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Tópica e argumentação jurídica

Thomas da Rosa de Bustamante

Sumário
1. Introdução. 2. O contexto do surgimento
da tópica jurídica. 2.1. Contexto histórico e
metodológico. 2.2. O pensamento jurídico de
Kelsen e sua contestação. 3. Reflexão sobre as
principais proposições teóricas da tópica de
Theodor Viehweg. 3.1. Caracterização geral da
tópica. 3.2. Tópica e sistema jurídico. 3.3. É pos-
sível um método tópico? 4. Principais críticas à
tópica jurídica. 5. Considerações finais.

1. Introdução
Poucos são os estudos relevantes sobre
a teoria da argumentação jurídica que, até
hoje, conseguem passar ao largo da tópica
de Theodor Viehweg. O livro Tópica e juris-
prudência, cuja primeira edição é de 1953,
constitui um divisor de águas no pensa-
mento jurídico contemporâneo, sendo um
dos mais importantes empreendimentos te-
óricos de sua época por romper em definiti-
vo com o pensamento positivista 1 até então
dominante.
A obra de Viehweg obteve destaque por
se distanciar da disputa milenar entre posi-
tivismo e jusnaturalismo – que, apesar de já
ter dado margem a que se consumissem rios
de tinta, nunca produziu nenhum resulta-
Thomas da Rosa de Bustamante é mestre do satisfatório para o jurista prático –, redi-
em Direito Público pela Universidade do Esta-
recionando o debate da jurisprudência2 para
do do Rio de Janeiro; Doutorando em Direito
Constitucional pela Pontífica Universidade a Retórica antiga, em especial a de Aristóte-
Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ); Professor les. Seu projeto teórico é alimentado pela
da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais constatação de que, em direito, nem sempre
Vianna Júnior (Juiz de Fora, MG); Advogado. é possível encontrar uma resposta evidente
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e inquestionável para cada caso concreto, vos e razões dentro de uma forma específi-
de modo que muitas vezes o juiz – ou qual- ca”. (FERRAZ JÚNIOR, 1994, p. 323).
quer outra autoridade com poder decisório Parece-nos correta a assertiva de Juan
– é chamado a realizar valorações que vão Antonio García Amado (1996) de que a tó-
condicionar sua decisão. Torna-se necessá- pica de Viehweg, juntamente com a nova
rio, portanto, conhecer o modo pelo qual age retórica de Perelman, constitui importantís-
o raciocínio jurídico em tais situações, eis simo precedente das mais recentes teorias
que a lógica formal ou o método cientificis- da argumentação jurídica, entre as quais se
ta-experimental quase nada podem contri- inclui a de Robert Alexy3 (1997). Mais do
buir para uma solução correta para cada que um antecedente, a primeira constitui
problema particular. para nós o ponto de partida dessas últimas
Viehweg (1979) crê ser possível, por meio teorias, que, por mais que tenham aperfei-
de processos comunicativos em que são adu- çoado os mecanismos de controle da racio-
zidos argumentos com base em premissas nalidade dos argumentos jurídicos, a ela
que possuem uma estrutura tópica, contro- devem muito.
lar a racionalidade das tomadas de posição
em relação aos valores, abandonando a pos- 2. O contexto do surgimento
tura não-cognoscitivista que caracteriza as da tópica jurídica
doutrinas positivas sobre o raciocínio jurí-
dico. 2.1. Contexto histórico e metodológico
Ao mesmo tempo em que rejeita esse
paradigma positivista, o professor de Ma- Para compreendermos de forma satisfa-
inz recupera o conceito de razão prática, que tória o pensamento tópico no direito, é ne-
havia sido negado pelos juristas de maior cessário levar em consideração alguns da-
prestígio de sua época, como Hans Kelsen dos históricos que influenciaram a sua cons-
(1984, p. 270-271). O raciocínio jurídico, se- trução teórica.
gundo o autor que ora estudamos, assume A tópica de Viehweg surge num momen-
uma estrutura necessariamente comunica- to em que a metodologia jurídica tradicio-
tiva, pois os passos que conduzem à deci- nal (que, como já dissemos, concebia o raci-
são jurídica têm caráter discursivo e inter- ocínio jurídico como verificação da uma ver-
subjetivo. O processo de raciocínio que na dade normativa pré-existente, apoiando-se
prática leva a uma decisão final passa a exi- na epistemologia clássica) começa a entrar
gir que se abandone a perspectiva monoló- em crise. O período do pós-guerra é marca-
gica – do sujeito que simplesmente conhece do por um sentimento de insatisfação com
um objeto preexistente – e se adote a pers- todas as teses jurídicas que reduziam o papel
pectiva dialógica, típica de quem argumenta do jurista prático à “aplicação” de um direito
em face de um árbitro que “já não é simples- inteiramente moldado pelo legislador.
mente notário da verdade jurídica do legis- Como salienta Hannah Arendt, o homem
lador”, mas sujeito ativo que, dentro de cer- moderno, com seu rigoroso cientificismo,
tos limites, também cria direito (GARCÍA fechou-se para dentro de si, tornando-se in-
AMADO, 1996). capaz de processar raciocínios com base no
Como captou um dos mais importantes senso comum. Para Hannah Arendt (2000, p.
estudiosos do pensamento de Viehweg, “o 293-302), tal fenômeno tem a ver com o ad-
raciocínio jurídico, para ele [isto é, para o vento do método cartesiano, cuja conseqü-
autor de Tópica e Jurisprudência], tem um sen- ência imediata é que o homem “vê-se diante
tido argumentativo: raciocinar, juridicamen- de nada e ninguém a não ser de si mesmo”:
te, é uma forma de argumentar. Argumentar “a razão em Descartes, não menos do que
significa, num sentido lato, fornecer moti- em Hobbes, limita-se a ‘prever as conseqü-

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ências’, isto é, à faculdade de deduzir e con- com efeito, quando é necessário supe-
cluir a partir de um processo que o homem rar os desacordos que eles suscitam e
pode, a qualquer momento, desencadear tomar uma decisão, é a razão do mais
dentro de si mesmo” 4. forte que se impõe como a melhor, sen-
O jurista da época de Tópica e jurispru- do o mais forte aquele que prevalece
dência começa a desconfiar da afirmação de pelas armas ou por um voto majoritá-
que as normas gerais elaboradas pelo legis- rio. [...]
lador são sempre racionais e podem ofere- A concepção positivista tinha
cer resposta a quaisquer problemas jurídi- como conseqüência inevitável restrin-
cos. Verifica-se, em especial, um desprestí- gir o papel da lógica, dos métodos ci-
gio da lógica formal no pensamento jurídi- entíficos e da razão a problemas de
co, marcado pela rejeição de um sistema conhecimento puramente teóricos,
axiomático-dogmático. negando a possibilidade de um uso
Por outro lado, a experiência histórica prático da razão”.
das duas grandes guerras fez com que a co- Desse modo, em vez de juntar-se aos jus-
munidade de juristas encontrasse dificul- naturalistas, Viehweg volta suas atenções
dade em aceitar a idéia de que qualquer con- para a prática jurídica, formulando um esbo-
teúdo pudesse ser direito, o que inclusive ço de teoria da razão prática que concebe o
implicou um breve renascimento do jusna- processo jurídico-decisório como sendo um
turalismo na Alemanha, principalmente discurso racional. Como acentua Tércio
quando Radbruch reviu os fundamentos de Sampaio Ferraz Júnior (1994, p. 322), “deci-
sua filosofia do direito. dir é uma ação humana e qualquer ação
A crítica de Viehweg ao positivismo se- humana ocorre numa situação comunicati-
gue porém um outro caminho. Juntamente va”, de modo que “o fato de decidir juridi-
com Perelman5, ele critica a incapacidade camente é um discurso racional, pois dele
do positivismo para lidar com questões con- se exige uma fundamentação”.
trovertidas, para as quais é simplesmente Como já mencionamos com brevidade, a
impossível uma perfeita demonstração me- descoberta dessa situação comunicativa –
diante critérios rígidos e infalíveis. Há, mui- que caracteriza os processos judiciais de
to freqüentemente, casos em que é inimagi- modo geral – fez com que, no início da se-
nável uma certeza conclusiva a respeito de gunda metade do século passado, o raciocí-
problemas jurídicos, e nem por isso pode o nio jurídico passasse a ser encarado como
operador do direito deixar de decidir ou um procedimento dialógico. Conforme sali-
partir para uma decisão completamente ir- enta García Amado (1996), isso implica a
racional. Daí a importante objeção ao posi- crise de praticamente todos os pressupos-
tivismo comum a Viehweg e Perelman tos do esquema metódico-jurídico anterior,
(2000a, p. 136), sendo o último autor do tex- sendo verificável de imediato uma guinada
to que se segue: metodológica que pode ser sintetizada nos
“O que parece justificar o ponto de seguintes pontos:
vista positivista é que, graças à expe- 1) O direito se torna menos rígido: as
riência e à demonstração, pode-se es- normas não dizem mais de antemão o que é
tabelecer a verdade de certos fatos e o direito; não determinam mais todos os
certas proposições, lógicas e matemá- passos de decisão, passando a ser um ins-
ticas, enquanto os juízos de valor per- trumento nas mãos do intérprete, que lhes
manecem controvertidos, sem que seja confere sentido segundo seus desejos e con-
possível encontrar um método racio- vicções. Não há mais uma verdade objetiva
nal que permita estabelecer um acor- e indubitável, mas “verdades” relativas ao
do a respeito deles. Freqüentemente, sujeito que interpreta e aplica o direito.

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2) “O” método jurídico se converte em Antes de adentrarmos especificamente
“os” métodos jurídicos. O conjunto de pau- no estudo das teses tornadas públicas em
tas ou instrumentos utilizados pelo intérpre- Tópica e jurisprudência e aperfeiçoadas numa
te para determinar o sentido das normas não série de escritos posteriores, convém uma
é visto mais como um único caminho que con- breve análise das críticas dirigidas por Vi-
duz necessariamente a uma única solução. ehweg a um de seus maiores adversários: o
3) Opera-se uma “trivialização” da lógi- normativismo de Kelsen.
ca formal, pois “a firmeza das regras da ló-
gica não garante nenhuma certeza quando 2.2. O pensamento jurídico de Kelsen e
as premissas do raciocínio normativo se sua contestação
convertem em contingentes e flutuantes”6. A obra jurídica de Hans Kelsen pode ser
4) A “chave da prática jurídica não está considerada o “último grande projeto posi-
mais na consciência cognoscente do sujeito tivista” nos domínios da língua alemã 8 (VI-
individual que pondera argumentos objeti- EHWEG, 1965, p. 183).
vos com a balança segura de um método fir- O traço fundamental dessa teoria do di-
me, mas na discussão entre sujeitos que pos- reito é o princípio de pureza metodológica: a
tulam por fazer valer sua interpretação e seu análise da ciência do direito deve estar isen-
interesse”. A prática jurídica demanda uma ta de quaisquer interesses, paixões e precon-
técnica argumentativa, pois deixa de ser uma ceitos políticos ou ideológicos. Nessa pers-
“pacífica plasmación” de regras prefixadas pectiva, objeto de estudo da ciência jurídica
para se converter em “luta concreta para a é exclusivamente a estrutura lógica do orde-
fixação de uma regra em cada caso”. namento jurídico, de modo que o teórico do
Como se vê, a atividade jurisprudencial direito deve abster-se de tecer considerações
deixa de ser apenas descoberta para se tor- acerca do conteúdo das normas de direito
nar também justificação. O legislador já não positivo (KELSEN, 1984; LARENZ, 1997).
resolve sozinho o conflito, pois ao juiz é fa- Para o jurista do ciclo de Viena, uma
cultado decidir sobre se a regra jurídica a norma jurídica não vale porque tem um de-
ser aplicada é ou não apropriada. É certo terminado conteúdo, mas “porque foi pro-
que isso pode conduzir a um realismo judi- duzida de uma determinada maneira, de
cial que converte o juiz em “dono e senhor uma maneira legitimada, em último termo,
do direito”, mas certamente não é essa a pro- por uma norma fundamental que se pressu-
posta da tópica de Viehweg e das teorias da põe”. (LARENZ, 1997, p. 97). A jurisprudên-
argumentação que dela seguiram, pois es- cia não é, portanto, uma ciência que descre-
tas últimas vêem a atividade judicial como va fatos e investigue a sua ligação causal,
imersa num contexto social mais amplo, de sendo considerada do ângulo do positivis-
modo que a decisão sobre um problema ju- mo uma doutrina das “formas puras” do
rídico é o resultado de um raciocínio que se direito.
publiciza, já que “a prática jurídica decisória Kelsen (1984, p. 104) imagina um siste-
não está primordialmente presidida por um ma jurídico hierarquizado, sendo que “a
raciocínio subjetivo, mas por um argumentar norma de escalão superior é ‘aplicada’ na
intersubjetivo”. (GARCÍA AMADO, 1996). medida em que, de acordo com ela, se pro-
O raciocínio jurídico, portanto, conduz duz uma norma de escalão inferior”. Por
a uma série de exigências quanto ao proces- isso, a ‘aplicação do Direito’ é simultanea-
so decisório7. Com a tópica, Viehweg procu- mente ‘produção de Direito’. A norma su-
ra selecionar as hipóteses de solução possí- perior determina o seu órgão de aplicação e
veis à luz de cada problema que aguarda o processo de criação da norma inferior,
uma solução jurídica e ordenar o processo podendo, também, determinar mais ou me-
argumentativo. nos completamente o conteúdo dessa norma.

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Entretanto, a norma superior “não pode duas teorias divergem acerca da viabilida-
nunca determinar completamente e em to- de da razão prática9.
das as direções o ato pelo qual é executada A incapacidade do normativismo para
(ou seja, o estabelecimento da norma inferi- oferecer critérios para a valoração jurídica
or), de modo que fica sempre uma ‘margem decorre de um ceticismo em relação a toda e
de discricionariedade’ para o órgão aplica- qualquer forma de fundamentação que não
dor da norma superior e produtor da nova possa ser provada em termos definitivos e
norma jurídica”. Assim, a norma jurídica, inquestionáveis. Como nos ensina Perel-
“relativamente ao ato de produção norma- man, os principais problemas da teoria pura
tiva ou de execução, tem só o caráter de um do direito “derivam de uma teoria do co-
quadro a preencher através desse ato”. (KEL- nhecimento que só dá valor a um saber não
SEN, 1984, p. 105). controverso, inteiramente fundamentado
A interpretação, portanto, logra mostrar- nos dados da experiência e da prova demons-
nos esse quadro, de modo que, não sendo o trativa, desprezando totalmente o papel da
resultado da interpretação unívoco, quem argumentação”. (PERELMAN, 2000b, p. 476).
tem de aplicá-la encontra-se perante várias As teorias jurídicas de Viehweg e de Pe-
significações possíveis. relman, assim como todas aquelas que pre-
Na sua teoria da interpretação, Kelsen tendam viabilizar o uso da retórica no pen-
se volta contra a doutrina tradicional, que samento jurídico, pretendem ir além do nor-
aceita que a lei aplicada ao caso concreto mativismo, com o fito de permitir uma
não pode fornecer mais do que uma única reflexão concreta acerca de questões que não
decisão correta, fundada na própria lei. Po- podem ser resolvidas exclusivamente com
rém, o professor de Viena julga impossível os métodos do positivismo. Para essas teo-
estabelecer qualquer critério para orientar a rias, “se uma ciência do direito pressupõe
escolha da interpretação correta, pois, ain- posicionamentos, tais posicionamentos não
da fiel ao positivismo, crê ser cientificamen- serão considerados irracionais, quando
te inviável um juízo racional acerca de op- puderem ser justificados de uma forma ra-
ções quanto a valores. zoável”. (PERELMAN, p. 480). Desse modo,
Como se vê, há, até certo ponto, um acor- pressupõem uma distinção entre demons-
do inicial entre o normativismo kelseniano tração e argumentação ou, na terminologia
e a tópica: ambos acreditam que há uma aristotélica utilizada por VIEHWEG (1979,
margem de ação para o jurista prático, haja p. 24-25), entre apodexis (ou demonstrações
vista que a norma jurídica a ser concretiza- apodícticas) e raciocínio dialético, sendo
da não permite, seja por imprecisão semân- que, neste último, as premissas utilizáveis
tica ou por uma mudança do (ou controvér- no discurso não são verdades inquestioná-
sia sobre o) sentido e dos termos utilizados veis, mas “opiniões acreditadas e verossí-
pelo legislador, a mera dedução de uma so- meis, que devem contar com aceitação (en-
lução jurídica já pronta. A desavença surge doxa)”.
no momento em que o juiz (ou qualquer ou-
tro profissional do direito) exerce o seu po- 3. Reflexão sobre as principais
der de decisão sobre qual das interpretações proposições teóricas da tópica de
possíveis deve prevalecer. Neste ponto, em
Theodor Viehweg
que se requer naturalmente uma avaliação
(ou valoração), Kelsen se recusa a estabele-
3.1. Caracterização geral da tópica
cer critérios, ao passo que a tópica entra em
cena a fim de, por meio da leitura retórica A principal obra de Theodor Viehweg
do direito, fornecer um mínimo de raciona- (1979, p. 20) começa com uma alusão a Vico,
lidade à decisão a ser tomada. Em suma, as que, já no século XVIII, dissertou sobre os

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métodos científicos, designando o método Uma aporia, para Viehweg (1979, p. 33),
antigo como tópico-retórico e o moderno como significa “uma questão que é estimulante e
crítico. O método científico moderno é o cha- ineludível, designa a ‘falta de um caminho’,
mado cartesiano, cujo ponto de partida é um a situação problemática que não é possível
primum verum, sendo que todo o desenvol- eliminar”. A tópica busca, a partir de tais
vimento posterior do raciocínio se dá por situações difíceis, fornecer uma saída10 .
meio de longas cadeias dedutivas. Já o mé- Todo o trabalho do jurista deve, pois, ori-
todo retórico leva em consideração o senso entar-se por uma aporia fundamental : a
comum, “que manipula o verossímel, con- questão de saber o que é justo aqui e ago-
trapõe pontos de vista conforme os cânones ra (VIEHWEG, 1979, p. 88).
da retórica e sobretudo trabalha com uma Ao caracterizar a tópica como uma téc-
rede de silogismos”. (VIEHWEG, 1979). nica de pensamento aporético, o autor de
O método novo apresenta sérias desvan- Tópica e jurisprudência se refere à distinção
tagens como “perda em penetração (no ob- entre as modalidades sistemática e proble-
jeto de estudo), estiolamento da fantasia e mática de pensamento, elaborada por Nico-
da memória, pobreza da linguagem, falta de lai Hartmann (apud VIEHWEG, 1979). Nes-
amadurecimento do juízo, em uma palavra: te contexto, problema quer dizer “toda ques-
depravação do humano”. Para evitar essa tão que aparentemente permite mais de uma
minimização das potencialidades da razão, resposta e que requer necessariamente um
é necessário retomar o método retórico, re- entendimento preliminar, de acordo com o
cuperando a fantasia e a memória e aban- qual toma o aspecto de questão que há que
donando os sistemas simplesmente deduti- levar a sério e para a qual há que buscar
vos, que podem muito bem ser substituídos uma resposta como solução”. (VIEHWEG,
por uma “trama de pontos de vista” (ou to- 1979, p. 34). Todo problema só pode ser re-
poi) (VIEHWEG, 1979). solvido com referência a um sistema, ou seja,
Por isso mesmo, resgata-se a tópica aris- a um “conjunto de deduções previamente
totélica, que faz parte do Organon e situa-se dado”, a partir do qual se infere uma res-
no terreno do dialético, e portanto distante posta (VIEHWEG, 1979).
do apodítico. Neste último tipo de raciocí- Evidente, portanto, a ligação entre pro-
nio, que é o da ciência propriamente dita, blema e sistema, de modo que a diferença
estamos diante de proposições primeiras ou entre as duas formas de pensamento acima
verdadeiras (VIEHWEG, 1979, p. 24), ao referidas (problemático e sistemático) é uma
passo que o pensamento dialético é caracte- questão de ênfase.
rizado não pela certeza, mas pela “discuti- Caso colocássemos a prioridade em um
bilidade” (FERRAZ JÚNIOR, 1994, p. 325) sistema A, B ou C, cada um deles seleciona-
dos argumentos utilizados. ria os seus próprios problemas e abandona-
A tópica, tal como Aristóteles a concebe, ria o restante. Nas palavras do próprio Hart-
não é um episteme (um “hábito de demons- mann (apud VIEHWEG, 1979), citado em
trar a partir das causas necessárias e últi- Tópica e jurisprudência, “o modo de pensar
mas, e, portanto, uma ciência”), mas uma sistemático procede do todo. A concepção é
techne (um hábito de produzir uma decisão nele o principal e permanece sempre como
razoável), ou seja, uma prudência (V I- o dominante. Não há que buscar um ponto
EHWEG, 1979, p. 53-54). Sua principal es- de vista. O ponto de vista é adotado desde o
pecificidade é tratar-se de um tipo de pen- princípio. E a partir dele se selecionam os
samento que se autodefine como problemá- problemas. Os conteúdos do problema que
tico ou aporético. Como tal, orienta-se primor- não se conciliam com o ponto de vista [ini-
dialmente para um problema concreto, uma cial] são rejeitados”, de modo que se decide
situação da vida real. “não sobre a solução dos problemas, mas

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sobre os limites dentro dos quais a solução loci, o material necessário para a demons-
pode se mover”. (VIEHWEG, 1979, p. 35). tração12.
Noutras palavras, aqueles problemas cuja Tal concepção problemático-inventiva
solução não seja dedutível do sistema ficam se mostra particularmente adequada à ju-
sem resposta. risprudência, pois o seu problema central –
Quando voltamos nossas atenções para a aporia fundamental da justiça – mantém-
o problema, como faz a tópica, realizamos a se permanentemente. O pensamento jurídi-
operação inversa, ou seja, uma seleção de co possui uma estrutura tópica por pelo
sistemas que podem ser úteis à solução do menos três razões (VIEHWEG, 1979, p. 89):
problema inicialmente considerado. O “ 1) A estrutura total da jurispru-
modo de pensar aporético, em vez de duvi- dência somente pode ser determina-
dar da existência do sistema, crê numa plu- da a partir do problema;
ralidade de sistemas, sendo que a escolha 2) As partes integrantes da juris-
do sistema utilizado na decisão prática deve prudência, seus conceitos e proposi-
ser feita com base em critérios que decor- ções têm de ficar ligados de um modo
rem, em última análise, do próprio proble- específico ao problema e só podem ser
ma. compreendidos a partir dele;
O papel central da tópica é encontrar as 3) Os conceitos e as proposições
premissas que serão utilizadas no raciocí- da jurisprudência só podem ser utili-
nio jurídico. Uma vez bem definidas essas zados em uma implicação que conser-
últimas, a lógica pode conduzir a uma res- ve sua vinculação com o problema.
posta satisfatória. Assim, é falsa a idéia de Qualquer outra forma de implicação
que há uma incompatibilidade entre a tópi- deve ser evitada”.
ca e a lógica formal: para os adeptos da tó- Todo o edifício jurídico, portanto, expli-
pica, o que ocorre é tão-somente uma priori- ca-se em razão da necessidade de resolver
dade da tópica sobre a mera dedução de casos concretos (GARCÍA AMADO, 1987,
conceitos a partir de um sistema fechado p. 164), sendo a tópica o modo adequado de
(GARCÍA AMADO, 1987, p. 167). Viehweg, atuação do jurista.
em especial, parte de uma divisão do racio- A tópica serve ao jurista prático, em es-
cínio jurídico em dois momentos: um, pré- pecial, para encontrar os argumentos utili-
lógico, de “busca das premissas” e outro, záveis na justificação concreta de uma deci-
propriamente lógico, “de conclusão a partir são. Esse procedimento se dá por meio do
daquelas premissas”. O segundo desses emprego discursivo dos topoi, que constitu-
momentos só teria prioridade se o direito em, para Aristóteles (apud VIEHWEG, 1979,
fosse construído a partir de um sistema nor- p. 26-27), “pontos de vista utilizáveis e acei-
mativo estável e axiomático (GARCÍA táveis em toda parte, que se empregam a fa-
AMADO, 1987, p. 166). Como isso não é vor ou contra o que é conforme a opinião
possível, Viehweg coloca o acento na busca aceita e que podem conduzir à verdade”.
das premissas, visualizando a tópica, con- Os topoi “funcionam como fórmulas de pro-
forme o legado de Cícero, como uma ars in- cura no sentido retórico”, como orientações
veniendi, ou seja, “um proceder adequado para a invenção (VIEHWEG, 1979, p. 104).
para a pesquisa das premissas”11 (GARCÍA Como modo de pensar, a tópica procede
AMADO, 1987, p. 167). de juízos fragmentários, sem a perfeita coe-
Viehweg (1979, p. 29), neste ponto, ado- rência de um sistema. Inclui-se numa ordem
ta a distinção, que Cícero estabeleceu quase que está sempre por ser determinada, à me-
trezentos anos após Aristóteles, entre Inven- dida que são descobertos e esclarecidos os
ção e Formação do Juízo, sendo a tópica a topoi. Esses podem ser encontrados por meio
arte de encontrar, por meio dos topoi ou de “tentativas”, ou seja, partindo-se de pon-

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tos de vista mais ou menos arbitrários esco- passando a enfatizar a dimensão pragmática
lhidos casualmente. Parte-se, nesse caso, da linguagem (VIEHWEG, 1979, p. 103; SOU-
diretamente do problema, buscando uma ZA NETO, 2002, p. 153), que diz respeito à
ordenação capaz de resolvê-lo de forma ra- relação entre os signos e aqueles que os uti-
zoável. Trata-se, nessa hipótese, do que Vi- lizam (ou com a conexão situacional).
ehweg (1979, p. 36) denomina tópica de pri- Esse enfoque pragmático implica uma
meiro grau. atitude retórica por parte do jurista, que se
Paulatinamente, vão se formando reper- afasta da anteriormente dominante “atitu-
tórios de pontos de vista relevantes para a ar- de espiritual anti-retórica”, a qual prefere
gumentação prático-jurídica, aos quais se uma concepção sintático-semântica da lin-
pode recorrer para encontrar premissas ve- guagem, utilizando-a prioritariamente como
rossímeis utilizáveis na discussão. Tais ca- instrumento descritivo. Essa atitude retórica
tálagos de topoi compõem a tópica de segundo consubstancia um “saber situacional que
grau, a qual representa um desenvolvimento, visa a orientar a ação” (SOUZA NETO, 2002,
sempre provisório, da tópica de primeiro grau. p. 154).
A perspectiva dialético-retórica13 da tó- A partir dos topoi, ainda que não se pos-
pica de Viehweg (1979, p. 103) tem a inolvi- sa demonstrar apoditicamente a veracida-
dável vantagem de “tornar compreensiva de de uma tese qualquer, pelo menos é pos-
toda argumentação a partir da situação dis- sível alcançar afirmações plausíveis, suscep-
cursiva”. O processo jurídico-decisório pas- tíveis de serem resgatadas discursivamen-
sa, como já vimos, a ser considerado dialo- te. Esse processo, ao contrário do que um
gicamente: o discurso é uma instância de crítico positivista poderia imaginar, não é
controle da plausibilidade dos pontos de completamente livre, mas informado por
vistas que integram cadeias de argumentos deveres comunicativos: “quem se envolve em
em favor de uma pretensão. uma situação discursiva assume deveres, o
Sem dúvida, a tópica possui o mérito de que é bastante compreensível para o jurista
revelar a estrutura comunicativa do saber prático”. Tais deveres (de afirmação, defe-
jurídico, contribuindo em muito para a de- sa, fundamentação, esclarecimento, repar-
mocratização do exercício da jurisdição e tição do ônus da prova etc.) podem garantir
abrindo caminho para um amplo desenvol- suficientemente afirmações confiáveis, tor-
vimento ulterior de teorias sobre o emprego nando cada vez maior o grau de justifica-
e o controle de argumentos jurídicos. Com ção racional da conclusão obtida a partir
efeito, “decidir é uma ação humana e qual- da análise tópica.
quer ação humana ocorre numa situação Em uma palavra: a tópica recupera a
comunicativa”. De outro lado, a decisão ju- perspectiva argumentativa, estabelecendo
rídica provém de um discurso racional, haja determinadas condições para o exercício da
vista que, na aplicação do direito, está sem- razão prática. O recente desenvolvimento
pre presente uma necessidade de funda- dos estudos sobre a argumentação jurídica
mentação ou justificação (FERRAZ JÚNIOR, (levado a cabo por nomes como Alexy, Aar-
1994, p. 322). nio, MacCormick, Peczenik, Atienza e tan-
Ao substituir a lógica formal por um pro- tos outros) teve como estopim a tópica de
cesso discursivo de construção de conven- Viehweg, que, junto com a Nova Retórica de
cimento (e de motivação de uma decisão por Perelman, trouxe o conceito de racionalida-
parte do juiz), Viehweg reduz o enfoque de comunicativa para o direito. O seguinte
dado aos aspectos sintático (que abarca a comentário de Karl Larenz (1997, p. 211-212)
conexão de signos com outros signos) e se- faz justiça ao pensamento tópico-jurídico:
mântico (que trata da “conexão de signos “A idéia que se tornou familiar aos
com objetos, cuja designação é assertada”), juristas, antes do mais devido a Vi-

160 Revista de Informação Legislativa


ehweg, de que a solução de um pro- 1996, p. 6-7) contradita o professor de Ma-
blema jurídico decorreria não de um inz por ter conduzido “uma luta contra
processo consistindo em deduções moinhos de vento” e um “combate aparen-
lógicas, mas por meio de uma proble- te”, pois já não existem mais, há muito tempo,
matização global de argumentos per- defensores do sistema axiomático-lógico.
tinentes, conduziu a uma crescente Nas palavras de García Amado (1996),
familiarização com os pressupostos e nem mesmo a jurisprudência dos conceitos
as regras da argumentação jurídica. (à qual a tópica vai se opor radicalmente)
Aí trata-se tanto da estrutura lógica concebe um sistema jurídico tão perfeito e
da argumentação, especialmente da fechado como o descrito em Tópica e juris-
possibilidade de uma fundamentação prudência. O componente crítico da tópica
de juízos de valor, de regras de argu- de Viehweg deve ser matizado e reorienta-
mentação, como também da utilização do, pois sua ruptura não é com um método
de argumentos jurídicos específicos, jurídico propriamente lógico-dedutivo, mas
seja no quadro da interpretação da lei, com o “ontologismo subjacente ao método
da valoração dos precedentes ou da do século XIX”. A grande guinada da tópi-
dogmática.” ca foi romper com a crença de uma total se-
paração sujeito/objeto e com a idéia de
3.2. Tópica e sistema jurídico que para todos os problemas jurídicos há
Partindo da divisão de Hartmann entre uma solução predeterminada pelo direito
as técnicas de pensamento sistemática e pro- positivo, cabendo ao intérprete tão-somente
blemática, a tópica de Viehweg adota uma a sua aplicação mecânica. A vontade do le-
postura como “anti-sistemática”, no senti- gislador já não passa mais a ser considera-
do de que, uma vez que um sistema deduti- da necessariamente racional, ao mesmo tem-
vo completo se mostra inadequado para a po em que aumenta significativamente a
jurisprudência, deve o operador do direito margem de liberdade por parte do juiz, que
se orientar pelo problema. O pensamento não se limita mais a conhecer o direito preexis-
sistemático pouco poderia contribuir para tente, passando também a decidir.
a ciência do direito. O conceito de sistema de Viehweg é cri-
Tal atitude anti-sistemática, porém, de- ticado em especial por Canaris (1996, §§ 2 o,
corre de uma concepção demasiadamente 5 o), que crê firmemente que o pensamento
estreita de sistema jurídico: Viehweg, em jurídico refere-se, quase sempre, a um siste-
Tópica e jurisprudência, parece crer que a úni- ma de princípios jurídicos que conferem ade-
ca espécie de sistema existente até então nos quação valorativa e unidade interior à ordem
domínios da metodologia do direito é o sis- jurídica. Tal sistema vai conduzir a ativida-
tema lógico-dedutivo14. de do operador do direito, que deve dar pri-
Por causa desse conceito excessivamen- oridade, sempre, à interpretação teleológica
te restrito de sistema, Viehweg foi criticado do direito, levando em consideração os va-
incisivamente por seus opositores, haja vis- lores objetivados no “sistema interno”. Ca-
ta que a metodologia da ciência do direito, naris (1996) critica ainda a tópica de Vi-
na época em que sua obra surgiu pela pri- ehweg porque a leitura tópica do direito é
meira vez, já conhecia várias outras acep- incapaz de conferir a coerência e a adequa-
ções de sistema jurídico, inclusive a distin- ção interna (ou “justeza”) ao ordenamento
ção de Heck entre “sistema externo” e “sis- jurídico, além de, o que é igualmente grave,
tema interno”, este último composto pelos comprometer para sempre a adstringibili-
valores e princípios gerais de direito que dão dade jurídica, pois a função das normas na
forma à noção genérica de “Idéia de Direi- argumentação jurídica não fica clara nos
to”. Assim, Diederichsen (apud CANARIS, seus escritos, de modo que a lei parece ape-

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nas um topos entre outros. Parece difícil en- tópica coincide com o do positivismo cienti-
tão escapar de uma certa unilateralidade da ficista. Tal conceito, contudo, não se apre-
tópica, que subvaloriza a referência siste- senta para nós como sendo adequado e, uma
mática da ciência do direito (SARMENTO, vez aceito, pode fazer com que não se reco-
2000, p. 130). nheça o importante significado metodológico
Todavia, em escritos posteriores 15, Vi - da tópica no contexto das doutrinas do nos-
ehweg revê sua postura radicalmente con- so tempo (GARCÍA AMADO, 1987, p. 176).
trária ao conceito de sistema jurídico, enu- Deve-se buscar um conceito mais amplo de
merando inclusive outras espécies de siste- método, como por exemplo o formulado por
ma diferentes do “sistema dedutivo” que Fikentscher (apud GARCÍA AMADO, 1987):
tanto combateu. Nesses trabalhos mais re- “a via para se alcançar uma meta, um resul-
centes, chega o autor a considerar o esque- tado concreto”. O método positivista do sécu-
ma de pensamento elaborado em Tópica e ju- lo XIX não é o único concebível.
risprudência como sendo uma espécie de “sis- Nesta linha, García Amado, que vê a tó-
tema dialético clássico” ou “sistema tópico”. pica como um método em sentido amplo, a
No entanto, parece-nos difícil imaginar enquadra entre as diretrizes metodológicas
a sua versão da tópica aristotélica como um antilegalistas que combatem o rigor meto-
sistema, haja vista o caráter fragmentário e dológico do positivismo legalista. Este últi-
pouco definido dos topoi empregados na mo concebe o direito como um sistema está-
argumentação. Isso não significa, contudo, tico, fechado; vê a racionalidade jurídica
que haja uma incompatibilidade entre o como interna ao sistema de proposições,
pensamento tópico-retórico e o pensamento consistindo na ligação lógica entre estas; o
sistemático. Parece-me claro que no traba- método jurídico, assim, é lógico-dedutivo, e
lho do jurista prático há espaço para ambas a tarefa do jurista prático é “conhecer” o
as formas de raciocínio, pois o valor justiça direito aplicável. Já as correntes antilegalis-
aponta tanto para uma “tendência indivi- tas vêem o direito como sendo algo dinâmi-
dualizadora” (em que valem os topoi, por co, aberto; a racionalidade jurídica é algo
serem capazes de captar mais de perto a es- mais amplo, externa ao sistema; seu método
sência de cada caso) quanto para uma “ten- é a razão prática e a tarefa da práxis jurídi-
dência generalizadora” (que exige um tra- ca é chegar a uma decisão plausível (GAR-
tamento igualitário e, nesta medida, precisa CÍA AMADO, 1987, p. 178).
de uma referência no sistema de princípios A tópica de Viehweg só não seria um mé-
gerais do direito) (CANARIS, 1996, p. 275- todo se essa noção fosse entendida num sen-
276; ENGISCH, 1996, p. 386). tido muito estreito e ultrapassado. Sua im-
portância para a metodologia da ciência do
3.3. É possível um método tópico? direito é introduzir a perspectiva argumenta-
Para Viehweg e seus seguidores, a tópi- tiva, concebendo a idéia (hoje crucial para o
ca não pode ser concebida como um método pensamento jurídico) de um procedimento ra-
jurídico. Segundo Ferraz Júnior (1979, p. 3), cional para construção das decisões jurídicas.
“a tópica não é propriamente um método,
mas um estilo. Isto é, não um conjunto de 4. Principais críticas à tópica jurídica
princípios de avaliação da evidência, câno-
nes para julgar a adequação de explicações A despeito dos avanços da tópica e da
propostas, critérios para selecionar hipóteses, sua relevância para o pensamento jurídico,
mas um modo de pensar por problemas, a não se pode deixar de mencionar aqui algu-
partir deles e em direção deles”. mas críticas que lhe foram dirigidas.
Observe-se que o conceito de método Um primeiro problema que encontramos
empregado pelos primeiros defensores da na tópica é a ausência de um sistema de pri-

162 Revista de Informação Legislativa


oridades ou uma hierarquia entre os topoi. simples e viável de motivação das valora-
A tópica, que sem dúvida é capaz de colher ções jurídicas, mudando para sempre a his-
os argumentos relevantes para o discurso tória do pensamento jurídico ao introduzir
jurídico, falha ao não estabelecer nenhum uma perspectiva argumentativa que se vol-
critério de pesagem e descoberta de regras ta para o caso concreto, o que rompe de vez
de preferência entre os pontos de vista ar- tanto com o ontologismo subjacente à juris-
gumentativos. Fica a impressão de que a tó- prudência dos conceitos quanto com o nor-
pica só serve para diagnosticar, e que no mativismo de Kelsen, que reduz o âmbito
momento de decidir carece de complemen- do conhecimento jurídico ao estudo da es-
tação por parte de uma teoria dos valores trutura lógica das suas normas, sendo inca-
(ENGISCH, 1996, p. 384). paz de fornecer um critério para a escolha
Além disso, a obra de Viehweg não dei- entre as interpretações possíveis.
xa muito claro qual é a relação da tópica Quanto à questão da insuficiência da
com o direito positivo, nem qual a função tópica para avaliar e controlar as decisões
das normas no processo de decisão, o que obtidas pelo procedimento discursivo, pen-
pode conduzir à conclusão de que a lei se- so que se trata de um defeito que as teorias
ria apenas mais um topos (GARCÍA AMA- contemporâneas da argumentação jurídica
DO, 1987, p. 172-174). Em síntese feliz, Ro- haverão de consertar.
bert Alexy (1997, p. 42) salienta alguns pon-
tos em que a tópica fracassa como empreen-
dimento teórico: 1) a tópica subestima a im-
portância da lei, da dogmática e dos prece- Notas
dentes; 2) realiza uma análise insuficiente da 1
O termo positivismo pode ser entendido em
estrutura dos argumentos; e 3) possui um con- múltiplos sentidos, como mais tarde reconheceu o
ceito pouco preciso de discussão. próprio Viehweg num breve artigo destinado a es-
clarecer o que ele próprio designa por “positivismo
Tais críticas, porém, não retiram o valor no sentido existente aqui e agora” (VIEHWEG, 1965).
da tópica, que reside principalmente em sua Para o autor de Tópica e jurisprudência, o positivismo
originalidade e em seu potencial transfor- jurídico prático (que para ele é o mais relevante) con-
mador para a prática jurídica, ao introduzir sidera que o operador do direito está sempre obri-
no direito o conceito de razão prática. gado a se ater, em todas as suas considerações
dogmáticas, à constituição positiva válida ici et ma-
intenant, bem como às leis positivas e seus equiva-
5. Considerações finais lentes, de acordo com a constituição. O positivista
está obrigado, em todos os casos, a não transgredir
Há campos relevantes para o Direito nos a lei em sentido amplo, descartando qualquer in-
quais os mecanismos da pura metodologia dagação “transpositiva” (VIEHWEG, 1965, p. 184).
A atitude positivista por parte do jurista peca-
jurídica não levam a nenhuma conclusão, ria por não “pensar a respeito das suas últimas
sendo que a decisão deve ser fundamenta- conseqüências”, sendo por isso mesmo considerada
da com o auxílio da metódica filosófica (EN- um equívoco tanto pelo tomismo aristotélico quanto
GISCH, 1996, p. 385). pelo pensamento marxista-leninista. De acordo com
Nesse terreno espinhoso, a tópica pare- Viehweg (p. 183-189), esse positivismo jurídico prá-
tico não serve para realizar a função social da dog-
ce ser um método correto para se encontrar mática jurídica, haja vista que caracteriza-se por
as premissas que podem conduzir a uma um ceticismo exagerado contra as interpretações
solução adequada, a fim de indicar respos- mais elásticas dos textos jurídicos, além de um peri-
tas plausíveis para problemas que, para o goso ceticismo quanto a legitimações/fundamenta-
positivismo, seriam decididos de forma ir- ções muito amplas, já que não consegue se posicio-
nar frente a valores, em especial frente à aporia fun-
racional. damental do direito: a justiça.
Tem a tópica a grande virtude de, proce- 2
O termo é utilizado aqui no seu sentido origi-
dendo de forma inventiva, oferecer um modo nal, equivalente a “dogmática jurídica”.

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Teoria de la argumentación jurídica, publicada
3 10
Merece destaque o comentário de Maria Mar-
pela primeira vez no ano de 1978. Interessante no- garia Lacombe Camargo (2001, p. 154) sobre essa
tar, entretanto, que Alexy substitui a perspectiva noção utilizada pela tópica: “A aporia é-nos apresen-
retórica que caracteriza o pensamento de Viehweg tada no livro Tópica e jurisprudência como uma ques-
pelo princípio kantiano da universalidade, que dá tão ligada à dúvida (dubitatio), uma vez que a situ-
supedâneo às suas regras da argumentação práti- ação de problematicidade se apresenta como per-
ca. manente. A ausência de caminho próprio e conheci-
4
As seguintes palavras de Hannah Arendt do estimula, por sua vez, a criação do intérprete”.
(2000, p. 301) nos parecem apropriadas para es- 11
A idéia de que, no raciocínio jurídico, é preci-
clarecer as insuficiências do cientificismo: “... o so uma técnica ou um estilo especial de busca das
mundo da experimentação científica sempre pare- premissas, que proceda de modo inventivo, está,
ce capaz de tornar-se uma realidade criada pelo segundo Viehweg (1979, p. 50), subjacente à juris-
homem; e isto, embora possa aumentar o poder prudência romana, o que teria sido inclusive perce-
humano de criar e de agir, até mesmo de criar um bido por Savigny com entusiasmo. Para a tópica,
mundo, a um grau muito além do que qualquer “este modo de trabalhar se caracteriza sobretudo
época anterior ousou imaginar em sonho ou fanta- porque permite aos juristas entender o direito não
sia, torna, infelizmente, a aprisionar o homem – e como algo que se limitam a aceitar [ver, supra, 2.1.],
agora com muito mais eficácia – na prisão de sua mas sim como algo que eles constroem de uma
própria mente, nas limitações que ele mesmo criou” maneira responsável”.
(ARENDT, 2000, p. 301). 12
Como o próprio Viehweg (1979, p. 28) salien-
5
Nota-se uma extraordinária convergência en- ta, o nível da tópica de Cícero é sem dúvida inferior
tre o pensamento desses dois autores, que se pro- ao de Aristóteles. Cícero não conhece, por exemplo,
põem a utilizar a razão prática como critério de a distinção entre o apodítico e o dialético, nem tem
correção de decisões a respeito de juízos de valor. grandes pretensões filosóficas com sua obra. Visa
6
Merece destaque o fato de que Karl Engisch tão-somente a facilitar o trabalho prático dos ora-
(1996, p. 383), na sua Introdução ao pensamento jurí- dores (e em especial dos advogados), elaborando
dico, chegou a esta mesma conclusão ao comentar a um catálogo o mais completo possível de topoi ou
tópica de Viehweg, in litteris: “... a ‘trivial’ dedução lugares da argumentação. A idéia de que a tópica é
a partir da premissa maior e da premissa menor não uma ars inveniendi é, contudo, de fundamental im-
diz absolutamente nada sobre a dificuldade e a sub- portância para a tópica contemporânea.
tileza da elaboração daquelas mesmas premissas”. 13
Importante não associar a tópica às vertentes
7
Nesse sentido, Viehweg fala em certos “deve- sofísticas da Retórica, que antecederam Aristóteles
res retóricos” ou “obrigações comunicativas”, que e mereceram a pungente crítica de Platão. O dis-
contudo são expostos de forma superficial e sem curso retórico que Viehweg abraça e pretende apli-
maior nível de detalhamento, o que faz da tópica car ao direito é submetido a certas regras básicas
uma teoria da argumentação jurídica incompleta do jogo dialético (que inclui a exigência de uma
(ATIENZA, 2000, p. 76). A idéia de que processo concatenação logicamente correta entre as premis-
discursivo pode ser controlado por regras vai ser sas no discurso prático), além de possuir um valor
melhor desenvolvida por Robert Alexy (1997), niti- ético, haja vista que se orienta, sempre, para a idéia
damente sob influência da tópica. de justiça (aporia fundamental). Assim, a tópica de
8
Para um exame mais aprofundado, vide: Kel- Viehweg difere em essência da retórica pré-aristo-
sen (1984); bem como Larenz (1997). télica de conteúdo sofístico, que foi brilhantemente
9
O seguinte comentário de Cláudio Pereira de descrita por Olivier Reboul (2000, p. 9-10) em tre-
Souza Neto (2002, p. 140) esclarece com precisão cho que se segue: “... o mundo do sofista é um
este ponto: mundo sem verdade, um mundo sem realidade
“... a tópica comunga da crença, que também objetiva capaz de criar o consenso de todos os espí-
tem lugar no normativismo kelseniano, de que as ritos, para dizerem que dois e dois são quatro e que
normas jurídicas são passíveis de interpretação Tóquio existe... Privado de uma realidade objetiva,
unívoca. Para a tópica, não há a possibilidade de se o logos, o discurso humano fica sem referente e não
resolver em termos silogísticos a aplicação da nor- tem outro critério senão o próprio sucesso. [...] O
ma jurídica. No entanto, a tópica considera possí- discurso não pode mais ser verdadeiro, nem mes-
vel, ao contrário do que ocorria no normativismo de mo verossímel, só poderá ser eficaz; em outras pala-
Kelsen e Hart, ao menos uma versão mais modesta vras, próprio para convencer, que no caso equivale
de racionalidade, bem sintetizada na expressão ‘ló- a vencer, a deixar o interlocutor sem réplica. A fina-
gica do razoável’. A tópica rejeita o ceticismo abso- lidade dessa retórica não é encontrar o verdadeiro,
luto do normativismo kelseniano, resgatando a pos- mas dominar pela palavra; ela já não está voltada
sibilidade da razão prática”. para o saber, mas sim ao poder”.

164 Revista de Informação Legislativa


14
García Amado (1987, p. 165) se alinha a esse GARCÍA AMADO, Juan Antonio. Tópica, derecho
entendimento. Para ele, “el rechazo por parte de y método jurídico. In: Doxa: cuadernos de filosofia
Viehweg del pensamiento jurídico como System- del derecho, Alicante, n. 4, 1987.
denken se basa en una asimilación del concepto de
sistema a la idea de sistema axiomático lógico-de- ______. Tópica, retórica y teorias de la argumenta-
ción jurídica. In: CONGRESO DE DERECHO PÚ-
ductivo, considerado como prototipo del sistema
BLICO, FILOSOFÍA Y SOCIOLOGÍA JURÍDICAS:
perfecto. Asi, dice que la tópica ‘presupone’ que no
existe un sistema deductivo y que ‘la constante vin- PERSPECTIVAS PARA EL PRÓXIMO MILENIO,
1996, Bogotá. Anais ... Bogotá: Universidad Exter-
culación al problema estabelece unos límites muy
nado de Colombia, 1996. p. 169-195.
estrechos para la reducción y la deducción’, permi-
tiendo sólo encadenamientos de muy corto alcance, KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de J.
pues estos se deben interrumpir constantemente en Baptista Machado. Lisboa: Armênio Amado, 1984.
atención al problema”.
15
Em especial, refiro-me aqui a Algumas LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3.
considerações acerca do raciocínio jurídico (VIEHWEG, ed. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação
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Tradução de Manuel Atienza e Isabel Espejo. Ma- mantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2000b.
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______. Prefácio do tradutor. In: VIEHWEG, Theo- ______. Tópica e jurisprudência. Tradução de Tércio
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de Imprensa Nacional, 1979. Imprensa Nacional, 1979.

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