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306 : O NOVO DIREITO E DESENVOLVIMENTO: ENTREVISTA COM DAVID TRUBEK JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ...
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em tal noção; não no papel do Direito na era importante é que tudo começou. É
Economia, mas na relação entre Direito isso o que estamos estudando.
e Desenvolvimento. Se estudarmos teo- E quanto ao campo acadêmico? O
ria, vamos descobrir pensadores no assunto do campo é: como o Direito
século XIX falando sobre isso. Mas não é afeta a Economia, ou como se aumenta o
este o assunto do livro. alcance do Direito para que ele tenha
Não estamos estudando o campo efeito sobre as relações sociais e outras
intelectual do Direito e Desenvolvi- questões que a Economia concebe de
mento, embora isto seja, obviamente, maneira restrita. É difícil imaginar que
parte do que estamos fazendo. se possa efetivamente atuar como jurista
Concentramos-nos no modo como as neste campo se não se está, no mínimo,
agências se apropriaram de idéias aca- consciente das questões; ou se não se é
dêmicas. É por isso que achamos tão capaz de debater determinados proble-
importante incluir as agências. Há mas com representantes dessas outras
muitas idéias sobre muitas coisas cor- disciplinas. Assim, certamente existe
rendo soltas nas universidades. Esta é lugar para os juristas no campo, não é
uma característica maravilhosa da aca- preciso ter experiência em economia,
demia, mas nem todas as idéias sobre a sociologia ou antropologia para fazer
relação entre Direito e Desenvolvi- pesquisas na área. Mas é preciso ser
mento econômico tornam-se parte das capaz de dialogar com estas pessoas e
políticas seguidas pelo Banco Mundial entender argumentos para aperfeiçoar
ou pelo governo norte-americano. Um suas teorias.
dos filtros aos quais as idéias são sub- Portanto, a resposta à sua pergunta é:
metidas é a compreensão das agências para realizar pesquisas, escrever e teori-
sobre suas prioridades. Neste campo, zar sobre estas questões, é preciso ir além
as agências dão mais importância ao do formalismo. O formalismo passa a ser
que pensam os economistas do que ao um dos tópicos a serem estudados e não a
pensam os juristas. ferramenta por excelência para realizar
Uma das razões pelas quais, a come- os estudos. O formalismo é uma boa
çar do fim da década de 80 e durante idéia? É uma má idéia? Ele realmente faz
toda a década de 90 até hoje, as agências algum sentido; o direito realmente fun-
de desenvolvimento investem tanto em ciona como ele o descreve ou esta teoria
Direito é que os economistas decidiram, esconde a realidade? O que faz uma deci-
na década de 80, que o Direito era são ser tomada? O raciocínio formalista é
importante. Isso não teve nada a ver bom ou mau para o desenvolvimento?
com os juristas: eles sabem que o O formalismo é um tema do livro e
Direito é importante, mas ninguém os um tema no campo acadêmico do
escutava. Somente quando os economis- Direito e Desenvolvimento. Há muita
tas, particularmente os economistas do discussão sobre isso. Para que se enten-
Banco Mundial, decidiram que o Direito da a discussão é preciso estudar história.
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Seu livro aponta um grande diz “O Banco Mundial” não se tem cer-
descompasso entre as políticas e os teza de que esse alguém faz parte d’ “O
estudos acadêmicos sobre Direito e Clube”. “O Clube”, certo? (risos)
Desenvolvimento. De maneira “O Banco” segue as idéias propostas
bastante amarga, o senhor diz que, por economistas que se baseiam no estu-
no começo da década de 90, do de dados quantitativos. São estudos
conversou com dirigentes do USAID e quantitativos que envolvem diversos
sentiu que eles não haviam aprendido países e nações, mas que têm um funda-
nada com as experiências passadas. mento empírico muito fraco. Chegam a
O que explica esse descompasso? conclusões que parecem justificar qual-
As entidades acadêmicas estão quer concepção ultraneoliberal de
fazendo algo de errado? Seu papel é desenvolvimento econômico.
fornecer teorias para agências, como A academia teve grande influência
o Banco Mundial? sobre o Banco, mas não as faculdades de
Em primeiro lugar, é preciso dizer Direito. Dessas faculdades, até agora,
que a academia tem exercido muita saíram apenas críticas. E há dois tipos de
influência no pensamento atual sobre crítica, uma delas a que você mencio-
Direito e Desenvolvimento, mas não as nou, que é a crítica baseada em conhe-
faculdades de Direito. Parte do trabalho cimentos empíricos. Há muitos estudos
mais significativo sobre o assunto, signi- no campo feitos por pesquisadores trei-
ficativo no sentido de ter influência nados nas ciências sociais, mas que tam-
sobre o Banco Mundial e outras agên- bém são juristas e entendem dos vários
cias, foi feita por economistas que não sistemas jurídicos. Estes estudos tratam
entendem nada de Direito. Eles são do funcionamento de algumas das refor-
autores de estudos que provam exata- mas levadas a cabo pelos programas de
mente o que se queria que eles provas- Direito e Desenvolvimento. Na verda-
sem. O Banco Mundial queria ouvir exa- de, quando se examinam os detalhes,
tamente o que os estudos diziam e por vê-se que elas não funcionaram. De
isso os aceitou. qualquer maneira, este é um tipo de crí-
Álvaro Santos escreveu um capítu- tica; mas há também críticas baseadas
lo do livro sobre o “Projeto Doing em teorias. Adivinhe em qual categoria
Business”,20 um estudo em que teorias nosso livro se encaixa?
econômicas, sem qualquer participa- As universidades, até agora, funda-
ção; sem qualquer envolvimento de mentalmente, fizeram críticas e forne-
juristas, tiveram influência direta no ceram pessoal para trabalhar nos proje-
banco. “O Banco” significa o Banco tos. Uma nova geração do Hemisfério
Mundial, está bem? Nesse campo de Norte adquiriu experiência nos siste-
estudos, quando nos referimos ao mas de Direito do Hemisfério Sul
Banco Mundial, não dizemos “O Banco assim, seja lá o que se pense sobre as
Mundial,” e sim “O Banco”. Se alguém práticas e as ondas de investimento que
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vimos nos últimos quinze anos, elas ao Se você é apenas um banco, o que
menos tiveram o efeito de fazer com você sabe do mundo? Alguém quer um
que uma nova geração de estudiosos de empréstimo para, por exemplo, plantar
Direito e Ciências Sociais pensassem amendoins ou para exportar aviões:
na interação entre Direito e você precisa apenas pensar “será que isso
Desenvolvimento econômico. Há um vai dar dinheiro?” ou “será que vai dar
trabalho acadêmico, cujo volume é certo?”. Não é preciso fingir que se sabe
relativamente grande, que oferece mais do que aquele que está pedindo o
alternativas claras para substituir as empréstimo. Só é preciso saber se eles
estratégias que vêm sendo criticadas, sabem o que estão fazendo.
tanto a partir de um ponto de vista Mas, se você está no Banco Mundial,
teórico, quanto baseadas na afirmação sua função é corrigir políticas equivoca-
de que elas não funcionam. das. Não se esqueça de que o Banco é
mais importante (pelo menos tão
O livro critica políticas uniformes, importante) como fonte de idéias do
pensadas para todos os países do que como fonte de recursos financeiros.
globo, desenvolvidas por algumas Se olharmos o montante emprestado
agências e ressalta a importância pelo Banco, particularmente aos países
da participação local de acadêmicos em desenvolvimento mais avançados,
e agentes governamentais para evitar como Brasil, Índia, China, Rússia (os
etnocentrismo. O problema é: de um países do BRIC),21 , trata-se de uma
ponto de vista operacional, isso é pequena parcela do capital estrangeiro
possível? As agências têm os recursos que entra nestes países. Como esta
humanos e uma compreensão quantia não pára de diminuir, há quem
apropriada das peculiaridades dos diga: “Esqueça, isso é ridículo”. Há uma
diversos países com que trabalham grande discussão sobre a necessidade de
para operar desta maneira? empréstimos para países como o Brasil;
Considerando-se que as agências talvez o Banco devesse lidar somente
desenvolvem projetos em vários com países realmente pobres e, nesse
países, elas podem prescindir de caso, concederia bolsas já que estes paí-
fórmulas gerais para suas políticas? ses jamais poderiam pagar pelos
Boa pergunta. Essa é uma das empréstimos feitos.
razões pelas quais é tão difícil criticar, Mas é preciso ver o Banco Mundial
também uma das razões pelas quais as e outras agências tanto como fontes de
agências têm resistido tanto às críticas. idéias e políticas quanto como institui-
Para seus objetivos internos, as agên- ções financeiras. O Banco tem um
cias, precisam de idéias simples e fór- grande número de funcionários e pes-
mulas universais. Se você está no Banco quisadores. Há dúzias de pessoas que
Mundial... Nesse momento, posso usar não fazem nada além de estudar as rela-
a palavra “Mundial!” (risos). ções entre Direito e Desenvolvimento.
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Se me perguntarem onde estão sendo juristas sejam aceitas. Mesmo que consi-
feitas pesquisas sobre Direito e deremos corretas idéias que exigem que
Desenvolvimento, muitas delas estão se pense no contexto de cada país e que
sendo realizadas no Banco, onde há afastem fórmulas mirabolantes e unifor-
diferentes visões sobre o assunto: é isso mes, é muito difícil que elas sejam esco-
que Álvaro Santos tenta mostrar em lhidas e postas em prática.
seu artigo.
O Banco é um tanto projeto acadê- Como o senhor vê a relação entre
mico tanto quanto uma fonte de dinhei- o Banco, as elites internacionais e
ro. É claro, ele liga seu dinheiro às suas as elites locais? A participação local
idéias e é assim que ele se torna influen- na implementação de políticas de
te. Pense nas dificuldades que enfrenta desenvolvimento pode sobrepujar
de uma agência como essa: há 190 países a aliança entre elites locais e
na ONU22 (ou coisa parecida), e há 30 internacionais, uma aliança que é,
países na OECD.23 Portanto, se não em parte, responsável pelos modelos
levarmos em conta os países da OECD, políticos e econômicos que
restam 130 ou 140 países com os quais a perpetuam uma distribuição de
agência poderia lidar. É razoável imagi- poder e renda desigual na periferia?
nar que o banco tenha 140 planos dife- Essa é uma pergunta difícil.
rentes? Pensem no custo burocrático Enfatizo muito a participação local e o
envolvido. É claro, neste caso, não seria que se chama de via do “stakeholder”.24
possível fazer viagens de avião para Uma das razões para isso é minha falta
todos os países envolvidos e ficar em de confiança no conhecimento das ins-
bons hotéis, como seus funcionários tituições dos países em desenvolvimen-
fazem atualmente, e dizer, “Vejam, é isso to pelo Hemisfério Norte. Em outras
o que temos de fazer”. Afinal, eles não palavras, o que fizemos até agora foi
sabem nada sobre o país! criticar. Acho que os envolvidos nas ati-
Muita tensão cerca várias idéias que vidades relacionadas ao Direito e
saem da academia. As faculdades de Desenvolvimento entendem as críti-
Economia são muito próximas das polí- cas, pois vão até esses países e colocam
ticas do Banco. No mundo acadêmico, as mãos na massa. Embora possam pas-
juristas e economistas não falam uns sar muito tempo em hotéis cinco estre-
com os outros em virtude da grande las e nos equivalentes locais dos
diferença ideológica entre eles: o forte “Jockey Clubs”, ou almoçar com os juí-
neoliberalismo inerente à profissão de zes da Suprema Corte, Ministros da
economista e a posição, digamos assim, Justiças e tudo mais, mesmo assim,
“vagamente socialdemocrata de que se sem falar com o povo das favelas, eles
deve ser bonzinho com os pobres”, entendem que há uma tensão entre
muito comum entre os juristas (risos). suas fórmulas universais e as peculiari-
Há um dilema real para que as idéias dos dades de qualquer país.
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Eles sabem disso. Apenas não sabem criticado fortemente as políticas tipo
o que fazer com essa crítica que ameaça “peritos tecnocratas que almoçam no
sua identidade, sua experiência e seu Jockey Club”, e suas críticas transcen-
papel. Há consciência deste problema; é dem as elites. São idéias que pressio-
por isso que podemos ver atualmente, nam por uma visão mais ampla sobre
no Banco e em outras agências, o surgi- quem deveria ser chamado a fazer
mento de discussões sobre os “stakehol- parte dos projetos.
ders”. Hoje, já se reconhece que não faz A idéia de circulação de elites é a
muito sentido voar pelo mundo, pensar mais difícil de todas: se as elites são o
que se sabe tudo e dizer às pessoas o que problema e não a solução, é preciso
elas têm de fazer. Há o reconhecimento livrar-se delas; ou ao menos superá-las,
da importância do conhecimento sobre enfraquecê-las, transformá-las, ou
os contextos locais. Se buscarmos dis- obter, como se diz nos Estados Unidos,
cernir as forças que estão na base do uma “mudança de regime”. Esta é a
movimento que favorece a via do “stake- parte mais perigosa da idéia e também,
holder” – e esta não é, certamente, uma infelizmente, como você chamou muito
idéia apenas do campo do direito, na bem a atenção, talvez a mais importan-
verdade ela é muito mais desenvolvida te, porque, às vezes, as elites perpetuam
em outras áreas – há três dimensões a se um regime que funciona como um elo
considerar. Uma delas relaciona-se com em um sistema de hegemonia doméstica
a legitimidade democrática, outra com o e internacional. Em uma situação assim,
conhecimento e a última com o proble- trabalhar apenas com a elite não vai
ma da circulação das elites. resolver o problema, vai agravá-lo. Esta
A questão de circulação de elites, a é, atualmente, uma das discussões mais
questão que você levantou, é o aspecto importantes em pauta.
mais fraco deste assunto. As pessoas que O capítulo de Kerry Rittich26 afir-
gerenciam os projetos sabem o que há ma que a discussão sobre participação
de errado e como é possível consertá-lo. que ocorre no Banco (que faz parte da
Talvez eles não saibam sempre o que há estratégia abrangente de desenvolvi-
de errado; podemos ajudá-los nisso. No mento que ela analisa) é uma cortina de
entanto, estão em melhor posição para fumaça para defendê-lo de críticas à
perceber como resolver este problema, esquerda. O Banco não estaria falando
pois conhecem todos os obstáculos do sério sobre participação porque isso é
caminho e todos aqueles que devem ter muito perigoso, além de difícil para
seus interesses levados em conta. fazer funcionar.
Há também o problema da legiti- O Banco ainda é um banco, portanto
midade democrática, levantado pelas tem de fazer o dinheiro circular. Os ban-
ONGs25 que criticam as políticas de cos têm de fazer o dinheiro circular,
desenvolvimento e o modo como elas senão para que eles serviriam? Se o Banco
têm sido levadas a cabo. As ONGs têm constatar que as elites são resistentes a
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não importa qual seja o assunto, você carreiras diferentes. Eu não sabia disso
percebe, a certa altura, que é muito gra- quando tinha vinte e quatro ou vinte e
tificante falar sobre ele. cinco anos. Mas, olhando para o passa-
Por que me envolvi e ainda penso do, de fato, havia duas carreiras. As pes-
sobre o tema? Apesar de todas as críticas soas que sabiam disso diziam, “Não
e de todas as supostas verdades que bus- desista do Direito Corporativo. Você
cávamos abarcar, pessoas como eu acre- pode fazer o que quiser a partir dele,
ditavam nisso. Quando começamos na mas uma vez inserido no campo de tra-
década de 60, o Direito e balho relacionado ao desenvolvimento,
Desenvolvimento não era um campo de você jamais poderá voltar ao Direito
estudos. Inicialmente, foi criado por Corporativo”. Eu respondia: “Tudo
juristas que acreditavam que o desenvol- bem”, embora na época não conseguisse
vimento era uma causa justa. Não ver tudo isso com clareza.
importava saber que aquela não era uma Entrei no campo do Direito e
boa maneira de ganhar dinheiro ou de Desenvolvimento pela causa: libertar os
construir uma carreira. Ninguém em povos da opressão e da tirania. Havia
seu juízo perfeito se envolveria nessa aspectos anticomunistas no projeto de
atividade. Eu me lembro de contar para desenvolvimento da década de 60. Ele
algumas pessoas minha dúvida entre era alardeado como uma alternativa ao
aceitar um emprego; uma oferta de Wall socialismo; como uma alternativa ao
Street, ou trabalhar para o programa de comunismo em uma época em que os
ajuda externa do governo dos Estados Estados Unidos e a Europa Ocidental
Unidos. Todos me diziam: “Você está estavam preocupados com a tomada do
maluco! É uma loucura! Vá trabalhar Terceiro Mundo e, mais tarde, da China,
para o escritório em Wall Street!”. pelos soviéticos.
Naquela época, a questão não era o Achávamos que o risco era o autori-
dinheiro ou a carreira, era sobre como tarismo da esquerda. Descobrimos que
você construiria uma carreira. o verdadeiro risco era o autoritarismo
Eu recusei a oferta de emprego de da direita. Mas éramos muito jovens e
um escritório chamado Covington & ingênuos e não conseguimos ver isso.
Burling e de um outro, hoje muito Queríamos lutar contra o autoritarismo
conhecido, chamado Cravath, Swaine & e queríamos fazer algo contra a distri-
Moore. Um sócio deste último ganha buição desigual de recursos entre as
mais ou menos um milhão de dólares economias de todo o mundo. Não usá-
por ano e um professor de Direito em vamos a palavra “eficiência” naquela
uma faculdade de Direito modesta ganha época; este não era um termo comum,
cento e cinqüenta mil por ano. É uma mas certamente sabíamos o que ele sig-
grande diferença. As pessoas que traba- nificava. Achávamos que a busca por
lham em agências de desenvolvimento “eficiência” era a maneira de chegar
ganham menos ainda, portanto há duas onde queríamos e pensávamos que um
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rápido crescimento econômico contri- escreveu artigos que diziam essas coisas.
buiria para a libertação política. Esta é uma explicação para a prática que
Sei que hoje, vocês olham para mim consistia em concentrar-se na Economia
e pensam: “Como você pôde ser tão e deixar de se preocupar com os direitos
idiota!” (risos). Mas realmente pensáva- humanos ou com a democracia.
mos assim. E realmente pensávamos Esta era a visão inicial. Passamos
que, se conseguíssemos fazer com que depois por um período de grande apren-
as faculdades de Direito da América dizado. Aprendemos que o auxílio inter-
Latina se parecessem cada vez mais com nacional poderia ser uma ferramenta
Yale, contribuiríamos para o desenvol- demoníaca. Aprendemos que as institui-
vimento da região. Eram idéias que ções jurídicas ocidentais poderiam ser
seguíamos com sinceridade. O Direito e importadas e postas a serviço da opres-
Desenvolvimento era uma causa. Era são e do autoritarismo. Aprendemos que
uma causa, e as causas últimas eram a a idéia mesma de exportar instituições
igualdade e a liberdade. Sem dúvida, poderia servir à manutenção das elites e
tratava-se de uma visão emancipadora e da dominação. Aprendemos o lado
todos os que a seguiram, compreenden- negro do Direito e Desenvolvimento, e
do-a por completo ou não, desistiram isso levou às críticas.
de carreiras lucrativas. Como opção na Eu confesso que, quando voltei a ler
carreira acadêmica, foi um erro terrível o artigo de 1974, tive dificuldades de
ter entrado neste campo na década de entender o que ele queria dizer. Era algo
60 porque as pessoas envolvidas torna- como: “Temos de voltar às idéias básicas
ram-se líderes de um campo em colap- e continuar com esta prática, mas temos
so e isso não é exatamente bom para de fazê-lo de modo a não incorrer em
uma carreira, exceto, talvez, trinta anos todos estes erros”. Pois, é claro, como
mais tarde, quando me dizem, “Oh, não sabíamos como evitar aqueles erros,
você é o cara que acabou com o havia apenas certa de esperança...
campo... eu sei quem você é, eu me Uma das missões mais difíceis, hoje
lembro de você!” (risos). em dia, e é isto que o grupo que escre-
O desenvolvimento era uma causa, e veu The new law and development deseja, é
era uma causa emancipadora. Pensáva- descobrir se há uma prática positiva.
mos que a exportação de instituições Quase todos os autores do livro estão no
jurídicas ocidentais fosse libertadora. Brasil neste mês. Francamente, não
Pensávamos que o auxílio estrangeiro tenho certeza de que encontrarão o que
fosse um empreendimento altruístico. querem. É uma questão muito difícil; é
Pensávamos que o crescimento econô- preciso mais do que o auxílio interna-
mico, por si mesmo, levaria à cional para desenvolver um país, até
Democracia e, portanto, não era neces- mesmo o Brasil. No Brasil, seria possível
sário preocupar-se com a política. Não atingir os objetivos em menos tempo,
estou dizendo que alguém sentou e mas há muitas distrações, tais como a
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em Weber. Apesar disso ter ocorrido pensamento no que ele alegava ser um
também em outras partes do mundo, estudo sobre Weber. Seu ponto de vista
trata-se de um projeto eminentemente é muito norte-americano: uma espécie
norte-americano. Estou me referindo de visão liberal otimista do mundo, que
ao que se costuma chamar de “teoria da também funciona como uma ótima
modernização”, um esforço de cientis- ideologia para um império incipiente.
tas sociais norte-americanos para expli- Sabemos que Weber era um pensa-
car por que alguns países são ricos e dor sombrio que dizia que o capitalis-
outros são pobres e o que o se pode mo e a modernidade eram projetos
fazer sobre isso. muito frágeis. Então aparece Pearson,
Adivinhe qual é a solução oferecida este norte-americano que simplifica o
por esta teoria? Ter instituições como as trabalho de Weber e descobre, ao
dos países desenvolvidos! Agora adivi- estudá-lo, o projeto etnocêntrico a
nhe quais instituições deveriam ser que se refere Chantal Thomas. Eu
reformadas? O Direito! Este projeto foi dirigi um projeto por cinco ou seis
divulgado e apoiado pelo establishment anos em Yale chamado: “Programa
norte-americano e notemos como ele Direito e Modernização”. O nome não
era congruente com a política externa é acidental. Atualmente, eu ministro
norte-americana: uma espécie de guru, uma disciplina chamada “Direito e
um dos líderes entre os pensadores Modernização no Mundo em
desse campo, cujo trabalho foi extre- Desenvolvimento”. A única razão pela
mamente influente, foi o sociólogo qual ainda temos este título estúpido
Karl Pearson,33 uma das grandes figu- é a burocracia de Wisconsin. É muito
ras na história da sociologia norte-ame- difícil mudar o nome de um curso.
ricana. Seu trabalho foi apropriado Acredite se quiser: para fazer isso é
pelos esforços que visavam a promover preciso passar por toda a universida-
desenvolvimento econômico, adminis- de; por um comitê universitário.
trativo e político nos países em desen- A idéia dominante na época era a de
volvimento. A Teoria da Modernização Direito e Modernização. No início do
era uma espécie de teoria geral da Direito e Desenvolvimento tentávamos
mudança social e se apresentava como desenvolver o que podemos denominar
alternativa ao socialismo. de “Teoria do Direito e Desenvolvimento”
Como eu já disse, a teoria era sobre estudando a literatura sobre Moderniza-
“por que alguns países são pobres e o ção. Achávamos que teríamos que nos
que pode ser feito em relação a isto”. encaixar nesta literatura porque ela era a
Para a teoria socialista, eu garanto, a narrativa mestra da Academia Liberal
resposta não era copiar a Faculdade de norte-americana da década de 60. Estou
Direito de Yale. Já a Teoria da me referindo à Teoria da Modernização e
Modernização levava inevitavelmente a aos estágios do crescimento econômico
esta conclusão. Pearson baseou seu de Rostow.34 Estas duas idéias foram
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NOTAS
1 Søren Kierkegaard, O conceito de ironia, São of Law e professor de estudos sul-asiáticos da Faculdade de
Paulo: Vozes, 1991. Direito da Universidade do Wisconsin.
2 Max Weber sobre direito e ascensão do capitalis- 17 United States Agency for International
mo, Revista Direito GV 5, t. 3 v. 1, p. 151-186, 2007; pub- Development – Agência Norte-Americana para o
licado originalmente na Wisconsin Law Review, Desenvolvimento Internacional.
1972(3):720-753.
18 Southeast Asia Treaty Organization –
3 Tori Moi, Sexual/textual politics, London/New Organização do Tratado do Sudeste Asiático.
York: Methuen, 1985, p. 40.
19 Um orixá importante para muitas religiões afro-
4 Mikhail Bakhtin, Speech genres and other later americanas; originalmente da religião Yorubá.
essays, Austin: University of Texas Press, 1986, p. 132.
20 Álvaro Santos,The world bank’s uses of the “rule
5 Sigmund Freud, Jokes and their relation to the of law” promise in economic development, In: David M.
unconscious, London: Penguin Books, 1976. Trubek; Álvaro Santos,The new law and economic develop-
ment: a critical appraisal, Cambridge, 2006, p. 253-300.
6 Marc Galanter; David Trubek, Scholars in self
estrangement, 1974: 4, Wisconsin Law Review 1062, cuja 21 BRIC é um termo usado para se referir conjun-
tradução é publicada nesta edição da Revista Direito GV. tamente a Brasil, Rússia, Índia, e China.
7 A transcrição completa desta entrevista foi pub- 22 Organização das Nações Unidas.
licada nos Cadernos Direito GV n.19 (Setembro 2007), jun-
tamente com o original em inglês, disponível on line no 23 The Organization for Economic Co-operation
site www.direitogv.com.br. and Development – Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico.
8 The new law and economic development: a critical
appraisal (2006): organizador com Álvaro Santos; Max 24 Literalmente “pessoas interessadas”. O termo
Weber at the millennium: economy and society for the 21st cen- originalmente concerne ao mundo dos negócios, mas tem
tury (2005): organizador com Charles Camic e Philip sido usado para se referir a políticas que levam em conta
Gorski; além de Governing work and welfare in a new econo- os interessados como sujeitos ativos, que precisam ter sua
my: European and American experiments (2003): organizador voz ouvida pelos mecanismos de tomada de decisão .
com Jonathan Zeitlin.
25 Organizações não-governamentais.
9 Center for World Affairs and the Global Economy.
26 Kerry Rittich, The future of law and develop-
10 International Institute for the Sociology of Law, ment: second-generation reforms and the incorporation
em Onati. of the social, In: David M. Trubek; Álvaro Santos, The new
law and economic development: a critical appraisal.
11 European University Institute, em Florença. Cambridge, 2006, p. 203-252.
12 US Court of Appeals, 2nd circuit. 27 Scott Newton, The dialectics of law and deve-
lopment, In: David M.Trubek; Álvaro Santos, The new law
13 Agency for International Development. and economic development: a critical appraisal, Cambridge,
2006, p. 174-202.
14 Para este ponto, ver James A. Gardner, Legal
imperialism. American lawyers and foreign aid in Latin 28 Salvador Allende (1908-1973) foi o presidente
America, Madison: University of Wisconsin Press, 1980. socialista do Chile entre 1970 e 1973, morto em 11 de
setembro de 1973 durante um golpe de Estado de extre-
15 David Trubek; Marc Galanter, Acadêmicos auto- ma-direita levado a cabo pelos militares.
alienados: reflexões sobre a crise norte-americana da disci-
plina sobre direito e desenvolvimento, Wisconsin Law Review, 29 Professor da Faculdade de Direito de Harvard, um
p. 1062, 1974.Traduzido nesta edição da Revista Direito GV dos fundadores do movimento Critical Legal Studies e impor-
tante teórico social. Foi indicado para ocupar o cargo de
16 Marc Galanter é John and Rylla Bosshard Professor Ministro das Ações de Longo Prazo do Governo Lula.Autor,
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entre outros, de O direito na sociedade moderna (1977), The década de 60, foi um fiel oponente do comunismo, e era
critical legal studies movement (1986), O direito e o futuro da conhecido por sua crença no Capitalismo como empreen-
democracia (2004), Política: os textos centrais (2001). dimento livre. Autor de The stages of economic growth: a
non-communist manifesto (1960). Publicado no Brasil
30 Professor de Direito Privado e Sociologia do pela ed. ZAHAR
Direito, Universidade de Frankfurt/Main, e Centennial
Professor, Faculdade de Economia de Londres. Autor de 35 Movimento iniciado em 1962 pelo então
O direito como sistema autopoiético (1993); Direito, sistema e Presidente norte-americano John F. Kennedy, que visava
policontextualidade (2005); editor ou co-organizador de estabelecer cooperação econômica entre a América do
Contractual networks (2007), Paradoxes and inconsistencies Norte e a América do Sul para combater a ameaça comu-
in the law (2006), Transnational governance and constitutio- nista na região.
nalism (2004).
36 Duncan Kennedy é Carter Professor de Teoria
31 Encontro anual da Law and Society Association Geral do Direito na Faculdade de Direito de Harvard. Um
(LSA) e do Research Committee on Sociology of Law dos criadores e figura-chave dos Critical Legal Studies, é
(RCSL of ISA) – Comitê de Pesquisa sobre Sociologia do autor de The rise and fall of classical legal thought (1975), A
Direito, Universidade Humboldt, Berlim, de 25 a 28 de critique of adjudication [fin de siècle] (1998), Legal education
julho de 2007. and the reproduction of hierarchy (2007) e Three globaliza-
tions of law and legal thought: 1850-2000, In: David M.
32 Chantal Thomas, Max Weber, Talcott Parsons Trubek; Álvaro Santos, The new law and economic develop-
and the sociology of legal reform: a reassessment with ment: a critical appraisal, Cambridge, 2006, p. 19-73.
implications for law and development, 15 Minnesota
Journal of International Law, p. 383, 2006. 37 The disenchantment of logically formal legal
rationality, or Max Weber's sociology in the genealogy of
33 Karl Pearson (1857-1936) estabeleceu a the contemporary mode of Western legal thought, 55
matemática estatística como disciplina. Em 1911, fundou Hastings L. J., p. 1031 (2004), republicado in: Charles
o primeiro departamento de estatística de uma universi- Camic; Philip Gorski; David Tubek, Max Weber's economy
dade, na University College de Londres. and society: a critical companion (2005).
34 Walt Whitman Rostow (1916-2003) foi um eco- 38 Trubek refere-se, aqui, a autores como Rudolf
nomista norte-americano e teórico político que serviu von Ihering (1818-1892), Georg Jellinek (1851-1911) e
como Assistente Especial para Assuntos de Segurança ao austríaco Eugene Ehrlich (1862-1922), que integraram
Nacional. Proeminente por seu papel na formação das elementos sociológicos ou adotaram uma visão sociológi-
políticas norte-americanas no Sudeste asiático durante a ca ao estudo do Direito.