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Este texto tem como intenção apontar o conteúdo e a ordem argumentativa presentes
na Primeira Meditação de Descartes, a saber, “Das Coisas que se Podem Colocar em Dúvida”.
A organização textual reflete a própria tentativa de reconstituição do raciocínio do filósofo
nas suas respectivas meditações. Assim, no que foi escrito, não há qualquer pretensão de criar
algo novo ou redigir considerações finais sobre o pensamento do autor, mas apenas reproduzir
as ideias tidas como principais em cada uma de suas meditações, numerando os parágrafos de
acordo com a posição delas. Observando que o tema principal da primeira meditação é dar a
conhecer a dúvida como única via que leva à verdade.
Ademais, ao elucidar que até o sonhar, não é de todo fictício, pois o seu conteúdo são
composições que enfeixam representações baseadas em impressões sensíveis, tidas como
existentes na vida de vigília, em imagens oníricas. De modo semelhante, a imaginação
humana, quando desperta, forma novos personagens misturando o que se crê como
representações do real. E, portanto, nada do que é imaginário, como sucede na vida onírica,
advém do vazio, pois são imagens que parecem se assemelhar às coisas do mundo externo,
nem há qualquer seguro de verdade nelas, visto que a imaginação faz suas conexões
misturando a sua matéria bruta que é composta e incerta (6). Logo, como visto em aula, o
sonho não é verdadeiro, dado que está exposto ao erro dos sentidos e às composições das
imagens obscuras e sensíveis efetuadas pela imaginação.
No entanto, isso não elimina a dúvida que diz respeito a uma garantia de verdade sobre
a vida humana ser efetivamente real ou não passar de fantasia mantida pelo o seu criador. Se
as impressões sensíveis são enganosas, porque impõem o composto como o real. Pode ser que
os conceitos concebidos pela decomposição e abstração intelectual, tendo como melhor
exemplo a matemática, não passem de enganos causados intencionalmente por quem criou e
mantém a humanidade, um suposto Deus enganador. Então, o filósofo pergunta, mas se quem
deu origem e conservou a existência humana é essencialmente bom, como a sua criação pode
errar ou ser levada à ilusão pelos sentidos? (9)
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Como revisado em sala de aula, a hipótese do gênio maligno além de ser uma forma usada pelo filósofo para
levantar dúvidas sobre as impressões sensíveis e evitar o paradoxo do Deus soberanamente bom, outrossim, pode
ser entendida como uma maneira de duvidar dos conceitos matemáticos que são os elementos mais simples,
distintos e universais, os quais, para Descartes, podem ser encontrados por trás das obscuridades e dos acidentes
das coisas sensíveis, isto é, criar uma suposição para pôr em xeque a matemática como linguagem certa do
mundo extenso.
verdadeiro deve estar atrelado ao entendimento oportunizado pelas operações intelectuais do
homem. A segunda meditação examina a relação e a separação entre o corpo e a alma no
tocante à existência humana e à geração do conhecimento.
A princípio, o filósofo inicia a sua meditação reafirmando a dúvida como única forma
viável à possível obtenção de uma verdade indubitável. Nesse caminhar, o ato de duvidar
necessariamente de tudo vem à tona, sobretudo daquilo que é sensível e composto, mas até
das coisas mais simples como os conceitos matemáticos (1-3). Por conta disso, a questão da
duvidosa conformidade entre as representações formadas pelo espírito humano em relação aos
objetos do mundo externo retorna, supondo que elas não sejam nada mais do que invenções
fictícias do pensamento humano. Portanto, o autor põe como incerta a própria existência
daquilo que o homem aceita, normalmente, como o real: o mundo material fora da mente
humana (4).
A partir de então, o filósofo demarca uma nítida divisão entre aquilo que é corpóreo,
inerte e extenso; daquilo é espiritual, ativo e está mais perto da verdade. Ao passo que o corpo
se serve da extensão, tendo em vista que ele está circunscrito à ocupação de determinado
espaço que pode ser traçado por um limite figurativo e impresso pelas sensações no homem
(5-6). Aquilo que é anímico e livre da assistência corpórea se manifesta como pensamento,
como um Eu puro que afirma a existência humana em razão do ato de pensar, como um
atributo inato e inseparável de sua identidade. A duração existencial, nesse sentido, é
simultânea ao pensamento, logo é indubitável que o homem exista enquanto pense, dado que
isso é tão próprio de sua natureza que o garante como ser vivente e pensante (7), longe das
incertezas resultantes das sensações ou da imaginação humana que invente entes confusos e
pouco confiáveis. O pensamento enquanto operação intelectual que assegura a existência
humana, não grande parte de seu conteúdo que é duvidoso em função de ser formado com o
auxílio das impressões sensíveis. Por conseguinte, não advém da imaginação certeza alguma,
que remete aos atos de criação de imagens por meio de impressões sensíveis, as quais podem
nada mais ser do que obscuridades (8).
À frente Descartes discute como apesar do mundo material, ser perecível, extenso e
estar sempre em mudança, ainda assim se formam representações que mantêm a identidade
das coisas corpóreas, capacidade que segundo ele não está na imaginação (10-12). E na
tentativa de melhor conhecer o porquê disso, o autor passa a discutir o conceito de extensão
tão próprio às coisas corpóreas (13), até que reconhece a definição conceitual ou a atribuição
de identidade às coisas, não como uma atividade da imaginação (12), mas sim como
concepções abstraídas e geradas pelo intelecto humano (13). Assim o ato de atribuir
identidade às coisas, como diz o filósofo, é produto da “inspeção do espírito”, que promove a
decomposição ou a abstração espiritual, afastando o que há de composto e obscuro, até que se
chegue a uma definição conceitual mais simples e universal das coisas (13). No entanto, os
conteúdos vistoriados pelo espírito humano não são de todo indubitáveis, podendo haver erros
em suas resoluções ponderadas por ele, erroneamente, como as mais claras, dado que o
homem não está isento às obscuridades das impressões sensíveis quando formula os seus
juízos, impedindo a existência de qualquer conhecimento sensível que seja irrefragável (14).
Ao mesmo tempo, que só através da ação intelectual do espírito humano, realizam-se
quaisquer decomposições ou simplificações que propiciem o ato de imputar identidade às
coisas (15).
De sorte que o filósofo acaba o seu raciocínio na segunda meditação, corroborando
que o espírito humano é a única coisa, fora Deus2, que se faz existencialmente inseparável do
homem enquanto ele vive e operacionalmente inevitável no ato de conhecer (16). Com efeito,
o pensamento humano, assim como o ato de duvidar, que é uma de suas modalidades, é algo
indubitável em relação à existência e ao conhecimento verdadeiro, distinto daquilo que é
corpóreo que não comprova nada, mas ao contrário obscurece a inspeção espiritual (17).
Logo, o conhecimento está vinculado ao espírito puro, e não aos sentidos ou à imaginação,
sendo a última uma ação pensante impura, pois se serve de imagens baseadas nas coisas
sensíveis (18).
A terceira meditação, “De Deus, que Ele Existe”, trata sobre a existência de Deus
como critério para se chegar ao conhecimento e de denotar que o espírito tem uma causa que é
transcendente a ele, e que tal não poderia ter criado a si mesmo em razão das imperfeições da
natureza humana. Descartes, parte do saber acerca do espírito humano para enfim encontrar a
verdade referente ao seu fundamento. Começando por submeter à dúvida as representações
obscurecidas pelas coisas corpóreas até atingir uma causa mais certa que é a própria
existência de Deus.
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Na segunda meditação, Descartes ainda não tinha se pronunciado sobre a existência de Deus, no entanto, o
termo foi incluído nesse trecho para que não aconteça nenhum mal-entendido no tocante ao espírito humano ser
a única verdade incontestável, já que na terceira meditação, o filósofo refere-se a Deus como o fundamento de
todo o conhecimento.
metafísica (4). Até que enfim, o filósofo aduz a existência de Deus como critério para se
chegar à verdade, dado que só dessa maneira, segundo ele, pode-se saber acerca do
fundamento do pensamento humano e da intenção divina, de enganá-lo ou não, ao criá-lo.
Seguindo a articulação lógica de confirmar primeiro o que há no espírito humano, a sua
operação intelectual, para depois ir à procura de sua causa transcendente (5).
Dentre as ideias mais simples, como as representações dos objetos sem concepção de
juízos, não há como conferi-las falsidade ou erro algum, pois apenas refletem a imagem das
coisas exteriores na mente humana, como em um espelho, sem julgá-las (7). Nos casos das
elaborações das vontades, das afecções ou dos sentimentos, não há também nenhuma
falsidade, pois o homem sabe o que ele deseja para si e para outrem, mesmo que ele se
condene moralmente (8). Portanto, entre os atos do pensar, conforme Descartes, o engano ou
o erro estão nos juízos, que o homem ordena ao tentar precisar conformidade ou
correspondência entre as representações e os objetos externos, advindo dessa tentativa de
relação o raciocínio falso (9).
Mediante essa constatação, deve haver, segundo o filósofo, alguma causa mais perfeita
para o conhecimento do que as impressões sensíveis (14). Sendo assim, deve existir alguma
origem que exceda o pensamento humano em si e dê alicerce às ideias mais substanciais e
objetivas: como os conceitos matemáticos que são nítidos e universais (15). Logo, assim
como as coisas sensíveis e as suas impressões são enganosas, do lado inverso, o filósofo
transmite a ideia de um Deus transcendente que fundamenta o conhecimento inteligível (16).
Visto que, se as sensações dão aos homens aparências de nitidez incompleta, as ideias
que excluem os acidentes e são mais perfeitas (15), universais e claras, tendo em conta que
mantêm as essências dos seres, devem ter um fundamento mais elevado. Pois, não há como o
homem existir como o ato de pensar, se não houver uma causa superior que permita, conserve
e tenha dado princípio à atividade do espírito. Porquanto, se o Eu pensante existe, algo mais
perfeito do que ele o criou, considerando que não há nada que seja atual no mundo que não
tenha uma causa. Isto é, tudo que possui identidade foi criado por algo superior e, certamente,
diferente do que nada seja. Em consonância com o raciocínio de Descartes, tudo que é
incompleto ou inferior existe enquanto efeito e se espelha em algo de origem mais perfeita e
estável (17). Por conseguinte, se existe pensamento humano é em razão de ter uma realidade
mais perfeita fora dele e que o tenha constituído.
Além disso, em virtude da ideia de Deus incluir em si a realidade objetiva por inteiro,
como se englobasse tudo que há, é que o homem admite a sua incompletude (24). Deus como
uma verdade inconteste (25) e perfeita (26), abarca tudo aquilo que há de conhecimento,
essencialmente nele, e o humano não o percebe em razão de suas próprias restrições (27).
Enquanto o ser humano é um conhecedor em potência e gradual, Deus conhece a totalidade
em ato e por natureza, efetivamente, desde sempre. Por conseguinte, a existência humana, que
é eternamente incompleta, possui como causa a perfeição divina (28-29).
Ademais, todo criador sabe o que fez em suas criações, o que fortalece o argumento no
qual o homem depende de que algo mais perfeito o tenha criado, pois nenhum humano
conhece de onde veio ou tem ciência de algum poder para ter construído a realidade por si
mesmo (34). De maneira que, aquele que pensa não pode ter sido criado por nada imperfeito
ou inferior a ele, que é uma criatura com um espírito, consequentemente a sua procedência
deve advir de outra substância espiritual e mais elevada do que ele. E Deus como ideia eterna
e perfeita que contém toda a realidade objetiva em si, como causa total, deve abarcar todas as
essências e dar origem a tudo em si mesmo, como uma fonte de todas as substâncias (35-36).