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INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo investigar a trajetória de Arlindo Veiga dos Santos e sua
militância em dois destacados movimentos no início da década de 1930, a saber, o
Patrianovismo e a Frente Negra Brasileira. Arlindo foi um pioneiro no país tanto nas ideias da
extrema-direita quanto na criação de uma organização negra de alcance nacional, o que
acabou suscitando algumas questões acerca da viabilidade de conciliar seus ideais
monarquistas com a luta pelos direitos dos negros no contexto do pós-abolição. Veremos
nesse trabalho como Arlindo articulava seus discursos em um contexto de intensa polaridade
ideológica, circunstância que acabou levando a Frente Negra Brasileira a tornar-se local de
disputa político-ideológica e passível de instrumentalização por ideologias antiliberais.
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combater pelo catolicismo, o mesmo acaba em 1918 mudando-se para São Paulo para
concluir o ginásio e dar prosseguimento a seus estudos.
Na cidade de São Paulo abriram-se novos horizontes para o jovem Arlindo, e para ele
o melhor, sem a necessidade de se distanciar do meio católico. Pelo contrário, protegido pelo
mecenato da Igreja, conseguiu em 1922 o privilégio de se matricular na Faculdade de
Filosofia e Letras de São Paulo e ali quatro anos mais tarde obter o bacharelado em Filosofia,
algo para poucos na época. Vale ressaltar que naquele momento essa Faculdade não era uma
faculdade qualquer, a Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo era filiada à Universidade
de Louvain, centro do pensamento tradicionalista católico, e ocupava lugar de destaque na
formação da intelectualidade católica durante a Primeira República, atendendo assim à
estratégia da Igreja de utilizar o ensino superior para a sua expansão. Neste local, desde 1922,
houve intensa atividade que a caracterizou como centro de cultura tomista, no qual
destacavam-se os professores Alexandre Correia e Leonardo Van Acker. A filiação de
Arlindo a essa destacada faculdade, num contexto de grande vigor intelectual, resultou na sua
adesão ao neotomismo, ‘‘o qual fundamentou sua visão de mundo e seu pensamento político e
social voltado para a defesa de uma monarquia corporativista, como único remédio para a
‘‘anarquia’’ republicana. (MALATIAN, 2001, p.29). Em São Paulo, também, Arlindo,
inseriu-se em redes de sociabilidade centradas na Congregação Mariana da Igreja de Santa
Ifigênia, no Centro Dom Vital e ainda no movimento negro. Neste contexto, eram inúmeras as
instituições e organizações católicas mobilizadas na missão de realizar uma verdadeira
revolução cultural na sociedade brasileira:
O Patrianovismo
1O nome Pátria-Nova originou-se do Integralismo Lusitano, movimento reconhecido pelos patrianovistas como
modelo. O Integralismo Lusitano visava criar em Portugal adesão à proposta católica, nacionalista e antiliberal
de instauração de uma monarquia orgânica, tradicionalista, e antiparlamentar, que recuperaria as instituições
medievais e as adaptaria à época. Em António Sardinha, principal teórico do movimento, encontra-se a defesa do
Portugal Novo, alcançando parcialmente com o Estado Novo português.
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famílias tradicionalmente monarquistas, o que atesta o caráter urbano e elitista do movimento,
importada para o Brasil através da intelectualidade católica ativa nas universidades e
congregações, da qual Arlindo, negro e de origem humilde, teve a oportunidade extraordinária
de conviver. Entretanto, os patrianovistas consideravam-se à parte de qualquer classe, e suas
ideias teriam como fim contemplar o povo como um todo. Vale lembrar que a década de 1920
fora marcada no Brasil por intensas revoltas contra a dominação oligárquica, e que apesar de
ser o patrianovismo um movimento em grande parte importado, expressava também um
descontentamento legítimo e original para com a realidade do país naquele momento. A esse
respeito, destaca Teresa Malatian:
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revolução poderia representar uma evolução dentro do próprio liberalismo, o que poderia
resultar em aumento de possibilidades de colocarem em prática o seu programa monarquista,
algo considerado inviável no sistema oligárquico da Primeira República. Embora apoiada e
recebida com bons olhos, logo veio a decepção com o seu desenrolar, momento em que
floresciam as ideias de um Estado forte e centralizado capaz de trazer ordem e sanar as
contradições da sociedade brasileira. Vários movimentos de cunho fascista surgiram nos
primeiros anos da década de 1930, mas o patrianovismo manteve-se ortodoxo em suas
diretrizes ideológicas, e vendo a oportunidade de melhorar a organização e aumentar seu raio
de alcance decidem fundar em 1932 a AIPB, a Ação Imperial Patrianovista Brasileira, que
perduraria até 1967. Desse momento em diante, o movimento deixaria de ser somente um
centro de estudos, e passaria a ser uma organização adaptada à moda dos movimentos de
extrema-direita da época, isto é, portadora de uma milícia própria, com uniformes, gestos e
cantos próprios, além de células espalhadas por diversos Estados da nação.
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nacional, representando a voz dos negros como um todo em uma sociedade hostil para com os
afrodescendentes. Antes de investigarmos mais a fundo o movimento, faz-se necessário
analisar a situação dos negros e a trajetória de suas associações nos anos anteriores à fundação
da FNB.
Com a abolição da escravidão em 1888, o Brasil passava por uma intensa
transformação social e passava a realizar a sua inserção no modo de produção capitalista.
Além disso, enfrentava novas transformações à nível político e cultural, fato decorrente da
proclamação da República em 1889 e da inserção dos negros no corpo nacional, inserção que
além de tudo revelava-se inevitavelmente cultural. O país enfrentava, dessa forma, grandes
desafios a respeito da criação de uma identidade nacional, da inserção da população negra no
mercado de trabalho e da criação de um sistema de governo politicamente igualitário, frutos
da circunstancia inusitada de um país que dormira monárquico e escravagista e amanhecera
republicano e capitalista. Uma das mais preocupantes situações nas primeiras décadas do pós-
abolição era sem dúvida a do povo negro, conforme ilustra uma passagem da obra A Nova
Abolição, de Petrônio Domingues:
Na visão de Menotti Del Picchia (26 ago. 1926), o Brasil havia realizado com êxito o
cruzamento de raças “diametralmente opostas”, “o luso, o preto e o índio”. O país
não abrigava o mesmo “drama racial dos Estados Unidos”, e, para isso, teriam
contribuído a “faculdade absorvente e vitoriosa do português” e o clima como fator
de unificação racial. (EL-DINE, 2016, p.249)
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dos negros, a acima de tudo a sua ‘‘elevação moral, intelectual, artística, técnica, profissional
e física’’. No dia 17 de Setembro a imprensa paulistana dava destaque para o ocorrido de sua
fundação:
Quando nós chegamos ao Palacete Santa Helena fomos barrados. Não deixaram a
gente entrar e os estatutos foram aprovados. Eu era membro do conselho e mesmo
assim não me deixaram entrar, porque sabiam que eu ia denunciar aquela coisa do
Arlindo Veiga dos Santos estar usando a Frente Negra pra veicular as ideias
monarquistas do patrianovismo dele. (MALATIAN, 2015, p.128)
Tendo o jornal O Clarim D’Alvorada como plataforma para divulgar suas ideias
socialistas, José Correia Leite não se dava por vencido, e indignado com o assalto ideológico
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de Arlindo sobre a Frente Negra Brasileira, declarava-se obstinado em combater a
fascistização da entidade:
Nós do grupo d’O Clarim d’Alvorada no dia que foram aprovados os estatutos finais,
íamos combater porque não concordávamos com as ideias de Veiga dos Santos
(Arlindo). Era um estatuto copiado do fascismo italiano. Pior é que tinha um conselho
de 40 membros e o presidente desse conselho era absoluto. A direção executiva só
podia fazer as coisas com ordem desse conselho. O presidente do conselho era
Arlindo Veiga dos Santos o absoluto. (MALATIAN, 2015, p.130)
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se tratar de um projeto de negritude e sim de um projeto nacionalista que tinha entre seus
objetivos superar o racismo, condensado no lema Deus, Pátria, Raça e Família’’ (MOURA,
1994, p.193). Petrônio Domingues em seu estudo sobre a situação dos negros no pós-
abolição, também evidencia o conteúdo nacionalista da luta negra nas primeiras décadas do
século.
Do ponto de vista político-ideológico, cumpre ressaltar que todas as alternativas
antirracistas articuladas pela imprensa dos ‘‘homens de cor’’ operavam nos marcos
do nacionalismo. Afinal, o sentimento de brasilidade, a defesa da pátria e o ideal de
integração nacional eram concebidos como valores supremos pelos ativistas negros
nas primeiras décadas do século XX. (DOMINGUES, 2008, p.54).
A disputa pela hegemonia política dentro da Frente Negra Brasileira não cessou, os
embates se estenderam por toda década de 30, carregados de ideologias que chegavam com
força no novo Brasil forjado pela revolução de 1930. Arlindo como um cruzado tentava
anular as esquerdas a qualquer custo, mas suas ideias não paravam de atrair resistência, fato
devido além de discordâncias ideológicas, à pouca consistência de seus discursos no que diz
respeito a realizar uma montagem pró-monárquica da história brasileira.
Apesar de contagiado pela onda nacionalista da época, expresso nos elogios aos
regimes de Adolf Hitler na Alemanha e Benito Mussolini na Itália, Arlindo possuía uma
proposta nacionalista um tanto original e descolada das tendências arianizantes da época. A
visão de mundo moldada ao longo do tempo pela Igreja Católica fez Arlindo enxergar e
interpretar os fenômenos sociais sempre através da lente da religião. Sendo assim, a sua
leitura da nacionalidade brasileira foi baseada numa abordagem essencialmente cultural, o que
o fez chegar à conclusão de que o Brasil nasceu da ação civilizadora do catolicismo trazido
pelo português, povo este superior ao índio e ao negro, superioridade esta não de caráter
biológico, mas sim cultural, pelo fato de o português ser portador da ‘‘religião verdadeira’’.
Ao catequisar os indígenas e transmitir a religião aos negros, o português democratizava o
catolicismo e deixava assim de ser superior aos dominados. Deixando a condição de bárbaros,
rústicos e selvagens, os povos convertidos passam então a se miscigenar, processo segundo
Arlindo, presidido pela égide integradora da Igreja Católica, que fora a responsável por criar
uma nação ‘‘orgânica e harmoniosa’’.
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Tal visão fazia Arlindo criar um discurso patrianovista que defendia a integração do
indígena, negro e mestiço à plena cidadania e dignidade dentro da Primeira República, pois
sendo membros da nação e já tendo passado pelo processo civilizador do catolicismo, estes
teriam a prioridade na integração ao corpo nacional em relação aos imigrantes que não
paravam de chegar no país. Ao reclamar das condições que negros, mestiços e caboclos se
encontravam, Arlindo direcionava sua crítica à República, que segundo ele não teria
proporcionado qualquer assistência educativa e social para a massa sofredora, tornando-a
dessa maneira alijada de seus direitos sociais e políticos. Ao combater a ‘‘falsa liberdade’’,
Arlindo exaltava o catolicismo histórico da nação, e propunha como remédio para o mal do
materialismo, da anarquia e do abandono, a instrução e a educação católica dos membros da
nação, demostrando mais uma vez uma leitura idealista dos problemas sociais, ao acreditar
que a reconstrução da mentalidade implicaria na transformação do corpo social e na resolução
de todos os seus problemas de ordem material.
A conclusão que chegamos é que, sem dúvida, os argumentos de Arlindo eram fortes e
convenciam muitos negros a não aderirem à tentação marxista, que naquele momento lutava
para conquistar o apoio dos negros ao pregar que o responsável pela sua situação vulnerável
era o sistema capitalista e sua indissociável luta de classes. Entretanto, a tentativa de Arlindo
de construir uma narrativa acerca do passado da nação se demonstrou tremendamente
problemática, apresentando-se assim como ponto fraco na articulação de seu discurso
patrianovista e pró-negro. Como criar uma epopeia histórica de uma nação construída através
da exploração de escravos, do extermínio de ‘‘bárbaros canibais’’ e do assalto de suas
riquezas naturais? Arlindo através de sua abordagem religiosa, isto é, idealista, fechou os
olhos para todos os fatores materiais, e tratou a escravidão como um mero ‘‘acidente’’ de
percurso, elegendo o período colonial como período de formação da nação brasileira e não
poupando elogios aos bandeirantes ‘‘dilatadores de fronteiras’’. Segundo ele, a história do
Brasil era indissociável da história da civilização medieval e de Portugal, tendo sido o Brasil
durante o período colonial não uma colônia, mas província com alto grau de autonomia, tendo
constituído assim uma verdadeira monarquia orgânica. Tal discurso acabava ignorando toda
desarmonia e males existentes no passado brasileiro, mas para Arlindo, cumpria a preciosa
função de fornecer um referencial histórico de inspiração para o futuro, uma vez que para o
tradicionalismo católico o presente é o passado em marcha, e sendo o progresso permanência
na continuidade, fazia-se indispensável um passado digno de ser preservado e renovado.
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Referências Bibliográficas
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