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DIFERENÇA entre análise e interpretação: Análise compreende o texto como uma máquina.

Ou melhor, um jogo em que a visão do leitor entra em diálogo com as regras do texto.
ANÁLISE que mostra como o conto se organiza a partir da “mise en abyme” é uma análise
estrutural. Um aspecto da organização do conto que é mais da gramática do texto. HISTÓRIA
DA TÉCNICA: de onde veio, quem usou, quais os tipos e formas.
SISTEMA: qual o lugar daquela técnica no sistema de mundo organizado pelas obras do autor.
Tem a ver com certa compreensão do mundo como aparência. De onde veio? Moralistas
Franceses. Visão da Sociedade Brasileira como um espetáculo de vazio e aparência.
INTERPRETAÇÃO: O que fazer com esses dados? Como o Machado antecipou o modernismo
com suas técnicas retiradas do passado? Como a dimensão política permanece? Como as
relações familiares patriarcais se organizam no conto?
SUPERINTEPRETAÇÃO: quando se sobrepõe a leitura de mundo do leitor a visão de mundo
do texto, sufocando este. EXEMPLO: romance como exemplo de um dado prévio (“a condição
da mulher no século XIX”).
ÉDIPO SEM COMPLEXO: não se trata de uma peça sobre relações subjetivas e parentesco.
Não existe sujeito. É uma peça sobre relações de poder. POR OUTRO LADO a questão
marxista não é só a relação com sua época e seu momento histórico, e sim como pode continuar
interessando públicos de outras gerações.

MISSA DO GALO
TÍTULO: referência ao acontecimento cristão.
*Porque conto tem esse nome? A missa não é o elemento principal, e sim o que acontece entre a
preparação e a não ida.
- É o elemento que torna a história possível (Noronha fica pra missa) e o que impede a história de
acontecer (vai pra missa e não fica com Conceição). É o motor da história e aquilo que a impede.
[LOUSA] Missa do Galo: ambiguidade
AMBIGUIDADE: a missa no início e no fim. Torna possível o desejo, e o interrompe. O que
interessa ao conto é justamente o meio, o intervalo, mas que não será nomeado. O que não se
nomeia é o que interessa.
ELEMENTOS CRISTÃOS: noite de natal, Conceição. E, sobretudo, fala de casamento, regulado
pela igreja nessa época.
NACIMENTO DE CRISTO: Jesus. Nossa Senhora da Conceição, mão de Jesus. Dona Conceição
é também tratada como uma Santa. Conto que se passa na noite de Natal vai colocar em questão
justamente a santidade da Conceição. Provocação indireta: será que Conceição era assim tão
santa?

[LOUSA] Cena I: a pobre Conceição, uma santa


(Conceição como coitada\santa)

Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava
eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do
galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.
*PORQUE ele é incapaz de compreender o que aconteceu? Que existiu desejo sexual está
claro, que o casamento era por conveniência também.
Mas dentro dessa aparente clareza, tudo é obscuro: Quem seduziu quem? Porque não foram até
o fim? Ele imaginou por conta do romance? Qual é a verdadeira Conceição?
AFINAL, A HISTÓRIA É SOBRE O QUE? Adolescente descobrindo amor, mulher que se
emancipa?
1. A PERSPECTIVA do narrador não guarda a VERDADE da história. Narrador não confiável
machadiano. A memória dele é falha.
2. NARRADOR adolescente vindo do interior. Rapaz ingênuo. Se isso explica porque ele não
entendeu na época (ainda que o conto não mostre exatamente isso, pois ele sabia o que fazia),
não explica porque ele continua sem entender depois de velho.

A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em
primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta
acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar
preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da rua do Senado, com os meus livros,
poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas
escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia
a casa dormia.
Apresentação social das personagens
NOGUEIRA: rapazote jovem vindo do interior pra estudar na capital e viver uns tempos na casa
do ex-marido da prima. Ingenuidade e hábitos tranquilos. Rapazote tonto, sem malícia...
CONCEIÇÃO: aquela que concebe. Nome da Virgem Maria, que vai ser a chave de leitura do
narrador.
[LOUSA] AMBIGUIDADE: Virgem Maria (imaculada conceição) ou “aquela que concebe”,
concepção real, carnal (fecundação).
MENESES: homem de posses [SOBRADO – sobrados e mucambos]. Só ele de homem na casa,
cercado de mulheres. Canta de Galo.
COSTUMES VELHOS: conto de 1899. Abolição fazia onze anos. Assim como os hábitos.
*CASA É PERSONAGEM: personagem importante, nesse momento é marcado pela rigidez dos
horários. MENESES é um homem zeloso dos horários.

Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro,
pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à
socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu
soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora,
separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana.

[LOUSA] O TEATRO: metáfora (eufemismo) fundamental


1. O casamento como encenação: grande encenação que é a sociedade. Bela aparência por fora,
mas totalmente desgastado por dentro (quadros manchados)
2. O adultério de Meneses como encenação: ele nomeia literalmente como teatro. O que seria uma
aventura é também uma encenação. Se repete toda semana, se transforma em habito,
conveniência. Rigidez patriarcal.
3. O adultério de Conceição como encenação: de tipo diferente e com outros personagens, mas
também é uma encenação, ainda que de outro tipo, bem menos rígido. Acontece outra coisa ali,
mais misteriosa, mas não menos encenada. Mesmo o contraponto é encenação.
LOUSA: Mise em abyme: o teatro (adultério) dentro do teatro (casamento) e, dentro desse, um
teatro (Conceição e Noronha).
TUDO É TEATRO, mas não é tudo equivalente. Uma coisa é o teatro escroto do Menezes, outra
é o teatro libertário de Conceição. Mas só sobrevive quem se adequa ao teatro e joga o jogo

ROMANTISMO: aconteceria caso de amor verdadeiro e eles ficariam juntos ou morreriam de


amor.
REALISMO: o adultério aconteceria e seria tão ruim quanto o matrimônio (Mdm Bovary).
MACHADO: o acontecimento principal se perde, e é em torno dessa dúvida que o conto gira.
Como os sujeitos se comportam em um reino de aparências?

EXEMPLO: Pai contra Mãe. Machado retira o suporte ético das escolhas fáceis. Cada lado
escolhido tem implicações e nos força a reconhecer mesquinharia das escolhas. E se não houver
certeza que você está do lado do bem?

NARRADOR nunca foi ao teatro: se teatro é metáfora pra história e reino das aparências, da
pra dizer que ele é despreparado para aquele mundo.

MENESES: o que dá para falar sobre ele?


OPOSTO de Noronha: Cercado de mulheres, vulgar e sensual. Homem direto, decidido, que não
dá explicações. O grande protagonista em cena. Para ele tudo é permitido, não precisa se justificar.
HÁBITOS RÍGIDOS: até o adultério é regrado. E todos sabem.

MULHERES
AMANTE: mulher separada do marido. No século XIX mulher separada era absolutamente
marginalizada. Só podia se divorcia em casos extremos de violência pública e, ainda assim, era
estigmatizada socialmente.
RELATOS do século XX sobre divórcio:
“Era loucura separar-se! Minha mãe sofreu pressões da própria família quando se separou de meu
pai. Perdeu as amizades, as pessoas afastaram-se dela. Parecia doença contagiosa! Se ela saísse
era mal vista, “mal falada”. Tinha que a partir daí ser uma reclusa. A única opção que ela teve foi
de voltar a estudar, para poder arranjar um trabalho, pois ela não tinha profissão nenhuma, a não
ser dona de casa”.
“Eu quando me separei, perdi todas as amigas que tinha. As solteiras, por que era feio andar com
mulher desquitada, e as casadas porque eu representava um perigo maior, o de tomar os maridos
delas ou ainda me tornar amante deles”. [sororidade vai pro saco]

PROVÁVEL MOTIVAÇÃO DE CONCEIÇÃO: aqui está dada a motivação (traição) da


vingança por parte de Conceição.
Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se,
acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.

O que vocês acham dessa ideia?


Sofrimento (dor da traição) – resignação (“fazer o que?”) – costume (não liga mais) – achar que
é certo (???)
TEMPORALIDADE AMPLA do sofrimento.
Esse último ponto é estranho, e pinta a imagem de uma mulher resignada, que vai se confirmar
depois. É uma perspectiva... e Machado sempre mostra que as vontades se adequam a necessidade.
CONCEIÇÃO NÃO SE MOSTRA TÃO RESIGNADA: ou melhor, ela pode até se mostrar, mas
será que ela é, de fato?
NARRADOR bastante preso ao que é mais visível. ACHA que o teatro é teatro mesmo. Acha que
a esposa Conceição e a Mulher são a mesma. Não sabe lidar com a ambiguidade.

Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os
esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem
grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria
um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e
passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa
simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não
soubesse amar.

Como Conceição é descrita?


[LOUSA] CONCEIÇÃO: fútil, sem graça, sem desejos.
APEGADA AS APARÊNCIAS: a norma social é lida na chave da futilidade feminina (“aceitaria
um harém”). Mas é o narrador que não consegue sair da superficialidade, e confunde o desejo de
Conceição com aquilo que ela representa. NARRADOR não conhece o TEATRO.
FIGURA MEDIANA: imagem de uma mulher insípida, desprovida de desejos e sem atrativos. O
conto vai criar uma atmosfera em que essa visão do feminino se altera por completo. E o narrador
não é capaz de explicar.
ENGESSAMENTO DA PERSONAGEM: Descrição engessada, que vai contrastar
completamente com a parte seguinte do conto, quando ela começar a se movimentar. Como JOSÉ
DIAS é descrito de forma engessada.
* MISTÉRIO DE CONCEIÇÃO: o mesmo enigma de Capitu – qual será a verdadeira? A boa
esposa santa, ou a Cleópatra sedutora de jovens? Leitores escolhem seu time. Machado está
interessado nas máscaras, e o que elas revelam.
BOSI: A máscara e a fenda (Livro: o enigma do olhar)
GUIMARÃES: O Espelho. Interesse pelo que está atrás das máscaras. Fatos são a ponta de um
mistério. “Quando nada acontece, existe um mistério que não estamos vendo”.

[LOUSA] LUGAR SOCIAL DE CONCEIÇÃO: 1. Nogueira não era parente de Menezes. 2.


Conceição casou tarde, perto dos trinta. Meneses era um bom partido. 3. Casal não tem filhos
(culpa sua atribuída a esposa), o que é um problema para mulher. 4. Aparentemente ele é mais
velho que ela.
NARRADOR RESPONSABILIZA CONCEIÇÃO INDIRETAMENTE: Culpada por não reagir.
E é sem graça, por isso marido não se interessa. De todo modo, narrador parece ter mais raiva de
Conceição do que de Meneses nesse momento.

A MULHER DE RESPEITO deveria aparecer exatamente dessa forma, desinteressante e sem


desejos.
Mary Del piore – História da Mulher no Brasil: “De qualquer forma, já não é tão difícil fugir à
pecha de mulher da rua, pois no passado nem ser casada resolvia: era preciso parecer casada, ou
seja, vestir-se, falar e portar-se como tal. Nada de decotes ou panos diáfanos sobre os seios. Nada
de mostrar os dedos do pé, muito eróticos. Nada de perfume ou maquilagem. Era vaidade
condenável tanto sorrir demais e mostrar dentes bonitos, como sorrir de menos para não mostrar
dentes ruins. Ficar à janela era coisa de “mulher melancólica”.
Mary Del piore – História da Mulher no Brasil: “Amor era um sentimento que se devotava
exclusivamente a Deus; ao marido, a mulher devia mera obediência, reverência e temor. O
marido, por sua vez, deveria sentir apenas piedade da esposa. Um casamento nesses moldes, sem
excitação ou afeto, era considerado ideal. Indiretamente, então, reforçou-se o papel da prostituta
e da amante na sociedade colonial. Ela já existia, é verdade, quando os portugueses voltaram para
a colonização. No período posterior, porém, não havia situação intermediária: ou a mulher era
“da casa” ou era “da rua”. Santa ou puta.
Conceição era a da casa, sem sexo - A amante divorciada era a da rua, sem status social.
DOIS PARADIGMAS PATRIARCAIS: santa e puta. A que é para casar e aquela que é fácil, fica
com todo mundo. Conto vai justamente borrar essa distinção, e talvez seja justamente isso que
Noronha não entenda...

* CONCEIÇÃO ERA ASSIM OU APARENTA SER? Mistério do conto.

Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia
estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A
família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali
passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma
estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
- Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.
- Leio, D. Inácia.
O que chama a atenção nessa passagem?
MEMÓRIA: A memória do narrador falha. Conto publicado em 1983, portanto a história tem
cerca de 20 anos, e o narrador quase quarenta.
AMBIGUIDADE: não lembra da data, mas lembra o episódio completo (Comigo acontece direto:
lembro daquele dia com a crush).
DADO ESTRUTURAL: momento descrito com maior precisão é o que mais gera dúvidas.
ADULTÉRIO NO NATAL: Meneses vai encontrar a amante em plena noite de Natal, o que
mostra o pouco valor dado a esposa [será que é por isso que Conceição resolve se vingar?]
TRÊS chaves na porta: escrivão, Noronha e outra geral, da casa. Nenhuma chave com Conceição.
Só quem pode ir e vir livremente são os homens.
[LOUSA]
TEMPO: férias. Já era para ter ido pra casa, mas ainda não foi. Suspensão do tempo normal...
ESPAÇO: Sala de Visitas: aventura se passa entre os quartos e a rua. Ou entre a Missa do Galo
e o quarto de Conceição. Entre o sagrado e o profano. Entre o desejo e a religião. É nesse
entre-lugar que vai se dar o quase acontecimento.
* PORQUE o narrador, que já revelou o truque, diz que ele vai ao teatro e não encontrar a amante?
Narrador também preserva as aparências? Ironia do Machado de Assis?

[LOUSA] Cena II: o jogo

Tinha comigo um romance, os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do


Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene,
enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D’Artagnan e fui-me às
aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas.
ROMANCE DE AVENTURA: jovens aventureiros. Figura do homem heroico. A imaginação do
narrador também não é confiável, que pode ter romantizado a história.
D’ARTAGNAM: é o mais romântico das personagens. Ousado, intrépido. O oposto do narrador
apegado as convenções.
NORONHA LEITOR: romance revela o tipo de leitor que ele é. Leitor do romantismo, dos
grandes gestos, dos sentidos explícitos. Incapaz de sutileza, acredita que Conceição é incapaz de
amar, porque para ele o amor é o que aparece nas novelas.
TAMBÉM O LEITOR MACHADIANO é incapaz de sutilezas. Também é a expectativa do leitor
machadiano, que espera por grandes aventuras.

Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater
onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi
dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de
jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
- Ainda não foi? Perguntou ela.
- Não fui; parece que ainda não é meia-noite.
- Que paciência!

TEMPO: conto se passa em apenas uma hora.


CLIMA: clima de mistério e fantasia. Conceição é um vulto que surge, quase fantasmagórico.

Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da a1cova. Vestia um roupão branco,


mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o
meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim,
perto do canapé.
CHINELINAS DA ALCOVA: denota certa intimidade. Detalhes com conotação de sedução.
ENQUADRAMENTO DO OLHAR: visão constrói um outro tipo de Conceição, que torna ainda
mais ambígua. SERÁ QUE ELA realmente estava mais solta e livre, ou foi ele que estava
influenciado e bêbado de Dumas?
CLIMA DE IMPRECISÃO ROMÂNTICA: O conto vai se esforçar por minar as possibilidades
de definição de fronteiras entre realidade, fantasia, desejo e mal-entendido.
AMBIGUIDADE: imprecisão dos gestos, imaginação do narrador contribuem para minar a
realidade. Ao mesmo tempo, existe uma riqueza enorme de detalhes na descrição.

CONTO SE INTERESSA justamente por esse intervalo entre a minúcia dos gestos e da descrição
e o imponderável do sentido [VILAÇA]
“O conto vale por esta difícil e dupla realização: Machado não perde a atmosfera das impressões
sensuais, a errância dos desejos que não se cumprem, a volatilidade da inclinação erótica; e
também não deixa de mostrar a rigidez dos papeis sociais, o confinamento da mulher, a solidez
da casa burguesa com seu mobiliário de valores. A "conversação" supõe, de fato, a tensão entre
essas duas instâncias”.
*NUMA sociedade marcada pela aparência, onde é possível expressar os desejos?

[LOUSA] CONTRASTE ENTRE AS PARTES:


1. Rigidez, costumes, hábitos, assepsia, silêncio, imobilismo. Sem romantismo.
2. Mistério, ambiguidade, desejo, movimento, fala.
[VILLAÇA] Minúcia da descrição (restrições sociais) X Imponderável do sentido (desejos
sensuais)

[LIBERDADE FEMININA]
CONCEIÇÃO FANTASMAGÓRICA: A aparição algo fantasmagórica da mulher num roupão
branco, na meia-luz da sala, quebra os hábitos da casa, que são rígidos. Apresentando uma figura
mais viva, ativa, bela, fora do cativeiro social e religioso.
Parte 1: Menezes não fala, Conceição não fala e não se move. Parte 2: linguagem do conto muda.
Personagens falam muito. Conceição se move o tempo todo.
LIBERDADE FEMININA aparece sob efeito quase mágico. Ao mesmo tempo é encantamento
do narrador (beleza, libertação e algo que se vê em raros momentos) e fantasmagoria, porque não
tem espaço de realização social.

DIFERENTE do naturalismo, que vai descrever mais diretamente, mas vai reduzir mulheres a
desejos e impulsos animalescos. Conceição e Capitu são muito mais inteligentes e interessantes
que Luísa.

EÇA DE QUEIRÓZ
"Basílio achava-a irresistível; quem diria que uma burguesinha podia ter tanto chique, tanta
queda? Ajoelhou-se, tomou-lhe os pezinhos entre as mãos, beijou-lhos; depois, dizendo muito
mal das ligas 'tão feias, com fechos de metal', beijou-lhe respeitosamente os joelhos; e então fez-
lhe baixinho um pedido. Ela corou, sorriu, dizia: 'não! não!' E quando saiu do seu delírio tapou o
rosto com as mãos, toda escarlate; murmurou repreensivamente:
- Oh, Basílio!
Ele torcia o bigode, muito satisfeito. Ensinara-lhe uma sensação nova; tinha-a na mão!".

CRÍTICAS A EÇA: Machado crítica Eça. Personagens sem interesse moral, sem ambiguidade e
sem profundidade. O acessório, que é a descrição da putaria, se torna o principal e faz a história
perder interesse (tipo filme pornô, em que o enredo importa pouco – entregador de Pizza)

Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu
com presteza:
- Não! qual! Acordei por acordar.
Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de
dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma
coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente
por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa.

ACORDOU por acordar ou havia ficado acordada esperando o marido sair?


DISSIMULAÇÃO: narradores sempre interpretam gestos e ações das personagens femininas em
termos de manipulação.
EXEMPLO: Capitu e seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada. DESEJO feminino como traição
da condição mesma de mulher “séria”.
MISSA DO GALO: 1883 DOM CASMURRO: 1899 – Machado vai aprofundar o jogo entre
narrador não confiável e manipulação. AQUI a manipulação é um dado menor.

DOM DE ILUDIR (Caetano Veloso)


Não me venha falar da malícia de toda mulher [dissimulação]
Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é [muito mais complexo]
Não me olhe como se a polícia andasse atrás de mim [culpa]
Cale a boca, não cale na boca notícia ruim
Você sabe explicar [homem é o lugar do saber. Aquele que é]
Você sabe entender [Mainsplain]
Tudo bem
Você está, você é [ser\estar]
Você faz, você quer [fazer\querer]
Você tem
Você diz a verdade
E a verdade é o seu dom de iludir [verdade é a condição social de superioridade. O que ele diz
se torna verdadeiro, independente do que seja]
Como pode querer que a mulher vá viver sem mentir? [gesto feminino só pode aparecer como
jogo, manipulação, porque as regras são dos homens]

CORPO X FALA: os corpos contradizem ou mudam os sentidos do que é dito.


- Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.
- Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho!
Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.
- Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo.

Nova sugestão de fantasia. Ele é suscetível, pois se assusta.

- Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros. \\ - Justamente:
é muito bonito. \\ - Gosta de romances? \\ - Gosto. \\ - Já leu a Moreninha? \\ - Do Dr. Macedo?
Tenho lá em Mangaratiba.
- Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que
você tem lido?

- NOVAMENTE a imaginação romântica, agora com um romance clássico brasileiro, bem água
com açúcar, de final feliz. Não é de aventuras, mas de reencontro amoroso.
- O assunto é inocente (será que chove) ou CONCEIÇÃO puxa o assunto para romances de amor?

Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no


espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em
quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse
nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e
sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os
grandes olhos espertos.

- Descrição dos movimentos de sedução, com profunda atenção do narrador. Olhos, boca. Aqui
os movimentos dos corpos e o olhar fixo e ágil.
[REPRESENTAR A CENA].
IMPORTÂNCIA do silêncio. O silêncio diz mais do que as palavras.

- Talvez esteja aborrecida, pensei eu.


E logo alto:
- D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...

- Porque ele decide ir embora? Não percebe por ingenuidade? Não tem interesse? Ou tem medo?

- Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você,
perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
- Já tenho feito isso.
- Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei
de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
- Que velha o quê, D. Conceição?

PRIMEIRA meia hora ele ainda está reticente.


AMBIGUIDADE: Estou ficando velha pode ser comentário sincero, pois sua condição social de
mulher de 30 anos sem filho é considerada velha, ou pode ser uma isca pra receber um elogio e
sondar o interesse.
NARRADOR começa a se mostrar interessado.

Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e
as atitudes tranquilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e
deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho
honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço
no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como
naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou consertando a posição
de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o
círculo das suas ideias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela
sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.

PALAVRAS calorosas: narrador sai da posição de passividade.


*JANELA DA RUA X GABINETE DO MARIDO: liberdade ou prisão. Corpo ganha velocidade.
Deixa de estar presa.
AO OUVIR O CALOR DAS PALAVRAS se levanta e se afasta, e passa a ajeitar a casa.
“COMO QUEM LHE CUSTA LEVAR O CORPO”: corpo como peso. Peso social que é preciso
carregar. Para as mulheres em Machado corpo é um peso.
ESCRAVA LUCRÉCIA: tossia para dentro
“Damião olhou para a pequena; era uma negrinha, magricela, um frangalho de nada,
com uma cicatriz na testa e uma queimadura na mão esquerda. Contava onze anos.
Damião reparou que tossia, mas para dentro, surdamente, a fim de não interromper a
conversação”.
CUIDADO com a casa: metonímia para o casamento? Os gestos revelam o interior de Conceição.
Palavras vão perdendo o sentido.

- É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.

Definição de TÉDIO: que triste são as coisas, quando consideradas sem ênfase – Drummond. Ao
mesmo tempo, pode ser isca “será que não quer algo a mais”?

- Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte
é mais bonita que na roça. São João não digo, nem Santo Antônio...
Pouco a pouco, tinha-se inclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o
rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas, as mangas, caíram naturalmente, e eu
vi-lhe metade dos braços, muitos claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não
era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão
que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do
meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que
pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca.
Falava emendando os assuntos, sem saber por quê, variando deles ou tornando aos
primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos.
Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-
lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:

[ANTIREALISMO] SUGESTÕES eróticas, que aqui se aproximam das descrições realistas


(descrição das veias azuis). Mas essa precisão não deixa reconhecer a verdade por trás dos gestos.
Esse é o ponto anti-realista de Machado de Assis.
PALAVRAS: As palavras vão ficando cada vez mais vazias, perdendo o sentido. Se antes a
descrição era metódica, e metáfora era decifrada rapidamente (teatro é amante) aqui os sentidos
se perdem, porque sua função é quase fática de fazer prolongar o clima amoroso. FUNÇÃO
FÁTICA.
A MEDIDA em que a fala vai perdendo o sentido, o CORPO de CONCEIÇÃO vai se tornando
mais nítido (dentes, olhos, nariz, veia, braços). O que é realidade e o que é imaginado?
DE SEDUZIDO passa também a sedutor: fala apenas para vê-la sorrir. TOMADO de Conceição.
“Falava emendando os assuntos”: O ritmo dos movimentos se acelera. Excitação erótica.

- Mais baixo! Mamãe pode acordar.


- ELA está no controle do rapaz com ejaculação precoce. A voz adquire carga física, como
gemidos ou gritos.

E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras.
Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido; cochichávamos os dois, eu mais que ela,
porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida.
- Porque ela ficava séria? Charme? Descontente com ela mesma? Arrependida? Faz parte do jogo?

Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado,
no canapé. Voltei-me, e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou
em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas.
SEDUÇÃO: jogo de revelar e ocultar

Conceição disse baixinho:


- Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não
pegava no sono.
- Eu também sou assim.
- O quê? Perguntou ela inclinando o corpo para ouvir melhor.
Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti a palavra. Riu-se da
coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
- É ele quem vai sentar perto dela nesse momento.

- Há ocasiões em que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na
cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.
- Foi o que lhe aconteceu hoje.
- Não, não, atalhou ela.
Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse.
CONCEIÇÃO se contradiz: Afinal, acordou ou estava acordada.

Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque
acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera
um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente,
longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou
uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava novamente na
palavra. De quando em quando, reprimia-me:
- Mais baixo, mais baixo...
- Narrador por um lado tem memória ruim. De outro, lembra de cada um dos gestos de Conceição.
DESCRIÇÕES precisas não contém toda a complexidade das motivações.
SONHOS: nova referência
- Está seduzindo, jogando conversa fora, ou está solitária e quer de fato conversar, coisa que não
é possível com o marido? Porque ela realmente puxa a conversa...

Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos,
cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado
para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-
me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente.
Ela se oferece a ele ou ela se esconde dele (fechou apressada ou vagarosamente?). Quando
ele se empolga ela corta o barato. Parece estar no controle da situação.

Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me,


atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas
simpática, ficou linda, ficou lindíssima.
TALVEZ seja essa a grande questão do conto. O que faz dela lindíssima e como se realiza essa
passagem? Ela se insinua? Ele imagina? Os fatos descritos são assim, ou são imaginados? Qual a
verdadeira Conceição – a simpática (santa) ou a lindíssima (puta)?

[Lousa] Cena III: fim de intervalo

Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu,
pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa;
mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira,
onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou
de duas gravuras que pendiam da parede.

ARREPIO: culpa ou tesão? Ou os dois – percebe que a coisa esquenta e decide cortar? De todo
modo, a partir daqui a coisa esfria.
ESPELHO: para Machado, o espelho é objeto que reflete o lugar social do sujeito, aquilo que o
sujeito aparenta. Um mulher que é mais um objeto decorativo para Menezes.
RETORNO DA CASA: se antes só havia o CORPO de Conceição e palavras vazias, agora retorna
o peso da casa com todo impacto.

- Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.
CHIQUINHO: intimidade recoloca o marido no lar, mais próximo. A CASA é o próprio marido.
QUADROS envelhecidos com mulheres refletem em alguma medida a própria idade de
Conceição, que sai do devaneio jovem.

Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um


representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares
ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
CLEÓPATRA: figura sedutora e bela, mas que agora está envelhecida, deslocada. A
pergunta do conto é: santa ou Cleópatra?
Noronha não considera os quadros vulgares algo negativo. Pensa da perspectiva masculina,
que entende Menezes e não entende o sofrimento de Conceição.

- São bonitos, disse eu.


- Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas
santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
Mais próprios para ambientes masculinos. Menezes não tem o menor apreço por família.

- De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.


- Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e
naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que
não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa assim esquisita. Seja o que for,
não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito
bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.

Conceição Deixa o papel de Cleópatra e retorna ao papel de Nossa Senhora. A encenação acabou
e Conceição retorna a seu papel social, levando consigo Noronha

A ideia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo.
Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura,
com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja.
Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns
casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando
cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe
diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara
aos vinte e sete anos.
Toca a falar de si e do casamento. Conceição retoma a voz, mas agora para falar de
amenidades e cortar o clima, trazendo o narrador de volta a realidade.

Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não
tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
- Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.
Entrou no modo dona de casa sem graça do início. Atitude estática. Olhos que eram vivos se
tornam parados e fixos.
A fala se torna interna. Antes as palavras eram inúteis porque os corpos eram mais importante.
Agora elas se tornam esvaziadas também de corpo.

Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer
que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia
esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a ideia de
parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição.
A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
Chegamos a ficar por algum tempo, - não posso dizer quanto, - inteiramente calados. O
rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela
espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando.
Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do
galo! missa do galo!"
SUGESTÃO DE DESPERTAR: despertar daquele intervalo em que os desejos navegam sem
atracar.
RATO: Podridão da sociedade patriarcal. O rato está roendo o gabinete, o escritório do marido
traidor, aquele teatro está podre. Quadros manchados, instituições falsas, em que todos
representam papeis em que ninguém acredita.

- Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-
lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.
- Já serão horas? perguntei.
- Naturalmente.
- Missa do galo! repetiram de fora, batendo.
-Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus; até amanhã.
Dupla negativa curiosa: Adeus; diz que nunca mais irá se repetir. Até amanhã fala da continuidade
das relações teatrais tradicionais.

E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando
mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa,
a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos
meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava
na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural,
benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para
Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro, em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia.
Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que
casara com o escrevente juramentado do marido.

Balanço do corpo: de quem sente o corpo como um peso.


CONCEIÇÃO se interpõe entre ele e o padre. O desejo que se coloca entre os rituais sociais, mas
que só se realizam no campo do imaginário, ou da fantasia.
MACHADO cria um conto sobre a fantasia, o desejo enquanto sedução. Os fatos são marcados
por ritualismo vazio que não permitem aos sujeitos viverem e realizarem seu potencial. Por isso
cria um espaço espectral e intervalar que permite a esses sujeitos encenarem relações mais livres.
ALGO pode ter despertado em Conceição aquela noite, em que ela tem coragem de criticar o
marido, e encenar uma revolta. Ela muda o papel da sala.

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