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entrevista Elisa Pereira Reis

Olhar pioneiro
sobre a
desigualdade social
Estudiosa das elites, pesquisadora defende o
desenvolvimento de projetos comparativos para melhor
entendimento dos fenômenos sociais

Christina Queiroz  |  retrato  Léo Ramos Chaves

E
m um momento no qual a temática da pobreza mobili- idade 72 anos
zava os pesquisadores de sua área, a socióloga política
especialidade
Elisa Pereira Reis desenvolveu estudos inovadores
Sociologia política
sobre desigualdade social. A partir de análises com-
parativas da situação de diferentes nações, seus trabalhos têm formação
influenciado o modo de pensar o desequilíbrio na distribuição Graduação em
de recursos, não apenas no Brasil como também no mundo. sociologia e política na
Ao se debruçar sobre as perspectivas que as elites têm do Faculdade de Ciências
problema, Elisa propiciou o desenvolvimento de uma nova Econômicas da UFMG
compreensão acerca das disparidades sociais. Em sua concep- (1967), doutorado em
ção, constituem a elite pessoas que ocupam altos postos em ciência política pelo
determinadas instituições, controlando recursos materiais MIT (1979)
e simbólicos. Ou seja, não apenas dinheiro mas também a
instituição
capacidade de influenciar decisões alicerça o poder das elites.
Universidade Federal do
Descendente de latifundiários, a mineira de Araxá está ca-
Rio de Janeiro (UFRJ)
sada há mais de quatro décadas com o economista Eustáquio
José Reis, pesquisador da Diretoria de Estudos e Políticas Ma- produção
croeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada científica
(Ipea). Aos 20 anos, graduou-se em sociologia e política pela Cerca de 50 artigos
Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Fede- científicos e 11 livros
ral de Minas Gerais (FCE-UFMG), em Belo Horizonte, e em escritos ou organizados
1979 defendeu seu doutorado no Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT).

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Professora titular da Universidade aluna de bibliografia é bom porque você
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Eli- desmitifica a pessoa e passa a acreditar
sa atualmente concilia seu tempo entre que é possível chegar longe.
dois projetos de pesquisa de amplitude
global, atividades de política científica Trabalho com O que estudou no doutorado?
e magistério. “Um momento em que me No doutorado me empenhei em respon-
sinto constantemente desafiada é quan-
do dou aulas. Minha primeira experiên-
um conceito der por que o Brasil tinha tanta dificulda-
de em consolidar a democracia. Para isso,
cia docente aconteceu no último ano da
graduação, quando lecionei introdução de elite que elaborei um estudo macro-histórico que
contemplou o período que vai da Abo-
à sociologia para uma turma de ciências lição da escravidão até a Revolução de
sociais que passou no vestibular de 1967 envolve as 1930. Nele, busquei mostrar com dados
da Faculdade de Filosofia da UFMG”, empíricos como se criaram as condições
conta. “Estou me aposentando da UFRJ, pessoas que para que Getúlio Vargas [1882-1954] le-
mas quero seguir dando aulas, inclusive vasse adiante sua revolução autoritá-
para a graduação.” Na entrevista abaixo,
a pesquisadora falou sobre seus estudos
controlam ria. Na tese, defendo que a Revolução de
1930 não foi burguesa, mas gestada pelas
a respeito da desigualdade e dos proje-
tos atuais. recursos elites agrárias durante a República Velha,
criando as condições para que Vargas
instaurasse uma ditadura modernizante.
Sua trajetória na academia pode ser materiais e Nesse momento do meu doutorado, mui-
considerada híbrida, pois suas reflexões tos pesquisadores das ciências sociais
passam tanto pela política quanto pela
sociologia. De onde vem seu interesse
simbólicos estavam preocupados em explicar por
que o Brasil era autoritário. Muitos de
pelas ciências sociais? nós, como Simon Schwartzman, Otávio
Saí da casa dos meus pais aos 14 anos Velho e Luiz Werneck Viana, desenvol-
para fazer o curso científico [atual en- veram teses macro-históricas para en-
sino médio] em Uberaba e me preparar tender a ditadura. Essa era a questão da
para estudar engenharia. Nos primeiros mento social, por exemplo. A formação época. Nunca publiquei minha tese, mas
meses do curso, no entanto, fui arreba- era mais hard, se comparada aos cursos escrevi diversos artigos que derivaram
tada pela questão da justiça social e me de ciências sociais. Os cursos de econo- dela. Um dos mais lidos, “O Estado na-
envolvi com política estudantil secun- mia eram muito mais politizados do que cional como ideologia: O caso brasileiro”
darista. Isso me estimulou a optar pelas hoje. O ambiente da faculdade, naquela (Estudos Históricos, 1988), considero um
ciências sociais. Como muitos outros da época, pode ser considerado lendário, texto precoce. Nele, trabalhei com uma
minha geração, fui motivada pela ideia entre outros motivos, pela introdução ideia inédita de nação, que já havia sido
de mudar o mundo. Fiz a graduação na pioneira do sistema de bolsas por con- abordada por Benedict Anderson [1936-
FCE da UFMG, em Belo Horizonte. Na curso para alunos da graduação, pelos 2015] no seu livro de 1985 Nação e cons-
época, pensava que ciência política, eco- investimentos em livros e periódicos e ciência nacional, que eu desconhecia.
nomia e sociologia eram o mesmo campo pelo funcionamento intenso das salas de
de estudos. Hoje me defino como perten- leitura e da biblioteca. Eu vivia sem famí- Quando começou a se interessar pelos
cendo à área da sociologia política, mas lia na cidade e considerava a faculdade estudos sobre desigualdade?
jamais vou perder a marca da ciência minha casa. Me formei em 1967, aos 20 Continuei trabalhando sobre a rela-
política na minha formação. anos. No ano seguinte, durante minha ção entre governo e mercado, dispos-
licenciatura em sociologia do desenvol- ta a entender como interesses econô-
Como chegou ao MIT? vimento pelo Instituto Latinoamericano micos fizeram parte da construção do
Prestei vestibular em 1964. Sempre gos- de Doctrina y Estudios Sociales [Ilades], Estado no Brasil. Aos poucos, meu foco
tei de estudar as pessoas que controlam no Chile, convivi com gente de todo o foi mudando por causa da inquietação
recursos materiais e suas relações com mundo e com muitos exilados das dita- em estudar a desigualdade. Sempre tive
o Estado. Minha dissertação de mestra- duras latino-americanas. A ideia de pro- uma preocupação macro-histórica muito
do procurou mostrar como, em 1930, o duzir estudos comparados, que tanto me teórica, diferentemente da tradição do
Estado subordinou a elite cafeicultora agrada, partiu dessa experiência chilena. Rio de Janeiro e de São Paulo. Passei a
para poder patrocinar a elite industrial. Quando cheguei ao MIT, em 1972, para integrar o comitê de teoria sociológica
Tive uma formação próxima da econo- cursar o doutorado, a instituição contava da Associação Internacional de Socio-
mia política, pois fui da última turma com poucas mulheres e estrangeiros no logia. Nesse momento, fiz a conversão
do curso de graduação em sociologia e curso de ciência política. Logo comecei da ciência política para a sociologia, e
política que existiu na FCE. Tive aulas a ter aulas com professores que eram continuei centrada nas relações entre
de direito internacional, constitucional, minhas referências bibliográficas co- Estado, sociedade e mercado. Em uma
economia e história do pensamento eco- mo Samuel Huntington, Hayward Alker, outra pesquisa, criei um banco de dados
nômico, mas não disciplinas sobre pensa- Daniel Lerner e Barrington Moore. Ser para mapear as relações de organizações

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Tive dificuldades em convencê-los de
léo ramos chaves

que era preciso incluir a palavra “desi-


gualdade” no título da obra. Hoje, o que
mais chama a atenção no livro é justa-
mente o fato de ele trabalhar com a ideia
da desigualdade. Acabei de voltar de uma
banca de doutorado na London School
of Economics and Political Science em
que a aluna analisou as percepções que
1% da população mais rica de Londres
tem da desigualdade e da pobreza. Ela
elaborou sua tese apoiada nesse livro
que Mick Moore e eu editamos.
Entre 2013 e 2014, desenvolvi o mesmo
estudo, com outra equipe de pesquisa-
dores, para avaliar as percepções das
elites no Brasil, na África do Sul e no
Uruguai. Foram aplicados questionários
em 180 pessoas em cada um desses paí-
ses. A ideia era avaliar se com o passar do
tempo houve mudanças e quais foram.
Ainda não publicamos os resultados do
projeto. Estou atrasada com ele porque
me envolvi em outra iniciativa grande,
que mais me mobiliza atualmente.

Pesquisadora Como surgiu o interesse pelas elites co-


procura entender mo objeto de pesquisa?
como pessoas
O conceito de elite comporta muitas de-
que não são
pobres convivem finições. Em vez de adotar, por exem-
com a miséria plo, um conceito formado por renda ou
riqueza, ou notoriedade e celebridade,
adoto um critério posicional, ou seja, po-
não governamentais [ONGs] com o go- cepções da desigualdade. Realizamos um sição institucional. Com isso, suponho
verno. Apliquei questionários em 300 questionário com políticos, burocratas, que aqueles que estão no topo de deter-
ONGs envolvidas com política social em líderes empresariais e sindicais de todo minadas instituições controlam recur-
cinco estados brasileiros e também em o país. Depois, dei continuidade a essa sos materiais e simbólicos. Por volta dos
um grupo de beneficiários de programas pesquisa em um projeto desenvolvido em anos 1990, depois da ditadura, o cenário
dessas organizações. Meu objetivo foi parceria com colegas europeus, inclusive político brasileiro estava otimista. Havia,
avaliar como dirigentes dessas institui- o sociólogo holandês Abram de Swaan, porém, a percepção de que a desigual-
ções se relacionavam com o Estado e o professor emérito da Universidade de dade era generalizada e de que nada se
mercado e como os beneficiários enxer- Amsterdã. Montamos um grupo para fazia para mudar o panorama. Comecei
gavam essas organizações. investigar as percepções dessas pessoas a me preocupar sobre como é possível
sobre a pobreza no Brasil, na África do conviver com essa situação. Como or-
O que pesquisa hoje? Sul, nas Filipinas, em Bangladesh e no ganizamos nosso pensamento em uma
Estou trabalhando em duas frentes. Uma Haiti. Elaboramos um questionário para sociedade com tanta diferença em termos
pesquisa é o meu projeto pessoal de in- entrevistar 80 representantes das elites de perspectiva de vida? Nessa época, já
vestigar a percepção das elites sobre po- em cada um desses países. Os resultados tinham sido feitos diversos estudos so-
breza e desigualdade. A primeira etapa foram publicados em 2005 no livro Eli- bre pobreza e estratégias de sobrevivên-
dessa iniciativa foi desenvolvida entre te perceptions of poverty and inequality, cia em condições precárias. Mas eu não
1993 e 1995 por um grupo do antigo Ins- que editei com Mick Moore, professor queria abordar o assunto a partir desse
tituto Universitário de Pesquisas do Rio do Institute of Development Studies da ponto de vista. Queria entender como as
de Janeiro [Iuperj], hoje Instituto de Es- Universidade de Sussex, no Reino Unido. pessoas que não são pobres convivem e
tudos Sociais e Políticos (Iesp/Uerj), co- A obra foi bem recebida pelos especia- justificam a existência da pobreza.
mo parte do projeto “Elites estratégicas listas, mas ganhou visibilidade apenas
e consolidação democrática”, que se de- recentemente. Naquela época, a desi- E conseguiu?
bruçou sobre o processo de redemocrati- gualdade não era a principal preocupa- A maior parte das pessoas que estuda
zação no Brasil. Entrei nessa equipe para ção dos meus parceiros, mais centrados pobreza e desigualdade defende que pa-
fazer perguntas às elites sobre suas per- em analisar questões relativas à pobreza. ra reduzir disparidades na sociedade é

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preciso contar com a boa vontade das tarde, no Brasil, as pessoas que ocupa- dos capítulos, junto com o historiador ho-
elites, apostando na filantropia para atin- vam essas posições ainda consideravam landês Marcel van der Linden. O painel
gir esse objetivo. Concordo que a filan- o crescimento econômico como o mais envolve cerca de 300 pesquisadores e está
tropia pode ser um caminho. Porém, no importante à nação, mas reconheciam sendo elaborado sem ajuda financeira de
projeto, quis identificar os motivos que que se houvesse progresso social para os governos porque quisemos manter auto-
poderiam despertar o interesse das elites mais pobres a possibilidade de avanços nomia em relação a possíveis pressões
em investir na redução das desigualda- econômicos, para todos os grupos, au- políticas. Três livros com os resultados
des. Na primeira etapa da pesquisa, cujos mentava. Aqui, as elites se posicionaram desse projeto serão publicados em ju-
resultados foram publicados em 2005, a favor de medidas econômicas progres- lho, pela Cambridge University Press.
identificamos, em linhas gerais, que as sistas como o programa Bolsa Família. Além disso, seis de nós que integramos a
elites do Brasil, da África do Sul, das Fi- Na África do Sul, seguiam defendendo coordenação do projeto escrevemos uma
lipinas, de Bangladesh e do Haiti enten- que primeiro era preciso a economia pequena obra, apresentando os resultados
diam a pobreza e a desigualdade como crescer para depois redistribuir a renda. do painel para o público não acadêmico
problemas que as afetavam. Segundo os e que também será publicada pela Cam-
questionários que aplicamos, preferiam Do que se trata o outro projeto com o bridge University Press ainda este ano. A
proteger suas propriedades individual- qual está envolvida? pesquisa sobre as elites e o painel sobre
mente, investindo em segurança, muros, Com outros pesquisadores, estou coorde- progresso social são as duas atividades
alarmes, mas sem se aliar ao Estado. No nando o desenvolvimento de um painel intelectuais que mais me ocupam hoje.
esforço de entender como a elite brasilei- mundial para avaliar o progresso social
ra se mobiliza para fazer algo pelos mais em países distintos, sobretudo nos últi- O painel identificou algum progresso
necessitados, baseei minha pesquisa no mos 50 ou 60 anos. Também para mapear social?
modelo de Swaan. Ele defende que o os problemas que nos afetam no presen- Claro, não há como negar que a humani-
estado de bem-estar foi construído na te e as graves ameaças à continuidade do dade experimentou imensos progressos
Europa porque as elites pensavam que progresso. A preservação do meio am- materiais, entre eles melhorias no campo
deveriam envolver o governo na prote- biente, a questão das armas químicas e da saúde e na expectativa de vida. En-
ção de seus interesses. Para Swaan, as biológicas, o imperativo do crescimento tretanto, esses ganhos não são igualmen-
elites agem reativamente e apoiaram a sustentável são alguns dos enormes de- te distribuídos e condições miseráveis
criação desse Estado de bem-estar social safios com que nos confrontamos. Faço são a realidade de milhões de pessoas.
porque se sentiam ameaçadas. Durante parte do comitê científico e coordeno um É preciso levar em conta também ques-
a pesquisa, constatei que essa motiva- tões que dizem respeito à igualdade e
ção pode estar fundada no medo da vio- ao reconhecimento das diferenças. Não
lência ou na ameaça aos bens materiais. há dúvida, por exemplo, que em muitos
Isso me permitiu afirmar que o estímu- contextos a dominação patriarcal decli-
lo para reduzir desigualdades pode ser nou significativamente, mas muito res-
tanto filantrópico como defensivo. Na ta a ser feito. Milhares de mulheres no
busca por garantir uma posição na es- mundo ainda precisam lutar pelo mero
fera política, intelectual, empresarial ou Estímulos direito de frequentar uma escola, tal co-
na burocracia, a elite precisa considerar mo mostram os exemplos do Paquistão
que a desigualdade e a pobreza também
trazem riscos a ela.
para e do Afeganistão. A liberdade religiosa
é brutalmente negada para muitas mi-

Qual foi a constatação em relação ao


reduzir as norias como a dos cristãos na Nigéria.
Homossexuais são punidos com prisão
Brasil? e, segundo relatórios recentes, até mes-
Na etapa da pesquisa desenvolvida em desigualdades mo com pena capital em países como o
2013 e 2014, observei uma postura di- Sudão, o Irã, a Arábia Saudita e o Iêmen.
ferente no Brasil. O país vivenciava um podem ser Além disso, recentemente, assistimos à
ascensão de tendências autoritárias que
momento de prosperidade econômica e
social e as elites perceberam que, se hou-
vesse redistribuição de renda, elas tam-
tanto ameaçam conquistas democráticas que
estávamos acostumados a pensar como
bém se beneficiariam, pois o mercado de
consumo se tornaria mais dinâmico e a filantrópicos duradouras e em contínua expansão. A
crise da democracia que vem se confi-
mão de obra mais qualificada. Com isso, gurando indica que precisamos urgente-
começaram a apostar no progresso social como mente encontrar novos formatos institu-
como algo que também gerava benefícios cionais para assegurar a representação e
para elas próprias. Comparando os da-
dos brasileiros com os da África do Sul,
defensivos a participação política. A onda populista
que cresce no mundo se alimenta da in-
notamos diferenças significativas. No satisfação de parcelas significativas da
estudo original, as elites dos dois países população com o establishment político,
pensavam de maneira semelhante. Mais que ignora seus anseios. Nesse contexto

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muitos se deixam seduzir pelas falsas Development Studies em Genebra, Suíça,
promessas salvacionistas de lideranças que desenvolveu uma tese em Harvard
oportunistas. comparando profissionais liberais negros
no Brasil e na África do Sul. Levamos 10
Como está o Brasil nesse cenário? O Brasil anos para concluir esse estudo e publi-
No caso da sociedade brasileira, é no- camos um livro no final de 2016 apresen-
tável o divórcio entre a política oficial
e as demandas da cidadania. O clima de
nasceu como tando os resultados, intitulado: Getting
respect: Dealing with stigmatization and
frustração se propaga, crescem ressen-
timentos e intolerâncias inviabilizando
Estado discrimination in the United States, Brazil
and Israel (Princeton University Press,
o diálogo e contribuindo para o retro- 2016). Quero publicar esse livro no Bra-
cesso de diversas conquistas sociais. A autoritário, sil, mas por enquanto é só um projeto.
situação no Brasil pode ser vista quase
como uma parábola do que acontece no mas não No artigo “O Estado nacional como
mundo. Parece que estamos com dificul- ideologia: O caso brasileiro”, a senho-
dade de entender algo muito simples: se
os direitos de que desfrutam alguns não
penso que ra chama a atenção para o fato de o au-
toritarismo estar na gênese do Esta-
se generalizam para todos, estamos fa-
lando de privilégios e não de direitos. A está fadado do brasileiro. Mesmo assim, é possível
construir um novo projeto de nação?
pauta democrático-liberal por definição Esse é um assunto que me mobiliza muito.
deve ser universal. A resistência a incluir a seguir Tenho um pé na sociologia macro-histó-
novos setores da sociedade fomenta não rica, mas não considero a gênese de uma
apenas a insatisfação dos excluídos, mas
também a defesa irracional do status quo
como tal sociedade como um “pecado original”. Se
eu pensasse que porque nascemos como
e muitas vezes do próprio retrocesso. A Estado autoritário estamos fadados a se-
consequência para todos é a perda da guir como tal, não teria feito ciências so-
convivência democrática. A magnitu- ciais. Optamos por essa carreira quando
de das desigualdades, por um lado, e a entendemos que é possível mudar algo. Às
negação do respeito a tantos, por outro, problemas sociais conjuntamente e não vezes, os trabalhos históricos são lidos co-
têm levado a uma grave crise da sociabi- de forma separada, por disciplinas. Dis- mo se fossem testemunhos de que temos
lidade entre nós. Todos perdemos com cutimos essa fusão durante dois anos. um destino manifesto autoritário. E não
o encolhimento da solidariedade social. No final de 2017, concluímos a discussão temos. Escolhemos as coisas. É comum
Mas não se deduza da crise do presente para unificar os dois conselhos em uma escutar que, no Brasil, há desigualdade
que estamos condenados à decadência e nova organização. Esse foi um assunto de cor hoje porque tivemos a escravidão
à barbárie. O que motiva a iniciativa do que me ocupou muito nos últimos anos. no passado. Concordo que a origem do
painel é justamente a convicção de que, problema é essa, mas a desigualdade e
como atores dotados de racionalidade e Com uma trajetória de pesquisas tão aspectos discriminatórios e elitistas da
volição, temos o desafio moral de pensar longa e intensa, o que ainda falta fazer? nossa sociedade são recriados e reativa-
alternativas para assegurar que a ciência, Coordeno o Núcleo Interdisciplinar de dos constantemente. A situação não per-
a tecnologia e a inovação sejam parceiras Estudos sobre a Desigualdade, o Nied, manece igual espontaneamente. Precisa-
efetivas no avanço das conquistas sociais. que existe há 20 anos. Realizamos uma mos saber explicar por que ela não muda.
série de pesquisas e incomodava-me o
A senhora também tem estado bastan- fato de jamais ter estudado a desigual- Como a senhora enxerga a atual pro-
te envolvida em atividades de política dade de cor no Brasil. Então, em 2004, dução em ciências sociais no Brasil?
científica. Quais são elas? a socióloga Michèle Lamont, professora Quando era estudante, aprendi que devia
Desde 2013, sou vice-presidente do Inter- em Harvard, me convidou para partici- trabalhar com distanciamento do objeto
national Social Science Council (ISSC). par de um projeto comparativo nessa de pesquisa e que tínhamos de escolher
Existiam dois conselhos até recente- área. A ideia era entender como negros temas com os quais não mantivéssemos
mente: o ISSC para as ciências sociais­ nos Estados Unidos, no Brasil e minorias relação afetiva. Mas isso foi mudando e
e o International Council of Sciences em Israel lidam com a desigualdade, os eu me rendi. Escolher um tema porque
(ICSU), que envolvia as chamadas ciên- preconceitos e os estigmas. No Brasil, as ele nos sensibiliza não é um problema.
cias duras. Essas duas organizações estão pesquisas sobre esse assunto costumam Também é preciso reconhecer que todos
se unindo para formar um conselho úni- se concentrar no estudo de casos indi- queremos ser originais na escolha de
co, o International Science Council (ISC). viduais e em histórias de vida. Quando nossos objetos, mas penso que essa ten-
Em junho teremos a primeira assembleia recebi o convite, fiquei insegura, pois dência às vezes é extremada e contribui
da nova organização, que inclui todas as não sou especialista em raça. Michèle para gerar uma fragmentação excessiva,
ciências. A ideia de unificar as organiza- propôs que eu trabalhasse com Graziella que torna difícil consolidar e generalizar
ções ocorreu porque existe uma percep- Moraes Silva, atualmente professora no resultados. O trabalho em equipe é fun-
ção crescente de que temos de pensar os Graduate Institute of International and damental para a pesquisa acadêmica. n

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