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Resumos dos artigos

1. Educação, escola e humanização em Marx, Engels e Lukács (Liliam Faria Porto Borges
Universidade Estadual do Oeste do Paraná)

O artigo discute o entendimento da escola a partir dos conceitos de trabalho e humanização em Marx, Engels
e Lukács e, a partir dessa base teórica, propõe uma análise acerca da escola e do ensino no Brasil, indicando
a função social da educação escolar e o significado das perspectivas pedagógicas que secundarizam a relação
entre ensinar e aprender.

Humanização e trabalho

Ao interagir de forma determinada com a natureza, o homem foi capaz de se diferenciar do mundo natural e,
em paralelo, criar outro mundo, ou seja, o mundo da cultura, o mundo humano. essa diferenciação da
natureza – na medida em que o homem se distancia de sua determinação natural, sem nunca a abandonar – é
conceber a ontologia do ser social, como formulou György Lukács. Por essas interações com a natureza, o
homem passa a construir formas que permitem transformações cruciais a ponto de alcançar a consciência.
A ação consciente torna-se ação social, o trabalho.

Engels afirma que o trabalho produz o homem, que se diferencia dos outros animais ao ter uma
transformação estrutural de sua mão em determinada condição histórica e, a partir daí, o longo caminho até a
utilização consciente do gesto – e a teleologia da ação – como trabalho, que permite uma ação coletiva e
articulada entre os homens, que vai exigir a comunicação e o desenvolvimento da linguagem que por sua
vez vai possibilitar o caminho do desenvolvimento humano na natureza e no mundo como ser social. É o que
Lukács chama de salto ontológico do ser, que passa a ser social, para além do mundo natural.

O trabalho é a forma específica pela qual os homens respondem às suas necessidades individuais e coletivas
em uma cadeia de mediações. É a consciência da ação que diferencia o trabalho como algo
específicamente humano. O que distingue essencialmente os homens dos animais é que o produto do
trabalho dos homens é um resultado que já existia na representação do trabalhador, idealmente.

A cadeia de mediações realizadas na intervenção no mundo real desenvolve o que a ciência, a tecnologia e a
arte, formulação humana decorrente de sua atividade ontológica. É a consciência que produz o homem.

Educar para humanizar

O trabalho é histórico, os homens não nascem aptos a ele, mas é transmitido nas relaçoes sociais. Nascemos
bicho e nos fazemos homem nas relações sociais. As relações são vivenciadas e reproduzidas, logo
apreendidas. O homem deve aprender a ser homem. Assim, a educação é ontologia humana como parte
decorrente do trabalho humano. Não há determinação prévia acerca dos elementos humanos a não ser a vida
social e suas relações – a práxis humana. Educar é humanizar. Ao se apropriar daquilo que os homens
produziram por meio do trabalho, os homens são constituídos e se afastam dos animais = humanizar. A
consciência vem da humanização e é determinada pelo entorno histórico e social em que o sujeito está
inserido. O movimento é dialético e contraditório, onde a forma social determina a consciência, que por sua
vez, determinam o mundo onde se vive. O que os indivíduos são, depende das condições materiais de sua
produção (marx, Engels). Não se pode separa a sociedade dos seus membros. Não há sociedade sem que
estejam em interação os seus membros singularmente, não há seres sociais singulares, isolados da sociedade
= modos de existir do ser social.

Segundo Duarte (2012), no percurso histórico da humanização, há um movimento contraditório de acúmulo,


que não linear, nem homogêneo. A possibilidade humana de complexificar a consciencia e o pensamento da
elaboração da tecnologia, ciência e artes é inalienável ao gênero humano e possibilita a ampliação da
humanização (Mucci 1997). As elaborações do pensamento que conseguem compreender a realidade e seus
elementos estruturantes da forma mais próxima á realidade permitem a aproximação da essência do real.
Tais aproximações, ainda que não se insiram na vida cotidiana da maioria dos homens devido á alienação ,
redimensionam a forma como se compreende o mundo e se produz a vida humana. A medida que a ciência
revisita a compreensão de determinada informação do real ela aprofunda a sua compreensão, supera
elementos e reescreve de forma mais apropriada a verdade sobre aquele elemento, de forma histórica, com o
exercício do rigor científico, criando condições de continuar a busca pela compreensão do real e formular
essa compreensão em pensamento, desvendando o mundo, a natureza e as relações sociais.

Um dos pressupostos do pensamento de Marx e Engels é a possibilidade humana de compreensão do


mundo, de apreensão do ser das coisas, ou seja, da possibilidade efetiva de se chegar à verdade,
entendendo-a sempre como histórica. A perspectiva materialista desses autores indica que a verdade
reside na coisa, na realidade, no fato e não no pensamento. A possibilidade do pensamento de identificar a
realidade não elimina o fato de que a verdade esteja sempre contida na coisa em si, primeiramente e mais
importante, e só depois como uma ideia, o que Marx chama de concreto pensado. É na praxis que o
homem tem que demonstrar a verdade, a realidade, o poder e o caráter terreno do seu pensamento.

A precedencia da matéria sobre o pensamento não desconsidera, entretanto, que o real não se revela de
forma direta e é necessário um esforço do pensamento– que chamamos de ciência - na apreensão
dessa verdade. Ela vai definir os procedimentos rigorosos de validação e análise de elaboração, sempre
considerando o momento histórico do homem, de sínteses mais ou menos próximas da verdade contida no
real. Nesse movimento contínuo, atingida elaboração mais adequada abrem-se possibilidade de novas
apropriações e sínteses, que possibilitam também um desenvovimento humano no conjunto histórico. A
crescente produção de necessidades inerentes à mediação do trabalho impele tal desenvolvimento.

Existem aproximações da compreensão do real que a práxis confirma como mais próxima e indica que se
siga por ali e não por outro caminho de análise. Esse tem sido o movimento contraditório – de idas e vindas –
da ciência. A alienação que resulta de relações históricas superáveis não compromete o caráter humanizante,
efetivo e irreversível do enriquecimento ontológico do ser humano, conforme Duarte (2012). O homem faz
escolhas na construção da história, visto que é determinado como ser social pelas suas condições históricas e,
sobretudo, sujeito dessa mesma história; assim, deve-se pensar, a partir de agora, no papel da educação nesse
processo humanizador.

Educação e saberes escolares

O processo educativo é humanizador na medida em que permite que os seres humanos desenvolvam sua
capacidade ontológica. Se o Homem é ser social, portanto, ao mesmo tempo, natureza e cultura, toda ampla
dimensão não natural deve ser adquirida nas relações sociais. Aeducação é constitutiva do ser humano e a
prática social é quem determina a forma como a dimensão natural acontece. A educação tem papel central na
humanização e em seu desenvolvimento, com todas as relações estabelecidas fazem com que todos sejam
educadores e educandos concomitantemente. Na história, no tempo, os homens se humanizam, não só nas
relacões diretas, mas no legado da humanidade em inumeráveis mediações.

Dado determinado desenvolvimento humano, tornou-se necessário sistematizar o conhecimento científico,


artístico, filosófico, político e pensar nas formas de transmissão desses saberes para as novas gerações. Para
a apropriação de tais saberes, surgiu, historicamente, a necessidade de uma instituição educativa – a
escola, além da necessidade de proceder a um recorte desses saberes – como saberes escolares – e as formas
de organizar a sua transmissão como ensino. Do grande conjunto de saberes humanos, portanto, parte deles é
objeto de aprendizagem na escola. O objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos
elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se
tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir
esse objetivo (SAVIANI, 1995).

Determinado conjunto de conhecimentos deve ser apropriado pelos membros de um grupo social, a
sociedade deverá definir tal espaço com práticas próprias que garantam essa apropriação. Cabe definir qual
conjunto de saberes é esse: assim trata-se dos conteúdos escolares e ainda de definir as formas pelas quais
esses saberes serão transmitidos, ou seja, por meio de quais procedimentos ocorrerá sua apropriação. O
conjunto de saberes que estrutura o processo educativo formal é que corresponde a educação escolar. No que
se refere aos saberes escolares, implica compreender que as políticas educacionais orientam a organização de
tal processo.
Educação e escola no Brasil

Na sociedade do capital, toda riqueza humana tornou-se mercadoria bem como os saberes
sistematizados – fonte inclusive de toda tecnologia motora da indústria A apropriação dos resultados da
indústria e sua oposição fundamental, a divisão entre o capital e o trabalho, são evidentemente realizadas de
forma desigual na lógica das classes sociais; assim como é desigual a apropriação dos saberes.

A classe trabalhadora é expropriada da riqueza humana, inclusive dos saberes e das artes. Na sociedade de
classes, temos assim a escola dual: de um lado uma escola para classe proprietária dos meios de
produção – que lhes permite a apropriação de saberes mais elaborados, complexos e desenvolvidos; e de
outro a escola para classe trabalhadora. A arte como conteúdo escolar é uma boa medida da diferença
entre as escolas. Assim, a lógica social em que se está inserido distribui, de forma proporcional, às classes o
capital e os saberes. No Brasil, a escola particular é aquela que se organiza em diversos níveis de estrutura e
as mais onerosas são as que oferecem maior universo formativo a seus alunos, como “conjunto de
mercadorias educacionais adquiridas” a carga horária ampliada, laboratórios, biblioteca, professores
altamente capacitados, atividade extraclasse, estudos do meio, e efetivo acesso à cul tura, às artes e às
ciências. Para os filhos da classe trabalhadora, a escola pública e estatal é parte do Estado, com todas as
decorrências por ser estrutura jurídico-política de determinada formação social. Muitos estudos têm revelado
o quanto a escola pública – de forma geral, quando não cumpre seu papel de formadora de sujeitos
humanizados – permite a alienação e a precarização, humana necessária à submissão à lógica de classes.

A função da escola na sociedade seria transmitir os saberes sistematizados pelo homem, a ciência, a
filosofia, as artes. Ademais, permite a compreensão da prática social, a sociedade e suas relações, que
segundo Saviani 1995, significa produzir na singularidade do aluno aquilo que a humanidade produziu em
seu percurso histórico. A forma como isso deve ocorrer exige a elaboração de procedimentos metodológicos:
uma pedagogia.

Tem-se– como constatação – uma escola pública esvaziada de conteúdos e orientada por uma pedagogia que
defende tal esvaziamento, visto que está amparada por uma concepção de negação da transmissão em
benefício da construção do conhecimento. As pedagogias do “aprender a aprender” se construíram na
década de 1980 no Brasil e consolidaram um pensamento teórico e práticas pedagógicas e políticas que
seguem orientando a educação escolar até os dias atuais (DUARTE, 2001). Simultaneamente ao
enraizamento dessa orientação teórica e sua política educacional decorrente, há um con senso acerca do
fracasso da educação escolar no Brasil.

A filiação teórica do pensamento pedagógico hegemônico em nosso tempo, ao incidir inclusive em escolas
da classe dominante, indica negação da aprendizagem como parte de uma relação necessariamente
vinculada ao ensino. Não sendo compreendida como relação, ensinar se descola de aprender e a
aprendizagem adquire autonomia – como se o ser social fosse um indivíduo autônomo e pudesse aprender
fora de uma relação. Essa concepção é adequada ao individualismo que é a expressão do homem urbano dos
séculos XX e XXI. Conhecidas como Pedagogias negativas (aprender a aprender) na medida em que
aquilo que melhor as define é sua negação das formas clássicas de educação escolar, que são tratadas no
artigo como pensamento hegemônico em educação. Nessa lógica, a escola tem a função de ensinar o
método pelo qual se aprende: o aprender a aprender.

O artigo pretende identificar, no discurso pedagógico, a constatação dos problemas que fazem da escola um
rotundo fracasso em sua tarefa de permitir à classe trabalhadora o acesso aos conhecimentos
sistematizados. Lígia Klein (2002) faz um balanço de que – ao final do século XX − se dizia e se fazia na
educação na escola pública brasileira, particularmente a alfabetização. A autora faz um representativo
levantamento do discurso que constata o fracasso da escola pública. Ela destila alguns elementos
constantes na indicação da superação do estado de coisas – amparadas pela apologia do novo e busca
identificar a fragilidade desse percurso – que, no limite, confirma a distribuição desigual dos saberes na
sociedade de classes.
A educação escolar para o enriquecimento humano

Klein (2002) apresenta um recorte denominado literatura pedagógica, somada a outras análises acerca das
notas e números dos índices nacionais e internacionais que medem o desempenho escolar de crianças e
jovens, que constata a crise na educação brasileira, o fracasso escolar, a evasão e a repetência. Em geral o
discurso é bastante homogêneo e reivindica uma pedagogia para as classes populares, o que indica uma
consciência de classe e um compromisso com a escola pública. A autora identifica uma relação com o
marxismo: luta de classes, história, totalidade, porém a raiz desses termos está descolada da concepção
ontológica – materialista, histórica e dialética, revelando uma conpreensão a-histórica e liberal, além de
idealista.

Ao deixar de ensinar e se tornar um facilitador, já que aprender é individual. No limite é necessária uma
intervenção não invasiva que respeite a expectativa do aluno, que é o centro do processo, sobretudo por não
ser uma relação, ele é o todo. Isso provoca um esvaziamento da compreensão ontológica da educação e da
materialidade da cosntrução do homem no interior das relações sociais, manifestada sob a forma de crítica à
escola tradicional.

A escola tradicional não considera o aluno real, mas uma abstração idealizada. Ela fragmenta o real e lida
com conhecimento pronto, acabado, desvinculado da realidade e relega o aluno a uma condição passiva.
Contrapondo-se a isso, propõe o aluno concreto, a busca da totalidade, a identificação de conteúdos que
sejam de interesse dos alunos e a construção do saber pelo aluno, agente de seu processo de conhecimento.

A desmontagem do discurso por Klein (2002) revela o quanto há de pragmatismo filosófico nas soluções
indicadas e quanto o aparente discurso materialista histórico e dialético se revela, no limite, como
individualismo liberal. O reducionismo revela-se ao ser identificado o aluno concreto não como o ser
social posto na totalidade das relações sociais de produção, mas vinculando-o a uma comunidade. Mas, o
gueto, o local, o espaço ao entorno são suficientes para determinar a concretude do aluno que, em vez de
ganhar o peso do ser do seu tempo, limita-se a um espécime pontual enclausurado em um cotidiano e
desenho geográfico bastante limitado. A totalidade do aluno se remete a um individualismo extremado – a
ideia do aluno como um todo, como um indivíduo único – sua individualidade, sua par ticularidade, seu
ritmo, seu interesse, seus desejos, seus medos, seus sonhos, absolutamente descolados da determinação
social de cada uma dessas indivi dualidades e, como decorrência, a realidade, também, se fragmenta – e
com ela os conteúdos. A saída indicada pelo pensamento pedagógico em questão é a soma das partes, o
multidisciplinar, o multicultural, a integração das partes.

A postura que denuncia os saberes prontos e acabados caracteriza desprezo pela síntese histórica dos saberes
acumulados enquanto riqueza humana, sobretudo, a relativização da ciência. A identificação dos discursos
científico, filosófico e artístico – como saberes distantes da realidade dos alunos – e reafirmados como
desinteressantes e descolados do seu universo de interesses, descarta aquilo que seria o objeto em si da
escola – sua função social por excelência. Em seu lugar, a realidade do aluno no limite da empiria, do
senso comum, da repetição de elementos, das práticas e percepções que crianças e jovens acessam em seu
cotidiano – sem a menor necessidade de irem à escola. A construção conceitual – base da elaboração do
pensamento – limita-se a conceitos já construídos e simpáticos, porque são familiares. Afinal, a autora
afirma a impossibilidade de haver interesse por algo que não se conheça. Nesse movimento
empobrecedor, há uma apologia dos sentidos, supervalorização da experiência individual e particular, e,
ainda a afirmação da miséria e da expropriação a que estão submetidos os alunos das classes
populares. "Penso ser necessário invertermos o eixo de nossas preocupações: é preciso respeitar o homem, opondo-
se às condições reais de vida que o condicionam a um estado de miséria, ignorância, doença etc (KLEIN, 2002)"

Se a escola não se compromete com o enriquecimento humano no sentido da humanização aqui defendido,
no limite, opera a expropriação, contribui com o movimento próprio da lógica intrínseca ao modo de
produção capitalista que é a alienação da classe trabalhadora. A questão que retorna é: a escola ser
espaço de dominação ou de libertação de classe. Para que ela seja espaço de humanização é fundamental
perseguir, litar, exigir que ela cumpra esse papel.

A escola precisa garantir o acesso das classes trabalhadoras aos conteúdos sistematizados pela humanidade.
como os sujeitos da escola pública – alunos e professores - são oriundos dessa mesma classe, é imperativo
ter clareza das pedagogias escolhidas como orientadoras das práticas educativas. A sedução do discurso
pedagógico do “aprender a aprender” que se enraíza na crítica acerca da falência da escola tem uma direção
política. Assim, urge perguntar a quem serve essa pedagogia, ou como fez Klein (2002): Quem tem medo de
ensinar?

O conjunto de análises críticas e a contundência do fracasso da escola, sobretudo a pública, elaboram a


demonização da transmissão (socialização, comunicação). Transmitir é um termo proibido no interior do
debate pedagógico como constatação de desrespeito ao outro, da autoridade da escola tradicional e da
empáfia do detentor do saber que oprime e dimuniu o seu aluno. Assim, demonizou-se a essência da escola e
sua função (ontologica), o papel do professor se perdeu ao meio ao constrangimento. Assim, se o professor
não é o detentor de saberes e não lhe cabe ensinar, é mister que o aluno seja senhor do seu processo de
aprendizagem, desde a determinação dos con teúdos que lhe apeteçam até as formas e práticas do fazer
escolar. A-histórico, individualista e com limitada compreensão das relações que o cerca, o aluno é o centro
de um processo que começa e termina em si mesmo. A relação rompida – ensinar/aprender é substituída pela
aprendizagem em si, sozinha, alheada e se daria pela construção do conhecimento.

A preocupação perfeitamente justificada, de que, no ato de ensinar, aquele que ensine não o faça de maneira
que inviabilize situações em que o aprendiz desenvolva reflexões, compare, analise, conclua, em outras
palavras compreenda as relações implícitas num dado objeto de conhecimento, tem assumido um caráter de
tal forma dogmático, que praticamente anula os outros elementos implicados na aprendizagem: o professor e
o conteúdo (KLEIN, 2002). O denuncismo que não tem levado a alterações no quadro de fracasso – quando
se compreende que o papel da escola é o de dar acesso aos saberes sistematizados . Defende, ainda, que a
escola e seus professores ensinem.

Educação, escola e o aprender a aprender

Newton Duarte, que milita em defesa da Pedagogia histórico-crítica na interface com a psicologia histórico-
cultural, entende que a compreensão de que a socialização dos conhecimentos científicos, filosóficos e
artísticos é direito humano, e a classe trabalhadora não os acessa de forma plena é reafirmada pela
lógica orientadora de a escola pública estar contaminada pelo construtivismo, as chamadas pedagogias do
aprender a aprender que limitam seu acesso ao conhecimento, condição de compreensão do real para a
superação da alienação – e, portanto, central na luta de classes. Afinal, a “[...] postura crítica sobre a
realidade permite identificar o percurso histórico de superação”(DUARTE, 2000).

A defesa que Duarte faz da pedagogia histórico-crítica se ancora na ideia de que a educação é um meio para
a superação da alienação e esta, a condição da efetivação do trabalho educativo – indica que, assim como a
produção da riqueza no capitalismo ganha contornos abissais, tal riqueza vem acompanhada dialeticamente
do empobrecimento e esvaziamento do trabalho humano. Ao manusear um smartphone, tem-se à disposição
a síntese de formas extremamente elaboradas de compreensão do mundo que permite produzir um aparelho
para comunicação que acesse lugares remotos, imagens, pessoas, e os mais variados serviços – enfim, síntese
de riqueza e desenvolvimento humano. A posse de tamanha riqueza pode expressar um conjunto de seres
humanos fragilizados e incapazes de compreender o funcionamento do aparelho, sua estrutura, os métodos
de transmissão das informações e, até mesmo, as informações em si que possam ser acessadas.

Essa imagem é emblemática devido à contradição entre humanização e desumanização. A hipótese


central de Newton Duarte – com base nas formulações de Saviani – é a de que o empobrecimento humano
não é expressão única do capitalismo, mas a contradição entre empobrecimento e enriquecimento. A
questão central é que essa não é uma dicotomia – ainda que se expresse na oposição das classes sociais – mas
um movimento dialético. Afinal, a raiz de toda realização capitalista se inicia nas mãos dos trabalhado-
res e se encerra na apropriação pela classe dominante da riqueza produzida. O capitalismo tem sido a
forma de organização social que alcançou a maior eficiência – tanto na produção da riqueza quanto na
sua expropriação.

No movimento dialético de produção do trabalho educativo, tem-se a certeza de que a escola pública
brasileira é altamente capaz de produzir a alienação e a identifica em um vasto conjunto de análises e
pesquisas acerca de procedimentos pedagógicos e políticas educacionais – a eficiência da sociedade
burguesa em tornar a escola um espaço de vazios e incompetências. Ocorre que a lógica burguesa se
apropria desse espaço e - com absoluta consciência do risco que seria permitir à classe antagônica acesso aos
saberes elaborados e desenvolvidos – imprime à escola o papel de alienadora e disciplinadora.

O movimento contrário que se coloca para os trabalhadores é lutar pela plena apropriação dessa riqueza e
com ela a ampliação da humanização do homem. Trata-se de uma escola que seja capaz de permitir a
compreensão do mundo além da mercadoria e da propriedade privada que suponha uma sociedade em
que o indivíduo apreenda sentidos ou conteúdos, que possa se entender pleno no coletivo e que sua
realização seja a realização do outro, conforme Marx (1982, p. 5): “De cada um segundo as suas
capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!”.

Para que se possa construir tal sociedade, é fundamental que se detenha o domínio do acúmulo produzido na
sociedade capitalista para que se possa proceder à superação – no movimento dialético de negação por
superação. A transformação ocorre, necessariamente, a partir do que se tem – afinal, se está considerando o
pressuposto materialista e sobretudo histórico; nessa hipótese, o novo só pode nascer do velho.

Importa ressaltar na argumentação de Duarte (2014) que a superação da alienação é necessária para que
se possa socializar a riqueza humana – a “realização plena da educação escolar não será alcançada na
sociedade capitalista”. Isso não exime a pedagogia comprometida com a luta social de construir,
cotidianamente, as condições para a humanização; Duarte critica as pedagogias progressistas que
pretendem fazê-lo sem considerar a apropriação dos acúmulos da ciência, tecnologia, filosofia e arte. As
chamadas pedagogias do “aprender a aprender”. Entre tais equívocos, sobressai aquele que entende ser
necessário aproximar a escola da vida. Quanto mais as ações realizadas no interior das escolas se asse -
melham ao cotidiano da sociedade capitalista, mais alienante se torna a educação escolar. Ao contrário das
acusações feitas à escola ao longo do século XX, de distanciamento em relação à vida, minha interpretação é
a de que à medida que a escola foi se universalizando, a burguesia e seus aliados foram pondo em ação
mecanismos que aproximam as atividades educativas escolares às formas mais alienadas que a vida assumiu
na sociedade capitalista (DUARTE, 2014).

Ocorre um esvaziamento da individualidade no mundo capitalista – e o ser social vem substituindo a


sociabilidade pela mediação da mercadoria. Essa, como explica Marx, assume dimensões humanizadas – em
sua reificação – na mesma medida em que os seres humanos se desumanizam. O mesmo movimento ocorre
na escola – condições abstratas de aprender substituem conteúdos científicos e artísticos. Aprender a
aprender é muito mais desejável do que saber história, matemática ou dominar a língua portuguesa.

A Dialética em Vygotsky e em Marx e a questão do saber objetivo na educação escolar”, Duarte (2000)
recupera o “Manuscrito de 1929” de Vygotsky, para afirmar que [...] a relação filogênese-ontogênese no
desenvolvimento orgânico é distinta da mesma relação no desenvolvimento cultural: enquanto o embrião
humano se desenvolve sem interagir com o organismo adulto, o desenvolvimento cultural da criança só
ocorre por meio da interação com o adulto, isto é, com o ser mais desenvolvido (DUARTE, 2000, p.1).

Duarte recupera as relações entre a dialética em Vygotsky e em Marx. Defende a tese de que “a psicologia
vygotskyana fornece apoio a uma pedagogia que valorize a transmissão das formas mais desenvolvidas do
saber objetivo produzido pela humanidade” (DUARTE, 2000, p. 1). A afirmação contundente desses estudos
é a de que a escola cumpre um papel que, efetivamente, contribui com o processo de construção do
homem mais humanizado quando possibilita que os alunos aprendam conteúdos da ciência, filosofia e
das artes. Dessa recuperação dos conteúdos das relações, Newton recupera e reafirma - na defesa do debate
acadêmico, instaurado entre estudiosos da educação que apresentam como marxistas - a concepção de
trabalho educativo.

A definição de trabalho educativo proposta por Saviani não é outra coisa senão uma síntese das
possibilidades máximas de educação que se constituíram historicamente e se apresentam na sociedade
contemporânea de maneira extremamente contraditória e heterogênea. É uma definição ao mesmo tempo
histórica, ontológica, ética e política (DUARTE, 2014, p.42). A máxima de Marx e Engels, − presente no
início deste texto − de que o trabalho produziu o homem é que essa é uma atividade humana e
humanizadora. A proposição de Duarte pretende reafirmar que a superação do capitalismo, de forma
alguma, implicaria a superação do trabalho – mas do trabalho na lógica capitalista, produtor de
mercadorias e de desumanização – em todas as suas dimensões na medida em que é a raiz de toda
alienação.
É importante a compreensão do papel da escola na luta de classes – suas contradições e possibilidades. Isso
só faz sentido se colocar como questão o entendimento de que no movimento da dialética – movimento de
que contém a contradição, mas também a sín tese - não é possível se pensar a escola como absolutamente
reprodutora ou transformadora, mas, necessariamente, uma tensão constante entre esses dois polos.
Ainda que, no momento histórico atual, a escola se apresente como muito mais alienadora que
transformadora, sempre constituiu espaço da tensão determinadora das relações sociais de produção no
capitalismo – a tensão entre capital e trabalho. E, se é tensão, há o espaço para que a escola seja instrumento
e espaço de resistência e de luta na medida em que se permita a apropriação dos saberes mais desenvolvidos
que os homens puderam sistematizar como riqueza humana, promotora de mais desenvolvimento e como
riqueza de todos.

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2. Ensino médio integrado: subsunção aos interesses do capital ou travessia para a formação humana
integral? Dante Henrique Moura

Este artigo discute o significado do ensino médio na condição de etapa final da educação básica, tendo
em vista a realidade socioeconômica e educacional brasileira, em que grande parte dos filhos das
classes populares precisa trabalhar antes dos 18 anos de idade. Parte-se do pressuposto de que o objetivo
a ser alcançado, na perspectiva de uma sociedade justa, é a formação omnilateral, integral ou politécnica de
todos, de forma pública e igualitária e sob a responsabilidade do estado. Apesar de essa representar a utopia a
ser buscada, a realidade atual está muito distante dessa perspectiva formativa. Neste trabalho, então,
questiona-se: é possível caminhar nessa direção, mesmo em uma sociedade capitalis ta e periférica como a do
Brasil? Tendo essa questão como norte do trabalho, discute-se o ensino médio integrado à educação pro -
fissional técnica de nível médio como uma possibilidade de tra vessia na direção formativa pretendida para os
jovens brasileiros. O estudo foi desenvolvido tendo como referência os pensamentos de Karl Marx e
Friedrich Engels, de Antonio Gramsci, assim como de autores que dialogam com eles. A análise permitiu
concluir que a realidade socioeconômica brasileira exige, do ponto de vista teórico e ético-político, conceber
e materializar um tipo de ensino médio que garanta uma base unitária para todos, fundamentado na
concepção de formação humana integral, tendo como eixos estruturantes o trabalho, a ciência, a tecnologia e
a cultura. Garantida essa mesma base, é preciso também que o ensino médio integrado à educação
profissional técnica de nível médio seja colocado como uma possibilidade de formação.

Na formação omnilateral, politécnica ou integral, cuja gênese está na obra de Marx e Engels, como na escola
unitária, de Gramsci, não há espaço para a profissionalização stricto sensu quando se trata da formação de
adolescentes, tendo como referência a autonomia e a emancipação humana, já que isso potencializa no
indivíduo a unilateralidade em detrimento da omnilateralidade. Esses autores admitem a possibilidade da
profissionalização quando associada à educação intelectual, física e tecnológica, compreendendo-a como o
germe da educação do futuro (MARX, 1996) = EMI. Como o sistema capital e a burguesia continuam
hegemônicos, atualmente só é possível discutir a politecnia e a escola unitária em seus sentidos plenos e para
todos em uma perspectiva de futuro, a ser materializada em uma sociedade na qual a classe trabalhadora
tenha conquistado o poder político.

Marx, Engels e Gramsci e a profisionalização

Quatro textos servem de guia à presente análise, no que se refere ao pensamento dos autores alemães. Os
textos são, respectivamente: Manifesto do Partido Comunista (MARX; ENGELS, 1997); O capital (MARX,
1996); Instruções para os delegados do Conselho Central Provisório: as diferentes questões (MARX, 1982a);
e A crítica ao programa de Gotha (MARX, 1982b). Compartilha-se com Manacorda a compreensão de que
esses quatro textos são representativos do pensamento pedagógico dos mencionados autores, por isso
serão revisitados na busca de confrontá-los com as hipóteses formuladas neste trabalho.

Em Manifesto do Partido Comunista, publicado originalmente em 1848, Marx e Engels (1997) afirmam que,
após o primeiro passo da revolução operária — elevação do proletariado à condição de classe dominante
— , faz-se necessário aplicar algumas medidas: [...] que economicamente parecem insuficientes e
insustentáveis mas que no decurso do movimento levam para além de si mesmas e são inevitáveis como
meios de revolucionamento de todo o modo de produção. (MARX; ENGELS, 1997). A décima medida, entre
essas propostas por Marx e Engels é: Educação pública e gratuita de todas as crianças. Eliminação do
trabalho das crianças nas fábricas na sua forma hodierna. Unificação da educação com a produção material,
etc.

Percebe-se claramente as perspectivas futuras em relação às mudanças profundas a serem aplicadas à


sociedade burguesa, que a transformarão em comunista "em primeiro lugar, a tomada do poder “a
conquista da democracia pela luta” (MARX, 1982a), para em seguida aplicar medidas, inicialmente
insuficientes, mas que gradualmente irão: arrancar a pouco e pouco todo o capital à burguesia, para
centralizar todos os instrumentos de produção na mão do Estado, i. é, do proletariado organizado
como classe dominante. (MARX, 1982a).

Quanto ao campo educacional, as medidas propostas colocam a possibilidade de plena unificação entre
educação e produção em uma sociedade futura, após o domínio do poder político pela classe operária. Isso
não impede que, no transcurso da luta política da classe trabalhadora rumo ao domínio do poder político se
produzam, dentro do conflito entre capital e trabalho, avanços quantitativos e qualitativos na
perspectiva da superação da sociedade burguesa em geral e, em particular, de sua educação.

Em 1866, Marx, em Instruções para os delegados do Conselho Central Provisório: as diferentes questões
(1982b), formula um conjunto de teses para incorporação ao programa do partido como tarefas
concretas a serem levadas a cabo, visando a fortalecer a luta rumo ao domínio do poder político. Na
oportunidade, ele apresenta um texto mais elaborado a respeito da concepção educacional socialista,
fundamentado na integração entre as dimensões intelectual, física e tecnológica, mas cuja gênese foi a
unificação da educação com a produção material, anteriormente esboçada no Manifesto do Partido
Comunista.

No mesmo período, é publicado o primeiro volume de "O Capital", de Marx. A respeito do ensino, sustentada
no texto de 1866, Marx, no capítulo XIII de O capital, ao se referir à legislação fabril inglesa, esclarece que
na luta pela conquista do poder há fases intermediárias que vão se engendrando na medida em que as
posições relativas das classes em conflito se alteram de acordo com a correlação de forças entre elas.
“como primeira concessão penosamente arrancada ao capital” (MARX, 1996, p. 116), a conjugação de
ensino elementar com o trabalho fabril – seguramente profissionalizante — que, apesar de ainda estar
longe da politecnia, traz o seu germe. Ele conclui o raciocínio afirmando que: [...] não há dúvida de que a
inevitável conquista do poder político pela classe operária há de conquistar também para o ensino
teórico e prático da tecnologia seu lugar nas escolas dos trabalhadores. (MARX, 1996, p. 116).

Conclui-se, da análise conjunta das duas obras, que, igualmente ao proposto no Manifesto do Partido
Comunista, a perspectiva da politecnia em seu sentido pleno está colocada apenas para uma sociedade na
qual a classe trabalhadora tenha o domínio do poder político, mas que é possível ir avançando nessa
direção, ainda na sociedade burguesa, aproveitando-se das contradições do modo de produção capitalista.

Na obra Crítica ao programa de Gotha (1982b), texto prefaciado por Engels, constitui-se em uma dura e
polêmica crítica de Marx ao que seria o Programa do Partido Operário Socialista da Alemanha. No tocante à
educação, o Programa propõe que O Partido Operário Alemão reclama como base espiritual e ética [sittlich]
do Estado: 1. Educação popular geral e igual pelo Estado. Escolaridade obrigatória geral. Instrução
gratuita. (MARX, 1982b).

Evidentemente, a compreensão do conjunto da obra de Marx e Engels evidencia que a crítica a essa
proposição do programa de Gotha, de educação popular geral e igual pelo Estado, está na
impossibilidade de sua materialização na sociedade da época em que os textos foram escritos. Dessa
forma, critica-se o fato de que ao invés de apresentar-se uma tese dialeticamente factível, essa se constituiu
em uma declaração de intenções, sem possibilidade de materialização, posto que é descolada da realidade
concreta. Segue a sua crítica dizendo que “O parágrafo sobre as escolas deveria, pelo menos, ter reclamado
escolas técnicas (teóricas e práticas) em ligação com a escola primária.” Corrobora-se, portanto, com
Manacorda quando, ao se referir a esse texto, explica a decidida recusa de Marx: [...] de uma educação igual
para todas as classes, pelo menos como objetivo a ser imediatamente realizado na sociedade atual, burguesa,
[...] o ensino não pode ser de repente transmitido igual a todas as classes, sem o risco, evidentemente, de um
rebaixamento de nível, como hoje se diz. [...] No entanto, justamente [...] em ‘na sociedade atual [hodierna]’,
reafirma-se indiretamente que, na sociedade do futuro, será diferente: não é à toa que o vínculo ensino-
trabalho (que, segundo as Instruções de 1866, por compreender também a formação intelectual, era tal que
permitiria elevar a classe operária muito acima das classes superiores e médias) aparece aqui formulado
como um dos mais potentes meios de transformação da sociedade atual. (MANACORDA, 2007).

No pensamento de Antonio Gramsci evidências de que sua negação a qualquer possibilidade de


profissionalização na etapa final da educação básica também está colocada em uma perspectiva futura,
portanto, a exemplo de Marx e Engels, em uma sociedade em que o poder político já estivesse sob o domínio
da classe trabalhadora e, dessa forma, diferente da sociedade italiana na qual e partir da qual produziu,
mormente, a sua obra. As concepções de Gramsci a respeito da escola unitária e de formação humana
integral, omnilateral ou politécnica são complementares, tendo quem vista que Gramsci aprofunda um
aspecto da politecnia anunciado, mas não muito explorado pelos autores alemães, qual seja: a dimensão
intelectual, cultural e humanística.
Manacorda 2007, ao tecer um diálogo entre os 3 autores afirma que "É comum a tendência de enfatizar,
em Gramsci, o momento cultural, humanístico; ... ao lado das precisas proposições da proposta marxiana
quanto ao nexo entre ensino e trabalho, existe, em Gramsci, uma ênfase consciente quanto à exigência
cultural, que, no contexto supracitado, ele define como humanística e formativa. Mas, assim como seria
errado entender esse humanismo no sentido tradicional, também, e até mais, seria errado assinalar, nesses
elementos culturais, a sua separação de Marx (um Marx praticista em confronto com um Gramsci
humanista), esquecendo-se, em suma, de que esses elementos estão bem presentes também em Marx, que,
de maneira não-casual, fala em formação intelectual ou espiritual (geistig) e, como já vimos, sabe bem
apreciar toda a riqueza da vida espiritual do homem".

Segundo Gramsci 1982, a escola unitária ou de formação humanista (entendido este termo, ‘humanismo’,
em sentido amplo e não apenas em sentido tradicional) ou de cultura geral deveria se propor a tarefa de
inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade, à
criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa = o vínculo entre a
escola unitária e a formação politécnica. O autor, o humanismo não pode ser compreendido em sua
forma tradicional, liberal, voltado para o ensino memorístico, mas se trata de um humanismo que
contribua para o desenvolvimento, nos sujeitos, da capacidade de criação intelectual e prática, além de
servir para a compreensão da totalidade social, tendo o trabalho como princípio educativo como sua
base.

A respeito da última etapa da escola unitária, equivalente ao atual ensino médio brasileiro, ele propõe que:
[...] na escola unitária, a última fase deve ser concebida e organizada como a fase decisiva, na qual se tende a
criar os valores fundamentais do “humanismo”, a auto-disciplina intelectual e a autonomia moral necessárias
a uma posterior especialização, seja ela de caráter científico (estudos universitários), seja de caráter
imediatamente prático-produtivo (indústria, burocracia, organização das trocas, etc.). O estudo e o
aprendizado dos métodos criativos na ciência e na vida deve começar nesta última fase da escola, e não
deve ser mais um monopólio da universidade ou ser deixado ao acaso da vida prática: esta fase escolar já
deve contribuir para desenvolver o elemento da responsabilidade autônoma nos indivíduos, deve ser uma
escola criadora. (GRAMSCI, 1982, p.65)

Para Gramsci, nessa escola não há espaço para profissionalização, escolas desinteressadas e formativas,
especializadas que predeterminam o destino dos alunos. Seja em caráter universitário ou não, a formação
profissional deverá ser posterior à escola unitária humanista, de cultura geral e fundamentada no
princípio educativo do trabalho.

Não obstante, tal qual Marx e Engels se referem à politecnia em seu sentido pleno como uma perspectiva
educacional futura, Gramsci também considera a escola unitária dessa forma. Isso porque, segundo o autor,
as condições materiais concretas da sociedade de sua época impediam a plena materialização da politecnia.
Cabe ressaltar que essa situação permanece no Brasil de hoje. Gramsci aceita, assim, que a realidade
concreta impunha a profissionalização de parte dos adolescentes e jovens antes da conclusão da última etapa
da educação básica.

Nesse trecho, ao afirmar que no tempo presente as “condições econômicas gerais” podem exigir que jovens
tenham de trabalhar antes de concluir a escola unitária, ele não admite diretamente a profissionalização, mas
reconhece a necessidade da existência de escolas distintas em uma fase de transição, o que remete à
possibilidade de profissionalização precoce dos jovens cujas condições de vida assim o exijam.

O autor continua sua análise alinhando fatos que impõem limites à escola unitária, ao menos, inicialmente.
Reconhece que muitas mudanças imprescindíveis à sua materialização implicam decisão política e grande
ampliação do orçamento destinado à educação. Esclarece isso, mencionando que: A escola unitária requer
que o Estado possa assumir as despesas que hoje estão a cargo da família, no que toca à manutenção dos
escolares, isto é, que seja completamente transformado o orçamento da educação nacional, um modo
imprevisto e tornando-o mais complexo: a inteira função de educação e formação das novas gerações
torna-se, ao invés de privada, pública, pois somente assim pode ela envolver todas as gerações, sem divisões
de grupos ou castas. Mas esta transformação da atividade escolar requer uma ampliação imprevista da
organização prática da escola, isto é, dos prédios, do material científico, do corpo docente etc. O corpo
docente, particularmente, deveria ser aumentado, pois a eficiência da escola é muito maior e intensa quando
a relação entre professor e aluno é menor, o que coloca outros problemas de solução difícil e demorada.
Também a questão dos prédios não é simples, pois este tipo de escola deveria ser uma escola-colégio, com
dormitórios, refeitórios, bibliotecas especializadas, salas aptas ao trabalho de seminário etc. (GRAMSCI,
1982, p.121-122).

De sua conclusão depreende-se que a mudança para a escola unitária para todos não ocorrerá sem uma fase
de transição. Ao contrário, tal fase é inevitável e durante esse período coexistirão distintas escolas, dentre
elas as técnicas. Gramsci (1982, p. 122) não faz essa afirmação diretamente, mas ao dizer que na Itália havia
a tendência “de difundir cada vez mais as escolas profissionais especializadas” e que o novo tipo de escola,
inicialmente, não seria para todos, fica evidente que ele tinha plena consciência da continuidade dessas
escolas técnicas por algum período, cuja duração era impossível de ser prevista com precisão.

Defende-se que a concepção educacional desses autores está pensada tendo como lócus para a sua
materialização a sociedade futura (socialista) e que, dessa forma, atualmente ainda não se pode
concretizar a politecnia e a escola unitária em seus sentidos plenos para todos. Não obstante, também se
conclui, a partir do pensamento desses autores, que é possível, e necessário, plantar e cuidar para que
cresçam as sementes da formação humana integral, aproveitando-se das contradições do sistema
capital. Para tanto, no caminho para a travessia em direção à escola unitária, laica, politécnica, universal,
pública e gratuita é necessário reclamar por escolas técnicas (teóricas e práticas), nas quais está o germe
do ensino que poderá elevar a educação da classe operária bastante acima do nível das classes superior e
média (MARX, 1996). Se essa tese é válida para a classe trabalhadora em geral, para o caso do Brasil, ela
tem mais potência ainda. Em nosso país, a situação da classe trabalhadora é muito mais degradante do que
nas regiões de capitalismo avançado, as quais de uma ou outra maneira passaram pelo estado de bem-estar
social, o que garantiu aos trabalhadores alguns direitos sociais básicos e a manutenção deles, mesmo
considerando a crise que atravessam atualmente.

A extrema desigualdade socioeconômica obriga grande parte dos filhos da classe trabalha dora nacional a
buscar, muito antes dos 18 anos de idade (e até crianças), a inserção no mundo do trabalho, no intuito de
complementar a renda familiar ou até de autossustentação. Essas pessoas seguem, com baixíssima
escolaridade e sem nenhuma qualificação profissional, engordando as fileiras do trabalho simples, mas
contribuindo fortemente para a valorização do capital. É a nossa realidade rebelde (SAVIANI, 2003a).

Ao retornar a Marx e Engels, principalmente na Crítica ao programa de Gotha, e pensando dialeticamente no


movimento do real na sociedade brasileira atual (e só dela podemos falar — parafraseando Marx) é
inevitável perguntar: diante da realidade concreta pode-se hoje, no Brasil, pensar na educação escolar dos
adolescentes e jovens da classe trabalhadora negando qualquer possibilidade de que eles te nham que
trabalhar antes dos 18 anos de idade?

Alguns indicadores sociais da população de até 17 anos de idade resultantes da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD), feita pelo (IBGE) em 2008, ajudam a responder a esse questionamento.
Considerando que quem cuida de afazeres domésticos está trabalhando, evidencia-se que 41,9% dos
adolescentes da faixa etária dos 16 aos 17 anos de idade residentes no Brasil trabalham . Se se levasse
em consideração que os 3,3% dessa faixa etária que não realiza nenhuma atividade (nem trabalha nem
estuda) estão muito mais próximos do trabalho do que da escola, chega-se ao percentual de 45,2% dos
jovens entre 16 e 17 anos de idade como sendo trabalhadores, empregados ou não.

Além disso, não é insignificante a quantidade de crianças que trabalham, pois são 2.517.412 (11,8%) da
faixa etária dos 10 aos 15 anos de idade nessa condição, cabendo destacar que no Brasil é legalmente
proibido trabalhar antes dos 14 anos de idade. Ainda mais, dos jovens que trabalham entre os 10 e os 17
anos de idade, 19,1% deles começaram a vida laboral até os nove anos de idade.

Cabe, neste momento, a indagação: por que trabalham esses adolescentes e crianças?

A maioria das pessoas entre 10 e 17 anos estão inseridas em famílias pobres ou muito pobres, pois dos 58,5
milhões dessa faixa etária, que moram em domicílios particulares, 77,1% residem em habitações cuja
renda per capita mensal é de, no máximo, um salário mínimo. Caso esse limite seja aumentado para dois
salários mínimos, o percentual sobe para 91,7%. A atividade remunerada dessas crianças, adolescentes e
jovens é significativa para a sobrevivência do núcleo familiar. 58,6% das crianças e adolescentes de 5 a 15
anos de idade contribuem com mais de 10% do rendimento familiar, sendo que 15,4% são
responsáveis por mais de 30% do orçamento dos residentes no domicílio.

Ressalte-se, nesse caso, que a gravidade é maior, pois o IBGE/PNAD não disponibilizou os dados para a
faixa etária dos 10 aos 17, mas dos 5 aos 15 anos de idade. Aqui se trata de discutir o trabalho a partir
dos 5 anos de idade.

Diante desse panorama, no caso das pessoas de até 17 anos de idade, de que adianta(ria) pensar em um
sistema educacional voltado exclusivamente para os que não trabalham, se a realidade se impõe em
direção diametralmente oposta como acaba de ser evidenciado com dados oficiais que, inclusive,
costumam ser mais generosos do que a realidade em si?

Cabe outro questionamento: pensar de forma coerente com o materialismo histórico dialético não é
compreender essa realidade socioeconômica e tentar arrancar do capital concessões que contribuam
para a formação integral da classe trabalhadora, mesmo que, inicialmente, não seja na plenitude do
conceito de politecnia para todos, mas que se garanta para todos a indissociabilidade entre formação
intelectual, física e tecnológica, sem, com isso, abandonar a denúncia e o combate a todas as atrocidades
cometidas contra essas crianças, adolescentes e jovens? Não foi isso o que fizeram Marx e Engels em relação
ao trabalho infantil na Inglaterra do século XIX?

A análise permite concluir que a realidade socioeconômica brasileira exige, do ponto de vista teórico e ético-
político, conceber e materializar um tipo de ensino médio que garanta uma base unitária para todos,
fundamentado na concepção de formação humana integral, omnilateral ou politécnica, tendo como eixo
estruturante o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura . Além disso, garantida essa mesma base, exige
também proporcionar o EMI como uma opção.

Nessa perspectiva, concorda-se com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005a), quando problematizam a
profissionalização no ensino médio brasileiro. Para eles, se a preparação profissional no ensino mé dio é uma
imposição da realidade, admitir legalmente essa necessidade é um proble ma ético. Não obstante, se o que se
persegue não é somente atender a essa necessi dade mas mudar as condições em que ela se constitui, é
também uma obrigação ética e política, garantir que o ensino médio se desenvolva sobre uma base
unitária para todos. Portanto, o ensino médio integrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de
formação geral, é uma condição necessária para se fazer a “travessia” para uma nova realidade.
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005a, p.43)

Essa travessia para uma nova realidade é a construção de uma sociedade futura. Nessa travessia, as duas
formas de organizar o ensino médio — ensino médio politécnico e ensino médio politécnico integrado à
educação profissional — são coerentes e poderão coexistir até que as condições materiais objetivas da
sociedade brasileira sejam tais que permitam aos jovens das classes populares concluírem a educação
básica por volta dos 17 ou 18 anos de idade e somente então pensarem em uma profissionalização. Hoje
isso é um luxo para os filhos da classe trabalhadora, embora há muito tempo já seja garantido como direito –
exclusivo – dos jovens dos estratos médios e altos da população. Não há como prever quando isso será
extensivo às classes populares.

Na mesma linha do que mencionou Gramsci ao se referir à materialização da escola unitária na realidade
italiana da primeira metade do século XX, movimentos nessa direção só ocorrerão a partir de uma grande
pressão da sociedade organizada sobre o estado, visando ao desenvolvimento de ações planejadas que
contemplem, além da concepção e dos princípios norteadores desse ensino médio, dimensões como
financiamento, colaboração entre os entes federados e as redes públicas, quadro de profissionais da educação
e sua adequada formação inicial e continuada e infraestrutura física, prédios, bibliotecas, laboratórios,
instalações desportivas etc. Ou seja, a partir de um projeto societário e, em consequência, educacional,
diferente do hegemônico da atualidade, no marco da luta pela superação da sociedade burguesa (MOURA,
2012, p. 53).

Para além dos adolescentes e jovens, existe a população adulta brasileira, predominantemente com baixa
escolarização. Segundo Maria Margarida Machado (2010), no Brasil existem quase 135 milhões de pessoas
com 18 anos ou mais, das quais cerca de 101 milhões, 75% da faixa etária, não concluiu a educação básica.
Todos esses números enfatizam mais uma vez que não se trata, na realidade brasileira, de considerar a
demanda por educação de jovens e adultos como residual. (MACHADO, 2010, p. 252-253).

O estudo da professora Margarida Machado reforça de maneira significativa toda a argumentação até aqui
desenvolvida, uma vez que a fase adulta é aquela em que o ser humano é essencialmente um sujeito de
trabalho, pois é responsável pela produção da própria existência e da sociedade, além de lhe caber a
reprodução da espécie. Desafortunadamente, no caso brasileiro, a grande maioria desses quase 80 milhões
de pessoas com mais de 18 anos está atuando na periferia do mundo do trabalho de forma precarizada
ou dele alijada. A dura realidade obriga a lembrar que isso é funcional aos interesses do capital, pois,
já que não há lugar para todos, que vençam os melhores!

Considerações à continuidade do debate

Reitera-se a compreensão de que é um imperativo ético-político a constituição do EMI a partir de uma


base unitária de formação, na perspectiva da omnilateralidade. Apesar disso, como não se pode esquecer
em nenhum momento de que a realidade concreta se impõe, importa evidenciar que a materialização dessa
concepção educacional enfrenta dificuldades de múltiplas ordens.

A primeira é a disputa política direta com o capital, uma vez que esse tipo de formação claramente não
lhe interessa. Dessa forma, seus representantes e intelectuais orgânicos, que no campo da formação
profissional são capitaneados pelo sistema S, defendem ardorosamente, embora com desfaçatez, a
formação estrita para o atendimento imediato aos interesses do mercado de trabalho.

Enquanto isso, o governo federal tem posição completamente ambígua, raiando a esquizofrenia. Às vezes
adota o discurso da politecnia e da formação humana integral, mas, nesse caso, vai muito pouco além das
palavras. Outras vezes assume, em nome dos interesses dos trabalhadores e dos mais pobres, o que, na
verdade, interessa ao capital. Nesse caso, vai além das palavras e promove ações efetivas, inclusive,
financiando-as regiamente.

O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) é um exemplo emblemático


na atualidade. O Programa destina-se a oferecer, entre 2011 e 2014, cerca de 7,9 milhões de matrículas, sen-
do 5,6 milhões em cursos de Formação Inicial e Continuada de trabalhadores (FIC), sem vinculação com a
elevação de escolaridade, e 2,3 milhões em cursos técnicos concomitantes ao ensino médio para estudantes
das redes públicas estaduais (BRASIL, 2012). Trata-se de cursos fora da perspectiva da formação
humana integral prevista no EMI. A esse Programa estão sendo destinados R$ 24 bilhões e os cursos
são/serão oferecidos em sua maioria pelo sistema S, mediante transferência da maior parte desses recursos
públicos provenientes do governo federal.

Nas esferas subnacionais a situação é ainda mais complexa, pois na ausência efetiva de um sistema nacional
de educação, de uma concepção educacional que lhe oriente e de coordenação das ações em nível nacional,
os estados e os municípios, a cada ciclo de governo, a exemplo da esfera federal, apontam para uma
determinada direção. Entretanto, observa-se que o metabolismo do capital faz com que, em geral, o mo-
vimento da educação proporcionada à classe trabalhadora tenha certa coerência interna entre as três
esferas de governo, de modo que o pêndulo pende para o tipo de formação que interessa às
necessidades imediatas do capital.

Além disso, a sociedade em geral, principalmente grandes contingentes das classes trabalhadoras
populares não organizadas – historicamente alijadas do acesso a uma educação de qualidade socialmente
referenciada e a outros direitos sociais que, em seu conjunto, viabilizaria uma compreensão crítica da
realidade vigente –, está sempre ávida por qualquer migalha que lhe seja atirada e, dessa forma, tende a
aplaudir, agradecer e reivindicar por mais algumas dessas migalhas.

Finalmente, o EMI enfrenta a crítica no âmbito da academia, desde as correntes mais conservadoras, que
defendem a educação de cunho academicista, inspirada no iluminismo, no humanismo liberal, até os
progressistas que o consideram como uma concessão aos interesses do capital.

Ao se deixar (a academia, outros intelectuais, a maioria da classe trabalhadora e de suas entidades


representativas) de disputar politicamente uma concepção de EMI (para adolescentes, jovens e adultos) que
possa se concretizar como ponte na direção da formação politécnica plena (SAVIANI, 2003b; RAMOS,
2004; FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005b; FRIGOTTO; CIAVATTA, 2006; KUENZER, 1997, 2006,
2010, 2011; MACHADO, 2008, 2009) se está abrindo espaço e estendendo o tapete vermelho para que o
capital se aproprie de bandeiras históricas do campo socialista e as ressignifique alegremente em favor dos
seus interesses, com financiamento público e aplausos da população. Como então é possível superar essas
barreiras e avançar na construção teórico-prática dessa perspectiva formativa? Reitera-se que o principal
óbice é de natureza política, pois falta a decisão política de o estado brasileiro assumir a
omnilateralidade como sendo a concepção norteadora da formação de todos, independentemente da
origem socioeconômica, e, partir dessa referência, iniciar a travessia.

Infelizmente, a falta dessa decisão é coerente com o modelo de sociedade em que se vive, pautada pelo
pensamento neoliberal que considera a desigualdade social como elemento indispensável ao
fortalecimento dos mercados, já que é ela que potencializa a competitividade, alimento vital do mercado.
Compreende-se, portanto, que o caminho para a travessia só po derá ser construído a partir de disputas
políticas em meio às contradições do sistema capital.

Alguns movimentos recentes no âmbito do ensino médio e da educação profissional são esclarecedores
dessas disputas e contradições. Por um lado, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Profissional Técnica de Nível Médio (DCNEPTNM) reiteram uma concepção de formação humana
instrumental e utilitária, podendo ser sintetizada nas seguintes características: centralidade nas
competências; submissão explícita da escola e da formação humana à lógica do mercado de trabalho; ênfase
nas certificações parciais, ensejando a volta da modularização e das saídas intermediárias; priorização das
formas subsequente e concomitante ao ensino médio em detrimento do EMI.

Por outro lado, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) apontam
claramente para a perspectiva da formação humana integral, conforme explicitado no artigo 5º da Resolução
o
CNE/CEB n. 02/2012:Art. 5 O ensino médio em todas as suas formas de oferta e organização, baseia-se
em:
I – formação integral do estudante; II – trabalho e pesquisa como princípios educativos e pedagógicos,
respectivamente;
[...] § 1º O trabalho é conceituado na sua perspectiva ontológica de transformação da natureza, como
realização inerente ao ser humano e como mediação no processo de produção da sua existência. § 2º A
ciência é conceituada como o conjunto de conhecimentos sistematizados, produzidos socialmente ao longo
da história, na busca da compreensão e transformação da natureza e da sociedade.
§ 3º A tecnologia é conceituada como a transformação da ciência em força produtiva ou mediação do
conhecimento científico e a produção, marcada, desde sua origem, pelas relações sociais que a levaram a ser
produzida.
§ 4º A cultura é conceituada como o processo de produção de expressões materiais, símbolos, representações
e significados que correspondem a valores éticos, políticos e estéticos que orientam as normas de conduta de
uma sociedade.

Diante do exposto, cabe explicitar mais uma contradição. A aprovação pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE) e a homologação pelo ministro de DCNEM, que apontam na direção da formação integral dos sujeitos
é, evidentemente, um avanço, mas a sua materialização não está garantida, inclusive porque o necessário
financiamento não foi assegurado, pois o horizonte que se coloca para ampliar os investimentos em educação
para 10% do PIB é de 10 anos e isso ainda não está aprovado definitivamente (já era...) Enquanto isso, as
DCNEPTNM, que vão em direção contrária, já contavam com amplo financiamento por meio do
PRONATEC, ainda antes de terem sido homologadas.

Finalmente, em meio a essas disputas e contradições, para que se avance na direção de materializar a
concepção de formação humana integral, é fundamental compreender que a histórica dualidade estrutural na
esfera educacional não é fruto da escola, mas da sociedade dual/cindida em que se vive, por imposição do
modo de produção capitalista. Isso exige que a escola se estruture de forma dual no sentido de fortalecer o
modo de produção do capital que se baseia na valorização diferenciada do trabalho intelectual e do trabalho
manual. Portanto, romper essa dualidade estrutural da educação escolar completamente não depende apenas
do sistema educacional, mas, antes, da transformação do modo de produção vigente.

Contudo, isso não significa que desde a educação deva-se esperar que ocorra primeira mente a superação do
atual modo de produção para, somente depois, construir-se uma escola compatível com o novo o modo de
produção. É preciso atuar em meio às contradições do mo delo hegemônico vigente no sentido de produ zir
movimentos que contribuam para o rompi mento da dualidade educacional, o que também contribuirá para a
superação do sistema capital.

...........
3. O ensino integrado, a politecnia e a educação omnilateral.
Por que lutamos? The integrated education, the polytechnic and the omnilateral education.
Why do we fight? CIAVATTA, Maria

O texto destina-se a fazer uma reflexão sobre o tema, em um momento de embates sobre políticas para
o ensino médio e a educação profissional. No primeiro momento, tratamos da história das palavras e das
ações que registram a travessia para mudanças sociais, no sentido de alterar a qualidade da educação
sob o ideário da politecnia; em segundo lugar, trazemos alguns elementos da educação politécnica e
sua realização na Revolução de 1917 e na Revolução Cubana; terceiro, discutimos a formação
integrada quanto ao termo e seu signficado; em quarto lugar, recuperamos aspectos da disputa sobre as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a educação técnica profissional de nível médio hoje, no Brasil.

Porque lutamos? Ensino integrado, politecnia, educação omnilateral, que são termos de um mesmo universo
de ações educativas quando se fala em ensino médio e educação profissional. Essa compreensão é
especialmente importante para nós que somos não apenas estudiosos do tema, mas também militantes de
uma causa, a qualidade da educação que desejamos que seja um direito assegurado a todos os
trabalhadores brasileiros e a seus filhos. Lutamos por uma concepção e práticas que remontam ao ideário
da educação socialista revolucionária que previa a elevação das massas ao nível de conhecimento e
capacidade de atuação como as elites sempre reservaram para si.

Como militantes de uma causa, à compreensão dos princípios e dos conceitos, segue-se a exigência
histórica de conhecer e levar em conta a realidade neles compreendida, e o compromisso com sua
transformação segundo os princípios declarados. De modo mais incisivo, coerente com o materialismo
histórico que nos dá elementos para a análise da sociedade capitalista em que vivemos, recuperamos a XI
tese ad Feuerbach que diz que “os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras, o que
importa é transformá-lo” (MARX; ENGELS, 1979, p.14). O que significa “[...] formar cidadãos críticos
e capazes de influenciar e promover mudanças. Como fazer isso num país como o Brasil, onde grande
parte da população tem preocupações mais urgentes que aprender, como comer e morar?” (JARA, s.d., grifos
nossos).

Aí está a mudança do próprio sentido das mudanças de que fala Oscar Jara. Pensando no ensino médio,
não se trata, pois, de mera adaptação às mudanças no mundo da produção e do trabalho, tais como adaptar-se
à flexibilização produtiva, à “sociedade da incerteza”, às relações de trabalho desregulamentadas, ao
empreendedorismo, aos programas breves de aprendizagem, aos programas paliativos da tensão social. Há
condições de vida que permeiam as opções das pessoas. E estas passam pela forma histórica como
produzem a própria vida.

Não podemos ficar imóveis diante dos rumos da história. O tema da formação integrada, remetido ao
conceito de politecnia, tem sido objeto de polêmica e de divergências quando se trata de pensar a educação
articulada ao trabalho como instrumento de emancipação humana na sociedade capitalista. Há divergências
na interpretação do conceito e da prática da educação politécnica na implantação do socialismo pela
Revolução Russa e na recuperação desse ideário educacional no Brasil.

O compromisso com a transformação da sociedade brasileira no sentido do direito de todos a uma vida digna
parace ser comum. Mas precisamos delinear estratégias para o presente. Politecnia, educação
omnilateral, formação integrada são horizontes do pensamento que queremos que se transformem em
ações.
Educação politécnica: as palavras têm história

Não vamos nos deter na palavra mais adequada, se é educação politécnica ou educação tecnológica, os dois
termos utilizados por Marx. Seu uso foi polemizado por Nosella (2007), trazendo, também, a palavra de
Manacorda (1975; 2006), e foi discutido por Saviani (1989; 2003),4 Marx (1980), a exemplo de um dos
poucos textos que deixou sobre a questão, fala nas “escolas politécnicas” e no “ensino tecnológico” e lhe
dá o sentido da união estudo e trabalho, do conhecimento e da prática para uma outra sociedade, para
a superação da divisão social do trabalho. Etimologicamente, politecnia significa “muitas técnicas”. No
Brasil, o termo, com esse sentido, deu nome a instituições educacionais como escolas de engenharia; e com o
sentido voltado para a formação humana em todos os aspectos, a educação omnilateral, humanista e
científica, como a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV-Fiocruz). Na segunda
interpretação do termo, há um sentido político, emancipatório no sentido de superar, na
educação, a divisão social do trabalho entre trabalho manual/trabalho intelectual, e
formar trabalhadores que possam ser, também, dirigentes no sentido gramsciano (GRAMSCI, 2011,
p.287; SEMERARO, 2003, p.271).

É esse sentido amplo de democratização do saber que estava presente nas lutas pela LDB, nos anos 1980:
A pergunta para nós que estamos tentando avançar uma reflexão sobre o 2º Grau [atual ensino médio] e a
politecnia seria o que deve saber aquele que executa o trabalho na sociedade? O que ele deve saber
para, de alguma maneira, controlar o processo e o produto de seu trabalho? (CIAVATTA et al., 1991,
p.110).

Além de reconhecer o empenho em elucidar a semântica do termo politecnia, seu uso e significado nos
autores mais expressivos que dele trataram (NOSELLA, 2007), importa-nos a sua história. Há um sentido
histórico que o termo politecnia adquiriu no Brasil, de acordo com as transformações socioeconômicas e
políticas do país e as políticas educacionais que lhe deram sustentação. Nesta busca da historicidade não
apenas da palavra, mas também das ações implementadas sob sua argumentação, temos dois momentos
marcantes, a disputa do termo na discussão da LDB, iniciada nos anos 1980, e o retorno dessa concepção nas
duas primeiras décadas dos anos 2000, quando se tenta aprovar e implementar a formação integrada entre
a educação profissional e o ensino médio, e se recorre à memória das lutas pela educação politécnica na
elaboração da LDB dos anos 1990.

Essa é a origem recente da ideia de formação integrada em defesa de uma formação educacional que não
fosse apenas o arremedo da profissionalização compulsória implantada a partir da Lei n. 5.692/71. Buscava-
se a da superação do tradicional dualismo da sociedade e da educação brasileira e a defesa da escola pública,
particularmente, no primeiro projeto de LDB, elaborado logo após o fim da ditadura civil-militar (1964-
1989), em consonância com os princípios de educação na Constituição de 1988. Sua origem remota está na
educação socialista que pretendia ser omnilateral no sentido de formar o ser humano na sua integralidade
física, mental, cultural, política, científico-tecnológica. Foi aí que se originou o grande sonho de uma
formação completa para todos conforme queriam os utopistas do Renascimento, Comenius, com seu grande
sonho de regeneração social e, principalmente, os socialistas utópicos da primeira metade do século XIX. De
modo especial, foram Saint-Simon, Robert Owen e Fourier que levantaram o problema de uma formação
completa para os produtores. Finalmente, Karl Marx extrai das próprias contradições da produção social a
necessidade de uma formação científico-tecnológica. Em síntese, ao longo de três décadas, muitas foram as
derrotas sofridas em face das políticas sociais, econômicas, educacionais do neoliberalismo nos anos 1990 e
2000. Mas preservou-se, no âmbito do convencimento e da luta política, o denso significado da
“educação politécnica” como educação omnilateral ou formação em todos os aspectos da vida humana
– física, intelectual, estética, moral e para o trabalho, integrando a formação geral e a educação
profissional.

Além do fato historicamente comum de disputa de significados, mesmo dentro da “esquerda”, ocorre que
essa concepção alargada de educação foi pensada para uma sociedade socialista, cujo valor da vida humana e
do seu desenvolvimento tem significado diverso da educação nos países capitalistas.

A relação trabalho e educação na pedagogia socialista

Não apenas a educação, mas toda vida social e o trabalho têm uma articulação diferente com a vida dos
indivíduos em uma sociedade que revolucionou as relações sociais de produção, com um projeto diferente de
sociedade e de formação humana, a relação trabalho e educação ganha um significado diverso das sociedades
capitalistas. Não se faz a transposição da educação de um sistema para outro. O que podemos aprender
com a pedagogia socialista são, basicamente, três lições: primeiro, a relação trabalho e educação continuará
sendo objeto de disputa acirrada no sistema capital onde vivemos; segundo, o conhecimento da pedagogia
socialista preserva a memória e constrói a história da educação para a humanização, e não apenas a meia
educação para a exploração, a serviço do mercado; terceiro, as lutas por uma nova relação trabalho e
educação devem avançar pari passu com outras lutas sociais, pelas melhorias de vida de toda a população.
A Revolução Russa

A revolução foi acompanhada pelas imagens da violência e pela utopia da criação de um mundo sem
opressão. Ela foi feita por homens e tem todas as características dos ideais e das ambições que alimentaram e
as disputas no exercício do poder. As revoluções promovem mudanças das estruturas econômicas e
políticas. Como um processo mais lento, mas não menos importante, estão as mudanças dos sujeitos
sociais no modo de pensar sobre o trabalho, as relações sociais, as classes sociais, a cultura, a educação.
Há que se levar em conta a relação dialética entre a consciência e o modo de produzir a vida, fundamental
para a realização dos objetivos revolucionários. Não foi diferente na revolução socialista russa, que teve
muitos embates para implantar a “nova sociedade” e contou com pedagogos idealistas e apaixonados pelos
ideais da “educação do futuro”, a educação do “homem novo” que deveria crescer com a sociedade
comunista.

O projeto se iniciou com “a contradição histórica da primeira revolução socialista [que] teve lugar, não no
mais avançado país capitalista, mas em um país atrasado onde as forças produtivas e a estrutura da sociedade
eram ainda semifeudais” (CASTLES; WÜSTENBERG, 1982, p.66). Não havia ensino formal para a maioria
dos operários e dos camponeses; ao menos três quartos da população eram analfabetos; os professores não
estavam capacitados, tinham baixos salários e baixa posição social. A Igreja Ortodoxa dirigia a maioria das
escolas (CASTLES; WÜSTENBERG, 1982, p.67-69). Neste breve texto vamos nos deter apenas na primeira
etapa da construção de um sistema educacional socialista (1917 a 1931), período que é dado como balizador
da educação pretendida pelos pedagogos revolucionários, sendo alguns de seus expoentes: Schulgin,
Krupskaia, Lunacharsky, Pistrak e Makarenko. No primeiro governo revolucionário, Krupskaia dirigia a
Comissão Estatal para a Educação. Sua tarefa era projetar um novo sistema educativo. Lunacharsky,
nomeado Comissário do Povo, tinha a responsabilidade da administração de todos os tipos de educação. A
população foi informada sobre as mudanças pretendidas: educação geral, livre e obrigatória para todas as
crianças e cursos especiais para os adultos, escola secular, unitária com diferentes níveis, para todos os
cidadãos, apoio para o movimento educativo e cultural das massas trabalhadoras, assim como para
organizações de soldados e operários, os professores deveriam cooperar com outros grupos sociais e se
tomariam medidas imediatas para sua “miserável situação material”, principalmente os mais pobres, os mais
importantes trabalhadores culturais e os professores das escolas elementares. Além disso, o Estado chamava
a si uma série de medidas e responsabilidades que daria forma à nova sociedade e à educação em todos os
seus níveis: assumiria as escolas privadas e confessionais, haveria a separação entre Estado e Igreja e entre
Igreja e escola na qual era proibida a instrução religiosa; roupa, alimentos e material escolar para todas as
crianças em sistema de educação mista, abolição de notas e exames e uniformes; supressão do latim nas
escolas superiores, fim das distinções hierárquicas e igualdade de salários para os professores, proibição de
castigos e de tarefas de casa e transformação de todas as escolas em escolas unitárias de trabalho . A
estrutura das escolas unitárias de trabalho fixava duas etapas: dos oito aos 13 anos (cinco anos de estudo);
e dos 13 aos 17 anos (mais quatro anos); e jardim de infância articulado às escolas para crianças de cinco a
sete anos. As escolas deveriam ficar abertas os sete dias da semana, para que as crianças pudessem
“desenvolver seus próprios interesses” fora das aulas. O trabalho produtivo era um elemento essencial desse
tipo de escola, com o objetivo de combinar a aprendizagem escolar com o trabalho produtivo – segundo
analistas, esse objetivo foi muito reduzido e distorcido posteriormente, na União Soviética e na Europa
Ocidental (CASTLES; WÜSTENBERG, 1982, p.72-73). Para Krupskaia, o princípio do trabalho deve ser
“educativo e gratificante, edevia ser levado a cabo sem efeitos coercitivos sobre a personalidade da criança e
organizado de forma social e planejada”, para que desenvolvesse “uma disciplina interna, sem a qual o
trabalho coletivo planejado racionalmente seria impensável”. Ela e Lunacharsky enfatizavam que a
educação socialista não era somente uma questão de conteúdos do ensino, mas também de seus métodos.
Rejeitavam a escola livresca e exigiam que as crianças aprendessem tomando parte no trabalho e na vida
social (CASTLES; WÜSTENBERG,1982, p.74-75). A ascensão de Stalin, em 1931, trouxe mudanças
substantivas de direção política do país, pondo em confronto a concepção de Estado e seu papel na
organização da sociedade e da educação, diferente do que defendiam os primeiros pedagogos para a
educação socialista. Stalin proclamou a coletivização forçada no campo e a industrialização (novas fábricas,
refinarias de petróleo, indústrias químicas, eletrificação etc.). A construção do socialismo passou a significar
“trabalho duro e obediência”, medidas disciplinares. A “revolução cultural” propugnada por Lênin ganhou
outro significado. Não seria baseada nos interesses e nas iniciativas das massas, mas controlada pela direção
do partido (CASTLES; WÜSTENBERG, 1982, p.95-96).

O método complexo sofreu oposição do grupo Petrogrado de Educadores, liderado por Blonsky, “que
aceitava a escola unitária de trabalho, mas pedia que se mantivessem a divisão entre as matérias, a forma de
ensino sistematizada, um programa de estudos definido, e a diferenciação em diversos ramos do
conhecimento no oitavo e no nono ano” (CASTLES; WÜSTENBERG, 1982, p.77). Em 1931, Bubnov
atacou a teoria pedagógica dos primeiros pedagogos. Considerava que estavam em um período agudo da luta
de classes, e o Estado proletário deveria ser fortalecido. Para o novo pensamento pedagógico socialista, a
educação politécnica significaria “a aprendizagem sólida e sistemática das ciências, especialmente física,
química e matemáticas”, e foi proibido o ensino pelo método complexo daqueles primeiros educadores.
Nesse sentido, seriam danosas as ideias de “extinção do Estado”, prevista na transição para a sociedade
comunista, assim como a ideia de “extinção da escola”, como queria Schulgin, que dirigia o Instituto de
Pesquisas para a Educação Marxista-Leninista. Pistrak era um dos grandes educadores do ideário
pedagógico dos primeiros tempos da Revolução. “A ideia básica de uma nova sociedade que realizaria a
fraternidade e a igualdade, o fim da alienação, era uma imensa esperança coletiva que tomou conta da
sociedade soviética entre 1918 e 1929.” Sua visão educacional é concomitante à ascensão das massas na
Revolução, “a qual exigia a formação de homens vinculados ao presente, desalienados, mais
preocupados em criar o futuro do que em cultuar o passado, e cuja busca do bem comum superasse o
individualismo e o egoísmo” (TRAGTENBERG, 1981, p.8-9).

O Comitê Central do Partido Comunista (bolchevique) publicou, em 30 de setembro de 1918, o


documento Deliberação sobre a escola única do trabalho e, em 16 de outubro do mesmo ano, publicou os
Princípios fundamentais sobre a escola única do trabalho, conhecido por NarKomPros, documentos
escritos pela Comissão Estatal para a Educação, em que se anuncia [...] a criação das Escolas Experimentais
Demonstrativas, entre as quais, as Escolas- Comunas, instituições de tipo internato que, entre 1918 e 1925,
voltaram-se para a tarefa de resolver a questão prática de elaborar a nova pedagogia, a escola do
trabalho e, em 1937, foram fechadas e integradas ao sistema regular de ensino (FREITAS, 2009, p.12-13).

Uma das mais reconhecidas, a Escola-Comuna P. N. Lepeshinskiy (ou Escola-Comuna do NarComPros), era
conduzida por Pistrak. Fundamentava-se no estudo das relações do homem com a realidade atual e na auto-
organização dos alunos e se definia pela ênfase nas leis gerais que regem o conhecimento do mundo natural e
social, a preocupação com o atual, as leis do trabalho humano, os dados sobre a estrutura psicofísica dos
educandos, o método dialético que atua como força organizadora do mundo (TRAGTENBERG, 1981, p.9).
Buscava introduzir a dimensão política no trabalho pedagógico de acordo com os objetivos da Revolução e
privilegiava a teoria marxista para orientação do trabalho escolar (TRAGTENBERG, 1981, p.9).

Em 1824, Pistrak publicou com o coletivo de sua Escola-Comuna, o livro Fundamentos da Escola do
Trabalho,8 talvez o mais completo e importante documento sobre essa experiência. Nele, o autor trata da
relação teoria e prática, da escola do trabalho na fase de transição, do trabalho na escola, do ensino e da auto-
organização dos alunos. Anton Semionovitch Makarenko - Seu trabalho mais expressivo iniciou-se em
1920, quando passou a dirigir instituições educacionais “correcionais” para crianças e adolescentes
abandonados: a Colônia Maxím Gorki (em Poltava, 1920 a 1928) e a Comuna Dzerzhinski (em Kárkov,
1927 a 1935). Sua inserção no projeto educacional da evolução ocorreu no momento em que o Estado
soviético proporcionou todas as condições para a educação, inclusive com a redução do horário de trabalho
em duas horas para todos os que estudavam. E “era permitido aproveitar as Casas do Povo, igrejas, clubes,
casas particulares e locais adequados nas fábricas, empresas e repartições públicas para dar aulas”
(CAPRILES, 1989, p.30-31). Para Makarenko, “as relações sociais da nova realidade do país excluíam
qualquer atitude negativa para com os ex-contraventores [...]”: Os insights e conquistas de Makarenko, como
pedagogo inovador, se baseavam no enorme potencial educacional do “coletivo” e se apoiavam na
combinação contínua e coerentemente mantida da instrução escolar com o trabalho produtivo , e na
integração do crédito de confiança com a exigência rigorosa para com a pessoa do educando (BELINKY, 1
985, p.8-9). Sua obra mais expressiva tem o título de Poema Pedagógico, uma “criação artísticoliterária de
criação científica na área da educação” (BELINKY, 1985), em que, com base nos seus apontamentos de
trabalho, com personagens de sua experiência como educador ele relata os conflitos e situações vividos e
tratados como descobertas coletivas (FREITAS, 2002, p.246), através da “nova relação, entre teoria e prática,
[da] dialética do processo pedagógico” (CAPRILES, 1989, p.31).
A experiência da pedagogia socialista da Revolução Cubana

A história da Revolução Cubana deve ser vista no contexto do continente latinoamericano. Cuba era um país
secularmente dominado pela exploração colonialista, ditaduras, gangsters, policiais, militares neocoloniais,
conservadores escravistas, reformistas falsos. Os povos da América Latina tiveram no movimento cubano
um exemplo de lutas de libertação vitoriosas e de continuidade na tentativa de implantar o ideário socialista.
O historiador Pablo González Casanova (1987) relata que a Revolução “ocorreu em um país onde todos os
projetos reformistas e nacionalistas tinham fracassado sistematicamente”. Um Estado dominado por
interesses individuais e pela corrupção, não abrindo espaços de ascensão social para a pequena burguesia,
estudantes e intelectuais. Mas, desde os anos 1920, o país contava com “um dos partidos comunistas mais
combativos e melhor armados ideologicamente para a luta de libertação e a luta operária” (CASANOVA,
1987, p.187). Não obstante os revezes do partido nos anos 1940, sua “aliança potencial” com o Movimento
26 de Julho que, em 1953, dirigiu o assalto ao quartel de Moncada, fortaleceu as lutas das duas organizações.
Trabalhadores assalariados, operários industriais e camponeses “constituíam uma força
potencialmente socialista”. Homens “morais e valentes”, tais como José Martí, Céspedes, e os mais
novos, Fidel Castro, Carlos Rafael Rodriguez e outros, começaram uma nova história sobre três linhas de
conduta: “uma democrática, uma humanista e uma comunista”.

Fidel Castro e os companheiros haviam estudado o marxismo e o leninismo e sabiam “que a revolução
devia contar com as massas e estas precisavam estar conscientes – como ator coletivo – dos requisitos
do sucesso”. O grupo do Moncada e o grupo que saiu do México, no Gramma, em 1956, ligaram-se ao
“setor mais atrasado e combativo”, aos camponeses da serra, que queriam terras (CASANOVA, 1987,
p.189). O desenvolvimento da luta na serra, da luta de guerrilhas, não foi feito apenas na serra, nem só com
armas. O grupo rebelde repartiu terra enquanto combatia, fundou escolas e hospitais, praticou uma educação
política e militar dos camponeses combatentes e de seus próprios quadros. [...] O sucesso dos revolucionários
cubanos no terreno político e militar foi tão impressionante como o que obtiveram na educação, na justiça
social, no desenvolvimento econômico e na democracia concreta, popular, socialista (CASANOVA, 1987,
p.190-192).
A educação das massas foi uma das metas principais da Revolução Cubana desde o seu início em 1959.
Seus princípios norteadores foram: o princípio do caráter massivo da educação, ou “a educação como um
direito e um dever de todos é uma realidade em Cuba”; o que significa a educação para crianças, jovens e
adultos, em todas as idades, sexo, grupos étnicos, religiosos, por local de residência ou por limitações físicas
ou mentais, de modo a alcançar a universalização do ensino primário inicialmente e, progressivamente, o
ensino secundário (MINISTERIO, 1984, p.12, grifo nosso).

A nova educação teve início com uma ampla campanha de alfabetização que se iniciou logo após a
Revolução, envolvendo toda a sociedade e contando com o deslocamento de jovens e maestros de outros
países da América Latina para alfabetizar onde houvesse analfabetos, nos lugares mais distantes do país
(MURILLO et al., 1995; ROSSI, 1981).

Outro princípio é a combinação estudo e trabalho, que tem profundas raízes no ideário pedagógico de José
Martí. Consiste em vincular “a teoria com a prática, a escola com a vida e o ensino com a produção”, o
trabalho manual com o trabalho intelectual, “a fusão destas atividades na obra educacional da escola ”.
Destaca a necessidade de uma nova formação humana para a edificação da sociedade socialista. O
objetivo formativo busca desenvolver a consciência de produtor de bens sociais; criar condições para
eliminar o preconceito da divisão entre o trabalho manual e o intelectual, eliminar o intelectualismo do
ensino e fomentar o interesse pela pesquisa do mundo em torno de si (MINISTÉRIO, 1984, p.13).
Pelo princípio da participação de toda a sociedade nas tarefas da educação do povo, reconhece-se que a
sociedade, como uma grande escola, manifesta o caráter democrático e popular da educação cubana, que não
só se estende às diferentes zonas e regiões do país e a todas as camadas da população , mas também o fato
transcendente de que o povo participa da realização e controle da educação e da garantia de seu
desenvolvimento exitoso (MINISTÉRIO, 1984, p.13).

Outros princípios são a coeducação e a gratuidade, com um amplo sistema de bolsas para estudantes e
condições especiais para os trabalhadores visando à universalização do ensino. Os subsistemas do sistema
nacional de educação são os seguintes: Educação Pré-escolar, Educação Geral Politécnica e Laboral,
Educação Especial, Educação Técnica e Profissional, Formação e Aperfeiçoamento do Pessoal
Pedagógico, Educação de Adultos e Educação Superior (MINISTÉRIO, 1984, p.14). Hoje se trabalha para
aperfeiçoar essa obra, com o intuito de conseguir um Sistema Educacional que corresponda cada vez mais à
igualdade, à justiça social, à satisfação das necessidades morais e sociais dos cidadãos, para atingir o modelo
de sociedade culta que nos propusemos a criar, como realidade da máxima martiana de que não há
igualdade possível sem igualdade de cultura (LÓPEZ, 2011).

Formação Integrada: o termo e seu significado

Reiterando o que dissemos acima, não se faz a transposição da educação politécnica das sociedades
socialistas para um sistema secularmente dominado pelo capital como a educação no Brasil. As condições de
vida são adversas, as relações de trabalho são dominadas pelo poder hegemônico do capital, a educação não
está universalizada em acesso e em qualidade para toda a população; a ideologização crescente da
educação subsumida ao consumo e ao mercado de trabalho torna ambíguo o conceito de qualidade da
educação, e é incipiente a participação da população na reivindicação de um sistema educacional público,
gratuito e de qualidade para todos.

Não obstante as frustrações da democracia representativa, temos espaços de palavra e de ação para
prosseguir nos embates. Um destes se mantém ao longo dos anos, no campo trabalho e educação. Seus
principais antecedentes são as lutas em defesa da escola pública na campanha pela LDBEN (Lei n. 4.024/61),
contra a Ditadura (1964-1985), por uma nova Constituição (1988) e uma nova LDB (Lei n. 9.394/96), pela
revogação do Decreto n. 2.028/97; pela defesa da formação integrada (Decreto n. 5.154/03, posteriormente
incorporado à LDB pela Lei n. 11.941/08).

Na concepção do ensino técnico de nível médio, anterior ao Decreto n. 2.208/97, o ensino médio era
integrado à educação profissional no sentido que significava a possibilidade de a formação básica e a
profissional acontecerem numa mesma instituição de ensino, num mesmo curso, com currículo e matrículas
únicas, o que havia sido impedido pelo referido decreto (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005). Com
esse sentido o termo integrado foi incorporado à legislação como uma das formas pela qual o ensino médio e
a educação profissional podem se articular. Essa possibilidade, por sua vez, baseia-se no enunciado do
parágrafo 2.o do artigo n. 36 da LDB, ratificado pela lei que a alterou: “O ensino médio, atendida a formação
geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.” Esse enunciado apresenta,
simultaneamente, uma condição – a formação geral que não pode ser substituída nem minimizada pela
formação profissional – e, também, abre a possibilidade, da formação profissional. “Condição e
possibilidade, nesse caso, convergem para a garantia do direito a dois tipos de formação – básica e
profissional – no ensino médio; o que assegura por isso a legalidade e a legitimidade do ensino médio
integrado à educação profissional” (CIAVATTA; RAMOS, 2012a, p.306).

A formação integrada significa mais do que uma forma de articulação entre ensino médio e educação
profissional. Ela busca recuperar, no atual contexto histórico e sob uma específica de correlação de forças
entre as classes, a concepção de educação politécnica, de educação omnilateral e de escola unitária, que
esteve na disputa por uma nova LDB na década de 1980 e que foi perdida na aprovação da Lei n. 9.394/96.
Assim, essa expressão também se relaciona com a luta pela superação do dualismo estrutural da
sociedade e da educação brasileira, a divisão de classes sociais, a divisão entre formação para o
trabalho manual ou para o trabalho intelectual, e em defesa da democracia e da escola pública. Não se
trata somente de integrar um a outro na forma, mas sim de se constituir o ensino médio como num processo
formativo que integre as dimensões estruturantes da vida, trabalho, ciência e cultura, abra novas perspectivas
de vida para os jovens e concorra para a superação das desigualdades entre as classes sociais (CIAVATTA;
RAMOS, 2012a, p.306).

Esse tipo de integração não exige, necessariamente, que o ensino médio seja oferecido na forma integrada à
educação profissional. Esta, entretanto, na realidade brasileira, se apresenta como uma necessidade para a
classe trabalhadora e como uma mediação para que o trabalho se incorpore à educação básica como princípio
educativo e como contexto econômico, formando uma unidade com a ciência e a cultura. Assim concebido,
diferente do que alegam seus críticos, o ensino médio integrado difere das determinações da Lei n. 5.692/91,
ora revogada, que instituiu a profissionalização compulsória no ensino de 2.º Grau – atual ensino médio.
Assim, o termo integrado remete-se, por um lado, à forma de oferta do ensino médio articulado com a
educação profissional; mas, por outro, também a um tipo de formação que seja integrada, plena, vindo a
possibilitar ao educando a compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso . Tratando-se a
educação como uma totalidade social, são as múltiplas mediações históricas que concretizam os processos
educativos.

No caso da formação integrada, a educação geral se torna parte inseparável da educação profissional em
todos os campos em que se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos
processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior. Significa que
buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho
manual/trabalho intelectual, incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo e formar
trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos (GRAMSCI, 1981, p.144).

Se a formação profissional no ensino médio é uma imposição da realidade da população trabalhadora,


admitir legalmente essa necessidade é um problema ético-político. Não obstante, se o que se persegue não é
somente atender a essa necessidade, mas mudar as condições em que ela se constitui, é também uma
obrigação ética e política garantir que o ensino médio se desenvolva sobre uma base unitária, para
todos. Portanto, o sentido de formação integrada ou o ensino médio integrado à educação profissional, sob
uma base unitária de formação geral, é uma condição necessária para se fazer a travessia para a educação
politécnica e omnilateral realizada pela escola unitária.

Mas, cabe destacar, não se confundindo totalmente com ela porque a realidade das sociedades capitalistas
assim não o permite. Ele é um ensino possível e necessário aos filhos dos trabalhadores que precisam obter
uma profissão ainda durante a educação básica. Porém, tendo como fundamento a integração entre
trabalho, ciência e cultura, esse tipo de ensino acirra contradições e potencializa mudanças. À
semelhança dos países que universalizam a educação básica até o ensino médio, para toda a população, urge
superar essa conjuntura da sociedade brasileira, de grande pobreza e carência de investimentos substantivos
nas políticas sociais. E constitua-se uma educação que contenha elementos de uma sociedade justa e que,
assim, não exija dos jovens a profissionalização precoce nesse momento educacional, mas possa remetê-la,
nos termos de Gramsci (1981), a uma etapa posterior em que a maturidade intelectual lhes permita fazer
escolhas profissionais.

A disputa das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio

O termo Diretriz tem o sentido geral de “linha reguladora do traçado de um caminho ou de uma estrada”,
“conjunto de instruções ou indicações para se tratar e levar a termo um plano, uma ação, um negócio, etc.”,
“norma de procedimento; diretiva”. No sentido político que lhe dá a peça, há uma direção de lei que organiza
e ordena a relação entre os dois homens, sob o signo do autoritarismo. Transposto o termo para a
educação hoje e para o debate sobre as Diretrizes Curriculares para a Educação Profissional Técnica de
Nível Médio (DCN EPT EM), vemos que as diretrizes não são sugestões, são orientações a serem cumpridas.
Por isso, falamos na “era das diretrizes” (CIAVATTA; RAMOS, 2012b) dos anos do Governo F. H. Cardoso,
lamentavelmente, com continuidades no Governo Lula da Silva e no Governo Dilma Roussef. Leis e
programas relativos à educação, se não estavam marcados pela repressão de palavra dos governos ditatoriais,
tinham a imposição das determinações para serem implantadas nas escolas segundo a pedagogia das
competências, segmentando o conhecimento e a educação de acordo com as necessidades do mercado. Era
uma concepção funcional à tradição da educação profissional e técnica no Brasil , gerida com base no
mercado e em controles autoritários, segundo os “homens de negócio” (FRIGOTTO, 2001), alicerçada
na tradição da “meia educação”, da educação das primeiras letras, da educação primária, do
semianalfabetismo.

A aprovação da LDB, em 1996, significou, na verdade, somente o início de um movimento de reformas na


educação brasileira, que tomou corpo mediante as regulamentações posteriores realizadas na estrutura do
sistema educacional, a Educação Profissional de Nível Médio Técnico, pelo Decreto n. 2.208/97 e outras no
âmbito da Educação Básica, pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, do Ensino
Médio. A elaboração de competências e diretrizes ficou a cargo da União, em colaboração com os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, de modo a nortear “os currículos e seus conteúdos mínimos , de modo a
assegurar formação básica comum” (BRASIL, 1996, art. 9º, inciso IV).
Dado seu caráter discursivo inovador, através da mídia e da abundante distribuição de materiais impressos,
direcionados aos professores e às escolas, “a era das diretrizes” foi paralela a uma tendência global à
regulação curricular, articulando as reformas internas da educação com as reformas internacionais. As
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) constituíram peças textuais que apresentam a concepção
orientadora do currículo nos respectivos níveis e modalidades de ensino ... na forma de uma Resolução,
com efeito de lei, que visa dar operacionalidade às orientações conceptuais dispostas no Parecer. No que
concerne às políticas educacionais, nos anos do govermo F. H. Cardoso, as decisões fecharam-se distantes
“dos fóruns democráticos e do debate”, “do rico consenso que educadores brasileiros construíram sobre
pontos básicos da educação brasileira, na luta pela democratização do país” (SHIROMA; MORAES;
EVANGELISTA, 2003, p.11).

Não bastasse, no final do governo Lula da Silva e nos primeiros meses do governo Dilma Russeff,
ressuscitam-se as Diretrizes Curriculares Nacionais. Emanadas do Conselho Nacional de Educação (CNE),
em 1998, para orientar a implantação do Decreto n. 2.208/97, foram maquiadas e reiteradas em 2004, após a
revogação do mesmo decreto pela exaração do Decreto n. 5.154/04. Novamente em 2010, o relator da
Câmara de Educação Básica, Prof. Cordão, ignorou a particularidade da introdução da alternativa formação
integrada ao lado das consagradas modalidades do ensino médio articulado à educação profissional, a
concomitante e a subsequente.

O documento veio a lume no primeiro semestre de 2010. A partir da divulgação da nova proposta de
regulação da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (DCN EPTNM), houve uma mobilização do
Fórum de Dirigentes de Ensino (FDE) da rede federal de EPT e da ANPEd. O primeiro documento
alternativo de um Grupo de Trabalho, promovido pelo Ministério da Educação, reunindo movimentos
sociais, entidades científicas e setores do próprio Ministério, começou a ser elaborado em meados do
mesmo ano. Tendo em vista a importância e a premência da matéria, o Conselho dos Dirigentes das
Instituições Federais de Educação Profissional, Cientifica e Tecnológica (CONIF), por intermédio do FDE,
juntamente com a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação
(SETEC/MEC), promoveram, em Brasília, nos dias 5 e 6 de maio de 2010, o Seminário da Educação
Profissional e Tecnológica. Participaram desse encontro, além dos dirigentes de ensino das instituições
federais, pesquisadores da área, conselheiros e assessores do CNE. A Carta do Seminário estabeleceu, entre
os encaminhamentos, a ampliação do debate com a participação das demais redes públicas de ensino e a
criação de grupo de trabalho com a colaboração de pesquisadores da área. A partir dessa iniciativa, a
SETEC/MEC reuniu um Grupo de Trabalho para o qual foram convidadas quatro Secretarias do MEC,
contando com a colaboração de pesquisadores da educação profissional e tecnológica, representantes de
entidades e de movimentos sociais. O GT reuniu-se durante os meses de junho e julho, em três encontros
presenciais em Brasília, recebendo ainda diversas contribuições enviadas por outros órgãos, instituições de
ensino e pesquisadores (DIRETRIZES, [2010]).

Depois da 33ª Reunião da ANPEd, em outubro de 2010, em Caxambu (MG), de comum acordo com a
Secretária de Educação Básica do MEC, produziu-se um novo documento, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, cujo conteúdo teve por base o primeiro documento (DCN EPTNM). Durante
sua elaboração fez-se a aproximação das duas discussões (diretrizes para o EM e para a EP), com a
expectativa de que, no âmbito do CNE, fosse produzido um único parecer e duas resoluções específicas (uma
para o Ensino Médio e outra para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio).

Mas esse caminho não foi viabilizado. A Câmara de Educação Básica do CNE não concordou com a
discussão conjunta dos documentos, mas o Relator incorporou a fundamentação básica do primeiro
documento. O Parecer e Resolução das DCN EM foi aprovado no CNE no dia 04/05/2011 e homologado
pelo MEC. Quanto às diretrizes para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, o CNE emitiu, já em
2011, uma nova proposta de parecer e de resolução que, apesar de incorporar alguns trechos do documento
produzido pelo GT, já referenciado, mantém explicitamente a perspectiva do currículo centrado em
competências para empregabilidade. Dessa forma, têm-se as diretrizes para o Ensino Médio que
sinalizampara a possibilidad e de se avançar na perspectiva da politecnia e da formação humana
integral, enquanto as diretrizes para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio apontam para
uma direção oposta – competências para mercado (CARTA, 2011). O documento alternativo sobre as
DCN EPTEM mantém o trabalho como princípio educativo dentro de uma concepção politécnica e
omnilateral da educação: Centralidade no ser humano e suas relações sociais, sem ignorar as exigências da
produção econômica, como campo de onde os sujeitos sociais retiram os meios de vida. Formação que
aponta para a superação da dualidade histórica entre formação básica e formação profissional.
Currículo centrado na concepção de formação humana integral, tendo como eixo estruturante a integração
entre trabalho, ciência, tecnologia e cultura, baseando-se no trabalho como princípio educativo e, dentre
outros, nos seguintes fundamentos pedagógicos: construção coletiva do Projeto Político-Pedagógico;
pesquisa como princípio pedagógico; articulação com o desenvolvimento socioeconômico e a educação
ambiental (CARTA, 2011, p.3).

Em fevereiro de 2012, o Relator, Prof. A. F. Cordão, Presidente da CEB/CNE, quadro orgânico do SENAI,
divulgou mais uma versão híbrida de seu Parecer, buscando incorporar termos do documento alternativo e
mantendo o espírito dos documentos anteriores em que predomina a visão empresarial e do Sistema S
sobre a educação profissional.

Considerações finais

Em última análise, a pergunta “Para que lutamos?”, no campo da educação e do trabalho, implica uma
nova qualidade de educação universalizada para toda a população. De modo específico, busca-se
contribuir para um futuro em que a superação da dualidade de classes sociais traga um padrão digno de vida
e de conhecimento não apenas para as elites, mas também para os trabalhadores, os verdadeiros produtores
da riqueza social, e seus filhos.

A reflexão sobre o objeto de nossa luta, a formação integrada, a educação politécnica e a educação
omnilateral tem exemplos históricos no sistema educacional do início da Revolução Russa de 1917, na
Revolução Cubana de 1959 e nas lutas pela democratização do ensino no Brasil, nos anos 1980, quando se
introduziu o termo educação politécnica no primeiro projeto da LDB e, nos anos 2000, quando se
implementou a discussão e tentativas de implantação da formação integrada.

Para que esses objetivos político-pedagógicos se concretizem nos processos educativos, o ensino médio
precisa de uma elaboração relativa à integração de conhecimentos no currículo, ou seja, um currículo
integrado. Significa que também o currículo deve ser pensado como uma relação entre partes e
totalidade na produção do conhecimento, em todas as disciplinas e atividades escolares. Significa a
educação como compreensão e apropriação intelectual de determinado campo empírico, teórico ou
simbólico. Por eles se apreendem e se representam as relações que constituem e estruturam a produção social
da existência humana, que tem no trabalho e na práxis política suas principais formas de intervenção no
real. Por isso lutamos!
4. A INTERDISCIPLINARIDADE COMO NECESSIDADE E COMO PROBLEMA NAS CIÊNCIAS
SOCIAIS Prof. Gaudêncio Frigotto

Esse ensaio tem como objetivo demarcar alguns aspectos que as análises não têm enfatizado
suficientemente ao abordar a questão da interdisciplinaridade. Trata-se de apreender a
interdisciplinaridade como uma necessidade e como problema. A questão da interdisciplinaridade, ao
contrário do que se tem enfatizado, especialmente no campo educacional, não é, sobretudo, uma questão de
método de investigação e nem de técnica didática, ainda que se manifeste enfaticamente neste plano. A
questão da interdisciplinaridade se impõe como necessidade e como problema fundamentalmente no
plano material histórico-cultural e no plano epistemológico.

Não há como tratar a questão da interdisciplinaridade na educação-la a não ser no âmbito das ciências
sociais. Os processos educativos enquanto objeto de investigação ou enquanto práticas pedagógicas somente
podem ser adequadamente analisados tomados como objeto das ciências sociais. Este ensaio pretende
apreender a interdisciplinaridade como uma necessidade (algo que historicamente se impõe como
imperativo) e como problema (algo que se impõe como desafio a ser decifrado) no plano material
histórico-cultural e no plano epistemológico. Feito isso, o artigo busca demarcar algumas implicações
práticas a nível de investigação e do trabalho docente no campo educacional.

A interdisciplinaridade como necessidade

Os homens na busca incessante de satisfazer suas múltiplas e históricas necessidades de natureza biológica,
intelectual, cultural, afetiva e estética, estabelecem as mais diversas relações sociais. A produção do
conhecimento e sua socialização ou negação para determinados grupos ou classes não é alheia ao conjunto
de práticas e relações que produzem os homens num determinado tempo e espaço. Pelo contrário
nelas encontra a sua efetiva materialidade histórica. não há razões de ordem ontológica e epistemológica para
cindir autonomamente esta ou aquela prática social. O que pode ocorrer e de fato ocorre, como veremos
adiante, é que sob as relações de produção humana capitalistas efetiva-se diferentes processos de alienação e
de cisão, que se dá no plano do conjunto das práticas sociais e atinge, ainda que de forma diversa, todos os
homens. Delimitar um objeto para a investigação não é fragmentá-lo, ou limitá-lo arbitrariamente. Ou
seja, se o processo de conhecimento nos impõe a delimitação de determinado problema isto não significa que
tenhamos que abandonar as múltiplas determinações que o constituem. É neste sentido que mesmo
delimitado um fato teima em não perder o tecido da totalidade de que faz parta indissociável.

A necessidade da interdisciplinaridade na produção do conhecimento funda-se na caráter dialético da


realidade social que é, ao mesmo tempo, una e diversa e na natureza intersubjetiva de sua apreensão,
caráter uno e diverso da realidade social nos impõe distinguir os limites reais dos sujeitos que investigam dos
limites do objeto investigado.

A compreensão da categoria totalidade concreta em contraposição à totalidade caótica, vazia, é


imprescindível para entendermos a interdisciplinaridade como necessidade imperativa na construção do
conhecimento social. A totalidade concreta, como nos adverte KOSIK (1978), não é tudo e nem é a busca
do princípio fundador de tudo. Investigar dentro da concepção da totalidade concreta significa buscar
explicitar, de um objeto de pesquisa delimitado, as múltiplas determinações e mediações históricas que o
constitui. A historicidade dos fatos sociais consiste fundamentalmente na explicitação da multiplicidade de
determinações fundamentais e secundárias que os produzem.

Uma primeira conseqüência é que o trabalho interdisciplinar não se efetiva se não formos capazes de
transcender a fragmentação e o plano fenomênico, heranças fortes do empiricismo e do positivismo.
Todavia, e esta é uma segunda conseqüência, ele também não se efetiva se cairmos no reducionismo
estruturalista que abandona o plano histórico-empírico e se locupleta no plano discursivo.

O caminho de superação das armadilhas do empiricismo, positivismo e estruturalismo não se faz sem
dificuldades. Tem como pré-requesito o rompimento das concepções metafísicas da realidade social, tanto
daquelas que se centram na determinação dos fatos pelos deuses quanto e principalmente aquelas que
atribuem aos fatos históricos forças ou determinações que não lhes pertence. Colocada a realidade social no
plano histórico, acreditamos que o que Marx (1983) nos aponta no método da economia política se mostra
um fermento fecundo e totalmente atual. Trata-se, pois de distinguir a esfera do conhecimento humano
que se move no plano abstrato, no e pelo pensamento, do plano do movimento da realidade social que
investigamos.

Ascender do empírico ponto de partida, conhecido apenas na sua exterioridade, no seu caráter
fenomênico, ao conhecimento efetivo das forças, mediações e determinações múltiplas que produzem esta
realidade, exigem um processo, uma elaboração. Neste processo de elaboração, as categorias teóricas, os
conceitos se constituem nas ferramentas indispensáveis, mas não suficientes e nem estáticas, da apreensão
das determinações que nos permitem penetrar no tecido mais profundo que constitui a realidade investigada.
Neste processo as categorias, para não perderem a sua historicidade, necessitam serem reconstruídas,
redefinidas e saturadas com as especificidades dadas pela realidade investigada.

Tratada a interdisciplinaridade no plano do movimento do real e não do movimento da razão (como


determina o racionalismo e idealismo) perceberemos que não há contradição entre a necessidade de
delimitação nas ciências sociais na construção dos seus objetos e problemáticas e o caráter unitário do
conhecimento. E o conhecimento do social tem um caráter unitário porque os homens ao produzirem sua
existência mediante as diversas relações e práticas sociais o fazem enquanto uma unidade que engendra
dimensões biológicas, psíquicas, intelectuais, culturais, estéticas, etc. Se do ponto de vista da investigação
podemos delimitar uma destas dimensões não podemos perder de vista que para que sua compreensão seja
adequada é preciso analisá-la na sua necessária relação com as demais dimensões.

A necessidade do trabalho interdisciplinar na produção do conhecimento não é prerrogativa apenas das


ciências sociais. Todavia nelas, sem dúvida ela se mostra mais crucial já que o alcance de uma maior
0bjetividade (sempre relativa, porque histórica), somente se atinge pelo i ntercâmbio crítico intersubjetivo
dos sujeitos que investigam um determinado objeto ou problemática.

A busca da objetividade, que significa a explicitação das múltiplas determinações que produzem e
explicam os fatos histórico-sociais, ao afirmar o caráter relativo de todo o conhecimento não apenas nega a
tese do relativismo absoluto ou do agnosticismo como afirma a especificidade do método científico nas
ciências sociais. A afirmação colide com a concepção positivista de conhecimento em suas diferentes e
históricas matizes e explicita o terreno problemático mais profundo dentro do qual o esforço de um trabalho
interdisciplinar encontra uma materialidade adversa. O inventário crítico da concepção positivista de
conhecimento no campo social e, ao mesmo tempo o caráter problemático de produção crítica do
conhecimento social, vários autores o tem feito de forma consistente ainda que nem sempre em acordo em
todas as dimensões. Indicamos e recomendamos as analises de LOWY (1986 e 1987), Schaff (1983),
GRAMSCI (1978), GOLDMAN (1978), entre outros. Para o positivismo, para serem científicas as ciências
sociais devem se enquadrar no método (neutro, objetivo, imparcial) das ciências da natureza.

Como nos apontam as análises dos autores acima não só as ciências sociais constituem-se enquanto tal com
uma metodologia própria, como a experimentação tal qual se faz nas ciências da natureza lhes é
incompatível. Quando, em nome da objetividade, neutralidade e imparcialidade se aplica os parâmetros
das ciências da natureza aos fatos sociais acaba-se mutilando as determinações fundamentais que permitem
entender tais fatos. A natureza da objetividade dos fatos sociais encontra sua validação não na
mensuração pura e simples mas no plano histórico empírico.

Mas a especificidade das ciências sociais vem marcada, na sociedade capitalista, como indicamos acima, por
uma determinação que torna a produção do conhecimento científico e o necessário trabalho interdisciplinar
prisioneiros de uma materialidade social cindida em classes cujos interesses são antagônicos. O processo
de conhecimento social vem então marcado pelos interesses, concepções e condições de classe do
investigador. O conhecimento não tem como ser produzido de forma neutra tendo em vista que as
relações que ele tenta apreender não são neutras. É justamente neste âmbito que percebemos que a
interdisciplinaridade na produção do conhecimento nos é uma necessidade imperativa, mas nos é
também um problema que está plotado na materialidade das relações capitalistas de produção da existência.
A interdisciplinaridade como problema

O item explicita em dois níveis aquilo que situamos como problema ou como entrave ao propormos uma
investigação ou um trabalho educativo interdisciplinar. Primeiramente, a interdisciplinaridade se
apresenta como problema pelos limites do sujeito que busca construir o conhecimento de uma determinada
realidade e de outro pela complexidade desta realidade e seu caráter histórico.

Todavia esta dificuldade é potenciada pela forma específica que os homens produzem a vida de forma
cindida, alienada no interior da sociedade de classe.

a) Os limites do sujeito e a complexidade dos fatos históricos

À teoria materialista distingue um duplo contexto dos fatos: o contexto da realidade, no qual os fatos
existem originariamente e primordialmente, e o contexto da teoria, em que os fatos são, em um segundo
tempo, mediatamente ordenados depois de terem sido precedentemente arrancados do contexto originário do
real.. (KOSIK, 1976: 48). Este pressuposto é, também, repleto de conseqüências. Indica que o processo de
conhecimento implica uma ação ativa, uma elaboração, um trabalho de construção por parte do sujeito que
pretende aprofundar a compreensão dos fatos. Este processo vem marcado pelos mais diferentes limites do
sujeito. Estes limites se apresentam no plano da formação (convivência bizarra de diferentes concepções do
senso comum cotidiano e de diferentes concepções teóricas e ideológicas). Traços específicos culturais;
limites físicos e de tempo, etc. Fazer o inventário crítico deste conformismo teórico, ideológico e cultural
é uma condição necessária para um processo crítico de produção do conhecimento.

Porém, mesmo que se atinja um elevado nível de capacitação crítica nenhum sujeito individual dá conta de
exaurir determinada problemática. Este esforço é sempre acumulativo e social, sendo o conhecimento
humano sempre será relativo, parcial, incompleto. Daí a relevância de se buscar esclarecer, revelar, expor não
toda a realidade de um fato mas sim as suas determinações e mediações fundamentais. Os desafios no plano
da realidade que se quer conhecer não são menores sobretudo quando o objeto do conhecimento é a
própria práxis humana. Quando nos esforçamos para conhecer determinado aspecto ou fato das
múltiplas práticas e relações sociais que os homens estabelecem num determinado tempo, numa
determinada cultura percebemos que mediata ou imediatamente o sujeito que busca conhecer este aspecto
da realidade está nela implicado. Nas sociedades cindidas em classes ou grupos antagônicos, como
veremos abaixo, esta determinação assume importância crucial para o conhecimento interdisciplinar.

Certamente o trabalho interdisciplinar, como vimos no primeiro item, se apresenta como uma necessidade
imperativa pela simples razão de que a parte que isolamos ou arrancamos do contexto originário do real
para poder ser explicada efetivamente, isto é, revelar no plano do pensamento e do conhecimento as
determinações que assim a constituem, enquanto parte tem que ser explicitada na integridade das
características e qualidades da totalidade. É justamente no exercício de responder a esta necessidade que o
trabalho interdisciplinar se apresenta como uma problema crucial, tanto na produção do conhecimento
quanto nos processos educativos e de ensino.

E onde se situa este problema? Primeira e fundamentalmente ele se situa no plano ontológico, ou seja,
na forma histórica concreta mediante a qual os seres humanos estabelecem suas relações sociais de
produção. Secundária e concomitantemente este problema se manifesta no plano especificamente
epistemológico, teórico e na práxis.

b) O plano material-histórico e cultural como problema para o trabalho interdisciplinar na produção do


conhecimento.

As determinações histórico-materiais e culturais, talvez, sejam as que menos são consideradas tanto na
produção do conhecimento quanto na socialização do mesmo mediante diferentes processo pedagógicos (na
escola, nos partidos, no sindicato, etc.) e justamente as que mais impõe limites.
Certamente é neste plano onde os seres humanos se produzem enquanto seres da natureza, enquanto
individualidades, mas sempre enquanto seres resultantes das relações sociais – síntese de relações sociais
(GRAMSCI, 1978) - que podemos perceber os limites e as possibilidades do trabalho interdisciplinar. Isto
porque é nesta materialidade que imperativamente se produz o ser social. E é nesta materialidade (sempre
histórica e social) que os homens produzem suas idéias, teorias e concepções. A produção de idéias, de
representações da consciência está, de início, diretamente entrelaçado à atividade material e com o
intercâmbio material. (...) os homens são os produtores de suas representações, de suas idéias, etc., mas os
homens reais e ativos, tal como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas
forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde até chegar às suas formações mais amplas.
E sob que condições históricas tem se construído o processo de vida real dos homens até o presente?
Sabemos que, dominantemente, este processo se produziu sob relações de dominação, exclusão e
alienação mediante a cisão dos homens em classes ou grupos sociais. É a persistência desta determinação
que levou Marx, há quase um século e meio, a concluir que sob estas condições a humanização dos
homens é limitada.

Sabemos que as formas históricas que as relações de classe assumem são diversas nos diferentes modos de
produção – tribal, antigo, medieval feudal e capitalista. Todos eles, todavia, limitam o livre desenvolvimento
humano de todos os homens mediante formas de dominação e exclusão em todos os planos da vida. Não só o
dominado é limitado sob estas condições, mas os próprios dominadores. O capitalismo, não importa
aqui a sua real diferenciação em sociedades diversas, é hoje o modo de produção social da existências
dominante, é uma sociedade cindida em classes sociais que sob a igualdade legal e formal, esconde os
mecanismos que produzem a exclusão, alienação e desigualdade. A respeito, o artigo indica a leitura dos
seguintes autores: Marx, (HOBSBAWM (1981 e 1987) , (IANNI, O. (1981), CARDOSO DE MELLO
(1982), entre outros. O que nos importa aqui é demarcar o significado, no plano da produção do
conhecimento e do trabalho interdisciplinar, do fato dos homens produzirem o processo de sua vida
real sob as relações de classe.

A existência da propriedade privada dos meios e instrumentos de produção (de um capitalista em


particular ou de uma S. A.), de um lado, que lhe permite comprar a força de- trabalho de uma classe ou
grupos sociais que de sua venda dependem exclusivamente para produzirem sua vida, de outro, demarca
uma divisão social do trabalho na qual se consuma a alienação e a exclusão e dentro da qual os homens não
apenas produzem a sua vida material, mas também sua consciência social, suas idéias e representações. A
alienação e exclusão marcam a vida no seu conjunto.

O obstáculo ou problema mais radical na produção do conhecimento histórico e do trabalho


interdisciplinar na sua produção. A cisão que se produz e desenvolve no plano das relações de produção do
homem social, enquanto uma totalidade concreta, se explicitam necessariamente no plano da consciência,
das representações e concepções da realidade. As idéias das classes dominantes são, em todas as épocas, as
idéias dominantes: i.é., a classe que é força material governante da sociedade, é ao mesmo tempo sua força
governante intelectual. A classe que tem à disposição os meios de produção material controla
concomitantemente os meios de produção intelectual, de sorte que, por essa razão, geralmente as idéias
daqueles que carecem desses meios ficam subordinadas a ela. (MARX, K. e ENGELS, 1986).

Podemos entender, dentro deste contexto, que a produção e a divulgação do conhecimento não se faz alheia
aos conflitos, antagonismos e relações de forças que se estabelecem entre as classes ou grupos sociais. A
produção do conhecimento é ela mesma parte e expressão dessa luta. É neste sentido que a teoria se
constitui em força material e a consciência crítica um elemento fundamental e imprescindível na luta pela
transformação das relações sociais marcadas pela alienação e exclusão. Evidencia-se aqui, também, de
forma mais clara porque a pretensão positivista da neutralidade do conhecimento social, sob as condições de
uma sociedade fraturada, cindida é historicamente inviável, pois expressa a representação do tipo de
consciência e de conhecimento funcional à reprodução das relações sociais dominantes.

O que importa é não perder de vista que, enquanto houver mais-valia (expropriação de parte das horas
de trabalho dos que vendem sua força-de-trabalho como forma de sobrevivência) não está superada a
sociedade de classe e nem a exclusão e a alienação.

É no plano ontológico, isto é, no processo de produção do ser social, que as relações sociais classistas
manifestam sua negatividade mais radical. Trata-se de relações que limitam, atrasam e impedem o
devenir humano. As representações, as concepções os conhecimentos que se produzem dentro desta base
ontológica são ao mesmo tempo resultado e mediações constituintes da base histórico-social destas relações.
Necessitamos, então, perceber que a superação mais profunda dos limites que encontramos na produção do
conhecimento e nos processos pedagógicos de sua socialização, somente se dará de forma mais efetiva na
medida que forem sendo rompidas as relações sociais que fornecem a base material destes limites.
Superação da divisão entre trabalho manual e intelectual e dos mais diversos processos e mecanismos de
exclusão, que no horizonte histórico significa lutar pela superação da sociedade de classe.

E quais são as concepções de realidade e de conhecimento que explicitam formas inconciliáveis de


produzir a vida humana no seu conjunto? A concepção mais generalizada de realidade e de conhecimento
que expressa as formas dominantes de relações sociais é fragmentária, abstrata, linear e fenomênica. Reduz
a concepção de história, realidade e do próprio ser social à arbitrária e parcial concepção burguesa. Os
interesses particulares da classe dominante aparecem como os interesses universal e eternamente válidos para
todos. É neste sentido que Marx, na sua análise à economia política burguesa, critica os seus intelectuais de
terem transformado a ciência política e econômica numa apologética dos interesses parciais dessa classe
(MARX, K. 19...) Por essa razão é que este mesmo autor, ao criticar a filosofia do direito em Hegel, após ter
afirmado que a religião funciona como a consciência invertida do mundo, conclui que a tarefa da história
depois que o outro mundo de verdade desvaneceu, é estabelecer a verdade desse mundo (...). A crítica
do céu transforma-se em crítica da terra, a crítica da política.. (MARX, K.1977)

A não atenção ao tecido histórico dentro do qual se produz o conhecimento e as práticas pedagógicas, tem
nos levado a tratar a questão da interdisciplinaridade dentro de uma ótica fenomênica, abstrata e arbitrária.
Aparece como sendo um recurso didático capaz de integrar, reunir as dimensões particulares dos
diferentes campos científicos ou dos diferentes saberes numa totalidade harmônica. Não há, dentro deste
prisma didatista nenhum problema em fazer-se, no dizer de Lefevre, sopa metodológica.Trata-se de uma
espécie de fetiche de conceitos que consiste em atribuir-lhe um significado neles mesmos. O enfrentamento
desse problema tem ficado, no mais das vezes, na busca de novas palavras como a de transdisciplinaridade
ou nas dicotomias pesquisa quantitativa e qualitativa, pesquisa participante, pesquisa-ação. A questão que
queremos apontar aqui é que a mudança do prefixo inter pelo trans ou a falsa dicotomia
quantidade/qualidade, não elide o problema do caráter opaco e alienador da realidade social que
analisamos. Esta perspectiva se dissemina na nossa cultura e o terreno o debate se perde em questiúnculas
especulativas e por isso facilmente palatáveis às relações dominantes. É preciso insistir que esta visão
integracionista e neutra de conhecimento e de interdisciplinaridade - que é dominante entre nós - não é
fortuita e tão pouco fruto do atraso do desenvolvimento científico. É, pelo contrário - consciente ou
inconscientemente - uma forma específica cultural, ideológica e científica de conceber a realidade, de
representá-la e de agir concreto na história social.

Kosik denomina essa forma de apreensão da realidade de metafísica da cultura, ou teoria dos fatores.
Vários aspectos do complexo social se transformam em categorias particulares e independentes; e momentos
isolados da atividade social do homem - o direito, a moral, a política, a economia - transformam-se na mente
humana em forças independentes que determinam a atividade do homem. Depois de cada aspecto do
complexo social ter sido assim isolado e transformado em abstração, investiga-se a conexão recíproca
entre os vários aspectos, por exemplo, o condicionamento do direito pelo fator econômico. (...). A síntese
operada com tais abstrações metafísicas é, portanto, exterior, e a conexão mútua entre os fatores abstratos
relativos é apenas formal ou mecanicamente causal.. (KOSIK, K. 1978, p. 100-101).

Este mesmo autor, no debate que estabelece com dois críticos da teoria dos fatores - Plekanov e Labriola -
vai discordar dos mesmos, não na apreensão de como tal teoria se explicita, mas na explicação desta
concepção de realidade e de conhecimento. Para Plekanov e Labriola a teoria dos fatores acima descrita
resulta do pouco desenvolvimento da ciência. Para Kosik, ao contrário, trata-se de uma forma própria de
produção da realidade e de representação no plano do conhecimento na sociedade de classe. A cisão,
exclusão e a fragmentação são partes constituintes no plano material e no plano do conhecimento desta
forma de relação social de produção da existência humana. Esta forma de compreender a produção do
conhecimento arraigado no tecido da materialidade social nos leva a perceber que a própria classe
burguesa fica limitada pelas relações sociais que teima manter. O modo de pensar fragmentário, linear
produz conhecimentos que transformados em ação traz inúmeros problemas concretos ao conjunto da
humanidade. Os problemas que as relações predatórias de produção e a exclusão social crescente trazem no
plano social (miséria, violência, epidemias), mas também no plano da natureza (desmatamento, poluição do
ar, da água e poluição sonora) atingem a própria burguesia. Mais grave que o cinismo e maquiavelismo da
burguesia, como nos indica Marx, é a sua pele burguesa.

Mas a concepção de realidade e de conhecimento enquanto uma totalidade concreta, que se materializa
numa concepção frontalmente antagônica a essa forma dominante de produzir a vida humana no seu
conjunto, também vem constrangida e limitada pelas relações sociais dominantes. Situamo-nos aqui no
coração de uma contradição cujo desenlace só pode ser resolvido no plano das contradições e de sua
superação no processo histórico mediante a práxis revolucionária. Para tornar dominante uma concepção
de totalidade concreta de conhecimento é preciso que essa totalidade vá se concretizando no plano da
produção da vida social. Isto significa dizer que é, ao mesmo tempo um problema ético-político,
econômico, cultural e epistemológico. É neste terreno que iremos perceber a complexidade do desafio a
enfrentar quando temos como convicção ético-política a necessidade de lutarmos em todos os planos para
suplantar as relações sociais de alienação e exclusão. Inicialmente, os grupos ou classes dominados não
constituem uma classe para si, pelo contrário constituem-se em classes trabalhadoras como nos indica
Hobsbawn (1981 e 1987). Isto significa a existência de uma imensa heterogeneidade de formas de inserção
social, de consciência e de interesses. Sob esta realidade existencial as representações da classe
dominante constitui-se num fermento permanente no senso comum destes grupos sociais subalternos.
É neste chão do senso comum, que se explicita por uma mosaico contraditório de representações, que os
intelectuais de novo tipo, de que nos fala Gramsci (1978), podem desenvolver e elevar a cultura e a
consciência destes grupos.

Essa tarefa, todavia, encontra obstáculos de toda a ordem. Notadamente as forças dominantes não só detém o
controle dos aparelhos de hegemonia (mídia, escola, etc.), como controlam os recursos materiais e
financeiros. O avanço nesta luta exige um esforço inaudito de crítica ao modo dominante de produção
social da existência, de organização política, e de concepções e teorias sobre a realidade. Mas a crítica só
tem seu efeito histórico quando se transforma em práxis – reflexão teórico-crítica e ação prática na
produção de alternativas ao modo alienante e excludente de produção da vida humanosocial. Nesta
tarefa, a história recente nos tem dado lições múltiplas, tanto no plano teórico, quanto no plano político e
ético. Não nos ajudam as posturas ecléticas, assim como as voluntaristas, doutrinárias e dogmáticas. A busca
profunda e radical das determinações e mediações históricas que constituem os fatos sociais, não se
confundem com o dogmatismo. Estas e outras questões se colocam como desafio permanente para aqueles
que buscam conhecer de forma profunda e radical (que vai à raiz) as múltiplas determinações e mediações
que produzem os fatos históricos.

A interdisciplinaridade como um desafio prático na pesquisa e nos processos pedagógicos

Este artigo se concentra na concepção marxista de história, de realidade humana e de conhecimento. Não
estaria isto superado? Afinal se trata apenas de uma crise do marxismo ou de sua morte? Vários autores de
formação marxista concordam que efetivamente o marxismo vive uma crise profunda e não são poucos os
erros cometidos no seu desenvolvimento. Como também não são poucos os equívocos de Marx e Engels.
Todavia, se há um campo onde a contribuição de Marx e Engels tem sido radicalmente profícua e
permanece válida mesmo considerando-se os equívocos, o dogmatismo e caráter doutrinário que possa
ter assumido por diferentes intérpretes, é justamente a concepção de história, de realidade humana e de
conhecimento e de práxis. As contribuições de Kosik (1986 e 1982), LUKACS, G. (1970 e 1974} e
Gramsci, num passado não muito remoto e no presente de Henri Hobsbawm e Pery Anderson, para citar
apenas os que considero mais relevantes, são fecundas nesta direção. No Brasil, autores como Francisco de
Oliveira (1987 e 1992), Leandro Konder (1986, 1984 e 1992), Carlos Nelson Coutinho (1972, 1980 e 1982) e
José de Souza Martins (1981), entre outros, têm trabalhado de forma fecunda essa perspectiva escapando, ao
mesmo tempo, do dogmatismo e doutrinação e do ecletismo.

O grande valor do marxismo sempre foi a crítica do capitalismo. (...) Creio que a primeira geração de
socialdemocratas marxistas, no final do século passado, tinha razão ao sustentar que a concepção
materialista de história é o coração do marxismo. Nesse sentido não há morte do marxismo. (H.
Hobsbawm, Folha de São Paulo, 21.06.1992, p. 6).

Colocando-nos nesta perspectiva, vários são os desafios que percebo no plano prático, tanto nos processos de
pesquisa quanto nos processo pedagógicos, que nos deparamos para nos situarmos adequadamente no
horizonte de um trabalho interdisciplinar que transcenda o plano fenomênico. Limito-me, aqui, apenas
apontar alguns.

a) Inventário crítico da matriz cultural e intelectual dominante em nossa sociedade.


No seu aspecto mais geral a matriz cultural de que somos herdeiros explicita-se por um
comportamento peculiar onde o colonizado se identifica com o colonizador. Perenizamos uma relação de
submissão. No passado mais remoto essa submissão dava-se com os colonizadores. Hoje mediante a
associação subordinada ao grande capital imperialista e dominantemente com a cultura e modus vivendi
americano. Desenvolvemos uma cultura que escamoteia sistematicamente o conflito, e as crises, embora a
sociedade viva em profundo conflito e crise. Dilui-se o conflito capital-trabalho mediante estratégias
paternalistas. Minimizas e a desigualdade social e a profunda discriminação racial. Faz-se a apologia ao
consenso, à conciliação e à harmonia. No plano político esta cultura da harmonia balofa explicita-se nas
estratégias da conciliação pelo alto das elites, pelo liberalismo no discurso que escondem o profundo
autoritarismo tanto nos processo ditatoriais quanto nas cíclicas transições para a democracia
(DEBRUM, 1983)

No plano intelectual, que nos interessa, sobretudo, nesta discussão, esta matriz cultural se manifesta por
uma postura de desenraizamento e de ecletismo.Um dos traços constantes do que será o sistema intelectual
brasileiro: a sensação, ingênua ou fraudulenta, conforme o caso, que têm seus participantes de não
pertencerem a nenhum grupo social, de estarem como soltos no espaço dos interesses sociais. (COSTA,
LIMA 1981). A postura eclética é, ao mesmo tempo produto e reforço tanto do desenraizamento quanto da
apologia à conciliação e à harmonia. Sérgio Buarque de Holanda observa a esse respeito ser freqüente entre
os brasileiros que se presumem intelectuais, a facilidade com que se alimentam, ao mesmo tempo de
doutrinas dos mais variados matizes e com que sustentam, simultaneamente as convicções mais díspares.
(HOLANDA, S.B. 1936)

Esses fortes traços culturais marcados pelo ecletismo se explicitam, de outra parte, pela crença de que a
apreensão da verdade dos fatos sociais de forma imparcial resulta de um mosaico montado a partir de
inúmeros pensadores, o que além de livrar-nos dos perigos dos sistemas nos permitiria um enriquecimento
indefinido aproveitando-se de cada sistema o melhor. (GOMES, R.1980). Propostas interdisciplinares
no campo da pesquisa ou na prática pedagógica que não romperem com essa tradição estão fadadas a
reforçar o senso comum do ecletismo.

b) Os Desafios na Prática da Pesquisa e na Ação Pedagógica


Por onde passa, em nosso trabalho de pesquisa, de docência e nas nossas práticas político-pedagógicas (no
âmbito partidário, sindical, etc.) a superação desta postura de desenraizamento e do ecletismo? Pelo
dogmatismo ou pela teoria reduzida a doutrinação? Certamente, como já indicamos acima, a história vem nos
mostrando que esse caminho não nos levou e não nos levará longe.

Como ser teoricamente radical, sem o que não nos situamos no campo da construção cientifica, e não
ser dogmático e doutrinário, já que isto é condição, também, sine qua non da elaboração crítica e
científica? O encaminhamento deste complexo problema, que se explicita, por vezes, como um enigma, é
adequadamente formulado pelos autores indicados no início deste item (3 e que, desenvolvendo suas análises
no interior da .radicalidade. do materialismo histórico, rompem ao mesmo tempo com o ecletismo e com o
dogmatismo. Particularmente, a magistral e pontual síntese de Leandro Konder sobre .O Futuro da
Filosofia da Práxis. (KONDER, L. 1992), nos explicita que é na e pela práxis, na formulação original de
Marx, que podemos, sem abandonar a radicalidade teórica e mesmo política, e sem concessões ao ecletismo,
dialogar criticamente com análises que se fundam em outras concepções da realidade. Konder nos mostra
que este caminho contraditório já era apontado por Gramsci há sessenta anos. Na discussão científica, já que
se supõe que o interesse seja a busca da verdade e o progresso da ciência, demonstra ser mais avançado
aquele que adota o ponto de vista segundo o qual o adversário pode expressar uma exigência que deve
ser incorporada, ainda que como um momento subordinado, à própria construção.Se esta é uma
direção adequada, fica claro que a condição prévia para o trabalho interdisciplinar, tanto a nível de
pesquisa como no trabalho pedagógico, é de que as concepções de realidade, conhecimento e os pressupostos
e categorias de análise sejam criticamente explicitados. O convívio democrático e plural necessário em
qualquer espaço humano, sobremaneira desejável nas instituições de pesquisa e educacionais, não implica
na junção artificial, burocrática e falsa de pesquisadores ou docentes que objetivamente se situam em
concepções teóricas e, forçosamente ideológica e politicamente diversas. A diluição forçada do conflito e
da diversidade não ajuda ao avanço do conhecimento e nem à prática democrática. Se no campo da produção
científica os desafios do trabalho interdisciplinar são grandes, quando passamos para o cotidiano do trabalho
pedagógico percebemos que estamos diante de limites cruciais, que alguns trabalhos recentes (FOLLARI,
R.1991 e De FREITAS, L. C., WARDE, M.1987) nos situam: o limite mais sério, para a prática do
trabalho pedagógico interdisciplinar, situa-se na dominância de uma formação fragmentária, positivista e
metafísica do educador e de outra nas condições de trabalho (divisão e organização) a que está submetido.
De que conformismo é conformista, no plano cultural, teórico e prático este educador? É novamente
Gramsci que nos surpreende ao afirmar que o problema crucial da escola não é sobretudo de reforma
curricular, mas na existência de profissionais que sejam ao mesmo tempo técnicos e dirigentes. O
especialismo na formação e o pragmatismo e ativismo que impera no trabalho pedagógico constituem-se em
resultado e reforço da formação fragmentária e forças que obstaculizam o trabalho interdisciplinar.

Este viés de formação vai situar a questão pedagógica do trabalho interdisciplinar não no processo de
produção e reprodução do conhecimento, mas nos métodos e técnicas de transmissão. Ora, como aponta
Warde (1987), o processo de organização, de distribuição didática e metódica e de articulação do
conhecimento, para não ser aleatório, deve estar necessariamente ligado aos processos concretos de produção
e reprodução do conhecimento dos sujeitos sociais envolvidos no processo de aprendizagem. O educador
tem que aprender a fazer a articulação entre o sujeito que aprende e o sujeito da aprendizagem.

No plano da organização do processo pedagógico, o resultado da concepção fragmentária e positivista da


realidade, vai se expressar de um lado na interminável lista de disciplinas e de outro na divisão arbitrária
entre disciplinas de conteúdo geral, humano e disciplinas de conteúdo específico e técnico. Caminha-se aqui
na direção oposta ao que nos indica o processo científico, na perspectiva que discutimos neste texto. Os
conhecimentos de maior universalidade são exatamente aqueles que tem maior nível de abstração, ou
seja, aqueles conhecimentos que em sua unidade engendram a diversidade.

Apreendidas e sedimentadas, estas bases tem a virtualidade de nos permitir encaminhar criativamente
a solução de múltiplos problemas. Não seria este o sentido de todo o esforço do trabalho interdisciplinar?
Se esta não for a direção, temo que a interdisciplinaridade seja confundida com justaposição arbitrária de
disciplinas e conteúdos. A superação desses desafios, certamente implicam a capacidade de atuar dentro da
dialética do velho e do novo, ou seja, da crítica à forma fragmentária de produção da vida humana em
todas as suas dimensões e, especificamente na produção e socialização do conhecimento e na construção de
novas relações sociais que rompam com a exclusão e alienação.

O caminho, uma vez mais, no âmbito mais geral nos é apontado pela filosofia da práxis. O debate
educacional das últimas décadas avançou bastante neste direção. Sobretudo a discussão sobre escola
unitária e formação politécnica tem significado um esforço de crítica à forma dominante de educação
fragmentária. Percebemos, também, que na medida que novos atores e forças sociais, contra-hegemônicos,
assumem espaços no plano político organizativo da sociedade essas concepções encontram maior espaço de
seu exercício e de seu efeito, como também dos seus limites e possibilidades.

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