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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Instituto de Psicologia

José Maurício Bigati

Psicose, dor e escrita: a produção na melancolia

Rio de Janeiro
2009
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A

B592 Bigati, José Mauricio.


Psicose, dor e escrita: a produção na melancolia /
José Mauricio Bigati. - 2009.
88f.

Orientadora: Rita Maria Manso de Barros.


Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia.

1. Psicoses - Teses. 2. Melancolia – Teses. 3. Escrita


– Teses. 4. Linguagem – Teses. 5. Psicanálise – Teses.
I. Barros, Rita Maria Manso de. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psicologia. III.
Título.

CDU 616.895

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou


parcial desta dissertação.

____________________________________ _____________
Assinatura Data
José Maurício Bigati

Psicose, dor e escrita: a produção na melancolia

Dissertação apresentada como


requisito parcial para obtenção do
título de Mestre, ao Programa de Pós-
Graduação em Psicanálise da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro.

Aprovada em: 01de julho de 2009.

Banca examinadora:

____________________________________________
Profª. Drª. Rita Maria Manso de Barros (Orientadora)
Instituto de Psicologia da UERJ

_____________________________________________
Prof o. Dr o. Marco Antonio Coutinho Jorge
Instituto de Psicologia da UERJ

_____________________________________________
Profª. Drª. Maria Anita Lima Carneiro Ribeiro
Universidade Veiga de Almeida

Rio de Janeiro
2009
AGRADECIMENTOS

Quero exprimir minha gratidão e admiração aos mestres com quem pude
contar para a realização deste trabalho. Primeiramente a Maria Anita Carneiro
Ribeiro, que com irreverência, delicadeza e rigor me estimulou e ensinou caminhos
sólidos por onde pude caminhar. Ao professor Marco Antônio Coutinho Jorge quero
deixar minha admiração e apreço pela amizade e solidez de sua prática. A Rita
Manso quero agradecer a aposta sempre firme, confiante e solidária nesta jornada.
Quero também lembrar e agradecer os professores Luciano Elia, Sônia Alberti e Ana
Costa.
Aos amigos do peito Helisson e Fernanda Coutinho, à família Alves
Queiroz na figura de Felipe, ao super Hugo Lima e aos colegas de turma Fabrício e
Matheus minha sempre presente gratidão e amizade. Ás queridas Cidinha
Cembraneli e Lídia Consalter agradeço a amizade “maternal” e ao querido Henrique
de Aragão um obrigado do tamanho do cosmos.
Agradeço fundamentalmente a CAPES pela bolsa de pesquisa concedida;
e ao Instituto Municipal Philippe Pinel pela rica experiência clínica.
Finalmente agradeço aos meus pais pela parceira, sem a qual tudo seria
muito mais difícil.
RESUMO

BIGATI, José Maurício. Psicose, dor e escrita: a produção na melancolia. 2009.


88f. Dissertação (Mestrado em Psicanálise) – Instituto de Psicologia, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.

Interrogada desde Aristóteles, a melancolia é um diagnóstico que em


psicanálise situa-se dentre as psicoses. Diferente do sujeito da neurose que, frente à
perda do objeto, passa pelo trabalho de luto para que outro objeto venha a ocupar o
investimento da libido; na melancolia a sombra do objeto perdido oculta o brilho de
qualquer outro objeto na economia subjetiva do sujeito, uma vez que este introjeta o
afeto ligado ao objeto perdido, com fundamentou Freud em “Luto e Melancolia”. A
partir de Lacan, a psicose é especificada pela falta do significante Nome-do-Pai, sem
o qual as edificações do sujeito estão sujeitas ao desmoronamento psicótico.
Usando como ferramenta o inconsciente estruturado como linguagem, abordaremos
a peculiar verdade que aponta o melancólico, examinando suas singularidades
clínicas e a função de sua produção escrita. Para tal, nos valeremos de poesias
recebidas de um paciente e de belas composições da poeta Florbela Espanca.

Palavras-chave: Psicose. Melancolia. Escrita. Linguagem. Psicanálise.


ABSTRACT

Questioned since Aristotle, melancholy is a diagnosis that in psychoanalysis is


situated among the psychosis. Different from subject of the neurosis, which, facing
the loss of the subject goes into mourning so that another object comes to occupy
the investment of the libido; in melancholy, the shadow of the lost object hides the
shine of any other object in the subjective economy of the subject, once this introjects
the affectiveness linked to the lost object as fundamented by Freud in “Mourning and
Melancholy”. From Lacan psychosis is specified by the lack if the meaningful Name-
of-the Father, without which, the edifications of the subject would be subject to a
psychotic crack down. Using as a tool the structured unconsciousness as language,
we shall focus the peculiar truth that points to the melancholy, examining its clinical
singularities and the function of its written production. For such we shall use the
poems received from a patient and the nice compositions of the poetess Florbela
Espanca.

Keywords: Psychosis. Melancholy. Written. Language. Psychoanalysis.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ………………………………………………………………. 07

1. CAPÍTULO 1. OS PRIMÓRDIOS DO SUJEITO ..................................... 10

1.1. As exigências da vida ........................................................................... 10

1.2. A Coisa Materna e a pulsão .................................................................. 12

1.3. Coisa e a palavra ................................................................................... 13

1.4. Psiquismo, linguagem e afasias .......................................................... 15

1.5. O Outro e o outro .................................................................................. 21

2. CAPÍTULO 2. UM SUJEITO EM QUESTÃO .......................................... 23

2.1. O desenvolver da libido ........................................................................ 23

2.2. Édipo e desejo ....................................................................................... 28

2.3. Questão preliminar ................................................................................ 34

2.4. A trilha de Freud .................................................................................... 40

3. CAPÍTULO 3. PSICOSE E MELANCOLIA ............................................. 45

3.1. Melancolia: um breve histórico ............................................................ 45

3.2. A libido que escorre pelo ralo .............................................................. 47

3.3. À sombra do objeto ............................................................................... 49

3.4. As fases pré-genitais e a melancolia ................................................... 52

3.5. A melancolia e o ensino de Lacan ....................................................... 56

3.6. A verdade na melancolia ...................................................................... 60

4. CAPÍTULO 4. MELANCOLIA E ESCRITA ........................................... 64

4.1. A produção escrita em psicanálise ..................................................... 64

4.2. Estruturas de escritas melancólicas ................................................... 67

4.3. O Real em Florbela Espanca ................................................................ 70

4.4. Escrita e experiência clínica ................................................................. 76

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 83

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................... 85


7

Introdução

No instante em que começava a dominar as condições da natureza e garantir


sobrevivência, o homem também iniciava um processo que o levaria a pensar a
respeito de sua própria razão de existir. Diferentes religiões e explicações ao longo
dos tempos vieram ao encontro do sentido para a existência humana, e pode-se
dizer que muito do que produzimos enquanto cultura girou em torno desta resposta.
Entretanto, se o universo de objetos que produzimos na cultura alivia a angústia e o
vazio existencial, nunca fomos poupados, por mais que quiséssemos evitá-los,
daqueles aos quais nada deste mundo convoca a sorrir. Ocuparemos-nos aqui da
profunda dor chamada melancolia.

Formada pela associação das palavras gregas kholê [bílis] e mêlas [escuro], a
melancolia nem só foi vista pela cultura como algo apenas depreciativo em si
mesmo. Aristóteles questionava-se sobre os motivos pelos quais as pessoas que se
destacavam em política ou artes tendiam à melancolia. Muitas vezes confundida
com a tristeza ou com a depressão, em psicanálise o diagnóstico da melancolia
aponta para a estrutura psicótica já que o melancólico carece de um significante que
construa sobre si mesmo, a partir de sua própria experiência, uma referência que
situe seu desejo.

Este estudo não se propõe diferenciar os quadros nosológicos que abordam a


tristeza e a dor de existir, ou tampouco as diferentes formas com que o real se
apresenta na clínica da psicose. É, antes, uma pesquisa que tenta fundamentar a
estrutura psicótica onde se encontra a melancolia, examinar um conjunto teórico que
fundamenta seu conceito, e, junto à experiência clínica, principalmente a partir da
produção de uma escrita, avaliar as (im)possibilidades de (re)construção simbólica
em terreno tão árido.

A particularidade da melancolia chama-nos a atenção, pois em seu mecanismo


psíquico, desnuda o objeto ao mesmo tempo em que cava seu abismo. As
proposições desta dissertação registram que a melancolia aponta o inconsciente a
céu aberto onde o recalque e a função fálica não operam; e que sua peculiaridade
reside no psiquismo que em nada consegue aderir, provocando dor resultante do
vazio experimentado pelo sujeito.
8

O objetivo em questão atenta à verdade da melancolia que fundamenta este


profundo vazio, razão da miséria e indignidade melancólicas. Para tal utilizaremos de
relatos clínicos e de escritos melancólicos, tendo como ferramenta a concepção do
inconsciente estruturado como linguagem.

Pode-se fazer uma apropriação deste trabalho dividindo-o em duas partes. Os


dois primeiros capítulos priorizam dissertar sobre os conceitos psicanalíticos que
importarão para compreender o funcionamento psíquico da estrutura psicótica onde
se localiza a melancolia. Por conseguinte, nos capítulos posteriores, serão
destacadas as considerações clínicas da melancolia e a produção de sua escrita,
bem como a função que esta apresenta.

Deste modo, no primeiro capítulo abordaremos a condição de dependência


pela qual o humano chega ao mundo e sua relação ao Outro primordial sob o qual o
irá estruturar todas as suas representações. Observaremos também a fundação do
psiquismo a partir da linguagem e suas funções. Ao sujeito constituído de linguagem,
será ou não possível uma nomeação do seu desejo, uma inscrição que enxerta um
nome, um significante.

Adiante, o segundo capítulo trata de examinar a dinâmica pulsional e a função


inconsciente do falo para apontar na psicose uma questão quanto ao desejo, relativa
ao percurso edípico e à castração. Em Lacan, apontaremos à falta de um
significante que sustenta a função fálica, que chamamos de Nome-do-Pai. Partindo
do percurso traçado por Freud, a partir da economia libidinal será exposta a
diferença estrutural existente entre neurose e psicose.

O desenrolar do terceiro capítulo estabelece a singularidade da melancolia


dentro da clínica psicótica, a partir das pesquisas realizadas por Freud. O ensaio
“Luto e Melancolia” é discutido no intuito de compreendê-lo a partir dos diferentes
posicionamentos freudianos relativos à pulsão. Trataremos das contribuições de
Lacan para a compreensão da clínica da melancolia e dissertaremos sobre a
verdade que nela se encerra, bem como sobre a ligação pulsional da melancolia às
fases pré-genitais.
9

No quarto capítulo articularemos a escrita ao campo da melancolia.


Primeiramente apontaremos como em psicanálise a escrita é observada e o que ela
representa. A produção escrita da melancolia, neste ponto, faz-nos questão, uma
vez que ela se dá mediante um furo no simbólico. Afinal, de onde vem tal inspiração
e, além disso, qual seria sua função, se é que existe alguma? Para tanto,
utilizaremos um recorte poético de Florbela Espanca, que nos apresenta o ápice de
dor e beleza da produção escrita na melancolia.

Por fim, examinaremos um caso clínico, pretendendo demonstrar ligações


entre a teoria e o que se ouve da melancolia na clínica. O paciente em questão tinha
“amizade” com as letras, e, como forma de pagamento, alguns poemas seus
puderam ser revirados do baú e novas criações virem à tona. Os escritos serão os
caminhos por onde examinaremos a construção desta escrita e a função que esta
criação pode empenhar. As inquietações suscitadas no decorrer deste atendimento
serviram de combustível para esta amarração entre melancolia e produção escrita.
10

Capitulo 01

Os primórdios do sujeito

1.1 As exigências da vida

Começaremos examinando um texto freudiano de 1895 intitulado “Projeto para


uma Psicologia Científica”, que tem como finalidade estruturar uma psicologia dentro
da perspectiva das ciências naturais. A hipótese central deste ensaio desenvolve o
“princípio de inércia neurônica”, (FREUD, 1950 [1895]: 396) cujo fundamento básico
propõe como objetivo do organismo fazer com que qualquer estimulação que venha
tirá-lo de sua homeostase seja evitada ou descarregada. Segundo este fundamento,
o sistema nervoso recebe os estímulos externos e internos e deles tenta se esquivar,
no intuito de manter a estimulação psíquica mais baixa possível. Esta tarefa de
tender as estimulações para o mais baixo nível vai se tornando cada vez mais árdua,
pois os estímulos oriundos do próprio organismo, fontes das grandes necessidades
do ser tais como a fome, respiração e a sexualidade, são essenciais à vida e
incapazes de fuga.

Os estímulos internos têm pequenos intervalos de exigências a partir de


modificações específicas do mundo externo: se a necessidade é a fome, só se
resolve comendo. Existe uma falta de aparato próprio, condição de desamparo que
caracteriza o sujeito que nasce, já que necessita de uma ação organizada do mundo
externo que cesse temporariamente seu desprazer e lhe garanta sobrevivência. “Em
conseqüência disso, o sistema nervoso se vê obrigado a abandonar sua tendência
inicial à inércia (...) (e) aprender a tolerar um acúmulo” (idem; p. 397 e 398) de
energia até que a ação externa específica possa baixar novamente a excitação, uma
vez que o empenho em manter as quantidades de energia no patamar mais baixo
possível persiste como a função primária do organismo.

Incapaz de levar a cabo a ação específica que baixa seu nível de inquietação,
o pequeno ser dependerá da pessoa que escuta o seu grito para auxiliá-lo. A
inervação vocal, de fato, é uma via de descarga que segundo Freud, “adquire função
secundária ao atrair a atenção da pessoa auxiliar para o estado de necessidade e
aflição da criança”. (ibidem; p. 480). Desde então, o choro ou o grito servem ao
11

propósito da comunicação. Ao anunciar seu desamparo fundamental, o recém


nascido se inclui na ação específica, pois o que ele consegue é a interferência
positiva que faz cessar seu desconforto.

Um grito acontece mediante uma sensação de dor. Ele é um aviso de que algo
afeta o sujeito. A associação da dor a um som revela a existência de “um recurso
para conscientizar lembranças que provoquem desprazer e para convertê-las em
objetos de atenção: está criada a primeira espécie de lembranças conscientes”.
(ibidem; p. 481).

Portanto, desde o início, a construção do nosso aparato psíquico se conjuga


com o aparelho fonético e lingüístico. As primeiras percepções do sujeito, segundo
Freud, dividem-se em dois componentes, dos quais um produz uma impressão
constante, permanecendo unido como “a coisa não assimilável; e uma porção
conhecida do ego através de sua própria experiência”, (ibidem; p. 481), ou seja,
porção que vai sendo construída a partir de sua memória.

É condição de sobrevivência que outro sujeito venha em auxilio e oferte o


alimento, donde vem a satisfação que baixa a tensão do pequeno organismo. Deste
modo uma relação aí vai se construindo, pois o pequeno ser estará definitivamente
marcado pela relação a este outro que atende aos seus chamados, uma vez que
terá nele seu primeiro objeto de satisfação, primeiro objeto hostil, e única força
auxiliar. Algo da relação mãe x bebê resiste à significação e permanece enigmático,
tal como nos diz Freud, pois se trata de um tempo primitivo, anterior a linguagem, e
constitui um universo de impossível acesso. Essa porção inassimilável do encontro
com o outro é o que Freud, no “Projeto” denominou das-Ding – a Coisa.

Cabe-nos reter que, à medida que apreendemos a realidade o fazemos a partir


desta divisão fundamental: de um lado o impossível de simbolizar, o das-Ding, e, de
outro, a possibilidade de reconhecer, de simbolizar, de memorizar, tal qual aponta as
palavras de Lacan:

Acrescento das-Ding como o próprio correlato da Lei da


fala em sua mais primitiva origem nesse sentido que esse das-
Ding estava lá no início, que é a primeira coisa que se pôde
separar-se de tudo o que o sujeito começou a nomear e a
articular. (LACAN, 1997 [1959-60]: 105-106).
12

1.2. A Coisa materna e a pulsão

Na mesma direção de Freud, Lacan em “O Seminário, livro 7, A Ética da


Psicanálise” (1997 [1959-60]) busca o conceito freudiano de das-Ding para indicar
que é do encontro com o outro primordial, na experiência com a realidade quando
busca a satisfação necessária para baixar sua tensão, que o sujeito se defronta com
o desconhecido, com o não simbolizável. Ele toma o das-Ding como o primeiro
exterior, em torno do qual se “orienta todo o encaminhamento do sujeito” (idem,
1997, p. 69), encaminhamento de referência pelo qual trilhará seus desejos.

Lacan situa que tudo o que se desenvolve no nível da relação mãe-bebê não é
outra coisa senão o desenvolver-se da coisa materna, da mãe no instante em que
ela ocupa esse lugar da Coisa, o lugar de das-Ding. Nas palavras de Lacan:

O que encontramos na lei do incesto situa-se como tal


no nível da relação inconsciente com das Ding, a Coisa. O desejo
pela mãe não poderia ser satisfeito, pois ele é o fim, o término, a
abolição do mundo inteiro da demanda, que é o que estrutura
mais profundamente o inconsciente do homem. É na própria
medida que a função do princípio do prazer é fazer com que o
homem busque sempre aquilo que ele deve reencontrar, mas que
não poderá atingir que nesse ponto reside o essencial, esse
móvel, essa relação que se chama a lei da interdição do incesto
(LACAN, 1997: 87 e 88).

Esse das-Ding é a representação da satisfação absoluta da demanda do


sujeito. Trata-se de um tempo do qual nada se pode dizer, logo que em si é algo não
representável, mas justamente em torno do qual começa a produção de sentidos, de
nomes e representações. Na busca de reencontrar das-Ding, encontramos no
máximo suas coordenadas de prazer em torno das quais começamos a girar.

Freud ressalta que “a lembrança primária de uma percepção é sempre uma


alucinação” (FREUD, 1950 [1895]: 448). Nesta direção, o sujeito segue o rumo das
sensações de prazer que estarão à frente no seu interesse no intuito de baixar sua
tensão; e este movimento em direção à satisfação, aponta Lacan, faz-se em torno de
das-Ding, uma vez que, ao buscar o ideal perdido, o sujeito sempre encontra algo
pelo caminho.
13

No psiquismo existe um vetor que dirige a pulsão à satisfação total, ao gozo


absoluto. Como isto não ocorre, cabe à pulsão encontrar satisfação nos objetos
disponíveis, que podem se representar por qualquer objeto, e por isso recebeu de
Lacan o nome de objeto a. Segundo Jorge:

Ela [a pulsão] se satisfaz apenas parcialmente com os


objetos que lhe oferecemos, (...) logo o joga fora e diz: “quero
outro, quero outra coisa”. O que a pulsão quer é das-Ding, mas o
que ela recebe é o objeto a.(...). É isto que é dramático, se não o
trágico, da existência humana (JORGE, 2003: 23).

A mãe, que intervém na vida do recém nascido suturando suas necessidades,


seu mal-estar, ocupa o lugar de das-Ding. Uma vez que se constitui num bem
aniquilador da demanda, torna-se para sua cria um bem proibido. A distância do
sujeito com relação à das-Ding é sua condição de falta, e, portanto, de desejo.

Cabe sublinhar agora que é em relação à das-Ding que uma primeira escolha,
uma primeira orientação subjetiva dar-se-á, e a estrutura do sujeito aí estará em
jogo. A tendência a encontrar das-Ding é que funda a orientação humana em direção
aos objetos regida pelo princípio do prazer.

1.3 Coisa e a palavra

Passaremos a distinguir em Freud o das-Ding não representável do campo das


representações. Freud, no seu artigo “O Inconsciente” distingue a apresentação de
palavra e apresentação de coisa, onde “a apresentação consciente abrange a
apresentação da coisa mais a apresentação da palavra que pertence a ela, ao passo
que a apresentação inconsciente é a apresentação da coisa apenas”. (FREUD,
1915: 230). No primeiro caso, a apresentação da coisa se faz representar por uma
palavra que a ela se liga, enquanto que na apresentação puramente inconsciente
nenhum significante foi a ela articulado para que exista uma representação.
Segundo Freud, a consciência investe nas representações da coisa através da
ligação delas com as palavras, de forma que esses investimentos propiciam uma
14

organização psíquica mais complexa, possibilitando que o princípio do prazer seja


sucedido pelo princípio de realidade.

Aqui convém, para evoluir no tema desta dissertação, começar a diferenciar


neurose de psicose a partir do texto “O Inconsciente”. Na neurose, a demanda da
criança não será saturada pela mãe, e uma divisão psíquica distinguirá o das-Ding
das marcas que vão se representando umas sobre as outras. Esta divisão delimita o
consciente e o inconsciente, particularidade da neurose.

O que o neurótico recalca é a tradução em palavras que permanece ligada ao


objeto, que aparece na análise a partir da associação livre quando o sujeito procura
um significante cada vez mais apropriado para se traduzir. O que não pôde ser
posto em palavras ou um ato psíquico que não seja investido pela palavra
permanece recalcado. Isto, porque, nas palavras de Freud,

os atos cujos investimentos se acham distantes da


percepção são destruídos de qualidade e inconscientes, e só
atingem sua capacidade para se tornarem conscientes através da
ligação com os resíduos de percepções de palavras (idem, p. 230
e 231).

Podemos observar que na psicose a representação da coisa não se liga à


palavra correspondente, e a palavra não é preenchida de uma significância que a
sustente. Logo, a divisão psíquica não ocorre, pois o recalque não opera. O mundo
das palavras fica definitivamente afetado por esta não separação. Deste modo o
psicótico fará uso da linguagem, mas não será sujeito dela, não terá uma
sustentação-limite para seguir seus contornos e leis.

Voltando ao “O Seminário, livro 7”, podemos encontrar em Lacan que a porção


estranha, inassimilável em das-Ding, à qual o sujeito tem de referir-se inicialmente, é
ignorada pelo psicótico paranóico, pois o significante do Outro representado pela
mãe é sempre absoluto e indestrutível, posto que dele não se duvida ou se
questiona. Não há divisão, há completude. A rejeição de certo apoio na ordem
simbólica - apoio este que permite dividir o das-Ding em duas vertentes, uma
possível de se significar e outra estranha - não se presentifica na psicose.

A divisão entre o assimilável e inassimilável, entre princípio do prazer e


princípio da realidade, entre coisa e letra é a divisão psíquica que garante
15

estabilidade ao ser quando significa seu mundo e circunscreve seus registros de


sujeito. Desta forma a psicose sustenta-se no mundo do afeto primário, da crença no
significante anterior a todo recalque.

1.4 Psiquismo, linguagem e afasias

A partir da constatação freudiana acima apontada, onde uma percepção


consciente só se torna possível quando uma representação de coisa se liga a uma
representação de palavra, observa-se a função da linguagem como matriz
constitutiva do aparelho psíquico. Lacan, ao reler Freud, sublinhou e desenvolveu
ainda mais a idéia de que o inconsciente é uma linguagem composta por
significantes. Segundo Lacan,

A obra completa de Freud nos apresenta uma página de


referências filológicas a cada três páginas, uma página de
inferências lógicas a cada duas páginas, e por toda parte, uma
apreensão dialética da experiência, vindo a analítica linguageira
reforçar ainda mais suas proporções à medida que o inconsciente
vai sendo mais diretamente implicado(LACAN, 1998: 513).

O processo freudiano da formação do psiquismo parte das sensações


corporais, fluxo difuso de impressões, para as imagens consideradas como primeira
linguagem, já que é a primeira a aglutinar o fluxo indiferenciado de impressões. A
mínima unidade representativa que se diferencia da coisa, conforme visto
corresponde à associação entre uma imagem e uma palavra, relação necessária
para que um sentido possa ser produzido. Esta mínima unidade, entretanto, sempre
se encontra articulada a outra, e assim sucessivamente, formando uma trama de
representações.

A linguagem propriamente dita, devido a sua organização sintática e discursiva,


estaria no ápice deste processo, pois molda e reformula as vivências do sujeito
segundo suas próprias leis, mantendo uma forma psíquica organizada. Isto porque
ao responder a uma organização lingüística, o sujeito opera sob determinadas leis
sintáticas que existem para além dele, segundo o princípio da realidade, que sucede
ao princípio do prazer.
16

Freud, em “A Interpretação dos Sonhos”, propõe que o sonho é uma atividade


de escritura em que a representação da imagem nele contida não remete a uma
palavra que a nomeia, mas sim aos complexos associativos que, em cadeia, podem
proporcionar significação aos traços sonhados. Neste texto Freud esclarece a
importância crucial que o associacionismo ocupa em sua concepção de linguagem,
apresentando a noção de sobredeterminação psíquica. Dessa forma ,as unidades
semânticas mínimas correspondentes à representação de imagem associada à
representação de palavra praticamente não ocorre no psiquismo, o qual opera
sempre através de uma trama de representações que, relacionadas, estariam
sempre a produzir novos sentidos.

Para Lacan, “Freud mostra que a precondição geral da função do sonho é o


que designamos anteriormente, com Saussure, como o deslizamento do significante
sob o significante, sempre em ação (inconsciente, nota-se) no discurso”. (idem, p.
514). É na tentativa de aplicar sentido à coisa sonhada, sob os tropeços e acertos
que pulam de significante em significante, que surge a possibilidade de o sujeito se
significar, de vir a ser.

Lacan encontrará nos processos nomeados por Freud de condensação e


deslocamento, as figuras de linguagem correspondentes respectivamente à metáfora
e à metonímia, que regem o funcionamento psíquico. Ele toma as leis fundamentais
da linguagem como as leis do inconsciente. Cito:

A Verdichtung, condensação, é a estrutura de


superposição dos significantes em que ganha campo a metáfora.

A Verschiebung ou deslocamento é o transporte da


significação que a metonímia demonstra, e que, desde seu
aparecimento em Freud, é apresentado como o meio mais
adequado do inconsciente para despistar a censura. (ibidem, p.
515).

Na metáfora ou condensação um novo sentido surge na medida em que


representações são sobrepostas: ela indica que é da substituição de um significante
por outro que uma nova significação é criada. Lacan enfatizará a função da
metáfora, associando-a a função paterna enquanto operação de metaforização do
desejo materno, conforme veremos no tópico 2.2.
17

O recurso metafórico, num primeiro momento, neutraliza o signo,


transformando-o num significante que poderá assumir qualquer sentido, posto que o
“nosso ponto de partida (...) é que todo verdadeiro significante é, enquanto tal, um
significante que não significa nada” (LACAN, 2002 [1955 – 1956]: 212). Para Lacan,
só podemos falar em comunicação se nela estiver implicada a ordem do significante,
pois não é por algum atributo ou qualidade que alguma coisa é significante, mas “na
medida em que algo constitui um todo, o signo, [e] está ali justamente para não
significar nada. É ai que começa a ordem do significante enquanto ele se distingue
da ordem da significação” (idem, p. 216).

Logo, o que aqui se põe em questão é que o recurso metafórico desnuda o


significante de qualquer significado, possibilitando aos sujeitos darem, a todo o
momento, significações diferentes ao mesmo significante. Para tanto, a ordem do
significante deve ser adquirida pelo sujeito e afetar seu ser numa relação de
implicação.

“Lacan utiliza a metáfora para mostrar que o que Freud chama de condensação
é uma sobreposição de significantes, ou seja, a substituição de um significante por
outro, como encontramos na poesia” (QUINET, 2003: 31). O efeito da metáfora deixa
em suspenso o significado, pois o sentido não é explicitado e um efeito de
significação se presentifica.

Relembrando o recurso metafórico, na frase “esta mulher é uma rosa”,


podemos avaliar que uma palavra nesta frase foi substituída pela palavra “rosa”; de
modo que ela substitui um significante recalcado, produzindo a emergência de uma
nova significação. “Rosa” pode querer dizer de diferentes atributos nesta mulher: da
sua beleza, delicadeza, do seu perfume, seus espinhos etc., significantes que foram
acoplados ao significante “mulher”. “Lacan indica que esta forma de articulação entre
dois significantes é própria do sintoma, definido, portanto, como um nó de
significações”. (idem, p. 32).

Á metonímia ou deslocamento, definido por Freud pela transposição do


investimento de uma representação para outra, equivale às conexões entre os
termos lingüísticos onde nenhum novo sentido se produz. É a articulação de um
significante a outro por deslizamento. Ao falarmos que “trinta velas despontam no
18

horizonte”, apenas substituímos o significante “barco” pelo significante “vela”, ou


seja, a parte pelo todo que fundamenta a figura lingüística chamada metonímia. Ela
permite articular vela com barco, onde a conexão de diferentes significantes não
precipita uma nova significação. Existe uma irredutibilidade nas relações do
significante com o significado que resiste a uma nova significação.

As bases pelas quais essas duas figuras de linguagem expressam as leis do


inconsciente é que “a metáfora é aquilo que constitui o sintoma e a metonímia o que
dá característica ao desejo” (ibidem, p.32). Isto diz que o desejo desliza de objeto
em objeto, pois à medida que se satisfaz num determinado instante, se manifesta
noutro. A característica própria do desejo é ser metonímico, que movido pela falta,
vai deslizando na cadeia de significantes. Que a linguagem se expressa por este
duplo caráter é o que podemos encontrar em Jakobson, quando este escreve que “a
concorrência de entidades simultâneas e a concorrência de entidades sucessivas
são os dois modos pelos quais nós, que falamos, combinamos os constituintes
lingüísticos”. (JAKOBSON, 1975:38). Destacaremos brevemente em Jakobson suas
considerações sobre estes dois aspectos da linguagem.

Jakobson propõe que todo signo lingüístico implica dois modos de arranjo: a
combinação e a seleção. A combinação aponta para o fato de um signo sempre
estar referido a outro, e pode-se afirmar que “qualquer unidade lingüística serve, ao
mesmo tempo, de contexto para unidades mais simples e/ou encontra seu próprio
contexto em uma unidade lingüística mais complexa” (idem, p.39). Logo, ao falarmos
de combinação e do contexto de um signo lingüístico falamos da mesma operação.

Quanto à seleção podemos dizer que ela implica à possibilidade de substituir


um termo pelo outro, equivalente e diferente do primeiro. Aqui falamos de
equivalência e substituição. Para Jakobson, “os constituintes de qualquer mensagem
estão necessariamente ligados ao código por uma seleção interna e à mensagem
por uma relação externa” (ibidem, p. 41).

Para tanto, ele destaca dois distúrbios da fala ligados aos referidos aspectos da
linguagem: o distúrbio de similaridade e o distúrbio da contigüidade. Se a deficiência
principal estiver ligada à seleção e substituição, falamos da falta de similaridade ou,
do contrário, se a deficiência residir na combinação e no seu contexto, trata-se de
19

distúrbio de contigüidade. “A metáfora é incompatível com o distúrbio da similaridade


e a metonímia com o distúrbio da contigüidade” (ibidem, p. 55).

Para a deficiência na seleção e substituição (similaridade) o contexto constitui


fator decisivo. Neste caso, a linguagem do sujeito é reativa, pois se lhe apresentam
fragmentos de frases ou palavras ele as completa com facilidade, e pode continuar
com facilidade uma conversa, além de ser “capaz de responder a um interlocutor
real ou imaginário quando ele próprio é ou imagina ser o destinatário da mensagem”
(ibidem, p. 42).

Neste distúrbio observa-se dificuldade de se iniciar um diálogo e


incompreensão de discursos fechados, do tipo monólogos. Quanto mais o contexto
sublinhar o enunciado, melhor será sua fluidez. Nota-se no delírio esta linguagem
reativa que Jakobson nos escreve, sublinhando a capacidade do sujeito de
responder imaginariamente a um interlocutor por ele criado.

A interpretação de um signo por meio de outro da mesma língua é uma


operação metalingüística essencial tanto para a aquisição da linguagem como para
sua funcionalidade. Esta afasia afeta o passar de uma palavra aos seus sinônimos
ou equivalentes e também às expressões equivalentes em outra língua, existindo
uma limitação a uma única variedade dialetal.

Para um afásico que perdeu a capacidade de “mudança


de código”, o “idioleto” torna-se, na verdade, a única realidade
lingüística. Enquanto não considerar o discurso de outrem como
uma mensagem que lhe é dirigida em seus próprios modelos
verbais, ele experimentará sentimentos que um paciente (...)
assim exprimia: “Estou ouvindo perfeitamente, mas não posso
compreender o que você diz (...). Ouço sua voz, mas não as
palavras. (...). Não é pronunciável”. Ele considera o discurso do
outro algo enunciado numa língua desconhecida (ibidem, p. 48).

Deste modo, a metonímia, baseada na contiguidade e caracterizada “como


projeções da linha de um contexto habitual sobre a linha de substituição e seleção”
(ibidem, p. 49) é muito empregada pelos afásicos com distúrbios de similaridade
determinando sua construção verbal logo que têm a capacidade de interpretação
afetada.
20

Oposto ao que examinamos, o distúrbio de contiguidade resume-se na


deteorização das combinações entre entidades lingüísticas simples e complexas,
diminuindo a extensão e a variedade das frases, de modo que a estrutura gramatical
se perde. As palavras-funções no corpo gramatical da língua (conjunções,
preposições, artigos) desaparecem, de forma que quanto menos uma palavra
depender gramaticalmente do contexto, mais forte será sua persistência neste
distúrbio, contrariamente ao distúrbio de similaridade. Os sintomas desta afasia se
referem ao desaparecimento das palavras derivadas, ou de palavras combinadas
por um sufixo, de modo que os afásicos desta ordem não conseguem, por exemplo,
encontrar sentido na separação entre “ilha” e “bela”, mas somente quando
combinadas em “Ilhabela”.

O doente limitado ao grupo de substituição (quando o


contexto é falho) usa as similitudes e suas identificações
aproximadas são de natureza metafórica, em oposição às
identificações metonímicas familiares aos afásicos do tipo oposto.
(ibidem, p. 52).

Em resumo, podemos perceber a partir da fala do sujeito o que lhe acontece ao


nível de construção simbólica, já que uma forma delirante de fala permite
identificarmos afasias cuja organização psíquica encontra-se anunciada. Deste
modo, se a psicose revela uma peculiaridade na sua estrutura subjetiva, e se
estamos de acordo que o sujeito é sujeito constituído pela sua relação à linguagem,
observaremos adiante de que modo esta singularidade se presentifica na psicose e
mais propriamente na melancolia em sua produção escrita.

Antes, entretanto, proponho examinar no ensino de Lacan a relação entre o


Outro primordial, que estamos designando como o lugar que a mãe ocupa para o
recém nascido, com o Outro da linguagem. Ou seja: a linguagem representa esse
grande Outro ao qual todos os seres falantes estão referidos, e cujas leis
estabelecem a possibilidade do discurso e da cultura, como veremos a seguir.
21

1.5 O Outro e o outro

No seu terceiro seminário intitulado As psicoses, (LACAN, 2002 [1955 – 1956])


Lacan, entre outras articulações, conceitualiza o campo do Outro. O Outro, com
maiúscula, ocupa um lugar que não é o do semelhante, mas um lugar de garantia,
um termo de referencia entre os iguais. O Outro é o que tem todas as palavras e
ocupa lugar absoluto. O pequeno sujeito inicia uma compreensão do seu lugar no
mundo, mediante o apontamento que o Outro lhe dá: “um lugar na genealogia, na
família, no discurso, em suma, no desejo...”. (CABAS, 1988[1980]: 168).

É importante apreender que “a relação entre os semelhantes ofusca o fato de


que para haver diálogo entre sujeitos não bastam dois interlocutores em interação”.
(FREIRE, 2001: 46). Portanto, a presença de um terceiro termo, no caso, a própria
linguagem em sua representação simbólica, a partir das suas leis, é que sustenta as
falas dos interlocutores.

A língua, a que estamos todos referidos, a partir da qual nos enunciamos e via
pela qual o sujeito recebe um nome antes mesmo de nascer é reconhecida como o
Outro do sujeito. O Outro, portanto, opera como lugar de referência simbólica, a
partir do qual o sujeito receberá sua mensagem de forma invertida, ou seja:

“a fala que o sujeito emite, e que produz um efeito sobre


os outros, só assume sua efetividade na medida em que é
sancionada pelo Outro, o que faz, portanto, que o sujeito receba
sua própria mensagem de forma invertida” (FREIRE, 2001: 46).

Sem esta garantia do Outro, todos os outros permaneceriam errantes, com


falas vazias e sem efeito, aquém de uma significação comum. O Outro da
linguagem, portanto, é o que constitui a subjetividade e ponto que descola o humano
do mundo animal, uma vez que toda sua atividade estará essencialmente marcada
pelo fato de que é um ser falante.

Num texto de 1966, chamado “Seminário sobre a carta roubada”, Lacan é firme
ao sublinhar que é a cadeia significante que governa o sujeito. Ele escreve que “o
sujeito segue o veio do simbólico, (...), não apenas o sujeito, mas os sujeitos,
tomados em sua intersubjetividade, (...) modelam seu próprio ser segundo o
momento da cadeia significante que os está percorrendo” (LACAN, 1988: 33). Aos
22

sujeitos inseridos no sistema simbólico composto por uma língua, não resta outro
destino senão seguir a fila de seus significantes. Retomo mais uma vez Lacan no
mesmo texto acima citado:

Se o que Freud descobriu, e redescobre com um gume


cada vez mais afiado, tem algum sentido, é que o deslocamento
do significante determina o sujeito em seus atos, seus destinos,
suas recusas, suas cegueiras, seu sucesso e sua sorte, não
obstante seus dons inatos e sua posição social, sem levar em
conta o caráter ou o sexo, e que por bem ou por mal seguirá o
rumo do significante, como armas e bagagens, tudo aquilo que é
da ordem do dado psicológico. (LACAN, 1988: 33 e 34).

Os significantes não operam sozinhos, sendo necessário ao menos dois para


que seja possível a produção de um efeito de sentido. Desde já podemos
compreender por que é necessária uma fenda, um hiato, um espaço possível entre
dois pólos para que um sujeito de fato venha a existir, na medida em que singulariza
o complemento a este espaço faltoso. O sujeito é sujeito da falta; posto que se nada
falta, se não existe espaço a ser preenchido, se não houver um par de opostos e
uma produção de sentido possível a partir desta oposição, não há lugar possível
para que um sujeito possa representar-se.

Para prosseguirmos, proponho assegurarmos que se a relação ao campo do


Outro não foi marcada por uma lei e se não se obstruir a fusão entre o Outro
materno e sua cria será observado conseqüências deste processo no campo da
linguagem. Isto por que a fala tem uma função articulada a este campo, que pode
ser afetada mediante o que se processa no psiquismo.
23

Capítulo 02.

Um Sujeito em Questão

2.1 O Desenvolver da Libido

Freud estabelece uma compreensão do sujeito onde à estrutura psíquica e a


sexualidade não estaria de antemão traçadas ou determinadas pela anatomia. Em
diferentes partes do corpo ocorrerão estimulações e o pequeno ser, escorado no
Outro, irá de alguma forma vivenciá-las. Na direção de precisar o campo das
psicoses em relação à pulsão de morte, e delimitar a melancolia uma aproximação à
pulsão oral que será articulada no próximo capítulo, desenvolveremos um pouco
sobre o conceito de pulsão.

Em 1915, no ensaio “Os Instintos e suas Vicissitudes”, Freud reúne as


primeiras compreensões acerca da dinâmica pulsional. A princípio, deve-se
sublinhar uma discussão importante a respeito da tradução do termo alemão
escolhido por Freud para nomear o que chamamos de pulsão. Trieb, palavra de
origem alemã, foi traduzida para o inglês por instinct, e como estamos apoiados na
tradução portuguesa que faz este percurso, temos no texto freudiano em português
a palavra “instinto” para a tradução do alemão trieb.

Não foi de qualquer modo ou de forma acidental que esta tradução assim se
sucedeu. Questões políticas quanto à circulação da psicanálise em terras
americanas modelaram a obra freudiana para que esta ficasse mais conveniente, e a
palavra “instinto” foi emprestada no intuito de dar cientificidade à psicanálise naquela
cultura. Não nos deteremos, por hora, em esmiuçar os desenvolvimentos conceituais
e respectivas traduções em Freud. E, para que possamos falar das vicissitudes,
diversidades, mudanças ou alterações da pulsão, que outrora fora nomeada de
instinto, trataremos de tomá-la pela definição cunhada pelo próprio Freud neste
artigo, que, considerando a vida mental do ponto de vista biológico, propõe que a
pulsão:

... nos aparecerá como um conceito situado na fronteira


entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos
estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a
mente, como uma medida de exigência feita à mente no sentido
24

de trabalhar em conseqüência de sua ligação com o


corpo.(FREUD, 1915: 142).

Esta definição freudiana destaca que a pulsão não surge do mundo exterior, tal
qual um estímulo, mas é oriunda do próprio organismo, e que justamente por isso
não há dela como fugir. Esta distinção marca o organismo humano, a saber, permite
que ele possa distinguir um estímulo que parte do mundo externo, de fora do
organismo, que pode ser evitado pela ação muscular e do qual é possível fugir, dos
estímulos de constante pressão que sinalizam o mundo interno pulsional.

Trataremos agora, de forma sucinta, das características intrínsecas à pulsão.


Em primeiro lugar nota-se que ela exerce uma pressão, um motor ou uma
quantidade de força ao movimento que a representa. “A característica de exercer
pressão é comum a todos os instintos; é, de fato, sua própria essência” (idem, p.
142). Essa energia ou força da pulsão é o que Freud nomeou de libido.

A finalidade da pulsão é sempre a satisfação, que só pode ser obtida mediante


a eliminação do estímulo em sua fonte. Com finalidade imutável, a satisfação
pulsional encontra caminhos muito particulares, e inclusive podemos falar de pulsões
inibidas em sua finalidade, cuja satisfação parcial ainda se pode notar. Neste
aspecto de alvo ao qual se liga a pulsão, entra em questão o impossível de ser
satisfeito. Em “Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor” de
1912, Freud destaca que, por mais estranho que pareça algo na natureza da própria
pulsão sexual é desfavorável à sua completa satisfação. Segundo Jorge, “Lacan
traduz essa passagem do seguinte modo: existe um impossível de ser satisfeito
inerente à própria pulsão. (...) e ela é para Lacan uma advertência, um alerta de que
há um real em jogo na pulsão: um impossível de ser satisfeito” (JORGE, 2003:23).
De saída temos aqui uma proposta de Lacan, ou seja, de nomear o real como o
impossível.

O objeto da pulsão é a coisa pela qual ela busca para atingir sua finalidade. É o
que há de mais variável, podendo ser qualquer coisa, pois a pulsão não está
engessada a um determinado objeto; este só lhe é oportuno devido à sua própria
plasticidade. “Se todo e qualquer objeto pode funcionar como objeto da pulsão, diz
25

Lacan, isso se dá porque o objeto da pulsão é um objeto que não existe”. (idem;
2003: 23). Por isto o objeto da pulsão pode mudar inúmeras vezes, ou a pulsão pode
também fixar-se num único objeto, questão altamente importante para nossa
discussão sobre a melancolia, que vai tratar do tempo posterior à perda do objeto
que amparava o sujeito.

Quanto à fonte, pode-se entender “o processo somático que ocorre num órgão
ou parte do corpo, e cujo estímulo é representado na vida mental” (FREUD; 1915:
143) pela pulsão. Considero ilustrativa a compreensão de Lacan quando realça a
estrutura de borda relacionada à fonte pulsional. Ela aponta que a pulsão parte da
fonte, contorna o objeto e retorna ao sujeito. Jorge pinça em Lacan o que neste
ponto nos interessa: “o que está em jogo na fonte é sua estrutura de borda orificial.
Essa estrutura de borda orificial é que define a fonte e é nela que se dá a partida de
uma certa pulsão”. (JORGE, 2003:23).

Freud propõe que consideremos dois grupos pulsionais: as pulsões de auto-


preservação, ou do ego, e as pulsões sexuais. É uma primeira diferenciação
operada por Freud que seguirá desenvolvimentos posteriores, tal qual ele mesmo
previa neste instante:

A ocasião para essa hipótese surgiu no decurso da


evolução da psicanálise, que foi empregada pela primeira vez nas
psiconeuroses ou, mais precisamente, no grupo descrito como
“neuroses de transferência” (histeria e neurose obsessiva); estas
revelam que, na raiz de todas as afecções desse tipo, se encontra
um conflito entre as exigências da sexualidade e a do ego. É
sempre possível que um estudo exaustivo das outras afecções
neuróticas (em especial as psiconeuroses narcisistas, das
esquizofrenias) possa obrigar-nos a alterar essa fórmula e
proceder a uma diferente classificação dos instintos primordiais.
(FREUD, 1915: 145).

De fato, a hipótese foi por Freud reinterpretada. Como conceitos aprimorados,


ele as nomeia pulsão de vida e pulsão de morte. Neste segundo dualismo pulsional,
Freud agrupa as pulsões sexuais e as pulsões do eu ou de autoconservação
denominando-as pulsões de vida. Desta forma, podemos entender que a pulsão de
vida é a pulsão sexual. Uma vez que as pulsões de autoconservação possuem um
objeto específico, (a fome, por exemplo, cessa com o alimento) e como não existe
26

objeto apropriado à pulsão, não caberia mais dar estatuto de pulsão aos movimentos
autoconservativos.

Quanto à pulsão de morte, retomaremos o das-ding, ou a Coisa pela qual a


criança clama no encontro com o Outro, que consiste na abolição de toda e qualquer
demanda. Das-ding se encontra no lugar de garantia de toda satisfação, onde nada
falta e, por conseguinte, nenhum desejo habita. Esta é a direção da pulsão, ou seja:
“a pulsão, a pulsão de morte, pede a Coisa, o objeto da pulsão de morte é das-Ding”.
(JORGE, 2003:33). Com caráter introdutório, gostaria de lembrar que Lacan dera o
nome de “gozo”, ou “empuxo ao gozo” a este vetor na direção da morte, concebida
por Freud enquanto anulação das tensões internas vividas pelo organismo e seu
psiquismo, equivalente ao princípio da inércia, de manter o nível de excitação mais
próximo a zero.

Voltando-nos ao desenrolar da libido, Freud foi contundente ao afirmar que a


vida sexual não é despertada na puberdade, mas é refratária às primeiras
estimulações no bebê. Ele distingue “sexual” de “genital”, dando a primeira maior
extensão, pois inclui muitas atividades que nada têm a ver com os órgãos genitais.

Desta forma, os fenômenos pulsionais que surgem na tenra infância fazem


parte de um curso ordenado do desenvolver da sexualidade, que aumenta
gradualmente e chega a um clímax por volta do final do quinto ano de idade. Após
este ápice, segue-se uma calmaria e o progresso se interrompe, muita coisa é
desaprendida e há muito retrocesso. Após este período de latência, como é
chamado; a vida sexual avança mais uma vez com a puberdade, que podemos tratar
como uma segunda eflorescência.

O primeiro órgão a fazer exigências libidinais à mente é a boca. Toda a


atividade psíquica está concentrada na obtenção de prazer nesta zona. A satisfação
da pulsão oral associa-se desde o início à nutrição, pois a boca passa a ser
estimulada e essa estimulação, mais a saciedade geram satisfação. Freud toma a
persistência do bebê em sugar, ou o ato de chupar o dedo como expressão da
repetição das primeiras experiências de satisfação, obtidas através da
amamentação. Embora de início ligada à nutrição, a obtenção de prazer oral se
mostra independente dela. Quando ao chupar o dedo a criança, a partir de
27

alucinações, vivencia a satisfação que sentira através da amamentação, vemos que


a pulsão encerra um circuito que contorna o objeto e volta para o sujeito, tendo por
isso um caráter auto-erótico, pois toma a boca como zona erógena, tratando-se
então de satisfação sexual.

A segunda fase de desenvolvimento da pulsão recebeu o nome de anal-sádica.


O sadismo é popularmente conhecido como uma perversão na qual o indivíduo
sente satisfação com o sofrimento de outrem. Freud deu este nome por incluir na
libido impulsos cuja satisfação era procurada na agressão e na função excretória.

A última fase que antecede o período de latência é a fase denominada fálica. O


órgão sexual masculino se desenvolve, enquanto a sexualidade feminina, em sua
teoria, permanece desconhecida. A fase fálica encerra uma forma precursora da vida
sexual do sujeito, que terá nova edição na puberdade. Com seu fim, podemos dizer
que homens seguem para um lado e mulheres para outro, pois mesmo que ambos
se coloquem a pesquisar uma teoria sobre o nascimento dos bebês, e que tenham a
mesma premissa da presença universal do pênis, o real do corpo se impõe.

O menino, que terá pela frente o percurso edípico, começa a manusear o pênis
e a fantasiar situações com sua mãe, até que, segundo Freud,

... devido ao efeito combinado de uma ameaça de


castração e da visão da ausência de pênis nas pessoas do sexo
feminino, vivencia o maior trauma de sua vida e este dá início ao
período de latência, com todas as suas conseqüências. A menina,
depois de tentar em vão fazer as mesmas coisas que o menino,
vem a reconhecer sua falta de pênis ou, antes, a inferioridade de
seu clitóris, com efeitos permanentes sobre o desenvolvimento de
seu caráter; como resultado deste primeiro desapontamento em
rivalidade, ela com freqüência começa a voltar às costas
inteiramente à vida sexual. (FREUD, 1940:180.)

Os destinos da pulsão estão diretamente ligados à estrutura psíquica que, de


alguma forma, é escolhida pelo sujeito. Sua fixidez em determinada zona erógena
aponta para importantes compreensões dos sintomas que vemos tanto na clínica da
neurose quanto da psicose. Veremos mais adiante as contribuições das pesquisas
de K. Abraham sobre a melancolia e sua relação com as fases oral e anal da pulsão.
28

2.2 Édipo e Desejo

O complexo edípico é um processo decisivo cujas ressonâncias vibrarão por


toda a vida do sujeito. As conseqüências de o seu desencadear estarão diretamente
ligadas à estrutura psíquica que assumirá, em definitivo, um posicionamento do
sujeito quanto ao seu desejo, a partir do momento em que introjetar uma Lei. As
escolhas feitas no decorrer do percurso edípico giram na tentativa do pequeno ser
de resolver o enigma de sua origem e do lugar que ele ocupa na distribuição dos
sexos, estes representados pelos pais. Trazendo o problema para a ordem
estrutural, podemos dizer que a criança terá de explicar, simbolizar, significar a
ausência e a presença do pênis, logo que ele é o pivô do falo. Segundo Cabas:

Esta distinção é perfeitamente coincidente com o que


Freud desenvolveu em 1923 em Organização Genital Infantil,
onde o dilema e conflito infantil em torno do problema peniano
apontam para algo mais complexo (...) que uma simples questão
de órgão. (CABAS, 1988: 17).

O que vemos é que o conflito infantil diante da problemática peniana aponta


para um mosaico estruturante na vida do sujeito, elaboração pelas quais profundos
reflexos o marcarão definitivamente.

Quando falamos do complexo falo x castração, encontramos a equivalência


falo = bebê. Isto porque uma resposta ao complexo de castração feminino é o filho.
O filho representa a sutura de uma fenda derivada do processo edípico da mulher. O
que se mostra enquanto uma dualidade, uma relação entre dois termos, mãe e bebê,
na melhor das hipóteses deve conter um elemento fundamental, a saber, o desejo
materno.

Este desejo deve constar como um terceiro termo que se estabelece entre a
mãe e o bebê. A este terceiro termo, que corresponde a um intermediário simbólico,
nomeamos falo. Temos o falo como um significante do desejo do Outro, que amarra
as relações mãe e filho enquanto sustenta as imagos primitivas e constitutivas da
criança e as formulações do desejo da mãe pelo falo e pelo filho.

A simbolização do falo enquanto desejo do Outro é uma operação salutar ao


sujeito, de forma que só a partir dela se inaugurará o inconsciente. Uma vez que a
mãe (Outro) interpõe entre ela e o bebê um desejo (falo) de algo que não está ali,
29

algo que não é próprio do bebê e não se realiza nele, na mesma hora ela aponta
para sua criança um universo de desejo e de falta. Assim, escreve Lacan em “A
significação do falo”:

Que o falo seja um significante impõe que seja no lugar


do Outro que o sujeito tem acesso a ele. Mas, como esse
significante só se encontra aí velado e como razão do desejo do
Outro como tal que se impõe ao sujeito reconhecer, isto é, o outro
enquanto ele mesmo é um sujeito dividido pela spaltung
significante (LACAN, 1988: 700).

A função do falo não coincide com uma fantasia, um efeito do imaginário, ou


algum objeto com o qual o sujeito terá boas ou más relações. Tampouco é o pênis
ou o clitóris. O falo é o significante cuja função aponta às seqüelas resultantes do
complexo de castração inconsciente masculino e da inveja do pênis no inconsciente
feminino, pois ele designa os efeitos de significação contidos no significante que ele
representa.

O mais importante na experiência do desejo não é o sujeito nela aprender se


ele mesmo tem ou não um falo real, mas aprender que a mãe não o tem. Segundo
Lacan, “aí se assina a conjunção do desejo, dado que o significante fálico é sua
marca, com a ameaça ou a nostalgia da falta-a-ser” (idem, p.701).

Lacan aponta que a demanda em si refere-se a algo diferente das satisfações


por que clama. Ela é sempre demanda de amor. O Outro, por sua vez, nomeia esta
demanda e a ela oferece algum objeto. Uma vez atravessada pela linguagem a partir
da interpretação do Outro, a demanda sempre retornará alienada.

O desejo é que vem substituir esta condição absoluta da demanda, fazendo


valer um hiato entre a satisfação da necessidade e a prova de amor. O desejo “não
é, portanto, nem o apetite da satisfação, nem a demanda de amor, mas a diferença
da subtração do primeiro à segunda, o próprio fenômeno em sua fenda (Spaltung)”.
(LACAN, ibidem: 698). Deste modo, todo o desenvolvimento do sujeito se dá na
dialética da demanda de amor e da experiência do desejo.

A demanda só pode se referir a um desejo cujo significante não se apresenta,


ou seja, ela só pede o que não tem. Se a criança percebe que o desejo da mãe é
30

pelo falo, ela logo quererá ser o falo para satisfazê-la. Existe uma divisão imanente
ao desejo que se faz sentir por ser experimentada como desejo do Outro, o que faz
com que o sujeito busque fora dele algo que possa apresentar ao Outro como
correspondente do falo.

Também o pai que se tem de matar na metáfora edípica é o pai referido ao


desejo. Sabemos, esta morte é simbólica. Mas o que ela simboliza para o sujeito?
Quando dizemos “desejo de morte do pai”, se trata de matá-lo no desejo da mãe. O
que o sujeito pretende matar é o lugar do Outro no desejo materno.

Entretanto, o pequeno sujeito está frente a uma impossível realização, uma vez
que o lugar que o pai ocupa no desejo da mãe (Outro) independe e é anterior a sua
existência. Tendo sido morto um pai no ideal infantil, “há um pai que subsiste e
persiste e que, por isto mesmo “Ex-siste...” que deve ser lido como estando fora de
possibilidade” (CABAS, 1988: 40)

Logo, o processo se fecha quando do encontro do sujeito com um pai real,


existente no desejo de sua mãe, e um pai morto, representando a vida do seu
próprio desejo. Segundo Cabas, o que chamamos de Lei é esta distância existente
entre o pai morto e o pai real, correspondente ao conceito do Nome-do-Pai em
Lacan:

A distância entre o Pai real e o Pai morto é a garantia da


Lei. É que esta distância garantirá que o sujeito inscreva a
existência de uma ordem de coisas totalmente alheia ao seu
desejo. Esta inscrição que estamos chamando “lei”, também
poderia ser chamada de “construção de um lugar simbólico” que,
por se apoiar no papel que cabe ao pai nesta dialética, está
relacionada com ele, mas que por diferir de sua pessoa, lhe é
alheia. Por estas razões que não a chamamos “pessoa do pai”,
mas Nome-do-Pai, ou também, metáfora paterna. (idem: 40).

Se a maternidade pode existir como uma saída simbólica relacionada à falta do


pênis, esta se fará se o filho for tomado como um legado da metáfora paterna, que
articula o desejo com a lei, e que faz com que a mulher busque o filho no homem e
não na mãe. Desta forma, o falo se torna um nó articulando mãe, filho, desejo
materno e metáfora paterna. É o significante conector que liga a estrutura à criança,
31

significante velado, sempre carecendo de uma significação a mais, vetor da relação


que designa um universo simbólico ao sujeito.

O atravessamento do complexo edípico é, desde Freud, o que estabelece uma


radical diferença entre a neurose e a psicose. O Édipo consiste na operação que
vence a resistência do corpo biológico e introduz a instância erógena a partir da
inscrição do falo no inconsciente produzindo a ordem simbólica. A estrutura
neurótica é aquela que atravessou os embates edipianos, e a estrutura psicótica
ficou fora disto.

No Seminário 5, “As formações do inconsciente”, Lacan trabalhou o complexo


de Édipo propondo que esta operação se realiza em três tempos lógicos (LACAN,
1999 [1957 – 1958]). Percorreremos rapidamente este percurso. Segundo a
proposta lacaniana, o primeiro tempo lógico do Édipo corresponde ao período em
que a criança é identificada ao objeto de desejo da mãe, a partir da relação que
viemos trabalhando onde bebê equivale ao falo, relação que identifica a criança ao
falo materno, ao qual a criança está totalmente submetida. “Neste primeiro tempo
lógico do Édipo, a mãe é para a criança o Outro absoluto, sem lei” (QUINET, 2006:
10), ao qual a criança esta sujeitada.

Esta primeira fase corresponde em Freud ao narcisismo primário, encontramos


a referência ao estádio do espelho, onde se dá a construção lógica que corresponde
à formação do eu. Lacan em “O estádio do espelho como formador da função do eu”
(LACAN, 1949) esclarece que no primeiro tempo é a identificação do sujeito à sua
própria imagem que está em questão. A construção de sua própria imago a partir da
imagem que o outro lhe apresenta faz com que a criança comece a montar-se, a
reconhecer sua imago diante do espelho proporcionado pelo desejo contido no olhar
do Outro. O mais importante segundo Lacan ”é que essa forma situa a instância do
eu, desde antes de sua determinação social, numa linha de ficção para sempre
irredutível ao sujeito” (LACAN, [1949]1998:98).

A imago constituída nesta gestalt que é o estádio do espelho estabelece uma


relação do organismo com sua realidade, “inaugurando, pela identificação com a
imago do semelhante e pelo drama do ciúme primordial as dialéticas que desde
então ligam o eu às situações socialmente elaboradas” (idem, p. 101).
32

Portanto, é decisivo este tempo marcado por Lacan como sendo da


correspondência especular existente entre a criança e o outro, que graficamente
marcamos por a – a’. A construção de uma imagem refletida no outro e a
identificação a ela correspondente são fundamentais para a formação do eu. É a
porta de entrada, ou condição indispensável para que identificações secundárias
possam posteriormente edificar-se. Nas palavras de Lacan:

O estádio do espelho é um drama cujo impulso interno


precipita-se da insuficiência para a antecipação – e que fabrica para
o sujeito, apanhado no engodo da identificação espacial, as
fantasias que se sucedem desde uma imagem despedaçada do
corpo até uma forma de sua totalidade que chamaremos de
ortopédica – e para a armadura enfim assumida de uma identidade
alienante, que marcará com sua estrutura rígida todo o seu
desenvolvimento mental (ibidem, p. 100).

Esta “forma de sua totalidade” a qual Lacan se refere é uma unidade ao nível
imaginário. Ela é formada pela imagem do semelhante e não corresponde à
unidade da maturação corporal. Têm um caráter ilusório que confere ao eu a
função de desconhecimento e engano, pois como a identificação com o outro é
imediata e se dá sem mediação simbólica. O outro é igual e também rival, sendo o
suporte de toda a alienação a qual o pequeno sujeito se encontra e a partir da qual
é formado. Segundo Quinet em “Teoria e clínica da psicose”:

A formação do eu através da imagem do outro, do


seu duplo especular, dá à subjetividade sua característica
bipolar, atribuindo ao eu a particularidade de ser
essencialmente paranóico, pois um eu nunca está só,
estando sempre acompanhado de seu duplo especular, o
eu-ideal. (QUINET, 2006:10 e 11).

O segundo tempo lógico do Édipo está relacionado à instauração da


simbolização. Isto se dá quando a criança passa a simbolizar a mãe que, de objeto
de identificação automático evolui para o estatuto de signo. A referência de Freud
em “Além do Princípio do Prazer” onde a criança repete o aparecimento e o
reaparecimento da mãe, quando esconde e mostra um carretel, produzindo fonemas
que distinguem este movimento, demonstram que a mãe já pode ser simbolizada, e,
por conseguinte, o universo da representação se abre ao sujeito. Existe a partir de
então um universo de linguagem que media a relação da criança com o outro
33

primordial, inaugurando-se o simbólico. Segundo Quinet, “a mãe, podendo ser


simbolizada por uma palavra, passa de um estatuto de objeto primordial ao de signo.
A relação da criança com a mãe deixa de ser imediata, pois há uma imediação
simbólica pela linguagem” (idem, p. 11).

Neste segundo tempo, a introdução do simbólico se realiza a partir da


representação pela criança de que o desejo da mãe se encontra para além dela, ou
seja, que houve a instauração da metáfora paterna, que representa o pai no discurso
da mãe. Este significante, nomeado por Lacan de Nome-do-Pai, inscreve a falta no
Outro e barra seu gozo incestuoso onipotente.

Da relação dual primária, temos então a entrada do pai que surge para a
criança como um perturbador de gozo, alguém que é responsável pelo
desalojamento do filho com relação à posição de falo da mãe. Esse segundo tempo
traz à cena um pai que também é privador do falo materno, e que por isto mesmo se
torna o detentor do atributo fálico, o “todo-poderoso” no imaginário da criança, que
passará a temer o destino semelhante ao da mãe, ou seja, de ser também castrada.

Lacan propõe que a privação do falo, como toda privação real, exige a
simbolização. Dessa forma, para Lacan:

É no plano da privação da mãe que, num dado momento


da evolução do Édipo, coloca-se para o sujeito a questão de
aceitar, de registrar, de simbolizar, ele mesmo, de dar valor de
significação a essa privação da qual a mãe revela-se o objeto.
Essa privação, o sujeito infantil a assume ou não, aceita ou
recusa. Esse é o ponto essencial. (LACAN, 1999 [1957-1958]:
191).

A estrutura psíquica, desta forma, estará referida ao processo pelo qual a


criança irá ou não representar ou simbolizar a castração da mãe. A saída do
impasse se configura a partir do remetimento, que a mãe promove, em relação ao
pai. O pai imaginariamente tirânico será o responsável pela renúncia da criança ao
gozo incestuoso, o que marca sua castração imaginária.

A relação entre a criança e o pai marcará o terceiro tempo desta operação. A


questão da angústia da criança abranda-se, pois o pai em sua função não só
interditará a criança na sua relação incestuosa com a mãe mais também atuará na
34

direção de barrar a mãe em sua demanda de tentar reintegrar o filho a si. Neste
período, ocorrerá também a castração simbólica, uma vez que a criança entra em
confronto com o pai todo poderoso, assassinando-o simbolicamente. O pai morto é o
efeito simbólico que responderá ao pacto edípico, doador da significação fálica e
viabilizador do desejo.

O pai simbólico responderá pela identificação viril do filho, que faz mudança na
sua relação ao falo, quando deixa de querer sê-lo para poder tê-lo, portá-lo, a partir
do Nome-do-Pai, sem o qual isto não é possível. O significante Nome-do-Pai permite
que o menino dê significação fálica ao seu pênis, e à menina ingressar no
movimento de se situar como objeto do desejo do homem.

O percurso edípico que sinaliza a entrada na neurose também aponta para o


que não se efetivou na psicose, a saber, a metáfora paterna. Esta será a via pela
qual Lacan distinguirá clinicamente a psicose das outras estruturas clínicas.

2.3 Questão Preliminar

Lacan resumiu o Édipo freudiano na fórmula da metáfora paterna, mostrando


que o desejo da mãe passa de enigmático ao estatuto de barrado, resultando na
inclusão do Nome-do-Pai, significante da Lei no Outro que estrutura uma
significação fálica. Este significante da castração faz interdição ao campo do gozo,
que é o encontro da criança com das-Ding representado na mãe. Deste modo, o
Nome-do-Pai dá condições para que este campo possa ser delimitado a partir de
uma Lei.

No texto intitulado “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da


psicose”, bem como no seu terceiro seminário, Lacan traz os efeitos da metáfora
paterna como o divisor de estrutura psíquica para o diagnóstico da psicose.

Para que a psicose se desencadeie, é preciso que o


Nome-do-Pai, verworfen, foracluído, isto é, jamais advindo no
lugar do Outro, seja ali invocado em oposição simbólica ao sujeito.
É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no
significado, dá início à cascata de remanejamentos do significante
de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que seja
35

alcançado o nível em que significante e significado se estabilizam


na metáfora delirante (LACAN; 1988: 584).

A inscrição do Nome-do-Pai direciona as questões do sexo e da existência,


referentes ao mito edípico, e, portanto, pertencentes exclusivamente ao universo da
neurose. Lacan articula à falta do significante Nome-do-Pai o que estaria fora do
debate neurótico. Quando o Outro não aparece faltante ao pequeno sujeito ele
satura sua demanda. Se o Outro não aponta para o sujeito que existem no mundo
outros objetos que despertam o seu desejo, impede que a metáfora paterna tenha
êxito. Logo, a falta do Nome-do-Pai, ou sua foraclusão no campo do simbólico,
torna-se condição no ensino de Lacan para o que chamamos de psicose.

O que constitui o desejo é a própria mensagem que vem do Outro. O


desenrolar da cadeia significante é refratário ao que se apresenta enquanto desejo
do Outro (A). Dessa forma, podemos falar de sujeito quando este se apropria de um
lugar no desejo do Outro sob a forma de um discurso. Neste ponto Lacan nos
apresenta o esquema L, que situa o sujeito ao campo do Outro implicando quatro
lugares.

ESQUEMA L

(idem, p.555).

Observa-se que o sujeito participa deste Outro discurso ao qual estará


referido, repuxado para os quatro cantos do esquema, a saber: quando ocupa o
36

S, o vivente ao nascer, absolutamente insuficiente e dependente dos objetos


representados por a; o a’, que como vimos, remete ao estádio do espelho e
corresponde ao que reflete do sujeito em seus objetos, e o A, que,
correspondendo ao Outro, assume o lugar de onde o sujeito formulará uma
questão quanto à razão de sua existência.

O esquema L estabelece a identificação a partir do registro simbólico. No


gráfico a relação simbólica apresenta-se por letras maiúsculas, enquanto a relação
especular entre a – a’ mostra-se com letras minúsculas. A relação imaginária não
inclui a diferença. Chamamo-la de especular por que se refere ao olhar atento e
observador do sujeito que se liga ao reflexo que o outro lhe indica. É uma via
imediata e aparece grafada sem hiatos.

Para Lacan, o que esta em questão no sujeito relativo à sua própria existência
não se coloca no campo das relações imaginárias do eu ideal, grafado por i(a), mas
está ligado ao campo do simbólico e refere-se ao ideal do eu, I (A), que se constitui
em relação ao falo.

A questão de sua existência coloca-se para o sujeito, não


sob a afeição da angústia que ela suscita ao nível do eu, e que é
apenas um elemento de seu cortejo, mas como uma pergunta
articulada: “Que sou eu nisso?”, concernente ao seu sexo e sua
contingência no ser, isto é, a ele ser homem ou mulher, por um
lado, e por outro, ao fato que poderia não sê-lo, os dois
conjugando seu mistério e enlaçando-o aos símbolos da
procriação e da morte. Que a questão de sua existência inunde o
sujeito suporte-o, invada-o ou até o dilacere por completo, é o que
testemunham ao analista as tensões, as suspensões e as
fantasias com que ele depara; mas resta ainda dizer que é sob a
forma de elementos do discurso particular que esta questão do
Outro se articula (ibidem, p. 555 e 556).

Dessa forma, a instauração do discurso inconsciente como lugar do Outro se


refere à formulação de uma questão a respeito da existência, levando em conta o
situar-se de algum modo no debate sexual, a partir de um corpo que viera a
sexualizar, atribuindo algum valor fálico à vida e ao viver um sentido. O desejo do
Outro, barrado, marca o inconsciente; e se estamos de acordo que este se estrutura
como linguagem observaremos no esquema L que o eixo do simbólico em
pontilhado marca as formações do inconsciente que carecem de decifração.
37

Prosseguindo, Lacan propõe não mais uma relação linear, geométrica, entre o
eu e o Outro, mas que implica na topologia, para estruturar os três significantes onde
se pode identificar o Outro no complexo de Édipo. O Esquema R, como é chamado,
parte do pressuposto que já se estrutura no sujeito as instâncias do eu (ideal), a
realidade e o supereu.

(ibidem, p.559).

Dois triângulos são vistos, sendo que o menor compõe o ternário imaginário, e
o outro, formado pelos vértices M, P, e I, a triangulação do simbólico. Para o
primeiro, temos a relação representa pela letras m - i o par imaginário do estádio do
espelho, ligado ao eu ideal. A letra grega phi sinaliza a imagem fálica à qual o sujeito
se identifica. O triângulo simbólico tem como extremidades o I que representa o ideal
do eu, M significando o objeto primordial, e P como a posição do Nome-do-Pai
inscrita no Outro.

As relações que partem do sujeito (S) e compõem o campo a, ou seja, de Si à


SM, correspondem ao Outro imaginário das fantasias eróticas infantis, ao passo que
o campo de a’, entre Sm – SI, compreende a identificação desde a imagem
especular até a identificação paterna do ideal de eu. No vértice I, a criança em sua
condição de objeto desejado. O quadrilátero diz respeito ao campo do real, ou do
gozo, que fica delimitado no esquema R como um espaço definido.

Lacan pretende no esquema R demonstrar que o encadeamento do sujeito


está referido ás fases pré-genitais, na medida em que a problemática estrutural
38

reside na criança se identificar ou não com o objeto imaginário do desejo da mãe, na


medida em que ela o simboliza no falo.

Na psicose ocorre a ausência do significante no desejo do Outro, que responde


por um furo no lugar onde habitaria a significação fálica. É em torno do vazio em que
falta ao sujeito o suporte da cadeia significante que irá se construir um delírio, pois
uma fenda abre-se no campo do imaginário, correspondente à falta da metáfora
simbólica.

Do esquema R, Lacan propõe um desdobramento que culmina no esquema I,


representando o desencadeamento do processo psicótico.

(ibidem, p.578).

Podemos observar que o vértice que representa o falo e o P que significa a


metáfora paterna ocupam no esquema I valência igual a zero. O Nome-do-Pai
foracluído do campo simbólico abala as identificações imaginárias do sujeito com o
falo culminando no seu desabamento. Os fenômenos delirantes decorrem da
tentativa do sujeito de sustentar uma função imaginária possível.

Deste modo, podemos avaliar que a realidade do sujeito na psicose se


relaciona ao significante da seguinte forma: antes do surto uma realidade era
sustentada por bengalas imaginárias, correspondente à identificação imaginária do
sujeito ao falo; com o surto, a dissolução desta identificação imaginária e a cascata
39

subjetiva, e, sucessivamente, a tentativa de recomposição do mundo quando da


construção do delírio.

O delírio funciona como tentativa de barrar o gozo do campo da realidade;


delimitando-o no lugar do Outro, e desta forma, atuando como tentativa de cura.
Assim reconhece-se nas alucinações e transtornos de linguagem, nos delírios e
passagens ao ato sem mediação da palavra a foraclusão do Nome-do-Pai e no
mesmo eixo a ausência da significação do falo. O lugar em P deixado vago pela lei é
assumido pelo I, identificação ideal, especular e sem mediação. Neste lugar o sujeito
vai construir-se a partir da imagem primordial da mãe, M, que lhe dá uma restituição
do campo da realidade a partir da imagem.

O campo R, que no esquema de mesmo nome estava delimitado entre os


campos do imaginário e do simbólico, no esquema l encontra-se aberto: é o campo
do real, do gozo, que não tem mais contornos e vive a atormentar o sujeito que fica à
mercê de inconstantes movimentos imaginários.

Podemos avaliar que a falta do significante estruturador da metáfora faz com


que a fala e a linguagem ocupem lugares excepcionais na psicose. Vê-se o sujeito
como um ser falado, ou seja, falando uma fala que está para além dele mesmo. Vale
lembrarmo-nos de Jakobson e os distúrbios da fala que mencionamos no primeiro
capítulo.

A alucinação psicótica pode ser auditiva, visual, tátil, etc. Entretanto, o que ela
guarda de específico é não ser ligada a nenhum órgão do sentido: é uma alucinação
do verbo. Isto se confirma quando os alucinados não confundem seus delírios com
outros sons e ruídos à sua volta, e tampouco teríamos psicóticos delirantes que
nasceram surdos-mudos. “Na alucinação verbal a cadeia significante se impõe ao
sujeito em sua dimensão de voz, manifestando-se a partir de uma atribuição
subjetiva, ou seja, num certo “eles me dizem que...” (QUINET; 2006:16).

Lacan aborda as alucinações a partir da distinção entre os fenômenos de


código e os fenômenos de mensagem. Os primeiros atestam a separação radical
existente entre o significante o significado, por falta da Lei simbolizada pelo Nome-
do-Pai. Encontramos os neologismos, formação de novas palavras ou o emprego de
40

palavras de modo particular a compor o código proposto. Observam-se situações


onde o vazio significante predomina, quando o significante aparece monótono ou
sem sentido algum, além das intuições, onde o vazio da significação significante é
substituído pela certeza delirante. Quanto aos fenômenos de mensagem, Lacan
destaca nas mensagens interrompidas a quebra da cadeia significante; quando da
alucinação de um começo de frase o sujeito deva completá-la para conferir-lhe um
sentido.

No texto “De uma questão preliminar...” que data de 1958, Lacan ainda
trabalha com a supremacia do registro simbólico sob o imaginário. Deste modo
entendia-se que na psicose era preciso que “Um-pai se situe na posição terceira em
alguma relação que tenha por base o par imaginário a- à, isto é, eu – realidade ou
ideal – realidade” (ibidem; p.584).

Com a teoria dos nós, a partir de 1970, a realidade psíquica será ordenada a
partir dos registros real, simbólico e imaginário que estariam unidos pelo sintoma,
representante do Nome-do-Pai. A partir desta nova teoria, “Lacan faz do Édipo uma
costura que permite a amarração dos três registros e abre a possibilidade de se
pensar em outras soluções que não a edipiana” (QUINET; 2006:56).

2.4 A Trilha de Freud

Se a falta do significante Nome-do-Pai é condição para o diagnóstico clínico de


psicose, resta-nos observar na clínica freudiana de que forma sua ausência afeta o
psiquismo e como ocorre a perda da realidade nesta estrutura. Iniciaremos
abordando a forma pelas quais Freud delimitou sua clínica, examinando os
mecanismos de defesa que, em suas peculiaridades diferem a psicose da neurose.

Em 1894, Freud escreve um artigo cujo título “Neuropsicoses de Defesa”


remete à tentativa de apreender uma psicologia capaz de abordar sob um mesmo
corpo teorico a histeria, as fobias e obsessões e as psicoses. Um mecanismo
inconsciente de defesa, próprio a cada sujeito, contra idéias incômodas à
consciência, é a via pela qual Freud vem mostrar sua peculiaridade. A psicanálise se
distingue neste momento da psiquiatria, pois ao invés de se ocupar com as
41

descrições das diferentes psicopatologias e a eliminação dos respectivos sintomas,


irá pensá-las como processos em desenvolvimento dependentes da implicação e do
desejo do sujeito neles embutido.

Freud tratou de relacionar as psicopatologias enquanto efeito de um conflito


mental. A incompatibilidade existente entre uma idéia investida de afeto e o conjunto
da vida mental do sujeito produzirá um grupo psíquico à parte, ocorrendo uma
divisão no psiquismo, que assumirá sintomas definidos a partir da forma pela qual o
sujeito se opuser a idéia rechaçada da consciência.

Ao constatar esta divisão no psiquismo, Freud formula que uma parte que
permanece ligada à comunicação e a consciência, e outra relacionada ao que
chamou neste momento de estados hipnóticos. Cito:

Pode-se considerar aceito que a síndrome da histeria, na


medida em que seja inteligível, justifica a asserção de que há uma
divisão (splitting) da consciência, acompanhada da formação de
grupos psíquicos separados. As opiniões estão, entretanto, menos
assentadas no que se refere tanto à origem de tal divisão da
consciência, quanto ao papel desempenhado por essa
característica. (...). A divisão da consciência ocorre porque as
idéias que remetem nos estados hipnóides estão excluídas da
comunicação associativa com o resto do conteúdo da consciência
(FREUD, 1894: 57- 58).

Nos “Estudos sobre histeria”, de 1895, Freud apresenta o ilustrativo caso de


Elizabeth Von R, exemplo da neuropsicose histérica, nome dado neste instante à
neurose histérica. Paciente de Freud, Elizabeth queixa-se de dores na coxa, cuja
primeira aparição deu-se no período em que cuidara do pai enfermo. Ela cuidava
deste pai de forma voluntária e a ele se dedicava integralmente.

Em associação livre, recordou-se que a primeira vez que sentira essas dores
deu-se logo após a uma noite bastante prazerosa, quando, depois de muita
insistência da família para que fosse numa festa, desfrutou da companhia de um
antigo amigo com quem flertava e por quem nutria desejo de casar-se.
Entusiasmada com as futuras perspectivas do encontro, Elizabeth chega a sua casa
e encontra o pai em situação pior do que o havia deixado. Apreensiva com o estado
piorado do pai e recriminando-se por tê-lo deixado, resolve que não mais deixaria a
42

cabeceira da cama do enfermo. No dia posterior a esta decisão, acorda sentido as


dores na coxa.

Freud interpreta as dores na coxa como resultado do processo de defesa


derivado do confronto entre seu desejo erótico de mulher e o imperativo de servir ao
pai. Decidindo não mais abandonar o leito do pai, Elizabeth exclui a idéia compatível
com seu desejo do campo da consciência, pois se tornou incompatível com o
conjunto consciente da sua vida mental. O afeto que se associava à idéia
incompatível também foi desviado da consciência, instalando-se no corpo sob a
forma de dores na coxa. Logo o sintoma neurótico histérico, para Freud, é o
representante mnêmico de um conflito. Pode-se observar que o mecanismo de
defesa patológico na neurose histérica é a repressão da idéia incompatível à
consciência.

No “Rascunho H”, Freud nos explica sobre o mecanismo de defesa na psicose,


a partir de um caso de paranóica. Ele nos escreve que o paranóico faz “abuso do
mecanismo da projeção para fins de defesa”. (FREUD, 1988, [1892 – 1899]: 287).

Ele parte de um caso clínico em que uma moça tem idéias delirantes de estar
sendo observada e de ouvir vozes atribuídas aos vizinhos que lhe acusam de ser
leviana. Estes sintomas paranóicos surgem algum tempo após a partida de um
rapaz, colega de seu irmão, que havia morado em sua casa por cerca de um ano. A
irmã da doente relata que ouvira desta, antigamente, a queixa de ter sofrido atentado
sexual pelo colega do irmão, numa ocasião em que ambos ficaram a sós na casa.

Freud, ao atender a doente, constata que a cena em questão não está


presente em suas associações, mas que fora radicalmente excluída, a ponto da
paciente ficar ressentida e desconfiada do analista quando convidada por este a
retornar à cena em questão, após a segunda sessão. A defesa da idéia inconcebível,
a saber, o desejo sexual pelo rapaz que a assediou, fora muito bem sucedida no que
diz respeito a expulsá-la da consciência. Mas e quanto ao afeto à idéia empregado?

Como a moça permaneceu libidinalmente ligada ao rapaz, a idéia carregada de


afeto e rechaçada da consciência retorna de fora, de forma paranóica, sob a
acusação dos vizinhos de imoralidade. Para Freud, “o tema permanecia inalterado, o
43

que mudava era sua localização da coisa. Antes, tinha sido uma autocensura
interna, agora se tratava de uma recriminação vinda de fora” (idem, p. 286). Isso é o
que Freud chamou de abuso do mecanismo de projeção como defesa, já citado
anteriormente.

Neste ponto do percurso freudiano temos para a histeria a repressão da idéia


incompatível e conversão somática do afeto, enquanto que nas neuropsicoses
paranóicas observou-se a “repressão da idéia incompatível e do afeto
correspondente, que permanecem idênticos a si, porém, retornam projetados do
exterior e, por isso, irreconhecíveis” (FREIRE, 2001:66).

Para Freud já era claro e nítido uma fundamental diferença entre a neurose e a
psicose. Na primeira, o retorno do recalcado se dá pela condensação, que em
termos lingüísticos equivale à metáfora, como no exemplo de Elizabeth em que as
dores na coxa simbolizavam o conflito da idéia incompatível com a consciência. De
outra forma, na psicose a idéia repelida retorna de fora, sem constituir-se num
símbolo mnêmico. Observa-se que o cerne da questão psicótica é a ausência de um
fenômeno de ordem simbólica; causa dos delírios e alucinações.

A inclusão do significante Nome-do-Pai no campo do Outro promove que o


Outro apareça ao sujeito como inconsciente. O Outro do neurótico não fala, ele é
inconsistente, pois é barrado pelo significante da castração, e, portanto, contém uma
falta que, como vimos possibilita a localização do desejo.

Já para os psicóticos o Outro tem consistência e não tem falta alguma. Por
carecer do significante da Lei, o psicótico encontra o Outro absoluto ao qual está
submetido. Sua posição estrutural é a de ser o objeto do gozo do Outro, “este Outro
absoluto que reproduz o primeiro tempo lógico do Édipo, quando a criança se
encontra identificada ao falo imaginário da mãe como objeto de seu uso pessoal”
(QUINET, 2006:17). Trata-se aqui de uma analogia, já que não há Édipo
propriamente para o psicótico.

A falta da referencia simbólica faz com que o psicótico funcione no registro do


imaginário, onde o outro é tomado como espelho, como modelo para uma imediata
identificação. Identificação e erotização se fundem na apreensão do semelhante.
44

Por carecer do significante Nome-do-Pai que é condição para o


posicionamento viril do sujeito, o melancólico do sexo masculino ficará a procurar
nas imagens que encontra no outro, identidades para o que ele imagina dever ser na
direção de ser um homem, sem, entretanto, nada sustentar.

Uma vez dissertado sobre nossas ferramentas e premissas bem como


apontado para uma definição clínica da psicose, adentraremos nas especificidades
da melancolia e percorreremos as explicações de como ela se adéqua a este
diagnóstico, detalhando seu funcionamento psíquico.
45

Capítulo 03

Psicose e Melancolia

3.1 Melancolia: um breve histórico

Pode-se dizer que a história da melancolia remete ao contexto sócio-filosófico


do classicismo grego. O termo melankholia é formado pela associação das palavras
kholê [bílis] e mêlas [escuro]. Melancolia significa literalmente à bílis negra, uma das
muitas substâncias constituintes do corpo humano segundo a medicina medieval, e
que, em excesso, provocaria uma desordem cujo principal sintoma seria o
afundamento nos próprios pensamentos e a perda de interesse pelo mundo exterior.
O aumento da substância negra arrastaria o sujeito à perda da razão, a uma espécie
de loucura ou frenesi.

Agamben situa a melancolia na cosmologia humoral medieval enumerando


uma gama de características e destacando que, entre humores e sensações
fisiológicas, ela

(...) aparece tradicionalmente associada à terra, ao outono


(ou ao inverno), ao seco, ao frio, à cor preta, à velhice, e seu
planeta é Saturno, entre cujos filhos o melancólico encontra lugar
ao lado do enforcado, do coxo, do camponês, do jogador de azar,
do religioso e do porqueiro. A síndrome fisiológica da abbundantia
melancholie inclui o enegrecimento da pele, do sangue e da urina,
(...) e dentre as enfermidades que podem provocar figuram a
histeria, a demência, a epilepsia, a lepra, as hemorróidas, a sarna
e a mania suicida. (...) e sob uma luz sinistra, o melancólico é
pexime complexionatus, triste, invejoso, mau, ávido, fraudulento,
temeroso e terroso. (AGAMBEN, 2007: 33 e 34).

Aristóteles indagou-se sobre o motivo por que todos os homens que


particularmente brilharam em filosofia, em política, em poesia ou nas artes eram
melancólicos, observando que junto a valores negativos, existia também uma
virtuosidade ligada à melancolia. Ele intuía que a bílis negra era fria por natureza, e
que em excesso provocaria:

apoplexias, torpores, atimias ou terrores, mas se ela é


muito quente, ela está na origem dos estados de eutimia
acompanhados de cantos, de acessos de loucura, e de erupções
de úlceras e outros males desta espécie. Logo, entre a maioria
das pessoas, nascida da alimentação cotidiana, ela não modifica
46

em nada seu caráter, mas provoca apenas uma doença de bile


negra. Por exemplo, aqueles nos quais essa mistura se encontra
abundante e fria são presas do topor e da idiotia; aqueles que a
têm abundante e quente são ameaçados pela loucura (manikoi) e
dotados por natureza, inclinados ao amor, facilmente levados aos
impulsos e aos desejos, alguns também mais falantes que o
comum (ARISTÓTELES; 1998:94 e 95)”.

Aristóteles não qualificava a bile negra como uma doença, trazendo a questão
para a ordem da natureza. Ele a concebia como uma mistura absolutamente
instável, podendo estar totalmente fria ou quente, variando a cada momento. Fez
também uma analogia da bile negra ao vinho, propondo que o desequilíbrio biliar, tal
qual este estivesse mais frio ou mais quente, agia como “o vinho misturado ao nosso
corpo, (que) em maior ou menor quantidade molda nosso caráter” (idem, p.105).

Dessa forma, a inconstância de caráter era observada também com prodigiosa


exceção, devido às produções que consagraram artistas, poetas, políticos que eram
considerados melancólicos pela medicina da época; embora o possuidor de bile
negra não fosse necessariamente melancólico.

Acreditava-se que a bile negra quando aquecida precisaria sair, e o fazia sob a
forma de extravios de pensamento ou melancolia, bem como por ulcerações. O
melancólico, dessa forma, buscava sempre alguma forma de prazer capaz de
acalmar a corrosão causada pela bile negra. Esse humor, esse resíduo que tornava
o sujeito frágil e estável dotava-o de comportamentos múltiplos, ligados à
contemplação e á criação.

A questão aristotélica da dupla valência da melancolia torna-se ponto de


partida de um processo dialético que marcaria a história deste conceito, já que
passou a ser interpretada, a partir de então, como algo positivo e negativo ao
mesmo tempo. A aceitação desta dupla valência da melancolia, entretanto, não
trazia novos horizontes do ponto de vista terapêutico, que tratava de esvaziar o
humor viciado. Para tanto, uma gama de poções e remédios, banhos em águas
termais e diferentes alimentos foram propostos para regular o equilíbrio biliar.

Seguindo no percurso da interpretação moderna, o psiquiatra Philippe Pinel


acreditava que a melancolia derivava de um falso julgamento que o doente faria
47

sobre seu corpo e sobre si mesmo. Kraepelin apontou para a idêntica aparência
clínica nos quadros de “loucura maníaco-depressiva” quer se tratassem de loucura,
episódios intermitentes ou ataques isolados; mas a inexistência de um diagnóstico
que pudesse dar à melancolia um lugar menos confuso ao que ela hospedava ainda
estaria por vir.

Karl Abraham, contemporâneo e interlocutor de Freud, já a partir da teoria


psicanalítica, entendia que a partir da perda do objeto de amor, o eu na melancolia
deixar-se-ia submergir, e se dispôs a refletir sobre o mecanismo inconsciente desta
perda, bem como sobre que falha originária o sujeito se esgota em preencher sem
nunca conseguir.

É Freud quem dará sustentação clínica à melancolia, mediante análise


econômica e dinâmica da pulsão, considerando-a entre as psiconeuroses narcísicas,
ou seja, dentre às psicoses. Diferentes da neurose de angústia onde as tensões
sexuais ocupam lugar no corpo, nas psicoses elas ocupam o psiquismo. E a
peculiaridade da melancolia, capaz de costurar a observação clínica e seus relatos
com o conjunto filosófico e expressões culturais que dela se ocuparam é a
interpretação freudiana do seu mecanismo, que corresponde a um furo no psiquismo
por onde a libido escoaria, posto que em nada conseguisse aderir. Segundo
Lambote:

Foi em relação a esta, compreendida a um só tempo


como sintoma e como mecanismo, que Freud comparou a
melancolia a uma espécie de “hemorragia interna” em virtude da
qual a excitação sexual inteiramente bombeada escorreria como
que por um buraco no psiquismo, acarretando assim, no sujeito,
uma inibição generalizada de suas outras funções. (LAMBOTE,
2000:38)

3.2 A libido que escorre pelo ralo

No “Rascunho G” (FREUD, 1950 [1892-1899]) encontram-se os pontos de


partida de Freud para a clínica da melancolia, seguindo pensando que seu afeto
48

corresponde ao luto derivado do desejo de recuperar algo perdido. Esta perda,


entretanto, relaciona-se à esfera pulsional do sujeito, envolvendo todas as suas
relações. A partir da anorexia, neurose segundo ele correlata à melancolia,
constatava-se na perda do apetite uma relação com a perda da libido. Então propõe
a idéia de que a melancolia consiste em um luto pela perda da libido, que em nada
adere, escorrendo pelo “ralo psíquico”.

Nas correlações em direção à compreensão desta clínica, Freud põe em


questão as cotas de excitação no corpo, questionando-se de que forma a diminuição
ou cessação destas cotas importariam para a melancolia. Num primeiro momento,
ele supõe que a masturbação excessiva intensifica a neurastenia e conduz a um
enfraquecimento psiquíco que podemos entender como uma perda de vitalidade,
fraqueza, cansaço; características da melancolia.

Na correspondência com Fliess, encontramos também uma aproximação entre


a melancolia e o que Freud chamou de anestesia sexual. Constatava-se que muitos
melancólicos apresentavam histórias anteriores dessa anestesia, e que tudo o que
provocava anestesia favorecia o desenvolvimento da melancolia. Entretanto, Freud
conclui ser possível sofrer de anestesia sexual sem ser melancólico, admitindo para
este último o que ele denominava de falta de excitação no corpo, enquanto que a
anestesia estaria para a falta de excitação voluptuosa no órgão, medida pelo
montante de descarga.

Freud menciona a ocorrência da melancolia, na maioria das vezes, de forma


cíclica, que nos remete à psicose maníaco-depressiva. O quadro psíquico da
melancolia era composto a partir dos efeitos que ele assim observava, a saber:
inibição psíquica com empobrecimento pulsional e respectivo sofrimento. Freud nos
convida a imaginar o psiquismo, quando defrontado com grande perda de excitação,
contraindo-se, sugando para si as cotas de excitações livres, produzindo uma
hemorragia interna que se manifesta noutras funções pulsionais por inibir outras
possibilidades de investimento e causando por isso dor, tal qual uma ferida aberta.

É no “Rascunho G” que Freud apresenta a importante analogia para a


compreensão da melancolia: que nesta, os investimentos estão fadados a escorrer,
posto que a libido em sua hemorragia derivada do furo no psiquismo escorre pelo
49

ralo. É a dor de existir da qual nos fala a melancolia, dor provocada pela perda da
libido, evidenciada pela falta de interesse pelo mundo, onde o luto é o afeto
correspondente. Nas palavras de Freud:

Podemos imaginar que se o grupo sexual psíquico se


defronta com uma grande perda da quantidade de sua excitação,
pode acontecer uma retração na esfera psíquica. (...). Desfazer
associações sempre é doloroso. Com isto instala-se um
empobrecimento da excitação, - uma hemorragia interna – que se
manifesta noutras pulsões e operações. Essa retração atua de
forma inibidora, como uma ferida, num modo análogo ao da dor
(FREUD, 1988 [1892-1899]: 281 e 282).

3.3 À Sombra do Objeto

Partindo do ponto comum onde a gênese do luto e da melancolia é a perda do


objeto amado e sua respectiva retirada da libido, Freud avalia em “Luto e Melancolia”
a tenacidade com que a libido investiu o objeto em questão. Em ambos os casos,
quando do desaparecimento do objeto amado, por maior que sejam as ofertas de
objetos substitutos, a resistência à retirada do afeto dirigida ao objeto perdido é
flagrante. Para Freud, “essa oposição pode ser tão intensa que dá lugar a um desvio
de realidade e um apego ao objeto por intermédio de uma psicose alucinatória
carregada de desejo” (FREUD, 1988 [1917]: 277). Do contrário, vai prevalecer a
realidade ainda que seus imperativos não sejam imediatamente obedecidos pelo
trabalho de luto.

O desvio de realidade na melancolia é desencadeado por um fato real em


oposição à realidade e aos recursos psíquicos do sujeito. No instante de uma perda,
são os recursos simbólicos do sujeito que determinarão seu destino. O melancólico,
na citação anterior, é tomado por Freud em sua psicose alucinatória cujo desejo se
encontra identificado à sombra do objeto perdido.

Se o eu não encontrou alicerce algum e com a realidade rompeu seu laço, é


certo que não falamos de qualquer perda. Entretanto, o melancólico pode saber até
que perda desencadeou sua dor ou quem ele perdeu, mais desconhece o que
perdeu neste alguém. Se compararmos ao luto, observamos que neste nada existe
de desconhecido ou inconsciente para o sujeito a respeito do que ele perdeu.
50

Segundo Freud, na melancolia “pode-se reconhecer que existe uma perda de


natureza ideal”. (idem; p. 277). Isso significa que o objeto pode nem ter
desaparecido, mas ter sido perdido enquanto objeto de amor, o que afetou
narcisicamente o sujeito em sua estrutura, uma vez que não se pode ver o que foi de
fato perdido.

Definindo a melancolia, Freud constata que a perda de auto-estima não está


presente no luto; e então propõe que houve na melancolia uma perda no eu do
sujeito; marcada pela insatisfação consigo mesmo e por isso carregada de auto-
acusações. Estas auto-acusações e auto-recriminações teriam sido feitas ao objeto
amado e se deslocaram para o eu do paciente quando de sua perda, a partir da
identificação do eu com o objeto perdido. Daí a frase emblemática de Freud sobre a
melancolia, ao concluir que “a sombra do objeto caiu sobre o eu” (idem; p. 281).

Em “Teoria Psicanalítica da Libido” (1970), Abraham descreve um caso clínico


a ele comunicado. Trata-se de uma paciente do sexo feminino que fora levada a um
hospital psiquiátrico com sintomas depressivos, acusando-se repetidas vezes de
latrocínio, embora nada tivesse roubado. Ela era solteira e vivia com seu pai a quem
devotava seu amor e de quem fora separada recentemente, pois este se encontrava
preso por motivo de roubo. Este fato afastou-a do seu pai fisicamente, além de
provocar uma cruel separação entre o que ela imaginava a respeito dele e o que
viera a tona. A perda da pessoa amada fora rapidamente sucedida pelo ato de
introjeção, de forma que agora era ela quem havia cometido o delito. Segundo
Abraham, “este exemplo mais uma vez confirma o ponto de vista de Freud de que as
auto-acusações da melancolia são na realidade acusações dirigidas contra a pessoa
amada”. (ABRAHAM, 1970:960).

Do conflito com o objeto amado que desaparecera, o melancólico não


renunciará à relação amorosa, pois se identificando ao vazio deixado, irá perseverar
sua fidelidade. Introjetando o objeto perdido, o melancólico conserva-o vivo,
instalando-o no seu eu.

A escolha objetal, neste caso, foi feita sob uma base narcísica. Esta é retirada
ao defrontar-se com obstáculos (no caso, a perda de uma pessoa amada). O que
era uma perda externa torna-se perda narcísica. Esta constatação é central em “Luto
51

e Melancolia”: por uma identificação especular, o objeto de identificação é narcísico


e sem mediação, pois o “eu” e o “outro”, o dentro e o fora, se fundem. Desta forma
conserva-se vivo para sempre o objeto amado, que marcará definitivamente o
discurso e o olhar daquele que vive dragado à sua sombra.

A relação com o objeto na melancolia e o seu destino ambivalente ou é


constitucional e presente em toda relação amorosa do eu em questão ou provém
das experiências que envolvem a ameaça de perda do objeto. O enfrentamento
entre amor e ódio em torno do objeto se dá de forma que o primeiro tenta sustentar a
posição afirmativa do investimento ao objeto, enquanto que o ódio prima por desatar
esse vínculo. Nas palavras de Freud:

Na melancolia travam-se inúmeras lutas isoladas em


torno do objeto, nas quais amor e ódio se digladiam; um procura
separar a libido do objeto, o outro defender essa posição da libido
contra o assédio. A localização dessas lutas isoladas só podem
ser atribuídas ao sistema inconsciente, a região dos traços de
memória de coisas em contraste com os investimentos de palavra
(ibidem; p. 290).

Vê-se que o amor pelo objeto na melancolia é impossível de ser renunciado


ainda que flagelando o eu. Refugiado no narcisismo, o ódio ao objeto perdido abusa
e degrada o eu que tornou-se seu substituto. Quando o objeto toma mais
importância que o eu, já que aquele é tragicamente tratado por este a partir da
identificação narcísica, o risco de suicídio na melancolia se torna digno de cuidado
clínico.

Examinaremos agora a relação pulsional da melancolia às primeiras fases do


desenvolvimento libidinal que estão privilegiadamente dirigidas aos orifícios oral e
anal. A introjeção do afeto ligado ao objeto perdido e sua fidelidade tenaz, mesmo às
custas do desgarramento da realidade, levam à crer que “o ego deseja incorporar a
si este objeto e, em conformidade com a fase oral ou canibalista do desenvolvimento
libidinal em que se acha, deseja fazer isso o devorando”. (ibidem; p. 277). Freud
observa também que o caminho do investimento erótico na melancolia também tem
expressões de sadismo, ponto anterior ao processo de identificação, relacionado às
fantasias fundamentais.
52

3.4 As fases pré-genitais e a melancolia

Pode-se encontrar também em Karl Abraham, que foi um dos mais brilhantes
seguidores da psicanálise em seus primórdios, a mesma sintonia das descobertas
clínicas freudianas, a saber, que quanto mais afastada está a zona genital enquanto
fonte de prazer, mais se encontram voltadas as pulsões para os estágios anteriores:
o erotismo oral e anal. Para os estados melancólicos, Abraham também se
convenceu de que a libido

parece regredir ao mais primitivo estágio de


desenvolvimento que nos é conhecido, ou seja, a pessoa
melancolicamente deprimida dirige a seu objeto sexual o desejo
de incorporá-lo. Nas profundezas de seu inconsciente, há uma
tendência a devorar e destruir seu objeto. (ABRAHAM, 1970: 77).

Pesquisando acerca do caminho pulsional, Abraham propõe que a fase


denominada sádico-anal contém em si mesma dois níveis diferentes. O nível inferior
estaria para a predominância de tendências hostis, apontando para a perda e
destruição do objeto da pulsão, enquanto que noutro plano, predominariam
tendências para a conservação e controle do objeto. No plano mais arcaico, as
relações objetais são abandonadas e no nível superior elas são mantidas.
Entretanto, conclui Abraham, “desde que a libido tenha abandonado suas relações
de objeto, ela parece deslizar rapidamente para baixo, de um nível para o outro
seguinte”. (idem, p. 95).

Ele conta de um paciente que tivera diversas crises melancólicas antes de


procurá-lo, e o fez quando se recobrava de uma delas. Este namorava uma jovem
de quem ficara noivo, e razões não reveladas fazem com que o amor sentido pela
noiva se transforme em violenta objeção que termina por afastá-lo totalmente do
objeto amado, e a cair em crise melancólica acompanhada de delírios. Este paciente
guardava semelhantes identificações entre sua mãe e sua noiva; e Abraham pode
acompanhar de perto uma reaproximação entre o casal que se dera no mesmo
instante em que o acompanhava clinicamente. Durante a recaída a resistência à
noiva apareceu às claras, e um sintoma transitório surgiu quando a situação do
paciente ficou pior que a costumeira: uma compulsão em contrair o esfíncter anal,
que leva à retenção do conteúdo intestinal.
53

As investigações psicanalíticas já advertiam que a retenção intestinal simboliza


no inconsciente a posse, e seu sintoma representava uma retenção de um objeto
que ele estava mais uma vez em risco de perder.

Soube-se também que o sujeito em questão tinha uma relação de passividade


para com seu pai, e sempre que repelia sua mãe por algum motivo, temia sua
atitude passiva, de forma que a contração do ânus servia de defesa tanto a este
pensamento quanto contra a perda do objeto de amor. Abraham seguiu Freud
presumindo que após uma perda de objeto de amor, o melancólico reage tentando
recuperá-lo.

Passados alguns dias outro sintoma é revelado ao analista: enquanto


caminhava pelas ruas o paciente sentira vontade de comer as fezes que pelo
caminho encontrou. Abraham, relacionando um sintoma ao outro, entende que esta
fantasia expressava no sujeito “um desejo de trazer de volta para seu corpo o objeto
amado que havia expelido sob a forma de excremento”. (ibidem, p. 105). Ele conclui
que se trata de confirmação literal de que o inconsciente encarou a perda de um
objeto como um processo anal e sua introjeção como um processo oral, impulso
canibalesco de devorar o objeto expelido ou perdido, derivados do estágio de
desenvolvimento libidinal ao qual regrediu depois de perder seu objeto.

Este exemplo ilustra a compreensão do curso da libido na melancolia em duas


fases: perda e reincorporação do objeto amado. No estágio de morder relativo à fase
oral, o sujeito destrói o objeto em sua totalidade, pois predominam os impulsos
canibais, ligados à ancestralidade. Logo, a criança nesta fase, quando atraída por
um objeto, está tentada a experimentá-lo usando a boca e a tentar sua destruição. É
o despertar da atitude ambivalente em relação aos objetos. Segundo Abraham:

podemos dizer, assim, que no desenvolvimento libidinal


da criança, o segundo estágio da fase sádico-oral marca o início
do seu conflito de ambivalência, enquanto que o primeiro (o de
sugar) deve ser encarado ainda como pré-ambivalente. Dessa
maneira, o nível libidinal ao qual o melancólico regride após a
perda de seu objeto contém em si próprio um conflito de
sentimentos ambivalentes em sua forma mais primitiva. (ibidem, p.
112).
54

A atitude melancólica de afastar-se do objeto amado e respectiva atitude


ambivalente marcam as relações sociais do sujeito em todas as suas extensões. Em
comparação a outras psicoses, como no autismo ou alguns casos de esquizofrenia,
onde vemos o desinteresse ou total descompasso e até indiferença do ser com o
mundo externo, vemos na melancolia uma queixa, uma dor, uma perda que tenta
fazer relações aos sentimentos de inferioridade vivenciados.

É que, ao introjetar o afeto anteriormente fixado ao objeto, todos os caminhos


que ligam o sujeito aos objetos do mundo são profundamente marcados pela
ambivalência afetiva, de forma que o sujeito melancólico sempre está predisposto a
perder, ou melhor, a se perder esvaziando o objeto. E em se tratando de
ambivalência, devemos investigar também as cotas de amor endereçadas ao objeto
e que também foram instaladas no eu.

Freud, ainda em “Luto e Melancolia”, descreve que os pacientes melancólicos


“estão longe de demonstrar uma atitude de humildade e submissão, (...) mas
tornam-se maçantes, dando a impressão que foram desconsiderados e que sofreram
grande injustiça”.(FREUD, 1988[1917], pg. 281). Não é estranho à melancolia um
olhar altivo, bem como um ceticismo, que se evidencia frente á qualquer manobra
que possa alterar sua rotina letal e degradante. Contidos no delírio de inferioridade
melancólico esconde-se grande quantidade de auto-admiração, revelada pela
importância dos próprios pensamentos e tenacidade compulsiva que não o leva a
mudar de posição.

Para além de uma contundente fixação da libido no nível oral, considero


importante dissertar sobre o que Abraham chamou de “grave lesão ao narcisismo
infantil, produzida por sucessivos desapontamentos amorosos” e a “ocorrência de
um primeiro desapontamento importante antes que os desejos edipianos houvessem
sido superados”. (ABRAHAM, 1970:119). A primeira situação pode ser ilustrada pelo
seguinte: um menino desfrutava da segurança de sentir-se o predileto objeto de
amor de sua mãe, até que um desapontamento da parte dela lhe causasse muito
transtorno. As situações afetuosamente positivas que posteriormente vivenciou não
fecharam a ferida, e fizeram-no perceber que não havia objeto substituto para a
mãe, ao passo que falhara também o endereçamento do afeto ao pai. À mercê deste
hiato, este sujeito possuiria tendência à melancolia
55

De outro modo, se criança fica sujeita a uma situação sentida como abandono
no momento que direciona seu primeiro importante passo em direção ao amor
objetal, estará, de acordo com Abraham, atendendo a uma predisposição à
melancolia. Como as pulsões orais ainda são preponderantes nesta fase,
“estabelecer-se-á uma associação permanente entre o seu complexo edipiano e o
estágio canibalesco de sua libido. Isto facilitará a introjeção subseqüente dos objetos
de amor: a mãe e o pai”. (idem; p.120).

Dessa forma, o processo de introjeção assume dois modos: o sujeito introjeta


seu primeiro objeto amado que ocupava seu eu ideal, de forma que este assume o
papel de sua própria consciência; bem como o conteúdo dessa autocrítica é uma
acusação feita ao objeto introjetado.

Sandor Ferenczi, outro dos primeiros psicanalistas e interlocutores de Freud,


nos remete ao acolhimento dado à criança nos primeiros anos de vida e a relação
destes com a pulsão. Em “A Criança Mal Acolhida e sua Pulsão de Morte”, cita duas
situações de pacientes que, segundo ele, foram “hóspedes não bem-vindos na
família”. (FERENCZI; 1992: 48). Um deles chegara como décimo filho de uma mãe
sobrecarregada de trabalho; e o outro descendia de um pai vítima de uma doença
fatal, que morreria pouco tempo depois.

Ambos exteriorizavam, segundo Ferenczi, os sinais conscientes e


inconscientes da aversão, indisponibilidade ou impaciência da mãe e os respectivos
efeitos refletidos na falta de apego pela vida. Os menores fatos eram suficientes
para neles despertar a vontade de morrer, e a vida que desfrutavam era marcada de
pessimismo, desconfiança, ceticismo, inaptidão para o trabalho e infantilidade
psíquica. Junto, à tentativa de explicar o ódio e impaciência do Outro, e responder
sobre a razão de sua vinda ao mundo, se neste não havia disposição para uma boa
acolhida. Uma boa acolhida pouparia à criança da nuance cruel de tal pergunta. Por
Ferenczi, a criança:

...deve ser levada por um prodigioso dispêndio de amor,


de ternura e de cuidados, a perdoar aos pais por terem-na posto
no mundo sem lhe perguntar qual era a intenção, pois em caso
contrário, as pulsões de destruição logo entram em ação. E, no
fundo, não há motivos de espanto, uma vez que o bebê, ao invés
do adulto, ainda se encontra muito mais perto do não ser
56

individual, do qual não foi afastado pela experiência da vida.


Deslizar de novo para este não-ser poderia, portanto, nas
crianças, acontecer de um modo muito mais fácil. (...). A “força
vital” que resiste às dificuldades da vida não é, portanto, muito
forte no nascimento (idem; p. 50).

A psicanálise, desde seus primórdios, sublinhou a importância dos primeiros


anos de vida, e sustentou que a sexualidade é inerente ao ser, que esta não
coincide com a maturação física do sujeito, mas se faz presente desde os primeiros
movimentos pulsionais. No que tange à melancolia, como o investimento da libido
aos objetos não adquire tenacidade, observamos a libido regredida à fase mais
primária do organismo humano.

3.5 A melancolia e o ensino de Lacan

A partir do que foi postulado por Freud nestes textos que estamos trabalhando,
propomos lançar mão dos conceitos de Lacan sobre a melancolia. Primeiramente
defrontar-nos-emos com um significante utilizado por Freud que aqui também
trabalhamos e merece atenção. Em todo momento nosso autor trabalha com a
possibilidade do melancólico ter investido suas economias psíquicas em um objeto
que, posteriormente perdido, faria com que o sujeito abandonasse o pacto com a
realidade mediante o auto-investimento derivado da identificação via narcisismo.

Esse objeto a que se refere Freud, como ele mesmo diz, é da ordem do ideal; e
é a partir de sua perda que a melancolia se desenrola. A hipótese da qual parte
Lacan, corroborando Freud, é que este objeto da ordem do ideal é um significante de
referência para o sujeito, já que é a partir de sua queda que se dá todo o
desmoronamento da realidade. Já foi tratado que é a partir da falta ou da falha do
significante do Nome-do-Pai, nomeado assim por Lacan, que uma psicose pode se
desencadear.

Desta forma, como a identificação se dá via especular havia neste objeto


perdido uma sustentação do sujeito a partir do seu imaginário, (uma vez que psicose
traz a falta de um significante no registro simbólico), e quando da perda real deste
57

objeto temos o desencadeamento da melancolia. Temos então na melancolia um


tipo clínico de psicose, totalmente diferente da tristeza, da depressão, ou do luto,
ainda que este último seja seu afeto correspondente.

Quando da não travessia edípica e do não encontro com a castração, fica o


sujeito sem esse aparato no simbólico que fundamenta em si um ponto de basta e
uma possibilidade de elaboração. Desamparado da ancoragem que o significante
Nome-do-Pai implica, uma vez que dá suporte subjetivo ao sujeito, este pode
amparar-se num apoio fantasioso, imaginário, que lhe servirá até que um encontro
com o real venha a desestabilizar essa frágil sustentação. Entretanto, quando o
sujeito é chamado a responder do seu lugar simbólico e não pode com este contar,
desencadeia-se a psicose.

Para a melancolia, a perda desse outro do amor, no qual o sujeito apostava


sua estabilidade posto que encontrava nele algum traço-suporte do desejo do Outro
e por isso lhe garantia alguma sustentação, foi decisiva. Como conseqüência,
abalou-se o eu como ideal do Outro e com isso a perda narcísica. O que se perdeu
em nível de sustentação imaginária desnuda o sujeito que, agora, se enxerga como
próprio objeto, largado do Outro, abandonado, dejeto do mundo.

Se acatamos que o objeto perdido do melancólico era o que fazia suplência ao


Nome-do-Pai, e da elisão deste a identificação do melancólico como resto do
mundo, temos que nos haver com a hipótese freudiana inicialmente apresentada em
“Luto e Melancolia”, referente ao retorno narcisista da pulsão. Afinal, se o ideal do eu
foi abalado com a perda do objeto que fazia suplência ao Nome-do-Pai, o eu, de
saída, perde seu revestimento narcísico.

Em “Psicose e laço social”, Quinet (2006) em sua leitura de “Luto e Melancolia”


aponta para a constatação de que, se o melancólico se auto-acusa e maltrata, seria
contraditório pensarmos numa regressão da libido ao narcisismo.

Ora, o que é primário na melancolia é essa perda do


objeto, a ser entendida como perda do objeto de amor, simbólico,
situado do ideal do eu, tendo como consequência secundária uma
perda em seu eu. (...) Significa que a consistência imaginária do
eu se esvai, o que mais uma vez é contraditório à hipótese da
regressão ao narcisismo. Quando há um abalo no ideal do eu, há
58

conseqüentemente um abalo no eu ideal, uma ferida narcísica.


(QUINET; 2006: 209).

Freud, ao pensar o suicídio na melancolia, se afasta da explicação desta pelo


retorno ao narcisismo e se utiliza da teoria pulsional e da identificação do sujeito com
o objeto abandonado para melhor examiná-la. Assim ele escreve:

A análise da melancolia nos ensina que o eu só pode


matar-se se em virtude do retorno do investimento de objeto puder
tratar-se a si mesmo como objeto, se permitir-ser dirigir contra si
mesmo essa hostilidade que lança a um objeto e que representa a
reação originária do eu contra os objetos do mundo exterior.
(FREUD, 1917: 249).

Portanto se o melancólico é objeto hostil de si mesmo e se estamos de acordo


que isto reflete a forma pela qual ele veio trilhando o caminho de seus investimentos
no mundo, o que vimos em “Luto e Melancolia” sobre as auto-recriminações e auto-
acusações merece algum esclarecimento.

Freud ainda não havia desenvolvido a segunda tópica onde a teoria pulsional
toma rumos mais claros, donde obtemos pulsão de vida e pulsão de morte. Logo,
quando o primeiro Freud se referia à libido do eu e libido de objeto, a explicação que
se seguia era que o melancólico seria objeto de suas próprias recriminações feitas
primeiramente a outrem, deslocadas para si quando da perda desse objeto, que
recebia afetos ambivalentes. Ou seja, presumia-se que o sujeito teria endereçado
uma acusação ao outro, e, a partir de sua perda, passara a se auto-acusar
sustentado pela identificação via narcisismo. A instância crítica era tomada como um
outro do sujeito.

E como é que reage o sujeito sem o recurso simbólico do Nome-do-Pai? Se a


bengala imaginária tiver sido colocada à prova e provar a sua ineficácia frente à
perda real, estaremos falando de delírio. No delírio, a agregação do universo
simbólico do sujeito desaba, abrindo-se ao universo do imaginário, implicando uma
forma de gozo sem delineio, sem freios, sem barra. De tal forma, esta estrutura
psíquica é revelada no discurso do sujeito, já que o é estruturante.

Uma exigência da ordem simbólica, por não poder ser


integrada no que já foi posto em jogo no movimento dialético
sobre o qual viveu o sujeito, acarreta uma desagregação em
cadeia, uma subtração da trama na tapeçaria, que se chama
59

delírio. Um delírio não é forçosamente sem relação com um


discurso normal, e o sujeito é bem capaz de nos participar, e de
se satisfazer com isso, no interior de um mundo que toda a
comunicação não foi rompida (LACAN, 1955-1956:105).

Na melancolia, o delírio em sua natureza penosa expressa a profunda dor


subjetiva e sua incapacidade de sair desse lugar de ruína, derivada da parada
psíquica. Assim escrevera Freud a respeito do que se passa com o sujeito
melancólico e como este experimenta sua existência:

O paciente nos apresenta seu ego como indigno, incapaz


de qualquer realização e moralmente desprezível; se repreende e se
envilece, e espera punição e castigo. (...). Esse quadro de delírio de
inferioridade – principalmente moral – é completado pela insônia e
pela recusa a se alimentar e um desfalecimento, extremamente
assombroso psiquicamente, da pulsão que compete a todos os seres
vivos de se apegarem à vida. (...). Ele se encontra tão
desinteressado e tão incapaz de amor e de realização quanto afirma.
(...). Também algumas outras de suas auto-acusações parecem
justificadas, apenas ele dispõe de uma visão mais penetrante da
verdade que outras pessoas não melancólicas. Quando em sua
exacerbada autocrítica, ele se descreve como mesquinho, egoísta,
desonesto, dependente, alguém cujo único objetivo tem sido ocultar
as fraquezas de sua própria natureza, pode ser, até onde sabemos
que tenha chegado bem perto de se compreender a si mesmo;
ficamos imaginando, tão somente, por que um homem precisa
adoecer para ter acesso a uma verdade assim. (FREUD, 1914:244).

Junto às importantes características que Freud percebe no que diz respeito ao


delírio na melancolia, fica sua constatação da “visão mais penetrante da verdade” do
melancólico em suas justificativas quanto às suas misérias. Freud inclusive se
pergunta do por que seria necessário adoecer para que uma verdade se
evidenciasse de tal modo.

Talvez possamos mais uma vez nos utilizar do próprio Freud para sustentar o
que Lacan posteriormente viria a propor e que estamos aqui apreendendo, a saber,
que a melancolia tomada dentro das psicoses revelada pela falta do Nome-do-Pai
aponta o inconsciente a céu aberto, onde o recalque e a função fálica não operam,
impossibilitando que o sujeito, depois de cair, levante, sacuda a poeira e dê a volta
por cima.
60

É imprescindível salientar que Freud toma o delírio como uma tentativa de


reconstrução do que estava de alguma forma, amparado. Assim, o delírio na
melancólia expressa o que acontece na estrutura, sob idéias de ruína, incapacidade,
auto-acusação, culpa, idéia de perseguição, temor de castigo, identidade com o que
é descartável e indigno. Pode-se depreender que o melancólico, em seu delírio,
reconstitui a dimensão do Outro, que estaria na posição de punidor. Dessa forma, o
sujeito tenta sair da autopunição, auto-acusação etc., deixando de situar em si o
processo, reconstruindo o Outro que, de forma imaginária, ocupa esse lugar de gozo
que tira prazer do próprio sujeito, fazendo-o de forma sádica.

3.6 A verdade na melancolia

A pergunta freudiana “por que um homem precisa adoecer para ter acesso a
uma verdade assim (?)” (FREUD, 1914:244) sugere que o sofrer melancólico
desmascara uma verdade, um determinado saber proporcionado pelo seu específico
movimento pulsional. Estivemos propondo que a melancolia se difere da neurastenia
por se tratar de uma acumulação sexual no psiquismo e não no corpo. Isto que dizer
que a falta de excitação somática também característica na melancolia representa
alguma deficiência no psiquismo, devido ao seu isolamento no âmbito somático; “daí
a hiperatividade do psiquismo que, em razão da falha de uma energia somática
própria para “fixar” as idéias se esgotam numa ronda de pensamentos condenados a
girar no vazio”, (LAMBOTE, 2000: 45), mecanismo que Freud nomeou de “ralo
psíquico”.

Não se trata, então, do melancólico ser indiferente aos objetos que o cercam,
mas da impossibilidade de poder neles investir. Uma vez perdido o primeiro objeto
de amor, embora cravado na memória como um hieróglifo; junto à impossibilidade
desde reencontro, sobrevive uma agitação ideativa incessante e fatigante. Mesmo
tomado por uma sede de sondar os enigmas que giram em torno do seu pensar, a
ação do melancólico está condenada ao fracasso, e seu gozo inscrito no
esgotamento de uma busca impossível e sempre renovado.
61

Ao reincorporar o objeto perdido que com ele se identifica, e submetido às


exigências de seu poder, o melancólico se nutre de um pessimismo inconsolável, já
que seu desejo não aponta direção alguma.

Retomemos o “estádio do espelho” enunciado no segundo capítulo, tempo


onde se estabelece uma relação do organismo com sua realidade, inaugurada pela
identificação que faz a criança a partir do olhar do Outro. A construção do sujeito
ampara-se na imagem fornecida pelo olhar do Outro, por este olhar que lhe direciona
um lugar, um desejo, e que lhe serve como espelho.

Entretanto, este olhar que sustenta uma imagem ideativa ao sujeito, não pode
ser visto pelo melancólico. Na neurose, por maior que seja o sofrimento, o sujeito
preserva a imagem ideal de seu eu. Ao melancólico isso não foi possível, esta
imagem ideal não se fez presente no Outro.

Por não ter buscado, sob a incitação do Ideal do eu, uma


imagem à sua semelhança, o melancólico está sempre em via de
encontrar uma imagem real, decididamente impossível de ser
identificada. O ideal do eu, suportado pela presença materna,
apesar de ter sido entrevisto numa “presença ausente”, não
deixou de ocultar a imagem virtual suportada pelo reflexo
especular e erigiu-se num modelo cuja intransigência se
concentrou nos farrapos de identidade tão penosamente
arrancados aos outros. (LAMBOTE, 2000: 92).

O olhar do Outro sobre o melancólico se deu sob a forma de uma “presença


ausente” conforme designado por nossa interlocutora na última citação apresentada.
De fato, o melancólico está presente na linguagem já que dela se utiliza, mas o
Outro do olhar, o Outro do amor, que lhe confere desejo e história, ficou alhures.
“Uma não-troca na pulsão escópica tomou o lugar de uma troca sem olhar com a
mãe” (idem, p. 93). A visão sem olhar presentificada pela mãe causou uma ruptura,
um escuro hiato nas relações mais estreitas do sujeito melancólico com sua
existência.

Como citado acima, o ponto cego do espelho no Outro não impede que o
melancólico se agarre aos cacos de identidade que o cercam, ainda que não tardem
62

a desmoronar-se, dada à falta de sustentação proporcionada pela ausência da


metáfora paterna. Servem, entretanto, como uma folga.

O saber da melancolia é atestado pela falta do olhar do Outro e conseqüente


ausência de historicidade quanto ao seu desejo, aos limites, ao tempo e a sua
presença no espaço. Roubando identificações aqui e acolá, avalizadas pela sua
descrença, a verdade na melancolia revela-se em pleno dia quando bem sabe que a
identidade é tão frágil quanto à força ilusória a ela empregada; bem como que para a
pulsão não existe objeto algum capaz de saturá-la.

Esta verdade, por mais dor que em si contenha, é a única que sustenta a
realidade da melancolia sem que qualquer outro adereço lhe seja preciso.
Desnudando o viver dos laços com os objetos, esta verdade, “em sua abstração,
contribui para fazer repousar sua glória numa coleção de personagens de cera para
sempre endurecidos em seu estupor”. (ibidem, p.106).

Despossuído da proteção construída pelos traços de um ideal a se formar,


mediante a identificação, o melancólico não se iludiu com aparências, e, do reflexo
com o espelho, voltou cego, silencioso e mortificado por uma verdade demasiado
precoce.

Interpretar o mundo com a grande projeção constituída


pelos traços do duplo ideal, de modo a obter o gozo, não é da
competência do melancólico; a imaginação não foi
suficientemente forte para permitir que se iludisse com as
aparências do mundo. Dele voltou silencioso e mortificado,
vencido por Kronos que libertou cedo demais a Verdade, sua filha.
O espelho perdeu todo seu poder a ponto de que, ao fazer
desaparecer para sempre a imagem do duplo, ele acarreta quase
sempre a perda daquele que a ele se assemelhava (ibidem, p.
138).

O ponto cego no olhar do Outro fez com que o melancólico desconhecesse os


seus limites e faltas, e em conseqüência ele não observa a função do espaço e do
tempo e os respectivos projetos que na vida marcam a historicidade. Precipitado a
mover-se sem começo nem fim, sua vida segue um fio indeterminado. Por
conseguinte herdou da inexpressão o desespero, por faltar-lhe um significante que
poria um basta na falta de sentido ao mesmo tempo em que seria a origem de um
vetor para a vida.
63

Como o mito não teve êxito, escancarando de vez a fraqueza humana em


detrimento da “autonomia de uma personalidade consistente”, o melancólico
compreendeu que nada nem ninguém poderia apontar-lhe um reflexo especular, um
lugar de desejo, uma justificativa ao viver. Aquém das vaidades, confortáveis e
brilhantes, a verdade como sombra tomou o lugar da luz em pleno dia: o
inconsciente a céu aberto da psicose, na melancolia, parece só conhecer
madrugadas frias.
64

Capitulo 4

Melancolia e Escrita

4.1 A produção escrita em psicanálise

Abordaremos agora a criação e produção da escrita, focando a clínica da


melancolia. Começaremos fazendo uma introdução sobre a escrita no campo
psicanalítico.

A relação entre escrita e inscrição psíquica foi abordada por Freud de forma a
supor o inconsciente a partir de um suporte de inscrição, como examinamos no
primeiro capítulo. Ele aproximou a elaboração dos sonhos aos hieróglifos,
encontrando nas suas formações conteúdos passíveis de decifração. Lacan ocupou-
se deste tema desde suas primeiras produções, e apresenta a letra como matéria
prima da linguagem, suporte por onde a significação deslizará, já que não propõe um
significado prévio atribuído ao significante, uma vez que este porta em si a falta
primária de nada significar por si só. Esta falta possibilita o deslizamento do
significante sob o significante, onde um sentido, na cadeia, insiste, ainda que
nenhum dos elementos da cadeia consista na significação de que ele é capaz
naquele momento.

Desta forma, pode-se perguntar: o que o analista ouve de seu paciente, ou, de
que leitura se trata? Uma resposta possível seria que o analista deva ler os
acidentes e tropeços presentes na fala que escuta. Se o analista lê é porque algo se
produz por efeito da escrita do inconsciente estruturado como uma linguagem. É a
emergência dos significantes que revela ao analista o que está por traz do
enunciado. O analista escuta algo que emerge do significante como letra, e a partir
da associação livre, é da letra que cai que se dá o desdobramento da cadeia
significante, e da associação de significantes precipitada pelo sujeito.

Freud situou a produção escrita “como uma satisfação da pulsão, sem


recalque, e a psicanálise sempre lhe deu o valor de uma resolução”. (COSTA, 2001:
130). Mesmo que se imponha como uma necessidade, entretanto, vemos que não
existe nenhuma garantia de saída do mal-estar ao transmutarmos nossos dejetos
corporais ao mundo simbólico das letras. Mas existe no ato criativo uma elaboração
65

que funciona como uma possibilidade, uma saída para algo que, de outra forma, não
pudera enunciar-se.

Em suma, a escrita traz à tona resquícios, detritos não assimilados que


insistem em se fazer registrar. Quando usa da escrita para transportar estes restos
não assimilados, o autor enuncia um ato que tem um valor de registro. Os objetos
pulsionais, então, são detritos: restos que retornam e que a escrita transporta.
Segundo Costa, nesta produção de ato, na repetição e constância de alguém que se
utilizou desta via para transmitir algo da sua pulsão, precipita-se um estilo.

É possível reconhecer uma determinada produção de ato,


no estilo daquele que precisa transmitir algo pela escrita. O estilo
é algo que se repete. É essa insistência de algo que não se
escreve, nesses detritos que são impossíveis de se escrever e de
transmitir. Quer dizer que é isso que, de alguma maneira, produz
efeitos no leitor para além do argumento, ou do entendimento
daquilo que ele lê. E produz efeitos no autor, para além daquilo
que ele pode reconhecer estar escrevendo. (idem; p. 134).

Um escrito comporta sempre um endereçamento, um suposto destinatário, ao


mesmo tempo em que revela um lugar de exílio, lugar do sujeito do inconsciente,
que “os poetas do século XIII chamavam “estância” [stanza], ou seja, morada capaz
e receptáculo, núcleo essencial da sua poesia”. (AGAMBEN, 2007: 11).

O endereçamento embutido em toda escrita nunca está subscrito, posto que o


autor não tem consciência do lugar a que se dirige. É um lugar que articula a
demanda de reconhecimento ali implícita. Portanto, no paradoxo existente entre
exílio e endereçamento, pode-se constatar que é pela condição de exilado que o
autor funda um referente.

No ato da escrita configura-se uma alteridade por instaurar-se um


endereçamento. Se trouxermos a questão para a clínica da psicose, o exercício da
escrita é de alguma forma um distanciamento entre o escritor e o Outro, uma
fronteira, um litoral.

No “Seminário 7”, o qual aqui já foi citado no capitulo inicial, Lacan faz
relevantes considerações sobre a função da criação enquanto sublimação e sua
66

relação com das - Ding. Ele entende que se das - Ding, a Coisa, não nos está
velada, embora persista em não se representar. Somos então obrigados a contorná-
la, domesticá-la, para podermos concebê-la. Dessa forma, a primeira relação do
sistema psíquico (regido pelo princípio da homeostase definido pelo princípio do
prazer) se faz a partir de elementos significantes, quando nomeia a Coisa, quando
significa o gozo deste encontro. Temos então que a Coisa em questão é suscetível
de ser representada estruturalmente no psiquismo por outra coisa, pois a função do
princípio do prazer conduz o sujeito de significante em significante para mantê-lo no
mais baixo nível de tensão possível. Lacan se posiciona quando diz que:

Aqui está nosso encontro marcado com o emprego da


linguagem que, pelo menos para a sublimação da arte, nunca hesita
em falar de criação.

Estabeleço isto – um objeto pode preencher essa função


que lhe permite não evitar a Coisa como significante, mas representá-
la na medida em que esse objeto é criado (LACAN, 1997:150 e 151).

Lacan toma a construção do vaso de cerâmica como o primeiro significante


modelado pelas mãos do homem; e o é essencialmente por que não há nada
particular de significado nele. Essa ausência de particularidade significante,
característica de sua forma, encarna o vazio como tal. “É justamente o vazio que ele
cria, introduzindo assim a própria perspectiva de preenchê-lo. O vazio e o pleno são
introduzidos pelo vaso num mundo que, por si mesmo, não conhece semelhante”
(idem, p. 153), nos escreve Lacan.

Nesta perspectiva, Lacan toma o vaso como objeto representante do vazio de


significação, centro do real que estamos chamando de das – Ding. É em torno de um
vazio que o oleiro cria o vaso: um significante que contorna o furo. Logo, ocorre que
a noção da criação a partir do nada é coextensiva à situação da Coisa em si, e que
esta é modelada pelo homem sob a forma de significantes, pois assim é introduzida
em seu mundo.

No texto “Lituraterra”, abordando o tema literatura e psicanálise e as relações


entre a linguagem e a escrita, Lacan distingue a letra do significante, além de citar
uma escrita que em si comporta o gozo e com o qual se relaciona. Nesse momento,
67

propõe a letra como o litoral que afirma uma separação entre o furo e o saber. Esta
noção distingue e articula dois registros heterogêneos: o simbólico e o real, saber do
significante e gozo do objeto. A letra é definida por Lacan como semblante do real e
também semblante de gozo.

Em um escrito, a letra é o suporte de uma mensagem, sendo, portanto, aquilo


que nos permite registrar o gozo. A palavra escrita também circunscreve um limite
ao deslizamento significante que ocorre na fala. A partir do “Seminário 20” podemos
articular uma diferença entre a palavra falada e a escrita, ou de uma satisfação da
fala e uma satisfação de escrita, onde a satisfação da fala corresponde ao gozo
fálico.

Assim, no limite do simbólico, a letra articula o significante e o real como furo


na linguagem. Desta forma podemos pensar em dois modos de escrita, uma escrita
pública, compartilhada, que circula e faz parte de um campo de representação; outra
pertencente a um campo privado de não circulação. Lacan, neste contexto, cita
Joyce como exemplo de uso da linguagem quando esta joga com a escrita, quando
o significante vem entremear, enriquecer, rechear o próprio significante. Temos aqui
sublinhado o uso particular que cada sujeito faz da letra, especialmente em se
tratando da estrutura psicótica, a partir deste jogo ao qual se refere Lacan, utilizando
a produção de James Joyce:

É pelo fato de os significantes se embutirem, se


comporem, se engavetarem – leiam Finnegans Wake – que se
produz algo que, como significado, pode parecer enigmático, mas
que é mesmo o que há de mais próximo daquilo que nós
analistas, graças ao discurso analítico, temos de ler – o lapso. É a
título de lapso que aquilo significa alguma coisa, quer dizer, que
aquilo pode ser lido de uma infinidade de formas diferentes.
(LACAN, 1985: 51 e 52).

A literatura nos fala sobre elementos dos quais a psicanálise trata, a saber, a
impossibilidade de circunscrever o real, interrogando através da poesia o próprio ato
da escrita ou da fala como forma de fazer borda ao furo do saber. Em seu sentido
amplo, a escrita é uma experiência que inclui o corpo, posto que seja ato pulsional
em relação ao semelhante. É um saber que não se sabe, um escrito, uma repetição
endereçada à interpretação, que tem como objetivo buscar um sujeito leitor.
68

A literatura, tanto como escrita quanto como fala, é testemunho


de uma experiência onde a prática da letra e do dizer apontam para os
efeitos de uma estrutura, que determina a constituição do sujeito, do
desejo e do gozo no ser falante (FERREIRA; 2007:63).

4.2 Estruturas de escritas melancólicas

Faz-se necessário circunscrever o universo da melancolia dentro das outras


psicoses e examiná-la de forma que ela não se confunda, por exemplo, com um
quadro de depressão. Atualmente não se vê assinalado na clínica psiquiátrica da
melancolia uma classificação rigorosa que permite diferenciar psicose de neurose,
para as afecções cujos afetos remetem-nos ao contexto generalizado da tristeza.

Douville aponta um fator diferencial e estruturante para a clínica da melancolia:


a particular relação do sujeito melancólico com o tempo. O destino irrevogável ao
qual o melancólico se condenou “pode vir dramatizar-se através de uma aniquilação
progressiva das dimensões espaciais e temporais que orientam o corpo e a fala do
sujeito”. (DOUVILLE, 2007: 327). O melancólico está aquém de implicar-se na
relação com o que o representa no tempo e no espaço que vive.

A clínica da melancolia, em seus escritos, conforme destacaremos, testemunha


o mergulho melancólico num tempo eternizado onde a negação do corpo e de seus
limites se torna freqüente. A marca da irreversibilidade dos fatos impossibilita
qualquer antecipação de dias melhores aos melancólicos.

Há uma solidão irremediável à qual se entrega o melancólico por se julgar tão


responsável e culpado, e uma das formas que alguns permanecem ligados ao outro
é sob a forma de um apelo que aguarda condenação. Douville se afasta da opinião
que faz da auto-acusação melancólica o termo delirante da melancolia. Ele entende
que “quando os pacientes enfatizam estas formas de depreciação impudentes de
sua presença e também de sua existência, eles chegam a fazer uma construção”.
(idem, p.332).

Isto se explica, pois, muito distante de ter construído um ideal de eu, o sujeito
identificado a um “ideal negativizado” pode, de alguma forma, fazer um ponto de
69

separação, uma alteridade ao ideal materno, das – Ding. Dessa forma, encontra
supostos juízes ou justiceiros que, com a tarefa de condená-lo, apontam a tal
alteridade, alternativa à petrificação. Neste sentido, a auto-acusação que prende o
tempo, também segura o termo do sujeito, que não esta mais perdido no nada. O ato
de recriar um outro com o qual dialetiza e do qual tenta livrar sua própria e incômoda
presença é tomado como produção que ocupa função de estabilidade, função do
delírio. O melancólico interroga o princípio do prazer no outro, bem como a realidade
de seu corpo e seus afetos. Neste sentido, Duville argumenta que:

“... o auto-acusado é excepcional produtor de laço social,


ou, pelo menos, ele inventa um social á sua desmedida: uma
forma de laço que só pode ser restaurado e eficaz com a condição
de nomear, para o melancólico, a causa daquilo que claudica – e
sempre claudicará – entre um sujeito e outro, entre um homem e
uma mulher. Ficará claro que é a partir da cena social, a da
compacta maioria, que o melancólico se constrói como exceção, a
ser excluída, uma vez por todas. ”(ibidem; p. 333 e 334).

Nestas auto-acusações, pode-se também relevar a consistência do outro, e


assim, começaríamos a delimitar um registro de espaço e tempo da melancolia;
depósitos de marcas, cifras, letras, sons, retalhos de objetos. A partir dos delírios e
alucinações, estratégias para se manter uma mínima constância e alteridade,
também se podem trabalhar as possibilidades de uma identidade para o
melancólico.

Nas páginas seguintes, apresentaremos um recorte da melancolia obtido na


clínica, sobre um paciente que se utilizou da produção de poesias como forma de
fazer borda às suas irremediáveis impossibilidades. Mas antes, nos defrontaremos
com a escrita melancólica a partir das poesias de Florbela Espanca, escritora
portuguesa de grande importância, que com beleza descreveu o doloroso lugar do
qual experimentava existir.
70

4.3 O Real em Florbela Espanca

?!...

Se as tuas mãos divinas folhearem


As páginas de luto uma por uma
Deste meu livro humilde; se poisarem
Esses teus olhos claros como espuma
Nos meus versos d`amor, se docemente
Tua boca os beijar, lendo-os, um dia;
Se teu sorrir pairar suavemente
Nessas palavras minhas d`agonia,
Repara e vê! Sob essas mãos benditas,
Sob esses olhos teus, sob essa boca,
Hão de pairar carícias infinitas!
Eu atirei minh`alma como um rito
Às trevas desse livro, assim ó louca!
A noite atira sóis ao infinito!...
(ESPANCA: 1996, p. 102)

No dia 8 de dezembro de 1894 nasce Florbela d´Alma da Conceição Espanca,


na casa de sua mãe, Antônia da Conceição Lobo, em Portugal, Vila Viçosa. Florbela
terá um irmão, filho da mesma mãe e mesmo pai, chamado Apeles. Foram
registrados em cartório como “filhos ilegítimos de pai incógnito”, mesmo vivendo na
casa e na companhia do pai, o republicano chamado João Maria Espanca, e de sua
esposa Maria Inglesa, madrinha de batismo de Florbela. O pai de Florbela era
inimigo ferrenho do regime monárquico, além de autodidata apaixonado pela
fotografia, introdutor do cinematógrafo em Portugal. João Maria só perfilhará a filha
dezenove anos depois de sua morte, quando a certidão de nascimento de Florbela
constando paternidade incógnita, impedia que um busto em sua homenagem fosse
erguido. Seu pai e seu irmão Apeles serão o foco da atenção e carinho de Florbela
durante sua infância.

Aos oito anos Florbela escreve seu primeiro poema, cujo título tem no
paradoxo “A Vida e a Morte” a marca dos opostos que cruzam toda a saga da
escritora: a primeira, com bravura, tentará significar, e a morte, por fim, clamará para
aliviar sua falta, sua dor, sua errância.

Antônia da Conceição Lobo morrerá precocemente aos 29 anos, em 1908. O


desligamento de Florbela de sua mãe vai marcar sua obra; e ficará destacado num
71

de seus últimos poemas intitulado “Deixai entrar a morte”, onde suplica a


entronização ao reino da morte para que lhe cure a dor de existir. O amor, como
veremos, terá valor à medida que acarreta sofrimento, e a solidão, o medo da
rejeição e a propensão para o funéreo são sempre sublinhados em seus poemas.
Mas “desde a nascente poesia de Florbela, ficam definitivamente seladas e
imbricadas as suas mais significativas constantes: a condição feminina e a
marginalidade” (DAL FARRA, 1996: 29).

Florbela revela uma ascendência do mundo masculino sobre a mulher, e neste


contexto, se apropria da dor como dote feminino para daí extrair seu motor literário.
A ausência de proteção, de um olhar, “por que não dizer patriarcal” (idem, 1996: 30),
lança esta mulher num mundo escuro, de liberdade à deriva, mas de muita
fecundidade, pois Florbela escreve nos seus instantes mais hemorrágicos.
Contrariamente à passividade ou à apatia, sua dor parece motor para sua produção,
tristeza que desafia a indiferença e torna-se seu brasão.

Florbela tem consigo uma dor original, uma dor básica, fundamento de seus
escritos. Uma dor de desligamento da mãe, terra e mulher; uma dor cósmica, cuja
nascente remete à brecha existente entre o sonho e a morte.

Deixai entrar a Morte

Deixai entrar a Morte, a Iluminada,


A que vem para mim, pra me levar.
Abri todas as portas par em par
Como as asas a bater em revoada
Que sou eu neste Mundo? A deserdada.
A que prendeu nas mãos todo o luar,
A vida inteira, o sonho, a terra, o mar
E que ao abri-las, não encontrou nada!
Ó Mãe! Ó minha Mãe, pra que nasceste?
Entre agonias e entre dores tamanhas
Pra que foi, dize lá, que me trouxeste
Dentro de ti?...Pra que eu tivesse sido
Somente o fruto amargo das entranhas
Dum lírio que em má hora foi nascido...
(ESPANCA: 1996, p.300)
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Inteiramente disponibilizada à morte, neste poema, Florbela faz um inventário


do que tem sido, e muito embora tenha herdado o luar, toda a vida, sonho, terra e
mar, e os tivesse tentado reter, nada deles lhe restou, a não ser o título de
deserdada. Fundindo-se implicitamente à mãe nessa hora crucial, Florbela parece
querer estancar, a partir da morte, toda a linhagem feminina, pois não encontra ali
nenhum refúgio. Ela pergunta à mãe sobre o motivo de ter vindo a este mundo, entre
dores e agonia, a razão para o amargo fruto que testemunha ser. E nos dá conta de
sua simbiose com a mãe a partir da metáfora do “lírio”, que tanto pode querer dizer
de uma como da outra.

Florbela sente o mundo passar por si, e como nele não consegue se deter,
enlaça a marginalidade que experimenta relativa à falta do Nome – do – Pai à falta
de um significante que é próprio da mulher. O abandono que sente o melancólico,
caracterizado como dejeto ou resto, contextualiza-se em Florbela quando ela traz em
seus poemas a dimensão da mãe imaginária que a abandona. Sem os recursos
simbólicos adquiridos no percurso edípico, Florbela passa a descrever a violência
com que experimenta o abandono do Outro. Não encontrando sentido para sua
existência, rechaça sua linhagem feminina, o útero que lhe protegeu a vida e suplica
o reino da morte.

A morte, tida como “a iluminada” é a porta pela qual o encontro com a mãe
mítica se torna possível, possibilidade de regresso ao útero cheio de luz e abrigo

. Ao eleger como dia de sua partida aquele mesmo de sua chegada ao


mundo, Florbela assume o seu nascimento como um corte abrupto, como um
desligamento doloroso das verdadeiras energias vitais. “É como se tivesse morrido
para a vida no dia em que nasceu, e regressado a existência primordial no dia em
que morria para o mundo” (DAL FARRA, 2002: 295). Melhor que qualquer
argumentação que ratifique esta proximidade e devoção, no poema intitulado “À
Morte” vê-se com que intimidade Florbela trata da morte, na espera que esta venha
a dar o suporte e aconchego e proteção.
73

À Morte

Morte, minha Senhora Dona Morte,


Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.
Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!
Vim da Moraima, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
Á tua espera,... quebra-me o encanto
(ESPANCA: 1996, p.301)

A vida de Florbela, vemos, é na verdade seu exílio. Seu desejo é o de


regressar ao lugar de origem, que é a Morte, de quem mais uma vez ela espera o
bálsamo para as dores de sua alma, lugar que daria a estabilidade e unidade ao
seu universo. Florbela se intitula princesa apenas deste lugar ermo, a Moraima,
terra de estrangeiros, de onde vêm os mouros. A morte se recobre de sentidos de
proteção, de fortaleza, de guarida. O nascimento e a vida serão sempre tomados
como um corte que lhe rouba a paz, a quietude, o aconchego, e que lhe causa
dor. Essa ausência de um lugar de desejo, típico da psicose, faz com que Florbela
se sinta marginalizada, forasteira, uma estranha no mundo que habita uma
“náufraga da vida”. (DAL FARRA, 1996: 149).

Florbela, em 1927, verá morto seu irmão Apeles que se suicidará


mergulhando o avião que pilotava, após não suportar a morte de sua amada. A
dor de Florbela faz com que ela produza o “Livro de sóror saudade”, volume que
contém o soneto nomeado “O meu mal”, dedicado a Apeles, que veremos agora:

O meu mal

Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,


Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui renda dum vitral,
Que fui cipreste e caravela e dor!
Fui tudo que no mundo há de maior;
Fui cisne e lírio e águia e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou um cínico riso de Chamfort...
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Fui a heráldica flor de agrestes cardos,


Deram as minhas mãos aromas aos nardos...
Deu cor ao eloendro a minha boca...
Ah! De Boabdil fui lágrima na Espanha!
E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha!
Mágoa não sei de quê? Saudade Louca
(ESPANCA: 1996, p.178)

Por ter sido “tudo que no mundo há de maior”, Florbela parece ter saudade
louca deste tempo mítico de completude, de plenitude, onde compartilhava a origem
de tudo, já que o perfume vinha das suas mãos e de sua boca o colorido ao
eloendro. Chama-nos atenção que ao finalizar o soneto Florbela não localiza o que
perdeu, embora sinta saudade louca deste tempo onde com o cosmos estava
fundida. Lembra-nos Freud em “Luto e Melancolia” que na melancolia houve a perda
de um objeto de amor, mas que o sujeito não sabe o que perdeu neste objeto,
achatando o desejo que ficará sob a sombra deste objeto.

A dor no corolário de Florbela carece do olhar amado, da luz do desejo que ela
sente como vácuo, e que conferem identidade e existência ao sujeito. A dor do
feminino em Florbela é a dor da falta de um significante que lhe responda sobre si
mesma, sobre a mulher e a dor real da existência. Com coragem, ela encarna o
próprio estandarte da dor, mergulhando nela, tomando-a para si, e produzindo com
isto. Daí que os poderes de suas palavras tomam proporções maiores, pois ela não
se furta em mergulhar em si, na busca de nomear-se, cada vez mais de perto.

Nesta sua ânsia em escrever sobre o vazio de significação que sente em seu
ser, de sujeito e mulher, não consegue encontrar uma máscara que lhe vestisse a
falta, que lhe signifique o feminino. Ela fracassa no semblante de mulher, pois da
posição feminina sua poesia revela-se congelada, triste, morta. Vejamos em um
trecho de um soneto chamado “Tédio”:

O frio que trago dentro gela e corta


Tudo que é sonho e graça na mulher!(...)
O que é que isso me importa? Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!
(idem, p. 156)
75

Noutro trecho de um poema intitulado “Ambiciosa”, podemos notar que o


sofrimento de Florbela ligado à necessidade de ser acolhida pelo Outro se
transforma em demanda de amor cujo objeto não é mais passível de ser alcançado.

O amor de um homem? – Terra tão pisada!


Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? – Quando eu sonho o amor dum Deus!...
(ibidem; p.: 234).

Talvez um Deus uno e absoluto pudesse saciar sua inquietude. Mas o Deus de
Florbela parece não conhecer sua dor, pois a tentativa de fundir-se a este também
não apazigua seu sofrer. Florbela busca “Deus como um dos nomes da Coisa, que é
o real padecendo do Significante” (MIRANDA, 2002: 289).

Para Florbela, não há uma busca de completude amorosa que se satisfaça no


sintoma, e o gozo surge como algo sem cor e frio, ao qual o sujeito está submetido,
pura pulsão de morte. O vazio não cessa em se presentificar e é desse lugar que
Florbela fala na tentativa de legitimar a si mesma, ao seu eu e sua sexualidade.

Mendiga

Na vida não tenho nada e nada sou


Eu ando a mendigar pelas estradas
No silencio das noites estreladas
Caminho, sem saber pra onde vou!
Tinha o manto do sol...quem m`o roubou?!
Quem pisou minhas rosas desfolhadas?!
Quem foi que soubre as ondas revoltadas
A minha taça de oiro espedaçou?!
Agora vou andando e mendigando,
Sem que um olhar dos mundos infinitos
Veja passar o verme, rastejando...
Ah, quem me dera ser como os chacais
Uivando os brados, rouquejando os gritos
Na solidão dos ermos matagais!...
(ESPANCA; 1996, p. 225)
76

4.4 Escrita e experiência clínica

Tomaremos agora como ilustração um caso de melancolia, assim


diagnosticado em supervisão, que escutei por mais de dois anos. Vou chamá-lo de
M, que nasceu no Rio de Janeiro, tinha 54 anos, filho caçula vindo depois de duas
meninas. Nas primeiras sessões, chega contando da sua falta de interesse pelas
coisas desse mundo, uma vez que este é fútil e violento, e que por isso tem enorme
dificuldade em penetrar na cultura, já que “todo mundo acha espaço para o
“Faustão”, mas não encontra algum para a filosofia”, por exemplo. “Nada me
convoca”, repetia.

Questionava-se o motivo que o leva a não sentir atração sexual por ninguém, já
que “todos só falam disso por todo o tempo”. Contou-me que foram dois os
relacionamentos que teve em sua vida, com pessoas que além do mesmo sexo,
tinham o mesmo nome que o dele, e conta também que nunca penetrou ninguém.
Diz-me que “não tem profissão nem lugar algum no mundo”; e ao falarmos sobre
trabalho ele, mais uma vez, critica duramente o modelo econômico atual e associa
etimologicamente à palavra tripalium, instrumento de tortura, para dizer que é dessa
ordem o mal-estar de ter que se enquadrar numa rotina de trabalho.

Sempre falou muito pouco do seu pai, mas pude saber que este morava na
casa da sogra, e “que não teve atuação masculina na família”. M entende que seu
pai “já não tinha moral” por condescender àquela postura tão deplorável de morar na
casa da sogra. Sua mãe ocupava-se de eventos aos quais era convidada, e ele,
conta, permaneceu perdido entre as babás e a avó. Contou que a morte do pai fora
pouco sentida já que ele nunca esteve presente; e a morte da mãe “um luto ainda
não realizado”. Quando esta veio a morrer, M. viajou para Europa por dois anos,
sozinho, voltando quando o dinheiro acabara.

De sua herança restaram duas salas de aluguel e um apartamento, bens dos


quais ele só tem o usufruto. Enquanto as salas estavam alugadas, combinamos um
preço pelas sessões. Quando estas salas deixaram de render, M. teve que de mudar
de seu apartamento, já que alguns condomínios pendentes acumulavam-se. As
irmãs, que evitavam contatos com ele, apareceram e alugaram o apartamento para
77

que M. quitasse suas pendências e disponibilizaram um valor a fim de que ele


alugasse um quarto.

Frente àquelas contingências ele disse não ter como me pagar. Então combinei
que trouxesse algum valor possível, qualquer que fosse. Porém M, arruinado, chega
sem nada repetidas vezes. Comentara, entretanto, sobre alguns poemas que fizera
e de sua relação de amizade com as letras. M. é filósofo, toca violão e diz que
compôs algumas boas canções, além de ter amizade com artistas talentosos. Frente
ao impasse de atendê-lo sem nada receber ou não mais atendê-lo, proponho então
que comece a me trazer suas poesias como forma de pagamento, até que consiga
algum dinheiro. Ele aceita minha proposta e começo a receber os seus trabalhos.
Primeiramente começa veiculando antigas composições, em papel amarelado pelo
tempo, sem datas e muitas sem título.

Para além da sua fala nas sessões, também pude então, começar a apreender,
por outra via, um pouco da sua realidade psíquica e a forma como experimentara a
vida.

Sinto-me inclinado a declarar que já morri, eu já era, e


agora, como continuar vivendo? Como suportar esse estado de
sono / vigília até a morte efetiva quando se é sepultado?... Sim eu
era poeta, escorria e rolava como cachoeira, sim eu já fui o mais
belo, sim, eu conheci o que é ser o mais belo possível, e agora?
Como suportar essa existência dormente e esquecida? Como
suportar o tempo? O tempo é o desespero da espera sem
esperança que parece ser o que ainda me faz registrar ser
alguém... eu sou alguém / eu sou ninguém...

Observando os escritos vemos como o desejo não se sustenta e a libido não


se fixa, o passar do tempo passa sem significação. O tempo não é cravado de
historicidade, pois o simbólico não operou. Sem um crivo, uma inscrição sexual, o
sujeito sai vagando em busca do significante perdido na imagem opaca que lhe
refletiram. O tempo passa, e passa trazendo dor, “todo mordido”. Daí sua
pendência “sou alguém/sou ninguém”, como se perguntasse a si mesmo se está
vivo ou morto, uma vez que declara sua morte, ou a morte de seu desejo na vida,
e ainda tem de suportar “esse estado de sono/vigília até a morte efetiva quando
se é sepultado”.
78

Eu passo o dia inteiro passando


Eu passo o dia inteiro andando
Eu passo o dia inteiro dançando
Vendo o dia transpassar por mim
Todo o dia o dia inteiro em mim
Eu passo o dia inteiro pensando
Eu passo o dia inteiro fumando
O dia inteiro fumaça no ar
Passando o dia inteiro por mim
Que transpasse por mim toda a alegria e toda a cor do dia.
Que passa o dia inteiro por mim
Toda dor, todo ruído, todo mordido
Passando o dia inteiro por mim.

A perda narcísica junto à falta do Nome-do-Pai revela o furo no psiquismo, ralo


por onde escoa a libido, que faz com que todas as cores do dia, todas as nuances
da vida passem pelo sujeito, pelo seu corpo, sem que algo lhe convoque, lhe
estanque o abismo contido em si. O movimento da fumaça se esvaindo, equivale ao
movimento da libido, que vai passando, pensando, levando o tempo sem nada reter.

O excluído

Não fui convidado? Não, não fui convidado.


Ninguém me convidou? Ninguém.
Nem o telefone tocou, nem ninguém se lembrou de mim.
Todo mundo foi, todo mundo, menos eu.
Eu fiquei em casa sozinho, chorando, sentado num canto,
sofrendo.
E ninguém me viu sozinho chorando
E ninguém me viu sentado num canto, chorando e sofrendo
Não fui convidado, e porque me convidariam?
Um trapo / produto inútil / pano de chão.

Indigno de um convite ou de um telefonema, resto da festa e da humanidade,


usurpado pelo Outro que não lhe dá lugar algum e que não lhe viraria o olhar nem na
hora do sofrimento. A não-localização do Outro do cuidado, do amor, a falta de um
lugar a se referir, bem como para ser acolhido e desejado, revela a posição
melancólica de excremento da humanidade, subtraído da cultura e culpado por ser
um produto tão inútil. A tristeza torna-se o afeto freqüente, o hóspede eterno do ser.

Desde que a tristeza imprimiu definitivamente sua marca


em meu olhar, desde que a tristeza escolheu meus olhos para
morar, não vou mais dormir, não quero mais acordar...
79

Muito do que me foi entregue em folhas A4 digitadas em computador, são


seqüências que funcionavam como um fluxo de palavras e letras às quais M.
deixava-se produzir e que seguem uma pontuação pouco usual. A partir de textos
reflexivos ou críticos, meras associações e encadeamentos de idéias ou escritos
com valor poético; um fato é que este sujeito tinha uma atividade com as letras que
estava sendo observada por ele de um lugar inaugural. Sua produção, extraída do
vazio que sentia, registrava, ainda que sem título ou sem data, um instante de sua
existência que em letras ficou registrado, uma escrita fez litoral, fez borda à pulsão.

Ele dizia freqüentemente do movimento interno que empreendia para chegar


às sessões, do custo psíquico e do preparo semanal que fazia para tal, bem como
do trabalho de seleção que fazia dos escritos que, a cada semana, eram-me
destinados. Em um de seus escritos sem título, encontram-se algumas referencias
sobre cartas, linguagem, dor.

...cansei de procurar aquilo que não se pode encontrar,


as coisas mudaram e trocaram de endereço,não se recebe cartas
onde não existem correios,os selos da existências foram lacrados
antes das cartas serem escritas agora adivinha-se a linguagem,
tudo é oráculo, a tudo interpreta-se, sofre-se, sofre-se muito,
chora-se, sente-se num beco sem saída, como se tudo já tivesse
recebido um nome sem que a ninguém fosse dada a possibilidade
de se discutir à cerca do nome a ser dado às coisas.

Parece constatável o profundo desencontro do sujeito com o mundo. Procura-


se o impossível, mas procura-se. Ao tentar selar, codificar, significar sua existência,
M. parece dar-se conta de um tempo ao qual isso já não é mais possível. A falta do
Nome-do-Pai, eixo regulador do psiquismo linguageiro e estruturador da metáfora
que, no campo simbólico, possibilita à linguagem o encontro com um destinatário, ou
com os correios, meio pelos quais estas mensagens seriam trocadas, impossibilita
seu lugar de discurso.

Observamos o sofrer que este descompasso encerra, já que M. não se sente


sujeito das palavras, não lhes outorga um valor de troca, pois não passam de coisas,
significantes vazios, dos quais ele não foi chamado a discutir tal significação. Este
véu, esta fantasia que cobre, o significante não se sustenta, e vemos mais uma vez
a verdade nua e crua da falta de sentido das coisas e da vida na melancolia.
80

Despossuído de vida, a miséria melancólica encontra no contato com morte um


terreno fértil, amizade que por vezes leva ao encontro da beleza de um “segredo tão
explícito”, ambivalências presentes na clínica e na escrita.

A morte é tudo. Saber utilizar a morte como uma dádiva é


o segredo que a eternidade, essa deusa, nos deixou conquistar.
Aqueles que conseguiram ter acesso a este segredo tão explícito,
têm a fortuna de marcar a existência com o timbre da beleza.

Depois de alguns meses, M. chega dizendo que achara solta a forma com que
tem pago as sessões. Disse que as poesias podem começar e acabar rapidamente,
sem grande comprometimento, e daqui por diante iniciará seu primeiro romance ou
conto, com a finalidade de amarrar um pouco mais os seus escritos. Trata-se de um
romance com fundo autobiográfico, conta cujo título é “O Último Homem”.

O fato interessou-me, pois, se o melancólico está identificado como objeto, não


encontrando razão para investir seus afetos nos objetos do mundo, e, portanto
petrificado no seu desejo, o interesse de M. em editar-se, e ainda, de forma menos
avulsa, revela um lado vital ligado à cultura e à linguagem. Afinal, a partir de onde
podemos identificar uma suplência simbólica à função do Nome-do-Pai? Ou então,
da irrupção psicótica, uma produção artística engajada pode servir como fator de
estabilidade ao sujeito proporcionando intervalos onde um tratamento se torna mais
viável?

Fato é que M. faz alguns capítulos do seu conto ou romance. Trago mais um
pouco do tom de sua escrita, agora em “O último homem”:

Mas, o que o autorizava afirmar com tanta veemência que


o mundo houvera acabado? Ele mesmo não sabia, aliás, sabia sim, que
um tipo de mundo acabara para ele. E o que acontecia nos dias atuais
não mais lhe dizia respeito. Onde quer que se olhasse imperava a
grosseria. Todos gritavam, gritavam palavras chulas e clichês. De quê
lhe interessava mais esse tipo de mundo? Imundo.

Ficaria sucumbido à lembrança e consumido por algo que


já não existia? Ele não sabia, mais continuava... . Seu grande prazer era
dormir, dormir e sonhar... Acordar era um pesadelo.

Desde cedo em sua vida percebera que sua vocação era a


de traduzir (trair). A linguagem em si já tentava traduzir o que se
percebia do que se pode chamar, ou melhor, de como se pode tocar no
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chamado “mundo real”. Além disso, traduzir o sentido da linguagem pelo


verso prosa a poesia, traduzir a linguagem que tenta captar no real, na
linguagem do imaginário humano era uma árdua tarefa, um trabalho
raro que poucos poderiam dedicar. E esse trabalho não era
remunerado, pois desde que o mundo acabara o “último homem” ficara
sem serviço, sentado, nu, numa pedra. “Sentia-se viver num século
antigo e distante, ainda escrevia à mão, o “último homem” queria falar,
mais já não sabia mais qual era o nome da palavra.”

“Um mundo havia acabado para ele”. “Desde cedo em sua vida percebera sua
vocação em traduzir (trair)”. “A linguagem em si já tentava traduzir (...) como se pode
tocar o chamado “mundo real”. “E traduzir a linguagem que tenta captar o real é
trabalho raro que poucos poderiam se dedicar”. “O último homem queria falar, mais
já não sabia mais qual era o nome da palavra”.

Um auto-retrato

Um trapo
Um produto inútil
Um pano de chão
Alguma coisa que alguém esqueceu em algum lugar
Um resto de bebida no copo de ontem
Um jardim abandonado
Uma tristeza imensa
Uma lagoa fria
Um oceano em tormenta
Um sentir que não agüenta
Esse profundo buraco vazio
Um pedaço de remo que o mar trouxe à praia
Um som do apito de um navio
A névoa, as correntes frias
Um ofegante afogando-se.

Waleske a desarrazoada estava certa como sempre


Me caso com as letaras, meu caso é com as letras.
...essa mesmória...

Notam-se os neologismos, fenômenos presentes nas falas e escritas


psicóticas, como vimos anteriormente. Refugiado nas letras que a “mesmória” traz,
na praia se vê um “pedaço de remo”, e a lembrança longínqua do “som do apito”, se
faz ouvir. Estes são os restos, os cacos de vida que registram alguma diferenciação
entre o ser e o nada.
82

O tempo que se desenrola, cotidiano delirante; só a


poesia me consola, me arrebata pra outro tempo, pra outro lugar;
onde tateio e vago, com esperança (que se renova).
83

Considerações finais

Uma vez percorrido o recorte teórico que fundamenta a melancolia em Freud e


Lacan, junto à experiência clínica e os argumentos colhidos dos escritos, vimos que
a construção dos conceitos se justifica na experiência do sujeito melancólico em seu
dia-dia. A forma reduzida do laço com o outro, derivada da não inscrição do Nome-
do-Pai, se faz presente no caso estudado já que não existe nada em M. que
sustente qualquer desejo, de modo que podemos apontar a inexistência deste na
querela melancólica.

Isto se observa com especial clareza quando este paciente interroga a


ausência de seu desejo sexual, quando observa que todos à sua volta procuram
pela satisfação sexual e buscam pelo respectivo objeto o tempo todo. Entretanto,
verifica-se a partir da função da escrita que nem todos os laços foram efetivamente
rompidos ou que esta ainda serve como exercício de separação do Outro que vive a
lhe esgotar as forças.

Este atendimento marcou o primeiro encontro deste pesquisador com a clínica


da melancolia. A realidade crua e desvelada ali encontrada suscitou a busca de
ferramentas para sua compreensão. O desfecho da pesquisa, entretanto, não contou
com a presença do analisando, que já havia rompido os fiapos transferenciais, uma
vez que mudara de cidade e não mais fizera contato com quem o escutara.

Em supervisão clínica, não se pode deixar de escutar que não fora o paciente
quem escolhera pagar com seus escritos, e que a solução para o impasse que poria
fim aos atendimentos fora proposta pelo analista. Para além da problemática clínica
que cerca a melancolia, o ato de trocar as poesias pela escuta também fez questão
durante este processo.

Uma resposta possível, em meio a uma revoada de outras questões, foi


encontrada. Havia de fato uma produção escrita já construída por M. Para além, ele,
nas sessões, escolheu escrever algo novo, noutra modalidade de escrita, ainda que
pouco produzisse até que deixasse as sessões.

Talvez sua narrativa e sua escrita tenham encontrado um leitor, uma


testemunha que lhe outorgasse um reconhecimento; um Outro a quem pudesse
84

endereçar suas palavras, sua história, se aproximando de uma posição de sujeito,


este que tem uma história a contar, e para além, uma história com que possa contar.
Foi esta história que articulou na (o) ‘pesquisa – dor’ uma relação entre a melancolia
e sua produção escrita.

Se estes escritos, que atestam a exclusão do melancólico do mundo, ao


mesmo tempo registrarem a existência deste mundo excluído, lhe dando qualquer
consistência que for, será esta uma direção e uma aposta que merece atenção e
consideração. Neste reviramento de águas frias e profundas pode residir alguma
chance terapêutica de criar ou encontrar um depósito de marcas de simbolização,
letras, objetos que possam ser nomeados ou lidos.

Enfim, se a transferência for tomada exclusivamente como meio por onde o


retorno do recalcado pode aparecer nada mais que uma clínica contemplativa será
ofertada à melancolia e às psicoses como um todo. Talvez a oferta transferencial,
motor da análise, possa ser utilizada pelo paciente psicótico de forma a fazer
suplência ao que antes nunca viera à luz.

Causados pelo imperativo de não recuar frente à psicose, e sabendo que não
se trata aqui de escutar o sujeito suposto saber uma vez que o inconsciente na
psicose apresenta-se a céu aberto, cabe-nos indagar de que sujeito se trata, uma
vez que seu discurso precisa primeiro ser situado.

Se tomarmos o delírio como um saber construído que situa uma referencia ao


gozo, trata-se de oferecer uma escuta que acompanhe o sujeito neste processo de
soluções autoconstruídas, seguindo seu trabalho subjetivo, marcando seus passos,
testemunhando seus contornos. Trata-se de uma função que implica a castração,
pois marca um ponto de falta posto que um sujeito ainda está por se produzir.

Desta forma, o secretário do alienado, como se referiu Lacan aos psicanalistas


das psicoses, estará de frente com o ofício de inventar, a partir de sua escuta, uma
leitura do que ainda poderá surgir como marca, já que se trata de uma língua muito
singular. Um ponto que marca a castração do analista nesta clínica é sua presença
de não antecipar nada que venha a se representar como marcas de um sujeito que
está na linguagem, mas escapa a um discurso.
85 

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