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MEDICALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DA DIFERENÇA E RACISMOS EM ALGUMAS

PRÁTICAS EDUCATIVAS PACIFICADORAS

Flávia Cristina Silveira Lemos


Universidade Federal do Pará (UFPA), flaviacslemos@gmail.com

Franco Farias da Cruz


Universidade Federal do Pará (UFPA), francofcruz@yahoo.com.br

Giane Silva Souza


Universidade Federal do Pará (UFPA), gisssouza@hotmail.com

RESUMO: Esse artigo aborda teoricamente, considerando a contribuição de autores como Michel
Foucault, Robert Castel e Gilles Deleuze, mas sobretudo, por meio de Foucault, as práticas
educativas medicalizadas, na sociedade contemporânea que efetuam racismos por meio do biopoder
em nome da cultura de paz, da educação para paz e da segurança. O texto ainda apresenta um
conjunto de autores que possibilitam analisar a redução das diferenças por uma educação em direitos
que forja consensos, mediados por utilitarismos, em uma política econômica em que o capital
humano e social se tornou ferramenta de controle dos corpos. Esta mesma política lança mão da
gestão de risco/perigo para fazer valer uma logica racista biológica e cultural medicalizante e
securitária da vida.
Palavras-chave: Educação; Racismos; Medicalização; Formação; Diferença.

MEDICALIZATION OF PRODUCTION OF DIFFERENCE AND RACISM IN SOME


PEACEKEEPING EDUCATIONAL PRACTICES

ABSTRACT: This paper theoretically addresses from authors such as Michel Foucault, Gilles
Deleuze and Robert Castel, but rather, through Foucault medicalizadas educational practices in
contemporary society effecting racism in biopower in the name of peace culture and education peace
and security. The text also presents a set of possible authors who analyze the reduction of differences
in education rights in forging consensus, mediated utilitarismos in an economic policy in which the
human and social capital have become tools of controlling bodies. This policy lay hold of risk
management/hazard to avail a medicalized and insurance biological and cultural racist logic of life.
Keywords: Education; Racism; Medicalization; Training; Difference.

Revista Profissão Docente Uberaba, v. 14, n.30, p. 7-20, Jan.-Jun, 2014.


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descrever e analisar alguns aspectos da


Introdução medicalização dos corpos, na atualidade, que
efetuam processos de tentativa de invalidação
Com esse artigo, pretende-se pensar da diferença, em nome da paz e da segurança.
teoricamente as práticas de medicalização da
educação que visam silenciar a produção da Medicalizações e tecnologias
diferença, em especial, no que tange ao contemporâneas de saber-poder na
racismo biológico e cultural. Para Michel
educação
Foucaut, no biopoder há aspectos de racismos
em nome da defesa da sociedade, em nome da
A objetivação das diferenças pelos
segurança e da produção da paz nas escolas
saberes médicos, psicológicos,
por meio da medicalização dos docentes, dos
neuropedagógicos, estatísticos, jurídicos e da
estudantes e de seus familiares.
administração social produziu uma
O biopoder é um conceito em que a
racionalidade cristalizada e reproduzida em
população é o centro de mecanismos de
diversas práticas, que reduziu o espectro da
regulação, em nome do fazer viver e do deixar
multiplicidade das maneiras de vida à lógica
morrer; bem como de gerir a vida por
de medidas, permeadas por pretensões
estratégias de governo diversas.
universais e por padronizações silenciadoras
Simultaneamente, o corpo individual é
da diversidade. Os testes psicométricos e
disciplinado para tornar-se útil e dócil por
projetivos foram parte de um conjunto de
tecnologias baseadas em normas sociais e
escalas avaliativas utilizadas para transformar
saberes variados.
diferenças em desigualdades, justificando
A Organização das Nações Unidas
racismos desqualificantes de modos de viver,
(ONU) por meio de diversas agências
de sentir e de pensar em meio às práticas
multilaterais e, em especial, da Organização
educativas.
das Nações Unidas para a Educação, Ciência
Este processo de objetivação ocorreu
e Cultura (UNESCO) tem encomendado das
em formatos normalizantes, fixados em
escolas e dos professores um projeto de
modelos, tornando os desvios de normas nas
formação da sociedade pacificador que
escolas uma suposta natureza e entidade
promete acolher a diversidade, mas que opera
patológica e psicopatológica. Esta
um paradoxo, pois em nome da paz e da
naturalização restringiu as práticas educativas
segurança busca forjar consensos rápidos e
à noção de vida, em seus aspectos biológicos
apaziguadores das tensões sociais,
e culturais. Para tanto, usou as lógicas
econômicas, étnico-raciais, políticas,
cognitivo-comportamentais, as
culturais e históricas.
racionalidades neuropedagógicas e
Um dos modos mais sutis de pacificar
biomédicas, que operaram com o recorte de
as relações sociais tem ocorrido pelo uso de
um espectro de delineamento entre o normal
estratégias que visam modular subjetividades
e o patológico para gerenciar performances
por meio de fármacos, de exercícios corporais
escolares e docentes. Tais práticas foram
e por meio da gestão das relações humanas
atreladas à economia política, colocando o
médico-psicologizantes em nome da redução
sujeito de direitos em segundo plano ao
dos chamados riscos/perigos sociais no
cidadão consumidor e constituído pela
cotidiano das escolas e de outros
equipamentos educativos. Assim, objetiva-se

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concorrência do mercado, em um claro atravessar os corpos. Conforme esta


empresariamento da vida. perspectiva, o controle social no liberalismo
Realizar a crítica da vida gerida pela utilitarista se dá pela gestão dos corpos no
economia política e instrumentalizada pelas plano individual e no plano coletivo, tanto
técnicas psicológicas e educativas é disciplinarmente quanto pelo campo de
importante, sobretudo, quando este processo gerência da vida. Na esfera da educação, as
se dá pelo reducionismo biológico e médico práticas seriam apropriadas para regular os
das práticas educativas de docentes e de corpos em nome da segurança, da produção,
gestores escolares. Também vale destacar da submissão política e da utilidade do ensino
como é relevante problematizar a gestão e da aprendizagem na lógica liberal
utilitarista dos corpos individuais e em grupo produtivista.
no presente, materializada de forma cada vez Esta gestão da vida como espécie
mais linear e determinista, em termos de biológica foi combinada ao poder disciplinar,
medicalização da educação. Estes em que tecnologias disciplinares meticulosas
procedimentos reducionistas da biomedicina e minuciosas de produção de corpos úteis e
são intensificados na visão da escola e dos dóceis, em uma disciplina dos corpos
processos de ensino-aprendizagem, limitadas individuais passaram a operar também com a
às neurociências, aos aspectos medicalização da cidade, do trabalhador e do
neurobiológicos e comportamentais apenas. Estado na medida em que focavam cada vez
Neste sentido, dimensões históricas, mais os corpos em formação e em
sociais, filosóficas, didáticas e no campo da desenvolvimento na complexidade de sua
educação em direitos humanos ficam educação ao longo da existência. Assim, esta
silenciadas em nome de uma ordem médica, ligação entre biopolítica e disciplina passou a
biológica e de controle de comportamentos. ser chamada de biopoder, por Foucault
A problemática de redução das possibilidades (1999).
de existência à gestão da educação em saúde A construção de perfis de anormalidade
neurobiológica como controle da vida, geridos educativamente pela prevenção do
silencia os aspectos políticos, subjetivos, perigo, ao governar os virtuais fatores de
culturais e sociais que também fazem parte do risco, na modulação do jogo
governo das condutas. Em decorrência de norma/anormal/anormalidade na educação
uma série de transformações sociais, as engendrou uma compreensão simplista do
tecnologias de poder e de saber disciplinares cuidado em saúde, da formação na
e biopolíticas são acionadas na regulação da escolarização e demais práticas educativas
população pela entrada da vida e da docentes. Esta maneira de educar e governar
docilização dos corpos na história. Tanto o os corpos e grupos sociais fez desembocar
corpo como espécie quanto como produção mais sofrimento ao sustentar avaliações
passou a ser alvo de dispositivos de controle, racistas que faziam da expressões de
em nome da paz e da segurança mundiais singularidades desigualdades e
(FOUCAULT, 1988). patologias/psicopatologias. O processo de
Para Foucault (1979), as relações de produção massiva de diagnósticos
poder só ocorrem por meio de saberes, psicométricos, biomédicos e tecnicistas no
discursos que possibilitam o exercício campo educativo tem se ampliado, na
relacional e dinâmico de forças atualidade, de acordo com Castel (1987). Por
entrecruzadas, que fazem o poder circular e sua vez, estas práticas engendram efeitos de

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uma sociabilidade biologizante na tentativa cotidiano escolar; assim, há o que se pode


de uniformizar as diferenças por uma nomear de educação violadora de direitos
educação chamada de cultura de paz, atravessada pela racionalidade de problemas
securitária, ambientalista e neuropedagógica. médico-psicológicos.
Para este autor, o cuidado está sendo Há uma tendência se espraiando
reduzido à gestão de perfis, de performances intensamente de uso exacerbado de
e de capacidades (habilidades e explicações das desigualdades sociais pelo
competências) por meio do cálculo de riscos, desempenho vinculado às características
em perícias técnicas e pela via das individuais e rapidamente articulado a uma
explicações mecanicistas das neurociências. determinada gestão de perfomances de
No caso dos especialismos de peritos, o uso produtividade e de facilidade em se relacionar
de testes descolados de contextos, situações e ou não. Neste sentido, a psicologia tecnicista
histórias de vida pode fomentar encomendas cumpriu uma missão liberal de atuar em
em que os resultados de variações de medida função da ordem individualista e seletiva das
e a classificação psicopatológica poderão tensões sociais, filtradas em construções de
desembocar em respostas de urgência técnica estigmas e rótulos que sustentam uma
para problemáticas complexas que não sociedade desigual (CASTEL, 1987;
podem ser resolvidas, apenas pela aplicação TURNER, 1998).
de alguns testes e por diagnósticos Os movimentos sociais, os analistas
organicistas rápidos. institucionais e os pesquisadores de muitas
A avaliação das queixas escolares está áreas, ao final das décadas de cinquenta e
em meio a esses paradoxos, pois as tensões sessenta, no século XX, iniciaram por meio
cotidianas da escola têm sido deslocadas para das Lutas Antimanicomiais e de crítica à
os conselhos tutelares, por exemplo, no pedagogia tecnicista, reflexões deste cenário
Brasil. Posteriormente, são encaminhadas e das práticas sociais que o embasavam,
para equipes de saúde que medicalizam as forjando lutas pelo cuidado em saúde mental
queixas escolares rapidamente sem colocá-las e coletivo, bem como em defesa de uma
em análise, apenas fazendo operar leitura da pedagogia institucional fora dos
diagnósticos superficiais e pouco expressivos asilos fechados que se tornaram verdadeiros
do contexto da produção da dor e da queixa, depósitos de humanos em condições
sobretudo, do que resultou na produção da degradantes.
mesma. Um ato de indisciplina escolar ou de Deste modo, diversos movimentos
um pequeno desentendimento poderá ser sociais organizaram inúmeras vozes de nossa
alvo, em nome da pacificação escolar, de sociedade em prol de uma educação e de um
algum diagnóstico de transtorno, como o cuidado sem exclusão. Os muros de asilos e
chamado transtorno de oposição desafiadora, os leitos dos mesmos começaram a ser
caindo nas malhas da medicalização. fechados paralelamente à constituição de uma
Outro aspecto desse processo de lhe dar rede substitutiva em meio aberto e com
com as queixas escolares sem contextualizá- tecnologias que não fossem apenas
las acontece pelo encaminhamento direto prescritivas de psicotrópicos e de internação.
pela escola de crianças e adolescentes para as As atuações em educação em saúde passaram
equipes multiprofissionais de unidades de a ganhar outros enfoques, olhares e
saúde que chancelam a falta de escuta por atualizações multiprofissionais.
meio de perícias silenciadoras da diferença do

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Os profissionais das mais variadas estigmatizá-las (MOYSES & COLLARES,


áreas, como: os médicos sanitaristas, os 2010).
trabalhadores sociais, os psicólogos e Outra crítica se deu à indústria
psicanalistas, pedagogos dos movimentos de farmacêutica que, com os fins ou quase fins
base e educação popular, artistas, lideranças dos manicômios, passou a comercializar
comunitárias, familiares e usuários da rede de outros manicômicos; agora, os químicos, ou
saúde mental e coletiva intersetorial e melhor, camisas-de-força
integrada assumiram o compromisso de forjar psicofarmacológicas para silenciar os
outras maneiras de cuidar e educar pautadas analisadores sociais sintomáticos dos mal-
nos processos éticos de singularização, de estares de uma sociedade consumista de
direitos humanos, de redução de danos e de fórmulas pragmáticas, de urgências
organização militante por um atendimento utilitaristas e ilusórias de bem-estar, que
com participação, solidariedade, respeito às lançava mão de um educação nomeada de
diferenças e historicidade e que permitisse cultura de paz a qualquer preço (CASTEL,
um relativismo cultural e histórico das 1987; MOYSÉS & COLLARES, 2010).
categorias psicopatológicas. Assim, puderam
colocar em xeque o jogo normalizante dos Educação e formação de capital humano
saberes biomédicos e psicológicos. e social para a paz e medicalizados
Neste sentido, o princípio da garantia à
equidade na educação e na saúde ganhou As pílulas, em embalagens de
relevância e o questionamento à ciência como medicamentos e/ou em outros formatos para
universal abstrato também foi destaque na o comércio realizado por grupos ávidos por
luta política por humanização das práticas de acumulação de capital passaram a ser
cuidado em todas as áreas e equipamentos de vendidas como promessa de saúde, de
atenção. Os dispositivos de segregação, felicidade e de altas performances no
contenção, isolamento e de usos trabalho, na escola, na vida sexual, nas
instrumentais e acríticos de tecnologias duras instituições punitivas, nas academias, nas
foi alvo de muitas inquietações, inclusive e, disputas esportivas, em dietas e em tantos
em especial, de muitas pesquisas e outros espaços, cenários e por grupos
publicações, por toda a rede de intelectuais variados, também no mercado da ilegalidade,
que poderíamos denominar de locais em meio à banalização das precrições de
(ARMSTRONG, 1998; TYLER, 1998; drogas.
CALIMAN, 2013). Mas o que é alto rendimento e
A crítica ao preconceito passa a estar performance normal? Quem define e como
presente no questionamento dos rótulos e define o que é norma, o que é anormal, o que
carimbos de setores sociais discriminados em não é normal, o que é anormalidade? Quais
sistemas de avaliações, que se baseavam em critérios são usados para diagnosticar? Como
desvios de normas. Os estigmass foram operamos a ferramenta chamada diagnóstico?
intensivamente realizados por antropólogos e Como atuar por outras maneiras avaliativas
sociólogos que afirmavam os efeitos danosos que saiam da racionalidade da clínica
e etnocêntricos da lógica racista, ancorada em biomédica e adaptativa? Que saberes são
muitos procedimentos transformadores de utilizados ou fragmentos de saberes na
divergências políticas em anormalidades, ao sustentação destes procedimentos
universalizarem condutas e padrões para tecnicistas? Quem ganha e quem perde ou
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que grupos ganham e quem lucra com estas psicopatologia da infância e da adolescência
maneiras de repartição social? Que práticas (MACHADO, 1978; AQUINO, 2000;
vizinhas oferecem suporte para generalização SOUZA & OLIVEIRA, 2013).
deste modo de vida? Por que vias e Associações são criadas e entidades de
possibilidades criar outras maneiras de existir defesa dos doentes escolares para gerir a
e resistir a estas investidas e incitações doença. Jacques Donzelot (1986), em A
psicofarmacológicas e de patologização da polícia das famílias já apontava como a escola
educação e da sociedade? e o exército foram portas de entrada para a
Muitas perguntas que assinalam para a psiquiatria e neuropsiquiatria como
complexidade e que desalojam as afirmações medicinas sociais normalizantes de condutas.
reducionistas e mecanicistas dos discursos No mesmo livro, assinala como as mesmas
psiquiátricos e neuropedagógicos que fizeram aliança com o campo jurídico, em
transitam na medicalização da educação e da alguns aspectos, como no atendimento aos
vida. Este processo de psiquiatrização da adolescentes em conflito com a lei e adultos
medicina e da educação, em que as noções de que cometessem infrações.
doença mental, transtorno e síndrome Esta ordem do discurso está assentada
invadiram o debate foi chamado de em um rede de práticas e saberes, poderes,
medicalização da vida. leis, relatórios, cursos, editoras,
Foucault (2001), em Os anormais e distribuidoras, congressos, instituições,
Castel (1987), em A gestão de riscos: da parlamentares, juristas, psicólogos,
antripsiquiatria à pós-psicanálise apontaram educadores, médicos, fonoaudiólogos, ONGs
como a medicina social por meio da e indústria farmacêutica. No caso específico
psiquiatrização dos desvios sociais das anfetaminas, como o cloridrato de
possibilitou a defesa da sociedade no campo metilfenidato, muitos países criaram
da relação normal/anormal em termos de restrições à venda desta droga chamada lícita.
espectros formulados por lógicas racistas e Também muitas críticas começaram a ser
operacionalizadas como economia política feitas ao financimento de pesquisas por
liberal, acionada pelo Estado e pela sociedade laboratórios produtores destas drogas e os
em conjunto com a psiquiatria preventiva brindes dados aos médicos pelos mesmos
comunitária norte-americana. passaram a ser alvo de indagação mundial
O prefixo DIS nas nomeações de (SOUZA, 2010). No entanto, no Brasil, ainda
dificuldades na aprendizagem passou a há bastante abertura para a venda e
remeter os acontecimentos escolares à distribuição das anfetaminas, inclusive para
doença, por exemplo: discalculia, disgrafia, crianças pequenas.
dislexia. Editoras, especialistas e cursos Muitos fóruns foram criados, em
lucram vendendo livros, cursos e cuidados variados países com reivindicações de
ligados às ofertas de manuais para educadores tomada de decisão frente a esta situação pela
angustiados com as situações de seus alunos. sociedade e pelos gestores, famílias e escolas,
Se opera um mercado da pós-graduação lato visando criar e explicitar o que está em jogo
sensu nesta vertente dos mascastes da neste acontecimento e os efeitos destas
formação como se referiu em certo momento práticas de psicopatologização intensiva e
Júlio Groppa Aquino, professor da USP, em correlata medicalização indiscriminada e
Psicologia da educação, ao criticar as abusiva, sobretudo, de crianças e
especializações em psicopedagogia e adolescentes. Os remédios indicados para

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escolares diagnosticados com transtornos têm de oferta, mas de um sujeito econômico ativo,
efeitos colaterais graves e o próprio que não busca um salário, mas uma renda e o
diagnóstico resposnável por estas indiacções empresariamento de sua vida. A escola se
tem problemas na medida em que é rápido, torna lugar de gestão de competências e
elaborado precariamente com testes muito habilidades para o mercado da educação
criticados, enviesados pelos interesses já fomentar e gerenciar o capital o humano.
supracitados e de certa maneira silenciadores Neste sentido, o trabalho “[...]
de muitas outras questões e da própria comporta um capital, isto é, uma aptidão uma
angústida da família e da escola em lhe dar competência [...]” (FOUCAULT, 2008, p.
com os acontecimentos ligados aos filhos, 308) e, a renda “[...] é simplesmente o
estudantes e tensões das relações familiares e produto ou o rendimento de um capital. E,
escolares. inversamente, chamar-se-á ‘capital’ tudo o
Assim, o Fórum Frente à que pode ser, de uma maneira ou de outra,
Medicalização da Educação e da Sociedade uma fonte de renda futura. [...]”
foi criado, no Brasil, em 2011 com o (FOUCAULT, 2008, p. 308). Nesta gerência
propósito de colocar em foco esta situação e de supostas habilidades e competências em
de efetuar práticas de interrogação à mesma, prol da intensificação da renda e da satisfação
de reivindicar rupturas com esta e possibilitar pela potencialização do capital humano, a
dissidências para pensarmos coletivamente denominada formação continuada, que se
outros modos de operar os analisadores transformou em uma formação ao longo de
escolares e institucionais das queixas de toda a vida, ganha um lugar de destaque
nossas dores e dissabores na vida que não central, em nesta sociedade empresarial.
passem por tecnologias duras de diagnósticos Este homem empresário de si e dos
e psicotrópicos, exclusivamente. outos ambiciona ser um produtor ativo de sua
Quando falamos de excesso de satisfação por isto investe sem descanso nas
prescrição e uso de remédios, dos efeitos performances cognitivas, físicas e mentais.
colaterais graves nos usuários do uso Os fatores físicos e psicológicos podem ser
indiscriminado e intensivo de anfetaminas, classificados em prol da ampliação deste
benzodiazepínicos e ansiolíticos entre outras capital enquanto um conjunto de habilidades
drogas legais e ilegais, estamos preocupados inatas e adquiridas que poderão ser
em refletir coletivamente a respeito da expandidas ao máximo e infinitamente,
racionalidade instrumental biomédica e sempre mais, pela via da educação e de novas
organicista que permitiu deslocar o âmbito da tecnologias de gestão do capital humano e em
doença a ser tratada para a gestão preventiva uma série de vários investimentos afetivos,
de proximidade/afastamento das normas. culturais, sociais, familiares, em que é “[...] o
Este artigo é um convite à próprio trabalhador que aparece como uma
interrogarmos-nos sobre os critérios e saberes espécie de empresa para si mesmo [...]”
que são acionados para uma economia (FOUCAULT, 2008, p. 310).
política que comercializou o tempo e resolveu Tudo ganha caráter de investimento, o
capitalizar a velocidade/lentidão como tempo dos pais dedicado aos filhos, as
indicador de desenvolvimento e de atividades extra-educativas no âmbito
normalidade. O trabalho passa a ser cultural, o lazer; os cuidados médicos-
entendido não mais enquanto uma força psicológicos, a mobilidade e os
vendida pelo operário diante de uma demanda intercâmbios/deslocamentos; a tentativa de

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inovar sempre por meio do progresso técnico; para esta sociedade de controle a céu aberto,
a decisão de com quem se casar e ter filhos, na atualidade e para seus efeitos de dívida
quando e como, analisando os ganhos e os infinita, na educação ao longo de toda a vida,
prejuízos deste contrato; o governo de um por exemplo e; ainda destacou que a
possível desenvolvimento humano e de seu educação e o trabalho se tornariam vendas de
estímulo pelas várias formas à disposição da serviços permanentes.
sociedade que passa a realizar um O direito no interior de uma política
planejamento de empreendimentos de si; a criminal mais punitiva só aprisionará e punirá
utilização de tecnologias genéticas para o intolerável, enquanto a normalização se
expandir habilidades biológicas; o estreitrará como nunca como potencial a ser
planejamento familiar; o controle de explorado educativamente e biologicamente
natalidade e longevidade para efetuar e por meio de aparatos farmacológicos
adquirir planos de saúde e seguros vários, em diversos. Segundo Foucault (2008), toda uma
uma perpétua transação e aferição de tecnologia de controle de conduta em nível de
custos/benefícios das ações de cada uma escola ambientalista da psicologia
indivíduo, da população e do Estado denominada “Análise do comportamento” ou
(FOUCAULT, 2008). Ou seja, a educação e “Teoria do comportamento” será utilizada
a formação continuada passam a ser como verdadeiro programa não só educativo,
investimentos e a gerar capital o tempo todo. mas também político, jurídico e econômico.
A administração racionalizada da vida Seguidamente a este programa,
se intensifica em nome da sociedade guiada programações neurobiológicas e genéticas
pela lógica econômica. Cada detalhe de irão prevenir e antecipar performances para
nossas vidas passa a ser gerido a partir de uma futuramente torná-las mais e mais
rede capilar e sutil de mecanismos de controle produtivas, úteis, submissas politicamente e
em meio-aberto que se espraiam por rentáveis economicamente.
inúmeros processos de normalização Ora, este homem neoliberal passou a
(DELEUZE, 1992). Em nome da educação ser modulado como obediente aos seus
silenciadora das diferenças, as medidas interesses e aos do mercado em busca de
médico-psicológicas e as programações de satisfação permanente; por isto, submeter-se
risco de caráter cognitivo-comportamentais com docilidade em resposta às induções de
ou ainda, as teorias das relações humanas, os um meio que o estimula e gerencia seus
psicotrópicos, os exercicios físicos e aulas de comportamentos instrutivamente é um tarefa
artes e lazer serão transformados em cultura infinda. Lançar mão de fármacos, dietas,
de paz e educação para a paz. exercícios, massagens e tecnologias de
O marketing escolar e empresarial meditação para extrair das mesmas produção
modulará cada vez mais detalhadamente a e vigor se tornou um alvo a seguir e um
vida e os pequenos atos cotidianos como roteiro a obedecer para empresariar-se pela
investimentos e marketing. Tudo pode se educação escolar, familiar e em espaços de
tornar marca e signo de sucesso pessoal e sociabilidade e saúde.
relacional em nome de um mercado Ainda assim, este sujeito alvo de
crescente, que comercializa até mesmo os governo de suas condutas é alguém que
sentimentos, as amizades, a docência, a escolhe, opina e cria projetos, em certo
educação familiar e religiosa, a performance espaço de liberdade para que aceite aderir a
física e a cultura. Deleuze (1992) nos alertou esta plataforma ambientalista e econômica

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do empreendedorismo, baseado na teoria do amortecimentos da diferença realizados pela


capital humano. Quando esse governo de prescriçaõ de psicotrópicos e terapias
adestramento falha, a educação recorre aos comportamentais.
tratamentos medicamentosos e, por fim, se
este ainda não docilizar corpos e mentes, a Medicalização e formação em um projeto
justiça penal será requisitada com seus civilizatório disciplinador na educação
rituais nomeados também de defensores da
sociedade da paz e da segurança. Os trabalhos de Michel Foucault (1979;
Foucault ressaltou que o sujeito de 1988; 2008a) assinalaram que a
direito é o sujeito do contrato, onde pode medicalização é uma extensão da medicina
resolver se juridicamente o contrato ressalva para todas as esferas da sociedade, emergindo
ou não seus interesses, mas para isto, precisa como medicina social, na segunda metade do
operar sempre um cálculo deste interesses e século XVIII por meio basicamente da
dos danos que poderá sofrer. Concluindo, medicalização da cidade (França), dos pobres
“[...] deve-se governar com a economia, (Inglaterra) e do Estado (Alemanha). A
deve-se governar ouvindo os economistas higiene pública nasceu nesta perspectiva de
[...]” (FOUCAULT, 2008, p. 389). extensão social das práticas médicas
Se o estudante e aprendiz fugir do correlatas a outros saberes como: a geografia,
esquadro e enunciar que poderá gerar a psicologia, a estatística, a epidemiologia, a
qualquer ação de desobediência civil e de demografia, a pedagogia e à economia
desvio nas normas sociais por meio da política.
materialização da singularidade, será alvo de Neste sentido, a medicalização também
tecnologias de gestão de risco/perigo e de poderia ser chamada de biopolítica, governo
todo o modo viverá cercado de propostas de da vida, em nome da saúde e da expansão da
cultura de paz e de pílulas para acessar o mesma ela educação, em que fazer viver e
sucesso e a docilidade, a felicidade e a paz. deixar morrer passa a ser uma estratégia do
Essas são promesssas cotidianas vendidas no Estado Moderno e da sociedade, em uma
mercado da saúde, da educação e da perspectiva de defesa social. A vida entra na
segurança no biopoder contemporâneo e por história, mas isto ocorre por meio de uma
seus especialistas de plantão. racionalização desta como espécie biológica
Ainda valer ressaltar que a aceleração (CANGUILHEM, 2012). No aspecto do
do capitalismo global em seus fluxos rápidos governo meticuloso das condutas pelas
de deslocamento e circulação produziu práticas médicas e pelas suas extensões em
sofrimentos variados e sintomas que não práticas vizinhas, a medicalização é um
podem ser analisados apenas pelo viés mecanismo disciplinar também (LUPTON,
organicista/ambientalista. Não é possível, 2013; PETERSEN, 2013). Por exemplo, por
por mais que se queira e se tente administrar meio da criação e difusão dos manuais de
a vida pelo cuidado prescrito por meio de civilização e da execução da gestão detalhada
rótulos e psicotrópicos. Para abrir e fomentar de cada ato cotidiano que passou a ser
este debate e, então, para sairmos de lógicas chamado de polícia médica, ou seja, efetuado
binárias de contra e a favor ou de consensos em controles disciplinares minuciosos do
rápidos, reducionistas e corporativistas, corpo. Estas práticas passaram a ser
precisamos pensar uma política de realizadas como cruzadas pela vida e pela
resistência frente aos silenciamentos e infância, em especial, nas primeiras décadas
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do século XX e se intensificaram com as instituídos no bojo dos saberes higienistas e


campanhas médico-higienistas e com a da medicina social como forma de defender a
criação de organizações internacionais, tais sociedade, em uma clara perspectiva de
como o Fundo das Nações Unidas para a segurança. A saúde e a educação se tornaram
Infãncia (UNICEF), em 1946. as principais questões trazidas pelas cruzadas
Este artigo ganha grande relevância na educativas via escola e família pelos aparatos
medida em que se debate os processos de médicos e juristas. Para Boarini (2003), estes
medicalização e psiquiatrização das aparatos irão focar o segmento das mães e das
condutas, em que se coloca em xeque a professoras normalistas com vistas a alcançar
centralização deste procedimentos e seus de maneira preventiva as crianças pequenas,
prejuízos na vida de crianças e adolescentes, difundindo as idéias do movimento
em especial, das mulheres que, higienista, na primeiras décadas do século
historicamente, foram alvos privilegiados da XX, no Brasil e ainda hoje consolidadas
educação medicalizadora de seus corpos para como estratégias dos biopoderes por meio das
que se tornassem medicalizantes da família e famílias e escolas, em especial.
dos estudantes. Basta ler as obras de Foucault A perspectiva preventiva e comunitária
e de historiadoras das mulheres, como Magali de cuidado em saúde foi ganhando
Engel (2007). Professoras foram materialidade e relevância política, no
intensamente resposabilizadas por higienizar contexto dos Estados Nações, da gestão
crianças pequenas, ao longo de todo seculo urbana, da gerência do Estado Moderno e da
XX, ensinadas por médicos sanitaristas, regulação dos corpos dos trabalhadores
neuropediatras e psiquiatras, entre outros pobres (FOUCAULT, 1979). Toda uma
(BOARINI, 2003). política da vida foi sendo tecida na segunda
Em, História da Sexualidade I (1988), metade do século XIX em diante, em que a
Foucault destacou que houve uma criança pequena, as educadoras e as mães
histericização dos corpos de mulheres e passaram a ser figuras separadas da sociedade
psiquiatriação das crianças, na biopolítica, mais ampla como devendo receber atenção
intensificada da virada do século XVIII para especial dos trabalhadores sociais, na
o XIX e, extremamente ampliada, ao longo assistência médica e higienista pautada nos
do século XX, pelas cruzadas higienistas e modos de normalização em interlocução com
pelos ideários de conservação das crianças a filantropia dos beneméritos moralizadores
juntamente ao governo da família como (DONZELOT, 1986).
projeto de desenvolvimento de nação, O movimento higienista foi construído
prevenção de doenças e de crimes, com com a preocupação em dar visibilidade pela
efeitos correlatos na ampliação da aliança entre medicina, escola e Estado
produtividade dos trabalhadores e regulação moderno, podendo fazer dos países ocidentais
dos corpos e populações na cidade e por nações fortes, prontas a entrarem em
cordões sanitários da pobreza (DONZELOT, concorrência entre si com indicadores de
1986). desenvolvimento social e econômico, no
Neste sentido, a produção da saúde tem quadro do liberalismo político. Assegurar
sido formulada como objeto e como uma educação e saúde passava pela adoção de
maneira de garantir e promover direitos e, governar asmaneiras de viver, de pensar, de
simultaneamente à objetivação da educação e agir, de sentir. Os manuais de civilidade e de
da saúde como direitos fundamentais, prescrição de puericultura foram

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intensamente usados desde o século XIX e hierarquizando as diferenças que foram


eram ensinados nos cursos de formação das traduzidas em desigualdades naturalizadas.
normalistas pelos professores médicos que Os discursos produtores de estigmas
visavam torná-las futuras educadoras imputados pela escola e por docentes às
difusoras dos ideais higienistas. Minuciosas famílias pobres ganharam nomes de:
técnicas de cuidado e de higiene eram carência, deficiência, desestrutura,
ensinadas às mulheres por meio de cartilhas, desorganização, privação cultural e biológica
muitas vezes intituladas: Gotas de Amor. (NICOLACI-DA-COSTA, 1987). As teorias
Estas campanhas eram vinculadas por higienistas e eugenistas foram mescladas
médicos, educadores e trabalhadores sociais através da “teoria da carência cultural”, criada
foram sendo disseminadas e, de maneira em 1960, nos Estados Unidos e apropriada
geral, vinham seguidas de pedidos de por especialistas, no Brasil em suas práticas
elaboração de leis de proteção às crianças e ligadas ao atendimento das classes pobres no
adolescentes, postulando a demanda pela país indiscriminadamente. A eugenia, que
estruturação de setores estatais responsáveis teve nas idéias de Lombroso um precursor na
pela formulação, execução e financiamento antropologia biológica definia a privação
das políticas de saúde e educação. pelo caráter herdado, portanto, genético de
Foucault (2004), ao pensar a produção orientação pré-determinista. Esta
de saúde, afirmava que esta implicava a racionalidade foi associada, depois à
proposição de uma demanda infinita dentro orientação ambientalista cultural de privação
de um sistema finito. Pois, a questão de de origem étnica, através da antropologia
reivindicar a saúde em nome da vida gerava evolucionista e da criminologia de um
todo um gasto e concretude de práticas que italiano cujo nome era Ferri (RAUTER,
eram financiadas totalmente pelo Estado 2003). O ideário eugênico foi apropriado no
liberal de bem-estar, recebendo restrições Direito e no campo médico-psicológico e
ainda maiores em um Estado neoliberal, que educacional brasileiros, ao final do século
passa a realizar políticas compensatórias de XIX e início do século XX, justificando
gestão de risco e retroceder em parte políticas racistas em nome da defesa da
considerável do financiamento do sistema sociedade.
público de saúde e educação, a partir das duas De acordo com Boarini (2003), o
últimas décadas do século XX (FOUCAULT, movimento higienista chegou ao Brasil
2008). aplicado ao corpo e à moral, através de
No bojo das políticas compensatórias, é campanhas médicas, no início do século XX,
apropriada no Brasil a Teoria da Carência promovendo uma naturalização do social. No
Cultural. Segundo Patto (1999), havia um mesmo período, o eugenismo também entra
preconceito difundido na mesma; pois, de no país, trazido por médicos e juristas.
acordo com esta teoria, as crianças e Ambos os movimentos tiveram recepção nas
adolescentes de classes populares seriam políticas educacionais, sociais, de saúde e
nomeados de carentes de cultura erudita. jurídicas brasileiras. Portanto, permitiram
Nesta teoria, estariam misturados fazer racismos e preconceitos operarem nas
componentes racistas de ordem biológica e práticas cotidianas. As diversas modalidades
cultural; em ambos, produziu-se um lugar de de privação biológica e cultural foram
carentes para determinados grupos e famílias, associadas através da eugenia e do
higienismo à noção de privação de empregos,

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18 Medicalização da Produção da Diferença e Racismos em algumas Práticas Educativas Pacificadoras

privação habitacional, privação educacional, internacionais que visam pelo biopoder forjar
privação de bens materiais, privação de populações medicalizadas e silenciadas em
estímulos, privação de segurança afetiva, seus clamores e reivindicações. É cada muito
privação de prestígio social e privação recorrente, hoje, a noção de que a vida será
lingüística (NICOLACI-DA-COSTA, 1987). governada para a segurança com mais
A noção de privação foi usada formação, mais capitalização em termos de
amplamente como um elo de ligação entre a investimentos de renda, pela criação de
correção da bárbárie por um projeto corpos intensamente utilizados
civilizatório redutor das diferenças por meio mecanicamente para alcançarem
de uma educação obrigatória universalizada performances ditas de sucesso e pautadas na
em nome da paz a qualquer custo, ordem social de um trabalho baseado na
medicalizada e judicializada se for o caso teoria do capital humano e da gestão
para aqueles que governam com o biopoder e medicalizada da vida. Estas práticas
acreditam na gestão de riscos como projeto de funcionam com suposta evidência e se
sociedade. Dessa maneira, acompanhamos a generalizam como maneira de nos
efetuação de uma lógica racista cultural e relacionarmos e de educarmos, nas
biológica na base da educação civilizadora modulações de controle social da atualidade.
em nome da paz e que faz da diferença um
mote para estabelecer o consenso rápido e, Referências
caso essas estratégias sofram resistências, os
corpos de estudantes serão medicalizados e ARMSTRONG, D. “Foucaut ant the
punidos, nessa sequência da demanda de sociology of health and illness: a prismatic
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de uma proposta de organismos

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