Geração digital: a crescente e irreversível ascensão da
geração Net. São Paulo: Makron Books, 1999.
SANTINI, R. M. Admirável chip novo. Rio de Janeiro: E-papers,
2005.
94
Capítulo 6
AS TECNOLOGIAS COMO SUPORTE DE
(IN)FORMAÇÃO: O COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS
COMO FERRAMENTA DE COMUNICAÇÃO
95
As Tecnologias como Suporte de
(In)formação: o Compartilhamento de
Imagens como Ferramenta de
Comunicação
Introdução
A fotografia encanta por suas diversas possibilidades de co-
municação e reinvenções e, ao mesmo tempo, por sua modernida-
de. Como na mitologia, a fotografia analógica pode ser comparada
a uma fênix que renasce das cinzas em busca da eternidade, obri-
gando-nos a traçar uma releitura sobre fatos históricos que a origi-
naram e o aparecimento das primeiras pesquisas da fotografia no
Brasil, passando pela utilização nos meios de comunicação e sua
evolução para o sistema digital.
Além disso, não se pode perder de vista as possibilidades
de utilização da fotografia nos mercados editoriais, artísticos e cul-
turais como suporte tecnológico. Essa história remete a inúmeras
formas de convergência de comunicação entre o velho mundo aná-
logo e a vanguarda digital, transpassando das velhas formas de
comunicação por meio dos sais de prata para a juventude massifi-
cada e a revolucionária arte de produção de imagens por compo-
sição binária.
A capacidade de transformação da fotografia possibilita a
integração com a comunicação, agregando tecnologia com a sa-
bedoria aos princípios básicos de informar. Quando as principais
cidades do mundo foram sacudidas por protestos e manifestações,
muita dessas concentrações organizadas via redes sociais conta-
ram com lideranças de jovens de classe média que nunca tiveram
experiência ou engajamento político partidário. Entretanto, com
vasto conhecimento e domínio do mundo tecnológico, no qual a
fotografia agrega e se reinventa.
O fenômeno de organização e rapidez na distribuição de in-
96
formações espontâneas, que jamais ocorreu na história da huma-
nidade, provocou grande apreensão dos governantes do mundo
moderno e a fotografia foi um dos suportes mais utilizados para
mostrar a indignação popular e ferramenta de denúncia fundamen-
tal para documentar e mostrar ao mundo a ação truculenta dos
agentes do Estado opressor.
Entender e compreender as diversidades culturais e as tec-
nologias do poder não constituído pelas urnas, mas pela vontade
popular que brota e floresce a cada dia nas ruas das principais
cidades brasileiras, e aceitar suas transformações como proces-
so de aprendizagem e suas práticas sociais, seus efeitos políticos,
culturais e tecnológicos são fatores importantes que merecem ser
analisados e compartilhados.
Portanto, torna-se mais relevante no Brasil, por ser classifica-
do como um país pacífico e até omisso em relação aos desman-
dos políticos que ocorrem no dia a dia de nossas cidades. Esses
questionamentos tipicamente brasileiros são “conflitos entre as for-
mas emancipadas que surgiram na sociedade e puderam proliferar
nas redes digitais, em uma economia crescentemente baseada em
bens imateriais e intangíveis.” (SILVEIRA; PRETTO, 2008, p. 08).
Para o sociólogo espanhol Manuel Castells (1999), os cida-
dãos têm hoje um instrumento próprio de informação, auto-orga-
nização e automobilização que até pouco tempo não existia. Para
mobilizar um grupo de pessoas num passado próximo, exigia-se
um esforço muito grande de tempo, além de recursos materiais
de divulgação que tinham custo financeiro elevado. Portanto, aos
descontentes só restava atender às convocações organizadas por
partidos e sindicatos, que na maioria das vezes representavam um
grupo específico de pessoas ou uma categoria profissional.
Agora, a capacidade de auto-organização é espontânea e
praticamente imediata. As convocações são feitas via redes so-
ciais, o que possibilita a mobilização de milhares de pessoas para
uma manifestação em questão de horas. Isso é muito novo, isso é
o mundo virtual, que sempre acaba no espaço público, nas praças,
nas ruas e nas avenidas.
97
Essa é a grande novidade nas diferenças entre as manifesta-
ções do período de exceção, dos chamados “anos de chumbo”1 , e
as manifestações realizadas no período democrático do país. Não
existe mais a dependência de categorias sindicais, grupos políticos
ou mesmo dos meios de comunicações tradicionais e conservado-
res que tratam a notícia como um produto vinculado à sociedade
do espetáculo. Hoje, a sociedade tem o poder e a capacidade de
se organizar, debater e intervir nos espaços públicos e virtuais, pro-
vocando o maior fenômeno de comunicação independente e autô-
noma.
Os fatores mais importantes para essa nova forma de se ex-
pressar é a descoberta das ferramentas e aplicativos de comunica-
ção que possibilitam a transmissão de informação em tempo real,
documentando ações muitas vezes truculentas, dos agentes que
representam os poderes constituídos.
As interferências habituais de veículos de comunicações que
omitem informações para que sejam beneficiados pelos pacotes
recheados de dinheiros, disfarçados em campanhas publicitárias,
ou exclusivamente com interesses políticos que lhes permitem pri-
vilégios em informações jornalísticas, são também fatores relevan-
tes a serem considerados.
Estudar e conhecer os grupos que foram às ruas bem como
as ferramentas de comunicação e documentação que viabilizaram
e colocaram cidadãos do mundo dentro das manifestações e pro-
testos, encurralando políticos e governos, obrigando-os a prestar
contas de suas ações e declarações à sociedade, torna-se um de-
ver dos acadêmicos e dos comunicadores.
A objetividade e a pluralidade das massas nos acontecimen-
tos, bem as diferenças sociais e culturais, são peças fundamentais
para utilização de ferramentas de transmissão de conteúdos para
que os principais avanços democráticos, civilidade e participação
dos movimentos contemporâneos do povo brasileiro sejam respei-
tados pelo Estado.
1 Os chamamos anos de chumbo correspondem ao período em que o Brasil foi governado por mili-
tares, entre 1964 até 1985, quando vários direitos civis e políticos foram desrespeitados.
98
O fotojornalismo busca travar um equilíbrio entre a fotografia
moderna e os estudos deixados por Víllen Flusser; entre o que é
essencial na divulgação de imagens e a banalização a que nos ha-
bituamos, frutos da revolução digital, e o comportamento do repór-
ter-fotográfico em relação a sua “presa”, observando o movimento
de caça. “O antiquíssimo gesto do caçador paleolítico que perse-
gue a caça na tundra”2 . Com a diferença que o fotógrafo não se
movimenta em pradaria aberta, mas na floresta densa da cultura.
(FLUSSER, 1985, p. 18).
Para muitos, a análise de Flusser parece exagero, mas a ati-
tude do fotógrafo mencionada por ele pode ser encontrada qua-
se que diariamente na imprensa brasileira. A busca desenfreada
pela imagem inédita e com impacto faz com que os profissionais
de imprensa muitas vezes se esqueçam de que o objetivo maior é
informar.
99
A fotografia deverá tomar rumos importantes nos próximos
anos, uma vez que as mídias colaborativas corroboram para uma
maior dinamização do ato fotográfico e de seu compartilhamento.
Isso já foi constatado nas manifestações populares no segundo se-
mestre de 2013 na cidade de São Paulo.
Após diversas revoluções tecnológicas, entramos em uma
nova era. Agora, a convergência midiática, ao transformar o antigo
em moderno, aliando plataformas e linguagens por meio de aplica-
tivos e programas pré-estabelecidos, que promovem a integração
da informação em diferentes suportes, rompem o limite entre espa-
ços concretos e subjetivos da comunicação.
Nessa realidade, espera-se que os setores tecnológicos das
empresas de comunicação possam realizar investimentos no setor
e em profissionais para o desenvolvimento de aplicativos necessá-
rios para abastecer o mercado, para atender às necessidades dos
sites, blogs e portais jornalísticos.
Surgem assim, novas alternativas tecnológicas para o mer-
cado comunicacional e jornalístico, que vão desde a interativida-
de das imagens em movimento por meio de time-lapse, fotografias
360º, mosaico, photosynth, fotoáudio reportagem e exposições vir-
tuais. Recursos desse tipo deverão se tornar, nos próximos anos,
presença obrigatória em jornais eletrônicos, fomentando as discus-
sões éticas sobre suas utilizações no fotojornalismo.
O mercado jornalístico tradicional terá que se adaptar aos
novos tempos de leitores que usam exclusivamente os aparelhos
eletrônicos. Esse leitor não aceita mais as mídias convencionais,
ele quer interagir. Essa interação, na fotografia, passa pelos diver-
sos recursos disponíveis na captura e transformação das imagens,
criando efeitos e movimentos.
Os veículos de comunicação, detentores das diversas mídias,
terão que apresentar alternativas para esses consumidores, além
de manter o noticiário tradicional.
A fotoáudio reportagem é um novo formato multimídia infor-
mativo que uniu a fotografia ao áudio, em que ambos apresentam
informações jornalísticas captadas de formas diferentes. Atualmen-
100
te, esse novo formato consolida-se principalmente nos Estados
Unidos (portal MSNBC), na Argentina (portal Clarín.com) e no Bra-
sil (portal UOL). Segundo Daniela Barros (2009), esse novo forma-
to, citado por ela como “histórias fotográficas”, surgiu em 2005, no
portal americano MSNBC.
Entretanto, classificá-lo como formato ainda provoca alguma
polêmica. Como afirma Ramos, outra diferenciação necessária é
que nas mídias digitais temos a geração de linguagens artificiais,
que são determinadas por várias classes de códigos tecnológicos.
Se o conceito de gênero surgiu a partir da língua natural, não é
possível aplicá-lo diretamente à linguagem artificial no sentido de
que são os gêneros que designam os formatos. “Como entende-
mos que, neste caso, são os formatos que designam os gêneros,
através da linguagem mediada por códigos?” (RAMOS, 2009, p.
03).
A fotografia 360º possibilita ao leitor observar a imagem feita
pelo repórter fotográfico em um ângulo de 360 graus, acabando
com o recorte imposto pelo profissional ou editor na cobertura jor-
nalística. Essa ferramenta é muito parecida com a que é utilizada
pelo Google Earth.
O mosaico possibilitará que os veículos de comunicação pu-
bliquem todas as imagens capturadas em eventos de grandes pro-
porções. Isso pode ocorrer em campanhas políticas, campeonatos
esportivos ou mesmo em uma grande cobertura de repercussão,
nos quais a produção de imagens é muito farta. A exploração das
imagens formatada em mosaico vem sendo utilizada para fins de
fetiche imagético estético, frequentemente percebido na exposição
justaposta de fotografias autobiográficas em perfis de redes so-
ciais. Nessas produções, são incitadas não só a curiosidade, mas
também as novas possibilidades funcionais para o uso dessa práti-
ca com objetivo jornalístico.
Uma coletânea de imagens – com destaque para apenas uma
delas com poder de identificação e de unidade de sentido – pode
ser utilizada de várias maneiras que atendam às narrativas jornalís-
ticas intermidiáticas baseadas no conceito de convergência. Des-
101
sa maneira, justificam-se novas nuances em questões de imagem
no contexto do jornalismo multimídia nos meios digitais, incluindo,
nessa vertente inovadora, o mosaico.
As exposições virtuais fazem parte de um conjunto de alterna-
tivas que os veículos têm para distribuir e divulgar os materiais foto-
grafados nas grandes coberturas jornalísticas, oferecendo ao leitor
opções de aprofundamento e entendimento da notícia por meio de
imagens e legendas.
Dentro dessas possibilidades tecnológicas, encontramos o
photosynth, que foi usado pela primeira vez pela CNN, com cunho
jornalístico, na posse do presidente estadunidense Barack Obama.
As imagens de profissionais e amadores foram utilizadas pelo site
da empresa, proporcionando uma repercussão positiva no mundo
jornalístico e tecnológico.
A palavra photoSynth vem do inglês, sendo sua tradução “sin-
cronia de fotos”. Isso porque a função do dispositivo é analisar uma
série de fotografias comuns tiradas em um mesmo local. A partir
daí, a ferramenta é capaz de encontrar similaridades entre as fo-
tos, utilizando esses dados para estimar onde a foto foi tirada e
sincronizá-la, gerando a recriação do ambiente ou da cena em uma
imagem tridimensional, em 360 graus, na qual se pode navegar.
O que diria Lewis Hine, autor da frase “embora as fotografias
não possam mentir, os mentirosos podem fotografar”, com todas
essas possibilidades convergentes nos meios fotográficos? (KON-
ZEN, 2004, p. 193).
Talvez o pensamento que melhor traduza essa realidade no
mundo convergente seja a expressão do fotógrafo catalão Joan
Fontcubuerta ao dizer que “a fotografia mente sempre, o importan-
te é saber o que podemos fazer com esta mentira” (FONTCUBER-
TA, 1998, p.13).
Portanto, os meios de comunicação terão que aprender com
a população e a juventude dos movimentos culturais e sociais, que
estão antenadas com os recentes formatos midiáticos, sua impor-
tância e facilidades para distribuir a informação com rapidez e cria-
tividade.
102
Acredito que esse é o momento para que os veículos de co-
municação saiam da redoma, promovam e incentivem o debate,
provocando reflexões no segmento fotográfico e midiático. Dessa
forma, podem proporcionar a oportunidade de revisão sobre o mo-
mento histórico que a fotografia atravessa, fomentar a realização
de entrevistas, exposições e publicações, além de estimular tam-
bém a criação de núcleos de estudos interdisciplinares de preser-
vação e memória, de documentação social por meio de fotografias
nas escolas, faculdades, universidades e sociedade civil.
As contribuições dos meios de comunicação podem desper-
tar o interesse nas entidades públicas, proporcionando condições
e materiais de pesquisas sobre os profissionais e colaboradores
das diversas classes sociais, cidadãos que disponibilizam seus
trabalhos nas redes sociais, apresentando importantes registros e
imagens que viabilizam os questionamentos e as mudanças de ati-
tudes da população que estão transformando o Brasil.
O conhecimento e a divulgação das tecnologias estão provo-
cando mudanças significativas e fundamentais para a democracia
e justiça social.
Conclusão
O importante, nesse momento, é buscar as diferentes formas
de olhar a sociedade. Atitude fundamental para a modernização
dos meios de se comunicar com o uso de imagens, possibilitando
a integração da fotografia com os cidadãos, aproximando-a cada
vez mais com tecnologia do mercado editorial internacional, com
imagens jornalísticas, documentais e artísticas. Ao mesmo tempo,
104
é hora de questionar e apontar dúvidas e soluções, trazendo um
olhar singelo e apaixonado pelo cotidiano do povo brasileiro.
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tal. Chapecó: Grifos/Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2000.
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Reflexões para o ensino de Jornalismo no Brasil:
algumas abordagens
Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ)
(http://www.fnpj.org.br)
Organização:
Fabiano Ormaneze e Rogério Bazi
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