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DESENHO URBANO

CONTEMPORÂNEO NO BRASIL
VICENTE DEL RIO
· WILLIAM SIEMBIEDA
organizadores

/
Capítulo 3 IA Paisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo no Desenho Urbano Contemporâneo 73

ruas sombreadas e minguadas áreas particulares de ventilação, insolação e recreação. O bairro de


Copacabana é um dos melhores exemplos da consolidaçllo da figura quadra-bloco no país, em que
é reduzido o número de espaços livres privados frontais e a orla da praia é tratada como o grande
espaço livre público.

O caso de Copacabana é emblemático como modelo, mas ao mesmo tempo uma exceção, na medida
em que, por lei gerada na primeira década de século XX, foram criados generosos recuos de fundo.
possibilitando a existência de quintais e pátios de iluminação generosos. bem diferentes daqueles encon-
trados nas demais quadras-blocos existentes no Brasil.

A partir dos anos 1960 e 1970, com o aumento do controle do Estado sobre a cidade, são adotadas
medidas de controle estrito de gabarito. como em Florianópolis. Santa Catarina. onde a altura foi limitada
a 12 andares no centro e a quatro andares nos subúrbios; na cidade de Salvador (Bahia). em cuja orla foi
adotado um gabarito escalonado. baixo, junto
ao mar e ascendente para o interior. A legisla-
ção urbanística de 1971 de São Paulo restringiu o
coeficiente de aproveitamento na área central de
16 para quatro, igualando-o ao padrão adotado
para o resto da cidade. Na Avenida Paulista, sua
principal artéria de negócios, uma rigorosa legis-
laçllo limitou o gabarito a 24 andares e impôs
índices muito restritivos - como coeficiente de
aproveitamento e taxa de ocupação -. gerando
uma paisagem urbana de gabaritos modestos,
bem diferente do que aconteceu na Michigan
Avenue (conhecida como Magnificent Mile) em
Chicago ou na Fifth Avenue em Nova York, vias
que abrigam funções e simbolismo similares
(Figura 3.2).

Essa legislação urbanística permitiu no longo


prazo, entre as décadas de 1960 e 1990, a defi-
nição de um padrão nacional de verticalização
que limitou, de fato, a altura da torre na cidade
brasileira. Dificilmente encontram-se condições
legais e econômicas para a construção de edifí-
cios de mais de 30 ou 40 andares ou de prédios
altos geminados, como foi comum nas cidades
do Rio de Janeiro e São Paulo na primeira metade
do século XX. Essa limitação é decorrente do
alto custo do solo urbano das áreas potencial-
mente verticalizáveis, já que o mercado imobiliá-
rio tende a desenvolver tal processo em áreas já
consolidadas e dotadas de infraestrutura urb_?na,
substituindo o antig.~· casario por novas cons-
truções, fato totalmente associado a legislações
restritivas com coeficiéntes de
aproveitamento·.
de não mais de quatro, sendo raras as exceções . Figura 3.2 A Avenida Paulista, a via comercial mais
importante de São Paulo. na qual as edificações são
que chegam a seis e taxa-s de ocupação qüe não relativamente baixas em função das restrições de uso
ultrapassam 50%. do solo. (Foto do autor; Projeto Quapá.)
Desenho 74 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
discute o
do paradi
política, d
urbanism
e cidades
de vida p; Apesar de ter sua implementação regulada pelo Estado, o processo de verticalização no país é controlado
pela ação de agentes privados, na figura das companhias incorporadoras. Eventualmente, esse processo
Após si é gerado por ações do Estado por intermédio de organizações públicas e empresas de habitação popular,
social e p
contempc que, por sua vez, se apoiam nos serviços de companhias empreiteiras particulares para seus empreendi-
estudos e mentos. O processo nacional de verticalização das cidades está condicionado, em seu desenvolvimento
pesquisa• e localização, ao jogo dos agentes do mercado imobiliário em função das contingências do desempenho
experiênc
da área e de um bom retorno do investimento. Obviamente, preocupações urbanísticas não são sua prio-
agrupada
princi pa i~ ridade. Esses agentes são diretamente apoiados pela ação do Estado, que, ao selecionar áreas e setores
Revitaliza urbanos para a execução de melhorias de infraestrutura, favorece diretamente o mercado imobiliário pri-
vado, como é o caso da implantação das linhas de metrõ de São Paulo, que geraram extensos corredores
As expE
demonstr verticalizados ao longo de seus percursos. 1
ainda cor No Rio de Janeiro, o Plano Diretor concebido por Lucio Costa para a urbanização do bairro litorâneo da
nossas ci
na maiori Barra da Tijuca é outro exemplo da influência das ações do mercado imobiliário com controle bastante
jamais se estrito por parte do Estado. Nesse caso, como suporte ao capital privado, a prefeitura construiu toda uma
base de melhorias urbanas, tais como vias de acesso ao resto da cidade, avenidas internas, calçadões de
Osegu1
praia etc., que fez com que a Barra hoje (20 13) se constitua a área de maior expansão urbanístico-imo-
coincide<
do país e biliária e de verticalização da capital carioca. Esse é também o caso dos grandes investimentos públicos
econômic para facilitar o turismo às praias urbanizadas do norte de Florianópolis, ou dos novos empreendimentos
possíveis ao longo da BR que corta a parte continental da metrópole catarinense.
patrimõni
Portanto, são as variações sazonais desse mercado que realmente dirigem esse processo, dependentes
No terc
exclusivamente do movimento socioeconómico do pais e da cidade. Épocas de crise levam à redução
processo
desenho de investimentos e a sua concentração em faixas de mercado mais estáveis - a produção de edifícios
lógicas te para camadas de renda mais alta -, enquanto investimentos em habitação para as camadas mais
pública d; pobres são restritos e muitas vezes limitados a empresas e órgãos estatais - no caso os tradicionais
brinda co
as lições conjuntos habitacionais.
futuro oti1 O poder aquisitivo do público consumidor - variável no tempo - , conjuntamente com a ação do
Estado, por meio de suas legislações, controles e ação direta (no caso a oferta de habitações às cama-
das de menor poder aquisitivo), e a ação dos incorporadores imobiliários definem genericamente a
localização e a distribuição do processo de verticalização urbana. Desde os anos 1970 aos 1980, nas
áreas centrais e suas periferias imediatas dotadas de uma grande infraestrutura urbana - os bairros já
consolidados de classes média e alta - . constroem-se as torres isoladas e pequenos e grandes conjun-
tos/condomínios de altos prédios destinados a moradia dessas faixas da população. Enquanto isso, nos
subúrbios distantes e em grandes glebas, edificam-se os grandes conjuntos de prédios de apartamen-
tos populares pequenos e de pouca altura, abrindo, por vezes, novas frentes de urbanização em áreas
carentes de infraestrutura mínima.

Ao final da primeira década do século XXI, com os pesados investimentos federais em programas de
moradia como o "Minha Casa Minha Vida", a melhoria de avenidas e estradas, o aumento da mobili-
dade urbana e o aumento de renda de parte da população urbana, surgem condições para novas formas
de verticalização. Elas se espraiam por subúrbios e bairros distantes, possibi.litando a criação de um sem-
número de novas áreas propícias à verticalização.
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' Em 2004, o sistema metroviário, de 'São Paulo tinha três linhas em operaç~o ao longo de mais de 57 quilômetros,
com 52 estações, muitas das quaís multimodais - integradas com 'estações de trem e rodoviárias intermunicipais (veja a
página do governo estadual de São Paulo em www.metro.sp.gov.br). Em 2013, as linhas são cinco, sendo que as duas
mais novas ainda se encontravam parcialmente prontai e o sistema metroviário ainda não está conectado totalmente
com a rede ferroviária urbana, que possui um serviço inferior ao da Companhia do Metropolitano de São Paulo.

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Capítulo 3 IA Paisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo no Desenho Urbano Contemporâneo 75

Esse é um processo em contínua evolução que altera radicalmente a configuração dos espaços e da
paisagem urbana. Não é homogêneo no seu desempenho no espaço/tempo, pois está vinculado a varia-
ções do mercado, que ora se mostra em retração ou em expansão. O próprio mercado imobiliário,
quando da escassez das possibilidades de exploração de antigas frentes de produção, cria padrões atra-
vés da mídia vendendo entornos e ambientes imaginários, status e maravilhosos sltios urbanos (inexisten-
tes), buscando criar novas frentes para a produção e o consumo dos seus produtos, que podem ser áreas
industriais decadentes. bairros tradicionais de classe média ou ainda em glebas vazias dentro ou fora da
mancha urbana. Cria-se assim, artificialmente, uma valorização de áreas que se encontravam ainda à
margem do processo de valorização/verticalização urbana.

Esses novos valores, criados independentemente da qualidade ambiental, urbanística e paisagística do


lugar em si, podem ser atribuidos tanto a um bairro como a uma rua ou vizinhança. A partir desses
núcleos, o processo de verticalização ganha um novo foco de expansão, que pode, ou não, se consolidar.
Observam-se ações extremas para valorizar esses produtos. como o caso de um empreendedor imobi-
liário que patrocinou o calçamento e a arborização das vias e a pintura de muros e casario do entorno
imediato do empreendimento.

Essas são as principais frentes de expansão do processo de verticalização, mas não são estáveis, nem
únicas, pois ele na realidade tende a se espalhar cada vez mais por todos os pontos das cidades. Em um
determinado instante da evolução de um aglomerado urbano, pode estar concentrado em um ou dois
locais para, logo depois, distribuir-se por novas frentes e, mais adiante, retomar a alguns dos pontos
iniciais. Essa instabilidade e maleabilidade do processo no tempo trazem como característica uma certa
independência em relação aos procedimentos normativos e de controle da produção do espaço e da
paisagem urbana.

Poucos são os casos no Brasil, como Brasília e a Barra da Tijuca. no Rio de Janeiro, em que o inves-
timento empresarial segue diretrizes de verticalização radicalmente predeterminadas por um planeja-
mento urbano. O Plano de Lucio Costa para a Barra, por exemplo, resultou em uma legislação rigorosa
que gerou espaços nos quais qualquer um pode perceber claramente os limites das áreas verticalizadas,
as diferenças das alturas máximas permitidas e os grupos de arranha-céus que configuram a paisagem
(ver Figura 1.11 na Introdução).

Normalmente, os mecanismos de controle existentes apenas estabelecem normas genéricas que tra-
tam de um espaço informe e determinam um controle normat ivo restrito ao lote e ao edifício ou se
atêm à ocupação fu ncional do espaço. Esse é o caso da maioria dos códigos de obra e normas de
zoneamento estabelecidos. Os primeiros elaborando fundamenta lmente sobre as construções, seu
dimensionamento e habitabilidade, enquanto as legislações de zoneament o versam muito pouco
sobre qualidade de habitabilidade e configuração do espaço urbano. Ambos desprezam as estruturas
consolidadas culturalmente pela comunidade como a característica morfológica de velhos bairros e
suporte físico.

O processo de verticalização brasileiro está diretamente conectado à requalificação e transformação de


segmentos urbanos existentes, estejam eles situados em áreas centrais ou turísticas. Nessas últimas, o
edificio de apartamentos tem sido uma opção de hospedagem dos veranistas. ao mesmo tempo em
que se constitui em um investimento seguro para as classes média e aita. O mercado imobiliário, nos
anos 1960 a 1990, im!estiu pesa~amente em' torres d~ apartamentos nas cidades ao longo de toda a -
orla brasileira, e o padrâo quadra-bloco cariocaJoi abandonad?· difundindo-se o pádr~o modernista do
"prédio isolado no lote".(Figúra 3.3). ,., :
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Figura 3.3 Verticalização e torres residenciais em Bertioga. balneário costeiro no estado de São Paulo. (Foto do
autor, Pro1eto Quapá.)

Novas Tipologias e o Mercado


Nas grandes metrópoles brasileiras o processo é mais intenso. e é nesses mercados que são criadas e
testadas novas tipologias espaciais, que pouco a pouco, quando aprovadas pelo público consumidor
local. são extrapoladas para as mais diversas situações urbanas. As camadas de mais alto poder aquisitivo
adquirem. então, edifícios personalizados, torres de alto luxo em condomínios verdejantes ou localizadas
em lugares considerados nobres, alguns deles tornando-se verdadeiros marcos urbanos. As camadas de
classe média se instalam em torres menos equipadas e com um maior número de unidades de habitação,
se possivel próximo às camadas mais ricas. Na realidade, suas habitações se espalham por toda a cidade,
ocupando desde os pequenos condomínios da periferia até altas torres junto áõ centro, procurando de
certa forma adotar, ainda que cre .
. um. modo simplificado, os padrões de habitação das-elites. O restante
da população urbana e as camadas d~ menor renda ocupam pr~d i os ?e apartamentos maís rnodest0s,
de construção simples e geralmente ·de pouca altura. situ_êdós em'' bairros distantes ou em áreas mais
antigas. Os esquemas da Figura 3:4 representam esses tipos de edifícios de apartamentos comumente
encontrados na cidade brasileira.

e__)
I
Capítulo 3I APaisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo no Desenho Urbano Contemporâneo 77

Figura 3.4 Os tipos mais comuns de edifícios de apartamentos no Brasil: (A) pequenos apartamentos sobre pilotis;
(B) edifícios com pouco afastamento; (C) edifícios de quatro pavimentos com varandas; e (D) pequenos edifícios
para as classes trabalhadoras comuns. (Desenho do autor.)

As exigências e as necessidades do consumidor evoluem à medida que novos produtos surgem no


mercado, fazendo com que soluções aceitáveis dez anos atrás ou menos sejam inaceitáveis ou pouco
vendáveis em um momento mais recente. Isso se pode constatar, por exemplo, nos novos lançamentos
de prédios de apartamentos em São Paulo, que apresentam condição não exigidas há alguns anos: quase
todos eles contendo, pelo menos, playground, quadra esportiva, piscina e grandes áreas de lazer. Todos,
sem exceção, cercados e protegidos por muros e guaritas.

Durante a década de 2000, a quadra condomínio vertical se consolida como um dos produtos mais
populares do mercado, sendo centenas espalhadas por todas as partes da cidade, de bairros populares
aos de maior poder aquisitivo. Suas dimensões variam de 3.000 mz a mais de 70.000 m2, ocupando
extensas áreas e sua figura se tornando comum por várias cidades do país.

O processo é flexível e se adapta às necessidades do momento, à disponibilidade de tecnologias e capital


e, pouco a pouco, altera a configuração final dos produtos oferecidos. Na medida em que novas técnicas
construtivas sao introduzidas, os edifícios sobem em altura e criam-se pressões para o aumento de índi-
ces de aproveitamento do solo urbano. Diferentemente dos primeiros arranha-céus construídos em São
Paulo nos anos 1920, hoje os edifícios de 20, 30 ou até mesmo 40 pavimentos sao comuns e plenamente
aceitos pelos seus moradores. Em São Paulo, o processo se caracteriza pela diversidade em altura das
novas torres de habitação, e a verticalização atualmente é configurada pelas alturas das novas torres de
apartamentos (Figura 3.5).

Esse processo de transformação urbana resulta em novas paisagens e novas formas de configuração e
uso dos espaços urbanos. Em seus mecanismos específicos de assentamento e espacialização, produz
um modo novo, pelo menos para a maioria da população, de encarar a habitação. Induz a formas de
morar distintas, a maneiras diferenciadas e específicas no uso dos espaços livres urbanos, além de criar
novos perfis da paisagem que substituem formas tradicionais de vida,-hábitos, vizinhanças, hierarquias
espaciais e funcionais ~i.ilturalrnente arraigadas.

Dentro do lote, essas ri.ovas tipologias estabelecem novas relaçf2_es com~ r'ua. O acesso.à habitaçà,2 é pri-
vatizado e altamente vigtadó, apoiado no uso do elevador, 'E!' socializam-se além desse os estacionamen-
tos, jardins e eventuais equipamentos de lazer, que se tornam prbpriedade de um conjunto de famílias
- o condomínio. Modifícam-se relações de vizinhança - como a antiga conversa no muro e na calçada,

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Figura 3.5 O modelo modernista de torres residenciais que resulta da legislação edilícia urbana e das pressões do
mercado imobiliário e característico de todas as cidades brasileiras. como evidencia este bairro de periferia de São
Paulo. (Foto do autor, Projeto Quapá.)

que é eliminada -, e a possibilidade de intervenção direta do indivíduo no espaço livre junto à habitação
é drasticamente diminuída, já que ele é propriedade coletiva do condomínio. Em todos esses novos espa-
ços urbanos, a forma construída resultante segue padrões rígidos, cada lote fechado em si e subdividido
em áreas funcionalmente adequadas, segundo um arranjo preestabelecido. Esse arranjo se difunde de
modo mais ou menos similar por todas as partes da cidade, as diferenças sempre sendo determinadas
pelas possibilidades financeiras dos consumidores (moradores), produtores (incorporadoras, empreiteiras
etc.) e proprietários do solo urbano.

Cada cidade possui padrões próprios para o arranjo do lote verticalizado, que varia em função da maior
ou menor liberalidade das posturas municipais de controle, sempre vinculadas a. l!ma intenção de qua-
lidade de habitabilidade do edifício e das variações do 0ercado imobiliário local. O que se observa, na
maioria das situações, é uma e)lfrapola~ão dos padrões urbanísticos das gran~es .ddades -- principal-
mente São Paulo e Rio de Janeiro - e suei adoção por todo o país, óra de forma combinada ora não, em
geral de um modo simplificado e pouéas vezes adaptados à,s· realidádes· locais. São comuns empreen-
dimentos imobiliários cujos projetos: tanto arquitetô~icos como paisagísticos. são gerados em grandes
centros como Sao Paulo e Rio de Janeiro e construídos em cidades distantes.

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Capítulo 3 IA Paisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo no Desenho Urbano Contemporâneo 79

SãoPaulo - OReferencial de Verticalização


Ao contrário do Rio de Janeiro, cujo processo de verticalização nos anos 1920 sai do centro da cidade
e se espalha pelos bairros ao longo da linha costeira ao sul, em São Paulo, como na maioria das gran-
des cidades brasileiras, esse processo ficou restrito às áreas centrais até a década de 1940. A partir
de então, surgem alguns pontos de verticalização em bairros periféricos a essa área, em segmentos
habitados tradicionalmente pela elite, como na Avenida São Luis e no bairro de Higienópolis.2 Os seus
padrões de assentamento do edifício residencial no lote, da criaçélO dos espaços livres junto à habitação,
não eram iguais aos modelos adotados na antiga capital da nação, impregnados de padrões europeus.
Diferentemente do Rio de Janeiro, em que a forma de implantação e suas volumetrias inspiravam-se na
arquitetura urbana tradicional europeia, em São Paulo o arranjo espacial do lote era a torre de aparta-
mentos em centro de terreno, sobre pilotis e rodeada por belos jardins tratados paisagísticamente.

O novo padrão se estabelece e se expande primeiro em Higienópolis e seus arredores, nos "bairros-jardim",
e nas áreas residenciais de alta renda. Depois, espalha-se para os bairros que se verticalizam principalmente
em direção ao sudoeste da cidade. O processo de verticalização é inicialmente permitido em áreas restritas
e ao longo das vias arteriais até que a abertura de novas frentes de ação do mercado gera a sua expansão
por toda a cidade. Na medida em que amplos segmentos urbanos iam sendo renovados, antigas estru-
turas e espaços edificados iam sendo substituidos, configurando novas paisagens, e caracterizavam-se e
difundiam-se novos padrões e novos perfis urbanos. O resultado final é uma paisagem homogênea no seu
conjunto, ainda que heterogênea na configuração particular de seus elementos (derivada de nuances de
implantação, formas, volume e alturas das torres etc.). Seus espaços livres de edificação são padronizados
funcional e formalmente, mas são por onde, na realidade, flui grande parte da vida urbana.

São Paulo em 2012 é uma cidade de configuração morfológica até certo ponto previsível, mas que tem
focos de renovação e mutação surgindo de um modo relativamente imprevisível em relação às normas e
códigos, que se limitam praticamente a legislar sobre a unidade lote. Os princípios de assentamento dos
volumes edificados, especialmente os prédios de apartamentos (designados como torres), são determi-
nadas pelo terreno plano idealizado e seguem, não surpreendentemente, a abordagem do urbanismo
modernista que responde bem às demandas do mercado.

O suporte físico como estrutura base é tratado preponderantemente através das formas de parcela-
mento do solo, em quadras subdivididas em lotes diversos a quadras condomínio vertical, enquanto a
sua configuração morfológica - tais como rampas, aclives, planos horizontais e verticais - é considerada
apenas um objeto a ser processado de modo a acomodar torres isoladas e grandes blocos de garagens
subterrâneas. Como o terreno ideal adotado como padrão para a edificação vertical é sempre aquele
perfeitamente plano, esse padrão é reproduzido por imposição do mercado e pelo código urbanístico
por toda a cidade.

No caso do lote urbano verticalizado, os espaços livres tendem a uma fragmentação física e a uma espe-
cialização de uso mais ou menos sofisticada, de acordo com as disponibilidades financeiras dos usuários.
Uma parcela cada vez maior da população protege-se contra a cidade, atrás de muros e dentro de con-
domínios fechados, um fenômeno favorecido pelo processo de vi9~ência urbana que marca a cidade a
partir da década.de 1980.3

Paralelamente, imp~lsion?dos
pelo mercado -imobilí~rio ~avorecid9.s
e 'Qell legislação urb~ística, surg~em
os grandes condoml,fliOS,Jechados por toáa a cidade.•~parecendo sob o jargão~ae "conjunto residen-
cial", possibilita.m o ·esvaziamento funcional é''á especiali,zaç~o do espaço público: a rua transforma-se

2 Ver o texto de Bruna e Vargas (Capítulo 4) neste livro. que, em parte, aborda o bairro de Higienópolis.
3 Sobre violência e segregação espacial em São Paulo, ver Caldeira (2000).
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la em espaço exclusivo para circulação. A essa internalização e fechamento dos espaços livres destinados
ao lazer dos moradores de condomínios corresponde a criação da figura do "miniclube" privado. Os
is condomínios fechados respondem à demanda de espaços livres públicos para lazer - como as praças
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tradicionais ou parques - proporcionando-os no âmbito privado e sendo estes de propriedade e controle
os do condomínio. O novo modelo residencial recria os espaços de socialização e recreação intramuros res-
JÍS tritos. Isso leva à diminuição efetiva de demanda por espaços para lazer públicos para um segmento cada
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vez maior da população, espaços esses que tendem a um desenho disperso, fragmentado, especializado
'ª(
pa e privatizado, já que as normalizações são genéricas e funcionais. O mercado imobiliário acaba criando,
llii ele mesmo, os novos padrões para o desenho da paisagem urbana (Figura 3.6).

~XI O processo de verticalização do modo como está sendo dirigido em São Paulo, assim como em outras
ns cidades, colabora e muito com a destruição do suporte físico preexistente e com a eliminação de áreas
cc ainda cobertas por algum tipo de vegetação. A mancha de verticalização se espalha pelos mais diversos
1S 1
li O pontos, construindo-se edifícios de altura e porte similares por todos os lados: nas várzeas dos rios, nos
ss espigões e nas meias encostas. Desde os contrafortes da Serra da Cantareira ao norte e as margens das
represas ao sul, cada torre apresenta os mesmos preceitos de assentamento, quer estejam situadas em
:g terrenos de maior ou menor declive, quer estejam em baixios.
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Figura 3.6 Em São Paulo, assim como na maioria das cidades brasileiras, amplos condomínios
fechados verticais são uma opção residencial popular que fornecem muitas instalações dentro dos
limites de seus muros. (Foto do au tor, Projeto Quapá.)

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Capítulo 3 IA Paisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo no Desenho Urbano Contemporâneo 81

Articulações entre Edifícios eEspaçosLivres


A oposição entre os espaços livres de edificação públicos e privados (aqueles contidos dentro do lote)
surgiu com a construção dos primeiros edifícios residenciais e com os primeiros arranha-céus em nossas
cidades. Em uma primeira fase do processo de verticalização, nos anos de 1920 a 1950, aos espaços
livres privados era dado o caráter de poço ou pátio de iluminação, para onde convergiam janelas e terra-
ços. Nos edifícios mais luxuosos encontravam-se garagens cobertas, dispostas ao fundo do lote em um
pátio ou quintal. O edifício ocupava todo o espaço possível, suas paredes se encontrando com as divisas
do lote, formando fronteiras com os vizinhos.

Cada rua ocupada por edifícios apresentava planos verticais contínuos, compostos de fachadas gemina-
das sucedendo-se uma ao lado da outra por muitos quarteirões. Esse foi o padrão adotado oficialmente.
favorecido pelas primeiras legislações. que configurou e direcionou os primeiros setores urbanos ocupa-
dos por um processo de verticalização mais intenso. Alguns bons exemplos podem ser observados no Rio
de Janeiro, em São Paulo e na maioria das cidades brasileiras, onde a verticalização ocorreu através da
renovação e do adensamento de bairros residenciais da elite e das áreas centrais.

No Rio de Janeiro, o processo de verticalização se expande mais cedo que nas demais cidades. iniciando-
se pelo centro da cidade para. posteriormente, seguir a orl a marítima e consolidar a paisagem urbana
vertical. Copacabana, bairro celebrado nas décadas de 1920 a 1940, é um resultado prototípico desse
processo, com suas fileiras de edifícios lado a lado que fazem as ruas parecerem cânions.

Nesse caso. as desvantagens desse tipo de organização espacial são compensadas pela extensa faixa
de praias próxima às habitações - um verdadeiro parque linear de areia e água - ao longo da qual flui
a vida urbana e pelas extensas áreas livres intraquadras existentes em quase todo o bairro e prescritas
por legislação.

Em São Paulo esse processo é mais lento, e. quando se expande para os bairros periféricos à área central
nas décadas de 1950 e 1960, já tem embutida uma forma alternativa de desenho para os espaços inter-
nos ao lote nas novas soluções de ocupação do solo. Paulatinamente, a ideia do edifício como uma torre
solitária dentro do lo te, recuada das ruas e das divisas do lote - em contraponto aos antigos padrões-.
se torna a regra. Esse não é um fato isolado, pois se consolidava no país o movimento moderno na
arquitetura e no urbanismo, que viria a ter, como síntese forma l e ponto alto, a construção de Brasília.

O ajardinamento frontal dos edifícios é um modo de tratamento do espaço livre que se origina e se con-
solida nos bairros de classes alta e média-alta paulistanos a partir dos anos 1950 e 1960, espalhando-se
por toda a cidade. No início do século XXI, dificilmente se encontra um edifício de apartamentos. por
mais distante que esteja situado, que não apresente em sua parte frontal ao menos um modesto jardim .
A consolidação desse processo é extremamente favorecida pela obrigatoriedade de recuos frontais às
edificações estabelecidas pelo código de zoneamento vigente. que são prescritos para quase todas as
áreas da cidade. Em conjunto com os recuos frontais também são prescritos recuos laterais e de fundo,
obrigatórios em diversas áreas, consolidando de vez o padrão do edifício isolado no lote.

O tamanho dos recuos da edificação e, portanto, das áreas livres varia de acordo com o lote, com a
região da cidade .e com os padrões do mercado imobiliário. Poucó· a pouco e a partir de um mínimo
estabelecido pela l~isl ~ção, :m torno dós ·anos 1~7.0, juntamente_.:=om 9s jardins, .i:_assa-se a instalar ·•
. uma série de equipamentos de lazer ao ar livre no espaço do lote)l')'icialm~nte a'parécem os brinquedos
infantis em .forma de plilyg(ounds, que se -popt.Jlari~am',rápidarne~te, seguidos p~las p; inas . equipa-
m~nto atualménte ~uáse que indispensável nqs empreehdimentos imobiliários. Segue-se uma plêiade
de ou.tros ·equipamentos. como quadras poliesportivas, de tênis, pistas·de corrida, quiosques, gazebos,
pérgulas, piscinas cobertas, fontes, entre outros (Figura 3.7). Cada novo item é primeiramente introdu-
zido nas áreas verticalizadas destinadas às camadas sociais de maior poder aquisitivo para. logo depois,
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Figura 3.7 Esquema de uma torre residencial típica no meio do lote em São Paulo, mostrando as instalações
desenhe
coletivas e espaços ajardinados. (Desenho do autor.)
lógicas t
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as lições
futu ro ot serem adotados nos novos lançamentos imobiliários em áreas com processo de verticalização que ainda
se encontram em expansão.

Em São Paulo. entre as décadas de 1970 e 1990, aparece e consolida-se uma nova figura urbana, o lote-
quadra: grande condomínio verticalizado que ocupa, senão um quarteirão completo, pelo menos uma
grande parte deste. Nele os prédios são dispostos mais livremente, sem obedecerem a padrões rígidos
de paralelismo em relação às divisas do lote. Nesses condomínios - verdadeiras "superquadras" ou "uni-
dades de vizinhança" no sentido modernista - existe, a priori. uma possibilidade maior de se equipar e
tratar os espaços livres, como de fato acontece na maioria dos casos. Esse modelo surge pontualmente.
em princípio de forma esparsa, porém atualmente espalha-se por todas as áreas de São Paulo.

Normas, Códigos e Espaços em São Paulo


A partir do pressuposto oficial contido na legislação de zoneamento implementada na década de 1970,
o lote é a unidade mínima _de parcelamento do solo urbano. Sobre ele i nci dé~diretamente uma grande ....
parte das disposições legais çle ordenação do solo, ê nele todps os cuidados são dedicados a garantir a
habitabilidade do edifício. CÔmo o espaÇo livre de edj_ficação t9mbém está contido ~o lotê, s~na natural
se as normas também garantisseÍTT sua habitabilidade.j á (lue ctmiplementam o espaço da moradia,
Entretanto, o que é garantido é á sua existência medida·ern taxas e índices de ocupação e recuos obriga-
tórios, o que na. realidade direciona formas mais 6u menos padronizadas de ocupação do espaço.

f
Capítulo 3 IA Paisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo noDesenho Urbano Contemporâneo 83

O código garante coeficientes mínimos de espaço não construído a cada lote - e o padrão médio é
uma taxa de ocupação de 50% da área do lote. Os empreendedores podem incrementar esse índice,
através de mecanismos que vinculam a taxa de ocupação menor ao aumento do coeficiente de apro-
veitamento, ou seja, edifícios mais altos possuem mais espaços livres, que são equipados com equi-
pamentos de lazer diversos. Sua qualidade para uso não encontra amparo na legislação. Tais códigos
de ocupação e uso do solo derivaram do modelo modernista e do projeto de Brasília, porém não são
nada além do que uma interpretação fragmentada dos edifícios da capital inseridos em superquadras
envolvidas por espaços ajardinados. As torres residenciais de São Paulo e da maioria das cidades
brasileiras representam uma redução desse modelo ideal adaptado ao mercado e à t rama urbana
tradicional. Em função da expansão do processo de verticalização nas cidades brasileiras após 1950,
é fáci l identificar uma influência direta do modelo espacial modernista e das soluções tipológicas de
Brasília em áreas vert icalizadas.

A construção de Brasília promoveu o edifício isolado no lote, já em voga na época de sua construção, como
um modelo ideal de desenvolvimento urbano, e influenciou todos os tipos edilícios - comerciais, industriais
e residenciais. Entretanto, embora tenha sido continuamente adaptado à cidade convencional, o modelo
original de BrasHia valoriza e seu projeto se coordena integralmente aos espaços que o circundam, assim
como agrega valor à qualidade final da paisagem urbana, ainda que negue a cidade tradicional.

O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Município de São Paulo - PDDI - , implementado a


partir de 1972, mostra claramente essa contradição em seu objetivo central: "criar e manter o ambiente
urbano favorável ao exercício, por toda a população, das funções urbanas de habitar, de circular, de
trabalhar e de cultuar o corpo e o espírito". Esse objetivo, como os que o seguem, contém colocações
gerais baseadas nos princípios clássicos do urbanismo moderno. E, embora coloquem a preseNação da
paisagem como um ponto deflagrador do processo, não se conceitua essa paisagem, que fica relegada
a um segundo plano. Em 2012, início do século XXI, 40 anos após a implementação do PDDI, pode-se
constatar o alto grau de transformação da paisagem da cidade e seu entorno e o pouco valor dado às
estruturas paisagísticas preexistentes.

O plano utilizava-se de dois instrumentos básicos para a sua implementação: o zoneamento de usos -
utilizado pela primeira vez na cidade - e alguns índices urbanísticos que incidem diretamente sobre o
lote. A ideia de espaços edificados também estava presente nessas novas normas. Em um artigo da lei
que estabelecia as diretrizes de uso de solo, surge preliminarmente uma colocação sobre os espaços
não edificados e como o novo zoneamento iria incidir sobre eles: "considera-se o zoneamento de uso o
processo de orientação e controle, da localização, dimensionamento, intensidade e tipo de uso dos lotes
e das edificações. bem como o controle das relações entre espaços edificados e não edificados" (grifo
nosso) (Lei nº 7.668/1971).

Esse controle de relações foi feito através de dois padrões principais de ocupação: o coeficiente de apro-
veitamento do lote e a taxa de ocupação do solo, que variam conforme a zona de uso em que se situam.
Esses dois índices estão atrelados à existência de uma série de recuos obrigatórios e fundamentam-se na
ideia de garantir formalmente dentro de cada lote a existência de espaços livres de edificação que variam
de 20% a 88% da área total do lote.

Os recuos orientam e diri gem a o rgani:ação espacial no interior dos lotes. Como os outros índices, n~ ..
t razem em si n~~huma· especi ficação qüé gara~t~ ao _esp~çõ _li~[':/Ji~do qu~lqu~~ qualidade de~habi-'· -.
tabilidade. A ·pàrtir cfe: umª análise da.definição:'formal dos OQjêtivos' dos re9:!ÔS ur..Q.anos, percebe-se
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claramer:ite a necessiáâde de uma caracter.izãçáo; Llrtia qualificação para os · espaços livres; i ndependente - ,
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, e, ~e possívél,,complementar a tais fndices: N.a legislaqáo, oiobjetivos dos recuos são "garantir condições
ad.équadas de aeração e iluminação'; evitar que as moradias sejam devassadas por outras, proporcionar
segurança às crianças em seu local de recreio, dar espaço para a distração de pessoas mais velhas, reduzir

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84 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
e•
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a riscos e incêndios. assegurar espaços para árvores, vegetação e jardins e propiciar um ambiente saudável
e seguro". Sobre esses princípios se assenta a delimitação espacial do lote.
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e A partir da promulgação da lei do zoneamento, a cidade de São Paulo foi dividida em zonas de uso -
TIJ em princípio oito, chegando após uma década a 18 zonas - cada uma com características próprias e
)$
is estabelecendo normas específicas para o tratamento dos lotes através dos recuos, taxas de ocupação e
êr índices de aproveitamento. A paisagem urbana divide-se assim em dois tipos de áreas - horizontalizadas
3d e potencialmente verticalizáveis.
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:x~ Áreas Horizontalizadas


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cc
s( Compreendendo quatro tipos de zonas de uso exclusivamente residencial de baixa densidade. em que
io não era permitida a construção de edifícios de apartamentos, incluíam os bairros-jardim construidos
;s no inicio do século XX, nos quais as casas são isoladas ou geminadas, os mananciais são protegidos,
os lotes são ajardinados e, em geral, as ruas são arborizadas e as calçadas largas e ajardinadas. Bairros
!gl
je desse tipo ocupam extensas porções do territó-
SI rio metropolitano, concentrando-se nas áreas
mi sul e oeste e na Serra da Cantareira, região de
ei!
montanhas ao norte. A Figura 3.8 apresenta um
1ôr
dos mais famosos e consolidados bairros residen-
ciais de alta renda, cercado de áreas totalmente
verticalizadas.
h
Nesse tipo também se inserem as áreas indus-
triais, que ocupam extensas áreas planas ao
longo dos dois principais vales e rios que estrutu-
ram a cidade: Tamanduateí, Tietê e Pinheiros, em
áreas cortadas por linhas férreas que conectam
a cidade ao litoral e o campo. Nas zonas indus-
triais, o uso residencial era praticamente inexis-
tente, e os edifícios altos eram exceções nos anos
1970 e 1980. No início do século XX, muitas des-
sas áreas estão em processo de esvaziamento, a
legislação que antes impedia o uso residencial
foi alterada e essas áreas, antes de uso exclusi-
vamente industrial, passam as ser de uso misto e
começam a se verticalizar.

Areas Potencialmente Verticalizáveis

Esse tipo correspondia ao restante do períme-


tro ·urbano, abrangendo a grande maioria das
zonas cujas · .características,..de usos do solo
variam desde aqµ,eles predominantemente r esi- Jr

denciais de baixa ,densidade demográfica até


Figura 3.8 Restrições de zoneamento preservam o aqueles predominantemente industriais, em
Jardim Europa, um dos bairros-1ardim de São Paulo,
do processo de verticalizaçao que ocorreu ao seu que o uso residencial só era permitido com con-
redor. (Foto do autor, Projeto Quapá.) trole municipal.

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Capítulo 3 IA Paisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo no Desenho Urbano Contemporâneo 85

Áreas sem Controle Direto do Gabarito das Edificações

Nessas zonas era permitida a construção de torres residenciais, cuja altura está sempre condicionada à
disponibilidade de terra e de mercado, e seu controle ocorre indiretamente através de taxas de ocupa-
ção e índices de aproveitamento. Os recuos são valori zados, e o mercado imobiliário os sobrevaloriza,
já que o modelo modernista é popular entre os consumidores. Por toda a cidade, a nova legislação de
zoneamento conduz à transformação de grandes porções do espaço urbano, que acabam sofrendo
renovação urbana e radicais transformações, inclusive em áreas cuja morfologia era claramente idêntica
à dos "bairros-jardim".

Zonas de Transição
Criadas pela legislação como delimitadores formais entre as zonas ocupadas por bairros horizontais e as
demais zonas, são as únicas em que, admitindo-se a verticalização, existe controle do gabari to das edifi-
cações, que não podem ultrapassar 25 metros de altura, ou seja, nove andares. Constituem-se de zonas
de caráter tipicamente residencial, mas admitem usos diversos como comércio, serviços e instituições.

Mesmo em áreas nas quais a altura máxima das edificações não se encontra definida de forma espe-
cífica, a regulamentação do processo de verticalização acontece através de um controle indireto - o
coeficiente máximo de aproveitamento (área de construção sobre área do terreno), que não podia
ultrapassar quatro. Consequentemente, em termos do mercado imobiliário, isso significa que, devido
aos custos do solo, da construção e à capacidade do mercado consumidor, dificilmente serão construí-
das torres acima de certa altura, a part ir da qual a superfície de solo necessária para edificar uma torre
muito alta torna proibitivo o custo do empreendimento. Assim, observa-se uma limitação natural do
gabarito dos prédios de apartamento e escritórios na cidade para cerca 30 andares, altura ultrapassada
somente em situações excepcionais.

Todos esses mecanismos e índices urbanos favorecem a institucionalização de um padrão edilício: a torre
recuada e afastada das divisas do lote, senão a partir do nível do chão, ao menos isolada a partir do
terceiro pavimento. Os prédios geminados praticamente não são mais construídos, e aqueles existentes
tornam-se testemunhas dos resultados de velhas prescrições e símbolos de um passado distante.

Os Cenários Criados
O modelo padrão se expressa através de uma torre ou um conjunto de prédios de apartamentos - com
dois, três ou mais volumes - imersos em jardins, equipados com quadras esportivas, piscinas e demais
equipamentos destinados ao lazer ao ar livre, cercados e guarnecidos por muros, gradis e guaritas.
Formalmente, algumas situações se destacam:

• A torre afastada dos limites do lote a partir do segundo andar do. eé:Jifício, sobre um nível térreo de
estacionamento qi:e cobre toda a superfície do lote; espaços livres de- lazer, serviços etc. podem estar
situados sobre essa platafor.ma ou no níve~·da rua.
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. :. ·. . . ~ .. ~ ~ . • -.7 . -,:- - _.....,
• · A torre isolada no lote, tqtàl~en te separada-da vizintiança p.or corre~o(es de açess_o, pátioS"e j_ardins;
todas as suas•faces são páralelas aos limites do lote. · .., :.
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• Aforre isoJada no terrero. cujas fachadas não estão necessariamente dispostas em paralelo com as
divisas· doJote; espaços livres e.as condições de iluminação variam conforme a situação.

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86 Desenho Urbano Contemporâneono Brasil
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ica,
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fad1
ida Existem inúmeras outras derivações dessas três situações básicas, mas o tratamento formal do espaço
residual do lote tende aos seguintes padrões:
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31 e • Distribuição do espaço em corredores, por vezes extensos e sombreados. de circulação, estar e servi-
em ços e pátios destinados a jogos, serviços etc.
dos
1uis • Setorização das áreas de estar e lazer. Um exemplo é o playground formalmente definido, separado
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do jardim frontal, da área de lazer, das quadras etc.
pac
:ips • Máxima ocupação possível do subsolo do lote por garagens subterrãneas, que normalmente ultra-
tali;
passam os limites da projeção do edifício, chegando aos seus limites laterais e posterior. As novas
ex1 prescrições urbanísticas determinadas na década de 2000 passam a exigir lote a lote verticalizado a
ons reserva de uma porcentagem de áreas permeáveis.
3 Cl
as O tratamento paisaglstico do lote verticalizado é uma regra, tanto na cidade de São Paulo como em
1aio todo o país. Como a arquitetura é, em geral, padronizada em termos de volumetria e divisões internas,
is!
o tratamento cenográfico das fachadas e paisagístico dos espaços livres torna-se um elemento de valo-
;eg rização do empreendimento imobiliário. Observa-se, então, um forte apelo ao cenário criado, sendo
:ide comuns os espaços tratados à maneira de velhos jardins neoclássicos europeus, que acompanham os
IÍS
estilos adotados para as fachadas, algo entre o neoclássico italiano e francês, que exerce forte apelo
ôm
ívei sobre o consumidor. Neles, pérgulas, fontes, gazebos e topiarias são dispostos ao lado de elementos
llÔ atraentes como piscinas, que também seguem um estilo específico. quadras esportivas e playgrounds.
São ainda comuns pórticos pós-modernos, gramados românticos e arranjos florais vagamente inspirados
te1
em prescrições inglesas.
~ss
nhc Ao mesmo tempo, são construídos espaços - como na década de 1980 quando eram comuns - seguindo
IS t
ca um estilo tropical, com equipamentos de lazer e fontes dispostos em ambientes estruturados por vege-
ac tação luxuriante e pisos coloridos, de desenhos ondulados ou geométricos.
õe!
lo· Dominante em São Paulo, assim como no resto do país, essa forma de tratamento paisagístico pode
ser visto como uma evolução formal e conceituai dos projetos paisagisticos modernos dos anos 1960 e
1970, quando ornamentos românticos ou clássicos eram expressamente proibidos.

De qualquer modo, esses exemplos não são mais do que um reflexo de um fenômeno urbano. A medida
que aumentam as densidades de população e a verticalização da cidade, pouco a pouco a rua perde
suas caracterlsticas de área de lazer, seus espaços passando a se destinar principalmente à circulação e ao
acesso de pedestres e de veículos aos edifícios. As praças, parques e espaços livres privados nos âmbitos
dos lotes ficam assim encarregados de atender a essa carência. Em São Paulo, os espaços livres públicos
são poucos e mal distribuídos em relação à demanda de uso, sendo que somente alguns poucos bairros
contam com um sistema adequado de espaços livres destinados à recreação.

De certo modo, os espaços livres privados dos lotes verticalizados compensam essa situação, mas
consubstanciam a privatização do lazer ao coletivo dos interiores das quadras, lotes e condomínios.
diminuindo cada vez mais o caráter de uso múltiplo da rua e enfatizando sua condição de canal de
acesso e circulação.

Paisagem Verticalizada eVetore~;de Expansão _


..
O perfil ou skyline de qualquer cidade, parcelada em zonas de uso genérico como é o caso de São
Paulo, dificilmente po~erá. ser lido diretamente por intel:médio do estudo particularizado dessas zonas.
Cada uma delas pode tomar uma forma - uma configuração espacial própria - em função das diversas

/
Capítulo 3 J APaisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo no Desenho Urbano Contemporâneo 87

tendências do desenvolvimento urbano. Na cidade de São Paulo, o simples olhar e mesmo um estudo
pouco aprofundado não permitem a um observador distinguir formas diferentes de organização espacial
que caracterizem zonas de uso específicas.

Um padrão diferenciado torna-se claro somente quando se entra em um bairro-jardim, cuja estrutura
espacial caraderiza as zonas de uso predominantemente habitacional de baixa densidade, constituídas
de edificações horizontalizadas e profusamente arborizadas. Nas demais áreas, as diferenças são mais
sutis e o espaço construído parece o mesmo. A diferença básica não está na estruturação espacial e sim
na sua possibilidade de diversidade funcional, e, mesmo que existam variações de taxas de ocupação e
coeficientes de aproveitamento, elas são pouco perceptíveis para um leigo.

No conjunto de sua paisagem verticalizada, São Paulo apresenta três tipos de perfil básico:

• Aqueles em que predominam as torres, correspondendo a áreas nas quais a morfologia é caracteri-
zada estritamente por prédios altos.

• Aqueles em que predominam casas e sobrados de um a dois pavimentos; áreas nas quais o processo
de verticalização ainda é incipiente.

• Perfis mistos. típicos de áreas em processo de transformação, de renovação urbana. Constituindo


a maioria das áreas de verticalização recente, caraderizam-se pelo alto índice de fragmentação do
tecido urbano, em que estruturas de épocas diversas convivem lado a lado.

Esses tipos de perfis estruturam-se a partir de algumas formas de arranjo espacial e de associação das torres:

• Conjuntos habitacionais dispostos de uma maneira homogênea. Típicos dos bairros residenciais, são
compostos de edifícios baixos com menos de cinco andares, com volumes similares e pequenos recuos.

• Conjuntos habitacionais mistos. constituídos de torres de alturas diversas - por exemplo, quatro, oito,
12 ou mais andares. Como no tipo anterior, configuram unidades isoladas entre si e são típicas de
bairros residenciais.

• Edifícios altos, agrupados em conjuntos pequenos de duas, três. até quatro unidades. encontrados
por toda a cidade, indistintamente, em todos os bairros.

• Edifícios altos, agrupados em conjuntos grandes, de mais de cinco unidades isoladas, em geral ocu-
pando uma quadra inteira.

• Grandes maciços edificados, compostos de unidades isoladas, que caracterizam as áreas densamente
verticalizadas da cidade, como Jardins. Moema, ltaim, Perdizes e Tatuapé.

No todo urbano, as torres dispostas lado a lado por quadras contínuas formam grandes estruturas
morfológicas em que o edifício - a unidade isolada - perde sua identidade em função do conjunto.
Estendem-se por grandes áreas da metrópole e adquirem duas formas básicas:

• Manchas verticalizadas - conjunto de quadras verticalizadas que se sucedem umas às outras em todas
as direções.

• Linhas verticalizadas nas quais o processo de construção das tqr:_res se dá de forma linear. em uma
ou mais vias, muitas vezes ao longo d~ um espigão, definindo um eixo de ocupação. As linhas são, ,
entretanto, estr\ittlras instáveis, pois, à medida-Ql,Je o processcrd.e .oçupação ver-tical se consolida,
tendem a consÚtuir-~e.- ~n:i-manchas ver-ticalizadâs quapdo da ·<iÕ.nstruÇão i;ten~~a d~· n9'.vas torres
nas suas·vizi,ntíànç'a,s (Figura 3.9). • · ,., :. -
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88 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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Figura 3.9 Uma faixa verticalizada em São Paulo ao longo de uma artéria principal.
;ões (Foto do autor, Projeto Quapá.)
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Considerações Finais
Já se passaram várias décadas desde a implantaçao da legislação urbanística reguladora da verticalização
paulistana em 1972, que influiu positivamente na organização espacial da cidade. Ela possibilitou a cria-
ção de amplos e generosos espaços livres privados, favorecendo a instalação de equipamentos coletivos
em tais espaços, garantindo recuos laterais e frontais que permitem a insolação e ventilação das unida-
des residenciais e comerciais, favorecendo a criação de praças corporativas, exigindo estacionamentos e
limitando o crescimento dos edifícios a alturas exageradas.

Por outro lado, foi praticamente liberada a verticalização na maior parte do território urbano, indepen-
dentemente da localização, da dimensão de vias de acesso ou das características de vizinhanças e do
suporte físico. Permitiram-se em tais áreas a impermeabilização de mais de 80% dos lotes e a destruição
de importantes características do suporte físico. A configuração morfológica dª~ áreas consolidadas
apresenta uma forma bastante homogênea. E é, de fat9, o mercado imobiliário quem decide onde e
quando verticalizar. Nestes anos, fõram constantes as alterações da legislação, com a abe·rtura de novas
áreas para a verticalização - com gabari_tàs controlados - especialménte nas bordas· de bairros-jardim ou-
áreas residenciais horizontais. · ··'

Mudanças radicàis no processo de ocupação urbana~ foram implementadas com a nova a legislação
estabelecida na décâda de 1970, a qual substituiu os antigos padrões urbanísticos que favoreciam o
crescimento em altura, não privilegiavam a criação de espaços livres para jardim, estar e lazer dentro dos

w I
Capítulo 3 IAPaisagem Verticalizada de São Paulo: AInfluência do Modernismo no Desenho Urbano Contemporâneo 89

lotes e que perduram até o início da segunda década do século XXI. A torre isolada tornou-se um novo
modelo urbanístico, e o zoneamento, a ferramenta para sua implementação.

Os ganhos foram sensíveis, e esse modelo foi adotado também, em geral, de um modo menos severo
na grande maioria das cidades do país - no caso. com menores limitações a alturas ou com a exigência
de menores recuos. Esse fato pode ser constatado nas pequenas e médias cidades dos estados do Rio
Grande do Sul, São Paulo e Paraná, nas quais a proximidade dos edifícios é grande e leva a graves pro-
blemas ambientais. Em cidades costeiras como Recife, capital de Pernambuco, as torres de apartamento
ao longo da orla com alturas até 40 andares sombreiam a praia nos períodos da tarde. Apesar disso, o
hábito da moradia em torres se tornou comum no contexto urbano brasileiro, sendo plenamente aceito
pelas camadas médias e altas da sociedade e estruturando morfologicamente extensas áreas urbanas.

Os mecanismos urbanísticos criados para sua regulamentação foram implementados em sua maioria
durante a segunda metade do século XX, e pode-se argumentar que as torres se tornaram uma das
mais duradouras e bem realizad as expressões do paradigma modernista. Como o caso de São Paulo
demonstra, tais mecanismos necessitam atualmente de revisão. Embora tenham sido adequados para
uma flagrante melhoria no perfil morfológico funcional e ambiental nos anos 1970, estão na década de
201 O bastante defasados em relação às atuais demandas urbanas, especialmente as ambientais.

De fato, a constituição morfológica da cidade ainda é um tema pouco valorizado no Brasil e tem sido
regulamentada apenas em algumas situações especiais, tais como nos Planos de Brasília e da Barra da
Tijuca, no Rio de Janeiro, ambos empreendimentos governamentais que ocorreram em períodos de
intensa centralização dos processos decisórios. Os processos de verticalização que atuam sobre as cida-
des brasileiras demandam uma reavaliação de seus efeitos morfológicos e sociais, que têm sido historica-
mente a segregação, a privatização excessiva do espaço público e problemas ambientais significativos. O
controle do desenvolvimento urbano e da verticalização da paisagem de São Paulo é um exemplo claro
dessas necessidades urgentes.


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CAPÍTUL04

Shopping Centers eoDesenho Urbano no


Brasil: Dois Estudos de Caso em São Paulo

Gilda Collet Bruna eHeliana Comin Vargas

D esde a inauguração do primeiro shopping center no Brasil, em 1966, esses empreendimentos tor-
naram-se elemento dominante da paisagem urbana brasileira. Em seu início, foram moldados como
grandes centros de varejo - normalmente com lojas-âncora - sob um teto único com estacionamento
exclusivo. Atualmente, após mais de quatro décadas, já se pode fazer um balanço desse fenômeno e de
seus impactos sobre o desenvolvimento e o desenho urbano. Neste capítulo, analisa-se a versão brasi-
leira de shopping center tomando-se como exemplos significativos dois empreendimentos na cidade de
São Paulo, implantados com uma diferença temporal de mais de 30 anos. O Shopping lguatemi (1966)
e o Shopping Pátio Higienópolis (1999) são analisados sob a perspectiva de seu papel como vetores de
expansão urbana e em relação à sua polarização, às mudanças de uso e ocupação do solo, à valorização
do entorno, assim como aos impactos na forma e na vitalidade do espaço urbano.

Mais do que o número de empreendimentos existentes, a velocidade com que os shopping centers se
implantam a partir de meados da década de 1980 e o volume dos investimentos crescentemente destina-
dos ao setor reforçam a magnitude do fenômeno. Existem no país duas importantes associações ligadas
ao setor varejista que definem esse tipo de empreendimento de modo distinto e, portanto, apresentam
números diferentes.1 Segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), 2 em 2012 existiam
463 shopping centers em operação no país, totalizando mais de 11,6 milhões de m2 de Área Bruta Locável
(ABL), enquanto a Associação de Lojistas de Shopping Centers (Alshop)3 registrava 828. Ainda segundo a
Abrasce, a grande maioria deles - cerca de 34% - localiza-se no estado de São Paulo, enquanto a cidade
de São Paulo registra um total de 53 shopping centers, correspondendo a 11,5% dos shopping centers
brasileiros, em 20 12. Seja qual for a fonte que se considere, esses números refletem o grande impacto que
esse tipo de empreendimento vem exercendo sobre o desenho urbano e a dinâmica das cidades brasileiras.

No entanto, situações complexas e de forte impacto na paisagem urbana são difíceis de mensurar,
em parte devido ao efeito multiplicador das transformações que produzem, cumulat ivamente, novas
configurações do espaço urbano. No caso brasileiro, é possível afirmar que os shopping centers têm
provocado alterações no desenho urbano do seu entorno, respondendo pela formação de novas cen-
tralidades no âmbito da cidade. A grande concorrência entre eles, dl~n te de um mercado consumidor

•' - ,. ".,,..·~.,.,... ~ -~
·.
... ~ p·, ;-
1 A Abrasce é_vinculaqa a9 C~~seJh~ lnternacion.ald e_Sh9ppi~g ·E"l?n't~rs e_-ç:o~ta apenas com sh~ppin;ce1!f§rs como
membros de sua organizãção. De acordo com•sua deflnição, um shopping center é um empreendimento éom pro·
prie~i:!de..e gerenciamento centralizados. com âncoras e-lojas-satélites e"vagas de estacionamento no local. A Alshop
inclui 'entre seus membros uma grande varieda~e de tipos de complexos de varejo. pois é uma associaçãóde lojistas,
não importando sua estrutura administrativa.
2
Disponível em: www.abrasce.com.br. Acesso em: 2 maio 2013.
3
Disponivel em: www.alshop.com.br. Acesso em: 2 maio 2013.
~ . ...
92 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

a
l,
s
j1 que vem se modificando rapidamente, tem levado a sucessivas tran sformações dos empreendimentos,
que procuram se adaptar para atender às diversas ca tegorias de usuários e suas novas demandas.

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Shopping Centers no Brasil
i~
Embora o modelo brasileiro incorpore os conceitos do varejo contemporâneo e global, ele também
)1
assume aspectos próprios adaptados às especificidades locais. A primeira diferença que surge na ver-

são brasileira é decorrência do grande intervalo de tempo entre o surgimento dos shopping centers
li
nos EUA e a primeira implantação desse fo rmato no Brasil - o Shopping lguatemi, inaugurado em
1966. Apenas isso já faz o modelo nascer diferente, com a incorporação de uma série de inovações
das gerações mais recentes dos similares americanos e da versão europeia. É interessante observar
que o pioneirismo da implantação do Shopping lguatemi também responde pelas diversas reformas
e ampliações às quais tem sido submetido, procurando manter o seu status como o mais rentável e
sofisticado da cidade. Só recentemente ele parece ter encontrado um concorrente à altura, o Shopping
Pátio Higienópolis.

Nossa análise centra-se na cidade de São Paulo não apenas por causa do pioneirismo e da intensi-
dade com que o fenômeno continua ali ocorrendo, mas também pela própria característica da cidade
enquanto mercado consumidor, com mais de 11 milhões de habitantes, refletindo o estágio mais avan-
çado do fenômeno em escala nacional. São Paulo oferece um cenário propício para o desenvolvimento
do varejo, e a magnitude do comércio paulistano, que foi capaz de absorver prematuramente os mais
diferentes formatos de seus diversos agentes (Vargas, 2004), permite assumir a legitimidade desse pro-
cesso como balizador do desenvolvimento varejista brasileiro.

Antes de comparar as características dos estudos de caso, é importante considerar a ocorrência desse
fenômeno no Brasil sob uma perspectiva tipológica, locacional, arquitetõnica e da sua função urbana
enquanto abastecimento da população.

Tipos de Empreendimentos
Embora tenha havido agrupamentos de lojas e galerias que, posteriormente. reivindicaram o status
de shopping center, os centros de compras planejados conforme são entendidos atualmente não
resultaram de inovações do próprio sistema varejista, mas sim de uma auspiciosa visão dos empreen-
dedores imobiliários (Garrefa, 2011 ). Segundo Gruen (1962), essa visão se inicia quando se escolhe a
denominação shopping center, cuja ênfase recai sobre o consumidor e não sobre o vendedor (comer-
ciante lojista), caso em que o nome mais adequado seria selling centers. Quando chega ao Brasil, o
modelo americano de centro de compras é adotado e assumido como empreendimento varejista de
base imobiliária.

Reproduzia-se o conceito de centro de compra planejado europeu como ocorrido nas reconstruções
pós-guerra e na política de cidade novas: um empreendimento imobiliário residencial que buscava a
autossuficiência, a partir da criação-de centralidades intern&$ ao próprio conjunto edificado.

Também é interessante observar que nos EUA, paralelamente a esse precesso, empre~ndimentos de uso
misto (que combinam escritórios, hotéis, apartamentos. comércio. e lazer'),f~ram implantados-desci; a
década de 1930, sendo talvez o Rockefeller Center (1934), em NÔva York, o exemplo mais emblemático.
No entanto, como õ próprio nome insinua, eles não tinh'am o varejo como atividade central. Em São
Paulo, um exemplo expressivo é o Conjunto Nacional na Avenida Paulista, projeto de 1955, inaugurado
parcialmente em 1958 (Figura 4.1 ).

r
Capítulo 4 lShopping Centers eo Desenho Urbano noBrasil: Dois Estudos deCaso emSão Paulo 93

Inserção no Contexto Urbano

Três tipos principais de shopping centers podem


ser destacados em termos de sua relação com a
cidade: (a) periféricos (out of town); (b) centrais
(downtown); e (c) intraurbanos (inner town). No
caso brasileiro, os primeiros shopping centers
implantados se localizaram internamente à man-
cha urbana e se constituíram na base do processo
brasileiro de implantação desse empreendimento,
principalmente na Região Metropolitana de
São Paulo (Vargas, 2001). Embora os primeiros
tenham se localizado fora do centro principal da
cidade, eles não se estabeleceram em suas franjas
nem muito distantes da mancha urbana ou junto
às rodovias. como ocorrido nos Estados Unidos.
Esse veio a ser um fenômeno mais tardio e carac-
terístico das cidade médias do interior do estado
de S~o Paulo. t importante lembrar que nos países
em desenvolvimento como o Brasil as classes de
Figura 4.1 O popular Conjunto Nacional na Avenida maior renda familiar não residem nos subúrbios,
Paulista em São Paulo. Projeto modernista de 1950, que foram ocupados por grupos de menor poder
que consiste em uma torre de escritórios e outra
aquisitivo. Apenas recentemente e em um novo
de apartamentos sobre galeria comercial que inclui
restaurantes e cinemas. (Foto de Heliana Vargas.) tipo de ocupação das regiões suburbanas por con-
domínios fechados, a população de classe média
vem mudando para subúrbios, como ocorrido nos
Estados Unidos.
Os primeiros shopping centers localizaram-se junto a centros urbanos regionais da cidade de São
Paulo, no interior da área urbanizada (como o lguatemi e o Eldorado em Pinheiros, o Center Norte em
Santana. o West Plaza na Lapa, o Penha na Penha) ou nas áreas disponíveis no limite da franja urbana
(como o Continental, Morumbi, lnterlagos, Aricanduva) (Vargas 1992). Os dois primeiros nessas duas
categorias - lguatemi (1 966) e Continental (1975) - foram implantados como empreendimentos imo-
biliários, e levou alguns anos (além de várias estratégias de negócios e de marketing) para que o
paulistano consolidasse o hábito de fazer compras em shopping centers de modo a tornarem empre-
endimentos de sucesso passíveis de atrair novos investimentos. O adensamento de seus entornos e a
implantação de infraestrutura viária favoreceram esses centros de consumo, que se tornaram então
capazes de criar as suas próprias centralidades (Vargas, 1992).

Embora tivessem experimentado um lento começo, provavelmente porque as cidades não possuíam
os condicionantes básicos para seu desenvolvimento, a segunda metade da década de 1980 assistiu à
intensificação do ritmo de construção de shopping centers no país como um todo. a partir da cidade de
São Paulo (Tabela 4.1 ).

No final da déca~!3'de 1'98Q, shopping centers com características de centros regjgnais (out of town)
começariam a se.r instalàdos nas cidades .do interiõr de São Pauío; junto a entroDcame.otos viários para
incorporar várias cidad~s em sua área de inflv.ência e frtr~fego intenso de êertas rodovias. Alguns exem-
plos são o Centervále em São José dos Campos (1987). o ·Parque D. Pedro (2002) em Campinas e o
Novo Shopping Center (1999) em Ribeirão Preto. O primeiro mencionado se instalou em uma antiga
fábrica às margens da rodovia que liga S~o Paulo ao Rio de Janeiro, sendo comum a substituição de usos

..,, . ,

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94 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
10

1(

•n
e Tabela 4.1 Evolução do número de shopping centers - Brasil (1966-2012)
1
Ano 1966 1971 1976 1981 1986 1991 1996 2001 2005 2010 2012

NQde shopping 2 8 16 34 90 147 240 338 408 463


ii centers
s
Fonte: Abrasce. Shopping Centers. Disponível em: www.abrasce.com.br. Acesso em: 3 maio 2013.
!r
d
a
i2 de antigos e obsoletos edifícios industriais e de armazenagem por centros de compra. Outros, como o
Galeria (1992) em Campinas, foram implantados em uma área de pastagens, mostrando que o potencial
<I indutor da urbanização já havia sido descoberto pelos empreendedores. Busca-se criar centralidades cujo
s
:e foco é o shopping center, promovendo uma valorização do entorno e, muitas vezes, dela se apropriando,
seja pela compra antecipada de terrenos, seja na realização de negócios nesse mercado valorizado.

Em cidades de porte médio, a implantação de shopping centers chega a provocar certo impacto nas
atividades comerciais tradicionais, respondendo, em parte, pela deterioração de suas áreas centrais. Ao
g oferecer uma série de atividades com segurança e conforto, incluindo salas de cinema, eles tendem a ser
IE
preferidos como centros de consumo e lazer, em detrimento dos centros urbanos tradicionais.
n No caso dos shopping centers intraurbanos, a escolha da localização passa a ser mais em função da dis-
~i
ô ponibilidade de área e do preço da terra do que propriamente de sua localização estratégica em termos
de área de influência - aqui definida a partir da densidade demográfica, nível de renda e acessibilidade
(isócronas de tempo de viagem, de chegada e de saída). Por sua dimensão como empreendimentos
,,s imobiliários e por suas estratégias de negócios, esses estabelecimentos adquirem a capacidade de criar
as suas próprias localizações privilegiadas (Vargas, 1992). Muitos desses empreendimentos já nascem
casados com outros tipos de uso, como o residencial, como foi o caso dos shopping centers lguatemi e
(
lbirapuera (1976) e, mais recentemente, com escritórios como o Shopping Villa-Lobos (2008) e o Cidade
e
e Jardim. Outros, controlados por grandes grupos do setor imobiliário, localizam-se em áreas urbanas mais
periféricas e usufruem da valorização causada nas áreas do entorno, ou instalam-se em áreas em pro-
cesso de mudança de usos, ocupando antigos depósitos industriais ou lojas de departamento.

Uma característica que distingue os consumidores nacionais daqueles de países desenvolvidos da Europa
e EUA, com uma distribuição de renda familiar mais homogênea, é a construção de shopping centers
direcionados às classes de menor renda. No Brasil, esses tipos começaram a se instalar em São Paulo
em 1984. Em geral, possuíam supermercados ou hipermercados como a sua grande loja-âncora, e o
seu padrão arquitetônico e instalações apresentavam qualidade inferior, de modo a reduzir custos de
construção e operacionais - por exemplo, utilizando-se materiais de acabamento mais baratos e nao
disponibilizando ar condicionado nas áreas comuns.

Nos últimos anos, os centros de São Paulo e de outras cidades brasileiras começaram a receber shop-
ping centers que adotam um formato mais compacto, principalmente através da demolição de áreas já
ocupadas ou da reciclagem de edifícios históricos. Esse foi o caso do Shopping Light, na área central da
cidade de São Paulo, em que o antigo edifício-sede da primeira companhia de energia elétrica da cidade,
tombado pelo Patrimônio Histórico,_foi adaptado como shopping center, inaugurado-em 1999. Próximo
a uma estação de metrô e de um terrniAal de ônibus urbanÔ, com urn. fluxo de pedestre nas,suas portas .
de cerca de 1, 5 milhão por dia, teria tudo para dar certo (Figura 4.3). Nt> entanto, com·um pfanejameoto _,,,
equivocado para um shoppiog center na área central e c:om difiçµldades ..de ·adaptação ao ediflcio tom- ""
bacio, ele vem sofrendo transformações sistemáticas no conjunto de suas atividades visando atingir êxito
como empreendime~to, ·!

f
Capítulo 4 IShopping Centers eo Desenho Urbano no Brasil: DoisEstudos de Caso em São Paulo 95

Embora a maioria dos shopping centers ainda


esteja voltada ao usuário motorizado, com gran-
des áreas para estacionamento, a sua localização
integrada a estações de metrô e ônibus. em São
Paulo, começa a ser uma realidade cada vez mais
presente, como é o caso de dois shopping cen-
ters associado um à estação Tatuapé e outro à
estação Santa Cruz do metropolitano.

Por outro lado, a localização mais central em


áreas já consolidadas e de maior densidade, ou
junto a polos geradores de fluxo - como colé-
gios e universidades -, atrai um público signi-
fi ca tivo que se desloca a pé. Esse é o caso do
Shopping Pátio Higienópolis, um dos exemplos
analisado adiante, que inicialmente enfrentou
uma forte pressão da comunidade, contrária a
Figura 4.2 O novo Shopping Light em São Paulo. A sua implantação, mas que acabou se transfor-
renovação deste edificio histórico pode contribuir para
mando num atraente ponto de encontro para os
o processo de requalificação do centro.
(Foto de Heliana Vargas.) moradores e usuários do bairro.

Padrão Arquitetônico
Com relação ao padrão arquitetônico. uma série de classificações costuma ser estabelecida para
um shopping center. descoberto ou coberto, aberto ou fechado para o exterior, com um ou mais
pavimentos. Pode-se dizer que os primeiros shopping centers brasileiros nascem com o formato da
terceira geração americana, fechando-se cada vez mais sobre si mesmos e ignorando completamente
o entorno, não apenas cercados por estaciona-
mentos - que aos poucos se tornam estruturas
verticalizadas, ou ocupam os subsolos - mas
recusando-se sequer a permitir janelas para o
ambiente urbano ou oferecer q ualquer vitrine
ao nível da rua. Esses empreendimentos do
tipo "caixote", como os chama Vargas (2000),
ainda são característicos em São Paulo, mas os
dois estudos de caso aqui apresentados dife-
renciam-se um pouco desse grupo.

O Shopping lguatemi, inicialmente, diferia desse


fechamento exagerado talvez pela excelência de
seu projeto em sua primeira versão, dialogando
com o entorno- urbano de forma mais próxima
a.os shopping ç:enter~centrais (downtown cen- ..
-~érs) çonstruí~c?S ·Jlarâ atende!· ó· u~ário local.
... · • lnfelizf!1ent~. suas modificações posteriores
acabariam torriándo-o semelhante a todos os
Figura 4.3 Shopping lguatemi, São Paulo. A fàt hada demais "caixotes" (Figura 4.3).
pós-modernista e o bloco de estacionamento à
esquerda foram resultado das expansões. No caso do Pátio Higienópolis, talvez pelo fato
(Foto de Gilda Bruna.) de ter recebido pressão das associações de mora-

f
:enho 96 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
:ute o
>ara d
tica, <
~nísn
:Jade: dores do bairro contra a sua construção, os empreendedores buscaram um diálogo prévio com a comuni-
1ida r
dade e o projeto inseriu-se mais adequadamente no entorno urbano por meio de um cuidadoso projeto
oós s paisagístico e uma maior interface entre o interior e o exterior, com bares e restaurantes voltados para a
ai e 1 rua (Figura 4.4). Sua construção em vários níveis tirou proveito da topografia do sítio e oferece saída para
temp
duas ruas, tanto para pedestres como para veículos.
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ess1 Figura 4 .4 Shopping Pátio Higienópolis. Os edifícios históricos do entorno e as pressões da população residente
:nhc geraram um projeto que se abre relativamente para o espaço exterior. com restaurantes e áreas com jardins.
as t (Foto de Vicente dei Rio.)
ica e
la e
;õe~
·001 Essa característica de introspecção e fechamento
dos shopping centers na cidade de São Paulo tal-
vez possa ser parcialmente explicada pela pouca
qualidade dos espaços públicos e pela falta de
um ambiente natural convidativo. No Rio de
Janeiro, em Salvador. e mesmo no interior do
estado de São Paulo, para citar alguns exem-
plos, os shopping centers abertos/descobertos
têm surgido com mais frequência. O Shopping
Downtown no Rio tenta reproduzir o espaço
de uma cidade em que lojas, cinemas e serviços
dispõem de variadas fachadas diferenciadas e
são organizados em blocos separados por ruas
de pedestres (Figura 4.5). O Aeroclube Plaza em
Salvador, embora tenha passado por dificulda-
des que o levaram a um plano de revitalização,
é um agradável mal/ aberto/descoqêrto ~er'ltr(\d o
em entretenimento e buscando integraçãõ visual
com a praia (Figura 4.6). O Shopping Parq.,ue'Dom
. ( . . ..... .." -
Figura 4:5 O Shopping Downtown, no Rio de
Pedro em Campin.as, .importante.cidade próxima Janeiro~ simula a ambiência de uma cidade com
a São Paulo, um dos.maiores empreendimentos ~ma variedade de fachadas. passeios de pedestres
ajardinados e fontes, e a maior parte de sua área de
no Brasil em 2004, oferece vários ambientes par- estacionamento situa-se no subsolo.
cialmente descobertos. (Foto de Vicente dei Rio.)

\ )
)
Capítulo4 lShopping Centers eo Desenho Urbano no Brasil: Dois Estudos de Caso em São Paulo 97

Evidentemente, todos são tentativas de garan-


tir a atratividade dos empreendimentos através
de projeto arquitetônico diferenciado, embora,
isoladamente, sem ter por trás uma estrutura
administrativa e de negócios bem implantada,
nenhum projeto arquitetônico poderá responder
pelo êxito desses empreendimentos.

Funções dos Shopping Centers


Inicialmente os shopping centers dedicavam-se
quase que exclusivamente ao comércio varejista
e a serviços ao consumidor. Logo de início, foi
estabelecido o conceito de lojas-âncoras ou mag-
nets (ímã, em inglês) (lojas de departamentos e
supermercados) para atrair e direcionar os fluxos
de clientes e aumentar o lucro de todas as lojas.
Posteriormente, surgiu a necessidade de defini-
ção e controle rígido da composição dos tipos de
lojas (tenant-mix) baseada na ciência do varejo e
do marketing desenvolvida nos Estados Unidos.

Figura 4.6 O shopping a céu aberto Aeroclube Com o aumento da concorrência entre esses
Plaza Show, em Salvador, localiza-se junto à praia; empreendimentos e uma maior profissionali-
seu projeto integra espaços internos e externos e tira zação do setor, a necessidade de estudos mais
proveito das belas vistas para o mar.
(Foto de Heliana Vargas.) aprofundados de localização, de definição das
áreas de influência e uma identificação mais pre-
cisa do poder de compra e hábitos de consumo
da população passaram a ser consideradas em seu planejamento. Mudanças constantes também pas-
saram a ser essenciais para a sobrevivência do negócio, de modo a manter o interesse constante da
clientela. Essa situação tem levado à criação de inúmeras atividades que passam a funcionar como verda-
deiras âncoras. tentando, muitas vezes, reproduzir de maneira controlada a própria dinâmica da cidade
e a alta vitalidade de áreas de comércio urbano: o lazer, a praça de alimentação, academias de ginástica,
atividades combinadas com conjuntos de escritórios, hotéis ou apartamentos, todos rodeados de verde,
na forma de praças internas que os interligam aos espaços de compras, bem como o desenvolvimento
de atividades comunitárias, são estratégias utilizadas para manter um diferencial de competitividade e
aumentar a atratividade dos diversos centros (Vargas, 1992). Em outros shopping centers brasileiros,
a estratégia é oferecer alta qualidade de produtos e serviços, através de um número limitado de lojas
exclusivas, da especialização ou de motivos temáticos.

Essas novas atrações também se revelam como formas de aumentar a venda por impulso, em que as
pessoas compram sem perceber que estão consumindo e sem a sensação de que estão sendo induzidas
ao consumo. NÕvarciente,, é preciso lembrar que as inovações são imitadas e superadas rapidamente',
dificultando a m~~uténção Cla vitalidade e da rertt~bilidaélé dos diversÓs centros:""DÍante da prolifera-
.··. - - . . . ) ' - ..:r
ção e da competiçãp entre esses empreendin;ientos,.tais inovações são necessárias à amplia"ção do ciclo
de vida do "produto'' shopping center~ É soo.essa pe1s.péctivà que a arquitetura se torn; um aspecto
de fundamental importância. Os shopping cénters brasileiros têm introduzido essas ínÓvações e vêm
se transformando em grandes "praças públicas" e pontos de encontro da população. Ultimamente, a
disputa por consumidores, conforme aponta Garrefa (2011 ), imprime aos shopping centers a condição

J
mho 98 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
Jte o
arad
ica, e
nisrr
!ade! semelhante a um produto de consumo que sai de moda e que pode ser substituído rapidamente por
da~
outro, fato esse já observado no país de origem dos shopping centers, os EUA, onde são chamados
oÓS S deadmalls ou greyfields, muitos tendo sido substituídos por outros tipos de desenvolvimento, como o
1l e 1 Mizner Park em Boca Raton, Flórida, e o Santana Row em San José, Califórnia.
emp
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uisc
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pad.
Shopping Centers como Polos de Atração ede Indução do Crescimento Urbano
.ipai
aliz No Brasil. particularmente em São Paulo, os shopping centers se inseriram no tecido urbano existente
atraindo consumidores e gerando um novo padrão de ocupação. Por ocasião da implantação do Shopping
exp lguatemi, não havia restrições urbanísticas claras para esse tipo de empreendimento, e se limitavam a
>nst
lCO
recomendações de ordem construtiva do Código de Obras. Somente a partir de 1972, quando entra em
3S e vigor a legislação de uso e ocupação do solo, 4 a implantação de shopping centers começa a ser objeto
aio1 de análise. A partir daí, passam a ser aceitos somente em determinadas zonas, classificados como de uso
iss
comercial do tipo diversificado com mais de 250 m2 de área construída. A implantação desses megapro-
eg1 jetos e os impactos ambientais urbanos por eles gerados culminaram com a criação, em São Paulo, do
ide instrumento urbanístico RIV (Relatório de Impacto de Vizinhança), inserido no Código de Obras de 1992
tÍS 1
(Moreira, 1997) e reforçado pelo Estatuto das Cidades (Lei Federal n° 10.257/2001 ), artigos 36, 37, 38.
im
vei Esses empreendimentos têm produzido impactos no espaço urbano, reforçando alguns vetores de
nôr
expansão urbana ou criando outros, adensando e alterando o uso do solo do seu entorno, congestio-
ter nando o trânsito e interferindo na dinâmica e no desenho da paisagem urbana. Os dois estudos de caso
SS• apresentados a seguir detalham as particularidades desse processo, e suas características básicas são
1hc comparadas na Tabela 4.2.
IS 1
:a
3C
Tabela 4.2 Características dos shopping centers lguatemi (1966-2010) e Pátio Higienópolis
ie!
(2004-2010)
10
lguatemi Pátio Higienópolis
1966ª 2010b 2004' 2010b
Area de terreno (m 2) 49.200 40.975 15.500 14.230
Area construída (m2) 33.373 121.868 72.000 76.820
Area bruta locável (m 2) n.i. 39.799 24.000 26.670
Vagas de estacionamento 576 1.805 1.350 1.320
Pisos 3 3 5 6
Ancoras/Megastores 2 4 3 4
Lojas-satélites 75 255 220 243
Praça de alimentação o 2 1 1
Cinemas 2 14 6 6
Teatros o o 1
Serviços n.i 39 n.i. 10
Fontes: (a) Fava (2000}; (b) Abrasce (s.d.); (e} Alsh~p (s.dJ. ....,.
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.. '
• Na cidade de sao Paulo, até 197 l, quarTdQ o Plano Diretor e suas lei~·complemen~ires (subdivisões e uso do solo)
foram aprovadas, as r~strições urbanlsticas eralJl limitadas e pouço claras:·Até entao. os controles de desenvolvimento
eram basicamente reStritos à área central e às zonas residenciais. Sob esse novo regulamento. o índice de aprovei-
tamento máximo limitava-se a quatro (só era possível construir até quatro vezes a área do lote). e as limitações em
altura e afastamentos mínimos eram estabelecidos conforme as diferentes zonas da cidade. As exigências em algumas
regiões foram se alterando ao longo do tempo até o Plano Diretor ser aprovado em 2002 (ver o Capítulo 3).

)
)
Capítulo 4 J Shopping Centers e oDesenho Urbano no Brasil: Dois Estudos de Caso emSão Paulo 99

Shopping Center lguatemi


Inaugurado em novembro de 1966, o lguatemi é considerado o primeiro shopping center a ser construído
no Brasil e na cidade de São Paulo, conforme já mencionado. Seguindo as forças do mercado imobiliário,
instalou-se na Avenida Faria Lima (antiga Rua lguatemi), principal eixo do vetor sudoeste de expansão da
cidade, de modo a atender as classes de maior renda (Figura 4. 7). No entanto, seu sucesso só seria atingido
no final da década de 1970, passando a interferir fortemente na Rua Augusta, o tradicional corredor de
comércio diversificado buscado por essas classes, que pouco a pouco entrou em declínio. Quando de sua
inauguração, o lguatemi dedicava-se principalmente às atividades de compra, conforme consta na coluna
2 da Tabela 4.2.

Em suas ampliações, ele foi se modificando, com alteração dos tipos de lojas-âncoras e inclusão de novas
lojas-satélites de marcas famosas, bem como aumento da área de estacionamento. As grandes áreas de
lojas do projeto original foram reduzidas, permitindo uma maior oferta e variedade, reforçando a massa
crítica, fundamental para manter sua atratividade diante dos novos empreendimentos. Foram introdu-
zidos equipamentos de recreação infantil e praças de alimentação, e os cinemas foram modernizados.
Por outro lado, o lguatemi perdeu sua característica de shopping semiaberto que melhor dialogava com
o entorno urbano, e suas alterações reforçaram o caráter caixote com fachada pós-moderna, comum a
tantos outros.

Do ponto de vista empresarial, as reformas e ampliações pelas quais passou o Shopping lguatemi resulta-
ram, sem dúvida, da necessidade de enfrentar a forte concorrência exercida pelo crescimento do setor de
shopping centers, que passou a oferecer novas atrações com características diferenciadas (Bruna, 1982;
Bruna e Ornstein, 1990; Vargas, 1992, 2000 e 2004; Masano, 1993; Nobre, 2000).

Figura 4.7· Vista aérea do Shopping lguatemi, que ditou o desenvolvimento de seu entorno e um dos eixos de
expansão de Siío Paulo. (Cortesia da Base Aerofotogrametria e Projetos S.A.. São Paulo, Brasil.)

J
1ho 100 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
teo
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1ism
ides
O lguatemi também transformou fortemente o entorno da Avenida Faria Lima, cuja valorização do solo
la p.
estimulou a verticalização e o remembramento de antigos lotes estreitos. Estes eram ocupados por
is si edificações de até dois pavimentos que foram substituídas por edifícios de 12 a 14 andares com usos
1e~ residenciais e de escritórios, conforme permitido pelas legislações urbanísticas vigentes em 1971/1972.
mp1
os ( Juntamente com a implantação do lguatemi, como um empreendimento casado, construiu-se um con-
Jisa
junto de edifícios residenciais de alta renda, com acesso direto à parte posterior do shopping. No entanto,
iêrn
1adé o lguatemi também continua cercado por zonas residenciais de baixa densidade demográfica, ocupadas
pai! por famílias de alta renda, impedidas de verticalização pela lei de uso e ocupação do solo. Essa população
3liZé constitui-se em um grande mercado consumidor para o shopping.
~pc A fachada principal do Shopping lguatemi está localizada na Avenida Faria Lima, classificada como
nst corredor comercial viário no zoneamento da cidade, que, até 2001, permitia uso misto e densidade
COI
ISCI
demográfica média, com coeficiente de aproveitamento três e taxa de ocupação máxima de 70%, con-
3ior duzindo a uma ocupação do terreno bastante elevada. Em 2002, o Plano Diretor Estratégico em vigor
S SE promoveu alterações significativas nas possibilidades construtivas do seu entorno. Além disso, desde sua
inauguração, a avenida foi duplicada, estendida, recebeu alças de ligações que facilitaram o acesso a
egu
ide várias direções e foi objeto de operação urbana, incentivando o interesse imobiliário e estabelecendo um
ís e efeito multiplicador no processo de adensamento urbano, consumado na década 1980 e posteriores.
imic
veis Em conjunto com sua implantação, destacam-se a consolidação de um importante eixo de expan-
nôn são urbana, a intensificação do uso terciário, a valorização imobiliária do entorno e o adensamento
residencial. Segundo Masano (1993), na área de influência direta do Shopping lguatemi houve um
terc
sso crescimento de 17% no total da área construida entre 1980 e 1990, sendo 52% destinado ao uso
1ho comercial. Ao mesmo tempo, houve um aumento da ocupação dos lotes de 1, 13 para 1,32; um
IS tE decréscimo de 3% no uso residencial e um processo de verticalização do uso comercial e de serviços.
:a e Masano (1993) demonstra que, no caso de São Paulo, nas áreas de influência direta dos shopping cen-
3 C<
5es ters de modo geral há maior verticalização e uma intensificação do uso comercial e de serviços maior
>oti do que no restante da cidade.

Shopping Center Pátio Higienópolis


O Shopping Pátio Higienópolis foi inaugurado em 1999 em uma área residencial já consolidada, consti-
tuída por torres de apartamentos que, a partir da década de 1940, passaram a substituir os antigos casa-
rões da aristocracia rural do final do século XIX (Macedo, 1987 a). A ocupação vertical do bairro deu-se
primeiramente por famílias de rendas alta e média-alta, com apartamentos de grande área construida e,
muitas vezes, de apenas um apartamento por andar. Com o envelhecer dos edifícios e sua falta de ade-
quação aos hábitos urbanos contemporâneos - como mais de um automóvel por família e a busca por
áreas de lazer nos edifícios - e a concorrência de áreas ditas mais nobres, o bairro entrou num processo
de deterioração e de substituição de usos em algumas ruas, transformadas em corredores de serviços
voltados principalmente às atividades de escritórios e consultórios.

Em um segundo momento, a de§valorização imobiliária dos edificios residenciais pâssou a atrair novos
interessados, como casais sem filhos da classe média e pe"ss0as sozinhas ou da terc~ira iç!gde. Esse pro-
cesso de recuP.eração espontânea :.do bâino àtraiu novam_ente os i;'westifT!entos iro~oiliárfos, levando....a ,,.7'
um maior adensamento e_aumento da rénda familiar e din~mizqção do·coÍ}iércio. ~-
' .. . . .._.

Portanto, diferentemente cjo Shopping Jguatemi, a ár~9 em que o Pátio Higi~nópolis se instalou já era..
consolidada e de alta-densidade, com uma populaçCio cõm_tempo e dinheiro para gastar e que se ressen-
tia da falta de espaços de encontro e de com.pras diversificadas em ambiente de conforto e segurança
(Figura 4.8). Interessante observar que nas imediações também existem centros universitários que se

'-. )
J
Capítulo 4 IShopping Centers e o Desenho Urbano no Brasil: Dois Estudos de Caso em São Paulo 101

constituem em intensos polos geradores de fluxo


e potenciais consumidores do shopping center,
garantindo o seu sucesso imediato.

Na época de sua construção, o zoneamento do


entorno do Pátio Higienópolis permitia quatro
usos distintos, com predominância do uso resi-
dencial.5 Uma dessas zonas permitia densidade
demográfica média, duas outras, densidades
demográficas média-alta e alta, e uma quarta
de uso misto, cuja possibilidade de construção
variava entre 2,5 e 3,5 vezes a área do terreno.
O zoneamento também permitia o uso comercial
e de serviços, levando ao surgimento de estabe-
lecimentos voltados aos serviços de alimentação.

Algumas outras mudanças já podem ser perce-


bidas, como o aumento do fluxo de pedestres e
de veículos. Os impactos positivos da influência
do shopping são sentidos na reorganização do
Figura 4.8 Vista aérea do Shopping Pátio
Higienópolis, que foi inserido em uma área residencial comércio local, com a criação de uma centra-
consolidada. (Cortesia da Base Aerofotogrametria e lidade anteriormente inexistente no bairro.
Projetos S.A., São Paulo, Brasil.) Observa-se ainda que a legislação da cidade,
acrescida de restrições relativas à preservação
histórica e integração com o entorno, garantiu a
adequada inserção urbana.

A contemporaneidade de seu projeto foi também parte da estrat égia de satisfazer as demandas do
mercado. O shopping incluiu um teatro no seu programa e incorporou especificidades locais centradas
na presença da expressiva colônia judaica no bairro. Também permitiu pioneiramente a entrada de
animais domésticos e lojas afins. Seu sucesso imediato já implicou ampliações, inaugurando um novo
piso com duas novas áreas de lojas de conveniência, talvez para captar melhor a clientela constituída
pelos alunos das universidades e escolas próximas.

Considerações Finais
Devido à dimensão de sua área metropolitana, com uma população de mais de 19 milhões de habitan-
t es, com baixa mobilidade devido a um trânsito caótico e um transporte de massa bastante limitado,
São Paulo revela-se um território compartimentado. Ou seja, as pessoas tendem a se deslocar para o
atendimento de suas necessidades dentro de setores específicos, valorizando determinados centros em
detrimento do centro principal, e nesse processo são auxiliadas pela presença dos shopping centers.

Desde sua or!_gem em São Paulo, os shopping centers loca1izaram-se preferencialmente junto a
centros secund~iQs já, existentes no~espaço ir)Vaurbano. · Po~terio!!!lente, iniciaram um processo '·
de reforço a· céntralipades urbanas em áreas ~menos densaljleljte ·~xupadas7-AO estruturar esses
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centros lo.cais,, os shdpping centers. af abarn se· torn-an~o Uf'0a alternativa para a populg'ão que vê a
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5
O Pátio Higienópolis foi construído sob a legislação anterior que permitia densidades mais altas. O novo Plano
Estratégico de São Paulo de 2002 é mais restritivo.
REVITALIZAÇÃO:
ODesafio de Melhorar
a Cidade Existente

retorno da democracia e a séria crise econômica dos anos 1980 no Brasil, em conjunto com a
O transformação dos paradigmas internacionais de desenvolvimento, foram fatores que incentivaram
um maior respeito às comunidades e o crescimento da participação popular, e acabariam demonstrando
que o paradigma modernista não era o único possível para o planejamento e o desenho urbanos. Nas
grandes cidades brasileiras, técnicos e políticos se deram conta de que os esforços de planejamento
deveriam ser redirecionados aos centros urbanos, onde edifícios deteriorados e subutilizados, a decadên-
cia e os vazios urbanos, a antiquada legislação urbanística e os ambiciosos projetos viários modernistas
constituíam problemas a corrigir. Vale lembrar que, diferentemente das cidades norte-americanas, onde
os centros perderam praticamente toda a sua população, a maioria das áreas centrais brasileiras ainda
conta com um número significativo de moradores. Além disso, nossas áreas centrais ainda são inten-
samente utilizadas por um enorme número de trabalhadores, que ali trocam de modo de transporte
público - trem pelo ônibus ou metrô, ônibus por ônibus etc. - em seus deslocamentos diários entre casa
e trabalho, sejam destinados ao centro ou a outras partes da cidade (dei Rio, 1997b).

No Brasil de meados dos 1980, os governos municipais começaram a se conscientizar de que cuidar
das porções mais antigas das cidades, particularmente o centro, era uma boa ideia não apenas por sua
importância funcional, social e simbólica, mas também como resposta à crescente pressão de grupos
sociais. Isso levou a que, nas últimas duas décadas do século XX, vários programas e projetos de preser-
vação e revitalização fossem elaborados em diversas cidades do país, a maioria com uma forte inclinação
para a criação de espaços públicos com fins culturais e de lazer. Os quatro projetos discutidos na Parte li
desde livro configuram exemplos representativos dessa tendência.

O mais importante deles foi o Projeto Corredor Cultural no Rio de Janeiro, o primeiro programa de revita-
lização de áreas centrais no Brasil, aqui abordado por Vicente dei Rio e Denise de Alcantara no Capítulo 5.
Iniciado em 1982 e abrangendo quatro áreas não contíguas no Centro Histórico do Rio de Janeiro, uma
das primeiras ações do projeto foi substituir a legislação modernista de zoneamento então em vigor por
um conjunto de regulamentos e diretrizes direcionados a preseNar a herança histórica da área, a promo-
ver a revitalização social e econômica e a resgatar o papel cultural d0 Centro. Através de um processo
especial de revisão de.projetqs, .de educação-p.ública, de isenções .fiscais e de incentivos à construção,. ' ' •.
o Projeto Corredor.C81t~~al Qassbu a estimular a reabiÍLtação de·estrwi1Jras fiÍStóri<êas, a.manutenção de
uºsos tradicionais e, parª preenc~er l~tes vazi.õs, -.? con.Str1,1~ão de -edifíci~s que. reintérpret~ a•história
num vocabuiáÍio êo~te~porãneo. Tendo amplia_áô.seu eSC_?l?Ó·ao Íongo do tempo, o Corredor é ultural
inclt;11 airi.da Q controle da p'rogramação vis~al, a urbanização de vias públicas e a promoção-de atividades
· culturais públicas.

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106 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Em 2005, 75% dos quase três mil edifícios na área de abrangência do projeto haviam sido parcialmente
recuperados e 900 haviam sido totalmente renovados. 1 Além disso. a área do projeto contava com 25
centros culturais, teatros e museus, intensamente utilizados por toda a população da cidade. Dei Rio e
Alcantara discutem como alguns dos êxitos do Corredor Cultural resultaram da harmonização entre as
metas de planejamento e projeto e a revitalização social, cultural e económica; da mistura bem equili-
brada entre preservação e renovação; e da participação pública e privada.

Os desdobramentos positivos do Projeto Corredor Cultural inspiraram outras cidades brasileiras a pre-
servar sua arquitetura histórica e a revitalizar suas áreas centrais, incluindo Salvador. na Bahia. Ana
Fernandes e Marco Aurélio Filgueiras Gomes discutem, no Capítulo 6, um grande projeto iniciado pelo
governo estadual em 1992 para revitalizar o Pelourinho, bairro que melhor representa a rica história cul-
tural de Salvador e que se constitui no centro nacional da cultura afro-brasileira. Designado Património
Histórico da Humanidade Mundial pela Unesco, o Pelourinho possui um dos mais importantes conjuntos
de ediflcios coloniais e igrejas barrocas da América Latina. Os autores demonstram como as primeiras e
fracassadas tentativas de renovar a área, então decadente, fez com que o estado da Bahia adotasse uma
medida radical em grande escala no início da década de 1990, de modo a conferir ao Pelourinho um
papel estratégico no desenvolvimento turístico nacional e internacional.

Fernandes e Gomes discutem as significativas transformações que esse projeto impositivo e contro-
verso introduziu no Pelourinho. particularmente através da "Operação Pelourinho", iniciada em 1994.
Moradores foram desalojados, usos originais deram lugar ao comércio turístico, e atividades espontâneas
transformadas e, eventualmente, institucionalizadas como atrações turísticas. O tecido urbano histórico
foi alterado por novos corredores de acesso às quadras internas, que transformaram o que antes eram
pátios internos privativos em áreas semipúblicas com mesas de restaurantes e arquibancadas para shows,
envolvidas por edificações reformadas com uma arquitetura de pastiche. Os novos centros culturais e
museus geridos pelo poder público ajudaram a promover a gentrificação cultural como parte do novo
espetáculo urbano. Ainda assim, embora controverso - tanto socialmente quanto em termos urbano-
arquitetônicos - . o Projeto ajudou o Pelourinho a se tornar mais seguro e atraente para turistas e visi-
tantes, facilitando uma manutenção mais adequada da arquitetura histórica. Os autores mostram como,
depois de uma etapa inicial de expulsão dos moradores e das práticas sociais históricas, de concentração
excessiva no binômio turismo-entretenimento e na monofuncionalização, a área passa por uma fase de
maior complexidade nas relações sociais e políticas que ali se expressam, de luta pelo direito a moradia
e de intensas mobilizações sociais.

No Capítulo 7, Simone Seabra e Alice Rodrigues discutem os resultados dos esforços de revitalização da
área ribeirinha central de Belém, uma das cidades mais importantes na Amazônia brasileira . Até pouco
tempo atrás, a maioria das ações governamentais de desenvolvimento urbano em Belém não dava aten-
ção à qualidade dos espaços públicos centrais e subestimava tanto o acesso físico quanto o visual ao rio.
Entretanto, nas últimas décadas. os governos estadual e municipal têm implementado projetos nesse
sentido, embora nem sempre de modo coordenado. Os autores analisam três desses projetos. que trata-
ram o rio como uma amenidade, implementaram usos públicos múltiplos e enfatizaram a recreação e o
lazer, tentando recriar a simbiose histórica entre a cidade e o rio.

Iniciado com o ambicioso Plano Diretor da cidade em 1993, as ações municipais visavam à promoção da
qualidade ambiental e estética e à orgq_nização territorial. O' desenvolvimento do turismo e a criação de
espaços público~ de qualidade tornáram-se. prioridades. Com o prog~.atna '{er o Riot:parqlies e peque~'
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nas áreas de lazer foram criados ao longo·das margens do rio, todos a se(em por fim interconectados e
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direcionados ao Centro. A prefeitura renovou ainda o Complexó\Íer o Peso. ~m tradicional mercado ao -=
ar livre junto ao rio e uma das maiores atrações turísticas de Belém, construindo novos quiosques para

1
Por conta das reestruturaçõe~passadas pela prefeitura do Rio, nao conseguimos dados posteriores a 2005.

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/
PARTE 11 IRevitalização: Odesafio de Melhorar a Cidade Existente 107

os comerciantes e reabilitando os espaços públicos e a arquitetura histórica de seu entorno. Ao mesmo


tempo, por ser Belém a capital do estado, o governo estadual implementou dois grandes projetos de
revitalização direcionados à indústria turística: a Estação das Docas (refuncionalização de três armazéns
históricos tombados como complexo de lojas e restaurantes) e o Núcleo Cultural Feliz Lusitânia (revitali-
zação de parte do coração histórico de Belém, incluindo a restauração de edifícios e igrejas coloniais para
servirem como museus).

Seabra e Rodrigues demonstram que, embora nem sempre integrados e algumas vezes enfatizando o
turismo e não a população local, as ações estaduais e municipais vêm ajudando Belém a voltar o olhar
para suas áreas ribeirinhas e vêm produzindo uma nova percepção do rio e ampliando sua importância
para a vida da cidade. Ao promover o uso público de suas margens com novos parques e áreas de recre-
ação, compras e lazer, esses projetos aumentaram as expectativas da população e definiram padrões
mais altos para a qualidade do bem público. Os autores mostram ainda como esses projetos tentam se
harmonizar com a cultura regional amazônica e como enfrentam as questões de sustentabilidade.

Por último, no Capítulo 8, Lineu Castello discute a revitalização de um antigo complexo industrial têxtil
subutilizado na área central de Porto Alegre, projeto inteiramente planejado e implementado pela iniciativa
privada e que teve importantes e positivas repercussões junto à população. Intitulado Distrito Comercial
de Navegantes. o complexo foi transformado e é atualmente um popular shopping center no antigo dis-
trito. Diferentemente da maioria dos projetos pós-modernos, que criam uma falsa identidade, esse projeto
tirou proveito da arquitetura industrial histórica, da centralidade e da acessibilidade à área por transporte
público. O Distrito Comercial de Navegantes é um excelente exemplo de construção de lugar com êxito, em
uma área que anteriormente não possuía uma identidade na imaginação da população.

Nessa antiga usina industrial transformada em shopping center, dezenas de lojas e lanchonetes foram
instaladas em edifícios reabilitados, e novos anexos e áreas semipúblicas ajardinadas que abrigam
eventos públicos geraram uma mistura de usos simples e atraente. Desde a primeira fase do projeto,
outros empreendedores privados aproveitaram a onda, convertendo edifícios no entorno, criando mais
atrações e finalmente revitalizando toda a área. Somente após esses empreendimentos provarem seu
êxito, o setor público começou a apoiar a iniciativa através de melhorias nas vias públicas e com a cria-
ção de pequenos recin tos para pedestres e eventos de rua. Castello destaca que o Distrito Comercial de
Navegantes - embora baseado na construção do lugar pela replicação de suas imagens originais - foi
capaz de utilizar um modo eficaz de atrair o público. O projeto também se destaca como talvez o único
exemplo no Brasil de uma revitalização urbana de sucesso que foi totalmente planejada, financiada e
implementada pelo setor privado.

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CAPÍTULOS

OProjeto Corredor Cultural: Preservação e


Revitalização no Centro do Rio de Janeiro

Vicente dei Rio e Denise de Alcantara

e oncebido no início dos anos 1980 como o primeiro projeto de revitalização para o Centro do Rio de
Janeiro, o Corredor Cultural representa um divisor de águas no planejamento e desenvolvimento
das cidades brasileiras. O projeto incluiu, em uma ação tão pioneira quanto integrada, não apenas a
preservação da herança histórica e cultural da cidade, mas também a recuperação e renovação de seu
patrimônio urbano e arquitetônico, paralelamente a sua revitalização social e econômica. 1

Desde o momento da concepção do projeto pelo poder público municipal, o Corredor Cultural obteve total
apoio de proprietários, comerciantes e da comunidade em sua área de abrangência. Sua trajetória pode ser
mais bem compreendida se considerarmos os quatro aspectos fundamentais de revitalização urbana que o
guiaram: a história, a memória, a preservação e a participação comunitária. Ao harmonizar modelos históricos
e arquitetônicos com uma implementação estrutural e economicamente viável, o projeto evitou os exageros
e a rigidez da restauração purista. Além disso, a ocupação de vazios entre as edificações foi estimulada com
novas construções que reinterpretavam as estruturas históricas utilizando um vocabulário contemporâneo.

O Projeto Corredor Cultural agregou ao controle do desenvolvimento urbano a aplicação de diretrizes


de projeto específicas, a melhoria infraestrutura! e estética de logradouros e da paisagem urbana, as
isenções de impostos e incentivos fiscais, a participação e educação comunitária, além de programas
culturais e eventos públicos. A atuação sustentável do governo municipal ao longo de mais de duas
décadas tem garantido seu bom desempenho, assim como a efetividade dos objetivos do projeto. Com
base em inventário realizado pelo 1Q Escritório Técnico do Corredor Cultural em 2002, dos mais de três
mil edifícios existentes na área do projeto 75% haviam sido parcialmente restaurados, incluindo pintura
e instalação de letreiros, e cerca de 900 edificações haviam sido totalmente renovadas. Além disso, nos
primeiros 20 anos de vida do projeto, cerca de 25 novos centros culturais, teatros e museus foram insta-
lados ou renovados, ocupando edifícios históricos (R. Magalhães, 2008).

OContexto Histórico
Historicamente, qtlesenvolv!mento urba-no' do Riq,qe Ja~eiro tem ~!'! gir<tcterizado p_ela fragmentação ~
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descontinuidade ·do te,rrjtóri9, especialmgrite em fOhção.da situã.~o-geomorfÕló_gica d.a.cidade. A Baía
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Histórico, .
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ser;m.eliminaaos pelos desmontes, aterros e pelo nivelamento

' Sobre os processos de requa lificação do Centro do Rio, ver Roberto Magalhães (2008).
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11 O Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

total ou parcial da área central. A estrutura urbana da cidade sempre foi o resultado de fatores sociais
políticos e econômicos, particularmente após a chegada da família real e da Corte portuguesa, que
fugiam das guerras napoleõnicas e se estabeleceram no Rio de Janeiro em 1822. A transformação do
Rio de Janeiro em capital do império português, e posteriormente em capital do Brasil, assim como
a inauguração de Brasília em 1960 configuraram fatores políticos determinantes na formação de sua
morfologia urbana e de seus modelos arquitetônicos. O neoclassicismo do século XVIII e o ecletismo do
período republicano da virada do século XX correspondem aos tipos arquitetônicos e urbanísticos que
melhor caracterizam os conjuntos históricos da área central.

Na primeira década do século XX, ações sanitaristas e projetos de embelezamento, de expansão do porto
e de melhoria da infraestrutura viária e do transporte público configuraram as primeiras ações de trans-
formação da cidade. O então prefeito Pereira Passos. inspirado nas realizações de Georges Haussmann, o
prefeito que criou a Paris moderna - e com total apoio do governo federal - , dedicou-se à modernização
da capital carioca de 1903 a 1906. Em uma das primeiras operações de marketing urbano já realizadas
no país, ele buscou construir uma nova imagem internacional para a cidade de modo a competir com
sua principal rival, Buenos Aires. 2 Paralelamente, os projetos sanitaristas e as iniciativas de saúde pública
realizadas conduziram à erradicação de doenças endêmicas - como o tifo - que haviam dizimado a
população e contribuíam com o afastamento do comércio internacional.

A adoção de um modelo cosmopolita internacional inspirado na estética francesa demandou a transfor-


mação da antiquada morfologia colonial da cidade por meio de uma reorganização espacial que refle-
tisse a lógica capitalista e viesse a permitir a consolidação dos valores imobiliários. A abertura de grandes
avenidas resultou em novos eixos de transportes e melhor acessibilidade ao Centro, especialmente a
abertura da Avenida Central. Criada como um bulevar de estilo parisiense, no qual os grupos popula-
cionais de maior poder aquisitivo passeavam e consumiam, a hoje denominada Avenida Rio Branco se
mantém como o centro nervoso de negócios e atividades econômicas da cidade (R. Magalhães, 2008).
Naquela primeira década do século XX, várias ruas e becos foram alargados, inúmeros casarões coloniais
demolidos, e a expansão de bairros residenciais de alta renda se consolidou ao longo da orla marítima
da Zona Sul. Diversas praças públicas e edifícios foram surgindo seguindo o estilo bel/e époque francês.
O poder público não somente erradicou as epidemias públicas, embelezou praças públicas e redesenhou
ruas e edifícios na área central, como expulsou os pobres para a periferia da cidade (Pinheiro, 2002).
Desalojados pelas obras públicas e pelas crescentes restrições que incidiam sobre as casas de cómodos e
os imóveis de aluguel, os grupos de baixa renda foram sendo empurrados para os morros e as favelas,
que terminariam por se transformar em uma das principais características da paisagem carioca.

Durante a década de 1920, a cidade se preparou para a chegada da industrialização com a total renova-
ção de uma ampla área do Centro para a celebração do Centenário da Independência do Brasil e para a
instalação da Exposição Internacional de 1922. O resultado foi o arrasamento de morros e a eliminação
de outros tantos bolsões de pobreza remanescentes das renovações anteriores do Centro Histórico. Em
1930, foi concluído o Plano Agache, primeiro plano diretor elaborado para o Rio de Janeiro, inspirado
na tradição beaux arts, cuja proposta incluía a criação de uma capital monumental, funcional e eficiente,
buscando a transformação social por meio da remodelação física, do embelezamento, de novos bairros
jardins e do zoneamento "científico" (ver Figura 1.2 na lntrodução). 3 Embora não tenha sido totalmente
implementado, certamente em função de seus altos custos econômicos e sociais, o plano criou um
novo setor corporativo no Centro e.ainda froje permanece~eVidente.nos regulamentqs de..{JSO do solo,,.
e em aspectos construtivos e de desenho_'uJba~o - tais como a exigê~éia de arcada-; pàra ~irculação.de ~
·, ' 1 1'. •• f" t: """"

2 Sobre a transmissão de modelos urbanos europeus para o Brasil1'esse perí~o. ver Almandoz (2002) e Outtes (2002);

sobre a modernização do Rio de Janeiro, ver Evenson (1973), Sisson e Jackson (1995), Leme (2002) e Pereira (2002).
i O urbanista francês Alfred Agache foi um dos fundadores do movimento cidade-iardim na Europa e um dos maiores nomes
no planejamento urbano internacional. Ver a Introdução deste livro, Underwood (1991 ), Leme (2002) e 5. Oliveira (2009).

)
Capítulo SIOProjeto Corredor Cultural: Preservação e Revitalização no Centro do Rio de Janeiro 111

pedestres, as tipologias edilícias e volumes dos edifícios. Na década seguinte, o governo federal inaugu-
rou a Avenida Presidente Vargas, um novo eixo monumental de tráfego que demandou a demolição de
uma área de dois quarteirões de largura e mais de três quilômetros de comprimento, deslocando, mais
uma vez, outras tantas famílias de baixa renda para fora da área central da cidade.

Embora a arquitetura e a estrutura urbana do centro histórico do Rio de Janeiro tenham se consolidado
efetivamente nos anos 1950, o crescimento da cidade ainda causava efeitos negativos, particularmente
em função da expansão do mercado imobiliário. Além disso, e assim como no resto do mundo, as
décadas de 1950 e 1960 foram caracterizadas pelas decisões relativas à engenharia de tráfego, que
priorizavam as necessidades para veículos particulares, com ruas sendo alargadas, passeios diminuídos
e novas vias expressas e viadutos construídos. Como consequência, davam-se o rompimento do tecido
urbano e a imposição dessa nova lógica rodoviária sobre a paisagem. A década de 1970 foi marcada pela
construção do sistema metroviário, o qual, embora quase que totalmente subterrâneo nas áreas centrais,
ocasionou a renovação de várias áreas ao longo das suas linhas e no entorno das estações. 4

No centro histórico, importantes ediffcios e espaços públicos e privados sobrevivem como testemunhos
de períodos passados, lado a lado aos arranha-céus modernistas (Figura 5.1). Outrossim, refletindo um
padrão que pode ser visto por toda a América Latina, o Centro do Rio de Janeiro se mantém como um forte

Figura 5.1 Vista aérêa'Cfo C~ntro do Rio de J;neiro, mo~rando áreas ao _ .- '·
pe
Projeto Corredor Cu.lfüral.' {F.oto Denise de ~!cantara .)'- ·, - ·" ":.;.;: ·; ' ~-
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4 Segundo R. Magalnães (2008): ·nos ano( 1978-1979 havia duas vertentes para o tratamento da áiéa central com
matrizey urbanísticas opostas na Secretaria Municipal de Planejamento: uma que buscava a preservação da morfologia
tradicional e do patrimônio histórico edificado e outra. defendida por técnicos da Coppe. pela renovação urbana radical,
para s~prir a demanda de área de construção e justificadas pelas necessárias demolições para a construção do metrô.

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ho L 112 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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fos 1
i pa centro financeiro e de serviços e como um polo do sistema de transportes que interliga toda a região
metropolitana. Tais fatores podem vir a explicar de certa forma sua vitalidade. Além disso. o Centro
; sit1
detém uma parcela significativa de população de renda baixa e média-baixa residente em suas franjas:
e PC
npo1 76.321 habitantes em 201 O, representando um acréscimo de quase 5% desde 2000. 5
lSd!
A despeito das várias agressões sofridas e da emergência de novas e importantes centralidades por toda
isa d
~nci. a cidade do Rio de Janeiro, o Centro vem se mantendo como um intenso e ativo componente na vida
idas urbana: um polo funcional. político, social e simbólico (dei Rio, 1997a). De modo inverso ao que ocorreu
1ais nas metrópoles norte-americanas, o Centro do Rio de Janeiro nunca perdeu sua importância econômica
lizaç
e social, seja formal ou informalmente, e se mantém como ponto de referência principal para os 12
Kper milhões de habitantes da região metropolitana. Sua função como ponto de atração vital. com caracte-
1strz rísticas plurais e diferenciadas, se intensificou desde a implementação do Projeto Corredor Cultural, um
:om catalisador do processo de renovação e revitalização da área central do Rio de Janeiro.
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ioria
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gun Projeto Corredor Cultural


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>eê
TiiCê O Projeto Corredor Cultural foi concebido no final dos anos 1970, em um momento histórico em que a
;is e sociedade brasileira ensaiava sua volta à democracia. culminando em 1985 com a derrocada do regime
ônic militar imposto ao país em 1964. A sociedade carioca começava a questionar a qualidade da vida urbana
;rce e a degradação ambiental, e diversos movimentos sociais e a imprensa, aproveitando os novos tempos
so e mais liberais, pressionavam o governo a agir contra os excessos da urbanização, da especulação imobili-
10 u ária e do desenvolvimento. No Rio de Janeiro, a população estava particularmente interessada na preser-
: ten vação das belezas naturais da cidade e de sua significativa herança histórica e arquitetõnica .
ida:
con Em 1979, uma equipe de técnicos municipais elaborou um inventário de edifícios históricos no Centro que
;s d
ainda resistiam à renovação urbana. Propuseram então o Projeto Corredor Cultural, em uma tentativa de
otirr
reconciliar a preservação histórica com o desenvolvimento econômico, entre outros diversos interesses polí-
ticos, sociais e culturais. 6 A viabilização do projeto foi facilitada em função do total apoio político do então
prefeito da cidade, Israel Klabin, de grupos comunitários, dedicados à preservação histórica e cultural, e
da população em geral. Configurou-se como particularmente importante o apoio dos comerciantes locais,
que atuavam na área do projeto e se encontravam organizados em associações comerciais desde 1962.
A maioria era composta por locatários não proprietários dos imóveis, os quais entenderam que o projeto
os protegeria contra as ameaças das grandes incorporações comerciais e imobiliárias previstas para a área.
Desde então o movimento para a revitalização do Centro do Rio de Janeiro tem sido o resultado de um
processo de ações conjuntas desses vários grupos, sob o comando do poder municipal.

Enquanto os debates sobre os problemas de preservação no Rio de Janeiro e o Projeto Corredor Cultural
ainda engatinhavam, o governo municipal instituiu um conselho técnico composto de várias personali-
dades e intelectuais influentes no cenário cultural da cidade - escritores, jornalistas e músicos. 7 Instigar

5 Os dados censitários anuais para o Rio de Janeiro demonstram que a população residenciaf ria região central decres-
ceu 36% entre 1980 e 2000. Os esforços da P!efeitura para reverter essa tendência. através de alterações na legisla-
ção e incentivos para converter edifícios vazios ou .exclusivamente comerciais"em uso residen(ral de renda média, '1êm
surtindo efeito, pois de 2000 a 2010 ·houv~ l)'m aumento da população dobairro Çentro d-eiÍ,9%, de acÕrdo.com °'
Armazém de Dados da Prefeitura: <www.armazemdedados.rio.rj.gov.br>. .-, ':. ~
6 O arquiteto Augusto Ivan de Freitas Pinheiro, principal urbanista responsável .pelo projeto desde sua concepção,

coordenou a equipe original e continuou atuando como diretor técnico da prefeitura na implementação do projeto e
nas ações municipais para a revitalizaçáo. O nome "Corredor Cultural" remete ao jargão então em moda em plane-
jamento urbano de "corredores de transporte". .
7
A partir da Resolução n° 195 de 28/09/1979, foi formada a Câmara Técnica do Corredor Cultural. que contava com
nomes de prestígio com? Nélida Pifion, Rubem Fonseca, Sérgio Cabral, entre outros (R. Magalhães, 2008).

~)
Wlfl /
Capítulo S 1 OProjeto Corredor Cultural: Preservação eRevitalização no Centro do Rio de Janeiro 113

o debate e as ideias em relação à cidade como um todo era um dos papéis do conselho. assim como
discutir sobre as questões arquitetônicas. ambientais e culturais relacionadas ao Centro. Foi imensa a sua
importância, pois proporcionou ao projeto contribuições de ordem conceituai e prática, além de conferir
prestígio ao projeto, já que a imprensa e o público o reconheceram como uma importante ação não
governamental. A preservação da área central da cidade ganhou uma nova imagem: a de proteção de
sua ambiência e de um patrimônio histórico material e imaterial que, mesmo não podendo ser tocado.
podia ser sentido. Este se configurou em um conceito bem mais poético e flexível do que todos os até
então propostos por urbanistas e arquitetos.

O Projeto Corredor Cultural abrangia uma área não contígua de quase 1,3 milhão de metros quadra-
dos no Centro Histórico do Rio de Janeiro e incorporou inicialmente três mil edificações com diversos
níveis de proteção.ª As subáreas originais do projeto caracterizam diferentes períodos da administração
pública: o Brasil Colonial (Praça Quinze e arredores). Brasil Imperial (Saara)9 e o Brasil República (Lapa
e Largo de São Francisco) (Figura 5.2) (Sisson 1986). Com seus diferentes históricos e funções tradicio-
nais, esses fragmentos urbanos possuem características muito distintas que se complementam em suas
relações socioculturais e morfológicas. A área central de negócios permeia as áreas históricas, e nelas
edifícios altos e modernos, largas avenidas e espaços renovados coexistem com fragmentos históricos e
edifícios antigos do período eclético que resistiram à renovação urbana.

Figura 5.2 Os limitês originai~ e as subáreas do-Prqjeto Corredor Cultural, Rio de Janeiro: (1) Saara, (2) Largo de São
·.
Francisco, (3) Praça X\(é t4}.Lapa. (Ilustração do autor com-:b(!se em foto do 6099le'Earth.)

...
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...

8 A partir de 2007, outras áreas passaram à tutela do Escritório Técnico do Corredor Cultural. ampliando seu campo
de atuação. Hoje o Escr~órlo Técnico possui tí-es instâncias, o 1GET. que abrange a área inicialmente proposta. o 2° ET.
abrangendo as APACs da Cruz Vermelha e São Bento, e o 3° ET, abrangendo o restante da cidade.
9 Saara é a sigla de Sociedade dos Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega, associação comercial formada em

1962 po~ co.r;1_erciantes da área.

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ho 114 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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SIT
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e1 No Rio de Janeiro, de modo geral, o planejamento estratégico, o zoneamento e os parcelamentos são
np
normalmente promulgados pelo governo municipal e as leis, sancionadas pelo poder legislativo. Portanto,
>S •
isa o uso do solo é definido por três instrumentos principais que independem do legislativo: (1) o Código
de Obras; (2) os Projetos de Alinhamento (PAs), que determinam direitos de acessibilidade e seções dos
ldé logradouros, alinhamentos frontais e, algumas vezes, o gabarito; e (3) os Projetos de Parcelamento (PALs)
>ai:
- que se referem a áreas específicas e ao parcelamento de lotes. O Corredor Cultural foi inicialmente
lizé
implementado por decreto municipal, que modificou os PAs e PALs existentes para a área, posterior-
XP' mente consolidado pela Lei n° 506, promulgada em 1984, que determinou uma Zona Especial com um
1st conjunto específico de diretrizes e princípios edilícios e urbanísticos. Esse processo estruturou o projeto,
:01
;e determinando que para a realização de quaisquer intervenções arquitetônicas ou urbanísticas na área
ior de abrangência seria necessária a obtenção de aprovações em níveis tanto executivo quanto legislativo.
SI
Nos anos seguintes, a continuidade da implementação do Corredor Cultural permitiu que novas diretri-
gu zes de projeto prevalecessem sobre antigos regulamentos de uso do solo e códigos construtivos de uma
le forma viável, não apenas para a preservação de edificações históricas, mas também para integrá-las às
;e
nii áreas a serem renovadas a partir de práticas de projeto arquitetônicas e urbanísticas adequadas. O rela-
xamento de exigências de estacionamento para novas construções e a proibição de edifícios-garagem na
ôn área, por exemplo - em função do fácil acesso por meio de transporte público -. tornaram-se aspectos
fundamentais do novo regulamento. A combinação de instrumentos legais e fiscais aliados a um inova-
er<
so dor processo de concepção de projetos e de execução de novas construções no Corredor Cultural garan-
10 tiu seu êxito, compatibilizando a renovação urbana com a preservação da herança cultural.
; tt
i e Serão descritas com maior profundidade quatro abordagens complementares que nortearam a imple-
cc mentação do Projeto Corredor Cultural: (a) o processo especifico de aprovação de projetos e o conjunto
es de princípios e diretrizes de projeto; (b) as ações do comitê executivo do Corredor Cultural; (e) as isenções
oti
de impostos e incentivos fiscais; e (d) a participação comunitária.

Categorias de Preservação e Diretrizes de Projeto

O Projeto Corredor Cultural, com suas exigências e diretrizes específicas, bem como a atuação e as
funções desempenhadas pelo Comitê Executivo, passou a se sobrepor ao processo convencional de
aprovação de projetos no municipio. Qualquer intervenção em uma edificação no Corredor Cultural, a
partir de sua implementação, deveria ser inicialmente analisada e aprovada pelo Comitê. Dependendo
das características arquitetônicas da edificação, a análise seguiria uma das três categorias inicialmente
propostas, cada uma com um conjunto específico de diretrizes: preservação. reconstrução e renovação.

Uma grande proporção dos mais de três mil ediffcios na área do projeto se enquadra no "período
eclético" da arquitetura carioca. Desses, cerca de 1.300 edificações foram classificadas na categoria
preservação, pois apresentavam os aspectos arquitetônicos, ornamentais e artísticos.de suas fachadas e
telhados relativamente intactos e em bom estado de conservação. Para esses imóveis, qualquer reforma
no edifício existente ou sua adapta&~o físic~ para novos usos ~eria qOi-seguir diretr~s.estntas de acordo
com o que seria, analogamente, um ;egi~iro histórico (Figura ~ ..3), ,., ~. ..... ~ - ..r ..-

A categoria renovação abr~nge lot~s 'e áreas livres, edlfícios-~~~struídos ·~ais recen temente e aqueles
sem necessidade de ~ma reconstruçáo·histórica precisa~ Inicialmente, regras muito rígidas foram impos-
tas para projetos nessa categoria, inclusive o volume máximo edificado, os tipos e padrões de elementos
de fachadas (principalmente vãos e elementos decorativos) e elementos construtivos, tais como beirais

w /
Capítulo 5 IOProjeto Corredor Cultural: Preservação eRevitalização no Centro do Rio de Janeiro 115

e coroamentos. Entretanto, essas exigências foram consideradas excessivamente restritivas. Assim, pos-
teriormente, somente as dimensões básicas do invólucro edificado passaram a ser regulamentadas -
sempre em f unção dos edifícios existentes no entorno - , enquanto aspectos como texturas e elementos
de composição de fachada passaram a ser apenas recomendados, sempre de modo a se atingir um
"desenho contextual", de modo a integrar o novo edifício ao conjunto urbano edificado (Figura 5.4).

Figura 5.3 Edificação no Corredor Cultural antes (à esquerda)


e depois de ter seus aspectos arquitetônicos e conjunto de cores
originais recuperados. (Antes: cortesia de Maria Helena Mclaren,
acervo do Escritório Técnico do Corredor Cultural, Prefeitura
Municipal do Rio de Janeiro; depois: foto de Denise de Alcantara.)

Figura 5.4 Uma rua comercial


no Corredor Cultural com casario
histórico restaurado e uma
nova construc;ão (em branco no
centro) adêcÍuada às diretrizes
de projeto. (Foto de Denise de
Alcantara.)

- . . ...
116 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

A última categoria, reconstrução, referia-se a edifícios com importância histórica e cultural, semidestruí-
dos ou quase em rulnas, cujos elementos originais arquitetônicos pudessem ser recuperados. Entretanto,
em função de ter uma aplicação muito limitada, essa categoria foi descartada em 1987.

Com o fim de informar e educar comerciantes, proprietários dos imóveis, bem como arquitetos e pro-
fissionais envolvidos nas obras, sobre os objetivos, os princípios de projeto e o processo de obtenção de
licença de obras na área de abrangência do projeto, foi lançado em 1985 o manual Corredor Cultural:
Como Recuperar, Reformar ou Construir seu Imóvel. 10 Esse manual contém ainda as regras para a ins-
talação de letreiros e toldos, assim como as instruções técnicas para a verificação da estabilidade das
fundações e para eventuais reparos estruturais nos telhados. Uma série de outros trabalhos e projetos foi
contratada ou desenvolvida pelo Escritório Técnico. Alguns deles foram publicados, como o A Cor, 11 que
identificava a cartela de cores de fachadas e permitia que empreiteiros e proprietários trabalhassem com
I~ maior liberdade na restauração de seus edifícios. Outra extensa pesquisa intitulava-se Como Preservar a
3j
Sua, a Nossa Herança, que abordava o perigo de incêndios. Todos esses estudos possuíam um caráter
s
fortemente pragmático e objetivavam sua aplicação prática direta. 12
e;
ld
ís
in OEscritórioTécnico
VE
ni
Estabelecido pela legislação inicial de 1984 para prestar assistência à comunidade, regulamentar as cons-
te truções, propor mudanças na legislação vigente e supervisionar a conclusão dos projetos. o Comitê
SI
Executivo do Corredor Cultural - também chamado Escritório Técnico - foi certamente um dos fatores-
lh
IS chave para os desdobramentos positivos do projeto. Sua natureza pioneira e a limitada experiência ante-
::a rior com empreendimento de tamanha especificidade e envergadura tornaram fundamental a criação
ª'
õe
de uma equipe técnica, composta basicamente por jovens arquitetos que aprenderam seu trabalho ao
)(
longo do desenvolvimento do processo. através da análise intensiva de projetos e das visitas de campo
diárias. Ao supervisionar os projetos, bem como durante as interações com membros da comunidade e
com proprietários dos imóveis, a equipe normalmente formulava as soluções à medida que iam surgindo
os problemas. as quais resultaram em diversas alterações nas diretrizes originais do Corredor Cultural ao
longo dos anos.

Como pré-requisito fundamental, o trabalho da equipe incluía a obtenção de um registro iconográfico e


de um catálogo das edificações do Corredor, assim como a documentação de suas características com-
positivas e tipológicas, de sua história, da autoria de projetos e construção e de seus usos anteriores e
atuais. Em um estudo contratado pelo Escritório Técnico, oitocentos sobrados na área do Saara foram
fotografados e classificados pelo seu grau de importância e sofisticação arquitetônica. Nessa intensa
área de comércio popular da cidade, a equipe buscava referências históricas e culturais, não apenas em
relação às edificações isoladamente, mas de modo a ampliar a conscientização sobre o valor de edifícios
antigos, fossem eles tombados ou não. Esse banco de dados favoreceu sua contextualização na escala
mais ampla do quarteirão e da rua, permitindo a definição de principies específicos para cada novo
projeto de construção. Devido à grande variação de gabaritos nessas áreas, era preferível. por exemplo,
definir padrões distintos a serem ~plicados a partir de cada caso específico a se estabelecer um gabarito
único permitido para a área com um. tpdo,,c:omo normalmente ocorre na legislação urbana municipal.
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. . .... • r t' ':
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10 RioArte/IPP. 1985. -· ... , . -. ~

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" RioArte/Corredor Cultural, 1990.
12
Infelizmente, a prefeitura nunca aprovou alguns desses estudos para implementação, tal como o inventário de
interiores em bom estado de conservaçao existentes e a proposta para inseri-los no registro do Patrimônio Histórico

. u
(Vasconcellos, 2002). Isso result_ou na perda irrecuperável de muitos interiores históricos.

/
Capítulo 5 IOProjeto Corredor Cultural: Preservação e Revitalização no Centro do Rio de Janeiro 117

Outro aspecto relevante do projeto é o valor atribuído à "quinta fachada" - o telhado. Ao longo do
tempo, inúmeros telhados foram sendo modificados, alterando significat ivamente as características
espaciais dos edifícios históricos. Nos casos em que o telhado e as claraboias originais tivessem sido
substituídos por telhas onduladas, os proprietários deveriam devolver ao edifício suas características
originais utilizando estruturas de madeira, telhas cerâmicas e claraboias translúcidas. Cabe salientar aqui
que a orientaçâo dos técnicos para novos projetos é a de que seja evitado o pastiche, com cópias malfei-
tas de ornamentações, gradis e elementos decorativos. Assim, busca-se uma reinterpretação adequada
das condições históricas com a utilização de uma linguagem contemporânea, bem como com o uso de
materiais e técnicas atuais.

A restauração de casas antigas e a fabricação de ornamentos e elementos decorativos para os edificios


protegidos ou em processo de recuperação propiciaram a formação de um novo grupo de profissionais e
artesãos que haviam trabalhado nos projetos iniciais. Com o auxílio de técnicos que os acompanhavam
diariamente nos canteiros de obras, esses t rabalhadores especializaram-se, e suas atividades e remune-
rações associaram-se a essa prática.

Incentivos Fiscais e Econômicos

As implicações econômicas do Projeto Corredor Cultural configuraram outro fator decisivo para seu
êxito, principalmente os incentivos concedidos em nível municipal. Fundamentalmente, os imóveis refor-
mados e os edifícios históricos na área do projeto podem obter isenção de imposto predial e de outras
taxas municipais. Essa isenção fiscal potencialmente permanente é contingenciada pela manutenção e
conservação do imóvel, o que é verificado periodicamente pelo Escritório Técnico. Outros incentivos são
também disponibilizados em nível federa l, tais como a Lei Rouanet e o fundo do Banco lnteramericano
de Desenvolvimento para a recuperação de espaços públicos e edifícios históricos na área histórica da
Praça Tiradentes. 13

O Escritório Técnico alega que as isenções fiscais configuraram um instrumento de aplicação extrema-
mente eficaz e que o sucesso do projeto seria difícil sem tais benefícios. Tão logo o Corredor Cultural foi
implementado, vários comerciantes tiraram vantagem dessas prerrogativas para reformar seus imóveis,
o que atraiu a instalação de fil iais de diversas cadeias de lojas famosas - algumas antes somente existen-
tes em shopping centers. Os lojistas perceberam que a manutenção da herança cultural e do ambiente
urbano do Rio de Janeiro agregava valor a seus imóveis e ajudava a atrair uma clientela mais variada.

Em um estudo sobre as implicações econômicas do Corredor Cultural na área do Saara, David Rodrigues
(1999) demonstra que, embora as isenções de IPTU e outras taxas municipais resultassem em uma
significativa perda de receita para a cidade, elas também liberavam a prefeitura do custo direto de
restaurar e recuperar imóveis históricos. Ao mesmo tempo, o projeto fomentava a intensificação de
atividades comerciais e turísticas, as quais, por sua vez, geravam uma nova e alternativa fonte de renda
para a cidade com outras formas de taxação, como compensação indireta das isenções concedidas
pelo município.

Avaliar o custo da reforma de um imóveL.bistórico é tarefa quase impossível: os dados disponíveis são ,
específicos caso a E:áso e ~m função das dificuldades encontr.adâs ,dur;ante a obra. Os-proprietários Õu

· locatários dos imÓv~is ex~Çu,


~ .- tarn os projetos-em' etapâs ~ -- A; levantamentos
.. variqdas, e i~fe1izm;nte.n'io
.. . ou
dados· oficiais s0br e c:üstos.·Pelo fato dê que as-diretrizes dó Projeto.Corredor Cultural são relacionadas
.f ' •' ··'
,.'
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13
A Lei Rouanet, aprovada em 1991, permite isenções parciais de imposto de renda para indivíduos e empresas que
i~vistam _em
-projetos culturais, tais como a recuperação e a construção de museus e centros culturais.
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118 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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o
;1 ao volume original, às fachadas e aos telhados da edificação, o trabalho é normalmente iniciado pelo
a invólucro exterior da edificação. Em julho de 2003, foi estimado um custo médio de R$ 25.000 a
R$ 30.000 para urna simples recuperação da fachada, do telhado, das instalações elétricas e dos sistemas
1( mecânicos de uma edificação histórica padrão no Centro (presumindo que estivesse em bom estado de
) conservação). 14 Corno os impostos municipais para um edifício desse tipo giram em torno de R$ 10.000 a
j1
R$ 15.000 por ano (dos quais 70% são apenas impostos prediais). o proprietário poderia então recuperar
d
:i seu investimento em cerca de três anos.
I!
Embora o valor do imóvel como patrimônio seja inegável, torna-se evidente que as flutuações econômi-
cas do país afetam diretamente o empreendedor. Outra dificuldade com relação à adesão ao projeto diz
respeito à responsabilidade pela manutenção do edifício e ao pagamento das taxas no caso de imóveis
alugados. já que, especialmente em períodos de maior estagnação econômica, não se pode garantir a

segurança do investimento para a restauração de um imóvel alugado.
T
ic
i<
!I
Participação Comunitária
r
e
Finalmente, um dos mais importantes ingredientes para o sucesso da implementação do Projeto Corredor
Cultural foi a consistente e ativa participação da comunidade. Deve-se enfatizar que a principal demanda
para a preservação dos imóveis partiu dos comerciantes, em um movimento crescente de associações
organizadas que lutavam contra a perda de seus negócios para os grandes proprietários, tais como as
ordens religiosas que ameaçavam despejá-los. 15

Nesse sentido, urna caracteristica interessante é a


cultura singular da área. No Saara, por exemplo,
lí há urna significativa proporção de judeus e árabes
)
que imigraram no final do século XIX e inicio do
século XX; esses grupos se constituirarn sobre um
passado sólido, com regras de consanguinidade e
amizade e histórias familiares que geraram fortes
laços de identidade cultural (Figura 5.5). Corno
resultado, essas pessoas não desejavam deixar os
imóveis que foram a base de seus estabelecimen-
tos comerciais. Assim. o projeto foi bem recebido
por esses grupos estratégicos, e seu interesse na
permanência acabou por ter um significado ainda
maior, justificando a restauração de seus imóveis.
As reformas engendraram um sentido de res-
peito renovado pelas edificações e por suas ricas
e ornamentadas fachadas, que iam se revelando
à medida que se retiravam as marquises e painéis
publicitários que antes as encobriam.
Figura 5.5 Uma rua comercial com usos tradicionais
O projeto também teve corno meta a ~ensibili­ e casarões recuperados na subárea do Saara no
Corredor Cultura{ '(Foto de Denis~de AlcantaraJ
zação da população para a irnportâ~cia d~.pre: - .. :~ -.f.. ,.
servação. não apenas em função do apelôVisual 1 .. , :

1
• Estimativa de Maria Helena Mclaren, chefe do Escritório Técnico do Corredor Cultural, em entrevista aos autores.
•s Saara e Sarca (Sociedade dos Amigos da Rua da Carioca) sao duas das maiores e mais ativas associações comerciais
do Rio de Janeiro.

\)
y J
Capítulo 5IOProjeto Corredor Cultural: Preservação e Revitalização no Centro do Rio de Janeiro 119

resultante das reformas das fachadas. mas também pelas relações comunitárias que se desenvolveram
entre os arquitetos e construtores contratados pelos proprietários e os funcionários do Escritório Técnico,
durante o trabalho diário. Muitas soluções surgiam a partir do senso comum, e inúmeras reuniões públi-
cas ocorreram nas associações comerciais, nas quais a comunidade podia discutir e compartilhar ideias
e propostas que afetavam diretamente os usuários. Atualmente o Corredor foi incorporado à cultura
do Centro, que a população reconhece e valoriza, e o termo "corredor cultural" tornou-se sinônimo de
revitalização (Alcantara, 2008).

Parceiros na Revitalização: Projetos Culturais

Desde o início, o projeto incorporou ainda o estímulo e diversos investimentos em atividades culturais,
turísticas e de lazer. O projeto promoveu e apoiou atividades artísticas, musicais, de dança e teatro,
muitas das quais se realizavam nas ruas e praças do Centro, que se transformavam em palcos e cenários
para as performances e apresentações. Um importante aspecto do Corredor Cultural é a reciclagem de
edifícios e casarões históricos para atividades culturais ou para a instalação de novos centros culturais,
bem como a recuperação de museus existentes. O Centro foi revitalizado, tornando-se um dos princi-
pais destinos sociais para além do horário comercial, assim como espaço de entretenimento nos finais
de semana, principalmente pela atração exercida pelos vários museus e centros culturais instalados nos
últimos anos.

Inúmeros edifícios que foram protegidos pelo patrimônio federal, estadual ou municipal vêm sendo
reformados e mantidos pelo poder público ou por doações relacionadas a preservação histórica, ou
ainda por meio de investimentos privados com o apoio das leis de incentivo à cultura. Em vários lugares
do Corredor Cultural - particularmente em torno desses novos polos culturais - restaurantes, bares e
boates se multiplicam. Em 2003, essas iniciativas, fundamentais para a revitalização do centro histórico,
totalizavam 25 edifícios culturais - museus, teatros, centros culturais, entre outros - . 23 deles localizados
em edifícios históricos tombados pelo patrimônio federal, estadual ou municipal. Desses. oito edificações
foram reformada s e modernizadas, mas ainda mantiveram suas funções culturais originais, enquanto 15
outros foram restaurados e convertidos para novos usos.

Um exemplo é a área em torno da Praça Quinze, onde até o século XIX o Cais Pharoux era o principal
ponto de atracação na cidade. Essa área, com importante signifi cado histórico, incorpora ainda o Paço
Imperial - edifício governamental do começo do século XVIII, reformado e transformado em museu em
1989; o Chafari z do Mestre Valentim, que fornecia água fresca para os navios atracados; e o conjunto
do Arco do Teles, uma passagem em arco sob um edifício, datada de 1716, que conduz às vias e becos
alinhados por edifícios comerciais do século XIX. O arco e as travessas conectam a Praça Quinze a outro
grupo de edificações históricas, também recuperadas para uso público como centros culturais, entre elas
as do Banco do Brasil e dos Correios, o Museu Histórico Nacional e a Casa França-Brasil, localizada em
um edificio de 1820, originalmente desenhado como alfândega por Grandjean de Montigny, o arquiteto
que chegou com a primeira missão artística francesa e iniciou o ensino de arquitetura do Brasil.

A Lapa, uro domínio tradicional da boemia carioca desde me·ados do século XX, encontra-se atualmente
revitalizada, ~~om muitos bares, casãs cle espeJª:culo_s e ev~ntq~ ~~ltJfais. Emol <1~rada pelos arcos de um
aqueduto·córistnÍípo e(n 1750, o el!'!mento pi-0heirq dê sua:rfivlfalizàção foi o famoso Circo Voador, que
... .I'. ,._ - . J.·· - ~

se t~f.Pº~ um_ impqr~ahte marco, dp_cult;i~a·poJ:>uiar 'Dos a.nos 1980 e 4'99C)por organiz~ r eventos musi-
_!:ais e· dári_çan,te~ e por lançar vários gruP,os r:núsicais ém formação. O cirf o passou a ocupar no mesmo
,:, . locaf um novo cÓnjunto. arquitetônico permanente, inaugurado no verão de 2005 e-premiado por seu
projeto inovador. Em suas proximidades, outro grande centro de shows e eventos culturais surgiu a partir
das reminiscências da fábrica Fundição Progresso - uma fundição de ferro no final do século XIX. Ambos

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io 120 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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1, e
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lei
1p foram concebidos pela iniciativa privada com apoio do governo e foram elementos fundamentais na
revitalização da Lapa e para a atração de outros empreendimentos culturais e comerciais no bairro.

Investidores privados, muitas vezes em parceria com o poder público e em resposta às ações governa-
mentais, logo perceberam a existência de um mercado consumidor que dava total apoio a esse tipo de
empreendimento com foco na cultura. Edifícios históricos recuperados e transformados em centros cultu-
rais atraíram grandes fluxos de visitantes, aumentaram a circulação de pedestres durante o dia e a noite e
estimularam a inserção de novos bares. restaurantes e boates no entorno, "em um novo fenômeno urbano
ainda a ser estudado por nossos acadêmicos e empreendedores" (Pinheiro, 2002, sp). Um número cada
vez maior de visitantes e turistas vêm ao Centro durante o horário comercial e também à noite e nos fins
:pi de semana, atraídos por exposições de artes nacionais e internacionais, shows, pela animação desses novos
Stl centros de arte e cultura, ou simplesmente pelas multidões nos bares e cafés que se multiplicam.
or
ci
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SE
Desdobramentos e Novas Tendências

O Projeto Corredor Cultural expandiu-se para muito além da reabilitação de edificações históricas. pro-
movendo a renovação urbana, projetos de desenvolvimento inovadores, eventos culturais e a atração de
novos residentes para a área central.

·rc
;o Renovaçãode Áreas Públicas
o
te
d Logo depois da implementação do Corredor Cultural, o Escritório Técnico se deu conta de que a reno-
::o vação arquitetônica por si só não seria suficiente para a revitalização urbana, que dependia fortemente
s
1ti1 da qualidade dos espaços públicos. A infraestrutvra viária e a paisagem urbana foram recuperadas e
áreas para pedestres criadas no Centro. encorajando e intensificando o uso público e diversificando e
aumentando a dimensão pública do centro histórico. Embora previstas desde o início do projeto, essas
ações só ocorreram cinco anos depois de iniciadas as reformas do casario histórico, quando finalmente a
prefeitura atendeu às pressões de comerciantes locais conscientes de que seus edifícios históricos recém-
renovados estavam cercados por ruas, praças e largos decadentes ou ocupados por terminais de ônibus,
estacionamentos e outros usos não atraentes para sua clientela.

Com relação à recuperação de espaços públicos, várias iniciativas da prefeitura merecem ser mencio-
nadas, por seu caráter complementar aos objetivos arquitetônicos do Corredor Cultural. A Avenida Rio
Branco - principal artéria do Centro - foi recuperada através do Projeto Rio Cidade em 1995, 16 e a Praça
Quinze - o mais importante conjunto histórico do Rio de Janeiro, já descrito neste capítulo - foi intei-
ramente reformada em 1998. Esse ambicioso projeto incluiu a construção de uma via subterrânea - o
"mergulhão" - para onde as rotas de ônibus e o tráfego de veículos foram redirecionados, com o fim de
criar um grande largo de pedestres integrando a praça e o Paço Imperial à frente marítima e às docas. As
áreas da Praça da República e do Saara - onde o tecido urbano se manteve com muitas de suas carac-
terísticas originais - tiveram seus meios-fios originais e pavimentação em paralelepípedo recuperados,
enquanto o Largo de São Francisco .e a Pra~a Tiradentes fÔratn recuperad9s para usç p_ú~ico. A área
da Lapa, que estava seriamente comprometida ·com um inefi.ciente traÇado .urbano-cfus· anos 1960,Joi ,.
totalmente renovada e integrei atualmente i~~gas calçadas e-um C!'!otêíro cênt~~I com palmeiras fmperiais, ç"

.
conectando um anfiteatro aos Arcos, como pano de fundo, e ao Circo Voador (Figura 5.6). Multidões de

16
Ver o texto sobre o Projet? Rio Cidade por dei Rio (Capitulo 1O}.

VI /
Capítulo S1OProjeto Corredor Cultural: Preservação e Revitalização no Centro do Rio de Janeiro 121

todas as idades são atraídas pelas apresentações


públicas no anfiteatro durante a Páscoa, o Natal,
entre outros feriados, e especialmente nos fins
de semana.

Uso Residencial: Mais Vida para oCorredor

As restrições que recaíam sobre os usos residen-


ciais remanescentes e a proibição de construções
residenciais, até mesmo hotéis, impostas por
decreto (Decreto nQ322 de 03/03/1976), configu-
raram provavelmente o principal e mais grave pro-
blema gerado pelo zoneamento da área central de
negócios e do Corredor Cultural. Como em outras
metrópoles, a ausência de população residente
resultou em uma quase total ausência de vida e
trânsito fora dos horários comerciais no centro da
cidade, onde a maioria das atividades é comercial
e institucional. As residências são em sua maioria
ocupadas por famílias de baixa renda e concen-
tram-se nas franjas e nas partes elevadas, como
Santa Teresa e o Morro da Conceição, constituídas
por um significativo casario datado do início do
século XIX, bem como por favelas - reminiscências
históricas da mão de obra do porto e de famílias
expulsas das casas de cômodos das áreas centrais.
Essa situação começou a mudar em 2002, quando
a Câmara de Vereadores aprovou importantes
alterações ao Plano Diretor da cidade, e o governo
municipal expediu leis e mudanças no zoneamento
que proporcionaram novos usos residenciais para
toda a área central de negócios e áreas adjacen-
Figura 5.6 A revitalização da Lapa incluiu o
redesenho viário com um novo bulevar, a recuperação tes. Ao estimular a construção de novos edifícios
de espaços públicos e novos usos destinados à cultura com apartamentos de dimensões reduzidas (30
e à boemia. Um anfiteatro foi localizado junto ao
m2) e a conversão de edifícios comerciais vazios ou
antigo aqueduto, e logo atrás situam-se o Circo
Voador e a Fundição Progresso; ao fundo vê-se a subutilizados para o uso habitacional e ao eliminar
Catedral Metropolitana. (Foto de Jean Pierre Janot.) a exigência de estacionamento para edifícios resi-
denciais, a prefeitura espera repovoar o Corredor
Cultural com uma população permanente, o ingre-
diente que faltay~ para a revitalização integral da
área central do Rio de Janeiro. 17 , ...
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17 Ver ' 'secrêtaria Municipal de Urbanismo. Instituto
"'º· Pereira Passos, Macrofonção: Habitar o Centro~ Coleção
Estudos da Cidade nQ3, junho 2003. Rio de Janeiro:
Armazém de Dados. Disponível em: <http://portalgeo.

-..... rio.rj.gov.br/estudoscaríocas/>. Acesso em: 3 jan. 2013.


122 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

l~
)(

lé Uma demonstração de que essa nova visão foi encampada pela iniciativa privada foi o sucesso de vendas
do primeiro empreendimento residencial de larga escala na Lapa, direcionado à classe média. Em 2006, o
~
lote de um antigo depósito de cerveja foi convertido no condomínio Cores da Lapa, constituído de edifícios
1
de apartamentos com 668 unidades habitacionais de um e dois quartos, alguns com lojas no nível térreo
'lcº de frente para a rua. O complexo inclui áreas ajardinadas, quadras esportivas, pfaygrounds, um spa, equipa-
Ji mentos culturais e. até mesmo, uma pista de boliche para os moradores. Surpreendendo até mesmo o maior
ÍI
1(
dos otimistas, as vendas bateram um recorde: todos os apartamentos foram vendidos em apenas um dia. 18
~
li
Novas Ideias

I! As novas ideias para o Centro e para o Corredor Cultural continuaram surgindo, inclusive a proposta de
li expandir o projeto para incluir uma grande quantidade de edifícios de períodos históricos distintos e dife-
s rentes estilos, os quais nem sempre configuram áreas urbanas homogêneas. Entre torres modernas de
estilo internacional, estilos ecléticos e art déco, e até mesmo aqueles representantes da fase "heroica" do
e
modernismo - das décadas de 1930 e 1940 - encontram-se edifícios antiquados, em precário estado de
Í! conservação e ameaçados pela renovação urbana. Entretanto, a equipe do Corredor Cultural tem cons-
ir ciência das dificuldades políticas ao ampliar demais o escopo do projeto, entendendo que a preservação
li
)
desses edifícios nem sempre é essencial, e que muitos exemplares já se encontram protegidos em áreas
mais homogêneas. A intenção é que o município estabeleça diretrizes e incentivos flexíveis e específicos
para sua manutenção. mas como uma resposta à dinâmica das exigências de mercado tais edifícios
seriam beneficiados por isenções fiscais apenas enquanto suas características históricas e arquitetônicas
fossem respeitadas e conservadas.

Um exemplo da viabilidade dessa ideia é a recuperação recente de um edifício corporativo art déco
de 12 pavimentos na Cinelândia, uma área que ainda concentra alguns dos mais antigos cinemas da
cidade e na qual se localizam o Teatro Municipal (1906), o Museu Nacional de Belas Artes e a Biblioteca
Nacional (1905). O edifício de esquina com sua fachada amarelada distinta e um restaurante com mesas
na calçada tornaram-se um tradicional local de encontro e uma referência cultural no Centro. Em 2001
foi renovado por um incorporador privado, passando por uma modernização tipo retrofit. que transfor-
mou seus antigos e obsoletos cômodos em modernas salas comerciais. O incorporador manteve ainda o
restaurante no nível térreo e se referia ao edifício em sua campanha de vendas como uma "joia arquite-
tônica" que "foi preservada pela legislação municipal, em um belo conjunto de grande valor histórico e
intensa atividade cultural".

Há muitos desdobramentos do Corredor Cultural sobre toda a área central. e um episódio recente
demonstra bem o espírito do projeto e seu impacto fora de sua área de influência direta. Na virada do
século XXI, os comerciantes da Rua do Lavradio - uma rua tradicional composta basicamente de lojas
de móveis usados e antiguidades - decidiram promover uma feira de antiguidades no primeiro sábado
do mês. A feira, montada sobre o cenário de fachadas ecléticas históricas, injetou um novo charme ao
lugar e atrai um grande número de visitantes. As calçadas e o sistema de drenagem da área se encon-
travam em péssimo estado de conservação, e o poder municipal, atendendo às pressões da iniciativa
privada, recuperou a infraestrutura urbana e os espaços públiros. Desde então, novos cafés, restaurantes
e pequenos centros culturais foram se~db i.ns.talados nos antigo; casarõés, dividindo 9-~spaçõ COfTl anti-
guidades e móveis antigos. Como resultado.do ambiente urbano renov;do, criou-se urh nóvo, atraente-e
• : • r ~ ..
animado lugar no Centro com·apoio mul)icipal à revitalização (Figuta
. 5.7). E.ssô rua: .
. que não fazia parte

18 Disponível em: <http://veja.. abril.eom.br/vejarj/2903061p_012.html>. Acesso em: 3 jan. 2012.


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Capítulo 5 IOProjeto Corredor Cultural: Preservação eRevitalização no Centro do Rio de Janeiro 123

da área de abrangência original do Corredor Cultural, foi positivamente contaminada e, de acordo com
seu principal articulador, Augusto Ivan, resume o espírito do Projeto Corredor Cultural.

ConsideraçõesFinais

Como observado por Augusto Ivan de Freitas Pinheiro, o principal articulador do Projeto Corredor Cultural
desde sua concepção, "A experiência tem mostrado que passado e presente, preservação e renovação,
cultura e turismo, lazer e negócios podem e devem conviver entre si e, melhor, juntos produzir riqueza,
trabalho, desenvolvimento económico e social, bem-estar e autoestima, ou seja, uma nova cultura para
as cidades" (Pinheiro, 2002a).

Do ponto de vista social, o Projeto Corredor Cultural demonstrou ser sensível a grupos heterogêneos,
respeitando seus interesses e os envolvendo no processo participativo. Do ponto de vista económico,
manteve a dinâmica e as várias atividades comerciais de pequenos negócios, protegendo-os contra os
grandes empreendimentos e melhorando a qualidade de seus espaços. Do ponto de vista ideológico,
apresenta uma abordagem distinta daquelas ações iniciais do planejamento totalitárias/sanitaristas ao
enfatizar o valor simbólico dos edifícios, os espaços e as atividades preexistentes. E, do ponto de vista
cultural, o projeto recuperou o valor da cidade e de seu centro como um recurso cultural.

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Figura 5.7 Rua do Lavra~io: um~ ruà de antiguidades no Centro do Rio de JaFl~ro. bfedifícios forâm recuperados
e os espaços públicos revitalizados.com novas atividades culturais e sõc;iais, coi'ka inclusãq de mesas e clcieii;as nas
calçadas e eventos de rua, -?epÓis.que comercia~tes loc.ii.s·iniciar'a&uma ~eira q';Jti! acontece no primeiro sábado do
mês. (Foto de Vicenté dei IM.) · ·

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124 Desenho UrbanoContemporâneo no Brasil
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ides Ao longo de toda a implementação do projeto, mas especialmente em seu início, a ampliação da cons-
tapa cientização e educação de comerciantes e usuários nas áreas protegidas do Corredor Cultural foi ação
fundamen tal para a preservação dos edifícios históricos. O projeto garantiu a manutenção de atividades
íssit
1 e p1 comerciais. proporcionou sua expansão por meio de incentivos fiscais - tais como a redução e isenção de
mpo impostos sobre a propriedade -. bem como disponibilizou a experiência técnica e o apoio do Escritório
os d Técnico aos proprietários que estivessem restaurando suas edificações e recuperando suas fachad as.
1isac
íênc A crescente importância que o Centro vem ganhando na imaginação e na vida dos cariocas se deve
ada: principalmente ao Projeto Corredor Cultural, o catalisador dessa mudança. O projeto definiu um novo
pais
1liza· paradigma para o Centro: preservar. conservar. reciclar, renovar e modernizar, tirando vantagem da siner-
gia entre essas ações (Pinheiro. 2002a). O projeto foi além da questão material dos edifícios, alcançando
!Xpe a transformação e a recuperação de "lugares".
1Str:
corr Por outro lado, a renovação de áreas externas ao Corredor Cultural deveria sempre ser considerada
S Ci< um aspecto fundamental da preservação, porque, sem reinvestimentos constantes na modernização
iorii
;se arquitetõnica e na reciclagem - retrofit - dos edifícios. o Centro poderia perder sua centralidade para
novas áreas da cidade, como a Barra da Tijuca. Ampliar o conceito de proteção do patrimônio cultural.
!gur incorporando a necessária e continua renovação em uma cidade dinâmica. irá assegurar que o Centro
1e e
continue a ser o marco referencial da cidade. Este é o maior êxito do Corredor Cultural: preservar o que
se
nic deve ser preservado, estimulando novas construções que respeitem aquele contexto. Mas ainda há áreas
eis a serem recuperadas: a cidade deve continuar a oferecer oportunidades estratégicas para o desenvolvi-
ôni mento sustentável.

Nos 20 anos de existência do projeto. muito se conheceu sobre a revitalização do Centro Histórico do Rio
so de Janeiro, mas ainda há muito a aprender e fazer. já que o processo de recuperação de um centro vital
'º'
.te está acontecendo diariamente em uma cidade em contínua evolução: seus costumes se alteram. seus
1d; interesses se diversificam e seus habitantes desenvolvem novas percepções e relações com o ambiente
co em que vivem. De acordo com Augusto Ivan Pinheiro, com base em sua longa experiência como o ini-
!S
)til
ciador e principal articulador do Projeto Corredor Cultural. a conjugação dos diversos conceitos relativos
ao valor - histórico. arquitetônico, imobiliário, simbólico, ambiental e cultural - será a determinante mais
abrangente na qualidade da cidade do século XXI.

Nota

Os autores gostariam de agradecer aos arquitetos Augusto Ivan Pinheiro, Maria Helena Mclaren e André
Zambelli pelas entrevistas concedidas e por ceder informações para este capítulo.

í . . .,

..
CAPÍTUL06

Revisitando oPelourinho: Preservação,


Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade

Ana Fernandes eMarco Aurélio A. de Filgueiras Gomes

a década de 1960, começa a delinear-se no Brasil uma política de preservação do patrimônio histó-
N rico diretamente articulada a uma política de desenvolvimento turístico. Seu objetivo era o de vencer
a estagnação econômica e reverter a degradação urbana que caracterizava várias cidades brasileiras,
sobretudo aquelas mais diretamente ligadas aos ciclos da economia colonial. A criação, em 1973, do
PCH - Programa de Cidades Históricas - reforça essa perspectiva, ao buscar recuperar cidades e conjun-
tos antigos dotados de potencial turístico, começando pelas centenárias cidades da Região Nordeste.

Nesse contexto, Salvador det inha posição excepcional, aliando a seu rico acervo arquitetônico e urba-
nístico o potencial fornecido por seu extenso litoral - o maior dentre os estados brasileiros - e por sua
pujante complexidade cultural (práticas religiosas. festividades, música, culinária etc.). Aliás, de forma
precoce, desde 1959, o t urismo havia sido incorporado como meta ao plano de desenvolvimento da
Bahia, preocupação que resulta, em 1970, na elaboração do Plano de Turismo do Recôncavo. região
dinâmica do período colonial brasileiro (CLAN/OTI, 1970).

Há 50 anos, portanto, se elaboram políticas que visam a recuperação do patrimônio urbanístico e arqui-
tetônico de Salvador, mais particularmente aquele que aqui designaremos por Pelourinho' e que com -
preende toda a região delimitada pela talha geológica a oeste; a Baixa do Sapateiro, a leste; a garganta
do Taboão, ao norte; e a Praça Castro Alves, ao sul (Figura 6.1 ). Ao longo de décadas. intervenções de
diversos horizontes foram formuladas, sem conseguirem, no entanto, reverter o quadro de degradação
social e material desse território tão rico em conteúdo histórico e cultural. A última grande operação para
a área remonta ao início dos anos 1990; lançada com grande estardalhaço na mídia local e nacional, ela
se propunha a t razer a solução definitiva para a recuperação da área.

Passados cerca de 20 anos de seu início, nosso objetivo aqui será compreender esse processo: na pri-
meira parte deste capítulo, buscamos explicitar como o centro antigo de Salvador - e, por decorrência, o
Pelourinho - teve pequena capacidade de integração aos novos desenvolvimentos que a cidade conhece
a partir dos anos 1950, vendo, a seguir, as pollticas, intervenções e práticas culturais que buscaram
requalificar a sua dinâmica. Na segunda parte, analisamos a lgun~ elementos das diversas operações,
algumas ainda em curso, destacando sua~ características e lógicas estruturantes. Na última parte, ao , ..,
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1 Sempre que' pcpsfvel;: qptamos pela desig11àção Pelourinho, P.oiJularmente utilizada para identificar essa área da
ciqade, tendo-em·vista·a forte dose de ambiguidade de conceitós tals'como "centro histórico", "centro antigo" ou
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ôesd Figura 6.1 Vista aérea
J otirr do Pelourinho e o Centro
Histórico de Salvador.
(Foto de José Carlos de
Almeida Filho.)

inserirmos o Pelourinho na dinilmica atual da cidade, analisamos o papel da expansão do consumo


cultural na requalificação de espaços da cidade. buscando explicitar os limites das estratégias culturais
utilizadas pelo urbanismo contemporâneo nos processos de reestruturaç~o urbana.

OCentro Histórico, Sua Dinâmica eas Políticas de Patrimônio


A área do Pelourinho constitui um dos maiores conjuntos urbanísticos e arquitetônicos do período colo-
nial e do século XIX existentes no Brasil, concentrado em um perímetro tombado de aproximadamente
13 ha. 2 A partir de meados do século XIX, após a saída gradativa das familias mais abastadas que aí resi-
diam, esse centro guardará a presença de camadas médias da sociedade, dividindÔespaço com camadas
populares. A abertura. a partir dps ano~» 1940, de novas opções .s:Je loc~lização PQ.ra essa classe mé,dia
. ~ . ' -. . . (

contribuirá para o processo fie empobre.ci m~nto da área. _ • : J ••


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Esse conjunto1eve seu papel urbano mais destacado até rri~ados do século XIX, quando concentrava as residências
urbanas de parte signi ficativa das familias abastadas de Salvador e sua região. além de instituições religiosas. serviços
e pequeno comércio. No entanto, por suas caraderlsticas, apesar do processo progressivo de deterioração. sempre
atraiu parcela significativa do fluxo turístico dirigido à cidade.
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Capítulo 6 IRevisitando o Pelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 127

De seus antigos moradores só restarào as camadas mais pobres, vivendo em sua maioria de ativida-
des informais e descontínuas, quando não marginais, como, por exemplo, a prostituição. Os antigos
sobrados coloniais, divididos e subdivididos. reforçam-se então como parque imobiliário substitutivo
para essa população, que passa a depender da centralidade da área para sua sobrevivência (Figura 6.2).
Dados dos anos 1970, correspondendo ao momento em que se estrutura a primeira intervenção pública
visando a recuperação da área, indicavam que ela abrigava 1.170 imóveis e cerca de 7.000 habitantes
(Bacellar. 1977). 3

Parte constituinte do centro de Salvador, ao norte de sua parte alta, 4 o Pelourinho, ao dividir com o
restante do centro da cidade, no pós-anos 1950, um destino de estagnação e de perda de potência na
direção dos caminhos econômicos da cidade, verá o seu processo de degradação se acelerar, apesar das
várias tentativas de recuperação de que ele será objeto.

Figura 6.2 Rua do Pelourinho antes da renovação, com os imóveis abandonados


e as portas e janelas bloqueadas. (Foto de Griselda Klüppel.)

ADesaceleração do Espaço Central


Os anos 1960 inauguram dinâmicas que transformarão completamente, ao cabo das duas décadas
seguintes, as feições e o modo de funcionamento da cidade. A um processo de estagnação que caracte-
rizou Salvador e a Bahia entre os anos 1920 e 19405 segue-se, nos anos 1950, a possibilidade de integrar
a cidade em uma dinâmica de acumulação capitaneada pelo Centro-Sul do país, tornando-a um dos
polos de concentração de capital na Região Nordeste. 6 No âmbito propriamente urbano, três processos

3 Esses dados são apresentados aqui tão somente a título indicativo. A utilização de dados con fiáveis sobre a área e-
um dos problema~ êom-.ciue se defrontam os pesquisadores. Além de ~sc-a~sos;-a metodologia utilizada nos pÕucos
levantamentos SOCioeCOJ1Ôt1JiCOS produzidos é. a nosso \('er, suje~a a que~onamentO. _ 1
• O centro é dividido:entre a'.Cidade Alta, cQm funções admiQisfrativas, de comérciO"VarejÍsta e de serviçós, e a Cidade
Baixa, que' conc:entrã atividádes .comerciais, portulrias e bancáriãs. ; · -
s Proces~o designado pela elite intelectuaJ local de ·enigmal:Íàiano • .
6 A partir da descoõerta, na década de 1940, de petróleo em seus limites e em suas proximidades. éda implementa-

ção de sua extração, a Bahia responde aos planos nacionais de desenvolvimento com relativo sucesso. implantando,
no território próximo de sua capital, um centro industrial (CIA) nos anos 1960 e um polo petroquímico (Copec) nos
anos 1970.

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lho 128 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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ides deram sustentação a essas imensas transformações. O primeiro deles foi o processo de privatização de
la p;
terras públicas. 7 que permitirá a plena mercantilização do solo urbano em Salvador e, consequente-
is si mente, o pleno desenvolvimento do setor imobiliário e da construção civil (Brandão, 1981 ). Isso signifi-
e~ cará a possibilidade de romper o casco antigo da cidade e de redirecionar a sua expansão.
mpc
OS< Em segundo lugar. a transformação significativa da estrutura urbana da cidade se dará, a partir de então,
1isa conjugando a ampliação do sistema viário à fragmentação de seu centro. O crescimento rápido da rede
iênc
ade de circulação se dará através da constituição de um sistema de avenidas de vale (até então a expansão
oai! da cidade se dava essencialmente pelas cumeadas de sua acidentada topografia). em estreita sintonia
ilizé com o processo de privatização do solo. Os anos 1960 e 1970 assistem, assim. à implementação e finali-
zação desse sistema de circulação viária que determinará, em grande medida. a forma de expansão que
?Xpc
1Stl Salvador conhece contemporaneamente.
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sei Para a fragmentação do centro também contribuiu, no início da década de 1970, a relocalização de diver-
ior sas instituições e equipamentos no espaço da cidade. Com o objetivo de agregar espacialmente todos
; SE os órgãos e secretarias do governo estadual, transformando-o em agente de constituição e expansão de
um novo centro para a cidade (Santos Neto, 1991). o governo do estado cria o Centro Administrativo da
?gu
1e Bahia (CAB), distante cerca de 15 km em linha reta do centro da cidade, em área virgem de ocupação
se urbana.ª As novas possibilidades de expansão criadas colocam o centro tradicional da cidade em situação
mie delicada. na medida em que algumas das restrições existentes ao seu crescimento passam a ser anuladas
eis
pelas condições oferecidas nas novas áreas: ampla oferta de terrenos, fácil acessibilidade, fluidez nos
õn
deslocamentos e, sobretudo, condições propicias ao pleno desenvolvimento do setor imobiliário.
erc
.so Assim, o centro, que ao final da década de 1950 já demonstrava ter "cada vez mais uma posição menos
10 central em relação ao resto da cidade"(. .. ), sendo com relação a ela " perfeitamente excêntrico" (Santos.
; t( 1959), vê o seu espaço de domínio se restringir ainda mais. reproduzindo-se com aceleração cada vez
ie menor. O deslocamento do comércio, a fragmentação da atividade administrativa em várias localizações
cc
es e a redução do papel do porto de Salvador vão conferir ao espaço central uma crise de reprodução, com
ot perda acentuada de dinamismo e deterioração ampliada de seu quadro material. Ao mesmo tempo em
que isso acontece, o centro passa a ser alvo de políticas patrimoniais que se querem integradoras a essa
nova dinâmica. especialmente no perímetro do Pelourinho.

As Tentativas de Reverter a Deterioração do Pelourinho


Durante os anos 1950 e adentrando a década de 1960, delineia-se a retomada de uma discussão local9
- ainda que inicialmente de alcance muito limitado - sobre os destinos do centro antigo da cidade.
Materializada inicialmente em uma campanha de imprensa contra a prostituição que aí se havia localizado

7
Cerca de 47 milhões de m2de terras públicas foram privatizados, sendo que, até 1978, a propriedade de 24 milhões
de m2 já tinha mudado de mãos (Mattedi et ai., 1979).
8
O acesso a ele foi possibilitado pela abertura de uma avenida de 16 km de comprimento e qu~. segundo se veiculou
na época, abriria a possibilidade de incorporação de uma área de 100 milhões de m2 (1 0.000 ha) à cidade, correspon-
dendo a cerca de 2/3 da área total ocupada até então (Santos Neto;-1 991). Some-se a isso a transferência, pelo Estado,
para os limites da área consolidada de ef'.taÕ e !1º novo sentido da expansM. dé,equipamentos épm ar$ poteocial de
polarizaçao - como a estaçao rodoviária·-. assjnr cOfT!O a construçao. pela iniciativa Privada, de!âivêrsos loteamentos ..r ~
destinados à alta renda e de um grande shoppihg center que acaba, pelo·seCJ' impa"Gto'.~empr.estando seu nome a essa
nova área de expansão. Esses eqüÍparnéntos•.ern conjunto com os mec~nlsmos anteri9rmente citados. imprimem uma
dinâmica de ocupação extremamente acelerada a essa nova áre51. '
9
A formaçao de um' pensamento preserV'acionista na Bahia pÕ'tle ser vista através do tímido caminho já esboçado
em 1917 por J.W. de Araújo Pinho. ao instituir uma .comissão para proteger obras de valor histórico ou artístico e,
sobretudo, no bojo da querela travada entre os anos 1920 e 1930 sobre a demolição da igreja quinhentista da Sé,
efetivada em 1933 para a ampliação de uma linha de bonde (Fernandes e Gomes, 1993).

)
Capítulo 6 IRevisitando oPelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 129

por determinação oficial, ela indicava a necessidade de recuperá-lo para outras funções e outra popu-
lação, buscando resgatar seu "esplendor passado" (apud Bahia, 1969, p. 18). Marcada por um tom
moralista e nostálgico, ela não deixava de explicitar o desejo de uma mudança na estrutura social da
área (Gomes, 1984).

Condições para a busca de requalificação do centro antigo de Salvador serão propiciadas em nível nacio-
nal pela redefinição da política brasileira de preservação entre os anos 1960 e 1970 e sua articulação à
política de desenvolvimento turístico implantada também na época, em que se sobressai, como já men-
cionado, o Programa de Cidades Históricas. Será no centro da cidade - e particularmente no Pelourinho
- que se concentrarão todas as atenções (Figura 6.3). Fruto do desenvolvimento desigual do tecido
urbano, o fato de ter sido excluido do vetor de expansão da cidade, somado ao seu tombamento federal
enquanto conjunto, em 1959, e as limitações do direito de propriedade que daí decorrem, garantiu, em
graus variados de degradação, a permanência de seu quadro físico-espacial (Gomes, 1984).

Para operacionalizar a recuperação da área, é criada, em 1967, uma estrutura institucional em nível
estadual (a Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, posteriormente transformada em um
instituto, o lpac). que terá como primeira prioridade a criação das condições necessárias ao desenvol-
vimento turístico. A primeira ideia, provavelmente derivada do estado de espírito dominante na época
com relação à prostituição, era a de proceder a uma radical transformação de seu conteúdo social - uma
"operação deportação"- embora no primeiro projeto de recuperação, datado de 1970, já se falasse em
"salvaguardar o prestigio do setor, com um mínimo de justiça social". Esse projeto partia da hipótese de
que a recuperação, pelo Estado, do miolo da parte mais degradada (o Largo do Pelourinho) e das vias de
acesso a ele seria capaz de desencadear, via mercado, uma dinâmica transformadora que se espraiaria a

Figura 6.3 Largo do Cruzeiro de São Francisco, uma das primeiras áreas a serem recuperadas no Pelourinho.

--
(Foto de Griselda Klüppel.)
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130 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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iida 1 seguir por todo o bairro. O fato de a própria Fundação instalar sua sede na área é significativo da concep-
ção do projeto que ela buscava aí desenvolver, pois esperava-se que a presença desse órgão colaborasse
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para romper o estigma que dominava essa parte do centro.
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temi: Esse projeto, além de implantado apenas parcialmente, não conseguiria carrear os investimentos ini-
idos
cialmente supostos. modificando apenas em pequenas partes o estado da área e, sobretudo, a sua
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iriên dinâmica . Esse primeiro projeto será seguido por vários outros. propostos por diferentes níveis do poder
1pad; público. 10 Alguns abandonados ainda no nascedouro, outros executados segmentadamente, eles visa-
:ipai rão, com pouco sucesso. ao longo das décadas seguintes. imprimir uma nova dinâmica e uma nova
taliz;
feição à área. Além da descontinuidade. reveladora da fragilidade que caracterizará as ações do Estado,
.exp inúmeros outros obstáculos se interporão à plena concretizaçilo de um centro histórico restaurado e
onst voltado assepticamente para o turismo.
a co
ase A extrema pobreza da população residente na área será o primeiro desses obstáculos. Com uma legis-
1aior lação e meios financeiros voltados para a intervenção em monumentos isolados. defrontar-se com a
tÍSS!
necessidade de intervir em um parque imobiliário que, em alguns setores. se caracterizava por uma total
;egu degradação física, quando não arruinamento, será um desafio ao qual se tentará, sem sucesso. integrar
:ide os proprietários dos imóveis. Em função das próprias características dos fundos usados para a interven-
lÍS e ção. estes só podiam ser utilizados em bens pertencentes ao poder público. o que implicará a depen-
ômi<
íveis dência de recursos sempre crescentes do Estado e acabará inviabilizando operações de maior vulto.
nôn sobretudo quando a crise econômica, a partir do início dos anos 1980, foi paulatinamente reduzindo os
recursos destinados à área cultural (Gomes, 1984).
terc
!SSO O fato de os capitais privados não terem respondido às expectativas do poder público para a área
iho complicava ainda mais a situação e se devia. no mínimo, a dois fatores: de um lado. o tombamento, ao
IS te
:a d limitar o direito de propriedade. desestimulava os investimentos privados; de outro, como já visto. esses
a cc mesmos capitais dispunham de melhores condições de reprodução em outras áreas da cidade. O fato de
ões as intervenções não terem conseguido eliminar a pecha de reduto de marginalidade que marcava a área
>oti
do Pelourinho também contribuiu para dela afastar uma clientela potencial economicamente salvável.

A gradual redução de recursos financeiros públicos para intervenções de vulto, a organização de um movi-
mento de defesa dos habitantes da área e a pouca atratividade que esta apresentava para os investidores
privados passaram a ser, em grande parte, responsáveis pelo reforço da "opção social". de manutenção
no local da população pobre ao longo dos anos 1980, com feições progressivamente paternalistas.

Essa "opção" conviverá, entretanto, com o projeto de refuncionalização da área pelo turismo, na rea-
lidade nunca abandonado. Isso implicará a destinação de inúmeros imóveis recuperados para uso de
instituições públicas. do comércio e de serviços. diminuindo consequentemente o número de moradias
disponíveis. O fato de os proprietários deixarem arruinar seus imóveis como meio de pressionar o poder
público a comprá-los, já que era difícil encontrar outros compradores em virtude das restrições impostas
pelo tombamento, veio contribuir para que se reduzisse ainda mais o parque habitacional da área. Assim,
à medida que se sucedem planos. projetos e intervenções para a recuperação da área, pode-se constatar.
paradoxalmente. um aumento da sua degradação física e um maior encortiçamento dos imóveis.11

Equívocos relacionados à condução política das intervenções também se constituíram em obstáculos


suplementares à concretização do projeto de recuperaçãQ turística da área: jamais se conseguiu chegar
a uma efetiva articulação entre oS"dive~s~s níveis do poder público-'_; federal, estaáµal; ffiúnicipal - que
. . - - . r• •

10
Esses projetos sobem a mais de 1onas trê.s últimas décadas.i tendó em comum, quasé sempre, a preocupação com
o turismo (Ostermann et ai.. 1993). •
11 A dim1nu1ção efetiva de unidades hab1taciona1s faz com que elas passem a ser disputadas por um número cada vez

maior de moradores. apesar da perda de efetivo populacional na área em função dos fatores mencionados no texto
(Gomes, 1984}.

Wi
J
Capítulo 6 IRevisitando o Pelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 131

aí atuam, nem tampouco se buscou atacar frontalmente questão urbana tão complexa, para além dos
horizontes eleitorais, renovados a cada mudança de administração estadual ou municipal. Do ponto
de vista da fundamentação conceituai das intervenções, não se conseguiu equacionar os problemas
do centro antigo, articulando-o ao novo patamar da dinâmica da cidade de Salvador como um todo.

Chega-se assim aos anos 1990, com uma situação em que, à elaboração de políticas gerais de recupera-
ção da área, não corresponde a reestruturação da dinâmica do centro, a não ser de forma fragmentária.
No entanto, a esse parque imobiliário extremamente degradado se superporá um processo intenso de
retomada cultural da cidade que, ancorada em iniciativas de vários tipos, 12 mas, sobretudo, em práticas
populares, verá florescer uma produção cultural intensa. Através da reinterpretação de tradições locais,
esse cenário verá reforçado o seu papel de ancoragem territorial para novas manifestações.

OReinvestimento Simbólico no Pelourinho


Com efeito, por entre as malhas dos projetos institucionais para a área, alimentando-se em parte das
oportunidades oferecidas pelo turismo, e em especial pela visibilidade por ele propiciada, passaremos a
assistir aí, a partir da segunda metade dos anos 1980, à emergência de um processo de grande força cul-
tural. Esse investimento coletivo na construção de um território demarcado por símbolos de etnicidade
(Morales, 1991) irá requalificar aquele espaço por meio de um processo lento e contínuo de afirmação
da identidade negra em Salvador, em suas múltiplas formas e pertencimentos. 13

Cidade marcada fortemente pela presença negra, que abrange 85% de sua população, Salvador par-
ticipa, no bojo dos movimentos sociais que caracterizam as décadas de 1970 e 1980 no Brasil, de
um fl orescimento do movimento negro, tanto cultural quanto politicamente. É o momento em que se
assiste a uma multiplicação dos blocos afro no Carnaval, grande festa de massa que começa a se afirmar
na cidade a partir dos anos 1950 (Santos Neto, 1991). Esses blocos, compostos majoritariamente por
negros, tomam para si a tarefa de renovar publicamente as fortes tradições africanas que caracterizam a
cultura local. Em um curto espaço de tempo, vários desses blocos se formam e se consolidam, reunindo
diferentes segmentos sociais em diversos bairros da cidade. 14

Esse processo se combina ainda, por outro lado, ao grande crescimento da indústria cultural nos
anos 1980, que, nacional e internacionalmente, busca complementaridades e combinações exóticas.
Ancorada num ritmo cada vez mais acelerado, os fenômenos musicais deveriam ser reciclados rapida-
mente para garantir a reprodução do processo. A Bahia, tradicionalmente pujante em talentos artísticos
(na literatura, no cinema, mas, sobretudo, na música), se vê assim na possibilidade de atender à avidez
dessa indústria cultural e, a cada verão, fornecer o ritmo e a dança que dominarão a temporada em nível
nacional. Na esfera internacional, os contatos e as trocas se multiplicam, combinando-se com o toque
negro e exótico da cidade colonial. 15

12 Como, por exemplo, o movimento A Cidade É Nossa, liderado pelo Clube de Diretores Lojistas de Salvador, ou

ainda da associação de interesses entre comerciantes e instituições da Cidade Baixa, no sentido de repromover eco-
nômica, cultural e simbolicamente aquele espaço. Organizações de cunho culfural e comunitário também participam
desse processo (Fernandes e Gocnes, 1995). ~ .
13 Não se trata aqui de <i~a}is~ a7 omplexidade desse~ movi~n~o em SaJvador; m.éJS.-af{enas de situar..sua importâncià '•

no reinvestimento.simbólico'<Jo:f'elb_\.lrinho. ._ ~ · . .. :~'f· ~ ·' ~- _~ ,..


• Entre os mais signifi,cati~os, 'pbqemos citar: Ql i~ Ayiê'1 no b_airr}><cja Gberdade, composto:f5or grande núme(Óde pro-
1

fissionais vinculà~oS-ao pôlo pêtroquíJTiico de ~amaçà rt; Ó Olodurn, sêdiaHo no .Pelourinho e composto bãSféamente
po~ ; rabalhadores de7insérção precárja' no .me~cado. ae-tr.abal ho;Bs FiifÍos ae Gandhi, formado por estivadores do
porto na, d~cada de 1950' e <:om sede·também ·no Pelourinho; o Arakétu, com sede·em Periperi, subúrbio de Salvador
(Morales, 1991).
' 5 Dentre as várias personalidades do mundo político e artístico que por ali passaram, talvez o momento mais noti-
ciado tenha sido o da filmagem de um clipe de Michael Jackson, dirigido por Spike Lee, em fevereiro de 1996.
nho L 132 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
te o t•
radig
:a, de
1ismo
ides 1 Constituindo-se uma relativa ruptura com certo purismo que caracterizava movimentos anteriores, a
lapa
questão da defesa cultural valoriza. ao mesmo tempo, a tradição, sua interpretação contemporânea e
•S sit sua condição de produto cultural que deve circular no mercado e se utilizar da mídia enquanto veiculo
e P< para sua divulgação. 16 Assim. a combinação entre um potente movimento de afirmação da identidade
TIPO negra, uma nova articulação entre a questão da defesa cultural e o mercado e o retorço do turismo
)Sdo
enquanto "vocação" da cidade. sobretudo em seu centro antigo, dão a base desse processo de explosão
isa d
ênci cultural que marcou Salvador na virada dos anos 1990.
3da!
iais A cidade assistiu, dessa maneira, ao reforço e explicitação de uma rede de territórios estruturada a partir
liza1 da organização e multiplicação de grupos culturais e de sua dinâmica. O Pelourinho, naquele momento,
assumiu, progressivamente, o papel de território central dessa rede. A longa história que o caracteriza;
os investimentos aí realizados em duas décadas de intervenção estatal; o desenvolvimento do turismo,
que impôs a esse centro a ciclotimia de seus ritmos; a sua localização central e o seu papel na rede
cultural da cidade combinaram-se para potencializar aquilo que os novos investimentos sozinhos não
teriam condições de realizar: a aposta na possibilidade de reversão do processo de deterioração da área,
infelizmente não realizada.
~ur
ec
e.
lÍC As Seis Primeiras Etapas e oÍmpeto da "Operação Pelourinho"
is
•ni• Estruturando-se sobre o lastro deixado pelas experiências anteriores e beneficiando-se dos novos inves-
rei timentos culturais de que a área foi objeto nos anos anteriores. retomou-se vigorosamente, a partir
o de meados de 1992, a opção pela sua transformação em centro cultural e turístico. privilegiando-se
) 1 novamente as cercanias do Largo do Pelourinho, dada a sua centralidade no conjunto. A intervenção,
te promovida pelo estado da Bahia através do lpac (Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural) e do Conder

'()
(Companhia de Desenvolvimento Urbano), teve por objetivo a recuperação praticamente global das
; 1 edificações da área, dividida operacionalmente em sete grandes etapas, englobando todas elas áreas
til extremamente degradadas (Figura 6.4). No total, foram definidos cerca de 734 imóveis para serem
recuperados em 34 quadras, 17 dos quais, em 2006, aproximadamente 70% já tinham tido suas obras
finalizadas (Fernandes, 2006). Atualmente continua em lenta execução, embora bastante modificado, o
projeto da sétima etapa.

Interessante verificar algumas características da operação inicial. No prazo recorde de 150 dias. a sua
primeira etapa (1992-1993) " recuperou" 104 imóveis. que foram agenciados em 463 novas unidades,
60% das quais destinadas ao comércio e 40% a serviços e habitação. Os anexos e acréscimos no interior
dos lotes foram eliminados e a tipologia tradicional destrufda, de modo a criar, no miolo de algumas
das quadras renovadas, um espaço semipúblico. com caráter de praça central de um espaço comercial
(Figuras 6.5 e 6.6). Durante a etapa inicial da intervenção, alguns desses espaços tornaram-se palco
de apresentações artísticas - sobretudo música e, mais raramente, teatro -. congregando a população
visitante em torno de seus espetáculos, bares e restaurantes. Essa alteração tipológica desdobrava-se,
esteticamente, na reproposição imagética das edificações, em que se buscava "reforçar" seu caráter
colonial, o que levava, muito facilmente, ao pastiche. Os detalhes arquitetônicos e a paleta de cores pre-
tensamente originais conseguiam, de certa forma, dar unidade ao todo e aumentar Õimpacto visual do
conjunto, sobretudo se comparado-aQ seu estado anterior o'l.l às áreas adjacentes aindê deg,r-adadas. A'fr
: .. . . . ~dt-:. \ . . "- .. ,.
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16
Nesse sentido, a vinculação com a indústria' cultural e a indústria do turismo é trab~lhad~ de perto por esses movi-
mentos. ao lado da afirmação da tradição cultural que os caracteriza, o que, aparentemênte, não é vivenciada como
contradição.
17
Importante observar a dificuldade de se obterem informações sistematizadas sobre esse projeto de requalificação,
com números e totalizações variando bastante no próprio ambito do poder público.

\..)
/
Capítulo 6 IRevisitando o Pelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 133

11
1

Figura 6.4 O famoso Largo do


Pelourinho, elemento central da ~rea:
vistas para o norte {A) e sul {B). (Fotos de
(A) Vicente dei Rio e (B) Griselda Klüppel.)

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J
10 I 134 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

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Fi gura 6.5 Conjunto de diversos casarões recuperado intitulado Quarteirão Cultural e Praça das Artes e da Memória.
r<> Projeto premiado, inclui dois teatros, galerias de arte, uma companhia de dança, uma biblioteca, três pequenos museus
o e uma grande tirea central ajardinada sobre um estacionamento público. (Foto de José Carlos de Almeida Filho.)
) 1
te
d; outras etapas, até a sexta, seguiram os mesmos princípios de projeto e de execução da obra, embora, a
:o partir da quinta etapa, o ritmo das intervenções tenha se tornado muito mais lento. 18
SI
tir Para o conjunto da intervenção, um investimento significativo foi canalizado para a normalização e
ampliação das redes de infraestrutura, com destaque para água, esgoto, luz e telefone, o que possibi-
litou a requalificação da demanda potencial em relação à área. Toda essa parte da operação foi levada
a cabo por empresas privadas, fiscalizadas pelos órgãos responsáveis pelo conjunto da intervenção. A
notar que a realização da obra por empresas com grande experiência no controle de cronograma e no
gerenciamento da mão de obra facilitou o cumprimento dos exíguos prazos políticos previstos para a
finalização das etapas da intervenção. Com essa velocidade, a prospecção arqueológica necessária a esse
tipo de intervenção foi devidamente burlada.
A amplitude da operação e a exiguidade do prazo em que cada uma das quatro primeiras etapas foi
realizada acabaram traduzindo-se por um baixo nível de qualidade técnica na execução das obras, obri-
gando os novos ocupantes dos espaços criados a finalizá-las, sobretudo no caso de espaços destinados
ao comércio e serviços. Até a 6ª etapa, cinco estacionamentos foram construídos, com cerca de mil
vagas disponibilizadas, visando facilitar a acessibilidade à área, ainda hoje um de seus problemas centrais
(Fernandes e Gomes, 1995b). 19
Em termos de política fundiária, o programa buscou uma articulação com os proprietários, mediante o

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repasse de imóveis para o Estado, -através de contratos de cowodato ou de desapropriação, a depender
.,..~ ... -..
- --- . - . -~ :,r-· ,,..
~ \ ! • - • i'. .... "!" .. • •• f -t...
..
18 o ritmo das inauguraÇ'ões é' 'Surpreendel)te atê a quarta etapa: enrmarço de 'J993 ,ínaugura-se a primeira; em
novembro do mesmo ano, a segunda, e, em março de 94, a terceira-e-qvarta efapas, perfazendo um total de 366
imóveis recuperados e ui:n investimento com recursos própriosde cerca de US$ 25 milhões. A mudança do governo
estadual, embora com manutenção do mesmo grupo político, leva à diversificação dos interesses pollticos e à dimi-
nuição no ritmo das obras (Oliveira. 2002).
1
9 Um desses estacionamentos, o menor deles, já foi fechado e seu uso redirecionado para apoio à Policia Militar da Bahia.

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li í
Capítulo 6 J Revisitando o Pelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 135

da solução que viabilizava de forma mais rápida


o projeto. Esse sistema concentrava nas mãos do
poder público uma fatia substancial do parque
imobiliário das áreas a serem recuperadas, trans-
formando-o no grande gestor da atribuição dos
imóveis: cabia a ele o comando da locação das
unidades imobiliárias e da escolha das empresas
aptas a se localizar no espaço da intervenção.
Esse mecanismo de gestão do patrimônio imobi-
liário recém-recuperado contribuiu para acentuar
o carát er essencialmente centralizador da inter-
venção, abrindo espaço a toda espécie de favori-
t ismo e client elismo com relação aos interessados
em se estabelecer na área.20
A prontidão com que novos investidores respon-
Figura 6.6 O Largo Tereza Batista, pretenso espaço público no interior
de um dos quarteirões, é um exemplo das alterações equivocadas na deram à proposta do governo - mesmo consi-
morfologia histórica do lugar. (Foto de Griselda Klüppel.) derando o alto subsidio oferecido às atividades
- sinalizava uma grande adesão à crença no cres-
cimento da função turística da área e, sobretudo,
uma notável reversão da perspectiva de seu uso
social, que dominara anos antes. A ocupação
praticamente em bloco dos novos espaços de
comércio e serviços, o sequenciamento imediato
das etapas de intervenção, os efeitos da campa -
nha publicitária traduzindo-se em incremento
do fl uxo t urístico e, sobretudo, o policiamento
público ostensivo conjugaram-se no desmante-
lamento daquilo que fora um grande entrave na
consecução do "destino" cultural e turístico da
área: sua imagem de zona perigosa e reduto de
delinquentes (Figura 6.7).

Além da vontade política de marcar inequívoca


e rapidamente uma inflexão definitiva nos des-
tinos da área, outros elementos possibilitaram e
diferenciaram essa intervenção daquelas que a
precederam. Assim, o volume dos investimen-
tos e a forma de sua aplicação, concentrada no
tempo de cada operação, permitiram que um
Figura 6.7 Grupo de turistas europeus percorrendo grande número de edificações fosse "renovado"
uma das ruas renovadas do Pelourinho, de ambiente ao mesmo tempo, ampliando a credibilidade
colonial artificial, sob o olhar ostensivo da polícia (à
esquerda na imagem). (Foto de Griselda Klüppel.)
da operação, e .fazendo com que esse estoque

·- de unidades,.sobretudo comerciais, entrasse no


rilercado -ao m.es~o1êjh po,_ativando o circuito
'°'"·.
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imobiliáfio e
..... ~ ... ..,( ~
cfrihinuindo -:.o ÓÉlo de Fõatwação
... do inv.es·t imérito.- Por outro lado, a centralízação
~.~ . ...
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.. '
20 Para maior detalhamento dessa questão, ver Fernandes

e Gomes. 1995b.

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ot 136 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
ot;
dig
de
110
lS 1
pa da propriedade nas mãos do poder público possibilitou a sua convergência aos rumos traçados para a
política de ocupação da área, homogeneizando a destinação das diferentes unidades imobiliárias. O
sit1
regime de comodato, transferindo a gestão da propriedade para o Estado, em um prazo de até 1O anos,
po
>OI permitia que a valorização provocada pelo investimento fosse atenuada e que um subsídio à localização
dE fosse oferecido aos empresários, fazendo com que a despesa inicial do pagamento do tributo fundiá rio
3d· se restringisse. 21 Nesse sentido, como contrapartida aos baixos aluguéis cobrados aos empresários, foi
1ci;
demandado um investimento feito na unidade locada para finalizar o processo de recuperação iniciado
as
is 1 pelo próprio Estado. A concentração de investimentos em um curto período, a rapidez da resposta aos
aç esforços envidados e a demanda muda de segmentos intelectualizados da classe média em torno da
recuperação do centro traduziram-se. em termos políticos, em apoio ao "governo que faz", aumen-
1er
:ra tando assim o potencial de sucesso da intervenção. 22
m:
O uso habitacional foi flagrantemente excluído das seis primeiras etapas: 91 % das unidades resultantes
:id
·ia destinavam-se ao uso comercial e de serviços e apenas 9% à habitação (Fernandes e Gomes, 199Sb)
(Figura 6.8). Em relação aos moradores, duas alternativas foram oferecidas em negociações individuais
com cada família: uma indenização visando a liberação do espaço por elas ocupado ou sua relocação
líll
em unidades recuperadas para fins habitacionais. A maior parte optou pela primeira, na medida em que
cc
!a a enorme penúria que caracterizava a situação da grande maioria dos moradores23 indicava o primeiro
~a caminho como mais sedutor. 24 A "operação deportação", sonhada desde 1967, realizou-se em grande
:d parte. De sua antiga população, hoje resta apenas um pequeno percentual que conseguiu se manter
io
no Pelourinho. Entre 1991 e 2000, enquanto a
:e1 população da região administrativa do Centro viu
d sua população diminuir em 8%, a área tombada
UI
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decresceu em 36%, e alguns perímetros da área
a! sob intervenção direta chegaram a apresentar
rr taxas de 72% de decréscimo (Fernandes, 2006).
d;
m Do ponto de vista social, a questão habitacional.
que sempre foi enfrentada apenas parcialmente,
até a sexta etapa dessa operação se caracteri-
zou pelo abandono radical da proposta de inter-
venção com manutenção da população, que
caracterizou a ação do lpac praticamente desde
sua fundação e que, em determinados momen-
tos, assumiu contornos nitidamente populistas
e clientelistas (Magnavita, 1995). As diminutas
possibilidades de mobilização política da popu-
lação local e sua complet a falta de organização
facilitaram a saída do Centro de grande número
Figura 6.8 Rua renovada do Pelourinho totalmente ocupada
de moradores, sobretudo daqueles mais "incó- por restaurantes, bares e comércio voltado ao turismo.
modos", aumentando assim o espaço a ser (Foto de Griselda Klüppel.)

21 Em 2000, 133 imóveis continuavam ~b..controle do lpac em rêgime de c9modato (Mourad-:_2Q11)(


12
Com relação a essa expectativa nutrfda por ~egmentos intelectualizados cli! 'classe média a_1ite,a ameaça·.cada vez
mais presente de um arruinamento irreversívetdo Pelourinho, não-deixa de ser sintórnátíco q'ue, apesar çla virulência
da operação no que diz respeitq ao~ seus .morJC!o'res, nenhuma articula;ção· maís ampla tenha sido tentada no sentido
de discutir seus rumos ou propor altern~'tivas a eles. Nesse sentido, .não seria exâgero-:'c:iizer que a demanda muda
desses setores transmutou-se em aceítação muda da intervenção, à medida que os resultados desta iam se revelando.
23 A esse respeito, ver os depoiment.os de ex-moradores, em Oiiveira (2002).
24 Dados do lpac de 1997 indicam que 1.855 famílias foram indenizadas nas etapas de 1 a 5, com valor médio de

R$ 1.222,00 - cerca de US$ 1.000,00 na época - por familia (Sant'anna, 2003), quantia insuficiente para resolver.
mesmo em bairros bem di~tantes do centro, o seu problema da habitação.
-·· )
('
Capítulo 6 IRevisitando o Pelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 137

potencialmente destinado ao terciário. Os poucos moradores remanescentes, relocados oficialmente


na própria área, ou aglomerados profusamente na área ainda não modificada, se não chegam a
preseNar o perfil social anterior, colaboram, por outro lado, pela sua presença e modo de vida, para
conferir mais "originalidade" e "autenticidade" ao centro histórico recuperado.

ACrise do Modelo, a Sétima Etapa eoDesafio de


uma Nova Lógica Social eUrbana

Passados vinte anos do inicio da operação. boa parte daquelas unidades que haviam sido "recuperadas"
e que chegaram, por um tempo, a funcionar aproximadamente conforme o modelo esperado encontra-
se em decadência e em estado mais ou menos avançado de degradação. O almejado projeto de colocar
em funcionamento comércio e serviços voltados prioritariamente para um público de visitantes e turistas,
com destaque para bares e restaurantes, lojas de artesanato e suvenires e galerias de arte, conheceu,
durante esse período, um acentuado processo de rotatividade e abandono. Contribuiu para isso o fato
de o turismo em Salvador ser uma atividade altamente sazonal e de o Pelourinho ter se mostrado inca-
paz de manter o interesse do público local. Muitas atividades que haviam apostado nessa localização,
sobretudo as mais sofisticadas, abandonaram a área. e. com raras exceções. ela ostenta hoje um perfil
ambíguo entre centro turístico e centro popular. Por outro lado, é o que ainda lhe garante uma frágil,
incerta e decrescente dinâmica urbana.

Incapaz de deslanchar uma dinâmica urbana viva, a área continuou a exigir, por longo tempo, uma pre-
sença - embora cada vez menos atuante - do governo estadual em termos de inversão de recursos para
sua manutençilo e atratividade. Se tomarmos os dados do Programa Pelourinho Dia & Noite,25 a despeito
do enorme esforço de produção diária de eventos no local - entre janeiro e dezembro de 2002, foram
investidos cerca de US$ 900.00026 para a promoção de 1.546 eventos, congregando 13.134 artistas e
cerca de 2.800.000 pessoas27 - . o público que os frequenta diminuiu expressivamente, à exceção do
período do Carnaval e do São João.28

Demonstrando nitidamente que o modelo concebido para a recuperação da área - grande shopping a
céu aberto. com uso quase exclusivamente terciário e marcado pela promoção constante de eventos -
não se sustenta em termos de dinâmica urbana. a partir de 1999 começaram a ser discutidas possibilida-
des de inserçM de moradias no Pelourinho. A isso se aliaram três fatos - as novas linhas de financiamento
que começavam a ser concebidas pela Caixa Econômica Federal; o delineamento de novos programas de
recuperação de centros, particularmente o Monumenta. com recursos do BID; e as restrições orçamentá-
rias do governo estadual. que, até então, tinha atuado quase que exclusivamente com recursos próprios
e que se via então diante da necessidade de encontrar fontes de financiamento para a continuidade da
operação, o que colocava em jogo novas estratégias de uso e ocupação do espaço urbano.29

is O programa, que existiu.entre 1,995 e 2007, promovia bailes, shows. ensaios de blocos. teatro, recreação infantil,
performances e ginástica .àlrÕ. , · - _-. . -f" ~
·.
26
·Sant'anna. 2003. . : - • - J" - -
11
Os dados concentram-se em àlgurnas datas especiais ao longo dt'.f ano, particularmente Carnaval e São João_Dados
cedidos pelo Programa Pelo.urinho·bia & Noite, lpac/Governo do Estac;to da Bahia.
28
Os dados para o período 'do Garnaval são difíceis de analisar, dada a enorme variação de quantidades ano a ano - de
meio a um milhao de pessóas-- . o que provavelmente revela diferentes estratégias de levantamento dos dados. No
entanto, apontam para a ordem de importancia dessa festa no Pelourinho e na cidade como um todo. O São João, tradi-
cional festa do mês de junho realizada sobretudo nas cidades do interior, vem ganhando expressiva importância na área.
29
Para uma ~iscussão detalhada desse processo. ver Sant'anna, 2003.
. . . ..

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~nho
ute e 138 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
ara d
ica, 1
1nisn
fade:
ida~ A partir dessas condicionantes. é concebida uma nova versão da 7d etapa do projeto, com o desafio de
se defrontar com uma área extremamente pauperizada, degradada e marginalízada. Essa etapa, agora
IÓSS
31 e 1 integrada ao Projeto Monumenta, financiado com recursos do governo brasileiro e do BID, previa a recu-
emp peração de 134 imóveis destinados a uso predominantemente residencial, além da restauração de alguns
dos' monumentos e da construção de espaço para estacionamento. Embora ampliando as possibilidades de
1uisa
:riên• redinamização da área, ao reinserir população moradora - o principal alvo eram funcionários públicos
pad< estaduais e municipais -. em termos de política social, no entanto, pouca coisa foi alterada. Continuavam
:ipai! a ser previstas indenizações às 1.674 famílias aí residentes, sem oferta de alternativas de relocação no
taliz< próprio lugar (Sant'anna, 2003).
exp1 No entanto, outros processos também em curso deram lugar a um questionamento legal e jurídico desse
onst1
movimento continuo de expulsão da população pobre do centro da cidade. O episódio conhecido como
a cor
.as ci " dos Alfa iates". a seguir relatado, sinaliza um conjunto bem mais complexo de forças em disputa a partir
1aiori dos anos 2000.30
liS SE
O empreendimento denominado "Portal da Misericórdia". próximo à mais antiga praça de Salvador,
segu situada na Cidade Alta, iniciado ao final dos anos 1990, tinha como proposta desenvolver um quar-
:ide<
teirão dedicado a espaços culturais e de lazer, com investimento da ordem de R$ 15 milhões. A inicia-
ais e
.õmic tiva provinha da Santa Casa de Misericórdia, grande proprietária fundiária e imobiliária no centro de
íveis Salvador, articuladamente a vários setores corporativos (Fernandes, 2006). Sob coordenação do Instituto
môni da Hospitalidade, organização não governamental ligada à Fundação Odebrecht, o projeto previa recur-
1 terc
sos de parceiros tais como a Petrobras, a Trikem, a Copene e a Aliança da Bahia, além de investimentos
esso do Prodetur/NE li. A intenção do empreendimento era criar uma espécie de "bulevar", com lojas, res-
'nho 1 taurantes, cafeterias e museus, t ransformando a área em mais um ponto de atração turística do Centro
as te
Histórico de Salvador. As obras consistiam na recuperação do conjunto monumental da Misericórdia
ica d<
laco1 (séculos XVII e XVIII) e de cinco prédios, no lado oposto da rua, construídos no início do século XX.
;ões 1
Em dezembro de 1999, o estado da Bahia declarou de utilidade pública o prédio n° 01 da Rua da
ootir
Misericórdia, com o objetivo de integrá-lo ao Projeto de Reforma e Recuperação do Centro Histórico
de Salvador. A Bahiatursa - empresa de turismo da Bahia - deveria assumir a posse do imóvel. Este era
ocupado por 44 pessoas distribuídas em 15 domicilios, dos quais sete eram chefiados por alfaiates e um
por um auxiliar de alfaiate, profissão que tinha naquele prédio uma localização referencial na cidade. Os
casarões vizinhos ao dos Alfaiates já tinham sido desocupados.

Porém, em 2000, foi interposta ação de embargo de terceiro, com pedido de liminar, a partir de ação da
assessoria jurídica de um deputado estadual. Entre outros argumentos, essa ação baseava-se no fato de
que o proprietário havia abandonado o imóvel há mais de 40 anos e que seus ocupantes lá estavam há
pelo menos mais de cinco anos (ou há mais de 20, no caso de nove domicílios). Ela arguia igualmente
a impropriedade quanto à maneira como havia sido formulada a ação de despejo da Bahiatursa, advo-
gando que "os requerentes não passam de simples possuidores(...) assim sendo (...) não pode o poder
público indenizar, em ação de desapropriação, a quem não for legítimo proprietário" .31 A ação requeria
que fossem concedidos títulos de usucapião constitucional urbano para seis chefes de domicílio (aqueles
com mais de cinco e menos de 20 anos de moradia no local); e títulos de dominio por usucapião extra-
ordinário para nove chefes de domicílio (aqueles com mais de 20 anos de moradia no local).

Depois de uma série de ameaç~~ e~d~ idas.e vindas juridicas, em.dezembro de 290) foi-assinado UIJ) TAC
- Termo de Acordo e Compromisso.-!=Õ1!1 interrnediaçã0 do Ministério ~úblico,:-afravés da Promotoria{je
Cidadania e Meio Ambiente. Seg~ndo esse acordo, os mcii:adores fonEordaram em sair do prédio para

30 Os dados e informações que se seguem, referentes à questão dos Alfaiates, estão baseados em Fernandes (2006).
31

-
Ação de Embargos. de Terceiro, com pedido de liminar, 2000 (apud Fernandes, 2006).
...

.- --
Capítulo 6 IRevisitando o Pelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 139

viabilizar a reforma; parte deles recebeu uma pequena compensação pecuniária, parte firmou contrato
em comodato de 20 anos para um novo endereço e oito do grupo de alfaiates preferiram a mudança
provisória para retornarem ao antigo endereço tão logo este ficasse pronto. Além disso, fazia parte
do TAC o acordo de que, caso se ultrapassasse o prazo estabelecido no contrato de comodato para
a reforma do " Prédio dos Alfaiates". os alfaiates possam continuar suas atividades em outro local nas
proximidades. "Essa foi, sem dúvida, uma vitória marcante do movimento popular na cidade, que indica
caminhos para a conquista mais efetiva do direito à cidade" (Fernandes, 2006).

Esse embate trouxe consequências importantes sobre os desdobramentos da 7~ etapa do programa de


requalificação do Pelourinho. Ainda segundo Fernandes (2006), a insatisfação dos 698 moradores que
ainda residiam na área (os outros já haviam sido devidamente indenizados e/ou relocados). o ganho de
causa dos alfaiates e a confluência de várias instãncias institucionais atuando no programa levaram a
que fosse encaminhada uma contestação mais vigorosa. encadeando-se ações por parte de diversas
instâncias governamentais, do judiciário. de partidos politicos e de movimentos sociais. Enquanto a
Conder continuava a defender a retirada dos moradores da área da 7ª etapa, uma ação na Comissão de
Desenvolvimento Econômico e Turismo da Assembleia Legislativa do Estado alegava "o flagrante desres-
peito aos direitos fundamentais das pessoas que ali residem e residiam". No mesmo sentido, o PT entrou
com ação de inconstitucionalidade defendendo o status de patrimônio imaterial dos moradores. Essa
questão virou tema de dossiê que foi entregue ao coordenador da Unesco na Bahia.

Concomitantemente. foi criada a Associação de Moradores e Amigos do Centro Histórico (AMACH),


autora de uma ação de usucapião pelo direito à posse dos imóveis ainda ocupados na 7ª etapa (alguns
moradores há mais de 25 anos na área). tendo ainda o Ministério Público Estadual ajuizado ação civil
pública (nº 38.148-712002), com pedido de ordem de liminar contra o governo do estado e a Conder.
Classificando o processo de relocação como de "assepsia social", ele utilizava o argumento de que
desapropriar imóveis para destinar a outra pessoa viola as regras do Decreto-Lei de Desapropriação no
3.365/41.32 Nesse clima de embate, os gestores do Monumenta informaram que, enquanto houvesse
litfgio, não seria aplicado nenhum recurso do programa na área da 7ª etapa.

Ressalte-se ainda que isso acontecia no momento em que o novo governo federal, eleito em 2002
(ao qual se opunha o governo estadual) elegia a função social da propriedade e a gestão democrática
como principais guias na condução da polftica urbana. através do então recém-criado Ministério das
Cidades e do Ministério da Cultura, ao qual está subordinado o Programa Monumenta. Acrescente-se
a vinda a Salvador de uma missão conjunta da Relatoria Nacional e da Relatoria da ONU sobre o Direito
à Moradia no Brasil, que apontou um conjunto de violações de direito no programa desenvolvido no
Centro Histórico de Salvador.33

Em função desse conjunto de mobilizações. em julho de 2004 chegou-se a um acordo quanto aos princi-
pais elementos que passariam a conduzir a intervenção, particularmente: a permanência da população na
área do programa, a participação de entidades representativas na condução do projeto e a destinação de
espaço para sede da associação de moradores e para a casa de recuperação de drogados (Fernandes, 2006).
Um ano após o acordo e depois de mais urna batalha jurídica e de monitoramento independente do pro-
cesso, chegou-se à assinatura do TAC entre as partes envolvidas. As 103 famílias que permaneceriam seriam

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n Jornal-1Tarde,23/0]/2094. àpu.dFernandes. 2906. 1-_ h ~ • •·, ' '. • "

JJ Após visita à ár'ea,do centro ê encontros com vários ~entes - setor pt;iblico. ONGs e moradores-. a missão rela·
ciona as violações identificadas no Centro HistóJico dê Salvador: violação do direito à moradia adequada (art. 6°,da
Constituição Federal); violáção do direito à gestão democrática da cidade (art. 2°. inc. 11, da Lei Federal n° 10.257/01);
violação do direito à identidade e manifestação cultural (arts. 215 e 216. da Constituição Federal) e a não discrimina·
ção (art. 3°, inc. IV. da Constituição Federal); violação do direito ao trabalho (art. 1°. inc. IV; e art. 170, incisos VII e VIII,
da Constituição Federal). Saule e Cardoso. 2005 apud Fernandes. 2006.

/
140 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

contempladas com unidades habitacionais do Programa de Habitação de Interesse Social (PHIS), f inanciadas
pelo Ministério da Cultura, Ministério das Cidades e governo do estado da Bahia (Fernandes. 2006).

Assim, embora de forma bastante tardia e minoritária, e após intensa mobilização social e política, o
direito à habitação de interesse social na área central passa também a integrar - ainda que de forma mais
nominal do que efetiva - o programa de requ alificaçilo do Pelourinho. No entanto, a situação em 2012
ainda é dramática: o Prédio dos Alfaiates, embora completamente recuperado, encontra-se fechado,
com alguns de seus antigos moradores já no final da vida (Fernandes, 201 2) (Figura 6.9). Em 201 1, das
103 unidades de habitação de interesse social previstas para a 7ª etapa do programa. apenas 36 haviam
sido entregues (Mourad, 2011 ).

Do ponto de vista demográfico. no entanto, importa ressaltar que existe uma tendência à diminuição do
processo de perda de população. embora ela ainda seja significativa. A quase estabilizaçé!o da população
da região administrativa do centro - diminuiçilo de apenas 1 % entre 2000 e 201 O - é seguida, para o
mesmo período, de uma queda de população de 15% para a área tombada e de 39% para um dos perf-
metros atingidos mais diretamente pelo programa de recuperação. Um desses setores, por outro lado,
apresenta aumento de população de 8.4% no período (Fernandes, 2012).

Considerações Finais
Duas décadas após o início da intervenção no Pelourinho, o quadro tornou-se bastante mais complexo,
com diferentes iniciativas vindo se somar ao projeto de recuperação da área. Embora as ações públicas
possam ser caracterizadas em geral como frágeis, destacam-se dentre elas programas de habitação para
classes médias e fu ncionários públicos (como na 7ª etapa da intervenção analisada anteriormente). pro-
jetos de habitação de interesse social (como na Vila Nova Esperança. em pleno coração do Pelourinho);
novas institucionalidades visando fazer convergir as ações das três esferas de governo; e elaboração de
um plano estra tégico para a região. Observa-se também a ação progressiva de grupos corporativos priva-
dos em processo de construção de patrimônio fundiá rio em áreas adjacentes, com caráter especulativo.
a exemplo do que ocorre na região de Conceição-Largo Dois de Julho (Projeto Santa Tereza) ou na região
do Carmo-Santo António.

Por outro lado, reiteradas críticas vêm sendo feitas à atuação do governo do estado na área central,
responsabilizando-o pela crise no funcionamento da área corno um todo. São recorrentemente apon-
tados como problemas críticos a perda de dinâmica comercial. o aumento do tráfico de drogas. a inse-
gurança, a diminuição do policiamento. a degradação do ambiente construído, o assédio aos turistas.
o turismo sexual, a morosidade na definição de diretrizes de intervenção, a retirada de apoio do Estado
ao programa de animação anteriormente existente e. finalmente, a ambiguidade entre o discurso e as
prioridades efetivamente perseguidas.

No entan to. mesmo se nos concentrarmos no programa aqui analisado, podemos apontar algumas
vigências e tendências que nos parecem significativas. O binômio turismo-entretenimento, ponto de
partida para toda a operação que buscava requa lificar a área e sua dinâmica urbana, con tinua sendo um
elemento forte (porém não mais o único) para entendermos o processo em curso. Os últimos 20 anos
de experiência nesse campo mostram tanto os limites impostos pela sazonalidade da atividade turís tica
em Salvador quanto o papel relevaote ' do turismo nacional e
. estad~I nos percentyais dlfrequência
. /
e de visitação dessa área tombada - contrariamente à aposta i.nicial dQ.~O\lerno estadual no turismo
internacional. Soma-se a isso o restrito tnteresse da classé média lbêal pela ár~ã. em grande parte estimu-
lado pelas dificuldades de acesso a ela e pela profusão d~ alternát ivas existentes atualmente em outras
áreas da cidade.
Capítulo 6 IRevisitando o Pelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 141

Figura 6.9 O Prédio dos Al faiates, totalmente recuperado mas ainda não ocupado,
aguardando a resolução dos impasses políticos. (Foto dos autores.)

Comprova a renovada aposta no binômio turismo-entretenimento a natureza de duas dentre as princi-


pais iniciativas voltadas mais recentemente para a área: o concurso nacional de projetos para a "requali-
ficação" de três praças internas às quadras. criadas quando da intervenção do início dos anos 1990, )4 e
a recente licitação para a construção do "palco móvel" no Largo do Pelourinho.35 Mesmo com a substi-
tuição do Programa Pelourinho Dia & Noite pelo Programa Pelourinho Cultural, de menor alcance e com
diminuição visível de frequência, vários eventos são ainda ali realizados. com predominância de público
no Carnaval e no São João. 36

Em termos do patrimônio construído, é importante notar que tanto no passado remoto dos anos 1960
e 1970 quanto naquele mais recente das primeiras etapas da intervenção desencadeada no início dos
anos 1990, essa questão sobressaía com maior destaque nas políticas para a área, mesmo que articulada
ao binômio turismo-entretenimento. Objeto de visões mais ou menos equivocadas ao longo de déca-
das. essa questão situa-se hoje em um lamentável segundo plano - não apenas no que diz respeito ao
Pelourinho. mas também à cidade como um todo. Corroboram essa afirmação o abandono e o arruina-
mento (ou, no mínimo, a descaracterização) do parque imobiliário tanto na área do Pelourinho quanto
na Cidade Baixa (Conceição, Comércio, Pilar), nos bairros antigos da segunda cumeada (Santana, Saúde,

34
Realizado em fins de 2011, o concurso visou a ideias para projeto de requalificação dos Largos Pedro Arcanjo,
Tereza Batista e Quine~ Berro.Q.'Agua, localizados no Centro Histórico, tendo em vista a melhor utilização da área '·
pela populaçao local e:fluluante. . ~· -.. . - -
• 3 s O palco móvel. projeto de· autorla do arquiteto.Pasqualinô Magnavita, é Ütr'ia grande estrutura metálica retrátil em
um terreno vago na parte baixa;. do Largo do Pelourinhp7Quam:lo ·~ioné!da, ela avança por sobre o largõ; transfor-
mando-se em 'palco abertQ pâr<i os dois "anfiteatrosw·naturais formados pela topografia do local, sendo um deles o
próprio largo e o outro a ladeira que sobe. em,.. dire~o ao Carmo. • _
36 Parcerias foram firmaaas com instituições diversas a fim de trazer para o circuito do Pelourinho eventos já conhe-

cidos e renomados em outras importantes capitais do pais. Vários dos eventos atraíram milhares de pessoas. Ver
" Pelourinho Cultural", 01/07/11; disponível em: <httpJ/www.cultura.ba.gov.br/projeto/pelourinho-culturaV>. Acesso
em: 15 iu.n. 2012.

/
142 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Nazaré, entre outros) ou ainda nas ladeiras que conectavam Cidade Baixa e Cidade Alta. A implosão do
estádio da Fonte Nova, importante exemplar da arquitetura moderna em Salvador, em agosto de 201 O,
talvez seja um dos episódios mais eloquentes do desrespeito pela questão patrimonial em uma cidade
que. paradoxalmente, explora sua condição de "cidade histórica".

A única exceção que parece escapar a esse quadro de abandono é dada ainda pelos bairros do Carmo e
de Santo Antônio, desenvolvidos em contiguidade ao Pelourinho e que, curiosamente, não foram objeto
de nenhuma intervenção pública mais significativa. Trata-se de uma zona que se desenvolveu entre os
séculos XVIII e XIX, com um padrão tipológico e ocupacional diferenciado com relação à situação do
Pelourinho, com uma importante presença de pequenas residências unifamiliares construídas sobre os
limites frontal e laterais dos terrenos, ao lado de certo número de sobrados. Essa característica tipológica
facilitou a permanência de uma população de classe média que, bem ou mal, conseguiu cuidar razo-
avelmente de seus imóveis, sem nunca ter tido, entretanto, condições suficientes para neles introduzir
mudanças substanciais que pudessem descaracterizá-los. Os efeitos da manutenção de certa integridade
arquitetônica e urbanística da área, aliada à existência, por muito tempo, de uma "vida de bairro" e à
proximidade das atrações turísticas do Pelourinho, transformaram rapidamente o perfil social desses bair-
ros. Dispararam os valores imobiliários, multiplicaram-se as pousadas e hotéis. com uma sensível troca
de estratos de classe média tradicional por uma população intelectualizada, com importante presença de
estrangeiros que af residem, possuem uma residência secundária ou mantêm uma atividade econômica,
em geral voltada para um público também estrangeiro. Mais recentemente, o interesse pela área de
grupo empresarial de porte e a compra sequenciada de cerca de quatro dezenas de imóveis aceleraram
um significativo processo de esvaziamento populacional na última década.

No plano da política cultural, é fundamental destacar que, embora ainda de forma bastante tímida e
pouco efetiva, uma ação de maior capilaridade vem sendo implementada, por diversos convênios e edi-
tais, buscando construir uma base de funcionamento mais amplamente assentada sobre uma dinâmica
social mais próxima da condição dominante da cidade como um todo. Busca-se contrapor ao processo
de desestruturação de importantes espaços culturais populares, como os " bares afro", que desde o início
dos anos 1980 "transbordavam" sobre a rua, criando um ambiente de grande animação, frequentado
essencialmente por uma população afrodescendente.

Parece-nos importante ressaltar que as tentativas de revitalização do Pelourinho ao longo dos últimos 20
anos associaram-se a diversas outras iniciativas públicas, destinadas a reforçar a marca do "cultural" -
em toda a diversidade que essa noção implica - à imagem de Salvador, incluindo-se aí, desde o início da
década de 1990, iniciativas voltadas para a recuperação de importantes equipamentos culturais, embora
não na escala que exigiam o número e a importância dessas instituições. A constatação do arrefecimento
atual dessa tendência poderíamos acrescentar que os argumentos relacionados ao legado da história e
à vitalidade da cultura local parecem ter sofrido importantes reconfigurações ao longo do tempo, em
um processo em que a "história" é reduzida a um patrimônio construído para cuja imagem se apela,
mas à qual pouca importância se dá efetivamente. Quanto aos argumentos relacionados à vitalidade
cultural da cidade, o foco na produção dos grandes espetáculos de rua parece, por outro lado, ter efe-
tivamente aumentado, estando principalmente concentrados no verão; dentre eles nenhum excede, em
escala, visibilidade externa e importância econômica, a promoção do Carnaval, que. a cada ano, atrai
para Salvador centenas de milhares de turistas, privatiza o espaço público, subverte o funcionamento da
cidade e transforma muitas de suas p~ftes errrmero cenário para o grande e?petáculo (lue.ele oferece.
. ~ .. .., • . ,.,. . ' : ; .... ~, e

Se a preocupação com o binômio turiSll)O"~l)tretenimento guãrd~ .proemip~nç,ia na análise da interven-


ção em curso no Pelourinho há '20 anos, é fundamental perêeber·q'ue a ·ele gassgu, mais recentemente,
a ser contraposto outro elemento. queJra.z consigo a pers€lectiva ae novas~possibilidades para a área: o
do reconhecimento do direito à moradia no centro antigo da cidade. Ao fracasso da ação autoritária que,
há 20 anos, equivocadamente apostou na monofuncionalização da área, praticamente eliminando a

\ )
J
Capítulo 6 IRevisitando o Pelourinho: Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à Cidade 143

função residencial e boa parte da população moradora. bem como na total prioridade ao turismo, parece
contrapor-se agora um processo de luta, afirmação e avanços de camadas populares. aliados a um leque
amplo de forças políticas em diferentes iniciativas nos últimos anos. A implementação dessas conquistas,
no entanto, ainda é, contraditoriamente, lenta e muito restrita - o que não nos impede de ver nesse
processo a esperança na legitimidade da negociaçM democrática como caminho para uma recuperação
urbana mais perene e socialmente mais plena de vitalidade e de justiça social.

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f
CAPÍTULO 7

Revita 1ização da Orla FI uvia 1na Amazônia


- OCaso de Belém do Pará

Alice da Silva Rodrigues Rosas e Simone Silene Dias Seabra

os últimos anos, as grandes cidades brasileiras vêm passando por processos de requalificação de
N sua paisagem construída, não apenas para restabelecer relações mais estreitas com peculiaridades
históricas, geográficas e culturais em resposta às novas necessidades sociais e econômicas locais, mas
também para se tornarem mais competitivas nos mercados regional, nacional e global. Muitos desses
processos têm por base a recuperação da simbiose da malha urbana com corpos d'água de diversas
naturezas - mar, baía, rio, lago, e outros - e também de antigas zonas portuárias, industriais, comerciais
e residenciais. Na maioria das grandes cidades, as orlas contíguas a áreas centrais tiveram a princípio sua
imagem vinculada à marginalidade, especialmente em consequência das atividades portuárias ali origi-
nalmente instaladas e mais tarde, à degradação causada pela obsolescência dessas atividades portuárias
e ao seu deslocamento para instalações mais modernas em novos portos mais distantes. Esvaziadas de
sua função e de seu lastro econômico. as estruturas urbanas e arquitetônicas remanescentes foram aban-
donadas ou negligenciadas pelas administrações públicas. Entretanto, nos últimos anos, essa realidade
vem se modificando. com descoberta do seu grande potencial paisagístico, cultural, turístico e simbólico.
Em consequência, as orlas portuárias passaram a ser recuperadas e revitalizadas como novos lugares,
contribuindo para o redesenho dos mapas de suas cidades.

Esse processo também ocorreu em Belém, capital do estado do Pará, cidade localizada às margens do
Rio Guamá e circundada por várias baías, a principal delas a Baía do Guajará, a qual banha grande
parte de sua orla continental. Nesse caso. as antigas estruturas não foram totalmente abandonadas.
mas subutilizadas ou adaptadas a novos usos; por exemplo, além do transporte de cargas passaram a
atender também ao transporte de passageiros. Em resposta ao crescimento da cidade, a ocupação da
orla fluvial priorizou as atividades econômicas ligadas ao setor produtivo e de transportes que tomaram
conta de toda a sua extensão, sem que o poder público exercesse qualquer tipo de controle. Ou seja, não
foram estabelecidas diretrizes de ocupação que promovessem o seu uso sustentável, com preservação
das caraderísticas ecológicas, ou o incentivo à instalação de atividades voltadas ao turismo e ao lazer,
apesar de a região ser mundialmente conhecida pela exuberância de seus rios e pela diversidade de sua
fauna e flora amazônicas.

Ao longo da orla conti n~ntal de~Belém também se desenvolveram espontaneacnente atividades comer- •·
ciais de diversas catego~ias, e.-também pequenªs localidades °éib~lrin~:sit~adas nõ arquip~ago que
compõe a parte fJu~i?I do .m~~i~!Pí~. o que contribúiu.p·ara a•tnsÜilação de inúmeros portos de pasfagei-
ros ao longo da orla 'conti°íién_tai e insular de Belém. -~ ~·" · ..:
1

~
Somente durf!nte a década.de 19?0 o poder público começou~a dedicar atenção especial a projetos
de intervenção urbana voltados para o resgate de espaços específicos ao longo da orla. Geralmente
_,_ Histórico de Belém (núcleo original da cidade). essas intervenções têm buscado a
localizadas n.o Centro
146 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

preservação e a valorização da paisagem natural, priorizando a definição de novas funções para edifi-
cações que fazem parte de seu acervo histórico, com a criação de espaços voltados à cultura e ao lazer.
Em Belém, o processo de qualificação da paisagem urbana tem encontrado no desenho urbano um
instrumento de resgate da escala local - menosprezada pelo urbanismo moderno - , restabelecendo
novos parâmetros de qualidade visual que buscam valorizar o panorama da cidade, as relações entre a
arquitetura antiga e a contemporânea, e ainda produzir novos espaços de integração da orla fluvial com
a população. Além de apresentar os resultados desses projetos, este capítulo pretende ainda avaliar até
que ponto eles correspondem às expectativas propostas inicialmente, às práticas sociais da população,
além de abordar as novas perspectivas que surgem para a cidade.

Alnextricável Relação de Belém com oEstuário Amazônico


O crescimento de Belém foi marcado por sua situaçílo geográfica no estuário do Rio Amazonas, e seu
desenvolvimento sempre esteve dependente do rio e de seus afluentes. Desde sua fundação no início do
século XVI até 1960, quando a Rodovia Belém-Brasilia foi inaugurada para integrar a região amazônica
com a capital e outras regiões do Brasil, os rios representavam o único meio de conexão com o resto do
país e com algumas cidades no interior do estado. No que tange ao comércio internacional. os rios con-
tinuam a ser o principal meio de exportação da produção local e regional. Em Belém, o desenvolvimento
e a ocupação ao longo da orla fluvial refletem o desenvolvimento social e econômico da cidade.
A fundação de Belém resultou de esforços dos portugueses para reorganizar suas políticas territoriais
no Brasil, como uma resposta necessária aos crescentes ataques e tentativas de invasão por espanhóis,
franceses e holandeses. Localizada estrategicamente entre a desembocadura do Rio Guamá e a Baía do
Guajará - ponto de entrada da região amazônica - . a cidade foi fundada em 1616 a partir da implan-
tação do Forte do Presépio (atual Forte do Castelo). O forte delimitou as fronteiras iniciais da cidade,
direcionando a geometria da sua malha e conformando o primeiro núcleo urbano, que corresponde à
Cidade Velha, atualmente um dos bairros de Belém. Em 1688, para controlar as mercadorias que eram
exportadas para outros pafses e o rendimento da Coroa Portuguesa na Amazônia, foi implantada uma
balança, em uma enseada da Baía do Guajará, na qual tempos depois seria construída a famosa Doca
do Ver o Peso (E. Rodrigues e Meira, 2004). Nesse mesmo século, visando melhorar o sistema defensivo
de Belém, foram construídos outros dois fortes. entre eles o de São Pedro Nolasco, nas proximidades da
Doca do Ver o Peso (Caflete. 2003).

Até o início do século XVIII, o crescimento da cidade foi lento e restringiu-se aos bairros da Cidade Velha
e da Campina, separados pelo alagadiço do Piry, um terreno pantanoso que impedia a continuidade do
traçado entre os dois núcleos (Belém, 2000a). A economia local e a urbanização de Belém foram signi-
ficativamente incrementadas no final do século com a criação da Companhia do Comércio, que mono-
polizou todo o comércio da região e contribuiu para aumentar a exportação de produtos regionais para
a Europa. Esse incremento na economia local foi marcado pelos inúmeros palacetes e prédios suntuosos
que foram construídos e pelas reformas urbanísticas, tais como o calçamento de ruas e a construção de
um cais e de trapiches particulares (lphan, 2003).

No início do século XIX intensificou-~e a oç~pação da orla,. com a construção de diversos pequenos por-
tos particulares e públicos. Duas 9r9ndes..obras foram realizadas nesS_.é.perfodo, transformâfído as carac-
terísticas do sitio original. Em primeiro lug~r;_ foram feitos a-óreci~g~IJI ~ .9 at~rramêfuó.do "alagadiço do ,,. ~
Piry", atendendo a necessidàde cfe e~pansão de Belém e permitindo a i~t7graçã'o física entre os bairros
da Cidade Velha e da Campina. Em se.gundo lugar foi ..:i·ealizaao outro aterro ligando a Doca do Ver o
Peso à Igreja das Meréês, que originou uma q~adra a mais na direção da baia (Belém, 2000a). Somente
a partir de meados do século XIX Belém experimentou o grande incremento comercial proveniente da

J
Capítulo 7 IRevitalização da Orla Fluvial na Amazônia - OCaso de Belémdo Pará 147

produção e comercialização da borracha, que teve papel marcante na reordenação espacial da cidade,
particularmente quanto à integração do espaço intra urbano com a área portuária. No final do século XIX,
várias outras melhorias foram realizadas, sendo uma das mais significativas a construção do Boulevard
Castilhos França margeando a bafa, o qual se tornou uma das principais vias de acesso à orla.

Em 1909 inaugurou-se o primeiro lance de cais, juntamente com o primeiro galpão do porto de Belém,
administrado pela recém-formada Companhia das Docas do Pará. Apesar de a Amazônia ser então a
maior produtora de borracha do mundo e Belém o principal centro exportador, somente em 1913 com
a desapropriação de alguns trapiches particulares foi possível concluir o porto de Belém. Constituído
com 1.860 metros de linha costeira, ele ocupou 15 galpões hoje pertencentes à Companhia das Docas
do Pará (Trindade, 1997; CDP, 2004). Naquele período, dois novos imponentes edifícios foram também
construídos: o então anexo à Recebedoria de Rendas, e atual Centro Cultural Solar da Beira, e o Mercado
de Ferro, pré-fabricado na Inglaterra e contíguo à Doca do Ver o Peso. O Mercado Municipal de Carne,
nas proximidades da Doca, também foi ampliado, sendo construída a Praça do Relógio no espaço resul-
tante do aterro do alagadiço do Piry (Rodrigues e Meira, 2004).

A implantação do porto foi responsável pela total modificação da paisagem da orla. Embora sua constru-
ção viesse a consolidar as principais inteNenções no sítio urbano, a conclusão das obras coincidiu com o
fim do período áureo da borracha ao final da década de 191 O, causando uma crescente decadência de
suas atividades econômicas e reduzindo as atividades portuárias. Por causa do aumento do calado dos
navios, da constante necessidade de dragagem do rio e de modernas exigências operacionais, em 1985
a Companhia das Docas do Pará iniciou a transferência de algumas das atividades portuárias para sítios
mais adequados, como o porto de Vila do Conde, no município vizinho de Barcarena. Na época foram
desativados três galpões e readaptados dois para atividades de apoio ao transporte de contêineres, de
carga a granel e de passageiros.

Apesar da decadência das atividades do porto de Belém, o crescimento do comércio varejista, que ali se
implantou com a construção da Doca do Ver o Peso, se intensificou e consolidou-se ao longo dos anos.
Dessa forma, a área mais antiga da cidade se tornou também o principal centro de comércio e seNiços
da região. Isso devido à posição geográfica da cidade, que propicia bom acesso fluvial às pequenas locali-
dades ribeirinhas, o que faz do centro comercial de Belém o principal abastecedor do estado do Pará. Por
isso, os imóveis nos bairros contíguos ao núcleo original, com melhor infraestrutura e melhores seNiços,
sofreram grande valorização.

O dinamismo do comércio varejista foi determinante para a permanência da vitalidade da área histórica
e o surgimento de atividades portuárias de menor porte, tais como pequenos atracadouros de cargas
e passageiros. Por isso, apesar de o centro ter sofrido com a decadência econômica nas últimas déca-
das, especialmente pela instalação de shopping centers em outros pontos da cidade, sua vitalidade foi
mantida graças à popularização das atividades comerciais e ao crescimento do comércio informal. A
retomada do desenvolvimento no centro histórico aconteceu concomitantemente às inteNenções urba-
nísticas realizadas na orla, influenciando na sua valorização e dos espaços contíguos.

Redesenhando aOrla ,.,.


" ., ..
f:. forte presença da b~i;ag~ fórmada pelos rios e p~·ás há.bltàçõe_s~il:ieiri;has na ecol ogi,s. urbana da
Amazônia provém da rnn~iVêr;icia dos seus h;bitantes: com ó~ rios. e'florestas. O giga'°ntismo de~ses ele-
mentos natur~is reafirma a s~premacia da paisa~~m em rel;çãõ ao homem. Entretanto, apes~r dessa
suprem?cia, no passado o:rio se manteve'às margens das atividades culturais e sociais da cidade, sendo
estas prineipalmente realizadas nas praças de Belém. Somente nos anos 1990, quando os primeiros res-
taurantes e bares foram abertos na orla de Belém, é que parte da população desperta para a importância
148 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

da orla como local destinado à realização de atividades culturais e sociais. Contudo, é com a implantação
das intervenções públicas que a orla se consolida como espaço propício à realização dessas atividades.

A primeira intenção em promover a recuperação das faixas de orla foi esboçada no Plano Diretor Urbano
de Belém - PDU, Lei n11 9.603, instituído em janeiro de 1993. Ao buscar a qualificação ambiental e
paisagística da cidade, o PDU de 1993 trouxe inovações à gestão municipal pela introdução de novos
conceitos e instrumentos de planejamento. Suas diretrizes básicas determinaram o fomento ao turismo
por meio da recuperação e manutenção de áreas de interesse turístico. incluindo a orla de Belém; a qua-
lificação ambiental através da organização do território municipal; a recuperação de áreas públicas para
usos coletivos; e a valorização estética e simbólica das paisagens natural e construída. O Plano teve ainda
como meta a promoção do turismo por meio de investimentos diretos, da reabilitação e de um processo
de gerenciamento contínuo das atrações-chave, tais como a orla e outras áreas públicas.

O PDU dedicou um olhar específico aos elementos peculiares da cidade - especialmente aqueles repre-
sentativos do patrimônio histórico e cultural, tais como o rio, a baía, os igarapés e as mangueiras (árvore
símbolo da cidade). Deu também prioridade à recuperação da capacidade de contemplação e uso da orla
do Rio Guamá e da Baía do Guajará. Estimulados por esses objetivos, os governos estadual e municipal
passaram a realizar projetos de revitalização e implantação de novos espaços culturais e de lazer ao longo
da orla, especialmente na área do Centro Histórico de Belém. Entretanto, essas intervenções não foram
coordenadas de forma a criarem espaços contínuos e complementares, apesar de a maioria delas estar
localizada em áreas contíguas, como veremos adiante.

Quando o PDU foi aprovado, houve pouca interação entre as diferentes esferas de governo que atuam
sobre o território - a cidade funciona simultaneamente como capital do estado e do município, além de
se constituir em um importante porto federal. Em primeiro lugar, o direcionamento político diferenciado
entre os níveis estadual e municipal levou o primeiro a implantar projetos que buscaram inserir a cidade
num mercado turístico e de negócios em escalas nacional e internacional, enquanto o segundo buscou
direcionar suas ações para o lazer e a melhoria do cotidiano da população local. Em segundo lugar, a
falta de uma visão integrada do espaço urbano comprometeu as intervenções, muitas vezes tratadas
como projetos pontuais pouco relacionados ao seu entorno e à comunidade de usuários.

Em uma tentativa de direcionar as ações públicas e privadas realizadas na orla, o governo municipal elabo-
rou o Plano de Reestruturação da Orla de Belém (PRO-Belém) em 2000, em atenção às diretrizes do PDU
(Belém, 2000a). Tais diretri zes estabelecem que as áreas ao longo da orla devem ser destinadas à proteção
do patrimônio ambiental, com incentivo à implantação de atividades voltadas à cultura e ao lazer. Para
recuperar a qualidade ambiental ao longo do rio e da baía, a sua imagem e a sua presença no cotidiano
da populaçêlo, o PRO-Belém buscou relacionar os diferentes projetos já em curso pelos poderes estadual e
municipal, identificar e estabelecer diretrizes de ordenamento territorial específicas para áreas ao longo da
orla, ordenando a execução de futuros projetos de interesse público. Embora o PRO-Belém apresente um
grau de detalhamento bastante genérico, deixando de lado questões importantes - como o sistema de
gestão e a definição de políticas sociais e econômicas específicas para a orla - . ele contribuiu para conter
o processo de apropriação indiscriminada do espaço, como ocupações irregulares realizadas por particula-
res, e para estabelecer uma nova postura institucional e política em relação ao uso desses espaços.

Toda essa problemática veio se consolidar com o processo de!evisão do PDU, realizada a partir do ano de
2003 e finalizada em 2006, com um ,lbngo pr9cesso de audiências públicas nas quais-.foram discutidos-
todos os aspectos e a diversidade de.. terri{óJios :existentes na_cidade. ·Esse processo:~€~·origem a uma
nova legislação de uso e-ocupação do solo,\i)lano Diretor eo Mi:J}1iC'rpió d'e Belém- L~i n11 8.6s·s'. de 30
de julho de 2008 - ria qual foram delimitaçlas as zonas de orla e consolidados as diretrizes e instrumen-
tos urbanísticos a serem nela aplicados, e-sua destinação para "recuperação urbanística e paisagística",
o que possibilita então um· controle efetivo do póder público municipal sobre a ocupação dessas áreas.

\)
j
Capítulo 7 IRevitalização da OrlaFluvial na Amazônia - OCaso de Belém do Pará 149

Nesse contexto, as intervenções públicas na orla vêm sendo realizadas desde 1997, quando o governo
do estado deu início aos projetos Núcleo Cultural Feliz Lusitânia e Estação das Docas. O primeiro visou a
recuperação de várias edificações históricas e espaços públicos no bairro da Cidade Velha, núcleo original
de Belém. O segundo se destinou à instalação de um polo turístico através da adaptação dos galpões
portuários desativados (galpões 1, 2 e 3) e a recuperação do seu entorno imediato para o uso público.

Paralelamente, o governo municipal voltava-se para a importância da recuperação das áreas degradadas da
orla, dando início, em 1998, ao Projeto Ver o Rio, ao norte da área central. Segundo o discurso oficial
da época, o projeto tratava de "abrir janelas para o rio" , expressão que refletia a intenção do poder munici-
pal de criar espaços voltados ao acesso público e ao lazer, dando outro direcionamento ao tipo de uso que
até então prevalecia na orla. Ao mesmo tempo, o município iniciava seu ambicioso conjunto de reformas
urbanísticas e projetos de revitalização na área, que passou a ser denominada Complexo do Ver o Peso. As
obras foram iniciadas em 2001, com a reestruturação do espaço da feira e a reforma do Mercado de Ferro.

Dessas ações para a recuperação do centro e da orla fluvial iremos comentar mais detidamente quatro
dos projetos citados anteriormente. Embora o seu impacto seja limitado por aspectos significativos que
impedem que seus rebatimentos ultrapassem o caráter meramente pontual, esses projetos represen-
tam um avanço, pois passaram a gerar uma transformação espontânea do seu entorno, alternando os
hábitos sociais e a percepção da população em relação à orla, e contribuem ainda para a valorização da
paisagem de Belém (Figura 7 .1 ).

Baía do Guarajá

Figura 7.1 Area central de Belém, com a indicação da


localização dos projetos. (Desenho de Simone Seabra.
adaptado por Vicente dei Rio.)

Ver o Rio 1"\-


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9-,projeto Ver o__Rio·tbrre:~~cf.e a um conj~nto de ,..~tervépÇõ~s· !:IJ,~·ápÍS~as n~ _9~1a...éo~nental de


Belém, a_brang'?ndo }lreas p'úbliéas e p[ iva.çlas que1se e_ncof.i.vavàm degradadas. Seu óbjetivo foi ~criação
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espáços"de re<:reaçao e lái er (Figura 7 .2):".foi iniciado em 1998, a partir da desapropriaçãõ de terrenos
contígu~;-ao porto de Belém, onde funcionavam ancoradouros e estaleiros de balsas. Até 2004, duas
etapas de intervenção na área de implantação do projeto foram concluídas.
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150 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 7.2 Vista aérea do projeto Ver o Rio, na orla fluvial de Belém, com o lago e as principais áreas ajardinadas.
(Foto de João Ramid, www.joaoramid.com.br. )

A primeira etapa, realizada em 1998, abrangeu uma área de 5.000 m2 , e o seu projeto paisagístico
incluiu jardins. espaços abertos para uso público, passeios junto ao rio, quiosques para venda de comidas
típicas, bares e um playground, no qual a forma dos equipamentos faz alusão aos brinquedos artesanais
da matéria-prima extraída do miriti, ou buriti, palmeira típica dessa região (CTB, 2003). Em 2001 foi
implantado um parque, cuja área de 7.500 m2 inclui um lago, passeios e dois memoriais, um homena-
geando os povos indígenas e outro, os povos negros - raças que, juntamente com os europeus, deram
origem às principais manifestações culturais brasileiras (Belém, 2000b).

A concepção do projeto foi inspirada em formas orgânicas. em alusão a elementos naturais, com formas
sinuosas impressas aos equipamentos e passeios de pedestres. dispostos entre jardins e palmeiras, e mate-
riais de acabamento rústicos. Os veículos têm acesso apenas às áreas de estacionamento, localizadas junto
à avenida principal de acesso. Também foi implantada uma ciclovia margeando toda a área de intervenção,
a qual futuramente deverá se interligar a um sistema maior de ciclovias planejado para a cidade.

Foi prevista a execução de mais uma etapa do projeto Ver o Rio, dando continuidade às intervenções exis-
tentes, com a implantação de quadras de esportes. um novo ancoradouro para barcos e um anfiteatro.
Entretanto, as obras pararam na segunda etapa, pois o proprietário do terreno reservado para essa última
etapa não aderiu ao projeto, em consequência de este não ter avançado na definiçM de instrumentos urba-
nísticos que possibilitariam a abertura de um processo de negociação política. O problema que ainda assola
a área do projeto se origina nas características do seu entor'!o imediato, onde até hoje predomina o uso
industrial e comercial de grande port~;tais corno armazéns, depósitos,.empresas de transporte de cargas-
e pequenas indústrias. Além disso, a árquit~tl.Jra ~ouco convidativa das êdific~ões - éd-'m.grande~. ~uros,
espaços cegos e pouca permeabilidade 11isu~f .- dificulta o ~cesso à.'esses és~aços pela grande m~ioria dos
usuários locais, especialmente os que se util[zam do transpo,.rte públicq, já que-:às linhas e paradas de ônibus
localizam-se a duas quadras do Ver o Rio, na Avenida Pedro Álvares Cabral. Isso torna a área pouco atraente
e até insegura para a maio( parte da população. Além disso, carece de uma política municipal de incentivo à
instalação de atividades de serviço que sejam compatíveis e complementares ao projeto Ver o Rio.

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J
Capítulo 7IRevitalização da Orla Fluvial na Amazônia - OCaso de Belém do Pará 1S1

O PRO-Belém previu a continuidade do projeto através do prolongamento da Avenida Marechal Hermes,


que margeia a orla e sua interligação com os bairros do Umarizal - em que o projeto Ver o Rio está
implantado - e do Telégrafo, situado ao norte, porém, com a mudança de gestão municipal, as inter-
venções não tiveram continuidade. Assim, a falta de programas municipais de incentivo a mudanças
que consolidassem o novo padrão espacial proposto pelo projeto teve impacto maior em outras áreas.
especialmente no bairro do Umarizal. A inteNenção despertou o interesse do setor imobiliário para a
importância cultural da paisagem do rio, alavancando o processo de valorização imobiliária do bairro e,
em consequência. sua verticalização desenfreada.

Tal processo poderia ser resolvido, por exemplo, através da implantação de instrumentos especiais já
previstos no PDU na época, tais como a transferência de direito de construir ou as operações interliga-
das. Entretanto. mesmo após a aprovação do Plano Diretor de 2008, esses instrumentos não tiveram
sua regulamentação efetivada no município, e o processo de verticalização avança em direção ao rio: as
construtoras já iniciaram a aquisição de terrenos à beira do rio, apoiadas na Lei de Uso do Solo vigente -
Lei Complementar nª 2. de 13 de setembro de 1999, a qual permite índices urbanísticos que viabilizam
a construção verticalizada na orla, em contradição ao que rege o Plano Diretor de 2008, inviabilizando
assim uma futura retomada na implantação do projeto.

Estação das Docas


Em 1998, o governo do estado destinou três galpões portuários praticamente abandonados para a
implantação de atividades comerciais, culturais e recreativas. instalando o polo turístico denominado
Estação das Docas. Os edifícios, cujas estruturas metálicas haviam sido pré-fabricadas na Inglaterra e
montadas em Belém no início do século XX, foram tombados pelo lphan em reconhecimento a sua
importância histórica. Com área total de 23.000 m 2, o projeto valorizou as evidências arqueológicas
do antigo Forte de São Pedro Nolasco. incorporando-as a um anfiteatro e uma praça, resultando em
um complexo de espaços de lazer e de contemplação à beira da baía. Um galpão de menor escala foi
recuperado para funciona r como terminal hidroviário e recebeu uma plataforma flutuante de onde saem
embarcações para passeios turísticos ao longo do rio (Figura 7.3).

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Figura 7.3 Vista aérea da Estação das Docas, mostrando um dos galpões convertidos e o píer para barcos de
turismo. ~Foto de João Ramid, www.joaoramid.com.br.)

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152 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Os galpões históricos foram recuperados se-


gundo um projeto de arquitetura despretensioso,
porém eficaz, que restaurou elementos históricos
e proporcionou interiores climaticamente bem
protegidos do intenso calor úmido da região.
Interiores e exteriores se integram harmonio-
samente, com marquises metálicas anexadas à
estrutura original dos galpões para sombrear as
varandas e liberar as vistas para o rio. O galpão 1
- batizado de Boulevard das Artes - foi adaptado
para receber uma exposição permanente com
os achados arqueológicos do antigo Forte de
São Pedro Nolasco, além de feira de artesanato,
lojas para venda de produtos regionais e bares,
cujas mesas são dispostas também nas varandas
exteriores (Figura 7.4). O galpão 2 - Boulevard da
Gastronomia - recebeu cinco restaurantes e um
Figura 7.4 Passeio de pedestres e galpões
mezanino ocupado por lanchonetes e restauran- recuperados na Estação das Docas. (Foto de Simone
tes menores para refeições rápidas. O galpão 3 - Seabra.)
Boulevard da Cultura - foi adaptado para abrigar
um teatro com capacidade para 450 pessoas e um
espaço multiuso para eventos e exposições. Os galpões foram interligados com passagens cobertas e
paredes envidraçadas. que não impedem a visão da baía. Os antigos guindastes que retiravam carga dos
navios foram mantidos e funcionam como marcos visuais, aludindo às atividades portuárias originais e
integrando-se aos jardins e passeios de pedestres.

Embora o governo estadual tenha atingido seu principal objetivo de atrair turistas nacionais e inter-
nacionais, além de criar uma área de lazer para as classes alta e média de Belém, o empreendimento
enfrenta alguns problemas de projeto. Em primeiro lugar, a solução arquitetônica é elitista, o que resulta
em um espaço pouco frequentado pela maior parte da população, que, diante da aparente imponência
da arquitetura. se sente inibida em frequentá -lo. Em segundo lugar, o projeto da Estação das Docas não
está integrado com o entorno, já que sua concepção privilegia a baía como atrativo visual. mas volta as
costas para o centro da cidade e o conjunto de edificações antigas localizadas logo em frente na mesma
rua. A localização da área de estacionamento e a grade instalada ao longo de toda a sua extensão tor-
nam a Estação das Docas pouco convidativa visualmente, criando limites físicos e visuais e aumentando
as distancias a serem percorridas pelo pedestre desde a calçada da rua principal. Em seu interior, a área
também tem acessibilidade limitada e foi segmentada fisicamente dos espaços contíguos. como por
exemplo a Praça do Pescador - a qual faz parte do Complexo do Ver o Peso-, que se encontra separada
deste por uma grade. Finalmente, de uma perspectiva urbana mais abrangente, os interessantes edifícios
históricos localizados imediatamente em frente ao Complexo, do outro lado da rua, mantêm usos que
não complementam o projeto, acentuando a característica da Estação das Docas de ser uma atração
isolada. em vez de estar integrada ao tecido da cidade.

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Complexo do Ver oPeso -·~ ~ ; - -. ..
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O maior dos projetos an;lisados destina:se à·á·;ea conhecida' com~,ver o Pt;~: cõ~ qu~se 35.00Ô cn e2
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745 metros ao longo da orla fluvial, comp<;>nente do Céntrô Históricô de Belém e do centro de negócios _.
e varejo mais ativo da cidade. O projeto visava organizar as feiras ali existentes e renovar os espaços
públicos. ancoradouros e vias públicas. além de restaurar as principais edificações históricas. Dados o

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Capítulo 7I Revitalização da Orla Fluvial na Amazônia - OCaso de Belém do Pará 153

uso intenso e diário da área, a sua localização no centro de comércio e serviços de Belém, e por conectar
espaços centrais bastante diferenciados, o projeto privilegiou a melhoria dos espaços de pedestres atra-
vés de definição clara dos acessos e das áreas principais de circulação.

O Complexo do Ver o Peso é o principal patrimônio material e cultural de Belém. A área abriga a antiga
doca e edificações representativas da arquitetura militar, religiosa e comercial, e de diversos períodos
históricos do século XVIII (Figura 7.5). Estes incluem o Mercado Municipal de Carne, o Mercado de
Ferro, as praças do Relógio e do Pescador, o Solar da Beira e o casario da Rua Marquês de Pombal e do
Boulevard Castilho França. A área é permanentemente movimentada pelas feiras livres do Açaí e do Ver
o Peso, esta considerada a mais diversificada do país e atualmente considerada patrimônio cultural e
turístico da humanidade.

Porto de comercialização de mercadorias advindas principalmente do interior do estado, o Complexo do


Ver o Peso abastece o comércio varejista de frutas, ervas medicinais, peixes, carnes e artesanato, entre
outros, além de servir como praça de alimentação de comidas típicas. Por ser cenário das mais diversas e
represen tativas formas de expressão da cultura popular paraense e por agregar a cultura e o misticismo
amazônicos, ele faz parte do imaginário da população e tornou-se o mais famoso cartão-postal da
cidade. Contando sempre com grande quantidade de consumidores vindos de toda a cidade e do interior
do estado, o Complexo é muito visitado por turistas do Brasil e do exterior.

Em 1998, o poder municipal iniciou as intervenções no Complexo, com a reforma da Praça do Pescador e
de seu estacionamento, permitindo uma maior visibilidade da baía e restabelecendo parcialmente a rela-
ção entre a cidade e o rio. O restante do projeto para a área resultou de concurso público nacional, e sua
implantação foi dividida em quatro etapas, duas delas concluídas em 2004. Na primeira etapa, uma área
de 1.021 m2, correspondente ao setor hortifrutícola da feira, foi reformada e a fachada do Mercado de
Ferro recupera da . Construída com componentes de ferro fundido vindo da Europa em 1901, o Mercado
de Ferro representa um grande atrativo turístico e é uma das imagens mais conhecidas de Belém .

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Figura 7.5 ô Complexo do Ver o Peso. mostrando o Mercado de Ferro recuperado. o Solar da Beira e as novas
estruturas tensionadas do mercado público. (Foto de João Ramid, www.joaoramid.com.br.)
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154 Desenho Urbano Contemporâneono Brasil

Na segunda etapa, o Solar da Beira. edifício de arquitetura eclética que foi centro da arrecadação finan-
ceira comercial da região, foi reformado e adaptado como espaço cultural, educativo e de venda de
artesanato (Figura 7.6). Outra área da feira. com 1.154 m2 • foi reformada, e nela são comercializados
produtos de mercearia. industrializados, ferragens, plantas e alimentação. Na terceira etapa, iniciada
em 2003, foram executados mais 403 m2 da feira. incluindo a parte restante da área de alimentação,
os setores de artesanato, cerilmica, polpa de frutas e peixes. Também foi modernizada a infraestrutura
interna do Mercado de Ferro, mantido como local de comercialização de pescado. A quarta e última
etapa abrangeu uma área de 14.029 m2 , incluindo a Praça do Relógio, a Doca do Ver o Peso, a Feira do
Açaí e a Ladeira do Castelo - ladeira íngreme que dá acesso ao antigo forte, foi a primeira rua aberta em
Belém-. que liga a feira ao Núcleo Cultural Feliz Lusitania, projeto de revitalização do governo estadual
adjacente ao Ver o Peso.

Com a conclusão da implantação do projeto de revitalização, o mercado foi totalmente integrado com
seu entorno: a Praça do Pescador, o estacionamento, os dois edifícios do mercado e o Solar da Beira.
O projeto resultou em um espaço contínuo que proporciona atividades especializadas distintas, prioriza
o trilnsito de pedestres e é coerente com fluxos de tráfego preexistentes (pedestres, veículos, ônibus,
transportes fluviais e de carga). O posicionamento dos setores da feira e da cobertura tensionada foi
organizado de modo a manter os corredores visuais para o rio a partir das ruas transversais, valorizando
sua integração física e visual com o restante do Centro Histórico.

Durante a implementação da obra, foram necessárias diversas adaptações do projeto original vencedor
do concurso, devido aos conflitos que este apresentava entre a distribuição espacial das diversas ativida-
des e por não contemplar o número de barracas necessárias para realocar todos os feirantes. O desenho
inicial da cobertura - em estrutura metálica e lona tensionada - teve de ser modificado para abrigar
melhor os setores da feira. diante das condições climáticas extremas da região. com intensa insolação e
alto índice pluviométrico. A solução final, uma cobertura comum a todas as barracas, protege melhor
das intempéries e se sobressai na paisagem, resultando em um interessante contraste com as edificações
históricas do entorno, o que elevou o padrão estético da feira.

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Figura 7.6 A estrutura.~m lona tensionadâ ..,
do mercado público, com o Solar aa Beira
e o Mercado de Ferro ao fundo: (Foto de
Simone Seabra.)
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Capítulo 7 IRevitalização da Orla Fluvial na Amazônia - OCaso de Belém do Pará 155

Dois dos principais desafios da intervenção no Complexo do Ver o Peso foi conseguir modernizar a
infraestrutura do local mantendo os usos típicos da área. além de preservar e revitalizar os monumentos
históricos que configuram o conjunto. A intervenção no espaço da feira foi certamente o maior desafio,
pois ela refletia uma realidade social bastante complexa que envolvia. além das atividades da feira ditas
"formais". aquelas ligadas à marginalidade, tais como tráfico de animais silvestres. drogas e prostituição
de menores. Para isso. o poder municipal realizou um trabalho de reintegração social. visando requalifi-
car os feirantes e coibir as atividades marginais.

A conclusão das obras da última etapa ocorreu em 2004, porém os seus reflexos positivos já eram obser-
vados mesmo durante a execução das etapas anteriores. tanto no que diz respeito a melhorias estéticas
e paisagísticas quanto ao próprio comportamento dos usuários e no seu atendimento, já que feirantes e
trabalhadores, influenciados pelas mudanças, melhoraram a qualidade dos serviços. Com a melhoria do
padrão de atendimento e da infraestrutura das barracas, a feira continua a ser um dos maiores cartões-
postais de Belém, adquiriu outro status e passou a atrair novos compradores de maior poder aquisitivo.

Entretanto, desde sua inauguração, não sofreu nenhum serviço de manutenção e reparo, e as estruturas
instaladas foram se deteriorando ao longo do tempo, especialmente a cobertura tensionada, a qual
sofreu várias adições improvisadas, resultando em um aspecto degradado para o espaço. Apesar disso.
muitos dos problemas antes apresentados não reincidiram na área, mas o espaço padece pela falta de
gestão e organização social de seus trabalhadores e usuários.

Núcleo Cultural Feliz Lusitânia

O Núcleo Cultural Feliz Lusitânia é um projeto do governo do estado do Pará que recuperou um con-
junto de edifícios. ruas e espaços abertos à margem do rio que fazem parte do núcleo histórico original
de Belém, em conexão com o Complexo do Ver o Peso. As edificações e espaços incluídos no projeto
formam o tradicional Largo d;;i Sé, que, juntamente com a Catedral da Sé, a igreja jesuítica de Santo
Alexandre e a Praça Frei Caetano Brandão, constitui um dos espaços culturais mais representativos da
cidade, onde se origina a procissão anual do Círio de Nazaré, a festividade religiosa mais tradicional do
estado do Pará, que atrai hordas de devotos e turistas para a cidade.

A intervenção começou com a restauração da Igreja de Santo Alexandre e do antigo Palácio Episcopal,
e a sua transformação no Museu de Arte Sacra do Pará. Posteriormente, foram restauradas e adaptadas
as seguintes edificações: oito casas junto à Igreja de Santo Alexandre para abrigar um pequeno museu
sobre o Círio de Nazaré (a procissão católica típica de Belém), uma sorveteria e uma loja de artesanato;
o Forte do Castelo, para abrigar o Museu do Encontro; e a Casa das Onze Janelas, residência particular
datada de meados do século XVIII e reformada no mesmo século como hospital militar. para abrigar a
administração do sistema integrado de museus e as exposições do acervo permanente de arte contem-
porânea do governo estadual, além de um bar/restaurante (Figura 7. 7).

O Complexo foi integrado pela renovação dos espaços públicos com intervenções paisagísticas que
institulram novos passeios, recantos para descanso e mirantes para contemplação da orla e da cidade. 1
Na área de entorno ao Forte do Castelo, que corresponde a um terço da área total de intervenção, foi
preciso demolir diversos _préqio_~anexos constr.uídps pelos militares ao longo dos anos e que interferiam
na reconstituição da edjficãçã~ orJginal. O projeto paisaçfÍjtko valorizou _tá!~ªentre o forte e a Casa das
Onze Janelas com-jardins•• mi{anfes e passeios, um,anfjt~~rp, e~pm píet'Nessa área, com a reêuperação
do fosso original 'do: forte·e outras evidências constrútivas da fortlfjcàção, construiu-se um museu a céu
aberto. O .muro,
..que làdéava. -a Ladeira do Castelo
. foi demolid~· p~;a dar maior visibilidade ao forte. uma

1 O projeto paisagístico foi de Rosa Grena Kliass.


--..
156 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 7.7 A Casa


das Onze Janelas, um
dos edifícios históricos
adaptados para uso
cultural no Núcleo
Cultural Feliz Lusitânia,
em que espaços
públicos foram também
revitalizados. Ao fundo
ve-se o Complexo do
Ver o Peso. (Foto de
João Ramid, www.
joaoramid.com.br.)

vez que seu valor histórico foi considerado irrelevante dentro do contexto. Contudo, as demolições aca-
baram por afetar a morfologia urbanística da área, resultando na descaracterização do Largo da Sé, visto
que houve a ampliação dos espaços abertos e se perdeu a configuração física e visual do largo (Figuras
7 .8 e 7.9).

O Projeto Feliz Lusitânia foi claramente inspirado no "espaço espetáculo", em que o projeto busca um
resultado impactante de modo a promover o marketing urbano e tornar-se um marco referencial para a
cidade (Lima, 2004). O resultado foi a gentrificação da área com soluções que atendem prioritariamente
ao turista, que agora dispõe de maior conforto e segurança, mas não houve disponibilização de espaços
para atender interesses da população, de menor poder aquisitivo, o que resultou na proliferação do
comércio informal, que se instalou aleatoriamente nas bordas da Praça Frei Caetano Brandão, contri-
buindo para sua degradação.

Os espaços, transformados em uma espécie de museu a céu aberto, são direcionados para as pessoas
que não conhecem a cidade e sua história. Apesar disso, os espaços renovados abertos voltados para a
baía, principalmente a Esplanada do Guamá e o Mirante da Lembrança, também são frequen tados pela
população em geral, atingindo um resultado espacial e social mais positivo, especialmente se compara-
dos com a Estação das Docas, onde ocorre uma nítida segregação.

Considerações Finais
'.... ··~ -..... .. . - ~
Como vimos. as intervenções urbana$ 'realizadas·na orla de Belém estãg' imbuídas de.-Ob~tiv'ôs políticos
que buscam, pormeio da valorização da, quªiidade da pai:_a~em ~d~J.~ ga,t~ ~stóri~õ"ãas várias-f:iseiêJa ' "'
evolução da cidade, a afirmaçãb da orla como'espaço de apropridÇão social. Con.tudo,"'a ideologia refle-
tida na concepção cjos projetos nem s~mpre assegura a c~nsolidaÇão do ac~ss.o público e a valori;ção /
da cultura local, como é o ~aso da Estação é:las D9cas. que se assemelha mais aos modelos voltados para

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Capítulo 7 J Revitalização da Orla Fluvial na Amazônia - OCaso deBelém do Pará 157

Figura 7.8 O antigo forte, a


catedral e a Casa das Onze
Janelas são os principais edifícios
restaurados nas cercanias da praça
principal do Projeto Feliz Lusitânia. A
rua e o espaço livre no canto inferior
esquerdo já foram renovados e
conectados ao Complexo do Ver o
Peso. (Foto de João Ramid, www.
joaoramid.com.br.)

figura 7.9 A demolição


de um muro permitiu um
novo panorama a partir
da praça de Feliz Lusitânia
em direção à Ladeira do
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e ao~rio. (Foto de
Simorie Seabra.)_.
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158 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

o turismo internacional já consolidados em outras cidades, como Puerto Madero em Buenos Aires, Port
Vell em Barcelona e o Píer 17 em Nova York.

Por outro lado, torna-se necessária a mudança da relação historicamente construida pela população
com a orla de Belém, que sempre foi base de seu transporte e sustento econômico, uma vez que há
uma enorme demanda por espaços verdes e de lazer, sobretudo nos bairros habitacionais contiguos à
orla. Nesse caso, a intervenção que mais se aproxima desse objetivo é o Projeto Ver o Rio, que busca a
expansão e interligação de áreas junto ao rio para uso público.

Na contramão dessa visão, a valorização do patrimônio cultural por meio do incentivo ao turismo, mate-
rializada com intervenções do tipo Estação das Docas e Complexo Feliz Lusitania, resultou em espaços
de frágil sustentabilidade sob o ponto de vista econômico e social, visto que não foram inseridos no coti-
diano da maior parte da população e até hoje dependem de subsidio governamental para a manutenção
de seu funcionamento. Quanto ao projeto para o Complexo do Ver o Peso, nota-se que a recuperação
da área conseguiu atingir o equillbrio entre o seu uso como lugar de encontro, comércio, turismo e
circulação, tendo como principal mérito o fato de tudo isso ter sido realizado com a manutenção das
características e usos tradicionais dos espaços.

Os resultados obtidos em Belém revelam que a recuperação ou a revitalização de espaços específicos


da cidade não pode ser efetivada apenas com intervenções físicas. Como aponta Jacobs (2000, p. 14),
"é tolice planejar a aparência de uma cidade sem saber que tipo de ordem inata e funcional ela possui.
Encarar a aparência como objetivo primordial ou como preocupação central não leva a nada, a não ser
problemas", como o abandono e a depredação do patrimônio público. Em conjunto com as intervenções
físicas, são necessárias políticas públicas e ações complementares mais amplas que possam promover a
articulação dos diversos agentes sociais que atuam sobre o espaço urbano. Esse processo resultaria em
lugares que efetivamente reflitam as expectativas sociais, econômicas e culturais da cidade, promovendo
assim as suas potencialidades turísticas. Dessa maneira, o desenho urbano poderá se configurar como
ferramenta fundamental a serviço de um objetivo maior, criando novas perspectivas de planejamento
para Belém.

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CAPÍTULOS

Redesenhando Brownfields
em Porto Alegre

Lineu Castello

pós um período de rápido desenvolvimento industrial e de acelerada urbanização na última metade


A do século XX, a virada para o século XXI encontrou a sociedade brasileira já plenamente consciente
das consequências negativas que costumam acompanhar esses processos, e devidamente alertada quanto
à natureza finita dos recursos ambientais do país. Ainda assim, mesmo que o ritmo do crescimento tenha
experimentado uma desaceleração em comparação com décadas anteriores, as cidades continuaram a
crescer e, de modo centrífugo, espalhando-se em direção dos bairros da periferia - muitos dos quais mar-
cados por acentuados níveis de pobreza. Ao mesmo tempo, a transição à democracia plena que marcou
o final do século anterior trouxe em seu bojo uma preocupação mais incisiva em relação à qualidade de
vida que as cidades deveriam oferecer aos seus cidadãos, dentro de um cenário econômico em que o com-
portamento social nas grandes cidades passou a se guiar por um consumismo cada vez mais acentuado.

Paralelamente, o campo do desenho urbano também passou a compartilhar das mesmas preocupações
manifestas em outras partes do mundo, passando a experimentar alterações conceituais expressivas, visando
acelerar a melhoria da qualidade de vida urbana dos brasileiros. Com isso, a ação urbanística não mais se
volta à obtenção de produtos completos - cidades acabadas, objetos morfológicos desenhados de modo
a funcionar com racionalidade -, como preconizava o modernismo que culminou com Brasília. Também os
planos urbanos gerais, que abrangiam o todo de uma área urbanizada, se tornaram infrequentes e, até,
desacreditados. A visão a priori tomada sobre esse todo foi sendo substituída por projetos que se valem de
visões a posteriori sobre aspectos particularizados desse todo. Ou seja, como no que vem sendo conhecido
como 'paradigma Barcelona', 1 o planejamento não mais tem se voltado para projetos de cidades comple-
tas, mas sim para o desenho de uma estrutura de lugares que marcam o desenrolar da existência humana
numa cidade mais complexa. Como consequência, a cidade adquire uma estruturação policêntrica, com
uma diversidade de eventos simultaneamente ofertados em lugares igualmente diversificados. 2

' Referência aos projetos implementados em Barcelona, principalmente no período que se seguiu aos grandes inves-
timentos realizados para os Jogos Olímpicos de 1992, ocasião em que diversas obras foram edificadas ao longo das
preexistentes, introduz.[ndo ur·11ª_rede de novos./ugftres urbanos. .. '"', _
2
É interessante lerribr~r ãqyi a aparente analogia que despqnta entre 0~ 1hroa.r,es' çta cidade e ~que alguns autores
-- vêm classificand,o como'ey,erytos'l que se dispersam ao lol'.fgo das grandei-:<àglomeraçõeS!°confémpQtãneas, como o
fazem •• por ex~mplo,,-.o~,arq!;rt~os BerrtardJs0umi-(em·~~u .Jiwp rvent0 Cit(es) e Paul Vrnlio (no livro A La.IJdscape of
Events). Jamt;~rn;a filo$ofia induz a aproximar ' lugar• â 'evento'. êira'fléfo Edward Casey; o eminente filósofo norte-
~mericano, !~gistíõ-em'mt?u livro m9i~ recen~ que õ cortceito d~·(ugar·podé ser interpretado como " ...instrumento de
persuasão de eventos :::- e.ventos de· natureza -social, econômica, psicológica, cultural ou política" (Castello, 201 O: 82;
tradução -livre). O·próprio Casey assinala que " ... place is eventmental. something in process, something unconfinable
to a thing. (. .. ) The primacy of place is not that of the place, much less of this place ora place (. .. ) but that of being
.. . -........
an event capable of implacing things ... " (Casey, 1998: 337).

r
160 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

A cidade de Porto Alegre reflete muito bem essas características, duas das quais serão abordadas
neste capítulo: (a) o surgimento de terrenos e prédios esvaziados em áreas centrais e a correspondente
tendência à reutilização de elementos do patrimônio construído neles localizados, reciclados a novos
usos; (b) a oferta de espaços destinados ao consumo e às práticas a ele associadas, potencialmente
capazes de gerar novos lugares na estrutura urbana. Enfim, duas características bastante típicas do
que se está convencionando denominar urbanismo pós-moderno, que refletem novas concepções
introduzidas recentemente no campo do urbanismo e que estão se tornando frequentes nas cidades
brasileiras contemporâneas.

Sustentabilidade no Brasil Urbano


Os brasileiros sentem-se, até hoje, orgulhosos pelo fato de o país ter sediado, em 1992, a UNCED
(United Nations Conference on Environment and Development - Conferência das Nações Unidas sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento), conhecida como "Rio-92". Na mesma época, o país recebeu o
'92 Global Forum, uma série de eventos simultâneos garantindo aos diferentes setores da sociedade -
inclusive os mais populares - sua livre manifestação a respeito dos crescentes problemas enfrentados nas
relações homem-natureza. Os cuidados com a sustentabilidade ambiental - e o grande prestígio trazido
pelo tema - encontraram lugar fértil na mente dos brasileiros, e o apoio à sustentabilidade tornou-se
quase que um comportamento nacional.

Sustentabilidade é um conceito que reconhecidamente admite leituras diversificadas, enfatizando ora


o aspecto do ambiente natural, ora o do urbano. A sustentabilidade enfocada no presente texto tem a
ver primordialmente com o ambiente construído urbano, embora obliquamente envolva também, e com
justificada consistência, o ambiente natural. E quando aborda o ambiente natural, o faz com firmeza,
pois um dos postulados defendidos com mais força por este trabalho trata da contenção da expansão
territorial dos meios urbanos e. consequentemente, da não urbanização de terras que se encontram
lindeiras às aglomerações urbanas. Ou seja, da permanência da desocupação dessas terras. Isso, obvia-
mente, guarda forte conotação com o conceito de sustentabilidade, já que a conservação de territórios
em estado natural tem papel fundamental para a redução do recobrimento do solo natural, por con-
sequência contribuindo para um desenvolvimento urbano mais sustentável. Introduz-se aí, então, uma
maneira nova de se pensar a cidade - e o desenho da cidade - no urbanismo brasileiro, até então acos-
tumado a crescer e crescer continuamente de forma expandida. Conter o crescimento da cidade, conter
a expansão dos grandes eixos de transporte, conter o crescimento sem fim das redes de infraestrutura,
conter a centrifugação da urbanização são, todas elas, estratégias coerentes com a efetivação de uma
política de desenvolvimento urbano sustentável.

Os próprios conceitos de planejamento urbano experimentaram variações substanciais em relação à


sustentabilidade ao final do século XX. Reflexões novas em relação ao que tradicionalmente postulava o
desenho urbano alertaram para visões alternativas. que passaram a ser contempladas e empregadas pelo
urbanismo brasileiro. Uma dessas mudanças conceituais decorre do argumento de que é sempre mais
econômico dotar de serviços uma cidade compacta do que estender os custosos serviços de infraestru-
tura para as periferias urbanas. A estratégia de crescer sem expandir passou a ser vista como um dos mais
importantes conceitos das correntes atuais d9 Qensamento urbanístico. Ora, i.sso vem em flagrante_ppo-
sição a diretrizes recomendadas pelas linhas: r'naiS""!cadicionais do ur~anismo ·~glo-~axônic<r~j~;tàménte -
aquele que se propagou com maior veemência p'efo mundo latino-ameri~ano: Nelé; as diretrizes apoíÍ-
-·.,,..
tavam para expansões para áreas s'i:iburbanas mais. saudáveis e criações de cidades-jàrdim, receitadas
como os melhores antídotos contra os malefícios'dos ambientes-1ndustriais. Mais tarde, já sob influência
norte-americana, o processo de -urbanização passou a ser guiado pelo acompanhamento do traçado
das freeways e pela localização dos grandes e polarizadores shopping centers regionais. Hoje, é comum

/
Capítulo 8 I Redesenhando Brownfields em Porto Alegre 161

encontrar tanto britânicos como norte-americanos manifestando-se abertamente a favor da reutilização


dos espaços intraurbanos, como um conceito novo surgido em favor da sustentabilidade ambiental.
Expandir as cidades, nem pensar: "Somente um país extraordinariamente rico poderia sequer contem-
plar tal possibilidade, e ainda assim parece improvável. O custo de substituição de edifícios, rodovias e
infraestrutura (...) seria maior que sua avaliação estimativa, mais sua dívida de capital total" (Barnett.
1996, p. 9; tradução livre). No que concerne às metrópoles dos países emergentes, os argumentos sociais
se tornaram ainda mais poderosos em favor da absorção de áreas centrais esvaziadas, haja vista a menor
mobilidade de que desfruta a população e a imperiosa necessidade de diminuir as vastas extensões ter-
ritoriais a vencer nos deslocamentos diários entre locais de residência e trabalho.

Adicionalmente, também no campo ético encontram-se novos conceitos em planejamento que apontam
para a conveniência do reúso de espaços esvaziados. O mesmo Jonathan Barnett (1996) observa que o
conceito de sustentabilidade traz outra mudança fundamental para a filosofia do planejamento, quando
postula que as pessoas devem administrar seu ambiente de forma a que ele sirva às gerações futuras,
e não apenas a seu próprio cotidiano. Ao comentar o quanto as metrópoles do Terceiro Mundo estão
comprometendo seu território natural ao seguirem as linhas do urbanismo norte-americano, Richard
Rogers não hesita em afirmar que "o modelo de 'cidade compacta' pode trazer grandes benefícios
ecológicos (. ..) pode ser desenhada para aumentar a eficiência energética, consumir menos recursos.
produzir menos poluição e evitar a urbanização de áreas agrícolas" (Rogers, 2001, p. 33; tradução livre).
Mesmo pensadores mais preocupados com o lado teórico da questão ponderam favoravelmente quanto
à compactação das grandes cidades como estratégia apropriada para um desenvolvimento sustentável.
Jencks (2000, p. 33) postula que um dos quatro caminhos aconselhados para o futuro das megalópoles
atuais é precisamente o da reurbanização de brownfie/ds, ou seja, revitalização de locais previamente
usados para fins industriais ou comerciais, como será melhor explicado mais adiante.

Além disso, a sustentabilidade urbana tem muito a ver com a permanência de tradições e de práticas
associadas às raízes culturais de uma determinada população urbana. Esse viés da sustentabilidade é,
contudo, frequentemente preterido nos estudos da área, embora sua importância seja crucial para a
efetiva concretização de qualquer política que vise à sustentabilidade, vista agora sob o ponto de vista
das ciências humanas. De fato, não basta garantir a permanência dos elementos naturais e construídos:
é fundamental guardar também o ambiente psicológico que se gera no uso que fazem os seres humanos
desses elementos, no exercício de suas práticas existenciais cotidianas. Nesse caso, outro conceito emer-
gente a defender aqui é o do emprego de metodologias de percepção ambiental para subsidiar a formu-
lação de diretrizes de desenho urbano de cunho mais contextualizado. Essas metodologias são as que
permitem estabelecer vínculos mais claros com os elementos da paisagem responsáveis pelas imagens
ambientais de mais forte significado para a comunidade. Consequentemente, esses serão os elementos
realmente responsáveis por conferir um sentido à paisagem. Esse conceito é particularmente válido em
relação às paisagens tipicamente industriais. já que foram elas as que dirigiram os valores sociais e for-
maram os padrões comportamentais de várias sociedades do século XX.

Brownfie/ds no Brasil Urbano


...
O desenvolvimentq~ui:ban0- brasi leiro aprêsenta facetas peculiares. p.lguf!lªS das grandes cidades, prin- •· -
_, cipalmente a~·_qae·:~e 'siflJ?n1· ª?S regiões 'Q_etropolit~nas, r~velam~~ers-dfscretatn~t;dj1erenciados de
u rbaniza~9, E~ql:lap-to al~\.1fnas n~o Rassam ·;!~ meros .in'Çha,rns açilomeraciÓnaís, outras d.(fnonstram
elevad.o grau de desenvolvimento, exibindo paisagens pG>s-inêlustriàls mais assemelhadas aos cenários
ár~d~rísticos
··~
.d;~-soci.' eJlades.f
.
ndustriartzadas ,;,ais avançadas. É precisamente nessas metrÓpoles brasi-
leiras que se reconhece a presença do fenômeno dos brownfie/ds, ou seja. vastas porções de solo urbano
ocupadas por construções que, na evolução das grandes metrópoles, acabaram por se tornar obsoletas,
:-'".(. .....

r
162 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

como antigas estações ferroviárias, docas portuárias e, em maior número, as grandes extensões de solo
central ocupado por fábricas e equipamentos destinados à produção industrial que se tornaram progres-
sivamente esvaziados. O resultado é a continuada presença de solo subutilizado em locações centrais,
geralmente providas de infraestrutura, acarretando severas perdas na economia urbana e, consequente-
mente, nas funções sociais do solo.

O século XX terminou com o tácito reconhecimento das perigosas consequências deixadas pela civi-
lização industrial sobre solo, água e ar, e do exagerado recobrimento que a expansão do ambiente
construído acarretou sobre o ambiente natural. Esse quadro faz, por certo, emergirem várias questões,
tais como: o que fazer com os brownfields urbanos que se avolumam nas cidades centrais das grandes
metrópoles brasileiras? Quais atitudes a tomar na área de planejamento das cidades para encarar as
novas circunstâncias enfrentadas pelos meios urbanos em condições pós-metropolitanas? Onde buscar
o espaço necessário para acomodar as novas demandas espaciais surgidas com as mudanças trazidas
por novos comportamentos da sociedade pós-moderna? Como acomodá-las através de um desenho
urbano que consiga acolhê-las adequadamente? Onde buscá-lo? No adensamento, no infill ou, ainda,
na promoção da exurbia?

OConceito de Lugar no Brasil Urbano


Lugar. conforme tradicionalmente o interpreta o urbanismo, é um espaço qualificado, isto é, um espaço
que se torna percebido pela população por conter significados profundos, representados por imagens
referenciais fortes. Precisamente por isso, em sua gênese comparecem fatores físicos e psicológicos que
têm a ver tanto com o desenho da configuração morfológica urbana quanto com o comportamento inte-
rativo adotado pelas pessoas na utilização dessas formas (Castello, 2005). Esses lugares são fundamen-
tais para a concretização de processos psicológico-espaciais atribuídos às pessoas pelo fenômeno urbano
- isto é, pelo simples fato de viverem nas cidades. A esses, costumo denominar 'lugares da urbanidade',
obviamente entendendo-se por urbanidade, aí, a qualidade vinculada à dinâmica das experiências exis-
tenciais conferidas às pessoas pelo uso que fazem do ambiente urbano; ou, complementarmente, pela
qualidade que o sistema de espaços públicos das cidades tende a oferecer a seus usuários através da
capacidade de intercâmbio e de comunicação que contêm (Castello, 2000b).

Todavia, quando são considerados os projetos de place making (Carr et ai., 1995; Huxtable, 1997) mais
recentes, particularmente aqueles que alguns autores incluem no chamado urbanismo pós-moderno
(Ellin, 1999; Nesbitt, 2008), o conceito de lugar remete mais à construção de imagens que buscam fanta-
siar a realidade contextual ou. até mesmo, a com ela romperem, com fins de promover um place marke-
ting (Hannigan. 1998; Castello, 2000a). O projeto de lugar, nesses casos, reforça e reproduz uma imagem
já intensamente percebida naquela realidade; ou introduz um cenário representando intencionalmente
uma imagem fantasiosa. É por isso que gosto de me referir a esse urbanismo como "metaurbanismo".

No Brasil de hoje, é possível reconhecer-se a manifestação de dois tipos predominantes de lugares: (a)
aqueles que mimetizam os elementos do contexto, buscando reconstruí-lo, isto é, que dão "lugar" às
formas que melhor representam a identidade cultural daquele contexto; e (b) os que constroem novos
elementos, isto é, que dão "lugar" a formas que passam a flJ[lcionar como brands de consumo daquele
ambiente, usadas para promover o mirtetj,.ngu~bano. Tanto um como outro se.vale_nfode·ul'Tí processo -
de clonagem realizado sobre formas que po~~~ ser tanto contex~uaitq~?~to~otalmerfte éxógel)as. mas
que, em ambos os casos, são résp,onsávéjs por gerar o que aenomino " lugá,re"S d.a clonagem" . É impor-
tante saber distinguir as verdadeiras operações de.clonage01 do i"mediatismõ"êle experiências meramente
cosméticas que se li;;,itam a ~~alizar apenas uma "estetici.iação" dos aspectos mais abrutalhados apre-
sentados pelos brownfields urbanos, nos quais "em uma era em que a industrialização se tornou chique,

\_J
I
Capítulo 8 IRedesenhando Brownfields em Porto Alegre 163

quando antigas fábricas são convertidas em apartamentos e usinas de energia, em museus nacionais
( ...), um matadouro sem uso poderia ser facilmente percebido como uma galeria de arte em potencial".
conforme critica leach (1999, p.15). O caso abordado aqui é um típico exemplo dos lugares que se
enquadram sob essa nova conceituação, tipificando-se como um lugar em que a clonagem empregada
em sua gênese se dá de forma inteligentemente contextualizada.

Porto Alegre, uma Metrópole Sul-Brasileira


Porto Alegre é a capital do estado do Rio Grande do Sul. o estado mais meridional do Brasil. Localizado
em região subtropical úmida, a 30 graus de latitude sul. seu clima é temperado, apresentando as quatro
estações do ano bem marcadas. havendo até casos de eventuais precipitações de neve. mais comumente
nas regiões serranas. O estado faz fronteiras internacionais com dois países, Argentina e Uruguai, e Porto
Alegre situa-se em uma posição praticamente equidistante das capitais desses dois países, Buenos Aires
e Montevidéu, respectivamente, e das duas principais metrópoles brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro.

Esse fato, por si só, já é responsável por conferir a Porto A legre características peculiares, que a tornam
uma cidade a refletir uma formação cultural dual, uma, de origem hispânica, estabelecida a partir das
relações sempre íntimas com as populações das duas capitais do Rio da Prata, e outra, de origem lusa.
mais tipicamente brasileira. Por essa razão, o tipo étnico característico do estado do Rio Grande do Sul -
chamado de gaúcho - é o mesmo tipo que predomina nas extensões do pampa argentino, igualmente
conhecido pelo termo "gaucho" (só que sem o acento). Mas a diversidade de etnias presente no estado
não para por aí. O Rio Grande do Sul foi destino de uma das mais intensas correntes migratórias recebi-
das pelo Brasil. Levas e levas de imigrantes - principalmente alemães e italianos - se estabeleceram no
estado, atribuindo-lhe características culturais bastante singulares em relação ao resto do Brasil. Todos
esses fatores conferiram ao estado um caráter especial em relação aos outros estados brasileiros.

Porto Alegre está a aproximadamente 100 km de distância do oceano Atlântico e é banhada por um
grande lago, o Guaíba (embora ainda hoje seja maciçamente conhecido como " rio" Guaíba). Sua área
central estabeleceu-se numa península, espraiada junto ao rio, no qual, em 1752, se alojaram os casais
vindos dos Açores que iniciaram o desenvolvimento da urbanização. Foi uma das primeiras cidades bra-
sileiras a conseguir estabilizar o acentuado crescimento demográfico que marca a maioria das cidades
do mundo emergente. Já foi a terceira capital do país em termos de população, mas hoje é a décima,
somando 1.409.351 habitantes. t dotada de indicadores socioeconõmicos invejáveis em termos de
Brasil, como, por exemplo. coeficiente de mortalidade infantil (por mil nascidos vivos) de 10,53; taxa de
analfabetismo (pessoas de 10 anos ou mais) de 2,23%; com 99,35% de sua população abastecida por
água tratada canalizada e PIB per capita de R$ 26.312,00 (estimativa, 2009). 3 Polariza uma região metro-
politana que abriga mais de 3.932.000 habitantes, espalhados pelos 3 1 municípios que a conformam.

Também no campo do planejamento urbano Porto Alegre tem características diferenciais. Foi
a primeira capital do Brasil a contar com um Plano Diretor (19 14), 4 e desde então tem sempre
mantido a tradição de tentar regular seu desenvolvimento urbano. O plano atual contempla algu-
mas das novas conceituações comentadas no presente texto, em especial as de promover uma

~ ~

~.... ~ :~·
# - • : - - -• .-: - -:-: -.-

- - • •... ·- : <( ' _, - -- ,..,,.

3 Dados da FEE-Fundação;de"Etôno~ia e_ Estatísti; a, 201G: ê0taçãb"'média do dólar américan~ em relaçã'O ao real


"'"-br.asileiro (ma íÇ~_'2Q1:Í). u'sr 1 ; -R.$ 1,80. ~ • •• • ~ • · "..~ · • • · --:
• O ,P.lanp·de Jqão Morefra Maciel é de 1914, e suas diretrizes dé"êirculação foram parcialmente executadas alguns
anos depôjs. Sucederam-se o plano de Gladoséh, na década de 1940, e o plano de 1959, o primeiro a ser efetiva-
mente instituido como base legal. O Plano seguinte, de 1979, passou a encarar o planejamento urbano de forma
integrada. Encontra-se presentemente em vigor o 2° PDDUA - Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental,
datado de 2000.

ü
r
164 Desenho UrbanoContemporâneo no Brasil

descentralização planejada, estabelecer bases para um desenvolvimento sustentável, recuperar e


qualificar áreas subutilizadas ou degradadas e controlar a ocupação e valorizar áreas de preserva-
ção do patrimônio cultural. 5

A virada do século não foi pródiga para as ações de urbanismo na cidade. Com exceção de obras viá-
rias, como a construção de uma terceira avenida perimetral para maior fluência do tráfego motorizado
e a pavimentação de ruas estratégicas em bairros mais pobres, não há propriamente o que destacar no
campo urbanístico. Talvez o aspecto realmente forte nesse campo tenha se dado mais nas práticas de
gestiio urbana, quando da eleição do prefeito e da maioria dos vereadores de um mesmo partido polí-
t ico, que introduziu práticas alternativas de administração municipal. A gestão da cidade passou a mobi-
lizar intensos movimentos populares (e populistas) e a selecionar líderes mais carismáticos para atuar nos
debates realizados em assembleias públicas e a influenciar na opinião pública.

Aliás, um cenário marcante do planejamento urbano recente em Porto Alegre diz respeito precisamente
a seu fervilhante movimento político, tornando-a uma das cidades mais discut idas no Brasil (e, talvez. no
mundo) por ter se tornado um laboratório de intensas experimentações de cunho administrativo-ideo-
lógico. A mais notável - a introdução do orçamento participativo - tem sido citada com frequência até
por scholars conhecidos, como David Harvey, que diz "em cidades como Porto Alegre(. .. ) alguns meios
altamente inovadores foram encontrados para melhorar o poder popular e as formas democráticas de
gestão ( ...). Temos muito a aprender com eles" (Harvey, 2000, p. 187; tradução livre). De fato, o orça-
mento participativo gerou um movimento que se tornou emblemático da administração da cidade na
última década, buscando alcançar um diálogo entre governo municipal e população, no qual delegados
eleitos em 16 regiões da cidade decidem, em assembleias públicas, sobre a alocação de investimentos e
suas prioridades.

A iniciativa, entretanto, tem alcançado resultados imprecisos, gerando críticas por parte da oposição,
que reclama do número ínfimo de delegados que participam efetivamente das assembleias regionais; do
elevado percentual de obras licitadas. mas nunca completadas; e da interferência no funcionamento de
órgãos oficiais da administração pública, como a Câmara de Vereadores. Por fim, há queixas igualmente
da intensiva utilização do orçamento participativo como instrumento de doutrinação partidária e de
marketíng urbano.

Autodenominando-se a 'Capital do Orçamento Participativo', Porto Alegre se enquadra muito bem nas
características discutidas na primeira parte deste texto, pois sua administração vem ocorrendo conforme
as linhas mais extremadas do chamado marketíng urbano em vigor no mundo. A lém disso, vem sendo
palco de diversas movimentações de cunho político-social, inclusive a que a tornou bastante notória em
termos mundiais, por sediar o Fórum Social Mundial, atividade executada em contraponto ao fórum
de discussões econômicas promovido pelos chamados "países ricos", o Fórum Econômico Mundial.6
De qualquer forma, é possivel reconhecer em Porto Alegre alguns exemplos de um urbanismo que se
enquadra como pós-modernista, admitindo correções em alguns de seus pontos mais discutíveis. Um
desses casos será discutido a seguir.

..
~ No Brasil, a preservaçao evoluiu considerandp ii'ão .apenas elementos e áreas- por seus valor~. ''. histôricos e natu-
rais" . para uma abordagem mais abrangénte bãseaç!a em seus valm:gs "culturais~ . • .j:• ,
6 O Fórum Econômico Mundial reàliza-se qmialmente na cidape ~suíça~.de Davos,. pô:'mês de janeiro. Porto Alegre

lançou, em janeiro de 2001, o Fórum; Social ty'lundial como uma resposta·ésquerdist<;i à" tradicional reunião da cúpula
capitalista global. " ·
., . -~

\ )
J
Capítulo 8 IRedesenhando Brownfields em Porto Alegre 165

OReúso de um Brownfie/d, oConceito de Lugar ea Sustentabilidade


no Urbanismo Pós-Modernista
Alguns anos atrás, a iniciativa privada de Porto Alegre implementou uma experiência de desenho urbano
claramente inspirada nas linhas que regem as operações pós-modernas de rearquitetura urbana. A expe-
riência sintetiza com muita propriedade as alterações conceituais comentadas anteriormente. O lugar do
presente caso é um distrito de Porto Alegre, conhecido genericamente como Navegantes ou 42 Distrito,
e que compreende três antigos bairros industriais da cidade.

Em conjunto com os bairros vizinhos, a região


apresenta uma morfologia marcada tipicamente
por importantes remanescentes do passado indus-
trial da cidade, com os melhores exemplares da
arquitetura industrial sediados ao longo de uma
antiga artéria estruturadora, a Rua Voluntários
da Pátria, extensa via longitudinal paralela ao
"rio" Guaíba.7 A trama viária, predominan-
temente reticular, apresenta alguns desvios em
sua regularidade, dando lugar a uma mescla de
quarteirões grandes e pequenos, como é típico
encontrar em tecidos urbanos industriais mais
antigos. Além da farta comunicação rodoviária,
todos os demais modos de transporte estão pre-
sentes na região, que é servida pelo metrô de
superfície e conta com o aeroporto internacional
em seus arredores, o cais fluvial, a rede ferroviária
e o complexo de rodovias federais e autoestradas
em seu território (Figura 8.1).

As importantes mudanças ocorridas no setor


industrial da economia do país como um todo
corresponderam, como não poderia deixar de ser,
mudanças igualmente consideráveis no campo
comportamental do Homo faber da região de
Navegantes. Um cenário de decadência espraiou-
se rapidamente por toda a área. concomitan-
Figura 8.1 Mapa do Centro de Porto Alegre temente à intensiva movimentação de grandes
indicando os três projetos abordados neste capítulo. plantas industriais emigrando na direção de
Próximos ao centro da cidade, são bem servidos por
vários meios de transporte público e outros equipa- locações metropolitanas mais favoráveis - seja
mentos públicos. (Cortesia de lára Castello, Grupo de em termos de custos menores da terra ou de
Pesquisa Desenvolvimento Regional, Planejamento e acessos maiores às redes de comunicações. Na
Administração Ambiental CNPq/UFRGS.)
atualidade, observa-se o predomínio de funções
.....
,c;9merciais e. de__servi~ em armazéns atacadistas.
.'.: ~ •· ": • . . ~·, ~--. r- ,·. - ,.,::,.
-- -...'_\ - ....... ... . ... (
.....
~
~
-r. ,
7 Dóis' deles se destacam, o· Moinho Chaves e o
Moinho Rio-grandense, incluídos entre as· primeiras
realizações da arquitetura moderna na cidade (1915
e 1919, respectivamente) e repu tados como de status
exemplar nas listagens do patrimônio urbano.
-·-e. •. ~

r
166 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

(tanto em depósitos preexistentes ou adaptados para esse uso). Transportadoras e pequenas manufatu-
ras também permaneceram e até receberam melhorias. Mas é registrada a ocorrência de vários terrenos
vazios e de construções esvaziadas ao longo de toda a área.

Do ponto de vista da percepção do ambiente, pesquisas realizadas na áreaª apontaram para uma consta-
tação até certo ponto surpreendente. Mesmo diante do severo declfnio urbano experimentado por algu-
mas das locações e dos avantajados vazios decorrentes do abandono de uso em outras, a força imagética
de alguns elementos da paisagem parece ter insistido em permanecer viva na mente das pessoas entre-
vistadas. Com isso, uma coleção razoavelmente homogênea de imagens de forte influência dos tempos
do auge industrial da zona, e marcadamente denotadoras do tipo de viver da era da industrializaçao,
apresentou-se como predominante nas percepções dos residen tes. Evocadores de importantes eventos
do passado da área e celebradores de antigos sucessos, um bom número de marcos, estruturados como
ícones simbólicos da região, atingiu ranking elevado nas listagens de elementos mais percebidos por
todos os três segmentos de sujeitos entrevistados nas pesquisas de campo (residentes, trabalhadores e
usuários da área).

Ainda como uma última característica interessante a assinalar está a significativa concentração de marcos
localizada nos arredores da ponte sobre o Rio Guaíba. Junto a esta, dispõem-se outros marcos visuais
memoráveis, como o próprio rio e suas ilhas, as "portas" da cidade para quem vem das principais rodo-
vias nacionais do centro do país. os acessos rodoviários aos países do Mercosul e o santuário de Nossa
Senhora dos Navegantes. a santa padroeira da região. responsável por uma concorrida procissão fluvial,
talvez a maior festa religiosa da cidade. Tais elementos despontam como os mais carregados de simbo-
lismo da região e oferecem à área um potencial de geração de um novo lugar na estrutura da cidade.

Distrito Comercial Navegantes

O Distrito Comercial Navegantes, ou DC Navegantes, é um shopping mal/ situado nas margens do


Guaíba, a aproximadamente dois quilômetros da área central da cidade (Figura 8.2). Resultado do pro-
jeto de adaptação e transformação do uso de antigas instalações industriais pertencentes à fábrica
Renner, às quais foram acrescidos novos pavilhões. estende-se por três quarteirões, que perfazem apro-
ximadamente um terreno de 6 hectares.9 A fábrica Renner, implantada em 1916, iniciou como uma
pequena manufatura de tecidos, desenvolvendo atividades de fiação, tecelagem e pintura, e com seu
rápido desenvolvimento tornou-se uma das grandes indústrias do estado. Com a gradual modernização
de suas operações, a empresa começou a transferi-las para outros terrenos e também começou a progra-
mar a ideia de criar um shopping center, visando ocupar o espaço fabril que se tornou ocioso. Estudos
de marketing recomendaram a criação de um outlet mal/, o que motivou a implementação de reformas
dos edifícios históricos e subdivisões de galpões para abrigar pequenas lojas que operavam como lojas
de fábrica (Figura 8.3). Inaugurado em outubro de 1994, o projeto já começaria a receber premiações a
partir de 1995, e tem experimentado crescentes sucessos desde então.'º

8 Pesquisa conduzida em campo pelo Grupo de Pesquisa Percepção Ambiental e Desenho Urbano e liderada pelo
autor, Faculdade de Arquitetura da Univ~r?ic;!ade f;ederal do Rio Grâ'nde do Sul. _ _
9 O Projeto DC Navegantes é de auwria dos :a~qllitetos Adriana Hofmeiste(fleck (coordenadôra),- Rosane Bauer e

João Carlos Gaiger Ferreira. Ficha técnica: área-Elo te:rreno: 65.9631ll2, área construítia: 49.400 m'z; área bruta locá-
vel: 24.070 m2; 120 lojas foram,j mpJantaqas nâ~e.rjmeira fase (outubro ~e '994)...às quais foram adicionádas 80, na
segunda fase (ábril de 1995). .~ ..
'º O projeto recebeu premlaçãQ na 111 Bienal de·Arquitetura do Rip Grande' do Sul, em 1996 (Revista AU n° 74, 1997); e
a Premiação para "Jovens·Arqu'itetos", conferida pelo IÀB- lnstitÜto de Arquitetos do Brasil, de São Paulo (1997).

-"C. ....

J
Capítulo 8 IRedesenhando Brownfields em Porto Alegre 167

Figura 8.2 O Distrito


Comercial Navegantes
é urna renovação com
transformação de uso do
complexo industrial da
Renner. Edifícios antigos
foram convertidos para
usos adrninistrativos e de
varejo, e novos edifícios
foram adicionados.
Localiza-se em urna
artéria principal da
cidade, próximo a
rodovia, ferrovia e ponte
do rio Guaíba. (Foto de
Henrique Amaral Studio,
adaptada pelo autor.)

Figura 8.3 Este edifício do


antigo complexo industrial
da Renner, localizado
em urna via pública, foi
convertido para varejo.
(Foto do autor.)

O projeto reciclou um conjunto de antigos prédios industriais e, integrando-os a construções novas com
desenho específico, gerou a configuração de um "Distrito Comercial Navegantes", um espaço de compras
de alcance urbano, que soube manter a percepção imagética fabril predominante. 11 Não por coincidência,
mas, talvez, como fruto da percepção da riqueza simbólica do lugar, o DC Navegantes foi implantado pre-
cisamente no local mencionado anteriormente, o lugar aglutinador de expressivos marcos topológicos e
psicológicos da região e da cidade (Figura 8.4). As estratégias de projeto foram eficazes, apesar de (e talvez
por isso mesmo) despretensiosas. Conforme explicam seus autores, ao descreverem o projeto:

O patrirnôp[o ~arB uitetqnico construíd~·existente ·(...) tinha, um' P,et~ciaj:rnuito grande. (...) A manu-
tenção dos. préai~ fo) :urna das premissas do prÔjeto, 9l:fe se oridtóu no se~tido. de resgatar 2 bairro,
retirbanita·r éi área e' adequar a sua-estrutura às ex1gên€ias de um outlet. (...) Necessitávamos-de urna
• _,, ') _ O- • • -· · .. " '"

~f' . , ' ... ·· ~ ...: ~

..... . ..
11 As instalações fabris, embora trabalhassem com tratamentos químicos na produção, lavagem e tintura dos fios, não

- ....
chegaram ~ receber avaliação quanto a eventuais níveis de contaminação, antes do início do projeto.

r
168 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

estratégia unificadora que fosse forte


o suficiente para integrar num mesmo
contexto os diferentes quarteirões, com
prédios com linguagem e tipologias varia-
das. Trabalhamos com elementos como
pórticos de acesso, marquises, torres, ilu-
minação, mobiliário urbano e comunica-
ção visual, os quais assumiram linguagens
específicas que foram repetidas ao longo
do espaço com o objetivo de integrar e
propiciar a unidade neces~ria. 12

Em setembro de 1996, com apoio da prefeitura,


o Distrito Comercial Navegantes t ransformou
uma rua pequena e em desuso na chamada
"Rua de Eventos ". Fechada ao tráfego de veícu-
los, a rua se estende por um quarteirão a par-
tir do eixo estrutural do complexo. Destina-se a Figura 8.4 A rua de pedestres ao longo do Distrito Comercial Navegantes
serve como seu eixo estrutural e evoca a ambiência de uma cidadezinha. Comi
sediar eventos públicos ao ar livre organizados uma extensão desse eixo, a rua na Figura 8.5 foi fechada ao tráfego veicular
pela administradora do empreendimento, que a e atualmente abriga eventos ao ar livre. (Foto do autor; cortesia do Grupo de
descreve como "um espaço cultural permanente, Pesquisa em Percepção Ambiental e Desenho Urbano, CNPq/UFRGS.)

gratuito e público" (Figura 8.5). 13 As atividades


logo passaram a extrapolar os limites daquela
rua, incluindo antigos galpões esvaziados das
redondezas, agora usados para abrigar eventos
tão variados como exposições da Bienal de Arte
do Mercosul e espetáculos internacionais de dan-
ça.14 Além disso, o retail outlet con ta até mesmo
com um teatro permanente, restaurantes étnicos
e churrascarias, e realiza espetáculos de natureza
cultural e feiras variadas que animam o lugar
durante todo o ano. Atualmente, a área abriga
ainda um campus universitário.

AGênese de um Lugar

Mesmo considerando a modéstia de sua escala - Figura 8.5 A introdução de uma nova rua de pedestres serve como
extensão do principal corredor de pedestres do shopping; é utilizada
e a bem dosada modéstia de suas pretensões -. para eventos públicos ao ar livre, assim como alguns dos edifícios a
o projeto do DC Navegantes pode oferecer, em sua volta. (Foto do autor.)
sua essência, alguns apontamentos de interesse
para o entendimento da gênese de um lugar no atual contexto pós-moderno de uma cidade. A expe-
riência de rearquitetura executada no local, possivelmente inspirada pela percepção pública da paisa-
gem do entorno, associada à preser.iç,a tão-significativa dê" marcos ceferenciais físicos~ psicológicos já
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12
Com base em entrevista com os autores no Boletim Informativo do IAB(RS, abril i 996, p. 4-5.
13
Dados de dezembro d$! 1996 apontavam que mais de 100 es'Petáculos já haviam sido realizados na Rua de Eventos
desde sua abertura em setembro; seis milhões de pessoas já haviam visitado o shopping desde sua inauguração em
1994; em cada fim de semana, o local recebia em média 50 mil visitantes. (Jornal Zero Hora, 1511211996, p. 8.)
1
• Mercosul é uma zona de livre-comércio que inclui o Brasil, a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela.

j
Capítulo 8 IRedesenhando Brownfields em Porto Alegre 169

contextualizados, atribui rapidamente à área o status de um lugar urbano na estrutura global da cida-
de. 15 O efeito de revitalização também é sentido na construção de novas edificações próximas ao DC
Navegantes, nas áreas vazias, e pela reciclagem de antigos prédios vizinhos, adaptados ao uso comercial
e, curiosamente, replicando a morfologia apresentada pelo DC.

Os moradores do entorno registram algumas mudanças na qualificação do ambiente: melhoria na aces-


sibilidade com a introdução de novas linhas de transporte, mais segurança com a presença ostensiva de
guardas, mais oportunidades para contatos sociais e benfeitorias nos serviços públicos. A atratividade
do novo lugar já se estende para além das vizinhanças mais imediatas. Talvez a essência de seu projeto
conceituai - a de estruturá-lo a partir da ideia de uma main street de uma pequena cidade - tenha sido
o que lhe conferiu a magia com que hoje conta. Os frequentadores são transportados ao "mundo de
antigamente", no qual podem desfrutar de um passeio ameno, enquanto fazem suas compras com tran-
quilidade, como se estivessem numa ruazinha de um vilarejo qualquer. Podem viver uma realidade que
hoje existe mais na imaginação, que não pode mais ser espontaneamente encontrada nos fervilhantes
centros comerciais da metrópole.

A administração do projeto capitaliza intensivamente sobre esse ponto em sua estratégia de marketing,
explorando esse distanciamento da realidade do resto do mundo de consumo que a cidade oferece.
A publicidade já não fala tanto em preços, como seria usual num retail outlet; em vez disso, invoca o
prazer de se estar em um lugar que, junto às facilidades de um shopping, oferece a natureza. a possibi-
lidade de visualizar o céu e o pôr do sol, sentir a proximidade da água, escutar a aragem soprando nas
palmeiras (naturais) e pisando na grama (natural). Em 1996, pouco tempo depois de sua abertura, o DC
Navegantes recebeu o prêmio "Top de Marketing" como uma das seis empresas que mais se destacaram
no cenário empresarial gaúcho.

Embora minimalista, seu projeto urbanístico encerra uma riqueza surpreendente, manifesta em vários
sentidos e numa diversidade de facetas, que abrangem desde a dimensão sensorial à dimensão histórica,
preservacionista, experiencial e, claro, também a comercial.

Sensorial porque foi capaz de incorporar a atmosfera industrial que permeia todo o ambiente local.
Além disso. é receptivo aos vários grupos sociais, de modo que seus usuários se sentem bem à vontade
naquele território, que oferece um ambiente (e não apenas um cenário clonado) no qual podem replicar
práticas espontâneas e atitudes que só costumam adotar nos lugares que lhes são mais familiares. Essa
dinâmica é demonstrada, por exemplo, pelo fato de que tanto estudantes do campus próximo como
trabalhadores das fábricas do entorno o utilizam como área de lazer e se comportam como se estivessem
nas calçadas em frente às suas próprias residências.

Histórica porque utiliza a contemporânea e cada vez mais prestigiada afeição pública por símbolos do
passado, e porque é capaz de manifestar materialmente a essência de uma memória urbana.

Preservacionista porque se engaja na popularização do novo ideário ambientalista que propõe a recu-
peração do contato com os elementos naturais do meio urbano - tirando partido de sua aproximação
com o rio; e porque promove a recuperação do contato com elementos culturais do meio urbano - pela
reutilização de prédios valiosos da arquitetura industrial original da cidade.

Experiencial porque sabe reconhecer o surgimento de novos valores e comportamentos em relação a


lazer e consumo n? ~~io-d.!3 ~ôcledade. Ger~·um lugas; ~úbli_cq p,ara·:~xp_r;.ess~9 cultural, ..particularmentê'
~través da Rua de ~Eventos>;JVà'.!és dos eventos especiais; e d,os paVilh'oes para shówJ': apresentações e
\ · i..- ... "' · ,,,., "
. _ exposições de.art;,forct do dr.@ito mtJseológico f9rmal aãtid~d~ ,.~ -L· ---=--
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15 Rearquitetura é uma das áreas de pesquisa no programa de pós-graduação do autor. Refere-se à reconstrução
contempo~ãnea de cidades mantendo suas funções e morfologia preexistentes.
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r
170 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Comercial porque expõe e rejuvenesce a poderosa natureza comercial da região em toda a sua latente
potencialidade, mantendo-a vital na contínua evolução da cidade.

Considerações Finais
O caminho aberto pela rearquitetura do DC Navegantes soma-se a experiências que empregam um novo
conceito de fazer lugares (placemaking), mesmo quando gerados sobre espaços de atrativos restritos,
como costumam ser os brownfields urbanos. Ao que tudo indica, ilustra uma tendência que ainda terá
muito a oferecer para a evolução do urbanismo
no Brasil e para enfrentar as novas preocupa-
ções que a ele se incorporam nas condições pós-
modernas, como a da sustentabilidade.

Seguindo a mesma abordagem e mais ou menos


à mesma época em que se inaugurava o DC
Navegantes, nascia outro espaço ligado à memó-
ria cultural de Porto Alegre: o Centro Comercial
Nova Olaria. Antiga fábrica de tijolos, foi remo-
delada para abrigar lojas, restaurantes. cafés e
cinemas, por um projeto que a conecta à escala
da rua e demonstra igualmente forte integração
ao contexto circundante. Sua reutilização tornou-
se responsável por ancorar um dos mais diver-
sificados e atraentes bairros de entretenimento
de Porto Alegre, um verdadeiro polo de natureza
Figura 8.6 A conversão de uma antiga fábrica de tijolos boêmia naquele setor da cidade (Figura 8.6).
no Shopping Center Nova Olaria proporcionou um novo
lugar de socialização e eventos. (Foto do autor.) Mais recentemente, em 2003, um brownfield
em que funcionou a velha e pioneira cerveja-
ria Brahma foi convertido no Shopping Total, o
mais recente complexo comercial de Porto Alegre
(Figura 8. 7).16 Localizado a meio caminho entre o
DC Navegantes e o centro da cidade, esse empre-
endimento é repleto de memória e afet ividade. A
antiga estrutura do edifício foi convertida para
abrigar 557 lojas, cinco restaurantes, 14 lan-
chonetes de fast-food. cinco cinemas e até um
bingo. E, muito de acordo com os novos concei-
tos comunitários que regem o desenho urbano
no Brasil contemporâneo, tentou oferecer à

16 O"Shopping Tptal ocupa 5.43 IJP do ql!e costumava

ser o terreno de'yma das mais an~a~ é fámosas·cerve-


jarianla cidade. QuatrO,doÇsetlf"edífícios doshopping ..r ~
são.estruturaS-convertidas ,da. cervejaria que - junta- --:
mente com a chamipé e a:caldeirá originais - foram
projetadas em 1911 e silo protegidas pelo Patrimônio
Figura 8.7 A antiga cervejaria da Brahma foi· Histórico municipal. O shopping center foi inaugurado
transformada no Shopping Total, que abriga um misto com 450 das 557 lojas, o que representou um investi-
de lojas e atividades culturais e ajudou a revitalizar um mento de US$ 45 milhões. com a expectativa de gerar
bairro da cidade. (Foto do autor.) mais de 2.500 empregos diretos.

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)
Capítulo 8 IRedesenhando Brownfields em Porto Alegre 171

população uma biblioteca pública - certamente uma presença não usual em um shopping center - e até
uma sede para a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, ambas intenções frustradas pela resistência dos
porto-alegrenses à inovação. 17

A qualificação do DC parece derivar, precisamente, da habilidade de ter conjugado em um só lugar um


completo conjunto percebido como detentor de valores ambientais, todos de clara conotação com a
memória da cidade, e respeitando critérios preconizados até por críticos rigorosos. como Huxtable (1997,
p. 36; tradução livre). que aponta três condições que considera essenciais à conservação desse tipo de
memória: " ... o modo como o conjunto histórico se adapta às mudanças. o grau em que o estilo e a
identidade dão suporte a funções autênticas e a frequência com que é evitada a destruição através de
uma continuidade legítima pela adoção de um adequado papel na vida e uso contemporãneo".

Claramente, o Distrito Comercial Navegantes e os mais recentes Nova Olaria e Shopping Total sugerem
um caminho a seguir no urbanismo pós-moderno brasileiro. Esse caminho busca promover uma nova
geração de lugares que valorizam a memória da cidade, preservam seu ambiente e evitam expansões do
tecido urbano antieconómicas e desnecessárias. Variações simples em torno de uma temática perceptiva
comum - a da percepção da memória industrial da região, por exemplo - poderiam muito bem prover
uma orientação útil para guiar proposições urbanísticas preocupadas com a criação de lugares urbanos
reais. Usar a migração da memória de um período histórico (a era da industrialização da cidade) para
outro (a era dos grandes centros de compras nas cidades), como cerne de uma proposta de desenho
urbano, pode muito bem vir a se tornar uma das diretrizes viáveis para bem contextualizar os projetos
do urbanismo na pós-modernidade.

Mais de cinco anos se passaram desde que o presente texto foi completado para publicação nos EUA, 18
e parece relevante assinalar que a pesquisa continua. bem como a intensa animação investigativa que a
motivou. Porém, se fosse para comentar hoje, em 2013, a situação da reurbanização de brownfields em
Navegantes. na região do chamado 4si Distrito de Porto Alegre, a história seria contada em outros ter-
mos. Muito mudou no campo da Arquitetura-Urbanismo nesse intervalo de tempo: mudanças substan-
ciais nos objetos teóricos tocados pelo presente texto - reúso de brownfields. desenvolvimento urbano
sustentável, ótica pós-modernista sobre o planejamento das cidades, conceito de lugar, técnicas de place
making, estratégias de place marketing, novos exemplares de lugares da urbanidade - e mudanças sur-
preendentes ocorreram também nos comportamentos da sociedade urbana - políticos, inclusive.

Para os pesquisadores urbanos preocupados em acompanhar o rumo tomado pelo urbanismo no Brasil. a
busca por novas contribuições paradigmáticas continua inquieta e exaustiva. E, na verdade, deve mesmo
ser assim, pois o urbanismo no Brasil precisa atentar para as necessárias modelagens que as mutações
na vida em sociedade impõem à organização do palco onde essa vida se desenrola - a cidade. As pes-
quisas escrutinam. assim, tanto sobre as novas materialidades construídas no universo empírico quanto
sobre as hipóteses avançadas na manifestação de novos construtos teóricos. Não seria propriamente
sensato tentar fazer aqui um follow-up do que se passou na região de Navegantes no decurso de tempo
da publicação das duas versões deste artigo. Foram tantas e tão decisivas as mudanças que não cabe,
obviamente, qualquer tentativa de sequer enumerar metodicamente as transformações. Mas, também,
não seria nada ajuizado deixar de tentar apontar pelo menos alguns dos eventos que mais marcaram a
realidade física, social e ambiental da região no período, pois eles não podem passar despercebidos e
merecem maior realce,.por se~ evidente poder de ilustrar a importãncia que essas mudanças acarretam ._~

s~bre a configuração.B"ó; ~,bi~~tes urbanos atuais. ' · • _ ::/; .f .. - ,.,.


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17Sobre shopping centers no Brasil, ver o artigo de G. Bruna e H. Vargas no Capítulo 4.


18
Com o Ululo "Redesigning Brownfields in Porto Alegre". ln: V. dei Rio e W. Siembieda (org.) Contemporary
Urbanism i~ Brazil: Beyond Brasília. Gainesville, FL: University Press of Florida, 2009.
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r
172 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

A diretriz da sustentabilidade permanece intensamente motivadora para a continuidade de nossa pes-


quisa. A ideia da contenção da expansão urbana como instrumental na busca de um desenvolvimento
urbano em moldes sustentáveis, gestada neste trabalho, persiste - e amplamente ativa. Na verdade,
recebe mais e mais adeptos, não só no Brasil como também no exterior. Um bom exemplo local é o
Projeto Piec (Programa Integrado Entrada da Cidade), um dos maiores programas de assentamentos
de habitação para a nova classe média ascendente brasileira, que possui o aval da prefeitura e apoio
financeiro do governo federal. Localizado nas proximidades da ponte sobre o Guaíba, o Projeto Piec
deixa antever uma intensa preocupação com o adensamento da região de Navegantes, a qual, como
mencionado anteriormente, é uma região dotada de boa infraestrutura, embora acentuadamente rare-
feita em termos populacionais (Figuras 8.8 e 8.9). Nossa pesquisa ressalta essas características e analisa
o fenômeno mais detidamente (Castello e Castello, 2009).

Figura 8.8 A situação atual


da área, incluindo a Vila
Tecnológica do Projeto Piec
em 2008. (Cortesia de lára
Castello. Grupo de Pesquisa
Desenvolvimento Regional,
Planejamento e Administração
Ambiental CNPq/UFRGS.)

.
..... --
Figura 8.9 Unidades ,
habitacionais construídas
dentro do Projeto Piec. (Foto ·
do autor.)

j
Capítulo 8 IRedesenhando Brownfie/ds em Porto Alegre 173

Figura 8.10 Acesso aos Jardins Residence, um dos novos Figura 8.11 Maquete do lançamento dos conjuntos
condomínios fechados populares. (Foto do autor.) habitacionais Rossi Praças Residenciais. (Foto do autor.)

Mais recentemente. o setor privado passou a ali investir seu capital, financiando unidades habitacio-
nais que introduzem inovação no setor, pelo lançamento de condomínios fechados para populações de
menores índices de renda, destacando-se. nessa nova tipologia residencial, as unidades Jardins Residence
(Figura 8. 1O) e Rossi Praças Residenciais. que contou com lançamento público apoiado por maquetes
(Figura 8.11 ). Também em relação ao acerto das iniciativas que visam a que as cidades cresçam, mas
que esse crescimento se dê de forma sustentável pelo emprego de uma específica e simultânea conten-
ção do sprawl urbano. vale também recordar que é crescente o apoio internacional à reurbanização de
brownfie/ds (Castello, 2011).

No campo interno. o urbanismo pós-modernista encontra na realidade empírica de Navegantes a intro-


dução de vibrantes alterações em relação ao reaproveitamento de antigos brownfields. Seria inaceitável,
nesse caso, deixar de assinalar pelo menos um exemplar fortemente decisivo para o desenvoívimento
urbano da região e que se encontra em plena concretização: o projeto urbanístico Residencial Portal do
Guaíba, que prevê a reciclagem de uso dos prédios existentes e a construção de um prédio comercial
e quatro torres residenciais de 17 pavimentos, no brownfield da antiga fábrica da Companhia Fiação
e Tecidos Porto-alegrense (Fiateci) (Figura 8.12), além do Memorial do Tecido para resgatar a trajetória
da Fiateci e a história da região de Navegantes. A Fiateci, como outras indústrias locais, emigrou para a
cidade de Canoas. na Região Metropolitana, e a ela é atribuído o maior impulso ao desenvolvimento do
4° Distrito, a começar pela abertura da própria Rua Voluntários da Pátria (1891) e a construção de uma
vila operária para alojar seus funcionários.

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Figura 8.12 Prédio histórico da antiga fábrica Fiateci,
em Navegantes. (Foto do autor.)
174 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

De maneira análoga, o projeto ilustra não apenas


o conceito da reutilização de antigas edificações,
mas delineia com muita propriedade os conceitos
embutidos no urbanismo dito pós-modernista,
qual seja, o de introduzir megaempreendimentos
multifuncionais no interior do tecido urbano, com
potencialidade de geração de novos lugares urba-
nos. A construção do novo lugar - o placemaking-
foi precedida por ruidoso lançamento bem ao
estilo do mais sensacional placemarketing globa-
lizado, com a publicidade mencionando as possi-
bilidades das vistas panorãmicas da área costeira.
ao estilo dos lofts nova-iorquinos (Figura 8.13),
e com direito a caprichadas maquetes (Figura
8.14). Do mesmo modo, com o espírito da pós-
modernidade urbanística em pauta, encontra-se
o lançamento (igualmente sensacional) do com-
Figura 8.13 Foto do material de divulgação do
plexo multifuncional estruturado pelo estádio Residencial Portal do Gualba, assinalando sua
do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, que inclui localização em relação a outros pontos importantes da
região. (Foto do autor.)
hotel, centro de convenções, prédios de habitação
coletiva e shopping center.

Por fim, juntamente com o registro dessas novas iniciativas urbanísticas, convém mencionar a persistente
complementaridade que o planejamento urbano da cidade vem viabilizando em seu acompanhamento.
Dois exemplos claros são a conclusão do Viaduto Leonel Brizola, que concretizou uma acessibilidade
mais franca da região com o restante da cidade. superando obstáculos como a presença do dique de
contenção às cheias, e dos empecilhos trazidos pela barreira da rede ferroviária, e a recente publicação
do edital de licitação, por parte do governo federal, do projeto de construção de uma segunda ponte
sobre o Guaíba, precisamente na região ao norte do DC Navegantes.

Nota
Gostaria de agradecer a todos que de uma forma
ou de outra colaboraram com a pesquisa para
este texto, especialmente a minha mulher, arqui-
teta lára Regina Castello, por sua ajuda com
as imagens. Também gostaria de agradecer a
Henrique Amaral e sua equipe (hastudio@terra.
com.br) pelo uso de suas fotos, e à arquiteta
Adriana Hofmeister Fleck pelo uso do material
sobre o DC Navegantes.

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Figura 8.14 Foto da maquete do Residenciai


Portal do Gualba, no lançamento público do
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empreendimento da construtora Rossi. (Foto do autor.)

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J
INCLUSÃO SOCIAL
Uma Cidade Melhor
para Todos

promoção da inclusão social é o foco da terceira corrente identificada no desenho urbano contem-
A porâneo brasileiro. Na Introdução, discutimos a evolução do urbanismo brasileiro e seu importante
papel em resposta ao programa social colocado em prática pela Constituição Nacional de 1988 e através
do processo de consolidação democrática. Ao subordinar os direitos sobre a propriedade da terra à
função social do solo e ao incluir um capítulo sobre desenvolvimento urbano, a Constituição brasileira
pavimentou o caminho de um urbanismo socialmente responsável. Examinamos o papel crucial desem-
penhado tanto pela Constituição quanto por seu desdobramento, o Estatuto da Cidade de 2001, no
esforço para alcançar equidade social e uma cidade mais justa para todos, por meio da distribuição de
espaços públicos, conforto, infraestrutura e serviços e, particularmente, transporte, com qualidade e
igualdade. O urbanismo no Brasil pode ser uma ferramenta eficaz na realização da plena emancipação,
diminuindo o abismo entre ricos e pobres, com a ajuda do desenho urbano.

Nos últimos anos, um significativo conjunto de ações governamentais tem sido direcionado à renovação
da cidade existente - ou pelo menos de partes dela -. de modo a estender as conveniências públicas.
sociais e culturais a uma parcela maior da população. Tais ações admitem a importância do desenho
urbano no sentido de tornar a cidade mais acessível e habitável para todos os segmentos da sociedade.
Algumas delas são examinadas ao longo dos próximos capítulos. ilustrando as diferentes formas de
melhorar a cidade existente tornando-a mais inclusiva para seus diversos grupos sociais.

Entre essas ações, aquelas originadas em Curitiba têm recebido reconhecimento internacional desde os
anos 1970, e é natural iniciar esta parte do livro com uma discussão sobre elas e os esforços daquela
cidade em promover um ambiente mais socialmente inclusivo. No Capítulo 9, Clara lrazábal examina o
modelo de planejamento de Curitiba, seus principais projetos de desenho urbano e o envolvimento da
população, destacando as razões pelas quais Curitiba é frequentemente citada como "cidade modelo"
ambientalmente sustentável e exemplo de um eficiente processo de planejamento. Sem dúvida, há mui-
tas razões pelas quais a cidade merece louvor: transporte de massa eficaz. preservação histórica e cultu-
ral, um centro revitalizado e confortável para o pedestre, programas ambientais eficientes e uma série de
projetos de desenho urbano e arquitetônicos que catalisam o desenvolvimento urbano.

Contudo, argumenta lrazábal, ainda que Curitiba seja merecedora dos elogios. há problemas de gestão
e planejamento que devem ser examinados com maior proximidade e minúcia. Ela aponta que a maioria
das decisões se encontra nas mãos de um pequeno grupo de técnicos e questiona se existe um grau de
envolvimento cidadão adequado, tanto q~alitativa quanto quantitativamente. Argumenta ainda que a,"-
insuficiente e mal iiClminisfr'.açJa participação pública · ~m Curitibff.P0,d.erá.;\fir a deslegitimar os sucessos
-- notáveis já obtidos·.. ' .:·-: : :.
~ . ' \ . ; ~ -
- ~ . .. •,.... : / .~ <
,,
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"""
No C~pítutc;',1o_~victnfe a~T Rio di~cute o Projêto Rio.éid_~àe, ;programa da prefeitura do Ri~de Janeiro
in'iciqdp etn 1993, int~grante .P~ plan~ estratégico da ~ida.de. O projeto visou- requalificar' e revitalizar
c~ntr'os,c~me;ciais deº bairros.cariocas e suas artérias. cujas calçadas e espaços públicos estavam dete-
riorados e inadequados à convivência e circulação de pedestres, além de invadidos por ambulantes e

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178 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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Jen
10!
:; rr estacionamentos irregulares. A requalificação dessas áreas contribuiu para que elas fortalecessem sua
ia ré identidade, tornando-as mais confortáveis para o público, atraindo novos investimentos privados. revi-
talizando o comércio e ajudando a cidade a recuperar, portanto, um pouco de seu prestígio nacional e
itu.
internacional.
lOli
or~ O Projeto Rio Cidade foi pioneiro em sua metodologia, objetivos e escopo, no modo como foi implemen-
de
ido tado e por suas repercussões políticas e econômicas. De 1993 a 2004, várias equipes foram contratadas
eia para redesenhar quase 50 bairros da cidade. desde o Centro até áreas distantes e pobres do subúrbio,
as sob a coordenação da prefeitura. Cerca de metade dos projetos planejados foi totalmente implementada
sti e obteve evidentes efeitos sobre a qualidade dos espaços públicos cariocas.
açi
São Paulo, nossa megalópole global, também possui destacado trabalho em urbanismo. com impor-
eri
:ra1 tantes projetos de desenho urbano, cobrindo desde a grande escala até a escala local. No Capítulo 11,
mé Carlos Leite discute alguns dos projetos paulistas e os esforços para transformar espaços pós-industriais
:id< e superar a fragmentação territorial causada por terrain vagues. vias expressas. espaços livres modernis-
ria tas estéreis, loteamentos ilegais e favelas em áreas de preservação. Através da análise de três estudos
er~
de caso - uma intervenção no centro da cidade, a urbanização de uma favela em área ambientalmente
me sensível e um projeto para reestruturar um centro de bairro -. Leite argumenta que o urbanismo e o
cc desenho urbano podem operar dentro dos limites do possível, mesmo em uma metrópole tão com-
~a
plexa e globalizada.
ica
sd Os resultados dos projetos em São Paulo demonstram a importância de um desenho urbano que gera
1io
espaços públicos significativos e busca uma nova articulação do território através do uso de espaços
·ce vazios como oportunidades para novas conexões físicas e sociais. Leite observa que. fundamentalm ente,
od os projetos da São Paulo "pós-Brasllia" têm que promover uma leitura ponderada da geografia do lugar,
>U
refletir as pressões das demandas globais e locais e responder à função social da cidade.
:en
da No último capítulo da Parte 111, Capítulo 12, Cristiane Duarte e Fernanda Magalhães discutem o Favela-
:on
Bairro, programa inovador e bem-sucedido de urbanização de favelas, iniciado pela prefeitura do Rio
sd
tirr de Janeiro em 1994. Diferentem ente da maioria dos programas governamentais até então, que consi-
deravam favel as como lugares de marginalidade. o Favela-Bairro reconheceu os investimentos sociais e
capitais de longo prazo dos moradores e assumiu que as favelas deveriam ser auxiliadas a se reintegrar
à cidade formal, tanto física quanto socialmente. Analisando quatro diferentes projetos do Programa
Favela-Bairro, Duarte e Magalhães abordam a combinação das melhorias físicas com os programas de
desenvolvimento social e a eventual inserção de novas unidades habitacionais e edifícios comunitários.

Assim como no Programa Rio Cidade, durante o Favela-Bairro firmas particulares foram contratadas para
elaborar os projetos de quase cem pequenas e médias favelas em toda a cidade. A flexibilidade tanto
no processo de projeto quanto em sua implementação foi fundamental, não apenas porque cada favela
é uma complexa realidade sociocultural e espacial, mas também porque os projetos eram vinculados a
dezenas de operações simultâneas em vários estágios de execução. Além de os projetos terem incluído
processos participativos de modo a engajar as comunidades nas tomadas de decisão. a prefeitura e as
equipes de projeto tiveram de obter a cooperação dos líderes do crime organizado em diversas das fave-
las. Em 2005, a prefeitura estimou que mais de 500.000 pessoas em 143 assentamentos se beneficiaram
do Favela-Bairro. O programa provou ser um enorme sucesso: foi ampliado para incluir a regulari zação
fundiária. várias outras comunidaqes-pedira.m para ser inêluídas no.;p_rograma e as.p_eg1u~~as indicaram
que os mora~ores passaram él. investir m'"a,ts n~ qualidade de. suas mcyádia5;, O Fav~-Bairro foi votado o - :'
Projeto do Ano em 1998 P.~to BancQ·lnteÍé!·mericano de Desef1Volvimérfto. recebeu o prêmio de melhor ~
projeto na E~posição Mundial de Hanóver -e foi reconh;cido, p~as NaçõeS- Unitlas c~mo um modelo em
seu relatório sobre cida.des""de 2006-07 .'o Favela-Bairr& influenciou toda a nova geração de projetos de
intervenção em áreas favelad as por todo o Brasil.

r
CAPÍTULO 9

Desenho Urbano, Planejamento e Políticas


de Desenvolvimento em Curitiba

Clara lrazábal

urante as últimas décadas, Curitiba tem sido referenciada como uma "cidade modelo" ambien-
D talmente sustentável e um notável exemplo tanto de um processo de planejamento urbano bem-
sucedido como de uma ampla coleção de projetos de desenho urbano atraentes, inovadores, funcionais,
econômicos e replicáveis. Este capítulo examina projetos de desenvolvimento urbano em Curitiba desde
os anos 1960 e apresenta várias razões pelas quais a cidade merece louvor: o competente e contínuo
processo de planejamento garantiu a eficiência do transporte público, a preservação histórica e cultural,
a revitalização do Centro e a prioridade à circulação de pedestres, programas ambientais eficazes e uma
série de projetos catalisadores de desenho urbano e arquitetônicos.

Este capítulo também discute alguns fatores políticos e institucionais que vieram a facilitar o desenvolvi-
mento do processo de planejamento de Curitiba e alguns problemas recentes de gestão e planejamento
urbano que a cidade vem enfrentando.

O processo de planejamento de Curitiba foi delineado pela acomodação de diversos interesses em torno
de um mesmo projeto político, pela divulgação, por meio da mídia, de uma imagem particular de cidade
e pelos ganhos materiais que atingiam as classes menos favorecidas.

Reciprocamente, alguns fatores que desafiam o modelo de gestão urbano, ameaçando subverter o
futuro de processos de planejamento na cidade, dizem respeito a aumento dos problemas urbanos e
das desigualdades entre os municípios da região metropolitana, deficiências da estrutura e coordenação
institucional no nível do planejamento e gestão metropolitana e atendimento inadequado das institui-
ções do governo e de planejamento aos crescentes desafios postos por cidadãos que demandam mais
responsabilidade e participação polftica. Aqui, argumen tamos que a instituição de uma participação
democrática mais efetiva nas tomadas de decisão sobre Curitiba será o meio de legitimar e dar continui-
dade aos processos urbanísticos que se iniciaram de forma tão brilhante no limiar dos anos 1960 e um
registro louvável de sua implementação entre os anos 1970 e início de 1990.

Planejamento e D~~nhu.Urbano em.(uritib~.


:'" .., ' .. . .. """""'
'"t
.. -
A-l onga história ao-d;s·eJlh:~urb~no e planejãme{lto..(~r~l1~:tte' cuiftlb; compre;ncfe seis-décadas e
foi iniciadà cõn\' o ;p1ánô. Ágách-e, con~ebido em 1'943 pelo ~vrbaniSta francês Alfred Agache, quando

' Para uma discussão mais detalhada sobre o planejamento e desenvolvimento de Curitiba, ver lrazábal (2005); para
a história do planejamento em Curitiba e uma descriçao de projetos específicos, ver IPPUC (2012).
• .... ~~ 1 )

'
180 Desenho Urbano Contemporâneo noBrasil

Curitiba tinha 120.000 habitantes.2 Através da reestruturação da malha viária, esse plano estabeleceu as
diretrizes para um crescimento concêntrico da cidade e as provisões para o zoneamento de uso do solo,
as medidas de saneamento, a distribuição de espaços livres e a alocação de áreas para expansão urbana.
O plano propôs ainda a construção de edifícios e centros culturais e governamentais, um dos quais - o
Centro Cívico, que abriga instituições locais, estaduais e federais - foi concebido e construído no início
de 1952, de acordo com as premissas da arquitetura moderna de então.

Em 1950, a população de Curitiba atingiu 180.000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de mais
de 7% - mais do que o previsto pelo Plano Agache. Para lidar com esse crescimento explosivo, a primeira
lei de zoneamento de Curitiba foi aprovada em 1953, e o primeiro plano de um sistema de transporte de
massa, em 1955. Pelos idos de 1960, a população havia dobrado para 36 1.309 habitantes, e a rapidez
do crescimento urbano aumentou a necessidade de seu gerenciamento. Essa expansão demográfica,
paralelamente ao planejamento e à construção de Brasília como a nova capital do Brasil na virada dos
anos 1950 e início dos anos 1960, gerou um novo lmpeto para os campos de desenho urbano e plane-
jamento em Curitiba como meio de direcionar o crescimento e alcançar o progresso e a modernização.
O processo de significativo crescimento continuou durante a década de 1960, e Curitiba mantinha uma
das mais altas taxas de expansão demográfica no Brasil - uma média de 5,36% ao ano-, o que deman-
dava mais planejamento urbano. 3 Nos anos 1960, o Plano Agache permanecia apenas parcialmente
implementado e demandava atualizações e ajustes.

Em 1965, a prefeitura de Curitiba realizou concorrência pública para um novo Plano Diretor, vencida por
empresa de São Paulo tendo à frente o urbanista Jorge Wilheim. 4 Desenvolvida em conjunto com téc-
nicos municipais e grupos de elite, o Plano foi aprovado em 1966. Nessa época. Curitiba possuía quase
470.000 habitantes e uma taxa anual de crescimento de 5,6%. Diferentemente do Plano Agache, que se
baseava em círculos concêntricos, o Plano Diretor vislumbrava um crescimento urbano a partir de eixos
radiais para fora do centro da cidade e empregava transporte público integrado e princípios de uso do
solo misto (Figura 9.1 ). Outros pilares do plano foram o gerenciamento do crescimento, a promoção da
indústria e a melhoria do ambiente urbano e da qualidade de vida.

Conexões ...
' ' Eixos estruturais
dos bairros
~ ~
\

Eixos estruturais ... --


Figura 9.1 Diagrama de alternativas de crescimento para Curitiba. (llustraçAo de Vicente dei Rio com base no
Plano Diretor de Curitiba.)

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2 Já haviam sido elaborados vários planos e pr.oietos urbanos no Brasil antes do Plano Agache"'f>ara Curitiba - por
exemplo, em São Paulo, Rio de Janeiro ~ Por!o Álegre - e mesmo Q. desenho•de duas novas capitais estaduais - Belo
Horizonte e Goiânia. O Plano Agac'he;de Cüritib{fbi, entretanto: um do~·primeiros P.lanos-diretores abrangentes no
sentido modernista. ' • • · ' ~- ·•
3 O crescimento populacionàl foi nesse período principalmenteº·o resultado da migração do campo causada pela
mecanização da agricultura, que desalojou muitos trabalhadores. •
• W1lheim depois chama este plano de preliminar e, em conjunto com o recém-formado IPPUC (órgão constituído a
partir das propostas do plano preliminar}, desenvolve o Plano Diretor definitivo.

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J
Capítulo 9 IDesenho Urbano, Planejamento ePolíticas de Desenvolvimento em Curitiba 181

O Plano Diretor exigia importantes intervenções físicas na cidade, que incluíam inúmeros projetos de dese-
nho urbano. O maior deles era a criação de cinco "eixos estruturais" de transporte de massa que se irradia-
vam do centro da cidade de modo a direcionar e concentrar seu crescimento. O plano de eixos estruturais
aliava uma sólida infraestrutura de transporte público a um zoneamento que permitia usos mistos e um
significativo adensamento. Embora o zoneamento tenha sido baseado no antigo plano dos anos 1950, o
novo plano instituiu abordagens criativas para delinear o tecido urbano, canalizando o crescimento e defi-
nindo o estabelecimento de zonas específicas. tais como a Zona Central, Setores Estruturais para negócios
e outros serviços e Zonas Residenciais. A expansão residencial foi estimulada nas proximidades das ruas com
concentração de infraestrutura de transporte público e outros serviços. Além disso, foram estabelecidas
Unidades de Preservação de Interesse Especial para recuperar edifícios com significância histórica.
Nos anos 1960, a necessidade de suporte econômico para uma cidade que crescia a taxas mais altas que
5% ao ano conduziu à criação da Cidade Industrial de Curitiba (CIC), e Setores Especiais de Conexão
foram designados para integrar efetivamente o Distrito Industrial ao restante da cidade. O CIC foi conce-
bido com infraestrutura urbana adaptável, fornecendo serviços básicos, habitação, áreas de preservação
e integraçM ao sistema de transportes urbanos. O município aprovou ainda uma legislação restringindo
o estabelecimento de usinas industriais poluidoras.
O epítome da política urbana de Curitiba - que alcançou enormes benefícios com um investimento singelo
- tem sido o sistema de transportes (Cervero, 1995; Rabinovich e Leitman, 1993). Os principais eixos estru-
turais de transporte de massa começaram a operar em 1974, e em 1980 a Rede Integrada de Transporte
(RIT) começou a disponibilizar um sistema de trânsito rápido (BRT - bus rapid transit) com diferentes tipos
de linhas de ônibus integrando todas as partes da cidade (Figuras 9.2 e 9.3). Posteriormente, houve ainda
melhorias no embarque dos ônibus e nas características do veículo. 5 De modo significativo, o sistema de
transportes tem sido usado para promover o desenvolvimento ao longo dos eixos estruturais.

Figura 9.2 Esta vista aérea de • ..,.


,,... cturitiba mostca claramente os ' · .....
: éixos estruturais e çis densidades
mais elevaaas ao1Õngo-deles.
(Cortesia do IPPUC.)
. ,
s Quando foi inauguraao, ·o sistema de ônibus transportava apenas 54.000 passageiros por dia, ao passo que em
2010 o sistema integrado urbano e metropolitano já atendia a 2,3 milhões de passageiros (segundo relatório anual
da URSS Curitiba). O sistema tem inspirado muitas cidades em torno do mundo, incluindo Bogotá, Colõmbia, e Los
_,._
Angeles, _Califórnia, e agora o Rio de Janeiro, com os BRT (bus rapid transit).
182 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 9.3 Um ônibus biarticulado e um abrigo tubular em um dos eixos estruturais de Curitiba.
(Cortesia do IPPUC.)

Em 1974, um novo sistema viário criou Avenidas Prioritárias e redirecionou o tráfego veicular para fora
do centro ao estabelecer ruas conectaras entre os bairros e principais avenidas. Ainda nessa época, novas
ruas foram abertas para ligar avenidas consolidadas, e novos padrões de tráfego veicular foram defini-
dos. O Sistema Trinário foi também estabelecido, consistindo em uma faixa exclusiva para ônibus e dedi-
cada ao transporte de massa, margeada por duas faixas para o tráfego local mais lento, uma solução que
proporciona acesso ao comércio e às residências, enquanto outras duas faixas adicionais rápidas em cada
direção. uma indo para o centro e outra para fora do centro, permitiram o fluxo continuo de tráfego.

A malha de transporte público evoluiu a partir de 1974, e atualmente o RIT se estende a outras cidades
da área metropolitana. Graças ao RIT, o governo estimou que o consumo de gasolina em Curitiba em
2004 foi 30% mais baixo comparativamente a outras oito cidades brasileiras.

Uma das propostas institucionais derivadas do novo Plano Diretor foi a criação do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) em 1966 para a implementação do plano e o desenvolvimento
de todos os projetos complementares. O IPPUC selecionou uma equipe de urbanistas que trabalhavam
fora do âmbito institucional municipal estabelecido, de modo que fossem capazes de responder rapida-
mente às pressões do desenvolvimento. Desde sua fundação, o IPPUC tem conduzido de forma eficiente
o processo de planejamento e a transformação da estrutura física de Curitiba, concebendo projetos e
supervisionando sua implementação.

O IPPUC dedica-se ainda à preservação da história da cidade e_~ consolidação de sua identidade. O pri-
meiro Plano de Revitalização para o Distflto Hisfàri~o data de 1970. Em~ 971, a politlca;t'lerPr~ervaQio
de Sítios Históricos_.foi também estabel~cidá,:~es.ulrando na criaç-ão de inst~laçõ~ cult~s.'as;m ,com0- -
na reabilitação de edifícios histór-ico~:"-Ed,ífici~õ~~ antigas,'abanddoadàs o~' s~bu!ilizadas passaram a
abrigar orquestra~. oficjnas de arte. teatros'e~museus - por ~xemplo, uma antiga instalação do exércllo
foi transformada na Fu"ndação~ Cultural "turifiba; u·m paiol "histórico tornou-se o Teatro Paiol; e uma

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J
Capítulo 9IDesenho Urbano, Planejamento ePolíticas de Desenvolvimento em Curitiba 183

antiga fábrica de colas virou o Centro de Criatividade. Em 1972, a principal rua da cidade - Rua XV de
Novembro - tornou -se a primeira rua de pedestres do Brasil. 6 Por sua popularidade. a rua tornou-se um
modelo copiado por outras cidades. Além disso, seu êxito em atrair mais consumidores ao Centro mudou
a mentalidade dos comerciantes, que originalmente eram contra a ideia, os quais solicitaram a expansão
do corredor de pedestres (Figura 9.4).

O zoneamento para usos específicos e parâmetros de ocupação guiaram investimentos e projetos públi-
cos e privados. Depois disso. uma lei de 1975 definiu o uso do solo na cidade, criando áreas para ativida-
des residenciais, de serviços, industria is e rurais. A lei definiu ainda setores estruturais, áreas de pedestres,
áreas de preservação natural e ao longo do rio, parques e o Distrito Histórico. Para lidar com os proble-
mas ambientais em áreas sensíveis, setores de uso e ocupação especiais foram criados através de legis-
lação específica. Essas leis contribuíram para a preservação de áreas verdes e a proteção de alagadiços
ao longo dos rios. t ransformando-os em áreas de lazer. Foi implementado um sistema de parques que
lidava simultaneamente com questões de recreação, alagamento e saneamento. O decreto municipal de
1976, para áreas de preservação contíguas ao rio, tornou-se pioneiro como intervenção e instrumento
de controle de uso do solo, proporcionando uma alternativa ambientalmente sensível e econômica em
relação às obras de engenharia comuns em outros lugares naquela época. De acordo com estimativas
do IPPUC, em 2008 existiam 20 parques e 14 bosques, que, juntamente com praças. jardins e pequenos
parques, totalizavam 49 m 2 de área verde por habitante.

Figura 9.4 Rua XV de NG>vembro, a primeira rua ~e pedestres em Curitiba, ~om um antigo bonde usado para
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recreação infantil e eventÓs.eSf);cia_is. (Cortesia do IPPUC.) .;_'., • · ~< • ~>7 "!- _ ;:-
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6 A .w a atfpe9Etstres foi c;o~~truída erri um fim semana para eVit~'r qtiê os proprietários das-lojas, q~e eram contrá-
9e
rios à.ideiéf, tomassem m~d [das legais·para interromper a obra até quê- fosse muito"tarde. Então. criançasióram con -
vidadas para uma feira de pintura no meio da rua, posteriormente evitando qualquer ação contra a obra. O prefeito
de Curitiba convenceu grupos oponentes a dar uma chance ao projeto, enquanto a feira infantil se tornou um evento
semanal bem-sucedido que ajudou a consolidar as atividades voltadas para pedestres.

r
184 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

O crescimento acelerado de Curitiba demandou ainda novas soluções de habitação, já que a cidade
adentrou o ano de 1970 com 609.000 habitantes e uma taxa de crescimento populacional de 5,36% por
ano. Pelos idos de 1980, a população de Curitiba estava acima de um milhão de habitantes, e sua taxa
de crescimento mantinha-se alta, em 5,34%. O crescimento era ainda mais significativo nos municípios
vizinhos, onde altíssimas taxas anuais chegavam a 14%. Em 1976, o Plano de Relocação de Favelas foi
elaborado para assistir familias que moravam em assentamentos ilegais em áreas de risco. Descartando
a ideia de construir grandes complexos habitacionais distantes da cidade, a Companhia de Habitação
Popular de Curitiba (Cohab-CD começou a diversificar os tipos de moradias que disponibilizava (desde
residências unifamiliares até pequenos prédios de apartamentos sem elevador) e o número de unida-
des habitacionais de cada complexo, com as metas de integração comunitária plena e conurbação.
Algumas dessas áreas também receberam centros de saúde pública e creches, assim como instalações
educacionais, esportivas e recreativas. Por volta de 1989, o projeto de desenvolvimento integrado Bairro
Novo foi construído em uma das áreas livres remanescentes da cidade, proporcionando habitação para
cerca de 20 mil familias.

A expansão e o aprimoramento do RIT continua-


ram no início dos anos 1990. ônibus expressos
biarticulados de alta capacidade. que transporta-
vam até 270 passageiros, concebidos e produzidos
pelo IPPUC, foram colocados em operação (Figura
9.5). A capacidade desses ônibus é comparável
aos sistemas de veículos leves sobre trilhos. por
uma fração mínima do custo. Eles circulam ao
longo das faixas dedicadas nos eixos viários,
estimulando um maior adensamento ao longo
dos mesmos. Atualmente, o RIT inclui mais de
seis diferentes tipos e rotas de ônibus: ligações
expressas ao longo dos eixos viários conectam
bairros entre si, ao Centro e às cidades das
redondezas, proporcionando ligações mais dire-
tas entre lugares específicos; circulam pela região
do Centro; servem a estudantes com necessi-
dades especiais; se conectam aos hospitais da
cidade e a atrações turísticas e parques. Nesse
mesmo período. a Linha de Ônibus de Negócios
de Curitiba foi estabelecida: ônibus aposentados
foram reciclados como unidades móveis para
chegar às comunidades, oferecendo educação e
treinamento para empregos em comércio e ser-
viços tradicionais.

Nos anos 1980, uma legislação específica facili-


tou a _c,riação de áreas de preservação através de
incentivos e cormoles.de.µso "cto.solo:iO manea- -
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Figdra 9.5 Vista aérea de um eixo estrutural,
apreseotando as faixas de ônibus exclusivas, os ônibus
expressos e os abrigos tubulares. (Cortesia do IPPUC.)

/
Capítulo 9 IDesenho Urbano, Planejamento ePolíticas de Desenvolvimento em Curitiba 185

menta de áreas de preservação começou a ser atualizado regularmente, servindo como um instrumento
de ocupação do solo e como meio de monitoramento das atividades preservacionistas. Vários novos
parques e áreas florestadas foram criados, totalizando mais de 8 milhões de metros quadrados de áreas
públicas de preservação, e o IPPUC apelidou a cidade de a "Capital Ecológica do Brasil". Um dos mais
importantes instrumentos de incentivo do controle do crescimento - o Ato de Transferência de Direito
de Construção - foi criado em 1982. Essa lei deu ímpeto ao processo de preservação dos bens históri-
cos, culturais, arquitetônicos e naturais da cidade, ao permitir que os direitos de construção de edifícios
com significância cultural ou de espaços livres/naturais fossem transferidos para outras partes da cidade.
Novas alternativas de transportes foram criadas, com a implementação de ciclovias. A Rede de Ciclovias
atualmente possui cerca de 120 km de extensão e integra-se ao sistema urbano ao longo de determina-
das vias, linhas férreas e rios.

Curitiba adentrou os anos 1990 com 1,3 milhão de habitantes. Durante aquela década, a taxa de cres-
cimento populacional era de aproximadamente 2,29% por ano, significativamente abaixo do que nos
anos anteriores. A cidade cresceu de tal modo que a maior parte do solo disponível no município foi
ocupada, crescimento esse que atingiu outras municipalidades na região metropolitana. Durante aqueles
anos, Curitiba foi anfitriã de vários eventos nacionais e internacionais sobre planejamento, e a cidade
passou a receber prêmios por seus projetos urbanos. Soluções inovadoras para problemas ambientais e
de transportes, habitação, saúde, educação, criação de empregos e geração de renda eram continua-
mente buscadas e reconhecidas.

Em 1990, o Fundo Municipal de Habitação (FMH) foi criado com o propósito de dar suporte finan-
ceiro a programas habitacionais para populações de baixa renda. Desde então, o FMH tem sido a base
de apoio financeiro para a implementação da regulamentação de títulos de propriedade e a construção de
moradias de baixa renda. Os recursos do fundo são provenientes da transferência de capital de imóveis
pertencentes ao município, de apropriações orçamentárias e da renda de incentivos de desenvolvimento
(por exemplo, a transferência de direitos de construção). A criação de empregos e a ligação destes com
habitação foram também importantes objetivos dos programas especiais de Curitiba nesse período. Por
exemplo, a cidade buscou assegurar a vitalidade e continuidade de negócios tradicionais por meio da
criação do Programa Vila dos Ofícios, implementado em 1995, com a criação de unidades casa-trabalho,
nas quais as pessoas poderiam habitar e trabalhar concomitantemente. Além disso, uma ação conjunta
entre todos os órgãos governamentais municipais coordenados pelo IPPUC em 1997 criou o Linhão do
Emprego - um programa cuja meta era disponibilizar a estrutura necessária para a criação de empregos
e a geração de renda em 15 bairros da periferia.

Na década de 1990, a cidade implantou equipamentos culturais para ajudar a revitalizar a cultura local
e o lazer. Duas importantes estruturas foram erigidas: a Ópera de Arame (Figura 9.6), construída na área
abandonada e inundada de uma antiga pedreira, e a galeria comercial Rua 24 Horas, em que 42 lojas,
lanchonetes e um restaurante ficam abertos até às 23 horas7 (Figura 9.7). A Universidade Livre do Meio
Ambiente (Unilivre) foi criada em 1993 como um centro educacional, de pesquisas e de consultoria para
práticas ambientais sustentáveis. Desde sua concepção, tem servido como modelo para instituições simi-
lares no Brasil e no exterior, e vem demonstrando o potencial de parcerias entre organizações públicas,
privadas, sem fins lucrativos e comunitárias, bem como da colaboração internacional, para a promoção
da sustentabilidade urbana.

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l•? ASJojas-da Rúà 1 4 H_o1'11s não:f~ncionairi 24 horas. Em 2oô7. as.lojas ficavam abertas até no máxÍmo às 23 horas,
ma;·o lo'Cai estava muitõ abandonadó e em çondições precárias. A rua ficou fechada de 2007 até novembro de 2011,
quando reabriu após reformadà.

r
186 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 9.6 Em um novo parque que substitui uma


antiga pedreira, a Ópera de Arame foi construída
sobre estacas em um lago artificial. (Foto de Vicente
dei Rio.)

Figura 9.7 A Rua 24 Horas é uma galeria de lojas.


lanchonetes e bares, construída em uma via pública,
que fica aberta dia e noite. (Cortesia do IPPUC.)

Em 1995, a área histórica central foi mais uma vez revitalizada através da restauração das fachadas
originais de edificios históricos e do Projeto Co res da Cidade, que lhes devolveu suas cores originais. No
mesmo ano, o acesso público ao conhecimento foi estendido com a inauguração do primeiro dos 40
Faróis do Saber - pequenas bibliotecas públicas de bairro construídas perto de escolas públicas, abertas
aos estudantes e a toda a comunidade (Figura 9 .8).

Ainda em 1995, inaugurou-se a primeira das cinco Ruas da Cidadania. Funcionando como um misto de
centro comunitário, estação modal e sede de centros regionais da administração municipal, esses com-
plexos concentram serviços públicos sociais, lojas, espaços culturais e instalações esportivas e de artes
(Figura 9.9). Em 1996, foi inaugurado o centro cultural Memorial da Cidade de Curitiba, e um ano depois
o calçadão da Rua XV de Novembro foi remodelado. No fi nal da década, a cidade também testemunhou
a abertura do Conservatório de Música Popular Brasileira; o Teatro Novelas Curitibanas, o Teatro Dadá,
a Casa Vermelha e a Casa dos 300 Anos - todas celebrando o aniversário de 300 anos de Curitiba.
Parques, áreas florestadas temáticas e memoriais étnicos foram também criados naquela década por
toda a cidade para homenagear alguns dos grupos étnicos que contribuíram para a história de Curitiba
e sua atual configu ração demográfica - tais como os monumentos aos ucranianos, aos árabes, aos ale-

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mães e aos japoneses, e os parques de_d~ado~_aos portugueses e aos ~a l ianos. 3
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8 Embora os técnicos da prefeitura tenham decidido quais memoitais étnicos.construir e ônde localizá-los sem partici-
pação comunitária. os grupos étnicos têm sido geralmente receptivos aos produtos. deles se apropriado para eventos
culturais e criado parcerias com a prefeitura para sua manutenção. Para uma discussão detalhada dos memoriais
étnicos, ver lrazábal (2004).
Capítulo 9 I Desenho Urbano, Planejamento e Políticas de Desenvolvimento em Curitiba 187

Outra área na qual Curitiba recebeu reconheci-


mento foi o gerenciamento de resíduos sólidos.
Curitiba lida com lixo sólido sem a necessidade
de onerosas instalações mecânicas para a sepa-
ração dos resíduos. De acordo com estimativas
do governo, os curitibanos reciclam quase dois
terços de seu lixo através de programas que tor-
nam a cidade mais limpa e geram empregos.
renda para fazendeiros e benefícios em alimen-
tação e transporte para os pobres. Os programas
"Lixo que Não É Lixo" e " Lixo Reciclável" envol-
vem a coleta de rua e o descarte de recicláveis
que são separados nas próprias residências. Em
áreas menos acessíveis, tais como favelas, o pro-
grama fornece vales-refeição ou passagens de
ônibus para familias de baixa renda que coletam Figura 9.8 Uma das bibliotecas públicas Faróis do
e selecionam seus resíduos. O lixo é levado para Saber. Essas pequenas bibliotecas tornaram-se marcos
sociais e físicos de bairros. (Foto de Vicente dei Rio.)
uma usina construída com materiais reciclados.
onde é selecionado por pessoas aposentadas ou
desempregadas. sendo o material recuperado
vendido às indústrias locais. O sistema de coleta
seletiva de lixo de Curitiba atualmente se estende
aos 24 municípios do entorno.

Figura 9.9 Uma das Ruas da


Cidadania, que servem aos
bairros da periferia de Curitiba;
integram um terminal de ônibus,
serviços sociais públicos e
equipamentos de educação e
esportivos. (Cortesia do IPPUC.)
..
~ -. .
• 1

~)
188 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

O Plano Diretor guiou o desenvolvimento em Curitiba desde sua origem, porém até 1998 não havia
sido revisado. Ao final de 2000, depois de um período de dois anos de estudos técnicos e limitada par-
ticipação pública, foi aprovada uma lei de zoneamento definindo as novas condições metropolitanas de
Curitiba. Essa nova legislação formulou as políticas de controle de crescimento metropolitano. criando
um eixo de integração e desenvolvimento municipal (BR-116) e designando novos eixos de adensamento
urbano e áreas de preservação ambiental, além de promover o desenvolvimento econômico e a geração
de empregos.

Durante o mandato do prefeito de 2001 a 2004, os seguintes projetos fizeram parte da agenda
governamental:

• Nossa Vila, cuja meta era urbanizar favelas e conceder títulos de propriedade, promovendo o desen-
volvimento comunitário e prevenindo novas invasões de terra.

• Viver Junto, direcionado a expandir e aprimorar as escolas públicas com instalações esportivas, recrea-
tivas, artísticas e atividades culturais abertas a toda a comunidade.

• Aprender, que buscava a criação de novos espaços educacionais físicos e virtuais por toda a cidade
para oportunidades educacionais para todas as idades.

• Plano 2000, direcionado à construção - em parceria com as comunidades - de novas calçadas, pavi-
mentação de ruas, paisagismo e iluminação em áreas selecionadas.

• Nova Rebouças, com a meta de implementar novos usos recreativos e culturais em um bairro como
meio de geração de renda e emprego;

• Linha Turística, que buscava consolidar um eixo turístico através da combinação de conservação
ambiental e desenvolvimento econômico e cultural.

• Curitiba Tecnológica, que enfatizava a inovação de tecnologias urbanas e ecológicas.

• Ambiente, direcionada a melhorias das condições ambientais da cidade, com ênfase no controle do
lixo e na proteção dos corpos d' água.

• Cidadãos em Movimento, que implementa e aprimora programas de engenharia. gerenciamento,


controle. regulamentação e educação relacionados aos sistemas de transportes para melhorar sua
eficiência, segurança e qualidade.

A administração do prefeito Beto Richa (2004-2007) continuou esses programas e adicionou outros
mais.9 Os Planos Plurianuais de 1998-2001 e 2002-2005, respectivamente, para o município de Curitiba
estabelecem diretrizes, objetivos e metas da administração municipal ancorados na geração de emprego,
na gestão compartilhada, na integração com a região metropolitana e na ampliação da qualidade de vida
(Da Silva e De Castro Rauli, 2009). Essas estratégias encontram-se em diferentes fases de implementação,
e seus resultados ainda estão em processo de análise. A amplitude dos objetivos urbanísticos por eles
manifestados é, entretanto, indicativa da robustez da atividade de planejamento da cidade.

No caso da pouca tradição em participação pública nos processos de planejamento de Curitiba e sua
região metropolitana, é ilustrativo o caso do processo de elaboração do Plano Diretor de Rio Branco do
Sul, município localizado na região metropolitana de CuritiQa em 2005, em resposta às exigências do
Estatuto da Cidade. Era possível perceber ~ 'àesçonforto' das poucas ~':?soas q_ue p~r,ticjparam da~ reu-~
niões públicas p~ não saberem como agir, ~â gue a exigênciéNla ~e_i e.~}~~.eri~cia de-ifàrticipação ainda 1
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eram muito recentes. Outro ponto do Btatuto da Cidade com retia~imeritos impQrtantes em Curitiba é a
, ~\ ··'

9 Beto Richa se reelegeu em 2008, porém renunciou ao cargo de prefeito em 30 de março de 201 0 para concorrer
às funções de governador.

J
Capítulo 9 IDesenho Urbano, Planejamentoe Políticas de Desenvolvimento em Curitiba 189

exigência de plano de transporte urbano integrado ("compativel com o Plano Diretor ou nele inserido")
para cidades com mais de 500.000 habitantes.

Em 2009, construiu-se o sexto eixo de transporte da RIT, maior obra de transporte público em Curitiba
desde os anos 1970, com financiamento do Banco lnteramericano de Desenvolvimento e da Agência
Francesa de Desenvolvimento. Chamada de Linha Verde, o novo eixo possui 18 quilômetros de extensão
e foi implantado no leito na antiga BR-116, ligando a região Leste de norte a sul. Para esse projeto, em
2011 instituiu-se a Operação Urbana Consorciada Linha Verde (OUC - LV), abrangendo conjunto de
intervenções coordenadas pela prefeitura através do IPPUC, com a participação dos proprietários mora-
dores, usuários e investidores, para gerenciar as transformações urbanísticas, sociais e ambientais na área
de influência da operação urbana (Prefeitura de Curitiba. 2012). 1º

Segundo o censo mais recente (2010). Curitiba possui 1.751.907 habitantes, e a região metropolitana
possui 3. 174.20 1 (IBGE, 2012). 11 A cidade muito realizou nas últimas quatro décadas para manter e apri-
morar sua qualidade urbana e lidar com as questões de transporte urbano, de uso do solo e de sustenta-
bilidade de forma inovadora, eficiente e econômica, tanto que tem sido reconhecida pelo mundo afora.
sendo considerada por muitos um modelo de planejamento e gestão urbana. Grande parte dos esforços
da cidade atualmente está voltada para os preparativos para a Copa Mundial de Futebol de 2014, já que
Curitiba foi uma das 12 cidades brasileiras indicadas para sediar os jogos.

Elementos Formadores do Processo de Desenvolvimento Urbano


O desenvolvimento do projeto de planejamento de Curitiba desde meados da década de 1960 tem sido
constituído principalmente pela conjunção de três elementos: (a) acomodação de diversos interesses
dominantes em torno de um mesmo projeto político; (b) divulgação maciça, pela mídia, de uma imagem
singular de cidade; (c) permeabilidade dos ganhos materiais para classes de baixa renda.

Acomodação de Interesses Diversos

Em primeiro lugar, o consenso e a convergência de interesses das elites econômicas, de planejamento e


governamentais em torno de um projeto político único constituem a principal origem da transformação
urbana de Curitiba. desde os anos 1960, tornando-se a base para as sucessivas decisões urbanísticas
e arquitetônicas até a presente data. A coesão e sobrevivência do processo de planejamento têm sido
estrategicamente apoiadas pela continuidade política, da qual líderes políticos e institucionais tiram pro-
veito desde sua concepção. A continuidade administrativa no governo de Curitiba é única no Brasil e
rara na América Latina, e tornou-se possível por três fatores concorrentes: (a) o papel representado pelas
elites econômicas da cidade na definição e implementação do Plano; (b) uma sequência de prefeitos e
governadores que apoiavam o Plano; e (c) mecanismos institucionais que moldaram e mantiveram o
projeto político no âmbito governamental (D. Oliveira. 1995, 1998).

O Plano Diretor e suas mudanças subsequentes foram em todos os momentos excepcionalmente compa-
tíveis com os interesses da elite econômica curitibana, particularmente aquelas nos setores industrial, imo-
biliário. da construç~ -civ.il é d~ transporte Cfe massa.Jsses setores intJuenciaram formalmente, através de

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r, :
10
A Operaçào Urbana, instrumento urbanístico previsto no Estatuto da Cidade, excepciona a Lei de Uso e Ocupação
do Solo de modo a agilizar-a requalificação de:uma área urbana ou para implantar e/ou ampliar infraestruturas urbanas.
11
As taxas de crescimento da cidade vêm declinando a cada censo. O maior crescimento ocorreu entre os anos 1970
e 1980, quando a taxa foi de 5,34% ao ano. De acordo com o Censo de 2010, para o período 2000-2010 houve uma
taxa de crescimento anual de 0,99% (IPPUC, 2012).
- ·.
)
t 90 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

suas organizações profissionais e representações políticas, e informalmente, através das relações pessoais e
do lobby político, a definição do Plano Diretor e seu processo de implementação e modificação.

O segundo fator foi a sucessão de prefeitos e governadores comprometidos com a realização do Plano.
Não pode haver melhor exemplo de unidade da liderança política e urbanística que deu suporte ao Plano
Diretor que Jaime Lerner, 12 que personificou emblematicamente aqueles papéis continuamente desde os
anos 1960. Lerner, o primeiro presidente do IPPUC. foi nomeado prefeito de Curitiba pelo regime militar
pela primeira vez em 1971, quando foi capaz de lançar a implementação do Plano Diretor (Rabinovitch e
Leiman, 1993). Desde então, foi prefeito de Curitiba por três mandatos, e por duas vezes foi governador
do estado do Paraná. Mesmo durante seus mandatos como governador, membros de seu círculo íntimo
que compartilhavam suas afiliações partidárias e filosofias de planejamento serviram como prefeitos de
Curitiba: Rafael Greca e Cassio Taniguchi, o último por dois mandatos (1997-2004). Luciano Ducci era
vice-prefeito desde 2008 e tomou posse em 201 O quando o então prefeito Beto Richa renunciou para
concorrer ao cargo de governador do estado.13 Os dois foram endossados por Jaime Lerner.

O último fator-chave que deu suporte à continuidade do processo de planejamento em Curitiba foi
a criação de uma estrutura institucional engenhosa para apoiar a implementação do plano. Esse ele-
mento-chave tornou possível se evitar o emaranhado político que complica ou interrompe totalmente
os processos de planejamento em outras cidades brasileiras.''' A criação do IPPUC foi particularmente
importante em 1965, pois proporcionou meios políticos de injetar flexibilidade e dinamismo ao processo
de planejamento. O IPPUC foi capaz de ultrapassar a burocracia dos departamentos da prefeitura de
modo a melhorar a aparência da cidade e prepará-la para o futuro, através de um planejamento funcio-
nal tecnocrático, sob o vigilante olhar do regime militar (dei Rio, 1992).

Com a criação do IPPUC, urbanistas passaram a dominar o governo municipal. Em função da estrutura
da ditadura militar, ainda vigente e apoiando o IPPUC, eles podiam tomar decisões com relativa autono-
mia. O sucesso dos planos iniciais de transporte e uso do solo implementados por Lerner e pelo IPPUC
deu-lhes suporte para continuar a fazer inovações. O Conselho Administrativo do IPPUC incluía repre-
sentantes de toda a burocracia governamental, se estabelecendo assim ligações funcionais com todas as
outras agências. Quando o IPPUC foi criado, todos os seus membros compartilhavam a mesma inclinação
política, haviam participado do desenvolvimento do Plano Diretor e foram indicados por Lerner. O IPPUC
foi posteriormente investido de autoridade sobre todas as outras agências governamentais. Tendo sobre-
vivido às mudanças e transformações políticas desde sua fundação em 1966, o IPPUC continua a ser a
maior agência de planejamento de Curitiba.

Processos de Criação de Imagem da Cidade eMarketing Urbano


As estratégias de marketing urbano são utilizadas para selecionar e editar imagens urbanas, para dire-
cionar as percepções dos cidadãos sobre sua cidade e sobre o modo que eles estabelecem sua relação

12
Jaime Lerner é arquiteto. urbanista e hábil político que guiou o planejamento de Curitiba ao longo de todas as suas
fases modernas. Além de suas habilidades, Lerner obteve bom desempenho em sua carreira política. Foi o presidente
do IPPUC quando nomeado prefeito pelo então governo militar por um mandato (1971-1 975) que coincidiu com a
fase próspera do desenvolvimento nacionà l' cqnheciqa como "milagre brasile\to,"; assim.. ele pQd~;conta r com recur·
SOS abundantes ~nenhuma oposição ao seu manqato. Depois do r.etorno à Çémocr.acia,.ele.)Oi O primeiro pre(eito r
eleito de Curitit5a (1979-1984) e reeleito erri ~1989·1992, qu~ndo se peneficio1o1,côm a ampliação dos·récursos e ~
poder municipais concedidos pela' nova Constituição Nacional de l 988.it1e admini~trÕlf úm~ orçamento municipal de
R$ 850 milhões, R$ 600 milhões a mais que seu antecessor.) Foi adiarife sendo eleito' governador do Paraná em 1994
e reeleito em 1998. • -~ · -
' 3 Eleições para prefeito ocorreram em outubro de 2012, mas Luciano Ducci não conseguiu se reeleger.
•• Os casos do Rio de Janeiro e de São Paulo são exemplos marcantes desses enredamentos polfticos no Brasil (ver D.
Oliveira, 1995).

ü
J
Capítulo 9 IDesenho Urbano, Planejamento ePolíticas de Desenvolvimento em Curitiba 191

com ela e, até certo ponto, sua própria identidade (dei Rio, 1992; Sánchez. 1996, 1997). Curitiba é um
exemplo de engenhoso uso da mídia para melhorar a imagem da cidade e o sentido de pertencimento
dos cidadãos. A imprensa tem sido usada para disseminar uma imagem singular da cidade e criar um
imaginário urbano hegemónico. Muitos curitibanos, ao compartilhar uma imagem de sua cidade unidi-
mensional. incontestada, percebendo-a como um lugar que já resolveu seus problemas, deixam de tomar
parte ativa em seu processo de desenvolvimento. Limitam-se a papel de recipientes passivos dos serviços
e comodidades proporcionados pela prefeitura. 15
A retórica dos discursos políticos e urbanísticos tem constantemente renovado a avaliação positiva, local.
nacional e internacionalmente, através de três estratégias principais: (a) inserção de seu discurso nos
principais debates temáticos de planejamento do momento - por exemplo, ao promover a "Capital
Ecológica do Brasil" como um tema dos anos 1990; (b) mitificando o papel dos urbanistas; e (c) promo-
vendo uma leitura hegemônica e homogênea da cidade através das mensagens da mídia e da supressão
da dissonância (Sánchez. 1997).

Os privilegiados meios de divulgação dessas estratégias de geração de imagem têm sido as intervenções
arquitetônicas e urbanísticas. Essas obras tão visíveis são facilmente carregadas de significados construí-
dos. A estratégia de marketing para cada novo produto urbano - edifício ou espaço - é meticulosamente
arquitetada para distingui-lo de seus antecessores e para manter o impulso e o interesse público em
relação ao processo contínuo das intervenções arquitetônicas e urbanísticas. 16

Esses edifícios foram planejados para ter um poder icónico tal que passam a fazer parte do imaginário dos
cidadãos e juntos constroem uma imagem forte de Curitiba - uma imagem que a diferenciou do resto
do país. Os cidadãos são retratados pela mídia como felizes contribuintes para o bem-estar da cidade.
sendo assim pressionados a demonstrar sua aprovação sobre as intervenções urbanas. Os curitibanos
têm respondido positivamente a essas campanhas. o que se comprova ao se apropriarem e aproveitarem
em larga escala dos espaços públicos da cidade. Com sua ascensão à fama internacional, Curitiba se
tornou também o destino de urbanistas, políticos e ambientalistas de todo o mundo. A imagem da alta
qualidade de vida de Curitiba e de sua "correção ambiental" é um fator de atração de investimentos, de
novas indústrias e serviços, além de mão de obra qualificada. Entretanto, a insistência em discursos que
promovem "uma cidade do e para o povo" esconde as contradições sociais que existem naquele terreno
disputado. homogeneizando a cidade e seu tecido social através de manipulações da imagem urbana
(Sánchez, 1996; M. Santos. 1987).

Provisão de GanhosMateriaisparaClasses MenosFavorecidas


Se aos setores populares não se permitiu ter participação direta, ou sequer representativa, na definição
do Plano Diretor de Curitiba, eles certamente se beneficiaram com sua implementação. Em Curitiba.
o modelo de planejamento liberou benefícios materiais para a população como um todo, de modo a

15 t relevante mencionar que no período da criação do Plano Diretor até recentemente uma porção significativa da
população de Curitiba - e a mais poderosa politicamente - era da classe média e constituída de descendentes de
imigrantes europeus. Tais coodições tornaram-a cidade um mercado relativamente homogêneo e conservador, social,
econômica e culturat,'.bente. Esses fatores determinaram Q(Je o processo ôe.plaoejamento e político fosse conservador,
- gerador de coosênso e prpll_'l~V.etse o mito do ·~bom urbanista"., :,,r.·~ - _ ,.
16
Por exemp,Jo. al)tes AUe'fo~e realmente construída, o ProjeJo'Rua 24 Horas foi objeto de uma intensa campanha
~~ de marketing nã quafos'curitíbanos eram representa'dos como.agentes ativos que demandavam o profeto e, conse-
quentemente, o recebiam.com grande expectativa. Enquanto isso. antes que esse proieto estivesse completo, a cidade
iniciou o marketing dê outro projeto, a ópéra de Arame, posicionando mais uma vez a cidade no noticiário nacional
e internacional. Por causa de seu impressionante estilo paisagístico e arquitetônico - um edifício leve e transparente
de estrutura em malha de aço com amplos painéis de vidro (ver Figura 9.6) - esse edifício se tornou parada turística
obrigatória, a despeito de sua limitada utilidade devido à má acústica.

\ )
J
192 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

garantir que os residentes tenham uma avaliação positiva extraordinária da cidade e de seu processo de
planejamento. Exemplos desses ganhos são o RIT e os programas para a compra ou troca de lixo reciclá-
vel por bens materiais, tais como comida e bilhetes de ônibus (D. Oliveira, 1995).

Sem dúvida, programas como o RIT fazem com que grandes setores dos grupos de baixa renda se sintam
participantes da implementaçM do projeto comum de cidade, além de lhes concederem um alívio subs-
tancial ao orçamento e melhorarem suas condições de vida. Um exemplo é a integração dos terminais
de ônibus em 1980, quando o bilhete único foi implementado. As viagens de curta distãncia - que em
sua maioria serviam às classes mais abastadas - subsidiaram as rotas mais longas. Os usuários podem
trocar de ônibus em muitas das estações sem ter que pagar outra tarifa. Além da economia de tempo e
da maior acessibilidade, esse sistema de transportes traz consigo benefícios econômicos aos cidadãos,
na medida em que, de acordo com um relatório de 1992, estes gastaram em transporte apenas cerca
de 10% de sua renda, uma das taxas mais baixas do Brasil (Margolis, 1992). Esse sistema de transportes
atingiu sua capacidade, porém as viagens de ônibus vêm decrescendo e o uso do automóvel, aumen-
tando. Apesar da pressão para a construção de um sistema de metrô, o primeiro passo em resposta
à saturação do sistema de transporte foi a inserção de um novo eixo de transporte (a Linha Verde).
O projeto para instalação de uma primeira linha de metrõ (Linha Azul) tem ganhado apoio financeiro
dos governos federal e estadual e da iniciativa privada. A construção da Linha Azul, ligando a Cidade
Industrial (CIC) ao centro, deverá ser iniciada em 2012 e concluída em 201 6 (Metrõ Curitibano, 2012).

Fatores de Enfraquecimento do Modelo de Gestão e Planejamento


São pelo menos três os fatores que causam danos ao modelo de gestão de Curitiba, ameaçando enfraque-
cer alguns dos bem-sucedidos programas governamentais realizados ou ainda subverter a continuidade
futura dos processos urbanísticos. Estes incluem: (a) a exacerbação de problemas e desigualdades urbanas;
(b) deficiências na estrutura e coordenação institucional no nível da gestão e planejamento urbano; e (c)
atendimento inadequado aos crescentes desafios impostos às instituições governamentais e de planeja-
mento pelos cidadãos que demandam uma maior responsabilidade política e participação democrática.

Exacerbação de Problemas UrbanoseDesigualdades Sociais


O primeiro fator de enfraquecimento do modelo de gestão e das práticas de planejamento de Curitiba
é o aumento dos problemas urbanos e das desigualdades sociais. Talvez o principal problema seja a
grande disparidade de recursos que existe entre o municipio de Curitiba e as outras 25 municipalidades
no ãmbito dos limites legais da região metropolitana de Curitiba (RMC). 17 Essas disparidades começam
a causar disfunções na cidade central, tais como aumento das taxas de desemprego e de criminalidade,
colapso na infraestrutura e degradação ambiental. Foi um espanto para os curitibanos quando a mídia
divulgou os resultados de um recente estudo que identificou Curitiba como uma das cidades mais vio-
lentas do Brasil, à frente do Rio de Janeiro e de São Paulo (Waiselfisz, 2011 ).

17 Um dado comparativo é suficiente para demonstrar o grau desSa polarização: em 1998, o orçamento municipal de

Curitiba era de R$ 1.000 por pessoa, ao passo que o orçamento da municipalidade vizinha de Campo Magro, no âmbito
da RMC foi somente de R$ 15,00 por pessoa (entrevista com Elton Barz, 1998). Desse modo, há fortes disparidades em
quase todos os serviços urbanos entre o município central de Curitiba e sua região metropolitana circunvizinha.

J
Capítulo 9 I Desenho Urbano, Planejamento e Políticas de Desenvolvimento em Curitiba 193

da RMC. Por exemplo, alguns municípios têm se destacado por atrair investimentos estrangeiros através
do estabelecimento de multinacionais e da proliferação de empreendimentos imobiliários de alto padrão,
enquanto outras municipalidades concentram altos índices de pobreza e ocupações irregulares (Moura
e Kornin, 2002).

Apesar da criação da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba - Comec, órgão do governo


estadual, em 1974 e da aprovação de um primeiro Plano de Desenvolvimento Integrado (PDI) em 1978,
muitas das propostas do plano nunca foram implementadas. Ao contrário do IPPUC, a Comec não possui
autonomia nem poder legislativo. Entretanto, uma medida importante que ultrapassou as fronteiras
municipais foi a legislação de uso do solo em áreas de mananciais. incluindo a criação das Áreas de
Proteção Ambiental e a Lei dos Mananciais de 1998. Em 2006, a Comec concluiu a elaboração de novo
PDI, sob a liderança dos prefeitos de Curitiba Cassio Taniguchi e Beto Richa. que começa a lidar com as
discrepâncias entre o centro e a periferia, em nível metropolitano.

Deficiências na Estrutura Institucional


O segundo fa tor que está impedindo de forma crítica a eficácia do planejamento e gestão em Curitiba
são as deficiências da estrutura institucional e coordenação do planejamento e gestão no âmbito da
RMC. Um recente plano governamental definiu três diretrizes básicas. duas das quais priorizam questões
metropolitanas, nomeadamente, gerenciamento compartilhado e integração metropolitana. 18 Entre-
º
tanto, apesar dos esforços do IPPUC, Comec 19 e Assomec 1 em atingir tais metas, pouco progresso tem
sido alcançado.

Outras restrições institucionais dificultam o planejamento metropolitano em Curitiba. Somente os gover-


nos municipal e estadual possuem autoridade decisória legal no Brasil. O legislativo estadual é o órgão
que governa as regiões administrativas legalmente definidas.21 A lguns órgãos estaduais, como o Instituto
Ambiental do Paraná (IAP). têm influenciado e algumas vezes ditado o rumo de projetos na região metro-
politana. Por exemplo, projetos de grande porte ou de alto impacto ambiental devem obrigatoriamente
ser aprovados pelo IAP. Contudo, entidades metropolitanas como Comec e Assomec possuem apenas
autoridade de aconselhamento, porém não autoridade legal. Foi apresentada uma proposta para a cria-
ção de um conselho metropolitano com autoridade política; nela, conselheiros municipais poderiam se
reunir e deliberar sobre questões metropolitanas, porém interesses politicos escusos resistiram à ideia.
Não há vontade política para confrontar as estruturas de poder nas municipalidades vizinhas. de modo
a realizar algum tipo de coordenação governamental ou intergovernamental efetiva. Em vez disso. a
fragmentação da RMC em mais municípios e a incorporação de outros na região metropolitana têm
acontecido com freq uência nos últimos anos, tornando ainda mais conturbadas as ações de coordena-
ção entre as prefeituras.

No atual estado de coisas, a única instituição capaz de tomar a liderança metropolitana é o IPPUC.
Mesmo assim, as ações do órgão não possuem o mesmo impacto de largo alcance que t inham durante
os períodos iniciais de projeto e implementação do Plano Diretor. Isso se deve principalmente ao fato

'ª O primeiro opjetivÕ {Qi ~gei:ação de emprego. ~ .. ~. :"-.;-"'1· -. '·°'"


" ..
19
A Come~(CÕo.rdena~ãp d.à:.,Região MetroPJJlitana de~Curitiba) é um:'p r'gão técnico ae p,janejaroento para a região
mejropolitana qiadQ·ecrr'197ZI, reesi.rutv.rado ern ·1994e·regufàmentado em 1995: Não ~possui poderlégislativo.
20
A hss'êi.~~~(Assbcíaçãó"dos MunicípÍo~ da Rê'gião MetropÕlit.é\ríà de-Curitiba) é um conselho poÍítico composto
}, dé,pref~itos ãe:toõas os municípios no ãlJlbito aa-RMC, tené:IÔ o prefeito de Curitiba como pre~idente. Foi criada em
' 199'Z e não possuipQder legislativo. -. -
z.1 Havia nove<regiões metropolitanas legalmente definidas no Brasil, uma das quais é Curitiba, atualmente composta
por 29 municípios (três municípios foram adicionados em dezembro de 2011 ). As outras regiões metropolitanas são São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador, Belém e Fortaleza (ver a Introdução deste livro).

r
194 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

de que as principais ações de planejamento constantes do plano já foram implementadas. Tem havido
uma clara mudança no papel do IPPUC desde o último mandato de Lerner como prefeito de Curitiba,
de uma ênfase em planejamento urbano estrutural para o controle de cronograma de projetos arqui-
tetônicos e paisagísticos. 22

Não obstante, o IPPUC vem recuperando sua liderança enfatizando o planejamento urbano em escala
metropolitana. De fato, a Assomec vem respeitando as metas do IPPUC, e alguns técnicos do IPPUC
têm se dedicado a projetos metropolitanos, buscando a integração de municípios vizinhos com Curitiba.
Como o IPPUC é um órgão municipal, entretanto, há algumas restrições sobre o que se pode fazer no
ãmbito do planejamento regional, além dos limites da cidade de Curitiba. Esses problemas institucionais
são de algum modo minimizados pelo fato de que algumas municipalidades, carentes de capacitação
técnica, estão contratando o IPPUC ou profissionais desse órgão para fornecer serviços de consultoria, à
medida que elaboram seus planos diretores municipais. Porém, o processo decisório em nível municipal
permanece nas mãos de prefeitos individualmente, que podem vir ou não a cumprir com os planos da
região metropolitana.

O efeito dessas condições é que o planejamento, na escala da região metropolitana de Curitiba, vem acon-
tecendo de modo reativo e não proativo - ou seja, não está estruturando o crescimento da cidade como
o fez uma vez. mas tem tentado remediar algumas das deficiências funcionais resultantes do crescimento
não planejado. O fato de os técnicos governamentais e de planejamento terem engavetado os problemas
da região metropolitana, e em particular as demandas de setores da população de baixa renda, tornou mais
difícil lidar com esses problemas e prover soluções para eles no momento atual. Problemas sociais tais como
carência de habitação social; educação e serviços de saúde abaixo dos padrões mínimos; e o aumento das
taxas de criminalidade. violência e mendicância têm brotado em áreas tanto urbanas como periurbanas e
se tornaram sinais críticos da deterioração do ambiente urbano.23

Demandas de Democracia eParticipação Comunitária


O terceiro fator que causa a extenuação do modelo tecnocrático de gestão e planejamento de Curitiba
é o aumento da conscientização urbanística e política entre a população nos últimos 15 anos. Isso tem
conduzido a desafios crescentes em como as instituições governamentais e de planejamento são perce-
bidas como indiferentes às demandas dos cidadãos e da coletividade, que anseia por maior responsabi-
lidade política e participação democrática.

Desde o restabelecimento da democracia no Brasil em 1986, os governos locais têm sido progressiva-
mente forçados a envolver seus eleitores de modo a obter legitimação e apoio. Entretanto, o governo
de Curitiba tem sido lento no ajuste de seus modelos de planejamento e gestão urbana para acomodar
uma legítima participação democrática. Assim, a participação pública em Curitiba encontra-se ainda lar-
gamente impedida pela hegemonia do poder público e pelo peso dos mitos populares que atestam que
a elite "fez tudo certo" e já planejou uma cidade maravilhosa na qual não se deveria intervir. O contexto
político nacional mudou, entretanto, e a consciência e o envolvimento cidadão no planejamento e geren-
ciamento estão crescendo em muitas cidades brasileiras. Portanto, um governo corporativo autocrático

... ... . ~ .. "'"; . ~ -.....


22 Durante a última administração de Lerner, fÓram c~iados vários ícones arqu~e~ônicos _:_ corÃ~p~r exemplo. a Rua ..r
24 Horas, a Óperã de Arame, o Jardim Botanico: entre outros. D,urante a·administfa<)Ó:cie Rafael Greca que'se seguiu, .-
foram construídas obras arquitetônicas# como os Faróis do Sabe;, e m?.rríumentos .étÍlicçs:' assim como as Ruas da -
Cidadania,. Sob o mandato de Taniguchi, o IPPUC embarcou no,alargaºmen.tô ou nã êriaç~o dê novos parques. como
o Parq ue Tanguá e a fevit9lização de algumas ruas e bulevares, tais como a Rua ComenC!ador Araújo.
23 A taxa de desemprego na.RMC tem caldo nos últimos anos, acompanhando a tendência de outras regiões metro-

politanas como São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Em 2008, a média anual da taxa de desemprego na RMC era
de 3,7%, segundo a Pesquisa Mensal de Emprego realizada pelo lpardes.

)
Capítulo 9 I Desenho Urbano, Planejamento e Políticas de Desenvolvimento em Curitiba 195

em Curitiba não pode mais sustentar o relativamente suave e eficiente processo de planejamento e de
implementação que ocorreu na cidade desde os anos 1960.

Meu argumento de que há atualmente uma onda de participação democrática que poderia provocar
mudanças no modelo de planejamento e gestão de Curitiba tem base em observações empíricas de
cidadãos e de grupos lutando consciente e incessantemente pelo debate de visões alternativas sobre
o futuro da cidade. Vários setores da população estão se tornando mais organizados. coordenados e
francos, agarrando oportunidades de propor abordagens alternativas para o desenvolvimento urbano.2•
A intensificação da conscientização e participação populares tem como foco várias áreas: a crescente
dimensão e complexidade dos problemas urbanos; as contradições do desempenho do governo e de
seus representantes urbanistas entre o real e o prometido; o crescente reconhecimento e testagem da
influência popular no processo de planejamento; e a maior divulgação, difusão e discussão do conhe-
cimento sobre projetos políticos alternativos que têm gerado transformações urbanas socialmente mais
justas em outras cidades do Brasil e do exterior.

Na arena política, várias cidades brasileiras têm implementado programas de orçamento participativo
que permitem que cidadãos deem subsídios e tomem decisões sobre a distribuição e a administração
de seus orçamentos metropolitanos. Em contraste, a Câmara de Vereadores de Curitiba rejeitou uma
proposta para a criação de tal mecanismo, proposto pela oposição política, o Partido dos Trabalhadores
(PT). 25 Em 1999, o PT promoveu, através da Cãmara de Vereadores, um conjunto de seminários em que
o Plano Diretor de Curitiba, adotado em 1966, foi publicamente discutido e questionado pela primeira
vez em mais de três décadas; essa série de grandes eventos metropolitanos ocorreu num período de 2
meses. 26 Instigado tanto pela legislação quanto pela pressão pública, o IPPUC acabou revisando o Plano
Diretor. num processo basicamente realizado a portas fechadas, apesar do grande interesse público susci-
tado pelos seminários. 27 O Plano revisado foi decretado lei e tornado público em 2000, sendo novamente
revisado em 2004 para se adequar ao Estatuto da Cidade.

Em 2007, foi criado o Conselho da Cidade de Curitiba (Concitiba) para aumentar a participação direta
da sociedade civil no processo de planejamento e da política urbana, e promovendo a integração entre
iniciativas públicas e privadas municipais (Concitiba, 2012). No entanto, a própria composição desse
conselho. cuja maioria de representantes pertence aos setores da elite pública e privada, não parece
favorecer um planejamento realmente participativo e "de baixo para cima" .28

Em resumo, a sociedade civil em Curitiba tem demonstrado muito maior capacidade para mudar, se
adaptar e aproveitar a nova era de gestão democrática, do que a burocracia do governo municipal, que
tem em parte se entrincheirado no velho modo tecnocrático impositivo. Esse modelo foi eficiente no
passado, mas vem sendo progressivamente contestado no presente e mostra sinais de rápida perda de
legitimidade. Vários intelectuais e ativistas têm se dedicado a promover análises e discussões do presente
estado da arte na cidade e vêm lutando por mudanças. Eles atuam no ãmbito acadêmico. de institui-
ções de planejamento e do governo e de movimentos populares e organizações não governamentais.
Além disso. grupos de baixa renda e de classe média na região metropolitana vêm reagindo. ainda que

1• A variedade e o número crescente de associações comunitárias, rel igiosas, ambientais, profissionais. políticas e aca-
dêmicas em Curitiba são uma evidência da cresceate sofisticação e organização da sociedade civil e de todos os tipos
de intervenção de "baixo' p'Clra cima·: de cidadãos que lutam.por um planejamento urbano e um processo de gestão
mais inclusivos e, çonsequente~ente. uma cidade mais inclusiva. • _-,,,.·
15 O orçamento participativp tem sido implementado com relativo ~iic~so pelos'·governos locais geridos pelo Partido dos

Trabalhadores em várias cidaJ,'les. tais como Porto Alegre,-Belo Horizónte, Santos. Londrina e Brasília (ver Abers 1998; ver
também o Capitulo 8 de Lineu Castello para uma discussão sobre o orçamento participativo em Porto Alegre).
26
" Plano Diretor de Curitiba: Uma Abordagem Metropolitana", seminários municipais, maio-1unho 1999.
17 Para uma discussão crítica do Plano Diretor. ver Moura (2000) e Firkowski (2000).
18 o Concitiba é composto por seis representantes do setor público, três do setor produtivo. três do setor acadêmico,

profissional ou não governamental, e apenas três de setores ligados a movimentos populares e sociais.

)
196 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

lentamente, aos problemas que enfrentam e a sua falta de oportunidade de inclusão no processo deci-
sório na escala municipal. Um exemplo em 2011 de movimento popular foi a Bicicletada - um protesto
organizado por ciclistas contra o projeto de implementação de ciclofaixas (ciclovias de lazer acessíveis
apenas um domingo por mês na área central). Além das reivindicações por mais segurança e estruturas
cicloviárias permanentes. os manifestantes reclamaram da falta de participação popular durante a ela-
boração do projeto.

Considerações Finais ·
Curitiba tem sido considerada, com razão, um modelo de desenho urbano, planejamento e gestão no
c'.!mbito brasileiro e internacional, pelo modo criativo. eficiente e econômico com que tem lidado com a
geração e a melhoria de espaços públicos, transporte urbano. uso do solo e sustentabilidade. De fato,
diversos projetos urbanos atraentes e estratégias criativas de uso do solo e transporte público facilitaram
a criaçao de instalações culturais, sociais, recreativas e educacionais; a preservação de áreas naturais e de
edifícios com significado histórico ou cultural; e a promoção de habitação e emprego para todas as faixas
de renda. Combinados, esses projetos e políticas transformaram positivamente a esfera pública de Curitiba.

Entretanto, a política impositiva de "cima para baixo" envolvida nos processos de desenho urbano e de
planejamento de Curitiba e alguns dos resultados paradoxais no tecido urbano e social da cidade não
receberam atenção adequada e devem ser analisados mais atentamente (lrazábal, 2005). Não obstante
as admiráveis realizações de Curitiba, uma análise da sua política de desenvolvimento evidencia que
as oportunidades de participação pública insuficientes e de baixa qualidade começam a deslegitimar o
processo de planejamento. Nas práticas correntes de gestão local, a interação entre lideranças governa-
mentais e grupos de cidadãos ainda não gerou um diálogo criativo. respeitoso e produtivo. O governo
de Curitiba deve envolver os cidadãos no processo de planejamento de modo mais completo antes que
a própria dinâmica de desenvolvimento da cidade perca sua força e legitimidade. Curitiba corre o risco
de se tornar exemplo de um processo de planejamento brilhante que perdeu a força motriz e o prestígio,
caso as práticas correntes de baixa interação entre governo e cidadãos persistam e se uma maior atenção
não for dada às desigualdades socioespaciais e ao planejamento metropolitano.

Por essa razão, no limiar do novo milênio, Curitiba encontra-se em uma encruzilhada. A cidade poderia
descansar em suas glórias, se autofelicitando pelos êxitos de seu Plano Diretor e de outras iniciativas de
desenho urbano e planejamento implementadas entre as décadas de 1960 e 1990. Mas o faria sob o
risco de perder sua vitalidade e se tornar antiquada. Ou, inversamente, a cidade poderia tentar manter
o perfil e dinamismo inovadores que a caracterizaram até então, buscando novos meios de desenvolver
uma vantagem competitiva, se posicionando estrategicamente no âmbito das redes regional. nacional e
internacional da nova economia global, enquanto enfrenta os crescentes desafios da democratização, da
urbanização regional e da justiça social e espacial na escala local e metropolitana. Um novo conjunto de
premissas participativas e econômicas e de paradigmas de desenvolvimento torna-se necessário para que
os órgãos governamentais e de planejamento e os cidadãos curitibanos possam reavaliar e renegociar
suas prioridades de gestão e desenvolvimento urbano. Um debate aberto deveria ser promovido entre
toda a população de modo a que se possa explorar em conjunto as reais potencialidades da cidade e
construir novos caminhos de um desen~olvimento mais susfentável e equitativo par<i 9 futuJP.
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Agradeço a colaboração da Renata Dermengi Dragland e Juliana Zanotto na atualização das informações
deste capítulo.

f
Capítulo 9 j Desenho Urbano, Planejamento ePolíticas de Desenvolvimento em Curitiba 197

Entrevistas
Barz, Elton Luiz, Historiador e membro assistente da Câmara Municipal pelo PT. Entrevistado pela autora
em 17 de setembro de 1998.

Moura, Rosa e Kleinke, Maria de Lourdes. "Avaliação de Experiências em Planejamento de Cidades.


Entrevistas Curitiba." Instituto Pólis. Curitiba, 1998.

Oliveira, Dennison de, Doutor, UFPR. Professor de História. Entrevistado por Moura, Rosa e Kleinke, Maria
de Lourdes. "AvaliaçM de Experiências' em Planejamento de Cidades. Entrevistas Curitiba." Instituto
Pólis. Curitiba, 8/4/1998.

Santos Neves, Lafaiete, Doutor. Ativista político. Entrevistado por Moura, Rosa e Kleinke, Maria de
Lourdes. "Avaliação de Experiências em Planejamento de Cidades. Entrevistas Curitiba." Instituto Pólis.
curitiba, 2/4/1998.

Urban, Teresa. Ambientalista. Entrevistada por Moura, Rosa e Kleinke, Maria de Lourdes. "Avaliação de
Experiências em Planejamento de Cidades. Entrevistas Curitiba." Instituto Pólis. Curitiba, 8/4/1998; tam-
bém entrevistada pela autora em 13/8/1998.

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CAPÍTULO 10

Resgatando a Imagem da Cidade eoPrazer


das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro

Vicente dei Rio

Implementado entre 1993 e 2000, o Projeto Rio Cidade foi um programa da prefeitura do Rio de Janeiro
para recuperar áreas comerciais e centros de bairros, assim como a imagem da cidade em nível nacional
e internacional, através de intervenções de desenho urbano. Os projetos objetivaram a melhoria do
desempenho dessas áreas tanto funcional quanto socialmente e. particularmente. a requalificação de
espaços públicos. Implementado em duas fases. que corresponderam a duas administrações municipais
sucessivas, o Rio Cidade foi notável não apenas por seus resultados. mas também porque representou,
até aquele momento. a mais ampla e intensa coleção de intervenções de desenho urbano no Rio desde
as obras sanitaristas e de embelezamento durante a gestão de Pereira Passos no início do século XX.

Os projetos Rio Cidade lidaram com o redesenho de vias e áreas públicas. circulação viária, sinalização,
paisagismo e arborização, iluminação pública e mobiliário urbano. Apesar da magnitude dos problemas
enfrentados. os resultados foram muito positivos. Em 2001, quando o Rio Cidade foi oficialmente encer-
rado, contabilizava-se um total de quase 60 áreas de intervenção em diversos bairros da cidade, inclusive
o Centro. 1 Mesmo sofrendo mudanças de cunho técnico e político e que o nome "Rio Cidade" tenha
sido extinto, pode-se dizer que a sua missão original sobreviveu, uma vez que suscitou um debate sobre
a cidade como nunca antes e levou as administrações municipais posteriores a atentar para a melhoria
de aspectos urbanísticos que afetam o cotidiano das comunidades e a imagem da cidade. Além disso, a
ideia do programa influenciou outras cidades brasileiras nesse sentido.

Neste capítulo, abordaremos os conceitos que embasaram o Rio Cidade. os seus principais efeitos sobre
a cidade e as lições aprendidas no processo. Ilustraremos a discussão com dois projetos da primeira fase
que obtiveram resultados positivos e que representam contextos socioeconómicos e urbanísticos quase
que diametralmente opostos da metrópole carioca: os bairros do Méier, na Zona Norte. e do Leblon, na
Zona Sul.

1 Na realidade, é difícil afirmar ao certo o total de projetos do Rio Cidade, já que, enquanto perdurou o programa,

além das 39 áreas objet0:<tg concursos públicos J1elo lnstítutçi de Arquiteto~ do Brasil (17 na primeira fase e 22 na ~ •• - '
segunda), algumas foram <livididas·~m dois setores, outras foram objeto de lic.itâções-pÕblicas, e ai!lda outras tiveram
seus projetos desenvolvidos peJ~ erópria prefeitura,.. Além disso, em~ora da m4fsma natureza, vários dessesj>rojetos
nao eram chamqdos_de Riç Cidªqe, por motivos políticos.oCt administrativos. * •
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200 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Os Motivos para oRio Cidade


Para entender melhor o escopo do Projeto Rio Cidade, é importante lembrar como ele se insere histó-
rica e politicamente no processo de desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro. Após a mudança da
capital para Brasília e a fusão administrativa com o Estado, o Rio passou a viver um longo período de
indefinições políticas e esvaziamento econômico. Nos anos 1960 e 1970, fortaleceu-se o modelo núcleo-
periferia de estruturação espacial da cidade e da região metropolitana, que privilegiou o Centro e alguns
poucos bairros. enquanto o restante da malha urbana sofria todos os tipos de necessidades. Por um
lado, o modelo de desenvolvimento assumido pelo Rio fomentava essa situação espacial, através do tipo
de crescimento econômico, das políticas públicas de concentração de investimentos, da setorização das
ações, da urbanização seletiva e de soluções funcionalistas simplórias. Os altos investimentos no sistema
viário, por exemplo, respondiam à consolidação da indústria automobilística, e, no Rio dos anos 1960,
isso representou uma "febre de construção de viadutos e novas avenidas". na tentativa de adequação
do espaço urbano (Abreu, 1987, p. 133).

O modelo económico gerou uma estratificação da cidade, e a especulação imobiliária, promovida por
uma legislação de uso e ocupação do solo de cunho exacerbadamente modernista, baseada em um
modelo edilfcio rígido, ignorava as idiossincrasias dos bairros e praticamente impunha a mesma tipologia
arquitetônica por toda a cidade (Cardeman e Cardeman, 2004). Os conflitos intensificaram-se a partir do
zoneamento e código de obras de 1976, quando o executivo municipal passou a usufruir da prerrogativa
de legislar matérias urbanísticas por decreto e alterava constantemente as "regras do jogo" urbano em
favor de interesses muito específicos. 2

Acirrada pelo modelo de desenvolvimento do pais e pela crise econômica dos anos 1980, essa situação
contribuiu para a profunda crise urbanística que se abateu sobre a cidade, cujos resultados são clara-
mente visíveis na estrutura espacial e na qualidade urbanística dos lugares. Os conflitos sociais, físicos e
espaciais resultantes de seu modelo econômico foram particularmente profundos no Rio, cidade privi-
legiada pelo seu sítio natural, pelo conjunto de seus bairros e pela identidade do seu desenho urbano.
Some-se a esse contexto uma longa lista de governos municipais que não se interessavam pela qualidade
social, ambiental e física da esfera pública. O crescimento da pobreza, da criminalidade e da sensação
de insegurança da população completava o cenário do Rio de Janeiro no início dos anos 1990. O Rio de
Janeiro havia deixado de ser uma "cidade maravilhosa" e adquiriu uma imagem muito negativa, nacional
e internacionalmente. Mesmo tendo hospedado a Eco-92 e realizado alguns projetos de alta visibilidade
(a nova via expressa ligando o Centro ao aeroporto internacional e o redesenho das calçadas da orla de
Copacabana, Ipanema e Leblon), esses fatos tiveram um efeito de curta duração, e a qualidade de vida
e de espaços públicos no Rio, de fato, quase não se alterou.

Uma Estratégia para a Recuperação do Rio de Janeiro


A retomada do regime democrático no país e as primeiras eleições diretas para prefeito no Rio de Janeiro
em 1993 geraram um cenário favorável para as várias mudanças que estariam por vir na área do dese-
nho urbano carioca. Entendendo a necessidade da cidade de se recuperar social e economicamente, de
aumentar o seu poder competitivo nptional e-global e o pot~·ncial do plçnejarl]'ªnto-e.do .urbanismo para
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2 No Rio de Janeiro, até a aprovação do Plano Diretor de 1992, o legislat1vQ abria mAo dÓ controle do uso e da OCU·
pação do solo urbano em favor do executivo, que o fazia atrave5 de decretos, uma forma bizarra de convívio da tec-
nocracia "independente" com interesses de grupos específicos. Mesmo que a função dos poderes municipais sobre o
uso do solo tenha sido esclarecida pela Constituição de 1988, essa situação histórica gerou uma legislação urbanística
que é uma verdadeira colcha de retalhos. certamente uma das mais intrincadas do país.

/
Capítulo 1O 1Resgatando a Imagem da Cidade eo Prazer das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro 201

tanto, o prefeito eleito César Maia convidou para secretário de Urbanismo o arquiteto Luiz Paulo Conde,
que, nos anos seguintes, iria idealizar os projetos Rio Cidade e Favela-Bairro. Ao justificar a necessidade
das ações da prefeitura na área do urbanismo, o então prefeito César Maia afirmava que "a cidade
estava num processo de deterioração crescente, gerado pelo empobrecimento de sua população, pela
ocupação desordenada dos espaços públicos e privados, pela deterioração dos serviços públicos e pela
fuga de capitais financeiros e humanos. Uma cidade sem vocações definidas, com uma identidade dis-
torcida, em processo crescente de desintegração... a reversão desse quadro exigia esforço maior do que
seria capaz a ação individual do governo" (Rio de Janeiro, 1996b, p. 1O).

Com forte apoio do setor privado - particularmente da Associação Comercial e da Federação das
Indústrias - e contando com a consultoria de uma equipe de Barcelona, o prefeito César Maia deu início
a um processo que levaria à elaboração do primeiro Plano Estratégico da cidade, com um comitê execu-
tivo, um conselho diretor e 31 grupos de trabalho com mais de duzentos participantes, entre técnicos,
profissionais e representantes da sociedade. O processo de elaboração do Plano também contou com
dezenas de entrevistas com membros da sociedade organizada. 3

Apesar das críticas, particularmente por inspirar-se no modelo neoliberal, e de sua relativa independência
do Plano Diretor da Cidade, aprovado ainda no governo anterior (1992), o Plano Estratégico foi aprovado
pelo Conselho da Cidade em 1996, representando um importante esforço integrador e direcionador de
programas e investimentos públicos e privados, e no sentido de tornar o Rio de Janeiro mais competitivo
no mercado nacional e global, segundo uma agenda neoliberal. Por outro lado, o planejamento estra-
tégico ajudou a cidade a superar a visão estática e os programas ambiciosos que dominavam o plane-
jamento centralizado e o modelo tecnocrático de anos anteriores. O Plano estabeleceu sete estratégias,
cada uma com os seus objetivos específicos, às quais estavam ligados 161 projetos relacionados aos
setores público - governos municipal, estadual e federal - e privado em 12% e em parcerias havia 23%
dos projetos (Rio de Janeiro, 1996a).

O Projeto Rio Cidade foi incluído na "Estratégia 2: Rio Acolhedor", que visava a melhoria da relação entre
o cidadão e o meio ambiente, a qualificação e fortalecimento da vida dos bairros e a melhoria dos espa-
ços públicos. Já o importante Projeto Corredor Cultural foi incorporado à "Estratégia 4: Rio Integrado",
buscando o desenvolvimento de novas centralidades e a revitalização do Centro, a normalização urba-
nística e a mobilidade interna.4 Dessa estratégia também participava o Projeto Favela-Bairro, destinado
a atender comunidades faveladas, através da urbanização, implantação de infraestrutura, eliminação
de riscos ambientais, dotação de serviços e equipamentos e programas de geração de renda. 5 O Plano
Estratégico buscou ampliar a participação comunitária, incluindo não apenas a sociedade civil organi-
zada, mas também o cidadão comum, assim como o fortalecimento das culturas e valores da diferentes
regiões da cidade, aspectos aos quais correspondeu o Projeto Rio Cidade.

As Bases do Projeto Rio Cidade

Com o Projeto Rio Cidade, a prefeitura inovou sob vários aspectos. Primeiramente, ela se decidiu por
adotar uma série de projetos urbanos, pontuais e sem base em um planejamento maior sobre suas inter-
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relações e rebatimento~-riosteri<:>res. Em seguriao lugar, optou por refor~ar_ o _çflráter poliQ.uclear do Rio
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Dev~.se registrar que {)'planejamento estratégico de BarC'élona,
assim cômo as suas realizaçõe5urbanísticas, influen-

ciou forternenté o governo" monicipal do Rio de Janeiro nessa época, que incluiu a pré-candidatura da d dade às
Olimpíadas.de :2004. •
• Ver neste livro o ensaio de dei Rio e Alcantara (Capítulo 5).
-.......
5 Ver neste livro o ensaio de Duarte e Magalhães (Capítulo 12).
.

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202 Desenho UrbanoContemporâneo no Brasil

de Janeiro e a especificidade da sua malha urbana de fundos de vales, privilegiando corredores viários
comerciais, fortalecendo a identidade dos bairros e investindo na autoestima das comunidades (Rio de
Janeiro, 1996b, 1996c). Em terceiro lugar, pela primeira vez ela incentivou a coordenação das diversas
ações setoriais sobre uma mesma área, incluindo ai sobre e infraestrutura. Finalmente, para gerar novas
ideias. soluções diferenciadas e permitir o desenvolvimento simultãneo de diversos projetos. a prefeitura
optou por contratar diversas equipes de projeto simultaneamente, através de concursos públicos. 6 O idea-
lizador do Rio Cidade e então secretário municipal de Urbanismo. arquiteto Luiz Paulo Conde, inspirado
no exemplo de Barcelona, acreditava que a classe dos arquitetos deveria ser privilegiada, pois, sob o seu
ponto de vista, seriam os mais bem preparados para projetar a cidade.

O concurso anunciou o Rio Cidade como um projeto para, de acordo com o prefeito, "atuar sobre tre-
chos estruturadores da imagem da cidade, revitalizando o conceito de rua e devolvendo-a aos cidadãos
em condições adequadas de uso, conforto e segurança". O edital inovou ao solicitar não propostas de
projetos, mas "metodologias para intervenção urbanística". sendo que as equipes concorrentes podiam
utilizar-se ou não das áreas de projeto indicadas pela prefeitura para exemplificar suas ideias. Ainda
segundo o edital, as equipes deveriam ser multidisciplinares, lideradas por arquiteto-urbanista, e contar
com designer, paisagista e especialista em tráfego.

Em outubro de 1993, para a realização da primeira fase (Rio Cidade 1), o concurso selecionou 17 equipes
(para um total de 17 áreas de intervenção), enquanto para a segunda fase (Rio Cidade li), em julho de
1997, foram selecionados 19 (para 22 áreas de intervenção). Todas as equipes selecionadas foram contra-
tadas e supervisionadas pelo IPP - Instituto Pereira Passos, que se reservou o direito de decidir pelo valor
dos contratos e em que área de intervenção alocar cada equipe. A própria equipe técnica do IPP desen-
volveu projetos para algumas das áreas que não foram objeto dos concursos. Posteriormente, outras
áreas foram incorporadas ao programa, por meio de projetos contratados por concorrência pública ou
desenvolvidos pela equipe do Instituto Pereira Passos. Segundo técnicos da prefeitura em 2000, no final
da gestão do prefeito Luiz Paulo Conde, além dos projetos oficialmente classificados como Rio Cidade,
contabilizava-se um total de 60 projetos de requalificação urbanística distribuídos por toda a cidade.

As áreas de intervenção do Projeto Rio Cidade se distribuíram por toda a cidade, do Centro e bairros
da Zona Sul aos subúrbios das Zonas Norte e Oeste. Essas eram áreas de " centro de bairro" - em geral
corredores viários por causa da geografia carioca - e sofriam os problemas típicos ao Rio e à maioria das
metrópoles brasileiras: passeios precários e desconfortáveis, sistemas viários conflituosos, falta de arbo-
rização e de mobiliário urbano, invasões de espaços públicos, abusos do comércio ambulante e poluição
visual. As equipes contratadas deveriam tratar dessas temáticas e seus projetos ser eficazes em recuperar
a qualidade das áreas públicas, pois a prefeitura almejava a implantação imediata, sempre atenta ao
calendário político.

Os projetos compartilharam alguns objetivos comuns: (a) melhorar as condições estéticas, de segurança
e conforto dos pedestres, ampliando e requalificando os espaços públicos, o mobiliário, a arborização e
os sistemas de sinalização; (b) melhorar as condições de trãnsito, de estacionamento, carga e descarga
e paradas de ónibus: (c) integrar as soluções de projeto. Além disso, as intervenções incluíam a recu-
peração das redes de infraestrutura (drenagem e esgotos), eliminação das redes de fiação aérea para
instalações subterrãneas e a repressão ao comércio ambulante. Diversas equipes chegaram a apresentar
sugestões complementares, como os tombamentos de iméveis históricos e mudanças de rotas e termi-
nais de ônibus, algumas delas adotâdas pe~a-prefeitura. ~- • ~;· ·, - -
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6 Concursos promovidos pela lplan-Rio (Empresa Municipal de Informática e Planejamento), posteriormente deno-
minado IPP - Instituto Pereira Passos. através do Instituto de Arquitetos do Brasil, Seção Rio de Janeiro. Sobre o Rio
Cidade e os projetos da primeira fase, ver Rio de Janeiro (1996c).

)
Capítulo 101 Resgatando a Imagem da Cidade eoPrazer das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro 203

Em 1996, três anos após o lançamento do primeiro concurso e em tempo para as eleições municipais
para novo prefeito, 15 projetos da primeira fase do Rio Cidade já haviam sido implantados, totalizando
um investimento de cerca de US$ 220 milhões (valores da época), 60% dos quais destinados a obras de
infraestrutura. Até o ano 2000, o último da gestão do prefeito Luiz Paulo Conde, dos 35 projetos das duas
fases do Rio Cidade, 27 foram implantados total ou parcialmente, mas os demais ficaram na prancheta.

A seguir, iremos discutir os projetos para os bairros do Méier e do Leblon, não apenas por sua represen-
tatividade na metrópole carioca, mas também porque representavam duas realidades socioeconõmicas
muito distintas. Além disso, foram os primeiros a ser construídos, o que fornece um distanciamento
temporal para uma avaliação mais objetiva. Nossa análise traz comentários não apenas sobre a proprie-
dade dos projetos, mas do programa como um todo enquanto resultado de uma política de ação de
curto prazo, conscientemente adotada pela prefeitura: por um lado, a busca de melhorias qualitativas no
cotidiano dos usuários e, por outro, realizar uma imensa operação de marketing urbano para melhorar
a imagem da cidade como um todo.

Projeto Rio Cidade Méier: Maior Funcionalidade e Conforto

Localizado a menos de dez quilómetros do centro, o bairro do Méier configura um exemplo típico de
como a expansão urbana ocorreu no Rio de Janeiro. A área foi um imenso laranjal pertencente à família
Meyer - migrados da Alemanha durante o século XIX - que, em face da queda do preço da laranja, das
pressões para expansão urbana, e aproveitando-se da parada de trem em suas terras, começou a lotear
a propriedade sem nenhum planejamento, ignorando as condições topográficas. O desenvolvimento ao
longo da ferrovia e a consolidação de bairros residenciais foram acelerados pelas novas linhas de bonde
construídas em meados do século XX. Por volta dos anos 1950, o Méier havia se consolidado como
um dos mais importantes bairros da Zona Norte carioca para as classes média e média-baixa, possuía um
coração comercial ativo, ganhou o apelido de "Capital dos Subúrbios". Ainda hoje, graças à sua situação
de bairro de passagem entre o Centro e bairros mais ao oeste, milhares de pessoas passam pelo bairro
em sua jornada diária de ida e de volta do trabalho, utilizando-se de trens, ônibus e veículos particulares,
tornando o Méier uma das áreas comerciais e de serviços da cidade mais ativas - um dos mais importan-
tes "subcentros funcionais" de acordo com a prefeitura.

O rápido desenvolvimento do Méier, aliado ao descaso histórico das autoridades e à carência de contro-
les urbanísticos, gerou uma ocupação urbana desordenada, condições ambientais e funcionais precá-
rias, perda de identidade e espaços públicos deteriorados, crescente uso dos passeios por ambulantes,
excesso de linhas de ónibus, uma circulação veicular caótica e estacionamentos irregulares (Figura 10.1 ).
Essa situação era agravada pelo tecido urbano de baixa continuidade gerado pelas condições topográfi-
cas, o processo de parcelamento aleatório e a barreira representada pela ferrovia.

Com início em dezembro de 1993, o Projeto Rio Cidade requalificou 5,27 hectares do coração comercial
do Méier em ambos os lados da ferrovia, com foco na Rua Dias da Cruz, importante via de penetração
para esse e outros bairros. 7 Essa movimentada artéria está sempre cheia de pedestres e veículos pela
alta concentração de empresas e serviços. Em ambos os lados, edifícios de uso misto de oito pavimen-
tos alinham-se lado~a ladoJ_e na maior parte deles a área de lojas é similar a um mini shopping center. "" .•
A importância da Dia'S d~ (_ruz foi marcada pela ll)auguração cfo-cirterôa lmperatQT em meados dos
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7 Projeto. da Mayerhofer & Toledo: Luiz Carlos Toledo (sócio responsável) e Vicente dei Rio (associado; diretor de
projeto e desenho urbano), com Vera Tângari (arquitetura paisaglstica), Simone Neiva, Maria Ferrer, Lilian Nóbrega e
Luiz Carlos Franco.

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204 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 10.1 O centro do Méier e


os limites do Projeto Rio Cidade:
(1) Shopping Center Méier. (2)
Praça Agripino Grieco. (3) Largo
do Méier. (4) Parque Jardim do
Méier e Hospital Municipal. (5)
Terminal de ônibus. (Cortesia do
Instituto Pereira Passos.)

transformado em casa de shows musicais. Depois de 16 anos fechado, o lmperator foi reinaugurado, em
junho de 2012, como Centro Cultural João Nogueira. Em 1965, inaugurava-se nessa mesma rua, o que
seria a primeira tentativa de shopping center do Brasil, o Shopping Center do Méier, que ainda atrai uma
grande clientela (dei Rio et ai.. 1987).

As quatro faixas de rolamento da Rua Dias da Cruz não davam conta do volume de tráfego, nos dois
sentidos em quase toda a sua extensão, que incluíam mais de 45 linhas de ônibus. Sua geometria com
larguras variáveis, o estacionamento irregular, a falta de baias para ônibus, de giros à esquerda, retornos
proibidos e cruzamentos complicados, contribuíam para o caos total (Figura 10.2). Os pedestres dispu-
tavam com os carros e os mais de 200 camelôs as estreitas e malconservadas calçadas, desprovidas de
qualquer arborização, mobiliário ou sistema de sinalização.

Além dos tradicionais temas estudados em diagnósticos urbanísticos, a metodologia adotada no projeto
para o Méier considerou a evolução e a configuração morfológica da área; levantamentos de aspectos
visuais, cognitivos e comportamentais; e o comportamento dos transeuntes e a apropriação dos espaços
públicos por diversos atores, particularmente os ambulantes (dei Rio. 1990).8 Os estudos levaram à iden-
tificação de cinco metas conceituais que orientaram as soluções de projeto: imagem/identidade, conti-
nuidade funcional e físico-espacial, visualidade/legibilidade. conforto/segurança e variedade. A equipe
também se decidiu por soluções simples, baratas e de fácil manutenção, particularmente no tocante ao
mobiliário urbano. No caso do Méier, interessavam mais a funcionalidade, a segurança no uso e o acesso
ao equipamento do que um design exclusivo. caro e de difícil reposição; optou-se. sempre que possível.
pela reutilização de mobiliário já ado~do pelas concessionâfias de ser;v.iços, com as.rl}.odificações neces-
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8 Grande parte da metodologia de estudos foi baseada em dei Rio·(l 990).

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Capítulo 101 Resgatando a Imagem da Cidade e o Prazer das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro 205

A requalificação da Rua Dias da Cruz foi a grande


prioridade do projeto, resultando num significa-
tivo aumento do conforto dos pedestres e melho-
ria dos f luxos veiculares através de nova geometria
viária com caixas de rolamento constantes, da
construção de um canteiro central com fileira de
palmeiras e postes de iluminação, passeios mais
largos com árvores e balizas de iluminação e de
baias laterais (para ônibus, táxi e carga/descarga),
além da proibição de estacionamento em toda a
sua extensão e a modificação da rota de algumas
linhas de ônibus (Figura 10.3). Após a implanta-
ção do projeto, grande trecho da Dias da Cruz
passou a ser fechada para o tráfego veicular aos
domingos e feriados, t ransformando-a em "rua
de lazer" para pedestres, na qual também se pro-
movem eventos comunitários.

Em toda a área de projeto, o redesenho das cal-


çadas e espaços públicos permitiu a implantação
de um sistema de pocket parks. Esses espaços
receberam paisagismo especial, com pavimen-
tação elaborada, bancos e mesas e previsão
para a instalação de futuros quiosques para a
venda de flores. comidas e bebidas. O maior
pocket park resultou do reaproveitamento de
um terreno sobrante da construção da rampa
de acesso ao viaduto sobre a linha férrea.
O espaço deu lugar a um pfayground e uma
pista de skate - na época a única da região - ,
Figura 10.2 Vista da Rua Dias da Cruz mostrando
tornando-o instantaneamente popular entre
o caótico tráfego veicular e de pedestres antes do
projeto. (Foto de Mariza Almeida para o Instituto os jovens. Outro importante pocket park foi
Pereira Passos.) criado como um portal de entrada na Rua Dias
da Cruz para aqueles que chegam desde o
Centro da cidade, e seu projeto inclui um novo
monumento de placas verticais em fibra de vidro, que se alternam nas cores azul e verde, "mordidas"
com a palavra Méier. Cercando o monumento, uma malha metálica esconde projetores de luz que
iluminam esguichos verticais de água que despontam diversas vezes por dia e à noite, marcando a
entrada do bairro e gerando um motivo de diversão para as crianças (Figura 10.4).

Ao longo da Rua Dias da Cruz, a importante Praça Agripino Grieco foi totalmente redesenhada e expan-
dida, graças à reorganização da circulação veicular e à relocação dos pontos terminais de ônibus que
lá existiam. O projeto de paisagismo, de desenho centralizado em um novo anfiteatro, incluiu elabo-
rado desenho de.piso em pedras portuguesas, novas árvores e canteiros, bancos, mesas para jogos,\ ::-.
um pe_q~~n~ pf~g;Q~f!._Q, ~ ~espaços par~ quiosqJes. Tr~s q~art__~fjÜnto à. p~çã - ;m que ape~as • ..-
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.fpar~s.:.. t'\'.!ntervénção:j~centi"'..OU a reforma dos bares e restaurantes existentes e novos pontos comerciais
(como..uma segundà filial do McDonald's no bairro num raio de duas quadras!) que passaram a animar

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206 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 10.4 O monumento localizado no Largo do


Méier, com repuxos de água instalados em sua base,
marca a entrada ao bairro e gera uma solução lúdica
para a criançada. (Foto de Celso Brando.)

Figura 10.3 Rua Dias da Cruz e Praça Agripino Grieco


após o projeto. (Foto de J.D. Tardioli; Aerocolor.)

as calçadas ampliadas com suas mesas e cadeiras, a reforma do antigo cinema, e institucionalizou uma
animada happy hour e noitadas de sexta e sábado (Figura 10.5).9

A praça e a nova área de pedestres foram reforçadas pela construção de uma conexão direta com a
passarela sobre a linha férrea, através da galeria comercial de um prédio de uso misto junto à praça.
Um imóvel abandonado do outro lado desse prédio deu lugar a uma pequena praça para receber uma
rampa da passarela sobre a linha férrea (antes não havia rampa desse lado da linha férrea). agora
estendida sobre a avenida. Dotada d~cgbertura em fibra d~vidro col9rida e de ilumi~açâoi)l passarela
tornou-se um rn~rco para os q~e f')assam -P.elo: tyléier (Figura _10.6). E;~ nov.a líg_açã_~dme~tou a con- · 1
tinuidade espaéiàl entre os dois lados do ·bãirro, facilitando o irriensa..flu.xp tre pedestres entréã plata- "'
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forma de trens, o novo miniterminal de ônrl:ius e a Rua Dias da.é!uz, lssojortalêceu significativamente

9A área ganhou o apelido de "Baixo Méier", inspirado nas tradicionais áreas de boemia do Baixo Leblon e Baixo
Gávea, na Zona Sul carioca.

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Capítulo 10 1Resgatando a Imagem da Cidade e o Prazer das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro 207

o uso da Praça Agripino Grieco, assim como a


área de pedestres em seu entorno, revitalizando
todo o comércio local.

A pavimentação das calçadas e áreas públicas,


em placas de concreto com pigmento em cores
entremeadas por faixas de pedras portuguesas
coloridas, seguiu um desenho com padrões geo-
métricos. Inspirado na cultura colorida do subúr-
bio carioca, esse desenho marcou a identidade
da área e reforçou a continuidade espacial entre
os dois lados da via férrea. No projeto original,
não implantado, o desenho de piso previa a loca-
lização organizada das bancas de vendedores
ambulantes (quando as dimensões da calçada
assim o permitiam), cada qual com seu número
de inscrição oficial na prefeitura estampado no
chão, marcando o seu "espaço". 'º

O projeto foi atento a soluções para os usuários


com necessidades especiais: pavimentação lisa,
pisos de alerta, rampeamentos, passeios com lar-
gura mínima livre de barreiras físicas e de mobi-
liário urbano etc. Outro importante conceito do
projeto foi o de "ilha de serviços": um abrigo que
1
'º Emborçi a ideia recebesse o apoio dos ambulantes
e técnicos da prefeitura. a proposta foi eliminada no Fig ura 10.5 Praça Agripino Grieco reformada e área
projeto fina l porque a prefeitura decidiu-se por um de pedestres em seu entorno. Na parte superior da
decreto proibindo o comércio ambulante nas áreas do foto, pode ser visto o ediflcio de uso misto com a
Rio Cidade. Evidentemente, quando não reprimidos, galeria comercial no térreo, de que o projeto tirou
eles voltavam para a Rua Dias da Cruz, instalando-se partido para conectar a praça com a passarela sobre a
de modo desordenado. linha férrea. (Foto de J.D. Tardioli, Aerocolor.)

...
Figura 10.6 Vist~ parcialqo B~_'q9~d~ 't
Méier, mostrando a.,P.raÇti·Agr!R!no =-:---
Grieco, a passarela para p,g_desJres sobre ...
a linha férrea e o Largo d,o Méier no'
canto inferior direito.
(Foto de Vera Tângari.)

r
208 DesenhoUrbano Contemporâneo no Brasil

reúne, sob cobertura simples em chapa de aço com iluminação indireta, telefones públicos, mapas indi-
cativos da área e seus principais equipamentos e linhas de ônibus, cesto de lixo, banco e caixa de coleta
dos correios. '' Distribuídas por toda a área de projeto, as " ilhas de serviços" são de fácil identificação e
de uso seguro e confortável. O mesmo abrigo, mas com pequenas variações, foi adotado para pontos de
ônibus e de táxi, e no terminal de ônibus.

Finalmente, foi implantado um sistema de comunicação visual em toda a área de projeto, incluindo o uso
de logotipo especialmente idealizado para o Méier e a combinação das cores verde, azul e laranja em
todo o mobiliário, além de totens verticais de seção quadrada em todas as esquinas dispondo o nome
das ruas em painéis com backlight. Os postes com sinalização semafórica foram revestidos de placas
metálicas, tornando-os semelhantes aos totens, e receberam os mesmos painéis de backlig ht, em altura
mais elevada e com a mão de direção da rua transversal, facilitando a visualização para os motoristas.
Essas soluções seguiam a decisão da equipe de que o mobiliário urbano deveria ser funcional e de fácil
manutenção, o que levou a adaptar e aprimorar, sempre que possível, equipamentos já utilizados pelas
concessionárias - como na adaptação do poste semafórico. Essa abordagem foi completamente dife-
rente daquela usada em outras áreas do Rio Cidade, onde as equipes propunham desenhos exclusivos,
caros de fabrico e manutenção, como foi o caso do Leblon, discutido mais adiante.

A obra foi iniciada em dezembro de 1995 e inaugurada em setembro do ano seguinte, sendo que a parte
do projeto relativa ao lado norte da linha férrea, oposta à área fortemente comercial, só foi implantada
em 2003. A primeira parte custou aproximadamente US$ 15 milhões (em valores da época), incluindo
26 km 2 de ruas pavimentadas, 25 km 2 de passeios, 206 coletores de lixo, 19 abrigos de ônibus, 359 pos-
tes de iluminação, 460 árvores e 1.4 km de galerias pluviais. Além disso, como em todas as outras áreas
do Rio Cidade, as redes aéreas (energia, telefonia etc.) foram embutidas, numa verdadeira "limpeza"
visual muito apreciada pela população.

O projeto foi muito bem-aceito pelos moradores e usuários do Méier, gerou uma imagem positiva para
o bairro, melhorou significativamente a circulação e o fluxo de veículos e pedestres, tornou as calça-
das e áreas públicas confortáveis e mais utilizadas, diminuiu os conflitos entre veículos e pedestres,
fortaleceu a conexão entre os dois lados da via férrea e valorizou os pontos comerciais encorajando
investimentos privados.

Projeto Rio Cidade Leblon: Intervenção Estética e Paisagística


Localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, o bairro do Leblon estende-se desde o canal que o separa de
Ipanema até o Morro Dois Irmãos. Originalmente um grande areal no qual, a partir de 1845, o francês
Charles Leblon mantinha uma empresa de pesca de baleias, a área passou a ser conhecida por Campo
do Leblon e acabou sendo aterrada e loteada para fins residenciais em 1919, quando ganhou o tecido
urbano atual. O bairro veio a ter o seu boom imobiliário quando morar junto ao mar se tornou moda e
quando Copacabana passou a perder o seu brilho, nos anos 1960 (Abreu, 1987). Desde os anos 1980,
o Leblon tem sido um dos bairros residenciais de maior poder aquisitivo do Rio de Janeiro, com elevado
índice de áreas verdes, praças e ruas bem cuidadas e arborizadas. elevada qualidade ambiental e intensa
vida social e noturna.
.... .... . --
Os usos comerci~is e de serviços do L.€blort_~ ê~ncentram em_intensil~de e ~ltura (e~~icfos de uso-misto
de 12 pavimentos, em média) ào longp da~ principar_artéria, Avl'?nicla~Ata1,.1lf0 de Paiva, considerada no
zoneamento da prefeit~ra u~ ",centro de oairro". Cor~n.do pá'r~lela ·e ª·.:d~a? q~aãras da praia, essa
' ,· r ..

11
A ideia das caixas de coleta de cartas não foi implementada porque a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
optou por não mais oferecer esse tipo de serviço em todo o Brasil.

J
ü
Capítulo 1O1Resgatando aImagem daCidade eo Prazer das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro 209

avenida de quase dois quilômetros interliga-se à principal avenida de Ipanema e esta, por sua vez. à
principal de Copacabana, assumindo assim a função de principal corredor de ligação com o Centro da
cidade. A avenida sofre com a intensa circulação de velculos, as várias linhas de ônibus, os estaciona-
mentos em sua extensão e a intensidade de comércio e serviços. Galerias comerciais, pequenos shopping
centers, várias agências bancárias. vários restaurantes, o tradicional cinema Leblon. com duas salas de
exibição, uma igreja e colégio católicos e a importante Praça Antero de Quental são os elementos mais
marcantes da avenida. Na extremidade oeste do bairro, a área conhecida como Baixo Leblon é o polo da
vida boêmia do bairro, com diversos cafés, bares. restaurantes e lojas de apoio, algumas abertas à noite.

Por causa da geomorfologia do Rio de Janeiro e a exemplo da maioria dos Projetos Rio Cidade, no Leblon
o trabalho concentrou-se no corredor viário principal, totalizando uma área de projeto de 6,4 hectares
(Figura 10.7). Diferentemente do projeto para o Méier, que lidou com um subúrbio problemático e aban-
donado, no sofisticado Leblon a equipe de projeto pôde elevar a qualidade ambiental já instalada a niveis
ainda maiores. O Rio Cidade Leblon caracterizou-se pelo esmero estético, soluções refinadas, paisagismo
de qualidade, e excelente detalhamento. 12 Seus objetivos específicos foram dar suporte à tendência
do bairro para atividades comerciais e de intenso uso dos espaços públicos. particularmente através do
aumento do conforto dos pedestres (Rio de Janeiro, 1996c).

A Avenida Ataulfo de Paiva foi redesenhada em toda a sua extensão e todos os passeios foram alargados.
receberam assentos, amplas jardineiras e elegante mosaico em pedras portuguesas brancas, pretas e ver-
melhas, seguindo padrões curvilíneos e bem ao estilo carioca (Figura 10.8). Disciplinaram-se estaciona-
mentos e paradas de ônibus e carga/descarga - através de baias-. e as esquinas tiveram suas curvaturas
suavizadas, foram rampeadas em toda a sua extensão, facilitando a travessia de pedestres. receberam
pisos de alerta e foram protegidas por esferas metálicas fazendo o papel de balizas para carros - ou
"fradinhos". como são conhecidas pelos cariocas.

Figura 10.7 Vista aérea mostrando os limites do projeto Rio Cidade LebJon e principais áreas do projeto: (1) o
boêmio Baixo Leblo'n; e (2) si Pr.:tça Antero de Quental. (Cprtesia do l nsti tu~ó Pereira Passos.)
. . .., :
.,r -

'' Projeto de fndio da Costa Arquitetura: Luiz Eduardo fndio da Costa (sócio responsável, arquitetura). Fernando
Chace) (arquitetura paisagística) e Luiz Augusto Índio da Costa (design).

)
21 O DesenhoUrbano Contemporâneono Brasil

Figura 10.8 Os passeios do Projeto Rio Cidade Leblon com elaborados mosaicos em pedras
portuguesas, nichos para bancos, jardins e iluminação especial para pedestres.
(Foto de Vicente dei Rio.)

Três áreas concentraram a atenção da equipe de arquitetos. No Baixo Leblon, eles propuseram a pedes-
trianização de trecho de um dos corredores viários para incentivar o uso público e a extensão das áreas
de mesas dos bares e restaurantes. Apesar de potencial para reforçar o caráter boêmio do lugar, a ideia
foi descartada por resistência dos comerciantes, que se opunham ao fechamento da circulação veicular.
Já na extremidade leste da área de projeto, no cruzamento das avenidas Ataulfo de Paiva e Afrãnio
de Melo Franco. a equipe alternou a geometria das quatro esquinas, originalmente em 45° ao estilo
"Barcelona", para o tradicional ângulo reto. Como os prédios existentes também seguiam as antigas
esquinas, isso originou confortáveis pocket parks nas quatro esquinas, com jardineiras e farta arboriza-
ção, bancos e quiosques de flores, jornais e revistas.

A terceira área de projeto que a equipe enfocou foi a tradicional Praça Antero de Quental, que ocupa
todo um quarteirão ao longo da avenida. Esta sempre foi uma importante área de lazer do bairro, bem
equipada e ajardinada, com robustas árvores e muito frequentada toda a semana, o que era reforçado
pelos pontos de ônibus e de táxi em seu perímetro. A equipe de projeto soube maximizar o potencial da
praça, mantendo e reorganizando os usos existentes e dotando-a de melhores equipamentos e mobili-
ário. O nível da praça foi elevado em relação ao meio-fio original para maior proteção dos usuários do
intenso tráfego, foi projetado um novo playground protegido por jardineiras em pedra, e foram alocados
mesas e bancos à sombra das árvores, postes de baixa altura e iluminação apropriada, além de abrigos
para pontos de ônibus e táxis. A pra<;@ tamb~m ganhou, vott:ado para a parada de ô.nibus junto à Avenida
Ataulfo de Pai-:_a, um elegante qui~q~e-.ppra venda de pla_ntas dotfdo de ~m ·gra~fa ~er~olado-na cor .,,
vermelha e que se tornou muilo popular. - • - ~· •.,· . .- "":' "'
.:.. - , _. . , • # ... .. ..._ : .. • • • ~. • .. ..

O Leblon se destaca çlos-outros projeto? do Programa Rio ç:·ida~e por-soas"'átrativas soluções de pai-
sagismo, particularmenJe -a~ pavimentaçãb das· calçadàs, e pelo elegante design contemporâneo dos
elementos de mobiliário urbano, que receberam prêmios nãcionais e internacionais. O novo poste de ilu-
minação, por exemplo, permite iluminação diferenciada para veículos e pedestres, e uma placa difusora

J
Capítulo 1O1 Resgatando aImagem da Cidade eo Prazer das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro 211

garante uma luz indireta mais homogênea e apropriada sobre as calçadas. 13 Nas esquinas, quatro desses
postes incorporam sinalização semafórica e direcional, 14 garantem iluminação mais intensa e aumentam
a segurança nos cruzamentos. destacando o seu papel estruturador no tecido urbano (Figura 10.9).
Acoplado a postes e com um forma arredondada inusitada, o design dos novos orelhões tira proveito
da transparência dos materiais para maior segurança do usuário (Figura 10.1O). Em pontos de ônibus e
táxis, o mesmo estilo de postes serve como único apoio central de elegante cobertura em chapa de aço
perfurada e policarbonato (Figura 10.11).

Outro ponto alto do Rio Cidade Leblon foi o capricho no detalhamento de projeto em geral: as soluções
totalmente originais do mobiliário urbano, os meios-fios em granito cinza-claro perfeitamente apare-
lhados e as rampas de pedestre em placas do mesmo material, a elaborada pavimentação em pedras
portuguesas coloridas e sofisticadas faixas de piso de alerta para deficientes visuais, indicando barreiras
e locais de travessia.

Figura 10.9 Os cruzamentos de vias e as faixas de pedestres Fig ura 10. 10 Novo abrigo de telefone público acoplado ao poste
do Rio Cidade Leblon são marcados por ~egant~~ostes que de iluminação para pedestres, na Praça Antero de Quental, Rio •~
Cidade .~eblon . (F.o~o de Denise de Alcantara.)-.
integram a iluminação de pedestres e vel(ulõs. com a sinalização
semafórica, direcienal. e o nome c@s 'ru<Í~. · .~•.: : ~
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(Foto de Vicente d ei Rio.)_
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13 Solução semelhante àquela adotada em cidades europeias. como Barcelona.
14 Nome das ruas, mãos de direção, números das edificações na quadra e CEP.
... _ ...... ·~'"

r
212 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 10.11 O elegante abrigo de ônibus metálico com cobertura em chapa perfurada
acompanhado de painel informativo, banco e recipiente para coleta de lixo. Rio Cidade Leblon.
(Foto de Vicente dei Rio.)

1
As obras no Leblon foram iniciadas em fevereiro e inauguradas em dezembro de 1996. com um custo

li aproximado de US$11 milhões (em valores da época). O projeto incluiu a pavimentação de 25 km 2 de


ruas e a renovação de 27 km 2 de passeios, além da instalação de 0,7 km de galerias pluviais, 467 postes
de iluminação, 561 novas árvores, oito abrigos de ônibus e 121 coletores de lixo. O resultado foi muito
positivo, pois o projeto soube requalificar um bairro já privilegiado, através de soluções inovadoras de
design e paisagismo. O Rio Cidade Leblon agradou a moradores, lojistas e visitantes, e tornou-se uma
referência no desenho urbano carioca.

Ensinamentos do Rio Cidade


Hoje, passados quase 20 anos desde seu lançamento, o impacto do Rio Cidade e de seus projetos pode
ser avaliado com clareza. Dados os objetivos e a metodologia adotada, ele foi um programa de interven-
ções urbanísticas inovador no contexto brasileiro e. até mesmo, no internacional, revelando-se um verda-
deiro "laboratório urbanístico" para o redesenho da cidade. Em face da grande deterioração urbanística
e imagética da cidade, o Rio Cidade possibilitou ações rápidas e localizadas que atraíram a atenção para
as melhorias induzidas e geraram efeitos multiplicadores sociais e econômicos. de curto e médio prazos.

Primeiramente, o Rio Cidade deve ser avaliado enquanto resultado de um conjunto de ações derivadas
de uma política urbana específica da prefeitura municipal. Na época do seu lançamento, a prefeitura foi
criticada quanto à propriedade de realizar uma série de projetos urbanos pontuais, sem fundamentar a
escolha das áreas nem ligá-las a um J'félfl~lªrti:el)tO integrad~· mais ampl?, send~ qu:_!fl.~!taY.dessa~ áreas
eram consideradas nobres denfrõ do lequE; de:necessidades..do contêxto ufbano catl'oca. O Rio Cidade ,
também foi ac~sado de pror(lover -uma si;\lples "m;quia,gem "- õ~ssás ~reás~~nv.estinqo muito 'em ações "'
- .
superficiais e não em preocupações de Ínfraestrutura, de circulação, . seguránça..etc. Além disso, acusou-
se o poder público de um aporte neoliberal, em que proj~os de resultados imediatistas e conjunturais se
sobrepõem a preocupaçõ·es mais profundas, estruturais e de longo prazo. No fundo perguntava-se: vale
agir na cidade pelas suas partes, em detrimento do seu todo?

J
Capítulo 1OJ Resgatando aImagem da Cidade eo Prazer das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro 213

A prefeitura rebateu essas questões afirmando que um processo t radicional de planejamento, de iden-
ti fi cação de bairros e áreas prioritárias levaria um tempo excessivo em face da situação emergencial
do espaço público carioca. Segundo a lógica da prefeitura, ao levar os projetos para os eixos e trechos
comerciais mais importantes dos bairros, seguia-se uma priorização "natural" das intervenções. Além
disso, embora os projetos não fossem levar a significativas alterações estruturais (poucos propuseram
alterações na circulação viária, como foi feito no Méier, por exemplo), todos elevariam os níveis de segu-
rança e conforto de veículos e pedestres, além de promover a renovação das redes de infraestrutura,
principalmente drenagem e iluminação pública.

Quanto ao processo do Rio Cidade, podem-se levantar algumas considerações metodológicas.


Primeiramente, se, ao selecionar equipes através de concursos de metodologias e de ideias, a pre-
fe itura expôs o Rio Cidade ao debate público, incentivando uma saudável renovação de ideias, ela
também se arriscou contratando equipes inexperientes. Esse risco se refletiu nos esforços de gerencia-
mento dos projetos pela prefeitura e sobre a própria qualidade final das soluções. Em segundo lugar, o
exíguo tempo previsto pelos contratos para o desenvolvimento do projeto, particularmente nas etapas
de diagnóstico e de estudo preliminar - geralmente relegados a apenas três meses - , arriscou solu-
ções de projeto impróprias: seja por incompreensão dos fenômenos urbanos e das especificidades do
contexto e de seus usuários, seja por falta de maior cuidado no detalhamento para atendimento
do cronograma .

Nesse sentido, destaca-se a experiência que a prefeitura ganhou gerenciando concomitantemente as


diversas equipes e fi rmas contratadas para os projetos e as obras. Nesse processo, ela também aprendeu
a ter maior agilidade na avaliação e resposta às propostas e a definir com clareza os objetivos de um
projeto urbano sem, com isso, tolher a criatividade das equipes contratadas.

A questão da multidisciplinaridade do Rio Cidade teve diversos rebatimentos importantes. Por um lado,
foi importante a prefeitura exigir que as equipes fossem multidisciplinares e coordenadas por arquitetos,
pois isso levou a soluções interessantes e integradas. Pelo outro lado, uma das maiores dificuldades
enfrentadas pelas equipes - particularmente na primeira fase - foi justamente obter uma postura inter-
disciplinar por parte da própria máquina administrativa da prefeitura e das concessionárias de serviços.
Isso ocorreu, principalmente, quando da resolução de problemas com múltiplos rebatimentos disciplina-
res, como, por exemplo, ao lidar com práticas adotadas pela engenharia de trânsito carioca, nem sempre
lógicas se pensadas sob a perspectiva do pedestre. Houve casos em que os técnicos responsáveis pela
circulação viária e t ransporte público faziam exigências sem embasamento às equipes de projeto, ou até
mesmo de maneira antagônica para diferentes áreas do Rio Cidade.

Não diferentemente da maio ria das cidades brasileiras, as diversas secretarias e órgãos setoriais do muni-
cípio, as concessionárias de serviços urbanos e suas equipes técnicas haviam se acostumado a atuar
independentemente, tendo práticas e objetivos diferentes. Além disso, algumas concessionárias encon-
t ram-se na órbita do governo estadual, como os serviços de água, esgoto e telefonia. Quando da realiza-
ção do Rio Cidade 1, muitos desses órgãos não possuíam sequer cri térios ou normas técnicas claras para
orientar ou avaliar os projetos, outros se mostravam herméticos a inovações, enquanto todos defendiam
os seus respectivos "saberes".

Embora barreiras disciplinares sejam históricas e sempre tenham caracterizado a atuação pública, elas -,.
precisam ser superatla5 através da prática integrada.do projeto e da defi niçã.o prévia df objetivos comuns • ··
- : • - .. • "- • •• ~t ~.. • • • t - .r· .
::: pelos diverso~.ôrga.os 9.e~~(e§·, coo_rd enadQs pela pr~feitur~: Corn_sfRio Cidadei , qéxeC.\!tivc,,,municipal
.- reaprendêu...a trabaltrat·t.ÓrfiÕ coordenador da obhi pút>licà ir)te,graçla, dependente de ações~etoriais e
..... ,., .... .. " 'IO ~ '-

~ de ou~ras· esfer-as. administrat ivas. Para o desel)volvimento dõ Rio Cidade li, essa situação já havia sido
"Ci~rin:;Qradà, e a ·p~~fejt~ra e suas concéssionárias possuíam uma visão mais integrada, alémde terem se
prepara·d o melhor, definindo um conjunto de diretrizes gerais e normatizações, previamente distribuído
às equipes contratadas.

r
214 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Um problema grave enfrentado pelas equipes de projeto foi a falta de orientação através de uma previ-
são orçamentária para investimentos nas áreas de projeto. Se, como argumentou a prefeitura, essa liber-
dade por um lado tendeu a gerar soluções mais criativas, por outro deixou as equipes em dúvida quanto
a seus próprios limites de projeto e expôs a integridade dos projetos a decisões sobre detalhamento,
execução e manutenção - que, aliás, talvez tenha sido o maior problema do Rio Cidade. particularmente
no que diz respeito aos mobiliários diferenciados propostos pelas equipes.

Seguindo um dos motes do Rio Cidade. o fortalecimento da identidade dos bairros, a singularidade dos
projetos realmente levou a maior individualização das áreas no contexto da cidade. Porém a utilização de
soluções, sinalizações. elementos e revestimentos não padronizados em escala industrial é extremamente
onerosa e problemática, particularmente quanto a sua manutenção ou substituição. Isso sem contar com
o risco de que. na administração seguinte, a falta de compromisso com o Rio Cidade leve à substituição
dos elementos avariados por outros, totalmente diferentes. Além disso, elementos idiossincráticos ten-
dem a confundir pedestres e motoristas, que esperam uma certa homogeneidade em sistemas urbanos,
mensagens e funções de um corredor de circulação, uma região, ou mesmo em toda a cidade. Existem,
inclusive, riscos reais quando um motorista se depara com semáforos dispostos horizontal e vertical-
mente num mesmo eixo viário. Comprovando essa dificuldade, diversos elementos de mobiliário acaba-
ram sendo posteriormente substituídos e padronizados para toda a cidade.

Quanto às obras propriamente ditas, a baixa qualidade dos materiais utilizados e de execução carac-
terizou a grande maioria dos projetos. Através de concorrências públicas, foram contratadas firmas
construtoras, sendo as equipes de projeto mantidas apenas para "acompanhar as obras". Elas tiveram
de atender não só aos restritos orçamentos executivos que tipificam as obras públicas, como também
às pressões do calendário eleitoral sobre os tempos de execução. No Rio Cidade 1, por exemplo, o pre-
feito iria utilizar-se dos projetos como plataforma eleitoral do candidato de seu partido para sucedê-lo
no cargo. Portanto, os dois primeiros anos de seu mandato serviram para acúmulo de caixa, enquanto
os projetos e obras tiveram de ser contratados e executados nos dois últimos. Isso significou que, ape-
sar de sua complexidade, os projetos urbanísticos foram elaborados em menos de nove meses (Méier
e Leblon), os projetos complementares elaborados em seis meses. e as obras concluídas em apenas
três meses!

Finalmente, o Rio Cidade evidenciou a necessidade de canais para inserir as comunidades e os usuários
no processo de projeto e mudar a longa tradição de falta de participação pública no processo decisório
de projetos urbanos no Rio de Janeiro. 15 No Rio Cidade 1, dados o ineditismo do programa, a premência
do tempo de projeto e implantação e o medo de oposições de cunho político-partidário. a prefeitura não
permitiu que as equipes sequer contatassem a comunidade. Isso aconteceu apenas através das metodo-
logias de levantamento de dados adotadas por algumas equipes. como no caso do Méier, ou por meio
de reuniões formais com associações comunitárias locais promovidas pela prefeitura.

No Rio Cidade li a prefeitura ampliou as possibilidades de participação comunitária nos projetos, com
vistas a tornar os resultados mais ajustados às expectativas locais. No entanto, essa participação ainda
se limitou a poucas reuniões com a população e seus representantes, apesar de muitas das opiniões
terem efetivamente gerado alterações técnicas nos projetos e mesmo durante as obras. Os projetos do
Rio Cidade com que as comunidades mais se identificam eram os que a população mais prezou e onde
tendiam a ocorrer menos atos de vanda li smo~_

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15
Essa situação tende a se.alterar por causa do Estatu.to da Cídade·e de legislação complementar ao Plano Diretor
da Cidade do Rio de Janeiro, que garante a participação da população através de entidades representativas, grupos
de trabalho, comissões provisórias e permanentes, organizações comunit~rias, ouvidorias públicas e assim por diante.

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J
Capítulo 1O1 Resgatando a Imagem da Cidade e o Prazer das Ruas: Projeto Rio Cidade, Rio de Janeiro 215

Considerações Finais
Não há dúvida de que o Rio Cidade foi um programa de desenho urbano com resultados e repercussões
positivos no cotidiano carioca, apesar de sua grande amplitude, de sua inusitada metodologia e dos pontos
negativos discutidos anteriormente. Ele foi bem-sucedido enquanto instrumento do Plano Estratégico da
cidade na busca de uma melhor imagem para o Rio de Janeiro e em promover a requalificação dos espaços
públicos e vias comerciais nos centros de bairros. De modo geral, as repercussões dos projetos individuais
foram positivas, particularmente se inseridas dentro do contexto de carência do urbanismo carioca.

Quatro avanços específicos promovidos pelo Rio Cidade merecem ser destacados. Em primeiro lugar, a
consolidação do papel do espaço público na vida carioca, para o lazer e a socialização. Isso é particu-
larmente importante nos bairros mais populares. historicamente carentes de áreas verdes e de espaços
públicos de qualidade. A população, efetivamente. apropriou-se melhor dos espaços renovados e mais
funcionais, sentindo-se mais atendida pelos governantes.

Em segundo lugar, o destaque dado pelo Rio Cidade a corredores comerciais consolidou a centralidade
múltipla dessas vias: em sua funcionalidade, sua capacidade de socialização para a comunidade e seu
papel estruturador na imagem mental do bairro e da cidade. Fortaleceu-se a noção de uma cidade reco-
nhecida por seu conjunto de bairros, bem definidos geográfica e urbanisticamente, cuja população a eles
se refere e com eles se identifica.

Em terceiro lugar, o Rio Cidade reconheceu a importância da requalificação urbanística para a reconstru-
ção da força dos lugares, a recuperação imagética da cidade e a atração de investimentos privados. Em
todas as áreas de projeto valorizaram-se os imóveis e pontos comerciais, e os comerciantes investiram em
melhorias nas suas lojas. O Rio Cidade contribuiu para a melhoria da imagem dos bairros e da própria
cidade, nacional e internacionalmente.

O Rio Cidade buscou promover uma "cultura" de projetos urbanísticos junto à população e à máquina
administrativa da cidade. Houve uma mudança de comportamento dos técnicos dos diversos setores e
órgãos no sentido de incorporar uma visão integrada de intervenção urbana. O "urbanismo" voltou a ser
importante junto à opinião pública, e leigos passaram a trocar opiniões sobre as soluções nos diferentes
bairros. Vivenciando um desenho urbano diferenciado dos espaços públicos, a população passou a se
conscientizar do seu potencial na qualidade de suas vidas e na promoção de uma cidade mais humana
e mais própria para o convívio. Resta saber como a experiência do Projeto Rio Cidade vai ser útil para o
futuro do Rio de Janeiro e, em particular. para a preparação da cidade para as Olimpíadas de 20 16 e o
legado urbanístico a ser deixado à população.

Notas
Meus sinceros agradecimentos a Luiz Carlos Toledo e Vera Tângari (grandes companheiros no Rio Cidade
Méier). Denise de Alcantara (pelos comentários e fotos), Sérgio Bello e Solange Cintra, do Instituto
Pereira Passos (entrevistas), e Jorge Daniel Tardioli e Mariza Almeida (fotos) .

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CAPÍTULO 11

OTerritório Metropolitano em Mutação:


Intervenções Urbanas Contemporâneas
em São Paulo

Carlos Leite

S ão Paulo, a maior e economicamente mais importante área urbana do Brasil, é uma cidade de incrí-
veis contradições. Embora a área metropolitana da Grande São Paulo produza mais de 25% do
produto interno bruto brasileiro, pouco se tem feito em termos do necessário resga te das áreas urbanas
em processo de deteri oração. Tendo isso em mente, este capítulo busca responder a um conjunto de
questões abrangentes: o território em transformação acelerada pode ser enfrentado com ações locais? O
desenho urbano pode ainda subsidiar o processo de resgate de imensas áreas históricas degradadas sem
criar simulacros cênicos? Podem os projetos urbanos de maior porte se configurar como instrumentos
de rearticulação do território fragmentado, de escala imensurável? Pode a reabilitação do território infor-
mal ser planejada e manejada sem impor-lhe a condição de forma lização? Finalmente, como o projeto
urbano deve se posicionar diante do vazio urbano - terrain vague 1- sem se configurar como instrumento
de opressão e poder, mas, antes, como possibilidade de costura e articulação do território?

Após uma breve análise sobre o processo de transformação territorial da metrópole contemporânea, à
luz das intervenções urbanas e do desenho urbano, relatamos três experiências complementares recen-
tes. O urbanismo se configura como nova práxis no fundamental processo de requalificação da área cen-
tral da cidade, com os projetos nas áreas da Luz e Praça Júlio Prestes e na Praça do Patriarca, no Centro
de São Paulo. As intervenções urbanas de maior envergadura são analisadas com foco nos programas
de urbanização de favelas, na reabilitação de áreas de proteção ambiental no entorno da represa de
Guarapiranga e no conjunto recente de intervenções e procedimentos urbanísticos que vêm ocorrendo
nos territórios informais da cidade de São Paulo, incluindo-se as chamadas práticas cri ativas, iniciativas
"bottom-up" e "microplanejamento".

1
A definição de terreno '{~gÕ [la sua.origem francesa, terrain{V(!gue, SU!]e CO~ · f?f-6Ô~O em um t~xto clássico de '"°· -
'•

lgnasi de Solà·Mora!gst1g~s)."·~ói:-urn !ado, a palavraj rancesa ~rrain cpnota ufuç"qtJalidade ufóa!!_âgen~-0sa, maior
dC?q Ue um_simple~ "terr_eno~~~ eli>r- Ô~tro lado, vague traz, pelas SUi5, 0Tfgens lat!nas, dois significádos comple.!!.1enta-
.r;e.S. O primeiro ~fé're;e. a vãc,úo.~vazio, não ocupado, mas"disponívél. 0 -S'àgunde· significado·advém do latim 'Vagus:
impreQ.so, s:em lim.iteS-c..Jaros, iÍ'\Certo, vago. Nos EUA, são utilizadó!>' com"maiõr frequência os-termos wastelands e
bcown'field~ .J?arà_descrever~s~e}.enômeno (Southworth, 20Ô 1). ·- -

r
218 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

São Paulo: Cidade Global, Metrópole em Mutação


"Há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por todos os vizinhos. e um espaço
global, habitado por um processo racionalizado e um conteúdo ideológico de origem distante... Por
isso mesmo, as grandes contradições do nosso tempo passam pelo uso do território" (Santos, Souza e
Silveira 2002, p. 15).

São Paulo é hoje paradigma da metrópole local no mundo global: a um só tempo, cidade mundial ligada
às redes globais e cidade local, em que o espaço banal se traduz injusto e desqualificado. Segundo
Sassen (1998), ela é uma das dez "cidades mundiais", integrada à rede de cidades globais. Na verdade,
a cidade apresenta de modo contraditório realidades opostas. Por um lado, surgem espaços definidos
pelo novo capital financeiro e vinculados às novas tecnologias de informaçCío, ligados à economia glo-
balizada. Por outro lado, emergem no território fragmentado os chamados espaços banais, que evi-
denciam as deficiências e patologias sociais. Trata-se de uma metrópole "glocal", depositária de um
território urbano que retrata fielmente a sociedade contemporânea, com todas as contradições de nosso
tempo (Peixoto. 1998).

Vivemos a era da transformação acelerada, e São Paulo potencializa em seu território metropolitano
todas as mutações urbanas contemporâneas. As dinilmicas territoriais são dramáticas e sujeitas a rápi-
das mudanças, e as consequências dessas transformações da metrópole pós-industrial são variadas e
heterogêneas. Nesse contexto, o urbanismo e a arquitetura sofrem essas mudanças em todas as suas
escalas, e a metrópole fragmentada carece de urbanidade. Espaços desqualificados caracterizados por
terrenos vagos. disfunções urbanas. manutenção precária e falta de segurança emergem como resíduos
de antigas áreas produtivas. De acordo com Nelson Peixoto (1998). as transformações na arquitetura
estão presentes no âmbito do território e vice-versa.

Na escala da edificação, procede-se à transformação das funções. Geram-se adaptações demandadas


pela dinilmica da sociedade local e do território envoltório. Edificações de uso histórico com funções
ultrapassadas são convertidas funcionalmente e adaptadas espacialmente aos novos usos. como vere-
mos adiante no caso da conversão da antiga estação de trens Júlio Prestes, transformada em uma impor-
tante sala de concertos.

No âmbito das cidades, atualmente, os espaços existentes vêm sendo adaptados e transformados, dife-
rentemente de outras épocas, em que a transformaçCío resultava de processos de renovação urbana
impositivos (como os projetos modernistas do tipo tabula rasa) ou de revitalização de caráter historicista
ou pop (como o pós-modernismo das décadas de 1970 e 1980). A dinâmica urbana contempor~mea gera
uma situação de mudanças territoriais e ajustes muito mais complexa e rica.

Transformam-se funções. usos e espaços de modo din:lmico e inusitado. Reciclam-se espaços de uso apa-
rentemente consagrado. O perene dá lugar ao passageiro. Processos de longo prazo de desenvolvimento
em larga escala estão sendo substituídos por projetos menores com prazo de conclusão mais limitados.
Imensos ambientes historicamente configurados perdem suas funções. Centros históricos se esvaziam.
Territórios industriais. repentinamente, se desqualificam. Bairros inteiros sao sujeitos à transformação
especulativa. Espaços deixados de lado são reconsiderados e reenergizados com desenvolvimento imobi-
liário. Áreas residenciais luxuosas emergem em meio a antigas periferias desvalorizadas. protegidas por
muros e como ilhas fechadas, em m~io à áre~s desprovidas de equipàmentos urban_ós:.Amõientes sob-
proteção ambienl:al são ocupados e reurbanizíltlbs:
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a cidade ilegal
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s~ s~brepõe
~ ., , '
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à cid~ Íegal. ~ legista-
~

ção urbana é obrigada à correr'aVás da r,ealidade ilegal: émergém as mutações url5anas·(Rolnik, 2000).
• • , , .... • ~.1 \ .~

Paralelamente. a socíedade adentra o século XXI .com a f0rte preoêupação da preservação ambiental e
da reciclagem dos recursos existentes, naturais e energéticos. A Agenda 21 das Nações Unidas coloca no
âmbito do território novas demandas, e as mudanças climáticas - tanto nas escalas do território quanto

l)
f
Capítulo 11 IOTerritório Metropolitano em Mutação: Intervenções Urbanas Contemporâneas em São Paulo 219

do edifício - têm que ocorrer em um quadro de desenvolvimento sustentável. 2 Assim como os demais
recursos existentes, o ambiente construído não pode prescindir de reciclagens e transformações: é
mais inteligente a transformação dos espaços existentes e subutilizados do que a sua negação e subs-
tituição. O desafio do século, o desenvolvimento sustentável, ganha foco na escala da cidade mais
sustentável (Leite, 20 12).

São Paulo está hoje refletindo tais contradições em seu território de mais de 8 mil km 2 • A megacidade
se pautou, nestes quase 500 anos de existência, por um dolorido processo de negação histórica, de um
palimpsesto territorial, 3 em que sempre se construiu sobre o existente, tornando o território mutante e
polinucleado. Agora, entretanto, a megacidade enfrenta o desafio de se restaurar.

Dentro desse quadro extremamente complexo, a arquitetura, o urbanismo e o desenho urbano são
alternativas fundamentais de transformação do território, sendo insubstituíveis instrumentos de inter-
venção espacial e física. Como observa Meyer (2001). o desafio da arquitetura contemporânea é
enfrentar a cidade existente, a começar pelas infraestruturas, sem negá-la. Tal conceito vem sendo
trabalhado por profissionais de planejamento e design tanto no âmbito acadêmico quanto na prática
de projetos urbanos.

Enquanto tantas cidades pelo mundo promoviam o redesenho urbano de áreas centrais em larga escala,
ele foi renegado em São Paulo até recentemente, quando seus dirigentes se voltam para processos de
requalificação urbana de sua área central. Apesar do atraso, e, talvez aproveitando-se deste, ele pode
agora ser colocado de modo mais coerente diante da realidade contemporânea, sem se cometerem os
erros de procedimentos passados.

Finalmente, parece clara a impossibilidade de se operar um amplo processo de desenho urbano numa
metrópole dessa escala: o território se apresenta em escala imensurável. A grande oportunidade de
intervenção do poder público é se utilizar do imenso potencial do desenho urbano para costurar lógicas
territoriais e para requalificar os espaços públicos desconexos. Esse processo possibilitaria as conexões
urbanas e a costura do território metropolitano fragmentado, promovendo o melhor uso dos vazios
urbanos que articulam o território e operando um urbanismo restaurador. Fica claro ainda a urgên-
cia de se estabelecer as iniciativas das Agências de Desenvolvimento Urbano específicas para operar,
gerir e garantir a continuidade das intervenções de grande porte na cidade, aos moldes do que ocorre
nos grandes projetos urbanos em Barcelona e São Francisco, ou segundo o modelo das ZACs (zone
d'aménagement concerté) de Paris (Somekh e Leite, 2009).

Desenho Urbano Incompleto: Revalorização e Fortalecimento do Centro


Dentro do processo de continua reconstrução de seu território, São Paulo teve sua área central mutante.
O Centro Velho configurou-se como o núcleo histórico quinhentista, português, configurado morfologi-
camente por desenho europeu, no qual edifícios coloniais se misturam com a arquitetura eclética de refe-
renciais franceses (Figura 11.1 ). A modernidade brasileira, a partir da década de 1940, impõe-se na área

2 A Agenda 21 é u.rnp1ogrQm;de ação ambiental da Organização das NaçÔês· LJnidâs (ONU) que-visa à mais ousada e

::: abrangente tentatTvâ de pr.omçver; em escala planetária, um novo padrão~loesenvolv~nÍento: corn;iliando métodos
de proteçãQ a(l1b]eotal~1:1_strsa.~õcial e eficiência econpmica: P'ara' :_el~ 9:i,ntci ~uíram go'liernos e instituiçC(r s da sacie-
~.,_ dade cil(il de J 7..9pâís~ .durante dois anos, culminárido com a realização dê! Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambi~Qte ehesenvÓlvimento.(éNUMA,D) no Rio de Janeiro· ~m 1992 (Earth Summit-92). No âmbitc:,do ambiente ·
cônsttúldo;.,busca-se Õ chamado úrbanismo' sustentável. Ver "Age'nda 21 Brasileira", disponível em: <http://www.
mma.gov.br/sitio/index.php?ido=wnteudo.monta&idEstrutura=18>. Acesso em: 29 jan. 2012.
3 O termo palimpsesto foi muito propriamente usado por Benedito lima de Toledo (1983) para caracterizar a evolução

urbana de São Paulo, ao descrevê-la como a cidade que se fez uma sobre a outra, no mesmo território.
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r
220 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 11 .1 Praça e Catedral da


Sé, praça "modernizada", igreja
restaurada, entorno descuidado.
(Foto de Nelson Kon, www.
nelsonkon.com.br.)

central, gerando o novo espaço urbano e determinando o esvaziamento do primeiro: nasce o Centro Novo.
Ocupado por uma nova elite - a burguesia industrial emergente. culturalmente esclarecida, contraponto à
velha elite arcaica-. o Centro Novo iria receber novos referenciais urbanísticos e arquitetônicos.

A arquitetura e o urbanismo moderno brasileiro iriam buscar um Novo Centro idealizado, e vários ícones
de nossa arquitetura emergente tiveram a oportunidade de desenhar um trecho de cidade inovador.
Experimentam uma arquitetura urbana na qual o chão da cidade era destinado ao uso coletivo (ora sobre
pilotis, ora com bases comerciais ou de serviços e lazer), em busca de um ideal mais plural e democrático.
As edificações implantadas são paradigmas dessa qualidade urbanística; belos exemplares arquitetô-
nicos que evocam uma ideia clara de como a cidade deveria ser: os edifícios Copan (Oscar Niemeyer,
1951) e Metrópole (Cãndia e Gasperini. 1960) são alguns exemplares dessa forma de inserção de peças
arquitetônicas em franco diálogo com o tecido urbano, gerando grande fruição urbana através de suas
bases junto à rua. ~ •
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A década de 197.0 marcou uma (lova "tran~feJêr;iGj.a de centralidade. quqndo o.:Centro.}.lõvo foi esvãziago
funcionalmentt ~ se iniEia s"é!J, proEesso dê. efe'Clínio ~ de;eriora~ft.ç~·J~:vigefil~.~O. C~nt~o VelnÔ. Úma
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negócios. Sem planos de.: red"uperação urbaha, a área-central entra em forte ptocesso de esvaziamento.
o espaço público torna-se ~deteriorado e. a partir·da década de 1990, é ocupado pela economia informal

I
ü
Capítulo 11 I OTerritório Metropolitano em Mutação: Intervenções Urbanas Contemporâneas em São Paulo 221

(vendedores ambulantes e atividades ilegais), que se apropria dos espaços públicos de forma descontro-
lada e desordenada.

O desenho urbano e o planejamento t iveram uma presença tímida, ineficiente ou inexistente como um
todo, numa clara desatenção do poder público para com a valorização do espaço público. Inúmeros con-
cursos de arquitetura e desenho urbano foram rea lizados, porém muito poucos se converteram em obras
efetivamente real izadas. Entre as exceções, deve-se ressaltar o primeiro grande projeto de reabi litação
urbana na área central da cidade, o Projeto Vale do Anhangabaú, importante eixo de conexão entre o
Centro Velho e o Centro Novo.

Fruto de um concurso nacional de ideias em


1983 e construído em 1988, esse projeto pro-
pôs o fechamento do Vale do Anhangabaú com
uma imensa plataforma de concreto (com área
total de 6 ha e 500 m de extensão) sobre a trama
viária expressa que corta a área central.• Sobre
essa laje, uma imensa área de lazer contempla-
t ivo foi dedicada ao pedestre e tratada paisagis-
t icamente com elementos geometrizados (Figura
11 .2). A despeito de seu desenho interessante e
do amplo espaço livre que criou no coração do
Centro, a maior crítica que se tem feito a essa
intervenção é a de não ter compreendido corre-
tamente a dimensão histórica do território: em
vez de resolver sutilmente as diferenças de cota
do vale, resgatando o seu papel de ligação entre
as cidades alta e baixa, o projeto simplesmente
fez o vale desaparecer. Perdeu-se a oportunidade
de possibilitar ao usuári o desfrutar a geografia
construida (Bucci, 201 O).

Apesar desse projeto. o abandono da área cen-


tral perdurou até meados da década de 1990,
quando emerge a Associação Viva o Centro
(AVC), uma ONG patrocinada pela sociedade
civil com forte apoio do BankBoston, cuja sede
se localizava no Centro Velho. Através de diver-
Figura 11.2 Projeto Vale do Anhangabaú, São Paulo. sas ações - workshops, eventos, estudos e pro-
Uma laje de concreto ajardinada cobre o vale sobre a jetos -, essa associação conseguiria gerar entre
avenida, conectando os dois centros da cidade. (Foto os paulistanos um amplo fórum de discussão
Silvio Macedo; Projeto Quapá.)
sobre a necessidade premen te de reva lorização
do Centro. Desse trabalho resultou, em 1997, a
Operação Urbana Centro, uma nova legislação
especifica em que a prefeitura estabelece novas , "-
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po5.5ibilidades de~ ~o .~ocupação do_solo para
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• Projeto de autoria dos arquitetos Jorge Wilheim e


Jamil Kfouri e arquitetura paisagística de Rosa Kliass.
_.,. _.,.__

r
222 Desenho UrbanoContemporâneo no Brasil

retomada de atividades e investimentos da iniciativa privada. Infelizmente, esse instrumento foi insufi-
ciente para impulsionar os investimentos e os objetivos de revitalização.

Foi somente na virada do século XXI que, finalmente, os governos federal, estadual e municipal direcio-
naram sua atenção e suas políticas de investimento para obras de recuperação da área central de São
Paulo. Apesar da inexistência de um necessário projeto geral de regeneração urbana, nos últimos anos
foram implementadas várias ações e obras importantes para a revitalização da área central. Dentre essas
se destacam as ações nas áreas de cultura, transporte público e renovação de espaços públicos, incluindo
a Revitalização da Pinacoteca do Estado. com patrocínio dos governos estadual e federal (US$ 9 milhões,
1998); conversão do histórico edifício da Companhia de Força e Luz de São Paulo em Shopping Light,
com patrocínio privado (US$ 23,7 milhões, 1999); revitalização da Catedral da Sé (US$ 7 milhões, 2002),
patrocínio privado e da Igreja Católica; recuperação do Mercado Central pela prefeitura municipal (US$
6,8 milhões, 2004); recuperação e ampliação da Estação da Luz. com patrocínio federal, estadual e
privado (US$ 10,3 milhões. 2006). Houve outros projetos concomitantes, como o Corredor Cultural, a
criação do Complexo Cultural Júlio Prestes e a renovação da Praça do Patriarca; esses dois últimos pro-
jetos serão comentados a seguir como parte de programas em andamento: o Projeto Monumenta, para
a reabilitação do bairro da Luz (sob parceria do Ministério da Cultura e da prefeitura), e o Ação Centro
(coordenado pela prefeitura).

Reabilitação do Centro
A reabilitação e revitalização do Centro de São Paulo iniciou-se com dois programas principais: o
Monumenta, de âmbito federal, e o programa da prefeitura Ação Centro. Esses programas refletem a
mudança de entendimento, no Brasil, de como lidar com o envelhecimento das áreas centrais em termos
de intensificação de seus usos, atração de um público diversificado e valorização imobiliária.

O Programa Monumenta, de iniciativa do Ministério da Cultura, buscou a revalorização de áreas históri-


cas brasileiras e contou com apoio financeiro do Banco lnteramericano de Desenvolvido (BID) e técnico
da Unesco. 5 É o primeiro programa de financiamento para a revitalização e reabilitação do patrimônio
histórico de abrangência nacional e de ação continuada, mobilizando mais de US$ 200 milhões para
implementação de sua primeira etapa. No caso de São Paulo, o Programa Monumenta visa recuperar
o bairro da Luz, área de entorno da mais importante estação de trens da cidade. Construída na virada
do século XIX pela firma de capital inglês São Paulo Railway com materiais importados de Glasgow, na
Escócia, a estação é um importante marco cultural e arquitetônico. Além de restaurar vários prédios
históricos, o programa busca tornar a área mais amigável ao pedestre e combater a poluição visual
contra a inadequação de painéis publicitários. A coordenação do programa logo concluiu que as obras
exigiriam muito mais do que o financiamento do BID poderia oferecer e conseguiram que o governo do
estado - o maior proprietário de imóveis na área - e a prefeitura também investissem na região, assim
como diversas parcerias com empresas e instituições privadas (Bonduki, 2012).

Desde a década de 1990, vários edifícios públicos e privados na área da Luz foram restaurados, tais
como o Museu de Arte Sacra e a Igreja de São Cristóvão, entre outros reciclados. O antigo edifício do
Liceu de Artes e Ofício de 1896 foi convertido em Pinacoteca do Estado, com um premiado projeto de

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5 O Programa Monun'lenta incluiu inicialmente'·os quatro conjlÍntos ~atrimoniais mais importantes do pais (Ouro
Preto, Olinda, Salvador e SãÕ.Luís) e áreas em três cidades que são as principais portas de entrada do país (Rio de
Janeiro, Recife e São Paulo). Atualmente j~ foram integradas ao programa áreas históricas em 27 cidades. Disponivel
em: <www.monumenta.gov.br/site>, Acesso em: 29 jan. 2012.

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J
Capítulo 11 1 OTerritório MetropolitanoemMutação: Intervenções Urbanas Contemporâneas emSão Paulo 223

Paulo Mendes da Rocha. 6 O histórico Parque da Luz, primeiro parque urbano da cidade, criado em 1798,
quando o Brasil ainda era colônia. foi restaurado. O prédio da Estação da Luz foi renovado e parcialmente
t ransformado em Museu da língua Portuguesa. com autoria de Pedro Mendes da Rocha.

Em paralelo ao Monumenta e abrangendo uma área bem maior, a Associação Viva o Centro desenvolveu
o Projeto São Paulo Centro no final dos anos 1990, para promover maior dinamização na vida urbana
(Meyer e lzzo. 1999). O estudo estabeleceu três princípios de intervenção urbana: a articulação dos
espaços públicos em uma rede; a promoção de ligações entre áreas públicas e equipamentos urbanos e
a criação de uma ligação exclusiva de pedestres, em maior consonância com o funcionamento cotidiano
da cidade. Ou seja: o desenho urbano assume o papel de reorganizar os espaços públicos, aliando-se ao
processo de restauro e reciclagem do patrimônio arquitetônico a eles associado. Esse t rabalho da AVC
sinalizou para São Paulo a fu ndamental importância das parcerias entre poder público, inici ativa privada
e ONGs. No caso do São Paulo Centro, a parceria envolveu o governo do estado, uma empresa de tele-
fonia, o Banco Nossa Caixa e o BankBoston, com apoio do M inistério da Cultura.

O Programa Monumenta colaborou com o AVC no Projeto Polo Luz Cultural, para requalificação da
área de entorno da Estação da Luz. As diretrizes desse projeto estabelecem duas linhas de intervenção
urbanística importantes e complementares, de modo a melhorar o transporte multimodal e tornar a
área mais voltada ao pedestre. 7 Primeiro, mais de 5 km da orla ferroviária deveriam receber tratamento
próprio, com amplo passeio público arborizado ao longo de suas bordas, conectando a Estação da Luz
ao Memorial da América Latina. Segundo, o redesenho urbano da área se implantaria a partir de funda-
mentais alterações no sistema viário, valorizando o espaço do pedestre em uma área dotada de boa rede
integrada de transporte público (metrô, trens e ônibus).

As várias etapas de viabilização técnica e financeira para a efetivação do Programa Ação Centro se alon-
garam por duas diferentes administrações municipais. O programa se expandiu para além do bairro da
Luz, inicialmente desenvolvida pelo Monumenta, passando a incorporar a área central - o Centro Velho
e o Centro Novo.

A Emurb. Empresa Municipal de Urbanismo, gerenciou recursos de US$ 168 milhões para tal fim, sendo
US$ 100 milhões provenientes de empréstimo do BID e US$ 68 milhões originários da contrapartida
financeira da prefeitura. Várias obras foram fina lizadas com a utilização de US$ 100 milhões da verba
total, para que coincidissem com a celebração dos 450 anos da cidade. Os recursos eram alocados pro-
porcionalmente (60% de BID e 40% da prefeitura), sendo 26% das verbas direcionadas a obras de infra-
estrutura urbana, 25% a programas habitacionais, 23% a projetos urbanos, 23% a transporte público e
circulação viária e 3% à iluminação e segurança.

A lém da renovação da Praça do Patriarca, concluída em 2005, os principais projetos urbanos foram o
Corredor Cultural (inspirado no projeto homônimo do Rio; ver Capítulo 5); a reurbanização das ruas
Ramos de Azevedo, Dom José Gaspar e Xavier de Toledo; a revitalização do Mercado Municipal; a
reforma e ampliação da Biblioteca Mário de Andrade (pelo escritório Piratininga); a reciclagem do Palácio
das Indústrias (antiga sede da prefeitura), convertido em Museu da Cidade; e a revitalização da Praça
da Sé, no Centro, na qual se localiza a catedral (Figura 11 . 1), da Praça da República. da Praça Roosevelt
e do Parque Dom Pedro li (um amplo parque urbano). Conforme Nádia Somekh, que foi coordenadora
do programa, trata-se do "maior programa já financiado pelo BID, tão importante que já se tornou uma
referência mundial".'(em entrevista publicada na Revista Arquitetura & UrbiJflismo 44, 2004).
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6 Essa obra conferiu a Paulo Mendes da Rocha o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana em
2001 . Em 2006, o arquiteto foi agraciado com o Pritzker Prize pelo conjunto de sua obra.
7
O Proj~to Polo Luz Cultural foi desenvolvido por Regina Meyer e UNA Arquitetos.

r
224 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

O Projeto Luz Cultural foi concebido como um conjunto de vários projetos que seNiriam como catalisa-
dores da revitalização do bairro da Luz e entorno (Figura 11.3). Infelizmente, o projeto não foi implemen-
tado em sua totalidade; e o único componente concluido foi a conversão da histórica Estação Ferroviária
Sorocabana e a renovação da pequena Praça Júlio Prestes, tratada como 'antessala' da estação.8

Construída em 1936, a Estação Ferroviária Sorocabana é um ótimo exemplo do ecletismo paulista. Em


1999, o governo estadual financiou um impressionante projeto de reciclagem arquitetônica para abri-
gar a sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Nela estão contidos a Sala São Paulo, uma
esplêndida sala de concertos que comporta 1.500 pessoas (a maior do gênero na América Latina), uma
sala menor para música de câmara, estúdio de gravações, salas de ensaios, restaurantes e garagem para
600 veículos (Figura 11 .4). Destaca-se a qualidade do tratamento acústico dado à sala de concertos, uma
vez que as linhas de trem e a estação anexa continuam operacionais.

Apesar do sucesso dessa conversão arquitetônica, a questão que fica pendente é relativa à oportunidade
perdida para se implantar um projeto urbano completo, cuja abrangência pudesse promover a regene-
ração da área como um todo, como proposto originalmente. Incrustado em meio a uma das áreas mais
problemáticas do Centro, famosa pela prostituição e pelo tráfico de drogas, o projeto limitou-se a ser
um grandioso elemento de exceção em meio a um contexto urbano desqualificado. Perdeu-se a chance
de se promover a revitalização da área, de melhor integrar esse importante novo centro cultural ao seu
contexto geral e articular a estação de trem com os espaços urbanos do entorno.

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Figura 11 .3 Mapa com as 1ntervenções propostas.no Projetõ Lüz Culturl '(lj~~c~ç'.io do autor.) •
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8Projetos de Nelson Dupré (arquitetura) e Rosa Kliass (paisagismo). Area total de projeto: 58.134 m 2; área restaurada:
26.630m2; área de estacionamento e praça pública: 31.504m 2; custo total do projeto: US$ 25, 7 milhões.

J
Capítulo 11 1OTerritório Metropolitano em Mutação: Intervenções Urbanas Contemporâneas em São Paulo 225

Figura 11.4 Área da Luz, São Paulo, com a Estação Ferroviária Sorocabana convertida em uma
sala de concertos e a Praça Júlio Prestes revitalizada em primeiro plano. (Foto de Nelson Kon,
www.nelsonkon.com. br.)

Intervenção na Praça do Patriarca


A Praça do Patriarca foi criada em princípios do século XX como um lugar simbólico no limite entre os
Centros Velho e Novo. O espaço integra a conexão entre as diferentes cotas da área central: sob a praça,
a antiga Galeria Prestes Maia a conecta ao nível da grande plataforma do projeto de reurbanização do
Vale do Anhangabaú, já comentado anteriormente (ver Figura 11.2). Nas últimas décadas, tornou-se
degradado e ocupado por terminais de ônibus e espaços públicos precariamente mantidos. Em 1992,
o governo municipal resolveu revitalizar a área, recuperando a sua imagem e a sua estratégica função
como um marco do Centro.

Com um desenho cuidadoso, com poucos e precisos elementos, numa abordagem minimalista e tec-
tônica precisa, o premiado projeto de Paulo Mendes da Rocha restaurou a dimensão urbana do lugar,
tornando-o mais uma vez significativo. Uma grande marquise em estrutura metálica branca sobre a
•"-. .-
praça cria uma nova"13r;nbiêm:ia
~ - .... urbana e configura um .. . portal .entre.,.,os....
Ceo.tros
.- -r Velho e--Novo. Com uma
.,,_envergadura e!~ 3·9 :(!Íetró~~de- Largura e 138_toneladqs ·de aço;' a ~ Üise-serve êoryiõ coQ_ertura para a
.._-: entr?da dà:Gªle.ri~_Pr~t~?'JY.fa1a e re~ela a esculWrà tle ~ó'Sé Boojfácio!: o Patriaféa da lndepend(ncia, que
..... dá,norn,e :à' praç'°á:._(Figurá 11 -5).: o projeto tamb~m trouxe·à luz o belo piso histórico, num trabalho de
reEo~;t[tui~~o do:a~àb;s~o de mosaico português original com base em documentação Íconográfica. A
galeria súbterrânea teve a sua função reativada por uma reforma e ampliação, recebendo uma filial do
Museu de Arte de São Paulo, com local para exposições de arte, um café e uma loja.

r
226 Desenho UrbanoContemporâneo no Brasil

Figura 11 .S A Praça do Patriarca renovada: a marquise de aço marcando a passagem subterrânea ao Projeto Vale
do Anhangabaú, criando lugar e gerando uma sala de estar urbana. (Foto de Nelson Kon, www.nelsonkon.com.br.)

Em uma cidade tão pouco acostumada a intervenções urbanas planejadas, qualquer projeto gera deba-
tes. Nesse caso, a polêmica saiu do meio especializado, passou pela população usuária e chegou à mfdia.
Argumentava-se que a cobertura metálica obscurecia a paisagem urbana. era superdimensionada para
o lugar e escondia a igreja seiscentista de Santo Antônio, tombada pelo Patrimônio. Na verdade, o pro-
jeto da grande peça metálica e sua correta implantação em sítio tão complexo foram cuidadosamente
considerados pelo arquiteto. As fundações foram posicionadas fora dos limites da galeria subterranea,
encaixando-se entre tubulações de água, luz, gás e telefonia. Com apenas dois pontos de apoio para não
interferir nessa cidade subterrãnea. foi gerado o pórtico e fixada a marquise.

Uma sala de estar urbana surgiu sob essa asa metálica, proporcionando uma sensação de abrigo rara em
tão imensa metrópole, dando nova dimensão ao território e emoldurando a paisagem construída com
determinação moderna. Oferece um momento de descanso de relaxamento, e seu desenho minimalista
revela o lugar e sua história. O abrigo revela ainda a articulação entre a cidade alta e a baixa e atua como
um elegante marco urbano, indicando a escadaria do subterrâneo museu-passagem. tum notável exem-
plo de desenho urbano contemporâneo.

Otimizando os Territórios Informais_


:-· -... '!-1' ..... . ~7
: ~ . ·:: ~ : ._ ..._ . ~.. :/ ..:, ..
Nos países periféricos, o·dinarQism9·e gj'gar;\h~rio das 'Cida~es vêrif assurriin.do foq;nas c~da vez mais com-
plexas. Estima-se que a populaçio. urbancl no Brasil saltou ve(tiginosamen~ de· 26% para 80%, entre
as décadas de 1940-e 1990"- um acréScimó· de milhões de habit~ntes. Some-se a essa taxa de cresci-
8S
mento a incapacidade de investimento em habitáção coletiva e melhoria da vida urbana no mesmo ritmo
por parte do poder público. No caso de São Paulo, o retrato é cruel: estima-se que 30% da população

f
Capítulo 11 IOTerritório Metropolitano em Mutação: Intervenções Urbanas Contemporâneas em São Paulo 227

metropolitana - 6 milhões de pessoas - vivem em favelas, cortiços e outros tipos de sub-habitação, em


que as populações sobrevivem sem os mfnimos padrões de habitabilidade (França e Bayeux, 201 O). É
impressionante lembrar que esses 30% da população ocupam apenas 9% do território.

Verdadeiras cidades clandestinas surgem em territórios normalmente não propfcios à urbanização; há


uma crescente ocupação de áreas sob proteção ambiental: morros, fundos de vale, margens de represas,
florestas e matas virgens nas periferias urbanas. Em uma cidade despreparada para receber tanto cresci-
mento, surgem os imensos territórios informais. A escala do problema é tão grande que não mais cabe
a discussão do ideal, apenas do possível. Mesmo que à revelia do que de fato é planejado pelos órgãos
oficiais, a cidade se expande por conta própria; não há fiscalização possível em uma escala tão grande. O
planejamento atua depois do fato consumado, como regulador de uma realidade já imposta, e o poder
público se utiliza constantemente da improvisação.

Nesse quadro dramático, e a exemplo de outras cidades brasileiras, São Paulo tem procurado encontrar
modos alternativos de atender à imensa demanda social. Os programas de urbanização dos assenta-
mentos irregulares e favelas tentam prover esses assentamentos com mínimas condições de habitabi-
lidade através de infraestrutura e serviços públicos e trazê-los para a legalidade e melhor integrá-los
à cidade existente.
Na primeira década do milênio, a prefeitura implementou o Bairro Legal, um amplo projeto de atuação
nas favelas para regulamentação fundiária e fornecimento de títulos para as famílias residentes nesses
locais por mais de cinco anos. Entre 2005 e 2006, um total de 52.000 lotes em terras públicas e parti-
culares foi regularizado através do programa. Em paralelo, o Programa de Urbanização e Regularização
de Assentamentos urbanizou loteamentos irregulares com infraestrutura adequada, habitações mais
dignas, qualificação de espaços públicos, áreas de lazer e espaços verdes e melhor acessibilidade aos
equipamentos sociais, tais como escolas e postos de saúde. Foram beneficiados com o programa 7.250
lotes e 10.000 famílias.9

Outro esforço de extrema importância foi o Programa de Saneamento e Recuperação Ambiental da Bacia
do Guarapiranga, numa ação conjunta entre as companhias de água e esgotos estadual e municipal,
para proteger e reduzir a degradação ambiental do principal reservatório de água de São Paulo. Mesmo
tecnicamente sob proteção ambiental, nos últimos anos a área no entorno da represa foi sendo progres-
siva e ilegalmente ocupada, inicialmente pela urbanização clandestina, depois por favelas, totalizando
uma população estimada em 95 mil pessoas no início do programa em 1996. Entre 1991 e 1996,
naquela área, houve um crescimento populacional de 4,6% ao ano, enquanto no município a taxa foi
de 0,4% ao ano. Essa estatística corrobora a tese do desejável adensamento populacional das áreas já
ocupadas, deixando o máximo das áreas verdes e dos mananciais livre de ocupação.

Utilizando fundos do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), uma extensão
do Banco Mundial, o programa lidou com a regularização fundiária e a urbanização de mais de cem
favelas e loteamentos ilegais no entorno da represa - suas maiores fontes de poluição. Esse projeto
se concentrou em melhorias urbanas, tais como a instalação de serviços públicos e infraestrutura, mas
incluiu a relocação de famílias de áreas de risco ou insalubres e a recuperação e preservação de áreas
ambientalmente sensíveis (Figura 11.6).

Esse processo permitiu ÇLUe a C<lfllUnidade participasse não apenas na urbanização de seu próprio assen-
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9 Disponível .em: <http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/habitacao>. Acesso em: 3 mar. 2008.

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228 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 11.6 Novos programas de urbanização de territórios informais têm promovido a recuperação e o
fortalecimento dos espaços de uso coletivo. Projeto de Marcos Boldarini para a comunidade do Cantinho do Céu.
na represa Billings, Zona Sul de São Paulo. (Foto de Fabio Knoll.)

Figura11 .7 A
importância do
projeto do Cantinho
do Céu está. além da
urbanização da favela,
no fundamental resgate
da relação cidade-águas.
historicamente n~gada
pela cidade formál em
São Paulo. (Foto de !
Daniel Ducci.)

I
Capítulo 11 1OTerritório Metropolitano em Mutação: Intervenções Urbanas Contemporâneas em São Paulo 229

alargamento de vias. áreas recreativas e equipamentos públicos. Foram implementados os serviços bási-
cos municipais: coleta de lixo. água encanada, sistemas de esgoto e drenagem e iluminação pública.

Recentemente, destaca-se a intervenção realizada por Marcos Boldarini na comunidade do Cantinho


do Céu, junto à Represa Billings. Além dos elementos urbanos já citados. nesse caso destaca-se o fun -
damental resgate da relação cidade-águas, tão esquecida na vida dessa metrópole. Este projeto tem
recebido diversos prêmios internacionais que só vêm ilustrar a importância destas e diversas outras fun-
damentais iniciativas de recuperação e otimização dos territórios informais em São Paulo nos últimos
anos em iniciativa de rara continuidade por parte do poder público. 10

AReinvenção das Megacidadesa partir da Vitalidade dos Territórios Informais


Recentemente iniciou-se em diversas grandes cidades do planeta com forte presença dos territórios infor-
mais um mapeamento de práticas criativas. iniciativas "bottom-up", emergências de empreendedorismo
social e cultural e práticas de "microplanejamento urbano", de Mumbai e Rio de Janeiro, de Medellín
e Bogotá às duas grandes comunidades informais de São Paulo, Paraisópolis e Heliópolis (Rosa, 2011).

Economistas urbanos têm apontado com vigor e esperança essas externalidades espaciais positivas. de
Richard Florida a Edward Glaeser, que afirma "não há lugar melhor para viver do que em uma grande
cidade. São em ambientes de enormes aglomerações que os mais variados talentos podem conviver e
aprender entre si, potencializando ao máximo sua capacidade criativa e inovadora. Os territórios infor-
mais têm revelado inovações surpreendentes" (Glaeser, 2012, p. 12).

Estamos convencidos de que, nas megacidades do século XXI, são sobretudo nestes territórios informais
pujantes que estão emergindo práticas criativas as mais variadas que definirão as cidades criativas deste
"século das cidades".

Há dois anos e meio iniciamos as atividades de nosso Laboratório de Cocriação em Territórios Informais
em Heliópolis, a maior favela de São Paulo, com uma população estimada em 120 mil pessoas e território
de 1 milhão de m2• Nossos desafios: qualificar a vida na comunidade em vez de substituí-la; incluir em
vez de excluir; fortalecer o senso de comunidade; urbanidade. A esperança visualizada: a ocorrência de
práticas criativas de inclusão nos territórios informais. externalidades espaciais positivas. A oportunidade
identificada: trabalhar junto à comunidade por meio de práticas de cocriação, de inclusão pelo design,
de gerar comunicação inteligente acessível ("smart informal territories" em oposição às posturas de alta
tecnologia e alto custo das posturas das "smart cities"). 11

O objetivo do projeto é desenvolver novos instrumentos de comunicação e cocriação de soluções em


design, arquitetura e urbanismo nos territórios informais junto à comunidade local e a partir de sua rica
dinâmica: práticas criativas, iniciativas "bottom-up", externalidades espaciais positivas. O foco não é
habitação social - apesar de ela estar sempre presente com suas fortes urgências - mas antes a impres-
sionante força da urbanidade que se encontra em territórios como Heliópolis, com um contagiante senso
de comunidade que a cidade formal vem perdendo. infelizmente. A crescente pujança de iniciativas que

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'ºVide a recente Qubli~aç/!o pela"r"e~ista Domus (2012) dos Rro/etO'S~ottras realizadas pela HABI com grande reco-
nhecimento de públlco e ê:rítià_; - • • ·~. ..:: •
11 O proi,~to inclui ,n.osso-de Grupo·de Pesquisa da F.AU·Mackenzie, a Pàrsons The New School de Nova York, através

do professor .Bfjan· MacGrath: a Amsterdam Acader'ny of Arts. através do professor Rogier van den Berg, e diversas
parcerias com a comunidade local de Heliópolis: a ONG CEDECA; o Centro de Convivência e UNAS-Heliópolis; a ETEC-
Heliópolis e ainda a agência de inovação Mandalah e o importante apoio da HABVSEHAB (Prefeitura de São Paulo).
através da Sup~rintendente Elisabete França.

~)
230 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

emergem deste território e seus atores apaixonados e as oportunidades de novas formas de urbanismo
e urbanidade têm sido nossas inspirações: inclusão sócio-territorial, cidade criativa, inovação informal.

Iniciativas instigantes foram mapeadas como o Cine-Favela, em seu 7° Ano de Festival, o Projeto Eco-
Heliópolis desenvolvido pela CEDECA, que recicla material de construção, a Orquestra Sinfônica de
Heliópolis, a Rádio Comunitária Heliópolis ou iniciativas potenciais próximas que estão emergindo em
territórios semelhantes como a das hortas comunitárias (projeto Cidades Sem Fome) e do Biourban
Ocupação Criativa (Rosa, 2011 ).

Entre algumas propostas de ações propositivas de cocriação que o laboratório tem desenvolvido, cabe
destacar o jogo de simulação coletiva de espaços urbanos e habitacionais "SimCity Heliópolis" e o pro-
jeto de reciclagem de lixo e cogeração de energia limpa e geração de renda comunitária por meio de uma
rede participativa distribuída estrategicamente pelo território de pontos de coleta de lixo, biodigestores,
microarmazenadores de energia residencial e distribuição (Figura 11.8). Enfim, acreditamos que tais ini-
ciativas ilustram um pouco o enorme potencial das megacidades do século XXI. sendo reinventadas pela
força dos territórios informais como Heliópolis.

Figura 11.8 "Reciclar Heliópolis" é uma das propostas desenvolvidas pelo Laboratório de Cocriação em Territórios
Informais: projeto de reciclagem de lixo e cogeração de energia limpa e geração de renda comunitária. (Gráfico de
Ramon Scharff.)
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Capítulo 11 1OTerritório Metropolitano em Mutação: Intervenções Urbanas Contemporâneas em São Paulo 231

Considerações Finais
Os projetos que discutimos neste capitulo são paradigmáticos das grandes contradições presentes nessa
imensa e complexa metrópole que é São Paulo. Por um lado, a revitalização urbana, as reciclagens arqui-
tetônicas e os equipamentos urbanos de magnitude global operam como agentes da metrópole inserida
na rede global. A metrópole em transformação reflete essa complexidade. Dar novas funções ao espaço
deteriorado é a alternativa que se nos oferece em contraposição aos equívocos modernistas com seus
projetos de tabula rasa. As urgentes necessidades locais devem subsidiar intervenções urbanas progra-
máticas e uma arquitetura da essência, e não do supérfluo. Não há lugar para a experimentação ou para
a pós-modernização de cenários historicistas. geração de lugares fake e gentrificação irresponsável.

Por outro lado, o controle da ocupação ilegal e a urbanização das favelas em áreas de proteção ambien-
tal ilustram a imensa dificuldade dos países periféricos em resolver os problemas da superpopulação de
suas metrópoles. Constatada a irreversibilidade de uma invasão de terra ou da instalação de uma favela,
resta ao urbanismo operar nos limites do possível: dar condições mínimas de urbanidade à cidade mar-
ginal. costurar o território nas suas bordas, procurando transformar a favela em bairro; e trazer a popu-
lação marginalizada à sociedade legal. O espaço da diversidade na metrópole contemporânea é possível
através da criação de serviços básicos e da consequente melhoria de vida dos habitantes da ilegalidade
e da sua integração ao território legalmente constituído, dando-lhes o direito universal da cidadania.

Parâmetros fundamentais para intervenções urbanas corretas em São Paulo e no Brasil surgem da cri-
teriosa leitura critica da geografia do lugar, em resposta às prementes demandas locais, mesmo que de
caráter global, e promovendo a sempre necessária função social da cidade. Nesse sentido, os projetos de
reabilitação de áreas históricas consolidadas (Luz e Patriarca), de reurbanização de favelas em áreas de
represa (Guarapiranga e Billings) e os diversos projetos e práticas de microplanejamento em territórios
informais, como aqueles aqui discutidos para Heliópolis, sinalizam novas formas de intervir na cidade
existente sem negá-la. No Brasil pós-Brasília, finalmente, parecem emergir formas mais sutis e contem-
porâneas de reinventar o território, ressignificá-lo, em vez de substituí-lo.

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CAPÍTULO 12

Transformando Favelas em Bairros:


OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro

Cristiane Rose Duarte eFernanda Magalhães1

Favela-Bairro foi um programa de urbanização de favelas do Rio de Janeiro considerado inovador

º na área das políticas públicas para a moradia de baixa renda, especialmente pelo reconhecimento
que fez da importância do ambiente social, cultural e político das favelas na cidade. Uma das principais
caraáerísticas desse programa, lançado pela prefeitura da cidade do Rio de Janeiro em 1994, foi con-
siderar esses aglomerados como parte da estrutura urbana, objetivando sua integração à cidade oficial
existente. Muitos estudiosos da politica habitacional brasileira comentam que o Programa Favela-Bairro e
os projetos desenvolvidos em seu âmbito se mostraram relativamente eficientes na promoção de desen-
volvimento comunitário e na integração dos aglomerados informais à cidade formal.

Por um lado, o Favela-Bairro buscava oferecer a melhoria da qualidade do espaço urbano através de
redes de infraestrutura e serviços públicos, como água encanada, eletricidade e esgoto, e novos arrua-
mentos e espaços de uso comunitário, como playgrounds e áreas de lazer. Por outro lado, promovia o
desenvolvimento comunitário através de projetos educativos e de geração de renda, buscando a orga-
nização de cooperativas de trabalho locais. Ocasionalmente, foram construídos edifícios comunitários,
como creches e unidades habitacionais, para realojar moradores de habitações que se encontravam em
áreas de risco, encostas instáveis ou terrenos inundáveis.

Uma atenção especial foi dada aos aspeáos arquitetônicos e de desenho urbano, no que se refere às
múltiplas soluções de projeto propostas pelas equipes de arquitetos e urbanistas. selecionadas por meio
de concursos e contratados pela prefeitura para desenvolver os projetos para cada uma das favelas
contempladas na primeira fase do programa. Neste capítulo, discutiremos o ideário do Programa Favela-
Bairro e seus efeitos sobre as comunidades das duas primeiras fases do programa em questão, assim
como na cidade como um todo, e abordaremos também os principais aspectos de quatro projetos espe-
cíficos: Vidigal, Ladeira dos Funcionários, Parque Royal e Mata Machado.

' A autora é funcionárip~de BanC:-9 lnteramericano de Dese11Yolviment~ - Bl~.~SJ>.Piajões expres~a~ neste texto não ' .. -_
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234 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Favelas e Antecedentes da Política Habitacional


Favelas são conjuntos de moradias autoconstruídas em invasões de terrenos de propriedade terceiros.
sem infraestrutura urbana e arruamento oficializados. e basicamente ocupados por populações de baixa
renda.2 Ou seja, de uma maneira geral os favelados não possuem propriedade legal sobre suas casas.
O nome favela surgiu para denominar uma das primeiras aglomerações informais do Rio de Janeiro,
localizada no Morro da Providência, no centro da cidade. 3 A palavra se popularizou pelo Brasil e é usada
para designar genericamente qualquer ocupação juridicamente ilegal e urbanisticamente irregular em
decorrência das carências de infraestrutura.

Em sua maioria, as moradias em favelas surgem como barracos e vão sendo melhorados por seus mora-
dores ao longo do tempo, apresentando com frequência baixas condições de habitabilidade. Esses
aglomerados de moradias crescem em núcleos densos. possuindo taxas de crescimento normalmente
superiores às da parte "formal" da cidade. Ainda que ocasionalmente possam constituir pequenos aglo-
merados, com apenas algumas poucas moradias, em grandes cidades como o Rio de Janeiro chegam a
agrupar milhares de habitações. Segundo dados censitários do IBGE, em 20 10 as maiores favelas do Rio
eram a Rocinha, com mais de 69 .000 moradores, a Maré - na verdade um complexo de seis diferentes
favelas-. com quase 65.000, e o Complexo do Alemão, com mais de 58.000 mil.4

A favela é um fenômeno urbano complexo que, ao longo de mais de um século, "desenvolveu tipologias
próprias de forma e de uso, consolidando-se definitivamente no quadro das grandes cidades brasileiras"
(Duarte, 2004, p. 303). A maioria dos habitantes das favelas se situa entre os segmentos sociais de baixa
renda, muitos ali habitando por não ter outra opção de moradia. No entanto, muitos moradores esco-
lhem a vida da favela para estar mais perto do trabalho e para usufruir dos confortos urbanos existentes
nas proximidades. Outros, ainda, apesar de possuírem maiores rendimentos econômicos, optam pela
permanência nesses locais por motivos sentimentais e pelas redes sociais construídas no local. Existem
também aqueles que se alojam na ilegalidade do assentamento para obter lucro e praticar especulação,
como é o caso, por exemplo. da revenda de energia ou da locaçao de imóveis na favela, entre outras
práticas ilegais comuns.

Desde as primeiras décadas do século XX as favelas têm sido objeto de diversas políticas, programas e
planos urbanísticos desenvolvidos pelo poder público, sempre com enfoques e soluções pouco condizen-
tes e não apropriados à realidade daquelas populações. Em geral, as propostas limitavam-se a reprimir as
favelas, propondo a remoção das moradias, consideradas insalubres, e o remanejamento da população
para conjuntos habitacionais localizados na periferia da cidade.

Em 1950, a população na cidade do Rio de Janeiro alcançava 2,5 milhões de habitantes. composta por
uma alta porcentagem de migrantes originários de outras regiões brasileiras e do interior do estado
do Rio de Janeiro. Dados censitários mostram que nessa década a taxa de crescimento da população
urbana atingia os valores mais altos do século (38%), enquanto a população favelada da cidade dupli-
cava. O fen ômeno ocorria também em outras metrópoles do país, como São Paulo, Salvador, Belo
Horizonte e Recife.

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Excelentes fontes de informação so_Qre-·fat~la5" ;~õ Vàliadares e Medeiros (2003Í ~ Vall~ares (2dÕsr que revisâm o '
seu desenvolvimento como objetos qe poLJticas, tâida e reflexões. , • • · .. ' :
l Os historiadores ressaltam que o~ prjjneiros morãefores desses barracos Tóram algun~ dos:dez. mil soldados e suas
famílias. ao voltarem da Guerra de Canudos ( 189~·1 897). na Bahi9. Na-zorfa de combate haveria um morro coberto
por uma planta de favas. sern~lhante à que enroritraram no Morrà da Providência, que ganhou então o apelido de
Morro da Favela (Zyfberberg, 1992; Zaluar e Alvito, 1998). ·
• Dados censitários sobre favelas são sempre precários e dependem da metodologia adotada. As estimativas da pre-
feitura, por exemplo, costumam chegar a ser 20% superiores às do IBGE.

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Capítulo 12 ITransformando Favelasem Bairros: OProgramaFavela-Bairro no Riode Janeiro 235

Nos anos 1960, iniciou-se uma fase na qual o poder público passava a assumir uma perspectiva
radical das favelas, vendo-as como uma doença que deveria ser removida da cidade. Amplos pro-
gramas começaram a erradicar e transferir a população moradora para grandes conjuntos de habi-
tação social periféricos. De modo geral, tais projetos eram desenhados para abrigar, em cada um
deles, populações superiores a cinco mil habitantes em apartamen tos pequenos, financ iados a longo
prazo, com baixa qualidade construtiva. A lguns desses conjun tos habitacionais situavam-se a mais de
40 km do Centro da cidade, em locais sem infraest rutura de transportes públicos. Logo após a
tomada de poder pelos militares. consolidou-se uma política nacional de habitação através do forte
aparato institucional e f inanceiro que const it uiu o Banco Nacional da Habitação e agências ou coo-
perativas habitacionais regionais.

Durante a década de 1970, período mais intenso da ditadura militar, as favelas eram vistas como locais
de resistência política, e, assim, as remoções persistiram, em grande parte com a conivência das classes
média e alta. A população da cidade alcança mais de 4 milhões de habitantes, com cerca de 13%, ou
550 mil habitantes, vivendo nas 162 favelas oficialmente existentes. No início da década, o governo já
havia espalhado o terror da remoção forçada entre os pobres, e um total de 175.785 pessoas foram
obrigadas a sair das f avelas para os novos conjuntos na periferia da cidade (lplan-Rio, 1993). Muitos
aglomerados foram demolidos. particularmente aqueles que ocupavam terrenos próximos à costa, de
alto valor especulativo e, portanto, atraentes para o setor imobiliário.

Cabe frisar que nesse período surgiu e se fortificou uma nova mentalidade ligada a alguns setores téc-
nicos e de planejamento urbano e a intelectuais, que considerava que as remoções não eram a melhor
solução e que defendia a ideia da urbanização das favelas. Esse movimento se consolidou em 1976,
quando foi amplamente debatido na Primeira Conferência Internacional do Habitat, do qual participa-
ram arquitetos. urbanistas e sociólogos brasileiros.

No início dos anos 1980, com o renascimento dos movimentos sociais urbanos e o retorno do país à
democracia, a prática da remoção passa a ser social e politicamente inviável. O governo federa l começa
a implementar programas piloto de unidades-embrião e de autoconstrução, alinhadas às recomendações
do Banco Mundial. Em 1988, a nova Constituição Brasileira t ransfere muitas das atribuições de desenvol-
vimento urbano e habitacional ao poder municipal, entre elas a elaboração e implementação de políticas
habitacionais. Nesse novo con texto, vários municípios passam a reconhecer que os favelados possuem o
direito do acesso à terra urbana, e voltam-se para programas de regularização fundiária, legalização de
favelas e habitação de interesse social.

Enquanto isso, nas primeiras eleições para governador do estado do Rio de Janeiro depois do período
militar, vence um candidato de esquerda. O novo govern o passa a adotar uma nova atitude que prioriza
políticas de urbanização dos aglomerados e loteamentos ilegais existentes, t entando integrá-los à cidade
formal com provisão de infraestrutura e serviços urbanos, como coleta de lixo.

Durante a década de 1980, a cidade do Rio de Janeiro sofre com o acirramento da crise econômica
nacional e com o crescimento da criminalidade e da violência relacionada às drogas. Nesse con texto,
o morador da cidade "formal " continua a associar as favelas ao crime e as encara como "enclaves de
marginalidade". "O Rio é uma cidade partida". usando o termo sociológico popularizado pelo romance
de Zuenir Ventura.

No Brasil e 110...Riô~~ J-.:in;i[o, as esferas governan1entais começá:tn'·a;-c'oúipree.oder.J'.jue o problema dos , -


'- assentamen·fo~ ileg.f ~·51:~9·1Jeveria se resumjr à..R'~<;>tj.~çà,o em ~~sa de moradids pero- setor público .
.:."· Co mq já~ef~Qdidb .p-oflurn.er e- Fichter (1972) e outr9s· P.r~lissiohais engajados, reconhéOa-se que o
.pro0Lem~ha~ifâci9n~11~m u~a dimef1são soéial vincuÍàdé! à necessidade de implementar-políticas mais
•· real~stªs que yisasserri"a criar melhores condições de habitabilidade e de acesso aos serviços públicos e
ao mercado. Essa mentalidade foi o cerne das resoluções da Conferência de Assentamentos Humanos

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oUt 236 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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par. promovida pelas Nações Unidas em Istambul (Habitat , 1995). que, em conjunto com o Banco Mundial
e a Aliança de Cidades. lançou uma campanha global com o tema "Cidades sem favelas" ("Cities
situ without slums'). A nova abordagem foi incorporada às políticas de apoio de financiamento do Banco
pol
lnteramericano de Desenvolvimento e outros organismos internacionais (Brakarz, Greene e Rajas. 2002).
porí
; de Nas décadas de 1980 e 1990, no Rio de Janeiro, a pobreza já se mostra maior do que em 95% dos
ado
1cia municípios brasileiros. De acordo com dados censitários, o número de favelas subiu de 441 em 1980
las para 661, e. em 1994. ultrapassava a marca de 1 milhêlo de moradores. Parte desse crescimento foi
IÍS t• devida à depressão econômica. mas o Censo de 2000 revelou que a situação continuou a piorar mesmo
za~ depois da recuperação econômica: metade da população carioca possuía renda inferior a um salário
:ieri mínimo, e aproximadamente 1,5 milhão de habitantes - 25% da população total da cidade - vivia em
;trar assentamentos ilegais. 5
>mê
cid< Em 1993, um novo prefeito é eleito. com um discurso que pregava a "ordem urbana", uma plataforma
iria política almejada pelas classes mais abastadas. Entre outras iniciativas de impacto, a prefeitura passa a
;erá
defender a criação de maiores condições de integração das favelas à cidade, de modo a proporcionar a
.und seus moradores acesso aos serviços urbanos e maiores condições de cidadania e a evitar a existência de
!CO enclaves que facilitassem a ação de traficantes. 6 Para isso, técnicos de diversos setores da prefeitura - que
ea vinham acumulando experiência em diversos programas de urbanização e serviços em favelas - foram
ica,
reunidos em uma nova secretaria municipal especialmente criada para lidar com a questão da habitação. 7
is d•
nio Essa nova secretaria passa a colocar em prática uma série de programas, alguns deles já previstos no
rcei Plano Diretor Decenal da Cidade. lançado em 1990, que previam um conjunto de instrumentos especiais
Od( mais flexíveis para áreas de interesse social, entre elas as favelas. A remoção das favelas deixava de ser
)Uí a meta, e em seu lugar emerge a ideia de urbanização, em reconhecimento aos investimentos sociais e
terri
econômicos feitos ao longo do tempo pelas comunidades. Dentre eles, destacou-se o programa Favela-
das
:om Bairro. A ideia central era a de criar condições para que as favelas pudessem se integrar à cidade oficial,
s d< de modo a superar o estigma de segregação física, social e cultural que seus moradores sofreram por
timi anos. Segundo o decreto municipal que o instituiu, em janeiro de 1995, o objetivo do Favela-Bairro é
" complementar ou construir a estrutura urbana principal e oferecer condições ambientais de leitura da
favela como bairro da cidade" (Decreto nº 14.332, de 07/11/1995).

A capacidade técnica e gerencial dos componentes dessa nova secretaria foi uma das razões que contri-
buiu de modo significativo para a implantação da primeira fase do programa, extremamente complexo.
Ainda nesse quesito, foi importante a participação de agências internacionais, como o BID - Banco
lnteramericano de Desenvolvimento, que atuou como elemento facilitador, transferindo parte dos seus
conhecimentos advindos dos muitos projetos que implementou em vários países da região em que
opera, da América Latina e Caribe. Essa parceria permitiu a definição e a instituição de critérios e pro-
cedimentos técnicos institucionalizados que evitassem interferências casuísticas e políticas ao longo da
implementação do programa.

s Na época o salário minimo correspondia a cerca de US$ 100/mês. No entanto, 12,3% dos habitantes da cidade
viviam abaixo da linha de pobreza, o q1.1e corresponde a um re,,.dimento mensal inferior a. R$ 82,00 (aproximada·
mente US$ 30,00). Ver o Relatório de Qêse~volvim~nto Humano no Brasil dcÍJpea (Instituto de-PesqtJÍsas Eco_oõmicàs
Aplicadas) de 1996. - · . -~~ ••_:.· -- • ~ -r ' .r
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Outra das iniciativas desse g~yern_o mu~cip~ff~i-o Projeto Rio Cidad~;.di~cutldô-pelr dei Rio no Capitulo 1O. ~
1 A Secretarià Municipal de Habitàção.,foi principalmente êompo~tá por técniços oriundõs das secretarias de

Desenvolvimento Social, de UfbanisÍiio e Meio Ambiente, de Obras-e de Educaçâo e das companhias municipais de,
limpeza urbana, de energia e'de abastedmehto de água. ·•

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Capítulo 12 J Transformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 237

Planejamento eDesenho Urbano


As diretrizes do Programa Favela-Bairro buscam, fundamentalmente, que os moradores de favela tenham
"direito à cidade" (Magalhães, 2002, p. 67). O programa visa a que esses assentamentos informais pas-
sem a ser reconhecidos como parte oficial da cidade, tendo a população favelada o direito aos serviços
públicos (água, esgoto, coleta de lixo, luz) e a possuir um "endereço reconhecido oficialmente". A partir
dessas premissas, o morador da favela teria, também, deveres adquiridos com o recebimento da titulari-
dade de sua propriedade, tais como pagamento de taxas pelos serviços e impostos municipais.

Ao ser reconhecida como bairro oficial da cidade, a favela também teria direito aos serviços de arquitetos
e urbanistas. Segundo os idealizadores do programa, esses profissionais não apenas introduziriam "sim-
bolos de modernidade'', caso correspondessem às aspirações culturais dos moradores. como também
criariam condições de integração desses guetos aos bairros oficialmente consolidados em seu entorno.ª
Para o arquiteto Demetre Anastassakis, então presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil-RJ e do
IAB nacional (gestão 2004-2006), o desenho urbano para a favela representava um grande desafio para
os arquitetos e urbanistas, pois criava a oportunidade de "inventar desenhos tais - seja de arquitetura,
seja de desenho urbano - que integrem, que sejam bonitos, muito bonitos, para que a favela seja aceita
por todos e os favelados tenham dela orgulho", mas que "este novo desenho não será o modernismo
culturalmente exógeno, socializando o luxo, nem será um mimetismo contextualizado romantizando
a pobreza: será um desenho que sairá do dia a dia que represente a modernidade a serviço da cultura
popular" (Duarte, Silva e Brasileiro, 1996, p. 14).

A primeira fase do Programa Favela-Bairro foi iniciada de forma inédita, em junho de 1994, com o lan-
çamento de um concurso de propostas metodológicas aberto a equipes de arquitetos e urbanistas esta-
belecidos na cidade do Rio de Janeiro. Organizado pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil-RJ, o concurso
teve 34 equipes multidisciplinares inscritas e mobilizou cerca de 150 profissionais, o que representou
uma adesão bastante significativa em face do ainda pequeno número de escritórios dedicados ao tema
da habitação social no Rio de Janeiro. As 15 equipes selecionadas foram contratadas pela Prefeitura em
caráter experimental para atuar em uma favela e pôr em prática a metodologia por elas proposta. O
Favela-Bairro previa a implementação de metodologias-piloto que seriam, numa etapa posterior, aperfei-
çoadas para ampliação na segunda etapa do projeto (denominada Favela-Bairro li). As equipes tiveram
que dar conta do desenvolvimento de programas que fossem capazes de atender à enorme diversidade
e complexidade sociocultural e espacial das diferentes favelas contempladas pelo programa.

A convocação de escritórios de arquitetura para reflexões acerca de metodologias de intervenção em


favelas constituiu-se, por si só, uma inovação, e significou a incorporação da "cidade informal" como
"cliente real" dos escritórios, e não mais apenas como objeto de intervenção do poder público. Ademais,
indo além das propostas específicas de projeto para as áreas, esse processo promoveu "um aprofunda-
mento da reflexão sobre o fenômeno urbano carioca" (Duarte, Silva e Brasileiro, 1996, p. 181 ).

Implementando projetos específi cos em várias comunidades, o Favela-Bairro concentrou-se em interven-


ções de caráter físico. orientadas. no entanto. para a complementação e o atendimento de demandas
sociais tais como: centros de saúde, creches. escolas, postos para atendimento a grupos vulneráveis - por
exemplo, viciados em drogas etc. Ações de cun,ho social. tais como atividades de geração de renda, de
conscientização comunitptia, proí'nçção de mecanismos culturais para o· r~9ate-rla identidade local e da
'• -.
memória urbana e .ecfücáÇao saJ'litárja e ambiental, também fora(!'l integr:fdd's ao pr9çÍrama. ~
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J~ - " .,,,

8 Essa preocupaçào estética corresponde a uma aspiração oriunda muito~ menos da população favelada do que das
classes abastadas, que, como demonstram pesquisas de opinião, se incomodam muito mais com o aspecto inacabado
das construções faveladas do que propriamente com as condições de habitabilidade a que estão submetidos seus
moradores.

)
í
238 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Os projetos da primeira fase foram feitos pelas equipes vencedoras, sob a coordenação e supervisão geral
da Secretaria Municipal de Habitação (SMH). também responsável pela aprovação. que era condicionada
à viabilidade e ao cumprimento dos critérios gerais e objetivos do programa. Os projetos deveriam incluir
a abertura de ruas de acesso ao tráfego de veículos, alargamento e pavimentação de ruas de pedestres.
infraestrutura pública (drenagem, esgoto. água encanada, eletricidade), coleta de lixo, espaço público e
equipamentos desportivos, paisagismo e reflorestamento e programas de geração de renda. O Programa
Favela-Bairro 1procurou remover apenas moradias que se encontravam em terrenos apresentando situ-
ação de risco (locais inundáveis ou sujeitos a desbarrancamento etc.) ou se absolutamente necessário
(para a construção de vias, por exemplo). O programa criou limites para a população a ser removida, não
podendo ultrapassar os 5% do total da comunidade, e devendo ser realojada dentro da própria favela.

Os projetos sociais. desenvolvidos através do órgão municipal competente, com coordenação geral da
SMH, em paralelo às melhorias urbanísticas, foram financiados pela prefeitura. Por demanda dos mora-
dores. durante a segunda fase do programa foram previstos reforços nessas ações de caráter social - tais
como a promoção de atividades de liderança juvenil, retenção e reforço escolar. criação de bibliotecas -.
assistência social e apoio familiar.

A execução da primeira etapa do programa foi considerada experimental - os procedimentos foram


sendo ajustados à medida que os problemas apareciam-. o que possibilitou que uma metodologia mais
rigorosa fosse empregada na segunda etapa do programa.

Por meio da figura dos gerentes de projeto (funcionários da prefeitura encarregados da supervisão das
equipes de projetos), a SMH procurou criar pontes de negociação entre os escritórios, os principais agentes
de execução e as comunidades. Muitas vezes, no entanto, grupos representativos das comunidades fave-
ladas se dirigiam diretamente aos escritórios de arquitetura contratados. e os gerentes passavam então a
exercer muito mais a função de fiscais de execução e dos prazos dos projetos. Através de diversas reuni-
ões e contatos com as respectivas associações de moradores, incentivou-se a participação comunitária e
procedeu-se à apresentação oficial dos projetos às comunidades. visando à legitimidade da intervenção.

Segundo relatos dos arquitetos que atuaram nessa fase. a relação com as comunidades foi muito profícua,
registrando-se, na grande maioria dos casos, uma boa aceitação das melhorias que estavam sendo propos-
tas.9 No entanto, no decorrer da execução das obras. houve um relativo afastamento entre comunidade e
executores. Em algumas favelas onde se encontravam grupos ligados ao tráfico de drogas, os funcionários
da SMH procuravam a articulação por intermédio das associações de moradores, fazendo-as ver que os
projetos de intervenção urbana não representavam ações de policiamento. mas sim de melhoramentos físi-
cos no bairro. Algumas vezes. esses grupos ligados ao narcotráfico infiltravam seus agentes nas reuniões de
apresentação dos projetos aos moradores, mas, na grande maioria dos casos, não foram registrados maio-
res problemas com o andamento das obras. Isso se deu principalmente pela grande aceitação demonstrada
pelas comunidades em relação às melhorias urbanas a serem implantadas em suas favelas.

Algumas equipes de projeto relatam que houve alguns conflitos no âmbito das diferentes instãncias
municipais. que não estavam habituadas a trabalhar em conjunto. 10 Muitas vezes. a SMH esbarrava em
detalhes que deveriam ser resolvidos por outras secretarias, tais como as secretarias de Desenvolvimento
Social. de Meio Ambiente. de Esporte e Lazer, de Urbanismo, de Educação, de Saúde. Por exemplo. o
detalhamento do projeto de uma escola-creche como parte da intervenção no bairro deveria ser sub-
metido ao mesmo tempo às Secretarias-de Educaçao e de Sàúde, qu~ nem sempre ti!)~~ir:r1.as mesmas_
visões que os téTicos das Secr~aria~ de· ~~!~asão ou de Urj>anismo::(ont~~ rel~iàrit-os~arquitetos,
nenhum conflito•. se compara ~ dificuldede'.a~
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9 Segundo os técnicos da Secretaria Municipal de Habitação, em entrevistas concedidas às autoras.


10
Informação obtida em entrevistas concedidas às autoras.

)
J
Capítulo 12 ITransformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 239

estaduais, principalmente num momento em que seus dirigentes principais estariam ligados a distintos
partidos políticos. Algumas obras de saneamento básico, por exemplo, encontravam dificuldades na
compatibilização com a companhia estadual de água e esgoto (Cedae), vinculada ao governo estadual.

Outra iniciativa importante, implantada no âmbito do programa Favela-Bairro, foi o Pouso (Posto de
Orientação Urbanística e Social), que assegurava a presença do poder público nas comunidades por
meio do plantão de equipes de arquitetos, engenheiros, assistentes sociais e agentes comunitários. Essas
equipes tinham a função de orientar as novas construções ou ampliações, para evitar que fossem feitas
em áreas públicas ou em locais de risco, mantendo assim o alinhamento das ruas e também impedindo
o crescimento da favela e o surgimento de invasões. Implantados desde os primeiros projetos do pro-
grama, os Pousos se mostraram eficientes em algumas comunidades, contribuindo efetivamente para
as melhorias urbanas e evitando a proliferação de construções improvisadas por parte dos habitantes.

Em 2002, juntos os Favela-Bairro 1 e li atingiam 45% da população residente em favelas do município do


Rio, num total de aproximadamente 500.000 moradores distribuídos em 149 comunidades, dos quais
82 possuiam uma população média entre 500 e 2 .500 habitantes (SMH, 2003). Essas duas etapas do
Favela-Bairro contabilizam um investimento total que superava os US$ 600 milhões (Brakarz, Greene
e Rejas, 2002, p. 102). Em ambas as etapas, os montantes máximos dos empréstimos, bem como os
custos médio e máximo de cada unidade de habitação, eram estabelecidos através de Regulamentos
Operacionais acordados entre a prefeitura e o BID.

No caso do Favela-Bairro 1, consta no regulamento de 1995 que "os custos dos investimen tos por domicí-
lio não deverão exceder: (a) US$ 4.000 no máximo e US$ 3.500 em média, por família, no caso de fave-
las; (b) no caso de loteamentos ilegais, o custo máximo é de US$ 3.500, e a média ao longo do Programa
é de US$ 2.000 por família. No Regulamento Operacional de 2000 para o Favela-Ba~rro li, esses valores
foram ajustados para: (a) máximo de US$ 4.500 e US$ 3.800 em média, por família, no caso de favelas;
(b) no caso de loteamentos, o custo máximo de US$ 3.500 e a média de US$ 2.600 por família." Em
2006, o Programa Favela-Bairro li teve um custo total estimado de US$ 300 milhões, financiado mediante
um novo empréstimo do BID à prefeitura de US$ 180 milhões, com a contrapartida local de US$ 120
milhões (Brakarz, Greene e Rejas, 2002).

À luz da história de projetos de habitação e urbanização para baixa renda no Brasil, o Programa Favela-
Bairro representou um importante passo na direção correta, especialmente em relação às metodologias
de intervenção nessas comunidades e ao reconhecimento do direito à propri edade. Nesse sentido, o
programa apresentou efetivas inovações em vários aspectos, e alguns pesquisadores sugerem que ele
pode ter influenciado outros programas desenvolvidos posteriormente no Brasil e no exterior, sendo con-
siderado pelo BID um novo paradigma para operações de neighborhood upgrading, ou urbanização de
bairros (Brakarz, Greene e Rejas, 2002:98). Na cola do sucesso do Favela-Bairro, a própria prefeitura do
Rio de Janeiro já implantou outros programas similares, como o "Bairrinho" - englobando 29 comunida-
des em pequenos assentamentos ilegais de 100 a 500 domicílios - e o "Grandes Favelas", para favelas
com maior número de habitantes.

De Favelas a Bairros: Comentários sobre Quatro Projetos


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co.uSidefar n.e·nhurri d~sés~projetõs como representativo do conjunto, pois cada caso foi tratado diferen-
- terriente,-exigindo~soluçÕ;s diversas. Nossa intenção é apenas demonstrar a complexidade do processo
e do desenho urbano proposto e analisar a efetividade de suas soluções.

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~o l 240 Desenho Urbano Contemporâneono Brasil
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A seguir, abordaremos os projetos para as favelas:


Vidigal, Parque Royal, Ladeira dos Funcionários
e Mata Machado, cada uma em um bairro dife-
rente da cidade. Seus projetos foram desenvol-
vidos ao longo do ano de 199 5, suas obras se
iniciaram no inicio de 1996, e a implantação
ocorreu entre 1996 e 1997.

Favelado Vidigal
A favela do Vidigal localiza-se no bairro de
mesmo nome, num um local de extrema beleza
natural, rodeado de florestas e dispondo da des-
lumbrante vista do oceano Atlântico. da praia de
São Conrado e da Pedra da Gávea (Figura 12.1 ).
O acesso à favela se dá pela panorâmica Avenida
Niemeyer, que, costeando o mar, liga os elegan-
tes bairros do Leblon (a leste) e de São Conrado
(a oeste). No período do projeto, o Vidigal pos-
suía cerca de 9.900 habitantes (cerca de 2.600
família s) e ocupava uma área de 23 hectares.

Segundo o responsável pelo projeto, arquiteto


Jorge Mario Jauregui, o partido urbanístico decor-
reu da " leit ura da est rutura do lugar, que consti-
tui a peça-chave, ponto de part ida da elaboração
do projeto " .11 Acompanhando a topografia aci-
dentada local, o projeto urbano não teve mui-
tas alternativas de abertura de novas vias, mas
buscou aumentar e valorizar o fluxo de pessoas
e veículos ao longo dos eixos mais importantes.
A principal via da favela recebeu novas funções
e equipamentos, recuperando sua vocação de
Figura 12.1 Favela do Vidigal, Rio de Janeiro, com "espinha dorsal da comunidade". Utilizando o
a praia de São Conrado e a Pedra da Gé:'lvea ao potencial paisagístico do local, ao longo de um
fundo. Algumas das melhorias implementadas pelo trajeto de pouco mais de um quilômetro e meio,
Favela-Bairro são visíveis na foto, como as instalações
esportivas. (Cortesia de Jorge Mé:'lrio Jauregui.) foram dist ribuídos uma série de equipamentos e
espaços de convívio cujo objetivo era gerar focos
de trocas e encontros sociais.

A fim de marcar o acesso à comunidade, a


equipe de arquitetos criou uma praça-portal, junto à Avenida Niemeyer, composta de arquibancadas,
pórtico de aspecto arrojado e cor~ ~ibraAtes, numa clara int enção de convidar Q pass~nte à desco-
berta dos esp~ços da comuni_?aoJ "(Fig~ú.[-a}~- 2). _ ~~ : • ' -:;.::_ . _--· ~
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11
Em entrevista concedid"'a por Jorge Mi:'l~io ·Jà~regui ~s autora~. P_or causa de seu envolvimento com diversos projetos
para o Favela-Bairro, em·2<JOO o arquiteto Jauregui foi agraciado com o Harvard's Veronica Rudge Green Prize in Urban
Design. Ver R. Machado, 2003.

I
Capítulo 12 ITransformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 241

Figura 12.2 A nova praça-portal na entrada da favela junto à Avenida Niemeyer, Rio de Janeiro. (Cortesia de Jorge
Mário Jauregui.)

Partindo-se da praça-portal de acesso foram construídos: a sede do grupo de teatro "Nós do Morro"; duas
praças, duas creches. um centro cultural com salas de informática e um mirante no ponto de vista mais
panorâmica. O local de lavagem coletiva de roupa também buscou resgatar o antigo hábito de convívio,
da época em que as antigas moradoras se encontravam em torno dessa atividade cotidiana. No final desse
mesmo eixo. a topografia do terreno permitiu a construção de um campo de futebol, um ginásio coberto e
de prédios de suporte às atividades esportivas, denominado "Vila Olímpica" (Figura 12.3).

Como o desmatamento causado pela ocupação irregular das encostas era motivo de grande preocupa-
ção. o projeto estabeleceu limites físicos para o assentamento, propondo uma mureta de contenção.
A conscientização ambiental na comunidade foi estimulada por meio de programas educacionais, um
parque ecológico e o estabelecimento de uma área de reflorestamento - como nas encostas íngremes -
com o auxílio da mão de obra dos próprios moradores.

Considerando a localização da favela, próxima a grandes hotéis e importantes pontos turísticos. e por
causa de sua configuração física e do lindo panorama, o projeto original propôs a incorporação de
atividades turísticas como meio de atrair visitantes. de geração de renda e de integração com a cidade
formal. Foi incluída a construção de um teleférico para acesso ao mirante, que também facilitaria o
deslocamento dos moradores das cotas mais elevadas. No entanto, essa foi uma proposta que gerou
muita controvérsia junto ao público externo, que questionava seu alto custo de instalação e sugeriu que
esse equipamento representaria a materialização do incentivo ao crescimento da favela. Somando-se a
isso, as descontinuidades na administração política fizeram com que o projeto do teleférico não fosse
... .
levado adiante. '· -..
Devido ao desafio da topÓ;r;fi~ e à àlta densidad~ fav~fa·.
da do Vidigal. ~i~j~~
relocou. 220 famílias
de su'~s residências, u'~ !)úmero' considerado alto se corppa~ad1>átdemi1iS favelas da primeira etapa do
... , - .. -· · ·",e '-
Programa Favela-Bairrê) segundo os técnicos da própria SMH ..korístruíram-se novas unidades habita-
. '
cionais na favela ,para reloc-açãÓ de algumas famílias, mas grand~parte desse contingente optou por
--
\ )
r
242 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 12.3 A Vila Olímpica no topo do morro do Vidigal: antes (acima) e depois da
construçao (abaixo). (Cortesia de Jorge Mario Jauregui.)

receber indenização em dinheiro e sair da favela. 12 Todavia, as obras de saneamento básico, água e luz
foram bem aceitas pela comunidade, que também aprovou as praças, os equipamentos esportivos e as
instalações das creches.

A efetivação do projeto da favela Vidigal - incluindo concepção e obra - consumiu cerca de R$ 6 milhões
em investimentos, em valores da época (1996), e os moradores declaram que sua qualidade de vida
realmente melhorou. No entanto, apesar de a comunidade reconhecer que passou a frequentar mais os
espaços públicos do bairro e a usufruir de equipamentos importantes para a melhoria de sua qualidade
de vida (creches, cursos profissionalizantes, espaços esportivos), não se constatou a tão procurada inte-
gração com os bairros adjacentes da cidade "oficial". As melhorias urbanas trouxeram certa gentrifica-
ção devido à valorização dos imóveis. Alguns moradores antigos. principalmente aqueles que alugavam
seus barracos, se viram impelidos a deixar suas moradias, dando lugar àqueles que podiam arcar com os
custos mais elevados.

Ladeira dos Funcionários


A Ladeira dos Funcionários é uma fav~la.:i6calizad~ na linha costeira no bi![r.o industrial dó'Gãfu:?próximo
à região portuária Ela cidade, junto~ à Baia Çt"u~oabara, que, é~m ~006,~·ê\b,r~àya 3.2r.fh~bitantes em·
fe
927 unidades ha.bltacionaTs. ~-l)rajas do Çajü-e de São Cr istóyã9:foram º~9.inal!Jlente-ocupadas nos
séculos XVIII e XIX como destin.a de lazer, mas
~ .. .. ao longo do século
. XX a região passou por vários aterros

12
A SMH não soube informar o paradeiro das famílias que optaram pela indenização.

\.. )
J
Capítulo 12 ITransformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 243

para acomodar novos usos portuários e industriais, dois grandes cemitérios. um arsenal militar e uso
hospitalar. A ocupação residencial no bairro é caracterizada de forma marcante por favelas. que se ori-
ginaram na década de 1940, com a ocupação das encostas do morro por trabalhadores do Hospital São
Sebastião. A área está fortemente delimitada por infraestrutura viária de importância metropolitana - a
Avenida Brasil, a Linha Vermelha e a cabeceira da ponte Rio-Niterói, que lhe imprimem algum isolamento
do restante do tecido da cidade.

Similarmente a outros projetos do Favela-Bairro, esse projeto baseou-se na melhoria das conexões do
bairro com a estrutura formal da cidade, que nesse caso era bastante precária. Em entrevista com um dos
autores, o arquiteto Pablo Benetti, diretor da Fábrica Arquitetura e um dos arquitetos responsáveis pelo
projeto, explica que o conceito urbanístico foi o de um anel viário articulado a uma rede referencial de
novos espaços públicos - praças, creches, parques, campos de futebol etc. Conectando-se à Rua Carlos
Seidl - a mais importante do bairro do Caju -, foi construida uma nova via de mão dupla em torno da
favela, de baixo tráfego veicular (Figura 12.4). Essa rua foi estendida até o limite posterior do aglome-
rado, na fronteira com o Arsenal de Guerra, onde foram implantadas as 66 novas unidades habitacionais
construídas para reassentar a população, necessárias para liberar a área de implantação do projeto (Figura
12. 5). A via facilitou ainda a instalação das redes de infraestrutura. além de permitir um sistema mais eficaz
de recolhimento de lixo, reduzindo de 500 metros para 30 metros a distância de coleta.

- ••- Limites do projeto


- - - Ruas novas
- + Acessos
1. Praça Carlos Seidl /parque
2. Praça José M. Rodrigues I parque
3. Praça do Alto I parque
4. Campo poliesportivo
5. Largo da Alfama/ parque
6. Creche
7. Novas unidades habitacionais
para reassentar as familias

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Figur_à.UA SituaçãÓ da.próÍ~to Favela-Bairro para a Ladeira dos Funcionários. Rio de Janeiro. (Cortesia de Pablo
CeSár Bênettiifábrica Arquitetura.) ·

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244 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Além de melhorar a acessibilidade local, funcionando como via de passagem, a instalação da rede de
equipamentos sociais e espaços públicos ao longo do anel viário faz com que este funcione como palco
central da interação social. Da mesma forma que no Vidigal, tira partido de um hábito característico da
cultura das favelas de apropriação dos espaços públicos para atividades coletivas e de convívio social,
como extensões do espaço privado, tornando-se um elemento aglutinador da vida comunitária e de
integração urbanística com o entorno.

O projeto visou permitir a máxima apropriação pela comunidade dos espaços urbanos para uso público,
incorporando as preexistências de hábitos locais e redesenhando lugares já utilizados pela comunidade
para esse fim. A nova Praça Clemente Ferreira, por exemplo, já configurava uma área arborizada na qual
a população se reunia em frente a um bar. O campo de futebol e outra praça também foram implanta-
dos em lugares que já serviam como pontos de encontro para jogos, conversas e carteado. No extremo
sul da Rua Carlos Seidl, a Praça da Ladeira dos Funcionários constitui um "portal de entrada" para a
favela, com 185 m2 de quadra polivalente e um centro comunitário com 370 m2, abrigado num galpão
metálico recuperado que servira de arsenal de guerra.

Vários equipamentos sociais e de lazer atendendo às faixas etárias diversas surgiram a partir dessa abor-
dagem, traduzidos em obras impactantes para reforçar a nova identidade do bairro. A forma, a cor e a
vegetação foram utilizadas para dar personalidade às novas edificações e espaços públicos, ainda que
nos materiais de acabamento os arquitetos tenham evitado aqueles caros, que denotassem luxo, ou
que não fossem de fácil manutenção, optando pelos que não fossem estranhos à comunidade, mas
que ainda assim estabelecessem uma imagem arquitetônica característica. Entre os novos equipamentos
públicos, as duas creches construídas atendem atualmente a 200 crianças.

Oficinas participativas com a comunidade asseguraram que as decisões de projeto refletissem suas expec-
tativas e o projeto final fosse bem aceito. Em 2006, quase dez anos após sua conclusão, pode-se obser-
var que ao longo do tempo o projeto teve efeitos positivos, melhorando significativamente a qualidade

Figura 12.S Vista aérea de unidades habitacionais, quadra de esportes e parque construidos como parte do Favela-
Bairro na Ladeira dos Funcionários. (Foto de Fábio Costa e Silva.)

(_)
/
Capítulo 12 ITransformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 245

de vida da população local. Além disso, os novos equipamentos servem não apenas aos moradores,
mas também aos trabalhadores e à pequena população do distrito industrial que a cerca, promovendo
assim integração social.

Parque Royal
A favela Parque Royal fica na Ilha do Governador, às margens da Baía de Guanabara e nas proximidades
do Aeroporto Internacional, de uma base aérea militar e suas instalações, e junto a bairros de classes
média e média baixa. A favela ocupa área plana de aproximadamente 7, 1 hectares. limitando-se pelas
águas da baía ao norte. por dois canais a leste e oeste e pela Avenida Canárias-Tubiacanga ao sul, um
importante eixo viário de penetração ao litoral norte da Ilha do Governador. O Parque Royal originou-
se da ocupação de áreas inundáveis por barracos sobre palafitas, cujo espaço sob as casas foi sendo
preenchido pelos moradores, gradativamente, com terra, pedras e outros materiais. Quando o projeto se
iniciou, em 1995, a comunidade contava com 4.146 habitantes.

O projeto para o Parque Royal, desenvolvido pela Archi 5 - Arquitetos Associados, focou na melhoria
da estrutura urbana preexistente do assentamento como um todo, já que essa estrutura se apresentava
muito compacta, com limites demarcados. mas bastante descontínua. uma vez que muitas das ruas exis-
tentes não se interconectavam. O assentamento era bem servido de espaços livres, representados pelos
dois campos de futebol com dimensões bastante signifi cativas. que foram incorporados ao projeto final
(Figuras 12.6 e 12.7).

Aeroporto ·lnternaclonal

1. Centro profissionalizante
2. Apanamentos com comércio
3. Parque no antigo campo de futebol Figura 12.6 Situação
4. ~~ciação do.~ morád!'í'.e7 --;P d>fP.rojeto Favela-
~{~~~~~~ 5. Parqu~ CO']l mir~nte~~ - · Bairro !'2rque Royal,
;;:: 6. Ciclovia ;.-,.
, 7 ~.h.l>aftâíl!eritlls•., A , Rio de Jane.[ó.
8. Creche • • • .- ~ (Cortesia Pedro da
9. Campo"dê tuié5o1 nõvo - Luz Moreira/Archi 5
Arquitetos-Associados.}

r
246 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 12.7 Vista aérea do Parque


Royal antes (acima) e depois (abaixo)
do Favela-Bairro. Os espaços
livres existentes na comunidade
foram respeitados e usados para
estruturar o projeto. (Cortesia Pedro
da Luz Moreira/Archi 5 Arquitetos
Associados.)

-• a
Capítulo 12 ITransformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 247

Similarmente aos projetos anteriores. em Parque Royal os arquitetos visaram a articulação de toda a
trama viária interna, por meio de uma nova via ao longo da área costeira. permitindo a apropriação
paisagística a partir da Avenida Canárias-Tubiacanga. Essa via viria estabelecer uma continuidade entre
o aglomerado e seu entorno à orla, além de assumir um importante papel para a comunidade como
elemento imagético e de lazer. criando uma nova referência social e física.

Concebida para priorizar a circulação de pedestres, essa nova via recebeu tratamento paisagístico cuida-
doso, que incluiu uma ciclovia, belvedere, arborização com espécies próprias para mangues e mobiliário
urbano - como bancos e mesas - em que a população pode interagir e melhor usufruir do cenário de
água e das montanhas composto pela baía. A via também serve como impedimento físico para sustar o
avanço das palafitas e uma eventual expansão da favela.

O restante da malha viária de Parque Royal foi interligado ao tecido do entorno, evitando-se ruas sem
saída e sem continuidade. permitindo acesso livre aos serviços urbanos e contribuindo para uma apro-
priada integração com o contexto da cidade. O prolongamento da Avenida Canárias-Tubiacanga, no
limite sul da favela, tornou possível o prolongamento desse importante eixo, utilizado como rota alterna-
tiva em direção à Ilha do Governador. tornando a comunidade mais acessível e definindo uma fachada
limítrofe para o bairro. eliminando a imagem de "sem saída" do lugar e proporcionando uma nova
feição ao bairro.

As duas áreas livres existentes mais generosas foram transformadas em verdadeiras praças comunitárias
com campos de futebol. entre outros esportes, além de várias atividades de lazer. A creche e um dos
novos campos de futebol ocupam uma área no limite oeste da favela, totalizando 5.600 m2, junto à
Avenida Canárias-Tubiacanga e ao canal, nas margens da Baía. Eles integram um grande projeto da
Prefeitura para a instalação de um corredor esportivo na orla.

Os equipamentos sociais públicos foram localizados na franja entre a comunidade e o bairro, de modo a
incentivar seu uso compartilhado. Esse é o caso. por exemplo, da creche para 100 crianças (440 m2) e o
Centro Profissionalizante (450 m2). As 36 unidades habitacionais que foram construídas para abrigar os
moradores reassentados, foram implantadas também nessa área, numa solução que concilia comércio
no térreo e habitações a partir do primeiro pavimento, garantindo um importante fator de integração e
geração de renda para a comunidade. As familias reassentadas aceitaram bem as mudanças, e somente
alguns poucos se mudaram de lá.

De acordo com a Archi 5, o projeto concebido constitui um esforço urbanístico para diminuir as des-
continuidades físicas e permitir uma maior integração entre a favela e a cidade. Também relevante foi a
intenção de demarcar claramente os limites entre o público e o privado, de modo a sacralizar o espaço
público como patrimônio coletivo. Essa condição parece importante para que esses espaços possam per-
manecer livres de invasões e apropriações indevidas. A qualidade formal das soluções, aliadas à decisão
de localizar o equipamento, o comércio e as novas unidades habitacionais na franja da favela, represen-
tou um esforço da integração favela-cidade. Hoje. passados alguns anos, essa opção de desenho urbano
parece ter logrado cumprir seu objetivo de contribuir para o desenvolvimento econômico e social da área
e consolidar uma nova imagem.

Mata Machado ...,"':" ..... -... .... ........·- 7


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-- . .'" : ' -::r ~ ,


€'-favela Mata Ma~hê)dO ~stá ttÚada numa área montanhosa tii1 q,hectaJeS, cortada rios e po~ con~endo
n asceotes de água,'incr~staçla na Floresta da Tijuca (Figura Ú.8)."'Considerada uma das maiores flores-
tas urbanas do mundo.~o. pàrque é o resultado do reflorestamênto de uma extensa área dediéada ao
plantio de café. após o seu esgotamento no fim do primeiro quarto do século XIX. A maioria dos 2.400
habitantes de Mata Machado é de descendentes dos camponeses que migraram para o local a fim de

J
10U 248 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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gun• Figura 12.8 Vista da favela Mata Machado, semiencoberta pelas montanhas e florestas do Rio de Janeiro. (Foto de
le cc Cristiane R. Duarte.)
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nica
~is e
ônio trabalhar na lavoura (Soares; Duarte e Costa, 1996). O Projeto Favela-Bairro para Mata Machado - pelos
arquitetos Cristiane Duarte, Francirose Soares, Lucia Costa e Osvaldo Silva - foi iniciado em 1995, e sua
~rce

sod implantação deu-se um ano depois.


10 u
As pesquisas de campo do projeto revelaram que apesar de os moradores manifestarem satisfação por
;ten
Ida: habitarem próximo à floresta, despejavam o lixo e o esgoto diretamente nos rios que cruzam a favela
con (Duarte et ai., 1995). Consequentemente, além da preocupação com projetos essenciais de saneamento
es d básico e condições de coleta de lixo, a estratégia de projeto foi o fortalecimento da relação entre a comu-
otirr
nidade e o cenário natural (floresta e rios) que a envolve e delimita fisicamente, priorizando a qualidade
ambiental, a otimização dos espaços livres de convergência social e o acesso a amenidades públicas.

A equipe de projeto acreditava que, ao implementar uma conexão física e visual com o rios e a floresta
- as maiores limitações físicas no projeto - , o projeto iria estimular sua conservação, o sentimento de per-
tencimento e sua consequente adoção por parte dos habitantes. Nesse sentido, o acesso a esses elemen-
tos naturais estratégicos tornou-se uma prioridade, e a intervenção sobre ruas e vielas a fim de torná-las
carroçáveis levou em conta a possibilidade de criação de perspectivas visuais, tornando a floresta mais
visível para os que circulam pela favela. Da mesma forma, novas promenades com pequenas áreas de
lazer ao longo dos dois lados do rio ajudariam a estabilizar e prevenir pontos de erosão e assoreamento,
além de encorajar os moradores a investir na qualidade das edificações às margens dos córregos.

Nesse mesmo sentido, a recuperação do pequeno Lago Magnólia - uma piscina natural formada por
uma nascente - buscou resgatar a sua antiga função de congregar os moradores, que lá iam para nadar
e reunir-se para churrascos ou lazer. Com o passar do tempo, esse uso foi invalidado pela erosão e o
assoreamento gerados pela ocupação de terrenos a montante e pelo seu mau uso pelos moradores como
depósito de lixo e esgoto. A canali~ção d§! água potável-e o esgotamento sanitáfio ajudaram a mitigar
o problema d_o despejo de esgQtoi ~-:a. ~~upe~ação ambiental do·lã'g:e envolveu a~~crçª6 do lixo e."ãO
aluvião acumulados, assim cômo o·reg~ito~àa vegetaçãÜ'dliRr e.p}:ri~çã~de- um p~ar com~niiário a k "'

montante dtl rio. O p~rnar1J'esJi.l.~~ld~z·ramílias q·ue viviãm em·habitaçÔes m·uiiO precárias, com esgoto
.- -
,.,,.. . - - . . ~/-' ·~
a céu aberto e 11haçãb de-ariimàís:..sem _condições miFtima·s élé··higiene, comprometendo a drenagem
natural e gerand o ai sõ_reá mentos e l'i~é~s d~ .desãba~ei:ito. As familias foram acomodadas em novas
habitações de 45 m2 construídas dentro da própria favela.

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ü
Capítulo 12 ITransformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 249

Uma nova praça comunitária em um espaço livre central também foi proposta. e, por recomendação da
equipe de arquitetos. a prefeitura comprou o terreno de uma fábrica desativada numa área adjacente,
estratégica para a integração física e social entre a comunidade de Mata Machado e o bairro circunvizi-
nho (Figura 12.9). O novo parque ganhou tratamento paisagístico, campos de futebol, quadras polies-
portivas, quiosques para venda de artesanato, assim como um polo de prestação de serviços.

Figura 12.9 Parque e


equipamentos sociais
propostos para a favela
Mata Machado. Localizados
em terreno junto à entrada
da favela a partir de uma
importante via, esses
equipamentos integram a
comunidade com o bairro
vizinho. (Desenho de
Cristiane R. Duarte.)

Infelizmente, a quantia de R$ 1,8 milhão que a prefeitura destinou para as obras foi insuficiente, e a
proposta inicial nunca foi totalmente implementada - as promenades, por exemplo, deixaram de ser
levadas a cabo por razões orçamentárias. Houve aumento de gastos inesperados quando as escavações
para a canalização de esgoto revelaram uma grande parede de rochas no subsolo que tiveram que ser
retiradas "a frio" . uma vez que o uso de explosivos não se viabilizou. Da mesma forma, foi necessário
instalar um muro de concreto atirantado nas margens da Estrada de Furnas. uma importante via que
passa pela favela.

Outro problema que despontou durante a execução do projeto foi a pouca articulação existente entre
o poder estadual e o municipal, particularmente no que diz respeito ao sistema de esgotos. que no Rio
de Janeiro, como referido anteriormente, é operado por uma companhia estadual. Mesmo com a tota-
lidade das canalizações de esgoto tendo sido concluída pela SMH, a concessionária estadual não previu
a construção de canalizações para recolhimento do esgoto em seu destino final, o que fez com que o
esgoto canalizado fosse despejado in natura no rio. 13

Embora a integração da favela com os bairros adjacentes se resuma ao contato de moradores na praça
da antiga fábrica desativad.a, Brasileiro (2000) notã que a COJllunidad ~. ind~[v~~os.,moradores remaneja- '·
dos. aseitou muito berrr·a~ modífkaçÕes do projetg. Apesar-do auménto.Ç!Ó'valor patrimonial das casas
de Mata Machado,~ '\ -
2006..
...:'dez anos após conclufd.os os·trabáihos
~ ·.i .
.:-, a.. maioria de seus habitantes
permaneceu residindo' rla favéla, e muitos procederam a um embelezamento de suas fachadas. o que
... :'- ,


13 Problemas abqrdados com detalhes por Brasileiro (2000).
_,.,.,
250 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

parece atestar o desejo de permanência no local. No entanto, pode-se apontar um impacto preocupante
da intervenção: diversas famílias começaram novos assentamentos no entorno da Mata Machado - área
considerada de proteção ambiental - na expectativa de serem atendidas a reboque pelos programas de
regularização fundiária e melhorias urbanas.

Considerações Finais
Podemos concluir afirmando que o Programa Favela-Bairro acumulou muitos resultados positivos, mas
também alguns negativos, nas comunidades em que foi implantado. Os resultados positivos podem
ser avaliados inicialmente pela análise da qualidade de vida, que de fato melhorou para as comunida-
des diretamente atendidas pelos projetos. particularmente com respeito a infraestrutura, acessibilidade,
equipamentos sociais, condições das moradias e dos serviços públicos, assim como em termos de novas
oportunidades de emprego e atividades de geração de renda. Em seu estudo sobre o Programa Favela-
Bairro, Cardoso (2002) aponta que apenas 59,9% dos domicílios possuíam abastecimento de água enca-
nada em 1991, enquanto em 2000, depois da implementação do programa, o índice subiu para 90,2%.
Houve também melhora notável das condições de saneamento básico: o índice de adequação das insta-
lações sanitárias das habitações subiu de 43,9% para 85,7% nesse mesmo período (Cardoso, 2002). No
Parque Royal, um dos quatro estudos de caso, 41,2 % das casas não tinham água encanada em 1991,
uma taxa que caiu para 2,5% em 2000.

Brakarz, Greene e Rojas (2002, p. 65) observaram resultados similares referindo-se a outras favelas aten-
didas pelo programa. Na favela Morro da Formiga, o número de domicílios atendidos pela rede de
abastecimento de água subiu de 17% para 77% do total. No caso da favela Três Pontes, apenas 2% de
domicílios estavam conectados à rede de esgoto e 3% possuíam fossa séptica em 1994; em contraste,
37% haviam sido ligados à rede de saneamento em 2000.

Um levantamento da prefeitura sobre a satisfação dos moradores das favelas atingidas pelo Favela-
Bairro revela resultados muitos positivos: mais de 70% dos moradores entrevistados disseram que houve
melhoria significativa nas condições de abastecimento de água, esgotamento sanitário, áreas de lazer,
coleta de lixo, calçamento de ruas e iluminação pública (Brakarz, Greene e Rojas, 2002, p. 53). Da
mesma forma. 64% dos moradores consideram que a qualidade de vida na comunidade melhorou, e
47% julgam que o relacionamento com o bairro de entorno também melhorou. O mesmo levantamento
indica que o programa introduziu mudanças na forma de a população ver a prefeitura, já que em quase
70% dos casos os moradores consideram entre regular e boa a sua atuação.

Brakarz, Greene e Rojas (2002, p. 53) indicaram ainda na mesma pesquisa que a percepção geral das
condições de vida dos moradores das favelas atendidas pelo programa era de que sua qualidade de
vida havia melhorado: 36, 13% disseram que a vida está melhor do que há cinco anos, contra 27, 78%
que responderam que não houve melhoria alguma. Uma pesquisa realizada em 1998 pela Secretaria
Municipal de Trabalho em oito favelas beneficiadas pelo programa revelou que essas favelas abrigavam
quase 400 pequenos negócios, empregando quase 700 pessoas, 45% dos quais emergiram desde o
início da implantação dos projetos (apud Brakarz, Greene e Rojas, 2002).

Todos esses dados apontam para o cumprimento de uma da"S principais metas do programa: corrigir des-
continuidades d~s redes viárias. ~e-in.fraes~~u~.a~ e de serviço...s.: por mei~ .. de u,m ~alto~fia§tatfvo das c~n=-- .1r

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Capítulo 12 ITransformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 251

Nos assentamentos cujos projetos incluíram a elaboração de Projetos de Alinhamento, 14 os logradouros


puderam ser demarcados oficialmente através de uma definição formal entre os espaços públicos e pri-
vados. Isso não apenas permitiu que os moradores tivessem um endereço oficial - um importante passo
na obtenção de pequenos empréstimos e na conquista da cidadania plena - mas também pressionou
órgãos públicos a assumir suas parcelas de responsabilidade na manutenção de espaços públicos e na
provisão de serviços básicos. Abramo (2002) revela que nas comunidades atendidas pelo Favela-Bairro a
maioria dos moradores usa seu endereço completo quando questionados sobre o seu local de residência,
enquanto em outras favelas os moradores citam apenas o nome dos bairros. Essa clara distinção entre os
domínios público e privado favoreceu ainda o estabelecimento de condominios, a mais viável forma de
propriedade nas favelas, dadas as complicadas e intrincadas condições físicas das unidades habitacionais.

Por outro lado, o Favela-Bairro encontrou vários obstáculos. Em primeiro lugar, a prefeitura ainda lida
com a situação de instabilidade jurídica e a resolução da titularidade da terra e da propriedade, além
de dificuldades geradas pelos entraves burocráticos, como as exigências feitas pelo Cartório de Registro
de Imóveis. Em 2011 a prefeitura ainda não havia sido capaz de conceder os titulos de propriedades da
imensa maioria dos moradores das favelas atendidas pelo programa. 15

Em segundo lugar, ainda que a valorização imobiliária possa ser um indicador importante da valoração
urbanística, a consequente gentrificação não pode ser considerada um desdobramento positivo. Ao
avaliar o Favela-Bairro, o BID usa o aumento de valores de mercado como indicadores dos benefícios
agregados, porém há indícios de que o aumento dos preços de imóveis das favelas favoreceu um mer-
cado de especulação imobiliária, prejudicial especialmente para locatários. Na favela Parque Royal, um
dos estudos de caso, o presidente da associação de moradores estima que muitas casas foram valori-
zadas em mais de 40% (Pontes e Schmidt, 2001). Na favela Mata Machado, outro estudo indica que,
antes do Favela-Bairro, por exemplo, uma casa de dois quartos era vendida em média por R$ 14.272,00
(cerca de US$ 4.921.00) e, depois das intervenções, seu valor médio subiu para R$ 23.571,00 (cerca
de US$ 8 .128.00) (Abramo e Faria, 1998). Essas publicações referem ainda que os valores médios de
revenda de uma ç.;is.;i, que antes das intervenções se situavam em torno de R$ 12 .280,00 (US$ 4.234.00),
aumentaram para R$ 20.045,00 (US$ 6.912.00) depois do Favela-Bairro, superando até mesmo o preço
de mercado de casas do mesmo tamanho em alguns bairros formais de classe média-baixa. 16 Pontes e
Schmidt (2001) relatam ainda que o valor dos aluguéis de casas e apartamentos nas favelas atendidas
pelo programa também registrou aumento significativo. No período de seu estudo, o aluguel em uma
favela não atendida pelo programa era de cerca de R$ 200,00 (US$ 69,00) e na favela do Vidigal, outro
estudo de caso. os valores de aluguéis alcançavam até R$ 500,00 (US$ 173.00) por mês (Pontes e
Schmidt, 2001 ). 17

Esses dados demonstram o funcionamento de um mecanismo perverso, característico do funcionamento


do mercado imobiliário: a "expulsão branca", no qual, por causa das próprias melhorias introduzidas na
favela, os moradores mais pobres ficam impossibilitados de arcar com o aumento dos custos da moradia
e mudam-se para outra favela "mais barata", geralmente mais distante do local de trabalho e com pio-
res condições de habitabilidade. Esses imóveis são então ocupados por famílias de poder aquisitivo um

• O Projeto de Alinhame_[ltO, col}_hecido por PA, wnstitui-se de instrumento legal, utilizado pela prefeitura do Rio de
1

Janeiro para a defi niç~o.:c!e 'éo.u edore.s viários e a configuraçã-0 <)e suas s.~ções .._tl!'l}·P.A-define recuos,.afastamentos e,
~té-mesmo, o gab.e.rito d.as êqifi_raçõ~~ lindeiras a e~ses corredt>res. , :,r,:~~ - • ."" 1
_1s Para u.01a avaliação,da~.,fli (itm ldjdes para legalizaçãq da•prop~dãõe em favelas. ver FérnanCles (2000). Pára uma
~"= di~cussão spb(e" à if!lportâhóa ão··tem.a para os moradorés de favelas 1\oje;ver Perlman (201 O). --::
16
Para ~bramo e Fãria (1998), a permanência de alguns moradófes;em fávelas. mesmo com preços equivalendo
aos'éfo mer cado da cidadê t@~mal, se-:dá basicÍ mente pela existência ôe redes sociais (parentes e amigos fornecendo
ajuda m4tua) e pela-possibilidade de.aumento/expansão das casas por meio de construção de pavimentos superiores,
permitindo a sua exploração/locação.
11 O valor do salário mínimo mensal nesse período era de RS$ 260,00 (US$ 90,00).

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252 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

pouco mais elevado, vindas de favelas menos valorizadas ou que deixam a cidade formal pressionadas
pela crise econômica. Essa lógica socialmente cruel foi verificada, em maior ou menor escala, nas favelas
aqui analisadas, assim como na maioria das favelas contempladas com o Favela-Bairro. 18

Outra crítica comum ao Favela-Bairro refere-se ao fato de o programa não ter sido capaz de acabar com
a expansão das favelas. De fato, ao ter seu foco na correção da problemática da irregularidade. sem ser
complementado por uma ação integrada que opere na contenção da irregularidade e na provisão de
habitação ou solo urbanizado, as melhorias introduzidas tendem a atrair novos moradores para os aglo-
merados beneficiados ou para favelas situadas no entorno destes. Muito comumente, novos moradores
invadem áreas ambientalmente sensíveis como na favela Mata Machado.

A prefeitura deveria promover um conjunto de ações paralelas desenhadas para controlar e regular o
aparecimento de novas favelas e o crescimento das existentes. articulando-as a medidas de caráter mais
amplo e de longo prazo que atuassem nos estoques e fluxos disponlveis de habitação e solo urbanizado
para população de baixa renda. É válido enfatizar ainda que, ao transferir aos moradores toda a respon-
sabilidade pela construção das casas. a municipalidade abdica do controle sobre as condições da habi-
tação e estimula baixos padrões de construção e condições precárias de habitabilidade. às quais muitos
moradores de baixa renda têm que se submeter.

Obviamente, os programas do tipo Favela-Bairro não serão capazes de resolver, por si mesmos. o pro-
blema habitacional no Rio de Janeiro e, muito menos, no Brasil. Contudo, consolidou uma nova maneira
de abordar a problemática das favelas ao tratá-las como uma alternativa habitacional e urbanística legí-
tima. O programa também gerou alguns benefícios concretos que o tornaram referência nacional e
internacional de política pública para o desenvolvimento urbano em cidades que se confrontam com
situações semelhantes. Além disso, a metodologia do Favela-Bairro introduziu no cenário público brasi-
leiro vários avanços em direção a políticas e ações habitacionais de baixa renda.

Primeiramente, ele sedimentou um novo processo para a elaboração de projetos para população de
baixa renda apoiado em concursos públicos e escritórios de arquitetura. Por um lado, isso possibilitou
que a prefeitura pudesse desenvolver concomitantemente mais projetos do que seria capaz, além de fle-
xibilizar suas ações. Por outro lado, o Favela-Bairro também inovou por incentivar novas metodologias de
projeto. desenvolvidas por diferentes escritórios, de modo criativo e independente da máquina adminis-
trativa. As soluções encontradas por tais profissionais merecem destaque, tanto pela efetividade de suas
propostas quanto pela inovação em dotar espaços considerados de baixa renda com obras arquitetônicas
e urbanas de qualidade, antes reservado apenas à cidade formal.
Em segundo lugar, como ação governamental, as diretrizes do Favela-Bairro revestiram-se de maior
responsabilidade social e respeito à participação comunitária e às peculiaridades e condições ambientais
e culturais preexistentes em cada local.

Em terceiro lugar, o programa também inovou ao buscar a integração das ações setoriais de diversas
agências e níveis de governo - municipal. estadual e federal -. apontando para uma nova cultura no
interior da máquina administrativa. Ao tentar reduzir as divergências políticas entre os vários níveis de
governo envolvidos e a articulação setorial de cada nível específico, o programa esforça-se para desblo-
quear as relações interinstitucionais fundamentais para a execução de políticas públicas e programas
dessa natureza.
.."':'-.... •· · --~ - ... 41
Quarto, o Favela-Bair,ro nos ensina 9ue ~m colJ:lu~iªades de ba L~a renda ~e gra[ldes cidj.des os mora-
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dores adquirem umànova percepç~o do valor' llfgar oode...vil[em e qo·sentido ?e pertencerem a úma
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18
Segundo os técnicos da SMH/Prefeitura do Rio de Janeiro. em entrevista concedida às autoras. Pela dificuldade
de registros oficiais de propriedade e pela inexistência de contratos de locação, não foi possível obter dados precisos
sobre o percentual de mobilidade das favelas analisadas neste capitulo.

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J
Capítulo 12 ITransformando Favelas em Bairros: OPrograma Favela-Bairro no Rio de Janeiro 253

comunidade através da participação em projetos de melhoria de sua própria favela. Ao participar da


reconstrução de seu próprio ambiente construído, os moradores reconstroem seus laços sociais e forta-
lecem sua identidade local, importantes passos na direção da cidadania plena (Soares, Duarte e Costa.
1996). Entendemos que o reconhecimento de tão criativo potencial é fundamental no estabelecimento
de diretrizes de ação em assentamentos informais.

Finalmente, os princípios fundamentais que guiaram o Favela-Bairro foram absolutamente corretos ao


reconhecer os altos investimentos sociais e econômicos já materializados pelos moradores em suas fave-
las e suas casas, assim como o direito de participação na cidade oficial. Com o retorno da democracia
no Brasil e a expansão da cidadania e direitos civis nos anos 1980, a cidade não mais poderia voltar suas
costas a um processo que mais do que a exceção constitui regra na construção da cidade. Com o Favela-
Bairro. os moradores das favelas alcançaram um novo status social, afastando-se da "cidade segregada".

Essas famflias passaram a ter acesso a infraestrutura e serviços públicos, têm endereços formais e têm
que pagar suas taxas e impostos, como qualquer cidadão. Ao reconhecer as demandas da favela, a
cidade alimenta e fortalece as noções de propriedade, cristaliza um sentimento de poder comunitário e
promove a cidadania.

Posfácio
Desde a publicação deste texto na sua versão em inglês em 2009, alguns eventos se tornaram dignos de
nota. A cidade sediará dois importantes eventos mundiais - o campeonato mundial de futebol em 2014
e as Olimpfadas em 2016. O pafs, para ganhar a candidatura desses eventos, comprometeu-se com um
maior controle das condições de segurança pública na cidade. Para tanto, em 2008, o governo do estado
do Rio de Janeiro iniciou uma política de "pacificação" de áreas antes dominadas por grupos criminosos
armados através de ações de segurança pública.

Instalaram-se Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em favelas da cidade localizadas nas áreas de influ-
ência dos eventos - na Zona Sul, no Maracanã, ou na proximidade das instalações desportivas ou vias de
acesso às infraestruturas dos eventos. Alguns relatos na imprensa parecem indicar que as comunidades
que receberam pacificação tiveram uma redução dos níveis de violência e um aumento de atividades
econômicas. Há também referência a um aumento no valor dos aluguéis, dos imóveis e do custo de vida.
o que, apesar de ser um indicador importante de uma melhora na qualidade de vida, traz impactos nega-
tivos para os moradores, que se veem eventualmente forçados a mudar de suas comunidades. Outro
efeito perverso é o de "expulsar" a violência e a insegurança para outras favelas ainda não pacificadas,
acentuando as desigualdades intraurbanas e metropolitanas.

Em 2010, o programa UPP Social foi lançado no âmbito do governo do estado. com a parceria da pre-
feitura, e em janeiro de 2011 passou à esfera municipal, com o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira
Passos (IPP) como responsável pela coordenação das ações sociais e serviços públicos nos territórios paci-
ficados. A UPP Social se baseia em um modelo de gestão pública para a coordenação de investimentos e
políticas municipais que promove a articulação com ações de outras esferas de governo, do setor privado
e da sociedade civil, garantindo a integração de políticas sociais. urbanas e de promoção da cidadania
nos territórios pacifiçados através de apoiÕ a organLzações e projetqs lq_cais; recuperê3_ção de espaços
~públicos; regulé!riza2~o u!h~an9~ de serviços e negócios; oport~nidã;teS:para a juver:ilude;..e iniciativas
cidadãs, cultu.rais, espÇ>rtiv~}; ~CJe lazer que apaguj?m de uma vez por todas as fronteiras do parsado.
~ ,,:- ~ , ~ .. .._

o programa, que conta também com a parceria do escritório local da ONU-Habitat, está em·implanta-
ção em 39 'comunidadeS;~m diferentes regiões da cidade e assume uma dimensão social, focando na
melhora das oportunidades de trabalho e emprego, no fortalecimento das noções de cidadania e no

·-" .......
..

J
254 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

sentimento de pertencimento da cidade, principalmente entre homens e mulheres jovens, por meio do
esporte, da cultura e do lazer. Para isso, conta com uma equipe de gestão que atua diretamente nos
territórios pacificados, produzindo informações detalhadas sobre cada área de UPP. reconhecendo os que
já atuavam no local antes da pacificação, fortalecendo as vias de diálogo entre moradores, lideranças
e gestores públicos, mobilizando as instituições capazes de suprir as demandas de cada comunidade e
apoiando a execução das ações previstas.

No ãmbito da ação urbana, a prefeitura da cidade lançou em 201 Oo Programa Morar Carioca, ou Plano
Municipal de Integração de Assentamentos Informais Precários, que prevê não só a aplicação de R$ 8
bilhões para a urbanização de todas as favelas do Rio de Janeiro até 2020 como também, por meio de
uma ação integrada entre secretarias, operações semelhantes àquelas do Favela-Bairro. Está previsto
até 2012, fim do mandato do atual prefeito, um investimento de R$ 2 bilhões, e, além da instalação de
infraestruturas, melhorias urbanísticas, desadensamento parcial e seNiços e equipamentos comunitários,
a ação incluirá a instalação dos Postos de Ordenamento Urbanístico e Social (Pouso), que controlaram
e monitoram o ordenamento e a ocupação do solo e a aplicação de parâmetros urbanísticos próprios.
Seguindo a fórmula utilizada no Favela-Bairro, a prefeitura assinou um convênio com o Instituto dos
Arquitetos do Brasil - seção Rio de Janeiro que permitiu realizar um concurso para selecionar 40 propos-
tas de conceituação e prática para urbanização de favelas. Tais propostas permitirão o desenvolvimento
de projetos específicos para comunidades, respeitando a cultura e características locais. Com um finan-
ciamento do BID previsto em US$ 300 milhões, essa seria a terceira etapa do Programa Favela-Bairro.

De uma maneira ou de outra, entretanto, a favela ainda permanece um fenómeno complexo, visto por
muitos como problema e por outros como solução. Equacionar a convivência desses bairros tão hete-
rogêneos, conforme obseNa Valladares (2005), com os demais setores do universo urbano é uma insti-
gante tarefa que ainda deverá desafiar os setores políticos, intelectuais e sociais por diversas gerações .

-- .
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J
CONCLUSÃO

Um Olhar Estrangeiro sobre oDesenho


Urbano Contemporâneo Brasileiro

William Siembieda

O período em foco neste livro coincide com o processo de redemocratização no Brasil desde o ocaso
do domínio militar em 1985. Coincide ainda com o período em que a globalização começa a
ganhar força em termos de mudanças no capital transnacional, de ajustes no uso da mão de obra traba-
lhadora e da emergência daquilo que veio a ser chamado cidades globais. Tais forças têm produzido uma
era de muito dinamismo nas cidades brasileiras e que não pode ser analisada de modo simplista pelo viés
de uma única teoria ou doutrina. Para nos auxiliar a contar a história do desenho urbano contemporâneo
brasileiro, nos utilizamos de uma abordagem de economia política espacial. Tal abordagem reconhece
que a cultura ocorre em lugares específicos e sua construção reflete os meios de produção econômicos
dominantes, o impacto do capital imobiliário e o alinhamento de poder político e sua influência em
nível tanto nacional quanto local (Cuthbert, 2006). Essa abordagem favorece a investigação de lógica(s)
territorial(is) utilizada(s) nos distintos tipos de espaços e ambientes construídos. 1

De modo a entender que tipo de desenho urbano contemporâneo vem sendo praticado no Brasil - ou
qualquer outro país - . precisamos encará-lo como um processo engajado no âmbito de um conjunto
de relações espaciais em contínua mutação entre o capital imobiliário e a sociedade civil. Torna-se ainda
necessário o entendimento do papel evolutivo do Estado enquanto agente de manipulação do equilibrio
econômico e social (seja mantendo ou alterando o status quo). Nesse sentido. tentamos entender de que
modo o desenho urbano contemporâneo no Brasil reflete o quadro analítico mais amplo do urbanismo
pós-moderno.

No Brasil, um país em modernização, a democracia vem se fortalecendo a cada dia, em um processo que
se reflete no modo como o urbanismo contemporâneo configura suas cidades. A Constituição Nacional
Brasileira de 1988 assume a reformulação contínua da cidade como lugar apropriado para a reflexão e a
realização dos desejos e das necessidades das pessoas. Além disso, o Estado nacional e o poder municipal
reconhecem diferentes tipos de processos de construção de cidade que permitem a diversidade e res-
pondem a públicos distintos. assim como aceitam diferentes formas de expressão cultural. O Estatuto da
Cidade (Lei Federal n2 10.257), promulgado em 2001, exemplifica um modo pelo qual o Estado atende
essas questões contemporâneas. O Estatuto, aprovado como lei após dez anos de debates nacionais,
configura um esforço ~~en ticlo de legitimat uma novél ordem juridico;.urbal)lstica de orientação social •. -
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Lógica· t~rritorial
é ofn conc~i~o
da economia política que explica a alocação do espaço público. É influenciado pelo
que Michael Peter Smith (2006) chama de cruzamentos das relações de poder político-econômicas que ligam pessoas

-...
a lugares e C?bliteram as distinções entre o dentro e o fora, e o global e o local.
~

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256 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

A função social da propriedade urbana é o mais importante dentre os diversos aspectos conceituais
inovadores dessa legislação. O Estatuto altera a antiga doutrina do Código Civil de 1916 que reconhecia
apenas os direitos de propriedade de dono, passando a reconhecer a cidade como uma ordem mais ele-
vada de propriedade social coletiva. Isso significa que o direito de uso da propriedade urbana fica apenas
assegurado se atender a sua função social conforme determinada pela legislação local. O que nos leva a
indagar: Qual é a lógica territorial usada no Brasil para criar, planejar e regenerar cidades? Essa lógica ter-
ritorial reflete o contrato social desejado entre o Estado e a sociedade ou simplesmente reflete as ações
resultantes do capital imobiliário e da globalização em curso? Quais processos estão em andamento na
esfera urbana que satisfazem as necessidades dos individuas e do mercado? Essas são algumas das ques-
tões exploradas pelos colaboradores deste livro. O objetivo aqui é fornecer uma visão mais analítica, de
fora, sobre o quanto as cidades brasileiras atendem à sociedade contemporânea e quais os ensinamentos
dessas experiências que podem ser aplicados em outras cidades de todo o mundo.

A lógica territorial emergente é mais bem expressada por Lineu Castello (Capitulo 8), que, ao escrever
sobre a cidade de Porto Alegre, declara que o desenho da cidade pós-moderna brasileira busca promover
lugares que valorizem a memória urbana, preservem seu ambiente e evitem deseconomias e expansões
desnecessárias no tecido urbano. A lógica territorial deve voltar-se para o crescimento no interior do
tecido urbano existente, assim como utilizar esse dinamismo para valorizar imóveis que tenham signifi-
cado histórico. Essa lógica se reflete também na análise de Carlos Leite sobre São Paulo (Capítulo 11),
em que os mecanismos institucionais e poderes democráticos em curso buscam o controle da polaridade
entre usos públicos e privados do espaço urbano, uma das manifestações típicas do pós-modernismo
(Zukin, 1988, p. 47).

Em cada parte deste livro (Modernismo Tardio, Revitalização e Inclusão Social), as contribuições relacio-
nam as várias formas sobre as quais os domínios público e privado vêm sendo reformulados de modo
a enfrentar as exigências sociais e culturais e a conceder um dos direitos fundamentais da cidadania: o
direito à cidade e a suas modernas conveniências e oportunidades. A esfera pública está sendo criada
através de um processo de compartimento de poder e de diversas ações de implementação, entre
grupos de atores em contínua mutação, no âmbito de um enquadramento legal nacional estabelecido.
Parafraseando Smith (2006, p. 384), o que está a caminho é um processo altamente imprevisível e
disputado de "construção de lugar". Pode haver muitos desdobramentos distintos nesse processo de
construção de lugar, um fato que, por si só, reflete as forças do pós-modernismo em ação.

Espaços do Modernismo Tardio


No Brasil, o modernismo foi a doutrina dominante utilizada por urbanistas, designers urbanos e arqui-
tetos para lidar com a expansão territorial por praticamente cem anos. Durante o período democrá-
tico contemporâneo, entretanto, em vez da concepção do lugar ideal que inspirava os modernistas, o
ambiente urbano existente (o estoque existente de edifícios e espaços do lugar) passa a ser o que recebe
cada vez mais a atenção do governo. Os centros urbanos mais antigos passaram a ser vistos como caren-
tes de regeneração e também de preservação, no momento em que urbanistas e governos nacional e
estadual passaram a aceitar a cidade como uma entidade policêntrica composta de elementos diversos,
cada um com demandas sociais distifltas.
. Essa cidade "descentrada'.', ~ -
.. usando o jargãq. do. urbanismQ,.
pós-moderno, não poderia ser (lla'nejada ~çmc;>~m projeto if'}.tegral, ~s somente e~orções quéreffê- ,.
tem os vários a~pectos-da cid~de inteira, e)á própria em .constaJ1t!; tlêlnsfomíàção~
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O apelo central do .modernismo era a noção de que a sodedade


~ . f)oderia ser melhorada através da forma
construída. ~ssa noção: ·e_mbora filosoficamente. atraente, oão se validou na prática. O distanciamento
desse pensamento modernista baseia-se no fato empírico de que as cidades brasileiras cresceram mais

J
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Conclusão 1Um Olhar Estrangeiro sobre o Desenho Urbano Contemporâneo Brasileiro 257

rápido que o esperado e de que, em algumas delas, mais da metade das moradias se encontra em luga-
res não abrangidos pelos planos diretores. Isso não surpreende, se levarmos em conta o aumento de
aglomerados não planejados (irregulares) por todo o mundo (Davis, 2006). As dinilmicas socioculturais
e as lógicas territoriais da urbanização simplesmente não foram bem entendidas por planejadores e
arquitetos, que tendiam a ver a cidade como estática, não dinãmica. Entretanto, as pessoas ocupam a
"cidade real " e não a " cidade projetada". Quando a cidade projetada deixa de atender às necessidades
da população, a cidade real emerge como uma condição necessária da ordem social.

O modernismo, pura e simplesmente, não consegue lidar com essa dualidade, o que justifica a necessi-
dade de se adotar outras formas de lógica territorial com base em algum tipo de sistema policêntrico de
organização espacial capaz de responder a uma agenda socioespacial que inclui tanto as necessidades
locais quanto aquelas da cidade como um todo. O modernismo ainda possui um papel na produção de
novos espaços nas periferias metropolitanas ou ainda em novas cidades, nas quais o racionalismo pode
trazer contribuições positivas no desenho de redes de transporte e infraestrutura.

Os urbanistas brasileiros não mais veem a construção da cidade como um produto acabado baseado
em uma lógica única. De acordo com os conceitos de Lang (2005), em termos de desenho urbano, eles
se afastaram do "desenho urbano total" (total urban design) e adotaram as abordagens de "juntar
pedaços" (a// of a piece) ou "encaixe" (plug in). Esforços mistos baseados nas dinãmicas mercadológica.
cultural, social e ambiental são agora os focos de atenção do poder público e de parcerias com o setor
privado. O urbanismo contemporâneo - e também o alto modernismo (Dear, 2000) - reconhece e adota
o ambiente construído existente e se utiliza desse contexto como ligação com o passado e portal para
o futuro. Trabalhar com o que existe e fazer melhorias que atraiam novos usuários para uma rua, uma
praça, uma estação ferroviária, uma doca ou uma antiga rua comercial são os elementos do protocolo
pós-moderno emergente.

Na experiência contemporânea brasileira, os "projetos" são usados para regenerar o espaço e abrir
novas oportunidades de criar e recriar a esfera pública (pública ou semipública). Isso é mais claramente
demonstrado nos capítulos sobre inclusão social, quando se aceita uma estrutura urbana policêntrica e
desarticulada, e onde cada projeto gera a substância necessária para melhorar a vida cotidiana no âmbito
da esfera pública local. A lógica territorial persegue então um resultado espacialmente definido que pode
ou não beneficiar outras partes da cidade. A abordagem do planejamento urbano com base no projeto
foi fundamental na experiência de Barcelona, em que o foco também foi a requalificação dos bairros.
Embora projetos sejam sempre limitados em termos de escopo, essas intervenções realmen te represen-
tam esforços parciais no atendimento ao papel mais amplo da cidade brasileira na promoção da justiça
social. Contudo, a abordagem de planejamento baseado no projeto não significa o fim do modernismo
como uma filosofia. O modernismo não está morto no Brasil; continua a ser utilizado como parte de um
conjunto de ferramentas conceituais de grande alcance para produzir uma cidade mais justa e para a
reabilitação da esfera pública.

A crença de que o poder público pode se utilizar do urbanismo e do processo de desenho urbano
para responder a uma lógica territorial existente é tomada como base para a discussão de projetos
de inclusão social em São Paulo e no Rio de Janeiro. Nessas cidades, as ações do poder público local
são exigências na conexão de espaços públicos deteriorados em um esforço para promover sua reuti-
lização. O processo d.e recorúiguração. entl'€tanto, deve ocorrer em um contexto contemporâneo. No
~aso de São Paulo, déo8~~to.~ o de uma cidade glob.al na _qual a l!'}litjÇãÓ de elemenfos_.sJe desenho
l'nodernista. - tàis comp. _o.:usô "de g.randes marquises .qµ$! r.ecosturám o centro da" capital e•grandes
esplan;ias n'b' ajitÍgo~súbúrbio ferroviário de IV1âuá - re~gata' ã' esfera pública e busca injetar uma
novâ vtdà a,áreas decad~r'ítes. C9~0 ferl'.amen tas para criar o domínio público contemporâneo. "pro-
jetos" i)iôstram-se mais eficazes no lugar de abordagens mais abrangentes que requerem extensas
intervenções do Estado.

í
258 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

As novas cidades de Brasília e Palmas demonstram que o modernismo por si só não produz uma cidade
melhor; ele simplesmente concede à cidade uma estrutura espacial distinta baseada em princípios for-
mais. A intenção original da construção de Brasília era induzir o crescimento populacional em direção ao
centro do país e promover o seu desenvolvimento econômico. Entretanto, as taxas de desenvolvimento
econômico e sua expressão espacial (espraiamento e polinucleação nas franjas da cidade) demonstram
que o modernismo carece da flexibilidade necessária para acomodar a demanda por espaço urbano e as
complexidades das forças direcionadas pelo mercado. No decorrer do tempo, a periferia vem conduzindo
a forma urbana mais do que o centro. As concentrações de uso restritas contempladas no Plano Piloto
se mostraram rígidas demais para se adaptarem às transformações e necessidades da sociedade. Brasília
teria se beneficiado de um plano regional complementar ao Plano Piloto, de modo a acomodar e canali-
zar o crescimento urbano. A zona de La Defense em Paris e a zona de Santa Fé na Cidade do México são
exemplos de áreas designadas para se adequar às demandas globais pela expansão do capital comercial
imobiliário externamente ao coração histórico da cidade.

Se perguntarmos por que tantos edifícios residenciais de São Paulo (e na verdade em qualquer outra
cidade do país) tendem a ter a mesma forma - altas torres afastadas das vias e segregadas por portões
e muros -, uma resposta pode ser encontrada no capítulo de Sílvio Macedo. Ele fornece um exemplo de
como a regulamentação modernista modela o domínio público e gera segregação social. Embora um
dos objetivos das leis de zoneamento de São Paulo fosse forçar promotores imobiliários a proporcionar
mais espaço livre nos empreendimentos residenciais, elas acabaram incentivando ilhas de segregação
social, o que resultou em menos pessoas utilizando as ruas, menos parques públicos, menos interação
social de caráter público e maior dependência de automóveis. Cada condomínio e edifício em torre se
transformam em um mundo autocentrado, com seus próprios parques e amenidades. separados do
resto da cidade. A lógica territorial que produz esses espaços autocentrados não reconhece o simbolismo
negativo que cria: aquele que diz, "fique longe, não queremos compartilhar" e "nós não precisamos da
rua ou de fazer parte de seu domínio público".

Outra tendência transnacional no processo pós-moderno é a proliferação de shopping centers e seu


papel do desenvolvimento da cidade. A expansão dos shopping centers brasileiros é um fenômeno con-
temporâneo, a partir de um conceito importado que reorganiza o espaço e substitui a tradicional rua
comercial. Esses empreendimentos emergem tomando pedaços de exemplos europeus e americanos e
tornando-os "projetos" brasileiros. Causam impacto na vizinhança, mas ao mesmo tempo são adaptá-
veis às mutáveis necessidades sociais e de consumo. Nesse sentido, os shopping centers estão mais perto
de atender à necessidade do público por espaços locais, pelo menos para aqueles consumidores que têm
tempo e dinheiro para gastar em itens desnecessários.

Os dois shopping centers examinados por Bruna e Vargas são magnetos da vida social em suas áreas
e proporcionam um meio para a regeneração de áreas deixadas para trás pelas mudanças das forças
de mercado. Bruna e Vargas explicam que os shopping centers podem ainda servir para concentrar
atividades urbanas na periferia e assim criar centralidades em áreas suburbanas. Consequentemente,
possuem propriedades para influenciar a forma urbana e não estão necessariamente ligados a nenhum
plano formal. Eles certamente reestruturam o espaço para o consumo. Em áreas urbanas consolidadas
(maduras). o shopping center pode ser utilizado para " requalificar" aquelas áreas que precisam de
revitalização econômica. pelo menos no limitado sentido de proporcionar acesso aos bens de consumo
à população local. Em ambos os el(emplos;-funcionam cÕmo parte.-da esfera públiça, [l'l~smo sendo
espaços privatizados que pode,.m servir às_vez~s como espaços de tr.i~sição ~om~~Üa. Ôs shoppÍ/lg
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adaptando-se ao cont~xto e à cultura. 'Para Bruna e Vargas, eles possuem o potencial para organizar
o espaço urbano /par~:a formaç~o de polos de atraçãb em 'suas-regiões de influência. Antes lugares
de consumo, os shopping centers brasileiros são agora consumidos como lugares, demonstrando o
que Sklair (1991) denomina a "cultura-ideologia do consumismo" do mercado global. Devido ao

~~·~z---------------------...L.
Conclusão 1Um Olhar Estrangeiro sobre o Desenho Urbano Contemporâneo Brasileiro 259

abandono da rua, como retratado no capítulo de Sílvio Macedo sobre a verticalização de São Paulo, o
shopping center ganha importância como uma ferramenta de política urbana e uma influência signifi-
cativa na lógica territorial de um lugar.

Lugares Revitalizando Cidades


A regeneração de espaços existentes é um tema do urbanismo contemporâneo. Isso é exemplificado no
Projeto Corredor Cultural no Rio de Janeiro, tratado por dei Rio e Alcantara (Capitulo 5), em que par-
cerias entre os setores público e privado foram a principal ferramenta de ação urbana. Aqui a coalizão
de comerciantes, proprietários de imóveis, associações comunitárias e o Escritório Técnico do Corredor
Cultural juntaram forças para gerar soluções apropriadas para questões urbanas complexas de trans-
portes, deterioração, segurança e uso público do espaço. A lógica territorial aqui é a da preservação,
da modernização, do envolvimento e da evolução - soluções que são apropriadas para usuários locais
e eventuais. A globalização do espaço pelo capital transnacional não é o que os atores discutem como
a questão-chave. Esse exemplo de desenho urbano contemporãneo brasileiro apoia a noção de que a
cidade está em constante transformação e existe para servir a um propósito social. Tal visão é também
pós-marxista, dado que tanto funções sociais quanto econômicas da cidade são reconhecidas e valida-
das. Essa experiência, em conjunto com os capítulos da seção sobre "Inclusão Social", demonstram que
o movimento em direção à democracia participativa, conforme definida por Sklair (1991, p. 232), tem
alguma validade no Brasil.

O estabelecimento de uma lógica territorial de trabalho que promova a criação e a manutenção da


esfera pública histórica não é tarefa fácil. A cidade de Salvador na Bahia nos fornece uma clara evidência
das contradições no Brasil urbano contemporâneo. Reverter a deterioração dessa antiga cidade-capital
nacional colonial tem sido o tema de quase 40 anos de ações dos poderes públicos federal, estadual e
municipal, e se inicia em 1970 com o estabelecimento de nós de desenvolvimento e da região metro-
politana, como políticas urbanas apoiadas pelo governo militar. Seus efeitos mais profundos, que se
estendem pelo período de 1992 até 2005, têm como foco o Pelourinho, uma área da cidade antiga.

O caso de Salvador demonstra que pode haver duas ou mais diferentes formas de lógicas territoriais em
curso ao mesmo tempo. Nos anos 1970, o governo estadual construiu novas rodovias para urbanizar
a periferia e implantou a nova sede do governo numa dessas áreas afastadas. De forma simples, eles
subsidiaram e modernizaram a área metropolitana. Esse foi um estratagema modernista eficaz que guiou
o crescimento e o desenvolvimento econômico nas áreas de expansão suburbanas, ao mesmo tempo
em que encorajou o desinvestimento do setor privado na cidade antiga. A periferia se tornou o foco de
investimento, e o centro colonial continuou a se deteriorar devido à falta de manutenção, tornando-se
o lugar onde as pessoas mais pobres e menos desejadas poderiam encontrar abrigo e criar seu próprio
sentido de comunidade. Tal processo não é exclusivo de Salvador, podendo ser visto em muitas cidades
coloniais mexicanas e outras áreas urbanas em todo o mundo.

A renovação e a regeneração do Pelourinho são parte de uma série de iniciativas de desenvolvimento


econômico que ligam a história e a cultura à diversão e ao lazer como uma estratégia de atração do
turismo. Como observado por Femandes e Gomes, o ,;marketing çlo luga( é 'tan\o ·ulfla tentativa·de
atrair as pes.soas da área metropblitanã ~ de vender a cidade aos úi~istas~como ~ mei; de-nutrir uma" ::"
coesão social em uoia <;id.~d~ ~d~·vez mais fragmentada e.~egregaa~...Q..~mpac.otamento da história
(refletido ém edifício,s e eSPê!l!os públicos) e a cultura (Carnaval, música~·eventos de rua e informalidade
local) são temas~cehtrais 'na est.ratégia de Salvador. Essa estratégia, que .Ínicialmente buscava eliminar
o elemento humano percebido como indesejável, rendeu resultados fracos até que melhoramentos nas
habitações fossem incluídos para garantir que as pessoas do lugar, que forneciam a ponte cultural da

'-)
r
260 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

área, não levassem sua comida. música e costumes para outros lugares. A estratégia revista reconheceu
que os edifícios históricos por si sós não são suficientes para sustentar a urbanidade e o sentido de lugar,
que dependem das dinâmicas humanas e de fatores socioculturais que trazem contribuições importan-
tes e contínuas. Se os urbanistas e projetistas urbanos governamentais tivessem lido mais as teorias de
Lefebvre sobre a produção social do espaço, saberiam que não podiam desmerecer aquela cultura autên-
tica que não poderia ser substituída por um ambiente desenhado e espetacularizado.

O shopping mal/ do Distrito Comercial de Navegantes. em Porto Alegre, é um grande exemplo de urba-
nismo pós-moderno. Lá, empreendedores privados acreditaram em uma visão que, apoiada em um pas-
sado industrial legítimo. os ajudou a criar um popular destino de compras. O desenho urbano não clonou
a história, mas se utilizou da estrutura existente e de seu poder simbólico para apoiar o desenvolvimento
econômico. A reabilitação de seu entorno logo ocorreu, com o governo municipal representando um
papel secundário de apoio passivo e, posteriormente, como parceiro na expansão da esfera pública da
área. Os empreendedores estavam, nas palavras de Harvey (2000), "reterritorializando" o espaço como
resultado do investimento no capital imobiliário.

Na cidade de Belém, a recriação do domínio público se apoiou na conversão de edifícios históricos em


funcionamento para corresponder aos valores culturais e sociais de uma população que aceita o uso
de formas semimercadológicas2 do espaço contemporâneo. A construção de uma paisagem cultural à
beira-rio, em oposição ao foco em um marco referencial único, possibilitou ao governo atender deman-
das sociais e criar um tipo de domínio público pós-moderno. Tanto o caso de Belém quanto o de Porto
Alegre estão alinhados com a noção de Hayden (1995) de estabelecimento de um diálogo simbólico com
o passado como uma condição para um desenho eficaz da paisagem urbana. O simbolismo fornece os
laços culturais para uma solução espacial pós-moderna.

OPapel Social do Espaço Urbano


O movimento em direção à inclusão social significa melhorar o que existe e adicionar elementos que deem
apoio aos usos produtivos da esfera pública. Um aspecto-chave do desenho urbano contemporâneo no
Brasil é a relação entre a cidade. seus equipamentos e as favelas ou assentamentos informais. Após déca-
das, inicialmente tentando removê-las e, posteriormente, apenas as ignorando, o Estado brasileiro percor-
reu um longo caminho. Ao permitir que as favelas se consolidassem na cidade formal, o governo brasileiro
reconheceu na prática o direito social da ocupação. O reconhecimento das favelas como parte do ambiente
construído formal - não simplesmente como assentamentos ilegais e desordenados - cria as bases para o
diálogo entre os moradores e o poder público municipal. que é específico a cada projeto e adequado social
e culturalmente. Os favelados têm o direito à moradia e à cidade, o que. como já obseNado anteriormente
neste livro, é uma forma superior de direitos humanos (Lefebvre, 1968).

O Projeto Favela-Bairro de 1995 ajuda a entender a lógica do "direito social da ocupação" e também do
reconhecimento dos investimentos sociais e físicos feitos por residentes nessas áreas. Os projetos no Rio
de Janeiro sM exemplos claros de pós-modernismo e da "reterritorialidade" espacial em curso. Nesse
caso. arquitetos e urbanistas trabalharam diretamente com os moradores e aceitaram a maior parte
do espaço construído como um contexto fixo. em lugar de~tentar reconfigurá-lo, como seria de praxe
sob o modernismo. O objetivo foi o:de~P!;ojêtar, inseridos aos espaç6s,existentes, átnQtito~da cidade
formal que beneiiciassem diretamente ~s ~oRti_Aidades: realrnha~e~~§s. ~~ 0.as pari~elho; circulação,
acesso à água potável, saneamen_J.o básicp, melhores espãçõs pút)licos, edif(çios piJblicos e programas de
desenvolvimento comuàítário. Para tanto, .o desafio foi a.sidoç-ão ue novos métodos de trabalho, novos

) HSemicommodified" no texto orrginal.

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Conclusão 1Um Olhar Estrangeiro sobre o Desenho Urbano Contemporâneo Brasileiro 26 1

modos de "formalizar a cidade" e a abertura de caminhos para o aprendizado mútuo entre as partes
interessadas. Não apenas novas áreas públicas e seNiços foram criados para atender às necessidades
locais. mas também novos canais foram abertos para expandir o domínio público na vida cotidiana dos
residentes das favelas. A cidade se torna mais "democrática" ao se adotar a democracia participativa de
uma forma particularmente brasileira.

Entretanto, essas melhorias também impactam o mercado do solo, elevando os preços de imóveis e
aluguéis dentro das favelas. Na medida em que as favelas replicam as amenidades da "cidade formal",
o seu custo de vida começa a encontrar um equilibrio de submercado em termos gerais. Alguma gen-
trificação ocorre. com famílias com mais renda competindo com aquelas de menor poder aquisitivo por
espaços requalificados na favela. Essa competição por espaço reflete o valor das melhorias bancadas
pelo poder público refletido no ajuste dos preços de mercado. Como o governo não pode definir uma
política de controle de preços em favelas, tais aumentos são um resultado natural das forças de demanda
do mercado imobiliário local. Em termos de justiça social, projetos como o Favela-Bairro tendem a uma
discriminação contra os setores mais empobrecidos da cidade. e portanto, existe a necessidade de se
ampliar os esforços de urbanização o máximo possível, englobando o maior número possível de favelas
e assentamentos ilegais de modo a diluir essas forças de mercado.

A longa história de planejamento e desenho urbano em Curitiba nos ensina que, mais do que os planos,
o modo como são implementados é o que mais importa. Fundamentada no Plano Diretor de meados
dos anos 1960, a principal estratégia de 1974 foi a de construir eixos de transportes para acomodar e
orientar o crescimento da cidade. Seguiram-se estratégias de preseNação histórica e proteçM ambiental.
todas implementadas pelo IPPUC, companhia pública criada a partir de proposta do Plano Diretor. Desde
então atuando ativamente, a prática dominante do IPPUC tem sido a de desenvolver planos e projetos
de implementaçao fácil e rápida, apoiando o desenvolvimento urbano ao mesmo tempo em que lida
com necessidades sociais e ambientais. O reconhecimento da inter-relação entre questões ambientais,
espaciais e sociais e a habilidade de responder a elas rapidamente tem contribuído enormemente para o
sucesso de Curitiba, reconhecido internacionalmente.

lrazábal (Capítulo 9) identifica três elementos convergentes que explicam o sucesso de Curitiba: a con-
vergência de interesses dominantes em torno de um projeto único, o marketing da imagem da cidade
e a provisão de ganhos materiais para as classes mais baixas. A esses elementos podemos acrescentar
a longa estabilidade das lideranças e a expansao do domínio público para que possa ser usado pela
população como um todo. A crítica de lrazábal sobre o sistema de planejamento enfoca os tipos e graus
de participaçao da população, a ausência de um planejamento em nível metropolitano integrado ao
planejamento local e as questões de desigualdade econômica e ambiental entre Curitiba e sua região
metropolitana. O equilíbrio dos benefícios econômicos e sociais da urbanização entre centro e periferia é
um processo dinâmico que não é facilmente - se é que de todo possível - controlado em urna economia
de mercado ou mesmo sernicontrolada. A reconfiguração das relações socioeconôrnicas em termos geo-
gráficos (Curitiba versus periferia) é urna expressao de ajustes às exigências do capital e da dominância
do IPPUC corno agente que influencia o controle espacial regional e a equidade econômica.

O desenho urbano pós-moderno é também representado pelo Projeto Rio Cidade, que mostra que o
poder municipal reconhece a necessidade de aperfeiçoar a esfera pública corno uma ação estratégica
na reabilitação da imagerl)':il'\lernacional do Rio áe Janeiro.•Seguindo a ins~~a_ção..do farnoso..JT)odelo de
Barc~ona, a requalificaçãÓ "dos-...e.spqç.os públicos, o fortalecimento..da.ideo].Elàde comunitária e o.apoio à
indústria turística d.~ ~-i?_ad~ _f.ora\f,)stratégias "dinami!éldoras'tireG,n~ecida~ no planá'estratégico do' Rio
do-lnício dos anos 199'0. A aéspeito da falta de uma boa coordenação com outras ações tão importantes
e necess~rias para o âmbito da tidade, corno um sistema integrado·de transportes públicos e a aplicação
mais efetiva da legislação. o Programa Rio Cidade obteve um relativo sucesso na recuperação da esfera
pública espacial em muitos bairros.

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262 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Considerações Finais
Todas as lógicas territoriais são influenciadas pelas dinâmicas econômicas, pelas cambiantes relações
sociais entre o indivíduo e o Estado e pelas forças globais inerentes ao processo de urbanização (Cuthbert,
2006). O significado social sobre o que consideramos ambiente construído deve ser reconhecido antes de
qualquer ação urbanística (plano, projeto, regulamentação e assim por diante). Em toda cidade, coexiste
mais de uma lógica territorial; assim, ajustes a questões de equilibrio e equidade metropolitana exigirão
um equilíbrio de lógicas baseadas na extensão da desigualdade e nas exigências da esfera pública. O
processo de implementação do Estatuto da Cidade irá certamente apoiar experimentos nessa direção
por todo o país.

O modelo de urbanismo e desenho urbano contemporâneos no Brasil nos diz que, para equilibrar as inefi-
ciências inerentes aos mercados de terra urbana, a reconfiguração da esfera pública e a "requalifi cação" de
lugares devem ser um processo contínuo. A lógica do pós-modernismo, do modo como aplicada ao espaço
da cidade existente, requer mais responsabilidade compartilhada entre o capital imobiliário e a sociedade.
Se os cidadãos têm o "direito à cidade", eles têm também responsabilidades para com a cidade.

Investimentos imobiliários, basicamente seguindo padrões globais, promoverão projetos de várias escalas
que influenciam a organização do espaço urbano para se adequar aos seus interesses. O capital imobiliá-
rio criou seu próprio conjunto de agentes para promover os símbolos de seu investimento, assim como
uma uniformidade de financiamento, vendas e construção. A contraposição a essas forças demanda que
o urbanismo brasileiro reconheça que os processos são mais influentes que os projetos. Esses processos e
lógicas determinam quem obtém o quê em termos materiais e simbólicos. O desafio em todo o mundo
urbano é o de enfrentar o crescimento periférico juntamente com o fortalecimen to da cidade existente
de um modo não integrado, e como dar acesso aos valores materiais e simbólicos da cidade e seus
ambientes que se encontram em contínua mudança. Se há uma lógica territorial de grande alcance para
a cidade brasileira, então aí está ela.

Este livro mostra o potencial do desenho urbano brasileiro sob uma perspectiva bastante otimista, e demons-
tra três principais ensinamentos do desenho urbano contemporâneo brasileiro, que, indubitavelmente,
põem o Brasil à frente do pensamento urbanístico contemporâneo. Em primeiro lugar, a importância de
considerar a cidade como uma ferramenta de justiça social. Nesse aspecto, o urbanismo contemporâneo
brasileiro está em busca de uma cidade como um sonho compartilhado, um lugar que forn eça oportu-
nidades para o desenvolvimento pessoal, social, cultural. político e econômico de todos os cidadãos. Em
segundo lugar, o Brasil nos ensina a importância do valor da coexistência de diferentes lógicas territoriais
urbanas, desde que elas possam fortalecer o domínio público e aumentar as diversas formas de acessi-
bilidade. Nesse caso, o sucesso de um lugar não é proporcional somente à qualidade de seu desenho,
mas também ao pluralismo de suas soluções urbanas e a sua responsabilidade cultural e social. Terceiro, a
expansão da democracia participativa, juntamente com o reconhecimento das diferentes lógicas sociais e
territoriais, tende a conduzir as cidades contemporâneas brasileiras a processos de planejamento e desenho
urbano mais inclusivos. Esse caminho está diretamente relacionado, não apenas à qualidade e à acessibili-
dade dos lugares, mas também aos processos que os produzem, os regulam e os mantêm. Sobretudo, esse
caminho reconhece a cidade como uma res publica: um lugar para a vida pública.

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.,

.. ..
'

.,

l)
J
Índice

A do centro histórico do Rio de Janeiro. 109-112


e o urbanismo moderno brasileiro. 219-222
Acampamento(s) industrial, 165. 166
de funcionários. 35-38 histórica. 105-107
de obra. 38-41, 46, 47 moderna
do Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira (HJKO), 46. 47 adaptaçao dos princfpios às condições locais, 2-11
Açao(ôes) brasileira. 2- 11
centro, 219-224 modernista. fim da, 2- 11
de cunho social, 237-239 monumental, 2-11
de segurança pública. 255, 256 urbana. 219-222
para a revitalizaçao da área central de São Paulo, 219·222 Arranjo do lote verticalizado, 76-78
racionais e administrativas. 2-22 Aspecto(s}
sanitaristas. 109-112 -chave do desenho urbano contemporaneo no Brasil.
urbanlstica. 159. 160, 264 262-264
Acomodaçao de interesses diversos. 189, 190 construtivos e de desenho urbano, 109-112
Adensamento(s) espaciais, 38-41
da regiao de Navegantes. 170-174 funcionais, 38-41
populacional. 226-229 informativos. 38-41
residencial, 98-100 interativos. 38-41
urbano. 98· 102 Assembleia
Agência(s) metropolitana. 2·22
de desenvolvimento nacional, 28-31
metropolitano da regiao de Selo Horizonte. 2-22 Assentamento(s), 250-253
regt0nal, 2-22 autoconstrufdos. 2· 11
urbano, 2-22, 218, 219 de caráter social, 67, 68
de planejamento metropolitano, 2-22 fora do plano original de Palmas. 67, 68
metropolitanas. 2-22 ilegais. 234-236
para a preservaçao histórica, 2· 11 padrões de. 79. 80
públicas. 2-22 programa de urbanizaçao e regularização, 226-229
Agenda. 21, 28-31. 218, 219 Assepsia social, 138-14 1
Aglomerações urbanas. 160. 161 Associaçao
Aglomerados. 234-236 Brasileira
Aguas claras. 51-53 de Escolas de Arquitetura, 22-26
Alagadiço do Piry, 146, 147 de Shopping Centers (Abrasce). 38, 91, 92
Alfred Agache, 2· 11, 179-189 de Lojistas de Shopping Centers (Alshop), 91, 92
Alphaville, 26-28 de Moradores e Amigos do Centro Histórico (AMACH),
Ambiente 138-141
natural, 160, 161 dos Municipios da Regiao Metropolitana de Curitiba
psicológico. 160. 16 1 (Assomec). 193. 194
urbano. 160. 161 francesa de urbanistas, 2-11
renovado. 122. 123 nacional
Area(s) de educaçao em arquitetura e urbanismo (ABEA). 22-26
de expansao urbanistico-imobiliária e de verticalização do de pesquisa e estudos de pós-graduação em
Rio, 71-75 planejamento urbano e regional (Anpur), 22-26
de intervençao do Projeto Rio Cidade. 201 -203 Viva o Centro (AVC). 219·222
de preservaçao ambiental, 66 Atividade(s)
de proteçao ambiental. 192. 193 âncoras, 97. 98
do Proieto Rio Cidade. Leblon, 208-2 12 comunitárias. 97, 98
horizontalizadas. 82-84 primordiais, 66
para a verticalização, 88. 89 sazonal, 138-14 1
potencialmente verticalizáveis. 82-84 Ato de transferência de direito de construção. 179-189
propicias ã verticalização, 71 ·75 Atributo(s)
sem controle direto do gabarito de edificações, 85 anômalos, 54, 55
sob proteçao ambiental, 226-229
urbanas. 217
de segregaçao, 51-53
típicos. 54. 55 ....•.
consolidadas. 258-261 -, Attllio Côrrea lima, 2-11
homogêneas. 122, 123 Autoconstru~o. 48,,49 ' ::r. ·,
inicial, 59, 60 progr$J~lls. d,~· 4ll; 49
urbanizadas do Distrito Federa~ 38-41 ·~ • ,. .l ...

Armando de Godoy, 2-11


B ..,.~ ' ··'
Arquitetura, 218: 219, 229·231
brasileira. 2-11 Bairro Legal, 226-229
carioca, perlodo eclético da, 114· 116 Baixo
contemporanea. 218, 219 Leblon. 208-212
do Brasil, ensino de, 119, 120 Meier. 203-208

J
274 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Banco Novo, 219·224


Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento Operação Urbana, 219·222
(BIRD), 226·229 programas de recuperação de, 138-141
Nacional da Habitação (BNH), 2-22 Projeto São Paulo. 222-224
Barcelonizaç:io do urbanismo, 26-28 real de Palmas, 63, 64
Bicidetada. 194-196 secundários, 35·38
Binômio turismo-entretenimento, 105· 107. 141-143 urbano(s). 92-95
Boulevard de Palmas. 63, 64, 67, 68
da cultura, 151, 152 Velho. 219·224
da gastronomia. 1 51, 152 CIAM, 2-22
das artes, 151, 152 Cidade(s). 26-28
Brands de consumo, 162, 163 ·águas, resgate da relação. 226·229
Brasil -capital, 57, 58, 69, 70
desenho urbano no, 1-27, 31, 32 central, funções da, 35·38
contemporãneo no, 1. 26-28, 31, 32 clandestinas, 226-229
aspecto-chave, 262-264 como uma ferramenta de justiça social. 264
evoluçClo, 1 compacta, modelo de, 160, 161
moderno no. 2-11 competitivas. 26-28
modernismo no, 2-11 constituição morfológica da, 88. 89
potência, 2-22 contemporânea, 69, 70
reorganização da universidade do, 2· 11 criativa, 229-231
shopping center no, 91, 92 de Caralba, 2·22
transformações culturais. políticas e sociais no, 2-11 de muros, 26-28, 53-55
Brasllia revisitada, 51-53 dinamismo das. 226-229
Brasilianosmo. 2· 11 do modernismo tardio, 31, 32
Brise-soleils, 2· 11 esfera pública das. 31, 32
Brownfields, 161, 162, 170-174 formal, 26·28, 35-38, 177, 178, 262-264
reaproveitamento de antigos. 170-174 gigantismo das. 226-229
reurbanização de. 160, 161, 170-174 globais, 257, 258
reúso de. 165, 166, 170-174 industrial de Curitiba (CIC). 179-189
urbanos. 161, 162, 170-174 indutores de estruturação da, 35-38
informal, 26-28, 237-239
justa para todos, 177. 178
e local, 218. 219
·mãe. 48, 49
Caixa Estadual de Casas para o Povo (CECAP), 2-22 memória da. condições essenciais :i conservação. 170-174
Calming traffic, 203·208 ministério das, 28-31
Ornara Técnica do Corredor Cultural. 112, 113 modelo, 177-179
Campanha Cidades sem Favelas, 234-236 modernista, 59, 60
Canibalismo, metMora do, 2·11 morfologia colonial da, 109· 112
Capital mundial, 218, 219
do Orçamento Participativo, 163, 164 perfil ou skyline, 86, 87
dos subúrbios, 203-208 pluralista. 31, 32
ecológica do Brasil. 179· 189 polltica nacional de, 28-31
Capitalismo global, 26-28 problemas que afligem grandes, 35·38
Cana de Atenas, 2· 11, 59, 60 processo nacional de venicalização das, 71-75
preceitos modernistas da, 59, 60 projetada, 258-261
Canório de Registro de Imóveis, 250·253 real, 258·261
Casa das Onze Janelas. 155-158 reutilizada. 31, 32
Catálogo das edificações do Corredor Cultural, 116, 117 -satélites. 2-11, 38·43, 46. 47, 49, 50
Categoria século das, 229-23 1
preservação, 114-116 segregada, 250·253
reconstruçao, 114-116 sem favelas, campanha, 234·236
renovaçao, 1 t 4-116 situação geomorfológica. 109-112
Cenários criados. 85, 86 socialmente inclusiva, 31, 32
Centralidade(s). 92-95, 101, 102 Cidadela, 26-28
urbanas, 1O1, 102 Cintra Ulhôa, 2-11
Centralizaç1ío da propriedade nas maos do poder público, Cité contemporaine. 2-11
132-137 civitas. 38·41
Centrifugaçao da urbanização. 160, 161 Código(s)
Centro(s) civil de 1916, 257, 258
Administrativo da Bahia (CAB), 128 de obras. 98, 114
clvico municipal da Esplanada de Santo Antônio. 2-11 de zoneamento, 2·22. 81, 82
Comercial Nova Olaria, 170-174 urbano, 2-11
cultural(is). 119. 120 urbanlstico. 79. 80
Jo:io Nogueira, 203-208 urballo estrito, 43-46
de bairro, 208-212 -, Coeficiente(s) de aprcitei.tamento,~71·75.g-6,.87 ~
de ciências jurldicas e econômicas, 22·26 ~ • do lot~ 82-84 ~ • - /..,,_,
de compra(s) - ~ , \ ' ~· ·:. Comissao ~ . • • ~ • ,. '':°
era dos grêlndes, 170· í74 .- .r \ , • . '" · d~ óesenvóWlmento Ecó'nôl'nica el'urismo da Assembleia
planejados, 92 _ Legislativa,do Estado, i 38· 14'1
de consumo e faze~ 92r95 ·• : Nacional de RE.ígiôes Metropolitanas e Política Urbana
fragmentaçao do, 128

,r icNPU}. 2-22
funcional. 54, 55 Comitê Executivo do Corredor Cultural, 116, 117
Histórico de Belém, 145, 146 Companhia
morfológico. 54, 55 das Docas do Pará, 146, 147

)
fndice 275

de Desenvolvimento Urbano (Conder). 132-137 verticalizados. 71-75


de Habitação Popular de Curitiba (Cohab-CT), 179-189 Crescimento
do Comércio, 146. 147 acelerado de Curitiba. 179-189
Fiação e Tecidos Porto-alegrense (Fiateci). 170-174 de Belém. 146, 147
Complexo urbano. 35-38
da Pampulha em Belo Horizonte, 2-11 Crise
do Ver o Peso. 105-107, 147-149, 151-158 geral no sistema de planejamento urbano. 22-26
intervenções no, 152- 155 urbanfstica, 200
residencial Cruzeiro Velho, 38-41
no Parque Guinle, 2-11 Cultura
Pedregulho. 2- 11 de projetos urbanísticos. junto à população, 21 5
Comunidade Urbana para a Renovação Acelerada (Cura). 2-22 -ideologia do consumismo, do mercado global, 258-261
Conceito(s) nacional de planejamento. 2-22
de lugar, 170-174
de planejamento, 147- 149
Concessionárias de serviços urbanos, 212-215 D
Conferência Declínio urbano, 165, 166
das Naçâ€s Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Decreto-lei de desapropriação, 138-141
(CNUMAD). 218, 219 Defesa cultural, 131, 132
de Assentamentos Humanos, 234-236 Deficiência(s)
Confiança no crescimento econômico, 2-1 1 da estrutura institucional, 193, 194
Configuração funcionais, 193, 194
de Brasllia, 38·41 Oegradaçao urbana. 125, 126
do espaço urbano, 71-7 5 Oemanda(s)
strip mal/, 63, 64 da circulação viária moderna, 2-11
Congresso de democracia, 194·196
Brasileiro de Urbanismo, 2-11 globais. 177, 178
Nacional, 38-4 1 habitacional de setores médios, 51-53
Conjunto(s) locais, 177, 178
habitacionais, 48, 49 sociais, 1, 237-239
Nacional na Avenida Paulista, 92 enfrentamento das. 22·26
polinucleado, 38-41 Democracia, 1, 257, 258
residencial, 79, 80 participativa, 22-26
Conselho expansão da, 264
administrativo do IPPUC, 189, 190 modelo de, 28-31
da cidade de Curitiba (Concitiba), 194-196 plena. 159, 160
deliberativo de desenvolvimento metropolitano de Belo Democratização, 28-31
Horizonte, 2-22 desafios, 196
do Rio de Janeiro, 200, 201 Departamento da propriedade da terra urbana do ministério das
Nacional de Desenvolvimento cidades. 28-31
Cientifico e Teçnológico (CNPQ), 22 -26 Desaceleração do Espaço Central. 128
Urbano (C NDU), 2-22 Descentralização, 2-22
Constituição planejada, 163, 164
morfológica da cidade, 88, 89 Desdobramentos do Corredor Cultural, 122. 123
Nacional de 1988, 2-32, 57, 58, 177, 178, 257, 258 Desenho
Construção contextual. 114-116
de cidades. 57, 58 da cidade, 160, 161
de lugar, 257, 258 da macromalha. 69, 70
Contenção da expansão urbana. 170-174 da paisagem urbana. 1O1, 102
Contexto urbano brasileiro, 88, 89 padrões para o, 79, 80
Contiguidade entre edificações, 50, 51 de macroparcelamento, 69, 70
Contradições urbanas brasileiras. 26-28 em malha de Palmas, 61, 62
Controle(s) urbano. 69, 70, 91, 92, 105-107, 145, 146, 159- 162, 215,
da ocupação ilegal, 231 217-2 19, 258-261
da programação visual, 105-107 carioca, 208-212
das condições de segurança pública. 255, 256 contemporâneo, 257, 258
de cronograma de projetos arquitetónicos e paisagísticos. aspedo-chave. 262-264
193, 194 brasileiro, 1, 31, 32, 177, 178
do desenvolvimento urbano e da vertical ização da paisagem influência do modernismo no. 71-75
de São Paulo, 88, 89 no Brasil, 1, 26-28, 31, 32
do gabarito das edificações, 85 contextualizado. 160. 161
escrito de gabarito, 71-75 de Porto Alegre, 165, 166
mecanismos de, 71-75 e planejamento. 196, 219-222, 237-239
normativo. 71-75 em Curitiba, 179-189
urbanísticos, carência de, 203-208 história do, 1
Conurbação. 48, 49
Coordenação
~ ....
-.
importância do, 1-7~ 178 _
·~n~ompleto;-<219·llZ.>;:.- ~
'°"
da::!\egiáo Metropolitana de Curitiba (COMEC). 2-22, 192, 1nterve~es de, r~ ~ .
193 ' 1· •· ·mo~o~ode~~sta do, 35-38 ~ ...,,.
Qi Aperfeiçoamento' de Pessoal'di:: Nível'Superior (Capes). mode'r.no br3§1le1ro, iM 1
22-26 no Bra~I. 1:í7,.31, 32
dos Programas de Pós-graduaçAo ~Engenhària (Cop~. contemporaneo. 170-174
22-26 evolução do, 1
Cor~a Portuguesa na Amazônia, 146, 147 ordem por meio do. 2-11
Corredor(es) para a favela. 237-239
comercial, 101 : 102 parâmetros de, 35 -38

l)
f
276 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

programa de, 215 Distrito Comercial de Navegantes, 105-107, 166-168


projetosde. 177, 178 Diversidade funcional, 86. 87
total. 258-261 Domlnio(s)
Desenvolvimento público, 31, 32
cultural, pollticas de, 2-11 contemporaneo, 258-261
de loteamentos. fechados. 64-66 pós-moderno, 262-264
do Meier, rápido. 203-208 recriaçao do, 261, 262
do varejo, 92 sociais
esforço de. 35-38 da casa. 31, 32
1mobihário. 2-22 da rua. 31, 32
industnal, rápido. 159, 160 Doutrinação partidária. 163, 164
mecanismos de controle do, 22-26
nacional, programa de, 2- 11 E
processo de. 200
brasileiro. 161, 162 Ecletismo paulista, 222-224
carioca, 200. 201 Eco-92, 200
em moldes sustentáveis, 170-174 Edilicação(ões)
indutores de, 35-38 escala da, 218, 219
lei de. 28-31 espaço livre de, 82-84
local, 28-31 horizontalizadas, 86, 87
maís sustentável, 160, 161 recuos de, 81, 82
modelo ideal de. 82-84 reutilização de antigas, 170-174
planejamento e controle de. 35-38 vertical. 79, 80
pollllca nacional de (PNDU). 2-22, 28-31 Eixo(s)
reg10nalmente equilibrado, 28-31 de expansão urbana. 98-100
socialmente incluso, 22-26 de transporte. 160, 161
sustentável, 170-17 4 estruturais de transporte de massa, 179-189
promoção do, 2-11 monumental, 38-41, 43-46, 61-64
regional. 69, 70 de tráfego, 109-1 12
esforços de, 57, 58 rodoviário, 38-41, 43-46, 51-53
social e econômico em Belém, 146, 147 viário, 49, 50, 63, 64
sustentável, 163, 164, 218, 219 Ekistica, 2-22
transformação dos paradigmas internacionais de, 105-107 Elemento{s)
urbano, 22-26, 35-38, 57, 58, 86. 87, 91, 92, 163, 164, aglutinador da população, 64-66
177. 178, convergentes do sucesso de Curitiba, 262-264
do Rio de Janeiro, 109-112 da arquitetura brasileira vanguardista, 46, 47
do Projeto de Planejamento de Curitiba. 189
Design, 218, 219, 229-231
Desigualdade(s) íd1ossincráticos, 212·215
imagético e de lazer. 245-247
econômicas. 26-28
naturais
intraurbanas e metropohtanas. 255, 256
estratégicos. 247-2 50
sociais. 192, 193
gigantismo de, 147-149
entre as classes de renda, 26-28
referenciais da quadra, 64-66
Desmantelamento
representativos do patrimônio histórico e cultural. 147-149
do modernismo, 2-11
urbanos, 64-66. 226-229
do SFH, 22-26
Emancipação, 177, 178
Desmoronamento do modelo autoritário, 22-26 Embelezamentos urbanos, 2-11
Determinismo espacial, 59, 60
Empreendimento(s)
Difusão dos valores da classe média, 2-11
caixote, 95-97
Dimensão de uso misto, 92
comercial, 168-170 Empresa
experiencial, 168- 170 Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU), 2-22
histónca, 168-170 Municipal de Urbanismo (Emurb), 222-224
preservacionista, 168-170 Paulista de Planejamento Metropolitano S.A. (Emplasa),
sensorial. 168-170 2-22
Dinãmica(s) Encortiçamento dos imóveis, 129-1 31
de acumulação capitaneada, 128 Enfrentamento
socioculturais, 258-261 das demandas sociais. 22 -26
territoriais, 218, 219 dos problemas urbanos, 22-26
urbana, 138- 141 Ensmo de arquitetura do Brasil, 119, 120
contemporânea, 218, 219 Epitome da política urbana de Curitiba, 179-189
V1Va, 138-141 Equidade social. 1, 177. 178
Dinamismo Equipamento(s)
das cidades, 226-229 culturais, 141-143
do comércio varejista, 146, 147 de apoio imediato. 51-53
Dinam1za<c'lo na vida urbana, 222-224 urbanoS: 64-66 .
Direcionamento polltico de Belém, 147-149 de magnitude gíobal, 231
Diretrizes Equivocas modernistas, 231 •'
de pro1eto, 114-116' Era. "" "., • ..-,,. ~
de urbanização do Distrito Federal, 51'-S3 da ~d~Striall~~o. 165, 16.6, t70-174 ~
de uso de solo, 82-84 dos grand~s·centros de corrí~r~; Ú0-174
de verticalizaçao. 71-75 ·r· • pós-rfloderna, n :25 ~
do projeto Corredor Cultural, 117, Í 18 Escala
Disciplina social. 2-1 l bucóhca, 43-46
Oiscrepancias nacionais, 2-22 da edificação, 218, 219
Discussao urbanística modernista, 71-75 gregária, 43-46

~)
J
índice 277

monumental, 43-46 do plano piloto de Brasília, 51-53


residencial, 43-46 do processo de verticalização, frentes de, 71-75
Escola de planejamento urbano da Universidade de Edimburgo urbana
~22 • contenção da, 170-1 74
Escritório Técnico do Corredor Cultural, 114-1 16, 118-12 1, 123, eixo de, 98-1 00
124,261,262 vetores de, 91. 92, 98
Esfera pública das cidades. 31, 32 vetores de, 86, 87
Esgarçamento territorial, 38-41 Expulsão branca, 250-253
Espaço(s) Externalidades espaciais, 229-231
banais, 218, 219
central, desaceleração do. 128
edificados, 82-84
específicos. resgate de, 145, 146
espetáculo, 155, 156 Farol do saber, 179-1 89
Favelas. 109-1 12, 234-236
intraurbano, 101, 102
livre(s) Feira do Ver o Peso, 152-155
Filiação modernista, 46, 47
de edificação, 82-84
Filosofia keynesiana, 35-38
tratamento do. 81, 82
Força(s)
privados
da urbanidade, 229-23 1
dos lotes verticalizados, 85, 86
de desenvolvimento econômico, 2-22
tipos de tratamen to dos, 71-75
Forma(s)
públicos, 53. 54, 177, 178
de arranjo espacial e de associação das torres, 86, 87
geração e melhoria de, 196
recuperação de, 120, 121 de configuração e uso, dos espaços urbanos, 76-78
de parcelamento do solo, 79, 80
requalificação dos. 215
semipúblicos, 101, 102 de urbanismo e urbanidade, 229-231
urbano, 59, 60 de verticalização, 71-75
adequação do, 200 semimercadológicas do espaço contemporâneo, 261, 262
configuração do, 71-75 superior de direitos humanos, 262 -264
Formação
formas de configuração e uso. 76-78
novos, 76-78 cultural dual, 163, 164
Esplanada dos Ministérios. 38-41 da morfologia urbana no Brasil, 109-11 2
Estação das docas, 105-107 Fortalecimento da autonomia municipal, 2-22
Estado nacional, 257, 258 Forte
Estagnação do Castelo, 146, 147
do Presépio, 146, 147
do Pelourinho, 126, 127
econômica, 125, 126 Fragmentação
processo de, 128 do centro, 128
Estatuto socioespacial, 31, 32
territorial, 177, 178
das cidades, 2-32, 98, 177-190, 194-196, 212 -215, 257,
258,264 e espacial. 28-31
do tombamento, 54, 55 Francisco Prestes Maia, 2-11
Estilo Freeways, 160, 161
bel/e époque, 109-112 Frentes de expansão do processo de verticalização, 71-75
Função(ões)
brasileiro do modernismo, 2-11
monumentalista de Piacentini, 2-11 circular. 59, 60
Estratégia(s) da cidade central, 35-38
coerentes com a efetivaç!lo de uma política de dos shopping centers, 97, 98
desenvolvimento urbano sustentável, 160, 161 habitar, 59, 60
de geração de imagem. 190, 191 lazer, 59, 60
de marketing, 168-170 social da propriedade urbana, 257, 258
dinamizadoras. 262-264 trabalhar, 59, 60
principais da renovação da avaliação positiva, 190, 191 urbanas, 59, 60, 63. 64
Estruturas urbanas, 59, 60 Fundação
Estruturação de Belém, 146, 147
espacial, 86, 87 do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia, 129-131
policêntrica, 159, 160 Fundo
Estuário amazônico, 146, 147 de desenvolvimento urbano, 2-22
Evolução de financiamento ao planejamento, 2-22
do desenho urbano no Brasil, 1, 35-38 de garantia de tempo de serviço, 2-22
do urbanismo do Banco lnteramericano de Desenvolvimento, 117. 11 8
brasileiro, 177, 178 Municipal de Habitação (FMH), 179-189
no Brasil, 35-38, 170-174 nacional de transporte urbano, 2-22
formal e conceituai dos projetos paisagísticos modernos,
85,86
Exacerbação de problemas urbano~e,.desigualdades sociais,
G ....
192, 193 : _- - - Gênese".de um lugar, 168:1,f o _'f-- 7
Excess~ da urbanização. l J.2.- 11-::\ .' • Geomortologia do Rio d;!a?Íeiro 2Õ8-212 •
Exigênoa(s) __ ,,. • " yera~ãÇ> s ~Jhôfia de espaços p,úblicos:í 95· ~
~mbientais para lot~meptÓs urtapos~ :28-31 Gerenciamento • ··.- " -:''

constitucionais, 48, 49 ~ . de resíduo's sóliÕos,.1?9-189


Expans!lo
da área urbana, 59, 60
..
:-· racional das cidades, 2-22
Gigantismo
·da democracia participativa. 264 das cidades, 226-229
da urbanização, 57, 58 de elementos naturais, 147-149
de Belém, 146, 147 Gleba(s). 64-66

r
278 Desenho UrbanoContemporâneo no Brasil

Globalização. 31, 32, 257. 258 da Hospitalidade, 138-141


do espaço pelo capital transnacional, 261, 262 de aposentadoria e pensões dos industriários, 2-11
processos transnacionais de, 1 de Pesquisa e Planejamento Urbano
Globurbes, 26-28 de Curitiba (IPPUC). 179-190
Governo e Regional (IPPUR). 22-26
corporattvo autocrátteo, 194-196 do patrimônio histórico e artistico nacional (lphan). 2-11
que faz. 132-137 municipal de urbanismo Pereira Passos, 255, 256
Gregarismo colonial brasileiro, 43-46 Patrimônio Artístico e Cultural (IPAC). 132- 137
GrupoQuatro, 58-60. 67-70 Pereira Passos (IPP), 201-203
Gueto, 26-28 Instrumentos de planejamento, 147-149
lntegração(ões)
da favela com os bairros adjacentes. 247-250
H favela-cidade. 245-247
lntensificaçao do uso comercial e de serviços. 98-100
Habitação de interesse social. 138, 143, 234-236
lnteraçao social, 242-245
Habitat. Primeira Conferência Internacional do. 234-236
Interesses transnacionais, 26-28
Hierarquização viária em estrutura aberta, 2-11
lnteriorizaçao, 57. 58
Homo faber, 165, 166
lntervençáo(ões)
de desenho urbano. 199
no Rio. 199
na Praça do Patriarca, 225, 226
Ideais modernistas. 2-1 1 no Complexo do Ver o Peso. 152-155
Ideário modernista brasileiro, 71-75 no Pelourinho, 141-143
Identidade urbana(s). 1-11,217
de Brasília. 38-41 de maior envergadura, 217
nacional, busca por uma nova, 2-11 parametros fundamentais para. 231
llha(s) planejadas. 225, 226
de segregaçao social, 258-261 programáticas, 231
de serviços, 203-208 projetos de. 145, 146
lmpacto(s) urbanlstica. metodologias para. 201-203
do Rio Cidade e de seus projetos. 212-215 urbanização como instrumento de. 2-22
positivos da influência dos shopping centers. 100. 101 lntroduçao. 1-32
Implantação lnvasao(ões)
da cidade. 67. 68 da Estrutural, 49. 50
da infraestrutura urbana. 67. 68 de ltapoã, 49, 50
de Palmas, 69, 70 populares. 49, 50
de políticas habitacionais. 234-236 lphan. 151, 152
do porto em Belém. 146, 147 lsençao(ões)
do Corredor Cultural, 114 de imposlo predial, 117, 11 8
do Plano diretor, 189, 190 fiscal. 117, 118, 122. 123
processo de, 114
Imposição da macromalha, 64-66
lncentivo(s)
ao progresso nacional, 2- 11 Jaime Lerner, 189. 190
fiscais, 123. 124
Inclusão social. 177, 178. 257. 258, 261-264
projetos de, 258-261
K
Incorporadores imobiliários, 71-75 Kit invasão, 49, 50
Incremento comercial da produção e comercializaçao da Kitsch arquitetônico, 54, 55
borracha, 146, 147
Indicadores socioeconómicos, 163, 164
fndice(s) L
de desenvolvimento humano (IDH), 26-28 Laboratório de Cocriação em Territórios Informais. 229-231
urbanísticos, 82-84 Lago do Lajeado, 66
lndustrializaçao. 2-22, 109-112. Lapa renovada, 120, 121
era da, 165, 166. 170-174 le Corbusier. 2-11
estímulo à, 2- 11 leblon. 208-212
lndutor(es) áreas do Projeto Rio Cidade, 208-212
de desenvolvimento urbano, 35-38 Baixo, 208-212
de estruturação da cidade, 35-30 pontos altos do Rio Cidade, 208-2 12
Infraestrutura usos comerciais e de serviços do, 208-21 2
redesde.160. 161 Legalização de favelas. 234-236
regional e urbana. 58, 59 Legi.slaçao(ões)
urbana. implantaçao da. 67, 68 de uso e ocupaçao do solo. 98, 147-149
viária. 120. 121 de 1971, 35·38
lniciativa(s) de zoneãmento. 71-75, 82-85
bottom-up, 217, 229-231 edilícia urbana, 76-78 , ., _;;.,;- -,
de saúde pública. 109-1 12 ~
modernista de zoneacrténto, 105-107 ~éf ~
\: t'~· . urb~na 218, ~ 19 ··1- • ,. , •:-
instigantes, 229·23 f'
Inovação informal, 229-231 -... , r.' •• :-<~ 4
urbaorstica. 7!-•75, 79, 80, 105-lOf .-
.,,...
-::·
Inserção urbana, 100-'102 ..; de 197 J ·d~São Paulo~ 71-1s ·' •
r~guladora dá verticalizaçáo paulistana, 88, 89
~.
lnstitucionalizaçao •
da doutrina modernista, 2-11 ~­
·,' Lei(s)
de um ideal de modernidade, 2-11 de desenvolvimento urbano, 28-31
Instituto de parcelamento. 64-66
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 69, 70 de proteçao ambiental, 22-26

\_ )
J

----~·~---pi------- ............................................................
índice 279

de uso do solo, 149-151 do século XXI, 229-231


e ocupação. 98-100. 189.190 reinvenção das. 229-231
de zoneamento. 82-84 Megaempreendimentos multifuncionais, 170- 174
de Curitiba, 179-189 Megalópole global. 177, 178
de São Paulo, 258-261 Meier, 203-208
dos Mananciais, 192. 193 Baixo. 203-208
orgânicas municipais, 22-26 rápido desenvolvimento do. 203-208
Rouanet. 117, 118 Meios urbanos. 160, 161
Letras imobiliárias. 2-22 Memória da Concepção
Linha(s) de Palmas. 69, 70
azul, 191. 192 do Plano, 64-66
de ónibus de negócios de Curitiba. 179-189 Memorial do tecido. 170-174
verde. 179-189, 191, 192 Mercado de ferro, 152-155
verticalizadas. 86, 87 Mercosul, 168-170
Linhao do Emprego, 185-185 Mergulhão, 120, 121
Lógica(s) Metáfora do canibalismo. 2-11
territorial, 2-11, 258-264 Metamorfoses do modernismo, 38-41
da urbanização, 258-261 Metaurbanismo, 162, 163
de trabalho, 261, 262 Metodologia(s)
emergente. 257, 258 de percepção ambiental, 160, 161
Loja(s) para intervenção urbanística, 201-203
-ancoras. 97- 100 Metrópole
-satélites. 98-100 fragmentada. 218, 219
Lote(s). 82-84 global. 218. 219
coeficiente de aproveitamento do. 82-84 polinucleada, 38-41, 54, 55
-quadra. 81. 82 Metropolitana. 46, 47
urbano, verticalizado. 79, 80 Microparcelamento, 42, 43
Lucio Costa. 2-22, 38-41 de grande flexibilidade, 69, 70
Lugar(es). 162. 163 Microplanejamento, 217
conceito de. 170-174 projetos e práticas de. 231
da clonagem. 162, 163 urbano, 229-231
da urbanidade. 162. 163 Milagre econômico. 2-22
gênese de um. 168-170 Miniclube privado, 79, 80
manifestação de. 162. 163 Ministério
da habitação e desenvolvimento urbano. 2-22
M das cidades, 28-31
Mobilidade urbana. 1O1, 102
Macrodesenho urbano, 60, 61 Modelo(s)
Macromalha, 60, 61 arquitetônico para habitação social, 2-22
desenho da, 69. 70 cosmopolita internacional. 109-1 12
imposição d;i, 64-66 d;i política habitacional do estado, 2·22
Macroparcela(s), 43-46 de cidade compacta. 160, 161
Macroparcelamento. 42, 43 de democracia participativa, 28-31
desenho de, 69, 70 de exclusão das classes menos favorecidas, 54, 55
Magnets. 97, 98 de gestão pública para a coordenação de investimentos.
Main street, 168- 170 255,256
Malha(s} de organização socioespacial. 26-28
de Palmas. desenho em. 6 1, 62 de planejamento
de transporte público. 179-189 cientifico e racional. 2-22
do plano piloto de Brasília, 43-46 de Curitiba, 177, 178
geradora de Palmas. 60, 61 de urbanismo e desenho urbano contemporilneos no Brasil,
urbana, 67. 68 264
simbiose da, 145, 146 edillcio rígido. 200
viária. 245-247 espacial modernista, 82 -84
reestru turação da, 179-189 ideal
Mancha(s) de desenvolvimento urbano. 82-84
de verticalização, 79, 80 radiocêntrico. 2-11
verticali zadas. 86, 87 modernista, 85
Mapeamento de práticas criativas, 229-23 1 de torre em meio ao verde. 35-38
Marcello Piacentini, 2-11 do desenho urbano. 35-38
Marcha para o Oeste, 4-11 núcleo-periferia de estruturação espacial. 200
Marco(s) padrão, situações do, 85. 86
modernistas de Brasilia, 57. 58 tecnocrático desenvolvimentista, 2-22
zero de Brasília. 38-41 territorial em grelha. 2-22
Marketing torre isolada. 88, 89
do lugar, 261, 262 ;~ ... urbanístico. 2-22, 71 -75. 88, 89
estratégia de, 168-170 '?
Moderri!dade, 2-11.-.67. 5lr:":· .f.-
profissional, 2-11 brasíl'eira. 2~-222-r··' #
projetos de place, 162, 163 importilÍi<Ja "ffi!, 2-11 / ....,.
urbano, 155, 156, 16Í- 164.'190, 191;201-203 ., 'instituciorializaçao êfe um ideal de. 2-11
..,. operações de, 109-112 ' Mpdernismof"i »11; 3~-38: 54, 55, 159. 160, 258-264,
Mecanismo(s) tírasileiro, 2-H. 35-38
de controle, 71·75 consolidação do, 2-1 1
• do desenvolvimento, 22-26 ícones internacionais do. 2-11
urbanísticos, 88, 89 clássico. 38-41, 43-46, 50-53
Megacidade(s}. 218, 219 do Plano Piloto de Brasília, 35-3B

\___)
f
280 Desenho Urbano Contemporâneo no Bra.sil

de Brasllia, 35-38 funcional do espa<o. 71-75


desmantelamento do. 2-11 ilegal, controle da, 231
estilo brasileiro do, 2-11 1uridicamente Ilegal, 234-236
funcional, 2·22 padrões principais de, 82-84
metamorfose do, 38-41 políticas de, 67. 68
no Brasil, 2-1 1 procedimentos de. 67, 68
no desenho urbano contemporâneo, influência do, 71-75 territorial. 38-41
periférico. 35-43, 48, 49 urbana
racionalista, 2·22 desordenada, 203-208
reconhecimento polltico do. 2• 11 processo de, 88. 89
tardio, 35-38, 257, 258 urbanisticamente irregular, 234-236
cidade do. 31, 32 vertical, 100, 101
de Palmas, 35-38, 69, 70 Oficinas participativas. 242-245
efeitos do, 35-38 Opera de Arame, 179-189, 191, 192
práticas do, 35-38 Operaçâo(ões)
tecnocrático, 2-11 de marketing urbano, 109-112
Modermsta(s) deportação, 129-137
discurso, 2-11 Pelourinho, 105-107
discussão urbanfstica. 71·7 5 etapas da, 132-137
fim da arquitetura, 2-11 pós-modernas de rearquitetura urbana, 165, 166
ideais. 2-11 urbana, 189, 190
instituoonalizaçao da doutrina, 2-11 centro. 219-222
paradigma. 1 consorciada Linha Verde (OUC-LV), 179-189
precettos urbanísticos. 71-75 objeto de. 98· 100
primeira geração influente de arquitetos. 2-11 Orçamento participativo. 163, 164
tipologia ed11ícia, 2-22 capital do, 163, 164
Modernização. 35-38, 261, 262 OP. 28-31
arquitetónica. 123, 124 programas de, 194- 196
do Brasil, 2-11 Ordem
retrofit, 122-124 1urídico-urbanfsuca de orientação social, 257, 258
Modo(s) por meio do desenho urbano, 2·11
de formalizar a cidade, 262-264 Ordenação do solo. 82-84
de urbanização da cidade brasileira, 2-22 Organização
tecnocrático impositivo, 194-196 do espaço urbano, 264
Monofuncionalização, 105· 107 espacial. 59, 60, 81. 82
Morfologia de São Paulo, 88, 89
colonial da cidade, 109-11 2 projeto de, 2- 11
da cidade tradicional, 2-22 órgãos colegiados de polltKa urbana. 28-31
urbanlst1ca, 155, 156 Otimismo
Morros. 109-112 cultural. políticas de. 2· 11
Morte da rua, 69, 70 generalizado, 2·11
Mosaico morfológico. 38·41. 54, 55 Outlet
brasiliense. 38-41 mal/, 166-168
Movimento(s) retai/, 166-168
a cidade é nossa, 131, 132
de arquitetura moderna, 43-46
modernista, 54, 55 p
moderno, 38-41
nacional da reforma urbana, 22·26 Padr.'!o(ões)
para a revitalização do centro do Rio de Janeiro, 112, 11 3 arquitetônico de shopping centers, 92-97
Museu de Arte Sacra do Pará, 155, 156 de assentamento, 79, 80
Mutações urbanas, 218, 219 de ocupação. 98
contempor.1nea, 218, 219 de tratamento formal do espaço residual. 85. 86
ed1Hcio, 85
nacional de verticalização, 71 -75
N para o desenho da paisagem urbana, 79. 80
prédio isolado no lote, 71-75. 81·84
Nacional principais de ocupação, 82 -84
busca por uma nova identidade. 2-11 quadra-bloco carioca. 71-75
incentivo ao progresso, 2· 11 situações do modelo, 85, 86
Nascimento urbanísticos, 71·78
da representação política em BraSl1ia, 49, 50 urbanos novos, 79, 80
do urbanismo, 2-11 Paisagem
Neighborhood Upgrading, 237-239 de objetos, 50, 51
Neoliberalismo, 26-28
Núcleo cultural, Feliz Lusitânia, 105-107
tipos de perfil básico. 86. 87
urbana,,71·75, 91, 92, 98, 120, 121
......
brasileira, 91, 9l • ""'· .- ~ -'Ê
o pad~ões para o desenho pa. 79, 8([~ ·,
procésso ~!? qvalifica_ção Ça. 145, 111'6
Ocupaç.\io{ões) 'Vertical,·SJ.. ·82 ' • .
das regiões suburbanas, 92·95 , .r verticahzadade sao Paulo~,7.1-7S.:
direito social, 262·264 ' Paisagisl)lo dei'almas. 63, 64
do solo
soluções de, 81, 82
., Palácio /\raguaia de Governo do Estado, 63. 64
Palimpesto territorial, 218, 219
taxa de. 82-84 Palmas, concepção onginal, 64-66

--..

f
Índice 281

Paradigma(s) de Salvador, 2-22


Barcelona, 159, 160 de São Paulo, 28· 31
de desenvolvimento, 196 de Turismo do Recôncavo, 125, 126
modernista, 1, 31, 32, 35-38, 88, 89, 105-107 diretor(es}, 28-31
Parâmetro(s) da Barra da tijuca, 71 -75
de desenho urbano, 35-38 de Curitiba, 179-192, 194 - 196, 262 -264
fu ndamentais para intervenções urbanas, 231 de Desenvolvimento Integrado do Município de São
Parcelamento(s}, 59, 60, 114 Paulo (PDDI), 82·84
do solo, formas de. 79, 80 de Palmas, 59-66, 69, 70
lei de, 64-66 dePortoAlegre, 163, 164
projetos, 114 de Rio Branco do Sul, 179-189
urbano, 59, 60 decenal do Rio de Janeiro, 234-236
Parque do lbirapuera, 2-11 do município de Belém, 147-149
Participação do Rio de Janeiro, 2-11, 22-26, 105-107, 121, 122,
comunitária, 118, 11 9, 237-239 200, 20 1, 212 -215
democrática, 194-196 estratégico, 28-31, 98-100
Partidos urbanístico, 59, 60, 240-242 integrados, 2-22
Patrimônio imaterial, 138-141 urbano de Belém (PDU), 147- 151
Pavilhao brasileiro na feira mundial, 2-11 Estratégico do Rio de Janeiro, 177, 178, 200, 201, 215
Pelourinho, 105-1 07, 125-127, 129-137, 141-143 estrutural de ocupação territorial do Distrito Federal (PEOT),
intervenção no. 141 - 143 51-53
operação, 105-107 infraestruturais, 2· 11
Perfil sky/ine de cidade, 86, 87 municipal de integração de assentamentos informais
Perímetro urbano, 59, 60 precários, 255, 256
Permuta de terra, 28-31 nacional de desenvolvimento, 2-22
Pilotis, 51 -53 original de Palmas, 64-66
Placemarketing, 162, 163, 170-174 piloto de Brasília, 2-11 , 35-41 , 43-51, 53-55, 71-75
globalizado, 170-174 Plurianuais, 179-189
projetos de, 162, 163 tecnocráticos, 22-26
Planejamento, 218, 219 urbanos, 2-1 1
científico e racional, modelo de. 2-22 gerais, 159, 160
conceitos de, 147-149 Planta livre, 2-11
cultura nacional de, 2-22 Pocket park, 203-2 12
das vias expressas cariocas, 2-22 Poder reestruturador dos shopping centers, 101, 102
de Curitiba, processo de, 179 Política(s)
de transportes americano, 2-11 cultural, 141 -1 43
desenho urbano e, 219-222, 237-239 de desenvolvimento
em Curitiba, 179-1 89 cultural, 2-11
e controle de desenvolvimento urbano, 35-38 turístico, 125, 126
e desenvolvimento das cidades brasileiras, 109 de ocupação, 67, 68
esforços de, 105- 107 de otimismo cultural, 2- 11
estratégico, 114 de pacificação, 255, 256
fundo do financiamento ao, 2-22 de preservação do pa trimônio histórico, 125. 126
instrumentos de, 147- 149 de urbanização dos aglomerados e loteamentos ilegais,
integrado tecnocrático, 2-22 234-236
local, sistema de, 2-22 fundiária, 132-137
metropolitano, agências de, 2-22 industriais do estado novo, 2-11
perspectivas de, 156-158 municipal de incentivo à instalação de atividades de serviço,
racionalista, 2-22 149-151
síndrome do, 2-22 nacional
sistema de, 2·22, 28-3 1, 262-264 de cidades, 28· 31
tecnocrático, 2-22 de desenvolvimento urbano (PNDU), 2-22, 28-31
urbano, 69-75, 105- 107, 160, 161, 163, 164, 170-174, de habitação, 234-236
234-236 patrimoniais, 128
brasileiro, 2-22 Polos
crise geral no sistema de, 22-26 de atração. 98
da Universidade de Edimburgo, escola de. 2-22 de indução do crescimento urbano, 98
e regional, 2-22 geradores de fluxo, 100-102
primeiro programa de mestrado em, 2-22 Ponto(s)
e urbanismo, 2-22 altos do Rio Cidade leblon, 208-212
em escala metropolitana. 193, 194 de verticalização, 79, 80
estatal, importância do, 2-22 População
estrutural, 193, 194 incorporada, 42, 43
nacional, 2-22 nativa, 42, 43
sistema nacional de, 2-22 Portal da Misericórdia, 138- 141
Plano(s) _
Agache, 2-1 1, 109-11 2, 179-1131· "° .
Porto
Alegre, ,163-166,.J 70 • i"l2!,_;:.-"'1-
·- -
conc_eitual de Palmas, 551~.60, 64-66· .'·~· , de Vil<f 'do Co(lde, 146:1ff7~ , - '*
da Barra da Tijuca, 2-22, 88, 89 • 1. Mara_Yilbá,.. 2~28 • ,.,..-· ~
d~àvenidas, 2-11 ·•·' -.,'~ ! Positivismo;ino&ernlsta_,:2'11 ~ ., """
de Brasília, 88, 89 f.;. ' Pos!os de ordenàrru~ntb 1.1rb9nístico e social (~ouso), 237-239,
de Curitiba, 2-22 '." ~ 255, 256 . -~
de Desenvolvimento Integrado (PDl): t92, 193 Potencial indütor da urbanização, 92-95
de reestru turação da orla de Belém (PRO-Belém), 147-151 Praça(s)
de Relocação de Favelas, 179-189 dos Três Poderes, 38-41
de revitalização para o distrito histórico, 179-189 públicas. 97, 98

r
282 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Prática(s) e projetos de preservação e revitalização, 105-107


criativas, 217, 229-231 econômicos, 2-11
de gestão urbana, 163, 164 Favela-Bairro. 2B-31, 177, 17B, 200, 201, 233-239, 250·
do modernismo tardio, 35-38 253,255, 256, 262-264
Precariedade edílica, 49, 50 Grandes Favelas, 237-239
Prédio dos Alfaiates, 138-141 industrial, 2-11
Preservação Integrado Entrada da Cidade (Piec), 170· 174
da paisagem natural, 145, 146 lixo
de sítios históricos, 179-189 que não é lixo, 179-1B9
sensibilização para a importancia da, 118. 11 9 reciclável, 179-1 B9
Primeira Conferência Internacional do Habitat. 234-236 Minha Casa Minha Vida, 71-75
Problema(s) Morar Carioca, 255, 256
habitacional, 250-253 Pelourinho
que afligem grandes cidades, 35-38 Cultural, 141-143
sociais, 193, 194 Dia & Noite, 13B-143
típicos ao Rio de Janeiro. 201 -203 promorar do BNH, 2-22
urbanos, 1-26, 192, 193 ver o Rio, 105· 107
enfrentamento dos. 22-26 Vila dos OflCIOS, 179· 189
Processo{s) Progresso nacional, incentrvo ao, 2-11
de consolidação democrática. 177, 178 Projeto{s). 258-261
de Desenvolvimento Urbano do Rio de Janeiro, 200 Ambiente, 179-189
de deterioração de usos. 100, 101 Aprender, 179-1 89
de estagnação, 128 Bairro Novo, 179-1 B9
de implantação do plano de Palmas. 67, 6B catalisadores de desenho urbano e arquitetônicos, 179
de implementação, 114 Cidadãos em Movimento, 179-1 B9
de ocupação urbana. 88, B9 Cores da Cidade, 179-1 B9
de planejamento de Curitiba, 179 Corredor Cultural, 22-26, 105·107, 109-11 3, 123, 124,
de privatização de terras públicas. 12B 200, 201 ,261, 262
de qualificação da paisagem urbana, 145. 146 culturais, 119, 120
de reconfiguração. 258-261 Cura, 2-22
de recuperação espontanea do bairro, 100. 101 Curítiba Tecnológica, 179-189
de reestruturação urbana, 125, 126 da cidade
de requalificação de Palmas, 59, 60
da área central de São Paulo. 217 universitária, 2-11
urbana, 218, 219 da Ladeira dos Funcionários, 242-245
de revisão do PDU, 147-149 DC Navegantes, 166- 170
de subSlituição de usos. 100, 1O1 de alinhamento. 114, 250-253
de urbanização. 71-75 de desenho urbano e arquitetônico, 177, 178
de valorizaçilô urbana, 71-75 de Desenvolvimento Urbano em Curitiba, 179
de verticalização, 35-3B. 71-75. 79-82, 88, B9, 98-100, 149-151 de embelezamento, 109- 11 2
brasileiro, 71-75 de habitação e urbanização para baixa renda no Brasil,
nas cidades brasileiras, 82-84 237-239
regulamentação do, B5 de inclusão social, 25B-261
urbana, 71-75 de intervenção urbana, 145, 146, 237-239
decisório de projetos urbanos, no Rio de Janeiro. 212-215 de Nova ltá, 2-22
imobiliário especulativo, 69, 70 de organizaçáo espacial, 2-11
impositivos de renovaçAo urbana, 218, 219 de Palmas. 35·3B, 64-66
nacional de verticalização das cidades. 71 -75 de parcelamento, 114
transnaciona is de globalização, 1 de placemarketing, 162, 163
Produção social do espaço, 261, 262 de planejamento de Curitiba, 1B9
Programa(s) de reabilitação
Bairrinho, 237-239 de áreas históricas, 231
de autoconstruçAo, 48, 49 urbana na área central de São Paulo, 219·222
de Cidades Históricas (PCH), 125, 126, 129-131 de reforma e recuperação do centro histórico de Salvador,
de desenho urbano, 215 13B-141
de desenvolvimento de refuncionalização da área pelo turismo, 129· 131
nacional, 2-11 de requalificaçAo urbanística, 201-203
social, 177, 178 de reurbanização do Vale do Anhangabaú, 225, 226
tecnocrAtico, do governo militar, 26-28 de tabula rasa. 231
urbano, 2-22 diretrizes de, 114-116
de habitação do bairro noroeste, 51-53
de Interesse Social (PHIS), 13B-1 41 do Cantinho do Céu, 226·229
social nas cidades-satélites, 48, 49 do Parque Royal, 245-247
de intervenções urbanísticas, 212-215 do Vldigal, 240-242
de Kubitschek, 2-11 e práticas de microplanejamento, 231
de moradia, 71-75 Estação'das Docas, 147-149, 151, 152, 155-158
-~ .;., .: - 7
de orçamento participativo, 194-196
de recuperaçao de centros, 138-141 .
-,
- Favela-Bairro, 250-253,
para,tylata Machfdo, 24l-250 :/
de regularizaçao fulll:liária, 234-236 • geral de rege9eraç~~w~paf.:2 19-222
de requalificaçAo po Pelourinho, 1~1'41 Linti'a turlstica-,. 179-189 •· ·,"
de revitalizaçao d!! ~reas centrais no Brasil, 105-107 modernizadores. 57. 5B - • ·-·
de Saneamento e Recuperaçao Ambiental da Bacia d6 · Montimenla, 1·3B·141, 21 9-224
Guarapiranga, 226-229 -• r Nossà Vila, 179· 1B9
de Urbanização Nova Rebouças, 179-189
e Regularizaç.'lo de Assentamentos, 226-229 Núcleo Cultural Feliz Lusitãnia, 147-149, 155-15B
e serviços, em favelas, 234-236 original de Palmas, 67, 68

~~--~t.-.... ce...-----------------..-..................................................
fndice 283

orla, 66 do sistema nacional da habitação, 2-22


para a Esplanada de Santo Antônio, 2-11 Reforço da opção social. 129-131
Plano 2000, 179-189 Regeneração
Polo Luz Cultural, 222-224 de espaços existentes, 261 , 262
pós-modernos, 105-107 do Pelourinho, 261, 262
residencial Portal do Guaíba, 170-174 Região(ões)
Rio, 2-22 atrasadas, 57. 58
Cidade. 26-31, 120, 121. 177, 178, 199. 215, 262-264 metropolitana, 35-38
Rua 24 Horas. 191, 192 Regime de comodato, 132-137
sanitaristas. 109-112 Registro iconográfico, 116, 117
São Paulo centro, 222-224 Regras modernistas empobrecidas. 48, 49
sociais, 237-239 Regulamentação
urbanísticos junto à população, cultura de. 215 da constituição nacional, 28-31
urbanos. 217 -219 do processo de verticalização, 85
atraentes, 196 modernista, 258-261
no Rio de Janeiro. processo decisório de. 212-215 Regularização fundiária e a urbanização de favelas e
pontuais, 212-215 loteamentos ilegais, 226-229
principais, 222-224 Reinvenção das megacidades. 229-231
Vale do Anhangabaú. 219-222 Reinvestimento simbólico no Pelourinho, 131. 132
ver o Rio. 147-151, 158 Relatório
Viver Junto, 179-189
de Impacto de Vizinhança (RIV), 98
Promenades. 247-250
do plano piloto de Brasllia, 43-46
Promoção
Remembramento de lotes estreitos, 98-100
de atividades culturais públicas, 105-107
Remoção das favelas, 234-236
do desenvolvimento, 2-11
Renovação
Proposta(s)
arquitetônica. 120. 121
de ações propositivas de cocriaçao. 229-231
áreas públicas. 120, 121
do movimento nacional da reforma urbana, 22-26
viárias progressistas. 2-11 do Pelourinho, 261, 262
urbana, 120
Protocolo pós-moderno emergente, 258-261
do Corredor Cultural, 122, 123
Reordenação espacial de Belém, 146, 147
Q Reorganização
Quadra da circulação veicular, 203-208
-bloco, 71-75 da Universidade do Brasil. 2- 11
carioca, padrão, 71-75 do aparato estatal, 2-22
condomínio vertical, 76-78 Reorientação geopolftica do Brasil, 54, 55
lote. 81, 82 Requalificação
Qualidade da Dias Cruz, 203-208
de habitabilidade, 71 -75 de lugares, 264
urbana, 192, 193 dos espaços públicos. 215, 262-264
Quinta fachada, 116, 11 7 e transformação de segmentos urbanos existentes,
71 -75
urbana, processos de, 218, 219
R urbanística
Reabilitação importância da, 21 5
de áreas de proteção ambiental, 217 projetos de, 201-203
de estruturas históricas. 105-107 Resgate
e revitalização do Centro de São Paulo, 222-224 da relação cidade-águas, 226-229
Reaproveitamento de antigos brownfields, 170-174 de espaços específicos. 145, 146
Rearquitetura. 168-170 Retail outlet, 166-170
do DC Navegantes. 170-174 Reterritorialidade espacial, 262-264
Reconfiguração Reurbanizaçilo
das relações socioeconômicas, 262-264 de brownfie/ds. 160, 16 1, 170-174
processo de. 258-261 de favelas, 231
Reconhecimento político do modernismo, 2-1 1 do Vale do Anhangabaú, projeto de. 225, 226
Recriação do domínio público, 261 , 262 Reúso de brownfields. 165. 166, 170- 174
Recuo(s) Reutilização de antigas edificações, 170-174
de edificação, 81, 82 Revitalização, 257, 258
obrigatórios, 82-84 da l apa, 119, 120
Recuperação de caráter historicista ou pop, 218, 219
das faixas de orla, 147-149 do centro
de espaços públicos, 120, 121 de São Paulo, reabilitação e, 222-224
do Lago Magnólia, 247-250 do Rio de Janeiro, movimento para a, 11 2, 113
efeitos, 168-170
Recursos de monumentalidade, 59, 60
Rede(s) ~ ...
de cidades globais, 2..18.'.2-19 -.. . social e ecii1nômi.ça
~""-1.o~f87 .
integral da área .central do Rio de Janeiro 121 122
_,, . 109 ~
.:... '
'"..'·
~ de insfraestrutur;i.-160, 161 · • ·: urbana, 120, 12- • 31 ,.
_ lntegr.Wa de_:Tra_nsporte°CR_ij} 1~9- J.89, 191, 192 Rio-921;,Z8~ 1. 160, 161 ~
~~Redemocratização';"22·26, 31."3i!' ~ • Cidade.. .., ~, -=·
d<1,cida9e. 26-28 ~ '.._. · 1>20F:~03, 1 12·215
.Çlo"'paiS; 26-28 · li, 201 -203. 212-215
nÓ 8rasil.~257, 258 •. " avanços específicos promovidos pelo, 21 5
Redesenho·urbano de áreas centrais, 218, 219 Rótula, 61, 62
Reestruturaçilo Ruas


da malha. viária, 179-189

l)
da cidadania, 179-189

I
284 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

de eventos. 166-168 Subáreas do Pro1eto Corredor Cultural, 112, 113


Dias da Cruz, 203-208 Subcentros funcionais, 203-208
24 Horas, 179-189, 191, 192 Sudam. 2-22
Sudene. 2-22
Sudesul. 2-22
s Superplanos. 2-22
Satehtização precoce. 48, 49 Superquadras. 81, 82
Sazonalidade da atividade turistica em Salvador, 141-143 Supraurbes. 26-28
Secretaria Municipal de Habitaçao (SMH). 237-239 Supremacia da paisagem em relação ao homem. 147-149
Século das cidades. 229-231 Sustentabilidade. 57. 58. 160. 161. 170-174
Segregação ambiental. 160. 161
espacial. 26-28 no urbanismo pós-modernista, 165. 166
urbana, 160, 161, 179-189
planejada. 59. 60
social, 258-261
ilhas de. 258-261 T
socioespacial, 51 -53
Seminãrios em desenho urbano, 22-26 Taxa de ocupaç~ do solo, 82-84
Sensibilização para a importancia da preservaçao. 118, 119 Tecnoburocrammo desenvolv1mentista, 2-22
Serviço{s) Tendência
básicos, 250·253 antiurbana. 54. 55
das agências públicas. 2-22 transnacional no processo pós-moderno. 258-261
municipais. 226-229 Termo de Acordo e Compromisso (TAC), 138-141
de patrimônio histórico e artiSuco nacional (Sphan). 2-11 Terrain vague. 217
federal de habitação e urbanismo (SERFHAU). 2-22 Terras de ninguém. 26-28
ilha de, 203-208 Território(s)
urbanos, 245-247 compartido. 31, 32
concessionárias de. 212-215 compartimentado, 101, 102
Setor(es) informais. 226-23 1
especiais de conexão. 179-189 metropolitano em mutaçoo. 217
militar urbano. 38-41 urbano. 35-38
sudoeste. 51-53 Tipologia(s)
Setorização. 60, 6 1 arquitetônica, 35-38
SFH, desmantelamento do, 22-26 edilícias. 109-112
Shopping centers. 92-102. 105-107, 146.147 modernista, 2-22
centrais. 95-97 espaciais novas, 76-78
classificações de. 95-97 Tiranias da intimidade. 42, 43
funções dos. 97. 98 Tombamento. 129-131
no Brasil, 91, 92 Traffic calming. 203-208
padrão arquitetônico de, 92-97 Trama viária, 165, 166
regionais. 160, 161 Transamazônica, 2-22
tipos prinopais de. 92·95 Transformaç~ões)
lguatemi, 91, 92. 95-102 acelerada, 218, 219
mall. 166-168 culturais no Brasil, 2-11
Pátio Higienópolis. 91, 92. 95-98. 100-102. da metrópole pós-industrial. 218, 219
Total. 170- 174 dos paradigmas internacionais de desenvolvimento, 105·
Simbiose da malha urbana. 145, 146 107
Simulacros cênicos. 217 imagétKa. 28-31
Sindrome do planejamento, 2-22 pollticas no Brasil, 2-11
Sistema(s) significativa da estrutura urbana, 128
de financiamento imobiliário. 2-22 sociais no Brasil. 2-11
de planejamento. 2-22. 28-31, 262-264 urbana, 76-78
de pocket parks. 203-208 Tratamento
educacional, 2-11 do espaço livre. 81, 82
financeiro da habitação (SFH), 2-22 paisagístico. 245-247
-integrado. 2-22 do lote verticalizado, 85. 86
local, 2-22
nacional
da habitação, 2-22
u
reestruturação do, 2-22 Unidade{s)
de planejamento. 2-22 de policia pacificadora (UPPs). 255, 256
urbano. 2-22 de vizinhança. 8 1. 82
trinário. 179-189 habitacionais. 240-24 7
viário em cul·de-sac, 43-46 morfológicas. 63. 64
Slt1os de exclusão social. 26-28 tradicionais, 46, 47
Situação(ões) UPP sociol). 255, 256 ..
do modelo padrão. 85, 86
geomorfológica da cidade, 109-112
urbanísticas vertiqiis, 71-75
-,
. .
'- ~
Urbanidade, 162, 16i
Urbanisme, 2- 11 ·• •: "A
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_- ; . , · · '

Urbanismó(s). 2-11, 69, 70. 1~-164, 200:203. 215. V7-219,


' •

Sociedades de crédito imobiliário. 2-22 , . 229-231, 258-'26'~ . .. , :. • .


Solar da beira, 152: 155 .. anglo-saxônico. 160, 161 _; -
Solução(ões) autoproduzido. 49, 50 - '
das desigualdades sõé}àis, 22-26~ b~celonizaç3o,do, 26-28
de ocupaçao do solo. 81, sr brasi leiro. 2-22, 35-38. 160, 161, 264
para os usuários com neces'Sidades especiais. 203-208 carioca, 21 5
Spraw/ urbano, 170-174 congresso brasileiro de, 2-11
.....
ü
!

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índice 285

contemporaneo, 31. 32. 125, 126. 257, 258, 261, 262 de lotes estreitos. 98-1 00
da época Vargas. 2· 11 de São Paulo, 258-261
internacional, 43-46 desenfreada, 149-1 51
modernista. 2-11 , 38-41, 79, 80 diretrizes de. 71 ·75
moderno. 2 -22, 145, 146 formas de. 71-75
no Brasil, 2· 11
frentes de expansão do processo de, 71-75
nascimento do, 2· 11
no Brasil, 170-1 74. 177, 178 mancha de, 79, 80
pós-moderno, 159, 160, 162. 163, 261 -264 padrão nacional de. 71-75
brasileiro, 22-26, 170-174 paulistana, legislação urbanlstica reguladora da, 88. 89
prático, 69, 70 pontos de. 79, 80
restaurador, 2 18, 219 processo de, 35-38. 71 -75, 79-82. 98-100. 149-151
socialmente responsável, 177, 178 nas cidades brasileiras. 82-84
Urbanização, 2·22, 57. 58, 161-164, 234-236 urbana, 71 -75
acelerada, 57, 58. 159, 160 regulamentação do processo de. 85
benefícios, 262-264 Vetor(es)
centrifugação da. 160, 161
de crescimento urbano, 53, 54
como instrumento de intervenção. 2-22
de expansão, 86, 87
da cidade brasileira, modos de. 2-22
de bairros, 237-239 urbana, 91, 92, 98
de Belém, 146, 14 7 morfológico dominante, 54, 55
de favelas, 217, 231, 233 Vida
de vias públicas, 105-107 comunitária. 69, 70
desordenada, 69, 70 urbana, 69, 70
do território brasileiro, 57, 58 Vila(s}
equilibrada do território nacional, 2-11 Aureny, 59, 60, 67. 68
excesso da, 112, 113 do Conde, porto de, 146, 147
expansão da, 57, 58
do Paranoà, 46, 47, 49, 50
potencial indutor da. 92-95
Olímpica, 240-242
processo de, 71·75
regional e da justiça social, 196 Planalto, 46. 47
Uso(s) Vitalidade cultural, 141 -143
comerciais e de serviços do Leblon, 208-212
do solo. 114
e sustentabilidade. 196
z
zoneamento de, 179-189 Zona(s)
habitacional. 132-137 de transição, 85
Usucapião de uso. 82·84
constitucional urbano, 138-141
genérico, 86, 87
extraordinário. 1 38-1 41
especial, 114
urbano. 28-31
específicas, 1 79-189
Zoneamento
V científico. 109-112
código de, 2·22, 81, 82
Valoração urbanística, 250-253
Valorização da área central de negócios e do Corredor Cultural, 121, 122
da paisagem natural, 145, 146 da cidade, 98· 1oo
do patrimônio cultural por meio do incentivo ao turismo, de Curitiba, lei de, 179· 189
156-1 58 de São Paulo. leis de. 258-261
Varejo de usos, 82·84
contemporMeo. 92 do solo. 179-189
desenvolvimento do. 92 legislação, 71·75, 82·85
global. 92 modernista de. 105-107
Vazios urbanos. 218, 2 19 lei de, 82-84
Venda por impulso. 97, 98
menos rígido. 2-11
Vernáculo, 38-43
brasileiro, 51-53 para usos específicos, 179-189
Verticalidade, 35-38 restritivo. 2-11
Verticalização rígido, 2· 11
áreas, 71·7 5, 88, 89 urbano, 60, 61
das cidades, processo nacional de. 71·75 códigos de. 2-11

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Capítulo 1: Brasília: Permanência e
Metamorfoses
Maria Elaine Kohlsdorf, Gunter Kohlsdorf e
Frederico de Holanda

Capítulo 2: Palmas: Desenho Urbano da


Capital do Tocantins
Dirceu Trindade

Capítulo 3: A Paisagem Verticalizada de


São Paulo: A Influência do Modernismo no
Desenho Urbano Contemporãneo
Silvio Soares Macedo

Capítulo 4: Shopping Centers e o Desenho


Urbano no Brasil: Dois Estudos de Caso em
São Paulo
Gilda Collet Bruna e Heliana Comin Vargas

Capítulo 5: O Projeto Corredor Cultural:


Preservação e Revitalização no Centro do
Rio de Janeiro
Vicente dei Rio e Denise de Alcantara

Capítulo 6: Revisitando o Pelourinho:


Preservação, Cidade-Mercadoria, Direito à
Cidade
Ana Fernandes e Marco Aurélio A. de
Filgueiras Gomes

Capítulo 7: Revitalização da Orla Fluvial na


Amazônia - O Caso de Belém do Pará
Alice da Silva Rodrigues Rosas e Simone
Silene Dias Seabra

Capítulo 8: Redesenhando Brownfields em


Porto Alegre
Lineu Castello

Capítulo 9: Desenho Urbano, Planejamento


e Políticas de Desenvolvimento em Curitiba
Clara lrazábal

Capítulo 10: Resgatando a Imagem da


Cidade e o Prazer das Ruas: Projeto Rio
Cidade, Rio de Janeiro
Vicente dei Rio

Capítulo 11: O Território Metropolitano em


Mutação: Intervenções Urbanas
Contemporâneas em São Paulo
Carlos Leite

Capítulo 12: Transformando Favelas em


Bairros: O Programa Favela-Bairro no Rio
de Janeiro
Cristiane Rose Duarte e Fernanda
Magalhães

Conclusão: Um Olhar Estrangeiro sobre o


Desenho Urbano Contemporâneo Brasileiro
Williar:i Siel]bieda

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Sobre Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil:

" Um livro notável que leva os leitores a uma ampla e provocativa jornada a alguns dos estudos de caso mais significativos do desenho urbano
contemporâneo no Brasil, guiados por um perspicaz cenário geral.· Jaime Lerner - arquiteto-urbanista; prefeito de Curitiba (1971, 1979 e
1989), governador do Paraná (1994 e 1998) e presidente da União Internacional de Arquitetos (2002). (Da edição original do livro em inglês.)

" Finalmente um livro que analisa as cidades brasileiras desde a perspectiva formal e de organização urbana através de projetos concretos."
Verena Andreatta - arquiteta-urbanista; presidente do Instituto Pereira Passos, Prefeitura do Rio de Janeiro (1993-2000); atual secretária de
Urbanismo e Mobilidade de Niterói, RJ.

" ... reúne algumas das melhores reflexões contemporâneas sobre o desenho urbano no Brasil, transcendendo o plano teórico por meio da
apresentação e da análise de várias intervenções reais. Dá-nos esperança de que o desenho urbano, entendido como a disciplina que lida
com a forma da cidade, tem muito a oferecer no Brasil.· Edson Mahfuz - arquiteto-urbanista; professor titular da FAU-UFRGS.

" ... livro fundamental pelos conceitos que propõe, pela coerência e objetividade dos estudos e pela qualidade conceituai e analítica dos textos.
A sua desafiante qualidade constitui enorme estímulo para todos que se dedicam ao estudo, à teoria e à prática de políticas públicas recentes
e ao futuro do urbanismo no Brasil." Jorge Guilherme Francisconi - arquiteto-urbanista; secretário-executivo da Comissiio Nacional de
Regiões Metropolitanas e Política Urbana (1995-1996) e presidente da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos (1978-1982); consultor
doBIDeBIRD.

"Excelente contribuição ao debate e ao conhecimento sobre a qualidade do espaço público, seu desenho, planejamento, funcionamento e
gestão, e a prática do urbanismo, ampliando nossas referências, disseminando experiências e fomentando a discussão crítica sobre essa tão
negligenciada profissão de urbanista em nosso país. Leitura obrigatória para os estudiosos, técnicos, profissionais e o público interessado em
urbanismo e nas práticas do desenho urbano.· Claudio Acioly Jr. - arquiteto-urbanista; chefe de Política Habitacional e coordenador do
Programa para o Direito à Habitação das Nações Unidas (2008-2012); atual chefe de Formação e Capacitação Profissional da Agência
UN-Habitat das Nações Unidas.

"Ainda que reconheça os inúmeros problemas das cidades brasileiras, o livro perpassa uma visão otimista do urbanismo contemporâneo no
Brasil. Os autores descrevem a formação de uma cultura 'pós-moderna', não no sentido reacionário, de volta ao passado, que o termo acabou
recebendo da crítica arquitetônica, mas como superação do racionalismo da Carta de Atenas. O desenho urbano pós-Brasília corresponde a
uma busca de soluções que reconhecem a fragmentação, a heterogeneidade, as diferenças, o pluralismo e mesmo o pragmatismo. Não há
mais uma única resposta, mas uma busca por soluções que tornem as cidades mais justas e melhores. Nesse sentido, trata-se de um livro que
abre caminhos." Paulo Bruna - arquiteto-urbanista, professor titular da FAU-USP e da Universidade Mackenzie.

ISBN 978-85-216-2255-0
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projeto cultural

+·~NTER
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9 788521 622550 í www.g ru pogen .co m. br


Capítulo 1 I Brasília: Permanência e Metamorfoses 51

relação com o espaço público e empobrecimento


da linguagem arquitetônica. Comparando-se com
trechos semelhantes e antigos, mostra-se exacer-
bação de tendências, como é o caso dos Setores
Comerciais Sul e Norte (Figura 1.9). Nesse último,
radicalizou-se a "paisagem de objetos" (Holanda,
2002): diminui-se a contiguidade entre edificações
(isoladas por estacionamentos) e aumenta-se a
presença de espaços públicos residuais. Comércio
e serviços internalizaram-se em shopping ma/Is
que remetem ao kitsch arquitetônico e contras-
tam com a unidade plástica do Setor Comercial
Sul, mais de acordo com o plano original.

Um fenômeno semelhante deu-se nos setores


hoteleiros, no qual, como na maioria das cida-
des brasileiras. especuladores tiram proveito da
legislação mais permissiva elaborada para esti-
mular o turismo de modo a construir "hotéis
residenciais", que dispensam amenidades e esta-
cionamento exigidos em zonas residenciais. Em
contraste com outras partes do Plano Piloto, aqui
logrou-se otimizar a infraestrutura implantada
devido ao seu altíssimo valor e acessibilidade.

Hotéis ocupam também as margens do Lago


Paranoá, em conjuntos de flats, centros de con-
venções. salas multiplex. praças de alimentação
Figura 1.9 Um exemplo de modernismo original
e similares, seguindo as características espaciais
de Costa e uma imitação dele: (topo) um centro recém-relatadas. A desertificação das áreas pú-
comercial local em uma das superquadras residenciais blicas somam-se a privatização da orla lacustre e
da Quadra Sul; (inferior) uma adaptação mais recente
do conceito na Asa Norte. (Foto dos autores.) o comprometimento da escala bucólica por gran-
des construções.

Os Novos Bairros

Criaram-se novos bairros para atender à demanda habitacional de setores médios. baseados no Plano
Estrutural de Ocupação Territorial do Distrito Federal (PEOT) de 1977 e em Brasília Revisitada (Costa,
1987). O primeiro documento fixou diretrizes de urbanização do Distrito Federal e sugeriu a localização
de Aguas Claras; o segundo caracterizou a expansão do Plano Piloto e-Oefiniu a localização dos Setores
Sudoeste e Noroeste~
·-
De concepção modernista, nesses três bairros houve presença maciça· db.set~r privadg desd,i: suas fases
de projeto, ao contrário ·das decisões concentradas na Adtnin.lstração Pública, própria dos dem;;s tipos
daqu~la vertente. Apesar 'de a concepção de Aguas Claras pretenâer o envolvimento de cooperativas de
mor~do~es. em sua construção logo se impôs a presença do promissor comércio imobiliário do Distrito
Federal. Certas características morfológicas desses assentamentos por vezes remetem ao modernismo
clássico, mas muitas outras dele os distanciam.
52 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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ci1 Envolvida por áreas não urbanizáveis, Águas Claras dista cerca de 25 km do Plano e é contígua a
n Taguatinga. 9 Evoca o Plano Piloto em escala menor, embora seja o novo bairro que dele mais difere
(Figura 1.1 O): superquadras dispõem-se junto à linha do metrô, em nova relação com o transporte
A
lC público, seus edifícios preservam a baixa contiguidade própria do Plano Piloto, com plantas quadradas
ln (e não retangulares, como nas Asas) e quatro apartamentos por andar. Em algumas vias. deveria haver
>ti comércio local no pavimento térreo (remetendo ao vernáculo brasileiro), porém inúmeras garagens ocu-
~s
param o rés do chão e delimitaram o espaço público por paredes cegas. Os pilotis ficaram livres em certas
<P
5r quadras, mas os edifícios não ocupam 100% dos lotes, que, cercados, eliminam a permeabilidade típica
ri r das superquadras tradicionais. Recentemente, resgatou-se parte da proposta original: edifícios mistos de
e\
até 30 pavimentos têm garagens e galerias comerciais nos primeiros andares e residências nos demais.
Todavia, a relação com o espaço público aproxima-se daquela própria de shopping centers.
"
er
O Setor Sudoeste ocupa área adjacente ao Parque da Cidade, no Plano Piloto (Figura 1.11 ). 10 Suas
in
o~ ' superquadras residenciais assemelham-se às clássicas, organizadas em conjuntos de quatro e de ambos
a os lados de um eixo comercial, com equipamentos de apoio imediato (como escolas) entre elas. A con-
m figuração desse eixo remete aos comércios locais do Plano Piloto, pois os edifícios têm profundidade

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Figura 1.10 Vista aérea de Aguas Claras, uma cidade-satélite planejada entre Brasília e Taguatinga. (Cortesia de
Zimbres Arquitetos Associados.) -

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q Aguas Claras foi projetada por Paulo Zimbres & Arquitetos Associados e é•produto da assunção pelo governo do
transporte por metrô no Distrito Federal. O metrô foi uma decisão.'polêmica, P!)is não era a única possibilidade de
transporte de massa sugerida pelo PEOT para organizar a e)ÇpansC!o orbana no DF a sudoeste do Plano Piloto; frágeis
argumentos a seu favor excluíram soluções mais baratas, como veículos leves sobre trilhos. Em construção há mais de
dez anos a custos elevadíssimos, o metrô opera ainda precariamente entre o centro do Plano Piloto e cidades-satélites
a sul e sudoeste, enquanto se desenvolvem expressivos vetores de urbanização em outras direções no Distrito Federal.
10
O Setor Sudoeste foi construído a partir de projeto de técnicos do governo do Distrito Federal.

J
Capítulo 1 IBrasília: Permanência e Metamorfoses 53

do comércio da Asa Norte e forma alongada


daquele da Asa Sul. Contudo, seu perfil alar-
gado, devido à escassa altura dos prédios comer-
ciais lindeiros, lembra mais rodovia do que um
estimulante bulevar.

O projeto do bairro Noroeste, ainda não cons-


truído, compõe-se de superquadras semelhan-
tes àquelas das Asas Residenciais, reunidas em
grupos de quatro e lindeiras a eixo estruturante
similar ao do Sudoeste. Há comércios locais con-
tínuos (e não alternados, como no Plano Piloto),
com planta quadrada (tal como no comércio
local da Asa Norte) e ilhados por sistema viá-
rio em binário, que lhes faculta acesso por dois
lados. Nos pontos de alta acessibilidade (como
cruzamentos de vias), dispõem-se escolas e
outros serviços vicinais, implicando salutar siner-
gia pela proximidade de usos diversos.
Figura 1.11 Uma quadra residencial no novo bairro A reprodução do modernismo clássico nesses
Sudoeste de Brasflia imita o estilo do Plano Piloto.
(Foto dos autores.)
bairros prejudicou a preservação da fisionomia
de Brasília, pois enfraqueceu a imagem forte do
colar duplo de superquadras ao longo do Eixo Rodoviário do Plano Piloto, graças à construção de unida-
des semelhantes fora de seu nicho territorial original. Os novos bairros são versões modernistas que con-
servam atributos de segregação, aumentam os problemas de legibilidade e empobrecem as qualidades
simbólicas do modernismo clássico. Embora sua localização amenize atributos de dispersão, segregação
socioespacial e excentricidade de Brasília, não chegam a reverter tendências (Paviani, 1999).

ACidade de Muros
Condomínios fechados por cercas e muros passaram a constituir novos bairros a leste e nordeste do
Plano Piloto, próximos à cidade-satélite de Sobradinho e à margem leste do Lago Paranoá. Oficializam
um vetor de crescimento urbano contrário às intervenções estatais anteriores. Estas haviam preferido
áreas a oeste e sudoeste, ambientalmente menos sensíveis e mais propícias em termos sanitários do que
os demais quadrantes (estes agora urbanizados). Regulares ou não, para eles migrou a classe média,
pressionada pelos altos preços dos imóveis no Plano Piloto, que assim perdeu população. 11 Alguns per-
manecem em situação litigiosa, e outros estão em processo de regularização (bairros de Alto da Boa
Vista, Taquari, São Bartolomeu, Jardim Botânico. Dom Basco e Vicente Pires).

A configuração desses bairros é típica de parcelamentos realizados sem assistência técnica. Não aten-
dem a requisitos básicos da Lei nª 6. 766/1979 quanto à destinação mínima de 30% da área total para
espaços públicos. eq~jp~meQtos comunitários ou áreas verdes. Resumem-se a um sistema viário não.

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11
A falta de financiamento estatal favoreceu o processo, e agentes privados exploraram indefinições fundiárias, pois,
ao oferecerem trechos de fazendas bem situadas, atenderam a forte demanda reprimida. As terras não foram desa-
propriadas por localizarem-se fora de eixos prioritários de expansão urbana; próximas à cidade, eram boa opção de
moradia. Mesmo em situação fundiária duvidosa. os preços excluíam grupos de mais baixo poder aquisitivo. Como no
caso das invasões programadas. apostava-se no confronto dos novos moradores com o poder público. ante a situação
de irreversibilidade pela ocupação maciça dos novos bairros, o que se verificou a partir de 1998.

í
54 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

necessariamente hierarquizado e a uma infinidade de lotes idênticos, agrupados em quadras com uso
quase exclusivamente residencial. Espaços públicos são apenas vias interbairros, ladeadas por intermi-
náveis muros e alambrados (alguns eletrificados) pontuados por guaritas de acesso. Excepcionalmente,
há pequenos parcelamentos lindeiros às vias públicas com estabelecimentos comerciais vicinais, como o
bairro Grande Colorado.

Considerações Finais
Talvez distante da imagem divulgada, a capital brasileira não coincide nem com o território definido
para abrigá-la, nem com as ideias vencedoras do concurso de 1956. Afasta-se do nicho demarcado pelo
presidente Juscelino Kubitschek e por Lucio Costa. e o faz em termos de área, população e configuração
espacial. Conhecê-la implica descobrir uma cidade que extrapola os limites de um bairro chamado Plano
Piloto, pois se expande pelo Distrito Federal e Goiás. Significa deparar-se com uma cidade que segue
modelo de exclusão das classes menos favorecidas para lugares sempre mais distantes e pouco quali-
ficados. Nesses pontos. Brasília adequou-se à regra de urbanização dos países com forte estratificação
social, como é o caso do Brasil.

Mas conhecer Brasilia também nos conduz a sua atipicidade. Esta se revela no tecido excepcionalmente
rarefeito. fato que potencializa distâncias físicas, custos financeiros e ônus social. Mostra-se também na
reprodução dessa escassa compacidade territorial dentro de suas partes e principalmente em seu core,
sob a forma de constantes barreiras impostas ao movimento humano que constrangem as interações
sociais cotidianas. Pode surpreender-nos a diversidade de tipos mórficos convivendo no conjunto urba-
nizado, assim como a mobilidade de sua configuração. Tal mutação reduz diferenças entre as partes do
mosaico morfológico, mas também ameaça identidades emblemáticas tanto ao movimento modernista
quanto ao vernáculo do Centro-Oeste.

A hipótese de que problemas e transformações indesejáveis decorreram do desenvolvimento de Brasllia ou


de gestão urbana despreparada é insustentável diante de qualquer exame objetivo. Atributos típicos ou
anômalos nasceram junto à cidade que se construía através da epopeia que marcou a história brasileira
recente. Nesse processo, é sintomático que centro funcional e centro morfológico jamais tenham coinci-
dido na capital: o Plano Piloto sempre concentrou a maior parte dos empregos e serviços da metrópole
polinucleada, mas nunca foi sua parte fisicamente mais acessível. Esse fato cresce em gravidade quando se
observa que essa é a mais rarefeita de todas as cidades brasileiras estudadas por Holanda (2002).

As características de centralidade excêntrica e fraquíssima compacidade da "Brasília real" aliam-se a


outros atributos referidos neste capítulo para justificar a elevação das tarifas de transporte público ao
mais alto patamar no pafs. 12 Assim. a perversa estrutura territorial da capital atinge mais aqueles de
menor poder aquisitivo.

Pressões sociais trouxeram algumas transformações, sem, entretanto. mudar Brasilia essencialmente.
Por um lado, construíram-se novos bairros, mas dentro do "cordão sanitário", em áreas non aedificandi,
e condomínios fechados ocuparam enorme parte do Distrito Federal sem compactá-lo. Seus morado-
res dependem quase exclusivamente do carro particular para se locomover. Por outro lado, mostramos
que tendências ao esgarçamento não _se restringiram à macroescala e se inseriram, infeli~mente, nas
áreas centrais tombadas do Plano Piloto. P.ela edificação dos shopping ma/Is, a cidade de muros não

12
Referimo-nos ao bancq de dados que vem há anos sendo ~onstruído como parte dos trabalhos do Grupo de
Pesquisa Dimensões Morfológicas do Processo de Urbanização, do qual fazem parte os autores. Embora Brasília regis-
tre também o mais alto fndice de motorização do pars. mais da metade de todas as viagens para todos os fins ainda
é feita por meio de transporte coletivo (Codeplan, 1991 ).

)
Capítulo 1 IBrasília: Permanência e Metamorfoses 55

está apenas na periferia, e a tendência antiurbana atinge todas as escalas do Plano Piloto, assim como
comanda mutações nos demais tipos mórficos do mosaico brasiliense. Vetor morfológico dominante. o
reinado do urbano com morte da cidade (Choay, 1994) compromete a configuração do espaço público
para sua apropriação por diferentes camadas sociais.

Porém, tais questões não parecem problemáticas a muitos atores identificados com a preservação da
cidade como patrimônio mundial. Legitimamente preocupados com invasões de terrenos públicos no
Plano Piloto, eles não demonstram interesse por medidas que garantam melhor qualidade das áreas
livres públicas, particularmente na escala gregária. O mesmo pode aplicar-se ao kitsch arquitetônico,
combatido no Plano Piloto remetendo à censura estética, ainda que, nem por isso, deva ter sua discussão
evitada. Na verdade, o permanente monitoramento do estatuto do tombamento deve ser inovador o
bastante para estabelecer parâmetros que incentivem a criatividade e balizem a qualidade arquitetônica
de edificações individuais, de seu conjunto e das áreas livres públicas.

Preservar Brasília pode ser, talvez, resgatar sonhos a partir de evidências das possibilidades dos mes-
mos. Uma dessas evidências é o significado de Brasília na reorientação geopolitica do Brasil. na medida
em que participou da ocupação do interior brasileiro após quase 500 anos de para ele se voltarem as
costas da nação. Mudanças nesse país e em sua sociedade, ocorridas a partir da segunda metade do
século passado, não podem ser explicadas omitindo-se a mudança da capital para o Planalto Central.
Outra evidência refere-se à experiência urbanística representada pelo plano de Lucio Costa, sugerindo
reflexão sobre articulações que se estabelecem entre as ideias e a construção da realidade, além do
significado emblemático do Plano Piloto para o modernismo e o admirável exemplo de sua interpre-
tação brasileira.

r ·.
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•.:.

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CAPÍTULO 2

Palmas: Desenho Urbano


da Capital do Tocantins

Dirceu Trindade

A o longo de sua história, o Estado brasileiro tem se utilizado do desenvolvimento urbano em sua
busca pelo progresso e pela modernidade. Desde os tempos coloniais, a expansão da urbanização
sempre foi vista como necessária para a conquista de territórios vazios e de regiões consideradas "atra-
sadas": o sertão, o cerrado, as grandes f lorestas e os campos gerais.

Com a Independência e a instituição da República no Brasil, a urbanização, a interiorização e a construção


de cidades passaram a ser vistas como projetos modernizadores do país e transformadores da sociedade
brasileira. Esse empenho construtor gerou primeiro a construção de Belo Horizonte, como nova capital do
estado de Minas Gerais em 1897. Na década de 1930, o governo modernizador de Getúlio Vargas cons-
truiu Goiânia, nova capital do estado de Goiás, resultado de sua Marcha para o Oeste, que, retomada pelo
governo desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek (1956- 1960), teve sua expressão máxima na constru-
ção da capital federal Brasília, também em território do estado de Goiás, inaugurada em 1960.

Durante toda a década de 1960, a interi orização e ocupação mais homogênea do território nacional
foram uma preocupação constante dos planos de metas e dos esforços de desenvolvimento regional.
Com a retomada da democracia nos anos 1980, essa preocupação também se faria presente através da
nova Constituição Federal de 1988, com o estado do Tocantins. O novo estado é fruto de manifestação
de forças políticas regionais e locais que, desde 1821, lutavam por sua criação, notadamente as ações
iniciadas por Teotônio Segurado e con tinuadas pelo deputado Wilson de Siqueira Campos. Diversas
investidas no Congresso Nacional não t iveram êxito, e somente foi possível através de acordo de lideran-
ças regionais que incluiu no texto constitucional a criação do novo estado do Tocantins, com a divisão de
Goiás. Resultado desse desmembramento, coube ao novo estado o território mais pobre, menos urbani-
zado, com grandes latifúndios e graves conflitos de terras, apesar de possuir um solo ri co em minérios e
matérias-primas preciosas ainda pouco exploradas.

Formalmente integrante da Região Norte do país, o Tocantins encontra-se na área de transição geo-
gráfica entre o cerrado e a floresta amazônica, com características evidenciadas na fauna e na flora.
A criação do novo estado deu um importante impulso ao povoai:nento e abriu uma nova frente de
desenvolvimento er:i uma região de economia agropecuária incipiente. Como consequência, construiu-
se Palmas, nova cidade-capital do estado, inaugurada em 20 de maio de 1990. •'
Portanto, entre as dica~a;finai~ dos séculos XIX e x;; o Brasil con.str.Di~ uria cidãde:ca~ital>a cada três
décadas aproxim~damé~te: s~~do três no mesmo territórío '~o cerrado goianÕ, e t~das como-~sforços
de. inserçao
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do país e suas regiões na modernidade.
.. No ca5o dé Palmas, como veremos, o seu projeto
intencionou, além.dos mésmos marcos mõdernistas de Brasília em seu desenho, o respeito pela ecologia
e a sustentabilidade. Ecológico na preservação dos córregos e ribeirões, e sustentável na adequação da
cidade ao meio ambiente.
lt 58 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
li
lc
1(

lf

Ao completar 20 anos de existência em 201 O, Palmas atingiu a marca dos 228.332 habitantes, enquanto
11
o estado do Tocantins chega a 1.373.551 habitantes, e seu crescimento acelerado se reflete sobre toda
a região, constituindo um novo marco no processo de urbanização do território brasileiro e gerando
,(
significativas repercussões t erritoriais, sociais, econômicas e polfticas. O estudo do projeto e do processo
:(
de implantação dessa nova capital nos ajuda a compreender melhor não apenas os impactos da urba-
u nização acelerada sobre a região, mas também o cotidiano de milhares de migrantes vindos de diversos
:)
pontos do pais - muitos diretamente de áreas rurais-, atraídos pela construção da cidade, seus serviços
11
e oportunidades econõmicas.1
li
!o

h Antecedentes do Projeto
Contratado em 1990 diretam ente por Wilson de Siqueira Campos, primeiro governador do novo
estado do Tocant ins, para a realização do projeto da nova capital, o escritório goiano de arquitetura
GrupoQuatro1 inicialmente realizou estudos de avaliação das cidades de Porto Nacional, Gurupi e
Araguaína, que haviam se candidatado a ser a nova capital. As inúmeras dificuldades envolvidas e os
elevados custos apontados para a transformação dessas cidades subsidiaram a decisão do governador
pela construção de uma cidade nova.

Utilizando como marco de referência o centro


geográfico do estado, a seleção preliminar do
local para a nova cidade foi baseada em um qua-
drilátero determinado de 90 x 90 km, posterior-
mente ampliado no sentido norte-sul para 112
li km. Estudos interdisciplinares resultaram em um
relatório pré-selecionando quatro áreas aptas,
em graus diferentes de aproveitamento segundo
os seguintes principais critérios de análise: mor-
fologia do sítio; qualidade do solo; condições
climáticas; vegetação; recursos naturais; condi-
cionantes espaciais; distâncias e relações com
aglomerados próximos; acessibilidade e mensu-
ra ção do potencial de aglomeração.

A seleção concentrou-se em uma área localizada


à margem direita do rio Tocantins, finalmente
escolhida por ser a região menos desenvolvida
do estado e que, portanto, necessitava de maior
alavancagem . O sítio escolhido apresenta um
perfil topográfico com declividade da ordem
de 4% na direção leste-oeste, limitando-se ao
norte pelo ribeirão Agua Fria, ao sul pelo ribei-
rão Taquarussu, a leste pela Serrª do Lajeado e a ,,
oeste pelo rio Tocan tins (Figura 2.1 ). ~vegetação
Figura 2.1 Mapa esquemático do estado do.
predominante era de cerrado com pouca explora- Tocantins, indicando a localizaç(o de Palmas. (Autoria
ção agrícola ou pastoril, e a pequena população Vicente dei Rio.)

' Este texto teve como suporte a dissertação de mestrado do autor, na EESC-USP, em 1998, além de sua experiência
profissional na reafiz.ação de vários projetos em Palmas e como integrante do GrupoQuatro.
2 Os diretores do GrupoQuatro eram os arquitetos Luiz Fernando Cruvinel Teixeira e Walfredo Antunes Oliveira Filho.

J
Capítulo 2 IPalmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 59

existente concentrava-se no vilarejo de Canelas, no município de Taquarussu. A cidade mais próxima,


Porto Nacional, encontra-se a 60 km, e à época era acessada por estrada vicinal sem pavimentação.

Para a nova capital haveria de ser construída toda uma infraestrutura regional e urbana, facilitada pela
topografia e pelos inúmeros córregos e ribeirões que cortam o sítio escolhido, com nascentes próximas
e de grande potencial hídrico. Já durante o processo de seleção iniciava-se a construção da barragem e
usina hidrelétrica do Lajeado no rio Tocantins, cujo grande lago reservatório impactou significativamente
o microclima árido dessa região de cerrado. O lago planejado para a Barragem do Lajeado foi incorpo-
rado ao projeto da futura capital, permitindo visuais muito bonitos da Serra do Lajeado e potencializando
diversas opções de recreação e lazer.

Plano Conceituai e Partido Urbanístico


Todo o projeto urbano foi elaborado em apenas 40 dias, um prazo recorde determinado por imposições
políticas, já que os elementos principais de Palmas deveriam ficar prontos em dois anos, período em que
o novo estado estaria sob o governo de Wilson de Siqueira Campos, principal articulador da criação do
Tocantins. Além de projetar a cidade nova, o GrupoQuatro também projetou seus edifícios governamen-
tais e alguns dos equipamentos públicos.

O GrupoQuatro buscou para Palmas a imagem de uma cidade de fim de século: moderna, eficiente, rica
em seus espaços e estruturas urbanas, mas respeitosa das questões ecológico-ambientalistas. A equipe
admite diversas influências em seu desenho, conjugadas à vontade de referenciar-se na cultura goiana.
Através das experiências e escritos de Carlos Nelson dos Santos (1985b), inspirou-se para estabelecer o
conceito de uma cidade concebida por um conjunto de bairros ou de lugares, como em uma pequena
cidade de interior. De Goiânia, capital de Goiás inaugurada em 1935, inspirou-se na forma de organiza-
ção espacial com um centro administrativo bem marcado na paisagem urbana, e por seu sistema viário
estruturado por rótulas e grandes avenidas.3 Brasília foi outra fonte inevitável de inspiração, e, embora
os autores do projeto admitam ter tentado fugir do determinismo espacial da capital federal, não con-
seguiram se afastar suficientemente dos preceitos modernistas da Carta de Atenas. Palmas também se
submete ao automóvel ao buscar a eficiência do sistema viário. 4

Os limites da área urbana e o próprio rio Tocantins sugeriram um sentido longitudinal norte-sul para a
cidade e, como princípio ordenador do parcelamento urbano, uma malha ortogonal acomodada à topo-
grafia. Essa concepção -seguidamente adotada desde 479 a.e. em Mileto, na Asia Menor e muito utilizada
na América Espanhola - estabeleceu de imediato a eficiência não apenas do parcelamento, mas também
do sistema viário. Nessa decisão também pode-se notar a influência do projeto e da malha urbana "agigan-
tada" da cidade inglesa Milton Keynes, um dos locais visitados pelo GrupoQuatro durante o período em
que iniciavam os estudos para Palmas. A grelha como definidora espacial também remete à própria experi-
ência de Brasília e sua divisão em áreas de vizinhança - superquadras - para facilitar o uso por pedestres e
fomentar a vida social. O relatório de estudos para implantação de Palmas estabelecia que:

"O conjunto urbano a ser projetado deve ser agradável e propiciar um nível bom de qualidade
de vida p9ra seus ocupantes. Ao mesmo tempo, a nova cidade deve guardar estreita relação
''\
com os há~itQs culturais e saciai~ do novo. ~stado, sen.do_que ~sse sentido se êspera um ·-
. . . :. . . _.....
.. . , .. < ' :.
~! ...

3
<:>,:projeto de Goiânia teve forte inspiração cylturalista e das cidaâes-jârdins inglesas, tanto em seu traçado original
por Attilio Corrêa Lima - q4e também adotou como modelos Versailles e Washington para o monumentalismo da área
central - quanto nas alterações posteriores de Armando de Godoy.
4
Localizada a apenas 200 km de Goiânia, Brasília e seu modernismo influenciam toda a produção arquitetônica e
cultural da reg ião.

r
60 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

padrão simples, agradável e sem recursos de monumentalidade. As funções urbanas e as ativi-


dades do governo precisam ter condições de desempenhar-se com a funcionalidade desejável,
e o todo terá que fazer justiça à beleza da paisagem tocantinense e a ela integrar-se de forma
perfeita. O desfrute de condições naturais ou construídas no universo urbano e próximo deve
estar ao alcance da população" (GrupoQuatro, Memória da Concepção-Projeto de Localização
Preliminar, item 9, xerox de documento, abril 1989).

O projeto da cidade foi desenvolvido tendo como base dez princípios orientadores: (1) macromalha viá-
ria; (2) preservação do ambiente natural; (3) centro identificável; (4) hierarquia público/privado; (5) flexibi-
lidade na transformação do uso do solo; (6) minimizar o impacto do microclima; (7) estabelecer custos de
implantação como base de factibilidade econômica; (8) garantir acessibilidade ao lago; (9) evitar especia-
lizações de funções urbanas promovendo usos mistos; e (1 O) sistema de transporte eficiente e de baixo
custo operacional.

Pode-se observar que. acima de tudo. Palmas é uma cidade modernista. Seu desenho está marcado por
uma hierarquia de funções determinadas conforme a Carta de Atenas. ainda que essas funções tenham
sido pensadas de forma espacial diversificada ao longo do Plano Diretor. particularmente ao longo da
Avenida Teotônio Segurado. Assim. a função habitar está determinada a ocorrer nas quadras como
minibairros, dotados de um mínimo de equipamentos urbanos vicinais. A função trabalhar, por ser uma
cidade predominantemente administrativa, se concentra na Praça dos Girassóis, em torno dela e ao longo
do principal eixo norte-sul, a Avenida Teotônio Segurado, com serviços e comércio. inibindo outras cen-
tralidades. A função lazer tem na orla do lago sua expressão dominante, com mais de 1O km de praias.
assim como em áreas de grandes parques urbanos contiguos às áreas de preservação dos inúmeros cór-
regos. Em Palmas, a função circular é predominante dos veículos motorizados. O sistema de transporte
público, originalmente planejado em linhas circulares contornando as fitas de quadras implementadas e
articuladas com o transporte longitudinal na Avenida Teotônio Segurado, não foi implementado.

O plano estabeleceu o perímetro urbano e duas áreas de expansão urbana. ao norte do ribeirão da Agua
Fria e ao sul do ribeirão Taquarussu, que deveriam ser ocupadas quando atingida a ocupação integral da
área urbana inicial. Os limites do Plano foram logo ultrapassados de tal modo que, em certo momento
o lugarejo de Taquaralto agrupava mais população do que a área da capital. O governo tomou provi-
dências para a expansão da área urbana, evitando a concentração de população (eleitores) fora da área
urbana. A ausência de planejamento continuado ou o espírito de "segregação planejada" levou à expan-
são dessa periferia e ao surgimento das vilas Aureny. Em 2006, a urbanização do município de Palmas já
era quase total-cerca de 98% ou 216.500 pessoas residem em área urbana-, segundo Holanda e Rodrigo
Vasconcelos (2012), que notam que, "quanto à superfície urbanizada, a cidade é uma colcha de retalhos".

A seguir, por meio da análise de alguns elementos geradores do seu desenho. veremos como a implanta-
ção da cidade de Palmas tem. por vezes, f ugido dos princípios ordenadores, contradizendo diversas das
intenções contidas na concepção original. Enquanto, por vezes, essas contradições resultam de pressões
políticas e/ou do mercado em termos da velocidade, intensidade e forma de implantação, outras vezes
as próprias concepções originais mostraram-se limitadas, revelando as dificuldades de se projetar uma
cidade inteira.

AMalha Geradora
·- .
A grelha foi tomada.como princípio gerador no desenho d,e Palmas, assim como o conceito da formação
da cidade em minibairros tradicionais. Um macrodesenho ürbano foi estabelecido por intermédio de uma
malha básica de 600 x 700 m. definindo bairros dê 42 ha com população prevista de até 12.600 habitantes.
O dimensionamento dessa malha apoiou-se em estudos interligando densidades, moradia, equipamentos

J
Capítulo 2 IPalmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 61

e relação de distancias ideais.5 Se cumprido o pro-


cesso de implantação indicado pelo plano diretor,
essa malha poderia expandir-se em resposta às
necessidades de crescimento, dando continuidade
ao núcleo original: mesmo que o crescimento
gerasse vazios, ele estaria sempre subordinado à
morfologia geral da cidade (Figura 2.2).

A macromalha permitiu a setorização e o zonea-


mento urbano eficazes. para os quais foram uti-
lizados padrões e normas de ocupação do solo,
determinando seu tipo e distribuição na cidade.
O zoneamento segue uma distribuição de inten-
sidade de usos a partir do eixo central: enquanto
os principais equipamentos e usos comerciais
ocupam o centro urbano e as áreas lindeiras do
eixo norte-sul, o comércio vicinal está disposto ao
longo das Avenidas Leste-Oeste, nas laterais das
quadras residenciais. No interior de determinadas
quadras. previa-se a instaiação dos equipamen-
tos escolares, saúde e segurança, segundo os cri-
térios usuais de distancia e acessibilidade.

Sistema Viário eTransportes

O conceito do desenho em malha de Palmas obje· Figura 2.2 O Plano Diretor original de Palmas seguia
tivava que o sistema viário buscasse a segurança um conceito de malha aberta. {Cortesia de L. F.
Teixeira e GrupoQuatro Arquitetos. Goiânia.)
do pedestre, a eficiência da circulação e meno-
res custos de implantação da infraestrutura. As
Avenidas Norte-Sul assumiram o papel de vias principais, enquanto as Avenidas Leste-Oeste fazem a distri-
buição do fluxo para as quadras residenciais. Esse eficiente sistema se completaria com vias de distribuição
interna e vias locais nas quadras residenciais (Figura 2.3). Uma avenida-parque estabelece o limite oeste da
cidade, resguardando a faixa de orla do lago destinada a lazer e equipamentos esportivos. O limite leste
do tecido urbano central é a rodovia T0-134, na qual se localizam os equipamentos de função regional e
de abastecimento. Entre essa via e a Serra do Lajeado haveria uma faixa de proteção ambiental exclusiva.

Assim como Brasília, Palmas é marcada por um eixo monumental no sentido norte-sul, a Avenida Teotônio
Segurado. Com uma seção transversal que prevê 150 m de distancia entre edificações e dispondo de um
largo canteiro central, o desenho linear do eixo é interrompido apenas pela Praça dos Girassóis, situada no
ponto de maior elevação topográfica. 6 Nessa praça foi instalado o Palácio Araguaia, sede do novo governo
estadual. garantindo a sua visibilidade desde vários pontos da cidade e.§!_sua condição de marco monu-
mental (Figura 2.4). Esse eixo foi originalmente planejado como elemento de suporte de seNiços a_o longo ......
da cidade, com dimensões-que permitissem uma circulação de veículos intensa assim como a implantação
de~istema de transporte púbÍieo. Embora ausente do Plano Diretor fina~~âs. diretrizes cor:iceituaís orjginais
previam a construção de úm ~ist~~a de passarelas para pedesfr~s Pé!ra a travessia segura desse eixo.
' .

s Nesses estudos, o GrupoQuatro contou com a consultoria do arquiteto Juan Mascaró.


6 Na construção da avenida e da Praça dos Girassóis. havia um desenho elíptico que contornava o Palácio Araguaia,

posteriormente retirado para maior segurança e controle de transito na praça.

I
62 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 2.3 Vista aérea


de Palmas, voltada para o
oeste, mostrando a principal
avenida leste-oeste, o centro
administrativo (ao centro da
foto) e a nova ponte sobre
o lago ao fundo . (Foto de
Newton Paniago.)

O desenho da cidade adotou a rótula como elemento de ligação nos cruzamentos das avenidas. elimi-
nando-se os sinais luminosos, exceto nos cruzamentos da Avenida Teotónio Segurado com as Avenidas
Leste-Oeste. As rótulas ordenam o trânsito nos cruzamentos e limitam a velocidade de circulação, uma
vez que a distância entre elas é de apenas uma quadra - em torno de 700 m. É importante observar
que não se pretendia a travessia das grandes avenidas pelo pedestre. As necessidades básicas e de
interesse imediato do morador da quadra - minibairro - estariam atendidas em seu interior, tornando
desnecessários sistemas de passarelas, faixas de pedestres ou sinais luminosos ao longo das avenidas.
Durante o processo de ocupação, observados os graus de interesse entre quadras, faixas de pedestres
com sinalização adequada poderiam ser implementadas. A dimensão da quadra previa uma caminhada
de no máximo 700 m para se atingir o ponto de ónibus, elemento de ligação da quadra com o restante
da cidade através de linhas circulares que trafegariam pelas Avenidas Leste-Oeste.

As amplas avenidas e as grandes distãncias geradas pelo desenho de Palmas. fundamentalmente moder-
nista, favorecem a circulação de veículos e de certo modo encorajam o uso do transporte privado. Esse fato
é reforçado pela precariedade do transporte coletivo, que apenas serve de ligação entre áreas nas quais já
existe concentração de pessoas e o centro. criando reais dificuldades de mobilidade para a população, já
que a implantação da cidade não obedeceu aos determinantes conceituais do plano. Esse é um problema
grave. principalmente considerando-se as dimensões das quadras, os vazios existentes - intra e entre qua-
dras -. a implantação incompleta dos serviços urbanos e, além de tudo, a ausência de arborização.

Centro Urbano

Segundo o desenho original. Palmas deveria conter um centro urbano facilmente identificável, no qual
fossem articuladas as hierarquias e as esferas pública e privada, cívica e comercial,. através de funções
da administração estadual e federal, instituições bancárias e comércio típico dos centros de cidades
tradicionais. Para tanto, previu-se o éentro urbano com a Praça dos Girassóis, para Oí)de fof direçionada
.. .
toda a monumentalidade da cidade. Trata-se de uma grande área de 750 m por 850 m: tendo ao centro o
Palácio Araguaia de Governo do Estado i:;. nas'margens das Avenidas NS-1 e NS-2, as secretarias de Estado,
e no seu interior a Assembleia Legislativa. o Tribunal de Justiça, a· catedral, os monumentos a Luís Carlos
Prestes e aos revolucionários da Intentona comunista de 1935, e áreas ajardinadas. Holanda e Vasconcelos
(2012) notam que a Praça dos Girassóis não é um espaço unitário, pois " as dimensões dos edifícios e dis-
tâncias que os separam não são compatíveis com a coesão necessária para caracterizar subespaços como

\ )
)
Capítulo 2I Palmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 63

unidades morfológicas claras" (ver Figura 2.4;


Figura 2.5). De fato, o dimensionamento monu-
mental da praça não permite uma apropriação
adequada dos espaços entre os diversos edifícios
administrativos ali construídos, sobretudo se con-
siderarmos o clima da região, de altas temperatu-
ras e chuvas torrenciais.

Em torno dessa grande praça, as quadras lin-


deiras foram destinadas ao uso exclusivamente
comercial típico de centro urbano, tais como
sedes de empresas, instituições bancárias etc.
Note-se, no entanto, que essa definição foi con-
tra um dos princípios do próprio plano, o de se
evitar a especialização de funções urbanas. Para
o interior dessas quadras, o plano previa praças
centrais cercadas por instalações comerciais e
de serviços, definidas por galerias para aprecia-
ção de vitrines e circulação de pedestres, como
o mercado na cidade de Goiás e nas cidades da
Figura 2.5 O desenho da Praça dos Girassóis, no
centro administrativo, não permite sua apropriação
América Espanhola (Figura 2.6). As vias de con-
social adequada nem gera nenhuma coerência torno serviriam para o abastecimento das lojas e
morfológica com seu contexto. (Foto de Silvio o acesso de automóveis particulares a estaciona-
Macedo; Projeto Quapã.)
mentos predeterminados.

. .
Na implantação do plano não foram executáêfas as praças internas e suas vias. permitindo-se Õ parcela-·
menta e a construção de eàiJícios em desacordo com a rnncepção originàl. A falta -de atrativos, a ausên-
cia de políticas de transport~ c'oletivo e a falta do uso resia'enoal geram uma insegura-nça n; uso desses
espaços centrais especializados e uma fuga dos usuários fora dos horários de funcionamento comercial.

O centro real de Palmas, na sua expressão mais tradicional, com agencias bancárias, lojas comerciais,
bares e restaurantes, está se estruturando ao longo da Avenida Juscelino Kubitschek, que corta a cidade
no sentido i:s~e-oeste, interrompida apenas pela Praça dos Girassóis. Em uma configuração típica de

~ )
64 Desenho UrbanoContemporâneo no Brasil

Figura. 2.6 Conceito original para o miolo das quadras centrais. (Desenho de Carmen R. Sila;
cortesia de Grupo Quatro Arquitetos, Goiânia.)

strip mal/, ali o comércio é favorecido pela circulação de automóveis com estacionamentos generosos
fronteiros às lojas, e também pela circulação de ônibus. Isso foi reforçado pela construção de ponte sobre
o Lago do Lajeado, na continuação da Avenida Juscelino Kubitschek, integrando Palmas à cidade vizinha
de Paraíso do Tocantins.

Para a Avenida Teotônio Segurado, eixo monumental, foi planejado um ambiente resultante da compo-
sição de grandes complexos arquitetônicos, complementados com a permanente agitação resultante da
mistura de usos públicos e comerciais urbanos - um ambiente repleto de atrações que não funcionasse
apenas como eixo viário. Atualmente, ao longo dessa avenida localizam-se a área administrativa munici-
pal, os equipamentos urbanos de maior porte - tal como o Centro de Convenções, as áreas bancárias, os
usos comerciais de porte, hospitais, hotéis e colégios, além das instalações centrais de segurança pública.
Holanda e Vasconcelos (2012) notam a ausência de escala apropriada nos atuais edifícios ao longo ave-
nida, além do descumprimento dos determinantes de usos e gabaritos recomendados pelo Plano Diretor.

Como durante a construção da cidade a vegetação original do cerrado foi destruída, e com as alterações
sofridas pelo Plano, o paisagismo de Palmas foi totalmente comprometido. 7 No canteiro central do eixo
monumental, por exemplo, a cobertura vegetal foi composta por arbustos e coqueiros alheios à região,
e não houve preocupação em criar sombreamento. A falta dos espaços abertos inicialmente concebidos
para as áreas comerciais e residenciais também compromete um dos princípios da concepção da cidade
- o respeito à ecologia e à sustentabilidade. Inúmeros estudos têm proposto a reconstituição da vegeta-
ção e da paisagem de cerrado, mas até hoje isso foi executado em poucas áreas. como por exemplo no
bosque situado junto à Prefeitura Municipal.

Áreas Residenciais

Na concepção original de Palmas, â estrutura da grande malha geraria as unidades: uma quapra, um
bairro de organização espacial tradiciona); articulados comô cidade. Os autores do plano afirmam que ...,

7
Apesar do projeto de P.aisagismo de Fernando Acylino, escolhido através de concurso público organizado pelo IAB.

\ )
/
Capítulo 2 IPalmas: Desenho UrbanodaCapital do Tocantins 65

não queriam gerar pequenas cidades dentro da cidade, mas um desenho que se aproximasse à escala
do morador, tendo na unidade individual o ponto de partida para organizar a cidade. As quadras foram
projetadas para o pedestre, e o seu desenho deveria atender o universo do morador, para quem os
elementos referenciais são o lote, a rua. a esquina, o comércio vicinal, a praça, o ponto de ônibus, a
escola, os bares de fim de tarde e a igreja. entre outros elementos urbanos. No Plano, os equipamentos
urbanos, tais como escolas de acordo com os vários níveis, postos de saúde, segurança, bem como
serviços automotivos, foram distribuídos em determinadas quadras segundo os critérios de distâncias e
densidades populacionais.

Seguindo uma estrutura de vias vicinais de acesso sinuosas, o tipo de quadras residenciais previsto ofe-
receria tipologias habitacionais individuais e coletivas. sempre envolvidas por áreas verdes. A rua serviria
como elemento aglutinador da população, caminho para focos de interesse, lugar de encontro e fonte
de socialização. As relações dos moradores com seus bairros deveriam se dar através da identificação
dos centros de bairro, lugares para o encontro e a "animação". cujos padrões de ocupação deveriam ser
bastante flexíveis de modo a enfatizar sua identidade.

Buscando fugir da monotonia das superquadras de Brasília, mas também do processo convencional de lote-
amento através da imposição da macromalha e das regras gerais de ocupação, o projeto de Palmas previa
que o parcelamento e o desenvolvimento das quadras residenciais seriam realizados pelos próprios empre-
endedores. Assim. os projetos das áreas residenciais variariam de acordo com as condições do mercado.
oferecendo diferentes formas de organização espacial e paisagística interna, com diferentes tipologias
habitacionais, comércio local e serviços urbanos. A eficiência do mercado ajudaria a criar verdadeiros mini-
bairros, nos quais habitações individuais, habitações geminadas e coletivas mesclar-se-iam em ambientes
espacialmente ricos e variados. articulados com a funcionalidade da cidade como um todo.

A Memória da Concepção do Plano previa a venda das quadras como glebas. que deveriam ser loteadas
de acordo com as determinações do Plano Diretor. Assim, a implantação e o desenvolvimento urbano
ocorreriam de forma dinâmica e variada, subordinada à malha geradora. A legislação de uso do solo
resultante estabeleceu que essas glebas deveriam ser implantadas de forma integral e que sua infraestru-
tura interna deveria ser executada pelo empreendedor.

Entretanto, isso não ocorreu, e na maioria dos projetos executados o parcelamento das quadras buscou
a maximização do número de lotes. A distribuição espacial das edificações não segue nenhum critério
racional ou estético, e faltam equipamentos urbanos. Na maioria desses projetos. as ruas foram traça-
das com caixa de rolamento amplo (9 m). mas calçadas estreitas (3 m), o que impossibilita o plantio de
árvores. dificulta o movimento dos pedestres e impede a implantação de ciclovias. Em outros casos.
mudanças no zoneamento impediram a adequação das ruas para a instalação de lojas. devido a faixas
estreitas e estacionamento inadequado (Figura 2.7). No plano conceituai. havia a intenção de que as ave-
nidas tivessem dimensões que permitissem faixas determinadas para os automóveis, transporte público
e ciclovias. ainda garantindo calçadas arborizadas para circulação de pedestres, expectativas para uma
paisagem dinâmica e variada.

Holanda e Vasconcelos (2012) apontam que "os quarteirões de Palmas não apresentam somente proble-

. ·-
mas de configuração interna : as características morfológicas das quadras atingem a qualidade do espaço
do entorno, pois elas lhes 'dão as costas' - os muros de fundos de casas () cemitério após cemitério" . ....
Nesse mesmo trabalho. os·at1tores
. . ressaltam
.. que os usuárj os. de transporte
. ... público
. l e os pedestres são
-",J

"forçados a percorrer lóngas dij tpncias através de túneis a çê·u aberto". ES$as,observações~ expõ~}J'íl com
clareza o descumprimento de um aos princípios.do p1anõ or1gttiaCa quadra aberta~· que-criariaº aoã ir-
..
ramentb jntegrado pelas vias 'de circulação e os comén:ios vicinàis. Embora esse conceito fosse claro na
sua intei{Ção". Jaltou o estaoelecimento dos critérios necessários para a ocupação das quadras e. àssim
como foi em Brasília, tornar o desenho da quadra em Lei de Parcelamento, indicando aí a proibição dos
muros de fechamento.
66 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Ultimamente, um novo problema tem se apre-


sentado. por causa da expansão da ocupação
urbana no sentido oeste, na margem esquerda
do rio Tocantins e fora do perímetro urbano.
Até bem pouco tempo, essas eram áreas rurais,
cobertas por vegetação de cerrado, mas agora
encontram-se comprometidas com uso urbano
sem planejamento e sem a infraestrutura ade-
quada. O desenvolvimento de loteamentos e
de condomínios fechados para a nova burgue-
sia palmense foi favorecido pela construção da
Ponte da Integração, fazendo surgir novos aglo-
merados, subúrbio mais abastado da cidade,
uma expansão não planejada em território do
município vizinho de Porto Nacional, efetiva-
mente integrado ao espaço urbano de Palmas.

Figura 2.7 As ruas comerciais locais e sua


incapacidade de atender a veículos ou pedestres
Recreação e Lazer mostram a falha na implementação do plano original.
(Foto do autor.)

A recreação e o lazer são atividades primordiais. não apenas na definiçao da qualidade de vida de sua
populaçao, mas na sua capacidade de atrair uma clientela de toda a região e novos migrantes para
Palmas. Além dos espaços internos das quadras residenciais que não foram implantados, o Plano pre-
via usos de recreação e lazer ao longo do lago-reservatório do Lajeado, entre a cota de inundação e a
Avenida Parque. Nessas quadras seriam instalados clubes, universidades, atividades culturais e esportivas,
além de atividades de saúde, tais como clínicas e hospitais.

Com uma largura de aproximadamente 8 km, o Lago do Lajeado encontra-se dotado de inúmeras
praias de areias limpas ao longo de 12 km de toda a extensão da área urbana. A sua importância para
Palmas impulsionou a revisão do Plano Diretor original e a implantação do Projeto Orla, que busca a
preservação das margens e o acesso livre da população ao lago, além de impedir a construção de edi-
fícios ou usos inadequados que possam tornar a margem do lago em áreas de usos exclusivos.

O Projeto Orla pretendeu criar um grande parque urbano dotado de praias, parques de recreação, equipa-
mentos esportivos, marinas, centros de lazer com áreas de shows. bares, restaurantes, sanitários públicos,
estacionamentos e jardins. Embora apenas pequena parte desse projeto tenha sido executada, ele causou
profundas alterações no cotidiano de Palmas, gerando novos comportamentos sociais, e, tal como na cultura
das cidades litorâneas, a praia acabou revelando-se o "lugar" democrático de lazer da cidade (Figura 2.8).

O Plano Diretor também determinou que as áreas marginais aos diversos córregos que atravessam o sítio
urbano, principalmente no sentido transversal, fossem de domínio exclusivo público e protegidas como
"áreas de preservação ambiental" . Com largura mínima de 50 m de cada lado, nessas faixas previu-se
a recuperação ambiental e admite,!Tl-se apenas instalações de apoio a atividades de-razer e cultura, tais
como sanitários, pequenos depósit~s .e quiosques para lánches. Como o desenho original de Palmas
incorporou ess~s faixas de modo completamente independe~te das qtiadras do parcelamento da cid_?de,
de modo geral elas têm sido respeitadas em sua preseryação. _Numa •delas implantou-se úm parque
recreativo de quase 1,5 milhão de metros quadrados, onde, em uma primeira etapa, foi construída uma
série de piscinas de 5~ cm de profundidade, interligadas por sistemas de cascatas e córregos, em uma
extensão de 1.500 metros, aproveitando-se uma pequena nascente ali existente, além de arena para
shows ao ar livre, áreas infantis e de ginástica e uma pista de jogging com 3 km de extensão.

\. )
)
Capítulo2 IPalmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 67

Figura 2.8 Uma das praias artificiais junto à área de preservação, no lago da represa,
mostrando ao fundo a rampa de subida à ponte. (Foto do autor.)

OProcesso de Implantação
Quando de sua inauguração em 1990, a operação sociopolítica foi imensa, pois, além de receber toda a
máquina política e administrativa do recém-criado estado, para Palmas também transferiu-se a sede do
município de Taquarussu, o que levou junto vereadores. prefeito e toda a estrutura política-administrativa
municipal. As eleições posteriores possibilitaram que os novos representantes municipais eleitos pudes-
sem mais legitimamente tratar dos interesses das comunidades locais.

Problemas de deturpação e descumprimento dos planos sempre ocorrem quando as decisões se subme-
tem a interesses eleitoreiros e imediatistas. com a implantação realizando-se com base em iniciativas que
fogem a qualquer regra de planejamento. Assim foi o início e têm sido. de um modo geral, a implantação
e o desenvolvimento de Palmas, que cresceu de fora para dentro por força do processo de comercializa-
ção dos lotes disponíveis.

O processo de implantação previsto pelo Plano Diretor estabelecia uma forma de ocupação gradativa
partindo do Centro e estendendo-se inicialmente para o sul, sempre em faixas de quadras leste-oeste,
o que tornaria mais baixo o custo inicial de implantação da infraestrutura urbana e garantiria um
crescimento harmonioso do aglomerado. Estabelecia ainda que as áreas além do Córrego Taquarussu
ao sul e Agua Fria ao norte seriam áreas de expansão urbana, a sere~ parceladas quando a malha
urbana atingisse determinado quantitativo poeulacional. As formas de negociação dos espaço~ urba· ....·.
nos, atribuição do Estad6, nã_o fora,m estabelecidas claramente. e nãofor.am cumpridas, pe_rmitindo um
processo de ocupação que c~n'traria a concepção original do Pl~no; levahdo a uma -p~r.dã considerável
de qualidade. - '
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Na irnplantaçã9 da cidade, primeiro foram c:onstruídos os equipamentos da administra.ção do Estado,


depois forám ocupados os lotes disponibilizados pelo Estado na forma de doações em duas quadras
residenciais para a população recém-chegada sem recursos para aquisição dos poucos lotes colocados à

r
68 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

venda. Como foram insuficientes para abrigar todas as famílias, isso provocou a ocupação de áreas não
urbanizadas e levou à construção de quatro assentamentos de caráter social pelo governo do estado na
periferia do perímetro urbano ao sul, as Vilas Aureny 1, 2, 3 e 4. Agravando ainda mais essa situação, o
governo do estado não soube planejar a região no sentido de preparar as pequenas cidades e lugarejos
vizinhos para os impados da implantação da nova capital. Como resultado, por exemplo, os especu-
ladores se apressaram em lotear e construir em Taquaralto, lugarejo próximo ao canteiro de obras da
capital e que dispunha de alguma infraestrutura de atendimento aos migrantes. Taquaralto acabou por
expandir-se a ponto de chegar a abrigar, em um determinado momento, uma população maior do que
aquela dentro do perímetro urbano da capital.

Ao desapropriar terra rural e não estabelecer políticas e procedimentos de ocupação, o governo se defi-
niu como loteador e tratou a cidade como um grande loteamento, rompendo qualquer planejamento
ou regra básica de implantação e crescimento urbano. Dividindo o poder de decisao com os interesses
especulativos, o governo levou à ineficiência de ações e ao desperdício: recursos escassos aplicados em
obras muitas vezes dispensáveis, arruamento exagerado fora das alternativas de implantação, super-
dimensionamento de obras públicas em face das necessidades imediatas das funções do Estado mas
explicitando a expressão do poder, entre outros. Estimativas indicam que as obras realizadas para a
inauguração de Palmas poderiam atender a uma população de 500 mil habitantes, embora na época
houvesse apenas 20 mil.

As iniciativas do governo do estado, sejam devido à urgência em acomodar os funcionários da nova


administração que se instalava ou por necessidade de favorecimento político, deram início à ocupação
da cidade por quadras projetadas fora do planejamento de ocupação do Plano Diretor, no quadrante
sudeste da cidade e sem a necessária infraestrutura. Entretanto, a demanda por lotes superou a expecta-
tiva, o que imediatamente resultou no abandono do Princípio 5 do Plano, que previa "a flexibilidade na
transformação do solo, garantindo a expansão ordenada da superfície", ou seja, permitia alterações de
uso das quadras desde que obedecidas as normas de implantação da cidade.

Com o aparecimento dos assentamentos fora da área do plano original de Palmas, a prefeitura e o
governo do Tocantins se apressaram em aprovar legislação que expandiu os limites do perímetro urbano,
incorporando o lugarejo de Taquaralto e as vilas residenciais. Em outra iniciativa de organização das áreas
loteadas de modo disperso ao sul do Córrego da Prata, um novo centro urbano está sendo implantado, a
partir de um projeto do mesmo GrupoQuatro, responsável pelo desenho original de Palmas.

Esse projeto procura gerar uma nova centralidade - justificada pela expansão territorial - e busca conec-
tar a Palmas os diversos núcleos dispersos resultantes da ocupação desordenada inicial. Através do redi-
mensionamento das quadras, o novo projeto promove maior integração física dos espaços urbanos
e busca resgatar o conceito de centralidade do projeto original de Palmas, com referências a usos e
aspectos das cidades tradicionais de interior no Brasil - incentivos a encontros espontãneos da população
nas esquinas, praças e locais de atividades de comércio e serviços. Esse novo desenho propõe maiores
densidades em edifícios de apartamentos, esquinas e quarteirões de uso misto, um sistema de vias de
pedestres e a inserção de equipamentos tais como cinemas, teatros e comércio.

Para a população migrante, o início e o ritmo da construção da cidade foram apresentados e apregoados
e
como um "eldorado" que, pouco tempo depois, se desfez, trazendo desemprego desesperança. o
ritmo de crescimento, os investimerrtos e os grandes empreendime11tos foram retomados-em meados
da década de 1990, gerando maiores oportunidades de emprego e fnvesti_mento. Os altos investi1Den-
tos efetuados na cidade pelo poder público estadual. em.parte .com reéursõs gerados pela hidrelétrica,
e a chegada de novas empresas vêm i'ncrementando o crescimento urbano e atraindo uma nova leva
de migrantes de o'~tra.s regiões do país·em busca de m~lhores oportunidades de vida e trabalho. Parte
desses recursos está servindo para melhorar o acesso a Palmas. e em breve o trecho estadual da Ferrovia
Norte-Sul estará completado, possibilitando maior integração com outras regiões do estado.

J
Capítulo 2I Palmas: Desenho Urbano da Capital do Tocantins 69

Considerações Finais

A implantação de Palmas, assim como foi a de Brasília, comprova que a construção de uma nova cidade
é sempre um forte indutor de desenvolvimento regional. sobretudo se considerando o contexto econô-
mico recessivo em que isso se deu e a velocidade em que se processaram as mudanças. Segundo dados
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). em 1996 - apenas seis anos após a sua inaugu-
ração - Palmas possuía uma população de 86. 116 habitantes, e no ano 2000 o total já era de 137.355,
enquanto o estado do Tocantins chegava aos 1.157.098 habitantes. Em 2011 , Palmas se apresentava
com uma população de 235.316 habitantes.

Nos últimos cinco anos, Palmas exibiu taxa de crescimento médio de 28,7%, enquanto o país cresceu
a taxas de apenas 3% no mesmo período. O crescimento do novo estado do Tocantins. porém, não se
restringiu à capital. Nas cidades de Gurupi, Porto Nacional e Araguaína também se registrou crescimento
vertiginoso. Centenas de pequenos. médios e microempresários foram atraídos de várias regiões do país
e até do exterior para atender à demanda crescente de bens de consumo e serviços. gerada por milhares
de famílias que vieram para o mais novo estado da Federação.

O desenvolvimento econômico da cidade continua atraindo migrantes de diversas partes do país. Em


parte essa migração se deve à expectativa de crescimento da região, pois muitos vêm de regiões muito
adensadas e com poucas oportunidades. É uma cidade onde tudo parece estar por fazer, com a principal
determinante de busca da integração e desenvolvimento regional. criando uma nova sociedade em meio
à vegetação do cerrado.

Entretanto, ao se avaliar o desempenho da cidade tendo por base a experiência acumulada pelo urba-
nismo ao longo do último século, pode-se dizer que o seu desenho partiu de diversas premissas equivo-
cadas. Palmas não realiza propostas inovadoras de projeto nem de implantação, e, se comparada a suas
vizinhas próximas - a Goiânia de desenho culturalista e a Brasília modernista -. constata-se a perda de
uma especial oportunidade de se implantar uma cidade verdadeiramente contemporânea. ecológica e
sustentável, tal como expressava o documento de concepção do Plano. Arquitetos. urbanistas e críticos,
ao analisar o "modernismo tardio" de Palmas. denunciam que houve ali a utilização do modelo de urba-
nismo prático, muito utilizado em outras cidades. em que a ideia de planejamento se confunde com par-
celamento e loteamento, condicionado apenas à observãncia de legislação urbana obsoleta. Entretanto.
o arquiteto Luiz Fernando. um dos coordenadores do GrupoQuatro e ainda entusiasta do projeto. afirma
que o problema da cidade de Palmas é de gestão, o que de certa forma reafirma uma constante nas
administrações urbanas do país.

Ao estabelecer para a nova capital um desenho de macroparcelamento em quadras de 42 hectares,


numa malha ortogonal que contém os sistemas urbanos básicos e a infraestrutura, deixando o micro-
parcelamento de grande flexibilidade por conta da iniciativa privada, o Plano permitiu ou até induziu um
desenvolvimento de caráter especulativo. O que ocorreu na realidade em diversas quadras residenciais e
sobretudo nas quadras destinadas aos grandes equipamentos ao longo do eixo norte-sul foi a mudança
de uso de alguns lotes. inclusive aqueles de uso institucional destinados a equipamentos públicos, com-
prometendo o tão desejado equilíbrio de funções.

A Memória da Concepção-de Palmas, documénto anterior ao Plano Diretor, previa uma cidade na qual
....
as quadras residenciars teriam uma integração so..cial entré seus habitante~ de tal ordém que não haveria
necessidade de muros entre ~ésidências. tal como açontece nas'suP._eFquadras de Brasília. Nessa visão, o
parcelamento das quadras. com projetos realizados por diferen'tes árquitetos inspirados pela concepção
originai. oc_orreria não através do tradicional lote. mas as residências e os equipamentos complementares
comungariam dos espaços da quadra e seriam interligados por caminhos de pedestres. A vida urbana
deveria ocorrer no interior das quadras. com a possibilidade de construção de vida comunitária, o que

\ )
70 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

diversos estudiosos apontam como principal deficiência de Palmas. A utopia foi atropelada pela realidade
e pela ação do governo do estado, que agiu como agente especulador da terra.

O governo estadual do Tocantins, único proprietário original de toda a terra em Palmas. não imple-
mentou o plano de acordo com seus princípios, e, por exemplo, ao contratar o projeto de nove qua-
dras contíguas a um único escritório, fez perder a ideia de variedade e dinamismo urbano entre essas
quadras. Para piorar, tais projetos foram posteriormente reproduzidos em outras quadras dispersas e
isoladas ao longo do eixo norte-sul, resultando em áreas de vazios urbanos e redes de serviços públicos
ineficientes. A configuração atual é de quadras amuralhadas entre avenidas corredores sem vida. Essa
atitude do setor público encorajou os empreendedores privados a ignorar o Plano Diretor e resultou
em uma cidade-capital que atualmente enfrenta enormes problemas de propriedade de terra e uma
urbanização desordenada.

Os problemas principais de Palmas não diferem dos que afligem outros centros urbanos, com destaque
para os serviços urbanos e infraestrutura incompleta, deficiências de transporte coletivo, desobediência
aos principies de implantação e de uso do solo do plano e grandes vazios urbanos. Os problemas com
o assentamento da população mais carente, a regularização fundiária de áreas invadidas, a complemen-
tação da infraestrutura urbana, a expansão desordenada e descontinua de áreas urbanas periféricas
- inclusive a margem do lago no território do município de Paraíso do Tocantins - são características de
um processo urbanístico que não consegue acompanhar o ritmo de crescimento da cidade e reforçam a
necessidade de planejamento continuado e de maior controle sobre o uso do solo.

Entre a morte da rua, decretada pelos conceitos da cidade modernista e de Brasília, e a tentativa de
ressurreição do caráter tradicional de cidade, tão bem expressa na Memória da Concepção, o projeto
de Palmas acabou por gerar um desenho urbano que serviu de forma eficiente ao processo imobiliário
especulativo. Embora o desenho da macromalha se imponha e se realize de forma eficiente, permitindo
adaptações e redimensionamentos, o descumprimento de diversos outros princípios norteadores com-
prometeu a eficiência esperada pelo Plano Diretor.

A experiência de Palmas demonstra a enorme distância entre a intenção e o gesto, e é demonstrativa


de que um desenho urbano eficiente será sempre resultante de um processo de planejamento presente
e constante. Uma das importantes lições aprendidas é a necessidade de se desvincular esse processo
do poder executivo, propondo-se o planejamento e o desenho urbano submetido aos preceitos de um
plano/projeto e a um conselho cidadão independente que, distante das decisões politiqueiras e dos gran-
des capitais especulativos, possa atuar pelos desejos e necessidades da população.

Entrevistas

Arnaldo M. Braga, arquiteto autor do projeto de uma das quadras residenciais; entrevista concedida em
15/8/1998.

Azor M. Ferro, arquiteto e presidente do IAB-GO na época do projeto; entrevista concedida em 20/4/1998.

Luiz Fernando Teixeira, arquiteto sócio do GrupoQuatro Arquitetos, realizador do projeto de Palmas;
entrevistas concedidas em 20/4/1,998 e 14/11/2011 . •·
.
.. . .
Walfredo Oliveira Antunes Filho, ar51uit~to sócio do Grup·oo,uavo-Ar,çi,uit~tos, reáiizador do projeto di .,,
Palmas; entrevista concedida em 10/6/1998. ·

L)
J
CAPÍTULO 3

APaisagem Verticalizada de São Paulo:


AInfluência do Modernismo no
Desenho Urbano Contemporâneo
-------~~~~~~~~-----------------------------------------------------

Sílvio Soares Macedo

verticalização tem se tornado um fa tor predominante e influente na morfologia de muitas cidades


A brasileiras. Este capítulo apresenta a torre isolada no lote e o conjunto de torres em uma quadra
como modelos hegemónicos que resultaram do ideário modernista brasileiro, e discute como geraram a
atual configuração da paisagem urbana residencial verticalizada de São Paulo. Tal processo de verticaliza-
ção e os tipos de tratamento dos espaços livres privados em torno das torres - com equipamentos diver-
sos e jardins elaborados - têm sido replicados em todas as cidades brasileiras. A verticalização introduz
novas formas de habitar e novas relações com o espaço livre e a cidade.

São Paulo, a maior cidade brasileira, com mais de 1O milhões de habitantes em sua área municipal,
define modelos e padrões urbanísticos que possuem grande impacto no restante do país. Em São Paulo,
o processo de verticalização vigente na primeira década do século XXI teve por base a legislação urba-
nística e o código de zoneamento implementados na cidade a partir de 1971, e os modelos urbanísticos
adotados pelo mercado imobiliário. Essa regulamentação passou a limitar radicalmente a construção de
prédios de grande altura, que passaram a ser possíveis apenas através de remembramentos de lotes e em
terreno de grandes dimensões. Recuos obrigatórios foram implantados, e limitou-se, em grande parte da
cidade, a ocupação do lote a 50% de sua área, seja por casa ou torres. Assim, definiu-se um modelo de
edifício alto, isolado no lote, bem diferente do até então vigente, uma vez que a legislação exigia pouco
ou nenhum recuo e permitia altas taxas de ocupação e de coeficiente de aproveitamento.

Entende-se verticalização como o processo de construção e configuração de edifícios com mais de três
andares destinados a atividades residenciais, comerciais e de serviços. Neste texto, os edifícios acima
de cinco andares são considerados torres, desde que isolados de seus pares. O processo brasileiro con-
temporâneo de verticalização é, em geral, baseado na figura do edifício isolado no lote. Somente em
algumas áreas centrais de cidades tradicionais e na capital Brasília e~contram-se prédios altos (mais de
cinco andares) geminados, sendo permitidos pela legislação vigente. --
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Na última década do ~~cul~ XX e, na primeira-détada d.O·.~ovq s~.~u10,, <?-P!,Q.ce,sso de yert~lizaç'áo, ainda· '• -
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r
72 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

renda como aquelas das de alta renda, constituindo-se por vezes em tecidos urbanos de porte. Nessas
áreas, até os anos 1980, somente podiam ser encontrados com certa frequência conjuntos habitacio-
nais populares, com edificações de não mais de cinco andares, construídas por programas estatais de
habitação de baixa renda (os populares conjuntos Cohab), edificados dentro de preceitos urbanísticos
modernistas, com construções padronizadas, extensos espaços livres sem categorização alguma e equi-
pamentos e comércio extremamente setorizados.

Em termos legislativos, existe no Brasil uma forte tradição na regulamentação da torre de escritórios ou
de apartamentos, aplicada desde o início do século XX nas áreas centrais e de elite das principais cidades
e capitais e depois generalizadas pelo resto do país. Após os anos 1960, com o processo de urbanização
em constante expansão, com o aumento da ação do Estado sobre o espaço e a morfologia urbana e com
o crescimento da demanda por moradias em prédios altos (torres), essas regulamentações se tornaram
um fato comum.

Recuos, gabaritos, taxas de ocupação, taxas de arborização e coeficientes de aproveitamento, mesmo


variando de cidade a cidade, tiveram como referência a construção de uma torre isolada no lote. Essas
normas são parte de uma visão derivada de toda a discussão urbanística modernista instaurada no pais
durante os anos 1930 a 1950, que geraram como ícone o Plano Piloto de Brasília, que, com suas super-
quadras imersas em um bosque urbano, se tornaram paradigmas de sucesso das propostas modernistas.
Isso se torna particularmente claro na vista aérea do Plano Piloto de Brasília, que nos permite observar o
Setor de Superquadras da Asa Sul, o mais consolidado da cidade (Figura 3.1 ).

Esse discurso encontra resposta e sucesso em função da crítica feita às situações urbanísticas ver-
ticais geradas até então, como no caso dos centros de São Paulo e do Rio de Janeiro e do bairro
de Copacabana. Nessas áreas, a alta densidade construida de torres de apartamentos e escritó-
rios sob a égide do padrão europeu da quadra-bloco (edificações coladas nas divisas definindo o
perímetro da quadra) causou problemas ambientais significativos e um espaço urbano denso. com

Figura 3.1 Uma das primeiras superquadras de Brasília, de paisagismo já consolidado, aparecendo o
comércio entre quadras no canto superior esquerdo. (Foto do autor; Projeto Quapá.)

\. )
J
4 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 1.3 Perspectiva da época de inauguração de Goillnia. mostrando o projeto do centro administrativo como
visualizado por Attílio Corrêa Lima. (Arquivo Gustavo Capanema, foto 491-8; Acervo FGV/CPDOC.)

oligarquias rurais e um Goiás arcaico e o estabelecimento de um novo centro para apoiar a " Marcha para
o Oeste", política do governo Vargas para acelerar o desenvolvimento do Centro-Oeste (Borges, 1995;
Daher, 2003). A modernidade do projeto original de Attllio Corrêa Lima - escolhido pelo inteNentor indi-
cado para governar o estado - foi influenciada pela escola francesa de urbanismo, pois, após sua formação
de arquiteto no Rio de Janeiro, ele fez pós-graduação no Instituto de Urbanismo da Universidade de Paris.
Englobando uma área de 1.000 hectares, o projeto previa uma população de 50.000 habitantes, cuidava
da localização e composição arquitetônica dos prédios públicos e do centro administrativo (tendo Versailles
como referência) com as sedes dos governos estadual e municipal, propunha zoneamento menos rígido do
que pregavam os modernistas mais extremados e incluía uma cuidadosa hierarquização viária em estrutura
aberta, conectando as avenidas a zonas de expansão (Figura 1.3). Discordâncias com a empreiteira da obra
levaram ao afastamento de Corrêa Lima em 1935, sendo a implantação do plano assumida pelo enge-
nheiro Armando de Godoy, que o modifica sobretudo em sua parte sul, inspirado nos subúrbios jardim.3

Enquanto isso, em 1930, São Paulo conhecia o Plano de Avenidas. influenciado pelas demandas da
circulação viária moderna e pelo nascente planejamento de transportes americano, elaborado pelos
engenheiros Francisco Prestes Maia e Ulhõa Cintra (Leme, 1999; Pereira, 2002).4 Foi a primeira vez
que a cidade de São Paulo era pensada como um todo, com projeto de organização espacial baseado
num modelo ideal radiocêntrico, baseado em avenidas perimetrais e r~diais (Figura 1.4).5 lnteressantemente,

3
As modificações inseridas por Godoy já constam da planta mais publicada de Goiânia. Para excelente estudo sobre o
projeto original, ver Daher, 2003. Curiosamente, em geral essa planta aparece publicada com o norte voltado para baixo
(como em Bruand, 1981):
• Maia, Francisco Prestes. 1930. Estudo de um Plano de Avenidas para São Paulo. Sâo Paulo: Melhoramentos.
s Para um estudo completo da obra de Prestes Maia, veja-se o livro Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno
em São Paulo, de Benedito Lima de Toledo (Empresa das Artes, 1996).

~~~---------------- ...............
Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 5

Figura 1.4 Ilustração do esquema


teórico do Plano de Avenidas para
São Paulo, mostrando o modelo
radiocêntrico, suas avenidas e
parkways, parques e pontes. (ln:
MAIA, Prestes. 1930. Introdução ao
Estudo de um Plano de Avenidas
para a Cidade de São Paulo. São
Paulo: Melhoramentos; p. 52.)

apesar da modernidade do plano com suas parkways ao longo do Rio Tietê e previsão de linhas de rnetrô,
sua arquitetura ainda inspirava-se no estilos clássico ou renascentista monumentalizados. Prestes teria a
chance de iniciar a implantação de seu plano quando prefeito nomeado de 1938 a 1945, durante pratica-
mente todo o Estado Novo e, depois, corno perfeito eleito em 1961. As propostas viárias progressistas do
Plano de Avenidas influenciaram o planejamento da cidade e diversas obras públicas durante muitos anos.

Projetos similares foram elaborados em todo o país segundo o discurso positivista do modernismo, per-
seguindo a ideia de promoção do desenvolvimento, de disciplina social e de ordem por meio do desenho
urbano. No Rio de Janeiro, por exemplo, Vargas se entusiasmou com a proposta de uma nova avenida
monumental na área central - a atual Avenida Presidente Vargas -, que, com seus 60 metros de largura,
destruiu 20 blocos da antiga morfologia colonial e quase mil edifícios residenciais, substituindo-os por
torres comerciais de 22 pavimentos, coladas lado a lado, em arn~~-s os lados da avenida. Interessante
é que o projeto da Avenida Presidente V_?rgas retornou elementos do Plano Agache, coroo a galeria
coberta para pedestres, as· Pé\SSagens em miolo de. quadras e as ~áreas públicas internas das quadras.
Além disso, durante o Estàdo Novo, departamentos "de urqanisrno foram criados nas prin'Cipais cidades
brasileiras, 0s primeiros códigos de zoneamento urbarib foram aprovados ~ muitos urbanistas foram
' '
no.meados prefêitos por Vargas (Leme, 1999; Outtes, 2002).

Tanto' Vargas quanto a agenda política do Estado Novo reconheciam a importância do incentivo ao
progresso nacional, da difusão dos valores da classe média e da educação do povo para obter apoio ao

r
6 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

regime. O sistema educacional foi objeto de profundas reformas, incluindo-se a criação do Ministério da
Educação e Saúde Pública em 1930, que se tornaria um forte instrumento na institucionalização da dou-
trina modernista. A educação superior foi expandida, com, por exemplo, a criação da Universidade de
São Paulo em 1934 e a reorganização da Universidade do Brasil (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
em 1938. Com o apoio do Estado Novo, um grupo de intelectuais capitaneados por Mário de Andrade,
Rodrigo Mello Franco e Lucio Costa, interessados na preservação da memória brasileira, criou a primeira
agência para a preservação histórica. em 1936. O Sphan (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. atual lphall - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) foi criado dentro da estru-
tura do Ministério da Educação e Saúde, demonstrando que a preservação histórica também poderia ser
realizada a serviço do regime, no mínimo como meio de enfatizar a importância da modernidade.

Por conta dos ideais modernistas do regime, em 1931, logo após a criação do Ministério da Educação
e Saúde, o ministro nomeou Lucio Costa, então um jovem arquiteto modernista funcionário do minis-
tério, diretor da Escola Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro, com a responsabilidade de reformá-la
totalmente. Costa instituiu um curso "funcionalista" paralelo ao antigo currículo beaux arts e contratou
arquitetos e urbanistas modernistas como professores, obtendo sucesso imediato entre os estudantes.
Evidentemente. ele também atraiu a oposição dos docentes antigos, que acabariam forçando a sua
renúncia um ano depois, mas não antes de ter inspirado um importante grupo de estudantes - no qual
se incluíam Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx-. que viriam a formar a primeira geração influente de
arquitetos modernistas. As mudanças no currículo do Rio logo influenciariam as escolas de arquitetura
de todo o Brasil, e Lucio Costa se tornaria a grande referência para a nascente arquitetura moderna
brasileira (Durand, 1991; Cardoso, 1996). O modernismo também dominaria os debates do primeiro
Congresso Brasileiro de Urbanismo em 1941 e logo seria institucionalizado como profissão específica
através da criação do primeiro programa de pós-graduação em urbanismo na Faculdade de Arquitetura
da Universidade do Brasil (hoje FAU) no Rio de Janeiro, em 1945.

Como observam vários autores, a arquitetura e o urbanismo moderno no Brasil muito devem às visitas
de Le Corbusier e sua influência sobre os jovens arquitetos brasileiros. O alinhamento de seu simbo-
lismo e do seu discurso aos objetivos do Estado Novo foi fundamental para o reconhecimento político
do modernismo e sua adoção como vocabulário arquitetônico oficial dos edifícios governamentais e
da educação em arquitetura. Um bom exemplo foram as imbricações políticas do famoso concurso de
anteprojetos para o novo edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde (hoje MEC) no Rio de Janeiro.
em 1935, que deveria ser um ícone máximo da ideologia de um Brasil moderno do Estado Novo. O
projeto escolhido pelo júri - em estilo neomarajoara - foi rejeitado pelo próprio ministro, que passou a
incumbência para Lucio Costa, funcionário do ministério (Durand, 1991; Cavalcanti, 1995). Costa juntou
um pequeno grupo de jovens colaboradores e, convencendo o ministro a contratar Le Corbusier como
consultor, acabou responsável pelo projeto de um dos prédios modernistas mais celebrados internacio-
nalmente. 6 Inaugurado em 1945, além dos avanços arquitetônicos para a época, como o uso de planta
livre e brise-soleils. o projeto inovava pelo partido urbanístico em centro de terreno, pilotis livres e os
jardins de Roberto Burle Marx, permitindo grande fluidez entre espaços externos e internos ao nível do
~11··~....
"
solo e rompendo a separação público-privado. ~~
~~
Com um agressivo marketing profissional, esses primeiros pensadores modernos en~abeçados por Lucio
~'
Costa e Le Corbusier não poupavam críticas contunden_tes a seus competidores. e foram altamente '
influentes na consolidação do discurso modernista no aparato do Estado Novo. Dois alvos de suas crí-
ticas, por exemplo. foram o Plano Agache e o projeto da Cidade üniversitária de Marcello Piacentini,
arquiteto italiano que logo depois viria a se tornar o preferido de Mussolini. t interessante notar que,
em meados dos anos 1930, apesar de sua atração pelo modernismo e pelo que ele poderia representar

6 O grupo incluía Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Machado Moreira, Ernani Vasconcellos e Oscar Niemeyer,
o caçula.

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Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 7

em termos de progressismo, o Estado Novo compartilhava raízes populistas e filosóficas com o fascismo,
como o do regime de Mussolini, o que o atraía para o estilo monumentalista de Piacentini, que ficava
entre o neoclássico e o racionalismo italiano. Esse foi o estilo adotado no novo edifício-sede do Ministério
do Trabalho - ministério politicamente fundamental para o governo Vargas - . por exemplo, localizado
em quarteirão contíguo ao do MEC, construido praticamente ao mesmo tempo (Cavalcanti, 1995). Com
altura equivalente a dezoito pisos e adotando pesado e monumental estilo neoclássico, ele ocupa todo
um quarteirão e possui imponente escadaria conduzindo ao pórtico de entrada frontal, adornado com
colunas dóricas de quase dez metros de altura.

No caminho para visitar um cliente em Buenos Aires em 1929, Le Corbusier fez sua primeira visita ao
Brasil, por sua própria iniciativa, e percorreu quatro cidades. incluindo São Paulo e Rio de Janeiro. Estava
atraído pela possibilidade de obter novos trabalhos, particularmente porque tinha ouvido sobre o desejo
brasileiro de construir uma nova capital e por causa da presença de Agache no Brasil, seu competidor.
Deslumbrando seus seguidores, dentre os quais se destacava Lucio Costa. Le Corbusier proferiu palestras
fundamentadas em sua Cité Contemporaine e outros projetos, fazendo diversos croquis da paisagem e
das mulheres cariocas. Alguns estudiosos apontam que essa visita foi decisiva em sua carreira, momento
a partir do qual seu vocabulário começou a adotar formas mais curvilíneas. Fraser (2000, p. 1O) observa
que, impressionado pela "paisagem maior que a vida", Le Corbusier adaptou sua geometria rígida e suas
gigantescas vias expressas à topografia curvilínea (Figura 1.5). Em 1936, ele realizaria sua segunda viagem
ao Rio, como consultor no desenvolvimento do projeto para o edifício do Ministério da Educação e Saúde.

Nas décadas de 1940 e 1950, quando o modernismo estava em seu auge, o mundo admirava o "estilo
brasileiro". O prédio do MEC, o celebrado Pavilhão Brasileiro na Feira Mundial de 1939 em Nova York
projetado por Lucio Costa e Oscar Niemeyer, o complexo residencial no Parque Guinle de Lucio Costa no
Rio (1948), o complexo da Pampulha em Belo Horizonte (1940) e o Parque do lbirapuera (1951) de Oscar
Niemeyer com paisagismo de Burle Marx, e tantos outros edifícios modernos. tornar-se-iam ícones inter-
nacionais do modernismo brasileiro e exemplos de uma perfeita adaptação dos princípios da arquitetura
moderna às condições locais (Fraser, 2000; Deckker, 2001; Andreoli e Forty. 2004). A política de "boa
vizinhança" dos Estados Unidos dos anos 1940 e 1950, a exposição e o catálogo Brazil Builds do Museu
de Arte Moderna de Nova York (Goodwin, 1943), os livros de Stamo Papadakis sobre a obra de Niemeyer
(1950) e de Henrique Mindlin sobre arquitetos modernos brasileiros (1955), além de inúmeras revistas
nos Estados Unidos e Europa, ajudaram a divulgar a nossa arquitetura (Durand, 1991; Segawa, 1998).

A plataforma política de Vargas incluía o financiamento e a construção da moradia social através de recur-
sos levantados pelos fundos de pensão e institutos de seguridade social ligados ao Ministério do Trabalho,

Figura 1.5 Croquis de proposta urbanística de Le Corbusier para o Rio de Janeiro, feito durante a sua viagem
de 1929, mostrando a ideia de um viaduto-rodovia encimando prédios de 15 pisos sobre pilotis. (© F. L. C., Le
Corbusier/Licenciado por AUTVIS, Brasil, 2012.)
8 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

tendo os mais significativos sido desenvolvidos pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos lndustriários
(Bonduki, 2012; Segawa, 1998). Proporcionar habitação para a classe trabalhadora aumentava a legitimi-
dade do regime e estimulava o seu apoio para outras reformas sociais e econômicas, além de dinamizar
o setor da construção civil. Diversos desses projetos englobavam entre mil e três mil unidades, a escala
de um pequeno bairro. Entretanto, não se conseguia construir moradias com a rapidez necessária para
acompanhar as políticas industriais do Estado Novo e o ritmo veloz da industrialização, que atraíam cada
vez mais imigrantes do campo para as grandes cidades. No Rio de Janeiro, por exemplo, a década de 1940
registrou o maior crescimento de favelas, que chegaram a 105 em 1948 (Abreu, 1987).

De 1937 aos anos 1950, os preceitos modernistas dos CIAM, juntamente com os princípios de unidades
de vizinhança de Clarence Perry, de 1929, guiariam a habitação social no Brasil. Embora em quantidade
insuficiente para atender a demanda, esses projetos de habitação social obtiveram efeitos significativos e
permitiram a experimentação criativa com os novos conceitos modernistas (Bruand, 1981; Segawa, 1998;
Bonduki, 2012). Nesse período também se inicia a construção de conjuntos de grande porte, quase
todos localizados em subúrbios de grandes cidades como Rio, São Paulo e Belo Horizonte. Prova da qua-
lidade e originalidade desses projetos foram os diversos prêmios que receberam durante o VI Congresso
Pan-Americano de Arquitetos em 1940, realizado em Montevidéu, e a quantidade de importantes arqui-
tetos modernistas envolvidos com essa questão, como os irmãos Roberto, Álvaro Vital Brasil, Rubens
Porto, Attílio Corrêa Lima, Flávio Marinho Rego e Affonso Eduardo Reidy. Este último, que havia sido
estagiário de Agache durante a elaboração de seu plano para o Rio de Janeiro, foi responsável pelo
projeto de habitação social no Brasil de maior fama internacional: o Complexo Residencial Pedregulho,
no Rio de Janeiro, construído em 1947 (Segawa, 1998; Cavalcanti, 2001; Recamán, 2004). Projeto de
escala urbana significativa, incluía 478 unidades habitacionais e um longo edifício curvilíneo sobre pilotis
e acompanhando as cuNas de nível, compondo uma unidade de vizinhança que incluía escola, creche,
centro de saúde, um parque e uma piscina (Figura 1.6). De forma similar ao que ocorria em outras partes
do mundo, o modernismo impunha-se como o vocabulário de projetos de baixa renda, o que se conso-
lidaria no mesmo período em que se construía Brasília.

Os ambiciosos programas econômicos, industrial e de desenvolvimento nacional iniciados em 1956 pelo


presidente Juscelino Kubitschek - que como prefeito de Belo Horizonte havia construído o complexo
da Pampulha - incluíam a construção de uma nova capital que deveria não apenas ser um símbolo do
progresso nacional, mas também um meio de atrair desenvolvimento para o interior do país. A lógica

Figura 1.6 Complexo Residencial Pedregulho, Rio de Janeiro, 1947, o projeto de Affonso Reidy que se tornou ícone
da habitação social modernista. (Foto de Vicente dei Rio.)

)
ü
Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 9

territorial era desenvolver e modernizar o coração do Brasil e povoá-lo com populações das várias regiões
do país. O programa de Kubitschek foi essencial na consolidação do modernismo brasileiro. Sua estraté-
gia económica obteve sucesso na promoção um otimismo generalizado e no estímulo à industrialização.
mas também acelerou a migração para áreas urbanas e a urbanização.

O direcionamento de Vargas, e posteriormente Kubitschek, para a industrialização foi determinante


na explosão populacional das principais cidades brasileiras nas décadas de 1940 e 1950. Abreu (1987)
observa que a região metropolitana do Rio de Janeiro cresceu 103% entre 1950 e 1960 e que nessa
década 53% de sua população era constituída por migrantes - metade dos quais habitava áreas peri-
féricas do Rio, a maioria em loteamentos ilegais, aqueles sem títulos de propriedade, construídos sem
aprovação oficial e sem a infraestrutura que o empreendedor imobiliário deveri a fornecer. A situação era
similar na região metropolitana de São Paulo, cuja taxa de crescimento entre 1950 e 1960 foi de 6, 17%,
enquanto no Brasil como um todo ela foi de 3,04% (Meyer, Grostein e Biderman, 2004).

A confiança no crescimento econômico e o positivismo modernista guiaram a lógica de dois projetos


paradigmáticos no Rio de Janeiro que ajudaram a definir o ritmo do desenho urbano moderno brasileiro.
ambos sob a tutela de Affonso Reidy como diretor de urbanismo da prefeitura. O primeiro foi projeto
para a Esplanada de Santo Antônio, área resultante do desmonte do morro de mesmo nome e uma área
de casario do centro histórico (R. Magalhães, 2008; Andrade, 201 O). Intitulado Centro Cívico Municipal,
previa diversas edificações de cunho público-administrativo, inclusive uma torre, quatro blocos comer-
ciais, um longo edifício residencial sinuoso e os equipamentos sociais típicos de uma "unidade de vizi-
nhança". Ancorado num plano mais amplo que incluía a construção de duas vias expressas cortando o
centro e conectando-se com a Zona Sul por um aterro ao longo da orla da Baía de Guanabara, o projeto
era típico da aplicação dos rígidos preceitos modernistas, desrespeitava a morfologia preexistente e
não promovia a integração com o entorno. O projeto nunca foi plenamente realizado, mas seu espírito
modernista permaneceu na área "loteada" para grandes torres comerciais, principalmente empresas
estatai s (Andrade, 201 O) (Figura 1.7). 7

A via expressa Diagonal (atual Avenida do Paraguai) promoveria uma grande renovação urbana no centro
do Rio de Janeiro, integrava-se à Espanada de Santo Antônio e interligando-se à via parque, ou parkway,
ao espírito da engenharia de tráfego norte-americana, sobre um aterro ao longo da Baía de Guanabara,

, ...
Figura 1.7 Projeto de Affonso ~eidy para o Rio de Janeiro, f~38. O Centro Civjco Municipal na Esplanada de Santo
Antônio seria ligado pela Avenida Diagonal (elevada} a uma parkway e ao Parque do Fla~engo, que se concretizaria
nos anos 1960.. (Ilustração de Vicente dei Rio apud Ançlfade, 2ore I Revista Municipal de Engenharia.)
. . .
1·O projeto de continuidade das vias expressas,-assim como a legislação urbanística modernista inspirada pelo projeto
de Reídy, que moldou o que hoje é·a Esplanada de Santo Antônio, foi oficialmente revogado nos anos 1990 com a
expansão das áreas de preservação (R. Magalhães, 2008). Ver o texto de Vicente dei Rio e Alcantara sobre o Projeto


Corredor Cultural, no Capítulo 11.
.

r
1O Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

de modo a conectar o centro à Copacabana e às


áreas de expansão da classe média na Zona Sul.
O aterro foi iniciado ainda em meados dos anos
1950, com o material do desmonte do Morro
de Santo Antônio para a construção da citada
esplanada. Com projetos urbanístico e arquite-
tônico (passarelas, pequenos equipamentos etc.)
de Affonso Reidy, então diretor de urbanismo
da prefeitura, e projeto paisagístico de Roberto
Burle Marx, a obra do que veio a ser conhecido
como Aterro ou Parque do Flamengo foi iniciada
em 1961. Cortado por vias de alta velocidade
e incluindo áreas de praia, quadras esportivas,
pistas de bicicletas e de pedestres e numerosas
espécies de plantas nativas, o parque tornou-se
um importante equipamento de lazer e um ícone
internacional do desenho urbano e do paisa-
gismo brasileiro (Figura 1.8).

A inauguração de Brasília em 1960 representou


o auge das políticas de desenvolvimento e de
Figura 1.8 Parque do Flamengo, construído de 1962
a 1964 no Rio de Janeiro: projeto de Affonso Reidy otimismo cultural do presidente Kubitschek: em
(pela prefeitura) e paisagismo por Roberto Burle Marx. pouco mais de quatro anos uma cidade inteira
(Foto de Silvio Macedo; Projeto Quapá.)
foi construída a partir do zero (Evenson, 1973;
Fraser, 2000). Tendo inicialmente oferecido
o projeto a Oscar Niemeyer, que sugeriu um concurso - mas aceitou ser responsável pelos projetos
de arquitetura - e, segundo Cavalcanti (2001 ), recusando uma oferta de Le Corbusier para projetá-la,
Kubitschek acabou optando por um concurso nacional de projetos com um júri internacional. Atraindo
os maiores nomes da arquitetura e urbanismo brasileiros, todos com propostas seguidoras dos cc'.lnones
da Carta de Atenas, o concurso para o Plano Piloto de Brasília acabou sendo vencido por Lucio Costa,
cujo trabalho se encontra amplamente divulgado e discutido. O projeto da nova capital foi símbolo de
profundas transformações, representando a realização dos sonhos de modernização, industrialização e
distanciamento do passado agrário do pais. Ela representou a maior tentativa de alcançar uma urbaniza-
ção mais equilibrada do território nacional e acabou de consolidar o modernismo no repertório cultural
brasileiro. Declarado Patrimônio Mundial pela Unesco em 1987, o Plano Piloto é considerado a mais
completa realização do urbanismo prescrito pela Carta de Atenas e dos ensinamentos de Le Corbusier
(Holston, 1993; Fraser, 2000).

A despeito da construção de Brasília e do otimismo gerado pelo desenvolvimentismo do governo


Kubitschek no final da década de 1950, o inicio dos anos 1960 foi um tempo turbulento para o moder-
nismo, para o Brasil e para a reputação internacional de nossa arquitetura e urbanismo. A inflação e a
dívida internacional - geradas pelos empréstimos tomados pelo governo Kubitschek e pela construção
da nova capital - estavam extremamente elevadas; aumentava a inquietação polrtica com a expansão ,..,
socialista e o conflito de ideologias..eritre valores progressistas e conservadores na classe média. Nessa
época, o modernismo já estava arraigado na cultura brasileira e ~r:ios circuitos da arquitetura, aceito
não apenas pela elite intelectual, mas também pelos grupos socioeco~ômicos menos favoreéidos.
Nos assentamentos autoconstruídos, por exemplo, passou a ser comum ver casas com teto plano ou
borboleta e colunas ao estilo de Brasília. Porém, em nivel internacional, pouco após a inauguração de
Brasília, já havia em ·artigos ou livros pouca .ou nenhuma menção à arquitetura brasileira, conforme
observado em vários estudos (Fraser, 2000; Andreoli e Forty, 2004). Fraser (2000: 2) notou que a

J
Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 11

construção de Brasília foi o cume mas também "o fim de um caso de amor... (de) uma ambição grande
demais, e a intelectualidade arquitetônica dos Estados Unidos e da Europa se voltou contra ele". Por
exemplo, Siegfried Giedon, famoso historiador e crítico da arquitetura que no início dos anos 1950
elogiava a arquitetura brasileira, liderou um grupo de Harvard que analisou os planos de Brasília e cri-
ticou o governo brasileiro por não haver convocado especialistas internacionais ou Le Corbusier para
ajudar (Fraser, 2000).

No cenário internacional, a década de 1960 marcou o início do fim da arquitetura modernista, na medida
em que seus ditames autoritários e seu frio racionalismo eram cada vez mais criticados por acadêmicos,
profissionais e usuários (Frampton, 1992; Ellin, 1999). Como interessante contraponto, comparado ao
radicalismo de Le Corbusier, o modernismo brasileiro, principalmente até o início dos anos 1960, foi
de fato muito mais respeitoso dos modelos históricos e incorporou alguns de seus elementos, como
demonstram diversos projetos daquele período, e pelo papel fundamenta l de Lucio Costa e de outros
modernistas na preservação do patrimônio histórico brasileiro (Segawa, 1998).

Contudo, com as mudanças geopolíticas suscitadas pela Guerra Fria e o realinhamento dos interesses
políticos e culturais em direção ao eixo Estados Unidos-Europa, a arquitetura e o urbanismo brasileiros
sofreriam com a perda de interesse da intelligentsia e da mídia por vários anos, até o recente ressurgi-
mento do interesse no modernismo entre algumas importantes publicações sobre arquitetura (Fraser,
2000; Deckker, 2001 ; Cavalcanti, 2001; Andreoli e Forty, 2004; el-Dahdah, 2005). Além do progres-
sivo desmantelamento do modernismo na arena intelectual internacional, o golpe militar de 1964 e o
governo militar que se manteve no poder até a metade dos anos 1980 depuseram contra a popularidade
de Brasília e da arquitetura brasileira fora do país, pois, como observa Fraser (2000), o simbolismo e
os ambientes urbanos modernistas se adequaram facilmente à ditadura. A arquitetura monumental, o
zoneamento restritivo e os grandes espaços vazios tornaram-se a representação perfeita do poder de um
governo militar de exceção e centralizador. Isso era bem expresso por Brasília, cujo urbanismo moder-
nista segregado ainda conduziu à cristalização de um anel de pobreza em torno da área do Plano Piloto,
numa expressão espacial clara da dicotomia social perversa da sociedade brasileira.

De modo geral, até o início dos anos 1980, a arquitetura e urbanismo e o desenho urbano brasileiros
- tanto no âmbito profissional quanto no educacional - refletiram esse paradigma, não oferecendo
nenhuma novidade para os observadores internacionais. Em geral, o que acontecia no campo da arqui-
tetura e urbanismo no Brasil era motivo para críticas, como as de Holston (1993) e Rykwert (2004)
a Brasília, que enfatizaram excessivamente seus aspectos negativos ou não souberam compreendê-la
muito bem. 8 O modernismo, adotado pelo Estado brasileiro desde o início dos anos 1930, também ser-
viria bem ao regime militar e a seus órgãos estatais. A nova estrutura de poder soube se aproveitar da
sua natureza autoritária, de seu funcionalismo e eficiência tecnocrática, do zoneamento segregador, da
ênfase ao transporte individual, de obras públicas grandiosas e de sua contribuição à separação cada vez
maior entre ricos e pobres.

Os Militares e oModernismo Tecnocrático


Reagindo contra a instabilidade política e ecooômica do início da década de 1960 e as tendências socia- ' ..,_
listas do governo João. Goulart, os militares to,.;,aram~o , poder em 19?4, ar'nplament~ apoiados pela
classe média e pelos partidos conservadores. A-agenda política e econ'Õmica do regime militar era criar
um~ nação poderosa e désenvolvida, com um meréado int~;~o·forte e independente. A industrialização,
',,

8 A esse respeito, ver o Capítulo 1, de autoria de Kohlsdorf, Kohlsdorf e Holanda.

\_)
12 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

a urbanização e a concentração de investimentos e de população em uma rede urbana forte serviriam


como meios para desenvolver e integrar o território nacional.

Como resultado do programa militar para o desenvolvimento, de um capitalismo conduzido pelo Estado
e de uma grande entrada de capital internacional, a inflação foi reduzida de forma significativa entre
1968 e 1974, a dívida externa brasileira foi renegociada, e o crescimento da economia alcançou a média
anual de 10%. Nesse período de expansão econômica, apelidado de "milagre econômico", o cresci-
mento estava atrelado ao custo da justiça social, e a discrepância entre ricos e pobres de fato aumentou.
Mas o "milagre" não teve vida longa: as crises do petróleo de 1973 e 1980, as crescentes dívidas interna
e externa e o retorno da inflação galopante empurraram o Brasil em direção a uma crise econômica entre
as décadas de 1970 e 1980, que iria por fim alimentar a crescente oposição à ditadura que levaria o país
de volta ao estado de direito em 1985.

De 1964 até o final da década de 1970, refletindo a estrutura de poder centralizada do regime militar,
o planejamento urbano nacional floresceu (Schmidt, 1983; Serra. 1991; Villaça, 1999). Em nível nacio-
nal, a nova ordem tentou equilibrar o desenvolvimento e reduzir as discrepâncias nacionais. O governo
federal criou agências de desenvolvimento regional - tais como a Sudam e a Sudesul (agências de desen-
volvimento para o Amazonas e para a Região Sul, respectivamente) - seguindo o modelo da Sudene,
a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste. 9 Para praticamente toda área de desenvolvi-
mento nacional, seriam criados fundos e programas. assim como agências nacionais responsáveis pela
fiscalização de suas políticas e investimentos. O programa nacional para construção de rodovias cumpriu
um papel importante nessa agenda nacional. implantando importantes rodovias. mas também fiascos e
equívocos ambientais imensos, como a Transamazõnica, concebida para estimular o desenvolvimento da
região amazônica e conectá-la ao resto do país, permitido o avanço da exploração de recursos naturais
e a colonização do interior do pais.

Nesse período, a urbanização e a construção da cidade brasileira eram entendidas a partir de uma pers-
pectiva econômica e de desenvolvimento nacional. Os problemas urbanos passaram a ser considerados.
quase que exclusivamente. problemas econômicos. e a solução da explosiva carência habitacional nas
grandes cidades passou a ser entendida como simples questão de ampliar o suprimento de unidades
residenciais de baixo custo. O Estado favoreceria as ações "racionais" e administrativas: se deslocaria da
busca pela "cidade ideal" para o gerenciamento racional e eficiente da cidade existente e da eliminação
de "anormalidades internas" (Ribeiro e Cardoso, 1996). Montou-se um sistema nacional de planeja-
mento urbano para implementar o gerenciamento racional das cidades, estabelecer uma rede urbana
mais equilibrada e integrada e controlar o crescimento das grandes metrópoles, enquanto se reforçavam
cidades médias (Schmidt, 1983; Serra. 1991).

Como sinal desses novos tempos, em 1965 o governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda - grande
defensor do golpe militar-. contratou a firma grega Konstantinos Doxiadis Associates para desenvolver
um novo plano diretor para a cidade. Com a inauguraçao de Brasília. o Rio havia perdido o seu status de
capital nacional, e via-se a necessidade de estabelecer políticas de desenvolvimento e controlar o cresci-
mento urbano. Segundo Evenson (1973), o estudo urbano de Doxiadis foi o mais abrangente até aquele
momento, incluindo sofisticadas projeções sociais, econômicas e estatísticas baseadas na ekistica. uma
" ciência"'º para lidar com os assentamentos humanos que ele mesmo havia inventado. O plano bus-
cava conduzir a cidade a um modelo territorial em grelha, formada por vias expressas hierarquicamente

9 lnteressantemente. a Sudene havia sido criada pelo governo Kubitscliek em 195,9, moldada na Tennessee Valley
Authority, dos Estados Unidos, criada em 1933 com a missão de gerar··desenvolvimento naquela região particular-
mente atingida durante a Grande Depressão.
'º Doxiadis definia a ekistica (ekistics) com base no estudo interdisciplinar da evolução urbana, na teoria de sistemas
e no entendimento da interligação entre assentamentos humanos em todas as escalas, desde a habitação até a ecu-
menópolis (a cidade planetária). Ver o site da World Society for Ekistics: http://www.ekistics.org/.

)
Introdução 1 OContexto do Desenho Urbano no Brasil 13

estruturadas, definindo bairros, contrastando com o padrão histórico de crescimento radial da cidade.
Embora nunca tenha sido implantado, o Plano Doxiadis representou a estreia no Brasil de um modelo de
planejamento dito científico e racional, alinhando-se com a cultura do modernismo de estado da época,
iniciando uma fase de "superplanos" que atingiria o seu auge com a atuação do SERFHAU (Villaça,
1999). Acabou inspirando o planejamento das vias expressas cariocas (Linha Vermelha, Linha Amarela
etc.) e a tipologia edilícia modernista adotada pela legislação de uso do solo aprovada em 1976, que iria,
por sua vez, influenciar praticamente todas as cidades brasileiras (Figura 1.9). 11

A abordagem conservadora em relação à habitação social do governo estadual do Rio de Janeiro seria
muito influente durante a década de 1960. Com foco na erradicação de favelas e na relocação de seus
moradores para conjuntos habitacionais nas periferias, com arquitetura padronizada e de baixa qua-
lidade, sabemos que essa abordagem acabou sendo muito mais um problema do que uma solução;
entretanto, seguiam-se os modelos das agências internacionais de financiamento, tais como o Banco
Mundial e a Aliança para o Progresso (Perlman, 1977; Valladares, 1978, 2005). O modelo urbanístico e,
especialmente, o arquitetônico para habitação social utilizados pelo estado da Guanabara - tais como os
conjuntos Vila Kennedy e Vila Aliança na periferia da cidade - seriam adotados pelo Banco Nacional da
Habitação e pelas agências estaduais de fomento à habitação até sua revisão com a redemocratização do
país, nos anos 1980. Talvez o primeiro grande exemplo do modelo BNH (Banco Nacional da Habitação)
tenha sido o conjunto Zezinho Magalhães Prado (conhecido como conjunto Cecap-Cumbica). construído
em 1967 pela Cecap (Caixa Estadual de Casas para o Povo), no município de Guarulhos, São Paulo.
Projeto de Villanova Artigas, Fábio Penteado e Paulo Mendes da Rocha para uma população de 55.000
pessoas em área de 130 hectares e organizado em torno a "freguesias" de cerca de 10.000 habitantes
e infraestrutura completa. o Cecap foi concebido como um modelo da política habitacional do Estado,
mas nunca foi completado (Segawa, 1998).

Reis (1996) observa que. durante o período militar, a rede de cidades brasileiras representava um quadro
político e econômico centralizado com quatro aspectos fundamentais: rápida urbanização, concentra-
ção crescente da população, escala de progresso excepcional e aumento das desigualdades sociais e de
renda. Dados censitários indicam que se até 1960 apenas duas cidades - Rio e São Paulo - possuíam
mais de um milhão de habitantes. em 1980 nove regiões metropolitanas e o Distrito Federal já haviam
ultrapassado essa marca. Nesse mesmo ano, 70% da população nacional já morava em áreas urbanas,

"Fi9ur~ 1.9 Conceito de quarteirão para Copacabana.do Plano D0xiadis. 1965. Separação.entre veículos e pedestres,
.Praça pública no miolo dê! quadra e pisos residenciais ai:ima dos dedicados a comércio e a garagem. (Cortesia de
Constantinos A. Doxiadis Archives; ©Constantinos and Emma Doxiadis Foundation.)

. ~) . -
' ' Sobre alguns dos efeitos dessa tipologia edilícia modernista nos códigos locais, ver o Capitulo 3, de Macedo.
.
r -
14 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

e as nove regiões metropolitanas contabilizavam 29% da população total do pais e 42% da população
urbana! Devido à falta de entendimento da verdadeira dimensão social do desenvolvimento, o plane-
jamento tecnocrático e racionalista não contava com o ritmo acelerado de migração para os grandes
centros e da expansão de seus loteamentos irregulares e favelas.

Com o período militar e seu "tecnoburocracismo desenvolvimentista". nas palavras de Ribeiro e Cardoso
(1996, p. 68), o urbanismo brasileiro iria adotar o "modernismo funcional", não muito diferente do que
vinha sendo praticado em outras partes do mundo. e iria focalizar esforços na reestruturação das capitais
e, eventualmente, nas cidades de porte médio (Serra, 1991 ). A lógica da cidade e sua estrutura predo-
minante se tornariam cada vez mais dependentes da circulação de veículos, embora o sistema nacional
de planejamento não tenha ocorrido sem contradições internas: de 1976 a 1982, vultosas somas de
recursos federais foram despejadas em sistemas de transportes públicos, como metrô e trens, enquanto
o mercado e os planos diretores municipais estimulavam o uso de veiculos particulares. Villaça (1998)
destaca que, além dos sistemas de circulação, as estruturas urbanas brasileiras se tornariam ainda mais
dependentes da reprodução do capital por meio do desenvolvimento e da especulação do solo e pela
crescente segregação espacial das classes altas do resto do território urbano. Nos anos 1970, por conta
da economia altamente volátil e historicamente inflacionária, os investimentos de capital na terra e em
imóveis se tornaram extremamente rentáveis, passando a ser fator fundamental ao incentivo da econo-
mia e do crescimento urbano. gerando cidades cada vez mais densas e verticalizadas e territorialidades
urbanas ainda mais injustas socialmente.

Durante o regime militar, o maior impacto direto do governo federal sobre as cidades foi através da pro-
visão de investimentos para desenvolvimento urbano, saneamento, habitação e transporte (Serra, 1991;
Villaça, 1998). Meses depois do golpe militar, em agosto de 1964, o governo criava a correção mone-
tária (para enfrentar a inflação), o sistema financeiro para compra da casa própria, o Banco Nacional
da Habitação (BNH), as Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias e o Serviço Federal
de Habitação e Urbanismo (SERFHAU). O sistema de financiamento imobiliário teria dois braços: um
direcionado ao mercado (com base na poupança) e outro direcionado ao social (baseado no Fundo de
Garantia de Tempo de Serviço). A construção e a propriedade imobiliária eram vistas como investimentos
estratégicos. não apenas em face da instabilidade social dos anos 1960, mas principalmente por causa
dos efeitos multiplicadores do setor da construção civil sobre a economia e a criação de empregos para
a mão de obra não especializada. Esse sistema financiou a habitação e obras públicas para o desenvol-
vimento urbano, ajudou a consolidar o setor imobiliário, encorajou a explosiva construção de torres de
apartamentos e alterou o mercado imobiliário e vários aspectos da cadeia produtiva. causando profun-
dos impactos na cidade brasileira (Maricato, 2000).

Constituído como banco de segunda linha, o BNH não operava diretamente com o público, mas con-
cedia empréstimos a bancos privados e/ou públicos. que, por sua vez, realizavam as operações de cré-
dito e financiavam os compradores ou os agentes promotores da habitação e urbanização, tais como
as companhias habitacionais e de água e esgoto (Azevedo e Andrade. 1982; Azevedo. 1990). O BNH
regulava tanto o setor direcionado ao mercado quanto o orientado ao sistema habitacional social. defi-
nindo politicas, operando fundos, distribuindo investimentos e supervisionando o sistema como um
todo, inclusive a implementação dos projetos. Em 1968, a atuação do BNH foi am.P~iada. e ele começou
a financiar diretamente programas de desenvolvimento _urbano, tais como transporte e equipamentos _ ' ...
físicos, demonstrando a sua crescênte importância para a acumulação de capital e a provisão de bens
de consumo coletivos (Schmidt, 1983; Serra, 1991 ). O impacto dessas politicas d-e "i:~nho fundamental- .,.
mente econômico no desenho urbano brasileiro foi nefasto, d~finindo 'a reestruturação interna e impac-
tando a paisagem urbana, particularmente nas grandes cidades.

Junto com o SFH e ó BNH criava-se o SERFHAU (Serviço Federal para Habitação e Urbanismo). também
sob a tutela do Ministério do Interior. Além de ser responsável pela definição das políticas urbanas

L)
J

~----~--------------------------- .............
Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 15

nacionais e regionais e utilizando-se de dinheiro da loteria esportiva para suas carteiras de financiamento,
o SERFHAU também financiou a elaboração de muitos "planos diretores integrados" segundo um modelo
"multidisciplinar e racional" e apoiou a pesquisa e a pós-graduação em planejamento urbano. Os analistas
apontam que a implementação da maioria desses planos revelou-se muito limitada, para dizer o mínimo, e
sua eficiência foi mais no plano ideológico do que no prático (Schmidt, 1983; Serra, 1991; Maricato, 1997).
Os analistas apontam que a divisão entre as agências de planejamento e de implementação, assim como o
aumento do poder dos grupos que tinham poder sobre a captação e distribuição dos recursos financei-
ros, fez com que o SERFHAU perdesse seu prestígio e fosse extinto em 1974, com seu papel absorvido
pelo BNH, que se tornaria o braço forte na definição e implementação do plano nacional de desenvol-
vimento urbano e dos modos de urbanização da cidade brasileira. Esse movimento demonstrou que os
tecnocratas militares acreditavam na urbanização como instrumento de intervenção e dinamização do
mercado imobiliário, e que a solução para a crise urbana se encontrava numa abordagem quantitativa
da solução das demandas habitacionais sociais.

Quando o BNH foi criado, estimava-se em oito milhões de unidades a carência de habitação social no
Brasil, mas até o inicio dos anos 1980 ele havia financiado pouco mais de um milhão de unidades para
os grupos mais carentes da sociedade (Valença, 1999). Ao enfrentar a demanda habitacional por meios
financeiros e vendo a solução no simples aumento da construção de casas, o BNH acabou fomentando
conjuntos e habitações de muito baixa qualidade, seja em termos de integração urbanística, inadequa-
ção tipológica e qualidade de construção, de materiais ou de execução. Além disso, as políticas oficiais,
do BNH e dos governos de estado, estimulavam a erradicação de favelas e a remoção de sua população
para conjuntos habitacionais que, devido aos altos custos do solo nos lugares próximos ao centro, eram
construídos longe das oportunidades e dos mercados de trabalho tradicionais - um fardo extra para os
trabalhadores, além das hipotecas impostas pelo BNH (Valladares, 1978).

Criado para resolver o problema habitacional, o BNH ficou longe dessa meta e acabou falido devido ao
tamanho da própria máquina, da economia inflacionária e seus reflexos no custo residual da casa pró-
pria, das altas taxas de inadimplência dos mutuários e das mudanças suscitadas com a queda do regime
militar (Maricato, 1987; Azevedo, 1990; Valença, 1999). Além disso, o BNH nasceu com uma contradi-
ção interna básica, a de ser um banco promovendo habitação social num contexto de economia inflacio-
nária. Em geral, os efeitos do sistema nacional da habitação e do banco nas vidas dos consumidores e nas
cidades não foram positivos e não resolveram os problemas reais gerados, na verdade, pela concentração
de renda e o modelo de desenvolvimento desequilibrado. Além disso, em sua última década, o sistema
financeiro de habitação se concentraria na construção direcionada a grupos sociais de classes média e
alta, aliando-se às classes dominantes e garantindo um melhor retorno dos investimentos. Bolaffi (1981 ),
por exemplo, calcula que em 1973 apenas 3% dos financiamentos do BNH eram dedicados a famílias
com renda de até cinco salários mínimos. O SFH e o BNH foram determinantes básicos na construção
de cidade até o fechamento do banco em 1986 e a subsequente reestruturação do sistema nacional da
habitação (Azevedo, 1990; Valença, 1999).

Último grande projeto do BNH, o Projeto Rio, no Rio de Janeiro, pode ser considerado exemplo, por
um lado, da exacerbação de seu uso para motivos eleitoreiros e, por outro, da megalomania que anun-
ciou a sua própria queda. O projeto originou-se como financiami:!l~º de saneamento e despoluição
da Baía da Guanabara, incluindo um aterco hidráulico de aproximadamente 50 hectares, _executado
pelo Departamento t')ational de Obras e Saneàment0.)arnbén;i se .incl~ i u no projeto a urbanização ou
retirada de diversas favelas~ ocalizadas nas margens áa baía, como ·a·tamosa Favelp.da Maré, de quase
cem mil habitantes, e á c~nst;ução de um· projeto residéncial para mais de d~as mil famílias, incluindo
º -! eassentamento daqu~las que ocupavam barracos sobre palafitas. Esse enorme conjunto habitacional
foi o primeiro do Programa Promorar do BNH, instituído com o compromisso político de jamais cobrar

l)
r
16 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

das familias mais de 10% do salário mínimo ao mês por seus financiamentos de 30 anos.12 Além da
impossibilidade de fechar essas contas na economia altamente inflacionária de então, o que represen-
taria a eventual falência do sistema, isso suscitou um projeto de baixíssima qualidade com lotes e casas
mínimos - 70 m 2 e 23 m 2, respectivamente - e péssima construção, com as edificações se deteriorando
significativamente em menos de dois anos e suscitando altas taxas de desocupaç.ão e delinquências que
pesaram na aceleração do processo de falência do BNH (Figura 1. 1O).

O li Plano Nacional de Desenvolvimento, promulgado em 1973, refletia a importância do planejamento


urbano estatal como conjunto coerente de metas e políticas direcionadas à integração do território
nacional, socialmente. economicamente e espacialmente (Schmidt, 1983; Serra, 1991). Ele incluía uma
visão nacional de desenvolvimento territorial e um capítulo com as políticas urbanas que formavam
a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). A PNDU gerou os programas de desenvolvi-
mento de regiões metropolitanas, de capitais e cidades médias e de pequeno porte, entre outros. além
de ter gerado a criação da Comissão Nacional de Regiões Met ropolitan as e Política Urbana (CNPU) no
ãmbito da Secretaria Nacional de Planejamento, e, em 1976, a Empresa Brasileira de Transportes Urbanos
(EBTU). O SERFHAU administraria o Fundo de Financiamento ao Planejamento, a CNDU, o Fundo de
Desenvolvimento Urbano e o Fundo Nacional de Transporte Urbano, depois transferido para a EBTU. A
ideia era promover um planejamento integrado nas grandes cidades e estimular investimentos em cida-
des de médio porte de modo a forta lecer a rede urbana brasileira e atingir um desenvolvimento social
e region al equilibrado, eliminando as anormalidades internas da rede de cidades e regiões (Serra, 1991;
M. Souza, 1999). Infelizmente, como observa Maria Adélia dos Santos (1999), as diretrizes de desenvol-
vimento econômico e urbano no li PND continham contradições essenciais, e as normas econômicas se
traduziram na piora das disparidades regionais.

Figura 1.10 Duas unidades


geminadas construídas para
as famílias da Favela da Maré.
relocadas com as obras do Projeto
Rio, no Rio de Janeiro, um dos
últimos grandes projetos financiados
pelo BNH. Além das pequenas
dimensões e da baixíssima qualidade
da construção, note-se a pequena
cerca construída por uma das
famílias logo após a mudança.
(Foto de Vicente dei Rio.)

12
Na época vinculado ao Ministério do Interior, o BNH e o Programa Promorar seriam instrumentos políticos do minis-
tro Mano Andreazza. que se lançava candidato à sucessão de João Figueiredo à Presidência da República. A Favela
dos Alagados, em Salvador, foi outro grande projeto incluído no Promorar.

\___)

....--------------..............
J

~----~-----------
Introdução 1OContextodo Desenho Urbano no Brasil 17

Outro fruto da PNDU foi a constituição, pelo governo federal, de regiões metropolitanas em torno das
nove maiores cidades, assim como de agências públicas, dentro do aparato do governo estadual, espe-
cialmente criadas para supervisionar o seu planejamento e o gerenciamento do seu desenvolvimento.
Com vistas ao estabelecimento de um sistema de planejamento integrado, essas agências forneciam
três tipos básicos de serviços para os municípios da região metropolitana: suporte básico para geren-
ciamento municipal (treinamento de equipe local, levantamentos aéreos e topográficos, mapeamentos
etc.); desenvolvimento de planos diretores e legislação pertinente, assim como apoio técnico para a sua
irnplementaçào; e gerenciamento de questões e serviços intermunicipais, tais como transporte, abasteci-
mento de água e destinação final do lixo. Embora esses fossem importantes serviços para as prefeituras
mais pobres em torno das metrópoles, o real poder das agências metropolitanas era político, pois elas
eram responsáveis pela aprovação de verbas e transferências de recursos estaduais e federais. Embora
alguns críticos argumentassem que as agências metropolitanas representavam uma imposição das polí-
ticas estaduais e federais em assuntos locais disfarçada sob um racionalismo técnico, elas inegavelmente
deixaram um importante legado para o planejamento.

Em 1979, em paralelo ao fortalecimento do BNH e à transferência para o banco de programas para o


desenvolvimento urbano, a CNPU foi absorvida pelo Ministério do Interior e reestruturado, passando a
denominar-se CNDU (Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano). O CNDU ajudou na aprovação
da importante Lei nº 6. 766 de 1979, que regulamentou o parcelamento do solo urbano e definiu seus
padrões mínimos. Com a redemocratização do país, sua reformulação e incorporação ao Ministério da
Habitaçào e Desenvolvimento Urbano na Nova República, trabalhou no projeto de uma lei de desenvol-
vimento nacional que serviria de base para o Estatuto das Cidades, em 2001 .

Findo o regime de exceção no pais e com o fortalecimento da autonomia municipal e a descentrali-


zação institucionalizada pela Constituição Federal de 1988, a maior parte das agências metropolita-
nas de planejamento foi desmantelada pelos governos estaduais e fechou as portas. Em nível politico,
elas estavam desgastadas por seu papel no regime militar e, em nível conceituai, pelas dificuldades na
implementação do planejamento integrado tecnocrático. A Constituição Federal delegou aos estados a
responsabilidade sobre as regiões metropolitanas e o poder de instituí-las para "integrar a organização,
o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum ", embora sem definir corno se
sustentariam e seriam gerenciadas (F. Magalhães, 201 O). Essa falta de critérios e os interesses políticos
locais contribuíram para que, até março de 2009, fossem criadas 24 regiões metropolitanas, abrangendo
344 municípios em 18 estados, embora apenas 15 delas realmente possuíssem as características pró-
prias para tal (Garson, Ribeiro e Ribeiro, 201 O). Das agências de planejamento metropolitano montadas
durante o regime militar e que continuam atuando destacam-se a Empresa Paulista de Planejamento
Metropolitano S.A. (Ernplasa), de São Paulo, e a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba
(Comec) de Curitiba. 13 Após a extinção de seus órgãos metropolitanos durante o primeiro período de
redemocratização, alguns estados sentiram falta de um sistema de planejamento em nível metropoli-
tano, como, por exemplo, Minas Gerais, que, em 2007, estabeleceu a Assembleia Metropolitana e o
Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano de Belo Horizonte, como órgão de suporte
técnico, a Agência de Desenvolvimento Metropolitano da Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Os planos ambiciosos, os grandes projetos e o modernismo tecnocrático caracteri zaram o planejamento


. .
urbano brasileiro, a burocracia de apoio e o aparato financeiro criados durante todo o regime militar.
.

..,
13 Vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do E.stado de São Paulo, a Emplasa foi criada em 1975

para lidar com a região metropolitana de São Paulo. então composta por 39 municípios. Atualmente ela lida com um
total de 173 municípios, distribuídos em quatro regiões metropolitanas, três aglomerações e duas microrregiões. A
Comec, ligada à Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado do Paraná, foi criada em 1973 para lidar com 14
municípios e hoje lida com 28, não apenas por adesão quanto por desdobramentos de municípios, sempre por meio
de leis estaduais.
18 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Como observa Segawa (1998), principalmente entre as décadas de 1960 e 1970, a euforia do "milagre
econômico" brasileiro, juntamente com a "síndrome do planejamento" do regime militar, encorajou
grandes obras públicas e políticas para relocação de investimentos e população para o interior do país.
Até o início dos anos 1980, os empreendimentos de obras públicas refletiriam o "Brasil potência": pro-
jetos de renovação urbana; construção de vias expressas e viadutos; remoção de populações faveladas; e
construção de enormes projetos habitacionais de baixa renda, novos centros administrativos municipais e
estaduais, campi universitários, aeroportos, estações de trens e rodoviárias, hidrelétricas e novas cidades
corporativas independentes.

Dois exemplos do desenho urbano brasileiro do início dos anos 1970, não muito bem cotados, são o Plano
Piloto para a Barra da Tijuca e a Baixada de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, e o plano para o novo centro
administrativo estadual em Salvador, Bahia. O primeiro, de autoria de Lucio Costa e apelidado Plano
da Barra, é paradigmático, pois representa a mesma busca por uma cidade racional ideal tentada em
Brasllia. Cobrindo cerca de 120 km 2, a intenção era criar um novo bairro completo - incluindo um novo
Centro Metropolitano - sem incorrer nos mesmos "erros" de Copacabana, que havia crescido de forma
desordenada, nas palavras de Lucio Costa. A morfologia da cidade tradicional foi rejeitada em favor de
uma malha caracterizada por grandes avenidas e uma série de seções triangulares em que se intercalam
setores de torres e de habitações unifamiliares e comerciais. Nas junções entre os setores, o plano locali-
zou grupos de edifícios mais baixos para usos específicos públicos e privados. Ao concentrar a densidade
habitacional e encorajar as torres, o plano buscava resguardar as vistas das serras, além de proteger o
frág il ambiente lagunar. Ao longo do tempo, o plano piloto original foi sendo modificado, embora não
em sua essência infraestrutura! viária, refletindo os interesses econômicos e tornando-se o território dos
maiores empreendimentos imobiliários da cidade para as classes média e alta (G. Leitão, 1999). Os usos
do solo são muito mais intensos do que os planejados, as torres muito mais altas e próximas entre si, o
código de zoneamento determina uma rígida separação de funções, e os condomínios fechados e os
shopping centers prevalecem em um ambiente inteiramente dominado pelo automóvel (Figura 1.11 ). O
plano consolidou o crescimento da cidade para oeste e, de grande exemplo do modernismo racionalista,
fez da Barra da Tijuca um perfeito exemplo do
território fragmentado da cidade pós-moderna
sobreposto a uma estrutura espacial modernista
(Santos e Vicente dei Rio, 1998).

Quanto ao novo Centro Administrativo do


governo do estado da Bahia em Salvador, ele
representa bem o desenvolvimento urbano enco-
rajado pelo "milagre econômico" e a reorganiza-
ção do aparato estatal (Segawa, 1998). Iniciado
no começo da década de 1970, o Centro contou
com plano urbanístico de Lucio Costa e concen-
trou todas as secretari as de estado em projeto
tipicamente modernista, com edifícios de uso
exclusivo separados entre si por amplos jardins
e dependentes de deslocamen! os por carro.
Dada sua localização em área praticçmente vir-
gem nas aforas de Salvador, foi cónstrl!ída uma
nova rodovia de acesso. A operação gerou um
novo vetor de c-rescirnento, permitiu ampla ope- -·
Figura 1.11 A visão' modernista de Lucio Costa
ração imobiliáriá" ·pel_o setor privado e acabou rnetamorto·seada, com condomínios residenciais e
usos do solo segregados, em ambiente dominado
reestruturando os valores do solo na cidade .de
pelo automóvel, adaptada à especulação do mercado
modo geral, ocasionando sérios impactos sobre o imobiliário. (Foto de Sílvio Macedo; Projeto Quapá.)

l_)
J
Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 19

centro histórico. 14 Tanto o Plano da Barra como o de Salvador foram típicos produtos do pensamento da
época: promover o desenvolvimento imobiliário como uma das forças de desenvolvimento econômico,
assim como a profunda influência do modernismo na formulação da visão de cidade ideal e na definição
do vocabulário oficial arquitetônico e urbanístico.

Durante o "milagre econômico" brasileiro - desde o início da década de 1970 até a crise política e eco-
nômica do início de 1980 - , a maioria dos grandes projetos que marcaram a paisagem urbana resultou
de planos de circulação e de transportes financiados por verbas federais. Vias expressas urbanas, alar-
gamento de artérias e, notadamente, a construção dos sistemas metroviários de sao Paulo e do Rio de
Janeiro geraram grandes transformações espaciais e de uso e valor do solo. As linhas de metrô tornaram-se
novos corredores estruturais não apenas por sua função principal como transporte público, mas porque
suscitaram demolições e reestruturações na superfície, densidades mais altas. novos usos e fortes impac-
tos no mercado imobiliário. Alguns projetos de mobilidade urbana desse período acabariam servindo de
modelos, como foi o caso da nova Avenida AWlntica dos anos 1970. Dando continuidade à via expressa
do Aterro do Flamengo e facilitando o escoamento de veículos entre o Centro e a Zona Sul, esse projeto
transformou a costa de Copacabana, por meio de
um aterro hidráulico que alargou a área de areia e
permitiu a construção de um bulevar com largas
calçadas e paisagismo de Burle Marx (Figura 1.12).
Praticamente todas as cidades costeiras seguiram
o mesmo modelo. embelezando seus bairros cos-
teiros e contribuindo para a mudança de valores
imobiliários e segregação espacial.

Pelo lado positivo. além da criaçao de um sis-


tema e uma cultura nacional de planejamento,
particularmente nas grandes cidades, há que
se destacar algumas importantes experiências
durante o período militar no campo do dese-
nho urbano. Dentre essas, destaca-se o Projeto
Cura (Comunidade Urbana para a Renovação
Acelerada). que, criado em 1973 pelo BNH, foi
um dos programas de maior controvérsia sobre
o seu papel como banco ou agência de desen-
volvimento urbano (Serra, 1991). Criado priori-
tariamente para cidades de médio porte, o Cura
visava promover o adensamento. a ocupação de
vazios e a eficiência do uso da cidade e da capa-
cidade instalada através de obras de infraestru-
tura e instalação de equipamentos comunitários.
Dos recursos investidos nos projetos analisados
por Serra (1981), 57% destinavam-se ao sistema
viário e 14.7% a drenagem. O Cura era, na rea-
lidade, um empréstim.,o para que as prefêituras
realizassem um projeto integrado e suas obras, • Figura 1.12 Q alargamento da Avenida Atlantica.
Copàcabana, incluiu maior área-de areia e calçadas
o que deveria ser pago com juros atrayés da éôm o famoso desenho geométrico de Burle Marx.
cobrança de contribuição de melhoria e ajustes (Foto de Sílvio Macedo; Projeto Quapá.)

1• Ver o texto sobre Salvador, no Capítulo 6, por Fernandes e Gomes.

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DE
di! 20 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
de
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de do IPTU nas áreas de projeto. Para estimular a ocupação dos vazios urbanos no interior das áreas do
Cura, indicava-se a cobrança de IPTU progressivo, instrumento cujo potencial para o desenvolvimento
so urbano seria reconhecido e estendido a todas as cidades pelo Estatuto das Cidades em 2001.
co
es· O Projeto Cura era importante fonte de recursos para as prefeituras, numa época em que o centralismo
pe do governo militar as havia destituído de quase todas as fontes de recursos. Segundo Serra (1991 ).
ex1 apesar de seu caráter tecnocrático e autoritário, ao depender da aprovação do BNH e da liberação dos
agi
recursos. sua fundamentação e a boa exequibilidade técnica e urbanística garantiram o relativo sucesso
pri
Re· da maioria dos projetos, com melhoria da qualidade das áreas onde foi implantado. Entretanto, ainda
segundo Serra (1991), o Cura acabou sofrendo, de um lado. imposições políticas cada vez mais fortes e o
não seguimento das normas e, de outro, porque a maioria dos municfpios não cobrava a contribuição de
dei
ain melhoria nem o IPTU progressivo, nem atualizava os cadastros e os valores venais dos imóveis. Isso veio
no! a transformar o Cura em um incentivo à especulação imobiliária, além de não conseguir gerar recursos
na para o pagamento da dívida contraída com o governo federal.
jan
Talvez o exemplo de plano urbano realizado durante o regime militar de maior repercussão e reconheci-
(
mento tenha sido o de Curitiba - cidade que se tornou famosa por suas soluções de transporte público
coi
e seu enfoque na sustentabi l idade . 1 ~ Resultado de uma concorrência pública e financiado pelo SERFHAU
do
ecc em 1965, o plano inovou em sua metodologia participativa - evidentemente bastante limitada naquela
po~ época -. que integrou as principais instituições locais, soluções integradas de uso do solo e transportes
pat e a proposta de um sistema de planejamento local com base em um instituto independente da máquina
f\ administrativa. 16 Sua implementação inicial foi viabilizada devido ao apoio do regime militar - expresso
pro tanto pelo governo estadual quanto federal - e, posteriormente, pelo fortalecimento e influência da
de~ equipe de planejamento local, que ainda hoje continua envolvida com o planejamento de Curitiba.
lógi
pút O planejamento e o desenho urbano em Curitiba representaram grandes avanços através de políticas e
brir projetos inovadores, como o primeiro calçadão de pedestres no Brasil, construido em 1972, e a implan-
as 1
futl tação de cada vez mais parques e áreas verdes, por vincular o zoneamento e as densidades edilícias a
eixos de crescimento urbano e a um sistema de circulação viária e transporte público integrado. Esse
sistema, originado ainda no plano diretor de 1965 e composto fundamentalmente de eixos estruturais
com vias exclusivas para ônibus expressos aliados a linhas interbairros integradas e tarifa única, revelou-
se extremamente eficiente e popular tanto para a classe média como para a classe trabalhadora. Por
soluções como essas e por seus diversos programas de desenvolvimento sustentável. Curitiba tornou-se
um modelo internacional e tem inspirado diversas cidades no Brasil e no exterior, particularmente com
suas soluções de transporte. tais como Bogotá e Los Angeles. 17

Dois outros projetos urbanos implementados sob o regime militar podem ser destacados. Um foi a
cidade de Carafba, projeto desenvolvido entre 1976 e 1982 para empregados da companhia mineradora
Caraíba Metais e projetada para uma população estimada de 15 mil habitantes. 18 Apesar de seguir o
risco modernista racionalista. houve o cuidado de estudar assentamentos nas vizinhanças em Caraíba.
buscaram-se um zoneamento mais flexível e o uso de um tecido urbano aberto contendo seis praças
centrais com os edifícios significativos localizados em torno delas (Segawa, 1998; M. Bastos 2003). Seu
desenho urbano e soluções arquitetônicas harmonizavam com o clima local. evitavam o ambiente de

' ...
•s Sobre Curitiba, ver o Capítulo 9 de au1oria de trazábal. _ _
16
Concorrência vencida pelo escritório de Jorge Wilheim, que desenvolveu o plano com a participação de técnicos
da prefeitura.
" Inúmeras publicações internacionais referem-se a Curitiba e suas soluções. A influente revista Urban Land, publi-
cada pelo Urban Land tnstitute dós EUA, que. em seu número de abril de 2007 a incluiu em seu estudo de Smart
Cities. dedica um artigo inteiro a ela. Ela inspirou. por exemplo. o sistema Transmileneo de Bogotá e o sistema de Bus
Rapid Transit implantado em Los Angeles.
18
Caralba foi planejada ~ projetada por Joaquim Guedes e Associados. Ver Process Architecture 17 (1980).

J
ü
Introdução 1 OContexto do Desenho Urbano no Brasil 21

"vila operária" e refletiam as tradições culturais brasileiras. Outro exemplo foi o planejamento e projeto
de Nova ltá, cidade construída entre 1977 e 1988 para a relocação do assentamento original por causa
do represamento do Rio Uruguai para a construção de usina hidroelétrica em Santa Catarina. A equipe
da Eletrosul, responsável pelo trabalho, conduziu diversos estudos tipológicos do antigo assentamento e
oficinas participativas com as duzentas famílias residentes. resultando em projeto urbanístico e soluções
arquitetônicas que refletiram a cultura e o contexto social local (Rego, 1996; M. Bastos. 2003) (Figura
1.13). Segundo Bastos (2003, p. 114), a preocupação com o modo de morar da comunidade " levou a
um quase mimetismo entre as novas e antigas residências". Os edifícios públicos foram localizados como
referenciais urbanos, e sua arquitetura tenta reinterpretar o vernáculo da região.

Os efeitos mais duradouros do urbanismo modernista na paisagem urbana brasileira resultaram de um misto
de preceitos do CIAM, da tecnocracia e de um modelo econômico que levou a práticas de desenvolvimento
imobiliário especulativas e predatórias. Assim como diversos outros autores. Maria Bastos (2003, p. 99)
afirma que, "no Brasil, o urbanismo moderno acabou permitindo a primazia do edifício de expressão sobre
o meio urbano". Esses efeitos estão presentes na legislação de uso do solo e nos códigos de edificação de
todas as cidades brasileiras que estimulam a tipologia modernista de torres em centro de terreno e descon-
tinuidades espaciais nas ruas, soluções arquitetônicas sem criatividade e volumetrias repetitivas. ambientes
dominados pelo automóvel, separação exagerada de usos do solo e a proliferação de shopping centers. 19

Como não poderia deixar de ser, o período militar influenciou o ensino em planejamento e arquitetura
e urbanismo, não apenas através da repressão ao livre debate de ideias, mas também de reformas
educacionais: novas instituições federais, estaduais e particulares, e novos currículos decididos de cima
para baixo. Em torno do final dos anos 1960 e início dos 1970, refletindo a montagem de um sistema
de planejamento nacional, os programas de graduação em arquitetura começaram a incluir disciplinas

Figura·l.13 Fotó aérea átual da cidade de Nova ittSanta Catai ina, para relocação da população de cidade atingida
p'~lo represamento do Ri? Uruguai. (Foto d~ Plinio Gºordim; acervo TRACTEBEL .Energia.)

19
Sobre a legislação de uso do solo modernista e seu efeito em cidades brasileiras. ver o Capítulo 3, de Macedo.

r
Des 22 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
disc
do 1
polr
urbe
e cii de planejamento urbano e regional, e os diplomas passaram a ser emitidos com o título "arquiteto-
dei
urbanista". medida acompanhada pela regulamentação profissional do arquiteto-urbanista em planeja-
A mento urbano e projetos urbanísticos. As coisas ficaram complicadas epistemologicamente, pois o Brasil
soe acompanhou a tendência internacional, conduzida pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos, e o "pla-
con nejamento urbano e regional" se tornou a disciplina em voga; curiosamente, os cursos que formavam
estl
pes arquitetos-urbanistas deixaram de oferecer disciplinas sob a denominação "urbanismo"! O SERFHAU foi
exp uma grande influência nesse sentido, não apenas porque todo seu trabalho estava baseado no planeja-
agri mento integrado e interdisciplinar, mas também porque apoiava a pesquisa e a pós-graduação. Enquanto
prir
isso. continuavam a funcionar alguns programas de pós-graduação em urbanismo com duração de dois
Rev
anos. voltados para arquitetos e engenheiros apenas, e que seguiam a tradição do urbanismo francês
A desde 1945. O primeiro programa de mestrado em planejamento urbano e regional surgiu em 1971 na
den UFRJ, sob os auspícios do SERFHAU, seguindo o famoso modelo da escola de planejamento urbano da
ainc
Universidade de Edimburgo. 20 Nos anos 1970 e 1980, diversos programas de mestrado em planejamento
nos
na 1 foram criados no Brasil, e, logo, economistas, sociólogos. engenheiros de transportes e outros profissio-
jam nais se juntariam aos arquitetos como especialistas em planejamento urbano e urbanismo.

e Como notado por diversos autores, o regime militar no Brasil serviu para isolar a arquitetura e o desenho
COil urbano brasileiro do cenário internacional (Segawa, 1998; Fraser, 2000; M. Bastos, 2003). Em primeiro
do r lugar, a repressão cultural se aliou ao pensamento da elite arquitetônica de desenvolver uma arquitetura
eco
po~ e um desenho urbano brasileiro independentes. Em segundo lugar, o modelo tecnocrático desenvolvi-
pat mentista e o "milagre econômico" do final dos anos 1960 e início dos 1970 posicionaram o setor público
como o principal contratante de arquitetos e urbanistas para desenvolver planos locais e regionais, pro-
"
pro
de~
jetos de renovação urbana, edifícios governamentais, projetos de habitação de interesse social e assim
por diante (embora também houvesse bastante trabalho no setor privado devido ao boom da construção
lóg civil). Não foi surpresa, portanto. que até o fim do regime militar e o retorno da democracia nos anos
púl
1980 o desenho urbano e a construção da cidade brasileira, seja pela iniciativa pública quanto a privada,
bri1
as tenham sido dominados pelo modernismo racionalista e funcionalista que permeou todas as esferas
fut1 culturais, inclusive a graduação e pós-graduação.

ARetomada da Democracia: Prelúdio ao Desenho Urbano Contemporâneo


A década de 1980 representa um importante ponto de transição no Brasil, pois o cenário político começa
a abrir caminho para o aparecimento de um novo tipo de desenho urbano. O país encontrava-se em
meio a profunda crise econômica gerada pela imensa dívida pública, pela explosão do preço do petróleo
nos anos 1970, pela inflação galopante e pela crescente oposição ao governo militar. Grandes movimen-
tos políticos nacionais para a redemocratização, o fortalecimento do movimento trabalhador, a instabili-
dade social e os maiores protestos públicos no país de todos os tempos finalmente derrubaram o regime
de exceção. Em abril de 1984, multidões de mais de um milhão de pessoas se juntaram no Rio de Janeiro
e em São Paulo exigindo a democracia plena e eleições diretas em todos os níveis de governo. Depois do
restabelecimento das eleições diretas para governos estaduais e municipais em todas as cidades exceto
as capitais no início dos anos 1980, a nova Constituição Nacional foi promulgada~e. em 1989, o país
teve sua primeira eleição direta par? presi~ente desde 1961.

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20 O primeiro curso de pós-graduação (lato sensu) em urbanismo começou a funciÔnar na atual FAU-UFRJ em 1945 e
foi transformado em m11strado em 1994. O primeiro curso de mestrado em planejamento urbano e regional do Brasil,
apoiado pelo SERFHAU, foi formado na Coppe (Coordenaç.ão dos Programas de Pós-graduação em Engenharia) da
UFRJ em 1971 . Passando para o ãmbito do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas em 1976, ele foi reorganizado
no que hoje é o IPPUR (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional).

-- ~~----'--~-------- .....................
Introdução 1 OContexto do Desenho Urbano no Brasil 23

Os anos 1980 e a crise econômica do pais também geraram uma crise no sistema de planejamento nacio-
nal e o desmantelamento de várias agências federais e metropolitanas, com destaque para a falência
do BNH, movida, principalmente, pela onda de desemprego e as retiradas do FGTS - a receita básica do
banco e do SFH. O desmantelamento do SFH e das agências estaduais promotoras deixou a demanda
habitacional nas mãos do setor privado ou de um tímido financiamento público. No final das contas, para
o bem ou para o mal, o BNH e o SFH financiaram mais de 2.4 milhões de unidades residenciais de 1964
a 1986 (Maricato, 2002, p. 44). O Sistema Financeiro da Habitação foi reestruturado em 1986, com suas
principais funções passando para a Caixa Econômica Federal, mas, como Maricato (2002, p. 65) observa,
"desde o fechamento do BNH o Brasil não apresentou desenho consistente de política habitacional".

Se a crise política e econômica trouxe o desmoronamento do modelo autoritário e centralizador, ela


também gerou uma crise geral no sistema de planejamento urbano. O fechamento de diversas agências
federais e metropolitanas foi um sério golpe a um já fragilizado sistema de controle do desenvolvimento
urbano; muito dos trabalhos dessas agências foi perdido, e as bem treinadas equipes se espalharam
por diversas outras repartições públicas. Durante a difícil década de 1980, houve poucos avanços no
desenho urbano brasileiro além do significativo aumento do debate acadêmico e profissional quanto
aos novos papéis da arquitetura, do planejamento e do urbanismo na sociedade. O urbanismo brasileiro
vinha enfrentando muitas questões: Como deveria responder aos novos programas políticos e sociais
da nação? Como deveria ajudar na luta contra as desigualdades sociais? Como deveriam as tendên-
cias internacionais ser incorporadas no projeto sem sacrifício das identidades nacionais e regionais? Ao
mesmo tempo, as cidades continuavam a sofrer por conta da economia inflacionária, um mercado imo-
biliário predatório e a especulação do solo urbano, a deterioração da qualidade de vida e um sistema de
planejamento enfraquecido pelo desmantelamento do aparelho existente. A fragmentação espacial e a
segregação social nas cidades continuaram a piorar nessa década.

Por outro lado, as importantes mudanças políticas que estavam ocorrendo acabariam oferecendo um novo
rumo às cidades e ao desenho urbano no Brasil. O restabelecimento do regime de direito e da democracia
fortaleceu os fóruns públicos e a participação comunitária, possibilitando ao pensamento sobre a cidade
e ao desenho urbano superar o paradigma modernista e o modelo hegemónico de Brasília. Diferentes
formas de entendimento e de enfrentamento dos problemas urbanos e das demandas sociais emergiram
para competir com o modernismo. Foi o início de uma era que podemos chamar de "pós-moderna" em
relação ao pensamento e à ação sobre a cidade, quando o respeito aos contextos preexistentes - históricos,
culturais, sociais, ambientais etc. - ultrapassa os ditames rígidos e universais do paradigma modernista.

A redemocratização e a participação dos agentes sociais no debate sobre a construção da cidade gera-
ram uma nova consciência sobre a importância da preservação arquitetônica e cultural. O projeto mais
importante do início dos anos 1980, e que caracterizou o início do urbanismo pós-moderno brasileiro,
foi o Projeto Corredor Cultural no Rio de Janeiro. 21 Nascido da aliança dos urbanistas da prefeitura, gru-
pos comunitários. e uma coalizão de lojistas que lutavam contra investidores privados e incorporadores
imobiliários, o Corredor Cultural empregou políticas e diretrizes de projeto pioneiras e criativas de modo
a preservar. renovar com critérios e revitalizar uma ampla área do centro histórico. Os conceitos, métodos
e ferramentas de implementação do projeto tornaram-se modelos para outras cidades brasileiras. Seu
sucesso ajudaria na sobrevivência de vários administradores mtinicipais de diferentes partidos políticos,
na expansão de centro, e, finalmente, t,_eria impados sobre outrás questões culturais mai~ abrangente~.~

-.
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Por volta da m~tade d? década de 1980, os deQ.ates nacionais -~obre relataria da nova constituição
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destacavam a nec~ssidade
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urbana,.que se afastasse da .noção de que os problemas
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_ urbanos resultavam· exclusivamente da dem·ografia e do· creséimento descontrolado. A questão urbana

21 Sobre o Projeto Corredor Cultural, ver Pinheiro e dei Rio (1993), R. Magalhães (1998) e o Capitulo 5 de dei Rio e
Alcantara.

r
Dei 24 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
dis1
do
pol
urb
ec1
de
foi repensada como uma expressão de demandas sociais em um sentido mais amplo, e duas questões
tornaram-se centrais na busca por melhores cidades: a inclusão social e a democracia. O Movimento
/l Nacional da Reforma Urbana promoveu debates em uma variedade de fóruns que incluíam políticos,
soe representantes de grupos sociais e comunitários, universidades e, organizações profissionais e não gover-
cor
est namentais. O documento que emergiu desse processo obteve 140.000 assinaturas e foi organizado sob
pe~ quatro grandes metas: (a) gestão municipal democrática e participativa; (b) equidade social na distribui-
exi: ção do aluguel e da terra urbana; (c) redirecionamento de investimentos públicos para priorizar investi-
agr
mentos sociais; e (d) acessibilidade igualitária aos serviços e equipamentos públicos.
prir
Rei As propostas do Movimento Nacional da Reforma Urbana foram parcialmente adotadas na Constituição
p de 1988, que, apesar de ter o capítulo dedicado à política urbana limitado a apenas dois artigos, introdu-
der ziu mudanças importantes para a gestão do desenvolvimento urbano. Em primeiro lugar, a Constituição
ain definiu o município como uma "entidade" da Federaçao, concedendo-lhe autonomia politica, financeira e
no~
econômica, o que, segundo Jones (2004), constituiu uma novidade na América Latina. Essa municipaliza-
na
jan ção da estrutura de poder do país pressionou os estados a mudar suas constituições e as municipalidades
a reorganizar suas leis orgânicas municipais. A Constituição se fundamentou no ideal da cidade como
lócus para redistribuição de riqueza e de redemocrati zação da sociedade (E. Fernandes. 2001; L. Ribeiro e
coi
Cardoso, 2003). O capítulo de política urbana reconhece que o desenvolvimento urbano deve garantir as
do
ecc funções sociais urbanas e o bem-estar da população, e que a propriedade urbana cumpre sua função social
poi quando atende as exigências de ordenação urbana expressas no plano diretor. A Constituição introduziu,
pa1 assim, o conceito do papel social da propriedade urbana e da cidade e reconheceu a necessidade de um
desenvolvimento urbano socialmente inclusivo. O mesmo capítulo determina que municlpios com 20 mil
prc habitantes ou mais tenham planos diretores e introduz importantes mecanismos de controle do desenvolvi-
de! mento - embora de forma geral e dependentes de legislações municipais específicas complementares. 22 Os
lóg
estados e municlpios replicariam então essa demanda dos Planos Diretores em suas próprias constituições
púl
brir e leis orgânicas, e a maioria incluiria os novos mecanismos de controle de desenvolvimento constitucional-
as mente endossados. Cardoso (1997) nota que a Constituição significou uma importante mudança potencial
fut para o planejamento urbano, redirecionando-o para a solução das desigualdades sociais.

Além disso, embora o Brasil tivesse leis de proteção ambiental desde os anos 1970, a nova Constituição
avançou nessa questão ao dedicar-lhe capítulo próprio e determinar a obrigatoriedade de estudos de
impactos para projetos que pudessem afetar o meio ambiente. Mais importante, ao reconhecer que
impados ambientais afetam toda a população, a constituição introduziu a noção do direito difuso: qual-
quer cidadão pode dar inicio a um processo contra um projeto por conta de seus potenciais impactos
ambientais, não apenas aqueles localizados em sua área de influência direta. Ou seja, o ambiente é
reconhecido como uma entidade coletiva, e a cidade, como uma realidade social. Ao expandir a noção
de impactos ambientais, o conceito de direitos difusos pode ser utilizado em ações contra projetos urba-
nos e de vizinhança, tornando-o poderoso instrumento para grupos comunitários e organizações não
governamentais. Ainda. ao criar o Ministério Público nacional independente de acesso livre e gratuito
para qualquer cidadão. fortaleceu-se a possibilidade de controle cidadão sobre as questões ambientais
nos três níveis de governo. Essas mudanças politicas ocorridas na direção de uma democracia participativa
significaram fundamentais rebatimentos - ao menos potencialmente - na construção da cidade brasileira.

A primeira cidade a seguir-as novas regras constitl}cionais em seu Plano Diretor foi o Rio de Janei(O,
que se tornou uma espécie. de modelo nacional. Aprovado-_~m 1992, eí!l _contraste com os planos

n Quando da promulgação da Constituição, já existiam mais de mil municípios brasileiros com 20 mil habitantes ou
mais. Esses mecanismos de controle de desenvolvimento (tais como parcelamento e edificação compulsórios, direito
de superfície, imposto progressivo, concessão ao municlpio de direitos preferenciais para a compra de imóveis e usu-
capião de terra urbana) seriam regularizados pelo Estatuto das Cidades em 2001 (ver E. Fernandes, 2001, 2007; M.
Souza, 2003).

J
ü
Introdução 1OContexto do Desenho Urbanono Brasil 25

tecnocráticos tão comuns durante o regime militar, a elaboração do Plano Diretor do Rio envolveu um
processo de participação pública e de referendos através da Câmara de Vereadores, que instituiu fórum
de discussao com representantes da sociedade, grupos comunitários e organizações não governamen-
tais e profissionais, tal como o Instituto de Arquitetos do Brasil - Seção Rio de Janeiro. O Plano incluiu e
regulamentou diversos instrumentos avançados para controle de desenvolvimento conforme previsto na
Constituição nacional e até então novidade no Brasil, tais como declarações de impactos de vizinhança
e a transferência de direitos de construção.

Previsivelmente, a abertura política e as mudanças sociais ocorridas durante os anos 1980 se refletiram
no modo em que o planejamento, o urbanismo, o desenho urbano e a arquitetura se reinventavam,
assim como na forma em que eram ensinados e praticados. Com foco na questão urbana, intensos
debates acadêmicos foram acompanhados por avanços significativos na teoria e na pesquisa urbana. A
importância da cidade no desenvolvimento nacional e o novo pacto social se refletiram no fortalecimento
de disciplinas que lidam com a cidade e o social no currículo dos cursos de arquitetura e urbanismo.
Em 1994, o currículo mínimo aprovado pela ABEA (Associação Nacional de Educação em Arquitetura
e Urbanismo) e o Ministério da Educação inclui disciplinas em planejamento urbano e regional, projeto
urbano e paisagismo e estudos ambientais. Aprender como enfrentar os problemas urbanos e as neces-
sidades sociais vinculadas a eles é parte da educação exigida para obtenção do diploma de arquiteto-
urbanista, e, segundo a Associação Brasileira de Escolas de Arquitetura. são pelo menos quatro mil novos
profissionais por ano. 23

Também a partir dos anos 1980 multiplicaram-se os programas de pós-graduação em planejamento,


urbanismo e desenho urbano, refl etindo a crescente necessidade de se repensar e atuar sobre a cidade e
a carência de profissionais para tanto. Em nível institucional, o Ministério da Educação tem reconhecido a
importância da pós-graduação em planejamento e urbanismo por intermédio da Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) através de apoio financeiro para docentes, de um sistema
de avaliação contínua para os programas de pós-graduação e do fortalecimento dos níveis de mestrado
e doutorado. Apoio paralelo acontece no CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico) através de seu sistema de concessões de bolsas de estudo e da rede nacional de pesquisado-
res. Uma enorme importância para a área foi conquistada com o trabalho da Anpur (Associação Nacional
de Pesquisa e Estudos de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional), que, fundada em 1983
por apenas cinco programas de pós-graduação, registrava em 2011 mais de 50 programas filiados ou
associados, lotados em escolas de arquitetura e urbanismo, geografia, ciências sociais, economia e admi-
nistração pública em diversas partes do país.

Com a volta ao estado de direito no país. a academia e as organizações profissionais retomaram o debate
contínuo sobre a construção da cidade. particularmente por meio de eventos internacionais, nacionais
e regionais. De grande importância para o avanço do planejamento urbano, do urbanismo e do dese-
nho urbano foram os trabalhos e debates promovidos pelos congressos nacionais estabelecidos pelo
Instituto de Arquitetos e a Anpur e os seminários sobre a história da cidade e do urbanismo realizados
desde 1997, entre diversos outros encontros. Fundamentais para o estabelecimento da área do desenho
urbano no Brasil, acompanhando a tendência nos EUA e na Europa, foram os seminários em desenho
urbano na Universidade de Brasília de 1984 a 1989, coincidindo com o retorno de diversos profissio-
nais e educadores formados no exterior .e suas publicações (Turkienicz, 1984; Kohlsdorf, 1988; Nelson,
1988; dei Rio, 199"0)'. Nas' duas décadas seguintes,. multiplicaram-se as publicações que fizeram avançar
o pensar e o agir sobre à cidade. particularmente de des~nho urbáno. Diversos programas curriculares,
disciplinas e áreas de pesquisa em escolas de arquiteilrra-adotaram o desenho urbano como disciplina

23
Segundo a ABEA, no Brasil existem mais de 40 mil alunos distribuídos em 85 programas de arquitetura e urbanismo
reconhecidos pelo MEC. Ver http://www.abea-arq.org.br/. Acesso em: 5 mar. 2012.

\ )
26 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
(

1
li
);

ou área de interesse, embora, surpreendentemente, ele ainda não apareça reconhecido em nenhum dos
níveis das áreas de conhecimento da Capes ou do CNPq.

n
t1 Cidade eSegregação Espacial
s
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As dísparidades entre a cidade formal e a informal e as desigualdades econômicas e sociais entre as clas-
r
r ses de renda, na verdade, pioraram durante o programa de desenvolvimento tecnocrático do governo
"\ militar e com a crise do final dos anos 1970 e do início dos anos 1980. Como observa Rolnik (2004), se
tivéssemos de apontar um único fator que melhor descrevesse a cidade brasileira tanto no tempo quanto
no espaço, ele seria a existência das profundas contradições urbanas que afetam diferentes grupos
l• sociais dentro da malha urbana. Os recentes avanços conquistados ainda precisam superar uma longa
história de fragmentação social da cidade, que, de fato, data do período colonial.

T A despeito do caminho cada vez mais democrático tomado pelo Brasil e seu urbanismo desde a Constituição
de 1988, a maior parte da população continua a sofrer com as desigualdades sociais, lutando por uma
e distribuição de renda mais justa e maior qualidade de vida nas cidades. Inúmeros pesquisadores mostram
il
que, apesar da redemocratização do país, as cidades brasileiras refletem cada vez mais claramente as divi-
( sões sociais e espaciais entre o legal e o ilegal, o rico e o pobre, o formal e o informal (Fernandes e Valença,
,,
2004). As desigualdades e os conflitos continuam a se destacar na paisagem urbana, na qual, como nota
1t
Villaça (1998), a segregação espacial historicamente imposta pelas classes dominantes é comum e define
os códigos de zoneamento e os padrões de investimento do capital imobiliário.
o
As desigualdades sociais históricas na cidade brasileira são exacerbadas pela globalização e o aumento
g nas taxas de criminalidade e violência urbana, resultando em uma fragmentação espacial ainda mais
il perversa, com a população se retraindo para ambientes murados, as classes mais altas em primeiro
il
lugar, seguidas pela classe média. Caldeira (2000) mostra a clara relação entre o crescimento da pobreza
urbana e a escalada de crimes de rua em São Paulo, e como ambos contribuem para a síndrome do
medo, a segregação espacial e o controle da acessibilidade. Nesse sentido, movendo-se na direção
oposta da redemocratização da cidade apontada pela constituição e o Estatuto das Cidades, o desenho
urbano contemporâneo no Brasil também serve à exclusão social, à separação e ao controle de tipos de
usuários de espaços e à prevenção das relações sociais e culturais como deveriam ser promovidos por
uma urbanidade real.

Cada vez mais, as grandes cidades brasileiras refletem a estrutura interna das cidades mundiais descritas
por Friedmann e Wolff (2006, p. 64): uma divisão entre a "cidadela" e o "gueto", em uma geografia
de desigualdade e dominação de classes. A percepção de segurança, de certa forma ilusória, nega o
ambiente da rua e cria impactos visuais extremamente negativos na paisagem urbana, como bairros tra-
dicionais com praticamente todas as suas casas e edifícios gradeados. O desenho de nossas cidades vem
sendo dominado por parques, praças, shopping centers, centros administrativos e ambientes arquitetô-
nicos vigiados, numa paisagem cada vez mais dominada por condomínios e uma legislação complacente
que encoraja a separação entre os usos e os domínios público e privado (Figura 1.14).

A "cidade de muros" é ainda mais visível e perversa em ambientes e bairros geradõs pelo paradigma
.
modernista e suas morfologias, corno daramente . explicitado na Bar[a .da Tijuca.'
O....
ideal corbusiano de
torres em meio ao verde e grandes distância_s entre eles, o zon~amento·de uso exclusrvó, ·a prioridade gara
a circulação de veículos e áreas públicas que configuram "terras 9,e ninguém ;'. facilitam um urbanismo de
domínios segregadÇ>s e a apropríação dó público pelo privado, ironicamente ajudando a conformar uma
paisagem urbana'. pós-(Tloderna (dei Rio e Santos, 1998)'. No BrasiÍ contemporâneo, nenhum empreen-
dimento residencial deixa de ser provido de cercas ou muros, e, em geral, seguem estilos arquitetônicos
inspirados no imaginário do estilo Miami, querido da classe média, que tão bem se reproduz na Barra da

r
=====-----------..........................
Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 27

Figura 1.14 Nova área residencial em São Paulo, em que todas as torres configuram comunidades segregadas da rua:
urbanismo de exclusão que promove a separaçao de funções e pessoas e a "guetizaçao" da cidade. (Foto de Silvio
Macedo; Projeto Quapá.)

Tijuca. As metáforas sociais e culturais pós-modernas adotadas no Brasil refletem a força do consumismo
global com base em modelos norte-americanos, o que, como observa Lara (2006), é irônico em um país
em que a arquitetura moderna foi heroica. rodou o mundo e, no Brasil, tanto influenciou até mesmo as
mais humildes arquiteturas dos anos 1950 aos anos 1970. Segundo Sennet (1989), uma vez que a geo-
grafia pública da cidade representa a institucionalização da civilidade, os condomínios fechados ou sítios
de autossegregação podem ser entendidos como a comunidade contra a sociedade.

Bairros e subúrbios de todas as grandes cidades brasileiras encontram-se profundamente marcados pelos
novos sítios de exclusão social - condomínios fechados e shopping ma/Is - fenômeno reconhecido como
o maior gerador de novas e complexas dinâmicas urbanas e territoriais (Friedmann e Wolff, 2006; Souza.
2004; Lago, 2006). Distando 23 km do centro de São Paulo, os empreendimentos Alphaville, com 35.000
habitantes em mais de 30 condomínios fechados. ocupam quase 20.000 hectares e praticamente con-
trolam os municípios de Barueri e Santana do Parnaíba. Alphaville possui policiamento próprio, hospitais,
universidades, escolas. shopping centers. indústrias. clubes, enfim, uma verdadeira cidade em ambiente
controlado sem urbanidade, em que, não raro, os jovens sequer visitaram a cidade de São Paulo. Esses
novos modelos ~e organização socioespacial geram novas centralidades. fragmentam o território metro-
politano e resultam ~m uma colagem de'fragmentos urbanos. conjuntos de escritórios. shópping centers
e condomínios fechados interligados por vias expr~ssas. São o que King (2004) denomina "supraurbes"
ou "g/oburbes", referindo-se aos subúrbios que se tomar~m independentes de s~a cidade hospedeira e
desenvolveram conexões diretas com a esfera global.

O capitalismo global e o neoliberalismo têm contribuído para a perpetuação de ambientes urbanos segre-
gados e socialmente injustos pela noção de que "os males urbanos são explicados como consequên-
cia da dissociação entre cidade e economia global, fruto da incapacidade dos governos em torná-las

)
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'.>e 28 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
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Je competitivas na atração dos capitais internacionais" (L. Ribeiro, 2001, p. 153). Arantes, Vainer e Maricato
(2000) notam que os modelos contemporãneos de planejamento estratégico e de gestão urbana que o
Brasil importa dos países capitalistas avançados têm como prerrogativa considerar a cidade uma empresa
;01
:01
e atrair mais capital internacional, mascarando as verdadeiras intenções dos interesses transnacionais
lS1 e do neoliberalismo. Segundo essa visão, a boa gestão urbana deve apoiar-se em conceitos tais como
>e "cidades competitivas". maior participação do capital privado no desenvolvimento urbano, flexibilização
lXI
normativa, e menos em planos compreensivos e de longo prazo e mais em projetos urbanos imediatistas
ig
>ri e de escopo limitado. Essa chamada "barcelonização" 24 do urbanismo conduz os governantes a um
~e urbanismo de resultados de curto prazo, econômica e politicamente atraentes, que limita, ou mesmo
exclui, a participação cidadã nos processos decisórios.
J
Je O Rio de Janeiro parece ter sido a primeira cidade brasileira a adotar essa abordagem no desenvolvi-
iir mento de seu plano estratégico no início dos anos 1990, assim como na maior parte das ações e projetos
10:
ia que tem se seguido desde então (Acioly Jr., 2004). Esse modelo de desenvolvimento urbano esteve por
ar trás, por exemplo, do Projeto Rio Cidade,25 da realização dos Jogos Pan-Americanos (2007), nas várias
tentativas de atrair os Jogos Olímpicos (2004, 2012 e 2016), nas obras para a Copa do Mundo (2014)
e no controvertido projeto Porto Maravilha. de renovação da área portuária, calcada na preparação da
:oi
jo cidade para as Olimpíadas de 2016. Infelizmente, temos visto que a visão empresarial tende a desviar
lCI investimentos públicos de iniciativas mais abrangentes e socialmente mais justas para projetos de curto
>O prazo. Estes geralmente beneficiam determinados bairros ou grupos sociais, não raramente apoiando a
>a·
privatização de espaços públicos. a especulação imobiliária e levando a decisões que atropelam o coletivo
e desrespeitam contextos preexistentes, acirrando as contradições na paisagem urbana.
>r<
Je A globalização tem aumentado a complexidade das contradições urbanas brasileiras e o seu padrão de
Ó€ crescimento urbano amplamente dominado por comunidades de baixa renda, invasões de terra e subdi-
)Ú visões irregulares nas periferias das áreas metropolitanas. Na economia global essas desigualdades ten-
>ri
derão a piorar: em um estudo recente de São Paulo, Buechler (2006) aponta que a natureza mutante da
lS
·u1 mão de obra torna mais difícil para os pobres competirem por empregos que estão sendo globalizados.
Como notou Sachs (2001 ). o Brasil é um país pobremente desenvolvido porque adotou um modelo de
crescimento que é socialmente perverso e que promove a concentração crescente de renda nas mãos da
elite: considerando que em 1960 os 10% mais ricos da população acumulavam 54% da renda nacional,
em 1995 estes passaram a ter 63%. Ainda que se tenha avançado na distribuição de renda nos últimos
anos, o índice de concentração de renda no Brasil ainda é dos piores do mundo, o IDH (índice de desen-
volvimento humano) nos coloca na 85~ posição numa lista de 187 países, e o Brasil é o quarto país com
os maiores desníveis de renda na América Latina. 26

Novos Horizontes?
Apesar de a fragmentação territorial e espacial e as injustiças sociais historicamente entrincheiradas
representarem o lado escuro das cidades brasileiras, ações recentes na política e a ampliação da demo-
cracia participativa sugerem o início de uma "terceira via" . Em uma análise recente da geopolítica da
democracia e da cidadania na América Latina, Jones (2004) nota que a democratizaÇão vem ampliando

2
• " Barcelonização" é uma metáfora utilizada para representar Q processo de planefomento estratégico de Barcelona
e o tipo de urbanismo por ele suscitado, cujo sucesso os tornou modelos internacionais promovidos através de ser-
vu;os de consultoria.internacional de firmas espanholas, como fizeram no Rio de Jàneiro durante os governos César
Maia (1993, 2001 e 20Q5) e Luís Paulo Conde (1 997).
is Como, por exemplo, pelos projetos como o Rio Gidade. discutido por dei Rio no Capítulo 10.
26
Ver Estado das Cidades da América Latina e do Caribe 2012 - Rumo a uma Nova Transição Urbana, relatório da
Organização das Nações Unidas. Disponível em: http://www.onuhabitat.org/. Acesso em: 5 nov. 2012 .

f
Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 29

a esfera pública e tem resultado em investimentos significa tivos na qualidade de espaços e serviços
públicos. Jones ainda acrescenta que o Brasil é o único país latino-americano onde a democratização
tem sido acompanhada por um debate sobre o tipo de cidade que seria compativel com uma noção mais
abrangente de cidadania.

Sem dúvida, o retorno do Brasil à plena democracia permitiu pavimentar novos caminhos na direção
de cidades mais justas e de uma melhor qualidade de vida. Os mandatos da Constituição Nacional de
1988, o ressurgimento de partidos de esquerda e de movimentos sociais e comunitários organizados e,
a partir de 2001, o Estatuto das Cidades t êm forçado o Estado e os governos locais a revisar seus siste-
mas de planejamento, para uma gestão democrática da cidade. Para isso, o Estatuto das Cidades define
instrumentos importantes tais como órgãos colegiados de política urbana nos três níveis de governo,
audiências e referendos públicos, a iniciativa popular para planos e projetos, o acesso à informação e o
orçamento participativo. A criação de controladorias gerais de municípios e da montagem de sistemas
informacionais on-line faci lmente disponíveis ao público, e de sistemas de gestão mais participativa em
vári as cidades, representa uma grande conquista. Importante experiência brasileira nesse sentido é o
orçamento participativo, que, por seus evidentes reflexos na ampliação da cidadania e na democratiza-
ção da construção da cidade, tornou-se um modelo internacional de boa governança e desenvolvimento
sustentável (Abers, 1998).

O orçamento participativo começou em 1989 em Porto Alegre, quando o governo municipal do PT


montou um sistema de toma da de decisão em que as comunidades, através de uma série de assembleias
populares, podiam decidir quais projetos seriam implementados em seus territórios (Abers, 1998; A.
Ribeiro e Grazia, 2003). Com o passar do tempo, o OP aumentou em importância na cidade: de 900
participantes em 1990 as assembleias passariam a receber mais de 50 mil em 2003, e o escopo e as impli-
cações das questões discutidas evoluíram de problemas simples e localizados - tais como pavimentação
de ruas e coleta de lixo - para programas culturais e políticas municipais. A ONU incluiu a experiência
de Porto A legre na lista das melhores práticas de gestão municipal, e o Banco Mundial o considera um
modelo de democracia participativa. A despeito das limitações inerentes ao programa e dos abusos fre-
quentes de políticos, seu potencial para a participação cívica e o avanço da cidadania f ez com que várias
cidades brasileiras adotassem versões similares, independentemente dos partidos políticos de suas admi-
nistrações. Belo Horizonte, por exemplo, inovou com o OP digital, que permite a participação e votação
por internet, e São Paulo estabeleceu o OP da criança nas escolas municipais, incluindo a educação na
participação política. O potencial de tais sistemas participativos em controlar o desenvolvimento, gerir
responsabilidades e melhorar a qualidade de vida e o desenho da cidade brasileira é óbvio .

Na década de 1990, muitas prefeituras começaram a se voltar para o mercado global e a redirecionar
seus esforços urbanísticos no sentido de definir uma nova imagem para suas cidades na atração de inves-
tidores e de capital internacional. Mais uma vez, o Rio de Janeiro configura um exemplo pioneiro a esse
respeito: no início da década de 1990, passou a reorganizar a sua capacidade de gestão administrativa
e desenvolveu um plano estratégico que delineou modos de tornar a cidade global e mais competitiva
(Acioly Jr., 2004). Grandes esforços na área de desenho urbano foram iniciados no sentido de uma trans-
formação imagética, melhoria da qualidade de vida e atração de investimentos por meio de programas
urbanísticos de impado, como de revitalização urbana (Rio C ida9~) e urbanização de favelas (Favela
Bairro). e grandes-eventos internacionais. 2.~
·.
A Rio-92 (Conferêricia' MU[ldial da ONU sobre o MeiuAmbiente e o Qesenvolviment o), no Rio de Janeiro,
e a Agenda 21 (plano abrangente de ações assinado por>diverso; países que compareceram à Rio-92
e pelas.agências da ONU) foram as prim~iras âncoras ".~ idiáticas" pós-abertura política que ajudaram

27
Ver o Capítulo 1O de dei Rio e o Capítulo 12 de Duarte e Magalhães.

ü
30 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

a reposicionar o Rio de Janeiro no mapa global, gerando importantes repercussões nas políticas de
desenvolvimento nacional e local, particularmente na ampliação das noções de sustentabilidade e prote-
ção ambiental. A Agenda 21 influenciaria ainda a regulamentação dos capítulos de politicas urbanas e
ambientais da Constituição nacional através das discussões que levaram ao Estatuto das Cidades.

Os conceitos básicos do Estatuto das Cidades começaram a ser delineados, na verdade, com o trabalho
do CNDU e a Lei de Desenvolvimento Urbano aprovada em 1983, ainda durante o governo militar, após a
aprovaçêio da Constituição Nacional em 1988 e a necessidade de regulamentá-la no sentido de implemen-
tar seus capítulos de políticas urbanas e ambientais. Aprovado após anos de debates, fóruns e negociações
políticas, e dos esforços do Fórum Nacional de Reforma Urbana, criado em 1987, durante o processo da
Assembleía Nacional Constituinte, o Estatuto das Cidades é poderosa ferramenta de implementação do
conceito constitucional do papel social da propriedade urbana e da cidade, fornecendo um novo quadro
jurídico para a implementação das políticas urbanas e ambientais dela derivadas (E. Fernandes, 2001, 2007;
L. Ribeiro e Cardoso, 2003). Além de juntar instrumentos legais que se encontravam esparsos na legislação,
ele definiu mecanismos e instrumentos novos e avançados para o controle do uso do solo urbano, a imple-
mentação dos planos diretores. a participação cidadã e o controle de desenvolvimento.

O Estatuto das Cidades injetou nova vida ao planejamento e ao urbanismo, aumentando as possibi-
lidades de implementação do desenho urbano, e começou a forjar o caminho para uma cidade con-
temporânea democrática e mais justa. O espírito que o norteia é o de tornar as cidades mais inclusivas,
assegurando ao municipio um papel fundamental na condução do processo de desenvolvimento urbano
(E. Fernandes, 2001 ). Espera-se que o Estatuto tenha um forte e longo impacto na estrutura legal e
urbana do Brasil ao definir as bases para um novo paradigma legal-político que assegura o direito de
propriedade urbana desde que sua função social seja alcançada, ou seja, desde que responda ao deter-
minado no plano diretor e consequente legislação municipal.

Reforçando o plano diretor como o elemento central da política urbana, o Estatuto das Cidades define
avançados mecanismos tributários e jurídicos para o controle e o gerenciamento do desenvolvimento
urbano local que possuem rebatimento direto no desenho da cidade. Alguns deles são a participação
pública obrigatória e o orçamento participativo, as parcerias público-privadas, a transferência do direito
de construção (permitindo a permuta de terra entre Estado e empreendedores imobiliários), o usucapião
urbano, a regularização facilitada de concessão de títulos de propriedade, o zoneamento especial para
favelas, o imposto progressivo, as operações urbanas consorciadas e o direito de preempção. Embora o
Estatuto também tenha introduzido o importante conceito de direito de vizinhança, os municípios são os
que devem definir e regulamentá-lo, o que pode vir a gerar possibilidades políticas interessantes, já que
cada cidade terá que fazê-lo a partir de seus próprios processos sociopolíticos. 28

Considerado um avançado mecanismo legislativo, o Estatuto tem influenciado fortemente as forças polí-
ticas e a construção da cidade brasileira (Maricato, 2001; Ribeiro e Cardoso, 2003). O primeiro impacto
talvez tenha sido a regulamentação da Constituição Nacional, no sentido de determinar que municípios
com mais de 20 mil habitantes, aqueles localizados em regiões metropolitanas, os declarados de inte-
resse turístico e aqueles afetados por grandes projetos deveriam, todos, ter Planos Diretores elaborados
(ou revisados) e aprovados por suas câmaras de vereadores até outubro de 2006, prazo esse que foi pos-
teriormente estendido até março de 2007 pelo Congresso Nacional. A exigência afetou cerca de 1.700
municípios (quase 30% dos municípios brasileiros!), dos quais 1.550 finalizaram seus planos no prazo
definido, embora naquela data alguns ainda tivessem que ser aprovadó~ pelas câmaras.municipais. 29

28
Luis Cesar Ribeiro, Adauto Cardoso e Luciana Correa do Lago (professores do IPPUR/UFRJ) em entrevista concedida
a Vicente dei Rio, em 1on12oos.
29
Informação de www.cidades.gov.br, obtida em 26/10/2006.

)
Introdução 1OContexto do Desenho Urbano no Brasil 31

As primeiras grandes cidades a desenvolver planos diretores que incorporaram as diretrizes do Estatuto
das Cidades parecem ter sido Porto Alegre em 2001 (mesmo antes de o Estatuto ser aprovado pelo
Congresso) e São Paulo em 2002. O plano de São Paulo, desenvolvido pela segunda administração
municipal do PT e intitulada, em grande estilo, Plano Diretor Estratégico, resultou de uma série de reu-
niões públicas com diferentes atores e descentraliza a gestão urbana em distritos e conselhos consultivos
com representantes da comunidade e do setor privado. O plano de São Paulo contém 308 artigos (não
surpreendente, em uma cidade de 14 milhões de pessoas) e inclui várias inovações e ferramentas de pla-
nejamento avançadas, tais como parcerias público-privadas e operações consorciadas (empreendedores
podem obter uma mudança no zoneamento de um terreno em troca de construir habitação de interesse
social em outro lugar), transferência de direitos de construção, zoneamento especial para favelas e a
cobrança de IPTU progressivo para incentivar o desenvolvimento de vazios urbanos.

Outro inegável grande passo institucional para um desenvolvimento urbano regionalmente mais equili-
brado e as cidades brasileiras mais justas e com melhor qualidade de vida foi a formação do Ministério das
Cidades, em 2003, ainda na primeira gestão do governo Lula. Dividido em quatro Secretarias- Habitação,
Programas Urbanos, Saneamento e Transportes e Mobilidade Urbana - , sua missão básica é implementar
a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e a Política Nacional de Cidades. Sua missão tem sido
perseguida principalmente através de repasses de verbas e programas de investimento em infraestru-
tura, capacitação e treinamento de funcionários públicos locais e apoio ao desenvolvimento de planos
diretores locais, particularmente através de financiamento aos municípios mais pobres.30 Além de verbas
específicas definidas pelo orçamento federal, o Ministério é o gestor dos recursos provenientes do FTGS,
tendo como agentes operadores a Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento.
lnteressantemente, algumas das políticas do Ministério refletem preocupações evoluídas a partir do tra-
balho do SERFHAU e do CNPU/CNDU. Nos últimos anos o Ministério tem incorporado a seu trabalho a
preocupação em incentivar os meios alternativos de mobilidade e a sustentabilidade. Acima de tudo, a
formação e o trabalho do Ministério refletem o reconhecimento nacional da importância das questões
urbanas para o desenvolvimento nacional e para o alcance da equidade social aclamada na Constituição.

Um exemplo do rebatimento direto do trabalho do Ministério das Cidades no desenho urbano foi a
discussão promovida em 2006 na Assembleia Nacional no sentido de aumentar os padrões mínimos
e as exigências ambientais para loteamentos urbanos definidos pela Lei n2 6.766 de 1979. Se isso
pode ser um passo importante na direção de projetos urbanos de maior qualidade, poderia também
refletir perversamente no mercado ao elevar o valor do solo e o alienar os consumidores mais pobres.
Segundo Edésio Fernandes, ex-diretor do Departamento da Propriedade da Terra Urbana do Ministério
das Cidades, os principais problemas urbanos que o Brasil ainda enfrenta são a provisão de escrituras
e outras formas de propriedade legal, assim como infraestrutura e serviços para favelas e ocupações
irregulares e sub-humanas nas periferias das grandes cidades (Fernandes, comunicação pessoal, 11 de
novembro de 2006). Pelos cálculos do Ministério, ainda existem 11 milhões de domicílios com falta de
algum tipo de infraestrutura básica, e a carência de novas habitações é de cerca de cinco milhões de
unidades, enquanto ele almeja ter apoiado a construção de três milhões de novas habitações até 2014. 31

Uma Conclusão em Aberto


. ~

Impossível concluir fobre·uma história que ajnda está- send9 escrita,_. -nias nos parec~ evidente que com
o avanço do ,11ovo milênio o desenho urbano n~_Brasi l vive p_ossibilidades promissoras que irão ·afetar de

30
Ver o escopo do Ministério das Cidades em www.cidades.gov.br.
31
Segundo a Dra. Inês Magalhães, Secretaria Nacional de Habitação, Ministério das Cidades. Comunicação no Fórum
US·China-Brasil sobre Urbanização e Infraestrutura Sustentáveis, Washington DC, em 10/4/2012.

r
32 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

modo significativo o futuro das cidades. Tais possibilidades resultam de forças que atuam em direções
diversas, mediadas pela fragmentação socíoespacial tão historicamente arraigada e o desejo das classes
alta e média de manter o status quo. Por um lado, a redemocratização, o aumento da participação
democrática na gestão das cidades e do país e a nova ordem jurídico-administrativa estabelecida pela
Constituição Nacional e o Estatuto das Cidades abriram um caminho fundamental na direção de um
desenvolvimento urbano mais socíalmente justo e uma dimensão pública mais inclusiva e acessível. Por
outro lado, o recuo do modernismo radical, o debate na direção do desenvolvimento sustentável, a
busca por valores mais humanos e a economia e a cultura da globalização pressionam por mudança nos
paradigmas teóricos e modelos urbanos nem sempre coincídentes.

Com o desenvolvimento brasileiro e as cidades refletindo cada vez as implicações e contradições da


globalização, corre-se o risco de perder a noção do espaço como "conjunto indissocíável de objetos e
sistemas de ações" e a ordem mundial pode superar e impor-se à ordem local (Santos, 2002, p. 22-23).
Se os lugares podem ser vistos como intermédio entre o mundo e o indivíduo. o desenho da cidade e
de seus lugares possui uma responsabilidade direta nessa intermediação e na noção de mundo e de
sociedade que o indivíduo apreende e vivencia. Ainda como diz Milton Santos (2002, p. 319), "o terri-
tório compartido impõe a interdependência como práxis". Permeando a dinâmica dessas oportunidades
está o papel fundamental que o domínio público e as suas manifestações urbanas representam na vida
política e sociocultural brasileira.

Enquanto a privatização se expande sobre o espaço público e produz espaços segregados, muitas expres-
sões socioculturais fundamentais para uma sociedade urbana sadia só podem ocorrer "fora de casa" ou
"nas ruas", e, portanto, dependem de espaços públicos acessíveis, bem projetados e minimamente equi-
pados. Por um lado, desfiles carnavalescos, celebrações religiosas, partidas de futebol e outros eventos
esportivos. a cultura da praia, as manifestações e grandes eventos públicos devem acontecer na esfera
pública das cidades - em áreas visíveis, amplas e acessíveis por todos. Por outro lado, encontros causais
e sociais, visitas familiares. redes sociais, ver e ser visto, o lazer familiar, e mesmo pequenos negócios
de varejo, particularmente em bairros mais pobres, tradicionalmente demandam espaços no c'.lmbito do
domínio público. Além disso. o espaço da rua e os espaços públicos são particularmente importantes
para as populações de baixa renda que moram em unidades residenciais diminutas, dependem de redes
sociais para sua sobrevivência, se apoiam no domínio público para mediar distinções de classe e não
demarcam rigidamente os domínios sociais da rua (pública) e da casa (privada) (Da Matta, 1979). A rua,
a praça, a calçada, o parque e a praia serão sempre lugares fundamentais para a socíalização e a plurali-
dade, e assim para o urbanismo e o desenho urbano brasileiros.

Em contraste com o paradigma modernista que se apoia em controle centralizado e num modelo rígido
sobre o que a cidade deve ser. o desenho urbano contemporãneo brasileiro é pós-moderno no sentido
em que aceita e incorpora uma variedade de valores sociais e diferentes visões sobre o urbano como ele
pode ser. Ele é mais participativo e responsivo às demandas da comunidade e se empenha na produção
de ambientes mais justos socialmente. A cidade do modernismo tardio, a cidade reutilizada e a cídade
socialmente inclusiva, as três tendências representadas neste livro, representam urbanismos contemporâ-
neos distintos que coexistem no âmbito de todas as cidades brasileiras e na mente de todos os acadêmi-
cos e profissionais brasileiros. O desenho urbano no Brasil não mais aceita as limitações sl_e um paradigma
único e as possibilidades limitadas dos modelos rígidos que d9í surgiriam, e tem se voltado para diferen-
tes sistemas de valores e de visões de mundo, ·gerando múltiplas possibilidades. Os urbanistas brasileiros
estão cientes de que a qualidade da cidade, à função social e o significádo c~ltural do "d~mínio públiGO ..,..
são pilares fundamentais da sociedade. Para se tornar totalmente eficiente'ê:omo uma ferramenta social,
o desenho urbano tem que se voltar cada vez mais na busca por uma cidade 'verdadeiramente pluralista
e com especificidades culturais, e por um desenvolvimento social e econômico justo e equilibrado. As
cidades brasileiras possuem esse caminho aberto; e sua população. mais do que o almeja, o merece.

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MODERNISMO TARDIO
Esforços para Controlar
a Forma ea Função Urbanas

abemos que o modernismo influenciou profundamente a cultura brasileira e que o seu paradigma
S ainda influencia fortemente a prática do urbanismo brasileiro, particularmente através da noção de
que o desenvolvimento urbano é intrinsecamente bom e representa uma evolução positiva, e que há
uma ordem racional em todas as coisas. Como Holston (1993) e Harvey (2000) observaram, a moder-
nização como ideologia de desenvolvimento é ainda muito atraente para países em desenvolvimento
e, certamente, para o Brasil. Na Introdução, discutimos brevemente como a evolução do urbanismo e
do desenho urbano no Brasil ajudou a popularizar as noções modernistas sobre qualidade urbana e a
importância que essas noções ainda têm para as expectativas sobre o desenvolvimento urbano e o que
deve ser uma cidade.

A presente parte deste livro foi intitulada "Modernismo Tardio" porque os textos nela contidos demons-
tram que o pensamento modernista ainda comanda o urbanismo brasileiro e que ele ainda direciona a
forma e a função urbanas na busca de um modelo idealizado do racional e do bom. Os Capítulos de 1
a 4 discutem exemplos da noção compartilhada de que, se o governo controlar o mercado e adequar o
desenvolvimento urbano ao modelo modernista, os resultados garantiriam o bem público. Assim como
no modernismo, as práticas do modernismo tardio são em sua maioria fechadas a processos de participa-
ção pública, já que o paradigma coloca o governo e seus planejadores em um papel paternalista e decisó-
rio sobre o que é bom para a população e na supervisão e direção do comportamento do setor privado.

Considerando a força da imagem de Brasília e sua influência na cultura brasileira em geral, e no desenho
urbano e na arquitetura em particular, não surpreende que a nova capital seja o primeiro estudo de caso
apresentado aqui. Mais do que qualquer cidade no Brasil, Brasília expõe as dualidades sociais, econô-
micas e culturais da sociedade brasileira através de seu ambiente construído. única cidade no mundo
totalmente desenvolvida de acordo com os princípios do urbanismo moderno, ela continua a ser um dos
mais poderosos símbolos de controle governamental do desenvolvimento urbano. Por isso, o Plano Piloto
foi declarado monumento histórico nacional pelo governo brasileiro e Patrimônio Mundial pela Unesco.

Embora se reconheçam diversos dos problemas inerentes ao modelo modernista do desenho urbano de
Brasília - como muito bem observado pelo clássico de Holston (1993) - . tanto moradores quanto visi-
tantes também apreciam
. .
muitas de suas qualidades,.,,<3lgumas
·.
delas. objeto.de
'• '
importantes
. reavaliações '·
(Holanda, 2002; Anàreoli.e.Forty, 2004; el-Da_hdah, 20.0S). Ne Capítú)ô 1, Maria Elain_e'Kohlsdorf, Gunter
Kohlsdorf e Fcederico de Holanda discutem COJ!lO ·a1gomi:is .das qualidades originais de Brasília sofrem
corri uma avançáda detérioração apesar dos esfo.rços do góverno para preservar a área do Plano Piloto e
fazer cfo modernismo~o estilo prevalecente. Os autores abordam o modernismo clássico do Plano Piloto,
que fez de Brasília tão forte artefato culturàl, assim como outras morfologias que compõem o território
urbano do Distrito Federal.

r
36 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Os assentamentos anteriores à construção da nova capital compõem uma dessas morfologias, em que
uma segunda morfologia, constituída por um repertório vernacular, coexiste com invasões de terra e
favelas que aconteceram antes mesmo de sua inauguração. Uma terceira tipologia aparece representada
pelas cidades-satélites, a qual os autores denominam modernismo periférico, porque a ação estatal que
as criou e as práticas de autoconstrução que ali acontecem reproduzem as desvantagens do moder-
nismo clássico, mas, ao mesmo tempo, são despidas de quaisquer de suas qualidades expressivas. Outras
morfologias abordadas configuram os antigos acampamentos de funcionários - que também seguem
a vertente modernista -, construídos por empreiteiras durante os primeiros anos da cidade, as favelas
construídas por migrantes pobres atraídos pelo novo mercado de trabalho, além dos cada vez mais
numerosos bairros pós-modernos e condomínios fechados das classes mais altas.

Embora esses tipos de forma urbana contribuam igualmente para tornar Brasília uma atribulada metró-
pole contemporânea, alguns são reconhecidos como parte da cidade formal e constituem manifestação
do repertório desejado pela classe média. Em geral, os moradores estão felizes com o modernismo
clássico do Plano Piloto, que continua a representar a imagem utópica de desejo urbano, pois destituído
da maioria dos conflitos que estão presentes nas grandes cidades como Rio e São Paulo. Embora o forte
significado icônico do Plano Piloto de Brasília seja atemporal e um admirável exemplo de modernismo,
os autores apontam os problemas que surgem em uma cidade cujo coração simbólico não corresponde a
seu centro morfológico. Ao tratar essas morfologias de modo desigual, Brasília se tornou uma metrópole
polinucleada que sofre de diversos problemas similares aos das demais cidades brasileiras, com destaque
às desigualdades socioterritoriais, limitações no transporte público e acessibilidade. Os autores argumen-
tam que, embora seja importante preservar o repertório modernista do Plano Piloto, uma revisão de seu
status como Patrimônio Mundial da Unesco encorajaria a criatividade, permitiria soluções de projetos
mais inovadoras e geraria espaços públicos efetivamente vivos e uma cidade socialmente inclusiva.

Outro interessante exemplo de modernismo tardio é o projeto de Palmas, nova capital do estado do
Tocantins, construída em 1990. No Capítulo 2, Dirceu Trindade observa que, assim como 35 anos antes
em Brasília, o fundamento para a criação de Palmas era estimular o desenvolvimento regional em uma
região remota do Brasil Central. Nesse sentido. pode-se considerar que ela foi um êxito, gerando um
desenvolvimento econômico significativo e atraindo muita gente: em 201 O, a população chegou a
228.332 habitantes, indicando taxas de crescimento superiores às de qualquer outro lugar do Brasil.

Inspirado no modernismo de Brasília e pela filosofia keynesiana, o projeto de Palmas baseou-se em um


sistema viário que gera uma macrogrelha e grandes setores urbanos. A ideia era que esses setores seriam
objeto de desenvolvimento através de empreendedores privados, que deveriam seguir diretrizes urbanís-
ticas e arquitetônicas flexíveis de modo a gerar soluções diferenciadas. mas onde os espaços residenciais
e públicos estariam conectados por vias de pedestres e oportunidades para interação social. Entretanto,
a utopia do projeto foi atropelada pela realidade quando o governo estadual resolveu atuar como empre-
endedor imobiliário, deformando o conceito original e induzindo o desenvolvimento especulativo. Em
contraste com o Plano Piloto de Brasília, onde controles estritos governamentais ainda persistem, em
Palmas o planejamento institucional se transformou em retalhamento e venda de terrenos sob uma legis-
lação de zoneamento obsoleta. Usos do solo originais foram modificados - mesmo aqueles designados
para equipamentos públicos -, comprometendo as funções urbanas e a escala de ~~zinhança do plano
original. Avenidas designadas para rotas de coletivos tran~formara m-se em densas ruas comerciais, e o
grande bulevar principal repartiu a çiê:Jade em duas. Talvez o mais significativo elemento no modernismo
tardio de Palmas seja o caráter do centro geográfico da cidade, que não correspondeJa·um centro viven-
ciado. Localizado no ponto de maior elevação de uma região b_çsicamente plana, ele interrompe o eixo
definido pelo buleyar principal e abrigá diversas edificações governamentàis em estilo moderno tardio,
num conjunto totalmente separado da cidade que o rodeia, em uma praça estéril desprovida de uso fora
do horário comercial.

\)
J
PARTE 1IModernismoTardio 37

Trindade aborda como o desenho de Palmas mostra a lacuna entre as intenções originais e a implemen-
tação real, e por que representa uma oportunidade perdida na criação da cidade contemporânea ecolo-
gicamente sensível e sustentável que o plano diretor original imaginara. Hoje, Palmas sofre dos mesmos
problemas que afligem nossas grandes cidades: serviços e infraestrutura urbana inadequados, transporte
público ineficiente, violações do zoneamento, grandes vazios em áreas centrais e um crescente contin-
gente de favelas. Por outro lado, ao estabelecer um novo polo econômico no interior e atrair uma grande
população, não se pode negar que Palmas é um esforço de desenvolvimento exitoso com claras repercus-
sões sobre a região e todo o estado do Tocantins. A nova infraestrutura que conecta a cidade ao restante
do estado e os benefícios propostos pelo plano original e que lograram ser implementados - áreas de
lazer, praias artificiais no lago e parques ecológicos - fizeram de Palmas uma cidade pioneira em relação
às outras, o que serve para atrair ainda mais gente: ela se encontra entre as capitais brasileiras de melhor
qualidade de vida e possui alguns lndices sociais acima da média brasileira (Holanda e Vasconcellos.
2007). Palmas parece ter cumprido a sua missão de integrar a região e criar uma sociedade no meio do
sertão onde " tudo ainda é possível".

Os esforços de desenvolvimento representados por Brasilia e Palmas demonstram quanto o modernismo


brasileiro atou-se à noção de que o progresso social e o econômico caminham inexoravelmente juntos.
O paradigma modernista e o seu modelo de cidade perfeita. a Brasília do Plano Piloto, ainda dominam
a maioria dos esforços de planejamento e controle de desenvolvimento urbano e, consequentemente,
os parâmetros de desenho urbano. Os efeitos do modernismo tardio institucionalizado na produção da
cidade, e particularmente na paisagem urbana de São Paulo, são abordados no Capítulo 3, elaborado
por Silvio Macedo.

Modelos e padrões adotados no Rio de Janeiro e em São Paulo, principais capitais culturais do Brasil, são
altamente influentes, e assim é o aspecto mais típico de suas paisagens urbanas: a verticalidade. Sílvio
Macedo nos mostra como em São Paulo o processo de verticalização foi encorajado pela legislação de
uso do solo de 197 1 que, pela primeira vez, restringiu a 50% a taxa de ocupação dos lotes, estabeleceu
afastamentos obrigatórios e forçou o remembramento de lotes menores para permitir a construção
de torres de ediflcios. Esse também foi o modelo adotado pelo Rio de Janeiro em seu código de 1976
e por fim por todas as cidades do Brasil. As paisagens urbanas brasileiras tornaram-se homogêneas,
determinadas pelo modelo modernista de " torre em meio ao verde", desrespeitando tanto morfologias
preexistentes quanto a escala do pedestre e da rua.

Conforme Macedo, se no modelo original a densidade e a altura dos edifícios deveriam corresponder
à localização - quanto mais próximo de corredores de tráfego, mais altos e mais densos - , isso foi por
fim pervertido pelo mercado imobiliário e a especulação da terra. A torre residencial isolada rodeada por
jardins tornou-se o modelo hegemônico em São Paulo e em todo o país. Conjuntos com torres múltiplas
situados em um grande terreno ou ocupando todo um quarteirão logo se tornariam uma solução imo-
biliária popular. As exigências definidas pelo zoneamento e a crescente preocupação com a segurança
acabaram por gerar um modelo urbano sofisticado muito influenciado pela cultura moderna: complexos
de condomlnios residenciais compostos por torres de edifícios, jardins comuns e equipamentos comu-
nitários e de lazer, em um ambiente controlado. Em São Paulo, os condomínios fechados rompem com
as continuidades do território da cidade e as ruas são marcadas por_t_orres protegidas atrás de grades e
cercas, sem guardar qualquer relação com ps calçadas públicas. Devido a demandas de merGJdo e uma
sociedade cada vez menos móvel, essas soluções residenciais tornaran:i-se cada vez mais sofisticadas e
formam ilhas de tranquilidade em contraste com a grânde cjdade, i~segura e hostil. .,.
,. '
Configurando uma região metropolitana de quase 20 milbões de habitantes, São Paulo foi a primeira
a iniciar esse tipo de urbanismo, em que o domínio privado transcende o público. Em uma cidade de
grandés distâncias, baixa mobilidade e território fragmentado, as pessoas limitam sua locomoção, e os
centros regionais e de bairro se tornaram ainda mais importantes. Nesse contexto, Gilda Bruna e Heliana

\)
í
38 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Vargas abordam, no Capítulo 4, a importância dos shopping centers como indutores de desenvolvimento
urbano e de estruturação da cidade, utilizando a cidade de São Paulo como estudo de caso.

O Brasil está entre os cinco primeiros países em número de shopping centers, e a crescente importância
dessa tipologia arquitetônica para a economia tem encorajado uma variedade de formas e inserções
urbanas. Desde centros de varejo a centros de descontos e complexos sofisticados de usos mistos e
de entretenimento, os shopping centers brasileiros têm adaptado o modelo original norte-americano
refletindo especificidades locais. De acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce;
entidade filiada ao Conselho Internacional de Shopping Centers), eles são responsáveis por 18,3% das
vendas de varejo no país e 2% do PIB. Em julho de 2012, a cidade de São Paulo sozinha tinha 54
shopping centers (filiados à Abrasce), que, no último ano, receberam em média mais de 200 milhões de
visitantes por mês.

Bruna e Vargas apontam que os shopping centers não somente reforçam os centros secundários, mas
também constroem novas centralidades ao longo dos vetores de crescimento e em áreas menos densa-
mente ocupadas. Isso é estratégico em uma cidade tão grande quanto São Paulo. uma vez que os shop-
ping centers acabam assumindo algumas das funções da cidade central: ajudam a diminuir a necessidade
de mobilidade da população; tornam-se marcos referenciais e lugares importantes de socialização; e
estimulam mudanças em seu entorno, criando assim lugares. De particular importância em Silo Paulo
são os recentes shopping centers desenvolvidos no centro histórico como parte de esforços de revitalizar
o simbolismo e a função da cidade central original perdida para subcentros regionais. Enfatizando sua
importância para a economia urbana, Bruna e Vargas discutem por que os shopping centers se tornaram
importantes componentes do desenvolvimento urbano e como o seu potencial estruturador pode ser
mais bem utilizado por administradores públicos de modo a induzir o crescimento urbano, estimular o
desenvolvimento e contribuir na produção da cidade.

,.·
.. ,

)
CAPÍTULO 1

Brasília:
Permanência e Metamorfoses

Maria Elaine Kohlsdorf, Gunter Kohlsdorf e Frederico de Holanda

e apitai do Brasil desde 1960, Brasília originou-se de projeto escolhido em concurso público e de autoria
de Lucio Costa. O concurso buscava um Plano Piloto para a capital do país, e, conforme apreciação
do júri, a proposta vencedora possuía as feições de uma civitas. 1 Ela partia do cruzamento de dois eixos,
evocando rituais da posse representada pela nova capital, que possibilitaria a ocupação do interior brasileiro
através da Região Centro-Oeste. Seu crescimento seria controlado: uma vez alcançado o teto de 500.000
habitantes, nasceriam cidades-satélites orbitando ao redor de Brasília, capital do novo Distrito Federal.

Porém, esse Distrito configurou-se como um "mosaico morfológico" (Kohlsdorf, 1985, 1996b). pois
Brasília não foi construída em território virgem. Seu modernismo clássico de imediato contrastou com o
vernáculo de núcleos urbanos (Planaltina, do século XIX, e Brazlândia, do início do século XX) e de sedes
de fazendas existentes naquele. Essa realidade geralmente não permeia a imagem divulgada de Brasília,
assim como outros traços que discutiremos neste capítulo.

Logo após o concurso, ocorreram transformações consideráveis no projeto de Costa, na estrutura tanto
do Plano Piloto quanto de seu entorno. Em sua maior parte, elas são respostas a demandas habitacio-
nais não contempladas pela proposta e deslocaram a centralidade pretendida para o quadrante oeste
do Distrito Federal. A ocupação territorial deu-se com extrema dispersão. configurando uma cidade
rarefeita, concentrando empregos e serviços no Plano Piloto, dele afastando as moradias das populações
pobres e implicando enormes custos com transportes e infraestrutura.

Antes mesmo da inauguração, o governo local criou cidades-satélites - o modernismo periférico - con-
figuração que reproduz traços do Plano Piloto sem suas qualidades expressivas. Por sua vez, empresas
de construção civil construíram imensos acampamentos de obras para abrigar técnicos e operários, estes
claramente diferenciados espacialmente do anterior. E vastos contingentes migratórios sem acesso à
habitação encontraram solução alternativa em invasões populares, sob a forma de favelas.

Recentemente, metamorfoses do modernismo incluíram outros tipos morfológicos em áreas centrais do


Plano Piloto ainda desocupadas. em novos bairros de classe média e em ocupações ecléticas na orla do
Lago Paranoá. Distir:guem-se do modernismo clássico por configuração do espaço público, estrutura
de uso do solo. sistema ge transporte de mõssa e tipologia edilícia. Paralelamente, a retenção-de terras
para especulação e OS' exorbitantes preços dos imóveis· empurraram coAtingentes de médio poder aqui-
sitivo para longe do centro urbano de Brasília. Corresponderrf~a essa ~erversa combináção Zondomínios
fechados, em uma versão morfológica explícita de cidade de muros. Tais parcelamentos agravaram o

' Segundo o júri do Concurso de 1956, em sua apreciaçao do plano de Ludo Costa (GDF, 1991). Sobre o concurso de
Brasília, ver Evenson (1973).

r
40 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

esgarçamento territorial da metrópole, inviabilizando soluções eficientes de transporte público e sendo


problema fundiário recorrente na imprensa.

A capital brasileira é uma metrópole polinucleada (Paviani, 1985) e expandida além das fronteiras do
Distrito Federal (Figura 1.1 ). O modernismo clássico restringe-se à parte " nobre" da "Brasília real",
conhecida como Plano Piloto, com menos de 10% dos 2.383.784 habitantes do Distrito Federal, de
acordo com estimativas de 2003 do IBGE (Kohlsdorf, 1997). É ela que integra a lista de Patrimônio
Cultural da Humanidade da Unesco e concentra a grande maioria dos empregos do Distrito Federal, a
maior renda e benefícios de urbanização. 2

estre D'Armas

~ 1P""'"'"'
{)

1. Vernáculo
2. Modernismo Clássico
3. Acampamentos de obra
4. Modernismo periférico
5. Invasões populares f favelas
6. Após modernismo f novos bairros
7. Após modernismo/ cidade de muros

• •
OICI:l km
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.imilhas ...
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Figura 1.1 Mapa mostrando a área do Plano Piloto de Brasília e todas as áreas urbanizadas do Distrito Federal.
(Desenho de Janalna Vieira.)

O estudo da evolução da cidade revela perda de qualidade nas áreas testemunhais do Movimento
Moderno e registra agravamento de problemas já esboçados em sua concepção. Notam-se, contudo,
tentativas relativamente bem-sucedidas de inovar no desenho urbano. Alguns serão aqui comentados à
luz dos interesses que presidiram as ações do governo e da iniciativa privada na configuraçêío da metró-
pole. Embora existam variantes nos tipos morfológicos brasilienses e metamorfoses no tempo, a análise
centra-se nos seguintes aspectos espaciais:

Funcionais: tipo, quantidade e loc::alização relativa dos us9.s do solo;

Interativos: apropriação dos espaç'os da cjdade pelas várias faixas sõ_ciais; .,..

2
A população do Plano Piloto em 2000 era de 198.442 habitantes (IBGE. 2000 e Codeplan, 1999); tais fontes infor-
mam que esse quantitativo está em declinio de cerca de 0,3% ao ano, desde 1999. Dados sobre empregos no Plano
Piloto são controversos. Estimativas variam de 44% (Codeplan. 2000) a 75% (MTE. 1999) do total dos empregos do
Distrito Federal.

)
Capítulo 1 IBrasília: Permanência e Metamorfoses 41

Informativos: orientação e identidade visual dos lugares.

Os tipos morfológicos do primeiro período (o "marco zero" de Brasília) encontram-se relativamente estu-
dados (Kohlsdorf, 1985; Holanda et ai., 2002), assim como transformações morfológicas ao longo de sua
história (Kohlsdorf, 1996a, 1996b; Holanda. 2000). Trabalhos recentes abordaram a estrutura global da
metrópole e detectaram sistema caracterizado por excentricidade, dispersão e segregação socioespacial
(Holanda, 2001; Holanda et ai., 2002). Retomaremos essas questões a seguir, incorporando a análise de
tipos gerados ultimamente.

Observaremos especialmente as metamorfoses do modernismo clássico, pois há lições de desenho


urbano no Plano Piloto de Brasília pouco demonstradas nos textos apologéticos e ignoradas na literatura
crítica. Esta última sensibiliza-se com problemas locais, mas lhe escapam os méritos globais da organiza-
ção espacial da cidade. É o que se encontra, por exemplo, nas observações de Holston (1993), quando
capta a redundância das asas residenciais ou problemas de apreensão na Esplanada dos Ministérios, dada
a separação de edifícios pregnantes como a Catedral, o Congresso Nacional e os palácios. Ora, uma vez
percorrida a cidade, é fácil reconstruí-la na mente pela força de elementos imagéticos fortes, como o Eixo
Rodoviário 3, o Eixo Monumental4 e os citados edifícios, geradores de marcos visuais perfeitos. Trata-se
de uma identidade que se constrói com segurança na imagem mental, embora ofereça problemas à
percepção (Kohlsdorf, 1996a).

Nisso reside a inconfundível identidade de Brasilia e que a posiciona junto a marcantes realizações urbanísticas.
como Paris (com os Champs-Elysées), Viena (com a Ringstrasse) e Teotihuacan (com a Avenida dos Mortos). E
distingue o plano escolhido dos demais concursados, carentes da grandeza que confere a Brasília forte legi-
bilidade global e, por isso, a torna inesquecível: o projeto de Costa é uma proposta de imagem mental para
ela (Kohlsdorf, 1987). Alguns estudos falseiam a representação que os habitantes têm de Brasília, mostrando
desaprovação (Holston, 1993), fato negado por pesquisas de diversas vertentes disciplinares (Machado e
Magalhães, 1985; Nunes, 2003)5, ou fazem observações incorretas (como Rykwert, 2004).6

Como veremos. a história da configuração de Brasilia caracteriza um processo de agravamento dos pro-
blemas inerentes ao urbanismo modernista e de empobrecimento das qualidades expressivas da cidade.
O mosaico morfológico brasiliense qualifica-se pelo movimento, que atinge as relações no conjunto
polinucleado, mas mantém a localização de seu centro fora do Plano Piloto (Holanda, 2002).

3 O Eixo Rodoviário tem 12,4 km de extensão. A distancia entre as fachadas dos edifícios residenciais nos lados leste

e oeste do Eixo é de cerca de 21O metros.


4
Há 8,8 km entre a extremidade oeste do Eixo Monumental (Estação Rodoferroviária} e o limite leste da Praça dos Três
Poderes. Se incluirmos o prolongamento até a margem do lago, o comprimento total é de cerca de 12 .000 metros. A
distância entre as fachadas dos edifícios nos lados norte e sul do Eixo Monumental varia de 310 metros (na Esplanada
dos Ministérios} a 460 metros (próximo à sua extremidade oeste, entre o Setor Militar Urbano e a área residencial do
Cruzeiro Velho). O comprimento da Esplanada dos Ministérios, entre a Plataforma Rodoviária e o Congresso Nacional,
é de quase 2.000 metros.
$ "Praticamente todos os entrevistados estavam [de acordo com o tombamento de Brasília) sob os mais diferentes
argumentos, o mais usual dos quais era exatamente a preservação dos parques e jardins da cidade, responsáveis pela
elevada qualidade de vida oferecida aos que af habitam" (Nunes, 2003:97).
6 Rykwert (2004} observa que a cidade é a metáfora de um pássaro, cujo corpo ~_'.'às vezes também chamado de 'Eixo

Monumental'", quando...esta é a denominação oficial do lugar. Afirma que o "ponto alto da Esplanada dos Ministérios
é uma Torre de TV", quando~ o Congresso Nacional: e a Torre qe. TV está fora da Esplana_9a (embora situadano trecho
do Eixo Monumental a oeste da flataforma Rodoviária). Obseíya que a Torre de}V é "prefaciada por uma mastaba
de mármore branco em estilo egípcio (sic}, túmulo do ex-presidente Juscelino Kf.Jbitschek", mas .esses doi?elementos
estão separados por cerca de 2.706 metros, havendo muilos ót.ltros:episódios arquitetônicos entre eles_ Tâmbém
afirma que "o tamanho da cidade com suas satélites (grifó nosso) e~éJJimitado a soo.ooo· - e este era o limite apenas
do Plano Piloto. Enuncia que Mos altos escalões dos funcionários abandonaram assim que puderam os apa[tamentos
das superquadras e construíram casas do outro lado do lago. Isso levou a muitos problemas, incluindo a alta e violenta
criminalidade" - e o Plano Piloto concentra 47,05% dos ricos do Distrito Federal, enquanto na região dos lagos estão
23, 73%. Diz ainda: "Pode-se levar meia hora ou mais para ir-se de uma embaixada a outra", mas muitas são vizinhas,
e a separação
. ...
de conjuntos delas é muito menor do que a sugerida.

r
42 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Tipos Morfológicos que Configuram Brasília


Os tipos módicos que compõem a "Brasília real" serM discutidos considerando a cronologia de sua
implantação. porém dela se distanciando sempre que necessário à comparação entre suas caracterís-
ticas de configuração. Pois existem tanto simultaneidade quanto sequencialidade na construção desse
conjunto e ele se caracteriza não apenas pela diversidade morfológica, mas também pela metamorfose
que experimentou ao longo do tempo. Serão abordados cinco tipos morfológicos concorrentes com o
modernismo: o vernáculo, o modernismo clássico, os acampamentos funcionais, o modernismo perifé-
rico e as invasões de terra (ver Figura 1.1). Abordaremos ainda três outros que emergiram no início da
década de 1990: as metamorfoses do Plano Piloto. os novos bairros e os condomínios fechados.

Vernáculo

Planaltina (1810) e Brazlândia (década de 1930) foram. até 1960, pequenas cidades de apoio ao meio
rural goiano, configuradas como o espaço brasileiro tradicional (Figura 1.2). A construção de Brasília trans-
formou-as em cidades-satélites. a elas anexando grandes áreas para moradia de egressos de favelas e
transformando-as em dormitórios. Nelas passaram a conviver dois tipos de habitantes e de organização
morfológica, implicando diferentes possibilidades funcionais, interativas e informativas. Nos setores preexis-
tentes e organizados à maneira vernácula, encontramos a população nativa; nos novos bairros de tipologia
análoga aos assentamentos periféricos oficiais, reside a população incorporada, geralmente nordestina.

--

Figura 1.2 Fotografia aérea de Planaltina, um dos assentamentos anteriores a


Brasília ainda remanescentes. (Cortesia de Topocart. Brasllia.)

J
Capítulo 1 IBrasília: Permanência eMetamorfoses 43

O tipo mórfico vernáculo permanece ainda em traços dos setores tradicionais dessas cidades, como
na malha levemente irregular e com numerosos cruzamentos, com mistura de usos, boa integraçào
interpartes e fácil leitura. Macro e microparcelamento compõem-se de quarteirões com cerca de 100 x
100 m e lotes profundos de várias formas e tamanhos. Estes são ocupados quase sempre nas testadas,
delimitando claramente as paredes dos percursos, possuem estreitos afastamentos laterais e grandes
quintais nos fundos. Edificações vernáculas remanescen tes abrem suas portas diretamente para o espaço
público, favorecendo encontros coletivos cotidianos nas ruas. As fazendas preexistentes a Brasilia ainda
permanecem como expressões vernaculares relativamente intactas. apesar da perda significativa de gran-
des extensões territoriais para o setor imobiliário.

Planaltina e Brazlândia datam de época em que as "tiranias da intimidade" (Sennett, 1974) e o cor-
respondente declinio do âmbito público ainda não haviam impactado o tecido urbano na forma de
shopping centers, espaços cegos - "mortos" ou "residuais". conforme Trancik (1986) - ou condomínios
fechados. Em setores tradicionais das referidas cidades encontramos estratos sociais semelhantes àqueles
que habitam as cidades do modernismo periférico, e o contraste no uso do espaço público entre ambos
os casos é revelador. Em tipos mórficos distintos, populações com as mesmas características socioe-
conõmicas utilizam diferentemente o espaço público. A configuração espacial funciona como variável
independente e é responsável por um maior usufruto dos espaços públicos na situação vernácula do que
naqueles do modernismo periférico (Holanda, 2002).

A identidade do tipo vernáculo desse mosaico completa-se por incidência de vegetaçào robusta e har-
monia do tecido urbanizado com relevo natural. Expansões pós-Brasília fizeram migrar tipos edilícios e
unidades morfológicas de Planaltina e Brazlândia para o modelo das cidades-satélites, trazendo àquelas
zoneamento de usos especializado, áreas livres ociosas, segregação entre interior dos edifícios e espaço
público devido a empenas cegas, paisagem urbana visualmente redundante.

Modernismo Clássico

O Plano Piloto de Lucio Costa representa o genuino movimento de arquitetura moderna, cujo ideário
permeou a maioria dos projetos apresentados no concurso de 1956 (Evenson, 1973). Ele sÓbressaía pela
aplicação peculiar do receituário modernista, transgredido em alguns pontos (Gorovitz, 1995; Holanda,
2002) e incorporação de elementos históricos: perspectivas barrocas e terraplenos monumentais, reme-
tendo à Antiguidade e à América pré-colombiana (Holanda, 2002); referências ao gregarismo colonial
brasileiro e ao urbanismo internacional (acrópole cerimonial, cidade linear, cidade-jardim, urbanidade de
áreas comerciais) (Figura 1.3).

,...,.

.-

Figura 1.3 Eixo monumental de


Brasília. (Foto de João Facó. ln: Nas
Asas de Brasília [FAC -GDF, 2003].)
44 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Escolhida pelo júri do concurso por ser "concepção espacial adequada a uma capital" .7 a proposta
articulava-se em quatro escalas:

1) Monumental, território cerimonial ou civitas, como apêndice ao corpo mais extenso do tecido urbano
no sentido leste-oeste, abrigaria as atividades administrativas da União e do Distrito Federal.

2) Gregária, reduto da urbe, localizava-se no core da cidade, com papel de centro urbano.

3) Residencial ou cotidiana, a norte e sul desse centro e correspondente às duas Asas residenciais.

4) Bucólica. evocativa do meio natural, manifestando-se nas áreas entre o tecido urbanizado e o Lago
Paranoá e em constantes inserções de vegetação nas demais escalas.

Essas temáticas expressam-se no Relatório do Plano Piloto por metáforas, citações de outras cidades e
algumas propostas apresentadas apenas como croquis conceituais ilustrativos. As quatro escalas orga-
nizavam o Plano Piloto como dois eixos interceptados em níveis distintos, na "escala" gregária (centro
urbano ou urbs), da qual partiam o apêndice do território monumental e as duas Asas residenciais. Estas
compunham-se de superquadras que abrigariam também o equipamento infantil (escolas, playgrounds)
e o comércio local em uma de suas bordas; para cada quatro unidades, estavam previstos clubes, quadras
poliesportivas e outros equipamentos vicinais.

Características comuns a essas escalas sugerem sua inserção no mesmo grupo morfológico e se preser-
varam na construção da cidade. A malha do Plano Piloto estrutura-se por regularidade e repetição de
elementos básicos, como feixe curvilíneo de artérias paralelas que define as Asas residenciais e se inter-
cepta ortogonalmente por outro conjunto arterial retilíneo. Este último é o Eixo Monumental. onde estão
os principais edifícios governamentais; compõe-se de um binário viário. cujos elementos são separados
por espaços livres de largura variável.

..
Figura 1.4 Exemplos das quatro escalas de' Brasília concebidas por Ludo Costa: (A) monumental, (B) gregária, (C)
residencial e (D) bucólica. (Fotos dos autores.)

1
! .-

Apreciação do plano de Lucio Costa no Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil, 1957 (GDF.
-
1991).

)
ü
Capítulo1IBrasília: Permanência eMetamorfoses 45

Tal composição é admiravelmente harmónica, mas precária para acessibilidade intra e interpartes. Nas
Asas residenciais, o Eixo Rodoviário impõe forte descontinuidade entre as superquadras a leste e a
oeste. De forma similar, o Eixo Monumental confere descontinuidade entre as partes ao norte e ao sul.
As macroparcelas são aparentemente simples. mas se transformam em polígonos complexos de difícil
leitura devido ao sistema viário em cul-de-sac e às inúmeras áreas de estacionamento. Os blocos residen-
ciais assentam-se sobre lotes retangulares de dimensões semelhantes, com 100% de taxa de ocupação
e cercados por área livre pública coberta por vegetação. Os efeitos visuais desse desenho urbano são
repetitivos, com grandes distâncias entre os blocos (no mínimo, 20 m), que impedem definição clara dos
espaços livres, mais percebidos como residuais do que precisamente configurados.

Um estrito código urbano - sobre taxas de ocupação do solo, altura, número de pavimentos, cotas
de soleira e coroamento - gera configurações previsíveis nas Asas residenciais, que contrastam com
a criatividade de outras partes. Transições entre interior e exterior das edificações são sempre raras,
implicando grande quantidade de espaços cegos e diluição do movimento de pedestres em áreas
abertas de grandes dimensões. Estas são raramente ruas ou praças e foram concebidas como vias,
áreas verdes e esplanadas.

Esses traços distinguem o plano piloto de Costa dos demais projetos submetidos no concurso, bem
como de "uma cidade moderna qualquer" (Costa, 1995:283). A interação das escalas não restringe à
Esplanada dos Ministérios a "dignidade e nobreza de intenção" para "conferir ao conjunto projetado o
caráter monumental" (Costa, 1995:283).

Logo após o concurso ocorreram as primeiras modificações. solicitadas pelo júri, governantes e equipes
responsáveis pela implantação da capital (F. Leitão, 2002). Tais mudanças estão representadas na Figura 1.5:

a) translação da cidade, em cerca de 500 metros para leste, diminuindo a orla oeste do Lago Paranoá.
A cidade manteve-se na vertente leste de uma calota, e seu centro. a 3.500 m do cume desta. reite-
rando a impressão de voltar as costas para o Lago Paranoá;

b) redução da borda oeste do lago. Transferiram-se quase todas as mansões previstas para a outra mar-
gem, aumentando o espaço para embaixadas na orla junto ao Plano Piloto;

c) incorporação da fileira de superquadras residenciais a leste (as "400"), com prédios econômicos de
três pavimentos e sem pilotis (contra os de seis pavimentos, com pilotis e elevadores. das demais
superquadras);

d) inclusão da faixa de quadras residenciais unifamiliares a oeste (as "700") para abrigar funcionários de
rendas médias;

e) transformação da W-3, de via de serviço do comércio varejista em avenida e centro de Brasília durante
décadas.

f) criação do renque de quadras a leste e oeste (as "600" e "900") para serviços religiosos, educacio-
nais, de saúde etc.;

g) surgimento das primeiras cidades-satélites antes mesmo da inauguraçM da cidade, antecipando a


metrópole polinucleada.

Tais mutações tornaram o tecido da cidadé'mais esp~sso, diluíram a lineariqade do plano original e impli- •.
caram imprevistos e intensos fluxos transversais de veícülos .e pedestres·nas asas residenciai,s. Além dessas
mudanças, registraram-se outras. como: - · .., ' ·- _,.

• aumento da quantidade de setores .centrais, mantendo organização dispersa que dificulta o movi-
mento de pedestres entre eles;

\ )
J
46 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 1.5 Mapa com as principais alterações


ao Plano de Brasília: (1) relocação da cidade
para oeste; (2) redução da orla oeste do lago
e relocação das áreas de mansões; (3) faixa
adicional de superquadras residenciais; (4) nova
faixa de unidades residenciais unifamiliares para
a classe média-baixa; e (5) transformação da
Avenida W3 em área comercial.
(Desenho original de Janaína Vieira; adaptado
por Vicente dei Rio.)

• diminuição do número de alças dos trevos do Eixo Rodoviário e consequente redução da largura
deste; isso não evitou seu papel de forte barreira entre os lados leste e oeste da cidade;

• abertura principal das lojas do comércio local para as vias projetadas como de serviço, voltando seus
fundos para a área residencial e implicando relação mais urbana desses estabelecimentos com a
cidade.

Outras transformações (como invasão de espaços públicos, pressão imobiliária por mudança de gabaritos
e índices de utilização) motivaram iniciativas para inserir Brasília na lista de Patrimônio da Humanidade,
titulo obtido em 1987. Infelizmente, esse processo não assegurou a preservação do Plano Piloto e com-
prometeu tentativas de resolver sérios problemas urbanísticos da cidade.

Os Acampamentos de Obra

Criados pelas firmas contratadas para implantar o planq, de Costa, os acampamentos de obras seriam _
ps
provisórios e habitados por todos funcionários das construtoras, de engenheiros a serventes. Tiveram
filiação modernista, pertencendo à mesma vertente de configuração do Plano Piloto. e expressavam na-
perecível madeira elementos da arquitetura brasileira vanguardista à época: volumetria simples, gran-
des aberturas, elegantes composições de fachadas, varandas e treliças. Malhas reticuladas. lotes estrei-
tos, pouca intersticialidade entre edifícios e relação direta destes com o espaço público aproximavam o
tipo ao vernáculo brasileiro. Unidades morfológicas tradicionais (como ruas, becos e pequenas praças)

J
Capítulo 1 IBrasília: Permanência e Metamorfoses 47

ofereciam às áreas públicas desses acampamentos composições bem definidas e possibilitavam nelas
intenso convívio. Nos primeiros anos de construção de Brasília. acampamentos como Vila Planalto e
Metropolitana eram centros de encontros de toda a população brasiliense.

A maioria dos acampamentos não foi provisória. mas soluções naturais para a escassez de moradia
acessível aos trabalhadores pioneiros, seus descendentes e parentes. Vinte anos após a inauguração.
Brasília contava com muitos deles consolidados em bairros aprazíveis com jardins arborizados, constru-
ções térreas, ruas e praças de grande vitalidade. Outros se haviam convertido em grandes favelas, como
a Vila Paranoá.
A aceitação de Brasília como Patrimônio da Humanidade suscitou movimento de preseNação desses
tipos em testemunho à época de construção da capital. Logrou-se manter apenas dois: o acampamento
do Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira (HJKO), restaurado como centro da memória pioneira, e a
Vila Planalto, hoje desfigurada pela maioria das novas construções e supressão de grande parte de sua
arborização (Figura 1.6). As demais manifestações pioneiras em Brasília foram extintas ou se transforma-
ram em cidades-satélites sem traços de suas origens (como o Núcleo Bandeirante, a Candangolândia e
a Velhacap).

es

ova
>ara

lo

Figura 1.6 Fotografia aérea da favela Vila Planalto (esquerda), localizada pertÓdo lago
e da Praça dos Três Poderes com o palácio presidencial (canto superior direito). (Cortesia
de Topocart, Brasllia.)

\ )
48 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

OModernismo Periférico

De acordo com o Plano, o crescimento de Brasília seria por cidades-satélites, separadas da "cidade-
mãe" por uma faixa sanitária de 25 km capaz de preservar o Lago Paranoá e a imagem do Plano Piloto.
Porém, implantaram-se cidades-satélites antes da inauguração da capital, como recurso governamental
diante das soluções habitacionais encontradas pelos operários da construção civil, sem acesso aos custos
das superquadras ou excluídos dos acampamentos de obra. Aos contingentes migratórios do Nordeste,
Goiás e Minas Gerais restava a autoconstrução, fosse ela financiada nas precoces cidades-satélites ou
improvisada em favelas próximas ao Plano Piloto, de onde aqueles eram recorrentemente removidos.

Por meio da autoconstrução e de programas de habitação social nas cidades- satélites, as famílias recebiam
pequenas casas ou lotes vazios de não mais do que 200 m2• Poderiam construir um barraco temporário no
fundo do lote até que a casa de alvenaria de tijolos fosse realizada. Evidentemente, os barracos temporários
nunca eram demolidos, mas transformados em unidades de aluguel para gerar renda extra à família, aumen-
tando assim a densidade populacional nesses assentamentos. Como outra modalidade, nessas "cidades"
se oferecia número limitado de pequenos apartamentos em edifícios de quatro pavimentos sem elevador.

Os programas de autoconstrução aplicados às cidades-satélites contavam às vezes com arquitetos e


engenheiros das agências públicas como consultores, mas via de regra seguiam a tradição de favelas. A
política então implementada atendia precariamente às exigências constitucionais, pois concedia apenas
terra e a unidade habitacional mínima. Assim, esses assentamentos obteriam água canalizada, sanea-
mento básico, pavimentação e paisagismo somente muitos anos após receberem os enormes contingen-
tes populacionais removidos das favelas.

As cidades-satélites se tornaram imensos conjuntos habitacionais sem saneamento básico, serviços


públicos, abastecimento eficiente e empregos. Situavam-se em áreas distantes e às vezes ecologica-
mente inadequadas: Taguatinga, Sobradinho e Ceilândia, próximas a nascentes e matas (Figura 1.7);
Gama e Candangolândia, em bordas de chapadas; Guará, junto ao Setor de Inflamáveis (ver Figura 1. 1).
Confusos, os critérios de localização sempre contribuíram para a fragilização da compacidade do con-
junto urbanizado e para a excentricidade do Plano Piloto.

Figura 1.7 Vista aérea da cidade-satélite de Taguatinga no inicio dos anos 1970. (Foto dos autores.)

J
Capítulo 1IBrasília: Permanência eMetamorfoses 49

Produzidas pelo governo local para abrigar populações geralmente retiradas de favelas, a criação dessas
"cidades" foi sempre pressionada pela forte demanda habitacional que até hoje caracteriza Brasília. Seus pro-
jetos seguiam regras modernistas empobrecidas: malha hierarquizada, com poucos eixos de acesso; grande
quantidade de superfície viária; setorização funcional e áreas públicas residuais resultaram lugares com fraca
capacidade informativa devido à redundância de malhas, parcelamentos e edificações, condição potencia-
lizada pelas grandes extensões dos assentamentos. Mesmo com alturas modestas, eles são densos, mas
falham na tentativa de resgate da rua mediante organização em lotes contíguos em vez de edifícios isolados.
A vertente modernista prevaleceu no superdimensionamento do sistema viário, nas vias como locais mais
de passagem do que de permanência, nas descontinuidades do tecido urbano e na proliferação de espaços
cegos - aqueles para onde não se abrem portas.

A satelitização precoce de Brasília é sua maior metamorfose. Algumas dessas áreas formam impressionantes
conurbações, como Taguatinga, Ceilândia e Samambaia, que somam 964.666 habitantes, conforme o
Censo de 20 1O. Apesar da deficiência em empregos e serviços, essa aglomeração já esboça autonomia e
pode tornar-se o centro econômico metropolitano, contrastando com o caráter administrativo do Plano
Piloto. Morfologicamente, é um conjunto desintegrado em que áreas adicionadas ao tecido preexistente
ignoram os elementos naturais ou anteriormente construídos.

As Invasões Populares

"Invasão" é o eufemismo brasiliense para favela e referência à sua característica de apropriação territo-
rial indébita. O termo não se aplica, contudo, à intensa e ilegal apropriação fundiária pelos grupos mais
abastados, facilitada pela disponibilidade de terras no Distrito Federal e pela conivência do poder público.

Invasões de pobres remontam ao inicio da construção da nova capital. Localizadas em interstícios do


tecido oficialmente urbanizado, auxiliavam a compactar a estrutura esgarçada de Brasllia. Eram opções
de moradia ante a reduzida oferta de solo das políticas oficiais, limitada às cidades-satélites e onerosa ao
deslocamento de populações pobres para o trabalho no distante Plano Piloto.

As invasões iniciais de Brasília pertenciam à familia morfológica das favelas brasileiras, construidas indivi-
dualmente por residentes sem planejamento ou coordenação. Exemplo emblemático, a Vila do Paranoá,
nascida em 1957, foi removida 30 anos depois. Nela, adicionaram-se novos edifícios à massa construída
e obteve-se urna estrutura global clara: coincidiam eixos de acessibilidade e visibilidade que variavam em
tamanho, os mais longos ligando a periferia às partes mais centrais e garantindo boa orientação, além
dos estabelecimentos comerciais e de serviços. No compacto tecido de porções irregulares, os eixos viá-
rios formavam ângulos variados e os edifícios abriam diretamente para as áreas públicas, sem grades ou
muros. Era forte a interação social em ruas e largos de tamanhos variados, adequados ao lazer de crian-
ças e adultos e à legibilidade da Vila. Os moradores cercavam a quantidade de terreno necessária à casa
e à horta de subsistência, tecendo um conjunto adaptado às declividades do solo e à vegetação existente
e posicionando a Vila Paranoá em um mirante com belos visuais do lago e do Plano Piloto (Figura 1.8).

A despeito da precariedade edilícia e das condições sanitárias insatisfatórias, a Vila foi urna inesquecível
lição de urbanismo autoproduzido. Foi arrasada pelo governo do Distrito Federal sob justificativa de
dificuldades na irnpla11tação de infraestrutura.8 Muitos acreditam que esse argumento encot5ria a real ._

8 Durante a luta pela permanência da Vila, equipes da Universidad~ de Br·asllia (UnB), particularmente de arquitetura,
enge.nharia e serviço social, apoiaram a Associação de Moradores em seus embates com o governo do Distrito Federal.
Produziram documentos demonstrando a viabilidade técnica e a importiincia sociocultural da manutenção da Vila.
Muitos acreditam que a proximidade às mansões da orla do Lago Paranoá foi o fator determinante para a remoção
da Vila, mas nossa observação remete obviamente à obra de Carlos Nelson Ferreira dos Santos, quem mais no Brasil
ressaltou a densidade do saber popular que impregna os assentamentos autoproduzidos.
L •

\ )
r
50 Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Figura 1.8 Construída em 1957 e


arrasada nos anos 1980, a favela
Vila Paranoá desfrutava de um belo
panorama do lago e de Brasllia. (Foto
dos autores.)

razão para a destruição da Vila: interesses das mansões próximas. Porém, o fator determinante para a
remoção dessa favela foi a inadmissibilidade da existência, na metrópole futurista, de um tipo mórfico
que, na visão oficial, representa o passado e o atraso. Esse olhar não consegue enxergar cultura abaixo
da superfície evidente da miséria econômica.

O nascimento da representação política em Brasilia, na década de 1980, transformou a invasão de terras


por populações carentes em um tipo de "indústria" movida por candidatos a cargos públicos, por exem-
plo, as invasões da Estrutural e de ltapoã. Nessas. políticos ou seus assessores organizaram contingentes
populacionais que ali rapidamente se instalaram. Seu tipo mórfico é outro. pois surgem de uma vez, e
a gerência centralizada da ocupação opta geralmente por uma quadrícula de ruas perpendiculares a
cada 100 metros, de rápida e fácil implementação. Desconsideram-se particularidades do terreno, lotes
são geometricamente regulares e de tamanhos semelhantes, barracos são construídos a partir de um
"kit invasão", composto por chapas de compensado e plástico preto. A estratégia inclui resistência a
negociações durante o tempo necessário à irreversibilidade da ocupação; sua regularização traz aumento
considerável do preço do solo e consequente mudança do perfil populacional. A indústria de invasões
fabrica embriões de novas cidades a partir de interesses privados.

Tipos Morfológicos após oModernismo

A década de 1990 trouxe transformações nos setores centrais de Brasília, na orla do Lago Paranoá e em
novos bairros, gerando-se os tipos módicos comentados a seguir.

No Âmbito do.Plano Piloto


,. ,

O centro de Brasília ainda apresenta áreas desocupadas. devido à retenê;ão de terras pela especula-
ção fundiári~ (como nos setores hoteleiros) e a mudanças administrativas que dispensaram lotes para
autarquias. Nesse contexto, edificações recentês caracterizam variante do modernismo clássico por sua

\ )
I

-
Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil
discute o tema num período de superação
do paradigma modernista e de abertura
política, demonstrando os esforços por um
urbanismo social e culturalmente engajado,
e cidades mais justas e de melhor qualídade
de vida para todos.

Após situar o leitor no contexto histórico,


social e político do desenho urbano
contemporâneo no Brasil, o livro traz doze
estudos de caso apresentados por
pesquisadores de renome que avaliam
experiências em oito capitais brasileiras,
agrupadas de modo a revelar as três
principais tendências: Modernismo Tardio,
Revitalização e Inclusão Social.

As experiências do primeiro grupo


demonstram que o pensamento modernista
ainda comanda boa parte do desenho de
nossas cidades, na busca de um ideal que,
na maioria das vezes, favorece a poucos e
jamais será atingido.

O segundo grupo de experiências


coincide com a redemocratização
do país e a busca por saídas da crise
econômica, demonstrando as melhorias
possíveis da cidade existente e de seu
patrimônio instalado.

No terceiro grupo, os trabalhos refletem o


processo de consolidação democrática num
desenho urbano que busca reescrever
lógicas territoriais e melhorar a esfera
pública das cidades. Finalmente, o livro nos
brinda com uma conclusão refletindo sobre
as lições da experiência brasileira e um
futuro otimista que elas sugerem.

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www.g ru pog~n.com . br J
Desenho Urbano
Contemporâneo no Brasil
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são reforçados pela natureza educacional de nossa atividade, sem comprometer o cres-
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Desenho Urbano
Contemporâneo no Brasil
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Traduzido de
CONTEMPORARY URBANISM IN BRAZIL BEYOND BRASÍLIA, First. cdition
Copyright © 2009 by Vicente dei Rio and William Siembieda
All rights reserved
Gaincsville: University Press of Florida. 2009
ISBN: 978-0-8130-3536-9

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C.1p;1: Lcün idas Leite


Ilustração da capa: Pintura de Luiz Carlos de Menezes Toledo
Ilustrações de abertura de parte: Christian Monnerat
Edi toração eletrônica: Design Monnerat

CI P-BRAS IL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


S INDICATO NAC IONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
0486

D!!scnho urbano contcmporjneo no Brasil/organizadores Vicente dei Rio e William


Siembieda ;(tradução DcnisedeAlcaotara]. -1.ed.- {Reimpr. ]. - Rio de Janeiro: LTC.2015.
il.; 28cm.

Tradução de: Contcmporary urbanism in Brazil: bcyond Brasília


Inclui bibliografia e índice
ISBN 978-85-216-2255-0

1. Desenho urbano· Brasil 2. Urbanismo - Brasil. l. dei Rio,Vicente. 1955-


ll. Sicmbicda, William J.

13-03249 COO: 7 11.43


CDU: 711.432

C)
J
Comentários sobre
a Edição Norte-Americana
"Altera radicalmente o nosso entendimento no momento em que o Brasil está assumindo o seu lugar
no palco mundial. Seu foco em forma urbana, desigualdades, planejamento e democracia irá interessar
pesquisadores urbanos, professores. profissionais e políticos no mundo todo."
Michael Dear, professor titular da University of California, Berkeley

"Eu sempre quis visitar o Brasil, mas depois de ler (este livro) sinto-me desencorajado. Antes, eu poderia
ter feito uma viagem rápida, talvez um ecotour na Amazônia seguido por uns dias no Rio, mas agora pre-
ciso de várias semanas para visitar meia dúzia de grandes cidades brasileiras( ...) Este livro é uma coleção
estimulante de artigos de urbanistas e arquitetos brasileiros, e lida não apenas com urbanismo contem-
porâneo no seu país, mas também com a história que levou ao urbanismo que hoje é contemporâneo."
Frank Gruber, iornalista do The Huffington Post

"Claramente o melhor livro sobre urbanismo brasileiro. Um instrumento fundamental para se estudar,
entender, valorizar e tirar lições da experiência urbana brasileira, o que é particularmente importante
aos urbanistas de hoje ... A aventura brasileira - com seus erros e conquistas - é extremamente atraente,
sugestiva, pedagógica e, definitivamente, admirável; este livro abre uma porta e nos convida a entrar em
um ambiente mágico - desconhecido para a maioria de nós, senão desvalorizado ou esquecido."
Javier de Mesones, presidente honorário da Associação de Urbanistas Espanhóis
e membro fundador da Associação Internacional de Plane1adores Urbanos e Regionais {ISOCARP)

"Soberbamente ilustrado, este livro cobre um impressionante conjunto de experiências urbanas no


Brasil. Trata-se de uma referência para aqueles interessados em urbanismo contemporâneo em países
em desenvolvimento, e demonstra claramente que a cidade é um instrumento para a obtenção de justiça
social; que o lugar, o projeto e a sensibilidade ao multiculturalismo são importantes; e que a democracia
participativa é forjada através da experiência e do desenho da esfera urbana."
Peter Ward, professor titular da University of Texas, Austin

"Oferece aos estudiosos uma discussão atualizada sobre a evolução do urbanismo em um país que tem
exercido liderança na aplicação do estado da arte ao desenvolvimento urbano."
Eduardo Rojas; analista-chefe do Banco lnteramericano de Desenvolvimento

"Este livro irá agradar o leitor interessado em cidades mundiais, assim como o amante do Brasil e de
sua gente, buscando atualizar seu entendimento sobre a evolução.e o estado das suas áreas urbanas.
Os maravilhosamente detalhados estudo~ de caso de diversas cidades incluem aquelas que continuam ·
sendo relativamente pequenas e as que se tornar~m megacidades mundiais. Aprendemos sobre sua
história, as forças sociopolíticas que as moldam e as formas físicas resultantes."
Anne Vernez Moudon, PJ:Ofessora titular da University of Washington, Seattle

r
vi Desenho Urbano Contemporâneono Brasil

"O Brasil é um país imenso onde uma enorme variedade de demandas e oportunidades de planejamento
e projetos urbanos tem surgido durante as últimas décadas. O pars foi abençoado com um grupo de
profissionais extraordinariamente competente e criativo (...). Muito se pode aprender sobre os mecanis-
mos usados para alcançar a variedade de resultados positivos nas cidades brasileiras (...) ~ chegado o
momento de planejadores, urbanistas e arquitetos olharem o Brasil e aprenderem a partir dos objetivos
para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, dos mecanismos criativos utilizados para alcançá-los, e
dos êxitos e limitações dos modelos e procedimentos utilizados... Esta é a importante lição que precisa-
mos aprender. A publicação deste livro é sem dúvida oportuna."
Jon Lang, professor da University of New South Wales, Austrália
{da Apresentação da Edição Norte-Americana)

.'

~-)
/

-=-=----------------.-i----------------..........._.
Sumário

Prefácio da Edição Brasileira ................................................................................................................................IX


Apresentação da Edição Norte-Americana ..........................................................................................................XI
Agradecimentos ................................................................................................................................................XXI
Sobre os Autores..............................................................................................................................................XXlll

INTRODUÇÃO OCONTEXTO DO DESENHO URBANO NO BRASIL .................................................................................................1

PARTE 1 MODERNISMO TARDIO - Esforços para Controlar a Forma e a Função Urbanas ............................. 33

CAPÍTULO 1 BRASÍLIA: PERMANENCIA EMETAMORFOSES ...................................................................................................39


Maria Elaine Kohlsdorf, Gunter Kohlsdorf eFrederico de Holanda

CAPÍTULO 2 PALMAS: DESENHO URBANO DA CAPITAL DO TOCANTINS ................................................................................57


Dirceu Trindade

CAPÍTULO 3 A PAISAGEM VERTICALIZADA DE SÃO PAULO: AINFLUENCIA DO MODERNISMO


NO DESENHO URBANO CONTEMPORÂNE0 ........................................................................................................71
Silvio Soares Macedo

CAPITULO 4 SHOPPING CENTERS EODESENHO URBANO NO BRASIL: DOIS ESTUDOS DE CASO EM SÃO PAULO .................. 91
Gilda Collet Bruna e Heliana Comin Vargas

PARTE li REVITALIZAÇÃO - ODesafio de Melhorar a Cidade Existente .................................................... 103

CAPITULO S OPROJETO CORREDOR CULTURAL: PRESERVAÇÃO EREVITALIZAÇÃO NO CENTRO DO RIO DE JANEIRO ......... 109
Vicente dei Rio e Denise de Alcantara

CAPITULO 6 REVISITANDO OPELOURINHO: PRESERVAÇÃO, CIDADE-MERCADORIA, DIREITO ÀCIDADE ............................ 125


Ana Fernandes eMarco Aurélio A. de Filgueiras Gomes
CAPITULO 7 REVITALIZAÇÃO DA ORLA FLUVIAL NA AMAZÔNIA- OCASO DE'B~LÉM DO PARÁ ........................................ 145
Alice da Silva Rodrigues Rosas eSimone Si Iene Dias Seabra .'
CAPÍTULO 8 REDESENHANDO BROWNF/ELDS EM PORTO ALÉGRE ......................................................................................159
lineu Castello
viii Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

PARTE Ili INCLUSÃO SOCIAL - Uma Cidade Melhor para Todos ................................................................ 175

CAPITULO 9 DESENHO URBANO, PLANEJAMENTO EPOLITICAS DE DESENVOLVIMENTO EM CURITIBA ............................. 179


Clara lrazábal

CAPITULO 10 RESGATANDO AIMAGEM DA CIDADE EOPRAZER DAS RUAS: PROJETO RIO CIDADE, RIO DE JANEIR0 ........... 199
Vicente dei Rio

CAPITULO 11 OTERRITÓRIO METROPOLITANO EM MUTAÇÃO: INTERVENÇÕES URBANAS CONTEMPORÃNEAS


EM SÃO PAUL0 .................................................................................................................................................217
Carlos Leite

CAPITULO 12 TRANSFORMANDO FAVELAS EM BAIRROS: OPROGRAMA FAVELA-BAIRRO NO RIO DE JANEIR0 ...................233


Cristiane Rose Duarte e Fernanda Magalhães

CONCLUSÃO UM OLHAR ESTRANGEIRO SOBREODESENHO URBANO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO ..............................255


William Siembieda

81BLIOGRAFIA .............................................................................................................................................. 263

ÍNDICE ......................................................................................................................................................... 273

f
x Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

atividades que interagem com a população através de suas vivências, percepções e ações cotidianas" (dei
Rio, 1990: 54). Desde então muito se publicou em desenho urbano, particularmente em inglês. dado o
grande aumento de interesse em torno da qualidade do ambiente construído e seus rebatimentos em
nossas vidas enquanto indivíduos e seres sociais. Por um lado. esse interesse se encontra diretamente
ligado ao surgimento dos movimentos chamados new urbanism e smart growth, nascidos nos EUA; pelo
outro, aos esforços mundiais no sentido da sustentabilidade e da qualidade de vida urbana: ambos se
traduzem em cidades, bairros e arquiteturas voltados para o pedestre e o convívio social cotidiano.

Evidentemente, olhando por outro prisma, o interesse em desenho urbano também reflete a expansão
do capitalismo pós-industrial e seus movimentos na produção e controle de ambientes urbanos para o
consumo - a fase atual do eterno conflito do homem, tão antigo quanto a batalha entre o bem e o mal.
De todo modo, embora o entendimento sobre o desenho urbano varie, nos EUA e em outros países sem
tradição do urbanismo, este tende a ser visto, muitas vezes e equivocadamente, como uma subárea da
arquitetura ou do paisagismo, dadas suas implicações físicas, apesar de clara interdependência com o
planejamento urbano.3 Felizmente, no Brasil, não apenas a arquitetura é compreendida de forma mais
ampla, como também o é a noção de desenho urbano. Entendido como campo disciplinar. ele cresceu
muito nos últimos anos em terras brasileiras e, de modo geral, convive bem com o planejamento urbano,
o urbanismo, a arquitetura e o paisagismo - tanto na academia quanto na prática profissional - o que
nos parece fundamental e muito sadio.

Acima de tudo, este livro entende o desenho urbano como, simplesmente. a construção do lugar - o
ambiente construído que preenche nossos corpos e espíritos e permite a nossa existência enquanto
indivíduos e seres sociais. E traduz bem a nossa busca por lugares brasileiros, em um movimento antro-
pofágico contemporaneo. Que este trabalho possa contribuir nesse sentido.

Vicente dei Rio

3 Discutimos os fatores históricos que levaram a isso em dei Rio, 1990.

~-)

-.o-----·~·------------------------............_..
Apresentação da Edição Norte-Americana
OQUE APRENDER COM ODESENHO URBANO
BRASILEIRO CONTEMPORÂNE0?1

o mundo inteiro as grandes cidades estão tendo que se reinventar e aprender a lidar com enormes
N contradições urbanas. As cidades estão mais heterogêneas, mais politizadas, mais plurais e mais
pragmáticas do que nunca. Mais do que os grandiosos e otimistas esquemas de tempos ainda recentes,
que caracterizaram o modernismo. hoje as relações entre o global e o local refletem, sobretudo, pro-
cessos de adaptação. Trabalhamos cada vez mais com as complexidades de territórios fragmentados do
que com cidades e áreas urbanas de caráter homogêneo e entendimento relativamente simples. Novas
lógicas definem um novo urbanismo que não pode escapar de ser global e, simultaneamente, deve
expressar uma localidade, um espaço e um lugar, e possuir rebatimentos bastante específicos. Isso torna
ainda mais evidente a batalha enfrentada pelas cidades e as comunidades ao tentar superar desafios
políticos, sociais, econômicos e culturais. Nesse novo urbanismo e no caminho de cidades mais justas,
mais pluralistas e de melhor qualidade de vida, o papel do desenho urbano é fundamental.

Este livro entende o desenho urbano como a produção social das cidades e do lugar, em suas dimensões
materiais e simbólicas, utilizando-nos da perspectiva proposta por Cuthbert (2006). As cidades brasileiras
podem ser considera.das exemplos do urbanismo contemporâneo não apenas por apresentarem todas as
contradições do mundo capitalista em desenvolvimento, mas também pelas promessas, êxitos e falhas
de seus esforços de planejamento e desenho urbano. As lições aprendidas a partir das experiências bra-
sileiras podem ajudar a compreender e a saber lidar com cidades em geral, e contribuem para o avanço
do estado da arte do urbanismo e do desenho urbano, assim como dos "estudos urbanos pós-colonialis-
tas ... descentralizando os marcos referenciais em prol do conhecimento acadêmico internacional" . como
propõe Robinson (2006: 168).

OLivro
Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil é uma investigação sobre como as cidades brasileiras
superaram a hegemonia do paradigma modernista e estão sendo moldadas no alvorecer do século XXI.
Com doze estudos de caso em oito cidades. nossos colaboradores discutem os avanços, acertos e erros
da prática do desenho urbano, assim como o papel e as relações políticas e sociais que definem o seu
contexto. Os estudos de caso nos mostram que o desafio mais importante para o desenho urbano con-
tempor~neo no Brasil - e, de forma similar, para a maioria dos pafses em desenvolvimento - é auxiliar na
construção de uma cidade mais igualitária, que ajude a costurar as lacunas espaciais e econômicas entre '
os diversos grupos sociais e entre os domínios do públiço e do privado. Pela experiência brasileira pode-
se perceber como modernismo e pós-modernismo convivem e interagem para formar novas lógicas de
uti)ização do espaço urbano.

1 O Prefácio original da edição norte-americana aparece aqui com mínimas alterações em seu conteúdo, além da

atualização dos dados censitários.

1 )
xii Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Com o desmoronamento do paradigma modernista, o desmantelamento do regime militar e o retorno à


democracia no Brasil em meados dos anos 1980, o urbanismo brasileiro começou a perseguir um novo
paradigma e novos modelos para responder às pressões dos desafios politicos, econômicos e sociais nos
níveis global, nacional e local. A despeito das desigualdades sociais causadas por um desenvolvimento
historicamente desequilibrado, e mais recentemente pela globalização e pelo liberalismo, o desenho
urbano brasileiro evoluiu para além do modelo de Brasília e seu modernismo, tornando-se mais eficaz na
resposta às demandas sociais.

As perspectivas e soluções inovadoras da experiência brasileira proporcionam muitas lições a serem


aprendidas, particularmente no que se refere ao papel das agências estatais e de planejamento na redu-
ção das desigualdades sociais, na resposta às demandas da comunidade e em garantir o acesso a um
domínio público pluralista. Ao menos em tese, embora seja importante fazer notar, como fez com pro-
priedade Jones (2004), que o Brasil é o único país na América Latina - e talvez um dos poucos no mundo
- onde, após a redemocratização, seguiu-se um processo decisivo sobre que tipo de espaço urbano seria
compatível com uma noção mais inclusiva de cidadania. A Constituição Federal de 1988 inclui uma visão
da função social da propriedade e da cidade, assim como artigos sobre políticas urbanas e ambientais.
O Estatuto da Cidade de 2001 (Lei Federal nsi 10.257) responde aos objetivos constitucionais e regula
sua provisão, estabelecendo um quadro legal bastante progressista para a definição e o controle do
desenvolvimento urbano e o uso do solo. Tanto a Constituição quanto a lei resultaram de longos debates
nacionais em torno da "reforma urbana" e proporcionam aos municípios ferramentas fundamentais
para a construção de cidades melhores e mais justas. Essas são mudanças essenciais: como Lefebvre
(1968) afirma, o direito à cidade é uma forma superior de direitos humanos.

É desnecessário lembrar que este livro não pretende prover uma visão enciclopédica ou absoluta sobre
o desenho urbano contemporâneo no Brasil. Não apenas pela complexidade do tema, suas múltiplas
facetas e diferentes prismas pelos quais se pode estudá-lo, mas também porque seria uma tarefa hercúlea,
dado o imenso território de nosso país, com quase 87% de seus mais de 190 milhões de habitantes
vivendo em cidades e áreas urbanas, espalhadas em 5.570 municípios (2013). No presente trabalho
interessou tentar identificar as principais tendências do desenho urbano contemporâneo brasileiro e
cidades e experiências represen tativas. Como organizadores e colaboradores, esperamos que os leitores
se beneficiem das discussões aqui apresentadas e que elas contribuam para o avanço do desenho urbano
e o debate sobre a qualidade das cidades não apenas no Brasil, mas em outros países.

As Dualidades das Cidades Brasileiras


No Brasil, os agudos contrastes sociais e econômicos estão intensamente arraigados nas cidades e seus
espaços. Durante as duas últimas décadas, a maioria dos comentários sobre o país e suas cidades na
imprensa internacional foi negativa. 2 Tanto agências de turismo quanto o consulado norte-americano
consideram as grandes cidades brasileiras - particularmente o Rio de Janeiro - áreas de alto risco devido
às elevadas taxas de crimes de rua e assaltos. Os jornais constantemente expõem a ineficiência, a
brutalidade e a corrupção da polícia, assim como a pobreza extensiva. Filmes recen_tes, como Cidade de
Deus, Tropa de Elite e Carandiru pioram a imagem do E!rasil no exterior e aumentam o sentimento de
'
medo da audiência internacional. Embora um tanto exageradas e distorcidas, as jmagens e notícias dos
meios de comunicação expõem problemas reais que o Brasil enfrenta.

2
Nota da edição brasileira: esta percepção geral da·época da edição original deste livro (201 O) encontra -se parcialmente
alterada e mais otimista principalmente devido ao desempenho do Brasil durante a recente crise financeira mundial. aos
eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíadas) e à operação de pacificação de favelas no Rio de Janeiro.

J
Apresentação da EdiçãoNorte-Americana xiii

Pode-se exemplificar a natureza contraditória do desenvolvimento urbano no Brasil observando o Rio de


Janeiro, bom representante dos processos sociais, políticos e econômicos que ditam a forma das cidades
brasileiras. Talvez mais do que qualquer cidade no Brasil, o Rio é percebido em âmbito internacional por
imagens conflitantes. Sem dúvida, o Rio é uma das cidades mais problemáticas do Brasil. Para começar. o
déficit habitacional é enorme. Em 2005, um total estimado de 1.4 milhão de pessoas na área metropoli-
tana morava em habitações sub-humanas (inclusive favelas, cortiços superpovoados, loteamentos ilegais.
entre outros). 3 Desses indivíduos, 88% constituíam famllias cujo rendimento era três vezes menor que o
salário mínimo mensal. Dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam
que o número total de favelas na cidade cresceu de 513 em 2000 para 734 em 201 O, abrigando mais do
que 1,3 milhão de pessoas - 20% da população total da cidade. E a realidade é provavelmente pior: a
maioria dos pesquisadores concorda que esses dados são subestimados por causa de problemas metodo-
lógicos na coleta de dados nas favelas. A paisagem urbana do Rio reproduz a opulência e as amenidades
de primeiro mundo, lado a lado com a miséria e a carência de serviços básicos do terceiro mundo.

Por outro lado, a violência e a audácia cada vez maior dos criminosos e do crime organizado no Brasil
urbano são alarmantes. Em 2010, a média de homicídios por arma de fogo no Brasil foi de 20.4 para
cada 100 mil habitantes, bem acima do índice considerado tolerável pela ONU que é de 1O, colocando o
Brasil entre os países mais violentos do mundo.• Neste mesmo ano. dentre as grandes cidades, o recorde
ficou com Maceió, cujo índice foi de 94,5, enquanto na cidade de São Paulo ele foi de 10.4 e no Rio de
Janeiro. apesar da queda registrada entre 2000 e 201 O, ele foi de 23,5. Os índices de assaltos, arrastões
e roubos. com ou sem violência. colocam as cidades brasileiras entre as mais perigosas. Um exemplo
curioso da audácia dos criminosos que impacta silenciosamente as nossas cidades são os constantes
roubos dos fios de cobre usados para a iluminação pública e os semáforos: apenas em agosto de 2011
a cidade de sao Paulo registrou 655 toneladas de cabos roubados! 5 A escalada de crimes gerou uma
paisagem urbana de medo intensamente marcada por condomínios fechados, casas e edifícios gradea-
dos, aumentando o medo e reduzindo a vida social e noturna.

ADesigualdade Persistente
Thomas Skidmore, estudioso norte-americano que há muito estuda a história do desenvolvimento bra-
sileiro, nota que a derradeira contradição da sociedade brasileira é que, apesar da justa reputação de
sua generosidade pessoal, o país e o fato de que continua a ser uma das sociedades mais desiguais,
representando "todos os problemas do mundo capitalista em desenvolvimento" (Skidmore, 1999: xiii).
Historicamente, os modelos de desenvolvimento definidos pelas classes dominantes brasileiras nunca
favoreceram uma distribuição mais equilibrada de riqueza, e sua participação assimétrica na globalização
está apenas piorando a situação (Skidmore. 1999; Sachs, 2001 ; Maclachlan. 2003).

Mesmo após a democratização, o perfil econômico da população brasileira ainda não mudou o suficiente
para resgatar as dívidas históricas. Embora tenha havido uma queda da pobreza e o poder de compra
das populações de baixos salários tenha aumentado desde que a espiral inflacionária estancou nas últi-
mas duas décadas, as desigualdades sociais e a concentração de renda ainda estão entre as piores do
mundo. Segundo recente relatório da ONU, ~o Brasil é o quarto país mais desigual da América ~atina. 6 Os

3 ln: Revitalizacão do Rio: os principais desafios da reqiéio metroóolitana seminário organizado pelo jornal Q_füQQQ e

publicado como uma série de artigos em 2005.


• Dados do Mapa da Violência 2013, disponível em: httpJ/oglobo_globo.com/pais/mapa-da-violencia-2013-brasil-
-mantem-taxa-de-204-homicidios-por-100-mil-habitantes-7755783>(publicado em 61312013).
s Disponível em: <http://www.arcauniversal.com/noticias/comportamento/noticias/roubo-de-cobre-gera-prejuizo-
-recorde--7904.html> (publicado em 3/10/2011 ).
6
Relatório do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), 2012.

\ )
J
xiv Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

dados censitários de 201 O mostram que, enquanto os 10% mais ricos da população brasileira ganhavam
44,5% do total de rendimentos, os 10% mais pobres ficavam com apenas 1, 1%. Essa situação de desi-
gualdade levou Sachs (2001) a afirmar que o Brasil é um pais pobremente desenvolvido por ter adotado
um modelo de crescimento socialmente perverso. no qual a riqueza é progressivamente concentrada.
Esperamos que o processo democrático e um desenvolvimento econômico mais justo venham a, por fim,
alterar mais significativamente essa trajetória.

Nesse contexto, a escala e a complexidade da questão urbana no Brasil são imensas. A população total
cresceu de 52 milhões em 1950 para mais de 190 milhões de pessoas em 2010, e no mesmo período
a porcentagem de habitantes urbanos cresceu de apenas 36, 1% para além dos 85%. Em 201 O o Brasil
possuía 14 cidades com população superior a um milhão de habitantes, e, embora as grandes cidades
não estejam experimentando tanta migração como ocorrido no passado, as cidades médias vêm cres-
cendo em um ritmo muito mais acelerado e, como previsto, têm acumulado os mesmos problemas
enfrentados pelas grandes metrópoles. Além disso, os dados sobre as grandes cidades podem ser enga-
nosos. Por exemplo, a Grande São Paulo - uma conurbação de 39 municípios- ocupa quase 125 km 2• e
sua população de aproximadamente 19 milhões de pessoas (2010) pode chegar a 21 milhões em 2015
{Wilheim, 2001 :476). Embora entre 2001 e 201 O a população da Grande São Paulo tenha crescido a
uma taxa inferior a 1%, o Grande ABC sofreu aumento populacional de mais de 4% no mesmo período,
tendo o município de Mauá uma variação de 8,61 % !

As cidades brasileiras também enfrentam grandes conflitos em outro nível. A globalização, as forças
transnacionais e de mercado e o modelo empresarial de gestão urbana estão gerando cidades cada
vez mais fragmentadas, com espaços privatizados, shopping centers, condomínios fechados e enclaves
sociais. No Brasil, nas últimas duas décadas, a globalização econômica se aliou ao liberalismo na constru-
ção da cidade, e muitos veem a cidade como um produto a ser rotulado e vendido em mercados nacio-
nais e internacionais, como um empreendimento que deve ser tomado como qualquer outro negócio
e como lugar para a "economia criativa" (Arantes, Vainer e Maricato. 2000). Nas grandes cidades, o
planejamento integral e de longo prazo está perdendo terreno para o planejamento estratégico baseado
no "urbanismo de resultados": projetos que são visíveis com efeitos de curto prazo.

Vejamos agora o lado positivo da moeda, iniciando pelo Rio de Janeiro. Em primeiro lugar, assim
como o Brasil, o mundo ainda comparte muitas imagens positivas da cidade, graças. por exemplo,
à política de boa vizinhança dos EUA durante os anos 1950 e 1960 e à reputação internacional do
futebol e da música brasileira. Diversos aspectos da metrópole carioca - seu ambiente urbano, sua
linda paisagem, seu oceano e suas praias, sua música e sua complexa rede de atrações culturais e
animados espaços públicos - tornam o Rio atrativo, diversificado, interessante, e uma "cidade cele-
brada internacionalmente" (Kotler et ai., 2006: 151 ). O Rio é conhecido como capital do samba e dos
desfiles de Carnaval, pela bossa nova e as "garotas de Ipanema". pela cultura praiana e pelo estilo de
vida distintamente carioca, além de ser o berçário de muitos outros movimentos, estilos e símbolos
culturais. Hoje, a vida noturna no Rio ainda anda bem e saudável. As tradicionais áreas de boemia,
os centros de bairro, os espaços revitalizados do Centro, juntamente com as festas populares e o
Carnaval, os já tradicionais fogos de artifício de Ano-novo ao longo das praias. os eventos e concertos
públicos, são muitas as atrações que con t inuam levando multidões a conviverem _nos espaços públicos
cariocas durante todo o ano.

Em nível internacional, apesar de uma percepção negativa do Rio ainda persistir por causa do estigma da
criminalidade, conforme mencionado anteriormente, uma pesquisa que durou seis anos e envolveu 23
países, feita por uma equipe de psicólogos sociais da Universidade Estadual da Califórnia em Fresno, con-
cluiu, em 2003, qu~ o Rio de Janeiro era a "cidade mais hospitaleira do mundo", seguida por San José,
na Costa Rica, e Madri, na Espanha. O estudo sugere que a hospitalidade, a espontaneidade e a abertura
do carioca, que está sempre pronto para ajudar e fazer novos amigos, são virtudes fundamentais no
Rio. Mais recentemente, uma pesquisq entre os membros ligad~s )º Urban Land lnstitute, associação de

J
Apresentação da Edição Norte-Americana xv

pesquisa em desenvolvimento urbano com sede em Washington, classificou o Rio como uma das cidades
favoritas fora dos Estados Unidos. pelas suas qualidades singulares.'

Do ponto de vista da macroeconomia, as coisas parecem estar indo bem no Brasil. que, há muito lidera
a economia da América do Sul e é atualmente considerado uma das mais importantes economias do
mundo. O retorno da democracia nos anos 1980 e a estabilização da economia nos anos 1990 pavimen-
taram o caminho para uma nova posição do Brasil na comunidade global. Em 2011, os investimentos
estrangeiros diretos no país atingiram o valor recorde de US$ 101,7 bilhões, o melhor resultado desde
1947.8 No entanto, apesar de a confiança no Brasil ter aumentado entre banqueiros e investidores na
última década e de o "custo Brasil" ter diminuído significativamente, a competitividade do país ainda
é considerada muito baixa em nível internacional.9 Em 2012, por exemplo, o Brasil caiu duas posições.
para 46ª no ranking entre os 59 países cujo desempenho é avaliado todos os anos pelo IMD - lnstitute
for Management Development e publicado no seu Anuário de Competitividade Mundial.

Um fato importante na melhora da imagem internacional do Brasil foi que, em 2006, o Brasil anunciou
a sua autossuficiência na produção de petróleo, o que, junto com a entrada profícua do etanol feito a
partir da cana-de-açúcar na indústria automotiva. iniciada nos anos 1970, configurou importante passo
em direção ao desenvolvimento econômico. Além disso. com a crescente preocupação mundial sobre os
efeitos negativos da queima de combustíveis fósseis. o Brasil tem sido elogiado por seu pioneirismo no uso
de etanol e gás natural como fontes de energia alternativas. Em filme da campanha política do governo da
Califórnia de 2006, o ex-presidente americano Bill Clinton defendia políticas apoiando a energia alternativa
e aclamava as realizações brasileiras. dizendo: "Se o Brasil pode fazê-lo, a Califórnia também pode."

As reformas institucionais no Brasil também pavimentaram o caminho em direção a cidades melhores e


mais justas e abriram canais para maior participação cidadã. Desde a queda do regime militar, os movimen-
tos sociais nacionais e uma crescente participação da população na vida pública elevaram as expectativas de
uma nova ordem social e as pressões para a construção de cidades mais responsivas às demandas sociais e
à herança cultural brasileira. Observando de uma perspectiva internacional, não foram poucos os avanços
desde a instituição da Constituição Nacional de 1988: o Estatuto das Cidades, os processos de orçamento
e o planejamento participativo adotados em diversos municípios, os milhares planos diretores revisados e
finalizados, o fundamental trabalho do Ministério das Cidades e outros avanços em planejamento e projeto
em níveis nacional, estadual e municipal. Como Skidmore (1999: xiii) observou, o Brasil é "uma das mais
impressionantes realizações em termos de construção de nação no mundo moderno".

Fundamentos deste Livro


O presente livro é uma investigação sobre como o desenho urbano brasileiro tem respondido a antigas
e novas dualidades e como tem se adaptado às complexidades da cidade contemporânea. Enquanto se
transforma em um estado moderno, o Brasil enfrenta sérios e persistentes problemas, e já existe uma
consciência geral de que a cidade é uma arena fundamental para engendrar o desenvolvimento equili-
brado, a justiça social e a plena cidadania. 'º Veremos que essa coincidência tem gerado muitas respostas
distintas e eficazes e novos modelos de desenho urbano.

1 Em Jim Miara, " What Makes Great Cities?" Urban Land, abril 2007: 60-67.
8 Disponível em: <http://not.economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201201241250_TRR_80763376>.
Acesso em: 12 jun. 2012.
9 O "custo Brasil" é uma combinação de realidades negativas e mitos perceptivos reais que indicam a percepção

internacional do risco de .se investir no Brasil e que determina o grau de vulnerabilidade política e econômica. O
IMD cónsidera a competitividade i.nternacional com base em quatro critérios: desempenho econômico, eficiência do
governo, eficiência nos negócios e infraestrutura.
'º No conceito da "plena cidadania" todos os cidadãos têm direito a todas as facilidades modernas, ao emprego e à
propriedade; somente quando alcança esses objetivos uma pessoa pode considerar-se um cidadão pleno de seus direitos.
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í
xvi Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Se entendermos modernismo como a expressão de um processo específico de modernização (Harvey,


1989; Jameson, 2006), veremos que em muitos aspectos a condição moderna nunca foi plenamente
atingida no Brasil, e, assim, que a modernidade permanece incompleta. Entretanto, em contraste com
Jameson (2006), que vê o pós-modernismo como um fenômeno que ocorre somente após o triunfo da
lógica modernista, em nossa análise sobre o urbanismo e o desenho urbano brasileiro, notamos que os
modelos do modernismo e do pós-modernismo coexistem.

Por um lado, a implementação de uma agenda de modernização ainda conduz a construção da cidade
brasileira, como claramente sugere a visão contida no quadro institucional e legal. Apesar do significativo
aumento da participação democrática e das parcerias público-privadas em anos recentes, a ~ultura do urba-
nismo e do desenho da cidade brasileira se baseia, fundamentalmente. em um projeto político nacional e
em um sistema governamental centralizado e paternalista que busca o bem-estar público. Os projetos polí-
ticos, assim como as ações em níveis nacional, estadual e municipal, a forma e a estrutura urbanas refletem
a lógica capitalista da propriedade. Percebemos ainda, em termos de morfologia, função e expressão, que
o urbanismo, e consequentemente o desenho urbano pós-moderno, vem ocorrendo nas cidades brasileiras
e que múltiplas lógicas de produção do espaço urbano têm emergido. Isso pode conduzir a um rico con-
junto de projetos de cunho local, guiados não por uma ideologia totalitária de avanço coletivo, mas por
uma expressão localizada do que realmente importa e funciona para as pessoas em suas cidades e bairros.

De acordo com Maricato (1997), o planejamento no Brasil possui uma forte herança positivista (e, portanto,
modernista), que. historicamente, conduziu o Estado a assumir um papel central na promoção do equilíbrio
econômico e social e na garantia da existência de um mercado consumidor. Mesmo nos presentes tempos
de desregulamentação e liberalização da economia, o Estado é o responsável por evitar as disfunções do
mercado e garantir a reprodução da força de trabalho. Nessa visão, o desenho urbano é tao fundamental
para a equidade social e as estratégias de desenvolvimento quanto o é para os investimentos de capital e
social, a reprodução da força de trabalho e a valorização progressiva da propriedade do solo.

Por outro lado, a condição pós-moderna brasileira surge na medida em que o projeto de modernização
nacional se afastou de um processo de "destruição criativa" (Harvey, 1989: 22), vindo a aceitar diferen-
tes realidades concorrentes. A concomitância de ambos os paradigmas pode ser um lembrete de que
o projeto modernista tenha permanecido inacabado (Jameson, 2006; dei Rio e Gallo, 2000). Talvez o
quadro conceituai do pós-modernismo seja a melhor ferramenta para o entendimento da experiência
urbana contemporânea brasileira, como também a de outros países com uma história de colonialismo
e ditadura. A atenção do pós-modernismo sobre o papel do espaço e da construção da vida cotidiana
proporciona uma forma de entendimento da ação social (Dear, 2000). Por exemplo, São Paulo, assim
como Los Angeles, é polinucleada e fragmentada e tem um espraiamento substancial para além de suas
franjas. Em ambos os casos, os mecanismos de produção social e simbólica do espaço, ainda que condu-
zidos por bases históricas, refletem fortes tendências pós-modernas.

Com a democratização e as novas forças políticas e econômicas sendo expressas nas cidades, o desenho
urbano brasileiro enfrenta um dilema pós-moderno similar ao que os EUA e os países europeus enfren-
taram por décadas: a contradição entre interpretar um papel sinóptico e reativo (refletindo verdades e
ideais universais) versus um papel oportunista e proativo (refletindo respostas a demandas de mercado
e ao oportunismo político) (Loukaitou-Sideris e Banerjee, 1998). Esse dilema assombra planejadores e
urbanistas contemporâneos e reflete as oposições entre·os sistemas de valor do modernismo e do pós-
modernismo (Ellin, 1999): deveria nossa. luta ser por mudanças es.truturais duradouras, ou deveríamos
agir no sentido de promover diferenças limitadas e localizadas? As cidades brasileiras expressam esse
dilema, e ambos os lados parecem se complementar e se alimentar dçs consequências um do outro,
enquanto as paisagens urbanas do país revelam as tensões entre global e local, público e privado, cole-
tivo e individual. Assim como a cultura brasileira, essa tensão resulta em tentativas positivas de tornar a
cidade uma parte valorizada da vida brasileira.

I
Apresentação da Edição Norte-Americana xvii

Em reconhecimento a essas demandas, aos vários problemas de desenvolvimento e à necessidade de um


largo espectro de soluções, o desenho urbano brasileiro superou o domínio modernista e agora o considera
um entre outros modelos possíveis. Tomando por base a tipologia proposta por Lang (2005), o desenho
urbano brasileiro se afastou do "projeto total" em direção a soluções incrementais e a varejo. A univer-
salidade da solução modernista, seu funcionalismo, a mentalidade de que um tamanho serve a todos e a
percepção de que o projeto se inicia por uma tábula rasa. por exemplo, não mais fazem parte dos discursos
cultural e de projeto. Problemas complexos não podem mais ser reduzidos a simples fórmulas. nem suas
soluções podem ser baseadas somente no racionalismo. Nesse sentido, o desenho urbano brasileiro se
tornou pós-moderno, não como reprodução reacionária do status quo sob novas formas nem como um
novo discurso estético - o que é totalmente irrelevante aqui -. mas porque reconheceu a fragmentação, a
heterogeneidade, as diferenças, o pluralismo e o pragmatismo (Harvey, 1989; Jameson, 2006; Dear. 2000).
Isso muda a concepção da cidade e de sua cultura, reconhece os precedentes históricos e as diferentes tipo-
logias, valori za as soluções de cunho local e as parcerias público-privadas e leva à participação comunitária
e à democracia como forças dominantes (Watson e Gibson, 1995; Ellin, 1999). Assim, reconhecendo tipos
distintos de processos de construção de cidade, pode abarcar a diversidade e permitir respostas a diferentes
públicos, ao mesmo tempo em que aceita distintas formas de expressão cultural.

Os artigos e estudos de caso deste livro mostram um desenho urbano que é a resposta a um urbanismo
pós-moderno como processo social de produção e consumo do espaço público (Dear, 2000). Nesse pro-
cesso existe uma polaridade constante entre, por um lado, mercados versus lugares e desapego versus
pertencimento, e, por outro lado, entre o domínio público versus o privado como expressão do uso e da
significância do espaço urbano (Zukin, 1988). A desregulação, por exemplo, é uma faceta interessante,
já que parece ser um dos modus operandí do urbanismo pós-moderno. Sem dúvida, a desregulação
vem definindo novas relações econômicas e de poder no nivel das superestruturas nacional e regional;
entretanto, seus efeitos nas cidades não são tão evidentes. Em contraste, a participação democrática e
a nova legislação nacional introduziram as cidades brasileiras em uma nova era de regulação de uso do
solo e desenvolvimento urbano. São oportunidades que provavelmente resultarão em mais heterogenei-
dade, pluralismo e pragmatismo por todo o país. Esses efeitos estão em evidência em cidades que têm
buscado reinventar o seu propósito social por meio de programas inovadores. tais como o orçamento
participativo. E, ainda assim, a sociedade brasileira crê firmemente em um modelo de desenvolvimento
nacionalista e avançado e que as cidades e um desenho urbano consciente podem mudar a sociedade e
alcançar estágios mais avançados de desenvolvimento humano e social.

Os leitores certamente irão notar o tom otimista sobre os rumos do desenho urbano contemporâneo
no Brasil deste livro. Esperamos demonstrar que o Brasil está forjando um desenho urbano criativo pós-
moderno, no sentido em que ele aceita diferentes lógicas e modelos ao abraçar a busca nacional por
cidades melhores e mais justas.

Estrutura do Livro
Inegavelmente, encontramos várias mudanças positivas no des~nho urbano brasileiro contemporâneo.
Muitas cidades estão investindo na remodelação do domínio público por meio de diversas abordagens
que provam que o .modernismo e o pós-modernismo realmente coexistem. Um aspecto positivo do '
urbanismo contemporâneo brasileiro é o uso de fo~ças complementares advindas tanto do modernismo
quanto do pós-modernismo. - . -

~. O livro se inicia com uma discussão s.obre a evolução- ao urbanismo no Brasil, de modo a proporcio-
nar .aos leitores não familiarizados com essa faceta do desenvolvimento brasileiro uma base histórica
para o entendimento das cóndições atuais. A Introdução apresenta as principais razões pelas quais o
mode:nismo continua a ser uma forte influência na construção das cidades, para melhor (incorporando

\__)
xviii Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

a funcionalidade tão necessária em áreas de rápido desenvolvimento, por exemplo) ou para pior (faci-
litando a segregação espacial e social, por exemplo). Também comentamos sobre alguns dos efeitos
negativos do livre mercado e da economia global nas cidades brasileiras, e também sobre as mudanças
positivas recentes nos contextos político-institucional e legal que têm conduzido a processos mais demo-
cráticos e a um desenho de cidade mais socialmente responsivo.

O livro divide-se em três partes, refletindo as três tendências que consideramos as principais no desenho
urbano brasileiro contemporâneo, resultado de um estudo prévio cuidadoso sobre o desenvolvimento
das cidades e o do desenho urbano no Brasil. Escolhemos aquelas experiências de construção de cidade
que pudessem contribuir para um melhor entendimento de uma nação em desenvolvimento e que
pudessem ensinar lições úteis ao mundo desenvolvido. Infelizmente, como dito anteriormente, devido
à enormidade de nossa tarefa, tivemos que ser muito seletivos em nossas escolhas de estudos de caso.
Dezoito pesquisadores colaboram, com doze estudos de caso em oito diferentes cidades, representando
regiões e realidades distintas no Brasil. As cidades selecionadas variam desde as metrópoles globais
e mais populosas até capitais regionais. Os estudos de caso ilustram os diferentes modos com que o
desenho urbano brasileiro tenta alcançar a grande meta de auxiliar no avanço da teoria - e, portanto,
responde ao paradigma original da modernidade. Diferentemente do tempo em que a modernidade
dominava o desenvolvimento urbano brasileiro, não há, no presente momento, nenhum modelo univer-
salmente aceito ou uma doutrina que dite as soluções de todas as cidades.

Na introdução de cada parte do livro, discutimos brevemente as tendências mais relevantes e os estudos
de caso que as representam. O fato de que identificamos o modernismo tardio como primeira tendência
não configura uma novidade, devido à enorme importância política e cultural do modernismo no período
de formação do Brasil como um estado moderno nos anos 1930 até o final da ditadura militar, no inicio
dos anos 1980. O paradigma modernista serviu como uma combinação perfeita aos ideais positivistas da
jovem nação sedenta de modernização e desenvolvimento, desde o início do processo de industrialização
e integração, a construção de Brasília, e a reconstrução da nação nos anos 1960 e 1970. O regime militar
centralizou o poder e se apoiou no modernismo em sua busca totalitária, tecnocrática e racionalista por
uma ordem social ideal (Holston, 1993; Harvey, 1989). O modernismo bem serviu aos grandes projetos
de desenvolvimento e ao desenvolvimento capitalista com suporte do Estado durante o regime militar.

Após meio século de domínio da cena cultural e política brasileira, o paradigma modernista, como era
de se esperar, permanece sendo uma forte influência. Os estudos de caso mostrarão como os preceitos
modernistas ainda estão presentes em grande parte do urbanismo brasileiro e seu desenho urbano,
particularmente na legislação urbanística existente e na perspectiva positivista dos líderes políticos e das
políticas urbanas. Entretanto, obrigado a reconhecer a existência de diferentes conjuntos de valores,
o urbanismo modernista no Brasil passou a coexistir com outros urbanismos, modificados para o que
optamos por denominar Modernismo Tardio, tendência que toma a primeira parte do livro. Os estudos
de caso apresentados conduzem o leitor a Brasília (onde o "modernismo clássico" sobreviveu entre
outras morfologias urbanas nem sempre reconhecidas) e à capital Palmas (um grande exemplo de cidade
racionalista construída nos anos 1990), para a paisagem dominantemente verticalizada de São Paulo e
seus shopping centers vistos corno polos de crescimento. Veremos que, assim como o modernismo, o
modernismo tardio se revela como uma batalha para controlar o desenvolvimento urbano, sua forma e
função, em prol de um futuro previam.ente idealizado.

A segunda parte do livro lida com a Revitalização, outra tendência dó desenho urbano contemporâneo
brasileiro. Como o ressurgimento da democracia no Brasil em meados dos anos 1980 coincidiu com o
auge de uma grave crise econômica e de estagnação, tirar proveito da cidade existente da melhor forma
possível e respeitar os. contextos social e físico passou a ter sentido em termos políticos e econômicos.
Naquela época, o fortalecimento dos movimentos ecológicos e da participação pública e o crescente inte-
resse em preservação e em marketing urbano com foco em lugares começaram a reorientar o desenho

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Apresentaçãoda Edição Norte-Americana xix

urbano para longe do paradigma modernista de "destruição criativa" (Harvey, 1989:16). Política e eco-
nomicamente. o modelo corbusiano de urbanismo t ipo "arrasa-quarteirão" tornou-se quase impossível.

Dos esforços profícuos do Projeto Corredor Cultural no Rio de Janeiro, à renovação controversa do
Pelourinho em Salvador, à revitalização das áreas ribeirinhas de Belém e à revitalização conduzida pela
iniciativa privada de áreas industriais em Porto Alegre, os estudos de caso de revitalização demonstram
a luta nacional para aprimorar a cidade existente, usando a história e o contexto como recursos sociais,
econômicos e culturais. Nesse sentido, o desenho urbano contemporãneo brasileiro está mais perto dos
ideais pós-modernistas: como demonstrado pelos estudos de caso, ele reconhece o valor dos preceden-
tes históricos, de usos diversificados, do desenvolvimento sustentável e do crescente papel das comuni-
dades e do setor privado como parceiros nos projetos.

A terceira parte do livro trata da tendência do desenho urbano a que chamamos Inclusão Social:
uma luta para tornar a cidade mais justa para a totalidade da sua população. Na Introdução deste
livro, d iscutimos brevemente como a democratização e as mudanças no quadro político e econômico
redirecionaram o urbanismo, já que tanto a Constituição Nacional de 1988 quanto o Estatuto da
Cidade de 2001 consideraram a cidade como um lugar para a justiça social e como domínio público.
Os esforços resultantes desse quadro institucional têm gerado projetos responsivos às demandas da
comunidade, reconstroem o domínio público urbano e reconhecem que todos os grupos sociais têm
direito a um ambiente de qualidade. Devido à enorme e duradoura desigualdade social no país, o
Brasil certamente tem um longo caminho a trilhar na construção de cidades que sejam socialmente
equilibradas e adequadas a todos, mas os estudos de caso demonstram que diversos esforços têm
sido feitos nessa direção.

A seção Inclusão Social inicia com uma discussão sobre desenho urbano em Curitiba, cidade que tem sido
considerada constantemente, em nível internacional. um modelo de práticas de planejamento sustentá-
vel, ganhou diversos prêmios e, recentemente, ficou em primeiro lugar na lista de Cidades Inteligentes
(Smart Cities) compilada pelo Urban Land lnstitute em 2007. O texto discute não apenas as realizações
de Curitiba, mas também os seus desafios no gerenciamento de seu próprio sucesso. Apresenta-se
um estudo sobre o Projeto Rio Cidade, esforço do Rio de Janeiro em reconstruir as ruas como espaços
públicos de convivência, seguido de um estudo sobre três diferentes estratégias para reconstrução do
território fragmentado da cidade de São Paulo, e, finalmente, o último estudo de caso deste livro discute
o premiado programa Favela-Bairro no Rio de Janeiro, projeto inovador que visou urbanizar favelas e
integrá-las à cidade existente.

Esperamos que as discussões e os estudos de caso conduzam o leitor a compartilhar nosso otimismo
sobre o desenho contemporâneo brasileiro e seu papel fundamenta l na expansão da democracia, tor-
nando as cidades mais justas socialmente e ampliando a qualidade da esfera pública. Também esperamos
que os vários projetos e programas apresentados, particularmente aqueles que obtiveram êxito, sirvam
de inspiração para outros e venham a contribuir com o avanço do urbanismo e do desenho urbano tanto
em nações desenvolvidas quanto naquelas em desenvolvimento.

O Brasil tem sido chamado repetidas vezes de "o país do futuro" e "o gigante adormecido" devido a
seu imenso potencial latente de desenvolvimento, tanto em recursos naturais quanto humanos. Ainda
que o crescimento dos anos 1960 eo milagre econômico dos anos 1970 tenham sido acompanhados
da crise financeira internacional dos anos· 1980, de altas taxas de inflação e de uma crise política que
finalmente acabou com o regime militar, tudo isso provou a superficialidade daquele crescimento e expôs
a nua realidade: enquanto alguns grupos vivem uma qualidade de vida de primeiro mundo, a maioria
dos brasileiros quase não consegue sobreviver. Na entrada do novo milênio, o Brasil ainda enfrenta as
mesmas velhas injustiças sociais históricas e os mesmos padrões de desenvolvimento desequilibrado.
profundamente gravados nas cidades. Entretanto, os caminhos pollticos abertos pela redemocrat iza-
ção, pelo sucesso do plano econômico que deu um basta na inflação, pela abertura do mercado aos

r
xx Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

investimentos internacionais e pelo aumento da estabilidade política melhoraram a qualidade de vida de


uma porção significativa da população. Acreditamos fielmente que o desenho urbano contemporâneo
tem assumidó um papel fundamental nesse processo de resposta a lógicas territoriais concorrentes e de
reinvenção da cidade brasileira.

J
Agradecimentos

rganizar e escrever um livro nunca é tarefa fácil, e este não fugiu à regra. Dos estudos iniciais ao
O manuscrito final, o caminho foi cheio de desafios que demandaram o inestimável apoio da família,
dos amigos e colegas e de instituições. De modo especial, nossos colegas autores colaboradores mere-
cem um grande reconhecimento, pois a sua intensa agenda somada à crônica carência de recursos na
universidade brasileira fez de sua participação uma tarefa difícil. Felizmente, todos se motivaram a parti-
cipar do nosso projeto - tanto do original quanto desta edição - de discutir o papel do desenho urbano
nas cidades brasileiras.

A pesquisa original, a preparação do manuscrito e a edição em inglês do livro contaram com o apoio
da Graham Foundation for Advanced Studies in the Fine Arts, da LEF Foundation e da sub-reitoria de
pesquisa e pós-graduação da Cal Poly San Luís Obispo. A edição brasileira contou com a excelente tra-
dução da colega Denise de Alcantara, o apoio cultural da Brassinter e o excelente trabalho do professor
Bernardo Severo, Carla Nery, Munich Abreu, Raquel Barraca e de todo o pessoal da LTC Editora e do
GEN 1Grupo Editorial Nacional.

Gostaríamos de agradecer os diversos colegas que revisaram o manuscrito - completo ou parte dele -
e nos proporcionaram comentários de grande valor: David Gertner, Denise de Alcantara, Geoffrey K.
Payne, lára Castello, Jon Lang, Jorge Guilherme Francisconi, Larry Herzog, Michael Dear, Octavio Costa
Gomes, Sílvio Macedo e Zeljka Howard. Também somos gratos a Hugo Segawa, Cristóvão Duarte, Júlio
Lima, Carlos Fernando de Souza leão Andrade, e pela longa entrevista concedida por Adauto Cardoso,
Luciana Lago e Luiz Cesar Ribeiro. Finalmente, agradecemos aos amigos fotógrafos e às instituições que
cederam imagens para ilustrar este livro. Em especial, agradecemos ao amigo, colega de vários projetos,
e grande urbanista Luiz Carlos Toledo, pela linda ilustração de capa.

Vicente dei Rio agradece a Miriam e Deborah, esposa e filha, pelo amor compartido e o tempo cedido ao
livro. A Beatriz e Edgard, mãe e pai, pelo amor e a formação, e por terem decidido formar família nessa
incrível cidade que é o Rio de Janeiro. A José Roberto Torres e Ary Frederico Torres Neto, tio e primo, que,
por intermédio da Brassinter, apoiaram o primeiro e este mais recente livro. A seus alunos - passados,
presentes e futuros - na Cal Poly San Luís Obispo, na Universidade Lusófona de lisboa, na Universidade
Federal do Rio de Janeiro, na Universidade de Caxias do Sul, na Universidade Presbiteriana Mackenzie e
na Universidade Estadual de Londrina, as verdadeiras fontes de inspiração e vitalidade da vida acadêmica.
Vicente dedica este livro à memória da sua irmã Monica, cuja beleza e energia são eternas.

William Siembieda agradece à sua esposa, Leslie, por compartilhar noites e fins de semana com este
livro. Aos vários m.em'bros da Anpur (Associação Nácional de Pesquisa Urbana e Regional), com os quais,
ao longo dos anos, compartilhou pensamentos, es~ritÇ>s e, muitas vezes, suas casas; com certeza eles
. influenciaram o seu 'entendimento sobre o urbanismo' hr.a·sileiro. Finalmente, agradece a Gilda e Paulo
Bruna por terem-no trazido pela primeira vez ao Brasil em 1985, como professor visitante da FAUUSP,
..,e pot terem iniciado u·ma co~versa sobre como compreender e poder agir sobre a forma e a função da
cidade brasileira.

r
Sobre os Autores

Alice da Silva Rodrigues Rosas. Arquiteta-urbanista (UFPA) e especialista em Urbanismo e Mestre em


Desenho Urbano (UnB). É assessora técnica da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão e pro-
fessora do curso de Arquitetura e Urbanismo e de Design de Interiores da Universidade da Amazônia.
Conselheira fundadora do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Pará - CAU/PA.

Ana Fernandes. Arquiteta-urbanista, doutora (lnstitut d'Urbanisme de Paris), com pós-doutorado pela
Columbia University e pela École d'Architecture Paris-Malaquais. Professora da Faculdade de Arquitetura
da Universidade Federal da Bahia, onde foi diretora e coordenadora da pós-graduação. Coordena o
grupo de pesquisa Lugar Comum, que lida com questões relacionadas a urbanismo e política e a espaços
públicos e espaços comuns.

Carlos Leite. Arquiteto-urbanista, mestre e doutor em Estruturas Ambientais Urbanas (FAUUSP), com
pós-doutorado na Cal Poly San Luis Obispo. É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde coordena o Laboratório de Cocriação em Territórios
Informais (LCCTI) e professor visitante na Fundação Dom Cabral. É diretor de Stuchi & Leite Projetos e
autor de Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes (Bookman, 2012).

Clara lrazábal. Arquiteta (Universidade Central da Venezuela), mestre em Planejamento Urbano e mes-
tre em Arquitetura (Universidade Central da Venezuela e Universidade da Califórnia, Berkeley), dou-
tora (Universidade da Califórnia, Berkeley) e professora de planejamento urbano na Universidade de
Columbia, Nova York. É autora do livro City Making and Urban Governance in the Americas: Curitiba
and Portland (Ashgate, 2005) e organizadora e coautora do livro Ordinary Places, Extraordinary Events:
Citizenship, Democracy, and Public Space in Latin America (Routledge, 2008).

Cristiane Rose Duarte. Arquiteta-urbanista (FAU-UFRJ), mestre (lnstitut d'Urbanisme de Paris) e doutora
(Sorbonne). Possui diversos artigos publicados, livros organizados e publicados no Brasil e no exterior, tais
como Favela, um Bairro (ProEditores, 1996); Projeto do Lugar (Contracapa, 2002); O Lugar do Projeto
(Contracapa, 2008), Nouveaux Regards sur l'Habiter - Outils et méthodes, de/' architecture aux sciences
sociales (Le Manuscrit, 20 11) e Novos Olhares sobre o Lugar: ferramentas e métodos de pesquisa - da
Arquitetura às Ciências Sociais (no prelo). É professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Denise de Alcantara. Arquiteta-urbanista (Bennett), mestre e ,doutora em Arquitetura (FAU-UFRJ).


Foi professora sul:)stituta do Departamento de Projeto de Arquitetura da FAU-UFRJ, lecturer no Urban
Studies and Planning. Program da Universiêlade da Califórnia
,,.
San Diego e no Center for Latin American
'•

Studies, San Diego State University, e pesq!Jisadora -no C~nter for Jberian and La~i n American Studies,
Universida.de.da Califórnia San Diego, e no grupo de pesquis.as Sistema de Espaços Livres - RJ no PROARQ,
FAU-UFRJ. É professo(a adjunta do Departamento de A'r.quitetura e Urbanismo, Universidade Federal
Rüral do Rio de Janeiro.

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xxiv Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

Dirceu Trindade. Arquiteto-urbanista e mestre em Engenharia Urbana (EESC-USP). De seus trabalhos


destacam-se a participação em projetos urbanlsticos em Goiânia, Porangatu e Uberlândia, e nos pla-
nos diretores de Palmas em Tocantins, Minaçu e Aguas Lindas em Goiás. Lecionou na Universidade do
Estado de Goiás e atualmente é professor adjunto da PUC Goiás, onde foi diretor do Departamento
de Artes e Arquitetura. Diretor do Instituto Atílio Correa Lima de Planejamento e Pesquisa em Goiânia.

Fernanda Magalhães. Arquiteta-urbanista (UFF), especialista em Habitação (AA-London). mestre e


doutora em Arquitetura e Urbanismo (Bartlett, UC London), com pós-doutorado no MIT. Foi professora
do Instituto Superior Técnico da Universidade Técnica de Lisboa e professora adjunta na FAU-UFRJ e na
Universidade Mackenzie em São Paulo, onde atua como professora visitante desde 2005. É especialista
sênior em Desenvovimento Urbano do BID - Banco Inter-Americano de Desenvolvimento, de onde está
atualmente licenciada. Possui diversos trabalhos publicados, sendo os mais recentes os livros Regiões
Metropolitanas no Brasil (2010) e Urbanização de Favelas no Brasil (2011), ambos publicados pelo BID. É
chefe do Departamento de Urbanismo, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em Lisboa,
onde tem lecionado desde 1992.

Frederico de Holanda. Arquiteto (UFPE), doutor em Arquitetura (Universidade de Londres) e professor


titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, onde leciona desde 1972. Autor
de inúmeros trabalhos publicados no Brasil e exterior, inclusive os livros: O Espaço de Exceção (2002),
Arquitetura & Urbanidade (org., 2003; 2. ed., 2011 ), Brasília: cidade moderna, cidade eterna (201 O) e Oscar
Niemeyer: de vidro e concreto I Of glass and concrete (20 11). Coordena o Grupo de Pesquisa "Dimensões
Morfológicas do Processo de Urbanização" (Diretório de Grupos de Pesquisa no Brasil. CNPq).

Gilda Collet Bruna. Arquiteta-urbanista (FAUUSP), especialista em Planejamento Urbano (Agência de


Cooperação Internacional do Japão, Tóquio), doutora em Arquitetura e Urbanismo e Livre Docente
(FAUUSP). Aposentou-se como professora titular da FAUUSP, onde foi diretora. Foi coordenadora do
Curso de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Mogi das Cruzes e professora visitante da University
of New Mexico, EUA. Presidente da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano (Emplasa) de 1995
a 2000. Possui inúmeros artigos publicados entre eles Metrópoles e o Desafio Frente ao Meio Ambiente
(Blucher. 2010), Estruturação Urbana e Arranjos Produtivos Locais (Mackpesquisa. 2006) e Panorama
Ambiental da Metrópole de São Paulo (Signus, 2004). É professora associada plena da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, onde foi coordenadora do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo.

Gunter Kohlsdorf. Arquiteto-urbanista (Facultad de Arquitectura I Montevidéu I Uruguai) e mestre em


Planejamento Urbano (UnB), possui diversos cursos de especialização nas áreas de teoria da arquitetura,
metodologia de planejamento e desenho urbano na Universidade de Stuttgart (Alemanha). Foi professor
adjunto na Universidade de Stuttgart (Alemanha), é professor aposentado da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo I Universidade de Brasília e visitante em diversas universidades. Fundador e coordenador de
três cursos de arquitetura e urbanismo em universidades particulares, foi Prefeito do Campus da UnB e é
autor e coautor de inúmeras publicações.

Heliana Comin Vargas. Arquiteta-urbanista (FAUUSP) e economista (PUC-SP), mestre e doutora


(FAUUSP), pós-doutorado em Lideranças para o Planejamento Ambiental, Acad~mia Internacional de
Meio Ambiente, Genebra. Especialista em estudos de d[nâmica e economia urbanas. com foco no setor
de comércio e seNiços, lazer e turismo. Autora dos livros Novos Instrumentos de Gestão Ambiental
Urbana (EDUSP, 2001 ), Espaço Terciário: o lugar, a arquitetura e a imagem do comércio (SENAC, 2001) e
Intervenções em Centros Urbanos: Objetivos, estratégias e resultados (MANOLE, 2005/2009). Professora
titular do departamento de projeto e coordenadora do laboratório de Comércio e Cidade na FAUUSP.

Lineu Castello. Arquiteto-urbanista (UFRGS), mestre de Filosofia em Desenho Urbano e Planejamento


Regional (University of Edinburgh), pós-graduado em Planejamento do Desenvolvimento (University of

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xxvi Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil

México e Nova Zelãndia, Fulbright Fellow na Universidade de Guadalajara e Fulbright Specialist no Chile.
Membro sénior do Planning Accreditation Board dos EUA. t especialista do Banco Mundial e da Agência
de Cooperação Internacional do Japão na área de recuperação de desastres. Possui diversos trabalhos
publicados internacionalmente e foi coorganizador e coautor de Contemporary Urbanism in Brazil:
Beyond Brasília (University of Florida Press, Gainesville, 201 O; 2011).

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Desenho Urbano
Contemporâneo no Brasil
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INTRODUÇÃO

OContexto do Desenho Urbano no Brasil

Vicente dei Rio

objetivo desta introdução é prover um entendimento básico sobre a evolução do desenho urbano

º no Brasil como prática profissional sistemática, do surgimento do modernismo aos nossos dias,
com a ampliação da noção de intervenção urbana, passando pelo período militar e pelos movimentos de
redemocratização do país. Nesse sentido, deve ser vista apenas como um brevíssimo ensaio, uma visão
particular que não pretende análise exaustiva ou muito menos conclusiva, tarefa por demais pretensiosa
e que demandaria - com a imensidão e a história tão complexa do Brasil - pelo menos uma obra própria
com vários volumes! A ideia, portanto, é expor os fundamentos históricos das diferentes abordagens que
lidam com a cidade brasileira contemporãnea, auxiliando na compreensão dos conteúdos e das implica-
ções dos casos discutidos nos capítulos posteriores.

Esta introdução foi particularmente importante na edição original deste livro nos EUA, pois praticamente
não há publicações disponíveis em língua inglesa que discutam o mesmo período evolutivo do urbanismo
e do desenho urbano brasileiro, embora várias - particularmente aquelas que tratam da arquitetura
modernista brasileira - abordem projetos ou questões específicas. Na medida do possível, fizemos uma
revisão dos principais trabalhos publicados, apresentados nas referências bibliográficas, de modo a pos-
sibilitar aos leitores estudos mais aprofundados. Notamos que essa é uma tarefa cada vez mais difícil no
Brasil, dado o grande número de publicações e pesquisas na área nos últimos anos. Além disso, como
entendemos que a história do desenho urbano não pode ser dissociada de uma compreensão maior do
quadro de desenvolvimento político, econômico e social, o presente texto também busca cobrir as prin-
cipais correlações entre esses tópicos.

Desde os primeiros esforços para criar uma nação avançada, desenvolvida e comprometida com o para-
digma modernista, o Brasil avançou na busca pela democracia e pela equidade social por meio da cons-
trução da cidade. O desenho urbano contemporl:lneo brasileiro. aceita o modernismo como um dos
possíveis modelos para entender e atuar sobre a cidade, mas adota ainda outros modelos igualmente
válidos. Do discurso rígido, positivista, reducionista e universal do movimento moderno às mudanças
fragmentadas, pluralistas e multifacetadas das sensibilidades que caracterizam o pós-modernismo (Ellin,
1999; Dear, 2000) e os processos transnacionais de globalização (Kiri9. 2004), o desenho urbano con-
temporãneo brasileiro vem se recriando e pe[mite a coexistência de lógicas territoriais múlti pla~ na busca ...
por modos diversos qe responder a demandas sociais-e problemas urba.nos. Esta breve análise histórica
busca auxiliar no enquadrqmento dos estudos de casô em L!ma per; pectiva m?is ampla e, assim espe-
ramos, contribuir -para explicitar por que' o desenho urba'iio contemporl:lneo brasileiro se tornou capaz
d~.~bsorver perspectivas' e possibilidades múltiplas, razão pela qual o percebemos como pós-moderno.

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Introdução 1OContexto do Desenho Urbanono Brasil 3

1. Nova Avenida Beira-Mar


2. Portal do Rio de Janeiro
3. Palâcio das Belas Artes
4. Senado
5. Auditório
6. Ornara dos Deputados
7. Palâcio do Comércio e
da Indústria
8. Panteao
9. Avenida Rio Branco
(antiga Avenida Central)
1o. Biblioteca Nacional
11 . Theatro Municipal
12. Academia de Belas Artes
e Museu Nacional
13. Esplanada do Castelo

Figura 1.1 O Plano Agache para o Rio de Janeiro: perspectiva da área central remodelada, mostrando os principais
edifícios e elementos urbanos. (Desenho original adaptado por Vicente dei Rio.)

Propunha um zoneamento rígido, cidades-


satélites para as classes operárias, planos infra-
estruturais para toda a cidade, impressionantes
embelezamentos urbanos e uma total renovação
do centro para ser o portal do Brasil (Figuras 1. 1 e
1.2). Modernista no sentido de buscar uma cidade
ideal em que as mudanças físicas conduziriam a
mudanças sociais (Rezende, 1982; Pereira, 1996),
o Plano Agache se tornaria vítima das intensas
transformações políticas na década de 1930, que
acabariam identificando-o com a República Velha,
levando ao seu engavetamento, embora tenha
sido mantido como referência dos t rabalhos pos-
teriores (Rezende, 1982; Stuckenbruck, 1996;
Oliveira, ?009). Agache acabou estabelecendo
escritório no·Brasil e viria a fazer planos para outras
cidades brasileiras, tais como Curitiba e Vitória, e
e~preendi'!1entos urbanos, como o bairro paulista
•.çie·!~terl~gós (Underwood, ·1991; Leme, 2002).

Outro importante exemplo de urbanismo da


época Vargas fói a construção da nova capital do
Figura 1.2 Galeria de pedestres no centro do Rio
de Janeiro, um dos vestígios das propostas do Plano estado de Goiás, em 1933. Goiânia representou
Agache. (Foto de Vicente dei Rio.) um gesto de ruptura simbólica com as antigas

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