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DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
Juiz de Fora
2018
Eduardo Quelis de Souza
Juiz de Fora
2018
Eduardo Quelis de Souza
Aprovada em ___________________________.
_________________________________________
Aos meus pais, Maria Helena Quelis Souza e Laércio de Souza Netto, pelo esforço
incondicional, pelo incentivo ao estudo e aprendizado desde a mais tenra idade.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Paulo Afonso de Araújo, que sempre se mostrou muito
solícito e atencioso. Pelas aulas e orientações cuja agudeza se revelou de valia imprescindível.
1. Introdução.................................................................................................................09
2. Capitulo I: Uma questão metafísica..........................................................................11
3. Capítulo II: Os fundamentos da metafísica...............................................................19
4. Conclusão..................................................................................................................27
Introdução
É importante notar que Heidegger nos diz Wege – caminhos – e não Weg – caminho –
no singular. Aqui, o uso do plural está carregado de significado: a sua filosofia é um percurso
onde cada momento distinto do pensar é uma marca do caminho. Ser e Tempo, as preleções de
Marburgo, as preleções de Freiburg, além dos demais apontamentos e esboços publicados,
indicam caminhos. Caminhos que ora se cruzam, ora se afastam, mas que em seus múltiplos
sentidos se referem numa unidade ao encontro com o ser. Por conta disso, hoje o presente texto
tem a pretensão de percorrer um destes caminhos: se aproximar de uma compreensão melhor
aclarada acerca do repensar o projeto de desconstrução da metafísica anunciado em Ser e Tempo
a partir das noções filosóficas discutidas na conferência Que é Metafísica? de 1929. A
conferência Que é Metafísica? data precisamente do dia 24 de julho de 1929, no qual Heidegger
proferiu sua aula inaugural como o professor que assumia a cátedra de Husserl em Freiburg.
Contextualmente, tal conferência remete a Die Kehre – viragem – do pensamento
1
“O próprio Heidegger concebeu a edição completa das suas obras, a Gesamtausgabe. O projeto dessa edição,
levado adiante pela editora Klostermann, de Frankfurt, prevê a publicação de 102 volumes, dos quais
aproximadamente dois terços já forma lançados.” (LOPARIC, p.36, 2004)
9
heideggeriano. No mesmo ano Heidegger publicou Sobre a Essência do Fundamento, seus
textos mais tardios, dos anos 40, são Sobre a Essência da Verdade, a carta Sobre o Humanismo
e a Introdução de Que é Metafísica? além dos volumes de Nietzsche I e II. Ora, o que temos é
a manifestação de um Heidegger que se propõe a seguir novos caminhos. O pensamento que
salta da analítica existencial de Ser e Tempo, cujo percurso busca articular uma ontologia
fundamental pela singularização do Ser-aí humano, para a viragem que se dirige ao pensamento
histórico, ao mundo como acontecimento.
É neste sentido que o presente trabalho se limita a compreender de modo geral quais são
elementos característicos do texto Que é Metafísica? para ao final, questionar se este escrito já
caminha no sentido de uma virada heideggeriana. Para tanto analisaremos: (1) Como uma
questão metafísica implica sempre a totalidade da problemática metafísica junto daquele que
interroga a problemática mesma. (2) A relação ser e nada, a qual revela o Ser-aí como condição
do fazer metafísica. (3) O esquecimento do ser pela metafísica (4) A verdade do ser diante dos
fundamentos da metafísica.
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Capítulo I: Uma questão metafísica
Uma questão metafísica, segundo Heidegger, surge necessariamente com uma dupla
característica: “De um lado, toda questão metafísica abarca sempre a totalidade da problemática
metafísica. Ela é a própria totalidade. De outro, toda questão metafísica somente pode ser
formulada de tal modo que aquele que interroga, enquanto tal, esteja implicado na questão, isto
é, seja problematizado.” (HEIDEGGER, p. 233, 2005). Como bom fenomenólogo, Heidegger
parte de uma circunstância concreta: a sua própria comunicação de 1929, que, enquanto aula
inaugural de sua atividade docente na Universidade de Freiburg, reuniu a comunidade
pesquisadora, entre alunos e professores. A questão metafísica parte de uma totalidade, mas
também de uma determinada situação que é fundamentalmente a existência que interroga, no
caso, a existência do corpo de pesquisadores ali presente. O primeiro ponto que Heidegger
levanta, é a multiplicidade que caracteriza a ciência, há grande distinção entre seus domínios,
seus objetos de conhecimento e o modo como se chega até esses. Entretanto, é valido notar que
existe uma aparente unidade, uma “organização técnica de universidades e faculdades” que
“conserva um significado pela fixação das finalidades práticas das especialidades.”
(HEIDEGGER, p. 233, 2005), isto é, tal unidade, ocorre apenas superficialmente, o que
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Heidegger chama de um enraizamento das ciências se perdeu ao longo do modo de se fazer
ciência. A questão é onde se perdeu? E o que tem a ver isto com a metafísica? Ora, se perdeu
em referência ao ente, e de certo modo, contaminou a própria metafísica em seu modo de
pensamento.
Heidegger aponta, é preciso fazer uma distinção entre exatidão e rigor para esclarecer
este percurso. Segundo o pensador alemão, no campo das ciências não há hegemonia de um
determinado domínio científico, as humanidades, enquanto autêntico pensamento científico,
não se sobrepõe ao campo das ciências da natureza, nem esta última sobre a anterior.
“Conhecimentos matemáticos não são mais rigorosos que os filológico-históricos.”
(HEIDEGGER, p. 233, 2005). Rigor é uma característica de todas as ciências, mas exatidão é
uma característica apenas das ciências da natureza que envolvem diretamente a questão
quantitativa. “A matemática possui apenas o caráter de ‘exatidão’ e este não coincide com o
rigor. Exigir da história exatidão seria chocar-se contra a ideia de rigor específico das ciências
do espírito.” (HEIDEGGER, p. 233, 2005). Heidegger acrescenta, é a referência ao mundo que
caracteriza propriamente a ciência em seu modo de ser. Há uma tentativa de tornar o ente objeto
de conhecimento específico, e, isso é o que aproxima a diversidade de domínios científicos: são
determinados pela busca do ente, “em tão objetiva maneira de perguntar, determinar e fundar o
ente, se realiza uma submissão peculiarmente limitada ao próprio ente, para que este realmente
se manifeste.” (HEIDEGGER, p. 234, 2005).
2
É importante destacar a natureza de tal acontecimento:
“Esta privilegiada referência de mundo ao próprio ente é sustentada e conduzida por um comportamento da
existência humana livremente escolhido. Também a atividade pré e extracientífica do homem possui um
determinado comportamento para com o ente.” (HEIDEGGER, p. 234, 2005)
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Aquilo para onde se dirige a referência ao mundo é o próprio ente – e nada
mais.
Segundo Heidegger a ciência pensa o nada como aquilo que “não existe”, ela o rejeita
como objeto de conhecimento. Contudo, é a filosofia, precisamente a metafísica, que ousa
desbravar a questão do nada, nos colocando, de certa maneira, no caminho de pensar a natureza
da própria metafísica. O fato é que o nada como questão se depara com um problema
aparentemente lógico: o princípio da não-contradição que percorre a filosofia desde Aristóteles:
“A questão priva-se a si mesma de seu objeto específico.”. O nada enquanto aquilo que nada é,
não pode ser pensado como algo que é. “Pois o pensamento, que essencialmente sempre é
pensamento de alguma coisa, deveria, enquanto pensamento do nada, agir contra a sua própria
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essência.” (HEIDEGGER, p. 235, 2005). Ser é uma característica dos entes, o nada, entendido
até aqui como não-ser, não pode partilhar da característica “é”. E é por isso que, em meio a
divisão ser e ente, Heidegger pensa o nada como não-ente ao invés de não-ser. “Pois o nada é
a negação da totalidade do ente, o absolutamente não-ente.” (HEIDEGGER, p. 235, 2005).
Tão certo como é que nós nunca podemos compreender a totalidade do ente
em si e absolutamente, tão evidente é, contudo, que nos encontramos postados
em meio ao ente de algum modo desvelado em sua totalidade. E está fora de
dúvida que subsiste uma diferença essencial entre o compreender a totalidade
do ente em si e o encontrar-se em meio ao ente em sua totalidade. Aquilo é
fundamentalmente impossível. Isto, no entanto, acontece constantemente em
nossa existência. (HEIDEGGER, p. 236, 2005)
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O cotidiano do Ser-aí é estar “preso” a um domínio de entes determinados. No entanto,
“por mais disperso que possa parecer o cotidiano, ele retém, mesmo que vagamente, o ente
numa unidade de ‘totalidade’.” (HEIDEGGER, p. 236, 2005). Segundo Heidegger há uma
espécie de abandono de si, um dado momento onde o homem não se ocupa propriamente das
coisas que o cercam ou de si mesmo, onde se alcança este “em totalidade”. Um exemplo citado
na preleção é o tédio, não no sentido do ócio ou da ocupação desinteressada, mas um tédio
propriamente profundo, que lança o homem numa estranha indiferença. “Este tédio manifesta
o ente em sua totalidade.” (HEIDEGGER, p. 236, 2005). Um outro exemplo é a alegria pela
presença, onde o homem se vê diante da existência de um ente querido. O que Heidegger quer
mostrar é que o sentimento, enquanto acontecimento fundamental do Ser-aí, é relação para com
a totalidade do ente em determinadas formas. Estar em referência ao ente ou a sua totalidade é
precisamente o modo de ser do Ser-aí, portanto, a legítima questão é, existe alguma disposição
de humor que pode revelar o contrário da totalidade do ente, o nada? Já o dissemos
anteriormente, é a angústia, agora é preciso mostrar como este percurso é entendido por
Heidegger.
3
Comenta Vattimo:
“Enquanto projeto que abre e institui o mundo como totalidade dos entes, o Dasein não está “no meio” dos entes
como um ente entre outros; quando nota este facto – e, como podemos dizer agora, quando nota a sua própria
transcendência – sente-se num ambiente “estranho”, alheio no mundo, em que não se sente como em sua casa,
porque nota justamente que não é um ente do mundo como os outros.” (VATTIMO, p. 71, 1987)
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Heidegger chega nos pés da montanha que é essencialmente sua questão metafísica:
“Que acontece com o nada?” (HEIDEGGER, p. 238, 2005). A questão em si é, o que mais
podemos falar sobre o nada? Já foi demonstrado que de certo modo a angústia revela o nada,
não como ente, mas como um não-ente, agora é preciso adentrar melhor nesta questão, na
tentativa de uma resposta à questão mesma. Primeiramente vale notar que neste processo de
manifestação do nada, o ente não é destruído pela angústia, como na tentativa de que o ente se
dilua até sobrar precisamente nada. Nem mesmo, há uma tentativa de negação do ente em
totalidade para se atingir o nada por parte do Ser-aí. Isto é, não é o Ser-aí que vai de encontro
ao nada, mas justamente o seu contrário, o nada já está dado, e é ele quem vai de encontro ao
Ser-aí. “Na angústia se manifesta um retroceder diante de... que, sem dúvida, não é mais uma
fuga, mas uma quietude fascinada.” (HEIDEGGER, p. 238, 2005). E este “retroceder diante
de...” é o afastar-se da totalidade dos entes e dar de cara com o nada, mas é, precisamente, o
nada, o motor deste “retroceder diante de...”. Heidegger nos diz: “É a essência do nada: a
nadificação. Ela não é nem uma destruição do ente, nem se origina de uma negação. A
nadificação também não se deixa compensar com a destruição e a negação. O próprio nada
nadifica.” (HEIDEGGER, p. 238, 2005).
Este nadificar do nada é a possibilitação de revelar que o ente é. É preciso prestar atenção
a esta frase chave de Heidegger: “Ser-aí quer dizer: estar suspenso dentro do nada.”
(HEIDEGGER, p. 239, 2005). Ora, que quer dizer isto, senão o fato de que o nada da angústia
revela a abertura originária do ente enquanto tal, isto é, a percepção do Ser-aí de que o ente é?
Portanto, a essência do nada, a nadificação, aponta para a transcendência do Ser-aí:
Logo, sobre a questão do que acontece com o nada, temos de forma conclusiva:
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O nada não é nem objeto, nem um ente. O nada não acontece nem para si
mesmo, nem ao lado do ente ao qual, por assim dizer, aderiria. O nada é a
possibilitação da revelação do ente enquanto tal para o Ser-aí humano. O nada
não é um conceito oposto ao ente, mas pertence originariamente à essência
mesma (do ser). No ser do ente acontece o nadificar do nada. (HEIDEGGER,
p. 239, 2005)
Se por um lado, a questão do nada abarca a totalidade da metafísica pelo fato do nada
copertencer ao ser, sendo o ser a grande questão da totalidade da metafísica, por outro lado,
onde entra a questão do nada na existência daquele que interroga? Diante do corpo de
pesquisadores, Heidegger definiu a existência ali experimentada como aquela que foi
determinada pela ciência, o destino do pesquisador foi fundamentado pelo espanto, pela
estranheza e admiração diante do ente. A resposta heideggeriana é nítida: é somente porque o
Ser-aí humano está suspenso no nada que pode fazer ciência. Na busca do ente a ciência ignorou
o nada, mas foi justamente por conta do nada que o ente pode se tornar objeto de pesquisa. A
transcendência é característica fundamental do Ser-aí, o próprio fazer metafísica constitui parte
desta característica, e é por conta disso que a filosofia não pode ser medida pela ciência. A
filosofia transcende a própria ciência enquanto parte do Ser-aí. Para concluir este capítulo, é
preciso citar um pensamento de Heidegger que fecha esta questão:
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O Ser-aí humano somente pode entrar em relação com o ente se se suspende
dentro do nada. O ultrapassar. O ente acontece na essência do Ser-aí. Este
ultrapassar, porém, é a própria metafísica. Nisto reside o fato de que a
metafísica pertence à ‘natureza do homem’. Ela não é uma disciplina da
filosofia ‘acadêmica’, nem um campo de ideias arbitrariamente excogitadas.
A metafísica é o acontecimento essencial no âmbito de Ser-aí. Ela é o próprio
Ser-aí. [...] É por isso que nenhum rigor de qualquer ciência alcança a
seriedade da metafísica. A filosofia jamais pode ser medida pelo padrão da
ideia de ciência. (HEIDEGGER, p. 242, 2005)
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Capítulo II: Os fundamentos da metafísica
A introdução de Heidegger se inicia com uma imagem que é velha conhecida dos
metafísicos: a árvore de Descartes, que é a metáfora que pensa toda filosofia como uma árvore,
onde as raízes são a metafísica, o tronco a física e os galhos que são todas as outras ciências.
Aproveitando-se de tal construção, o nosso pensador, questiona: “Em que solo encontram as
raízes da árvore da filosofia seu apoio? De que chão recebem as raízes e, através delas, toda a
árvore as seivas e forças alimentadoras? Qual o elemento que percorre oculto no solo, as raízes
que dão apoio e alimento à árvore?” (HEIDEGGER, p. 253, 2005). Pensar onde se situa a
metafísica, é pensar o fundamento que lhe é mais próprio, e, mais que isso, é pensar a própria
natureza da metafísica. A questão é como podemos chegar a este fundamento ou mesmo
vislumbrá-lo a distância? A metafísica se contaminou com o pensamento técnico das ciências,
e, tornou-se pensamento sobre o ente enquanto tal e sobre o ente em totalidade, deixando de
lado um importante aspecto que revela o solo de suas raízes:
4
Assim intitula-se a problemática da introdução de Ser e Tempo.
5
CASANOVA, M. Compreender Heidegger: o termo aparece na nota da página 149.
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Ela pensa o ente enquanto ente. Em toda parte, onde se pergunta o que é o
ente, tem-se em mira o ente enquanto tal. A representação metafísica deve esta
visão à luz do ser. a luz, isto é, aquilo que tal pensamento experimenta como
luz, não é em si mesma objeto de análise; pois este pensamento analisa e
representa continuamente e apenas o ente sob o ponto de vista do ente. É, sem
dúvida, sob este ponto de vista que o pensamento metafísico pergunta pelas
origens ônticas e por uma causa da luz. (HEIDEGGER, p. 253, 2005)
Heidegger aponta que o ente enquanto ente deve sua aparição à luz do ser. Isto é, toda
tentativa filosófica ao longo da história do pensamento de explicar o ente enquanto tal, seja
como matéria, devir, vontade, representação, substância, ou até mesmo enérgeia ou eterno
retorno do mesmo, fez aparecer o ser. “Em toda parte iluminou o ser, quando a metafísica
representa o ente. O ser se manifestou num desvelamento (Alétheia).” (HEIDEGGER, p. 253,
2005). O que se problematiza neste ponto é que o ser nunca foi pensado enquanto um
acontecimento que se desvela, isto é, em sua essência desveladora, como que, enquanto fato, o
ser traz o desvelamento em si mesmo e situa-se no âmbito da metafísica. A essência desveladora
do ser é a própria verdade do ser, e esta não é outra senão o solo onde se situa as raízes da
metafísica. Heidegger aprofunda um ponto da metáfora cartesiana: A árvore se sustenta do solo
onde estão as raízes metafísicas, é a verdade do ser o seu alimento, do mesmo modo que tal
solo só é alimento porque existem as raízes que o adentram. É valido citar na íntegra tal
passagem do texto que revela este ponto:
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A metafísica é esquecimento do ser na medida em que pensa o ente enquanto ente, no
entanto, não escapa do ser, na medida em que este é condição de possibilidade de todo ente. A
tarefa de pensar o ser enquanto ser, é a tarefa de pensar a verdade do ser, e, simultaneamente,
um retorno ao fundamento da metafísica. Heidegger menciona que “Um pensamento que pensa
na verdade do ser não se contenta certamente mais com a metafísica; um tal pensamento
também não pensa contra a metafísica.” e adiciona “Para voltarmos a imagem anterior, ele não
arranca a raiz da filosofia. Ele lhe cava o chão e lhe lavra o solo.” (HEIDEGGER, p. 254, 2005).
Isto é, a metafísica é sempre a primeira instância da filosofia e dela não se pode apartar, contudo,
no pensamento da verdade do ser a metafísica deve ser superada. A superação da metafísica é
um ir além, mas com promessa de retorno, é ir além do pensamento metafísico para recuperá-
lo. Ora, por que é necessária uma superação da metafísica na busca da verdade do ser?
Claramente não se trata de uma busca por fundamentação mais originária que a metafísica, nem
demonstrar que a filosofia não é uma ciência absoluta por ainda ter um pressuposto oculto,
segundo Heidegger, trata-se de um único ponto:
Com o advento ou a ausência da verdade do ser, está em jogo outra coisa: não
a constituição da filosofia, não apenas a própria filosofia, mas a proximidade
ou distância daquilo de que a filosofia, como o pensamento que representa o
ente enquanto tal, recebe sua essência e sua necessidade. (HEIDEGGER, pp.
254-255, 2005)
6
Veritas no sentido de que a verdade pode ser expressada na fórmula veritas est adaequatio intellectus et rei. O
que necessariamente expressa a essência da verdade como conformidade e adequação entre sujeito e mundo fático,
entre enunciado e objeto. Tal questão é a discussão central da preleção advinda de uma conferência pública de
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que é a verdade dos fatos, dos fenômenos, enquanto o desvelamento parece ser algo mais
originário que isso. É por conta de tal posicionamento que Heidegger prefere neste ponto o
termo grego Alétheia, que está mais próximo em sentido de algo do tipo “des-ocultamento”,
“des-encobrimento”, isto é, a própria noção de desvelamento, onde o termo Alétheia “dá o
aceno ainda não experimentado para a essência impensado do ser.” (HEIDEGGER, p. 255,
2005).
Heidegger menciona como parte do problema uma troca geral da metafísica do ente
pelo ser: “Ela visa o ente em sua totalidade e fala do ser. Ela nomeia o ser e tem em mira o ente
enquanto ente.” (HEIDEGGER, p. 255, 2005). Mas curiosamente esta troca geral não é vista
como um engano, como inépcia do pensamento ou mesmo insuficiência da linguagem, mas sim
como “acontecimento”7. É preciso que seja acontecimento no sentido de que em referência ao
ente o homem se encontre na possibilidade do ser, sem esta relação, nem mesmo o
esquecimento do ser poderia algum dia estar em evidência. A superação da metafísica consiste
então em dar atenção ao esquecimento do ser como questão, para em seguida pensar a relação
da essência do homem com o ser. Só então será novamente possível tomar de forma integral, o
rumo do questionamento Que é Metafísica?. Segundo Heidegger Ser e Tempo é uma obra que
já se coloca neste percurso, e, sua tarefa foi pensar a essência do homem enquanto Ser-aí8, isto
é, enquanto lugar da verdade do ser.
1930: Sobre a Essência da Verdade. (Texto que também já indicava a viragem – Die Kehre – do pensamento
heideggeriano.)
7
Segundo Vattimo:
“Isto entende-se facilmente se temos em conta que a essência da metafísica é o esquecimento do ser; mas quando
se reconhece este esquecimento como tal, já nos encontramos em condições de recordar o que se tinha esquecido,
e, por conseguinte, de ir mais além da metafísica.” (VATTIMO, pp. 83-84, 1987)
8
Heidegger faz uma importante observação sobre o termo “Ser-aí”:
“Nem a palavra ‘ser-aí’ tomou lugar da palavra ‘consciência’, nem a ‘coisa’ chamada ‘ser-aí’ passou a ocupar o
lugar daquilo que é representado sob o nome ‘consciência’. Muito antes, com o ‘ser-aí’ é designado aquilo que,
pela primeira vez aqui, foi experimentado como âmbito, a saber, como o lugar da verdade do ser e que assim deve
ser adequadamente pensado.” (HEIDEGGER, p. 257, 2005)
9
Em Ser e Tempo vemos:
“Em consequência, pre-sença possui um primado múltiplo frente a todos os outros entes: o primeiro é um primado
ôntico: a pre-sença é um ente determinado em seu ser pela existência.” (HEIDEGGER, p. 40, 2005).
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abertura para o ser mesmo, é onde ele se situa e se sustenta. Entende-se aqui, sustento como
“preocupação”10. E, “preocupação” no sentido de que o Ser-aí se dirige, através deste cuidado,
em direção à vida, esta é a sua essência em sentido “ekstático”11. Mas este “estar fora de” não
pode ser entendido especificamente como um afastamento da interioridade da imanência da
consciência no Ser-aí humano. A existência não pode ser representada unicamente como
“subjetividade”, o “fora” deve ser entendido como o espaço da abertura do próprio ser mesmo.
Heidegger revela: “Por mais estranho que isto soe, a stásis do ekstático se funda no in-sistir no
‘fora’ e ‘aí’ do desvelamento que é o modo de o próprio ser acontecer (West).” (HEIDEGGER,
p. 257, 2005). O nome “existência” se aproxima do termo “in-sistência”.
Somente o homem existe. O rochedo é, mas não existe. A árvore é, mas não
existe. O anjo é, mas não existe. Deus é, mas não existe. A frase: ‘Somente o
homem existe’ de nenhum modo significa apenas que o homem é um ente real,
e que todos os entes restantes são irreais e apenas uma aparência ou a
representação do homem. A frase: ‘O homem existe’ significa: o homem é
aquele ente cujo ser é assinalado pela in-sistência ex-sistente no desvelamento
do ser a partir do ser e no ser. (HEIDEGGER, p. 257, 2005)
Portanto não é a consciência do homem que cria a abertura para o ente, nem é ela que
dá ao homem o estar aberto para o ente, o fundamento desta relação é o fato do homem ter sua
essência na in-sistência e não outro. Todos os termos, consciência e autoconsciência,
respectivamente em alemão, Bewuβtsein e Selbstbewuβtsein, pressupõe ambos o –Sein, isto é,
o “-ser”. O ser é sempre o pressuposto originário, e, mesmo o ser-em-si-mesmo, que caracteriza
a essência de cada ente tal como ele é, se dá não pelo em-si-mesmo mas pelo fato de que é antes
de tudo “ser”. É por este motivo que o Tratado Ser e Tempo carrega este nome e não Existência
e Tempo ou ainda Consciência e Tempo. É preciso observar: Ser e Tempo coloca a questão da
existência a serviço da pergunta pelo sentido do ser, entretanto, nos apresenta uma gama de
correspondentes ao problema do ser como o ser e o vir-a-ser, o ser e o aparecer, o ser e o pensar,
10
Originalmente o termo é Fürsorge em Ser e Tempo, traduzido como “Preocupação”; representa o “cuidado com
o outro.”
11
“Situar-se fora de...”
23
o ser e o dever, isto é, correspondências pertencentes ao ser mesmo. “Em Ser e Tempo ‘ser’ não
é outra coisa que ‘tempo’, na medida em que ‘tempo’ é designado como pré-nome para a
verdade do ser, pré-nome cuja verdade é o acontecimento (wesende) do ser e assim o próprio
ser.” (HEIDEGGER, p. 258, 2005). É pré-nome visto que o nome do ser mesmo remete a uma
essência oculta de tempo.
Toda filosofia que parte da “transcendência” não escapa de ser essencialmente uma
ontologia, no sentido de que é sempre um lógos sobre um òn. Não se pode abandonar a
representação que é própria do lógos, da transcendência. É a relação sujeito-objeto que impera
no modo de ser humano. Entretanto, a busca pelo desvelamento, pela verdade do ser, é a busca
pelo que é mais originário. Aquilo que não pode ser puramente representado nem alcançado e
que nem sequer pode ser dito, mas que é condição de possibilidade de todo representar, alcançar
e de todo dizer. Heidegger nos adverte, onde o peso da representação do ente enquanto tal nos
faz perder o ser mesmo, “nada mais se torna tão necessário [...] quanto à pergunta: Que é
metafísica?” (HEIDEGGER, p. 260, 2005). No rumo desta investigação, é preciso retomar a
preleção de 1929 onde se colocou o problema de uma questão metafísica: o nada. Propriamente
o nada, que partindo do pensamento da verdade do ser, nos dá a pista para a questão fundamental
da metafísica: “Por que é afinal ente e não antes Nada?” (HEIDEGGER, p. 260, 2005). Seria a
negação do pensamento sobre o ser apenas o fruto de um conhecimento do ente a partir do ente?
Heidegger encerra sua tardia introdução de Que é Metafísica? com uma meditação
bastante própria, colocando novamente no percurso a questão sobre o nada e sua relação com o
fundamento da metafísica diante da verdade do ser. Um enigma lançado as profundezas do
tempo:
Porque é afinal ente e não antes Nada? Suposto que não pensamos a verdade
do ser mais no âmbito da metafísica e metafisicamente como de costume, mas
a partir da essência e da verdade da metafísica, então o sentido da questão que
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encerra a preleção pode ser o seguinte: donde vem, que, em toda parte, o ente
tem a hegemonia do ‘é’, enquanto fica esquecido aquilo que não é um ente, o
nada propriamente não é (west)? Não vem daqui a aparência inabalável para a
metafísica de que o ‘ser’ é evidente e que, em consequência disso, o nada se
torna menos problemático que o ente? Tal é realmente a situação em torno do
ser e do nada. (HEIDEGGER, p. 261, 2005)
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Conclusão
Heidegger tem nos caminhos da sua problemática um traço comum: a questão pelo ser
e a tarefa de resgatar o ente de sua objetificação. Neste sentido, a superação da metafísica inclui
em si mesma a revisão do papel da técnica e da ciência de nosso tempo. Tal conhecimento não
pode ser originário, mas sim mera derivação de outro fenômeno, verdadeiramente originário,
que é a pertença do ser, oculta pela tradição do pensamento ocidental. A conferência Que é
Metafísica? assinala uma postura essencial neste percurso, ela revela o que é próprio do
pensamento filosófico: o Ser-aí como espaço da metafísica. Quer dizer, existência como um
modo de ser do Ser-aí, que, para além da própria transcendentalidade, já expressa
(metafisicamente) a abertura para o ente. É uma in-sistência ex-sistente, que está além da mera
relação sujeito-objeto tradicional, e que procura articular o “Ser” e o “aí” do Ser-aí como
desvelamento acontecencial. É neste sentido que a preleção de 1929, ao perguntar pelo nada
como questão metafísica, vislumbra o que tardiamente, na sua introdução de 1949, se anuncia
como um retorno a origem do impensado.
27
deparamos com um obscurecimento da possibilidade de lidar com o sentido do ser em modo
mais amplo, é uma limitação no primado ôntico-ontológico do Ser-aí.
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Referências bibliográficas
HEIDEGGER, Martin. Conferências e Escritos Filosóficos. Tradução Ernildo Stein, São Paulo:
Nova Cultural, 2005.
PÖGGELER, Otto. A via do Pensamento de Martin Heidegger. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
STEIN, Ernildo. Seis estudos sobre Ser e Tempo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988.
29