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OS TRABALHOS DA POESIA EM DRUMMOND

Walther Castelli Jr.

“...o prestígio da Lingüística entre os estudiosos da Literatura resulta em grande parte do


pressuposto de que a tarefa fundamental da Crítica Literária consiste em saber como o objeto
literário é feito. Quanto a mim, prefiro acreditar que essa questão se subordina a outra: qual o
papel do objeto estético em geral e literário em particular, no grupo social em que é produzido e
recebido?”

Rodolfo Ilari, “Tem a lingüística contribuído para o desenvolvimento dos estudos literários?” em
A lingüística e o ensino da língua portuguesa

“Lidar com a poesia marginal é, relativamente, fácil, pois quando coletada e catalogada, ela já
está positivada enquanto artefato lingüístico desprovido de valor, uma vez que, no seu
momento mais “autêntico”, de máxima negatividade, ela consiste na anulação da presença e,
assim, sua presença é, facilmente, anulável. Já a poesia propriamente dita, de Rimbaud a
Oswald, ou de Maiakóvski a João Cabral, por consistir na presentificação de um nada, de
uma “ausência”, não é tão fácil de ser anulada ou manipulada”.

Nelson Asher, “Marginália marginal”, em Corpo Extranho, revista de criação, nº 3

Uma pergunta

Na primeira parte de “Inquietudes na poesia de Drummond”, em Vários Escritos — ensaio até


hoje fundamental para posteriores leituras da obra do poeta, menos pelo que conclui
definitivamente e mais pelas intuições seminais sobre os vetores de desenvolvimento de sua
poesia —, Antonio Candido sintetiza os movimentos da obra de Drummond da seguinte forma:
num primeiro momento, a poesia de Drummond estaria caracterizada por um certo
reconhecimento do fato, que traduz numa atitude descritiva, inventariante por assim dizer, do
mundo interno e do externo, garantindo “a validade do fato como objeto estético bastante em
si, nivelando fraternalmente o Eu e o mundo como assuntos de poesia”; num segundo
momento, no entanto, ocorre como que um desnivelamento entre o Eu e o mundo, que passa a
produzir um movimento pendular daí por diante caracterizador da obra. “Se aborda o ser,
imediatamente lhe ocorre que seria mais válido tratar do mundo; se aborda o mundo, que
melhor fora limitar-se ao modo de ser.” Os títulos Sentimento do mundo e José são claros
sinais dessa pendularidade. Mundo e indivíduo, no entanto, estão sempre referidos ao
problema decisivo da expressão, na qual encontram sua forma estética. A reflexão sobre a esta
última, por sua vez, se agudizará a partir de Lição de coisas e acompanhará o poeta até o fim.
As tortuosas e complexas relações entre o Eu, o mundo, e a poesia: uma obsessão temática
em torno da qual o poeta construirá inúmeras modulações, ilustrando a afirmação de que todo
grande escritor se constrói em torno de duas ou três idéias fixas ou a do próprio Drummond de
que, de certa forma cada um de seus poemas nascia da tentativa de escrever um único e
mesmo poema.

Se tentarmos derivar de cada um desses elementos (Eu, mundo, poesia) uma função ou
finalidade da obra literária, ou artística de maneira geral, podemos de maneira simplificadora
dizer que ao Eu corresponde a função expressiva, que compreende a necessidade de
exteriorização da subjetividade, a qual assegura ao indivíduo a condição de agente da história,
na medida em que lhe faculta um comércio com o mundo, no qual ele não apenas recebe mas
também emite sentimentos e idéias. Ao mundo corresponderia a função cognitiva, que consiste
em atribuir à obra de arte a condição de forma capaz de possibilitar um certo conhecimento do
mundo, sua apreensão em signos mais ou menos sensíveis, mais ou menos intelectuais, nos
quais o artista cifra o que foi capaz de apreender da realidade em que se encontra imerso. À
arte corresponderia a função metalingüística, em que o pensamento se volta sobre si mesmo,
em que a linguagem se volta sobre a própria linguagem, questionando sua própria realidade, a
realidade do mundo e a realidade do Eu num discurso problematizador.

Tais funções são simplificadas porque delas se podem derivar outras. Assim, da função
expressiva, pode-se derivar uma função confidencial1[1], para ficar com uma possibilidade. Da
função cognitiva, lato sensu, pode-se derivar uma função de conhecimento introspectivo ou
subjetivo e outra de conhecimento objetivo do mundo, por exemplo2[2]. Da metalingüística,
uma voltada para os elementos do código, outra para o sistema retórico, considerado um
código de segundo grau, entre outros possíveis objetos.

Quais os trabalhos da poesia em Drummond? Em outras palavras, como essas funções


surgem e com que especificidade elas surgem — se é que surgem — na poesia de Drummond
é a pergunta que me faço neste texto. É hora de começar a respondê-la.

O extravasamento da subjetividade

Pode-se dizer que, conquanto desconfiado do que momentaneamente afirma (“Eu não devia te
dizer”) — e essa desconfiança atravessa todos os momentos da obra de Drummond, porque
nele raramente um discurso da positividade domina o poema e, quando o faz, na relação que o
poema mantém com o espaço total da obra, tal positividade se relativiza —, alguns poemas de
Drummond parecem conter uma função de “extravasamento da subjetividade” que por si só
justificaria o ato poético. É o que se pode notar por exemplo no “Poema de sete faces”,
primeiro poema do primeiro livro do poeta, no qual se pode enxergar uma bipartição do
poema3[3], segundo a qual as quatro primeiras estrofes se voltariam para o registro de fatos

1[1] Que é a que ele mesmo Drummond, numa de suas primeiras entrevistas, reconhece
como fundamental em sua poesia.

2[2] Da função cognitiva pode surgir uma que é a de intervenção social, na medida em
que o conhecimento se converte em crença, no sentido pragmático do termo, ele se
converte em gatilho para a ação.

3[3] Há nuances nisso. É evidente que já na segunda primeira e na segunda estrofe o Eu


aparece explícito, mas a meu ver mais atenuado do que nas três últimas; e como
reconhecerei explicitamente, memso as escritas em terceira pessoa, dissimulam o Eu. A
propósito, sei que poderia aqui fazer uma leitura do poema seguindo a sugestão do
título, acatando-lhe as sete faces e procurando desvelar nelas os temas fundamentais da
poética drummondiana. No entanto, outros já o fizeram e melhor (lembro entre outras a
mais objetivamente focalizados — cujo ponto de fuga, no entanto é determinado pelo olhar do
poeta (um olhar da memória que parece, à medida que o poema avança, aproximar-se do
presente), de forma que o que se registra em terceira pessoa (estrofes 2 e 4) é uma espécie de
objetivação da subjetividade, como certos cenários da poesia romântica — e as três últimas,
para um discurso explícito e, num certo ponto, pungente, do Eu:

Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás das mulheres.

A tarde talvez fosse azul

não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

leitura de Alcides Villaça). O propósito deste texto é outro; logo, é outra a leitura que
pretendo extrair do poema.
Tem poucos, raros amigos

O homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste,

se sabias que eu não era Deus,

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer

mas essa lua,

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo

A primeira estrofe, embora escrita em primeira pessoa, toma o Eu como personagem de uma
narração. Nela começamos a assistir à construção do mito pessoal do poeta. Como lembra
Sartre, “a poesia cria o mito do homem, enquanto o prosador traça seu retrato.”4[4]De fato,
portanto, repito, apenas nas três estrofes finais do poema é que a ênfase em um discurso
confessional recai, mas em todas e Eu perpassa e se dá a ver, de diferentes ângulos e
perspectivas, em estrofes distintas até mesmo do ponto de vista estilístico, ora como aquele
que vê ou espia (caso da segunda estrofe) ora como o que é visto (caso da quarta, em que o
homem descrito o é em termos coincidentes com a imagem do poeta à época em que o
poema foi escrito)5[5]. E tal ênfase, fechando o poema, autoriza uma leitura que pode querer
ver nele aquela função de “extravasamento da subjetividade” a que já fiz menção e que pode

4[4] Sartre, J.P., Que é a literatura?, Ed. Ática, São Paulo, 1989, p.30. Registro, a
propósito que a leitura dos ensaios de Sartre neste livro simultânea à leitura de certos
poemas de Drummond revela surpreendentes afinidades entre os textos. Evidenciá-las é
um trabalho possível que deixarei para um outro texto.

5[5] O poema foi escrito na noite de 25 de dezembro de 1928. Fotos de Drummond à


época mostram-no com óculos e bigode.
ser entendida como sua finalidade ou função precípua. Embora aqui o mundo compareça não
apenas como lugar em que Eu está, mas como elemento com que o Eu mantém tensa relação;
e embora, sem sombra de dúvida, ambos estejam relacionados ao problema da expressão,
isto é, embora já estejamos aqui defronte de um poema que prevalece pela sua condição de
objeto estético mais que por qualquer outro aspecto.

Em carta a João Cabral de Melo Neto, datada de 17 de janeiro de 1942, Drummond escreve, a
propósito da inclusão de um poema de Cabral em uma coletânea a ser publicada:

Acho que você deve publicar. Sou de opinião que tudo deve ser publicado, uma vez que foi
escrito. Escrever para si mesmo é narcisismo, ou medo disfarçado em timidez. Sem dúvida
todo sujeito honesto escreve por necessidade, mas nessa necessidade está latente a idéia de
comunicação. Os outros é que gostem ou não gostem. A reação do público evidentemente
interessa, mas não deve impressionar muito o autor. Daqui a 20, 30 anos, que ficará de nossos
atuais pontos de vista e juízos críticos? As obras terão que ser examinadas de novo. E então
haverá uma importância maior no julgamento, ao qual, provavelmente, não estaremos
presentes. Como v. vê, eu acho que se deve publicar tudo, menos pelo valor da experiência do
que pela operação de extravasamento da personalidade, de outro modo cativa, e pela
tomada de contato com o mundo exterior, que é fértil em sugestões e excitações para o
autor.6[6]

Passados já doze anos da publicação de seu primeiro livro, Drummond dirige-se ao amigo
poeta mais jovem incentivando-o a dar a público seus poemas em termos — em que pese a
função de estímulo ao iniciante — nos quais nota-se um tom de convicção e argumentos
sólidos. Para além do objetivo de “extravasamento da personalidade”, o argumento da “tomada
de contato com o mundo exterior” capaz de excitar e sugerir coisas ao autor também
fundamenta o conselho de publicar. Neste segundo argumento aparece, então, não apenas a
vantagem de dar passagem ao indivíduo mas o de pô-lo em processo de constituição. Falar de
si aos outros é oportunidade para construir-se enquanto sujeito, na “praça dos convites”, no
âmbito da vida social. O discurso do eu é para o outro. E é ao dizer-se ao outro, na experiência
de confronto com a alteridade, que se encontram os estímulos (“sugestões, excitações”) para o
processo de individuação pelo qual o poeta constrói sua poesia e a si mesmo quer enquanto
mito, quer enquanto sujeito.

Sem pretender descrever a especificidade que a tematização do Eu assume na obra de


Drummond, e que foi bem apreendida por Antonio Candido no ensaio já citado, considero
importante sublinhar uma observação do crítico a propósito da força tirânica da subjetividade
do poeta, que reluta em exprimi-la, sem êxito. Tendo apontado os pólos de Eu, do mundo (os
problemas sociais), sempre referidos ao problema da expressão (a Arte), o qual, em
determinado momento de sua obra, constituirá objeto privilegiado da atenção do poeta,
Candido escreve:

6[6] Süssekind, Flora, organização, apresentação e notas, Correspondência de Cabral


com Bandeira e Drummond, Nova Fronteira/ Edições Casa de Rui Barbosa, Rio de
Janeiro, 2001, p.174.
O bloco central da obra de Drummond é, pois, regido por inquietudes poéticas que provêm
umas das outras, cruzam-se e, parecendo derivar de um egotismo profundo, têm como
conseqüência uma espécie de exposição mitológica da personalidade.

Isto parece contraditório, a respeito de um poeta que sublinha a própria secura e recato,
levando a pensar numa obra reticente em face de tudo que pareça dado pessoal, confissão ou
crônica de experiência vivida. Mas é o oposto o que se verifica. Há nele uma constante invasão
de elementos subjetivos, e seria mesmo possível dizer que toda a sua parte mais significativa
depende das metamorfoses ou das projeções em vários rumos de uma subjetividade tirânica,
não importa saber até que ponto autobiográfica.7[7]

A imposição tirânica da subjetividade — talvez seja melhor dizer da personalidade8[8]: como


nota Antonio Candido, são muitos os poemas em que o poeta se autonomeia Carlos — é um
desses traços que, como notei em outro ensaio, afina Drummond com o programa modernista,
o qual prevê a inscrição forte do indivíduo na linguagem em que atua, retomando o lugar
atribuído à individualidade na arte pelo Romantismo. Trata-se de um traço que tem sua
negatividade dialética reforçada à medida que se verifica a coletivização dos comportamentos
decorrente da ocupação do poder pela burguesia e, posteriormente, com o advento da
sociedade de massas. Em épocas assim o culto ao indivíduo deixa de ser apenas um
expediente retórico — sem perder de todo essa dimensão — para tornar-se também uma
estratégia de sobrevivência do espírito para o homem sensível que preserva-se o direito de
uma compreensão idiossincrática do Eu, do mundo e da arte. A necessidade de combate às
formas convencionais e esclerosadas da arte prevista pelo programa modernista afina-se ao
temperamento rebelde do jovem expulso do colégio e amadurece na síntese da consciência
adulta que incorpora aos condicionamentos biográficos os frutos da reflexão madura sobre o
“estar-no-mundo”. Como assinala José Guilherme Merquior9[9], Drummond teria cumprido à
maravilha o papel de realizar a promessa de liberação do Modernismo de choque, criando uma
poesia purificada dos três defeitos maiores da literatura acadêmica anterior a 22: “o servilismo
em relação aos modelos europeus; a cegueira no tocante à realidade social concreta; a
superficialidade intelectual”. E em seguida a observar que o grande feito de Drummond está
em apreender o sentido profundo da evolução social e cultural do Brasil, afirma que foi “A
partir de sua própria situação de filho de fazendeiro emigrado para a grande cidade, justamente
na época em que o Brasil começava sua metamorfose (ainda em curso) de subcontinete
agrário em sociedade urbano-industrial, (que) Drummond dirigiu o olhar do lirismo para o
significado humano do estilo existencial moderno.”; estilo este caracterizado pela coexistência
da sociedade patriarcal remanescente e da sociedade de massa emergente.

Assim começa-se a entender como o poeta passa do Eu ao mundo. A ancoragem do discurso


do Outro na experiência individual é o começo possível. Embora possa ser mal interpretado e
embora se sinta incomodado com o recurso ao Eu, o verdadeiro narcisismo está em não
publicar, em não se expor às “excitações e sugestões” que o mundo acaba por devolver ao
poeta.

7[7] O grifo é meu.

8[8] Como o próprio poeta o faz, ao usar a expressão “extravasamento da


personalidade” e lembrando T.S. Eliot que, aconselhando a fuga ao discurso da
personalidade em poesia, dizia que só as pessoas de personalidade saberiam avaliar a
dificuldade que isso representa.

9[9] Merquior, J.G., Verso universo em Drummond, Livraria José Olympio Editora, Rio
de Janeiro, pp. 243 a 245.
O encontro com o mundo: “Tinha uma pedra no meio do caminho”

O encontro entre o Eu e o mundo não é harmonioso: um “anjo torto” o aguardava logo na chegada; os
desejam roubam o azul da tarde; o excesso de pernas femininas deixa perplexo o coração; os amigos são
poucos, raros; Deus abandona o Eu, que se sabe fraco; o amor, uma toada: briga perdoa perdoa briga; os
poetas disputam entre si a esfera federal; a vida é besta; resta ao poeta a cachaça do verso.

A abordagem ao Eu e ao mundo em Drummond é na maior parte do tempo problematizadora e,


portanto, distanciada. Esse distanciamento se faz, principalmente, pela mediação do humour,
que tão fundamente marcará o estilo do poeta, funcionando “como estratégia intelectual lúcida
e libertadora”, na expressão de Merquior. Tal humour aparece na maioria das vezes expresso
na forma de uma ironia dissolvente, a serviço de uma espécie de “destruição ritual de Eu e do
Mundo” (Candido, op.cit.). Leia-se, por exemplo, o poema que segue.

Sociedade

O homem disse para o amigo:

— Breve irei a tua casa

e levarei minha mulher.

O amigo enfeitou a casa

e quando o homem chegou com a mulher,

soltou uma dúzia de foguetes.

O homem comeu e bebeu.

A mulher bebeu e cantou.

Os dois dançaram.

O amigo estava muito satisfeito.

Quando foi hora de sair,

o amigo disse para o homem:


Breve irei a tua casa.

E apertou a mão dos dois.

No caminho o homem resmungava:

— Ora essa, era o que faltava.

— E a mulher ajunta: — Que idiota.

— A casa é um ninho de pulgas.

— Reparaste o bife queimado?

O piano ruim e a comida pouca.

E todas as quintas-feiras

eles voltam à casa do amigo

que ainda não pôde retribuir a visita.

A ironia fica a serviço do registro de uma experiência deceptiva do Mundo. Denuncia, por
exemplo, em “Sociedade” a hipocrisia, a teatralidade obscena da vida regulada por convenções
sociais que determinam o primado das aparências. Sua suspensão, rara, se dá nos poucos
momentos em que o poeta substitui o olhar histórico pela perspectiva utópica10[10], a atenção
à vida presente pela entrevisão da vida possível. Os ímpetos de crença na possibilidade de
regeneração do homem se dão sobretudo na conjuntura mundial da Segunda Grande Guerra.
É quando sua poesia tenta o salto participante. O chamado da consciência à participação em
uma luta de resistência aos totalitarismos e o sentimento de fraternidade ocasionam poemas
de adesão aos sentimentos coletivos e a atitude existencial do engajamento político. Como diz
novamente Antonio Candido:

A consciência social, e dela uma espécie de militância através da poesia, surgem para o poeta
como possibilidade de resgatar a consciência do estado de emparedamento e a existência da
situação de pavor. No importante poema “A flor e a náusea” (de Rosa do Povo), a condição
individual e a condição social pesam sobre a personalidade e fazem-na sentir-se responsável
pelo mundo mal feito, enquanto ligado a uma classe opressora. Apesar da distorsão do ser,
dos obstáculos do mundo, da incomunicabilidade, a poesia se arremessa para frente numa
conquista, confundida na mesma metáfora que a revolução.

10[10] Penso aqui , no plano do Eu, em “Infância” e, no plano do Mundo, em “Canção


amiga”.
Mas simultaneamente ao apelo de comunhão, o poeta é acometido da mauvaise conscience
que o acompanha desde sempre. A crença convive com a dúvida e o amor decepcionado
converte-se em ira. Na última estância de “Nosso tempo”, também de Rosa do Povo, lê-se.

O poeta

declina de toda responsabilidade

na marcha do mundo capitalista

e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas

promete ajudar

a destruí-lo

como uma pedreira, uma floresta,

um verme.

Essa ira, embora redentora, porque situa claramente o empenho participativo do outro lado da
ordem dominante, a do sistema capitalista que o poeta ameaça destruir, não apaga o
ceticismo em relação ao poder da poesia no sentido de modificar concretamente e a curto
prazo a realidade, o qual já se podia ver, por exemplo, no poema que segue.

Soneto da perdida esperança

Perdi o bonde e a esperança.

Volto pálido para casa.

A rua é inútil e nenhum auto

passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta

em que os caminhos se fundem.


Todos eles conduzem ao

princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo

ou se é alguém que se diverte

por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.

Entretanto há muito tempo

Nós gritamos: sim! Ao eterno.

A poesia: esse inutensílio raivoso

Na mesma carta a João Cabral citada anteriormente, Drummond escreve:

Se lhe desagradar a opinião dos jornais e revistas, não publique para eles, publique para o
povo. Mas o povo não lê poesia... Quem disse? Não dão ao povo poesia. Ele, por sua vez,
ignora os poetas. É certo que sua poesia tem muito hermetismo para o leitor comum, mas se v.
a faz assim hermética é porque não pode fazê-la de outro jeito, se você é hermético, que se
ofereça assim mesmo ao povo. Ele tem um instinto vigoroso, quase virgem, e ficará perturbado
com suas associações de coisas e estados de espírito, que excedem a lógica rotineira. Já
meditou na fascinante experiência que seria fazer livros de custo ínfimo, com páginas
sugestivas, levando a poesia moderna aos operários, aos pequenos funcionários públicos, a
toda essa gente condenada absorver uma literatura de quarta classe porque se convencionou
reservar certos gêneros e tendências para o pessoal dos salões e das universidades? Eu
acredito de certo que sua fase poética atual é fase de transição que v., com métodos, inclusive
os mais velhos, está procurando caminho, e que há muita coisa a fazer antes de chegarmos a
uma poesia integrada ao nosso tempo, que o exprima limpidamente e que ao mesmo tempo o
supere. Não devemos nos desanimar com isso. Desde que estejamos vivos, as experiências se
realizarão dentro e fora de nós, e haverá possibilidade de progredirmos na aventura poética. O
essencial mesmo é viver e acreditar na força admirável da vida, que é nosso alimento e nosso
material de trabalho.
Ainda que a experiência direta do mundo cause ira, decepção, tédio, repugnância, a crença na
poesia enquanto experiência da vida mobiliza o poeta a prosseguir tentando escrever o poema,
“claro enigma” que nasce “da força admirável da vida” e se dirige “ao instinto vigoroso, quase
selvagem” dos leitores. Apesar do que nele há de cerebrino, perceptível na falta de jeito para
entregar-se à inspiração e à confidência que caracterizam Bandeira, Drummond afirma que
escreve seus poemas a partir da emoção e dirigidos à emoção, ou pelo menos a instâncias
mais emocionais que racionais, como se pode depreender das expressões que extraio da
passagem acima.

Quer seja assumindo a função de comunicar, quer seja assumindo a de atuar como forma de
registro da realidade e de conhecimento do mundo, ao poeta é a experiência do poema, como
corpo a corpo com a linguagem, que interessa e que move. A ira pode estar na fonte do
poema, assim como o amor e a alegria, mas enquanto sentimentos não são ainda o poema. As
palavras dirigidas ao jovem amigo parecem ser, mais do que qualquer outra coisa, um estímulo
a que ambos, enquanto poetas, não desistam de levar adiante sua aventura poética, ainda que
não tenham receptores nem entre os esperados leitores (jornais, revistas, o pessoal do salão e
das universidades), nem entre os inesperados (o povo), nos quais, no entanto, Drummond
deposita a esperança, contra toda esperança, de que venham, com seu “instinto vigoroso,
quase virgem”, a pertubar-se com as inesperadas associações de que são capazes os poetas.
Associações estas que, excedendo a lógica rotineira, nada poderão comunicar aos leitores
rotineiros, embora possam perturbá-los. Fica claro que o que se espera da poesia não é que
ela comunique, informe, mas que perturbe os espíritos. Não importa que seja hermética,
incompreensível, complicada ou obscura. Importa que os poetas façam os poemas e que eles
possam chegar até os leitores, inquietando-os do modo específico pelo qual a poesia pode
fazê-lo. E qual é essa especificidade?

Num ensaio intitulado “A situação atual da poesia no Brasil”, Décio Pignatari11[11] , lembrando
o Sartre de O que é literatura, afirma que o projeto de Drummond, oscilando entre a poesia e a
prosa, oscilou também entre os pólos do fracasso (échec) e do êxito(réussit).

“O conflito poesia/prosa é paralelo (em Drummond) ao conflito contemplação/ação e também


ao conflito eternidade/presente. Pulsam eles em Drummond de diversos modos”:

a eternidade afinal expelida

estamos presentes

(Edifício São Borja)

Entretanto há muito tempo

Nós gritamos: sim! ao eterno.

(Soneto da perdida esperança)

11[11] Pignatari, D., em Contracomunicação, Perspectiva, São Paulo, 1971.


O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito.

....................................................................

O tempo é minha matéria, o tempo presente,

Os homens presentes, a vida presente.

Mãos dadas

Cresce o “índice” participante: cresce a prosa, aumenta o êxito, a vontade de ação quer o
presente. Decresce o animus participante: regride a prosa, o fracasso se exibe, a
contemplação quer ver o eterno (enraizado no passado). Em Drummond, os versos curtos e o
duro enquadramento de sua quadra caracterizam, em geral, este segundo hemisfério do
conflito. E para esse total conflito, a simples trégua é já euforia — e ela está em A rosa do
povo, 1945: participa e/ou não participa com a mesma convicção: “Áporo”e “Carta a
Stalingrado”. A guerra fria vai lançá-lo numa longa noite tartamuda, onde parece perder os fios
do projeto e do concreto: formalismo e subjetivismo tomam conta de sua poesia e ameaçam
aliená-lo, entregá-lo embrulhado ao misticismo (recuperação do fracasso).”

Não discutirei aqui todas as implicações da leitura de Pignatari, com as quais não concordo
inteiramente. Vou me limitar a comentar os aspectos que me parecem apropriados para o que
tenho a dizer no desfecho deste pequeno ensaio.
Para além de todas as funções da poesia, e desvinculada de qualquer conceito de utilidade,
não haveria lugar para uma que decorre, não de qualquer tema específico, nem de um poema
especialmente considerado, nem de nenhum verso, mas do fato de que a poesia é um fazer
que se basta a si mesmo, sem nenhum vínculo com a idéia de utilidade tal como a concebe a
sociedade moderna? Que pode sim servir ao homem, mas apenas na medida em que,
capturando os padrões de sensibilidade de cada época, seja capaz de manter viva no homem
exatamente a própria poesia enquanto modalidade específica do fazer humano, isto é,
enquanto exercício da sensibilidade a partir da emoção e para a emoção12[12]?

Drummond foi um grande poeta, não apenas porque soube falar de si com pungência,
problematizar o mundo e comprometer-se com seu tempo, mas, sobretudo, porque soube fazer
tudo isso sem perder de vista a especificidade do fenômeno estético. Para ele a poesia foi um
fazer. Poiéin, fazer. Criação de uma realidade que não apenas reproduz outra realidade, mas
que se pode acrescentar ao conjunto das coisas reais. Capaz de criar objetos nem miméticos,
nem irreais, mas co-reais, a poesia não seria uma ação válida em si mesma, na medida em
que os usos que dela se pode fazer podem variar com o tempo e com as diferentes culturas,
enquanto os verdadeiros poemas mantêm seu interesse ao longo do tempo e atravessando
fronteiras culturais na condição de enigmas que fascinam?

O papel do signo estético inclui, sem dúvida, o de interferir na realidade — quer se trate da
realidade do Eu, do mundo, da linguagem, da arte ou da ação — ora para modificá-la, ora para
confirmá-la, ora para aboli-la. Mas não se reduz a isso. Pela ação da poesia, a peculiar
experiência do poeta se monumentaliza na forma de escritura e passa a constituir uma
realidade que se soma à própria realidade, da qual guarda a opacidade e a força motivacional
que sidera pensadores e poetas.

Alimento para a atividade da sensibilidade, o signo estético dura na medida em que subsume
lirismo (experiência existencial) mais técnica (regras de linguagem que constrangem a
expressão). Só assim, o poeta pode cifrar a ira, cuja maior negatividade está na ação
furibunda, num poema que pode até ser a “presentificação de um nada” mas que jamais pode
se limitar à emoção descuidadamente expressa, a qual não logrará ser mais que a anulação do
poema.

Que significará num futuro longínquo e que função terá, então, um poema como este?

12[12] No meu entendimento mesmo a poesia intelectual, cara à Modernidade, pertence


à poesia tal como aqui estou entendendo-a. Quando um poeta como Eugenio Montale
declara que no seu entender a poesia é “cosa mentale” não deixa de ser poeta porque
continua fazendo poesia.
Oficina irritada

Eu quero compor um soneto duro

como poeta algum ousara escrever.

Eu quero pintar um soneto escuro,

seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,

não desperte em ninguém nenhum prazer.

E que, no seu maligno ar imaturo,

ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro

há de pungir, há de fazer sofrer,

tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,

cão mijando no caos, enquanto Arcturo,

claro enigma, se deixa surpreender.

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