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O livro parte da discussão das teorias da ação social e sua apropriação por diferentes
correntes teórico-metodológicas na análise das ações coletivas, para destacar as teorias dos
movimentos sociais.
O trabalho tem dois objetivos: a) mapear as teorias atuais e alguns dos teóricos assinalados,
localizando seu surgimento histórico; b) apresentar as questões centrais destas abordagens
nos últimos anos em relação ao tema dos movimentos sociais, com destaque para a América
Latina.
A autora parte de um estudo realizado nos anos de 1996 e 1997 sobre as teorias clássicas e
busca atualizar tais estudos apresentando novas correntes teóricas de abordagem. Alerta para
o surgimento de ações coletivas que não são movimentos sociais propriamente ditos e para o
fato de que várias teorias contemporâneas estão focalizando estas ações; essa novas formas
de ação social coletiva tem sido denominada de “mobilização social”.
Destaca que a partir dos anos 1960 o estudo dos movimentos sociais ganhou espaço e status
de objeto científico de análise, inscreveram-se e produziram-se várias teorias – frutos da
reflexão sistemática e do pensar voltado a entender e conceituar, delimitar alguns referenciais
explicativos sobre as ações sociais dos seres humanos, entre si e com a sociedade.
Neste novo século, os movimentos sociais podem ser compreendidos por diversas
perspectivas: 1 ) para alguns é fenômeno chave; 2) para outros coisa do passado já que devido
a institucionalização (das práticas sociais) de parte da problemática social; 3) para outros os
movimentos sociais não cumpriram sua tarefa como agentes da transformação das relações
sociais; 4) e para outros são o resultado de construções estratégicas de ações coletivas civis,
organizadas para recompor uma certa ordem interrompida.
A autora justifica a importância de se estudar os movimentos sociais, pois como diz o Estado,
com a globalização, passou a ser deslegitimado como agente regulador de fronteiras nacionais,
controles sociais, etc.; houve um deslocamento de interesse para a sociedade civil, e nesta, os
movimentos sociais são citados.
Afirma que para realizar a análise dos movimentos sociais em realidade concreta, no Brasil,
deve destacar 4 pontos fundamentais do contexto sociopolítico, econômico e cultural do país,
a saber:
1) Qualificar o tipo de ação coletiva que tem sido caracterizado como movimento social.
No Brasil os movimentos sociais atuais são distintos dos movimentos dos finais da
década de 1970 e 1980 – lutava-se pelo “direito de se ter direitos” e essa luta está no
marco
Cap. I
Teorias Clássicas da ação coletiva: o legado da construção dos estudos sobre os movimentos
sociais
A temática dos movimentos surge como objeto de estudos junto com o nascimento da própria
sociologia. Os movimentos sociais são analisados no bojo da problemática da ação social
coletiva e a maioria dos autores os incluem numa teoria da ação social que tem sido pensada
por paradigmas diversos: materialismo histórico, escola de frankfurt, fenomenologia,
interacionismo, correntes hermenêuticas, ciências da linguagem e comunicação, etc.
José Paulo Netto (1993) analisa que há duas abordagens da ação social na sociologia: a) a que
a vê como um sistema, para o qual a ação social aparece como produto do sistema; b) e a que
privilegia a ação social propriamente dita – o sistema seria derivado da ação/interação social.
O termo movimentos sociais (MS) foi usado pela primeira vez em 1842 por Lorenz Von Stein.
Os primeiros estudos sobre os MS referiam-se a eles como distúrbios populares. H. Taine
(1887) estudando movimento de massas, dava um tratamento psicológico a questão baseado
em instintos selvagens da natureza humana. Na sua esteira vieram Tarde (1898), Lê Bon (1895)
e Ortega e Gasset (1926), propondo um comportamento irracional das massas.
Na Europa do séc. XX M. Weber figura como um grande teórico da taoria da ação social. Dizia
que as ações possuem um sentido para aqueles que as praticam, há um substrato subjetivo. O
esforço de interpretação deve ser para conectar o pensado e o praticado. Busca o sentido da
ação coletiva, a intencionalidade dos fenômenos e dos processos. Não há uma essência a ser
desvelada, há sentidos e significados que devem ser compreendidos. Valores e meios explicam
o sentido da ação. A abordagem sobre ações coletivas e comportamentos coletivos foi um
approach que dominou
Blumer, em 1939, tratou dos mov. Sociais sendo o primeiro a dividi-los em gerais e específicos,
tendo falado a respeito do mov. de mulheres. Heberle (1951) amplia o leque dos tipos de
ações coletivas a serem denominadas movimentos, segundo seus objetivos, como o dos
camponeses, dos negros, dos socialistas e dos nazifascistas.
No séc. XX, destacam-se os estudos clássicos norte-americanos sobre as ações coletivas com
ênfase na abordagem sociopsicológica, também chamada de teoria da privação relativa.
Herdada de Chicago, busca explicar o comportamento coletivo das massas por meio da análise
das reações dos indivíduos como seres humanos com certas características biológicas e
culturais, às privações as quais estavam submetidos. Essa abordagem se desenvolveu para
recortes para além das microrrelações sociais e o indivíduo foi visto dentro de macro
estruturas sociais e a grande questão dos mov. sociais era a inadequação dos indivíduos
aquelas estruturas, o que gerava conflitos e desajustes. Os movimentos nasciam nesse
universo e eram disruptivos. A idéia de anomia social de Durkheim permeava as análises,
sendo que Smelser destaca-se na elaboração da teoria da tensão estrutural (modelo
estrutural-funcional). (p. 23)
A temática dos movimentos sociais no universo das ações coletivas é uma área clássica dos
estudos sociológicos e das ciências sociais. O conceito de movimentos sociais sofreu diversas
alterações históricas até no seio de uma mesma corrente de pensamento. Nos anos 1950 a
1960 os estudos abordavam os movimentos no contexto das mudanças sociais (igualavam
movimento a manifestações) e os viam como fontes de tensões e conflitos, fomentadores de
revoltas e revoluções e atos anômalos ao contexto dos comportamentos coletivos vigentes.
Movimento era sinônimo de trabalhador e guerras, movimentos nacionalistas, fascistas, eram
denominados de movimento social. Aberle (1960) adota 4 tipos de movimento: transformador
– voltado a mudança total da estrutura; os reformadores, dirigidos para mudanças parciais;
redentores – voltada para mudança total do indivíduo; e alternativos – pretende mudança
parcial no comportamento dos indivíduos. (p. 24)
O surgimento de novas modalidades de movimentos sociais - dos direitos civis nos EUA ainda
em 1950, dos estudantes em vários países europeus em 1960, das mulheres, pela paz, contra a
guerra do Vietnã – contribuiu para o surgimento de novos olhares sobre a problemática.
Podemos distinguir duas grandes linhas de abordagem na Europa pós 1960: a neomarxista e a
acionista-culturalista (a dos novos mov. Sociais em que se localizam os estudos culturalistas e
identitários). Na neomarxista temos as teorias dos historiados Inglêses Hobsbawn, Rude e
Thompson e a teoria histórico-estrutural de Castells, Borja e Lojkine nos anos 70 e 80. Na
corrente dos novos Mov. Sociais destacam-se três linhas: a histórico-política de Clauss Offe, a
psicossocial de Albert Melucci, Laclau e Mouffe e a acionalista de Touraine. Alguns agrupam
Offe, Laclau, Castells e Touraine como neomarxismo; ocorre que a autora pensa que uma coisa
é usar de algumas premissas de uma teoria, a aoutra é retrabalhar uma teoria sem abandonar
suas premissas básicas. Há grande aproximação entre as correntes neomarxistas, o que não
ocorre na NMS. Touraine, trabalha com analise macrossociaetal e Melucci com
microestruturas. Offe utiliza categorias neomarxistas e critica as análises micro. Mas os três
utilizam a terminologia NMS.
De forma geral quando se fala em teoria dos mov. Sociais após 1970, o que vem a cabeça é
teoria dos novos mov. Sociais, porque foi construída a partir da crítica a abordagem clássica
marxista e graças a ela desenvolveu-se um debate intenso com a o paradigma acionalista
norte-americano.
Com o paradigma acionalista passou-se a destacar o lado positivo dos movimentos, como
construtores e inovadores culturais e fomentadores de mudanças sociais. A produção teórica a
partir dos anos 1970 revela novos olhares sobre as ações sociais: Bottomore e Nisbet
destacam os movimentos como atores importantes. Sherman e Wood (1989) analisam os
movimentos sociais juntamente com instituições políticas. Stebbins destaca os movimentos
sociais como forma de comportamento social coletivo, diferenciando-os das manifestações de
massa, de protestos. Anthony Giddens com o Sociology dedica um capítulo só sobre “A
revolução e os movimentos sociais”; (p. 25)
A autora ainda destaca as diversas referências a temática mov. social em enciclopédias o que
atesta a importância da mesma. Mas que será nos anos de 1980 que a temática será
incorporada com grande destaque na bibliografia geral sociopolítica. N. Bobbio, H. Matteucci e
G. Pasquino (1986) criaram um espaço no dicionário de política com o verbete “Movimentos
sociais” que tem sido um dos mais citados.
Cap. II
1. As principais correntes
a) a Histórico-estrutural – tem como fontes Abordagens de Karl Marx, Gramsci, Lefebvre, Rosa
Luxemburgo, TrotsKy, Lênin, Mão Tse-Tung etc. Marx construiu uma das principais matrizes
teóricas no séc. XIX que influenciou a análise tida como clássica e tradicional sobre os mov.
sociais do séc. XX, colocando os trabalhadores como sujeitos históricos. Apesar de não ter
teorizado sobre ações coletivas, apresentou um movimento concreto, o do proletariado, que
deveria ser compreendido para que se transforme as relações sociais existentes. Concentra-se
no estudo do movimento operário, particularmente na luta sindical. A partir da década de
1970 reduziu sua influência na análise dos movimentos sociais, embora haja intelectuais de
peso na comunidade do pensamento de esquerda como E. Hobsbawm, E. P. Thompson, G.
Rude, R. William, R. Kurtz, T. Eagleton, I. Mészarós, T. Skocpol, M. Mayer, O. Ianni, F. Oliveira,
R. Antunes, E. sader etc. Na atualidade Hardt e Negri (2000, 2005) alimentam a prática de
muitos militantes de esquerda e fazem uma releitura das categorias marxistas postulando que
conceitos como classe trabalhadora e proletariado já não dão conta de explicar as
complexidades dos conflitos da contemporaneidade que envolvem etnia, raça, gênero e
classes. Inserem o tema do biopoder nas lutas sociais da atualidade. (p. 27 - 28)
Centralidade dos movimentos sociais como tema central de estudos foram impulsionadas nos
anos 1960 e 1970 pela onda dos novos movimentos sociais. Touraine que enfocava seus
estudos para a classe operária passou a estudar os estudantes, os movimentos antinucleares,
terroristas, movimento latino-americanos e jovens. O volume de produção desse autor
contribui para esse processo. Em finais da década de 70 e durante a década de 80 os populares
urbanos nos chamados países de terceiro mundo são o foco dos estudos sobre movimentos
sociais ainda que se limitassem a estudos histórico-descritivos. Paralelamente na Europa
surgem movimentos ecológico-ambientalistas, antincleares, estudantes, mulheres, etc. dando
origem ao que Clauss offe denominou de novo paradigma da ação social. (p. 31-32)
Houve um deslocamento nas problemáticas sociais das lutas armadas, movimento operário
para movimentos centrados no eixo da identidade, consolidando o paradigma e as teorias
culturalistas dos novos movimentos sociais. Contribuíram para tal os movimentos étnicos
(revolta dos negros nos EUA), feministas, rebeliões estudantis da década de 1960, mov.
ambientalistas antinucleares, constituição do movimento dos pobladores ou moradores. (p.
33)
Na década de 1990 altera-se o cenário das lutas sociais e os estudos sobre movimento social se
foca para um novo sujeito: as ONGs. Que passam a ser vistas, ora como desqualificadoras dos
movimentos, ora como sinônimo de movimento e ainda como fenômenos de uma nova
sociedade civil.
O conceito de ação social em Habermas para quem os movimentos sociais são abordados
numa dupla perspectiva: primeiro, expressão de racionalidade comunicacional (busca do
consenso pelo agir comunicativo) já que tem como produzir novos significados e novas formas
de vida e ação social; segundo, oferecem resistências à colonização no mundo da vida por
mecanismos sistêmicos de racionalização, econômicos, políticos, que anulam processos de
comunicação.
Os paradigmas e teorias que foram se tornando hegemônicas a partir dos anos 1990 deslocam-
se da problemática das contradições sociais que perpassavam os movimentos gerais, operário
e sindical para focar nos problemas sociais dos pobres e s excluídos, apartados socialmente
pela nova estruturação do mercado de trabalho. Há um certo abandono das teorias
macroestruturais. A grande tarefa da década de 90 e do milênio passa a ser incluir esses
sujeitos por meio de políticas compensatórias ou práticas que destacam a justiça social e a
equidade como forma de mobilidade social. O foco passa a ser na inclusão. Bobbio se destaca
por seus estudos sobre as formas da democracia que ganha centralidade no novo milênio.
Os anos 1990 destacarão outras categorias básicas como cidadania coletiva, exclusão social e
globalização ou mundialização. Resulta deste cenário o que Durkheim caracteriza como
anomia social: violência generalizada, desagregação da autoridade estatal, surgimento de
estruturas de poder paralelas, etc.
Tilly concebeu o sentido das ações coletivas a partir da conjuntira do Estado-Nação afirmando
que entre os séculos XVII e XIX as ações significavam reações dos indivíduos e grupos às
condições estruturais impostas (revoltas contra taxas, impostos, terras, desapropriações,
desarmamentos) Nos séculos XX e XXI referem-se usualmente às lutas por redistribuição da
renda e outros serviços sociais coletivos sob controle das grandes organizações
governamentais e privadas. (p. 39)
A autora cita ainda diversos outros autores (como Tilly, Tarrow, Canclini, Laclau) mas afirma
que na prática a grande novidade que alimentou a produção teórica do novo milênio foram os
movimentos sociais globais, como o Fórum social mundial e todos os movimentos terão que,
agir no cotidiano, e pensar globalmente, porque são empurrados para esse novo contexto. Cita
a luta contra os trangênicos como um movimento próprio da conjuntura histórica, à
articulação espaço-tempo, vida cotidiana e movimento social. (p. 39-40)
Cap III
Novas teorias sociais contemporâneas sobre movimentos sociais
Como efeitos da globalização novos sujeitos e demandas entram em cena, como a temática da
biodiversidade, da etnicidade e nesse campo vemos dominar o cenário dos conflitos, o sujeito
imigrante, este paria desterrado que ora é exaltado como construtor de uma nação e ora
execrado como fonte de todos os problemas sociais e políticos e tem seus direitos ignorados e
punidos. (p. 43)
A autora fala da transnacionalidade que ganham os movimentos sociais com ênfase para as
redes e fóruns. Também ganham destaque como objetos de investigação as ações
comunitárias locais. As redes (de mobilização) sociais passam a ter até mais importância do
que movimentos sociais. Também o sentido de territorialidade muda, distante da geografia
tradicional passa a se articular com a questão do sdireitos e das disputas pelos bens
econômicos de um lado, e, de outro, pelo pertencimento ou pelas raízes culturais de um povo
ou etnia. A globalização provoca a desnacionalização e outros atores, além do antigo Estado-
nação, participam da disputa pelos territórios, sendo as novas tecnologias mediadoras das
apropriações de direitos. Inclusão substitui a categoria exclusão como objeto de estudos e a
categoria mobilização social ganha visibilidade. O universo das categorias marxistas fica
restrito a alguns autores.
A tensão nas análises continua: entre uma teoria das estruturas ou uma teoria das ações
sociais; entre estrutura de um sistema, ou totalidade, ou agente de uma ação social; entre
teorias macro e micro, global e local, objetividade e objetividade, etc. Mas, as novas clivagens
ao redor das questões de gênero, idade, raça, e etnia, levam o pêndulo das análises para o
lado dos culturalistas identitários. Aspectos da subjetividade e dimensões da cultura de um
grupo ou pessoas têm sido os eixos analíticos predominantes neste século. Identidade passa a
ser uma categoria utilizada com múltiplos sentidos e significados, da identidade jurídica à
identidade cultural. Identidade é vista como força e resistência assim como elemento de
conflitos. (p. 45-46)
Axel Honneth, torna-se uma referência importante nos estudos dos novos movimentos sociais
relacionados à temática identidade e do reconhecimento. Está preocupado em entender as
ações sociais onde os acontecimentos históricos ocorrem, para analisar a orientação prática
dos grupos sociais. Tendo com base uma abordagem psicossocial desenvolve uma teoria da
luta por reconhecimento a partir das premissas de Hegel e do interacionismo simbólico de
George Mead, que afirmava que a autoconsciência de um sujeito ocorre quando ele consegue
perceber sua própria ação na perspectiva do outro. Este outro também deve reconhecê-lo de
forma a estabelecer um reconhecimento mútuo. Honneth constrói uma teoria sobre os efeitos
do não-reconhecimento, que leva as ações coletivas de protestos ou resistências. No caso de
revoltas e conflitos, não se trata apenas de simples cálculo racional baseado na lógica do
custo-benefício para atingir interesses negados ou não-acessíveis. Não se trata de uma
perspectiva utilitarista das lutas sociais. Há sentimentos de pertencimentos compartilhados
que unem aqueles que não foram reconhecidos. Os conflitos tem um papel educativo de
indicar as áreas em que não há respeito ao outro como um igual e os problemas decorrentes
daí. Os movimentos sociais surgem dessas relações de conflito. (P. 48-50)
Fraser, nos anos noventa, polemiza com Honneth quando afirma que há movimentos sociais
que não se estruturam em função de uma necessidade (que sempre se remete ao self), mas se
localizam no campo da justiça redistributiva. Busca romper com o padrão de identidade do
reconhecimento, quando diz que este modelo faz a imposição de uma identidade única do
grupo, ignorando fluxos transculturais, mascarando o poder das frações dominantes e a
dominação intragrupal encontrada em certas formas repressivas de comunitarismo. Para fugir
desses dilemas, Fraser trata o reconhecimento como uma questão de status social. Isso
significa uma política que supere a subordinação e coloque o grupo não reconhecido como
membro efetivo da sociedade, capaz de participar no mesmo nível. Fraser argumenta que sua
análise sobre o reconhecimento trata-o como questão de justiça social, moralidade, e não de
“boa-vida” ou de ética. Essas questões são interessantes e pertinentes quando nos lembramos
do debate sobre as “cotas” aos afrodescendentes e outras minorias no Brasil. (p. 50-51)
Z. Bauman (2001 e 2005) considera que as demandas por reconhecimento devem ser
analisadas pelo prisma da justiça social e não a partir de indivíduos ou grupos isolados, em
uma luta por auto-reconhecimento e realização de uma identidade. Juntamente com Fraser,
Bauman articula a questão do reconhecimento ao campo da justiça redistributiva. Estes dois
autores chamam a atenção para o perigo dos particularismos dos grupos sociais e a perda da
universalidade dos direitos sociais em tela em suas demandas. (p. 51)
No cenário dos clássicos no inicio do séc. XX estão Wirth, Simmel e N. Elias numa sociologia
relacional (análise das redes e seus vínculos) onde a análise de redes não dá muita ênfase à
racionalidade dos atores sociais, podendo ser conjugada com a perspectiva da escolha racional
e teoria dos jogos.
Simmel dá suporte para as análises das trajetórias e deslocamentos dos indivíduos e suas
famílias – o processo de mobilidade quer por migração espacial quer por deslocamento na
esfera dos relacionamentos sociais oportunizou o reposicionamento de algumas lideranças nas
estruturas de poder da sociedade. N. Elias é utilizado nas análises dos movimentos sociais por
duas vias: a) pela sua categoria chave - processo civilizatório, e pelo deslocamento da
construção da identidade, como uma construção psicológica por meio de operações de auto-
reflexividade. Nessas abordagens parte-se do indivíduo para o entendimento do grupo e não
dos coletivos e suas articulações e forças sociopolíticas e culturais para explicar as suas ações.
(p. 52)
Alexander por sua vez analisa os laços de solidariedade como fator de explicação das relações
sociais: Laços naturais de pertencimento dos indivíduos (raça, território, linguagem etc.) e
laços civis ( partidos, sindicatos, etc.). Em 1993, Alexander passou a enfatizar os sentimentos
subjetivos de pertencimento experimentados pelos atores das ações coletivas, ao mesmo
tempo em que nos relembra da dinâmica dos conflitos; universalismos abstratos e
particularismos comunitários se entrelaçam, portanto, tensionando as ações coletivas.
Apontava já em 1987 chamava a atenção para a necessidade de articular perspectivas macro e
micro. (p. 53)
No século XXI vem a tona a questão sobre o engajamento dos indivíduos e grupos. Sendo que a
ciência política nos ajuda a compreender as ações sociais introduzindo o tema da democracia e
suas variantes como a participativa e a deliberativa apontadas por Habermas e Santos. Este
último será responsável por levar o modelo de democracia deliberativa (forjado por Cohen)
para fóruns internacionais de debate como o Fórum social mundial. Uma das idéias centrais
deste estudo diz respeito à afirmação de que a democracia não se legitima só com o voto, mas
sim mediante a discussão e decisões coletivas dos membros da sociedade. Nesse modelo há
um centro (espaços institucionais como conselhos gestores) e uma periferia como os espaços
extra-institucionais (situados na sociedade civil, sindicatos, associações culturais, etc.); e
somente na inter-relação dos dois há a possibilidade de um governo democrático. (p. 54 – 55)
A autora lembra que o contrário de desigualdade é igualdade e não diferença, que é bem-
vinda desde que destaque os componentes de uma cultura étnica para valorizá-la e não para
segregá-la.
Cap. IV
Novas abordagens teóricas sobre as ações coletivas na América Latina
Uma das hipóteses para o refluxo dos movimentos sociais no Brasil neste novo milênio é que
perderam força política como agentes autônomos devido a terem se transformado em meios
de institucionalização de práticas sociais organizadas de cima para baixo, práticas que são
formas de regulação e controle da população. Francisco de Oliveira fala em captura do
movimento social. E se existe alguma resistência talvez esta esteja nos atos de desobediência
civil e em atividades de “costas para o Estado”. A centralidade da classe operária como sujeito
fundamental da transformação dá lugar a uma ampliação de sujeitos não só entre as camadas
sociais, e focalizam outros atores como as ONGs. (p. 60)
Para Alvarez (2000) a constituição do sujeito social se dá a partir do lugar que ele ocupa no
social, no político, no cultural e no espaço simbólico de outros sujeitos. Destaca a importância
dos projetos sociais na constituição dos sujeitos, não como algo pronto, mas sim processual e
tensionado pelas diferenças entre os atores de uma ação coletiva organizada como
movimento social.
Para Evers (1984) “o potencial transformador dos movimentos sociais não é político, mas
sociocultural”. A cultura política vigente não é dada pronta ou preexistente, bastando se
encaixar na realidade de um grupo. É gerada no processo a partir dos valores que vão sendo
assumidos como básicos do grupo. As construções são relacionais, ainda que as estruturas
maiores existam a priori, antes das ações. Mas elas vão se modificando com as ações. (p. 62)
Vandenberghe (2007) afirma que o movimento social, enquanto sujeito social coletivo, não
pode ser pensado de fora de seu contexto histórico e conjuntural. As identidades são móveis,
variando segundo a conjuntura. Há um processo de socialização da identidade que vai sendo
construída. A autora compartilha da idéia de Hobsbawn de que as identidades são múltiplas,
combinadas e intercambiáveis. Logo a identidade política dos movimentos sociais não é única
e pode variar em contextos e conjunturas diferentes. E muda porque há aprendizagens que
geram consciência de interesses. (p. 63)
A autora fala que o pragmatismo/presentismo invade o campo da política, no plano das ações
de Estado que passam a focar suas políticas do agente para a demanda a ser atendida. E
contemplam o sujeito difuso: etnia, gênero, idade etc. O sujeito coletivo se dilacera,
fragmenta-se em múltiplos campos isolados e sozinhos esses múltiplos não tem força coletiva
e o ponto de convergência entre eles é o próprio Estado. A ação dos movimentos se
transforma em execução de tarefas programadas, monitoradas e avaliadas para que possam
continuar a existir. Há uma institucionalização das ações coletivas. (p. 64-65)
Uma das novidades do novo milênio na AL é o uso da categoria “mobilização social”. Há dois
tipos de mobilização: a política, que indica um processo de ativação de pessoas, ou massas que
poderá ser feita tanto por governantes como por líderes da sociedade civil; e a social, que se
refere a ativações que visam a mudança de comportamentos ou adesão de dados programas
ou projetos sociais. Mobilização é uma categoria gêmea de participação. Desmobilização é
justamente o bloqueio à participação. (p. 65)
José Bernardo Toro (colombiano) e a metodologia da mobilização social (do pacto social, por
ex. pela educação em 1993). A mobilização social é o envolvimento ativo do cidadão, da
organização social, da empresa nos rumos e acontecimentos em nossa sociedade. È um
instrumento para “convocar vontades”. Uma estrutura de oportunidades para a ação coletiva
na perspectiva de Olson (1965). Há uma inversão na concepção do que seja movimento social
na medida em que é a engenharia do social, um modo de organizar a ação coletiva (por meio
de fóruns, redes, consórcios baseado em modernas técnicas comunicacionais) que a
identidade do grupo é criada; ou seja de fora para dentro ..o movimento é o resultado e não o
foco inicial da ação coletiva. A Gênese da pobreza e processos de exclusão não são analisados.
Parte-se de dada situação e busca-se mobilizar pessoas para a resolução. (p. 66-67)
O presentismo é a diretriz geral. O pensamento crítico que vai a raiz dos problemas (busca sua
compreensão e sua causa) não tem espaço, embora invoquem a criatividade, a inovação e os
saberes locais. Os “males da sociedade” são vistos como resultados de uma ordem social
criada pelos próprios indivíduos. E como são males de origem natural, supõe-se que podem ser
modificados pelas aprendizagens cotidianas (cuidar do outro, decidir em grupo, interagir, etc)
Este voluntarismo da ação coletiva impede o analista de localizar grupos de interesses,
conflitos, lutas pelo poder e elimina a dimensão política e cultural das práticas sociais da
análise. As elaborações sobre a mobilização social, que privilegia a intervenção social, tem
presença de fundamentos advindos da etnometodologia (Garfinkel, 1974).
Outra categoria de análise que deve ser observada no novo milênio na AL é a desigualdade
social: de econômica, com ênfase na renda, para um sentido social, com ênfase nas
características sociais e culturais dos grupos sociais. A prioridade se centra nas questões de
diferença sociais e culturais. Desigualdade não é o mesmo que diferença, esta é bem-vinda e
aquela não. A diferenciação social passa a ser menos o resultado de identidades herdadas,
explicativas das desigualdades estruturais, a assentar mais na procura de singularidades que
tentam se firmar e que procuram o reconhecimento social. Com isso, opera-se outro
deslocamento, do tema da desigualdade para o tema da equidade (que é a disposição de
reconhecer igualmente o direito de cada um, o direito de todos serem iguais). A equidade
passa ser entendida como um princípio que rege funções redistributivas, compensatórias,
consideradas históricas e socialmente justas. (p. 70)
Cap. V
Para discutir a proposição no título a autora toma como referência os movimentos sociais.
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Percebe-se assim, uma aproximação paradigmática entre o debate teórico que sustenta o
feminismo (de posições múltiplas) e as linhas do debate teórico mais amplo sobre as questões
sociais:
a) As lógicas articulatórias mais liberais foram suporte na fase da primeira onda – centrado nos
efeitos das privações (materiais e simbólicas) sobre os indivíduos. As contradições e ênfase no
processo do trabalho sempre estiveram no centro das preocupações marxistas, embora este
paradigma não tenha tido espaço grande nos estudos feministas que criticavam a ausência das
mulheres nos estudos marxistas, como dos fundamentos dos métodos, centrados em
determinações estruturais sistêmicas, macroeconômicas, com pouca visibilidade para as ações
concretas dos sujeitos sociais, ignorando questões específicas das mulheres, no mundo
privado e público.
b) A temática das diferenças têm guiado a lógica articulatória das abordagens pós-modernas,
presentes na segunda e terceira onda, baseando-se no interacionismo simbólico e na
fenomenologia. No interacionismo há interesse pelas redes de sociabilidade e busca-se
compreender os processos de subjetivação dos movimentos, como se constituem suas
práticas, seus projetos, suas inovações. Na fenomenologia a dimensão subjetiva está imersa
em um contexto histórico e social, voltado para as práticas da vida cotidiana. Essas práticas são
vistas como estruturantes de um a realidade social mais complexa. A fenomenologia se
preocupa com os sentidos e significados das ações coletivas, privilegia a presença corporal no
momento da pesquisa. (p. 144)
A Corrente da teoria da mobilização política de análise dos movimentos sociais teve pouca
penetração no BR e faz análise da institucionalização dos grupos que compõe os movimentos
sociais (EUA e Europa).
O uso indiscriminado da temática “Gênero” tem ganhos e perdas. Ganhos quando possibilitou
desnaturalizar o tema das diferenças, introduzindo o masculino ao lado do feminino, para
discutir as diferenças como histórico e culturalmente construídas, e ainda ampliou o debate
colocando novos sujeitos oprimidos em cena: gays, lésbicas, etc. perdas pois houve uma certa
diluição das mulheres na temática de gênero, e a invisibilidade delas continuou em
movimentos sociais não feministas, embora possamos denominá-los movimentos de
mulheres; o debate das feministas se circunscreveu ao meio acadêmico. Sonia Alvarez
distingue assim, movimento feminista composto de mulheres envolvidas nos debates
acadêmicos e que interferem na política, participam de coordenadorias e das políticas sociais.
O “movimento de mulheres” é algo muito mais numeroso, mas quase invisível enquanto
movimento de ou das mulheres. O que tem visibilidade são suas lutas como por creche, vagas
e melhorias nas escolas, postos de saúde, etc. demandas que atingem a toda a população, mas
protagonizadas por mulheres.
Fala da invisibilização das mulheres nos movimentos sociais apesar de as mulheres já serem
maioria em muitos como na educação, mas a direção do sindicato permanece masculina. E
quando estão presentes adotam um modo de gestão masculino. Fala também de uma
invisibilzação pelo cruzamento das temáticas e exemplifica com a temática dos indígenas, que
é uma temática forte que quando tratada fala-se do índio e não se fala da mulher índia.
A autora critica as formas de condução das políticas de inclusão para mulheres na atualidade.
Segundo a mesma há a substituição de democracia como resultado de embates, tensões,
confronto de projetos políticos, por uma noção de democracia naturalizada, fundada na moral,
despolitizada, com base nos consensos pelo alto. O Estado se antecipa e cria conselhos para as
resoluções de todas as demandas, mas essas “todas demandas” se tratam de todos os direitos
pré-selecionados pelos órgãos estatais; e os direitos coletivos são transformados em direitos
individuais – para alguns, segundo critérios de racionalidade burocrática.
O Estado nos anos 90 alterou suas políticas e passou a incluir a temática das mulheres nas
agendas políticas – a grande maioria de corte neoliberal, trabalhando não com grupos sociais,
mas com grupos sociais divididos: mulheres, jovens , crianças, beneficiários de políticas
públicas como o bolsa-familia.
As políticas neoliberais do final do sex. XX, atingiram fortemente as mulheres que passaram a
desenvolver atividades no setor informal. A globalização forçou a feminização da mão de obra
economicamente ativa por fatores como a destruição da produção doméstica e a busca de
salários mais baixos e da paz no campo das lutas de classe. Há uma precarização do trabalho.
A política pública tem tratado o tema das mulheres de forma fragmentada, como parte dos
grupos vulneráveis, incluindo-as em programas de inclusão social.
As especificidades do ser mulher continua sendo silenciada nas políticas públicas. Não se trata
apenas de contabilizar as mulheres nas políticas públicas, de garantir a sua presença numérica,
mas de repensar toda uma lógica masculina e machista que predominam nas estruturas de
poder. Quando não se questiona as estruturas de dominação vigentes, a mulher fica reduzida
ao atributo da natureza, um ser genético, um número e ao homem é atribuído o papel de
criador da cultura, aquele que define as regras das relações sociais a serem implementadas.
Butler, já nos 1990, criticava: não se trata de diluir as diferenças de gênero, a exemplo da
postura queer, e com isso destruir ou dissolver a identidade feminina (ver Tourine, 2007).
Fala de uma maior participação de mulheres (não do movimento social, mas as vinculadas as
ONG’s, em programas e projetos patrocinados pelas políticas governamentais.
O sentido que vem sendo construído para a democracia nos movimentos sociais é também
excludente e conservador. Isto porque temas fundamentais como liberdade, igualdade e a
diferença, não são sequer considerados, porque as mulheres são incorporadas nesse projeto
visando apenas gerar renda. Um modelo que não está preocupado com a emancipação das
mulheres como seres humanos, em suas especificidades. Critica o bolsa família nesse sentido,
pois para as mulheres há apenas uma troca de patrão que agora passa a ser o Estado.
A identidade coletiva, cidadã, que deveria ser construída a partir de grupos locais, é substituída
por redes de consumidores/clientes, súditos de um novo império assistencial, imobilizador,
clientelista. As políticas de democracia participativa permanecem cegas às diferenças de
gênero, a despeito de sua grande presença nos conselhos.
McDowell Santos (2007) afirma que os estudos feministas focalizam as mulheres em suas
instituições representativas, mas não nas formas de representação participativa.
De sorte, a presença das mulheres não está adstrita a programas governamentais, Elas se
tornam atrizes em sua atuação autônoma na sociedade civil.
A marcha das mulheres no século XXI – desde 2001 as mulheres tem realizado marchas
volumosas que se opõem ao modelo econômico vigente e à situação de desemprego e miséria
que as políticas neoliberais têm gerado nas últimas décadas. A marcha lançou em 2005 a
“carta mundial de mulheres para a humanidade”. A luta das mulheres consegue realizar a
junção das causas econômico-estruturais e as causas específicas vividas pelas mulheres em
suas reivindicações e lutas. São elas as que estão mais presentes nas lutas mais gerais.
Cita também outros movimentos como a marcha das margaridas, organizada pelo movimento
de mulheres sem-terra. Fala da situação da propriedade que só é colocada em nome da
mulher, na ausência do marido. Fala da presença numérica maior de mulheres nas edições do
Fórum social mundial. Protestam por questões gerais como a em 2007, contra Bush que veio
ao BR, e em 2008 contra a produção de transgênicos no BR.
Conclusões
Conclui que o movimento de mulheres é amplo (desde mov. Feminista, ongs, feministas
independentes etc.) e luta consegue unir políticas gerais e específicas. E que nos movimentos
mais amplos as mulheres são invisibilizadas. As políticas públicas contam com as mulheres
como elementos de uma engenharia social que busca a inclusão de cima para baixo, sob o
controle e os princípios do Estado regulador de conflitos sociais, o que não são vias para a
construção da emancipação das mulheres e nem ajuda a construção de movimentos
transformadores da sociedade. A concepção de democracia presente nessas políticas tem
raízes no liberalismo, nas políticas assistenciais caritativas, despolitiza o trabalho das mulheres
nos grupos, oculta as diferenças socioeconômicas e as raízes econômicas e políticas da
exclusão, fragiliza as demandas por direitos porque o princípio da igualdade não é
considerado, na medida em que as políticas perdem o caráter universal e passam a ser
focalizadas.