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Introdução: Uma História Diversa de Florianópolis

Beatriz Gallotti Mamigonian e Joseane Zimmermann Vidal

De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e


sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.
Ítalo Calvino, Cidades Invisíveis

Desterro, 12 de abril de 1831. Os integrantes da comissão encarregada de visitar

prisões civis e militares e estabelecimentos públicos de caridade visitaram a cadeia pública da

cidade e encontraram as celas de presos civis com as paredes escurecidas, o que lhes deu

impressão de pouco asseio. Na cela dos presos civis havia cinco detidos, entre eles, Manoel

dos Passos Magalhães, registrado como “preto liberto”, preso por ofensa e que por “falta de

proteção para promover seu livramento”, não tinha esperança de soltura. Joaquim Correa,

preso como escravo fugitivo, se dizia liberto; nascera na Ilha de São Tomé, no meio do

Atlântico, e infelizmente não deixou testemunho das andanças e navegações que o trouxeram

a Desterro. Talvez fosse marinheiro. Como Manoel, reclamou de não ter recursos para custear

seu pedido de relaxamento da prisão. A cela das mulheres estava desocupada naquela

ocasião, mas também tinha as paredes escurecidas pela fumaça, o que, associado à falta de

luz, tornava o ambiente tenebroso, na avaliação dos membros da comissão.1

A notícia das manifestações populares e conflitos antilusitanos no Rio de Janeiro que

resultaram na abdicação de Dom Pedro I, em 7 de abril, não tinha chegado a Desterro ainda.

Quando chegou, no dia 20, a Câmara externou todo o júbilo pela “feliz revolução

heroicamente consumada na Capital do Império”, chamando os portugueses de “ingratos

hóspedes e pseudo-brasileiros”.2 Houve Te Deum na Igreja Matriz, encomendado pelo

presidente da província. A Câmara também organizou comemorações públicas do evento,

ordenou que os cidadãos iluminassem a frente das casas por três dias, a contar do dia 20, e

autorizou manifestações públicas de júbilo, recomendando, porém, a moderação “que tanto


caracteriza a nossa briosa nação”. No dia 22, a Câmara promoveu /e sediou uma reunião para

a qual convidou o presidente da província e todos os cidadãos que quisessem partilhar da

alegria pelo evento; para evitar “tumulto de pretos ou outra qualquer desordem”, pediu ao

presidente uma guarda de 30 homens do 8o Batalhão para a vigilância. Devia temer

ajuntamento de escravos e libertos. Aparentemente, não foi deles que partiu o tumulto, mas

dos próprios membros do 8o Batalhão, que, com os soldados de outros batalhões estacionados

na cidade na hora marcada para a festa na Câmara, pediram a deposição do presidente da

província e comandante de armas. Este, o chefe de esquadra Miguel de Sousa Mello e Alvim,

não teve alternativa senão renunciar. A situação continuou instável por mais um tempo; em

abril de 1831, a presidência da província devia onze meses de pagamento à tropa.3

Os presos devem ter acompanhado aqueles eventos através das grades da cela,

ouvindo os gritos da tropa pela deposição do representante de D. Pedro I, ou ainda pelas

conversas dos que vinham da rua, já que a cadeia ficava no térreo do próprio prédio da

Câmara. Talvez cogitassem que lado tomar nos conflitos que opunham brasileiros a

portugueses. Talvez acreditassem que “o amor da liberdade”, tão propalado naqueles dias,

pudesse inspirar sentimentos de piedade ou justiça em algum cidadão que os ajudasse a sair

da prisão. A situação deles era tão miserável, que viviam das esmolas de passantes para se

alimentar, pois não recebiam comida na cadeia. Manoel Guimarães, o preto liberto, estava

preso há quase um ano e meio, e Joaquim Corrêa, de São Tomé, há alguns meses. Faziam da

cela sua moradia, em resumo. Os membros da comissão indicada pela Câmara para verificar

as condições de salubridade nas prisões encontraram a cela “varrida e sem imundícies”, mas

cheia de fumaça que escurecia as paredes. Vinha de um fogo que os presos mantinham

sempre aceso. Quando a comissão sugeriu que o fogo fosse extinto, os presos reclamaram.

Alegaram que era necessário para cozinhar.


Vários relatos da história de Florianópolis mencionam a presença de escravos ou

libertos, entretanto, geralmente aparecem como a mão de obra responsável pela construção

dos prédios mais antigos ou em histórias pitorescas, como o trabalho das lavadeiras nos rios e

córregos da cidade ou o transporte de água potável e dejetos das casas. Quando não são mão

de obra do passado ou protagonistas de situações pitorescas, os indivíduos de origem africana

não figuram na história da cidade no século XIX. Os exemplos seriam muitos. Experimente

você lembrar-se de alguns livros que leu sobre Florianópolis ou folhear alguns deles.

Protagonistas negros são raros, vai concordar. O motivo disso é que Florianópolis, há

bastante tempo, tem sido vista e interpretada como terra de “tradições açorianas”, e o estado

de Santa Catarina como próspero graças à fixação de europeus. A economia catarinense antes

da fundação das colônias de Blumenau e Joinville é tida como insignificante, e assim, o auge

da escravidão no litoral catarinense e na Ilha de Santa Catarina não tem recebido muita

atenção até agora. Neste livro, trazemos elementos para formar outra imagem da história da

cidade, entre os séculos XIX e XX.

Uma história diversa. Diversa em todos os sentidos que a palavra possui: diversa

porque diferente da história contada até agora; diversa porque múltipla e porque expõe a

diversidade; diversa porque está mudada; e ainda, diversa porque é discordante.

A “invisibilidade” da presença de africanos e descendentes na memória histórica não

é prerrogativa de Santa Catarina; ocorre nos outros estados da região Sul e em vários países

das Américas que receberam contingente significativo de africanos, mas que construíram

memórias e identidades nacionais associadas a indígenas e europeus, ou nelas enfatizaram a

mestiçagem. A Argentina é um exemplo. Apagou-se da memória a forte presença de

africanos em Buenos Aires, e em algumas províncias, até o início do século XIX, não

havendo lugar para seus descendentes na identidade nacional hoje.


Apontar a presença de africanos e seus descendentes – fossem escravos, libertos ou

livres – cumpre o papel de devolver visibilidade a esses grupos no passado e, evidentemente,

no presente. Mas essa coletânea resulta de uma preocupação em ir além da denúncia da

invisibilidade e da demonstração da presença de africanos e afrodescendentes no passado.

Ancorados na História Social e baseados na pesquisa em documentos de arquivo muitas

vezes inéditos, os capítulos aqui reunidos inserem Santa Catarina na história do Atlântico

Negro, uma história partilhada por habitantes da Europa, das Américas e da África, que

enfatiza o protagonismo dos africanos e seus descendentes na formação do Novo Mundo.

Nessa história, o comércio transatlântico de escravos é não apenas o mecanismo de

fornecimento de mão de obra para as unidades produtivas nas Américas, mas também a

migração forçada, que deslocou populações no interior do continente africano, dispersou

aproximadamente doze milhões de pessoas através do Atlântico e alimentou a escravidão,

deixando um legado de discriminação racial. A história compartilhada do Atlântico negro

aborda as transformações culturais, resistências e lutas das populações de origem africana

contra a escravização, a exploração, o racismo e outras formas de opressão. Nessa história, os

territórios da diáspora africana estão conectados.

Como se dava o tráfico de escravos para Santa Catarina? De onde vieram os africanos

que aqui viveram como escravos e libertos? Em quais atividades econômicas foram

empregados? Como era o cotidiano de trabalho nessa região de propriedades pequenas?

Como se dava a relação com os senhores, e quais as formas de resistência adotadas pelos

escravos? Que espaços os africanos e seus descendentes criaram para suas manifestações

culturais? Quais as chances de alforria e oportunidades de trabalho na liberdade? Como era a

vida das pessoas “livres de cor”, e como se manifestava a discriminação, antes e depois da

abolição? Essas são algumas perguntas respondidas ao longo do livro.


Não se trata, como se vê, de acrescentar “contribuição” de um “grupo étnico” à

cultura florianopolitana ou catarinense, como se houvesse uma cultura essencialmente

afrocatarinense, homogênea e atemporal. Ou como se algumas identidades étnicas forjadas no

século XX dessem conta da pluralidade de práticas culturais dos habitantes do território que

veio a constituir Santa Catarina. Ninguém pode abrir mão de pensar historicamente, de se

preocupar com os processos, embates cotidianos e jogos de poder que envolveram sujeitos de

diversas origens e culturas e resultaram na sociedade e no espaço que conhecemos. Trata-se,

portanto, de reconhecer que a história da experiência africana deve ser integrada à história de

Florianópolis e de Santa Catarina, não um simples capítulo dela.

Trata-se, ainda e acima de tudo, de situar Santa Catarina no Atlântico negro e permitir

enxergar “a flor na senzala”. Essa expressão, consagrada por Robert Slenes, remete à

interpretação de símbolos e significados desconhecidos ou opacos para aqueles que

partilhavam a visão de mundo dos senhores de escravos e caracteriza uma releitura das ações

de africanos e seus descendentes sob a escravidão, além do reconhecimento de que tinham

tanto esperanças quanto recordações.4

Os membros da comissão, indicada pela Câmara, que visitaram as celas da cadeia

pública de Desterro e reclamaram das paredes enegrecidas pela fumaça ignoravam (ou não

procuravam saber) o significado que os presos atribuíam ao fogo, que mantinham sempre

aceso. Enxergar “a flor na senzala”, ou nesse caso, nas enxovias da cadeia pública, implica se

perguntar sobre as trajetórias que trouxeram Manoel Guimarães e Joaquim Corrêa à Ilha de

Santa Catarina, suas experiências entre a escravidão e a liberdade e considerar que,

provavelmente reproduziam e ressignificavam, do lado de cá do Atlântico, tradições

ancestrais de muitos povos africanos, notadamente da África Centro-Ocidental, que

consideravam o fogo um elemento sagrado, a proteger os integrantes da família e seus

ancestrais contra todos os males. Mesmo sem termos certeza de que Manoel Guimarães e
Joaquim Corrêa provinham de região ou de grupos de tradição ovimbundu ou bakongo, é

plausível supor que aqui no Brasil tivessem se familiarizado com suas práticas. Além de

aquecer, secar o ambiente úmido e afastar insetos, os dois africanos provavelmente investiam

significado sagrado àquele fogo aceso na cela, pois os ajudava a enfrentar as adversidades .

Talvez os unisse naquele momento de polarização entre brasileiros e portugueses; talvez

suscitasse a solidariedade de outros africanos residentes na cidade. São hipóteses para as

quais ainda não temos provas, mas é importante levantá-las. Só assim, personagens como

Manoel Guimarães e Joaquim Corrêa deixam de ser figuras pitorescas, ilustrações de como o

passado era “exótico”. Também dessa forma superam a condição de vítimas à qual costumam

ser relegadas figuras como eles nos discursos de denúncia da invisibilidade. Nessa coletânea,

africanos e seus descendentes, fossem escravos, libertos ou livres, são tratados como

protagonistas da história, pessoas que sobreviveram aos horrores da travessia atlântica e da

escravidão e enfrentaram a opressão como melhor puderam, fizeram escolhas diferentes e,

mesmo sem formar um grupo coeso, deixaram marcas na constituição da sociedade em que

viveram.

Convidamos você, leitor, seja catarinense nato ou adotado, visitante ou amante da Ilha

de Santa Catarina, a percorrer os capítulos desse livro. Venha com os olhos abertos para

revisitar velhos episódios e encontrar novos sujeitos; com os ouvidos prontos para ouvir

velhos sons, mas experimentar novas sensações; e com disposição para conhecer e

reconhecer a participação dos africanos e seus descendentes na construção de Santa Catarina,

sujeitos até então invisíveis na história que é de todos nós.

Referências bibliográficas

CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Nossa Senhora do Desterro: Memória. V. 1 e 2.


Florianópolis: Ed. do Autor, 1972.
———. Nossa Senhora do Desterro: Notícia. v. 1 e 2. Florianópolis: Ed. do Autor, 1972.

CARDOSO, Fernando Henrique; IANNI, Octávio. Cor e mobilidade social em Florianópolis.


São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960.

CARDOSO, Paulino J. F.; MORTARI, Cláudia. Territórios negros em Florianópolis. In:


BRANCHER, Ana (Org.). História de Santa Catarina - Estudos Contemporâneos.
Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1999.

CORRÊA, Carlos Humberto P. História de Florianópolis – Ilustrada. 3. ed. Florianópolis:


Insular, 2005.

GILROY, Paul. O Atlântico Negro — Modernidade e Dupla Consciência. Rio de Janeiro:


Editora 34/UCAM — Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2002.

LEITE, Ilka Boaventura (Org.). Negros no sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade.


Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996. Formatado: Inglês (Estados Unidos)

MAMIGONIAN, Beatriz G.; RACINE, Karen. People in the Making of the Black Atlantic.
In: The Human Tradition in the Black Atlantic; 1500-2000. Lanham, MD: Rowman and
Littlefield, 2010, 1-8.

PEDRO, Joana Maria et al. Negro em terra de branco: escravidão e preconceito em Santa
Catarina no século XIX. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

PIAZZA, Walter F. A escravidão negra numa província periférica. Florianópolis:


Garapuvu/Unisul, 1999.

SLENES, Robert W. Na Senzala, uma Flor: Esperanças e Recordações na Formação da


Família Escrava; Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

VEIGA, Eliane Veras da. Florianópolis: Memória Urbana. Florianópolis: Editora da


UFSC/Fundação Franklin Cascaes, 1993.

1
Arquivo Histórico Municipal de Florianópolis (doravante AHMF). Registro Geral da Câmara Municipal de Formatado: Português (Brasil)
Desterro (1830-1831). Relatório da Comissão para visita das prisões civis, militares e eclesiásticas e de todos
os estabelecimentos públicos de caridade. Fls 79v. a 82.
2
AHMF. Registro Geral da Câmara Municipal de Desterro (1830-1831), fls. 73-73v. As manifestações da
Câmara em torno da abdicação estão entre as folhas 70 e 74v.
3
Ver carta de João Moreira da Silva para José Gonçalves dos Santos Silva, de 20 de julho de 1867, sobre os
eventos do 22 de abril de 1831 em Desterro. O documento está publicado em “A Abrilada em Santa Catarina:
um documento”. Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Ver também:
CABRAL, Oswaldo Rodrigues. Nossa Senhora do Desterro: Memória. v. 1. Florianópolis: Ed. do Autor, 1972,
p. 11-13.
4
SLENES, Robert W. Na Senzala, uma Flor: Esperanças e Recordações na Formação da Família Escrava;
Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

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