Sunteți pe pagina 1din 30

1

O ensino médio como problema do presente e como disputa histórica necessária

Gaudencio Frigotto1
Maria Ciavatta2
Marise Ramos3
Introdução

No presente texto, propomo-nos analisar determinações históricas que


sistematicamente impedem que o ensino médio, última etapa básica, se constitua
efetivamente como um direito social e subjetivo da classe trabalhadora. Ao mesmo tempo,
discutimos movimentos e lutas de resistência a essa orientação, que demonstram a capacidade
da sociedade brasileira produzir avanços no plano normativo sem, no entanto, que esses se
efetivem na ação concreta.
O Brasil, a partir das últimas décadas, situa-se, no plano estritamente econômico,
entre as dez maiores sociedades em termos da produção de serviços e mercadorias. Com
efeito, nosso produto interno bruto (PIB), que mede o montante global de riqueza anualmente
produzida no país, tem nos colocado em 2013 como a sétima maior economia do mundo. Este
dado, todavia, contrasta com a abismal concentração de capital e de renda, o que nos torna
uma das sociedades mais desiguais e injustas do mundo.
A alternância de conjunturas de ditaduras e de democracia restrita mantém o plano
estrutural que produz essa desigualdade intocável. O caso mais exponencial é o da
concentração da propriedade fundiária. Somos um país continental onde 1% dos proprietários
detém aproximadamente 50% das terras. A contrapartida é um contingente monumental
de pessoas sem acesso à terra, produzindo o maior movimento social organizado atual da
América Latina, o dos Sem Terra (MST), e a favelização das grandes e médias cidades.
Há quase um século luta-se pela reforma agrária, mas a classe dominante manipula,
pela grande mídia privada, a opinião pública, tratando-a como coisa de subversivos e

1. Doutor em Ciências Humanas – Educação (PUC-SP). Professor titular em Economia Política da Educação Na Universidade
Federal Fluminense (aposentado). Atualmente professor no Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação
Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisador do CNPq. gfrigotto@globo.com.
2
Licenciada em Filosofia (PUC-RJ), Doutora em Ciências Humanas – Educação (PUC-RJ), Professora Titular de Trabalho
e Educação, associada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisadora
do CNPq. mciavatta@terra.com.br
3 Doutora em Ciências Humanas – Educação (UFF). Especialista em Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde Pública, da

EPSJV/Fiocruz. Professora dos Programas de Pós-Graduação em Educação Profissional em Saúde (EPSJV/Fiocruz) e de


Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisadora do CNPq.
ramosmn@gmail.com.

1
2

comunistas. Hoje, os que lutam por terra são tomados como baderneiros e criminalizados pelo
maior representante e sustentáculo da classe dominante, o poder judiciário. A outra face
iníqua da concentração da riqueza explicita-se mediante a forma regressiva de pagamento dos
impostos. A existência de apenas duas alíquotas de imposto de renda, mantidas
historicamente pelo parlamento, escancara essa outra face iníqua da classe dominante.

Sem mudanças no tecido estrutural, a dívida social, cultural e educacional mantém-


se sem variação substantiva. A área educacional, que aqui analisamos, elucida um quadro que
se alterou, em termos de acesso, no ensino fundamental, nas últimas três décadas, mas muito
pouco na qualidade. Em pleno século XX, continuamos com mais de 13 milhões de
analfabetos absolutos. Na educação infantil, permanece uma imensa dívida, especialmente
com as frações mais pobres da classe trabalhadora. O ensino superior, desde a Ditadura civil
militar, ampliou-se, mas com uma acelerada privatização. Hoje, mais de 80% das matrículas
são do ensino privado e grande parte de baixíssima qualidade. Mesmo com a criação de 16
novas Universidades Federais e de 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia
(IF), com centenas de campi, o setor privado avançou proporcionalmente mais.

O enigma maior, todavia, é a sistemática negação do acesso ao ensino médio a


gerações que se sucedem e, para aqueles que o frequentam, em sua maioria, um arremedo de
ensino. Os números são inequívocos. De acordo com os dados do Censo do INEP/MEC de
2011, havia 8.357.675 alunos matriculados no ensino médio. Apenas 1,2% no âmbito público
federal, 85,9%, no âmbito estadual, 1,1% no municipal e 11,8% no ensino privado. Mas o
alarmante é o que revela a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de
2012 sobre a negação do direito ao ensino médio aos jovens brasileiros. Aproximadamente
18 milhões de jovens entre 15 e 24 anos estão fora da escola. Isto equivale à metade da
juventude brasileira considerada esta faixa etária.

Pode-se afirmar que no âmbito público, apenas os Institutos Federais e algumas


experiências estaduais têm condições objetivas de realizarem um trabalho de qualidade, com
professores de tempo integral, carreira digna, tempo de pesquisa e orientação, laboratórios,
biblioteca, espaço para esporte e arte etc., cujo custo econômico médio é de quatro mil dólares
por aluno ano ou, aproximadamente, dez mil reais. Este valor está muito abaixo do custo de
uma escola de ensino médio particular nas grandes e médias cidades do Brasil. São escolas
cujo acesso é impossível para os filhos da classe trabalhadora.

Isto significa dizer que mesmo considerando-se os limites da democracia sob o


capitalismo, o Brasil nega à sua juventude aquilo que as revoluções burguesas clássicas lhes
garantiram: passagem à cidadania política e econômica. Ou seja, o Brasil nega à sua juventude
2
3

uma formação básica que lhes faculte a participação qualificada na vida social e política e
inserção igualmente qualificada no processo produtivo. Nega-lhe, pois, a possibilidade desta
dupla autonomia, por um lado, como controle social e, por outro, com políticas clientelistas
e de alívio à pobreza.

Há mais de sete décadas, reiteram-se programas de educação de jovens e adultos,


sem se acabar com o analfabetismo e a baixa escolaridade da população. Igualmente, pelo
mesmo período, sucedem-se programas de formação profissional para esta população com
pouca e precária escolaridade. Tem-se, como exemplos, a criação do sistema S4 no início da
década de 1944; o Programa Intensivo de Formação de Mão de Obra industrial (PIPMOI)
criado pelo Decreto nº 53.324 de 18/12.1963 e, em 1971, transformado em Programa
Intensivo de Formação de Mão de Obra (PIPMO), estendido para os demais setores da
economia5; o Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR) em 1995; o Plano
Nacional de Qualificação (PNQ) em 2003 e, finalmente, em 2011, o Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC). Sem o ensino médio de boa qualidade
reiteram-se castelos em cima de areia.

E qual tem sido a estratégia, em diferentes conjunturas, para se enfrentar o enigma ou


o nó do ensino médio? Mudanças curriculares e propostas de alteração da legislação que
modificam a natureza do ensino médio. O que queremos defender neste texto é que o
problema fundamental do ensino médio não está somente na reforma curricular, nas
mudanças de organização e nem mesmo na gestão, como tanto se tem insistido entre nós.
Antônio Gramsci, na década de 1930, referindo-se à escola na Itália, insistia que seu problema
principal não era de currículo, o professor ou a gestão, mas de decisão política da sociedade
assumir a escola pública como uma questão central. Isto não significa que não seja
fundamental a batalha das ideias na disputa da concepção de educação que se expressa no
currículo, na forma que assume a escola em sua organização e nos processos de gestão.

Com esta compreensão, na brevidade deste texto, buscamos mostrar, primeiramente,


no plano mais geral, que o problema fundamental incide na opção da burguesia brasileira por
um projeto de capitalismo dependente e de desenvolvimento desigual e combinado e, como

4O Sistema S, atualmente, é constituído por instituições que, com base, na Constituição Federal (Art. 149, Inciso
III) recebem contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, tais como, SENAI (Serviço
Nacional de Aprendizagem Industrial), SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), SENAR
(Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte),
SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), SESCOOP Serviço Nacional de
Aprendizagem do Cooperativismo).
5
Um Programa inicialmente proposto para durar 20 meses e que se estendeu por 19 anos. Ver a respeito a
Dissertação de Mestrado de BARRADAS ( 1986). É interessante perceber a similitude que assume o
PRONATEC cinco décadas depois.

3
4

sustentação deste projeto, a reiteração, por diferentes mecanismos, de um Estado de exceção


e, portanto, de anulação da política como forma de expressão dos conflitos e interesses das
classes e frações de classe. Por fim, com base na análise dos aspectos precedentes,
buscaremos explicitar, num plano mais específico do ensino médio, as concepções em disputa
e os embates atuais em torno de sua normatização6, que explicita as resistências da classe
dominante àquilo que poderia ser um significativo avanço neste nível de ensino. Nas
considerações finais, assinalaremos alguns desafios no plano estratégico e no plano tático, na
relação entre projeto societário e a disputa do direito ao ensino médio como educação básica.

1. “O avesso do pensamento conservador”

O método de análise centrado no ideário positivista e empiricista constitui-se na forma


como os intelectuais da burguesia, desde a origem do modo de produção capitalista e, no
presente, com refinamentos e sutilezas, compreendem as relações sociais econômicas,
políticas, educacionais e culturais. Tomam, assim, a desigualdade nestes âmbitos como meras
disfunções. Por condição ideológica de classe não buscam entender a gênese e as
determinações da desigualdade. Assim, quando tratam da educação, o não acesso, ou o acesso
precário ao direito social e subjetivo da educação básica constitui-se em disfunções a serem
resolvidas com nomatizações, políticas e normas ad hoc.

As últimas medidas adotadas pelo MEC em 2013 mostram, ao mesmo tempo, o


abandono da perspectiva do ensino médio integrado e a decisão de entregar a gestão deste
nível de ensino público ao setor empresarial. Uma primeira iniciativa foi de entregar a
orientação do ensino médio inovador – cuja origem tinha outra perspectiva – para ser gerido
pelo Instituto Airton Sena e pelo Instituto Unibanco. A segunda medida é a oferta feita pelo
Ministério da Educação aos Estados da federação para que utilizem o Telecurso da Rede
Globo para os alunos de ensino médio que estão fora da idade série. Hoje representam 54,9%
dos alunos matriculados neste nível de ensino. A justificativa do então Ministro Aloizio

6
Como normatização da educação brasileira e, particularmente do ensino médio, objeto de análise deste texto,
consideramos, tal como nos explicam Lima, Ramos e Lobo Neto (2013, p. 83) “os diversos documentos
emanados a partir dos poderes públicos desde as ‘constituições’ até as leis; desde os decretos até as portarias e
instruções normativas; desde as resoluções e os pareceres até as portarias e indicações procedimentais. Tanto a
natureza diferenciada desses documentos quanto os seus órgãos de origem estabelecem uma ordenação
hierárquica”. Os autores reconhecem a existência de três níveis hierárquicos, a saber: o da constituição; o das
leis; e o das normas. Neste último caso, identificam-se, ainda, subníveis, dentre os quais o dos decretos
(prerrogativa do poder executivo), que regulamentam as determinações das leis; e o das portarias, instruções
normativas e orientações, que estabelecem critérios de execução de programas de governo. Esses são emanados
de órgãos auxiliares, tais como Ministérios e organismos vinculados, no âmbito federal; secretarias de estado e
organismos vinculados, no âmbito estadual; secretarias ou departamentos e organismos vinculados às prefeituras
municipais. Neste texto, trataremos de normas advindas desses três níveis na esfera do governo federal.

4
5

Mercadante do MEC de bancar os custos desta “parceria” era de que se tratava de um modelo
consagrado.
A visão invertida das determinações da crise do ensino médio se apresenta de forma
emblemática na apresentação da parceria celebrada entre a Coordenação de Aperfeiçoamento
de Ensino Superior (CAPES/MEC) e o Instituto Airton Senna (IAS) para desenvolvimento
do Programa de Formação de Professores no campo das competências socioemocionais. A
justificativa básica apresentada pelos proponentes é o propósito de ajudar a superar barreiras
socioeconômicas7. Para os proponentes, tratar o emocional das crianças com as
características da desigualdade social do Brasil é a medida para que as mesmas superem as
barreiras socioeconômicas (sic). Falta apenas completar, de acordo com esta lógica, que estas
barreiras são naturais e de ordem emocional.

David Harvey (2013) lembra que uma das insistências de Marx, na análise das crises,
era de que não devemos nos ater aos seus efeitos, mas analisar as determinações subjacentes.
O subjacente, na concepção materialista histórica de Marx, se encontra nas relações entre as
classes fundamentais, frações de classe e grupos sociais no processo de produção de sua vida
material, na particularidade de cada processo histórico e das diferentes sociedades. Para
Engels, o legado fundamental de Marx que o imortalizou sintetiza-se em duas “leis8”.

Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica, Marx descobriu a lei do
desenvolvimento da história humana: o fato, tão simples, mas oculto sob uma manta ideológica, de que
o homem necessita, em primeiro lugar, de comer, beber, ter um teto e vestir-se antes de poder fazer
política, ciência, arte, religião etc.; de que, portanto, a produção dos meios de vida imediatos, materiais,
e, por conseguinte, o grau de desenvolvimento econômico objetivo de um povo dado ou durante uma
época dada forma a base sobre a qual as instituições estatais, as concepções jurídicas, a arte e inclusive
as ideias sobre religião do povo em questão tem se desenvolvido, e à luz das quais devem, por tanto,
ser explicadas, em vez do contrário, como havia sido o caso até então. Mas isso não é tudo. Marx
também descobriu a lei especial do movimento que governa o atual modo capitalista de produção, e a
sociedade burguesa que este modo de produção tem criado. A descoberta da mais-valia iluminou de
imediato o problema, que todas as investigações anteriores, tanto as dos economistas burgueses como
as dos críticos socialistas, haviam estado tratando de resolver navegando no obscuro. (ENGELS, 1883,
p. 1)

Dentro desta compreensão do processo histórico social, podemos situar como


determinação subjacente fundamental à negação reiterada da universalização do ensino médio

7
Ver matéria do Jornal O Estado de São Paulo de 24.03.2014
8 O sentido de lei no plano humano social, como Marx e Engels a entende, expressa o movimento e o processo
histórico que tem como fundamento a base das relações sociais econômicas, estas não como um fator, mas
como uma estrutura econômica.. Como indica Raymond Williams: então, devemos dizer que quando falamos
de “base” (aspas do autor) estamos falando de um processo e não de um estado. (WILLIAMS, 2011, p. 47).
Nesta obra o autor trata do materialismo cultural para evidenciar a relação dialética entre a base das relações
sociais econômicas e os processos culturais. Para aprofundar o sentido de estrutura econômico social como
critério teórico metodológico da teoria das classes sociais e da distinção entre mudanças que alteram a realidade,
reproduzindo-a e mantendo-a e as mudanças que possibilitam rupturas, ver KOSIK, 1986, p.99-113

5
6

como educação básica, a particularidade do projeto construído e mantido pela classe burguesa
brasileira. A leitura dominante, no campo das ciências sociais e humanas, sobre nosso
processo histórico, é de marca conservadora e se assenta sobre a visão da modernização. Uma
concepção dual e etapista de desenvolvimento dentro das dicotomias moderno e arcaico,
desenvolvido e subdesenvolvido ou em desenvolvimento, é uma visão, que de forma
diferenciada se constituiu dominante em toda a América Latina.

O contraponto, pela raiz, desta matriz de análise, nos é legado por vários intelectuais
contemporâneos do pensamento social crítico e nos permitem entender que para esta visão de
sociedade e desenvolvimento não só não se coloca a necessidade da universalização do ensino
médio, mas, sobretudo, a resistência ativa a todas as iniciativas nesta direção postulada pelas
lutas da classe trabalhadora em suas organizações e por intelectuais a ela vinculados. Para
fins deste artigo, nos atemos, ainda que de forma indicativa, às contribuições de Ruy Mauro
Marini, Florestan Fernandes e Francisco de Oliveira,9 pois estes intelectuais, de forma
incisiva, explicitam o avesso do pensamento conservador dominante sobre os obstáculos que
impedem o Brasil a ser um país altamente desenvolvido.

Ruy Mauro Marini (2000), com base na matriz teórica do materialismo histórico, rompe
com a visão linear e etapista de desenvolvimento, ao explicitar a forma específica assimétrica
de inserção do Brasil e dos países latino-americanos no circuito mundial da reprodução do
capital. Com o conceito chave da inserção desigual no circuito mundial do capital, Marini
desvela, ao mesmo tempo, a natureza das relações das classes dominantes nas determinações
da superexploração do trabalho nos países da América Latina e a relação de poder e de
intercâmbio assimétricas entre os centros hegemônicos do sistema capitalista mundial e os
países de capitalismo dependente.

Florestan Fernandes, um dos intelectuais mais importantes do pensamento crítico


latino-americano do século XX, dedicou-se longamente à investigação sobre a especificidade
do processo histórico brasileiro e, também, a estudos mais amplos para a América Latina. Em
duas obras clássicas – Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina (1975) e
A revolução burguesa no Brasil. Um ensaio de interpretação sociológica (1981), Florestan
nos lega a conclusão de que a burguesia brasileira não pautou as formas clássicas de
revoluções burguesas. Estas construíram os estados nacionais e sociedades, mesmo nos
marcos do capitalismo, onde o acesso aos diretos básicos e sociais, destacando a educação,

9
Na linha do que adverte Harvey sobre a insistência de Marx de se buscarem as determinações subjacentes às
crises, entendemos que para o campo educacional é crucial a leitura sistemática destes e de outros pesquisadores
e intelectuais que analisam a nossa particularidade como sociedade capitalista.

6
7

foram garantidos à população.

As frações dominantes de nossa burguesia nunca lutaram por um projeto nacional que
garantisse à população estes direitos. Pelo contrário, sempre arquitetou golpes e ditaduras
para impedir mudanças estruturais e sempre associou-se, ainda que de forma subordinada,
aos centros hegemônicos do capital. Forjou-se, assim, um projeto societário de capitalismo
dependente cuja marca específica é de um desenvolvimento desigual e combinado. Vale
dizer, estruturas sociais, econômicas, políticas e jurídicas que permitem altíssima
concentração da propriedade e da renda

O conceito de capitalismo dependente desvela como a burguesia brasileira tem se


aliado às burguesias dos centros hegemônicos do capital e mantido à margem de direitos
básicos e sociais a maioria da população. Para este tipo de projeto, moderno e arcaico,
formalidade e informalidade, concentração extrema de riqueza e de pobreza, alta escolaridade
e analfabetismo, não se contrapõem, como insiste o pensamento da matriz dual e etapista de
desenvolvimento, mas resultam da especificidade das relações sociais de classe no Brasil.

Numa mesma perspectiva, Francisco de Oliveira (2003) nos mostra que é a


imbricação do atraso, do tradicional e do arcaico com o moderno e desenvolvido que
potencializa a nossa forma específica de sociedade de capitalismo dependente e de nossa
inserção subalterna na divisão internacional do trabalho. Mais incisivamente, os setores
denominados de atrasados, improdutivos e informais, constituem-se em condição essencial
do núcleo integrado ao capitalismo orgânico mundial. Assim, a persistência da economia de
sobrevivência nas cidades, do analfabetismo e de baixos níveis de escolaridade para a maioria
da população, a ampliação ou inchaço do setor terciário ou da "altíssima informalidade" com
superexploração de mão-de-obra de baixo custo são funcionais à elevada acumulação
capitalista, ao patrimonialismo e à concentração de propriedade e de renda.
Trata-se de mediações do tecido estrutural da associação subordinada da classe
burguesa brasileira aos centros hegemônicos do capitalismo e dos impasses a que fomos
conduzidos no presente. Esta é uma particularidade estrutural de nossa formação econômica,
social, política e cultural que, como sublinha Oliveira, não se apropriou, senão parcialmente,
da revolução industrial sob a base do fordismo e, no final do século XX, da “revolução
tecnológica” digital-molecular. Resulta daí, para Oliveira, a metáfora de uma sociedade que
tem forma de ornitorrinco, um monstrengo social que produz a miséria e se alimente dela.
Uma situação política em que, por esta especificidade, como mostram Marini, Fernandes
e Oliveira, a classe trabalhadora tem que lutar concomitantemente contra as burguesias locais
e o imperialismo do qual são sócias. Também, politicamente, ganham maior compreensão o

7
8

ciclo de ditaduras e inúmeros golpes institucionais, com interferência consentida ou planejada


em aliança das burguesias locais com o imperialismo em toda a América Latina.

Num contexto em que as ditaduras10 já não eram funcionais e face ao colapso do


socialismo realmente existente, a grande maioria dos países latino-americanos transitou das
ditaduras civis militares às ditaduras do mercado. Enquanto as ditaduras, expressão de falta
de hegemonia, criaram resistências ativas, o pensamento neoliberal, com apoio massivo dos
grandes meios de comunicação, foi criando um consenso de que não há mais alternativa ao
capitalismo. Constrói-se, por essa via, o que Oliveira (1999) denomina de totalitarismo
neoliberal para designar a construção de uma sociabilidade de apartação e uma subjetividade
antipública.

Dentro deste totalitarismo neoliberal, a resistência histórica da classe burguesa


brasileira às reformas estruturais (reforma agrária, tributária, política e do judiciário, dentre
outras) mesmo que no âmbito das relações sociais capitalistas, ganha novas determinações
regressivas. Na última década, sobretudo, o poder judiciário, sem nenhum controle da
sociedade, avançou sobre o poder parlamentar num processo crescente de judicialização da
política. Por isso, nele reside historicamente o maior poder simbólico de violência de classe
como hermeneuta autônomo e soberano da lei e de suas interpretações.

Chegamos, assim, no Brasil, na segunda década do Século XXI, como explicita a coletânea
organizada por Oliveira e Rizek, (2002), num contexto societário de indeterminação e
anulação crescente da política. Em termos gramscianos, anulação da grande política, aquela
que põe em questão as estruturas da sociedade e adoção da “pequena política” que se limita
a administrar o existente (COUTINHO, 2006, p.156), uma situação em que os autores da
coletânea acima referida a relacionam com as experiências histórica do Estado de exceção.

2. A educação no Estado de exceção: entre a norma e a decisão

O processo histórico da estrutura de classes no Brasil, acima apresentado, ajuda-nos


a entender uma tendência histórica reiterada na educação brasileira, a oferta de educação

10
O colapso da experiência socialista do leste europeu não foi um fracasso e nem o fim do projeto histórico do
socialismo como os intelectuais da burguesia propalam. Não foi fracasso, pois durante meio século se constituiu
num contraponto ao capitalismo e deteve em grande parte do mundo seus efeitos mais perversos. Também não
significa o fim do projeto socialista. Pelo contrário, a crise cada vez mais aguda e violenta do sistema capitalista
e suas estratégias de superexploração da classes trabalhadora e a negação de gerações inteiras construírem futuro
humanamente digno, recoloca com urgência a agenda socialista.

8
9

profissional em detrimento da universalização da educação básica, principalmente, na


segunda etapa, o ensino médio. A questão mais geral subjacente a esta tendência histórica é
a relação entre a lei constituída pelo exercício político do poder soberano e as decisões diante
dos problemas reais postos pela sociedade.
A base desta reflexão é o conceito de “Estado de exceção” desenvolvido por Giorgio
Agamben (2004) a partir de Carl Schmitt (1921 e 1922)11, que é a forma pela qual a classe
burguesa sustenta a estrutura de dominação ao longo do tempo. O Estado de exceção, como
paradigma de governo, aplica-se à guerra civil, insurreição, resistência e constitui-se “um
ponto de desequilíbrio entre direito público e fato político” (p. 11). Carl Schmitt escreve sobre
o soberano como “aquele que decide sobre o estado de exceção” que apresenta “como forma
legal aquilo que não pode ter forma legal”. Em termos políticos no Ocidente, pergunta “o que
significa agir politicamente”, quais são os parâmetros de decidir ao revés da lei? (p. 12)
A análise de Agamben toma o Estado nazista onde Hitler suspendeu os artigos sobre
a Constituição de Weimar relativos às liberdades individuais. O “Terceiro Reich pode ser
considerado, do ponto de vista jurídico, um estado de exceção que durou 12 anos” (p. 13).
Agamben, também, traz sua análise para o US Patriot Act (promulgado pelo Senado
americano em 26/abril/2001), em nome da segurança dos EUA, pelo qual o Presidente Bush
pode “anular, radicalmente, todo estatuto jurídico do indivíduo” (p. 14). De acordo com esse
Ato, os talibãs capturados no Afeganistão, além de não gozarem do estatuto de prisioneiros
de guerra, também não gozam da proteção das leis americanas – o que pode ser comparado à
situação jurídica dos judeus nos Lager nazistas e dos prisioneiros de Guantánamo que atinge
o máximo dessa indeterminação entre a vida e a política (ibid.).
Na Europa, pelo fato de a teoria de Schmitt apresentar analogias com o direito de
resistência, discutiu-se sua inclusão para dar cobertura jurídica à resistência, na Constituição
italiana, mas não foi aprovado. Entretanto, consta da Constituição alemã “um artigo (o art.
20) que legaliza, sem restrições, o direito à resistência” diante da abolição da constituição
democrática. O que está em jogo é o significado jurídico de uma esfera de ação extrajurídica,
onde se opõem duas teses: a de que o direito deve coincidir com a norma e o seu contrário
que defende que “o âmbito do direito excede a norma” (p. 23-24).
De acordo com as tradições jurídicas sobre diversas situações políticas, em diversos
países, uma outra forma de ver a questão “coloca como fundamento do estado de exceção a
necessidade”, o que tem dois sentidos opostos: “a necessidade não reconhece nenhuma lei”
e “a necessidade cria sua própria lei” (a exemplo de S. Tomás de Aquino na Suma Teológica,

11
Apud AGAMBEN (2004): SCMITT, Carl. Die Diktatur. Munchen-Leipzig, Dunker & Humblot, 1921;
SCHMITT, Carl. Polische theologie. Munchen, 1922.

9
10

em relação ao poder do príncipe de dispensar a lei). Significa que um caso particular pode
escapar à obrigação da obediência à lei (p. 40, grifos nossos).
O estado de exceção é apresentado através da figura da ditadura que é uma suspensão
do direito. O autor distingue a ditadura comissária e a ditadura soberana. “O telos da teoria
é inscrever o estado de exceção em um contexto jurídico”, que é o aporte específico de
Schmitt. “Trata-se de uma articulação paradoxal porque o que deve ser inscrito no direito é
algo essencialmente exterior a ele, isto é, nada mais, nada menos que a suspensão da própria
ordem jurídica” (p. 53-54, grifos nossos).
Para a ditadura comissária, essa inscrição ocorre pela “distinção entre normas do
direito e normas de realização do direito”. A ditadura comissária “suspende de modo concreto
a Constituição para defender sua existência”, com a função de criar as condições que
“permitam a aplicação do direito”, de modo que a Constituição pode ser suspensa em sua
aplicação sem deixar de permanecer em vigor, porque sua suspensão é apenas uma exceção
concreta. Para a ditadura soberana, a “distinção é entre poder constituinte e poder
constituído”. A ditadura soberana não se limita a suspender a Constituição vigente, mas
pretende “criar um estado de coisas em que se torne possível impor uma nova Constituição”,
onde o poder constituinte é um poder fundador (p. 54-55, grifos nossos).
A questão que se coloca é em que medida o tema do Estado de exceção se explicita
na sociedade brasileira por meio de transformação da política de Estado em política
econômica? E em que medida esta subordina e determina a política educacional? Paulani
(2010) aplica a teoria do “Estado de exceção” às políticas econômicas, a partir “do primeiro
governo FHC que caminhou em meio a uma combinação de promessas de sucesso e ameaças
econômicas”. E tomou medidas “injustificáveis de qualquer outro ponto de vista”, salvo sob
ameaças fantasmas. A autora enumera uma série de sete medidas com as quais convivemos
no período (1995-1998-2002), entre as quais, parece-nos oportuno, em atenção ao tema desta
análise, “abrir a economia de maneira estabanada, permitindo a quebra de várias empresas
brasileiras e o aumento do desemprego (ameaça do atraso e da perda do bonde da história)”
(p. 122, grifos nossos).
O governo Lula da Silva (2003-2007-2010) com as forças políticas que o apoiaram,
“abraça com determinação inimaginável o receituário ortodoxo de política econômica, [onde]
o discurso oficial justificou tudo isso com a tese de que estávamos à beira do abismo” (...).
Gerou-se a expectativa de que tal estado de emergência era mesmo uma exceção” (...). Mas
esse estado de emergência tornou-se permanente. Entre as dez medidas citadas por Paulani,
uma delas é de maior interesse para nosso tema, “a transformação do sistema previdenciário

10
11

brasileiro, acabando com o solidarismo intergeneracional e jogando na incerteza o futuro de


milhões de trabalhadores dos setores privado e público” (p. 123-24).
Pautando-se pelo mesma ortodoxia econômica neeoliberal, mas em um quadro
reversivo do fracasso social legado pelas promessas neoliberais, o Governo Dilma Roussef
(2011 – atual), norteou seu governo por políticas desenvolvimentistas,12 de apoio à indústria,
ao agronegócio e à continuidade da exportação de produtos primários (grãos, minerais).
Frente à produção agroextensiva, ao avanço do agronegócio no campo, à urbanização
crescente e desordenada, sob as condições de país de capitalismo dependente, manteve-se a
situação de desigualdade extrema na distribuição de renda no país.
Como atenuante, Dilma Rousseff expandiu as políticas assistenciais ou de
transferência de renda (concessão de bolsas, iniciadas no governo FHC, e acrescida de outras
no governo Lula da Silva); propiciou o acesso a bens de consumo; investiu no padrão de vida
e de oferta de serviços públicos básicos (moradia, água, saneamento); concedeu aumentos
salariais diferenciados; e iniciou uma política tímida de redução da taxa de juros, sob a
pressão dos setores conservadores (LUCENA, 2014), zelosos de seus lucros fáceis, trazidos
pela financeirização da economia.
A apresentação breve de alguns aspectos autoritários das políticas econômicas dos
últimos governos, depois da redemocratização do país, não nos exime do intuito de apreender
outros indícios do Estado de exceção que deu forma à educação do povo brasileiro. A
afirmação de que o Brasil se formou sob o signo do autoritarismo das elites, deve ser
questionada pela generalidade da afirmação. Mas essa ideia tem evidências ao nível da
particularidade história dos acontecimentos que conformaram a educação no mundo ocidental
e no Brasil.
No quadro mais amplo do Ocidente, historicamente, uma parcela restrita da população
teve acesso à cultura escolástica, primeiro, e depois, a iluminista, que moldou a ideia de
escola, de espaço externo à família, para propiciar os conhecimentos necessários á vida social.
A revolução industrial, sustentada pelo ideário e o poder da revolução burguesa, introduziu
novos conteúdos e novos métodos para a massa crescente dos homens, mulheres e crianças

12
Sobre o conceito de desenvolvimentismo em países de capitalismo dependente, assim se expressa Rui Mauro
Marini : ”De fato, depois da luta ideológica da segunda metade da década de setenta, em que os intelectuais de
esquerda entraram divididos e em que intervieram os que respondiam ao comando da burguesia, o pensamento
social latino-americano não conseguiu retomar a elaboração crítica e original que vinha realizando, o que tornou
difícil a formulação de uma alternativa de esquerda às pressões exercidas contra os povos da região. Por parte
das forças progressistas que procuraram expressar as aspirações das grandes massas, o que se está verificando é
o recurso ao nacional- desenvolvimentismo tradicional e a certas teses da teoria da dependência, o que – pela
falta de um referencial dinâmico – tende a representar, às vezes, uma simples volta ao passado (MARINI, 1992,
p. 99-100, apud PRADO; CASTELO, 2010, p. 183-4). Para sua releitura nos dias atuais, ver Castelo (2010);
Prado; Meireles (2010).

11
12

destinados a produzir a riqueza, os bens gerados com os novos conhecimentos trazidos pela
ciência moderna e produzidos sob os novos padrões da revolução industrial.
No Brasil, geraram-se, historicamente, diferentes espaços, funções e escolas para
colonizados e colonizadores, escravos e senhores, trabalhadores livres e proprietários das
terras, das fábricas, dos títulos de nobreza. Os pobres, ignorantes das leituras e maneiras
escolarizadas, mas ativos em perceber as consequências da posse dos conhecimentos na vida
dos mais letrados, como trabalhadores das mais árduas tarefas da produção, tentaram sempre
garantir aos filhos algum tipo de instrução.
A história da educação brasileira (v., entre outros, ROMANELLI, 1978); SAVIANI,
2007; MANFREDI, 2002) registra os primórdios da educação elementar acompanhada de
elementos de formação para o trabalho. Progressivamente, pelo interesse civilizador ou
político de alguns intelectuais com expressivos cargos na administração pública, ampliou-se
a oferta de escolas e introduziram-se novas ideias e novos métodos de ensino com Anísio
Teixeira, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Carneiro Leão, Paschoal Lemme, Francisco
Campos, Ana Maria Casasanta.13
De outra parte, alcançado um patamar, diante do efeito de demonstração do lugar
privilegiado dos mandatários da nação, os mais pobres demandavam do sistema mudanças
que propiciassem o acesso a níveis superiores de instrução escolar. O acesso ao ensino
primário ensejou a demanda de continuidade no ciclo secundário ginasial e, em continuidade,
a equivalência de estudos entre os cursos profissionais e técnicos e as escolas de nível
secundário (ginásio) e médio (colegial); por último, a demanda por acesso ao ensino
superior.14
A história do período da Ditadura Civil-militar (1964-1985) evidencia, hoje, com
razoável clareza, como, sob o mandato da lei, norma e a decisão do poder governamental
adquiriram uma ambiguidade da qual até hoje não nos libertamos. Por norma, tendo por base
Agamben (2004), entendemos todo o aparato legal do Estado de modo a ordenar a vida em
sociedade. E primeiro lugar, a Constituição, depois as leis específicas, decretos, portarias,
resoluções, pareceres etc. que normatizam os diversos aspectos administrados pelo Estado e
as demais instâncias administrativas. (LIMA, RAMOS, LOBO, 2013)
A decisão, segundo o mesmo autor, é o poder de mando, o exercício da aplicação da
norma, ou de sua suspensão, em ambos os casos, norma e decisão, em nome do aparato
jurídico. No Brasil, os sinais do Estado de exceção apareceram antes do Golpe que implantou
a Ditadura. Após a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, os ministros militares

13
A atuação desses educadores tem sido objeto de estudos e polêmicas entre os historiadores da educação. Entre
outros, ver Saviani, 2007.
14
Para detalhamento ver Ciavatta, 2009, cap. 4.

12
13

declararam-se contrários à posse do Vice-presidente João Goulart, como previa a


Constituição de 1946. No âmbito das leis da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN, n. 4024/61), no período da Ditadura Civil-militar (1964-1985),
foi substituída pelas Reformas do 1º, 2º. e 3º. Graus ((Lei 5.692/71) dentro do clima repressivo
que se criou.15
Contraditoriamente, a Reforma do 1º. e 2º. Graus, à revelia da tradição dual da
educação brasileira - uma escola das letras, ciências e humanidades, prioritariamente, para as
elites, e uma escola de preparação para o trabalho para as classes subalternas, os trabalhadores
– determinou a profissionalização compulsória (iniciação profissional no 1º. Grau e
qualificação no 2º. Grau) de todos os estudantes, das escolas públicas e privadas.
A profissionalização do ensino de 2º. Grau, um dos pontos mais polêmicos da Lei
5.692/71
passou a ser questionada, sob diferentes aspectos, principalmente em relação à obrigatoriedade e à
universalidade da preparação para um trabalho específico (...). Esse questionamento vem
recrudescendo, na medida em que aumentam as dificuldades econômicas do país. O acirramento das
contradições do sistema econômico internacional vem criando situações difíceis, principalmente para
países dependentes do capital externo, como o Brasil. (INEP, 1982, p. 6-7).

Norma e decisão não se completaram, também, porque a norma de padronizar a


formação de todos os adolescentes e jovens para a vida profissional e técnica, até então
destinada às classes subalternas, sofreu, progressivamente, toda sorte de tergiversação. As
escolas de elite continuaram a preparar seus alunos para o ensino superior, e as aulas das
disciplinas profissionais se tornavam formação geral instrumental. De outra parte, o

15
Citamos aqui os principais acontecimentos que, em escalada crescente, fecharam os canais de
exercício da democracia no país: Golpe de Estado que instala a Ditadura (29/03-1º./4/1964); Indicação
do Presidente da República, General Castelo Branco (04/04/64); decreto do Ato Institucional n. 1 que
confere ao Presidente da República “poderes para cassar mandatos eletivos e suspender direitos
políticos; invasão policial do campus e extinção do mandato de todos os membros do Conselho Diretor
da Universidade de Brasília (UnB); sancionada a Lei Supplicy (Lei n. 4.464/64) que proíbe atividades
políticas estudantis e coloca na ilegalidade a União Estadual dos Estudantes (UNE) e as Uniões
Estaduais de Estudantes (UEEs) (909/11/64); Ato Institucional n. 2 que extingue os partidos existentes,
atribui à Justiça Militar o julgamento de civis acusados de crimes contra a segurança nacional e atribui
ao Presidente da República poderes para cassar cargos eletivos e suspender direitos políticos
(27/10/65); o General Castelo Branco põe em recesso o Congresso Nacional (20/10/1965); Ato
Institucional n. 3 que estabelece eleições indiretas para governadores (05/02/1966); é promulgada a
nova Constituição do Brasil (24/01/1967); é editada a nova Lei de Segurança Nacional (11/03/1967);
68 cidades são declaradas áreas de Segurança Nacional e ficam impedidas de elegerem seus prefeitos
(04/06/1967); Ato Institucional n. 5 que atribui poderes discricionários ao Presidente da República, o
Congresso é posto em recesso e centros cívicos substituem os grêmios estudantis (13/12/1968); o
Decreto-lei n. 477/69 penaliza infrações disciplinares de professores, alunos e funcionários de
instituições públicas; Ato Institucional n. 10 leva centenas de professores à aposentadoria
(16/05/1969); o Decreto-lei n. 1.077/70 estabelece a censura prévia de livros e revistas; o governo
passa a editar “decretos reservados” (novembro 1971). No período ocorrem muitas invasões de outras
universidades e repressão violenta aos grupos organizados de resistência ao regime (CRONOLOGIA,
s.d.).

13
14

cumprimento da norma legal, nas escolas públicas, a profissionalização, supunha o


aparelhamento das escolas com espaços-tempos para essa finalidade, oficinas, laboratórios,
professores tecnicamente preparados. Como essa segunda condição não foi sustentada por
política de investimento em níveis compatíveis com as finalidades postas nos termos da Lei,
a norma exauriu-se na prática das escolas, legalizada pela Lei n. 7.044/82, que tornou
opcional a profissionalização.
O fim da Ditadura e a conquista da democracia representativa trouxeram novos
movimentos políticos e sociais para a aprovação de uma nova Constituição (promulgada em
1988) e uma nova lei da educação. Não obstante os percalços dos oito anos de lutas para sua
aprovação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, Lei n. 9.394/96), traz no Art. 22:
“A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no
trabalho e em estudos posteriores”.
Ao arrepio da norma, a vontade soberana do governo F. H. Cardoso (1995-1998-
2002) estabeleceu, por decreto, a separação entre a formação geral e a educação profissional
(Decreto n. 2.208/97) nas escolas profissionais e técnicas. Apenas seis anos depois, a norma
é restabelecida pela possibilidade de articulação entre o ensino médio e a educação
profissional na forma integrada (Decreto n. 5.154/04). No entanto, como tem sido reiterado
em vários trabalhos (a exemplo de CIAVATTA; RAMOS, 2011; CORRÊA, 2014;
MARASCHIN, 2014; HANNECKER, 2014), a decisão soberana não propiciou o apoio na
forma de investimentos, preparação de professores e gestores para para a realização do ensino
integrado entre o ensino médio e a preparação para o trabalho profissional e técnica.
Mais dois lances semearam a ambiguidade entre a norma e a lei pelos caminhos da
decisão política. O primeiro, foi a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Técnico de Nível Médio (DCN EPT EM)16 (BRASIL, 2012a; BRASIL, 2012b), cuja
orientação principal visa atender à educação profissional para o mercado, nos termos do
Decreto n. 2.208/97, ao revés do Decreto n. 5.154/04 (ver PACHECO, 2012; CIAVATTA e
RAMOS, 2012).
A segunda iniciativa governamental onde o poder soberano se exerce ao revés da lei
maior da educação, a LDB, e das manifestações da sociedade organizada, é o Programa de

16 As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional Técnica de Nível Médio foram disciplinadas
pelo Parecer CEB/CNE n. 11, de 09/05/2012 e Resolução CEB/CNE, n. 6, de 20/09/2012. A disputa travada na
elaboração dessas diretrizes confrontou, por um lado, forças que visavam manter a pedagogia das competências
e, por outro, aquelas que defendiam a formação integrada, inclusive visando estabelecer as mesmas diretrizes
para o ensino médio e para a educação profissional técnica de nível médio nesta perspectiva. Enquanto esta última
concepção foi incorporada, não sem contradições, às DCNEM, o mesmo não ocorreu com a da educação
profissional. Sobre este assunto, ver Ciavatta e Ramos (2012). Sobre avanços de contradições das atuais DCNEM,
sugerimos a leitura de Ramos (2011).

14
15

Acesso ao Trabalho e Emprego (PRONATEC), um amplo programa de educação


profissional. Este segue a mesma orientação geral da pauta dos empresários, desde o início
do século passado, qual seja, preparar os jovens trabalhadores para o exercício das funções
manuais, para o trabalho simples17, para as atividades fabris, principalmente, industriais e de
serviços18, através de cursos breves e, proporcionalmente, em escala bem menor, oferecer
cursos técnicos.19
Dizemos ao revés da lei maior, porque a Emenda Constitucional n. 59/09 dá nova
redação do Artigo 208 da Constituição Federal e estabelece a garantia de ensino médio
gratuito universalizado20 – embora, pelo artifício da lei, não esteja escrito que a oferta é
pública:
“Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I -educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada
inclusive sua oferta gratuita, para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (...)
VII -atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”.

O Artigo 211 estabelece que:


“Art. 211 – A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de
colaboração seus sistemas de ensino. (...)
§4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório”. 21

Também a legislação educacional sofreu uma revisão determinando a


universalização do ensino médio:

Anteriormente à Lei 12061/09, o Estado estava apenas obrigado a fornecer universalmente a educação
até o ensino fundamental, ficando o médio atrelado a uma “progressiva extensão da obrigatoriedade e
gratuidade” como dispunha o artigo 4º, II da LDB. No entanto, esta progressividade nunca ocorreu com
plenitude, visto que a lei não estabeleceu prazo para a conclusão da educação universal. É a nova Lei
que “deve garantir o ensino médio obrigatório e gratuito gratuito para toda população que dele
necessitar”, ou seja, universalmente. Para tanto, foi editada a emenda constitucional nº 59, que
estabelece modificações orçamentárias a fim de assegurar a ampliação do ensino de 4 à 17 anos”
(GALINDO, op. cit.)..

17 “Trabalho humano mede-se pelo dispêndio da força de trabalho simples, a qual, em média, todo homem
comum, sem educação especial tem em seu organismo. O trabalho simples médio muda de caráter com os
países e estágios de civilização, mas é dado numa determinada sociedade”(MARX, 1980, p. 51).
18
C. S. da Fonseca (1986) relata em detalhes os primórdios da educação profissional no Brasil.
19 “De acordo com o Censo da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

Anísio Teixeira (Inep), em 2012, foram 1,4 milhões de matrículas em cursos técnicos no país. Somente pelo
Pronatec, foram 502,9 mil. A meta para o programa é um total de 2,4 milhões de matrículas de 2011 a 2014 em
cursos técnicos. O Pronatec prevê a oferta de cursos de formação inicial e continuada, que somadas ao ensino
técnico, chegam a uma meta de 7,9 milhões de matrículas de 2011 a 2014 (TOKARNIA, 2013). Análises da
implementação do Pronatec em um Instituto Federal e em uma unidade do SENAI podem ser encontradas em
Ramos (2014) e em Contarine (2014).
20
Esta análise da legislação tem por base, Galindo (s. d.).
21
Uma questão que representa um dos obstáculos à colaboração do governo federal com estados e municípios é
o regime de colaboração que ainda não foi regulamentado. Por isso, não existe instrumento específico para
estabelecer a divisão dos recursos prevista em lei entre essas três instâncias (v. “Desafios à educação brasileira:
PNE, Responsabilização, colaboração e sistema nacional de educação”, v. 34, n. 124 da Revista Educação &
Sociedade, Revista de Ciências da Educação, jul.-set. 2013)

15
16

Sob a justificativa de necessidade da preparação da mão de obra, o governo Dilma


Rousseff criou um amplo programa com essa finalidade principal, atendendo aos empresários
– e, ao que parece, com repercussões eleitorais positivas junto à grande massa da população
carente de oportunidades de emprego e educação. Segundo o Ministério da Educação (MEC),
o Pronatec foi lançado em outubro de 2011, primeiro ano de governo Dilma Roussef. Ainda
em 2011, o governo estabeleceu a meta de alcançar 8 milhões de matrículas e um orçamento
de R$ 14 bilhões22.
Parte desses recursos são concedidos a instituições públicas e privadas,
principalmente, ao Sistema S com ênfase em cursos de curta duração (160, 200 horas), para
os desempregados, analfabetos funcionais, trabalhadores com ensino fundamental
incompleto, por intermédio da Bolsa-Formação, criado no âmbito deste programa23. O
Pronatec incorporou o conjunto de programas do Ministério da Educação voltados para a
educação profissional (expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica;
Programa Brasil Profissionalizado; Rede E-tec, que oferta a Educação Profissional a
distância; Rede Certific, que avalia e reconhece conhecimentos obtidos em outras esferas que
não exclusivamente a educação profissional). Sendo assim, este programa se tornou a efetiva
política de educação profissional no Brasil. Ao incorporar esses programas, a oferta da
educação profissional integrada ao ensino médio continua vigente, porém, proporcionalmente
às ações desenvolvidas no âmbito da Bolsa-formação, em uma escala quantitativa bem menor.
Estudos sobre o tema indicam que, apesar da adesão formal à formação integrada, não se tem
manifestado a vontade política dos gestores e a atividade coordenada dos professores para a
sua implementação. (ver CORRÊA, 2014; RAMOS, 2014)
Desde o início, essa iniciativa sofreu contestação. Embora não se tenha, ainda,
estudos amplos e detalhados sobres suas atividades, alguns pesquisadores e organizações da
sociedade civil têm levado adiante análises críticas:

O PRONATEC teve início com o Projeto de Lei 1.209/2011, que foi aprovado e
sancionado quase integralmente pela presidente Dilma, como lei federal n° 12513/11.
Consiste num programa cuja finalidade fundamental é de propiciar “por meio de (...) projetos e ações
de assistência técnica e financeira” “a expansão da rede física” açambarcando “da educação
profissional técnica de nível médio aos cursos e programas de formação inicial e continuada ou
qualificação profissional” (...) Ao demonstrar enorme abrangência de ações e aplicação de recursos,
não faz distinção setorial (setores produtivos) ou institucional (público e privado, instituições A, B ou
C) entre aquilo que tem sido o papel fundamental da rede pública federal (a educação profissional

22
A informação sobre estes recursos foi dada pelo MEC por ocasião do lançamento do PRONATEC 2 feito
pela presidente Dilma Rousseff numa formatura de alunos do Programa em 24.04.2014. Dados retirados no dia
23.06.2014. http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/04
23
A respectiva regulamentação está disposta na Portaria do Ministério da Educação n. 168, de 07/03/2013,
alterada pela Portaria n. 1.007, de 09/10/2013

16
17

técnica) e o que tem sido o campo privilegiado da rede “privada” do sistema “S” (os cursos e programas
de formação inicial e continuada ou qualificação profissional). Embora sinalize que atenderá
prioritariamente estudantes do ensino médio da rede pública, EJA, trabalhadores, beneficiários dos
programas sociais com vistas a dar ênfase aos portadores de deficiência e aos programas realizados nas
regiões norte e nordeste, não dá exclusividade a rede federal que está em franca expansão e necessita
de mais recursos, deixando em aberto como se dará a destinação dos recursos. (LIMA, 2011, p. 12).

As críticas se referem também ao amplo processo de privatização operado pelo PRONATEC,


com aponta a notícia do Sindicato dos Profissionais da Educação da Fundação de Apoio à Escola
Técnica do Rio de Janeiro (SINDPEFAETEC):

O primeiro aspecto que sobressai, da leitura da lei, é o financiamento das instituições


particulares de ensino, com verbas públicas. Verbas oriundas da acachapante massa de
impostos pagos pelos cidadãos brasileiros. As instituições privadas, segundo o artigo 8º da
lei, poderão executar o programa federal, “mediante a celebração de convênio ou contrato”,
respeitados “critérios mínimos de qualidade”. Poderão também contar com recursos
destinados aos seus alunos bolsistas, bastando para isso, cadastrarem-se em um sistema
eletrônico de informações do MEC. (PRONATEC, 2012).

Para o professor da Universidade Feevale e pesquisador da área de educação e trabalho,


Gabriel Grabowski, o Pronatec é o instrumento que o governo Dilma está utilizando para
estabelecer um diálogo com o setor empresarial. "O problema é a qualificação profissional?
O governo disponibiliza o programa e o dinheiro e diz para as empresas executarem. Entrega
inclusive a gestão a elas. Foi exatamente o que Getulio Vargas fez em 1942 com o Sistema
S", compara. E completa: "O dividendo político que o governo espera é a credibilidade e o
apoio desses setores" (GUIMARÃES, 2013, p. 2).

Em uma análise vigorosa sobre a entrada dos trabalhadores nos Institutos Federais
pela via da Formação Inicial e Continuada, Lucília Carvalho da Silva assim expressa:
Não há como negar que o PRONATEC – Brasil sem miséria, que consiste na oferta de cursos
aligeirados para a população usuária dos programas de transferência de renda do governo federal, é
uma proposta diferente, num contexto particular, ao da educação para os ofícios para as “classes
perigosas” do período Colonial ao período Republicano. Entretanto, também, é irrefutável que, em
essência, a ideologia reformadora e o caráter dual da oferta de educação permanecem como pilares
das propostas educacionais nos dois momentos da história (SILVA, 2014, p. 325).

O Estado de exceção se manifesta no poder presidencial que, apoiado em uma classe


tradicionalmente poderosa na gestão de seus interesses imediatos, legisla e implementa, em
detrimento da lei da universalização do ensino médio e não se empenha a fundo em ter como
prioridade oferecer a educação básica de nível médio de qualidade. Quanto aos alunos, teriam
jornadas de aulas que respondessem aos desafios científicos e tecnológicos a que os alunos
têm acesso em gotas do Google e de outras mídias. Estimulados pela rapidez e diversidade
das informações, passam a crer que têm à mão todo o conhecimento que desejam e podem
prescindir do professor. O país conforma-se à dependência tecnológica através da meia
educação que proporciona à sua juventude
Em síntese, diferente dos países de capitalismo central que asseguram educação até o
nível médio, de qualidade, e abrem um leque de cursos públicos e privados de educação
profissional (CIAVATTA, 1998), no Brasil, continuamos a investir na minoridade intelectual

17
18

de nossos jovens e na expansão da preparação para o trabalho simples a serviço das empresas,
em detrimento da formação de um cidadão culto para seu tempo e, politicamente, informado
para a leitura do mundo onde deve viver.

1. Ensino Médio no Brasil: (im)possibilidades político-históricas

As determinações de ordem estrutural resultantes da natureza da classe burguesa


brasileira que optou por um projeto societário de capitalismo dependente, associando-se aos
grandes centros do capital e que o mantém mediante reiteradas estratégias políticas, nos
termos analisados até aqui, comprovam que a existência de um permanente Estado de exceção
não elidiu lutas e avanços, pelo menos no plano normativo. Neste último item buscamos
assinalar os avanços, mormente na última década, na busca de construção de um marco
normativo do ensino médio e da educação profissional a ele integrado, ao mesmo tempo em
que sublinhamos a sistemática resistência das organizações e intelectuais representantes da
classe burguesa brasileira a estes avanços.
Um retrospecto sobre as reformas educacionais efetivadas após a década de 1950, nos
mostram que não só a definição do ensino médio, na estrutura educacional, sempre teve uma
posição dúbia, como é o ensino que de forma reiterada está em crise. As mudanças ocorridas
nas últimas décadas em sua concepção e na sua organização revelam o que estamos
assinalando. Um forte indício de sua indefinição e, consequentemente, de disputas ainda
travadas, é que, embora a LDB conceba o ensino médio como etapa final da educação básica,
as denominações de ensino médio, ensino médio integrado e ensino médio inovador; além
das formas integradas, concomitante e subsequente da educação profissional ao ensino médio,
explicitam diferenciações internas.
Diferente da oferta da educação profissional que, como grande projeto governamental
tem subsumido o sentido complexo de educação como formação humana24, por preparação
para o trabalho simples e as funções subalternas do mercado de trabalho, o ensino médio, se
analisado estritamente do ponto de vista das normas que atualmente o regulamentam, passou
por um avanço conceitual relevante, cuja implementação não se completa nos planos político
e pedagógico.25 As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM) vigentes,

24
25
Referimo-nos especialmente à LDB (Lei n. 9.394/96 ), com as alterações feitas pela Lei n. 11.741, de
16/07/2008 e às Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM), aprovadas pelo Parecer
CEB/CNE n. 05, de 04/05/2011 e pela Resolução n. 02, de 30/01/ 2012.

18
19

por exemplo, se contrapõem à pedagogia das competências, concepção que caracterizou a


política de ensino médio durante os governos de F. H, Cardoso26.

É bem verdade que a revogação da legislação que fundamentou esta política pode não
ter levado à total superação da respectiva concepção. Esta ainda está presente, por exemplo,
nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Profissional Técnica de Nível Médio
(BRASIL, 2012b), que também foram revistas pelo Conselho Nacional de Educação entre
2011 e 2012, mas seguiu um caminho diferente da elaboração das DCNEM, uma vez que o
relator manteve a lógica da educação profissional na dimensão econômica e uma organização
curricular fragmentada, baseada na pedagogia das competências. Não obstante, oficialmente,
pode-se dizer que o ensino médio hoje está regulamentado por ideias da formação integrada,
na perspectiva do projeto de educação politécnica e omnilateral. Alguns fatos e documentos
sobre o ensino médio a partir de 2003 nos indicam esta tendência, tal como vemos a seguir.

A revogação do decreto n. 2.208/97 pelo decreto n. 5.154/2004, cujo conteúdo foi


posteriormente incorporado na LDB pela Lei n. 11.741/2008, possibilitou a oferta da
educação profissional técnica de nível médio na forma integrada ao ensino médio. A
legislação que criou os Institutos Federais exigiu que esses ofertem pelo menos 50% da
educação profissional nesta forma27. Em 2007, o MEC implantou o Programa Brasil
Profissionalizado28, que incentiva os sistemas estaduais de ensino a ofertarem a educação
profissional técnica de nível médio nesta mesma forma. Nesta mesma ocasião, o Ministério
divulgou um documento-base da educação profissional técnica de nível médio integrada
(BRASIL. MEC/SETEC, 2007) ao ensino médio, com a finalidade, dentre outras, de orientar
os sistemas de ensino no desenvolvimento desta política. Finalmente, tal como vimos, as
novas DCNEM incorporaram vários princípios da concepção de formação integrada.

Porém, como vimos, a história do ensino médio no Brasil se caracterizou por


dissociações entre norma e decisão. Essas se manifestam novamente no presente, o que
tentaremos demonstrar a seguir.

Primeiramente, sabemos que a revogação do Decreto n. 2.208/97 foi um compromisso


de campanha do então candidato Lula à presidência da república, em 2002, assumido em
razão do acúmulo de debates e propostas de forças progressistas. Essas, reunidas em diversos
fóruns, especialmente os Coneds29, ao tempo em que criticaram a política educacional no

26
Expressa no Decreto n. 2.208/97 e disciplinadas pelo Parecer CEB/CNE n. 15, de 01/06/1998 e pela Resolução
CNE/CEB n. 3, de 26/06/1998.
27
Lei n. 11.892, de 29/12/ 2008.
28
Disponível em http://portal.mec.gov.br. Consulta em 20/06/2014.
29
Realizado pela primeira vez em 2006, os Congressos Nacionais de Educação foram organizados por pela
sociedade civil brasileira. Confere-se ênfase especialmente ao II Coned, realizado em Belo Horizonte (MG), em

19
20

bloco que estava no poder, recuperaram os debates e propostas dos anos de 1980, travadas
em torno do projeto de nova LDB, sobre a concepção de escola unitária e educação
politécnica e omnilateral.

O grupo que assumiu o Ministério da Educação naquele momento, particularmente a


Secretaria à época denominada de Educação Média e Tecnológica (SEMTEC), teve o firme
propósito de revogar aquele decreto e redirecionar a política de ensino médio e de educação
profissional no país, à luz desta concepção educacional30. Porém, tal como Poulantzas (1985,
p. 164) nos ajuda a compreender, “seria falso – deslize com consequências políticas graves –
concluir que a presença das classes populares no Estado [capitalista] significariam que elas
aí detenham poder, ou que possam a longo prazo deter, sem transformação radical desse
Estado” (grifos do autor).

Concretamente, aquele grupo se deparou com um conjunto de forças conservadoras


reunidas tanto em instituições do Estado (Conselho Nacional de Educação/CNE, Conselho
de Secretários Estaduais de Educação/CONSED, Conselho de Diretores de
CEFETs/CONCEFET, por exemplo), quanto em organizações da sociedade civil
(representantes do grande capital e empresários da educação, antes reunidos em organizações
próprias; estes, a partir de 2006, se agregaram no Movimento Todos pela Educação que
passou a pautar a política educacional31). Estabeleceu-se, assim, uma correlação de forças que
fez do Decreto n. 5.154/2004 um objeto de conciliação de interesses entre grupos antagônicos.

Desta maneira, o que seria uma proposta de ordem filosófica e política radicalmente
distinta do período FHC, tornou-se um instrumento jurídico, por intermédio do qual a classe
dominante fez concessões a fim de manter sua hegemonia. (GRAMSCI, 1991)
Objetivamente, este instrumento permitiu a oferta da educação profissional na forma
integrada ao ensino médio, sem que a concepção que embasava tal proposta fosse assumida

novembro de 1997, em cuja Plenária de Encerramento se consolidou e se aprovou o Projeto de Plano Nacional
de Educação – Proposta da Sociedade Brasileira. Esses congressos foram substituídos pela Conferências
Nacionais de Educação, organizadas pelo Ministério da Educação, a partir de 2010.
30
Uma recuperação histórica de propostas e disputas políticas naquele momento encontram-se, dentre outros
textos, em Ramos (2005) e em Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005a).
31
Em sua página na internet (http://www.todospelaeducacao.org.br) o Movimento Todos pela Educação se define
como “um movimento da sociedade brasileira que tem como missão contribuir para que até 2022, ano do
bicentenário da Independência do Brasil, o País assegure a todas as crianças e jovens o direito a Educação Básica
de qualidade”. Sua agenda foi assumida pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado pelo MEC
em 24 de abril de 2007, simultaneamente ao Decreto 6.094, que dispunha sobre o Plano de Metas Compromisso
Todos pela Educação. Foi também chamado PAC da Educação (por analogia ao Plano de Aceleração do
Crescimento, neste Plano estariam metas de aceleração do crescimento educacional). Na verdade, tratou-se de
um conjunto de metas que não se fez com a finalidade de dar cumprimento do Plano Nacional de Educação
naquele momento ainda vigente (2001-2011). Sobre este assunto, sugerimos a leitura de Saviani (2007).

20
21

nas decisões políticas feitas pelo bloco no poder. A hegemonia de forças conservadoras
presentes no CNE foi definitiva para isto32.

Do ponto de vista de outra instituição de Estado, o Conselho de Diretores dos


CEFETS (CONCEFET), a luta principal era sua transformação em Universidades
Tecnológicas, o que acabou tendo uma solução de consenso que foi a criação de Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. A inclusão da obrigatoriedade de oferta de pelo
menos 50% das matrículas como educação profissional técnica de nível médio integrada ao
ensino médio provavelmente não foi tanto um interesse deste grupo. Ao contrário, a
compreendemos mais como uma resposta do ministério a forças políticas de sustentação do
governo organizadas nessas instituições, a exemplo do Sindicato dos Servidores das
Instituições Federais (SINASEFE). Estudos sobre a implantação do ensino médio integrado
nos IFs demonstram o quão contraditório tem sido este processo. (SILVA, 2014; CORRÊA,
2014; HANNECKER, 2014)

No que se refere aos Sistemas Estaduais de Educação, a elaboração de uma política


de educação profissional integrada ao ensino médio destinada a essas esferas (Programa
Brasil Profissionalizado), também não teria sido a resposta do governo a suas reivindicações
e/ou interesses. Certamente, o Conselho de Secretários Estaduais de Educação (CONSED)
não era um bloco monolítico em relação a este tema. Tensões virtuosas ali se manifestavam,
pois as Secretarias dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Espírito Santo, por exemplo,
defendiam abertamente a educação profissional integrada ao ensino médio. Essas, inclusive,
chegaram a firmar convênio com a então SEMTEC, em 2004, de assessoramento à
implantação desta forma de oferta nas suas redes de ensino. No entanto, esses secretários
estavam em minoria e as tensões advindas de suas posições não alteraram a oposição deste
grupo à política do ensino médio integrado.

Neste mesmo período, o Ministério da Educação sofreu uma reforma em sua


estrutura, com a transferência da responsabilidade de gestão do ensino médio da SEMTEC
para a Secretaria de Educação Básica (SEB). Com isto, a política de ensino médio integrado
ficou a cargo dessa instância e, no período de 2005 a 2006, o incentivo e assessoramento aos

32
Em Frigotto, Ramos e Ciavatta (2005b) demonstramos que as DCN então vigentes, herdadas do período FHC,
foram pontualmente modificadas para serem acomodadas ao novo decreto, sem qualquer alteração no seu
conteúdo. De fato, a alteração substancial na norma, como assinalamos, ocorreu com as novas DCNEM. Porém,
mais uma vez se acomodou o interesse da classe dominante nas novas DCNEPTNM. Nesses dois momentos
históricos distintos – governos FHC, governos do PT – os quais incluem, respectivamente, as Diretrizes do Ensino
Médio e da Educação Profissional baseada na pedagogia das competências, numa fase e, na outra, a revisão
dessas diretrizes por força do novo decreto e a exaração das novas, quando o tema era a educação profissional
técnica de nível médio, o relator de todos os pareceres no Conselho Nacional de Educação foi o mesmo, um
representante do chamado sistema S.

21
22

sistemas estaduais de ensino ocorreram principalmente por meio de seminários com


educadores das respectivas redes. Muitos dos Estados que assumiram a educação profissional
técnica de nível médio e, por vezes, a sua oferta na forma integrada ao ensino médio, o
fizeram no âmbito de secretarias especializadas e não das secretarias de educação.
Predominou-se, assim, uma visão de ensino médio profissionalizante, somente atualizando-
se as cargas horárias e as habilitações técnicas.

A Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), a partir de 2007, volta


a assumir o ensino médio integrado33, empenhando-se para que o conteúdo do Decreto n.
5.154/2004 fosse incorporado na LDB, o que ocorreu em 2008. Esta medida fortaleceu a
integração como política educacional, ainda que sua efetivação e seu conteúdo continuasse a
depender de disputas travadas no âmbito do governo e da sociedade civil.

A perspectiva da formação integrada assumida pela SETEC, como seria de se esperar,


se fez mais como política de educação profissional do que de ensino médio. Este foi o objetivo
do Programa Brasil Profissionalizado, cujo documento-base foi escrito por intelectuais da
área de Trabalho e Educação que participaram da construção dessa concepção. Nesse
contexto, enquanto o documento-base destacava a concepção de ensino médio integrado e
como esta poderia ser realizada na educação profissional integrada ao ensino médio, os
Estados eram incentivados à ofertarem a educação profissional, sem privilégio de uma das
formas previstas em lei, seja a integrada ao ensino médio, seja a concomitante ou subsequente
a este.

Trata-se, assim, de um fenômeno em que norma e decisão se dissociaram. A


participação de intelectuais na elaboração do documento deu uma versão à política que,
concretamente se realizou nos limites de possibilidades e interesses das forças hegemônicas
locais e nacionais.

Processo não muito distinto se viu recentemente. As DCNEM aprovadas em maio de


2012 constituem um documento que tende a se orientar pela concepção de formação
integrada, ainda que apresente algumas ambiguidades internas. Trata-se de um produto
relativamente híbrido posto que o respectivo relator do CNE incorporou conceitos dos
mesmos intelectuais que elaboraram o Documento-Base da Educação Profissional Técnica
de Nível Médio (BRASIL. MEC/SETEC, 2007) e de outros do mesmo campo. Procurou,

33
Em Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005b) demonstramos que na fase anterior, a SETEC se ocupou de programas
focais de educação profissional, a exemplo do Escola de Fábrica. Em 2007 Eliezer Pacheco assume a SETEC e,
com sua equipe, confere à política dessa secretaria uma certa inflexão em favor da educação profissional técnica
de nível médio integrada ao ensino médio. Também é neste período que se implanta o Programa de Educação de
Jovens e Adultos na forma Integrada à Educação Profissional (PROEJA).

22
23

ainda, compatibilizar seu conteúdo com orientações do Documento-Base do Ensino Médio


Inovador (BRASIL. MEC/SEB, 2011), programa dirigido pela Secretaria de Educação
Básica.

Pode-se, assim, considerar este documento como o ponto mais avançado a que chegou
a concepção de ensino médio no Brasil no plano da política oficial. Com estas diretrizes,
governo e sociedade civil teriam elementos suficientes para se buscar construir um ensino
médio sustentado por princípios filosóficos e orientações práticas compatíveis com um
projeto de formação que interessa aos jovens e adultos da classe trabalhadora brasileira.

Em 2013, a Secretaria de Educação Básica tentou dar passos adiantes neste sentido,
mediante a implementação de um programa de formação de professores do ensino médio, em
colaboração com universidades e com a participação das Secretarias Estaduais de Educação.
Este programa conta com um material didático cuja elaboração seguiu o mesmo curso dos
documentos citados anteriormente, ou seja, foi elaborado por intelectuais comprometidos
com a concepção de formação integrada na perspectiva da educação politécnica e
omnilateral34.

Não obstante, mais uma vez, no plano da decisão, o curso da política de educação
profissional e de ensino médio é guiado pelos mesmos grupos que resistem à concepção de
formação integrada e reiteram a proposta da educação profissional simplificada e de ensino
médio dual e fragmentado, derrotando conquistas perseguidas com muitas lutas ao longo da
história. Tal retrocesso se objetiva, no caso da educação profissional, como vimos, por meio
do Pronatec e, no ensino médio, com a projeto de lei n. 6.840/2013, ora em tramitação no
Congresso Nacional35.

Demonstramos, assim, que no período analisado, os documentos legais ou normativos


produzidos sobre o ensino médio no Brasil, com a participação de intelectuais comprometidos
com a classe trabalhadora, têm conteúdo para se construir um ensino médio coerente com as

34
Trata-se de uma ação no âmbito do “Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio” (MECSEB, 2013),
cujo objetivo é oferecer formação continuada aos professores do ensino médio nas 27 unidades da Federação. O
material didático da 1ª. Etapa da formação, prevista para se realizar a partir do mês de fevereiro de 2014, é
composto por 6 cadernos, cada qual tratando dos seguintes temas: Caderno I: Ensino médio e formação humana
e integral; Caderno II: O jovem como sujeito do ensino médio; Caderno III: O currículo do ensino médio, seus
sujeitos e o desafio da formação humana integral; Caderno IV: Áreas de conhecimento e integração curricular;
Caderno V: Organização e gestão democrática da escola; Caderno VI: Avaliação no ensino médio. Uma das
fontes de acesso deste material é http://observatorioensinomedio.wordpress.com/pacto-nacional-pelo-
fortalecimento-do-ensino-medio.
35
Trata-se de um projeto de lei elaborado a partir do relatório da comissão especial destinada a promover estudos
e proposições para a reformulação do ensino médio – CEENSI – do Congresso Nacional (Câmara de Deputados).
Criada em maio de 2012, a comissão apresentou, em novembro de 2013, o relatório final com algumas
proposições básicas que deram forma ao referido projeto de lei. Uma análise crítica de alguns termos deste projeto
pode ser encontrado em Ramos e Simões (no prelo).

23
24

necessidades dessa classe. No entanto, manifesta-se novamente o “Estado de exceção”


(AGABEN, 2004), mediante a distinção entre norma e decisão.

Trata-se, de acordo com Agamben, de um processo típico da ditadura comissária.


Vemos, na política de ensino médio e de educação profissional no Brasil, que o momento da
aplicação da norma é autônomo em relação à norma. Isto se faz, como explica o mesmo autor,
mediante a introdução, no direito, de uma zona de anomia para tornar possível a normatização
efetiva do real. “Ele define um ‘estado da lei’ em que, de um lado, a norma está em vigor,
mas não se aplica (não tem ‘força’) e em que, de outro lado, atos que não tem valor de lei
adquirem sua ‘força’”. (AGAMBEN, 2004, p. 61)

No caso do ensino médio e da educação profissional no Brasil, vimos que o Estado


brasileiro garantiu, por meio da lei (inicialmente o Decreto n. 5.154/2004 e depois a própria
LDB), a educação profissional integrada ao ensino médio. Este é um direito assegurado à
população, cujos pressupostos e conteúdo compõem documentos que normatizam sua
implementação. Citamos, além da LDB atualizada, especialmente, os seguintes: Documento-
Base da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (BRASIL. MEC/SETEC, 2007); as
novas DCNEM; e o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (BRASIL.
MEC/SEB, 2013).

Este, porém não é o tipo de educação que interessa à classe dominante. Assim, para
se defender o direito da classe dominada à educação profissional, nos moldes que interessa
ou não incomode a classe dominante, suspende-se o conteúdo dos documentos normativos e
orientadores dessa política na concepção de formação integrada. Assim, o momento de
aplicação da política de educação profissional integrada ao ensino médio – o momento da
decisão – se autonomiza em relação à norma.

A “zona de anomia” a que se refere o Agamben (2004), neste caso, é o Pronatec, que
incorporou o Programa Brasil Profissionalizado. Sua execução se autonomiza em relação à
norma, que apresentava a concepção de formação integrada. No caso do projeto de lei de
reformulação do ensino médio (Projeto de Lei da Câmara n. 6.840/2013), atualmente em
tramitação, sua eventual aprovação enfraqueceria a legislação e documentos vigentes, abrindo
caminho para mais um retrocesso no ensino médio.

24
25

Considerações finais: no dissenso a busca de um consenso mínimo no


campo da esquerda36.

É dentro da especificidade de nossa herança histórica que podemos melhor entender


porque a universalização do ensino médio, como educação básica, nunca foi e continua não
sendo uma prioridade para a burguesia brasileira. A retórica do seu valor se desmente de
forma inequívoca pelas pífias dotações orçamentárias e pela vergonhosa remuneração dos
profissionais da educação, suas condições de trabalho e seu desprestígio social e cultural. A
forma caricatural como a mídia traduz os profissionais da educação expressa, ao contrário da
retórica do valor da educação, a sua não necessidade de efetiva universalização como direito
social e subjetivo. Também explicita o porque da resistência ao ensino médio integrado, já
que o mesmo foi concebido como uma formação que integra conhecimento, trabalho e cultura
na perspectiva da escola unitária

Do mesmo modo, podemos entender porque, para as classes dominantes dos países latino-
americanos, a educação básica de qualidade para todos não se coloca como necessidade. A
reiterada contraposição entre quantidade e qualidade na ideologia dominante, como analisava
Gramsci na década de 1930, expressa o não interesse em alterar a ordem social e educacional
vigentes. “Sustentar a qualidade contra a quantidade significa, precisamente, apenas isto:
manter intactas determinadas condições de vida social, nas quais alguns são pura quantidade,
outros pura qualidade” (GRAMSCI, 1978, p.50). Também expressa a opção pela condenação
da maioria dos trabalhadores ao trabalho simples e sua superexploração na divisão
internacional do trabalho, com o consequente baixíssimo valor agregado do seu trabalho.

A breve análise aqui compartilhada tem implicada não só a biografia dos que participam
desta coletânea, uma vez que somos coetâneos destes embates, mas também uma posição
política que nos interpela buscar um novo consenso, mesmo no dissenso do campo da
esquerda, já que um acordo prévio é que o inimigo é outro.

No plano estratégico, por certo, trata-se de uma posição antagônica e um combate sem
concessões ao projeto societário com a classe burguesa brasileira e seu vínculo orgânico, o
imperialismo. Concomitantemente, um combate com o aparato político e jurídico que a
mantém, mediante ditaduras e golpes institucionais e pela forma que assume o estado

36 O conceito de esquerda, a despeito de o credo neoliberal buscar esmaecê-lo, continua filosófica, sociológica e
politicamente mais que atual. Entendemos, na esteira da clareza do pensamento do Historiador Eric Hobsbawm,
como sendo de esquerda todos aqueles que lutam pela superação do sistema capitalista de produção da existência
humana e que mantém na agenda, portanto, a luta pelo socialismo. E socialistas, como sublinha Hobsbawm, são
aqueles que têm em primeiro lugar a pessoa humana e, em particular, as mais simples. Por certo, o nó que
transforma a esquerda em esquerdas situa-se no plano estratégico e tático de luta para a superação do capitalismo.

25
26

Brasileiro, como um Estado de exceção. Igualmente, um combate ativo e permanente ao


monopólio da grande mídia privada que já no início do século XX, como a compreende Karl
Karus, não apenas corrompe, mas é a própria corrupção pelo seqüestro dos valores (grifos
nossos) (KRAUS, apud HOBSBAWM, 1912). Aqui a tarefa em curso é instaurar um controle
social desta mídia que se põe acima da sociedade e na defesa do projeto da classe dominante.

Ainda no plano estratégico, cabe não tirar da agenda a luta pelas reformas estruturais,
postergadas desde a proclamação da República. Reforma agrária nos termos em que a
apresentam os intelectuais orgânicos do Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST), a
reforma tributária, política e jurídica. Isto não é o socialismo, mas condição necessária, pois
como nos ensina Marx, este não será resultado do quanto pior melhor, mas da contradição
fundamental do avanço das forças produtivas e da opacidade da socialização da produção.

Nestas rupturas encontra-se o subjacente que explica a negação do ensino médio


como direito social e subjetivo e a negação da possibilidade da maioria dos jovens e adultos
ter bases para a participação política e inserir-se nos processos produtivos que exigem o
trabalho complexo. Isto explica a importação de mão de obra e, ao mesmo tempo, a visão
míope dos que reclamam do apagão educacional. Um cinismo, pois os que reclamam são os
que impedem a universalização do ensino médio.

No âmbito do ensino médio, no plano estratégico, trata-se de defender e lutar pelo


ensino médio, público, universal, gratuito, laico e unitário. No plano tático, o que se
conseguiu estabelecer no início do governo Luis Inácio Lula da Silva, em 2003 e 2004 no
contexto do que Oliveira (2003) indica como possibilidade de um marco de não retorno nas
mudanças societárias no Brasil, a proposta do ensino médio integrado de quatro anos,
articulando trabalho, ciência e cultura, como travessia para a escola unitária e politécnica,
seria e será o consenso viável se o campo de esquerda e os movimentos e lutas sociais que o
sustentam o tivessem assumido. O que nos leva a defender este ponto de vista é que esta
proposta teve orgânica resistência dos organismos e instituições que representam os interesses
da burguesia industrial, comercial, financeira e agrária.

A inoperância e a displicência dos ministros de Educação dos governos Lula da Silva


e Dilma Rousseff, na não defesa do ensino médio integrado, comprova a opção política de
não alterar as estruturas de dominação vigentes. Ironicamente deveriam ter aprendido do seu
antecessor Paulo Renato de Souza que nos oito anos de sua gestão defendeu, de forma
intransigente, os interesse dos organismos internacionais, intelectuais coletivos dos interesses
da burguesia brasileira e do grande capital. Todavia, também, cabe ao campo de esquerda
uma autocrítica, mormente o que se aninha nas universidades, sindicatos e partidos políticos,
26
27

por sua incapacidade de buscar um consenso mínimo em torno da proposta do ensino médio.
Para a esquerda, é uma derrota, sem dúvida, ver o Instituto Unibanco, o Instituto Airton Sena
e o TeleCurso da Rede Globo de comunicação, assumirem de dentro do Estado e do governo
a orientação do ensino médio.

Por certo, temos que aprender a fazer o mesmo questionamento hoje com a generosa
autocrítica que Florestan Fernandes (1980) faz a sua geração de esquerda ao indagar: o que
queríamos, onde erramos, porque erramos e como aprender? Mas ao mesmo tempo, entender
que nunca é tarde para “renascer das cinzas”, pois uma vez mais Florestan nos dá a
perspectiva. “A história nunca se fecha por si mesma e nunca se fecha para sempre. São os
homens, em grupos e confrontando-se como classes em conflito, que ´fecham´ ou ´abrem´ os
circuitos da história”. (FENANDES, 1977). As eleições de 2014 colocam para o campo da
esquerda a busca, no dissenso, de um consenso mínimo na agenda de lutas no plano político,
social, econômico, cultura e educacional. Sem isso o assalto sobre o que resta de público, será
total.

Referencias Bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. 2ª. ed. São Paulo: Boitempo, 2004.
BARRADAS, Anésia Maria da Silva. A fábrica PIPMO: uma discussão sobre política de
formação de mão-de-bra no período de 18963-1982. Rio de Janeiro, IESAE/ Fundação
Getúlio Vargas., 1986. Dissertação de Mestrado.
BRASIL. CNE.CEB. Atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
Profissional Técnica de Nível Médio. 2012a .Versão para debates na Audiência Pública
Nacional, 2010.
BRASIL. CNE.CEB. Parecer 011, de 09 de maio de 2012. Diretrizes Curriculares para a
Educação Profissional Técnica de Nível Médio. 2012b Disponível em http://portalmec.gov.br
Acesso em 20 de junho de 2014.
BRASIL. MEC/SEB. Pacto Nacional pelo Ensino Médio. Formação de Professores do Ensino
Médio. Documento Orientador Preliminar. Disponível em
http://observatorioensinomedio.wordpress.com/pacto-nacional-pelo-fortalecimento-do-
ensino-medio. Consulta em 20/06/2014.
BRASIL. MEC/SEB. Programa Ensino Médio Inovador. Documento Orientador. Disponível
em: http://www.emdialogo.uff.br/sites/default/files/doc_orientador_proemi_2012-2013.pdf.
Consulta em 20/06/2014.
BRASIL. MEC/SETEC. Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino
Médio. Brasília, 2007. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/documento_base.pdf. Consulta em 20/06/2014.

27
28

BRASIL. CNe.CEB. Resolução 06, de 20 de setembro de 2012. Diretrizes Curriculares para


a Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Disponível em http://portalmec.gov.br
Acesso em 20de junho de 2014.
CASTELO, Rodrigo. O novo desenvolvimentismo e a decadência ideológica do
estruturalismo latino-americano. In: ______ (org.). Encruzilhadas da América Latina no
século XXI. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010.
CIAVATTA, Maria. (2009). Mediações históricas de relação trabalho e educação. Gênese
da disputa na formação dos trabalhadores (1930-1960). Rio de Janeiro: Lamparina / CNPq /
FAPERJ.
CIAVATTA, Maria. Formação profissional para o trabalho incerto. In: FRIGOTTO,
Gaudêncio. Educação e crise do trabalho: perspectivas de final de século. Petrópolis: Vozes,
1998.
CIAVATTA, Maria; RAMOS, Marise. Ensino médio e educação profissional:a visão da
imprensa e a dualidade na concepção de Ensino Médio Integrado. In; BERTUSSI, Guadelupe
T.; OURIQUES, Nildo (orgs. Anuário Educativo Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2011.
CIAVATTA, Maria, RAMOS, Marise, . A era das diretrizes: a disputa pelo projeto de
educação dos mais pobres. Revista Brasileira de Educação, ANPEd, v. 17, p. 11-37, 2012.
CONTARINE, Marina Lindaura. Políticas públicas para a educação profissional: um estudo
em um curso técnico de nível médio, ofertado pelo PRONATEC, em Belo Horizonte. Belo
Horizonte, 2014. Dissertação (Mestrado em Educação. Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais), Belo Horizonte, 2014.
CORRÊA, Nadia Batista. Sobre a integração no ensino médio do Campus Macaé do Instituto
Federal Fluminense; mediações e contradições. Niterói, 2014. Dissertação (Mestrado em
Educação. Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminens, Niterói, 2014.
CRONOLOGIA da Ditadura Militar. Cronologia do Regime Militar e alguns
desdobramentos. http://www.sohistoria.com.br/ef2/ditadura/p4.php
Acesso em 18/06/2014
COUTINHO, Carlos Nelson. Intervenções. O marxismo na batalha das ideias. São Paulo,
Editora Cortez, 2006)
ENGELS, Frederich. Discurso ao lado da tumba de Karl Marx. Retirado do Blog de Debate
ISKRA – Teoria e Política Marxista. (05.07.2013)
FERNANDES, Fernandes. Os circuitos da história. São Paulo, HUCITEC, 1977
FERNANDES, Florestan. A sociologia no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1980.
FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Um ensaio de interpretação
sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
FERNANDES, Florestan. Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. Rio
de Janeiro: Zahar, 1975
FONSECA, Celso S. da. História do Ensino Industrial no Brasil. 5 Vol. Rio de Janeiro:
SENAI/DN, 1986,
FRIGOTTO, Gaudêncio, CIAVATTA, Maria, RAMOS, Marise. A política de educação
profissional no Governo Lula: um percurso histórico controvertido. Educação e Sociedade,
Brasil, v. 26, p. 1087-1113, 2005b.
FRIGOTTO, Gaudêncio. CIAVATTA, Maria. RAMOS, Marise. A gênese do Decreto n.
5.154/2004: um debate controverso da democracia restrita. In: FRIGOTTO, G. CIAVATTA,

28
29

M. RAMOS, M. (org.) Ensino Médio Integrado: Concepção e Contradições. São Paulo:


Cortez, 2005a, p. 21-56.
GALINDO, Bruna C. Universalização do ensino médio. Lei n. 12.061/09. 2348-5162-1-
PB.pdf, p. 1-8. Disponível em
https://www.google.com.br/search?q=universalização+do+ensino+médio+gratuito Acesso
em 19/06/2014
GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro. Editora Civilização
Brasileira: 1978.
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel e o Moderno Príncipe. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1991.
GUIMARÃES, Cátia. Educar para o setor produtivo. Escola Politécnica de Saúde Joaquim
Venâncio/Fiocruz.. 28/05/2013. Disponível em:
http://www.epsjv.fiocruz.br/index.php?Area=Noticia&Destaques=0&Num=750 Acesso em
20/06/2014
HANNECKER, Lenir A. Compreensão de currículo na educação tecnológica: possibilidades
e tensões do ensino integrado. São Leopoldo, RS, 2014. Tese (Doutorado em Educação.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2014.
HARVEY, David. A importância da Imaginação pós-capitalsita. Entrevista a Ronan
Burtenshaw e Aubrey Robinson in: HTTP//WWW.irishleftreview.org, 2013, Tradução de
Vila Vadu.
INEP. A profissionalização do ensino na Lei n. 5.692/71. Brasília: INEP, 1982.
KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
LIMA, Marcelo. Perspectivas e riscos da educação profissional do governo Dilma: educação
profissional local e antecipação ao Programa Nacional de Acesso à Escola Técnica (Pronatec)
In: REUNIÃO Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação,
03-10-2011, Natal-RN Anais. Natal: ANPED, 2011(c). p. 12-27.
LUCENA, Elenora de. Bloco conservador vive de juros altos, diz sociólogo. Folha de São
Paulo, Poder, sábado, 7 de junho de 2014, p. A12.
MANFREDI, Silvia M. Educação profissional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.
MARASCHIN, Mariglei S. Dialética das disputas: o lugar dos sentidos do trabalho, da
tecnologia e da classe trabalhadora nas políticas de educação profissional integrada à
educação básica na modalidade EJA nos Institutos Federais do RS. Santa Maria, 2014. Tese
(Doutorado em Educação). Curso de Pós-graduação em Eduucação, Universidade Federal de
Santa Maria. Santa Maria, RS, 2014.
MARINI, Rui Mauro. Dialética da dependência. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, Buenos
Aires, CLACSO, 2000.
OLIVEIRA, Francisco de. Entre a terra e o céu: mensurando a utopia? Democracia viva.
IBASE, nº.6, agosto, 1999.
OLIVEIRA, Francisco e RIZEK, Cibele Saliba. (orgs) A era da indeterminação. São Paulo:
Boitempo, 2002.
PACHECO, Eliezer (org.). Perspectivas da educação profissional técnica de nível médio.
Proposta de Diretrizes Curriculares. São Paulo: Moderna, 2012.
PAULANI, Leda. Capitalismo financeiro, estado de emergência econômico e hegemonia às
avessas no Brasil. In: OLIVEIRA, Francisco de; BRAGA, Rui; RISEK, Cibele (orgs.).
Hegemonia às avessas. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 109-136.

29
30

POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. Rio de Janeiro: Edições Graal,


1985.
PRADO, Fernando; MEIRELES, Monika. Teoria Marxista da dependência revisitada;
elementos para a crítica ao novo-desenvolvimento dos atuais governos de centro-esquerda
latino-americanos. In: CASTELO, Rodrigo (org.). Encruzilhadas da América Latina no
século XXI. Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010.
PRONATEC e o financiamento público das instituições privadas de ensino. Fevereiro 14,
2012 - Notícias. Disponível em: http://sindpefaetec.org.br/?p=1184 Acesso em 20/06/2014
RAMOS, Marise. O currículo para o ensino médio em suas diferentes modalidades:
concepções, propostas e problemas. Educação & Sociedade, ANPEd, v. 32, p. 771-788, 2011.
RAMOS, Marise. O público e o privado na Educação Profissional: As Políticas do MEC. In:
PERONI, V.; ADRIÃO, T. (Org.). O público e o privado na Educação: interfaces entre
Estado e sociedade. São Paulo: Xamã, 2005, v. 1, p. 31-56.
RAMOS, Marise; SIMÕES, Carlos Artexes. Ensino médio no Brasil dos anos 2000 e os
sistemas estaduais de ensino: a difícil universalização de um direito. In: SOUZA, Donaldo
Bello de; OLIVEIRA, Rosimar de Fátima; DUARTE, Marisa Ribeiro Teixeira (Orgs.).
Sistemas educacionais: concepções, tensões, desafios. São Paulo: Loyola [2015?].
RAMOS, Moacyr Salles. Limites e possibilidades do PRONATEC como ação governamental
de ampliação do acesso à educação profissional: uma análise a partir da experiência do IFRJ.
Nova Iguaçu, 2014. Dissertação (Mestrado em Educação, Contextos Contemporâneos e
Demandas Populare. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Nova Iguaçu, 2014.
ROMANELLI, Otaíza. História da Educação no Brasil. 1930-1973. Petrópolis: Vozes, 1978.
SAVIANI. Dermeval. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise do projeto do MEC.
Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 100 - Especial, p. 1231-1255, out. 2007 1243 Disponível
em http://www.cedes.unicamp.br. Consulta em 20/06/2014 (Marise, esta ref. On line é daqui)
SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. São Paulo: Autores
Associados, 2007.
SILVA, Lucília C. da. A entrada dos trabalhadores nos Institutos Federais pela via dos
Cursos de Formação Inicial e Continuada: uma análise sobre a educação dos mais pobres.
Tese (Doutorado em Educação). Niterói, RJ, 2014. Faculdade de Educação da Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2014.
TOKARNIA, Mariana. Instituições privada farão parte do Pronatec e do Fies Técnico.
Brasília: Agência Brasil, 26/03/2013 (digital).
WILLIAMS, Raymon. Cultura e Materialismo. São Paulo, UNESP, 2011

30

S-ar putea să vă placă și