A transformação do Supremo Tribunal Federal num Tribunal Constitucional e o
respeito à separação dos Poderes*
*Carlos Eduardo Behrmann Rátis Martins Advogado. Professor de Direito Constitucional. Vice-Presidente do Instituto de Direito Constitucional da Bahia Carlosratis@uol.com.br
O princípio constitucional da separação dos poderes como qualquer
outro possui limitações. Embora as atribuições dos três poderes constituídos estejam delimitadas e previstas na Constituição Federal de 1988, suas atividades se entrelaçam e se confundem para a consecução do Estado Democrático de Direito: o Poder Judiciário cria o seu próprio regimento interno e exerce legislação negativa ao realizar o controle de constitucionalidade; o Poder Executivo, em caso de relevância e urgência, legisla através de medidas provisórias e cabe ao Poder Legislativo processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade etc. Entretanto, desde a sua criação, em 1890, com base no modelo da Suprema Corte estadunidense, a história do Supremo Tribunal Federal foi marcada pela forte influência do Poder Executivo na sua formação e tomada de decisões.
Com efeito, ensina o professor José Alfredo Baracho Júnior que “a
Suprema Corte norte-americana era o Tribunal de referência, especialmente em razão da influência que o Direito Constitucional norte-americano exercia sobre Rui Barbosa, o jurista mais influente da época do anteprojeto da Constituição promulgada em fevereiro de 1891” (in Interpretação dos direitos fundamentais na Suprema Corte dos EUA e no Supremo Tribunal Federal. SAMPAIO, José Adércio Leite (org.). Jurisdição Constitucional e Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 331).
O Supremo Tribunal Federal sempre viveu com diversos Presidentes
que impediram o seu funcionamento regular. Em 1893, “verbi gratia”, Floriano Peixoto criou uma série de obstáculos ao regular funcionamento do STF, deixando de nomear vários ministros para a sua composição, impedindo, por conseguinte, que houvesse quórum mínimo para as suas sessões. Sob a égide do Governo Vargas, houve uma redução do número de membros de 15 para 11 e vários foram os ministros exonerados, além do que a Constituição de 1937 legitimava o Presidente a tornar sem efeitos as decisões do STF.
Em 1987, na elaboração do texto da atual Carta Magna, foi
apresentada sugestão no sentido de adotar-se no Brasil um Tribunal Constitucional Federal, nos moldes dos tribunais existentes na Itália e na Alemanha, entretanto, em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a atual Carta Magna que legitimou, inequivocamente, a influência decisiva do Poder Executivo na formação da cúpula do Poder Judiciário, vez que cabe ao Presidente da República a escolha e nomeação dos Ministros dos Tribunais Superiores, em desprestígio do princípio da separação dos poderes, senão vejamos:
A nomeação dos vitalícios onze Ministros do Supremo Tribunal
Federal, dos trinta e três Ministros do Superior Tribunal de Justiça, dos dezessete Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, dos quinze ministros do Superior Tribunal Militar, de dois dos sete Ministros do Tribunal Superior Eleitoral, de dois dos sete Juízes que integram os Tribunais Regionais Eleitorais dos Estados, dos Desembargadores Federais dos cinco Tribunais Regionais Federais e dos Juízes do Trabalho que compõem os Tribunais Regionais do Trabalho, cabe ao Chefe do Poder Executivo.
E onde se encontra a participação da sociedade civil na escolha dos
membros que farão a interpretação das normas da Lei Maior? Será que o povo - titular do exercício do Poder Constituinte originário – tem oportunidade de opinar na formação dos Tribunais Superiores?
Não há participação popular direta na escolha dos membros do Poder
Judiciário e a participação indireta é iníqüa, vez que, embora tenha sido o Chefe do Poder Executivo escolhido diretamente pelo povo, assim como os membros que representam os Estado no Congresso Nacional, a comunidade brasileira só tem conhecimento do candidato escolhido pelo Presidente após a sua posse. A sabatina do candidatos escolhidos pelo Presidente da República pelo Senado Federal, que deve aprová-lo pela maioria absoluta de seus membros, tornou-se, na verdade, momento de divulgação pública do curriculum vitae daquele jurista estimado pelo Chefe do Poder Executivo.
Nos próximos quatros anos, o Presidente da República terá a
oportunidade de escolher e nomear cinco novos ministros no Supremo Tribunal Federal, sendo três somente este ano. A comunidade brasileira precisa mais de candidatos sérios, combativos, idôneos, ilibados, comprometidos com a “res publica” do que de juristas com notável saber jurídico e forte lobby político.
Opinamos que mais importante do que a tão aguardada escolha e
nomeação dos novos Ministros do Supremo Tribunal, o Presidente da República deveria possibilitar a ampla participação da sociedade civil na escolha dos candidatos para a Corte Superior, assim como promover a discussão nacional sobre a formação das Cortes Superiores do País e realizar um plebiscito sobre a transformação do Supremo Tribunal Federal num Tribunal Constitucional cuja estrutura seria criada por uma Comissão formada por especialistas, de forma transparente.
Consideramos que é necessário que o Supremo Tribunal Federal seja
transformado num Tribunal Constitucional, situando-se no organograma do Estado ao lado dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, não sendo, portanto, órgão do Poder Judiciário e nem se situando acima dos Poderes Executivo e Legislativo. Este futuro Tribunal Constitucional brasileiro seria suprapartidário, podendo ser criado nos moldes do “Bundesverfassungsgericht” da Alemanha, que é formado por candidatos indicados pelos Três Poderes, com mandado certo e transitório, sendo vedado a contínua ou posterior recondução.
Nesse sentido, é o abalizado escólio de Nelson Nery Júnior ao
entender que “o perfil constitucional de nosso Tribunal Federal Constitucional não se nos afigura o melhor, porquanto carece de legitimidade para apreciar, em último e definitivo grau, as questões constitucionais que lhe são submetidas, já que é órgão do Poder Judiciário, cujos membros são nomeados pelo Presidente da República sem critério de proporcionalidade ou representatividade dos demais poderes”.
Em suma, o atual modelo de composição do Supremo Tribunal
Federal é inadeqüado, antidemocrático e neo-autoritário, vez que só faz reforçar a influência do Poder Executivo perante os demais poderes, não possibilitando a construção da democracia participativa. Em que pese as acertadas escolhas dos professores Dr. Carlos Ayres Britto e Dr. Joaquim Barbosa Gomes para duas das três vagas que foram abertas só neste ano, urge que o Presidente da República convoque a população brasileira para discutir a formação dos Tribunais Superiores no Brasil e dê um grande passo na consolidação do Estado Democrático de Direito.