Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
O FUTURO
DAS PROFISSÕES
JURÍDICAS
VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
SUMÁRIO EXECUTIVO DA
PESQUISA QUALITATIVA
“TECNOLOGIA, PROFISSÕES
E ENSINO JURÍDICO”
1
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
2
O FUTURO DAS
PROFISSÕES JURÍDICAS:
VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
SUMÁRIO EXECUTIVO DA PESQUISA QUALITATIVA
“TECNOLOGIA, PROFISSÕES E ENSINO JURÍDICO”
São Paulo
03 de Dezembro de 2018
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
FICHA
TÉCNICA
REALIZAÇÃO
CEPI - Centro de Ensino e Pesquisa em
Inovação (FGV Direito SP)
EQUIPE
Coordenação:
Alexandre Pacheco da Silva
Emerson Ribeiro Fabiani
Marina Feferbaum
Pesquisadores (as):
Ana Paula Camelo
Fabrício Vasconcelos Gomes
Guilherme Kenzo dos Santos
Stephane Hilda Barbosa Lima
Theófilo Miguel de Aquino
Victor Doering Xavier da Silveira
Victor Nóbrega Luccas
APOIO
Projeto Gráfico: Ricardo Ferrer
4
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
SUMÁRIO
Ficha Técnica ............................................................................................................................ 4
Sumário .................................................................................................................................... 5
Introdução ................................................................................................................................ 6
I. Conjuntura ............................................................................................................................. 10
II. Metodologia ......................................................................................................................... 14
III. Principais Conclusões da Pesquisa ................................................................................... 17
III.1. Características do contencioso de massa incentivaram a adoção de tecnologias ..... 19
III.2. Substituição por máquinas se concentra em cargos de hierarquia mais baixa ......... 21
III.3. Incorporação de profissionais sem formação jurídica às organizações jurídicas ..... 24
III.4. Novas tecnologias integradas na elaboração e prestação de serviços jurídicos ....... 27
IV. Como se preparar para as transformações? ................................................................... 32
IV.1. Transformações nas Profissões: novas funções, habilidades e competências .......... 33
IV.2. Mito da dificuldade de aprendizagem ......................................................................... 37
5
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
INTRODUÇÃO
6
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
O impacto de novas tecnologias no campo a maior intensidade com que estes tópicos
jurídico já é sentido por operadores têm sido incorporados pela imprensa
do Direito e por suas organizações. De indicam um maior interesse sobre o tema e
sistemas mais estáticos (e.g. expert systems) uma maior preocupação sobre seus efeitos.
até os mais dinâmicos (e.g. algoritmos
Automação de documentos é um exemplo
de aprendizagem), os efeitos sobre as
profissões jurídicas estão cada vez mais disso. A tecnologia base de plataformas de
evidentes. Em uma primeira dimensão as produção automatizada de documentos
novas tecnologias se apresentam como jurídicos (e.g. contratos, petições, cartas,
objeto de análise no campo jurídico, servindo etc.), os expert systems, foi criada na década
como debate em demandas judiciais (e.g. de 1970, contudo, apenas nos últimos
uso de bots para impulsionamento de anos adquiriu adesão e popularidade entre
conteúdo durante as eleições) ou na esfera empresas e empreendedores do mundo
administrativa regulatória/sancionadora. jurídico. Da mesma forma, plataformas
Regulação da internet (Lei n.º 12.965/2014), digitais de ODR e o uso de técnicas
da proteção de dados pessoais (Lei n.º sofisticadas de estatística para predição de
13.709/2018) e da Internet das Coisas decisões judiciais são exemplos de um desejo
(Plano Nacional da Internet das Coisas, emergente de que as profissões jurídicas
lançado em 2018 pelo Ministério da Ciência, passem por uma mudança que tenha como
Tecnologia, Inovação e Comunicações1) um de seus pilares a sua integração com
são apenas alguns exemplos recentes de novas tecnologias.
novas tecnologias sendo incorporadas na
O interesse na integração da profissão jurídica
regulação jurídica. Contudo, uma segunda
com as novas tecnologias não se restringe
dimensão da relação entre tecnologia e o
à atuação isolada de alguns profissionais
Direito é a tecnologia como transformação
ou entidades do mercado jurídico, que
da atividade realizada por profissionais
as consideram um ativo estratégico. Pelo
do direito (e.g. advogado(a)s, juíze(a)s,
promotore(a)s, etc.) e por suas organizações contrário, alcança até os estudantes que
(e.g. escritórios, departamentos jurídicos, demandam uma formação mais adequada
etc.) - fenômeno que promete trazer aos tempos atuais, na qual o ensino do
consequências mais profundas para o direito reconheça que novas tecnologias são
campo jurídico. parte integrante das atividades jurídicas,
e ofereça reflexão sobre o seu papel nas
Não por acaso, diversos meios de transformações recentes das profissões.
comunicação (tanto os de nicho como os Para além da tecnologia como objeto
da grande imprensa) têm noticiado com exigir a criação de novos conhecimentos
frequência transformações no mercado no campo jurídico (e.g. Direito Digital),
jurídico, ressaltando, por vezes, que o a tecnologia também demanda o
profissional da área poderá ser substituído desenvolvimento de novas habilidades e
por “máquinas”, por ferramentas de
competências para os profissionais que
automação, pela Inteligência Artificial,
desejam promover mudanças.
por plataformas de resolução de conflitos
online (ODRs), dentre outras tecnologias No entanto, a trajetória das mudanças e
disponíveis no mercado. Para além do alarde as suas características não estão claras
aos profissionais do direito, o alto volume e para todos aqueles que buscam observá-la.
7
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
1. Cf.<http://www.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/tecnologia/SEPOD/politicasDigitais/arquivos/arquivos_estudo_iot/fase-
4-3.pdf>. Acesso em 20.11.2018.
9
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
I. CONJUNTURA
10
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
categorias de análise que criamos para dar transição e serão demandados a fazer parte
sentido as transformações no mercado de organizações jurídicas organizadas sob
jurídico brasileiro, permitindo com que novas configurações. Para os pesquisadores
nossa avaliação possa ser transposta para envolvidos no projeto, o futuro das profissões
o contexto de formação de estudantes não está nos anos que ainda estão por vir, o
que terão de se inserir em um contexto de futuro das profissões é agora.
2. A pesquisa usa a distinção entre os termos lawtech e legaltech conforme o debate internacional sobre o tema. A diferença está
explícita no seguinte trecho: “No Brasil, não se faz distinção entre os termos, enquanto no exterior se costuma referir a legaltech como
startups que atendem a todo o mercado e lawtechs as que desenvolvem soluções tendo como público final os advogados”. Cf: SIMÕES,
Janaína. Automação no direito: um novo tipo de startup, as legaltechs, desenvolve sistemas tecnológicos para a área jurídica. In Revista
Fapesp, Edição 271, set. 2018, disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/2018/09/18/automacao-no-direito/>, acesso em 13 de
outubro de 2018.
3. Cf. LINNA JR., Daniel W. What we know and need to know about legal startups, Digital Commons at Michigan State University College of Law,
2016, pp. 390-391. Disponível em: <https://digitalcommons.law.msu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1540&context=facpubs>. Acesso em
01 fev. 2018.
4. Frequentemente, estudos e relatórios sobre o tema baseiam-se em cadastros particulares de startups para manter registro da
quantidade de legaltechs em atividade em cada momento. É o caso, por exemplo, do Angel List (<https://angel.co/>), domínio destinado a
listar oportunidades de trabalho em startups para investidores e profissionais. Uma vez que (i) o cadastro é feito pelas próprias empresas,
(ii) não há garantia de que todas as startups cadastradas neles ainda estão ativas e (iii) existe a possibilidade de que algumas das empresas
em questão sejam, na prática, apenas pequenos negócios ou pequenos escritórios de advocacia, e não propriamente startups, tais dados
são, por natureza, incompletos. O mesmo problema existe no contexto brasileiro, onde a lista correspondente é o cadastro de membros
da AB2L, que foi utilizado como um dos parâmetros para a busca de legaltechs para as entrevistas. A despeito disso, trata-se de dados ao
menos indicativos do crescimento do interesse e atividade no setor.
5. Para fins de nossa pesquisa, definimos startup como empresas com alto potencial de crescimento em um curto espaço de tempo. Nesse
sentido, esta é uma empresa que pode fracassar ou crescer muito rapidamente, podendo alcançar tamanhos distintos ao longo de sua
trajetória. Por esta razão, não adotaremos a expressão “empresa nascente”, pois o seu tamanho se mostra apenas como uma condição
temporária e não uma característica perene.
6. Mais informações em: <https://www.ab2l.org.br/missao-e-objetivos/>. Acesso em 01 fev. 2018.
7. As categorias apresentadas pela primeira versão do Radar AB2L foram: (i) conteúdo jurídico e consultoria; (ii) automação e gestão de
documentos; (iii) faça você mesmo; (iv) monitoramento e extração de dados públicos; (v) redes profissionais; (vi) gestão de escritórios e
departamentos jurídicos; (vii) analytics e jurimetria; e (viii) resolução de conflitos online. Para ver na íntegra os resultados do Radar AB2L,
consulte em: <https://www.ab2l.org.br/wp-content/uploads/2017/08/Radar-AB2L-v1-Outubro-2017.png>. Último acesso: 17.11.2018.
8. Na segunda edição do Radar AB2L, surgem 4 novas categorias e uma das categorias que figurava na versão anterior teve o seu
nome alterado. As quatro novas categorias são: (i) taxtech; (ii) compliance; (iii) IA – Setor Público; e (iv) Regtech. A categoria que teve a sua
denominação alterada foi a de conteúdo jurídico e consultoria, que passou a ser identificada como conteúdo, educação e consultoria. Para
ver na íntegra os resultados do Radar AB2L 2018, consulte: <https://www.ab2l.org.br/wp-content/uploads/2018/11/Radar-40.jpg>. Último
acesso: 17.11.2018.
9. No Radar Escritórios, 38 escritórios de advocacia estão divididos em seis mercados jurídicos temáticos, conforme segue: (i) tax; (ii) digital
law/propriedade intelectual; (iii) litigation; (iv) M&A empresarial; (v) startup law; e (vi) full service. No levantamento, contudo, não está claro
se os escritórios de full service desenvolvem suas tecnologias por conta própria ou adquirem tecnologias de lawtechs e legaltechs em todas
as suas áreas. O levantamento não deixa claro se os escritórios demonstraram a intenção de serem consumidores destes serviços em
todas as suas áreas ou se são apenas algumas de seus departamentos que passaram a desenvolver projetos neste campo. Para ver na
íntegra os resultados do Radar AB2L 2018, consulte: <https://www.ab2l.org.br/wp-content/uploads/2018/10/Slide1.jpg>. Último acesso:
17.11.2018.
10. No Radar Early Stage, 40 empresas recém criadas com atuação no mercado jurídico estão divididas em 9 das doze categorias
apresentadas no Radar AB2L de 2018. A intenção da entidade é evidenciar o surgimento de novos empreendimentos em seus estágios
iniciais, posicionando-os nas categorias já criadas no levantamento das empresas já constituídas e em operação. Para ver na íntegra
os resultados do Radar AB2L 2018, consulte: <https://www.ab2l.org.br/wp-content/uploads/2018/11/Radar-16.jpg>. Último acesso:
17.11.2018.
11. Entre as publicações de Richard Susskind sobre o futuro das profissões jurídicas, nossa pesquisa foi significativamente influenciada por
duas delas: SUSSKIND, Richard. The End of Lawyers: Rethinking the Nature of Legal Services. Oxford: Oxford University Press, 2010; e SUSSKIND,
Richard; SUSSKIND, Daniel. The Future of the Professions: How Technology will Transform the work of Human Experts. Oxford: Oxford University
Press, 2015.
12. BARTON, Benjamin H. Glass Half Full: The Decline and Rebirth of the Legal Profession. Oxford: Oxford University Press, 2015.
13. GOODMAN, Joanna. Robots in Law: How Artificial Intelligence is Transforming Legal Services. London: ARK Group, 2016.
14. Para conferir a íntegra dos trabalhos realizados pela força tarefa da IBA, consulte: <https://www.ibanet.org/Task-Force-on-the-Future-
of-Legal-Services.aspx>. Último acesso: 17.11.2018.
13
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
II. METODOLOGIA
14
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
Foram realizadas 35 entrevistas com Por esta razão, dividimos nosso processo
desbravadores tecnológicos no campo de seleção do nosso universo de entrevistas
do direito. O conceito de desbravador em duas fases, uma exploratória e uma
tecnológico serviu como elemento de avaliativa. Na fase exploratória, dividimos
conexão entre organizações que tiveram o nossos esforços de coleta de potenciais
desejo de adotar uma ou mais tecnologias organizações para serem entrevistadas
para mudar a forma como o serviço entre levantamentos de menções em textos
jurídico pode ser prestado, seja na posição acadêmicos, relatórios de consultorias
de fornecedora de serviços (e.g. lawtechs e econômicas, participação na AB2L, presença
legaltechs), seja na posição de consumidora em eventos sobre os temas “futuro da
(e.g. escritórios, procuradorias, depar-
profissão jurídica”, “tecnologia no direito”,
tamentos jurídicos, etc.). O conceito de
“lawtechs e legaltechs” e “inovações no
desbravador nos auxilia a evidenciar
mercado jurídico”. Nesta fase, construímos
quais as razões que motivaram a adoção
uma lista de 28 potenciais entrevistados,
e a incorporação de novas tecnologias
realizando os contatos iniciais com o
como parte de um fenômeno único,
encaminhamento de uma síntese da
mesmo que multifacetado.
pesquisa, o questionário de perguntas e um
Além disso, a categoria desbravadores termo de consentimento para a publicação
tecnológicos nos permite visualizar, mesmo dos resultados.
que ainda de forma incompleta, a formação
de um ecossistema de inovação no campo A partir da construção do universo inicial de
jurídico, um ambiente de relações complexas entrevistas, iniciamos a fase avaliativa, na
entre desenvolvedores de tecnologia qual buscamos verificar se a organização
(e.g.lawtechs), seus consumidores (e.g. selecionada se enquadrava ou não em nosso
escritórios de advocacia e departamentos conceito de desbravadora tecnológica.
jurídicos), seus investidores (e.g. sócios Neste momento, intensificamos nossa
de escritórios, advogados, etc.), entidades investigação nos sites da organização,
responsáveis por capacitar seus profissionais buscamos informações disponíveis em
(e.g. faculdades de direito) e entidades de notícias publicadas em jornais e revistas e,
fomento (e.g. AB2L). em alguns casos realizamos uma entrevista
preliminar para verificar o enquadramento
Todavia, identificar os desbravadores
tecnológicos não é uma tarefa simples. da instituição ou não ao nosso critério de
Não há um repositório de narrativas de seleção. Além disso, para aquelas que
desenvolvimento tecnológico no campo passaram no nosso crivo, solicitamos a
jurídico ou até de relatos de implementação indicação de outra organização para fazer
de novas tecnologias em organizações parte de nosso universo de análise. Somando
jurídicas. Mesmo o Radar da AB2L tendo as indicações e subtraindo as organizações
uma abrangência ampla, ele ainda está que foram excluídas de nossa base de
em processo de construção, adquirindo dados, consolidamos15 nosso universo em
novas categorias de análise a cada edição, 35 organizações a serem entrevistadas por
reestruturando suas denominações e nossos pesquisadores.
segmentando seus levantamentos.
15
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
15. Entre as organizações entrevistadas, utilizamos o critério representativo para alcançar o nosso universo mínimo de análise. Isto
significa que a partir do momento em que já tínhamos um número suficiente de entrevistados por tipo de organização jurídica (e.g.
escritório de advocacia, departamento jurídico, lawtech, legaltech, etc.) passamos a nos concentrar na análise de suas respostas. Em
alguns casos, não entrevistamos algumas potenciais organizações jurídicas em razão de sua negativa em conceder uma entrevista
16 ou até pela falta de retorno de nosso contato por telefone.
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
III. PRINCIPAIS
CONCLUSÕES
DA PESQUISA
17
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
18
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
1. CARACTERÍSTICAS DO CONTENCIOSO
DE MASSA INCENTIVARAM A ADOÇÃO
DE TECNOLOGIAS
Por reiteradas vezes, entrevistados fizeram (iii) grande repetição nos argumentos
menção à adoção e ao desenvolvimento jurídicos apresentados nas demandas; (iv)
tecnológico no contexto das atividades expectativa de que a automação de rotinas
do contencioso de massa. Entre as causas reduziria o número de erros humanos; e
mencionadas estão: (i) a crescente pressão (v) interesse em melhorar a visualização
de clientes pela redução do preço pago por de processos e produção de relatórios
processos; (ii) os elevados custos de gestão para clientes.
associados ao grande volume de processos;
19
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
que as equipes de trabalho em cada um Por fim, vale notar que mesmo instados a
dos projetos tecnológicos colhiam bons expor quais são as tecnologias mais adotadas
resultados e expandiam suas iniciativas por sua organização, os entrevistados
para outras frentes. Em nenhum dos casos ficaram receosos de expor os detalhes,
coletados um projeto tecnológico teve início limitando-se a explicar genericamente
em atividades de alto grau de complexidade quais as tecnologias estavam embarcadas
(e.g. análise preditiva de decisões judiciais). em seus serviços ou produtos.
21
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
“Então, você tinha uma mão de obra nossos entrevistados, algum grau de
caríssima, que é o advogado, fazendo domínio sobre as tecnologias que estão
trabalho administrativo, entrando sendo utilizadas pela organização jurídica
é necessário, tendo percepções variadas
em sites para ver movimentação,
sobre se o domínio deve ser amplo ou
andamento, esse tipo de coisa. E aí ele apenas superficial, suficiente para uma
viu: poxa, a gente consegue automatizar compreensão de como sistemas funcionam,
isso aqui, vamos fazer um spider, um mas sem necessariamente um domínio
crowler, um robô que vai lá, pega as técnico específico (e.g. programação).
informações e traz isso. Porque era Há uma percepção consolidada nas
melhor do que você ter 50 advogados respostas de nossos entrevistados
no final de semana, o cara já vem de que os escritórios de advocacia e
trabalhar fora do horário de trabalho departamento jurídicos terão de aumentar
dele, vai pagar extra, vai pagar uma a sua produtividade, o que os entrevistados
série de coisas, ele fazer esse trabalho, por repetidas vezes mencionaram como
juntar numa tabela de Excel, e a tabela “fazer mais com menos”. Esta percepção
se estende inclusive sobre os recursos
de Excel que aí já vem com um bocado
humanos disponíveis nestas organizações,
de... cada um, por bota de um jeito, exigindo que os profissionais entreguem
juntar aquilo para fazer, levantar algum mais e melhores produtos e serviços.
insight para o cliente”. Nesse sentido, as ferramentas tecnológicas
serviriam como catalizadoras destas
Em razão das peculiaridades do processo capacidades profissionais, permitindo uma
de mudança do perfil do profissional e entrega de serviços em menor tempo e a
da criação de novas funções, não houve assimilação de uma carga de atividades
um consenso entre os entrevistados maior por profissional.
sobre a diminuição no número de vagas
disponibilizadas por organizações jurídicas. As organizações serão menos intensivas
Contudo, foi apontada a necessidade de em recursos humanos, precisando de
uma melhor qualificação dos profissionais um menor contingente de pessoas para
que ingressam em carreiras jurídicas. Se realizar o mesmo conjunto de tarefas.
atividades pouco complexas passam a ser Isto não significa que as organizações
realizadas por sistemas computacionais, em volume de trabalho, em número
organizações não terão mais a possibilidade de clientes, e em infraestrutura serão
de dispor destas atividades como forma necessariamente menores, conforme se
de treinamento de seus profissionais em observa no excerto abaixo:
início de carreira, tendo que deslocar seus
contratados para atividades de maior “(...) o impacto principal de tecnologia
responsabilidade e complexidade. dentro de uma área profissional? Ao
meu ver, é a produtividade. A gente
Além disso, discutiu-se até que ponto
o modelo de seleção de profissionais não tem como pensar em um aumento
da área jurídica será impactado por de produtividade se a gente não tem
domínio ou até uma familiaridade com uma pegada tecnológica. Então, eu
ferramentas tecnológicas. Na visão de acho que, primariamente, o primeiro 23
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
efeito que a gente tem com a chegada Nesse sentido, a conclusão é de que as
dessas legaltechs e legaltechs dentro soluções tecnológicas, especialmente
do mercado jurídico, sem dúvida é um aquelas baseadas em aprendizado de
máquina e automação, estão, de fato,
aumento de produtividade dentro dos
interferindo diretamente em funções
escritórios e das empresas. Um serviço repetitivas e de baixa complexidade e,
que antes eram feitos por X profissionais, consequentemente, nos postos de trabalho
isso vai ser uma razão, vai ser X sobre Y. que eram designados a realizar estas tarefas.
Por quê? Essa tecnologia ela consegue Contudo, ainda não está clara qual será a
fazer a entrega desse resultado de intensidade do processo de substituição de
forma muito mais rápida e com um profissionais e o ritmo de criação de novas
custo reduzido”. funções. Muitos dos entrevistados, inclusive,
fizeram menção ao fato de que muitas
Tais impactos poderão ser observados em das atividades de backoffice, de cunho
diferentes níveis e intensidades a depender administrativo/repetitivo e que tendem a
do tamanho, das dinâmicas internas de ser substituídas, não são atividades jurídicas
trabalho e dos modelos de negócio de privativas de advogado(a)s.
organizações jurídicas.
3. INCORPORAÇÃO DE PROFISSIONAIS
SEM FORMAÇÃO JURÍDICA ÀS
ORGANIZAÇÕES JURÍDICAS
Um fenômeno observado a partir das de prestação de serviços jurídicos, atividade
entrevistas foi a presença de profissionais fim de escritórios de advocacia.
sem formação jurídica (e.g. engenheiro de
Foram duas as principais razões apontadas
produção, cientista da computação, etc.)
para a incorporação destes profissionais:
serem incorporados em equipes criadas
ganhos de produtividade e de capacidade
para a realização de atividades jurídicas de inovar. Os ganhos de produtividade se
em escritórios e departamentos jurídicos. explicam pela importação de conhecimentos
A presença de profissionais sem formação e habilidades de outras áreas do
jurídica não é uma novidade na composição conhecimento, inclusive de gestão. Um
de organizações jurídicas. Tradicionalmente exemplo disso foi a contratação de um
alocados em áreas de suporte administrativo engenheiro de produção para compor a
e tecnológico, estes profissionais não equipe de contencioso civil de um escritório
ocupavam uma posição de destaque em de advocacia, em que ele ficaria responsável
escritórios e departamentos jurídicos, por desenhar os fluxos de trabalho em cada
em muitos casos sendo até terceirizados. um dos processos, criando parâmetros
A novidade aqui reside no fato destes objetivos de custos e uso eficiente dos
24 profissionais passarem a compor as equipes recursos do escritório.
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
Por sua vez, a capacidade de inovação sistemas, apenas para citar alguns exemplos.
tecnológica decorre da presença de
Além destes, com menor frequência,
profissionais da área de computação
foram mencionados cientistas políticos,
em equipes mistas que desenvolvem
administradores, linguistas, estatísticos, e
atividade jurídica. Um exemplo disso foi
matemáticos, o que demonstra também
a aproximação entre lawtechs/legaltechs
como demandas específicas criam
e escritórios de advocacia por meio de
oportunidades antes não previstas para
acordos de cooperação, fazendo com que
outras profissões. Além disso, foram feitas
profissionais da área técnica adaptassem
ferramentas computacionais às atividades menções a profissionais “híbridos” - aqueles
realizadas por equipes jurídicas, mudando graduados em direito, mas com algum tipo
as características do serviço a ser prestado de formação acadêmica adicional:
aos clientes do escritório. Nestes acordos
de cooperação, profissionais da área (...) eu não vou colocar um desenvolvedor
técnica trabalharam em conjunto com para falar com um advogado do outro
profissionais da área jurídica para o lado da linha, então elas já conhecem,
desenvolvimento de novos serviços e, são pessoas que estão aqui dentro com
em alguns casos, no aprimoramento do híbrido e assim, dentro de um perfil
produto oferecido pela empresa. de advogado que a gente vê que está
Ao longo da pesquisa, foram recorrentes crescendo hoje (...)
as menções às transformações na
composição dos grupos de trabalho. Antes A principal justificativa para a busca
formados exclusiva ou majoritariamente por profissionais de outras áreas do
por advogado(a)s, agora passam a ser conhecimento é a percepção de que eles
multidisciplinares. É nesse contexto que se poderiam melhorar a performance da
observa uma crescente e variada absorção organização jurídica, não apenas em termos
de profissionais sem formação jurídica, de produtividade, mas também em relação
tendo como principal foco de interesse os ao seu modelo de negócio, à organização
conhecimentos em engenharia de produção, das atividades, à distribuição de cargas de
ciências da computação, aprendizado de trabalho, à apresentação dos serviços, à
máquina, desenvolvimento de softwares, motivação interna dos profissionais, aos
webdesign, gestão de projetos e análise de planos de carreira, dentre outros aspectos.
25
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
27
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
“(...) a gente quis começar pelo que estava parte dos entrevistados (fornecedores
e consumidores) a percepção de que o
disponível e que era financeiramente
desenvolvimento tenha que ser interno
viável. A gente está agora em conversas
ao escritório, ao contrário, na maioria dos
com, tem certos fornecedores das casos a impressão é que ele ocorrerá fora
soluções de inteligência artificial, e a do escritório.
gente também está analisando uma
A solução adquirida deve gerar valor para as
solução de jurimetria para o nosso
atividades internas do escritório e contribuir
time de contencioso. A gente está para o aprimoramento do serviço prestado
olhando para ver, enfim, como isso se pelo(a) advogado(a) ao seu cliente. Ao adquirir
adequa dentro da rotina deles e se de um produto tecnológico, o escritório leva
fato vai agregar algum tipo de valor, em consideração o custo financeiro e qual
porque essas tecnologias são muito o esforço necessário de tempo e recursos
preliminares, e aí o grande dilema que humanos a serem despendidos para realizar
a gente tem é, se a gente espera elas as adaptações necessárias, tendo em vista os
potenciais empregos da solução nas rotinas
estarem mais desenvolvidas para a
de seus (suas) advogado(a)s.
gente efetivamente implementar, e aí
se a gente tiver os recursos financeiros Esses fatores podem ser compreendidos
a gente faz isso. Ou em que medida e como inversamente proporcionais. Quanto
mais complexo e personalizado for o
quais são aquelas que valem a pena a
desenvolvimento da ferramenta, mais cara
gente estar na vanguarda”. será a solução. Em compensação, caso
se trate de uma tecnologia pronta, o seu
Nesse sentido, a personalização seria
custo será menor, porém, não despertará
fruto da percepção dos entrevistados de
o mesmo interesse de seus potenciais
que escritórios de advocacia seriam cada
consumidores, ao menos na forma em que
um deles uma estrutura diferenciada
são geralmente ofertadas hoje.
dos demais e que as soluções disponíveis
precisam ser adaptadas à eles, pois ainda A partir dessas características comuns,
não se encontram em um estágio de as entrevistas revelaram três modelos
maturidade que permita a sua incorporação distintos de desenvolvimento e integração
no estágio em que se encontra. de novas soluções: (i) incubação de lawtechs/
legaltechs em escritórios de advocacia;
O segundo traço do comportamento
(ii) acordos de cooperação mútuos entre
de escritórios de advocacia enquanto
escritórios e lawtechs/legaltechs; e (iii)
consumidores de soluções tecnológicas
pesquisa e desenvolvimento interno ao
é a sua neutralidade quanto ao local de
escritório de advocacia.
desenvolvimento. Isto quer dizer que não há
uma preferência entre o desenvolvimento No primeiro modelo, de incubação de
tecnológico interno, no próprio escritório, e o lawtechs/legaltechs em escritórios de
desenvolvimento externo, por uma empresa advocacia, percebe-se que startups em
terceira. Mesmo que o escritório busque estágios iniciais do desenvolvimento do seu
uma solução tecnológica personalizada, negócio tentam se aproximar de escritórios
completamente integrada com as de advocacia em busca de um potencial
28 características da organização, não há por cliente e de um parceiro estratégico para o
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
seu crescimento no mercado jurídico. Para problemas que o escritório oferta para
além da disponibilização de um espaço a gente. Então, o embrião, o início, foi
físico (e.g. mesa, sala de reuniões, área de muito envolvido, a gestação da empresa
descompressão, etc.), o escritório oferece foi muito envolvida com o escritório”.
serviços de mentoria e orientações sobre o
mercado jurídico. Em contrapartida, a startup Mesmo com pontos em comum, o
testa, adapta e disponibiliza as suas soluções segundo modelo – acordos mútuos de
ao escritório de advocacia, podendo, em cooperação entre escritório e lawtechs/
alguns casos, ser assimilada pelo próprio legaltechs – diferencia-se pela menor
escritório ou uma de suas equipes. intensidade na interação, ela não é diária
e não compreende todos os profissionais
Neste modelo, a integração é completa,
da startup. A relação tampouco envolve
os profissionais da startup convivem
todas as atividades e produtos da startup,
diariamente com os profissionais do
concentrando-se em projetos específicos.
escritório e a troca de experiências é
A proposta é desenvolver um projeto
contínua. São duas trajetórias possíveis para
tecnológico com benefícios mútuos entre
a incubação, uma interna, pouco comum,
as organizações, sem vedações para que os
e outra externa. Na interna, uma equipe
resultados obtidos possam ser utilizados
do escritório cria um projeto tecnológico
em outros contextos que não apenas o do
que mesmo estando dentro do escritório,
acordo, por exemplo, na venda do produto
torna-se uma unidade autônoma, podendo
para outros escritórios.
se separar no futuro ou se tornar um
departamento independente no escritório. Diferentemente do modelo de incubação,
Na externa, uma startup se aproxima do os acordos não envolvem necessariamente
escritório e passa a adotar o escritório como a disponibilização de um espaço físico ou a
incubadora, aproveitando recursos físicos oferta de mentoria por parte do escritório
e orientação, sem necessariamente contar de advocacia. Há um trabalho desenvolvido
com investimentos financeiros. A seguir, em conjunto entre as duas organizações,
selecionamos um trecho de entrevista que em que o escritório serve como laboratório
ilustra uma trajetória de incubação. para a realização de testes de qualidade
e usabilidade do produto objeto da
“Bem, mesmo a gente dentro do escritório, parceria. Para o escritório, a vantagem é a
a gente era uma unidade de negócio incorporação de uma solução tecnológica
separado, (...) a gente não se via como a um custo baixo e já adaptado ao seu
uma parte do escritório, a gente não se cotidiano de atividades. Para a startup, há
ganhos de experimentação a partir de um
via simplesmente como TI do escritório.
contexto da prática jurídica, tendo retorno
O escritório sempre achou a gente muito
e críticas a partir de experiências reais.
TI deles, mas a gente não se via como
TI deles. Então, a gente precisou pagar O terceiro modelo, de pesquisa e
desenvolvimento, pode ser descrito como a
nossas contas, então, tudo para... para a
criação de uma divisão tecnológica interna
gente sair dali e dizer: eita, a gente agora
no escritório com profissionais contratados
não depende mais de estrutura física do para a elaboração de tecnologias jurídicas a
escritório, a gente não depende mais dos serem utilizadas pela própria organização. 29
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
As soluções podem adquirir feições distintas, linguagem, Visual Basic 6, depois ela
podendo ser a criação de sistemas de gestão
avançou para as primeiras versões do
de documentos, algoritmos de análise
sistema já com uma linguagem Web,
de risco ou de leitura de decisões, bem
como plataformas eletrônicas de consulta aí foi o ASP clássico já, e atualmente a
externas de informações (e.g. dashboards), gente está chegado na versão do Java.
disponibilizadas para clientes visualizarem Então, a gente teve todo esse exercício,
andamentos de processos, custos, então sempre acompanhando o que o
distribuição, entre outras informações. mercado trabalhava e o que existe de
Neste modelo, o porte da organização e a sua segurança em cima da informação. O
capacidade de investimento foram fatores ASP trabalhando com duas camadas
essenciais para a sua adoção. Dificilmente lá a gente percebeu que em alguns
organizações jurídicas de pequeno ou momentos poderiam ter determinadas
médio porte teriam os recursos necessários vulnerabilidades em cima da informação,
para a contratação de profissionais da área do acesso indevido, e a gente acabou
técnica e jurídica para trabalhar em projetos
construindo partes do sistema em cima
tecnológicos. Na visão dos entrevistados, a
adoção deste modelo se deu em estruturas
da linguagem Java. Por trás disso daí
de maior porte e com maior diversidade em a gente tem um ambiente tecnológico
suas áreas de atuação. muito seguro, com firewalls em várias
camadas do sistema, utilizando banco de
Além disso, para organizações jurídicas de
grande porte, observou-se que a adoção
dados desde os primórdios SQL Server,
do modelo de pesquisa e desenvolvimento e a gente vem acompanhando dessa
poderia conferir melhores resultados do forma. Hoje o sistema ele é integrado com
que a aquisição de tecnologias produzidas N sistemas, de terceiros, não somente
por terceiros. Isto porque a criação de com parceiros, mas também com
tecnologias jurídicas internamente não nossos clientes. E como o Fábio falou,
traria os custos associados à adaptação, o sistema hoje, a tecnologia ela ajuda,
presente nos modelos anteriores, bem
por exemplo, um dos nossos clientes a
como o desenvolvimento interno poderia
ser mais ágil ao responder a demandas
ter um melhor fluxo dentro da área dele.
apresentadas por clientes, conforme pode Então, área financeira conversando com
se observar no excerto abaixo: a área de auditoria, conversando com
a área jurídica. Então, o nosso sistema
“Então, vamos colocar na linha do acaba entrando, mergulhando nisso aí,
tempo. Eu cheguei aqui no escritório então a gente tem integrações. A gente
em 2006, pouco havia soluções na desenvolve parte dos sistemas que
internet, praticamente tudo era determinadas áreas dentro do cliente
aplicação desenvolvida por computador consigam consumir informações, até
e quando eu cheguei não foi diferente, trabalhar devolvendo a informação para
a gente começou a desenvolver a dentro do sistema. Isso nos ajuda depois
primeira versão do nosso sistema. Era para ter uma resposta ou um resultado,
30 uma aplicação desenvolvida em uma ou um relatório mais eficiente”.
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
31
O FUTURO DAS PROFISSÕES JURÍDICAS: VOCÊ ESTÁ PREPARAD@?
IV. COMO SE
PREPARAR PARA AS
TRANSFORMAÇÕES?
32
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
com os dados, para melhorar a base você trabalha com dados jurídicos,
de dados, principalmente porque nós big data jurídico, você precisa dos
fazemos muitas provas de conceito, advogados para dizer: não, usa esse
que a gente chama de PoC. Então, para dado e não usa aquele, esse dado aqui
você ter o resultado de uma PoC, ela está poluído, esse daqui não vai te dar
depende também muito da qualidade nada, esse daqui vai. E aí você começa
do dado que você imputa, que você a trabalhar com os legal analists, que
está trabalhando em cima. Então, nós chamamos aqui.”
quando você está trabalhando, quando
34
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
dos dados cuja coleta é facilitada pelas Trata-se, assim, de habilidades jurídicas
novas tecnologias. Exige-se cada vez mais, tradicionais que, no contexto de mudança
portanto, capacidade interpretativa que tecnológica, adquirem nova importância
implique a solução estratégica de problemas e novos significados. Em virtude de
complexos, como, por exemplo, na definição todas essas transformações, destaca-
da estratégia processual e de compliance em se a necessidade do desenvolvimento
departamentos jurídicos: de novos saberes e competências aos
profissionais do Direito. São competências
“Torna uma dependência assim, o para o uso de ferramentas tecnológicas
Jurídico começa a apontar dentro da que possam auxiliar seus trabalhos, a
empresa onde tem um gargalo, onde gestão de processos internos, o trabalho
colaborativo em equipe multidisciplinar,
que está o problema. Ele começa a
a interpretação de dados e capacidade de
fazer parte do negócio da empresa,
tradução de linguagens (jurídica e técnica),
isso é um negócio difícil de acontecer, e, ainda, uma capacitação específica para
mas já está acontecendo, integração aprimorar o tratamento interpessoal que
entre áreas de empresa. É normal o(a) advogado(a) deve oferecer aos demais
você chegar em uma empresa que tem parceiros e clientes.
os departamentos todos separados, Ficou sublinhada a necessidade de
um não olha na cara do outro, são aprendizagem sobre noções gerais de
concorrentes internos. E acho que esse programação, estatística e matemática e de
trabalho aconteceu já em algumas formação em administração de negócios e
empresas aqui, o Jurídico conseguiu processos. Especialmente, destacou-se a
trazer a Operação, trazer o Financeiro: necessidade de que o profissional jurídico
gente, vamos dar as mãos aqui porque entenda do negócio e do setor econômico
do seu cliente para que seja capaz de
eu preciso reduzir a quantidade de
desenvolver a melhor solução tendo em
processos para gastar menos, você vista as especificidades que o nicho do
precisa pagar em dia para não gerar cliente possui.
multa, execução, você tem que resolver
esse problema aqui na operação para
não trazer mais processos”.
36
Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação - FGV Direito SP
2. MITO DA DIFICULDADE DE
APRENDIZAGEM
Para que o mercado possa se adaptar a como seria para depois ele tentar
essas transformações, é necessário também reaplicar a lógica em cima do que ele
que se supere a barreira inicial de obtenção
compreendeu do Direito, talvez fosse
de novos conhecimentos e habilidades
uma característica fundamental”.
dentro da cultura jurídica. Nesse sentido,
não se pode mais se restringir o profissional
Na realidade, observou-se que a maior
jurídico a saberes tradicionais do campo
dificuldade existente é fazer com que os
com base em uma eventual dificuldade
profissionais de fora do Direito aprendam
de reciclagem da formação. A pesquisa
a trabalhar com a linguagem jurídica,
evidenciou que os profissionais da área
e não o contrário. De acordo com as
jurídica, quando demandados, têm plenas
entrevistas realizadas, os profissionais
condições de aprender e desenvolver
da área jurídica alegaram ser capazes
competências necessárias para a realização
de compreender melhor os termos da
de projetos tecnológicos, como, por
programação com menos esforço do
exemplo, a programação.
que o contrário, dado que a linguagem
Percebe-se uma dificuldade inicial de jurídica seria ainda mais complicada de
diálogo entre os profissionais da área ser apropriada pela outra parte.
jurídica e os de áreas mais técnicas ligadas
às tecnologias, mas não uma dificuldade de Interessante notar a existência de uma
aprendizagem por parte dos profissionais diferença entre os níveis de aprendizagem
jurídicos. Foi constatado que, por vezes, é entre os profissionais da área jurídica.
desnecessário que advogado(a)s adquiram Segundo alguns entrevistados, enquanto os
de modo profundo competências típicas de profissionais mais novos em idade pareciam
outras áreas, a não ser que assim desejem: mais acostumados com o uso da tecnologia,
tendo maior facilidade em se comunicar os
“Em muitas vezes você vê que tem membros da equipe técnica, os mais velhos
algumas questões pontuais que o pareciam ter receio abarcar essa nova área.
advogado tem que ir lá e parametrizar, Esse estranhamento inicial com o uso dos
tem que ajustar. E o programador em sistemas tecnológicos pode ser reduzido
si ele não consegue ter isso, é muito com o ensino de noções básicas de
difícil para ele ter. Então, assim, é muito lógica de programação aos advogado(a)s.
mais fácil eu acho que para o advogado Percebe-se uma retroalimentação entre o
ensino da programação aos profissionais
aprender a programar e ser um bom
jurídicos e a inserção da tecnologia: quanto
programados e ter essa visão, do que
mais se domina a nova linguagem, mais as
o próprio programador. Mas se ele atividades passam a ser estruturadas de
conseguisse se despir da parte lógica forma a facilitar sua tradução na lógica de
dele de algoritmos e de comandos e programação, o que incentiva a que mais
procurar entender um pouco melhor profissionais se interessem por ela. 37
Por esta razão, a criação de programas,
disciplinas, laboratórios que sejam capazes
de desenvolver habilidades de estruturação
de projetos tecnológicos, um domínio de
termos e da lógica subjacente de novas
tecnologias, capacidade de tradução de
termos jurídicos para estruturas técnicas,
criatividade na construção de soluções
para problemas complexos, mostram-se
necessárias para que o profissional consiga
lidar com as ferramentas que já existem e
para que o processo de inovação tecnológica
no mercado jurídico seja potencializado.