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Teomísia, enquanto refletia sobre o vazio do lado oposto da cama, depois de ele
ter ido embora, bebeu.
E não sentiu falta dele, também porque faltaram e não faltaram a ela nesta hora
todos os que tinham deixado esse vazio naquela mesma cama. Faltaram-lhe
seus pais, seus avós. Não lhe faltara alguém, mas faltava-lhe alguém, de alguma
maneira Teomísia sabia disso sem chegar a se perguntar. Bebeu.
Esses eram pessoas quaisquer, com aspirações iguais às de tantos outros cheios
de superficialidades tais que Teomísia as reconhecia no vestir dos rapazes e seus
amigos. Eram pessoas quaisquer, com aspirações. E Teomísia não as errava.
O vinho afagou Teomísia mais uma vez. Não merecia a solidão, lembrou-se.
Analisou-se e lembrando do espelho viu-se bonita, linda na verdade. Mulher
forte e alta, cabelos longos indicando o quanto gosta de si mesma, olhos
profundos e grandes denotando o calor humano de que tanto orgulho tem,
nariz comprido e traços de expressão ao redor da boca que denunciam a
personalidade marcante herdada da avó. Definitivamente mesmo, eles não
mereciam Teomísia.
No mesmo instante, que todavia já se alongava, pois o tempo também por vezes
se rende a Baco, então, nesse frágil momento na penumbra da vida, do alto
viram-se delicadamente ocupados os dois lados da cama.
E por não ter mais a quem acariciar, Teomísia entregou seus afagos a si mesma,
imagem refletida, olhando-se nos olhos, canhota. Via-se em carne e osso, nua,
com os mesmos traços de expressão ao redor da boca que conhecia do espelho
a sorrir-lhe, porém exalando agora hálito quente. Sorriu, amável e feliz, mas a
imagem não era só espelho e por isso não lhe sorria de volta, a Teomísia do
outro lado da cama olhava com doçura mas séria, como quem pede calor e tem
calor a dar. E desta vez sem enfado Teomísia, a de cá, o que já não faz mais
diferença mas por enquanto ainda é nosso dever narrativo diferenciar, a de cá,
sem enfado entregou seus carinhos, intuindo de que era merecedora de todos
eles quem os receberia.
Amava.