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Texto A
Um esplêndido preto, já grisalho, de casaca e calção, correu logo a portinhola; de dentro um rapaz
muito magro, de barba muito negra, passou-lhe para os braços uma deliciosa cadelinha escocesa,
de pelos esguedelhados, finos como seda e cor de prata; depois apeando-se, indolente e poseur,
ofereceu a mão a uma senhora alta, loira, com um meio véu muito apertado e muito escuro que
realçava o esplendor da sua carnação ebúrnea. Craft e Carlos afastaram-se, ela passou diante
deles, com um passo soberano de deusa, maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como
uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de
veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz das suas
botinas. O rapaz ao lado, esticado num fato de xadrezinho inglês, abria negligentemente um
telegrama; o preto seguia com a cadelinha nos braços. E no silêncio a voz de Craft murmurou:
– Très chic.
Em cima, no gabinete que o criado lhes indicou, Ega esperava, sentado no divã de marroquim, e
conversando com um rapaz baixote, gordo, frisado como um noivo de província, de camélia ao
peito e plastrão azul-celeste. O Craft conhecia-o; Ega apresentou a Carlos o Sr. Dâmaso Salcede,
e mandou servir vermute, por ser tarde, segundo lhe parecia, para esse requinte literário e
satânico do absinto… […]
– Vimos agora lá em baixo – disse Craft indo sentar-se no divã – uma esplêndida mulher, com
uma esplêndida cadelinha griffon, e servida por um esplêndido preto! O Sr. Dâmaso Salcede, que
não despregava os olhos de Carlos, acudiu logo: – Bem sei! Os Castro Gomes… Conheço-os
muito… Vim com eles de Bordéus… Uma gente muito chique que vive em Paris.
Texto B
Seguiram devagar ao comprido da tribuna. Debruçadas no rebordo, numa fila muda, olhando
vagamente, como de uma janela em dia de procissão, estavam ali todas as senhoras que vêm no
High Life dos jornais, as dos camarotes de S. Carlos, as das terças-feiras dos Gouvarinhos. A maior
parte tinha vestidos sérios de missa. Aqui e além, um desses grandes chapéus emplumados à
Gainsborough, que então se começavam a usar, carregava de uma sombra maior o tom trigueiro
de uma carinha miúda. E na luz franca da tarde, no grande ar da colina descoberta, as peles
apareciam murchas, gastas, moles, com um baço de pó de arroz.
A condessa de Gouvarinho ainda não viera. E não estava também aquela que os olhos de Carlos
procuravam, inquietamente e sem esperança.
Texto C
A menina, que tinha os olhos muito langorosos, dizia: «Sim, titi.» Mas, apenas na quinta, gostava
de abraçar o seu maridinho. Se eram casados, porque não haviam de fazer nené, ou ter uma loja
e ganharem a sua vida aos beijinhos? Mas o violento rapaz só queria guerras, quatro cadeiras
lançadas a galope, viagens a terras de nomes bárbaros que o Brown lhe ensinava. Ela, despeitada,
vendo o seu coração mal compreendido, chamava-lhe arrieiro; ele ameaçava boxá-la à inglesa: –
e separavam-se sempre arrenegados.
Mas quando ela se acomodou ao lado da viscondessa, gravezinha e com as mãos no regaço –
Carlos veio logo estirar-se ao pé dela, meio deitado para as costas do canapé, bamboleando as
pernas.
– Estou cansado, governei quatro cavalos – replicou ele, insolente e sem a olhar.
De repente, porém, de um salto, precipitou-se sobre o Eusebiozinho. Queria-o levar à África, a
combater os selvagens: e puxava-o já pelo seu belo plaid de cavaleiro da Escócia quando a mamã
acudiu aterrada:
– Não, com o Eusebiozinho não, filho! Não tem saúde para essas cavaladas...
Mas o Eusebiozinho, a um repelão mais forte, rolara no chão, soltando gritos medonhos. Foi um
alvoroço, um levantamento. A mãe trémula, agachada junto dele, punha-o de pé, sobre as
perninhas moles, limpando-lhe as grossas lágrimas, já com o lenço, já com beijos, quase a chorar
também. O delegado, consternado, apanhara o boné escocês, e cofiava melancolicamente a bela
pena de galo. E a viscondessa apertava às mãos ambas o enorme seio, como se as palpitações a
sufocassem.
O Eusebiozinho foi então preciosamente colocado ao lado da titi; e a severa senhora, com um
fulgor de cólera na face magra, apertando o leque fechado como uma arma, preparava-se a repelir
o Carlinhos, que, de mãos atrás das costas e aos pulos em roda do canapé, ria, arreganhando para
o Eusebiozinho um lábio feroz. Mas nesse momento davam nove horas, e a desempenada figura
do Brown apareceu à porta. Eça de Queirós, Os Maias
Texto D
Maria Eduarda achou originalíssimo o nome de Toca. Devia-se até pintar em letras vermelhas
sobre o portão. […]
Mas depois o quarto que devia ser o seu, quando Carlos lho foi mostrar, desagradou-lhe com o
seu luxo estridente e sensual. Era uma alcova, recebendo a claridade de uma sala forrada de
tapeçarias, onde desmaiavam na trama de lá os amores de Vénus e Marte: da porta de
comunicação, arredondada em arco de capela, pendia uma pesada lâmpada da Renascença, de
ferro forjado: e, àquela hora, batida por uma larga facha de sol, a alcova resplandecia como o
interior de um tabernáculo profanado, convertido em retiro lascivo de serralho… […]
Mas Maria Eduarda não gostou destes amarelos excessivos. Eça de Queirós, Os Maias
a. “Vénus e Marte”;
b. O “amarelo”.