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CRIMES TRIBUTÁRIOS – CONSIDERAÇÕES GERAIS

O Direito, a despeito de constituir um sistema, uma unidade harmônica, apresenta


pluralidade jurídica, ou seja, o todo é formado por diversas partes/áreas especializadas,
que mantêm a unidade do sistema porque estão vinculadas a princípios gerais, dispostos
pelo Direito Constitucional.

Entretanto, cada uma dessas áreas/partes especializadas possui seus próprios princípios
e normas específicas.

Dentre esses ramos do sistema jurídico estão o Direito Tributário e o Direito Penal, cada
um com um objeto próprio. O primeiro tem por objeto o fato definido como tributo,
compreendendo as contribuições sociais; no segundo, o objeto é o fato definido como
infração penal (crimes e contravenções). Assim, dependendo a qual ramo do Direito
pertence determinado objeto, este será disciplinado pelos princípios e normas referentes
a essa área específica.

Contudo, tendo em vista que os vários ramos jurídicos não são estanques, alguns fatos
podem se mostrar relevantes, ao mesmo tempo, para mais de um ramo. Desse modo,
poderá um instituto próprio do Direito Tributário ser atraído para o Direito Penal. O fato
imponível, por exemplo, interessa aos dois ramos: ao tributário, para legitimar a
exigência do pagamento; e ao penal, para punir o agente da sonegação. Esse é o caso
dos crimes tributários. Neste caso, evidentemente, os princípios norteadores da cobrança
não serão os mesmos a comandar a punição. A aplicação da sanção penal será
disciplinada por princípios e normas específicas do Direito Penal.

É justamente na questão relativa à aplicação da sanção penal a instituto não relacionado


especificamente ao Direito Penal que surgem as controvérsias. Além disso, como será
exposto ao longo deste estudo, tais crimes são decorrentes da chamada "fúria
legislativa" que tem ocorrido desde a década de 90 no Brasil, o que leva ao
questionamento se a via penal é a melhor forma de se combater e prevenir essas práticas
delituosas. Daí a importância da singela análise crítica que se fará neste trabalho sobre
os crimes tributários.

1. HISTÓRICO LEGAL DOS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Tendo em vista a noção de que a tutela penal da ordem tributária estaria justificada pela
natureza supra-individual do bem jurídico a ser protegido, a preocupação em reprimir a
utilização de meios fraudulentos e ilícitos para evitar o pagamento de tributos devidos
vem de longa data. Nesse sentido, já o Código Criminal do Império, de 1830, tipificou
como crime as condutas de contrabando e descaminho. Em 1890, o Código Penal
Republicano reafirmou em sua redação o conteúdo do Código Criminal do Império no
que concerne a tais crimes.

O Código Penal de 1940, contudo, foi influenciado por uma forte corrente
individualista. Diante disso, tratou da questão da evasão fiscal sob o ponto de vista do
patrimônio individual, como se observa na figura de seu art. 334.

O advento do Estado Social de Direito, em que a visão essencialmente individualista do


Código Penal começou a ser superada, trouxe o fortalecimento do poder público, que
passou a intervir em setores antes dominados por particulares. Neste contexto, a
preocupação com a evasão fiscal fez-se muito presente e deu origem à Lei nº. 4.357/65.

A Lei referida trazia a previsão do crime de apropriação indébita. Os crimes de


sonegação fiscal propriamente só surgiram com a Lei nº. 4.729, também promulgada em
1965. Contudo, foi somente na década de 1990, com a Lei nº. 8.137, que foram
definidos os crimes contra a ordem tributária e fixadas as penas aplicadas a estes.

A Lei nº. 8.137/90 foi promulgada em um momento de crise do Governo Sarney,


momento este em que a inflação mostrava-se descontrolada. O art. 14 da referida lei
revogou parcialmente a Lei nº. 4.729/65, passando a determinar que a extinção da
punibilidade pelo pagamento se dava quando este era anterior à denúncia (e não mais à
ação fiscal).

A partir da Lei nº. 8.137/90, as mudanças legislativas se sucederam de forma frenética.


Já em 1991, com a Lei nº. 8.383 (art. 98), o art. 14, da Lei nº. 8.137/90, foi revogado,
voltando a ser aplicada a Lei nº. 4.729/65. Poucos anos mais tarde, a Lei nº. 9.249/95,
em seu art. 34, repristinou o art. 14, da Lei nº. 8.137/90. Por fim, em 1996, a Lei nº.
9.430 determinou, em seu art. 83, que a autoridade administrativa não poderia enviar
informações ao Ministério Público antes do fim do procedimento administrativo, dando
origem às discussões acerca da relação entre as instâncias administrativa e penal nos
crimes contra a ordem tributária.

O resultado de tantas alterações legislativas, que ainda continuam ocorrendo, é a


confusão quanto à aplicação de normas legais quando se trata de crimes contra a Ordem
Tributária, confusão esta que tende a uma grande insegurança jurídica.

2. BEM JURÍDICO

Bem jurídico constitui todo estado social desejável que o direito quer resguardar, de
modo que é assim imprescindível à comunidade. Será através do bem jurídico que o
legislador irá imputar as condutas que são passíveis de criminalização, tendo em vista o
valor que representa.

No dizer de CERVINI [1]: "El concepto de bien jurídico pasa hoy por uma
transformación em el sentido de su comprensión com base em su contenido personalista
y em su legitimación democrática. Esto implica um doble control material. Tanto su
contenido personalista como su legitimación democrática conducen a que el Estado no
puede prohibir cualquier conducta, sino solamente aquella que implique uma lesion o
peligro de lesión a bienes jurídicos, tomados como valores concretos que hacen posible
la protección de la persona humana, como su destinatário final, o que aseguren su
participación em el proceso democrático, sin referencia alguna a un deber general de
obediência. Desde este punto de vista, también los tipos penales socioeconomicos deben
reflejar la realidad de cada sociedad y relaciones sociales concretas, nacidas de la
conflictividad y no de meras imágenes causales."

Deve-se ter em mente que os tipos que protegem a ordem tributária são crimes que
refletem valores econômicos, tais como os previdenciários, os delitos financeiros, dentre
outros. No entanto, cabe perquirir se o objeto de proteção dos crimes tributários tem
sido exclusivamente o de garantir os cofres públicos, o que poderia equivaler em última
instância à possibilidade de prisão por dívidas.

Sem contar que, ao se permitir a responsabilização criminal pela ofensa à ordem


tributária, é ato consectário desejar a ressocialização de pessoas que de fato não são
culpadas por agressões insuportáveis a valores consagrados, até porque é sabido com
que resistência historicamente o homem se insurgiu contra os tributos, e mesmo porque
é possível afirmar sem medo de errar que grande percentagem da população brasileira
comete tais crimes.

Como afirma FAUSTO DE SANCTIS [2]: "O bem jurídico dos delitos aludidos deve
ser visto sob diversos ângulos, aí residindo as dificuldades principais deste setor do
Direito Penal, que convive, sobretudo, como bem alerta Franciso Munõz Conde, com a
'imprecisão e a indeterminação de seu objeto jurídico, que alguns reconduzem a um
vago interesse no equilíbrio do sistema econômico: a uma genérica ordem pública
econômica'. Assim, o objeto de proteção é uma determinada forma de intervenção do
Estado na Economia, bem recolhendo seus impostos, não para concorrer com a
iniciativa privada, mas para assegurar uma redistribuição de riquezas por meio de uma
política fiscal que possa obter recursos para o atendimento das necessidades sociais.
Essa intervenção busca, então, regular a iniciativa privada, corrigindo seus excessos, e
permitir que se atinjam aqueles objetivos."

O Estado vale-se do Direito Penal para imobilizar as condutas que de alguma forma
inibem a realização das atividades econômicas (há um bem de caráter mais
supraindividual, qual seja a so-called ordem econômica), uma vez que se entende que os
delitos que atentam contra esta ordem são uma ameaça à sociedade, a afetar não
somente vítimas determinadas, mas também o funcionamento eficaz e planejado das
políticas públicas de redistribuição da riqueza nacional.

Diante deste quadro por demais complexo, algumas questões podem ser colocadas, tais
como postas por CERVINI [3]: "Qué pueden tener de común la sociedad clásica o
moderna com la llamada sociedad de riesgos? Qué pueden tener de común el clásico
Derecho Penal econômico de la economia dirigista com el actual Derecho Penal
económico promocional-funcionalista que se indica como indispensable panacea para el
conflicto de la sociedad pos industrial? La respuesta será sin duda compleja, pero
indudablemente, tratándose de Derecho Penal, el punto de necesario encuentro debe
estar em las garantías de los ciudadanos y en esse mínimo aceptable de certeza-
seguridad jurídica que exige um sistema democrático de gobierno. Pensamos que será
posible lograr um cierto entedimiento técnico-jurídico sobre el concepto y alcance del
Derecho Penal socioeconômicos, en la medida en que se compartan esos valores."

É bem de ver que o que irá nortear sempre o intérprete será a prevenção geral do delito,
sempre em consentaneidade com as garantias consagradas no Estado Democrático de
Direito, a caracterizar a legitimação do Direito Penal Moderno que leva em conta o bem
jurídico que se espera tutelar.

Desta feita, o Direito Penal Tributário, entendido como um ramo do Direito Penal
Econômico, tem, dada a abstração e porosidade do bem jurídico a ser protegido,
estabelecido a responsabilidade objetiva (punição mesmo no caso de erro sobre a
ilicitude do fato) por crimes de perigo abstrato ou de mera conduta (ausência de um
resultado material de lesão, bastando a sua probabilidade), recebendo, por isso, várias
críticas, e com razão.

Razão assiste à CERNICCHIARO, para quem a natureza do bem jurídico nos delitos
em questão é bifronte, pois "de um lado, compreende os interesse público de o Estado
obter meios para a realização de suas atividades; de outro avulta o interesse do Tesouro,
patrimonial, relacionado com a receita do Estado. Assim, o bem jurídico não traduz
apenas interesse patrimonial. Alcança também os limites da política econômica, o que
faz aumentar o significado do delito tributário" [4].

3. AÇÃO PENAL E AÇÃO FISCAL

Uma vez que os crimes contra a ordem tributária estão diretamente ligados ao não
pagamento de um tributo devido, o papel do procedimento administrativo de
lançamento do débito tributário deve ser discutido. De fato, há uma relação entre a ação
fiscal promovida pelo Fisco em sede administrativa e a ação penal proposta pelo
Ministério Público no âmbito do Poder Judiciário. A questão a ser debatida diz respeito
ao modo como tal relação deve se dar.

Como já ressaltado, as inúmeras mudanças legislativas no que tange aos crimes contra a
ordem tributária têm causado problemas acerca da aplicação de normas. Não é diferente
quanto à relação entre a ação fiscal e a ação penal tributária. Desde a década de 1960,
não apenas as mudanças legislativas, mas também os diferentes entendimentos a
respeito da natureza dos crimes tributários têm fomentado discussões a respeito de
relação entre ação fiscal e ação penal.

O ponto principal da questão da relação entre ação fiscal e ação penal é se o término da
primeira seria condição de procedibilidade da segunda. Na medida em que os crimes
contra a ordem tributária são entendidos como crimes formais, em que não há a
exigência de produção de efeitos para sua consumação, não há de se falar em uma
necessidade de término da ação fiscal para iniciar a ação penal. O Ministério Público,
portanto, estaria autorizado a colher elementos para oferecer denúncia de outras formas,
não havendo uma relação de condição de procedibilidade entre a ação fiscal e a ação
penal.

Por outro lado, se os crimes contra a ordem tributária são entendidos como crimes de
resultado, em que só há a consumação dos delitos quando se atinge um fim de natureza
material, há a necessidade de uma demonstração real do dano causado. Ora, o término
do procedimento administrativo, com a configuração cabal da dívida tributária, assim,
se torna imprescindível para que se possa falar em um processo-crime. A ação fiscal,
portanto, passa a ser condição de procedibilidade da ação penal.

Analisando a estrutura dos tipos penais relativos à ordem tributária, parece mais
acertado o segundo entendimento. De fato, os crimes contra a ordem tributária são
crimes de resultado, em que é necessária a configuração efetiva de um dano para que
possa haver a consumação do delito. Além disso, a comprovada existência de uma
relação de obrigação jurídico-tributária entre contribuinte e Estado é pressuposto para a
caracterização de crime tributário. Ora, como comprovar efetivamente a existência da
obrigação de pagar tributo e o não pagamento deste senão pelo procedimento
administrativo cabível?
"Só mediante a ação fiscal finda, na qual se discute a procedência ou não do lançamento
tributário, é que se constata, de um lado, a existência da obrigação tributária, ou seja, do
tributo, e por via de conseqüência a ocorrência, em vista de uma ação fraudulenta, do
resultado: supressão ou redução do tributo devido." [5]

Dessa forma, o término do procedimento administrativo é sim necessário para que, uma
vez caracterizada a existência de obrigação tributária não cumprida, haja o interesse de
agir do Ministério Público e, conseqüentemente, a justa causa da ação penal [6].

É justamente neste sentido que tem entendido a jurisprudência brasileira [7]. Em


especial quanto ao Habeas Corpus n.º 81611-DF, que é o leading case da matéria, cuja
ementa é a seguinte:

Crime material contra a ordem tributária (L. 8137/90, art. 1º): lançamento do tributo
pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a
ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura
pela falta do lançamento definitivo.

1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC


1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L.
8137/90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do
processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma
condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.

2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação
do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249/95, art. 34), princípios e
garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da
ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para
questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse
submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.

3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo


suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que
dependa do lançamento definitivo.

4. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

O tema da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária apresenta-se


muito mais amplo que o escopo deste trabalho, englobando todas as hipóteses de
extinção previstas no artigo 107 do Código Penal. O tema deste estudo, entretanto,
cinge-se aos limites do artigo 34 da Lei 9.249/95, diploma legal que "altera a legislação
do imposto de renda das pessoas jurídicas, bem como da contribuição social sobre o
lucro líquido, e dá outras providências".

Segundo o artigo 34 da referida lei, "extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na


Lei 8.137, de 27.12.1990, e na Lei 4.729, de 14.07.1965, quando o agente promover o
pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento
da denúncia". Trata-se, portanto, de norma de direito penal inserida em diploma de
natureza tributária.

Este artigo restabeleceu a possibilidade de se extinguir a punibilidade através do


pagamento do tributo ou da contribuição social. Esta possibilidade era prevista no
ordenamento jurídico através do art. 11, §1º da Lei 4.357/64 (que trata do crime de não
recolhimento do imposto de renda retido na fonte), do art. 3º da Lei 4.729/65 e do art.
18, §§ºs 1º e 3º do Decreto-lei 157/67 (que tratam da sonegação fiscal), do art. 2º do
Decreto-lei 326/67 (que trata da apropriação indébita do imposto sobre produtos
industrializados), e do art. 14 da Lei 8.137/90 (que trata dos crimes contra a ordem
tributária). Sua exclusão de nosso ordenamento se deu através do art. 98 da Lei
8.383/91, ressurgindo com o advento da Lei 9.249.

Note-se que a extinção da punibilidade é exceção na sistemática do direito penal. O


legislador, de modo geral, atribuiu à reparação do dano causado (i) a diminuição (art. 16
do Código Penal), ou (ii) a atenuação da pena (art. 65, III), conforme esta reparação
ocorra, respectivamente, antes ou depois do recebimento da denúncia. A única exceção
até então existente era a do peculato culposo, em que a reparação do dano, em qualquer
momento anterior à sentença irrecorrível, possui o condão de extinguir a punibilidade
(art. 312, § 3º). A hipótese do art. 34 da Lei 9.249/95 se soma a esta hipótese, fugindo à
regra do sistema.

O âmbito de incidência do art. 34 da Lei 9.249/95 se dá sobre todos os crimes fiscais,


incluindo os casos arrolados pelo artigo 95, "d", da Lei 8.212/91. Do ponto de vista
temporal, por tratar-se de norma penal benéfica, aplica-se de forma retroativa, atingindo
mesmo os casos em que o agente tenha sido condenado por sentença transitada em
julgado ou se encontre em fase de execução penal.

Interpretando o art. 34 da Lei 9.249/95, ANDRÉ NABARRETE NETO [8] afirma que,
para se extinguir a punibilidade, o pagamento do tributo ou contribuição social deve se
dar (i) pelo próprio agente, não lhe aproveitando o pagamento realizado por terceiro, (ii)
deve ser realizado em sua integralidade, incluindo a correção monetária dos valores e
multa, não extinguindo a punibilidade a mera renegociação da dívida (REFIS), e (iii)
deve se dar antes do recebimento da denúncia. ANDRÉ NABARRETE NETO discorda,
assim, das correntes que pugnam pela extinção da punibilidade quando da renegociação
da dívida ou pela suspensão do processo até o fim do procedimento
administrativo/pagamento total do financiamento.

O mesmo autor critica, e o faz de modo severo, essa admissão da extinção da


punibilidade pelo pagamento do débito fiscal. Para o autor, a solução adotada pela Lei
9.249/95 privilegia puramente o pagamento da exação sonegada. Com isso, utiliza a
ameaça do processo e a pena como expedientes para compelir o agente ao pagamento da
dívida. Para ele, a punibilidade estatal deveria ser tal a modo de não possibilitar a
reprodução da conduta censurada, criando a solução atual um "vício mental do
sonegador" no sentido de que seu insucesso na prática delitiva apenas resulta na
necessidade de pagamento do tributo ou contribuição social.

O mesmo autor afirma, ainda, que a admissão da extinção da punibilidade pelo


pagamento atende apenas aos interesses de uma minoria, detentora do poder econômico,
estando dissociada do interesse da maioria da população, perante a qual apenas cresce a
noção e o sentimento de impunidade, num antagonismo que apenas separa o "povo em
geral" da "elite dominante que controla ou mais influência o Estado". Como solução
para essa crise na repressão dos delitos fiscais, que o autor afirma quase nunca restarem
punidos, conclama os operadores do direito a uma "descanonização dos cânones" e um
retorno à regra geral do art. 16 do Código Penal.

Observa-se, pois, que a opinião do autor mencionado coaduna-se ao entendimento de


que o bem jurídico protegido pelos crimes tributários é mais do que a mera proteção à
arrecadação do Fisco (o que legitima plenamente a extinção da punibilidade pelo
pagamento do devido, uma vez que seria esse mesmo o objetivo da repressão penal a
esses crimes). Tudo leva a crer que ele seja adepto à corrente, ainda minoritária no
sentido de que o bem jurídico protegido pelos crimes tributários é também a
fidedignidade das informações prestadas ao Erário, o que impede que a punibilidade
seja concebida como plenamente extinta com o mero pagamento da dívida. Vale notar,
porém, que esse entendimento ainda não prevalece, mas demonstra quão complexa é a
temática dos crimes tributários e quantas questões controvertidas estão envolvidas na
sua aplicação.

Por fim, nota-se que, com a Lei nº. 10.684/03, houve nova modificação no que concerne
à extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária. A referida lei, que
instituiu o Programa de Parcelamento de Débitos Fiscais, REFIS II, trouxe uma
previsão ampla da extinção da punibilidade, de modo a atingir não apenas as hipóteses
de parcelamento de débitos fiscais. De acordo com o art. 9º, §2º, do mencionado
diploma legal, o pagamento integral dos débitos tributários extingue a punibilidade sem
que haja qualquer limitação temporal. O art. 34, da Lei nº. 9.249/95, foi então revogado.

Esta ampliação trazida pela Lei nº. 10.684/03 foi recepcionada pela jurisprudência
pátria. Nesse sentido, cita-se o HC 81.929-RJ, relatado pelo Ministro César Peluso.

A questão da extinção da punibilidade nos crimes tributários, conforme se vem


mostrando neste trabalho, já sofre de grande complexidade (discussão acerca de qual
seja o bem jurídico protegido por tais crimes). A "fúria legislativa", caracterizada pela
sucessão de várias leis no tempo sobre um mesmo assunto, apenas agrava a situação
dessa faceta de tais crimes.

5. SUBSIDIARIEDADE, FRAGMENTARIEDADE E DIREITO PENAL MÍNIMO

Na doutrina penal, considera-se que a tarefa imediata do direito resume-se na proteção


de bens jurídicos. Distingue-se o Direito Penal dos demais ramos jurídicos por atuar
como ultima ratio, ou seja, somente se justifica a proteção penal quando os outros ramos
do direito forem insuficientes. Logo, a proteção penal é subsidiária.

O Direito Penal também somente deve atuar quando a lesão (ou ameaça de lesão) ao
bem jurídico apresentar gravidade (significado penal), não formando, portanto, um
sistema fechado de condutas, mas fragmentário.

Desse caráter limitado da proteção penal (subsidiariedade e fragmentariedade) deduz-se


um princípio fundamental do direito penal moderno (clássico). Trata-se do princípio da
intervenção mínima: o direito penal somente tem legitimidade para atuar nos casos de
grave lesão (ou ameaça de lesão) a bens jurídicos fundamentais para as relações sociais.
Dessa característica da proteção penal (mínima intervenção) se junta uma outra: o
garantismo. O direito penal, desde o século XVIII, busca a limitação do poder punitivo
do Estado face ao cidadão. Pelos séculos passados, constatou-se que o poder punitivo do
Estado sempre serviu à opressão. Daí, o direito penal moderno (liberal) ter sido
construído a partir de um discurso garantista, caracterizando o direito penal da Escola
Clássica como um instrumento de proteção do indivíduo contra o Estado.

Na década de 80, a tese abolicionista (o crime não tem realidade sociológica e os


conflitos sociais que realmente existem só podem ser solucionados com a participação
efetiva dos sujeitos envolvidos) perde a importância que teve nas duas décadas
anteriores. Ressurge o discurso do controle social da pena, mas, em respostas às duras
críticas anteriores, com maior ênfase nas características do direito penal acima
apontadas.

Essa revitalização do princípio da intervenção mínima e do garantismo penal passou a


ser denominada de direito penal mínimo ou minimalismo penal, e tem como proposta
central a mínima intervenção do Estado, com a máxima garantia do direito de liberdade
do cidadão. Em outras palavras, a prisão somente deve ser aplicada para se evitar um
mal maior para a sociedade, em decorrência da sua falência (alto custo, ineficácia e
injustiça), bem como a conhecida seletividade do sistema penal deve ser combatida
pelas garantias individuais.

Em resumo, o direito penal mínimo, reconhecendo certa utilidade social no controle


penal, aponta para a descriminalização (abolição de vários tipos penais, tendo como
critério a fragmentariedade e subsidiariedade), despenalização (criação de vias
alternativas que solucionam o conflito penal sem aplicação de pena) e
desinstitucionalização (diversificação da resposta penal, transferindo o conflito para os
sujeitos envolvidos).

Na legislação brasileira, a Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Criminais) tem sido
apontada como o principal diploma legal de inspiração minimalista. Contudo, essa não é
a característica da nossa política criminal. Ao contrário, desde o início da década de 90,
o movimento da lei e ordem tem conseguido ampliar a abrangência do sistema punitivo,
apesar da sua ineficácia, criando novos tipos penais, aumentando as penas e restringindo
garantias individuais. Tudo em nome de uma suposta e interminável guerra contra o
crime que enriquece as empresas de comunicação de massa e elege políticos
demagógicos.

O rigoroso discurso punitivo da década de 90 desvincula a pena da função protetora de


bens jurídicos, na medida em que define o crime não como uma lesão (ou ameaça de
lesão), mas como uma falta de lealdade à ordem social, uma opção de maus cidadãos
que devem ser duramente castigados. Criando, assim, um direito penal simbólico,
incapaz de promover a paz social que proclama, mas perfeitamente capaz de contribuir
para a manutenção da ordem social.

A problemática até agora apontada na aplicação da legislação brasileira quanto aos


crimes tributários demonstra que a criminalização dessas condutas, afora o caso da má
redação e ambigüidade dos tipos penais tributários, bem como a penalização de
condutas que consistiriam meras infrações administrativas (temas de extrema
relevância, mas que excederiam aos limites deste trabalho), é um exemplo das
conseqüências desse movimento da lei e ordem da década de 90. Todas as
incongruências demonstradas quanto à aplicação dessa legislação especial geram a
indagação se o Direito Penal é a melhor via para a correção dos delitos em questão.

6. DESPENALIZAÇÃO DOS CRIMES TRIBUTÁRIOS?

No que tange à temática dos crimes tributários, cabe, portanto, discutir se a sanção penal
será sempre a melhor via a ser tomada, ou se é possível uma outra via mais eficaz.
Sempre se deverá ter em conta a questão do bem jurídico, que, na esfera da Política
Legislativa, exerce importantíssima função ao orientar o legislador na decisão de qual
conduta será reprimida com a sanção penal e qual será pela sanção administrativa. Para
além, auxilia o bem jurídico a delimitar dentre as múltiplas formas que a conduta possa
apresentar, qual aquela que, dadas suas idiossincrasias, exige-se que seja reprimida com
mais eficácia, seja por uma via seja pela outra.

Em países como França e Itália foi possível observar um relativo processo de


despenalização, a provar que em realidade a escolha da via penal ou administrativa não
se relaciona diretamente com a importância do bem jurídico em si, sendo mais uma
questão de escolhas de conveniência política, com escopo de alcançar os fins
preventivos e retributivo, no sentido de que se trata mais de uma questão de eficácia
social do que de diversidade axiológica. A questão deve ser analisada sob o seguinte
prisma: se há a defesa do bem jurídico fundamental, pouco importa que seja utilizada a
via administrativa ou penal, posto que sempre, diante da importância do bem jurídico a
sociedade restará protegida em última análise.

O penalista espanhol GONZALO RODRIGUEZ MOURULLO [9], ao comentar o


assunto, diz que "a pretendida diferença qualitativa entre os ilícitos fiscais e criminais
está ligada à questão mais ampla da diferença entre os ilícitos administrativos e penais.
Não podemos nesta sede aprofundar esta discussão doutrinária. Em que pese a todos os
esforços, entendo que não existe uma diferença substancial, ontológica, entre o ilícito
administrativo e o ilícito criminal. O constante fluxo e refluxo que, a nível de direitos
positivos, se estabelece entre uma e outra esfera de ilicitude vem confirmar essa
afirmação. A conversão de infrações administrativas em criminais (penalização) e a
reconversão de infrações criminais em meros ilícitos administrativos (despenalização)
não afetam substancialmente o conteúdo de injustiça dos fatos. A ilicitude dos
respectivos fatos continua sendo a mesma. O único elemento que varia é a natureza da
sanção. Tais conversões e reconversões - das quais temos freqüentes exemplos na Itália
e na Alemanha - obedecem a razões de política criminal, e constituem verdadeiras
tentativas do legislador em busca da solução mais justa e eficaz."

Em semelhante giro valorativo MIGUEL REALE JR. [10] propala que "estas lições
indicam não haver uma diferença de natureza substancial entre ilícito penal e
administrativo retributivo, como também preleciona Daniele Propato, para a qual
sanções administrativas retributivas são idênticas em suas funções penais, 'perseguendo
entrambe uma finalità di prevenzione generale e speciale'. Em assim, a escolha pela
qualificação de uma conduta como ilícito penal ou administrativo não é senão de
Política Legislativa, tendo em vista, primordialmente, a busca de maior eficácia social."
Enfrenta-se um desafio, tal qual proposto por Hassemer, acolhido no Brasil por Cezar
Roberto Bittencourt e Maurício Zanóide de Moraes, no sentido de se criar um chamado
"Direito de Intervenção" [11], que se situará entre o Direito Penal e o Direito
Administrativo.

MIGUEL REALE JR. entende que "a formulação de uma 'terceira via', caminho a
percorrer-se entre a trilha rígida do direito penal e a maior fluidez do direito
administrativo está na mente de autores de peso de Hassemer que preconiza ser preciso
pensar um novo campo do direito que 'não aplique as pesadas sanções do Direito Penal,
sobretudo as sanções de privação de liberdade e que, ao mesmo tempo possa ter
garantias menores'. (...)" A seu ver - em perspectiva que endossamos - o Direito Penal
deveria ter por fulcro a proteção de bens individuais, como a vida, a liberdade, a
integridade física e a propriedade, sem se voltar para o campo da moderna
criminalidade. Do contrário, a seu ver, arrebentar-se-á o Direito Penal, que se
transforma em um instrumento ineficiente. [12]

Uma importante mudança no que tange aos crimes tributários seria que tais infrações
fossem julgadas por tribunais administrativos (in casu pelo TITE ou Conselho de
Contribuintes ou ainda uma entidade nova, sempre assegurando-se a imparcialidade e a
independência), revestidos, porém, de algumas garantias e limitações inerentes ao
Direito Penal. É dizer, trata-se de uma simbiose entre a infração penal e administrativa,
se bem que vai ser sublinhado mais o aspecto administrativo, por isso se dirá um Direito
Administrativo Penal, distinto do Direito Administrativo disciplinar, que já pressupõe
sempre uma relação de subordinação (questão de puissance publique).

Deve-se dar um primeiro passo para essa construção, de modo que o Ordenamento
como um todo seja dotado de um instrumental mais célere, sem deixar de atender aos
princípios garantistas do Direito Penal (como o princípio da legalidade), para superar as
barreiras que atualmente o tornaram ineficente e esquizofrênico (a profusão legislativa
foi tamanha que se perdeu o conceito sistêmico). Crê-se possível fazer atuar a lei penal
por outro meio mais eficaz, com fins de prevenção e retribuição na defesa dos bens
jurídicos essenciais.

CONCLUSÃO

Resultado da "fúria legislativa" da década de 90, os crimes tributários refletem o


movimento da lei e ordem. Toda a problemática apontada mostra quanta dificuldade na
aplicação de um tipo penal pode ocorrer se o trabalho legislativo não for feito de uma
forma coerente, ainda mais quando está envolvida a problematização de dois ramos
jurídicos: o Direito Penal e o Direito Tributário.

Por fim, pode-se concluir igualmente que a complexidade na aplicação dos crimes
tributários pode residir justamente na forma encontrada pelo legislador pátrio para a
punição dos mesmos: a via penal (sendo que, conforme visto, isso resulta de mera
decisão política). A via administrativa é mais aconselhável para a responsabilização de
certas condutas hoje tipificadas como ilícitos penais tributários. Em busca de se evitar
um Direito Penal simbólico, apenas as condutas mais graves deveriam ser penalizadas.
1. CERVINI, Raúl. Derecho Penal Econômico - concepto y bien jurídico. In: Revista
Brasileira de Ciências Criminais, n.º 43, abr./jun. 2003, p. 107.

2. SANCTIS, Fausto Marin de. Direito Penal Tributário: Aspectos Relevantes.


Campinas : Bookselller, 2005, p. 19.

3. CERVINI, Raúl. Op. cit. p. 82.

4. CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito Penal Tributário - Observações de Aspectos


da Teoria Geral do Direito Penal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São
Paulo. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, p. 181.

5. REALE JR., Miguel. Ação fiscal e extinção da punibilidade no crime tributário, cit.
p. 11.

6. Ocorre, entretanto, que a adoção da ação fiscal como condição de procedibilidade da


ação penal esbarra no problema da prescrição: a espera pelo fim do procedimento
administrativo tende a diminuir o prazo para a interposição da ação penal, vez que tais
procedimentos podem arrastar-se por anos. Tal problema seria solucionado se o marco
de início do prazo prescricional passasse a ser o término do processo administrativo
condenatório, e não mais a data em que se deu a efetiva supressão ou redução de
tributos devidos. Esta alteração, contudo, só pode se dar mediante determinação legal, e
não por entendimentos jurisprudenciais.

7. Nesse sentido, ver os seguintes julgados do STF: HC 77.002-8-RJ, HC 81.611-DF e


HC 83.414-RS.

8. Extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. In: Revista Brasileira
de Ciências Criminais, ano 5, nº 17, pp. 172-179.

9. MOURULLO, Gonzalo Rodriguez. Presente y Futuro del Delito Fiscal. Ed. Civitas,
Madrid, 1974, p. 20.

10. REALE JÚNIOR, Miguel. Despenalização no Direito Penal Econômico: uma


terceira via entre o crime e a infração administrativa? In: Revista Brasileira de Ciências
Criminais, número 28, out/dez 1999, p. 123.

11. Embora deva dizer-se que a nomenclatura não é auto-explicativa, eis que não há
direito repressivo que não deixe de realizar uma intervenção.

12. REALE JR., Miguel. Op. Cit. p. 125.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge


Zahar, 1999.
CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Direito Penal Tributário - Observações de Aspectos
da Teoria Geral do Direito Penal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. São
Paulo. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. 17: 175-183, janeiro-março. 1997.

CERVINI, Raúl. Derecho Penal Econômico - concepto y bien jurídico. In: Revista
Brasileira de Ciências Criminais, n.º 43, abr./jun. 2003.

FRANCO, Alberto Silva. Prefácio in ZAFFARONI e PIERANGELI. Manual de Direito


Penal Brasileiro. São Paulo: RT, 1999.

GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal. São Paulo: RT, 1995.

MOURULLO, Gonzalo Rodriguez. Presente y Futuro del Delito Fiscal. Ed. Civitas,
Madrid, 1974.

NABARRETE NETO, André. Extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem


tributária. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 5, n.º 17, pp. 172-179.

PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4.ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004.

__________. Direito Penal Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

REALE JR., Miguel. Ação fiscal e extinção da punibilidade no crime tributário. In:
Revista Literária de Direito (agosto/setembro 2004).

__________. Despenalização no Direito Penal Econômico: uma terceira via entre o


crime e a infração administrativa? In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, número
28, out/dez 1999.

SANCTIS, Fausto Marin de. Direito Penal Tributário: Aspectos Relevantes. Campinas:
Bookselller, 2005.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva,
1991.
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