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os i 4 ire 0] es BSNL A PRAGMATICA NA SELVA Pee oat Reo Mn Boeken Cc eens ced ee sy] PO eat cena cy sc ea ene ER Lele) Dee ea Re ee Sure Ativismo de além-mar ‘A contribuigdo radical das brasileiras 20 feminismo portugués, por Adriana Negreiros SPRUE nee Le Fe eee CRE a DJ mais influente do funk carioca TEER CEN Ey Larissa MacFarquhar investiga se € ético Rua eee Sura ary PE ue et Roberto Kaz e a morte de uma elofanta Co MU od PO on De oe oe Se oe Sc ea Pee ut chegada RESPEITEM MEUS CABELOS, ~ — BRANCOS! Nova lei da California profbe discriminagao contra penteados afro CAROL BENSIMON SALON DE TRESOE CREDITO: HEMIS_ALAMY STOCK PHOTO senadora estadual Holly Mitchell entrou no Capitélio, em Sacramento, e logo se dirigiu a sala 112, onde se acomodou. Construfdo no século XIX, o palacete em estilo neoclassico abriga tanto o Poder Legislativo da Califérnia quanto o gabinete do governador. Com blazer azul e trangas puxadas para tras, a parlamentar ajeitou o lencgo branco que lhe cobria 0 pescogo e, naquela tarde de mareo;explicou calmamente a audiéncia: “Colegas, tenkic bis objetivos ao apresentar esse projeto de lei. O pr I ‘eit é fornecer informacées basicas, que talvez mites de vocés desconhecam, sobre as singularidades do cabelo de pessoas negras. O segundo é questionar alguns mitos comuns a respeito do profissionalismo nos ambientes de trabalho.” Em seguida, a senadora democrata relembrou um episédio ocorrido em dezembro de 2018, quando o adolescente Andrew Johnson, que cursava 0 ensino médio em Nova Jersey, teve seus dreadlocks cortados durante um torneio estudantil de luta livre. Minutos antes de dar inicio a um combate, 0 juiz alegou que as mechas emaranhadas do rapaz feriam o regulamento do campeonato e que era preciso se livrar delas caso 0 atleta quisesse competir. Mesmo contrariado, Johnson se curvou a determinagao e permitiu que lhe aparassem os cabelos no préprio gindsio onde iria lutar. O fato gerou um ruidoso debate nacional. “Foi a coisa mais dificil que ja enfrentamos. Meu filho esta bem agora, mas aquela situagao toda me pareceu muito brutal”, desabafou a mae do garoto no Facebook, logo apés o incidente. Sao acontecimentos como esse que Holly Mitchell - uma negra de 55 anos, eleita pelo distrito de Los Angeles — pretendia evitar ao propor a lei SB 188, conhecida como Crown Act. Aqui, além de significar coroa, 0 termo crown faz as vezes de uma sigla em inglés que quer dizer “criando um mundo aberto e de respeito aos cabelos naturais”. A lei almeja proteger negros e negras que adotam dreadlocks, trancas, twists e outros penteados afro nao apenas nos ambientes profissionais, mas também nas escolas.iy GV) Canal UP De acai sch com Mitchell, os Estados Unidos coleeionam casos de estudantes que, mal chegam as aulas, sao obrigados pela diregao dos colégios a voltar para casa por ostentarem “cabelos rebeldes demais” e passiveis de “distrair os outros alunos”. Trabalhadores de diferentes setores costumam enfrentar discriminagées semelhantes. “Minha mae contava que ia para as entrevistas de emprego com uma peruca lisa e que s6 se atrevia a assumir os préprios cachos depois de conseguir uma vaga”, recorda Malika Imhotep, doutoranda no Departamento de Estudos Afro-Americanos e da Diaspora na Universidade da Califérnia, em Berkeley. “Desde crianga, aprendemos que ser negra numa empresa ou escola representa um desafio extra. Entaéo, queremos nos apresentar da maneira mais aceitavel possivel.” Realizado em 2016 pelo Perception Institute, um consércio de pesquisadores e ativistas que se dedica a questées raciais e de género, o chamado “estudo do cabelo bom” corrobora 0 testemunho de Imhotep. A partir de entrevistas com mais de 4 mil pessoas, o levantamento concluiu que, nos Estados Unidos, cabelos crespos so vistos como menos profissionais e menos atraentes se comparados aos lisos. Tal percep¢a4o vem principalmente de mulheres brancas. A pesquisa também apontou que 20% das entrevistadas negras sentiam-se pressionadas a alisar o cabelo e que 25% relatavam alguma dificuldade em encontrar produtos capilares que lhes satisfizessem. Além disso, 33% das negras afirmaram nao praticar exercicios fisicos com regularidade porque, apés a piesna ua academia, eram impelidas a se ocupar excexsi i¥dinente de seus penteados. Entre as brancas, Mite cafa para 10% Os parlamentares californianos acabaram aprovando a Crown Act por unanimidade no final de abril. Em julho, o governador Gavin Newsom a promulgou. A Califérnia se tornou, assim, o primeiro estado norte- americano a proibir esse tipo de preconceito. Cinco meses antes, a cidade de Nova York ja havia adotado restricdo similar. “Isso tudo soa como avango, mas para mim apenas confirma que mulheres negras nao sao bem-vindas em locais de trabalho ou estudo”, prossegue Malika Imhotep. “Eu adoraria nao precisar de uma lei que considera injusto discriminar alguém por algo tao trivial quanto o modo de usar o cabelo.” A Crown Act entra em vigor a partir do préximo dia 1° de janeiro. e o padrao caucasiano de beleza ainda se impée, a ascensdo em varios paises dos movimentos que valorizam os cabelos naturais sugere que o quadro pode mudar em breve. Cada vez mais mulheres — independentemente da cor — optam por deixar de lado a quimica agressiva dos cremes alisantes ou de relaxamento, e essa mudanga de atitude j4 vem alterando as estratégias da industria de cosméticos. Segundo a agéncia Mintel, que faz pesquisas de mercado, a venda de produtos a base de guanidina, tioglicolato e outras substancias que alteram a textura capilar despencou 36,6% nos Estados Unidos entre 2012 e 2017. Imhotep acredita que os fabricantes de cosméticos acabaim..or exercer um papel fundamental na mudanc¢a,de percepg¢ao sobre os penteados afro. “\Miates’os negros tinham muita dificuldade para encontrar informagoes a respeito de cabelos naturais. Agora, ha milhdes de blogs em diversos paises que falam do assunto e se disp6em a avaliar produtos de beleza. Claro que, por um lado, a industria esta somente reagindo a uma demanda. Mas, por outro, estimula os consumidores a se relacionarem de um jeito novo com seus préprios cabelos e os alheios.” Um dos apoiadores da lei defendida pela senadora Holly Mitchell é justamente a marca Dove, que pertence a gigante Unilever. No site norte-americano da popular grife de sabonetes, xampus e condicionadores, pode-se assistir a um video sobre a Crown Act e assinar uma peticao reivindicando que parlamentares adotem legislagao parecida em outras regides dos Estados Unidos. o CAROL BENSIMON E escritora. Seu livro 0 Clube dos Jardineiros de Fumaga recebeu 0 Prémio Jabuti de Melhor Romance em 2018 esquina ~PATAS, ASAS E ANTENAS Um museu so de insetos a FABIO VICTOR ANDRES SANDOVAL_2019 reze criancas, sentadas no chao em circulo, tentavam conter a ansiedade diante da monitora, que explicava a importancia da joaninha para a natureza. Tinham acabado de observar no microsc6pio um exemplar empalhado do pequeno inseto salpicado de bolinhas. “Sabem 0 que a joaninha come?”, perguntou a jovem que conduzia o passeio educativo. “Folha”, responderam os mitidos, estudantes de 7 ou 8 anos de uma escola particular do bairro paulistano do Butanta. “Nao. A joaninha é um predador, ela come o pulgéo e outras pragas”, prosseguiu a monitora, entabulando uma breve explicagao sobre o controle biolégico. “E por isso que quem tem planta tem de ter uma joaninha.” Estavinm \todos numa das salas da mostra permanente Planeta nseto, que se apresenta como “o Unico jardim Zoolégico de insetos do Brasil”. Mantido pelo Instituto Biolégico, subordinado a Secretaria de Agricultura e Abastecimento de Sao Paulo e voltado a pesquisas para o setor agropecudrio (como vacinas para rebanhos, controle de pragas etc.), o museu que abriga a exposicao funciona numa casa antiga, cercada de Arvores, na Vila Mariana, Zona Sul de SAo Paulo. Depois da sala do controle biolégico, a turma seguiu para a do bicho-da-seda. Valendo-se de recipientes com os préprios insetos, alguns vivos, outros mortos, a monitora narrou os quatro estdgios do ciclo de vida do bicho — ovo, larva (ou lagarta), casulo (ou pupa) e adulto (ou mariposa) — e exibiu um pedago de seda, explicando se tratar de uma obra daquelas criaturas. Uma garotinha indagou: “Entao eles sabem costurar?” Quando as gargalhadas e a algazarra cessaram, veio a explicagdo da magica: “A lagarta solta um fiozinho que faz um casulo, e cada casulo tem um unico fio, enorme. As indtstrias desenrolam aquele fio e transformam em tecido.” Em meio ao espanto geral, um pirralho disse, ao ver uma lagarta morta: “Parece um pokémon.” Mais anarquia no recinto, até que uma lagarta viva, retirada de uma caixa forrada de folhas de amoreira (a iguaria favorita dela) e passada pela monitora de maozinha em m4ozinha, tornasse a acalmar a comitiva. Os museus mais famosos de Sao Paulo com apelo infanto) juyyenil — o Catavento, o do Futebol e o da ie ia Portuguesa (este em reconstrucdo depois de un ineéndio e com reabertura prevista para 0 proximo ano) — tém em comum os acervos multimidia e os recursos audiovisuais sintonizados com a era digital. O Planeta Inseto nao dispée de nada disso. Os dispositivos mais high-tech do lugar sao dois aparelhos de tevé na sala dedicada as abelhas, pois o principal atrativo do local é de fato a colegao de patas, asas e antenas, com a qual podem interagir os visitantes. “Um museu contém animais mortos. Um zoolégico retine animais vivos. Por isso dizemos que somos o tinico zoolégico de insetos do Brasil. Em zoos vocé até encontra borboletdrios e formigdrios, mas insetos em geral, s6 com a gente”, gaba-se 0 bidlogo Mario Kokubu, educador-chefe do espaco e coordenador dos monitores e monitoras, todos eles universitdrios do curso de biologia. Segundo Kokubu, 25 mil pessoas visitam por ano 0 museu, cuja entrada é gratuita. Diariamente, sao quatro turmas de escolas — duas de manha, duas 4 tarde. a Area externa do museu, caixas de abelhas abrigam quatro espécies nativas sem ferrao: jatai (“icone das abelhas nativas do estado de Sao Paulo”, como esclarece um painel), mandagaia, urugu-amarela e iraf. Um quadro avisa que o mel que costuma ser vendido no comércio vem de abelhas exéticas, que nao sao nativas do Brasil. Em tom ufanista, reclama: “Tanto conhecemos um animal trazido de outras terras e nado sabemos que 0 nosso pais possui diversas espécies nativas que também produzem mel, um mel delicioso!” Logo na entrada, ha duas caixas cheias de folhagens, que a primeira vista parecem conter apenas folhas e galhos. Com a atencao redobrada pode-se identificar bichos-pau camuflados, que as vezes os monitores tiram da caixa para serem tocados pelos visitantes. Nas varias salas, ha vitrines com insetos empalhados: gafanhotos, mariposas, cigarras, vespas, borboletas e incontdveis espécies de besouros. Em uma das sees, chamada Laboratério do Entomélogo, ilustra-se o oficio desse especialista em insetos. Na sala das formigas, hd um formigueiro de verdade e um quadro que mostra a sua complexa construcgao. Na das abelhas, a monitora explicava a criancada 0 que é polinizagao: “E quando as abelhas ajudam as plantas a namorarem. As plantas ficam gravidas.” “Qooooo000000h”, suspiraram os estudantes. A visita estava chegando ao fim, e a jovem foi buscar uma das estrelas da exposicao para mostrar ao grupo: a cascuda barata-de-madagascar — a maior da sua espécie, com chances de atingir até 7,5 cm de comprimento —, também conhecida como barata assobiadora, por causa do chiado que produz quando expele ar. Um leve clima de terror se instalou no ambiente. Duas coleguinhas se abracaram, solidarias. A monitora entao explicou que, diferentemente da barata de esgoto, aquele era um inseto limpinho e inofensivo. “Vou mostrar de pertinho, quem quiser pode tocar.” Num atimo, quase todos se aproximaram, e a baratona circulou de mao em mao. Um sucesso. Nada causou mais frisson, porém, que a atragao reservada para o grand finale: a corrida de baratas. As competidoras eram da espécie mais ordindria, as baratas de esgoto, mas criadas fora dos encanamentos. Estavam em uma caixa de madeira com tampo de vidro e dividida em cinco raias, batizada de “baratédromo”, em torno da qual as criangas se aglomeraram, eletrizadas, para assistir a prova. A monitora explicou: “Barata nao gosta de luz nem de barulho. Entao vou acender todas as luzes e pedir para vocés gritarem muito na hora em que elas largarem.” E assim foi feito: uma gritaria estrondosa ecoou pela sala e pelo museu, enquanto as cinco competidoras disparavam pelas pistas do baratédromo. Ansiosas, duas baratas viraram de ponta-cabega e sé voltaram a posi¢géo normal depois de muito esforco. Outras duas pareceram desnorteadas. A atleta da raia 4 venceu com folga a corrida. o FABIO VICTOR (siga @fabiopvictor no Twitter) Reporter da piaui. Na Folha de S.Paulo, onde trabalhou por vinte anos, foi reporter especial e correspondente em Londres B esquina MARIA IZABEL NO ALAMBIQUE A cachaga mais famosa de Paraty MARCELLA RAMOS ANDRES SANDOVAL_2019 wT sempre com os pés descalgos e os cabelos longos e grisalhos presos numa tranga que Maria Izabel Costa prepara, numa pequena fabrica em Paraty, a cachaca que leva o seu nome. Geralmente, ela inicia 0 expediente as cinco da manha, juntando punhados de colmos (caules) de cana-de-acticar e jogando na moenda. Depois, checa se o caldo esta chegando direitinho ao reservatério, onde ele ird fermentar durante 48 horas. Maria Izabel repete o processo durante toda a manha. De vez em quando, vai até o alambique para conferir se nao tem alcool vazando das mangueiras e acrescenta mais lenha ao forno. No local, ela montou uma rede de descanso e tem sempre a mao uma cuia de chimarrao e um livro — em 31 de julho, quarta- feira, estava lendo Bandeiras Pdlidas, do canadense Michael Ondaatje. “Quando da para descansar, eu deito na rede e dou uma lidinha”, contou. As nove da manhi, as solas de seus pés esto pretas e alguns fios se rebelam contra 0 penteado. Aos 69 anos, ela parece nao se incomodar nem um pouco com todo o trabalho fisico que a produgao da bebida exige. “E coisa boa, pois eu nao preciso de academia. Quero ver até quando aguento.” A cachaga Maria Izabel é a mais famosa de Paraty, cidade histérica conhecida pela qualidade de suas aguardentes, produzidas em varios alambiques. Nas lojas de bebidas, com dezenas de garrafas dispostas nas estantes, o turista que procura pela melhor cachaga da regiao costuma receber esta dica: Maria Izabel — a tipo ouro custa 140 reais; a tipo prata, 130. Nos bares, é um diferencial se a caipirinha é feita com Maria Izabel. A produtora se orgulha de produzir uma cachaga “forte, mas suave”, com um dos menores indices de acidez da regiao. Para manter a acidez baixa, ela usa principalmente a cana-de-agticar orgdnica de seu sitio, a5 km do Centro de Paraty, e também mdi os colmos no mesmo dia em que foram colhidos, antes que comecem a degradar. A colheita deste ano iniciou-se em julho e duraria até meados de agosto - um tempo curto, se comparado as de outras épocas. “Ja teve safra que durou trés meses”, disse. A produtora emprega quatro rapazes. No canavial, Josimar dos Santos e Sergio do Espirito Santo, protegidos por chapéus, cortam a cana, dispensam as folhas e jogam os colmos para Ramiro Felix de Oliveira e Vando Francisco dos Santos, que organizam tudo dentro de uma tratorzinho de porte médio. Quando o veiculo esta cheio, Oliveira faz o transporte até a drea de processamento. As folhas ficam por ali mesmo, no solo, para servir de adubo. O bagaco também é deposto no local da plantacao, depois de mofdo. Os rapazes trabalham das sete da manhd as quatro da tarde e costumam encher em média sete carretas por dia. O Sitio Santo Anténio esta localizado em um morro na Costa de Paraty. A plantagao fica bem no alto, de onde se tem uma vista privilegiada do horizonte e das ilhas da Costa Verde. Logo abaixo do canavial, estao a “fabriqueta”, como define Maria Izabel, e a adega. Na parte baixa, de frente para o mar, ela construiu a casa de dois pavimentos e quatro suites — duas delas sao alugadas para turistas, assim como um chalé. O alambique foi instalado no sitio rodeado pela abundante vegetacao da Mata Atlantica em 1994, assim que nasceu a filha cacgula. Dois anos depois, comegou a producao de cachaca. Na regiao, o lugar é conhecido como “a casa das sete mulheres”, por causa das seis filhas da produtora: Izabel, de 51 anos, Maria, 49, Mabel, 47, Mariza, 42, Maira, 38, e Maia, 25. Apenas a cagula mora com ela na casa principal. Mabel vive no sitio, mas em outra habitacao. o meio-dia, antes de mandar a primeira leva de cachaga recém-produzida para os tonéis, Maria Izabel precisa verificar se as mangueiras que transportam o liquido estéo bem conectadas. Recentemente, um vazamento desperdicou toda a producao de um dia. Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay, disse. Para garantir, colocou porcGes de sal grosso em varias partes do local — desde entao, acabaram seus inforttinios. A bebida s6 vai para a garrafa depois de repousar no tonel um ano, no minimo. A cachaga ouro envelhece em barris de carvalho, madeira que influi no sabor da aguardente. A prata é armazenada nos barris de jequitibé, madeira mais neutra. As safras mais jovens descansam de um a dois anos. As extra premium, mais de trés. As bebidas sao engarrafadas conforme a demanda. A producgao anual é de cerca de 7 mil litros, segundo Maria Izabel. A cachaga mais envelhecida da adega tem seis anos. Guardada num barril de carvalho, sera comercializada apenas nas comemoragGes dos 25 anos da marca, a partir de julho de 2021. O rétulo da edicao especial seré desenhado pelo mesmo ilustrador que criou o da Maria Izabel tradicional, o australiano Jeffrey Fisher. A produtora foi apresentada a Fisher pela editora inglesa Liz Calder, sua ex-vizinha e idealizadora da Festa Literdria Internacional de Paraty, a Flip. E foi ele quem fez também o rétulo de outro produto do sitio, a Laranjinha Celeste, uma “cachaga azul” — produto tipico da regiao feito de uma mistura com folhas de tangerina, 0 que confere a bebida um tom azulado. O nome é idéntico ao da aguardente feita no século XIX por um trisavé de Maria Izabel, Francisco Pereira Madruga. Pouco antes do almogo, depois de checar as mangueiras, ela voltou ao alambique. Francisco dos Santos — que é 0 tinico que a substitui — ja estava pronto para assumir o lugar, pois a produtora precisava levar Maia até o trabalho, na biblioteca comunitdéria Casa Azul, no Centro de Paraty. As duas planejam ir a Europa em setembro, para visitar 0 pai da jovem, que é francés. Ao falar da viagem, Maria Izabel soltou um suspiro. “Nao gosto de deixar o sitio”, afirmou. Quando comprou o terreno de pouco menos de 19 hectares, ela ia com as duas filhas mais novas, quase todos os dias, até uma ilha proxima. Escalavam o alto de uma pedra e pulavam no mar. Depois que a producao de cachaga se intensificou, Maria Izabel passou a visitar a ilha apenas no dia de seu aniversdrio. “Ia para saber até com que idade eu conseguiria pular da pedra.” Ela j4 nao lembra se foi no aniversdrio de 63 ou 64 anos que sentiu uma dor forte no peito ao chegar ao alto da pedra. Decidiu nao pular nunca mais. “Agora s6 faco cachaga.” o MARCELLA RAMOS (siga @marcellamrrr no Twitter) Reporter e coordenadora de checagem da piaui esquina IMAGENS SEM PRESSA Um jovem descobre a foto analdgica EMILY ALMEIDA ANDRES SANDOVAL_2019 oi em um banheiro nos fundos de sua casa em Lavras, no Sul de Minas, que Victor Antonio Carneiro da Cruz, de 17 anos, instalou seu laboratério de revelagdo de fotos. Dentro do boxe do chuveiro, colocou uma escrivaninha de madeira, repleta de garrafas de vidro marrons, identificadas com escritos sobre fita-crepe. O ampliador, um aparelho quadrado de cores bege e cinza, foi disposto a direita da escrivaninha, e logo a esquerda os dois vasilhames para revelacao e fixacao. Préximo 4 janela, estendeu o varal de secagem das fotos. Para impedir que qualquer feixe de luz entre no local, ele aplicou trés camadas de papel Contact nas bordas da janela basculante, emendados com pedagos de carpete. Como nao conseguiu vedar inteiramente a porta, é sempre de madrugada que ele costuma revelar as fotos. Quase toda noite, Cruz espera que a mae va dormir, apaga as luzes da casa, fecha-se no banheiro e inicia 0 trabalho. “Desde que segurei uma camera pela primeira vez, me deu vontade de revelar filmes”, contou. Ele tinha 15 anos quando resolveu seguir na contracorrente da época, colocou em segundo plano as imagens digitais e se embrenhou no mundo da foto analdégica. Cruz tem cabelos escuros e compridos, 1,70 metro de altura, cursa o segundo ano do ensino médio e usa éculos de grau. As lentes dos seus é6culos tém varios arranhdes provocados pelo atrito com o visor (as vezes de ferro) das cameras. Aos 8 anos, ele ganhou a primeira camera da mae, Ana Lticia Medeiros Carneiro, uma ginecologista que ele, com orgulho, diz ter o titulo de “a médica mais pobre de Lavras”. Foi, porém, com uma Zenit 12XP, que estava encostada ha anos em um guarda-roupa, que Cruz deslanchou sua atividade fotografica. Produzida na Russia comunista, a camera pesa 95 g, usa filmes de 35 mm e foi vendida no Brasil entre os anos 1980 e 1990. De posse do aparelho, buscou pelos termos “fotografia analégica” na internet e um dos resultados o direcionou para um blog chamado Queimando Filme. Ali aprendeu o basico sobre o metié. “O site foi o pontapé inicial. Tinha muita informagao.” No dia seguinte, foi até uma loja de artigos fotograficos na Rua Santana, no Centro de Lavras, para comprar seu primeiro filme. Encontrou atrds do balcéo Wildes Botelho Alvarenga, de 64 anos, fotégrafo hd cerca de cinco décadas, que conferiu a Zenit 12xp minuciosamente e indicou o ColorPlus 200. “Quer que eu coloque o filme para vocé?”, perguntou a Cruz. O rapaz respondeu que nao. “Mas eu devia ter aceitado, porque coloquei errado e perdi o filme.” blog Queimando Filme foi criado em 2011 por André Corréa e hoje sé existe como uma conta no Facebook — saiu do ar em maio por falta de recursos. E nessa pagina da rede social que 16 mil membros, entre eles Cruz, tiram as duvidas e divulgam suas fotografias analégicas. Boa parte das publicagées é feita por jovens fotégrafos, e as imagens séo acompanhadas por legendas que descrevem o modelo de c4mera, o filme utilizado e o local retratado. As vezes, os membros acrescentam seus nomes de usuario no Instagram. Os fotégrafos costumam deixar registrado 0 seu entusiasmo quando conseguem atingir novas etapas de aprendizado. “Esses dias terminei de fotografar meu primeiro negativo em redscale e, como a mao da experimentagado coga demais, apés finalizar, joguei o bonito numa sopa de alcool de limpeza com flores por uns vinte minutos, em uma temperatura em torno de 38°C. A revelagao foi feita em casa”, publicou a fotégrafa Juliana Murarolli Paixao, de 27 anos, em junho. Corréa, de 45 anos, é formado em cinema e trabalha como coordenador de uma ONG em Sao Paulo. Descobriu a fotografia analégica também na adolescéncia. “Notei que havia uma lacuna sobre esse tema na internet e resolvi fazer o blog. A intengdo era criar um ambiente acolhedor para a aprendizagem, onde ninguém tivesse vergonha de perguntar e ser repreendido.” Nos primeiros anos do blog, Corréa teve a ideia de montar a campanha “Eu quero a camera que esta pegando poeira no fundo do seu armario”, que ganhou as redes sociais do Queimando Filme. Muita gente resolveu contar como descobriu em casa, esquecido num canto, um velho aparelho fotogrdfico. “Eram pessoas jovens, na faixa dos 15 aos 25 anos, no maximo”, disse Corréa. Ele percebeu que havia, entre os membros mais jovens, certo “espirito de artesdo”, como define. “Descobri que, ao fotografarem com o digital, eles sentiam falta de algo. O inc6modo era com a constatagao de que a camera digital fazia a foto, nio a pessoa. E a mesma sensagao de comprar uma lasanha pré—pronta e acrescentar algo nela, fingindo que fui eu quem fez o prato”, ele comparou. “A camera digital toma muitas decisdes por vocé, 0 que nao é ruim, mas essa facilidade torna o que se faz menos valioso.” a primeira tentativa de Cruz, a camera soviética nao puxou o filme; na segunda, ele errou a fotometria — a medida das condigdes de luminosidade do ambiente para ajustar a abertura correta do diafragma e 0 tempo adequado de exposicao do filme a luz. S6 na terceira vez foi bem-sucedido. Depois disso, ele carrega a camera aonde quer que va e continua estudando e comprando equipamento. Na loja de Alvarenga, tinica especializada em fotografia analégica que conhece em Lavras, Cruz s6 encontra um tipo de filme. Outros, ele adquire pela internet. Em seu laboratério no banheiro, revela apenas fotos em preto e branco, pois as coloridas precisam de um equipamento mais avangado que ele ainda nao tem. As primeiras fotos, reveladas na loja, eram coloridas e mostravam um pouco da vida cotidiana de Cruz, seus amigos e animais — quatro gatos, quatro cachorros, uma tartaruga e um pombo. Numa delas, em tons de azul, um gato magro encara a lente; noutra, um amigo toca ukulele. “Estava tudo muito répido na minha vida, eu queria desacelerar e a fotografia analdgica fez isso para mim. Ela me faz prestar mais atengao nas coisas 4 minha volta.” Nas fotos mais recentes, em preto e branco, Cruz parece ter redescoberto a cidade em que vive, fixando 0 olhar, sem pressa, numa casa em construgdao, nos trilhos do trem, num homem que observa a rua da janela de um prédio. o EMILY ALMEIDA (siga @emilycfalmeida no Twitter) E estagidria de jornalismo da piauf. Antes, trabalhou no jornal 0 Globo esquina FAUSTO NO CAMARIM Um tenor em ascensao GUSTAVO ZEITEL ANDRES SANDOVAL_2019 m um dos camarins do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o tenor Giovanni Tristacci aquece a voz para dar vida a Fausto, 0 protagonista da 6pera homénima do francés Charles Gounod. Dedilhando um piano vertical, ele entoa: Hum! Hum! Hum! Em seguida, emenda a série Rrrd! Rrra! Rrrd!, que retumba nos corredores. Sao quase seis da tarde, e a récita de 26 de julho, sexta-feira, comega em uma hora. Tristacci nao esconde a ansiedade. Anda de um lado para o outro e periodicamente dispara dramaticos Rien! Rien! (Nada! Nada!). Ea palavra que abre a sua primeira aria: Rien! En vain j‘interroge, en mon ardente veille, la nature et le Créateur (Nada! Em vaéo eu interrogo, em minha ardente vigilia, a natureza e o Criador). O camarim é equipado com duas poltronas de pano, um sofa, um lustre de cristal e trés espelhos. Perto da porta, ha um mével com frutas, uma garrafa térmica com café e copos com Agua mineral morna. Numa mesa, repousa 0 romance que o tenor esta lendo: Pai, Pai, de Joao Silvério Trevisan. Tristacci tem 36 anos, mas a maquiagem e a barba pintada de branco o deixam com aparéncia de um homem idoso e muito palido. Rrr6! Rrré! Rrr6é!, canta o tenor, antes de trocar 0 look casual — camisa verde-musgo e calca cdqui — pelo figurino de Fausto: camisa branca, calga cinza, colete xadrez e um sobretudo roxo. “Jamais venderia a minha alma para o Diabo. Mesmo que eu fosse politico!”, ele diz, gargalhando em seguida. O artista faz mengao ao ponto central da dpera. Fausto, um alquimista que sonha atingir o conhecimento total, esté tomado pela melancolia, pois todos os seus experimentos deram errado e a velhice se aproxima a passos largos. Ele decide, entao, entregar sua alma a Mefistéfeles em troca da juventude. Em seguida, conhece Marguerite, cujo amor ele espera conquistar com a ajuda do Diabo. Fausto estreou ha 160 anos em Paris, com grande sucesso. Foi baseada na pega Faust et Marguerite, de Michel Carré, que, por sua vez, se inspirou no Fausto de Goethe. O libreto, assinado por Carré e Jules Barbier, parceiro de Gounod em varias 6peras, recria esse mito ocidental com a suntuosidade tipica da grand-opéra. Cerca de trezentas pessoas estiveram envolvidas na superproducao, que uniu coro, atores, solistas e balé. André Heller-Lopes foi 0 responsavel pela direcao cénica, Ira Levin encarregou-se da regéncia e Luiz Fernando Bongiovanni criou uma coreografia especial para a montagem. O papel de Fausto foi encarnado por Tristacci e, nas quatro récitas iniciais, pelo também brasileiro Atalla Ayan. Com a 6pera de Gounod, encerraram-se as comemoracées dos 110 anos do Theatro Municipal. iovanni Tristacci teve o primeiro contato com a musica erudita na cidade de Bento Gongalves, onde nasceu, filho de pais viticultores. Foram os Trés Tenores — grupo formado por Luciano Pavarotti, Placido Domingo e José Carreras — que o levaram a se apaixonar pelo canto lfrico, ainda adolescente, nos anos 1990. Arrebatado, 0 jovem passou a acompanhar as 6peras transmitidas pela TV Cultura e frequentou apresentagdes da Orquestra Sinfénica de Porto Alegre. Ensaiou as primeiras arias, sem nunca se preocupar em cantar baixinho. “Eu sempre quis cantar com a voz impostada”, comenta. Por fim, decidiu estudar mtisica e matriculou-se na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Dali seguiu para a Europa, com bolsas de estudo em escolas consagradas. Em 2010, estudou no Centro de Aperfeicoamento Placido Domingo, em Valéncia, e, no ano seguinte, na Capela Musical Rainha Elizabeth, em Bruxelas, onde cantou num concerto de gala com o prestigiado baritono José van Dam, que foi seu professor. De volta ao Brasil, passou a ser mais e mais solicitado. Atuou em diversas montagens, como A Flauta Magica, no Festival Amazonas de Opera de 2012, e Rigoletto, no Palacio das Artes, em Belo Horizonte, dois anos depois. Fausto representou um momento decisivo de sua carreira. “Eu tenho sorte, canto regularmente. Muitos cantores, porém, nao conseguem viver sé de cantar. O momento é de cortes”, ele alerta. nquanto espera para entrar em cena, Tristacci adota um tom brincalhao com os colegas. Todos parecem descontraidos, mas talvez esse seja mais um recurso para driblar 0 nervosismo. Os contrarregras, apressados, carregam para ld e para cd artefatos usados pelos personagens. Sobe o pano do Theatro Municipal. Um lengol branco cobre seis torres que simulam uma catedral gética, com arcobotantes e vitrais. No primeiro ato, Fausto esté numa cadeira de rodas, moribundo. Logo apés 0 pacto com o Diabo, lengol e cadeira sao tragados para fora do palco. O alquimista rejuvenesce. Na cena final do segundo ato, Tristacci alcanga um si natural: Je t’aaaaaaime! (Eu te aaaaaaamo!) A plateia ovaciona. “Essa nota exige de mim uma grande pirotecnia vocal”, comentou o tenor mais tarde, no camarim, bastante satisfeito com o resultado. No terceiro ato, ele canta a dria de maior responsabilidade, com versos de amor para Marguerite: Salut, demeure chaste et pure (Salve, morada casta e pura). Mais aplausos. Nas coxias, continua a confusao formada por fios, holofotes e, sobretudo, pelo grande numero de pessoas. Um integrante do coro, portando fones de ouvido, escuta uma musiquinha, enquanto, no palco, a soprano Flavia Fernandes, intérprete de Marguerite, dribla com sabedoria as dificuldades de uma gravidez ja visivel. Antes de voltar do ultimo intervalo, Tristacci recebe um abrago apertado do chileno de origem cubana Homero Pérez-Miranda, que faz Mefistéfeles, portando volumosos chifres de bode: Vamos, vamos, carajo! O pacto com o Diabo esta para 14 de consumado. No mundo paralelo da coxia, a diretora operacional Adriana Rio Doce ensaia alguns passos de funk, ao som do coro militar do quarto ato. Tristacci olha com espanto para Doce, que cai na gargalhada. Aproxima- se o final tragico da 6pera e o tenor retorna ao palco. Na montagem, Marguerite enlouquece, rejeita o amor do alquimista e morre sob a protegao divina. Derrotado, Fausto se posta no palco como um cao e é encoleirado pelo Diabo. Apés quatro horas e vinte minutos de 6pera, cai o pano pela ultima vez. Exausto e faminto, Tristacci volta ao camarim. o GUSTAVO ZEITEL esquina EM BUSCA DO MIOLO Um prato cada vez mais caro FABIO ZUKER ANDRES SANDOVAL_2019 chef Talitha Barros, vestindo um turbante colorido que lhe protege os cabelos, limpa uma pequena pega de miolo de boi de suave cor rosada, um pouco menor do que duas batatas. Retira a fina membrana que a envolve e os veios vermelhos na parte interior. “Mitido bom é mitido fresco. E quem gosta de mitido, gosta mesmo”, diz ela, enquanto acrescenta sal e pimenta- do-reino ao miolo, antes de empané-lo e fritd-lo. Uma vez pronto, ele adquire um tom acinzentado. E levemente crocante quando se da a primeira mordida. Depois, tem a textura de um paté. A chef 0 serve com limao e molho de pimentas defumadas, curtidas em especiarias. O prato custa 26 reais. O restaurante de Barros, Conceigaéo Discos, é um dos raros locais em Sao Paulo a oferecer, mediante encomenda, partes do boi que estao praticamente proscritas dos cardapios, como rins, testiculos —e miolo. “Eu fui criada comendo essas coisas, entao minha vontade é que isso seja comum, porque é comum”, afirma a chef, que tem uma explicagao para o sumico do cérebro: “E muito mais facil fritar um bife do que fazer um miolo, que demanda um tempo maior de preparo.” Ela gastou 25 minutos. Também nfo é facil encontrar miolos em agougues. Os que sao servidos no Conceicao Discos provém do Mercado Municipal da Lapa, na Zona Oeste. Mais precisamente, do Rei dos Mitidos, que, por sua especialidade, é apreciado por chefs e gourmands. Ali, figado, lingua, rins e pulmées bovinos sao pecas de significativa importancia. Por um pacotinho de 400 gramas de miolo de boi, com trés a quatro pedacos, o cliente paga 10 reais. “Os velhinhos compram pra comer. Outros compram pra melhorar da cabega, do Alzheimer”, conta a balconista Rosinalva de Fatima Leopolda. “Mas tem gente, a maioria, que compra miolo pra fazer macumba, mulher que quer mexer com a cabeca do homem, ou o homem que quer mexer com a cabega da mulher.” A utilidade magica, porém, nao chega a ser um estimulo para outros agougues da cidade, nem os de feiras de rua oferecerem 0 miolo. Mesmo na banca de Sérgio Pinto da Silva, um feirante que da especial atencao ao bucho de boi (e por isso prefere ser chamado de bucheiro, em vez de agougueiro), é impossivel achar cérebro bovino para comprar. “Nao tem consumidor, ninguém mais procura miti-dos de boi” - 6 a explicagao principal de Silva para a falta do produto. Ele continua especulando sobre a escassez: corre a histéria que uma cadeia de fast-food o utiliza para fazer hamburgueres. “Sao boatos que a gente escuta na feira”, diz. Com avental vermelho e luvas negras, limpa e corta em nacos precisos uma pega quadrangular de bucho. “Antigamente, a gente comia miolo porque era barato e os pais obrigavam. Hoje comemos os embutidos. Vai ver a felicidade que é um pao com salsicha e molho de tomate no final de semana”, diz. 4 4 ualquer outro mitido eu consigo aproveitar, menos o cérebro do meu préprio boi”, explica Julia Sechis, diretora da Beef Passion, produtora e distribuidora de carne bovina sustentavel que abastece alguns dos restaurantes mais cotados de Sao Paulo, como o D.O.M. e o Arturito. Segundo Sechis, as exigéncias do Servico de Inspegao Federal (SIF), que certifica produtores de alimentos de origem animal no pais, tornam “quase impossivel aproveitar o mitido”. Depois do abate do boi, 0 miolo é em geral incinerado, “por determinagao do Ministério da Agricultura, como norma sanitdria”, explicou a piaui a Associacao Brasileira de Frigorificos (Abrafrigo), em nota. A razao: “E por ele que se dava a contaminagéo do mal da vaca louca, a encefalopatia espongiforme bovina (EEB).” O médico infectologista Jacyr Pasternak, do Hospital Albert Einstein, pesquisador de doengas infecciosas e parasitdrias, explica que “qualquer pedaco do sistema nervoso central de bovinos, incluindo o cérebro — 0 miolo — mas também a sua, a medula espinhal, se 0 bicho estiver afetado pela proteina responsdvel pela doenga, pode transmitir a sindrome da vaca louca”. Mas Pasternak ressalta que é baixa a probabilidade de contrair a doenga no Brasil: “O risco é pequeno, quase nenhum: nosso gado pasta, nao é estabulado e nao recebe farinha de osso.” O mal da vaca louca surgiu na Inglaterra nos anos 1980, em razao de se alimentar 0 gado confinado com farinha feita de ossos e carnes nao aproveitadas dos proprios animais. Para a Abrafrigo, a rigidez da norma se justifica: “Embora o Brasil esteja livre dessa doenga e seja considerado pais de baixo risco, segundo a Organizagéo Mundial de Saide Animal (OIE), a medida é uma forma de controle sanitario preventivo.” Mas nem todas as empresas brasileiras necessitam do SIF, que, diz a associagao, “s6 é exigido para empresas que vendem para outros estados e também exportam”. “As visceras passaram a ser consideradas no Brasil partes despreziveis dos animais, como se pertencessem a uma condi¢ao sanitdria diferente”, analisa o socidlogo Carlos Alberto Doria, especialista na histéria da alimentagao e da gastronomia. “Tudo o que o supermercado deixa de fora, sai de gosto, vira sobra.” Para ele, na escala do paladar atual dos brasileiros, os mitidos, entre eles 0 miolo de boi, estariam em posic&o ainda mais inferior que a chamada “carne de segunda”. “Eu sempre tive pavor da expressao ‘carne de segunda’”, diz a chef Talitha Barros. “Existe boi de segunda, preparo de segunda, mas n&o carne de segunda.” Para ela, a identificagao do miolo com o cérebro humano parece ser um dos grandes proibitivos simbélicos para o consumo. Ao contrario do bife, que é amorfo, 0 miolo pode ser facilmente associado a parte equivalente do ser humano. “Eo cheiro, o sangue, a escatologia intrinseca ao mitido que gera pavor nas pessoas. Diante do miolo, vocé se depara com a sua propria morte”, filosofa Barros. o FABIO ZUKER esquina TUTU PARA BRUMADINHO Um traje e a memoria da tragédia MARCELA XAVIER ANDRES SANDOVAL_2019 om uma bolsa de lona nos ombros, Tulio Morais, um belo-horizontino de 29 anos, chegava para mais um dia de trabalho na Opéra Garnier. Seus ténis impecavelmente brancos chamavam a atencao — andar de metr6 em Paris e manter os sapatos limpos é uma arte que poucos dominam. Rapidamente, ele subiu até o quarto andar, onde fica o Atelier Flou, a oficina de figurinos das €toiles — as estrelas femininas da companhia — e das primeiras-bailarinas. O ambiente é espacoso e largas mesas dispostas no centro servem de estagao de trabalho para as costureiras. Ao longo das paredes, alinham-se as maquinas de costura. Era pouco depois de dez da manhi, e as costureiras discutiam a origem do termo cocotte. “E quando alguém toma um banho de perfume e 0 cheiro fica... forte”, disse uma delas, risonha. Outra observou, compenetrada, enquanto alinhava um pedaco de renda: “Cocotte ja foi sin6énimo de prostituta de luxo.” Com uma tesourinha de costura pendurada em volta do pescogo, Morais tirou de um gavetao um rolo de tule preto e entrou na conversa, conjugando o verbo que designa “cheirar mal” em francés: “je cocotte, tu cocottes...” Todos riram. No Atelier Flou, 0 termo cocotte indica uma técnica exclusiva para recortar em um padrao de semicirculos os tecidos com os quais seraéo confeccionadas as mtiltiplas camadas de saias (entre onze e treze) que comp6éem o tutu, a famosa pega utilizada pelas bailarinas. “Se hd outras pessoas que fazem cocottes nas saias, elas aprenderam aqui. Copiaram e levaram para os seus ateliés”, disse Morais, enquanto mostrava o molde que improvisou em plastico branco meio rigido. A primeira aparicdo de um tutu ocorreu em 1832 nos palcos do antigo teatro na Rua Le Peletier, a alguns quarteirdes de onde fica atualmente a Opéra Garnier, inaugurada em 1875. Marie Taglioni protagonizou o balé La Sylphide usando uma saia com camadas de musseline que deixava a mostra os tornozelos, um feito escandaloso para a época. Ninguém sabe ao certo de onde se originou 0 termo, mas supGe-se que foi fixado na linguagem corrente a partir de 1881. Talvez proceda da palavra “tule”, um dos tecidos mais usados na confeccao das saias, ou talvez venha da giria infantil tutu (bumbum). As saias precisam ser engomadas a cada trés ou quatro apresentagGes. A alguns passos do atelié fica uma maquina industrial de engomar que, gragas a uma base lfquida de amido de milho, devolve as pecas 0 aspecto original. “As bailarinas sao élevées”, explicou Morais, imitando 0 gesto com que elas séo erguidas pelos bailarinos. “Também sentam, deitam e, claro, dancam. O figurino sofre com isso.” Costureiro e designer de moda, Morais ingressou na Opéra Garnier gracas a um programa que seleciona jovens profissionais entre 18 e 29 anos — tais como musicos, marceneiros, cantores, ferreiros, coreégrafos, peruqueiros e maquiadores — para aprofundarem seus conhecimentos e habilidades durante oito meses. Eles também trabalham na producao dos préximos espetaculos da casa de épera. Morais foi o tinico brasileiro escolhido para o estaégio da temporada 2018-19. az quatro anos que Tulio Morais vive em Paris, para onde veio a fim de fazer uma especializagéo na renomada Escola da Camara Sindical de Costura Parisiense, apés ter cursado design de moda em Belo Horizonte. Desde que chegou a capital francesa, nao parou de trabalhar com a criacao de roupas — aspira tornar-se designer de alta-costura. Como 0 estdgio na Opéra Garnier permite que o profissional desenvolva um projeto pessoal, ele optou por fazer um traje completo de balé que inclui um tutu. O tutu de Morais, além de onze camadas de tule preto, tem trés camadas de tecido de cor de cobre (“para decoragao”, ele explica) e um disco firme, plissado, em volta da cintura, da mesma cor — é 0 chamado “ tutu panqueca”. O traje é parte de uma colecdo de vinte pecas que ele realiza como projeto artistico para compor seu portfdlio. O conjunto faz referéncia a tragédia de Brumadinho. “O bustié serd bordado com galhos secos pintados de cobre e cristais. Busquei falar do rompimento da barragem, daquela onda de lama que devastou tudo que tinha pela frente: casas, familias, paisagens, histéria, humanos, animais.” No caderno de trabalho onde ele coleciona imagens para inspiragao e amostras de tecidos, ha fotos de mineradores cobertos de lama e pedagos de pano de diversos tons terrosos. “A tragédia de Brumadinho me afetou como ser humano que sou: alguém que tem esperanca nos seres humanos, que acredita na capacidade deles de fazerem o bem, mas se decepciona quando se depara com atitudes que causam tanto mal para tanta gente”, afirmou. No atelié, 0 jovem brasileiro trabalhava de frente para Martine Chardey. Ela comecou como artesa na Opéra Garnier aos 19 anos. “Eu era curiosa e estava bastante motivada, assim como o Tulio. Queria saber como funcionava essa peca. Nao hd escolas. Aqui é 0 tinico lugar para aprender”, disse ela, que, aos 48 anos, perdeu a conta de quantos futus ja confeccionou. Sobre uma mesa, Chardey montava um vestido de veludo roxo intenso para 0 balé O Quebra-Nozes, de Tchaikovsky. Seguindo a tradi¢4o do ensino oral no atelié, ela aconselhava Morais, enquanto o observava afixar, com agulhas, o tule recortado a estrutura interna do tutu, antes de costurd-lo na maquina. “Tulio esta indo bem”, ela avaliou, com ares de professora que nao quer entregar a nota antes da hora. O tecido usado por Morais nao era tao nobre como o do modelo branquissimo de O Lago dos Cisnes, que pendia acima da sua mesa de trabalho e lhe servia de inspiracao. “Comprei o meu tule no Marché Saint Pierre’, ele contou, referindo-se a regiao de comércio popular em Paris. Além disso, diferentemente das costureiras do atelié, Morais podia levar o seu tutu para casa. “Pensando bem, eu deveria ter feito o molde do meu tamanho”, ele disse, rindo, enquanto esticava mais 10 metros de tecido. o MARCELA XAVIER vultos da Republica A AGROBOMBEIRA A ministra Tereza Cristina se equilibra entre Bolsonaro, os ruralistas e a pauta ambiental CONSUELO DIEGUEZ NAS CONVERSAS COM BOLSONARO, TEREZA CRISTINA 0 CHAMA DE JAIR. ELA CONTA QUE 0 PRESIDENTE A ESCUTA COM ATENCAO E REVE POSIGOES. “QUER SABER? ELE E ATE SUAVE NO TRATO”, DIZ — E GARGALHA ministra Tereza Cristina, da Agricultura, Pecudria e Abastecimento, entrou no prédio envidragado do Parlamento Europeu, em Bruxelas, para a discussao do acordo entre Unido Europeia e Mercosul, com a sensagao do jogador que pisa em campo na final do campeonato sem nunca ter atuado em partida alguma. Nos ultimos vinte anos, dezenas de diplomatas, técnicos e ministros se revezaram em duras rodadas de negociacao na tentativa de abrir um mercado de mais de 500 milhées de pessoas para os produtos brasileiros (e também argentinos, uruguaios e paraguaios). Quando ela desembarcou na capital belga, no dia 24 de junho, as claéusulas econémicas jé estavam amarradas. A pendéncia se concentrava justamente no agronegocio. A pressao sobre a ministra — tanto por parte dos técnicos da pasta da Economia, no Brasil, quanto dos comissdrios da Uniao Europeia (UE) e dos parceiros do Mercosul — era tremenda. Se o grupo da Agricultura nao fosse capaz de desatar os nés, o acordo, mais uma vez, ficaria emperrado, “Eu me senti como aquele jogador que vai bater o ultimo pénalti da disputa”, ela me disse, em meados de julho, quase um més apés 0 fechamento do acordo. “Se eu acertasse, a vit6ria seria atribuida, com razao, a todo o time que ha anos se empenhava na viabilizacao do projeto. Se eu falhasse, a culpa seria toda da Agricultura.” As acusagoes de que parte da soja brasileira estaria vindo de areas desmatadas ilegalmente se transformaram no ponto de maior atrito. Tereza Cristina foi informada de que o acordo sé seria fechado se os negociadores brasileiros concordassem com a inclusao do chamado “principio da precaucéo”. Segundo essa clausula, a suspensao imediata da importagao de soja pelos europeus estaria autorizada caso houvesse dentincia de que o produto provinha de area de desmatamento ilegal. A ministra bateu 0 pé. Avisou que o Brasil estava fora do acordo se os europeus insistissem na exigéncia. A tensdo aumentou e as negociac6es travaram. Entrou em campo, entao, a diplomacia. Uma reuniao foi marcada fora da agenda oficial entre Tereza Cristina e 0 comissdrio para a Agricultura da Unido Europeia, 0 irlandés Phil Hogan. As sete e meia da manha de 28 de junho, data final para a assinatura, ela e Hogan, um homenzarrao calvo, de quase 2 metros de altura, se encontraram para o breakfast no restaurante do hotel Steigenberger. O hotel fora escolhido para a conversa porque nao abrigava membros das delegacoes que discutiam o acordo. Para surpresa da brasileira e do irlandés, porém, apareceu no restaurante o embaixador americano para a Unido Europeia, que resolveu sentar-se justamente a mesa ao lado. “Tivemos que falar num tom muito baixo, tapando nossas bocas com as maos, para que ele nao nos ouvisse”, contou a ministra. A conversa nao foi amena. Hogan insistia que o acordo sé sairia se o Brasil aceitasse a exigéncia. “Eles queriam colocar uma trava nas nossas exportag6es, ja que qualquer informacao de que a soja vinha de area desmatada seria motivo para suspenderem as compras.” E esse processo sé seria revertido, afirmou ela, se o Brasil provasse que a informagao era falsa, 0 que poderia levar meses. A contraproposta brasileira era de que a clausula somente poderia ser aplicada se os europeus fizessem as acusag6es com base em provas cientificas, como imagens de satélite. “Era o minimo”, me disse ela, sem esconder certa irritacgdo. “Se nos acusam, cabe a eles apresentar as provas de que estamos agindo errado.” Apoiada por dois diplomatas brasileiros, Tereza Cristina comunicou a Hogan que nao estava blefando e chegara ao limite da negociacao. “Eu estava muito brava. Ou eles aceitavam que a clausula fosse redigida conforme a proposta brasileira ou a negociagao se encerrava ali.” O café da manha terminou sem se obter um consenso. Por volta das oito da noite, apds um dia de tensos debates, no decorrer do qual a ministra ameagou abandonar as negociag6es, os trés comissdrios da Unido Europeia informaram aos presentes que concordavam com os termos do acordo — inclusive com o principio da precaugao, como proposto pelo Brasil. A euforia tomou conta da sala e houve quem chorasse de emogao. Tereza Cristina apenas sorriu. “Eu quase néo comemorei. Estava simplesmente exausta, acho que quase em estado de choque.” mbora 0 acordo tenha sido saudado como um marco histérico pelos governos dos paises envolvidos — 27 europeus e quatro sul- americanos -, ainda falta muito para o Brasil ganhar a confianga e a simpatia dos parceiros do Norte. O Brasil obteve vitérias expressivas nos pleitos de cotas de exportagao de carne, frango, soja, milho, arroz, agticar e alcool para a Unido Europeia, além de uma protecao temporaria para o vinho nacional, mas o pais pode colocar tudo a perder caso nao se comprometa, de maneira substancial, com o respeito ao meio ambiente. “Se esse acordo fosse colocado hoje em votagao nos Legislativos francés e alemao duvido que 0 aprovassem’”, especulou o engenheiro florestal Tasso Azevedo, coordenador do Observatério do Clima, uma respeitada coalizdo de organizagdes nao governamentais (ONGs) que calcula anualmente as emiss6es de gases do efeito estufa, causadoras do aquecimento global. Numa conversa por telefone, em meados de julho, Azevedo expés suas razdes: “Nao passaria, pois nenhuma das salvaguardas ambientais que o governo brasileiro colocou no acordo se sustenta. Nao é verdade que a agricultura do Brasil é sustentavel. Uma parte dela ainda desmata. E nao é verdade que estamos controlando o desmatamento. O Brasil tem que admitir os seus erros e dizer que esté se empenhando em mudar, em vez de querer vender a imagem de que faz tudo certo.” Segundo ele, os problemas ambientais servem para reforcar 0 lobby europeu, que usa a seu favor o fato de que parte da producao brasileira provém de dreas desmatadas. Azevedo disse que este seria o momento de o pais mostrar com clareza que esta comprometido com a preservacao. “Quando produtores queimaram um caminhao do Ibama, em Rondé6nia, em protesto contra o endurecimento da fiscalizagéo, o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, tinha que ter mandado prender os que atacaram os funciondrios do Estado; quando o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente, sugere a reducao das areas de reserva legal, o governo tinha que dizer que aquilo esta fora de cogitagdo; quando o garimpo invade terra de indio, a policia e o Exército tinham que entrar em campo e punir os responsaveis”, afirmou. “O governo brasileiro pensa que nao existem satélites? Que ninguém enxerga as invasGes em terra indigena?” A bidloga Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente nos governos Lula e Dilma, é uma voz influente nos foros de clima internacionais. Ela também antevé problemas no acordo entre os dois blocos, caso a Europa perceba riscos ao meio ambiente no Brasil. Em julho, ela me disse que, a despeito do agronegécio dar sinais de que tem se esforcado para aumentar a producao sem desmatar, a verdade é que ainda ocorrem estragos, principalmente na Amazonia e no Cerrado. Como Azevedo, Teixeira vé na atuagdo do governo federal a razao do insucesso do pais. Enumera, em sua lista de criticas, as estocadas do presidente e do ministro do Meio Ambiente contra ambientalistas e 6rgaos ptblicos, as insinuag6es de que serd permitido garimpo em terras indigenas e o ataque de Jair Bolsonaro aos dados do desmatamento divulgados pelo renomado Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Inpe [Esta edi¢aéo traz reportagem especifica sobre o Inpe, da pagina 20 a 24]. o final de agosto, Bolsonaro entrou em confronto com a comunidade internacional, alarmada com as queimadas na Amazénia. A crise ganhou 0 noticidrio no dia 19 de agosto, segunda-feira, apds o céu da cidade de Sao Paulo enegrecer no meio da tarde — a principal causa foi o transporte de fumagas de queimadas na regiao amazénica. Na manha daquele dia, Tereza Cristina havia estado em Rondénia para a cerim6nia de um programa de manejo sustentdvel da Floresta Nacional do Jamari. Durante um sobrevoo pela floresta deparou-se com dois grandes focos de queimada e pressentiu problemas. Ao chegar a Porto Velho, a fumaca encobria 0 aeroporto. Preocupada, fez um discurso ao lado do governador, alertando para os incéndios. Quando ela voltou a Brasilia, a escuridao em Sao Paulo ja era assunto em todo o pais. No dia seguinte, um satélite da Nasa revelou as queimadas para o mundo, e o desmatamento na Amaz6nia se transformou em crise internacional. Governantes de varios paises, artistas, atletas e celebridades passaram a atacar Bolsonaro, acusando- o de incentivar a destruicao da floresta. Multiddes se aglomeraram em frente as embaixadas brasileiras mundo afora, engrossando os protestos. O mais veemente deles veio do presidente da Franca,

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