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Sumário
1. Introdução. 2. O contexto do surgimento
da tópica jurídica. 2.1. Contexto histórico e
metodológico. 2.2. O pensamento jurídico de
Kelsen e sua contestação. 3. Reflexão sobre as
principais proposições teóricas da tópica de
Theodor Viehweg. 3.1. Caracterização geral da
tópica. 3.2. Tópica e sistema jurídico. 3.3. É pos-
sível um método tópico? 4. Principais críticas à
tópica jurídica. 5. Considerações finais.
1. Introdução
Poucos são os estudos relevantes sobre
a teoria da argumentação jurídica que, até
hoje, conseguem passar ao largo da tópica
de Theodor Viehweg. O livro Tópica e juris-
prudência, cuja primeira edição é de 1953,
constitui um divisor de águas no pensa-
mento jurídico contemporâneo, sendo um
dos mais importantes empreendimentos te-
óricos de sua época por romper em definiti-
vo com o pensamento positivista 1 até então
dominante.
A obra de Viehweg obteve destaque por
se distanciar da disputa milenar entre posi-
tivismo e jusnaturalismo – que, apesar de já
ter dado margem a que se consumissem rios
de tinta, nunca produziu nenhum resulta-
Thomas da Rosa de Bustamante é mestre do satisfatório para o jurista prático –, redi-
em Direito Público pela Universidade do Esta-
recionando o debate da jurisprudência2 para
do do Rio de Janeiro; Doutorando em Direito
Constitucional pela Pontífica Universidade a Retórica antiga, em especial a de Aristóte-
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ); Professor les. Seu projeto teórico é alimentado pela
da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais constatação de que, em direito, nem sempre
Vianna Júnior (Juiz de Fora, MG); Advogado. é possível encontrar uma resposta evidente
Brasília a. 41 n. 163 jul./set. 2004 153
e inquestionável para cada caso concreto, vos e razões dentro de uma forma específi-
de modo que muitas vezes o juiz – ou qual- ca”. (FERRAZ JÚNIOR, 1994, p. 323).
quer outra autoridade com poder decisório Parece-nos correta a assertiva de Juan
– é chamado a realizar valorações que vão Antonio García Amado (1996) de que a tó-
condicionar sua decisão. Torna-se necessá- pica de Viehweg, juntamente com a nova
rio, portanto, conhecer o modo pelo qual age retórica de Perelman, constitui importantís-
o raciocínio jurídico em tais situações, eis simo precedente das mais recentes teorias
que a lógica formal ou o método cientificis- da argumentação jurídica, entre as quais se
ta-experimental quase nada podem contri- inclui a de Robert Alexy3 (1997). Mais do
buir para uma solução correta para cada que um antecedente, a primeira constitui
problema particular. para nós o ponto de partida dessas últimas
Viehweg (1979) crê ser possível, por meio teorias, que, por mais que tenham aperfei-
de processos comunicativos em que são adu- çoado os mecanismos de controle da racio-
zidos argumentos com base em premissas nalidade dos argumentos jurídicos, a ela
que possuem uma estrutura tópica, contro- devem muito.
lar a racionalidade das tomadas de posição
em relação aos valores, abandonando a pos- 2. O contexto do surgimento
tura não-cognoscitivista que caracteriza as da tópica jurídica
doutrinas positivas sobre o raciocínio jurí-
dico. 2.1. Contexto histórico e metodológico
Ao mesmo tempo em que rejeita esse
paradigma positivista, o professor de Ma- Para compreendermos de forma satisfa-
inz recupera o conceito de razão prática, que tória o pensamento tópico no direito, é ne-
havia sido negado pelos juristas de maior cessário levar em consideração alguns da-
prestígio de sua época, como Hans Kelsen dos históricos que influenciaram a sua cons-
(1984, p. 270-271). O raciocínio jurídico, se- trução teórica.
gundo o autor que ora estudamos, assume A tópica de Viehweg surge num momen-
uma estrutura necessariamente comunica- to em que a metodologia jurídica tradicio-
tiva, pois os passos que conduzem à deci- nal (que, como já dissemos, concebia o raci-
são jurídica têm caráter discursivo e inter- ocínio jurídico como verificação da uma ver-
subjetivo. O processo de raciocínio que na dade normativa pré-existente, apoiando-se
prática leva a uma decisão final passa a exi- na epistemologia clássica) começa a entrar
gir que se abandone a perspectiva monoló- em crise. O período do pós-guerra é marca-
gica – do sujeito que simplesmente conhece do por um sentimento de insatisfação com
um objeto preexistente – e se adote a pers- todas as teses jurídicas que reduziam o papel
pectiva dialógica, típica de quem argumenta do jurista prático à “aplicação” de um direito
em face de um árbitro que “já não é simples- inteiramente moldado pelo legislador.
mente notário da verdade jurídica do legis- Como salienta Hannah Arendt, o homem
lador”, mas sujeito ativo que, dentro de cer- moderno, com seu rigoroso cientificismo,
tos limites, também cria direito (GARCÍA fechou-se para dentro de si, tornando-se in-
AMADO, 1996). capaz de processar raciocínios com base no
Como captou um dos mais importantes senso comum. Para Hannah Arendt (2000, p.
estudiosos do pensamento de Viehweg, “o 293-302), tal fenômeno tem a ver com o ad-
raciocínio jurídico, para ele [isto é, para o vento do método cartesiano, cuja conseqü-
autor de Tópica e Jurisprudência], tem um sen- ência imediata é que o homem “vê-se diante
tido argumentativo: raciocinar, juridicamen- de nada e ninguém a não ser de si mesmo”:
te, é uma forma de argumentar. Argumentar “a razão em Descartes, não menos do que
significa, num sentido lato, fornecer moti- em Hobbes, limita-se a ‘prever as conseqü-
______. Prefácio do tradutor. In: VIEHWEG, Theo- ______. Tópica e jurisprudência. Tradução de Tércio
dor. Tópica e jurisprudência. Brasília: Departamento Sampaio Ferraz Júnior. Brasília: Departamento de
de Imprensa Nacional, 1979. Imprensa Nacional, 1979.