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ARLINDO VEIGA DOS SANTOS: ENTRE O PATRIANOVISMO E A

FRENTE NEGRA BRASILEIRA

Stephan Brian Soares


Graduando em História
Universidade Federal de Santa Maria
stephan_kurdt@hotmail.com

INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo investigar a trajetória de Arlindo Veiga dos Santos e sua
militância em dois destacados movimentos no início da década de 1930, a saber, o
Patrianovismo e a Frente Negra Brasileira. Arlindo foi um pioneiro no país tanto nas ideias da
extrema-direita quanto na criação de uma organização negra de alcance nacional, o que
acabou suscitando algumas questões acerca da viabilidade de conciliar seus ideais
monarquistas com a luta pelos direitos dos negros no contexto do pós-abolição. Veremos
nesse trabalho como Arlindo articulava seus discursos em um contexto de intensa polaridade
ideológica, circunstância que acabou levando a Frente Negra Brasileira a tornar-se local de
disputa político-ideológica e passível de instrumentalização por ideologias antiliberais.

Arlindo Veiga dos Santos nasceu na cidade paulista de Itu, em 12 de fevereiro de


1902. Negro e de origem humilde, cursou as primeiras letras em escola pública, entre os anos
de 1909 e 1913, passando em 1914 a cursar o ginásio no Colégio São Luís, onde seu pai
exercia o ofício de cozinheiro. O colégio havia sido fundado em 1867 por jesuítas italianos e
funcionava em regime de internato para meninos, abrigando como alunos os filhos de
cafeicultores e comerciantes, a elite econômica e política da região, com a qual Arlindo teve a
oportunidade única de conviver graças a benevolência dos padres. Nestes anos de formação,
Arlindo fora moldado pela pedagogia inaciana, a qual visava formar integralmente o homem
cristão, estruturada em normas de disciplina rígida, na obediência aos mestres e respeito à
hierarquia. A educação ali recebida pelo jovem Arlindo, ‘‘marcou-o definitivamente em
termos de valores, visão de mundo e projeto de vida, deu-lhe uma bagagem intelectual e o
desembaraço nos espaços de sociabilidade em que se inseriu na vida adulta’’ (MALATIAN,
2001, p.). Com a mudança do colégio São Luís para a capital paulista, e pelo fato de Arlindo
ter sido preparado durante todos os anos de sua adolescência para atuar nas falanges prontas a

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combater pelo catolicismo, o mesmo acaba em 1918 mudando-se para São Paulo para
concluir o ginásio e dar prosseguimento a seus estudos.

Na cidade de São Paulo abriram-se novos horizontes para o jovem Arlindo, e para ele
o melhor, sem a necessidade de se distanciar do meio católico. Pelo contrário, protegido pelo
mecenato da Igreja, conseguiu em 1922 o privilégio de se matricular na Faculdade de
Filosofia e Letras de São Paulo e ali quatro anos mais tarde obter o bacharelado em Filosofia,
algo para poucos na época. Vale ressaltar que naquele momento essa Faculdade não era uma
faculdade qualquer, a Faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo era filiada à Universidade
de Louvain, centro do pensamento tradicionalista católico, e ocupava lugar de destaque na
formação da intelectualidade católica durante a Primeira República, atendendo assim à
estratégia da Igreja de utilizar o ensino superior para a sua expansão. Neste local, desde 1922,
houve intensa atividade que a caracterizou como centro de cultura tomista, no qual
destacavam-se os professores Alexandre Correia e Leonardo Van Acker. A filiação de
Arlindo a essa destacada faculdade, num contexto de grande vigor intelectual, resultou na sua
adesão ao neotomismo, ‘‘o qual fundamentou sua visão de mundo e seu pensamento político e
social voltado para a defesa de uma monarquia corporativista, como único remédio para a
‘‘anarquia’’ republicana. (MALATIAN, 2001, p.29). Em São Paulo, também, Arlindo,
inseriu-se em redes de sociabilidade centradas na Congregação Mariana da Igreja de Santa
Ifigênia, no Centro Dom Vital e ainda no movimento negro. Neste contexto, eram inúmeras as
instituições e organizações católicas mobilizadas na missão de realizar uma verdadeira
revolução cultural na sociedade brasileira:

‘‘Tanto as congregações marianas quanto a Faculdade de Filosofia e Letras de São


Paulo integraram a estratégia da ‘‘reação’’ essencialmente cultural, adotada pela
Igreja Católica nos aos 1920, orientada pelo arcebispo D. Sebastião Leme, a qual se
ramificava em centros de estudos teológicos e filosóficos, conferências sobre temas
religiosos, cursos de teologia para leigos, edição de jornais e revistas. Tal estratégia
significava a tentativa da inserção do catolicismo em áreas consideradas cruciais,
como o sistema de ensino, os circuitos de produção cultural e os campos
institucionais que abrigassem intelectuais, combatendo a política educacional que
implantara com a República o ensino dissociado da Religião’’ (MALATIAN, 2001,
p.40)

Desde a publicação da encíclica Rerum Novarum, em 1891, a Igreja Católica


procurava recuperar terreno nas sociedades capitalistas pautadas pelo liberalismo, cujas quais
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substituíram a antiga ordem feudal, onde a Igreja detinha amplo controle sobre as atividades
dos súditos, principalmente sobre as atividades econômicas. A igreja nutria grande
discordância sobre diversos aspectos da nova formação social, contudo, em seus esforços para
novamente influenciar a sociedade, resolvera optar pela via do poder indireto, ou seja, firmar
concordatas com os Estados e criar uma elite intelectual que pudesse disseminar um
conhecimento cristianizado. A missão católica era portanto criar lideranças, estabelecer
colégios, faculdades, congregações e centro de estudos, mobilizando assim o laicato católico
com vistas a preparar uma elite intelectual capaz de penetrar a sociedade pelo alto e
complementar a ação do clero. Será nesse período que Arlindo Veiga dos Santos irá fundar o
movimento patrianovista.

O Patrianovismo

Em 03 de Março de 1928, é fundado em São Paulo o Centro Monarquista de Cultura


Social Pátria-Nova. A organização nascente visava elaborar um programa de ideias para
aplicar na política brasileira, e passara desde então a divulgar artigos sobre a realidade do país
em sua revista oficial, a Pátria-Nova1. Os sete pontos do programa definidos por Arlindo
Veiga dos Santos e seus companheiros eram: ‘‘Credo, Monarquia, Pátria e Raça Brasileira,
Divisão Administrativa do País, Organização Sindical, Capital no centro do país e Política
Internacional altiva e cristã. Este centro de estudos consistiu na primeira organização de
cunho fascista no Brasil, salvas as diferenças entre o patrianovismo e o fascismo italiano, e
antecipou em quatro anos a fundação da Ação Integralista Brasileira. Apresentava-se como
um movimento antimaçônico, antiliberal, anticosmopolita, antidemocrático, antiparlamentar,
antipartidarista e defensor de um nacionalismo integral, exatamente nos moldes do
Integralismo Lusitano e da Action Française. Através da instauração de uma monarquia
orgânica, ou seja, encabeçada por um Rei e amparada por corporações de ofícios, o
movimento propunha uma alternativa para combater as ideologias modernas como o
liberalismo, o anarquismo, o socialismo, e o comunismo.
No que diz respeito à origem social do grupo fundador da Pátria-Nova, estes eram
oriundos predominantemente da classe média, não possuindo seus membros vínculos com

1O nome Pátria-Nova originou-se do Integralismo Lusitano, movimento reconhecido pelos patrianovistas como
modelo. O Integralismo Lusitano visava criar em Portugal adesão à proposta católica, nacionalista e antiliberal
de instauração de uma monarquia orgânica, tradicionalista, e antiparlamentar, que recuperaria as instituições
medievais e as adaptaria à época. Em António Sardinha, principal teórico do movimento, encontra-se a defesa do
Portugal Novo, alcançando parcialmente com o Estado Novo português.

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famílias tradicionalmente monarquistas, o que atesta o caráter urbano e elitista do movimento,
importada para o Brasil através da intelectualidade católica ativa nas universidades e
congregações, da qual Arlindo, negro e de origem humilde, teve a oportunidade extraordinária
de conviver. Entretanto, os patrianovistas consideravam-se à parte de qualquer classe, e suas
ideias teriam como fim contemplar o povo como um todo. Vale lembrar que a década de 1920
fora marcada no Brasil por intensas revoltas contra a dominação oligárquica, e que apesar de
ser o patrianovismo um movimento em grande parte importado, expressava também um
descontentamento legítimo e original para com a realidade do país naquele momento. A esse
respeito, destaca Teresa Malatian:

Compartilhavam, com a dissidência oligárquica reunida no partido democrático, com


as lideranças tenentistas e com setores da classe média, a desilusão em relação ao
sistema político. Porém, ao contrário da maioria dos descontentes consideravam
falido o próprio liberalismo. Em consequência, recusavam as propostas de reforma
política que pretendiam sanear a ordem liberal mediante instituição do voto secreto,
da independência dos poderes e da moralização das práticas eleitorais. Buscavam,
através de uma proposta autoritária, uma saída para o que consideravam
degeneração nacional, inserindo-se no debate político ao lado dos que, desde o início
dos anos 1920, defendiam formas antidemocráticas de governo e condicionavam a
solução dos problemas políticos à implantação de um Estado antiliberal.
(MALATIAN, 2001 p.42)

Arlindo e seus companheiros rejeitavam portanto as ideologias em voga naquele


momento e as consideravam como sendo males do ‘‘mundo moderno’’, mas seu maior
descontentamento e grande motivo para fundação do patrianovismo foi o desprezo pela forma
republicana de governo. A República, para Arlindo, teria vindo da França para atentar contra
a religião e os bons costumes, ao permitir a venda de livros ‘‘imorais, incendiantes e
revolucionários’’, além da circulação de jornais considerados perniciosos e a difusão de
religiões que consideravam condenáveis, como por exemplo o espiritismo e o protestantismo.
Não menos ameaçadora ao grupo parecia a introdução da luta de classes, conceito associado à
irreligião e a cegueira das resoluções libertárias da classes trabalhadoras, questão que deveria
ser sanada pelas corporações cristãs de operários.

Com o fim da década turbulenta, a Revolução de 30 finalmente trazia esperança para


os amplos setores descontentes com a República oligárquica. Para os patrianovistas, a

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revolução poderia representar uma evolução dentro do próprio liberalismo, o que poderia
resultar em aumento de possibilidades de colocarem em prática o seu programa monarquista,
algo considerado inviável no sistema oligárquico da Primeira República. Embora apoiada e
recebida com bons olhos, logo veio a decepção com o seu desenrolar, momento em que
floresciam as ideias de um Estado forte e centralizado capaz de trazer ordem e sanar as
contradições da sociedade brasileira. Vários movimentos de cunho fascista surgiram nos
primeiros anos da década de 1930, mas o patrianovismo manteve-se ortodoxo em suas
diretrizes ideológicas, e vendo a oportunidade de melhorar a organização e aumentar seu raio
de alcance decidem fundar em 1932 a AIPB, a Ação Imperial Patrianovista Brasileira, que
perduraria até 1967. Desse momento em diante, o movimento deixaria de ser somente um
centro de estudos, e passaria a ser uma organização adaptada à moda dos movimentos de
extrema-direita da época, isto é, portadora de uma milícia própria, com uniformes, gestos e
cantos próprios, além de células espalhadas por diversos Estados da nação.

O patrianovismo visava assim pôr um fim na ‘‘anarquia republicana’’, a qual


consideravam ‘‘antinacional, separatista e dissolvente’’. Uma das principais razões para o
descontentamento de Arlindo com este forma de governo era a política branqueadora e pró-
imigrante promovida pelos governos da Primeira República, que ao trazerem milhões de
imigrantes europeus e japoneses, faziam com que estes competissem e roubassem os
empregos dos brasileiros ‘‘nativos’’. Nesse sentido, é importante destacar que um dos pontos
do programa patrianovista era colocar um fim no problema ‘‘índio-negro-sertanejo’’, isto é,
Arlindo tinha preocupação em integrar nacionalmente os diversos povos que habitavam o
Brasil naquele momento, e a seu ver a parte mais crítica desse processo seria a inclusão de
seus irmãos de raça, os negros. Apesar de monarquista e bacharelado, o que era algo raríssimo
para um negro na época, e de ser contra os ideais socialistas populares na época, Arlindo se
sentia extremamente revoltado com a situação dos negros nas décadas seguintes à abolição.
Escolheu culpados, e o principal era a República, que além de promover a decadência moral e
econômica entre todos, achincalhava os negros, o que o levou a militar simultaneamente por
duas causas, a causa monarquista e a causa negra.

Frente Negra Brasileira

A Frente Negra Brasileira foi um movimento negro de vanguarda, fundado no dia 16


de Setembro de 1931 na cidade de São Paulo. Foi a primeira organização negra de dimensão

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nacional, representando a voz dos negros como um todo em uma sociedade hostil para com os
afrodescendentes. Antes de investigarmos mais a fundo o movimento, faz-se necessário
analisar a situação dos negros e a trajetória de suas associações nos anos anteriores à fundação
da FNB.
Com a abolição da escravidão em 1888, o Brasil passava por uma intensa
transformação social e passava a realizar a sua inserção no modo de produção capitalista.
Além disso, enfrentava novas transformações à nível político e cultural, fato decorrente da
proclamação da República em 1889 e da inserção dos negros no corpo nacional, inserção que
além de tudo revelava-se inevitavelmente cultural. O país enfrentava, dessa forma, grandes
desafios a respeito da criação de uma identidade nacional, da inserção da população negra no
mercado de trabalho e da criação de um sistema de governo politicamente igualitário, frutos
da circunstancia inusitada de um país que dormira monárquico e escravagista e amanhecera
republicano e capitalista. Uma das mais preocupantes situações nas primeiras décadas do pós-
abolição era sem dúvida a do povo negro, conforme ilustra uma passagem da obra A Nova
Abolição, de Petrônio Domingues:

O homem de cor, como se dizia na época, era impedido de entrar em


estabelecimentos de lazer (cinemas, teatros, clubes, bailes em casas noturnas), de
ingressar em instituições educacionais e/ou religiosas (escolas, orfanatos,
congregações), de ser atendido por casas prestadoras de serviço (barbearias, hotéis,
restaurantes, lojas comerciais, hospitais), de ser aceito em repartições públicas e
corporações militares (como a Guarda Civil, em São Paulo, até a década de 1930), e
de participar de processos seletivos para ingresso no quadro funcional de empresas
industriais. (DOMINGUES, 2008, p.60)

Além de todas as proibições citadas, os negros ainda deparavam-se com a opressão


republicana ao verem proibidas a prática da capoeira e das religiões de matriz africana em
espaços públicos, preconceito fundamentado pelo infortúnio científico da época que
considerava os negros como membros de uma raça inferior, disseminadores de doenças,
devendo estes ter o sangue e cultura apagados, ou pelo menos diluídos na nascente identidade
brasileira. Tais conclusões inseriam-se numa política de branqueamento, a qual estimulava a
imigração de milhões de europeus para poder desenvolver o país dentro dos moldes
civilizacionais considerados ideais pela elite republicana e positivista do governo.
Concomitante a esta triste realidade, havia na época um discurso muito influente que acabava
servindo para maquiar a opressão sobre os negros, mestiços e minorias indígenas durante a
Primeira República, discurso que acabaríamos por conhecer como a teoria da ‘‘democracia
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racial’’, popularizada na década de 1930 pela obra Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre,
mas que já ocupava grande espaço na opinião pública desde a época do Império. A passagem
abaixo explica bem a crença da qual no Brasil as várias raças teriam se integrado
harmonicamente ao longo da história, e que ao contrário de outros países, o racismo e a
segregação nunca estiveram presentes no país, tudo isto graças a ‘‘vocação integradora’’ do
conquistador português:

Na visão de Menotti Del Picchia (26 ago. 1926), o Brasil havia realizado com êxito o
cruzamento de raças “diametralmente opostas”, “o luso, o preto e o índio”. O país
não abrigava o mesmo “drama racial dos Estados Unidos”, e, para isso, teriam
contribuído a “faculdade absorvente e vitoriosa do português” e o clima como fator
de unificação racial. (EL-DINE, 2016, p.249)

O discurso da perfeita integração também tinha outras origens e empregos:

Além disso, a tese do intelectual mexicano José Vasconcelos acerca da formação de


um mestiço cósmico, na América, resultante da mestiçagem entre todas as raças
(Vasconcelos, 1948), também foi, frequentemente, referenciada por Menotti Del
Picchia e outros participantes do movimento de verde-amarelo, especialmente por
Cassiano Ricardo e Plínio Salgado. (Ibid)

Nesse sentido, os discursos e tendências dominantes na opinião pública da época não


atendiam de forma alguma os interesses dos negros, e por esse motivo, vemos florescer
durante a década de 1920 um sem número de associações e jornais negros no Estado de São
Paulo, redes de sociabilidades estas criadas para promover a conscientização, a união e a
integração do povo negro. Entre os principais jornais se destacavam O Menelick, O Xauter, O
Alfinete, O Kosmos, Getulino (Campinas), Auriverde, e com presença mais destacada O
Progresso e O Clarim d’Alvorada. A mais importante associação negra desta década consistiu
no Centro Cívico Quilombo dos Palmares, fundado em 1926 na cidade de São Paulo, e que
visava promover atividades culturais através de palestras, teatro e festivais de música.
A mobilização negra, mesmo que de maneira esparsa, significou um grande avanço
para estes no sentido da troca de experiências e conscientização em um ambiente que era
extremamente hostil à sua plena integração coletiva, contudo, começavam as discussões em
torno da ideia de se criar uma organização única que reunisse todas as associações negras
criadas até então, o que acreditava-se que daria força para o jovem e ascendente movimento
negro. Atendendo à essa expectativa, é fundada em 1931 sob a direção de Arlindo Veiga dos
Santos a Frente Negra Brasileira, entidade que visava a defesa dos direitos sociais e políticos

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dos negros, a acima de tudo a sua ‘‘elevação moral, intelectual, artística, técnica, profissional
e física’’. No dia 17 de Setembro a imprensa paulistana dava destaque para o ocorrido de sua
fundação:

É muito significativo o movimento que se esboça na raça negra do Brasil, no sentido


de arregimentá-la em torno de um programa de cultura e reivindicações sociais e
políticas. A reunião de ontem à noite foi realmente notável, tanto sob o ponto de vista
da assistência que foi vultuosíssima, quanto pelos discursos proferidos definindo a
atitude dos homens de cor em face da situação brasileira. Sente-se visivelmente uma
consciência racial despertando entre os negros impelindo-os a uma participação mais
direta na vida social e política do país. (MALATIAN, 2015, p.131)

A Frente Negra Brasileira surgiu em um contexto onde se nutriam grandes


expectativas diante da nova ordem instalada pela Revolução de 1930, movimento que tinha
posto abaixo à ‘‘Velha República’’ e que prometia modernizar o país. Em meio a esta
conjuntura, o poder associativo dos negros passa a ganhar vigor, mas nem tudo eram flores,
pois antes mesmo de nascer a entidade já dava sinais de um problema que a acompanharia
durante seus curtos anos de existência. Lideranças e pessoas muito ativas na imprensa negra
de até então, Arlindo Veiga dos Santos e José Correia Leite nutriam grandes discordâncias a
respeito da organização administrativa que a entidade deveria seguir e também no tocante à
qual seria a orientação política que guiaria a Frente em sua luta pelos direitos de cidadania e
melhoria das condições de vida dos negros. Muitos dentro do movimento desejavam que
ambos os líderes superassem as desavenças e diferenças ideológicas para a prosperidade do
movimento, contudo a polaridade política crescia no início da década de 1930 e logo de
início, ainda durante a votação dos estatutos da entidade, um episódio marcante provocou o
pedido de demissão de José Correia Leite da Frente da FNB, conforme depoimento do
próprio:

Quando nós chegamos ao Palacete Santa Helena fomos barrados. Não deixaram a
gente entrar e os estatutos foram aprovados. Eu era membro do conselho e mesmo
assim não me deixaram entrar, porque sabiam que eu ia denunciar aquela coisa do
Arlindo Veiga dos Santos estar usando a Frente Negra pra veicular as ideias
monarquistas do patrianovismo dele. (MALATIAN, 2015, p.128)

Tendo o jornal O Clarim D’Alvorada como plataforma para divulgar suas ideias
socialistas, José Correia Leite não se dava por vencido, e indignado com o assalto ideológico
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de Arlindo sobre a Frente Negra Brasileira, declarava-se obstinado em combater a
fascistização da entidade:

Nós do grupo d’O Clarim d’Alvorada no dia que foram aprovados os estatutos finais,
íamos combater porque não concordávamos com as ideias de Veiga dos Santos
(Arlindo). Era um estatuto copiado do fascismo italiano. Pior é que tinha um conselho
de 40 membros e o presidente desse conselho era absoluto. A direção executiva só
podia fazer as coisas com ordem desse conselho. O presidente do conselho era
Arlindo Veiga dos Santos o absoluto. (MALATIAN, 2015, p.130)

Nada disso adiantou, Arlindo possuía grande influência dentro do movimento e


continuou inabalável na presidência da entidade, ao mesmo tempo em que militava
paralelamente pelos ideais monárquicos do patrianovismo. O grande elo unificador dentro da
FNB e que permitia a hegemonia de Arlindo sobre o movimento era o catolicismo militante,
religião da maioria de seus adeptos, e que pregava a resolução das injustiças sociais mediante
uma política de sindicalização profissional que pudesse dispensar a luta de classes,
promovendo assim a harmonia entre as classes e a resolução dos problemas sem necessidade
de uma revolução. A não contradição entre capital e trabalho era uma das principais
convicções do Patrianovismo, e Arlindo a difundiu com sucesso dentro da FNB durante os
primeiros anos da entidade. Contudo, em 1933 é criada a Frente Única Antifascista,
acontecimento que daria surgimento à uma forte voz interlocutora diante da extrema-direita
católica, provocando assim uma destacada polarização ideológica no país, o que viria a
pressionar Arlindo já que o marxismo ganhava cada vez mais espaço na disputa pelo
movimento negro. No contexto da polarização ideológica extrema-direita/extrema-esquerda
ocorrida na década de 1930, divisão potencializada pela criação da Ação Integralista
Brasileira e da Frente Única Antifascista, é interessante analisarmos as concepções que
permeavam a interpretação dos problemas sociais que estavam submetidos os negros, tanto
pelo viés patrianovista quanto pelo de seus opositores influenciados pelo marxismo, pois
ilustram bem a disputa pela hegemonia no movimento negro naquele momento.
A grande questão com que nos deparamos na investigação da vida militante de
Arlindo Veiga dos Santos é se seria possível este conciliar o patrianovismo com a causa do
movimento negro. Para alguns autores como Clóvis Moura isto não teria sido possível, pois
segundo ele a militância dupla de Arlindo indicava projetos contraditórios, e mesmo
reconhecendo a relevância dos esforços de Arlindo defende a proposta deste para a FNB ‘‘não

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se tratar de um projeto de negritude e sim de um projeto nacionalista que tinha entre seus
objetivos superar o racismo, condensado no lema Deus, Pátria, Raça e Família’’ (MOURA,
1994, p.193). Petrônio Domingues em seu estudo sobre a situação dos negros no pós-
abolição, também evidencia o conteúdo nacionalista da luta negra nas primeiras décadas do
século.
Do ponto de vista político-ideológico, cumpre ressaltar que todas as alternativas
antirracistas articuladas pela imprensa dos ‘‘homens de cor’’ operavam nos marcos
do nacionalismo. Afinal, o sentimento de brasilidade, a defesa da pátria e o ideal de
integração nacional eram concebidos como valores supremos pelos ativistas negros
nas primeiras décadas do século XX. (DOMINGUES, 2008, p.54).

A disputa pela hegemonia política dentro da Frente Negra Brasileira não cessou, os
embates se estenderam por toda década de 30, carregados de ideologias que chegavam com
força no novo Brasil forjado pela revolução de 1930. Arlindo como um cruzado tentava
anular as esquerdas a qualquer custo, mas suas ideias não paravam de atrair resistência, fato
devido além de discordâncias ideológicas, à pouca consistência de seus discursos no que diz
respeito a realizar uma montagem pró-monárquica da história brasileira.

A Conciliação dos discursos

Apesar de contagiado pela onda nacionalista da época, expresso nos elogios aos
regimes de Adolf Hitler na Alemanha e Benito Mussolini na Itália, Arlindo possuía uma
proposta nacionalista um tanto original e descolada das tendências arianizantes da época. A
visão de mundo moldada ao longo do tempo pela Igreja Católica fez Arlindo enxergar e
interpretar os fenômenos sociais sempre através da lente da religião. Sendo assim, a sua
leitura da nacionalidade brasileira foi baseada numa abordagem essencialmente cultural, o que
o fez chegar à conclusão de que o Brasil nasceu da ação civilizadora do catolicismo trazido
pelo português, povo este superior ao índio e ao negro, superioridade esta não de caráter
biológico, mas sim cultural, pelo fato de o português ser portador da ‘‘religião verdadeira’’.
Ao catequisar os indígenas e transmitir a religião aos negros, o português democratizava o
catolicismo e deixava assim de ser superior aos dominados. Deixando a condição de bárbaros,
rústicos e selvagens, os povos convertidos passam então a se miscigenar, processo segundo
Arlindo, presidido pela égide integradora da Igreja Católica, que fora a responsável por criar
uma nação ‘‘orgânica e harmoniosa’’.

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Tal visão fazia Arlindo criar um discurso patrianovista que defendia a integração do
indígena, negro e mestiço à plena cidadania e dignidade dentro da Primeira República, pois
sendo membros da nação e já tendo passado pelo processo civilizador do catolicismo, estes
teriam a prioridade na integração ao corpo nacional em relação aos imigrantes que não
paravam de chegar no país. Ao reclamar das condições que negros, mestiços e caboclos se
encontravam, Arlindo direcionava sua crítica à República, que segundo ele não teria
proporcionado qualquer assistência educativa e social para a massa sofredora, tornando-a
dessa maneira alijada de seus direitos sociais e políticos. Ao combater a ‘‘falsa liberdade’’,
Arlindo exaltava o catolicismo histórico da nação, e propunha como remédio para o mal do
materialismo, da anarquia e do abandono, a instrução e a educação católica dos membros da
nação, demostrando mais uma vez uma leitura idealista dos problemas sociais, ao acreditar
que a reconstrução da mentalidade implicaria na transformação do corpo social e na resolução
de todos os seus problemas de ordem material.
A conclusão que chegamos é que, sem dúvida, os argumentos de Arlindo eram fortes e
convenciam muitos negros a não aderirem à tentação marxista, que naquele momento lutava
para conquistar o apoio dos negros ao pregar que o responsável pela sua situação vulnerável
era o sistema capitalista e sua indissociável luta de classes. Entretanto, a tentativa de Arlindo
de construir uma narrativa acerca do passado da nação se demonstrou tremendamente
problemática, apresentando-se assim como ponto fraco na articulação de seu discurso
patrianovista e pró-negro. Como criar uma epopeia histórica de uma nação construída através
da exploração de escravos, do extermínio de ‘‘bárbaros canibais’’ e do assalto de suas
riquezas naturais? Arlindo através de sua abordagem religiosa, isto é, idealista, fechou os
olhos para todos os fatores materiais, e tratou a escravidão como um mero ‘‘acidente’’ de
percurso, elegendo o período colonial como período de formação da nação brasileira e não
poupando elogios aos bandeirantes ‘‘dilatadores de fronteiras’’. Segundo ele, a história do
Brasil era indissociável da história da civilização medieval e de Portugal, tendo sido o Brasil
durante o período colonial não uma colônia, mas província com alto grau de autonomia, tendo
constituído assim uma verdadeira monarquia orgânica. Tal discurso acabava ignorando toda
desarmonia e males existentes no passado brasileiro, mas para Arlindo, cumpria a preciosa
função de fornecer um referencial histórico de inspiração para o futuro, uma vez que para o
tradicionalismo católico o presente é o passado em marcha, e sendo o progresso permanência
na continuidade, fazia-se indispensável um passado digno de ser preservado e renovado.

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Referências Bibliográficas

DOMINGUES, Petrônio. A Nova Abolição. São Paulo: Selo Negro, 2008.


EL-DINE, Lorenna Ribeiro Zem. Eugenia e seleção imigratória: notas sobre o debate entre
Alfredo Ellis Junior, Oliveira Vianna e Menotti Del Picchia, 1926. Hist. cienc. saude-
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MALATIAN, Teresa. Império e Missão: um novo monarquismo brasileiro. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 2001.
MALATIAN, Teresa. O Cavaleiro Negro: Arlindo Veiga dos Santos e a Frente Negra
Brasileira. São Paulo: Alameda, 2015.
MOURA, Clóvis. Dialética Radical do Brasil Negro. São Paulo: Editora Anita, 1994.

II Congresso Internacional de História – Cultura, Poder e Sociedade, Universidade Federal de Santa Maria
Santa Maria, RS, Brasil, de 05 a 07 de novembro de 2019

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