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Jürgen H a b e r m a s

Teoria do Agir Comunicativi


1. Racionalidade da ação e racionalização social

Tradução
PAULO ASTOR SOETHE

Revisão técnica
FLÁVIO BENO SIEBENEICHLER

,1
wmfimarfinsfontes
SÃO PAULO 2012
III
PRIMEIRA CONSIDERAÇÃO
INTERMEDIÁRIA: AGIR SOCIAL,
ATIVIDADE TELEOLÓGICA
E COMUNICAÇÃO
}/

Q u a n d o se a c o m p a n h a m as investigações de Max
Weber no campo da sociologia da religião, coloca-se a
seguinte pergunta empírica que, de início, permanece
, aberta: por que razão os_ três complexos de racionalidade
não,encontraram r -.todos eles, u m a corporificação institu-
cional equilibrada nas ordenações da vida das socieda-
des modernas (dado que os três se diferenciaram e auto-
nomizaram após o declínio d.as imagens de m u n d o tra-
dicionais)? E por que não determinaram em igual medida
a prática comunicativa do dia a dia? Com suas assunções
!
.i básicas ligadas à teoria da ação, Weber havia prejulgado
LU
de tal maneira essa pergunta, que os processos de racio-

o nalização social só podiam ser considerados sob p o n t o s
de vista de uma racionalidade finalista. Eu gostaria, por-
tanto, de discutir os impasses de sua teoria da ação ati-
n e n t e s à estratégia conceituai e fazer dessa crítica o pon-
to de partida para u m a análise posterior do conceito de
agir comunicativo.
Ao delinear esse esboço, renuncio a um debate com
a teoria analítica da ação, desenvolvida em âmbito an-

í
TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 477
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glo-saxão 1 . As investigações realizadas sob esse título, e causalidade, intencionalidade etc. Em uma formulação
de cujos resultados faço uso em outro momento 2 , não re- extrema, a teoria analítica da ação elabora sob nova pers-
presentam de m o d o algum u m a abordagem unitária; pectiva os honoráveis problemas da filosofia pré-kantiana
mas têm em comum o método da análise conceituai e da consciência, sem avançar até as questões f u n d a m e n -
uma apreensão relativamente estrita do problema. A teo- tais de u m a teoria sociológica da ação.
ria analítica da ação é proveitosa para o esclarecimento Sob pontos de vista sociológicos, é recomendável co-
das estruturas da atuação propositada. Ela se restringe meçar pelo agir comunicativo: "A necessidade do agir
ao modelo atomístico de um ator isolado e negligencia coordenado gera na sociedade u m a determinada deman-
mecanismos da coordenação de ações pela qual as rela- da de comunicação; e essa demanda precisa ser atendida
quando, para cumprir o propósito de satisfazer essa ca-
ções pessoais chegam a se estabelecer. Concebe as ações
rência, é obrigatoriamente ppssível u m a coordenação
justamente sob o pressuposto ontológico de um m u n d o
efetiva de ações." 3 A filosofia analítica e sua disciplina
de estados de coisas existentes e negligencia relações ator-
central, a teoria do significado, oferecem ponto de junção
- m u n d o essenciais às interações de natureza social. Como
muito promissor a uma teoria do agir comunicativo que
as ações são reduzidas a intervenções propositadas no
venha destacar o entendimento linguístico como meca-
m u n d o objetivo, o que fica em primeiro plano é a raciona-
nismo da coordenação de ações. Isso, porém, não se apli-
lidade das relações entre meio e fim. Enfim, a teoria analí-
ca tanto à abordagem da teoria da significação, que mais
tica da ação entende como sua a tarefa de um esclareci-
se aproxima, sob certo aspecto, da teoria da ação: a se-
m e n t o metateórico. de. conceitos, básicos; ela .não atenta
mantica intencional4, que remonta - às investigações de H.
para a utilidade empírica de assunções básicas ligadas à
P. Grice 5 , ampliou-se com o trabalho de D. Lewis 6 e foi fi-
teoria da ação e por isso quase n ã o estabelece relação com
nalmente elaborada por St. R. Schiffer 7 e J. Bennet 8 . Essa
a formação científica de conceitos. Assim, propõe u m a
teoria nominalista do significado não é apropriada para
leva de problemas filosóficos excessivamente específicos
para os propósitos da teoria social.
3. S. Kanngiesser. Sprachliche Universalien und diachrone Prozesse, in
O empirismo, no campo da teoria analítica da ação,
Apel, 1976, p p . 273 ss.; aqui p. 356. Th. S. Frentz, Th. B. Farrell. "Lan-
repete batalhas já travadas há muito tempo; u m a vez guage-Action. A Paradigm for Communication", Quart. ]. of Communi-
mais se trata da relação entre corpo e espírito (idealismo caiion 62,1976, pp. 333 s.
versus materialismo), de razões e causas (liberdade de 4. J. Heal. " C o m m o n Knowledge", Philosophical Qmrterly, 28,1978,
arbítrio versus determinismo), de comportamento e ação p p . 116 ss.; G. Meggle. Grundbegriffe der Kommunikation. Berlim, 1981.
5. H. P. Grice. Intendieren, Meinen, Bedeuten; do m e s m o autor:
(descrição objetivista da ação versus descrição não obje-
Svrecher-Bedeutung und Intentionen, in G. Meggle (org.). Handlung,
tivista), do status lógico próprio a elucidações da ação, Kommunikation, Bedeutung. F r a n k f u r t / M . , 1979, pp. 2 ss. e 16 ss.
6. D. Lewis. Conventions. Cambridge/Mass., 1969; trad. al.: Berlim,
1975.
1. M. Brand, D. Walton (orgs.). Action Theory. Dordrecht, 1976;
7. St. R. Schiffer. Meaning. Oxford, 1972.
Beckermann, 1977; Meggle, 1977.
2. Cf. supra, p p . 184 ss. 8. J. Bennett. Linguistic Behavior. Cambridge, 1976.
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RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 479

esclarecer o mecanismo de coordenação de interações m e -


Para u m a teoria do agir comunicativo, só são instru-
diadas pela linguagem, porque analisa'o" ato dõ" entendi- ~ tivas as teorias analíticas do significado que c o m e ç a m a
m e n t o segundo o m o d e l o do agir q u e se orienta segundo
abordagem pela estrutura da expressão linguística, em vez
as próprias consequências.
de começá-la pelas intenções dos falantes. D e s s a m a n e i -
A semântica intencional apoia-se sobre a noção
ra, a teoria se m a n t é m atenta ao problema de como ligar
contraintuitiva de q u e se p o d e atribuir a compreensão
u m a s às outras as ações de vários atores, com a ajudando
do significado de u m a expressão simbólica x à compreen-
m e c a n i s m o de entendimento; isto é, como se p o d e m si-
são da intenção de um falante F q u e pretende, c o m au-
tuar tais ações em u m a rede de espaços sociais e t e m p o s
xílio de um sinal, dar algo a entender a um ouvinte O.
históricos. Para essas questões ligadas à teoria da c o m u -
Assim, seleciona-se u m m o d o derivado d o e n t e n d i m e n -
nicação, é representativo o modelo de órganon proposto p o r
to, ao qual um falante p o d e recorrer q u a n d o lhe está blo-
l&arl Bühler. Bühler 10 parte do modelo semiótico de signos
queado o e n t e n d i m e n t o por via direta, e se o estiliza como
linguísticos utilizado p o r um falante (emissor) com o o b -
se fosse esse m o d o derivado o m o d o original. Essa ten-
jetivo de manter entendimento com um ouvinte (receptor)
tativa da semântica intencional de atribuir o significado
sobre objetos e estados de coisas. Distingue três funções
da expressão simbólica x ao que F t e m em m e n t e com x
do emprego de signos: a função cognitiva, de representa-
fracassa p o r q u e c o m p r e e n d e r o que F tem em mente com
ção de um estado de coisas; a f u n ç ã o expressiva, de cien-
x implica duas coisas: compreender o significado de x e co-
tificação de vivências do falante; e a função apelativa, de
nhecer a intenção q u e F-tem em conta ao e m p r e g a r Xy-ou
exortações dirigidas aos destinatários. O signo linguístico
seja, o propósito que F quer alcançar c o m sua ação. Para que
sob esses p o n t o s de vista funciona c o n c o m i t a n t e m e n t e
F cumpra com êxito s u a intenção de motivar O a um em-
como símbolo, sintoma e sinal: "É símbolo em virtude de
p e n h o de significação, é preciso que O reconheça a in-
sua ordenação a objetos e estados de coisas; sintoma (no-
tenção de F de se comunicar com ele e q u e O t a m b é m
tação, indício) em virtude de sua dependência do emissor,
e n t e n d a o q u e F tinha em m e n t e ao cumprir sua inten-
cuja interioridade ele expressa; e sinal em virtude do apelo
ção comunicativa. C o n h e c e n d o s o m e n t e a intenção co-
ao ouvinte, cujo c o m p o r t a m e n t o exterior e interior c o n -
municativa de F, O n ã o entenderá o que F t e m em m e n -
duz, como fazem t a m b é m outros signos relacionais/' 1 1
te, ou seja, n ã o entenderá sobre o c\ue F quer se comunicar
Não preciso de-dicar-me à recepção e crítica desse
com ele 9 .
modelo na linguística ou psicologia 12 , d a d o q u e os esfor-

9. Sobre a crítica em particular, cf. J. Habermas. "Intentionalistís-


mensions of Understanding and Meaning in Analytic Philosophy", Phi-
che Semantik" (1976), in do m e s m o autor, Vorstudien und Erganzungen
iosophy and Social Criticism, 7,1980, p p . 115 ss.
zur Theorie des kommunikativen Handelns. Frankfurt/M., 1984, pp. 307 ss.;
10. K. Bühler. Sprachthcorie. Jena, 1934.
A. Leist. "Über einige Irrtümer der intentionalen Semantik", in: Linguistic
11. Bühler, 1934, p. 28.
Agency Univ. ofTrier, Series A, Paper 51,1978; cf. t a m b é m K.-O. Apel.
12. W. Busse. Funktionen und Funktion der Sprache, in B. Schlieben-
"Intentions, Conventions a n d References of Things", in H. Parret (org.). Lange (org.). Sprachtheorie. Hamburgo, 1975, p. 207; G. Beck. Sprechakte
Meaning and Understanding, Berlim, 1981; do m e s m o a u t o r : "Three Di- und Sprachfunktionen. Tübingen, 1980.
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ços decisivos de precisá-lo (com u m a exceção 13 ) já foram linguagem. De outra parte, as funções apelativa e expres-
empreendidos pelo viés linguístico-analítico; ao menos-' siva são consideradas por Carnap como aspectos pragmá-
as três principais teorias analíticas da significação podem ticos do uso linguístico, que cabe destinar a u m a análise
ser inseridas no modelo de Bühler, de m o d o que exatifi- empírica. A pragmática da linguagem, de acordo com essa
cam a teoria da comunicação a partir de dentro, por meio noção, n ã o está determinada por um sistema geral de re-
da análise formal das regras de uso de expressões linguís- gras reconstruíveis em m o m e n t o posterior, estando im-
ticas, e não de fora, por u m a reformulação cibernética do pedida de se abrir a u m a análise conceituai semelhante à
processo de transposição. Essa linha de conformação do que ocorre na sintaxe ou na semântica.
modelo de órganon, ligada à teoria da significação, afas- A teoria da significação só se estabelecerá como
ta u m a concepção objetivista sobre o processo de enten- ciência formal ao avançar da semântica referencial à se-
dimento enquanto fluxo de informação entre emissor e mântica da verdade. A teoria semântica ampliada funda-
receptor 14 e conduz ao conceito formal-pragmático da da por Frege, e conduzida adiante pelo primeiro Witt-
interação entre sujeitos aptos à fala e à ação por meio de genstein até chegar a Davidson e Dummett, confere im-
atos de entendimento. portância central à relação entre sentença e estado de
Em prosseguimento à teoria pragmática dos signos, coisas, entre linguagem e mundo 1 5 . Com essa reviravolta
introduzida por Peirce e detalhada por Morris, Carnap ontológica, a teoria semântica se livra da noção de que a
tomou o complexo simbólico que no início Bühler só ha- função representacional possa ser aclarada com base no
via considerado"sob um viés funcionalista e t o m o u - õ aces- modelo dé nomes que designam objetos. Õ significado
sível a u m a análise linguística de abordagem interna, sob de sentenças e a compreensão "do significado sintático
pontos de vista sintáticos e semânticos: n ã o é o signo não pode separar-se da referência à validade de enuncia-
isolado o portador de significados, mas os elementos de dos, inerente à linguagem. Falantes e ouvintes compreen-
um sistema linguístico, ou seja, sentenças cuja forma é dem o significado de u m a sentença quando sabem sob
determinada por regras sintáticas e cujo teor semântico que condições a sentença é verdadeira. De forma seme-
é determinado pela referência a objetos ou estados de coi- lhante, compreendem o significado de uma palavra quan-
sas designados. Com a lógica sintática de Carnap e as as- do sabem qual a contribuição dela para que a sentença
sunções básicas da semântica referencial abre-se um cami- que ajuda a constituir possa 9er verdadeira. Portanto, a se-
nho para a análise formal da função representacional da mântica da verdade faz desdobrar a tese de que o signi-
ficado de uma sentença é determinado por suas condi-
13. R. jakobson. "Linguistik u n d Poetik" (1960), in R. Jakobson. Poe- ções de verdade. Com isso, e primeiro para a dimensão
tik. Org. por E. Holenstein e T. Schelbert. F r a n k f u r t / M . , 1979, p p . 83 ss.
14. R Watzlawick, J. H. Beavin, D. D. Tackson. Pragmatics ofHuman
Communication. Nova York, 1962; H. H õ r m a n n . Psychologie der Sprache. 15. K.-O. Apel. "Die Entfaltung der analytischen Sprachphiloso-
Heidelberg, 1967; do m e s m o autor; Meinen und Verstehen. Frankfurt/M., phie", in Apel, 1973a; cf. t a m b é m St. Davis. "Speech Acts, Performance
1976. a n d Competence", Journal of Pragmatics, 3,1979, p p . 497 ss.
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da representação linguística de estados de coisas, elabo- me o caso, para a função "poética" destacada por Jakob-
ra-se o nexo interno éntre~ó significado de uma expressão - son-, voltada sobretudo aos recursos de representação da
linguística e a validade de u m a sentença formada com linguagem por si mesma). Fiz esse percurso ao propor
ajuda dessa expressão. — - reflexões sobre u m a pragmática universal 16 .
Com certeza essa teoria fica instada a analisar todas A teoria de Bühler sobre as funções da linguagem
as sentenças segundo o modelo de sentenças assertóri- pode ser ligada aos métodos e discernimentos da teoria
cas; os limites da abordagem t o m a m - s e visíveis tão logo analítica da significação e depois transformada em cerne
os diversos modos de emprego de sentenças são integra- de u m a teoria do agir orientado ao entendimento; para
dos à consideração teórica. Frege já havia distinguido e n - tanto é preciso haver êxito na tentativa de generalizar
para sentenças o conceito de validade, para além da va-
tre a força assertórica ou interrogativa de afirmações ou
lidade de u m a verdade proposicional; e para as e>^erna-
perguntas, de um lado, e a estrutura das sentenças enun-
ções é preciso haver êxito na identificação das condições
ciativas empregadas nessas extemações, de outro. Na li-
de validade de sentenças, não apenas no plano semânti-
n h a do segundo Wittgenstein, passando por Austin até
co, mas t a m b é m no plano pragmático. Para chegar a tal
chegar a Searle, a semântica formal de sentenças é es-
propósito deve-se radicalizar essa mudança de paradig-
tendida às ações de fala. Ela não se restringe por mais
ma na filosofia da linguagem (introduzida por Austin e
tempo à função representacional da linguagem; abre-se,
representada, em sua história, de m o d o muito elucidati-
-isto sim,-a-uma análise objetiva da pluralidade d e i o r ç a s - *"~vo por K.-O. Apel) 17 ; e essa radicalização deve ocorrer de
- ilocucionárias. A teoria do uso do significado torna os as- m o d o que a ruptura com a "distinção da linguagem como
pectos pragmáticos da expressão linguística acessíveis a lógos" (ou seja, com o privilégio de sua função represen-
u m a análise conceituai. E a teoria dos atos da fala corres- tacional) tenha consequências até m e s m o para a escolha
ponde ao primeiro passo em direção a uma pragmática de pressupostos ontológicos da teoria da linguagem. Não
formal extensiva a formas de emprego não cognitivas. se trata apenas de admitir, além do m o d o assertórico,
Ao m e s m o tempo, porém, essa teoria continua vincula- outros m o d o s de emprego da linguagem, todos em con-
da aos pressupostos ontológicos estritos, próprios à se- dição de igualdade; mais que isso, é preciso comprovar
mântica da verdade, conforme demonstram as tentativas pretensões de validade e"referências de m u n d o para es-
de sistematizar classes de atos de fala, empreendidas por ses outros modos, de maneira semelhante ao que se fez
Stenius, depois Kenny e enfim Searle. A teoria da signi- em favor do m o d o assertórico 18 . É nessa direção que
ficação só poderá recuperar o nível integrativo da teoria
da comunicação esboçada programaticamente por Büh-
16. Habermas, 1976a.
ler - como fez a semântica do valor de verdade em face 17. K.-O. Apel. "Zwei paradigmatische Antworten auf die Frage
da função representacional da linguagem - se puder ofe- nach der Logosauszeichnung d e r Sprache", in Pestschrift für Perpeet.
recer u m a fundamentação sistemática para as funções Bonn, 1980.
apelativa e expressiva da linguagem (e também, confor- 18. Cf. supra, pp. 190 ss.
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RACIONAUDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 485

aponta m i n h a proposta de não contrapor o papel ilocu- ganhe existência o estado de coisas almejado. U m a teo-
cionário (enquanto força irracional) à parte constituinte ria da comunicação elaborada nessa linha, sob um feitio
proposicional, fundadora de validade; e sim conceber formal-pragmático, pode tomar-se fértil para u m a teoria
esse papel como componente que especifica qual a pre- sociológica da ação quando se consegue demonstrar de
tensão de validade manifestada por um falante ao exter- que maneira os atos comunicativos - ações de fala ou ex-
nar-se, como ele a manifesta e em favor de quê. temações n ã o verbais equivalentes - assumem a função
Com a força ilocucionária de uma externação, o fa- de coordenar ações e de que maneira contribuem para que
lante pode motivar o ouvinte a aceitar sua oferta de um se construam interações.
ato de fala e, com isso, motivá-lo a estabelecer uma ligação Por fim, o agir comunicativo depende de contextos
racionalmente motivada. Tal concepção prevê que sujeitos situativos que, de sua parte, representam recortes do
aptos a falar e agir possam fazer referência a mais que inundo da vida concernentes aos participantes da intera-
um único m u n d o ; e que, ao se entenderem uns com os ção. É tão somente esse conceito de m u n d o da vida - to-
outros sobre alguma coisa em um m u n d o único, emba- m a d o como conceito complementar ao agir comunicati-
sem sua comunicação sobre um sistema de m u n d o s que vo por conta de análises do saber contextual estimuladas
suponham de maneira compartilhada. Nesse contexto por Wittgenstein 19 - que assegura a ligação entre a teo-
sugeri discernir o m u n d o exterior em dois, um m u n d o ria da ação e conceitos básicos da teoria social.
objetivo e um m u n d o social, e introduzir o m u n d o inte- No âmbito de uma consideração intermediária, pos- .
rior como conceito complementar a esse m u n d o exterior.— To na melhor das hipóteses tomar plausível esse progra-
As respectivas pretensões de validade de verdade, corre- ma. Partindo de duas versões da teoria da ação weberia-
ção e veracidade podem então servir de fios condutores na, gostaria primeiro de t o m a r clara a posição central
à escolha de pontos de vista teóricos sob os quais se pos- que cabe atribuir ao problema da coordenação de ações
sam fundamentai' os modos básicos de emprego da lin- (1). Depois, ante a distinção proposta por Austin entre
guagem - as funções da linguagem - e classificar as ações atos ilocucionários e perlocucionários, gostaria de t o m á -
de fala que variam de uma língua para outra. Assim, a -la fértil para a delimitação entre ações orientadas ao en-
função apelativa da linguagem proposta por Bühler teria tendimento e ações orientadas ao êxito (2). Pretendo in-
de cindir-se em funções reguladoras e imperativas. No vestigar assim o efeito unitivo itecucionário de ofertas de
uso linguístico regulador, há diversas maneiras de os par- atos de fala (3) e o papel de pretensões de validade criti-
ticipantes manifestarem pretensões nonnativas de vali- cáveis (4). O embate com tentativas concorrentes de clas-
dade, e eles se referem a algo presente no m u n d o social sificar ações de fala presta-se a confirmar essas teses (5).
que t ê m em comum; no uso lingüístico imperativo os Por fim, gostaria de evidenciar algumas transposições do
participantes referem-se a algo no m u n d o objetivo, e o plano investigativo formal-pragmático para a pragmáti-
falante manifesta pretensão de poder em face do desti-
natário, para dar-lhe ocasião de agir, no intuito de que
19. L. Wittgenstein. Über Gewifíheit. F r a n k f u r t / M . , 1970.
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ca empírica e explicar, com base na relação entre o signi- tiva de obter nos. outros a 'compreensão' de um sentido
ficado literal e o significado contextual de ações de fala, a que se tem em mente." 2 1 Considera-se o entendimento
razão pela qual é preciso adicionar a concepção de m u n d o como fenômeno derivado, que cabe construir com auxí-
de vida ao conceito de agir comunicativo (6). lio do conceito de intenção, situado de maneira primiti-
(1) Duas versões da teoria weberiana da ação va. Weber, portanto, parte de um modelo teleológico da
Weber primeiro introduz "sentido" como conceito ação e determina o 'sentido subjetivo' como u m a inten-
fundamental da teoria da ação e, com o auxílio dessa ca- ção (pré-comunicativa) da ação. Q u e m age parte de in-
tegoria, distingue entre ações e comportamento obser- teresses próprios como a conquista de poder ou a obten-
vável: "Um comportamento h u m a n o (seja um atuar ex- ção de riqueza; ou pode estar querendo cumprir valores
terior ou interior, um omitir-se ou um condescender) deve como piedade ou dignidade humana; ou pode estar bus-
ser denominado 'agir'~quando os que agem (e à medida cando a satisfação de paixões e desejos, ao gozar a vida.
que agem) vinculam a "ele um sentido subjetivo." 20 As- Esses objetivos utilitaristas, ligados a valores ou passionais,
sim, Weber vem munir-se não de u m a teoria da signifi- que podem ser descritos pormenorizadamente como
cação, m a s de u m a teoria intencionalista da consciência. fins específicos para cada situação, são manifestações do
N ã o esclarece "sentido" baseando-se no modelo dos sentido subjetivo; e esse sentido os sujeitos que agem
significados linguísticos; tampouco o refere ao médium podem vincular à sua atividade orientada por determi-
linguístico do entendimento possível; refere-o, sim, a opi- nados fins 22 . -- {— • • --
niões e intenções de um sujeito da ação apresentado ini- Estando a caminho-da explicação do conceito de
sentido, Weber n ã o pode introduzir o conceito de "agir
cialmenté de maneira isolada. Esse primeiro traçado de
social" como parte de um modelo de ação concebido de
seu itinerário já separa Weber de uma teoria do agir co-
forma monológica. Precisa, sim, acrescentar duas deter-
municativo: fundamental para ele não é a relação inter-
minações ao modelo de atuação propositada, para que se
pessoal entre pelo m e n o s dois sujeitos aptos a falar e agir
cumpram as condições da interação social, a saber: (a)
- o que apontaria ao entendimento pela linguagem -,
orientação segundo o comportamento de outros sujeitos
m a s a atuação propositada de um sujeito solitário da
da ação e (b) relação reflexiva das orientações da ação de
ação. Como na semântica intencionalista, o entendimen-
diversos participantes- da interação, u m a s sobre as ou-
to obtido por meio da linguagem é apresentado segun-
tras. Certamente, Weber oscila entre considerar suficien-
do o modelo da ação efetiva e recíproca de sujeitos que te a condição (a) ou exigir t a m b é m a condição (b). No §
agem u n s sobre os outros, de maneira teleológica: "Uma 1 de ES [Economia e sociedade} lê-se simplesmente: "Deve-
comunidade linguística, no caso-limite 'racional-teleoló- -se designar agir 'social' o agir que, segundo o sentido co-
gico' idealmente típico, é representada por numerosos
atos individuais [...] que se orientam segundo a expecta-
21. Weber, 1968a, p. 194.
22. H. Girndt. Das soziale Hanàeín a\s Grundkategorie der erfahrungs-
20. Weber, 1964, p. 3. wissenschaftlichen Sozioiogie. Tübingen, 1967.
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gitado por quem age ou pelos que agem, refere-se ao guir graus de racionalização da ação. Weber não aborda
comportamento dos outros e por esse comportamento se aqui a relação social. Ao conceber teleologicamente uma
vê orientado em seu decurso/' 2 3 Por outro lado, Weber ação monológica, ele toma como aspecto racionalizável
acentua no § 3 que as orientações da ação dos partici- apenas a relação entre meio e fim. Q u a n d o se assume
pantes têm de estar referidas u m a s às outras: "Deve-se essa perspectiva, nas ações de julgamento objetivo ficam
designar 'relação social'' o (com)portar-se de muitos que, acessíveis apenas a eficácia de u m a intervenção causal
conforme o teor de sentido que traz, acaba por ajustar-se em u m a situação subsistente e a verdade dos enunciados
de maneira recíproca [entre esses muitos] e orientar-se por empíricos que subjazem à máxima ou ao plano de ação,
meio disso." 24 ou seja, à opinião subjetiva acerca de uma organização
Mais importante para a construção da teoria da ação, racional-teleológica dos meios.
porém, é outra decisão. Cabe a Weber introduzir os as- Assim, como ponto de referência para sua tipologia,
pectos do agir passíveis de racionalização com base no Weber escolhe a ação racional-teleológica: " C o m o todo
modelo teleológico de ação? Ou é o conceito de intera- agir, t a m b é m o agir social pode ser determinado: 1. de
ção social que deve servir de base para isso? No primei- maneira racional-teleológica: pelas expectativas ante o
ro caso (a) Weber tem de se restringir aos aspectos pas- comportamento dos outros e dos objetos do m u n d o ex-
síveis de racionalização oferecidos pelo modelo da atua- terior, e mediante a utilização dessas expectativas en-
ção propositada: à racionalidade dos meios e à raciona- quanto 'condições' ou enquanto 'meios' para fins pró-
lidade dos fins. No segundo caso (b) entra em questão se prios já ponderados e almejados de maneira racional,
há de fato tipos diversos de relação reflexiva entre orien- como êxito; 2. de maneira raciona.l-valora.tiva: pela fé
tações da ação, e se, com isso, há t a m b é m outros aspec- consciente que se deposita no valor próprio e incondicio-
tos sob os quais se possam racionalizar as ações. nado de certo comportamento, apenas em si m e s m o e
(a) A versão oficial. Weber distingue notoriamente independentemente de qualquer êxito - seja esse valor
um agir racional-teleológico, um agir racional-valorati- de natureza ética, estética, religiosa ou como quer que
vo, um agir passional e um agir tradicional. Essa tipolo- se o interprete; 3. de maneira passional, e emocional em
gia apoia-se em categorias de fins da ação, que servem particular: pelas paixões e estados sentimentais de m o -
de orientação ao ator em sua atuação propositada: os mento; 4. de maneira.tradicional: pelos costumes já in-
fins são utüitaristas, atinentes a valores ou passionais. Ade- ternalizados." 25 Caso se adote uma proposta de inter-
mais, resta o "agir tradicional" como categoria r e m a n e s - pretação feita por W. Schluchter 26 , é possível reconstruir
cente, em princípio sem maiores determinações. É evi- essa tipologia com base nos traços formais do agir racio-
dente que essa tipologia se guia pelo interesse em distin- nal-teleológico. Comporta-se de maneira racional-te-

23. Weber, 1964, p. 4. 25. Weber, 1964, p. 17.


24. Weber, 1964, p. 19. 26. Schluchter, 1979, p. 192.
490 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 491

leológica quem, ao agir, escolhe os fins em face de u m . pio, como moldura em que se pode desenvolver u m a
horizonte valorativo articulado e quem organiza os meios condução metódica da vida. Já bastam as razões analíti-
apropriados ante a consideração de consequências alter- cas para que as estruturas tradicionais de consciência
nativas. Na sequência dos tipos de ação proposta por identificadas por Weber nas imagens de m u n d o raciona-
Weber, a consciência do sujeito que age estreita-se pas- lizadas por via ética n ã o possam integrar u m a tipologia
so a passo; vão se extinguindo no senso subjetivo e se da ação que venha apoiar-se sobre u m a categorização
subtraindo ao controle racional, respectivamente: as con- de ações não sociais; afinal, a consciência moral refere-
sequências, no agir racional-valorativo; as consequências -se à regulamentação consensual de conflitos interpes-
e os valores, no agir passional; e, como n ã o bastasse, t a m - soais na ação.
b é m os fins, no agir já internalizado pelo costume, por (b) Versão não oficial. Assim que trata de propor uma
via fática (fig. 12). tipologia baseando-se no nível conceituai do agir social,
Realmente, Weber só pode abrigar o agir "racional - Weber depara com novos aspectos da racionalidade da
-valorativo" nessa construção por conferir a ele um sig- ação. Ações sociais p o d e m distinguir-se segundo meca-
nificado restritivo. Aqui, esse tipo só p o d e incluir orien- nismos da coordenação de ações, ou seja, segundo a se-
tações para a ação ligadas a u m a ética do sentimento guinte alternativa: ou u m a relação social apoia-se unica-
moral, mas não a u m a ética de responsabilidades. Dei- mente sobre posicionamentos de interesses, ou ela se apoia
xa-se de considerar o caráter guiado por princípios, com.- também sobre um comum acordo normativo. Dessa m a -
TSase no qual à ética protestante se pualifi ra^por. evem neira; W e b e r distingue entre a subsistência meramente
fática de u m a ordem econômica e a validade social de
uma ordem jurídica; na primeira, as relações sociais se
Fig. 12 Tipologia oficial das ações estabelecem por meio do imbricamento fático de posi-
cionamento de interesse e, na segunda, por meio do re-
Tipos de ação, Sentido subjetivo estende-se sobre conhecimento de pretensões de validade normativas. De
segundo o grau os elementos a seguir:
decrescente de
fato, uma coordenação de ações que de início se assegu-
racionalidade meios • fins valores consequências ra apenas pela complementaridade de interesses só pode
conformar-se de maneira normativa por meio da inter-
racional- venção de u m a "validade de comum acordo", isto é, pela
-teleológica + + + +
"crença na preceituação jurídica ou convencional de de-
racional- terminado comportamento" 2 7 . Weber .esclarece tal coisa
-vaiorativa + + + - com base em u m a formação de tradições que se dá no
trânsito do uso à convenção: "Geralmente, regras con-
passional + + - -

tradicional + - - -
27. Weber, 1964, p. 247.
492 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 493

vencionais constituem o caminho para que regularidades Fig. 13 Uma tipologia alternativa àa ação

meramente fácticas do agir, isto é, meros 'usos 7 , cheguem


Graus da ra-
à forma de 'normas' obrigatórias, garantidas no início por ^\cionalidade
meio da coação psíquica." 2S ^ x d a ação baixo alto
Ora, a interação baseada na complementaridade de Coordenação
interesses n ã o existe apenas sob a forma de uso, de h a -
por meio de agir façticamente agir estratégico
bituação que se aceita de maneira obtusa; ela existe t a m - internalizado pelo
posisionamentos ("agir interessado")
b é m no plano do comportamento competitivo racional, de interesse hábito ("uso")
por exemplo nas relações modernas de comércio, em
por meio de agir convenciona] agir pós-convencional
que os participantes criaram u m a consciência clara de
comum acordo baseado em baseado em comum
complementaridade, mas criaram também a própria con- normativo comum acordo acordo ("agir social")
tingência de seus posicionamentos de interesses. Ade- ("agir comunitário")
mais, tampouco a interação baseada em consenso norma-
tivo limita-se a assumir a forma de um agir convencio-
nal ligado a tradições; o sistema jurídico moderno d e - tações da ação, não formula de maneira clara u m a distin-
p e n d e de u m a crença na legitimidade que se mostre ção entre relações sociais mediadas por posicionamentos
suficientemente esclarecida e que se possa remeter pelo- de interesse, - de~üm lado, e demais relações que possam
diréito natural a procedimentos de formação racional da estar mediadas pelo comum acordo normativo, de outro.
vontade, mediante a ideia de um contrato básico cele- (Retomarei a questão adiante, sob o título "Orientação
brado entre pessoas livres e iguais. Diante dessas consi- pelo êxito versus orientação pelo entendimento".) Mais
derações, parece cabível: a) construir tipos de agir social decisiva aqui é outra circunstância: embora Weber che-
segundo o tipo de coordenação e b) construí-los segun- gue a discernir entre comum acordo ligado à tradição e
do o grau de racionalidade da relação social estabele- comum acordo racional, é insatisfatória sua explicação
cida (fig. 13). deste último, feita com base no modelo de u m a conven-
Essa constituição de tipos encontra pontos de apoio ção entre sujeitos do direito privado. De qualquer manei-
em Economia e sociedade29; seria possível documentá-la ra, Weber não remete o comum acordo, racional aos fun-
relativamente bem com base no artigo "Sobre algumas damentos morai-práticos da formação discursiva da von-
categorias da sociologia intelectiva" 30 . No entanto, quero tade. Caso contrário, ele precisaria ter claro que o agir co-
prescindir de fazê-lo porque Weber, no plano das orien- munitário não se distingue do agir social por meio de
orientações racional-teleológicas da ação, mas por meio
de um nível mais elevado de racionalidade moral-práti-
28. Weber, 1964, p. 246.
29. Weber, 1964, pp. 19-26, 240-50." ca: o nível da racionalidade pós-convencional. Como tal
30. Weber, 1964, pp. 169-213. distinção não ocorre, o conceito específico de racionali-
494 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 495

dade valorativa acaba por não merecer na teoria da ação Fig. 14 Tipos de ação
a importância que caberia atribuir-lhe, caso realmente se
Orientação
pretendesse avaliar a possibilidade de apreender a racio-
da ação orientação pelo
nalização ética, b e m como suas consequências para os orientação peio êxito
Situação entendimento
sistemas sociais da ação. Foi o que Weber levou em con- da ação
ta quando investigou a racionalização ética no plano dos
legados culturais da tradição. ' não social agir instrumental —

Não foi possível para Weber tornar a tipologia não


oficial da ação em algo fértil para a problemática da racio- social agir estratégico agir comunicativo
nalização social. Por sua vez, a versão oficial é conceitu ai -
mente tão estreita que nesse âmbito só se podem jutgar
ações sociais sob o aspecto da racionalidade teleológica.
Dessa perspectiva conceituai, a racionalização de sistemas
O modelo do agir racional-teleológico toma como pon-
de ação tem de se restringir ao estabelecimento e difu-
to de partida que o ator está orientado em primeira linha
são de tipos de agir racional-teleológico específicos em
pela consecução de um fim estabelecido de maneira bas-
relação a detenninados subsistemas. Rara investigar os pro-
tante exata, segundo propósitos claros; de acordo com
cessos- de racionalização social em seu alcance pleno,-será esse modelo, o ator escolhe os meios que lhe parecem
preciso que-a teoria da ação-seja capaz~de proporcionar apropriados em u m a dada situação e calcula outras con-
outros fundamentos. sequências da ação, que pode prever como se fossem
Por isso, pretendo retomar o conceito de agir comu- condições secundárias do êxito almejado. O êxito é defi-
nicativo exposto na introdução e, dando prosseguimento nido como ocorrência de um estado desejado no mundo,
à teoria dos atos da fala, ancorar em f u n d a m e n t o s con- estado que se pode efetivar de maneira causal, por feito
ceituais os aspectos do agir passíveis de racionalização ou omissão direcionados a um fim. Os efeitos da ação
que tenham sido negligenciados na teoria weberiana da que ocorrem compõem-se de: resultados da ação (na
ação, em sua vèrsão oficial. Por essa via espero retomar, medida em que se-jealiza o propósito almejado), conse-
sob o ponto de vista da teoria da ação, o complexo con- quências da ação (que o ator previu e calculou, ou acei-
ceito de racionalidade usado por Weber em suas análises tou como ônus) e consequências secundárias (que o ator
culturais. Ao fazê-lo, partirei de u m a classificação de ações não previu). Chamamos de instrumental u m a ação orien-
apoiada na teoria da ação weberiana em sua versão não tada pelo êxito quando a consideramos sob o aspecto da
oficial, na medida em que ela discerne ações sociais em observância de regras técnicas da ação e quando avalia-
duas orientações da ação. Tais orientações correspondem mos o grau de efetividade de uma intervenção segundo
à coordenação das ações ora por meio de posicionamen- uma concatenação entre estados e acontecimentos; cha-
tos de interesse, ora pelo comum acordo normativo: mamos tal ação de estratégica quando a consideramos
496 RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 497
TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO

sob o aspecto da observância de regras de escolha racio- gar é necessário fazer u m a análise conceituai dessas duas
nal e q u a n d o avaliamos o grau de efetividade da influên- atitudes.
cia exercida sobre as decisões de um oponente racional. " No âmbito de uma teoria da ação, não se pode en-
Ações instrumentais p o d e m ser associadas a interações tender essas questões como tarefa psicológica. Meu ob-
sociais, e ações estratégicas representam, elas mesmas, jetivo não é a caracterização empírica de disposições
ações sociais. De outra parte, falo ainda de ações comu- comportamentais, mas a apreensão de estruturas gerais
nicativas q u a n d o os planos de ação dos atores envolvidos de processos de entendimento, a partir dos quais se po-
são coordenados n ã o por meio de cálculos egocêntricos dem deduzir condições de participação que cabe carac-
do êxito que se quer obter, mas por meio de atos de en- terizai' por via formal. Para explicar o que tenho em m e n -
tendimento. No agir comunicativo os participantes não te com "atitude orientada pelo entendimento", preciso
se orientam em primeira linha pelo êxito de si mesmos; analisar o conceito de "entendimento". N ã o s e trata aqui
perseguem seus fins individuais s o b a condição de que dos predicados que um observador utiliza ao descrever
sejam capazes de conciliar seus diversos planos de ação processos para se chegar ao entendimento, m a s do saber
com base em definições comuns sobre a situação vivida. pré-teórico de falantes competentes que, de maneira in-
De tal forma, a negociação sobre as definições acerca da tuitiva, precisam discernir por si mesmos quando in-
situação vivida faz-se um c o m p o n e n t e essencial das exi- fluenciar outras pessoas e q u a n d o entender-se com elas;
gências interpretativas necessárias ao agir comunicativo. e que saibam identificai- os m o m e n t o s em que fracassam
(2)" Orientação pelo êxito versus orientação pelo enten- as tentativas de entendèr-se com os demais. Se pudésse-
dimento. A medida q u e determinei como tipos as ações mos apontar de maneira explícita os padrões que as pes-
estratégicas e comunicativas, tomo como ponto de parti- soas implicitamente t o m a m por base para fazer tais dife-
da a possibilidade de classificar as ações concretas sob renciações, teríamos o conceito de entendimento que
esses pontos de vista. Com "estratégico" e "comunicati- estamos procurando.
vo" n ã o quero designar somente dois aspectos analíticos O entendimento é considerado um processo de uni-
sob os quais a mesma ação pode ser descrita ora como in- ficação entre sujeitos aptos a falar e agir. Entretanto, um
fluência recíproca entre oponentes q u e agem de manei- grupo de pessoas pode sentir-se uno em u m a atmosfera
ra racional-teleológica, ora como processo de entendi- tão difusa, que chega m e s m o a-ser difícil apontar o teor
mento entre os envolvidos em um m u n d o da vida. Mais proposicional ou um objeto intencional que lhes sirva de
que isso, podem-se discernir ações sociais segundo o se- direcionamento. Tal afinidade equalizada não satisfaz as
guinte critério: ou os participantes a s s u m e m uma atitu- condições do tipo de comum acordo em que se encerram
de orientada pelo êxito, ou a s s u m e m uma atitude orien- tentativas de entendimento bem-sucedidas. Um comum
tada pelo entendimento. Sob circunstâncias apropriadas, acordo almejado de maneira comunicativa, ou que este-
deve s e r possível identificar essas atitudes a partir do sa- ja pressuposto no agir comunicativo, aparece diferencia-
ber intuitivo dos próprios participantes. Em primeiro lu- do sob a forma de proposições. Graças a essa estrutura
498 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 499

linguística, o comum acordo não pode ser induzido por car os conceitos de fala e entendimento se indicamos o
mera influência externa; precisa ser aceito pelos partici- que significa empregar sentenças sob u m a intenção co-
pantes como válido. Dessa forma, ele se distingue de uma municativa. Os conceitos de fala e entendimento inter-
concordância que subsista de maneira puramente fática. pretam-se reciprocamente. É por essa razão que pode-
Processos de entendimento visam a um comum acordo mos analisar os traços formal-pragmáticos da postura
que satisfaça as condições de um assentimento racional- orientada ao entendimento baseando-nos no modelo da
mente motivado quanto ao conteúdo de u m a exteriori- postura assumida por participantes da comunicação; no
zação. Um comum acordo almejado por via comunicati- caso mais simples, um desses participantes realiza um ato
va t e m um f u n d a m e n t o racional, pois n e n h u m a das par- de fala, e o outro toma posição diante dele, dizendo "sim"
tes jamais p o d e impô-lo: n e m de modo instrumental, ou "não" (ainda que com frequência as externações na
pela intervenção imediata na situação da ação, n e m de prática comunicativa*'do cotidiano sequer apresentem u m a
m o d o estratégico, pela influência. calculista sobre deci- fonna verbal).
sões de um oponente. É certo que se pode forçar um co- Quando queremos diferençar entre ações orienta-
m u m acordo, de maneira objetiva; mas o que se estabe- das pelo êxito e ações orientadas pelo entendimento, e
lece de maneira visível por meio de ações efetivas vindas trilhar, para tanto, o caminho de análise dos atos de fala,
de fora ou mediante o uso de violência, n a d a disso pode logo deparamos com a dificuldade a seguir. Por um lado,
ser considerado comum acordo, de um p o n t o de vista tratamos os atos comunicativos - que ajudam falantes e
- ouvintes a se entender sobre alguma coisa - como um
subjetivo, O comum acordo baseia-se em convicções par-
mecanismo de coordenação das ações. Os atos do en-
tilhadas. O ato de fala de um só tem sucesso quando o
tendimento u n e m os planos de ação de diferentes parti-
outro aceita a oferta aí presente; ou seja, é preciso que -
cipantes (planos cuja estrutura é teleológica) e integram
ao manifestar "sim" ou "não", e de maneira mais, ou m e -
ações individuais, tornando-as um todo interacional; e,
nos, implícita - o outro assuma posição diante de uma
se ainda assim n ã o se pode reduzi-los a um agir teleoló-
pretensão de validade fundamentalmente passível de crí- gico, isso se deve à abordagem que o conceito de agir co-
tica. Tanto o ego, que com sua externação manifesta uma municativo lhes confere. Ora, o conceito paradigmático
pretensão de validade, quanto o alter, que reconhece ou de u m a interação mediada por via linguística é incompa-
contesta essa pretensão, embasam suas decisões sobre tível com uma teoria do significado (como a semântica
razões potenciais. intencional, por exemplo) que pretenda conceber o en-
Se não pudéssemos referir-nos ao modelo da fala, tendimento como solução de um problema de coorde-
n ã o teríamos condições de analisar, n e m preliminar- nação entre sujeitos que agem como que buscando o
mente, o que significa o entendimento de dois sujeitos. próprio êxito. Por outro lado, nem toda interação media-
É como télos que o entendimento faz pariie da linguagem da pela linguagem serve como exemplo de agir orientado
h u m a n a . E, embora linguagem e entendimento não se pelo entendimento. Sem dúvida há inúmeros casos de en-
relacionem entre si como meio e fim, só podemos expli- tendimento indireto.
500 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 501

Ora ocorre que alguém dá algo a entender a outro, é expresso com auxílio de um verbo performativo utiliza-
incita-o de m o d o indireto a formar determinada opinião, ndo na primeira pessoa no presente, ainda que o sentido
" ou a fonmilar determinadas intenções em face de racio- de ação possa ser reconhecido em especial no fato de o
cínios que se desenvolvam com base na verificação de si- componente ilocucionário da ação de fala admitir o com-
tuações. Ora ocorre que alguém, interessado em ver plemento "com estas palavras": "com estas palavras te
cumpridos seus propósitos, cativa dissimuladamente um prometo (te ordeno, reconheço diante de ti) que p". Com
outro com subterfúgios da prática comunicativa já inter- atos perlocucionários, enfim, o falante almeja desencadear
nalizada no dia a dia e assim, em favor do próprio êxito, um efeito no ouvinte. Ao executar u m a ação de fala, rea-
instrumentaliza esse outro, levando-o a ter um compor- liza algo no mundo. Os três atos que Austin distingue po-
tamento obtido por meio de recursos linguísticos mani- dem ser caracterizados, portanto, com as seguintes pala-
puladores da vontade alheia. Exemplos de tal emprego da vras-chave: dizer algo; agir enquanto se diz algo; realizar
linguagem, orientado por ocasionar certas consequências, algo vor meio de se estai' agindo enquanto se diz algo.
parecem reduzir o valor da ação de fala enquanto modelo Austin dispõe de tal maneira os recortes conceituais,
para o agir que se orienta pelo entendimento. que a ação de fala ("M p") 32 , composta de uma parte ele-
Tal só deixa de ser o caso quando se torna possível mentar ilocucionária e de u m a parte elementar proposi-
demonstrar que o uso da linguagem orientado pelo en- cional, apresenta-se como ato perficiente, externado pelo
tendimento é o modus original, diante do qual o entendi- .-falante sempre com intenção comunicativa - ou seja, com
' mento indireto - ó dar-a-entender ou o levar-a-entender o objetivo de que um falante queira compreender a ex-
- comporta-se de maneira parasitária. Eis o que conse- temação proposta e aceitá-la. Deve-se entender a auto-
gue, a meu ver, a distinção de Austin entre ilocuções e moderação [selbstgenügsamkeit] do ato ilocucionário no
perlocuções. sentido de que a intenção comunicativa do falante e o
É sabido que Austin distingue atos locucionários, objetivo ilocucionário por ele almejado resultam do sig-
ilocucionários e perlocucionários 31 . Locucionário ele de- nificado manifesto do que se disse. É diferente quando
nomina o teor de sentenças enunciativas ("p") ou de se trata de ações teleológicas. Só p o d e m o s identificar seu
sentenças enunciativas nominaüzadas ("que p"). Com sentido com base nas intenções que o autor persegue e
atos locucionários o falante expressa estados de coisas; diz com base nos propósitos que ele gostaria de realizar. As-
algo. Com atos ilocucionários o falante executa u m a ação sim como o significado do que se disse é constitutivo para
ao dizer algo. O papel ilocucionário fixa o modus de uma
sentença ("M p") empregada como asserção, promessa,
comando, confissão etc. Sob condições-padrão, o modus 32. Desconsidero a evolução experienciada pela própria teoria dos
atos de fala em Austin (cf. Habermas, 1976, p p . 228 ss.) e parto da inter-
pretação dada por Searle a essa teoria.}. R. Searle. Speech Acts. Londres,
31. J. L. Austin. How to âo Things With Worãs. Oxford, 1962; trad. 1969; trad. al.: F r a n k f u r t / M . , 1971. Além disso, cf. D. Wunderlich. Stu-
a i : Stuttgart, 1972. dien zur Sprechakttheorie. Frarikfurt/M., 1976.
502 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZA.ÇÃO SOCIAL 503

atos ilocucionários, também as intenções de quem age são ações de fala; nesse sentido, os atos da fala são autoiden-
constitutivas para as ações teleológicas. tificadores 35 . Com ajuda do ato ilocucionário, o falante dá
O que Austin denomina efeitos perlocutivos surge tão a conhecer sua vontade de que se compreenda o que ele
somente pelo fato de os atos ilocucionários desempe- diz, enquanto saudação, ordem, admoestação, explicação
nharem certo papel em um contexto teleológico da ação. etc. Sua intenção comunicativa esgota-se no fato de que
Esses atos sempre surgem quando um falante age orien- cabe ao ouvinte entender o teor manifesto da ação de
tado pelo êxito e vincula, ao m e s m o tempo, ações de fala fala. Ao contrário, o fim perlocucionário de um falante (as-
a intenções, instrumentalizando-as para determinados sim como qualquer propósito que se procura obter com
fins que m a n t ê m u m a relação apenas contingente com o ações voltadas a um fim) n ã o surge do teor manifesto da
significado do que se disse: " Q u e m realiza um ato locu- ação de fala; só se pode desvendar esse fim por meio da in-
cionário, e com isso um ato ilocucionário, pode cumprir tenção de quem age. Da mesma f o n n a que um observador-»
ainda outra ação, em um terceiro sentido. Q u a n d o se diz não reconhece em u m a pessoa apressada que vê passar
algo, ocorre com frequência (e é até m e s m o comum) que pela rua as razões para que ela se apresse tanto assim,
tal coisa provoque certos efeitos sobre os sentimentos, tampouco o ouvinte que entende u m a exortação dirigida
ideias e ações do ouvinte, do falante ou de outras pes- a ele tem condições de saber, baseado apenas nisso, o
soas; e a externação pode ter sido feita justamente m e - que mais o falante almeja ao externar essa exortação. Em
diante um_plano. prévio,, ou com a intenção, ou com- o - todo caso, o destinatário poderia descobrir a partir do con-
objetivo de desencadear esses efeitos. Se levamos isso- texto quais poderiam ser os fins perlocucionários do fa-
em conta, podemos caracterizar o falante como realiza- lante 36 . Os três critérios restantes m a n t ê m - s e ligados ao
dor de u m a ação em cujo n o m e não estão presentes o caráter de autoidentificação dos atos de fala.
ato locucionário n e m o ato ilocucionário, ou então ape- (b) Da descrição de um ato de fala como em (1) e (2),
nas indiretamente. O cumprimento de uma ação como podem deduzir-se as condições para o respectivo êxito
essa denominamos cumprimento de u m a perlocução ou ilocucionário pelo falante, m a s não as condições para os
de um ato perlocucionário."33 êxitos perlocucionários que um falante que estivesse agin-
A delimitação entre atos ilocucionários e perlocucio- do orientado pelo êxito porventura quisesse obter, ou
nários deu origem a uma extensa controvérsia 34 . Com ela, mesmo tivesse obtido. Na descrição de perlocuções como
depuraram-se quatro critérios delimitativos. em (3) e (4), dão-se êxitos que ultrapassam o significado
(a) O fim ilocucionário que o falante persegue por do que se disse e, portanto, t a m b é m ultrapassam o que
meio de u m a externação surge do próprio significado do um destinatário seria capaz de entender de imediato:
que tenha dito, e tal significado é constitutivo para as
35. D. S. Shwavder. The Stratification ofBehavior. Londres, 1965, p p .
33. Austin, 1972, p. 116. 287 ss.
34. B. Schlieben-Lange. Linguisiische Prngmatik. Stuttgart, 1975, 36. M. Meyer. Formate und Iwndlunsgtheoretische Sprachbctrachiun-
pp. 86 ss. geti. Stuttgart, 1976.
RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 505
504 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO

(1) Diante de O, F afirmou que pediu demissão de sua para almejar um efeito perlocucionário. O ouvinte, exa-
firma.. L . . . . . . . . 1 — = . ..
tamente da mesma forma, poderia ter reagido a essa m e s -
ma externação com um sentimento de alívio. O m e s m o
Com a externação reproduzida em (1), F terá obtido vale para:
êxito ilocucionário se O entender sua asserção e aceitá-
-la como verdadeira. O m e s m o vale para (4) O, com a advertência que dirigiu a F para que não se
demitisse de sua firma, inquietou-o.
(2) O advertiu F de que ele n ã o se demitisse de sua firma.
Em outro contexto, a m e s m a advertência b e m pode-
..Com a externação reproduzida em (2), O (= ouvin- ria fortalecer F em sua decisão, por exemplo no caso de
te) alcançará êxito ilocucionário se F (= falante) entender F nutrir a suspeita de que O lhe desejasse algo de j n a u .
a advertência dele e se aceitá-la como verdadeira ou como Portanto, é preciso que a descrição de efeitos perlocucio-
correta (dependendo, no contexto dado, de a advertên- nários faça referência a um contexto do agir teleológico
cia assumir um sentido antes prognóstico, ou antes mo- que ultrapasse a mera ação de fala37.
ral-apelativo). Em todo caso, o aceitamento da externa- (c) Partindo de considerações desse tipo, Austin
ção descrita em (2) f u n d a m e n t a determinadas obriga- chegou à conclusão de que êxitos ilocucionários m a n t ê m
ções-da .ação-por parte do destinatário, b e m como algu- com a ação de fala u m a relação interna ou u m a relação
mas expectativas de ação correspondente^ por parte do regrada por via convencional; por sua vez, os efeitos per-
falante. Se as consequências de ação esperadas surgem locucionários do que se diz continuam sendo externos.
faticamente ou se não ocorrem, nada disso ameaça o As reações perlocucionárias possíveis ocasionadas por
êxito ilocucionário do falante. Se F, por exemplo, não se um ato de fala são dependentes de contextos casuais e,
demite, isso n ã o é um efeito perlocucionário que O tives- diversamente dos êxitos ilocucionários, não são fixadas
se almejado, mas a consequência de um c o m u m acordo por convenções 38 . No entanto se poderia usar (4) como
obtido por via comunicativa; o m e s m o vaie para o cum- um contraexemplo. A inquietação será uma reação plau-
primento de u m a obrigação que o destinatário assumiu sível somente se o destinatário levar a advertência a sé-
ao dizer "sim" para a oferta de um ato de fala. Tome-se rio; e o sentimento de ratificação, somente- se ele não
a seguinte descrição: levá-la a sério. Em alguns casos, as convenções de signi-
ficação de predicados da ação com os quais se formam
(3) F (como pretendia) apavorou O ao comunicar-lhe que atos ilocucionários excluem determinadas classes de efei-
pediu demissão de sua firma. tos perlocucionários. N ã o obstante, esses efeitos vincu-

Dessa descrição depreende-se que o êxito ilocucioná- 37. M. Schwab. Redehandeln. Konigstein, 1980, p p . 28 ss.
rio da asserção descrita em (1) não é condição suficiente 38. Austin., 1972, p. 134.
506 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 507

lam-se a ações de fala, e não somente de m o d o conven- líticos, o teor proposicional e o modus das ações da fala,
cional. Q u a n d o um ouvinte acata u m a asserção de F~ a distinção entre esses dois tipos de atos, de um lado, e
como verdadeira, u m a ordem como correta, uma confis- atos perlocucionários, de outro, tem um caráter nada ana-
são como veraz, ele também declara estar implicitamen- lítico. Efeitos perlocucionários só p o d e m ser almejados
te disposto a vincular suas próximas ações a certos com- com o auxílio de ações da fala quando estas são incluídas
promissos convencionais. Por outro lado, o sentimento como meios em ações teleológicas orientadas ao êxito.
de inquietação que um amigo desperta ao fazer u m a ad- Efeitos perlocucionários são indícios da integração de
vertência (levada a sério por F) é um estado que pode ações da fala a contextos de interação estratégica. Estão
ocorrer ou não. entre as consequências pretendidas com as ações, ou en-
(d) Objeções semelhantes a essa de que acabamos tre os resultados de uma ação teleológica que o ator e m -
de tratar levaram Strawson a substituir o critério de con- preende com a intenção de provocar certos efeitos em
vencionalidade por outro critério, de delimitação 39 . Q u a n - um ouvinte, com auxílio de sucessos ilocucionários. Por
do quer ter êxito, um falante não pode dar a conhecer certo, ações de fala só poderão prestar-se a esse fim não
seus fins perlocucionários; quanto aos fins ilocucioná- •ilocucionário de influenciação do ouvinte caso sejam apro-
rios, só é possível alcançá-los proferindo-os. Hocuções priadas à obtenção de fins ilocucionários. Se o ouvinte não
são externadas abertamente; perlocuções não p o d e m ser entendesse o que o falante diz, tampouco um falante que
"admitidas", como tais. Essa distinção também - se-revefer~ ' agisse felêolõgicamente poderia levar o ouvinte, com o
no seguinte fato: os predicados com os quais se descrê-: " ' auxílio de atos comunicativos, a comportar-se da maneira
vem atos perlocucionários (causar pânico, causar inquie- desejada. Em tal medida, o que designamos de início como
tação, cair em desespero, aborrecer, confundir ou ofen- "uso da linguagem orientado segundo as consequências"
der alguém, deixar o outro furioso, humilhar etc.) não não é um uso originário da linguagem, m a s a subsunção,
podem estar entre os predicados empregados para cum- sob condições de um agir orientado pelo êxito, de ações
prir atos ilocucionários com auxílio dos quais se possam de fala que se prestem a fins ilocucionários.
almejar efeitos perlocucionários correspondentes. Atos No entanto, como as ações de fala não funcionam
perlocucionários formam a subclasse de ações teleológi- sempre dessa maneira, t a m b é m é-preciso poder explicar
cas que se podem cumprir com auxílio de ações de fala, as estruturas da comunicação linguística sem referência
sob a condição de que o ator n ã o declare (ou admita) o às estruturas da atuação propositada. A atitude orienta-
objetivo da ação. da pelo êxito, da parte de quem age teleologicamente,
Enquanto a subdivisão em atos locucionários e ilo- n ã o é constitutiva do êxito que possa ser alcançado por
cucionários tem o sentido de separar, como aspectos ana- processos de entendimento, muito m e n o s quando e n -
volvidos em interações estratégicas. O que temos em
39. P. Strawson. "Intention and Convention in Speech Acts",
mente com "entendimento" ou "atitude orientada pelo
Philosophical Review, 1964, p p . 439 ss. entendimento" tem de ser explicado tão somente com base
508 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 509

em atos ilocucionários. Uma tentativa de entendimento que engana outros participantes dizendo-lhes que ele
feita com auxílio de um ato da fala obtém sucesso quan- m e s m o não satisfaz os pressupostos em que, sob condi-
do um falante alcança seu objetivo ilocucionário, no sen- ções normais, certamente se alcançariam os fins ilocu-
tido de Austin. cionários. Por isso, também, esse tipo de interação não é
Efeitos perlocucionários, assim como os êxitos de apropriado a u m a análise que tenha por fim esclarecer o
ações teleológicas em geral, podem ser descritos como mecanismo linguístico da coordenação de ações com o
estados no m u n d o ocasionados por meio de interven- auxílio de efeitos unitivos ilocucionários proporcionados
ções no mundo. Êxitos ilocucionários, por sua vez, são por ações de fala. Para tal propósito recomenda-se um
alcançados no plano das relações interpessoais, em que tipo de interação que não esteja onerado por assimetrias
os participantes da comunicação entendem-se u n s com e restrições próprias às perlocuções. O tipo de interações
os outros sobre alguma coisa que está no m u n d o ; nesse em que todos os participantes buscam sintonizai' entre si
sentido, êxitos ilocucionários não são algo de intramunda- seus planos de ação individuais e em que, portanto, al-
no; são extramundanos. Em todo caso, êxitos ilocucioná- mejam alcançar seus objetivos ilocucionários de manei-
rios se dão no interior do m u n d o da vida que abriga os ra irrestrita - eis o que denominei agir comunicativo.
participantes da comunicação e constitui para eles o Austin também analisa ações de fala em relações in-
pano de f u n d o do processo de entendimento. Esse m o - terativas. O ponto alto de sua abordagem está justamen-
delo de agir orientado pelo entendimento, que desen- te na elaboração do caráter performativo de externações
v o l v e r e i adiante, é antes obscurecido pela maneira como verbais a partir de ações de fala institucionalmente vin-
Austin distingue ilocuções e perlocuções. culadas, como batizar, apostar, nomear etc., nas quais as
Nossa discussão revela que as perlocuções podem obrigações nascidas da execução do ato de fala são indu-
ser concebidas como uma classe especial de interações bitavelmente regradas pelas respectivas instituições ou
estratégicas. Nesse caso, as ilocuções são empregadas normas de ação. Mas Austin desfigura essa imagem, ao
como meios, em concatenações teleológicas da ação. No considerar as interações com base nas quais analisa o efei-
entanto, essa aplicação se dá sob certas restrições, se- to unitivo ilocucionário como se elas não fossem tipolo-
gicamente diversas das interações em que surgem efeitos
gundo demonstrou Strawson. Um falante que age de
perlocucionários. Q u e m faz uma aposta, nomeia um ofi-
maneira teleológica precisa alcançar, sem trair sua meta
cial como comandante em chefe, emite um comando,
perlocucionária, também sua meta ilocucionária, a saber:
profere u m a admoestação ou uma advertência, faz uma
que o ouvinte entenda o que se diz e envolva-se com as
predição,, confissão ou revelação, profere u m a narração
obrigações vinculadas à aceitação da oferta do ato de
etc. age de maneira comunicativa e não pode, no mesmo
fala. Essa restrição confere às perlocuções o caráter pro-
plano de interação, provocar quaisquer efeitos perlocucio-
priamente assimétrico de ações veladamente estratégi- nários. O falante só pode almejar objetivos perlocucioná-
cas. Essas são interações em que ao menos um dos par- rios quando engana seu parceiro no que se refere a es-
ticipantes se comporta de maneira estratégica, à medida tar agindo de maneira estratégica; por exemplo, quando
510 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RAC10NALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCLAL 511

dá u m a ordem de ataque para fazer a tropa cair em uma cluí-las em interações estratégicas, tem-se antes de des-
cilada, ou propõe u m a aposta de valor muito alto para prendê-las desses contextos do agir comunicativo. E tal
constranger o adversário, ou resolve, já tarde da noite, coisa só é possível porque as ações de fala gozam de au-
contar uma história a mais para evitar que o convidado tonomia relativa em face do agir comunicativo; afinal, o
vá embora etc. Com certeza, a t o d o m o m e n t o pode ha- significado do que se diz remete sempre às estruturas de
ver no agir comunicativo consequências de ações que interação do agir comunicativo. Paia reconhecer com mais
não tenham sido almejadas; tão logo haja o perigo, no en- facilidade a diferença entre uma ação de fala e o contexto
tanto, de que elas sejam imputadas ao falante como êxi- de interação que ela constitui por meio da coordenação de
tos que ele tenha pretendido, ele se vê obrigado, confor- ações que logra desempenhar, o mais aconselhável é diver-
me o caso, a dar explicações, fazer desmentidos ou apre- gir de Austin nesse ponto e não^se fixar no caso exem-
sentar desculpas para dissipar a impressão eirada de que
plar das ações de fala institucionalmente vinculadas 40 .
os desdobramentos secundários tenham sido efeitos per-
(3) Significado e validade. Com base na relação con-
locucionários. Do contrário, precisa contar com que os de-
troversa entre atos ilocucionários e perlocucionários,
mais participantes da comunicação se sintam enganados,
assumam eles m e s m o s uma postura estratégica e deixem procurei comprovar que as ações de fala, m e s m o p o d e n -
para trás o agir orientado pelo entendimento. Em contex- do ser empregadas de maneira estratégica, têm somente
.los-de-ação-complexos, por outro lado, um ato. de fala,
-aceito e cumprido de maneira mais imediata sob os pres- 40. Sobre isso, cf. Habermas, 1976b, p. 221: "Para ações de fala ins-
supostos do agir comunicativo pode ter ao m e s m o tem- titucionaimente vinculadas, é sempre possível indicar determinadas
po u m a importância estratégica em outros planos intera- instituições; para ações de fala institucionalmente independentes, só
podem ser indicadas condições contextuais gerais, que devem estar
tivos e desencadear efeitos perlocutivos em terceiros. tipicamente preenchidas, a fim de que um ato correspondente possa ser
Portanto, incluo no agir comunicativo as interações bem-sucedido. Para esclarecer o significado de atos de aposta e atos de
mediadas pela linguagem nas quais todos os participan- batismo, devo referir-me à instituição da aposta ou do batismo.
tes buscam atingir fins ilocucionários, e tão somente fins Contrariamente, ordens ou conselhos ou perguntas não representam
como esses. Ao contrário, considero agir estratégico m e - instituições, mas tipos de ação de fala que servem a muitas instituições
distintas. 'Relação institucional' é, sabidamente, um critério que não
diado pela linguagem as interações em que ao menos permite, em cada caso, um nivelamento dúbio. Ordens p o d e m ser
um dos participantes pretende ocasionar com suas ações dadas em toda parte onde relações de autoridade estão institucionali-
de fala efeitos perlocucionários em quem está diante zadas; nomeações pressupõem organizações institucionais especiais,
dele. Austin não distinguiu esses dois casos como tipos isto é, burocraticamente desenvolvidas; e casamentos exigem uma
única instituição (que, além disso, está d i f u n d i d a universalmente).
de interação diferentes porque tendia a identificar ações
Entretanto isso não deprecia a utilidade do p o n t o de vista analítico.
de fala, ou seja, atos de entendimento, com as próprias Ações de fala institucionalmente independentes (na medida em q u e
interações mediadas pela linguagem. Não percebeu que tenham um sentido regulativo) referem-se principalmente a aspectos
ações de fala funcionam como mecanismos de coorde- gerais de n o r m a s de ação; elas não estão, porém, essencialmente estipu-
nação destinados a outras ações. Quando se pretende in- ladas por instituições especiais."
512 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 513

para as ações comunicativas um significado constitutivo. O ouvinte aceita com seu "sim" uma oferta de ato
Se o agir comunicativo distingue-se de interações estra- de fala e funda um comum acordo que, de um lado, se re-
tégicas, isso se deve a que todos os seus participantes, fere ao conteúdo da enunciação e, de outro, a garantias ima-
sem restrições, perseguem fins ilocucionários para alcan- nentes ao ato de fala e a obrigatoriedades relevantes para as
çar um comum acordo que sirva de f u n d a m e n t o a uma consequências da interação. O potencial de ação típico do
coordenação consensual dos planos de ação a serem al- ato de fala, no caso de ações de fala explícitas, expressa-
mejados por cada indivíduo. Na sequência, gostaria de -se na pretensão que, com auxílio de um verbo perfor-
esclarecer quais são as condições a serem satisfeitas por mativo, o falante manifesta em favor do que ele m e s m o
um c o m u m acordo alcançado por via comunicativa e ca- diz. À medida que reconhece essa pretensão, o ouvinte
paz de satisfazer as funções próprias à coordenação da aceita uma oferta feita com o ato de fala. Esse êxito ilo-
ação. O modelo que tomo para orientar-me é<o de pares cucionário será relevante na ação na medida em que se
elementares de enunciações, constituídos cada qual do criar com ele, entre falante e ouvinte, u m a relação inter-
ato de fala de um falante e do posicionamento afirmati- pessoal eficaz para a coordenação; e tal relação deverá
vo de um ouvinte. ordenar os espaços de ação e consequências da intera-
Tomemos como exemplos as sentenças a seguir 41 . ção, além de abrir possibilidades de vínculo para o ou-
(1) Prometo-lhe (com esta frase) que virei a m a n h ã vinte, por meio de alternativas gerais de ação.
(2) Pede-se não fumar Q u a n d o as ações de fala não obtêm sua autoridade
(3)'Admito-lhe que acho repugnante, sua maneira, " diretamente da validação social de normas (como no
de agir caso das ações "de fala vinculadas institucionalmente), ou
(4) Posso predizer(-lhe) que o feriado será chuvoso quando não devem essa autoridade a um potencial san-
cionador disponível segundo as contingências (como no
Desses exemplos pode-se depreender, caso a caso, o caso de enunciações imperativas da vontade), cabe per-
guntar de onde elas retiram a força que lhes possibilita
que significa um posicionamento afirmativo e qual o tipo
coordenar a ação. Da perspectiva do ouvinte ao qual se
de consequência interativa que o f u n d a m e n t a , a saber:
destina u m a enunciação, podemos distinguir três dimen-
(1') Sim, confio nisso...
sões da reação a uma ação de fala (percebida de maneira
(2') Sim, cumprirei o que se pede...
correta): o ouvinte entende a enunciação, ou seja, apreen-
(3') Sim, creio no que você diz...
de o significado do que se disse; o ouvinte assume posi-
(47) Sim, temos que contar com isso...
ção com "sim" ou "não" diante da pretensão manifestada
com o ato ; de fala, isto é, ele aceita a oferta de ato de fala
41. Cf. D. Wunderlich. "Zur Konventionalitãt von Sprechhand- ou a recusa; e como consequência de um comum acordo
lungen", in D. Wunderlich (org.). Linguistisclie Pragmatik. F r a n k f u r t / M . , alcançado o ouvinte direciona seu agir de acordo com. as
1972, p p . 16 s.; aí também uma caracterização Linguística dos atos de obrigações de ação fixadas de maneira convencional A di-
fala na forma-padrão. mensão pragmática de um comum acordo que se revela
514 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 515

eficaz para atividades coordenativas vincula a dimensão A teoria da significação de abordagem formal-prag-
semântica da compreensão de sentido à dimensão empí- mática parte da pergunta sobre o que quer dizer entender
rica de prosseguir (dependendo do contexto) com a uni- u m a sentença utilizada de m o d o comunicativo, ou seja,
ficação relevante para as consequências da interação. Para uma enunciação. A semântica formal interpõe um corte
esclarecer como se chega a essa vinculação, cabe recor- conceituai entre o significado de u m a sentença e o que
rer à teoria da significação; para isso é preciso ampliar a o falante tem em mente quando utiliza a sentença em
abordagem formal-semântica que se limita à compreen- um ato de fala querendo dizer algo diverso do que ela
são de sentença 42 . significa literalmente. Essa distinção não se amplia a
p o n t o de haver u m a separação metódica entre a análise
42. Mesmo a teoria do significado orientada pelo uso, desenvolvi- formal de significados de sentenças, de um lado, e a aná-
da logo a p ó s a fase madura de Wittgenstein (W. P. Alston. Philosophy of lise empírica de opiniões exteriorizadas.*E isso porque
Language. Englewood Cliífs, 1964; Tugendhat, 1976), permanece fixada
não se pode, sob qualquer hipótese, explicar o significa-
à utilização solitária de sentenças. Como a teoria do significado de Frege,
ela também se orienta pelo exemplo da utilização não comunicativa de do literal de uma sentença sem levar em conta as con-
sentenças enunciativas em foro interno; ela prescinde de relações inter- aições-padrão de seu emprego comunicativo. Na verda-
pessoais entre falantes e ouvintes, q u e se entendem sobre algo com a de, a pragmática formal precisa tomar medidas preventi-
ajuda de atos comunicativos. Tugendhat fundamenta essa autolimita-
vas para que o que se tem em m e n t e não se desvie do
ção da semântica com o argumento de q u e o emprego comunicativo da
"línguaseriá" constitutivo aperiás para expressões idiomáticas especiais, significado literal do" que é ditortampouco no caso-pa-
principalmente para os verbos performativos e as ações de fala forma- "drâõTPõrissõ, nossa análise restringe-se a ações de fala
d a s com eles; nas partes semanticamente essenciais, a língua poderia cumpridas sob condições-padrão. Com isso quer-se asse-
ser empregada, entretanto, para uma linha de raciocínio monológico.
gurar que um falante não tenha em mente senão o sig-
De fato, há uma diferença facilmente acessível por via intuitiva entre
um pensar- em proposições q u e abstrai das relações falante-ouvinte, de nificado literal do que diz.
um lado, e uma presentificação das relações interpessoais na imagina- Em u m a analogia, embora não muito próxima, com
ção, de outro. Na concepção imaginativa de histórias nas quais o eu, ao a assunção básica da semântica da verdade, quero reme-
fantasiar, confere lugar a si m e s m o em um contexto de interação, os pa-
ter a compreensão de u m a enunciação ao conhecimento
péis dos participantes da comunicação em primeira, s e g u n d a e terceira
pessoas (também internalizados, como sempre) continuam sendo cons- das condições sob as quais essa enunciação pode ser
titutivos para o sentido do q u e se pensou ou imaginou. Só que também aceita por um ouvinte. Entendemos um ato de fala quando
o pensar solitário em proposições não é apenas discursivo em sentido sabemos o que o torna aceitável. Da perspectiva do falante,
figurado. Isso se demonstra tão logo a validade - e, com isso, a força
assertórica de uma afirmação - tome-se problemática, e o pensador
as condições de aceitabilidade são idênticas às condições
solitário deva passar do raciocinar para o inventar e p o n d e r a r hipóte- do êxito ilocucionário que ele alcança. Aceitabilidade não
ses. Então ele se vê de fato obrigado a assumir em seus pensamentos os é definida em sentido objetivista a partir da perspectiva
p a p é i s argumentativos do proponente e do oponente, como se eles esti- de um observador, m a s a partir da atitude performativa
v e s s e m em u m a relação comunicativa, assim como o sonhador, ao
lembrar-se de cenas do cotidiano, assume a estrutura narrativa das re-
de quem participa da comunicação. Um ato de fala deve
lações falante-ouvinte. poder ser denominado "aceitável" quando cumpre as con-
516 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 517

dições necessárias para que um ouvinte possa assumir as condições essenciais sob as quais pode ser motivado pelo
u m a posição "sim" diante da pretensão manifestada pelo falante a uma tomada afirmativa de posição 45 . Essas con-
falante. Essas condições não p o d e m ser cumpridas de dições de aceitabilidade em sentido estrito estão relaciona-
m o d o unilateral, estando relacionadas apenas ao falante, . das ao sentido do papel ilocucionário que F, em casos-
ou apenas ao ouvinte; mais que isso, são condições para -padrão, expressa com o auxílio de um predicado perfor-
o reconhecimento intersúbjetivo de uma pretensão linguís- mativo de ação.
tica que fundamenta, de um m o d o típico para o ato de Antes, porém, tomamos uma sentença imperativa gra-
fala, um comum acordo que se especifica conforme o maticalmente correta, utilizada como exortação sob con-
conteúdo e versa sobre obrigatoriedades relevantes para dições contextuais adequadas:
as consequências da interação.
^ o b os pontos de vista de u m a teoria sociológica da (5) (Com a presente sentença) exijo de você que pare
ação, devo interessar-me prioritariamente pelo esclareci- de fumar.
mento do mecanismo que afeta realizações coordenati-
vas executadas pelas ações de fala; por isso concentro- De acordo com o modelo de atos perlocucionários,
-me nas condições sob as quais o falante é motivado a imperativos são vistos frequentemente como tentativas
assumir u m a oferta de ato de fala, p o d e n d o supor que as empreendidas por um ator F de ensejar que O execute
expressões linguísticas utilizadas apresentam boa con- determinada ação. Segundo essa concepção, F só realiza
formação gramatical e que estão cumpridas as condições a sentença imperativa ao vincular à enunciação sua in-
contextuais necessárias e típicas ao ato de fala43. Um ou- tenção de que O depreenda dela a tentativa de F de le-
vinte compreende o significado de urna enunciação quan- var O a cumprir u m a ação a 46 . Com tal concepção, no en-
do conhece, além das condições de boa conformação tanto, ignora-se o sentido ilocucionário das sentenças
gramatical e das condições gerais do contexto 44 , t a m b é m imperativas. Ao enunciar um imperativo, o falante diz o
que O deve fazer. Essa forma direta de entendimento tor-
43. Considere-se, por exemplo, que u m a promessa assuma a for-
na obsoleta qualquer ação de fala por meio da qual o fa-
ma: (1"") Prometo a você q u e estive ontem em Hamburgo. Nessa senten- lante possa ensejar por via indireta u m a determinada
ça, violou-se u m a condição da boa conformação gramatical. Mas, se S
expressasse a frase (1) correta, atendendo às exigências de q u e H com
certeza poderia contar com uma visita de S, então seria violada uma 45. Nesse sentido, também R. Bartsch. ("Die Rolie von pragmatis-
das condições contextuais tipicamente pressupostas q u a n d o se trata de chen Korrektheitsbedingungen bei der lnterpretation von Àufierun-
fazer u m a promessa. gen", in G. 'Grewendorf [org.]. Sprechakttheorie und Semantik. Frank-
44. As contribuições filosóficas e linguísticas para a teoria dos atos f u r t / M . , 1979, pp. 217 ss.), fala de "condições de aceitabilidade" em con-
de fala ocupam-se principalmente da análise dessas condições. D. traposição a condições de correção e de validade.
Wunderlich analisa ações de fala do tipo "conselhos" sob os pontos de 46. Surpreendentemente, Searle (1969, p. 66) também se aproxima
vista teoréticos desenvolvidos por Searle (Grundlagen der Linguistik. dessa concepção da semântica intencional; quanto a isso, cf. Schiffer
Hamburgo, 1974, p p . 349 ss.). (1972, p. 63).
518 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 519

ação do ouvinte. O sentido ilocucionário das sentenças preende a exortação (5) quando conhece as condições
imperativas pode, antes, ser descrito pelas seguintes p a - sob as quais 'p' pode ocorrer, e q u a n d o sabe o que ele
ráfrases 47 : m e s m o deve fazer ou deixar de fazer, sob dadas circuns-
tâncias, para que essas condições se cumpram. Da m e s -
(5a) F disse a O que ele faça o obséquio de cuidar ma forma que é preciso conhecer as condições de verda-
para que 'p' se realize; de para a compreensão de u m a proposição, t a m b é m é
(5b) F deixou claro para O que caberia tornar 'p' rea- preciso saber, para a compreensão de imperativos, sob
lidade; que condições se considera cumprido o imperativo. No
(5c) A exortação externada por F deve ser entendida âmbito de uma teoria do significado de abordagem prag-
de m o d o que O deva levar 'p' a efeito. mática, as condições de satisfação inicialmente formuladas
por via semântica são interpretadas no sentido das obri-
Nessas sentenças, 'p' designa um estado no m u n d o gatoriedades relevantes para as consequências da intera-
objetivo que se situa no futuro, em relação ao m o m e n t o ção. O ouvinte compreende um imperativo quando sabe
da enunciação, p o d e n d o ganhar existência por meio de o que precisa fazer ou deixar de fazer para levar a efeito
u m a intervenção ou de uma omissão do destinatário, o estado 'p', desejado por F; com isso, também sabe de
q u a n d o todas as demais condições permanecem as m e s - que maneira pode conectar suas ações às de F.
- m a s ; - é o que se dá com a disposição de não fumar, que- Tão logo concebemos o compreender de imperati-
O leva a efeito ao apagar seu cigarro aceso, pisando nele. vos sob tal perspectiva que se estende ao nexo da intera-
ção, fica claro que o conhecimento das "condições de sa-
Q u a n d o o ouvinte t o m a posição com a sentença tisfação" não basta para saber quando a exortação é acei-
tável. Falta como segundo componente o conhecimento
(5r) Sim, quero fazer o que se exige... das condições para o comum acordo: somente o comum
acordo vem fundamentar a observância das obrigatorieda-
as condições sob as quais ele aceita a exortação (5) des- des relevantes para as consequências da interação. O ou-
m e m b r a m - s e em dois componentes, se n o s restringimos vinte só compreende por inteiro o sentido ilocucionário
às condições de aceitabilidade em sentido estrito. da exortação quando sabe por que razão o falante espe-
O ouvinte deve compreender o sentido ilocucioná- ra poder impor ao ouvinte sua vontade. Com o impera-
rio de exortações, de tal maneira que possa parafraseá-lo tivo, o falante manifesta uma pretensão de poder; e é a
com sentenças como (5 a) ou (5b) ou (5 c) e interpretar o ela que o ouvinte se submete, se aceita o imperativo. Faz
teor proposicional "parar de fumar" no sentido de u m a parte do significado de um imperativo o falante criar uma
exortação destinada a ele. O ouvinte realmente com- expectativa fundamentada para que sua pretensão de po-
der prevaleça; isso só vale sob a condição de que F saiba
47. Schwab, 1980, p. 65. que seu destinatário t e m razões para adequar-se a sua
520 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 521

pretensão de poder. Como em primeiro lugar entende- ças, por exemplo) - em determinadas situações, como no
mos exortações no sentido de extemações fáticas da von- início de um pouso, e mediante a remissão a determina-
tade, essas razões não podem residir no sentido ilocucio- das normas prescritas - a dar a instrução de parar de fu-
nário da própria ação de fala; só podem residir, isto sim, mar a um determinado grupo de pessoas, os passagei-
em um potencial sancionador externamente vinculado à ros, no caso.
ação de fala. Portanto, para que se completem as condi- U m a vez mais, o sentido ilocucionário pode ser es-
ções de aceitabilidade, as condições de satisfação precisam pecificado em primeiro lugar por meio das condições
ser acrescidas de condições de sanção. mencionadas em (a); mas, no caso de instruções, o sen-
Logo, um ouvinte compreende a exortação (5) se tido ilocucionário não apenas remete a condições do tipo
ele: a) conhece a condição sob a qual o destinatário pode (b), as quais é preciso acrescentar a partir do contexto da
levar a efeito a disposição desejada (não fumar); e b) co- ação de fala; aqui as^condições para que se aceite a pre-
nhece as condições sob as quais F tem boas razões para tensão linguística, e com isso o comum acordo entre F e
esperar que O se veja coagido a submeter-se à vontade O, antes resultam do próprio ato ilocucionário. No caso
de F (por exemplo, mediante a ameaça de punições apli- da enunciação imperativa da vontade, F só tem boas ra-
cáveis à violação de prescrições de segurança). Para o ou- zões para esperar que O se curve diante de sua vontade
vinte saber que condições se devem cumprir para que quando dispõe de sanções com as quais pode notada-
um ouvinte qualquer possa assumir posição afirmativa mente ameaçar ou atrair O. Enquanto F não se remeter
diante de (5), no sentido de (5'), é preciso que ele conheça à validade de normas,-não fará diferença se o potencial
os dois componentes, (a) e (b). À medida que o ouvinte sancionador é fático ou de direito; pois, ao enunciar um
conhece essas condições, sabe também o que torna esse imperativo - o que vale dizer: apenas sua própria vonta-
enunciado aceitável. de -, F só influi empiricamente sobre os motivos de O se
A imagem complica-se, de forma elucidativa, quan- o ameaça com desvantagens ou se lhe oferece algum ga-
do passamos de imperativos autênticos ou exortações nho. As razões para que enunciações da vontade sejam
simples para exortações autorizadas por via noTmativa ou aceitas referem-se aos motivos do ouvinte sobre os quais
ordens e comparamos (5) a uma variante de (2): o falante influir de maneira unicamente empírica, até
mesmo com violência ou com benesses. É diferente quan-
(6) (Com a presente sentença) venho dar-lhe a ins- do se trata de exortações autorizadas por via normativa,
trução de que pare de fumar. como ordens ou instruções. Diversamente do que ocor-
re em (5), o falante remete-se em (6) à validade de pres-
Essa enunciação pressupõe normas reconhecidas, crições de segurança; e quando dá sua instrução mani-
por exemplo as prescrições de segurança do transporte festa u m a pretensão de validade.
aéreo internacional, e um âmbito institucional que au- O anúncio de u m a pretensão de validade não é ex-
toriza os ocupantes de determinadas posições (aeromo- pressão de u m a vontade contingente; e o "sim" a u m a
522 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 523

pretensão de validade não é apenas u m a decisão moti- embasa no reconhecimento intersubjetivo da pretensão
vada de maneira empírica. Os dois atos, a proposição e o de validade normativa manifestada em prol de uma exor-
reconhecimento de u m a preteásão de validade, estão tação correspondente. As condições (b) dizem respeito à
subordinados a delimitações convencionais porque uma aceitação dessa própria pretensão de validade, sendo ne-
pretensão como essa só pode ser recusada sob a forma cessário distinguir aí entre a validade de u m a ação ou da
de crítica; e contra u m a crítica só pode ser defendida sob norma que lhe subjaz, a pretensão de que as condições
a forma de refutação. Q u e m se opõe a u m a instrução é para sua validade t e n h a m sido satisfeitas e a solvmcia da
remetido às prescrições normativas vigentes e não às p u - pretensão de validade manifestada, isto é, a f u n d a m e n -
nições que cabe esperar em caso de seu não cumprimen- tação para que sejam satisfeitas as condições da validade
to. E quem puser em dúvida a validade das n o n n a s sub- de u m a ação ou norma subjacente.
jacentes terá de apresentar razões, seja contra a legalida- Um falante, digamos assim, pode motivar racional-
de do que está prescrito, isto é, contra a adequação de mente um ouvinte a aceitar a oferta de seu ato de fala por-
sua validade social ao direito vigente, seja contra a legi- que pode assumir - em razão do nexo interno entre va-
timidade dessa prescrição, isto é, contra sua pretensão de lidade, pretensão de validade e resgate da pretensão de
estar correta ou justificada do ponto de vista moral-prá- validade - a garantia de que, se necessário, poderá apon-
tico. Pretensões de validade estão internamente vincula- tar razões convincentes e sustentáveis em face de u m a
das a razões. Em tal medida, as condições de aceitabili- - crítica que o ouvinte possa apresentar contra a pretensão
dade de instruções podem ser depreendidas do próprio de validade! Assim, um falante deve a força vinculativa
sentido ilocucionário de u m a ação de fala; não é preciso de seu êxito ilocucionário não à validade do que é dito,
completar essas condições com condições sancionadoras mas sim, caso a caso, ao efeito coordenativo da garantia que
adicionais.
ele oferece para que se dê o resgate da pretensão de va-
Assim, um ouvinte entende a instrução (6): a) quan-
lidade manifestada por meio de sua ação de fala. Em lu-
do conhece as condições sob as quais o destinatário
gar da força empiricamente motivadora de um potencial
pode levar a efeito a disposição desejada (não fumar); e
sancionador que se liga de maneira contingente às ações
b) quando conhece as condições sob as quais F possa ter
de fala, surge a força racionalmente motivadora; esta se
razões convincentes para considerar válida uma exorta-
ligará à asseguração de pretensões de validade sempre
ção de teor (a), isto é, para considerá-.la normativamen-
que o papel ilocucionário não expressar u m a pretensão
te justificada. As condições (a) dizem respeito a obriga-
de poder, mas u m a pretensão de validade,
ções de ação que resultam 48 de um comum acordo que se
Isso vale não apenas para atos de fala reguladores
como (1) e (2), m a s t a m b é m para atos de fala expressivos
48. Obrigações de ação, a propósito, que resultam: particularmen-
te para o destinatário, em caso de ordens e instruções; particularmente
para o falante, em caso de promessa ou avisos; simetricamente para am- ainda que assimétricas, em caso de conselhos (de g r a n d e teor normati-
bas as partes, em caso de acordos ou contratos; para a m b a s as partes, vo) ou advertências.
524 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 525

e constatativos, como (3) e (4). Da m e s m a forma que, sentença vivencial ou enunciativa para a qual o falante
em prol de sua intenção de levar a efeito u m a disposi- reivindica validade. Em atos de fala reguladores, como
ção almejada, o falante gera por meio de (1) u m a pre- (1) e (2), é bem verdade que as condições (a) dizem res-
t e n s ã o de validade; e da m e s m a forma que p o r meio de peito à compreensão do teor proposicional de u m a sen-
(2) ele reivindica u m a pretensão normativa de validade tença intencional ou exortativa em favor da qual o falan-
em favor de sua exortação dirigida a O, no sentido de te cria ou reivindica validade normativa; aqui, porém, esse
que este faça o obséquio de levar a efeito u m a disposi- teor descreve ao mesmo tempo as obrigatoriedades que se
ção desejável para F, assim t a m b é m o falante que enun- mostram relevantes para as consequências da interação
cia (3) propõe uma pretensão de veracidade em prol da e que, para o ouvinte, resultam do acolhimento da pre-
vivência intencional ali exposta, e em (4) propõe-se tensão de validade.
u m a pretensão de verdade em favor da respectiva pro- Q u a n d o obrigações de ação resultam do significado
posição. Em (3) trata-se do desvelamento de u m a pos- de atos de fala expressivos em geral, isso só ocorre de
tura sentimental até então dissimulada, e em (4) da maneira que o falante especifique o que não entra em
apresentação de u m a proposição cuja validade é garan- contradição com seu comportamento. E, quando um fa-
tida pelo falante, ao declarar seu assentimento ou fazer lante quer conferir credibilidade ao fato de ter em m e n -
uma predição. Um ouvinte e n t e n d e a declaração de as- te o que diz, só consegue tal feito dando sequência às
sentimento (3): a) q u a n d o conhece as condições sob as suas ações, e não com. a indicação das razões que o le-
quais u m a pessoa p o d e tér repugnância diante de 'p'; e _ vam a essas ações. Por isso, destinatários que aceitaram
b) q u a n d o conhece as condições sob as quais F diz o uma pretensão de validade podem ter, sob certos aspec-
que t e m em mente, assumindo dessa maneira o encar- tos, a expectativa de consistência no comportamento;
go de garantir que haverá consistência dali para a fren- essa expectativa, no entanto, é deconente das condições
te entre seu comportamento e sua declaração de assen- apontadas em (b). Também em ações de fala reguladoras e
timento. Um ouvinte entende (4): a) q u a n d o conhece as constatativas é natural que as consequências resultem de
condições que tornam verdadeira a predição; e b) quan- garantias cuja oferta está associada à pretensão de vali-
do conhece as condições sob as quais F pode ter razões dade; mas, conforme o caso, essas obrigações de adicio-
convincentes para considerar verdadeiro um enunciado nar justificações para normas ou embasamentos para pro-
de teor (a). posições - obrigações que são relevantes para a validade -
Contudo, t a m b é m subsistem assimetrias importan- só se mostram relevantes para a ação em uma dimensão
tes. Em ações de fala expressivas e constatativas, as con- metacomunicativa. Apenas obrigações de apresentar com-
dições mencionadas sob (a) não dizem respeito a obriga- provação, assumidas pelo falante com atos de fala ex-
ções da ação resultantes do reconhecimento intersubje- pressivos, têm relevância imediata para o prosseguimento
tivo da respectiva pretensão de validade; elas concernem da interação; aí é que está contida a oferta de que o ou-
somente à compreensão do teor proposicional de uma vinte faça o obséquio de testar, com base na consistência
526 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO
RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 527

da sequência de ações do falante, se este de fato tem em


m e n t e o que diz49. ça ilocucionária está presente desde o início (ainda que
desejosa de se ver completada por sanções); no caso de
Em geral, do significado de atos de fala constatativos
sentenças intencionais cuja força imperativa atenua-se
não decorrem obrigações de ação especiais; e do cumpri-
inforo interno, no entanto, é possível apenas reconquis-
m e n t o das condições de aceitabilidade mencionadas sob
tar a força ilocucionária. Para tanto, sentenças intencio-
(a) e (b) só resultarão obrigatoriedades relevantes para as
nais têm de estabelecer u m a ligação com pretensões de
consequências da interação à medida que falante e ou-
validade, assumindo ora a forma de ações de fala expres-
vinte se comprometerem a embasar seu agir em interpre-
tações da situação que não contradigam enunciados acei- sivas como
tos como verdadeiros.
- (7) Admito ter a intenção de...
Fizemos a distinção entre imperativos autênticos, aos
quais o falante vincula uma pretensão de poder, e ações
ora a forma de ações de fala normativas como
de fala com as quais o falante manifesta u m a pretensão
de validade criticável. Enquanto pretensões de validade
(8) Declaro-lhe (com esta frase) que tenho a inten-
estão ligadas internamente a razões e conferem u m a for-
ça motivadora racional ao papel ilocucionário, as preten- ção de...
sões de p o d e r precisam, ser abrangidas por-um potencial -
- Por meio- de pronunciamentos como (8), o falante
sancionador a fim de que possam impor-se. Na verdade,
envolve-se em uma ligação normativa tênue a que o
exortações estão acessíveis a uma normalização secundá-
destinatário pode recorrer, de m o d o semelhante ao que
ria. Pode-se exemplificar tal coisa com a relação que há
faria com relação a uma promessa.
entre sentenças intencionais e declarações de intenção.
Segundo esse exemplo da normalização de senten-
Sentenças intencionais pertencem à m e s m a categoria
ças intencionais, pode-se conceber t a m b é m a transfor-
que as sentenças exortativas com que se formam impe-
mação de exortações simples em exortações normativa-
rativos; pois podemos entender sentenças intencionais
m e n t e autorizadas, bem como a transformação de meros
como exortações internalizadas que o falante destina a si
imperativos em ordens. A exortação (5), caso se atribua a •
mesmo 5 0 . Por certo, exortações são atos ilocucionários;
ela o peso de u m a pretensão de validade normativa, pode
sentenças intencionais, no entanto, só adquirirão papel
assumir a forma da instrução (6). Com isso, n a s condi-
ilocucionário se transformadas em declarações de inten-
ções de aceitabilidade altera-se a cada caso o compo-
ção ou pronunciameiitos. No caso dos imperativos, a for-
n e n t e indicado em (b); as condições saneionadoras que
se acrescentam à pretensão imperativa de poder são subs-
49. Sobre essas "obrigações imanentes do ato de fala", cf. Haber- tituídas pelas condições racionalmente motivadoras pró-
mas, 1976b, pp. 252 ss. prias à aceitação de uma pretensão de validade criticável.
50. Cf. vol. 2, pp. 59 ss.
Pelo fato de que as condições motivadoras p o d e m ser
528 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 5 29

deduzidas do próprio papel ilocucionário, a exortação te declara como fim a influência que possa exercer sobre
normalizada ganha uma autonomia que falta ao mero as decisões de um parceiro de fala, precisando embasar
imperativo. diante disso a imposição de sua pretensão de poder em
Ante tais considerações, toma-se claro, u m a vez sanções complementares. Por isso os falantes podem, sem
mais, que somente ações de fala como essas, às quais o restrições, perseguir fins ilocucionários utilizando impe-
falante vincula uma pretensão de validade criticável, po- rativos autênticos ou exortações n ã o normalizadas e, não
dem mover o ouvinte a aceitar a oferta de um ato de fala obstante, agir de maneira estratégica.
Para o agir comunicativo, só são constitutivas as ações
- e podem fazê-lo com forças próprias, por assim dizer,
de fala a que o falante vincula pretensões de validade cri-
isto é, graças à base de validade da comunicação lin-
ticáveis. Nos demais casos - quando com atos perlocucio-
guística apoiada no entendimento. Só assim p o d e m tor-
nários um falante busca alcançar fins ilocucionários não
nar-se efetivas, enfim, como mecanismo da coordena-
declarados diante dos quais o ouvinte não pode assumir
ção de ações 51 .
posição alguma, ou quando busca alcançar fins ilocucio-
Feitas essas reflexões, é preciso tomar mais exato o
nários diante dos quais, como diante de imperativos, o
conceito de agir comunicativo, que antes introduzimos
ouvinte não pode assumir posição fundamentada -, deixa-
de maneira provisória. De início, o conceito de agir co-
-se de utilizar o potencial de uma ligação motivada pelo
municativo incluía todas as interações em que os partici-
discernimento quanto às razões nela envolvidas, potencial
pantes coordenam seus planos de ação individuais,,sem
sempre presente na comunicação verbal.
restrições, e tendo por base um comum, acordo que se
(4) Pretensões de validade. Após ter separado as ações
quer alcançar por via comunicativa. Com a determinação comunicativas de todas as demais ações sociais, por
da "busca irrestrita de fins ilocucionários", devem ser ex- meio de seu efeito vinculativo ilocucionário, p e n s o ter
cluídos casos de um agir que se mostre estratégico, mes- agora diante de mim a tarefa de ordenar a pluralidade de
mo de forma latente: ou seja, casos em que o falante, de ações comunicativas, segundo os tipos de ações de fala.
maneira discreta, emprega êxitos ilocucionários para fins E como fio condutor para a classificação de ações de fala
perlocutivos. Ora, externações imperativas da vontade parece recomendável utilizar as opções que se oferecem
são atos ilocucionários com os quais o falante abertamen- a um ouvinte motivado racionalmente, quando toma po-
sição "sim" ou "não" em face da enunciação de um falan-
51. Por não distinguir entre exortação simples e exortação norma- te. Nos exemplos d a d o s até aqui, tínhamos como ponto
tiva, entre imperativo e ordem, tampouco entre o emprego monológico de partida que o falante, com sua enunciação, manifesta
e o emprego comunicativo de sentenças intencionais, isto é, entre inten- justamente uma pretensão de validade. À promessa (1) o
ção e declaração de intenção, Schwab estipula um falso paralelo entre falante vincula uma pretensão de validade em prol de
imperativos e declarações de intenção, além de distinguir tanto um co-
mo outro de ações de fala constatativas, p o r meio da separação (e clas-
uma intenção anunciada; à instrução (2), uma pretensão
sificação hierárquica) entre consequência de validade e consequência de validade favorável a u m a exortação; à declaração de
de observância. Schwab, 1980, pp. 72 s.; 74 ss.; 95 ss. convicção que faz em (3), o falante vincula u m a preten-
530 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 531

são de validade em favor de uma externação do senti- (7" / ) Não, o próximo bebedouro está tão distante
mento; e à predição (4), uma pretensão de validade fa- que não poderia estar de volta antes do fim da aula.
vorável a um enunciado. Com uma tomada de posição
negativa, o destinatário contesta a correção de (1) e (2), No primeiro caso, contesta-se que a ação do profes-
a veracidade de (3) e a verdade de (4), respectivamente. sor seja correta no contexto normativo dado; no segun-
Esse quadro fica incompleto enquanto cada ação de fala do caso, contesta-se que o professor tenha em mente o
p o d e ser contestada sob mais de um aspecto, ou seja, e n - que diz, porque gostaria de atingir um determinado efei-
quanto pode ser refutada como inválida.
to perlocucionário; no terceiro caso, contestam-se e n u n -
Suponhamos que ao participante de um seminário
ciados cuja verdade o professor tem de pressupor, nas
seja dirigida pelo professor a exortação
circunstâncias dadas.
O que se pode demonstrar com esse exemplo vale
(7) Por favor, traga-me um copo d'água
para todas as ações de fala orientadas pelo entendimen-
to. Em ambientes do agir comunicativo, as ações de fala
Suponhamos, também, que esse participante não
e n t e n d a a exortação como mera externação imperativa sempre podem ser refutadas sob cada um dos três aspec-
da vontade, mas como ato de fala realizado segundo um tos: sob o aspecto da correção, que o falante reivindica
posicionamento que esteve orientado ao entendimento.-- em favor de sua ação mediante referência a um contexto
"Em "princípídele pode então recusar esse pedido sob três - normativo, (ou então, de maneira mediata, em favor des-
aspectos da validade. Ou pode contestar a correção nor- sas próprias normas); sob o aspecto da veracidade, que o
mativa da enunciação: falante reivindica em favor da externação de vivências
subjetivas a que ele tem acesso privilegiado; e por fim
(7') Não, o senhor não pode me tratar como um de sob o aspecto da verdade, que o falante reivindica com sua
seus empregados externação em favor de um enunciado (ou em favor das
suposições de existência do teor de um enunciado nomi-
ou ele p o d e contestar a veracidade subjetiva da e n u n - nalizado).
ciação: Essa tese forte pode ser testada em exemplos alea-
tórios e é possível torná-la plausível por meio de consi-
(7") Não, na verdade o senhor tem m e s m o a inten- derações que nos remeterão ao modelo de funções da
ção de me colocar em má posição diante dos demais par- linguagem proposto por Bühler.
ticipantes do seminário O termo "entendimento" tem o significado mínimo
segundo o qual (ao menos) dois sujeitos aptos a falar e
ou ele p o d e contestar serem relevantes determinados agir entendem uma expressão linguística de maneira idên-
pressupostos existenciais: tica. E assim o significado de u m a expressão elementar
consiste na contribuição que essa expressão possa dar ao
532 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 533

significado de uma ação de fala aceitável. Para entender Como médium do entendimento, os atos de fala es-
o que um falante quer dizer com um ato desses, o ouvin- tão: (a) a serviço da produção e inovação de relações in-
te precisa conhecer as condições sob as quais esse ato terpessoais, e o falante faz então referência a algo no
pode ser aceito. Em tal medida, a compreensão de uma mundo das ordenações legítimas; (b) a serviço da repre-
expressão elementar já aponta para além do significado sentação ou da pressuposição de estados e eventos, e o
mínimo da expressão "entendimento". Q u a n d o o ou- falante faz referência a algo no mundo de estados de coi-
vinte aceita u m a oferta de ato de fala, estabelece-se um sas; e (c) a serviço da manifestação de vivências, ou seja,
comum acordo entre (pelo menos) dois sujeitos aptos a fa- da autorrepresentação, e o falante faz referência a algo
lar e agir. Mas esse comum acordo não reside apenas no no mundo subjetivo ao qual tem acesso privilegiado. O
reconhecimento, intersubjetivo de uma pretensão única comum acordo almejado por via comunicativa mede-se
de validade, que se destaca de maneira temática. Mais exatamente segundo três pretensões de validade criticá-
que isso, almeja-se um comum acordo como esse em três veis. E isso porque os atores - ao se entenderem entre si
níveis, simultaneamente. Esses níveis p o d e m ser facil- sobre alguma coisa e, dessa maneira, ao se fazerem en-
mente reconhecidos., p o r via intuitiva, q u a n d o se p o n d e - tender a si m e s m o s - não p o d e m se eximir de alojai" a
ra que no agir comunicativo um falante só escolhe uma respectiva ação de fala em exatamente três referências de
expressão linguística para p o d e r chegar a um entendi- mundo; e tampouco podem se eximir de reivindicar vali-
mento, sobre alguma coisa com um-ouvinte, e ao m e s m o - dade para a ação de fala, sob cada um desses três aspectos.
-—tempo para tornar a si mesmo compreensível. Reside na - Q u e m refuta u m a oferta compreensível de ato de fala
intenção comunicativa do falante: (a) realizar u m a ação de contesta no mínimo uma dessas três pretensões de vali-
fala correta t e n d o em vista o contexto normativo dado, a dade. Ao recusar com "não" um ato de fala, por conside-
fim de que se estabeleça u m a relação interpessoal entre rá-lo incorreto, não verdadeiro ou não veraz, o ouvinte
ele e o ouvinte, enquanto relação reconhecida de m o d o expressa que a enunciação não está cumprindo suas f u n -
legítimo; (b) fazer um enunciado verdadeiro (ou u m a ções de asseguramento de uma relação interpessoal, re-
pressuposição acertada de existência), a fim de que o ou- presentação de-estados de coisas ou manifestação de vi-
vinte assuma e partilhe o saber do falante; e (c) expres- vências, porque ela ora não está em consonância com nosso
sar de maneira veraz opiniões, intenções, sentimentos, m u n d o de relações interpessoais legitimamente ordena-
desejos etc. a fim de que o ouvinte acredite no que é dito. do, ora com o m u n d o de estados de coisas existentes, ora
Para explicar que traços comuns intersubjetivos de um com o respectivo m u n d o de vivências subjetivas.
comum acordo almejado por via comunicativa t e n h a m Embora ações de fala orientadas pelo entendimento
subsistência n o s níveis da concordância normativa, do estejam sempre envolvidas dessa maneira em u m a rede
saber proposicional partilhado e da confiança mútua na de referências de m u n d o bastante complexa, é com base
sinceridade subjetiva, é preciso recorrer às funções do en- em seu papel ilocucionário (e em condições-padrão: com
tendimento pela linguagem. base no significado de seu componente ilocucionário)
534 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 535

que se evidencia o aspecto de validade predominante sob que um observador neutro m a n t é m relação com algo que
o qual o falante gostaria de ver compreendida sua e n u n - ocorre no mundo; e também de u m a atitude expressiva,
ciação. Q u a n d o faz u m a declaração, afirma algo, narra, em que um sujeito autorrepresentativo revela algo de
explica, apresenta, prediz, discute etc., o falante está em seu íntimo a que ele m e s m o tem acesso privilegiado se-
busca de um comum acordo com o ouvinte, fundado no gundo o olhar do público; e por fim trata-se ainda da ati-
reconhecimento de u m a pretensão de poder. Quando tude conforme com as normas, em que o membro de grupos
ele externa u m a sentença vivencial, revela, confessa, ad- sociais cumpre expectativas de comportamento legíti-
mite, manifesta algo, desmascara-se etc., aí o comum mas. A cada u m a dessas três atitudes fundamentais cor-
acordo só pode estabelecer-se f u n d a d o sobre o reconhe- responde u m a concepção de " m u n d o " .
cimento de uma pretensão de veracidade. E quando dá Se representamos com Mp ações de fala explícitas
uma ordem ou faz u m a promessa, nomeia ou admoesta quaisquer, nas quais "M" está para o componente ilocu- ~
alguém, celebra um batizado, compra algo, casa-se etc., cionário e " p " para o componente proposicional 52 ; e se
então o comum acordo depende de que os participantes M(c) designa o uso cognitivo da linguagem, M(e) o uso ex-
considerem correta a ação. Quanto mais pura é a complei- pressivo e M(r) o uso regulador, é possível distinguir in-
ção desses modos fundamentais, mais o entendimento tuitivamente - por meio das atitudes básicas, e conforme
cada caso - em que sentido o falante gostaria de interpre-
orienta-se de maneira clara segundo u m a só pretensão de
tar o componente proposicional. Em u m a enunciação vá-
validade dominante? A análise, de maneira propositada,
- lida do tipo M(C)p, " p " significa um estado de coisas que
dedica-se inicialmente a casos puros de atos de fala, ou idea-
existe no m u n d o objetivo; em u m a enunciação válida do
lizados. Com isso, p e n s o em:
tipo M(e)p, "p" significa uma vivência subjetiva que se
- ações de fala constatativas em que se empregam
manifesta, e que cabe atribuir ao mundo interior do falan-
sentenças enunciativas elementares;
te; em uma enunciação válida do tipo M(r)p, "p" significa
- ações de fala expressivas em q u e aparecem senten- u m a ação reconhecida como legítima no m u n d o social.
ças vivenciais elementares (da primeira pessoa do singu- A fundamentação da distinção de exatamente três
lar); e modi básicos do emprego da linguagem orientada pelo
- ações de fala reguladoras em q u e aparecem ou sen- entendimento só pode m e s m o ocorrer sob a forma de
tenças exoriativas elementares (como em ordens) ou senten- u m a teoria ampliada dos atos de fala. N ã o posso desen-
ças intencionais elementares (como em promessas). volver aqui as análises necessárias, mas gostaria de apre-
Para cada um desses complexos, há na filosofia ana- ciar alguns reparos que se fazem prima facie contra o
lítica u m a ampla bibliografia. Desenvolveram-se ali ins- programa.
trumentos e análises que tornam possível explicar as
pretensões de validade universais que orientam o falan- 52. E. Stenius. "Mood and Language Game", Syntliese, 17, 1967,
te e ainda tornar mais precisas as atitudes básicas assu- p p . 254 ss.; quanto a isso, cf. D. Foüesdal, "Comments on Stenius', 'Mood
midas por ele. Trata-se de u m a atitude objetivadora, em and Language Game'", Synthese, 17,1967, p p . 275 ss.
536 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 537

gj , A. Leist formulou m i n h a tese fundamental da se- sequências da interação. Para mim, essas obrigatorieda-
guinte maneira: "Para todos os F e O em todos os atos de des distinguem-se da garantia oferecida pelo falante em
fala do agir orientado ao entendimento - atos ilocucioná- prol do cumprimento da pretensão de validade que ele m a -
rios, que se diferenciam e se autonomizam por via pro- nifesta, bem como da obrigação recíproca que o ouvinte
posicional e estão institucionalmente desvinculados - contrai ao negar u m a pretensão de validade.
constitui um saber recíproco o m a n d a m e n t o de que se Em especial, haveria reparos contra as assunções:
' :: . deve falar de maneira compreensível, ser veraz e tomar - de que com todas as ações de fala orientadas pelo
II ,, por verdadeira cada enunciação e por correta cada nor- entendimento manifestem-se exatamente três pretensões
ma relevante para o ato." 53 Tal formulação torna necessá- de validade (a);
rio um esclarecimento: sob pontos de vista de u m a teoria - de que as pretensões de validade possam ser dis-
da interação, distingo entre ações de fala "orientadas pelo aiminadas entre si de maneira suficiente (b);
entendimento" e atos de fala que se integram a contextos - e de que as pretensões de validade tenham de ser
estratégicos de ação, ora porque se vinculam a pretensões analisadas de maneira formal-pragmática, isto é, no plano
de poder, como imperativos autênticos, sem gerar com do emprego comunicativo das sentenças (c).
forças próprias n e n h u m efeito ilocucionário unitivo, ora Sobre (a): Pode-se afirmar a universalidade da preten-
porque o falante, com essas- enunciações, persegue fins são de verdade m e s m o que notadamente não possamos
perlocucionários. Assim, eu não utilizaria a expressão "sa- manifestar pretensão alguma de verdade com base em
• be_r. recíproco", que provém da semântica intencional, mas ações de fala não" constatátivas? 54 " Por certo, s o m e n t e
usaria em vez disso "suposições em comum". Ademais, as ações de fala constatativas nos permitem manifestar a
a expressão "mandamento" sugere um sentido normativo; pretensão de que seja verdadeiro o enunciado 'p' que se
eu assumiria o ônus de conotações transcendentais tênues assevera. Mas todos os demais atos de fala t a m b é m con-
e preferiria falar de "condições gerais" que devessem ser têm um componente proposicional, normalmente sob a
cumpridas para alcançar um comum acordo comunicati- forma de uma sentença declarativa nominalizada do tipo
vo. Por fim, sinto falta de u m a hierarquização entre a boa "que p". Isso significa que, m e s m o quando pratica ações
conformação ou compreensibilidade da expressão linguís- de fala não constatativas, o falante está se referindo a es-
tica como um pressuposto da comunicação, de um lado, tados de coisas; e por certo não de maneira direta, ou
e as pretensões de veracidade, verdade proposicional e seja, não com o posicionamento proposicional de quem
retidão normativa, de outro. A aceitação dessas preten- pensa ou opina, sabe ou crê que "p" é o caso. Os posicio-
sões enseja entre F e O um comum acordo* que-'funda- namentos proposicionais do falante que emprega senten-
menta obrigatoriedades de grande relevância para as con- ças vivenciais em ações de fala expressivas, ou sentenças
exortativas ou intencionais em ações de fala reguladoras,
53. A. Leist. "Was heifit Universalpragmatik?"; in- Germamstische
Linguistik, cad. 5 /6,1977, p. 93.
54. Leist, 1977, p p . 97 s.
538 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 539

são de outro tipo. Eles não se dirigem de m o d o algum à "constrangedoras", revelações, "ofensivas". O fato de elas
existência do estado de coisas que se menciona no com- poderem fracassar, sob esse aspecto, não é algo exterior
p o n e n t e proposicional. Q u a n d o o falante, por meio de às ações de fala n ã o reguladoras; pelo contrário, tal pos-
uma ação de fala não constatativa, diz desejar ou repudiar sibilidade resulta necessariamente de seu próprio caráter
algo, diz ensejar alguma coisa ou querer que se a enseje, enquanto ações de fala. Pois é possível depreender do
o que faz é pressupor a existência de outros estados de componente ilocucionário aí presente que o falante esta-
coisas ainda n ã o mencionados. É parte do conceito de belece relações interpessoais também ao executar ações
m u n d o objetivo que os estados de coisas integrem uma constatativas e expressivas; e estas, sirvam ou não ao con-
concatenação e não fiquem isolados pairando no ar. Por- texto normativo vigente, integram o m u n d o das ordena-
tanto, o falante une ao componente proposicional de sua ções legítimas.
ação de fala algumas pressuposições existenciais que forço- Também ha objeções contra a completude do rol de
samente podem ser explicitadas sob a forma de sentenças pretensões de validade. Q u a n d o elas são comparadas, por
assertóricas. Eis por que as ações de fala n ã o constatati- exemplo, aos postulados da conversação propostos por
vas t a m b é m apresentam referência de verdade. Grice56, podem-se constatar certos paralelos, mas t a m -
A propósito, isso não se aplica apenas às ações de b é m assimetrias. Por exemplo, não se tem u m a contra-
fala que se diferenciam e autonomizam por via proposi- partida ao postulado de que o falante contribua sempre
cional. Também atos abreviados por. .via .ilocucionária.-:, com uma fala atinente ao tema e que ela seja relevante
u m a saudação sob a forma de "oiV'- por exemplo—são ~rió contexto" dã conversação? Se tal pretensão de relevân-
entendidos como cumprimentos de normas, com base cia da contribuição ao diálogo não é manifestada pelo
nas quais é possível complementar o teor proposicional ouvinte, n e m relacionada a um texto (em vez de uma ação
da ação de fala: no caso da saudação, o bem-estar do des-
de fala isolada), e se portanto não se pode submetê-la a
tinatário ou a confirmação de seu status social, por exem-
um teste de sim/não, apenas com muita dificuldade se
plo. Entre outras coisas, a presença de alguém que pos-
poderá fundamentar a universalidade de tal exigência.
sa estar bem ou não, a participação dessa pessoa em de-
Em situações como conversas descontraídas, ou m e s m o
terminado grupo social etc. são elementos que integram
as pressuposições existenciais de u m a saudação. em alguns ambientes culturais em seu todo, é evidente
Com a universalidade da pretensão de correção ocorre que uma certa redundância das participações na fala faz-
de maneira um pouco diversa. Contra ela pode-se obje- -se até m e s m o desejável 57 .
tar a impossibilidade de depreender do significado de
ações de fala n ã o reguladoras u m a referência a contextos 56. H. P. Grice. "Logic and Conversation", in P. Cole, J. L. Morgan
normativos 55 . M a s às vezes os comunicados são "inade- (orgs.). Syntax and Semantics, vol. 3. Nova York, 1974, pp. 41 ss.; A. P. Mar-
quados", relatórios são "inoportunos", confissões são tinich. "Conversational Maxims and some Philosophical Problems",
Philosophicál Qiiarierly, 30,1980, p p . 215 ss.
57. Sobre outras objeções desse tipo, cf. J. Thompson. "Universal
55. Leist, 1977, p. 109. Pragmatics", in D. Held, T. Thompson, 1982.
540 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 541

Sobre (b): Além disso, há reparos a fazer diante da um ouvinte pode refutar duas pretensões de validade di-
possibilidade de chegar a uma discriminação acurada en- ferentes. Com sua tomada de posição negativa, o ouvinte
tre pretensões de verdade e pretensões de veracidade. O pode tanto ser de opinião de que
falante que expressa a opinião "p" de maneira veraz
t a m b é m n ã o tem de manifestar uma pretensão de ver- (9') Não, isso não é verdade
dade em favor de "p"? Parece impossível "esperar de F
que ele diga a verdade em outro sentido senão no de que como também pode ser de opinião de que
ele queira dizer a verdade - e isso não quer dizer outra
coisa senão que ele queira ser veraz" 58 . Essa restrição n ã o (9") Não, você de fato não tem em mente o que está
se refere à classe das ações de fala*expressivas como um dizendo.
todo, mas a enunciações erfí cuja parte constitutiva pro-
posicional haja verbos de cognição no presente, em pri- Em um dos casos ele entende (9) como enunciação
meira pessoa (tais como: eu penso - ou sei, creio, supo- constatativa; no outro caso, como enunciação expressiva.
nho, sou de opinião - "que p"). Pois ao m e s m o tempo se É evidente que negar o enunciado "p" implica tão pou-
estabelece u m a relação interna entre os posicionamentos co a negação da crença em "que p" quanto, ao inverso,
proposicionais que possam ser expressos com auxílio de (9") implica a t o m a d a de posição em (9'). E no entanto o
verbos de cognição e ações da fala constatativas.-Se..al-.,r ouvinte pode supor que F, ao afiiinar "p", também crê
- guém a f i r m a o u constata ou descreve.-"p'V essa- pessoa ."que p\ Isso. permanece distante, no entanto, de que, a
também é de opinião ou sabe ou crê "que p". Moore 59 já pretensão de verdade venha referir-se à existência do es-
apontava para o caráter paradoxal de enunciações como tado de coisas "p"; e a pretensão de veracidade só t e m
mesmo a ver com a manifestação da opinião ou da crença
"que p". O assassino que faz u m a confissão pode ter em
(9+) Está chovendo, m a s eu n ã o creio que esteja cho-
mente o que diz, mas, sem pretender tal coisa, dizer uma
vendo.
inverdade. E sem pretender ele também pode dizer a ver-
dade, embora minta ao silenciar sobre o que sabe acerca do
Apesar dessas concatenações internas, com a nega-
incidente. Um juiz que dispusesse de todas as evidências
ção de
suficientes poderia em um caso criticar como não verda-
deira a declaração veraz e, em outro caso, desvendar a
(9) Está chovendo
declaração verdadeira como n ã o veraz.
Tugendhat, ao contrário, procura resolver a questão
com uma única pretensão de validade 60 . Ele retoma ex-
58. Leist, 1977, p. 102; K. Graham. "Belief and the Limits of Irra-
tionality", lnquiry, 17,1974, p p . 315 ss.
59. A esse argumento refere-se J. Searle, "Intentionalitãt u n a der 60. E. Tugendhat. Selbstbeunisstsein und Selbstbestimmung. Frank-
Gebrauch der Sprache", in Grewendorf, 1979, pp. 163 s. f u r t / M . , 1979. Conferências 5 e 6.
RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 543
542 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO

sista um continuum entre as duas formas de expressão


tensa discussão, dando continuidade ao argumento de
não cognitivas para a dor, quais sejam o gesto e a sen-
Wittgenstein sobre a linguagem particular, para então
tença. Para Tugendhat, ao contrário, a diferença categorial
demonstrar que sentenças vivenciais como
reside em que a sentença vivencial pode ser falsa, mas o
gesto não. Sua análise leva ao resultado de que com a
(10) Sinto dor
transformação da exclamação em u m a sentença vivencial
sinônima "cria-se u m a expressão que, embora emprega-
(11) Tenho m e d o de ser violentada da segundo a mesma regra que vale para a exclamação,
só é verdadeira se usada de maneira correta; e disso re-
têm vínculo com a m e s m a pretensão de validade asser- sulta o caso peculiar de sentenças assertóricas que, não
tórica à qual se vinculam sentenças enunciativas de is?.es- obstante não serem cognitivas, podem ser verdadeiras ou
mo teor proposicional, a saber: falsas" 62 . Eis por que, com base em um critério de apti-
dão para a verdade, sentenças vivenciais como (10) não
(12) Ele sente dor devem poder distinguir-se de sentenças declarativas de
m e s m o teor proposicional, como (12). As duas p o d e m
(13) Ela t e m medo de ser violentada, - ser verdadeiras ou falsas. Entretanto, sentenças viven-
ciais-têm-a peculiaridade de expressar um "saber incorri-
sendo quê òs_respectivos pronomes pessoais em primei- gível": quando usadas de maneira efetiva, elas têm de ser
ra e terceira pessoa precisam ter a m e s m a referência. verdadeiras. Entre as sentenças (10) e (12) subsiste nes-
Se está correta a tese da assimilação proposta por Tu- se sentido uma "simetria veritativa": (12) é verdadeira des-
gendhat, então a negação de (10) ou (11) tem o mesmo de que (10) esteja sendo usada de acordo com as regras.
sentido que a negação de (12) ou (13), respectivamente. Para explicar essa concatenação, Tugendhat recon'e à
Seria redundante postular além da pretensão de verdade peculiaridade do termo singular "eu", com que o falante
também u m a pretensão de veracidade. designa a si mesmo sem no entanto identificar-se com
Como Wittgenstein, Tugendhat também parte em pri- ele. Ainda que a tese esteja certa, não se resolve m e s m o
.meiro lugar de um gesto expressivo, a exclamação "ai!", assim o problema de como poder explicar-que u m a sen-
e imagina que esse grito de dor linguisticamente rudi- tença tenha caráter assertórico e esteja apta à verdade,
mentar seja substituído por u m a enunciação expressiva sem contudo poder ser usada de m o d o cognitivo para dar
que está representada no plano semântico pela sentença a conhecer estados de coisas existentes.
vivencial (10). Wittgenstein subtrai qualquer caráter enun- Em geral, a regra para o emprego de sentenças asser-
ciativo a sentenças vivenciais como essa61. Supõe que sub- tóricas remete a um conhecimento; apenas no caso de

61. L. Wittgenstein. Nota §§ 404, 549, in Schriften, vol. V. Frank- 62. Tugendhat, 1979, p. 131.
f u r t / M . , 1970, p p . 369 e 398.
544 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 545

sentenças expressivas é que já cabe ao emprego correto (sendo que o pronome pessoal de primeira pessoa em
da expressão linguística garantir sua própria verdade. [14] e o p r o n o m e pessoal em terceira pessoa em [15] de-
Mas um ouvinte que queira constatar se um falante o está vem ter a mesma referência). Aí fica claro de imediato que,
e n g a n a n d o com a sentença (10) terá de verificar se a sen- no caso da invalidade de (14), o falante engana o ouvinte,
tença (12) é verdadeira ou não. Isso deixa claro que sen- ao passo que no caso da invalidade de (15) ele diz u m a in-
tenças expressivas em primeira pessoa não existem para verdade ao ouvinte sem que haja necessariamente uma
expressar conhecimentos e que, na melhor das hipóte- intenção de enganar. É legítimo, portanto, postular para
ses, o que elas fazem sim é retirar das sentenças declara- ações de fala expressivas uma pretensão de validade di-
tivas correspondentes em terceira pessoa a pretensão de versa da que se postula para ações de fala constatativas.
verdade que se lhes atribui; pois somente as sentenças Wittgenstein aproxima-se muito desse discernimento em
declarativas podem representar o estado de coisas a cuja um trecho das Investigações filosóficas ao demonstrar, com
existência a pretensão de verdade se refere. Assim, Tu- base no caso-modelo de u m a confissão, que exterioriza-
gendhat incorre no dilema de ter de, contraditoriamen- ções expressivas não têm um sentido descritivo, ou seja,
te, caracterizar o que um falante pensa ao utilizar s e n - não são aptas à verdade, podendo não obstante ser válidas
tenças vivenciais. Por um lado, deve-se tratar de um sa- ou inválidas: "Os critérios de verdade da confissão de que
ber para o qual o falante reivindica validade no sentido eu teria pensado tal e tal coisa não são os da descrição ve-
de u m a verdade proposicional; por outro lado, esse saber rídica de um acontecimento. E a importância da confissão
. n ã o pode.ter oistatus de um conhecimento, pois. conhe-_ verdadeira não reside em que ela dê a conhecer um acon-
cimentos só p o d e m manifestar-se em sentenças assertó- tecimento qualquer, de forma correta e cõm toda certeza.
ricas que, por princípio, podem ser contestadas como Reside sim nas conclusões específicas que se podem tirar
n ã o verdadeiras. No entanto, esse dilema só ocorre de u m a confissão cuja verdade esteja garantida pelos cri-
q u a n d o se propõe identidade entre a pretensão de ver- térios específicos de veracidade." 63
dade e a pretensão de validade da veracidade (pretensão Sobre (c): Com esses argumentos já tangenciamos o
análoga à verdade). O dilema se resolve quando se vai terceiro grupo de restrições contra a abordagem formal-
do plano semântico ao pragmático, e q u a n d o se estabe- -pragmática da análise de pretensões de validade. Essas
lecem comparações entre ações de fala, e não mais entre pretensões de validade, que dizem respeito a relações in-
sentenças:
63. Wittgenstein, 1960, p. 535; além disso, cf. St. Hampshire.
(14) Preciso admitir a você que já faz dias v e n h o Fecling and Expression. Londres, 1961; B. Aune. "On the Complexity of
sentindo dores Avowals", in M. Black (org.). Philosophy in America. Londres, 1965, pp.
35 ss.; D. Gustafson. "The Natural Expression of lntention", Philophical
Fórum, 2,1971, p p . 299 ss.; do m e s m o autor: "Expression of Intentions",
(15) Posso relatar-lhe que já faz dias ele v e m sentin-
Mind, 83,1974, p p . 321 ss.; N. R. Norrick. "Expressive Illocutionary Acts",
do dores journal of Pragmatics, 2,1978, pp. Til ss.
546 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 547

terpessoais segundo o modelo de reivindicações de di- condições do reconhecimento intersubjetivo das respec-
reitos, e que se destinam ao reconhecimento intersubje- tivas pretensões de validade. Um exemplo disso é o des-
tivo, são manifestadas em favor da validade de expres- dobramento da semântica da verdade de M. Dummett 6 4 .
sões simbólicas, e no caso-pacirão até mesmo em favor da Dummett parte da distinção entre as condições que
validade do teor proposicional que depende do compo- u m a sentença assertórica tem de cumprir para ser verda-
nente ilocucionário. É recomendável, portanto, conside- deira e o conhecimento que deve ter o falante acerca des-
rar u m a pretensão de validade como fenômeno comple- sas condições de verdade (as quais ao m e s m o tempo de-
xo e derivado, que p o d e ter sua origem no fenômeno da terminam o significado da sentença) quando afirma ser
satisfação das condições de validade das sentenças. Mas verdadeira a sentença. O conhecimento das condições
então não^ seria o caso de procurar essas condições no de verdade consiste em saber como se constata se elas fo-
plano pragmático do emprego dessas sentençaS*em ações ram cumpridas ou não em dada situação. A versão orto-
de fala constatativas, expressivas e reguladoras, e não tan- doxa da semântica da verdade, que pretende explicar a
to no plano semântico da análise de sentenças declarati- compreensão da sentença recorrendo ao conhecimento
das condições de verdade, está assentada sobre a assun-
vas, vivenciais, exortativas e intencionais? Considere-se
ção irrealista de que, ao menos para todas as sentenças
uma teoria das ações de fala que, para explicar o efeito
assertóricas, haveria procedimentos disponíveis com os
vinculativo ilocucionário, recorre a u m a garantia oferecida
quais' se poderia efetivamente decidir se as condições de
'pelo falante" ém favor da validade do que éditQ-e- a uma.,
-'véfdãdè foram "cumpridas, ou "não. Essa assunção apoia -
motivação adequadamente racional presente no ouvinte:
-se tacitamente em uma teoria do conhecimento empí-
ora, u m a teoria como essa não acaba sendo dependente rica que confere posição fundamental às sentenças pre-
de u m a teoria da significação que, por sua vez, explica dicativas simples de uma linguagem que se destina à ob-
sob que condições são válidas as sentenças empregadas? servação. Ora, n e m m e s m o o jogo argumentativo postu-
Nessa controvérsia não se trata de questões ligadas lado por Tugendhat para a verificação de tais sentenças
à delimitação de áreas ou à definição nominal, m a s de aparentemente elementares consiste em um procedimen-
saber se é possível explicar o conceito da validade de uma to de decisão que se possa utilizar como um algoritmo,
sentença independentemente do conceito do resgate de ou seja, como se estivessem excluídas por princípio quais-
uma pretensão de validade manifestada com a enunciação quer outras exigências de fundamentação 6 5 . A ausência
dessa mesma sentença. Defendo a tese de que isso não de procedimentos efetivos de decisão fica particularmen-
é possível. Para serem realizadas de maneira consequen- te clara quando se trata de sentenças condicionais ir-
te, investigações de viés semântico acerca de sentenças
descritivas, expressivas e normativas levam a uma mu-
64. M. Dummett. "What is a Tneorv of Meaning?", in G. Evans, J.
dança dos planos analíticos. A análise das condições de McDowell (orgs.). Truih and Meaning. Oxford, 1976, p p . 67 ss.
validade das sentenças impele por si mesma à análise das 65. Tugendhat, 1976, pp. 256 ss.
548 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONAÜDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 549

reais, sentenças existenciais gerais e sentenças de índice Assim, persistiria a situação de que o falante só po-
temporal (todas as sentenças que se referem a espaços deria gerar razões como essas segundo um procedimen-
e tempos indisponíveis no m o m e n t o atual): "The diffi- to que se aplicasse de maneira monológica; e dessa ma-
culty arises because natural language is full of sentences neira t a m b é m uma explicação das condições de verdade
which are not effectively decideable, ones for which there dada segundo conceitos atinentes à fundamentação de
exists no effective procedure for determining w h e t h e r or u m a pretensão de verdade n ã o levaria à transição de um
not their truth conditions are fulfilled." 66 plano semântico das sentenças a um plano pragmático
Já que em muitos casos, se n ã o na maioria deles, o do emprego comunicativo das sentenças. Dummett, po-
conhecimento das condições de verdade de sentenças rém, acentua que o falante n ã o pode, de m o d o algum,
assertóricas é problemático, D u m m e t t acentua a diferen- proceder coercivamente às verificações necessárias, por
ça entre o conhecimento das condições que tornam ver- via dedutiva e conforme leis conclusivas. Ã grande diver-
dadeira u m a sentença e as razões que autorizam um fa- sidade de razões disponíveis transcreve-se nas relações
lante a asseverar a verdade de u m a sentença. Apoiado internas de um universo de estruturas linguísticas que só
em assunções fundamentais do intuicionismo, ele refor- se pode esquadrinhar por via argumentativa. Dummett
mula a teoria do significado como a seguir: "[...] an u n - persegue a tal ponto esse pensamento, que acaba por
derstanding of a statement consists in a capacity to re- abandonar de todo a noção central do verificacionismo:
cognize whatever is counted as verifying it, i. e. as con- "A verificacionist theory comes as close as any plausible
clusively establishing it as true. It is "not necessary that theorv of meaning can do to explaining the m e a n i n g of
wé sKould have any means of deciding the truth or falsity "a sentence in terms of thè grounds on which it maj^ be
of t h e statement, only that we be capable of recognizing asserted; it must of course distinguish a speaker's actual
w h e n its truth has been established" 67 . É parte da com- grounds, which not be conclusive, or ma}' be indirect,
preensão de uma sentença a capacidade de reconhecer from t h e kind of direct, conclusive grounds in terms of
razões com as quais se pudesse resgatar a pretensão de que which the meaning is given, particularly for sentences,
já estivessem satisfeitas suas condições de verdade. Essa like those in the future tense for which the speaker can-
teoria, portanto, explica o significado de uma sentença not have grounds of the latter kind at the time of utte-
enquanto algo mediato tão somente em relação ao co- rance. But a falsificationist theory [...] links the content of
nhecimento das condições de sua validade, mas imedia- an assertion with the commitment that a speaker under-
to em relação ao conhecimento das razões que estão ob- takes in making that assertion; an assertion is a kind of
jetivamente à disposição de um falante quando se trata gamble that the speaker will n o t be proved wrong." 68
de resgatar uma pretensão de verdade. Compreendo isso tudo como indicação sobre a na-
tureza falibilista da solvência discursiva de pretensões de
66. Dummett, 1976, p. 81.
67. Dummett, 1976, pp. 110 s. 68. Dummett, 1976, p. 126.
550 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 551

validade. A esta altura n ã o tenciono dedicar-me a deta- (5) Sobre a classificação de atos de fala
lhes da teoria da significação proposta por Dummett. Se estiver correta nossa tese de que se pode contes-
Nela, entretanto, importa destacar como essencial a pos- tar, exatamente sob três aspectos universais, a validade
sibilidade de que se critique a pretensão manifestada de ações de fala orientadas pelo entendimento, então
pelo falante, favorável à validade de u m a sentença. A se- t a m b é m podemos supor um sistema de pretensões de
mântica da verdade nessa versão revisada, de todo modo, validade subjacente à autonomização e diferenciação dos
presta contas ao fato de n ã o se poder explicitar as condi- tipos de ações de fala. Assim, a tese de universalidade
ções de verdade sem vinculá-las ao saber sobre como uma também teria consequências para a tentativa de classifi-
respectiva pretensão de validade pode ser resgatada. En- car ações de fala sob pontos de vista teóricos. Até aqui,
tender uma asserção equivale a saber em que m o m e n t o empreguei de maneira tácita a divisão em ações de fala
um falante tem boas razões para responsabilizar-se pela reguladoras, expressivas e constatativas. Gostaria agora
garantia de que estão cumpridas as condições favoráveis de justificar essa divisão pela via do embate crítico com
à verdade do enunciado que se assevera. outras tentativas de classificação.
Como no caso do significado de sentenças assertóri- É sabido que Austin, ao final de sua série de confe-
cas, também diante de sentenças expressivas e normati- rências "How to do things with words?", havia dado iní-
vas pode-se demonstrar que uma análise de viés semân- cio à busca de u m a tipologia para as ações de fala. Nelas,
tico leva para além de si mesma. A discussão que se deu ordenou os atos ilocucionários, baseado nos verbos per-
em.seguida à análise de sentenças vivenciais por Witt- ~ formativos, e distinguiu cinco tipos de ações de fala (per-
genstein t o m a claro que a pretensão ligádá"à expressões ""díctives, exercitives, commissives, bekabitives e expositives),
está mesmo genuinamente destinada aos outros. O senti- sem negar o caráter temporário dessa divisão71. De fato, é
do da função expressiva e informativa depõe sem dúvida só para a classe das ações de fala commissives que Austin
em favor de um u s o iminentemente comunicativo dessas indica um critério claro de delimitação: com promessas,
expressões 69 . Ainda mais claro é o caráter intersubjetivo ameaças, prenunciações, juramentos, contratos etc., o fa-
da validade deontológica das normas. Também nesse caso lante empenha-se em cumprir determinadas ações no
u m a análise feita com base em predicados simples e vol- futuro. O falante assume uma vinculação normativa que
tados a reações sentimentais aparentemente subjetivas, o obriga a determinada maneira de agir. As demais clas-
diante de ofensas ou prejuízos da integridade física, aca- ses, m e s m o que se leve em conta o caráter descritivo da
ba por conduzir ao sentido intersubjetivo e mesmo su- divisão proposta, não estão definidas de maneira satisfa-
prapessoal dos conceitos morais básicos 70 . tória. Elas não satisfazem as exigências de distinção e dis-
juntividade 72 ; isto é, a classificação de Austin não torna
69. P. M. S. Hacker. Einsicht und Táuschung, caps. VHI e IX. Frank-
f u r t / M . , 1978, pp. 289 ss. 71. Austin, 1962, pp. 150 ss.
70. Um exemplo convincente é a análise de P. F. Strawson sobre os 72. Além disso, não se deveriam fazer exigências tão severas
ressentimentos provocados por ofensas morais, inJP. _E Strawson. Free- como Th. T. B. Ballmer. "Probleme der Klassification von Sprechakten",
dom and Resentment. Londres, 1974. in Grewendorf (1979), pp. 247 ss.
552 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 553

necessário atribuir fenômenos diversos a categorias diver- base em u m a lista de verbos performativos diferenciados
sas, tampouco atribuir um fenômeno a uma única categoria. em determinada língua, para logo assumir como base as
A classe das verdictives compreende enunciações com intenções ou fins ilocucionários que um falante persegue
as quais se constatam "juízos" no sentido de u m a gra- mediante o uso de diversos tipos de ações de fala, inde-
duação ou uma valoração. Austin nesse caso n ã o distin-
pendentemente das fonnas de sua realização em um idio-
gue entre julgamentos de teor descritivo e normativo. As-
ma específico. Chega assim a uma classificação nítida e,
sim, há superposições tanto com as expositives quanto com
as exercitives. Essa classe das exercitives abrange de início de um ponto de vista intuitivo, bastante ilustrativa: ações
todas as ações declarativas, ou seja, expressões de decisões de fala são constatativas, comissivas, diretivas, declarativas
autorizadas por via institucional e m e s m o jurídica, na e expressivas. Como classe bem definida, Searle apresen-
maioria das vezes (como condenações, adoções, nomea- ta inicialmente as ações de fala constatativas (ou repre-
ções, menções honrosas, renúncias eíc.)""Ocorrem justa- sentativas). De Austin, além disso, ele m a n t é m a classe
posições n ã o só com as verdictives como "nominar" e das comissivas e opõe-lhes a das diretivas; enquanto na-
"notabilizar", mas t a m b é m com as behabitives como, por quelas o próprio falante compromete-se a uma ação, nes-
exemplo, "levantar protesto". Essas behabitives, de sua par- tas ele procura mover o ouvinte a que execute determina-
te, constituem uma classe composta de maneira verdadei- da ação. Entre as diretivas, Searle inclui injunções, pedi-
ramente heterogênea. Ao lado de expressões de manifes- dos, decretos, exortações, convites, além de perguntas e
tações sentimentais estandardizadas, como lamentações orações. Com isso, ele não distingue entre exortações nor-
ou manifestações de pêsames, ela contém ainda expres- malizadas, como petições, reprimendas, ordens etc., de um
sões adequadas a manifestações de f u n d o institucional lado, e imperativos simples, ou seja, extemações não-au-
(congratulações, maldições, brindes, boas-vindas), bem
torizadas da vontade, de outro. Também por isso continua
como expressões de restauração (desculpas, agradecimen-
sendo imprecisa a delimitação entre diretivas e declarati-
tos, conciliações de todos os tipos). A classe das expositives,
por fim, não distingue entre ações constatativas, que se vas. Para que haja enunciações declarativas, é preciso h a -
prestam a representar estados de coisas, e ações comuni- ver instituições individuais que garantam a obrigatorieda-
cativas, que tais como perguntas e réplicas, interpelações, de normativa (por exemplo de nomeações, renúncias, de-
citações etc. referem-se à própria fala. E ainda seria preci- clarações de guerra, demissões); de outra parte, porém,
so diferenciar dessas outras as expressões que usamos essas mesmas enunciações têm um sentido normativo si-
para designar a execução de operações como tirar con- milar ao de instruções e ordens. A última classe abrange as
clusões, identificar, ponderar, classificar etc. ações de fala expressivas. Elas são definidas segundo sua
Searle procurou dar à classificação de Austin uma meta de prestar-se à expressão sincera, pelo falante, de
conformação mais rigorosa 73 . Deixou de se orientar com suas situações psíquicas. Searle, porém, não se mostra se-
guro no emprego desse critério; desse modo, ficam ausen-
73. J. Searle. "A toxonomv of illocutionary Acts", in J. Searle. Ex- tes os casos exemplares de confissões, desvendamentos,
pression and Meaning. Cambridge, 1979, p p . 1 ss.
revelações etc. Estão mencionadas lamentações e teste-
554 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 555

m u n h o s de alegria ou comiseração. E Searle, quando dila- bos, partículas e entonações frasais performativos, ofere-
ta essa classe com o acréscimo de ações de fala institucio- cem esquemas para a criação de relações interpessoais.
nalmente vinculadas, como felicitações e cumprimentos, As forças ilocucionárias constituem nós de ligação nas
deixa evidente estar sob influência de Austin e de sua ca- redes de socialização comunicativa; o léxico ilocucioná-
racterização das behabitives. rio é como u m a área de entrecruzamento onde se enre-
A versão da tipologia de ações de fala proposta por dam a língua e as ordenações institucionais de uma so-
Austin e depurada por Searle caracteriza a situação de ciedade. Essa infraestrutura social da língua está fluindo,
partida de u m a discussão que se desenvolveu em duas ela mesma; e varia dependendo das instituições e formas
direções. U m a dessas direções é marcada pelos esforços de vida. Mas nessas variações também se manifesta uma
do próprio Searle por u m a fundamentação ontológica criatividade linguística, que confere novas formas de ex-
dos cinco tipos de ação de fala; a outra direção é deter- pressão a soluções inovadoras diante de situações desco-
minada pela tentativa de ampliar a classificação das nhecidas 75 .
ações de fala sob pontos de vista da pragmática empíri- Importantes para u m a classificação pragmática das
ca, a fim de poder torná-la frutífera para a análise de se- ações de fala são indicadores que se refiram a d i m e n -
quências de atos de fala em situações comunicativas sões gerais da situação de fala. Para a dimensão temporal
cotidianas. coloca-se a pergunta q u a n t o à orientação dos envolvi-
- Nesta última linha estão os trabalhos-de l i n g u i s t a s " I cios,..se . ela se volta mais ao.futuro, passado ou presente
e sociolinguistas como Wunderlich, Gampbeli e Kréckel74:" ou se as ações de fala sãõ temporalmente neutras. Para
Contextos sociais da vida apresentam-se à pragmática a dimensão social coloca-se a pergunta sobre haver obri-
empírica como ações comunicativas em u m a rede de es- gatoriedades que se mostrem relevantes para as conse-
paços sociais e tempos históricos. Os modelos de força quências da interação, e se elas o são para o falante,
ilocucionários realizados em idiomas isolados refletem a para o ouvinte, ou para ambas as partes. E para a di-
estrutura dessas redes de ação. As possibilidades linguís- mensão objetiva coloca-se a pergunta sobre o acento te-
ticas de realizar atos ilocucionários, seja na forma fixa de
moãi gramaticais, seja em formas mais flexíveis de ver-
75. U m a das medidas para mensurar a flexibilidade de uma socie-
d a d e é a participação que as ações de fala ritualizadas, idiomaticamen-
74. D. Wunderlich. "Skizze zu einer integrierten Theorie der te estipuladas e mais ou menos associadas por via institucional têm
grammatischen u n d pragmaiischen Bedeutung", in D. Wunderlich, junto à totalidade das possibilidades de comunicação disponíveis em
1976, p p . 51 ss.; do m e s m o autor: "Was ist das f ü r ein Sprechakt?", in seu tempo. Assim, Wunderlich (1976, p p . 86 ss.) diferencia atos de fala
Grewendorf, 1979, pp. 275 ss.; do m e s m o autor: "Aspekte einer Theorie quanto a dependerem mais fortemente ou de normas de ação ou de
der Sprechhandlungen", in H. Lenk, 1980, p p . 381 ss.; B. G. Campbell. situações de ação; para esse fim, Campbell (1975) empregou as dimen-
"Toward a Workable Taxonomy of Illocutionary Forces", Langiiage and sões "institutional vs. vemacular" e "positional vs. interactional".
Style, vol. VIII, 1975, pp. 3 ss.; M. Kreckel. Communicative Acts and Shared Relevante nesse aspecto é também a dimensão "iniciativo vs. reativo"
Knowledge in Natural Discourse. Londres, 1981. (Wunderlich, 1976, pp. 59 ss.).
j

556 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 557

mático incidir predominantemente nos objetos, nas tivos etnolinguísticos e sociolinguísticos e em estarem
ações ou nos próprios atores. M. Kreckel usa esses in- mais à altura da complexidade das cenas naturais do que
dicadores para uma proposta de classificação com a qual outras tipologias que t o m e m mais as intenções e fins ilo-
embasa sua análise das situações comunicativas .coti- cucionários como pontos de partida, e não tanto as mar-
dianas (fig. 15). cas situacionais. O preço por essa vantagem, no entanto,
A vantagem dessa classificação e de outras similares acaba sendo a renúncia à evidência intuitiva de subdivi-
reside em oferecerem um fio condutor a sistemas descri- sões que decorram de análises semânticas e prestem
contas às funções elementares da linguagem (como a re-
presentação de estados de coisas, a expressão de vivên-
cias e a criação de relações interpessoais). As classes de
F i g . 15 Classificação segundo três indicadores -pragmáticos
ações de fala obtidas por via indutiva e formadas de
Speaker (S) Hearer (H) acordo com indicadores pragmáticos não chegam a con-
densar-se em tipos distintos; falta a essas classes uma
cognition-oriented (C) cognition-oriented (C)
força de iluminação teórica que pudesse aclarar nossas
Does the speaker indicate Does the speaker try to intuições.
Present that he has taken up the influence the hearer's view Searle dá esse passo em direção a u m a tipologia teo-
hearer's message? the world? ricamente motivada para as ações de fala; ele o faz quando
examples: agreeing- .
acknowledging - examples: asserting-— m — . caracteriza, ontologicamente as intenções e atitudes pro-
rejecüng posicionais ilocucionárias que um falante persegue ou
dedaring
assume ao executar atos de fala constatativos, diretivos,
person-oriented (P) person-oriented (P)
comissivos, declarativos e expressivos. Para tanto, ele se
Does the speaker reíer to Does the speaker refer to the serve do conhecido modelo que define o m u n d o como
Pasi himself and/or his past action? person of the hearer and/or totalidade dos estados de coisas existentes, que aborda o
his past action?
examples: justifying falante/ouvinte como uma instância exterior a esse m u n -
examples: accusing
defendmg criticizing do e admite exatamente duas relações mediadas pela lin-
lamenting teasing guagem entre ator e mundo: a relação cognitiva de cons-
action-oriented (A)
tatação dos fatos e a relação intervencionista da concre-
action-oriented (A)
tização de um propósito da ação. Assim, podem-se ca-
Future Does the speaker commit Does the speaker try to make racterizar as intenções ilocucionárias de acordo com a
himself to future action? the hearer do something? direção na qual se pode chegar a uma concordância en-
examples: promising examples: advising
refusing challenging
tre sentenças e fatos; a seta que vai de cima para baixo
giving in ordering (4) quer dizer que cabe às sentenças convir aos fatos; a
In: Kreckel, 1981, p. 18S. seta em direção oposta ( t ) quer dizer que cabe adaptar
558 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 5ò9

os fatos às sentenças. Assim, vale o seguinte para a força De início, as ações de fala comissivas parecem adap-
assertórica das ações de fala constatativas e para a força im- tar-se bem ao modelo, sem coerções; com um ato de fala
perativa das ações de fala diretivas: como esse, F assume diante de O a garantia de que os fa-
tos podem ser colocados êm concordância com a senten-
constatativa \— 4 K(p) ça intencional enunciada (t):
diretiva ! TI (O ocasiona p)
comissiva C T I (F ocasiona p)
sendo que K está para cognições ou para as atitudes
proposicionais de opinar, pensar, crer etc.; e I, para in- No entanto, na análise do uso de sentenças intencio-
tenções e para as atitudes proposicionais de querer, de- nais em prenunciações, havíamos percebido que a força
sejar, pretender etc. "A força assertórica significa que F, ilocucionária dos atos de fala comissivos não pode ser
diante de O, manifesta uma pretensão de verdade em fa- explicada com as condições de satisfação da intenção
vor de p, ou seja, assume a garantia pela concordância acionai prenunciada. Só que isso já se tinha em mente
entre a sentença enunciativa e os fatos (4); a força im- com T. Com ações de fala comissivas, o falante vincula
perativa significa que F, diante de O, manifesta u m a sua vontade no sentido de u m a obrigação normativa; e as
pretensão de poder para impor que "O ocasione p", ou condições de confiabilidade de u m a declaração de inten-
seja,.assume-a-garantia-de-que os fatos serão~levados a" ç õ e s são~de t i p o muito diverso/ se comparadas às condi-
,-rj.concordar:com-a séntençã é x o r t a t i v á - f t ^ A í l ^ d i d a q u e ' ções que o falante cumpre"quando" faz valer sua intenção
descreve as forças ilocucionárias com auxílio das rela- como ator. Searle precisaria distinguir as condições de va-
ções entre linguagem e m u n d o , Searle recorre às condi- lidade das condições de êxito.
ções de validade de sentenças enunciativas e exortati- De maneira semelhante, só havíamos distinguido até
vas. É da dimensão de validade que ele depreende os aqui entre exortações normatizadas (como instruções,
pontos de vista teóricos para a classificação das ações de ordens, decretos etc.) e meros imperativos; nas primeiras
fala. Contudo, restringe-se à perspectiva do falante e o falante manifesta u m a pretensão de validade normati-
deixa de lado a formação do consenso, isto é, a dinâmica va; nestes últimos, manifesta u m a pretensão de poder
da negociação e do reconhecimento intersubjetivo das sancionada de fora. Por isso, n e m m e s m o o sentido im-
pretensões de validade. No modelo das duas relações perativo de exortações simples pode ser explicado com
mediadas pela linguagem entre um ator solitário e o base nas condições de satisfação das sentenças impera-
m u n d o único e objetivo, não há lugar para a relação in- tivas que vinham sendo empregadas. Mesmo que isso
tersubjetiva entre participantes da comunicação à busca bastasse, Searle teria dificuldades de restringir a classe
de entendimento sobre algo no mundo. Ao concretizar- das diretivas à classe dos imperativos autênticos e de de-
-se, essa concepção ontológica acaba por revelar-se es- limitar a classe das diretivas em face de instruções ou or-
treita demais. dens, já que seu modelo não admite condições de vali-
RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 561
560 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO

dade para norrr.as (ou para seu cumprimento). Essa in- ro; para tanto, cabe tomar como ponto de partida que os
correção t o m a - s e bastante notável assim que Searle ten- fins ilocucionários das ações de fala sejam alcançados
ta abrigar em sua sistemática as ações de fala declarativas. por meio do reconhecimento intersubjetivo de preten-
Notadamente, a força ilocucionária de uma decla- sões de poder e de pretensões de validade; cabe também
ração de guerra, u m a renúncia, a abertura de u m a reu- tratar a retidão normativa e a veracidade subjetiva como
nião, o proferimento de u m a lei etc. não se deixa inter- pretensões de validade análogas à verdade e, da m e s m a
pretar segundo o esquema das duas direções adaptati- forma, interpretar estas últimas com base nas relações
vas. A medida que um falante cria fatos institucionais, ator-mundo. Essas revisões apresentam como resultado
não está se referindo a coisa alguma no m u n d o objeti- a seguinte classificação:
vo; mais que isso, está agindo em concordância com as - com imperativos, o falante refere-se a um estado
ordenações legítimas do m u n d o social e ao m e s m o tem- almejado no m u n d o objetivo, e de tal maneira que pre-
po dando início a novas relações interpessoais. É por puro tende impelir O a concretizar esse estado. Imperativos só
embaraço que, para simbolizar esse sentido atinente a podem ser criticados sob pontos de vista sobre a possi-
outro m u n d o , Searle utiliza a seta dupla referindo-se ao bilidade de execução da ação exigida, isto é, com base nas
m u n d o objetivo: condições de seu sucesso. Normalmente, porém, a recu-
sa de imperativos significa a refutação de u m a pretensão
declarativa D$(p)— de poder; ela não se apoia sobre crítica, mas, de sua par-
ter£xpressa uma vontade. -.
1
sèndõ"qúe aqui não p o d e m ser exigíveis quaisquer posi- - com ações de fala constatativas, o falante refere-se a
cionamentos proposicionais. Esse seu embaraço repete- algo no m u n d o objetivo, e de tal maneira que apenas
se u m a vez mais com as ações de fala expressivas, cuja pretende dar a conhecer um estado de coisas. A negação
força ilocucionária t a m b é m n ã o pode ser caracterizada de uma enunciação desse tipo significa que O contesta a
por meio de relações de um ator com o m u n d o de estados pretensão de verdade manifestada por F em favor da pro-
de coisas existentes. Searle é coerente o bastante para posição apresentada.
expressar a impossibilidade de uso de seu esquema com - com ações de fala reguladoras, o falante refere-se a
um sinal de nem-tampouco: algo no m u n d o social em comum, e de tal maneira que
pretende estabelecer u m a relação interpessoal reconhe-
atos de fala expressivos E 0 (p) cida de maneira legítima. A negação de u m a enunciação
desse tipo .significa que O contesta a retidão normativa
sendo possíveis atitudes proposicionais quaisquer. reivindicada por F para sua ação.
As dificuldades da tentativa de classificação empreen- - com ações de fala expressivas, o falante refere-se a
dida por Searle podem ser evitadas, em benefício da m a - algo em seu m u n d o subjetivo, e de tal maneira que pre-
n u t e n ç ã o de seu ponto de vista teórico bastante frutífe- tende desvelar para certo público u m a vivência à qual
562 TEORJA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 563

tem acesso privilegiado. A negação de u m a enunciação Quando se passa a operar com base nessa classifica-
desse tipo significa que O põe em dúvida a pretensão de ção, comissivas e declarativas, assim como ações de fala
veracidade da autorrepresentação manifestada por F. ' institucionalmente vinculadas (apostas, casamentos, ju-
Outra classe de ações de fala é constituída pelas co- ramentos etc.) e reparativas (que se referem a reconcilia-
municativas; elas t a m b é m podem ser entendidas como a ções e desculpas por desrespeito a normas), precisam ser
subclasse de ações de fala que, assim como perguntas e subsumidas à m e s m a classe das ações de fala regulado-
respostas, objeções, interpelações, concessões etc., estão ras. Com isso já se percebe que os modi fundamentais ca-
a serviço da organização da fala, sua divisão em temas e recem de diferenciações complementares. Enquanto não
colocações, a serviço da distribuição dos papéis na con- se tem êxito com o desenvolvimento de taxonomias para
versação, do regramento do transcurso da conversação toda a gama de forças ilocucionárias autonomizadas e dife-
etc. 76 É mais recomendável, no entanto, apreender as co- renciadas nas diversas línguas, no âmbito de determina-
municativas como uma classe independente e defini-las do modus fundamental, não se pode usar esses modi para
por meio da referenàação reflexiva ao transcurso da comu- analisar as comunicações cotidianas. Só alguns poucos
nicação. Pois com isso p o d e m incluir-se t a m b é m os atos atos ilocucionários (como afirmações e constatações,
de fala que ou se referem diretamente a pretensões de promessas e ordens, confissões e revelações) são tão ge-
validade (como afirmativas, negações, assegurações, con- rais a ponto de poder caracterizar um modus f u n d a m e n -
firmações etc.), ou ao processamento.argumentativo de. t a l como tal: Normalmente,"às possibilidades de expres-
'pretensões de validade. — :— -- - são padronizadas nas tíriguãs "riaturàiá não caracterizam
~ Por fim7 resta "a ciasse das operativas, ou seja, ações apenas a referência a u m a pretehsãg^ie validade em ge-
de fala (como concluir, identificar, calcular, classificar, con- ral, mas a maneira como um falante reivindica verdade,
tar, predicar etc.) que designam o emprego de regras retidão ou veracidade para u m a expressão simbólica. In-
construtivas (da lógica, gramática, matemática etc.). Ações dicadores pragmáticos como o grau de dependência ins-
de fala operativas t ê m um sentido performativo, mas não titucional de atos de fala, a maior orientação ao passado
um sentido genuinamente comunicativo; ao m e s m o tempo, ou ao futuro, a maior orientação ao falante ou ao ouvin-
prestam-se à desaição do que se faz na construção de ex-
pressões simbólicas conformes com as regras 77 .
execução dessa ação ou lhe diz que esse ato é executado. Sobre a críti-
ca a essa tese de Lemmon, Hedenius, Wiggins, D. Lewis, Schiffer,
76. Sobre atos de fala em redesorganização, em continuidade à Wamock, Cresswell, entre outros, cf. G. Grewendorf. "Haben explizit
reflexão de H. Sacks, cf. E. Schegloff, E. Jefferson. "A Simplist Svstem- performative Àufierungen einen Wahrheitswert?", in Grewendorf, 1979,
atics for the Organization of turn-taking for Conversation", Languags 50, pp. 175 ss. Além do mais, é falso assemelhar ações de fala operativas,
1974, pp. 696 ss.; Wunderlich. Siuáien zur Sprechakttheorie. Frankfurt/M., que expressam a execução de atividades de construção, a ações de fala
1976, p p . 330 ss. constatativas. A elas o falante associa não urna pretensão à verdade pro-
77. A essa classe de ações de fala poderia estar muito mais confor- posicional, m a s u m a pretensão à boa conformação construtiva ou à
me a tese de que S, por um ato ilocucional, informa o ouvinte sobre a inteligibilidade.
564 TEORIA DO AGIR COMUNICATNO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 565

te, acentos temáticos etc. p o d e m prestar-se a que se

mundo social
apreendam de maneira sistemática as modificações ilocu-

Referências
de mundo

subjetivo
mundo •
objetivo
objetivo
cionárias das pretensões de validade. Somente u m a prag-

mundo
mundo
mática empírica teoricamente bem instruída será capaz

j
de desenvolver taxonomias de ações de fala realmente
informativas, ou seja, n e m cegas nem vazias.

de validade
Pretensões

veracidade
[eficácia]

correção
verdade
Na verdade, os tipos puros do uso da linguagem orien-
tado pelo entendimento são apropriados como fios condu-
tores para a tipologização de interações mediadas pela
linguagem. No agir comunicativo, os planos de ação dos

conforme com
objetivadora
objetivadora
Sc
participantes individuais são coordenados com auxílio

as normas
t
Atitudes
básicas
de efeitos vinculativos proporcionados pelas ações de
fala. Por isso pode-se supor que também atos de fala o>
constatativos, reguladores e expressivos constituam ti-

entendimento'
entendimento
entendimento
pos correspondentes de interação linguisticamente m e -

Orientações

orientado

orientado
orientado
pelo êxito

orientada
diada. É claro que isso vale para as ações de fala regulado-

da ação
ras e expressivas, constitutivas do agir conduzido por nor-

pelo

pelo

pelo
mas e do agir dramatúrgico, respectivamente. À primeira_

:
vista não se tem um tipo interacional que corresponda

representação
influenciação

interpessoais
do oponente

autorrepre-
linguísticas
de maneira semelhante às ações de fala constatativas. Há

de estados

criação de

sentação
de coisas
Funções

relações
concatenações de ação, entretanto, que n ã o estão priori-
tariamente a serviço da execução de planos de ação estabe- .a.
lecidos por via comunicativa, ou seja, a serviço de atua- c~

i
constatativas
perlocuções,
imperativos
ções propositadas, m a s possibilitam e estabilizam comuni-

expressivos
Atos de fala

regulativas
caracteri-
cações - diálogos, argumentações, conversações em ge- toO
£

zantes
ral, que em determinados contextos têm seu fim em si
mesmas. Nesses casos o processo do entendimento de-

\sformal-prag-
Características

máticas
sencadeia-se a partir do papel instrumental desempe-

Agir dramatúrgico
n h a d o por um mecanismo que coordena a ação; e a n e -

Agir estratégico

Conversação ;

.

Agir regulado
gociação comunicativa de t e m a s autonomiza-se em fa-

por normas
vor da conversação. Sempre falo de "conversação" [Kon- Tipos de
versation] q u a n d o os pesos se deslocam nessa direção, ação
indo da atuação propositada à comunicação. C o m o aqui
566 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 567

prevalece o interesse por objetos negociados, talvez se gia, contribuições sobre a etnografia do falar 80 , e de par-
possa dizer que ações de fala constatativas têm um signifi- te da psicologia, pesquisas sobre as variáveis pragmáticas
cado constitutivo para conversações. da interação linguística 81 . Em face dessas contribuições, a
Portanto, nossa classificação d o s atos de fala pode pragmática formal que, sob u m a intenção reconstrutiva e
dedicar-se a apresentar três tipos puros, ou melhor, três portanto em sentido de u m a teoria da competência, de-
casos-limite do agir comunicativo: a conversação, o agir dica-se às condições do possível entendimento 8 2 parece
conduzido por normas e o agir dramatúrgico. Além dis- m e s m o afastar-se, sem chances, de um u s o fático da lin-
so, se levamos em conta as relações internas entre agir guagem 83 . Faz m e s m o sentido, sob essas circunstâncias,
estratégico e atos perlocucionários ou imperativos, ad- insistir na fundamentação formal-pragmática de uma teo-
quirimos para interações mediadas pela linguagem a se- ria do agir comunicativo? \
guinte subdivisão (fig. 16): Gostaria de responder a essa pergunte enumerando,
(6) Pragmática formal e empírica em primeiro lugar, os passos metódicos pelos quais a prag-
Mesmo que fosse cumprido esse programa de uma mática formal encontra uma via de contato com a pragmá-
teoria dos atos de fala, que até aqui apenas esbocei, ain- tica empírica (a); em seguida quero mencionar os proble-
da restaria a pergunta sobre o que se teria adquirido com mas que tornam necessária u m a aclaração dos fundamen-
uma teoria assim, de viés pragmático, em benefício de uma
tos racionais dos processos de entendimento (b); por fim,
teoria da ação da qual se pudesse fazer uso na sociolo-
gostaria de me dedicar a um importante argumento em
gia. Cabe ao m e n o s perguntar por que não optar antes
que a pragmática formal tem muito a aprender com a prag-
por um viés de pesquisa empírico-pragmático, que não
mática empírica, a fim de n ã o situar a problemática da
se atenha a reconstruções racionais de ações de fala in-
racionalidade no lugar errado - ou seja, não situá-la nas
dividuais altamente idealizadas e comece desde logo
orientações da ação, segundo sugere a teoria da ação de
com a prática comunicativa do dia a dia. Por parte da lin-
Max Weber, mas nas estruturas gerais dos m u n d o s da vida
guística há contribuições interessantes sobre a análise de
narrativas e textos 78 ; de parte da sociologia, contribuições aos quais pertencem os sujeitos que agem (c).
sobre a análise de conversações 79 ; de parte da antropolo- Sobre (a): Podem-se tomar os tipos puros da interação
mediada pela linguagem para aproximá-los passo a passo
78. W. Kummer. Grundlagen der Texttheorie. Hamburgo, 1975; M.
A. K. Halliday, "System a n d Function in Language", Selected Papers, 80. D. H y m e s (org.). Language in Culture and Society. Nova York,
Oxford, 1976; K. Bach, R. M. Hanisch. Linguistic Communication and 1964; do mesmo autor: "Models of the Interactions of Language and So-
Speech Acts. Cambridge, 1979. cial Life", in J. J. Gumperz, D. H y m e s (orgs.). Directions in Sociolinguis-
79. M. Coulthard. An Introduction into Discourse Analysis. Londres, tics. N o v a York, 1972, p p . 35 ss.
1977; L. Churchill. Questioning Strategies in Sociolinguistics. Rowley/Ma., 81. R. Rommetveit. On Message-Structure. Nova York, 1974.
1978; J. Schenken (org.). Studies in the Organization of Conversational In- 82. Apel, 1976b; Habermas, 1976b.
ter action. N o v a York, 1978; S. Jacobs. "Recent Advances in Discourse 83. Ver a avaliação crítica das inserções formal-pragmáticas de
Analysis", Quarterly Journal of Speech, 66,1980, p p . 450 ss. Allwood, Grice Habermas, in Kreckel, 1981, p p . 14 ss.
568 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 569

da complexidade de situações naturais, sem que precisem - além do plano dos processos de entendimento, ou seja,
se perder com isso os pontos de vista teóricos para a aná- da fala, também se incluirá na consideração reflexiva o pla-
lise da coordenação das ações. A tarefa consiste em tornar
reversíveis, de maneira controlada, as fortes idealizações a to básico d o m i n a n t e . Tão logo a d m i t a m o s um posicionamento perfor-
mativo, a t e n t a m o s a o fato d e q u e processos complexos d e e n t e n d i m e n -
que se deve o conceito do agir comunicativo: to só p o d e m ter êxito se cada falante - p a r t i n d o de um posicionamento
- além dos modi fundamentais, também se admitirá (objetivador, expressivo ou a d e q u a d o à norma) - a s s u m e u m a transição
a multiplicidade de forças ilocucionárias moldadas de manei- r e g u l a m e n t a d a , isto é, racionalmente controlada, em direção aos dêíriais
p o s i c i o n a m e n t o s correspondentes. Tal transformação baseia-se em inva-
ra concreta que forma a rede de relações interpessoais li-
riâncias de validade intermodais. Essa área de u m a lógica das a ç õ e s / i e
gada a uma cultura específica e padronizada no âmbito fala foi p o u c o explorada até o m o m e n t o . Por q u e p o d e m o s , p o r exem-
de u m a língua em particular; plo, a partir da validade de u m a ação de fala expressiva M ( e ) p, tirar con-
- além da forma padronizada das ações de fala, tam- clusões sobre a validade de u m a ação de fala correspondente Mikjp? Se
P e d r o declara com v e r a c i d a d e q u e ama Frida, sentimo-nos autorizados
bém se admitirão outras formas de realização linguística de
a aceitar c o m o verdadeira a asserção de que Pedro a m a Frida. E se, ao
atos de fafã.; contrário, a asserção de q u e P e d r o a m a Frida é verdadeira, sentimo-nos
- além das ações de fala explícitas, t a m b é m se admi- a u t o r i z a d o s a aceitar c o m o v e r a z a declaração de Pedro de q u e ele ama
tirão enunciações implícitas, elipticamente abreviadas e Frida. Essa transição só poderia justificar-se p o r regras da lógica dos
enunciados, se p u d é s s e m o s assemelhar ações de fala expressivas a ações
complementadas por via não verbal, em que a compreen- de fala constatativas, ou sentenças vivenciais a sentenças enunciativas.
são do ouvinte depende do conhecimento de condições C o m o n ã o é o caso, d e v e m o s procurar, para a ligação de ações de fala
casuais do contexto, não padronizadas; c o m o essas, regras formal-pragmáticas q u e se apresentem com o m e s m o
- além de ações de fala diretas, também se admitirão teòr proposicional em m o d o s distintos. A tabela a seguir q u e r m e r a m e n -
te ilustrar q u a i s transições t o m a m o s intuitivamente p o r p e r m i t i d a s (+)
enunciações indiretas, transladadas e ambíguas cujo signi- ou n ã o p e r m i t i d a s (-) (fig. 17).
ficado é preciso descobrir a partir do contexto;
- a consideração do objeto será estendida dos atos Fig. 17 Transferência intermodal de validade entre ações de fala
de fala (e posições sim/não) isolados a sequências de ações de mesmo teor proposicional
de fala, a textos ou conversas, de maneira que se eviden- de: para: para: para:
ciem as implicações da conversação; ações de fala ações de fala ações de fala
constatativas expressivas reguladoras
- ao lado de atitudes básicas expressivas, objetivado- (verdade) .. (veracidade) (correção)
ras e conformes com as normas, também se admitirá uma
ações de fala
atitude performativa abrangente que pretende fazer jus ao constatativas X r -

fato de que os participantes da comunicação também es- (verdade)


tarão simultaneamente se referindo com cada ato de fala a ações de fala
alguma coisa no m u n d o objetivo, social e subjetivo 84 ; expressivas + X -

(veracidade)
ações de fala
84. A classificação de ações de fala em constatativas, regulativas e reguladoras — + X

expressivas significa q u e s e m p r e se a t r i b u i ao falante um posicionamen- (correção)


570 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 571

no do agir comunicativo, ou seja, da coordenação consen- sam diversas fases. Seu estado inicial define-se via de re-
sual dos planos de ação dos participantes individuais; gra pelo fato de as interpretações da situação pelos par-
- além das ações comunicativas, por fim, também se ticipantes não coincidirem suficientemente para fins de
integrarão à. análise os recursos do saber de fundo com que coordenação". Nessa fase, os participantes têm de se deslo-
os participantes da interação nutrem suas interpretações, car para o plano da metacomunicação ou empregar meios
ou seja, os m u n d o s da vida. do entendimento alcançado por via indireta. Um enten-
Essas ampliações levam ao abandono das precauções dimento indireto ocorre segundo o modelo da semântica
metódicas que estavam inicialmente previstas com a in- intencional: por meio de efeitos perlocucionários, o fa-
trodução de atos de fala padronizados. No caso padroni- lante dá a entender ao ouvinte algo que (ainda) não p o d e
zado, o significado literal da sentença enunciada coinci- faz;er saber de maneira direta. Nessa fase, portanto, atos
de com o que o falante tem e n r m e n t e em seu ato de perlocucionários precisam ser alojados em contextos de
fala8". Todavia, quanto mais o que o falante tem em m e n - agir comunicativo. Nesse ínterim, os elementos estratégicos
te com sua enunciação tornar-se dependente de um sa- imersos no uso da linguagem oneniado pelo entendimento
ber de fundo implícito, mais o significado da enunciação podem diferenciar-se de ações estratégicas pelo simples fato
vinculado ao contexto específico vai se diferençai' do sig- de que a sequência completa de determinado segmento de
nificado literal do que se diz. fala, por parte de todos os participantes, já se encontra
Q u a n d o se abandona a idealização_de uma repre- sob a pressuposição de um' uso da linguagem orientado
sentação, completa e literal do significado das enuncia-
pelo entendimento."
ções, facilita-se igualmente a solução de outro problema,
Sobre Cd): U m a pragmática empírica que não tratas-
a saber: a distinção e identificação, em situações natu-
se em primeiro lugar de assegurar-se quanto ao ponto de
rais, entre ações orientadas pelo êxito e ações orientadas
partida formal-pragmático não disporia dos instrumen-
pelo entendimento. Cabe considerar que n ã o apenas as
tos necessários para reconhecer, em meio à estonteante
ilocuções ocorrem em contextos de ação estratégicos, mas
complexidade das cenas cotidianas observadas, os f u n -
t a m b é m as perlocuções em contextos de ação comunica-
damentos racionais da comunicação linguística. É só em
tivos. Processos cooperativos de interpretação atraves-
meio a investigações foraial-pragmáticas que podemos
garantir para n ó s mesmos u m a ideia do entendimento
Esses fenômenos não são capazes de esclarecer satisfatoriamente as
lógicas modais conhecidas. Cf., porém, sobre a abordagem construtivis-
capaz de aproximar a análise empírica a problemas ple-
ta de u m a lógica pragmática, C. F. G e t h m a n n (org.). Tneoric des wissen- nos de pressuposições, tais como a representação linguís-
schaftlichen Argumentierens. F r a n k f u r t / M . , 1980, Parte 3, p p . 165-240; do tica de diferentes planos da realidade, ou as manifestações
m e s m o autor: Protologik. F r a n k f u r t / M . , 1979. de patologia comunicativa, ou ainda o surgimento de u m a
85. O "principie of expressibility" introduzido por Searle (1969 p.
87 s.) tem esse sentido metodológico; quanto a isso, cf. T. Binkley. "The
compreensão de m u n d o descentrada.
Principie of Expressibility", Philosophy Phcnomenological Research, 39, A delimitação linguística dos planos de realidade pró-
1979, p p . 307 ss. prios a "brincadeira" e "seriedade", a construção linguís-
572 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 573

tica de u m a realidade fictícia, o chiste e a ironia, o uso Algo semelhante ocorre com fenômenos de u m a
metafórico e paradoxal da linguagem, alusões e a revo- comunicação sistematicamente deturpada. Também aqui a
gação contraditória de pretensões de validade em um pla- pragmática formal pode contribuir com a explicação de
no metacomunicativo - todas essas realizações se sus- fenômenos identificados de início apenas com base em
tentam no revezamento intencional das modalidades do uma compreensão intuitiva, que no entanto vai a m a d u -
ser. Q u a n d o se trata de esclarecer os mecanismos ilusó- recendo com a experiência clínica. Pois p o d e m - s e con-
rios que o falante precisa dominar para tanto, a contri- ceber essas patologias comunicativas como resultado de
buição da pragmática formal pode ser maior que a de uma confusão entre ações orientadas pelo êxito e ações
u m a descrição empírica dos fenômenos carentes de ex- orientadas pelo entendimento. Em situações de um agir
plicação, m e s m o que muito precisa. Ao iniciar-se na lida veladamente estratégico, ao menos o comportamento de
com os modi fundamentais, quem está na fase de cresci- um dos participantes está orientado pelo êxito, e os de-
m e n t o adquire a capacidade de discernir entre a subjeti- mais são levados a continuar acreditando que todos es-
vidade das vivências próprias e a objetividade da realida- tão cumprindo os pressupostos do agir comunicativo.
de objetificada, da normatividade do meio social e da in- Esse é o caso da manipulação, que já mencionamos com
tersubjetividade da própria comunicação lingüística. À relação ao exemplo dos atos perlocucionários. Diante
medida que aprende a lidar hipoteticamente com as res- disso, todo e qualquer tipo de superação inconsciente
pectivas pretensões de validade, adquire prática nas di- de conflitos, que a psicanálise explica recorrendo às es-
tratégias defensivas, acaba levando a transtornos na co-
ferenciações categoriais entre essência e fenômeno; ser e~
municação; em um plano ao m e s m o tempo intrapsíqui-
aparência, ser e dever, signo e significado. Com essas m o -
co e interpessoal 87 . Em casos assim, ao m e n o s um dos
dalidades do ser, o indivíduo passa a ter domínio sobre
participantes engana-se a si m e s m o quanto a estar agin-
os fenômenos ilusórios que de início têm origem na con-
do sob um enfoque orientado pelo êxito e estar apenas
fusão involuntária entre a própria subjetividade, de um m a n t e n d o a aparência de um agir comunicativo. O lugar
lado, e os âmbitos do que é objetivo, normativo e inter- dessa comunicação sistematicamente deturpada no in-
subjetivo, de outro. Ele sabe como deter as confusões, terior de uma teoria do agir comunicativo resulta do se-
como gerar intencionalmente as diferenciações e como guinte esquema:
empregá-las na ficção, chiste, ironia etc. 86 Em nosso contexto, a pragmática formal, com seus
tipos puros de interação mediada pela linguagem, apre-
86. J. Habermas. "üniversalpragmatische Hinweise auf das Sys-
tem der Ich-Abgrenzungen", in Auwárter, Kirsch, Schrõter (orgs.). 87. J. M. Ruskin. "An Evaluative Review of Family Interaction Re-
Kommunikation, lnteraktion, Ideniitãt. F r a n k f u r t / M . , 1976, p p . 332 ss.; cf. search", Family Process, 11,1972, pp. 365 ss.; J. H. Weakland. "The Double
também a investigação empírica de M. Auwárter; E. Kirsch. "Die kon- Bind Theorv. A Reflexive Hindsight", Family Process, 13,1974, p p . 269 ss.;
versationelle Generierung von Situationsdefinitionen im Spiel 4- bis S. S. Kety. "From Rationalization to Reason", American Journal of Psy-
ójãhriger Kinder", in W. Schulte (org.). Soziologie in der Gesellschaft. Bre- chiatry, 131,1974, p p . 957 ss.; D. Reiss. "The Family and Schizophrenia",
men, 1981, p p . 584 ss. American Journal of Psychiatry, 133,1976, pp. 181 ss.
574 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 575

Fig. 18 do em vista de pretensões de verdade e melhorado ao


retroalimentar o crescimento do saber empírico-teórico.
Este último saber é preservado sob a forma de tecnolo-
gias e estratégias.
As ações de fala constatativas, que não apenas corpo-
rificam o saber, mas t a m b é m o representam de maneira
explícita e portanto possibilitam conversações, p o d e m
ser criticadas sob o aspecto da verdade. Em controvérsias
mais renitentes sobre a verdade dos enunciados, o dis-
agir v e l a d a m e n t e agir a b e r t a m e n t e
curso teórico apresenta-se como um prosseguimento do
estratégico estratégico agir orientado pelo entendimento, mas empreendido com
outros meios. Q u a n d o a provação discursiva perde seu
caráter ad hoc, e o saber empírico é colocado sistematica-
mente em questão, ou ainda quando os processos de
engano engano aprendizagem naturais escoam-se r>elas comportas da ar-
inconscientemente conscientemente gumentação, têm-se efeitos cumulativos. Esse saber é
- - - (comunicação) ~~ —- ( m a n i p u l a ç ã o ) - — - preservado sob"a forma de teorias.
----- s i s t e m a t i c a m e n t e : " Ações reguladas por normas' corporificam um saber
deturpada)
mora]-prático. Elas p o d e m ser contestadas sob o aspec-
to da correção. Assim como u m a pretensão de validade,
também u m a pretensão de correção que gere controvér-
senta a grande vantagem de destacar exatamente os as- sias pode tomar-se u m a questão e submeter-se a u m a
pectos em que as ações sociais corporificam espécies di- prova discursiva. Quando ocorrem transtornos do uso re-
versas de saber. É ao n ã o se fixar na racionalidade teleo- gulador da linguagem, o discurso prático apresenta-se
lógica como aspecto único sob o qual se possam criticar como um prosseguimento do agir consensual, mas e m -
ou corrigir as ações que a teoria do agir comunicativo faz- preendido com outros meios. Em argumentações moral -
-se capaz de compensar a deficiência que apontamos na -práticas, os participantes p o d e m testar tanto a correção
teoria da ação weberiana. Com base nos tipos de ação já de determinada ação, remetendo-a a u m a norma dada,
apresentados, quero agora elucidar brevemente diferen- quanto a con'eção de u m a norma desSe tipo em si mes-
tes aspectos da racionalidade da ação: ma, em um estágio mais avançado. Esse saber integra a
Ações teleológicas podem ser julgadas sob o aspecto tradição sob a forma de noções jurídicas e morais.
de sua eficácia. As regras de ação corporificam um saber Ações dramatúrgicas corporificam um saber acerca
valorado por via técnica e estratégica; ele pode ser critica- da respectiva subjetividade de quem age. Essas enuncia-
576 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 577

ções p o d e m ser criticadas como sendo não verazes, ou mente inspirada na noção weberiana de que na moder-
seja, p o d e m ser refutadas como enganos ou autoenga- nidade europeia, junto com a ciência, a moral e a arte, au-
nos. Autoenganos p o d e m ser solvidos em conversas te- tonomizam-se e diferenciam-se acervos de saber explíci-
rapêuticas com o emprego de meios argumentativos. O to que afluem para diversos campos do agir cotidiano
saber expressivo pode ser explicitado s o b a forma de va- institucionalizado e que de certa maneira colocam sob
lores que subjazem à interpretação de carências, à inter- pressão racionalizadora as orientações da ação até então
pretação de desejos e atitudes sentimentais. Padrões va- determinadas por via tradicional. Aspectos da racionali-
lorativos, por sua vez, são dependentes de inovações no dade da ação que possam ser depreendidos do agir co-
campo das expressões valorativas. Estas se espelham de municativo têm por incumbência permitir a apreensão de
maneira exemplar em obras de arte. Os aspectos da ra- processos de racionalização social ocorridos em espectro^
cionalidade da ação p o d e m ser resumidos no esquema amplo, e não mais apenas sob o ponto de vista seletivo da
a seguir. institucionalização do agir racional-teleológico.
Ora, o papel do saber implícito revela-se inapto em
Fig. 19 Aspectos da racionalidade da ação face dessa problematização. Continua inexplicada a apa-
rência do horizonte do agir cotidiano em que o saber ex-
Modelo de plícito dos especialistas culturais se arroja, e continua inex-
Tipo de saber Fonna de
saber legado
Tipos d e ^ v corporificado argumentação
pela tradição-— plicado de que maneira a prática comunicativa cotidiana
áçãcf realmente se modifica sob esse afluxo. O conceito de um
agir teleológico: saber utilizável agir orientado pelo entendimento tem a vantagem adi-
tecnologias/
estratégico por por via técnica discurso teórico
estratégias
cional, e muito diversa, de elucidar esse pano de fundo do
via instrumental e estratégica saber implícito que ingressa às ocultas nos processos coo-
ações de fala
perativos de interpretação. O agir comunicativo ocorre no
saber empírico- interior de um m u n d o da vida que continua despercebi-
constatativas discurso teórico teorias
-teórico
(conversação) do para os participantes da comunicação.'O m u n d o da
noções
vida só se toma presente para esses participantes sob a
agir regulado saber moral- forma pré-reflexiva de assunções de fundo bastante ó b -
discurso prático jurídicas e
por n o n n a s - prático
morais vias e de habilidades dominadas de m o d o ingênuo.
Se há um p o n t o de convergência entre as pesquisas
agir saber estético- crítica estética
obras de arte sociolingüísticas, etnolinguísticas e psicolinguísticas e m -
dramatúrgico -prático""" e terapêutica
preendidas nas últimas décadas, ele reside no conheci-
m e n t o (já demonstrado de diversas formas) de que o sa-
Sobre (c): A composição entre orientações da ação, ber de f u n d o e o saber acerca do contexto, a m b o s cole-
tipos de saber e formas da argumentação está natural- tivos e partilhados por falantes e ouvintes, d e t e r m i n a m
578 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 579

em grande m e d i d a a interpretação de suas enunciações - para sentenças e enunciações. Mas defende a tese de que
explícitas. Searle a d o t o u para si essa lição da pragmáti- o significado literal de u m a expressão é relativo a um
ca empírica. Ele critica a opinião, d o m i n a n t e já de lon- p a n o de fundo constituído por um saber implícito e m u -
ga data, de que as sentenças só d e t ê m um significado li- tável, que os participantes normalmente t o m a m por tri-
teral em razão das regras de u s o das expressões que elas vial e óbvio.
m e s m a s contêm 88 . No início eu t a m b é m construía o sig- O sentido da tese da relatividade não é reduzir o
nificado dos atos de fala nesse sentido, como significa- significado de um ato de fala ao que o falante tem em
do literal. Com certeza, este último não poderia ser con- mente com ele em um contexto casual. Searle não vem
cebido i n d e p e n d e n t e m e n t e das condições do contexto. afirmar um mero relativismo do significado de expressões
Para que o falante atingisse um êxito ilocucionário, seria linguísticas; pois o significado delas não se modifica de
preciso cumprir condições contextuais universais para m o d o algum com a transição de um contexto casual a. ou-
cada tipo de ações de fala. Mas essas condições contex- tro. Só descobrimos a relatividade do significado literal
tuais universais, por sua vez, deveriam poder ser apreen- de u m a expressão por meio de um tipo de problematização
didas a partir do significado literal das expressões linguís- que temos ao nosso alcance sem empecilhos. Ela acon-
ticas usadas nas ações de fala padronizadas. Caso não se tece em deconência de problemas objetivamente pre-
queira que a pragmática formal acabe por perder seu ob- sentes que abalam nossa imagem de m u n d o natural. Esse
-jeto, o conhecimento das condições.sob as quais um ato de,,r saber básico de fundo_que precisa somar-se tacitamente
- - fala p o d e ser aceito como válido não poderá.depender por ao conhecimento das condições de aceitabilidade de e n u n -
completo de um saber contingente de fundo. ciações padronizadas por via linguística para que o ou-
Com base em asserções simples ("O gato está sobre vinte possa entender seu significado literal tem qualidades
o tapete") e imperativos ("Dê-me um hambúrguer"), notáveis: é um saber implícito, que não pode ser repre-
Searle demonstra que as condições de verdade ou de rea- sentado em um número determinado de proposições; é
lização das sentenças enunciativas ou exortativas utiliza- um saber estruturado de maneira holística cujos elementos
das nesses casos n ã o podem ser especificadas sem re- remetem u n s aos outros; e é um saber que nos fica indis-
missão aos contextos. Apenas quando começamos a va- ponível enquanto não podemos torná-lo consciente n e m
riar assunções de fundo relativamente arraigadas e triviais colocá-lo em dúvida segundo nossa própria vontade.
percebemos que as condições de validade aparentemen- Quando, não obstante, os filósofos tentam fazer tal coisa,
te invariáveis segundo o contexto modificam o sentido aquele saber se revela sob a fonna de certezas-de-senso-
-- - - delas, ou seja, só então percebemos que elas não são ab- -comum, pelas quais G. E. Moore se interessou 89 e às quais
solutas. Searle não chega a negar um significado literal Wittgenstein aludiu em suas reflexões "Sobre a certeza",
por exemplo.

88. J. Searle. "Literal Meaning", in Searle, 1979, p p . 117 ss.; cf. tam-
bém R. D.-Van Valin. "Meaning and Lnterpretation", Journal of Pragmatics, 89. G. E. Moore. "Proof of an Extemal World", in Proceeãings of the
4,1980, p p . 213 ss. British Academy. Londres, 1939.
580 TEORIA DO AGIR COMUNICATIVO RACIONALIDADE DA AÇÃO E RACIONALIZAÇÃO SOCIAL 581

Essas certezas, Wittgenstein chama-as de partes ele- pano de f u n d o com o qual o ouvinte precisa estar fami-
mentares de nossa imagem de m u n d o , "ancoradas de liarizado, caso lhe caiba entender o significado literal de
tal maneira em todas as minhas perguntas e respostas atos de fala e agir de maneira comunicativa. Com isso,
que n e m sequer posso tocá-las" 90 . Revelam-se absurdas ele direciona o olhar a um continente que permanecerá
apenas as opiniões que n ã o se ajustam a essas convicções inexplorado enquanto o teórico analisar os atos de fala a
tão inquestionáveis quanto fundamentais: " N ã o é como partir do ângulo de visão do falante que se refere, com
se eu pudesse descrever o sistema dessas convicções. sua enunciação, a algo no m u n d o objetivo, social e sub-
Mas m i n h a s convicções formam um sistema, uma edifi- jetivo. O horizonte do m u n d o da vida conforma contex-
cação." 91 Ao caracterizar o dogmatismo das habilidades e tos, e a partir do m u n d o da vida os participantes da co-
assunções de fundo cotidianas, Wittgenstein assemelha-se municação chegam a um entendimento sobre alguma
a A. Schütz quando este caracteriza o modus da obvieda- coisa; apegas com um retorno a esse horizonte o campo
de em que o mundo da vida está presente como pano de de visão modifica-se de maneira que os pontos de con-
f u n d o pré-reflexivo: "A criança aprende a crer em m u i - tato da teoria da ação' tornam-se visíveis para a teoria
tas coisas. Ou seja, ela aprende a agir de acordo com social: a concepção de sociedade precisa ligar-se a uma
aquilo em que crê. E a partir daquilo em que crê forma- concepção de m u n d o da vida complementar ao conceito
se pouco a pouco um sistema, e nele há coisas que se fi- - de agir comunicativo. Aí sim o agir comunicativo torna-se
xam de maneira inamovível, e outras coisas mais ou m e - interessante sobretudo como princípio de socialização; e
nos flexíveis. O que permanece fixo n ã o o faz por .ser ao m e s m o t e m p o os processos de racionalização social
notório ou elucidativo em si mesmo, m a s porque p e r - adquirem outro status.Tals processos concretizam-se mais
manece preso pelas demais coisas que o cercam." 92 Por- nas estruturas do m u n d o da vida conhecidas implicita-
tanto, os significados literais são relativos a um saber i m - mente, e não tanto nas orientações da ação conhecidas de
plícito ancorado b e m fundo, acerca do qual via de regra maneira explícita, como propunha Weber. Na "Segunda
nada sabemos, já que ele não constitui sequer um p r o - consideração intermediária" retomarei esse assunto.
blema, n e m alcança o campo das enunciações comuni-
cativas potencialmente válidas ou inválidas: "Se o - q u e -
-é-verdadeiro é o - q u e - é - f u n d a m e n t a d o , o f u n d a m e n t o
não é verdadeiro nem falso." 93
Essa dimensão do saber em funcionamento cotidia-
no acerca da imagem de mundo, Searle descobre-a c o m o

90. Wittgenstein, 1970, § 103, p. 35.


91. Wittgenstein, 1970, § 102, p. 35.
92. Wittgenstein, 1970, § 144, p. 146.
93. Wittgenstein, 1970, § 205, p. 59.

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