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Globalização e neoliberalismo: as possibilidades de inserção das economias

periféricas.
Se pudéssemos descrever a globalização tal como foi propagandeada desde que o
termo se tornou midiático nos anos 1980, poder-se-ia dizer que a imaginamos como um
processo de espraiamento e interconexão da produção global, isto é, mercados antes isolados
se conectam a cadeia de valor, aumentando o volume e a expansão do comércio mundial.
Uma mercadoria manufaturada passa por inúmeros países para realizar seu processo de
valorização e realização, por vezes sendo realizada em um país que sequer qualquer
componente foi produzido. No entanto, esta maneira bastante simplista, propalada com grande
entusiasmo pela mídia hegemônica, por políticos e economistas, esconde a dupla face da
globalização, o lado financeiro e o lado produtivo, por isso mesmo, separam processos que
estão profundamente conectados, e não só, mas também hierarquizados (Carneiro, 2007). Para
apreender o processo é necessário reestabelecer a interconexão dos dois movimentos,
hierarquizando-os, pois mais importante do que o aumento do comércio global é o movimento
de expansão do capital financeiro propiciado pela emergência dos mercados globalizados que
atinge com muito mais impacto as economias periféricas do que o processo de globalização
da produção.
Neste capítulo temos três objetivos, o primeiro é recuperar as principais
transformações do sistema monetário-financeiro internacional que culminaram na
globalização financeira. Segundo, apontar as principais transformações no padrão de
concorrência mundial, e como estas transformações impactam as economias periféricas. Por
fim, apresentaremos os aspectos mais gerais da base ideológica desses processos o
neoliberalismo.
Nosso ponto de partida é a Ordem de Bretton Woods, vigente do pós Segunda
Guerra Mundial á 1971, quando os EUA (Estados Unidos da América) decretam a
inconversibilidade do dólar-ouro. A institucionalidade provou desde os primeiros anos uma
hegemonia de benefícios mútuos exercida pelos EUA para toda sua rede de alianças,
sobretudo, Europa e Japão, decorrentes do fato de estarem em regiões estratégicas no conflito
com a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Assim se nos anos iniciais do
após Segunda Guerra, o mundo sofria com restrições de liquidez, decorrentes da escassez de
dólares, a partir do plano Marshall, elaborado pelos americanos, operou-se uma
industrialização a convite para as economias europeias e o Japão (Serrano & Medeiros, 1999).
Dessa forma, seus aliados estratégicos puderam promover uma série de políticas pró-
desenvolvimento: taxas de câmbio desvalorizadas, favoráveis à competição; políticas de
proteção tarifária e não tarifárias, entre outras; pelo lado americano, abertura unilateral do seu
mercado interno, missões de ajuda técnica, ajuda financeira de organizações multilaterais, a
expansão das multinacionais americanas e dos bancos. “Assim, podemos caracterizar como
‘desenvolvimento a convite’ a estratégia americana de não apenas permitir, como também em
vários casos promover deliberadamente o desenvolvimento econômico dos países aliados nas
regiões de maior importância estratégica para o conflito com a URSS”. (Serrano & Medeiros,
1999, P.133). Para Belluzzo (1995), a estratégia americana só foi possível devido ao poder de
seignorage1 do dólar, que a permita ser um exportador liquido de capitais, exortando a grande
corporação americana e seus bancos para seus aliados estratégicos.
Para a periferia do capitalismo, como o Brasil, o convite foi bem menos generoso,
não puderam contar com ajuda oficial dos americanos ou das outras organizações
multilaterais para realizar seu processo de industrialização. Todavia, na medida em que as
economias europeias e japonesas foram sendo reconstruídas opera-se o investimento externo
cruzados na periferia, na qual, a partir da internacionalização do mercado interno, algumas
economias periféricas, como o Brasil, puderam dar o salto à industrialização pesada, na qual o
setor de bens de produção capitalista e bens intermediários são internalizados, podendo
reproduzir as bases técnicas e produtivas para a reprodução ampliada do capital industrial.
Organizou-se uma divisão interna do trabalho, na qual as grandes empresas transnacionais
ocupam, sobretudo, o setor de bens de produção capitalista, as empresas estatais, o setor bens
intermediários, e as empresas nacionais, o setor de bens de consumo não-duráveis. Tal divisão
só é possível pela forma de inserção das empresas transnacionais nos espaços periféricos,
reproduzindo nas filiais as plantas produtivas da matriz, tendo a capacidade de integrar a
estrutura industrial, na qual toda a cadeia de valor é gerada no mesmo espaço nacional.
A institucionalidade de Bretton Woods permitiu ao capitalismo viver sua era
dourada (Golden Age), calcada no tripé, taxas de câmbio fixas, mas ajustáveis; autonomia da
política monetária; restrição à mobilidade de capitais, estes últimos sendo estritamente
regulados pelo sistema monetário e financeiro internacional. Tal arranjo institucional permitiu
não só a recuperação das economias centrais, mas também a industrialização de alguns países
periféricos. No entanto, o sistema possuía uma idiossincrasia fundamental: o poder
seignorage do dólar. Os EUA ao tornarem-se fonte de demanda efetiva e emprestador em
última instância do sistema capitalista acabaram por tornarem-se deficitários em seu balanço

1
O termo refere-se ao privilégio exorbitante de que tinha a moeda americana por ser a moeda de meio de pagamento
universal, os EUA não sofre das mesmas restrições que qualquer outro país, isto é, a necessidade de ter saldos comerciais
positivos para financiar seu balanço de pagamentos, bastando o FED (Federal Reserve) emitir moeda para financiar seu
déficit de balanço de pagamentos.
de pagamentos. Assim, as economias centrais começam a carregar uma quantidade enorme de
dólares à espera de valorização; por outro, na medida em que se recuperavam, as grandes
empresas europeias e japonesas começam a disputar mercados com as grandes empresas
americanas, operando um novo grau de concorrência.
A liquidez a paço de espera começa a sua busca por valorização com a expansão
dos mercados financeiros offshore, com a reciclagem dos eurodólares das economias centrais,
com o surgimento de operações de empréstimos/depósitos que escapavam do controle dos
bancos centrais. Para Belluzzo, essa foi a primeira rodada na globalização financeira, na qual
bancos privados europeus começam a fazer operações de empréstimos em dólar para outros
Estados nacionais, a margem das regulações de Bretton Woods, pois excediam os
regulamentos dos bancos americanos, como taxas de juros flutuantes, e acima do teto imposto
aos bancos americanos.
No fim dos anos 1960, a economia americana começa a apresentar déficits em
sua balança comercial, algo que não ocorria desde 1893 (Mazzucchelli, 2009), o que implicou
em uma corrida contra o dólar, com os seus carregadores buscando trocar dólares pelas
reservas americanas de ouro. Em 1971, o governo americano tentando conter as especulações
contra a moeda americana, decreta o fim da conversibilidade ouro-dólar, e uma sobretaxa de
10% nas importações. Os questionamentos persistem, e em 1973, as taxas de câmbio deixam
der ser fixas, para tornarem-se flutuantes, com estes dois gestos unilaterais, os americanos põe
fim às duas principais âncoras de Bretton Woods, sumariamente alijadas da ordem monetária
internacional. O gesto americano, no entanto, não contou com a obediência dos espectadores
europeus, que seguiam atacando a moeda americana, o impasse é finalmente resolvido a partir
do gesto unilateral de Paul Vocker, presidente do FED, que decide subir abruptamente as
taxas de juros, foi o definitivo shown of American Power (Mazzucchelli, 2009). Sem qualquer
pudor, os EUA, jogam a economia mundial e a si mesmo para a recessão e instabilidade.
[...] A partir daí o movimento do crédito interbancário se orientou decisivamente
para os EUA e o sistema bancário passou a ficar sob controle do FED. E não apenas
sob o controle da política monetária, que dita as regras do jogo, as flutuações na taxa
de juros e câmbio, mas também a serviço da política fiscal americana. A partir do
início dos anos 80, todos grandes bancos internacionais estão em Nova York, não
apenas sob o umbrela do FED, mas também obrigatoriamente – porque não há outra
alternativa – o déficit fiscal americano. (TAVARES, 1985. P. 7)
Poder e dinheiro formam um casamento inseparável, com formas de repactuação
de tempos em tempos, a retomada da hegemonia americana não foi apenas um gesto do poder
americano, foi à repactuação com a grande finança tomando a frente do processo de
globalização financeiro. A hegemonia do dólar foi retomada, mas sob bases totalmente
fictícias e financeiras, seu fundamento é permitir ser lastro para as operações securitizadas nos
mercados financeiros, ou seja, ser a moeda financeira internacional, no qual todas as
operações são denominadas em dólar.
Nesse sentido, para Carneiro (2007), a globalização no seu processo mais geral e
abstrato é o predomínio geral do capital financeiro como etapa superior e desregulada do
capitalismo. Os agentes econômicos nessa nova etapa disseminam a lógica de acumulação por
meio dos ganhos patrimoniais, em detrimento daqueles oriundos dos rendimentos. Uma
crescente importância da esfera financeira ante a produtiva, um aprofundamento dos traços
inerentes ao capitalismo.
"[...] Dessa perspectiva, pode-se também constatar a ampliação relativa da esfera da
valorização da riqueza financeira vis à vis aquela da produção ou geração da renda.
Enfim, exacerba-se a independência relativa da valorização da riqueza financeira
ante a real, por meio de bolhas de preços recorrentes de um amplo espectro de ativos
financeiros." (Carneiro, 2007, p.3-4)
Para Braga (1999) a financeirização constitui o modo de ser da riqueza
contemporânea, na qual a concorrência e a valorização operam sob a lógica financeira, os
capitais buscam se valorizar simultaneamente através da renda (produção) e pela
capitalização, formando uma macroestrutura financeira, ao lado da estrutura produtiva.
Essa segunda fase da globalização financeira é marcada pela desregulamentação
financeira, da ordem de Bretton Woods. Para Belluzzo (1995), a segunda onda de
globalização financeira é pautada pela instabilidade e descentralização do sistema monetário
internacional, no qual emergem três transformações financeiras conhecidas genericamente por
globalização, desregulamentação e securitização. Globalização, porque o espaço econômico
para a circulação e realização da riqueza agora é global, de tal forma que os ativos
financeiros, operando como quase-moedas que geram juros e rentabilidade, pulam de praça
em praça na busca da máxima valorização. A desregulamentação impõe-se necessariamente
para que este padrão da riqueza possa operar, ocorre não somente pela imposição
conversibilidade da conta de capitais dos países, mas também as desregulamentações no
mercado financeiro e bancário, na qual ganha predominância o mercado de capitais ante ao
mercado de crédito. Por fim, o instrumento que permite a busca pela liquidez e valorização, a
securitização, que permitiu aos bancos operarem a mudança que transforma créditos bancários
em títulos de capitalização, lastreados pelo dólar, como a moeda que chancela as operações
financeiras.
A resposta americana de subir unilateralmente as taxas de juros para retomar o
controle do sistema bancário, teve como contrapartida a reciclagem da carteira dos bancos
privados, ajustando, sem grandes traumas, a carteira dos bancos, na medida em que os
créditos desvalorizados dos países em desenvolvimento foram sendo substituídos por dívida
emitida pelo Tesouro Nacional aos Estados Unidos. Belluzzo (1995) aponta que o papel
americano na gestão da crise do sistema de crédito nos anos 1980, criou as condições para o
surgimento de novas formas de intermediação financeira. "Esse processo de transformações
na esfera financeira pode ser entendido como a generalização e a supremacia dos mercados de
capitais em substituição à dominância anterior do sistema de crédito comandado pelos
bancos." (BELLUZZO, 1995, p. 16). O processo, portanto, de desintermediação do sistema
bancário, na qual ganha predominância a individualização, e a seleção restrita a aqueles que
estão aptos a receberem a riqueza financeira disponível no mundo, essa seleção tende a
privilegiar as empresas internacionais ou aquelas capazes de gerar receita em moeda
estrangeira.
O aspecto mais significativo é que os agentes econômicos principais: famílias,
empresas financeiras e não-financeiras, reforçam a forma de acumulação de capital da
globalização financeira, ao se pautarem por uma lógica de valorização financeira dos seus
investimentos, “[...] na qual buscam maximizar o ganho patrimonial e não o de rendimentos
associam a esta postura a busca de uma maior liquidez desses investimentos.” (Carneiro,
2007, p. 13).
Os bancos desde o fim dos anos 1960 passaram a substituir moedas e depósitos à
vista pelos ativos geradores de juros, através do processo generalizado de securitização,
impulsionando uma concorrência financeira generalizada. Emergem novos agentes não-
bancários, no processo que ficou conhecido como desintermediação bancária, em que novos
agente operam no mercado financeiro, como bancos emprestadores, manejando a liquidez do
sistema financeiro. Passam a operar com esses mesmos ativos, utilizados como quase-moedas,
portadores de rentabilidade e liquidez.
Nas empresas não-financeiros, altera-se a forma de controle da propriedade para a
maior pulverização do seu capital, na busca de maior valorização da riqueza e de maior
liquidez possível, através da valorização patrimonial em Fusões e Aquisições e Compras
Alavancadas. Altera-se inclusive a governança, agora pautada pela maximização do valor
acionário. A busca passa a ser de um lucro superior a taxa de juros, transformando-se num
benchmarking imediato para o retorno da atividade produtiva (Carneiro, 2007). Na medida em
que toda a vez que lucros forem inferiores a taxa de juros, reduz-se o valor acionário cotado
nas bolsas de valores. As empresas entram num circuito de maior alavancagem financeira, na
medida em que entregam como colateral, a valorização dos seus ativos, para a obtenção de
empréstimos. O destino dessa massa financeira se pulveriza, começam a fazer operações
típicas de grandes investidores dos mercados financeiros: especulação do mercado de câmbio,
fusões e aquisições, compra e venda de ativos financeiros, em suma, do jogo do dinheiro, de
tal forma que não podemos mais distinguir a grande empresa industrial de uma empresa
financeira. As empresas transnacionais operam uma estratégia tecno-financeira, que “[...]
tanto podia assumir a forma produtiva de investimentos de capital, como uma variedade de
formas que não envolviam, nem investimento industrial, nem criação de valor, e às vezes
apresentando aspectos improdutivos, quando não parasitários.” (Chenais, 1996, p.76). As
empresas transnacionais operam sob a lógica da máxima valorização do capital, de maneira
diferenciada e multiforme.
Os Estados nacionais são reconfigurados sob o padrão sistêmico da riqueza
financeirizada. De um lado estão os países aptos a receberem os investimentos produtivos das
grandes corporações que geralmente aportam em países desenvolvidos, dadas as
possibilidades de acesso a economias de escopo – novos produtos e processos; ou em países
em desenvolvimento, mas que possuem baixo custo de mão-obra e são ricos em recursos
naturais. De outro, ficam o resto dos países periféricos escolhidos como mercados de
exportação de mercadorias e espaço preferencial para a valorização da riqueza financeira.
Nesse sentido, o espaço de manobra para política econômica destes países é reduzido ao
extremo, tendo em vista que qualquer variação da taxa de câmbio e juros pode gerar
instabilidade em seus balanços de pagamentos. A circulação da massa financeira determina de
forma interdependente os movimentos das taxas de câmbio e juros, “[...] uma vez que suas
variações estabelecem as rentabilidades dos ativos financeiros e as modificações dos valores
patrimoniais nos diferentes mercados nacionais globalizados” (BRAGA, 1999, P.195).
Na Ordem de Bretton Woods, os Estados nacionais possuíam autonomia, e eram
impulsionados a manter um estrito controle da sua conta de capitais, na ordem globalizada,
ocorre uma regressão, na qual vem à tona uma enxurrada de capitais especulativos de curto
prazo procurando a valorização fictícia dos seus ativos. Com o fim das taxas de câmbio fixas,
as flutuações passaram a ser alvos dos especuladores, restringido a capacidade de manejo da
política monetária, por conseguinte gerando enorme instabilidade das taxas de juros, inclusive
nas três zonas monetárias do capitalismo (iene, dólar e euro).
Na verdade, as flutuações das taxas de câmbio, supostamente destinadas a corrigir
desequilíbrios do balanço de pagamentos e dar maior autonomia às políticas
domésticas, foram desestabilizadoras. Isto porque a crescente mobilidade dos
capitais de curto prazo obrigou a seguidas intervenções da política monetária,
determinando oscilações entre taxas de juros das diversas moedas e criando severas
restrições a ação da política fiscal. (BELLUZZO, 1995, P. 16)
Para Carneiro, a globalização financeira é resultante da interação de dois
movimentos básicos. Ao nível domestico, da progressiva liberalização financeira, expressa na
conversibilidade da conta de capitais do balanço de pagamentos; no plano internacional, na
crescente mobilidade de capitais, através das desregulamentações do sistema monetário-
financeiro internacional. Na ordem da globalização financeira, supostamente estar-se-ia
resolvendo a tríade impossível2, pois seu sistema combina taxas de câmbio flutuantes, livre
mobilidade de capitais e a princípio, autonomia da política monetária.
Essa institucionalidade não leva em conta a existência de uma hierarquia de
moedas. Primeiro, é a moeda reserva o dólar, que ocupa o centro dessa hierarquia, e, por
conseguinte, pode desfrutar dessa institucionalidade como um todo, o que significa dizer que
tem plena autonomia para fixar suas taxas de juros. Por remunerar um investimento que é
feito na moeda mais forte do sistema suas taxas de juros são as mais baixas, estabelecem o
piso da taxa de juros do sistema como um todo. No segundo nível encontramos as moedas-
conversíveis ao dólar dos países centrais, por receberem um fluxo permanente de capitais
produtivos e financeiros, têm a possibilidade manter uma certa autonomia da sua política
doméstica, podem fixar sua taxa de juro um pouco acima da taxa de juro americana, se o
fizerem abaixo disso, podem sofrer com saídas de capitais e consequentemente da
desvalorização da sua taxa de câmbio. Todavia, esta tem um piso, “[...] a partir do qual passa
a ser interessante a volta dos capitais, para adquirir ativos produtivos ou financeiros a baixo
preço, em razão da moeda desvalorizada” (Carneiro, 2002, p. 233). Por fim, temos as moedas
não-conversíveis dos países periféricos, essas não tem autonomia quanto a sua política
doméstica, caso fixem sua taxa de juro abaixo do risco país, pode ocorrer um desvalorização
sem limites de sua taxa de câmbio, sem que os capitais retornem a essas moedas, pois pode
não haver interesses dos capitais na compra dos ativos dos países periféricos, o que pode por
em risco a própria existência dessa moeda.
À medida que se caminha para fora do núcleo do sistema, as taxas de juros vão se
elevando, dado que as moedas vão se tornando menos seguras. Pode-se interpretar o
fenômeno de outra maneira e afirmar que os proprietários dos capitais exigem um
prêmio maior para investir nas moedas menos seguras. [...]
Ou seja, a autonomia da política econômica doméstica, entendida como a capacidade
de determinar as taxas de juros, é restrita quando comparada à dos países do centro
do sistema. (CARNEIRO, 2002, P. 231-232)

2
Na literatura sobre o sistema monetário internacional, o que defini o sistema monetário-financeiro internacional
é combinação de três elementos, o grau de liberdade do movimento de capitais, o regime cambial e o grau de
autonomia da política doméstica. Chamam a combinação desses três elementos de tríade impossível, pois só é
possível combinar dois elementos de cada vez, ficando um terceiro automaticamente excluído. Assim no padrão
ouro-libra, o regime de câmbio era fixa, dada a paridade escolhida por cada moeda em relação ao ouro-libra,
existia livre mobilidade de capitais, todavia, as políticas monetárias domésticas funcionavam exclusivamente
para defender a paridade escolhida. No padrão de Bretton Woods, havia autonomia das políticas domésticas, mas
um controle estrito sobre a mobilidade de capitais. O padrão da globalização financeira supostamente permite a
combinação dos três elementos, resolvendo a tríade impossível.
A condição para os países periféricos participarem do sistema é aceitarem o risco
país, formulado pelas agências de classificação de risco. Se por um acaso fixarem sua taxa de
juro abaixo desse risco, pode haver uma fuga de capitais, com possibilidade de não
retornarem. Podemos dizer a partir do conceito de hierarquia de moedas formulada por
Carneiro (2002), que há um intima conexão entre o papel ocupado pela periferia na divisão
internacional do trabalho e suas taxas de juros elevados. Para manter sua autoridade sobre sua
moeda nacional, isto é, para garantir que sua moeda seja meio de pagamento em transações
domésticas estes países são obrigados a manterem suas taxas de juros no patamar mais
elevado do sistema financeiro, o que implica tornarem-se fonte de valorização fictícia de
capitais especulativos.
A globalização, portanto, é um nome fantasia dado pela dominância da
financeirização no modo de ser da riqueza contemporânea, neste processo os Estados
nacionais ficam atados a chancelar os movimentos especulativos sobre suas moedas
nacionais, são instados a promover a estabilização monetária a qualquer custo, realizarem
ajustes fiscais permanentes, e manterem a plena conversibilidade de sua conta de capitais para
servirem de centros de valorização e circulação da massa financeira. Sob seu signo as chances
de inserção das economias periféricas são extremamente reduzidas. Tornam-se centros de
valorização da riqueza financeira global.

A globalização Produtiva.
Segundo Gonçalves et alii (1998), a globalização produtiva se caracteriza por três
processos: o avanço do processo de internacionalização da produção, o acirramento da
concorrência internacional, e a maior integração as estruturas produtivas das economias
nacionais. Podemos afirmar que seu aspecto mais geral é um processo de internacionalização
da concorrência capitalista, na qual emerge uma nova estrutura de concorrência patrocinada
pela tríade EUA, Japão e Europa, na qual tem papel central a grande corporação globalizada,
que modifica suas formas de atuação, com consequências imediatas para os fluxos de
comércio internacionais e as decisões de investimentos.
A empresa transnacional típica do padrão de Bretton Woods quando aportava em
algum país o fazia reproduzindo sua planta produtiva da matriz para as filiais, o que permitia
aos países receptores desses investimentos uma verticalização produtiva, integrando sua
indústria aos investimentos das transnacionais, no qual toda a cadeia de valor era gerada no
mesmo espaço nacional. A partir de meados dos anos 1970, com a revolução tecnológica nas
telecomunicações e nos transportes, a empresa transnacional tem a possibilidade de espalhar
sua cadeia de produção pelo globo sem perder o comando da cadeia de produção, por
conseguinte, podendo transportá-la para diferentes países a baixos custos de transportes.
Aumentando substancialmente o comércio mundial via comércio intrafirma e/ou intragrupos.
Moraes (2018), seguindo a tipologia de Chesnais (1996) caracteriza a expansão
das multinacionais sob três padrões.
O primeiro sendo a estratégia de aprovisionamento, que correspondia ao modelo
mais antigo de internacionalização, por meio da integração vertical a partir da busca
de recursos minerais, agrícolas e energéticos nos países periféricos. O segundo
padrão referia-se a uma estratégia de mercado, com a criação de filiais
intermediárias em busca de acessos a novos mercados, como no caso de diversas
indústrias de bens de consumo duráveis que se instalaram no Brasil ao longo dos
anos 1950. E, por fim, o terceiro perfil referia-se a uma estratégia de produção
racionalizada, por meio da instalação de filiais montadoras, promovendo uma
produção integrada internacionalmente, visando ao aumento da lucratividade global
do grupo ou empresa. Surgem a partir deste último caso as empresas transnacionais
(CHESNAIS, 1996, p. 75). A despeito dos dois primeiros padrões continuarem a
existir, foi o terceiro que predominou a partir de então, no período que se
convencionou chamar de globalização. (MORAES, 2018, P. 86)
Assim as empresas multinacionais, passaram espalhar sua cadeia de produção ao
redor do globo, buscando os diferencias que cada mercado tem a oferecer. O sentido desta
parte do capítulo é compreender de que maneira a globalização produtiva afeta as formas de
associação dos capitalismos periféricos com o movimento geral comércio mundial.
Durante os anos 1970, a economia global viveu o fim da era do ouro, e um
período prolongado de instabilidade sob signo da estagflação. No começo dos anos 1980,
todavia, as principais economias do mundo, retomam ainda que a patamares mais baixos, o
crescimento. Para Coutinho (1990), a retomada se deu através da cooperação das principais
economias capitalistas, todavia, com a retomada do investimento privado, e não somente pelo
gasto público, “[...] está não seria insuficiente para assegurar a sustentação continuada dos
fluxos (decisões) privados de investimento produtivo – num clima de instabilidade global –
sem a articulação e difusão, simultânea, de um cluster de inovações, baseado em novas
tecnologias de impacto abrangente, sobre o conjunto das estruturas industriais das principais
economias capitalistas. (p. 70) Ocorreu aquilo que Coutinho, inspirado em Schumpeter chama
de verdadeiro “vendaval de destruição criativa”, a introdução de uma nova base tecnológica
das indústrias de computadores e periféricos, e telecomunicações. Essa destruição criativa é
realizada justamente pelas grandes corporações dos países centrais.
Segundo Coutinnho, desde os anos 1980 vem ocorrendo sete tendências no
cenário econômico mundial: 1- o peso crescente do complexo eletrônico; 2- um novo
paradigma de produção industrial, a automação flexível; 3- revolução nos processos de
trabalho; 4- transformação das estruturas e estratégias empresariais; 5- novas bases de
competitividade; 6- a globalização como aprofundamento da internacionalização; e 7- as
“alianças tecnológicas” como nova forma de competição. A respeito destas três últimas cabem
algumas considerações: as novas formas de competitividade representam duas mudanças;
Primeiro, a dimensão sistêmica da competitividade, a inovação privada tende a fluir com
maior dinamismo nas economias com externalidades benignas, que combinam uma interação
acentuada entre a empresa privada e as instituições públicas de ciência e pesquisa aplicada.
Permitindo a redução de custos e riscos. Trata-se da constante busca de inovações disruptivas,
que levem as grandes empresas a posições monopolistas. O segundo traço é que a capacidade
competitiva se funda cada vez menos na dotação de fatores e recursos naturais, e mais como
resultado deliberado das estratégias privadas e/ou públicas de investimento com inovação.
São vantagens comparativas dinâmicas e construídas.
Quanto à globalização, a abertura dos mercados nos anos 1980, combinada com a
revolução nas telecomunicações, permitiu a qualquer agente operar, direta ou indiretamente,
nos diversos mercados mundiais. Estabelece-se uma interconexão global nos mercados,
financeiros, de títulos e valores, resultando num intenso processo de interpenetração
patrimonial entre as grandes burguesias industriais e financeiras das principais economias
capitalista. Ocorreu um processo acentuado de concentração de capitais nas mãos das grandes
corporações da tríade, num processo que Chesnais (1996) chamou de investimento externo
direto cruzado, a compra de inúmeras empresas americanas por seus competidores japoneses e
alemães, por meio de fusões, aquisições e participação majoritária, aumentando o grau de
concentração e internacionalização da economia mundial em diversos setores industriais.
Com a estruturação de sofisticadas redes globais informatizadas de gestão on-line,
dentro das empresas multinacionais, as permitiu distribuir suas atividades para outros países
fora da matriz, o processo em si não é novo, mas a forma de global sourcing sim. Trata-se de
buscar economias que possuem algum grau de vantagem locacional. Coutinho lista três
formas de sourcing: para suprimento de peças e componentes padronizados ou de matérias-
primas, especialmente em fases de escassez geral; o sourcing das preferências e das
características dos mercados consumidores; por fim, aquele direcionado pelas vantagens de
conhecimentos tecnológicos, incluindo recursos humanos qualificados. Trata-se de conseguir
captar “janelas” de inovação ou avanços emergentes. Por isso, a formação de alianças
tecnológicas entre duas ou mais empresas concorrentes, através de acordos de cooperação,
projetos conjuntos, consórcios de pesquisa, joint-ventures etc. configurando uma situação de
concorrência oligopolista, na qual aparecem cooperação e competição entre as grandes
corporações.
Segundo Chesnais (1996), a partir do final dos anos 1970, assistiu-se a novas
formas de investimentos patrocinadas pelas empresas transnacionais.
As novas formas de investimentos (NFI) são definidas por contraposição ao
investimento direto, que comporta, como vimos, um aporte de capital monetário
(seja em capitais transferidos a partir do exterior, seja levantados no mercado
financeiro do país receptor). As NFIs garantem a uma companhia uma fração do
capital e o direito de conhecer a conduta de outra companhia, sendo que o
operador/parceiro estratégico não fornece nenhum aporte em capital, somente em
ativos imateriais. As NFIs originam, seja uma participação minoritária, seja uma
empresa comum (a chamada Joint-venture), reconhecendo à multinacional a
propriedade de uma fração do capital, um direito de participação nos lucros e um
direito a acompanhar a conduta de um parceiro menos poderoso, com base num
aporte sob a forma de ativos imateriais. Entre estes, incluem-se o know-how de
gestão, as licenças de tecnologia (em geral superadas pelas mudanças tecnológicas),
como o franchising e o leasing, muitas vezes empregados nos serviços. [...] Tais
aportes são, às vezes, bastante fictícios; seu valor é sempre inferior ao das parcelas
do capital reconhecido a seus proprietários. (CHENAIS, 1996, P. 78-79)
Dessa maneira, as empresas transnacionais têm multiplicado suas participações
minoritárias, conformando um tipo de empresa-rede, através de acordos de terceirização e
cooperação inter-empresas, controlando as empresas coligadas, ao mesmo tempo, sem
precisar ter a responsabilidade pelos eventuais custos produtivos.
Carneiro (2007) aponta que as formas de global sourcing são hierarquizadas
dentre os diferentes países, na qual as parcerias tecnológicas, que geram alto valor agregado,
sobretudo, pelo conhecimento tecnológico, ficam segregadas aos países desenvolvidos que
concentram o core bussiness das grandes multinacionais, ao passo, que os países periféricos
buscam-se a exploração de recursos naturais e mão-obra-barata. Ocorre uma globalização
assimétrica, na qual os países periféricos se inserem na globalização produtiva, nos segmentos
da cadeia produtiva intensivos em recursos naturais e em trabalho. Dessa maneira para
receberem as novas formas de investimentos, torna-se imperioso ter mão-de-obra competitiva,
o que implica na redução dos direitos trabalhistas.
A globalização da produção representa a quebra dos antigos oligopólios nacionais
estáveis, caracterizada por Belluzzo (2009), pela produção padronizada, tecnologia
codificada, busca da integração vertical, aversão à cooperação. O padrão de concorrência da
globalização, busca por um lado centralizar o controle da cadeia global de produção, através
de fusões e aquisições; por outro, uma nova distribuição espacial da produção, a
internacionalização das cadeias de geração de valor. Centralização do controle e
descentralização da produção: esse movimento de dupla face afetou a natureza e a direção do
investimento direto, reconfigurou a divisão do trabalho entre produtores de peças e
componentes e os “montadores” de bens finais e, alterou as participações dos países nos
fluxos de comércio. O propósito da competição entre os grandes blocos de capital é o de
assegurar simultaneamente a diversificação espacial adequada da base produtiva da grande
empresa e o “livre” acesso a mercados. Os países periféricos, como o Brasil, são os que mais
sofrem com a intensificação da concorrência mundial, ao verem setores industriais sendo
desmontados pela concorrência das grandes empresas multinacionais.
A torrente de investimentos da globalização, tão propalada por seus defensores,
não representa uma oportunidade de “ouro” para os países periféricos, pelo contrário,
aumentou as assimetrias do capitalismo mundial. Moldou uma nova divisão internacional do
trabalho, na qual de um lado ficam concentrados as inovações tecnológicas e competitivas das
grandes multinacionais dos países centrais, de alto valor agregado, e aumento da geração de
renda; no outro, sobram os demais países periféricos, na qual se especializam produtivamente,
na cadeia de mais baixo valor agregado da cadeia global de valor, em recursos naturais e mão-
de-obra não qualificada, e como centros de circulação e valorização da massa financeira do
mundo. Já na América-Latina, como demonstra Carneiro (2002; 2007), sua inserção no
processo de globalização, ocorreu por uma inserção financeirizada comandada pela dimensão
financeira da globalização, o investimento direcionado para a periferia foi em sua maior parte
de fusões e aquisições, nas quais não representa novo investimento produtivo, somente
participação em setores já existentes.
No entanto, as assimetrias da globalização não são mencionadas, pelo contrário
são propaladas com grande entusiasmo, como promessa de integração e desenvolvimento, na
qual os países que buscassem seguir as indicações dos mecanismos multilaterais, como o FMI
(Fundo Monetário Internacional) veriam suas economias sendo inundadas por investimentos
estrangeiros que trariam estabilidade e crescimento. Entregou como propaganda, o
desenvolvimento do Leste Asiático como exemplo de políticas econômicas liberalizantes bem
sucedidas, atribuem a tal desempenho as reformas liberais que esses países realizaram no
último quarto do século XX3.
Stglitz (2003) aponta que a globalização traria pelo menos quatro benefícios:
novos produtos mais baratos via importação; novas tecnologias; novos setores produtivos; e
ajuda internacional. Para o autor, muitas vezes a globalização é injustamente criticada, quem a
crítica geralmente ignora seus benefícios, que para ele são reais. Para o autor, no entanto, seus

3
Segundo Carneiro (2002), a inserção Asiática na globalização é diferenciada pelo mercado triangular que se
formou naquele continente. O Japão importa partes, peças e componentes dos países do continente, acarretando
déficit com esses países, ao mesmo tempo mantém um superávit comercial com os países da OCDE. Dessa
maneira, o leste asiático operou uma inserção complementar com as economias desenvolvidas, ao passo que na
América Latina, sua conexão com o país desenvolvido mais próximo, os EUA, ocorreu de maneira não
complementar, com déficits na conta de capitais e em transações correntes, definindo, portanto, uma inserção
financeirizada, ao passo que no leste asiático a inserção foi produtiva.
críticos são menos desequilibrados que seus patrocinadores, que costumam ignorar seus
malefícios ao defendê-la,
Para eles, a globalização (que costuma ser associada à aceitação do capitalismo
triunfante norte-americano) significa progresso; os países em desenvolvimento
devem aceitá-la se quiserem crescer e combater a miséria de maneira eficaz.
Entretanto, para muitos no mundo desenvolvido, a globalização não trouxe
benefícios econômicos prometidos.(STIGLITZ, 2003, P. 31)
Seus malefícios, não podem ser ignorados, a despeito do aumento da renda global,
a miséria aumentou, especialmente na África, e aumentou a desigualdade, mesmo nos países
desenvolvidos. Não houve estabilidade global, pelo contrário basta ver as crises América
Latina e Ásia. O medo da queda de uma moeda em algum país em desenvolvimento tem
efeito contágio para todo o sistema financeiro. Os países em desenvolvimento foram
obrigados a abrir suas barreiras comerciais sob a promessa de aumento do comércio com os
países desenvolvidos, no entanto, esses mesmos países não eliminaram suas barreiras
comerciais. Por isso, conclui o autor, que a globalização tem vários aspectos positivos, tirou
milhões de pessoas, especialmente na Ásia do campo, para a cidade em atividades mais bem
remuneradas, ainda que pareçam exploradas aos olhos dos países desenvolvidos, todavia
mantém uma série de assimetrias.
O que mais gera controvérsia é seu aspecto econômico, especialmente, as
instituições que formulam regras para a liberalização, o FMI, Banco mundial e a OMC
(Organização Mundial do Comércio). Na década de 1980 o FMI e o banco mundial fizeram
mais do que emprestar dinheiro para os países em desenvolvimento, condicionaram tais
ajudas a reajustes estruturais. Os principais, a abertura da conta de capitais e abertura
comercial. O primeiro trouxe uma enxurrada de capitais especulativos, que tão logo ajudam
esses países vão embora ao menor sinal de instabilidade; já abertura comercial, provocou
destruição de diversos setores por ter sido feita de maneira veloz, sem que houvesse tempo
para que as economias se adaptarem, diferentemente do que houve na Ásia, por exemplo. Para
Stiglitz os principais responsáveis pelos malefícios da globalização sãos essas instituições,
que ao invés de pensarem o desenvolvimento para todos os países, respondem aos interesses
dos países desenvolvidos, mais especificamente os interesses de grupos privados, sobretudo,
as grandes corporações financeiras e industriais, ávidas em lucrar de maneira predatória com
as economias em desenvolvimento.
O neoliberalismo.
“O Estado mínimo da falsa utopia neoliberal não é mínimo
na economia, como pregam os tolos: ele se faz mínimo é na
política. Num movimento de pinças simultâneo, o Estado se
faz Máximo na economia e mínimo na política, e os dois
lados se projetam uma economia sem política, portanto sem
disputa.”
(Francisco de Oliveira)
Essas ideias da globalização, atreladas a mudanças do capitalismo globalizado
vieram acompanhadas de uma nova ideologia triunfante, ou melhor, de uma nova razão do
mundo: o neoliberalismo. Essa conjuntura histórica de modernização-conservadora (FIORI &
TAVARES, 1993), ocorre numa quadra de crescimento das ideias neoliberais, alguns autores
tratam como uma mera retomada de ideias que pareciam mortas desde a crise de 1929, outros
como uma revolução no pensamento conservador. Todavia, seria simplista se tomássemos o
neoliberalismo como uma ideologia nova, na batalha das ideias, sim é isso, mas é muito mais.
Sua concepção mais geral aponta uma ideologia liberalizante, que crítica todo tipo
de intervenção estatal na economia, ao qual caberia ao Estado, intervir apenas, no campo da
segurança, tudo o mais deveria ser ofertado pelo mercado, uma concepção, portanto, de
Estado mínimo. O mercado entendido como um alocador ótimo de recursos, ao passo, que a
intervenção estatal é sempre vista como distorcida.
Essa “ideologia” ascende em um momento de crise na Europa do Welfare-State Keynesiano
(WSK), segundo Claus Offe (1984), um tipo de arranjo político e econômico que permitiu a
convivência pacífica e duradoura entre capitalismo e democracia. Esse arranjo institucional,
sobretudo, na Europa, fora a um arranjo econômico promovido pelo Estado na qual o as
instituições passam a garantir maior estabilidade econômica e social aos cidadãos. Fora um
pacto do pós guerra que garantiu direitos aos trabalhadores em troca de sua produtividade.
Neste modo de regulação estatal garante-se seguridade trabalhista, em quase pleno emprego,
junto de direitos sociais como saúde, educação, segurança, etc. Temos por um lado à
aceitação da lógica do lucro pelos trabalhadores em troca a garantia de padrões mínimos de
vida pelos capitalistas. Esse arranjo econômico-estatal garante crescimento e seguridade, cada
classe “assumi o papel da outra” (OFFE, 1984, P.373) no jogo de somas positivas, cada classe
leva em consideração os interesses da outra, a lucratividade pelos trabalhadores e o
investimento que garanta o emprego pela classe capitalista. A intervenção estatal garantiu
prosperidade à classe capitalista e a segurança a classe trabalhadora.
Todavia, como vimos, esse arranjo institucional entra em crise com a estagflação que atingiu
boa parte das economias capitalistas centrais, propiciando a conjuntura perfeita para as
críticas ao WSK, Segundo Perry Anderson
A chegada da grande crise do modelo econômico no pós-guerra, em 1973, quando
todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinado
pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação mudou
tudo. A partir daí as ideias neoliberais passaram a ganhar terreno. As raízes da crise,
afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizados no poder excessivo e
nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia
corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre
os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez
mais os gatos sociais. (ANDERSON, 1995, P.10)
Harvey (2008) aponta que nos idos dos anos 1970, ocorreu uma polarização entre
sociais-democratas e neoliberais, e até a metade da década os socais-democratas foram
vencedores em diversos países da Europa, todavia, inúmeros fatores determinaram a derrota
do projeto progressista, pra Harvey o principal deles a reorganização política da classe
capitalista que saiu de sua aparente apatia defensiva, para por meio de um novo discurso ir
para uma ofensiva contra WSK. Apontavam que o remédio para resolver o impasse era o
ajuste recessivo e o retorno à ordem do mercado. Para os teólogos do livre mercado, como
dirá Hobsbawm (2008), os capitalistas só voltariam a investir se o excesso de regulação fosse
retirado, e o Estado agisse com mão pesada sobre a classe operária organizada, vista como
corporativista e parasitária. Esse mesmo Estado também é visto como disfuncional intervia
em excesso nos mercados, o que diminuía a vontade dos empresários de investirem.
Todavia, precisamos compreender que este remédio neoliberal não se resume a
este conjunto de medidas, o neoliberalismo não é apenas uma ideologia ou tipo de política
econômica, como bem definiu Dardot e Laval (2016), “[...] é um sistema normativo que
ampliou sua influência ao mundo inteiro, estendo sua lógica do capital a todas as relações
sociais e esferas sociais.” (P.7). Os críticos do neoliberalismo o compreendiam como um
retorno puro e simples ao laissez-faire, todavia, o ponto de Dardot e Laval é que só podemos
compreendê-lo se buscarmos suas raízes, que são muito profundas, e que apontam para uma
renovação do pensamento liberal. Por isso, existem dois lados do neoliberalismo, um primeiro
é o discurso negativo, a destruição programada das regulamentações e das instituições; o
segundo, uma forma propositiva, que busca construir outras relações sociais, outra maneira de
viver, uma reformulação da subjetividade, outra forma da nossa existência.
Essa norma de impõe a cada um de nós que vivamos num universo de competição
generalizada, intima os assalariados e as populações a entrar a em luta econômica
uns contra os outros, ordena as relações sociais segundo o modelo de mercado,
obriga a justificar desigualdades cada vez mais profundas, muda até o individuo, que
é instado a conceber a si próprio a comportar-se como uma empresa. Há quase um
terço do século, essa norma de vida rege as políticas públicas, comanda as relações
econômicas mundiais, transforma a sociedade, remodela a subjetividade. As
circunstâncias desse sucesso normativo foram descritas inúmeras vezes. Ora seu
aspecto político (a conquista do poder pelas forças neoliberais), ora seu aspecto
econômico (o rápido crescimento do capitalismo financeiro globalizado), ora seu
aspecto social (a individualização das relações sociais às expensas das
solidariedades coletivas, a polarização extrema entre ricos e pobres), ora sob seu
aspecto subjetivo (o surgimento de um novo sujeito, o desenvolvimento patologias
psíquicas). Tudo isso são dimensões complementares da nova razão do mundo.
(Dardot & Laval, 2016, p. 16)
O neoliberalismo é uma racionalidade calcada na generalização da concorrência
como norma de conduta, com o modelo de empresa como forma de subjetivação, nesse
sentido, trata-se de uma nova governamentabilidade, conceito foucaltiano que indica as
práticas de governo para reger a conduta dos homens, através da inculcação das disciplinas,
das práticas de controle e vigilância dos indivíduos, o governo de si. A originalidade do
neoliberalismo está no fato de criar um conjunto de regras que definem não apenas o outro, o
regime de acumulação, mas também, mais amplamente outra sociedade.
Anderson (1995) demarca a origem do neoliberalismo com a Sociedade Mont
Pèlerin, na Suíça, no imediato pós-guerra, na qual participavam inimigos férreos do Estado de
bem-estar europeu, como Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von
Misses, Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, e o mais
eminente, Friedrich Hayek, autor do livro que fez sucesso à época o Caminho da Servidão,
publicado em 1943, nas vésperas da eleição inglesa, na qual levava uma mensagem drástica:
“Apesar de suas boas intenções, a social-democracia moderada inglesa conduz ao mesmo
desastre que o nazismo alemão – uma servidão moderna”. (HAYEK Apud Anderson, 1995, p.
9). Segundo Harvey (2008), o neoliberalismo escolhe como valores centrais da civilização
ocidental, a dignidade humana e liberdade individual, estas estariam ameaçadas por todo
canto, não apenas pelo totalitarismo nazi-fascista, ou pelo stalinismo, mas também pela bem
intencionada social-democracia.
Para Dardot & Laval (2016) a Sociedade Mont Pèlerin é um desdobramento do
Colóquio Walter Lipman, realizado em Paris, em 26 de agosto de 1938, esse colóquio se
encerrou com um projeto de renovação do liberalismo, nasceu cosmopolita pretendendo ter
ampla difusão global. O retorno ao liberalismo foi feito a partir de um front unido contra o
“intervencionismo de Estado” e a escalada do “coletivismo”, tratava-se de criar um
intervencionismo propriamente liberal. Não era recriar o laissez-faire, mas de criar uma
intervenção para que as leis do mercado prevaleçam. O neoliberalismo é o resultado de uma
ordem legal que pressupõe o intervencionismo jurídico do Estado. Nesse sentido, o
neoliberalismo abandona a ideia de que ordem liberal é uma ordem natural, que seria
realizada sem a necessidade de intervenção do Estado. O neoliberalismo pelo oposto aponta
que o Estado neoliberal, pressupõe um tipo específico de intervenção do Estado.
Na teoria, segundo Harvey (2008), esse Estado deve favorecer fortes direitos
individuais à propriedade privada, o regime de direito e as instituições de mercados de livre
funcionamento e do livre comércio. O Estado deve manter seu monopólio legítimo da
violência para garantir a todo custo os direitos de propriedade e dos negócios. Pelo lado
desconstrutivo, defende a privatização de todos os ativos estatais, inclusive alguns bens
comuns, como terra e água. Desregulamentação de todos os mercados, de terra, bens, capital e
trabalho.
Afirma-se que a privatização e a desregulação combinadas com a competição
eliminam os entraves burocráticos, aumentam a eficiência e a produtividade,
melhoram a qualidade e reduzem custos – tanto os custos diretos ao consumidor
(graças a mercadorias e serviços mais baratos) como, indiretamente, mediante a
redução da carga de impostos. (HARVEY, 2008, P.74).
Teoria o Estado neoliberal deveria restringir sua ação a apenas garantir os
mecanismos de mercado, na prática, intervém no mercado a todo instante em nome do “bom
ambiente de negócios”, promovendo uma ampla desregulamentação dos mercados de
trabalho, mercadorias e dinheiro. A ideia subjacente é que os mercados são autorreguláveis e
que possuem todas as informações disponíveis para melhor alocação de recursos, por outro, o
Estado sempre intervém de maneira equivocada no mercado, pois não possui as mesmas
informações que o mercado dispõe.
A contradição patente é que a desregulamentação financeira tem gerado
constantes crises no sistema financeiro, devido aos negócios arriscados em que se metem as
altas finanças, na teoria os agentes financeiros deveriam lidar com o ônus do risco, entretanto
o que ocorre é oposto. Os Estados dos países centrais, por meio, dos organismos multilaterais
como o FMI obrigam países endividados a empreenderem diversas políticas draconianas
frente as suas populações para fazer frente ao pagamento da dívida externa. Como diz Harvey,
“[...] investimentos feitos sem cautela deveriam ser punidos com perdas do emprestador, mas
o Estado torna os emprestadores imunes a perdas, devendo os tomadores pagar em seu lugar,
seja qual for o custo social decorrente. A teoria neoliberal deveria alertar: ‘Emprestador,
cuidado!’ – mas a pratica é: ‘Tomador, cuidado!’ (Ibid, 2008, p.84). Nesse sentido, mais do
que uma nova ideologia, o neoliberalismo deve ser visto como uma restauração do poder de
classe dos capitalistas.
Podemos dizer a partir das reflexões de Boito (1999) que essa disfuncionalidade
entre o Estado neoliberal na prática e o da teoria, remonta sua própria contradição interna.
Segundo Boito (1999), ideologicamente o discurso neoliberal teórico resgata a defesa da
concorrência transplantada da época do capitalismo concorrencial, e uma ideologia prática,
que corresponde na verdade a defesa do capitalismo de monopólios, da especulação financeira
e do imperialismo. Assim, defende-se a lógica da concorrência para todas as dimensões da
vida social, inclusive entre indivíduos, mas na prática, defende o capitalismo no auge dos
monopólios. Assim, segundo Boito o neoliberalismo consiste num conjunto de ideias fora do
lugar.
Atendo-se à superfície do discurso neoliberal, a primeira impressão que se pode ter é
a de que os neoliberais seriam sempre favoráveis à substituição da produção, da
regulamentação e da intervenção estatal na economia pela livre ação dos agentes
econômicos do mercado. Poder-se-ia legitimamente esperar, também, que eles
fossem contra os monopólios em geral, e não apenas contra os monopólios públicos.
Mas não é isso que ocorre na prática. Os princípios da ideologia neoliberal não
correspondem, de maneira coerente, às propostas e à prática política que eles
inspiram. A defesa do mercado circunscreve-se apenas e tão somente àquilo que
convém aos grandes monopólios e ao imperialismo, na era do capitalismo
monopolista e da especulação financeira. (BOITO, 1999, P.26)
Na prática, portanto, o neoliberalismo se torna a ideologia dominante que legítima
a globalização produtiva e financeira, que como vimos, em seu processo real leva a
concentração e centralização do capital na mão das grandes corporações. Na teoria, os
monopólios privados deveriam ser criticados pelos neoliberais, mas sua crítica se estende tão
somente aos monopólios estatais.
É um equívoco tratar o Estado neoliberal como Estado mínimo, a intervenção
estatal não deixa ocorrer, para Boito (1999) há uma redução e uma reformulação da
intervenção estatal. Na redução podemos dizer que o Estado passa a ser mínimo com os mais
pobres, ao cercear direitos sociais e desregulamentar o mercado de trabalho, desindexação dos
salários, criminalização das greves, entre outras políticas restritivas; ao mesmo tempo, se
torna máximo em sua intervenção em favor dos monopólios privados, consequência direta das
desregulamentando o sistema bancário, liberalização do comércio, do mercado de capitais e
das privatizações, outro tipo de intervenção. Por isso, como defini Boito (1999)
[...] A ideologia neoliberal, numa definição ampla, deve ser considerada, então, uma
apologia abstrata do mercado que se aplica, de um modo geral, sempre e quanto tal
aplicação interessar ao capital financeiro, ficando prejudicada toda aplicação que for
incompatível com tais interesses. (BOITO, 1999, P.29-30)
Outros autores marxistas, como Gérard Duménil & Domenique Lévy (2004),
apontam para essa mesma contradição, de um lado o Estado passa intervir menos, de outro
amplia sua intervenção.
[...] Em cada país, a liberdade de iniciativa, de comprar e vender, de empregar e
demitir trabalhadores, de comprar filiais e fazer fusões e etc. foi aumentada, ao
passo que os direitos dos trabalhadores, restringidos. No plano internacional, as
fronteiras comerciais foram reduzidas, quando não suprimidas, e os capitais
adquiriram o direito de circular livremente. [...] Entretanto, em muitos domínios, o
poder estatal foi reforçado. É o caso, principalmente, das políticas monetárias que de
agora em diante, quase exclusivamente visam à estabilidade dos preços, a despeito
do desemprego que geram. Em todo lugar, os Estados foram vetores do
neoliberalismo, tanto no plano nacional, quanto no internacional. As alavancas que
os promotores da ordem neoliberal têm à mão são, principalmente, ao nível das
empresas, as taxas de juros elevadas e um “governo de empresa” (leia-se uma
“gestão”) direcionada aos interesses dos acionistas – elemento chave da nova
disciplina imposta aos trabalhadores e aos gerentes. No nível estatal, novas políticas
macroeconômicas (baixa inflação) ou sociais (diminuição dos custos do trabalho),
visando atender aos mesmos interesses. (DUMÉNIL, G & LÉVY, D., 2004, P.13)
O neoliberalismo chegou a América-Latina no contexto da crise da dívida
externa, na virada dos anos 1980 para os anos 1990. O FMI negociou com esses países através
do Plano Brady, o reescalonamento e perdão de parte de sua divida externa condicionada a
“ajustes estruturais” em suas economias, tais quais: privatização, corte nos gastos sociais, leis
de mercado mais flexíveis abertura comercial e financeira. Por outro lado, a promessa é que
com a abertura seriam beneficiados pelo aumento do comércio internacional e pela reentrada
de poupança externa para auxilia-los em suas retomadas de crescimento. Para Saes (2007), a
imposição do neoliberalismo, e sua adesão aos países da América-Latina configura uma
novíssima dependência.
[...] Mas, em que consiste a novíssima dependência? O capital financeiro e o capital
monopolista industrial do Primeiro Mundo, bem como os governos ― como os
Estados Unidos ― e as entidades que os representam ― como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco
Mundial ―, querem, não mais realizar novos investimentos no aparelho reprodutivo
para fazer avançar a industrialização associada nos países periféricos, e sim obter
ganhos fáceis, apoderando-se de todos os setores econômicos já existentes que
possam propiciar ganhos reias e imediatos. Mais especificamente: o capital
estrangeiro e seus representantes pressionam os Estados latino-americanos para que
implementem uma política liberal. [...] (SAES, 2007, p.159).
Na novíssima dependência, diferentemente da anterior, do processo de
substituição de importações, a América-Latina não leva qualquer vantagem, enquanto no tipo
de associação anterior, os países periféricos recebiam investimentos estrangeiros em alguns
setores, o que promovia a industrialização dependente, na nova fase da dependência, os
efeitos anteriores foram dinamitados, e sobrou apenas a exploração financeira da região. Seja
por meio de fusões e Aquisições, seja por meio do investimento de portfólio. Para Saes
(2007), instaura a pilhagem e o empobrecimento da América-Latina, um processo de
periferização de “segundo grau”, “[...] que consiste num afastamento dessas economias com
relação às funções clássicas desempenhadas pela periferia do sistema capitalista mundial”
(SAES, 2007, p. 162).
O neoliberalismo aparece nesse sentido, como uma imposição do imperialismo
aos países periféricos, tais Estados são obrigados a realizarem os ajustes estruturais sob a pena
de ficarem de fora do sistema econômico mundial. Por isso, neoliberalismo e a globalização
são faces da mesma moeda, indissociáveis em alguns casos.
Neoliberalismo e governo Cardoso: os policy makers entusiastas.
No Brasil, as promessas da globalização e do neoliberalismo ganham entusiastas
desde a redemocratização. Com a eleição de Collor, uma forma pitoresca chega ao palácio do
Planalto, todavia, foi somente com FHC que esse projeto realmente ganha uma opinião
pública favorável, sobretudo, pelo sucesso do plano real, que tinha como âncora para o
processo de estabilização a abertura da economia brasileira.
Já vimos como FHC enxerga a globalização, de uma forma predominante
positiva, agora veremos como os policy makers de seu governo a defendiam. Gustavo Franco
(2002) um dos formuladores do plano real cria uma narrativa para explicar o “atraso”
brasileiro, o grande culpado seria a combinação de nacionalismo e desenvolvimentismo
protecionista. Para Franco, o Brasil sempre teve um pendor anti-liberal, nos momentos em
que o mundo estava permeado de práticas liberais o Brasil às negava, foi assim no Império, e
em menor medida durante a República Velha, na qual pendíamos ora para maior abertura, ora
mais protecionismo. O destino foi finalmente decido com a revolução de 1930, na qual se
aderiu em definitivo ao nacionalismo econômico, para tanto, agora se tinha uma formulação
teórica que dava as bases intelectuais necessárias para tal viragem: a teoria cepalina do
desenvolvimento de dessarollo hacia dentro, calcada em três pilares: substituições de
importações, mercado interno e autarquia. Para franco os economistas da cepal foram longe
demais, postularam um teoria geral da industrialização tardia, quando estavam lindando com
um situação conjuntural anormal, dos anos 1930, devido aos rebatimentos da crise de 1929 na
periferia, de tal forma, que deveríamos ter retomada nosso envolvimento comercial com o
mundo quando a economia mundial voltou a estabilidade no pós Segunda Guerra Mundial.
O ciclo desenvolvimentista, que para o autor é ininterrupto de 1930 aos anos
noventa, deixou como legado as contradições do modelo, nesse sentido, Franco diverge
inclusive de FHC, se para o presidente, o modelo desenvolvimentista teve amplo sentido no
pós-1930, para Franco nem nestas épocas. Reputa a maior parte do avanço industrial do
desenvolvimentismo às multinacionais, que sem qualquer ajuda do Estado, e seguindo
rigidamente as regras protecionistas começaram a nos inserir naturalmente nos processos
conducentes a globalização, entendido como aumento de manufaturados na pauta de
exportação nacional. Durante os anos 1960, a atividades das multinacionais teria nos inserido
nas tendências internacionais, não tanto por tê-las procurado, mas pelo germe plantado pelas
empresas estrangeiras. Para o autor esse germe, vai minando a ideia que a “industrialização
tardia” necessitava de auto-suficiencia, vão pouco a pouco “[...] moderando os pendores
autarcizantes, transformando-os em desígnios mercantilistas” (p.100). No entanto, nos anos
1970 ao invés de seguimos o germe das multinacionais, apostou-se numa dose ainda maior de
“mercantilismo”, culminando nos anos 1980 na marcha da insensatez:
O lento crescimento de nossa disposição para um maior envolvimento com a
economia internacional foi dramaticamente interrompido pela eclosão da crise de
1982. De uma hora para outro, todo o arsenal de defesas contra choques adversos,
que parecia ter caído em desuso, via-se novamente em plena operação: os controles
cambiais, a repressão das importações, os índices de nacionalização, listas negativas,
moratórias, racionamento de divisas até para os viajantes, além da retórica do
combate à “evasão de divisas” e da inevitabilidade de se “apertarem os cintos” frente
ao que se tomava como uma influência exógena, uma catástrofe natural. (p.101 ).
Na narrativa de Franco a década perdida fora fruto de más decisões feitas à época,
ao invés de maior abertura aposta-se no “velho” desenvolvimentismo, consagrando-o
inclusive na constituição. A crise da dívida externa e a necessidade de transferir recursos reais
ao exterior o que causava necessariamente maiores desvalorizações cambiais para aumentar as
exportações, não comparecem a narrativa, tais problemas sequer são mencionados. Para os
tucanos, a culpa da década perdida foi à negação do “choque de capitalismo” necessário,
como se tal choque propiciasse uma enxurrada de investimentos externos contidos devido à
patologia nacionalista brasileira.
Franco vai além, cria uma história contra factual na qual os caminhos do
desenvolvimento brasileiro seriam outros se tivéssemos aderido desde os o pós- Guerra ao
liberalismo derrotado, que nem os países centrais estavam mais seguindo. Para tanto, compara
a trajetória brasileira com os dos países asiáticos, sobretudo, a Coréia do Sul, no qual quanto
mais o processo de industrialização avançava mais aumentavam o grau de abertura, nesse
sentido, o sucesso do país asiático, se deve a sua adesão aos programas liberalizantes. Ainda
que aponte que a há controvérsias, sobre os motivos do desenvolvimento asiático, reputa seu
desenvolvimento ao grau de abertura de tais economias.
O recurso a uma histórica contrafatual não é novo, como mostra Bastos (2003),
economistas liberais sempre criticaram, o artificialismo das experiências industrializantes
latino-americanos,
[...] liderados por políticos populistas, elites predadoras de renda e ideólogos
(sobretudo economistas) movidos, no fundo, por interesses particulares. [...]
Intervenção estatal, ideologia antiliberal, projeto “artificial” de desenvolvimento. A
suposição implícita dos críticos liberais desta tríade é que eles, sim, conheceriam o
curso “natural” de desenvolvimento distorcido por essa conjunção de interesses
escusos; pois é por referência a um curso presumidamente “natural” de
desenvolvimento que a “estratégia artificial” é criticada. (p.245-246)
Nos anos 1980, contudo, os liberais periféricos conquistaram o espaço das ideias
dominantes, tanto no Brasil quanto alhures, agora apresentam um “novo” projeto de
desenvolvimento, que traria de volta o tempo perdido com políticas artificiais. O projeto tinha
como núcleo a abertura da economia brasileira, criticada por ser tão fechada quanto dos países
socialistas. Para Franco, desde a emergência da globalização a economia mundial se
beneficiou de uma enxurrada de investimentos, o Brasil restou como párea mundial pela sua
rebeldia, e como consequência, não teria se beneficiado pela torrente de investimentos.
Aponta que se o Brasil aderisse a globalização os investimentos estrangeiros retornariam,
devido a adesão aos bons fundamentos macroeconômicos.
Franco definiu a globalização em três pontos: (i) o crescimento das filiais de
empresas transnacionais (ETN), que resultou numa transição de federais de filiais para outro
onde o caráter global de suas atividades lhes determina esforços contínuos de racionalização
de atividades em escala global, dos quais resulta uma nova identidade supranacional, com
amplas e profundas implicações no tocante às suas propensões ao comércio exterior; (ii) A
proliferação de estratégias de ajustamento e racionalização compreendendo desintegração
vertical, outsourcing e relocalização no exterior; (iii) A proliferação de "novas formas" de
investimento internacional compreendendo uma miríade de vínculos financeiros e
notadamente tecnológicos estabelecendo uma racionalidade global no processo produtivo sem
necessariamente envolver a complexidade do processo de investimento direto.
Desta sua compreensão, salta aos olhos, que não há uma única reflexão sobre
como a globalização penetra de maneira desigual nos diferentes países. Ressalta como
principal os vínculos tecnológico, que como vimos, é restrito a um seleto grupo de países,
tampouco há um aprofundamento crítico nas “novas formas” de investimentos financeiros nos
países periféricos. Para Franco toda e qualquer forma de “investimento” é valido, não há
assimetrias que criem constrangimentos a política econômica doméstica. Sua leitura otimista,
o leva a concluir:
Isso quer dizer, essencialmente, que: (i) existem razões "exógenas" a determinar o
crescimento das exportações brasileiras, independentemente de políticas locais de
incentivo e de política cambial mais agressiva, associadas ao crescente
envolvimento das filiais brasileiras de ETNs na economia industrial global; (ii)
existem razões para esperar um crescimento fenomenal do investimento direto
estrangeiro, desde que, evidentemente se consolide progressivamente a estabilidade
macroeconômica, de tal sorte que o Brasil recupere os percentuais do investimento
direto global que desfrutou no passado; (iii) não se deve esquecer que boa parte
desses novos investimentos será feita através de "novas formas" de associação
financeira e tecnológica em detrimento da forma habitual e canônica de investimento
direto (greenfield) podendo, outrossim, os números de investimentos diretos
subestimarem bastante a internacionalização experimentada pela economia
brasileira; e (iv) será inevitável, também, que uma outra parte dos novos
investimentos seja feita através de aquisição de ativos existentes - strategic asset
seeking FDI (foreign direct investment), no dizer de Dunning o que deverá trazer
questões relativas às políticas de competição e poderá reavivar velhas preocupações
com a desnacionalização do parque produtivo nacional .
O problema não é só a potencial desnacionalização do parque produtivo nacional,
e sim a forma como o “investimento” estrangeiro pode aumentar a vulnerabilidade externa da
economia brasileira, tais como fuga de capitais, ataques especulativos a moeda nacional, além
dos problemas na indústria como Fusões e Aquisições, que não representam adição de
capacidade produtiva, somente desnacionalização e desindustrialização.
Respondendo a estes possíveis problemas aponta como solução mais abertura,
grande culpada pela economia brasileira não ter conseguido responder aos choques externos
dos anos 1980. O faz a partir da comparação do Brasil com a Coréia do Sul, ambas tinham o
mesmo nível de endividamento, as mesmas desvalorizações cambiais, no entanto o grau de
abertura da economia asiática era muito maior que a brasileira. Logo, cria-se o paradoxo da
vulnerabilidade externa, “[...] quanto mais fechada a economia mais difícil é fazer
"ajustamento externo" e mais propensa à instabilidade macroeconômica a economia deverá
ser. Assim sendo, a industrialização que busca a auto-suficiência aumenta a vulnerabilidade
externa e não diminue”. Logo, o novo modelo de desenvolvimento deverá aumentar
substancialmente o grau de abertura da economia para reduzir as possibilidades de novos
choques externos.
Os liberais embebidos de sua história contrafactual, comparando-nos com uma
suposta estratégia liberal bem sucedida dos asiáticos, agora formulam um novo Consenso da
estratégia a ser perseguida pelas economias periféricas. Em 1989, foi promovido um amplo
seminário pelo Instituto de Economia Internacional de Washington, que sistematizou críticas
ao modelo desenvolvimentista latino-americano, e elaborou propostas “consensuais” para
superar o modelo intervencionista. O remédio: reformas liberais. Williamson (1990),
economista que cunhou o termo consenso de Washington, definiu o consenso em dez pontos,
dos quais os seis principais serão arrolados a seguir:
(i) reforma fiscal que ampliasse a base de incidência dos tributos, de modo que o
Estado não deveria mais se financiar por meio do imposto inflacionário. Essa reforma teria
como objetivo manter uma forte disciplina fiscal buscando a redução dos déficits
orçamentários para gerar superávits primários robustos e estruturais; (ii), prioridade dos
gastos públicos, propondo redirecionamento dos gastos para áreas políticas sensíveis
(subsídios, defesa, máquina administrativa) para melhorar a distribuição de renda como saúde,
educação e infraestrutura. (iii) política cambial deveria sofrer uma dolarização direta ou
indireta, com a valorização da moeda nacional, com uma política monetária passiva. (iv)
liberalização comercial e financeira, com a desproteção dos mercados nacionais, que traria
investimentos estrangeiros para que os países periféricos pudessem se inserir
competitivamente na globalização; (v) privatizações e desregulamentação da atividade
econômica para aumentar a competição no cenário nacional e abater a divida de curto prazo
dos governos endividados; (vi) defesa da propriedade intelectual e a necessidade de um
elevado nível de proteção a propriedade da indústria, através da concessão de monopólios
para as empresas patenteadas. Com esse receituário o Brasil voltaria a receber capitais
estrangeiros, bastando segui-lo. “Dessa forma, ingressar-se-ia no melhor dos mundos, isto é,
um ambiente de inflação baixa, crescimento e uma adequada inserção (competitiva) na
economia mundial globalizada.” (FILGUEIRAS, 2010, P.97).
O consenso de Washington, assim como Franco, “[...] operam em contexto livre
de restrições econômicas internacionais ou locais que impedissem na insustentabilidade
histórica do projeto de abertura.” (Bastos, 2003, p. 250). Não há fatores assimétricos que
conformam estruturalmente a instabilidade das economias periféricas no pensamento liberal.
O consenso de Washington se apresenta como um conjunto de boas práticas sem levar em
conta a especificidade das economias periféricas, sua dependência tecnológica e financeira, de
tal forma, que no caso Latino americano a abertura pode provocar instabilidades financeiras e
comerciais, que não são compensadas pelo investimento estrangeiro que supostamente seria
atraído pela agenda reformista, pelo contrário, o processo “natural” é aprofundar a
instabilidade dessas economias.
Franco defendeu o consenso.
[...] o que parece cada vez mais evidente é que existem sim práticas e instituições no
terreno da economia sobre as quais é muito difícil discrepar. [...] há muitos
princípios econômicos quase que universalmente aceitos, como há padrões em
contabilidade: "comumente" ou "geralmente" aceitos, por que fazem sentido, mas
não impostos por ninguém. (FRANCO, 2000, s.p.).
No entanto, entre os economistas do governo, havia discrepância, inclusive do
próprio ministro da Fazenda, Pedro Malan (1991), que antes de assumir o posto criticou o
Consenso, seu ponto é que o consenso é generalista, sem levar em conta as especificidades de
cada país em desenvolvimento, segundo, por acreditar que depois das referidas reformas o
crescimento e o desenvolvimento advirão quase naturalmente. Para Malan é necessário ir
além, estas reformas podem ser importantes para a estabilidade econômica, mas não são
suficientes para retomar o desenvolvimento. O caminho complementar seria a modernização
do setor público, “[...] terá de desempenhar um papel essencial, ainda que não intensivo, de
coordenação na programação de investimentos para o crescimento futuro com mudança
estrutural e tecnológica.” (MALAN, 1991, P,11).
Talvez a crítica de Malan seja um alinhamento as ideias de FHC que buscava um
meio termo entre neoliberalismo e desenvolvimentismo, buscavam dissociar o programa
draconiano neoliberal com a promessa renascentista da globalização, de tal forma, que seria
possível promover a abertura econômica, sem aderir ao lado negativo do programa, como
cortes nos gastos sociais e desregulamentação total do mercado de trabalho. Todavia, Com o
decorrer da implementação do Plano Real, as vozes críticas às reformas liberais foram
silenciadas, de tal forma, que veremos um predomínio absoluto de neoliberais, nos governos
de Cardoso, sobretudo, no primeiro, parece que a realidade mostrou a impossibilidade de
dissociar neoliberalismo da globalização, pelo menos na América Latina.

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