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1. Não sou livre?

Ele ratifica por vias de fato o que dissera imedi- atamente antes, ou, seja, que
jam ais provaria carne em toda sua vida se isso trouxesse escândalo a um irmão. Ao mesmo
tempo deixa bem cla- ro que não poderia exigir coisa alguma deles o que ele m esm o não
tivesse posto em prática. E não há dúvida de que a justiça natural re- quer que todo aquele
que impõe alguma obrigação sobre outrem, deve antes sujeitar-se a ela. Todavia, o mestre
cristão deve, acima de todos, disciplinar-se de tal forma que todos sempre vejam seu ensino
ratifica- do pelo exemplo de sua própria vida [prática]. Sabemos de nossa pró- pria experiência
que o que Paulo estava pedindo dos coríntios é algo excessivamente difícil, a saber, que por
amor a seus irmãos deveriam restringir o uso da liberdade {potestas] que lhes fora concedida.
Ele não teria ido muito longe com isso caso não tivesse, ele mesmo, sido de todos o primeiro a
dar o exemplo. E deveras ele se em penhava a agir assim, mas, visto que todos eles não
confiaram na força de um a mera promessa dele sobre o futuro, então lhes narra o que já
havia feito. Ele cita um notável exemplo de sua renúncia da liberdade, da qual em ou- tras
circunstâncias teria usufruído, e ao proceder assim tira dos falsos apóstolos a chance de
criticá-lo. Isso se deu quando ele preferiu ganhar sua própria subsistência por meio de seus
próprios esforços, em vez de buscar apoio às custas dos coríntios, aos quais oferecera o
evangelho.

E agora prossegue discutindo com mais detalhes sobre os direitos que pertenciam aos
apóstolos, ou, seja, de receber alimentos e vesti- mentas. Um a das razões por que agia assim
foi para que tivessem m ai- or incentivo de seguir seu exemplo, ao resumir muitas coisas por
amor de seus irmãos; pois na verdade continuavam injustamente irredutíveis sobre as
condições de seus direitos. A outra razão que levou Paulo a

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1 CORÍNTIOS 9 [v. 1]

abordar esta matéria foi para pôr a descoberto a injustiça dos que que- riam vê-lo em situação
embaraçosa, pois se aproveitavam de algo que jazia além da crítica como justificativa para
desmerecê-lo. Ele faz uso de perguntas retóricas com o fim de imprimir maior força a seu argu-
mento. A pergunta “Não sou livre?” é de caráter geral. Quando aduz: "Não sou apóstolo?”, ele
restringe a pergunta a um a espécie de liber­ dade particular, como se quisesse dizer: “Se sou
um apóstolo de Cristo, por que minha situação deve ser pior que a dos outros?” Assim ele
prova sua liberdade com base no fato de ser apóstolo.

Não vi a Jesus C risto nosso Senhor? Ele cuida em acrescentar este ponto para que não viesse a
ser de alguma forma considerado infe- rior ao restante dos apóstolos. Pois aqueles que eram
hostis e invejosos eram altissonantes em suas reiteradas asseverações da idéia: tudo o que
Paulo possuía do evangelho ele o recebera das mãos de homens [segunda mão], pois jam ais
vira a Cristo pessoalmente. É verdade que ele jam ais estivera na companhia de Cristo
enquanto este esteve no mundo; mas Cristo lhe aparecera após sua ressurreição. Ver Cristo
em sua glória imortal, porém, é um maior privilégio do que vê-lo vestido da humildade de sua
carne mortal. Paulo está se referindo a sua visão m encionada no capítulo 15.8 desta epístola,
e a menciona em Atos [caps. 22 e 26], Nsta questão particular, portanto, ele procura situar sua
vocação além de qualquer disputa, porque, mesmo que não tenha sido classificado como um
dos doze, a escolha que Cristo fez conhecida desde o céu não era menos autoritativa.
Não sois vós m inha o b ra no Senhor? Em seguida ele assenta seu apostolado sobre as bases
de seu efeito, ou, seja, por meio de sua pre- gação do evangelho ele conquista os coríntios
para o Senhor. Ora, Pau- lo apresenta um a forte defesa de si mesmo ao qualificar a conversão
dos coríntios como sendo obra dele, porquanto ela envolve um a espé- cie de nova criação da
alma.

Todavia, como isso se adequa ao que afirmou em I Coríntios 3.7, ou, seja: “o que planta não é
nada, e o que rega nada é”? M inha respos­ ta é como segue: visto que Deus é a causa
eficiente, enquanto que o homem, com sua proclamação, é apenas o instrumento, o qual por
si só nada é. devemos sempre referir-nos à eficácia do ministério de tal ma- neira que todo o
louvor da obra permaneça exclusivam ente em Deus.

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1 CORÍNTIOS 9

Mas, às vezes, quando se faz referência ao ministério, o homem é com - parado a Deus, e
então se tom a um fato que “o que planta não é nada, e o que rega nada é” . Pois o que pode
ser deixado ao homem se ele é, com Deus, participante da obra? Assim a Escritura reduz os
ministros a nada, ao compará-los com Deus; mas quando se trata apenas do minis- tério, e não
se faz nenhuma comparação com Deus, sua eficácia é exal- tada em termos candentes, como
se faz aqui. Pois, em tais circunstân- cias, a questão não é o que o homem pode fazer por si
próprio à parte de Deus, mas, antes, que Deus mesmo, que é o agente, se junta ao instru-
mento, e o poder do Espírito é adicionado ao labor do homem. Em ou- tros termos, a questão
não é o que o homem por si só executa com o uso de seus próprios recursos, mas o que Deus
faz através do homem.

2. Sc não sou apóstolo p ara outrem . A essência desta afirmação é que Paulo deseja
estabelecer a autoridade de seu apostolado entre os coríntios, de modo que o mesmo seja
posto acima de qualquer disputa. Diz ele: “Se há alguém que nutre dúvidas acerca de meu
apostolado, que este não seja vosso caso, porque, visto que plantei vossa igreja por intermédio
de meu ministério, ou não sois crentes, ou sois obrigados a reconhecer-me como apóstolo.” E
para que não viesse a dar a impres- são de escudar-se meramente em palavras, ele os lembra
que os fatos falam por si mesmos, pois Deus pusera seu selo em seu apostolado na forma de fé
dos próprios coríntios. M as se alguém alega que isso se aplica também aos falsos apóstolos, os
quais ajuntam seguidores a seu redor, respondo que a genuína doutrina está acima de todas as
coisas requeridas, a fim de que alguém tenha um a confirmação de seu minis- tério à vista de
Deus a partir de seus efeitos. Portanto, se os impostores conseguem enganar algumas das
pessoas comuns, e até mesmo nações e reinos, com suas mentiras, não há nada aqui que lhes
propicie base com que atiçar seu orgulho. M as ainda que as pessoas que não procla- mam o
evangelho “com sinceridade” (como temos em Fp 1.17) são às vezes os meios usados para a
expansão do reino de Cristo, Paulo é plenamente justificado em deduzir dos resultados de sua
obra que real- mente ele fora enviado por Deus; pois as estruturas da Igreja de Corin- to eram
de tal solidez que as bênçãos divinas eram nitidamente visíveis nela; e tal fato deve ter servido
para produzir a confirmação do ofício de Paulo.

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1 CORÍNTIOS 9 (w. 3, 4]

3. M inha defesa. Além do tem a principal que ora discute, ele pare- ce ter tido o propósito
subsidiário aqui de pôr um fim nas más interpre- tações dos que protestam contra sua
vocação, como se ele pertencesse a um a classe ordinária de ministros. Diz ele: “Estou
acostumado a va- ler-me de vós como m inha defesa, sempre que alguém procura dene- grir a
honra de meu apostolado.” O resultado disso é que os coríntios estão prejudicando-se e
agindo contra seus próprios interesses, sempre que deixem de reconhecê-lo como apóstolo.
Porque, se sua fé fosse solene evidência do apostolado de Paulo, e sua defesa contra os caluni-
adores. um a coisa não podia ser subvertida sem que a outra se desmo- ronasse juntamente.

Enquanto alguns lêem “aqueles que me questionam ”, eu traduzi “aqueles que inquirem sobre
minha situação”; porque ele visa aos que faziam de seu apostolado410 uma questão
contestável. Concordo com os escritores latinos que falam de o acusado ser interrogado411
legal- mente; mas o significado da palavra áwucpíveiv, que Paulo usa aqui, parece-me ser
melhor realçada por m inha expressão.

4. Não tem os o direito de com er ou beber? À luz do que acabara de dizer, ele conclui que
tinha direito de receber deles alimento e vestu- ário,412 pois comia e bebia, porém não às
custas da Igreja. Portanto, esta foi uma das maneiras pelas quais ele então renunciara sua
liberdade; a outra era o fato de não ter esposa, cuja manutenção seria um peso sobre todos
eles. Eusébio infere destas palavras que Paulo era casado, mas que deixara sua esposa em
algum lugar particular, de modo que ela não cons- tituísse qualquer ônus às igrejas; mas esta é
uma falsa conjetura, pois isso poderia ser facilmente declarado por um a pessoa solteira.

Ao chamar uma esposa cristã de irmã, Paulo mostra, antes de tudo. quão forte e amorável
[amabilis] deve ser a união entre um esposo e uma esposa crentes, pois a m esm a é m antida
por um duplo compromis- so. Em seguida propõe que sejam muito modestos e ponderados
em

410 “Ceux qui vouloyent mettre en débat son Apostolat, et le contreroller. commer on dit.” -
“Os que eram desejosos de levar seu apostolado à controvérsia, e à bancarrota, como dizem.”
4" A expressão é usada por SuetôniofAug. 33). Rcumita fertur interrogásse: Ele informa que o
criminoso era intemigadii dessa maneira. *l! “Combien qu'il n’en ait pas usé." - “Ainda que ele
não tivesse feito uso dele."

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1 CORiNTIOS 9

seu trato recíproco. É também oportuno inferir daqui que o matrimô- nio é tudo, menos algo
inadequado para os ministros da Igreja. Não menciono agora o fato de os apóstolos fazerem
uso dele, pois logo faremos referência ao exemplo deles. Paulo, porém, está mostrando aqui,
de form a geral, o que a todos era permitido fazer.

5. Com o fazem os dem ais apóstolos. Em adição à com issão do Senhor, ele faz referência ao
que os outros estavam habituados a fazer. E a fim de expressar a renúncia de seus direitos de
maneira ainda mais clara, avança passo a passo. Antes de tudo cita o exemplo dos apósto- los.
Então acrescenta: “M ais que isto. os próprios irmãos do Senhor não tiveram qualquer
dificuldade em ter esposa; sim, e o que é mais [comprobatório], o próprio Pedro, a quem, de
comum acordo, é dado o primeiro lugar, admite para si o mesmo direito.”

Por “irmãos do Senhor” ele quer dizer João e Tiago, que “era repu­ tados como colunas”,
segundo expressou em Gálatas 2.9. E em harm o- nia com o costume usual da Escritura, ele
cham a irmãos aos que esta- vam relacionados a ele pelo nascimento.

Quem quer que se proponha encontrar nesta passagem apoio para o papado estará se fazendo
de tolo. Concordamos plenamente que Pe- dro era de fato reconhecido como o primeiro entre
os apóstolos, pois em toda com panhia de pessoas é sempre necessário que haja alguém que
assuma a liderança sobre os demais. E eles mesmos estavam pron- tos a respeitar Pedro, por
causa da riqueza de seus excelentes dons; pois é justo que todo aquele que se sobressaia a
outros nos dons da graça de Deus deve ser tido em elevada consideração e honra. A prim a- zia
de Pedro, porém, não era senhorio; aliás, não havia qualquer com- paração entre esta e a
autoridade absoluta de um senhor [dominatio], Porque, ainda que se distinguisse entre os
demais, ele era refutável em relação a seus colegas. Além disso, um a coisa é ser
particularmente o prim eiro na Igreja; e completamente outra é reivindicar para si a sabe-
doria ou preeminência sobre o mundo inteiro. Ainda que concordásse- mos com tudo isso no
tocante a Pedro, o que teria isso a ver com o papa? Pois assim como M atias sucedeu a Judas
fA t I.26J, também algum Judas pode muito bem assumir o lugar de Pedro. Sim, e agora vemos,
após um período de mais de 900 anos entre seis sucessores, ou, pelo menos, os que se
vangloriaram de ser seus sucessores, que ne-

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1 CORÍNTIOS 9

nhum deles é em nada mais elevado do que Judas. M as este não é o lugar apropriado para se
discutirem essas coisas (vejam-se minhas Ins- titutos, 4.6).

Devemos nolar um último ponto aqui, a saber: que os apóstolos não se abstinham do
malrimõnio, como o fazem os clérigos papais que tanto o detestam, visto que o mesmo não
convém à santidade de sua ordem. Mas foi depois dos apóstolos que os homens elucidaram o
no- tável exem plo de sabedoria, crendo que os sacerdotes do Senhor são contaminados caso
tenham ato sexual com suas legítimas esposas. Fi- nalmente, foi assim que o papa Sirício não
hesitou em cham ar o matri­ mônio “uma impureza da carne, na qual ninguém pode agradar a
Deus”. O que, pois, acontecerá aos desafortunados apóstolos, que persistiram nesta impureza
até sua morte? M as aqui os papistas procuram evadir- se do problema com um laivo sutil de
ladino raciocínio de sua própria maquinação. Pois afirmam que os apóstolos se privaram do
ato sexual, mas que levavam suas esposas para os assistirem, de modo que pudes- sem colher
os frutos do evangelho; em oulros termos, sua manutenção à expensa de outras pessoas.
Como se eles, na verdade, não pudessem ser sustentados pelas igrejas, senão que vagassem
de um lugar a outro! E ainda como se fosse possível crer que aquelas esposas percorressem
todos os lugares espontaneamente, e, quando não houvesse mais ne- cessidade,
simplesmente com o fim de viverem na ociosidade à expen- sa pública! A explicação de
Ambrósio, de que a referência é a esposas de outros homens, os quais seguiam solicitamente
os apóstolos para ouvir o que tinham a ensinar, é excessivamente forçada.

7. Q uem vai à g u erra a suas p ró p rias custas? Usa-se aqui o pre- sente do indicativo do
verbo usado413 neste sentido: “costuma-se ir à guerra.” Contudo o pus no pretérito de modo
a em itir um som mais abrupto. Ao fazer a transição, com o uso de três comparações, todas
elas extraídas da vida cotidiana dos homens, Paulo agora afirm a que estava plenamente
disposto a viver às custas da Igreja; e faz isso para m ostrar que está reivindicando para si não
mais do que requer a consi- deração humana (humanitas) ordinária. A primeira é tirada da lei
m ili- tar. pois os soldados são geralmente assalariados dos erários públicos.

4I' O verbo éatpareúerai, ir a uma guerra, ou servir como soldado.

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[w. 8, 9] 1 CORÍNTIOS 9

A segunda é derivada do viticultor, pois este planta um a vinha, não como entretenimento,
mas para colher dela seus frutos. A terceira é extraída da pecuária, pois o pecuarista não
trabalha por nada, senão para desfrutar do leite do rebanho, ou, seja, o produto provê sua
manu- tenção. Quando a justiça natural estabelece isso com o sendo a maneira mais justa de
se proceder, alguém seria tão injusto ao ponto de negar ao pastor da igreja o suprimento de
suas necessidades? Em bora pudes- se suceder que alguns servissem como soldados a suas
próprias custas, como, por exemplo, os romanos dos tempos antigos, quando nenhum tributo
era ainda pago e não havia nenhuma taxa,414 isso não milita contra o que Paulo está dizendo,
pois ele está simplesm ente tomando seu argumento do costume comum e universalmente
praticado.

8, 9. Digo estas coisas com o hom em ? No caso de alguém recu- sar-se a ser convencido,
dizendo que é uma questão completamente diferente no que se refere às coisas de Deus, e
por isso Paulo desperdi- çou seu tempo introduzindo tantos símiles, ele agora acrescenta que a
mesma coisa é estabelecida pelo Senhor. Falar segundo o costum e dos homens às vezes
significa falar segundo o entendimento pervertido da cam e, como em Romanos 3.5. Aqui,
porém, significa lidar somente com aquelas coisas com as quais os homens estão
familiarizados, e as quais só são válidas nos negócios humanos (como se diz). M as o fato é que
Deus mesmo queria que os homens recebessem salários como re- com pensa de seus labores.
Paulo prova isso à luz da proibição divina de am ordaçar o boi quando se debulha o grão; e ao
aplicá-lo às circuns- tâncias como está fazendo, ele diz que Deus não estava preocupado com
bois, e, sim, estava pensando nos homens.

Primeiro, pode-se perguntar por que Paulo faz um a escolha especí- fica deste texto-prova,
quando ilustrações muito mais claras lhe esta- vam disponíveis na lei; por exemplo,
Deuteronômio 24.15: “Em seu dia lhe darás seu salário, antes do pôr-do-sol.” M as, quem
prestar mais detida atenção a esse fato com preenderá que há mais força neste texto, no qual
o Senhor nos pede que cuidemos do gado, porque disso pode- se ver, ao inferir do menor para
o maior, que quando deseja que os animais mudos sejam bem tratados, ele requer que muito
m aior eqüi-
4IJ Os solados romanos não recebiam nenhum pagamento (siipendium) do erário público até
347 anos após a fundação dc Roma (veja-se Liv. iv.59 e v.7>.

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1 CORÍNTIOS 9 [v. 10]

dade seja demonstrada pelos homens em seu trato recíproco. Quando ele diz que “Deus não
se preocupa com bois”, não devemos entendê-lo mal, como se sua intenção fosse deixar os
bois fora da providência divina, quando Deus não negligencia nem mesmo o mais insignificante
pardal [Mt 6.26; 10.29]. Além disso, não devemos cometer o equívoco de imaginar que Paulo
pretenda explicar este mandamento alegorica- mente; pois alguns espíritos de cabeça oca
fazem disto uma escusa para transformar tudo em alegoria, de modo que convertem cães em
homens, árvores em anjos, e convertem toda a Escritura num divertido jogo.

M as o que Paulo realmente pretende é muito simples: ainda que o Senhor ordene
consideração para com os bois, ele assim o faz não por am or aos bois, mas, antes, em
consideração para com os homens, em favor de quem os próprios bois foram criados.
Portanto, esse tratam en- to humano dispensado aos bois deve ser um incentivo, nos sensibili-
zando a tratar uns aos outros com consideração e justiça, como Salo- mão o expressa em
Provérbios 12.10: “O justo atenta para a vida de seus animais, mas o coração dos perversos é
cruel.” O leitor deve en- tender, pois, que Deus não se preocupa com bois, no sentido em que
os bois eram as únicas criaturas em sua mente quando promulgou a lei, pois ele estava
pensando nos homens e queria que se habituassem a ser atenciosos em seu modo de agir, de
modo a não defraudar o trabalha- dor de seu salário. Porque não é o boi que lidera a aradura e
a debulha, e, sim, o homem; e é pelos esforços do homem que o próprio boi se põe a
trabalhar. Portanto, o que adiciona em seguida - “o que lavra deve lavrar com esperança” etc. -
é um a interpretação do mandamento, como se dissesse que ele se estende, em termos gerais,
envolvendo qualquer gênero de recompensa pelo trabalho.

10. Porque o que lavra deve lav rar com esperança. Há duas redações nesle versículo, mesmo
nos manuscritos gregos, porém a que tenho adotado é mais geralmente aceita: “Aquele que
debulha na espe­ rança de com partilhar de sua esperança.” Ao mesmo tempo, a redação que
não repete esperança duas vezes na segunda sentença parece mais simples e mais natural.4"
Portanto, senti-me livre para escolher, e po-

*■’ A redação comum é kb\ ò áJ.oúi' tffi éVníôoç oúxoú e*’ «ArríSi: e aquele que debulha em
esperança seria um participante de sua esperança. Na outra redação, as pala- vras (tt íXttíõi
(em esperançai são omitidas. A última é a redação em cinco manuscritos

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[vv. 11, 12) 1 CORÍNTIOS 9

deria ter preferência pela redação nestes termos: “Aquele que lavra deve lavrar com
esperança; e aquele que debulha, com esperança de participar.” Não obstante, visto que
quase todos os manuscritos con- cordam em seguir a primeira redação, e o significado não é
afetado, não pretendi separar-me dela.
Entretanto, Paulo se põe a explicar o mandamento citado no versí- culo 9. e nesta conexão diz
que seria injusto que o lavrador exerça seu trabalho de aradura e de debulha infrutiferamente,
senão que todo o objetivo de seu labor é sua esperança de recolher os frutos. Nesse caso, é
correto inferir que isso se aplica igualmente aos bois; mas a intenção de Paulo é estender-se
mais e fazê-lo aplicável particularmente aos homens. Ora, diz-se que o lavrador “participa de
sua esperança” quan­ do desfruta do que produz, do produto de sua colheita, o qual certa­
mente esperava enquanto lavrava [a terra],

11. S evos sem eam os as coisa espirituais. Restava ainda uma área para a cavilação. Pois
alguém poderia alegar que toda obra relativa à vida, neste mundo, será definitivamente
recompensada com alimento e vestuário: que a aradura e a debulha produzem retom o do
qual partici- pam os que realmente trabalham: mas que o evangelho faz parte de uma
categoria completamente distinta, pois seu fruto é espiritual; e assim o ministro da Palavra,
caso queira receber o fruto que correspon- da a seu labor, não deve receber coisa alguma
material. Assim, na hipó- tese de surgir alguém com tal cavilação, o argumento de Paulo é do
maior para o menor. Poderia ter expresso assim: “Embora o alim ento e o vestuário pertençam
a um a categoria distinta da obra que o minisiro realiza, não obstante, qual é o problema se tu
estás pagando por algo que está acima de qualquer preço, com algo muito barato e desprezí-
vel? Pois assim como a alm a é, em natureza, muito superior ao corpo, também a Palavra de
Deus pertence a um a classe m uito mais elevada do que o alimento material,416 uma vez que
ela é o alimento da alma.”

12. Se outros participam desse direito sobre vós. não tem os m uito m ais? Uma vez mais ele
apresenta defesa de seu próprio direi-

antigos, e a úllima, em três. A rcdaçSo comum é construída por Bloomficld. como segue: K cti ò
á A o ü u (6<t>eíA.fi á X o ç v ) f i r ' f l i r í ô i < to 0 ) y e T é x íiv tfjç < X n i6 o < aúrot. "E aquele
que debulha deve debulhar na esperança de participar de <os frulos dê) sua esperança.”

“E t lc vcstem eiu.” - “E veslindo."

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1 CORINTIOS9 lv. 12]

to, referindo-se ao exemplo de outrem. Pois, por que unicamente a ele se negaria o que outros
reivindicavam como lhes sendo de pleno direi- to? Porque, visto que ninguém trabalhara mais
intensamente do que ele entre os coríntios, ninguém era merecedor de um a recompensa
maior. Entretanto, ele não narra o que fizera, e, sim. o que teria feito em virtu- de de seu
direito, se não se abstivera voluntariamente de usá-lo.

Não obstante, não tem os usado desse direito. Ele agora se volve diretamente para o cerne do
assunto, ou, seja, que espontaneamente renunciara a esse direito, o qual ninguém poderia
negar-lhe; e que pre- feriu suportar tudo em vez de fazer uso desta liberdade, de maneira a
não im pedir o progresso do evangelho. Portanto, ele deseja que os co- ríntios sigam seu
exemplo e conservem esta meta diante de seus olhos: não colocar nenhum obstáculo no
caminho do evangelho, nem retardar seu progresso; porquanto eles, de sua parte, tinham
feito exatamente a m esm a coisa que afirmavam ser ele quem fazia. E aqui ele confirma o que
já havia dito, a saber: que devemos atentar bem para o que é mais proveitoso.

13. Não sabeis vás que os que ministram as coisas sagradas comcm das coisas du tem- plo. e os
que vivem junto do altar recebem sua porção do altar? 14. Assim também ordenou o Senhor
aos que proclamam o evangelho, que vivam do evangelho. 1 S. Mas de nenhuma dessas coisas
tenho usado, c não escrevi isto para que se faça assim comigo; porque melhor me fora mor-
rer do que alguém me privar desta glória. 16. Porque, se eu prego o evangelho, não tenho de
que me gloriar, pois me é imposta esta obrigação; pois ai de mim se não pre- gar o evangelho.
17. Portanto, se o faço de livre vontade, lenho galardão; porém, se não o faço de li- vre
vontade, é a responsabilidade de des- penseiro que me está confiada. 18. Então, qual é meu
galardão? Que ao pregar o evangelho, que o faça sem remu-

13. Nescilis, quod qui sacris operantur, ex saciario<l:edunt? et qui aliari ministrani (nrf
verbumadsiam) altaris sunt participes?

14. Sic et Dominus ordinavit. ut qui Evan- gelium annuntiant. vivant ex Evangetio.

15. Ego autem nullo horum usus sum: neque vero hæc scripsi. ut ita mihi fiat: mihi enim sattus
est mori, quam ut gloriam meam quis exinaniat. 16. Nam si evangelizavero. non est quod
glorier: quandoquidem nécessitas mihi in- cumbiî, ut vae sic mihi. si non evangelizem.

17. Si enim volens hoc facio. mercedem habeo: si autem invitus, dispensatio mihi est crédita.

18. Quæ igitur mihi merces? ut quum evangelizo. graluitum impendam Evange-

417 “Des choses qui sont sacrifiées.” - "Das coisas que são sacrificadas."

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( v . 1 3 ] 1 CORÍNTIOS 9

neração. para não fazer pleno uso de meu lium Christi. ut non abular potestatc mea in direito
no evangelho. Evangelio. 19. Porque, embora estivesse livre de to- !9. Liberenimquumessem
abomnigus. dos os homens, eu trouxe a mim mesmo sob servum me omnibus feci. ut plures
lucrifa- a servidão de todos, paia lucrar muito mais. ciam. 20. E para com os judeus me tornei
um 20. Itaque factus sum Iudaeis tanquam judeu, a fim de ganhar os judeus; para com Iudsus.
ut ludzeos lucrifaciam: iis qui sub aqueles que se acham debaixo da lei, Lege eram, tanquam
Legi subiectus. ul eos qui crant sub Lege lucrifaciam; 21. como se vivesse debaixo da lei, não
21. lis qui sine Lege erant. tanquam ex- estando eu debaixo da lei; para com os que lex,
(tametsi non absque Lege. Deo, sed su- vivem sem lei. como se vivesse também sem biectus
Legi Christi.) ut eos qui sine Lege lei. não estando eu sem lei para com Deus. erant lucrifaciam.
Mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem sem lei. 22.Fiz-m efracoparacom
osfracos.para 22. Factus sum infirmis tanquam infir- ganhar os fracos. Fiz-me de tudo para com
mus, ut infirmos lucrifaciam: omnibus om- todos, a fim de. por todos os meios, salvar nia
factus sum, ut omnino aliquos servem, alguns.

13. Não sabeis vós? À parte do tem a principal que ora ele discute, Paulo parece ter gasto
muito tempo na discussão deste ponto, visando a repreender indiretamente os coríntios por
sua ignóbil atitude em per- mitir que os ministros de Cristo fossem injuriados em relação ao
que têm justo direito de receber. Porque, se Paulo não se abstivesse volun- tariamente do uso
de sua liberdade, corria-se o risco de ser obstruído o caminho para o evangelho. Os falsos
apóstolos jam ais teriam vencido essa batalha, se a ingratidão, à qual os coríntios já se
inclinavam, não tivesse aberto o caminho para suas más interpretações. Por certo que os
coríntios deveriam tê-los repelido vigorosamente, porem o que fize- ram foi dem onstrar sua
extrema credulidade, de modo que já teriam se prontificado a rejeitar o evangelho, se Paulo
tivesse feito uso de seu direito. Tal desdém pelo evangelho, bem como tal crueldade para com
seu apóstolo, m erecia um a reprovação ainda mais severa do que esta; Paulo, porém,
encontrou outra ocasião de tocar no assunto indireta e brandamente, com sua costumeira
modéstia, para que pudesse admo-

está-los sem afrontá-los.

U m a vez mais ele faz uso de um símile diferente para provar que não tirara vantagem de um
direito que o Senhor lhe outorgara. E não mais lança mão de exemplos de outras fontes,
porém mostra que o Senhor ordenou que as igrejas supram seus ministros com os meios de

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1 CORÍNTIOS 9 [v. 13]

subsistência. Há aqueles que crêem que realmente há duas com para- ções neste versículo:
sendo a prim eira um a referência aos sacerdotes do Senhor: a outra, porém, sendo aqueles
que ofereciam sacrifícios aos deuses pagãos. Não obstante, sinto-me inclinado a crer que
Pauio, como usualmente faz, usou de diferentes termos para descrever a m esm a coi- sa. Um
argumento derivado do costume dos pagãos certamente teria sido muito deficitário, pois os
proventos dos sacerdotes não eram des- tinados às necessidades tais com o alimentos e
vestuário, mas a mobíli- as dispendiosas, a esplendor régio e luxo extravagante. Estas coisas
não teriam nenhum suporte no tema em questão. Entretanto, não me oponho ao ponto de
vista de que Paulo estava fazendo alusão a diferen- tes tipos de ministros, pois havia
sacerdotes de um a ordem mais eleva- da (maioris ordinis), e posteriorm ente houve os levitas,
que eram seus inferiores, como se sabe muito bem. M as dificilmente seria este o ponto.

O ponto é o seguinte: os sacerdotes levitas eram os ministros da igreja de Israel; e o Senhor


ordenara que fossem supridos de seu pró- prio ministério com o necessário para a vida.
Portanto, o m esm o prin- cípio de justiça deveria ser observado hoje no caso dos ministros da
Igreja Cristã; não obstante, os ministros da Igreja de Cristã são aqueles que pregam o
evangelho. Este versículo é citado pelos romanistas quan- do querem provar que aqueles que
têm o estôm ago vazio devem ser saciados, para que tenham com o efetuar seus sacrifícios;
mas prefiro deixar que as próprias crianças decidam quão ridículo é este raciocí- nio. Estes
homens lançam mão avidamente de tudo o que a Escritura diz sobre os meios de subsistência
que devem ser atribuídos aos minis- tros, ou sobre o respeito que se deve ter por eles, e
torcem tudo para que se adéqiie a eles mesmos. Tudo o que tenho a fazer, portanto, é instar
com meus leitores a que prestem atenção no que Paulo está real- mente dizendo. Seu
argumento é que os pastores, cujo trabalho é a pregação do evangelho, devem ser
sustentados, visto que outrora o Senhor prescreveu certa assistência às necessidades dos
sacerdotes, diante do fato de que empregavam seus serviços em prol da Igreja.
Conseqüentemente, devemos nós manter uma distinção entre o sacer- dócio dos tempos de
outrora e o de nossos próprios dias. Sob a lei, os sacerdotes eram designados para o encargo
dos sacrifícios, para servi- rem ao altar e cuidarem do tabernáculo e depois do templo; em
nossos

• 275 •

[V. 151 1 CORÍNTIOS 9

dias, eles são designados para a proclamação da Palavra e a ministra- ção dos sacramentos. O
Senhor não designou os santos ministros para se ocuparem de quaisquer sacrifícios; não há
altares para que se po-

nham a oferecer sacrifícios.

Os que aplicam esta analogia (anagoge), derivada dos sacrifícios,

a alguma outra coisa que não seja a pregação do evangelho, são paten- temente ridículos. E
mais que isso, é fácil de inferir deste versículo que todos os sacerdotes papistas, do principal
deles ao membro menos im- portante, são roubadores de templos (sacrílegos), pois
vorazmente de- voram os proventos destinados aos legítimos ministros, sem executa- rem
qualquer dos deveres de sua responsabilidade. Pois a quais minis- tros o apóstolo manda que
sustentem? Devem sustentar os que se de- votam à pregação do evangelho. Que direito têm
os sacerdotes papis- tas de reivindicar para si a remuneração dos sacerdotes?418 Sua respos-
ta é que entoam [os cânticos] e oferecem sacrifícios.41* Todavia, Deus não requereu deles
nenhuma dessas coisas; portanto, faz-se evidente que se apropriam dos proventos que
pertencem a outrem.

Finalmente, quando Paulo diz que os sacerdotes levitas eram “par­ ticipantes do altar” , e
“comiam das coisas do templo”, ele tem em men­ te, pelo uso de metonímia, as oferendas que
eram apresentadas a Deus. Pois requeriam todos para si os sacrifícios de animais consagrados;
e no caso dos sacrifícios menos importantes, o pernil dianteiro direito, os rins e a cauda, bem
como os dízimos, as ofertas e as primícias dos frutos. Portanto, a palavra Upóv, no segundo
caso,42" é considerada como que significando o templo.

15. E não escrcvi estas coisas. Um a vez que poderia ficar a im- pressão de estar solícito a que
os coríntios o remunerasse no futuro, ele remove essa possível suposição e assevera que,
longe de pretender al- guma coisa, preferiria m orrer do que perder essa glória, ou, seja, que
ele prestara seus serviços aos coríntios gratuitamente. E não há neces-

‘"“ ‘Dequeldroict s'usurpent ces venues paresseux lereuenudes benefices. qu'ils appe- lenl?" -
"Por qual direito esses ventres preguiçosos reivindicam para si o provento dos benefícios,
como o chamam?” 4W "Pource qu'ils gringotent des messes et anniuersaires." - "Porque
cantarolam uma música nas missas e nos aniversários.” 4:" No original, as palavras to iepà e
toú Upoü ocotrem na mesma sentença, e a intenção de nosso autor é que, no segundo caso. o
substantivo Upov denota o templo.
• 276 •

1 CORÍNTIOS 9 [v. 16]

sidade de perplexidade ante o falo de ele pôr tal valor neste motivo de gloriar-se. porquanto
estava consciente de que a autoridade do evange- lho, em certa medida, dependia dele.
Porque, nesse caso, teria dado aos falsos apóstolos uma chance de se vangloriarem contra ele.
Daí, havia o risco de, para que os coríntios não o tratassem com desdém, o recebessem com
ruidosos aplausos. Por essa causa, ele preferiu apro- veitar a chance para divulgar o evangelho,
e não sua própria vida.

16. P orque, se prego o evangelho. Para m ostrar quão importante era que não fosse privado
da razão de gloriar-se, Paulo realça o que teria sucedido caso não fizesse nada mais do que
cumprir fielmente seu m inistério, ou, seja, que ele não teria feito mais do que aquilo que o
Senhor lhe impusera como um a necessidade imprecindível. Ao real- çar esse fato, ele está
dizendo que não tinha, nesse aspecto, nenhuma razão para gloriar-se, já que isto era algo em
que não tomara parte.421 M as alguém poderia perguntar a que gênero de glória Paulo se
refere aqui, pois em 2 Timóteo 1.3 ele declara orgulhar-se na execução de seus deveres como
mestre “com consciência pura”. M inha resposta é que ele fala de um motivo para gloriar-se
com o qual possa desafiar os falsos apóstolos, quando se punham no posto de observação com
o fim de caluniá-lo. como veremos a seguir, de forma mais clara.

Todavia, esta é uma afirmação notável. Aprendemos dela, em pri- meiro lugar, a natureza da
vocação que os ministros recebem, e quão fortemente se acham unidos a Deus; e, em segundo
lugar, o que o ofí- cio de pastor envolve e o que intrinsecamente inclui. O homem, uma vez
chamado, deve pôr indelevelmente em sua cabeça que ele não é mais livre para retroceder,
quando bem lhe convir, se porventura as frustrações arrebatarem seu coração, ou as
tribulações o esmagarem; porquanto ele está dedicado ao Senhore à Igreja, e se acha
firmemente amarrado por um laço sagrado, o qual lhe seria pecaminoso desamarrar.

No tocante ao segundo ponto,422 Paulo diz que um a ameaça de maldição paira sobre sua
cabeça, caso ele não pregasse o evangelho. Por quê? Porque fora chamado para tal mister, e
por essa m esm a razão ele é dominado por um a compulsão que o impele. Como, pois,
poderia

“Vcu qu'il y estait contraint et ne pouuoit euiter telle neecssile ” - "Ainda que fosse
constrangido u isto. e não pudesse evitar lal necessidade.” 12! Isto é. o dever que envolve o
ofício pastoral.

• 277 •

[v. 17] 1 CORÍNTIOS 9

alguém que assume a mesma responsabilidade evitar tal constrangi- mento? Que gênero de
“sucessão apostól ica” é esse, no caso do papa e dos bispos mitrados, os quais demonstram
que nada há mais incom pa- tível com seu papel do que a responsabilidade de ensinar?
17. Se o faço de livre vontade. O galardão, a que me refiro aqui, é o que o latim cham a operae
premium, “o prêmio do esforço”,4” e do qual falei antes como sendo a base da glória. Há
quem o explique de outra forma: que um prêmio é oferecido a todos quantos levam a bom
term o seu trabalho fiel e sinceramente. Eu pessoalmente entendo “o homem que age de sua
livre vontade” como sendo aquele que sente tanto entusiasmo e transparência em seu desejo
de instruir a outrem, que nada mais lhe interessa que não vise ao serviço da Igreja. Da mes- ma
forma, ele pretende com “de má vontade”, por outro lado, os que agem por necessidade
premente, mas que o fazem de má vontade visto que isso conflita-se com o que realmente
desejava. Pois sempre sucede que o homem que assume alguma tarefa com zelo e está
também dis- posto a submeter-se a qualquer situação, a negligência significaria obs- truir a
concretização da obra. Assim Paulo, que fazia as coisas esponta- neamente, que não tinha o
hábito de ensinar meramente de maneira formal, fazia uso de tudo que imaginasse ser
adequado para corroborar e prom over seu ensino. Este, pois, era seu “prêm io pelo trabalho”
e seu m otivo de gloriar-se, ou, seja, que prontamente se privara de seu direi- to, pois
devotava ao que fazia com espontaneidade e real solicitude.

M as se o fizer de m á vontade, um a dispensação m e está confi- ada. Seja como for que
outros expliquem estas palavras, o verdadeiro significado, a meu ver, é que o serviço de um
homem, que é feito de

í2' “Ce que nous appelons chef-d’ceuure." - “O que chamamos uma obra-prima. A frase
idiomática, opera pretium, é extraordinariamente empregada pelos escritores clássicos no
sentido de algo de grande importância ou vale a pena. Assim, Livy, em seu Prefácio, diz.
"facturusne opers pretium sim." - “Se estou para fazer uma obra de importância ; e Cícero (Cat.
iv.8) diz: “Opera? pretium est." - “Vale a pena." Calvino, contudo, parece fazer uso da frase
aqui num sentido mais peno de sua significação original e literal - recompensa pelo labor o que
amplamente recompensava a renúncia que ele tinha exercido - consistindo na satisfação
peculiar propiciando sua mente a refletir sobre a parte que ele tomara. O termo usado por ele
em sua tradução francesa - chef-d irjuure [obra-prima\corresponde à frase latina, opera
pretium. neste aspecto, que uma obra-prima & uma obra que o artista ou operário bem
sucedido avalia, e na qual ele sente satisfação, como amplamente recompen- sando as dores
suportadas.

• 278 •

1 CORÍNTIOS 9 [v- 18]

mau grado e, por assim dizer, contra sua vontade, é totalm ente inacei- tável a Deus. Portanto,
sempre que Deus exigir de nós alguma coisa, enganamo-nos a nós mesmos se imaginamos que
o cumprimos satisfa- toriamente, quando o fazemos de mau grado. Pois o Senhor espera que
seus servos sejam solícitos e prazerosos em obedecê-lo, em dem ons- trar alegria e agindo sem
qualquer hesitação. Em suma. Paulo quer dizer que a única m aneira em que faria justiça a sua
vocação seria desempenhando sua função com um coração voluntário e um a solicitu- de sem
embaraço.

18. E ntão, qual é m eu galardão? Ele infere do precedente que sua base para gloriar-se é esta:
que trabalhou gratuitamente em favor dos coríntios porque desse fato vem a lume que ele se
devotara espon- taneamente à tarefa de ensinar, visto que, como vigorosamente se pu- sera à
remoção de todos os obstáculos postos no caminho do evange- lho, e, não se sentindo
satisfeito com meramente ensinar, usava todos os métodos para que a doutrina dele [o
evangelho] não fosse obstada. Portanto, eis um sumário do que ele diz: “Tenho me esforçado
por pregar o evangelho. Se não o faço, quando está em mim poder fazê-to, estou resistindo à
vocação divina. M as não me basta pregar, a menos que o faça espontaneamente, porque
aquele que se desincum be da or- dem divina com um coração constrangido não está à altura
do desem - penho de seu ofício como deveria estar. Ora, se obedeço a Deus de bom grado,
então tenho o direito de gloriar-me. Portanto, era-me for- çoso proclam ar o evangelho sem
remuneração, para que minha osten­ tação fosse justificada.”

Os papistas tentam encontrar neste versículo apoio para as obras de supererrogaçõo,424 as


quais foram inventadas por eles. Dizem: “Paulo cumpriu os deveres de seu ofício, a saber,
proclamando o evangelho, mas também adicionam algo mais. Portanto ele faz algo além do
qual era obrigado a fazer. E fazem distinção entre o que alguém faz volunta- riamente e o que
ele deve fazer." M inha resposta a tudo isso é que Paulo de fato foi além do que normalmente
era requerido dos pastores em sua vocação, visto que não recebeu salário, o qual o Senhor
permite que os pastores recebam. Mas, como era parte de seu dever tom ar me-

ÍU “C'est à dire, d’abondam." - “Equivale dizer, aíém do mais.”

• 279 ■

(v. 18] 1 CORÍNTIOS 9

didas contra toda possível ocasião de escândalo, tudo o que ele previa e com o o via, para que
o curso do evangelho não fosse obstruído caso ele usasse de sua liberdade, embora isso
estivesse fora do curso ordi- nário, afirm a que mesmo nesse caso ele retribuía a Deus nada
mais que o devido. Pois pergunto: “Não é dever de um bom pastor suprimir aquilo que pode
trazer escândalo, até onde isso está em seu poder?” E nova­ mente pergunto: “O que Paulo faz
senão precisamente isso?” Portanto, não temos o direito de supor que ele dava a Deus algo
que não lhe era devido, visto que só fez o que a exigência de seu ofício dem andava - mesmo
que fosse exigência incomum. Não demos mais ouvidos, pois, a esta perversa fantasia,42'o u ,
seja, que fazemos reparação por nossos pecados aos olhos de Deus mediante as obras de
supererrogaçâo.™ E ainda mais, que haja um fim ao próprio uso do termo, pois o mesmo se
acha carregado de um orgulho diabólico.427 Não há dúvida de que este versículo é
erroneamente torcido com o fim de produzir tal interpretação.

Ora, o erro dos papistas é refutado, de maneira geral, no que segue: Sejam quais forem as
obras compreendidas sob a lei, são falsamente denominadas supererrogação, como se
manifesta nas palavras de Cris­ to: “Assim também vós, depois de haverdes feito tudo quanto
vos foi ordenado, dizei: Som os servos inúteis, porque fizemos apenas o que deveríamos fazer”
[Lc 17.10], Ora, concordamos que não há obra al- guma boa ou aceitável a Deus que não esteja
incluída na lei de Deus. Ponho esta segunda afirmação da seguinte maneira: Não há duas clas-
ses de boas obras, pois todas elas podem ser reduzidas ou ao serviço de Deus, ou ao amor. M
as nada pertence ao serviço de Deus que não este­ ja incluído neste neste sumário: “Amarás,
pois, o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma, de todo teu entendim ento e
de toda tua força.” E não há também nenhum dever de amor que não esteja requerido neste
preceito: “Amarás teu próximo como a ti m esm o” [Mc 12.30, 31]. M as quanto à objeção que
é apresentada pelos papistas, de que não é possível que alguém seja aceitável a Deus sem que
pague os dez por cento de sua renda; e disto inferem que, se o tal vai além e dá o equivalente
à quinta parte, ele está fazendo um a obra de supererroga-

425 “Ceste pervedrseei mal-heureuse imagination.” - “Essa perversa e miserável fantasia.


"C'est à dire, lesquelles nous faisons de superabondant.” - “Equivale dizer, o que fazemos
como extra." Nosso autor se expressa em termos semelhantes em outra pane quanto à palavra
mérito

• 280 •

1 CORÍNTIOS 9 [vv. 19, 20]

ção. Não é difícil destruir ta! sofisma. Pois o fato de as obras dos cren- tes serem aceitas, não é
porque são de alguma forma perfeitas, mas é porque sua imperfeição e inadequabilidade não
são levadas em conta contra eles. Portanto, se fizerem um cêntuplo além do devido, ainda
assim não estariam indo além dos limites do dever que devem [a Deus],

P ara não fazer pleno uso de m eu direito. Deste fato se toma óbvio que tirar vantagem de
nossa liberdade com o fim de criar escân- dalo equivale a licenciosidade irresponsável e abuso
da liberdade. Por- tanto, devemos aderir à regra de não dar nenhum motivo de escândalo. Este
versículo enfatiza o que mencionei supra, a saber: que Paulo não foi além das exigências
impostas pela própria natureza de seu ofício, porque a liberdade que Deus lhe concedera não
seria de form a alguma mal utilizada.

19, 20. Porque, ainda que estivesse livre de todos. Ek iráimov, isto é, de todos, pode ser
considerado ou como neutro ou como mascu- lino; como neutro, sua referência será a coisas;
e como masculino, a pessoas. Prefiro o masculino. Entretanto, ele mostrou apenas por um
exem plo particular quão prudente lhe fora acomodar-se aos fracos. Agora ele adiciona uma
afirmação geral e conclusiva, prosseguindo com exemplos particulares. A afirmação geral é
que, embora ninguém tivesse nenhum a autoridade sobre ele, no entanto vivia como se esti-
vesse sob o poder do mundo inteiro; e voluntariamente sujeitou-se aos fracos, a quem ele não
devia nenhuma submissão. Os exem plos parti- culares são estes: entre os gentios ele vivia
como se fosse gentio; e entre os judeus se portava como um judeu. Em outros termos: visto
que era zeloso na observação das cerimônias religiosas judaicas, quan- do vivia entre os judeus
ele procurava não ofender os gentios com a observância delas.

Ele usa a partícula como para notificar que sua liberdade de forma alguma era prejudicada por
essa conta, pois não im porta o quanto ele tivesse que acomodar-se aos homens, um a vez
que, aos olhos de Deus, interiormente ainda permanecia o mesmo. “Fiz de tudo” significa ado­
tar toda sorte de atitude segundo a exigência da situação, ou assumir diferentes papéis em
consonância com as diferentes maneiras entre os indivíduos. Quando diz que procedia como
se vivesse sem lei e como se estivesse debaixo da lei. devemos com preender que ele está se
refe-

• 281 •
[w. 21, 22] 1 CORÍNTIOS 9

rindo somente à lei cerimonial, porquanto a lei moral era com um tanto a gentios quanto a
judeus; e Paulo não pretendia agradar aos homens até este ponto. Pois este princípio só se
aplica às coisas indiferentes,

como já dissemos previamente.

21. Não estando sem lei em relação a Deus. Por meio deste pa- rêntese Paulo desejava
abrandar a aspereza da expressão; porquanto pode parecer duro, a princípio, ouvi-lo dizer que
vivia sem lei. Daí, para que isso não viesse a assum ir um sentido errôneo, ele adiciona, à guisa
de correção, que sempre guardava em sua mente um a lei, a saber: ele era sujeito a Cristo.
Com isso também dá a entender que contra ele se fom entava o ódio, sem fundamento e de
forma irracional, porque era como se convidasse os homens a viverem vidas desregradas, ao
ensinar o livramento da servidão à lei mosaica. Ele a descreve explici- tamente como
verdadeiramente “a lei de Cristo” com o fim de erradi­ car a injusta reprovação com que os
falsos apóstolos estavam caracte- rizando o evangelho; pois ele tem em mente que na
doutrina nada é omitido, que pode servir para dar-nos uma norma perfeita do viver justo.

22. Fiz-m c fraco p a ra com os fracos. Agora ele em prega um a vez mais uma afirmação gerai,
na qual descreve o gênero de pessoas a quem se acomodara, e com que propósito. Ele
assumiu a form a judaica de vida na presença de judeus, porém não diante de todos eles; pois
muitos deles eram obstinados, os quais, sob a influência do farisaísmo orgulhoso e malicioso,
gostariam muito de ver a liberdade cristã com - pletamente suprimida. A tais pessoas ele jam
ais se submeteria, pois Cristo não quer que nos preocupemos com pessoas desse gênero. Nos-
so Senhor disse: “Deixai-os; são cegos, guias cegos” [Mt 15.14]. Por isso devemos acomodar-
nos aos fracos, porém não aos obstinados.42*

Seu propósito era levá-los a Cristo, não para prom over seus pró- prios interesses, nem
granjear a boa vontade deles. A estes dois pontos adiciona-se um terceiro, ou, seja, que
somente nas coisas indiferentes, as quais sob outros aspectos influem em nossa escolha, ele
não se aco- m odava aos fracos. Ora, se considerarmos quão grande homem era Paulo, cuja
condescendência chegava a tal ponto, devemos sentir-nos

*w O leitor encontrará esta afirmação mais plenamente elaborada na Harmnnia vol. ii. p. 258.

• 282 •

envergonhados, nós que somos pouco mais que nada em comparação a ele, pois vivemos tão
preocupados conosco mesmos que olhamos para os fracos com desdém, e não nos dignamos
em dar-lhes coisa alguma. Visto, porém, ser justo que ponhamos a ordem do apóstolo em
ação, acomodando-nos aos fracos, e agir assim em consonância com as coi- sas indiferentes e
com vistas à edificação deles, os que agem de manei- ra imprópria, cuja principal preocupação
é conservar suas vidas livres de problemas, e que, por essa razão, também tomam cuidado em
não ofender os outros, os ímpios, obviamente, e não os fracos. Ademais, os que não
distinguem entre as coisas que são indiferentes e as que são proibidas estão indubitavelmente
errados. Visto que não fazem essa distinção, não hesitam em fazer coisas que Deus tem
proibido com o fim de agradar aos homens. M as ao prem iar o pecado estão fazendo mau uso
do pensamento de Paulo a fim de dissimular sua própria ímpia hipocrisia. Entretanto, se
alguém se lembra destes três pontos, nos quais toquei de passagem, estará pronto a refutar
tais pessoas.

Devemos igualm ente prestar atenção à frase que Paulo usa na conclusão.425 Pois m ostra
que, ao tentar conquistar a todos, ele alm eja- va a salvação deles. Entretanto, ele encerra aqui
abordando a afirm a­ ção geral (a não ser que o leitor prefira a redação da Vulgata: “para que
eu salve a todos”, que é também encontrada em alguns manuscritos gregos43"); pois nesta
passagem ele ainda se restringe: “para que por todos os meios eu possa salvar alguns.”431
Mas, por causa de a conside- ração pelos outros, sobre o quê Paulo fala, ser às vezes
menosprezada, até onde os resultados interessam, esta suavização é muito adequada, ou,
seja: em bora não estivesse a serviço de todos, não obstante não renuncia sua preocupação
pelo bem -estar de pelo menos uns poucos.432

4N “Afin que totalemeni i'en sauue quelques uns." - “Para que por iodos os meios alguns se
salvem." 4.0 A tradução da Vulgata, indicada por Calvino, é: Ut omnes fervarem (Para que eu
possa salvara todos). Quatro manuscritos gregos antigos trazem'ívo navraç otiau - Para que eu
possa salvar a iodos. A mesma tradução 6 dada na versão Siríaca, e é adotada por Mill.
Benzeiius e Pearce. Na vers5o de Wiclif (1380), a tradução é: “Em favor de todos os homens
tudo tenho feito para salvar a todos." Na vers3o Rheims (1582), a iradução é: “Para que cu
possa salvar a todos.” 4.1 “Afin que ie seuue tous.” - "Para que eu possa salvar a todos." 4,: “Le
profit el salut pour le moins de quelques uns.” - “O proveito e o bem-estar de pelo menos
alguns indivíduos."

1 CORÍNTIOS 9 [v. 22]

• 283 •

[w. 23, 24] 1 CORÍNTIOS 9

23 . E eu faço isso em prol do evangelho. 23. HocautemfacioproptciEvangelium, para ser


lambém participante dele. ut particcps eius fiam. 24. Nio sabeis vós que os que correm 24. An
nescitis. quod qui in stadium cur- numa competição, todos correm, mas só um runt. omnes
quidem currunt. sed urtus acci- recebe o prémio? Assim correi também vós pit præmium? Sic
currite. ut comprehenda- para que o alcanceis. tis. 25. E todo aquele que se esforça nos jo- 25.
Porro quicunque certat, per omnia gos se domina em todas as coisas. Ora. eles temperans
est:4" illi quidem igitur, ut peri- o fazem para receber uma coroa corruptf- turam coronam
accipiant. nos aulem. ut vel; nós. porém, uma incoiruptívcl. æternam. 26. Pois eu assim corro,
nào com incerte- 26. Ego itaque sic curro, ut non in incer- za: assim luto. não dando golpes no
ar. tum:sicpugilemago.nonveluiaêremferiens: 27. Mas golpeio meu corpo, e o trago em 27.
Verum subigo corpus meum, etin ser- sujeição, para que, tendo pregado aos ou- vitutem
redigo, ne quo modo fiat, ut, quum iros, eu mesmo n3o venha, de alguma ma- aliis
prædicaverim, ipse reprobus'u efftciar. neira. a ser reprovado.

23. P ara ser lam bém participante dele. Visto que os coríntios po- deriam ter em mente que o
que Paulo fez era algo que só se aplicava a ele, cm razão do ofício que mantinha, ele
argumenta, à luz do que o evangelho visa, que todos os coríntios são participantes. Pois
quando declara que desejava “tomar-se participante do evangelho”, ele está su­ gerindo que
os que não procedem como ele são indignos da comunhão do evangelho. Tomar-se
participante do evangelho é receber seus frutos.

24. Não sabeis vós que os que correm num a com petição. Ele lançou a doutrina, e agora,
querendo imprimi-la nas mentes dos corín- tios. adiciona um a exortação. Em suma, ele afirma
que o que alcança- ram até aqui não seria nada, a menos que perseverassem firm es, visto não
ser suficiente que, um a vez iniciados no caminho do Senhor, não envidarem todo esforço para
atingir a meta. Isto corresponde à palavra de Cristo em M ateus 10.22: “Aquele que perseverar
até o fim, esse mesmo será salvo.”

E deveras ele toma por empréstimo um símile da pista de corri- da.435 Pois assim como
muitos na verdade entram na arena, mas apenas aquele que primeiro alcança o alvo recebe o
louro da vitória, assim aquele que um a vez se incluiu na competição a que o evangelho nos

"Il s'abstient en toutes choses, ou - vit entièrement par regime ” - "Ele se abstém em todas as
coisas, ou ele vive inteiramente de acordo com a norma prescrita." >u “Reprouué. ou. trouué
non receuable." - “Réprobos, ou não achado admissível.” 4,5 “De ceux qui courent à la lice
pour quelque pris." - "Daqueles que correm na pista de corrida em busca de algum prêmio."

• 284 •

1 CORÍNTIOS 9 [v. 24J

convoca, não tem motivo para estar satisfeito consigo mesmo, a menos que prossiga até a
morte. Nossa luta, porém, não é como a do corredor: em sua corrida só um - aquele que corre
mais velozmente que os de- mais - é o vencedor e recebe o prêmio;436nossa condição, porém
, é superior neste aspecto: pode haver muitos ao mesmo tempo.437 Pois tudo o que Deus
requer de nós é que prossigamos incansavelmente ao longo de todo o caminho em direção ao
alvo.43" Assim, um a pessoa não invade o cam inho da outra, mas, antes, os que tomam parte
na corrida cristã fazem tudo a seu alcance para estender a mão de forma recípro- ca. Paulo
apresenta a mesma idéia, de maneira distinta, em 2 Timóteo 2.5: “Um atleta não é coroado se
não com petir segundo as norm as.”

Assim correi tam bém vós. Aqui temos a aplicação da compara- ção. Não é bastante que
tenhamos iniciado a corrida, se não continuar- mos a correr ao longo de toda nossa vida.
Porquanto nossa vida é se- melhante a um a pista de corrida. Daí, de nada nos adiantará se
parar- mos cansados depois de algum tempo: por exemplo, meia jornada, por- que nada mais
senão a morte marca o final da competição.

A partícula ouxco, assim, pode ser considerada de duas formas: Cri- sóstomo a junta ao que
vem antes, ou, seja: “Com o os corredores não param de correr até que tenham alcançado a
linha de chegada, assim deveis perseverar, e não deveis parar de correr durante vossa vida.”
Entretanto, a correspondência se aplica bem ao que vem a seguir: “De­ veis correr, não de
maneira que interrompais em meio à competição, mas de tal maneira que obtenhais o
prêmio.”
Não tenho nada a dizer sobre o termo estádio (pista de corrida) e sobre os diferentes tipos de
corridas,439 visto que informação sobre eles podem ser encontrada nos dicionários; e com um
ente se sabe que algu- mas corridas eram em montarias e outras, a pé. Além do mais, não há
m uita necessidade de se entender o que Paulo quis dizer sobre essas coisas.

“Qui a mieux couru que les autres, et est le premier venu au but" - “Quem correu melhor que
os demais e chegou primeiro ao alvo." "II y en peut auoir plusieurs de nous qui soyent
couronnez.” - "Pode haver muitos de nós que são coroados.” ■’'* “Que nous ne perdions poim
courage, mais que perseuerions constamment justques à la fin.” - “Cujo coração não desfalece,
mas persevera com toda firmeza até o fim." “Qui eseoyeni anciennemem en vsage." - “Que
antigamente estavam em uso."

• 285 •

[vv. 25, 26] 1 CORÍNTIOS 9

25. E todo aquele que se esforça nos jogos. À luz do fato de que estivera a encorajá-los a
perseverarem, ele tinha que fazer ainda mais claro sobre com o perseverariam. Ele agora
procede usando o símile de pugilistas, não de um a forma radical,440 mas só até onde o
problema com que ele está a tratar o exigia, a saber, o problem a de até que ponto devem
penetrar nas fraqueza de seus irmãos. Paulo mesmo se restringe a isso. M as ele argúi do
menor para o maior, dizendo que devemos envergonhar-nos de nós mesmos se nos achamos
relutantes em resumir nosso direito, quando os pugilistas, comendo seu coliphiumw e uma
pequena porção dele, certamente não com excesso, se dispõem a re- nunciar todas e
quaisquer iguarias, de modo a poderem sentir-se de todo preparados para a luta. E fazem isso
por am or a uma coroa cor- ruptível. Não obstante, se dão tanta importância a um a coroa de
ramos, que murcha quase que instantaneamente, não deveríamos nós pôr todo nosso mais
intenso apreço numa coroa eterna? Portanto, não sintamos nenhuma dificuldade em
renunciar alguma parcela de nossos direitos. Sabe-se muito bem que os atletas viviam tão
satisfeitos com a mais frugal dieta, que seu modo de vida se tom ara proverbial.

26. P o r isso eu assim corro. Paulo se volta para si mesmo a fim de, ao cham ar a atenção para
seu próprio exemplo, dar mais peso a sua doutrina. Há quem pense que o que ele diz aqui se
refere à plena segu­ rança da esperança, como se dissesse: “Não corro em vão, nem estou
correndo o risco de ser visto como insensato no tocante à m inha obra. porque tenho a
promessa do Senhor, e esta nunca falha.” No entanto, sou inclinado a crer que ele desejava
orientar os crentes em seu cam i- nho, rumo a seu destino, para que não perambulassem a
esmo. Ele poderia ter dito assim: “O Senhor nos mantém ocupados aqui a correr e a lutar, mas
ele coloca um alvo diante de nós rumo ao qual devemos

440 “Non pas qu'il vuerille appliquer lu similitude en tout el par tout.’’ - “Não que ele
pretendesse aplicar a similitude completamente.” *" “C'estoit vne sorte de pain propre pour
entretenir el augmenter la force, duquel vsoyent ordinairement les lutteurs et telles gens. Les
Grecs le nommoyent coliphium." - “Esse era um tipo de pão apropriado para manter e
aumentar as forças, cujo uso comumente era feito pelos lutadores e pessoas desse gênero. Os
gregos o chamam coliphium." O termo coli- phium é mantido por scr composto de k<íí.ov, um
membro, e u|h, fortemente - um meio de fortalecer os membros. É definido por Tymme, em
sua traduçáo de Calvino sobre os Corín- tios, como sendo “um tipo de pão que os lutadores
usavam outrora para comer e sentir-se mais fortes.”

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1 CORINTIOS 9 [v. 27]

correr; e estabelece normas confiáveis para o pugilism o a fim de não nos cansarmos sem
nenhum objetivo.” Porque ele com bina ambas as comparações que já usou. Diz: “Eu sei para
onde estou correndo, e estou ansioso como um pugilista experiente que não quer errar seu
golpe.” Estas coisas devem incitar o coração do cristão, injetando-lhe coragem para tom ar
posse, com o maior entusiasmo, de todos os deve- res da fé cristã;442 pois é algo imensurável
não nos deixarmos distrair, na ignorância, por coisas que não nos levam a parte alguma.

27. M as golpeio m eu corpo.443 Budzeus traduz: Observo (mante- nho-me sob vigilância). Eu,
porém, entendo que aqui o apóstolo faz uso do verbo úmimáÇeu'.444 no sentido de “persistir
no trabalho como um escravo”.445 Pois ele está nos contando que não tem sido indulgente
consigo mesmo, mas que tem reprimido seus desejos. Isso não é possí- vel a menos que se
tenha o corpo sob controle, e que mantenha seus desejos refreados, de modo que, como se
faz a um corcel selvagem e indomável, seja ele reprimido e acostumado a obedecer. Os m
onges de outrora, querendo sujeitar-se a esta norma, engendraram muitos exer- cícios
disciplinares; pois costumavam dorm ir em bancos; obrigavam- se a manter excessivamente
longas noites de vigília; e em seu modo de vida, guardavam-se limpos de toda luxúria. Todavia,
omitiam o ponto principal, e não compreendiam a razão por que o apóstolo nos diz que
fizéssemos isso, visto que tinham outro preceito em mente: “e nada disponhais para a came,
no tocante a suas concupiscências” [Rm 13.14], Porquanto o que Paulo diz em 1 Timóteo 4.8
sempre resulta bem, a saber: que “o exercício físico para pouco é proveitoso” . Não obstante,
tratemos nosso corpo como se ele fosse um escravo, sim, a fim de não nos subtrairmos dos
deveres da religião em razão de sua inerente con- cupiscência, porém façamos isso por um a
outra razão ainda mais forte,

442 “Toutes choses concernantes la piete et crainte de Dieu.” - “Todas as coisas que se
relacionam com a piedade e o temor de Deus." 441 Mais ie matte et reduy en seruitude mon
corps.” - “Mas eu mortifico meu corpo, e o trago em servidão.” 444 Seu sentido original í
golpear embaixo do olho, sendo composto de òitó (debaixo de) e i3i|< (o olho), deixar roxo de
pancada, como os lutadores costumavam fazer com a antiga manopla dos atletas. (Ver Arist.
Pac. 541.) “Manier rudement et d'une façon seruile." - “Manejar abruptamente e de uma
manei­ ra servil.”

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[V. 27] 1 CORÍNTIOS 9

ou, seja, não provocarmos sofrimento nem escândalos a outrem, ce- dendo a seus impulsos.

P a ra que, tendo pregado a outros. Há quem explique estas pala­ vras da seguinte maneira: “A
fim de que, tendo ensinado a outrem fiel- mente e bem, não incorra eu na condenação de
Deus por levar um a vida nociva.” M as a leitura será melhor se se considerar esta frase como
um a referência a sua relação com outrem, da seguinte forma: "M inha vida deve gerar alguma
sorte de exemplo para outrem. Portanto, esfor- ço-m e para viver de tal maneira que meu
caráter e conduta não contra- digam ao que eu ensino, e que, portanto, não venha eu a
negligenciar as próprias coisas que exijo dos outros, e com isso envolvendo-me em grande
infortúnio e trazendo graves ofensas a meus irmãos. Esta frase pode também ser acrescida
àquela que ele expressou numa afirmação prévia, com este resultado: “Para que não venha eu
a ser privado do evangelho, do qual outros vieram a participar através de m eu trabalho.

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