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“A República é um Disfarce, a Liberdade é um Carnaval”: o arbítrio do estado de sítio e

as reivindicações de Rui Barbosa no Supremo Tribunal Federal durante o governo


autoritário de Floriano Peixoto.

Antonio Gasparetto Júnior*

Introdução

A história republicana brasileira possui um início muito conturbado. Diferentemente


da tão almejada liberdade conferida aos estados através do federalismo, o que se verificou no
exercício do Poder Executivo foi o autoritarismo e o ataque às liberdades individuais. Se elites
políticas almejavam um federalismo que chegou muito próximo de uma organização
confederativa do Brasil, havia, entre eles, disputas pelo poder sem receio de fazer uso da
força. Assim, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, os militares que primeiro governaram o
país republicano recorreram às armas ou ao cerceamento das liberdades individuais para
tentarem se estabelecer no poder. O primeiro, Presidente, gerou um conflito aberto com o
Congresso, enquanto o segundo, Vice-Presidente, reprimiu a oposição para se assegurar no
poder que não lhe cabia naquele momento.
O artigo que ora segue concentra-se, particularmente, no governo florianista
decorrente da renúncia do Presidente Deodoro da Fonseca. De acordo com a legislação
vigente na época, seu Vice não estava juridicamente apto a concluir o mandato para o qual os
dois foram eleitos. Contrariando as normas, no entanto, Floriano ganharia a alcunha de “Mão
de Ferro” por permanecer no governo do país com autoritarismo e imponência. Oposição a
Deodoro desde o início e desinteressado no retorno do Presidente que havia renunciado,
Floriano tratou de limitar as capacidades e mesmo as liberdades dos deodoristas. Assim, em
1892, recorreu a medidas extremas da Constituição para silenciar e isolar opositores. Neste
contexto, contudo, destacou-se a voz de Rui Barbosa, proeminente jurista e político da
República, em defesa das liberdades.

*
Doutorando em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com estágio doutoral na
Universidade Paris IV-Sorbonne (2015-2016). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Contato: antonio.gasparetto@gmail.com.
Diante do estado de sítio decretado por Floriano Peixoto em abril de 1892 e da prisão
de algumas dezenas de opositores, Rui Barbosa impetrou pedido de habeas corpus em favor
dessas vítimas do Executivo. Sua atuação e seus questionamentos foram tão impactantes sobre
o teor das medidas de exceção previstas nas leis que repercutiram nacional e
internacionalmente. No cenário externo, a petição de habeas corpus de Rui Barbosa chegou a
ser publicada no jornal The Law Gazette, de Londres, no dia 23 de maio de 1893, ocupando
dez páginas e meia daquela edição. Foi muito relevante por lá a diferenciação que o brasileiro
fez entre o estado de sítio e a martial law, variante inglesa para a matéria da exceção
(CARNEIRO, 1956: XLV-XLVI). No Brasil, uma compilação das ações de Rui seria
publicada em formato de livro por seus amigos em função da riqueza de seu conteúdo. Tal
obra foi publicada com o título Estado de Sítio, sua Natureza, seus Efeitos, seus Limites. A
publicação reúne manifestações feitas por Rui Barbosa no decorrer do mês de abril de 1892
em função do sítio declarado por Floriano Peixoto no dia dez do mesmo mês. A campanha
empreendida pela jurista contra o autoritário sítio do governante divide-se em três etapas: a
petição do habeas corpus, sua sustentação oral perante o Supremo Tribunal Federal e a crítica
feita ao acórdão na imprensa. A terceira parte é a mais substancial da obra, pois contempla um
verdadeiro discurso de Rui sobre o instituto do estado de sítio, revelando sua visão sobre o
mesmo e sua utilização nos anos iniciais da República no Brasil.
A fim de sistematizar a análise da atuação de Rui Barbosa no contexto autoritário
florianista, o texto divide-se em duas partes. A primeira delas faz uma breve releitura sobre o
contexto republicano em que Floriano assumiu o poder e a utilização do instituto do estado de
sítio. Em seguida, aprofunda-se nas manifestações de Rui, demonstrando sua concepção sobre
as medidas de exceção e ressaltando sua luta pela defesa das liberdades individuais.

O Contexto Republicano Florianista

Tão logo foi promulgada a Constituição de 1891, Deodoro da Fonseca passou da


condição de chefe do Governo Provisório para a de Presidente da República. A eleição
ocorreu por via da Assembleia Nacional, que poderia votar de modo independente para os
cargos de Presidente e Vice-Presidente. A consequência verificada foi a eleição de dois
candidatos que faziam oposição entre si, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Seguiu-se,
2
então, um contexto de forte disputa política no primeiro mandato presidencial do país. Crises
políticas e econômicas logo ficaram evidentes e o perfil autoritário do Presidente apenas
aumentou a tensão existente. Inábil para lidar com a oposição, Deodoro recorreu, pela
primeira vez na história republicana brasileira, ao instituto do estado de sítio, no dia três de
novembro de 1891. Simultaneamente, ocorreu a dissolução do Congresso. Tratava-se de uma
medida preventiva do Presidente frente à crescente instabilidade das suas relações com os
congressistas. Não houve qualquer debate parlamentar sobre a constitucionalidade do sítio ou
sua necessidade, era, na verdade, uma tentativa de golpe de Deodoro para se manter
autoritariamente no poder.
Deodoro foi o primeiro a prender opositores e impor a censura da imprensa, ao mesmo
tempo em que cercava os prédios do Legislativo com suas tropas militares. Porém, a reação
foi tão rígida quanto, com uma revolta da Armada que apontou seus canhões para a cidade do
Rio de Janeiro ameaçando bombardeá-la caso não houvesse a renúncia do Presidente. A
pressão contra Deodoro, que já era muito grande, tornou-se insustentável. Com o receio de
uma guerra civil e já muito debilitado, o primeiro Presidente da República renunciou ao seu
cargo.
Floriano Peixoto, o Vice-Presidente, assumiu o comando do país reabrindo o
Congresso e suspendendo o estado de sítio. De acordo com a legislação aprovada naquele
mesmo ano, o militar que assumia o governo teria que convocar novas eleições para a
Presidência da República. Todavia, contrariando as expectativas legais, Floriano se impôs
para manter-se Presidente do país até o final de seu mandato.
As práticas autoritárias permaneceriam presentes. Já no mês de janeiro do ano
seguinte, 1892, Floriano Peixoto reprimiria com grande demonstração de força uma
sublevação dos presos da fortaleza de Santa Cruz, encabeçada por um sargento e apoiada por
militares de altas patentes e políticos de renome. O Presidente ainda usaria como pretexto
moções de Campos Sales e de Serzedelo Correio, que apoiavam as medidas do Governo, para
fazer uso de poderes extraordinários, mas o Congresso e o Judiciário negariam tal
entendimento (CARNEIRO, 1956: XII e XIII).
A situação mais crítica, no entanto, aconteceria no mês de abril daquele ano. Através
do Decreto nº 791, do dia dez, Floriano Peixoto estabelecia estado de sítio por 72 horas no
Distrito Federal em função de um fato policial. Não havia perigo à pátria ou comoção
intestina que se verificassem naquele momento, mas manifestações de opositores ao marechal
3
governante e também de apoiadores ao antecessor deposto. Arbitrariamente, o Presidente
mandou aprisionar e desterrar políticos, militares, jornalistas e outros profissionais.
É nesse contexto do mês de abril de 1892 que Rui Barbosa se posicionaria
destacadamente contra as medidas abusivas do Executivo e se encarregaria de defender as
vítimas do estado de sítio fazendo discursos cuja repercussão seria imensa para a defesa das
liberdades na República Brasileira.

Rui Barbosa e a Defesa das Liberdades

A campanha empreendida por Rui Barbosa contra o estado de sítio autoritário de


Floriano Peixoto desenvolveu-se em três etapas: petição de habeas corpus, sustentação oral
perante o Supremo Tribunal Federal e a crítica ao acórdão publicada na imprensa da época.
As duas primeiras etapas ocorreram no mês de abril de 1892, mas as manifestações do jurista
sobre a matéria permaneceram até o mês de junho daquele ano. Uma compilação da
campanha de Rui pelas liberdades seria publicada no ano seguinte, 1893, por esforço de seus
amigos, intitulada O Estado de Sítio, sua Natureza, seus Efeitos, seus Limites. Mais tarde, em
1956, uma reedição de todas as obras de Rui Barbosa acrescentaria para a obra em questão um
prefácio de Levi Carneiro, ex-Ministro do STF. Com a repercussão, inclusive, internacional, o
livro ganharia uma versão também em inglês.
Como já mencionado, o evento causador dessas manifestações decorreu do estado de
sítio decretado no dia dez de abril de 1892 que deteve 48 presos políticos1, opositores do
governo de Floriano Peixoto. O Presidente enfrentava forte oposição pela legitimidade de seu
governo por ter ignorado a ordem constitucional de se convocar novas eleições, reprimindo

1
Alfredo Ernesto Jaques Ourigue, Alfredo Martins Pereira, Antonio Adolpho de Fontoura Menna Barreto,
Antonio Carlos da Silva Piragibe, Antonio Joaquim Bandeira Júnior, Antonio Maria Coelho, Antonio Raymundo
Miranda de Carvalho, Arthur Fernandes Campos da Paz, Bento José Manso Sayão, Carlos Jansen Júnior, Clímaco
Barbosa, Conde de Leopoldina, Constantino de Oliveira, Dermeval da Fonseca, Domingos Jesuíno de
Albuquerque, Duarte Huet Bacellar Pinto Guedes, Dyonísio Manhães Barreto, Eduardo Wandelkolk, Egas Muniz
Barreto de Aragão, Felisberto Piá de Andrade, Francisco Antonio de Almeida, Francisco Gomes Machado,
Francisco Portella, Gentil Eloy de Figueiredo, Gregorio Thaumaturgo de Azevedo, Ignacio Alvez Corrêa Carneiro,
João da Matta Machado, João da Silva Retumba, João Nepomuceno Baptista, João Soares Neiva, José Carlos de
Carvalho, José Carlos do Patrocínio, José Carlos Pardal de Medeiros Mallet, José Clarindo, José de Almeida
Barreto, José Elysio dos Reis, José Gonçalves Leite, José Joaquim Ferreira Júnior, José Joaquim Seabra, José
Libanio Lamenha Lins de Souza, Manoel Lavrador, Olavo dos Guimarães Bilac, Pinheiro Guedes, Placido de
Abreu, Sabino Ignacio Nogueira da Gama, Sebastião Bandeira e Severiano Rodrigues da Fonseca.
4
apoiadores de Deodoro. Militares prejudicados e legalistas inconformados aumentaram a
pressão. Uma manifestação pública de apoio ao Presidente anterior serviu como pretexto para
Floriano alegar tratar-se de uma conspiração para depor o seu governo. Como destaca
Christian Edward Cyril Lynch, Floriano recorreu ao estado de sítio seguindo o exemplo do
que fizera o Presidente argentino Carlos Pellegrini, que, apenas uma semana antes na
Argentina, também utilizou o artifício para deter parlamentares de oposição (LYNCH, 2012:
159). Dentre as vítimas brasileiras estavam Deputados, Senadores, militares, jornalistas, um
professor e o famoso poeta Olavo Bilac. Na petição de habeas corpus nº 300, de 18 de abril,
Rui Barbosa eximia, contudo, a questão política do pedido, reforçando o direito das
liberdades. Apesar do número da petição, Rubem Nogueira a considera como a primeira da
República, pois foi o primeiro habeas corpus do regime político que defendia garantias
individuais com base em tal remédio constitucional (NOGUEIRA, 1980: 139-142).
Os debates sobre a constitucionalidade do estado de sítio só ocorreram pela primeira
vez na República em razão da mesma decretação de Floriano Peixoto. Mas a discussão
daquela ocasião logo foi interrompida na Câmara para se decidir sobre outra questão
considerada mais emergencial, a constitucionalidade do governo de Floriano. Para Levi
Carneiro, o momento político de 1892 era de falta de confiança na estabilidade do regime e,
por isso, temia-se obedecer formalmente a Constituição. Ele argumenta ainda que tanto o
Congresso quanto o Supremo Tribunal Federal temiam a agitação de novas eleições ou da
concessão de habeas corpus, medidas que poderiam enfraquecer a autoridade do Poder
Executivo (CARNEIRO, 1956: XXX). Nesse contexto, três correntes do situacionismo – os
liberais conservadores, os jacobinos e os caciques do Partido Republicano Federal – se uniram
para evitar a reversão do status republicano e deram apoio absoluto e incondicional ao
governante vigente2. Desta forma, a repercussão da petição de habeas corpus no Congresso
seguiu o interesse do governo, afirmando a legalidade das detenções. Rui Barbosa ainda
chegou a argumentar severamente no Congresso naquele mês de abril, transferindo para o
STF, em suas palavras, se o futuro do país seria decidido pelos debates no Legislativo ou
pelos golpes do estado de sítio (BARBOSA, 1892: 28).

2
De acordo com Lynch (2012: 160-164), os liberais conservadores paulistas não se incomodavam de se aliarem
com monarquistas que aderiram ao novo regime, os jacobinos queriam uma República militar e autoritária e os
grandes caciques do Partido Republicano Federal tentavam servir de elo entre as duas partes para manter a
unidade da situação.
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No dia 23 de abril Rui Barbosa foi ao Supremo Tribunal Federal fazer sua defesa das
vítimas. Em seu argumento, discorreu longamente sobre a ilegalidade da declaração do estado
de sítio ao tocar na fragilidade da questão da comoção intestina. Alegou que, em primeiro
lugar, o termo era vago e, em segundo lugar, nada se havia verificado que pudesse suportar
essa tese como base para as medidas excepcionais (BARBOSA, 1892: 35-36). Rui fez ainda
uma relação das vítimas do decreto de dez de abril as dividindo em três categorias: os presos
antes de aberto o estado de sítio, os incursos em prisão pela declaração oficial que encerrou o
estado de sítio e os presos durante o estado de sítio. Sua petição continha igualmente três
teses: a de que o estado de sítio não observava as condições de constitucionalidade
necessárias, de que o STF seria competente sobre a matéria na decorrência dessa
inconstitucionalidade e a de que os detidos políticos possuiriam o direito de julgamento
comum ao se findar o estado de sítio (BARBOSA, 1892: 17-18).
Perante o Supremo Tribunal Federal, Rui pautou o seu discurso na defesa daqueles que
foram presos antes de aberto o estado de sítio. Tendo sido o decreto deste assinado no dia dez
de abril de 1892 e só divulgado oficialmente no dia 11 de abril, considerou ilegais as prisões
realizadas no decorrer do dia dez, que envolvia até portadores de imunidades legais. Destacou
o caso de Menna Barreto, que foi preso antes da vigência legal com a alegação de crime
inafiançável, o que não caberia para sua acusação, ainda mais porque o argumento de sedição
utilizado para justificar o decreto seria crime afiançável (BARBOSA, 1892: 9-15). Em caso
oposto, Eduardo Wandelkolk e Egas Muniz foram presos mesmo após cessado o estado de
sítio, já com as garantias constitucionais teoricamente reestabelecidas (BARBOSA, 1892: 15-
17).
Prosseguindo, Rui contestou o abuso de autoridade do Executivo durante a vigência do
sítio, realizando desterros condenatórios. Mais do que desterro, o Presidente teria degredado
as vítimas, detendo-as em presídios militares. O jurista demonstrou que não caberia ao
Executivo julgar, em tempos de exceção, mas apenas a possibilidade de prender insurgentes.
Ainda assim, todas essas medidas cessariam com o fim do estado de sítio.
O habeas corpus de Rui foi julgado no Supremo Tribunal Federal apenas cinco dias
após sua petição em seção presidida pelo Ministro Freitas Henrique e que contou com a
presença de mais 11 juízes. O pedido foi julgado indeferido com a alegação de que as medidas
de repressão do estado de sítio eram reconhecidas na Constituição e de que caberia apenas ao
Congresso julgá-las. Ou seja, o Poder Judiciário se declarava incompetente na matéria. O
6
acórdão foi publicado no dia 27 de abril de 1892, considerando que o Presidente da República
possuía prerrogativa de decretar o estado de sítio na ausência do Congresso para proteger o
país de ameaças, assim como poderia deter os indivíduos em locais distintos aos de crimes
comuns. Considerava que não estava provada a hora de detenção das vítimas e que tais
medidas haviam sido realizadas por decretos na vigência do estado de sítio, não importando o
exato momento da detenção. Assim, o STF não poderia intervir nas medidas do Presidente
durante a exceção antes que o Legislativo o fizesse e que deveria haver distinção entre as
atribuições do Judiciário, do Legislativo e do Executivo. Por fim, ainda considerava que as
medidas de detenção tomadas durante o estado de sítio não cessavam com o seu
encerramento, pois os detidos deveriam aguardar julgamento da justiça comum. As detenções
e os desterros não tinham o caráter de penas, suas persistências eram resultado de ações
necessárias tomadas pelo Executivo durante a exceção. Desta forma, negava-se, por dez votos
contra um, o habeas corpus nº 300 em razão da incompetência do Supremo Tribunal Federal
de julgar questões políticas (BARBOSA, 1892: 268-272). O único Ministro que não
corroborou com as decisões foi Pisa e Almeida, alegando que os pacientes não poderiam
continuar presos por ordem do Executivo. Ressalta-se, todavia, que nem todas as questões
foram consideradas, ignoraram-se, por exemplo, as imunidades parlamentares.
Publicado o acórdão, o jornal O País passou a divulgar uma série de críticas escritas
por Rui quase que diariamente entre dez de maio e 12 de junho. Resignado, o jurista expressa
toda a sua insatisfação com a decisão do STF, julgando-a errônea. Questionou a decisão dos
Ministros Amphilophio e Macedo Soares, aos quais acusou de terem feito uma leitura errada
da literatura jurídica da época, e a incompetência da justiça frente a um problema de natureza
jurídica. Insistiu na tese de que o STF teria competência para julgar as prisões feitas
arbitrariamente antes, durante e depois do estado de sítio, argumentando que tratar as questões
como políticas era muito fraco e superficial, quando se considerasse que garantias individuais
haviam sido violadas por atos do Executivo (BARBOSA, 1892: 152). Insatisfeito com o
indeferimento, considerou que o Império respeitava muito mais as liberdades do que a
República, que, segundo ele, tratava as garantias constitucionais de acordo com os interesses
de Floriano Peixoto. Mesmo com o Imperador gozando do Poder Moderador, respeitavam-se
as liberdades e as garantias individuais. Todos os pedidos de habeas corpus, entre 1851 e
1883, teriam sido acatados nos casos de prisão administrativa em função da utilização do

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Artigo 179 da Constituição de 1824, que seria o corresponde ao estado de sítio republicano.
(BARBOSA, 1892: 192).
O parecer sobre o habeas corpus de Rui Barbosa fazia menção ao instituto do estado
de sítio na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos, o que abriu oportunidade para que o
jurista demonstrasse todo o seu amplo conhecimento sobre a matéria. Ele recorreu à história
do estado de sítio naqueles três países e ainda acrescentava considerações sobre a Itália,
concluindo que a história constitucional sobre tal matéria ensinaria quatro coisas: que o estado
de sítio nas nações livres é usado como mecanismo de repressão e nunca de prevenção, que os
governos não infligem penas, que as faculdades atribuídas ao Executivo se reduzem à
retenção dos suspeitos e deve aguardar as decisões dos tribunais e de que o Poder Judiciário
assegurava a liberdade dos cidadãos contra o emprego inconstitucional do estado de sítio
(BARBOSA, 1892: 159). Rui amparava-se, especialmente, na literatura dos Estados Unidos e
da Argentina, citando, frequentemente, autores dos dois países. No entanto, comentava sobre
o instituto nas legislações inglesa e estadunidense, francesa, chilena, uruguaia, equatoriana,
venezuelana, paraguaia e boliviana, ou seja, um conhecimento muito mais apurado que o dos
ministros. Mas não era só esse despreparo que os afetava, para Rubem Nogueira eles não
estavam muito conscientes da mudança de regime político e nem preparados para exercer a
nova função do Judiciário, que seria julgar a legalidade dos atos dos outros poderes
(NOGUEIRA, 1980: 134-136).

Conclusão

Rui não ficaria satisfeito com a decisão do Supremo e recorreria à primeira instância
para requerer reparação de danos materiais causados às vítimas do estado de sítio, amparando-
se no Direito e nos exemplos recentes dos Estados Unidos. Desta vez, contudo, obteve vitória
que foi, posteriormente, ratificada pelo STF, que passava a se reconhecer como guardião da
Constituição. Rui queria que o Supremo Tribunal Federal atuasse de modo semelhante à
Suprema Corte dos Estados Unidos, estabelecendo as fronteiras das ações legislativas e
governamental (NOGUEIRA, 1980: 134-136). Dentre as questões defendidas por Rui no
habeas corpus nº 300, ele continuou militando pela competência dos tribunais em matéria de
estado de sítio, pelo seu uso unicamente para repressão, pelas medidas não possuírem caráter
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penal e estarem restritas ao período de duração do sítio, pelo respeito às imunidades
parlamentares e pela capacidade dos tribunais intervirem em questões de liberdade civil,
assim como a valorização do habeas corpus como remédio constitucional. Sua primeira tese a
ser consagrada foi sobre os efeitos do estado de sítio serem válidos apenas durante sua
vigência. As demais teses foram acolhidas gradativamente. Só que a Reforma Constitucional
de 1926 fortaleceu o Executivo e tolheu o Judiciário, restringindo o habeas corpus
(CARNEIRO, 1956: LXXXI-XCII).
No Congresso, a primeira manifestação na Câmara em protesto contra as prisões foi do
Deputado Belarmino de Mendonça, no dia seis de maio, mas logo foi silenciado. No Senado,
Amaral Cavalcanti questionou as prisões, no dia 12 de maio, e foi impugnado por Campos
Sales. Tanto na Câmara quanto no Senado foram apresentados requerimentos para que fosse
enviado lembrete ao Presidente de que teria que apresentar suas razões e provas para as
medidas de exceção, ambos derrotados. Até que, em 20 de maio, Teodoreto Souto apresentou
projeto de anistia para os detidos e desterrados pelo estado de sítio, sendo aprovado no dia
oito de junho. A anistia e a aprovação dos atos do Governo foram publicadas no Diário
Oficial, no dia seis de agosto. Dentre os atos estavam os decretos presidenciais que retirava os
funcionários públicos de seus cargos, reformava militares e demitia professores, afetando
oficiais da Marinha e do Exército mesmo que não tivessem sido mencionados no habeas
corpus nº 300. Somente Prudente de Morais, em 1895, que mandaria reintegrar os
funcionários vitalícios demitidos ilegalmente (CARNEIRO, 1956: XLVI-LXXII).
Seguir-se-iam, a partir daquele mesmo ano, apresentações de projetos de
regulamentação do estado de sítio, incluindo um elaborado pelo próprio Rui Barbosa e
apresentado em conjunto com Leovegildo Filgueiras. Até 1900, apareceriam vários projetos
para regular o estado de sítio, mas sempre sem virar lei. Os conservadores se opunham ao
STF como instância reguladora, temendo que seu poder em matéria política amaçasse sua
hegemonia contra os monarquistas, os deodoristas e os liberais. Em 1898, com o estado de
sítio decretado em razão do atentado ao Presidente Prudente de Morais, Rui Barbosa se
confessaria descrente do instituto que teria se tornado corriqueiro para a repressão de minorias
(LYNCH, 2012: 164). As medidas de exceção seriam um sério problema para a Primeira
República, utilizadas para manter o situacionismo em 11 ocasiões no período (1891, 1892,
1893, 1897, 1904, 1910, 1914, 1917/1918, 1922/1923, 1924/1926 e 1930). Somente no
governo de Hermes da Fonseca, 1910-1914, que Rui conseguiria fazer com que o STF
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liberalizasse a jurisprudência do sítio para tornar o habeas corpus mais efetivo na defesa das
liberdades e contra os interesses da ordem estabelecida. Como resposta, no entanto, o
situacionismo passou a nomear ministros alinhados com a situação partidária e ideológica do
regime para barrar o ativismo progressista (LYNCH, 2012: 164-165).
Naquele início de República, era claro que precisava-se preservar a Constituição e as
garantias individuais, mas o órgão superior de justiça apresentava avanços e recuos.
Diferentemente do que se verificava no Império, o Supremo Tribunal Federal passava a ter o
poder de conferir a legitimidade constitucional aos atos administrativos e às leis, podendo
aceitar recursos à aplicação de um ato de qualquer Poder. Por isso Rui Barbosa mostrou-se tão
importante na formatação do Judiciário, ele foi responsável pela introdução da jurisdição
constitucional, que permitia ao Supremo julgar a constitucionalidade das leis, e também pela
introdução do habeas corpus pela defesa contra atos de autoridade. Muito embora Rui
perdesse sistematicamente todas as petições que apresentaria, ele deixaria um legado acerca
da importância de se assegurar as liberdades individuais.

Referências Bibliográficas

BARBOSA, Ruy. O Estado de Sítio, sua Natureza, seus Efeitos, seus Limites. Rio de
Janeiro: Companhia Impressora, 1892.

CARNEIRO, Levi. Prefácio. In: O Estado de Sítio, sua Natureza, seus Efeitos, seus
Limites. BARBOSA, Ruy. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1956.

LYNCH, Christian Edward Cyril. O Caminho para Washington Passa por Buenos Aires: a
recepção do conceito argentino do estado de sítio e seu papel na construção da República
brasileira (1890-1898). In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 27, n. 78, São Paulo,
2012.

NOGUEIRA, Rubem. Rui Barbosa e o Supremo Tribunal Federal. In: Revista de


Informação Legislativa. Brasília, v. 17, n. 67, jul-set, 1980.

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