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RESUMO: Esse artigo aborda teoricamente, considerando a contribuição de autores como Michel
Foucault, Robert Castel e Gilles Deleuze, mas sobretudo, por meio de Foucault, as práticas
educativas medicalizadas, na sociedade contemporânea que efetuam racismos por meio do biopoder
em nome da cultura de paz, da educação para paz e da segurança. O texto ainda apresenta um
conjunto de autores que possibilitam analisar a redução das diferenças por uma educação em direitos
que forja consensos, mediados por utilitarismos, em uma política econômica em que o capital
humano e social se tornou ferramenta de controle dos corpos. Esta mesma política lança mão da
gestão de risco/perigo para fazer valer uma logica racista biológica e cultural medicalizante e
securitária da vida.
Palavras-chave: Educação; Racismos; Medicalização; Formação; Diferença.
ABSTRACT: This paper theoretically addresses from authors such as Michel Foucault, Gilles
Deleuze and Robert Castel, but rather, through Foucault medicalizadas educational practices in
contemporary society effecting racism in biopower in the name of peace culture and education peace
and security. The text also presents a set of possible authors who analyze the reduction of differences
in education rights in forging consensus, mediated utilitarismos in an economic policy in which the
human and social capital have become tools of controlling bodies. This policy lay hold of risk
management/hazard to avail a medicalized and insurance biological and cultural racist logic of life.
Keywords: Education; Racism; Medicalization; Training; Difference.
que grupos ganham e quem lucra com estas psicopatologia da infância e da adolescência
maneiras de repartição social? Que práticas (MACHADO, 1978; AQUINO, 2000;
vizinhas oferecem suporte para generalização SOUZA & OLIVEIRA, 2013).
deste modo de vida? Por que vias e Associações são criadas e entidades de
possibilidades criar outras maneiras de existir defesa dos doentes escolares para gerir a
e resistir a estas investidas e incitações doença. Jacques Donzelot (1986), em A
psicofarmacológicas e de patologização da polícia das famílias já apontava como a escola
educação e da sociedade? e o exército foram portas de entrada para a
Muitas perguntas que assinalam para a psiquiatria e neuropsiquiatria como
complexidade e que desalojam as afirmações medicinas sociais normalizantes de condutas.
reducionistas e mecanicistas dos discursos No mesmo livro, assinala como as mesmas
psiquiátricos e neuropedagógicos que fizeram aliança com o campo jurídico, em
transitam na medicalização da educação e da alguns aspectos, como no atendimento aos
vida. Este processo de psiquiatrização da adolescentes em conflito com a lei e adultos
medicina e da educação, em que as noções de que cometessem infrações.
doença mental, transtorno e síndrome Esta ordem do discurso está assentada
invadiram o debate foi chamado de em um rede de práticas e saberes, poderes,
medicalização da vida. leis, relatórios, cursos, editoras,
Foucault (2001), em Os anormais e distribuidoras, congressos, instituições,
Castel (1987), em A gestão de riscos: da parlamentares, juristas, psicólogos,
antripsiquiatria à pós-psicanálise apontaram educadores, médicos, fonoaudiólogos, ONGs
como a medicina social por meio da e indústria farmacêutica. No caso específico
psiquiatrização dos desvios sociais das anfetaminas, como o cloridrato de
possibilitou a defesa da sociedade no campo metilfenidato, muitos países criaram
da relação normal/anormal em termos de restrições à venda desta droga chamada lícita.
espectros formulados por lógicas racistas e Também muitas críticas começaram a ser
operacionalizadas como economia política feitas ao financimento de pesquisas por
liberal, acionada pelo Estado e pela sociedade laboratórios produtores destas drogas e os
em conjunto com a psiquiatria preventiva brindes dados aos médicos pelos mesmos
comunitária norte-americana. passaram a ser alvo de indagação mundial
O prefixo DIS nas nomeações de (SOUZA, 2010). No entanto, no Brasil, ainda
dificuldades na aprendizagem passou a há bastante abertura para a venda e
remeter os acontecimentos escolares à distribuição das anfetaminas, inclusive para
doença, por exemplo: discalculia, disgrafia, crianças pequenas.
dislexia. Editoras, especialistas e cursos Muitos fóruns foram criados, em
lucram vendendo livros, cursos e cuidados variados países com reivindicações de
ligados às ofertas de manuais para educadores tomada de decisão frente a esta situação pela
angustiados com as situações de seus alunos. sociedade e pelos gestores, famílias e escolas,
Se opera um mercado da pós-graduação lato visando criar e explicitar o que está em jogo
sensu nesta vertente dos mascastes da neste acontecimento e os efeitos destas
formação como se referiu em certo momento práticas de psicopatologização intensiva e
Júlio Groppa Aquino, professor da USP, em correlata medicalização indiscriminada e
Psicologia da educação, ao criticar as abusiva, sobretudo, de crianças e
especializações em psicopedagogia e adolescentes. Os remédios indicados para
escolares diagnosticados com transtornos têm de oferta, mas de um sujeito econômico ativo,
efeitos colaterais graves e o próprio que não busca um salário, mas uma renda e o
diagnóstico resposnável por estas indiacções empresariamento de sua vida. A escola se
tem problemas na medida em que é rápido, torna lugar de gestão de competências e
elaborado precariamente com testes muito habilidades para o mercado da educação
criticados, enviesados pelos interesses já fomentar e gerenciar o capital o humano.
supracitados e de certa maneira silenciadores Neste sentido, o trabalho “[...]
de muitas outras questões e da própria comporta um capital, isto é, uma aptidão uma
angústida da família e da escola em lhe dar competência [...]” (FOUCAULT, 2008, p.
com os acontecimentos ligados aos filhos, 308) e, a renda “[...] é simplesmente o
estudantes e tensões das relações familiares e produto ou o rendimento de um capital. E,
escolares. inversamente, chamar-se-á ‘capital’ tudo o
Assim, o Fórum Frente à que pode ser, de uma maneira ou de outra,
Medicalização da Educação e da Sociedade uma fonte de renda futura. [...]”
foi criado, no Brasil, em 2011 com o (FOUCAULT, 2008, p. 308). Nesta gerência
propósito de colocar em foco esta situação e de supostas habilidades e competências em
de efetuar práticas de interrogação à mesma, prol da intensificação da renda e da satisfação
de reivindicar rupturas com esta e possibilitar pela potencialização do capital humano, a
dissidências para pensarmos coletivamente denominada formação continuada, que se
outros modos de operar os analisadores transformou em uma formação ao longo de
escolares e institucionais das queixas de toda a vida, ganha um lugar de destaque
nossas dores e dissabores na vida que não central, em nesta sociedade empresarial.
passem por tecnologias duras de diagnósticos Este homem empresário de si e dos
e psicotrópicos, exclusivamente. outos ambiciona ser um produtor ativo de sua
Quando falamos de excesso de satisfação por isto investe sem descanso nas
prescrição e uso de remédios, dos efeitos performances cognitivas, físicas e mentais.
colaterais graves nos usuários do uso Os fatores físicos e psicológicos podem ser
indiscriminado e intensivo de anfetaminas, classificados em prol da ampliação deste
benzodiazepínicos e ansiolíticos entre outras capital enquanto um conjunto de habilidades
drogas legais e ilegais, estamos preocupados inatas e adquiridas que poderão ser
em refletir coletivamente a respeito da expandidas ao máximo e infinitamente,
racionalidade instrumental biomédica e sempre mais, pela via da educação e de novas
organicista que permitiu deslocar o âmbito da tecnologias de gestão do capital humano e em
doença a ser tratada para a gestão preventiva uma série de vários investimentos afetivos,
de proximidade/afastamento das normas. culturais, sociais, familiares, em que é “[...] o
Este artigo é um convite à próprio trabalhador que aparece como uma
interrogarmos-nos sobre os critérios e saberes espécie de empresa para si mesmo [...]”
que são acionados para uma economia (FOUCAULT, 2008, p. 310).
política que comercializou o tempo e resolveu Tudo ganha caráter de investimento, o
capitalizar a velocidade/lentidão como tempo dos pais dedicado aos filhos, as
indicador de desenvolvimento e de atividades extra-educativas no âmbito
normalidade. O trabalho passa a ser cultural, o lazer; os cuidados médicos-
entendido não mais enquanto uma força psicológicos, a mobilidade e os
vendida pelo operário diante de uma demanda intercâmbios/deslocamentos; a tentativa de
inovar sempre por meio do progresso técnico; para esta sociedade de controle a céu aberto,
a decisão de com quem se casar e ter filhos, na atualidade e para seus efeitos de dívida
quando e como, analisando os ganhos e os infinita, na educação ao longo de toda a vida,
prejuízos deste contrato; o governo de um por exemplo e; ainda destacou que a
possível desenvolvimento humano e de seu educação e o trabalho se tornariam vendas de
estímulo pelas várias formas à disposição da serviços permanentes.
sociedade que passa a realizar um O direito no interior de uma política
planejamento de empreendimentos de si; a criminal mais punitiva só aprisionará e punirá
utilização de tecnologias genéticas para o intolerável, enquanto a normalização se
expandir habilidades biológicas; o estreitrará como nunca como potencial a ser
planejamento familiar; o controle de explorado educativamente e biologicamente
natalidade e longevidade para efetuar e por meio de aparatos farmacológicos
adquirir planos de saúde e seguros vários, em diversos. Segundo Foucault (2008), toda uma
uma perpétua transação e aferição de tecnologia de controle de conduta em nível de
custos/benefícios das ações de cada uma escola ambientalista da psicologia
indivíduo, da população e do Estado denominada “Análise do comportamento” ou
(FOUCAULT, 2008). Ou seja, a educação e “Teoria do comportamento” será utilizada
a formação continuada passam a ser como verdadeiro programa não só educativo,
investimentos e a gerar capital o tempo todo. mas também político, jurídico e econômico.
A administração racionalizada da vida Seguidamente a este programa,
se intensifica em nome da sociedade guiada programações neurobiológicas e genéticas
pela lógica econômica. Cada detalhe de irão prevenir e antecipar performances para
nossas vidas passa a ser gerido a partir de uma futuramente torná-las mais e mais
rede capilar e sutil de mecanismos de controle produtivas, úteis, submissas politicamente e
em meio-aberto que se espraiam por rentáveis economicamente.
inúmeros processos de normalização Ora, este homem neoliberal passou a
(DELEUZE, 1992). Em nome da educação ser modulado como obediente aos seus
silenciadora das diferenças, as medidas interesses e aos do mercado em busca de
médico-psicológicas e as programações de satisfação permanente; por isto, submeter-se
risco de caráter cognitivo-comportamentais com docilidade em resposta às induções de
ou ainda, as teorias das relações humanas, os um meio que o estimula e gerencia seus
psicotrópicos, os exercicios físicos e aulas de comportamentos instrutivamente é um tarefa
artes e lazer serão transformados em cultura infinda. Lançar mão de fármacos, dietas,
de paz e educação para a paz. exercícios, massagens e tecnologias de
O marketing escolar e empresarial meditação para extrair das mesmas produção
modulará cada vez mais detalhadamente a e vigor se tornou um alvo a seguir e um
vida e os pequenos atos cotidianos como roteiro a obedecer para empresariar-se pela
investimentos e marketing. Tudo pode se educação escolar, familiar e em espaços de
tornar marca e signo de sucesso pessoal e sociabilidade e saúde.
relacional em nome de um mercado Ainda assim, este sujeito alvo de
crescente, que comercializa até mesmo os governo de suas condutas é alguém que
sentimentos, as amizades, a docência, a escolhe, opina e cria projetos, em certo
educação familiar e religiosa, a performance espaço de liberdade para que aceite aderir a
física e a cultura. Deleuze (1992) nos alertou esta plataforma ambientalista e econômica
privação habitacional, privação educacional, internacionais que visam pelo biopoder forjar
privação de bens materiais, privação de populações medicalizadas e silenciadas em
estímulos, privação de segurança afetiva, seus clamores e reivindicações. É cada muito
privação de prestígio social e privação recorrente, hoje, a noção de que a vida será
lingüística (NICOLACI-DA-COSTA, 1987). governada para a segurança com mais
A noção de privação foi usada formação, mais capitalização em termos de
amplamente como um elo de ligação entre a investimentos de renda, pela criação de
correção da bárbárie por um projeto corpos intensamente utilizados
civilizatório redutor das diferenças por meio mecanicamente para alcançarem
de uma educação obrigatória universalizada performances ditas de sucesso e pautadas na
em nome da paz a qualquer custo, ordem social de um trabalho baseado na
medicalizada e judicializada se for o caso teoria do capital humano e da gestão
para aqueles que governam com o biopoder e medicalizada da vida. Estas práticas
acreditam na gestão de riscos como projeto de funcionam com suposta evidência e se
sociedade. Dessa maneira, acompanhamos a generalizam como maneira de nos
efetuação de uma lógica racista cultural e relacionarmos e de educarmos, nas
biológica na base da educação civilizadora modulações de controle social da atualidade.
em nome da paz e que faz da diferença um
mote para estabelecer o consenso rápido e, Referências
caso essas estratégias sofram resistências, os
corpos de estudantes serão medicalizados e ARMSTRONG, D. “Foucaut ant the
punidos, nessa sequência da demanda de sociology of health and illness: a prismatic
reading”. Foucault: health and medicine.
ordem, lei e investimento da sociedade no
New York: Routledge, 1998.
capitalismo globalizado e neoliberal, hoje.
AQUINO, J. G. Do cotidiano escolar:
Conclusões ensaios sobre a ética e seus avessos. São
Paulo: Summus, 2000.
Assim, a educação foi cada vez mais
BADINTER, E. Um Amor Conquistado: o
capturada pelas propostas de capitalização,
mito do amor materno. 10. ed. Rio de
medicalização, disciplina e gestão da Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
segurança por meio do governo dos
riscos/perigos em nome da paz e da podução BOARINI, Maria Lucia. Apresentação. In:
de corpos úteis e adestrados, da redução da BOARINI, Maria Lucia. Higiene e Raça
diferença e pela extração de lucro, fazendo de como projetos: higienismo e eugenismo no
Brasil. Maringá: EDUEM, 2003.
cada mínimo ato um investimento calculado
como custo e benefício na teoria do capital BOARINI, M. L. Higienismo, eugenia e a
humano e social de economistas e políticos naturalização do social. In: BOARINI, M.
que visavam a modernização L. (orga.) Higiene e raça como projetos:
desenvolvimentista e controladora das higienismo e eugenismo no Brasil.
existências anestesiadas por fármacos e Maringá: UEM, 2003.
práticas de formação mecaniscistas e pouco BURKE, P. O que é história cultural? Rio
abertas às tensões sociais. de Janeiro: Zahar, 2008.
A educação para a paz tem sido a tônica
de uma proposta de organismos