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COMUNICAÇÃO

EMPRESARIAL

COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
A comunicação empresarial é uma área interdisciplinar por defini-
ção que articula todas as estratégias de comunicação utilizadas pela
organização no relacionamento e interação com seus públicos.
O leitor será posto em contato, neste livro, com quatro áreas com
profundo nível de integração entre elas e cada uma das suas ferra-
mentas: a comunicação administrativa, a institucional, a interna e a
comunicação de marketing. Funções tão diversas quanto gerência
da reputação, gestão de crises, propaganda corporativa, responsa-
bilidade social, relações com os investidores, entre outras, que inte-
gram o campo de interesse da área.

Luiz Roberto Dias de Melo

www.iesde.com.br facebook.com/iesdebrasil Luiz Roberto Dias de Melo

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6451-9

57453 9 788538 764519


Comunicação
Empresarial

Luiz Roberto Dias de Melo

IESDE BRASIL S/A


2018
© 2010-2018 – IESDE BRASIL S/A.
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M485c Melo, Luiz Roberto Dias de
Comunicação empresarial / Luiz Roberto Dias de Melo. -
[2. ed.]. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2018.
270 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6451-9

1. Comunicação nas organizações. 2. Comunicação empresarial.


I. Título.
CDD: 658.45
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Luiz Roberto Dias de Melo
Mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo(USP). Bacharel e licencia-
do em Letras Português e Italiano também pela USP. Ministrou várias disciplinas em cursos de
Publicidade e Propaganda, como Redação Publicitária, Teoria da Comunicação e Planejamento
de Mídia. É sócio-diretor de empresa do setor privado e presidente de instituição do terceiro setor.
Sumário

Apresentação 9

1 O que é comunicação empresarial? 11


1.1 Breve história da comunicação empresarial 12
1.2 Uma reflexão sobre o discurso das organizações e o lugar do indivíduo 29

2 Teorias da comunicação 37
2.1 Paradigma funcionalista pragmático 40
2.2 Escola de Chicago 40
2.3 Escola americana positivista 41
2.4 Paradigma matemático informacional 46
2.5 Paradigma crítico radical 47
2.6 Paradigma culturológico 49
2.7 Paradigma midiológico tecnológico 52
2.8 Paradigmas da comunicação organizacional 53

3 Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 61


3.1 O poder da comunicação como organização 64
3.2 Comunicação empresarial: aproximações conceituais 67
3.3 A missão do comunicador na empresa 72
3.4 Obstáculos à comunicação 77

4 Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 81


4.1 Aprenda com os seus públicos 83
4.2 Definindo estratégias eficazes 88

5 Identidade, imagem e reputação organizacional 99


5.1 Identidade e imagem 100
5.2 Reputação: visão geral 101
5.3 Imagem e reputação 103
5.4 Reputation Institute e RepTrak® 105
5.5 Gerência da reputação  106
5.6 Reputação como ativo intangível 107
5.7 Reputação como avaliação 108
5.8 Reputação como percepção 109
5.9 Sustentabilidade e responsabilidade social 110

6 Comunicação interna 119
6.1 Cultura organizacional, diálogo e engajamento 119
6.2 Cultura organizacional 123
6.3 Planejando a comunicação interna: política, objetivos e metas 127
6.4 Ferramentas de comunicação interna: do quadro de avisos às mídias
digitais 135
6.5 Endomarketing 141

7 Pensamento complexo na empresa e na comunicação 145


7.1 Teoria organizacional e complexidade 150
7.2 Comunicação empresarial como texto 155

8 Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa 163


8.1 Comunicação de marketing 164
8.2 Propaganda institucional e corporativa 168

9 Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 177


9.1 Comunicação empresarial na sociedade da informação 177
9.2 BICC e ferramentas de mídia on-line 183
9.3 Comunicação empresarial e ética 189
9.4 Relações com o cliente 193
9.5 Relações com investidores 196
9.6 Relações com o governo 197

10 Relações com a mídia e gestão de crise 201


10.1 É preciso saber orientar a mídia 201
10.2 É preciso saber responder à mídia 204
10.3 É preciso se preparar para o “cara a cara” com a mídia 206
10.4 Conceito de crise institucional 207
10.5 Quem está preparado para a crise? 209
10.6 Comunicação durante a crise 210

11 Fundamentos da comunicação interpessoal 213


11.1 Melhorando o relacionamento no trabalho 213
11.2 Estilos interpessoais  216
11.3 Gestão de conflitos 217
11.4 Conflito como processo 229
11.5 Diferenças culturais, sociais e etnocentrismo 232
11.6 A linguagem corporal traduz emoções e pensamentos 233

12 Eficácia na comunicação 239
12.1 Falar em público com segurança – fundamentos de oratória 239
12.2 Princípios gerais 243
12.3 Como fazer apresentações 247
12.4 Preparação de discursos 253
12.5 Excelência em improviso 257
12.6 Timidez 258
12.7 Palestra de negócios 259

Gabarito 263
9

Apresentação

A comunicação empresarial é uma área interdisciplinar por definição que articula todas as
estratégias de comunicação utilizadas pela organização no relacionamento e interação com seus
públicos. Por isso, o leitor será posto em contato com quatro subáreas com profundo nível de inte-
gração entre elas e cada uma das suas ferramentas: a comunicação administrativa, a institucional,
a interna e a comunicação de marketing. Funções tão diversas quanto gerência da reputação, ges-
tão de crises, propaganda corporativa, responsabilidade social, relações com os investidores, entre
outras, são absorvidas pela área.

Em direção contrária à visão tradicional sobre a organização, que a concebe como máquina,
um mecanismo burocrático, rigidamente regulado por métodos, convenções e demais sistemas de
controle, aludimos a uma “máquina de gerar sentido”, metáfora com a qual relacionamos a orga-
nização contemporânea. A comunicação não deve ser vista como uma técnica, um conjunto de
procedimentos pré-formatados, a partir do qual a empresa encontraria “respostas” eficazes para
todas as suas demandas. Segundo uma das perspectivas presentes neste livro, a comunicação é o
lugar da intersubjetividade e, como tal, contagia a organização como um todo. Portanto, não há
como pensar esse processo sem nos remetermos ao campo da teoria das organizações e de algum
estudo sobre cultura organizacional.

O enfoque do paradigma interpretativo, caracterizado pela ênfase na comunicação como


elemento do processo simbólico de construção de significados, tenta, contudo, buscar um con-
traponto que também nos parece necessário; referimo-nos a uma visão crítica sobre o funcio-
namento das organizações em geral e da empresa em específico. Daí a introdução do conceito
de discurso competente (CHAUI, 2006)1 e de certa reflexão orientada pelas considerações de
Richard Sennet sobre o capitalismo como cultura e seu novo redimensionamento na experiên-
cia das organizações globalizadas.

A visão pessimista da corrente crítica sobre a organização, embora se anuncie nesses dois
momentos, não nos impede de defender o espaço de diálogo necessário e decisivo em que deve se
transformar a empresa. Como substrato dessa condição, temos a comunicação, permeando toda a
estrutura organizacional, ativando os códigos da sua cultura, projetando a identidade, a sua ima-
gem e dando um sentido efetivo para a reputação.

Por fim, convidamos o leitor para o exame e reflexão sobre a contribuição da comunicação
empresarial para as organizações nas últimas décadas. A partir dessa perspectiva, pensamos que o
leitor possa encontrar algumas respostas para suas indagações de caráter teórico sobre o funciona-
mento das empresas pelo ponto de vista da comunicação, bem como para suas especulações sobre
o campo de trabalho no qual estão presentes alguns dos melhores profissionais de comunicação
do país.

1 CHAUI, M. S. Cultura e Democracia. O discurso competente e outras falas. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
1
O que é comunicação empresarial?

Empresas são organismos vivos, muitas vezes estruturas de alta complexidade, que che-
gam a envolver milhares de colaboradores, os quais, por sua vez, interagem direta e indireta-
mente com milhões de pessoas em um só país, ou em dezenas de países ao redor do mundo.
Independentemente do porte de uma empresa – de um pequeno supermercado de bairro a
uma gigante multinacional – aquilo que ela significa para os seus públicos, seu significado
como ente dotado de uma missão, é produto do estabelecimento e cumprimento (ou não, e daí
tem-se um resultado peculiar) de metas por parte das pessoas envolvidas nessa organização.
Do ponto de vista da comunicação, podemos dizer que empresas são “máquinas de gerar
sentido” com a finalidade de obter certo tipo de resposta de seus públicos. É possível que você
nunca tenha pensado sobre o papel da empresa, considerando a necessidade que ela tem em
comunicar determinados aspectos da sua cultura organizacional em um processo de constru-
ção de sua imagem corporativa.
Empresas emitem sinais sobre sua performance o tempo todo. A nós, o público, ou desti-
natários dessas mensagens, cabe decifrá-las, com os recursos que temos em mãos, e participar
desse processo de comunicação, realimentando-o de várias maneiras.
Por exemplo, em março de 2018, a fusão das empresas do setor de celulose Suzano e
Fibria produziu forte impacto no mercado e grande repercussão na imprensa. Não terá sido
menor o alvoroço por parte de determinados públicos dessas empresas, tais como acionistas,
fornecedores, clientes, funcionários e entidades do sistema financeiro. Afinal, a nova gigante
do setor de fibras curtas será a quinta maior empresa brasileira, atrás somente da Petrobras,
Ambev, Vale e Telefônica.
Para cuidar das áreas de relações públicas, publicidade, marketing e endomarketing,
contratou-se a consultoria N Ideias, do publicitário Nizan Guanaes. No entanto, o campo sob
o domínio da comunicação empresarial é tão abrangente que o composto de áreas comanda-
das por Guanaes compreende apenas uma parte dos assuntos de que vamos tratar.
Inclui-se nesse mix: a gestão de marca, atividade ainda mais em evidência no caso
da nova líder do setor de celulose; e as atividades, ações, estratégias e processos integrados,
postos em prática pela comunicação empresarial, que fortalecerão a imagem, a identidade e
a reputação da empresa, conceitos que merecem nossa análise na relação das organizações
com os seus públicos.
Como o ativo mais valioso das organizações, a marca comunica valores, inspira compro-
misso, mobiliza desejos e indica um caminho de atendimento às necessidades do consumidor.
12 Comunicação Empresarial

No Brasil, comunicação organizacional, comunicação empresarial e comunicação corporativa1


são expressões que frequentemente se equivalem. Contudo, é possível pelo menos delimitar a abran-
gência da primeira e segunda expressões. Parece claro que a área de atuação da comunicação orga-
nizacional não se limita a da empresa, já que uma organização como uma igreja, um sindicato ou
uma fundação fazem uso do ferramental oferecido pela comunicação empresarial sem, no entanto,
serem empresas comerciais. Vários autores, sobretudo no mundo acadêmico, com destaque para a
Universidade de São Paulo, não utilizam a expressão comunicação empresarial e a razão para isso é
que poderia sugerir uma limitação de campo de atuação representado pelo mundo corporativo.
A produção científica sobre comunicação organizacional vem se tornando volumosa a cada
dia, desde seu surgimento no início dos anos 90, fortalecendo-se conceitualmente também com a
realização de congressos, seminários e demais iniciativas por parte das entidades do setor.
Já a expressão comunicação corporativa é menos usada, embora haja autores2 que preferem
essa designação, a qual parece ficar a meio caminho entre a organização e a empresa, pois o con-
ceito de corporação liga-se a um só tempo às entidades comerciais, bem como a grupos de pes-
soas reunidas por afinidades profissionais, filosóficas etc., em uma associação, como a Ordem dos
Advogados do Brasil – OAB.
Kunsch (2009, p. 149) vê o universo da comunicação organizacional integrada composto por
quatro vetores: comunicação administrativa, institucional, interna e mercadológica. Na primeira,
situam-se, por exemplo, as comunicações orais e escritas e é de sua competência o domínio sobre
os fluxos de comunicação (descendente, ascendente etc.); na institucional, a assessoria de imprensa
e as relações públicas; na comunicação interna, house-organs3, a intranet e demais recursos digitais;
e na mercadológica, a publicidade, o marketing, ao lado de outras ferramentas.

1.1 Breve história da comunicação empresarial


A comunicação empresarial – como a conhecemos hoje – é produto de uma lenta construção
de conhecimentos que nem sempre permite entrever o processo de refinamento de seus conceitos,
a abrangência do seu escopo e o aumento do seu grau de complexidade. Por isso, um esforço de ca-
ráter historiográfico se revela útil para situar o leitor com mais precisão, diante do campo de estudos
no qual emergem forças sociais das mais diferentes.
Faz parte dessa história o aprendizado com outras áreas do universo da comunicação, como a
das relações públicas, cujo percurso vamos investigar para retirar alguns conceitos que nos interessam.
O terreno fértil para o início das atividades das relações públicas desenha-se nos últimos
25 anos do século XIX e nos poucos mais de 15 anos do início do século passado, durante a efer-
vescência dos movimentos trabalhistas nos Estados Unidos.

1 Corporate affairs – expressão corrente nos países de língua inglesa.


2 V. SILVA NETO, Belmiro Ribeiro (coord.) Comunicação Corporativa e Reputação, 2010, p. 198.
3 House-organs: veículo – jornal ou revista – publicado pela empresa com a finalidade de divulgar fatos de valor
institucional (agendas, cumprimento de metas, eventos etc.) geralmente dirigido ao público interno, mas às vezes
também distribuído para clientes e outros públicos.
O que é comunicação empresarial? 13

A profissão de relações-públicas4 deve ser pensada no contexto do surgimento da opinião


pública como fenômeno das sociedades democráticas. Somente nas sociedades em que o embate
de ideias possa frutificar, sem a intervenção do Estado no papel de censor, e onde existam condi-
ções favoráveis ao convívio entre as diferenças, é possível encontrar um lugar para o trabalho como
das relações públicas, cuja razão de ser liga-se à gestão da informação, e hoje ainda em maior grau.
A comunicação empresarial, ao absorver as relações públicas como área estratégica, não apenas
se beneficia da experiência acumulada em décadas de trabalho, mas encontra nessa tradição elementos
históricos que lhe indicam o caminho a trilhar em busca da transparência e legitimidade de suas fun-
ções. É claro que esse processo não está isento de contradições, da assimilação de um certo discurso
“chapa-branca”5, cristalizado pelas organizações de forma artificiosa, mas o fato disso ocorrer em uma
sociedade democrática pode provocar a reação dos públicos, o que não só é salutar, mas decisivo para o
aperfeiçoamento organizacional.
Das muitas vozes que ecoavam no centro da sociedade civil estadunidense, destacam-se as
do movimento trabalhista e dos órgãos representantes das classes patronais. Cada uma tentando
persuadir a opinião pública em favor de seus interesses. Eis o cenário que, aos poucos, vai ganhan-
do nitidez a intervenção de um tipo de profissional com suficiente habilidade em traduzir para o
público não apenas as ideias do seu cliente, mas convencê-lo sobre a sinceridade de certos ideais
da organização representada.
Peculiaridades da história e formação econômica dos Estados Unidos são o pressuposto e
a condição do fortalecimento da opinião pública. O país foi o primeiro a se industrializar fora da
Europa, já nos fins da primeira metade do século XIX. Somam-se a isso diferentes fatores, entre os
quais o movimento expansionista, a Guerra de Secessão e a imigração irlandesa.
Nada menos que nove territórios foram anexados por força do movimento expansionista;
estados como a Flórida, o Texas e a Califórnia integraram o processo, o que basta para demonstrar
a imensidão das terras anexadas e, o mais importante, o que isso significava em termos de arranjos
sociais e econômicos, tendo como base o deslocamento de aglomerados humanos e o realoca-
mento de mão de obra. A Guerra de Secessão (1861-1865), por sua vez, transformou os vitoriosos
estados do norte do país em um polo de riqueza, redimensionando as forças capitalistas organiza-
das em torno da construção das estradas de ferro. Como mencionado, compõe também o quadro
social desse período a imigração irlandesa que proporcionou ao capital a mão de obra barata do
imigrante que fugia de um país martirizado pela fome.
A articulação dos dois primeiros fatores acima, em contato com a recém-chegada de irlandeses,
municiando o exército de reserva, ou seja, o excedente da mão de obra, a parte de trabalhadores des-
cartáveis no jogo capitalista, gera um caldo de cultura em que ganha peso o espírito da livre-iniciativa,
de inspiração liberal e o desejo de tornar-se proprietário.
Apenas de passagem, perceba como esse painel se distingue bastante da vida social bra-
sileira, que, de forma arcaica, permanece com o trabalho escravo até 1888, mas as relações de

4 Grafia adotada pelo Conselho Federal dos Profissionais de relações públicas para designar o profissional.
5 Chapa-branca: como são designados veículos automotores do Poder Público, cujas placas são dessa cor; por ex-
tensão, atitudes, discursos e equivalentes de caráter oficial, alinhados com o governo.
14 Comunicação Empresarial

dependência mantidas entre proprietários e homens pobres, brancos ou não, seguiriam inalteradas
durante muitas décadas. Em um ambiente de dependência e de favor, nada mais distante do que a
livre-iniciativa e a valorização das liberdades individuais, tão caras à experiência do que no Brasil
chamavam de irmã do Norte.
Tornar-se um pequeno proprietário de terras nos Estados Unidos significava também re-
sistir ao poderio dos trustes, cartéis e monopólios. Por outro lado, ainda que o movimento traba-
lhista tenha perdido força nesse período, justamente em decorrência do espírito empreendedor de
muitos, aos poucos, a organização dos trabalhadores em sindicatos alcança tal importância na vida
social, que obriga o grande capital a lançar mão de estratégias para melhorar sua imagem diante
da opinião pública.
Bem antes da quebra da bolsa de Nova York, em 1929 – que lançou por terra certas ilusões
pequeno-burguesas em relação à autonomia dos indivíduos e à propriedade – em vários momen-
tos, o país assistiu a movimentos grevistas de expressão. O que poderia ser chamado de consoli-
dação dos movimentos sindicais teve como marco decisivo a tradução do Manifesto Comunista,
de Marx e Engels, em 1871. Publicado pela primeira vez em Londres, em 1848, o Manifest der
Kommunistischen Partei chamava a classe operária à revolução contra a burguesia, ao mesmo
tempo carrasca e herdeira da realeza. Porque, conservava direitos e eternizava princípios ideo-
lógicos tão arraigados como o da severa divisão do trabalho entre manual e intelectual, com sua
consequente carga de alienação para a classe trabalhadora.
Em 1869, dois anos antes da tradução do Manifesto Comunista, é fundada nos Estados
Unidos a Ordem dos Cavaleiros do Trabalho, primeira organização trabalhista do país, que se
estruturaria como uma imensa central sindical. O número formado por 700 mil associados im-
pressiona até hoje, e seria superado nos anos seguintes, ao longo dos quais o movimento trabalhista
atraiu multidões, já com um discurso abertamente inspirado no documento comunista.
A Federação Americana do Trabalho sucedeu à ordem, em 1886, introduzindo uma nova
concepção no plano de organização dos trabalhadores: defendeu e fomentou o aparecimento de
vários sindicatos, no lugar de apenas um, revelando, ao mesmo tempo, algo não rotineiro na épo-
ca: a preocupação do diálogo com a opinião pública. Segundo a organização, era preciso tornar-se
“aceitável” aos olhos da economia e da sociedade.
Essa atenção reservada à opinião pública era compartilhada, como se enfatizou, com o
patronato. Tratava-se de pôr em prática um repertório de estratégias de comunicação, o que, do
lado dos trabalhadores, acabaria por favorecer o amadurecimento dos sindicatos como organi-
zações de representação, refinando a natureza de suas reivindicações.

1.1.1 O contragolpe
As armas do patronato também se reuniriam, segundo as exigências de uma sociedade que
vinha se tornando mais complexa do ponto de vista da multiplicidade de interlocutores. Não esque-
çamos de que está em jogo o controle sobre a massa de trabalhadores alocados nos mais diferentes
setores da economia.
O que é comunicação empresarial? 15

Um dos setores mais poderosos, formado pelos donos das estradas de ferro, fora alvo de uma
dura greve em 1877; por isso, não é de se estranhar a existência de uma Associação de Diretores
de Estrada de Ferro que, por sua vez, se juntou à Associação Americana Antiboicote. Fundada em
1902, esta já trazia inscrito no nome um designativo que a fazia se identificar com as raízes da na-
cionalidade, ligado a outro que definia sua função de modo sentencioso; afinal, o boicote (no lugar
da palavra greve) deveria ser algo muito condenável e por isso combatido.
Duas outras organizações despontavam no período: a Associação Nacional dos Fabricantes
e a United States Steel Corporation. Com maior ou menor proximidade uma das outras, as empre-
sas associadas às organizações formavam uma rede tão poderosamente orgânica, tão onipresente
na economia, contra a qual a resposta dos sindicatos nunca poderia parecer tímida na forma de
condução do movimento e, do ponto de vista da comunicação, insuficientemente perspicaz na
emissão de suas mensagens.
A virada do século foi marcada por uma sucessão de greves de expressão: mineiros,
mecânicos, metalúrgicos e funcionários dos matadouros. Em meio ao cenário convulsivo,
os trabalhadores, aos poucos, sentem o impacto causado por uma vertente no âmbito das teorias de
administração. Conhecida como teoria da administração científica, os postulados, de caráter meca-
nicista, de Winslow Frederik Taylor, baseavam-se em alguns poucos princípios, que davam ênfase
à divisão extrema do trabalho, em pequenos segmentos, tentando aumentar o grau de eficiência
do trabalhador.
Pinho (2008, p. 28) nota que o taylorismo, como a teoria passara a ser reconhecida, privava
o trabalhador do seu principal patrimônio: o conhecimento e a habilidade profissional. Não fica
difícil concluir que, no julgamento de uma classe operária politizada no interior dos sindicatos,
tal perda tinha um significado que extrapolava bastante o campo da técnica, com repercussões
políticas, cuja raiz era o do controle social das massas:
o objetivo maior do taylorismo era fazer com que as tarefas laborais fossem
planejadas, classificadas e sistematizadas. O processo de produção era, destarte,
escandido, fragmentado, dividido em fases: planejamento, concepção e dire-
ção. O processo de trabalho era agora “administrado cientificamente”, segundo
procedimentos de tempos e movimentos, que eram capazes de estipular, sob a
égide da linha ou cadeia de montagem, um movimento a ser desenvolvido num
tempo ideal, devidamente cronometrado.

Acirrando o embate entre patrões e empregados, a Federação Americana do Trabalho fez


frente à teoria de Taylor, fato que redundou, em 1912, em um inquérito contra o autor. Um desdo-
bramento, em outro nível, que parecia remoto: greves nos anos de 1911 e 1916 tentaram dar fim
à contundente influência da teoria no campo do trabalho. No entanto, bem ao contrário do que
se poderia imaginar, o taylorismo, talvez de forma menos perceptível, ainda, sobreviva em alguns
hotéis, restaurantes, montadoras de automóveis e redes de lanchonetes.

1.1.2 Um caso de relações públicas


Uma data-chave para o estabelecimento das relações públicas é o ano de 1906, quando Ivy
Lee abre o seu escritório, em Nova York, dedicando-o ao atendimento de empresas. No entanto,
16 Comunicação Empresarial

parece que a maioria dos autores concorda que as estratégias de relações públicas teriam sido
estimuladas quando o filho de um magnata das estradas de ferro pronunciou uma frase que reve-
lava o seu pouco apreço pelo público: “que o público se dane”. O ano era 1882 e o pronunciamento
fora desferido na presença de um grupo de jornalistas; no entanto, a frase foi, como se esperava,
mal recebida pelos leitores e o empresário tentou desmenti-la em entrevista a um jornal, revelan-
do preocupação com o eventual dano à sua imagem.
A era dos monopólios teve início no último quarto do século XIX, em 1897, quando a
Associação das Estradas de Ferro dos Estados Unidos usou pela primeira vez a expressão public
relations (nos últimos anos, sob o influxo da globalização, passou-se a referir à área na língua de
origem: relações públicas) com o sentido utilizado hoje. Mais uma vez, essa percepção deixa evi-
dente o grau de consciência da necessidade desse elo com a opinião pública, fenômeno que depois
contagiaria a órbita governamental.
O quadro histórico daqueles primeiros 15 anos do século XX, nos Estados Unidos, é tensiona-
do pelas grandes empresas, detentoras de monopólios, e contra às quais se constituiu uma campanha
que não deu trégua durante os anos de 1903 a 1914.
Outra intervenção de Ivy Lee, ainda em 1914, e que hoje estaria mais próxima da “pro-
paganda institucional”, foi reverter a imagem negativa da família Rockfeller. A pouca habilidade
em negociar com grevistas de uma de suas empresas, colocava o clã de bilionários sob a mira da
imprensa e da opinião pública. Lee tornou visível um John Rockfeller ligado a ações de filantropia
e benemerência; a operação deu certo, a ponto de, pelo menos no conceito do público, parecer
algo perfeitamente coerente que um capitalista até então impiedoso com as pequenas empresas
demonstrasse sensibilidade diante das agruras dos pobres.
É importante frisar que o trabalho de Lee, em um certo sentido, é inseparável dos donos
de ferrovias, pelo menos na fase embrionária dos seus serviços. Essas empresas, antes mesmo de
1906, ano da abertura do escritório de Lee, já trabalhavam com assessoria de imprensa e relações
públicas. Mas independentemente do fato de não ter sido ele o criador da expressão, o profissio-
nal tornou-se, em 1909, o responsável pelo setor de “divulgação e propaganda” da Pennsylvania
Railroad, lá permanecendo até 1914.
Ao contrário do que se possa imaginar, não se tratava de um serviço extensivo ao de publicidade
e propaganda, como algumas vezes a própria comunicação empresarial parece, aos olhos dos leigos,
limitar-se. O serviço revestia-se de caráter político, mobilizador, mas com alcance e efeitos diferentes
daqueles eventualmente logrados pela propaganda; isso porque a engenharia informacional posta em
prática deveria demonstrar um grau de especificidade tal que a afastava dos objetivos marcadamente
comerciais que orientavam o discurso publicitário.
Em 1916, Lee abre uma consultoria de relações públicas – a Lee & Harris & Lee – que o ajudou a
se tornar referência nacional na área. Em 1935, ano de sua morte, Lee trabalhava como RP da Chrysler.

1.1.3 As vozes do poder


O painel desenvolvido acima, ao sintetizar as tensões entre grandes empresas e associa-
ções patronais de um lado, e sindicatos e centrais de trabalhadores de outro, deixa entrever o que
O que é comunicação empresarial? 17

designamos como terreno fértil para o surgimento de uma profissão especializada na gestão da
informação. Naturalmente, o cenário foi muito simplificado, considerando-se a natureza didática
da abordagem. Vale a pena, contudo, insistir em uma rápida reflexão sobre o papel dos valores de-
mocráticos no contexto de uma sociedade em que o poderio econômico representava uma fração
da atual, mas já demonstrava o seu dinamismo e inventividade, base da futura potência mundial.
A quebra da bolsa, em 1929, arrastou multidões para níveis abaixo da pobreza e gerou um
sentimento de revolta e impotência nunca vivido pelo povo. A esquerda estadunidense, que em parte
se confundia com os sindicatos, acusava, juntamente com a maior parte da opinião pública, a ganân-
cia capitalista pelos terríveis transtornos. A crise atingiu a todos, mas penalizou mais, como sempre,
os menos preparados: 12 a 14 milhões de desempregados (dados de 1933), em uma população de cer-
ca de 120 milhões, clamavam por providências urgentes na incômoda posição em que grande parte
tinha que se socorrer com as políticas assistenciais.
Esse estado de coisas exigia do governo medidas profundas, que seriam costuradas aos poucos
nos gabinetes de Washington. Por outro lado, como dialogar com um público cético, descrente da
capacidade de reação do governo e agora bastante tocado por um discurso de extração socialista?
Mais uma vez seria o caso de se dizer que a experiência acumulada pelas organizações se comprovaria
estratégica para o Estado. Como ressaltam Chaumely e Huisman (apud PINHO, 2008, p. 36):
Com a grande crise de 1929, a informação deixou de ser um luxo: tornou-se
uma necessidade. Abraham Lincoln tinha-o dito: “Com a opinião pública nada
pode malograr; sem ela nada pode resultar bem”. Esse apelo à opinião pública
tornou-se especialmente urgente pela existência de mais de 12 milhões de
desempregados. Não é fácil recordar de que uma revolução iminente tenha po-
dido ameaçar os americanos da década de 1930.

Entre 1933 e 1937, o New Deal, o nome do programa de recuperação da economia do pre-
sidente recém-empossado Franklin Delano Roosevelt, estabelece uma série de metas que se fariam
notar em todo o mundo. A criação de dezenas de agências federais – equivalentes às nossas autarquias
– tentou dar conta de demandas específicas. Um pacote heterogêneo de medidas intervém em todos
os setores, como se pode verificar no perfil de algumas delas: controle sobre bancos e instituições fi-
nanceiras; construção de obras de infraestrutura para a geração de empregos e aumento do mercado
consumidor, e uma administração especialmente marcada pela capacidade de diálogo do governo:
incentivo à criação de sindicatos, fortalecendo a capacidade de negociação dos trabalhadores e a de-
fesa dos direitos instituídos.
Outra vez mostra-se produtivo um paralelo com a experiência brasileira. A Revolução de 30,
cuja designação não especifica o golpe de Estado que leva o gaúcho Getúlio Vargas à presidência,
afasta-se notoriamente do clima democrático reinante nos Estados Unidos. O longo governo pro-
visório de Getúlio Vargas, que se estende até 1934 – data da promulgação da Constituição – tentou
assimilar alguns princípios e diretivas do governo Roosevelt, traduzidos por um desejo de moder-
nizar o Brasil, mas, no plano do respeito às instituições democráticas, o máximo que ele conseguiu
foi a referida promulgação. Contudo, a Constituição de 1934 durou pouco, menos de três anos, até a
imposição da ditadura do Estado Novo, tendo à frente o próprio Getúlio.
18 Comunicação Empresarial

O Estado Novo (1937-1945), como se sabe, suspende direitos políticos, persegue, tortura
e elimina opositores do regime, cerceia a liberdade de expressão e cria um onipresente aparelho
de Estado, o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda. Esse superórgão governamental
controlava toda a propaganda oficial e seus tentáculos se estendiam sobre a imprensa, literatura,
teatro, cinema, rádio, esporte e recreação, mantendo estrito controle sobre a produção e divul-
gação. Com muito prejuízo para o papel do comunicador, e para o sentido da própria comuni-
cação governamental como um todo, esse início da atividade no país tornou-se um marco dos
mais deploráveis, com reflexos no segundo ciclo ditatorial de 1964-1984. O pronunciamento frio,
distante, ou, outras vezes, decisivo, dos porta-vozes da República, dava o tom com o qual o governo,
durante o regime de 1964, dirigia-se à nação. Isso quando esses pronunciamentos não tomavam a
forma de longos discursos, lidos de acordo com os princípios da antiga oratória – com suas curvas
tonais peculiares – diante das câmeras de televisão em rede nacional.
Como veremos, uma cultura autoritária, por parte das organizações empresariais, não era
percebida dessa forma, já que era perfeitamente amoldada a uma vida social com os traços referidos.
Do outro lado do Atlântico, Roosevelt, nos anos 1930 e além, por meio de programas de
rádio – “conversas ao pé do fogo”, como eram chamados – aproximava-se do ouvinte no lugar mais
íntimo do seu cotidiano: o seu próprio lar. O presidente vinha a público prestar contas de seu go-
verno, reforçando o sentimento nacionalista e a certeza, por parte do ouvinte, de que estava diante
de um presidente sensível aos valores democráticos. É desse período as press conferences (coletivas
de imprensa), que ocorriam em média 250 vezes ao ano.
A habilidade para dialogar com os diferentes públicos, levando em conta as expectativas
de uma sociedade bastante organizada e atenta aos seus direitos, deixa de ser marca exclusiva do
governo Roosevelt, embora sua passagem por Washington, ao longo de quatro gestões (morreu
durante a última), tenha estabelecido padrões de conduta que foram respeitados por vários suces-
sores. Com certeza alguns desses princípios estão contextualizados em uma publicação do ano de
1936: Public Administration and the Public Interest, de Pedleton Herring, apontado como o primeiro
livro a estudar as relações públicas governamentais.
Para se ter uma noção da evolução das relações públicas no mundo, valem as considerações
de Amaral (1999),
Dos Estados Unidos, as relações públicas foram sucessivamente para o Canadá
(1940), França (1946), Holanda, Inglaterra, Noruega, Itália, Bélgica, Suécia e
Finlândia (1950) e Alemanha (1958).
Segundo a estudiosa Monique Augras, nos Estados Unidos, em 1936, seis em
cada grupo de 300 empresas tinham serviços de relações públicas; em 1961,
a relação era de 250 em 300; em 1970, beirava 100%.

1.1.4 Comunicação empresarial no Brasil


A questão do relacionamento estratégico com os diferentes públicos, que tão bem define a ação
das relações públicas, não pode ser vista apenas como uma contribuição pontual dessa área à comu-
nicação empresarial. Mais do que uma mera atribuição das relações públicas, a gramática que elas
construíram, no diálogo com os diferentes interlocutores, alcançava a condição de uma verdadeira
O que é comunicação empresarial? 19

pedagogia para os novos comunicadores do universo organizacional, em que no centro se operariam


radicais mudanças a partir dos meados dos anos 1950.
Muito antes disso, porém, o consagrado patrono das relações públicas no Brasil, Eduardo
Pinheiro Lobo, em 1914, já oferecia sua contribuição como o responsável pela atividade na Light
& Power Co. Ltda., a famosa Light, a empresa canadense que durante décadas iluminou o estado
de São Paulo. Fundada em Toronto, em 7 de abril de 1899, empresa ganhou concessão no Brasil,
durante o governo Campos Salles, em 17 de julho do mesmo ano. A trajetória do engenheiro ala-
goano é relatada por Tubosaka (2007), em importante livro para se entender os inícios da profissão
de relações públicas no Brasil. Tubosaka faz um paralelo entre as atribuições de Lobo, o contexto
histórico, e as atividades de Ivy Lee nos EUA, cujo modelo fora assimilado pelo primeiro.
Com o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, assume o poder o mineiro Juscelino Kubitschek
com um “Plano de Metas” audacioso, sintetizado no famoso slogan “50 anos em 5”. O presidente
“bossa nova”, denominação que lhe caía bem no clima arejado e promissor do período, tomou pos-
se em 1956 e atraiu para o Brasil uma série de empresas estrangeiras, com destaque para as automo-
bilísticas: Fábrica Nacional de Motores, Ford, General Motors, International Harvester Máquinas,
Mercedez-Benz, Scania Vabis, Toyota, Simca, Vemag, Volkswagen (no país desde 1953, construiu
a fábrica de São Bernardo, SP, em 1956) e a Willys Overland, impulsionadas pelas diretrizes do
recém-criado Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA). Como notam Caputo e Melo
(2008, p. 17):
O setor de fabricação de veículos foi essencial para o processo de desenvolvi-
mento do país. Essa indústria “liderou” o investimento direto em outras indús-
trias, como a de borracha, de material plástico, de vidros, de material elétrico
e de autopeças. Sua importância foi muito além da sua própria produção e
expansão. Tornou-se símbolo do governo de Juscelino Kubitschek e represen-
tou a modernidade e o desenvolvimento dos chamados “anos dourados”.

Vale a pena oferecer uma visão do montante de investimentos estrangeiros por setor – entre
1956 e 1960 – bem como a origem desse capital, pois assim ficará evidente a contribuição e o po-
der de uma cultura organizacional, moldada por padrões internacionais, para o estabelecimento,
aos poucos, dos critérios da comunicação empresarial entre nós.
Tabela 1 – Investimento direto estrangeiro entre 1956-1960

Valor em
Setor de atividade (%) do total
US$ milhão

Fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias 178,4 44,05

Fabricação de produtos químicos 50,0 12,35

Fabricação de máquinas e equipamentos 37,8 9,34

Fabricação de artigos de borracha e de material plástico 24,2 5,99

Fabricação de produtos têxteis 18,8 4,64

Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos 15,5 3,83

Metalurgia básica 14,3 3,53

(Continua)
20 Comunicação Empresarial

Valor em
Setor de atividade (%) do total
US$ milhão

Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 12,1 2,98

Fabricação de celulose, papel e produtos de papel 10,7 2,64

Fabricação de outros equipamentos de transporte 10,6 2,61

Extração de minerais metálicos 7,3 1,81

Fabricação de produtos de minerais não metálicos 6,6 1,63

Fabricação de produtos de metal – exceto máquinas e equipamentos 6,0 1,48

Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e equipamentos de


5,9 1,46
comunicações

Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática 2,1 0,51

Fabricação de móveis e indústrias diversas 1,1 0,28

Edição, impressão e reprodução de gravações 0,9 0,22

Fabricação de equipamentos de instrumentação médico-hospitalares,


instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação in- 0,5 0,12
dustrial, cronômetros e relógios

Fabricação de produtos e fumo 0,5 0,12

Correio e telecomunicações 0,4 0,10

Fabricação de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nu-


0,3 0,08
cleares e produção de álcool

Fabricação de produtos de madeira 0,3 0,007

Não identificado 0,2 0,05

Extração de mineras não metálicos 0,2 0,04

Atividades de informática e serviços relacionados 0,0 0,02

Transporte terrestre 0,0 0,01

Agricultura, pecuária e serviços relacionados 0,0 0,01

Serviços prestados principalmente às empresas 0,0 0,01

Extração de carvão mineral 0,0 0,00

Total 404,9 100,00

Fonte: Caputo; Melo, 2008, p. 10.

Tabela 2 – Países investidores entre 1956-1960

Valor em
Países investidores (%) do total
US$ Milhão
EUA 191,4 47,27

Alemanha 75,3 18,60

Suíça 29,8 7,36

Inglaterra 15,4 3,80

Japão 15,4 3,80

França 13,6 3,36

(Continua)
O que é comunicação empresarial? 21

Valor em
Países investidores (%) do total
US$ Milhão
Suécia 9,2 2,27

Bélgica 7,2 1,78

França, Bélgica, Suíça e EUA 6,8 1,68

Itália 5,9 1,46

Panamá 5,9 1,46

França e EUA 5,3 1,31

Canadá 4,7 1,16

Holanda 4,0 0,99

Alemanha e Itália 2,6 0,64

Cuba 2,1 2.54

Total 404,9 100,00

Fonte: Caputo; Melo, 2008, p. 11.

A presença do capital estadunidense foi decisiva naqueles anos, como se pode observar
na Tabela 2 passando a crescer gradativamente nos anos 1930, em substituição ao capital inglês.
Essa tabela demonstra a diversidade de países que aportaram capital no Brasil, o que natural-
mente implicava trazer para cá representantes de suas matrizes com modelos de gestão, às vezes
sedimentados ao longo de muitas décadas, desde o século XIX. Do ponto de vista das atividades
das relações públicas, já se percebe que o modelo e o tônus dominante são aqueles determinados
pela tradição nos Estados Unidos, mas certamente cada cultura terá introduzido, no diálogo com
o público, algo particular, o que poderemos chamar de idiossincrasia.
Já em 1955 (SCROFERNEKER, 2008, p. 62), como que se adiantando às mudanças in-
troduzidas pelo novo governo, a Escola Superior de Administração e Negócios, da Fundação
de Ciências Aplicadas de São Paulo, introduziu no currículo a disciplina de relações públicas.
Em 1958, é a vez do Rio de Janeiro dar sua contribuição, realizando o I Seminário da área. Antes,
em 1956, o governador de São Paulo, Jânio Quadros, promove um seminário para os redatores do
estado, cujo objetivo enfatizava a preocupação com a gestão da informação e o modo como ela
poderia afetar a imagem do governo.
A década de 1960, no Brasil e no mundo, mostrou-se vertiginosa tanto na produção de
acontecimentos, que colocavam no centro das atenções o tema da liberdade e da democracia,
quanto na capacidade de promover debates acirrados sobre o papel dos meios de comunicação.
São fatos dessa natureza: a inauguração de Brasília, no final da década de 1950; a corrida espacial,
entre Estados Unidos e Rússia, iniciada em 1957, e disputada palmo a palmo durante toda a dé-
cada, até 1975; a construção do Muro de Berlim, em agosto de 1961; a crise dos mísseis em Cuba,
em outubro de 1962, tensionando ainda mais a Guerra Fria; o golpe de Estado brasileiro, em 1964;
a Guerra do Vietnã a partir de 1965; o Maio de 1968, movimento iniciado com greves estudantis
em universidades e fortalecido de forma decisiva por greves de trabalhadores; os tanques russos na
invasão a Praga, capital da atual República Tcheca, em agosto, e o Ato Institucional n. 5, decretado
pelo presidente Costa e Silva em dezembro do mesmo ano.
22 Comunicação Empresarial

A partir da segunda metade da década de 1960, inicia-se uma disputa, que duraria cerca
de 20 anos, entre jornalistas e relações-públicas pelo mercado de trabalho. Ao contrário da visão
integrada entre as funções, posta em prática pela comunicação empresarial, profissionais das
duas áreas candidatavam-se aos mesmos cargos nas empresas; especialmente os jornalistas acor-
riam aos postos de assessoria de imprensa ou criavam as suas próprias, como serviço autônomo.
No entanto, a profissão de relações-públicas, no sentido próprio da palavra, fora incorporada
anos antes, em 1960, quando o publicitário José Rolim Valença e o administrador de empresas
José Carlos Fonseca Ferreira fundaram a AAB – Assessoria Administrativa do Brasil, agência de
relações públicas que duas décadas depois foi adquirida pelo Grupo Ogilvy & Mather. Coube a
Rolim Valença iniciar a visita a jornais para solicitar a publicação de informes sobre seus clientes.
Considerando-se o cenário econômico cada vez mais complexo a partir do aporte de capital
estrangeiro, desenha-se uma política de gestão pública muito afinada com certos preceitos socio-
técnicos, principalmente a partir da segunda metade da década de 1960 e ainda mais ao longo
dos anos 1970. O efeito imediato é que as empresas necessitavam de mão de obra especializada,
inclusive na área de comunicação. A Escola de Comunicações Culturais, depois rebatizada com
o nome de Comunicações e Artes, da USP, em 1967, cria o primeiro curso de relações públicas,
que é resultado desse quadro de mudanças.
Por outro lado, ao longo dos anos 1960-70, o Estado passa a ter peso desproporcional na
economia, sem prejuízo para o poder político, que é exercido com mão de ferro, principalmen-
te depois de 1968, ano do AI-5. Há como que um estreitamento do papel do relações-públicas
nas organizações, quase que reduzido à redação de jornais internos, boletins e releases6 e à
organização de eventos. Com a censura prévia de jornais da grande imprensa e uma vigilância
permanente sobre os demais meios de comunicação, as empresas nacionais e estrangeiras não
tinham o que dizer, ou melhor, não se sentiam na obrigação de fazê-lo, acompanhando o clima
antidemocrático reinante. Não nos esqueçamos de que um instrumento como o “Código de
Defesa do Consumidor”, ou algo que de longe se assemelhasse, não era sequer uma miragem na
relação entre empresa e cliente, só para dar uma noção da distância entre as duas partes.
Em 8 de outubro de 1967, é fundada a Associação Brasileira dos Editores de Revistas e
Jornais de Empresas com o objetivo de reunir profissionais do setor de comunicação e lançar uma
pauta de discussão, cuja natureza vamos conhecer abaixo.
Como síntese da natureza e escopo das relações públicas, em comparação ao da comunicação
empresarial (reivindicando para esta a mesma abrangência da comunicação organizacional, segundo
os seus teóricos), nota-se primeiramente que ambas as áreas se inserem no âmbito das ciências da co-
municação e das ciências sociais. As duas acumularam extenso conhecimento, com teoria específica
divulgada em literatura que a cada ano se avoluma. Da mesma forma, tanto uma como a outra são
objeto de cursos abertos, de pós-graduação, seminários e demais eventos.
A matriz epistemológica das duas tem no pensamento comunicacional estadunidense sua
principal referência. A comunicação empresarial possui maior abrangência do que as relações

6 Texto jornalístico, de caráter noticioso, distribuído por jornalistas e assessorias de imprensa para a mídia impressa.
O que é comunicação empresarial? 23

públicas que pode ser considerada como parte integrante do subsistema institucional das organi-
zações, conforme destaca Kunsch (2003), citada no início. Os relacionamentos públicos figuram-
-se como o seu campo de atuação, tanto no setor privado, quanto no dos órgãos governamentais,
como ainda nos segmentos da sociedade civil organizada (fundações, ONG, Oscip etc.). As ativi-
dades das relações públicas, embora extensivas e complexas, não mantêm interação imediata com
a comunicação de marketing, por exemplo, tampouco com a comunicação interna, ainda que esta
última possa ter como matéria os resultados obtidos pelos profissionais do setor.
As relações públicas são atuantes no planejamento e na gestão da comunicação nas e das
organizações. Conferem grande importância à análise do comportamento institucional (“como
uma empresa se comporta durante uma crise em relação a determinados públicos?”, por exemplo),
razão pela qual lançam mão de pesquisas de opinião pública e auditorias de imagem e reputação.
A comunicação empresarial integra, como se viu, as diferentes áreas comunicacionais,
mas isso nunca como um trabalho de “simples soma” das atividades de cada uma. É preciso não
apenas entendê-la em sua amplitude, mas sobretudo em sua complexidade, tema permanente ao
longo de nossas reflexões.

1.1.5 Aberje
A trajetória da Aberje, que em 1987 passa a ser denominada de Associação Brasileira de
Comunicação Empresarial – mantendo a antiga sigla como memória do ato inaugural – traduz-se
no esforço, com variados graus de dificuldade, de empreender ações de informação, comunicação
e relacionamento entre empresas, instituições, gestores e pesquisadores que exercem atividades
ligadas à comunicação empresarial e organizacional. Deve-se à associação, a harmonização, pelo
menos em parte, dos interesses entre jornalistas e relações-públicas – aqueles sempre acusados de
invadir o mercado destes.
Atualmente, a Aberje lança mão de uma série de instrumentos (revista, seminários, publica-
ções etc.) para a divulgação de suas atividades e do empenho da entidade em valorizar a interface
com a administração das empresas. Um informe publicado no site da entidade destaca que
A história desse campo das Ciências Sociais Aplicadas evoluiu da atividade de
difusão de informações para os trabalhadores industriais dos anos 1960 para um
campo teórico e profissional abrangente que tem na atualidade interfaces im-
portantes em Administração, Antropologia, Ciências Sociais, Direito, Psicologia,
Tecnologia da Informação e História, entre outras áreas. (ABERJE, 2009)

O reconhecimento pura e simplesmente dos feitos de uma entidade de classe implicaria um


erro de análise de ordem ideológica, como se esse percurso não estivesse sujeito a recuos, contra-
dições, tensões internas e a outros fatores que colocam em xeque uma visão ingênua de progresso.
Contudo, não há dúvida de que a associação contribuiu e contribui para o aperfeiçoamento das orga-
nizações, agora com elementos legados pelo gradativo empoderamento da sociedade civil. A gestão
da responsabilidade social e de mecanismos de sustentabilidade e o diálogo com o terceiro setor não
são apenas atribuições dos profissionais de comunicação, mas um fator do redimensionamento da
atividade em bases significativamente mais dinâmicas.
24 Comunicação Empresarial

Os eventuais desvios de conduta de profissionais de comunicação na sua relação com os


meios – sobretudo na troca de favores, quase uma regra do mercado – foram abertamente critica-
dos pela entidade, embora o controle das relações entre os meios não seja atribuição sua.

1.1.6 Abrapcorp
A Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações
Públicas (Abrapcorp) foi fundada em 13 de maio de 2006, com o objetivo geral de estimular o
fomento, a realização e a divulgação de estudos avançados dessas áreas no campo das Ciências
da Comunicação.
Os Grupos de Trabalhos Temáticos (GTs) Abrapcorp constituem uma das suas principais
frentes de atuação. A entidade oferece, também, cursos e apoia eventos técnicos e científicos
de comunicação.
Anualmente, a Abrapcorp7 organiza um congresso em nível nacional, para debater as princi-
pais tendências e temas contemporâneos de comunicação organizacional e relações públicas.
A Abrapcorp funciona na Escola de Comunicações e Artes – USP e se propõe a responder a
uma necessidade da área das ciências de comunicação, congregando pesquisadores, profissionais
e estudantes para a discussão de questões para o desenvolvimento e consolidação dos campos de
comunicação organizacional e relações públicas. Desde a fundação, vem publicando os anais dos
congressos entre outros títulos de interesse, todos disponíveis para download 8.

1.1.7 Comunicação empresarial e a teoria das organizações


Organizações são entidades sociais orientadas para o alcance de metas de acordo com sis-
temas de atividades deliberadamente estruturados e coordenados que, por sua vez, interligam-se
ao ambiente externo. Quando ouvimos ou lemos a palavra organização, tendemos a associá-la a
edifícios, construções ou a um conjunto de políticas ou procedimentos. No entanto, o essencial de
uma organização são as pessoas e o modo como ocorre o seu inter-relacionamento, pois é este que,
em um nível avançado, poderá garantir o cumprimento da missão organizacional.
Atualmente, a prática tem demonstrado que os gestores de empresas bem-sucedidas lançam
mão de estratégias de horizontalização das atividades, embora os departamentos sejam estrutura-
dos separadamente. Isso permite maior mobilidade entre indivíduos e grupos e a identificação de
lideranças com maior grau de precisão, sociabilizando conhecimentos e exigindo a capacidade de
escuta dos gestores e a sua disposição para resolução de problemas em conjunto. Como indicativo
dos ganhos da empresa, tem-se uma flexibilidade e um dinamismo que, via de regra, mostram-se
estratégicos na resposta aos variados estímulos do ambiente externo. Não esquecendo de se res-
saltar, porém, que esse é um desenho, no Brasil, mais ou menos idealizado de organização, não
necessariamente assimilável em sua inteireza ou mesmo raro em certas localidades; considere-
-se, no contexto, a distribuição das organizações no amplo território brasileiro, onde cada estado

7 Disponível em: <www.abrapcorp.org.br>. Acesso em: 26 abr. 2018.


8 Disponível em: <http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/series/abrapcorp/>. Acesso em: 26 abr. 2018.
O que é comunicação empresarial? 25

apresenta especificidades marcantes na mão de obra, entre as quais a educação formal dos gestores,
o acesso à bibliografia especializada, a eventos da área administrativa, à educação corporativa etc.
A história das empresas demonstra a adoção de modelos de administração que costumam
ser divididos em escolas. Já de início é preciso frisar que esses modelos sem dúvida revelam a visão
de mundo de seus criadores: não são construções neutras, portanto, e todas estão comprometidas
com eficiência, aumento e manutenção dos níveis de produção. O que se busca, nas linhas abaixo,
é fazer uma ponte entre a uma subárea da comunicação empresarial, designadas como comuni-
cação administrativa e comunicação interna — em que o papel das comunicações verbais e orais,
as ferramentas de comunicação interna e o controle dos fluxos comunicacionais ocupam lugar de
destaque — e contextualizá-las com algumas teorias da organização. Dada a abordagem didática,
partimos de um texto de Angeloni e Fernandes (1999, p. 84-94) que tem o mérito de identificar o
fator comunicacional em sua relação com as características de cada modelo.
O primeiro desses modelos é o da Escola Racionalista Clássica, no interior da qual se loca-
liza a Administração Científica, de Taylor, citado anteriormente, cujo paradigma concentrava-se
no controle absoluto e quantitativamente medido de todos os processos. Fayol9 integra também
essa corrente de natureza mecanicista em que o indivíduo tende a se atomizar em sua passividade,
entre outros motivos porque a comunicação é formal e descendente, baseando-se na transmissão
de informação. Fayol, por exemplo, propôs 14 princípios de administração, entre os quais o que
estabelece que “cada subordinado recebe ordens de um único superior” (unidade de mando).

A Escola Racionalista

• Valoriza a informação e não a comunicação.


• Estabelece a comunicação formal e descendente.
• A informação deve seguir os canais definidos e os circuitos estabele-
cidos pela direção.
• A noção de comunicação é secundária.
• Mudanças são ocasionadas por direções e não por meio de
funcionários.
• O conflito é considerado erro da administração.

A teoria burocrática de Max Weber (1864-1920), pertencente à vertente clássica da


administração, ganhou enorme notoriedade apenas a partir dos anos 40, quando o teórico já havia
morrido. Os postulados de Weber fundamentam-se no conceito de autoridade, categoria central do
seu pensamento, cujo enraizamento na organização burocrática relaciona-se à noção de liderança,
controle e eficiência a partir do cumprimento rigoroso de regras.

9 Jules Henri Fayol (1841-1925) é mundialmente conhecido por ser o fundador da teoria clássica da administração.
É dele a divisão das funções da administração: planejar, organizar, liderar, controlar e coordenar.
26 Comunicação Empresarial

Não se deve confundir o conceito de Burocracia de Weber com a deformação de seus propó-
sitos, representada pelo acúmulo de documentos por parte dos setores da empresa, enrijecimento
radical e desnecessário das práticas de controle administrativo e consequente perda de dinamismo
nos processos organizacionais.
Dentre os três tipos de autoridade — tradicional, carismática e racional-legal — Weber elege
o último como ideal para a organização, não necessariamente comercial. A autoridade racional-legal
é aquela exercida pela aplicação de regras e normas estabelecidas por um regulamento.
Como a teoria burocrática deverá ser retomada na discussão do conceito de ideologia mais
à frente, vale destacar os seus principais aspectos:
Formalização: regras definidas de administração, as quais devem ser cumpridas por todos
os membros da organização. Regras formalizadas por escrito.
Divisão do trabalho: definição de funções, alcançando elevado grau de especificidade das
tarefas de cada colaborador.
Hierarquia: gestão em pirâmide. A hierarquia estabelece chefias para cada setor da organização.
Localidade: cumprimento de tarefas de acordo com um sistema formalizado, contrário à
marca pessoal atribuída pelo funcionário. O que contam são as regras e protocolos inerentes à fun-
ção e ao cargo.
A segunda Escola é a Psicológica, ou das Relações Humanas, representada por Mayo10,
Likert11, McGregor12 e Leavitt13. Valoriza o ser humano, cobrando sensibilidade das chefias ao lida-
rem com os subordinados, o que por sua vez deveria aumentar o grau de comunicação. Os críticos
dessa corrente, no entanto, observaram que, a rigor, os empregados continuavam sob o controle
absoluto das chefias, embora esse fator fosse amenizado pela natureza paternalista das relações.
Deve-se a essa corrente o mérito de ter dado início ao reconhecimento do papel da comunicação
na empresa.

A Escola Psicológica

• Propõe uma nova perspectiva da comunicação organizacional.


• Considera a dimensão humana na comunicação.
• Valoriza os sentimentos na inter-relação.

10 George Elton Mayo (1880-1949) é o fundador da Escola das Relações Humanas e autor da tese segundo a qual o
nível de produção é resultante da integração social. Todas os demais princípios reforçam o lugar do indivíduo no grupo no
interior do ambiente de trabalho.
11 Rensis Likert (1903-1981) foi professor de Sociologia e Psicologia e diretor do Instituto de Pesquisas Sociais de Mi-
chigan. Dedicou toda a sua vida de pesquisador, ao longo de mais de 40 anos, para o desenvolvimento de estudos sobre
estilos de liderança e gerência.
12 Douglas McGregor (1906-1964) – psicólogo social, de grande influência na Escola de Relações Humanas, autor
das teorias de motivação X e Y. Para ele, a administração é um processo de criação de oportunidades, de realização
de potenciais e, portanto, de emancipação individual.
13 Harold J. Livitt (1922-1993) – sua contribuição ao estudo do comportamento nas organizações é uma das mais im-
portantes da área.
O que é comunicação empresarial? 27

• Julga facilitar as comunicações com esse procedimento.


• Reconhece a comunicação informal como estimulador da cooperação.
• A comunicação não é só funcional, mas relacional.

A próxima Escola é a Sociológica, de Frjedberg. Segundo essa vertente, a organização é per-


cebida como um fator determinante no comportamento dos indivíduos, uma vez que sua estrutura
hierárquica, o modo pelo qual entende a divisão do trabalho, determina exatamente a autoridade e
o sistema de relações, estabelecendo o trajeto, o tipo e a natureza da comunicação.
Frjedberg14, Trist15 e Crozier16, entre outros, no entanto, criticam o excesso de formalismo
nas organizações, defendendo a descentralização e argumen- tando em favor da sinergia. Em con-
sequência, a organização passaria a ser um sistema aberto, mais flexível e atento à necessidade de
diálogo entre os colaboradores.

A Escola Sociológica

• Valoriza um sistema de comunicação baseado em relações de inde-


pendência entre os vários atores.
• Reconhece que a flexibilidade na forma da organização favorece con-
tatos mais pessoais.
• Defende a comunicação multidirecional.
• Valoriza a expressão, o ponto de vista dos atores.
• Denuncia a burocracia não comunicante.
• Primeiros a descrever a organização comunicante.

Na corrente seguinte, a Gerencial, os seus principais representantes, Simon17 e Drucker18


ratificam certos preceitos da Escola Sociológica, como o da participação, que valoriza a personali-
dade de cada colaborador, mas enfatizam a busca de uma “solução satisfatória”, como preconizava
Frjedberg, de acordo com os recursos disponíveis no meio.

13 Ehrard Frjedberg (1942-) sociólogo francês de origem austríaca. É uma das mais importantes referências no estudo
das relações de poder na empresa. Autor de O Poder e a Regra (1995), tradução portuguesa publicada pelo Instituto Piaget.
14 Eric Trist (1911-1993) foi um dos precursores na compreensão sistêmica das organizações e da qualidade de vida
no trabalho. Com Frederic Emery (1925-1997), protagonizou uma corrente que se batizaria de “sociotécnica”. As primei-
ras experiências fabris de aplicação dos conceitos ocorreriam nos Estados Unidos, quase em segredo, no final dos anos
1960 e nos anos 1970. A Procter & Gamble foi o primeiro piloto de “fábrica sociotécnica”.
16 Michel Crozier (1922- ) é um dos principais teóricos da análise estratégica na sociologia das organizações.
17 Herbert Alexander Simon (1916-2001) economista de formação, atuou nas áreas de Psicologia Cognitiva, Informá-
tica, Administração Pública, Sociologia e Filosofia. Ganhou o prêmio Nobel, em 1978, por suas pesquisas sobre tomada
de decisões em organizações econômicas.
18 Peter Ferdinand Drucker (1909-2005) – filósofo e economista de origem austríaca, é considerado por unanimidade o pai
da Gestão moderna.
28 Comunicação Empresarial

No anseio de coordenação em todos os níveis, a Escola Gerencial naturalmente reconhece


o papel importante da comunicação. Ao optar pela administração global, a organização deve reco-
nhecer em seu horizonte a eventualidade de absorver estruturas novas, pois o administrador tende
a decidir em condições de incerteza.

A Escola Gerencial

• A comunicação é importante, pois opta-se pela coordenação em to-


dos os níveis, base da administração global.
• Reconhecimento de novas variáveis, entre elas o dinamismo
da comunicação.

A Administração Pós-Industrial, segundo a concepção de Ouchi19, Peters20, entre outros,


é a vertente que reconhece na comunicação papel estratégico, transformando o gestor em um
facilitador ou animador. Da interação constante e positiva entre os atores dependem fatores tão
determinantes como a disposição para a pesquisa e para a mudança.

A Escola Pós-Industrial

• A comunicação torna-se fundamental; está no centro dos processos.


• A estrutura organizacional transforma-se em rede de comunicação.
• Comunicação e cultura organizacional estão intimamente ligadas.
• O sistema comunicacional é diversificado e informal.

Por último, a corrente Contemporânea, cujos representantes mais importantes são


Davenport21, Prusak22 e Nonaka23. Eis o desenho organizacional mais discutido e experimentado
hoje pelas modernas organizações.

19 William Ouchi (1943-) – autor da teoria Z, uma espécie de continuação e aperfeiçoamento da teoria X e Y de Mc-
Gregor, enfatiza que o sucesso das administrações está ligado à motivação humana e não simplesmente à tecnologia
dos processos produtivos. As máquinas são ferramentas sofisticadas a serviço do homem, precisando sempre de
aperfeiçoamentos do próprio homem.
20 Thomas J. Peters (1942-) é talvez o nome mais importante da atual teoria da gestão. Sua reflexão sobre motivação
na empresa mantém estreita relação com a necessidade de inovação. Esse processo, por sua vez, oferece ao teórico
a oportunidade de defender o que se pode chamar de “ensaio-erro”, ou seja, a permanente disposição para a busca de
excelência na empresa por meio da experimentação dos quase inevitáveis erros do caminho.
21 Thomas H. Davenport (1964-) – principal teórico da gestão baseada em Tecnologia da Informação. Defende que a
análise de dados deve ganhar importância estratégica.
22 Laurence Prusak (1952-) destaca-se por suas reflexões no campo da gestão do conhecimento. É um dos mais
influentes consultores e suas posições sobre a transformação do Conhecimento em ativo da empresa inspiraram-lhe a
publicação de livros que se tornaram referência obrigatória na área.
23 Ikujiro Nonaka (1935-) alinhado entre os mais importantes teóricos da Gestão de Conhecimento na empresa, é autor de
vários livros na área. Como seus pares, sua reflexão considera a empresa como uma comunidade aprendente e envolvida
diante dos desafios da complexidade.
O que é comunicação empresarial? 29

Valoriza-se a troca de conhecimento, e não apenas a troca de informação. São organizações


aprendizes, sensíveis à autonomia dos atores, mas também à construção do saber em coletividade.
Essas entidades veem no conhecimento o mais importante ativo, capaz de proporcionar vanta-
gem competitiva; por sua vez, esse processo prevê o compartilhamento dos saberes, tornando o
conhecimento tácito em explícito, e o explícito em bem comum, não apenas no contexto interno
da empresa, mas eventualmente com parte de seus públicos, como os fornecedores. Investe-se em
tecnologia, em ambientes virtuais, onde o acesso a uma universidade corporativa, por exemplo,
não é somente franqueado a todos, mas insistentemente estimulado.

Escola Contemporânea

• A comunicação transforma-se em conhecimento e propicia partilha.


• Conhecimento produzido também no ciberespaço.
• As tecnologias facilitam e disseminam a comunicação interna e
externamente.

1.2 Uma reflexão sobre o discurso das organizações


e o lugar do indivíduo
Este tópico tem a função de provocar o debate diante de grande parte do exposto até aqui.
No momento em que se festeja a sociedade do conhecimento, em que a intervenção das mídias
digitais é indiscutível no âmbito da vida social como um todo e no meio corporativo em particular,
não nos deixemos de forma acrítica envolver pelo tom excessivo de certas manifestações.
A tirar pelo discurso eufórico de grande parte dos teóricos das organizações, seríamos le-
vados a supor que essas construções experimentam um processo contínuo de aperfeiçoamento,
cujo mecanismo de superação se dá na forma do avanço conceitual e prático, sem desvãos, de uma
Escola de Administração em relação a outra. Um raciocínio preso a uma imagem demasiadamente
guiada pela linearidade talvez visualizasse o progresso, nesse campo, como uma linha ascensional,
rumo a um céu estrelado, no qual o brilho dos astros confunde-se com o sucesso das empresas.
É verdade que muita coisa mudou de Taylor para cá; as organizações estão mais arejadas,
críticas e até mesmo céticas – o que é muito bom, diga-se de passagem – diante dos modismos do
mundo organizacional, assimilados improvisadamente por gestores que sacrificam cargos, salários
e pessoas, estimulam terceirizações e quarteirizações injustificáveis e ainda, da forma mais opor-
tunista possível, empunham a bandeira da responsabilidade social e dos princípios da sustentabi-
lidade. Por outro lado, embora as instituições sindicais estejam enfraquecidas no mundo todo, o
poder de reação dos trabalhadores em vários momentos vira o jogo em favor do bom senso e da
valorização do trabalho.
Os infortúnios causados pelo neoliberalismo, ou por sua deformação, ganharam contornos
de uma crise mundial – desfechada em fins de 2007 – que em vários momentos lembrou a de 1929.
30 Comunicação Empresarial

As lições que podemos retirar desse duro aprendizado recaem na necessidade de pensar no papel
das grandes organizações, os seus procedimentos e deveres na comunidade e o discurso, às vezes
ambíguo, diante de seus públicos.
Dado o gigantismo de certas organizações, corremos o risco de abstrair as pessoas atrás dos
cargos e finalmente divisar aquelas estruturas como autônomas, agindo “por si mesmas”, indepen-
dentemente da vontade, muitas vezes pessoal e idiossincrática, de seus gestores.
Não são poucos os pensadores que deploram o fato de termos alcançado um nível eleva-
do de conhecimento científico e tecnológico e, em contraste, mínimo de autoconhecimento e de
refinamento ético. É preciso frisar isso, pois sempre corremos o risco de sermos engolidos pela
linguagem técnica e tecnocrática das burocracias. Weber, citado entre os pensadores da corrente
clássica, viu na burocracia a expressão de uma racionalidade capaz de garantir eficiência com base
na capacidade de instituir elevado grau de organização no interior das empresas. Não poderia
prever ele que, ao longo do século passado, a organização incorporasse um repertório de temas,
de procedimentos, de termos técnicos e de teorias, capaz de aprofundar a divisão do trabalho como
efeito de uma visão tecnicista e tecnocrática, de alta voltagem ideológica, entendida esta como um
discurso que dissimula o real — o que não se pode confundir com uma “mentira” pura e simples-
mente — conforme vamos ver a seguir.
Em 1977, a filósofa Marilena Chaui participou da reunião anual da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência – SBPC – na qual, no simpósio “Ideologia e linguagem”, apresentou o texto
intitulado “O discurso competente”, aqui em parte parafraseado. Nele, Chaui tenta demonstrar que
no capitalismo contemporâneo a dominação e a exploração sobrepõem à divisão de classes uma
segunda divisão social que é aquela entre os que sabem, e por isso dirigem, e os que não sabem, e,
consequentemente, executam.
Tal divisão, entre dirigentes e executantes, cristaliza-se, por sua vez, como uma divisão entre
“competentes” e “incompetentes” em uma sociedade alicerçada sobre o princípio da organização
e da burocracia. Essa última é um processo que impõe ao trabalho, independentemente do nível
– direção, gerência e execução de um modo geral –, uma dinâmica tal que tudo em sua órbita (salá-
rios, cargos, regime de promoções, divisão de responsabilidades, estabilidade geral no emprego etc.)
gira conforme um princípio de status socioeconômico. Os efeitos desse processo não se limitam
ao ambiente empresarial, já que podemos observá-los em outros setores da sociedade civil, como
nas burocracias escolares, hospitalares, de saúde pública, partidárias, entre outras. Como essas bu-
rocracias envolvem toda a sociedade civil, é por esse motivo, portanto, que podemos dizer que o
próprio Estado, como organismo político e administrativo com um governo e um espaço territorial
próprios, também se sujeita ao processo de burocratização.
O processo de burocratização, como vimos, opera no interior da organização, ou seja,
dentro das instituições (sendo o Estado a maior delas) que passam a ser o lugar mesmo de uma
racionalidade imanente, como se fosse natural, desde sempre, a esse objeto. Para se compreender
a natureza da racionalidade a que nos referimos, é preciso vê-la em uma perspectiva histórica.
Assim, quando a burguesia passa a ser a classe dominante, ela constrói um tipo de conhecimen-
to que não depende mais da imagem de um Deus como poder uno e transcendente, pois essa
O que é comunicação empresarial? 31

condição é incorporada pelo Estado, que agora exerce o poder sobre uma sociedade baseada na
divisão de classes. No entanto, e eis uma das peculiaridades dessa transformação, não ocorre, con-
comitantemente, a passagem de uma política teológica a uma política racional ateológica ou ateia,
mas apenas uma transferência das qualidades que eram atribuídas à Divina
Providência à imagem moderna da racionalidade. A nova ratio [razão] é teológi-
ca na medida em que conserva tanto em política quanto em ideologia dois traços
fundamentais do poder teológico: de um lado, a admissão da transcendência
do poder face àquilo sobre o que este se exerce (Deus face ao mundo criado,
o Estado face à sociedade, a objetividade das ideias face àquilo que é conhecido);
por outro lado, a admissão de que somente um poder separado e externo tem
força para unificar aquilo sobre o que se exerce – Deus unifica o mundo criado,
o Estado unifica a sociedade, a objetividade unifica o mundo inteligível [o mun-
do “visível”, tal como se oferece a nós]. (CHAUI, 2006, p. 6)

O Estado sob o olho racional da organização e da burocracia incorpora e consome as novas


ideias que, por assim dizer, não o põem em perigo. Desse modo, o saber, visto como um trabalho de
elevação à dimensão do conceito uma situação de “não saber” (por exemplo: Galileu Galilei, a partir
das descobertas de Copérnico, coloca em xeque os pressupostos sobre o lugar da Terra no mapa ce-
leste) é aceitável e passível de incorporação quando
já foram acionados dispositivos econômicos [transformações no processo de
produção], sociais [a legitimação de uma nova classe social no poder] e políticos
[o modo de interação da classe dominante com o poder] que permitam acolher
o saber novo não porque seja inovador, nem porque seja verdadeiro, mas por-
que perdeu a força instituinte [de revolução], já se transformou de saber sobre
a natureza em conhecimentos físicos, já foi neutralizado, e pode servir para
justificar a suposta neutralidade racional de uma certa forma de dominação.
(CHAUI, 2006, p. 6)

É nesse contexto que surge o discurso competente, o discurso instituído, o discurso da orga-
nização, burocratizado e, como tal, hierarquizado; nele a linguagem sofre uma restrição, resumida
por Chaui nos seguintes termos:
não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer
lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois,
com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada, isto é, com um dis-
curso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o
direito de falar e ouvir, no qual as circunstâncias já foram predeterminadas para
que seja permitido falar e ouvir [na hora “certa”, poderíamos dizer] e, enfim, no
qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones [os modelos,
os limites] da esfera de sua própria competência. (CHAUI, 2006, p. 7)
Como não devemos perder de mira os conceitos de burocratização e organização, afinal os
processos que instituem o discurso competente como código, devemos atentar para o que Chaui
(2006, p. 9) chama de determinações tanto de uma quanto de outra: hierarquia; status dos cargos,
de tal modo que parece que o cargo possui uma autonomia em relação ao indivíduo que o ocupa,
daí serem atribuídas ao primeiro, e não ao segundo, qualidades determinadas; identificação entre
os membros de uma burocracia com a função que exercem e o cargo que ocupam, fato realçado por
um cerimonial que, por sua vez, fixa os papéis de superiores e subalternos uma direção que não se
coloca acima da burocracia ou da organização,
32 Comunicação Empresarial

mas também faz parte dela sob a forma de administração, isto é, a dominação
tende a permanecer oculta e dissimulada graças à crença em uma ratio admi-
nistrativa ou administradora tal que dirigentes e dirigidos pareçam ser coman-
dados apenas pelos imperativos racionais do movimento interno à organização.
(CHAUI, 2006, p. 9)

É por isso que somos levados a crer que ninguém exerce o poder, o poder existe por ele
mesmo, como uma lei que convive em harmonia com a racionalidade do mundo organizado ou,
se preferirmos, com a competência dos cargos e funções que, por acaso, estão ocupados por ho-
mens determinados, e daí a continuidade do poder como neutralidade.
Nesse contexto, distinguem-se três registros de discurso competente: o discurso competen-
te do administrador-burocrata, do administrado-burocrata e o genérico de executantes do nível
mais inferior da escala hierárquica, homens reduzidos à condição de “objetos socioeconômicos e
sociopolíticos, na medida em que aquilo que são, aquilo que dizem ou fazem, não depende de sua
iniciativa como sujeitos, mas do conhecimento que a organização julga possuir a respeito deles”
(CHAUI, 2006, p. 10).
Esse contingente anônimo, pode-se concluir, é indispensável para a manutenção do poder.
Pensemos de passagem, tema não desenvolvido por Chaui, no período das eleições para os cargos
do executivo. É um momento no qual candidatos incorporam aos seus discursos de campanha
significados que atendem de forma determinada às expectativas da massa e, como tal, anônima.
Assim, há o candidato que se revestirá, por exemplo, com os símbolos do homem da Lei e
imprimirá à sua campanha os significados próprios desse status: segurança, defesa da pena de morte,
instituição da prisão perpétua, intensificação da repressão policial, permissão de porte de arma etc.
Um outro assumirá a faceta idealizada do grande administrador e como tal se louvará de sua compe-
tência como empreendedor, distante do perfil do político tradicional, e assim por diante.
O discurso de campanha, nesses termos, não deve ser confundido com propaganda, no sen-
tido comum de uma ação voltada para a criação e divulgação de uma marca. Se o homem da lei e
o grande administrador se apossam de tais discursos é porque ambos têm consciência da sua posi-
ção em relação ao discurso que adotam, do cargo que ocupam diante da comunidade e da própria
natureza do discurso como uma competência de quem se instalou ou se instalará no cargo. É claro
que poderíamos argumentar que se ocorre o consumo desses fatos é porque eles correspondem a
certas necessidades e esperanças dos indivíduos, além destes acreditarem na seriedade e na autori-
dade de seus candidatos como homens públicos. No entanto, há de se pensar, sobretudo, nos con-
ceitos genéricos e altamente abstratos de segurança e de administração no âmbito das comunidades
em que se reduziu o debate em torno desses temas à reivindicação do fortalecimento do aparelho
policial, em relação ao primeiro, e à aposta nos tocadores de obras, em relação ao segundo. O espe-
cialista em administração e o especialista em segurança nos ensinam como agir diante das urnas.
persona: imagem
O discurso nesse caso é utilizado por uma persona que atua na arena política e, portanto,
com que uma
pessoa se apresenta o cargo que pleiteia não neutraliza e não neutralizará essa persona enquanto ocupante eventual do
em público; máscara
social.
tal cargo. No jogo político, juntamente com a autoridade racional-legal, das categorias de Weber,
impõe-se a autoridade carismática. O que significa que nesse contexto o discurso competente provém
O que é comunicação empresarial? 33

de uma autoridade dotada, vamos dizer, de dupla figuração: seu carisma é uma marca pessoal indis-
sociável e seu conhecimento especializado, um discurso competente, racional e (ideologicamente)
neutro nos termos desenvolvidos acima.
A competência do discurso político é desde sua origem verificada como instrumento para
a gestão do poder e em níveis ainda mais elevados em sociedades com frágil tradição democrática
como o Brasil. Ora ele poderá assimilar o código da cientificidade (estatísticas, estudos; cálculos
econômico-financeiros) ora assumir seu tônus “legislador, ético e pedagógico”, como discurso ins-
tituído, de acordo com as considerações de Chaui mais abaixo.
Como parece ter ficado claro, o discurso competente não dependerá de ideias e de valores
fortemente sedimentados na tradição humanista e assimilados pelo pensamento burguês na sua
forma clássica. Na raiz, o discurso burguês é legislador, ético e pedagógico e isto implica dizer
que previa um centro irradiador, o qual se punha acima dos indivíduos. As ideias então possuíam
transcendência e eram capazes de gerar critérios para distinguir a natureza das coisas: o certo e o
errado; a civilização e a barbárie; o necessário e o eventual; o bem e o mal; o verdadeiro e o falso;
o normal e o patológico: “punha ordem no mundo e ensinava” (CHAUI, 2006, p. 10).
Digamos que em decorrência desse mundo ordenado, as instituições como pátria, família,
empresa, escola, Estado erigiam-se como valores de fato e de direito, daí porque o discurso bur-
guês nomeava os detentores legítimos da autoridade: o pai, o professor, o patrão, o governante, e,
consequentemente, deixava explícita a figura dos subordinados e a legitimidade da subordinação.
Em uma palavra, havia referenciais seguros porque a autoridade era encarnada – tentando sim-
plificar – pela pessoa investida de poder pelas instituições.
Graças à razão administrativa e administradora, característica da organização e da burocra-
tização, a ideologia deixou de ser um discurso legislador, ético e pedagógico fundado na transcen-
dência das ideias e dos valores, para converter-se em discurso anônimo e impessoal, ocultando,
assim, o lugar de onde é pronunciado. Não que tenha deixado de ser legislador, ético e pedagógico,
mas agora o é tendo como referencial a suposta realidade dos fatos racionais e a suposta eficácia
dos meios de ação. Ganhou nova cara: não é identificado mais como um saber instituinte, transfor-
mador, mas como discurso neutro da cientificidade ou do conhecimento instituído, cuja função é
dissimular a existência real da dominação.
Uma analogia entre o processo de construção do discurso instituído (competente) — e o da
geração de uma imagem carregada de significado revolucionário e sua decorrente apropriação pelo
mainstream — serve para demonstrar como um determinado significado instituinte transforma-se
em significado instituído nos termos tratados por Chaui.
A clássica foto (1960) de Che Guevara – Guerrillero Heroico – realizada pelo cubano Alberto
Korda, a par da força no nível da expressão que mantém até hoje, na origem relacionada aos ideais
revolucionários, com o tempo foi assimilada como ícone pela cultura pop e depois até por um
comercial de detergente (1997). No caso do último, sobretudo, isso é possível em um processo de
pasteurização e filtragem daqueles ideais revolucionários, naquele momento e antes já autorizados
(instituídos) pelo sistema no interior do qual a imagem do líder cubano podia livremente circular
em pôsteres e camisetas como um fetiche da rebeldia de um algum lugar no passado...
34 Comunicação Empresarial

A consciência de mecanismos como esse, sob a ação da ideologia, faz ecoar uma frase de um
dos principais filósofos da história, o holandês Baruch Espinosa (1632-1677), tema de tese de livre-
-docência de Chaui, publicada com o título de “A nervura do real: imanência e liberdade em Espinosa”
(1999): “a liberdade consiste em conhecer os cordéis que nos manipulam”. A agudeza do pensamento
parece resistir, mais do que a fotografia do Che, ao peso dos anos.
Diante do exposto, é possível perceber a complexidade do papel da comunicação empre-
sarial. Em um processo de democratização da informação na empresa, e de maior diálogo com
os públicos, do qual participa como agente, e, por outro lado, como beneficiária de um sistema
socioeconômico e político em vias de democratização, a comunicação empresarial pode se relacio-
nar dialeticamente com os fenômenos acima. O caminho exige muito preparo do comunicador e
perspicácia na tentativa de rompimento da opacidade, própria do fenômeno da ideologia, nos ter-
mos acima. Cabe também a uma nova geração de comunicadores discutir as formas dessa relação
e aprender com ela: quer criticando a rígida hierarquização organizacional quer dinamizando a
comunicação, para fortalecer o conhecimento, quer ajudando a criar políticas para cristalizar essa
experiência como princípio da cultura organizacional.

Atividades
1. Na condição de destinatários, direta ou indiretamente, dos “sinais da performance das em-
presas”, como realimentamos o processo de comunicação?

2. De que modo as transformações econômicas e políticas, em curso nos EUA na virada do


século XIX e depois, propiciaram o surgimento da profissão de RP?

3. Descreva, resumidamente, as funções da Aberje.

Referências
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portal-rp.com.br>. Acesso em: 18 ago. 2009.

ANGELONI, Maria Terezinha; FERNANDES, Caroline Brito. A comunicação empresarial: um estudo evo-
lutivo das teorias das organizações. Revista de Ciências da Administração (CAD/UFSC), UFSC, v. 1, n. 2,
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CAPUTO, Ana Claudia; MELO, Hildete Pereira de. O Investimento Direto Estrangeiro no Governo Juscelino
Kubitscheck. In: Congresso da Sociedade de Economia Política – SEP, 13, 2008. Disponível em: <www.sep.
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CHAUI, M. S. Cultura e Democracia. O discurso competente e outras falas. Nova edição revista e ampliada.
11. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

KUNSCH, M. M. K. (Org.). Comunicação organizacional: histórico, fundamentos e processos. São Paulo:


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O que é comunicação empresarial? 35

PINHO, Júlio Afonso. O contexto histórico do nascimento das Relações Públicas. In: MOURA, Claudia
Peixoto de. (Org.) História das Relações Públicas: fragmentos da memória de uma área de Moura. Porto
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comtexto.com.br/convicomcomunicajulianasabbatini.htm>. Acesso em: 21 ago. 2009.

SCROFERNEKER, Cleusa Maria Andrade. (Re) Construindo a história das Relações Públicas. In: MOURA,
Claudia Peixoto de. (Org.) História das Relações Públicas: fragmentos da memória de uma área de Moura.
Porto Alegre: EDIPUCSRS, 2008.

TUBOSAKA, Mirtes Vitoriano Torres. Pensamento Brasileiro em Relações Públicas – Eduardo Pinheiro Lobo:
o pioneiro das Relações Públicas no Brasil. Guarapari: Exlibris, 2007.
2
Teorias da comunicação

Uma teoria é um modo sistemático de organizar ideias e informações a propósito de um


dado real ou, mais especificamente, em relação a determinado aspecto dessa realidade. O corpo
de informações assim organizado tem como pressuposto a capacidade de observação do cien-
tista, acompanhada de pesquisas sobre o objeto de estudo. A organicidade dessas informações,
cujo princípio, por sua vez, é balizado pelo chamado método científico, tem como objetivo criar
um saber sobre determinado objeto. No caso das ciências humanas, campo de conhecimento no
qual se inscrevem as teorias da comunicação, o método científico é o compreensivo-interpreta-
tivo. Interpretar significa “traduzir, ajuizar da intenção, do sentido” do objeto de estudo; quem
interpreta elucida, ou seja, lança luzes, as do conhecimento, sobre o objeto, em cuja natureza a
interpretação se aprofundou.
No processo de criação da teoria são levantadas hipóteses que podem ou não ser com-
provadas ao longo da sua construção. Do que se conclui que a dinâmica do método científico
impõe a si mesma uma contínua regulação do seu trajeto: testam-se hipóteses colhidas durante
a observação do objeto de estudo que serão articuladas segundo uma determinada lógica para
se constituir o sistema de enunciados característico da teoria. Um outro aspecto importante é o
de se tentar diminuir a distância entre teoria e prática e pensá-las dentro do mesmo contexto.
Isso porque a prática ocorre em um momento diverso e separado da teoria e, por isso mesmo,
o juízo que se fará sobre a efetividade de determinada teoria, como sempre se repete, é se de
fato está “funcionando na prática”.
Teorizar sobre a comunicação exige de imediato a compreensão do ato de comunicar e
de seus processos. Comunicar significa tornar comum alguma coisa, conforme a palavra lati-
na communicare. A partilha, com alguém ou com toda a comunidade, de certas informações,
deixa claro que essa ação não se dá sobre a matéria, mas sobre o outro com o qual se cria al-
gum tipo de vínculo. Comunicar é um processo inerente à vida em comunidade, tornando-se
mesmo sua condição determinante, se aceitarmos que sem comunicação não haveria formas
de se entender o trabalho ou qualquer outra relação social.
Tendo em mira os objetivos deste capítulo, cumpre ainda contextualizar a comunicação
empresarial com as teorias, cujo inventário vamos efetuar nas linhas abaixo. A questão imposta
é da necessidade de se extrair, sempre que possível, elementos que participem da reflexão sobre
comunicação empresarial. Considerada como área multidisciplinar ou interdisciplinar, a comu-
nicação empresarial articula de forma complexa atividades, estratégias e políticas originárias das
relações públicas, jornalismo, propaganda e marketing. Ora, como veremos, de forma separada
ou conjugada, ao longo do livro, as teorias da comunicação relacionam-se de diferentes maneiras
com essas áreas – e com diversas outras – de cujas experiências e repertórios não apenas assimi-
lam conteúdo, mas realimentam e alteram o campo de significado do qual fazem parte.
38 Comunicação Empresarial

O corpus especulativo das teorias da comunicação não se detém necessariamente sobre o grau
de eficácia do processo comunicativo, isto é, não leva em conta, por definição, se este – dadas certas
circunstâncias – cumpre ou não o objetivo de criar vínculo entre emissor e receptor. No entanto,
o pragmatismo que orienta a comunicação empresarial não pode deixar de fora essa preocupação,
com efeito, o comunicador empresarial não apenas estabelecerá o conteúdo e elegerá os meios de
comunicação, mas dispensará muita atenção ao modo pelo qual o destinatário poderá responder ao
estímulo, realimentando o processo. Ressaltamos essa condição, tanto da parte da teoria, quanto da
parte do comunicador empresarial, para que fique claro que o campo de especulação das teorias da
comunicação transcende o meramente pragmático, em chave reducionista, sobretudo na hipótese
de a prática tentar despregar-se do tecido ético, filosófico, sociológico, antropológico e afins, do qual
faz parte.
Essa discussão inicial ganha mais nitidez na contemplação do processo de comunicação
como um gerador de sentido. Considerando a afirmação que empresas são “máquinas de gerar
sentido”, podemos avançar um pouco mais na compreensão desse conceito. De acordo com Vilalba
(2006, p. 6), o sentido – como resposta mental a um estímulo percebido pelo corpo e transformado
na mente em informação – ocorre no interior do processo de comunicação em três estágios:
Formação do sentido – geração de uma impressão na mente de um sujeito comunicador (1)
(ou emissor); junção da impressão, na mente, com outras, e de forma organizada; a organização
determina, no plano mental, a “relação entre interpretantes” do processo de comunicação, gerando
valor ou sentido.
Apresentação do sentido – “o sentido é codificado em um plano de expressão perceptível a
outros sujeitos comunicadores”, transformando-se em um signo1; diante do estímulo árvore, ou seja,
diante desse objeto, desse ente material, de natureza vegetal, podemos representá-lo com a emissão
de determinado som (árvore, em português) e comunicá-lo a outro sujeito da comunicação.
Negociação do sentido – decodificação por um sujeito comunicador (2) (ou destinatário)
a partir de certa impressão gerada em sua mente; essa impressão “organiza-se com outras, que a
pessoa já tem, e recebe, dessa pessoa, um determinado valor, ou seja, é comparada, relacionada,
destacada ou integrada às outras impressões mentais” que criarão em sua mente a imagem da ár-
vore. A esse processo, Vilalba (2006) chama de negociação.
Aceito esse esquema, vale enfatizar que na comunicação empresarial a negociação do sen-
tido merecerá toda a atenção do comunicador para se evitar ruído2. Muitas crises na empresa, em
sua relação com o público, são ocasionadas na etapa de negociação do sentido. Organizações que,
contrariamente a seu desejo, ferem suscetibilidades como o das escolhas políticas, religiosas ou da
orientação sexual dos indivíduos, por exemplo, via de regra não levaram em conta como um certo
estímulo seria integrado ao sistema de impressões mentais do público ou de parte dele.

1 Signo: tudo (palavra, gesto, sinal, cor, imagem etc.) que pode ser utilizado, em certas circunstâncias e/ou contextos,
como parte de um sistema de representação; o signo substitui alguma coisa – por exemplo, uma montanha – pela repre-
sentação desse objeto na forma de uma palavra (falada ou escrita), pintura, gesto ou outros.
2 Sinal interferente no processo de comunicação que pode levar a mal-entendidos de toda a espécie ou mesmo
à interrupção da comunicação.
Teorias da comunicação 39

Não deixa de ser interessante notar que as organizações sustentam uma certa visão sobre
comunicação, baseada em pressupostos otimistas, como que apostando que haja de fato uma pre-
disposição dos indivíduos para a assimilação de um determinado e mesmo sentido. O que se pode
afirmar com total certeza é que em torno dessa suposta predisposição, as organizações investem
atualmente bilhões de dólares todos os anos e com bastante frequência cumprem suas metas. Se já
não fossem tantos os motivos de ordem estratégica, eis, portanto, mais esse, de natureza econômica,
a exigir do comunicador empresarial uma visão geral, ainda que esquemática, das teorias da comu-
nicação: seu alcance, limites, críticas, equívocos e a forma pela qual interagem umas com as outras.
Há um número bastante considerável de teorias da comunicação que, todavia, por guarda-
rem semelhanças entre si no recorte de conceitos e terem surgido em contextos sociais e históri-
cos muito específicos, podem ser reunidas sob um mesmo paradigma3. Assim procedendo, um
paradigma estabelece um padrão, uma referência inicial para a pesquisa o qual permite visualizar
as linhas de força que unem certas teorias e, ao mesmo tempo, identificar as que não devem ser
absorvidas por esse paradigma em consequência de suas especificidades.
Para a exposição sumariada dos paradigmas e das teorias reunidas sob seu amparo, consulta-
mos principalmente Temer e Nery (2004), o citado Vilalba (2006) e DeFleur e Ball-Rokeach (1993).
Auguste Comte (1798-1857), desde muito jovem, direcionou seus estudos de filosofia para
a investigação não da causa dos fenômenos (Deus ou natureza), mas das suas leis, consideradas
como relações abstratas e constantes entre os fenômenos observáveis. O caminho trilhado pelo
pensador francês deu origem à sociologia e ao pensamento positivista, escola de grande receptivi-
dade na Europa e também no Brasil.
Os trabalhos de Comte influenciaram Émile Durkheim (1858-1917), introdutor da noção
de divisão social, em meio da qual a comunicação atua como um organizador do espaço econômi-
co. Sua sociologia é chamada de funcionalista, porque entende a sociedade como um organismo
dividido em partes, cada qual com uma função, mantendo estreita relação entre essas e o todo,
o próprio organismo.
Papel importante nas primeiras discussões sobre a emergente sociedade de massas é exercido
pela obra do francês Jean-Gabriel de Tarde, autor de um livro sobre opinião pública; de Tarde via no
fato social reflexos da intersubjetividade – a relação entre as subjetividades – o que para a época não
parecia ser tão evidente quanto hoje. Ao lado de outros intelectuais, de Tarde se notabilizou pelos es-
tudos, voltados à noção de público e opinião, os quais viriam a ser decisivos na fundamentação sobre
os meios de comunicação.
Ambos os conceitos — público e opinião — entendidos como domínios de uma psicologia
do público ou, de forma mais genérica, de uma psicologia social. O público constitui, para de
Tarde, uma categoria de sociabilidade capaz de superar a perspectiva das relações sociais baseada
na psicologia das multidões. Portanto, o público, apesar de emergir das multidões, pressupõe uma
evolução mental e social muito mais avançada que a formação de uma multidão.

3 Paradigmas são modelos, construções intelectuais para organizar ideias e teorias, os quais ajudam a perceber as
identidades entre os elementos comparados a partir de um esforço de relativização das complexidades.
40 Comunicação Empresarial

A crítica à sociedade industrializada, dominada pelas massas alocadas nos grandes centros
urbanos, mobilizou vários outros intérpretes desse novo universo, entre os quais, e mais importan-
tes, Marx e Weber. Como se verá, a produção intelectual do período, em grande parte alicerçada
sobre os nomes citados até aqui, traça o caminho para, já no século XX, produzir-se uma fecunda
reflexão sobre os meios de comunicação e suas ligações com a sociedade industrial. A partir de
1929, a comunicação integra os planos de recuperação econômica nos Estados Unidos, fato que,
como era de se esperar, deu origem a um rico debate sobre os processos de comunicação.
Antes de apresentar os paradigmas, vale a pena oferecer ao leitor uma conceituação sobre
escola, de acordo com Vilalba (2006, p. 71):
Escolas são correntes científicas e filosóficas formadas por instituições acadê-
micas e grupos de pesquisadores associados por alegadas e variadas razões: por
terem o mesmo método de abordagem, por se interessarem pelo mesmo objeto
de estudo, por fundamentarem seus estudos no mesmo conjunto de conceitos e
até por viverem na mesma época e lugar.

2.1 Paradigma funcionalista pragmático


Esse paradigma parte da ótica funcionalista e positiva de Durkeim e, portanto, descarta
explicações do tipo metafísico e teológico para os fenômenos, ao mesmo tempo que considera a
sociedade como um organismo vivo – em comparação aos organismos biológicos – regulado por
trocas, uma das dinâmicas das relações sociais. O paradigma valoriza as pesquisas administrativas
e empiristas. Teve grande aceitação nos Estados Unidos e seus principais nomes são os de Harold
Lasswell (1902-1978), Paul Lazarsfeld (1901-1976) e Joseph Klapper (1917-1984).
Sob a égide desse paradigma, abrigam-se a Escola de Chicago, a Escola Americana Positivista,
as teorias das influências seletivas, a hipótese de usos e gratificações, a Escola do Palo Alto e a teoria
da agenda ou hipótese da agenda setting.
Um vasto repertório de conceitos é introduzido por esse paradigma, facilmente reconhe-
cidos pelo pesquisador de comunicação da atualidade, pois vários dos quais ainda permanecem
como referências para a teoria e as organizações: interação; sociedade de massa; público passi-
vo; manipulação; influência; uso/utilidade; pragmática; resultado; função; efeito; líder de opinião;
aprendizagem; diferenciação; organismo; relacionamentos; modelo circular da comunicação e
agenda setting.

2.2 Escola de Chicago


Pretende-se dotar a comunicação de um aparato científico, orientando-a para a solução de
problemas sociais, tal como o das diferenças entre classes. A Escola de Chicago, de larga influência
entre 1910 e 1940, é apontada como a primeira a sistematizar a utilização dos métodos quantitativos
na pesquisa científica, utilizados em larga escala, por exemplo, pelos departamentos de mídia das
agências de publicidade. A Escola tem como referência geográfica a cidade de Chicago, justamente
por ser ela um centro industrial em que a interação social ganhava novos matizes e complexidade.
Teorias da comunicação 41

A Escola tornou conhecida a expressão “interacionismo simbólico”, usada para enfatizar


o modo pelo qual compreende o funcionamento da sociedade: como uma permanente interação
entre os indivíduos, daí a comunicação ser vista como um processo de troca de informação, mas
também como o próprio organismo simbólico construído pelos indivíduos.
Assim entendida, como uma comunidade de ação e comunicação, a sociedade convive com
o poder da comunicação em criar uma ordem moral e o chamado senso comum. Daí a mídia poder
ser percebida de forma dual; mancipa os indivíduos, no momento em que se torna uma espécie de
cimento entre as funções do organismo social, mas também dilacera certos princípios do contrato
social, tornando mais visíveis diferenças entre as classes. Cabe ao comunicador, daí a visão prag-
mática da Escola, atuar em favor do aperfeiçoamento da sociedade com as ferramentas que tem
nas mãos.

2.3 Escola americana positivista


Como são muitas as correntes que podem ser catalogadas nessa Escola, Temer e Nery (2004)
dividem-na em oito, conforme veremos na sequência.

2.3.1 Pesquisa em comunicação de massa


A Pesquisa em Comunicação de Massa, ou Mass Communication Research, é a corrente
segundo a qual os veículos de comunicação poderiam, como sugere a expressão, ser utilizados no
controle e orientação das “massas”. A vertente não é produto de especulações de cunho científico,
no sentido próprio da palavra, já que sintonizada com interesses políticos e econômicos, sobretudo
os dos produtores dos veículos de comunicação.
O livro de Lasswell, Técnicas de propaganda em um mundo em guerra (1927), é apontado
como uma das referências principais. O conceito presente no livro, de amplitude de canal, utilizado
até hoje pelos programadores de mídia das agências de propaganda, reconhece que a comunicação
de massa atinge um público anônimo, heterogêneo e fisicamente disperso.
Como realçam Temer e Nery (2004), os estudos concentram-se em três áreas: o estudo dos
efeitos provocados pelos meios de comunicação de massa na sociedade; o estudo dos efeitos da
propaganda política; e o estudo da utilização comercial publicitária dos meios de comunicação.
O controle sobre a massa, exercido por uma espécie de “governo invisível”, é uma percepção
comum a todos os estudiosos dessa corrente. É de Lasswel o modelo da “agulha hipodérmica” ou
“teoria da bala mágica” ou ainda da “correia de transmissão” para a qual as mensagens da mídia
são recebidas de forma indistinta pela audiência que, por sua vez, responde de forma direta e ime-
diata a um determinado estímulo. A ideia de público-alvo, tão cara à propaganda e à comunicação
empresarial como um todo, tem seu nascedouro na efervescência dessa teoria nos meios políticos
e publicitários da época.
A matéria amorfa, como organicamente poderia ser descrita a massa humana, é o estado
em que os indivíduos se encontram em isolamento psicológico, motivo pelo qual ganha lugar a
impessoalidade no relacionamento uns com os outros. Esse fenômeno por sua vez dispensaria os
42 Comunicação Empresarial

agentes de certas obrigações sociais, como a adoção dos códigos de gentileza, respeito à intimidade
alheia etc.
A crença nos meios de comunicação e no seu poder de mobilização era tal que Lasswell che-
gou a afirmar que a mídia era “o novo malho e bigorna da solidariedade social” (apud DEFLEUR;
BELL-ROKEACH, 1993, p. 183).

2.3.2 Teorias das influências seletivas


O avanço no campo da pesquisa e a percepção de que a teoria hipodérmica demonstrava
certas fragilidades conceituais, ao apontar a supremacia dos meios de comunicação, implicou a
revisão sobre a influência destes últimos. Temer e Nery (2004), adotando a perspectiva de DeFleur
e Bell-Rokeach, reúnem os trabalhos bastante heterogêneos dessa corrente em três grupos:
Teorias das diferenças individuais – realça as diferenças psicológicas entre os indivíduos
(necessidades, habilidades, percepções, crenças, valores e atitudes diferenciadas) e tenta identifi-
cá-las na população.
Teorias das diferenças sociais – as diferenças entre os indivíduos são consideradas segundo
um conjunto de características representadas pela religião, etnia, profissão, nível de renda, classe
social etc.
Teoria da aprendizagem social – considera a extensão do material veiculado pela mídia
e o número de vezes que foi repetido, visando observar a capacidade de memorização por parte
do público.
Fica evidente o nexo dessas teorias com as demandas do mercado. Mais uma vez, a pro-
paganda, nos seus estudos sobre perfil demográfico e psicográfico, realizados sistematicamente
pelas agências, beneficiou-se com esse esforço teórico. Termos como recall (memorização) e GRP
(Gross Rating Points – pontos de audiência bruta)4 estão direta e indiretamente relacionados com
as diretrizes dos estudos mencionados. O estudo das influências seletivas procurava basicamente
responder aos seguintes questionamentos: como e quantas vezes se deve transmitir uma mensagem
para se obter memorização e resposta a certo estímulo.
A eficácia da comunicação é determinante, e o esforço do estudioso desloca-se no sentido de
assegurá-la. Sabe-se agora que o mecanismo de estímulo-resposta da teoria hipodérmica é insufi-
ciente para dar conta da complexidade do processo de comunicação. Essa complexidade, represen-
tada pelos “processos psicológicos intervenientes”, originários do indivíduo, deve não apenas ser
levada em conta, mas estudada sistematicamente pelo comunicador, cuja missão é a de garantir a
eficácia da comunicação.
Um conceito muito importante, introduzido pela teoria das influências seletivas, é o do líder
de opinião, incorporado pelo setor mais ativo da sociedade nas decisões do processo de formação
de atitude. Interessa a todos os veículos de comunicação a aproximação com os formadores de

4 Índice utilizado em televisão para medir o somatório de audiência, considerando-se o número de inserções de um
comercial durante a programação
Teorias da comunicação 43

opinião, pois eles influenciam indivíduos com os quais interagem. Assim, mais uma vez tenta-se
superar a visão mecanicista, segundo a qual não haveria mediação entre emissor e receptor de uma
mensagem. A teoria do two step flow, ou fluxo da comunicação em dois tempos, prevê um movi-
mento da mídia para o indivíduo mediado por um funil ou filtro, representado pelos líderes de opi-
nião, responsáveis, por sua vez, pela tradução dos fatos, fenômenos etc. no interior do seu grupo.

2.3.3 Abordagem sistêmica


Nessa abordagem, há uma interação entre conjunto social e sistema orgânico. Um exemplo
de sistema é a vida política, complexo de relações extremamente dinâmico, marcado por entradas
e saídas (ação/retroação). O conceito de feedback, proposto por DeFleur nos anos 1960 (retroali-
mentação do sistema de comunicação), é um desdobramento das proposições dessa corrente.

2.3.4 Funcionalismo
O conceito de função ocupa lugar central nessa corrente, cujas especificidades são expostas
em um livro publicado por Lasswell em 1948: A estrutura e a função da comunicação na sociedade.
Como já destacado, o funcionalismo faz uma analogia entre a sociedade e as estruturas biológi-
cas; a estrutura social comporta o subsistema das comunicações de massa que por sua vez realça
e reforça os modelos de comportamento existentes. Superando algumas lacunas apontadas nas
proposições de Lasswell, Paul Lazarsfeld e Robert Merton incluem mais um item nas funções da
comunicação: o entretenimento. São deles os conceitos de disfunção narcotizante, fenômeno iden-
tificado ao excesso de comunicação – o qual pode levar as massas ao indesejável estado de apatia
– e de diferenciação entre funções manifestas, as compreendidas e desejáveis pelos participantes do
sistema e as funções latentes, com características opostas às anteriores.
Há que se distinguir o estado de quem se julga informado de outro bem mais exigente,
assumido pelo indivíduo capaz de reagir criticamente à realidade em seu entorno. O acesso à in-
formação não produziria, por si só, indivíduos mais críticos, já que o excesso de estímulos pode,
pelo contrário, gerar esse estado de apatia que os teóricos designam como narcotizante.
Muito mais hoje do que nos anos 40, e por razões óbvias propiciadas pela cultura digital
em que vivemos, o acúmulo extraordinário de informação não resulta na formação política dos
leitores de jornal, por exemplo. Hoje, como no passado, o trabalho de seleção do que se consome
em termos de informação é crucial. Cabe ao cidadão dotado de um olhar crítico resolver a equação
entre quantidade e qualidade daquilo que vai absorver como informação.
O modelo funcionalista tem como alicerces, além do conceito de função, os conceitos de
relação e dinâmica. São quatro as funções da mídia, segundo essa corrente:
• preservação do próprio sistema;
• adaptação do indivíduo ao sistema;
• dominação parcial do sistema pelo indivíduo; e
• integração entre as partes do sistema.
44 Comunicação Empresarial

Essas funções tomam a forma de perguntas que podem ser esquematizadas assim: quem
diz o quê, por meio de qual canal, para quem, com vistas a obter qual efeito? Com pouco de aten-
ção, percebe-se que a preocupação com o emissor, o canal, o receptor, a mensagem e seus efeitos
delineia-se nesse esquema, cobrindo o processo de comunicação de ponta a ponta. Embora essa
percepção possa ser por demais previsível hoje, não o era ainda no pós-guerra e foi decisiva para
que seus parâmetros fossem logo assimilados mundo afora.
Figura 1– Esquema de Laswell

Disse a

1. Quem 2. O quê 4. Quem

3. Em que canal 5. Com que efeitos

6. Com que intenções 7. Em que condições

Fonte: Adaptada de Lasswel apud Vilalba, 2006, p. 75.

2.3.5 Hipótese do uso e das gratificações


Como o nome da corrente já indica, defende-se a ideia de que a adoção de um modelo de
conduta ou ação, por parte do indivíduo, está intimamente ligada a alguma gratificação obtida na
relação com o meio de comunicação.
A gratificação, portanto, deve ser compreendida como fator participante na relação dos in-
divíduos com os meios de comunicação. Assim, é necessário entender as necessidades dos destina-
tários das mensagens, ou seja, os motivos que levam à escolha de meios e conteúdos, tendo como
referência as influências psicológicas, sociais, ambientais e conjunturais.

2.3.6 Escola de Palo Alto


Também conhecida pelo nome de Colégio Invisível, defende que as relações humanas são
presididas por uma gramática do comportamento, capaz de repercutir sobre a comunicação, e cuja
natureza dessa gramática os estudiosos se dispõem a estudar em detalhe. Os teóricos tentam supe-
rar os esquemas lineares adotados até então na reflexão sobre o processo comunicativo, admitindo
outros níveis de complexidade, de contextos e mesmo de sistemas. Esse parâmetro integrador con-
duz a uma visão renovada sobre a comunicação, vista agora como um processo permanente que
articula padrões verbais e não verbais, por exemplo, as relações subjetivas, às vezes expressas pela
linguagem corporal.

2.3.7 Estudo dos efeitos em longo prazo


Em direção contrária aos postulados da teoria hipodérmica, cuja natureza mecanicista basea-
da no binômio causa-efeito era evidente, essa corrente afirma que os meios de comunicação de massa
Teorias da comunicação 45

não produzem efeitos explícitos sobre ideias e comportamentos em uma sociedade. No entanto, aca-
bam afetando ambos, uma vez que possuem o poder de influenciar o modo pelo qual o indivíduo
organiza a sua imagem do ambiente social. Como o parâmetro temporal é outro, – os efeitos são
estudados a longo prazo, – o instrumental de pesquisa utilizado pelos estudiosos não mais se limita-
va a entrevistas e pesquisas quantitativas, optando-se por metodologias complexas e integradas que
deveriam dar conta da percepção do processo pelo qual o indivíduo constrói a realidade. O efeito que
interessa aos pesquisadores não é mais aquele identificado a atitudes e valores do indivíduo, impacta-
do pela mensagem, mas o sistema de conhecimento estruturado por ele ao longo do tempo, ou seja,
de forma cumulativa.
É dada especial atenção ao processo de construção da notícia, sempre em consonância com
as quatro características atribuídas aos meios de comunicação:
• acumulação – traço relacionado à criação e manutenção de um tema, pinçado do conjun-
to de acontecimentos diários;
• consonância – presença do mesmo tema em vários meios de comunicação;
• onipresença – o público tem ciência de que o conteúdo veiculado pela comunicação de
massa é, de fato, público, do conhecimento de todos;
• relevância – somatória da consonância em diferentes meios de comunicação, o que deno-
ta sua relevância diante do público.

2.3.8 Teoria da agenda


Conhecida como hipótese da agenda setting, a corrente parte do pressuposto de que os meios
de comunicação de massa não persuadem o público, mas impõem uma lista (a agenda) de temas
que devem ser pensados, de modo a mobilizar a opinião pública. A leitura do real, portanto, é
filtrada pela mídia, sobretudo nos locais onde não se tem acesso a outras fontes de informação.
Os estereótipos, em consequência, são um dos efeitos observáveis. Países e culturas inteiras têm
sua imagem construída pela mídia: africanos, por exemplo, são tratados de forma indiferenciada,
como se todos os países do continente fossem um só; determinados países, geralmente os desenvol-
vidos, têm virtudes reveladas e valorizadas; o mesmo fenômeno não acontece em favor dos países
pobres, principalmente aqueles tachados de “exóticos”.
Os desdobramentos da agenda podem ser potencialmente aumentados, caso sejam articu-
lados de forma agregada, reforçando, por exemplo, um certo tema. Levemos em conta a existência
de agências internacionais de notícia que distribuem informação para jornais de vários países.
A notícia, mundo afora, geralmente é reproduzida de forma passiva, em um simples continuum
entre o emissor (a agência) e o receptor (o jornal) e, consequentemente, pelos leitores.
De acordo com Temer e Nery (2004),
a teoria da agenda toma como postulado um impacto direto, mas não imediato,
sobre os destinatários, analisando-os em dois níveis: a) a ordem do dia dos te-
mas, assuntos e problemas presentes nos meios de comunicação de massa; b) a
hierarquia de importância e de prioridade segundo a qual esses elementos estão
dispostos na ordem do dia.
46 Comunicação Empresarial

2.4 Paradigma matemático informacional


Pesquisas matemáticas e experiências laboratoriais reúnem-se no esforço de dinamizar a
transmissão de dados a partir da perspectiva, introduzida por Claude Elwood Shannon (1916-
2001), de que a comunicação é um problema matemático.

2.4.1 Teoria da informação


Posiciona-se diante do problema da comunicação com uma abordagem eminentemente téc-
nica, ocupando-se da quantidade de informação transmitida e não do conteúdo. Seus primeiros
postulados estão presentes em artigo de Shannon, publicado em 1948, e no livro, também desse
pesquisador, em coautoria com o engenheiro Warren Weaver (1894-1978), ambas publicações in-
tituladas de Teoria Matemática da Comunicação.
A teoria é considerada um sistema geral e linear de comunicação, cujos nexos são represen-
tados pelo:
• Emissor – produtor da mensagem, aquele que a emite.
• Codificador – elemento, mecânico ou não, que transforma a mensagem em sinais,
permitindo que ela seja reconhecida e enviada por um canal.
• Sinal – unidades de transmissão que podem ser determinadas de forma quantitativa,
independentemente de seu conteúdo.
• Canal – meio, eletrônico ou não, com capacidade de transmissão de sinais.
• Decodificador – elemento que reconstrói a mensagem a partir dos sinais recebidos.
• Destino – pessoa ou coisa à qual a mensagem é transmitida.
Temer e Nery (2004, p. 78) destacam que
Dentro do modelo proposto pela Teoria da Informação, a comunicação é vista
como um sistema, no qual os elementos podem ser selecionados, recortados
e montados em um modelo. Essa simplificação elimina a ideia de processo,
que envolve relações de dependência em constantes mudanças e ignora a inser-
ção social da comunicação. Também não possibilita entender a comunicação
em toda a sua complexidade. A partir dessa facilidade, esse modelo passa a ser
utilizado como “suporte” em várias pesquisas sobre comunicação.

A grosso modo, tentando fazer uma analogia entre as teorias da comunicação estudadas
até aqui, e a teoria da informação, pode-se propor o esquema abaixo, resultante das considerações
gerais do livro de Coelho (2003).
Quadro 1 - Teoria da informação x teoria da comunicação

Teoria da informação Teorias da comunicação


Estuda a estruturação da mensagem Estudam o relacionamento mensagem-fonte-receptor

Centrada no código Centradas no conjunto mensagem-homem

Trata do sistema É o processo

Conjunto de elementos e suas normas de combinação Sequência de atos espaço-temporalmente localizados

Fonte: Elaborado pelo autor.


Teorias da comunicação 47

2.4.2 Cibernética
Norbert Winer (1894-1963), o pai da Cibernética, adotou o termo que designa a ciência
para ressaltar a ideia de controle exercido por humanos e pelos sistemas mecânicos e eletrônicos
destinados a substituí-los. De fato, a palavra cibernética origina-se do grego – kibernetiké/kibernetes
–, timoreiro, o homem a quem se confia o leme de uma embarcação, daí, por extensão, aquele que
regula qualquer coisa, em sentido figurado, inclusive o Estado.
É de 1948 a publicação de Cibernética ou controle e comunicação no animal e na máquina,
livro que apresenta as hipóteses e os principais postulados da nova ciência. A ideia geral da ciber-
nética é a de que certas funções de controle e de processamento de informações são semelhantes
em máquinas e seres vivos – e também, de alguma forma, na sociedade –, portanto, postula-se a
equivalência e a redução aos mesmos modelos e leis matemáticas.

2.5 Paradigma crítico radical


O paradigma, fortemente orientado pela tradição da filosofia clássica alemã, embasa sua
reflexão sobre a cultura com pesquisas sociológicas, a partir das quais articula as contribuições da
ética, psicologia e psicanálise. O conceito de crítica comparece aqui como esforço da razão para
avaliar a própria razão. Esse empenho pode ser traduzido, no âmbito da comunicação, como crítica
impiedosa aguda aos meios de comunicação ou, segundo Vilalba (2006, p. 86), na resposta a duas
perguntas: “Como a comunicação pode colaborar com o desenvolvimento da razão na consciência
das pessoas? Como a comunicação pode favorecer a construção de um mundo que valorize a razão
e que seja, por isso, um mundo mais adequado à vida humana?”

2.5.1 Escola de Frankfurt


O materialismo marxista e sua dialética são tomados como a orientação filosófica geral dos
expoentes da Escola: Walter Benjamin (1892-1940), Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer
(1895-1973) e Jürgen Habermas (1929). A contribuição da Escola de Frankfurt, para a crítica da
indústria cultural – expressão criada por Adorno e Horkheimer – talvez seja a análise que com mais
contundência aprofundou a discussão sobre cultura na sociedade de massas. Mas não só: também
gerou mal-entendidos e leituras rasas, além de críticas com alto grau de acuidade, como a do semio-
ticista5 Umberto Eco, em Apocalíticos e integrados, nos anos 1970.
Os frankfurtianos fazem o nexo entre ideologia e os meios de comunicação de massa,
estes como suporte daquela que deve ser compreendida como um instrumento da luta de classe,
uma mitologia social que dissimula o real e, como tal, é utilizado pela classe dominante para
a manutenção do poder. Reduzidos à condição de mercadoria, os artefatos da indústria cultu-
ral, quer sejam produções radiofônicas, filmes, programas de TV, quer propaganda, colocam-
-se como um continuum na reafirmação da necessidade de consumir. E como um alienante
compensador, na forma de entretenimento, de uma vida desprovida de sentido e, portanto,

5 Semiótica: Ciência geral dos signos, a qual estuda fenômenos culturais (literatura, escultura, pintura, teatro, cinema,
arquitetura, moda, etiqueta, culinária etc.) ou sociais (a ciência, a política, o direito, a religião etc.) como grandes sistemas
de significação. O semioticista é o especialista nessa ciência.
48 Comunicação Empresarial

intolerável. Impotente diante do poder de sedução da cultura de massa, o indivíduo aliena-se,


degrada-se à condição de objeto, cuja maior função é consumir. Esse processo de reificação, de
coisificação, por sua vez, é a condição mesma da manipulação exercida pela classe dominante
no exercício de uma racionalidade instrumental.

2.5.2 Espiral do silêncio


O nome da corrente designa o fenômeno segundo o qual as minorias silenciam-se diante da
opinião pública, entendida aqui como opinião majoritária, veiculada pelos meios de comunicação.
Nesse sentido, os meios comparecem como instrumento de controle social, veiculando e ratifican-
do determinadas ideias e posições político-ideológicas que passam a ser passivamente endossadas
pelos indivíduos, já que lhes parecem corresponder à visão da maioria.
Elizabeth Noelle Neuman (1916), uma cientista social alemã, é a autora da teoria. Segundo
ela, o silêncio, conceito de base da sua teoria, expressa o medo dos indivíduos em se perceberem
em posição de isolamento em decorrência de seus comportamentos e opiniões. Com o intuito de
se protegerem, os indivíduos tendem a não expressar opinião diferente da maioria. A opinião ma-
joritária coloca-se, portanto, como um vetor de opressão contra a da minoria.

2.5.3 Teoria da ação comunicativa


Em um certo sentido, Habermas6 inicia sua reflexão na qual os antigos frankfurtianos para-
ram: a crítica à razão instrumental operada pelo capitalismo e com o uso dos meios de comunica-
ção. Habermas recoloca o poder emancipatório da razão em evidência, visando à crítica da razão
instrumental; a razão comunicativa – livre, racional e crítica – baseia-se não apenas no diálogo,
ao qual equivocadamente já foi reduzida sua teoria, mas em uma complexa rede de interações que
se sustenta na coordenação de planos entre dois ou mais indivíduos, cujo projeto é o entendimento.
Há duas esferas, segundo a teoria, que valem referência: o sistema e o mundo da vida. Na pri-
meira, opera-se a reprodução material regida pela lógica instrumental – uma ação racional polari-
zada pela relação entre os meios e os fins – incorporada nas relações hierárquicas (poder político)
e de intercâmbio (economia). Na segunda, “o mundo da vida” tem lugar a “reprodução simbólica”
da linguagem, das redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles
referentes aos fatos objetivos, às normas sociais, sejam aos conteúdos subjetivos.
De acordo com o filósofo, a razão pode voltar-se para o agir de três formas distintas: a) uso
pragmático da razão prática, baseado na eficácia de determinado fim, não levando em conta va-
lores morais ou éticos; trata-se, portanto, de uma visão utilitária das coisas; b) uso ético da razão
prática, baseado na busca do que é bom para o indivíduo e para a coletividade; c) uso moral da ra-
zão prática, norteado pela pergunta: “será moralmente certo?”. A moral nasce da interação entre os
indivíduos e não é um fenômeno dado a priori; no momento em que o indivíduo desfecha aquela
pergunta, revela a busca da ação justa.

6 Jürgen Habermas (1929-) é representante da segunda fase da Escola da Frankfurt. Autor de vasta obra, dedicada à herme-
nêutica jurídica; à crítica sistemática ao tecnicismo;à análise do marxismo e a muitos outros temas.
Teorias da comunicação 49

2.6 Paradigma culturológico


Estudando a cultura de massa e seus elementos antropológicos mais relevantes, como a re-
lação entre o consumidor e o objeto de consumo, o Paradigma Culturológico confere menor im-
portância aos meios e seus efeitos. Os estudos culturais têm raiz marxista, mas desenvolvem uma
interpretação particular de Marx, pelo viés cultural de Gramsci7, Althusser8 e Lukács9, e ainda sob
a influência do estruturalismo francês.

2.6.1 Folkcomunicação
A folkcomunicação é uma contribuição brasileira à teoria da comunicação. Seu criador,
o professor Luiz Beltrão, apresentou-a como tese de doutorado na Universidade de Brasília, em
1967, com o título Folkcomunicação: um estudo dos agentes e meios populares de informação de fatos
e expressões de ideias.
O contexto político – o governo militar – não se mostrava propício para o livre trânsito das
ideias, sobretudo de conteúdos identificados com a problemática da exclusão de grupos sociais.
Beltrão teve o título de doutor cassado pouco tempo depois da defesa da tese. Somente em 1980,
já na abertura política, seu trabalho foi publicado na forma de livro, do qual transcrevemos as
seguintes passagens em busca de uma definição dessa teoria que se situa na fronteira entre a comu-
nicação de massa e folclore:
a Folkcomunicação é, por natureza e estrutura, um processo artesanal e hori-
zontal, semelhante em essência aos tipos de comunicação interpessoal já que
suas mensagens são elaboradas, codificadas e transmitidas em linguagens e ca-
nais familiares à audiência, por sua vez conhecida psicológica e vivencialmente
pelo comunicador, ainda que dispersa.
[...] Enquanto no sistema de comunicação social é muito frequente a coincidên-
cia entre os líderes de opinião e as autoridades políticas, científicas, artísticas
ou econômicas, na Folkcomunicação há maior elasticidade em sua identifi-
cação: os líderes agentes comunicadores de folk, aparentemente, nem sempre
são autoridades reconhecidas, mas possuem uma espécie de carisma, atraindo
ouvintes, leitores, admiradores e seguidores, e, em geral, alcançando a posição
de conselheiros ou orientadores da audiência sem uma consciência integral do
papel que desempenham.

7 Antonio Gramsci (1891- 1937) foi um político, cientista político, comunista e antifascista italiano. Criador de conceitos
importantes no interior da teoria marxista como hegemonia e bloco hegemônico. O primeiro desses conceitos equivale
à noção de ideologia como um fenômeno de dissimulação do real presente no sistema educacional, nas instituições e
burocracias. Seus Cadernos do cárcere, escritos na prisão, onde permaneceu de 1929 a 1935, exerceram e exercem
influência em gerações de teóricos.
8 Louis Althusser (1918-1990): teórico marxista francês, de origem argelina, tornou-se internacionalmente conhecido
com a publicação de ensaios como Marxismo e humanismo e Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado, sobretudo este
último, correntemente citado pela bibliografia especializada.
9 György Lukács ou Georg Lukács (1885 - 1971). Filósofo marxista, autor de uma das mais influentes obras no interior
do que se convencionou chamar de “marxismo ocidental”. A importância de sua obra começa a ser revelada a partir da
publicação de História e Consciênia de Classe, em 1923, e de vários escritos sobre literatura e estética, com destaque
para a teoria do romance, que escreveu ainda muito jovem, ensaio fortemente marcado pela influência de Hegel.
50 Comunicação Empresarial

Beltrão identificou três grandes grupos de usuários da folkcomunicação os quais toma como
modelo de pesquisa em sua tese:
1. os grupos rurais marginalizados, sobretudo devido ao seu isolacionismo geo-
gráfico, sua penúria econômica e baixo nível intelectual;
2. os grupos urbanos marginalizados, compostos de indivíduos situados nos es-
calões inferiores da sociedade, constituindo as classes subalternas, desassistidas,
subinformadas e com mínimas condições de acesso;
3. os grupos culturalmente marginalizados, urbanos ou rurais, que representam
contingentes de contestação aos princípios, à moral ou a estrutura social vigente.
(BELTRÃO, 1980, p. 22-23)

A folkcomunicação é considerada atualmente um eixo original e estimulante de pesquisa


latino-americana no âmbito das ciências da comunicação.
Visto pelo ângulo da intercomunicação, o folclore pode ser compreendido como um corpus
de formas interpessoais ou grupais de manifestação cultural protagonizadas pelas classes populares.
Já a folkcomunicação caracteriza-se pela apreciação de mecanismos capazes de difusão simbólica e
de expressar, em linguagem popular, mensagens originariamente veiculadas pela indústria cultural.
A música caipira, o gênero de raiz — distante das radiofonias sertanejas com seu repertório
estreito e reificante de amores perdidos (esse amor...), autoafirmação pueril e bebedeiras — pode
ser desfrutado nas canções da dupla Baltazar Violeiro e Martinho, dentre muitas outras. A moda de
viola Eleitor envergonhado10, independentemente do fato de aquela dupla não pertencer aos grupos
excluídos referidos por Beltrão (1980), é portadora de um tipo de mensagem, logo sugerida pelo tí-
tulo da composição, que interessa ao pesquisador da folkcomunicação. Nesse caso, especial atenção
seria dada ao modo de apropriação, por parte do ouvinte do contexto social de interesse dessa teoria,
assim como aos canais de transmissão “familiares à audiência”, como refere Beltrão. Nesse sentido,
outro bom exemplo do que se afirmou é a canção As vantagens da pobreza11, da dupla Zé Mulato e
Cassiano, em cuja letra os autores mesclam ironia e bom humor em uma amostra de eficiência na
construção de um discurso crítico.

2.6.2 Escola francesa


Tem como referência o pensamento frankfurtiano, o qual conserva a visão crítica em relação
aos meios de comunicação, embora com chave mais dialetizada, uma vez que a abertura antropo-
lógica e sociológica renovadas, que orienta grande parte da reflexão, parece ter oferecido um viés
enriquecedor aos estudiosos. Edgar Morin (1921), Pierre Bourdier (1930-2002) e Michel Foucault
(1926-1984) são os principais nomes dessa Escola.

10 BALTAZAR Violeiro e Martinho - Eleitor envergonhado. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=s7DzhFq2vHs>.


Acesso em: 31 de mar. 2018.
11 Zé Mulato e Cassiano - As vantagens da pobreza. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ujQuYTXPHvQ>.
Acesso em: 31 de mar. 2018.
Teorias da comunicação 51

O marco inicial é o livro de Morin – Cultura de Massa no Século XX: o espírito do tempo
– que entre outros sinaliza de novo o interesse pelos meios de comunicação, não para estudar os
efeitos, porém para investigar um novo tipo de cultura, a cultura de massa (termo evitado pe-
los frankfurtianos para não se confundir com uma cultura autenticamente popular), gerada pelos
meios de comunicação de massa.
Assim como qualquer cultura, a cultura de massa (indústria cultural) não prescinde de um
sistema de símbolos, valores, imagens e mitos. Este sistema integra a vida prática dos indivíduos,
insinuando-se como imaginário em cujo interior esses indivíduos se comunicam, fazendo uso de
uma atmosfera recortada de significados, responsável por sua inserção no mundo.
No entanto, o convívio entre outras culturas com a cultura de massa redunda em perda e
dano para as primeiras, tal o poder desagregador e aliciante da segunda. Talvez possamos, dentro
da cultura brasileira, pensar na relação entre o gênero sertanejo, pasteurizado segundo uma esté-
tica mercadológica, e a música caipira, de raiz, que poderá sofrer os influxos da primeira na forma
de assimilação de temas estranhos à sua experiência.
Em uma lógica de consumo intenso e ritualizado, é preciso oferecer o máximo de produtos
para atender aos desejos do homem médio universal, personagem que carrega consigo as marcas
da padronização cosmopolita gerada pela indústria cultural.

2.6.3 Escola britânica dos estudos culturais


A chamada Escola de Birmingham segue a tendência segundo a qual as estruturas sociais
e o contexto histórico são fatores essenciais para o estudo dos meios de comunicação de massa.
Seus representantes conferem especial atenção às estruturas globais da sociedade e às circuns-
tâncias concretas.
Adotando um marxismo heterodoxo, capaz, portanto, de superar certos parâmetros deter-
minados pelo sistema filosófico, a Escola redefine o conceito de cultura, negando que esta pertença
apenas ao campo das ideias, um reflexo das relações de produção, da estrutura econômica – de acor-
do com a clássica dicotomia mecânica entre infraestrutura e superestrutura. A Escola procura es-
tudar a cultura não como um espaço simbólico de dominação e reprodução das ideias dominantes,
mas fundamentalmente como um lugar de luta entre diversas culturas, vinculadas a determinados
estratos da sociedade.
Os estudos culturais – ligados a essa Escola – iniciam-se por volta da década de 1960 e se
orientam em duas direções: análise do papel dos meios de comunicação (sobretudo a televisão)
como lugares de produção da cultura contemporânea e análise da audiência, dos contextos de re-
cepção (marcados pelas relações familiares, de gênero etc.).
De modo diferente de Morin, para o qual a cultura de massa encarna uma estrutura dotada de
lógica interna, assimilável na forma de reprodução, privilegiam-se as atitudes dos indivíduos, o papel
dos sujeitos, das estruturas sociais. Ou seja, as estruturas sociais exteriores aos meios de comunicação
de massa também determinam os conteúdos e, por isso, são elementos essenciais na análise.
52 Comunicação Empresarial

2.7 Paradigma midiológico tecnológico


Toda tecnologia de comunicação interfere no meio social ao instituir novos hábitos de per-
cepção. Os meios de comunicação, portanto, não apenas pressupõem certa estrutura social, como
são eles próprios que a determinam. A invenção e a adoção de certa tecnologia de comunicação
implicam transformações sociais, culturais, políticas e de civilização.

2.7.1 A Escola canadense


Tornou-se célebre a máxima de Marshall McLuhan (1911-1980) – “O meio é a mensagem”
(1969) – pois sintetiza um pensamento de acordo com o qual há um amálgama inseparável entre
ambos e de tal sorte que conduz nossa atenção para o estudo do meio como determinante para o
conteúdo. O desdobramento dessa perspectiva pode-se observar em toda a obra do cientista cana-
dense que revolucionou o início dos anos 1960 com a inesperada mudança de rumo inerente à sua
proposição. De fato, estudar a interferência dos meios de comunicação do ponto de vista do canal,
do suporte da mensagem, implicava levar em conta o impacto em termos de percepção em relação
a esse canal e, com isso, admitir a produção de sentido (conteúdo) gerada por ele.
McLuhan chama a atenção para o fato de uma mensagem transmitida por rádio ou televisão,
oralmente ou por escrito, operar, em cada caso, diferentes estruturas perceptivas, articular diferen-
ciados mecanismos de compreensão, orientar-se por uma lógica interna sustentada pela materiali-
dade do canal, base da produção de significados.
De posse dessa tese central, McLuhan traça o caminho de sua reflexão em dois eixos: 1) es-
tudar a evolução dos meios de comunicação ao longo da história da humanidade; e 2) identificar as
características de cada meio. Os dois orientam suas obras fundamentais: Os meios de comunicação
como extensão do homem, de 1964, na qual traça as relações intrínsecas entre cultura e expressão
materializada pelos meios de comunicação e A galáxia de Gutemberg, de 1962 – sua obra mais
importante – na qual desenvolve a análise da evolução mediática, a seu ver determinante das trans-
formações da cultura humana.
Entre as várias imagens utilizadas pelo crítico ao longo de sua obra, uma que desde o sur-
gimento ganhou a atenção de especialistas é a da “aldeia global”, (1971) a do mundo interligado
pela televisão, o meio paradigmático, por excelência, que na época começava a fazer suas primei-
ras transmissões via satélite. A rigor, somente a internet e as mídias móveis, como o celular, hoje,
cristalizam a visão do teórico. Tempo e espaço, com a intervenção da rede de computadores, foram
alterados e, em consequência, a nossa percepção sobre o real.

2.7.2 Midiologia
Comecemos por transcrever um trecho do livro de Régis Debray (1940) – Curso de mi-
diologia geral – no qual o autor, como se é de esperar de quem ousa propor uma nova disciplina,
lança as bases de sua reflexão, nos inícios dos anos 1990:
Teorias da comunicação 53

Em midiologia, mídio designa, em primeira abordagem, o conjunto, técnica


e socialmente determinado, dos meios simbólicos de transmissão e circulação.
Conjunto que precede e supera a esfera dos meios de comunicação de massa
contemporâneos, impressos e eletrônicos, entendidos como meios de difusão
maciça (imprensa, rádio, televisão, cinema, publicidade etc.). Meios de infor-
mação ainda unilateral, chamados sem razão de “comunicação” (que supõe
retorno, encontro, feedback).
Uma mesa de refeição, um sistema de educação, um café-bar, um púlpito de
igreja, uma sala de biblioteca, um tinteiro, uma máquina de escrever, um circui-
to integrado, um cabaré, um parlamento não são feitos para “difundir informa-
ções”. Não são “mídia”, mas entram no campo da midiologia enquanto espaços
e alternativas de difusão, vetores de sensibilidades e matrizes de sociabilidades.
Sem um ou outro desses “canais”, esta ou aquela “ideologia” não chegaria a ter a
existência social de que podemos dar testemunho. (DEBRAY, 1993, p. 15, grifos
do original)

Mais uma vez estamos diante do estudo do meio, como o fez McLuhan, agora bastante
expandido pela assimilação dos canais referidos acima, entre eles materialidades tão diferentes
quanto um púlpito e uma máquina de escrever. Debray pretende, com a midiologia, estabelecer
um nexo entre os símbolos e sistemas de organização nas sociedades. Segundo o filósofo, os
sistemas técnicos (a conexão entre as lógicas internas dos diversos meios, incluídos registros e
arquivos em um contínuo processo de estocagem) servem de ponto de equilíbrio aos sistemas
sociais (econômicos, religiosos, políticos, educativos, jurídicos), o que o leva a afirmar que as
funções sociais não podem ser estudadas independentemente das estruturas sociais e materiais
de transmissão. Por isso, o conceito de mediação, mais amplo que o conceito de meio, é evocado
para discutir o modo pelo qual um determinado sistema simbólico, como uma religião, uma
doutrina ou um gênero artístico, amolda-se a uma forma de organização coletiva quer seja um
partido quer seja uma escola, com base nos sistemas técnicos (registro, arquivo, circulação etc.).
Significa perguntar, portanto, como determinadas formas simbólicas tornam-se forças materiais?

2.8 Paradigmas da comunicação organizacional


Casali (2004), em um artigo muito esclarecedor sobre a epistemologia da comunicação or-
ganizacional, remete o leitor às reflexões de Burrel e Morgan (1979), teóricos que propõem qua-
tro paradigmas – funcionalismo, interpretativismo, humanismo radical e estruturalismo radical
– capazes de abarcar toda a produção teórica da área e descrever a experiência nas organizações
por meio de suas hipóteses, postulados e pesquisas empíricas.
Os autores partem de uma tentativa de construir um modelo bidimensional para as ciências
sociais em que opõem as dimensões objetividade/subjetividade e aquelas referentes à natureza da
sociedade: ordem dinâmica, fundada na mudança radical e ordem reguladora. Em termos também
esquemáticos e bastante conhecidos, a tradicional tensão entre Revolução e Reforma.
54 Comunicação Empresarial

Figura 1 – Paradigmas de análise social

Sociologia da mudança radical

Humanista radical Estruturalista radical

Subjetivo Objetivo

Interpretativista Funcionalista

Sociologia da regulação

Fonte: Adaptada de Burrel e Morgan (1979) apud Casali (2004, p. 2).

Na visão interpretativista – paradigma interpretativo, conforme o tópico específico logo


abaixo – a realidade é formada por processos simbólicos e, em consequência, também as organi-
zações. Essas devem ser estudadas por dentro, respeitando suas especificidades, porque formadas
por pessoas em contextos particulares e em uma dinâmica na qual a intersubjetividade possui sig-
nificado determinante. Já na visão funcionalista, como se viu acima, as organizações são estruturas
unitárias, regidas, como toda a sociedade, por uma percepção determinista da natureza humana.
O conhecimento “útil” gerado pelas organizações, de acordo com os funcionalistas, é aquele de
caráter explicativo, que estabelece regras e agenciamentos da comunicação como materialidade em
que a supremacia do objeto sobre o indivíduo reifica as relações a ponto desses artefatos.
O efeito nesse caso é um tratamento genérico das situações, inclusive como modo de pre-
vê-las e controlá-las – eis porque uma das palavras-chave desse paradigma é controle. Por outro
lado, os teóricos do paradigma interpretativo dão ênfase à necessidade de se “conhecer o que está
acontecendo” e para tanto os diferentes pontos de vista são levados em conta, no que os estudiosos
denominam de versões sobre os mesmos fatos.
Enquanto interpretativistas e funcionalistas possuem visões conflitantes, os humanistas e
estruturalistas convergem em determinados pontos:
Ambos paradigmas partilham a concepção de que a sociedade está em cons-
tante mudança, embora partam de pontos de vista diferentes. O humanismo
radical é subjetivo, preocupado com a emancipação individual; enquanto o es-
truturalismo radical é objetivo explorando forças sociais, políticas e econômicas
que subjugam a ação individual.
A visão das organizações como prisões psíquicas é um exemplo de abordagem
humanista radical, por outro lado, a visão das organizações como instrumentos
de dominação (MORGAN, 1986) ilustra o paradigma estruturalista-radical.
Diferenças à parte, estes paradigmas assumem posturas críticas quando enca-
ram as organizações como forças de exploração social, econômica e política.
Teóricos e críticos desta corrente agem como agentes de transformação para ex-
por a opressão embutida nos comportamentos organizacionais e para elucidar
alternativas de mudança (PUTNAM, 1982). (CASALI, 2004, p. 4)

Um tema recorrente na análise sobre as teorias da organização é o da forte herança ou tra-


dição do funcionalismo (cuja raiz é o positivismo do século 19 e início do 20) e o seu predomínio
Teorias da comunicação 55

nas organizações. Putnam et al. (1996 apud CASALI, 2004, p. 5) apontam três possíveis relaciona-
mentos entre organizações e comunicação: container, produção e equivalência. O primeiro modelo
– container – é característico do funcionalismo em uma abordagem que considera a “comunicação
na organização”, enquanto que os modelos produção e equivalência mostram-se predominante-
mente interpretativistas, valorizando a “organização como comunicação”.
No modelo container, a organização hospeda a comunicação que passa a ser estudada de fora,
como uma espécie de artefato, uma fórmula pronta, pré-concebida e instrumental que, como afirma
Casali (2004), “sustenta o equilíbrio e a ordem na organização”. Putnam (1982), citada por Casali,
afirma que no funcionalismo, a organização é tipificada como “uma máquina, um organismo ou
um sistema cibernético” (CASALI, 2004, p. 5) e a comunicação, como mecanicista, enfatizando a
transmissão, os efeitos, a seleção de canais e o processamento da comunicação. Cada subárea da
comunicação organizacional, como a comunicação interna, possuiria um protocolo “burocratizado”
por definição, formular e enrijecido na experiência cotidiana da organização.
O container, como teatro de operações — utilizando-se de uma expressão da teoria da guerra
— próprio da comunicação nas organizações, utiliza a primeira como instrumento da adminis-
tração, segundo a lógica da performance, produtividade, eficiência e eficácia. Eis por que o design
da comunicação a concebe como processo linear, estruturado em canais hierárquicos com grau
considerável de estabilidade.
A noção de “organização como comunicação” é a principal premissa do paradigma interpre-
tativo. Segundo essa percepção sobre a experiência das organizações:
administrar significa gerar encontros e confrontos visando à reconstituição
dos significados e à busca do consenso. A formulação do problema refere-se a
como as condições organizacionais são interpretadas pelos funcionários e pe-
los gestores. O problemático é o consenso e a falta de confrontos. O paradigma
possui fundamentos no interacionismo, nas relações humanas, no culturalis-
mo [...] A ação humana é determinada e sustentada pelos significados recípro-
cos que permitem o consenso mínimo a respeito do mundo. Assim, qualquer
situação nova que apareça é interpretada com base no sistema de significados
partilhados pelos indivíduos de um grupo. [...] Dessa forma, a compreensão da
realidade passa pela compreensão da relação entre as pessoas e entre as pessoas
e as coisas. Nada tem sentido absoluto fora de um contexto, que, variando,
pode modificar radicalmente o significado, a potência e a função de um dado.
(BULGACOV; BULGACOV, 2007, p. 85)

O interacionismo entre os agentes é o principal substrato organizacional, razão pela qual


eles são capazes de criar e modelar sua própria realidade. É nesse sentido em que as palavras
(o discurso), o relato e as versões dos membros em relação a um objeto assumem papel decisivo e
constitutivo do relacionamento. No entanto, é justamente essa ênfase concedida à intersubjetida-
de o principal alvo das críticas ao modelo interpretativista. Ele teria abstraído a materialidade da
comunicação (pedra de toque do funcionalismo), a tal ponto que acabaria se despregando da reali-
dade, fato evidenciado na valorização exagerada da subjetividade. Para os críticos, seria necessário,
contudo, operar-se o balanço entre objetividade e subjetividade.
56 Comunicação Empresarial

A comunicação como produção, própria do viés interpretativista, leva em conta como a comu-
nicação produz as organizações, dotando-as de personalidade e portanto de um diferencial no mun-
do organizacional. Por outro lado, a comunicação como equivalência, citada acima, concebe uma
e outra como uma mesma unidade: “comunicação é organização” e “organização é comunicação”.
Casali (2005, p. 2), em um esforço de esquematizar as diferenças entre esses dois mode-
los de comunicação, apresenta o quadro a seguir que reproduzimos como balanço das consi-
derações acima.
Quadro 1 – Síntese das noções sobre comunicação organizacional

Comunicação organizacional

Comunicação nas organizações Comunicação como organização

Visão das organizações


• Unidade • Sistema de interações
• Máquina ou coletivo • Construção social
• Variável dependente da estrutura orga-
nizacional • Elemento constitutivo das relações
Visão de comunicação • Mecanismo para transmissão de infor- sociais
mações e manutenção da ordem orga- • Transação
nizacional

Relação • Produção
• Container
comunicação - organização • Equivalência
• Desempenho de funções operacionais,
Importância da comunicação de manutenção, de relações humanas e • Processo “organizante”
de inovação

• Mensagens
• Processos simbólicos de estrutura-
Foco de análise da comunicação
• Canais ção coorientação e legimação das
• Redes relações sociais e clima organi- ações sociais
zacional

Fonte: Casali, 2005, p. 2.

2.8.1 A organização como comunicação: a escola de Montreal


James R. Taylor, professor da Universidade de Montreal, no Canadá, há mais de 30 anos
estuda as organizações ao longo dos quais e a seu modo vem criando uma pequena revolução com
sua teoria da coorientação. A sua intervenção no debate sobre comunicação, especificamente no
mundo organizacional, dá-se no sentido da valorização do diálogo, da interpessoalidade e da cons-
trução do conhecimento.
Taylor concede especial atenção à linguagem e vê como tarefa indispensável a sua compreen-
são para a construção de uma teoria, como a que professa, preocupada em “descobrir a organização
na comunicação e não mais o estudo da comunicação na organização (a abordagem convencio-
nal)” (TAYLOR, 2007, p. 88). A teoria da coorientação nasce, portanto, com a missão de transfor-
mar a teoria comunicacional em organizacional.
Teorias da comunicação 57

De forma direta, Taylor admite que a teoria parte de uma observação muito simples, válida
para qualquer organização, a de que esta surge do interesse de se trabalhar coletivamente para gerar
um certo tipo de resultado. A relação entre um sujeito A e um sujeito B, beneficiário das gestões
do primeiro em torno de um objeto X, dá-se na forma de troca (X trocado por Y: “dinheiro, auto-
ridade, prestígio, qualquer um”), de modo que o foco da relação comunicacional se orienta para o
objeto e sua capacidade de suscitar uma troca: valor para valor, nos termos de Taylor.
Entendemos facilmente o sentido da expressão coorientação no esquema A – (X) – B, no
qual esse núcleo da comunicação organizacional, nos termos acima, une dois sujeitos coorientados
para o objeto X; enfatiza-se que essa é a condição de a comunicação tornar-se organizacional, ou
seja, com foco no objeto. Taylor, a partir do exemplo de uma operação complexa de serviços – em
que um paciente, em um hospital, é enviado, por um médico, a coletar sangue para análise, e da
qual coleta se obtém amostra que passará depois por um laboratório e daí retornará ao especialista
– chama a atenção para o fato de que esse tipo de relação, com várias transações, em qualquer caso,
demonstra sua natureza intensamente imbricada, ou seja, sobreposta. Aliás, o mesmo padrão de
coorientação pode ser observado mesmo quando o que está em jogo sejam expressões simbólicas
como a linguagem.
Taylor afirma que um esquema como o que se vem descrevendo mostra-se horizontal,
além de imbricado, e não simétrico, mas complementar e isso, de acordo com o teórico, fica claro
ao se notar que
quando consideramos mais estreitamente as respectivas orientações para X de
A e B. Para o agente A, a relação com X é “fazer-para”. Para o beneficiário B, a re-
lação com X é de “feito-para”. Linguisticamente, é o correspondente à diferença
entre o sujeito gramatical e o objeto indireto. O resultado é que, embora os dois
indivíduos sejam unidos pelo seu interesse conjunto em X, eles são divididos
pela complementaridade de seus interesses. (TAYLOR, 2007, p. 90-91)

A partir desse esboço, podemos divisar, sempre de forma muito sumariada, o sistema comu-
nicacional, construindo-se de modo inerente ao movimento interno da empresa, entendido como a
combinatória de suas funções, protagonizadas por agentes distribuídos em estruturas hierárquicas de
maior ou de menor complexidade. Portanto, a comunicação, vamos dizer, não transparece como algo
epidérmico, como uma estratégia delineada à feição de um protocolo que eventualmente pudesse ser
substituído, e de forma quase mecânica, por outro. A teia de relações fundamentalmente valorizadas
por Taylor são as interpessoais, conversacionais, no sentido dialógico mesmo da palavra.
A conversação é o solo fértil da ação de organizar, pois sem ela não há coorientação no
sentido sistêmico e organizacional mais amplo, traduzido na relação da empresa com seus diver-
sos públicos com vistas ao cumprimento de sua missão. A propósito, é importante realçar o papel
da “produção de sentido” (sensemaking), esse tipo de engajamento dos atores em certo quadro de
referência a partir de estímulos direcionados a eles. Aos poucos, torna-se nítida a tendência de as
organizações serem compreendidas, segundo Bastos (2002, p. 67), “como um fenômeno proces-
sual, fortemente enraizado nas ações e decisões das pessoas”, processo que “recusa-se a reificar a
organização e coloca as pessoas, os grupos, as redes sociais, as cognições gerenciais e os processos
decisórios como alicerces do fenômeno organizacional”.
58 Comunicação Empresarial

Como uma teoria que reflete sobre o papel da linguagem na organização, a Escola de Montreal
utiliza o conceito de “texto” - na forma escrita ou falada – como um todo gerador de sentido, instru-
mento participante da conversação. Elemento que materializa o sensemaking, o texto coorienta ações
e participa da gestão das emoções. Não como um simples registro destas, de sua carga sentimental,
mas como mediador (não necessariamente como um filtro), um canal de comunicação, no qual se
expressam versões sobre o modo de como se encaram os estímulos, forjando uma identidade, mas
também se abrindo para a negociação.

2.8.2 Metaparadigmas
Kunsch (2017, p. 42), entre outros teóricos, também reconhece que o funcionalismo ocupou
papel dominante na comunicação organizacional até os anos 80. Essa situação, no entanto, foi aos
poucos se modificando com a entrada em cena dos estudos interpretativos e críticos como parece
ter ficado claro nas linhas acima. O discurso contraideológico dos paradigmas críticos radicais
(humanista e estruturalista), fundamentado na necessidade de mudança, ocorre concomitante-
mente, pelo menos em parte, com a contribuição de uma série de outras vertentes teóricas pouco a
pouco incorporadas: dialógica, interativa, pós-moderna, desconstrucionista, reformista, da diver-
sidade de gênero, da complexidade etc.
Essa dinâmica justifica-se pela necessidade de se alcançar maior abrangência teórica, mas
ao mesmo tempo de estimular a prática no cotidiano das organizações. Ora, o ideal de mudança,
dos paradigmas críticos, tem como perspectiva a emancipação dos indivíduos quer corrigindo e supe-
rando as estruturas de opressão (o que põe a claro o projeto utópico dessa corrente) quer construindo
bases sociais, antropológicas, filosóficas, psicológicas entre outras, para o ganho de consciência.
É ainda o desejo de mudança que impulsiona a superação de paradigmas como forma de
se conquistar a abertura indispensável para o avanço das ciências aplicadas. O rompimento dos
limites dos paradigmas será, entre outras conquistas, capaz de redefinir as conexões entre ação
individual e estrutura social com desdobramentos sobre as relações entre micro e macroanálises.
Inclui-se nessa discussão, a noção de flatland (terra plana), contrária à tese de que existem
dois níveis de realidade (micro e macroanálises). Essa dimensão binária, negada pelo conceito de
flatland, torna a organização uma espécie de continente e os seus membros, e processos vividos
por eles, um conteúdo. Um avanço teórico no sentido de superar o dualismo contribui, de acordo
com os pesquisadores, para integrar as abordagens acima referidas — comunicação na organiza-
ção e comunicação como organização e ao mesmo tempo ir além de seus limites.
Mais uma vez um artigo de Casali (2005, p. 4) posiciona bem o leitor:
Estas teorias transcendem os paradigmas tradicionais quando sugerem que o
mundo deve ser compreendido como um todo material e social, nem exclusi-
vamente subjetivo, nem objetivo, que não se situa nem no império da ordem
nem no reino da mudança. Quando o mundo é compreendido em sua inerente
dinâmica, como uma forma de estrutura em ação (BODEN, 1994) ou como um
processo estrutural essencialmente dual (GIDDENS, 1984) é possível trans-
cender suposições binárias da realidade, tais como as dimensões propostas por
Burrell e Morgan (1979).
Teorias da comunicação 59

Os críticos do modelo binário defendem que a relação micro-macro não encontra lugar no
mundo real, pois seria apenas um dispositivo metodológico de interesse da pesquisa. Também negam
o sequencialismo representado pelo “passado-presente-futuro” das ações humanas, o que não signifi-
ca dizer que não reconheçam os três tempos ordenados entre si. No entanto, valoriza-se a capacidade
do passado e futuro serem constantemente ressignificados no presente. Assim, haveria uma interpe-
netração de tempos: “o que acontece agora, deve fazer sentido imediatamente, retrospectivamente e
consequentemente no futuro” nos termos de Casali (2005), sintetizando Boden (1994).
Da mesma forma, essa concepção desatrelada do binarismo não diferencia as dimensões
de local e global. A “terra plana” – a metáfora que amalgama tempos e espaços e com eles os indi-
víduos em um continuum comunicacional — demonstra com sua cartografia que o macroator (a
organização, por exemplo) não é mais complexo que o microator (o indivíduo) e que em verdade
o primeiro somente se estabelece com a habilidade dos últimos. Tal visão, em comparação ao que
se conhece sobre “discurso competente” (CHAUI, 1977), tenta romper a opacidade da ideologia,
considerada esta como um discurso (e prática) de dominação.
É de Boden (1994 apud Casali: 2005, p. 6) a passagem a seguir, com a qual encerramos a
reflexão sobre o assunto:
mesmo o menor instante local de interação humana contém em si a essência
da sociedade e vice-versa. Certamente estas distinções se dissolvem em obser-
vações empíricas, mesmo que permaneçam nas investigações sob a forma de
diferentes níveis de análise nas pesquisas sociais. Na vida cotidiana, esses níveis
de análise são intrincados de tal forma que acabam por desaparecer. São as in-
terações humanas permeadas pela comunicação que tornam relativas as noções
de tempo, espaço, micro e macro.

Atividades
1. Por que a adoção de paradigmas na ciência revela-se uma estratégia importante?

2. Aponte a principal diferença entre o paradigma pragmático-funcionalista e o paradigma


culturológico.

3. Além de ter deslocado o eixo de reflexão sobre a mensagem e sobre os efeitos produzidos so-
bre o receptor para uma investigação sobre a natureza do meio (canal), McLuhan chamou a
atenção por ter introduzido um conceito que o coloca hoje outra vez em evidência. Explique.

Referências
BASTOS, Antonio V. B. Mapas cognitivos e a pesquisa organizacional: explorando aspectos metodológicos.
Estudos de Psicologia, n. 7, p. 65-77, 2002. (Edição Especial).

BODEN, D. The business of talk: Organizations in action. London; Cambridge, Mass.: Polity Press. 1994.
60 Comunicação Empresarial

BULGACOV, Sergio; BUGACOV, Yára Lúcia M. A construção do significado nas organizações. FACES –
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3
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função

Comecemos por esmiuçar alguns preceitos da Escola de Palo Alto, uma das vertentes
da teoria da comunicação. Trata-se de uma corrente interacionista, pertencente ao paradigma
pragmático-funcionalista, na qual é “impossível não comunicar”, isto é, toda interação tem
valor de mensagem, porque o comportamento humano, como um todo, é a própria mensa-
gem. Visto dessa forma, como comunicação, o comportamento deverá ser compreendido em
toda a sua extensão, como uma complexa rede de significados que extrapolam o plano verbal,
abrangendo também o não verbal, como, por exemplo, tonalidade, gesto, postura, como com-
ponentes da gramática do corpo. Tudo isso, no interior de uma moldura formada por tempo
e espaço, configurando determinado contexto. Uma propriedade básica do comportamento
humano é que ele não tem oposto – não existe um não comportamento, pois um indivíduo não
pode não se comportar. Chega-se, portanto, ao axioma segundo o qual “todo comportamento
é comunicação e a comunicação afeta o comportamento”.
A todo momento, a interação entre as pessoas põe lado a lado comportamentos nem
sempre fáceis de interpretar, mas que no ambiente da empresa podem afetar, e frequentemen-
te afetam, o andamento do trabalho e até mesmo a sua compreensão de forma mais orgânica.
A disposição de escutar o outro, se fosse um comportamento insistentemente valorizado pela
empresa e desenvolvido como um componente da cultura organizacional, poderia ajudar a
resolver problemas estruturais de comunicação.
Essas primeiras considerações trazem consigo outro tema, o da empresa como máquina
de gerar sentido. Além de ser uma noção, mais ampla ainda, aparentemente óbvia – mas que nem
por isso deixa de ser negligenciada pelas empresas – reafirma o papel decisivo das pessoas na
organização. Pois são essas, na origem e na ponta das relações organizacionais com seus públicos,
que se relacionam umas com as outras, internamente, para obter resultados com reflexos exter-
nos, gerando sentido para a empresa, negociando sentido em vários níveis, tudo de acordo com um
dispositivo conceitual encarnado pela missão da empresa.
Se abstrairmos essa condição das organizações, reforçamos a “autonomia”, de fundo
ideológico, de cargos, salários, regime de promoções, divisões, como se por detrás desses não
houvesse pessoas. Há publicações sobre comunicação empresarial que, considerando-se o papel
especializado dessa disciplina, simplificam ao máximo esse complexo quadro de relações e im-
primem uma visão mecanicista que este jamais possuiu, mesmo em pequenas empresas. É por
isso que a discussão encaminhada a seguir tem que ser compreendida no interior da organiza-
ção disposta a fazer do diálogo o fator preponderante das relações humanas, surgidas em um
contexto bem-definido. O agenciamento da comunicação como organização passa necessaria-
mente pelo fortalecimento do estatuto do dialógico e interativo, o que em outros termos significa
dizer que será essa a “terra plana” (flatland) de cujo solo germinará a cultura organizacional.
62 Comunicação Empresarial

Em busca de uma síntese de um tema nosso recorrente:


Em função de suas raízes interpretativas, a teoria da coorientação reconhece
a realidade social como um processo simbólico continuamente criado e re-
criado. A premissa básica é de que o mundo social é interativo, dinâmico e
emergente, definido a partir das práticas que o constituem. Quando o objeto
de análise social é o fenômeno organizacional, observamos que organizações
são constituídas por práticas comunicativas. A construção e a reconstrução das
organizações se dá à medida que unidades relacionais A/B/X são imbricadas
e formam um tecido de interações permeadas pela comunicação. A teoria da
coorientação assume que nas interações A/B/X o uso da linguagem produz
organização e que a comunicação se torna uma instância de produção de senti-
dos, agenciamento e posicionamento social, ao mesmo tempo que atua sobre o
mundo material. (CASALI, 2007, p. 8)

Contudo, a insistência em uma visão radicalmente interpretativista, com a valorização da


subjetividade e a interação simbólica (os rituais nas organizações, por exemplo), somente alcança a
razão de ser em ambientes organizantes em que a teoria não tenha se tornado mero detalhe institu-
cional da gestão de pessoas. Por outro lado, o comunicador, se convicto em optar por uma vertente
da comunicação organizacional, não se dispensa de divisar os limites e mesmo inconsistências teó-
ricas da tal corrente. Tais debilidades são verificáveis, por exemplo, no desenraizamento da teoria
do tecido das organizações vivas.
Se partir dos preceitos da Escola de Montreal, como forma de eleger uma corrente do
pensamento da comunicação organizacional para sua assimilação na empresa, o comunicador/
pesquisador cometeria o erro da instrumentalização daqueles princípios, reduzindo-os a um
protocolo mecanicista, se não fosse capaz de promover a correção de sua dinâmica na organi-
zação sempre que necessário. E isso obrigatoriamente com a intervenção dos vários agentes do
ambiente organizacional em uma demonstração de preparo intelectual – ao dar provas de que de
fato conhece o repertório em questão – e administrativo.
Um esboço dos vários componentes do pensamento da escola canadense ajuda a contex-
tualizar o desafio do comunicador em seu compromisso com a teoria e sua eventual superação na
prática cotidiana da organização.
Produção de sentido (sensemaking): o processo objetiva tornar o desconhecido em conhe-
cido, com a adoção de um framework (conjunto hierarquizado) de significados compartilhados
pelos indivíduos nas organizações. A construção de sentido relaciona aspectos cognitivos e de ação
em certo ambiente organizacional, gerando significados e definição dos propósitos da organiza-
ção. A construção de sentido é o processo de criar, manter e desconstruir significados, conforme
necessidades estratégicas da organização. O conhecimento não é “transmitido”, processo típico das
organizações do modelo container, mas construído interativamente. Portanto, processo essencial-
mente dinâmico, análogo ao pensamento dialético (tese, antítese, síntese) em que a criação do novo
reinicia o circuito com “nova” tese.
A produção de sentido pode ser tanto colaborativa quanto competitiva (diálogo ou polêmica).
Os interlocutores sustentam versões (accounts) ou visões de mundo, mas umas poderão ter ascen-
dência sobre outras.
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 63

Coorientação: a unidade mínima de comunicação e organização é a coorientação, represen-


tada pela relação A/B/X (Figura 1). A coorientação representa uma relação de troca, no momento
em que pelo menos dois agentes (A/B) convergem sua atenção para um mesmo objeto X. Agentes
são indivíduos ou organizações que utilizam recursos de linguagem para interagir. Os objetos de
comunicação representam elementos do ambiente material e social passíveis de interpretação e que
incorporam significados. A coorientação é ao mesmo tempo integração e diferenciação, uma vez
que os atores procuram fundamentar sua versão. Todavia, o que se busca é o consenso resultante
da integração na forma de uma versão (account) comum.
Figura 1 – Sistema de coorientação
A B

Fonte: Adaptada de Taylor et al (2001).

Imbricação: das tarefas mais simples às mais complexas na organização, observa-se o movi-
mento de imbricação, ou seja, a sobreposição de processos, criando uma liga entre eles, o que exige
sempre por parte do analista uma visão holística, comprometida com o todo, portanto. A unidade
de coorientação ampliada permite mapear a imbricação em escalas cada vez mais abrangentes e
complexas, cujo design final é a própria organização.
Conversação: interacionismo, intersubjetividade entre comunicadores A e B, o substrato
de um ambiente de linguagem. O meio pelo qual as organizações são construídas e reconstruídas.
A conversação modela a organização e é modelada por ela. De onde essa espécie de axioma da
Escola: “comunicação é organização e organização é comunicação” em permanente relação de
equivalência. É o principal substrato da organização, seu lócus primário. “Todo sistema de orga-
nização social humano é condicionado à comunicação, assim como tal sistema é uma estrutura na
qual a comunicação ocorre” (TAYLOR, 1997).
A interação em reuniões, por exemplo, constrói a identidade de cada objeto (ampliação de
instalações, abertura de filial, criação do plano de marketing). Que determina também a identidade
de cada ator. Conversações múltiplas, constantes e contínuas se sobrepõem em camadas.
Produção de texto: oral e escrito; do oral para o escrito. A coorientação é mediada por texto
e realizada por diálogo e conversação. Parte constituinte do processo, por meio dele os agentes
coordenam as ações. Como filtro, “processo de reflexão mediada”, o texto participa da gestão da
emoções. “Somente quando fui enviar minha mensagem na intranet, me dei conta de algumas
falhas de interpretação do projeto”. Processo contínuo e circular; conversações se transformam em
textos; textos são traduzidos em conversações.
Agenciamento: textos são o tecido da conversação que conduz à coorientação e imbricação.
Identificado no interior dessa “unidade mínima de comunicação”, ele pode tomar a forma de um
relatório ao final de uma inspeção ou visita a uma agência de publicidade.
64 Comunicação Empresarial

3.1 O poder da comunicação como organização


Essa permanente interação entre os atores, na forma complexa de múltiplas e imbricadas
linguagens (oral, escrita, atitudinal, emocional etc.), conduz para o cumprimento das diretrizes
organizacionais da empresa, representadas por sua missão, visão, valores e objetivos.
Para usar uma palavra-chave da Escola de Montreal, aceitemos que a missão de uma em-
presa seja um texto fundamental ou fundante dessa organização. É o motivo pelo qual uma
empresa vive, sua razão de ser como ente no espaço social; traduzida em texto, é “uma meta
corajosa, instigante e audaz que deve ser expressa em linguagem clara, objetiva e bem-definida”
(RABINOW; DREYFUS, 1995, p. 247 apud SOUTO MAIOR, 2008, p. 6). Corajosa e audaz por-
que não é restrita à venda de produto ou de serviço, mas orientada para o atendimento de desejos
e necessidades do cliente. Assim, aquele famoso fabricante de tênis não se limita a vender pares
desse tipo de calçado, mas promete colocar nos pés do público-alvo uma boa dose de atitude, di-
ferença que potencializará o próximo passo do cliente com os valores de um imaginário comum.
A par de seu significado específico, como instrumento de dominação, a ideologia é antes de
tudo um sistema de ideias, um corpo organizado de valores vigentes na sociedade, daí seu uso em
frases como a “ideologia do partido tal” etc. Nas organizações, os dois sentidos correm lado a lado,
como já se sabe, mas se evidencia fortemente esse seu pendor regulatório de todas as ações, essas
linhas de força que lhe são próprias e que coadunam os atores em direção a determinados fins.
Como destaca Souto Maior (2008, p. 7):
O discurso empresarial, cujas formações discursivas se entrecruzam nos dizeres his-
toricamente construídos na evolução do mundo capitalista, procura desenvolver-se
numa cenografia onde o ethos dito interpela o sujeito empregado a assumir o com-
promisso de se envolver com a organização, utilizando enunciados que o estimulem
a desenvolver competências individuais e coletivas, de modo a assegurá-lo como
participante ativo no mundo organizacional. A competitividade acirrada tem coloca-
do como urgente a necessidade de mudanças, principalmente no que se referem aos
efeitos de sentido que circulam nos discursos produzidos na empresa, obrigando os
gestores a, além de rever posturas, rotinas, procedimentos e hábitos consolidados há
décadas, construir formas discursivas típicas do espaço organizacional, evidenciando
a produção de sentido em suas múltiplas determinações representando o imaginário
da época.

Do ponto de vista administrativo, a missão organizacional é produto da conversação de seus


líderes, materializada em texto, imbuído de um caráter ao mesmo tempo expositivo, persuasivo
e injuntivo. Isso se considerarmos que ele evoca, de forma subjacente, o arquivo instrucional da
organização, o modo pelo qual se alcançam objetivos, lembrando um pouco os preceitos da mi-
diologia, ao se usar a expressão “arquivo”. Não há coorientação sem diálogo e é este o alicerce do
conhecimento; como vimos, dois ou mais atores coorientam-se ao objeto e com o objeto, de onde
a produção de textos, também compreendidos como versões, e cuja dimensão e análise vamos
construindo ao longo do livro.
No entanto, a missão organizacional não admite versões, entendidas como pontos de vista
diferenciados, pois, se assim fosse, o enunciado que traduz a missão da empresa seria um texto
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 65

ambíguo, no sentido em que a teoria da literatura usa essa palavra: um texto polissêmico (muitos
significados), gerando várias interpretações a respeito dos objetivos da empresa. Isso seria de todo
indesejável. A sua construção como enunciado – o processo mesmo de conversação entre os líderes
– deverá ter percorrido (mas não necessariamente, como ocorre em muitas empresas) as etapas de
uma negociação, cujo resultado é o agenciamento na forma de um enunciado que expõe a missão.
Esta, por sua vez, é fruto da análise do ambiente externo, em que foram identificadas oportuni-
dades para se agir e avaliadas as forças e fraquezas da organização para atender às demandas no
confronto com as ameaças do cenário econômico-político e histórico que a envolve.
A missão, como discurso instituído, ideológico, cristaliza-se em um enunciado objetivo,
com uma semântica “estável” e dita compreensível aos olhos do público interno e externo, mas ela
é também, e por isso mesmo, um componente da imagem organizacional e, como tal, será exposta
na vitrine. Documentos fundacionais, placas afixadas em lugares estratégicos na empresa, mas,
sobretudo, sites e anúncios institucionais, em qualquer meio, reforçam essa profissão de fé.
Por outro lado, ser estável não significa ser imutável. A dialética é um movimento perma-
nentemente orientado pelos contrários – tese e antítese – que se resolve em síntese, matéria-prima
do novo. A abrangência, especificidade e recursos articulados pela missão organizacional sofrem
transformações geralmente lentas e, outra vez, nessa reordenação de objetivos e intensificação da
jornada, tem lugar a conversação entre os atores, basicamente os líderes, mas não em posição iso-
lada por definição. Pois estes são intérpretes do ambiente externo atores em lugar de destaque no
interno e, como tal, gozam de autoridade para traçar rumos e corrigir órbitas, desígnio em que de-
vem ser auxiliados pelo comunicador empresarial, entre outros agentes. Aliás, e com certa frequên-
cia, o comunicador é um desses líderes, mas, mesmo não sendo, sua participação nesse processo
é indispensável. O comunicador deve ter suficiente perspicácia para analisar o posicionamento da
organização e extrair dele sinais para agenciar certas demandas.
Leonardo Boff (2000)1, utilizando-se de uma estrutura frasal espelhada, afirma que “todo pon-
to de vista é a vista de um ponto”, o que é verdadeiro e fortalece uma das premissas da Escola de
Montreal que enxerga na versão (account) a expressão desse ponto de vista. Vamos supor que diferen-
tes atores – entre os quais, com destaque, o comunicador empresarial – participem de uma reunião
para discutir o posicionamento ou reposicionamento de uma empresa, o conceito de marketing pro-
posto por Al Ries e Jack Trout. Como se sabe, esse processo ganhou tal relevo, que o próprio Philip
Kotler – um dos mais conhecidos teóricos do mix de marketing: Ps (Produto, Preço, Ponto de Venda
e Promoção) reserva lugar de antecedência ao posicionamento. Portanto, antes mesmo dos famosos
quatro Ps, é preciso Pesquisar, segmentar, o que significa estabelecer o Foco e, paralelamente, investir
nesse outro P, o de Posicionar.
O posicionamento é o modo pelo qual a empresa reserva um lugar na percepção e na men-
te do cliente. É a forma de a organização se fazer distinguir e essa operação afeta os demais Ps.

1 Leonardo Boff, pseudônimo de Genézio Darci Boff (Concórdia, 14 de dezembro de 1938), é um teólogo brasileiro, es-
critor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil. Foi membro da Ordem dos Frades Menores,
mais conhecidos como Franciscanos.
66 Comunicação Empresarial

Daí porque podemos entrever no posicionamento o objeto, por excelência, no centro de um tipo
de coorientação (uma unidade mínima de organização) com tendência a se ampliar e revelar a
sobreposição de processos, a imbricação.
Observando ainda o alcance da discussão, esses atores orientados a um objeto, no caso, o po-
sicionamento da empresa, acabarão por compreender nesse exercício os muitos desdobramentos a
que nos referimos, afetando os quatro Ps e, com eles, a missão e a visão da empresa. Empresas sem
visão não enxergam perto e muito menos longe; é a perspectiva da empresa a longo prazo, onde ela
pretende chegar, mas sempre levando em conta o exequível, aquilo que efetivamente seja possível
de se colocar em prática.
Ora, é fácil imaginar que dada a complexidade da tarefa, a do posicionamento, os pontos de
vista não sejam necessariamente convergentes; a Escola de Montreal afirma que a coorientação,
como se destacou, é ao mesmo tempo integração e diferenciação, o que leva cada ator a expor
sua versão, sua leitura, objetivando diferenciá-la das demais. Essa interação entre os atores cria a
identidade do objeto e este, por sua vez, a dos atores, que são capazes de operar conjuntamente,
reconhecer as regras da operação e, enfim, colher os resultados.
Até aqui permanecemos sobre um desenho bastante amplo, pois discutimos alguns precei-
tos sobre missão, visão e posicionamento, mas com um objetivo metodológico que passamos a
esclarecer. Não se deve entender a comunicação, na empresa, como apenas uma ferramenta — o
que deve ter ficado claro, quando se faz a crítica ao modelo de acordo com o qual a organização
hospeda a comunicação, tornando-se um container — representada por recursos, os meios ma-
teriais de que lança mão, e tampouco apenas como um conjunto de procedimentos, técnicas e
estratégias adotados pelas diferentes áreas. Nessas perspectivas, a comunicação aparece como um
composto vindo de fora e que encontra lugar na organização. Mal comparando, se pensamos a
comunicação como técnica materializada em ferramentas, talvez fosse possível, de forma mecâ-
nica, substituí-la por algo também material que proporcionasse à organização efeitos equivalen-
tes ou maiores. Um pouco como ocorre quando se substitui uma linguagem de computador por
outra com o objetivo de usufruir das vantagens identificadas nessa escolha.
Ora, a questão da comunicação é mais complexa. Se é verdade que ela é inerente à vida em
comunidade não é menos verdade que é anterior ao surgimento das organizações. Pretendemos
adotar, portanto, uma visão dialética entre organização e comunicação em que a palavra integra-
ção não se refira apenas aos vínculos entre as áreas da comunicação empresarial integrada, mas
seja ela mesma a sintaxe e a semântica da organização com um todo. É claro que, como sistema,
toda organização é integrada e não reside aí nenhuma novidade. No entanto, aceita a premissa
de equivalência entre organização e comunicação (e vice-versa), cabe provar sua aplicabilidade.
Por outro lado, nos limites de um livro como este, mais voltado para uma abordagem prática
do que epistemológica da questão, a proposição acima delineada não deverá ser agora esmiuçada,
inclusive para que o leitor tenha um ponto de partida seguro. Por isso, no próximo tópico, tratare-
mos de colocar lado a lado dois modelos de comunicação empresarial.
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 67

3.2 Comunicação empresarial: aproximações conceituais


Aceito o objetivo traçado acima, em que a comunicação ganha significado mais complexo
no universo organizacional, ele poderá ser reformulado nos seguintes termos: desloca-se o foco
da gestão dos processos comunicacionais para uma gestão comprometida com soluções de co-
municação, de informação, de construção de conhecimento e de interação, tendo como balizas os
ambientes interno e externo.
Kunsch reflete sobre a comunicação organizacional de modo a alcançar sempre maior
abrangência para o seu objeto de estudo; assim, no livro de 1997 (1997, p. 115), a pesquisadora faz
menção a três subáreas constituintes da comunicação integrada:
Entendemos por comunicação integrada aquela em que as diversas subáreas
atuam de forma sinérgica. Ela pressupõe uma junção da comunicação institu-
cional, da comunicação mercadológica e da comunicação interna, que formam
o composto de comunicação organizacional. Este deve formar um conjunto
harmonioso, apesar das diferenças e das especificidades de cada setor e dos
respectivos subsetores. A soma de todas as atividades redundará na eficácia
da comunicação nas organizações [...] A comunicação integrada permite que
se estabeleça uma política global, em função de uma coerência maior entre os
programas de uma linguagem comum e de um comportamento homogêneo,
além de se evitarem as sobreposições de tarefas. Os diversos setores trabalham
de forma conjunta, tendo entre os olhos os objetivos gerais da organização e ao
mesmo tempo respeitando os objetivos específicos de cada um. (1997, p. 115)

Já em uma publicação de 2003, a autora inclui mais uma subárea entre as anteriores:
Entendemos por comunicação integrada uma filosofia que direciona a conver-
gência das diversas áreas, permitindo uma atuação sinérgica. Pressupõe uma
junção da comunicação institucional, da comunicação mercadológica, da co-
municação interna e da comunicação administrativa, que formam o mix, o
composto da comunicação organizacional. (KUNSCH, 2003, p. 150)

Palavras como integração, sinergia, junção, soma poderiam ainda se unir a outras que evo-
cassem a ideia de um amálgama de ferramentas, estratégias e programas. Todo o pensamento da
atual comunicação organizacional funda-se nesse princípio que parece nunca suficientemente re-
petido. É como se a cada nova retomada do preceito da integração, do design reticular (em rede)
da organização, cada pesquisador reforçasse sua posição em sentido contrário ao do paradigma
funcional, com seus processos lineares e “maquínicos” de cima para baixo. A ironia, contudo, é que
grande número de organizações, a par do discurso “modernizante”, continua preso ao modelo do
container nos moldes a que nos temos referido: comunicação segmentada no interior das unidades
(seções, departamentos...) como se elas fossem um local, um lugar específico do dispositivo comu-
nicacional, e por conseguinte, como limitação do sistema, a parte mais ou menos isolada de um
todo representado pela organização.
Kunch (2003) propõe um diagrama que permite ver as inter-relações entre subáreas e
suas ferramentas:
68 Comunicação Empresarial

Figura 1 – Comunicação organizacional integrada: composto da comunicação

Comunicação interna
Comunicação administrativa
Fluxos
Redes formal e informal
Veículos

Comunicação Comunicação Comunicação


institucional organizacional mercadológica
Relações públicas
Marketing
Jornalismo empresarial
Assessoria de imprensa Propaganda
Editoração de multimídia Promoção de vendas
Imagem corporativa Feiras e exposições
propaganda institucional Marketing direto
Marketing social
Merchandising
Marketing cultural
Venda pessoal

Fonte: Kunch, 2003.

Os objetivos e objetos de cada uma das subáreas podem ser sintetizados conforme os
tópicos abaixo:
Comunicação administrativa – opera no âmbito exclusivo da organização. Tem a função
de ordenar, coordenar e organizar fluxos de informação formais e informais. Compromete-se
com a realização dos objetivos organizacionais, pela adoção de instrumentos, métodos e técni-
cas, conectando recursos, pessoas e processos com vistas a garantir os resultados esperados pelo
negócio. Cabe a analogia com o tecido conjuntivo dos organismos vivos, pois a comunicação
administrativa sustenta e preenche os espaços entre os tecidos representados pelas atividades,
estruturas, redes, normas, regras de conduta, dentre outras, que, atuando em conjunto, buscam a
organicidade (identidade, equilíbrio, simetria) entre discursos e posturas. O principal público é o
interno, mas não se confunde com a comunicação interna.
Comunicação interna – o público interno não se limita aos funcionários, pois outros vários
grupos geralmente são alinhados com os funcionários, embora estes, no contexto da comunicação
interna, possuam maior significado estratégico para a organização. São os produtores de sentido
(sensemaking), embora não em posição exclusiva, atores da conversação e produtores de textos
na perspectiva interpretativista. Suas ações, em sentido amplo, produzem efeitos na organização
como um todo, como também são afetados por essas ações. Funcionários realizam a tradução do
mundo externo para o microcosmo organizacional, realimentando os fluxos informais, os quais
passam a ressoar, eventualmente, uma percepção crítica sobre a organização.
A comunicação interna não se reduz ao uso de ferramentas (intranet, e-mails, folders etc.),
impondo-se como uma competência para fortalecer, promover e, dentro de seu alcance, enraizar
a cultura organizacional, pois seus instrumentos, portadores de sentido, engajam os funcionários,
momento em que o texto que expressa a missão organizacional ganha destaque. Nesse sentido,
a comunicação interna contagia a todos, em todos os níveis, e os agentes passam a reconhecer e
compartilhar (com variáveis graus de adesão) uns com os outros e também fora da organização
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 69

elementos da identidade e imagem institucionais, tornando mais evidente, como hipótese, a boa
reputação da empresa.
Comunicação institucional – vetor diretamente ligado à construção da imagem, identidade
e reputação da organização, a comunicação institucional apoia-se fortemente nas relações públicas,
no jornalismo empresarial e suas ferramentas para conquistar e fortalecer a confiança, respeito,
reconhecimento e credibilidade do público. Missão, visão e valores organizacionais são instâncias
centrais do trabalho dessa subárea.
Comunicação mercadológica – posicionamento, mix de marketing e serviços correlatos
encontram-se sob o domínio dessa subárea . De acordo com Galindo (1986, p. 37 apud KUNSCH,
2003, p. 163) comunicação mercadológica
compreenderia toda e qualquer manifestação comunicativa gerada a partir de um
objetivo mercadológico, portanto, a comunicação mercadológica seria a produ-
ção simbólica resultante do plano mercadológico de uma empresa, constituindo-
-se em uma mensagem persuasiva elaborada a partir do quadro sociocultural do
consumidor-alvo e dos canais que lhe servem de acesso, utilizando-se das mais
variadas formas para atingir os objetivos sistematizados no plano.

Evidenciando o caráter estratégico da comunicação integrada, Marchiori (2008) reforça a


necessidade de concentração das atividades em uma “única área”:
A comunicação organizacional precisa ser vista como uma unidade, precisa ser
vista sob a perspectiva da sua função nas empresas. É fundamental que passe a
concentrar suas atividades – tanto em nível interno quanto externo – em uma
única área, preferencialmente estratégica, no sentido de exercer poder e influen-
ciar na condução do processo de comunicação organizacional. Ou seja, é neces-
sário criar uma gestão que possa desenvolver a totalidade da responsabilidade
da comunicação integrada e não mais vinculada à área de recursos humanos ou
marketing. Estes são caminhos que propomos para as novas relações no ambien-
te de trabalho, caminhos que, com certeza, contribuam para o avanço de nossa
profissão. (MARCHIORI, 2008, p. 219)

É interessante notar que, não obstante o discurso em defesa da integração, de Kunsh (1997;
2003) na visão de um outro teórico (NEVES, 2000, p. 30), os “três conjuntos de esforços” – represen-
tados pela a) comunicação de marketing; a “mercadológica” b) institucional e c) interna – resultam em
segmentação, o que teria levado as empresas a criarem processos internos para cada “tipo de conjunto”
em grande parte controlados por departamentos “estanques, isolados uns dos outros, com estratégias,
pessoal e gerência independentes”, gerando conflitos internos. Ainda de acordo com Neves (2000), tal
desenho implicaria um tipo de abordagem que relacionaria cada público com uma mensagem especí-
fica, o que leva o autor a ressaltar que
Está mais do que provado que a segmentação do esforço de comunicação numa
empresa significa perda de energia, má utilização de recursos, distração ge-
rencial, quase sempre trabalho perdido, quando não resulta em danos para a
própria imagem. (NEVES, 2000, p. 30)

De fato, parece não ser correto afirmar que a soma das áreas referidas por Kunsch (1997)
resulte na necessária integração entre as atividades específicas e seus instrumentos. Possivelmente,
70 Comunicação Empresarial

a autora, dando-se conta dessa inadequação em sua abordagem, no livro de 2003 não utiliza mais
aquela palavra e dá ênfase à “convergência” daquelas áreas, o que permitiria a “atuação sinérgica”.
Não nos parece apropriado, por outro lado, julgar a visão da autora pelo recorte, muito pon-
tual, do seu texto. Kunsch é, de fato, um nome de grande referência na área, sobre a qual escreveu
inúmeros livros e outros escritos. Apenas por interesse de ordem didática, parece-nos mais estraté-
gico, agora, reproduzir o modelo de Neves e juntar a ele, de imediato, uma observação desse autor,
segundo a qual existe um sistema de comunicação “paralela e independente” (NEVES, 2000, p. 31),
dentro da organização, que age sobre a percepção dos receptores:
É a comunicação simbólica. São emissores dessa comunicação: a história da
empresa, seus produtos e serviços, o comportamento de seus dirigentes, a atitu-
de profissional dos empregados, a propaganda, a programação visual, as cores,
a arquitetura dos prédios, o desenho dos escritórios, os eventos que realiza, os
programas sociais e culturais que patrocina, como se relaciona com os diferen-
tes públicos etc. É esse conjunto de elementos objetivos, visuais e simbólicos –
que sustenta a imagem da empresa, fortalecendo os atributos positivos.

Na palavra midiologia, mídio, para Debray (1993), evoca o conjunto “técnica e socialmente
determinado, dos meios simbólicos de transmissão e circulação. Conjunto que precede e supera
a esfera dos meios de massa contemporâneos”. Prédios, programação visual de lojas e escritórios
e produtos, bens tangíveis, mas também o “sorriso” estampado no rosto de atendentes (com ou
sem efeito positivo; lembremo-nos, a propósito, o sorriso forçado dos atendentes da extinta cadeia
de videolocadoras Blockbuster, logo que o Unibanco a trouxe para o Brasil), o modus operandi de
garçons, de balconistas, a cor e o asseio de uniformes, os componentes de um cerimonial, a postura
do corpo, a prática de uma “linguagem corporativa”, exercida pelos operadores de telemarketing
(inclusive em sua nunca superada predileção pelo uso de gerúndios – vamos estar enviando...), tudo
isso e muito mais configuram o universo simbólico da empresa, e tudo também é comportamento,
como está posto no início do capítulo.
Neves (2000) relaciona o processo de comunicação integrada em seis grandes áreas. Uma
das vantagens de apresentá-las, com a letra do próprio autor, como faremos abaixo, é que este con-
segue oferecer uma quantidade enorme de informação, utilizando-se de esquemas que garantem
uma visão geral sobre os vários temas tratados na sua obra. Alertamos o leitor, no entanto, de que
os nomes das áreas, bem como as siglas que lhes correspondem, não são utilizados pelo mercado,
pelo menos tanto quanto tenhamos notícia. Vale, no entanto, o poder de síntese do autor. Nomes e
siglas devem ser encarados pelo leitor como um esforço de Neves (2000, p. 32-34) em oferecer um
painel organizado de competências, ações e tarefas.
1. Processo Único de Comunicação Empresarial (PUC) – processo que inte-
gra todas as funções que se relacionam com os públicos ou que fazem algum
tipo de comunicação. Noutras palavras, marketing, vendas, recursos huma-
nos, relações públicas, advogados, ombudsman, serviço de atendimento ao
consumidor, telemarketing, lobistas, agência de publicidade, relações com a
imprensa, relações com a comunidade. [subárea Administrativa, nos termos
de Kunsch (2003)]
2. Planejamento Estratégico da Imagem (PEI) – partindo da centralização das
informações e das pesquisas, de um check-up organizacional, identificam-se
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 71

as questões que precisam ser administradas (Issue Management): os elemen-


tos da identidade institucional que precisam se harmonizados (Gerência de
Comunicação Simbólica); desenham-se os planos de ação e programas que
precisam ser desenvolvidos (Gerência da Comunicação Programada); defi-
nem-se os objetivos que precisam ser perseguidos (Gerência do Sistema de
Objetivos). [Em Kunsch (1997; 2003), subárea Institucional]
3. Gerência da Comunicação Programada (GCP) – são inúmeros os públi-
cos com os quais as empresas têm que se relacionar modernamente. Tanto
faz o tamanho da empresa. Proporcionalmente, uma empresa pequena tem
tantos públicos a ela associados quanto uma grande corporação. O impor-
tante no processo é a correta identificação dos públicos, análise de suas mo-
tivações, descoberta de interesses mútuos, estabelecimento de programas de
aproximação, abertura de canais e sua lubrificação. Cada público tem uma
particularidade, uma linguagem própria, protocolos, idiossincrasias, uma
tendência a desenvolver certas percepções [...]. A Gerência de Comunicação
Programada objetiva:
• coordenar a integração dos movimentos táticos (ações, programas, proje-
tos), bem como buscar a otimização dos recursos;
• integrar a comunicação e os marketings institucional (cultural, esportivo,
social, ecológico etc.) e comercial (propaganda, publicidade, promoções,
eventos, patrocínios, brindes etc.);
• unificar o discurso. Mesma mensagem para todos os públicos. [aqui, uma
integração das subáreas Interna, Institucional e Mercadológica.
A segmentação somente ocorre na definição dos programas e dos veículos, estes sim, ade-
quados às características do público. Primeiro objetivo dessa abordagem: dar sinergia às men-
sagens. Exemplo: o consumidor deve saber o que a empresa faz no campo social tanto quanto o
público interno ou os formadores de opinião. Segundo: evitar dissonâncias no discurso. Exemplo:
a empresa dizer que está bem de vida e anunciar plano de cortes de pessoal.
4. Gerência da Comunicação Simbólica (GSC) – objetiva proteger os atribu-
tos de imagem da empresa, assegurando a harmonia e impedindo conflitos,
entre si, dos elementos da identidade empresarial; entre eles, o discurso ins-
titucional [subárea Institucional]. (NEVES, 2000, p. 32-34)
Neves (2000) traduz issue por questão, portanto, teríamos uma Gerência de Questões voltada,
em grande parte, para itens ou fenômenos inesperados.
5. Issue Management – intervenções do Poder Público, polêmicas, celeumas,
campanhas, ações e reações da opinião pública, boatos, ataques da concor-
rência etc. [subárea Institucional, nos termos de Kunsch, com destaque para
relações públicas]. (NEVES, 2000, p. 32-34)
São duas as famílias de issues:
1 - Issues relacionados à imagem. [...] atributos positivos (transparência, agi-
lidade, qualidade de produtos e serviços, qualidade da gerência, tecnolo-
gia, boa administração, seriedade, responsabilidade social etc.) e atributos
negativos (arrogância, lucros exagerados, insensibilidade social, lentidão,
manipulação, caixa preta, atuação predadora, maus produtos e serviços
etc. [...]
2 - Issues relacionados a Questões Públicas: problemas e oportunidades que
delas podem ser gerados.
72 Comunicação Empresarial

6. Gerência do Sistema de Objetivos (GSO) – visa estabelecer objetivos, ana-


lisar feedbacks e medir avanços.
Para concluir, Neves (2000, p. 32-34) adverte que:
Há dois importantes requerimentos no sistema de comunicação integrada sem
os quais o conceito não funcionará:
1 – Participação deste colegiado no Decision Making Process da organização.
2 – Envolvimento total no Top Management no processo.
Figura 2 – Sistema de comunicação integrada

Planejamento Gerência da
estratégico comunicação
da imagem programada

Colegiado de
comunicação

Gerência do sistema
de objetivos Gerência de
Issue management comunicação
simbólica

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Neves, 2000.

A contribuição de Neves para a organização desse extenso conjunto de atividades é valiosa,


mesmo que não se concorde sempre com a relação de elementos colocados no mesmo grupo e tam-
pouco com o modo como o teórico os classifica. Conservemos esse material como referencial ao
qual retornaremos sempre que necessário. Por enquanto, importa, no próximo tópico, refletir sobre
o papel do comunicador, agora que já temos um quadro abrangente e complexo de referências.

3.3 A missão do comunicador na empresa


Missão, visão, valores e posicionamento da empresa são conceitos suficientemente integra-
dos para constituir o quadrante em que se move o comunicador. As demandas sob sua responsabi-
lidade relacionam-se diretamente a cada um dos conceitos, embora, é claro, o mesmo possa ser dito
em relação a outros executivos e funcionários abaixo desse escalão. No entanto, bem mais do que a
maioria dos executivos, o comunicador mantém um corpo a corpo diário com os quatro conceitos
na medida em que se obriga a traduzi-los como atividade do planejamento estratégico.
Argenti (2006) afirma que, nos EUA, as atividades englobadas pela área de comunicação
empresarial já não cabiam naquelas previstas para o relações-públicas a partir dos anos 1970,
fenômeno que também ocorreria no Brasil, embora com dinâmica diferente. A necessidade de
elevar o nível de transparência na organização conduziu a comunicação empresarial a um pata-
mar estratégico. A ponto de 77%, segundo dados de 2005, dos comunicadores internos, gastarem
uma ”quantidade razoável” ou uma “grande quantidade” de tempo com o desenvolvimento de
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 73

políticas de comunicação integrada. Há um dado ainda mais flagrante da importância reser-


vada ao assunto: pesquisas da Tuck School of Business, ainda segundo Argenti, revelaram que,
na média, os CEOs de uma empresa na lista Fortune 500 gastaram entre 50% e 80% de seu
tempo em atividades de comunicação. Por outro lado, agora de acordo com estudo desenvolvi-
do pela Burson-Masteller, em 2005, somente 15% das empresas “das 500 empresas globais que
mais geram receitas têm um especialista em comunicação empresarial na diretoria”. No entanto,
nada menos que 81% delas possuem profissionais da área nas equipes de gerenciamento sênior
(NEVES, 2000, p. 32-34).
Esse autor aponta uma série de funções para o comunicador: gerenciamento de reputação;
propaganda corporativa e ações que beneficiem a sociedade; relações com a mídia; comunicações
de marketing; comunicação interna; relações com investidores; responsabilidade social corporati-
va; relações com o governo; gerenciamento de crise.
A figura abaixo representa uma estrutura de empresa na qual o profissional de comunicação
empresarial tem acesso direto ao CEO, como ocorre com 46% das empresas entrevistadas pela
PRWeek’s 2005 Corporate Survey.
Figura 3 – Estrutura ideal da função de comunicação empresarial

Presidente do conselho/
Chief Executive Officer (CEO)

Assessoria
Vice-presidente de Vice-presidente Vice-presidente de Vice-presidente de Vice-presidente de
jurídica
marketing de produção finanças (CFO) comunicação em- relações humanas
presarial

Diretor de
Diretor de relações Diretor de comuni- Diretor de relações
relações com
com a mídia cações internas com o governo
investidores

Fonte: Argenti, 2006, p. 56.

Uma pesquisa da Aberje, intitulada Perfil do profissional de comunicação organizacional no


Brasil, de 2013, coletou dados com 1085 profissionais originários de diversos segmentos e setores
da economia.
O perfil prevalecente do profissional participante do estudo é do gênero feminino,
com idade entre 22 e 30 anos, solteira, sem filhos e trabalhando no estado de São Paulo.
A profissional é formada em jornalismo, com pós-graduação em nível de especialização/MBA,
tendo realizado os cursos em universidades particulares. Comunica-se também no idioma
inglês e atua na área de comunicação por um tempo compreendido entre 4 e 7 anos e, por oca-
sião da pesquisa, trabalhava em empresa privada nacional com até 500 funcionários, do seg-
mento de serviços, com ênfase em agência de comunicação, onde está por um período entre
1 e 3 anos, sob contratação pelo regime da CLT. Abaixo, parte dos dados coletados pela pes-
quisa da Aberje:
74 Comunicação Empresarial

Figura 4 – Perfil dos profissionais de comunicação organizacional no Brasil

Tipo de organização em que trabalha Ramo de atividade da organização


60
50
50
40
40
30
30
20
20

10 10

0   ra da l da l
0 io ia g.
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p
ist
a ica ad
e s
iço s ut
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óc cio str . A c.
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Ag Co
ul
m
A maioria dos participantes (54%) trabalha em organizações 76% dos participantes trabalham no setor de serviços, sendo
nacionais e privadas. Dessas, 66% são agências de comunicação. que 48% atuam especificamente em agências de comunicação.

Fonte: Aberje, 2013.

Figura 5 – Perfil dos profissionais de comunicação organizacional no Brasil

Números de funcionários da organização Regime de contratação


30 80
70
25
60
20 50
15 40
30
10
20
5
10
0 de 5.001 a não resp. ac. de até 50 de 51 a de 101 a de 501 a de 1.001 a
0 Pessoa Concurso Autônomo Sócio Outro Não resp. CLT
10.000 10.000 100 500 1.000 5.000 jurídica público

Como decorrência das agências de comunicação, 63% dos profissionais são contratados por suas organizações
62% dos profissionais participantes trabalham sob o regime da CLT. Entre os profissionais que atuam em
em empresas com até 500 fucncionários agências de comunicação, 47% são contratados pela CLT.

Fonte: Aberje, 2013.

Já sabemos que o quadrante formado por missão, visão, valores e posicionamento, mesmo que
muito amplo para estabelecer com precisão as funções do comunicador, dá ideia do grau de imbrica-
ção dessa atividade. O trabalho do comunicador empresarial ocorre, portanto, de forma reticulada,
conectando áreas, departamentos, programas e projetos, em permanente interação com os públicos.
Ele é um agente irradiador de valores da organização, ao mesmo tempo um designer dos sistemas de
integração, elegendo, testando e aperfeiçoando canais de comunicação, para os quais conta com a in-
tervenção de outros agentes. Aliás, é sua função também cultivar o espírito de equipe e, nesse sentido,
não é apenas um incentivador da coorientação, se formos referendar o conceito de James R. Taylor,
mas o próprio artífice de tal política com reflexos na gestão de pessoas. Por essa perspectiva, o co-
municador transforma-se em um agente promovedor de mudanças baseadas no enriquecimento das
relações interpessoais, tornando mais sólido o caminho da emancipação dos indivíduos e, portanto,
reforçando o processo de construção do conhecimento.
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 75

Há um código ético que preside os objetivos da comunicação e que influi diretamente sobre
sua eficácia. Não há como abrir mão da verdade e da transparência como princípio, do reconhe-
cimento de erros e falhas, do dever de agir de forma coerente e assertiva nas diversas ocasiões em
que a empresa for chamada a se pronunciar. Estamos falando em imagem e reputação, os quais não
são artefatos publicitários, como um slogan, por exemplo, embora saibamos da força e do eventual
sucesso que esses enunciados publicitários possam alcançar na transmissão de um conceito da
empresa ou produto.
Contudo, será melhor agora focar em uma atribuição do comunicador que permeia todas
as outras e sem o exercício da qual sua missão fica comprometida. Referimo-nos à sua habilidade
e competência em escutar. Não apenas ouvir, mas escutar. O profissional de comunicação deve ter
essa virtude em alto grau desenvolvida. A escuta nunca é atitude passiva, mas interessada, sincera-
mente interessada; e por isso capaz de fazer do momento da escuta um elo com o interlocutor e ob-
ter dele não apenas uma resposta àquilo para o qual se estava preparado para ouvir, mas construir
com ele o lugar de sua manifestação sobre aquilo que é necessário escutar.
Não se trata de se mistificar ou idealizar a escuta, como se esta fosse um cerimonial, um mo-
mento em que tudo em volta silencia para ser ocupado pelo discurso de quem escutamos. Se fosse
assim, o gesto perderia a naturalidade, indispensável para ser bem conduzido pelas duas partes em
contato e se tornar oportunidade de troca e de benefício para ambos e para a empresa. O educador
Paulo Freire reservou em sua última obra, Pedagogia da Autonomia (1996), especial atenção para
escuta, a qual vê como primordial na construção da democracia na escola. Uma empresa não é
uma escola, mas pode ser uma comunidade aprendente, na qual o conhecimento é reconhecido
como um ativo institucional. Fala-se mesmo em Pedagogia Empresarial como ação voltada para a
melhoria de processos de aprendizagem, sobretudo aqueles compreendidos pela área de educação
corporativa, formada por cursos, oficinas etc. Mas não só: a educação corporativa não é produto da
simples soma de saberes, pois estes não podem ser “adicionados” uns aos outros como um axioma
matemático. Conhecimento é construção que envolve todos na empresa, mas tem na figura do
pedagogo e do comunicador seus principais agentes. Convidamos o leitor para a reflexão sobre as
linhas abaixo, transcritas de uma entrevista (1997) com esse que foi um dos nossos maiores inte-
lectuais e cuja intervenção no âmbito da educação se fez e faz sentir em várias partes do mundo, o
Prof. Paulo Freire:
Um outro saber que eu discuto nesse livro [Pedagogia da Autonomia] e que eu
acho fundamental na perspectiva democrática é, por exemplo, saber escutar.
Como é que pode uma pessoa ser um professor, ou uma professora se, por
exemplo, entende que o tempo de sua fala é o tempo total e absoluto? Como que
vai dizer que não há mais tempo, se o que escuta a sua fala não tem tempo de
fala? Porque o tempo da fala de quem escuta se esgota na audição de quem fala.
Quer dizer, essa propriedade do tempo, essa possibilidade do tempo para falar é
uma possibilidade autoritária, é antidemocrático. Quer dizer, um professor, ou
uma professora, que sonha o sonho democrático, o sonho da formação, o sonho
da autonomia de si e do educando, não pode se apoderar do tempo para falar.
Então, saber escutar é não apenas a expressão de uma sabedoria democrática,
mas é também uma arte, quer dizer, é preciso que eu vá me constituindo na
audição de quem fala. O que vale dizer: é preciso que eu limite o meu tempo de
76 Comunicação Empresarial

fala para que quem me escuta tenha o direito de falar também. E é na medida
em que eu aprendo a escutar quem me ouve que eu falo com ele ou com ela. Na
medida em que eu não aprenda a escutar quem me ouve, eu falo apenas a quem
me ouve e não com quem me ouve. E falar apenas a quem (me ouve) é uma
espécie de falar sobre, é um falar de cima para baixo, que termina por inibir o
direito de quem escuta de falar. (FREIRE, 1997)

Não percamos de vista nossa discussão: a interação na empresa se dá de forma diferente


daquela que tem lugar na escola; no entanto, todo investimento em favor da escuta, a valorização
dela como princípio de troca e conhecimento, deverá ser norteado pela vontade de democratizar
as relações humanas e aí tanto a escola quanto a empresa aperfeiçoam-se ao valorizar a escuta
como procedimento.
A escuta é mais do que uma atitude ética, de educação e valorização do outro na empresa.
Justamente por encarnar essas virtudes, ela se impõe como fator da gestão da comunicação e
proporciona, durante a comunicação, “ouvir o que não foi dito”, ler nas entrelinhas, interpretar,
como defende Peter Drucker. Nesse contexto, ela é um instrumento de análise do clima organi-
zacional que é a percepção coletiva que as pessoas formam da empresa.
Richarte-Martinez e Fischer (2014, p. 4) aludem a uma “microgestão de RH” que se sub-
divide em duas categorias: a) a gestão de indivíduos e pequenos grupos e; b) os sistemas de voz
dos empregados, cuja atenção é voltada às pessoas, grupos e gestores organizacionais que lidam,
diretamente, com os membros de sua equipe de trabalho, disponibilizando aos empregados um
sistema de voz que permita a expressão de opiniões sobre o trabalho e as necessidades pessoais
(BOXALL; PURCELL; WRIGHT, 2010).
Os autores, citando Marchington (2010), destacam que “a voz é um importante e necessário
componente do sistema de RH e que para ser efetivo, em termos de percepção do empregado e
performance, deve ser incorporado dentro da organização, visível no ambiente de trabalho e ser um
espaço de expressão” (p. 4). Em seguida, oferecem um quadro de referências com a síntese do juízo
de diferentes autores a respeito da importância e lugar da voz nas organizações.
Quadro 1 – Importância da voz dos empregados na organização

Hirschman Brinsfield, Edwards e Marchington Boxal e Purcell


(1970) Greenberg (2009) (2010) (2011)

Qualquer tentativa de A voz pode visar tanto Três direções: a) parti- A voz pode ser direta,
mudança de um estado melhorias na organi- cipação nas tarefas; quando realizada
desagradável, feita por zação (tempo futuro), b) solução de proble- diretamente pelos
uma pessoa ou em quanto prejudicar mas; c) queixas acerca empregados, e indireta
Função
grupo, diretamente à alguém (tempo pre- de tratamento injusto. quando feita por repre-
gestão, ao invés de sair sente) como repre- sentantes.
da organização. sentar uma denúncia
(passado).
Fonte: Richarte-Martinez; Fischer, 2014, p. 4.

Prosseguindo, os pesquisadores apontam uma série de recursos, para uso nas organizações,
com o objetivo de efetivar a escuta: o contato face a face, portas-abertas, queixas, caixa de suges-
tões, círculos de qualidade, intranet, e-mail, encontros de grupos, votação anônima, pesquisas de
clima organizacional etc.
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 77

Vale, contudo, realçar o papel do comunicador. Ele não é um “ouvidor” no sentido aparente-
mente passivo dessa palavra, tampouco ocupa lugar afeiçoado ao da magistratura, com as funções
semelhantes às dos corregedores do passado. Para o público interno, o comunicador escuta e soli-
cita escuta, defende seu direito à escuta e assim dinamiza as relações; para o público externo, ele é
o ombudsman a quem se dirigem reclamações e críticas e de quem, idealmente, espera-se impar-
cialidade na defesa dos direitos do cliente. Nesse sentido, o comunicador não é um escudo no qual
ricocheteiam as reações do público, porém o representante da organização muito mais envolvido
pela percepção do que ocorre fora da empresa do que pela obrigação de encontrar explicações
protocolares para aquela demanda.
Movida por esse duplo sinal, o do público interno e do externo, a escuta, para o comunica-
dor, redunda no direito de ser escutado pelo público interno e no dever de informar e esclarecer o
público externo. Ela, portanto, é a base do feedback, o retorno, ou realimentação da comunicação,
conforme se vê no esquema abaixo, fator indispensável nas relações humanas.
Figura 6 – Representação do processo de comunicação

Emissor Mensagem Receptor

Feedback Comunicação

Fonte: Elaborada pelo autor.

Matos (2009, p. 17) chama atenção para o fato de que o retorno é fundamental:
A comunicação, antes de ser instrumental, é humana. Necessita de resposta
para se realizar, pois a informação sem retorno é uma comunicação falha e
incompleta. Infelizmente, de um modo geral, é a comunicação formal e bu-
rocrática que as empresas mais utilizam no seu cotidiano. Há uma grande
preocupação com a eficácia dos mecanismos de transmissão da mensagem e
não, propriamente, com a reflexão e a compreensão do seu conteúdo e, conse-
quentemente, com a mobilização e retorno engajado. Dessa forma, fica difícil
motivar pessoas e equipes para superar desafios e alcançar metas.

3.4 Obstáculos à comunicação


Uma importante pesquisa desenvolvida pela Opinion Research Corp. International (ORCI)
aponta os principais complicadores da comunicação nas organizações. Matos (2009, p. 23-24) sin-
tetiza-os nos termos a seguir. Sob cada tópico, procuramos fazer alguma reflexão a respeito do pro-
blema anunciado e tanto quanto possível indicar pistas para a sua superação, ainda que tenhamos
consciência de que apenas o exame do contexto de cada organização possa efetivamente evidenciar
caminhos para tal.
Critério vicioso – os escalões gerenciais em geral já recebem a informação por filtros, o que
acaba por favorecer a distorção sobre a realidade dos fatos.
78 Comunicação Empresarial

Com frequência, esses filtros são representados por um único agente que, dada a urgência de
solução para a questão, não a submete a nenhuma outra instância, como a unidade de coorientação
ao objeto, proposta por James R. Taylor, e passam essa questão para a frente. O cuidado com o canal
de entrada da informação na empresa deve ser sempre repensado. A geração de versões (accounts)
deve seguir a lógica da conversação e tomar a forma de um texto que será depois enviado aos esca-
lões gerenciais. Não nos esqueçamos, no entanto, de que o tempo urge!
Símbolo de status – muitos chefes retêm informações na pretensão de que com isso tornem-se
mais importantes, transmitindo-as, muitas vezes, apenas quando as mesmas podem garantir-lhes
prestígio junto aos subordinados. Acredita, dessa forma, que a confiabilidade que atribuem às infor-
mações reforçam seu poder.
Empresas com espaços muito compartimentalizados estão mais sujeitas a esse fenômeno.
De fato, o espaço fechado de salas pode favorecer o sigilo com aquelas premissas indesejáveis.
O espaço físico é portador de sentido. Espaços amplos, bem iluminados, com poucas divisórias,
móveis funcionais, boa ventilação influem diretamente na mobilidade das pessoas e no modo
como se resolvem no espaço. Conclui-se que essa dinâmica ajuda a informação a fluir com mais
rapidez e possivelmente com mais eficácia.
A retenção de informações é falha grave, mas provavelmente encontra terreno propício na
forma como o fluxo da informação ocorre na organização. De um modo geral, é possível que em-
presas nessa situação façam uso muito restrito ou deficiente dos recursos digitais, no cenário de
uma gestão excessivamente centralizada. Mais foco no uso dos recursos digitais (e-mail, intranet
etc.) e um trabalho de desmistificação da informação, valorizando-a como bem comum da organi-
zação, parecem diretrizes acertadas para a solução do caso.
Escamoteação de informações para obter vantagens pessoais – não revelam informações
que possam ser úteis a possíveis concorrentes.
Embora possa parecer muito genérica a consideração acima, não há como negá-la: o clima
organizacional deve denunciar alta carga de competitividade, animosidade e de incerteza. A falha
é muito grave e passível de ser punida com demissão dos que a cometem.
Criação de “abismos” – profissionais que mantêm distância com os subordinados, inibindo-os
à manifestação e, com isso, limitando as comunicações ao fluxo descendente.
Esse é um mal comum a empresas com estruturas arcaicas ou com chefias despreparadas,
estas, às vezes, detentoras do cargo há muitos anos e que, eventualmente, sentem-se ameaçadas
por novos valores em ingresso na organização. Se assim for, a solução reside na modernização da
estrutura, processo lento, custoso e complexo, mas com vantagens frequentemente visíveis. Uma
solução apenas, talvez, paliativa, é o surgimento do preposto, usando a palavra com o sentido um
pouco mais alargado. O funcionário com cargo de confiança, orientado por valores renovados da
organização, que possa fazer o meio de campo com os funcionários subalternos e que, ao mesmo
tempo, demonstre lealdade às chefias.
Rivalidades interdepartamentais – divergências, mal-entendidos ou especializações exa-
geradas geram, com frequência, permanentes rivalidades no trabalho e comunicações deficientes.
Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função 79

Dentre os casos analisados, este é o mais grave porque a crise das relações é evidentemente
sistêmica. Quase sempre é o caso de organizações que cresceram desordenadamente, lançaram
mão de políticas salariais insatisfatórias, amiúde rotuladas de injustas, agravadas por crises finan-
ceiras, falta de clareza de objetivos em vários níveis, propiciando uma cultura de tensão permanen-
te como resultado de ressentimentos e de outros fenômenos negativos. Em meio ao aparente caos,
a especialização referida dota os especialistas de um status sempre posto sob suspeita, como algo
resultante de favorecimentos ou de caprichos da alta diretoria.
As soluções devem ser pensadas em várias frentes, entre as quais o endomarketing 2. Pensando
outra vez nos princípios da Escola de Montreal, a produção de sentido, inerente à interação entre
os agentes, pode ser tanto colaborativa quanto competitiva, mas sempre guiada pelos princípios
da conversação. Note-se que nesse modelo promove-se até a competição, mas nunca a rivalidade.
A gestão baseada em paradigmas interpretativos, que valorizam a interação e, portanto, o diálogo,
não se constrói rapidamente e para ser instituída, em contraposição a um cenário como o descrito,
lideranças com peso negativo deverão ser neutralizadas ou substituídas no curto prazo. A situação
exige urgente pesquisa de clima organizacional.
Para concluir, fica evidente que a ação do comunicador em casos como os descritos não se
deu de forma satisfatória, mas em graus diferentes, sobretudo na hipótese dessas empresas terem
um profissional da área com acesso direto à presidência. As observações que fizemos foram reali-
zadas de fora, como exercício, e daí seu caráter simplificado e pontual, mas que não impede que o
leitor se incline a visualizar aqueles cenários e tentar identificar os mesmos problemas nas empre-
sas que conhece.

Atividades
1. Por que se afirma que a missão de uma empresa é um documento fundamental?

2. Tente explicar o sentido da frase de Leonardo Boff: “todo ponto de vista é a vista de um ponto”
e seu sentido no contexto deste capítulo.

3. De acordo com Kunsch, quais são as subáreas de interesse da comunicação empresarial?

Referências
ABERJE. Associação Brasileira de Comunicação Empresarial. Pesquisa “Perfil do Profissional de Comunicação
Corporativa no Brasil”. Rio de Janeiro: ABERJE, 2013. Disponível em: <www.aberje.com.br>. Acesso em:
2 abr. 2018.

2 Endo, originário do grego, significa posição ou ação no interior, ou seja, “movimento para dentro”. Endomarketing é,
portanto, um conjunto de ações de comunicação interna, dirigido para esse público: colaboradores, fornecedores, acio-
nistas, vendedores. O endomarketing sempre é percebido como uma estratégia para o aumento da motivação, mas não
como fim, e sim como meio para o cumprimento de objetivos relacionados à produção.
80 Comunicação Empresarial

ARGENTI, Paul A. Comunicação empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de


Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

BOFF, Leonardo. A Águia e a Galinha. 35ed. São Paulo: Vozes, 2000.

DEBRAY, Régis. Curso de Midiologia Geral. Tradução de Guilherme J. F. Teixeira. Petrópolis: Vozes, 1993.

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FREIRE, Paulo. Entrevista. Essa gravação foi realizada em São Paulo, no Instituto Paulo Freire, para a sé-
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Gaudêncio Frigotto. Disponível em: <www.tvebrasil.com.br/SALTO/entrevistas/paulo_ freire.htm>. Acesso
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MATOS, Gustavo Gomes. Comunicação Empresarial sem Complicação. 2. ed. revisada e ampliada. São Paulo:
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<www.administradores.com.br>. Acesso em: 9 set. 2009.
4
Comunicação empresarial como
ferramenta estratégica de gestão

Vamos admitir que o comunicador seja mesmo um “designer dos sistemas de integração”
da empresa com seus diversos públicos. Por analogia, na área de design, o designer de interação
é o especialista em artefatos interativos como sites, games, softwares, entre outros baseados na
interação homem-máquina. Esse profissional tem por objetivo o aperfeiçoamento dessa rela-
ção, baseado em pesquisas sobre uso, propiciando maior grau de usabilidade.
Essa observação sobre o sentido da expressão, utilizado aqui de forma ampliada, evita
mal entendidos, além de dar ênfase à interação homem-homem (no lugar da relação homem-
-máquina) empresa-públicos. Assim, realça-se o papel do designer, como o profissional atento
ao processo e disposto a melhorá-lo como resultado de sua capacidade de investigação e de sua
perícia. Note-se, ainda, que a interação não se dá de forma retilínea, como o esquema homem-
-homem empresa-públicos sugere, mas de forma complexa, pois a empresa como instituição
é o ambiente (e o contexto) que propicia a interação e, ao mesmo tempo, modifica-se com tal
processo. Além disso, o feedback, ou retorno da comunicação, é uma etapa das mais importan-
tes e que deve ser sempre analisada no contexto dos objetivos organizacionais. Uma campanha
de publicidade, por exemplo, nunca se integralizará como estratégia, caso seu feedback não seja
analisado em termos de adesão (ou não) do público aos objetivos dessa campanha.
Em administração, costuma-se designar de stakeholder qualquer pessoa ou entidade que
afeta ou é afetada pela empresa. Essa parte interessada ou interveniente mostra-se decisiva,
como já sabemos, no planejamento estratégico, motivo pelo qual devemos conhecê-la de forma
mais detida. No âmbito da comunicação empresarial, porém, usa-se com mais frequência o
vocábulo públicos com o mesmo sentido da palavra de origem inglesa.
De forma abrangente, podemos considerar a comunicação empresarial como um con-
junto complexo de atividades, ações, estratégias, produtos e processos, distribuídos pelas áreas
administrativa, mercadológica, institucional e interna. Esse composto integra o planejamento
estratégico da organização e, como tal, gera valor quer pela diferenciação, via comunicação de
marketing, dos produtos e serviços, quer pelo modo como a empresa demonstra compromisso
com os diversos públicos, quer pela eficiência da comunicação interna.
Como resultado da integração das subáreas da comunicação empresarial e do ali-
nhamento de todos os seus processos, obtém-se o fortalecimento da imagem, identidade e
reputação organizacionais.
O planejamento estratégico é um processo gerencial dinâmico e sistemático, centrado no
estabelecimento de objetivos e na sua necessária e indispensável contextualização com fatores
internos e externos. Uma das ferramentas para análise de ambiente, continuamente utilizada
82 Comunicação Empresarial

no meio empresarial, é a análise Swot, o levantamento dos pontos fortes e fracos, bem como a ava-
liação das oportunidades e ameaças detectadas pela organização, conforme se verifica na Figura 1,
que também relaciona alguns itens, a título de exemplo, para cada um dos fatores.
Figura 1 – Esquema de análise Swot

Vantagens?

Capacidades?
Pontos
fortes Recursos, ativos, pessoas?

Marketing – alcance, distribuição, anúncios?


Avaliação
Falta de força competitiva?
interna
Vulnerabilidades já conhecidas?
Pontos
fracos Escalas, pressões, controle de tempo?
Análise Swot
Sistemas e processos?

Desenvolvimento de marketing?
Oportuni-
dades Desenvolvimento de um novo produto?
Avaliação Efeitos do ambiente?
externa
Demandas de marketing?
Ameaças
Obstáculos a enfrentar?

Contratos e parceiros vitais?

Fonte: Elaborada pelo autor.

O planejamento estratégico tem início no delineamento da visão da empresa, que são as inten-
ções e a direção que a empresa pretende seguir. A visão reflete as aspirações da empresa na forma de
como ela se vê no futuro, considerando-se em média um período de cinco a dez anos. A exemplo da
missão, a visão toma a forma de um texto, de caráter persuasivo, capaz de convocar os funcionários
para a realização do “sonho” nela revelado. Eis a visão, missão e valores da Tigre Materiais e Soluções
para Construção Ltda., multinacional brasileira do setor de plásticos para a construção:

Visão: Temos certeza de que o lugar onde as pessoas vivem pode ser
sempre melhor.
Missão: Criar soluções inovadoras para o mundo da construção.
Valores:

• Confiança: Produtos referência no mercado da construção, com


qualidade insuperável e soluções completas, garantindo tranquilida-
de em todo tipo de obra;
• Integridade: Uma marca sólida, que atua de forma ética, íntegra e
comprometida;
• Inovação: Liderança e diferenciação em todos os segmentos de atua-
ção, com uma atitude criativa e inquieta, buscando sempre o desen-
volvimento de novos produtos e soluções;
Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 83

• Relacionamento: A marca parceira de todos os nossos públicos


(clientes, revendedores, profissionais da obra e colaboradores), reco-
nhecida por construir relações próximas e verdadeiras;
• Sustentabilidade: Entendimento do seu papel no mundo e na socie-
dade, através do desenvolvimento e promoção de ações sustentáveis e
de responsabilidade social.1

A figura a seguir demonstra as etapas do planejamento estratégico. Esse processo tem a


vantagem de, graças à sua proatividade, oferecer à empresa a oportunidade de se prevenir contra
problemas e, dessa forma, mesmo que ela não consiga evitá-los, pelo menos poderá se preparar
para solucioná-los em menor tempo.
Figura 2 – O processo de planejamento estratégico do negócio.

Análise do am-
biente externo
(oportunidades e
ameaças)
Declaração de visão e Formulação de Formulação de
Implementação
missão do negócio metas e objetivos estratégia
Análise do am-
biente interno
(forças e fraque-
zas) Fedback e controle

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Kotler, 1999.

4.1 Aprenda com os seus públicos


Feitas essas observações sobre os públicos, passemos a um rápido exame de cada um deles.
Vale desde já ressaltar que o alinhamento dos públicos sujeita-se a uma dinâmica semelhante à do
jogo de xadrez. A cada lance, representado no quadro abaixo pela entrada em cena de um público,
altera-se a relação de forças com os demais, redimensionando sua posição estratégica, que será
outra vez modificada assim que o foco recair em outro(s) público(s).
Quadro 1 – A empresa e seus públicos

Funcionários inclusive aposentados ou parte deles.

Clientes ativos e inativos.

Comunidades em que a
gestão nacional e internacional de relacionamento com as diversas comunidades.
empresa tem operações

Acionistas/ Investidores dentre os últimos: fundos de investimentos e fundos de pensão.

Formadores de opinião parte da opinião pública capaz de influenciar a “massa”.

políticos e partidos, o que inclui a dinâmica entre esses agentes e entre eles, seus
Classe política
eleitores, formadores de opinião, mídia e governo.
(Continua)

1 Disponível em: <https://www.tigre.com.br/institucional/missao-visao-valores>. Acesso em: 2 abr. 2018.


84 Comunicação Empresarial

qualquer entidade com esses status, mas fora do segmento de atuação da organiza-
Empresas
ção.

ativos e inativos. Há empresas que mantêm programa de formação de fornecedores


Fornecedores ou ações equivalentes, como o acompanhamento efetuado por gerentes de produto
durante o desenvolvimento de determinado item.

Concorrentes diretos e indiretos.

Prestadores de serviço
eventuais ou fixos (emitem nota fiscal).
(autônomos)

bancos, financeiras, agências financiadoras de pesquisa, órgãos de fomento ao de-


Comunidade financeira
senvolvimento e à pesquisa.

Credores de curto, médio e longo prazo.

Meios de comunicação todos, considerando-se também a convergência entre eles.

Sindicatos entidades de classe e centrais de trabalhadores.

Órgãos governamentais ministérios, secretarias, autarquias, câmaras, agências etc.

Organizações ONGs, Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), fundações, as-
Não Governamentais sociações etc.

Associações patronais entidades empresárias organizadas por segmento.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Embora possamos dividir os públicos em dois grupos, o principal (destacado em cinza ) e o


secundário, não se mostra produtivo considerá-los de forma estanque já que, como se afirmou, sem-
pre interagem uns com outros. Há empresas em que os funcionários também são acionistas, o que
evidencia a interação, concomitantemente, com duas categorias pertencentes ao mesmo grupo de
públicos. Por outro lado, o tempo demonstra que o principal público de uma organização pode mu-
dar. Em um momento de crise, os meios de comunicação quase sempre ganham importância decisi-
va, por exemplo, no diálogo com passageiros, ou pessoas ligadas a estes, como ocorre logo após um
acidente aéreo com vítimas. Nessas ocasiões, o relações-públicas é convocado e caberá a ele a difícil
missão de divulgar boletins informativos com a máxima precisão, embora nem por isso estes deixem
de suscitar reações de parentes, perplexidade, e, não raro, especulação da mídia.
Igual raciocínio pode ser aplicado à relação com entidades trabalhistas em caso de greve e
de demissão em massa, quando também a aproximação com a mídia não é apenas um protoco-
lo, mas uma exigência, inclusive para tranquilizar acionistas. Note-se ainda que nessas condições
multiplicam-se as ações trabalhistas com a consequente tomada de decisão, por parte da empresa,
diante do Poder Público.
Ao longo de campanhas publicitárias, o relacionamento com um tipo de fornecedor –
a agência de comunicação, produtoras de comerciais e veículos – torna-se mais rotineiro e exige
maior disponibilidade da empresa para a tomada de decisão. Esta última, por sua vez, afeta não
somente aqueles públicos, mas, sobretudo, o cliente, do qual se espera algum tipo de resposta à
campanha, além de mobilizar funcionários, que devem corresponder, da maneira que lhes cabe,
aos objetivos dessa campanha.
O investimento, por assim dizer, nos funcionários, principalmente no período de veicu-
lação de campanha publicitária, expõe com a devida abrangência a interação dos públicos. Uma
Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 85

campanha de endomarketing motiva os funcionários e os torna, por um período de tempo im-


previsível, mais produtivos, mais cientes das suas funções e da necessidade de engajamento em
determinado projeto, por exemplo. Essa disposição, suscitada pelo endomarketing, pode, a exemplo
das estratégias desenvolvidas pela Sears (ARGENTI, 2006, p. 35), ser sintetizada no trinômio fun-
cionário-cliente-cadeia produtiva. Não se esqueça também de que funcionários podem e devem
ser transformados em “embaixadores de marca”, fortalecendo a imagem da empresa no boca a
boca, o que mais uma vez reforça o status da comunicação como um ativo, daí o lugar ocupado no
planejamento estratégico.
Duas ferramentas que trabalham de forma paralela e integrada catalisam feedbacks, os quais
compõem, por sua vez, parte do “retorno” previsto no planejamento estratégico. São elas: o Serviço
de Atendimento ao Cliente – SAC e o ombudsman2. O primeiro deve ser entendido como uma pro-
va concreta de que a empresa mantém o compromisso em relação a produtos ou serviços vendidos
no mercado. Todo tipo de dúvida e reclamação circula por esse serviço e elas devem ser criterio-
samente atendidas e solucionadas com rapidez e dedicação. De tempos em tempos, o desempenho
do SAC deve ser analisado, tendo como referência os objetivos do serviço e da organização como
um todo. Embora estatísticas sobre o atendimento prestado não sejam muito precisas, aceita-se
que um cliente contemplado em suas necessidades divulga a empresa, favoravelmente, para mais
duas ou três pessoas; já o cliente tratado com negligência, morosidade ou, pior, que acabe por não
ser atendido, relatará a má experiência para cerca de oito ou nove pessoas. Algo em torno de 80%
desses clientes retornarão à empresa se forem bem atendidos, percentual que sobe para 90%, caso o
atendimento seja rápido. O SAC, portanto, é um dos agentes da construção da imagem e da reputa-
ção da empresa. Bem administrado é uma fonte de pesquisa, um canal de escuta daquilo que pode
até ferir suscetibilidades da organização, mas que deve ser levado tão a sério quanto os resultados
positivos de uma campanha publicitária.
A legislação brasileira concede especial atenção ao SAC e, em 1.º de dezembro de 2008,
fez entrar em vigor o Decreto 6.523, de julho daquele ano, que estabelece regras para bancos,
empresas de cartão de crédito, de transporte aéreo e terrestre, de telefonia móvel ou fixa, planos
de saúde e TVs por assinatura. Entre os itens contemplados pelo dispositivo, encontra-se um que
trata especialmente do cancelamento de serviços, processo sempre moroso e sujeito a manobras
por parte de operadores de call-centers, que dificultam a operação ao máximo, sob orientação da
empresa, até o limite da paciência do cliente.
O ombudsman possui uma espécie de procuração do cliente para representá-lo perante a
empresa. Sua ética consubstancia-se na escuta, na análise dos relatos dos clientes – manifestações
que não são rotuladas apenas como “reclamações” – e na mobilização de pessoas, departamentos e
outras estruturas para o atendimento. Deve ser dotado de senso crítico e levar a sua função adiante
com o necessário desvelo e sem perder o rigor na busca de soluções para os casos a ele relatados.
Daí, portanto, ele ter acesso necessário a diretorias e à presidência.

2 Ombudsman é um profissional contratado por um órgão, instituição ou empresa que tem a função de receber críti-
cas, sugestões, reclamações e deve agir em defesa imparcial da comunidade.
86 Comunicação Empresarial

Tanto o SAC quanto o ombudsman devem manter estrito controle sobre o perfil do cliente
atendido, a natureza do contato, os efeitos produzidos etc. Esses dados deverão ser somados a ou-
tros, coletados em diferentes circunstâncias, e ordenados de tal forma a produzir informação de
caráter estratégico. Exemplo disso é a apuração de quantos desses clientes possuem, por exemplo,
o cartão de fidelidade da empresa, com que frequência usam os serviços etc.
O cruzamento de dados com os recursos da Tecnologia da Informação e Comunicação
(TIC) e a consequente análise do resultado têm o objetivo de garantir vantagem competitiva, au-
xiliando a tomada de decisão. Na verdade, empresas de grande porte, já há cerca de duas décadas,
orientam-se pelos princípios da Business Intelligence (BI) ou Inteligência Empresarial3. Coletam-se
informações com a finalidade de avaliar o ambiente empresarial, completando-as, em seguida, com
pesquisas de marketing, industriais e de mercado, além de análises competitivas.
Com o BI é possível, a partir da análise detalhada das informações, identificar tendências e mu-
danças, aumentar o grau de predição da empresa em relação a possíveis problemas e vislumbrar cená-
rios futuros. O êxito na adoção do BI, no entanto, depende da capacidade da empresa em relacionar os
dados coletados e cruzados com um plano estratégico que otimize e inove os processos administrativos.
Com o avanço das redes sociais, contudo, e de outras fontes de informação, gerando volume
extraordinário de dados todos os dias, impõe-se a necessidade de maior interação entre as partes.
Aprimorando-se a mineração de dados, obtém-se melhor e mais aguda compreensão deles, o que
é indispensável para a predição de cenários.
Nesse contexto, foram se delineando o conceito e objetivo do Business Analytics (BA), que con-
siste na análise em tempo real dos dados provenientes de diversas plataformas e com volumes de dados
variados. Seu sucesso é baseado em modelos matemáticos e estatísticos, que permitem o acesso a infor-
mações preditivas. Quando interpretados da maneira correta, os dados podem ser imprescindíveis para
as tomadas de decisão.
Thomas Davenport e Jeanne Harris (2007, p. 18) utilizam a expressão Inteligência Analítica
(Analytics, denominação consagrada no mercado) para se referir ao trabalho de coleta, análise e
orientação dos dados. Para eles, Inteligência Analítica é “a utilização extensiva de dados, análises
quantitativas e estatísticas, modelos explicativos e preditivos e gestão baseada em fatos para orien-
tar decisões e ações”. Segundo os autores, aplica-se Analytics em pricing4, na análise financeira, em
P&D5, na gestão de operações, em RH, na atração e retenção de clientes, no relacionamento com o
cliente, no relacionamento com fornecedores etc.
Atualmente, diante da necessidade de se coordenar de forma mais integrada pessoas e re-
cursos tecnológicos mobilizados pela BI, uma nova conformação física e logística vem ganhando
lugar nas empresas: o Business Intelligence Competency Center (BICC)6 ou Centro de Competência

3 No Brasil, “Inteligência Empresarial” geralmente define um tipo de competência organizacional, enquanto que Busi-
ness Intelligence tende a ser relacionada à competência na utilização de recursos tecnológicos. Nos Estados Unidos, a
BI incorpora as duas competências.
4 Precificação, o que, em marketing, íntegra o mix – o segundo dos 4 Ps: Produto, Preço, Praça e Promoção.
5 Pesquisa e Desenvolvimento. Normalmente, refere-se a atividades de longo prazo e/ou àquelas orientadas ao futu-
ro, relacionadas à ciência ou tecnologia, usando técnicas similares ao método científico.
6 Outras designações para o BICC: Center of Excellence; Competency Center; BI Department; Strategic Information
Department.
Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 87

em Inteligência de Negócios. A tomada de decisão, como resultado dos esforços coordenados pelo
BICC, ganha, por assim dizer, um endereço, um núcleo materializado na empresa. Trata-se, por-
tanto, de uma estrutura organizacional formal e permanente que é provisionada por recursos in-
ternos com pessoal de Tecnologia da Informação e Comunicação e de negócios, com funções e
atividades bem-definidas.
Os objetivos do BICC podem ser assim sintetizados:
• Garantir alinhamento entre executivos do negócio, TI e usuários de informações das áreas
de negócio.
• Garantir o entendimento por parte da equipe em relação às demandas das diferentes áreas
com relação à informação e seu intrínseco significado estratégico para a organização.
• Definir ferramentas, processos, procedimentos e metodologias para fundamentar a estra-
tégia de BI.
• Adotar melhores práticas de mercado para melhorar a confiabilidade e a consistência de BI.
• Aumentar a participação das pessoas na resolução de problemas ou identificação de opor-
tunidades através do uso de informações.
• Adotar cultura analítica por meio de ferramentas e especialização em análises estatísticas
especializadas.
Figura 1 – Atividade de um BICC

BICC

Propriedade das
Educação e Gestão do Análises
informações
suporte programa de BI avançadas
(ownership)

Desenvolvi-
Recepção e
mento, imple- Metadados de Preparação de
priorização de
mentação e negócio informações
demandas
treinamento

Suporte ad-hoc Requerimentos Garantia de Mineração de


aos usuários e prototipação qualidade dados

Comunicação
Desenvolviento Governança de Modelagem
e divulgação de
de aplicações dados estatística
informações

Fonte: Elaborada pelo autor com base em Schlegel, 2010a, 2010b apud Pinto, 2012.

Para se insistir mais uma vez sobre um tema, e para falar com Davenport e Harris (2007), é o
fator humano que se mostra decisivo nas abordagens que vimos descrevendo. É certo que a escolha
de softwares e sistemas adequados às necessidades da empresa mostra-se importante e erros come-
tidos nessa fase podem comprometer toda a política relacionada a BI. Contudo, é o fator humano
88 Comunicação Empresarial

que deve ser valorizado, atitude representada na identificação de uma “liderança analítica” que
pode não existir na empresa, e nesse caso a contratação e treinamento de pessoal exigirá ainda mais
das diretorias envolvidas. É atributo altamente desejável do comunicador empresarial esse espírito
analítico, o qual, no contexto de BI, demonstraria em que medida as funções desse profissional são
de fato estratégicas e partícipes dos ativos da empresa.
Como deve ter ficado claro, o esforço para se considerar a natureza “não estanque” de
cada público acaba tendo esse caráter realçado por essa nova abordagem no contexto da Business
Intelligence. Como força convergente, a Inteligência Analítica, em sua função de fundamentar a
tomada de decisão com os recursos que lhe são peculiares, passa a ser, portanto, o substrato da
definição de estratégias eficazes como veremos no próximo tópico.

4.2 Definindo estratégias eficazes


De forma muito direta, Argenti (2006, p. 29) aponta três subconjuntos de uma estratégia
organizacional com base na comunicação empresarial:
• determinar os objetivos de cada comunicação;
• decidir que recursos estão disponíveis para alcançar tais objetivos; e
• diagnosticar a reputação da organização.
A criação de uma campanha publicitária é uma das tarefas mais difíceis e complexas de comu-
nicação, e, por isso mesmo, se presta ao nosso exercício de definição de estratégias de comunicação.
Lembrando que essa campanha enquadra-se, em termos das quatro áreas relacionadas por Kunsch
(2003), na mercadológica, representada pelo marketing, e no interior da qual há outras subáreas.
Quadro 2 – Áreas e subáreas da comunicação organizacional
Comunicação Adminstrativa Fluxos descendentes, ascendentes, horizontais, circulares e transver-
sais e das redes formais e informais da comunicação

Marketing Publicidade e Propaganda


Comunicação Mercadológica Promoção e Vendas
Feiras e Exposições
Marketing Direto e Merchandising
Venda Pessoal
Relações públicas Marketing Social
Comunicação Institucional Marketing Cultural
Jornalismo Empresarial/Assessoria de Imprensa
Identidade Corporativa
Editoração Multimídia
Publicidade Institucional
Comunicação Interna Processo Comunicativo
Comunicação Administrativa Fluxos Informativos
Redes Formais e Informais
Mídias Internas
Fonte: Adaptado de Kunsch, 2003, p. 116.
Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 89

Se formos tomar as considerações de Neves (2000, p. 32-33) como referência, essa campanha
insere-se no Processo Único de Comunicação Empresarial (PUC), ao lado do marketing, relações
públicas, entre outros.
Vamos imaginar que trabalhamos no Canal Futura de televisão, portanto, em uma empresa
de comunicação, sem fins lucrativos, em cuja mantenedora reúnem-se grupos de grande porte
como Globo, Votorantim, Bayer, Sistema FIESP, entre outros. Temos como objetivo encomendar
uma campanha publicitária a uma agência de comunicação. Como se sabe, uma campanha pu-
blicitária é um esforço de comunicação, baseado na veiculação de uma ou mais peças (anúncio,
comercial, spot7 de rádio, mídia exterior etc.), que deverão manter entre si certas características
temáticas e visuais, conforme veremos a seguir.
Como empresa, nosso desafio é saber o objetivo de nossa comunicação. A organização mo-
biliza o pessoal do marketing, de finanças, o responsável pela comunicação empresarial e tantos
quantos julgar necessários. A definição de objetivos claros é a chave para se entender com quem
vamos nos comunicar, como, onde, quando e quanto vamos investir, em recursos financeiros e
logísticos, nessa tarefa. Em se tratando de uma campanha publicitária, caberá à agência responder
a essas perguntas, mas, ao cliente, avaliar o quanto poderá gastar e, o mais importante, por que
se comunicar. Saber quais os recursos que deverá mobilizar para uma eficiente comunicação vai
além de previsões orçamentárias, já que, nesse caso, o meio utilizado por si só dota a mensagem de
significado: o meio é a mensagem.
Por outro lado, saber por que se comunicar é uma questão de fundo estratégico e prático,
que deve gerar uma resposta balizada por esses dois parâmetros. Os profissionais de propaganda,
considerando sua necessidade de ajudar o cliente a pensar em termos comunicacionais, pergunta-
rão: “qual o problema de comunicação a ser resolvido”? Esquematicamente, faz-se propaganda em
quatro situações-chave: a) para se fazer reforço da marca (não se esqueçam de mim), motivo pelo
qual a Coca-Cola continua sendo um dos maiores anunciantes do planeta; b) para o lançamento
de produtos ou serviços; c) para posicionamento ou reposicionamento de marcas, produtos ou
serviços; d) para impulsionar ou recuperar vendas.
A grosso modo, as campanhas institucionais (sem caráter comercial) reforçam a imagem da
organização. Mas o que é uma imagem? Para responder a essa pergunta é preciso antes distinguir
imagem de identidade. A identidade é um conjunto de traços materiais representados pelo nome
(marca), logomarca, logotipo, produtos e linhas de produtos, serviços, slogans, instalações, papela-
ria8, uniformes e demais itens, na sua maioria, tangíveis, capazes de produzir diferenciação entre o
universo de elementos, assim constituído, e o de outra organização. A imagem é a percepção que
cada público tem desse conjunto de elementos. Dito de outra forma: a imagem de uma empresa ou
de um produto ou serviço é o modo pelo qual os diversos públicos articulam e organizam aqueles
elementos físicos, constituindo uma percepção.

7 Designação para o anúncio – lido, cantado ou dramatizado – veiculado em rádio.


8 Designação genérica para o conjunto de objetos (de papel) padronizados para uso na apresentação pessoal,
correspondência e comunicação interna: cartão de visita, envelopes, papel timbrado, pastas etc.
90 Comunicação Empresarial

A percepção muda de público para público, mas a identidade é a mesma. O que vale dizer
que a imagem pode não ser favorável para um público, mas ser para outro. É possível se dizer que
mesmo não tendo ido a uma determinado shopping center, por exemplo, tenhamos construído
uma imagem dele em decorrência das informações que nos chegaram (além da eventual vista ex-
terior das instalações); nesse caso, o que lojistas e administração esperam é que a imagem por fim
“experimentada” seja melhor do que a idealizada.
Outro fato que se liga aos dois anteriores – identidade e imagem – é a reputação. A reputação
de uma empresa é resultado do alinhamento entre identidade e imagem. No entanto, não se pen-
se em uma operação mecânica – embora até possa ser representada assim em um esquema – em
que a primeira é somada à segunda. A reputação se constrói ao longo do tempo e é resultado do
compromisso com o cliente, expresso na conduta responsável e coerente com a visão da empresa.
Enquanto que a imagem varia de público para público, a reputação deve gerar a mesma percepção
em todos os públicos.
De posse desses conceitos, voltemos à pergunta formulada por nossa agência de comuni-
cação: “qual o problema de comunicação a ser resolvido? “ Resposta: “Desejamos reforçar nossa
imagem institucional por meio de uma campanha”. Eis, portanto, o objetivo da comunicação com
o qual temos que nos haver. No nosso caso específico, o da comunicação do Canal Futura, no mo-
mento em que este estipulou o objetivo, o primeiro item referido por Argenti (2006), de imediato
visualizou também os recursos disponíveis, o segundo item da relação. Esses recursos são os que a
agência colocará à disposição do cliente, na condição de prestadora de serviço: o pessoal do aten-
dimento, o de planejamento de campanha, além dos profissionais de mídia e criação.
Diferentemente do lançamento de um produto ou serviço, ou de uma campanha para im-
pulsionar as vendas, a campanha institucional9 que pretendemos veicular para uma organização
sem fins lucrativos, como o Canal Futura, deverá se dirigir a todos os seus públicos. A primeira
tarefa atribuída à empresa no relacionamento com a agência é definir o público-alvo que possui
um perfil10 bem-delineado e naturalmente a mensagem terá que se adequar a ele, aumentando a
possibilidade da “venda” de um conceito.
O esquema da cadeia de comunicação, utilizado por Corrêa (2004, p. 91), ajuda a entender
as etapas nas quais se estrutura a campanha.
Figura 3 – Cadeia de comunicação

Anunciante Agência Mídia Mercado

I II III IV V
Etapas

Fonte: Corrêa, 2004, p. 91.

9 Empresas com fins lucrativos também veiculam campanhas institucionais para reforçar a missão e a imagem ou
para se reposicionar no mercado.
10 As agências trabalham com dados demográficos (classe socioeconômica; sexo; idade; estado civil; escolaridade
etc.) e comportamentais (estilo de vida; hábitos de compra; hobbies etc.).
Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 91

Vencida a primeira etapa, a da eleição do público-alvo, passa-se a pensar no posicionamento


da marca ou do produto. Dentro da relação com a agência, essas duas etapas, como se observa na
Figura 3, são de responsabilidade do anunciante e será sobre elas que vamos nos deter. Sabemos
que posicionar um produto, serviço ou marca significa dizer como desejamos ser percebidos pelo
público-alvo, ocupando um lugar em sua mente. Essa conquista de espaço na memória do público
é um processo que pode ser expresso pela seguinte fórmula, proposta por Kotler (apud CORRÊA,
2004, p. 94):
P = PB + J + ID
Assim, P é o posicionamento, PB é a promessa básica, J é a justificativa e ID são “os atri-
butos complementares da imagem desejada”, isto é, conforme Corrêa (2004, p. 134), “qualidades
intrínsecas ou extrínsecas da marca que se quer adicionar aos dois itens anteriores, complemen-
tando o posicionamento”. A promessa básica representa o benefício principal a ser divulgado.
Em um comercial de um produto bancário, como o cheque especial, obteremos seu posiciona-
mento, aplicando a promessa básica, de acordo com a qual o produto é o único no mercado com
doze dias sem juros; como justificativa, destaca-se que somente o banco X, com sua capacidade de
inovação e permanente sintonia com o cliente, poderia garantir essa oportunidade; por fim, o fe-
chamento, o slogan do banco que, por sua vez, sintetiza o posicionamento da instituição, funciona
como a identidade desejada.
No célebre livro de Al Ries e Jack Trout (1993) é descrita a batalha travada pelas marcas
e produtos para ocupar um lugar na mente do consumidor. Os autores fazem isso ao longo das
“22 consagradas leis de ­marketing”, das quais uma nos interessa particularmente, no trabalho de
posicionamento do Canal Futura, como veremos abaixo.
Em Posicionamento: a batalha por sua mente (RIES; TROUT, 2009), a dupla alude a um pro-
grama de posicionamento, sustentado em perguntas dirigidas à empresa, para se refletir sobre tal
necessidade. Vale a pena conhecê-las de passagem e verificar em que medida as perguntas podem
nos ajudar a refletir sobre o posicionamento do Canal Futura, considerando-se determinadas pers-
pectivas da organização. Abaixo de cada tópico, há uma síntese de sua proposta:
Que posição você ocupa?
Não é a gerência de marketing que deve responder à pergunta, mas o público. Só ele dirá (por
intermédio de pesquisa) como vê determinada empresa. Os autores defendem que se deve penetrar
na mente do público “pendurando” a marca, produto ou conceito naquilo que já se encontra na
cabeça dele.
Que posição você quer ocupar?
Basicamente a lição é essa: não tente possuir o impossível, ou seja, ocupar um lugar já ocu-
pado por outro. Quando há anos o SBT afirmava ser o “líder absoluto do segundo lugar”, fincava
pé na estratégia da“escada”11, diante da emissora dona do primeiro lugar, a TV Globo. Ainda que

11 “Lei da escada” é o nome utilizado por Ries e Trout para se referirem à estratégia de posicionamento abaixo da mar-
ca líder. Segundo os autores, não vencer a batalha pelo primeiro lugar na mente do cliente não é sinônimo de fracasso,
pois é possível posicionar-se com sucesso nos dois degraus abaixo do líder.
92 Comunicação Empresarial

pudesse um dia brigar pelo primeiro lugar (visão), naquela ocasião o segundo lugar, para o SBT,
distinguia-o, com precisão, das demais emissoras.
Quem é que você tem de enfrentar?
Evite enfrentar o líder de mercado; contorne o desafio lançando mão de outra estratégia.
“Engalfinhar-se com os concorrentes é o principal problema de marketing”. A lã de aço Assolan
entrou firme no mercado, abocanhando boa parte dele, em um momento de crise administrativa
na concorrente Bombril, mas nunca tentou demonstrar “mil e uma utilidades” para a dona de casa.
Você tem dinheiro suficiente?
“Custa caro conquistar um lugar na mente das pessoas”. Como há excesso de informação
no ar e, consequentemente, uma taxa de ruído enorme na comunicação, o melhor será diminuir a
amplitude geográfica sobre a qual se planeja estender o apelo de uma marca. Sugere-se lançar um
produto ou uma ideia em um mercado específico, em vez de fazê-lo nacionalmente ou em regiões
muito amplas.
Você aguenta firme?
Afirmam os autores que, com raras exceções, uma empresa nunca deve mudar seu posi-
cionamento. Aconselham mudar as manobras de curto prazo, mas mesmo estas têm em mira as
de longo prazo. Por isso, o melhor é sustentar uma estratégia básica e melhorá-la. Para conti-
nuar com exemplos do setor televisivo, não seria esse, o de “não aguentar firme”, o erro da Rede
Bandeirantes ao se reposicionar, sistematicamente, ao longo dos anos? No início parecia uma
emissora bastante focada na linha de shows, em seguida, em jornalismo e dramaturgia, depois,
em esportes e, finalmente, um retorno a algo que o telespectador ainda não soube identificar...
Você está à altura de sua posição?
“A publicidade que você faz de si mesmo combina com a posição que você ocupa?” Para os
autores, a criatividade só tem sentido se aplicada em benefício do posicionamento.
O papel do observador externo
Embora todos precisem de uma agência de propaganda, somente os ricos podem contratar
uma. Os que não podem devem saber usar bem o que têm em mãos: observar do lado de fora para
se obter objetividade, a mesma oferecida por uma agência, as relações públicas etc.
O que o observador de fora não oferece
O observador de fora não faz milagre e, por isso, todos que acreditam em criatividade como
solução erram. “A criatividade morreu. O nome do jogo na Madison Avenue12 é posicionamento”.
Cabe à empresa estabelecer seu posicionamento, mas, como alerta Corrêa (2004), muitas
vezes o cliente não sabe traduzi-lo por escrito, razão de a agência acabar tomando para si essa
função. Ora, partindo das pistas oferecidas por Ries e Trout, pensamos que o Canal Futura poderia
logo afirmar que a sua preocupação por audiência se dá conforme sua condição de canal nascido

12 Tradicional centro de agências de propaganda em Nova York.


Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 93

como um “projeto social de comunicação, da iniciativa privada e de interesse público”13. Portanto,


as perguntas que aludem a “enfrentamento”, à capacidade de se manter (“aguentar firme”) em um
posicionamento ou de se ter dinheiro suficiente para se posicionar perdem alguma relevância nes-
se contexto. Devido também à natureza institucional da nossa empresa, não vem muito a propósito
perguntar a posição que pretende ocupar, pelo menos não se essa prerrogativa implicar disputa
com outra emissora. De qualquer forma, e como vamos ver, o posicionamento do Canal Futura,
em 2009, era e é ainda bastante coerente com seu projeto social, o que garantia a sua percepção
diante de outras emissoras, sobretudo em relação à Rede Cultura, a emissora com programação
conceitualmente mais próxima.
Talvez o leitor pense que o cenário traçado acima torne o trabalho da agência mais fácil. Isso
não é verdade. A batalha pela mente do telespectador continua viva e, bem da verdade, pelo fato de
a campanha ser institucional, o risco conhecido por todo publicitário de “se chover no molhado” e
de se repetir fórmulas óbvias ou desgastadas é bastante considerável.
Comecemos por entender um pouco melhor a empresa Canal Futura. No seu site, lia-se o
seguinte naquele ano:

Educação para a vida


O Futura transmite valores e informações úteis ao cotidiano da popula-
ção, vinte e quatro horas por dia, todos os dias. Alcança crianças, jovens,
famílias e trabalhadores. Cria uma linguagem plural para abordar temas
de importância e interesse coletivo. Fala de saúde, trabalho, juventude,
educação, meio ambiente e cidadania. Um aliado do brasileiro na busca
da construção de uma vida melhor.

Como também a missão14 da empresa:

Contribuir para a formação educacional da população, desenvolvendo


as capacidades básicas da criança, do jovem, do trabalhador e de toda a
sua família.

Pelo menos como hipótese, no contexto de nosso exercício, vamos admitir que, de fato,
o público venha constatando o cumprimento da missão do Futura, materializada nas ações expres-
sas no texto acima. Essa é uma das questões levantadas por Ries e Trout que se mostra decisiva no
presente caso. Em consequência, pode-se afirmar que a empresa sabe a posição que ocupa e essa
certeza coincide com a percepção do público. Pelo caminho traçado por Kotler, utilizaríamos a sua

13 Disponível em: <http://futura.org.br/quem-somos/>. Acesso em: 11 maio 2018.


14 Em 2018, o Futura mantém missão e valores equivalentes aos de 2009. Disponível em: <http://futura.org.br/
quem-somos/>. Acesso em: 3 abr. 2018.
94 Comunicação Empresarial

fórmula: P = PB + J + ID. O posicionamento do Futura, portanto, é a soma de sua promessa básica,


aqui representada por sua missão, mais a justificativa para essa promessa, sustentada pelo projeto
social da empresa, em sintonia com os valores e princípios das empresas-membro da mantenedora;
além disso, somam-se as qualidades intrínsecas da marca Futura, ou seja, sua identidade e imagem
alinhadas, devido, no caso, à boa reputação da empresa, traduzida no compromisso com o público
ao longo do tempo e no conjunto de ações que ela põe em prática.
Se fôssemos solicitados pela agência a estabelecer o posicionamento da emissora, talvez pu-
déssemos descrevê-lo assim, segundo a fórmula acima: “contribuir para a educação da criança ao
adulto com programação original e diversificada”. Note-se, como missão e justificativa estão re-
presentadas no enunciado e a “identidade desejada” seria uma espécie de moldura, compreendida
pela marca, reforçando os dois itens anteriores. O que acabamos de escrever serve para explicar
o slogan15 do Canal Futura, que tenta sintetizar esse posicionamento: “Futura – O canal que liga
você”, no qual o verbo ligar tem carga ambivalente, pois aponta para um meio eletrônico (“ligado” à
rede elétrica) e para a missão de informar, formar, educar (“ligar”, em linguagem do jovem); nesse
sentido, o vocábulo “canal” tem essa função reforçada de ser o meio de acesso à promessa básica.
Um slogan somente cumpre sua função com êxito se souber traduzir o posicionamento
da marca ou do produto. Relembrando o posicionamento do SBT, entre os anos de 1981 a 1987,
quando o canal, lançando mão de uma estratégia de marketing, apresentava-se como o segundo,
ao lado (e como alternativa à) da TV Globo: “Liderança absoluta do segundo lugar”. Ou o seu atual
(2009) posicionamento – quando já não ocupa o segundo lugar na audiência, posto conquistado
pela Rede Record – traduzido em um slogan que também convoca o telespectador a comemorar os
28 anos da emissora: “SBT – A TV mais feliz do Brasil”, criado pela agência Talent. Em vez de tentar
competir com o líder e o vice-líder, a emissora de Silvio Santos dá ênfase ao seu perfil de “canal
popular”, embalado pela popularidade e pela animação (a alegria) do seu dono.
São muitos os exemplos de slogans que demonstram com precisão o posicionamento da
marca: “Globo News – A vida em tempo real”; “Informação é o nosso esporte” (ESPN, canal espe-
cializado em esportes); “CBN – A rádio que toca notícia”; “Responsabilidade cultural. Faça parte
dessa cultura”– um conceito lançado pela Rede Cultura que procura se alinhar com os já conhe-
cidos conceitos de responsabilidade social e responsabilidade ambiental, defendidos sistematica-
mente pela emissora. Aliás, cabe frisar que o departamento de marketing da TV Cultura partiu da
premissa de que a emissora tem suficiente reputação para lançar o conceito, virtude indispensável
para a credibilidade do projeto como um todo. Por outro lado, o novo posicionamento da emissora
ganhou o seguinte slogan: “TV que faz bem”, em que também se pode notar a ambivalência da pa-
lavra “bem”: um advérbio de intensidade (bem feito) ou substantivo (faz (o) bem).
Mas voltemos à campanha do Canal Futura. Ries e Trout (1993, p. 19) ensinam que o
marketing não é uma batalha de produtos — é uma batalha de percepção. O que vale é como o
público percebe a marca:

15 Frase de efeito, geralmente de caráter comercial, mas muitas vezes de natureza política.
Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 95

Por exemplo, os três carros japoneses importados pelos EUA mais vendidos são
Honda, Toyota e Nissan. A maioria dos profissionais de marketing pensa que a
batalha entre as três marcas baseia-se em qualidade, estilo, cavalo-vapor e preço.
Nada disso. O que determina a vitória da marca é o que as pessoas pensam sobre
um carro Honda, Toyota ou Nissan. O marketing é uma batalha de percepções.

Essa convicção pode ainda nos levar a considerar uma das 22 leis do marketing, relaciona-
das pelos teóricos, para a análise do slogan do Futura. A “lei do foco” defende a noção de que uma
empresa pode obter sucesso se encontrar um modo de se representar por uma palavra na mente
do cliente. Deve ser uma palavra simples e já conhecida. A IBM representa computador (mas nesse
caso porque é líder do mercado, agarrando-se à Lei do Líder), assim como a Microsoft representa
software (também pela mesma razão). Embora a Rede Cultura e o Futura tenham vários pontos em
comum, é certo que a segunda emissora não poderia dar conta do projeto institucional da primei-
ra, e nem deseja. O foco do Canal Futura é “educação” e “formação” e assim essas palavras podem
traduzi-lo para nossa agência de comunicação.
Vale a pena conhecer o que Ries e Trout (1993) escrevem sobre a Lei do Foco:
meio de representar uma palavra na mente do cliente em perspectiva. Não uma
palavra complicada. Não uma palavra inventada. As palavras simples são as
melhores, palavras tiradas diretamente do dicionário.
É a Lei do Foco. Você “marca” seu caminho para a mente, estreitando o foco
para uma única palavra ou conceito. É o sacrifício definitivo de marketing.
[...]
Se você não é um líder, sua palavra precisa ter um foco restrito. Entretanto, ainda
mais importante, sua palavra tem de estar “disponível” na categoria. Ninguém
mais pode ter controle sobre ela.
[...]
As palavras mais eficazes são orientadas para os benefícios. Por mais compli-
cado que seja o produto, por mais complicadas que sejam as necessidades do
mercado, é sempre melhor focalizar em uma única palavra ou em um único
benefício em vez de em dois, três ou quatro. Há também o “efeito prestígio”.
Se estabelecer um beneficio de maneira sólida, é provável que o cliente em pers-
pectiva lhe dê também uma porção de benefícios. (1993, p. 22)

Se o objetivo da nossa comunicação fosse o de subsidiar a agência para a criação do slogan


– Futura – o canal que liga você – nosso trabalho estaria terminado. Como sugerem Ries e Trout,
teríamos com o nosso posicionamento, calcado na “lei do foco”, indicado um “benefício de ma-
neira sólida”: educação/formação. Porém, não basta veicular nosso slogan para dar por realizada a
campanha institucional. Por isso, essa campanha precisará de um conceito que a sustente, o qual,
por sua vez, poderá ser reforçado por imagens, além da declaração anunciada pelo slogan.
Destaque-se que a formulação desse conceito é tarefa da agência, pois ele também deve ser
uma tradução criativa do posicionamento. Não se descarta nunca a participação do departamento
de marketing na criação de slogans e mesmo em algumas soluções relacionadas à criação de peças
96 Comunicação Empresarial

publicitárias. Mas o processo como um todo é de responsabilidade da agência, devendo ela sempre
apresentar mais de uma proposta para a campanha.
Até aqui o comunicador empresarial se envolveria em todo o processo de discussão sobre o
posicionamento; daí em diante, continuaria em contato com a agência ao longo das etapas referidas
na Figura 3, e finalmente participaria do processo de aprovação das peças.
Em uma campanha veiculada em 2009, encomendada pelo Futura à agência F/Nazca, o con-
ceito criado foi esse: “Não deixe de ser tudo aquilo que você pode ser”, veiculado na mídia impressa,
e com ligeira alteração para a mídia eletrônica: “Seja tudo aquilo que você sonha e que pode ser”.
Foram produzidos dois comerciais de 30 segundos cada; o primeiro intitulado “Homem balão”16 e
o segundo, “Céu”17. Naquele, um garoto lança um inflável de si mesmo aos céus e o objeto flutua
pelo interior de uma biblioteca, de um museu, e depois sobrevoa um campinho de futebol, flores-
tas, geleiras, até ser visto no espaço, fora do planeta. No outro, três amigos escalam uma montanha
que eles mesmos construíram com livros, microscópios, aquarelas, lunetas e demais objetos do
mundo da cultura, da pesquisa e da escola, até alcançarem o topo. Tanto em um quanto noutro
comercial, ouve-se uma voz em off que anuncia o conceito acima.
Entendemos bem o sentido das imagens e sua relação com o conceito, o qual faz referên-
cia a sonho, à superação de limites, simbolizada pela travessia de diferentes lugares, rompendo
barreiras geográficas (“Homem...”) e ganhando a amplidão do espaço; e à construção do conhe-
cimento, que se dá aos poucos (o desenvolvimento) na escalada rumo ao topo da montanha
(“Céu”). De novo, o “canal que liga você” surge como o meio que propicia essa jornada. Eis o
fechamento do círculo em que uma a uma as partes se ligam harmônica e coerentemente.
No nosso exame das estratégias definidas por Argenti (2006), no início deste tópico, ana-
lisamos o objetivo da comunicação, os recursos envolvidos – no caso, aqueles estipulados por
nossa empresa, o anunciante – e fizemos uma reflexão sobre a reputação de uma empresa no
contexto de uma campanha publicitária. O autor faz menção também a um segundo conjunto de
questões: análise do público-alvo, a sua atitude diante da empresa, o que este sabe sobre o tema
discutido e a necessidade de se transmitir adequadamente as mensagens, a escolha do canal e,
finalmente, as respostas do público-alvo.
Com maior ou menor ênfase, nossa análise também contemplou esse segundo grupo de
questões. A análise considerou uma das situações mais complexas no âmbito da comunicação em-
presarial, que é a veiculação de campanhas publicitárias. Porém, todos os itens citados devem ser
lembrados em várias outras situações, com menor complexidade, cujo público-alvo poderá
ser apenas uma fração daquele atingido por uma campanha publicitária. O esquema sugerido por
Argenti (2006), Figura 4, demonstra cada uma dessas etapas.

16 Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=uZTk0km2XHw>. Acesso em: 14 jun. 2018.


17 Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=HPKWHdsqXr0>. Acesso em: 14 jun. 2018.
Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão 97

Figura 4 – Estrutura expandida da estratégia de comunicação empresarial

Mensagens

– Qual é o melhor canal


de comunicação?
– Como a empresa deve
estruturar a mensagem?

Empresa Públicos

– O que a empresa deseja que cada


– Quais são os públicos da empresa?
público faça?
– Qual é sua atitude em relação à em-
– Que recursos estão disponíveis?
presa e ao tópico em questão?
– Qual é a reputação da empresa?

Respostas
do público

– Cada público-alvo respondeu da ma-


neira que a empresa desejava?
– A empresa deve revisar a mensagem
à luz das respostas do público?

Fonte: Argenti, 2006, p. 42.

Atividades
1. Um bom princípio no relacionamento com os públicos da empresa é este, segundo o qual
não devemos tratá-los de forma isolada uns dos outros. Comente.

2. Que relações podem ser feitas entre o SAC e ombudsman?

3. Qual é a importância do posicionamento da empresa?

Referências
ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de
Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

CORRÊA, Roberto. Planejamento de Propaganda. 9. ed. São Paulo: Global, 2004.

DAVENPORT, Thomas H.; HARRIS, Jeanne G. Competição Analítica: vencendo através da nova ciência.
São Paulo: Campus, 2007.

KOTLER, Phillip. Marketing para o Século XXI: como criar, conquistar e dominar mercados. Tradução de
Bazán Tecnologia e Linguística. São Paulo: Futura, 1999.

KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. São
Paulo: Summus, 2003.
98 Comunicação Empresarial

MATOS, Gustavo G. Comunicação Interna é Função Estratégica. Disponível em: <www.fgmconsultoria.com.


br/artigocominterna.htm>. Acesso em: 26 set. 2009.

NASSAR. Paulo; BERNARDES, Roberto Carlos. A Comunicação Empresarial brasileira evolui paulatinamente
de uma abordagem apenas instrumental para importante ferramenta estratégica de gestão. Revista Comunicação
Empresarial. Rio de Janeiro: Aberje, Ano 8, nº 27, 2° trimestre de 1998.

NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerencial imagem, questões públicas,
comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2000.

PINTO, S. A. O. Estrutura de Gestão de Informação para Inteligência de Negócio nas Organizações e o Impacto
Individual nas Atividades. Tese de Doutorado, São Paulo FEA-USP, 2012.

RIES, Al; TROUT, Jack. Posicionamento: a batalha por sua mente. São Paulo: Makron Books, 2009. 214 p.
As 22 Consagradas Leis do Marketing. São Paulo: Makron Books, 1993.
5
Identidade, imagem e reputação organizacional

Um tema central na vida de qualquer pessoa é o da construção da sua Identidade.


O conceito evoca outro, o de indivíduo, e com este a dimensão daquilo que é indivisível
e, portanto, único. A noção de identidade sempre é associada à ideia de padrão, pensado
como um conjunto mais ou menos diferenciado e estável de comportamentos, emoções,
pensamentos e atitudes. A estabilidade alcançada por cada um desses padrões permite or-
ganizá-los em uma unidade coerente à qual chamamos de personalidade.
Ao se reconhecer a mencionada estabilidade, não deixamos de fora, porém, a noção
de continuidade, ligada ao agenciamento desses padrões ao longo do tempo. A identidade
não é estática, pois é propensa a mudar com o tempo, mas nunca anulando integralmente os
padrões com os quais se formou, visto que é essa matéria que nos torna únicos e distintos.
Unicidade e diferenciação conferem ao indivíduo essa capacidade de se comportar de forma
coerente (em relação a tudo àquilo que percebe ser próprio de si, essencial) em diferentes
situações, ou seja, em harmonia consigo mesmo.
Fatores de natureza genética, sociocultural e aqueles relacionados às experiências pessoais
exercem papel decisivo sobre a formação da identidade. É difícil, contudo, aferir a extensão e
intensidade de cada um, fato que leva o analista a concluir que as três instâncias formam um
amálgama pleno de significado.
Essas rápidas considerações sobre identidade pessoal têm a vantagem de introduzir
praticamente todos os temas que interessam para a reflexão sobre identidade organizacional.
Conceitos como unicidade e diferenciação, conservação dos traços de distinção em variadas
situações — a coerência em relação àquilo que julga essencial em si — e subtemas associados
à discussão, tal o modo específico de como o indivíduo é percebido pelo seu grupo social ou
por esferas de maior amplitude no caso de pessoas com vida pública — tudo isso mostra-se
como pontos em comum entre indivíduos e organizações, guardadas as devidas e indispensá-
veis proporções.
Em Organizational Identity, Albert e Whetten (1985) apontam a identidade organizacio-
nal como uma dimensão autorreflexiva, uma vez que a organização faz uso de determinados
aspectos de sua cultura como forma de se diferenciar na sociedade. Assim, para adequada ges-
tão da identidade, as organizações necessitam ter consciência e agir sobre certos componentes:
• caráter central: características que são percebidas como essenciais à organização;
• distinção: características que distinguem a organização das outras.
• continuidade temporal: características que mostram algum grau de continuidade de
sua cultura.
São ainda os dois autores que reconhecem os modos pelos quais as organizações se fa-
zem distinguir: objetivos organizacionais estratégicos, missão, proposições ideológicas, valores,
100 Comunicação empresarial

filosofia e cultura particular. Os teóricos enfatizam que as análises sobre o processo de distinção
das organizações devem levar em conta que nem sempre elas têm uma identidade unidimensional
ou única, podendo assumir identidade híbrida, composta de múltiplos tipos. De qualquer forma,
a identidade organizacional é formada por meio de interações com os seus públicos e nisso se as-
semelham também aos indivíduos em sociedade.
De acordo com Dutton, Dukerich e Harquail (1994), existem dois tipos de identidade
organizacional:
• a percebida pelos seus membros na forma de atributos centrais que eles julgam como
diferenciadores e mantenedores da identidade ao longo do tempo;
• a construída ou idealizada pelos membros, mas agora segundo o que eles creem ser os
principais atributos, diferenciadores e mantenedores da identidade na percepção de
seus públicos.
Os autores citados até agora concordam com a seguinte síntese: identidade é uma coleção de
atributos percebidos como específicos (diferenciação), os quais, podemos afirmar, em um processo
de melhoria contínua dos processos organizacionais, incluída gestão de marca, podem tornar a
empresa única (unicidade) aos olhos do público interno e externo. A identidade não é estável ou
fixa, mas historicamente construída em processo prolongado. Nenhuma empresa muda a identi-
dade como resultado de uma necessidade pontual ou como um desígnio do marketing que decidiu
artificialmente torná-la “jovem”, “moderna”, “sustentável” ou outro atributo à mão.
Van Riel (2003) afirma que a identidade organizacional é composta por três fatores que for-
mam o chamado mix de identidade:
a) comportamento: o mais importante deles, responsável pela criação da identidade,
pois visível na forma de ações e por isso alvo do julgamento do público;
b) comunicação: pode ser multicanal e necessariamente adaptada a cada um dos canais (te-
levisão, internet, mídia externa...). Se ela não transmitir (traduzir) adequadamente o ser
da empresa, haverá falhas na interação com os públicos. Portanto, deve-se reservar muita
atenção à escolha de canais e, antes, aos aspectos da identidade que deverão ser veiculados;
c) símbolo: imagens, fotografias, ilustrações, material gráfico, logotipos, cores e vários
outros signos que representam a empresa e que são via de regra mobilizados de forma
orgânica, gerando determinado significado para consolidar a identidade.
Uma identidade organizacional consolidada motiva e engaja funcionários para o cumpri-
mento da missão, inspira confiança entre os públicos interno e externo, reforça sistematicamente o
compromisso com o cliente e evidencia o papel decisivo de acionistas e investidores.

5.1 Identidade e imagem


Na literatura a respeito dos três conceitos tratados neste capítulo, é comum encontrar con-
siderações sobre o caráter abstrato da imagem. Enquanto que a identidade é associada a conceitos
como essência e centralidade, distintividade e permanência, a imagem é relacionada à subjetivi-
dade dos públicos, a algo transitório, como o conceito veiculado em uma campanha publicitária.
Identidade, imagem e reputação organizacional 101

Na linguagem do dia a dia, ouve-se a frase “eu fazia outra imagem de você”, quando finalmente
indivíduos se conhecem pessoalmente. Neste caso, a imagem anterior formada na mente de um
interlocutor era produto de uma representação mental sobre o outro.
Para Capriotti (2005), a imagem corporativa é uma estrutura mental cognitiva gerada em
sucessivas experiências, diretas e indiretas, do público com a organização. São fatores característicos
da imagem:
• certo grau de abstração e subjetividade na percepção da imagem, inclusive porque de-
pende também, mas não só, da materialidade da papelaria (papel timbrado, envelopes...),
instalações, viaturas etc.;
• constitui uma unidade de atributos sempre associados, como ocorre ao se visualizar o
complexo formado por um shopping, cuja arquitetura, localização, iluminação externa à
noite e estacionamento evocam em um mesmo “pacote” o perfil das lojas, o público-alvo
desse shopping e por conseguinte das lojas e assim por diante;
• a imagem é transitória.
De forma esquemática, Brandt e Johnson (1997) sintetizam as diferenças entre imagem e
identidade nos seguintes termos:
Quadro 1: Comparação entre Imagem e Identidade

Imagem Identidade
Aparência Essência

Ponto de vista dos receptores Ponto de vista dos emissores

Passiva Ativa

Reflete qualidade superficiais Reflete qualidades duradouras

Visão retrospectiva Visão voltada para o futuro

Tática Estratégica

Associações existentes Associações que se quer construir

Fonte: Brandt e Johnson (1997).

Para Costa (2003), como que reforçando o exposto acima, não se pode
confundir as imagens identitárias ou visuais com as imagens mentais. Quando
falamos de imagem de empresa não falamos de figuras visíveis, e sim da ima-
gem mental que ela suscita na memória coletiva. Isto é, a ideia que a socie-
dade em geral e os segmentos em particular tenham formado desta empresa.
Em síntese: [...] A imagem é o que as pessoas pensam que é (para cada um a
imagem mental que se forma, é a realidade). (COSTA, 2003, p. 94)

5.2 Reputação: visão geral


O vocábulo reputação é formado pelo antepositivo de origem latina putus: puro, cuidado, antepositivo: ele-
mento que antecede,
sem mistura; daí puto, utilizado, em associação, como sinônimo de menino (puro), em Portugal. que tem posição
anterior.
O feminino “puta” (menina) teve seu sentido primeiramente ampliado para designar a prosti-
tuta e depois limitado a essa designação. Aprofundando esse olhar etimológico, orientado pelo
102 Comunicação empresarial

discernimento da raiz da palavra, encontramos o vocábulo deputado, o representante do povo e,


por isso, imaculado, depurado em sua moral.
O lastro histórico da reputação, isto é, o conjunto de fazeres, de procedimentos objetiva-
mente organizados ao longo do tempo, sob a orientação de princípios baseados na qualidade de
produtos e serviços, e no compromisso com os públicos, tem esse caráter temporal realçado em
frases como a de Henry Ford1: “Você não pode construir uma reputação baseado no que você
ainda vai fazer”. Por outro lado, chamando a atenção para o aspecto extremamente sensível da re-
putação, Warren Buffett2 afirmou que “são necessários 20 anos para se construir uma reputação
e cinco minutos para destruí-la”, o que também deixa evidente o dado relacionado à percepção
dos públicos.
Ainda para pontuar as diferentes visões que se delineiam ao longo dos séculos sobre o assun-
to, vale lembrar as palavras de Sócrates (470-399 a.C.): “A maneira de se conseguir boa reputação
reside no esforço de se ser aquilo que se deseja parecer”. Embora o mais antigo dos três depoimentos,
o do filósofo grego mostra-se ainda extremamente moderno porque evoca a questão do ser e do pa-
recer, categorias que se entrecruzam no debate sobre reputação. Uma empresa que “pareça” (como
uma imagem) ter boa reputação, mas não a tenha de fato, mais dia ou menos dia acabará por ter
revelada essa sua impostura, pois calcada em uma construção meramente imagética, resultante da
comunicação, bem como de um conceito bastante suspeito de marketing; empresas com bons ser-
viços, mas com imagem menor que esse desempenho, necessitam de comunicação eficaz e urgente.
Empresas capazes de alinhar a percepção positiva de seus vários públicos, como resultado de sua
reputação, demonstram ser possível sintonizar reputação e imagem.
Embora amplamente referendada no meio organizacional, a reputação como tema passa
a receber atenção de uma série de teóricos a partir do início da década de 1990. Um artigo de
Fombrun, Rindova e Shanley (1990) renovou as bases teóricas do debate e estimulou o empenho
dos estudiosos para o delineamento dos componentes estruturadores da reputação corporativa.
Os diferentes sinais (o conjunto de processos e sistemas de interação para a entrega do produto ou
serviço) emitidos pela empresa são interpretados pelos stakeholders3 de modo peculiar, conforme
o lugar que ocupem em determinada situação.
Como assunto de natureza multi e interdisciplinar, a reputação mereceu levantamento, rea-
lizado por Fombrun e Van Riel (1997), de sua presença em estudos de sete áreas de conhecimento,

1 Henry Ford (1863-1947) foi o fundador da Ford Motor Company, empresa automobilística que revolucionou o pro-
cesso de fabricação de veículos com a chamada linha de montagem. O processo baixou para 98 minutos o tempo ne-
cessário para a fabricação de um veículo, elevando exponencialmente os índices de produtividade e possibilitando à
empresa a oferta em massa de automóveis.
2 Warren Buffett nasceu nos EUA em 1930. É atualmente um dos homens mais ricos do mundo, graças a investimentos
na bolsa, operação que tem sabido desenvolver com maestria para todos os seus clientes. Mestre pela Escola de Negócios
de Colúmbia, Buffett notabilizou-se também por seu pendor filantrópico e por um estilo de vida despojado (guardadas as
proporções), o que o levou a doar, em testamento, 85% de sua fortuna, avaliada em cerca de 40 bilhões de dólares, para a
Fundação Bill e Melinda Gates, mantida pelo ex-presidente da Microsoft.
3 Ao longo deste capítulo, adotamos o termo stakeholder, em vez de sua tradução como “público”, pois no âmbito da
teoria da reputação e responsabilidade social, assim como no da administração de um modo geral, os autores costu-
mam não traduzi-lo, conforme se notará nas transcrições a seguir.
Identidade, imagem e reputação organizacional 103

dentre as quais a economia, comunicação, estratégia, marketing, teoria das organizações, socioló-
gica e contabilidade. Reputação e identidade possuem elementos em comum, pois ambas estão
fundamentadas em uma dimensão histórica da organização. Baseados nas palavras de Fombrum
et al. (2006), podemos dizer que a reputação, à feição de um dispositivo, é um atualizador de
componentes da identidade e para isso cria vínculos entre o passado e o futuro. Para tanto, a
organização necessita ser capaz de autorreflexão sobre sua natureza, missão, visão e o seu lugar
na sociedade.
Devemos afastar a pretensão de passar em revista um grande número de teorias sobre o tema.
O quadro abaixo sintetiza como diversas áreas do conhecimento situam o conceito de reputação.
Quadro 2 – O conceito de reputação visto por diferentes áreas

Disciplinas Definição de reputação


Traços ou sinais que descrevem o comportamento provável das empresas em uma
Economia
situação particular.
Barreira de entrada; uma fonte de vantagem competitiva sustentável. Ativo intangível
Estratégia
difícil de ser imitado.

Contabilidade Ativo intangível difícil de medir, mas que cria valor para as empresas.
Ativos com o poder de atrair clientes leais;
Marketing
Associações que os indivíduos estabelecem com o nome de uma empresa.
Traços percebidos da empresa que se originam das relações que esta estabelece com
Comunicações
os múltiplos públicos.
Identidade da empresa.
Teoria das organizações Representações cognitivas da empresa que se desenvolvem à medida que os ­stakeholders
reconhecem as atividades da empresa.

Construções sociais que se originam a partir do relacionamento que as empresas esta-


Sociologia
belecem com o ambiente institucional que compartilha.

Fonte: Fombrum; Gardberg; Sever 2000 apud Lerner 2006, p. 56.

5.3 Imagem e reputação


Como veremos a seguir, existe uma tendência internacional de caráter avaliativo do desem-
penho das organizações no item relacionado à reputação, dando origem a uma série de listas de
empresas com maior índice desse diferencial. O ranking por si só já compõe um elemento da ima-
gem das empresas ocupantes das primeiras posições. Reputação e imagem, nesse caso, evidenciam
seus pontos em comum, mas com diferenças marcantes. A primeira, produto de uma construção
histórica, baseada no compromisso com os públicos e no esforço de contínuo aprimoramento dos
serviços; a segunda, resultado da percepção dos diferentes públicos.
Carlos Gustavo Fortes Caixeta (2008) faz o seguinte comparativo entre imagem e reputação,
de onde se depreende, como fator decisivo, a natureza efêmera da imagem e o caráter histórico e
processual da reputação.
104 Comunicação empresarial

Quadro 3 – Comparativo entre imagem e reputação

Imagem corporativa Reputação corporativa


Relacionada em grande parte à comunicação. É o reconhecimento do comportamento.

Caráter conjuntural e efeitos efêmeros. Caráter estrutural e efeitos duradouros.

Difícil de objetivar. Verificável empiricamente.

Gera expectativas associadas à oferta. Gera valor associado à resposta.

Constrói-se fora da organização. Gerada dentro e fora da organização.

Ações que demonstram o “cumprimento das


“Como somos percebidos”.
promessas de marca.”

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Caixeta (2008).

Ana Luísa de Castro Almeida (2005), Reputation Institute, no Brasil, lança mão de uma me-
táfora para comparar reputação e imagem: a imagem é transitória, um take (tomada) em um filme,
enquanto que a reputação é o próprio filme. A imagem, como vimos, mescla elementos concretos e
abstratos e no que diz respeito aos primeiros, são perceptíveis no modo como são interligados para
a criação de um perfil capaz de garantir a distinção entre um modo de ser e outro, peculiar à outra
organização. Isso não nos leva a confundir imagem com identidade, pois a natureza efêmera da pri-
meira fica quase sempre evidente. Por exemplo, não confundimos lojas de grandes supermercados,
geralmente muito zelosas de sua imagem corporativa, graças, em primeira ordem, ao aparato físico
(gôndolas, balcões, geladeiras, iluminação) de que dispõem, mas sabemos que tudo isso é transitório,
substituível, mas não a identidade do supermercado e sua reputação construída ao longo do tempo.
Uma abordagem frequente dos vários fatores intangíveis4 da empresa, quer sejam aqueles
encarnados pela marca, quer pela comunicação empresarial, como processo organizacional, quer
pela identidade, imagem e reputação, realça a virtualidade de cada um dos itens gerar ativos para
a empresa. De onde se pergunta: em termos de valor, quanto vale uma boa reputação? A resposta
é dada por Ana Luísa Castro de Almeida, diretora do Reputation Institute (Brasil), citada acima:
Em termos de desempenho financeiro, os estudos mostram que, se a empresa
aumentar em 5% a sua reputação, seu valor de mercado crescerá em 3%. A boa
reputação exige práticas que são necessárias para a sustentabilidade da empresa.
Em relação aos públicos, a boa reputação gera comportamentos de apoio: eu
compro, eu invisto, eu gostaria de trabalhar, eu falo bem dessa empresa. Uma
empresa com maior reputação desfruta de credibilidade, confiança, respeito e
estima. (ALMEIDA, 2005, grifo do original)

A reputação corporativa influencia os stakeholders, pois, como vimos, orienta-os no


momento de compra, na decisão sobre trabalhar ou não para determinada organização etc.;
além disso, a reputação dispõe os públicos, principalmente clientes, a recomendar a empresa
a amigos e participa do julgamento que possam efetuar com relação ao comprometimento da
instituição com a comunidade.

4 Recursos intangíveis incluem itens como a reputação da empresa, o valor da marca, as habilidades administrativas
relacionadas com processos de decisão, habilidades tecnológicas para o sistema organizacional – quer sejam docu-
mentadas quer não –, o conhecimento do valor de seus recursos humanos e os relacionamentos com stakeholders, entre
outros fatores.
Identidade, imagem e reputação organizacional 105

Paul A. Argenti (2006, p. 98) expõe as relações entre identidade, imagem e reputação, con-
siderando que esta última é a soma das imagens percebidas pelos diferentes stakeholders. Embora
o autor não enfatize o aspecto efêmero da imagem, é possível, todavia, concluir que a percepção
isolada de um tipo de público pode influir muito pouco na construção da reputação como um pro-
cesso histórico e, portanto, complexo. A reputação de uma editora, por exemplo, não se constrói
apenas com a publicação de uma coleção que viesse atender às necessidades de um tipo de público.
Além de ter que consolidar sua reputação com um projeto editorial coerente, diversificado e repre-
sentativo, de acordo com os interesses e necessidades do leitor, teria ainda que demonstrar sensibi-
lidade em compreender sua missão em um contexto social que extrapola os limites de sua clientela.
Figura 1 – Estrutura da reputação

A identidade corporativa (nomes, marcas, símbolos, autoapresentações)

é percebida por meio da

Imagem para Imagem para a Imagem para Imagem para


o cliente comunidade o investidor o funcionário

a soma de suas
percepções equivale à

reputação corporativa

Fonte: Argenti, 2006, p. 98.

Barnett et al. (2006 apud CASTRO, 2008, p. 54) consideram a reputação corporativa como
um objeto suscetível a três diferentes abordagens: ativos (a reputação como ativo intangível); ava-
liação (reputação como produto da avaliação moral de seus diversos stakeholders); e percepção
(modo pelo qual os públicos, mais especificamente os clientes, percebem a empresa). Os autores
ainda discutem a diferença de conceitos para com os de identidade, imagem e “capital reputacio-
nal”, e propõem um conceito mais amplo para reputação corporativa.

5.4 Reputation Institute e RepTrak®


Charles Fombrun e Cees Van Riel, autores citados neste capítulo, fundaram, em 1997,
o Reputation Institute, com sede na Holanda. A consultoria desenvolve um trabalho de caráter
formativo, uma vez que busca esclarecer sobre a relação entre as iniciativas das organizações,
sua reputação e seus resultados, para gerar mais valor nas interações com seus stakeholders.
A difusão de conhecimento teórico e prático sobre as melhores práticas em gestão da repu-
tação ao redor do mundo é um dos principais fatores para a consolidação de uma cultura capaz de
conceder renovado sentido ao empenho das organizações.
O Reputation Institute está presente em mais de 30 países, com unidades na África do Sul,
Brasil, Chile, China, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Holanda, além dos
associados em locais como Alemanha, Austrália, Colômbia, Canadá, Emirados Árabes, França,
Japão e Rússia.
No Brasil, o Reputation Institute atua desde 2006 com sede em Belo Horizonte e tem como
presidente Ana Luísa Almeida, também citada neste capítulo.
106 Comunicação empresarial

Van Rieel (2011) destaca que a reputação está firmemente ligada à cultura da empresa e,
portanto, aos seus propósitos e à sua relação com as pessoas. Os funcionários são os principais
agentes desse relacionamento e tal condição exige respeito e transparência na construção e forta-
lecimento da reputação da empresa:
Construir relações com pessoas de quem se depende é mutuamente recompen-
sador. Pois se apenas doa, entrega e nunca recebe, a relação se esgota. E já veri-
ficamos que apenas as estratégias de comunicação não são suficientes. Trata-se
de construção de relações com pessoas, ao mostrar respeito às outras pessoas;
mostrar que você se preocupa com elas. Tem-se que levar em consideração
quais são os pontos de vista dos outros e as contribuições que podem oferecer.
(VAN RIEL, 2011, p. 6)

Ainda que fator fundamental da gestão da reputação, o relacionamento com os funcionários,


base do ambiente de trabalho, é apenas um dos itens avaliados pelo Reputation Institute.
Por se demonstrar abrangente, orgânico – porque articula entre si cada um dos fatores com
os quais trabalha – o conceito de reputação do Reputation Institute vem sendo constantemente
citado pelos especialistas:
A reputação empresarial é o que as pessoas pensam e sentem sobre uma empresa,
com base em informações (ou desinformações) que elas tenham tido sobre seus
produtos, serviços, empregados, iniciativas sociais, desempenho passado ou
perspectivas futuras. (REPUTATION INSTITUTE, 2018)

Nota-se que o conceito mantém ligações com o estabelecido por Fombrun e Rindova
(1998, p. 207):
A representação coletiva das ações passadas de uma empresa e dos resultados
que descrevem a sua habilidade em entregar valor para seus variados stakehol-
ders determina a posição relativa da empresa tanto internamente, para seus
empregados, quanto externamente, com relação a seus outros stakeholders.

O instituto desenvolveu uma metodologia para a aferição da reputação denominada


RepTrak , uma marca registrada; a metodologia, como se verá, associa atributos e possui caráter
demonstrativo: atributos emocionais e dimensões racionais organizados em diagramas que per-
mitem uma rápida visão sobre o modo de associação entre os dois polos, emocional e racional.
O Reputation Institute realiza desde 2007 estudos mundiais sobre a reputação de grandes
empresas. O Global RepTrak® 100 avalia anualmente a reputação de multinacionais nas 15 maio-
res economias do mundo – dentre elas o Brasil. No país, em 2017, foram pesquisadas mais de
330 empresas. Cada uma foi avaliada por pessoas com um conhecimento mínimo sobre a empresa.
Todas as organizações que atingiram um nível mínimo de familiaridade com o público geral foram
ranqueadas no estudo Brasil Reputation Pulse – edição nacional da iniciativa.

5.5 Gerência da reputação


Sociedades complexas encerram um alto grau de mutabilidade que pode ser parcialmente
analisado na convergência das mídias e dos muitos subprodutos gerados por essa conformação
Identidade, imagem e reputação organizacional 107

reticular. Por outro lado, ou talvez até porque o impacto do fenômeno dessa convergência tenha
dotado os indivíduos de um maior poder de “observação” das áreas governamentais e institucio-
nais de um modo geral, a verdade é que o clamor público pela transparência da administração
é um fato irreversível. Nesse cenário, a responsabilidade social é um dos fatores que ganharam
visibilidade no planejamento estratégico e se fizeram tema constante da pauta do terceiro setor
em seu diálogo com as organizações, apenas para citar um tipo de relação em permanente evi-
dência. Uma reputação sólida é um patrimônio inimitável, já que consubstanciado em uma longa
jornada vivida de forma peculiar por sujeitos peculiares, pois inseridos em um quadro de forças
historicamente bem demarcado.
O comunicador tem papel dos mais importantes em todo o processo de construção e preser-
vação da reputação. Ninguém melhor do que ele para traçar o perfil dos vários públicos, analisá-los
em suas dinâmicas, em suas demandas e, juntamente com agentes internos diretamente envolvidos
nesses processos, estabelecer ações e políticas que melhor possam suprir suas necessidades.
Retomemos Barnett et al. (apud Castro, 2008), referidos acima, e a abordagem que fazem
em três planos da reputação: como ativo intangível; como avaliação realizada pelos stakeholders
e como percepção por parte dos stakeholders, sobretudo os clientes.
É útil assinalar como os autores conceituam reputação (apud CAIXETA, 2008, p. 57):
“Coleção de julgamentos sobre uma empresa, baseados nas avaliações financeiras, sociais e dos
impactos ambientais atribuídos a essa organização ao longo de sua história”.

5.6 Reputação como ativo intangível


Como destacou Almeida (2005), uma empresa que alcance 5% de crescimento de sua repu-
tação, será valorizada na ordem de 3% no mercado. Se assim for, conclui-se de imediato o impacto
sobre funcionários, o valor das ações, as vendas e sobre processos como o de captação de recursos.
Como é de se supor, uma abordagem baseada em ativos tem como referencial conceitos da
teoria econômica, entre elas, conforme Castro (2008), a teoria dos custos de transação que eviden-
cia o relacionamento comercial com empresas.
Tende-se, segundo o enfoque teórico, a se manter relacionamento com empresas que gozam
de boa reputação, pois esta é vista como resultante dos bons serviços prestados pelo parceiro com o
qual se inicia a transação comercial. O campo de incerteza que cerca a contratação de uma gráfica
para a impressão de embalagens, por exemplo, é amenizado, caso a organização tenha em vista a
boa reputação da empresa a ser contratada.
Outra teoria orientada por essa perspectiva do ativo intangível é a da visão baseada em
recursos, no caso, aqueles recursos tidos como raros, representados pelas competências únicas e
essenciais. O sistema de busca implantado pelo Google revolucionou o processo de pesquisa na
internet, quando se lançou como alternativa ao Yahoo!, líder absoluto de preferência até então.
A cultura organizacional é também um intangível com impacto na reputação. Compõe a
cultura de uma empresa sua escala de valores intrinsecamente ligada ao modo como ela percebe
108 Comunicação empresarial

a realidade e gera significado simbólico e cognitivo. Quando no passado a IBM afirmava acre-
ditar em empregos vitalícios, essa convicção parecia (até uma crise financeira pôr abaixo esse
princípio...) ser intrínseca ao seu modo de enxergar as relações trabalhistas. Como o princípio
encerrava em si mesmo uma ética do mundo do trabalho, podia-se afirmar que aquele se impu-
nha como diferencial raro e bastante difícil de ser imitado.

5.7 Reputação como avaliação


Nessa abordagem, a avaliação dos stakeholders é decisiva para a boa reputação da empresa.
Eles esperam que a organização demonstre concretamente o seu interesse em participar na busca
de soluções para questões comuns, como as relacionadas ao meio ambiente, por exemplo. Há teó-
ricos que propõem uma teoria dos stakeholders, tal a relevância desses agentes. Como são muitos
os públicos, e diferentes as formas de analisá-los, sugere-se a categorização deles em três quesitos:
poder, legitimidade e urgência.
• Poder – refere-se à percepção de como os stakeholders podem afetar os negócios. No iní-
cio dos anos 1990, um boato, supostamente criado por uma famosa instituição do terceiro
setor, segundo o qual os hambúrgueres da cadeia de lanchonetes McDonald’s eram fabri-
cados com minhocas, causou prejuízos, nos EUA, na ordem de US$ 30 milhões.
• Legitimidade – refere-se ao grau de relevância de certas demandas. Se telespectadores
protestarem contra o conteúdo de um comercial, esse sinal, vindo da parte interessada
(ainda que não seja toda ela constituída por clientes da empresa veiculadora do comer-
cial), deve ser altamente considerado tanto pela emissora quanto pelo anunciante.
• Urgência – refere-se ao modo como se responderá à certa demanda e em qual tempo.
Uma empresa de ônibus que tenha sido acusada de negligência, durante o desembarque
de passageiros nos pontos de ônibus, não poderá adiar uma tomada de decisão quanto
ao problema.
A responsabilidade social tornou-se nos últimos anos um tema tão constante na pauta das
organizações que merece ser tratada também em tópico à parte, embora sua natureza intimamente
ligada à avaliação dos stakeholders seja evidente, razão pela qual é incluída nessa abordagem.
Castro (2008) lança mão de um esquema proposto por Fombrun para analisar o relaciona-
mento com os stakeholders, tendo a responsabilidade social como objeto, isto é, como ação que
gera impacto sobre os vários públicos e como que esse impacto pode ser monitorado para diminuir
riscos. Por outro lado, as ações de responsabilidade social também oferecem oportunidades para as
empresas, fator relacionado no quadro abaixo.
Quadro 4 – Relacionamento com os stakeholders

Stakeholder envolvido Oportunidades Minimização de riscos

Comunidade Criação de legitimidade Minimizar riscos de má aceitação/conflitos

Mídia Cobertura favorável Minimizar risco de cobertura desfavorável

Ativistas – Minimizar risco de boicote


(Continua)
Identidade, imagem e reputação organizacional 109

Stakeholder envolvido Oportunidades Minimização de riscos

Investidores Geração de valor Minimizar risco de fuga de investidores

Funcionários Aumento do comprometimento Minimizar riscosde comportamento

Consumidores Fidelização Minimizar riscos de má aceitação – desentendimentos

Agentes reguladores Ação legal favorável Minimizar riscos de ação legal

Parceiros comerciais Colaboração Minimizar riscos de defecção

Fonte: Adaptado de Fombrun, 2000.

A ética nos negócios é uma das expressões de uma cultura ética que, por sua vez, é um forte
substrato da reputação. Um código de ética ou um código de valores, nitidamente observado pela
alta direção e sistematicamente debatido e divulgado por todos os escalões da organização, serve
como guia na relação com os vários públicos e se coloca como tábua de valores para o relaciona-
mento entre os funcionários.
Alerta Castro (2008) que
A organização deve se preocupar em se auditar para garantir que a sua con-
duta e a de seus funcionários estejam de acordo com os requisitos estabeleci-
dos anteriormente. Essa auditoria deve levar em consideração as necessidades
e prioridades de cada um de seus stakeholders porque assim ela consegue se
preparar para exigir diferentes padrões de conduta, princípios e posturas para
se posicionar de maneira ética frente a esses diferentes stakeholders. É o que
Freitas (2000) chama de saúde moral, ou seja, uma atitude crítica permanente
de avaliação do campo organizacional interno e externo.

São vários os exemplos de empresas que tiveram a reputação prejudicada ou destruída em


decorrência de desvios éticos. Um dos maiores escândalos mundiais envolveu uma distribuidora
de energia nos EUA, a Enron Corporation, e a empresa de auditoria e consultoria Andersen, quan-
do esta, na condição de prestadora de serviços, mascarou o balanço financeiro do cliente para que
este obtivesse vantagens com investidores.
Em 2002, um comitê de investigação reunido pelo Conselho de Administração da Enron con-
cluiu em um informe que o grupo entrou em bancarrota por causa de graves negligências de parte bancarrota: quebra
fraudulenta; falência.
da direção, assim como práticas de enriquecimento pessoal de alguns funcionários. O desfecho,
todos conhecem: a empresa quebrou naquele ano. Em 2000, havia faturado cerca de US$ 100 bilhões.

5.8 Reputação como percepção


A percepção tratada neste tópico ocorre por parte dos stakeholders, mas não aquela focada
em um julgamento de natureza moral, mas nas impressões pessoais sobre as empresas, motivadas
as primeiras pelas características psicológicas de cada um. O significado emocional de uma mar-
ca é capaz de blindar uma organização inteira em relação a possíveis julgamentos desfavoráveis,
dirigidos a determinados aspectos dessa organização. A construção de marca, ou branding, quando
bem conduzida, pode gerar impacto positivo sobre a reputação da organização. A seleção, orga-
nização e interpretação de estímulos são processos relacionados à percepção. Traços identitários
como cor, textura de embalagens, design, preço e imagem da marca concorrem para gerar uma
110 Comunicação empresarial

percepção altamente significativa no julgamento da performance do produto, por assim dizer, e,


por extensão, da empresa.

5.8.1 Mensuração por Brand Equity


Brand Equity, ao pé da letra, “valor de marca”: valor adicional de uma marca resultante do
entrecruzamento de elementos tangíveis e intangíveis relacionados a ela. Assim, a marca não é
apenas um nome ou um logotipo, mas um conceito construído ao longo do tempo como a própria
reputação da empresa. No âmbito organizacional brasileiro, marcas como Petrobras Vale estão
entre as mais valorizadas financeiramente, cifras que, no entanto, não se confundem com o patri-
mônio físico dessas entidades.
Os elementos tangíveis de uma marca são representados por aqueles referidos no tópico
anterior, entre eles logotipo e embalagem; os intangíveis, sua reputação, história, sua “mística”,
traduzida pela sua carga emocional, afetividade e a experiência que o público mantém com ela.
A reputação alcançada pela marca estende o efeito à organização, provavelmente percebidas como
uma só entidade, um só signo pelos stakeholders. O construto de elementos tangíveis e intangíveis
pode produzir alto recall (memorização), uma das mais desejáveis virtualidades da marca.

5.8.2 Atitude de marca


Uma estratégia de marketing, frequentemente alinhada com as relações públicas, é a atitu-
de de marca, conceito relacionado a um propósito socialmente relevante com o qual a empresa
se identifique.
Atitude de marca é toda interação de uma marca com seus públicos por meio de causas e
conteúdos sociais, culturais, ambientais, esportivos, de comportamento e entretenimento. As mar-
cas agem principalmente por meio de patrocínios, apoios e parcerias; programas, projetos, eventos
de marca; investimentos sociais, marketing de causas e promoções com conteúdos. Com essas ati-
tudes, as marcas alinham a prática ao discurso, concretizam seus atributos e propiciam experiên-
cias aos seus públicos
É certo que a maioria das ações acima produz algum tipo de julgamento moral sobre a
organização, como efeito do investimento sobre a marca. Eis um motivo pelo qual a atitude de
marca produz um tipo de percepção que vai além da psicológica ou emocional, inclinando-se para
o lado da razão. No entanto, não nos esqueçamos do vínculo proporcionado pela experiência com
a marca durante a interação que ocorre, por exemplo, durante um concerto patrocinado por uma
empresa de telecomunicações. Quem participa de um evento como esse experimenta a marca tam-
bém por intermédio de um processo de fruição em que a experiência do momento e o significado
da marca podem se contagiar mútua e emocionalmente.

5.9 Sustentabilidade e responsabilidade social


Os dois conceitos que dão nome a este tópico são convergentes, pois partem das mes-
mas premissas, a saber, que os vários agentes sociais como um todo, e a empresa em particu-
lar, devem responder a certas demandas da sociedade, mesmo que, no caso da empresa, em
Identidade, imagem e reputação organizacional 111

decorrência, frequentemente, da pressão dos seus públicos ou em atendimento a estratégias da


comunicação empresarial.
Não se sabe ao certo a origem da expressão desenvolvimento sustentável, mas aponta-se
como hipótese um documento intitulado World Conservation Strategy5, publicado em 1980.
Anos depois, em 1987, a expressão foi utilizada pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (CMMAD). Desde então, governos, empresas e outras instituições pare-
cem sempre adotar como referência de suas políticas e ações em torno do tema a mesma con-
ceituação: “desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem suas próprias necessidades”.
Fica evidente a obrigação de todos em responder a essas demandas, não por pura convocação
protocolar, geralmente limitada a efeitos epidérmicos, mas por uma questão de sobrevivência
do planeta e das gerações futuras.
Notam-se no conceito dois hemisférios: um social, ligado aos indivíduos, como se destacou,
e outro, orientado por questões ambientais, aliás, tema em permanente debate nas agendas das
mais diversas instituições. O caráter sistêmico do conceito parece ter ficado mais evidente com a
adoção da expressão sustentabilidade, sobretudo depois que governos e sociedade civil, aos poucos,
estabeleceram os quatro eixos do empreendimento tido como sustentável: ecologicamente corre-
to; economicamente viável; socialmente justo; e culturalmente aceito. Portanto, a sustentabilidade
pressupõe um equilíbrio entre meio ambiente, economia, comunidade e cultura, princípios que
acabarão por nortear o debate sobre responsabilidade social corporativa, embora suas raízes sejam
bem anteriores ao pensamento da sustentabilidade.
Já no século XIX, em 1899, Andrew Carnegie, presidente da U.S Steel Corporation, publica
O evangelho da riqueza, livro que lança as raízes do conceito de responsabilidade social das empre-
sas. Carnegie, fortemente orientado por um sentimento cristão, de extração protestante, defendia
os princípios da caridade e da custódia, os quais, sob uma visão mais crítica, construída ao longo
das décadas, deixam evidente sua natureza paternalista.
Segundo o princípio da caridade, cabia aos membros mais afortunados da sociedade ajudar,
com despojamento, os menos aquinhoados; de acordo com o princípio da custódia, empresas e
pessoas abastadas deveriam se entender como guardiães, ou zeladores da humanidade, daí a visão
de custódia, para a qual as propriedades de uns e outros resultavam em benefício da sociedade
como um todo.
Essa visão foi francamente assumida por empresas estadunidenses nas décadas de 1950
e 1960, havendo mesmo por parte do governo certas gestões para que um maior número de
entidades tomasse para si parte da responsabilidade de trabalhar em prol de uma sociedade
mais equânime.

5 Publicado pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) e o Fundo
Mundial para a Natureza (WWF) por solicitação do PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
(Oscip). Sua missão é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente res-
ponsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável. (Disponível em: <https://www3.
ethos.org.br/conteudo/sobre-o-instituto/#.WxaO10gvzcs>. Acesso em: 5 jun. 2018.
112 Comunicação empresarial

Vários pesquisadores apontam H. R. Bowen, em 1953, como o introdutor de uma nova con-
cepção sobre responsabilidade social. Segundo esse autor, as organizações tinham o dever moral de
pôr em prática políticas em sintonia com os valores amplamente desejáveis por segmentos expres-
sivos da sociedade e com o endosso dos governos.
Em oposição a esse tipo de intervenção das empresas na sociedade – já então, na década de
1960 cristalizada pelo conceito de responsabilidade social – Milton Friedman, em uma hoje clássi-
ca passagem de um artigo publicado no fim daquele período, afirma que
Há uma, e apenas uma, responsabilidade social das empresas: usar seus recur-
sos e sua energia em atividades destinadas a aumentar seus lucros, contanto
que obedeçam às regras do jogo [...] [e] participem de uma competição aberta
e livre, sem enganos e fraudes. (FRIEDMAN apud STONER; FREEMAN,
1985, p. 73)6

Vale lembrar de que o prêmio Nobel de Economia de 1972, Kenneth Arrow, em artigo pu-
blicado no ano seguinte, rechaçou a lógica de seu colega, argumentando que os mercados não
distribuem a riqueza de forma igualitária e, prova dessa imperfeição, por exemplo, encontra-se na
formação de monopólios e oligopólios. Portanto, a concentração da riqueza nas mãos de poucos,
com toda a sua opulência, mostra-se como fenômeno que o mercado por si só não teria condições
de corrigir.
Dezenas de teóricos reservaram muito espaço para a reflexão sobre o conceito de responsa-
bilidade social ao longo de toda a década de 1970 e 1980. Do ponto de vista oficial, para a consoli-
dação dessa prática como um dever da empresa, no entanto, a França deu um passo decisivo. Exigiu
que as empresas fizessem periodicamente um balanço de seu desempenho social, mormente nas
áreas e mão de obra e condições de trabalho, dividido em: emprego, remuneração e aposentadoria,
saúde e segurança, condições de trabalho, treinamento e relações industriais. No Brasil, a primeira
empresa a publicar um balanço7 dessa natureza foi a Nitrofértil.
O Instituto Ethos8 (2005, p. 25) define responsabilidade social como:
forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com
todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de me-
tas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da socieda-
de, preservando recursos e promovendo a redução das desigualdades sociais.
(INSTITUTO ETHOS, 2005, p. 17)

Há unanimidade entre os vários interlocutores de que a responsabilidade social participa dos


ativos da organização, já que evidencia compromissos, revela convicções e, efetivamente, no caso de
parte dos projetos, emancipa os indivíduos ou atua como um vetor amenizador da pobreza, fato que
gera impacto positivo na percepção dos públicos. Há, no entanto, uma espécie de vício acadêmico,
como podemos denominar, na excessiva preocupação que centenas de pesquisadores demonstram

6 O famoso artigo de Milton Friedman foi publicado em 13 de setembro de 1970, no New York Times Magazine, com o
título The social responsability of business is to increase its profits.
7 Balanço social é um documento publicado anualmente que reúne um conjunto de informações sobre as ativida-
des desenvolvidas por uma empresa, em promoção humana e social, dirigidas a seus empregados e à comunidade.
Por intermédio dele, a empresa demonstra suas ações no campo social, incluindo empregados, econômico e ambiental.
8 O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social é uma organização sem fins lucrativos, caracterizada
como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).
Identidade, imagem e reputação organizacional 113

ao repisar essa preocupação com os ativos. O pesquisador Adriano Gomes (2005) identificou cerca
de 400 artigos9, principalmente em língua inglesa, que insistem em comprovar ou defender a posição
estratégica da responsabilidade social. O nexo entre ações em prol da sociedade e o aumento da re-
putação mostra-se, para muitos desses autores, mais representativo, como tema, do que a análise dos
processos de desenvolvimento de ações sustentáveis e de responsabilidade social.
Muito mais importante do que constatar pela enésima vez de que há ganho de reputação, para
empresas que desenvolvem projetos de responsabilidade social, é identificar referenciais com rigor
científico para parametrizar projetos de responsabilidade social e relatórios de sustentabilidade.
De acordo com Igalens e Gond (2005 apud LERNER, 2006), os modelos de mensuração de
desempenho social corporativo podem ser divididos em cinco categorias:
• medidas baseadas em análises de relatórios anuais;
• índices de poluição;
• medidas de percepção baseadas em questionários;
• indicadores de reputação corporativa;
• dados produzidos por agências classificadoras.
A Bolsa de Valores de São Paulo (BMF&Bovespa) adotou o Triple Bottom Line (ou Três
Resultados Líquidos) como a principal ferramenta do Índice de Sustentabilidade Empresarial
(ISE). O Triple Bottom Line – ou 3 Ps: People, Planet, Profit (Pessoas, Planeta e Lucro) – é um mo-
delo de gestão empresarial que articula os três eixos da sustentabilidade: a viabilidade econômica,
a consciência ambiental e a responsabilidade social. Trata-se do tripé conceitual que orienta todas
as práticas de desenvolvimento sustentável. Com ele, a organização passa a trabalhar com um enfo-
que de crescimento sistêmico, reconhecendo que a sociedade depende da economia, que a econo-
mia de pende do ecossistema global e que o ecossistema depende da sociedade. Os três resultados
líquidos, da tradução para o português, vêm sendo denominados de tripolaridade.
Figura 3 – Modelo do Triple Bottom Line
Sustentabilidade econômica

Crescimento
econômico

Sustentabilidade
corporativa

Proteção Comunidade
ambiental e equidade

Sustentabilidade ambiental Sustentabilidade social


Fonte: Elaborada pelo autor com base no modelo Triple Bottom Line.

9 Gomes pesquisou em dois bancos de dados: EBSCO (Disponível em: <www.ebscohost.com>) e JSTOR (Disponível
em:<www.jstor.org/?cookieSet=1>). Acesso em: 2 jul. 2018.
114 Comunicação empresarial

Fundado em 1997, na Holanda, o Global Reporting Initiative (GRI) é um núcleo ofi-


cial de colaboração do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Autodenominada
rede de multistakeholders, o GRI, segundo informações coletadas no site da entidade10,
possui milhares de colaboradores ao redor do mundo e sua metodologia foi adotada por mais de
7 mil empresas em todos os continentes. De acordo com o documento intitulado Diretrizes para
Relatório de Sustentabilidade11,
Elaborar relatórios de sustentabilidade é a prática de medir, divulgar e prestar
contas para stakeholders internos e externos do desempenho organizacional
visando ao desenvolvimento sustentável. “Relatório de sustentabilidade” é um
termo amplo considerado sinônimo de outros relatórios cujo objetivo é descre-
ver os impactos econômicos, ambientais e sociais (tripple bottom line) de uma
organização, como o relatório de responsabilidade social empresarial, o balanço
social etc. (GLOBAL REPORTING, 2013, p. 3)

No Brasil, um número crescente de empresas12 vem adotando o modelo GRI de relatório de


sustentabilidade. No âmbito da comunicação interna, como todos os funcionários são envolvidos
em uma dinâmica transversal, do tipo P-a-P (do porteiro ao presidente), cabe ao comunicador o
papel de educomunicador. Nessa condição, o público interno não é apenas ouvido, mas contem-
plado com estratégias de comunicação adaptadas à sua linguagem – com a percepção, por parte do
comunicador, dos processos dos quais o público participa – e envolvido em programas de educa-
ção corporativa com base nos princípios da sustentabilidade.
O GRI trabalha diretamente com governos em todo o mundo e contribui para o avanço do
comércio sustentável, investimento e desenvolvimento em países emergentes, ajudando a tirar mi-
lhões de pessoas da pobreza e reduzindo a desigualdade social e econômica.
Corrêa et al. (2012), em estudo sobre a aplicabilidade do Relatório de Sustentabilidade,
demonstraram que, no decorrer dos anos, as empresas pesquisadas aumentaram seu nível de
divulgação através dos dados autodeclarados da GRI, legitimando a metodologia como uma das
mais utilizados: 30 de 45 empresas, em 2010, do Índice de Sustentabilidade (ISE) BM&FBovespa,
utilizaram as diretrizes GRI para divulgar seus relatórios.
Criado em 2010, o International Integrated Reporting Council (Conselho Internacional para
Relato Integrado, ou IIRC na sigla em inglês) é uma coalizão global de reguladores, investidores,
empresas, definidores de padrões, profissionais do setor contábil e ONGs.
A coalizão defende que promover a comunicação sobre a criação de valor impõe-se como o
próximo passo na evolução da comunicação corporativa. De acordo com informe no site da orga-
nização no Brasil:

10 Disponível em: <www.globalreporting.org>. Acesso em: 8 de jun. 2018.


11 Disponível em: <https://www.globalreporting.org/resourcelibrary/GRI-G3-Brazilian-Portuguese-Reporting-Guidelines.
pdf>. Acesso em: 5 de jun. 2018.
12 Em 2008, eram estas as empresas que adotaram o modelo GRI para Relatório de Sustentabilidade: Aracruz Celulose;
ArcelorMittal; AES Eletropaulo; AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia; AES Tietê; AES Uruguaiana; Alcoa Alumínio;
AmBev; Ampla Energia e Serviços; Banco ABN Amro Real; Banco Bradesco; Banco Itaú Holding Financeira; Bunge; Celu-
lose Irani; Cia Energética de Minas Gerais; Comgás; Companhia Energética do Ceará – Coelce; Companhia Paranaense
de Energia; Copesul; CPFL Energia; CST-Arcelor Brasil; Ecorodovias; Grupo Gás Natural Brasil; Holcim; Itaipu Binacional;
McDonald’s; Medley; Natura Cosméticos; Petrobras; Philips do Brasil; Samarco Mineração; Santander; Serasa; Shell
Brasil; Siemens; Souza Cruz; Suzano Papel & Celulose; Suzano Petroquímica.
Identidade, imagem e reputação organizacional 115

Globalização e interconectividade significam que as finanças, as pessoas e o


conhecimento do mundo são indissociáveis como evidenciado pela crise finan-
ceira global. Na esteira da crise, o desejo de promover a estabilidade financeira
e o desenvolvimento sustentável, fazendo uma melhor ligação entre as decisões
de investimento, o comportamento das empresas e o relato tornou-se uma ne-
cessidade global.
As empresas necessitam de uma evolução no sistema de relato, facilitando e
comunicando megatendências sem a complexidade e a inadequação dos atuais
requisitos de relato. Atualmente existem lacunas significativas de informações
nos relatos, com organizações como o Banco Mundial e o FMI solicitando um
maior foco em aspectos como o risco e o desenvolvimento futuro.
O Relato Integrado foi criado para melhorar a prestação de contas, a admi-
nistração e a confiança, bem como para aproveitar o fluxo de informações
e a transparência dos negócios que a tecnologia trouxe ao mundo moderno.
A disponibilização aos investidores das informações de que precisam para
tomar decisões mais eficazes em termos de alocação de capital irá melhorar os
retornos de investimentos de longo prazo. (CBARI, 2018)

A Comissão Brasileira de Acompanhamento do Relato Integrado (CBARI) é um grupo for-


mado por pessoas físicas que visam discutir e fomentar a adoção do Relato Integrado no Brasil de
forma voluntária. Esta iniciativa, embora seja reconhecida e incentivada pelo IIRC, é totalmente
independente e de responsabilidade de seus membros. A Comissão é formada por cinco Grupos
de Trabalho.
Para encerrar, apresentamos um quadro idealizado por Corrêa (1997), que evidencia o modo
pelo qual cada stakeholder se relaciona com empresas socialmente responsáveis.
Quadro 4 – Relação mantida entre stakeholders e empresas socialmente responsáveis

Stakeholders Contribuições Demandas básicas


• lucros e dividendos
Acionistas • capital
• preservação do patrimônio

• salários justos
• mão de obra
• segurança e saúde no trabalho
Empregados • criatividade
• realização pessoal
• ideias
• condições de trabalho

• respeito aos contratos


Fornecedores • mercadorias
• negociação leal

• segurança dos produtos


• dinheiro • boa qualidade dos produtos
Clientes
• fidelidade • preço acessível
• propaganda honesta

• respeito ao interesse comunitário


• contribuição à melhoria da qualidade de vida
na comunidade
Comunidade / sociedade • infraestrutura
• conservação dos recursos naturais
• proteção ambiental
• respeito aos direitos de minorias.

(Continua)
116 Comunicação empresarial

Stakeholders Contribuições Demandas básicas

• suporte institucional, • obediência às leis


Governo
jurídico e político • pagamento de tributos

• competição
Concorrentes • lealdade na concorrência
• referencial de mercado

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Corrêa (1997).

Atividades
1. Costuma-se afirmar que a imagem corporativa é volátil, transitória, enquanto que a reputa-
ção é um processo que se confunde com o próprio tempo. Explique.

2. Explique resumidamente o que é RepTrak .

3. Os relatórios de sustentabilidade vêm se tornando uma prática entre as empresas de grande


porte e, aos poucos, sua natureza interdisciplinar passa a ser foco de discussões que superam
os limites da empresa. Explique.

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COMISSÃO BRASILEIRA DE ACOMPANHAMENTO DO RELATO INTEGRADO. Por quê? A necessi-


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Acesso em: 7 de jun. 2018.
6
Comunicação interna

6.1 Cultura organizacional, diálogo e engajamento


A primeira grande questão sobre comunicação interna é identificar, com rigor estratégico,
o público envolvido no processo comunicativo. Ninguém terá dificuldade em apontar os funcio-
nários como o principal público dessa subárea da comunicação empresarial, incluindo-se nesse
grupo os estagiários, trainees e terceirizados, mas nem sempre essa percepção dá conta do quadro
de forças em jogo. Acionistas, conselheiros, fornecedores, revendedores, e até – dependendo da
ótica pela qual se analisam as relações – clientes podem integrar o público interno, embora vários
autores limitem-se a considerar apenas funcionários e acionistas como os agentes da comuni-
cação no interior da organização. O que parece ser um exercício de topografia, na medida em
que demonstramos preocupação em avaliar as dimensões do terreno por onde vamos caminhar,
revela-se também, continuando a metáfora, uma especulação de fundo geológico, porque há in-
teresse na análise qualitativa do solo. Assim, o estudo da anfractuosidade (as variações de nível)
do relevo, representada aqui pelas interações dos agentes, não deixará nunca de fora o desafio de
interpretar a composição e estrutura do solo, encarnadas pelo ambiente interno da organização.
Serviços baseados no conceito de Web 2.01 – como os portais das redes sociais:
Facebook, LinkedIn e Instagram – parecem embaralhar, com suas centenas de milhões de
usuários no mundo, a imagem que tínhamos sobre cliente, fato que não pode ser explicado
apenas pelo acesso gratuito àqueles serviços. Nessas redes, a interatividade em meio eletrô-
nico não é apenas uma resultante das relações, mas a matéria-prima das plataformas, a sua
razão de ser, pois são os internautas que as alimentam de conteúdo, redimensionando a cada
dia a arquitetura das interações, já que esse conteúdo gera visita e novas interconexões. E o
caso do YouTube? É uma plataforma de compartilhamento de vídeos, em grande parte ama-
dores, que podem ser assistidos no próprio site ou a partir de outros e de blogs.
O painel apresentado acima nos possibilita duas reflexões: uma, em torno do conceito
dinâmico de cliente e, outra, sobre o impacto dos meios digitais em uma cultura, cuja face
globalizada a um só tempo se beneficia da rapidez dos meios, mas também em consequência
dessa condição vive sob o signo da instabilidade, da incerteza e da imprevisibilidade. Ainda
que seja mais acertado considerar o cliente como público externo à organização, o fato é que,

1 Conceito utilizado pela primeira vez em 2004, para designar uma concepção segundo a qual a internet teria
passado a ser uma plataforma para o funcionamento de softwares, propiciando maior grau de interatividade entre
os usuários e, consequentemente, entre estes e o sistema. Os ambientes virtuais, como o das redes sociais, dispo-
nibilizam funcionalidades (recursos de informática), utilizando a rede como plataforma.
120 Comunicação Empresarial

por ele parecer estar mais próximo da empresa, interagindo das mais diferentes formas2, sente-se
a sua intervenção, no ambiente interno, de modo mais sensível. Um autor como John E. Marston,
em Modern Public Relations (apud FRANÇA, 1997), afirma que “públicos internos são as pessoas
que, de alguma forma, estão ligadas a uma organização e com esta mantêm um contato diário de
trabalho. São os empregados, os acionistas, fornecedores, revendedores, clientes e até mesmo a
comunidade próxima à empresa”.
Pertencer ao público interno de uma organização, conclui-se, independe de ligações so-
cioeconômicas e jurídicas mantidas com ela, o que durante anos mostrava-se como fator decisivo
para caracterizar a condição desse público diante da empresa. Há autores que incluem também os
familiares de seus colaboradores entre os agentes da comunicação interna; isso demonstra como a
visão sobre a especificidade do público interno fora motivo de dúvida e de hesitação dos primei-
ros relações-públicas, afinal os pioneiros na identificação dos grupos intervenientes da empresa.
A inclusão de determinado grupo em uma subárea da comunicação empresarial (administrativa,
institucional, mercadológica e interna) não significa que se compartilhará com ele todo o volume
de informação gerado pela organização, mas sim que será encarado conforme o lugar que ocupa
no interior dessa subárea, a qual, por sua vez, tem seus códigos, políticas e prioridades previstos no
planejamento estratégico.
A outra reflexão, suscitada pelo painel ao qual nos reportamos, considera as mídias digitais
como componentes e, em vários momentos, como protagonistas de uma cultura em vertiginosa
mudança, cuja sintaxe segue a lógica da descontinuidade do tempo e do espaço, da fragmentação
de ambos, da flutuação de valores, da desmaterialização de certezas, da ruptura acentuada com
modelos éticos dominantes, a lógica do provisório, portanto, e do deslocamento ou esvaziamento
de papéis.
Não exatamente nesse diapasão, mas com pontos de convergência, e de elevação do grau de
complexidade dos fatores apontados acima, o sociólogo e historiador Richard Sennett, em seu livro
A cultura do novo capitalismo (2006), analisa de forma crítica e contundente o sistema capitalista
como um modelo cultural. Sennett (2006) reivindica para essa operação o reconhecimento e a
problematização de duas dimensões umbilicalmente ligadas ao trabalho, mas não suficientemente
estudadas: o emprego e a possibilidade de realização dos indivíduos pelo trabalho.
Antes de avançar em breves apontamentos sobre o livro de Sennett, salientamos que esse
esforço de contextualização, com a matéria tratada neste capítulo, deve-se à necessidade de ofe-
recer um contraponto ao sentimento por vezes eufórico de vários autores, da área de comunica-
ção organizacional, que parecem tratar das questões de sua competência sem levar em conta os
fatores macroestruturais com os quais se deparam. Por terem perdido o registro do complexo,
do enraizamento tensivo e imbricado do panorama global, esses autores acabam tratando a co-
municação como uma técnica, um conjunto de procedimentos de natureza utilitária, afinado com

2 Em que medida os usuários de uma rede social podem ser considerados clientes? O Facebook fechou uma parceria,
em setembro de 2009, com a empresa de consultoria Nielsen, para o desenvolvimento e exploração de uma ferramenta
denominada de BrandLift, cuja função é a de medir o impacto dos anúncios publicitários veiculados no site e, assim, ten-
tar amenizar a resistência das empresas em anunciar em redes sociais. Por meio de enquetes, será possível mensurar a
lembrança de anúncios, a associação da mensagem, da marca e o retorno em compras. Por outro lado, o YouTube tende
a remodelar incessantemente os anúncios, criando novos formatos para anunciantes diferentes.
Comunicação interna 121

o racionalismo tecnocrático que pretende dominar o mundo do trabalho. Todavia, o empenho


desses agentes – daí o estado de euforia – surge como força triunfante, como fórmula para neutra-
lizar tensões, com longo lastro histórico, a partir de intervenções pontuais e burocráticas. É talvez a
ilusão de se estar seguindo os princípios de uma falsa praxiologia3, o motivo da verdadeira paixão,
demonstrada pelo mercado, pelos cases de comunicação.
Em sua obra, Sennett procura descrever as consequências que as transformações técnicas,
sociais e culturais do capitalismo impõem à organização do trabalho. Embora sua reflexão consi-
dere a atividade econômica contemporânea como um todo, seu objeto sobrevém de um “ângulo de
corte” operando sobre a nova economia, identificada no fenômeno das empresas que se situam na
vanguarda do capitalismo atual. Daí o status de paradigma alcançado por essas entidades no centro
da organização do trabalho, produção e difusão de mercadorias.
O perfil dessas organizações parece ser facilmente discernível: participam com desen-
voltura da globalização, de vez que suas atividades estendem-se mundo afora, fortalecidas pela
autonomia do capital. Ao mesmo tempo, certas operações ou conjunto de operações dessas em-
presas são transferidas para países com mão de obra barata, tal como faz a Nike, cuja produção
está ou esteve espalhada por alguns dos países mais pobres do mundo como Indonésia, Vietnã,
Camboja e Afeganistão, sem legislação trabalhista adequada e com incentivos fiscais onde esses
produtos são manufaturados.
Nesse universo, o poder de pressão não é exercido apenas pelos gestores, mas pelos acionistas
que reclamam por resultados sistematicamente mais compensadores. Por fim, essas organizações
investem pesadamente em automação e informatização.
Esse modelo de organização opõe-se às formas clássicas do taylorismo, com seu pendor
burocrático, hierárquico e mecanicista, de onde a vanguarda capitalista atual vangloria-se de ter
substituído o segmentado pelo relacional e o mecânico pela invenção. Ora, um exame das transfor-
mações mais incisivas do novo capitalismo demonstra que a gestão de pessoas, em sintonia com os
parâmetros estruturais das empresas, lança mão de três modelos de administração do trabalho que,
de acordo com Sennett (2006) não promovem vínculos sólidos entre os indivíduos, e destes com a
empresa, enfraquecendo o sentimento de lealdade mantido durante décadas:
• Casualização – terceirização ou contrato por tarefa, cujo período varia de três a
seis meses.
• Dessedimentação – o trabalho linear (começo, meio e fim) cede lugar ao trabalho
fragmentado.
• Sequenciamento não linear – flexibilização do modelo de produção.
Como não poderia deixar de ser, essas transformações têm um preço que, para Sennett (2006),
estaria sendo pago pelo assalariado, com a precarização das condições de trabalho, onde passam a
imperar a insegurança e a instabilidade.

3 Segundo o Dicionário de Filosofia, de Abbagno (1998), “termo criado por Kotarbinsky para designar ‘a teoria geral da
atividade eficaz’, que deveria compreender a totalidade dos domínios da atividade útil dos sujeitos agentes, do ponto de
vista da eficácia de suas ações”.
122 Comunicação Empresarial

Não será o caso de se fazer o elogio do modelo taylorista em detrimento do atual. Nietzsche4
foi um dos filósofos que viu no primeiro modelo uma forma de destruição da individualidade e
de domesticação, no entanto, Sennett (2007) enxerga o modelo burocrático do taylorismo ideali-
zado à feição de uma máquina de guerra ou um exército – tal como fora descrito por Weber, uma
estrutura piramidal em que todos, do soldado ao general, tinham seus papéis demarcados por
funções bem-definidas. A disciplina, código genético do taylorismo, refinaria assim o talento,
impondo-se no lugar deste, o que, em termos de processo social, garantiria a integração, pelo
trabalho, de todos os que não tinham nenhum talento em particular, mas, nem por isso, teriam
ficado sem a proteção do emprego e, em consequência, sofrido a humilhação pública como ocor-
re hoje com os desempregados.
Sennett (2006) vai mais a fundo que o próprio Weber na análise da estrutura piramidal
do taylorismo: assim como no exército, essa rígida disposição de funções até certo ponto seria
capaz de, no processo de transmissão das ordens, dar margem a uma “modulação interpretativa”,
encarnada pela iniciativa dos indivíduos. O reconhecimento desse espaço para o indivíduo de-
corre da sua experiência profissional, do saber institucional (o conhecimento do funcionamento
da empresa – já que o funcionário conservava a memória organizacional – o quem é quem e o
significado das palavras em uma ordem de serviço), e da representação das metas e dos meios da
empresa. Enfim, a estabilidade da pirâmide permitia a cada um programar a sua vida ao longo
dos anos e viver em certa segurança.
Essa resistência, por parte de Sennett, ao discurso dominante e apologético da teoria das
organizações, segundo o qual a nova economia fortalece a liberdade, promove o desenvolvimento
dinâmico das competências, potencializa a criatividade e a realização do indivíduo, encontra um
ponto alto no argumento do teórico (na contramão dos críticos do taylorismo) de que no passado
“o dom do tempo organizado” (SENNET, 2006, p. 36) taylorista permitia ao empregado construir
uma narrativa de vida. A matéria-prima desse tempo humanizado, já se sabe, é a estabilidade do
emprego, a previsibilidade e a proteção que esse sistema garantia em termos de conforto psicoló-
gico e emocional.
Com a destruição desses parâmetros, resta viver sob as regras de um jogo, cuja ética não se
deixa interpretar em sua inteireza, já que por demais provisória, moldada que é pela impaciência
do capital em busca de ganhos não necessariamente oriundos do setor produtivo ou de processos
organizacionais de médio ou longo prazo. A inovação, o dinamismo e a mudança, como proje-
to organizacional, apresentam-se como artefatos dotados de apelo sedutor para investidores e ao
mesmo tempo sugerem-se como campo de ação de uma personagem em evidência nesse cenário.
Sennett identifica na figura do consultor esse agente de reforma e desmontagem das estruturas
tidas como arcaicas. Caberia a ele o “trabalho sujo” das demissões, do enxugamento da máquina,
o que denuncia, por sua vez, a cisão entre poder e responsabilidade. O consultor faz seu trabalho

4 Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) – filósofo alemão, estudioso da cultura e das religiões, tornou-se um dos
maiores críticos do idealismo, propondo como modelo para superá-lo uma genealogia dos valores. Crítico dos mais
contundentes dos preconceitos, e ateu, em um mundo ainda preponderantemente religioso, Nietzsche põe em xeque a
moral dominante à sua época, esta mesma que instigava as classes operárias à revolta e ao mesmo tempo punha a nu
a má consciência burguesa, encastelada em seu mundo de ilusão. Entre muitos clássicos, Nietzsche escreveu: Assim
Falou Zaratustra; um Livro para Todos e para Ninguém; O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música e a Gaia Ciência.
Comunicação interna 123

e vai embora; o discurso competente, que domina, é seu código, e os efeitos de sua intervenção, a
gramática de sua eficácia.
De forma ainda mais radical, Sennett (2006) aponta que a “modulação interpretativa” torna-
-se ainda mais fora de cogitação por conta da tecnologia da informação, a qual reforça a centrali-
zação, pois seus recursos possibilitam a transmissão de ordens sem intermediários. Por outro lado,
a tecnologia pulveriza postos de trabalho e indo no sentido inverso de uma política social responsá-
vel, ela não prevê a inclusão das massas no mercado de trabalho, antes pelo contrário.
Por fim, Sennett (2006) reconhece no princípio da meritocracia, adotado pelo novo capi-
talismo, mais uma das reversões de um ideal pelo qual no passado era possível lutar, mas hoje,
ela, a meritocracia, é imposta como produto de um “eu idealizado”, independente, empreendedor
e dinâmico. No “velho” capitalismo, o mérito se dava por antiguidade e pela correspondência
a certos padrões de comportamento e produtividade nítidos; no atual, desdobram-se os pro-
cedimentos de avaliação que transformarão qualquer falha em fracasso, e em uma espécie de
marca que se poderia dizer indelével, inapagável, se não for compensada talvez pela invenção
e pelo empreendedorismo. Por outro lado, o trabalhador agora faz parte de um composto em
que estruturas fluidas com funções desconectadas (o sequenciamento não linear referido acima)
são a moldura de um ambiente de permanente concorrência, gerando relações pessoais tensas
entre colegas e dando lugar à subjetividade de gestores, responsáveis pelas avaliações de pessoal.
Essa subjetividade revela-se no julgamento da personalidade dos indivíduos e não na experiên-
cia profissional, já que esta talvez apareça menos do que o empreendedorismo, por exemplo.
O leitor talvez esteja surpreso com a radicalidade, ou pessimismo, das considerações do his-
toriador e sociólogo, Sennet, em seu livro anterior, A corrosão do caráter: consequências pessoais do
trabalho no novo capitalismo, publicado no Brasil em 2004. Mas, justamente por isso, pelo eventual
“exagero” e pela insistência em reconhecer que as antigas formas do capitalismo eram, em verdade,
dos males o menor – diante das novas regras do jogo econômico – , que essas reflexões nos ofe-
recem a possibilidade de dosar, conforme nossa perspicácia, o peso de cada uma delas na análise
do emprego e do trabalho a que nos obrigamos, inspirados ou não por Sennett (2006). Como
alertamos, comunicação não se dá em abstrato, sem contexto, sem moldura, pois o meio participa
da produção de conteúdo a ser compartilhado, do conhecimento como forma de emancipação
na empresa e, por isso, é obrigação do comunicador depreender a complexidade do conjunto e o
tipo de injunção diante da qual o contexto nos coloca. No próximo tópico, começamos a estudar o
ambiente interno para entender melhor as forças em jogo e, enfim, o cenário em que os agentes da
comunicação operam.

6.2 Cultura organizacional


Caso não tenha como referência o cenário da complexidade, o comunicador interpretará o
quadro a seguir de forma reducionista, um risco a que talvez, e involuntariamente, os elementos
nele constantes tenham precipitado. Uma visão mais bem equipada pelo olhar crítico evitará
enxergar no quadro a oposição entre velho e novo, como se estivéssemos diante de negatividades
124 Comunicação Empresarial

versus positividades. Aliás, fora essa justamente nossa intenção ao ter reservado espaço ao livro
de Sennett.
Daft (1999, p. 15), em obra que se tornou referência na área de teoria das organizações, mon-
ta o painel para pôr lado a lado componentes da antiga e da nova ordem econômica mundial, mas
com uma percepção diferente, em alguns pontos, da de Sennett, além de deixar evidente o caráter
mais comparativo do que analítico.
Quadro 1 – Paradigmas organizacionais modernos versus pós-modernos

Paradigmas modernos Variáveis contextuais Paradigmas pós-modernos

Estável Ambiente Turbulento


Dinheiro, prédios, máquinas Forma de capital Informações
Rotineira Tecnologia Não rotineira
Grande Dimensão Pequena e média
Crescimento, eficiência Metas Aprendizagem, eficácia
Presença esperada de empregados Cultura Empregados com poder de decisão

Resultado organizacional

Rígida e centralizada, Estrutura Flexível e descentralizada,


fronteiras distintas fronteiras indistintas
Liderança
Autocrítica Liderança funcionária
Comunicações
Formais, escritas Informais, verbais
Controle
Burocrático Descentralizado, autocontrole
Planejamento e tomada de decisões
Gerentes Todos
Princípios de orientação
Patriarcais Igualitários

Fonte: Daft, 1999, p.15.

Daft (1999) chama a atenção para o advento de estruturas organizacionais flexíveis na


pós-modernidade, mas vê nisso, como era de se esperar, uma vantagem e uma forma de des-
centralização, além de pressuposto da cooperação horizontalizada (em franco desacordo com
Sennett). Vários outros fatores presentes no quadro merecem nossa atenção, como o papel da
informação. Mas antes devemos nos deter na análise do conceito de cultura organizacional para
compreender em que medida os fenômenos constituintes influenciam na comunicação interna
e, afinal, como a cultura da organização responde aos influxos do exterior.
Cultura é um conjunto de valores, de crenças, de interpretações, de visões de mundo carac-
terístico de certo grupo humano. É próprio de uma cultura ser partilhada ao longo do tempo com
indivíduos desse mesmo grupo; e de fato é isso que ocorre no interior de uma organização: a cultu-
ra organizacional é compartilhada com todos, envolvendo aos poucos os ingressantes na empresa,
embora ela seja uma espécie de texto não escrito, mental e psicológico, atitudinal e sentimental, capaz
de cimentar as relações entre os funcionários sem, no entanto, ser percebida. Aliás, passa a sê-lo por
ocasião da implantação de políticas, programas e outros que porventura contrariem esses valores.
Comunicação interna 125

É nesse sentido que Maximiliano (1986) define a cultura organizacional:


A cultura organizacional é o conjunto de hábitos e crenças estabelecidos através
de normas, valores, atitudes e expectativas compartilhados por todos os mem-
bros da organização. Ela refere-se ao sistema de significados compartilhados
por todos os membros e que distingue uma organização das demais. Constitui
o modo institucionalizado de pensar e agir que existe em uma organização.
(MAXIMILIANO, 1986, p. 59)

Mais uma vez um esquema oferecido por Daft (1999, p. 243) ajuda a visualizar a integração
entre duas ordens de elementos da cultura organizacional.
Figura 1 – Níveis da cultura corporativa

Símbolos observáveis, cerimônias,


histórias, lemas, comportamentos,
trajes, estruturas físicas

Valores subjacentes, premissas,


convicções, atitudes, sentimentos

Fonte: Daft, 1999, p. 243. Adaptada.

Os elementos observáveis, como os símbolos e cerimônias, entre outros, podem ser considera-
dos pela sua plasticidade e concretude, enquanto que os valores subjacentes integralizam-se na inti-
midade e subjetividade dos indivíduos. Uns e outros concorrem no sentido de promover um senso de
identidade entre os atores, fortemente arregimentador, no caso de certas organizações. Como lembra
Daft (1999), as ideias que participam da formação da cultura organizacional podem originar-se de
qualquer parte da entidade, embora comumente sejam postas em curso pelo fundador. São duas as
missões da cultura organizacional: integrar os membros da comunidade organizacional, configu-
rando o sistema hierárquico; ajudar a empresa a se adaptar ao ambiente externo.
126 Comunicação Empresarial

Sobre o papel do fundador, Bertero (1996) salienta que:


Na fase inicial de uma empresa, o fundador, individuo ou grupo “forma” a cul-
tura organizacional, moldando-a um pouco à sua própria imagem e semelhança.
As atitudes do fundador, comportamento, sua visão de mundo, da natureza hu-
mana e do próprio negócio, acabam por ir moldando a organização e vão lenta
e gradativamente se impondo como valores e crenças”. (BERTERO, 1996, p. 39)

Os dois tópicos interpenetram-se e é nesse fluxo que a comunicação como processo de per-
manente troca deve ter seu papel estratégico reenfatizado. Ninguém pensaria em uma comunicação
interna fechada em si mesma, alheia ao ambiente externo, como se ele não fosse o substrato do que se
faz dentro da empresa e sua razão mesma de existência. Como defende Moscovici (2002): “A identi-
dade da cultura de uma organização forma-se e consolida-se no seu processo histórico de funciona-
mento interno, de atuação e de trocas com seu ambiente externo imediato e mediato” (p. 68).
Do ponto de vista da integração dos membros da organização, deve-se reconhecer que
sem esse poder de coesão, a empresa não obtém o engajamento do funcionário e perde tripla-
mente, porque além dessa condição, ele também é cliente e formador de opinião. Parece não
haver dúvida sobre o poder de persuasão que funcionários, que acreditam na empresa, exercem
sobre as pessoas ao seu redor, fora do trabalho, e isso vale mais do que um anúncio sobre a em-
presa, por exemplo. O engajamento como resultado do processo de aculturação, por assim dizer,
pode ocorrer por força de:
• Ritos e cerimônias – eventos que têm como função demarcar a natureza extraordinária
de determinado processo organizacional: iniciação de novos gerentes, entrega de prê-
mios, divulgação de valores organizacionais na forma e no cumprimento de metas e afins.
O importante é que o evento tenha um grau considerável de formalização, conservado
ao longo dos anos. Inclusive no Brasil, o Walmart adota o grito de guerra (me dê um W,
me dê um A etc.) em ocasiões especiais.
• Histórias – narrativas que têm como referência fatos marcantes na trajetória da empresa,
sistematicamente evocados entre os veteranos e compartilhados com os novatos. Entram
nessa categoria histórias inspiradoras que envolvem os fundadores da organização ou
de antigos gestores. As muitas histórias sobre Amador Aguiar, ex-presidente do Banco
Bradesco, sempre ratificam sua personalidade forte e determinada, que o conduziram
de menino pobre do campo a gráfico e depois bancário, condição que lhe proporcionou
ascensão profissional e uma das maiores fortunas do país.
• Símbolos – não são os que compõem a “identidade visual” da organização, como logoti-
pos e elementos da programação visual dos escritórios, mas elementos que representam
uma intenção, um sentimento, um valor. Daft (1999, p. 246) relata o caso do presidente
de um hospital que havia mandado retirar as portas de seu escritório e colocado-as presas
no teto para simbolizar que ele estava de “portas abertas” a quem necessitasse procurá-lo.
“Comer à mesma mesa” com todos os funcionários pode simbolizar, por parte do pre-
sidente da organização, que se acredita na horizontalização de cargos e em princípios
igualitários de orientação.
Comunicação interna 127

• Linguagem – as organizações podem lançar mão de metáforas e de outras figuras de lin-


guagem para sintetizar valores e conceitos na forma de lemas. Daft (1999) dá o exemplo
da empresa que disseminava entre os funcionários o seguinte lema: “Você não tem de
agradar ao patrão, mas sim ao cliente”.
Além desses fatores observáveis, há outros de natureza abstrata, vários deles ligados a
padrões éticos da organização, estabelecidos por códigos, assim como à reputação da empresa,
a convicções formadas ao longo dos anos e a valores de foro íntimo.

6.3 Planejando a comunicação interna: política, objetivos e metas


As considerações do tópico anterior reforçam o sentimento de que organizações não são
uma coisa objetiva, no sentido de possuírem uma autonomia construída por algo que não seja
o trabalho de seus membros, o seu empenho de natureza cognitiva na formação de sistemas e
fluxos comunicativos e a partilha e reinvestimento de valores organizacionais no espaço interno,
com impacto no externo.
Como linha de força do engajamento dos indivíduos, a cultura organizacional é o pano de
fundo e o esteio da comunicação interna. Tanto é assim que a primeira função desta, juntamente
com a comunicação administrativa e a institucional, é fortalecer a difusão da visão, missão e valores
corporativos. Como referido acima, uma cultura não é percebida como tal, mas a todo momento a
comunicação interna alimenta-se de seus conteúdos, instituindo-se como um texto, tema ao qual
retornaremos a seguir.
Como agente de coadunação entre os membros, a comunicação interna é o meio ideal para a
equalização de interesses. Não fosse isso, a integração entre equipes e departamentos no desenvol-
vimento do trabalho conjunto não seria possível. Aliás, esse entendimento entre as partes depende
muito, mas não apenas, da capacidade da empresa em formalizar os processos de comunicação
interna. Trata-se de raciocinar no interior de uma rede de comunicação com uma arquitetura pró-
pria e fluxos de comunicação, relacionados a seguir, que regulam o maior ou menor grau de for-
malização das mensagens.
Antes de apresentar os fluxos de comunicação, porém, é preciso retomar algumas considera-
ções sobre as quatro subáreas da comunicação empresarial. Um tema recorrente ao longo do livro
é o da integração dessas dimensões e uma boa oportunidade para demonstrar tal processo é o da
interpenetração entre comunicação interna e a administrativa.
Comunicação administrativa é “aquela que se processa dentro da organização, no âmbito
das funções administrativas; é a que permite viabilizar todo sistema organizacional, por meio de
uma confluência de fluxos e redes” (KUNSCH, 2003, p. 152).
No mesmo livro, a autora define a comunicação interna nos seguintes termos, com destaque
para o papel exercido pelas ferramentas dessa subárea:
seria [a comunicação interna] um setor planejado, com objetivos bem defini-
dos, para viabilizar toda a interação possível entre a organização e seus empre-
gados, usando ferramentas da comunicação institucional e até da comunicação
mercadológica (para o caso do endomarketing ou marketing interno). Portanto,
128 Comunicação Empresarial

a comunicação interna corre paralelamente com a circulação normal da comu-


nicação que perpassa todos os setores de organização, permitindo seu pleno
funcionamento (KUNSCH, 2003, p. 154).

À frente desse sistema organizacional, colocam-se os gestores na sua missão de planejar,


coordenar, dirigir e controlar o fluxo de informações que permitirão, por sua vez, a organização
manter-se viva e atuante, garantindo seu lugar no mercado e buscando como ideal altos níveis de
produtividade a baixo custo e, concomitantemente, o maior lucro ou resultado, por meio da aplica-
ção de um conjunto de métodos, procedimentos, protocolos e uso de técnicas, várias das quais sob
responsabilidade da comunicação interna, como veremos.
A noção de sistema referida acima somente se impõe se de fato ocorrer um permanente
processo de comunicação, visando ao cumprimento de tais objetivos. Cabe à comunicação admi-
nistrativa a convergência de ações de todos os processos, transformando os recursos em produtos,
serviços ou resultados. De acordo com Charles Redfield, a comunicação administrativa se compõe
de cinco elementos: “um comunicador (locutor, remetente, editor), que transmite (diz, expede, edi-
ta) mensagens (ordens, relatórios, sugestões) a um destinatário (público, respondente, audiência),
a fim de influenciar o comportamento deste, conforme comprovará sua resposta (réplica, reação)”
(1980, p. 6 apud KUNSCH, 2003, p. 153).
Eis a rede de fluxos sob a responsabilidade da comunicação administrativa:
• Descendente – as mensagens originam-se nas altas chefias, com poder de decisão, e fluem
por diferentes canais, atingindo chefias subalternas e seus subordinados; isto, até o exato
ponto previsto para a fluição dessas mensagens, embora, não raro, a informação nelas
contidas atinja outras chefias e seus subalternos – não diretamente o alvo da comunicação
– por canais informais. Há de se lembrar de que, nas grandes organizações, o volume total
de informação gerado não se destina a todos os funcionários.
É a comunicação oficial (falada, impressa ou eletrônica) portadora de “ordens” (sobretu-
do quando na forma oral), normas e todo tipo de procedimentos, o que inclui distribuição
de tarefas, atribuições, compartilhamento de estratégias e de planos etc.
• Ascendente – a comunicação tem início na base da organização (e de forma indistinta,
envolvendo funcionários administrativos e operacionais) e flui em direção aos níveis mais
elevados na estrutura organizacional. Enfeixam-se nesse fluxo comunicacional opiniões,
críticas, elogios ou reclamações de funcionários. Os canais de veiculação dessas mani-
festações podem ser uma pesquisa de clima organizacional ou uma caixa de sugestão.
Elas podem também ser captadas em reuniões e conversações formais e informais, e se-
rem sistematicamente registradas pelas chefias que as encaminharão às esferas decisórias.
Há autores que valorizam o caráter informal das mensagens como modo de tornar o fluxo
de comunicação mais eficiente; assim, eventos organizacionais, dentro ou fora da empresa,
excursões, entre outros, são ocasiões propícias para a percepção do clima organizacional e
a eventual análise dos ânimos. Esse conjunto de manifestações tem o valor de feedback aos
vários processos da empresa, sobretudo àqueles de caráter mais estrutural como o modelo
de gestão e procedimentos administrativos enraizados no dia a dia.
Comunicação interna 129

• Horizontal – comunicação interpessoal entre os membros do mesmo nível hierárquico.


É comum, em empresas de grande porte, com processos mais formalizados, o resguardo
ou mesmo retenção de informações como uma espécie de patrimônio do grupo, manipu-
ladas, conforme interesses.
• Transversal – esse processo ocorre nas organizações com estruturas menos centralizadas e
com maior flexibilidade, conforme os paradigmas pós-modernos do Quadro 1. A interação
entre os membros se dá de forma mais dinâmica em todas as direções sem a necessária in-
termediação de chefias.
• Circular – as pequenas empresas geralmente possuem um fluxo de comunicação como
este, que envolve todos os membros, indistintamente.
O processo de comunicação deve ser suficientemente formal para documentar processos,
implantar e ratificar códigos de conduta, oferecer esclarecimentos, cristalizar regras e veicular pelo
menos parte da informação de alto interesse da organização, mas, de igual modo, “estrategica-
mente” informal para dinamizar a troca de informações, evitar excesso de papéis, o excesso de
informação, investir no fortalecimento das relações interpessoais e do sentimento de grupo, além
de favorecer a iniciativa. Na verdade, a informalidade do processo é algo sobre o qual não se tem
controle, já que flutua ao livre-arbítrio dos membros da organização; cabe, no entanto, à empresa,
posicionar-se com suas ferramentas internas de comunicação para tentar “contagiar” esse processo
com maior grau de exatidão quanto às informações por ele veiculadas.
Empresas que não sabem fazer o balanço entre a informalidade e a formalidade perdem em
dinamismo e credibilidade, com esvaziamento de alguns significados da cultura organizacional
apontados por Daft (1999).
Organizações cujos processos são muito precariamente formalizados ou, por outro lado,
excessivamente formalizados estão mais sujeitas aos efeitos do que no mundo organizacional se
denomina de “rádio-peão”: um sistema informal de comunicação baseado na interceptação de
informações (geralmente oriundas da alta cúpula, mas não necessariamente) que serão passadas
à frente, no entanto, com algum grau de contaminação gerado por interesses de difícil classifica-
ção. Com frequência essa rádio “clandestina” veicula informações inteira ou parcialmente falsas
(demissões, promoções, reformas administrativas etc.), os famosos boatos e pode ser o veículo
de muitos mal entendidos entre funcionários, de ansiedades e outros fenômenos fora do controle
da organização.
É apenas provável que a rádio-peão, como entendem alguns teóricos, tenha nascido no chão
de fábrica, já que se associa o seu poder de difusão (rádio) à condição de funcionários subalternos
(os “peões” operacionais), mas a verdade é que ela funciona com a energia gerada em toda a parte
da organização e assim potencializa sua cobertura. Talvez seja melhor compreendê-la sobre a ima-
gem do tabuleiro de xadrez, em que os peões têm consciência da sua condição de guerreiros e seus
movimentos alteram as relações em jogo. Nas organizações burocratizadas, cujos processos são
muito demarcados e controlados, a rádio-peão parece identificar-se com essa metáfora do xadrez,
na forma de uma reação à formalidade imperante. É como se os funcionários reagissem à agulha
hipodérmica das teorias positivistas, essa estratégia comunicacional para controle das massas.
130 Comunicação Empresarial

É possível, então, controlar a rádio-peão? Não há uma resposta absoluta, pois a necessidade
de especular (e daí inventar...) sobre os rumos da empresa ou de certos processos internos é um
sentimento tão absolutamente espontâneo, e aparentemente coletivo, que se torna pouco produ-
tiva a neutralização de todos os focos irradiadores de boatos. A transparência mostra-se sempre
uma política das mais valiosas, no combate aos efeitos da rádio-peão, mas nesse caso os gestores
devem demonstrar suficiente agilidade para debelar o incêndio causado pelo boato ainda quando
os danos são pequenos. Especialistas em gestão de pessoas consideram boa estratégia identificar
lideranças entre os funcionários de escalão inferior (priorizando, portanto, o fluxo de comunicação
ascendente) e torná-las parceiras na divulgação de informações oficiais e dos necessários esclare-
cimentos em situações de boato.

6.3.1 Alinhamento estratégico da comunicação interna


A comunicação interna é o lugar por excelência para se enxergar a organização como um
todo, mas sempre nessa relação integrada e até mesmo dialética com a comunicação empresarial.
Esse seu campo de visão ampliado tem a ver com o lugar que ocupa no planejamento estratégico.
Com efeito, o poder integrador da comunicação empresarial tem na comunicação interna o seu
teatro de operações por definição, para se usar linguagem militar, mas sem as conotações tayloris-
tas. Afinal, todas as ações da empresa são gestadas a partir do seu interior, o que pode ser óbvio,
mas não o é se colocarmos o acento na necessidade de se alinhar recursos humanos e os adminis-
trativos, processuais e materiais a serviço do cumprimento de metas. Alinhar significa, portanto,
reconhecer a necessidade de integração de todos esses elementos, pensar estrategicamente como
fazê-lo, — elegendo atores, identificando necessidades etc. — e, finalmente, formalizar esses pro-
cessos em uma ação metódica para o cumprimento de objetivos, o que prevê a constante monitoria
de todo o processo. Naturalmente, o maior objetivo é alcançar alto nível de eficácia na comunica-
ção e dinamizar o desempenho da organização como um todo, daí o caráter estratégico.
O significado e o êxito do alinhamento estratégico das ações de comunicação devem, a nosso
ver, nunca subjugar a necessidade de se colocar o fator humano como prioridade. É a partir desse
reconhecimento que podemos pensar a comunicação empresarial como uma disciplina integrada
à gestão de pessoas, área também demarcada no planejamento estratégico.
Para não deixar dúvida sobre essa opção pela pessoa como centro, propomos que se dê a
devida atenção à “competência comunicativa” dos indivíduos. Há, no âmbito dos estudos linguís-
ticos, uma formulação de Noam Chomsky (1998)5 que se tornou célebre: todos os usuários da
língua são dotados de uma competência linguística representada pelo saber interiorizado na forma
de mecanismos de produção de sentido, estruturas frasais, regras gramaticais etc.; por outro lado,
a performance (desempenho, realização) revela-se no uso que o usuário faz desse saber.
No entanto, Chomsky não situava o usuário em um contexto socioeconômico específico,
e assim sua teoria não se propunha a verificar qual o discernimento desse usuário em relação

5 Noam Chomsky (7 de dezembro de 1928-) é linguista, foi professor do Massachussets Institute Tecnologic (MIT)
onde desenvolveu grande parte de sua obra. Atua no departamento de Linguística da Universidade do Arizona. É ativista
político dos mais participativos. Seu nome sempre é associado à criação da gramática gerativo-transformacional, de
forte influência nos estudos linguísticos.
Comunicação interna 131

ao contexto, isto é, como ele mobilizava o conhecimento prático, não necessariamente explícito,
das regras psicológicas, culturais e sociais do mundo que o cercava. É um modo de se observar
que usuários competentes (e capazes de desempenhar com eficácia sua competência) da língua
são poliglotas dentro da sua própria língua, quer por identificarem os diferentes registros lin-
guísticos (norma culta, coloquial e popular) quer por interpretarem os componentes de natureza
diferenciada, presentes no contexto social em que se comunicam, articulando-os com proprie-
dade durante a comunicação.
A “competência comunicativa”, entendida nos termos contextuais e pragmáticos referidos aci-
ma, é um conceito proposto por Hymes (apud SILVA, 2009) que considera a primazia do contexto
sobre a mensagem; criticando e ampliando o conceito de competência/performance de Chomsky,
Hymes nota que os dados da vida sociocultural afetam não apenas a performance do usuário da lín-
gua, mas sobretudo a competência, pois é essa que os articula na forma de repertório. A competência
comunicativa, portanto, mobiliza ao mesmo tempo competência e performance linguísticas, ambas
agora emolduradas pelos significados do ambiente socioeconômico e cultural, o que exige do usuário
a capacidade de adequação de sua realização linguística ao contexto a partir da interpretação de seus
diferentes elementos.
Naturalmente, não estamos sugerindo que a competência comunicativa seja mais uma for-
ma de seleção de candidatos a ingresso na empresa. Se há um modo de integração da comunica-
ção com a gestão de pessoas, não seria essa de impor mais um complicador em um mercado de
trabalho, alvo de transformações profundas e polêmicas, apenas para não nos esquecermos das
reflexões de Sennett (2006). No entanto, pensamos que possa ser papel da organização estimular
o adensamento dessa competência na busca do aumento de eficiência do sujeito diante da língua
pensada por meio dos pressupostos da competência comunicativa.
Adequar a linguagem às diferentes situações vividas na organização significa antes de tudo,
por parte do usuário, ter maior consciência dos usos que as diferentes comunidades culturais e
linguísticas fazem da sua língua. Por possuir uma cultura organizacional e um código de conduta
mais ou menos assimilado por todos, a própria organização já estabelece, tacitamente, como se
comportar, inclusive linguisticamente, de modo que os indivíduos usam uma língua no refeitó-
rio, um registro menos formal da língua portuguesa, e outro, diante de um diretor, por exemplo6.
Contudo, esse saber não chega a constituir uma forma de conhecimento com grau elevado de cons-
ciência, embasado na consolidação de políticas de gestão de pessoas que o favoreçam. E por que
a empresa adotaria tais políticas? Para tornar os processos de conversação e de coorientação, nos
termos de James R. Taylor, mais eficazes. Como os indivíduos vislumbrariam o contexto socioeco-
nômico e cultural pelo filtro da organização, e de acordo com o seu planejamento estratégico, ter
maior consciência da língua significaria também aumentar o conhecimento sobre os repertórios da
empresa, ordenados segundo sistemas com alto grau de pragmatismo.

6 É claro que, neste caso, usar diferentes registros (formal/informal; culto/ coloquial/popular) já demonstra capaci-
dade de adequação ao contexto, embora essa mudança de registro ainda se limite ao maior ou menor afastamento da
norma culta, no entanto, esse cuidado não necessariamente revela a capacidade de reflexão do indivíduo sobre o con-
junto de regras sociais que mobiliza para a comunicação.
132 Comunicação Empresarial

Seguindo uma observação de James R. Taylor (apud VILAÇA, 2009), apreendida em Durkeim,
as tarefas desenvolvidas no trabalho ocorrem colaborativamente, lançando as bases da unidade entre
os funcionários. Por outro lado, e de acordo com mais uma referência de Taylor –, o teórico das orga-
nizações Karl Weick para quem pensar e agir são inseparáveis, de modo que o conhecimento surgiria
das ações – “temos certo conhecimento de base, o conhecimento prático, sobre o qual sequer falamos
– por ser tácito – e o conhecimento simbólico, assim definido por ser possível formulá-lo em lingua-
gem e a linguagem seria o meio simbólico da comunicação” (TAYLOR apud VILAÇA, 2009, p. 6).
As teorias de Taylor, representante da Escola de Montreal, situam-se no diálogo, na conver-
sação e na coorientação de dois ou mais indivíduos em relação a um objeto, o modo de conceder
ao texto (escrito ou falado) uma importância inédita nos processos organizacionais, conforme ar-
gumentam o teórico canadense e Robichaud, citados por Vilaça (p. 7):
Coorientação (1) é negociada através do diálogo, (2) produz a coordenação de
crenças, ações e emoções com alguns objetos mutuamente compreendidos, e (3)
é mediada pelo texto. Coorientação é um tripé (de pelo menos) dois atores e um
objeto, em que o termo objeto refere-se à prática mundial de articular atividades
que envolvam as pessoas de atenção e cuidados. Atores podem ser individuais
ou coletivos. Por conveniência, se nós chamamos os atores de A e B, e o objeto
no qual a atenção deles está focada, X, o tripé forma uma unidade relacional
simples A – B – X.

Ora, um dos ganhos institucionais desse permanente encaminhamento da conversação,


do diálogo negociado entre dois ou mais agentes – pois na medida em que geram versões dife-
rentes, sobre um mesmo objeto, impõe-se a necessidade de um consenso (daí a negociação) –
é que se quebra a monologia, sistema institucional em que a metáfora do monólogo encarnado
pela “voz do dono” ecoa(va) linearmente, na organização, de forma autoritária e ancestral, con-
siderando-se a cultura do patriarcado na sociedade brasileira; no lugar desse sistema, traçam-se
caminhos, muitas vezes tensos, para a polifonia, o concerto das muitas vozes, representadas
pelos múltipos agentes em diálogo.
Ao inserirmos a teoria da competência comunicativa, de Hymes, na arena dos conceitos em
trânsito sobre a dialogicidade na organização, pretendemos oferecer uma referência já cristalizada
no âmbito dos estudos linguísticos e com isso suscitar a atenção para um campo de discussão que
se reporta diretamente ao desempenho linguístico dos indivíduos, muito além das marcas de certo/
errado na produção textual. Caso a abordagem de Taylor vá aos poucos ganhando lugar nas empre-
sas brasileiras, eis o ponto de partida para o plano de ação da comunicação.
O citado Karl Weick introduziu na teoria das organizações o conceito de sensemaking (pro-
cesso de geração de sentido). O teórico não pensa a organização como algo acabado, motivo pelo
qual propõe o verbo organizar no lugar do substantivo. A organização, pois, não seria algo concreto,
mas organizar mostra-se dinâmico e vai acontecendo, razão que o leva a considerar as organizações
como contextos que são construídos e reconstruídos e aos quais correspondem três dimensões:
a cognitiva, social e política, esta última proposta por Mintzberg.
A dimensão política, estudada por Minzberg (2007), interessa particularmente para
nós. Segundo ele, a atividade diária do gestor é dominada pela comunicação oral (encontros,
Comunicação interna 133

telefonemas, reuniões) e por demandas dispersas, não estruturadas, para as quais demonstra
pendor mais interventivo e proativo do que supostamente reativo como durante muito tempo se
postulava — o gestor como agente peremptório, “instrutor”, com voz de comando e pronto para
a dissenção (discordância).
Antes, pelo contrário, o papel do gestor volta-se para a obtenção, tratamento e disseminação
de informação, o que faz dele um processador de informação.
Seus papéis subdividem-se em três domínios:
• papéis interpessoais (símbolo, líder, agente de ligação);
• papéis informacionais (monitor, difusor ou disseminador, porta-voz);
• papéis decisionais (empresário, regulador, distribuidor de recursos e negociador).
Não com esse nível de especificidade, mas de forma ampla e reivindicativa em favor da co-
municação interna, Kunsch (2003) declara que:
A qualidade da comunicação interna passa pela disposição da direção em abrir
as informações; pela autenticidade, usando a verdade como princípio; pela ra-
pidez e competência; pelo respeito às diferenças individuais; pela implantação
de uma gestão participativa, capaz de propiciar oportunidade para mudanças
culturais necessárias, pela utilização das novas tecnologias; pelo gerenciamento
de pessoal técnico especializado, que realize efetivamente a comunicação de ir e
vir, numa simetria entre chefias e subordinados. (2003, p. 160)

6.3.1.1 Plano de ação da comunicação


O plano de ação da comunicação deve levantar as necessidades internas de cada departamen-
to, com participação das diretorias, momento em que o comunicador, é claro, tem papel decisivo.
Esse esforço conjunto tem mão dupla, pois será capaz de apontar as expectativas da empresa para
com os colaboradores e destes para com a empresa. Haverá, em uma primeira etapa, sobreposição
de tarefas e de resultados, falha somente notada com o “andar da carruagem”, mas mesmo assim
o esforço é indispensável, pois a perda da visão do todo, tal a complexidade de certas empresas,
é fenômeno recorrente na experiência das organizações, mas pode ser superada com essa iniciativa.
Para termos duas referências de um plano de ação, selecionamos uma, cuja visão parece ser mais
macroestrutural, sugerida pela Associação Brasileira de Agências de Comunicação (ABRACOM,
2008) e outra, mais identificada com o estabelecimento de tarefas no plano da comuni-
cação interna (CAPELLANO. In: SILVA NETO, 2010, p. 57).
Quadro 2 – Etapas do plano de ação da comunicação

• atender às metas do planejamento estratégico da organização, bus-


cando identificar de que maneira a comunicação interna pode cola-
borar com o alcance dos resultados desejados;
• realizar um diagnóstico (por meio de desk research, ou pesquisa com
os públicos internos);
• estabelecer os objetivos da comunicação interna;
134 Comunicação Empresarial

• estabelecer os atributos da comunicação interna que correspondam


aos atributos da marca;
• criar o plano de ação da comunicação, estabelecendo processos e
atividades;
• estruturar os canais: veículos, eventos e ações;
• gerir os conteúdos comunicáveis;
• mensurar resultados a partir de um sistema de indicadores com base
no que é relevante para o sucesso do negócio.
Fonte: Abracom, 2008.

Quadro 3 – Etapas do plano de ação da comunicação interna

• mapear e conhecer as audiências internas;


• monitorar a eficiência dos canais e o nível de retenção de mensagem
que eles proporcionam;
• segmentar os veículos conforme seu conteúdo, periodicidade e for-
mato, direcionando-os adequadamente às diversas audiências;
• utilizar uma linguagem acessível, evitando o uso de termos e siglas
que não sejam do domínio dos colaboradores;
• exercer a repetição das informações de maneira inteligente para que
não haja desgaste do canal ou do conteúdo;
• fazer monitoramento periódico — formal e informal — do ambiente
interno em relação à comunicação interna.
Fonte: Abracom, 2008.

O levantamento dos tópicos acima, ainda mais em organizações atentas à importância da


coorientação mediada pelo diálogo, lança as bases de uma arquitetura da comunicação melhor
preparada para evitar um elemento que pode interferir no processo, mas em relação ao qual fre-
quentemente se silencia. O alerta é de Capellano (SILVA NETO, 2010, p. 56), quando alude ao
ruído, como é designado esse elemento interferente no processo de comunicação. Costumam-se
evocar os quatro elementos que compõem este último, também eles presentes no ambiente interno,
quais sejam, o emissor, a mensagem, o canal e o receptor, como se tal esquema estivesse imune a
complicadores, representados pelo ruído.
A eficácia da comunicação interna agrega valor de mercado à empresa e seus efeitos são
sistematicamente percebidos:
• Engaja os indivíduos, mas a partir dos conteúdos já solidamente plantados pela cul-
tura organizacional.
Comunicação interna 135

• Por integrar-se na coorientação, o funcionário é convocado a dialogar e a se perceber


como agente de transformação na empresa e a se contextualizar.
• Em virtude desse processo de criação colaborativa e compartilhada de consciência
(sensemaking), diminui-se a distância entre a organização e o funcionário. O fato de na
empresa existirem interlocutores, como afirma Kunsch (2003), “sociais e de conflitos”,
com uma maior consciência da língua, como código do texto, eleva a empresa a uma
instância reflexionante, que pode até dar margem a lideranças indesejáveis, mas que
de um modo geral democratiza as relações e humaniza os processos; além disso, pode
influir na redução dos índices de rotatividade (turnover), porque tende a construir uma
atmosfera de respeito e de entendimento.

6.4 Ferramentas de comunicação interna: do quadro de avisos


às mídias digitais
A comunicação interna conta com uma ampla variedade de ferramentas, distribuídas em
categorias, que devem ser pensadas como componentes de uma rede e como tal atender a neces-
sidades específicas sem perder a visão do todo, sustentada pela cultura organizacional e traduzida
pelo plano de ação da comunicação interna.
Quadro 4 – Ferramentas de comunicação interna

Periódicos Comunicação operacional Eventos Programas de incentivo

Jornal (newsletter), Intranet, telefone, quadro de avisos, Integração de funcionários, Concursos internos, pre-
revista, boletim, correio eletrônico, manuais, rela- festas, esportes, cultura e miações e brindes, caixa
folhetos, TV interna, tórios, vídeos, videoconferência, educação (teatro, coral etc.). de sugestões, campanhas
rádio empresarial. conferências, seminários internos, motivacionais.
congressos.

Fonte: Elaborado pelo autor com base em Torquato apud Mayer e Mariano, 2008.

Embora os públicos não sejam os mesmos, no âmbito das grandes organizações, e o uso que
se faz de um evento não é, o mesmo que se faz de um relatório, é preciso que se experimente uma
sensação de organicidade proveniente da gestão dessas ferramentas. Não se trata de reconhecer,
apenas, que os periódicos, por exemplo, devam possuir uma programação visual padrão, que
crie links entre eles, como se fosse uma campanha publicitária. Mas sim de atribuir-lhes um foco,
uma linha editorial consistente, em sintonia com objetivos bem-delineados, sustentados por con-
teúdo em linguagem adequada aos públicos, “leve”, sem exagero no tom oficial.
Uma política de transparência não combina com textos artificiosos e redundantes ao enfa-
tizar as virtudes organizacionais. Por outro lado, periódicos com mais densidade editorial, como
revistas ou programas de mídia eletrônica (TV e rádio corporativos), com certo cuidado, podem
investir não apenas na informação, como também na formação do funcionário, quem sabe já
delineando as diretrizes de uma educação corporativa. Mas tudo, repita-se, dentro de um plane-
jamento bem articulado do conjunto. Caso não se tenha consciência da especificidade de cada
veículo, bem como das suas possibilidades e limites, o fracasso dessas iniciativas é inevitável,
com o consequente prejuízo financeiro.
136 Comunicação Empresarial

De acordo com Torquato (apud MAYER; MARIANO, 2008), as mensagens nas publicações
internas devem abranger os mais diferentes conteúdos e gêneros, envolvendo áreas como jornalis-
mo, educação, lazer, entre outras, por exemplo:
• Matérias institucionais – normas, regulamentos, portarias, avisos, produtos, serviços,
projetos de expansão, recordes de produção etc.
• Matérias de motivação – planos assistenciais, benefícios, promoções, concursos, prêmios,
planos de sugestão.
• Matérias de orientação profissional – segurança, higiene, saúde, conselhos úteis, progra-
mas de treinamento.
• Matérias educativas – história, geografia, conhecimentos gerais.
• Matérias associativas – esportes, festas, concursos, bailes, casamentos, nascimentos,
falecimentos.
• Entretenimento – palavras cruzadas, quadrinhos, curiosidades, advinhações, testes.
• Matérias operacionais – processos de fabricação, inovações técnicas.
• Família do empregado – além das matérias de interesse feminino, concursos infantis etc.
De forma sumária, podemos formular as funções de algumas das ferramentas de comunica-
ção interna nos seguintes termos:
• Jornal – publicação denominada genericamente de organ house, o veículo funciona como
porta-voz da empresa. Geralmente, não excede o limite de 12 páginas, com frequência
em formato tabloide. Tem como pauta o cotidiano da empresa, com destaque para ques-
tões da alta diretoria, inovações, reformas, inaugurações, agenda do grêmio dos funcioná-
rios, agenda cultural, dicas etc. Além disso: cumprimento de metas; cobertura das filiais;
entrevistas com pessoal administrativo, técnico e operacional e com outros stakeholders.
Por isso, torna-se perfeitamente adequada a publicação de mídias segmentadas: forne-
cedores, acionistas e investidores e clientes. Uma pesquisa da Associação Brasileira de
Comunicação Empresarial (Aberje) em 2007, apontou o jornal como o principal veículo
de comunicação interna em 26,6% das empresas pesquisadas.
• Newsletter – publicação digital que em várias empresas vem substituindo jornais e revis-
tas, entre outros motivos, devido ao baixo custo para a produção. Há vantagens e desvan-
tagens na adoção de newsletters como veículo para o público interno. Entre as vantagens,
citamos o dinamismo oferecido pelo meio eletrônico, multimídia, capaz de integrar som e
imagem. A intertextualidade (o diálogo entre textos), oferecida pelo hipertexto, pode mo-
tivar leituras mais integradas e proveitosas. Como desvantagem, coloca-se o fato de ainda
ser uma mídia restritiva, porque dependente do meio eletrônico e de um tipo de leitor
com alguma vivência com ele. Exige-se do redator de newsletter domínio da “gramática”
digital, a qual prevê textos enxutos e habilidade de criar relações entre os textos.
• Revista – como organ house, exerce papel similar ao do jornal, porém tende a desenvolver
pautas mais robustas, com textos com maior inclinação analítica e programação visual
mais sofisticada. Em empresas que publicam jornal, a revista costuma ter periodicidade
Comunicação interna 137

bimestral. Como o jornal, integra os funcionários, talvez até com mais eficiência, já que,
conforme o caso, há uma preocupação em dialogar com outros públicos, além dos funcio-
nários, daí maior cuidado com a edição de textos, aumentando o interesse. A revista cor-
porativa mostra-se muito apropriada para empresas com várias filiais, algumas mesmo
fora do país. Há revistas corporativas com primorosa edição de fotografias, linha editorial
madura e de bom gosto, valorizando a inteligência do leitor e a imagem da empresa.
• Boletim – a periodicidade dos boletins deve ser de preferência bem curta, semanal ou quin-
zenal, caso se apresente como mídia impressa. Se for digital, há empresas que publicam um,
diariamente, na intranet. São publicações bem mais sintéticas que os jornais, às vezes redu-
zidos ao formato de uma folha de papel sulfite, no formato A4, frente e verso. Noticiam fatos
mais pontuais, alguns em caráter de urgência, daí a possibilidade de edições extraordinárias.
• Folhetos – mídia impressa utilizada em certos departamentos para veicular informações
sobre funcionamento, normas etc. Colocados em pontos estratégicos da empresa, os fo-
lhetos podem ser muito úteis para a divulgação de campanhas, valorização de determina-
dos hábitos ou de alerta em relação a outros.
• TV corporativa – esta é uma poderosa ferramenta de comunicação interna, assumindo
múltiplas funções, quando bem orientada por uma política verdadeiramente integradora.
A TV participa de programas de treinamento, de educação corporativa, divulga campa-
nhas, é uma forte aliada do endomarketing, veiculando programas ao vivo, e pode ainda
envolver funcionários na apresentação de programas, o que concede maior autenticida-
de à programação. Programas televisivos, no sentido clássico da palavra, vão aos poucos
encontrando seu formato adequado na TV corporativa, assim como sua periodicidade.
Ao contrário da TV aberta, o maior objetivo desse meio de comunicação não é, naturalmen-
te, o entretenimento. Bem por isso, por não possuir a mesma leveza de uma programação
dessa natureza, a periodicidade dos programas será sempre espaçada, evitando excesso de
informação para não suscitar resistências, por parte dos funcionários, diante de programas
“sérios” demais. Uma parte da programação pode ser dirigida a fornecedores, acionistas e
investidores. Não confundir TV corporativa com a mídia digital instalada em supermer-
cados, farmácias, shopping centers, entre outros, cuja função é veicular propaganda de
produtos e serviços do estabelecimento e boletins noticiosos. Petrobras e supermercados
Carrefour estão entre as empresas que fazem uso dessa ferramenta.
• Rádio – o modelo predominante de rádio corporativa é o on-line, portanto, o conceito
de rádio web, o qual vem se tornando muito comum na rede desde 1995, e ocasionando
de lá para cá o surgimento de milhares de rádios no mundo. Existem duas modalidades
de rádio web: ao vivo (streamming) e gravado (on demand). Assim como a televisão cor-
porativa, promove a interatividade com o meio, a integração entre funcionários, em pro-
gramas de treinamento, em programas de incentivo etc. A Porto Seguro possui rádio web
e transmite diariamente, para os funcionários espalhados por todo Brasil, das 12 às 14h.
• Intranet – de acordo com pesquisa da Aberje, de 2007, é a ferramenta mais utilizada pelas
empresas na comunicação com os funcionários. A rede local de computadores integra
138 Comunicação Empresarial

tantos recursos tecnológicos quanto logísticos-administrativos-educacionais, a ponto


de estudiosos considerarem a ferramenta como o mais importante dispositivo de trans-
formação organizacional. Um teórico como Humeau (apud RECH, 2008, p. 110) vê a
intranet como “pedra angular da interação sócio-organizacional das tecnologias da in-
formação e da comunicação, e, por consequência, o braço armado da e-transformação”.
A ênfase dada à rede interna deve-se ao fato de ela encarnar idealmente o dispositivo para
o autorreconhecimento da empresa como uma comunidade que reúne todas as condições
para sua própria transformação.
Ao promover a troca constante de informação, a intranet pode aprofundar identidades
de estruturas internas (seções, departamentos, gerências) como também proporcionar a
atualização da identidade organizacional em contato com o ambiente externo. Esta última
potencialidade ocorre, sobretudo, quando a intranet se conecta à internet, um estimu-
lador da criatividade e da pesquisa, mas que depende, no ambiente organizacional, de
políticas que se mostrem capazes de refinar esse potencial e traduzi-lo como vantagem
competitiva. Aliás, esse seria um dos pressupostos para a constituição de uma extranet, a
rede que permite o acesso a fornecedores e outros parceiros.
No ambiente interno, a rede local pode garantir a partilha de escritórios, compreendidos
como células da empresa espalhadas pelo país ou pelo mundo.
• Manuais – empresas de grande porte, com processos complexos, e que exigem estrita
metodologia fazem uso de manuais para demarcar etapas, reforçar normas e, enfim, cons-
tituir a memória desses percursos. Nos EUA, o Wallmart possui 60 mil fornecedores e por
isso criou um “guia de empacotamento” para estimular a racionalização desse processo
e a consequente economia de espaço nos depósitos da empresa. Organizações estatais
possuem, muitas vezes, manuais de redação; entre estes, um se tornou referência das mais
importantes: o Manual de Redação da Presidência da República, que pode ser obtido no
site da Casa Civil.
• Vídeos – são utilizados para treinamento de funcionários e para divulgação de conteú-
dos considerados não apenas importantes, mas merecedores de ênfase e repetição. Como
recurso didático, exigem bom domínio de princípios e técnicas de ensino-aprendizagem
traduzidos para esse meio.
• Programas de incentivo – conjunto de estratégias de caráter motivacional englobadas pelo
endomarketing, tema do próximo tópico.
Há muitas empresas que possuem um código de conduta como a Suzano Papel e Celulose,
uma das maiores produtoras de celulose do mundo. Esse documento, sempre aberto aos vários
públicos, já que estabelece os padrões éticos no relacionamento com eles, pode dar origem a pro-
tocolos, de igual natureza, mas de acesso restrito ao público interno. Tal é o caso do uso do correio
eletrônico que tanta polêmica tem gerado, pois, pelo ângulo jurídico, como alerta Calvo (2003),
não “se trata somente de discutir os princípios protetivos do empregado versus o poder diretivo do
empregador perante o Direito do Trabalho”. Essa autora, no início de seu artigo, levanta uma série
de questões que nem sempre estão claras para empregadores e empregados:
Comunicação interna 139

a primeira questão que se coloca é a análise da natureza técnica do correio


eletrônico. O correio eletrônico seria entendido como uma correspondência?
Em caso positivo, correspondência fechada ou aberta? Comercial ou pessoal? Pode
ser equiparado a um cartão-postal, uma vez que a internet é um veículo aberto?
Ou seria equiparado a uma conversa telefônica? Seria um conjunto de dados
(informática)? Há os que argumentam que não havendo legislação regulando o
assunto, a sua natureza seria sui generis.

De imediato, a natureza escorregadia da questão está colocada, pois não se consegue respon-
der com segurança àquelas perguntas. Há tantos autores, na área jurídica, que defendem a inviola-
bilidade do correio eletrônico, como em contrário, os que sustentam o acesso às caixas de correio,
pois a consideram um bem da empresa. Se o problema for encarado do ponto de vista dos prejuízos
que o mau uso do correio, e da internet como um todo, causam às instituições, não sobraria dúvi-
da quanto à necessidade da tomada de medidas enérgicas para evitá-los. Calvo alude a pesquisas
realizadas nos EUA, em 2000, pela revista Management, em empresas com acesso livre à internet:
87% das pessoas usam o correio eletrônico para assuntos que não rela-
cionados ao seu trabalho, 21% dos empregados divertem-se com jogos
e piadas, 16% planejam viagens, 10% mandam dados pessoais e procu-
ram outros empregos, 3% conversam (ou namoram) em sites de bate-papo,
2% visitam sites pornográficos.

Muito provavelmente esses percentuais não correspondam à realidade brasileira, até mesmo
porque o número de empresas que não proporcionam acesso à internet cresceu de modo consi-
derável. Há várias que disponibilizam o acesso à rede apenas na hora do almoço, outras, nem isso,
limitando-se ao uso da rede local, a intranet. Os prejuízos causados pelo mau uso nos EUA chega-
ram a US$ 85 bilhões, em 2002, e um fato que torna essa quantia ainda mais astronômica ocorre
quando comparada ao valor do prejuízo, em 2005/2006, com vírus e spams: US$ 7 bilhões.
Uma pesquisa desenvolvida, em 2009, pela Websense, intitulada Web@ Work América
Latina, entrevistou 700 funcionários de empresas com, no mínimo, 250 funcionários, instaladas na
Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e América Central (100 entrevistas em cada país:
50 com funcionários e 50 com gerentes de TI).
O estudo fornece o panorama das práticas corporativas de segurança e dos hábitos de nave-
gação na internet dos funcionários, incluindo a percepção dos gerentes de TI quanto à utilização
da rede. No Brasil, funcionários admitem navegar 21 minutos por dia em sites não relacionados ao
trabalho, mas esse tempo sobe consideravelmente na concepção dos gerentes de tecnologia, para
os quais funcionários navegam 5,3 horas por semana em sites sem ligação com o trabalho. Sites do
governo, de bancos e de notícias estão entre os endereços mais procurados.
A nosso ver, o correio eletrônico deve ser alvo de documentação própria e para que esse
protocolo não se detenha excessivamente sobre as possíveis irregularidades no uso da ferramenta,
deve contemplar tópicos sobre gestão do ponto de vista técnico: escolha de software, memória,
criptografia etc. e administrativo: como criticidade (informações confidenciais, corporativas e pú-
blicas), agentes envolvidos em segurança da informação etc. Fora isso, a empresa deve saber avaliar
o quanto o acesso à internet é importante na análise estratégica de informações de variada natureza
e quais seriam os funcionários capazes de fazê-la.
140 Comunicação Empresarial

Contudo, o Facebook e sobretudo o WhatsApp absorveram a maior parte das mensagens tro-
cadas até passado recente entre funcionários e pessoas não ligadas à rotina de trabalho. Assim, o risco
de uso indevido do e-mail corporativo deve ter sido em grande parte neutralizado no Brasil.
Quanto à linguagem adotada nas mensagens da intranet, há empresas que estabelecem
modelos, padrões – registrados em códigos de conduta – que podem chegar a vetar expressões,
abreviaturas, e até mesmo o uso de estrangeirismos, no caso dos órgãos oficiais, sobretudo do
governo federal, critério aplicado a toda correspondência.
O Relatório anual sobre o perfil de uso de internet nas empresas (LUMIUN, 2016), publicado
por empresa do segmento de serviços para a rede de computadores, para definir o perfil de utili-
zação da internet pelos profissionais nas empresas de pequeno e médio porte no Brasil, analisou
os dados de uso da rede em uma amostra de 50 empresas de diversos segmentos e distribuídas em
todas as regiões do Brasil. A base de dados contabilizou 280 milhões de acessos, ocorridos ao longo
de todo ano de 2016.
Os resultados parecem muito esclarecedores sobre hábitos dos funcionários:
Figura 2 – Sites mais acessados nas empresas

1 – Google (pesquisa na web) 15,66%

2– Facebook (Redes sociais) 14,64%

3 – Skype (Comunicação via internet) 8,25%

4 – Globo.com (Portais de notícias) 4,46%

5 – UOL (Portais de notícias) 2,87%

6 – WhatsApp (Comunicação via internet) 1,84%

7 – YouTube (Áudio, vídeo e entretenimento) 0,95%

8 – Mercado Livre (Compras) 0,52%

9 – Gmail (Webmail) 0,51%

10 – Microsoft Office 365 (Tecnologia da Informação) 0,49%


0 5 10 15 20
• Apenas 3 itens (Google, Facebook e Skype) representam praticamente quatro a cada dez acessos realizados.

• Portais de conteúdo Globo.com e UOL representam 7,3% dos acessos

• Serviços de comunicação Skype e WhatsApp representam 10,1% dos acessos.

• Apenas 10 sites correspondem a praticamente metade dos sites acessados nas empresas pelos colaboradores.

Importante mencionar que qualquer tipo de conexão com a internet é considerado como um acesso, o que faz com que serviços como Skype
e WhatsApp apareçam entre os mais acessados.

Fonte: Lumiun, 2016.

Entre as 34 categorias de sites pesquisadas, cinco destacaram-se:


Figura 3 – Categorias de sites mais acessados na empresas
Comunicação interna 141

Demais sites 34,70%

Empresas em geral 18,10%

Pesquisa na internet 12,80%

Redes sociais 12,80%

Portais de conteúdo 11,80%

9,80%
Comunicação via internet

0 5 10 15 20 25 30 35

Fonte: Lumiun, 2016.

6.5 Endomarketing
Naturalmente, o ponto de referência do endomarketing é o marketing realizado pela empre-
sa. Uma forma bastante simples de caracterizar o marketing é destacar sua natureza sistêmica ao
tentar dar conta das demandas do cliente. Sempre se evoca a missão do marketing de atender às
necessidades e aos desejos dos clientes a partir de processos que vão desde a identificação dessas
demandas, estendendo-se pelo planejamento de estratégias e táticas para tornar a empresa apta a
satisfazê-las, à implementação e controle destas últimas. Drucker (apud KOTLER; KELLER, 2012,
p. 4) afirma que “o objetivo do marketing é tornar supérfluo o esforço de venda. O objetivo do
marketing é conhecer e entender o cliente tão bem que o produto ou o serviço seja adequado a ele
e se venda sozinho”.
Ora, se a empresa se obriga a conhecer tão bem o cliente, o que se dirá então em relação ao
público interno, cuja missão é tornar possível esse envolvimento? O endomarketing sustenta-se no
tripé incentivo, motivação e resultados, articulados dessa forma por Vinícius Carvalho de Carvalho,
de onde se conclui que as duas primeiras palavras são um meio para se alcançar os efeitos aludidos
pela terceira:
Endomarketing é um processo gerencial, cíclico e contínuo, direcionado ao
propósito da organização, e integrado aos demais processos de gestão, para
cuja efetivação utilizam-se, eticamente, ferramentas multidisciplinares de in-
centivo, com o objetivo de promover a motivação das pessoas com seu traba-
lho e garantir seu compromisso com os objetivos estratégicos, contribuindo
com a obtenção de melhores resultados, econômicos e humanos, a partir de
desempenhos superiores. (CARVALHO, 2008)

Esse autor, provavelmente inspirado nas leis do posicionamento, de Ries e Trout, propôs as
“25 Leis do Endomarketing”, as quais têm sido bem aceitas por especialistas de RH e comunicação
142 Comunicação Empresarial

empresarial. A primeira dessas leis, a do “diferencial humano” constata, como pedra angular de
todas as demais, que “As pessoas são a base de tudo. Não importa qual o valor que pretende agregar
ao seu negócio, sempre serão as pessoas que o farão tornar-se realidade perante o seu cliente, quer
seja de forma direta quer indireta”.
E a partir daí alinham, de acordo com o tom peremptório das leis, princípios que tentam
cobrir todos os quadrantes das relações humanas na empresa, tendo como pano de fundo a neces-
sidade de coesão e integração dos agentes no processo de entrega de serviço. Fala-se sobre unidade
organizacional, discurso voltado para os funcionários, princípios de reciprocidade, segmentação
de públicos internos, entre outros.
É ainda Carvalho (2008) que propõe um composto de endomarketing que procura fazer
analogia com os 4 Ps do mix de marketing: Ambiente, Empresa, Trabalho, e Comunicação. Assim,
ambiente seria: o espaço da empresa onde se reúnem funcionários, configura-se como cenário
onde se desenvolvem todas as operações organizacionais, tudo envolvido em duas dimensões:
a tangível e a intangível. A primeira está ligada aos recursos físicos da empresas, entre os quais
equipamentos, mobiliário, materiais de segurança, estoques etc.; a segunda ao clima organizacio-
nal, produto das relações humanas no trabalho. Empresa está para produto, pois o público interno
deve “comprar” a empresa como conceito, instituição e valor simbólico, mas também como ente
formador de perspectivas, propiciador de conforto psicológico, segurança financeira etc. Trabalho
está para preço: valor investido em salários e que naturalmente gera “significado” do ponto de vista
institucional, se for recompensador ou justo, de acordo com certos contextos. Comunicação inter-
na está para promoção: a integração dos recursos materiais e processos de comunicação, com vistas
ao alcance de objetivos, tendo como princípio, sempre que estratégico, a segmentação de públicos
e a percepção dos resultados obtidos.
Mais importante do que a analogia com o mix de marketing é aprofundar os sentidos sub-
jacentes de cada elemento do composto e compreender sua natureza dinâmica no conjunto, ou
seja, analisar a influência de cada um dos elementos do mix de endomarketing na sua interação
com os demais.

Atividades
1. Com base nas diferenças entre os paradigmas organizacionais modernos e pós-modernos,
do quadro proposto por Daft, e no livro de Richard Sennett, A Cultura do Novo Capitalismo,
reflita sobre as transformações que o modelo econômico das últimas décadas tem propor-
cionado às organizações.

2. Quais as relações entre cultura organizacional e comunicação interna?

3. Como as ferramentas de comunicação interna podem denotar uma forte ligação entre si?
Comunicação interna 143

Referências
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7
Pensamento complexo na empresa e na comunicação

Há um campo de debate no pensamento científico e filosófico contemporâneo em tor-


no do qual se organizam diferentes vozes, enraizadas em várias partes do mundo e que vêm
alterando profundamente as estruturas do pensamento ocidental, constituídas ao longo dos
séculos. Essas vozes, pertencentes a alguns dos mais respeitados estudiosos das áreas de filoso-
fia, biologia, química, física, antropologia e sociologia, juntam-se na intenção de transformar
as bases desse pensamento com reflexões capazes de responder a demandas de um mundo de
dificultosa apreensão. No mundo contemporâneo, o indeterminismo e a incerteza são nuances
das forças que dissolvem modelos e pressupostos arraigados nos sistemas sociais.
O pensamento complexo – expressão posta em curso pelo sociólogo e filósofo Edgar
Morin e vários outros pesquisadores – é uma forma de resistência a que o estudioso denominou,
no hoje clássico Introdução ao pensamento complexo (1999)1, de “progresso cego e descontrola-
do do conhecimento (armas termonucleares, manipulações de todas as espécies, desequilíbrio
ecológico etc.)”. Diante da teia hiperintrincada de fenômenos sociais, psicológicos e econômicos
da contemporaneidade, a matriz do pensamento ocidental demonstra não possuir um supor-
te epistemológico2 abrangente e suficientemente entrelaçado (complexo), não para “combater”,
em termos reducionistas e simplistas, o caos, a incerteza, o aleatório, o multifacetado do mun-
do contemporâneo, mas para assimilá-los como forma de superação. Essa aparente conforma-
ção à matéria do que pareceria “inevitável” ou “fatal” é, pelo contrário, a estratégia complexa
de transformar os complicadores, os fenômenos causadores da “cegueira” e da desumanização,
em caminho do resgate da natureza não separada, não fragmentada do saber.
A lógica aristotélica, elevada a método, com modificações, por René Descartes – daí
falar-se em lógica aristotélica-cartesiana – que domina o pensamento ocidental, estruturou-se
como um dispositivo linear, baseado no modelo lógico do terceiro-excluído. Por esse modelo,
A só pode ser igual a A, motivo pelo qual se deve excluir, por carente de lógica, tudo o que não
se adequar a essa dinâmica. Por isso que em Morin, e em outros autores, faz-se referência a uma
lógica, a aristotélica, do “ou/ou”, que deixa de lado o “e/e”, isto é, que exclui a complementari-
dade e a diversidade.
Dent (apud JARDIM, 2006, p. 24) ressalta que tal concepção linear de causa-efeito (A -> B),
própria da ciência moderna, pressupõe que:
• exista uma ordem temporal (mudanças em A devem preceder mudanças em B);
• as variações sejam associativas (mudanças em A devem estar associadas a mudanças
em B);

1 O original – Introduction à la Penseé Complexe – é de 1990.


2 Referente à epistemologia, a teoria do conhecimento que tem por finalidade estudar a origem, a estrutura, mé-
todos e validade do conhecimento, como sistema lógico, coeso e comprometido com a explicação do real.
146 Comunicação Empresarial

• exista associação genuína (não pode haver outras causas, ou seja, a associação entre A e B
não pode ser explicada por C);
• haja suporte teórico (a relação causal entre A e B deve ser consistente com a teoria proposta).
Segundo os críticos da lógica aristotélica-cartesiana, não haveria sempre, na prática,
uma contiguidade mecânica (causa e efeito) entre o primeiro e o segundo termo, como propôs
Descartes. Tal visão imediatista dificulta e muitas vezes torna impossível a compreensão de fe-
nômenos complexos, como os de natureza biopsicossocial. Embora tenhamos que reconhecer a
eficácia do modelo cartesiano para a resolução de problemas mecânicos, objeto das ciências exatas
e da tecnologia, o mesmo não podemos dizer de sua capacidade para a resolução de problemas
de natureza humana (como a gestão de pessoas nas empresas), que mobilizam emoções e senti-
mentos, a dimensão não linear do fato psicossocial. Assim, o modelo cartesiano-linear identifica
formas eficazes de aumentar a produtividade industrial, ou de outro setor produtivo, por meio da
automação, mas não dá conta do problema do desemprego e da exclusão social por ela gerado,
porque se trata de questão não linear.
O pensamento de Morin configura-se como uma epistemologia do “abraço”, por ser
orientada pela inclusão, pela abertura, contrária à fragmentação, à separação entre os saberes e,
em consequência, da perda da complexidade dos objetos. Daí o pensamento complexo encontrar,
na arquitetura da rede, sua metáfora e sua materialização, pois como objeto que se autoalimenta,
a rede inclui, abraça, não hierarquiza de forma autoritária, pois ela não tem centro, embora
possamos pensar na figura do nó dos nós como postos-chave da rede.
Critica-se a iconicização da sociedade, a redução de conjuntos de significação inteiros à ima-
gem e símbolo, estes últimos, formas convencionais, chapadas, “sem fundo”, ao contrário da palavra,
cuja natureza aberta e nuançada fortalece a razão. A potencialização da imagem, em detrimento da
palavra, implica também perda da capacidade de dialogar; daí a unidimensionalização, a visão única
que se impõe de forma absoluta, tão criticada por Morin e outros estudiosos. Devemos reconhecer
nas imagens, nos símbolos, fatores importantes da perpetuação de lendas, mas não nos esqueçamos
de que em um contexto de enfraquecimento da palavra, tal poder das imagens redunda na incapa-
cidade de se identificar no mito, na lenda, e em outros tipos de linguagem figurada, sua natureza
metafórica, não literal. Daí, portanto, a ação e o sucesso, em termos de mercantilização, da onda fun-
damentalista encarnada pelas igrejas eletrônicas, por exemplo, entronizadas na televisão como portas
da espiritualização. A banalização do milagre e a leitura rasteira das escrituras são um dos sintomas
do fenômeno da unidimensionalização.
As considerações acima servem para introduzir um conceito recorrente, neste capítulo,
que é o da integração, e compreendê-lo em seu contexto mais amplo. Ora, o esforço organi-
zacional, entenda-se, boa parte do investimento logístico e cognitivo das empresas, aplica-se
no sentido de integrar processos, adotar estruturas administrativas e físicas, nas instalações,
que favoreçam esse movimento, e realimentar o processo com reanálise e novos investimen-
tos. Essa inclinação, porém, tem sido percebida, pelos pensadores da complexidade, como uma
versão mecanicista do verdadeiro pensamento complexo, embora reconheçam que as empresas
demonstram sensibilidade para uma cultura que privilegia um modo de pensar e agir sistêmico.
Pensamento complexo na empresa e na comunicação 147

Como se sabe, sistemas são estruturas comunicantes, um conjunto de elementos interconectados


que forma um todo organizado.
Ora, e por que a ideia de integração na empresa – sempre segundo esse olhar crítico dos
pensadores da complexidade – posta em prática pela comunicação empresarial, pela comunica-
ção administrativa e demais disciplinas organizacionais ficam a meio caminho do pensamento
complexo? Justamente por não se armarem como estruturas includentes, abertas para a não
linearidade das relações humanas, para o caos, para a desorganização, a descontinuidade e a
toda diversidade que esses fenômenos evocam. Como ainda fortemente marcadas pelos para-
digmas funcionalistas, mas ao mesmo tempo abertas para as inovações das estruturas horizon-
tais na administração, as organizações criam um caldo de cultura híbrido, uma espécie de deus
bifronte3 que ainda titubeia entre passado e futuro. Assim, parecem promover a autonomia dos
indivíduos, mas adotam muitas vezes instrumentos internos, cuja heteronomia (o contrário de
autonomia) reativa os processos de controle excessivo, de burocratização, de linearização das
relações humanas e assim por diante.
Eis, a nosso ver, as virtualidades que estão por ser exploradas, a par do discurso do alinha-
mento, da integração e da suposta abertura para o novo, propalada pelas empresas.
O paradigma interpretativo, no interior do qual se operam as teorias da Escola de Montreal,
embora se identifique com a complexidade em certos aspectos (o reconhecimento da imbricação
das tarefas), é antipositivista por definição, e valoriza o componente humano e dialógico das rela-
ções – portanto, reconhece o ­feedback como essencial – não parte dos mesmos pressupostos dos
pesquisadores da complexidade e tampouco fez uma opção radical por uma “teoria da mudança”,
tão cara ao pensamento complexo.
Por outro lado, não devemos simplesmente reprovar o que as organizações mais adian-
tadas estão fazendo hoje, pois afinal tentam aperfeiçoar a gestão de pessoas e romper com
postulados arcaicos, entre outras iniciativas.
Mas também não devemos cair no erro de supor que o estágio em que se encontram já
corresponda ao que o novo paradigma reivindica como possível e factível. Do ponto de vista da
propaganda, da comunicação de marketing, o alinhamento das estratégias é uma técnica que nos
coloca em contato com a marca por mais tempo, o que por um prisma funcionalista, de causa e
efeito básico, implica mais consumo, mas não o aprimoramento de nossa capacidade de entender
as leis do mercado e as do próprio consumo, ou ainda, como dado concreto e inalienável, a melhor
percepção daquilo que consumimos, como premissa de uma visão crítica em relação ao consumo.
Na régua das teorias organizacionais, o pensamento complexo aplicado à gestão estaria na
ponta diametralmente oposta ao funcionalismo. Como vimos, o modelo da organização container,
“hospedeira” da comunicação, entende esta última como um processo de transmissão, como o
funcionalismo a idealizou nas primeiras décadas do século 20. Nada mais distante do paradigma
da complexidade.

3 Jano (Janus, em latim) é um deus romano, com duas faces, que deu origem ao nome do mês de janeiro, a janela,
ou porta, do ano novo. Como toda porta possui dupla face, Jano olhava para o futuro e para o passado.
148 Comunicação Empresarial

Estudiosos, ao posicionarem a comunicação como produtora das organizações (comuni-


cação como organização), lançam mão de sete metáforas para classificar os modelos de comuni-
cação organizacional. São estas as metáforas: conduíte, lente, linkage, performance, símbolo, voz
e discurso. A opção por esse tipo de linguagem justifica-se porque “as metáforas revelam modos
alternativos de pensar sobre a origem e a natureza do ato de organizar, seus processos e conceitos
que formam suas raízes ontológicas” (PUTNAM, PHILLIPS; CHAPMAN, 2004, p. 78).
A metáfora do conduíte refere-se ao sequenciamento mecanicista da comunicação, conside-
rando as organizações como canais ou containers. A comunicação nessa perspectiva é vista como
transmissão, ou seja, ela (ilusoriamente) fluiria do ponto A para o ponto B sem nenhum tipo de
interferência, isso, repita-se, em um nível idealizado e hipotético. A comunicação constrói-se como
caixas, com canais, quantidade, tipo, direção e estrutura para o fluxo de informações.
A comunicação é uma ferramenta, nesse caso, um recurso para influenciar a eficácia do
trabalho, melhorar o feedback, tarefa que algum membro da organização deve receber e executar,
garantindo a adequação e precisão da transmissão (PUTNAM; PHILLIPS; CHAPMAN, 2004).
Já de acordo com a metáfora da lente, as organizações filtram a comunicação, na medida que
são consideradas como sistemas “perceptuais ou olhos” que tudo “veem e percebem”. Assim proce-
dendo, a lente pode via de regra distorcer a comunicação para moldá-la de acordo com determina-
dos interesses. A metáfora, contudo, uma observação nossa, permite a analogia com o pan-óptico4,
dispositivo adotado em prisões que garantiria a plena visibilidade do interno.
Conforme estabelece a metáfora do linkage, as organizações são redes ou sistemas de indi-
víduos interconectados e cabe à comunicação exercer seu papel de conexão, o que não reduz esse
modelo ao processo de simples transmissão. A concretude da rede já por si dá ênfase à existência
de dois ou mais nós e muito frequentemente a oportunidade de intervenção de alguns deles em
determinados contextos comunicacionais. Essa abordagem adota a noção de teia, ponte, liame,
contratos e relacionamentos. O cluster da ligação (ABRACOM, 2008) representa as investigações
centradas na análise dos sistemas e redes de contato organizacional.
A metáfora da performance “projeta a comunicação como interação social”, razão pela qual
as organizações apresentam-se como ações coordenadas.
Na metáfora do símbolo, própria do paradigma interpretativo, as organizações valorizam o
texto (falado e escrito) como relato, versão (account), ao mesmo tempo que reconhecem os ritos
organizacionais, dentre outras instâncias, como lugares de produção de sentido (sensemaking).
A metáfora da voz pode ser compreendida como uma instância polifônica (muitas vozes)
tonitruantes: que dos grupos relacionados, como o das vozes distorcidas (abafadas e tonitruantes), as vozes de
fala ou canta com
voz muito grossa.

4 O filósofo Michel Foucault utilizou a imagem desse dispositivo de natureza arquitetônica como base de sua teoria,
de acordo com a qual todos os indivíduos em sociedades modernas são submetidos aos olhos do poder (sistema de
instituições), sem, no entanto, conseguirem identificar o lugar a partir do qual os olhos vigiam. A teoria do pan-óptico
de Foucault aplica-se ao mundo organizacional, em cujo interior os funcionários submetem-se ao regime da vigilância,
mesmo que não percebida, de seus superiores.
Pensamento complexo na empresa e na comunicação 149

dominação por meio da ideologia e do controle suave, a voz diferente por meio das perspec-
tivas feministas, incluindo a distorção da comunicação e a supressão do conflito (REDDING;
TOMPKINS, 1988). A comunicação manifesta-se como “expressão” e a organização assume a
condição de coro de vozes.
Quem se incline a analisar os pressupostos do pensamento complexo não poderá deixar
de perceber um movimento de superação de todos os paradigmas, entremeado antes disso por
uma integração de componentes de vários paradigmas. A superação como movimento ocorreria –
talvez em um primeiro “momento” – pela lógica da interdisciplinaridade, portanto, para somente
depois tornar-se a matéria prima da própria transdisciplinaridade como tentaremos explicar a partir
de agora. A voz como metáfora (PUTNAM et al. 2004) relaciona-se ao paradigma interpretativo (mas
não só) em um dos seus princípios determinantes: a conversação entre os membros da organização.
A voz deve ser libertadora, como posto acima, e na verdade ela, em seu movimento de afirmação
ativa e reativa o sistema de “feedbacks mútuos”, uma das pedras angulares do pensamento complexo
como veremos em seguida.
A verdadeira integração, no sentido da complexidade, deve ocorrer pela compreensão e prá-
tica de uma série de fatores sintetizados por Mariotti (2000) nos seguintes termos:
Alguns princípios do pensamento complexo:
• Tudo está ligado a tudo.
• O mundo natural é constituído de opostos ao mesmo tempo antagônicos e complementares.
• Toda ação implica um feedback.
• Todo feedback resulta em novas ações.
• Vivemos em círculos sistêmicos e dinâmicos de feedback, e não e em linhas estáticas de
causa-efeito imediato.
• Por isso, temos responsabilidade sobre tudo o que influenciamos.
• O feedback pode surgir bem longe da ação inicial, em termos de tempo e espaço.
• Todo sistema reage segundo a sua estrutura.
• A estrutura de um sistema muda continuamente, mas não a sua organização.
• Os resultados nem sempre são proporcionais aos esforços iniciais.
• Os sistemas funcionam melhor por meio de suas ligações mais frágeis.
• Uma parte só pode ser definida como tal em relação a um todo.
• Nunca se pode fazer uma coisa isolada.
• Não há fenômenos de causa única no mundo natural.
• As propriedades emergentes de um sistema não são redutíveis aos seus componentes.
• É impossível pensar em um sistema sem pensar em seu contexto (seu ambiente).
• Os sistemas não podem ser reduzidos ao meio ambiente e vice-versa.
150 Comunicação Empresarial

Alguns benefícios do pensamento complexo:


• Facilita a percepção de que a maioria das situações segue determinados padrões.
• Facilita a percepção de que é possível diagnosticar esses padrões (ou arquétipos sistêmi-
cos, ou modelos estruturais) e assim intervir para modificá-los (no plano individual, no
trabalho e em outras circunstâncias).
• Facilita o desenvolvimento de melhores estratégias de pensamento.
• Permite não apenas entender melhor e mais rapidamente as situações, mas também ter a
possibilidade de mudar a forma de pensar que levou a elas.
• Permite aperfeiçoar as comunicações e as relações interpessoais.
• Permite perceber e entender as situações com mais clareza, extensão e profundidade, por
isso, aumenta a capacidade de tomar decisões de grande amplitude e longo prazo.

O que se aprende por meio do pensamento complexo:


• Que pequenas ações podem levar a grandes resultados (efeito borboleta).
• Que nem sempre aprendemos pela experiência.
• Que só podemos nos autoconhecer com a ajuda dos outros.
• Que soluções imediatistas podem provocar problemas ainda maiores do que aqueles que
estamos tentando resolver.
• Que não existem fenômenos de causa única.
• Que toda ação produz efeitos colaterais.
• Que soluções óbvias em geral causam mais mal do que bem.
• Que é possível (e necessário) pensar em termos de conexões, e não de eventos isolados.
• Que os princípios do pensamento sistêmico podem ser aplicados a qualquer sistema.
• Que os melhores resultados vêm da conversação e do respeito à diversidade de opiniões,
não do dogmatismo e da unidimensionalidade.
• Que o imediatismo e a inflexibilidade são os primeiros passos para o subdesenvolvimen-
to, seja ele pessoal, grupal ou cultural.

7.1 Teoria organizacional e complexidade


Considerando-se a estrutura organizacional das empresas, Daft (1999, p. 148) chama atenção
para o fato de a organização matricial oferecer a mobilidade própria de um desenho horizontal: “A ma-
triz é uma poderosa forma de ligação horizontal. A característica especial da organização matricial é a
implementação simultânea das divisões de produto e das estruturas funcionais (horizontais e verticais)”.
Adequada para instituições de médio porte, a estrutura matricial também é a mais indicada
para ambientes de alta incerteza, como parece ser a dominante no caso brasileiro, e para empresas
com dupla exigência no cumprimento de metas de produtos e metas funcionais.
Como se nota na figura abaixo, cada um dos gerentes de produto acaba por responder a mais
de um chefe, ainda que estejam sob a coordenação geral do diretor de operações de produtos.
Pensamento complexo na empresa e na comunicação 151

Figura 1 – Estrutura de dupla autoridade em uma organização matricial

Presidente

Diretor de
operações Vice-presidente Vice-presidente Vice-presidente Gerente de
Controller
de produtos de projetos de produção de marketing obtenção

Gerente de
produto A

Gerente de
produto B

Gerente de
produto C

Gerente de
produto D

Fonte: Daft, 1999, p. 149.

Uma estrutura organizacional por si só não instaura um programa administrativo baseado na


complexidade, embora seu desenho possa favorecer o trânsito inerente ao projeto do pensamento
complexo, tal é o caso da estrutura matricial. Como todas as estruturas estudadas por Daft, a matriz
possui pontos fortes e pontos fracos. Entre os primeiros, ele aponta o fato dela se mostrar adequada
“para decisões complexas e modificações frequentes em ambientes instáveis”, além de compartilhar
de forma flexível os recursos humanos; entre os pontos fracos, há o risco de que, na experimentação
da dupla autoridade, ou seja, a subordinação a mais de um chefe, isso se torne frustrante e confuso.
Por outro lado, Daft (1999, p. 149) reconhece que a matriz “consome tempo; envolve frequentes reu-
niões e sessões de solução de conflitos”, daí, talvez, ser associada ao paradigma interpretativo.
A nosso ver, a estrutura matricial talvez esteja melhor preparada para responder ao que
Dent (apud JARDIM, 2006) identifica como redes de feedback e causalidade mútua geradas pela
empresa em contato com os públicos. Na verdade, Dent afirma que as empresas, por colocarem em
prática a causalidade linear (causa-efeito), não estariam preparadas para dar conta dos efeitos que
elas próprias geram, sustentados em causalidade mútua, portanto, não linear. Jardim (2006, p. 25)
destaca o exemplo a seguir, que Dent oferece para demonstrar a inadequação entre os dois modelos
(linear e não linear):
uma empresa de construção de casas decide implementar um sistema de con-
trole de custos, esperando que o resultado direto seja casas com baixo custo.
No entanto, a empresa não percebe que a política de controle de custos gera
feedback, que pode consistir em desvalorização das casas da região, ou que os
corretores prefiram negociar outros imóveis que gerem uma melhor remunera-
ção, dentre outras situações, implicando em um resultado oposto ao desejado
pela empresa.
152 Comunicação Empresarial

O trajeto das organizações dispostas a se beneficiar com o paradigma da complexidade deve


ser integrado a processos experimentais, obrigatoriamente dinâmicos, mutacionais, em que uma
hologramática (de holos = todo), na expressão de Morin, comprometida com a reintegração dos
saberes, não seja apenas um objeto referencial e teórico, mas o próprio trajeto. É dessa descompar-
timentalização dos saberes que surge a adoção da transdisciplinaridade como sistema organizativo
e epistemológico.
Em uma rápida abordagem, podemos divisar três grandes sistemas de formação do conhe-
cimento: a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Tomando como
referência o universo escolar, a multidisciplinaridade é o sistema ainda dominante (embora o go-
verno federal, com o chamado novo ensino médio, prometa valorizar a interdisciplinaridade) com a
disposição das disciplinas lado a lado, com pouca ou nenhuma conexão entre elas. Eis o máximo nível
da compartimentalização do saber e, infelizmente, o modo como aprendemos a pensar, separando
Língua Portuguesa de História e esta de Geografia, por exemplo.
Aos poucos, no entanto, um projeto interdisciplinar já vinha se instaurando na escola, com
nexos construídos entre algumas disciplinas. Por exemplo: é possível fazer relações entre Língua
Portuguesa, Matemática, Educação Física e Artes Plásticas. Do ponto de vista genérico, todas são
linguagens, e daí ser possível propor relações entre as disciplinas a partir dessa natureza em comum.
Como sistemas convencionais, as linguagens possuem regras e elementos diferenciados (letras,
números, movimentos corporais, materiais), que articulados de determinada forma geram sentido ou
um tipo de expressão, caso das Artes Plásticas.
Os limites da interdisciplinaridade, contudo, residem na verificação de que ao se fazer relação
entre diferentes áreas do saber, com maior ou menor abrangência, permanecem ainda as fronteiras,
os limites entre uma e outra. Assim, ainda que sejamos capazes de relacionar Biologia e Química, em
uma operação interdisciplinar, permaneceriam “intactas” as demarcações ou recortes epistemológi-
cos entre ambas durante esse diálogo.
Já na transdisciplinaridade, esses territórios de conhecimento, uma vez mobilizados, tendem
a ir além dos (daí o prefixo trans, que significa além de) limites, desmaterializando as fronteiras
entre um e outro para construir um novo saber.
Vale, contudo, salientar que “o pensamento da complexidade não é absolutamente um pen-
samento que expulsa a certeza para colocar a incerteza, que expulsa a separação para colocá-la no
lugar da inseparabilidade, que expulsa a lógica para autorizar todas as transgressões” (MORIN;
LEMOIGNE, 2000, p. 205)
No mundo organizacional, tomando como referência as ciências e disciplinas que lhe são pró-
prias, temos a maior parte do tempo a multidisciplinaridade como imperativo; assim, contabilidade, a
administração, a economia, a gestão de pessoas, a comunicação empresarial e os saberes provenientes
das ciências e tecnologias com as quais a organização opera – para a entrega de valor – permanecem
mais ou menos perfilados, com conexões pontuais entre uma área e outra para gerir o sistema.
Por outro lado, com o advento das discussões sobre sustentabilidade, o surgimento de me-
todologias de avaliação como o Triple Bottom Line (Pessoas, Planeta e Lucro), ou “três resultados
líquidos”, tornaram-se práticas que vêm aos poucos se instalando nas empresas como território
Pensamento complexo na empresa e na comunicação 153

agregador, mobilizador e integrador de todos esses saberes em benefício dos valores da sustentabi-
lidade. Portanto, a sustentabilidade, sistematicamente, torna esse valor comum às ciências e saberes
que dão suporte à empresa como sistema organizacional bem como àquelas inerentes ao seu modo
de produção (engenharia, por exemplo); eis o território a partir do qual ciências e saberes se arti-
culam em um projeto interdisciplinar.
Não devemos nos esquecer de que a comunicação integra diferentes departamentos dentro
de sua especialidade, embora os efeitos de tal operação sejam percebidos por toda a organização.
À medida que a comunicação potencializa o diálogo e se alinha como um operador da gestão de
pessoas, promovendo a interação em vários níveis, integrando os fazeres, processos e gestões, ela
se torna a força aglutinadora, por excelência, das partes em contato. Contudo, o projeto interdis-
ciplinar da empresa é mais sentido no âmbito da comunicação empresarial do que em outros.
Por exemplo, no âmbito da gestão de pessoas, um plano de carreira transparente aos funcionários
propiciaria a percepção de um projeto interdisciplinar entre administração, educação corporativa,
gestão financeira, missão, valores etc.
A transdisciplinaridade constitui-se em um estágio adiante, de integração, de definição
e indefinição, ao mesmo tempo, das áreas em contato. A construção de um novo saber decorre
dessa sinergia, altamente aglutinadora, do reconhecimento de que tudo é fluxo, transformação e
mudança. O esquema abaixo demonstra cada um dos modelos:
Figura 2 – Esquemas da multi, inter e transdisciplinaridade na organização

Multidisciplinaridade Marketing
Contabilidade
Administração
Finanças Gestão
Engenharia
Informática
Química etc.

Interdisciplinaridade Marketing
Sustentabilidade
Gestão
Administração
Contabilidade etc.

Transdisciplinaridade Marketing
Administração
Nova visão,
Contabilidade
concepção Gestão
Economia,
e/ou saber
Comunicação Social
Tecnologia etc.

O alto padrão de conectividade


entre funcionários, departamentos
e saberes em um projeto.

Fonte: Elaborada pelo autor.


154 Comunicação Empresarial

A seguir, destacamos características de uma organização sustentada no modelo da transdis-


ciplinaridade. Bauer (1999) sintetiza essas características com precisão, articulando conceitos de
diferentes pensadores da complexidade, entre eles Maturana5. A organização com projeto transdis-
ciplinar deve ser auto-organizante, autopoiética e dissipativa, conforme detalhamos a seguir:
Auto-organizante
• Uma organização com ricos padrões de interação e conectividade e entre as pessoas,
de modo a permitir e fomentar o surgimento espontâneo de sinergias catalisadoras de
novas possibilidades.
• Uma organização que reconhece ser inevitável a existência de contradições, de ambigui-
dade e de conflitos (ou seja, de “desordem”), e que procura utilizá-los em seu proveito,
como fonte de aprendizado, criatividade e inovação.
• Uma organização em que seus elementos constituintes apresentam alto grau de diferen-
ciação, sem prejuízo de um alto grau de integração que confere identidade à empresa
como um todo.
Autopoiética
• Uma organização que compreende residir em seus próprios recursos internos todo o
potencial necessário para sua evolução.
• Uma organização que busca permanentemente atualizar sua identidade, em congruência
com as mudanças em seu ambiente externo.
• Uma organização que faz uso da criatividade, da inovação e da experimentação para
desenvolver e aprimorar seus estoques de conhecimento.
Dissipativa
• Uma organização na qual a sinergia entre seus membros pode, a partir de uma determi-
nada massa crítica, vir a produzir autonomamente alternativas e caminhos inovadores.
• Uma organização que interpreta as possibilidades de vir a sofrer uma “quebra de simetria”
(uma ruptura estrutural) imposta pelo ambiente externo, sendo capaz de tirar partido de
tal eventualidade para redefinir sua estruturação interna.
Agostinho (2003 apud CAMARGO; NOGUEIRA, 2011, p. 5), evidenciando a importância do
pensamento complexo na empresa, afirma que os denominados, por ela, sistemas complexos adaptati-
vos demonstram capacidade de se auto-organizarem. De acordo com a autora existiriam assim quatro
conceitos-chave de sistemas complexos adaptativos, que fundamentam os também por ela designados
princípios de administração complexa.
1. Autonomia /Autogoverno: capacidade de orientar sua ação tomando como base de julga-
mento seus próprios conceitos;
2. Cooperação: a autora vislumbra, além do sentimento de colaboração, noção inerente à
cooperação, as condições para que ocorra a continuidade da interação entre os indivíduos

5 Humberto Maturana (14 de setembro de 1928, em Santiago de Chile) é um biólogo (neurobiologia) chileno, crítico do
realismo matemático e criador da teoria da autopoiese e da biologia do conhecer, junto com Francisco Varela, e faz parte
dos propositores do pensamento sistêmico e do construtivismo radical.
Pensamento complexo na empresa e na comunicação 155

– a lembrança dos resultados dos encontros cooperativos entre os indivíduos nos quais de-
vam ter ocorrido relações simétricas, de tal modo a garantir a ocorrência de reciprocidade;
3. Agregação: diz respeito à estruturação da organização e como ela se mostra dispersa ou
não em torno de objetivos e competências;
4. Auto-organização: relaciona-se à capacidade de as organizações encontrarem por si mes-
mas, através de seus componentes, modos de organização diferenciados de tal forma a
perenizá-la. Fundamentalmente ligada à sua capacidade neural (rede, diversidade de liga-
ções entre componentes / diversidade) e à comunicação dentro dessa rede.

7.2 Comunicação empresarial como texto


Argenti (2006) enumera as principais funções da comunicação empresarial: gerenciamento da
reputação; propaganda corporativa; relações com a mídia; comunicações de marketing; comunicação
interna; relações com investidores; responsabilidade social corporativa; relações com o governo e geren-
ciamento de crise. Reenfatizar a necessidade da convergência dessas funções no interior de um capítulo
como este, voltado para a reflexão sobre as relações entre organização e o pensamento complexo, signi-
fica considerar essa perspectiva por um outro ângulo. É possível ponderar a respeito das relações entre
um texto, como unidade básica de sentido, e a empresa, como um tecido microssocial, cujos padrões de
interação apresentam-se em graus diferenciados.
A etimologia da palavra complexo (do latim: complexus: o que é tecido junto) remete à ima-
gem do texto, cujo étimo, também de origem latina (textum: tecido), associa-se ao entrelaçamento
de fios, ou de palavras, no caso da construção textual, e, portanto, da ordenação e da organização
de ideias. Um texto é um todo gerador de sentido e, para vários teóricos, ele articula um mecanis-
mo macroestrutural, que é a coerência, e outro, microestrutural, a coesão.
A consulta a um dicionário nos mostra que a palavra coerência diz respeito à ligação ou
harmonia entre situações, acontecimentos ou ideias; coerência é uma relação harmônica, é uma co-
nexão, um nexo. No dia a dia, percebemos seu emprego quando, por exemplo, se quer realçar que
uma pessoa teria agido de modo adequado em certa situação, de acordo com alguns pressupostos,
demonstrando uma atitude íntegra, em harmonia com determinados valores pessoais (de natureza
moral, ética, política etc.) ou com o momento.
O conceito de coerência é um dos mais complexos entre aqueles relacionados aos estudos
do texto. A coerência é uma relação que se estabelece entre as partes de um texto, gerando uma
unidade de sentido, como podemos verificar no texto abaixo:
A arte liberta o homem da lógica implacável do cotidiano competitivo, con-
sumista, reificante, em que somos manipulados e massificados, lógica que vai
desembocar no vazio existencial.
É bem verdade o que dizia [o poeta] Mario Quintana – que a poesia não é uma
fuga da realidade e sim uma fuga para a realidade. Mas tal verdade precisa ser
experimentada de modo criativo, ou não será experimentada de modo algum.
A arte propicia e estimula uma visão realista que supera em muito o realis-
mo redutor (e antiestético) a que somos submetidos diariamente, realismo
que por vezes chega a reduzir também a própria arte em mero (e cansativo)
156 Comunicação Empresarial

entretenimento, em manifestação vaidosa de status social ou poder econômi-


co, em instrumento de marketing e em outras “coisas”. (PERISSÉ, 2000, p. 50,
grifo do original)

A unidade de sentido é obtida pela manutenção de um só foco temático. O autor inicia


o texto com uma afirmação sobre o poder liberador da arte e mantém sua atenção voltada para o
desenvolvimento de um pensamento completo a respeito daquele poder. O autor não se afasta
do seu “compromisso” de comunicar o que pensa sobre o tema, não faz associações distantes do
campo semântico (da área de sentidos) delimitado pelo tema, que é a arte. Portanto, podemos di-
zer que o conceito de coerência, na base do qual está o de unidade, é o resultado da solidariedade,
da continuidade do sentido, do compromisso das partes que formam esse todo.
A coerência liga-se, assim, à compreensão, à possibilidade de interpretação daquilo que se
fala, escreve-se, ouve-se, canta-se etc. No entanto, é importante que se frise bem, há certos textos,
os literários, às vezes, que negam a “possibilidade de compreensão” exercida pelo leitor. São textos
fechados, “opacos”, que não se deixam penetrar pelo olhar do leitor. São intencionalmente incoe-
rentes, quebram determinados princípios de inteligibilidade. Por outro lado, não temos direito de
dizer que tudo que não entendemos é “confuso”, “não tem sentido”. Antes de um texto ser rotulado
de “confuso”, de incoerente ou coisa parecida, será necessário fazer uma reflexão sobre as intenções
do autor, sobre a natureza do texto que estamos lendo, ou, o que é mais difícil, voltar-nos para
uma reflexão sobre nossa capacidade de leitura. Nossa capacidade de compreensão pode não estar
“à altura” da complexidade de um determinado texto, daí às vezes a sensação de que estamos diante
de um objeto estranho.
Por outro lado, devemos levar em conta o contexto em que determinado texto se insere.
Há situações em que apenas o contexto extralinguístico (que está fora do texto) ativa a capacidade
de um texto informar com precisão sobre as intenções de seu autor. Uma placa com os dizeres não
pise na grama, pendurada na sala do diretor de uma empresa, ganharia sentido diferente daquele
que somos capazes de entender quando vemos essa placa posicionada em um jardim público.
O outro conceito que nos interessa de perto é o de coesão. No dicionário, aprendemos que
coesão é uma “união íntima das partes de um todo” e, portanto, a exemplo da coerência, é um nexo,
uma ligação. Do ponto de vista linguístico, essa ligação é de natureza gramatical ou lexical (vocabu-
lar). Observe que na citação Gabriel Perissé, sobre arte, encontramos no trecho em destaque uma
preposição e um pronome – em que – os quais têm como função a retomada de todo o segmento an-
terior lógica implacável do cotidiano competitivo, consumista, reificante, e assim a projeção do sentido
desse segmento, dessas palavras, para adiante, assegurando a continuidade do texto; logo à frente,
a palavra lógica é repetida para se incorporar a ela novo segmento: que vai desembocar no vazio exis-
tencial. Note-se como o pronome que se liga imediatamente à palavra para fazer a “ponte” entre ela
e o segmento destacado em itálico. Da mesma forma, a palavra verdade é repetida (Mas tal verdade
[...]) para retomar o que fora afirmado antes sobre um pensamento do poeta Mario Quintana.
A essas considerações podemos somar outras que compreendem o texto como um obje-
to orientado por princípios de “gestão da coerência”, para usar palavra (gestão) recorrente no
mundo organizacional. Charolles (1978), integrante de um dos ramos dos estudos linguísticos,
Pensamento complexo na empresa e na comunicação 157

a Linguística Textual, propõe quatro metarregras que vão nos ajudar a fazer analogia com o fun-
cionamento da empresa e, no interior dela, do sistema de comunicação.

7.2.1 Metarregra de repetição


“Para que um texto seja (microestruturalmente e macroestruturalmente) coerente, é preciso
que contenha, no seu desenvolvimento linear, elementos de recorrência estrita” (CHAROLLES,
1978, p. 49).
É necessário, para que o texto articule uma parte à outra, retomar o sentido de determinadas
palavras, frases ou parágrafos inteiros, processo que se dá por meio de vários recursos: pronomes,
sinônimos, termos-síntese, transformação de verbos em substantivos, entre outros. E, por outro
lado, criar nexos sintáticos.

7.2.2 Metarregra de progressão


“Para que um texto seja microestruturalmente ou macroestruturalmente coerente, é pre-
ciso que haja no seu desenvolvimento uma contribuição semântica constantemente renovada”
(CHAROLLES, 1978, p. 57).
O texto precisa sistematicamente inserir novas ideias, informações, argumentos, segmentos
textuais para que avance “linearmente”. Caso contrário, acabará se perdendo em redundâncias.

7.2.3 Metarregra de não contradição


“Para que um texto seja microestruturalmente ou macroestruturalmente coerente é preciso
que no seu desenvolvimento não se introduza nenhum elemento semântico, que contradiga um
conteúdo posto ou pressuposto por uma ocorrência anterior, ou deduzível desta por inferência”
(CHAROLLES, 1978, p. 62).
Um texto não deve afirmar e ao mesmo tempo negar algo. É como se um autor reconhecesse
em um parágrafo uma nova categoria de elementos no estudo do objeto de pesquisa e pouco de-
pois afirmasse que a mesma categoria é conhecida há muito tempo pelos estudiosos. Além desse
tipo de contradição há vários outros, entre os quais a da exclusão mútua de conceitos, quando se
defende, por exemplo, a livre concorrência e em outro ponto do texto reivindica-se a intervenção
sistemática do Estado nos mercados.

7.2.4 Metarregra de relação


“Para que uma sequência ou um texto sejam coerentes, é preciso que os fatos que se denotam
no mundo representado estejam diretamente relacionados” (CHAROLLES, 1978, p. 66).
Os fatos do texto deverão manter relações lógicas com o mundo representado no texto, ou
seja, com as regras de lógica interna desse mundo.

7.2.5 Contextualização
De forma simplificada, podemos afirmar que as discussões em torno do esforço de integra-
ção das ações de comunicação demonstram o modo pelo qual as partes se integram umas às outras
e juntas tentam cumprir metas. Por exemplo, se formos considerar as relações entre a gestão da
158 Comunicação Empresarial

reputação e a comunicação interna, veremos que necessariamente ambos os projetos se obrigam a


manter-se fiéis a textos – conjunto de discursos e práticas específicos – produzidos na dinâmica que
os une, embora os próprios agentes, às vezes, não se deem conta do grau de interação que operam
entre as áreas. Essa manutenção de elementos convencionais, mobilizados ao longo dessa relação,
é uma forma de demonstrar coerência ao se conservar o foco para onde convergem os esforços.
Por exemplo, não há como pensar em uma reputação que não seja vivida como processo
de atendimento a diferentes fatores (apelo emocional sobre os indivíduos, qualidade de produtos
e serviços etc.), medidos entre outros pela metodologia conhecida como RepTrak . Mas além
desse processo ter sido gerado no relacionamento com os diferentes públicos, no que diz respeito
à comunicação interna, ele se alimenta das práticas desta área (o alinhamento dos vários recursos
de comunicação: jornais, revistas, videoconferências, intranet etc.) e, ao mesmo tempo, a própria
eficácia da comunicação interna (empenho dos profissionais da área, diversidade de recursos) é
fruto de uma reputação organizacional sintonizada com as demandas dessa área. Eis uma predis-
posição para a “auto-organização”, o princípio defendido pelo pensamento complexo.
Essa unidade de sentido, gestada pela coerência de procedimentos, mostra-se análoga à coe-
rência textual, que é uma forma de se manter a estabilidade semântica de um texto. Textos que mu-
dam de “assunto” quase que de uma frase para outra demonstram baixa capacidade de manutenção
do foco temático, denunciando alto grau de instabilidade de sentidos6. Assim também ocorreria
nas interações entre gestão da reputação e comunicação interna se uma não assimilasse, por assim
dizer, o código da outra; ou seja, se os componentes da reputação não pudessem ser “lidos” pela co-
municação interna e traduzidos em mensagens, e, por outro lado, se a inteligibilidade da segunda,
como projeto, não pudesse ser entendida como resultado da primeira.
Pelo ângulo da coesão, lembremos de que esta opera como um sistema recursivo, de reite-
ração, de retomadas de palavras etc., participando da progressão textual, uma vez que a retomada
nada mais é que uma forma de “projetar” sentidos, de encaminhá-los; além dessa sua proprieda-
de referencial (faz-se referência aos elementos sequencialmente citados antes), a coesão também
aponta para a frente em exemplos como este: “a propaganda corporativa é utilizada nos seguintes
casos: fortalecer a reputação da empresa, persuadir investidores etc.” A frase disposta depois dos
dois-pontos foi anunciada pela anterior, com a qual mantém vínculo.
Ora, a empresa é um grande sistema recursivo na medida em que repete processos guia-
dos por metodologias, reitera procedimentos, e faz notar essa propriedade na conservação da
memória organizacional.
Na verdade, Charolles (1978), citado anteriormente, concentra-se no estudo da coerência
por não fazer grande distinção entre ela e a coesão. Suas metarregras, bem entendidas, dão conta
dos dois mecanismos, embora o teórico faça referência nominalmente apenas à coerência.

6 Esse julgamento nunca pode ocorrer de forma absoluta, pois devemos sempre levar em consideração as intenções
do autor. Um texto humorístico, por exemplo, poderia fazer dessa instabilidade uma estratégia para suscitar o riso.
Pensamento complexo na empresa e na comunicação 159

A repetição, a primeira dessas regras, em se tratando de um texto, ocorre em sua linearidade,


espacialmente, observando a disposição das palavras no papel. Não seria, portanto, esse aspecto es-
pacial da concretude do texto que nos interessa. Estamos nos reportando à recuperação de sentido,
comum tanto a ele quanto à empresa por meio de seu sistema de comunicação. Portanto, o sistema
textual e a organizacional não funcionam sem certo grau de redundância, daí a reiteração.
A progressão se dá por soma (o que implica também, no texto, a dimensão espacial),
por inserção de conteúdo materializado pelas palavras; no caso da empresa, a progressão ocorre
pela via da realimentação dos componentes da reputação e da imagem, pela renovação de proces-
sos, pela comunicação administrativa, pela propaganda corporativa, e pela via mais significativa,
que é a da produção de conhecimento. Todas essas formas são investimentos discursivos sobre
a performance da empresa, gerados por ela mesma, em uma inclinação autopoiética, conforme
Maturana, citado anteriormente.
A não contradição, outra metarregra, evoca o pensamento aristotélico-cartesiano e sua epis-
temologia linear. Em um texto, a ocorrência de contradições põe em risco todo o raciocínio, e,
conforme seu lugar na argumentação, pode invalidar todo o percurso.
Na empresa, devemos evitá-la também, afinal, o que seria de uma organização, cujos pro-
cessos fossem conflitantes ou excludentes? Uma ordem de serviço, por exemplo, negaria outra,
de mesmo teor.
No entanto, a contradição é inerente às organizações, independentemente do porte, pois são
todas movidas por pessoas, com suas idiossincrasias, seus interesses e seus temores. Isso no nível
pessoal. No nível sistêmico, as decisões de uma organização, com alguma frequência, contradizem
seu discurso ou até outras decisões originadas por um mesmo tipo de análise sobre os caminhos da
empresa. Argenti (2006, p. 170) relata o caso da AT&T que, em 1996, demitiu 40 mil funcionários
e dias depois bonificou seu presidente com cerca de US$ 10 milhões em ações da empresa. Mesmo
que a bonificação tenha sido prevista em contrato, os dois acontecimentos geram a sensação de uma
terrível falta de coerência em um momento de extinção de postos de trabalho. Compare-se o fato
com outro, também ocorrido naquela empresa, quando o CEO seguinte, C. Michael Armstrong,
teve que demitir mais 18 mil funcionários, em 1998; no entanto, Armstrong tomara o cuidado de
congelar também o salário de executivos e eliminar mordomias, como limusines com choferes para
os executivos seniores.
A contradição, em uma empresa auto-organizante, é um momento de desordem que po-
derá se oferecer como matéria de superação. Daí o sentido de se aprender com os próprios erros,
os quais poderão compor um arquivo instrucional da memória da organização. Sabe-se de uma
empresa brasileira, do segmento lojista, que se propôs a distribuir agasalhos em abrigos da pre-
feitura durante um dos mais rigorosos invernos de São Paulo. Ironicamente, a mesma empresa
não tinha percebido que vários de seus funcionários do atendimento vinham passando muito
frio naquele inverno. Exemplos como esse ou mais sutis parecem a todo momento abalar a coe-
rência de certos procedimentos, gerando prejuízos para a reputação da empresa.
160 Comunicação Empresarial

Do ponto de vista restrito à produção textual, a compreensão e a aplicação das quatro


metarregras colocam-se como estratégias para a eficiente gestão do texto. A ambiguidade como
resultado do uso inadequado de vocabulário ou de conceitos; a contradição, o conflito entre dois
ou mais conceitos usados de forma inconsciente ou equivocada, gerando uma desordem no nível
da geração de sentido, todas essas palavras – evocadas no contexto da empresa auto-organizante
referida acima – também são referidas no estudo da metarregra da não contradição. Fazendo-se
uma analogia entre o aprendente em seu processo de construção de conhecimento sobre redação
de textos e a empresa auto-organizante, merece ênfase a capacidade de aprender com os pró-
prios erros no caso de um de outro. Portanto, a desordem do sistema é aceita pelo pensamento
complexo como movimento inevitável e, por isso mesmo, percebido como força propulsora e
inspiradora da criatividade.
Quanto à metarregra de relação, a contínua referencialização aos processos que a própria em-
presa põe em curso é por demais evidente. A empresa fala o tempo todo de si e, se não fosse assim,
talvez perdesse a consciência de quem é. Quem sabe essa metarregra seja a mais análoga à missão e
visão da empresa porque, se posta em curso com propriedade, reativa certezas e fortalece convicções.
É claro que nossa analogia deve ser entendida como uma metáfora, pois diferentemente de
um texto, uma organização, embora tenha um começo, certamente não poderá antever o seu meio,
e tampouco o fim, a não ser em casos muito particulares. A ênfase da analogia deve permanecer na
predisposição de texto e empresa gerar sentido, emitir sinais sobre suas intenções, de forma orga-
nizada e entrelaçada, motivo pelo qual articulam mecanismos de coesão e coerência equivalentes.
Neves (2000, p. 67), criticando a comunicação segmentada em “três conjuntos de esforços:
a comunicação de marketing, para falar com clientes e consumidores; a comunicação institucional,
para cuidar basicamente da instituição; e a comunicação interna, voltada para o público interno [...]”
argumenta que essa, segundo ele, divisão clássica, originou-se no tempo em que cada público tinha
interesses específicos. Em seguida, relaciona quem trabalha com comunicação nas empresas:
Desenvolvendo “estratégias de comunicação”, temos os departamentos de
marketing, as agências de propaganda, os relações públicas, os departamentos
de recursos humanos, consultores etc. “Comunicando-se” com os públicos,
temos, além da diretoria e dos profissionais da linha de frente (vendedores, ge-
rentes, secretárias, atendimento técnico etc.), os relações públicas, ombudsman,
telemarketing, calls centers, lobistas, advogados, assessoria de imprensa, rela-
ções com a comunidade etc. (NEVES, 2000, p. 67)

Logo após, Neves insiste na tese, exposta no início de seu livro, de que a empresa necessi-
ta adotar um Colegiado de Comunicação com acesso direto ao que denomina de decision making;
as atribuições desse colegiado passam pelo Planejamento Estratégico da Imagem (PEI), pela Gerência
de Comunicação Programada (GCP), pela Comunicação Simbólica (GCS) entre outras.
A criação de um colegiado, nos termos acima, bem como a adoção de nomes e siglas dife-
renciados do mercado, denota a preocupação de Neves em integrar ao máximo as atribuições ou,
dito de outra forma, manter coerentemente o foco nos objetivos. Por outro lado, ainda está por se
fazer uma análise mais profunda da abrangência e interpenetração das funções no modelo propos-
to pelo autor.
Pensamento complexo na empresa e na comunicação 161

Atividades
1. De acordo com o texto, o que teria suscitado os postulados do pensamento complexo?

2. Na sua opinião, por que uma reflexão sobre o pensamento complexo se mostra importante
no âmbito das organizações?

3. Considerando os três sistemas de formação de conhecimento (multidisciplinaridade, interdis-


ciplinaridade e transdisciplinaridade), indique qual dos três está mais próximo da experiência
das empresas.

Referências
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Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

BAUER, Ruben. Gestão da Mudança: caos e complexidade nas organizações. São Paulo: Atlas, 1999.

CAMARGO, Alcir de Assunção; NOGUEIRA, Heloisa Guimarães Peixoto. A Complexidade e o Ambiente de


Gestão em uma Indústria Química. Rio de Janeiro, XXXV Encontro do ANPAD, 4 a 7 de setembro de 2011.

CARDOSO, Onésimo de Oliveira; SERRALVO, Francisco Antonio. Pluralismo metodológico e transdisci-


plinaridade na complexidade: uma reflexão para a administração. Revista de Administração Pública. FGV.
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DAFT, Richard L. Teoria e Projeto das Organizações. 6. ed. Tradução de Dalton Conde de Alencar. Rio de
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JARDIM, Paula Esteban do Valle. Uma Contribuição Teórica para a Utilização do Pensamento Complexo na
Formulação Estratégica. 90 f. Dissertação (Mestrado em Administração) Programa de Pós-graduação e pes-
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KUNSCH, Margarida M. K. Relações Públicas e Modernidade: novos paradigmas na comunicação organiza-


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MARIOTTI, Humberto. As Paixões do Ego: complexidade, política e solidariedade. São Paulo: Palas
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MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Tradução de Dulce Matos. Lisboa: Instituto Piaget,
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NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerenciar imagem, questões públicas,
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PERISSÉ, Gabriel . O leitor criativo. 1. ed. São Paulo: Editora Mandruvá, 2000. v. 1.

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CLEGG, Stewart R. HARDY, Cyntia e NORD, Walter R. (Org.) Handbook de estudos organizacionais. Ação e
análise organizacionais. v. 3. São Paulo: Atlas, 2004.
8
Comunicação de marketing,
propaganda institucional e corporativa

Duas visões que revelam uma posição radical sobre o papel social da empresa – e tanto
mais quando se nota a data em que a primeira fora compartilhada – são citadas por Cândido
Teobaldo de Souza Andrade em um dos seus mais conhecidos livros: Curso de relações públicas:
relações com os diferentes públicos.
A primeira afirma que “A velha filosofia de que uma empresa privada é principalmente
um meio para conseguir um fim pessoal precisa ser substituída pelo conceito de que ela é um
serviço público merecedor de recompensa somente até onde possa contribuir para o bem-estar
público” (NIELANDER; MILLER, 1951 apud ANDRADE, 2003, p. 83).
Dessa forma, Bharat Ran (1977) assegura que:
Nos próximos anos, portanto, o administrador terá que estudar mais aten-
tamente suas decisões e determinar não apenas sua lucratividade, como
também o provável efeito dela sobre a vida dos acionistas, dos empregados
e do público em geral. Não estou falando apenas do que ficou conheci-
do como responsabilidade social dos negócios. Esta, na maioria das vezes,
é um ato passivo: uma diretoria resolve doar tanto para esta como para
aquela como ato comunal e entrega a questão para o seu departamento de
relações públicas. Contribuir para a qualidade da vida humana é um ato de
grande envolvimento e complexidade maior. (BHARAT RAN, 1977 apud
ANDRADE, 2003, p. 83)

Recuados no tempo mais de 60 e 40 anos, respectivamente, ambos os depoimentos an-


tecipam algumas correntes de pensamento sobre o papel das organizações, redimensionando
o compromisso com o público em geral. Cada vez mais fica evidente que compreender a ana-
tomia dos públicos vai bem além do reconhecimento da capacidade da empresa em atender
às necessidades e desejos dos clientes. Esta última, missão primordial do marketing, como
atividade mercadológica, parece apenas reenfatizar a questão da lucratividade como algo mais
ou menos desconectado da dimensão social em sentido estrito. Não será necessário insistir
que uma empresa deva gerar lucros como cumprimento de sua missão, pois são esses que
viabilizam a sua sobrevivência como ente social. No entanto, para fazer jus à sua recompensa,
como querem Nielander e Miller, citados acima, as organizações terão que encontrar um sen-
tido maior, justificando sua permanência no mercado na disposição para responder a deman-
das complexas, ligadas à sustentabilidade. E isso de forma autêntica, o que exige a superação
de uma visão instrumental sobre o assunto.
O empoderamento do terceiro setor é um dos vetores mais ou menos recentes que a em-
presa terá que considerar no quadro de forças com o qual convive. Não se trata somente de tomar
para si o patrocínio de projetos sociais sob responsabilidade de Organizações não Governamentais
164 Comunicação Empresarial

(ONGs) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), ou, de forma mais abrangen-
te, investir em ações para fortalecer a “atitude de marca”, como veremos a seguir. Nisso, as palavras de
Bharat Ran (apud ANDRADE, 2003) parecem ressoar não apenas como um alerta, mas como prova
de uma apreensão sobre o papel da empresa que somente anos depois começaria a ser vislumbrado.
É necessário, antes, desenvolver a sensibilidade para entender criticamente o significado da interven-
ção do terceiro setor, a abrangência de suas ações e a legitimidade das instituições que o integram.
Eis o compromisso ético do qual a empresa não pode fugir, sob o risco de reificar suas ligações com
a dimensão social e fazer desta mais uma oportunidade para aparecer. O refinamento ético depende
da convicção em se saber protagonista da mudança e capaz de intervir no seu meio com a agudeza
crítica indispensável, a eficiência de quem conhece seu negócio e a determinação de quem alcançou
um entendimento maior sobre a vida no planeta.
Nas linhas seguintes, vamos conhecer diferentes formas de propaganda e de interação
com os públicos. A propaganda tem papel de destaque no contexto, motivo pelo qual devemos
conhecê-la em sua diversidade.

8.1 Comunicação de marketing


Uma distinção de imediato se impõe: a comunicação de marketing, como a expressão su-
gere, é função desse departamento e dele participam os profissionais da área, fato que não deixa
de fora o comunicador. Já a propaganda institucional e a corporativa são de responsabilidade da
comunicação empresarial, embora na experiência brasileira tudo fique a cargo do departamento
de marketing e agências de propaganda. Um autor como Argenti (2006) faz distinção entre os dois
gêneros, assim como outros autores, no entanto, as agências, no Brasil, costumam adotar a desig-
nação genérica de propaganda institucional. Para Kotler e Keller (2012, p. 512),
A comunicação de marketing é o meio pelo qual as empresas buscam infor-
mar, persuadir e lembrar os consumidores – direta ou indiretamente – sobre
os produtos e as marcas que comercializam. Em certo sentido, a comunicação
de marketing representa a voz da empresa e de suas marcas; é o meio pelo qual
ela estabelece um diálogo com seus consumidores e constrói relacionamentos
com eles.

Para tanto, o departamento de marketing lança mão de várias ferramentas, não apenas da
propaganda, embora muitas vezes a maioria do público, devido à penetração das mídias impressas
e eletrônicas, acabe tomando conhecimento apenas dessa forma de divulgação.
O chamado brand equity – ao pé da letra: equidade (valor) de marca – faz a gestão da marca,
dotando-a de identidade, um diferencial capaz de gerar significados na mente do consumidor.
A percepção que temos da marca Nestlé não é apenas resultado de um julgamento racional dos
seus produtos. Junto com os significados relacionados à qualidade de produtos, assimilamos uma
carga emocional que transcende os limites do racional, graças ao modo como a marca foi se insta-
lando em nossa mente, à feição de uma arquitetura, cujo traçado se mostra harmonioso e coerente
com os seus objetivos.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa 165

O brand equity irá refletir como os consumidores sentem, pensam e reagem a uma marca,
afetando até mesmo a percepção de preços, a participação de mercado de uma empresa e, conse-
quentemente, os lucros obtidos.
A comunicação de marketing articula de forma integrada, segundo Kotler e Keller (2012,
p. 514), uma série de estratégias, configurando um mix assim alinhado:
• Propaganda – mensagens pagas, com carga argumentativa e/ou persuasiva, sobre pro-
dutos e serviços, em diferentes suportes, e orientadas pela necessidade de se resolver um
problema de comunicação do anunciante.
• Promoção de vendas – ativação de estratégias, por prazo determinado, com a finalidade
de provocar a experimentação ou venda de produtos e serviços.
• Eventos e experiências – patrocínio, pela marca, de atividades e programas caracteriza-
dos pela grande interação que proporcionam aos públicos-alvo. Esse conceito está dire-
tamente relacionado ao de atitude de marca que mencionaremos a seguir, diretamente
ligado a este tópico.
• Relações públicas (RP) – na visão de Kotler e Keller (2012), a ênfase recai nas relações
mantidas com o ambiente interno e externo, com a finalidade de fortalecer a imagem da
empresa; programas dirigidos para os consumidores, outras empresas, o governo e a mí-
dia, para promover ou proteger a imagem de uma empresa ou a comunicação de cada um
de seus produtos. Hoje, relações públicas e comunicação empresarial são duas faces de
uma mesma moeda, mantendo entre si relações de abrangência ligeiramente diferentes,
segundo determinados autores. Há quem defenda que o comunicador empresarial, por
excelência, seja o profissional formado em RP.
• Marketing direto – mobilização de diferentes meios (telefone, correio, internet) para uma
comunicação direta com o cliente. Malas diretas e telemarketing são ferramentas dessa
modalidade de marketing.
• Marketing interativo – atividades e programas on-line destinados a envolver clientes
atuais ou potenciais e, direta ou indiretamente, aumentar a conscientização, melhorar a
imagem ou gerar vendas de bens e serviços.
• Marketing boca a boca – comunicação de uma pessoa para outra, verbal, escrita ou ele-
trônica que se refere aos méritos ou às experiências de compra ou uso de bens ou serviços.
• Vendas pessoais – relacionamento pessoal (cara a cara) com intenção de venda de produ-
tos ou serviços. As revendedoras da Avon são exemplos desse tipo de estratégia.
O quadro a seguir associa as modalidades anteriores com as ações e suportes de que
lançam mão. Como lembram Kotler e Keller, essas plataformas não esgotam todo o potencial
comunicativo das empresas. Elementos ligados à identidade organizacional (embalagens, estilos,
cores, uniformes, instalações, desempenho dos funcionários) possuem forte carga comunicacional
e, portanto, articulam-se como um feixe de informação a ser decodificado pelo público-alvo.
Kotler e Keller não fazem referência diretamente ao merchandising, que é um conjunto de ações
166 Comunicação Empresarial

quase sempre realizadas no ponto de venda, como a degustação de produtos alimentícios, por
exemplo; inclui-se na categoria a apresentação de produtos ou serviços em programas de televisão,
o chamado merchandising editorial1, a cargo dos animadores desses eventos ou de profissionais
especialmente destacados para essa finalidade. A inserção de produtos, com sutileza2, em filmes e
novelas também é classificada, no Brasil, como merchandising.
Abaixo, quadro com as estratégias da comunicação de marketing e os itens que as compõem.
Quadro 1 – Estratégias da comunicação de marketing (2012)

Anúncios impressos e eletrônicos


Embalagens/espaços externo
Embalagens/encartes
Cinema
Folhetos e manuais
Cartazes e panfletos
Propaganda
Diretórios
Reimpressão de anúncios
Painéis
Placas de sinalização
Sinalização de pontos de venda
DVDs
Concursos, jogos, sorteios, loterias
Prêmios e presentes
Amostras
Plataformas comuns de comunicação

Feiras comerciais
Exposições
Demonstraçõess
Promoção de vendas
Cupons
Descontos
Financiamentos a juros baixos
Bonificações de troca
programas de continuidade
Merchandising editorial (tie-ins)
Esportes
Entretenimento
Festivais
Artes
Eventos e experiências
Causas
Visitas à fábrica
Museus de empresas
Atividades ao ar livre
Kits de imprensa
Discursos
Semiários
Relatórios anuais
Doações de caridade
Relações públicas e publicidade
Publicações
Relações com a comunidade
Lobby
Mídia de identidade
Revista corporativa
(Continua)

1 No exterior, essa modalidade inclui-se em uma categoria chamada de tie-in.


2 Como elemento de cena, às vezes o produto ou serviço é incorporado na trama de filmes e novelas, sendo, portanto,
citados. Talvez o maior exemplo de merchandising com essas características seja verificado no filme O náufrago, com
Tom Hanks, no qual a empresa de remessas expressas FedEx torna-se praticamente uma personagem na trama.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa 167

Catálogos

Plataformas comuns de comunicação


mala direta
Telemarketing
Marketing direto e interativo E-mail
Correio de voz
Blogs corporativos
Sites
Interpessoal
Marketing boca a boca Salas de bate-papo virtual (chat)
Blogs
Apresentações de vendas
Reuniões de vendas
Vendas pessoais Programas de incentivo
Amostras
Feiras comerciais
Fonte: Kotler, Keller, 2012, p. 533.

Kotler e Keller (2012, p. 518-530) em seu livro Administração de marketing apontam oito
etapas para uma comunicação eficaz na utilização das modalidades acima:
• Identificação do público-alvo – possíveis compradores dos produtos da empresa, usuá-
rios atuais, decisores ou influenciadores; indivíduos, grupos, públicos específicos ou o
público em geral.
• Determinação dos objetivos da comunicação – subdividem-se em quatro possibilidades:
necessidade da categoria; conscientização da marca; atitude em relação à marca; intenção
de compra da marca.
• Elaboração da comunicação – o que dizer (estratégia de mensagem), como dizer (estra-
tégia criativa) e quem deve dizer (fonte da mensagem).
• Seleção dos canais de comunicação3 – eles podem ser pessoais e não pessoais, e eles se
dividem em muitos subcanais.
• Estabelecimento do orçamento total de comunicação de marketing – quatro métodos
indicados para o estabelecimento do orçamento: o método dos recursos disponíveis,
o método da porcentagem das vendas, o método da paridade com a concorrência e o
método de objetivos e tarefas.
• Decisão sobre o mix de comunicação de marketing – escolha das “plataformas comuns
de comunicação” mais adequadas para alcance dos objetivos.
• Mensuração dos resultados da comunicação – em busca de objetividade, tenta-se tradu-
zir os dados em resultados intermediários, como alcance e frequência (a porcentagem do
mercado-alvo exposta a uma comunicação e o número de exposições), índices de recall e
reconhecimento, mudanças de persuasão e cálculos de custo por mil. Em última análise,
são os indicadores de mudanças comportamentais que dirão se o esforço valeu a pena.

3 TV, rádio, jornal, revista, mídia exterior como outdoor, frontlight, backlight, top sight (pintura, ou equivalente, de mensa-
gens publicitárias na lateral de prédios) e mobiliário urbano: display ecológico, placas em postes de nome de ruas, relógio
urbano, luminosos em pontos de ônibus etc.), internet, entre vários outros, denominados genericamente de mídia alternativa:
cartão-postal, bike door, indoor, painéis de metrô etc.
168 Comunicação Empresarial

• Gerenciamento do processo de comunicação integrada de marketing – é necessário


adotar uma “visão de 360 graus” do consumidor para compreender plenamente todas as
diferentes formas pelas quais a comunicação pode influenciar seu comportamento coti-
diano. Kotler e Keller (2011, p. 531) citam a American Marketing Association em busca
de uma definição de Comunicação Integrada de Marketing (CIM): “um processo de plane-
jamento destinado a assegurar que todos os contatos da marca com um cliente ou consu-
midor em potencial relativo a um produto, serviço ou organização sejam relevantes para
essa pessoa e consistentes ao longo do tempo”.
A decisão do mix de comunicação leva em conta que cada uma dessas ferramentas promo-
cionais tem custos próprios, características, alcance e efeitos peculiares. Por exemplo, a propaganda
geralmente é utilizada para sustentar uma imagem, tal como ocorre com as campanhas da Coca-Cola
ao longo de várias décadas; ou acelerar vendas, com a veiculação de promoções etc. Cada meio de
comunicação4 possui suas especificidades, assim como cada veículo5 as suas. Porém, é possível iden-
tificar na propaganda as seguintes qualidades:
• Penetração – gera grande número de impactos sobre o público-alvo, devido à repetição
da mensagem nos veículos, à sua cobertura geográfica e, no caso da mídia impressa,
à tiragem de jornais e revistas. No caso da mídia exterior, como outdoors, não há metodo-
logias inteiramente eficazes para mensurar o número de impactos sobre os transeuntes.
Mas as empresas que operam no setor, responsáveis pela locação de espaços para a
afixação dos cartazes, escolhem vias de grande circulação para garantir o máximo de
visibilidade às peças.
• Aumento da expressividade – marcas, serviços e produtos ganham maior visibilidade,
graças ao composto de texto, cor, imagem e som presentes em cada meio.
• Impessoalidade – ainda que a internet tenha concedido certo grau de interatividade aos
anúncios6, a propaganda não obriga o público a prestar atenção a ela e a responder a seus
estímulos; portanto, como destacam Kotler e Keller, a “propaganda é um monólogo e não
um diálogo com o público”.

8.2 Propaganda institucional e corporativa


José Benedito Pinho faz as seguintes considerações sobre propaganda institucional:
Denominada por alguns autores americanos como propaganda de relações pú-
blicas (Public Relations Advertising), a propaganda institucional é uma área onde
as atividades de relações públicas e Propaganda interagem.

4 Emissoras de televisão, de rádio, jornais e revistas, cuja cobertura geográfica e tiragem variam entre os veículos e
influem decisivamente nos efeitos obtidos pela propaganda.
5 Um meio de comunicação, como uma revista, é um canal; já uma revista, em específico, é um veículo, e assim su-
cessivamente.
6 Expressão usada em sentido genérico. Os banners, como são chamados os dispositivos publicitários inseridos em
sites e portais na rede, quase sempre estimulam o internauta à interação, momento em que esse dispositivo dará acesso
a uma página com informações sobre o produto ou serviço.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa 169

A propaganda institucional tem por propósito preencher as necessidades legí-


timas da empresa, aquelas diferentes de vender um produto ou serviço. (1990,
p. 23, grifos do original)

Segundo o Publishers Information Bureau (PIB), dos EUA, a propaganda pode ser definida
como corporativa quando preenche um ou mais destes propósitos:
• divulga e informa ao público as políticas, objetivos, funções e normas da empresa;
• constrói uma opinião favorável sobre a empresa, destacando a sua administração,
know-how, corpo técnico, tecnologia, melhoria de produtos, sua contribuição para o
progresso social e o bem-estar público; por outro lado, contrabalanceia a propaganda
desfavorável e as atitudes negativas; e
• desenvolve uma imagem de confiabilidade para os investimentos em ações da empresa ou
para o fortalecimento de sua estrutura financeira.
A adequação a normas internacionais, como as estabelecidas pela ISO (International
Organization for Standardization), a inauguração de filiais, de fábricas, o anúncio da adoção de
um código de ética ou da criação de um SAC ou serviço de ombudsman, e várias outras situações,
são matéria da propaganda corporativa.
Enquanto a comunicação de marketing divulga bens tangíveis, como um refrigerador, e os
seus diferenciais em relação aos concorrentes, a propaganda institucional detém-se na divulgação
de valores, crenças e sentimentos, muitos dos quais compartilhados pela comunidade. Costuma-se
ressaltar a responsabilidade social, o desenvolvimento de projetos nas áreas de educação e cultura,
bem como certas esperanças em relação ao futuro do país etc. Outro ponto recorrente é a síntese da
trajetória da empresa como um movimento permeado de conquistas, muitas delas compartilhadas
com o próprio país, para o qual o trabalho e o empenho institucionais sempre se fizeram perceber.
Por tudo isso, talvez seja certo afirmar que, mais do que a propaganda corporativa, a institucional
tende a lançar mão de recursos emocionais.
Por razões óbvias, não se deve denominar a propaganda do Estado de corporativa, expressão
reservada para o mundo empresarial. A propaganda institucional dos governos geralmente é chama-
da de governamental e tem como objetivo “criar, reforçar ou modificar a imagem de um determinado
governo, dentro e fora de suas fronteiras” (PINHO, 1990, p. 22).
No Brasil, como se destacou, as agências de propaganda não costumam fazer diferença entre
uma categoria e outra, provavelmente por questões pragmáticas, já que ambas tentam igualmente
informar ao público o papel da empresa em relação a certos compromissos firmados com o clien-
te ou com toda a comunidade. E assim valorizam a imagem e a reputação corporativas. Um dos
mais famosos comerciais de natureza institucional já produzidos no país foi o de uma destilaria,
a Seagram7, a maior do mundo, produtora de uma famosa marca de whisky nacional na época
(1973). O comercial enfatizava a responsabilidade dos adultos durante o consumo de bebidas al-
coólicas e para isso fazia um apelo emocional, exibindo a imagem de um garoto, que poderia ser
o filho de um consumidor/espectador. Uma voz de fundo chamava atenção para o significado da

7 Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=saj-PblR2r0>. Acesso em: 24 abr. 2018.


170 Comunicação Empresarial

relação entre pai e filho e reconhecia o golpe sofrido por uma criança ao perceber que o pai havia
bebido demais. Ao final, a empresa se dizia responsável por muito do que aqueles “olhinhos” viam
e convocava os adultos a beber com “sabedoria e moderação” para que a futura geração pudesse
saber que “bebida é só pra dar prazer e alegria”.
A Heineken desenvolveu globalmente uma plataforma de consumo responsável, que in-
centiva as pessoas a moderarem seus hábitos e, na prática, consumirem menos álcool. Em 2016,
a marca de bebidas lançou uma série de comerciais que apresentava esse alerta. The invitation8,
criado pela agência Publicis Brasil, classificava como heróis as pessoas que, nas festas e baladas,
conseguiam consumir bebidas moderadamente. Globalmente, o conceito foi trabalhado com a
campanha The hero, que mostrava a visão feminina a respeito de quem sabe – e quem não sabe –
a hora certa de parar de beber.
Como se vê, a propaganda institucional não tem como finalidade vender um produto,
mas um conceito da organização, criar identificação com valores, visões de mundo, causas de
diferentes naturezas e abrangências, e para isso faz uso de mensagens em que a argumentação,
quase sempre, tem papel preponderante. Como a propaganda institucional não reativa no lei-
tor, ouvinte ou espectador, a memória das experiências da recepção de propaganda comercial,
supõe-se que as mensagens institucionais até certo ponto desautomatizem essa recepção e, por isso,
tornem o destinatário mais sintonizado com o conteúdo. É como se a empresa, intermediada pela
agência de propaganda, abrisse mão, por momentos, de certas fórmulas consagradas pela comuni-
cação de marketing, para adotar outra dicção e estilo, em parte desviantes do habitual.
Há uma necessidade de legitimação da empresa, na forma de adoção de um discurso mais
identitário que, ao se revelar diante da comunidade, torna mais justificável a aceitação da institui-
ção como um ente público, consciente de seu papel.
Gracioso (1995, p. 66) destaca cinco temas institucionais recorrentes a partir da década
de 1990:
• Valorização do consumidor – respeito aos compromissos assumidos com o mercado,
abertura ao diálogo.
• Ecologia (respeito à natureza) – preocupação com a proteção e preservação do meio
ambiente.
• Cidadania – integração na comunidade. Intervenção nas causas de interesse coletivo e
associação da marca a momentos de decisão: aprovação de leis, movimentos sociais de
grande representatividade etc.
• Ética nos negócios – a reflexão sobre o significado e o papel da ética transcende os con-
ceitos de legalidade ou ilegalidade.
• A empresa como parceira – respeito e estímulo à participação dos funcionários, reven-
dedores e fornecedores.

8 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CChH9akfd-Q&feature=youtu.be>. Acesso em: 15 jun. 2018.


Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa 171

A propaganda institucional não se limita a dialogar com os clientes, pois coloca em seu ho-
rizonte uma espécie de “público universal”, formado por funcionários, acionistas, fornecedores,
comunidade, distribuidores, representantes e educadores. Por essa longa enumeração, como vere-
mos, ela acabaria desenvolvendo parte das funções da propaganda corporativa, distinguindo-se,
contudo, na abordagem, pois esta última demonstra, de modo geral, atitude mais pragmática e fo-
cada em temas e assuntos.
Argenti (2006, p. 61) afirma que a propaganda corporativa tem as seguintes funções:
• atrair investimentos, influenciar opiniões;
• reforçar a identidade ou melhorar a reputação;
• aumentar as vendas, recrutar e manter funcionários.
É o autor ainda que destaca que a propaganda corporativa é administrada diretamente pelo
CEO da empresa, e foi ela que, nos EUA, mais cresceu entre os anos 1980 e 1990.
Vásquez (2006, p. 208) apresenta um quadro comparativo entre propaganda de produto
(comercial) e corporativa, destacando os objetivos de cada uma. Note-se como a autora adota os
verbos informar, persuadir e lembrar, utilizados por Kotler e Keller (2012) para conceituar a comu-
nicação de marketing.
Quadro 2 – Objetivos da propaganda comercial e da propaganda corporativa

Objetivos Propaganda de produto Propaganda corporativa

Informar Introdução de um novo produto. Descrição dos Fusões e aquisições de empresas. Comunicação
atributos do produto. Educar o consumidor no da marca corporativa. Desfazer mal-entendidos.
uso do produto. Desfazer mal-entendidos. Apoiar programas sociais. Comunicação dos
Sugerir novos usos do produto. Mudanças de logros da empresa. Incorporações de novos
embalagem. diretivos.
Reduzir os temores ou medos dos consumidores Mudança de endereço e rede de endereços.
quanto às propriedades ou uso do produto. Aquisição de equipamentos e novas tecnologias.
Comunicar o preço ou as mudanças de preço do
produto.
Comunicar e apoiar as promoções de vendas.
Comunicar os locais de vendas.

Persuadir Criar uma preferência de marca. Criar uma preferência de marca.


Animar o consumidor a mudar sua marca pela Animar o consumidor a mudar de marca pela nova
nova proposta. proposta.
Evitar a substituição. Desarraigar maus hábitos.
Atrair novos consumidores. Adoção de uma forma de pensar, filosofar ou
Adoção de novos hábitos de consumo. tomar consciência a respeito de um assunto.
Incrementar a frequência de uso. Mudar a percepção da empresa.
Incrementar a quantidade comprada.
Convencer o consumidor para que compre já.
Propor uma visita ao estabelecimento.
Convencê-lo a fazer uma ligação telefônica.
Aceitar a visita de um vendedor. Mudar a
percepção do produto.

(Continua)
172 Comunicação Empresarial

Objetivos Propaganda de produto Propaganda corporativa

Lembrar Lembrar a existência e as vantagens do produto. O portfólio de marcas.


Manter o produto fora de temporada. A identidade conceitual da marca corporativa.
A possibilidade da necessidade do produto no futuro. A participação da empresa em programas sociais.

Fonte: Vásquez, 2006, p. 208.

Há duas linhagens de propaganda corporativa referidas por Bendit (2010, p. 36): propaganda
de imagem e propaganda temática ou de defesa. A primeira parece corresponder ao que no Brasil
chamamos genericamente de propaganda institucional; investe em mídia de massa para notificar
seu envolvimento com assuntos econômicos/sociais de seu interesse e assim fortalecer sua imagem.
A imagem, nesse caso, é um dos componentes do posicionamento da empresa, um diferencial no
mercado. Essa abordagem parece deixar transparecer uma postura bastante utilitarista da empresa
perante as causas sociais, mais focada na busca de dividendos para a imagem corporativa do que
na expressão de um sentimento legítimo.
A propaganda corporativa de defesa posiciona-se diante de assuntos polêmicos, diretamente
relacionados à empresa. Empresas do setor petrolífero, mineral, tabagista e farmacêutico muitas
vezes são centros de controvérsia e por isso investem em propaganda na qual podem ratificar cer-
tos pontos de vista, neutralizar visões em contrário e ao mesmo tempo compensar sua “dívida” com
a comunidade com a adoção de políticas sustentáveis.
Em novembro de 2015, o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão – próxima ao
município de Mariana (MG) – pertencente à mineradora Samarco causou mortes e a destruição
de pequenas cidades em uma faixa de quase mil quilômetros de extensão do Rio Doce entre
joint venture: aliança
Minas Gerais e Espírito Santo. A empresa, que é formada pela joint venture da brasileira Vale com
entre duas ou mais
empresas que têm a anglo-australiana BHP Billiton, veiculou, no início de 2016, a campanha institucional “Fazer
um objetivo comer-
cial comum, por um
o que deve ser feito” com anúncios em rede nacional em revistas e jornais de grande circulação,
tempo determinado. além de TV aberta.
As peças9 apresentavam funcionários da Samarco que acabaram se envolvendo nos trabalhos
humanitários depois do rompimento das barragens e divulgavam números supostamente favoráveis
para a companhia, como 2.500 cartões de auxílio financeiro distribuídos para as pessoas afetadas e
que 99,7% das 365 famílias desabrigadas teriam sido acomodadas antes do Natal. “Dar assistência às
pessoas. Reparar os danos. Fazer o que deve ser feito”, diz o texto do anúncio impresso.
Como ação interessada em “vender a própria empresa”, na expressão de Argenti (2006), a
propaganda corporativa, quando voltada para investidores, foca seus esforços na publicação de
relatórios financeiros, auditados por empresas de referência do setor. Não raro, os relatórios to-
mam a forma de volumes com programação visual a cargo de profissionais, como os da agência de
propaganda, fortalecendo, pela forma, o significado do conteúdo.

9 Veja o material de divulgação, disponível em: <http://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2016/02/15/


samarco-presta-contas-em-campanha.html>. Acesso em: 6 jun. 2018.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa 173

Quanto a aumentar as vendas, outra função da propaganda corporativa, é fator de difícil men-
suração; no entanto, se bem identificada com determinado componente da reputação da empresa,
a propaganda corporativa pode influir nas vendas. Um supermercado que consiga demonstrar sua
política de preços baixos em períodos de incerteza econômica, mesmo com uma mensagem caracte-
rizadamente corporativa (não comercial), poderá obter bons resultados nas vendas.
O aumento de reputação, com uso da propaganda corporativa, ocorre, com frequência, em si-
tuações em que o anunciante revela interesse pelo bem-estar do público, embora este nem sempre se
dê conta disso. Uma empresa de cabos e fios elétricos, por exemplo, poderá argumentar que sua marca
está presente no sistema de distribuição de energia das cidades, e no interior dos lares, iluminando o
cotidiano de cada um, sem, no entanto, ser percebida pela maioria.
A Ourofino Agrociência – empresa de defensivos agrícolas que trabalha para atender ao pe-
queno, médio e grande produtor – lançou em 2015 uma campanha de reposicionamento de marca
com investimentos em comunicação. O objetivo era a aproximação com agricultores por meio de
uma imagem então consolidada, informando que a companhia buscava inovar e traçar caminhos
para o desenvolvimento.
A campanha institucional10 ressaltava a parceria e interdependência entre o homem do cam-
po e a Ourofino. O texto da peça reforçava a esperança que o planeta tem no homem do campo em
aumentar sua produção para alimentar um mundo cada vez mais povoado.
Quando completou 100 anos, em 2005, a Bunge, empresa de agrobusiness e alimentos, ado-
tou como ­slogan de sua campanha corporativa o seguinte lema: “Só quem olha para o futuro chega
aos 100 anos”. Como é usual em celebrações, a organização fazia alusão ao seu percurso no país,
marcado pelo compromisso e dedicação ao trabalho e ao consumidor, ambos sentimentos orien-
tados pelo espírito visionário da empresa. Devido ao grande número de marcas de propriedade da
empresa, o público era levado a perceber que instituições como a Bunge fazem parte do cotidiano
das pessoas, embora nem sempre se associe uma das suas marcas ao nome do anunciante.
Em sociedades democráticas, em que pontos de vista divergentes podem conviver dentro de
uma atmosfera de tranquilidade, não é de admirar que uma multinacional pudesse ser atacada no
ano de seu centésimo aniversário. O Greenpeace11 aproveitou as festividades para protestar contra
a produção de soja transgênica, que a Bunge12 produzia em larga escala e, segundo a organização
ambientalista, utilizava em duas marcas de óleo. Levando adiante os protestos, o Greenpeace criou
a campanha “Encha o SAC da Bunge”, instigando manifestações contra a empresa via o Serviço de
Atendimento ao Cliente.
Transmídia é um conceito nascido em 1991 que ganhou consistência teórica a partir da pu-
blicação de um artigo de Henry Jenkins do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Trata-se
de uma prolongação de filmes e seriados na forma de jogos, sites, downloads de imagens, toques

10 Veja a campanha disponível em: <http://www.canalbioenergia.com.br/ourofino-agrociencia-investe-em-nova-


campanha-institucional-2/>. Acesso em: 6 jun. 2018
11 Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/lutas-e-conquistas-para-o-meio/>. Acesso em: 11
jun. 2018.
12 O relatório de sustentabilidade da empresa pode ser consultado em: <www.bunge.com.br/sustentabilidade/2009/
port/index.htm>. Acesso em: 6 jun. 2018.
174 Comunicação Empresarial

para celular, entre outros, que exploram o núcleo narrativo dessas produções e promovem a intera-
ção do público com elementos pertencentes a esse universo. É como se as produções extrapolassem
os seus limites e tivessem uma continuação diferenciada em outras plataformas.
O recrutamento e conservação de funcionários, por meio de propaganda corporativa com
objetivos bem delineados e precisos na descrição do perfil da empresa, pode redundar em vanta-
gens para ambos os públicos, interno e externo. Eleva-se indiretamente o moral dos funcionários,
que se sentem mais integrados a certos objetivos organizacionais. Por outro lado, a empresa tende
a atrair candidatos mais qualificados para as vagas.
Um conceito que vem ganhando notoriedade no país é a atitude de marca, que se alimen-
ta dos repertórios das duas vertentes: a comunicação de marketing e a propaganda corporativa.
Ao potencializar a interação da marca com seu público, por meio de causas e conteúdos, o con-
ceito circunscreve uma diversificada arena de ações que abrange: patrocínios, apoios e parcerias,
projetos e eventos de marca, marketing de causa, investimento social e empresarial e promoções
com conteúdo. Os segmentos de intervenção das marcas também são múltiplos: nas artes, nos
esportes, no lazer e gastronomia, no design, nos shows para promover conscientização e educação.
Por sua vez, as marcas, em busca de reputação e credibilidade, oferecem valor para os públi-
cos de interesse, aprofundando vínculos afetivos e reforçando a identidade. Além de demonstrar a
relação necessária com a sustentabilidade.

Atividades
1. Tente oferecer uma visão geral da comunicação de marketing.

2. Francisco Gracioso, em seu livro Propaganda institucional: nova arma estratégica da empresa,
faz o levantamento de temas institucionais recorrentes. Aponte pelo menos dois.

3. Existem duas linhagens de propaganda corporativa: a de imagem e a temática ou de defesa.


Explique.

Referências
ANDRADE, Cândido T. de Souza. Curso de Relações Públicas: relações com os diferentes públicos. 6. ed. São
Paulo: Atlas, 2003.

ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de


Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

BENDIT, Zilda Patrícia. Propaganda Corporativa. In: SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da. (Coord.).
Comunicação Corporativa e Reputação: construção e defesa da imagem favorável. São Paulo: Saraiva, 2010.

GRACIOSO, Francisco. Propaganda Institucional: nova arma estratégica da empresa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

KOTLER, Philip; KELLER, Kevin L. Administração de Marketing. 14. ed. Tradução de Sônia Midori
Yamamoto. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2012.
Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa 175

PINHO, José Benedito. Propaganda Institucional: uso e funções da propaganda em relações públicas. São
Paulo: Summus, 1990.

SILVA, Danielle P. Crise de Identidade. In: Congresso Brasileiro de Ciências Da Comunicação, 28. Intercom
– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. UERJ, 2005.

VÁSQUEZ, Ruth Peralta. Comunicação de Marca: aportes da publicidade impressa na comunicação da iden-
tidade de massa. Tese de Doutorado – ECA/USP. São Paulo, 2006.
9
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos

9.1 Comunicação empresarial na sociedade da informação


Um retorno às origens do conceito de sociedade da informação leva-nos ao ano de 1973,
quando Daniel Bell1, sociólogo estadunidense, cunha a expressão em seu livro Sociedade
pós-industrial. Esse conceito é contemporâneo das reflexões em torno do fim das ideolo-
gias, uma espécie de lema do neoliberalismo, cuja forma simplificada de enunciação é o
“pensamento único”, sempre relacionado à condição pós-moderna.
Os amigos e inimigos do pós-moderno analisam-no por diferentes prismas: ou como uma
nova etapa do capitalismo – talvez já um “pós-capitalismo” – marcada por uma sociabilidade que
experimenta nos recentes modelos de produção e consumo sua forma de emancipar os indiví-
duos, ou como rendição ao mercado, com sua avidez descontrolada e sedutora.
Uma crítica como Maria Ciavatta (2001, p. 132) observa que:
este núcleo de negativas em que se insere a metáfora do “fim da história”, é,
ele próprio, produto histórico de mudanças materiais e simbólicas, de modo
especial no Ocidente, rumo a uma nova forma de capitalismo, marcado pelo
efêmero e o descartável, pela sedução da imagem e o paroxismo da velocida-
de, pelo consumismo, pela indústria cultural, financeira, de serviços e de in-
formação, pela presença das tecnologias em todas as formas de sociabilidade,
inclusive no cotidiano dos setores mais pobres, tradicionais ou atrasados em
relação ao padrão hegemônico.

Daniel Bell anunciava que na sociedade da informação o conhecimento se estruturaria


como determinante e que, em consequência, os serviços baseados nele se colocariam como
fundamento da nova economia, diluindo ou mesmo neutralizando o significado das ideolo-
gias. Um fator decisivo para que o conceito se espraiasse mundo afora foi sua assimilação por
parte de órgãos internacionais ao longo dos anos 1990 sob influência da internet – surgida nos
EUA em 1990 – e das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs). Em 1995, o conceito
integrou a pauta da reunião do G7, depois G82, de fóruns da União Europeia, da Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)3, além de ter sido adotado pelos
EUA, por agências das Nações Unidas e pelo Banco Mundial.

1 A tradução brasileira do livro de Bell (O Advento da Sociedade Pós-Moderna) é de 1977.


2 G8: em inglês, Group of Seven and Russia: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e
Canadá (antigo G7).
3 Reúne os 30 países mais desenvolvidos do mundo.
178 Comunicação Empresarial

O ambiente marcado pelos influxos neoliberais rapidamente movimentou formidáveis cifras


e já no final do século passado dava sinais de saturação, motivo pelo qual havia pressões para que a
busca de novos mercados não enfrentasse obstáculos protecionistas. A globalização com discursos,
políticas e práticas afinados, instaurava, de fora para dentro dos países periféricos, novas necessi-
dades e desafios, instigando a obrigação deles acertarem os ponteiros com o relógio do novo século
com sua linguagem peculiar.
Há resistências quanto à adoção do conceito de sociedade da informação no meio acadêmi-
co, em que se prefere “sociedade do conhecimento” (knowledge society), conforme se verifica em
Toffler (1995, p. 176), possivelmente o criador da expressão, dissociando o segundo conceito do
seu lastro econômico:
A forma de alcançar desenvolvimento e poder econômicos no século XXI já não
será a exploração de matérias-primas e do trabalho manual do homem, mas [...]
a aplicação dos recursos da mente humana. [...] Visto que reduz a necessidade
de matérias-primas, trabalho, tempo, espaço e capital, o conhecimento passa a
ser o recurso central da economia avançada.

Outra expressão que surge no final da década passada é a de “sociedade de saberes”, menos
utilizada, mas também identificada com o esforço da universidade em reivindicar uma abordagem
não apenas econômica para a questão do conhecimento. Em língua portuguesa, como em outras
línguas latinas, “saber” é diferente de “conhecimento”, ao contrário do inglês, em que a mesma
palavra (knowledge) denomina os dois processos. Em consequência, podemos considerar uma di-
mensão mais globalizante e analítica para “conhecimento”, e outra, mais prática, para “saber”.
Um rápido esboço das transformações ocorridas no Brasil, no tocante ao impacto da infor-
mática no contexto delineado acima, evoca o período da reserva de mercado, em vigência entre
1984 e 1992. Ao final da reserva, iniciaram-se importações durante o governo Collor, embora uni-
versidades já tivessem acesso a computadores vindos do exterior antes do início da gestão. Sempre
sob a influência da globalização, um Plano Nacional de Desestatização é colocado em prática a
partir de 1991 e depois reestruturado no governo Itamar Franco. Em agosto de 1995, no governo
Fernando Henrique, é abolido o monopólio estatal das telecomunicações e, em julho de 1996,
o senado aprova a Lei Mínima das Telecomunicações, a partir da qual ocorreu a venda de licenças
para a concessão de exploração do serviço de celulares. Um ano depois, em julho de 1997, nova
legislação traça o caminho de entrada do Brasil na era dos celulares, wireless, banda larga, na uni-
versalização da telefonia e das telecomunicações.
Já em 1985, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) estava conectada à chamada in-
ternet acadêmica; dez anos depois, em 1995, têm início as operações da World Wide Web (teia de
alcance mundial), a plataforma gráfica da internet. Em cerca de 10 anos, de 1998 a 2008, as em-
presas de telecomunicações investiram cerca de R$ 140 bilhões para modernização e expansão
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 179

do sistema. Dados da Anatel indicam que o Brasil terminou março de 2018 com 235,8 milhões
de celulares e densidade de 112,98 cel/100 hab. Um relatório sobre economia digital, divulgado
em fevereiro de 2018 pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento
(UNCTAD, na sigla em inglês), colocou o Brasil em quarto lugar no ranking mundial de usuários
de internet. Com 120 milhões de pessoas conectadas, o Brasil fica atrás apenas dos Estados Unidos
(242 milhões), Índia (333 milhões) e China (705 milhões).
Essa realidade mostra-se indispensável para uma visão global sobre a questão da sociedade
de informação ou de conhecimento. De um modo geral, há uma tendência para se reconhecer na
primeira um nexo com o trabalho, e daí os processos de captação, processamento e transmissão
têm seu papel reiterado; na segunda, uma ênfase na produção de conhecimento e na formação de
agentes econômicos capacitados para esse fim.
Percorrendo uma trilha de caminhos que se bifurcam, podemos afirmar que as duas verten-
tes coexistem nas organizações e em vários pontos se tangenciam. O modo como a empresa vive na
sociedade da informação pode ser nitidamente verificado no uso integrado da internet, dos dispo-
sitivos próprios desse meio, como sites, WhatsApp, blogs, Twitter, redes sociais, como o Facebook,
bancos de dados, entre outros, sobre os quais vamos discutir no próximo tópico.
Quanto ao impacto da sociedade do conhecimento, vamos encontrar no conceito de “ges-
tão de conhecimento” (knowledge management) nas empresas o processo de construção cola-
borativa de saberes, de acordo com uma avaliação segundo a qual esses saberes são um bem
estratégico da organização. Como esse dispositivo é uma via de mão dupla, vamos dizer que o
saber dos agentes é uma propriedade da empresa, mas, por outro lado, todos se beneficiam com
seus resultados.
Em primeiro lugar, faz-se necessário contextualizar a gestão de conhecimento no quadro
geral das “visões” sobre a empresa, utilizando-se aqui de uma expressão genérica para englobar os
modelos de gestão empresarial.
Pereira et al. (2001) esquematizam a evolução dos modelos de gestão em três níveis conceituais:
• Conceito de Ondas de Transformação – representadas por momentos históricos de
evolução da sociedade humana, cada qual com seus paradigmas próprios relaciona-
dos aos aspectos político, econômico, social, tecnológico e organizacional (TOFFLER,
1980, p. 24).
• Conceito de Eras Empresariais – trata-se dos estágios de evolução empresarial, a partir
da Revolução Industrial (Segunda Onda de Transformação), cada um com seus paradig-
mas gerenciais próprios (MARANALDO, 1989, p. 60).
• Conceito de Modelos Emergentes – trata-se do conjunto próprio de concepções filosófi-
cas e ideias administrativas que operacionalizam as práticas gerenciais nas organizações.
180 Comunicação Empresarial

Figura 1 – Evolução dos modelos de gestão com destaque para a gestão do conhecimento

O cenário ambiental da evolução dos modelos de gestão


I – Ondas de transformação (macroambiente socioeconômico)

Revolução da
Revolução Agrícola Revolução Industrial
Informação

até 1750 d.C. 1970

II – Eras empresariais (ambientes organizacionais)

Era da Era da
Era da produção em Era da Eficiência
Qualidade Competitividade Era 2000...
massa 1920 1950
1970 1990

Modelos tradicionais de gestão Novos modelos de gestão Modelos emergentes

• Administração científica • Administração • Administração japonesa • Empresa virtual


• Administração das rela- burocrática • Administração participativa • Gestão do conhecimento
ções humanas • Outros modelos • Administração empreendedora • Modelos biológicos/
tradicionais da • Administração holística quânticos/ teoria do caos/
Administração complexidade

Fonte: Adaptada de Pereira et al., 2001.

Interessa-nos destacar a gestão do conhecimento como modelo emergente e com o qual a


comunicação empresarial mantém uma proximidade estratégica, porque se alimenta do êxito de
suas políticas e, antes, contribui na definição de metas.
Da segunda metade dos anos 1990 para cá, assistimos à sistemática construção do conceito
de gestão do conhecimento (GC), sintetizado por Pereira et al. (2001) a partir de várias fontes:
Processo organizacional focado em resultados estratégicos, visando agregar
valor (intangível) aos produtos e serviços, portanto, em benefício dos clientes,
através de funções (subprocessos), como a identificação, a criação, a organiza-
ção, a disseminação e compartilhamento, a avaliação, a mensuração, a retenção
e proteção, além da aplicação do conhecimento no âmbito dos seus negócios e
abrangendo toda a sua cadeia de valor. Na essência, gestão do conhecimento
converte conhecimento tácito em conhecimento explícito.

De forma resumida, a GC inicia-se na coleta de dados, e a partir daí eles são sistemati-
camente analisados e orientados segundo determinadas diretrizes e interesses até a obtenção
de resultados.
A conversão de conhecimento tácito em conhecimento explícito é a tônica das proposições
de Nonaka e Takeuchi (1997); conhecimento tácito é um conjunto de saberes de natureza intuitiva,
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 181

sentimental, interior, vazado em uma escala de valores e de crenças, difícil de ser verbalizado, como
indica a palavra tácito, cuja origem latina (tacitus) significa “não expresso por palavras”; mas que
todos os indivíduos possuem em algum grau, confundindo-se com a própria experiência e por isso
é identificado como um conhecimento cotidiano: sabemos mais do que somos capazes de expressar.
O conhecimento explícito, por sua vez, apresenta-se como uma forma racionalizante, articulada
e verbalizada, facilmente socializada de diferentes formas, como manuais, relatórios, análises etc.
O desafio da organização revela-se no traçado da conversão do primeiro no segundo, visando sua
sociabilização e o decorrente ganho institucional.
A conversação, pensada nos termos da Escola de Montreal, com o seu sistema de versões, e
orientada para o consenso como meta, mostra-se como um dos modos de “provocar” a tradução
de um conhecimento em outro. Na linguagem da GC, costuma-se usar o conceito de narrativa para
se referir às técnicas utilizadas no processo para descrever assuntos complicados, expor situações
e/ou comunicar lições aprendidas, ou ainda interpretar mudanças culturais. Podem envolver tradi-
ção oral ou relatos retrospectivos de pessoal envolvido nos eventos ocorridos.
Na visão de Takeuchi e Nonaka é necessário produzir na empresa uma “espiral de conhe-
cimento” que compreende um movimento de tácito para tácito, de tácito a explícito, de explícito
a explícito e, finalmente, de explícito a tácito, como interiorização do conhecimento e etapa de
realimentação do processo. Preveem-se etapas gradativamente mais complexas de acordo com as
necessidades estratégicas da empresa, o que implica a necessária circulação dos conhecimentos.
A espiral do conhecimento é representada pelo seguinte esquema:

Figura 2 – Espiral do conhecimento


Tácito Explícito

para

Socialização Externalização

Conhecimento compartilhado Conhecimento conceitual

i i
Tácito

i i i g i

i i
de

o g

g
g O g
Explícito

i
g

Internalização Combinação
Conhecimento operacional Conhecimento sistêmico

i: indivíduo g: grupo o: organização

Fonte: Nonaka; Takeuchi, 1997, p. 80.


182 Comunicação Empresarial

Qual é o papel da comunicação empresarial no contexto da gestão do conhecimento?


Ora, como um dos agentes promovedores da conversação, o comunicador pode acompanhar o
processo de “externalização” do conhecimento. Sociabilizar (tácito para tácito) é compartilhar,
valendo-se da observação, da imitação ou da prática. Porém, caso se mantiver em estado de iso-
lamento, a sociabilização revela-se uma forma limitada de criação de conhecimento. Em outros
termos, a imitação permanece em estado “silencioso”, tácito. Por outro lado, a “explicitude” do
conhecimento compartilhado na forma de um relatório, produto do levantamento de dados,
ou a compilação de um manual, como percepção e sistematização de procedimentos, é a etapa
da externalização (de tácito para explícito), um conhecimento novo, mas não necessariamente
ligado à criação de conhecimento.
Há, contudo, uma etapa mais refinada, mais exigente, na qual o manual externalizado con-
verte-se em instrumento de combinação (de explícito para explícito), porque não apenas objeto de
observação da equipe ou externalização por parte de um gerente, mas de incorporação pela equipe;
uma nova abordagem do material pode ocorrer nessa fase, aprimorando-o pela prática; finalmente,
a internalização (de explícito para tácito) como incorporação, ampliação, extensão e reformulação
dos conhecimentos tácitos.
Em síntese:
1. socialização: compartilhar e criar conhecimento tácito através de experiência direta;
2. externalização: articular conhecimento tácito através do diálogo e da reflexão;
3. combinação: sistematizar e aplicar o conhecimento explícito e a informação;
4. internalização: aprender e adquirir novo conhecimento tácito na prática.
Cada modo do processo acima envolve uma combinação diferente das entidades de criação
do conhecimento, como mostrado abaixo:
1. Socialização: indivíduo para indivíduo.
2. Externalização: indivíduo para grupo.
3. Combinação: grupo para organização.
4. Internalização: organização para indivíduo
A empresa criativa convive com todos esses padrões de forma dinâmica e interati-
va, em um movimento espiral incessante. Compete ao comunicador tornar a partilha mais
eficaz, com o uso adequado das ferramentas de comunicação ao seu dispor, bem como com
uma parceria com a gestão de pessoas. A empresa capaz de fazer uso da gestão de conheci-
mento estratégico encontrará com mais nitidez formas de mensurar sua eficiência, influen-
ciando a tomada de decisão perante os diversos públicos, a começar pelos clientes e também
em relação aos canais de distribuição. Como passa a contar com equipes mais comprometidas,
a visão de conjunto da organização estará menos sujeita a distorções ou à indiferença por parte
dos agentes e, pelo contrário, tenderá a ser produto do esforço de análise de grupos. Nesse sentido,
as fontes de informação das quais depende passam por criterioso refinamento, já que esse pro-
cesso se mostra mais participativo.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 183

9.2 BICC e ferramentas de mídia on-line


O conjunto de dados de uma empresa transforma-se em informação quando se torna uma
matéria inteligível e dele se possa extrair uma compreensão sobre determinada realidade. Desde a
Antiguidade, persas, fenícios e egípcios, entre outros povos orientais, cruzavam informações em bus-
ca de um melhor entendimento sobre agricultura, condições climáticas e navegabilidade. O que há
cerca de 30 anos se chama de business intelligence nada mais é que o cruzamento estratégico de dados
para ajudar a empresa a se posicionar com mais precisão e eficiência diante de uma enorme variedade
de questões. Empresas de grande porte, como bancos, seguradoras e financeiras, necessitam de dados
precisos sobre a situação, logisticamente considerada, atentando-se nesse caso às demandas dos clien-
tes, geralmente na casa de centenas de milhares.
O armazenamento de dados exige a aquisição de tecnologia adequada e criação de um pro-
jeto holístico e coerente com a natureza e a dimensão do planejamento estratégico da empresa.
O Business Intelligence Competency Center (BICC) reúne as ferramentas de tecnologia e pessoal
treinado para a análise dos dados. As informações originárias dos hábitos de compra dos clientes,
assim como de seus contatos com a empresa e de suas reclamações, devem ser criteriosamente
armazenadas em bases de dados de forma classificada e ordenada, para que, quando necessário,
a empresa possa lançar mão de indicadores precisos no apoio à tomada de decisões.
Com o registro de todas as informações do cliente, um fabricante de sucos naturais pode
saber em pouco tempo a região do estado ou do país que deverá ser foco de uma campanha de
estímulo às vendas. Com a ajuda de softwares especiais, pode-se acessar um gráfico na tela do com-
putador sobre o consumo da marca em supermercados de diferentes portes em um mesmo bairro.
Os softwares combinam dados de consumo com mapas e informações de natureza geográfica.
Por conta da capacidade de cruzamento de dados, com muitas variantes, a marca de sucos
de nosso exemplo poderá ser encontrada ao lado de salgados e pizzas congelados ou próxima da
seção de material para festas (guardanapos, pratinhos etc.) como resultado de um posicionamento
(físico) estratégico nas prateleiras de supermercados. Eis uma estratégia que o fabricante poderá
oferecer ao setor supermercadista a partir do cruzamento e da análise de dados.

9.2.1. Cultura de rede e ferramentas de mídia on-line


Refletir sobre o uso de ferramentas on-line, em um capítulo como este, e em perspectiva com
o escopo da comunicação empresarial, coloca-nos de imediato a exigência de ir além da simples
relação do nome dessas ferramentas, acompanhado de alguma informação sobre sua natureza e
alcance. O motivo disso é, outra vez, a condição imposta pelo alinhamento de políticas, processos
e práticas que o objeto de estudo deste livro sugere. Nas linhas a seguir, procuramos aludir, não
apenas às ferramentas, mas, sobretudo, compreender seu contexto político e filosófico no qual a
necessidade de produção de conhecimento, como diferencial e estratégia de mercado, ultrapassa os
limites do ganho na forma de capital monetário e evoca outras forças sociais.
Vamos dizer que estamos procurando encontrar as bordas do quadro que nos interessa e,
assim, visualizando o traçado de sua moldura, enxergar melhor o conjunto e o contorno de cada
objeto. O todo é mais que a soma de suas partes e, em uma tentativa de compreensão baseada no
184 Comunicação Empresarial

pensamento complexo, admitimos que o todo está na parte e também esta se faz notar no todo
em permanente dinâmica de diferenciação e indiferenciação dos objetos. A primeira aresta dessa
moldura é o conceito de capital social.

9.2.1.1 Capital social


Em um mundo no qual a comoditização4 é um fenômeno que despersonaliza indivíduos,
passa-se a valorizar o seu “capital social”, representado pela rede de contatos sociais, validada pela
expectativa de reciprocidade e comportamento confiáveis, favorecendo o indivíduo e fortalecendo
os laços sociais. Empresas geram valor diferenciando-se no mercado e a comunicação percorre
caminhos para anunciar essa condição com eficiência: ser diferente = + identidade; no entanto, um
outro teorema este século tem-nos ensinado: “você é o que você compartilha”.
Empresas devem saber compartilhar, o que, nos termos do assunto deste tópico, significa:
acesso a downloads de interesse do público (não apenas da empresa) a partir de sites, blogs e tweets
corporativos e ambientes virtuais de Educação a Distância (EaD) compartilhados com o público
mediante certas condições. Há instituições com universidades corporativas, no sistema de EaD,
com cursos que tentam suprir necessidades dos funcionários e da empresa, e que poderiam ser
facilmente compartilhados com o público. Existem cerca de 250 universidades corporativas no
Brasil, entre as quais a Motorola University, Universidade do Hambúrguer do McDonald’s, Escola
Amil, Instituto de Formação Carrefour, Universidade Algar, Unite da Telemar, Universidade TAM,
Academia Accor, entre outras. Uma programação de chats com especialistas em temas afins da
empresa (ou não) é bastante fácil, do ponto de vista técnico, de se promover a partir do site.

9.2.1.2 Cauda longa


Segundo o conceito de cauda longa, de Chris Anderson, a internet, em particular, e a cul-
tura digital, genericamente, fizeram despencar preços de produção e distribuição de serviços e
produtos. Durante mais de 150 anos, devido aos altos preços de ambos os processos, as empresas
concentraram seus esforços na oferta de uns poucos produtos que poderiam, em uma economia
de massa, pagar os custos de seu lançamento e permanência no mercado. Anderson compara essa
economia ao corpo de um cão, cuja cabeça é representada pela economia de massa; porém, à me-
dida que o público necessitasse de produtos especializados, ele teria que deslocar tempo e dinheiro
para encontrá-la, percorrendo uma longa cauda – que se afastava da cabeça do cão – em direção
ao mercado de nichos. Os bens culturais, os chamados bens do imaginário, como livros e músi-
cas, favoreceram-se com o barateamento de sua produção e distribuição. A nova economia deverá
instigar a criatividade das empresas para compreenderem a ocupação de centenas de pequenos
mercados – a cauda – o que, entre outras coisas, exigirá novo modelo de comunicação, talvez mais
centrado nas redes sociais.

4 Commodity, em inglês, significa “mercadoria”; é um termo utilizado nas transações comerciais de origem primária
nas bolsas de mercadoria. Os produtos de origem primária são representados por matérias-primas ou produtos com
baixo grau de industrialização. Os produtos in natura, cultivados ou minerais são exemplos de commodities. Comodi-
tização é uma expressão utilizada para enfatizar o caráter indiferenciado de objetos, processos ou mesmo indivíduos,
em recorte metafórico.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 185

9.2.1.3 Rede social


Uma rede é um sistema de conexões e talvez, como objeto e como metáfora, seja uma das
imagens mais antigas da humanidade. O corpo humano é uma rede, assim como os ecossistemas.
As redes sociais interconectam indivíduos e instituições a partir de interesses diversos, entre os
quais, os profissionais e os afetivos. Como um campo aberto para a troca de informação, as redes
on-line possuem um poder de propagação com o qual as redes off-line, fora do mundo virtual, não
conseguem competir. Não se confunda o site do Facebook com a rede formada pelas pessoas ca-
dastradas nesse portal. São estas que tecem a rede com a ajuda das funcionalidades oferecidas pelo
serviço. Há centenas de redes sociais na internet, em relação às quais as empresas devem desenvol-
ver uma opinião e eventualmente participar com ideias e ações.

9.2.1.4 Coworking
Trata-se de uma atitude laboral baseada na partilha de ideias, experiências e projetos com-
prometidos com novas formas de pensar. Profissionais liberais e empreendedores encontram-se em
um espaço previamente definido (cafés, escritórios colaborativos, eventos etc.) para compartilhar
valores sem, necessariamente, trabalharem juntos nos mesmos projetos; o que se procura é a siner-
gia, a troca, um ponto de vista inesperado. Não apenas pessoas participam dessas experiências, mas
um número crescente de empresas ao redor do mundo. É um formato colaborativo diferenciado,
já que o contato pode ser esporádico e até pontual, de modo que, deseja-se e reconhece-se a co-
laboração, mas submetida a um outro design. The Impact Hub (www.impacthub.net) é uma das
entidades (autointitulada de ecossistema) promovedoras desse tipo de atitude laboral, estruturada
como uma rede com unidades espalhadas em mais de 20 cidades5 ao redor do mundo.

9.2.1.5 Blog
A inserção desse item – muito conhecido por todos os internautas, o que poderia dis-
pensar apresentação – merece, no entanto, menção individualizada porque, como se verá, ele é
uma das mais importantes “personagens” do marketing de conteúdo, na sua função de “gerador
de autoridade”.
Abreviação de weblog, é um artefato digital que permite a publicação de textos em processos
ágeis e bastante simplificados. O blog integra o que no mundo digital é conhecido como personal
knowledge publishing (publicação de conhecimento pessoal), revelando nessa inclinação uma afini-
dade com o diário, já que, muitas vezes, são registradas anotações intimistas, gosto e outras marcas da
subjetividade. De acordo com Escobar (2009, p. 217), três atributos caracterizam um site como blog:
a) Facilidade e agilidade para a publicação de conteúdos, dispensando o co-
nhecimento de linguagens de programação como HTML, PHP ou JavaScript;
b) Disposição do conteúdo (cuja unidade mínima denomina-se post) em or-
dem cronológica inversa, de modo que as publicações vão se sucedendo da
mais antiga para a mais recente. Esta, situada no topo da página, é a primeira
a ser visualizada pelo internauta na tela de seu computador. Alguns estudiosos

5 O site do Hub São Paulo está disponível em: <http://saopaulo.impacthub.com.br/>. Acesso em: 10 maio 2018.
186 Comunicação Empresarial

consideram que esse atributo é o que diferencia os blogs de outros tipos de pu-
blicação on-line (PAQUET, 2002; BLOOD, 2003); c) Data, hora e autor de cada
post registrados automaticamente.

Na empresa, os blogs podem ser utilizados para substituir, pelo menos em parte, jornais e
boletins, além de atualizar o site, artefato digital menos dinâmico e com outras finalidades. São
funções dos blogs: gestão de relacionamento com o cliente; suporte ao cliente; releases sobre even-
tos; divulgação de premiações e sucesso de metas da empresa; valorização de funcionários com a
divulgação das suas boas práticas profissionais; notícias de interesse dos funcionários; divulgação
de cursos de especialização e convênios; divulgação de reuniões de confraternização do grupo;
apresentação de formandos de curso de especialização patrocinados pela empresa; releases de lan-
çamentos de novos produtos; notas oficiais da empresa e carta aberta do CEO (Chief Executive
Officer – Diretor Executivo); divulgação de promoções e concursos; divulgação de entrega de prê-
mios; divulgação de eventos patrocinados pela empresa; entrevistas e aparição da empresa em re-
portagens na mídia.

9.2.1.6 Marketing digital


Optamos por incluir o marketing digital neste capítulo, justamente para pôr em evidência
seu caráter educador, multicanal e por isso mesmo híbrido nos termos contextualizados abaixo.
Trata-se de um conjunto de estratégias, cujo objetivo é a promoção de uma marca na internet.
O marketing digital faz uso de diferentes canais on-line e métodos que permitem a análise dos re-
sultados em tempo real.
A internet, para usar expressão da teoria da guerra, é o teatro de operações do marketing
digital em sua batalha pela atenção do internauta em favor de determinada marca e/ou produto.
A rede de computadores mudou e vai mudar ainda mais o modo como as pessoas compram
e se posicionam criticamente em relação a preços, qualidade da interação com site da empresa,
diversidade de produtos e marcas e efetividade na entrega da mercadoria. Tudo isso em termos de
interatividade vem empacotado como informação que o consumidor processa e em relação à qual
responde afirmativamente (comprando ofertas) ou não. Conforme o portal da Resultados Digitais,
a principal empresa do setor de marketing digital, as estatísticas demonstram o crescimento dessa
modalidade mercalógica:
• O orçamento de mídias digitais deve dobrar nos próximos 5 anos (Fonte:
WebDAM.com);
• 87% dos usuários de internet agora possuem um smartphone (Fonte: Global
Web Index);
• O Inbound Marketing gera 54% mais leads que o Outbound Marketing
(Fonte: WebDAM.com);
• Marketing de Conteúdo é 62% mais barato que o tradicional e gera aproxi-
madamente 3 vezes mais leads (Fonte: Demand Metric);
• Três milhões de anunciantes usam o Facebook para alcançar os seus consu-
midores (Fonte: AdWeek);
• As empresas B2B que possuem blogs geram 67% mais leads do que as empre-
sas que não o têm (Fonte: WebDAM.com);
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 187

• O Instagram passou a marca de 200 mil anunciantes 5 meses após abrir a sua
plataforma de anúncios (Fonte: AdWeek);
• 93% das decisões de compra são influenciadas pelas mídias sociais (Fonte:
Ironpaper);
• Profissionais de marketing que priorizaram trabalhar com blog têm 13 vezes
mais chances de obter ROI positivo (Fonte: Socialemedia). (RESULTADOS
DIGITAIS, 2018, p. 5)
Para cumprir seus objetivos, o marketing digital lança mão de ferramentas e estratégias, cujo
significado, pensado em conjunto, concedeu novo alcance a cada uma delas, não apenas potencia-
lizando sua cobertura, mas dotando-as de um caráter educativo em favor do consumidor.
• Marketing de conteúdo;
• E-mail Marketing;
• Redes sociais;
• Otimização de conversão – CRO;
• Marketing de busca – SEM.
Optamos apenas por fazer um breve comentário sobre marketing de conteúdo, embora ele
mobilize uma série de esforços e por si só tenha desenvolvido uma metodologia própria.

9.2.1.7 Marketing de conteúdo


O Inbound Marketing é a principal estratégia de marketing digital e vem sendo explorado por
milhares de empresas na atualidade. Sob sua abrangência, encontra-se o marketing de conteúdo.
Essa modalidade é representada por qualquer estratégia de marketing que busque captar o
interesse das pessoas de forma não invasiva ou interruptiva. Ao contrário das propagandas que
interrompem a fruição de um programa na TV, por exemplo, o objetivo é atrair o público sutil-
mente. Kotler e Keller (2012, p. 143) destacam que os profissionais de marketing têm se referido ao
marketing de permissão nos seguintes termos:
marketing de permissão, uma prática de marketing que pressupõe uma permis-
são expressa dos consumidores-alvo, parte do princípio de que os profissionais
de marketing não podem mais usar o “marketing de interrupção” via campa-
nhas de mídia de massa. De acordo com Seth Godin, um pioneiro na técnica,
as empresas podem desenvolver relacionamentos mais sólidos com os consu-
midores, respeitando seus desejos e enviando-lhes mensagens somente quando
eles expressam disposição em se envolver mais com a marca. Godin acredita
que o marketing de permissão funciona porque é “esperado, pessoal e relevante”.

No marketing de conteúdo, toma-se como premissa que o consumidor, em sua atitude mais
ativa e interessada em conhecer melhor aquilo que compra, incline-se a acessar conteúdo sobre es-
ses produtos e serviços. Para se chegar a essa conclusão, as transformações operadas na Sociedade
do Conhecimento teriam propiciado aos analistas a percepção segundo a qual o ato de escolha dos
itens de consumo estaria cada vez mais sujeito a filtros racionalizantes.
Não que o conteúdo oferecido pelas empresas esteja isento do mesmo apelo da propaganda
tradicional baseado na persuasão (mais emoção do que razão) sobre o consumidor. Nesse conteú-
do, dependendo da empresa que o disponibilize, lá estão os adjetivos pertencentes à gramática da
188 Comunicação Empresarial

propaganda, da mesma forma como o uso de cores, imagens atraentes, programação visual que o
aproxima de um anúncio etc.
No entanto, tudo isso é feito de modo contido para não descaracterizar o material; ademais,
a missão de informar (mais do que a de persuadir) concorre paralelamente com a de “formar” o
consumidor, suscitando nele maior grau de consciência e como resultado maior cuidado na hora
da compra.
Na busca do “algo mais” nas empresas, as pessoas não se contentariam apenas com a oferta
e promoção (embora essa estratégia continue exercendo forte apelo) de produtos e serviços e tam-
pouco apenas com o conteúdo proporcionado por e-books (um “material rico”, na terminologia do
marketing de conteúdo), por exemplo, um dos formatos de organização do pretendido conteúdo.
É necessário que a empresa esteja pronta para criar valor para sua “audiência e responder às
dúvidas e dores que eles têm antes mesmo que saibam que seu produto ou serviço é a solução que
eles precisam”, como está posto da mencionada Resultados Digitais.
A empresa que se habilita na adoção das técnicas do marketing digital terá que aprender a
pensar como o consumidor. Isso para tentar colocar-se à altura das demandas dos públicos que,
como se percebe, vão além do ter à disposição os itens capazes de atender às suas necessidades e
desejos, como preconiza o marketing tradicional. Assim, aquela empresa que vende soluções de
informática para a gestão de pessoas (antigo RH) terá que aprender a raciocinar como a persona
com quem passará a dialogar. Essa persona é encarnada pelo gestor de pessoas das empresas com
suas necessidades relacionadas, por exemplo, à Gestão de Conhecimento.
Portanto, o conteúdo oferecido a ele versará sobre uma série de temas, como as diferentes
correntes da educação corporativa, recursos como a criação de universidade corporativa no sistema
de Educação a Distância, em AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem), produzido pela empresa
de informática, ou de metodologias como uma tratada pelo filósofo francês Pierre Lévy, a Árvore de
Conhecimentos, operada por software específico também fornecido por essa empresa etc.
Um formato muito utilizado pelo marketing de conteúdo é o blog, conforme recomendação
da Resultados Digitais:
Com bons conteúdos e uma boa otimização em SEO (Search Engine
Optimization, ou Otimização para Mecanismos de Busca), o blog é a melhor
maneira de você conseguir tráfego para seu site.
Muitas vezes, o blog é a porta de entrada de futuros clientes. Portanto, é impor-
tante que o blog de sua empresa seja relevante e conquiste a atenção do usuário.
Só assim esse usuário se tornará um Lead e, futuramente, um cliente.
No entanto, mostra-se eficaz a produção de “material rico”, citado acima:
Posts de blog e vídeos são bons conteúdos para atrair visitantes, mas para uma
estratégia de Marketing de Conteúdo completa, é necessário ter um conteúdo
intermediário, mais aprofundado.
É essa a função de um conteúdo rico: um material educativo que agrega valor
para seus visitantes. Oferecendo esse tipo de conteúdo, sua empresa pode con-
tinuar educando seus potenciais clientes e preparando-os ao longo do tempo e,
no momento certo, fazer a abordagem de venda.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 189

Um dos formatos de material rico mais populares é o e-Book, que serve muito
bem para textos que ficam extensos demais para serem um post de blog. Mas
além dos e-Books, você pode também criar webinars, ferramentas, kits, infográ-
fico. (RESULTADOS DIGITAIS, 2018, p. 7)

9.2.1.8 Comunidades de prática (COP)


São grupos formados em torno de interesses comuns à sua profissão, dentro ou fora das
organizações, ao longo de qual processo constroem-se condições de compartilhamento de conhe-
cimento e relações de aprendizagem. A intranet pode ser uma ferramenta útil para essa dinâmica,
embora as comunidades frequentemente não prescindam dos encontros presenciais. Há várias em-
presas que estimulam essa experiência, entre as quais, no Brasil, uma estatal, a Embrapa – Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária.

9.3 Comunicação empresarial e ética


Há uma indagação de fundo eminentemente ético e moral que nos remete ao tema deste
tópico: “como agir na relação com os outros?” Do ponto de vista das relações interpessoais,
o problema encerra em si considerável grau de complexidade e talvez ainda maior pelo ângulo da
experiência das organizações. Empresas possuem públicos diferenciados e, como se verá, a ética
organizacional é uma prática de relacionamento que exige a assinatura de múltiplos contratos –
um com cada público – diferentemente do que ocorre nos relacionamentos interpessoais em que
vigora a intersubjetividade, ao contrário do diálogo da empresa com os seus públicos, orientado,
no plano ideal, pela objetividade, que se quer inerente ao mundo organizacional.
Moral e ética6 são palavras que nos surgem, habitualmente, como sinônimas. Ambas indi-
cam o conjunto de princípios ou padrões éticos. Etimologicamente, mores (do latim) e ethos (do
grego) remetem à ideia de costume. Costumes são práticas ou regras sociais reiteradas ao longo
do tempo, conforme a predisposição de certa sociedade e a sua convicção em julgar esses costu-
mes como algo valioso e provido de sentido no relacionamento entre os indivíduos. Por sua vez,
esse sentido se sustenta como uma referência a partir da qual os indivíduos se guiam ora afastan-
do-se, segundo seu arbítrio, ora reconhecendo e acatando os seus sinais.
Costumes são invenções sociais, convenções que se fundamentam em valores; valores são
formas específicas de interpretar o mundo, impondo-se como substrato na formação das culturas;
como tal, os valores são, a um só tempo, produto de subjetividades e de uma objetividade atribuída
às vezes a uma racionalidade superior como a do próprio Deus. Nenhuma cultura sobrevive sem
valores e sem sua cristalização na forma de costumes. A partir deles, as sociedades estabelecem
direitos e deveres, diferem o certo do errado e julgam seus membros e as instituições.
Mesmo os teóricos, que aludem a uma racionalidade divina, não deixam de reconhe-
cer que os valores (pelo menos a maioria deles, segundo essa visão) não existem em si mesmos.
A exemplo dos costumes, sua materialização plástica, os valores são construções sociais, produto

6 Para a redação desse tópico, valemo-nos, entre outras fontes, da leitura do volume dedicado ao tema transversal éti-
ca, integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/
livro081.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2018.
190 Comunicação Empresarial

da convivência entre os indivíduos, os quais atribuem significado, escala e abrangência a cada um


deles. Assim, podemos pensar em uma hierarquia entre os valores, que é reflexo das necessidades,
desejos, condições e circunstâncias que suscitaram a sua criação como algo valioso que deve ser
respeitado. Esse processo é dinâmico, portanto, mutável ao longo da história de uma cultura ou de
uma sociedade, de modo que determinados valores ora possuem maior importância ora menor,
transformando-se incessantemente, dando origem a novos valores.
Contudo, não basta determinar valores e reconhecê-los como válidos no aqui e agora; é ne-
cessário projetá-los no tempo como uma prescrição a todos os membros de uma sociedade. Eis o
campo da moral e da ética como um conjunto de valores que se mostram também decisivos para
a constituição das leis.
A par de sua origem etimológica que identifica uma a outra, aceita-se, modernamente,
que enquanto a moral encarna bem o seu significado original, como um corpus de princípios,
crenças e regras que orientam a conduta dos indivíduos, a ética constitui-se como uma reflexão
crítica da moral. Naturalmente, essa diferenciação não é uma dissociação, muito pelo contrário,
pois a reflexão empreendida pela ética é, digamos, “solicitada” pela moral em vários momentos.
Não há nenhum fenômeno da vida em sociedade que se mostre desligado de uma moral.
É por nos valermos dessa moral que podemos julgar fatos, atitudes, políticas e sua relação com uma
realidade em particular. No entanto, o cotidiano às vezes nos coloca diante de situações-limite,
para cuja reflexão necessitamos da intervenção crítica da ética, embora não obrigatoriamente nos-
sa reflexão ética dependa de fatos extraordinários para se manifestar.
Contextualizando fora do âmbito pessoal: uma empresa (leia-se: seus gestores e, eventual-
mente, o comunicador) deve lançar mão de estratégias de marketing agressivas, cujos princípios são
polêmicos, pois de modo contrário perderá terreno para a concorrência? A opção por essa linha
de “defesa” é justificável diante do argumento de que a perda de mercado resulta em demissões?
Como dimensão crítica da moral, a ética não se caracteriza por um caráter normativo.
A ética se preocupa em analisar a consistência e a coerência dos valores que embasam as ações,
com o objetivo de esclarecer e questionar os princípios que norteiam essas ações, visando dotá-las
de um significado autêntico nas relações humanas. Nesse sentido, toda discussão que vise ava-
liar a moral de determinado procedimento leva em conta a coerência entre práticas e princípios,
evidenciando o caráter ético dessa operação. Dito de outra forma: a ética reformula ou fundamenta
os valores e as normas componentes de uma moral, sem ser em si mesma prescritiva. Daí a relação
profunda entre uma e outra, motivo pelo qual certos autores reconhecem na ética uma função
“atualizadora” da moral.
Como um saber não normativo, a ética detém-se sobre princípios e não sobre regras. No caso
das organizações, a ética parte da perspectiva de que as empresas são justas e agem segundo um
arcabouço de princípios legais (regras), visando ao cumprimento de sua missão em consequência
do qual geram lucro. Nesse caso, a pergunta ética é: “o que é ser justa?”, considerando a missão da
empresa e a realidade dos diversos públicos com suas necessidades e exigências específicas? Como
agir de forma a atender a todos os públicos sem ferir os direitos e expectativas de nenhum? Para
responder com clareza à pergunta, precisaríamos conhecer os valores que estão em jogo, momento
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 191

no qual perceberíamos que, por serem diferentes, fundamentam interesses diversos, os quais po-
dem gerar conflitos na sua gestão.
Uma postura verdadeiramente ética não se dispõe a apaziguar as diferenças e seus respec-
tivos interesses, pois toda tentativa poderia se mostrar deslocada e artificiosa. Problematizar a
questão significa antes de tudo reconhecer que não há uma resposta absoluta, “pronta”, e meca-
nicamente aplicável na prática. Esse reconhecimento é próprio de uma postura crítica diante do
objeto instalado no cotidiano. Depreende-se disso a natureza teórica da ética, que, no entanto,
não se reduz a uma abstração. A ética “organiza o conhecimento”, como é peculiar à teoria, mas
para favorecer o procedimento moral na prática cotidiana.
Qual é o papel da comunicação empresarial, considerando-se essa discussão? Uma pista é
revelada no momento em que se alude aos vários públicos da empresa. Como agente de interlocu-
ção, o comunicador não poderá lançar mão de “respostas prontas” de natureza moral para levar a
bom termo sua gestão. Isso porque alguns, ou vários dos interesses em jogo, são conflitantes, o que
exige disposição para a análise contínua dessa dinâmica. Por exemplo: em um cenário econômico
instável, em que o corte de gastos e o adiamento de projetos surgem como medida preventiva e aus-
tera da gestão (motivo de aplauso dos acionistas), será ético tratar do assunto, perante a imprensa e
os funcionários, como uma estratégia de rotina? Ressalte-se que, eventualmente, aos olhos da pre-
sidência, anunciar os reais motivos (a contenção de gastos) implicaria assumir uma posição con-
traditória à imagem pujante da empresa com reflexos negativos sobre investidores, fornecedores e pujante: que
possui grande força;
comunidade financeira. No caso, quem tem mais direito a uma relação inspirada pela confiança? robusto.

Em síntese, se formos considerar as quatro subáreas da comunicação organizacional –


administrativa, mercadológica, institucional e interna – devemos insistir sobre a necessidade
de uma permanente disposição para avaliar as políticas de comunicação que as integram e o
alcance e os efeitos de cada ação. A começar pela comunicação de marketing, muitas vezes exa-
geradamente persuasiva e divorciada de uma abordagem racional com base na argumentação.
O marketing direto7, incisivo demais, passará a ser sufocante e certamente invasivo; o marketing
social e o marketing cultural (integrantes da subárea institucional), se destituídos de uma visão
esclarecida sobre sustentabilidade, acabarão reduzidos a artifícios pontuais sem valor para a
empresa e para a sociedade. Quanto à comunicação interna, o uso de ferramentas muito volta-
das para a valorização da imagem da empresa, por meio da divulgação eufórica e repetitiva do
cumprimento de metas e da voz da presidência, torna-se inoportuno e insensível na avaliação do
clima organizacional e das demandas dos funcionários.
Por mais que a comunicação não se limite à condição de um composto de ferramentas e,
por outro lado, participe do planejamento estratégico como um ativo, a verdade é que ela por si só
não cria valor ético. Ainda que a comunicação possa influir nas decisões organizacionais e favo-
reça a tessitura de relações éticas entre as partes. A ética é, antes de tudo, a matéria-prima da cul-
tura organizacional e depende em grande parte da inclinação de seus dirigentes em reconhecê-la
e aplicá-la como fundamento das suas decisões.

7 Sistema interativo de marketing capaz de gerar respostas mensuráveis ou transações em qualquer localidade.
São ferramentas de marketing direto: malas diretas, e-mail marketing e telemarketing.
192 Comunicação Empresarial

A convicção para adotar referenciais éticos, claros e coerentes está diretamente ligada à re-
putação da empresa. Ora, a reputação pressupõe relações de confiança com os públicos, processo
construído ao longo da história e balizado sempre pela observação de princípios éticos. A empresa
luta pelos melhores resultados financeiros e econômicos, mas seus públicos têm o direito de conhe-
cer os meios pelos quais obteve êxito e as políticas inerentes a esses resultados.
Vista por esse ângulo, a ética empresarial seria mais um dos fatores – o fundamental – desse
ativo intangível que é a reputação. Como destacado acima, os interesses dos públicos são diversos e
não raro conflitantes. No entanto, a ética não perde de vista sua pergunta fundamental: como agir
de forma justa na relação com os outros?
A constituição de um “contrato social” entre a empresa e os públicos (os stakeholders) é uma
proposta do Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios8. Trata-se de uma abordagem, portanto,
multistakeholders, pois tenta observar as demandas dos vários públicos e, para tanto, a entidade que
o adotar deverá se comprometer com seis tópicos propostos pelo Instituto, integrantes da “gestão
da qualidade ética-social”9 da empresa:
• visão ética da empresa;
• código de ética;
• formação ética;
• sistemas organizacionais de atuação e controle;
• balanço social corporativo;
• verificação externa.
Sobre um desses instrumentos – o código de ética – o Instituto assinala que ele re-
flete a noção de responsabilidade ética-social da empresa e como ideal teve um notável
desenvolvimento em vários países, entre os quais os EUA, como demonstram as pesquisas.
Em 1980, apenas 8%, das 500 empresas, entre as maiores identificadas pela revista Fortune,
possuíam um Código de Ética, percentual que sobe para 77%, em 1985, e 90%, em 1990.
Hoje, praticamente 100% das 500 maiores empresas estadunidenses possuem um código.
No Brasil, temos vários bons exemplos de entidades que instituíram um código de ética, entre
as quais o Grupo Pão de Açúcar, cujo documento pode ser acessado no site10 da empresa.
No âmbito da propaganda, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária
(Conar), fundado em 1980, tem como missão: “Impedir que a publicidade enganosa ou abusiva
cause constrangimento ao consumidor ou a empresas. [...] Sua missão inclui principalmente o
atendimento a denúncias de consumidores, autoridades, associados ou [às] formuladas pelos inte-
grantes da própria diretoria” (CONAR, 2018).

8 A instituição, uma Oscip, foi fundada em 2003, em Campinas (SP), com o objetivo de fomentar a ética no meio empre-
sarial e na comunidade de modo geral. O site da organização está disponível em: <www.eticanosnegocios.org.br/>. Acesso
em: 10 maio 2018.
9 O Projeto RSC Brasil, que dispõe as diretrizes da gestão de qualidade ética-social, é inspirado no Progetto R-Ques
(Qualità della Responsabilità Ético-Sociale d’Impresa), de 1999, desenvolvido por um centro ligado a uma universidade italiana.
10 Disponível em: <http://www.gpabr.com/pt/etica-e-compliance/>. Acesso em: 10 maio 2018.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 193

O Conar não tem poder de censura prévia de propaganda, pois seu trabalho prende-se à
análise das campanhas que estão sendo ou foram veiculadas. Julgada pertinente a denúncia de
publicidade enganosa ou abusiva, o órgão recomenda alteração de peças publicitárias ou suspende
sua veiculação.
Como não poderia deixar de ser, a discussão sobre ética ocupa o centro das atenções e mobi-
liza diversos representantes dos setores comunitário, educacional, político, jurídico e empresarial.
Afinal, a ética como reflexão e prática diz respeito a todo cidadão. Há, contudo, no país, um fenô-
meno entranhado em várias instituições que causa a angustiante sensação de uma cultura perversa,
arcaica e anticidadã por definição: a corrupção.
Existem mecanismos de combate a essa mazela da vida nacional – no setor público e privado
– programas e ações de todo tipo que investem nos princípios da cidadania e educam crianças e
jovens com os valores mais legítimos da vida em sociedade. No entanto, para que o país possa dar
como certo o compromisso com a superação ou amenização do fenômeno, a criação de políticas
públicas de combate à corrupção é fator indispensável, porém ainda insuficiente. O processo de-
pende sempre da firme convicção dos cidadãos e das empresas em repudiar e mesmo denunciar o
fenômeno onde quer que ele se manifeste.
Esse é um trabalho árduo, complexo, pois, como se destaca, envolve todas as instituições
em um empenho conjunto e decisivo para a consolidação dos valores e seu enraizamento em um
projeto de nação.
O Brasil ocupa, infelizmente, a 96ª posição; caiu 17 posições em comparação ao ano an-
terior em um ranking sobre “percepção de corrupção”, publicado em dezembro 2017, pela ONG
Transparência Internacional. O documento avaliou a corrupção do setor público em 180 países.
Na escala que vai de zero (mais corrupto) a 100 (menos corrupto), o Brasil aparece com 37
pontos, três a menos que em 2016. O país também se encontra na pior situação dos últimos
cinco anos. Em 2017, o Brasil dividia a 96ª posição com Colômbia, Indonésia, Panamá, Peru,
Tailândia e Zâmbia. E ficava atrás de países como Timor Leste, Sri Lanka, Burkina Faso, Ruanda
e Arábia Saudita. Desde 2014, o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) vem piorando no
Brasil, que também deteriorou sua posição relativa a outras nações em desenvolvimento, como,
por exemplo, os Brics. O país está agora à frente apenas da Rússia, que alcançou 29 pontos
(TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2018).
A lista traz em 1.º lugar Nova Zelândia, Dinamarca, no 2º lugar e Finlândia, Noruega e Suíça,
dividindo o 3º lugar, países considerados menos corruptos, que acumularam 89, 88 e 85 pontos
respectivamente (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2018).

9.4 Relações com o cliente


Tendo ainda como referência as quatro dimensões da comunicação empresarial, podemos
fazer um rápido exame de dois grupos de fatores que dizem respeito ao relacionamento com clientes.
No primeiro grupo são levados em conta o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC e o
ombudsman que podem ser relacionados à criação de um código de ética que ratifique os termos
194 Comunicação Empresarial

do Código de Defesa do Consumidor11 e o contextualize com a filosofia da empresa. Embora não


se faça menção ao SAC e às funções do ombudsman no tópico anterior, cremos que a reflexão em
torno dos vários fatores ligados à ética sirva como apoio para se entender como ela está presente
em cada uma dessas dimensões.
No segundo grupo podemos considerar uma abordagem própria da área de marketing,
a qual, por sua vez, associa-se às especulações realizadas neste capítulo sobre sociedade da infor-
mação. Trata-se do que Kotler e Keller (2012, p. 140) referem como “Valor Vitalício do Cliente”
ou “customer lifetime value”, que podemos entender como o valor presente de lucros futuros que a
empresa espera obter com o cliente em compras ao longo do tempo. É possível calcular, com base
no custo médio de uma visita do cliente à empresa (salários dos funcionários, comissões etc.),
mais o número médio de visitas de vendas e o custo para atrair esse cliente, o valor dele, em termos
de ganho, ao longo do tempo. Conforme Kotler e Keller (2012, p 140):
A empresa deve subtrair da receita esperada os custos que terá para atrair esse
cliente, vender para ele e atendê-lo, aplicando a taxa de desconto apropriada (de
10 a 20 por cento, por exemplo, dependendo do custo do capital e das atitudes
perante o risco).
Os cálculos do valor vitalício para um produto podem somar dezenas de milha-
res de dólares e até valores de seis dígitos.

Na verdade, o “Valor Vitalício do Cliente” servirá como um índice que deverá ser grada-
tivamente aumentado pela Gestão do Relacionamento com o Cliente ou Customer Relationship
Management (CRM). Quanto ao CRM,
Trata-se do gerenciamento cuidadoso de informações detalhadas sobre cada
cliente e de todos os “pontos de contato” com ele, a fim de maximizar sua fideli-
dade. Por ponto de contato com o cliente, entende-se qualquer ocasião em que o
cliente tem contato com a marca ou produto – isso inclui desde uma experiência
em si até uma comunicação pessoal ou de massa, ou mesmo uma observação
casual. (KOTLER; KELLER, 2012, p. 142)

Não é uma tarefa simples identificar o cliente, por exemplo: qual ou quais são os clientes da
cadeia de lanchonetes McDonald’s? E de uma determinada loja dos Supermercados Pão de Açúcar?
O CRM é um ciclo que compreende três etapas básicas, continuamente ativas: conhecimento do
cliente; planejamento de campanhas de marketing e ações de marketing; e vendas, as quais serão
contempladas e melhoradas por um modelo proposto por Kotler e Keller (2012). A tecnologia da
informação tem papel importante no processo, pois dinamiza a coleta e recuperação de dados, em-
bora, naturalmente, não seja a tecnologia a portadora de inteligência, mas os responsáveis em iden-
tificar as informações de interesse da empresa e determinar os critérios de cruzamento de dados.
No âmbito das grandes empresas, as ferramentas e processos a seguir são administrados pelo
BICC – cuja finalidade e características expusemos em tópicos anteriores – e em diversos pontos
mantêm ligações com o CRM:
• Softwares de call center – o call center é um sistema que recebe e efetua chamadas telefô-
nicas com a intermediação de operadores;

11 O download do documento pode ser efetuado a partir do site Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec),
disponível em: <https://www.idec.org.br/codigo-de-defesa-do-consumidor>. Acesso em: 10 maio 2018.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 195

• ERP – Enterprise Resource Planning – sistemas de informação que integram todos os da-
dos e processos de uma organização em um único sistema;
• Datawarehouse – sistema de computação utilizado para armazenar informações relativas
às atividades de uma organização em bancos de dados, de forma consolidada;
• Datamining – (mineração de dados) é o processo de varrer grandes bases de dados à pro-
cura de padrões como regras de associação, sequências temporais, para classificação de
itens ou agrupamento.
São quatro as etapas que, segundo Kotter e Keller (2012), devem ser observadas para um
eficiente relacionamento com o cliente:
• identifique seus clientes atuais e potenciais;
• diferencie os clientes em termos de (1) suas necessidades e (2) seu valor para a empresa;
• interaja com os clientes individualmente para melhorar seu conhecimento sobre as neces-
sidades de cada um e construir relacionamentos mais sólidos;
• customize produtos, serviços e mensagens para cada cliente.
Ferro (2003) adaptou um modelo de gestão de relacionamento que articula elementos da
cultura organizacional, da área de gestão do conhecimento e da área de informática, todos eles
temas deste capítulo, e com a demonstração do qual encerramos nossas considerações.
Figura 3 – Gestão de relacionamento do cliente – uma visão do processo

Criar cultura corpo-


rativa que conduza
ao cliente, ao apren-
dizado e à inovação.
Identificação e criação
Tornar o valor do cliente
de conhecimento, um componente-chave da
disseminação e uso na estratégia corporativa.
organização.
Colecionar, arma-
zenar e transformar
informações em dados
competitivos.

Desenvolver uma
segmentação clara de
mercado e portfólios
de clientes.
Uso de campanhas
e gerenciamento de Definir, desenvolver e
canais como parte do entregar valor agregado.
valor agregado.
Mensuração da
performance a cada
estágio do processo
para substituir a
tomada de decisão.

Fonte: Adaptada de Plakonyannaki; Tzokas apud Ferro, 2003, p. 18.


196 Comunicação Empresarial

9.5 Relações com investidores


O tema deste tópico será tratado de forma bastante sucinta, a partir da referência a três fon-
tes, apenas para oferecer ao leitor um panorama sobre os principais fatores envolvidos na relação
com investidores, referida no meio financeiro pela sigla RI. O material reunido, no entanto, deverá
servir como base para a pesquisa mais pormenorizada.
As relações com investidores foram, durante décadas, tarefa exclusiva dos departamentos
financeiros, porém, novas necessidades dos mercados globalizados, principalmente nos últimos
10/15 anos, conduziram a atividade à sua atual condição estratégica. Assim, as RI combinam o
uso das diferentes ferramentas das subáreas da comunicação empresarial com o conhecimento
financeiro para prover aos mercados informações a respeito do desempenho da empresa e de suas
perspectivas. Cabe a esse composto de comunicação e finanças criar e aplicar estratégias, com o ob-
jetivo de valorizar as ações da empresa no mercado, o que, por sua vez, exige a adequada projeção
e melhoria da imagem institucional. O fornecimento de informações sobre o desempenho institu-
cional, atividades e projetos faz-se indispensável como forma de tornar o processo transparente aos
acionistas e potenciais investidores
O esquema abaixo demonstra bem todo o processo, indicando, à direita, os alvos da
comunicação.
Figura 4 – Relações com os investidores integradas à comunicação empresarial

O RI é a voz do mercado dentro da empresa e a voz da empresa no mercado

Empresa Mercado

Áreas da empresa
Analistas
Disseminar informa- Acionistas
Coletar, analisar, sin-
RI ções transparentes, Investidores
tetizar e uniformizar
democráticas, tem- Mídia
informações internas.
pestivas e acessíveis. Reguladores
Academia

Retroalimentação

Fonte: IBRI-BOVESPA, 2008, p. 18.

Bifulco (2010, p. 70) alinha diversos pontos para a formulação de um plano de comunicação,
com base nas RI, cuja pertinência merece reprodução na íntegra:
• informar os investidores com clareza sobre os fatos relevantes que afetam de
forma substancial a empresa;
• conhecer as necessidades e os formatos de informações dos mais importantes
investidores e da mídia para melhor atendê-los;
• submeter todo o processo de comunicação à legislação que regula as relações
da empresa com os investidores;
• conhecer a situação da empresa em seus mercados de atuação e os agentes de
sua uma Cadeia de suprimentos: fornecedores, concorrentes e clientes;
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 197

• verificar se o processo de comunicação está alinhado de forma coerente às


premissas do planejamento estratégico;
• visualizar com clareza qual é a situação financeira e econômica da empresa
para atender seus pontos fortes e fracos;
• coordenar o processo de comunicação de forma que todas as áreas usem uma
linguagem comum com os públicos internos e externos da empresa;
• disponibilizar as informações sobre a empresa de modo equânime para todos
os públicos;
• buscar usar sempre formas claras e objetivas de comunicação;
• procurar decodificar as mensagens do pessoal técnico da empresa para que
esta seja compreendida por todos os públicos;
• divulgar de forma sempre correta as marcas e os produtos da empresa;
• monitorar a forma como a empresa é percebida pelos seus diferentes públi-
cos e, em especial, funcionários, acionistas, clientes, sindicatos e entidades
governamentais. (BIFULCO, 2010, p. 70)
Como alerta Argenti (2006, p. 211), a função de RI não se limita à produção e distribuição de
relatórios anuais e trimestrais, tampouco ao atendimento de acionistas e remessa de informações para
analistas de títulos. Sobretudo com a nova abordagem que se faz pelo viés da comunicação empresa-
rial, deve-se estar preparado para ir em busca de investidores com oferta de ações da empresa, bem
como de atualizações regulares, o que de resto implica uma meticulosa exposição sobre o desempe-
nho para o mercado. Portanto, é preciso bater nas portas, com convicção e espírito empreendedor,
além de se mostrar disponível para uma agenda de almoços com o cliente e principais executivos da
empresa para estreitar relações entre todos.
Uma série de eventos de diferentes portes, dentro e fora da empresa, vai se tornando rotina
para o comunicador; Argenti (2006) destaca ainda que as instituições com grandes recursos de
RI podem desenvolver pesquisas para delinear de forma mais precisa o perfil dos investidores e,
em consequência, obter dados sobre suas motivações. O objetivo dessa coleta é analisar o impacto
potencial de determinados informes sobre o preço das ações.
Há boas iniciativas do governo brasileiro na área de RI como a criação do Portal do
Investidor12 que reúne uma série de informações, muitas das quais para jovens e crianças,
distribuídas por diferentes suportes e ferramentas. O objetivo do portal é oferecer subsídios para
a educação do investidor e se divide em quatro áreas: investidor, acadêmico, jurídico e investidor
estrangeiro. As referidas ferramentas permitem consultar fundos de investimento e acompanhar o
mercado. O público jovem tem à disposição histórias interativas, vídeos com especialistas, testes de
conhecimento, e-learning (CVM Educacional) e versões eletrônicas das publicações da Comissão
de Valores Mobiliários (CVM)13.

9.6 Relações com o governo


Há uma percepção sobre o relacionamento entre empresas e o governo que sempre aponta
para dois fatores: a presença do Estado em praticamente todos os segmentos da economia, até

12 Disponível em: <www.portaldoinvestidor.gov.br/>. Acesso em: 15 jun. 2018.


13 Disponível em: <www.cvm.gov.br/>. Acesso em: 15 jun. 2018.
198 Comunicação Empresarial

meados da década de 1990, e o“cipoal de leis” que rege a vida social no país. Ambos os fatores
estariam na base da criação de instrumentos de defesa por parte das empresas e também da cons-
tituição de grupos de pressão sobre o governo.
Historicamente, há uma forma, por meio da qual, cidadãos e/ou empresas, valendo-se das
vias legais, organizam-se para exercer a referida pressão sobre o governo. Trata-se da formação de
lobby, palavra de origem inglesa que significa “antessala, átrio, vestíbulo, entrada”, alusão ao am-
biente para onde se dirigiam os “grupos de pressão” sobre a Câmara dos Comuns, na Inglaterra, e
para qual instância reivindicavam a participação no plenário do Parlamento. Nos Estados Unidos,
usa-se a palavra com a mesma acepção, embora a ênfase recaia em “vestíbulo” de hotel, referência
ao local onde o presidente eleito se hospedava antes de tomar posse na Casa Branca e, portanto, o
momento em que ele e sua futura equipe de comando, bem como parlamentares em visita, viam-se
frente às reivindicações do público.
Portanto, dentro da tradição dos dois países deve-se entender como lobby, de acordo com
Fahrat (2007, p. 50), “toda atividade organizada, exercida dentro da lei e da ética, por um grupo
de interesses definidos e legítimos, com o objetivo de ser ouvido pelo Poder Público para infor-
má-lo e dele obter determinadas medidas, decisões, atitudes.”
No Brasil, a atividade não é regulamentada, razão pela qual é desenvolvida de modo infor-
mal e, frequentemente, é relacionada à corrupção; isto, em parte, seria decorrência da “blindagem”
proporcionada pelas leis com as quais o Poder Público reveste os assuntos de Estado, mas que,
contrariamente aos seus ideais, acabaria por abrir brechas para a corrupção.
Fahrat (2007, p. 54) faz um levantamento exaustivo, em várias fontes, que ratifica o objetivo
e a condição do lobby como esforço coletivo para influenciar decisões, mas sempre dentro de parâ-
metros éticos e legais. Das várias fontes citadas, vale a pena transcrever a opinião de Laerte Setubal,
um industrial e exportador, citado por Fahrat e, como tal, um sagaz lobista do comércio exterior
brasileiro perante o Congresso estadunidense: “Lobby não significa necessariamente ter amigos
influentes, mas ideias consistentes, e levá-las, de forma constante e sistemática, aos formadores de
opinião. O principal objetivo do lobista é vender credibilidade, [o que] requer sequência e presen-
ça, mais do que contribuições financeiras”.
O Programa Internacional em Relações Governamentais, ocorrido em junho de 2008,
mostrou-se uma das importantes iniciativas da Aberje, em parceria com a The George
Washington University, para reforçar a legitimidade do lobby como um dos vetores de uma
sociedade democrática e aberta ao diálogo entre Governo e empresa.
A política empresarial, exercida pelas associações e sindicatos patronais, a exemplo da Fiesp
– Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, o chamado Sistema S – Sesi, Sesc, Senai, Senac14
– e a Confederação Nacional das Indústrias, tem peso nas decisões do Governo Federal; seus agen-
tes, embora não sejam chamados de lobistas, desenvolvem uma ou mais atividades, como as rela-
cionadas abaixo, apontadas por Fahrat (2007) entre as que são postas em prática pela comunicação.

14 Serviço Social da Indústria, do Comércio, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e Aprendizagem Comercial,
respectivamente.
Ética, relacionamento com clientes e outros públicos 199

No contexto que nos interessa, vale reconhecer a necessidade de adequação da linguagem, por
parte do “comunicador-lobista”, a cada um dos interlocutores: legisladores e representantes do exe-
cutivo nas três esferas governamentais (municipal, estadual e federal), ministros de Estado, líderes
e técnicos de estatais entre muitos outros. Mais uma vez, Fahrat (2007, p. 118) é preciso em suas
considerações:
No contexto dos pleitos controversos, a utilização da comunicação social será
tanto mais recomendável e necessária quanto os resultados esperados da ação
dos lobistas possam intervir em formar, consolidar, melhorar – ou, conforme
o caso, mudar – a imagem da empresa, corporação, produto, pessoa, serviço,
entidade proposta, ideia, ideologia ou quaisquer outros interesses divisíveis –
econômicos, políticos, sociais, regionais – no âmbito de determinada sociedade.
[...]
Usada dentro dos parâmetros de veracidade, sinceridade, transparência e res-
peito ao público, a função da comunicação é expor e detalhar as propostas dos
lobistas e os interesses por eles servidos, e, na medida do seu sucesso, torná-las
aceitáveis. O uso adequado das técnicas, métodos e instrumentos de comunica-
ção social cria adeptos, alerta opositores, abre controvérsia.

Essa versatilidade do lobista nada terá de oportunismo e não se confundirá nunca com
tráfico de influência ou intercâmbio de interesses; jogadas escusas, “por baixo do pano”; uso de di-
nheiro para “obter favores”, “tratamento especial”, exceções às regras gerais e, sobretudo, não terá
sua natureza deturpada e confundida com a corrupção, essa praga que assola as relações sociais,
em geral, e a vida política em particular.

Atividades
1. Que relações você pode fazer entre os conceitos de sociedade da informação e sociedade
do conhecimento?

2. Nonaka e Takeuchi desenvolveram o conceito de “conhecimento tácito”. Como podemos


descrevê-lo?

3. Quais relações você pode fazer entre moral e ética?

Referências
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Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

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TOFFLER, A. El Cambio del Poder. Barcelona: Plaza y Janés, 1995.


10
Relações com a mídia e gestão de crise

No futebol, há uma frase antológica de um antigo roupeiro do Botafogo, Neném Prancha1,


que serve como ponto de partida para um dos temas deste capítulo: “pênalti é uma coisa tão
importante, que quem devia bater é o presidente do clube”. O mesmo pode-se dizer sobre a
relação entre empresa e mídia: tão especial que quem deveria pôr em prática é o presidente da
organização... ou pelo menos um bem preparado porta-voz. Vários são os motivos para esse
juízo, entre eles os muitos mal-entendidos, consequência, quase sempre, de erros de gestão da
comunicação cometidos por porta-vozes inexperientes ou desatentos às exigências da ativida-
de. Reis (2010, p. 167), perguntando-se “de quem é a culpa quando o resultado da comunicação
não é bom?”, lembra de que resmungos, por parte de entrevistados, segundo os quais o jorna-
lista “não entendeu o que foi dito”; ou que o profissional “tirou as frases do contexto”, ou ainda
“colocou na minha boca coisas que eu não disse”, geralmente poderiam ser evitados se a “lição
de casa” fosse realizada com rigor e foco pelo porta-voz. No caso, o exercício é representado
pelo esforço em se preparar para cumprir com êxito a comunicação:
uma entrevista ou manifestação pública requer que o porta-voz revisite
previamente os principais pilares que norteiam a vida de sua organização.
Assim, poderá calibrar devidamente o discurso a ser adotado (exemplos:
missões e valores; números relativos ao negócio; iniciativas recentes
bem-sucedidas; planos para o futuro). (REIS, In: SILVA NETO, 2010, p. 167)

O que vamos desenvolver nas linhas abaixo é apenas um esboço das principais diretrizes
para um relacionamento harmonioso com a imprensa, por meio da qual a prestação de con-
tas aos públicos torna-se fator dos mais destacados no planejamento estratégico. E, por isso,
mesmo extrapola os limites do treinamento de porta-vozes para entrevistas e afins, já que na
primeira situação o making decision da organização é diretamente envolvido em seu cotidiano
e dele depende o dimensionamento e o tônus dessa relação. Chama-se midia trainning, um pro-
grama voltado à formação de porta-vozes e há diversas empresas da área de comunicação que
o oferecem. Como se enfatizou, contudo, programas de treinamento capacitam os integrantes
e põem em relevo os pontos-chave a serem explorados em entrevistas e eventos de um modo
geral. Mas jamais conseguirão prever todas as situações em que a empresa será chamada a se
pronunciar e tampouco serão capazes de analisar a empresa em profundidade, identificando os
componentes, da cultura organizacional, merecedores de atenção.

10.1 É preciso saber orientar a mídia


Não se saberá orientar a mídia sem, antes, ter-se cultivado um bom relacionamento com
ela. Assessores de imprensa e relações-públicas costumam valorizar demais o envio de releases

1 Pseudônimo de Antonio Franco de Oliveira (1906-1976). Célebre autor de algumas das mais famosas “máxi-
mas” do futebol, tinha esse seu talento reconhecido por todos os comentaristas esportivos da época.
202 Comunicação Empresarial

para jornalistas na esperança (muitas vezes vã) de que os informativos sejam lidos e seu conteúdo
aproveitado em diversos veículos. No entanto, não é difícil de imaginar, sobretudo hoje, o quanto
os meios digitais elevaram exponencialmente a carga de informação gerada todos os dias, que não
apenas jornalistas, mas todos tornaram-se muito mais seletivos em relação à leitura de textos que
chegam de toda parte.
Ainda que isso pareça evidente, insiste-se na estratégia do envio de releases, pois uma média
de “adesão” na ordem de 1% a 2% entusiasma muitos comunicadores e, provavelmente, na ótica
deles, justifica o tempo e o esforço reservados para a atividade. Mas, nesses casos, quase sempre se
acaba não levando em conta o perfil dos meios que veicularam o informe sobre a empresa, o contex-
to editorial (caderno, seção, coluna etc.) em que foi inserido e, mais importante, os efeitos gerados
pela publicação. Por isso, uma pesquisa sobre os jornalistas mais adequados para a destinação dos
releases, embora mostre-se um processo bem mais trabalhoso, é também mais compensador do
ponto de vista dos efeitos da comunicação. Parte-se da evidência de que os mesmos jornalistas não
estarão sempre dispostos a publicar informes sobre a empresa, principalmente aqueles destituídos
de maior interesse para o público, como promoções da média gerência e outros fatos rotineiros.
Quanto mais se esquadrinha o perfil dos jornalistas nas diversas redações, maior será a
oportunidade de uma aproximação cordial e estratégica com eles. Estamos, portanto, pensando
num tipo de relacionamento cooperativo que difere bastante de um relacionamento instrumental.
Neste, a empresa aparece na última hora, esperando a divulgação de seus informes, sem antes ter
criado condições que favorecessem esse diálogo.
Mas, afinal, a relação com a mídia ocorre apenas nesse ciclo de “abastecimento”, cujos pa-
péis dos atores já são de per si definidos? De um lado, a empresa geradora de “notícia” e, de outro,
a mídia com os seus canais de veiculação?
Neves (2000, p. 36) detém-se no estudo do que denomina de “questões –” a tradução para a
palavra inglesa “issues” – integrantes do universo organizacional na forma de pressões originárias
de dois âmbitos, ou de “famílias”, como prefere o autor, distintos. Ambas as dimensões, podemos
inferir, são matéria-prima da comunicação a ser contextualizada de algum modo com a mídia,
embora não preponderantemente, de vez que elas possuem valor macroestrutural e não se redu-
zem pura e simplesmente a uma espécie de “produto noticioso” de rotina: questões relacionadas à
imagem da empresa e, completamos nós, diretamente ligadas à sua reputação de forma positiva:
transparência, agilidade, qualidade de produtos e serviços, qualidade da gerência, tecnologia, boa
administração, seriedade, responsabilidade social etc. E os atributos negativos: arrogância, lucros
exagerados, insensibilidade social, lentidão, manipulação, caixa-preta, atuação predatória, maus
produtos e serviços etc.
A outra família de issues diz respeito às “questões públicas”, as quais demonstram também
elevado coeficiente de pressão sobre a empresa, podendo mesmo transformarem-se em um campo
minado na hipótese de não se ter posições bem pensadas em relação a elas. Neves (2000, p. 93)
lembra de que essas questões “podem afetar o funcionamento da organização ou seus interesses
futuros” e subdividem-se nas seguintes categorias:
Relações com a mídia e gestão de crise 203

• Econômico/financeiras – política econômica: crescimento econômico, inflação, taxa


de juros, câmbio etc.; orçamento público: impostos, controle orçamentário, tarifas pú-
blicas, controle de preços etc. Ações sobre o mercado: práticas monopolísticas, defesa
do consumidor, ações sobre capital estrangeiro (remessas de lucro, compras de governo,
medidas protecionistas); privatização/estatização, reservas de mercado etc.
• Políticas – eleições; novos governos; mudanças de ministério etc.
• Sociais – questão agrária; direitos trabalhistas; política salarial; reflexos do avanço
tecnológico; direitos humanos; previdência social; questões religiosas; meio ambiente;
abuso sexual etc.
• Internacionais – blocos de comércio; propriedade intelectual; conflitos de fronteiras;
narcotráfico; terrorismo; acordos de comércio; relações bilaterais etc.
O diálogo produtivo com a mídia depende em grande parte do esclarecimento do comu-
nicador (relações-públicas, assessor de imprensa ou diretorias) diante da máquina de notícias.
A começar pelo funcionamento das redações, o comunicador não pode desconhecer estruturas,
cargos, hierarquias das mídias impressas e eletrônicas. Abaixo, a reprodução do organograma de
uma redação de rádio e TV. A estrutura da redação de jornal não é muito diferente, devendo-se dar
destaque às diversas editorias (política, cotidiano, cultura etc.).
Figura 1 – Organograma da redação de rádio e TV

Diretor de
jornalismo

Editor
Chefe de reportagem
chefe

Editor de Apresen- Rádio escuta


texto tador
Produtor

Repórter

Cinegrafista/técnico

Fonte: Elaborada pelo autor.

Dada a hierarquia acima, é de se concluir que até a notícia chegar ao jornalista ela passe
por diversas áreas de decisão, cabe ao jornalista escolher determinado assunto para ser divulgado.
É de se reconhecer também o lugar da subjetividade desse profissional, sustentada em valores éti-
cos, orientação política, experiência e nas expectativas quanto ao rendimento da notícia como item
de valor jornalístico. Para organizar a cobertura dos principais eventos, as empresas de comuni-
cação consideram: a atualidade, a distância da redação, o interesse da comunidade e a audiência.
Os profissionais encarregados do relacionamento com a mídia devem se responsabilizar, ba-
sicamente, pelos seguintes itens: sugestão de pauta, entrevista coletiva, notas e artigos. Reis (2010,
p. 171) cita o “IPRA2 Charter on Media Transparency” que sugere a partilha de compromissos

2 International Public Relations Association.


204 Comunicação Empresarial

entre os profissionais de comunicação corporativa, de um lado, e jornalistas e órgãos de imprensa,


do outro:
• materiais editoriais devem ser gerados exclusivamente a partir de interesse jornalístico;
• informações publicadas em função de pagamento devem ser claramente identificadas
como publicidade ou publieditoriais;
• produtos devem ser oferecidos a jornalistas apenas quando se tratar de análise ou teste des-
tinado a formar opinião sobre o desempenho dos mesmos, e por tempo preestabelecido;
• provedores de conteúdo (imprensa tradicional ou agentes do mundo digital) devem criar
regras claras que proíbam o recebimento de brindes, presentes ou descontos da parte de
qualquer organização.

10.2 É preciso saber responder à mídia


Chega a hora de conversar com a mídia. Uma série de pressupostos deve guiar o porta-voz,
os quais exigem reflexão e tranquilidade na sua abordagem, evitando-se um tom enfático, repetidas
vezes, nas respostas, e trejeitos, sobretudo quando estiver diante das câmeras. Repórteres experientes
notam com muita facilidade a ansiedade de seus entrevistados ou o despreparo para a tarefa.
Por isso, é um pecado capital “embromar”, fazer uso de circunlóquios, reflexões aparentemente
filosóficas, mas, no fundo, destituídas de conteúdo. A tranquilidade depende, em grande parte,
da lição de casa, em termos de revisão da missão da empresa e itens diretamente relacionados.
Da mesma forma, é necessário que o porta-voz conheça em profundidade o assunto a que se
propõe debater para que não seja surpreendido com informações de última hora, ministradas
pelo repórter. Esse domínio sobre a matéria permitirá ao porta-voz abordar o assunto de vários
lados e, em detalhes, se for necessário.
Nesse sentido, uma vez estabelecida a faixa de atuação do profissional, cabe a ele procurar
tornar-se referência para a imprensa. Para tanto, criará compromisso consigo mesmo de manter-se
bem informado sobre sua área: reunirá informações de diferentes fontes, encarregando-se da atuali-
zação de dados e combinando-os com a análise da substância dos temas, sua consistência, os aspectos
de interesse público e o preparo para apresentá-los com eficiência. Há necessidade, ainda, de se orien-
tar o jornalista sobre a especificidade dos temas de sua reportagem e mostrar, quando necessário, que
ele está no caminho errado.
De forma esquemática, arrolamos algumas regras e princípios pelos quais o comunicador
deve se pautar:
Nunca se diz não à imprensa. Isto significa que se deve receber um repórter mesmo quando
não se tem nada de novo a noticiar. Nesse caso, o comunicador será direto quanto a essa “falta de
assunto”, mas poderá encaminhar o repórter à assessoria de imprensa para criar certa sensação de
que a “casa é sua”.
Não se deve cometer o erro da ingerência nas prerrogativas do repórter e seu veículo.
Portanto, além de não confundir entrevista com propaganda, o porta-voz não vai sugerir e, muito
menos indicar, onde e quando a notícia será veiculada.
Relações com a mídia e gestão de crise 205

A diferença entre uma abordagem sóbria e a “marqueteira” é que a segunda é iden-


tificada de imediato pelos públicos mais críticos e poderá, consequentemente, ser alvo de
indiferença ou desdém.
O trabalho do porta-voz está a meio caminho do excesso e da parcimônia. Em outras
palavras: se falar demais, acabará cansando o repórter e, depois, o editor da notícia, além de cor-
rer o risco de dizer o que não deve, como a revelação de assuntos guardados em sigilo. Sempre é
bom lembrar de que em situações como essas o entrevistador pode ter seu interesse aumentado
pela hipótese de transformar o sigilo em “furo” de reportagem. Se falar de menos, o porta-voz
dificilmente terá oportunidade de criar “gancho” para conduzir o repórter a fazer uma pergun-
ta de interesse da empresa. Além disso, a sensação no ouvinte ou leitor é de que a resposta foi
intencionalmente lacunosa.
É preciso saber definir mensagens prioritárias. Cada entrevista é uma valiosa oportunida-
de para transmissão de mensagens. O comunicador deve estabelecer previamente o objetivo a ser
alcançado em cada uma delas e selecionar as mensagens capazes de ter o efeito desejado. As men-
sagens-chave (entre uma e quatro) serão pensadas com rigor, bem como o modo de enfatizá-las de
diferentes formas. Cada mensagem deve ser preparada a partir da fórmula ICCO: Interessante (ca-
paz de despertar a atenção do público); Clara (simples, compreensível, fácil de entender e lembrar);
Consistente (densa, crível, convincente, concreta); Objetiva (breve, curta, direta).
Uma resposta pode ser estendida se a pergunta que a suscitou for utilizada como “ponte”
para a inserção de mensagens estratégicas.
No entanto, devem-se evitar clichês afeiçoados, aparentemente, a filigranas da cortesia do
porta-voz. Diante de uma pergunta tida como inteligente, o entrevistado deve proibir a si mesmo
de fazer comentários como “quero render minha homenagem à perspicácia dessa pergunta”: o efeito
é retórico e cheira à bajulação.
A ênfase bem dosada nas palavras quebra o tom monótono da fala e revela certa intenção
do falante, como a de se conceder mais importância a determinadas passagens da entrevista.
As palavras devem ser bem articuladas, efeito que se obtém com a escansão (divisão) dos
vocábulos, no entanto, se excessivo o recurso, retira-se a espontaneidade da fala, tornando evidente
o artifício.
Há pessoas que falam velozmente, mas essa peculiaridade da expressão não deve ser mecani-
camente corrigida. Isto é, com um pouco mais de atenção, repórter e, eventualmente, telespectador
ou ouvinte, acompanharão sem dificuldade o sentido das frases. Melhor do que o entrevistado
tentar falar lentamente e se perder no raciocínio.
Termos técnicos devem ser utilizados somente quando não puderem ser substituídos por
palavras do cotidiano. Nesse caso, o entrevistado deve procurar dar uma rápida explicação sobre
o sentido da palavra. Contudo, é necessário considerar o veículo e seu público. O termo stakeholder
não gera estranheza na revista Exame, mas na revista Veja, sim. Preciosismos de linguagem (o pre-
sidente Collor chamou certa vez seus opositores de “bonifrates” – títeres, fantoches) podem ser
interpretados como arrogância ou uma forma de encobrir o vazio do conteúdo. O jornalista não se
206 Comunicação Empresarial

obriga a saber tudo o que o porta-voz sabe, pois este profissional vive em um meio especializado que
o coloca diariamente na ponta de temas relacionados ao universo da empresa. Repórteres atentos às
exigências de seu trabalho levarão consigo dados sobre a empresa e outros tantos sobre o assunto em
específico. Mas isso pode não ocorrer, o que não causará reação no porta-voz, antes pelo contrário,
ele deverá ver nessa situação uma oportunidade para conduzir a entrevista.
Desconsiderar a presença do repórter de televisão e responder à pergunta olhando para
a câmera é uma falta grave. Não raro, no entanto, vê-se o deslize na televisão. O olho da câmera é
o olho do telespectador, mas este deve ser uma espécie de testemunha ou observador da conversa
desenvolvida entre repórter e seu entrevistado.
A entrevista concedida para qualquer meio ocorre porque se tem interesse nos negócios
da empresa e não na opinião do porta-voz; portanto, este não irá jamais confundir seu ponto de
vista com o da organização, razão pela qual não defenderá, de forma apaixonada, a visão da em-
presa sobre os fatos.
Roteiros sacados do bolso do paletó são interpretados como “cola” e denunciam a
insegurança do entrevistado. Esse roteiro deve ser mental e estará sujeito a modificações,
as quais ocorrerão tão espontaneamente quanto o depoimento como um todo.
Na televisão, entrevistas no noticiário têm duração média de 20 segundos. Tempo su-
ficiente para o entrevistado articular, também em média, 85 palavras, o que exige disciplina,
concentração e foco.
Se o tema central de uma entrevista mais longa tangenciar assuntos do noticiário, é indis-
pensável ter-se de forma precisa a dimensão e a especificidade de cada um e a sua exata relação
com aquele tema. A noção de proporção evitará que o entrevistado dê demasiada importância aos
assuntos ou, ao contrário, pouca, parecendo negligenciá-los.
Na eventualidade de o entrevistador tornar-se agressivo em suas perguntas, provavelmente
o que ele objetiva é gerar polêmica e causar impacto. O porta-voz não esquecerá nunca de que,
no momento de seu pronunciamento, ele é uma “pessoa jurídica”, da qual se espera racionalidade
nos procedimentos.

10.3 É preciso se preparar para o “cara a cara” com a mídia


Este tópico dá ênfase à necessidade de o porta-voz criar um sólido repertório, consubstan-
ciado na cultura organizacional, mas também em elementos de outra origem, pertencentes ao uni-
verso da cultura geral. No contexto referido por Neves (2000) o porta-voz pode basear-se nos itens
ali mencionados para a sugestão de pauta, entrevista coletiva, notas e artigos. Reunidos em blocos,
os itens podem ganhar a seguinte configuração e, assim, cristalizarem-se como fundamentos do
aludido repertório, base para a realização das tarefas e do fortalecimento da imagem corporativa:
Transparência – a comunicação deve ser considerada insumo estratégico em todas as ações
da empresa, com a função de não apenas divulgar, mas também ouvir e compreender. Se o prin-
cípio da transparência não estiver consolidado desde os processos internos da empresa, jamais se
fundamentará como valor da cultura organizacional aos olhos do público. Por tudo que vimos até
Relações com a mídia e gestão de crise 207

agora, sabemos que a comunicação não se limita à divulgação jornalística ou publicidade. O porta-
-voz e a organização que representa sempre têm diante de si a imbricação de múltiplas linguagens e
procedimentos: os gestos, as ações, os eventos simbólicos, a fala, a ação de sua equipe, a capacidade
de escuta e de compreensão no relacionamento interpessoal. O entrecruzamento de todos esses
elementos exige, por definição, elevado grau de transparência para sua legitimação diante da socie-
dade e é dever inapelável da organização garantir tal princípio.
Relacionamento com a comunidade – a abordagem multistakeholder é o princípio mais
adequado: saber com quem se fala, como e quando se fala, sempre preservando a coerência entre
discurso e ações.
Normas de governança corporativa – governança corporativa é o conjunto de processos,
costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa
é dirigida, administrada ou controlada. O termo inclui também o estudo sobre as relações entre
os diversos stakeholders e os objetivos pelos quais a empresa se orienta. Os principais públicos, via
de regra, são os acionistas, a alta administração e o conselho de administração. Outros agentes da
governança corporativa incluem os funcionários, fornecedores, clientes, comunidade financeira e
outros credores, instituições reguladoras (como a Câmara de Valores Mobiliários, o Banco Central
etc.), o meio ambiente e a comunidade em geral.
O modo como a organização empenha-se para administrar os diferentes componentes des-
se universo requer o estabelecimento de critérios e princípios e sua sistemática observação pelos
agentes em cujas mãos concentra-se o poder de decisão.

10.4 Conceito de crise institucional


A noção de crise evoca a ideia de conflito, tensão, imprevisibilidade, incerteza e desequilí-
brio. Aplicada à vida da empresa, pensamos naquelas situações inesperadas que fogem ao controle
dos administradores e sobre cujo desenvolvimento aceita-se que é de difícil apreensão. Os desdo-
bramentos de uma crise podem ser mais ou menos pontuais e momentâneos, quanto prolongados
e de efeitos devastadores.
Há empresas que sucumbem a crises, tal o caso mais estrondoso da história recente
das organizações: a Enron. Gigante do setor energético dos EUA, com faturamento, em 2000,
que ultrapassava US$ 100 bilhões, a Eron foi acusada de mascarar balanços que ocultavam dívi-
das na ordem de US$ 25 bilhões, processo fraudulento que contou com a intervenção de uma das
maiores empresas de auditoria do mundo, além de diversas outras entidades.
Outros casos internacionais incluem empresas como Lehman Brothers. Fundado em 1850,
o quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos não suportou a crise imobiliária.
O banco, em uma aposta perigosa, investia em créditos imobiliários para clientes considerados
com alto risco de inadimplência. Com a crise imobiliária de fins de 2008, com repercussão em
todo o mundo, o mecanismo especulativo do qual o banco participava passou a ser arriscado
demais, colocando a credibilidade do banco em xeque. Com 25 mil funcionários, o Lehman
Brothers decretou falência em setembro de 2008.
208 Comunicação Empresarial

No Brasil, empresas tradicionais como Mappin, Mesbla, Arapuã, Vasp, Varig, Banespa,
Banco Nacional, Bamerindus e a TV Manchete sucumbiram por diferentes motivos, mas basica-
mente associados à má gestão que se mostrou incapaz de interpretar os sinais de mudança com o
aumento de instabilidade nos mercados em que atuavam.
Neves (2000, p. 115) indica situações tipicamente de crise:
• produtos e serviços com problemas;
• conflitos com empregados: demissões em massa, greves;
• escândalos envolvendo altos executivos: corrupção, fraudes etc.;
• processos legais de várias naturezas;
• atos de terrorismo contra a organização;
• catástrofes: queda de avião, desastres ecológicos etc.;
• panes sistêmicas: falhas de computadores, erros de softwares etc.;
• falhas humanas.
Podemos incluir nessa lista pelo menos mais um item: a reação em massa do público a
mudanças na forma, no conteúdo ou na fórmula de produtos. Em 1985, a Coca-Cola lançou,
nos EUA, a New Coke, versão mais adocicada e suave do tradicional refrigerante, para fazer frente
à Pepsi-Cola que apresentava pequena vantagem de vendas em supermercados, mas suficiente-
mente expressiva para justificar a mudança do sabor de um refrigerante, ícone de gerações e de
uma cultura. Com a ajuda de estrondosa campanha publicitária e investimento de US$ 4 milhões
em pesquisas de mercado e a realização de cerca de 200 mil testes, a empresa obteve, bem ao con-
trário do que planejara, a reação de centenas de milhares de consumidores que chegaram a fazer
1.500 telefonemas, por dia, em protesto à iniciativa. Em três meses, a “antiga” Coca-Cola estava de
volta e os fatos ocorridos em seguida entraram para a história do marketing.
No Brasil, a Nestlé, em junho de 2008, alterou o sabor do achocolatado Nescau, um dos mais
conhecidos e importantes produtos da empresa, presente agora no mercado há mais de 70 anos.
Houve protestos de 70 mil consumidores na agora extinta rede social Orkut, que chegaram a criar
a comunidade “Dependentes do Nescau”, onde 50 mil deles se reuniram para exigir o “retorno” do
antigo sabor. O presidente da Nestlé, Ivan Zurita, tratou de enviar uma mensagem a todos e prome-
teu atendê-los em sua reivindicação, fato ocorrido logo em seguida, em agosto.
Um conceito de crise adotado por Argenti (2006, p. 259) parece-nos suficientemente amplo
para captar os vários elementos em jogo:
Uma crise é uma catástrofe séria que pode ocorrer naturalmente ou como re-
sultado de erro humano, intervenção ou até mesmo intenção criminosa. Pode
incluir devastação tangível, como a destruição de vidas ou ativos, ou devastação
intangível, como perda de credibilidade da organização ou outros danos de repu-
tação. Estes últimos resultados podem ser consequência da resposta da gerência à
devastação tangível ou resultados de erro humano.

O teórico ressalta as características mais marcantes das crises, embora reconheça o caráter
exclusivo de cada uma:
Relações com a mídia e gestão de crise 209

• O elemento surpresa – caso da descoberta, por parte da Philip Morris, fabricante de cigarros,
de carcinogênicos nos filtros de seus produtos.
• Informações insuficientes – a empresa demora algum tempo para se dar conta de que está
em situação difícil em decorrência da falta de informações precisas sobre determinado
evento. Uma grande empresa da área de buffets, no Brasil, precisou aguardar quatro dias
para a confirmação de que a intoxicação alimentar, da qual foram vítimas 50 convidados
de um evento, fora causada por certa variedade de salgados servidos na ocasião.
• O ritmo acelerado dos eventos – antes mesmo do centro de uma crise ser meticulosamen-
te identificado, reações de todo lado podem surgir.
• Investigação detalhada – o chamado apagão aéreo no Brasil, iniciado em 2006, mobilizou
uma dezena de personalidades, abertura de CPI e produção de relatórios.
O acidente envolvendo o avião da Gol e o jato executivo Legacy, no dia 29 de setembro de
2006, deu início a uma série de problemas no tráfego aéreo do Brasil. Operação-padrão de con-
troladores de voo, pane no sistema de controle, retirada de aeronaves para manutenção, nevoeiros,
obras em aeroportos: vários foram os motivos que provocaram caos nos aeroportos das principais
capitais e levaram os passageiros muitas vezes ao desespero.

10.5 Quem está preparado para a crise?


Comunicação de risco é a expressão utilizada pelo mercado para designar um conjunto de
estratégias à disposição das empresas e gestores para auxiliá-los na comunicação com o público
em situações potenciais ou reais de conflito de interesses. Não se trata propriamente de uma “crise”,
no sentido exposto acima, mas sim do reconhecimento de um clima inamistoso, contrário aos
interesses da empresa. Julgamos importante, no entanto, comentar essas estratégias de passagem,
pois elas são recontextualizadas em momentos de crise.
A base conceptual das estratégias é de natureza comportamental e tem como finalidade obter
respostas positivas dos interlocutores. De acordo com Silva Neto (2010, p. 184), o entrecruzamento
de determinadas teorias3 oferece um caminho para a emissão de mensagens claras, concisas e po-
sitivas, com credibilidade e, portanto, com potencial de convencimento. Há diferentes modelos de
comunicação com o público que se beneficiam dessas teorias, entre os quais o Modelo de 6 Passos:
• expresse empatia e atenção ao seu interlocutor;
• forneça uma conclusão positiva sobre o assunto em discussão;
• forneça um elemento de apoio e endosso de uma fonte com credibilidade;
• forneça outro elemento de apoio e endosso de uma segunda fonte;
• repita a conclusão;
• coloque-se à disposição do interlocutor para mais informações.

3 São estas as teorias: teoria da determinação da confiança ou credibilidade; teoria da percepção de risco; teoria do
ruído mental e teoria da dominância negativa.
210 Comunicação Empresarial

É ainda Silva Neto (2010) que alude a três etapas que as empresas devem seguir na preparação
para a gestão de crises:
• Auditoria de vulnerabilidade – envolve abordagem multidisciplinar para a identificação
e avaliação de riscos e os pontos fracos de natureza operacional que exigem providências,
caso contrário podem gerar emergências ou crise.
• Planejamento de crises – elaboração de planos de gestão e comunicação de crises para os
principais problemas identificados.
• Preparação para responder às crises – com base nos planos existentes, treinar periodi-
camente os funcionários envolvidos para lidar com os aspectos relativos à incerteza e à
liderança, e refinar competências com base nas melhores práticas em gestão e comunica-
ção de crises.

10.6 Comunicação durante a crise


O plano de crise, propriamente dito, subdivide-se em vários itens; entre os quais, os mais
importantes são:
• Objetivos do plano – com base na auditoria de vulnerabilidade, deve estabelecer o que a
empresa almeja com o plano, para si e para seus públicos, no caso de impactos negativos
ocasionados por crises; quanto mais específico o plano, maior a agilidade para gerar res-
postas naquelas situações.
• Escopo ou tipo de crises considerados no plano – há dois tipos dede crises: intencionais
(terrorismo, sabotagem, violência no trabalho, sequestro, má relação com empregados
etc.) e incontroláveis (desastres, epidemias contaminação, catástrofes etc.).
• Legislação, normas e políticas – toda ação relacionada à crise tem que ser sustentada por
dispositivos legais, inclusive para o eventual atendimento a vítimas.
• Comitê de Gestão de Crises – cabe a esse órgão a detecção de v vulnerabilidades da em-
presa e adoção de práticas para a resolução dos problemas. Integram o comitê: gerentes
das áreas de comunicação corporativa, produção, finanças, marketing, jurídica, recursos
humanos, pesquisa, segurança, entre outras.
• Comunicação interna e externa – todos os quadrantes da organização devem ser sistemá-
tica e cuidadosamente informados. O público externo deve ser impactado com materiais
especialmente idealizados para a situação: posicionamentos corporativos a cargo de por-
ta-vozes; declarações preliminares para mídia; releases para a mídia e a intranet; relação
de veículos e jornalistas; relação de fontes de apoio; perfis e fotos das unidades e dos exe-
cutivos; perguntas e respostas sobre o incidente.
Por último, como esforço de sintetizar, não os procedimentos e políticas acima delineados,
mas os princípios que devem nortear a ação do comunicador com base nesse quadro, vale a pena
relacioná-los em dez tópicos.
Relações com a mídia e gestão de crise 211

1. reconheça a crise;
2. analise o fato e tenha explicações ou justificativas razoáveis;
3. não minta nem disfarce;
4. não negligencie o público, principalmente os jornalistas;
5. nunca responda de imediato, sem conhecer a crise;
6. seja claro e objetivo;
7. não fuja das respostas com frases evasivas;
8. prepare material especial para a imprensa, como comunicados e boletins;
9. se prometeu, responda; não deixe o repórter aguardando por muito tempo;
10. mantenha relacionamento interpessoal com todos da empresa assessorada.

Atividades
1. Segundo Neves, quais são as duas famílias de questões pertencentes ao universo organiza-
cional e que são objeto do relacionamento com a imprensa?

2. Ainda de acordo com Neves, indique situações típicas de crise institucional.

3. Indique algumas regras e princípios que devem ser atendidos pelo porta-voz em seu contato
com a imprensa.

Referências
ARGENTI, Paul A. Comunicação Empresarial: a construção da identidade, imagem e reputação. Tradução de
Adriana Rieche. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

ESPUNY, Herbert G. Implantação dos Princípios Organizacionais para o Gerenciamento de Crises. Disponível
em: <www.soartigos.com/authors/24/Herbert-Gon%E7alves-Espuny>. Publicado em: 18 jul. 2008. Acesso
em: 8 dez. 2008.

NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerencial imagem, questões públicas,
comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2000.

NEVES, Roberto de Castro. Comunicação Empresarial Integral: como gerenciar imagem, questões públicas,
comunicação simbólica, crises empresariais. 2. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2000.

REIS, Ciro Dias. Comunicação com a Mídia – Mídia Training. In: SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da (Coord.).
Comunicação Corporativa e Reputação: construção e defesa da imagem favorável. São Paulo: Saraiva, 2010.

SILVA NETO, Belmiro Ribeiro da. Gestão e Comunicação de Risco e de Crises. In: SILVA NETO, Belmiro
Ribeiro da (Coord.). Comunicação Corporativa e Reputação: construção e defesa da imagem favorável. São
Paulo: Saraiva, 2010.
11
Fundamentos da comunicação interpessoal

Há uma famosa frase do filósofo Ortega y Gasset com a qual desejamos abrir este capí-
tulo: “eu sou eu e a minha circunstância e se não salvo a ela não salvo também a mim”. O autor
de Meditações do Quixote (1967) refere-se ao entorno do “eu” como um conjunto de elementos
(pessoas, fatos e relações) ao qual o primeiro se plasma de forma indissociável; e, de tal modo,
que cumpre ao eu descobrir-se na multidão, saber-se feito dessa matéria heterogênea e comunal,
mas ao mesmo tempo marcado pelo traço diferenciador que o realça e dota-o de forças para criar
e alterar o conjunto e a si mesmo. A salvação, pois, ocorre quando nos dispomos a não aceitar
passivamente o que muitos chamam de “destino”, e nos inclinamos a transformá-lo – na visão do
pensador espanhol os recursos da educação e cultura em sentido amplo, dimensões que, por sua
vez, são patrimônios da sociedade.
Por outro lado, há uma máxima, ouvida à exaustão, e como lugar-comum, segundo a qual
os direitos de um indivíduo terminam quando começam os dos outros. Afirma-se equivocada-
mente isso, como se fosse possível pensar em direito e liberdade à imagem de círculos fechados
em si mesmos, impenetráveis, e cujas superfícies se tocassem em determinado ponto, o limite
da individualidade de uma pessoa e início do de outra. Ora, direito e liberdade são construções
interpessoais e, assim, necessariamente, movimentos com várias áreas de intersecção. Estamos,
portanto, no universo das trocas simbólicas, das circunstâncias de cada um e de todos indife-
rentemente. São essas as dominantes, que devem ser consideradas no relacionamento entre os
agentes da empresa, e as quais merecem nosso exame.

11.1 Melhorando o relacionamento no trabalho


O ambiente de trabalho é um local onde se cruzam os mais variados significados das
relações humanas, mas com uma diferença determinante em relação à maioria dos lugares:
em nenhum outro ambiente, pessoas mantêm entre si, e de forma prolongada, relações
hierárquicas, de poder, mediadas por um objetivo comum, cuja realização (mas não obriga-
toriamente) torna os indivíduos aptos a uma contrapartida pecuniária, regulada por leis e pecuniária: relativo a
dinheiro; que consiste
deveres para as partes envolvidas. ou é representado em
dinheiro.
Incluem-se nessa relação, com bastante frequência: humilhações, jogo de interesses,
tensões, desavenças, frustrações e expectativas infundadas em relação a desempenhos, mas
também: prazeres, êxitos, valiosa recompensa financeira e, eventualmente, fortalecimento de
amizades, processos de maturação pessoal, aperfeiçoamento profissional, sentimento de dever
cumprido e de realização no trabalho, experiências sempre evocadas como indispensáveis para
uma vida íntima e profissional harmoniosas.
Aliás, o tema da realização profissional preenche-se de tantos significados que chega,
para muitos, a confundir-se com o próprio sentido da vida. Sabemos de pessoas que
214 Comunicação Empresarial

permaneceram no mesmo emprego durante toda a existência e, dele, não tiraram somente o sus-
tento para si e para suas famílias: reconheceram-se como membros ativos e transformadores na
empresa e na comunidade de modo geral, e por meio da atividade laboral constituíram a parte mais
proeminente de sua identidade, razão pela qual sua presença se enraizou na memória da empresa
como uma espécie de símbolo.
Esse conjunto de experiências, saberes e emoções está como que “à disposição” dos indiví-
duos, na empresa, para dele fazerem o melhor uso, de acordo com a percepção de que serão capazes
de obter das partes e do todo. O esquema abaixo relaciona diferentes dimensões que, juntas, cons-
tituem o “processo cognitivo de filtragem” da realidade.
Figura 1 – Processo cognitivo de filtragem

Sentidos Atenção
Percepção

Sensação
Necessidades
Interpretação Memórias
Crenças
Sentido
Modelos mentais
Intenção Valores
Objetivos
Atitude
Ação Viés
Tradução

Fonte: Adaptada de Mayer; Mariano, 2008.

Considere-se o papel dos sentidos, com diferentes pesos, de pessoa para pessoa, na medida
em que umas são mais sensíveis à luz, outras, ao som, e assim por diante, embora haja uma hierar-
quia entre os sentidos, no alto da qual se coloca a visão, que domina os demais.
A interpretação exerce seu poder judicativo, de julgamento, análise, classificação, entre
outros processos, que redundará em uma intenção, ou seja, na capacidade de decidir como agir.
A decisão depende de uma interação com o mundo externo, a qual se dá de diferentes formas:
hábitos, reações, intuições etc. No entanto, decidir ainda não é agir; essa etapa ocorrerá na tra-
dução, processo do qual fazem parte as palavras (nem sempre capazes de expressar o necessário)
e ações físicas. O viés é a tendência a se privilegiar determinada informação em detrimento de
outra; induzir ou influenciar deliberadamente um ponto de vista; ter propensão a favorecer cer-
tos dados, ao invés de outros também válidos; e, em muitos casos, chega a tomar a forma de um
preconceito (como preconceito de classe, sexual, racial, entre outros).
Todas as etapas – de percepção à tradução – submetem-se à influência de um composto
de elementos (necessidades, memórias, modelos mentais etc.) de grande importância em todo o
processo de leitura do mundo. Os mapas ou modelos mentais são as imagens, reais ou supostas,
e narrativas, que formamos ou construímos em relação ao mundo, a nós mesmos, aos outros e às
Fundamentos da comunicação interpessoal 215

instituições, ou seja, estruturas de sentido com as quais convivemos e realimentamos, incessante-


mente, de conteúdos.
A teoria sobre os modelos mentais tem como origem as especulações de psicólogos cog-
noscitivistas e construtivistas, para quem os seres humanos vivem em um mundo “real”, mas não
operam direta e imediatamente sobre esse mundo, mas atuam em seu interior usando “mapas”,
“representações”, “modelos” ou interpretações codificadas dessa realidade.
As considerações sobre o processo cognitivo de filtragem mostram-se úteis para conhecer-
mos os pressupostos de outro conceito, o da competência interpessoal, de acordo com Moscovici
(2001). Para essa estudiosa, competência interpessoal é a habilidade de lidar eficazmente com ou-
tras pessoas de forma adequada às necessidades de cada uma e à exigência da situação.
Tal competência exige um permanente exercício de autopercepção e autoconhecimento.
A autopercepção concentra-se na estrutura emocional, na anatomia dos sentimentos e dos afetos,
e no modo como se percebem as crenças ou se desenvolve ou não uma atitude orientada por va-
lores morais e metafísicos. O autoconhecimento depende sempre dos outros para se integralizar;
necessitamos dos sinais externos, oferecidos por aqueles com quem convivemos. É claro que esses
sinais, por sua vez, são também respostas que enviamos aos outros, na forma geral de um compor-
tamento, de atitudes em contextos específicos: os gestos, a forma de se vestir, de falar, de se movi-
mentar, de demonstrar sentimentos ou a quase ausência deles etc.
Autopercepção e autoconhecimento podem ser contextualizados em nossa inclinação em
formular três perguntas: como me vejo? Como acho que sou visto? Como gostaria de ser visto
pelos outros? Ao mesmo tempo em que nos detemos naquelas duas dimensões, a competência
interpessoal exige-nos, ainda, flexibilidade perceptiva e comportamental. Flexibilidade para en-
xergar o mesmo fenômeno por diferentes ângulos ou considerar os aspectos distintos em jogo,
uma forma diferenciada de agir, não rotineira, expressando novas condutas, como alternativa
diante de certos estímulos. A outra capacidade é o feedback, sobre o qual é necessário se deter
um pouco: trata-se da retroalimentação do processo de comunicação na forma de uma resposta
ao emissor da mensagem.
O feedback é indispensável na empresa, quanto mais naquelas em que o paradigma interpre-
tativo (do qual faz parte a Escola de Montreal) é uma referência da administração. Como se busca o
consenso a partir do diálogo e do confronto de ideias e opiniões, o feedback surge como pressupos-
to para a continuidade da negociação entre os agentes. Portanto, a retroalimentação se faz presente
para aprovar ou reprovar uma mensagem, bem como para dar ciência do entendimento sobre os
termos e o sentido geral da mensagem. Assim procedendo, demonstra-se inteligência e/ou habili-
dade na interação em curso, o que por si só se reveste de certo nível de respeito pelo interlocutor.
O feedback pode ser também usado para repreender ou elogiar ou, ainda, para reforçar o acerto ou
uma sucessão de acertos no interior de um processo.
Moscovici (2001) defende algumas diretivas para o feedback:
• Descritivo ao invés de avaliativo – sem julgamento, apenas o relato de um evento;
• Específico ao invés de geral – explicar o significado: quando se diz a alguém que ele é
“dominador”, isso tem menos significado do que indicar o comportamento do interlocutor
216 Comunicação Empresarial

numa determinada ocasião: nesta reunião você não ouviu a opinião dos demais e fomos for-
çados a aceitar sua decisão para não receber suas críticas exaltadas.
• Compatível – com as necessidades de ambos, comunicador e receptor – pode ser altamente
destrutivo quando satisfaz somente às necessidades do comunicador sem levar em conta as
necessidades do receptor.
• Dirigido para comportamentos que o receptor possa modificar – e em caso contrário,
a frustração somente aumentará, pois ele acabará reconhecendo falhas em relação àquilo
que não está sob seu controle.
• Oportuno – logo após o comportamento em questão.
• Solicitado ao invés de imposto – será mais útil quando o receptor tiver formulado
perguntas que os que o observam possam responder.
• Esclarecido – pedir para que o receptor repita o feedback recebido para ver se corresponde
ao que o comunicador quis dizer.

11.2 Estilos interpessoais


Joseph Luft e Harry Ingham, cientistas sociais, propuseram, em 1955, um modelo conceitual
ou perceptivo para uma visão do relacionamento interpessoal. Os estudiosos partem da perspec-
tiva de que, nos relacionamentos, todos nós precisamos de feedbacks em relação àquilo que somos
ou fazemos; por outro lado, estamos continuamente nos expondo diante do olhar dos outros no
momento em que emitimos nossos f­ eedbacks a respeito do modo pelo qual entendemos como suas
ações nos afetam ou são por nós decodificadas. A janela de Johari, (fusão das iniciais do nome dos
cientistas), articula diferentes áreas como demonstra o esquema abaixo:
Figura 2 – Janela de Johari

Não conhecido
Conhecido do EU
do EU

Conhecido pelos
outros
Eu aberto
III
Eu cego

Não conhecido Eu
Eu secreto
pelos outros desconhecido

Fonte: Elaborada pelo autor.

O desequilíbrio da janela de Johari pode apresentar-se no sentido vertical ou no sentido ho-


rizontal; quando um deles é preferido em detrimento do outro haverá consequências prováveis em
termos de reações emocionais negativas e disfuncionalidade da dinâmica interpessoal.

11.2.1 Estilo interpessoal I – “Eu desconhecido”


Predomínio da área desconhecida: denota criatividade reprimida e relacionamento pratica-
mente impessoal. O indivíduo parece protegido por um escudo ou uma carapaça, o que o leva a
esboçar comportamentos rígidos, retraídos, daí porque observa mais do que participa. Esse estilo
Fundamentos da comunicação interpessoal 217

parece estar relacionado a sentimentos de ansiedade interpessoal e busca de segurança. Tende a


gerar hostilidade nos outros, pois a falta de relacionamento é, geralmente, interpretada em função
das necessidades das outras pessoas. Normalmente, esse estilo é encontrado nas organizações dis-
funcionais e burocráticas, nas quais parece ser conveniente evitar abertura e envolvimento.

11.2.2 Estilo interpessoal II – “Eu secreto”


Há uma notável necessidade de feedback, pois o julgamento dos outros impõe-se como de-
terminante nas suas relações com o grupo. Contudo, essa necessidade não é acompanhada pela
necessidade de exposição. A diferença principal em relação ao estilo I é a vontade expressa de
manter relações com nível razoável de participação no grupo, mas sempre baseada no proces-
so de solicitação de feedbacks. Quanto mais utilizado esse processo e menos o de autoexposição,
mais aumenta e se consolida o “eu secreto”, o que pode levar o grupo a julgar o indivíduo como
superficial e distante. O estilo representado pelo “eu secreto” teme o julgamento negativo de sua
pessoa e, como não se dispõe a manifestar-se, caso ele ocupe cargo de chefia, poderá gerar um
clima permissivo, exagerado e injustificável, já que todos emitem feedbacks sobre desempenhos,
inclusive os da chefia, mas não recebem nada em troca, como decorrência de um processo natural
de autoexposição do chefe.

11.2.3 Estilo interpessoal III – “Eu cego”


O indivíduo utiliza intensamente o processo de autoexposição, mas solicita pouco o feedback.
Tem sua atuação no grupo destacada, pois se dispõe a dar informações. Corre o risco de ser rotulado
de egocêntrico, já que concede exagerada importância para as próprias opiniões, sempre valorizando
sua autoridade. Trata-se de um estilo interpessoal que poderá gerar comportamentos semelhantes à
medida que o grupo chegue à conclusão de que o indivíduo sonega informações e, por esse motivo,
passa-se a adotar o comportamento por precaução. No trabalho, esse estilo prejudica a produtividade
em decorrência do ressentimento que possa gerar, além da hostilidade ou apatia, refreando a confiança
mútua e a criatividade.

11.2.4 Estilo interpessoal IV – “Eu aberto”


Caracteriza-se pelo equilíbrio de busca de feedback e de autoexposição. O comportamento
da pessoa é claro e aberto para o grupo, provocando, assim, menos erros de interpretação por parte
dos outros. O objetivo principal dos processos de busca de feedback e autoexposição consiste em
deslocar informações das áreas cega e secreta para a área livre, na qual serão úteis a todos.

11.3 Gestão de conflitos


Embora os sentidos da palavra conflito evoquem tensões, desentendimentos, enfrentamentos,
discussões acaloradas e demais situações críticas, todos os dias o fenômeno repete-se no mundo cor-
porativo e, às vezes, como dado surpreendente, com um grau de radicalidade que parece negar o
ambiente, o qual tem como cenário. Para Morgan (2002, p. 191), o conflito
surge quando os interesses colidem. A reação natural ao conflito dentro do con-
texto organizacional é vê-lo como uma força disfuncional que pode ser atribuída
218 Comunicação Empresarial

a algum conjunto lamentável de causas ou circunstâncias. [...] O conflito é visto


como um estado indesejável que em circunstâncias mais favoráveis desapareceria.

Muitos são os motivos ou fatores que geram conflitos nas empresas e, embora seja impossível
fazer um levantamento exaustivo de todos eles, podemos apontá-los com certo grau de generalidade:
competição por recursos disponíveis, mas escassos; divergência de alvos entre as partes; perda de
autonomia ou seu cerceamento; direitos não atendidos ou não conquistados; mudanças externas
acompanhadas por tensões, ansiedades e medo; luta pelo poder; necessidade de status; insatisfa-
ção com o perfil das funções atribuídas; incompatibilidade de gênios; percepção de que a chefia
é inexperiente ou incompetente; sentimento de que se foi injustiçado em situação de promoção;
excesso de funções ou de trabalho; exploração de terceiros (manipulação); necessidades individuais
não atendidas; expectativas não atendidas; carência de informação, tempo e tecnologia; escassez de
recursos; marcadas diferenças culturais e individuais; divergência de metas; emoções não expressas/
inadequadas; obrigatoriedade de consenso; meio ambiente adverso e preconceitos etc.
A gestão de conflito muito focada no confronto entre “litigantes” provavelmente se limitará
a dissolver de forma simplista a tensão e não identificará a raiz do problema. Pior: poderá causar
a sensação de que se agiu com indiferença, insensibilidade ou paternalismo ao não se ocupar com
uma discussão aprofundada sobre as verdadeiras causas do embate. Impõe-se a necessidade de
se conhecer os vários ângulos da situação: o perfil das pessoas envolvidas, cargos ou funções que
ocupam, o histórico de cada uma na empresa, a relação que costumam manter com os colegas,
as circunstâncias em que ocorre a crise (a empresa trabalha com produtos sazonais, cuja produção
e venda ocorre em determinadas épocas do ano? O acúmulo de trabalho vem se prolongando há
muito tempo?), o contexto propriamente dito, o motivo em específico etc. Considera-se também se
os funcionários trabalham em grupo ou de forma mais ou menos isolada, além das relações entre
as funções que ocupam.
Cada vez mais os gestores de pessoas fazem referência à assertividade como um padrão
de comportamento maduro, construtivo e emancipador. Assertividade é a qualidade daquilo
que é assertivo, isto é, afirmativo, no sentido de se enfatizar um ponto de vista, o que, por sua
vez, e necessariamente, abre-se para o ponto de vista do outro. Boff (2000), em outro contexto,
defende que “todo ponto de vista é a vista de um ponto” e isto vale muito para o princípio da
assertividade, pelo menos para os que compreendam que sua atitude afirmativa não se con-
funde com a afirmação prepotente do eu.
A assertividade é um modo direto de expressão, por meio do qual se indicam as necessidades
ou preferências, registram-se emoções e opiniões, sem ansiedade indevida ou excessiva e sem hosti-
lidade contra o outro. É um comportamento que permite defender os próprios direitos sem violar os
direitos do próximo, o que nada tem a ver com o divisar limites entre a liberdade de um e de outro.
Como destacado anteriormente, liberdade é uma construção interpessoal e, assim sendo, depende de
trocas simbólicas e intersecção de interesses, portanto, negociação.
A defesa de direitos legítimos é um ato de afirmação da individualidade, mas isso
não é usado contra o outro, mas sim em benefício da relação; se adotada com o equilíbrio
e maturidade inerentes ao conceito, a assertividade coloca-se como aliada da conversação,
Fundamentos da comunicação interpessoal 219

da exposição de pontos de vista e favorece uma atitude também respaldada nesses valores por
parte dos demais funcionários.
Um comportamento não assertivo, por exemplo, ocorre quando se cala contra os pró-
prios princípios e direitos individuais, principalmente se o resultado de tal atitude provocar a
repressão de emoções com consequências marcadas pelo ressentimento. No entanto, não se deve
confundir a assertividade com o chamado “sincerocídio” do qual se valem determinadas pessoas
para exibir, a todo momento, o que qualificam de “sinceridade”, quando na verdade a atitude
parece mais próxima do “acerto de contas”, da exposição de julgamentos, da reprimenda, do
deslocamento de culpas e da crítica implacável.
O comportamento impositivo, acompanhado de críticas, muitas vezes desconcertantes,
fatalmente gera ressentimentos, mas não só: empresas com climas organizacionais pesados têm
uma natural predisposição para gerar mais conflitos, em um tipo de fórmula como a da velha
charada proposta por uma conhecida marca de biscoitos: o clima é tenso porque os funcionários
não se entendem ou os funcionários não se entendem porque o clima é tenso? Não há como dei-
xar de notar que uma comunicação interna deficiente, ainda que não seja ela a causa primeira da
crise das relações, acaba agravando a situação como um todo; isso porque os agentes, em proces-
so de contínuo desgaste, tornam-se mais reativos a críticas, como também se mostram mais into-
lerantes a falhas, não importando a origem e os cargos envolvidos. Bee e Bee (2000) propõem dez
passos para reduzir o risco da geração de conflitos na empresa por meio da crítica construtiva.
1. Análise da situação – identifica-se o problema, o que, especificamente, necessita ser al-
terado e por quê.
2. Determinação do(s) efeitos(s) e objetivo(s) pretendido(s) – estabelece-se o que o(s) en-
volvido(s) deve(m) fazer.
3. Ajuste à receptividade – o encarregado de realizar a crítica deve observar se um ou mais
envolvidos estão abertos a críticas.
4. Criação de ambiente propício – o ambiente no qual se realiza a crítica deve oferecer
tranquilidade a quem se responsabiliza em fazê-la.
5. Comunicação efetiva – consideram-se alguns aspectos fundamentais na efetuação de
uma crítica, tais como: o que se diz, a maneira como se diz, a linguagem corporal; e, ainda,
a escuta e observação da pessoa criticada, além de se ter disposição para cooperar com o
indivíduo criticado na relação com o problema, objeto da crítica.
6. Descrição do comportamento que deseja mudar – é fundamental que a pessoa que re-
cebe a orientação tenha em mente o ponto exato do problema.
7. Descrição do comportamento desejado – é imprescindível orientar o indivíduo critica-
do em direção a um padrão ou referência de desempenho ou comportamento.
8. Busca de soluções conjuntamente – o indivíduo que critica deve procurar ajudar o criti-
cado, dando-lhe sugestões e/ou ideias.
9. Concentração naquilo que julgue satisfatório – consiste em alternar mensagens positi-
vas às negativas.
220 Comunicação Empresarial

10. Realização de acordo – esse, talvez, seja o item mais difícil, na medida em que ninguém
muda o comportamento ou desempenho sem que concorde com a mudança.

11.3.1 O inóspito familiar e outras imagens sobre a organização


Boa parte das pessoas já ouviu a expressão familiar inóspito associada ao ambiente domés-
tico com grau significativo ou elevado de animosidade e tensão. Da mesma forma, boa parte dos
profissionais instalados em milhões de empresas ao redor do mundo enfrenta diariamente um
conjunto complexo de fatores capaz de suscitar um sentimento paradoxal de difícil interpretação;
eis o campo do inóspito familiar como designamos o quadro de forças constituído pelas relações
de “interesse, conflito e poder” apontadas por Morgan (2002).
Para compreender tal afeto, elegemos uma das metáforas que o teórico utiliza como método
para classificar os diferentes tipos de organização. Trata-se em específico da “organização como
sistema de atividade política”.
Há outras sete metáforas criadas por Morgan sempre com a finalidade de alcançar uma
compreensão abrangente, analítica e crítica sobre essas instituições: organizações como má-
quinas; organismos; inteligências; culturas; prisões físicas; fluxo e transformação; instrumen-
tos de dominação.
Em seu livro, no início do capítulo dedicado à metáfora da organização como sistema polí-
tico, Morgan (2002, p. 183) chama atenção para o seguinte:
A política organizacional surge quando as pessoas pensam diferentemente e
querem agir diferentemente quando confrontadas com diferentes caminhos de
ação. Como já vimos, existem muitas maneiras pelas quais a tensão pode ser
resolvida:
• autocraticamente (“Vamos fazer deste jeito”);
• burocraticamente (“Devemos fazer deste jeito”);
• tecnocraticamente (“E melhor fazermos deste jeito”); e
• democraticamente (“Como devemos fazer?”).
Em cada caso, a escolha entre caminhos alternativos de ação depende das rela-
ções de poder entre os atores envolvidos. Seus interesses divergentes dão origem
aos conflitos, visíveis ou invisíveis, que são resolvidos ou perpetuados por vários
tipos de jogos de poder

No campo semântico da palavra interesse incluem-se “metas, valores, desejos, expectativas


e outras orientações e inclinações que levam uma pessoa a agir de uma maneira ou de outra”
(MORGAN, 2002, p. 183). No contexto do sistema político organizacional, os interesses corres-
pondem a três domínios, conforme o autor: a tensão que geralmente existe entre o trabalho de uma
pessoa (tarefa), as aspirações de carreira e os valores pessoais e o estilo de vida (interesses pessoais).
O “inóspito familiar”, imagem não utilizada por Morgan, tem a ver com a consciência das
regras do jogo do poder. As forças contrárias aos interesses do indivíduo, quando relacionados às
tarefas que desenvolve, por exemplo, vão a todo momento entrar em conexão, direta ou indireta-
mente, com o poder exercido por chefias já instaladas na empresa e, como processo dinâmico, com
o que se vai constituindo com a entrada de novas lideranças.
Fundamentos da comunicação interpessoal 221

Morgan argumenta que pessoas que trabalham em organizações políticas afirmam estar cer-
cadas por formas de “arranjos” (2002, p. 179), o modo como diferentes agentes tentam promover
interesses específicos. Vista como um produto “sujo” resultante desse tipo de motivação – fato
lamentado pelo autor – os funcionários acabam não percebendo que a política e a politicagem se
oferecem como significados culturais de tal organização e por isso ambas não seriam necessaria-
mente negativas, ou seja, uma opção ou disfunção extra.
Morgan representa os três domínios citados acima – tarefa, carreira, interesses pessoais – na
forma de círculos com áreas comuns em intersecção, cuja visualização demonstra a sua pequena
extensão que pode ser variável. No entanto, argumenta o teórico: “o fato de que a área de completa
convergência de interesses é geralmente pequena (a área mais escura) é uma razão pela qual a ra-
cionalidade organizacional (ou da tarefa) é um fenômeno tão raro” (2002, p. 184).
Figura 3 – Intersecção de interesses representados como domínios

Tarefa Carreira

Pessoal

Fonte: Morgan, 2002, p. 184.

Lançamos mão da expressão “inóspito familiar” como forma de condensar e consequen-


temente esquematizar os significados inerentes à burocracia – a forma de poder manifestada na
frase “devemos fazer deste jeito”, própria da organização como sistema político – e o conjunto de
estratégias ou saberes à disposição daqueles que aprenderão a conviver com a carga de hostilidade
inerente à dinâmica dos interesses; quer dissecando seus sinais quer se “familiarizando” com eles
em uma certa posição de conforto psicológico com os resultados provenientes dessa condição:
gestão de carreira em direção a cargos mais elevados, respeitabilidade, aumento do grau de in-
fluência nas decisões etc.
Na contramão da percepção de que as organizações são estruturas racionais e integradas no
interior das quais os agentes criam nexos colaborativos, a metáfora da organização como política
“encoraja-os” (o verbo utilizado por Morgan) a “ver as organizações como redes soltas de pes-
soas com interesses divergentes que se juntam por motivo de conveniência pessoal (ganhar a vida,
desenvolver uma carreira, defender uma meta ou objetivo pessoal)” (2002, p. 189).
Por isso as organizações são coalizões, grupos organizados em torno de interesses comuns.
Assim, há coalizões geradas pela aliança entre advogados, gerentes de diferentes escalões, traba-
lhadores, acionistas, quando se nota o maior ou menor grau de formalidade na configuração dos
222 Comunicação Empresarial

grupos, princípio que vale também para avaliar o quanto que cada grupo tem consciência desse
tipo de relação entre eles.
Ocorrerá eventualmente a supremacia de uma coalizão sobre as demais ou a maior parte
delas. Mas o que fica evidente em todas as dimensões tratadas por Morgan é sempre o conflito
gerado pelos diferentes interesses. Há organizações que até inconscientemente fazem dele a mola
propulsora de suas ações, já que a disputa e a competição poderão ocasionar um saldo positivo em
favor da organização.
A coalizão dos diferentes grupos poderá corrigir a tendência à fragmentação do aparelha-
mento burocrático, quando, por exemplo, alocam-se “diferentes objetivos e atividades a subunidades
como departamentos e equipes de projetos” (MORGAN, 2002, p. 190), o que motiva cada equipe a se
preocupar tão apenas com as tarefas específicas dos seus setores, dificultando o consenso.
O inóspito familiar pode ser observado no organograma da empresa, o qual demonstra as
relações de cooperação entre as partes e, portanto, impõe-se como uma cenografia racionalizante
no modo pelo qual cada instância conecta-se a outra; mas ao mesmo tempo, o organograma dá
forma às dimensões conflitantes em jogo.
Sobretudo nas organizações burocráticas, em que cargos e subdivisões são estruturados
em pirâmide, a base é ocupada por um número maior de agentes do que o instalado no topo,
lugar em que a disponibilidade de assentos é exígua. Daí que a competição pelos últimos pode
ser acirrada, o que leva a supor que haverá mais perdedores do que vencedores. Diga-se de pas-
sagem, em uma cultura acostumada a raciocinar de forma binária como a existente nos Estados
Unidos, a competição tem um significado adicional e não identificável, com a mesma intensida-
de, em nenhum outro país.
Morgan se detém na exposição do caso de operários que mantêm o controle do ritmo do tra-
balho com reflexos nos seus ganhos (trabalhadores horistas) e de manobras postas em prática por
outros setores. A manobra política, que tensiona o domínio da tarefa com a do interesse pessoal,
evidente nesse caso, é perceptível também nas relações horizontais entre unidades, mas nesse caso
com uma dimensão, conclui-se, mais abrangente, ao evidenciar os interesses em torno da carreira.
É que na distribuição de tarefas com objetivo específico pelas equipes multidisciplinares, os agentes
mediante a natureza das atividades, com variados níveis de responsabilidade, podem passar a reco-
nhecê-las e valorizá-las mais do que propriamente executá-las. Isso fica mais em evidência quando
sistemas de recompensa, status e sucesso estão vinculados ao desempenho de responsabilidades de
uma pessoa.
Já em seu nascedouro como “gestão do poder na polis” grega, a política revelou esse seu
comprometimento com a sopesagem das forças em jogo; o redimensionamento dos elementos
sociais e econômicos, resultante da análise permanente posta a serviço da gestão, sempre associou
a política ao poder.
Não poderia ser diferente no contexto da metáfora de Morgan. Assim, é justamente o po-
der que exerce um papel-chave nessa configuração organizacional, razão pela qual “os gerentes
são encorajados a reconhecer que o conflito e o jogo de poder podem servir tanto a propósitos
Fundamentos da comunicação interpessoal 223

negativos quanto a positivos e a encontrar maneiras de usar o conflito como uma força energizan-
te” (MORGAN, 2002, p. 209).
Sendo um componente (o principal) da gestão, o modo como o poder se relaciona com o
conflito pode inspirar o autoconhecimento, o aprendizado e a mudança, ainda que também pos-
sa gerar todo tipo de disfunção, como o sofrimento na forma de humilhação, desprestígio, perda
de status e assim por diante. Como válvula de escape, o conflito evitaria algum tipo de reação
violenta e incontrolável, já que ele se apresenta como arena, o campo de exploração e resolução
de diferenças.
No entanto, caberá ao gestor encontrar o ponto certo de regulagem do conflito; se em excesso,
o conflito imobiliza, desviando tempo dos envolvidos, resultando em improdutividade; se em nível
mínimo, pode redundar em complacência das chefias (e uns com outros) e letargia. Morgan tem a
clareza e coragem de afirmar o que parece óbvio e ao mesmo tempo perigoso: no caso de muito con-
flito, aplicação de técnicas de resolução (como se verá mais à frente); no caso de pouco, promover os
conflitos “adequados”, talvez tornando aberto aquilo que estava oculto ou simplesmente criar algum.
Entre as vantagens da abordagem da organização como sistema político, Morgan apon-
ta uma que de imediato podemos relacionar à crítica ao discurso competente (CHAUI, 1977),
ou seja, o reconhecimento dos mecanismos ideológicos. O autor afirma que na metáfora em
questão o “mito da realidade organizacional é desbancado”. Isso porque a organização ao en-
fatizar a importância da administração racional, eficiente e eficaz”... não explicita para “quem”
o é. Quando assume tal discurso, a organização parece dizer que aquelas virtudes beneficiam a
todos; já a metáfora política traz à luz o que permanecia dissimulado: a organização pode ser
racional para o interesse de certas pessoas, mas não para outras...
“A racionalidade é sempre política. Ninguém é neutro na administração de organizações –
nem mesmo os administradores!” (MORGAN, 2002, p. 210). Esses últimos mobilizam os signos
da institucionalidade a seu favor para a realização de interesses de trabalho, pessoais e de carreira
como quaisquer outros agentes.
É essa racionalidade instrumental, filtrada na forma de discurso e prática, que, mascara e tenta
superar a contradição que uma organização é simultaneamente um sistema de cooperação e com-
petição. No entanto, a metáfora, como se destacou, corre em sentido contrário, agindo como um
dispositivo de desmonte do mito da racionalidade organizacional.
Há outras tantas vantagens e algumas desvantagens identificadas no sistema político. Note-
se que vantagem para Morgan é uma forma de colocar em pratos limpos camadas não evidentes,
não assumidas ou dissimuladas da organização como sistema político. Por isso, a metáfora, como
todas as outras propostas pelo teórico, funciona como um dispositivo analítico e crítico que age
com a intenção de esclarecer o pesquisador sobre o funcionamento das organizações em sentido
amplo e complexo.
Pelo filtro da metáfora que viemos estudando, a noção de integração organizacional torna-
-se problemática. Como máquina (burocracia) ou organismo, a organização afirma sua unidade
interligando sistematicamente as partes em um todo coerente. Mais uma vez, contudo, a metáfora
224 Comunicação Empresarial

põe em xeque tal propriedade, vislumbrando as forças desintegradoras desse todo como resultado
de uma diversidade de interesses sobre os quais a organização foi criada.
O enxugamento da máquina na forma de extinção de cargos, departamentos e consequentes
demissões, às vezes em massa, surge no centro de uma moldura econômica, sobretudo, que a nosso
ver torna patético um desses slogans paternalistas, repetido ainda à exaustão no Brasil e de acordo
com o qual certa empresa “é uma família”. O leitor conhece famílias que teriam demitido seus fi-
lhos? Pergunta Morgan (2002): se a empresa é mesmo uma equipe, por que seus membros são tão
dispensáveis? Ou a ideia de equipe somente é usada para “promover um sentimento de unidade?”
O inóspito familiar, como campo a um só tempo conflagrado e ameno, ao aglutinar o tipo de
tensão estudada por Morgan, parece corroborar aos olhos do funcionário, no caso das demissões,
o que este já intuía e temia, o de ele mesmo fazer parte de um jogo, cujas regras nunca serão de
todo divulgadas, já que elas mesmas são textos flutuantes de um código racional e unificante, cuja
legitimidade e/ou concretude é polêmica e controversa.
Como toda teoria que se quer dialética – e não apenas dualista – vale a pena insistir que
Morgan aduz a um dispositivo, o organizacional, nos termos da metáfora política, que lembra o
do veneno-remédio em que as possibilidades de morte ou cura são ativadas conforme a dosagem
que se ministra ao paciente. Assim, ter consciência das tensões instaladas na organização e de sua
anatomia pode orientar o gestor a superar o conflito e passar a contar com um grau de colaboração
de que não dispunha antes. No entanto, os efeitos da dosagem errada transformam fatalmente o
remédio em seu oposto.
Nessa linha de raciocínio, Morgan reconhece que uma das desvantagens da metáfora é não
considerar que “política gera mais política” e formar em consequência um juízo de que tudo na
organização prende-se a esse estatuto, segundo o qual nada subsiste sem o caráter político. Alerta
Morgan que “Começamos a ver política em toda parte e a procurar intenções ocultas mesmo onde
elas não existem. Por esta razão, a metáfora precisa ser usada com cautela. Caso contrário, seu uso
pode gerar o cinismo e desconfiança em situações em que eles não existiam antes” (MORGAN,
2002, p. 212).
Uma visão banalizada e agarrada ao que o senso comum chama de maquiavelismo passa-
ria a ser a tônica ao predizer que todos estariam dispostos, na empresa e fora dela, a manobrar
e enganar todo mundo. O reconhecimento, portanto, da vitória do cinismo contra o qual não
haveria o que fazer. Por outro lado, na certeza de que a política preenche todos os quadrantes
da organização, nada mais oportuno do que nos apossarmos de certas estratégias e agirmos
conforme nossos interesses...
Morgan reage duramente em relação a um juízo reificante como esse em uma passagem que
vale a pena ser transcrita:
Este maquiavelismo reflete-se em muitos textos contemporâneos sobre a polí-
tica da organização, que têm uma tendência a enfatizar a mentalidade cínica,
egoísta, impiedosa, de ir em frente a qualquer custo que às vezes transforma as
Fundamentos da comunicação interpessoal 225

organizações em verdadeiras selvas. Esses textos “vendem” as ideias sugeridas


pela metáfora por meio de afirmações como “descubra onde está o verdadeiro
poder e use-o”, “entenda os boatos e colha os frutos”, “vença através da intimida-
ção”, “proteja seu cargo conhecendo seus inimigos”, ou “agarre o poder e exerça
influência”. (MORGAN, 2002, p. 212-13)

Para finalizarmos, há uma reflexão que o texto de Morgan nos suscita com base em uma
recontextualização, provavelmente já antecipada pelo leitor. Em um momento no qual o Brasil
enfrenta sua mais profunda crise institucional, todos nós ficamos mais politizados. Diariamente,
assistimos às tensões entre os três poderes, cuja orquestração das forças à disposição em seu entor-
no gera perplexidade em vários momentos.
Por outro lado, como nunca antes, parece que fomos nos habilitando, ao longo de um pro-
cesso que já dura anos, a ler nas entrelinhas, a identificar o componente político – talvez com o
significado negativo maior do que desejaríamos – existente em várias ações daqueles poderes.
A par de toda comoção que tal cenário possa causar, nada autoriza o cidadão que reconhece
e cultua os valores democráticos a declarar a falência das instituições, o que justificaria, de acordo
com essa percepção equivocada, uma resposta das forças reacionárias em forte ebulição no país.
Isso para resgatar o valor ético e institucional dos três poderes, supostamente perdido, conforme
aqueles grupos.
Se certo segmento da sociedade se posiciona a favor de um tipo de ação que conduziria o
país à normalidade, mas por uma via inconstitucional, outros segmentos podem, de acordo com
o alerta de Morgan em relação às organizações, ser conduzidos a “ver política em toda parte e
procurar intenções ocultas mesmo onde elas não existem” (2002, p. 212). O resultado nos dois
casos demonstra o embaraço em que nos encontramos, embora o primeiro vá muito além disso,
porque procura argumento para justificar a ilegalidade.
“Conhecer a regra do jogo político”, no entanto, e eventualmente tirar vantagem disso, torna
a vida social um campo de manobras para os mais espertos, como se de repente eles tivessem tido
acesso a um conjunto de estratégias ou motivações de caráter maquiavélico, conforme mencionado
por Morgan.
Não sabemos avaliar, com precisão, como a vida política do país poderia estimular compor-
tamento antiético, nas organizações, ou por outro lado, mais crítico e combatente em relação aos
excessos do poder.
No entanto, em certa medida uma organização é um microcosmo sobre o qual incide uma
série de vetores não apenas originários do mundo das organizações, mas da sociedade como um
todo. Personalidades mais capciosas no interior das organizações podem extrair das disjunções da
vida social um tipo de significado atitudinal estimulante para a gestão do poder e fazer dele o mau
uso apontado pelo teórico.
Esse conteúdo originário do macrocosmo, em uma leitura “maquiavélica” que tentasse
adaptá-lo às regras da organização, terá que ser sempre combatido. Um tema não tratado por
Morgan – o da corrupção nas empresas – representa o ponto máximo e mais deplorável que as
colocaria mais próximas, também como nunca se viu, dos “arranjos” – outra palavra utilizada
226 Comunicação Empresarial

pela análise do autor britânico – praticados no cenário político e especificamente no brasileiro,


contaminado em grau surpreendente.
Não se pode mecanicamente pensar a empresa brasileira como um reflexo da cena política.
Mesmo se evocarmos as relações autoritárias que parecem se perpetuar em muitas delas, uma he-
rança dos valores de mesmo teor encontrados na sociedade como um todo.
No entanto, para o analista das organizações atento ao exercício do poder no país, no qual
facilmente se identificam a permanência de arcaísmos de toda espécie, a metáfora de Morgan pode
ser usada em caminho contrário. Então ela passaria a explicar que as relações entre tarefa, carreira
e questões pessoais, no contexto dos três poderes, são assimétricas, com predomínio dos interesses
dos dois últimos domínios sobre o primeiro. Visto por esse ângulo, não faltariam (péssimas) moti-
vações para os detentores do poder na empresa, quando então aquela frase lembrada pelo teórico
– “agarre o poder e exerça influência” – ganharia alcance inesperado e aliciante.

11.3.2 Mapa de conflitos na empresa


A expressão mapa de conflitos se aplica às tensões em torno da demarcação de fronteiras es-
paciais e étnicas, da problemática divisão de terras e às questões ligadas ao meio ambiente, sempre
com o escopo de se traçar uma topografia da incidência dos litígios. Na empresa, tem um sentido
metafórico (na medida em que não existe uma cartografia do fenômeno), embora não se possa des-
considerar a hipótese de se propor a representação cartográfica dos conflitos em empresas de médio
e grande porte. É possível que uma abordagem como essa ajudasse a visualizar, no sentido próprio,
as zonas (secções, setores, departamentos, chefias etc.) suscetíveis a conflitos ou que de alguma forma
enfrentem ou tenham enfrentado o fenômeno. Uma cartografia como essa acabaria, supostamente,
demonstrando não apenas o caráter abrangente, complexo e dinâmico dos conflitos, como possivel-
mente a relação indissociável entre eles e a cooperação, como querem os teóricos do estruturalismo.
Mas tal empreitada ficaria na dependência de um olhar analítico que somasse um conhecimento
profundo do organograma da empresa ao da dinâmica das relações humanas para transformar essa
informação em um algoritmo.
Entre as teorias da administração, o estruturalismo representa o momento, a partir dos anos
1950, em que se tenta integrar pressupostos da Escola Clássica (Burocracia – Taylor, Fayol, Weber)
e das Relações Humanas (Mayo), como, por outro lado, superá-los em sua maior parte. O estrutu-
ralismo evidencia as relações entre o todo e as partes na constituição desse todo. A interdependên-
cia das partes e o fato de que o todo é maior do que a simples soma das partes colocam-se como
traços determinantes dessa corrente.
Para os estruturalistas, não existe harmonia entre os interesses de patrões e empregados,
como afirmavam, talvez de forma simplista, os defensores da teoria clássica; ou, ainda, de que seja
possível preservá-la ou cultivá-la pela administração, por meio de uma atitude humanista, com-
preensiva e terapêutica de reconhecimento das necessidades do funcionário, como defendiam os
teóricos das relações humanas.
Fundamentos da comunicação interpessoal 227

Ambas as teorias não se detinham na reflexão sobre o problema do conflito, talvez por se
formularem como teorias eminentemente prescritivas. Para os estruturalistas, os conflitos são os
elementos geradores de mudanças e do desenvolvimento da organização.
Conflito, portanto, ainda que seja visto como um momento de crise, também revela outra
faceta: a de ser um processo favorável ao surgimento de ideias, sentimentos, de revelação de uma
atitude inovadora e criativa, como se viu em Morgan (2002), no tópico anterior. Sempre que se fala
em acordo, aprovação, resolução, consentimento, deve-se lembrar que essas palavras pressupõem
a existência ou a iminência de seus opostos, como desacordo, desaprovação, desentendimento,
oposição o que significa conflito. O conflito é condição geral do mundo animal.
Conflito e cooperação são elementos integrantes da vida de uma organização. Hoje, há uma
inclinação de certos teóricos da área de gestão de pessoas em considerar o conflito e a cooperação
como dois aspectos da atividade social, intimamente ligados na prática. Tanto que a resolução do
conflito é muito mais vista como uma fase do esquema conflito-cooperação do que um fim do
conflito. O pensamento administrativo dominante, no entanto, empenha-se muito mais na direção
de obter cooperação e neutralizar ou superar conflitos.
Uma das situações conflitivas mais complexas, diante da qual as organizações modernas
nem sempre dão respostas satisfatórias, é aquela representada pela produção de conhecimento
sem que isso redunde em um abalo da estrutura hierárquica da organização, já que muitas vezes o
conhecimento vai de encontro a certos significados preservados pela hierarquia.
O mapa de conflitos, idealizado segundo as técnicas e as metodologias afluentes na área de
cartografia, ofereceria uma visão matizada e dinâmica do problema, já que perfeitamente atualizá-
vel com os recursos da informática, além de aprofundar, como talvez nunca se tenha feito antes, a
relação conflito-cooperação. É claro que a metodologia para a confecção de uma carta, com esses
objetivos, teria que partir de conceitos bem-definidos de conflito e cooperação, bem como de ex-
tensão espacial, no interior das instalações da empresa, e de estrutura hierárquica e organogramá-
tica, como se destacou. Nesse caso, teríamos sempre um número bem razoável de variáveis, mas
justamente o esforço em refletir sobre cada uma é que dotaria a empresa de uma inteligência sobre
gestão de pessoas e comunicação interna em um aspecto dos mais importantes na vida organiza-
cional. Aliás, as variáveis por si só talvez apontassem para a necessidade de se produzir diferentes
mapas, de acordo com o surgimento de peculiaridades dos movimentos internos e das relações
entre grupos.
Vários teóricos das organizações dividem os conflitos entre objetivos e emocionais e os re-
lacionam em um quadro que poderia servir de ponto de partida para um mapa como propomos.
228 Comunicação Empresarial

Quadro 1 – Conflitos objetivos e emocionais

Conflitos objetivos Conflitos emocionais

Definição de metas
Distribuição de tarefas Choque de personalidade
Alocação de recursos Crenças e valores divergentes
Distribuição de recompensas Antipatia
Definição de políticas Ressentimento
Designação de funções

Fonte: Elaborado pelo autor.

Um autor como Robbins (2006) vê o conflito como um processo que tem início no momento
em que uma parte faz algo que a outra julga incompatível com seus interesses; o conflito ocorre
quando ambas as partes percebem a divergência, cujas consequências podem tomar caminhos
inesperados. O teórico divide o conflito em cinco estágios e propõe técnicas de superação do pro-
blema, conforme veremos a seguir.
Antes, vamos entender, com a ajuda de Robbins (2006, p. 326) como as diferentes escolas
interpretam o conflito nas organizações.
Conflito na visão tradicional
Trata-se de uma disfunção e por isso é sempre ruim. Ele gera perda de tempo e associado à
“violência, destruição e irracionalidade”. Deve ser evitado. Essa abordagem manteve-se prevalente en-
tre as décadas de 1930 e 1940, período em que o conflito era entendido como falha de comunicação.
Conflito na visão de relações humanas
É uma ocorrência natural nos grupos e organizações. Como seria inevitável, essa escola de-
fende a sua aceitação. Assim, seria necessário racionalizar a existência do conflito, motivo pelo qual
se afirma que ele não pode ser eliminado; pelo contrário, há ocasiões em que ele pode ser até bené-
fico para o desempenho do grupo. A visão de relações humanas dominou a teoria sobre conflitos
do final dos anos 40 até a metade da década de 1970.
Conflito na visão interacionista
Se a abordagem de relações humanas aceita o conflito, a interacionista o encoraja, pois ele
seria o motivador da iniciativa e da invenção. Grupos harmoniosos e cooperativos demais correm
o risco de tornarem-se letárgicos, insensíveis à necessidade de mudança e inovação. Assim, a maior
contribuição dessa abordagem é o de encorajar os gestores a manter pelo menos um nível mínimo
de conflito, promovendo a autocrítica e a criatividade do grupo.
Conflito funcional x disfuncional
Não são todos os conflitos que podem ser considerados produtivos e benéficos para o grupo,
conforme as premissas referidas acima. Conflitos que fortalecem os objetivos do grupo, concorren-
do para a melhoria do seu desempenho, são considerados funcionais. Já aqueles que obstruem ou
dificultam o cumprimento de objetivos são chamados de disfuncionais. A diferença entre ambos
somente poderá ser evidenciada se considerados os três tipos de conflitos: de tarefa, de relaciona-
mento e de processo.
Fundamentos da comunicação interpessoal 229

O conflito de tarefa está relacionado ao conteúdo e aos objetivos do trabalho. Já o conflito


de relacionamento tem as relações interpessoais como centro. Finalmente, o conflito de processo
relaciona-se ao modo como o trabalho é realizado. Robbins (2006, p. 327) afirma que quase sempre
os conflitos interpessoais são disfuncionais, pois tendem a aumentar o choque entre personalida-
des, diminuindo a capacidade de compreensão mútua, impedindo, em consequência, a realização
das tarefas organizacionais.

11.4 Conflito como processo


Figura 3 – O processo de conflito
Estágio I Estágio II Estágio III Estágio IV Estágio V
Oposição potencial ou Cognição e Definição de Comportamento Resultado
incompatibilidade personalização estratégia ou intenção

Aumento de
Conflito
Intenção ou estratégia No conflito aberto desempenho
Condição antecedente percebido
para lidar com o Conflito • comportamento dos do grupo
• comunicação
• comunicação envolvidos
• estrutura
Conflito • estrutura • reação de outras Redução de
• variáveis pessoais
sentido • variáveis pessoais pessoas desempenho
do grupo

Fonte: Robbins, 2006, p. 328.

11.4.1 Estágio I: oposição potencial ou incompatibilidade


Presença de condições geradoras de conflitos. Essas condições são sintetizadas em três cate-
gorias gerais: comunicação, estrutura e variáveis pessoais.
Comunicação – o modo pelo qual as partes comunicantes fazem uso das palavras e do ges-
tual. Uso de jargões, de gírias, de termos técnicos, a troca insuficiente de informações e o ruído no
canal de comunicação podem ser obstáculos para a comunicação e potenciais antecedentes para
os conflitos.
Portanto, certifique-se sobre o sentido das palavras; verifique a acepção que determinado
vocábulo ganha no contexto. Aja com assertividade e peça esclarecimento sobre o uso das palavras
sempre que julgar necessário. Em certas ocasiões, a consulta a um dicionário faz-se necessária,
caso de secretárias incumbidas da correspondência de um setor. Palavras parônimas (semelhan-
tes), como ratificar e retificar; tráfego e tráfico, podem dar margem a problemas bem além da troca
de letras. No anedotário hospitalar, conta-se que uma muito mal instruída auxiliar de enfermagem
teria injetado suco de laranja na veia do paciente; na verdade, o que o médico receitara, no pron-
tuário, era uma refeição matutina leve à base de suco de laranja e aveia...
Estrutura – os grupos dentro das organizações possuem metas diferentes. Essa diversifica-
ção de objetivos entre os grupos é uma grande fonte de conflitos. Quando os grupos buscam metas
diferentes, algumas divergentes, o potencial de conflito cresce muito. Tal é o caso, por exemplo, da
divergência entre grupos que produzem bens e os que os vendem. Estes desejam maior número
de funcionalidades para os objetos, tornando-os mais atraentes aos olhos do público e, portanto,
230 Comunicação Empresarial

mais competitivos; os grupos que produzem insistem em conservar as características para tornar a
produção mais ágil e enxugar custos.
Variáveis pessoais – o sistema de valores de cada um é o responsável por estabelecer o
modo individual de julgar fatos e pessoas com os quais se interage. É a raiz de preconceitos e desa-
cordos, quando não de reações mais intensas. Assim, o julgamento que se faz sobre determinado
processo pode depender de um viés moral que diverge de outros também convocados a participar
do julgamento.

11.4.2 Estágio II – cognição e personalização


A percepção do conflito propriamente dito ocorre nesse estágio. Como se destacou, a diver-
gência, se notada como tal pelas partes envolvidas, tem-se geralmente o antecedente para o confli-
to. Há o nível em que o conflito é percebido e o nível em que o conflito é sentido.
Conflito percebido é a consciência, de uma ou mais partes envolvidas, da existência das
condições que geram as circunstâncias para o surgimento de conflitos.
Conflito sentido é o envolvimento emocional em um conflito, gerando ansiedade, tensão,
frustração ou hostilidade.

11.4.3 Estágio III – intenções


A tomada de decisão dá-se nesse estágio; para tanto, apreende-se a intenção dos outros e to-
ma-se uma atitude a respeito. As inclinações da personalidade do indivíduo revelam-se aqui, assim
como sua capacidade de resposta ou disposição para interagir durante a divergência. Habilidades
pessoais são ativadas nesse estágio e postas a julgamento. Robbins (2006) identifica cinco intenções
para a administração de conflitos: competir, colaborar, evitar, acomodar-se e conceder.
Competir – desejo da pessoa em satisfazer seus próprios interesses, independentemente do
impacto sobre a outra parte em conflito.
Colaborar – situação em que as partes conflitantes pretendem satisfazer os interesses de
todos os envolvidos.
Evitar – desejo de fugir de um conflito ou tentar suprimi-lo.
Acomodar-se – disposição de uma das partes em conflito de colocar os interesses do opo-
nente antes dos seus próprios.
Conceder – situação na qual cada uma das partes de um conflito está disposta a abrir mão
de alguma coisa.

11.4.4 Estágio IV – comportamento


É nesta etapa em que o conflito se desenvolve e os comportamentos diante dele se cristalizam
na forma de declarações, ações e reações. É também um estágio de certo grau de indeterminação,
pois, dada a “estratégia” posta em prática pelos agentes, a explicitude de uma posição pode dar lugar,
Fundamentos da comunicação interpessoal 231

gradativamente, a significados implícitos ou mesclados; ou, simplesmente, a ação explícita mudar de


rota e seguir outra, inesperada, de natureza bastante diferente daquela esboçada no início da tensão.

11.4.5 Estágio V – consequências


Os conflitos resultam em consequências. Essas consequências podem ser funcionais
ou disfuncionais.
Consequências funcionais – os conflitos são construtivos quando melhoram a qualidade
das decisões, estimulam a criatividade e a inovação, encorajam o interesse e a curiosidade dos
membros do grupo, oferecem um meio para o arejamento dos problemas e a liberação das tensões
e estimulam mudanças.
Consequências disfuncionais – os conflitos podem reduzir a eficácia dos grupos, podem
causar deficiências de comunicação, redução da coesão do grupo e subordinação de metas. Podendo,
assim, paralisar o grupo e ameaçar sua sobrevivência.

11.4.6 Técnicas de resolução de conflitos


Robbins (2006) propõe diferentes estratégias para a resolução de conflitos. O caráter pres-
critivo de todas as estratégias deve, a nosso ver, ser relativizado pela observação atenta de cada
situação conflituosa. Assim, o encarregado da resolução deve ser dotado de boa capacidade analí-
tica, o que prevê aguçada visão de conjunto, representada pelo conhecimento de estruturas físicas,
hierárquicas e processos, entre os quais o provisionamento de recursos.
Resolução de problemas – encontros entre as partes conflitantes, com o propósito de iden-
tificar o problema e resolvê-lo por meio de discussão aberta.
Metas superordenadas – criação de uma meta compartilhada que não possa ser atingida
sem a cooperação entre as partes conflitantes.
Expansão de recursos – quando o conflito é causado pela escassez de um recurso, a expansão
do recurso pode criar uma solução ganho-ganho.
Não enfrentamento – suprimir o conflito ou evadir-se dele.
Suavização – minimizar as diferenças entre as partes conflitantes, enfatizando seus inte-
resses comuns.
Concessão – cada uma das partes abre mão de algo valioso.
Comando autoritário – a administração usa sua autoridade formal para resolver o conflito
e depois comunica seu desejo às partes envolvidas.
Alteração de variáveis humanas – utilização de técnicas de mudança comportamental, tal
como treinamento em relações humanas, para alterar atitudes e comportamentos que causem conflitos.
Alteração de variáveis estruturais – mudanças na estrutura formal da organização e nos pa-
drões de interação entre as partes conflitantes, por meio de redesenho de atribuições, transferências,
criação de posições coordenadas etc.
232 Comunicação Empresarial

11.5 Diferenças culturais, sociais e etnocentrismo1


Há duas formas de entender a questão da diferença cultural: a de origem étnica e a de for-
mação cultural, ou seja, o processo pelo qual o indivíduo teve acesso aos bens culturais de seu país:
como se deu o contato com literatura, artes de um modo geral, história, o quanto viajou etc., e com
qual intensidade, além da habilidade com que se articula esse conhecimento. Estrangeiros, prin-
cipalmente os recém-chegados a um país, podem fazer julgamentos de determinadas situações a
partir do viés étnico e cultural, não levando em conta as diferenças, de mesma natureza, presentes
na questão. É comum, no Brasil, ouvir comparações entre uma formação rígida, e outra, piedosa,
que poderia estar na base de uma atitude paternalista das chefias. Assim como alusões a um traço
genérico de acordo com o qual “o brasileiro” é passivo, preguiçoso, moralmente permissivo e poli-
ticamente conservador ou alienado.
Uma visão estereotipada como essa não é um fenômeno exclusivamente de estrangeiros,
já que o retrato poderia ser ratificado por muitos brasileiros; a diferença é que o estereótipo não
seria levado em conta no posicionamento que um patrício adotaria, contra outro, diante de cri-
ses de relacionamento na empresa.
A inclinação em direção ao estereótipo pode ocorrer, isto sim, quando se julgam os estran-
geiros ou descendentes de outras etnias em determinadas situações. Japoneses e alemães tendem a
ser associados a trabalho árduo e de qualidade; estadunidenses, à inteligência, em geral, e a uma vi-
são pragmática sobre as coisas, mas todos eles, ao mesmo tempo, podem ser alvo de uma antipatia
que transforma essas virtudes em defeitos, na medida em que são relacionadas a um intempestivo
e suposto caráter dominador e etnocêntrico, peculiar a esses povos.
A natureza volúvel dos preconceitos pode dar o tom, também, ao modo como pessoas de
diferentes níveis culturais convivem na empresa. Antes, não deixemos de reconhecer que educação
formal e cultura geral são fatores bastante valorizados no mundo organizacional e uma das manei-
ras de identificá-los é a análise da redação. Um texto dotado de abordagem segura e precisa em re-
lação aos objetivos, com linguagem adequada aos seus fins e estruturado de acordo com os padrões
de coesão e coerência revela muito sobre a formação escolar do autor e um tanto de sua visão de
mundo. Contudo, essa competência por si só não assegura, como se sabe, uma posição de vanta-
gem nos conflitos, tampouco dota a pessoa, necessariamente, de razão diante de situações limite.
Pode-se avaliar como o “falar bem”, na concepção, talvez, da maioria, é um sinal de cultura,
“de inteligência” e de outros valores relacionados à distinção da pessoa. Os linguistas, atualmente,
não valorizam a oposição certo x errado, em termos gramaticais, como ocorre em uma abordagem
que já se tornou rotineira nos meios de comunicação e em livros do tipo “não erre mais”. Esses es-
tudiosos preocupam-se com a “realização linguística”, cujo modelo de relação é dado, entre outros,
pela dicotomia competência/performance (desempenho). Lopes (2009)2 oferece a seguinte explica-
ção sobre os conceitos:

1 Os três fatores presentes no título desse tópico podem também ser fontes de conflitos.
2 E-dicionário de termos literários de Carlos Ceia, crítico português: verbete disponível em: <http://edtl.fcsh.unl.pt/
encyclopedia/competenceperformance/>. Acesso em: 12 de jun. 2018.
Fundamentos da comunicação interpessoal 233

Conceitos ingleses da gramática gerativa que respeitam à competência ou saber


interiorizado que os falantes de uma língua possuem e que lhes permite comu-
nicar, produzir e compreender (performance) enunciados novos. A distinção
foi introduzida por Noam Chomsky e teve o mesmo efeito que outra célebre
dicotomia: língua e fala, proposta por Saussure. A competência (competence)
traduz não só um conhecimento interiorizado e enraizado culturalmente, mas
também indica a intuição do falante para se poder pronunciar sobre a valida-
de dos enunciados produzidos numa dada língua, pelo que a competência é
também gramatical. À competência opõe Chomsky a performance (termo de
tradução difícil, que significa literalmente “desempenho”, “realização”), “apli-
camos esse conhecimento linguístico, geralmente traduzido em atos de lingua-
gem ou de fala. Nos seus trabalhos mais recentes, como Knowledge of Language
(1986), Chomsky usa já expressões como “sistema de conhecimento” (system of
knowlegde) ou language em substituição do conceito de competência.

O valor excessivo concedido às marcas de “certo” e “errado”3, sobretudo às representadas


pelo mecanismo da concordância verbal e nominal, expressa uma visão estreita de língua, tão ou
mais alienada que outra, de acordo com a qual “escrever bem” confunde-se, quase que exclusiva-
mente, com o domínio da ortografia.
Um dos nossos mais importantes gramáticos, Evanildo Bechara (2002), costuma dizer que
a “língua é o que os falantes fazem dela”. E prossegue, defendendo que, todos nós, deveríamos ser
“poliglotas dentro da própria língua”; isto é, reconhecer que há diferentes modalidades linguísticas
e usá-las nos diferentes contextos.

11.6 A linguagem corporal traduz emoções e pensamentos


A transcrição de um trecho do livro de Allan e Barbara Pease (2005, p. 17), sobre linguagem
corporal, oferece uma visão geral sobre o tema deste tópico: “Albert Mehrabian, pioneiro da pes-
quisa da linguagem corporal na década de 1950, apurou que em toda comunicação interpessoal
cerca de 7% da mensagem é verbal (somente palavras), 38% é vocal (incluindo tom de voz, inflexão
e outros sons) e 55% é não verbal”.
Os autores oferecem ao leitor uma gramática descritiva dos gestos, a partir da constatação
de que a “linguagem do corpo é o reflexo externo do estado emocional da pessoa” (PEASE; PEASE,
2005, p. 19). O intuito do livro, segundo os autores, não é o de oferecer uma ferramenta de domínio
sobre o outro, mas aprimorar a comunicação. Para tanto, há o que eles consideram “três regras para
uma leitura precisa” da linguagem corporal.

11.6.1 Entendendo a gramática do corpo


Regra I
Leia os gestos em grupos. Não se deve nunca isolar um gesto dos demais e da circunstância
em que ocorre. Portanto, “coçar a cabeça” pode ter vários significados (suor, incerteza, caspa, men-
tira etc.) e depende sempre dos gestos que venham a seguir. Os grupos gestuais revelam as emoções

3 Marcos Bagno escreveu inúmeras obras sobre o tema da realização linguística, visando ao estudo do prisma ideo-
lógico presente em certa concepção de língua idealizada pelas classes dominantes. Uma das obras a se ocupar do
assunto é Dramática da língua portuguesa: tradição gramática, mídia e exclusão social. São Paulo: Loyola, 2000.
234 Comunicação Empresarial

e pensamentos, como no caso de um indivíduo que parece demonstrar que não está satisfeito com
o que ouve: sua mão, colada ao rosto, com o indicador apontado para cima, enquanto outro dedo
cobre a boca e o polegar apoia o queixo. Esse gesto deve ser lido em conjunto com outros: pernas
firmemente cruzadas, o braço passado sobre o estômago (postura defensiva) e a cabeça e o queixo
inclinados para baixo (negatividade/hostilidade). Um significado possível dessa frase gestual é:
“não gosto do que você está me falando”.
Regra II
Fique de olho na coerência. Os sinais não verbais têm um efeito cinco vezes maior do que as
palavras pronunciadas; no caso de não haver coerência entre uns e outros, há uma forte inclinação,
principalmente por parte das mulheres, em se considerar apenas os primeiros. A observação dos
grupos gestuais e da coerência entre as mensagens verbais e gestuais é a chave da interpretação
correta das atitudes por meio da linguagem corporal.
Regra III
Leve em conta o contexto. Uma pessoa curvada em determinada situação não significa, ne-
cessariamente, uma atitude de derrota, mas, talvez, o sinal de que sente frio. Portanto, o contexto é
fator decisivo para a leitura do gesto.

11.6.2 Gestos no dia a dia


Um dos gestos mais significativos no cotidiano é o aperto de mão. Por isso, vários estudiosos
analisam-no. Um aperto de mão equilibrado e inspirador de confiança é aquele em que a palma
da mão de ambas as pessoas permanece na posição vertical; nesse caso é preciso, ainda, regular a
pressão do aperto pela pressão aplicada pela outra pessoa.
Há uma série de apertos de mão desagradáveis, entre os quais o chamado peixe morto,
caracterizado pela frouxidão do gesto; geralmente associado à fraqueza de caráter.
O sorriso é outro desses gestos recorrentes que denuncia muitas intenções. Ele exerce uma in-
fluência sobre a pessoa para a qual sorrimos, suscitando uma resposta de mesma natureza. Dos cinco
tipos de sorrisos analisados por Allan e Barbara Pease, o “sorriso de lábios cerrados” caracteriza-se
por emitir a mensagem segundo a qual a pessoa tem uma opinião ou atitude secreta, contida, que não
quer compartilhar com o outro.
Os sinais com os braços também são alvo de leitura. Cruzar os braços diminui a credibi-
lidade, porque é geralmente associado à formação de barreira entre os interlocutores. A barreira
formada pelos dois braços sobre o peito é uma tentativa inconsciente de bloquear tudo o que se
julga ameaçador ou circunstancialmente indesejável. Pesquisas nos EUA demonstraram que o cru-
zamento de braços durante aulas ou palestras leva a reter menos informação na ordem de até 38%.
O rosto, afirmam os autores, mais do que outras partes do corpo, é capaz de encobrir men-
tiras. Sorrisos, gestos com a cabeça e piscar de olhos fazem parte do jogo da dissimulação; no en-
tanto, mais uma vez, a incoerência entre palavras e gestos indica uma forma de desmascaramento
da pessoa que mente. Os gestos mais usuais de quem mente são: tapar a boca (o cérebro instrui,
subconscientemente, a reprimir as palavras enganosas); tocar o nariz; coçar o nariz; esfregar os
olhos; pegar na orelha; coçar o pescoço; afrouxar o colarinho; dedo na boca.
Fundamentos da comunicação interpessoal 235

Os 13 gestos mais frequentes são:


Assentir com a cabeça – gesto presente na maioria das culturas e indica quase sempre con-
cordância com o interlocutor. Assentir com a cabeça geralmente “contagia” o outro e faz com que
ele retribua o gesto, além de incentivar a colaboração e a concordância.
Balançar a cabeça – é tido como um gesto inato e, provavelmente, o primeiro a ser desen-
volvido pelo recém-nascido ao recusar o seio da mãe quando se sente farto.
Cabeça erguida – atitude neutra em relação ao que está sendo dito.
Cabeça inclinada para um lado – sinal de submissão porque expõe a garganta e o pescoço
e faz a pessoa parecer menor e ser menos ameaçadora.
Cabeça baixa – o queixo abaixado indica uma atitude negativa, crítica ou agressiva.
Encolher o pescoço– no contexto profissional, geralmente indica atitude submissa.
Veja, no quadro a seguir, outros comportamentos comuns no ambiente de trabalho.
Quadro 1 – Linguagem corporal no trabalho

Ilustrações: IESDE BRASIL S/A.


Catar fiapos – há pessoas que não con-
cordam com o que se está falando, mas
o corpo acusa a discordância com gestos
como o de catar fiapos imaginários na
própria roupa, enquanto se olha para bai-
xo ou para os lados.

Mãos nos quadris – geralmente indica


disposição para o enfrentamento. Além
de ocupar mais espaço, os cotovelos sa-
lientes têm aspecto ameaçador.

Posição de caubói – polegares dentro


do cinto ou no alto do bolso das calças,
ao mesmo tempo em que se enquadra a
região genital é um gesto masculino que
denota virilidade.

(Continua)
236 Comunicação Empresarial

Ilustrações: IESDE BRASIL S/A.


Perna sobre o braço da cadeira – atitude
agressiva que quase sempre significa in-
diferença e despreocupação.

Montar na cadeira – as costas da cadeira


servem como escudo protetor para o indi-
víduo, reforçando seu caráter agressivo e
dominador.

A catapulta – gesto eminentemente mas-


culino: sentado, mãos atrás da cabeça
com cotovelos lançados para fora e perna
dobrada em quatro sobre a outra: intimida
ou demonstra relaxamento, nem sempre
real. Gesto característico de financistas,
advogados, gerentes de vendas ou de
pessoas que se sentem superiores.

Posição de largada – inclinar--se para a


frente com as mãos no joelho ou lançar-
-se para a frente com as mãos agarrando
a cadeira sinalizam o desejo de concluir
uma reunião.

Atividades
1. Considerando-se o processo de feedback nas relações interpessoais, aponte algumas caracte-
rísticas e o modo ideal de ser desenvolvido.

2. O que são estilos interpessoais e como podem auxiliar na análise das relações humanas
na empresa?

3. Descreva, em linhas gerais, as etapas do “conflito como processo”, segundo Robbins.


Fundamentos da comunicação interpessoal 237

Referências
BECHARA, Evanildo. Ensino de Gramática. Opressão? Liberdade? 11. ed. São Paulo: Ática, 2002.

BEE, Roland; BEE, Frances. Feedback. Tradução de Maria Cristina Fioratti Florez. São Paulo: Nobel, 2000.

BOFF, Leonardo. A Águia e a Galinha. 35. ed. São Paulo: Vozes, 2000.

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11. ed. São Paulo: Cortez, 2006.

LUFT, Joseph; INGHAM, Harrington, The Johari Window, a Graphic Model for Interpersonal Relations,
Los Angeles, University of California,(UCLA), Western Training Laboratory for Group Development, 1955.

LOPES, Antonio. Competence/performance. E-dicionário de termos literários. 29 dez. 2009. Disponível em:
<http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/competenceperformance/>. Acesso em: 12 jun. 2018.

MAYER, Verônica Feder; MARIANO, Sandra R. H. Técnicas de Comunicação e Negociação. Rio de Janeiro:
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ORTEGA Y GASSET, J. Meditações do Quixote. São Paulo: Iberoamericana, 1967.

PEASE, Allan; PEASE, Barbara. Desvendando os Segredos da Linguagem Corporal. Tradução de Pedro
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ROBBINS, Stephen Paul. Comportamento Organizacional. Tradução de Reynaldo Marcondes. 11. ed. São
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SZACHER, Maurício Luiz; COSTA FILHO, Joel Bueno. A Qualidade e a Importância das Relações
Interpessoais. Disponível em: <www.ogerente.com.br/novo/artigos_sug_ler.php?canal=15&canallocal=47&
canalsub2=151&id=692>. Publicado em: 5 jul. 2007. Acesso em: 7 dez. 2009.
12
Eficácia na comunicação

12.1 Falar em público com segurança – fundamentos de oratória


Em vários momentos, falar em público é tão decisivo quanto garantir a sobrevivência
da democracia. Essa prática tem sido assim desde a Antiguidade nascedouro dos grandes
oradores, e ainda hoje, quando um país como o Brasil se vê em um longo processo de estabi-
lização e consolidação dos valores democráticos. Em uma sociedade em que as vozes podem
(e devem) ser ouvidas1, falar em público com propriedade, com o domínio do tema e dos
recursos de expressão da fala e dos gestos constitui um dos momentos mais importantes de
partilha da informação e do conhecimento. Desde oradores como Aristóteles (384 a.C. - 322
a.C.), Cícero (106 a.C. - 43 a.C.) e Quintiliano (30 d.C. - 95 d.C.) até os oradores modernos,
ler o mundo, a palavra escrita, acompanhada pelo pensar, escrever e bem dizer apresenta-se
como uma harmoniosa continuidade.
Demonstrar a virtude da oratória significa ser dotado de um conjunto de valores que
formam o caráter do homem de bem. A virtus, na Antiguidade, não se limitava a uma fase da
vida, como o senectus (velhice) ou o iuventus (juventude), já que era um valor de toda uma
existência e, como tal, referendado nas doze Tábuas da Lei, do Direito Romano, como um
equivalente da valentia, a areté no pensamento grego.
A areté encerra todo o ideal da educação grega para além do guerreiro valoroso, valente,
corajoso e honrado, Aquiles é o protótipo do cavaleiro da época homérica: cortês, refinado e de
senso ético apurado. Na Idade Média, falava-se ao cavaleiro que ele deve ser doutor em letras e
em armas, como tenta ser, em suas fantasias, o Cavaleiro da Triste Figura, Dom Quixote.
A areté é uma superioridade ou uma excelência, própria da nobreza, um conjunto de
traços físicos, de características espirituais e morais, filtrados na forma de bravura, coragem,
destemor, observados na destreza do guerreiro, na eloquência de sua fala e na persuasão de sua
palavra. O orador grego deveria imbuir-se desses valores para, quando se apresentasse em pú-
blico, não apenas seu pensamento inspirasse a reflexão e a tomada de decisão, mas, antes, para
que sua figura fosse a prova viva dos mais altivos significados da urbanidade. Na Antiguidade
grega, o cidadão sentia-se em profunda harmonia com a polis, a cidade, em cuja gestão influía
com o uso da palavra, posta em intenso debate.
A virtude do conhecimento encontra sua boa forma na retórica e na oratória esta última,
um campo de especulação originariamente romano, como tradução da retórica grega. A ora-
tória teve origem na Sicília no século V a.C., mas foi na Grécia que encontrou meios para seu

1 Não devemos confundir o direito à fala com uma deformação desse valor, encarnada pela impertinência de que
todos devem opinar sobre tudo, a todo momento, sem nenhuma hesitação, sem reflexão sobre o contexto, a oportu-
nidade e, principalmente, sobre aquilo que se deseja compartilhar.
240 Comunicação Empresarial

desenvolvimento. A retórica, como idealizada por Aristóteles, é a arte da palavra, do falar bem, da
persuasão, do raciocínio e do argumento. Com o passar dos anos, foi tendo seu caráter ornamental
(uso de figuras de linguagem: metáforas, metonímias, antíteses; figuras de ritmo etc.) enfatizado
demais e, a partir do século XVIII, entra em declínio para voltar a ser objeto de interesse na se-
gunda metade do século XX. A oratória, por sua vez, identificou-se desde cedo com a eloquência,
com a capacidade do orador em expressar, com certo grau de dramaticidade, o tônus dominante do
pensamento. Hoje, o orador continua fazendo uso do manancial da oratória, mas não é tão pujante
sua eloquência, nem mesmo no meio político.
Modernamente, para buscar referência na área da psicologia, o orador de talento deve ser
dotado de algumas das nove “inteligências múltiplas”2, estudadas por Howard Gardner (1995),
psicólogo da Universidade de Harvard:
Inteligência linguística – os componentes centrais da inteligência linguística são uma sen-
sibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das
diferentes funções da linguagem. É a habilidade para usar a linguagem para convencer, agradar,
estimular ou transmitir ideias.
Inteligência interpessoal – pode ser descrita como uma habilidade para entender e res-
ponder adequadamente a humores, temperamentos, motivações e desejos de outras pessoas.
Ela é melhor apreciada na observação de psicoterapeutas, professores, políticos e vendedores
bem-sucedidos.
Inteligência intrapessoal – é o equivalente interno da inteligência interpessoal, isto é, a
habilidade para ter acesso aos próprios sentimentos, sonhos e ideias, para discriminá-los e lançar
mão deles na solução de problemas pessoais. É o reconhecimento de habilidades, necessidades,
desejos e inteligências próprias, a capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e a
habilidade para usar essa imagem para funcionar de forma efetiva.
Essas inteligências estruturam-se de forma dinâmica, bem por isso sempre é possível perce-
ber com mais nitidez a proeminência de uma ou mais de uma delas. No caso do orador de talento,
a inteligência linguística é, naturalmente, aquela que se destaca e também a que se mostra indis-
pensável para aqueles que necessitam ou pretendam fazer do falar em público algo além de uma
experiência pontual.
Salientamos que ao nos depararmos com as características da inteligência linguística é possí-
vel lembrar do conceito de “instinto de linguagem”, desenvolvido por Noam Chomsky e retomado
por Pinker (2002). Para esse pesquisador, a linguagem não é um artefato cultural, estruturado de
acordo com processos baseados em estímulos exteriores. Ao contrário, é nitidamente uma peça da
constituição biológica de nosso cérebro. A linguagem é uma habilidade complexa e especializada,
que se desenvolve na criança sem nenhum esforço consciente ou instrução formal, manifestando-se
sem que se perceba sua lógica subjacente, que é qualitativamente a mesma em todo o indivíduo. Em
sendo de fato uma propriedade inata, é o caso de se admitir que muitos indivíduos nasçam com essa
habilidade mais desenvolvida que outros.

2 Lógico-matemática, linguística, musical, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal, interpessoal, naturalista e existencial.


Essas duas últimas foram acrescentadas depois da primeira edição do livro.
Eficácia na comunicação 241

Voltando a Gardner (1995), temos que a inteligência interpessoal realça a capacidade


de se “entender e responder” melhor aos estímulos enviados pelos outros. Parece-nos indis-
pensável também possuir essa inclinação para o desenvolvimento, em alto grau, da aptidão de
falar em público. A interação, a empatia com a plateia, provavelmente ocorrerá de forma mais
fluida, se suscitada por indivíduos dotados por esse tipo de inteligência.
Por outro lado, a inteligência intrapessoal relaciona-se ao autoconhecimento, que propicia
ao indivíduo a oportunidade de vislumbrar algo sobre a natureza humana a partir do exame de
suas próprias possibilidades e limites.
Já que estamos especulando sobre as especificidades de cada inteligência, devemos, ainda,
lembrar de uma dimensão que é sustentada por essas estruturas, mas se mostra capaz, também, de
alimentá-las de conteúdo. Referimo-nos ao repertório.
A palavra repertório tem a seguinte etimologia: é uma “matéria metodicamente disposta”; uma
“coleção”, um “conjunto”; um “inventário” ou “compilação”. O leitor já ouviu essa palavra ser rela-
cionada ao universo da música, quando se diz que certo cantor ou compositor possui (ou não) bom
repertório. Ao se emitir tal opinião, adota-se um juízo de valor de acordo com determinado critério
de qualidade. No caso de um cantor, ainda que se reconheça o valor intrínseco do repertório, pode-se
dizer que este não se ajusta bem ao intérprete por uma série de razões: exigências técnicas de voz não
correspondidas, baixa capacidade dramática, inadequação à sua personalidade etc.
Essas considerações valem em parte para a discussão que nos interessa em torno da noção
de repertório. Há uma relação íntima entre o cantor e seu repertório, o seu “conjunto de canções”,
na medida em que este, guardadas certas diferenças de personalidade dos artistas, é produto de
uma intensa disposição para o experimento, para o ensaio, para a repetição, cujo resultado concor-
re, também, para configurar a identidade do intérprete no mundo do espetáculo.
A noção de inventário de experiências, que constitui uma prática de vida, é útil para com-
preendermos o sentido mais extenso da palavra. O repertório, nessa última acepção, é resultado do
esforço de autoconhecimento do indivíduo, de uma determinação em saber de si e saber sobre o
mundo, de uma capacidade a um só tempo de reflexão, de projeção e conservação de uma matéria
que se impõe como decisiva e confirmadora de uma existência.
Nossa experiência na família e na sociedade, nossa educação escolar, nossas leituras, nosso
trabalho, nossa memória e imaginação, a matéria efetivamente vivida ou ludicamente inventada,
tudo isso se articula como um conjunto de informações organizadas na consciência, que servirá de
substância para o ato da escrita e da fala em público.
Ao contrário do cantor eventualmente mal-adaptado ao repertório musical, a constelação
de elementos acima indicada nunca está em desarmonia conosco, pois somos o próprio repertório.
Podemos pensar o modo de convívio entre as partes integrantes do repertório indi-
vidual como uma rede, um sistema de relações na forma de linguagem, capaz de assimilar
e gerar conhecimento.
Sem um repertório suficientemente diversificado ou especializado em determinados temas,
dificilmente se obterá êxito na missão de falar com propriedade em público.
242 Comunicação Empresarial

Outro livro de Gardner (2005) detém-se na reflexão sobre o modo pelo qual líderes tão dife-
rentes como o indiano Mahatma Gandhi e Jack Welch, ex-presidente da GE, conseguiram influen-
ciar seu público e, assim, levar adiante suas ideias. Gardner enumera sete componentes que ajudam
os líderes a persuadir pessoas, sejam políticos, executivos, artistas. O foco de Gardner não é o de-
sempenho do orador, mas como a mente funciona para persuadir; no entanto, já que discutimos a
questão do papel do orador no âmbito da comunicação empresarial, não nos parece impertinente
fazer uma referência de passagem àquele instrumental, o qual o autor denomina de 7Rs.
O convencimento, afirma Gardner, ocorre quando o argumento (reason) e a pesquisa
(research) são reforçados por múltiplas formas de representação (representation): eventos do
mundo real (real world events), ressonância (resonance) e recursos (resources). Todos esses ele-
mentos caminham em uma única direção, de forma que as resistências (resistances) possam ser
identificadas e mensuradas de forma satisfatória.
Cada um desses elementos desempenha o seguinte papel:
• o argumento: é a apresentação lógica das ideias;
• a pesquisa: a utilização de informações relevantes na argumentação;
• a ressonância: o modo pelo qual a ideia deve “parecer apropriada” para o público;
• a representação: a capacidade de relatar uma boa história ou experiência;
• eventos do mundo real: crises, guerras, furacões, tudo isso pode facilitar a mudança
de pensamento;
• recursos e prêmios: a audiência precisa ser seduzida e achar que ganha ao apoiar o chefe;
• as resistências: o líder deve estar preparado para elas e saber como combatê-las.
Considerando-se os limites deste capítulo e o caráter didático de que se reveste, a abordagem
que se fará em seguida, sobre apresentação em público, limita-se a alinhar determinadas regras e
princípios, frequentemente estruturados na forma de tópicos. Tomamos como referência alguns tí-
tulos de Reinaldo Polito (2005a; 2005b; 2006a; 2006b) para coligir o texto. Polito é, provavelmente,
o nome de maior evidência nos estudos de oratória, autor de vasta obra sobre o assunto, além de
palestrante talentoso e dos mais prestigiados.
As vantagens de falar em público são muitas e supostamente a relação a seguir, proposta
por Mendes e Junqueira (1997, p. 21-2), está incompleta: projeta a personalidade; propicia a au-
toanálise; gera cooperação; estimula a criatividade; intensifica o autoconhecimento; consolida o
prestígio; inspira a credibilidade; exercita o raciocínio lógico; mostra-se um valioso instrumento
de persuasão; contribui para a disciplina mental; favorece a prática das habilidades de liderança;
permite melhorar o planejamento e organização das ideias; impulsiona as negociações; fortalece o
marketing pessoal e profissional; potencializa as habilidades latentes; estabelece interação; aumenta
a produtividade; valoriza o poder da argumentação criativa; revela a inteligência e a sensibilidade;
aprimora a linguagem verbal e não verbal; proporciona melhores relações interpessoais.
Não precisará se enfatizar o quão necessário é que o comunicador saiba falar em público e cla-
ramente posicionar-se diante dos assuntos com os quais se envolve no cotidiano das organizações.
Eficácia na comunicação 243

12.2 Princípios gerais


Domínio sobre o tema
A maior parte da segurança de se falar em público provém do conhecimento sobre o
tema. Portanto, é necessário ter uma visão geral sobre ele, especialmente quando houver pos-
sibilidade de a plateia fazer perguntas. Deve-se lembrar de que a credibilidade do orador está
diretamente associada ao atendimento dessa condição. O ritmo da exposição, a espontanei-
dade dos gestos e das palavras, a escolha dessas palavras e a inovação na abordagem do tema
decorrem desse domínio.
Conhecer a audiência
Deve-se saber previamente com quem se irá falar e buscar informações sobre seu perfil.
Cada audiência demanda uma abordagem diferenciada, porque tem características e expectativas
próprias. Quem fala com estudantes da escola superior pode ter um comportamento diferente do
que se sua comunicação fosse dirigida a experientes profissionais de uma determinada área. A lin-
guagem e os exemplos seguramente serão distintos em cada situação.
Conhecer o espaço físico
Visitar com antecedência o ambiente no qual se irá discursar. Avaliação das suas dimensões
e o impacto sobre a acústica, a disposição dos assentos em relação ao palco ou ao local em que o
orador ficará postado, o índice de luminosidade, as áreas de circulação. Elementos do espaço físico
podem influir negativamente nos resultados de sua apresentação.
Uso correto da expressão corporal
Uma pesquisa conduzida por Albert Mehrabian, psicólogo da Universidade da Califórnia
(UCLA), deu origem à teoria 7-38-55. O estudo indica que, no processo de comunicação, somente
7% do impacto da mensagem decorre de seu conteúdo, 38% da comunicação verbal (intensidade e
velocidade da voz) e 55% da linguagem não verbal (gestos, postura, contato visual).
A naturalidade pode ser considerada a melhor regra da boa comunicação
É verdade que todos nós possuímos máscaras sociais que nos ajudam a interagir com as
pessoas em sociedade e ao mesmo tempo cristalizar certos significados sobre o modo como nos
veem. Em outras palavras, dizemos que construímos e exibimos nossa personalidade em uma per-
manente dinâmica com o nosso interior e os estímulos do exterior. No entanto, nada justifica tentar
ser em público aquilo que não se é. Não se deve exagerar na impostação da voz, evitando-se que
o resultado fique distante do timbre natural do orador; também não se deve exagerar na precisão
prosódica, isto é, pronunciar as palavras como se elas devessem ser articuladas da exata forma
como são escritas.
Se o orador cometer alguns erros técnicos ou prosódicos durante uma apresentação em
público, mas se comportar de maneira natural e espontânea, os ouvintes ainda assim poderão acre-
ditar nas suas palavras e aceitar bem a mensagem. Entretanto, se ele usar técnicas de comunicação,
mas apresentar-se de forma artificial, a plateia poderá vê-lo como afetado ou arrogante.
244 Comunicação Empresarial

A técnica será útil quando preservar as características do orador e respeitar seu estilo de co-
municação. Apresentando-se com naturalidade, irá se sentir seguro, confiante e suas apresentações
serão mais eficientes.
Não confiar na memória – leve um roteiro como apoio
Na Grécia Antiga, em um tempo anterior à escrita, os aedos memorizavam obras extensas com
a ajuda de chaves mnemônicas, ou seja, construções que criavam “rotas” pelas quais a memória se
guiava. Definitivamente, essa não é a melhor estratégia para levar a bom termo uma apresentação
hoje, pois vivemos em um mundo em tudo diferente daquele, e nossa percepção e atitude diante da
memória mudaram muito.
O risco de tentar memorizar palavra por palavra de um discurso é o de se esquecer de algum
vocábulo importante e assim não se conseguir fazer a conexão entre duas ideias. O ex-presidente
Lula, em discurso3 durante a escolha da sede dos jogos olímpicos de 2016, parece ter memorizado
toda a mensagem, fato que por si só não desmerece o orador, embora tenha com isso perdido um
pouco da naturalidade. No entanto, o ex-presidente é um homem acostumado a se apresentar em
público e, caso tivesse esquecido alguma palavra, provavelmente saberia improvisar.
Ao decorar uma apresentação, você poderá não ter se preparado psicologicamente para falar
de improviso e, ao não encontrar a informação de que necessita, ficará sem saber como contornar
o problema.
Nessas horas, um roteiro oferecerá a oportunidade de se relacionar às principais etapas da
exposição e frases com ideias completas. Quase como se fosse um mote, um tema, o orador lerá,
diante da plateia, a frase, a ideia ou conceito-chave e a seguir comentará a informação, ampliando,
criticando, comparando, discutindo, até que essa parte da mensagem se esgote. Caso deseje, poderá
orientar-se por essa trilha, bastando, em seguida à primeira leitura, repetir o procedimento: ler a
frase e fazer outros comentários apropriados à nova informação, estabelecendo outras comparações,
introduzindo observações diferentes até concluir essa etapa do raciocínio, agindo assim até encerrar
a apresentação.
Cuidado formal com a linguagem
Os desvios da gramática, em determinados momentos do discurso, podem até conceder
certa fluidez ao texto, mas há desvios que serão colocados na conta dos erros grosseiros, que devem
ser a todo custo evitados. Erros de concordância, quando sujeito e verbo estão distantes um do
outro, não são muito raros ou quando há inversões como “chegou as compras”; fora esses, há vários
outros que podem ocorrer, sobretudo quando se fala de improviso, como é o caso da redução de
ditongos (dexe ao invés de deixe; robo ao invés de roubo) e daqueles que já se tornaram “clássicos”
de tão frequentes: fazem dez anos; a funcionária chegou meia atrasada; casa germinada; o gerente
não sabia aonde havia colocado os documentos; cerca de onze cheques foram devolvidos; os clientes
esperavam-no no lugar combinado; a entrega, cuja qual me referia etc.

3 Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=z-viulCz63c>. Acesso em: 11 maio 2018.


Eficácia na comunicação 245

A fala deve ter começo, meio e fim


O ensino de redação na escola nos habituou a adotar as três etapas do texto dissertativo,
quando intencionamos defender ideias por meio da argumentação: introdução, desenvolvimento e
conclusão, o que equivale aos três tempos referidos acima. Dito de outra forma: anuncie o que vai
falar, fale e conte sobre o que falou e tire disso alguma conclusão. No entanto, uma apresentação
está sujeita a recuos, paradas, atalhos improvisados, digressões e a outros elementos intervenientes
não presentes em uma dissertação escolar.
Ao anunciar qual o assunto que irá desenvolver, a plateia acompanhará seu raciocínio com
mais facilidade, porque saberá aonde deseja chegar. Em seguida, transmita a mensagem, sempre
facilitando o entendimento dos ouvintes. Se, por exemplo, deseja apresentar a solução para um
problema, diga antes qual é o problema. Se pretende falar de uma informação atual, esclareça ini-
cialmente como tudo ocorreu até que a informação nova surja.
Na tradição retórica, Aristóteles aludia a quatro etapas para os discursos: exórdio, narração,
provas e peroração, mais ou menos correspondentes aos três estágios do texto dissertativo atual.
No exórdio, o orador expõe o tema de seu discurso; na narração, informações diversas e
fatos relacionados ao assunto, ilustrando-o na especificidade e na extensão, além da apresentação
de uma tese; nas provas, argumentos que justifiquem a tese, como raciocínios lógicos de causa e
efeito, exemplos, estatísticas, analogias e elementos concretos como fatos que corroborem o ponto
de vista; na peroração, faz-se a recapitulação dos principais pontos do discurso, com significativa
carga persuasiva, momento em que se convoca a audiência a agir conforme determinado propósito,
a adesão ao que se acaba de examinar e propor.
A postura certa comunica bem quem você é
Se o orador se apoiar apenas sobre uma perna, denotará certa atitude relaxada que, na maio-
ria das vezes, não será bem recebida pela plateia. Nesse caso, estamos nos referindo aos oradores
que fazem uso de microfone fixo ou da tribuna, o estrado atrás do qual se colocam os oradores.
Sobretudo nessa última situação, os gestos exagerados de mãos ou braços serão mais percebidos,
pois apenas parte do corpo do orador permanece à vista da plateia.
Caso o microfone não esteja fixo em um ponto, o deslocamento pelo palco, ou equivalente,
deve ocorrer, mas sempre de modo natural, demonstrando que há algum objetivo nessa intenção
como, por exemplo, destacar uma informação, reconquistar parcela do auditório que está desatenta
etc., caso contrário, é preferível ficar parado. Deve-se ainda evitar o efeito “fera enjaulada”, causado
pelos oradores que se movimentam de uma ponta a outra do palco e de forma constante.
A falta de gestos pode dar a impressão de que o orador não tem vitalidade ou está insegu-
ro. Contudo, é preciso ter cautela para evitar o excesso de gesticulação. O orador deve olhar para
todas as pessoas da plateia, girando o tronco e a cabeça com calma, ora para a esquerda, ora para
a direita, para valorizar e prestigiar a presença dos ouvintes, saber como se comportam diante da
exposição e dar maleabilidade ao corpo, proporcionando, assim, uma postura mais natural. Na
246 Comunicação Empresarial

empresa, diante da hipótese da presença de uma pessoa com cargo hierárquico mais elevado, o
contato visual deve se prolongar um pouco mais sobre ela, mas apenas o suficiente para que essa
deferência seja notada.
Bom humor
O bom humor concede leveza à apresentação e cria empatia com o público, além de, se
adequado e na dose certa, provoca o riso, que é uma forma de avaliar a resposta da plateia à certa
intenção do orador. No entanto, o bom humor pode se transformar pura e simplesmente em hu-
mor, a predisposição para se fazer graça a partir de qualquer pretexto e colocar a credibilidade do
orador em risco.
Prepare-se para falar
Não se contente apenas em se preparar sobre o conteúdo, treine também a forma de exposição.
Faça exercícios falando sozinho na frente do espelho, ou, se tiver condições, diante de uma câmera de
vídeo. No entanto, o treinamento sugerido, embora possa conceder fluência e ritmo à apresentação,
de maneira geral, não garante naturalidade. Para que a fala atinja bom nível de espontaneidade, fale
com pessoas. Reúna um grupo de amigos, familiares ou colegas de trabalho, ou de classe, e converse
bastante sobre o assunto que irá expor.
Apresentação pessoal
Nunca alguém perdeu algo por se apresentar bem em público. A atenção com a apresenta-
ção pessoal envolve um número não muito extenso de cuidados, mas que se forem negligenciados
poderão pôr em risco a figura do orador e seu empenho em benefício da plateia.
O orador é o ponto de convergência dos olhares que o percorrerão de cima a baixo, fazendo
julgamentos sobre sua aparência, roupa, dicção, tom de voz, modo de sorrir, de se movimentar no
palco, gesticular, entre outros. Portanto, para que o primeiro pensamento sobre o orador não seja
algo relacionado ao seu descuido com a apresentação pessoal, seguem algumas regras que devem
ser observadas:
• Vestimenta
• corretamente ajustada ao corpo (nem muito colada, nem larga demais);
• corretamente ajustada ao tamanho (nem muito curta, nem comprida demais);
• a mais sóbria possível, a roupa não deve chamar mais atenção do que a pessoa;
• mulheres devem evitar alças, decotes e excesso de transparência.
• Sapatos
• de preferência baixos, para um conforto maior;
• limpos e em perfeito estado de conservação, o que inclui graxa e solado em boas
condições.
• Cabelos e barba
• cabelos bem cortados; limpos, de preferência presos;
• barba bem aparada.
Eficácia na comunicação 247

• Unhas
• devidamente tratadas, limpas;
• não se admite esmalte danificado;
• dê preferência a cores rosadas ou simplesmente ao incolor.
• Maquiagem/perfume
• sóbria;
• perfumes florais, coloniais;
• desodorante seco.
O semblante
É a parte mais expressiva de todo o corpo. Funciona como uma tela na qual as imagens do
nosso interior são apresentadas em todas as dimensões. Trabalha também como identificador de
coerência e de sinceridade das palavras. Deve demonstrar exatamente aquilo que se está dizendo.
A boca
A boca comunica tanto quando fala, quanto quando cala. É ela que determina a simpatia
do semblante.
A importância do sorriso
O sorriso sincero poderá quebrar barreiras aparentemente intransponíveis. Ele conquista
adversários, desarma inimigos, transforma opiniões, cultiva vontades e emociona. É um elemento
especial na comunicação e deve ser largamente utilizado.
A comunicação visual
De todo o semblante, os olhos possuem importância mais evidenciada para o sucesso da
expressão verbal.
Atitudes que devem ser evitadas:
• fugir com os olhos (para baixo, para cima, para todos os lados), pois dá a impressão de
que não se tem a atenção do orador;
• o extremo também deve ser evitado, pois olhar insistentemente deixa o ouvinte pouco à vontade;
• olhar desconfiado (de um lado para outro), pois gera incerteza da atenção merecida pelo ouvinte;
• olhar fixo, pois dá a impressão de comportamento hostil do orador;
• olhar de “limpador de para-brisa” (por cima, para os lados), pois pode sugerir que em
determinados momentos o orador esteja ironizando algum fato referido, a si mesmo ou,
pior, alguma pergunta da plateia;
• olhar perdido.

12.3 Como fazer apresentações


Uma tentativa de oferecer um roteiro ou estrutura dos elementos relacionados nos tópicos
anteriores, juntamente com outros, a serem desenvolvidos no atual, chega à seguinte ordem:
248 Comunicação Empresarial

• Abertura

• Sequência

Conteúdo • Motivação

• Repetição

• Clareza de conceitos e ideias

• Aparência
• Movimentação

Aspectos formais • Posicionamento


ligados ao orador • Tom de voz, inflexão
• Contato visual (visualização)
• Símbolos de autoridade

• Suporte visual

Outros • Controle do ambiente


aspectos formais • Controle do tempo
• Controle do auditório

Na abertura de uma apresentação, deve-se cumprimentar o público de modo cordial e sin-


cero, mas não efusivo, pois não se trata de um show. Dependendo do contexto, agradeça à pessoa
ou à entidade que o convidou para o evento. Inicie sua fala com uma breve exposição sobre o tema
e os objetivos da apresentação. Não faça piadas, pois não há clima para isso, já que a interação
propriamente dita ainda não teve início. Outra proibição: nunca comece a apresentação pedindo
desculpas porque não conhece bem o tema, apenas em parte, ou porque está com algum problema
de saúde que o impede de dar o máximo de si. Agindo assim, criam-se, de antemão, certas reser-
vas em relação ao conteúdo a ser desenvolvido ou uma atitude de concessão que põe em xeque a
credibilidade do orador.
Ainda que possa parecer muito impositivo de nossa parte, vale lembrar de que o orador
não deve fazer uso de linguagem chula, principalmente em determinados ambientes, bem como
se posicionar perante temas polêmicos (aborto, uso de drogas etc.), a não ser que o tema exija esse
posicionamento. Declarar-se favorável ou contra uma causa, candidato ou partido político estabe-
lece um alinhamento ideológico a partir do qual certos preconceitos da plateia podem vir à tona.

12.3.1 Voz, dicção e vocabulário


A voz é uma espécie de radiografia da pessoa. Por isso, exige procedimentos específicos para edu-
cá-la e torná-la um eficaz meio de comunicação, utilizado também para aumentar o grau de aceitação
das ideias do orador.
O chamado colorido com o qual se reveste a voz diz respeito a uma diversidade de elementos
que incluem tonalidade, altura, articulação das palavras, entre outros, responsáveis pela musicali-
dade. O modo de começar as frases, formar vogais, fazer pausa não se reduz a mero aspecto formal,
pois ele é capaz de dotar a expressão de certa carga dramática, irônica, histriônica, ou supostamen-
te neutra, reforçando ou suavizando determinada ideia. Nesse sentido, o exercício com leitura em
voz alta é indispensável e, na verdade, um hábito que se perdeu muito nas últimas décadas. Leia
Eficácia na comunicação 249

para você mesmo. Mas quais são os elementos que você deve trabalhar na sua voz para melhorar
a dicção?
Existem alguns fatores que podem ser analisados separadamente na sua voz:
• Volume – esse elemento está associado à modulação do discurso. Caso sua apresentação
dure mais de três minutos, é necessário modular o volume vocal (falar mais alto e mais
baixo, mais depressa e mais devagar). Em pequenos intervalos, de 45 segundos a um mi-
nuto e meio, fale mais baixo e mais lentamente. Lembre-se, porém, que sempre a sua voz
deve ser ouvida por todo o auditório. Após esse intervalo, volte ao seu ritmo normal de
forma brusca e energética. Isso vai tornar suas apresentações mais atraentes. Tome cui-
dado com a utilização dessa técnica, pois ela requer muito treino para que você obtenha
êxito. Porém, deve-se ter cuidado, pois ao falar mais alto, a sua voz tende a sair mais fina
e desarmoniosa, exigindo bastante atenção e controle.
• Andamento e ritmo – esse elemento está associado a quão rapidamente você articula as
palavras e sons, ou seja, sua dicção.
• Ênfase – esse elemento diz respeito à tonicidade de suas palavras e sílabas. É necessário
que as pessoas consigam captar realmente sua intenção. Existe uma parte da oração (ou
do contexto) que, quando enfatizada, melhora a representação da sua ideia. Você poderá
dar ênfases da seguinte forma:
• dê uma pequena pausa antes do trecho que você quer enfatizar;
• aumente o volume vocal no trecho a ser enfatizado.
• Pausa – a pausa pode ser usada de muitas maneiras pelo orador: para dar ênfase, efeito,
humor, para chamar a atenção do auditório, para fazer com que as pessoas que estejam
conversando durante a palestra parem de falar etc.
• Velocidade – você já deve ter ouvido alguém falar, para se fazer analogia com a escrita,
sem pontos ou sem vírgulas. São pessoas que tentam falar na velocidade em que pensam.
Há também aquelas que falam tão lentamente que acabam criando certa ansiedade em
relação à conclusão do raciocínio. Qual é a velocidade ideal para o discurso? Será que
depende da velocidade dos pensamentos do orador?
A velocidade do pronunciamento deve estar de acordo com o tema da palestra e com o
preparo dos ouvintes. Quanto mais difícil for o assunto da palestra, ou quanto maior for seu
desconhecimento por parte da plateia, mais lento deve ser o discurso. Para que ninguém fique
entediado nessas circunstâncias, é necessário usar modulação de voz: falar mais alto, mais baixo,
mais depressa ou mais devagar.
É necessário aprimorar todos esses elementos por meio de muitos exercícios. Simule várias
combinações e escolha a melhor para dar o efeito que você deseja.

12.3.2 Local e recursos didáticos


Como se destacou, o local onde ocorre a apresentação exerce influência sobre o evento como
um todo. O orador deve estar preparado para se adaptar ao ambiente, motivo pelo qual, sempre que
possível, procurará conhecê-lo com antecedência.
250 Comunicação Empresarial

O maior inimigo do orador é a acústica deficiente, ocasionada por problemas estruturais do


ambiente ou por sistemas de som precários. Ambos os complicadores podem prejudicar bastante a
apresentação ou mesmo inviabilizá-la.
Tanto no caso do problema estrutural – que pode estar ligado ao projeto arquitetônico do
ambiente – quanto no outro, relacionado ao sistema de som, a intervenção do orador pode ameni-
zá-los, contanto que se tenha sensibilidade e abertura na comunicação com a plateia. Ao se notar
o incômodo causado pela acústica deficiente, o orador pode perguntar à plateia se ela o ouve bem.
Às vezes, a equalização do som pode ser reajustada ou efetivamente realizada, corrigindo o balanço
entre os níveis e a distribuição de som pelo ambiente. Outras vezes, e em situação extrema, poderá
ser o caso de se dispensar o microfone, se o lugar não for muito grande ou não estiver lotado.
Ambientes mal iluminados e com má ventilação também causarão incômodo aos presentes.
A ventilação insuficiente poderá causar o abandono do ambiente por uma parte da plateia. Nesse
caso, o orador poderá se sentir desprestigiado, e psicologicamente afetado, por não ter a devida di-
mensão do problema, além de ter sua fala entrecortada pelo ruído de pessoas em retirada.
Também em casos muito particulares, a má ventilação poderá ser amenizada pela abertura
de portas e eventuais janelas, ainda fechadas, ou mesmo pela colocação em prática de um “truque”.
Vimos um palestrante, em situação análoga, solicitar que fossem apagadas algumas lâmpadas do
ambiente, pois atribuía, com convicção, a causa do calor ao excesso de iluminação. Deu certo. Aos
poucos, percebemos um número menor de pessoas na plateia improvisando abanadores. Ao final
do evento, fomos cumprimentar o palestrante pela apresentação e pela iniciativa de apagar as luzes
e este revelou que o efeito fora muito mais de origem psicológica do que “sensória”, na sua expres-
são. Ainda brincou, dizendo que havia repetido a experiência de Hawthorne4, só que ao contrário.
Os recursos disponíveis para apresentações são bastante conhecidos: quadro-negro, retro-
projetor, flipchart, televisor e reprodutor de DVD, epidiascópio5 e datashow, o principal deles,
e o preferido por palestrantes. Borges (2003, p. 13-15) faz uma abordagem bastante útil sobre eles:
Quadro 1 – Quadro-negro

Vantagens Desvantagens

Disponível em quase todos os locais.


Maçante quando usado em demasia.
Desenvolvimento progressivo durante a
Prática exigida para o layout.
apresentação.
Facilmente desordenável.
Facilmente apagável.
Tendência a escrever fora de nível.
Fácil participação do ouvinte/aluno.

(Continua)

4 George Elton Mayo, especialista em psicopatologia, em Harvard, e criador da vertente conhecida como Escola
das Relações Humanas, coordenou a conhecida “Experiência de Hawthorne”, em 1927, que analisava a relação entre
a melhoria das condições de trabalho e o aumento de produtividade em uma fábrica da Western Eletric Company.
A principal intervenção ocorreu sobre a iluminação: quanto melhor iluminado o ambiente, maior a produtividade.
5 Aparelho para projeção fixa de diapositivos, de imagens impressas, em suportes opacos, ou mesmo de peque-
nos objetos.
Eficácia na comunicação 251

Vantagens Desvantagens

Indicações
Método espontâneo.
Bom para grupos pequenos (2 a 20 pessoas) em salas iluminadas.
Desenhos e gráficos devem ser simples e de fácil cópia.

Dicas
Cuidado com o giz e seu pó.
Use cores para ênfase.
Escreva legivelmente.
Leia alto o que escreve, mantém a atenção do grupo.
Não deixe muita coisa sempre escrita.
Limpe-o para a próxima apresentação.
Escreva da esquerda para a direita, apagando-o na mesma sequência.

Fonte: Adaptado de Borges, 2003, p. 13-15.

Quadro 2 – Flipchart
Vantagens Desvantagens
Fácil de preparar antes ou durante a apresentação.
Desenvolvimento progressivo durante a apresentação.
Sequência flexível, pode folhear para a frente e para trás. Armazenagem.
Folhas removíveis para colocar na parede ou quadro-negro. Não muito durável.
Portátil. Tendência do apresentador de ler para o público.
Colorido ou preto e branco.
Atua como roteiro.

Indicações
Uso recomendado em grupos pequenos (2 a 20 pessoas) e salas bem iluminadas.
Bom meio informal.
Facilmente preparável.
Podemos ter acesso em qualquer ordem, embora seja usado em uma sequência preparada.

Dicas
Não mais de um ponto-chave por folha (pode conter até quatro subpontos).
Tamanho de letra não deve ser menor que 3 cm.
Máximo de 4 linhas por folha (+título) (expositivo).
Deixe amplo espaço entre as linhas para melhor legibilidade.
Assinale os pontos principais.
Identifique palavras principais com cores.
Não use cores demais.
Mude o tipo de letra.
Evite charts complicados ou ornamentados.
Mantenha-os no mínimo necessário.
Use folhas brancas entre certos charts que podem desviar a atenção.
Notas escritas levemente a lápis podem ajudar o apresentador.
Se os enrolar, o lado escrito deve ficar para fora.
Planeje sua posição relativamente ao auditório e pratique.
Tenha um chart de resumo no fim.

Fonte: Adaptado de Borges, 2003, p. 13-15. .


252 Comunicação Empresarial

Quadro 3 – Retroprojetor 6
Vantagens Desvantagens
Variedade de material disponível para fazer transparências, com Distorção trapezoidal6.
ou sem máquina de copiar/impressora. Arranjo na sala onde se realizará a projeção.
O apresentador olha para o público de frente. Tendência a copiar figuras de manual ou livros
Sala iluminada. que sejam pequenos demais para reproduzir uma
Progressivo; Baixo custo. transparência legível.

Facilmente disponível, duplicado ou corrigido.


Colorido ou preto e branco.
Portátil.
Durável.
Indicações (Continua)

Grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas) em sala escurecida ou não.


Pode ser projetada em qualquer superfície clara.
Bom meio informal.
Fácil de preparar.
Ideal para acesso aleatório.
Permite ao apresentador olhar para os ouvintes todo o tempo.
Dicas
Regras que concernem a linhas e cores do flipchart também se aplicam aqui.
Evite transparência de cópias de páginas digitadas. Se absolutamente necessário use tipo de letra arial, com tamanho
20, no mínimo.
Considere a possibilidade de usar transparências superpostas; Utilize cores, canetas para retroprojetor são facilmen-
te encontradas.
Lembre-se de usar cartão adequado para tampar a transparência toda vez que não esteja em uso ou então desligue
o projetor.
Coloque-as em molduras para facilitar o manuseio; Mantenha-as em número reduzido.
Leve um indicador e se possível use-o na tela e não no aparelho.
Lembre-se de utilizá-la como o quadro-negro para efeitos de construção.
Fonte: Adaptado de Borges, 2003, p. 13-15.

Quadro 4 – DVD
Vantagens Desvantagens
Excelente qualidade do visual produzido; Uso de cores. Custo do equipamento (câmera + vídeo); Exige prática
Movimentação Permite edição; Fácil transporte. do operador da câmera.

Produção instantânea; grava e reproduz na hora. “Projeção” deve ser feita em um televisor ou telão.

Não necessita processamento em laboratório Preparo de um “filme” é demorado; Edição exige dois
(como nos filmes). aparelhos.

Troca rápida e fácil de disco.


Permite avanço rápido, câmera lenta e cena parada.
Permite autoinstrução.
Indicações
Recomendado para grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas).
Dicas
Prepare sempre um roteiro antes de filmar; Identifique os CDs e faça índice dos conteúdos.
Leia periódicos e livros que dão “dicas” mais especializadas e ideias simples de utilização para o videocâmera.
Fonte: Adaptado de Borges, 2003, p. 13.

6 Deformação, em forma de trapézio, da imagem projetada na tela, resultante da inclinação do eixo do feixe de proje-
ção, em relação à normal, ao plano da tela.
Eficácia na comunicação 253

Quadro 5 – Epidiascópio7
Vantagens Desvantagens
Permite mostrar diretamente figuras ou textos de Exige sala completamente escura.
livros ou qualquer documento. Tende a distrair o público.
Reproduz na tela o documento com suas cores Leva o apresentador a não preparar visuais, pois usa
originais. diretamente as fontes bibliográficas.
Economiza tempo, evitando preparar visuais Obriga o apresentador a ficar ao lado do aparelho para
elaborados. colocar os originais.
Baixo custo. Fácil de operar.
Indicações (Continua)

Recomendado para grupos pequenos ou médios (2 a 50 pessoas).


Indicado para reprodução, em tela, de livros ou documentos diretamente, sem necessidade de produzir outras ma-
trizes. É indicado também para mostrar o conteúdo de telas de equipamentos de medida, tais como osciloscópios7,
mediante uso de lente adaptadora (similar ao “telão de TV”).

Dicas
Evite uso prolongado.
Não reproduza figuras pequenas ou textos com letras pequenas; Prefira usar transparências para manuscritos.

Fonte: Adaptado de Borges, 2003, p. 13.

Quadro 6 – Datashow

Vantagens Desvantagens
Permite uso de cores; Movimentação. Alto custo do equipamento.
Permite maior sequência, mediante escolha Exige conhecimento de operação de softwares
de opções. de apresentação.
Fácil transporte.
Permite alterações até mesmo na hora; Permite uso
individual (autoinstrução).

Indicações
Recomendado para grupos pequenos e médios (2 a 50 pessoas) ou para uso individual.
Recursos auxiliares ao computador como datashow e vídeo projetores podem também auxiliar na exibição de filmes.

Dicas
Planeje o roteiro do que se quer mostrar e os caminhos a serem escolhidos; Faça sempre backup da apresentação a
ser realizada.
Informe-se antecipadamente se a configuração disponível no microcomputador é compatível com o software da sua
apresentação.
Chegar com antecedência suficiente para instalar no microcomputador a apresentação e testá-la.
Verificar a existência de lâmpadas sobressalentes do equipamento de reprodução da tela do computador (datashow,
videoprojetor, canhão etc.).
Fonte: Adaptado de Borges, 2003, p. 13.

12.4 Preparação de discursos


A maioria dos oradores concorda com o princípio de que não se deve ler um discurso.
Ironicamente, no entanto, uma das peças de oratória mais citadas – “A oração aos moços”, de Rui

7 Instrumento de medida eletrônico que cria um gráfico bidimensional visível de uma ou mais diferenças de potencial.
254 Comunicação Empresarial

Barbosa – veio à luz como texto para ser lido; não por seu autor, que se encontrava adoentado na
ocasião e impedido de assumir a tribuna, como paraninfo, de uma turma de Direito do Largo São
Francisco em São Paulo, mas por um representante que, emocionadamente, leu o texto diante dos
formandos daquela inesquecível cerimônia de 1920.
Há, por outro lado, quem diga que o texto se interpõe entre o orador e o auditório, dificul-
tando a verdadeira interação. Como já se salientou, falar de memória é sempre um risco, além de o
orador encobrir-se de um fino tecido, diáfano e quase imperceptível, mas que embaça o brilho das
palavras e entorpece os movimentos. Alguns oradores escrevem os discursos, para depois esquecê-
-los, de propósito, mas não inteiramente, conservando deles a ossatura, por assim dizer. A seguir,
um esquema, talvez um tanto extenso, motivo pelo qual o leitor poderá suprimir o tópico C, da
parte principal, quando julgar dispensável.

I. Introdução

A. Agradecer ao apresentador;
B. Introdução que desperta a atenção da audiência;
C. Por que a audiência deve ouvi-lo;
D. Prévia do tópico.

II. Parte principal

A. Primeira ideia principal


1. Pontos de apoio;
2. Pontos de apoio.
B. Segunda ideia principal
1. Pontos de apoio;
2. Pontos de apoio.
C. Terceira ideia principal;
1. Pontos de apoio;
2. Pontos de apoio.

III. Conclusão

A. Resumo das ideias principais;


B. Ponto culminante ligado à introdução.

Cada ideia principal é acompanhada de “pontos de apoio” que podem tomar a forma de
provas concretas (estatísticas, pesquisas, referência a autores, fatos) sobre a exatidão e pertinência
dos conceitos referidos em cada ideia principal.
Um discurso de forte impacto, ainda hoje, é o do final de O Grande Ditador (1940), de
Chaplin, autor de uma obra central na história do cinema e criador de uma linguagem corporal,
de interação com objetos em cena, muitas vezes apontada como uma das maiores contribuições
à sétima arte. Notemos como o orador – um modesto barbeiro, que, após uma reviravolta, acaba
ocupando o lugar do ditador do título – faz uso da estrutura do discurso aristotélico, conforme
Eficácia na comunicação 255

estudado na Arte Retórica, dividida em quatro etapas, como referido anteriormente: exórdio, nar-
ração, provas, peroração.

Exórdio
Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício.
Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de
ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos. Todos nós dese-
jamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver
para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos
de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos.
A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

Narração
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extra-
viamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo
as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a
miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos
enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos
deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa in-
teligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem
pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que
de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida
será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas
coisas é um apelo eloquente à bondade do homem... um apelo à fraternidade
universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega
a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens,
mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e
encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis!” A
desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em
agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso huma-
no. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder
que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem
homens, a liberdade nunca perecerá.
256 Comunicação Empresarial

Provas
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos
escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos,
as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mes-
mo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam
como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois
máquina! Homens é o que sois! E com o amor da humanidade em vossas
almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se
fazem amar e os inumanos!
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo
sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro
do homem – não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens
todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máqui-
nas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta
vida livre e bela... de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em
nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos
por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de
trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

Peroração
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas,
só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os
ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para liber-
tar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio
e à prepo- tência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a
ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome
da democracia, unamo-nos!
Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês,
Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo
da treva para a luz! Vamos entrando em um mundo novo – um mundo
melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutali-
dade. Ergue os olhos, Hannah!
A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris,
para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!
Eficácia na comunicação 257

Aristóteles classificou os discursos em três gêneros: o deliberativo (persuade ou dissuade);


epidítico (elogia ou censura) e jurídico (acusa ou defende). O discurso do nosso herói pertence ao
gênero deliberativo8, pois tenta convencer o auditório sobre as benesses da paz.
No exórdio, o orador comunica de imediato o tema de seu discurso. No filme, a situação
em que se encontra o barbeiro, sósia do ditador, já suscitava nos ouvintes a expectativa por outro
discurso eloquente e belicista, ao estilo de seu soberano, mas foram surpreendidos pela renúncia
ao poder e o apelo à paz. Na narração, o orador deve relatar tudo o que sabe sobre o tema, perceba
como o nosso orador evoca os avanços da ciência e, em contraste, o aumento da opressão; nas pro-
vas, o orador apresenta elementos concretos que fortalecem seu ponto de vista; no início dessa eta-
pa, o barbeiro argumenta que os soldados não devem se entregar aos tiranos: “que vos desprezam...
que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas ideias e
os vossos sentimentos”; finalmente, na peroração, o orador retoma e reforça um ou mais temas e faz
um apelo ao auditório (“Lutemos...”); no filme, o barbeiro convoca à resistência, além dos soldados,
também Hannah, a mocinha da história.

12.5 Excelência em improviso


Em primeiro lugar, ninguém é convidado a falar de improviso sem um motivo para isso.
De um modo geral, julga-se o convidado capaz de dirigir a palavra aos presentes, ainda que se
saiba que ele não se obriga a criar uma brilhante peça de oratória na ocasião. A expectativa da
plateia, portanto, dificilmente será elevada, o que de saída já deve tranquilizar o orador.
Justamente pelo fato dessa pessoa, você, por exemplo, fazer jus ao convite, não é imperti-
nente sugerir que sempre tenha consigo um tema “na manga”. Esse tema deverá, necessariamente,
ser um dos que você domina para ajudá-lo a encaminhar um discurso de improviso com natu-
ralidade e segurança. Por isso, tente refletir sobre os assuntos que podem compor esse, digamos,
portfólio informal: algo ligado à sua profissão, um acontecimento inusitado, um acontecimento
bombástico ocorrido por aqueles dias, uma curiosidade, uma leitura que esteja fazendo, uma con-
versa com um amigo etc. O importante é que você possa abraçar o tema escolhido e, se necessário,
analisá-lo de mais de um ângulo.
Contudo, o tema que você domina não é aquilo propriamente que os ouvintes esperam ou-
vir, pois, afinal, há um contexto que estabelece certas condições para sua fala. Esse tema deve ser
considerado “paralelo”, ou seja, sua função é prepará-lo para o desenvolvimento do tema que susci-
tou sua convocação ao palco ou equivalente. Comece por ele, mas se prepare para fazer a transição
a partir de um mote, uma passagem, palavra ou ideia associada que se ligue “naturalmente” ao
tema principal. A partir daí, entra seu repertório em cena. Mas lembre-se: a expectativa da plateia,

8 Exemplos do uso da estrutura do discurso aristotélico: Steve Jobs, da Apple, em formatura de estudantes da Uni-
versidade de ­Stanford. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=s9E6XfJPAMM>. Acesso em 11 maio 2018.
Martin Luther King, o famoso “Eu tenho um sonho”. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HbQC9ikiKlI>.
Acesso em: 11 maio 2018. Encenação do discurso do deputado Marcio Moreira Alves, causa da decretação do AI-5.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lrOsuSuY2Oo>. Acesso em: 11 maio 2018. Por ocasião do 79.º ani-
versário do apresentador Silvio Santos, na data registrada adiante, lembramo-nos da defesa que fez do cantor Roberto
Carlos, mesclando narração e provas, há cerca de 40 anos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JGqC
gVI4sPk>. Acesso em: 11 maio 2018.
258 Comunicação Empresarial

como se salientou, de um modo geral não é alta, pois para eles também foi uma surpresa o convite
feito a você. Siga as etapas abaixo e atente para o tempo de sua fala que nunca deverá ser longa.
• planeje;
• saiba como começar e terminar;
• seja breve;
• não tenha pressa para começar;
• utilize um assunto paralelo;
• ordene mentalmente a apresentação do tema central;
• não peça desculpas;
• fale mais baixo no início;
• fale apenas sobre temas que você domina;
• não recuse convites;
• agradeça a oportunidade.

12.6 Timidez
Se tivermos que apontar a mais persistente das causas da timidez diante do desafio de falar
em público, certamente seria o sentimento de inferioridade. É claro que há outras razões, e bastante
significativas, mas o fenômeno apontado é um complicador que não pode ser negligenciado, quando
se fizer uma análise apurada sobre o problema.
Comecemos por reconhecer outra vez que, para o comunicador, falar em público confunde-se
mesmo com o processo de fortalecimento de posições de liderança. Afinal, cabe a ele promover a
conversação em diversos níveis, e daí que será impossível chegar a bom termo sem algumas ou mui-
tas comunicações públicas. Deixando de lado um pouco a figura do comunicador, qualquer pessoa
na empresa deveria estar preparada para falar em público, mas basta aventar essa possibilidade para
muitas delas, de imediato, serem tomadas pela timidez e rejeitarem a hipótese.
A timidez é uma forma de reação do corpo e da mente para se proteger de situações que pa-
recem ameaçadoras, como um mecanismo de autopreservação do eu, cabe saber se ele se manifesta
de modo pontual ou crônico. Como se mencionou, o sentimento de inferioridade é uma posição
extrema do indivíduo diante de uma situação que lhe parece limite; pensamentos que expressam
a insegurança afloram e superam a sensação aparentemente análoga em que o indivíduo se sente
acanhado porque não domina o tema.
Os pensamentos negativos sobre a autoimagem às vezes podem ser tão paralisantes a pon-
to de a pessoa, em última instância, acabar protelando seu compromisso em falar em público.
O primeiro desses pensamentos pode ser traduzido assim: “por que as pessoas precisam me ouvir?”,
seguido de uma percepção sobre a condição financeira superior da plateia e o preparo intelectual
dela, também acima do desempenho do orador, por fim, o modo como a plateia vai julgar sua apa-
rência, o seu modo de falar e de se movimentar. Daí em diante, a desnutrição emocional tende a se
acentuar, deformando a autoimagem e exagerando as dificuldades como um olhar obsessivo para
os pequenos erros, sintoma da supervalorização do olhar do outro.
Eficácia na comunicação 259

No entanto, há formas de enfrentar a timidez, o que certamente exigirá uma boa dose de
ousadia e determinação em adotar certos procedimentos. O primeiro é a aceitação de uma verda-
de que, embora óbvia, não é levada muito em conta: a maioria das pessoas tem medo de falar em
público. Isso decorre da responsabilidade que se assume tacitamente perante o outro, na forma da
entrega de algo valioso: a sua fala, portadora de conteúdos.
Por outro lado, a hipotética hostilidade da plateia deverá ter como correlato inverso o bom
acolhimento de sua fala, afinal, você terá se preparado para a ocasião e se foi convidado para se
colocar diante da plateia é porque há um bom motivo para isso. Imagine-se diante dos ouvintes, os
quais demonstram interesse em sua fala e aprovam seu desempenho como um todo.
A formulação de algumas perguntas, em um processo intenso de autoanálise, ajuda a se
ter um retrato a partir do qual algumas imagens podem trazer à tona certas angústias e ansie-
dades, o primeiro passo para superá-las:
• Como me vejo quando estou em presença do público?
• Como acho que as pessoas me veem?
• Como gostaria de me ver?
• Como gostaria que as pessoas me vissem?
• Tenho medo de falar em público por quê?
• Tenho a sensação de que meu corpo e cérebro atuam de forma desordenada. Quando?
• Por que sinto que a plateia é ameaçadora?
• Por que minha voz, quando falo em público, parece soar estranha?
É necessário motivar-se, investir na recuperação da autoestima, o que não raro envolve apoio
terapêutico, mas não necessariamente. Algumas iniciativas são notavelmente benéficas:
• resgate imagens positivas, enumerando com detalhes as situações em que foi possível
administrar conflitos e superar dificuldades;
• falar com amigos mais próximos sobre a ansiedade; representá-la; situar os momentos de
maior tensão. Depois disso, você sentirá que o peso dos medos ficou menor e que é possí-
vel expressar-se com mais calma: esse já será um bom exercício na busca da autoconfiança;
• analisar as características das pessoas que você admira quando falam em público: tom de
voz, fluência, coerência, objetividade, carisma, expressividade, espontaneidade, argumen-
tação, dicção, interação. Procurar ter acesso a essas pessoas e perguntar-lhes o caminho
que percorreram para atingir esse resultado.

12.7 Palestra de negócios


A palestra de negócios nunca será um texto para ser lido e, diferentemente de um dis-
curso em uma cerimônia, de uma fala na empresa ou no ambiente acadêmico ou ainda de uma
fala de improviso, em qualquer situação, ela possui caráter didático, além de ser resultado de
uma ação comercial.
260 Comunicação Empresarial

Estamos nos referindo a um produto no mercado das palestras e eventos para empresas e
executivos e, portanto, a expectativa em torno dela é grande, maior mesmo que o preço pago pelo
evento. Os ouvintes esperam ser esclarecidos sobre determinado tema e muitos, senão a maioria,
almejam colocar os conhecimentos apreendidos em prática ou no mínimo aumentar o repertório
sobre esse tema, redimensionando os saberes que já possuíam.
Dado esse caráter diferencial, o orador será duplamente julgado: pelo seu desempenho como
tal, pela eficácia de sua fala como instrumento de comunicação, e pelo teor do conteúdo e seus
efeitos, agora medidos por uma perspectiva utilitária. Portanto, eis uma situação em que falar em
público é coisa para gente muito bem preparada, para profissionais acostumados a serem julgados
por um tipo específico de desempenho e que, na eventualidade de não receberem a aprovação da
plateia ou de parte dela, saberão como se corrigir sem se deixar abater.
O princípio número um dos oradores deve ser ainda mais observado: só se proponha a falar
sobre um assunto que você domina. Depois, tente seguir os seguintes passos:
1. Identificação do público-alvo – caso você tenha planejado a palestra, essa terá sido sua
primeira reflexão. Quem será atraído pela “oferta” que se faz? Independentemente de
você ter promovido o evento ou uma empresa que contratou seu serviço, é importante
conhecer o perfil do público: sexo, faixa etária, cargos, formação universitária, empresas
de origem e o interesse em específico em relação à palestra.
2. Administração do tempo – a palestra, propriamente dita, tem duração média de
1h 30min. Aquelas três fases (introdução, parte principal ou desenvolvimento e conclu-
são), já referidas, podem ter os seguintes tempos: introdução – 5 minutos; desenvolvi-
mento – 70 minutos e conclusão – 15 minutos. A partir daí, há um período de tempo de
até 30 minutos para perguntas da plateia.
3. Já sabemos da importância do espaço físico do evento, por isso, se puder, não deixe de
visitá-lo antes da apresentação.
4. Quais os resultados que você pretende obter com sua apresentação? Identifique-os em
uma frase completa iniciada com verbo no infinitivo: demonstrar como a comunicação
empresarial participa do planejamento estratégico.
5. Elaboração da palestra – escreva no alto de uma folha o título da palestra e as palavras
e conceitos-chave de cada etapa. Título: comunicação empresarial como ferramenta
estratégica de gestão.
6. Os conceitos-chave não devem ser muito longos, mas nada impede que você os desen-
volva com mais detalhes em uma folha à parte, a qual poderá ser consultada durante a
palestra.
7. Os “pontos de apoio”, do esquema a que nos referimos, equivalem, como vimos, a provas
concretas sobre a aplicação dos conceitos que você expõe e defende.
8. Estabeleça relações entre o conteúdo e o perfil e experiência do público.
9. Faça uso de datashow, se necessário. Mas nunca, em momento algum, limite-se a ler uma
sequência de slides, isso significaria assumir que sua presença é dispensável.
Eficácia na comunicação 261

10. Na parte final da apresentação, retome e reforce os principais conceitos, de forma bas-
tante sucinta, e extraia deles uma conclusão que reforce no espírito do ouvinte a certeza
de que serão úteis para sua vida profissional.

Atividades
1. Considerando a teoria das inteligências múltiplas, de Gardner, indique aquelas que parecem
ser indispensáveis na formação de oradores.

2. Indique os elementos relacionados diretamente à voz do orador.

3. Quem é convidado a falar de improviso pode lançar mão de uma estratégia que lhe dá tempo
de organizar o pensamento. Explique.

Referências
BORGES, Roberto C. M. Técnicas de apresentação. UFRGS, 2003. Disponível em: <www.scribd.com/
doc/7238981/Apostila-Tecnicas-Apresentacoes>. Acesso em: 14 dez. 2009.

GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Tradução de Maria Adriana Veríssimo
Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

______. Mentes que mudam. Porto Alegre: Artmed, 2005.

PINKER, Steven. O Instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

MENDES, Eunice; L. A. JUNQUEIRA Costacurta. Falar em público: prazer ou ameaça? Pequenos grandes
segredos para sucesso nas comunicações formais e informais. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997.

POLITO, Reinaldo. Seja um ótimo orador. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005a.

______. Vença o medo de falar em público. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005b.

______. Como falar corretamente e sem inibições. 111. ed. São Paulo: Saraiva, 2006a.

______. Assim é que se fala: como organizar e transmitir ideias. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2006b.

______. Evite riscos e melhore suas apresentações. Publicado em: 2 dez. 2009. Disponível em: <www.polito.
com.br/portugues/artigo.php?id_nivel=12&id_nivel2=155&idTopico=1068>.
Gabarito

1 O que é comunicação empresarial


1. Se formos, de fato, impactados por esses “sinais”, nossa resposta ocorre de acordo com
as informações e juízos de valor que recuperamos ou mobilizamos e com nosso real in-
teresse em relação à empresa. Por exemplo, a notícia da recuperação financeira de uma
empresa pode nos fazer lembrar de sua trajetória de sucesso e daí enxergarmos naquela
mensagem a confirmação da competência da empresa etc. O importante, para o profis-
sional de comunicação empresarial, é colher lições no cotidiano. Pequenas e médias em-
presas, com as quais nos relacionamos todos os dias, expõem, às vezes até sem a perfeita
consciência disso, elementos sobre sua capacidade de se comunicar com eficácia com o
cliente. Uma loja de roupas que envia um cartão de congratulações na data do aniversá-
rio da cliente, mas utiliza-se de mensagem muito desgastada, poderá causar indiferença,
em vez de gratidão, no destinatário.

2. Sindicatos e empresas viram-se na contingência de se comunicar melhor com a opi-


nião pública. Era preciso convencer o público sobre a pertinência (e até legalidade)
de suas posições.

3. A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje) reúne os profissionais do


setor e promove, por vários meios, a integração entre estes e as organizações.

2 Teorias da comunicação
1. Porque é uma forma da comunidade científica determinar um lugar de partida para a
pesquisa; o paradigma é uma matriz que é capaz de reunir diferentes teorias a partir de
pontos em comum ao mesmo tempo em que relativiza diferenças para melhor com-
preender a interação entre elas.

2. O paradigma pragmático-funcionalista enxerga a sociedade como um organismo regido


por funções. A Escola dedicou grande parte de seu esforço teórico para estudar os efei-
tos dos meios de comunicação sobre o receptor, individualmente, e sobre a sociedade
como um todo. Já o paradigma culturológico interessa-se mais em estudar as relações
do receptor com a mensagem. Em relação ao paradigma funcionalista e ao paradigma
de inspiração frankfurtiana, também este orientado pela investigação sobre os efeitos,
no caso, ideológicos, dos meios de comunicação, o paradigma culturológico demonstra
uma abordagem mais heterodoxa no trato com a chamada cultura de massa, reconhe-
cendo-lhe um imaginário próprio sem, no entanto, deixar de apontar os efeitos negati-
vos como produto da necessidade de lucrar.
264 Comunicação Empresarial

3. Trata-se do conceito de “aldeia global”, a percepção de uma comunidade planetária conec-


tada pelos meios de comunicação. A rigor, os fios dessa teia tornaram-se mais evidentes
apenas com o advento da internet e de outras mídias digitais, todas conectadas em rede, daí
o resgate da obra de McLuhan como uma importante contribuição para o tema.

3 Comunicação empresarial: natureza, abrangência, função


1. A missão de uma empresa é um enunciado que apresenta, de forma direta e sucinta, os seus
objetivos, qual a sua razão de ser como instituição. Por estar relacionada a um assunto de
origem, pensado e discutido entre seus dirigentes, pensa-se na missão como um documento
“fundacional”, fundamental.

2. Os pontos de vista possuem uma carga considerável de relatividade, daí o porque serem
muitos sobre um mesmo objeto. Isso ocorre também no mundo organizacional e, no con-
texto do capítulo, e dessa passagem, pode-se relacionar a frase às premissas da Escola de
Montreal sobre as várias “versões” em jogo sobre um mesmo objeto.

3. A comunicação empresarial pressupõe uma junção da comunicação administrativa, comu-


nicação institucional, comunicação mercadológica e comunicação interna, que formam o
composto de comunicação organizacional.

4 Comunicação empresarial como ferramenta estratégica de gestão


1. De fato, na maioria das vezes, os públicos mantêm interações entre si, de modo que ainda
que a empresa, em determinado momento, esteja se comunicando com um público-alvo
específico, os desdobramentos dessa relação envolvem outros públicos. Exemplo disso pode
ocorrer quando a matriz de uma multinacional, por intermédio de suas filiais, dirige-se
ao cliente, convocando-o para o recall de certo produto, o console de um video game, por
exemplo. Essa operação envolve, em primeira mão, a comunicação interna matriz-filial e
filial-funcionários. Em seguida, assessoria de imprensa, meios de comunicação e o diálogo
com as comunidades de video game, que são formadoras de opinião, e assim por diante.
Não é menos relevante o fato de vários funcionários da filial serem também consumidores e,
nesse caso, como “embaixadores de marca”, teriam argumentos consistentes para divulgar a
operação e validá-la no seu círculo de relações.

2. Embora diferentes na essência, os serviços são complementares. Enquanto que o SAC aten-
de a clientes em situações bem específicas (reclamações, dúvidas sobre o funcionamento de
equipamentos, preparo de produtos, notificação de defeitos etc.), o ombudsman anota crí-
ticas, reclamações e sugestões dirigidas a ele e se posiciona diante delas perante a empresa.
Para isso, recorre a diretorias e/ou presidência e propõe medidas apropriadas para cada item.

3. Posicionamento é um conceito introduzido na teoria de marketing por Al Ries e Jack Trout.


Os autores defendem que o posicionamento é uma “batalha” pela mente do cliente, já que
Gabarito 265

marketing, de acordo com essa visão, é muito mais uma questão de percepção do que de
venda de produtos. Esse trabalho de ocupação da mente do cliente parte da premissa que
vivemos em uma sociedade ultra congestionada pela comunicação e daí a necessidade, an-
tes de tudo, de ser percebido e compreendido dentro da posição que se ocupa no mercado.
Kotler, no prefácio do livro Posicionamento: a batalha por sua mente, de autoria da dupla,
reconhece que este deve ocorrer antes mesmo do mix de marketing, representado pelos 4 Ps.

5 Identidade, imagem e reputação organizacional


1. Diz-se que a imagem corporativa é efêmera, porque geralmente é limitada a um momento
específico da empresa. Como efeito da comunicação, essa imagem pode, inclusive, dotar a
organização de um atributo ligado a uma campanha publicitária, em específico, cujos sig-
nificados são, por definição, passageiros. Por outro lado, a imagem pode ser também uma
visão parcial, desenvolvida por uma categoria de público, e não por vários, como seria de-
terminante para a consolidação da reputação. Esta última é uma construção, com frequência
lenta e cuidadosa, ao longo dos anos. Traduz o compromisso com os diversos públicos e a
capacidade de resposta a questões de diversas naturezas que lhe dizem respeito.

2. Trata-se de uma metodologia para aferição da reputação que vem ganhando notoriedade in-
ternacional, graças à presença do Instituto de Reputação em mais de 20 países. O RepTrak
analisa a reputação organizacional em sete dimensões: desempenho, produtos e serviços,
inovação, ambiente de trabalho, governança, cidadania e liderança. Cada uma das dimen-
sões é caracterizada por atributos, totalizando 23 itens.

3. O relatório de sustentabilidade é um instrumento para a aferição e divulgação do desem-


penho organizacional para os públicos internos e externos. É um modo de a empresa com-
provar seu compromisso com os parâmetros norteadores do desenvolvimentos sustentável:
ecologicamente correto; economicamente viável; socialmente justo e culturalmente aceito.
Esses princípios, por sua vez, encontram relação com o chamado Triple Bottom Line (ou“-
três resultados líquidos”), a base conceitual utilizada, por exemplo, pelo Global Reporting
­Initiative – GRI, organização parceira da ONU.

6 Comunicação interna
1. O primeiro fator que merece atenção é que o quadro proposto por Daft é comparativo, como
é próprio dos esquemas, enquanto as reflexões de Sennett são de cunho analítico e crítico.
Este autor analisa o novo capitalismo a partir do que chama de “ângulo de corte”, ou seja, as
empresas da vanguarda econômica, inseridas na globalização e com extensões mundo afora.
Além dessa característica, essas organizações são grandemente influenciadas por acionistas
e respondem a esse impacto de forma peculiar, além disso, investem grandes recursos em
automação e informática.
266 Comunicação Empresarial

Sennett compara o paradigma taylorista com o atual e identifica no primeiro – não obstante
seu caráter mecanicista e desumanizador, tantas vezes lembrado pelos críticos – certas ca-
racterísticas que o colocam, do ponto de vista do projeto social, mais sensibilizado com o fa-
tor humano. Tomando como referência as análises de Weber, que aproximam o taylorismo à
estrutura do exército prussiano, Sennett argumenta que essa estrutura piramidal, fortemente
hierárquica e disciplinar, era capaz de dotar o indivíduo de uma identidade profissional, via
trabalho, que o atual sistema está longe de fazê-lo ao eleger o talento e a meritocracia como
fatores de reconhecimento e ascensão.
Para Sennett, a nova economia é desumanizadora, fonte de permanente insegurança e de
exclusão, ao contrário do passado, quando se obtinha do trabalho segurança psicológica e
um sentido para a vida, o qual o autor considera em termos de narrativa.
O quadro montado por Daft deixa entrever dois sistemas com diferenças marcantes, no
qual estruturas organizacionais horizontalizadas, da atualidade, substituíram estruturas bu-
rocráticas e centralizadoras do passado. Quando comparado ao livro de Sennett, chamam
atenção as divergências entre o modo como os dois autores encaram certas facetas, do ponto
de vista organizacional, da atual fase do capitalismo. Por exemplo, Sennett não acredita na
descentralização e no sistema participativo propalados pelas organizações, características
presentes no quadro de Daft.

2. A comunicação interna faz parte do planejamento estratégico e este, por sua vez, é direta-
mente influenciado pela cultura organizacional. A cultura organizacional é um conjunto
de fatores concretos e abstratos, tais como procedimentos com caráter de ritual e os valores
éticos, com grande impacto no modo como os indivíduos (base da comunicação) se com-
portam no interior das organizações.

3. Na medida em que forem pensados de forma planejada, sempre sob a força coesiva da cul-
tura organizacional. Códigos de conduta, protocolos, manuais, sem, no entanto, cair em
excessos, são importantes ferramentas para monitorar procedimentos.

7 Pensamento complexo na empresa e na comunicação


1. A impossibilidade do pensamento moderno, baseado na lógica aristotélico-cartesiana, de
responder às demandas de um mundo complexo por definição, turbulento, no qual a frag-
mentação do conhecimento impede uma visão holística sobre a realidade.

2. Entre outros motivos, porque a empresa também vive em um ambiente de incertezas para
o qual não encontra respostas com a necessária amplitude para superá-las. O pensamento
complexo não se sustenta na lógica do “terceiro excluído”, das polarizações cartesianas, e por
isso lança mão de um maior número de hipóteses na apreensão do real.

3. De um modo geral, as empresas fazem uso da multidisciplinaridade no seu dia a dia.


Os vários sistemas da empresa (administração, finanças, contabilidade, gestão de RH e
comunicações) mostram-se como segmentos mais ou menos isolados, com algumas co-
Gabarito 267

nexões pontuais. A sustentabilidade apresenta-se como um dos meios de promover a in-


terdisciplinaridade, já que as diferentes áreas tendem a encontrar, nos valores da primeira,
componentes comuns que permitam o diálogo entre as áreas ou disciplinas. Sobre a trans-
disciplinaridade, podemos identificar certas características nas organizações (como a da
auto-organização), mas o projeto encontra-se em lenta construção.

8 Comunicação de marketing, propaganda institucional e corporativa


1. Trata-se de um sistema de comunicação que tenta informar e lembrar o público-alvo sobre
as especificidades de produtos e serviços, em um processo em que a persuasão também exer-
ce um importante papel. O modo como o marketing põe em prática essas ações nem sempre
ocorre de modo direto, pois eventos patrocinados, por exemplo, são formas de experimentar
a marca de modo diferenciado, indireto. O marketing reúne plataformas tão diferenciadas
quanto propaganda, promoção de vendas, relações públicas, marketing direto, entre outras,
que por sua vez lançam mão de ferramentas (mídia impressa, mídia eletrônica e digital),
amostras, malas diretas etc.

2. Os temas recorrentes são: valorização do consumidor; ecologia; cidadania; ética nos negócios
e parceria entre a empresa e seus públicos, como: funcionários, fornecedores e revendedores.

3. A propaganda corporativa de imagem, como a expressão já indica, investe em mídia de mas-


sa para notificar ações relacionadas a assuntos sociais e econômicos do interesse da empresa;
é uma forma de alinhar essas ações com o posicionamento da empresa, fazendo disso um
diferencial. Já a propaganda corporativa temática ou de defesa posiciona a empresa diante
de temas polêmicos, diretamente ligados aos interesses dela. O eventual apoio à aprovação
de uma lei no congresso, por exemplo, expõe uma perspectiva da empresa e, como tal, com
significado que pode não agradar a muitos, daí o risco desse tipo de propaganda.

9 Ética, relacionamento com clientes e outros públicos


1. Ambas as expressões valorizam as respectivas dimensões (informação e conhecimento) e
o modo pelo qual se tornam fundamento da sociedade. Ocorre que a segunda expressão
surge como esforço em se dissociar o fenômeno de um enfoque econômico e, em um certo
sentido, limitante. A segunda expressão ganha curso no ambiente acadêmico como área de
reflexão e estudo.

2. Conhecimento tácito é um conjunto de saberes de natureza intuitiva, sentimental, interior,


vazado em uma escala de valores e de crenças, difícil de ser verbalizado, como indica a pala-
vra tácito, cuja origem latina (tacitus) significa “não expresso por palavras”.

3. Moral e ética são palavras que nos surgem, habitualmente, como sinônimas. Ambas indicam
o conjunto de princípios ou padrões éticos. Etimologicamente, mores (do latim) e ethos (do
grego) remetem à ideia de costume. Costumes são práticas ou regras sociais reiteradas ao
268 Comunicação Empresarial

longo do tempo, conforme a predisposição de certa sociedade e a sua convicção em julgar


esses costumes como algo valioso e provido de sentido no relacionamento entre os indiví-
duos. Por sua vez, esse sentido se sustenta como uma referência a partir da qual os indivíduos
se guiam ora afastando-se, segundo seu arbítrio, ora reconhecendo e acatando os seus sinais.

10 Relações com a mídia e gestão de crise


1. Questões relacionadas à imagem e questões públicas. As primeiras relacionam-se direta-
mente à imagem e reputação da empresa e podem ter um julgamento positivo ou negativo;
as segundas podem afetar o funcionamento da organização ou seus interesses futuros, entre
as quais destacam-se questões públicas de natureza política e econômica.

2. Algumas situações típicas de crise institucional podem ser:

• produtos e serviços com problemas;


• conflitos com empregados: demissões em massa, greves;
• escândalos envolvendo altos executivos: corrupção, fraudes etc.;
• processos legais de várias naturezas;
• atos de terrorismo contra a organização;
• catástrofes: queda de avião, desastres ecológicos etc.;
• panes sistêmicas: falhas de computadores, erros de softwares etc.;
• falhas humanas.
3. Nunca se diz não à imprensa, não se deve cometer o erro da ingerência nas prerrogativas do
repórter e seu veículo. Não exagere demais e nem seja sucinto. É preciso saber definir men-
sagens prioritárias. No entanto, deve-se evitar clichês afeiçoados. A ênfase bem dosada nas
palavras quebra o tom monótono da fala. As palavras devem ser bem articuladas.

11 Fundamentos da comunicação interpessoal


1. Para Moscovici (2001), o feedback deve reunir as seguintes características:
Descritivo ao invés de avaliativo – sem julgamento, apenas o relato de um evento.
Específico ao invés de geral – explicar o significado: quando se diz a alguém que ele é “do-
minador” isto tem menos significado do que indicar seu comportamento em uma determi-
nada ocasião. “nesta reunião você não ouviu a opinião dos demais e fomos forçados a aceitar
sua decisão para não receber suas críticas exaltadas”.
Compatível com as necessidades de ambos, comunicador e receptor – pode ser altamente
destrutivo quando satisfaz somente às necessidades do comunicador sem levar em conta as
necessidades do receptor.
Dirigido – para comportamentos que o receptor possa modificar: em caso contrário, a frus-
tração será apenas incrementada se o receptor reconhecer falhas naquilo que não está sob
seu controle mudar.
Gabarito 269

Oportuno – logo após o comportamento em questão.


Solicitado ao invés de imposto – será mais útil quando o receptor tiver formulado pergun-
tas que os que o observam possam responder.
Esclarecido – pedir para que o receptor repita o feedback recebido para ver se corresponde
ao que o comunicador quis dizer.

2. Estilos interpessoais são categorias de um modelo conceitual, proposto por Joseph Luft e
Harry Ingham, denominado de Janela de Johari. De acordo com o modelo, existem qua-
tro estilos, cada um com características marcantes: I. Eu desconhecido; II. Eu secreto; III.
Eu cego; IV. Eu aberto. Os estilos ajudam a compreender o modo como os indivíduos intera-
gem, tendo como dominante a necessidade de feedback e de autoexposição.

3. Na visão de Robbins, conflito é um processo desenvolvido em cinco etapas: oposição poten-


cial ou incompatibilidade; cognição e personalização; definição de estratégia ou definição;
comportamento e resultado.

12 Eficácia na comunicação
1. Inteligência linguística, sobretudo, pois ela caracteriza as pessoas que possuem uma sensibi-
lidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma especial percepção das
diferentes funções da linguagem; inteligência interpessoal, já que ela realça a capacidade de se
“entender e responder” melhor aos estímulos enviados pelos outros; finalmente, a inteligência
intrapessoal, considerando-se a capacidade para formular uma imagem precisa de si próprio e
a partir disso, desse estado instrospectivo, encontrar subsídios para entender melhor o outro.

2. Volume, andamento e ritmo, ênfase e pausa.

3. O orador deve fazer um breve relato sobre um fato do cotidiano, uma referência a um ami-
go, a menção a uma curiosidade ocorrida naquele dia e, a partir de certo momento, fazer a
ligação com o tema suscitado pelo contexto.
COMUNICAÇÃO
EMPRESARIAL

COMUNICAÇÃO EMPRESARIAL
A comunicação empresarial é uma área interdisciplinar por defini-
ção que articula todas as estratégias de comunicação utilizadas pela
organização no relacionamento e interação com seus públicos.
O leitor será posto em contato, neste livro, com quatro áreas com
profundo nível de integração entre elas e cada uma das suas ferra-
mentas: a comunicação administrativa, a institucional, a interna e a
comunicação de marketing. Funções tão diversas quanto gerência
da reputação, gestão de crises, propaganda corporativa, responsa-
bilidade social, relações com os investidores, entre outras, que inte-
gram o campo de interesse da área.

Luiz Roberto Dias de Melo

www.iesde.com.br facebook.com/iesdebrasil Luiz Roberto Dias de Melo

Código Logístico Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-387-6451-9

57453 9 788538 764519

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