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Uma humanidade articulada em um A humanity that is articulated in a
processo histórico que abarca a vida de historic process that encompasses the life
todos os homens resultou, não em of all humans, resulted not in rich and
existências genéricas ricas e multiface- multifaceted generic existences, but in
tadas, mas sim em individualidades solitary and fearful individualities. The basis
solitárias e amedrontadas. O fundamento for this paradox is in fully explicit
deste paradoxo está na mercadoria commodities: fetichism and reification cause
plenamente explicitada: o fetichismo e a people to fail to encounter in other people
reificação fazem com que as pessoas the authentically human substance that
deixem de encontrar nas outras pessoas they need. They thus loose their generic  
a substância autenticamente humana de roots and are left to constitute their
que carecem. Perdem, então, as suas raízes identities based on only themselves. The
genéricas e só lhes resta constituir suas poverty of this level of individuation is an Doutor em Ciências Sociais pela
identidades a partir delas próprias. A important contribution to the fact that the Universidade de Campinas – UNICAMP/
pobreza deste patamar de individuação é class struggle has manifest its most barbaric SP.
um fator importante para que a luta de form: the armed “de-politicized” struggle Professor do Dep. de Filosofia da
classes explicite a sua forma mais bárbara: of the private property of those on the Universidade Federal de Alagoas-UFAL.
o conflito armado “despolitizado” da margin against the private property of the
propriedade privada dos marginais contra status quo. Urban centers, creations of a Membro da editoria da revista Crítica
a propriedade privada do status quo. Os bourgeois world, have dissolved into a sea Marxista.
centros urbanos, criações do mundo of lonely, scared and violent individuals:
burguês, vão se dissolvendo em um mar the superior phase of bourgeois * Como todo texto, este também tem um
de indivíduos solitários, amedrontados e individualism corresponds to the structural ponto de partida. Como sempre, também,
violentos: é a etapa superior do individua- crises of capital. um ponto de partida pressupõe o abandono
lismo burguês correspondente à crise de outros. Por isso, gostaríamos de assinalar
estrutural do capital. que as discussões privilegiadas neste texto
Palavras-chave: individuação, identidade, Key words: individuation, identity, não desconhecem que o tema comporta
Lukács, Marx. Lukács, Marx. uma pluralidade de abordagens, e que todas
pressupõem, como estas apresentadas,
antagonismos, contradições e resistências.


 

 




 


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     nas tornou ainda mais viva e intensa dos os seus momentos, indica-nos, sem
essa interdependência: o predomínio remissões, que as nossas vidas são de

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do capital financeiro, e tudo o que isto tal forma interdependentes uma das
vida não está fácil. implica em termos de abertura das outras que nossa forma de viver, de
Ser humano torna-se fronteiras nacionais para a sua circu- sentir e de pensar seria impossível se
algo cada vez mais lação, faz com que a dependência de não pudéssemos, incessantemente, ter
complicado. Nos últimos 200 anos, os cada indivíduo para com a economia acesso aos produtos das atividades de
homens se transformaram em um gê- mundial corresponda a uma experiên- outros indivíduos do nosso bairro, da
nero universal no sentido mais rigoro- cia banal da vida cotidiana de cada nossa cidade, do nosso país e do nos-
so e radical da expressão. Verdade um de nós. Quase todos sabemos, e so planeta.
que desde o surgimento do homo reconhecemos como se fosse um
sapiens somos um gênero na acepção O que nós somos, enquanto indiví-
dado da natureza, que uma elevação
biológica; todavia, com o desenvolvi- duos (enquanto personalidades sociais
da produção de arroz na China pode
mento do mercado mundial a partir do rigorosamente singulares, únicas, como
afetar o poder de compra de um pro-
século XVI fomos nos convertendo veremos logo a seguir), depende com
dutor gaúcho ou, ainda, que uma ele-
em um gênero articulado por uma úni- a mais rigorosa necessidade destas re-
vação na taxa de juros nos EUA pode
ca e mesma história. Por muitos mi- lações sociais que articulam em um
gerar milhares de novos desemprega-
lênios as histórias das sociedades ape- dos no Brasil. mesmo processo histórico a vida de
nas se influenciavam de modo espo- Só os mais velhos ainda se recor- cada indivíduo no planeta com o desti-
rádico, se e quando se relacionavam. dam da situação (hoje, bucólica) em no de todo o gênero humano. Corres-
Pensemos nas centenas de milhares que a maior parte dos valores de uso pondentemente, as questões mais pre-
de anos do período primitivo em que era produzida pelos próprios consu- mentes da humanidade são todas elas
a vida dos homens asiáticos em nada midores: as geléias que nossas avós planetárias tanto no sentido de afeta-
interagiu com a dos homens europeus, rem toda a humanidade como também
faziam em grande quantidade para
por exemplo. Ou então, nos outros mi- no sentido de que não contam com so-
todo o ano aproveitando a safra de
lhares de anos quando o isolamento luções nacionais. Desde a degradação
morangos ou laranjas ou, então, quan-
das sociedades possibilitou que formas ecológica do planeta (o buraco de ozô-
do toda a família se mobilizava por
de vidas tão distintas como o modo nio ou o aquecimento global) até ques-
dias para produzir os doces e bolos
de produção asiático e o feudalismo tões como o desemprego, a miséria
das festas de aniversários ou festas
coexistissem em um mesmo planeta. crescente de bilhões, a crise de ener-
de fim de ano. A enorme parte das
A superação desse isolamento que re- gia e o esgotamento de recursos natu-
roupas que usávamos em minha fa-
duzia o gênero humano à sua dimen- rais, são todos problemas planetários
mília, quando eu era criança, era feita
são biológica é obra de toda a história cujas soluções só podem se dar em
por uma costureira que trabalhava al-
humana – e o desenvolvimento das escala mundial. Somos, hoje, para além
gumas semanas por ano em nossa
forças produtivas é o seu momento de um gênero biológico, um gênero so-
casa. E apenas, excepcionalmente, o
predominante. Tal superação, que se cialmente construído: a história de cada
lazer era uma mercadoria: o cinema
inicia lentamente, ganha momentum indivíduo, de cada nacionalidade, de
de domingo e, depois, os discos de vi-
e em radicalidade com as transforma- cada continente é cotidianamente
nil e as radiovitrolas. Não apenas os
ções econômicas, sociais e políticas partícipe da história universal do gêne-
brinquedos, mas também as estórias,
que ocorreram na esteira da Revolu- ro humano.
as lendas e tradições eram passadas
ção Industrial e da Revolução Fran-
de uma geração à outra por relações Nossas vidas são partícipes da his-
cesa. Desde então, ainda hoje, a cres-
familiares ou muito próximas do nú- tória universal no sentido mais puro
cente divisão social do trabalho inten-
cleo familiar. Hoje, não há festa de do termo. O que produzimos e do que
sifica a dependência de cada indiví-
aniversário que não possa ser com- carecemos têm uma relação imedia-
duo para com a sociedade à qual per-
tence e, analogamente, intensifica a prada em alguns poucos minutos em ta com o que outros produzem ou ca-
dependência de cada economia naci- um supermercado (ou numa firma es- recem. Estes “outros” vão desde o
onal com o mercado mundial. Ao che- pecializada, o que leva ainda menos vizinho do nosso bairro, até o chinês
garmos às duas Grandes Guerras tempo), nenhuma geléia chega às nos- do outro lado do planeta, passando por
Mundiais do século passado, as eco- sas mesas sem passar pela indústria toda a humanidade: é o “outro” no sen-
nomias nacionais são apêndices (mais e todo lazer é, antes de qualquer coi- tido mais universal, isto é, todos aque-
ou menos importantes, não importa sa, uma mercadoria. les que “não sou eu” e que se encon-
aqui) do mercado mundial e é nesse A vida cotidiana, em todos os seus tram no planeta Terra. Não há, na his-
cenário que a história é decidida. A setores e em cada uma de suas do- tória da humanidade, nenhum outro
globalização dos últimos 30 anos ape- bras e fissuras, rigorosamente em to- momento histórico em que, de modo


 

 




 


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tão evidente, tão patente, os indivídu- tros enquanto pessoas. Pelo contrá- os que são formados neste mundo
os tenham sido tão interdependentes rio, se comportarão de forma mecâ- “globalizado”. Paradoxalmente, a mes-
uns dos outros. Nunca, antes, vive- nica e por rituais que, ao invés de lan- ma vida cotidiana que nos impõe a ex-
mos uma situação na qual tantos indí- çar cada individualidade a um rico in- periência de que não podemos existir
cios cotidianos se acumulam a eviden- tercâmbio com todas as outras, as senão em uma vastíssima malha de
ciar como a vida de cada um é parte cancelará em um comportamento pa- interações com todos os outros seres
do destino de todos e como, reflexi- dronizado que reduzirá cada individu- humanos do planeta também nos im-
vamente, a vida de todos está presente alidade ao que têm de comum, de mais põe, com a mesma dureza, a certeza
na vida de cada um. Como nunca, banal – e de casual – o fato de serem de que somos apenas um átomo insig-
enfim, os indivíduos viveram vidas tão torcedores de um time ou do outro. nificante perdido no meio deste mun-
genéricas, tão permeadas por possi- Centenas de pessoas são capazes de do. O que somos, enquanto pessoas,
bilidades e necessidades que apenas se emocionarem numa mesma seção não tem lugar no gênero humano e,
podem existir enquanto produções de cinema e, ao invés da catarse indi- reflexivamente, as possibilidades e as
coletivas de toda a humanidade. vidual ganhar alguma dimensão cole- demandas que a situação histórica mais
tiva pela presença de tantas outras geral nos impõe parece também não
Este é um dos aspectos do pro-
pessoas, torna-se rigorosamente o corresponder ao que necessitamos e
blema de se ser humano hoje em dia
oposto: emoções que deverão refluir podemos enquanto indivíduos. A con-
somos, na acepção mais pura do ter-
para a interioridade de cada um. O versão do gênero humano à sua dimen-
mo, um ser genérico.
resultado é que, mesmo emocionados, são mais radicalmente genérica pelo
O outro aspecto, rigorosamente sequer os olhares se cruzam – como desenvolvimento das forças produtivas
oposto a este caráter crescentemente se as relações sociais não permitis- produziu, não individualidades que tipi-
genérico da vida de cada um de nós, sem, ou não servissem para esse tipo camente são capazes de uma existên-
está no crescente isolamento dos in- de intercâmbio. Em um ônibus, ou no cia genérica rica e multifacetada, como
divíduos uns dos outros, na crescente metrô, pela manhã ou ao final do dia, seria de se esperar, e sim individuali-
solidão que assola a existência de milhares vivenciam situação muito pa- dades que apenas podem se relacio-
cada um de nós. E este isolamento recida: a miséria existencial que se nar enquanto mônadas, ou seja, pes-
solitário, curiosamente, manifesta-se expressa no semblante sério e anódino soas que apenas podem se relacionar
mais intensamente nos locais de mai- de cada um não consegue se conver- através da promoção do isolamento
or densidade demográfica: nos cen- ter em uma vivência coletiva. O iso- individual do todo do qual faz parte. Em
tros urbanos e, ainda mais intensa- lamento do sofrimento de cada um é poucas palavras, vivemos em uma so-
mente, nos grandes centros urbanos. condição necessária para que tal so- ciedade planetária na qual os indivídu-
Quanto mais próximos geografica- frimento seja suportado cotidianamen- os não encontram os seus respectivos
mente se encontram os seres huma- te como algo inevitável e, neste caso lugares enquanto autênticas individua-
nos, mais eles desenvolvem mecanis- muito diretamente, tal isolamento cum- lidades humanas.
mos para se isolarem uns dos outros, pre uma função na manutenção da
mais intensamente as relações soci- reprodução social regida pelo capital.
ais evoluem no sentido de evitar que   
os indivíduos tenham uma existência
    
plena de ricas e gratificantes inter-re-
Este isolamento dos indivíduos
lações. Milhares de pessoas, às ve-
     para com o gênero humano implica
zes dezenas de milhares, fazem exa-
necessariamente em uma fragmenta-
tamente a mesma coisa, no mesmo  !  !"  # ção. E por duas razões.
momento e, todavia, não o fazem co-
letiva mas individualmente. Vivem o $    Em primeiro lugar, porque todo e
mesmo, sem compartilharem a qualquer indivíduo é parte do momento
vivência. Pensemos em um Flaflu1 de     $ histórico em que vive. Isto significa,
final de campeonato. O Maracanã por um lado, que sem o desenvolvi-
estará lotado de indivíduos cuja única   % mento histórico passado o indivíduo,
identidade é o que os separa de todos tal como ele é, não poderia sequer
os outros indivíduos do planeta: serem existir. Do mesmo modo como não
rubro-negros ou pó-de-arroz. E, nem Este isolamento solitário, que faz poderia existir um Bach no século XIX,
os rubro-negros entre si, nem os pós- com que nos comportemos como se também não poderia existir um Mozart
de-arroz desenvolverão qualquer ati- fôssemos mônadas, é uma das carac- no século XVII. Cada um de nós, de
vidade que promova os seus encon- terísticas mais marcantes dos indivídu- modo absolutamente singular como


 

 




 


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argumentaremos a seguir, é uma par- momento e, do mesmo modo, nenhu- com o gênero um canal adequado para
ticularização do que a humanidade já ma configuração histórica do gênero sua manifestação e desenvolvimento,
foi capaz de produzir e de gerar ao humano seria capaz de conter em si não podemos senão manter uma rela-
longo da história. Construímo-nos en- todas as necessidades e possibilida- ção de alienação2 e distanciamento
quanto pessoas a partir das possibili- des que brotam de todos os proces- para com a vida coletiva, social. E, re-
dades e respondendo às necessidades sos de individuação. Entre os indiví- flexivamente, como a vida genérica não
contemporâneas. Somos, portanto, ao duos e o gênero humano, para utilizar pode ser um portador adequado das
mesmo tempo únicos e genéricos: o uma expressão cara a Lukács (1998), necessidades e possibilidades dos indi-
que temos de rigorosamente singular, desdobra-se uma autêntica determi- víduos que a compõem, torna-se de tal
que não se repetirá jamais na história, nação reflexiva: não há indivíduo sem modo repulsiva às individualidades que
apenas pode vir a ser enquanto parti- gênero, nem gênero sem indivíduos, não resta a estas senão buscar a pro-
cularização das possibilidades e ne- mas isto não significa que possa ha- teção do isolamento. Todavia, isoladas
cessidades históricas mais gerais que ver uma identidade entre eles. do gênero, as individualidades não ape-
correspondem ao desenvolvimento nas não podem construir suas identi-
No momento histórico em que vi-
humano-genérico atual. dades a partir de seu pleno desenvol-
vemos, os processos de individuação
Em segundo lugar, porque todo pro- vimento e das humanamente ricas
incorporam esta relação dinâmica e
objetivações que tal desenvolvimento
cesso de individuação – isto é, o pro- contraditória com o gênero pelo
possibilita – mas, ainda mais misera-
cesso de desenvolvimento de cada pes- aprofundamento do isolamento das
velmente, apenas podem se constituir
soa enquanto personalidade socialmen- pessoas entre si ao mesmo tempo, e
a partir dos gravíssimos problemas de
te efetivada – é rigoroso e necessaria- pelos mesmos atos, em que atuam na
uma individualidade antinômica ao gê-
mente único. Jamais, no passado ou no reprodução de relações sociais que
nero. Ser humano, por isso, torna-se
futuro, a personalidade de uma pessoa tendem a aumentar a integração e a
cada vez mais difícil.
será repetida: estamos tratando da sin- interdependência de cada um para
gularidade a mais radical. O indivíduo é com o todo. Desenvolve-se, assim, uma O reflexo cotidiano – e avassalador
distinto de todos os outros e, também, antinomia: a sociedade crescenteme- enquanto experiência subjetiva – é
distinto da sociedade – do gênero – ao nte globalizada é o solo histórico do qual acordarmos todos sem qualquer sig-
qual pertence. Sua personalidade é uma brotam indivíduos crescentemente iso- nificado para as nossas vidas para
síntese irrepetível de elementos lados, que buscam o isolamento. O além das nossas pulsões individuais.
sociogenéricos e elementos pessoais – gênero humano, ao se desenvolver, deu E como nossas pulsões individuais são
e isto em nada é esmaecido pelo fato origem a pessoas que são incapazes as de indivíduos isolados, solitários,
de que a singularidade de tal síntese é de uma rica vida social compartilhada; elas não possuem qualquer continui-
fortemente determinada pelas necessi- pelo contrário, os momentos pessoal- dade nem no tempo, nem em nossas
dades e possibilidades sociogenéricas mente mais ricos da vida de cada um vidas. São pulsões que se perdem a
que dão a ela o suporte histórico im- são vividos na reclusão e na privacida- cada tique do relógio, tornando a vida
prescindível. Entre um Santos Dumont de. A solidão é, nestas circunstâncias, uma angustiante roleta russa. É esta
e Ícaro – entre o mesmo desejo de voar quase um pré-requisito para a eleva- experiência subjetiva tão marcante
– a diferença está na possibilidade de ção afetiva e pessoal do indivíduo para que fornece uma aparência de reali-
cada época histórica. O mesmo, com além da banalização cotidiana. A frag- dade à definição heideggeriana da vida
as devidas considerações, aplica-se a mentação está instalada no próprio seio como um preparar para a morte, e por
toda e qualquer individualidade. das individualidades: sua identidade se isso ela continua tendo aceitação en-
afirma privadamente, na reclusão, no tre parcelas da intelectualidade. Ela
A pessoa humana, portanto, é uma
isolamento; sua vida coletiva, aquelas sumariza, de modo bárbaro é verda-
singularização das possibilidades e
relações que conectam a pessoa ao de, a experiência cotidiana de nossas
necessidades sociogenéricas da qual
gênero humano, não servem de medi- vidas carentes de sentido, das nossas
é contemporânea. A personalidade de
ação para a expressão do que cada um individualidades monádicas e perdidas
cada um de nós apenas existe na, e
de nós é enquanto pessoa humana. em si mesmas, das nossas relações
em relação, com o gênero humano do
sociais impermeáveis ao que somos
qual somos partícipes e, todavia, ne- A identidade se tornou, por isso, um
nhuma identidade pessoa-gênero é enquanto pessoas humanas. Sumariza
grande problema. A rigor, um proble-
possível porque cada indivíduo é um a profunda desumanidade da situação
ma insolúvel nestas circunstâncias. Já
ente rigorosamente singular. Nenhum histórica em que nos colocamos en-
que aquilo que somos enquanto pesso-
indivíduo pode ser portador da totali- quanto seres humanos.
as, nossas necessidades e possibilida-
dade das possibilidades e necessida- des enquanto seres humanos, não en- Em suma hoje apenas podemos
des humano-genéricas de um dado contra nas relações que mantemos ser pessoas humanas em uma rela-


 

 




 


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ção contraditória, antinômica por ve- dia toda a produção igualitariamente, pela generalização do capitalismo a
zes, de confronto quase sempre, com ou não se fazia. A divisão igualitária todo o planeta.
o gênero humano do qual fazemos da produção, quando não há abundân-
Frente a todas as outras, o que é
parte e o qual auxiliamos a se repro- cia, significa que todos serão igualmen-
peculiar à propriedade privada bur-
duzir pelos nossos atos. A humana- te carentes e, também, que toda a pro-
guesa é que sua forma elementar não
mente autêntica identidade, por isso, dução será consumida, nada ou muito
é nem a terra, nem os escravos, mas
apenas pode ser, por falta de melhor pouco restando para o desenvolvimen-
a mercadoria. Ainda que não seja uma
expressão, “marcadamente negativa”; to das forças produtivas. A divisão não
criação da sociedade burguesa, a
isto é, articula-se pela reafirmação da igualitária exibia grandes vantagens:
mercadoria se explicita plenamente
legitimidade e autenticidade de neces- a concentração da produção nas mãos
apenas com o surgimento do capita-
sidades não-atendidas, de privações de uma minoria possibilitava que uma
lismo industrial, o capitalismo madu-
incompatíveis com as relações soci- sua parte ponderável fosse destinada
ais predominantes. É a afirmação da ro. Em toda a história anterior, a vi-
ao desenvolvimento das forças pro-
necessidade pelo humano, contra a gência da mercadoria foi sempre li-
dutivas. Estas sociedades passaram
desumanidade das relações sociais mitada pelas relações sociais, acima
a se desenvolver mais rapidamente
genéricas, que pode servir de base de tudo pelas relações de proprieda-
que as igualitárias e paulatinamente
para um processo de individuação de escravistas, feudais ou asiáticas.
foram-nas conquistando e transfor-
mais rico e menos desumano. Por Apenas com o capitalismo maduro
mando-as em escravas. Esta primei-
mais importante e decisivo que isto todo e qualquer produto, inclusive a
ra forma, mais primitiva, de expropri-
seja nos dias em que vivemos – e que- força de trabalho, pôde se converter
ação dos produtores deu origem à pro-
remos salientar que é de fundamental em mercadoria. E, com isto, a rela-
priedade privada em sua forma mais
importância -, não podemos deixar de ção social elementar do mundo dos
bárbara, a escravista.
reconhecer o quanto é limitado. Pois homens passou a ser a mercadoria.
uma identidade, cujo núcleo mais É importante salientar que a socie-
É essa conversão de tudo à mer-
substancial está na afirmação da au- dade de classes e a exploração dos ho-
cadoria a essência do paradoxo de um
tenticidade das privações incompatí- mens pelos homens surgiram não por-
mundo, globalizado ao extremo, gerar
veis com as relações sociais predo- que os homens seriam pretensamente
egoístas, mesquinhos, concorrenciais, individualidades que se comportam, e
minantes, está muito distante de uma se compreendem, enquanto mônadas.
individualidade que se realiza plena e etc. Isto não passa de uma indevida
Esta é a essência da situação em que
omnilateralmente3 na interação com generalização a toda a história dos in-
a interdependência de cada um para
o gênero. divíduos burgueses que somos hoje. A
com todos os outros produz, não uma
sociedade de classes se impôs a toda
humanidade porque foi por milênios a rica vida de interações e cooperação,
mas um individualismo extremado e,
mais adequada ao desenvolvimento das
&  '    forças produtivas.
nas condições atuais, seu correlato,
uma profunda solidão.
A propriedade privada, esta rela-
Como isto foi possível? Como a A força de trabalho é o que imedi-
ção de expropriação dos trabalhado-
humanidade se colocou nesta situa- ata e diretamente conecta cada indiví-
res do produto do seu trabalho e a sua
ção tão absurda? duo à sociedade, ao gênero humano.
correspondente apropriação pela clas-
Não conheço nem a história nem Ela é ao mesmo tempo expressão das
se dominante, é constitutiva do ser dos
os processos de individuação o sufi- características individuais (força, inte-
homens por pelo menos dez mil anos.
ciente para uma resposta cabal a esta ligência, habilidade, traços de persona-
E, na medida em que as forças pro-
questão. Todavia, a essência desta lidade como ser mais ou menos paci-
dutivas foram se desenvolvendo, as
situação histórica está na proprieda- ente, mais ou menos irrequieto, etc.) e
sociedades também o foram, fazendo
de privada, sem lugar a dúvidas. do estágio de desenvolvimento das for-
com que a própria propriedade priva-
ças produtivas. A força de trabalho,
A propriedade privada foi, por mi- da passasse por transformações im-
enquanto tal, é ao mesmo tempo ime-
lênios, fundamental ao desenvolvi- portantes, sem jamais deixar de ser,
diatamente individual e rigorosamente
mento humano. Enquanto a produção obviamente, uma expropriação. No
genérica: apenas pela síntese das de-
não foi suficiente para abastecer to- cenário mediterrâneo, da forma
terminações mais pessoais com as pos-
dos os indivíduos, enquanto a carên- escravista passou à feudal e, depois,
sibilidades e necessidades geradas, no
cia foi uma condição insuperável da à capitalista. No resto do planeta onde
limite, por todo o desenvolvimento hu-
vida humana havia, em linhas gerais, surgiu, assumiu a forma peculiar do
mano, a força de trabalho pode vir a
apenas duas possibilidades históricas modo de produção asiático, o qual
ser. Ela não pode existir nem enquanto
para a organização social. Ou se divi- permaneceu vigente até ser destruído


 

 




 


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pura expressão individual, pois está valia que se converterá, em seguida, Antes, porém, de prosseguirmos na
imediatamente conectada ao desenvol- em acréscimo ao capital que, então, exploração desta conexão entre a
vimento das ferramentas, formas de poderá adquirir ainda mais força de individuação e a mercadoria, devemos
energia, capacidade de produção de trabalho e assim por diante. É a in- mencionar um outro aspecto da vida
matérias-primas, etc., etc., como tam- tensificação e a generalização desse contemporânea sob a regência do
bém não pode existir como mera ex- processo que nos conduziu à situação capital que tem um enorme impacto
pressão do desenvolvimento das for- presente, na qual todas as relações sobre os processos de individuação:
ças produtivas porque são os indivídu- sociais fundamentais, mesmo aquela seu crescente caráter destrutivo.
os, e não as forças produtivas, que tra- do indivíduo consigo próprio, são me-
balham. A força de trabalho de cada diadas pelo dinheiro.
indivíduo é uma expressão muito ade- (   )   '
quada e clara de como os indivíduos   #  *  +
são ao mesmo tempo genéricos e sin-
gulares: genéricos porque determina-
    ,   
  
dos historicamente, genéricos porque
interferem na história do gênero, e sin-

,    ' István Mészáros (2002) tem o enor-
gulares porque não haverá jamais dois me mérito de nos ter ofertado a análise
indivíduos exatamente iguais.
 
)     mais profunda, completa a articulada do
caráter destrutivo da reprodução do
Ao a força de trabalho, após lon-     $ capital em nossos dias. Sua monumen-
go processo histórico, finalmente se
tal obra Para Além do Capital discor-
converter em mercadoria, a conexão     
) re, por muitas centenas de páginas de
mais imediata do indivíduo com o gê-
um denso texto, sobre o como e o por-
nero humano incorporou a cisão en-  - 
  quê de a reprodução do capital e a pro-
tre valor de uso e valor de troca que
dução de desumanidade terem se tor-
particulariza a mercadoria. A relação     nado sinônimos. Sintetizando seu argu-
típica de cada indivíduo com o gênero
mento principal em alguns poucos pa-
é cada vez menos o que se é enquan-   .    !% rágrafos – o que significa, alerto desde
to pessoa, e passa a ser cada vez mais
já, uma absurda simplificação – a Re-
exclusivamente o potencial de lucro
volução Industrial teria levado a huma-
de sua força de trabalho. O que im-
Numa sociedade em que a rela- nidade a uma nova fase de sua história:
porta, no capitalismo, na relação do
ção social mais elementar (e, portan- a superação da carência e a entrada na
gênero com o indivíduo, não é outra
to, mais universal) é a mercadoria, o abundância. Esta tese ele retira direta-
coisa senão a utilidade de sua força
que de fato importa nas interações mente de Marx e é mais conhecida: em
de trabalho. E a única utilidade da for-
entre os indivíduos não é o conteúdo todas as formações sociais anteriores,
ça de trabalho é a produção da mais-
do que é trocado, mas a lucratividade o parco desenvolvimento das forças
valia, já que é a única mercadoria que,
na relação. Nada importa a não ser a produtivas não possibilitou que a produ-
uma vez consumida, produz maior
lucratividade: é isto que nos conduziu ção fosse maior do que as necessida-
valor que o seu próprio.
à situação absurda de produzirmos des de toda a sociedade. A carência,
Como uma outra face da mesma bombas atômicas ao invés de elimi- portanto, era uma condição de vida in-
moeda, a utilidade da força de traba- narmos a miséria da face do planeta. superável da vida humana. E, nestas cir-
lho em produzir maior valor que o seu É esta situação histórica rigorosamen- cunstâncias, como argumentamos aci-
próprio só existe em uma sociedade te universal que reflexivamente se ma, a propriedade privada e a socieda-
em que há a necessidade e a possibi- conecta ao individualismo extremado de de classes eram mediações indispen-
lidade de a força de trabalho ser ad- dos nossos dias: relacionamo-nos não sáveis ao mais rápido desenvolvimento
quirida enquanto uma mercadoria. Em pelo que somos enquanto pessoas hu- das forças produtivas.
outras palavras, apenas pode existir manas, mas enquanto força de traba- Esse desenvolvimento das forças
em uma sociedade que disponha de lho reduzida à sua dimensão mais pri- produtivas, ensejado pela proprieda-
um quantum de riqueza social acu- mitiva e coisificada, qual seja, a ca- de privada, terminou conduzindo à
mulada e disposta a comprar a mer- pacidade de produzir mais-valia. E isto Revolução Industrial e à situação em
cadoria força de trabalho. Esta é a tem uma relação evidente com os pro- que, finalmente, a produção tornou-
função social básica do capital: com- cessos de individuação e com o para- se maior do que a necessária para toda
prar força de trabalho e consumi-la doxo de um mundo globalizado pro- a humanidade. A carência foi substi-
na produção, gerando com isso mais- duzir um extremado individualismo. tuída pela abundância como a condi-


 

 




 


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ção insuperável da vida humana e isto soas! Milhares e milhares de tonela- mento das capacidades humanas em
introduziu uma mudança histórica das de alimentos são estocados em um retirar da natureza com maior efici-
fundamental: a sociedade de classes, mundo cheio de famintos para não per- ência aquilo que necessitamos para
e a propriedade privada, deixaram de mitir que, levados às pessoas caren- nossa reprodução leva ao desempre-
ser indispensáveis e se converteram tes, aumentassem a oferta e derrubas- go e à maior intensificação do ritmo
em entraves ao pleno desenvolvimen- sem os preços. Quanto da riqueza pro- de trabalho dos que estão ainda em-
to das forças produtivas. duzida socialmente é utilizada para pro- pregados. O aumento da produção e
mover a riqueza de uns poucos e man- o aumento da capacidade produtiva,
Nos termos os mais simples, isto
ter milhões sem acesso aos alimentos sob o reino da abundância, geram jus-
ocorre porque o preço das mercadori-
mais básicos! E os exemplos são qua- tamente o seu oposto: a miséria dos
as está subordinado à lei da oferta e
se tão numerosos quanto as mercado- desempregados e a intensificação da
da procura. Ora, se há uma produção
rias da nossa vida cotidiana. jornada de trabalho dos que ainda es-
maior do que a necessidade, a oferta
tão empregados.
tende a ser maior do que a procura e Todo e qualquer desenvolvimento
os preços caem abaixo do mínimo ne- das forças produtivas também evolui Todavia, não apenas a quantidade
cessário para a reprodução do capital. no mesmo sentido. Consideremos o do que é produzido é um problema para
É preciso, para que o capital continue exemplo da robotização. Ela permite o sistema do capital nos dias de hoje.
a se reproduzir, que a produção da que a humanidade se livre de uma enor- Também o que se produz é problemá-
abundância não resulte numa oferta me quantidade de trabalho, não por- tico. Temos meios e tecnologia para
maior do que o consumo e, para tanto, que o robô trabalhe, mas porque produzirmos bens que durem uma vida
é fundamental que se crie mecanismos potencializa a força de trabalho dos inteira (desde lâmpadas até geladeiras,
de consumo que esgotem a produção indivíduos humanos. Com o advento da de carros a casas, etc.). Mas, como é
sem, contudo, diminuir a procura pelas informática e dos robôs podemos pro- necessário alavancar o consumo a
mercadorias. Ou seja, é necessário duzir muito mais com muito menos todo custo, as mercadorias devem ser
encontrar formas de consumo que es- horas de trabalho. E isto é, em si mes- planejadas para quebrarem o mais ra-
gotem as mercadorias sem que aten- mo, muito positivo, pois significa que pidamente possível. A humanidade pas-
dam plenamente às necessidades das podemos viver mais confortavelmente sa a conhecer a obsolescência plane-
pessoas. Isto é conseguido através do tendo que trabalhar menos; significa jada: as mercadorias devem quebrar
consumo destrutivo: as guerras e o que transformamos com maior efici- rapidamente para que possam ser
complexo industrial-militar em primei- ência a natureza para produzir os bens substituídas por outras novas. Ou, por
ro lugar, mas também o consumo per- indispensáveis à nossa reprodução. exemplo, nos casos das roupas, devem
dulário e a obsolescência planejada jo- sair de moda rapidamente para que
gam aqui um papel fundamental. Todavia, no período da abundân- sejam jogadas fora antes sequer de
cia, o efeito é justamente o inverso. terem sido consumidas pela metade do
Como o objetivo está na geração Como a produção é maior do que o que seria a sua vida útil. Novamente,
de lucros, na reprodução do capital, e consumo, o aumento da capacidade os exemplos são infinitos.
não no atendimento do que é autenti- produtiva aumenta o perigo da super-
camente humano, na era da abundân- produção e da queda geral dos pre- Neste processo insano que se tor-
cia todo desenvolvimento das forças ços. Para enfrentar esta situação, as nou a reprodução do capital, a des-
produtivas e todas as riquezas sociais empresas possuem apenas uma úni- truição da natureza é uma sua
estarão voltadas para evitar o que os ca alternativa: produzir mais, melhor conditio sine qua non. Todos os re-
economistas chamam de “superprodu- e mais barato que o concorrente para cursos naturais devem ser o mais ra-
ção”: um outro nome para a abundân- ocupar a fatia de mercado que ainda pidamente convertidos em mercado-
cia! Produz-se, por exemplo, bombas não lhe pertence. Nesta luta de vida rias, mesmo com os custos ecológi-
atômicas porque elas dão mais lucro ou morte entre os capitalistas, vence cos que estamos assistindo. E,
que produzir vermífugos. Para que as quem extrair maior mais-valia de seus analogamente, o próprio corpo huma-
bombas atômicas dêem lucro, todavia, operários e isto se consegue fazendo no, não mais apenas como fonte de
é imprescindível a mediação do Esta- com que eles produzam mais em tro- força de trabalho, mas como parte
do. Será ele o encarregado de transfe- ca do mesmo salário. As novas natural do nosso ser individual, deve
rir uma enorme quantidade de riqueza tecnologias como os robôs e a estar a serviço do lucro: a medicina
produzida pelos operários ao comple- informática cumprem precisamente deixou há muito de ser o tratamento
xo industrial-militar. Do mesmo modo este papel: permitem que menos tra- de nossas doenças para se converter
com a produção agrícola: todos os go- balhadores produzam mais do que no em um mecanismo de produção de
vernos têm seus estoques regulado- passado. Assim, o desenvolvimento lucro através das doenças e da dor
res... do preço e não da fome das pes- das forças produtivas, o desenvolvi- humanas. A mercantilização da me-


 

 




 


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dicina, a mercantilização da educação não é tudo, pois na época da abun- [...] como proprietários pri-
e mesmo das religiões são apenas os dância e da produção destrutiva esta vados. Essa relação jurídica,
aspectos finais do processo de con- conexão do indivíduo com o gênero cuja forma é o contrato, de-
versão de quase (e este quase é fun- pela mediação da mercadoria adqui- senvolvida legalmente ou
damental, pois não há como haver re um conteúdo destrutivo que termi- não, é uma relação de von-
identidade entre capital e totalidade na por ser ainda mais intensamente tade, em que se reflete a re-
social) todas as relações sociais em alienado que a situação conhecida por
lação econômica. O conteú-
mercadorias. Marx no século retrasado. No século
do dessa relação jurídica ou
XIX, o desenvolvimento das forças
Hoje consumimos não o que neces- de vontade é dado por meio
produtivas pelo capital podia ainda
sitamos, nem o que nos faz bem, nem da relação econômica mesma
cumprir algum papel civilizador e re-
o que nos assegurará um futuro me- (MARX, 1983, p. 79-80).
volucionário, hoje não há mais qual-
lhor. Consumimos o que dá lucro, mes-
quer possibilidade neste sentido. E
mo que nos faça mal e mesmo que
quase todos os aspectos da vida cole-
destrua o planeta e o nosso corpo. Vi-
tiva passam a ser de tal modo des- 0"  
vemos o momento mais intenso da
trutivos que aos indivíduos resta, tipi-
contradição entre a humanidade e as
camente, buscar em sua interioridade      $
relações desumanas que o desenvol-
e em seu isolamento algum cantinho
vimento histórico desta própria huma-
em que sua humanidade possa, ainda      .) $
nidade gerou: esta é a essência das que de forma pobre e parcial, mani-
alienações que marcam nossas vidas. festar-se e sobreviver.       *
O impacto imediato desta situação,
no que diz respeito aos processos de
Isto posto, voltemos à questão da  .    !%
identidade.
individuação, pode ser detectado na
ficção científica. O futuro que proje- 1     *
tamos para nós não é outro que uma
enorme tragédia: de MadMax a /   
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Matrix, passando por Blade Runner, !"
qual o futuro que contemplamos se- .      
não uma situação muito pior e mais
desumana que a presente? Nossa re-
Em uma sociabilidade, cuja forma
elementar é a mercadoria, não são as
     
lação com o futuro inclui medo, pa-
vor: melhor seria não ter que se pen-
pessoas que se relacionam diretamen-
te, mas sim as mercadorias. As pes-
  
sar sobre ele. Afinal, no futuro, não soas apenas interagem pela mediação
estaremos todos mortos, como dizia da mercadoria, tendo a mercadoria
Keynes (1982)? A vida perde a di- entre elas. E se comportam, as pes- É por esta mediação mais geral
mensão do futuro e do longo prazo, soas, segundo as propriedades das que as particularidades da proprieda-
tudo se resolve no dia a dia e a histó- mercadorias que cada uma possui. de privada de cada um de nós é um
ria já não mais tem lugar na consci- Como diz Marx, “As mercadorias não elemento importante na configurção
ência dos indivíduos típicos, aqueles podem por si mesmas ir ao mercado das nossas personalidades, das nos-
que representam a média do espírito e se trocar.” Elas “são coisas” e para sas individualidades. Faz toda uma
do nosso tempo. que cheguem ao mercado “é neces- diferença, quando se trata da consti-
Isto tem, é evidente, um pesado sário que os seus guardiões se relaci- tuição da substância social da indivi-
impacto sobre os processos de indi- onem entre si como pessoas, cuja von- dualidade, se a pessoa é proprietária
viduação. Ao nos constituirmos en- tade reside” nas mercadorias. Ape- privada de capital (e, neste caso, de
quanto pessoas, em uma situação so- sar de não serem mercadorias, as muito ou pouco capital) ou se apenas
cial com estas características mais pessoas passam a se comportar e a possui a sua força de trabalho. Faz
gerais, não podemos encontrar nem interagir como se fossem as merca- toda uma diferença se o indivíduo per-
nossa conexão com o gênero huma- dorias. “As pessoas aqui só existem, sonaliza uma relação econômica no
no nem nossa conexão com a história reciprocamente, como representantes campo ou na cidade, se é comercian-
a não ser pela mediação da mercado- de mercadorias e, por isso, como pos- te, médico ou jardineiro. Faz também
ria. Esta conexão, por si só, já implica suidores de mercadorias.” Nesse con- diferença se a posição do indivíduo
em uma fantástica redução do ser texto, é imprescindível que as pesso- frente à propriedade privada se alte-
humano à coisa. Todavia, isto ainda as se reconheçam umas às outras ra. Um trabalhador no comércio que


 

 




 


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se converta em proprietário de uma enquanto seres autenticamente huma- não podem incorporar em seus atos
grande cadeia de lojas, ou um operá- nos, na época da reprodução destrutiva senão esta consciência rebaixada, ali-
rio que se “eleve” à Presidência, são as coisas tornam-se ainda piores, pois enada, o que significa que não são tipi-
situações em que a substância dos nem sequer enquanto mercadorias nos- camente capazes de objetivarem atos
indivíduos se alterará pela mediação sas individualidades podem encontrar que os elevem a patamares superiores
da propriedade privada, pela media- algum conforto no “mundo das mer- de humanidade.
ção das novas necessidades e possi- cadorias”. Nossos empregos, quando Reflexivamente, a reprodução so-
bilidades postas ao indivíduo pela al- existem, estão ameaçados. O futuro, cial que pode ser sintetizada a partir
teração de sua posição em relação à seja ele qual for, certamente será pior de tais atos é pobre na produção de
expropriação dos trabalhadores. do que o presente, tal como o passado complexos e mediações sociais que
Pode-se ter ou não consciência deste é melhor do que os dias que vivemos: expressem as necessidades não-alie-
fato; a determinação social – ainda é isto que significa viver a crise estru- nadas de toda a humanidade. Fecha-
que suas conseqüências possam va- tural do capital. Nossas vidas são coti- se um círculo: indivíduos, que se re-
riar com a presença ou ausência da dianamente ameaçadas pela violência duzem a “guardiões de mercadorias”,
consciência – é, neste caso, inevitá- e pelos conflitos armados. A luta de reproduzem uma sociedade de propri-
vel pela ação dos indivíduos isolados. classes encontra a sua forma mais etários privados, e esta permite que a
Ao nos convertermos em bárbara: o conflito armado “despoliti- vida dos indivíduos tenha uma imedi-
“guardiões de mercadorias”, não so- zado” da propriedade privada dos mar- ata dimensão social apenas se, e quan-
mos mais capazes de uma interação ginais contra a propriedade privada do do, forem proprietários privados (ri-
social autenticamente humana, despi- status quo. Não há perspectivas para cos ou miseráveis, aqui não importa).
da da coisificação promovida pela que, enquanto “guardiões de mercado-
Esta identidade com a mercadoria,
adoção da necessidade da mercado- rias”, venhamos tipicamente a ser bem
a forma contemporânea da proprieda-
ria como nossa vontade. E, reflexiva- sucedidos sequer no que diz respeito
de privada, não apenas se impõe como
mente, a sociedade organizada a par- ao acúmulo de capital, para não men-
um limite insuperável a todos nós en-
tir da propriedade privada burguesa cionar sermos felizes enquanto pesso-
quanto individualidades, como ainda in-
(aquela que tem na mercadoria a sua as humanas.
troduz no cerne de nossas personalida-
forma elementar) é impermeável às Nesta situação mais geral, os pro- des individuais o caráter destrutivo do
relações sociais que correspondam cessos de individuação são incapazes mundo das mercadorias dos nossos dias.
adequadamente às necessidades au- de consubstanciarem individualidades Tanto do ponto de vista afetivo mais ín-
tenticamente humanas. Dadas as ne- cujas identidades estejam libertas de timo, quanto do ponto de vista social
cessidades da reprodução do capital, duas características fundamentais. A mais geral, nossas vidas perderam qual-
devemos viver em centros urbanos primeira, ser guardiã de mercadoria. A quer sentido e qualquer razão de ser: o
que concentram cada vez mais pes- segunda, a busca na interioridade do que fazemos, cotidianamente, senão bus-
soas; e, pelas mesmas necessidades indivíduo de algum consolo para a de- carmos consolo para este fato tão
do capital, ao nos aglomerarmos em sumanidade que nossas personalidades, avassalador do ponto de vista da subje-
centros urbanos o fazemos por meio e a sociedade no seu conjunto, neces- tividade? Nossos “projetos”, nossas “de-
de relações sociais coisificadas que sariamente têm que ser portadoras. cisões”, etc. não são eles, quase sem-
nos isolam uns dos outros e possibili- pre, carentes de qualquer sentido mais
É esta situação ontológica o funda-
tam que apenas as mercadorias se substancial e duradouro justamente por-
mento para que os processos de cons-
encontrem diretamente. que não podem ir um milímetro além
tituição das identidades pessoais este-
destas duas determinações?
Isto que já seria uma condição, di- jam tão fragmentados. Sem poderem
gamos, “normal” da vida sob a regên- encontrar na sociedade as mediações É neste momento de profunda per-
cia do capital, no mundo contemporâ- e os complexos sociais (desde valores da de sentido da vida, que o individu-
neo ganha em dramaticidade. Com o até instituições, desde objetos até rela- alismo mais extremado se constitui na
aprofundamento do caráter destrutivo ções pessoais, etc.) que possam servir forma típica das individuações nas úl-
da reprodução do capital, o desenvol- de expressão, e de elevação dos indi- timas décadas. Sua expressão ideo-
vimento das forças produtivas se con- víduos a uma consciência superior das lógica mais nítida foi o pós-modernis-
verte em produção crescente de mi- suas mais autênticas possibilidades e mo. A tese de que a “morte das gran-
séria, destruição do planeta e dos nos- necessidades enquanto pessoa huma- des narrativas” haveria enterrado a
sos corpos, tensão social e medo ge- na, os indivíduos não podem senão ad- história pode ser, hoje, descartada em
neralizado. Se, ao nos convertermos em quirir uma consciência muito limitada poucas palavras. Nem a história é
“guardiões de mercadorias”, perdemos e rebaixada do que são de fato enquan- uma narrativa (Kant, no século pas-
a capacidade de nos relacionarmos to seres humanos. Do mesmo modo, sado, já tinha sido superado por Hegel),


 

 




 


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nem o que eles denominam de “gran- ção do capital, intensificaram a perdem nitidez, definem-se de modo
de narrativa”, uma concepção de mercantilização das relações inter- pobre e instável, articulam-se ao re-
mundo racional, se tornou desneces- pessoais, intensificaram o peso dos dor do que temos à mão na vida coti-
sário. A história ou é pensada enquan- valores individualistas nos atos cotidi- diana: a cosificação da mercadoria, a
to um processo universal ou não é anos de cada um de nós, estimularam violência das lutas de classe, o deses-
nada: disto os pós-modernos nos de- o desenvolvimento de projetos de vida pero e a angústia. A solidão.
ram seu testemunho pessoal ao se fundados na idéia do isolamento e da Exasperados por décadas desta si-
auto-destruírem por não serem capa- reclusão como forma de se evitar a tuação, sem conseguirmos romper este
zes de oferecer qualquer interpreta- barbárie coletiva, como os “condomí- círculo alucinante e auto-destrutivo,
ção de mundo digna do nome. nios” e as “casas de campo” fora dos buscamos qualquer coisa que alivie a
Hoje, décadas depois, podemos per- grandes centros urbanos. E, por sua nossa angústia nos fazendo esquecer
ceber claramente como pós-modernis- vez, tudo isso apenas foi possível en- do que somos e do que vivemos. Da-
mo, individualismo e neoliberalismo são quanto um momento particular da his- qui a busca desesperada pelo lazer fá-
distintas cabeças da mesma Hidra de tória mais geral de uma sociedade cuja cil que não provoque emoções ou que
Lerna. A concepção – de tão pueril, forma elementar é a mercadoria, o as rebaixe o quanto possível, como as
como puderam sequer levá-la a sério – capitalismo. novelas e os filmes de violência. Ou os
de que todas as concepções racionais Vivemos um momento em que vi- noticiários que nos oferecem as notíci-
de mundo seriam “totalitárias” porque ver não está nada fácil. as como se fossem latas de conserva
empregariam o conceito de totalidade; em prateleiras de supermercado: elas
a idéia de que o Estado Mínimo dos Podemos perceber que o rumo não fazem qualquer sentido do ponto
neoliberais possibilitaria a expansão seguido pela humanidade nos amea- de vista histórico. É tão notícia ter cho-
máxima da democracia porque o poder ça a todos, podemos perceber que vido em Santa Catarina quanto ter ca-
antes concentrado no Leviatã se nossas vidas estão submetidas a for- ído uma bomba na capital do Iraque: o
infiltraria por todo o corpo social; e, por ças e fatores que nós não apenas não que cada evento tem a ver com o de-
fim, a proposição de que, com o fim das controlamos, como ainda nos são pro- senvolvimento humano é algo tão obs-
“grandes narrativas” e dos projetos re- fundamente adversos; sentimo-nos curo como são nítidas as mensagens e
volucionários, os indivíduos poderiam se crescentemente ameaçados e nos iso- as imagens transmitidas pela mídia.
relacionar sem o constrangimento psi- lamos. Isolados, a ameaça torna-se Queremos viver como se o passado
cológicos e sociais das classes e das ainda mais assustadora. Descremos e o futuro não existissem, queremos
ideologias – todas estas concepções não – e com toda razão – de tudo: reli- esquecer as ameaças futuras para
fazem parte do mesmo caudal ideológi- gião, família, governos, valores tradi- podermos viver um pouco, ao menos,
co que predominou nas últimas déca- cionais e promessas futuras. Agimos do presente. Todos estes movimen-
das e que, em se tratando dos proces- como se não mais existissem classes tos das nossas subjetividades, que co-
sos de individuação e da constituição das sociais, pois os partidos e os sindica- nhecemos tão bem, ainda que deles
identidades das pessoas, serviram como tos que nos auxiliavam a identificá- não nos preocupemos com freqüên-
justificativa para o paradoxo de uma las nos conflitos sociais estão sem cia, são manifestações no interior das
humanidade intensamente globalizada identidade neste momento contra-re- nossas individualidades, na constru-
não ser capaz de produzir senão a mais volucionário. Não encontramos o nos- ção de nossas próprias identidades
profunda solidão e angústia nos indiví- so lugar na história e sentimo-nos per- enquanto pessoas humanas, dos re-
duos? E isto, entre aqueles que ainda didos e isolados. flexos da crise estrutural da sociabi-
têm o que comer; os que já foram redu-
Neste contexto, os processos de lidade contemporânea.
zidos ao patamar da mera sobrevivên-
cia biológica sequer o luxo desta crise individuação apenas podem constituir Não é de se admirar, portanto, que
existencial lhes é dada enquanto possi- identidades fundadas na solidão e no ser humano tenha se tornado algo por
bilidade de vida! isolamento. Onde seria possível anco- demais complicado.
rar a identidade de cada um de nós se-
O Estado Mínimo dos neoliberais, Todavia, não necessariamente as
não nela mesma, em sua própria
o extremado individualismo do pós- coisas tenham que permanecer deste
interioridade? E, obviamente, como é
modernismo e a perda de sentido da modo. A própria abundância objetiva,
possível que uma pessoa tenha sua iden-
vida são fenômenos que, nas últimas o fato de a produção ser muito maior
tidade construída a partir de si própria e
décadas, se interpenetram. Aprofun- do que as necessidades de toda a hu-
não a partir do seu confronto com o
daram a mercantilização de setores manidade, faz com que a carência
outro, com o mundo no qual vive?
econômicos (como a saúde e a edu- tenha deixado de ser uma situação
cação, a religião e o lazer) que ainda Carente de conexões com o gê- inevitável da vida humana e se torna-
não haviam sido integrados à circula- nero, as nossas identidades pessoais do uma das opções abertas ao futuro


 

 




 


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da humanidade. Já temos condições 3 Lembremos: sem qualquer iden-


objetivas de construirmos uma socia- tidade gênero-indivíduo.
bilidade para além da mercadoria por-
que a propriedade privada e as clas-
Sergio Lessa
ses sociais se tornaram historicamente
sl@fapeal.br
anacrônicas: a carência histórica que
as justificava ficou para trás com a Universidade Federal de Alagoas
Revolução Industrial. Temos todas as Centro de Ciências Humanas, Letras
condições de virarmos o jogo e cons- e Artes
truirmos uma sociedade emancipada, Departamento de Filosofia
na qual o desenvolvimento omnilateral Campus A. C. Simões – Tabuleiro
de todos os indivíduos seja condição Maceió – Alagoas
imprescindível ao pleno desenvolvi- Cep 57072-97
mento das forças produtivas. Uma
sociabilidade na qual a “livre organi-
zação dos produtores associados”
possibilite a autêntica conexão do in-
divíduo com o gênero – em que nos-
sas identidades pessoais possam ser
as respostas ao mais rico intercâmbio
entre todos os seres humanos. E o
nome científico desta sociedade todos
conhecemos: o comunismo, tal como
proposto por Marx.
Recebido em 09.06.2004. Aprova-
do em 06.07.2004.

2.'

KEYNES, J.M. A teoria geral do


emprego, do juro e da moeda. São
Paulo: Abril Cultural, 1982.
LUKÁCS, G. As bases ontológicas do
pensamento e da atividade do homem.
Temas de Ciências Humanas, n. 4 ,
São Paulo: Grijalbo, 1998.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital.
São Paulo: Editora Boitempo, 2002.
MARX, K. O capital. Vol I, tomo I,
São Paulo: Ed. Abril, 1983.

3

1 Jogo clássico de futebol que reúne


dois notáveis times adversários,
Flamengo (rubro-negro) e Flumi-
nense (pó-de arroz).
2 No sentido de Entfremdung, a
desumanidade socialmente posta.


 

 




 


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