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RUBENS GODOY SAMPAIO

METAFÍSICA E MODERNIDADE:
Método e Estrutura,
Temas e Sistema em
Henrique Cláudio de Lima Vaz

Universidade Gama Filho


Rio de Janeiro
2004

1
Rubens Godoy Sampaio

METAFÍSICA E MODERNIDADE:
Método e Estrutura,
Temas e Sistema em
Henrique Cláudio de Lima Vaz

Tese apresentada à Universidade Gama Filho,


Programa de Pós-graduação em Filosofia,
para a obtenção do título de doutor em Filosofia sob a
orientação do Professor Doutor MARCELO PERINE.

Universidade Gama Filho


Rio de Janeiro
2004

2
CERTIDÃO DE DOUTORAMENTO

ANEXAR A FOLHA NESTA PÁGINA

3
DEDICATÓRIA

Aos meus Pais,


Marizete e Rubens.

À minha Esposa
Luciana,

Aos meus Filhos,


Lucas e Sophia.

Ao Professor Henrique Cláudio de Lima Vaz,


In memoriam

4
AGRADECIMENTOS

Ao Amigo Marcelo Perine,


meu primeiro professor de Filosofia e
orientador deste trabalho de doutorado
e

Ao Amigo
Marcelo F. de Aquino,
grande incentivador deste trabalho e
orientador do meu trabalho de mestrado

À CAPES que financiou a bolsa de estudo


necessária para que este trabalho fosse realizado.

5
SUMÁRIO

Abreviaturas ........................................................................................................................................................................ 7
Abstract ................................................................................................................................................................................ 8
Resumo................................................................................................................................................................................. 9

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................................... 10
PRIMEIRO CAPÍTULO – APRESENTAÇÃO TEXTUAL-CRONOLÓGICA DOS TEMAS DE LIMA VAZ .......................... 16
SEGUNDO CAPÍTULO – A METAFÍSICA DO EXISTIR ...................................................................................................... 82
TERCEIRO CAPÍTULO – A COMPREENSÃO GENÉTICA DA MODERNIDADE............................................................. 145
QUARTO CAPÍTULO – O MÉTODO DIALÉTICO E A REMEMORAÇÃO FILOSÓFICA ................................................. 183
QUINTO CAPÍTULO – UM SISTEMA ABERTO: VIA COMPOSITIONIS E VIA RESOLUTIONIS ..................................... 225
CONCLUSÃO .................................................................................................................................................................... 263

Bibliografia ....................................................................................................................................................................... 269


Índice de Gráficos ............................................................................................................................................................ 284
Índice de Quadros ............................................................................................................................................................ 285
Índice Analítico ................................................................................................................................................................ 286

6
ABREVIATURAS

AF I – Antropologia Filosófica I
Lima Vaz

AF II – Antropologia Filosófica II
Lima Vaz

DGP – Dicionário Grego-Português


Isidro Pereira

EF I – Escritos de Filosofia I, Problemas de Fronteira


Lima Vaz

EF II – Escritos de Filosofia II, Ética e Cultura


Lima Vaz

EF III – Escritos de Filosofia III, Filosofia e Cultura


Lima Vaz

EF IV – Escritos de Filosofia IV, Introdução à Ética Filosófica I


Lima Vaz

EF V – Escritos de Filosofia V, Introdução à Ética Filosófica II


Lima Vaz

OH – Ontologia e História – (reedição) Escritos de Filosofia VI.


Lima Vaz

EF VII – Escritos de Filosofia VII, Raízes da Modernidade


Lima Vaz

SNF – Revista Síntese Nova Fase


Lima Vaz

7
ABSTRACT

Esta tese tem como objetivo demonstrar as seguintes proposições relativas


ao pensamento do filósofo brasileiro Henrique Cláudio de Lima Vaz:

1. OS DOIS TEMAS DO SISTEMA – O pensamento vaziano sempre foi


polarizado em primeiro lugar, pelo tema da metafísica e do Absoluto. Todavia Lima
Vaz confrontou-se com os interditos da racionalidade moderna ao discurso sobre o
Absoluto, e tal confronto fez com que ele precisasse compreender a natureza do
fenômeno da modernidade para poder reencontrar a tradição na
contemporaneidade. Tal situação fez com que um segundo tema também se
tornasse central na pesquisa do autor ora estudado: o tema da modernidade e sua
gênese.

2. O MÉTODO E O SISTEMA – O trabalho levado a cabo por Lima Vaz ao


longo de meio século de investigação filosófica teve como resultado a elaboração de
um sistema tripartite constituído por um profundo entrelaçamento conceitual entre
metafísica, ética e antropologia. Este sistema foi construído a partir dos dois temas
supra-indicados e através do método dialético de inspiração platônica e hegeliana.

3. METAFÍSICA – Lima Vaz possui uma metafísica sistematizada que


encontra seu acabamento final no livro Raízes da Modernidade. O núcleo desta
metafísica está no pensamento tomásico a respeito do ato de existir como perfeição
infinita. A estrutura da metafísica está no livro Raízes da Modernidade, mas essa
metafísica se encontra distribuída e dispersa ao longo de sua obra, e sobretudo nos
textos da antropologia e da ética.

4. AS DUAS DIREÇÕES DO SISTEMA – O sistema vaziano pode ser


percorrido em duas direções: a via compositionis e a via resolutionis. A partir da via
compositionis, é feito o caminho de subida e portanto de constituição de cada uma
das categorias antropológicas, éticas e metafísicas segundo a ordem da redação
dos textos, da leitura propriamente dita, e da edificação do próprio sistema que parte
da metafísica como condição de possibilidade e retorna à metafísica como
encerramento lógico-dialético do discurso. A partir da via resolutionis, a
compreensão do sistema só pode ser alcançada a partir de seu vértice metafísico
todos os elementos estruturais e fundacionais da ética e da antropologia.

8
RESUMO

Esta tese tem como objetivo demonstrar as seguintes proposições relativas


ao pensamento do filósofo brasileiro Henrique Cláudio de Lima Vaz:

1. OS DOIS TEMAS DO SISTEMA – O pensamento vaziano sempre foi


polarizado em primeiro lugar, pelo tema da metafísica e do Absoluto. Todavia Lima
Vaz confrontou-se com os interditos da racionalidade moderna ao discurso sobre o
Absoluto, e tal confronto fez com que ele precisasse compreender a natureza do
fenômeno da modernidade para poder reencontrar a tradição na
contemporaneidade. Tal situação fez com que um segundo tema também se
tornasse central na pesquisa do autor ora estudado: o tema da modernidade e sua
gênese.

2. O MÉTODO E O SISTEMA – O trabalho levado a cabo por Lima Vaz ao


longo de meio século de investigação filosófica teve como resultado a elaboração de
um sistema tripartite constituído por um profundo entrelaçamento conceitual entre
metafísica, ética e antropologia. Este sistema foi construído a partir dos dois temas
supra-indicados e através do método dialético de inspiração platônica e hegeliana.

3. METAFÍSICA – Lima Vaz possui uma metafísica sistematizada que


encontra seu acabamento final no livro Raízes da Modernidade. O núcleo desta
metafísica está no pensamento tomásico a respeito do ato de existir como perfeição
infinita. A estrutura da metafísica está no livro Raízes da Modernidade, mas essa
metafísica se encontra distribuída e dispersa ao longo de sua obra, e sobretudo nos
textos da antropologia e da ética.

4. AS DUAS DIREÇÕES DO SISTEMA – O sistema vaziano pode ser


percorrido em duas direções: a via compositionis e a via resolutionis. A partir da via
compositionis, é feito o caminho de subida e portanto de constituição de cada uma
das categorias antropológicas, éticas e metafísicas segundo a ordem da redação
dos textos, da leitura propriamente dita, e da edificação do próprio sistema que parte
da metafísica como condição de possibilidade e retorna à metafísica como
encerramento lógico-dialético do discurso. A partir da via resolutionis, a
compreensão do sistema só pode ser alcançada a partir de seu vértice metafísico,
do qual parte, de forma radial, todos os elementos estruturais e fundacionais da
ética e da antropologia.

9
INTRODUÇÃO

Esta pesquisa de doutoramento do Programa de Pós-graduação em Filosofia


da Universidade Gama Filho desenvolve e aprofunda, de maneira inédita,
precedente pesquisa realizada na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais, que culminou com a defesa pública em 1999
da Dissertação de Mestrado intitulada Ontologia da Intersubjetividade no
Pensamento de Henrique Cláudio de Lima Vaz, publicada em 2001, pela Editora
Unimarco, com o título O Ser e os Outros.

Os resultados alcançados, então, conservam sua validade. No seu conjunto,


O Ser e os Outros pode ser considerado uma manudução introdutória ao
pensamento vaziano. Mas, a partir da publicação dos Escritos de Filosofia IV, V e
VII, esta obra não consegue mais apresentar uma visão completa do pensamento
vaziano.

O falecimento de Lima Vaz em 2002 fechou o cânone da sua produção


filosófica. O espólio filosófico constituído pelos seus manuscritos inéditos,
conservado na Biblioteca do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus
em Belo Horizonte, não inclui mais nenhuma grande obra sistemática. Por isso, a
pretensão desta pesquisa de mostrar as linhas temáticas e a estrutura sistemática
do constructo vaziano é plenamente satisfeita.

O confronto
A partir da constatação da clausura dos escritos sistemáticos de Lima Vaz, entre a
razão moderna
esta tese quer demonstrar que seu pensamento é uma resposta ao problema que o e o tema do
Absoluto
acompanha desde o início de seu iter filosófico: os encontros e desencontros da
razão moderna com o problema filosófico da afirmação do Absoluto. Os dois termos
desse diálogo desdobraram-se, por um lado, na apresentação em chave dialética da
metafísica do existir de Tomás de Aquino e, por outro lado, num trabalho de
inquirição sobre o processo da gênese da modernidade, isto, é as raízes da
modernidade. Esses dois grandes eixos, é a tese aqui defendida, constituem o
fundamento metafísico que estruturam o pensamento vaziano, e sob o qual se
ergue o seu sistema, tanto na vertente antropológica, quanto na vertente ética. Em
outras palavras, a compreensão vaziana da tensão entre razão moderna e
metafísica apresenta-se na forma de um sistema 1. com uma base teórica de
inspiração tomásica, fundada na metafísica do existir e 2. com uma base
metodológica de inspiração dialética (platônico-hegeliana).

Duas ordens de leitura regem a presente pesquisa sobre o pensamento


vaziano: uma leitura temático-diacrônica, e outra sistemática. Cada uma dessas
leituras desdobra-se em duas outras abordagens possíveis.

10
A leitura temático-diacrônica se constitui mediante a reflexão nascida Leitura temático-
diacrônica:
do confronto entre os grandes temas desenvolvidos pela razão moderna e a a. A metafísica do
Existir
afirmação do Absoluto. Ela se realiza, por um lado, mediante a exposição b. Genética da
Modernidade
ininterrupta da metafísica do existir gestada ao longo do pensamento clássico greco-
cristão e plenamente desenhada por Santo Tomás. Platão, Aristóteles, o
Neoplatonismo, eventualmente Santo Agostinho, e o próprio Tomás de Aquino são
os autores frequentados por Lima Vaz. A compreensão genética da modernidade,
por outro lado, fecha o arco do diálogo da razão moderna com a questão do
Absoluto . Em outros termos, a constituição e a articulação lógico-dialética da
metafísica do existir, e a compreensão genética da modernidade são os dois
grandes focos significativos da leitura temático-diacrônica.

Esse tema, da Metafísica do Existir, foi constantemente retrabalhado nos Primeiro pólo
temático
textos de Lima Vaz, sempre obedecendo a essa sucessão de posições relativas à METAFÍSICA DO
EXISTIR
possibilidade humana de compreender o Absoluto. Nos artigos em que aprofundou
o tema, a linha de raciocínio sempre foi a mesma: revisitar as posições dos gregos
antigos e do neoplatonismo para, finalmente, concluir com a doutrina tomásica do
ato de existir.

Segundo pólo
No conjunto de sua obra, a metafísica do existir é exposta numa progressão temático

dialética ascendente. Por sua vez, a gênese da modernidade é tratada mediante o GENÉTICA DA
MODERNIDADE
desenvolvimento sucessivo de temas diferenciados, que vão sendo aprofundados
ao longo da constituição do sistema, sempre a partir de perspectivas diferentes:
modernidade e natureza, modernidade e sujeito, ética, direito, ciência empírico-
formal, e, finalmente, modernidade e metafísica. No fim deste itinerário Lima Vaz
realiza o desvelamento das raízes mais profundas da modernidade deitadas no solo
fecundo do século XIII.

A leitura sistemática levanta o véu da resposta dada por Lima Vaz à tensão Leitura sistemática:
a. via
intrínseca ao confronto entre razão moderna e compreensão do Absoluto. Levanta o compositionis

b. via
véu do sistema. Assim como a leitura temática desdobrou-se em dois pólos, a leitura resolutionis
sistemática caracteriza-se por duas direções, ou sentidos: o sentido para-nós do
discurso (via compositionis / via ascensus) e o sentido em-si do discurso filosófico
(via resolutionis / via descensus).

Cinco capitulos dão a vertebração arquitetônica da tese. O primeiro capítulo


Primeiro Capítulo:
apresenta a cronologia dos principais livros de Lima Vaz (seção A. Cronologia dos
Cronologia e
textos). Esta cronologia é seguida pela apresentação dos temas trabalhados por fase pré-
sistemática dos
Lima Vaz ao longo de sua vida, a saber, 1. o tema do mundo, 2. do sujeito, 3. da temas estudados
por Lima Vaz
história, 4. da cultura (a intersubjetividade e o ethos) e 5. da transcendência (seção
B. Os temas estudados por Lima Vaz).Gradualmente e à medida que a fase
sistemática se anunciava, esses temas polarizaram-se ao redor de dois grandes

11
pólos temáticos: o pólo da metafísica do existir (seção C. A colocação do
problema: Ontologia e História / seção D. A herança teológica da modernidade:
Problemas de Fronteira) e o pólo da constituição genética da modernidade
(seção E. Sobre a Ontologia da Natureza: o sujeito e o mundo / seção F. A
passagem da universalidade nomotética para a universalidade hipotético-dedutiva).
Portanto, ainda neste primeiro capítulo, no qual são trabalhados textos pré-
sistemáticos, já se anuncia a presença destes dois temas maiores que nortearam
todo o pensamento vaziano: a metafísica do existir de Santo Tomás de Aquino e o
trabalho minucioso de investigação sobre as raízes mais profundas da
modernidade.

No segundo capítulo, o foco da investigação está dirigido exclusivamente


Segundo Capítulo:
para o tema da metafísica do existir no interior dos textos sistemáticos, a saber, a
A metafísica do
Antropologia Filosófica I e II1, Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura2, os existir nos textos
sistemáticos
Escritos de Filosofia IV e V (a Ética) e o Escritos de Filosofia VII – Raízes da
Modernidade (a Metafísica). Esse capítulo traçará o desdobramento da metafísica
do existir na categoria de espírito e na categoria de transcendência segundo a
Antropologia Filosófica, apresentará a categoria de transcendência e a metafísica
do existir no livro Filosofia e Cultura, as categorias de Fim e Bem na Ética3 e
finalmente a sistematização da metafísica no texto Raízes da Modernidade4,
através das categorias de ser e existência.

Terceiro Capítulo:
No terceiro capítulo, o foco da investigação está dirigido exclusivamente para
A genética da
o tema da constituição genética da modernidade, também no interior dos textos modernidade nos
textos sstemáticos
sistemáticos. Os passos desse capítulo serão dados através do estudo dos
seguintes tópicos: A. A primazia da categoria antropológica de objetividade, B. A

1
. Os textos Antropologia Filosófica I e Antropologia Filosófica II serão indicados no corpo do texto pela
expressão Antropologia Filosófica e nas notas de rodapé pelas abreviaturas AF I e AF II.
AF I - LIMA VAZ, H. C. de, Antropologia Filosófica I, Coleção Filosofia – 15, São Paulo: Edições
Loyola, 1991, 304 pp.
AF II - LIMA VAZ, H. C. de, Antropologia Filosófica II, Coleção Filosofia – 22, São Paulo: Edições
Loyola, 1992, 261 pp.
2. O texto Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura será indicado no corpo do texto pela expressão

Filosofia e Cultura e nas notas de rodapé pela abreviatura EF III.


EF III - LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura, Coleção Filosofia – 42, São
Paulo: Edições Loyola, 1997, 376 pp.
3. Os textos Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1 e Escritos de Filosofia V –

Introdução à Ética Filosófica 2 serão indicados no corpo do texto pela expressão Ética e nas notas de
rodapé pelas abreviaturas EF IV e EF V.
EF IV – LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1, Coleção Filosofia
– 47, São Paulo: Edições Loyola, 1999, 484 pp.
EF V – LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2, Coleção Filosofia
– 50, São Paulo: Edições Loyola, 2000, 246 pp.
4
. O texto Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade será indicado no corpo do texto pela
expressão Raízes da Modernidade e nas notas de rodapé pela abreviatura EF VII.
EF VII – LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade, Coleção Filosofia –
55, São Paulo: Edições Loyola, 2002, 292 pp.

12
inversão da dialética mensurante-mensurado, C. A Unidade da razão, D.
Desarticulação da matriz ternária Princípio-ordem-indivíduo e a absolutização da
práxis, E. As raízes metafísicas da modernidade. Aqui encerra-se a apresentação
do pensamento vaziano a partir da perspectiva temática.
Quarto Capítulo:
O passo seguinte a ser dado, inicialmente no quarto capítulo, é o da
A rememoração
exposição do método com o qual serão interpretados os resultados a que se e os aspectos do
método dialético
chegaram nos três primeiros capítulos. Depois de apresentados os temas mais
importantes da filosofia vaziana, e após a elucidação do seu método, no capítulo
quinto serão apresentadas duas possíveis chaves de leitura do sistema vaziano a
partir das direções do discurso filosófico.

O capítulo quarto, portanto, tratará das seguintes questões: A. A dialética:


uma introdução; B. A Dialética em Platão: uma ontologia. C. A dialética em Hegel:
um método. D. Lima Vaz e a Dialética, E. A Rememoração Histórica, F. O aspecto
formal da constituição das categorias: os níveis do conhecimento e a estrutura da
conceitualização filosófica.
Quinto Capítulo:
O quinto capítulo fornece uma visão geral do sistema a partir da
O Sistema e suas
apresentação da simetria subjacente entre as partes do sistema (seção A. Simetria direções de leitura

entre as partes do Sistema) e a partir das direções de leitura da parte sistemática


(B. O Aspecto teleológico da constituição das categorias: a via compositionis e a via
resolutionis). Em seguida é feito um trabalho minucioso e realmente inédito de
identificação de todas as categorias constitutivas do sistema (seções C. Via
compositionis: a constituição das categorias do sistema, D. Antropologia e Sistema,
E. Ética e sistema). Em seguida vêm as categorias metafísicas. Todas as categorias
são apresentadas de forma sucinta e esquemática na sua ordem de constituição e
de fundamentação, obedecendo a via ascensus ou a via compositionis que fornece
ao leitor a primeira direção do sistema.

Finalmente, ainda neste capítulo é possível contemplar o sistema desde seu


cimo, desde seu ponto de chegada, que ao ser alcançado é descoberto como o
ponto de partida que, por sua vez, se constitui como condição de possibilidade de
todo o discurso. Neste momento de encerramento de todo este itinerário se
apresenta o tema do Absoluto como a chave de abóbada do sistema vaziano e as
características presentes na obra vaziana que permitem caracterizá-la como um
sistema aberto.

13
Primeira Parte

Metafísica e Modernidade:
as duas chaves de leitura temática

14
Primeiro Capítulo

Apresentação textual-cronológica
dos temas de Lima Vaz
Fase pré-sistemática

“A razão que se abre juntamente ao sentido do ser


(essência) e à novidade (existência) implica
necessariamente o Ser, que é infinita translucidez e
infinita riqueza; em suma, a Consciência absoluta,
que é também o absoluto Transcendente. Nem se
pense esta trasncendÊncia como enganosa
metáfora geométrica. Ela é afirmada num
movimento dialético em que a inteligência passa
além dos limites de sua expressão conceitual
unívoca para dar razão à inteligibilidade
transbordante do ser, num conceito analógico cuja
articualção se prende ao Ser em que inteligência e
inteligível são um”.

Henrique Cláudio de Lima Vaz

Escritos de Filosofia VI – Ontologia e História


Razão Vital e Ontologia, p.106.

15
PRIMEIRO CAPÍTULO –
APRESENTAÇÃO TEXTUAL-CRONOLÓGICA
DOS TEMAS DE LIMA VAZ

A. Cronologia dos textos de Lima Vaz.


B. Os temas estudados por Lima Vaz.
C. A colocação do problema: Ontologia e História.
D. A herança teológica da modernidade: Problemas de Fronteira.
E. Sobre a Ontologia da Natureza: o sujeito e o mundo.
F. A passagem da universalidade nomotética para a universalidade hipotético-dedutiva: Ética e Direito.

A. Cronologia dos textos de Lima Vaz


Cronologia dos
textos
Antes de percorrer a evolução da metafísica do existir no pensamento
vaziano, será colocada, no início deste capítulo, uma breve cronologia dos textos
de Lima Vaz, pois será a partir desta cronologia que se poderá acompanhar o
surgimento e o crescimento dos temas e do sistema aqui estudados.
Logo abaixo estão indicadas as posições cronológicas de seus livros (1ª
edição de cada um de seus livros principais), seguidas de alguns comentários, para
que se possa acompanhar a evolução e ratificar a presença e a relevância dos
temas norteadores desta tese.
1968 – Ontologia e História (Reedição em 2001: Escritos de Filosofia VI)5.
1986 – Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira.
1988 – Escritos de Filosofia II – Ética e Cultura6.
1991 – Antropologia Filosófica I.
1992 – Antropologia Filosófica II.
1997 – Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura.
1999 – Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1.
2000 – Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2.
2001 – (Escritos de Filosofia VI – Reedição do Ontologia e História de 1968).
2002 – Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade.
As reedições destes textos não sofreram em momento algum alterações
significativas. A segunda edição da Antropologia Filosófica II tem alguns gráficos
que não estavam na primeira edição.
Todos os artigos de Lima Vaz estão indicados na bibliografia desta tese. E
muitos deles encontram-se inseridos nos livros supra indicados. Se, por um lado, os
livros se mantiveram intocados nas suas reedições, no momento de tomar um artigo

5
. O texto Escritos de Filosofia VI – Ontologia e História será indicado no corpo do texto pela
expressão Ontologia e História e nas notas de rodapé pela abreviatura OH.
OH - LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia VI – Ontologia e História, Coleção Filosofia – 52, São
Paulo: Edições Loyola, 2001, 284 pp. (reedição do Ontologia e História).
6
. O texto Escritos de Filosofia II – Ética e Cultura será indicado no corpo do texto pela expressão Ética
e Cultura e nas notas de rodapé pela abreviatura EF II.
EF II - LIMA VAZ, H. C. de, Antropologia Filosófica II, Coleção Filosofia – 22, São Paulo: Edições
Loyola, 1992, 261 pp.

16
para inseri-lo no livro, Lima Vaz fez com que os capítulos dos livros ficassem
sensivelmente diferentes dos próprios artigos.
Grande parte de sua obra encontra-se reunida nos fascículos da revista
Síntese Nova Fase. Mas há um número muito grande de artigos e verbetes que se
encontram em diversas outras publicações.
A.1. 1968 – Ontologia e História7
Os artigos deste livro foram escritos entre 1953 e 1963. A partir desses Ontologia e História
1968
textos vislumbra-se muito do que será desenvolvido em todo o itinerário
subseqüente. Lima Vaz aprofunda suas idéias de forma gradual e dialética,
superando, guardando e conservando todo seu trabalho anterior. Aqui se percebe
toda a influência clássica de Lima Vaz e a importância de Platão, Aristóteles,
Agostinho e Tomás de Aquino. Aqui estão registradas idéias e noções que serão
recuperadas no Raízes da Modernidade, 34 anos depois, e que formarão o núcleo
de inteligibilidade não só do Raízes da Modernidade, mas de todo seu sistema.
Ainda que pareça exagerado, é possível dizer que quase todo o pensamento de
Lima Vaz já se encontra presente, in nuce, no Ontologia e História. Talvez seja
mais difícil detectar os sinais da preocupação a respeito da Ética. Mas de qualquer
forma, os temas mais importantes do pensamento vaziano têm como ponto de
partida esse grande livro.
Na primeira parte – Temas de Ontologia – são encontradas as noções da
dialética platônica, mais especificamente no capítulo sobre A Dialética das idéias no
Sofista. Essas noções trabalhadas no início de seu itinerário filosófico, estarão
presentes para sempre no pensamento vaziano. Ainda na primeira parte e no
capítulo segundo – Itinerário da Ontologia Clássica – se encontra a primeira
apresentação a respeito da metafísica do existir de Santo Tomás como uma
superação do paradigma da ontologia grega que esgota na idéia e no conceito toda
a inteligibilidade do ser. O tema do Absoluto considerado a partir da metafísica do
existir de Tomás de Aquino será a clef de voûte de todo o pensamento vaziano. É
com esta metafísica que Lima Vaz inicia seu sistema e dá a ele seu acabamento
mais bem elaborado e refinado no Raízes da Modernidade. A metafísica do existir
do aquinatense estará presente tanto na Antropologia Filosófica como na Ética.
Ela não reaparece sem mais nem menos, ex abrupto, apenas no final da
elaboração da obra vaziana. Ela vem reaparecendo e emergindo em todos os
momentos importantes de fechamento de cada um dos círculos do sistema. Seja na

7 . “Convém dizer inicialmente uma palavra sobre a origem do livro Ontologia e História. Sua publicação
deve-se à iniciativa de alguns estudantes dominicanos que então trabalhavam na Livraria Duas
Cidades. Reúne artigos publicados entre 1953 e 1963. Como o título indica, alguns desses artigos
tratavam de problemas de Ontologia (1ª parte) outros de problemas de filosofia da História (2ª parte). O
capítulo ‘O Absoluto e a História’ foi escrito ad hoc, como fecho do livro. Na época trabalhávamos
intensamente com a categoria de ‘consciência histórica’, que é o conceito central da segunda parte do
livro. A ênfase na noção de ‘consciência’ como princípio provinha também do confronto crítico com
uma certa concepção marxista da chamada ‘consciência-reflexo’”. NOBRE, M. e REGO, J.M. ,
Conversas com filósofos Brasileiros, Rio de Janeiro: Editora 34, 2000, Entrevista com Henrique
Cláudio de LIMA VAZ, p. 34.

17
categoria de espírito da Antropologia Filosófica, ou ainda nas categorias de
transcendência, realização e pessoa. Também é necessário marcar a importância
do último capítulo do primeiro volume da Antropologia Filosófica – A vida
segundo o espírito – no qual se encontra um aprofundamento da idéia de
inteligência espiritual inspirada tão somente em Tomás de Aquino. Vale a pena
ressaltar que à medida que São Tomás vai se fazendo mais e mais presente, nos
últimos textos, a presença de Hegel vai se tornando menos nítida e mais
abscôndita, mas não menos importante para a compreensão do pensamento
vaziano. Trata-se de um grande círculo que vai se fechando, ou seja, um círculo que
encontra seu fim no ponto de partida. Mas um ponto de partida enriquecido,
diferente de um simples ponto geométrico. Portanto, este segundo capítulo do
Ontologia e História é de fundamental importância para a compreensão dos
pressupostos mais elementares do pensamento vaziano.
No capítulo escrito em 1954, por ocasião do 1600º aniversário de
nascimento de Santo Agostinho são expostas certas idéias8 que estarão presentes
nas categorias de espírito, de transcendência, de realização e de pessoa da
Antropologia Filosófica e na categoria de pessoa moral da Ética.
Na segunda parte – A Reflexão sobre a História – está a primeira síntese
que Lima Vaz elaborou a propósito do seu encontro com uma nova forma de
racionalidade, distinta da racionalidade da filosofia clássica, a saber a racionalidade
moderna. A rigor, no Ontologia e História, está o anúncio do fim da primeira
jornada e a passagem para a segunda jornada filosófica de Lima Vaz. Este fato se
faz presente sobretudo através dos textos Cristianismo e Consciência Histórica I e
II e do texto Consciência e História. Em 1970, Lima Vaz inicia seus cursos sobre
Hegel na Universidade Federal de Minas Gerais. Até então Hegel tinha sido
estudado apenas em função da leitura de Marx, nos tempos em que Lima Vaz
acompanha a Juventude Universitária Católica9.
O último capítulo do Ontologia e História – O Absoluto e a História –
recolhe e sintetiza de forma sistemática toda a segunda parte, mas também se
configura como um esboço e um anúncio daquilo que será, duas décadas mais
tarde, a Antropologia Filosófica em sua dimensão sistemática10. Trata-se de um
artigo programático no qual se encontram os gérmens da Antropologia Filosófica.

8. As noções agostinianas mais presentes em toda a obra vaziana e particularmente nas categorias de
espírito e transcendência são as noções de superior summo e interior intimo.
9
. NOBRE, M. e REGO, J.M. , Conversas com filósofos Brasileiros, Rio de Janeiro: Editora 34,
2000, Entrevista com Henrique Cláudio de LIMA VAZ, p. 30.
10 . SAMPAIO, R.G., O Ser e os Outros, São Paulo: Unimarco, 2001, p.63: “É possível, portanto,

vislumbrar que todo este caminho percorrido por Lima Vaz nesta sua primeira fase filosófica, já se
constitui como um esboço do que será sua Antropologia Filosófica. Todos os elementos tempranos,
após terem sido elaborados, reelaborados e bem amadurecidos, desaguarão no estuário da
Antropologia Filosófica, numa forma mais amadurecida e sistemática, na qual o tema deste trabalho
emergirá como categoria antropológica da intersubjetividade”. Quando este parágrafo foi escrito a Ética
e a metafísica de Lima Vaz ainda não haviam sido publicadas. Hoje, se pode dizer que todos aqueles
temas outrora trabalhados, deságuam, não só na Antropologia, mas no seu sistema como um todo.

18
A.2. 1986 – Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira
Aqui estão reunidos textos escritos no período de duas décadas: 1963-1984. Escritos de Filosofia I
Problemas de
Esse livro apresenta questões limítrofes entre os campos da Teologia e da Filosofia. Fronteira
1986
Mas antes de se imaginar que esse trabalho seja um dos mais distantes da
perspectiva sistemática de Lima Vaz, nele são aprofundadas questões relativas ao
problema da metafísica do existir, da Experiência de Deus, da Linguagem, da noção
de Pessoa como noção teológica e antropológica e outras questões relativas ao
problema da intersubjetividade, do trabalho e do papel do cristianismo nas
sociedades do mundo ocidental. Assim como há uma linha de continuidade entre o
artigo O Absoluto e a História11 e a Antropologia Filosófica, é possível afirmar que
também há uma linha ascendente de continuidade e aprofundamento dos temas
relativos à metafísica do existir que foram apresentados inicialmente no Ontologia e
História, depois aprofundados na primeira na parte do Escritos de Filosofia I (A
Herança Teológica do Pensamento Moderno), em seguida apresentados a partir da
perspectiva antropológica e gnoseológica nos capítulos sobre a categoria do
espírito, sobre A vida segundo o espírito, e sobre as categorias de transcendência,
de realização e pessoa da Antropologia Filosófica. O mesmo tema se aprofunda
no Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura, passa pela Ética e alcança seu
acabamento sistemático no Raízes da Modernidade. O título da primeira parte do
Escritos de Filosofia I (A Herança Teológica do Pensamento Moderno) poderia ser
o título do Raízes da Modernidade.
No primeiro capítulo do livro, Lima Vaz estava ensaiando os grandes temas
do último livro da série Escritos de Filosofia, Raízes da Modernidade. Ao
descrever a Fisionomia do Século XIII (primeiro capítulo do Escritos de Filosofia
I)12 é possível perceber a presença dos temas que serão desenvolvidos nos
primeiros quatro capítulos do Raízes da Modernidade: as fontes árabes-judias do
pensamento medieval, a presença de Aristóteles e sua difusão através dos árabes,
o papel das universidades, o nascimento da escolástica, as correntes filosóficas do
século XIII e finalmente a significação do pensamento de Tomás de Aquino,
sobretudo a partir de sua metafísica do existir. Todos estes temas encontram-se no
início e no fim da série dos Escritos de Filosofia.
No segundo capítulo13, Tomás de Aquino e o nosso tempo: o problema do
fim do homem, está explicitada a tese central do Raízes da Modernidade, segundo
a qual o primeiro ato da formação do mundo moderno se realizara com o ressurgir
do aristotelismo no século XIII.

11 . Último texto do OH.


12. EF I, p.11-33. Este capítulo foi publicado pela primeira vez no ano de 1972 na Revista Kriterion da
UFMG: Fisionomia do Século XIII, in Kriterion, 19 (1972), 1-30.
13
. EF I, p.34-70. Este capítulo foi publicado pela primeira vez no ano de 1974 na Revista Portuguesa
de Filosofia: Teocentrismo e Beatitude: sobre a atualidade do pensamento de Tomás de Aquino, in
Revista Portuguesa de Filosofia, 30 (1974), 39-78.

19
O Escritos de Filosofia I antecipa algumas linhas que jamais deixarão
de orientar o labor de Lima Vaz. Por um lado, se detecta a presença daquela que
será a tese do Raízes da Modernidade, mas por outro lado, também se percebe a
colocação sutil de um problema que Lima Vaz irá anunciar como um dos maiores
desafios da nossa época: "Pensar a Liberdade ou unir dialeticamente Liberdade e
Razão, eis a única tarefa da Filosofia"14 à medida que ele estuda a beatitude, o
teocentrismo e a liberdade em Santo Tomás. Este tema se fará presente no
Escritos de Filosofia III, na Antropologia Filosófica, nas estruturas objetivas (do
agir ético e da vida ética) da Ética e na apresentação do estágio ontológico-real do
Raízes da Modernidade.
Já se antevê muito do que ainda está por vir na obra de Lima Vaz: a
presença de Tomás de Aquino e de Hegel como articuladores da tarefa vaziana de
pensar o seu tempo. No renascimento da ciência aristotélica

"ressurge ainda, mais profundo do que todos os fenômenos da


‘descristianização’ que se agitam à superfície, o diálogo grandioso entre razão e
cristianismo que, na obra de pensadores verdadeiramente ‘epocais’ como
Tomás e Hegel, mostra-se como o sentido mesmo da história do Ocidente"15.

Até o momento da redação do Escritos de Filosofia I ainda não era


possível detectar toda a influência de Hegel na filosofia de Lima Vaz. Esta influência
alcançará uma nitidez muito maior nos escritos que se seguem. Todavia aquilo que
será feito de forma inovadora já está sendo anunciado. O segundo capítulo já afirma
a possibilidade de interpretar o pensamento tomásico a partir de um esquema de
inspiração hegeliana16 e no terceiro capítulo é desvelada a matriz teológica da
cultura moderna, pois os grandes sistemas de filosofia e as grandes ideologias
políticas constituídas durante a Idade Moderna possuem traços oriundos do
horizonte teológico da Idade Média17. Tal situação torna patente que a forma cultural
da Idade Média – a teologia – deixou marcas indeléveis na pretensa cultura
secularizada contemporânea.

“Reconhecer essa marca é tarefa que se impõe a quantos desejam não


apenas analisar a cultura moderna nas suas idéias fundamentais, mas
sobretudo, refletir sobre as alternativas que se oferecem ao seu destino"18.

Indicar a presença dessas idéias a respeito das “raízes medievais da


modernidade” logo no início dos Escritos de Filosofia, corrobora a afirmação de que
a produção filosófica vaziana cresceu de forma ascendente a partir de uma
perspectiva dialética que suprassumia constantemente os seus resultados em
momentos ulteriores da sua investigação, desenhando a figura do círculo que

14 . EF III, p.80.
15
. EF I, p.40.
16 . EF I, p.56.
17 . EF I, p.71.
18 . EF I, p.71.

20
circunscreve outros círculos de forma crescente e helicoidal, ao mesmo tempo
que ratifica a tese segundo a qual toda a investigação vaziana é realizada sob a
sombra das questões que a Modernidade colocou para a inteligência do problema
do Absoluto.

A primeira parte do Escritos de Filosofia I termina afirmando que o


Ocidente caminha sob a luz do que os gregos chamavam Razão. E esta Razão é
teológica. No entanto, a Modernidade deu primazia a uma razão puramente
experimental que se constitui apenas pelas relações variáveis e manipuláveis entre
termos que nelas esgotam o seu conteúdo. Tal primazia aponta para a eliminação
do problema teológico e para o fim daquilo que até então se chamou Razão
Ocidental.
Com isto, se pode ver colocada toda a questão da genética da Modernidade
que será, tal como se afirma neste trabalho, uma das chaves de constituição e de
leitura da obra de Lima Vaz.
A.3. 1988 – Escritos de Filosofia II – Ética e Cultura
Esse foi um dos livros mais celebrados e mais lidos de Lima Vaz, sobretudo Escritos de Filosofia II
Ética e Cultura
por causa de seus capítulos iniciais sobre a Fenomenologia do Ethos, Do Ethos à 1988

Ética, e Ética e Razão, todos eles inéditos. Nesse volume se encontra o famoso
capítulo lido em muitas faculdades de Direito sobre a relação entre Ética e Direito
no qual é apresentada a distinção entre as chamadas universalidades nomotética e
hipotético-dedutiva. E finalmente o capítulo sobre o ethos da atividade científica:
Ética e Ciência19. Trata-se de um livro com cinco grandes capítulos e 6 adendos.
Os adendos foram todos previamente publicados na Revista Síntese (Nova Fase) e
reeditados no livro.
Nesse grande livro já estão explicitados os pressupostos metafísicos da ética
vaziana e os seus pressupostos metodológicos. Tais pressupostos se fazem
evidentes sobretudo nos dois primeiros capítulos. Mas não se pode dizer que nesse
texto seja possível uma espécie de antevisão do que seria a estrutura da parte
sistemática da Ética, afinal nem mesmo o curso ministrado pelo próprio Vaz nos
anos de 1992-1994 estava organizado e estruturado da forma como os Escritos de
Filosofia IV e V (Introdução à Ética Filosófica 1 e 2) foram redigidos. Nos
manuscritos utilizados em sala para suas aulas não há a mesma estrutura
encontrada nos Escritos de Filosofia IV e V. Todavia parte do conteúdo dos dois
primeiros capítulos do Ética e Cultura são re-trabalhados no capítulo sobre a
Natureza e a Estrutura do Campo Ético que introduz a parte histórica da Ética. E
outros temas vão reaparecendo ao longo da sua obra.
Aos temas tratados no Ética e Cultura não foi dado um tratamento
estritamente histórico-sistemático como se poderá ver nos Escritos de Filosofia IV

19 . Esses dois últimos capítulos não são inéditos.

21
e V (Introdução à Ética Filosófica 1 e 2). Algumas passagens e alguns temas
serão retomados e estarão presentes nesses dois livros. Contudo, alguns temas de
ética alcançaram sua forma mais acabada no próprio Ética e Cultura, possibilitando
uma retomada e uma recuperação mais breve e sintética nos volumes IV e V da
série Escritos de Filosofia.

A.4. 1991 – Antropologia Filosófica I / 1992 – Antropologia Filosófica II20


A Antropologia Filosófica é um ponto de chegada e um novo ponto de Antropologia Filosófica
I e II
partida. Todo o esforço filosófico de Lima Vaz foi recebido e recolhido pela 1991 – 1992

Antropologia. Essa obra tornou-se a alavanca do sistema, ou a chave metodológica


de leitura de tudo o que virá depois, seja o Filosofia e Cultura, seja a Ética, seja a
metafísica (Raízes da Modernidade) e outros tantos artigos nos quais Lima Vaz
sempre citava sua Antropologia.
Na Antropologia Filosófica é possível encontrar, de forma articulada, todas
as noções fundantes do pensamento antropológico-ético-metafísico vaziano. A
primeira noção da Antropologia é a de expressividade.
Na entrevista registrada no livro Conversas com Filósofos Brasileiros
Lima Vaz denuncia seus pressupostos fundamentais e a natureza da articulação de
suas idéias, afirmando sua ligação a uma tradição para a qual a filosofia é
fundacionista.

"Ligo-me a uma tradição para a qual a filosofia eleva-se, como que por
um movimento inato à sua natureza, sobre o transitório e o événementiel e
procede à busca de princípios que são também fundamentos. Em outras
palavras, só entendo a filosofia como ‘fundacionista’, para usar um termo hoje
em moda”21.

Os conceitos fundacionais que representam sua posição filosófica são


basicamente três: o conceito metafísico do ato de existir, o conceito antropológico
da expressividade e conceito ético de Bem.

Eis alguns: inicialmente o conceito de ‘ato de existir’ (esse) recebido de


Tomás de Aquino e de alguns dos seus comentadores recentes (E.Gilson e
outros), e que para mim é a pedra angular da metafísica, à qual tenho voltado
em textos recentes. Em seguida citarei o conceito fundamental da Antropologia

20 . “De Ontologia e História a Antropologia Filosófica, há um bom caminho andado. Para mim, o
clima intelectual havia mudado e o diálogo com Hegel tornara-se prioritário. Na Antropologia
Filosófica, a noção de consciência cede lugar à noção mais abrangente do Eu (em sentido
fenomenológico-dialético, não psicológico) enquanto mediador entre o que nos é dado como natureza
e o que é por nós significado como forma. Em outras palavras, o Eu opera no ser humano a
passagem dialética entre o que ele simplesmente é e a sua auto-expressão, ou seja, a significação
com que ele se anuncia na sua identidade propriamente humana, na sua ipseidade, para falar como
Ricoeur. O conceito de expressividade, cuja origem se deve a J.G. Herder e foi retomado por Hegel e
recentemente posto em circulação por Charles Taylor, é o conceito propriamente fundacional da
Antropologia Filosófica (ver vol.1, pp162-167). A idéia de consciência reaparece aqui como uma das
vertentes constitutivas da categoria de espírito (ibid., pp.211-212) integrada na dialética mais ampla
da auto-expressão do ser humano como espírito”.NOBRE, M. e REGO, J.M. , Conversas com
filósofos Brasileiros, Rio de Janeiro: Editora 34, 2000, Entrevista com Henrique Cláudio de LIMA
VAZ, p. 34.
21
. NOBRE, M. e REGO, J.M. , Conversas com filósofos Brasileiros, Rio de Janeiro: Editora 34,
2000, Entrevista com Henrique Cláudio de LIMA VAZ, pp. 36.

22
Filosófica, ou seja, o ‘ato de existir’ do ser humano enquanto capaz de significar-se a si
mesmo ou do ser humano enquanto expressividade. A metafísica e a
Antropologia Filosófica abriram-me o caminho para a Ética, disciplina que tenho
ensinado nos últimos anos. O conceito fundamental aqui recebido de Platão e
Aristóteles, é o conceito de Bem, que se apresenta como conceito metafísico,
sendo um conceito transcendental coextensivo com o ser, e como conceito
antropológico, definindo como Fim a estrutura teleológica do ser humano como
ser que se autodetermina para o Bem. Esses dois conceitos fundamentais,
antropológico (Eu como expressividade) e ético (Bem) guiaram-me na redação
dos dois textos, Antropologia Filosófica (2 vols.) e Introdução à Ética Filosófica
(2 vols.), que publiquei recentemente. Penso que os conceitos que chamo
‘fundacionais’, presentes já desde o início no núcleo básico das idéias
filosóficas nas quais fui formado, foram sendo explicitados e adquirindo uma
estrutura formal mais definida ao longo de meu magistério e do trabalho de
preparação dos meus cursos. Aqui está realmente o roteiro de formação das
minhas idéias filosóficas fundamentais"22.

Na Antropologia Filosófica estes conceitos fundantes já estão


completamente explicitados. Ela apresenta e inicia o processo de articulação
sistemática destes conceitos; a Antropologia explicita de forma clara e didática o
método que orienta o movimento pensante de Lima Vaz.

Neste sentido ela é ponto de partida e a condição de possibilidade para a


intelecção da ética e da metafísica.

Gráfico 1 – Conceitos fundantes da filosofia de Lima Vaz

Conceitos
fundacionais
do pensamento
vaziano

Antropologia Ética Metafísica

EXPRESSIVIDADE BEM <-> FIM ATO DE EXISTIR

A.5. 1997 – Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura


Esse livro pode ser compreendido a partir de 3 aspectos diferentes e Escritos de Filosofia III
Filosofia e Cultura
complementares: um aspecto antropológico, um aspecto ético e um aspecto 1997

metafísico.

22
. NOBRE, M. e REGO, J.M. , Conversas com filósofos Brasileiros, Rio de Janeiro: Editora 34,
2000, Entrevista com Henrique Cláudio de LIMA VAZ, pp. 36-37.

23
a. antropológico porque, em primeiro lugar, no Escritos de
Filosofia III – Filosofia e Cultura foram aprofundados 3 temas
diretamente ligados à Antropologia:
i. o tema da cultura
ii. o tema da ética e
iii. o tema da transcendência;
b. ético porque, em segundo lugar, o Escritos de Filosofia III –
Filosofia e Cultura é um texto de passagem da Antropologia
Filosófica para a Ética, a partir da perspectiva da Cultura;
c. metafísico porque
i. há um tratamento mais aprofundado das questões
pertinentes ao problema da transcendência e
ii. nesse livro encontra-se a apresentação mais minuciosa e
detalhada sobre a teoria do juízo que servirá de
fundamento para a metafísica do existir;
iii. há uma (re)apresentação da metafísica do existir
relativamente desvinculada do problema antropológico e
apontando para os tópicos de natureza estritamente
metafísicas que serão tratados sistematicamente no
Raízes da Modernidade.
Escritos de Filosofia
IV e V
A. 6. 1999 – Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1 e Introdução à Ética
2000 – Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2 Filosófica

O tema da ética começou a ser abordado por Lima Vaz, de forma mais 1999 / 2000

explícita, sobretudo a partir do livro Ética e Cultura. O tema foi re-trabalhado em


vários artigos da Revista Síntese Nova Fase e apresentado no segundo volume da
Antropologia Filosófica a partir da categoria de intersubjetividade. Finalmente foi
retomado no Escritos de Filosofia III e alcançou sua forma sistemática mais
acabada nos livros Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1 e
Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2.
O horizonte de problematização das relações entre Antropologia e Ética é o
da busca de uma compreensão genética da modernidade. A modernidade gerou
uma crise ética sem precedentes. E foi tentando responder aos desafios
conceptuais éticos e políticos da nova racionalidade gestada no seio dos tempos
modernos que Lima Vaz elaborou sua Ética cuja edificação repousa sobre os
pilares da antropologia e da metafísica e tem como pano de fundo a compreensão
genética da modernidade.
A articulação da Ética com a Antropologia Filosófica é notória. Inúmeras
vezes Lima Vaz recorre à Antropologia e explicita pressupostos que dela
procedem.

24
"Nossa idéia diretriz é a idéia do homem como auto-expressividade, tendo
como paradigma orientador a linguagem, diferença específica do homo loquens,
aqui considerada em seus elementos constitutivos: a matéria lingüística, o ato
da linguagem e a significação ou expressão significante da matéria pela
mediação do ato. Esse paradigma inspira-se na definição aristotélica do ser
humano como zôon lógon échôn, animal possuidor do lógos (palavra e
significação), capaz de auto-significar-se e de significar o mundo no lógos. O
auto-exprimir-se no lógos é o primeiro e fundamental ato humano e que define,
portanto, como viu Aristóteles, o ser humano enquanto tal, de acordo com o
axioma que estabelece a correspondência ontológica entre ser e operar. O ser
humano, pois, é ou existe como auto-expressão e se auto-exprime efetivamente
seja nas estruturas elementares do seu ser (corpo próprio, psiquismo, espírito),
seja nas relações elementares que o abrem à realidade e permitem, na
reflexão ou retorno sobre si mesmo, constituir-se em sua identidade
(objetividade, intersubjetividade e transcendência), nelas realizando-se e se
auto exprimindo sua unidade profunda como pessoa"23.

A ética vaziana depende primeiramente da sua antropologia. Tendo em vista


essa profunda dependência, ou ainda o caráter ontológico da relação entre
antropologia e ética, é possível afirmar a existência de uma correspondência
ontológica entre ambas24.
A Ética é apresentada em dois volumes. No primeiro volume (Escritos de
Filosofia IV – o maior volume de toda a série dos Escritos de Filosofia) há uma
introdução bastante extensa que não só antecede toda a apresentação da Ética a
partir da perspectiva histórica, como também anuncia as idéias que serão
desenvolvidas no Escritos de Filosofia V.
O segundo volume da Ética, Escritos de Filosofia V, apresenta a parte
sistemática a partir do movimento da Razão Prática que se desdobra em duas
grandes unidades temáticas ou em duas grandes dimensões: a dimensão do agir
ético (ou da ação moral) e a dimensão da vida ética que se unificam na categoria
sintética de pessoa moral.
As duas dimensões do movimento da Razão Prática são apresentadas a
partir do aspecto tridimensional da práxis25, que decorre da estrutura ternária da
atividade pensante26: estruturas subjetiva, intersubjetiva e objetiva.
A primeira unidade temática – o agir ético – se constitui a partir da ação do
indivíduo ético (estrutura subjetiva do agir ético), cumprida no seio da comunidade
ética (estrutura intersubjetiva do agir ético) e cuja norma é dada pelo conteúdo
histórico de um determinado ethos (estrutura objetiva do agir ético). Essas
estruturas por sua vez constituem as categorias da ética ou os invariantes
ontológicos (ou conceptuais) do agir humano a partir de um procedimento lógico-
dialético que segue os momentos da universalidade, da particularidade e da
singularidade para cada uma das três estruturas constitutivas do agir ético.

23
. EF V, p.17
24 . EF V, p.93.
25 . EF V, p.95.
26 . EF V, p.146.

25
A segunda unidade temática – a vida ética – também se ergue a partir
das estruturas subjetiva, intersubjetiva e objetiva, acompanhando o proceder da
Razão prática naquela tríplice dimensão do agir seguindo os momentos lógico-
dialéticos da universalidade, da particularidade e da singularidade.
Finalmente, de forma análoga à Antropologia Filosófica, a clef de voûte da
ética é alcançada na categoria de pessoa moral.
A leitura da ética vaziana depende da sua antropologia a partir de três
aspectos fundamentais: a. aspecto metodológico; b. aspecto antropológico; c.
aspecto metafísico.
O método seguido para a constituição das categorias obedece, em linhas
gerais, aos mesmos princípios explicitados no quinto capítulo da Antropologia
Filosófica: Objeto e Método da Antropologia Filosófica.
A possibilidade da elaboração de uma ética decorre do pressuposto de que
existe uma natureza humana que pode ser explicitada através de um discurso
constituído por invariantes ontológicos.
Na mesma Antropologia Filosófica estão apresentados, de forma bastante
elaborada, os pilares de uma reflexão geral sobre o ser (na categoria de espírito e
de transcendência) que estará presente do início ao fim do discurso ético do
Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2. A compreensão desse
texto se torna absolutamente impossível sem a apreensão das noções relativas à
constituição do quiasmo do espírito (categoria estrutral do espírito ou categoria
noético-pneumática)27 e das noções relativas às experiências ética do Bem, noética
da Verdade e ético-noética do Ser apresentadas na categoria de transcendência28.
O Bem é a idéia fundante da ética vaziana. Mas a idéia diretriz da Ética é a
idéia de Razão prática29, que tem como seus pólos intencionais a Verdade e o Bem,
alcançados pela racionalidade e pela liberdade humanas que são, por sua vez, “os
dois atributos fundamentais do espírito que especificam os dois princípios
constitutivos da sua atividade, a inteligência e a vontade”30.

"Com efeito, inteligência e vontade distinguem-se analiticamente do


ponto de vista antropológico justamente à medida que operam sinteticamente
na unidade do ato total do espírito. No dinamismo do agir espiritual, a vontade
procede da inteligência. Inteligência e vontade são, pois, do ponto de vista de
uma metafísica do espírito, duas faces da auto-expressão do ser humano
impelido pelo dinamismo do Eu sou. Essa auto-afirmação primordial é
ontologicamente orientada, como sabemos, pela plenitude do existir (esse) em
sua ilimitação transcendental como Verdade (objeto do espírito teorético) e
como Bem (objeto do espírito prático). Essas duas faces do espírito se

27
. AF I, 201-228. Categoria de espírito.
28 . AF II, 93-138. Categoria de transcendência.
29 . EF V, p.25.
30 . EF V, p.33.

26
entrecruzam na unidade da atividade espiritual, pois o espírito teorético conhece o Bem
e o espírito prático realiza a Verdade"31.

A ética é um desdobramento e um aprofundamento de uma antropologia


filosófica que entende o homem como auto-expressividade e como abertura para o
Ser. Pois, o ato inteligente e livre é a operação na qual a inteligência e a vontade
operam sinergicamente. É através do ato inteligente e livre que o ser humano
exprime adequadamente a interioridade mais profunda do seu ser. Portanto, o agir
ético (como ato exclusivo de um ser inteligente e livre) é a forma mais alta de auto-
expressão do Eu32.

Escritos de Filosofia VI
A.7. 2001 – Escritos de Filosofia VI (Reedição do Ontologia e História) Ontologia e História
2001
O livro Ontologia e História foi reeditado em 2001 sem alterações
substanciais33.
O que se podia esperar dessa reedição seria o acréscimo das notas de
rodapé no último capítulo, O Absoluto e a História, que não apareceram na primeira
edição do livro. No entanto, o texto continua no mesmo formato do Ontologia e
História de 1968, inclusive sem as notas de rodapé do último capítulo.
A reedição desse primeiro livro foi muito importante por dois motivos:
a. a primeira edição estava esgotada há muito tempo.
b. no último livro de Lima Vaz – Raízes da Modernidade – são
recuperadas idéias e conclusões presentes no Ontologia e História,
mais particularmente, idéias presentes na primeira parte do livro – Temas
de Ontologia.
Nesse texto foram lançadas as sementes do frondoso sistema vaziano.
Apenas a sua reflexão ética não está pré-figurada no Ontologia e História. Mas o
interesse antropológico e metafísico de Lima Vaz levaram-no de forma inexorável à
reflexão sobre a ética. No Ontologia e História é mais difícil encontrar os
elementos germinais da Ética Filosófica de Lima Vaz. Mas aqui estão os
pressupostos básicos e mais elementares da última obra do itinerário vaziano. A
reedição com o título Escritos de Filosofia VI pode ser oportuna para que o leitor
perceba a proximidade conceitual entre essa obra e o Raízes da Modernidade não
obstante, os 48 anos que separam o primeiro artigo do Escritos de Filosofia VI, do
ensaio sobre as raízes metafísicas da modernidade apresentadas no Raízes da
Modernidade.

Escritos de Filosofia VII


A.8. 2002 – Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade Raízes da Modernidade
2002
Esse livro caracteriza-se basicamente por ser um texto

31 . EF V, p.34.
32 . EF V, p.19.
33 . É possível perceber um discreto trabalho de atualização das notas bibliográficas.

27
a. de convergência,
b. de conclusão
c. e de fundamentação.
Nesse trabalho há a convergência entre os temas da COMPREENSÃO
GENÉTICA DA MODERNIDADE e da METAFÍSICA DO EXISTIR.
Ao mesmo tempo que ocorre a apresentação da metafísica que sustenta
todo o seu sistema, a partir de uma chave dialética, são apresentadas as raízes da
modernidade que se encontram fincadas no mesmo subsolo doutrinal do século XIII
que serviu de substrato para a elaboração da metafísica tomásica. No Raízes da
Modernidade, Lima Vaz apresenta a metafísica do existir não apenas em confronto
com a Ontologia Clássica, tal como fez no Ontologia e História, mas o faz a partir
mesmo do confronto da razão moderna com o problema do Absoluto.

Com isto ele consegue fechar a sua compreensão genética da modernidade,


encontrando e explicitando as matrizes mais profundas e radicais da modernidade
que estão, paradoxalmente, enraizadas no mesmo solo metafísico que fundamenta
todo o seu sistema. Dessa forma, ao mesmo tempo que ele consegue concluir a
tarefa de compreender a modernidade com tremenda acuidade, também consegue
dar sua resposta ao problema que acompanhou-o durante todo seu labor filosófico.
No Raízes da Modernidade, a apresentação da metafísica do existir atinge
a sua forma mais bem acabada. Esta apresentação iniciada com os textos A
dialética das Idéias no Sofista e Itinerário da Ontologia Clássica, passou pelo
Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira (A Herança Teológica do
Pensamento Moderno – primeira parte do livro) e atingiu seu primeiro marco
sistemático na Antropologia Filosófica.

O tema da metafísica do existir reapresentado nos últimos capítulos do


Filosofia e Cultura, vai sendo gradualmente exposto na Revista Síntese Nova
Fase e alcança seu ápice no Raízes da Modernidade.

Esta tese tem como pressuposto que o último livro34 de Lima Vaz
corresponde ao seu esforço de sistematizar a sua reflexão geral sobre o ser, a sua
metafísica, de forma articulada com a ética e com a antropologia. E para tanto a
grande estrutura do texto possui uma simetria com os seus dois outros trabalhos
sistemáticos (a Antropologia e a Ética).

E para obedecer a esta simetria os 4 primeiros capítulos do Raízes da


Modernidade que tratam exclusivamente de aspectos do século XIII encontram
uma correspondência estrutural com a parte histórica da Antropologia Filosófica I,

34 . Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade.

28
e com a parte histórica do Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética
Filosófica 1.

Todavia, na Antropologia e na Ética, a parte histórica obedece à seriação da


historiografia geral que divide a História do Ocidente em Idade Antiga, Medieval,
Moderna e Contemporânea. No Raízes da Modernidade, a Erinnerung restringe-se
ao século XIII. Tal fato deve-se, sobretudo, ao trabalho prévio e relativamente
esparso dedicado à reflexão metafísica realizado pelo próprio Lima Vaz tanto na
Antropologia quanto no Escritos de Filosofia III e no próprio texto da Ética.

Reunir num único texto toda a sua reflexão metafísica de uma forma
estritamente organizada e que obedecesse aos princípios didáticos presentes na
Antropologia Filosófica implicaria a redação repetida de muitas questões
previamente trabalhadas ao longo da Antropologia Filosófica (a categoria de
espírito, o capítulo sobre A vida segundo o espírito, a categoria de transcendência e
os capítulos a realização e a pessoa), do Filosofia e Cultura (particularmente as
questões relativas à transcendência e à teoria do juízo trabalhada tão
minuciosamente no capítulo sobre Tomás de Aquino), e dos Escritos de Filosofia
IV e V – Introdução à Ética Filosófica 1 e 2.
Nesse texto há uma sistematização da metafísica, tal como ela é
compreendida por Lima Vaz, todavia, trata-se de um texto que depende de suas
obras anteriores – a Antropologia, o Escritos de Filosofia III e a Introdução à
Ética Filosófica 1 e 2. Pois ao longo desses textos e de muitos outros, foram
apresentados muitos elementos constitutivos da compreensão que Lima Vaz tem
da metafísica.

À medida que esta cronologia foi elaborada, foram apresentados os pontos


onde ocorrem os entrelaçamentos dos temas que constituem o sistema vaziano.
Todavia, apresentar esses pontos de entrecruzamento conceitual não significa, nem
de longe, apresentar a estrutura do sistema ora em questão. Pois um sistema não
se constitui simplesmente por uma justaposição de elementos. Mas através da
interdependência dos seus aspectos constitutivos, bem como da inter-relação de
seus termos e da referência de seus termos a um eixo conceitual organizador de
todos os elementos a ele subordinados. Esse acompanhamento da elaboração dos
textos vazianos tem como finalidade colaborar na realização de uma aproximação
gradual, do núcleo que dá sustentação filosófica ao pensamento de Lima Vaz e que
será apresentado num primeiro momento a partir da perspectiva temática e em
seguida a partir da perspectiva sistemática.

29
B. Os temas estudados por Lima Vaz

Oito anos antes de sua morte, em 1994, Lima Vaz afirmara que sua obra Os cinco temas
e o sistema
filosófica é atravessada por cinco temas35 que pulsam em todo seu pensamento.
Esses temas foram abordados ao longo de seu iter filosófico sempre a partir de um
viés humanista: o ser humano enquanto humano, dotado de razão e liberdade.
Os temas são os seguintes: 1. o mundo, 2. o sujeito, 3. a história, 4. a cultura
(a intersubjetividade e o ethos), 5. a transcendência.
É possível estudar cada um destes temas a partir de sua relação com a
metafísica do existir. Mas também é possível estudá-los a partir do
acompanhamento da reconstituição genética da modernidade.
Além dessas duas possibilidades pautadas pelas leituras temáticas do
pensamento vaziano, também é possível estudar cada um destes temas segundo a
posição ocupada por eles, de forma particular ou articulada, no interior mesmo do
sistema.
Todos esses temas estão integrados ao sistema e atravessados pela
perspectiva da metafísica do existir e pela perspectiva da compreensão genética da
modernidade.
O primeiro momento de articulação sistemática desses temas se realiza na A convergência dos
temas na
Antropologia Filosófica, obra na qual foram organizados sistematicamente a partir Antropologia
Filosófica
duma perspectiva antropológico-personalista que repousa sobre a idéia da unidade
da Razão36.
B.1. O tema do mundo e seu desdobramento obedece a quatro enfoques O tema
do mundo
aprofundados na reflexão sobre a categoria de objetividade mais a frente: a. o
mundo como physis na racionalidade clássica, b. o mundo como natureza científica
na racionalidade empírico-formal, c. o mundo compreendido a partir da
racionalidade fenomenológica e d. o mundo dos objetos da racionalidade técnica.

B.2. Segundo Lima Vaz, o tema do sujeito já está subjacente ao O tema


do sujeito:
pensamento de Platão quando ele coloca o problema da natureza da ciência, ao o sujeito na
filosofia clássica
pensamento de Aristóteles quando ele argumenta com o cético em base ao
princípio de não-contradição, e no pensamento de Tomás de Aquino quando fala da
reflexão inspirada em Agostinho.
Na filosofia moderna, o problema do sujeito surge com o eu penso, ou seja Sujeito
transcendental na
como sujeito transcendental fundante da certeza. Contudo, a noção de sujeito que filosofia moderna

se apresentou a Lima Vaz como a mais problemática, mais questionante e mais


original foi a noção hegeliana de sujeito como conceito.
Sujeito como
conceito em Hegel

35 . Temos este discurso gravado, por ocasião de uma entrevista dada a alguns professores da

Universidade Federal de Minas Gerais.


36 . SAMPAIO, R.G., O Ser e os Outros, São Paulo: Unimarco, 2001, p.11-15.

30
Conceito, para Hegel, é o analogado principal da noção de sujeito. E
sujeito é o que porta em si uma espécie de vis dialética de autodesdobrar-se no seu
próprio conhecimento construindo assim o sistema da sua auto-expressão. E tal
sistema da auto-expressão do sujeito é o que Hegel chama de Ciência da Lógica.
Para Hegel, portanto, o sujeito é o conceito desdobrando-se37.
Em resumo, para Lima Vaz o ser humano é compreendido como
expressividade. E foi sobre esta noção de sujeito como expressividade e modelado
a partir da Lógica de Hegel, que Lima Vaz elaborou toda sua Antropologia
Filosófica38. A idéia de expressividade é sua idéia antropológica nuclear e o ponto
de partida para sua Ética.
O tema da
B.3. O tema da história foi tratado por Lima Vaz através da noção de história
consciência histórica que aos poucos foi sendo substituída pelo problema da
inteligibilidade da história, pois a consciência histórica supõe que a história seja
inteligível e compreensível pelo sujeito para que ele possa alcançar a consciência
da história. Contudo, o interesse de Lima Vaz pela consciência histórica e sobre a
inteligibilidade da história foi se dirigindo aos poucos para dois outros subtemas
tratados mais ou menos de forma simultânea e que estão intrinsecamente
relacionados com o tema da história, a saber, a intersubjetividade e o ethos, pois
não há como falar da história sem a elucidação do que sejam intersubjetividade e
ethos.
B.4. A cultura é um dos temas presentes em toda a obra vaziana, afinal, a
cultura é a obra humana por excelência. No entanto, a apresentação do problema
da cultura desdobra-se nos temas da intersubjetividade e do ethos.
O problema fundamental da intersubjetividade, para Lima Vaz, é o problema O tema da
cultura:
do nós, uma vez que a relação eu-nós engloba a relação eu-tu, ou seja, a relação a intersubjetividade
e o ethos
eu-tu acontece dentro da relação englobante eu-nós. Esta reflexão sobre a
intersubjetividade situa-se entre os dois pólos extremos da heterologia de Lévinas e
da egologia de Husserl39.
A propósito do tema do ethos, Lima Vaz afirma que não há possibilidade de
se pensar uma comunidade humana sem um ethos. E, em função disso, o problema
do ethos tornou-se para ele o problema central da intersubjetividade, e mais
especificamente, do aspecto político da relação de intersubjetividade. Pois a
constituição da pólis como espaço político foi um passo decisivo
que a humanidade deu para constituir-se como comunidade ética.
A comunidade é atravessada por dois grandes desafios. O primeiro desafio é
durar e o segundo durar num espaço de consenso, pois sem o espaço consensual

37 . AF I p.201-238 – capítulo sobre a categoria de espírito e AF II p.93-137 – capítulo sobre a categoria

de transcendência.
38 . AF I p.123.
39 . AF II p.66. Ver o capítulo sobre a categoria de intersubjetividade. AF II p.49-92.

31
ela se destrói e não dura. O espaço do consenso é garantido pelo ethos
enquanto a duração é garantida pelo poder político. E poder político só é poder
político porque nasceu do ethos, sendo que o poder político se constitui com a
submissão do próprio poder à lei, ao nómos 
B.5. Todos os temas anteriores apontam e convergem para o tema da O tema da
transcendência
transcendência à medida que esse tema é apresentado como o fundamento dos
discursos sobre o mundo, o sujeito, a história e o sentido da história, bem como o
fundamento da comunidade ética e, portanto, do ethos.
Lima Vaz consegue de forma surpreendente articular todos esses temas de
forma coerente na antropologia, na ética e na metafísica.
Considerando, pois, que a reflexão de Lima Vaz sobre todos esses temas
realizou-se a partir de uma preocupação antropológica, de uma preocupação ética e
metafísica pode-se afirmar com o autor que as categorias de sua antropologia
filosófica, da ética e da metafísica descrevem
“o itinerário dialético do sujeito ao buscar novas formas do seu auto-exprimir-se
e da sua autocomprensão na saída de si mesmo, no êxodo que o leva além das
fronteiras da sua finitude e do seu ser situado e o conduz a afirmar seu ser
como ser-no-mundo e ser-com-o-outro”40.

E o termo deste itinerário é alcançado na direção de um Absoluto,


considerado por Lima Vaz como um Absoluto de existência – Ipsum Esse
Subsistens.
Ora, é justamente no encaminhar-se para a transcendência que o itinerário
perfaz a reflexão total do espírito sobre si mesmo e o sujeito pode reencontrar-
se no nível mais profundo do seu ser, onde, enquanto espírito, acolhe o
Absoluto presente como Verdade (medida), como Bem (norma) e como Ser
(fim) a todo ato de inteligência e liberdade”41.

Tal é a relevância desses tópicos para o autor, que a leitura da sua


Antropologia Filosófica apresentar-se-á como o estuário no qual todos esses
assuntos irão desaguar, bem como articular-se numa arquitetônica do ser humano
compreendido como pessoa atingindo o primeiro momento de articulação
sistemática. Esses mesmos temas estarão articulados nos Escritos de Filosofia IV
e V – Introdução à Ética Filosófica 1 e 2 para serem re-trabalhados a partir da
perspectiva ética e se farão novamente presentes no Raízes da Modernidade,
quando Lima Vaz encerrar seu sistema. Mas antes de serem organizados
sistematicamente, todos esses cinco temas alcançam um primeiro nível de
articulação no esforço vaziano de compreender o fenômeno da modernidade.
À medida que Lima Vaz foi elaborando sua compreensão genética da O núcleo
tematico
modernidade e aprofundando seus estudos sobre a metafísica tomásica, de forma do sistema

concomitante à elaboração de seu sistema, a reflexão sobre esses cinco tópicos foi
evoluindo e constituindo o núcleo temático do próprio sistema. Pode-se afirmar que

40 . AF II p.96.
41 . AF II p.96.

32
Lima Vaz estudou cada um desses tópicos sempre a partir de seu empenho em
compreender de forma mais acurada e articulada a Modernidade no seu confronto
com a possibilidade de pensar o Absoluto.

Gráfico 2 – Os temas de Lima Vaz, suas obras e o sistema


Dos temas ao
sistema

Metafísica OS TEMAS Compreensão


Genética da
do Existir DE LIMA VAZ Modernidade

Sujeito Cultura Transcendência

Mundo História

ANTROPOLOGIA METAFÍSICA

ÉTICA

Metafísica Genética da
do Existir Modernidade

SISTEMA

Todos esses temas confluíram para os textos sistemáticos de Lima Vaz.


O primeiro nível de articulação sistemática, sem dúvida, é a Antropologia.
Nesse texto, todos os cinco temas se fazem presentes de forma bastante nítida,
sobretudo através das categorias de relação, a saber, a objetividade, a
intersubjetividade e a transcendência.
O segundo nível de articulação desses temas realiza-se na Ética, onde,
novamente há uma confluência de todos os temas indicados. Finalmente, no Raízes
da Modernidade pode-se perceber a natureza inconsútil da relação existente entre
esses temas, quando logo no início da obra há uma recuperação das categorias de
objetividade, intersubjetividade e transcendência da Antropologia Filosófica para
indicar os traços nos quais se encontram inscritas as raízes intelectuais da
modernidade. Ao fazer isso Lima Vaz está dando o fechamento de seu sistema a

33
partir dos temas trabalhados durante toda a sua vida e a partir, mais
especificamente, da antropologia, da ética e da metafísica.
Em outros termos, pode-se dizer que tanto a perspectiva temática, como a
perspectiva sistemática do pensamento vaziano convergem para um
entrelaçamento e uma articulação definitivas que se realizam a partir da metafísica
do existir. Será a partir do pensamento tomásico que essas duas perspectivas de
leitura da obra ora estudada se encontram de forma harmônica e articulada. Este
procedimento de superação dos temas e de conservação num nível superior de
articulação já indica o caráter dialético do método vaziano que será estudado na
segunda parte deste trabalho.
Nas duas próximas seções será apresentado o trabalho realizado por Lima
Vaz a partir da metafísica do existir numa fase pré-sistemática de seu itinerário
filosófico. E nas duas seções subseqüentes serão apresentados os temas relativos
à inquirição sobre a gênese da modernidade, também num momento pré-
sistemático. Estes temas da metafísica do existir e da genética da modernidade
serão continuados nos capítulos segundo e terceiro, respectivamente, quando esses
temas já se encontram incorporados à reflexão sistemática de Lima Vaz.

C. A colocação do problema: Ontologia e História

O ponto de partida da apresentação da metafísica do existir está no livro


Ontologia e História, mais precisamente nos dois primeiros capítulos.

C.1. No primeiro capítulo, A Dialética das Idéias no Sofista, está colocado o


problema a respeito da possibilidade de uma ciência do Absoluto, quando Platão
realiza o processo de dialetização do monismo radical de Parmênides.
Ciência
do Absoluto
O Sofista apresenta o problema da constituição de uma ciência absoluta
ou, em outros temos, de uma Filosofia42. Platão se esforça para determinar a
forma própria de uma ciência das Idéias, de uma ciência do inteligível puro na qual
intuição e discurso alcancem uma unidade coerente43. Tal problema se apresenta a
Platão, no Fédon, quando as idéias são introduzidas como únicas causas inteligíveis
e reais. Elas fazem parte de um mundo ideal concebido como um reino do
inteligível puro e transcendente, completamente a priori com respeito ao mundo
sensível, destituído de quaisquer implicações espacial e temporal, relativas ao
mundo da sensibilidade44. E com isso é possível colocar os termos da problemática
do Sofista: “se as idéias são unas em si mesmas, separadas e imóveis em oposição
ao fluxo sensível, como podem ser objeto de uma ciência” – a Dialética – se ela

42 . OH, p.14.
43 . OH, p.14.
44 . OH, p.16.

34
procede por atribuição e negação, avançando através de um movimento lógico
que – pela força do objetivismo radical do pensamento platônico – responde ao
estatuto ontológico do seu objeto?45.
Ciência
das Idéias
O problema da constituição da ciência das idéias, de uma ciência do real
realíssimo também pode ser expressa da seguinte forma: “quais as relações
ideais supremas e universais que devem ser implicadas em todo juízo dialético, de
modo a preservar a um tempo a ‘identidade’ consigo mesmas e a ‘comunhão’,
mútua das idéias?”46. No capítulo A Dialética das Idéias no Sofista, é apresentada
de forma bastante técnica, a linha de progressão elaborada por Platão para se
alcançar a resposta a estas perguntas.

Para os filósofos da physis a arché era um princípio material. Para


Parmênides este princípio tinha o estatuto de uma forma ou de uma idéia. Platão
dará um passo a mais nessa investigação ao examinar o problema da essência –
ousía – como Idéia da existência, de cuja participação provém o existir dos seres47.

A Idéia deve poder ser conhecida pela inteligência e para tanto a alma deve
possuir a mesma natureza das Idéias, sob pena de impossibilitar o conhecimento.
Com isso “a alma (e com ela o movimento) entra no âmbito do ser perfeitamente
real (do ontos on) com o mesmo título que as idéias”. Todavia esse movimento não
interfere na realidade mesma das Idéias48. A alma é dýnamis ativa, mas sua
relação com as idéias não implicará uma alteração do real porque tal relação será
apenas de natureza lógica. O estado ontológico das idéias é o estado do repouso
que não será perturbado pelo movimento da inteligência justamente por se tratar de
uma relação lógica.

Ao terminar a exposição crítica da sua argumentação Platão alcança o


seguinte resultado: “o ser, como ‘totalidade’, não se identifica nem com o movimento
nem com o repouso absoluto, mas inclui os dois”49. O esforço platônico abraça a
totalidade do ser aliando o aspecto estático e o aspecto dinâmico da realidade numa
síntese que supera, conservando, Heráclito e Parmênides. E com isto torna-se
possível ao mesmo tempo a ciência e a unidade do objeto.

"A definição do ser, como compreendendo a um tempo o movimento e o


repouso, fora demonstrada como rigorosamente implicada na possibilidade
mesma do conhecimento e de seu objeto: se o ser não inclui o movimento, a

45 . OH, p.17.
46
. OH, p.19.
47 . OH, p.25. Ver nota 35.
48 . OH, p.31.
49 . OH, p.31.

35
inteligência não é; se não inclui a estabilidade e permanência, o inteligível dissolve-se
numa multiplicidade infinita"50.

Mas a reflexão platônica ainda se estenderá, pois, a proposição ‘o ser é Movimento e


Repouso
movimento e repouso’ é um alvo fácil para ser atacado pelos erísticos, afinal, não
há nada mais contrário ao movimento do que o repouso e nada mais oposto ao
repouso do que o movimento. Portanto o ser não pode ser identificado nem com um
nem com o outro. Será preciso estabelecer um juízo que confira ao ser o movimento
e o repouso.
A predicação
do não-ser
C.1.1. O problema que se apresentou inicialmente a Platão no interior de
suas controvérsias com os sofistas decorria da afirmação de que não se podia
predicar o não-ser. O Sofista quer demonstrar que, enquanto o não-ser se opuser à
unidade absoluta do ser, o não-ser não poderá ser objeto de predicação. Portanto,
Platão conseguiu superar esse problema depois de mostrar no ser “uma dualidade
de repouso e movimento”51 e propondo ao mesmo tempo o ser como um terceiro
termo “com respeito aos objetos com os quais a predicação pretende relacioná-lo” e
ao mesmo tempo irredutível aos mesmos objetos52. Dessa forma ele poderia entrar
em qualquer proposição. Ao fazer isso, a problemática discutida retorna ao plano
lógico-verbal, terreno comum do objetivismo dos antigos para os quais “a
possibilidade lógica de uma proposição julga da possibilidade real do seu objeto”53.

"Mas quando o ser se exprime numa proposição, não é de um universal


quase genérico que se trata, para Platão, mas da Idéia do ser como tal. É
assim, ou seja, em sua natureza mesma
( 250c), que
aparece como tertium quid com relação ao movimento e ao repouso. Deste
modo, o problema da atribuição lógica do ser na proposição torna-se
secundário. Platão supõe resolvido o problema mais geral da participação das
Idéias entre si, pois se a proposição dialética é para ele uma proposição
ontológica, deve exprimir o estatuto real de seu objeto, as Idéias"54.

A questão das relações das Idéias entre si não pode ser compreendida a
partir da hipótese de um isolamento absoluto entre elas e nem mesmo por meio da
hipótese da indistinção absoluta entre as idéias. É necessário que ocorra uma
participação ordenada, de tal sorte que algumas Idéias se comuniquem entre si,
outras não55. Há combinação e comunhão entre umas e outras.

50
. OH, p.32.
51 . OH, p.32.
52
. OH, p.34.
53 . OH, p.32.
54 . OH, p.33.
55 . OH, p.33.

36
"Como ao gramático e ao músico com respeito às letras e aos tons, é ao
filósofo que compete estudar estas leis de combinação das Idéias e revelar a
estrutura do mundo ideal. Tal é a obra da ciência dialética"56.

Depois de apresentar que a participação mútua das Idéias obedece a


determinadas leis, Platão fornece o ponto de partida para estabelecer a lei de
relação entre algumas Idéias principais que permitirão considerar a estrutura da
dialética em si mesma57.
O mesmo
e o outro
O movimento e o repouso são idéias que se opõem entre si, mas ambas
participam da Idéia do ser. O ser se alia a ambas as Idéias. Assim é possível
afirmar que essas três primeiras idéias – ser, movimento e repouso – são, em
primeiro lugar idênticas consigo mesmas. Tal identidade implica uma nova
determinação ideal: a identidade ou o mesmo.

C.1.2. Ao mesmo tempo – ser, repouso e movimento – são Idéias diversas


entre si. E mais uma vez, isso implica outra determinação: a alteridade ou o outro. O
mesmo e o outro surgem como idéias cuja amplitude é igual à do ser, pois entram
em relação com todas as outras idéias. Identidade e alteridade podem ser
predicadas do movimento e do repouso. Pois o movimento é idêntico consigo
mesmo mas é o outro do repouso. E o repouso, por sua vez, é idêntico consigo
mesmo, mas é o outro do movimento. O repouso, o movimento, o mesmo e o outro,
todos, ao mesmo tempo, são. No entanto, todos são distintos do ser. Pois o ser
não pode ser pura identidade consigo mesma. Caso contrário, toda distinção
desapareceria. E o ser não pode identificar-se completamente com a alteridade,
pois esta é essencialmente relação. O ser compreende em si o absoluto e o
relativo.
Absoluto que tem a
distinção em si
A reflexão sobre o movimento e o repouso serviu para desocultar as
determinações ideais da identidade e da alteridade.

Para Platão as Idéias do mesmo e do outro são Idéias subsistentes.

"Todas as Idéias participam da Idéia do ‘mesmo’, enquanto a si


mesmas idênticas (Sof. 256a). Por outro lado, a Idéia do ‘outro’ invade todas as
Idéias (Sof. 255e), estabelecendo entre elas a relação fundamental de
alteridade, pela qual se distinguem entre si "58.

A Idéia do ser, a Idéia do mesmo e a Idéia do outro são determinações Participação

ideais, necessárias e suficientes responsáveis pela definição do estatuto


ontológico de toda Idéia. Essa tríade forma a articulação primeira e fundamental do
mundo das Idéias. Este conjunto de três Idéias se constitui como a primeira
articulação, a primeira symploké implicada em qualquer idéia.

56 . OH, p.34.
57 . OH, p.34.
58 . OH, p.36.

37
C.1.3. Para ilustrar o que pretende demonstrar, Platão toma a Idéia de
movimento e afirma que no movimento existe a participação à Idéia de ser, pois o
movimento é. Essa condição do movimento implica outra relação de participação, a
saber com a Idéia de identidade, pois o movimento é identidade consigo mesmo. No
entanto, essa identidade não é identidade com o ser como tal. Isso faz do
movimento um ser distinto dos outros seres. Tal situação inaugura outra
participação da idéia de movimento à idéia de alteridade, pois o movimento é o
outro do repouso ou ainda é ‘outro’ com relação a todos os outros seres.

Para Platão, tal relação de alteridade ‘é uma relação real de não-ser’59.

"Em virtude dela, em volta do núcleo permanente do ser distinto (o


movimento, neste caso) se adensa, por assim dizer, uma infinidade de ‘não-ser
(
Sof. 257a), que assume entretanto caráter negativo. Com efeito, esta relação
de não-ser não estabelece um ‘contrário’ do ser (),
esse impensável ‘nada’, que os eleatas justamente rejeitavam, mas um ‘outro’
() no ser (Sof. 257b), de modo que o ‘ser total’ aparece-nos
como uma pluralidade ordenada, não como uma unidade indistinta”60.

Atingindo esse ponto da reflexão é possível afirmar a existência de três


princípios implicados na afirmação das Idéias: a. O princípio de realização se
refere à relação que toda Idéia tem com a Idéia de ser. Toda Idéia se realiza como
ser, embora não seja o Ser. b. O princípio de distinção refere-se ao ser que a
Idéia não é; este princípio exprime a relação de cada Idéia com a Idéia de outro.
Esse princípio consegue extirpar o absurdo de um ‘contrário’ do ser afirmado no
juízo. Afinal o não-ser da alteridade sempre é algo. c. O princípio de permanência
obedece à Idéia da Identidade que por sua vez supera o mobilismo de Heráclito61.
DIALÉTICA
C.1.4. Esse trabalho ingente de Platão tem em vista a elaboração de uma
Ciência Suprema que vise ao objeto supremo, o real realíssimo, como indagação
desinteressada pela verdade. Essa ciência que deverá discernir no mundo ideal as
unidades superiores e suas articulações receberá o nome de Dialética.

Ao conteúdo objetivo da dialética corresponde sua expressão formal, através


do logos que, por sua vez, se constitui como a transcrição racional das Idéias. O
logos é a proposição, é a relação dos termos da proposição, que exprime a
estrutura do real. Ao dialético – ao filósofo – caberá, em primeiro lugar, perscrutar os
“nexos reais de inclusão, exclusão e dependência, que fazem do mundo das Idéias
um mundo ordenado”. E, em seguida, transcrever a symploké através do
desdobramento proposicional do logos que se realiza no diálogo metodicamente
conduzido.

59 . OH, p.37.
60 . OH, p.37.
61 . OH, p.38.

38
O esquema ontológico que, por um lado, orienta o olhar dialético e por O lógos
e a estrutura da
outro, se constitui ao mesmo tempo como lei do real e norma do discurso faz com realidade

que o filósofo seja capaz de perceber

“a. uma Idéia estendida através de muitas outras, das quais cada uma
permanece em si mesma isolada ; b. outras muitas que, distintas entre si, são
entretanto envolvidas do exterior por uma Idéia Única; c. uma Idéia que,
concentrada embora na sua unidade, se estende por muitas totalidades; d. uma
pluralidade de Idéias totalmente isoladas”62.

Esse esquema platônico não é um esquema de lógica formal. O texto aponta


para uma estrutura correspondente à estrutura da realidade, e sobre esta estrutura
o logos deverá modelar-se.
Duas direções:
1. a ciência do ser
Os resultados do trabalho realizado a partir do Sofista colocarão duas 2. metodologia
grandes direções que irão orientar todo o pensamento vaziano. A primeira direção
conduzirá Lima Vaz ao desenvolvimento de uma ciência do Ser, através da
metafísica do existir. Toda a sua obra está sob a égide da possibilidade efetiva de
constituição de uma compreensão do ser. A segunda orientação dada por Platão
(através do Sofista) será de natureza metodológica: Lima Vaz receberá de Platão a
sua dialética, que ulteriormente será enriquecida pela leitura de Hegel. Tendo em
vista que o aspecto dialético do pensamento vaziano está relacionado com o seu
método, o aprofundamento a respeito dos sentidos do discurso dialético será feito
no capítulo que tratará do método. Da reflexão platônica Lima Vaz recepcionará em
seu Raízes da Modernidade a idéia de participação, a pretensão da constituição
de uma ciência do Absoluto, a prerrogativa da distinção no seio do Absoluto e a
dialética.

Mas antes de chegar até o momento em que se inicia a exposição da


metafísica do existir, Lima Vaz está recolhendo da grande tradição os pressupostos
ontológicos e metafísicos que o acompanharão durante todo o seu iter filosófico.
Ser como
identidade
A partir dessa reflexão sobre o Sofista, considerado a carta magna da na diferença
ontologia clássica63, Lima Vaz assume o pressuposto da racionalidade da realidade
como totalidade e se mostra absolutamente avesso às pressuposições
radicalmente dualistas ou monistas. O ser deverá ser compreendido como
identidade na diferença.

O logos sempre se refere à realidade das Idéias, exprimindo, portanto, uma


“significação acerca do ser”64. O ser do logos é a expressão do ser real. O logos é
um ser de significação que tem na ordem mesma da significação a mesma

62 . PLATÃO, Sofista, 253 d.


63 . OH, p.60.
64 . PLATÃO, Sofista, 262 a. OH, p.44.

39
amplitude que o ser real tem na ordem da existência. Segundo Lima Vaz, essa
é a nervura da argumentação platônica.

"Aqui reside o nervo da argumentação platônica, porque se o logos


como significação tem a mesma amplitude do ser, é claro que, com relação a
determinado logos, a alteridade significará outra significação, e, portanto, outro
logos, exprimindo uma  diversa"65.

O logos verdadeiro exprime os seres como são, traduzindo no discurso Dialética


e Ontologia
toda a densidade de ser e de não-ser, de identidade e de alteridade. Platão
demonstra, portanto, a natureza da dialética considerando-a como o modo de existir
do mundo das Idéias na alma. Lima Vaz cita a definição de dialética dada por
L.ROBIN: “A Dialética é ... a tradução em termos de inteligência das relações
ontológicas dos inteligíveis entre si”66.

"O logos verdadeiro é para a inteligência a razão suficiente ou inteligível


do ser, justamente porque é sua expressão"67.

É possível afirmar que há uma equação entre os termos ciência, verdade e


ser: Ciência = Verdade = Ser68. Pois, o objeto da dialética são as Idéias. E apenas
elas são objeto da ciência. O mundo sensível e mutável, sujeito aos processos de
geração e corrupção não pode ser objeto da ciência. Tal situação implica que o ser
platônico só pode ser expresso num conceito estritamente unívoco, não havendo
lugar para o conceito analógico de ser. Além disto, Platão supõe a pré-existência da
alma ao corpo, ou ainda, postula um estado pré-empírico da alma que permitia a
fruição da contemplação atual do mundo das idéias69.

"A contemplação original aparece, assim, como a justificação última da


ciência das Idéias para a alma no corpo. O ponto de partida da dialética é, pois,
uma intuição, cujo valor absoluto exclui a possibilidade mesma de uma ‘aporia’
puramente lógica que ponha em questão a realidade das Idéias"70.

A ciência platônica é condicionada por um aspecto marcadamente intuitivo


ou contemplativo direcionado para um mundo inteligível que não se encarna na
história e nem é por ela condicionada71.

A dialética platônica instaurou no seio da Filosofia “a exigência do


transcendente e do absoluto na ordem do pensamento e da ação”, removendo a
possibilidade de um pseudo-absoluto lógico e criando “um espaço inteligível para o
absoluto real” que mantido nos vínculos indefectíveis do ‘ser total’, recebe da

65 . OH, p.44.
66. ROBIN, L. La pensée grecque et les origines de l’esprit scientifique, Paris, Éditions Albin Michel,
1948, p. 259.
67 . OH, p.45. Ver nota 85.
68
. OH, p.46.
69 . PLATÃO, Ménon, Fédon e Fedro.
70 . OH, p.52.
71 . OH, p.54.

40
incondicionalidade do Bem a necessidade inteligível, que ao ‘ser’ particular de
cada Idéia confere, dentro do sistema de relações que o define, o imperativo
absoluto do ‘dever-ser’”72.

A reflexão iniciada, no capítulo sobre A Dialética das Idéias no Sofista,


legitima a possibilidade de uma ciência do absoluto lançando as bases da ontologia
como ciência. Ao mesmo tempo, toda essa reflexão se constitui como o momento
de abertura de um trabalho que terá toda sua linha de continuidade no
desenvolvimento da metafísica do existir.
O itinierário da
ontologia
C.2. No segundo capítulo do livro Ontologia e História, é retomado o clássica
problema relativo à constituição de uma ciência do ser, ou de uma ontologia como
ciência primeira. Tratar dessa questão significa investigar qual a essência da própria
filosofia e qual o seu estatuto científico73. Em última análise trata-se de se perguntar
sobre a possibilidade de uma expressão racional do transcendente. Tal
problemática se apresenta através da pergunta “há uma ciência do ser?” 74, “há uma
ciência do metaempírico ou do absoluto?”

O segundo capítulo retoma alguns dos resultados do capítulo anterior, a


partir do Sofista e avança um pouco mais com a crítica à posição de Platão. Todavia
essa reflexão será mais breve e será seguida pela apresentação da visão
aristotélica a respeito de uma ciência suprema. Finalmente serão apresentados os
termos fundantes e inaugurais da metafísica do existir que, por sua vez,
acompanhará Lima Vaz até a redação de seu último livro Raízes da Modernidade.
Parmênides
e Platão
C.2.1. Platão recebe de Parmênides a posição da unidade inteligível do ser,
bem como a intransigente afirmação parmenidiana a respeito da unidade inconsútil
entre ser e pensar, mas o monismo eleático se revela impotente diante do mundo
sensível marcado pelo diverso, pelo movimento e pela corrupção das coisas. E a
partir dessa aporia Platão busca o estabelecimento de um estatuto científico para a
ontologia. Platão dá o primeiro passo na dissolução desta aporia porque “busca o
ser – que deve encontrar no logos sua expressão inteligível – não unicamente no
termo estático de uma elaboração conceitual”, tal como fez o eleatismo. Platão
busca o ser no movimento cognoscente da alma. A alma conhece “no ato mesmo
em que ela se pronuncia, ou seja, no  no ato de
julgar”75.

72
. OH, p.55.
73 . OH, p.57.
74 . OH, p.59.
75 . OH, p.63.

41
"Em outras palavras, a unidade do ser em Platão não é uma unidade de
identidade, mas uma unidade de participação. Se há juízo, há síntese; se há
síntese, há diversidade; se há diversidade e síntese, há participação. Assim o
ser se revela como participação na estrutura mesma do ato judicativo"76.

No pensamento platônico, o ser desdobra-se em relação, ainda que as


Idéias sejam unas, indivisas e por si mesmas (perseidade das idéias). E o
movimento da alma, ou da inteligência é uma síntese progressiva das participações
do ser77.

 da alma cognoscente, que se manifesta no


"Pela
juízo (), aparece também a linha dinâmica do ser (Sof.
247 3-249b) e torna-se possível a superação do imobilismo eleático”78.
Crítica
a Platão
Neste instante da pesquisa, Lima Vaz afirma a grandeza do pensamento
platônico por ter conseguido desamarrar-se do imobilismo parmenidiano. Mas
também faz uma crítica decisiva a Platão: “se o ser platônico, enquanto objeto da
ciência, se revela no juízo, se exprime na dialética, ele se exaure, entretanto, em
total objetividade”79. Pois a transcendência do mundo inteligível destitui o mundo da
experiência de uma inteligibilidade própria. E o mesmo acontece com o próprio ato
de conhecer que se encontra ancorado na teoria da reminiscência e na
contemplação original que a alma realizou num momento de pré-existência à sua
condição atual. E se a alma também é conatural às Idéias, mais uma vez a ciência
platônica das Idéias renuncia compreender a originalidade do próprio ato de
conhecer como algo de natureza intrinsecamente inteligível.

Platão busca revelar o ser no ato judicativo. Contudo a transcendência do


inteligível absorve a originalidade da inteligência80.

Mais adiante, mutatis mutandis, o mesmo será dito de Aristóteles. E isso


implicará a passagem para a proposição da metafísica do existir do Aquinate que
superará definitivamente os limites das determinações da essência fornecendo ao
ato mesmo de existir sua inteligibilidade própria.

"Que a inteligibilidade do ser possa emergir no seio mesmo da


inteligência, de modo que sua transcendência se justifique pela natureza do ato
mesmo da inteligência; que a dialética do ser seja uma dialética da
participação do ato antes de ser uma dialética da participação da idéia ou da
inclusão formal: tal a linha para onde deverá inclinar-se a reflexão ontológica, a
fim de encontrar um estatuto científico adequado"81.

76
. OH, p.63.
77 . OH, p.63.
78
. OH, p.63.
79 . OH, p.63.
80 . OH, p.64.
81 . OH, p.64.

42
Ao chegar neste ponto da investigação a respeito da possibilidade e da
estrutura de uma ciência sobre o ser, Lima Vaz designa o momento platônico desse
itinerário rumo à Ciência suprema como momento objetivo em oposição ao
momento aristotélico que será chamado de momento reflexivo.

Antes de expor aquela reflexão que o acompanhará pelo resto de todo o seu
labor filosófico, a metafísica do existir de Tomás de Aquino, Lima Vaz apresenta o
problema da ciência do ser a partir da perspectiva aristotélica.

C.2.2. A perspectiva platônica serviu-se do diálogo Sofista. A investigação a


partir de Aristóteles irá recorrer ao livro gama da Metafísica.
Aristóteles
Para Aristóteles existe uma ciência do ser. E o ser pode ser dito de muitas
maneiras, mas nem como sinonímia e nem como radical diversidade, pois para
ele está implicada a referência a uma unidade primeira – a substância.

"Em outras palavras, o ser é análogo e seu ‘analogado principal’, como


dirá a escolástica é a substância"82.

A substância dá ao ser a unidade requerida por toda ciência. A ousía funda a


unidade dos diversos aspectos do ser, de modo que a “posição do ser é
identicamente a posição do uno”83.

Tal posição faz com que Aristóteles se encontre com os mesmos problemas
de Platão, afinal se o ser é uno, como pode encerrar, em si, determinações
opostas? Muitos dos filósofos anteriores propugnavam que o ser era composto de
contrários, e neste sentido, a multiplicidade já seria um primeiro contrário à própria
unidade. Mais uma vez emerge o problema do uno e do múltiplo como oposição
fundamental que deve ser resolvida para que se possa superar o monismo estático
dos eleatas, o dinamismo heraclítico e o relativismo de Protágoras.

Para Aristóteles toda ciência parte de princípios –  –


supostos e, portanto, indemonstráveis através dos princípios da mesma ciência. O
princípio é a causa da ciência e a razão de seu objeto. Os princípios apenas
poderiam ser justificados por princípios de uma ciência superior. Entretanto, a
ciência ora em questão é a Ciência Suprema que não poderá ter seus princípios
demonstrados por nenhuma outra ciência superior a ela. Portanto, os princípios da
ciência do ser deverão dar razão de si mesmos desde que tenham a “um tempo o
caráter de absoluta inteligibilidade e absoluta necessidade”84.

82 . OH, p.65.
83 . OH, p.65.
84 . OH, p.66.

43
Aristóteles estabelece o primeiro princípio da ciência do ser, que opera Princípio de não
contradição
a síntese racional entre o uno e o múltiplo, através de uma demonstração que reduz
o adversário ao absurdo – demonstração . O
princípio absolutamente primeiro é o princípio de contradição que se constituirá
como lei do ser que se impõe como lei do pensar.

O princípio de contradição tem um alcance ontológico pois onde há


significação há determinação e unidade, portanto implicação de uma afirmação do
ser ao menos em sua forma mais geral: algo é85.

O primeiro princípio emerge do ato do próprio juízo com


O juízo e o ser
"absoluta necessidade do movimento mesmo da inteligência. O juízo
revela o ser, operando logicamente – e com irrecusável alcance ontológico – a
síntese do uno e do múltiplo: com efeito, se há determinação, há unidade, se há
movimento da inteligência, há pluralidade de determinações"86.

Platão conseguiu, tal como Aristóteles, realizar a síntese do uno e do


múltiplo no juízo. No entanto, o ser revelado pelo juízo foi projetado na objetividade
total da Idéia.

A diferença entre Platão e Aristóteles está na crítica que o discípulo faz ao


mestre a respeito da Idéia separada. A renúncia aristotélica à idéia separada não
implicou o abandono do ser. Todavia não alcançou o ser que existe no mundo
sensível como algo detentor de uma perfeição e de sua inteligibilidade.

O ser, para o Estagirita, se revela no juízo e não se extrapõe na Idéia


separada, mas deve exprimir-se numa dialética da participação do ato antes de ser
assumido numa dialética da inclusão formal:

"pois, se a determinação em seu objeto é uma necessidade absoluta


para o ser mesmo do ato judicativo, o ato participa do ser e o ser torna-se
inteligível no dinamismo intrínseco do ato (...) A posição aristotélica guarda,
pois, a determinação objetiva sem hipostasiá-la na Idéia separada, mas
situando-a na linha da originalidade mesma do ato da inteligência"87.

Mais uma vez a forma absorveu o ato e a inteligibilidade do ser não penetrou
a existência dos seres deixando escapar o mistério de sua originalidade88.

O ser de Platão existe, ele é existencial. Todavia ele tem uma existência
ideal. Por outro lado, o ser de Aristóteles fica restrito aos limites das determinações
da essência.

85
. OH, p.67.
86 . OH, p.67.
87 . OH, p.68.
88 . OH, p.68.

44
Lima Vaz critica a posição aristotélica, pois ela permanece estritamente
lógica se a inteligibilidade do universal não estiver presa a “um inteligível
transcendente que seja plenitude de existência e ao mesmo tempo subsistente
intelecção”89.
Crítica a
Aristóteles
Aristóteles recusou o inteligível transcendente de Platão e foi buscar no
quadro das categorias a inteligibilidade última do real. Mas sem transcendência não
há participação no sentido platônico.

E “se a transcendência não é buscada decididamente numa dialética


da participação do ato mesmo da inteligência, temos, definitivamente uma
ambigüidade na inteligibilidade do ser, que oscila entre a pura forma lógica e a
irredutibilidade da existência singular a ser exaurida da universalidade do
conceito”90.

C.2.3. Platão esgotou a inteligibilidade do ser no plano separado da idéia.


Aristóteles esgotou a inteligibilidade do ser no plano do conceito. E ambos não
conseguiram alcançar uma analogia dinâmica que fosse síntese de essência e
existência. Esta tarefa restará a Tomás de Aquino.
NEOPLATONISMO
Esse mesmo problema será reapresentado por Lima Vaz 48 anos depois,
no seu Raízes da Modernidade dentro de uma linha de continuidade que será
percorrida nesta tese (e mais precisamente nesta seção) exatamente para que se
possa perceber o desenvolvimento e toda a importância da metafísica do existir no
interior do pensamento vaziano.

No Escritos de Filosofia VII se encontra a seguinte passagem:

"as filosofias antigas, na sua estrutura noético-metafísica, obedecem


sem exceção ao paradigma epistemológico que circunscreve necessariamente
o domínio do inteligível ao domínio da pergunta o que é? (ti esti; quid est?) ou
da ousía. É nesse âmbito, como mostra Aristóteles, que se desenvolve a
pergunta filosófica inaugural em torno do ser enquanto ser"91.

Entre a posição aristotélica e a posição de Tomás de Aquino há um


desenvolvimento da questão relativa ao problema do Absoluto, mas numa linha
neoplatônica e sem uma linha de solução que supere o essencialismo grego que
exaure a inteligibilidade do ser na idéia ou na forma.

O platonismo médio identificou o mundo inteligível com a inteligência


suprema. Essa identificação resultou na doutrina plotiniana do Intelecto subsistente
que se entende a si mesmo92.

89
. OH, p.68.
90 . OH, p.68.
91 . EF VII, p.71.
92 . OH, p.69.

45
E Porfírio nomeou o princípio supremo, o Uno, com o infinitivo tò einai,
o existir. E não obstante a influência porfiriana no pensamento medieval, sobretudo
através de Boécio, tal influência se manteve no interior do emanatismo neoplatônco
de uma processão de essências93.

C.2.4. O passo necessário para a superação das filosofias da essência só


ocorreu com a emergência da idéia bíblica de criação, que se define, como “a vinda
ao ser de existentes a partir do nada (ex nihilo)94”. A Idéia de criação implica duas
conseqüências fundamentais e que serão trabalhadas por Tomás de Aquino95: 1. a
afirmação do Princípio criador como Existente absoluto e 2. a inteligibilidade
primordial da existência na sua oposição radical ao nada.

Gráfico 3 – Essência e Existência

Filosofias da Essência Filosofias da Existência


Ontologia da Essência Ontologia da Existência

Toda inteligibilidade reside na perfeição A inteligibilidade primordial da existência


da essência. na sua oposição radical ao nada .

A existência é, em si, A inteligibilidade originária da essência


INinteligível só se atua pelo ato de existir como fonte
radical de toda inteligibilidade

O passo inicial da investigação sobre a metafísica do existir se inicia com a


interrogação sobre a doutrina tomista do juízo.
TOMÁS DE AQUINO
Tomás de Aquino recebeu de Platão e Aristóteles a noção de movimento
da inteligência através da qual o juízo realiza a síntese necessária para superar o
imobilismo de Parmênides.

Mas precisará superar Aristóteles para fazer com que a existência seja o ato
primeiro e a perfeição das perfeições96.

Tomás de Aquino adere à crítica feita por Aristóteles às Idéias separadas do


platonismo e aceita que o eidos seja imanente à hyle e que será desocultado pela
inteligência através de um processo sensitivo-racional. Seu ponto de partida será a
análise, a partir da qual o aspecto formal ou qualitativo da coisa é dissociado e

93
. EF VII, p.71.
94 . EF VII, p.71.
95 . EF VII, p.72.
96 . OH, p.73.

46
isolado da singularidade material e ulteriormente introduzido na “ordem da
necessidade inteligível ou do universal”97.

Nessa primeira etapa, há uma valorização do inteligível à medida que se


conquista um plano de perfeição formal “que se mostra, na clara ordenação de suas
articulações necessárias, inteiramente permeável à inteligência”98.

O eidos isolado da matéria (opaca à inteligibilidade do próprio eidos) deverá


ser reintegrado na unidade concreta em que objetivamente se realiza. Nesse
itinerário de unificação urge uma volta ao individual concreto que ocorre através da

“conversio ad phatasma, em que a inteligência modela a qüididade sobre o


esquema imaginativo de que foi abstraída. A partir desse processo psicológico se dá
a constituição do “conceito universal direto, predicável distributivamente dos
indivíduos concretos que participam de seu princípio formal”99.

Mas esse procedimento ainda não foi suficiente para trazer em si toda a
razão da unidade do objeto.

“se o ser platônico tinha sua unidade assegurada na Idéia, para


Aristóteles e Santo Tomás ele deve encontrá-la na primeira e mais profunda
imanência de um eidos que faça surgir no seio da matéria um núcleo ontológico
capaz de suportar – e de unificar – todas as atribuições do ser operadas pelo
juízo. Sabemos que este núcleo é a substância, e sua determinação formal é o
ato primeiro que, no conceito universal, será a primeira e fundamental
determinação da essência lógica da coisa ou de sua definição – o gênero
supremo”100.

É no juízo que o ser se revela como síntese do uno/múltiplo “na ordem das O Juízo

determinações formais em que o objeto se exprime”. Para Aristóteles “o ato


judicativo participa do ser só enquanto a determinação objetiva é exigida pelo
movimento mesmo da inteligência”101. Com isso a dialética da participação está
enclausurada no plano predicamental estrito ou categorial.

Tomás precisa conquistar uma unidade “em que o ser do objeto se restitua
como tal”102 sem desvencilhar-se dos vínculos necessários do inteligível em que a
inteligência busca afirmá-lo.

Essa é a hora de ultrapassar Aristóteles.

97
. OH, p.70.
98 . OH, p.70.
99
. OH, p.71.
100 . OH, p.71.
101 . OH, p.72.
102 . OH, p.70.

47
Tomás de Aquino irá aprofundar a estrutura do juízo e alcançará um
último e supremo plano de unificação: o plano da existência.

"A unificação pela substância realiza-se na linha da limitação formal ou


da essência; ela revela a identidade de dois aspectos inteligíveis, expressos
pelo sujeito e predicado de um juízo de realidade, numa unidade primeira
ontológica, justamente denominada substantia prima ou supósito"103.

Tomás é herdeiro da tradição platônico-aristotélica e dela recebeu “a


concepção dinâmica do juízo como afirmação do ser, em que a alma assume com
relação ao ‘dado’ uma atitude ativa inserindo-o no plano da existência”104. É no juízo
que a inteligência consegue exprimir – de maneira formal – sua conformidade com
o objeto, “constituindo-o em seu ‘ser de objeto’ e libertando-o das condições
subjetivas da assimilação”105.
Perfeição
"Assim, segundo a clássica doutrina tomista, o juízo tem por termo das perfeições:
próprio não já a natureza ou essência – plano da limitação formal – , mas a o ato de existir
existência, esse rei"106.

Para Tomás de Aquino a perfeição das perfeições e o ato primeiro são a


existência.

“Assim como o bem tem a razão de ser atrativo, assim o verdadeiro


está ordenado ao conhecimento. Ora, à medida que uma coisa participa do ser,
nessa mesma medida ela é cognoscível” 107.

Tomás está dizendo que a realidade é inteligível e sua inteligibilidade não


está desvinculada do esse relativo. Mas encontra nele a sua perfeição.

Ao assumir tal posição Lima Vaz reafirma seu pressuposto fundamental: a


filosofia é um pensamento da totalidade que não tolera dualismos. Mas ele também
não aceitará nenhuma forma de monismo, à medida que todo seu pensamento será
modelado pela dialética da identidade na diferença.

Para o Aquinate dizer o ser deve, em primeiro lugar, significar o ato de existir
e, em segundo lugar, significar a composição de uma proposição alcançada pela
inteligência através da união de um sujeito com um predicado108.

"Daí resulta que assim como o bem é convertível ao ente, assim o é o


verdadeiro. Contudo, assim como o bem acrescenta ao ser a razão de ser
atrativo, assim também o verdadeiro acrescenta ao ser uma relação com o
intelecto. (...) deve-se dizer que... o verdadeiro está nas coisas e no intelecto. O
verdadeiro que está nas coisas é convertível com o ente segundo a substância.
Mas o verdadeiro que está no intelecto é convertível com o que é manifestado.
Pois isto pertence à razão do verdadeiro, como foi dito. Poder-se-ia dizer ainda
que o ente, como o verdadeiro está nas coisas e no intelecto; ainda que o

103
. OH, p.72.
104 . OH, p.72.
105
. OH, p.73.
106 . OH, p.73.
107 . TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 16, a.3, rep.
108 . TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 3, a.4, sol 2.

48
verdadeiro se encontre principalmente no intelecto e o ente principalmente nas
coisas"109.

Aqui se coloca um dos aspectos mais originais do pensamento vaziano: a


tentativa, bem sucedida, de assumir a metafísica tomásica a partir de uma
perspectiva dialética. Esta questão será aprofundada mais adiante.
Superação do
formalismo grego
Para a ontologia grega ou para as chamadas filosofias da essência a
existência é opaca à luz inteligível, pois essas ontologias se mantiveram na
clausura das determinações formais da essência. Com Tomás de Aquino a
existência alcança o grau supremo da inteligibilidade.

Partindo do juízo e extrapolando os seus limites formais, Tomás de Aquino


descobre a inteligibilidade própria do ato de existência como perfeição máxima.

“deve-se dizer que o não-ente não tem em si algo pelo qual possa ser
conhecido; é conhecido à medida que o intelecto o torna cognoscível. O
verdadeiro se funda no ente, enquanto o não-ente é um ente de razão, isto é
apreendido pela razão”110.

A metafísica do existir supera o formalismo grego e fornece à existência a Primazia da


exisência
primazia com relação à essência.

“É no juízo que, para o Doutor Angélico, a dialética da participação do


ser supera o plano predicamental e penetra de fato numa esfera transcendental
(no sentido escolástico da palavra), onde se opera a última e definitiva
conquista da unidade a que a inteligência visava desde de seus primeiros
passos e unificam-se os dois aspectos, ‘objetivo’e ‘reflexivo’, que víramos em
Platão e Aristóteles”111.

109 . TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 16, a.3, rep.


110 . TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 16, a.3, sol 2.
111 . OH, p.73.

49
Gráfico 4 – O Juízo

JUÍZO
lugar da adequação
formal entre

a inteligência e o seu objeto

A possibilidade
desta adequação
depende

da reflexão da da reflexão da
inteligência sobre inteligência sobre
si mesma seu ato

o que implica

o conhecimento da
estrutura deste ato
o conhecimento de si mesma
como orientada para
como princípio ativo desta conformação
conformar-se intencionalmente
com o real

No juízo, se realiza a adequação formal da inteligência e do objeto. Tal


adequação só é possível no juízo através de uma reflexão completa da inteligência
sobre si mesma (sobre seu ato). Isso implica, por um lado, que a inteligência
alcança o conhecimento da estrutura do seu próprio ato, da própria intelecção, do
próprio intelligere.

Na questão 87 da Suma Teológica, Tomás de Aquino se pergunta como a


alma intelectiva conhece a si mesma. E sua resposta, retirada do Livro  da
Metafísica de Aristóteles, consiste em afirmar que uma coisa só é objeto de
conhecimento à medida que está em ato, e não à medida que está em potência.

"Com efeito, algo é ente e verdadeiro, e assim cai sob o conhecimento,


à medida que está em ato. E isso é evidente para o caso das coisas sensíveis;
a vista, por exemplo, não percebe o que é colorido em potência, mas o que é
colorido em ato. Do mesmo modo para o intelecto, enquanto é apto para
conhecer as coisas materiais: só conhece o que está em ato. (...) Não é
portanto, por sua essência que nosso intelecto se conhece, mas por seu ato”112.

Por outro lado, essa reflexão completa da inteligência implica o Reflexão da


inteligência
conhecimento de si mesma como princípio ativo daquela conformação ou
adequação entre inteligência e objeto.

Tomás de Aquino não está se referindo a qualquer tipo de consciência


psicológica. Essa meditação sobre a reflexão da inteligência é de natureza
metafísica, pois através dessa reflexão sobre si mesma, a inteligência afirma o ser

112 . TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 87, a.1 rep.

50
do objeto e mostra ao mesmo tempo sua dependência participada à
Inteligência infinita na qual a reditio supra essentiam é a própria subsistência.

"Com efeito, está no livro das Causas: ‘Aquele que conhece sua própria
essência volta à sua essência por um completo retorno’ (quod omnis sciens qui
scit suam essentiam, est rediens ad essentiam suam reditione completa)”113.

“Portanto, deve-se dizer que voltar à sua essência (redire ad essentiam


suam) nada mais é do que subsistir em si mesmo (...) Ora, subsistir por si
próprio convém ao máximo a Deus. Logo, segundo essa maneira de falar, ao
máximo, Deus volta à sua essência, e conhece a si próprio”114.

“Segue-se que nosso intelecto possível não pode ter uma operação
inteligível senão quando aperfeiçoado por uma representação inteligível. Assim,
conhece a si próprio, como conhece todas as outras coisas, por meio de uma
representação inteligível; conhece sua própria intelecção, e por este ato
conhece a faculdade intelectiva. Deus, porém, é ato puro tanto na ordem dos
existentes como na ordem dos inteligíveis. E assim, por si mesmo a si mesmo
conhece”115.

Esse retorno aos textos de Tomás é fundamental, pois, Lima Vaz está Dialética da
participação
marcado por toda essa reflexão até o termo de toda a sua obra. E, em se tratando
do tema da inteligência ou da reflexão intelectual, ela é compreendida de forma
analógica à participação da Intelecção infinita, que está presente no seio da
inteligência criada.

"A reflexão intelectual é o modo analógico de participação da


intelecção infinita que está assim presente no seio da inteligência criada, não
como uma presença objetiva, mas como subjetividade infinita participada pela
subjetividade finita enquanto se constitui como tal, isto é, enquanto afirma o ser.
A dialética da afirmação do ser é assim, para Santo Tomás, antes de tudo uma
dialética da participação do ato"116.

Essa dialética da afirmação do ser como dialética da participação do ato


implica – numa linha platônica ou objetiva – a referência à existência infinita na
ordem do objeto, pois se a existência é a perfeição última, “sua atribuição a um
objeto finito não se justifica somente por uma limitação formal intrínseca”117. Para
Tomás de Aquino a atribuição da existência pela inteligência que afirma o ser traz
consigo uma “referência dinâmica ao Absoluto do ser, ao Infinito na linha mesma do
objeto”. Esta referência ao Absoluto de existência unifica o ser do objeto em todos
os planos possíveis e necessários e mostra a “participação de sua existência à
Causa primeira”, evidenciando, ao mesmo tempo, “nesta dependência causal a
inteligibilidade própria do ato de existir”118.
Originalidade:
inteligibilidade da
Santo Tomás constitui sua ontologia a partir da inteligibilidade do ser que existência

113
. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 14, a.2 a.
114 . TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 14, a.2, sol 1.
115
. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 14, a.2, sol 3.
116 . OH, p.74.
117 . OH, p.74.
118 . OH, p.74.

51
emerge no juízo como participação do ato e da Idéia. E para tanto a
inteligibilidade do ser é coroada pela inteligibilidade da existência119.

A ontologia tomásica está fundada numa operação da inteligência que


ultrapassa a consideração da formalidade da essência e que alcança, ao mesmo
tempo, a afirmação do ser como existente (através do ato judicativo) conseguindo
dar relevância fundamental à inteligibilidade própria da existência.

“Esta inteligibilidade se revela ... imediatamente transcategorial,


enquanto a afirmação do ser implica a participação, tanto do ato como do
objeto, à Existência infinita, inteligível perfeito e intelecção criadora”120.

E assim o ato de existir conquista uma amplitude transcendental que não


possuía no interior dos quadros da filosofia essencialista de matriz platônico-
aristotélica. A metafísica tomásica é a penetração total do objeto e integra o objeto
em sua inteligibilidade mais profunda121.

"O ato de existir como perfeição suprema sendo, para Tomás, a


intimidade mesma do ser finito, é ainda ‘interior intimo’ enquanto se abre
imediatamente para a transcendência absoluta do Ser imparticipado"122.

Para Tomás de Aquino a ontologia é a ciência do ser. É a ciência suprema,


de uma envergadura totalizante que se instala na plenitude do existir. É a ciência
reguladora de todas as outras ciências parciais, pois ela dá a razão da possibilidade
mesma do saber123.

"E, mais ainda, buscando no ser seu objeto e descobrindo-o no próprio


ato em que nosso espírito o afirma, ela é em nós, como dizíamos a princípio,
uma revelação do ser a si mesmo, uma vivente dialética da nossa participação
ao Absoluto, uma resposta, portanto, não só às exigências de nosso ser
teorizante, mas ao apelo profundo de nosso ser itinerante, de tal sorte que em
seu constitutivo mesmo de ciência, é enfim, e supremamente, uma
sabedoria"124.

A apresentação inaugural da metafísica do existir foi realizada a partir de


dois momentos. O primeiro momento correspondeu à colocação do problema a
respeito da possibilidade de uma ciência do Absoluto. Os termos iniciais dessa
questão foram explicitados pelo capítulo A Dialética das Idéias no Sofista no livro
Ontologia e História. Ainda no mesmo livro e na continuidade do primeiro capítulo
Lima Vaz apresentou os dois grandes modelos da filosofia antiga como ontologias
da essência que não lograram superar os quadros formais das determinações da
Idéia, prescindindo do ser como existente e dando primazia absoluta à essência. Em
seguida, Tomás de Aquino surge como o artífice da superação exigida para que o

119
. OH, p.75.
120 . OH, p.75.
121
. OH, p.76.
122 . OH, p.76.
123 . OH, p.76.
124 . OH, p.76.

52
existente alcance uma inteligibilidade que antes se esgotava na idéia separada
ou no conceito aristotélico. Assim a existência ganha cidadania e alcança o status
de realidade que participa do ser, por isso ela é inteligível e ao mesmo tempo tem
sua primazia na sua relação com a essência, alcançando, portanto, a condição da
própria perfeição.

D. A herança teológica da modernidade: Problemas de Fronteira


Escritos de Filosofia I:
Problemas de
Toda essa reflexão sobre a metafísica do existir de Santo Tomás de Aquino Fronteira
será trabalhada, numa linha de continuidade e de aprofundamento, na primeira
parte do Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira. É bastante significativo
que a primeira parte desse livro receba o título de A herança teológica do
pensamento moderno. A rigor, como já foi dito logo acima, este poderia ser o título
do Raízes da Modernidade. Este livro é um desdobramento mais minucioso e mais
rigoroso daquela primeira parte do texto que inaugura a série dos Escritos de
Filosofia.

O tema da metafísica do existir não deixou de ser explorado, mas, nesse


momento específico, o tratamento dado à metafísica do existir entrelaça esse tema
às questões relativas à beatitude e à genética da modernidade. Lima Vaz ainda
demonstra as relações, por ele estabelecidas, entre Tomás de Aquino e Hegel.

Trata-se de um momento privilegiado para se identificar os princípios


filosóficos que modelam o Raízes da Modernidade .

É possível estabelecer uma certa correspondência entre o primeiro capítulo


do Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira (Fisionomia do Século XIII) e
os capítulos segundo, terceiro, quarto e quinto do Raízes da Modernidade que
recebem respectivamente os seguintes títulos: Formação e Fisionomia do Século
XIII, Roteiros doutrinais do Século XIII, A Crise Final do Século XIII e O subsolo
doutrinal do Século XIII . Estes capítulos são ao mesmo tempo a continuidade e o
momento final da reflexão sobre a metafísica do existir.

O primeiro capítulo do Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira é


basicamente um trabalho de apresentação ou de rememoração histórica do século
XIII. O capítulo é encerrado com uma seção sobre a significação de Tomás de
Aquino para aquele século, e prepara a passagem para o capítulo seguinte.

No fim do primeiro capítulo, Lima Vaz traz para arena da discussão filosófica
a originalidade da posição tomásica que se constitui como uma intuição metafísica
assentada na inteligibilidade radical do ato de existir e discute sua significção
naquele momento histórico para, em seguida, indicar sua significação para o

53
homem moderno. Tal metafísica não se configurou como uma posição de
compromisso entre aristotelismo e cristianismo. Mas foi a síntese, por excelência,
que reuniu aristotelismo e cristianismo sem prescindir dos elementos platônicos – o
exemplarismo e a teoria da participação – definitivamente integrados às bases do
filosofar cristão125.
Tomás de Aquino e a
Modernidade
O pensamento tomásico não se constitui apenas como uma prolongação
das linhas aristotélicas de pensamento. Tomás sempre teve como foco principal
a visão bíblico-cristã. E foi a partir da contemplação do mistério criador de Deus que
emerge a metafísica do ato de existir, que se apresenta como “o pólo conjugado da
sua própria contemplação teológica”126.

O artigo que deu origem ao segundo capítulo do Escritos de Filosofia I


recebeu num primeiro momento o título Teocentrismo e beatitude: sobre a
atualidade do pensamento de Santo Tomás de Aquino127. No livro, o capítulo
recebeu outro título – Tomás de Aquino e o nosso tempo: o problema do fim do
homem. Não obstante a mudança do título o texto continua tratando dos temas da
liberdade e da beatitude humanas dentro de uma perspectiva que já considera o
problema da modernidade a partir da perspectiva tomásica da metafísica do existir,
tal como se verá no Raízes da Modernidade.

“Tomás nos aparece como um pensador verdadeiramente ‘epocal’ na


aurora do mundo moderno. E os temas do teocentrismo e da beatitude
apresentam-se como um dos terrenos privilegiados em que a ‘rememoração’ do
seu pensamento nos conduz a uma interpretação que interpela
necessariamente a figura da liberdade que tentamos dolorosamente pensar e
mais dolorosamente viver, nessa hora avançada do dia histórico, cuja aurora já
se anunciava no século XIII"128.

De forma clara e distinta já é possível, neste capítulo, vislumbrar teses que O século XIII
e a Modernidade
serão encontradas no núcleo do Raízes da Modernidade. Pois, ao trabalhar
sobre os temas da liberdade, da beatitude e do teocentrismo Lima Vaz realiza seu
trabalho de Erinnerung e justifica a atualidade do pensamento tomásico à medida
que sua filosofia possa significar algo para o homem contemporâneo. Esse trabalho,
bem como toda a filosofia vaziana, será feito tendo como pano de fundo o tema da
gênese da modernidade.

"Estamos diante de um processo histórico em que as estruturas da


téchne substituem progressivamente a ordem natural do kósmos, mas se
mostram igualmente como um destino que oprime, ou uma racionalidade que
limita. O lugar da liberdade novamente se problematiza, oscilando entre a
inserção da necessidade objetiva do universo técnico-científico que impõe uma
racionalização crescente às esferas do econômico, do social e do político, e a

125
. EF I, p.31.
126 . EF I, p.33.
127 . Revista Portuguesa de Filosofia, n.30, (1974), pp. 39-78
128 . EF I, p.38.

54
contestação da subjetividade que se insurge contra o domínio implacável das
estruturas, em nome da gratuidade originária do ato livre"129.

Outra passagem paradigmática e que pode ser vista como um gérmen de


toda a linha da reflexão realizada no Raízes da Modernidade, apresenta o
renascimento da ciência aristotélica no século XIII como a retomada pela razão do
seu lugar central nas estruturas mentais do ocidente, ou ainda como

“o primeiro ato, em suma, da formação do mundo moderno. Ainda hoje,


não obstante a profundidade da ruptura que a revolução galileiana levou a cabo
entre a ciência aristotélica e a ciência modena – ruptura que só foi possível na
continuidade de um processo de aprofundamento crítico da própria ciência
aristotélica – o problema da tensão e do equilíbrio entre o universo fechado das
estruturas racionais que modelam cada vez mais profundamente a existência do
indivíduo e a liberdade que irrompe como exigência de sentido para essa
mesma existência como existência singular e historicamente situada é um dos
maiores problemas de nossa época"130.

Ao mesmo tempo, já é possível perceber a presença discreta de Hegel Tomás de Aquino e


Hegel
que descreverá uma curva bastante significativa no pensamento vaziano,
deixando nesta obra a marca indelével da dialética da identidade na diferença e a
marca do pensamento da totalidade. Tomás e Hegel são considerados pensadores
‘epocais’ que tentaram estabelecer, a partir do diálogo grandioso entre razão e
cristianismo, o sentido mesmo da história do Ocidente131.

Neste momento, não será apresentada a reflexão de Lima Vaz sobre o tema
da beatitude e da liberdade, tema do capítulo sobre o qual esta seção trabalha. O
foco continua sendo a metafísica do existir no aprofundamento dado por Lima Vaz.
A referência ao tema da beatitude será apenas a ocasião para apresentar outras
características fundamentais do pensamento ora estudado.

Já nesse momento da sua elaboração filosófica é possível detectar a chave


de leitura mais importante para a compreensão da metafísica elaborada no texto
Raízes da Modernidade.

Para aprofundar a questão relativa à beatitude Lima Vaz recorre ao


instrumental de matriz hegeliana que interpreta a duplex beatitude no interior de

“um contexto de uma dialética da unidade ou identidade radical, a partir


da qual a diferença ou dualidade é posta, mas como refletida na unidade
original e assumida dialeticamente na unidade final ou na beatitude como visão
divina da essência”132.

129
. EF I, p.38.
130 . EF I, p.40.
131 . EF I, p.40.
132 . EF I, p.56.

55
A linhagem do tratamento que está sendo dado ao tema em questão é,
evidentemente, de matriz ou de inspiração hegeliana133.

O que não implica uma leitura de Santo Tomás a partir de categorias


hegelianas. Trata-se apenas de explicitar que o pensamento de Tomás e o
pensamento de Hegel são filosofias da totalidade ou ainda, da identidade na
diferença. E que para ambos qualquer tipo de dualidade como pressuposição
fundamental se apresenta como algo inadmissível e intolerável.

Lima Vaz serve-se da dialética da identidade na diferença para tratar não só


o tema da beatitude, mas também para aprofundar e atualizar a metafísica do
existir134, pois a seu ver, não cabe simplesmente ressuscitar a obra de Santo
Tomás, torná-la literalmente presente aos tempos modernos e presente ao horizonte
histórico-cultural hodierno135. É necessário apontar que a filosofia do Aquinate é um
pensamento principial e radical que se estabelece através da metafísica do ato de
existir (esse) e que permite distanciá-lo das metafísicas clássicas de inspiração
cosmocêntrica136.

Esta metafísica do existir que representou o “ponto de inflexão da sua


viragem epocal”137 parte do princípio da unidade fontal do ser como ato de existir ou
como ipsum esse subsistens. Esta unidade originária do ser permite afirmar que “o
ser é a atualidade de todos os atos e é por isso que o ser é a perfeição de todas as
perfeições (esse est actualitas omnium actuum et propter hoc est perfectio omnium
perfectionum)138. Ou ainda, que o ser é o que há de mais perfeito entre todas as
coisas, pois a todas se refere como ato (ipsum esse est perfectissimum omnium:
comparatur enim ad omnia ut actus)139. Essa unidade se afirma em Tomás de

133 . EF I, p.56.
134 . EF I, p.56. Esta página é muito esclarecedora para compreensão do pensamento vaziano.
135 . EF I, p.38.
136
. EF I, p.57.
137 . EF I, p.57.
138 . Tomás de Aquino, De Pot. Q.7, a.2, ad 9m: C'est pourquoi il est clair que ce que j'appelle l'être
est l'actualité de tous les actes et c'est pour cela qu'il est la perfection de toutes les perfections.
Et il ne faut pas comprendre qu'à ce que j'appelle être on ajoute quelque chose de plus formel que lui,
le déterminant, comme l'acte (détermine) la puissance; car un être qui est de ce genre est différent
selon l'essence de ce à quoi il est ajouté pour le déterminer. Mais rien ne peut être ajouté à l'être qui lui
soit extérieur, puisque rien en lui n'est extérieur sinon le non être, qui ne peut être ni forme ni matière.
C'est pourquoi, l'être n'est pas déterminé ainsi par autre chose comme la puissance par l'acte, mais
plutôt comme l'acte par la puissance. Car dans la définition des formes, on place les matières propres
par la différence du lieu, comme quand on dit que l'âme est l'acte du corps organique. Et de cette
manière, cet être est distingué de cet autre dans la mesure où il est de telle ou telle nature
(http://www.tradere.org/biblio/thomas/potentia/potentia.htm).
139
. TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, I q. 4, a.1 sol 3: “deve-se responder que o ser é o que há
de mais perfeito entre todas as coisas, pois a todas se refere como ato. E nada tem atualidade senão
enquanto é; o ser é, portanto, a atualidade de todas as coisas, até das formas”.

56
Aquino de forma análoga ao Sein da lógica de Hegel140, a saber, como uma
imediatidade não-refletida141.

A manifestação dessa unidade ou a reflexão dessa unidade se faz (em


termos de essência) no cosmo da physis grega, e essa reflexão emerge “como
exterior à plenitude imediatamente afirmada do esse”142.

"Afirmação imediata ou plenitude não desenvolvida e, nesse sentido,


abstração que somente uma lógica do Absoluto poderia conduzir a uma
concreção adequada"143.

Todavia o Aquinate não se encontrava num horizonte que lhe permitisse


oferecer o campo especulativo próprio para a constituição desta lógica. Coube-lhe
apenas afirmar a imediatidade da primazia metafísica do ato de existir. E isto foi
suficiente para dar ao seu pensamento a característica de uma filosofia radical ou
principial.

Sua filosofia encerrou o ciclo do cosmocentrismo clássico abrindo as


possibilidades para a fundação de uma lógica absoluta e de um pensamento
absoluto do ser144. Mas não foi só isso. Nesse momento histórico da filosofia, Lima
Vaz aponta com precisão mais um gérmen da modernidade:

“o problema de uma história pensada (no seio da qual a ‘natureza’ se


mostra como téchne ou horizonte histórico de realização da razão do homem)
em oposição à representação a-histórica da physis como ordem imutável ab
eterno, que dominava a filosofia antiga"145.

Nessa etapa da obra vaziana, a metafísica do existir está sendo Metafísica do existir e
beatitude
trabalhada a partir do problema da beatitude. Desta forma a primazia da
identidade absoluta do ato de existir é ‘refletida’ como primazia absoluta do fim
último ou como beatitude perfeita de uma natureza que também é razão e como tal
é capaz de pensar o Absoluto como absoluto de existência.

Para Platão, para Aristóteles e para os neoplatônicos a excelência humana a


ser conquistada pelo próprio homem, a beatitude, é mediatizada por um universo de
essências. Ao afirmar a primazia absoluta do ato de existir, Tomás fundamenta toda
a sua concepção na identidade original do Absoluto que é plenitude do existir e

140 . HEGEL, Enciclopédia, §142. “A efetividade é a unidade, que veio-a-ser imediatamente, da


essência e da existência, ou do interior e do exterior. A exteriorização do efetivo é o efetivo mesmo, de
modo que nela fica igualmente um essencial, que só é essencial enquanto está em uma existência
exterior imediata. Anteriormente se apresentaram, como formas do imediato, ser e existência. O ser
é, em geral, a imediatez não-refletida, e o ultrapassar para o Outro. A existência é a unidade imediata
do ser e da reflexão, portanto fenômeno; vem do fundamento e vai para o fundamento”.
141 . EF I, p.57.
142
. EF I, p.58.
143 . EF I, p.58.
144 . EF I, p.58.
145 . EF I, p.58.

57
"que se autodiferencia ad intra (processões trinitárias) e que matém, na
diferença ad extra (criação), a identidade do movimento real ou histórico da
criatura racional no retorno ao seu Princípio ou no caminho para a sua beatitude
final"146.

A metafísica do ato de existir foi apresentada inicialmente como superação


do essencialismo grego. Agora ela está sendo apresentada a partir de uma
perspectiva que tange o problema da realização humana, vem a ser a partir de uma
perspectiva antropológica.

Lima Vaz percebe o poder de difusão e penetração dessa metafísica à


medida que seus pressupostos repercutem na reflexão a respeito do conhecimento,
a respeito do homem e do próprio universo. Mas este tópico será aprofundado em
outro momento desta tese.

A metafísica do existir, bem como o estudo sobre o processo constitutivo da


Modernidade, serão os dois eixos transversais ao pensamento vazeano que, tal
como a figura da hélice do DNA, constituirão a genética do pensamento vazeano
marcando e informando todos os outros temas (a antropologia, a ética, o tema do
mundo e da natureza, da sociedade, da história, da cultura e a própria
transcendência).

A elaboração de Tomás de Aquino, como momento mediador entre o


cosmocentrismo antigo e o antropocentrismo moderno, foi responsável pela cisão
da concepção metafísica cosmocêntrica, à medida que conduziu a reflexão filosófica
em direção “à abertura sobre o pensamento de uma história como diferença da
identidade absoluta original“147. Esta concepção de história era incabível para o
pensamento grego que afirmava “o cosmo como identidade relativa conquistada
sobre a diferença absoluta original (eternidade da matéria)”148.

"Assim, a viragem antropocêntrica da filosofia e da cultura modernas


pode ser tematizada a partir do teocentrismo de Santo Tomás e permite afirmar
a sua ‘epocalidade’ como leitura atual dos seus textos (‘epocalidade’ para
nós)."149.

A grandeza do pensamento tomásico está situada no interior de um


processo mais amplo de dimensão ideo-histórica, constituindo-se como uma etapa
da Geistesgeschichte do Ocidente, cujo início é dado pela descoberta grega do
lógos, inaugurando com isto uma ‘civilização da Razão’.

146
. EF I, p.59.
147 . EF I, p.66.
148 . EF I, p.66.
149 . EF I, p.66

58
Essa ‘civilização da Razão’, orientada pelo trabalho inaugural dos
gregos, estruturou-se como um “discurso sobre a physis na sua majestosa
grandeza e na eternidade dos seus ciclos”.

"É a physis divina que se apresenta como objeto para a atividade mais
alta da Razão ou do logos, para a theo-logia com a qual a filosofia finalmente se
identifica como forma teórica (no sentido theoría contemplação) da Razão"150.

A chegada do cristianismo não forneceu à razão dos gregos uma forma


alternativa de razão que estivesse fundada numa possível ‘metafísica bíblica’ ou que
se apresentasse como uma metafísica exclusivamente cristã. Na verdade, foi o
cristianismo que assimilou a filosofia desenvolvendo “no interior dos quadros da
razão grega” a própria teologia cristã151.
Superação do
cosmocentrismo
Todavia não era possível uma adequação perfeita do conteúdo da
mensagem bíblica com a forma grega de razão, que por sua vez era uma theo-
logia do cosmo. A impossibilidade desta adequação se manifesta na chamada
renascença dos séculos XII e XIII, na qual predominava um cosmocentrismo de
matriz aristotélica. Nesse momento da história das idéias, se dá a ruptura definitiva
do cosmocentrismo quando Tomás afirma a primazia absoluta do ato de existir,
definindo, por assim dizer os termos mais precisos e necessários para a
compreensão do Deus transcendente da revelação bíblico-cristã152.

"Aí se encerra definitivamente o caminho do cosmocentrismo percorrido


pela razão grega. No entanto, ao nível da representação do mundo e da sua
tradução epistemológica, Santo Tomás pemanece dentro da visão
cosmocêntrica, o que dá origem a certas tensões características do seu
pensamento"153.

Mais uma vez é possível encontrar já nesse instante do iter vaziano sinais
evidentes de seu esforço por demonstrar as raízes metafísicas e medievais da
modernidade.

Ainda que não se possa afirmar que o Doutor Angélico possua “uma forma
de pensamento antropocêntrica”, é possível dizer que sua filosofia será um passo
decisivo para a inflexão antropocêntrica da Razão, realizada efetivamente apenas
quando a nova representação do mundo suscitada pela revolução científca substituir
a representação cosmocêntrica da filosofia grega.

A constelação epistemológica da modernidade será traçada a partir de


exigências metodológicas que determinam um tipo de operação responsável pela

150
. EF I, p.66
151 . EF I, p.66
152 . EF I, p.67.
153 . EF I, p.67.

59
reconstrução do mundo a partir de um sistema de leis que enxerga o mundo
como um universo de fenômenos segundo a medida de modelos edificados pelo
sujeito154.

As origens da revolução científica e da reviravolta antropocêntrica podem ser


encontradas na crítica que Tomás faz ao cosmocentrismo antigo sobretudo a partir
da superação do formalismo e do essencialismo realizada através da metafísica do
existir.

"Com efeito, o antropocentrismo da ciência moderna se caracteriza pela


atribuição ao homem ou à subjetividade do cogito, segundo a temática
cartesiana que constitui a primeira expressão filosófica da nova ciência, da
identidade original que o teocentrismo cristão atribui ao Deus criador ou, na
metafísica de Santo Tomás de Aquino, ao ato absoluto do existir (ipsum esse
subsistens)"155.

Entretanto, atribuir a identidade original (que o teocentrismo cristão atribui a


Deus) ao cogito conduziu ao dualismo kantiano do fenômeno e do númeno. Dualismos

Num dos pólos do dualismo superado por Tomás estava a ordem eterna
das essências e seu Princípio criador. No outro lado estava a eternidade da matéria.
Mas a modernidade instaurou um novo dualismo no qual se confrontam, de um lado
a subjetividade legisladora dos fenômenos e de outro lado o domínio inacessível da
realidade em si mesma, da realidade numenal.

Hegel supera este dualismo levando a cabo uma filosofia que se afirma um
pensamento da identidade (dialética) e da diferença que se constitui como lógica do
Absoluto156.

No Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira Lima Vaz apresenta o


pensamento tomásico como uma forma de superação do dualismo instaurado no
seio do cosmocentrismo antigo. Esse dualismo era constituído pelos seguintes
pólos: de um lado o mundo ideal de formas e essências que exauriam, por si, toda a
inteligibilidade do real, destituindo-o de uma inteligibilidade própria e de uma
perfeição imanente ao próprio ser que existe. De outro lado está o pólo da
eternidade da matéria.

A filosofia moderna re-instala no coração do horizonte intelectual do ocidente


um dualismo infinitamente mais profundo cujos termos, por sua vez são o sujeito, de
um lado, e o mundo numenal, de outro.

154 . EF I, p.67.
155 . EF I, p.68.
156 . EF I, p.68.

60
O primeiro dualismo foi enfrentado por Tomás. O segundo por Hegel.
Lima Vaz é herdeiro desses dois pensadores. Do primeiro, ele recebe o conteúdo ou
a matéria. Do segundo, Lima Vaz recebe a forma ou o método. E será com estas
duas grandes ferramentas conceituais que ele construirá sua filosofia.

Gráfico 5 – Dualismos

Antiguidade Modernidade

DUALISMO DUALISMO
Cosmocêntrico antropocêntrico

Princípio Ordenador Subjetividade Realidade


Eternidade da
e a ordem eterna das legisladora dos numenal
Matéria
essências fenômenos inacessível

Tomás de Aquino Hegel


METAFÍSCA DO
EXISTIR LIMA CIÊNCIA DA
LÓGICA
Leitor de Aristóteles VAZ Leitor de Platão

Matéria Forma
Conteúdo Método

Esse dualismo procedente da razão moderna erige-se a partir de um


antropocentrismo que visa a supressão dialética da diferença do mundo, a partir da
aseidade (da autodiferenciação ou da autocausalidade) do homem criador.

"A autodiferenciação ou a autocriação do homem dão origem, por sua


vez, à história, e a história torna-se, desta sorte, a hipóstase primeira a partir da
qual toda diferença é posta e na qual toda diferença é anulada"157.

Como conseqüência, o criador fica submetido à criatura. O homem fica


subordinado ao conhecimento que ele produz. E os predicados de necessidade que
o cosmocentrismo antigo atribuía ao cosmo divino agora são predicados das formas
lógicas e dos esquemas e modelos operacionais do mundo técnico-científico.

Diante do horizonte da modernidade, Lima Vaz começa a desenhar sua


resposta aos problemas por ela colocados, a partir da metafísica de Santo Tomás,
submetida de certa maneira a esquemas de pensamento de inspiração hegeliana.
Vaz está ensaiando todo um procedimento que alcançará seu corolário no Raízes
da Modernidade.

O Doutor Angélico alcançou sua originalidade em vista da superação crítica


do dualismo da concepção cosmocêntrica. Em vista desse seu êxito, seu

157 . EF I, p.69.

61
teocentrismo torna-se um lugar privilegiado de inspiração para que se
estabeleçam formas fecundas de superaração do dualismo gerado pelo
antropocentrismo da modernidade. O esforço de Lima Vaz irá se orientar para a
constituição de um pensamento da totalidade que parta de uma identidade original e
absoluta que possa ser denominada como o sentido radical e que, ao mesmo
tempo, não possa ser pensado a partir da irredutível diferença dos dualismos que
opõem o homem ao mundo, o homem a si mesmo, a natureza à cultura, o indivíduo
à sociedade, a contingência à necessidade, o destino cego à liberdade e,
finalmente, o lógico ao real.

Correndo o risco de certo reducionismo ou até mesmo de certa simplificação


do pensamento vaziano, é possível afirmar que a produção filosófica de Lima Vaz
até a elaboração deste texto sobre Tomás já poderia se configurar como uma
espécie de programa de tudo aquilo que será ulteriormente desenvolvido durante
meio século de produção filosófica.

No início do terceiro capítulo do livro Escritos de Filosofia I – Problemas


de Fronteira, mais uma vez é assinalada a presença de raízes medievais no
pensamento moderno:

“Os grandes sistemas de filosofia e mesmo as grandes ideologias


políticas que se constituíram no curso da Idade Moderna apresentam traços
inconfundíveis que atestam sua proveniência do mundo teológico medieval”158.

A pretensa cultura secularizada contemporânea está indelevelmente


marcada pela forma cultural medieval: a teologia. Vale lembrar que a assimilação
da filosofia grega pela teologia cristã, não obstante todas as dificuldades para se
ajustarem entre si, só foi possível porque a filosofia grega era uma teologia.

"Neste sentido, a filosofia é, desde o início, teologia, expressão racional


do theion, do divino"159.

Enfim, a modernidade é herdeira da forma cultural medieval – a teologia – e


não poderia ser diferente, pois a mais profunda inquietação que o homem carrega é
a pergunta teológica. Esta pergunta radicaliza as questões até o plano em que as
respostas só podem ser absolutas. No entanto, de forma paradoxal, o caminho
traçado pelo homem moderno de instaurar “o absoluto no domínio da razão
interrogante mostrou-se historicamente” como o caminho gerador mais eficaz
“dessa consciência crítica que acompanha a civilização do ocidente como civilização
teológica”160.

"É lícito pensar que um universal relativismo, quebrando a ponta das


interrogações radicais, prepara essa forma de conformismo em face dos novos

158 . EF I, p.71.
159 . EF I, p.74.
160 . EF I, p.84.

62
mitos do saber técnico que substitui, no nosso mundo, a submissão às entidades
sobrenaturais nas sociedades sacrais"161.

Na Idade Moderna, o problema teológico se estende em direção ao homem


e à sociedade política, pois a meditação sobre a evolução da filosofia moderna
denuncia que a “reflexão sobre o homem em torno da qual giram seus grandes
problemas é uma luta titânica com o problema de Deus presente no problema da
sociedade e do Estado”162.

A dificuldade em pensar o Absoluto a partir do fenômeno da modernidade


fez com que Lima Vaz se dedicasse integralmente a refletir sobre esses dois focos
que vão orientar o desenho de todo o seu pensamento.

E o tema do Absoluto estará presente em todas as suas obras. No entanto, a


linha pela qual este trabalho pretende se orientar para acompanhar a reflexão
vaziana sobre a possibilidade de se pensar o Absoluto após o advento da
modernidade irá obedecer a uma trajetória marcada pelo desdobramento da
metafísica do existir,

Na cronologia dos livros da série Escritos de Filosofia, o segundo volume,


Ética e Cultura não está marcado pela temática do Absoluto (ao menos de forma
explícita) nem pela metafísica do existir.

Será apenas na Antropologia Filosófica que o tema da metafísica irá


emergir novamente através da categoria de transcendência. Todavia a
compreensão da Antropologia Filosófica depende da noção de espírito. Portanto,
antes de trabalhar sobre a categoria de transcendência será necessário apresentar
a noção vaziana de espírito. Mas estas duas categorias que se encontram na
esteira da reflexão sobre a metafísica do existir só aparecem na fase sistemática do
pensamento vaziano, que se inaugura com a publicação dos textos da
Antropologia Filosófica. Portanto, a seqüência desta reflexão sobre a metafísica
do existir será retomada apenas no capítulo seguinte quando ela já ressurgir no seio
do sistema.

E. Sobre a Ontologia da Natureza: o sujeito e o mundo.

Nas seções anteriores estão os pressupostos filosóficos, metafísicos e


ontológicos que acompanharam Lima Vaz desde o início do seu filosofar. Tais
pressupostos sempre estiveram presentes no seu pensamento, como um espaço
primordial que circunscrevia todos os outros temas tratados por Lima Vaz. O

161 . EF I, p.84.
162 . EF I, p.84.

63
contraponto de toda a reflexão anterior sempre foi o horizonte da modernidade
que impôs seus interditos ao pensamento do Absoluto.
O desafio de
Lima Vaz
E.1. Nesta seção e na próxima, será apresentado o tema da compreensão
genética da modernidade numa fase pré-sistémática do pensamento vaziano, a
partir dos temas do mundo, do sujeito, da ética e do direito.

Todo esse esforço filosófico consistiu em compreender a Modernidade e dar


a essa paisagem filosófica condições de possibilidade para se pensar o Absoluto, a
partir da perspectiva da Filosofia Cristã, e mais precisamente, a partir de uma
antropologia compatível com a perspectiva do cristianismo.

A modernidade, e mais especificamente, o pensamento pós-cartesiano


reivindicaram para o sujeito transcendental a condição de fundamento gnoseológico
(segundo o ordo cognoscendi) e de fundamento ontológico (segundo o ordo
essendi)163 do universo inteligível. E tal situação colocou a modernidade em face da
exigência de pensar “um estatuto antropológico para o problema do Absoluto que a
razão encontra indelevelmente inscrito no seu dinamismo mais profundo”164.

Esse problema começou a ser trabalhado de forma adequada com a


inauguração platônica do espaço da transcendência ou do inteligível que está ‘para
além’ da inteligência humana e que deve ser alcançado através de uma ascensão
dialética ou, mais precisamente, pelo caminho da metafísica.

Mas esse caminho foi vedado pela filosofia moderna, responsável que foi
pelo refluxo da transcendência para a imanência do sujeito. E nesse horizonte se
coloca o maior desafio teórico a ser enfrentado por Lima Vaz: repensar o Absoluto
transcendente no clima filosófico da modernidade, inspirado sobretudo na tradição
cristã165. Juntamente com este desafio está a tarefa de pensar uma antropologia que
seja coerente com a perspectiva vaziana.

"Como pensar o homem pós-metafísico em face da exigência do


pensamento do Absoluto? A primeira e mais radical resposta a essa questão
decisiva, sempre retomada e reinventada nas vicissitudes da modernidade,
consiste em considerá-la sem sentido e em exorcizar o espectro do Absoluto de
todos os horizontes da cultura. Mas essa solução exige um alto preço filosófico,
pois a razão, cuja ordenação constitutiva ao Absoluto se manifesta já na
primeira e inevitável afirmação do ser, se não se lança na busca do Absoluto
real ou se vê tolhida no seu exercício metafísico, passa a engendrar
necessariamente essa procissão de pseudo-absolutos que povoam o horizonte
do homem moderno. Outras soluções são aquelas que, admitindo embora o
problema do Absoluto como posto necessariamente no próprio centro da

163 . EF III, p.257. Nota 8: “Convém ter presente aqui que todas as variantes pós-cartesianas da teoria

do conhecimento, desde o empirismo clássico à Fenomenologia e às recentes filosofias do Conceito ou


da linguagem permanecem, no âmbito do espaço transcendental aberto pela instauração cartesiana do
Cogito”.
164 . EF III, p.258.
165 . EF III, p.259.

64
intenção filosófica, buscam formas para pensá-lo dentro das fronteiras de uma
conceitualidade antropológica, de tal sorte que se estabeleça, em princípio, uma
separação radical entre Absoluto e transcendência. Um absoluto imanente ao
mundo humano ou nele encontrando o único lugar do seu ser e da sua
expressão, tal o gigantesco desafio especulativo que atravessa a filosofia
moderna e que encontrou no Sistema hegeliano sua mais grandiosa resposta.
História, Sociedade, Tecnociência, ou o Ser mesmo, mas sujeito ao pastoreio
do homem, segundo a metáfora de Heidegger, como desenhar a face humana –
a face a ser reconhecida pelo homem moderno – do Absoluto?”166

Diante da magnitude desta questão, Lima Vaz estabelece um itinerário que


conduz a uma nova expressão intelectual do Absoluto transcendente167 e que ao
mesmo tempo considera a natureza da interdição lançada pela filosofia moderna e
pela filosofia contemporânea sobre as tentativas de operar uma abertura, no terreno
da filosofia, para o tratamento das questões relativas ao Absoluto transcendente,
sem fazê-lo de forma fideística, mas elaborando o discurso no espaço das razões
estritamente filosóficas168.

Para encontrar uma forma adequada de se pensar o problema do Ser e fazer


uma ciência do Ser, Lima Vaz penetrou no coração da modernidade, investigando
as raízes mais profundas responsáveis pela gênese dos tempos modernos.

A compreensão que Lima Vaz elaborou a respeito da Modernidade e o seu


sistema, não surgiram ex abrupto. O seu entendimento da modernidade
acompanhou todo o seu itinerário metafísico.
Paradoxo e
convergência
O mais paradoxal de todo este trabalho é que Lima Vaz propõe uma
metafísica cujos resultados e desdobramentos são, ao mesmo tempo, identificados
como o solo no qual se encontram as raízes mais profundas da modernidade. E no
coração deste paradoxo está a possibilidade da convergência entres esses dois
temas sobre os quais Lima Vaz debruçou-se durante décadas de estudo.

Não obstante Lima Vaz tenha realizado, ele mesmo, a divisão da sua
jornada filosófica em três grandes fases é possível detectar desde o início de sua
produção filosófica a emergência do tema da Modernidade com suas aporias e seus
desafios tal como já foi brevemente demonstrado em algumas passagens
anteriores.

Em 1954, Lima Vaz escrevia no seu texto sobre o Itinerário da Ontologia


Clássica

"O problema cartesiano da sabedoria, o problema kantiano da


metafísica como ciência são hoje mais agudos do que nunca. Formam mesmo a
opção decisiva que se oferece ao filósofo contemporâneo. Iremos renunciar à
especificidade da filosofia? Iremos exilar suas questões centrais para a terra,

166 . EF III, p.258.


167 . EF III, p.280.
168 . EF III, p.281.

65
inóspita à inteligência, das ‘proposições sem significação’? O empirismo lógico dos
neopositivistas e a repugnância existencialista a uma expressão racional do
transcendente obrigam-nos, em última instância, a formular estas graves
interrogações"169.

Dois anos após a publicação daquele artigo, e por ocasião da elaboração de


um estudo sobre Ortega y Gasset ele retorna ao mesmo ponto:

"A resolução cartesiana quando, como humana resolução, cresce ainda


em resolução de transcender toda situação histórica para atingir a pureza de um
sujeito absoluto, é heróica mas impossível empresa. Assim o dilema do uno e
do múltiplo admite necessariamente uma visualização do ponto de vista da
situação do historiador, e esta componente histórica pode, em determinado
momento da evolução filosófica, solicitar com particular urgência a reflexão
metafísica"170.

A partir disto, em toda obra vaziana podem ser encontrados sinais dessa Etapas pré-
sistemáticas da
preocupação. Esses sinais podem ser encontrados de forma dispersa, no interior de gênese da
modernidade
reflexões que se constituíram em torno dos temas do Absoluto, da História, do
Sujeito, da Natureza e do Ethos. Esses temas são nucleares no interior do
pensamento vaziano e a partir do seu entrelaçamento fornecem a urdidura da
compreensão da modernidade buscada por Lima Vaz e a tessitura de seu sistema.
Esses temas convergem e estabelecem uma organização conceitual seja a partir
da perspectiva temática (compreensão genética da modernidade / metafísica do
existir), seja a partir da perspectiva sistemática (via compositionis / via resolutionis).

O tema
No livro Ontologia e História e, mais especificamente no artigo Ciência e do mundo
Ontologia da Natureza é possível encontrar uma reflexão pré-sistemática sobre o
tema do Mundo que só alcançará seu termo na Antropologia Filosófica com a
categoria de objetividade e no capítulo 10 do Raízes da Modernidade – O
Problema da Criação171. É nessa reflexão sobre o tema do mundo (no livro
Ontologia e História) que Lima Vaz inaugura a sua reflexão sobre a gênese da
modernidade.

Ética e Direito
Mas será apenas no Ética e Cultura que a convergência entre os temas
começa a alcançar uma certa centralidade e com isto torna-se possível tomar com
as mãos o fio de Ariadne que guiou toda a formação da compreensão genética da
modernidade.

No Ética e Cultura o tema da Modernidade e sua novidade com relação ao


horizonte da Filosofia Clássica é apresentado a partir da ruptura entre Ética e

169 . OH, p.59.


170. OH, p.92.
171. No capítulo 15 do Escritos de Filosofia VII (Presença de Tomás de Aquino no horizonte filosófico
do século XXI) haverá a derradeira reapresentação da categoria de objetividade. Todavia, vale notar
que este capítulo é um texto previamente publicado na Revista Síntese Nova Fase, 5 anos antes da
publicação do Raízes da Modernidade. Não obstante a organização dada por Lima Vaz ao seu
próprio livro, o capítulo 15 foi escrito antes do capítulo 10 no qual é tratado o problema da criação.

66
Direito172 e do cotejo entre dois tipos de universalidades distintas: a
universalidade nomotética e a universalidade hipotético-dedutiva. Esse foi o primeiro
momento em que Lima Vaz apresentou uma elaboração mais organizada e mais
precisa conceitualmente a respeito das diferenças existentes entre o horizonte da
filosofia clássica e a nova paisagem da filosofia moderna. Ao realizar o cotejo entre
a universalidade nomotética e a universalidade hipotético-dedutiva, ele o fez
considerando a natureza ontológica das relações entre Ética e Direito na Filosofia
Clássica e a ruptura desse tipo de relação entre Ética e Direito nos tempos
modernos.

Etapas sistemáticas
Em seguida, o tema da compreensão genética da modernidade foi se da genética da
modernidade
desdobrando em outras formas e articulações conceptuais que atingiam,
gradualmente, uma profundidade sempre maior no empenho vaziano de
compreender a Modernidade.

Objetividade
Na Antropologia Filosófica, a temática da compreensão genética da
modernidade atinge um estágio superior de articulação na primeira categoria de
relação, a categoria de objetividade e, mais especificamente no nível da
compreensão explicativa, fechando uma reflexão que fora iniciada no Ontologia e
História. Ao mesmo tempo, é possível notar que a reflexão realizada em 1968 por
ocasião do último capítulo desse texto, O Absoluto e a História alcança uma forma
acabada e sistematizada com a Antropologia Filosófica.

Matriz ternária,
Em seguida, o problema da compreensão da modernidade vai se mostrar a absolutização da
práxis, o nihilismo e o
partir do desenvolvimento de vários temas, tais como a questão da inversão da tempo
dialética mensurante-mensurado, da desarticulação da matriz ternária Princípio-
ordem-indivíduo, da absolutização da práxis, do problema do niilismo, da
transformação na concepção do tempo e finalmente a partir da busca pelas raízes
medievais (ou metafísicas) da Modernidade, quando ocorre a substituição da
primazia da inteligibilidade da essência pela primazia da inteligibilidade da
existência a partir da metafísica do existir de Tomás de Aquino. Essas formas
distintas de tratamento do mesmo problema foram elaboradas nos Escritos de
Filosofia III, IV, V e VII.

No livro Filosofia e Cultura é anunciada a alternativa de retomada de um


caminho para o Absoluto que se inspire nas trilhas de Tomás de Aquino, que, por
sua vez, conduziu a filosofia ao altos cimos do pensamento do Ser. No Filosofia e
Cultura, considerado um aprofundamento da Antropologia Filosófica e uma
preparação para a Introdução à Ética Filosófica, é notório o entrelaçamento dos
temas relativos à transcendência e à Modernidade. E tal entrelaçamento alcança

172 . EF II, p.135-180. Capítulo IV – Ética e Direito.

67
seu momento de maior refinamento filosófico no capítulo Tomás de Aquino: do
ser ao Absoluto quando é apresentada novamente a metafísica do existir de São
Tomás e a relevância das posições de Hegel e Heidegger a respeito da metafísica
Clássica.
Crise ética

Nos Escritos de Filosofia IV e V, o foco da apresentação está dirigido para


o problema da Ética seja na sua perspectiva histórica, seja na sua perspectiva
sistemática. Nesses textos, o tema da Modernidade emerge como a fonte por
excelência, dos problemas éticos mais agudos da civilização planetária. E o tema da
metafísica se apresenta como o desdobramento do fluxo causal da Razão Prática
como Bem e Verdade ou como Vontade e Conhecimento.
As raízes metafísicas
da modernidade
Em Raízes da Modernidade, peça que fecha sua obra e seu sistema, há
uma convergência definitiva entre os temas do Absoluto e da Modernidade a partir
da tentativa de encontrar no século XIII as raízes metafísicas da modernidade. Nos
termos desta tese, ocorre a convergência da metafísica do espírito com a
reconstituição genética da modernidade.

A partir da apresentação desse processo genético da modernidade segundo


a perspectiva de Lima Vaz, esta tese busca seguir a evolução do sistema vaziano
constituído como resposta ao horizonte problemático da Modernidade que, por sua
vez, rejeita a figura da transcendência. Assim, a compreensão genética da
modernidade se impõe como uma das principais chaves de leitura do pensamento
vaziano ao lado da leitura metafísica e da abordagem do seu pensamento como um
sistema.

Nos momentos seguintes serão apresentados os passos dados por Lima


Vaz nessa inquirição sobre a gênese da Modernidade. No capítulo anterior,
apresentou-se a linha temática constituída pelo único tema da metafísica do existir,
ainda numa fase pré-sistemática, que foi se aprofundando gradualmente em cada
um dos seus textos.

Ao tratar da gênese da modernidade, nas etapas subseqüentes será


apresentada uma sucessão de temas que constituem a linha temática da chamada
compreensão genética da modernidade numa fase pré-sistemática e,
posteriormente, no capítulo terceiro, esta reflexão é continuada no seio da fase
sistemática de Lima Vaz.
ONTOLOGIA DA
NATUREZA
e o Mundo
E.2. O livro Ontologia e História é dividido em duas grandes partes, nas
quais se estudam respectivamente temas de Ontologia e temas relativos à História.
Na primeira parte, a reflexão sobre a genética da modernidade se inicia quando
Lima Vaz se debruça sobre o tema do Mundo ou da Natureza, perguntando-se

68
sobre a possibilidade de uma ontologia da natureza e concluindo que tal
reflexão conduz inevitavelmente ao tema do Absoluto.

O mesmo acontecerá com os outros temas por ele estudados. Em todos os


momentos subseqüentes sua reflexão convergirá para o entrelaçamento do tópico
estudado com o tema fundante e originário do absoluto. Nesse momento inicial de
sua produção filosófica já é possível detectar algumas características de sua forma
de filosofar que estarão presentes em todo o seu itinerário filosófico.

Argumento de
O texto é iniciado com a afirmação de que a filosofia da ciência só pode retorsão
existir dentro de um horizonte mais vasto “em que a tensão necessária entre o
‘sujeito’ e o ‘mundo’ impõe à razão filosófica a constituição de uma filosofia da
natureza”173, pois a oposição eu-mundo se desdobra em todos os níveis da
consciência humana, afinal a consciência sempre é consciência de alguma coisa.
Mas para se buscar a edificação de uma filosofia da natureza é necessário refutar a
recusa neopositivista em ultrapassar a reflexão da ciência a partir de seus métodos,
suas estruturas semânticas e suas formas lógicas. E tal refutação Lima Vaz realiza
com o argumento de retorsão, afirmando que o juízo através do qual o neopositivista
interdita a possibilidade de uma filosofia da natureza que se pronuncie sobre o ser
do mundo (distinto de sua tradução em termos de objeto científico) já traz em si uma
afirmação sobre esse ser: a afirmação de sua “identidade com as formas de sua
expressão lógico-científica”174.

“Esta afirmação transcende, de direito, a região de objetividade da


filosofia da ciência, como reflexão sobre o objeto ‘construído’, para penetrar na
região da objetividade do objeto ‘dado’ ou do ser do objeto: como tal, ela implica
uma reflexão ontológica e releva de uma filosofia da natureza ou do ‘mundo’.
Assim, a legitimidade desta emerge do seio de sua própria negação”175.

Com isso, o tema do mundo se coloca para Lima Vaz, como uma questão
filosófica ineliminável176, afinal o mundo é o limite circundante das estruturas
intencionais da consciência e quando ela pronuncia qualquer juízo sobre o ser dos
objetos do mundo, em última análise se encontra implicado o problema mesmo de
uma filosofia da natureza. É na autoposição da consciência como estrutura
intencional que coloca a possibilidade mesma de uma filosofia da natureza, que por
sua vez se constitui como uma exigência fundamental da intencionalidade filosófica.

Postos os termos do problema, Lima Vaz inicia um procedimento que será


repetido em todo o seu sistema e virá a fazer parte de seu método. Ele apresenta

173 . OH, p.107.


174 . OH, p.108.
175
. OH, p.108.
176
. O tema do mundo será trabalhado por Vaz até o fim de sua vida. Dois grandes momentos deste
esforço sistemático são encontrados na Antropologia Filosófica e no texto Raízes da Modernidade,
respectivamente nos capítulos que tratam da categoria de objetividade e do problema da criação.

69
uma recuperação histórica dos termos do problema, cotejando a visão clássica
e grega do mundo com a visão moderna da ciência de matriz galileano-newtoniana.

A passagem da filosofia clássica para a filosofia moderna implicou a


transformação de uma visão de mundo marcada pela física aristotélico-escolástica
da ‘forma’ e da ‘tendência’ para uma mundividência da ‘massa inercial’ e da ‘força’.
O mundo clássico estava encerrado no contorno de um universo sensorial que se
constituía como uma “morada à medida do homem, com sua hierarquia de esferas”
que giravam em movimento circular uniforme. Esse era o mundo da mater natura
que permitia uma compreensão do próprio mundo tal como se fosse um
organismo177.

Para substituir essa multissecular forma de compreensão do mundo surge


uma idéia de matriz pitagórico-platônica que postula a possibilidade de matematizar
a natureza preconizando, não exatamente uma ontologia do número, mas uma
ontologia da lei físico-matemática178 que atingirá seu cumprimento na descoberta do
Cogito.

ONTOLOGIA DA
E.3. A ciência helênica das essências foi substituída por uma ciência de leis. NATUREZA e o
sujeito
O mundo contemplado tornou-se um mundo construído. À essência como realidade
dada sucedeu-se a lei como hipótese verificada. O ‘eu’ inteligível da contemplação
teve seu lugar tomado pelo ‘eu’ construtor (ou demiurgo do universo técnico) para
quem a evidência matemática é o lugar da verdade clara e distinta179. No entanto, a
evolução da ciência moderna fez com que o ‘eu’ se neutralizasse para que os
“centros de referência da interpretação (e da construção) do ‘mundo’ se ‘objetivem’
como matrizes de relações matemáticas.

"A história do pensamento científico moderno (da mecânica newtoniana


à relatividade e aos quanta) é marcada pela eliminação progressiva dos
‘absolutos’ assumidos nos fundamentos da teoria física (o espaço e o tempo, o
éter eletromagnético, os modelos mecânicos, o determinismo causal) e caminha
para a purificação sempre maior da noção de ‘definição operatória’ e para fazer
da estrutura matemática do ‘grupo’ a matriz fundamental da inteligibilidade da
natureza e da relativização do ‘eu’ (do ‘observador’) no interior do mesmo
processo de construção racional"180.

Quadro 1 – Passagem da mundividência clássica para a moderna – I

Visão Helênica Visão Moderna

Ciência das essências Ciências de leis

177
. OH, p.110.
178 . OH, p.113.
179 . OH, p.115.
180 . OH, p.115.

70
Essência como realidade dada Lei como hipótese verificada

Mundo contemplado Mundo construído

‘EU’ inteligível da contemplação ‘EU’ construtor

Para esta tese o que se impõe como algo de fundamental importância é a


percepção da compreensão que Lima Vaz tem deste momento de passagem e
transformação. Afinal seu problema fundamental, a saber, a compreensão do
absoluto após o advento da Idade Moderna, é aguçado exatamente pelos termos
desta metafísica moderna que subjaz à mentalidade hodierna e que por sua vez
inaugurará a suspeita e o interdito do discurso sobre o Absoluto.

O “eu” neutro que busca a construção de um universo físico-matemático


torna problemático o intento de se elaborar uma “ontologia do mundo”, pois ele
determina a crise da unidade do saber à medida que seu escopo consiste em
substituir o espaço inteligível em que o homem antigo exercia sua contemplação do
“ser do mundo” pelo espaço edificado ou construído pela própria consciência do
sujeito. Afinal a reflexão ontológica exige a “posição de um ‘eu’ inteligível (ou
transcendental) e se refere portanto a um ‘mundo’ de articulações necessárias, de
conexões absolutas, de estrutura categorial, em suma”181.

"A promoção exclusiva do ‘eu’ construtivo da razão matemática


conduzirá ao divórcio kantiano da ‘ontologia’ e do ‘mundo’, e (... ) ela torna
impossível a tradução do real em termos de validez absoluta"182.

O objetivo desta seção não é apresentar a solução vaziana para essa


questão a respeito da possibilidade de uma ontologia do mundo e quais serão os
termos que orientarão esta tarefa. Mas sim, apresentrar como se dá a evolução da
compreensão vaziana a respeito da passagem do horizonte cosmocêntrico e
teocêntrico clássico e medieval para uma cosmovisão estritamente antropocêntrica
e estabelecida como um dos eixos principais do fenômeno da modernidade.

Neste primeiro momento é possível perceber que Lima Vaz trabalhou com
duas noções centrais: a noção de ‘eu’ e a noção de ‘mundo’. E apresentou, a partir
da questão sobre a possibilidade de uma ontologia do mundo, as transformações
conceituais que orientaram a gênese da modernidade no espaço da física-
matemática alterando profundamente ambas as noções. O ‘eu’ inteligível e
transcendental dos clássicos tornou-se um ‘eu’ artífice, construtor de toda a
realidade circundante nos termos possibilitados e oferecidos pela algebrização
cartesiana da matemática e da geometria que de ora em diante poderá ser aplicada

181 . OH, p.115.


182 . OH, p.115-116.

71
ao mundo. E o mundo, por sua vez, tornou-se a ‘natureza’ tecno-científica,
descrita na linguagem exata e precisa da matemática.

F. A passagem da universalidade nomotética para a


universalidade hipotético-dedutiva: Ética e Direito.

Após esta breve apresentação da passagem do medievo para a


modernidade, na qual Lima Vaz trabalhou com dois temas (o tema do sujeito – ‘eu’ –
e o tema do mundo) que estarão presentes em todo o seu itinerário, segue-se um
outro passo importante para a reconstituição da gênese da modernidade no interior
do pensamento vaziano.

No Ética e Cultura, e mais especificamente num dos capítulos mais


celebrados desse livro encontra-se uma visão do advento da modernidade a partir
de uma perspectiva ‘bi-focal’, a saber, a perspectiva da Ética e a perspectiva do
Direito no interior de duas universalidades distintas: a universalidade nomotética e a
universalidade hipotético-dedutiva.

No capítulo quarto do Ética e Cultura – Ética e Direito – é possível


acompanhar o processo genético da modernidade a partir das transformações
ocorridas no seio do ethos vigente na Antiguidade Clássica e no ethos emergente
dos anos inaugurais da modernidade.

Ética
É importante notar que a transformação realizada na compreensão da ética e Direito
e do direito tem suas raízes mais profundas nos termos da seção anterior. A virada
conceitual na Ética e no Direito depende, em última análise, da evolução do
conceito de natureza, que, por sua vez, depende da noção de ‘eu’.

"A evolução do conceito de Natureza, que oferece o fundamento para a


definição da universalidade do Direito, é que permite a passagem da
universalidade nomotética à universalidade hipotético-dedutiva"183.

Quadro 2 – Passagem da mundividência clássica para a moderna – II

IDADE ANTIGA IDADE MODERNA

Eu inteligível Eu construtor

↓ ↓
Mundo Natureza técno-científica

↓ ↓
Relação ontológica entre Ruptura da relação entre
ética e direito → ética e direito

183 . EF II, p.147.

72
Agora, portanto, será o momento de apresentar os termos desse passo
decisivo na constituição da modernidade a partir das perspectivas da Ética e do
Direito.

Revolução
O fenômeno que forjou os pressupostos epistemológicos da passagem do Científica
horizonte clássico (universalidade nomotética) para o horizonte da modernidade
(universalidade hipotético-dedutiva) foi a Revolução Científica, também responsável
pela matematização da física e pela pretensão matematizante de compreensão da
realidade. Um dos efeitos mais significativos desta revolução cultural foi a
emergência da técnica como fator determinante de abordagem da natureza.

Todavia, essa forma de compreensão do mundo também foi transcrita para


outros dimensões da realidade. E uma das dimensões da vida humana mais
determinadas por essa mudança foi a dimensão da intersubjetividade ou do viver
em comum dos homens. A partir dessa influência determinante no espaço
intersubjetivo da vida humana, o problema clássico da melhor constituição passou a
obedecer à inspiração maquiavélica e formulou-se “cada vez mais como problema
de técnica do poder e cada vez menos como discernimento sapiencial do mais
justo”184.

Universalidades
Ao mesmo tempo é possível detectar uma oposição histórica marcada pelas
diferenças entre a antropologia política clássica e pela antropologia política
moderna. Na primeira, o direito tem a forma de uma universalidade nomotética. Na
segunda, o direito assume as características de uma universalidade hipotético-
dedutiva.

A universalidade que determinava o horizonte da antiguidade tinha como


fundamento uma ordem do mundo que se supunha manifesta e na qual o nómos ou
a lei da cidade era o modo de vida do homem que refletia a ordem do cosmo
Universalidade
contemplada pela razão. Na universalidade hipotético-dedutiva o fundamento se nomotética

encontra oculto e precisa de uma explicação oriunda de uma primeira hipótese, não
verificada empiricamente, que tem a necessidade de ser dedutivamente corroborada
pelas suas conseqüências185. O primeiro caso pertence ao âmbito da ontologia
antiga. O segundo caso encontra-se sob a égide do pensamento científico moderno.
Naquele caso a política e a ética conservavam uma relação intrínseca com a ética, e
tal relação desmoronou com o advento da modernidade à medida que a política
constituiu-se como esfera autônoma e independente da normatividade ética.
Freqüentemente a política passa a se opor a qualquer tipo de normatividade ética.

184 . EF II, p.140.


185 . EF II, p.147.

73
A relação entre ética e direito no pensamento clássico estava assentada
correspondência entre
sobre a correspondência existente entre a ordem do cosmo e a ordem da cidade o cosmo e a cidade

“sob a soberania de uma mesma lei universal que inspira as primeiras tentativas de
definição de uma esfera do direito e da justiça” à qual o homem buscava se elevar
para desvencilhar-se de um mundo marcado e determinado pela violência e pelo
caos186.

O homem grego deu ao postulado da ordem a forma do logos (ou da razão


jurídica) a partir da idéia fundamental de lei – nómos – que por sua vez tinha seu
significado na referência a uma ordem divina (cósmica ou transcendente) à qual a
lei humana devia se conformar.

O núcleo da universalidade nomotética está configurado a partir de uma


idéia de natureza cujas prerrogativas são as da necessidade e da racionalidade.
Com a alteração dessa noção de natureza, a partir de todos os eventos da
Revolução Astronômica, não haverá possibilidades de se sustentar um mesmo tipo
de universalidade quando o seu núcleo está completamente corroído pela
emergência de um tipo de racionalidade marcada pelas características da
contingência, da não-necessidade, enfim de uma natureza literalmente construída
ou compreendida como um artefacto ou como um constructo.

Isto se dá porque na antiguidade havia uma constante homologia entre a


racionalidade do pensamento científico e a racionalidade do pensamento social e
político. Todavia, com a chegada da modernidade esta homologia não mais se
sustenta.

Em síntese, na Antiguidade, à idéia de natureza sempre esteve relacionada


com a idéia de nómos, pois há uma correspondência de natureza divina entre a
ordem do cosmo e a ordem da cidade. Tanto a ordem cósmica, quanto a ordem
pública estão subordinadas à soberania de uma lei universal187. O valor e o
significado da lei – nómos – são decorrentes de uma ordem maiúscula, divina e
transcendente, vem a ser a própria ordem do cosmo, à qual a lei da cidade ou a lei
humana deve se conformar. O pensamento grego atribuiu o caráter formal da lei que
normatiza o comportamento humano a uma ordem divina que “poderia ser transcrita
no registro racional da idéia de natureza”188. Portanto esta ordem universal possui a
prerrogativa da normatividade, de onde emana a força prescritiva da lei.

186 . EF II, p.148.


187 . EF II, p.148.
188 . EF II, p.149.

74
O mundo humano está submetido à ordem do universo. Em
contraposição à noção de autonomia moderna, há no horizonte grego a primazia da
noção de cosmonomia.

Tal concepção estabelece uma união inconsútil entre lei e natureza – entre
physis e nómos que será desalinhavada quando a filosofia moderna elaborar um
novo conceito de natureza, distinto do conceito grego de physis.

A genialidade grega está em “dar ao postulado da ordem, que torna possível


a existência histórica, a forma do logos ou, no nosso caso, da razão jurídica, a partir
da idéia fundamental de lei (nómos)”189.

Ruptura
A ruptura com a tradição clássica e a passagem da universalidade
nomotética para a universalidade hipotético-dedutiva decorre da emergência de uma
nova forma de razão, por um lado, herdeira da razão grega, por outro lado, a ela
oposta. A razão moderna elaborou uma nova visão de homem e uma nova visão de
natureza que não comportavam os traços constitutivos da universalidade
nomotética. Conseqüentemente serão delineadas novas teorias morais e
190
políticas .

A idéia de
Neste momento de sua apresentação da mudança de universalidades, Lima natureza
Vaz dirige seu foco para a transformação do conceito de natureza.

"A linha de ruptura que assinala a formação de uma nova idéia da


Razão e o desenho de uma nova imagem do homem inscreve-se justamente
nesse terreno fundamental que é o conceito de Natureza e significa o abandono
definitivo das propriedades que caracterizam a antiga physis"191.

Mas a nova idéia de Razão também se apresenta como um novo tipo de


ciência fundado na relação poiética ou na possibilidade do domínio do mundo pelo
homem. Agora o mundo é um novo campo de ação do homem. Essa ação é
marcada pela pretensão do domínio técnico e exploratório que assumirá uma
importância cada vez maior com o correr dos séculos.

Essa nova relação do homem com o mundo será responsável pela formação
de uma nova “constelação de valores polarizados em torno do problema da
satisfação das necessidades”. E a organização sociopolítica será determinada
exatamente por este problema.

"O direito ao trabalho universal e livre e à sua adequada remuneração


passa a ser o núcleo axiológico da civilização. A luta pela dominação e
exploração da natureza tendo em vista a satisfação das necessidades que se
desdobram segundo a lógica do que Hegel denominou o ‘mau infinito’ (...)

189 . EF II, p.148.


190 . EF II, p.162.
191 . EF II, p.162.

75
transforma profundamente a própria idéia de natureza na sua relação com o agir do
homem"192.

A visão moderna de natureza, faz com que esta seja destituída das
características da physis clássica. A natureza não é mais o fundamento de uma
ordem imutável à qual se deva referir a práxis humana.

A modernidade faz com que surja uma nova homologia entre natureza e
sociedade, e assim, a nova maneira de compreender a natureza também será
aplicada à sociedade, inaugurando uma nova forma de compreender a política, a
ética, o direito.

Essa homologia moderna submete o pensamento social e político, ético e


jurídico, à epistemologia e aos parâmetros metodológicos da nova ciência da
natureza que tem como instrumento privilegiado de análise a matemática.

"Eis aí os pressupostos que, na articulação da dialética indivíduo-


sociedade, irão determinar a abertura de um novo horizonte de universalidade,
aquela que denominamos justamente universalidade hipotética. Se a questão
fundamental da antiga filosofia prática no âmbito da vida social era a
determinação dos requisitos essenciais que asseguram ao homem, como
cidadão, exercer na sociedade política atos próprios da vida virtuosa (eu zen)
ou da vida ordenada para o bem da cidade – identificando com o bem do
indivíduo ou com a sua autarquéia – o pensamento político moderno assume
como sua tarefa primordial propor a solução analiticamente satisfatória do
problema da associação dos indivíduos, tendo como alvo assegurar a
satisfação das necessidades vitais. A prioridade tanto lógica quanto ontológica é
aqui deferida ao indivíduo na sua particularidade psicobiológica, que se
apresenta como elemento simples que se supõe inicialmente independente na
sua suficiência de ser-para-si"193.

A noção clássica de autarqueia aristotélica sofre uma transposição filosófica


que encontrará uma nova expressão no Cogito cartesiano.

A gênese da sociedade começa a ser explicada a partir da submissão do


indivíduo à necessidade extrínseca de integrar-se no pacto social e de submeter-se
ao constrangimento da vida social e política. Nesse esquema, a universalidade
hipotético-dedutiva é compreendida como um modelo explicativo que ilustra a
passagem do estado de natureza ao estado de sociedade194.

As teorias modernas do Direito Natural são determinadas por um modelo


hipotético. Esse modelo tem sua validez ratificada e corroborada através de uma
explicação que consiga, satisfatoriamente, esclarecer o fato da existência social do
indivíduo como condição para a sua sobrevivência. E essa existência social realiza-
se através da passagem de um estado original para um estado organizado pela

192 . EF II, p.163.


193 . EF II, p.163.
194 . EF II, p.164.

76
sociedade que é, ao mesmo tempo, negação e continuação daquela situação
originária.

A universalidade hipotético-dedutiva é modelada pela mecânica galileano-


newtoniana e se situa no “nível de inteligibilidade que Hegel denominou nível do
entendimento”195.

Dessa forma o Direito natural moderno tem em vista fundamentar de forma


racional e universal um sistema de normas jurídicas que fosse compatível com o
desenvolvimento de uma sociedade marcada pelo trabalho e pela produção que
alcançará escalas gigantescas. E nada melhor do que a emergente ciência
experimental para se constituir como o tipo privilegiado e exemplar de racionalidade
que conseguirá fornecer o instrumento perfeito para a realização do gigantesco
projeto de exploração, utilização, domínio e senhorio da natureza.

Toda essa apresentação de Lima Vaz sobre as universalidades tem como


objetivo mostrar a cisão entre Ética e Política ocorrida por ocasião da mudança de
horizonte e de universalidades.

No interior da universalidade nomotética havia uma relação de natureza


ontológica entre ética e política, ou entre ética e direito que não permitia pensar a
ética sem pensar a política e o direito.

Refluxo
Contudo, a ruptura ocasionada pela mudança de horizontes provocou a da ética
separação entre ética e direito ou entre ética e política fazendo, sobretudo, com que
o espaço da ética sofresse um refluxo para o campo do subjetivo e do irracional,
juntamente com a religião e com outras formas de conhecimento.

Isso porque o modelo hipotético-dedutivo se apresenta como um


“suporte teórico inadequado para sobre ele se edificar o edifício conceitual que
abrigue juntamente a Ética e o Direito ou no qual se integrem a universalidade
subjetiva da pessoa – a liberdade – e a universalidade objetiva do Direito – a
lei”196.

Além do mais, a estrutura de universal interdependência através da qual os


indivíduos se associam nesse sistema das necessidades é marcada por um caráter
não-finalístico e cuja racionalidade preside a sociedade civil. Isso faz com que os
mecanismo jurisdicionais se realizem segundo uma “relação de exterioridade ou de
coatividade entre a lei e o indivíduo”197. Ao mesmo tempo que se realiza essa

195 . EF II, p.165.


196 . EF II, p.171.
197 . EF II, p.171.

77
separação entre ética e direito acontece a fragmentação da imagem de homem
na pluralidade dos universos culturais, o que torna mais difícil a adequação das
convicções individuais e das liberdades individuais com uma constelação de valores
reconhecidos universalmente e que possam ser legitimados num sistema de normas
e fins posto pela sociedade198.

A lógica que norteia a modernidade procede segundo os cânones da análise


que isola os indivíduos como átomos completamente separados para ulteriormente
reintegrá-los num sistema que compatibilize os fins comuns da sociedade e o
movimento de satisfação das necessidades individuais. Essa lógica estabelece um
tipo de relação eminentemente técnica da qual são excluídos os princípios éticos.

Eis o resultado do desmoronamento da physis antiga por obra da ciência de


matriz galileana: uma inversão radical que imanentizou as categorias teológicas da
graça e da salvação e fez com que a ordem da liberdade começasse a ser pensada
na imanência mesma da história conforme a norma da epistemologia moderna, ou
ainda, segundo modelos de natureza hipotético-dedutiva.

Hegel empreendeu o esforço de restaurar na “imanência histórica uma forma


de universalidade nomotética como universalidade do espírito que se objetiva e tem
na história a sua teodicéia”199.

“Uma vez restituídas as intuições fundamentais que estão nos


fundamentos desses dois tipos de universalidade, será necessário interrogar-se
sobre o sentido da sua oposição histórica e sobre o destino dos direitos
humanos no desdobramento de uma lógica da universalidade hipotética levada
às últimas conseqüências. É na linha dessa interrogação que adquire especial
relevo a tentativa hegeliana de retomar a universalidade nomotética integrando-
a na perspectiva do estado moderno e derivando a ordem da Natureza para a
teleologia da História. Esse o quadro conceitual dentro do qual o problema das
relações entre Ética e Direito se coloca para nós"200.

No horizonte de uma organização social regida pela universalidade


hipotético-dedutiva corre-se o risco de que a liberdade seja extirpada desses
grandes sistemas mecânicos que se regulam por modelos eficazes e racionais que
controlam o arbítrio dos indivíduos, já destituídos da sua “razão de ser como
homens ou como portadores do ethos”201 .

No quadro seguinte é possível visualizar de forma sinóptica o cotejo feito por


Lima Vaz entre as duas universalidades para indicar as características do processo
de passagem para o horizonte da modernidade.

198
. EF II, p.174.
199 . EF II, p.178.
200 . EF II, p.147.
201 . EF II, p.180.

78
Quadro 3 – Quadro comparativo das universalidades nomotética e hipotético-
dedutiva202

NOMOTÉTICA HIPOTÉTICO-DEDUTIVA
Correspondência entre a ordem cósmica e a Pensamento ético, social e político submetido aos
ordem da cidade sob a soberania de uma princípios epistemológicos e às regras metodológicas da
mesma lei universal que inspira as primeiras nova ciência da natureza, ciência de tipo hipotético-
tentativas de definição de uma esfera do direito dedutivo, e tendo a análise matemática como seu
e da justiça à qual o homem deve elevar-se instrumento privilegiado – paradigma da mecânica
para libertar-se do mundo da violência e do galileiano-newtoniana163/165
caos148
Cosmonomia Autonomia
Relação INTRÍNSECA entre Ética e Política Relação EXTRÍNSECA entre Ética e Política
Política como esfera independente da normatividade ética
e freqüentemente oposta a ela147
Referência constitutiva da ação política a uma Mito do começo absoluto – sem tradição
tradição252
Política como arte e sabedoria Política como técnica racionalmente otimizada do exercício
do poder 254 e 257
Política como PRÁXIS Política como TECHNÉ,
é julgada pelos critérios da auto-realização do ou como arte de persuadir e comandar
homem segundo os critérios da verossimilhança e da força157
ou do seu ser-em-razão-de-si-mesmo
MELHOR CONSTITUIÇÃO MELHOR CONSTITUIÇÃO
é a que defende as condições melhores para a é a que garante mais eficazmente o exercício do poder258
prática da justiça258
Hierarquia de fins Jogo de Forças
Ciência política tem como objetivo definir a Ciência Política trabalha com hipóteses que permitem
forma de racionalidade que vincula o livre agir deduzir um plano mais rigoroso para o exercício eficaz do
do cidadão à necessidade, intrínseca à própria poder,
liberdade, e portanto, eminentemente ética, de vem a ser, para o domínio mais completo do espaço
conformar-se com a universalidade da justiça259 onde as liberdades individuais podem mover-se258
Critérios do bem melhor e mais perfeito Critérios do útil e do eficiente265
NOMOTÉTICA VONTADE DE PODER
regida pela razão do melhor: trata-se de que se impõe como constitutiva do político sem outra
legitimar o poder pela justiça na perspectiva de finalidade a não ser ela mesma e sem outras razões
uma teleologia do Bem e fazer assim, da legitimadoras senão as que podem ser deduzidas da
vontade política, uma vontade instauradora de hipótese inicial da sua força soberana
leis justas
Racionalidade Política ordenadora de uma Racionalidade Técnica que obedece à racionalidade da
prática em vista de um FIM que é a justiça na causa eficiente e dos seus instrumentos, e que esgota seu
cidade259 FIM na eficácia do seu exercício258
História-tradição História-ciência
Anterioridade da comunidade na qual Hipótese do pacto social que reúne,
o indivíduo encontra-se inserido numa sociedade organizada, os indivíduos dispersos
NATUREZA NATUREZA
é a physis na imutabilidade da sua ordem e como campo de fenômenos que se oferece à atividade
fundamento de um nómos objetivo ao qual deve conceitualizante e legisladora da razão e à atividade
referir-se a práxis humana163 transformadora da técnica
TRAGÉDIA ANTIGA: POLÍTICA MODERNA
DESTINO que age sobre as liberdades FAZER na ordem da
do alto de um céu misterioso causalidade eficiente
CAPRICHO DOS DEUSES258 RAZÕES DO PODER258
A questão fundamental da ANTIGA FILOSOFIA A tarefa primordial do PENSAMENTO MODERNO é
PRÁTICA no âmbito da vida social, era a propor uma solução analítica satisfatória ao problema da
determinação dos requisitos essenciais que associação dos indivíduos, tendo como alvo assegurar a
asseguram ao homem, como cidadão, exercer satisfação de suas necessidades vitais163
na sociedade política os atos próprios da vida
virtuosa ou da vida ordenada para o bem da
cidade163
Tempo qualitativo Tempo quantitativo
Passado e Presente como componentes Predomínio do fazer técnico onde o TEMPO é cálculo e

202 . Os números no interior das células do quadro indicam as páginas do livro EF II.

79
estruturais de um TEMPO QUALITATIVO, que previsão; o tempo se distende todo na planificação e
se articulam dialeticamente para constituir o domínio do FUTURO255
TEMPO HISTÓRICO, o tempo do ethos ou da
tradição20
Ethos que organiza qualitativamente o TEMPO Esvaecer-se do horizonte da tradição em face do avançar
PASSADO numa perspectiva axiológica em do TEMPO QUANTITATIVO ao qual a história-ciência
cujo prolongamento – pela reiteração, pelo parece submeter-se e que abre largo espaço para o
confronto ou pela transgressão – deverão niilismo ético e político253
situar-se as opções ético-políticas do TEMPO
PRESENTE253
A primazia do tempo quantitativo transfere do passado para o futuro a instância normativa do tempo ou o
seu centro de gravidade: o que significa conferir ao tempo por vir os predicados axiológicos que
asseguravam a exemplaridade do passado na formação do ethos tradicional20 .

As expressões universalidade nomotética e universalidade hipotético-


dedutiva tornarão a aparecer nos textos vazianos. E o reaparecimento dessas
expressões ocorrerá no momento privilegiado de sistematização da Ética e, mais
especificamente na apresentação da estrutura objetiva do agir ético quando é
apresentada a noção fundamental de lei que obedece a dois grandes modelos
conceptuais. O primeiro modelo denominado nomotético conheceu as variantes
cosmonômica e teonômica. O segundo modelo denominado hipotético é
essencialmente politonômico203 uma vez que nele a lei se compreende no interior da
esfera política seja como lei natural (recebida do estado de natureza), seja como lei
positiva.

A reflexão sobre as características da modernidade e suas origens, não é


uma reflexão linear como aquela sobre a metafísica do existir. O estudo vaziano
sobre a natureza e a origem da modernidade gerou uma compreensão
multifacetada que permite contemplar esta nova etapa do pensamento ocidental a
partir de várias perspectivas distintas, sejam elas o tema do eu, do mundo, da ética,
da política, do direito e outros mais que seguirão na seqüência deste texto.

Nos dois próximos capítulos ocorrerá um desdobramento do que já foi feito


neste primeiro capítulo. O capítulo segundo tratará novamente do tema da
metafísica do existir no interior da parte sistemática do pensamento de Lima Vaz,
até que se alcance a sistematização da metafísica no livro Raízes da Modernidade.
E no capítulo terceiro o tema da genética da modernidade será desenvolvido até o
seu termo, que também é alcançado no texto Raízes da Modernidade.

203 . EF V, p.118.

80
Segundo Capítulo

A metafísica do existir

“Será o homem da civilização tecnológica, que não


recebe do mundo dos objetos, em incessante fluxo e
mudança, senão o reflexo do seu próprio ser
empírico, efêmero e inquieto, sensível a uma
mensagem que vem do remoto século XIII?
Deixando essa pergunta aos azares do nosso
incerto amanhã, poderemos pelo menos convir que
a rememoração filosófica dessa mensagem, por nós
tentada nessas páginas, não é um exercício ocioso
e inútil. Ela nos permite entrever que na alma
profunda do homo technicus subsiste o homo
metaphysicus. É ele que aflora nesse ato tão banal
e tão infinitamente grave pelo qual assumimos o
risco de afirmar o ser no juízo e no qual, ao nos
entregarmos ao exercício de pensar a tradição
metafísica, descobrimos uma perspectiva intelectual
de ilimitada amplitude, e nela as dimensões do
nosso verdadeiro existir”.

Henrique Cláudio de Lima Vaz

Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura


Tomás de Aquino: do ser ao Absoluto, p.342.

81
SEGUNDO CAPÍTULO – A METAFÍSICA DO EXISTIR

A. A categoria de espírito: Antropologia Filosófica.


B. A categoria de transcendência: Antropologia Filosófica e Filosofia e Cultura.
C. As categorias de Bem e Fim: A Ética.
D. As categoria de Ser e Existência: Raízes da Modernidade.

A metafísica do existir é tema primordial do pensamento vaziano. A


compreensão da obra de Lima Vaz depende, em primeiro lugar, da intelecção dessa
herança tomásica, que serve de eixo estruturante da Antropologia, da Filosofia da
cultura, e da Ética aqui analisadas. O estudo das categorias de espírito, de
transcendência, Fim e Bem, cabe observar no início do segundo capítulo, permite
afirmar que, ao contrário do que se poderia pensar, Lima Vaz já pressupõe a
metafísica do existir subjacente à Antropologia Filosófica, ao texto Filosofia e
Cultura e à Ética. Em Raízes da Modernidade, ele explicita plenamente a
influência de Tomás de Aquino na formação dos pressupostos metafísicos de seu
pensamento. Este é, pois, o roteiro seguido neste capítulo.

A. A categoria de espírito: Antropologia Filosófica

A.1. A Antropologia Filosófica é constituída por uma parte histórica e uma


Características e
parte sistemática, que não são proporcionais entre si. Essa constituição histórica e estrutura da
Antropologia Filosófica
sistemática também caracteriza os Escritos de Filosofia IV e V – Introdução à
Ética Filosófica 1 e 2, e Raízes da Modernidade. A parte histórica da
Antropologia Filosófica é precedida por uma introdução, na qual são
apresentados os problemas da relação entre Antropologia e Filosofia e da Filosofia
com as Ciências Humanas e Naturais. A parte sistemática apresenta as categorias
antropológicas, sendo precedida pelo capítulo Objeto e Método da Antropologia
Filosófica no qual é apresentado o roteiro filosófico (método), o caminho a ser
percorrido na construção de cada uma das categorias. Este capítulo apresenta o
método da Antropologia Filosófica, e é a bússola imprescindível para a leitura da
antropologia, da ética e da metafísica vazianas. As categorias do sistema de Lima
Vaz serão constituídas mediante esse método.
O problema mais difícil da Antropologia Filosófica está na constituição das
categorias antropológicas. Isso decorre da impertinência da distinção entre homem-
objeto e homem-sujeito. A tarefa da Antropologia consiste em elaborar uma
autocompreensão do homem na qual sujeito e objeto se entrecruzem
epistemologicamente, pois o que é nela objetivizado é o conteúdo ontológico no

82
qual está a resposta à pergunta sobre a possibilidade radical do sujeito como
sujeito204.
A Antropologia Filosófica vaziana é socrática, pois é um saber do sujeito e
não só sobre o sujeito. A organização desse saber deve exprimir, no nível filosófico,
o processo real e total do autoconstituir-se do homem como sujeito. A subjetividade
emerge no coração da compreensão filosófica.
Portanto, a Antropologia procederá à objetivação conceitual e discursiva da
subjetividade humana (homem-sujeito enquanto sujeito). E tal experiência não se
refere à subjetividade abstrata do EU PENSO, mas se trata de uma experiência
situada, pois o homem só pode tornar-se objeto de si mesmo na pergunta filosófica
enquanto situado, i.e., enquanto circunscrito pela finitude da sua situação.
Os contornos da situação humana fundamental a serem traduzidas nas
Experiência
dimensões da experiência filosófica são: a Natureza, a Sociedade, o Eu. Segundo
Lima Vaz, experiência é uma interpenetração de presenças; a presença do homem
é uma presença no mundo, um ser-com-os-outros e uma presença a si mesmo.
Dessa forma, tais dimensões se abrem para a transcendência que nenhuma
experiência ou conceito pode circunscrever e constituem o ser homem como um
itinerário para o Absoluto.
Lima Vaz faz com que os temas mais significativos de seu iter filosófico
alcancem uma convergência conceitual no tema do sujeito como expressividade e,
ao mesmo tempo, lança o homem em direção ao Absoluto.
A parte sistemática é constituída pelas regiões categoriais de estrutura
(corpo, psiquismo e espírito), de relação (objetividade, intersubjetividade e
transcendência) e de unidade (realização e pessoa).
A unidade das categorias de corpo próprio, psiquismo e espírito instauram o
Categorias
domínio estrutural do homem. Tal domínio corresponde ao ser substancial do ser antropológicas

humano ou à sua unidade ontológica, que, enquanto unidade, o faz distinto dos
outros seres; tal distinção já coloca o homem em face do seu universo de relações e
o constitui como ser finito (noção de finitude), “o que diz respeito à multiplicidade na
ordem do ser”. Tal fato, por sua vez, implica “a finitude dos seres múltiplos e a
infinidade do Uno ao qual o múltiplo se opõe”205. A finitude apresenta-se pois como
noção metafísica. Contudo, o homem “defronta-se com a multiplicidade dos seres
organizados na forma de um mundo” e tal fato constitui o homem como um ser em
situação e como um ser-no-mundo. A situação206 apresenta-se pois, como uma
noção antropológica. E porque é finito e situado, o homem torna-se um ser relativo

204 . AF I p.160.
205
. AF II p.141.
206
. A noção de SITUAÇÃO será recuperada na Ética – na parte sistemática – e se fará presente como
o momento intermediário (particularidade) de todas as etapas de desdobramento da Razão Prática,
seja na dimensão do AGIR ÉTICO, seja na dimensão da VIDA ÉTICA.

83
aos outros seres e esse seu ser-em-relação encontra sua manifestação nas
categorias de objetividade, intersubjetividade e transcendência.
O discurso antropológico parte da unidade estrutural do eu, constituída pelas
Organização
categorias de corpo próprio e psiquismo que convergirão para a categoria de categorial

espírito, entendida como estrutura noético-pneumática. Esta categoria se apresenta


como o ápice da unidade do ser humano207. Precisamente, a abertura para a
transcendência se realiza no plano da categoria do espírito. Aqui o homem alcança
o âmago mais profundo da sua unidade, e se constitui como um ser estruturalmente
aberto para o Outro208. O outro desenha o perfil de outro relativo na categoria de
intersubjetividade e se anuncia como Outro absoluto na relação de transcendência.
Acompanhar a constituição da categoria de espírito se impõe como uma
tarefa fundamental para esta tese, pois tal categoria não é uma noção
univocamente antropológica. É mediante o espírito que o homem percebe que tal
noção “é coextensiva ou homóloga à noção de Ser entendida segundo as suas
propriedades transcendentais de unidade, verdade e bondade”209.
Daí se segue a articulação entre antropologia e metafísica. A apresentação
O início da
dessa categoria de espírito no interior da Antropologia Filosófica pode ser sistematização da
metafísica
considerada o momento inaugural da sistematização da metafísica vaziana. Essa
sistematização tem o seu início com a categoria de espírito e continua através da
categoria de transcendência. O trabalho sobre a categoria de transcendência será
aprofundado no Filosofia e Cultura, depois estenderá seus conceitos nos Escritos
de Filosofia IV e V – Ética, e finalmente alcançará seu maior grau de organização
no Raízes da Modernidade.
Na Antropologia Filosófica, a metafísica do existir proposta por Lima Vaz,
firmemente arraigada nos textos de Tomás de Aquino, encontrará sua completude
nas categorias de espírito e de transcendência. A categoria de espírito é o

“elo conceitual entre a Antropologia Filosófica e a metafísica. Com A categoria


efeito, na sua estrutura espiritual ou noético-pneumática, o homem se abre, de espírito
enquanto inteligência (noûs), à amplitude transcendental da verdade, e
enquanto liberdade (pneûma) à amplitude transcendental do bem"210.

Vaz chama de quiasmo do espírito essa abertura da inteligência finita à


amplitude transcendental da verdade, e da liberdade finita à amplitude O quiasmo
do espírito
transcendental do bem, e a respectiva circularidade entre inteligência e liberdade,
ou seja, entre verdade e bem. Graças ao quiasmo do espírito, essa categoria é o
lugar de acolhimento e manifestação do Ser (enquanto verdade) e lugar de

207
. AF I, p.201.
208 . AF I, p.201.
209 . AF I, p.202.
210 . AF I, p.202.

84
consentimento ao Ser (enquanto bem)211. Em virtude de sua amplitude
transcendental, o espírito não é uma estrutura ontológica do homem ligada,
irrevocavelmente, à contingência e finitude humanas, tal como ocorre com as
categorias do corpo e do psiquismo.

"O espírito é, segundo uma terminologia clássica, uma perfectio


simplex: em si mesmo, atualidade infinita de ser"212.

A noção de espírito ultrapassa os limites da conceitualidade antropológica e


Analogia
faz com que o ser humano participe do Infinito. Todavia sua atribuição antropológica de atribuição

só é possível a partir de uma “analogia de atribuição, na qual o princeps analogatum


é o espírito Infinito ou Absoluto e o espírito, no homem, é o analogatum inferius”213.
Nesta estrutura o homem se mostra um ser de fronteira.
A tradição ideo-histórica, no interior da qual se formou a categoria de
espírito, forneceu 4 temas fundamentais para a constituição desta categoria: os
temas do espírito como 1. reflexividade, 2. unidade, 3. perfeição e 4. ordenação.
REFLEXIVIDADE –  – synesis – CONSCIÊNCIA–DE-
Reflexividade
SI: o espírito é consciência-de-si. Sua raiz mais longínqua é o preceito socrático do 

conhece-te a ti mesmo, que alcançou uma expressão especulativa sem igual na


noésis noéseôs aristotélica e permaneceu na história da filosofia através do
neoplatonismo, na escolástica medieval e na filosofia hegeliana do espírito.
UNIDADE – - noûs – INTELIGÊNCIA: o espírito é atividade
de contemplação – theoría – que possibilita a forma mais alta de conhecimento.
PERFEIÇÃO –  – pneûma – VIDA: o espírito é força
vital, dinamismo organizador da própria vida. Ele é princípio interno de vida ou forma
superior de vida.
ORDENAÇÃO –  – lógos – ORDEM DA RAZÃO: o espírito
é razão universal, é palavra inteligível.

A.2. Pré-compreensão214 – No plano da pré-compreensão o homem vive a


Pré-compreensão
experiência da auto-consciência, como situação na qual ele está presente a si do espírito

mesmo e ao mundo. Ao espírito se deve a forma especificamente humana do ser,


ou a expressão e manifestação do ser no homem. Esta categoria suprassume
dialeticamente as especificidades eidéticas do somático e do psíquico unificando-as
e conservando-as na unidade ontológica do ser-homem. A pré-compreensão

211
. AF I, p.202.
212 . AF I, p.202.
213 . AF I, p.202.
214
. A apresentação das características metodológicas da Antropologia Filosófica será realizada no
próximo capítulo.

85
também pode ser caracterizada pela emergência da consciência racional215 que
pode ser considerada uma forma diferenciada de consciência que se caracteriza por
dois traços fundamentais para a formulação da dialética do espírito: 1. a prioridade
em-si ou normatividade absoluta do objeto na sua intrínseca essencialidade – na
sua verdade e na sua bondade; 2. a prioridade para-si ou normatividade absoluta
do sujeito na plenitude imanente do seu ato, que tem em si mesmo a sua própria
perfeição216.

“A inter-relação entre a prioridade em-si do objeto e a prioridade para-si


do sujeito é uma inter-relação dialética, constitutiva da pré-compreensão do
espírito. Nela o em-si do objeto nega o para-si do sujeito na ordem da
especificação ou da forma (a verdade do objeto é mensurante com relação ao
sujeito); e o para-si do sujeito nega o em-si do objeto na ordem do ato ou da
existência (o objeto existe intencionalmente no ato do sujeito que é, portanto,
mensurante com relação ao objeto enquanto conhecido”217.

O espírito é uma estrutura dialética de identidade na diferença. Ele é uma


identidade reflexiva consigo mesmo, ou ainda,

"identidade do ser e do manifestar-se do espírito ou, segundo o nosso


esquema, da Natureza {N} e da Forma {F} no nível do espírito; diferença, pois a
manifestação implica para o espírito-no-mundo (ou espírito finito) a alteridade
do objeto que se manifesta ao espírito e no qual o espírito se manifesta: a não-
identidade, em suma, do em-si do objeto e do para-si do sujeito"218.

Na categoria de espírito está presente a analogia que vigora entre o espírito


absoluto e infinito, que é reflexão subsistente em si mesma, e o espírito finito e
situado, constituído pela mediação entre o dado e o significado no qual se exprime
a reflexividade do ser espiritual do homem.
A presença do homem no mundo se caracteriza a partir dessa dialética do
em-si e do para-si como presença reflexiva, ou como reflexividade que não tem
lugar, nem no corpo e nem no psiquismo, mas apenas no espírito finito
compreendido como “analogatum inferius da intuição absoluta de si mesmo no
espírito infinito”219.

“Nessa analogia de atribuição, o primeiro analogado (analogatum


princeps) é, evidentemente, o espírito absoluto, ao passo que nós, enquanto
constituídos estruturalmente como espíritos finitos e situados, somos os
analogados secundários (analogata inferiora). É em virtude dessa analogia que
a categoria do espírito como vida, inteligência, ordem e consciência-de-si pode
ser predicada dos frágeis e efêmeros seres que somos nós”220.

Esta reflexividade é condição de possibilidade para que o homem possa


objetivar o mundo e se constitui como a oposição dialética (entre o homem e o

215
. AF I, p.205.
216 . AF I, p.205.
217
. AF I, p.206.
218 . AF I, p.206.
219 . AF I, p.206.
220 . AF II p.73.

86
mundo) mediante a qual o mundo é para o homem algo compreendido e
significado pelo próprio sujeito.

Gráfico 6 – A categoria de espírito: estrutura noético-pneumática221

ESTRUTURA
NOÉTICO-PNEUMÁTICA
PERFECTIO SIMPLEX

ESPÍRITO ABSOLUTO/INFINITO ESPÍRITO RELATIVO/FINITO


identidade com o ser identidade na diferença com o ser
princeps analogatum analogatum inferius

Transcendência do Espírito REGIRATIO Imanência do Espírito


transcendental categorial
determinação essencial limitação eidética

Espírito teórico RAZÃO LIBERDADE Espírito prático


contemplação INTELIGÊNCIA VONTADE ação
SER-PARA-A-VERDADE   SER-PARA-O-BEM

χ
Amplitude transcendental a VERDADE o BEM Amplitude transcendental
da VERDADE é o BEM é a VERDADE do BEM
ACOLHIMENTO da INTELIGÊNCIA da LIBERDADE CONSENTIMENTO

πνευµα νους λογος συνεσις


PERFEIÇÃO UNIDADE ORDENAÇÃO REFLEXIVIDADE
ato e vida unidade e independência ordem e norma reflexividade e fim

ESTRUTURA DIALÉTICA
DE IDENTIDADE NA
DIFERENÇA
SUPRASSUNÇÃO
DAS OPOSIÇÕES

prioridade EM-SI ou prioridade PARA-SI ou


normatividade absoluta normatividade absoluta
do OBJETO do SUJEITO

EU CORPORAL EU PSÍQUICO

eidético somático eidético psíquico


exterioridade da interioridade da presença
presença imediata mediata

UNIVERSALIDADE OBJETIVA DO SER UNIVERSALIDADE SUBJETIVA DO SER


UNIVERSALIDADE DO ESPÍRITO
HOMOLOGIA À
UNIVERSALIDADE DO SER

Compreensão
A.3. Compreensão explicativa – Certas operações do espírito podem ser explicativa
objeto da ciência. É possível estudar a linguagem mediante os mais variados ramos
das ciências da linguagem, é possível estudar o ato livre através da Psicologia da
Vontade, as operações cognitivas através das novas ciências da cognição e das
neurociências. Mas não há como se aplicar os procedimentos metodológicos
próprios da explicação científica para o espírito como tal. Afinal, sendo ele
reflexividade consigo mesmo, torna-se impossível o exercício da mediação
abstrata, própria da compreensão científica.

221 . AF I, pp.201-238.

87
A.4. Compreensão filosófica – A categoria de espírito não é
Compreensão
univocamente antropológica. Ela ultrapassa os limites da conceitualidade Filosófica

antropológica, por se tratar de uma noção correlativa ao ser. Desta forma a


categoria noético-pneumática é atravessada por uma “tensão entre o categorial e o
transcendental, entre o nível conceitual da afirmação do homem como espírito e o
nível conceitual da afirmação da transcendência do espírito sobre o homem”222.

Ttranscendental:
O termo transcendental pode ser compreendido segundo dois aspectos: em sentidos clássico e
kantiano
primeiro lugar como condição de possibilidade. O espírito pertence à “estrutura
transcendental do ser do homem”. Trata-se de uma categoria ontológica interior ao
discurso através do qual se afirma o ser do homem223. O segundo aspecto do termo
transcendental corresponde ao sentido clássico que compreende a noção
transcendental como uma noção análoga ao ser, que ultrapassa as fronteiras
humanas obedecendo ao “movimento lógico da analogia de atribuição que aponta
para o espírito absoluto e infinito como princeps analogatum”224.

Lima Vaz afirma que neste segundo aspecto encontram-se as maiores


dificuldades para a elaboração da categoria antropológica de espírito. Sua reflexão
considerará tanto a dimensão categorial da noção de espírito, quanto a dimensão
transcendental no sentido clássico.

Partindo de cada um dos quatro significados fundamentais do espírito


(pneuma, synesis, nous e logos), Lima Vaz realizará o entrelaçamento das
dimensões transcendental e categorial desdobrando-as em 4 roteiros.

Perfeição Unidade Ordenação Reflexividade


pneuma nous logos Synesis
   

Transc Categ Transc Categ Transc Categ Transc Categ
Reflexividade
Todavia o roteiro mais importante para esta apresentação, que tem em vista
sua relação com a metafísica do existir, é aquele que segue o desdobramento do
espírito como reflexividade – synesis ou como consciência-de-si.

Aporética histórica
Na filosofia clássica greco-cristã, a reflexividade está relacionada, em Platão
à ciência da idéia, em Aristóteles ao pensamento do pensamento, em Plotino à
reflexão sobre o nous e, finalmente, em Tomás de Aquino à reditio ad essentiam. Na
filosofia moderna, a partir de Descartes, a reflexividade dirige-se para a constituição
do Cogito.

222 . AF I, p.208.
223 . AF I, p.208.
224 . AF I, p.209.

88
A dimensão transcendental do espírito como synesis ou como
reflexividade absoluta, ou, ainda, como pensamento do pensamento tem seu
momento inaugural com a teologia do nous em Anaxágoras, e atravessa a história
da filosofia com Platão, Aristóteles, Plotino e com o neoplatonismo. Mas será
apenas com Tomás de Aquino que se alcança a formulação definitiva do
“conhecimento de si do espírito absoluto na identidade da sua essência e da sua
existência”225. Este tema reaparecerá no idealismo, e alcançará seu ápice com
Hegel “que faz do conceito de espírito, coroado pelo espírito absoluto na sua
absoluta reflexividade, o conceito central de sua filosofia”226.

Na sua dimensão categorial, a reflexividade do espírito não é uma reflexão


absoluta na própria essência, tal como ocorre com o espírito absoluto. Aqui a
consciência-de-si é retorno a si mesma a partir do confronto com a exterioridade da
natureza.

"A dimensão categorial do espírito no homem aparece, desta sorte,


como dimensão na qual se situa o seu conhecimento do mundo e o seu
relacionamento do Outro. Ela submete, pois, o espírito como consciência-de-si
ao movimento dialético da identidade na diferença, em que esta é
continuamente posta seja na objetividade do mundo seja na intersubjetividade
da pluralidade das consciências-de-si e, ao mesmo tempo, é suprassumida na
identidade do sujeito como Eu pensante e Eu livre"227.

A partir dos quatro temas fundamentais (indicados no quadro abaixo) o


espírito pode ser compreendido como uma estrutura cognitiva e volitiva. O espírito
fornece ao homem as prerrogativas antropológicas da racionalidade e da liberdade.
O homem é ser-para-a-verdade e ser-para-o-bem. A verdade e a liberdade são as
duas intencionalidades da estrutura noético-pneumática que se cruzam e se
entrelaçam no quiasmo do espírito à medida que a verdade é o bem da inteligência
e o bem é a verdade da liberdade. Portanto, enquanto estrutura noética o espírito é
ato, unidade, ordem e reflexividade. Enquanto estrutura ética o espírito é vida,
independência, norma e fim.

225 . AF I, p.212.
226 . AF I, p.212.
227 . AF I, p.212.

89
Quadro 4 – O quiasmo do Espírito: Verdade e Bem

Verdade
Perfeição Unidade Ordenação Reflexividade
Pneuma nous logos Synesis
  

ato unidade ordem reflexividade
Bem
Perfeição Unidade Ordenação Reflexividade
Pneuma nous logos Synesis
  

vida independência norma fim
Aporética
Lima Vaz realiza a aporética do espírito considerando-o primeiramente como crítica
estrutura racional, e depois como estrutura volitiva. Ao chegar na aporética crítica
os termos do problema retornam ao núcleo da metafísica do existir e à tensão entre
as dimensões categorial e transcendental do espírito.

Por um lado, o homem é abertura transcendental para o Verdadeiro-em-si e


inclinação transcendental para o Bem-em-si. Essa transcendência do Verum-Bonum
não é exterior. Ela insere-se na “mais profunda imanência do espírito, sendo
constitutivas da sua essência, uma vez que o espírito é coextensivo ao ser e o ser é
logicamente convertível com o Verdadeiro e o Bem”228.

Por outro lado, em decorrência da finitude humana, a abertura à Verdade e a


inclinação ao Bem encontram-se submetidas à situação do sujeito e à mediação do
mundo exterior. Essa transcendência não é alcançada pelo espírito finito mediante
uma intuição numenal ou ontológica. Ela é refratada no aquém do mundo exterior
“onde a verdade e o bem se relativizam na multiplicidade e fluidez das coisas”229.

"Essa a raiz da dualidade estrutural que se manifesta no espírito finito


entre Inteligência ou Razão (nous, intellectus, Vernunft) e Entendimento
(dianoia, ratio, Verstand) e entre Liberdade e livre-arbítro"230.

Em outros termos, o eidos da aporética crítica consiste em saber que o


espírito humano é finito e mundano, mas está situado entre “a universalidade

228 . AF I, p.217.
229 . AF I, p.217.
230 . AF I, p.217.

90
absoluta do espírito enquanto tal, e a particularidade da estrutura
psicossomática”231 mediante a qual ele se coloca no espaço e no tempo do mundo.

A auto-interrogação do sujeito sobre si mesmo, o paradoxo da auto-


afirmação ou da auto-posição do sujeito, é colocada e possibilitada pelo momento
tético. No espírito infinito ocorrem a reflexão absoluta e a identidade entre ser e
reflexão. No espírito finito, na sua reflexão relativa, não há esta identidade completa,
antes, há “diferença dialética na identidade entre ser e ser-refletido”. E tal diferença
assume a forma da questão do espírito que reflete sobre si mesmo, perguntando-se
o que é o homem?

“a diferença na identidade dialética do sujeito e da sua reflexão pode


assumir e, de fato assume, a forma da interrogação sobre o estatuto da Razão
e da Liberdade, vem a ser, da interrogação sobre o ser do espírito na unidade
estrutural do ser-homem, questão que não se põe senão no âmbito reflexivo da
própria razão”232.

A conseqüência desta situação do sujeito é a “impossibilidade radical de o


homem não se auto-afirmar como razão e liberdade”, pois ele é um ser que se
interroga a si mesmo. E prescindir da interrogação seria negar-se como razão e
liberdade. Esta negação implicaria uma “contradição mortal instalada no âmago do
seu ser”233.

Espírito como auto-


O espírito é, portanto, auto-mediação. Toda a exterioridade é suprassumida mediação
no movimento de autoposição. Enquanto se mediatiza a si mesmo, o espírito leva a
cabo “a mediação ou suprassunção dialética da Natureza na forma ou do dado na
expressão, mesmo no âmbito das estruturas ligadas à exterioridade espácio-
temporal, como a estrutura somática e a estrutura psíquica”234. Esta mediação é a
reflexão do espírito sobre si mesmo, sua manifestação como universal, e como
estruturalmente ordenado ao horizonte da universalidade do ser.

"Ordenado à universalidade do ser, o espírito se mediatiza


necessariamente como razão e liberdade: são esses os constitutivos da sua
estrutura ontológica. A forma do existir do espírito é, portanto,a própria
correlação dialética entre razão e liberdade. A razão é acolhimento do ser, a
liberdade é consentimento ao ser. Essa polaridade estrutural e dialética entre
razão e liberdade, que nos autoriza a falar de estrutura noético-pneumática do
espírito, constitui, na verdade, o campo temático fundamental da metafísica do
espírito. É através dela que podemos alcançar a perspectiva mais profunda
sobre o espírito como categoria antropológica"235.

Para Tomás de Aquino, a relação do espírito com o ser é constituída pela


articulação dos dois momentos da razão e da liberdade. Pela razão o espírito acolhe

231 . AF I, p.218.
232
. AF I, p.218.
233 . AF I, p.219.
234 . AF I, p.219.
235 . AF I, p.219.

91
o ser na sua forma inteligível, ou na perfeição do seu ato. Pela liberdade o
espírito é consentimento, ou inclinação ao ser na sua existência. Mas a estrutura
categorial do espírito no homem (como inteligência e liberdade) é limitação da
infinitude do espírito em-si na sua relação transcendental com o ser. O ato de existir
é, ao mesmo tempo, a. ponto de entrelaçamento entre liberdade e inteligência, b.
perfeição absoluta decorrente da primazia do próprio ato de existir na dialética do
espírito, e, c. caminho que conduz à afirmação do espírito absoluto como Existente
absoluto – Ipsum esse subsistens. No Existente absoluto a “diferença retorna na
identidade absoluta da inteligência e do inteligível (Verdade)”236 e na identidade
absoluta da liberdade e do amável (Bem). A primazia do ato de existir “confere ao
espírito a primazia na ordem das pefeições do ser”, e faz com que esta categoria
seja o “fecho da abóbada da estrutura ontológica” do ser humano.

A noção do espírito, que se encontra no fim do discurso dialético das


categorias de estrutura encerra um primeiro circulo dialético e abre o caminho para
o discurso sobre as categorias de relação. As noções de objetividade,
intersubjetividade e transcendência constituem a região categorial das relações. A
compreensão filosófica destas relações antropológicas fornecem o substrato para o
início da reflexão sobre a Ética, nos Escritos de Filosofia IV e V, bem como será o
ponto de partida do Raízes da Modernidade .

B. A categoria de transcendência: Antropologia Filosófica e


Filosofia e Cultura.
Posição da categoria
A categoria noético-pneumática (espírito) encerra a região das categorias de de transcendência na
Antropologia Filosófica
estrutura. Em seguida é inaugurada a região categorial das relações. A primeira
categoria de relação é a categoria de objetividade. A segunda categoria é a de
intersubjetividade, seguida pela categoria de transcendência. Estas três categorias
completam a região categorial das relações. Na seqüência desta reflexão sobre a
metafísica do existir a categoria que se impõe como objeto desta investigação é a
categoria de transcendência.
Na segunda parte da Antropologia Filosófica, a categoria da
transcendência é apresentada dentro da região categorial das relações, sendo
precedida pelas categorias de objetividade e intersubjetividade. O desenvolvimento
desta apresentação continua em Filosofia e Cultura, na seção designada para os
temas relativos à filosofia e à transcendência, e alcança seu clímax em Raízes da
Modernidade. Nesta última obra, a categoria da transcendência, ou seja o
problema filosófico da afirmação do Absoluto, é abordado a partir da perspectiva da
genética da modernidade e da metafísica do existir

236 . AF I, p.219.

92
B.1 A reflexão de Lima Vaz sobre a transcendência parte do seguinte
paradoxo subjacente à cultura ocidental: sobre o planeta apareceu a primeira
civilização efetivamente universal que não se reconhece em nenhum sistema
simbólico consensual e universalmente aceito.
Para pensar a questão da transcendência Lima Vaz parte em primeiro lugar
de seus resultados sobre a categoria do espírito compreendida como a origem de
um dinamismo histórico mais profundo, e, em segundo lugar, da correspondente
gestação inexaurível de formas e símbolos (religiosos, filosóficos, estéticos e
mesmo sociais e políticos) que procedem do excesso ontológico, ou da
superabundância ontológica, que, já tendo sido conceitualizada filosoficamente pela
noção de espírito, no âmbito da unidade estrutural do ser humano, agora apresenta-
se como categoria de relação, vem a ser, como relação de transcendência.
“A relação de transcendência exprime como que o excesso ontológico (do
sujeito enquanto se auto-afirma como ser), pelo qual nos sobrepomos ao
mundo e à história (o que é evidente quando refletimos sobre o mundo e a
história no horizonte do ser) e avançamos, assim, além do ser-no-mundo e do
ser-com-o-outro, buscando um fundamento último para o Eu sou primordial que
nos constitui” 237.

Não obstante o interdito que paira sobre o tema da transcendência desde


Kant, bem como pela influência dos mestres da suspeita (Feuerbach, Marx,
Nietzsche e Freud) no projeto contemporâneo de obstruir qualquer passagem na
direção da transcendência, por um processo de redução da metafísica à
antropologia (ou redução do em-si do Absoluto ao para-nós da sua expressão
humana), Lima Vaz não se furtou a pensar e designar a relação entre o sujeito
situado e finito, e uma realidade, por um lado presente no mundo e na história, e,
por outro lado, infinitamente além do dado empírico, tanto da natureza, como da
cultura. Na reflexão vaziana, a transcendência é o horizonte mais amplo que se abre
ao movimento da auto-afirmação do sujeito, que não se exaure no âmbito da
comunidade humana, bem como não encontra seu horizonte último na história238.
A categoria de transcendência resulta, pois, do excesso ontológico pelo qual
o sujeito se sobreleva ao mundo e à história, avançando além do ser-no-mundo e
do ser-com-o-outro na busca do fundamento último para o Eu sou primordial que o
constitui. A categoria da transcendência manifesta-se como termo último ao qual se
refere o dinamismo dessa afirmação primeira do Eu sou/Nós somos.
“É desse excesso ou dessa superabundância do espírito que procede, de resto,
o dinamismo mais profundo da história e a inexaurível gestação de formas de
busca ou expressão do absoluto que acompanha o curso histórico e que é a
atestação mais evidente da presença da relação de transcendência na
constituição ontológica do sujeito”239.

237 . EF III, p.195.


238 . AF II p.93.
239 . AF II p.94.

93
Ela suprassume dialeticamente, num estágio final, as várias oposições:
exterioridade-interioridade, objetividade-intersubjetividade, superior summo-interior
intimo. A estrutura conceitual fundamental do pensamento do Absoluto é a síntese
entre interioridade e exterioridade, ou seja, a identidade na diferença entre o
transcendente e o imanente. Daí procede o paradoxo da relação de transcendência:
entre o sujeito e a transcendência não se verifica a distinção adequada entre
termos finitos e que permita falar de não-reciprocidade ou de reciprocidade.
Contudo, ela possibilita a suprassunção da tensão entre a não-reciprocidade da
relação de objetividade (transcendência do Absoluto) e a reciprocidade da relação
de intersubjetividade (Imanência do Absoluto).

B.2. A categoria da transcendência encerra, na Antropologia Filosófica, o


problema metafísico do Ser como existência, encontrando-se num nível superior de
elaboração metódica e sistemática. Sua apresentação segue o rigoroso percurso
metodológico apresentado no início da parte sistemática da Antropologia
Filosófica, e que nesta tese encontra-se detalhado no capítulo que apresenta o
método de Lima Vaz. Cabe lembrar que a diferenciação entre cada uma destas
categorias corresponde à diferenciação ôntica da própria realidade, e consiste, por
sua vez, na “diferenciação dos modos de relação do homem com o ser” de tal sorte
que a primeira categoria delimita o campo da relação poiética, a segunda categoria
delimita o campo da relação prática e a terceira categoria – a categoria de
transcendência – delimita o campo da relação teórica240. O desdobramento da
categoria da transcendência se realiza mediante os níveis de conhecimento da Pré-
compreensão, da Compreensão Explicativa, e da Compreensão Filosófica.

B.2.1. Pré-compreensão – No nível da Pré-compreensão, entende-se por


Pré-compreensão
imanência o âmbito do mundo como horizonte englobante das experiências da transcendência

imediatas do homem. Por transcendência, entende-se aquelas realidades


supostamente existentes para além das fronteiras do mundo, e que são postuladas
como causa, fundamento ou modelo ideal das realidades mundanas.
Platão foi o primeiro a propor uma tematização rigorosa da experiência da
transcendência. No entanto, tal experiência já estava presente, sob diversas formas,
na História das culturas, emergindo em todas as grandes civilizações. Essa
experiência assume um inequívoco alcance civilizatório, do Oriente ao
Mediterrâneo, no curso do que Eric Voegelin241 chama de tempo-eixo (800 aC –
200 aC).

240 . EF III, p.91.


241
. VOEGELIN, E., Order and History, 5 vols., Baton Rouge, Louisiana State University press, 1956-
1987.

94
Segundo Voegelin, a experiência da transcendência permite pensar
uma História da ordem e uma ordem da História. Para este pensador, a idéia da
participação no ser como totalidade, na qual o homem se sente justamente
integrado, manifesta-se em torno dos conceitos de essência e existência. A
essência como ser-parte no todo constitui o problema fundamental do qual emerge
a idéia de ordem. A experiência da transcendência no tempo-eixo encontra suas
expressões paradigmáticas na idéia de Revelação em Israel e na idéia de Filosofia
na Grécia. A inflexão civilizatória inerente à relação de transcendência, tem lugar
naquelas estruturas profundas do espírito onde se assentam os símbolos e
conceitos com que o homem exprime seu conhecimento da ordem do ser e sua
participação nela.
Estes símbolos e conceitos se apresentam em 4 funções típicas: 1. a
experiência da participação; 2. a preocupação com a permanência e o fluir dos
seres na comunidade; 3. o processo de simbolização da ordem do ser; 4. a
convivência em tradições distintas e a emergência do verdadeiro e do falso no
monoteísmo de Israel e na Filosofia grega.
Na esteira do pensamento de Voegelin, para Lima Vaz, a experiência
fundante da participação do Ser evidencia a pergunta pelo Princípio como
fundamento último do Ser. As tradições bíblica e grega exprimiram o Princípio,
respectivamente, como um Absoluto de existência ou como um Absoluto de
essência, isto é, como Causa eficiente primeira ou como Idéia suprema.
Esta experiência fundante da participação do Ser pode ser distinguida em
três grandes formas:
a) Experiência noética da Verdade (Filosofia Primeira, metafísica)
b) Experiência ética do Bem (Ciência da Práxis – Ética)
c) Experiência noético-ética do Absoluto
a) A experiência noética da verdade constitui o primeiro traço da Experiência noética da
verdade
diferenciação noética da consciência, assinalando a irrupção do tempo-eixo no
mundo grego. Platão foi sua expressão paradigmática. O discurso verdadeiro é
homólogo ao ser, que é propriamente o verdadeiro. Portanto, a idéia de verdade
como expressão de uma relação fundamental do homem com a realidade é um
conceito ontológico que traduz uma relação do homem com o ser. A experiência
noética da verdade supõe no homem uma homologia estrutural entre a inteligência,
na perfeição do seu ato, e o ser, no seu desdobramento, condição de possibilidade
da correspondência da intuição intelectual com a verdade. Esta experiência
metafísica (experiência do Ser ou da identidade entre ser e verdade) permite a
descoberta do fundamento a partir da presença originária do homem ao ser, que é
propriamente experimentada na reflexão do espírito sobre si mesmo.
Para Lima Vaz, Kant desarticulou o arquétipo platônico da experiência
noética da verdade, deslocando-a do plano ontológico para o gnosiológico, i.e.,

95
circunscrevendo-a às condições da experiência organizadora dos fenômenos,
ou seja, à finitude da situação do sujeito no mundo.
b) A experiência ética do bem está intimamente ligada à anterior. Sua origem
Experiência ética do
deve-se a Sócrates, tendo sido elevada por Platão ao nível metafísico, devendo a bem

sua legitimidade científica a Aristóteles. Tal experiência desdobra-se em duas


direções, que visam ao bem como medida, e ao bem como fim. O entrelaçamento
(symploké) entre estas direções dá-se no âmbito conceitual do conceito de ordem,
que supõe a homologia entre a liberdade humana, como capacidade de
autodeterminação, e o ser, como perfeição ou bem. Desta homologia, decorre o
imperativo da auto-realização da liberdade segundo as exigências do bem. A
perfeição do sujeito corresponde, portanto, à perfeição do bem. Platão atribuiu ao
bem uma dignidade transontológica, como princípio anipotético.
Na tradição filosófica, a distinção entre bem ontológico e bem moral
corresponde à tensão entre o transcendental e o categorial. A experiência do dever-
ser inerente ao agir exige um fundamento absoluto, e tal realidade requer a
passagem do plano ético para o plano metafísico. Todavia, em Kant, o termo
transcendental passa a designar não mais o Bem absoluto como norma e fim, mas
a liberdade como condição de possibilidade a priori da síntese entre vontade
subjetiva e lei universal; síntese expressa no imperativo categórico que impõe ao
sujeito a obrigação de agir segundo a lei moral.
c) A experiência noético-ética do Absoluto ou do Ser é o fundamento e o
Experiência ético-
protótipo de toda experiência transcendental. Foi como experiência de participação noética do ser

no Ser que a experiência da relação de transcendência emergiu historicamente no


tempo-eixo. A experiência metafísica do ser pode ser considerada uma forma de
experiência religiosa do Absoluto que se expressa no horizonte do saber humano
como teologia. Nela, tem lugar tanto a crítica ao antropomorfismo, quanto a
formação do conceito de um deus ou do divino. Aqui a experiência do Absoluto
constitui-se, propriamente, como experiência do ser, isto é, como experiência
metafísica, e não mais como experiência do sagrado (Filosofia da Religião). É
necessário também distinguir entre experiência do sagrado e experiência de Deus.
No plano fenomenológico, a primeira deixa-se conceitualizar como tremens e
fascinans; a segunda realiza-se como experiência metafísica do Ser e do Absoluto.
Esta última é que se encontra diante do roteiro metodológico de elaboração da
categoria antropológica da relação de transcendência. Ela desdobra-se em dois
níveis: 1. o da transcendentalidade formal, que origina o conceito analógico de ser;
2. o da experiência do ser na sua transcendência real, ou o ser como existir
subsistente, que é o objeto da metafísica como teologia, ou como discurso sobre o
Absoluto real.
No Absoluto real, a oposição de imanência e transcendência é suprassumida
na Unidade Absoluta. A experiência metafísica pode assumir várias modalidades de

96
experiência: a. da abertura ao ser; b. da inteligibilidade do ser; c. da essência
ou experiência eidética.
A pré-compreensão da relação de transcendência é o solo mais profundo
onde se enraízam todas as experiências humanas, pois ela atesta a irrupção da
transcendência na imanência, seja esta pensada no âmbito da relação de
objetividade, seja na relação de intersubjetividade. Portanto, para Lima Vaz, não é
consistente pensar qualquer experiência humana na sua contingência e na sua
faticidade, sem o pano de fundo das questões transcendentais em torno da unidade,
da verdade, da bondade, da beleza e do ser.

B.2.2. Compreensão explicativa – O termo a quo da relação de transcendência é


Compreensão
o sujeito propriamente espiritual. Já o seu termo ad quem, ou seja, o Absoluto, explicativa

formal ou real é inobjetivável segundo os procedimentos metodológicos da


compreensão explicativa. No entanto, ao serem aplicadas às obras e ações do
homem, as ciências humanas oferecem uma consciência indireta da relação de
transcendência, pois descrevem as diversas formas históricas e estruturais da
cultura humana, dos costumes e das crenças. Assim, a Antropologia Cultural, a
História das Religiões, a Fenomenologia da Religião, a História da Cultura, a
Filosofia da Religião, como explicações “científicas”, têm por objeto a vida espiritual
dos indivíduos e das comunidades humanas.
B.2.3. Compreensão Filosófica. A compreensão filosófica da relação de
Compreensão
transcendência tem lugar no âmbito da inteligência espiritual, estruturando-se como filosófica

conhecimento por analogia. Como categoria antropológica, ela considera a relação


no seu termo a quo. Assim como acontecera na categoria de espírito, na relação de
transcendência também tem lugar uma ruptura na univocidade das categorias do
discurso antropológico, pois a finitude categorial é rompida pela infinitude
transcendental242. A acepção filosófica da categoria de transcendência designa,
assim, o movimento intencional mediante o qual o ser humano transgride os lindes
de sua situação mundana e histórica, alçando-se em direção a uma realidade
transmundana e trans-histórica, compreendida como a abóboda de um sistema
simbólico unificante das razões que dão o sentido à vida humana.
“Assim, se o espírito é, no homem, um analogado inferior com relação
ao espírito Absoluto, a relação de transcendência é o analogado principal, em
razão do seu terminus ad quem (o Absoluto), ao qual se referem as relações de
objetividade e de intersubjetividade, adquirindo nessa referência a sua plena
significação humana. Aqui se manifesta a singular peculiaridade lógica do
discurso da Antropologia Filosófica ao atingir a categoria da relação de
transcendência: enquanto categoria ela é unívoca com as relações de
objetividade e intersubjetividade; pelo seu terminus ad quem ela penetra no
espaço lógico da analogia. O mesmo acontece com a categoria de espírito com
relação às categorias do corpo próprio e do psiquismo”243.

242 . AF II p.122.
243 . AF II p.136, nota 130.

97
A exposição vaziana da compreensão filosófica da relação de
Interdito
transcendência leva em consideração a situação atual do pensamento filosófico,
que nega o espírito e, a fortiori, a transcendência. Em outras palavras, Lima Vaz
expõe e critica o interdito kantiano e pós-kantiano à relação de transcendência. As
conseqüências primeiras dessa negação, ou interdito, são a dissolução da
inteligência espiritual e o abandono da ambição sistemática da razão. No
pensamento pós-hegeliano, a razão deixa de apontar para a transcendência e se
orienta para a imanência da história, da natureza e do homem, rejeitando toda
noção de sistema (de estrutura vertical), permanecendo na horizontalidade do
campo do operável humano. Feuerbach (projeção), Marx (alienação) e Freud
(ressentimento e ilusão) são os protagonistas da elaboração de críticas implacáveis
ao pólo da transcendência.
Em outras palavras, o termo ad quem da relação é rejeitado (seja como
Sucedâneos
Absoluto formal ou Absoluto real) e a conseqüência disto é o retorno da relação
sobre si mesma e o seu ulterior desdobrar-se no espaço da imanência, originando
diversos sucedâneos conceptuais, designados como mitos pós-metafísicos, ou
mitos de uma civilização para a qual a experiência da transcendência perdeu sua
efetividade histórica: ideologia (mito da Verdade), hedonismo (mito do Bem), história
(mito de Deus).
A filosofia dos séculos XIX e XX assiste, assim, ao florescimento dos vários
sucedâneos da transcendência metafísica: filosofias do sujeito, da história, da
existência, da linguagem e do cosmo. A procissão destes sucedâneos conduz o
homem, inexoravelmente, em direção ao niilismo ético e ontológico e à equivalência
entre o ser e o nada, e entre o bem e o mal.
“Assim sendo, a negação do espírito que percorre, sob mil formas, a filosofia
pós-hegeliana244, prolonga-se necessariamente em negação da transcendência,
tendo em vista sobretudo a sua significação metafísica. Essa negação foi
antecipada pelo interdito kantiano à possibilidade da metafísica como ciência,
negação que o Idealismo alemão tentou superar num grandioso esforço
especulativo. No entanto, de Feuerbach e Marx a nossos dias, passando por
Augusto Comte e seus epígonos, a negação do espírito e da transcendência
parece a sinalização de um non plus ultra posta ao termo de todos os caminhos
da filosofia contemporânea”245.

Ao examinar a consistência lógica dessa negação, Lima Vaz recorre ao


Argumento
argumento aristotélico de retorsão, que mostra que a negação da transcendência de retorsão

traz implícita a sua afirmação e, portanto, retorna sobre si mesma para negar-se, ou
seja,
"a negação da transcendência pressupõe no sujeito que a enuncia uma
abertura intencional à infinitude do Ser, pois só no horizonte dessa abertura a
transcendência pode ser pensada: e como poderia ser negada sem ter sido
pensada, isto é, de alguma maneira, posta ou afirmada pelo pensamento?246

244 . AF I p.201-202.
245 . EF III, p.200.
246 . EF III, p.201. Ver notas 15 e 17.

98
Sem discutir mais longamente essa espécie de sanção lógica inerente ao ‘monstruoso
poder do negativo’ que trazemos em nós, concluamos que a evidente finitude
do nosso espírito, situado na contingência do Mundo e da História, só pode
compor-se com a sua também evidente infinitude intencional, atestada no
pensamento do Ser, se aceitarmos obedecer à exigência lógica e existencial de
afirmar o transcendente como Absoluto do ser”247.

Lima Vaz dedica-se ao momento estritamente filosófico da constituição da


Aporética
categoria antropológica de transcendência, seguindo o movimento da “estrutura da histórica

conceitualização filosófica” constituída pela determinação do objeto (aporética


histórica e aporética crítica), pela determinação da categoria, e pelo discurso (regido
pelos princípios de limitação eidética, ilimitação tética, e de totalização).
A aporética histórica da transcendência configura-se em primeiro lugar como
idéia na Antigüidade, como existência no medievo; como sujeito nas filosofias
moderna e contemporâneas, e, finalmente, como figuras ou sucedâneos do
Absoluto no horizonte do fim da metafísica.
Na aporética crítica, Lima Vaz põe as seguintes perguntas: “Como
Aporética
transcrever as dimensões da experiência da transcendência no código da razão ao crítica

tentar compreender o Absoluto na ordem do seu discurso?”248 e “Como exprimir o


sentido do Absoluto de existência submetendo-o à dialética da identidade na
diferença, do em-si e do para-nós, constitutiva do espírito humano?”249.
A limitação eidética constitui-se pela oposição dialética no seio da relação
Princípios
entre o finito (terminus a quo) e o infinito (terminus ad quem), oposição inerente à do discurso

analogia metafísica. Para Lima Vaz, o discurso exige a suprassunção dessa


oposição na unidade do ser do homem.
A ilimitação tética cumpre-se com a inversão da direção do seu vetor
ontológico, ou seja, o sujeito é posto na situação de sujeito finito pela
superabundante e infinita generosidade ontológica do Absoluto, o que implica a
inversão dos princípios de limitação eidética e de ilimitação tética.
O princípio de limitação eidética designa 1. a finitude da relação de
transcendência por parte de seu termo a quo (o sujeito finito e situado), e 2. a
suprassunção dessa finitude pelo termo ad quem da relação de transcendência.
Isto, por sua vez, implica 1. a essencial finitude do sujeito humano em face do
Absoluto, e 2 . a sua essencial e constitutiva abertura para o Absoluto.
O princípio de ilimitação tética sofre aqui a inversão mais profunda daquela
direção que parte da infinitude intencional do eu sou. O fundamento último do sujeito
(eu sou) é o seu ser-posto pelo Absoluto. O homem é porque o Absoluto é, como
causa primeira, perfeição infinita e fim.

247 . EF III, p.201.


248 . AF II p.119.
249 . AF II p.120.

99
Ao afirmar eu sou para a transcendência, a universalidade do ser não
é posta pelo sujeito. Antes, pelo contrário, o transcendente põe o sujeito, que se
refere a ele de maneira constitutiva. Aqui não tem lugar a negação imposta à
limitação eidética das categorias anteriores.
Pelo princípio de totalização, o sujeito é para o Absoluto e esse ser-para
suprassume as relações de objetividade e intersubjetividade, por um lado,
compreendendo assim todos os aspectos do ser-para do homem, e, por outro lado,
constituindo-o como expressão adequada do seu ser-para-si. A síntese entre ser-
em-si e ser-para é alcançada nas categorias de unidade.
O sentido metafísico conferido à categoria de transcendência como categoria
antropológica caracteriza-se pela radical dependência do sujeito finito para com o
Absoluto. Na categoria de transcendência, a relação do sujeito finito para com o
Absoluto é uma relação real. Por sua vez, a relação do Absoluto para com o sujeito
finito é uma relação de razão ou de exemplaridade. Relação que não é relação. O
sujeito se relaciona com o transcendente não em razão de uma reciprocidade
ontológica, mas em razão da sua radical dependência. A partir desta sua existência
como ser-para-o-Absoluto, o sujeito existe como ser-para-a-verdade, ser-para-o-
bem. Na Antropologia Filosófica, a posição da transcendência manifesta-se como
termo ad quem do movimento intencional de constituição das outras categorias,
como última condição de possibilidade.
O sujeito que busca formas de se auto-exprimir e de se auto-compreender à
medida que sai de si mesmo, ultrapassa as fronteiras da sua situação, marcada pela
finitude e se afirma como um ser-no-mundo e um ser-com-o-outro.
“Ora, é justamente no encaminhar-se para a transcendência que o
itinerário perfaz a reflexão total do espírito sobre si mesmo e o sujeito pode
reencontrar-se no nível mais profundo do seu ser, onde, enquanto espírito,
acolhe o Absoluto presente como Verdade (medida), como Bem (norma) e
como Ser (fim) a todo ato de inteligência e liberdade”250.

B.3. O texto Filosofia e Cultura – aprofunda e dá continuação à


A transcendência no
Antropologia Filosófica, sobretudo no que diz respeito às categorias de relação. A Filosofia e Cultura

Antropologia Filosófica, graças à tematização conceitual da abertura radical do


homem ao Absoluto na relação de transcendência, pode legitimamente fundamentar
no comum pressuposto ontológico a relação mútua entre Ética e Cultura. No
processo de investigar o ser do homem, a Antropologia Filosófica confronta-se
com o ato criador do objeto cultural que é, justamente, a expressão da abertura do
homem à universalidade do ser, pois é neste horizonte de sua abertura infinita à
universalidade do ser que a obra cultural se situa adquirindo a sua idealidade
simbólica, em resumo, o seu sentido. No livro Filosofia e Cultura, Lima Vaz retoma
a categoria de transcendência no seu significado eminentemente antropológico-
cultural de designar o movimento intencional com o qual o homem transgride os

250 . AF II p.96.

100
limites da sua situação mundana e histórica lançando-se na direção de uma
suposta realidade trans-mundana e trans-histórica:
“Sem admitir a presença antropológico-cultural desse movimento de
transcendência, ao menos a partir de certo estágio da evolução das sociedades,
permanecem enigmáticas e inexplicáveis a imensa variedade e a originalidade
dos universos simbólicos construídos pelo homem ao longo dos tempos e das
culturas, e que se organizam e perduram mediante crenças, costumes, normas,
instituições, saberes, artes. Por outro lado, interpretar esse movimento por meio
de uma hermenêutica reducionista como a proposta por L. Feuerbach e
epígonos, utilizando o mecanismo psicológico da projeção, seria empobrecê-lo
enormemente na profusão fenomenológica de todos os seus aspectos,
deixando-o finalmente sem explicação convincente”251.

O longo capítulo sobre Santo Tomás de Aquino em Filosofia e Cultura


antecipa o entrecruzamento dos temas da gênese da modernidade, da
transcendência e da metafísica do existir, plenamente desenvolvidos em Raízes da
Modernidade. Mais uma vez, Lima Vaz repete o mesmo procedimento realizado em
outros escritos. Ao falar de Santo Tomás, ele indica as principais características do
século XIII, o lugar teórico de Tomás para aquele momento da filosofia e em
seguida apresenta os termos da metafísica do existir de Santo Tomás e sua
relevância para os dias de hoje.

B.3.1. Segundo a abordagem antropológico-filosófica do tema da


transcendência, a partir de um ponto de vista formal, a reflexão vaziana em
Filosofia e Cultura gira em torno da tensão dialética entre exterioridade-
interioridade, que se desdobra ulteriormente como exterioridade/não-reciprocidade
da relação do homem com o mundo (objetividade) e interioridade/reciprocidade da
relação do homem com os outros sujeitos. Neste sentido, vê-se que, nesta
oposição, está em evidência a alteridade do mundo por um lado, e a alteridade
plural do sujeitos por outro lado.
Lima Vaz constata que o indivíduo da modernidade pós-cristã, ao sair de si
mesmo em direção ao mundo e à comunidade, pensou ter alcançado formas
superiores de interioridade na vivência das experiências unitivas próprias do
reconhecimento (consenso, amizade, amor). No entanto, esta pretensão da
modernidade pós-cristã acaba resvalando para a tentação dos programas
totalitários do século XX de levar à plenitude, “na imanência de uma história que
deve ser de todos sendo de cada um, a tarefa hegeliana do ’Eu que é um Nós e o
Nós que é um EU ’”252.
Lima Vaz se recusa a percorrer esse caminho, porque o espaço intencional
existente entre os sujeitos – entre o Eu/Nós e o outro/Nós – está ocupado pela
“opacidade das coisas que são o corpo dos signos por meio dos quais torna-se

251 . EF III, p.194.


252 . EF III, p.196.

101
possível a comunicação entre os sujeitos”253. Não é possível a intuição
transparente do outro, pois a contingência mundana dos sujeitos falantes é um
obstáculo intransponível254. Nesse sentido, o ser-no-mundo e a respectiva relação
de objetividade que situa o homem em meio às coisas determinam a exterioridade
do medium da linguagem pelo qual os sujeitos se comunicam. Nesse medium, “os
signos têm um corpo sonoro, escrito, gestual ou mesmo silencioso e imóvel, e,
nesse corpo, os significados se encarnam e se submetem ao jogo ambíguo do
oculto e do manifesto”255.
A partir da oposição entre natureza e história, entre exterioridade e
interioridade, entre não-reciprocidade e reciprocidade, e, em termos antropológicos,
entre relação de objetividade e relação de intersubjetividade, a tradição filosófica
conceitualizou a relação de transcendência256.
A origem do problema da transcendência encontra sua presença e sua
experiência histórica numa “poderosa aspiração difusa no corpo das antigas
civilizações que agiu no sentido de transformar profundamente suas estruturas
simbólicas e organizacionais”257. E esta experiência histórica, no coração das
civilizações, abriu para o ser humano uma nova dimensão, mais abrangente e
profunda, da relação do homem com o mundo e com o outro, enfim, com a
realidade.
“Com efeito, ela acaba dando um novo sentido às outras grandes formas da
experiência que integram a dinâmica do processo de civilização: a experiência
da transformação do mundo pelo trabalho e a experiência da edificação da
sociedade pelo reconhecimento. Desta sorte, a idéia da transcendência passa
a imprimir direções novas à ‘ordem da história como história da ordem’ ”258.

A irrupção da experiência da transcendência no período do tempo-eixo


A experiência do ser
implicou profundas transformações e mudanças radicais na configuração dos
campos do conhecimento, da ação e da crença. Tais mudanças já apontam para
aquelas questões kantianas que seriam análogas aos três campos acima indicados
(o que se pode conhecer, o que se deve fazer, e o que é lícito esperar). Contudo,
tais questões se constituem como algumas dentre as várias modalidades de uma
mesma e única pergunta: o que é? (ti estin; quid est) . Esta pergunta (o que é?),

253
. EF III, p.196.
254
. AF II p.75.
255
. EF III, p.197.
256 . EF III, p.197. “Ele (o adjetivo transcendental) reúne, como é sabido, duas metáforas, uma
espacial, outra dinâmica. A primeira designa a transgressão dos limites de determinado espaço
intencional, por exemplo, na acepção com que é empregado ao nos referirmos aos atributos da noção
de Ser como atributos transcendentais ou seja que ultrapassam, na sua extensão lógica, todo conceito
limitado. A segunda exprime o movimento intencional ou lógico que leva justamente o pensamento
para além (trans) das fronteiras dentro das quais habitualmente se move. A metáfora dinâmica inclui
igualmente a indicação de uma direção para o alto (ascendere), na qual estão presentes alguns dos
problemas teóricos mais decisivos levantados pela idéia de transcendência (EF III, p.193-194).”
257 . EF III, p.206.
258 . EF III, p.205.

102
enquanto pergunta sobre o ser, exprime a experiência da “transcendência
enquanto experiência de participação na absoluta universalidade do ser”259.
“Desta sorte, as questões sobre o conhecer, o agir e o esperar são, para nós,
questões radicais porque formuladas no espaço da transcendência ou porque
avançam até as bordas do abismo infinitamente profundo que separa o ser do
não-ser e que Parmênides ousou pela, pela primeira vez, audaciosamente
devassar”260.

Contudo, ao formular essas questões sobre o que é? e suas derivações nos


campos do conhecer, do agir e do esperar, a experiência que o ser humano faz da
transcendência pode esvair-se na distância infinita que separa o transcendente e
esta ínfima parte da infinitude do ser que é o homem. Com outras palavras, “a
elevação inalcançável do Transcendente ameaça a possibilidade humana de uma
real experiência da transcendência”261.
Para transgredir esta distância infinita, a experiência aqui estudada
encaminha-se na descoberta de figuras históricas mediadoras da articulação da
particularidade do homem com a universalidade do ser ou do Absoluto262.
A Palavra da Revelação em Israel e a Idéia de Filosofia na Grécia emergem
no tempo-eixo como as mediações desta experiência de transcendência, e se
exprimem, no momento da pré-compreensão, de forma diferenciada como
experiência noética da Verdade, experiência ética do Bem e experiência
metafísico-religiosa do Absoluto263.
Essa idéia de transcendência, nascida do entrecruzamento da
transcendência como Revelação em Israel e da transcendência como Idéia na
Grécia264, presidiu o desenvolvimento da cultura ocidental até tempos recentes.
Contudo, quando esta experiência da transcendência perdeu sua efetividade
histórica, o niilismo contemporâneo emergiu com força suficiente para gerar uma
“desordem espiritual que abriu o terreno para o avanço dos mais variados tipos de
gnoses da imanência”265.

A exaustão do discurso
Diante desse quadro de interdição de uma experiência que por mais de dois sobre a transcendência
milênios organizou o ser do homem (seu conhecer, seu agir, seu esperar, e a forma
de compreender-se a si mesmo), Lima Vaz questiona se, de fato, teria ou não
chegado a seu termo o tempo histórico iluminado pela idéia da transcendência. Na
sua hermenêutica cultural da modernidade pós-cristã, ele se interroga, a respeito da
possibilidade da exaustão teórica e histórica do discurso da experiência da

259 . EF III, p.209.


260 . EF III, p.209.
261 . EF III, p.210.
262
. EF III, p.210.
263. Na AF Lima Vaz designa essa experiência metafísico-religiosa do Absoluto como experiência
noético-ética do Ser ou do Absoluto.
264 . EF III, p.204.
265 . EF III, p.206.

103
transcendência, que ocupou, por tantos séculos, o lugar mais elevado no
universo simbólico da civilização. Ele se pergunta pelos rumos do homem sem a
presença da luz que a transcendência lançou nos seus recônditos mais profundos,
iluminando-o e orientando-o no seu confronto com o insondável enigma do seu
próprio mistério266.
A partir das conquistas e das opções realizadas pela modernidade pós-cristã
a constelação e o horizonte simbólico hodiernos deixaram de possuir referenciais
axiológicos definidos, impondo-se por si o espaço da hegemonia de forças
exclusivamente materiais e econômicas, que por sua própria natureza “não são
portadoras de fins e valores, a não ser o fim de uma produção sem fim, e o valor de
uso inscrito na destinação dos objetos produzidos”267. Para Lima Vaz, a mentalidade
contemporânea é marcada indelevelmente pela presença da dialética do produzir-
usar que, paradoxalmente, gera uma “crise no meio da abundância”.
“...uma crise que tem talvez sua raiz mais profunda no aumento prodigioso da
capacidade humana de produzir e no definhar, até o quase desaparecimento,
da capacidade humana de contemplar. A absolutização da práxis, essa, no seu
conceito moderno, absorvendo a antiga distinção entre o fazer e o agir, é, sem
dúvida, o núcleo dinâmico da cultura da modernidade”268.

Orientado por uma visão profunda a respeito das raízes da modernidade,


Lima Vaz propõe “em novos termos, nas diversas instâncias da cultura, sobretudo
nas instâncias ética, filosófica e religiosa, o problema da transcendência como
problema de um transcendente que se eleve acima da natureza, do sujeito e da
história”269.

A TEORIA DO JUÍZO
B.3.2. No capítulo Tomás de Aquino: do Ser ao Absoluto, de Filosofia e DE TOMÁS DE
AQUINO
Cultura, Lima Vaz estuda a vertente gnoseológica da teoria do juízo de Tomás de
Aquino, num esforço de ultrapassar os limites da teoria do conhecimento para
alcançar o espaço da vertente teológica da metafísica. Como experiência de
rememoração filosófica, esse capítulo pretende reabilitar o pensamento de Santo
Tomás, mostrando a atualidade da metafísica do existir no interior de um horizonte
marcado pelo irresistível avanço da técnica.

O juízo, ato banal e infinitamente grave, permite entrever na alma do homo


technicus a subsistência do homo metaphysicus. Afinal o universo técnico-científico
não consegue deixar de revelar uma dimensão inequivocamente metafísica,
exatamente ao pretender substituir a própria metafísica, a qual por sua vez aponta
para o problema da existência – “na verdade o mais metafísico dos problemas”270.

266 . EF III, p.221.


267
. EF III, p.117.
268 . EF III, p.117.
269 . EF III, p.118.
270 . EF III, p.342.

104
Lima Vaz coloca a pergunta sobre a possibilidade do homem viver
autenticamente no interior dessa forma de existência-reflexo, própria da
modernidade e que faz do mundo dos objetos a referência objetiva primordial para a
vida humana. Tal interrogação não pode ser respondida senão em termos
metafísicos e a partir do lugar teórico da metafísica tomásica do ato de existir:

"... na aurora de um novo século que deverá assistir a um irresistível


avanço da técnica, a descoberta do horizonte transcendental do existir na
afirmação judicativa mostra que o homem, enunciador do juízo e portador da
intencionalidade infinita do logos do ser, só irá alcançar a profundidade do seu
existir autêntico na transgressão de todas as fronteiras que a limitação eidética
dos objetos técnicos traçar diante dele. Em outras palavras, como ensina
Tomás de Aquino, um ser que assume o infinito ônus metafísico de enunciar o
existir dos seres só pode existir autenticamente ao assumir sua abertura
constitutiva ao Absoluto: no consentimento às formas absolutas da Verdade e
do Bem e no reconhecimento da ordenação de todo o seu ser ao Existir
transcendente absoluto"271.

O entrecruzamento do tema da metafísica do existir com os problemas


levantados pela modernidade pós-cristã polariza a constituição deste capítulo que
inicia com a apresentação dos aspectos de natureza histórica – a aporética histórica
– para depois indicar os termos da aporética crítica e apresentar sua própria posição
frente ao problema em questão.

Teologia grega e
Antes de atingir o núcleo da questão relativa à metafísica do existir teologia cristã
propriamente dita, Lima Vaz indica uma das razões estruturais que possibilitaram o
evento histórico-especulativo oriundo do encontro entre a filosofia grega e o kérigma
cristão: a homologia entre a dimensão teológica da filosofia grega e o teocentrismo
do cristianismo272. Todavia, concomitante a essa homologia há uma heterologia
decorrente da diferença existente entre os movimentos da theologia grega e da
theologia cristã. A constituição da theologia grega se dá através de um movimento
ascendente (anábasis) que se inicia no sensível e alcança seu termo no inteligível e,
mais especificamente, num Primeiro Princípio. A theologia cristã, por sua vez,
constitui-se mediante um movimento descendente de katábasis, à medida que o
Absoluto desce para contingência do mundo e da história273.

"No primeiro caso o Absoluto é pensado ou atingido estaticamente


como ápice de um movimento de ascensão intelectual. No segundo o Absoluto
é dado como termo de um gesto de revelação e de graça"274.

A centralidade da noção de criação275 será determinante na elaboração do


Criação
pensamento cristão, pois, será a partir desta noção que será pensada a “relação de
dependência no existir dos seres ao seu Princípio ou do múltiplo ao Uno, para usar

271 . EF III, p.342.


272
. EF III, p.297.
273 . EF III, p.298.
274 . EF III, p.298.
275
. No Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade é notória a importância do capítulo 10,
relativo ao problema da criação, p.129-145.

105
as categorias fundamentais da tradição metafísica grega”276. Ainda que a
evolução do médio e do neoplatonismo tenha alcançado um monoteísmo
protológico, no qual se aliaram mística e razão, Lima Vaz alerta que, ainda assim,
permanece o abismo conceitual entre a noção de processão plotiniana e a noção
bíblico-cristã de criação. O criacionismo bíblico277 possibilitou a conjuntura histórica
de uma filosofia cristã que repensasse a theologia grega do Princípio, exatamente a
partir da categoria da criação. As questões teóricas da tradição cristã situadas no
interior do espaço filosófico inaugurado pelos gregos se organizam como pergunta
de rerum originatione radicali.

Lima Vaz segue o caminho aberto por Étienne Gilson, segundo o qual a
“questão metafísica da existência” não é compreendida como fato contingente, mas
como ato278. Tomás de Aquino, através de sua intuição fundadora, fez do esse, do
ato de existir, o fundamento absoluto e a fronteira última que a inquirição da
inteligência humana pode alcançar.

Para chegar a essa intuição originária há dois roteiros hermenêuticos que


percorrem as civilizações bizantina, islâmica e latino-ocidental, enquanto núcleos
estruturantes da cultura policêntrica do mundo medieval. Trata-se dos dois roteiros
já anunciados da “anábasis grega da contemplação” e da “katábasis latina da
revelação”. À anábasis grega da contemplação corresponde a dialética ascendente
que encontra seu clímax no êxtase plotiniano do Uno, a partir do qual é possível
contemplar a “processão descendente dos seres que se perde enfim na
indeterminação da matéria eterna”279. À katábasis bíblico-cristã da revelação
corresponde a “Palavra que vem do alto e desce até a profundeza mais recôndita da
carne”280.

Essência
A ciência grega do ser institui-se como ciência da Essência. A revelação e existência
bíblica da criação e do nome de Deus, por sua vez, resgata a existência do puro
acontecer. Com isto essência e existência se estabelecem como pólos dialéticos
que determinam o campo da inteligibilidade no qual se desenvolverá o “pensamento
do ser” codificado em metafísica, ou como filosofia primeira. Este é o horizonte que
se constitui como lugar teórico e ponto de partida de Tomás.

276 . EF III, p.298.


277
. EF III, p.299.
278 . EF III, p.301. Ver nota 41: “Ato no sentido aristotélico de entelecheia ou energeia; perfectio,
perfeição no latim filosófico da Idade Média”.
279 . EF III, p.303.
280 . EF III, p.303.

106
Quadro 5 – Anábasis e Katábasis

Grécia Israel

Anábasis Katábasis

Contemplação Revelação

Categoria grega de SER Categoria bíblica de CRIAÇÃO


Parmênides Moisés
Sofista de Platão Criação do Antigo Testamento
Metafísica de Aristóteles e no Novo Testamento

ESSÊNCIA EXISTÊNCIA

Lima Vaz lembra que o Aquinate encontra-se no termo de um percurso,


inaugurado por Parmênides, que teve como elemento central de reflexão uma
“certa concepção de inteligência (ou nous na terminologia grega) que permitiu ao
filósofo, seguindo a rota da ‘segunda navegação’ platônica , estender sua inquirição
além do horizonte do sensível e propor modelos diversos de uma ciência do
inteligível”281. A inteligência metafísica ou espiritual sempre foi reconhecida como o
lugar mais elevado que a inteligência humana poderia alcançar, até o momento em
que o nominalismo da tarda Idade Média iniciasse o trabalho de lenta desconstrução
da metafísica. Tal fato provocou a “morte da metafísica”, ou nos termos de Lima
Vaz, o seu retraimento epocal282.

Para atingir o cimo metafísico alcançado por Tomás de Aquino é necessário


trilhar dois caminhos ou duas vertentes percorridas por ele mesmo: a vertente
gnoseológica e a vertente teológica. A primeira vertente, Lima Vaz designou-a como
a vertente da representação ao ser. A segunda como a vertente do ser ao Absoluto.

Quadro 6 – Vertentes gnoseológica e teológica

Vertentes

1. Gnoseológica 2. Teológica

Da representação ao ser Do ser ao Absoluto

Seguir o trajeto de Tomás, que o levou da representação ao ser, significa


situar-se no campo da teoria tomásica do juízo. É possível considerar o juízo a partir

281 . EF III, p.305.


282 . EF III, p.305.

107
das perspectivas lógica, psicológica, gnosiológica e metafísica. No entanto, é o
ponto de vista gnosiológico que se prolonga na dimensão metafísica283.

Quadro 7 – Vertente gnoseológica

Vertente gnoseológica

Da representação ao ser Do ser à representação

Itinerário da ontologia clássica Desconstrução tardo-medieval e moderna

Ápice na metafísica do existir de Tomás Clímax no niilismo pós-hegeliano


de Aquino

De Platão a Tomás de Aquino De Duns Scott a Kant

Ordem, inteligência e
O preâmbulo de Tomás na direção da construção de sua metafísica é dado fim
pelo reconhecimento do caráter sapiencial da ciência primeira. Tomás articula, no
seu comentário à Metafísica de Aristóteles284, três idéias matrizes e constitutivas da
metafísica, das quais decorre seu caráter sapiencial: as idéias de ordem, de
inteligência e de fim285. Ordem: esta idéia rege a atividade cognoscitiva do homem;
sem ela o ser humano se perderia num caos inextrincável. Inteligência: esta idéia
está ligada à idéia de ordem, pois é através da inteligência que é dada ao homem a
capacidade de contemplar a ordem universal. Mas tratando-se da Inteligência
primeira, cabe a esta a instituição da ordem. Fim: esta idéia encontra-se
intrinsecamente ligada às duas anteriores, pois o fim é aquilo cuja consecução só é
possível por causa da ordem, que por sua vez só pode ser conhecida por causa da
inteligência. Assim, a sabedoria é conhecimento da ordem, da unidade e do fim.
Enquanto o Sábio é o “ordenador do universo das razões”.

Estas três idéias articulam-se e delas surgem as três vertentes da sabedoria


metafísica reunindo numa síntese única os três fios condutores da metafísica grega,
Teologia, Metafísica e Filosofia Primeira:

TEOLOGIA – "a ordem da atividade cognoscitiva que tem como


princípio o conhecimento das causas como conhecimento intelectual por
excelência”286.

METAFÍSICA – "a transgressão do sensível, pela qual a inteligência se


eleva ao inteligível e aos princípios universais”287.

283 . Lima Vaz deixa bastante claro que sua posição se aproxima da leitura de Joséph Maréchal e

sobretudo em seu Cahier V do seu Le Point de Départ de la Metaphysique, 2.ed. Bruxelas-Paris,


L’édition Universelle-Desclée, 1949.
284. In XII Metaphysicorum Aristotelis expositio, Proemium, ed. Cathala-Psiazzi, Turim, Marietti, 1950,
pp.1-2.
285 . EF III, p.314.
286 . EF III, p.314.

108
FILOSOFIA PRIMEIRA – “a própria natureza do conhecimento intelectivo no
qual vigora a identidade intencional entre a inteligência e o inteligível na sua
transcendência sobre as limitações da matéria”288.

Após este preâmbulo, segundo o qual a Ciência por excelência é sabedoria,


Argumento
o passo inicial de Tomás é dado pelo comentário à refutação aristotélica do de retorsão

ceticismo289 graça ao argumento de retorsão. A reformulação de Tomás em face da


questão do primeiro princípio irá conduzi-lo a um esforço ingente para “fundamentar
num princípio absolutamente universal a universalidade da filosofia primeira
proclamada por Aristóteles”.

"Esse princípio flui imediatamente da natureza da inteligência e se


exprime na afirmação incondicionada do ser no ato judicativo. O objeto da
filosofia primeira, o ser enquanto ser (on he on) ou ser universal (ens
commune), emerge em plena luz no mais simples ato do juízo, e a inteligência
deve apenas penetrar sempre mais a sua superabundante inteligibilidade para
construir a ciência do ser"290.

A força comprobatória do argumento de retorsão está na natureza da relação


que une a inteligência finita e o ser como tal, na sua amplitude infinita ou
transcendental291.

Considerando, pois, a hipótese de uma Inteligência infinita – pois a posição


do Absoluto na ordem do conhecimento está implicada no dinamismo intelectual que
move a afirmação do ser – a inteligência finita, que não é idêntica ao ser (ou à
própria Inteligência infinita), deve se unir “intencionalmente ao ser numa identidade
na diferença, o que requer absolutamente uma determinação mínima no seu objeto:
aliquid est, ‘alguma coisa é’”292. Esta determinação, por mínima que ela seja, instala
no coração do ceticismo um aprofunda contradição ao exprimir sua pretensão de
dizer algo a respeito de qualquer coisa.

Portanto, é a partir do mais elementar ato da inteligência judicante que


surge, de forma radiante, a figura conceitual do ser, abrindo-se com isto, o espaço
inteligível da ciência primeira, ou da ciência do ser293.

Até aqui Tomás de Aquino ainda não ultrapassou a ontologia aristotélica da


substância. Será necessário que o Aquinate comente o De Trinitate de Boécio para
que ele penetre no território cristão que lhe permitirá ultrapassar os lindes da
metafísica e elevar-se até a “afirmação da inteligibilidade intrínseca do ato de

287 . EF III, p.314.


288 . EF III, p.314.
289. EF III, p.315. Ver a nota 83 sobre o argumento de retorsão em Giovanni Reale e em Joséph
Maréchal .
290
. EF III, p.317.
291 . EF III, p.317.
292 . EF III, p.317.
293 . EF III, p.318.

109
existir, que transluz no conceito de criação e da revelação do Absoluto como
puro existir”294. Para fazê-lo, no entanto, Tomás precisará justificar a divisão
aristotélica da física, da matemática e da filosofia primeira.

A distinção entre a forma e o todo concreto (synolon) define o objeto da


física:

"A forma dos seres naturais, neles imanente, conquanto em si mesma


universal, é ato da matéria (hyle) nos indivíduos concretos, dos quais se abstrai
o ser móvel, objeto da ciência física"295.

A abstractio universalis a particulari – abstração total – é comum a todas


Separatio
as ciências e portanto é própria da ciência da física.

Da abstractio formae a materia sensibili – abstração formal – resultam as


essências abstratas ou as “qüididades”, próprias das ciências matemáticas.

Finalmente, Tomás chega à conceitualização da noção de separatio como


operação própria do juízo, ou da inteligência que compõe ou divide, afirmando ou
negando. A separatio é o procedimento original da filosofia primeira ou metafísica.

A originalidade de
Aqui está a originalidade de Tomás, pois segundo ele o objeto próprio da Tomás de Aquino
metafísica não está no termo de um “processo abstrativo da inteligência como
noção universalísima do ser (ens generalissimum ut nomem), mas transluz na
intencionalidade dinâmica do ato judicativo como identidade dialética entre a forma
do juízo (est) e o ato ou perfeição suprema (existir, esse)”296.

Santo Tomás articulou a determinação do objeto da metafísica ao


movimento dialético de refutação do cético através do argumento de retorsão. A
partir disto Tomás desvela a estrutura metafísica do juízo. E nele se abre o caminho
que conduz a inteligência da representação ao ser, possibilitando à inteligência
humana a percepção da “inteligibilidade irradiante do ato de existir”297.

Influenciado pelo pensamento de Joséph Maréchal, Lima Vaz considera a


teoria do juízo como o ponto de partida da metafísica. A estrutura do juízo é
manifestada na passagem do nível lógico para o nível metafísico.

"Nessa passagem manifesta-se o dinamismo elementar do juízo e é por


meio dela que o conhecimento intelectivo se eleva do nível das essências ou

294 . EF III, p.319.


295 . EF III, p.319.
296 . EF III, p.320. Ver TOMÁS DE AQUINO, Q.D. De Pot. Dei, q. 7, a.2ad 9m : Hoc quo dico esse est
actualitas omnium actuum et perfectio perfectionum. Ver nota 97: “O esse aqui significa o actus
essendi e não a verdade da proposição (ibid., ad 1m). Donde a inferência da incognoscibilidade do em
si, ou a transcendência absoluta do Ipsum Esse subsistens”.
297 . EF III, p.320.

110
‘qüididades’ onde ele se exerce como ‘razão’(ratio) ao nível da existência onde
procede como ‘inteligência’(intellectus)298".

Segundo Joséph Maréchal, a ciência é construída mediante juízos que, em


sua forma lógica, constituem-se como proposições de gêneros diversos: axiomas,
princípios, teses, conclusões. Estas proposições por sua vez geram os juízos
categóricos, disjuntivos, e hipotéticos com valores cognoscitivos diversos. Estes
juízos científicos próprios do âmbito epistemológico realizam uma síntese
concretiva. Eles atribuem uma essência ou uma ‘quididade’ a um sujeito concreto.

A cópula verbal é, a partir do ponto de vista metafísico, e à luz da operação


intelectiva que Tomás denomina separatio, possui um alcance ontológico,
ultrapassando a sua função simplesmente lógica.

"... ao ser submetido ao dinamismo da afirmação, o juízo transgride a


limitação eidética da síntese concretiva, e eleva o objeto ao nível da
universalidade formal do ser (ens commune), o que implica, por sua vez, referi-
lo ao Absoluto real (Ipsum Esse subsistens), que é posto (função tética do juízo)
como finalidade última do dinamismo intelectual. É justamente na natureza
dessa estrutura relacional constitutivamente metafísica do juízo que jaz um dos
mais profundos entre os problemas da metafísica: pensar a seqüência desses
movimentos intencionais da inteligência, que definem a sua pulsão essencial –
a passagem da síntese concretiva ou da representação ao ser e do ser ao
Absoluto"299.

Esse movimento de passagem da síntese concretiva é marcado pela


Síntese concretiva
presença de dois aspectos fundamentais: o aspecto psicológico e o aspecto
gnoseológico. O aspecto psicológico diz respeito à faculdade cognoscitiva que,
operando como intelecto agente, apreende, através da sensibilidade, uma qüididade
oriunda do objeto. Trata-se de uma forma de reflexão implicada no ato da
apreensão, que Santo Tomás denomina de conversão à imagem (conversio ad
phantasma). O aspecto gnoseológico faz da ‘qüididade’ o primeiro objeto (objectum
proprium) do conhecimento intelectivo, (operando como intelecto possível). A
‘qüididade’ é a forma de um sujeito concreto (a ‘humanidade’ como forma de
‘homem’)300.

Em função da receptividade humana que se constitui como uma faculdade


intelectiva não-intuitiva é necessário que o homem realize esta síntese concretiva,
que por sua vez “supõe o conhecimento intelectual como passagem da potência ao
ato”, ao mesmo tempo que implica a alteridade do objeto,

“sua objetividade incoativa, à medida que a sua natureza (essentia),


qüididativamente ou abstratamente expressa, é conhecida, e em que a sua
existência (esse) é afirmada em virtude dessa mesma natureza”301.

298
. EF III, p.320.
299 . EF III, p.322.
300 . EF III, p.323.
301 . EF III, p.323.

111
Portanto ao resultado da atribuição de uma ‘qüididade’ a um sujeito
concreto (síntese concretiva) corresponde a unidade ontológica do objeto enquanto
ser. E tal unidade ontológica é afirmada no juízo. É, portanto, na afirmação que o
limiar da metafísica, segundo Tomás de Aquino, é transposto. Na afirmação, tem
lugar a “apercepção cognoscitiva da unidade transcendental (...) do ser”. Na
afirmação, se dá a operação da separatio que evidencia a natureza do existir (esse)
como ato e perfeição suprema do ser.

112
Gráfico 7 – Da síntese concretiva ao ser302.

Da síntese concretiva
ao ser

aspecto aspecto
psicológico gnoseológico
intelecto agente intelecto possível

apreensão de uma a quididade é o primeiro objeto


quidadidade do conhecimento intelectivo;
proveniente do objeto é a forma de um sujeito concreto
mediante a sensiblidade 'humanidade' como forma de 'homem'

conversio ad phatasma objectum proprium

síntese concretiva
receptividade
de uma faculdade intelectiva
não-intuitiva

implica a alteridade
supõe o conhecimento do objeto
como passagem sua objetividade
da potência ao ato incoativa
(inicial, que começa)

e em que a sua
à medida que sua natureza
EXISTÊNCIA é
QÜIDITATIVAMENTE expressa
afirmada em virtude
É CONHECIDA
dessa mesma natureza

1 2

à unidade da
síntese concretiva e que é afirmada
que resulta da atribuição da no JUÍZO
quididade a um sujeito

corresponde a unidade
ontológica do objeto
enquanto ser

É na afirmação que se cumpre a passagem da representação ao ser, da


forma ao ato de ser. No nível do ser afirmado, o predicamental é suprassumido no
ser transcendental, ou seja, “é situado na perspectiva do horizonte absoluto do ser”.

302 . EF III, p.322-324.

113
"É justamente na perspectiva desse horizonte que se pode falar de uma função
tética do juízo, ou seja, da posição incessante do existir (esse) na afirmação
como valor inteligível supremo do real"303.

Esse movimento intencional, de passagem da potência (a forma da síntese


concretiva) ao ato (o esse da afirmação) faz com que o dinamismo do conhecimento
intelectivo manifestado no próprio juízo se desdobre na ordem da finalidade. No
plano da finalidade manifesta-se o quiasmo do espírito ou da sinergia da vontade e
da inteligência que orienta o espírito, por um lado, para o absoluto formal da
Verdade e do Bem e por outro lado para o absoluto real do Existir subsistente
(Ipsum Esse subsistens).

Para Lima Vaz, a dimensão tética da afirmação – a posição do ser como


existir no juízo objetivo – ficaria inexplicável sem a presença, no movimento da
inteligência, “de uma finalidade antecedente e conseqüente, de um Princípio
primeiro e de um fim último da nossa atividade intelectual que, sendo a
universalidade absoluta do ser o horizonte da afirmação, não pode ser senão o
absoluto real”304.

Vertente
Ao atingir esta questão relativa ao Absoluto real, se apresenta a segunda teológica
vertente metafísica da teoria tomásica anunciada anteriormente, a saber, a vertente
teológica que parte do Ser para alcançar o Absoluto.

A partir da análise metafísica das estruturas do ser finito, Tomás de Aquino


elabora o roteiro das “cinco vias” para provar a existência de Deus. E, portanto, a
metafísica de Tomás é uma ciência a posteriori que conduz ao Primeiro Princípio,
sem conseguir, contudo, que se conheça a natureza deste Princípio. Dessa forma, a
inteligência humana aproxima-se dele de forma paradoxal, pois o faz sem diminuir a
distância ontológica infinita da sua transcendência.

Mas para além das cinco vias, há três outros tópicos na obra do Aquinate
que não se encontram entre as provas da existência de Deus por não se
constituírem como provas formais da existência de Deus, mas estão presentes ao
longo de toda a sua obra305: a. a dialética da distinção real da essência e da
existência no ser finito, que implica sua identidade no Ser infinito; b.a estrutura
analógica do conceito de ser; c. a estrutura finalista da inteligência humana, que
implica a existência de Deus como fim absoluto da inteligência finita306.

303
. EF III, p.325.
304 . EF III, p.326.
305 . EF III, p.328.
306 . EF III, p.328.

114
Esses tópicos são os alicerces conceptuais da metafísica tomásica e
organizam a estrutura significante em referência constitutiva ao Absoluto real: como
Ato puro do existir, como Princípio, e como Fim.

Quadro 8 – Alicerces conceptuais da metafísica tomásica

Ser finito Ser infinito

Distinção real de essência e existência Ato puro do existir


no ser finito

Estrutura analógica do conceito de ser Princípio

Dinamismo intelectual impelido pelo Fim


desiderium naturale

A referência ao Absoluto é condição necessária de possibilidade para o


exercício do pensar metafísico. Tal condição se explicita inicialmente mediante a
demonstração por retorsão da necessidade absoluta do princípio de não-
contradição, e em seguida pela análise reflexiva sobre a afirmação do ser no ato
judicativo.

"No horizonte dessa análise o Absoluto como forma (verdade absoluta


do princípio de não-contradição) e como ato (necessidade absoluta da
existência) emerge como condição necessária para que a afirmação judicativa
tenha alcance ontológico e o discurso da metafísica possa se constituir”307.

Dessa forma, as idéias de essência e existência, de ser finito e ser infinito,


de ato e de potência, de ser subsistente são conceitos heurísticos que se formam no
curso da “análise reflexiva que examina as condições dinâmicas (a afirmação) e
formais (a enunciação do ser) que tornam possível a interrogação primordial ‘o que
é o ser?’, e a primeira e elementar resposta ‘o ser é’”308.

Será ao longo do discurso metafísico, e de seu desdobramento, que estes


conceitos serão elaborados como categorias alcançando o estatuto de noções
transcendentais309. E desta forma, em Santo Tomás, a demonstração da existência
de Deus só se realiza no fim do discurso metafísico. Esta demonstração tem como
pressuposto a elucidação da estrutura metafísica do real, que por sua vez é
acessível à experiência externa e interna do ser humano. E tal elucidação permite
ao ser finito articular esta demonstração, que só tornou-se possível por apoiar-se
numa

"pré-compreensão original e originária do Absoluto que tem lugar no


ponto de partida do discurso metafísico, justamente na descoberta da dimensão
tética do juízo no curso da análise reflexiva que, partindo da refutação

307 . EF III, p.329.


308 . EF III, p.329.
309 . EF III, p.330.

115
redargüitiva do ceticismo radical, põe em evidência a ordenação ao Absoluto do
dinamismo intelectual manifestado no ato judicativo"310.

Com isto, é possível ver, com clareza radiante, a raiz da idéia que atravessa
Absoluto como
todo o pensamento vazeano a respeito da posição do Absoluto no coração da exigência da Razão

filosofia: o Absoluto é uma exigência absoluta da própria Razão311. Em outros


termos trata-se da visão maréchaliana da pré-compreensão do Absoluto no
dinamismo intelectual312.

Do alcance metafísico da doutrina tomásica do juízo se impôs como tópico


de fundamental importância “a doutrina da inteligibilidade do ato de existir, como
sendo a ‘atualidade de todos os atos e a perfeição de todas as perfeições’”313. Esta
intuição da existência como inteligível supremo afasta Tomás de Aquino da tradição
essencialista da filosofia grega, pois “a primazia do existir na ordem da
inteligibilidade manifesta-se exatamente na natureza do juízo, à medida que este
ultrapassa o nível da simples operação lógica e o nível gnoseológico da composição
e divisão das ‘qüididades’ (síntese concretiva) para avançar até a afirmação do
ser”314.

O objeto da filosofia primeira é constituído a partir da separatio operada pelo


ato judicativo. E do juízo emerge o esse como ato e como suprema perfeição do ser,
“bem como a utilização sistemática do esse na concepção do Princípio e do ato
criador”315, na distinção entre o ser infinito e os seres finitos – entre Deus e as
criaturas – e na demonstração da “contingência e da finitude das criaturas pela
composição real de essência e existência”316.

Existência-reflexo
Essa reflexão cuidadosa sobre a teoria do juízo de Tomás de Aquino tem em
vista o horizonte no interior do qual o homem hodierno se encontra: o mundo
técnico-científico. Esse universo marcado e determinado pela técnica e pela ciência
faz com que o homem exista numa “forma de existência-reflexo” nele produzida pela
relação com o mundo dos objetos técnicos, que acaba sendo a sua referência
objetiva primordial.

A pergunta colocada por Lima Vaz é a seguinte: pode o homem viver de


forma autêntica neste horizonte determinado unilateralmente pelos critérios da

310 . EF III, p.331.


311
. Essa noção se desdobra, ao longo de toda a sua obra, em outras formas de elaboração
conceitual, mas sem deixar de perder suas origens tomásicas. Ver os parágrafos conclusivos do artigo
O Absoluto e a História no EF OH, p. 278.
312 . EF III, p.332.
313
. EF III, p.332.
314 . EF III, p.332.
315 . EF III, p.336.
316 . EF III, p.336.

116
técnica, da utilidade e da produtividade? Para responder esta interrogação é
necessário um exercício teórico de alcance metafísico que aponta exatamente para
a metafísica tomásica do ato de existir. Pois no momento em que o avanço
irresistível de uma técnica que se dirige para a reificação mais e mais completa do
próprio homem (com a biotecnologia e a nanotecnologia), “a descoberta do
horizonte transcendental do existir na afirmação judicativa mostra que o homem,
enunciador do juízo e portador da intencionalidade infinita do logos do ser, só irá
alcançar a profundidade do seu existir autêntico na transgressão de todas as
fronteiras que a limitação eidética dos objetos técnicos traçar diante dele”317. Pois ao
ser que assume o ônus metafísico, e infinito, de enunciar o existir dos seres só
conseguirá existir autenticamente quando assumir sua abertura constitutiva ao
Absoluto: “no consentimento às formas absolutas da Verdade e do Bem e no
reconhecimento da ordenação de todo o ser ao Existir transcendente absoluto”318.

C. As categorias de Bem e Fim: A Ética


Metafísica do existir e
Antes de tudo, cabe reconhecer que a ética vaziana sofre forte influência da ética
ética clássica, especialmente da metafísica tomásica do ato de existir, que, como se
sabe, dá o rumo da obra vaziana. Para Santo Tomás, bem como para toda a
tradição clássica
"a Ética tem como fundamento necessário uma Metafísica, e a estrutura
inteligível do agir humano repousa na continuidade entre o especulativo e o
prático. As grandes teses do pensamento metafísico de Tomás prolongam-se
nas grandes teses de seu pensamento ético e lhes conferem uma significação
e unidade que vão muito além de uma simples análise de situações típicas do
comportamento"319.

Contudo, não há, na ética vaziana, um desenvolvimento teórico e explícito


da metafísica do existir, enquanto tal, na linha do que está sendo feito neste
capítulo. Há, sim, um desenvolvimento de categorias que são ao mesmo tempo
categorias éticas e metafísicas320. Esse desenvolvimento, segundo suas próprias
palavras, realiza-se sem a preocupação de se obedecer, exatamente, à ordem
discursiva proposta por Santo Tomás321.

A estrutura
Lima Vaz divide a Ética em duas grandes partes: a histórica e a sistemática. da ética
Por sua vez, a parte sistemática é constituída por duas grandes dimensões: o agir
ético e a vida ética. Cada uma destas dimensões é apresentada a partir de três

317 . EF III, p.342.


318 . EF III, p.342.
319 . EF IV, p.212.
320
. Tal como ocorre com a Antropologia Filosófica onde as categorias antropológicas de espírito,
transcendência, pessoa, são também categorias metafísicas. As categorias antropológicas de
intersubjetividade e pessoa também são consideradas categorias constitutivas da ética filosófica.
321 . EF IV, p.218.

117
momentos lógico-dialéticos distintos: a universalidade, a particularidade e a
singularidade. A articulação silogística de universalidade-particularidade-
singularidade adotada na parte sistemática denuncia de forma bastante evidente
uma metodologia dialética de matriz hegeliana.

Definição
Para Lima Vaz a Ética é a “reflexão sobre a estrutura e o modo de operar da de ética
Razão prática, que manifesta a sua originalidade ao constituir-se e operar em
sinergia inter-causal de razão e vontade"322. Para a articulação lógico-estrutural da
Razão prática, Lima Vaz propõe-se a acompanhar o “movimento do seu operar
segundo a ordem da sua seqüência dialética”323. Em resumo:
"A finalidade, pois, da Ética filosófica é simplesmente a de mostrar ao
indivíduo que pretende responder à questão como convém viver? seguindo os
ditames da Razão prática, qual a estrutura inteligível e o modo de operar dessa
forma da razão que justificam reflexivamente (ou em termos de autojustificação,
pois a razão só pode justificar-se diante de si mesma) aqueles ditames"324.
A ética e o quiasmo do
O desdobramento da Razão prática, em sua ordenação necessária ao Bem, espírito
depende do quiasmo do espírito, que assume na Antropologia Filosófica, como já
foi mostrado, caráter central e fundante nas categorias de espírito e transcendência.
O quiasmo do espírito constitui-se por um lado, como abertura da inteligência finita à
amplitude transcendental da verdade, e por outro lado, como abertura da liberdade
finita à amplitude transcendental do bem. A circularidade entre inteligência e
liberdade realiza-se entre verdade e bem. A vertente especulativa e a vertente ética
do pensamento vaziano, que remontam ao pensamento tomásico, são
perfeitamente comparáveis entre si, em amplitude e profundidade. Em última
análise, esse quiasmo estrutura o próprio sujeito, e se constitui como condição de
possibilidade da experiência noética da verdade, da experiência ética do bem e da
experiência ético-noética do ser, próprias do momento da pré-compreensão da
categoria de transcendência. A verdade e o bem, como dimensões transcendentais
do ser, orientam, pois, a estruturação da ética vaziana, uma vez que todas as
categorias da ética dependem das prerrogativas metafísico-antropológicas da
racionalidade e da liberdade.

Em última análise, o desdobramento da razão prática será um


aprofundamento da Antropologia Filosófica através da perspectiva da
racionalidade e da vontade humanas cuja sinergia constitui o núcleo temático e
conceitual de toda a Ética filosófica à medida que o “horizonte último da Razão
prática se apresenta sob uma dupla razão formal: do Fim enquanto pensado pela
inteligência e do Bem enquanto almejado pela vontade”325.

322
. EF V, p.233.
323 . EF V, p.233.
324 . EF V, p.233.
325 . EF IV, p.216.

118
Assim como ocorre no pensamento de Tomás de Aquino, as categorias
metafísicas de ordem e perfeição presidem o discurso da ética vaziana. A categoria
de ordem, de origens platônica, neo-platônica e agostiniana, é a reta disposição
dos seres segundo a escala do grau de perfeição que compete a cada um326. Essa
noção de ordem, no pensamento de Tomás, conjuga-se com a noção aristotélica de
perfeição como ato
"e é assim que encontra uma realização privilegiada na ação humana
que recebe o selo de sua perfeição – ou de sua plena realização como ato – ao
inserir-se livremente na ordem do universo – ou na ordem da natureza – que é a
norma objetiva da ação. Ela é, então, por excelência ação ética. Ora a noção
de perfeição sendo logicamente conversível à noção de ser, não é senão outra
expressão da noção de bem. Por outro lado a noção de ordem implica
necessariamente, do ponto de vista ontológico, a noção de fim".

Isto significa que todo ser é perfeito em sua ordem. Todo ser é orientado
para o seu fim e age em vista desse fim.
"Tal é a ação ética enquanto ato humano que deve realizar por
definição, a perfeição do ser humano enquanto ser racional e livre. Bem e Fim
ou perfeição e ordem são, pois, as categorias metafísicas que subjazem à Ética
tomásica como ética filosófica e que devem ser levadas em conta a cada passo
de sua elaboração conceitual"327.

A intersecção conceitual entre metafísica e ética, no pensamento vaziano, se


realiza no âmago das categorias de Bem e Fim, presentes tanto nos Escritos de
Filosofia IV e V – Introdução à Ética Filosófica, quanto em Escritos de
Filosofia VII Raízes da Modernidade. São estas categorias metafísico-éticas que
orientam o desdobramento da razão prática, bem como inauguram a estrutura
objetiva das duas grandes seções da parte sistemática.

Lima Vaz apresenta as categorias de Bem e Fim no primeiro momento


lógico-dialético (universalidade) da estrutura objetiva do agir ético (primeira
dimensão da parte sistemática).

326 . EF IV, p.216.


327 . EF IV, p.216.

119
Gráfico 8 – As categorias de Fim e Bem na dimensão do agir ético

PRIMEIRA DIMENSÃO DA
PARTE SISTEMÁTICA
O AGIR ÉTICO

Estágios Dialéticos Estágios Dialéticos Estágios Dialéticos


e categorias e categorias e categorias
da estrutura da estrutura da estrutura
SUBJETIVA INTERSUBJETIVA OBJETIVA
do agir ético do agir ético do agir ético

UNIVERSAL PARTICULAR SINGULAR


Influxo condicionante
Causa Formal Causa Final
Causa eficiente

Categorias de
FIM, BEM
e Valor

De forma homóloga à dimiensão do agir ético, ambas as categorias são


apresentadas na estrutura objetiva da vida ética (segunda dimensão da parte
sistemática).

Gráfico 9 – As categorias de Fim e Bem na dimensão da vida ética

SEGUNDA DIMENSÃO DA
PARTE SISTEMÁTICA
A VIDA ÉTICA

Estágios Dialéticos Estágios Dialéticos Estágios Dialéticos


e categorias e categorias e categorias
da estrutura da estrutura da estrutura
SUBJETIVA INTERSUBJETIVA OBJETIVA
da vida ética da vida ética da vida ética

UNIVERSAL PARTICULAR SINGULAR


Influxo condicionante
Causa Formal Causa Final
Causa eficiente

Categorias de
FIM e BEM

A práxis ética, ou o agir ético, é estruturalmente tridimensional. Ela se Estrutura triádica do


agir ético
constitui pela ação do sujeito ético (estrutura subjetiva) cumprida no interior de uma
comunidade ética (estrutura intersubjetiva) segundo as normas do conteúdo
histórico de um certo ethos (estrutura objetiva). A reflexão vaziana a propósito dessa
estrutura objetiva do agir ético é realizada na linha do modelo ideonômico clássico,
mas sempre obedecendo ao movimento dialético que permite a passagem da
estrutura subjetiva à estrutura intersubjetiva e desta à estrutura objetiva.

120
"Todo movimento dialético tem como momento inicial o momento da
universalidade. Dele parte a seqüência lógica dos momentos que irão integrar a
estrutura inteligível do objeto que pretendemos compreender. Esse primeiro
momento da universalidade irá mostrar-se como momento (dialeticamente)
abstrato, devendo ser ulteriormente determinado pelos momentos da
particularidade e da singularidade. Estamos, pois, diante da tarefa de pensar o
horizonte objetivo para o qual se orienta a intencionalidade do agir ético ao
transcender os limites eidéticos da estrutura subjetiva e da estrutura
intersubjetiva. Trata-se, em suma, de integrar o horizonte objetivo na seqüência
lógica e no movimento dialético segundo os quais estamos tentando
compreender as dimensões fundamentais do agir"328.

O ponto de partida do discurso vaziano é a afirmação primordial Eu sou


posta pelo sujeito, na Antropologia Filosófica, e que segue o fluxo do movimento
dialético desdobrando-se na mesma afirmação de um sujeito que se constitui como
sujeito ético. A análise desse movimento acompanha o dinamismo intencional do
sujeito ético que está dirigido para uma realidade objetiva cuja “inteligibilidade
transcende as razões imanentes ao sujeito singular e à comunidade ética”329.

Na estrutura subjetiva do agir ético, o momento da universalidade é


constituído por dois atos fundamentais da razão prática: conhecer e querer. Nesse
nível de estruturação da ética filosófica, o Bem é pensado e desejado como Bem
simplesmente, ou como Bem universal.

Na estrutura intersubjetiva, o momento da universalidade é marcado pelas


categorias de reconhecimento e consenso. Nesse momento o Bem é intencionado
na figura do outro reconhecido e aceito.

“Na estrutura objetiva do agir ético o problema que se levanta é sobre a


realidade em-si do Bem universal e do outro no horizonte do Bem. As
categorias que exprimem o horizonte objetivo do agir ético – no momento
lógico-dialético da universalidade – são as categorias de Fim e Bem”.

O ser humano, enquanto agente racional e livre, deve dirigir sua própria
ação ordenando-a ao bem que é o fim. Isso torna o agir humano constitutivamente
ético, ou moral. Nesse sentido, a noção de fim como bem é logicamente conversível
e correlativa à noção de perfeição o que implica uma ordem dos fins segundo a
escala das perfeições e, portanto um fim último.
"O fim conhecido pela razão é o bem do sujeito, e o bem ao qual a
vontade deve consentir é o fim tal como a razão o conhece. Fim e bem
exprimem, desta sorte, no nível da universalidade, o perfil eidético com que o
objeto se apresenta à intencionalidade do agir ético"330.

A reflexão sobre as categorias de Fim e Bem não se esgota na reflexão


sobre o agir ético, mas se estende através da análise do tema da vida ética. Essas
categorias metafísico-éticas ressurgem novamente na estrutura objetiva da vida
ética e, mais precisamente, no estágio lógico-dialético abstrato da universalidade

328 . EF V, p. 104.
329 . EF V, p.96.
330 . EF IV, p.106.

121
quando Lima Vaz apresenta as Idéias transcendentais de Ser, Essência,
Unidade, Verdade, Bondade, Causalidade, Bem e Fim. Idéias que são objetivas em-
si e das quais derivam a possibilidade de pensar os seres com os quais a razão
humana estabelece a oposição relativa do conhecer e do ser conhecido331.

Para Lima Vaz essas idéias não são apenas símbolos da objetividade ou da
cognoscibilidade dos seres que existem independentemente do sujeito. A
objetividade atribuída a essas idéias reside na sua própria imanência, sendo elas
objetivas em-si.
"...na concepção clássica por nós adotada o predicado da objetividade
real cabe às Idéias por sua própria natureza.(...) pois ‘o que é causa de um
efeito determinado contém de modo eminente a perfeição daquele efeito’. As
idéias são a causa formal da objetividade dos seres particulares pois estes só
podem ser conhecidos como objetivamente reais à medida que recebem os
predicados das Idéias: ser-distinto, ser-uno, ser-verdadeiro, ser-bom... Logo, às
Idéias compete eminentemente a atribuição da objetividade real"332.

As Idéias de Bem e Fim reivindicam para si o estatuto de horizonte último e


absolutamente universal de objetividade da vida ética333. A universalidade dessas
idéias se auto-determina absolutamente, pois não se refere a qualquer outra
instância de inteligibilidade. Afinal o Bem não é o Bem, simplesmente porque é
objeto dos costumes. São os costumes que pressupõem uma ordenação
fundamental ao bem dos indivíduos e das comunidades para que consigam ser
instituídos como bons334.
“A universalidade relativa dos diferentes aspectos do ethos pressupõe,
por conseguinte, a universalidade absoluta do Bem em-si, ao qual deve ser
atribuída, repetimos, uma objetividade imanente. Com efeito, os diversos
aspectos do ethos que podem ser objeto de uma descrição da sua realidade
empírica recebem uma especificação propriamente ética em virtude da sua
ordenação à universalidade absoluta e à objetividade imanente do Bem. Como
tal, o Bem é puramente inteligível ou eminentemente real com relação ao
sensível e aos conceitos que o exprimem, e querer representá-lo com as
propriedades da coisa ou do conceito é incidir na crítica definitiva que Platão,
no prólogo do Parmênides (Parm.130 a 4-137 c3), move a quantos teimam em
encerrar as Idéias no domínio da sensibilidade ou do entendimento
abstrativo”335.

Tanto o agir ético, como a vida ética são dotados de uma estrutura objetiva à
medida que se referem primeiramente à universalidade das idéias de Fim e de Bem.

O Bem é almejado pela vontade,apreendido como Fim pela inteligência e


avaliado como Valor pela razão prática. O Bem é o invariante inteligível que
permanece e se manifesta em qualquer comunidade humana.

331 . EF IV, p.212.


332
. EF V, p.213.
333 . EF V, p.216.
334 . EF V, p.217.
335 . EF V, p.217.

122
Estas idéias possuem um estatuto ontológico próprio e um alcance
metafísico que atestam a necessidade de uma “ciência do ser”, vem a ser, de uma
metafísica. A reflexão ética, propriamente dita alcança seu termo na categoria de
pessoa moral, após a apresentação da universalidade objetiva do mundo ético que
se desdobra, através do fluxo do movimento dialético nos momentos da
particularidade e da singularidade. Portanto, todo o viés metafísico da ética filosófica
é dado, sobretudo, pelas categorias de Fim e Bem, que antes de tudo são
categorias metafísicas, ou metafísico-éticas. E todo o pensamento metafísico que
dá suporte à reflexão ética é oriundo da metafísica do existir que será desenvolvida
de forma mais detalhada na próxima seção, pois a reflexão mais acabada sobre a
possibilidade de uma ciência do ser propriamente dita, só será realizada no livro
Raízes da Modernidade.

D. As categoria de Ser e de Existência: Raízes da Modernidade

D.1. A reflexão precedente alcança sua amplitude máxima, seu acabamento


conceitual e sua sistematização em Raízes da Modernidade. Esta obra aprofunda,
ao mesmo tempo, de maneira exaustiva e original as questões relativas às raízes da
modernidade. O clímax da reflexão vaziana é atingido com a exposição sistemática
da metafísica do existir.

A estrutura da
Raízes da Modernidade é a obra em que ocorre a confluência das duas Metafísica (Raízes da
Modernidade)
possibilidades temáticas de leitura do pensamento vaziano: é o lugar onde genética
da modernidade e metafísica do existir se entrelaçam de forma inconsútil. Tal como
na Antropologia Filosófica e na Introdução à Ética Filosófica, o texto vaziano
dedicado à metafísica é constituído por uma parte histórica336 e uma parte
sistemática337. A parte sistemática é precedida por uma introdução na qual Lima Vaz
desenha a posição protológica do esse na afirmação, através da qual ele
reapresenta a teoria do juízo de Tomás de Aquino como o ponto de partida da
metafísica338.

Muitos dos temas previamente apresentados nos outros livros, e indicados


nas seções anteriores deste capítulo, são retomados, aprofundados e reorganizados
a partir de uma perspectiva sistemática, cuja estrutura é análoga às estruturas da
Antropologia Filosófica e da Introdução à Ética Filosófica. A arquitetônica do
sistema e a simetria existente entre as várias obras vazianas serão apresentadas no
último capítulo deste trabalho.

336 . EF VII, Capítulos 2,3,4 e 5.


337 . EF VII, Capítulos 6-13.
338 . EF VII, Capítulo 6.

123
Em cada um dos capítulos da parte sistemática de Raízes da
Modernidade é apresentado, primeiramente, um certo aspecto da metafísica do
existir. Segue-se o contexto medieval desse aspecto metafísico, e, finalmente, sua
relação histórico-filosófica com o advento da modernidade. Nesse último livro, à
medida que são explicitadas as raízes metafísicas da modernidade, verifica-se de
forma definitiva o entrelaçamento entre metafísica e modernidade. No capítulo
seguinte, que apresenta o desdobramento e a evolução da modernidade, serão
explicitados os aspectos metafísicos responsáveis pela eclosão do processo de
gênese e surgimento da Modernidade pós-renascentista.
Contexto
ideo-histórico
D.1.1. A teoria tomásica do juízo desempenha papel importante na
argumentação de Lima Vaz em favor da metafísica do existir. Sua exposição é
sustentada pelas grandes matrizes teóricas, pelos grandes paradigmas e pelos
grandes temas que plasmam o cenário ideo-cultural do século XIII. O arcabouço
conceitual do século XIII foi orientado por três questões matriciais, que, desde a
aurora grega da filosofia, passaram a determinar a abrangência de todo o domínio
do saber:

"a. a questão da significação gnosiológica do próprio exercício do saber


e da sua ordem; b. A questão da significação ontológica do objeto do saber e do
seu teor de inteligibilidade; c. A questão da significação ética do exercício do
saber na prossecução de um agir segundo o bem"339.

339 . EF VII, p.76.

124
Gráfico 10 – As três matrizes

O SUBSOLO DOUTRINAL
DO SÉCULO XIII
Linhas mestras do arcabouço
simbólico adotado pela
civilização medieval
Capítulo 5 - gráfico 5.1

Questão da significação Questão da significação Questão da significação


GNOSEOLÓGICA ONTOLÓGICA ÉTICA
do próprio exercício do objeto do saber e do seu do exercício do saber na prossecução
do saber e da sua ordem teor de inteligibilidade de um agir segundo o Bem

TEMA DO TEMA DO TEMA DO


CONHECER SER AGIR
Ratio Intelligendi Causa Essendi Ordo Vivendi
MODOS DO CAUSA ORDEM DO
COMPREENDER DO SER VIVER

Tema do Conhecer Tema do Ser Tema do Agir


que introduz no campo que levanta apergunta no qual é posta a pergunta
da reflexividade da razão fontal sobre a origem sobre a teleologia
a interrogação sobre os e a razão causal da vida humana e sobre os
modos e caminhos na do existir inteligível seus fins
construção do saber

Problemas metafísicos, Problemas éticos


Problemas gnoseológicos e antropológicos e cosmológicos aguçamento do confronto entre a
epistemológicos que surgem no campo da concepção aristotélica do melhor
postos pela interrogação pergunta sobre a modelo de vida e o ensinamento cristão
em torno da CAUSA ESSENDI sobre o fim último do homem: qual o melhor
RATIO INTELLIGENDI ORDO VIVENDI

ENS
VERUM CAUSA
BONUM
IDÉIA como matriz do FIM
como matriz do SER como matriz do
CONHECER AGIR

No campo da Metafísica e da
Ontologia descobriremos o solo
mais profundo onde irão brotar as
raízes da Modernidade

Caráter final do Caráter inaugural do


Século XIII do Século XIII
MEDIEVO MODERNIDADE

Histórica CORRESPONDÊNCIA Teórica


Correspondência lingüística a. impossibilidade da ruptura radical
e conceptual entre a estrutura que abandone as 3 matrizes de toda
dos paradigmas antigos e inteligibilidade
pré-cartesianos e os paradigmas b. impossibilidade de ultrapassar as
inaugurados por Descartes fronteiras traçadas por estas matrizes

125
A questão relativa ao conhecer introduz “no campo da reflexividade da
razão a interrogação sobre os modos e caminhos da construção do saber”340: ratio
intelligendi. A questão relativa ao ser “levanta a pergunta fontal sobre a origem e a
razão causal do existir inteligível”341: causa essendi. E a questão do agir refere-se
ao problema da teleologia da vida humana e sobre a ordem dos fins342: ordo vivendi.
"Modos de compreender, causa do ser, ordem do viver: tais os três
eixos que vêm sustentando a estrutura do universo simbólico da civilização
ocidental desde a invenção grega da razão"343.

As grandes matrizes indicadas por Lima Vaz abrangem as questões relativas


aos problemas do conhecer, do agir e do ser: ratio intelligendi, ordo vivendi e causa
essendi. Não obstante haja um entrelaçamento ontológico entre estas questões,
aquela que se encontra no cerne da questão metafísica por excelência é a questão
do ser, que coloca a pergunta a respeito da origem e da razão causal do existir
inteligível.

Três grandes paradigmas se apresentam e se confrontam no complexo e


rico subsolo doutrinal do século XIII, ao darem resposta ao problema da causa
essendi: o neoagostinismo boaventuriano, a ontologia aristotélico-averroísta da
substância dos mestres da Faculdades de Artes, e, finalmente, o paradigma
tomásico da metafísica da existência.

Estes paradigmas se desdobram em quatro grandes temas: a). o problema


do Uno (Platão, Aristóteles, Plotino e Proclo); b) o problema da redução ao Uno
(São Boaventura); c) o modelo aristotélico da analogicidade da noção de unidade
(Siger de Brabant); d) o tema da essência e da existência em Santo Tomás.

340
. EF VII, p.76.
341 . EF VII, p.76.
342 . EF VII, p.76.
343 . EF VII, p.77.

126
Gráfico 11 – Os três paradigmas e os quatro temas.

RENASCENÇA
FILOSÓFICA
DO SÉCULO XIII
Capítulo 5 - Gráfico 5.4

no 1º plano a questão
EMANATISMO CRIACIONISMO
sobre a origem do ser
NEOPLATÔNICO BÍBLICO
dividida entre...

o problema primordial A criação imediata


Do Uno não procede do uno e do múltiplo a partir do nada
senão o UNO = de todas as coisas por Deus
ex uno nisi unum origem radical do ex nihilo
MÚLTIPLO ST Ia, q.44, a.1.

TRÊS PARADIGMAS EM CONFRONTO

ONTOLOGIA
descrição da processão a partir
do Uno absoluto, da 1ª Inteligência, METAFÍSICA DA ARISTOTÉLICO-AVERROÍSTA "Tudo que de
NEO-AGOSTINISMO
desta hierarquia das Inteligências, EXISTÊNCIA da substância qualquer modo exista
destas a Alma e desta a pluralidade boaventuriano é feito por Deus"
tomásica Mestres da
dos seres materiais
Faculdade de Artes

QUATRO TEMAS

O modelo aristotélico da
O problema do UNO O problema da redução Tema da essência
analogicidade da noção
PLATÃO, ARISTÓTELES, ao UNO e da existência
de unidade
PLOTINO E PROCLO SÃO BOAVENTURA TOMÁS DE AQUINO
SIGER DE BRABANT

127
D.1.2. Partindo da oposição existente entre o Uno e o múltiplo, Tomás de
Síntese
Aquino consegue integrar os três paradigmas metafísicos, i. é, o substancialismo tomásica

aristotélico, o emanatismo platônico e o criacionismo bíblico, desenhando nova


figura da idéia do ser, fundada na equação ontológica razão = existência. Esta
equação é responsável pela revolução ontológico-epistemológica que se constituiu
como a bússola teórica que orienta a rota do racionalismo moderno344.

A amplitude da solução de Tomás de Aquino para a questão sobre a causa


essendi é compreendida como a suprassunção dialética do neo-agostinismo e do
aristotelismo heterodoxo de sua época. A partir destes dois extremos aparece, pois,
a figura do Uno como ápice de uma “transcendência que polariza o múltiplo num
movimento integrador das diferenças” e no plano de uma "imanência na qual as
formas diferentes do múltiplo são unificadas pela sua relação com a substância”345.

A doutrina tomásica, por um lado, se erige como síntese entre a) a


metafísica platônica das idéias transmitida pelo exemplarismo agostiniano, b) a
ontologia aristotélica da substância e c) a metafísica bíblica do Deus criador. Por
outro lado, ela alcança uma instância de inteligibilidade que consegue dar razão do
fundamento causal do múltiplo (dimensão metafísica) e da sua intrínseca estrutura
inteligível (dimensão ontológica), ou seja “dos invariantes conceptuais presentes na
expressão teórica da relação uno-múltiplo”346.

Essa conquista de uma instância última de inteligibilidade à qual referir a


dualidade ou a oposição uno-múltiplo tem duas fontes bastante precisas para
Tomás. A primeira fonte é a tradição bíblica e a tradição patrística347 da leitura da
passagem do Êxodo 3,14. A segunda fonte é a tradição neoplatônca do existir
(einai).

A inteligibilidade
O ato de existir, a partir da solução tomásica, será ao mesmo tempo o do real
núcleo mais profundo bem como a fonte primeira de inteligibilidade do real. Nesse
plano é encontrado o Princípio criador ou o Existir absoluto – Ipsum Esse subsistens
– de cuja ação criadora procedem os existentes finitos, e cujo existir é formalmente
o termo real da criação:
“a natureza protológica ou fundante do existir (esse) é intuída
imediatamente pela inteligência na afirmação judicativa que separa o esse do
contorno lógico que define os conceitos abstratos”348.

344 . EF VII, p.86.


345
. EF VII, p.86.
346 . EF VII, p.88.
347
. EF VII, p.88.
348 . EF VII, p.91.
128
A análise desta afirmação é constituída por dois momentos. No primeiro
momento pode-se distinguir três faces do esse: a) o esse como ato primeiro, ou,
ainda, como estrutura fundante do ser concreto – ratio essendi – metafísica; b) o
Esse
esse como noção ou atributo universalíssimo (esse commune), ou, ainda, como absoluto
ratio cognoscendi do ser enquanto tal – ontologia; c) O esse como forma da
proposição, ou, ainda, como forma lógica da afirmação – lógica349.
"A afirmação judicativa do esse como ato abre imediatamente o
horizonte transcendental como horizonte último da inteligência, cuja infinitude
intencional não pode ser circunscrita nos limites da finitude"350.
Esse
Tal fato impele a inteligência para o segundo momento do itinerário da relativo
metafísica do esse, no qual se desenha a oposição entre o Esse absoluto e os entes
relativos. O Esse absoluto é co-extensivo à ilimitação do horizonte transcendental,
ao passo que os entes relativos inscrevem, nesse horizonte, um perfil eideticamente
limitado. Essa abertura do horizonte transcendental exclui a oposição absoluta de
origem parmenidiana logo no início, ou no ponto de partida do itinerário lógico-
dialético do esse.

"De acordo com a metafísica do esse, a negação surge no interior já


constituído do horizonte transcendental, sendo sempre, por conseguinte,
negação relativa, possível como momento lógico do discurso no âmbito da
primazia absoluta do esse"351.

D.2. A partir dessa recapitulação da teoria do juízo, Lima Vaz inicia a PRIMEIRA JORNADA
ESPECULATIVA:
sistematização, propriamente dita, da metafísica do existir. Duas grandes jornadas
Itinerário da
especulativas indicam o roteiro a ser seguido, respectivamente, a que leva ao ser Metafísica do
Esse na esfera
absoluto, e a que leva aos entes relativos. do ser absoluto

A parte sistemática do livro Raízes da Modernidade, tal como nas partes


sistemáticas da Antropologia e da Ética, divide-se em duas seções. A primeira
seção corresponde ao itinerário da metafísica do esse na esfera do Esse absoluto.
A segunda seção corresponde ao itinerário da metafísica do esse na esfera do esse
relativo. Cada uma dessas seções é marcada pela presença de quatro estágios
distintos: a) estágio noético-metafísico; b) estágio noético-ontológico; c) estágio
ontológico-formal; d) estágio ontológico-real.
Absoluto e Razão:

D. 2.1. O itinerário da metafísica do esse na esfera do ser absoluto abre-se categorias do


primeiro estágio
com o estágio noético-metafísico. O foco da reflexão vaziana está dirigido para a noético-metafísico

intuição da inteligibilidade fontal do esse, dada pela posição imediata do Esse


absoluto, e sua respectiva inteligibilidade radical. As noções centrais deste estágio
são as noções de Absoluto e razão. Para Lima Vaz, a posição do Absoluto está

349 . EF VII, p.91.


350
. EF VII, p.91.
351 . EF VII, p.92.
129
implicada, de forma absolutamente necessária, na razão. Em outros termos, a
exigência do “Absoluto transcendente está inscrita na própria essência e no
dinamismo mais profundo da Razão”352.
Existência e Idéia:

Lima Vaz busca a expressão adequada do esse no logos, no estágio categorias do


segundo estágio
noético-ontológico. O esse é absolutamente inteligível e apresenta uma identidade noético-ontológico

radical com o logos. As noções elementares desse segundo estágio são a


Existência e a Idéia. O postulado fundamental desse estágio está na coincidência
entre Esse e pensar, numa unidade absoluta.

"A intuição primordial do esse implica necessariamente sua identidade


objetiva com o ato de pensar e a posição da unidade absoluta que compete
objetivamente a essa identidade"353.

Todavia, no seio dessa unidade ocorre a introdução do múltiplo subjetivo


pois, afinal, o ato de pensar – a intuição do esse – é o ato de um sujeito finito, e a
primeira manifestação do esse se dá exatamente na multiplicidade dos seres
relativos que se encontram diante do sujeito na sua primeira iniciativa de pensar.
Nessa multiplicidade dos seres relativos inclui-se a multiplicidade dos próprios atos
de pensamento.

Assim como a intuição do ser finito diante dos seres relativos permite
postular o Ipsum Esse subsistens (primeiro estágio), essa mesma intuição avança
para o horizonte da inteligibilidade do próprio esse (segundo estágio), que exige a
identidade entre o ser e o pensar. Afinal Inteligência e inteligibilidade são noções
correlativas.

"A afirmação de uma inteligibilidade radical do ser implica a afirmação


de uma Inteligência absoluta como fonte primeira da inteligibilidade, da qual
participa o próprio sujeito afirmante enquanto sujeito finito"354.

Em outros termos “a intencionalidade noética da intuição do Esse como


absoluto (Ipsum Esse subsistens) explicita-se na pré-compreensão de um Absoluto
pessoal (Deus)” ou de uma Inteligência infinita, sem a qual seria impensável a
possibilidade da existência das inteligências finitas355. Mas ainda fica por resolver a
situação tautológica desta identidade. O esforço para ultrapassar essa aporia exige
a negação dialética da “identidade tautológica da inteligibilidade absoluta do esse”
para que ela possa ser afirmada na diferença da pluralidade das idéias. A solução
desta questão é dada pela identidade na diferença “que implica a reflexividade
absoluta do Esse, ou o Esse como Inteligência que a si mesma se pensa na infinita
riqueza inteligível, manifestando-se tanto ad intra (prolação do Esse como Verbo)

352
. EF III, p.175.
353 . EF VII, p.105.
354
. EF VII, p.109.
355 . EF VII, p.107.
130
quanto ad extra (livre criação da multiplicidade dos esse finitos e relativos segundo
a exemplaridade do Verbo)”356.

Tomás resolve essa questão da Inteligência infinita através da atribuição de


suas prerrogativas à segunda Pessoa da Trindade – ao Verbo ou ao Logos. E Lima
Vaz percebe que na Modernidade, como se verá no capítulo seguinte, a noção de
sujeito transcendental será herdeira das prerrogativas atribuídas ao Verbo do credo
cristão.
Transcendentais:
Os estágios seguintes, o ontológico-formal e o ontológico-real (terceiro e categorias do
terceiro estágio
quarto respectivamente), possuem uma correspondência estrutural com a categoria ontológico-formal

de espírito da Antropologia Filosófica cujas prerrogativas constitutivas são a


inteligência e a liberdade na circularidade do quiasmo do espírito. O estágio
ontológico-formal está relacionado com as questões relativas ao conhecimento
intelectual, ou, mais especificamente, com a intuição da inteligibilidade do Esse
como Absoluto e sua expressão na Idéia arquétipa, que, por sua vez, se desdobra
nas noções transcendentais: ens, unum, res, aliquid, verum, e bonum357.
Liberdade e Absoluto:

O estágio ontológico-real está relacionado com a inclinação volitiva do categorias do


quarto estágio
espírito. Enquanto o conhecimento intelectual, estágio ontológico-formal, se dirige ontológico-real

para a forma da coisa conhecida, a vontade, por sua vez, está dirigida para a coisa
mesma. Aqui se apresenta um dos maiores problemas da metafísica: a tensão entre
o problema da liberdade e do Absoluto ou, mais especificamente, a “atribuição da
Vontade e, conseqüentemente, da Liberdade ao Esse absoluto como constitutivos
intrínsecos da sua inteligibilidade”358. Ao Absoluto é atribuída, por um lado, a
necessidade intrínseca de ser e existir a partir de si mesmo – a absoluta aseidade (a
se, a partir de si). Mas, por outro lado, ao Absoluto também se atribui a
autodeterminação infinita “como absoluta subsistência reflexiva em si mesmo, ou
seja, absoluta Liberdade”359.

“É a partir da necessidade da essência que podemos entender o Esse


absoluto (Ipsum Esse Subsistens), no qual essência e existência se identificam
como identidade na diferença entre Necessidade absoluta e absoluta
Liberdade. Com efeito, o Absoluto existe como absoluta autoposição de si
mesmo (a se, necessidade) e absoluta autodeterminação (ad se, liberdade)360".

356 . EF VII, p.108.


357
. EF VII, p.113.
358 . EF VII, p.117.
359
. EF VII, p.117.
360 . EF VII, p.118.
131
Gráfico 12 – Primeira Jornada Especulativa: o itinerário da metafísica do existir no
plano do Esse absoluto
1ª Jornada
Especulativa
ITINERÁRIO DO
ESSE ABSOLUTO
4 estágios

NOÉTICO-METAFÍSICO NOÉTICO-ONTOLÓGICO ONTOLÓGICO-REAL


ESSE como
subsistente
Inteligência
Infinita
UNO ONTOLÓGICO-FORMAL ESSE como
FIM

Intuição da Intuição da Liberdade absoluta como


Expressão adequada
inteligibilidade inteligibilidade do ordenação reflexiva
do Esse no Lógos
fontal do Esse Esse como Absoluto ao Bem absoluto

Norma inteligível do
Posição imediata Inteligibilidade Esse absolutamente identidade radical Sua expressão na que se desdobra nas Inclinação volitiva
Bonum transcendental
do Esse absoluto radical do Esse inteligível com o Lógos Inteligência arquétipa noções transcendentais do Espírito
que é igualmente FIM

ens, unum, aliquid


ABSOLUTO RAZÃO EXISTÊNCIA IDÉIA TRANSCENDENTAIS res, verum e bonum LIBERDADE ABSOLUTO

Infinita complacência do
Princípio de toda Esse Absoluto como
Estrutura transcendental Esse subsistens na sua
inteligibilidade das estrutura inteligível
da inteligibilidade do Esse própria essência enquanto
coisas que SÃO ou existem manifestada nas Idéias
Fim para si mesmo

Unidade na diferença entre


ESSE como reflexividade Reflexividade absoluta do Diferenciação ordenada Inteligência e Vontade com que
absoluta ou unidade subsistindo ESSE implica a expressão da da pluralidade das Idéias o ESSE subsistente se revela
absolutamente em si mesma sua plenitude absoluta de ser nas noções transcendentais como Vida e Atividade em si e
para si

D.2.2. O décimo capítulo de Raízes da Modernidade – O problema da


Criação – faz a mediação da passagem da primeira para a segunda jornada
especulativa. Ou ainda, esse capítulo pode ser considerado como introdução à
segunda jornada especulativa, ou à segunda seção da parte sistemática da
metafísica. O problema da criação é a resposta vaziana à questão do uno e do
múltiplo, ao mesmo tempo em que apresenta os fundamentos de toda uma filosofia
da natureza, cujos alicerces repousam, precisamente, sobre a doutrina cristã da
criação do universo.
O Problema da
Criação:
A intuição do esse é mediatizada pela apreensão do sensível e pela a passagem para a
segunda jornada
abstração do ser-em-comum. Isto implica o caráter mediato da intuição do esse. especulativa

Com efeito, se no ordo essendi a existência e a possibilidade dos seres relativos só


podem ser explicadas a partir do Esse absoluto, contudo no ordo cognoscendi o
Esse absoluto depende do esse relativo. Nisto consiste, precisamente, o problema
da origem do múltiplo. Na aporética histórica Lima Vaz traça o roteiro deste
problema, passando por Platão e Aristóteles, pela metafísica neoplatônica, pela
sistematização de Proclo, pela recepção teológico-agostiniana de Proclo, pelos
escritos pseudo-dionisianos, pelo pensamento árabe, para, finalmente, chegar à
síntese de Tomás de Aquino.

O filosofema da criação alcança o medievo no interior de uma trama


conceitual extremamente intrincada, em que estão presentes os seguintes temas: a)
o estatuto exemplar das Idéias na Inteligência divina; b) a liberdade do ato criador;
c) a unicidade causal do Criador e a criação imediata; d) a transcendência do
132
Criador e a imanência da Ação criadora no universo; e) a contingência e finitude do
ser criado; f) a eternidade contraposta ao começo no tempo do universo; g) a
participação do ser criado na perfeição da essência (Idéia ou exemplar) presente na
inteligência da Causa Primeira que se mostra como Bem ou Fim, e assim participa
da atualidade do esse; h) a diferença interior a eles mesmos e entre si dos seres
criados em face da identidade absoluta do Criador361.

A metafísica do ser como ato de existir é o estuário e o centro unificador de


todos estes temas. Tomás de Aquino ordena e integra de forma coerente as
múltiplas faces do problema da criação362. O tema do tempo e o tema do conceito
de natureza, que se encontram presentes ao longo de toda a obra tomásica, são
formulados e conceitualizados por Lima Vaz no centro ideonômico da metafísica do
existir.

Em síntese, os termos da questão resultam da dificuldade de pensar a


passagem da simplicidade e unidade do Esse absoluto (Uno) à multiplicidade dos
esse relativos. Afinal a simplicidade absoluta do Uno exclui a relação real com os
múltiplos relativos. A gravidade da questão está na dificuldade em pensar os
seguintes aspectos: a) a saída da interioridade do Absoluto, que implica a diferença
entre o Esse absoluto e os múltiplos relativos; b) a presença do princípio de uma
diferença, no seio do absoluto simples e imutável, vem a ser, no seio de sua
identidade absoluta; c) esse princípio da diferença deve explicar a dependência
real dos esse com relação ao Esse; d) e manter o vínculo da unidade inteligível
entre o Esse absoluto e a multiplicidade dos esse relativos; e) em síntese, se coloca
como problema a dificuldade de pensar a transcendência do Esse criador e a sua
imanência ou presença no universo dos seres relativos que dependem do Esse
absoluto.

A reflexão exposta sobre a criação explicita os pressupostos metafísicos da


categoria de transcendência da Antropologia Filosófica. Nessa obra, Lima Vaz
afirma que a categoria de transcendência suprassume o aspecto da não-
reciprocidade da categoria de objetividade e o aspecto da reciprocidade da
categoria de intersubjetividade.

A relação de transcendência suprassume dialeticamente, num estágio final,


as várias oposições: exterioridade-interioridade, objetividade-intersubjetividade,
superior summo-interior intimo. A estrutura conceitual fundamental do pensamento
do Absoluto é a síntese entre interioridade e exterioridade, ou seja, a identidade na
diferença entre o transcendente e o imanente. Daí procede o paradoxo da relação

361
. EF VII, p.132.
362 . EF VII, p.133.
133
de transcendência: entre o sujeito e a transcendência não se verifica a distinção
adequada entre termos finitos e que permita falar de não-reciprocidade ou de
reciprocidade. Contudo, ela possibilita a suprassunção da tensão entre a não-
reciprocidade da relação de objetividade (transcendência do Absoluto) e a
reciprocidade da relação de intersubjetividade (Imanência do Absoluto).

Nesse capítulo mediador entre as duas jornadas especulativas, Lima Vaz


mostra que Tomás de Aquino estabelece “uma não-reciprocidade no plano real da
relação entre o pólo transcendente (Deus) e o pólo da imanência”, no qual situam-se
os seres relativos. As noções de relação real e relação de razão desempenham
papel importante na argumentação tomásica. No plano dos seres relativos, a
relação sujeito-Absoluto é uma relação real e de dependência. No plano do Esse
absoluto a relação se configura apenas como uma relação de razão. E por relação
de razão, Lima Vaz compreende uma relação segundo a qual a inteligência finita
pensa a Inteligência infinita como causa exemplar das criaturas, e a Vontade divina
como causa eficiente das criaturas.

"Essa relação pensada entre Deus e as criaturas é obra da nossa


razão finita e discursiva e nada acrescenta à infinitude real do Esse subsistente
e à sua absoluta simplicidade e imutabilidade”363.

A relação do sujeito para com o Absoluto caracteriza-se pela sua radical


dependência do Absoluto: é uma relação real. No entanto, a relação do Absoluto
para com o sujeito é uma relação de razão ou de exemplaridade: relação que não é
relação. O sujeito se relaciona com o transcendente não em razão de uma
reciprocidade ontológica, mas em razão da sua radical dependência. A partir desta
sua existência como ser-para-o-Absoluto, o sujeito existe como ser-para-a-verdade,
ser-para-o-bem.
SEGUNDA JORNADA
D.2.3. Na segunda jornada especulativa da metafísica do existir, Lima Vaz ESPECULATIVA:

repete a estrutura quaternária dos estágios noético-metafísico, noético-ontológico, Itinerário da


Metafísica do
ontológico-formal e ontológico-real. Esse na esfera
do ser finito

No estágio noético-metafísico ele apresenta a estrutura metafísica do ser


Essência e existência
finito. Essa estrutura do ser finito deixa-se traduzir na dialética da identidade na
categorias do
diferença entre essência e existência. Tal como na primeira jornada especulativa do primeiro estágio
noético-metafísico
Esse absoluto, nessa segunda jornada (do esse relativo), há uma correspondência
entre o aspecto noético-metafísico e o aspecto noético-ontológico (segundo
estágio). Ao tratar do primeiro estágio, ele recupera o tema inicial de todo este
capítulo: a questão da inteligibilidade do ser.

363 . EF VII, p.136. Ver nota 9.


134
O problema da inteligibilidade intrínseca do ser finito está na raiz dos dois
paradigmas da ontologia clássica grega: a ontologia platônica da idéia separada, e a
ontologia aristotélica da forma substancial. Em Platão, a inteligibilidade do ser se
esgota na idéia, e em Aristóteles se esgota na forma substancial. Nas duas versões
da gnosiologia da essência “permanece impensada a inteligibilidade própria do esse
como ato de existir, absorvida como é pelo ato da essência”364, seja essa
inteligibilidade pressuposta como Idéia em si (Platão) seja como conceito abstrato
na mente (Aristóteles).

Segundo Lima Vaz, Tomás de Aquino realizou uma profunda ruptura ao


ultrapassar o espaço exclusivo da inteligibilidade da essência, decidindo por atribuir
ao esse365 uma inteligibilidade própria e mais profunda que se apresenta como
fonte e fundamento de todas as perfeições do ser366. O ato de existir ou o esse
propriamente dito é “intuído na afirmação do juízo como horizonte inteligível último”
da inteligência humana. Santo Tomás propõe como alternativa metafísica “a
oposição dialética entre o ato de existir (esse) como perfeição absoluta e o ato da
essência como perfeição relativa (eidos)” 367.

Em outras palavras, o Aquinate, inspirado pela doutrina cristã da criação,


levou o problema da inteligibilidade do ser a patamares mais altos da especulação
metafísica368, ultrapassando os limites da ontologia antiga das essências. Ele
constitui, assim, um novo modelo filosófico-teológico, “no qual o existir (esse) é
posto como termo primeiro de criaturalidade e como fonte primeira de inteligibilidade
(perfectio perfectiorum) do ser finito”369. Em resumo, para Santo Tomás, o ato de
existir confere ao ser o máximo grau de inteligibilidade.
Terceira
"Foi justamente no domínio dessa querela em torno da inteligibilidade Navegação
intrínseca do ser finito que Tomás de Aquino demonstrou genialmente a
extraordinária fecundidade hermenêutica da metafísica do esse, ao ser
confrontada com um dos problemas mais árduos entre quantos desafiam a
inteligência humana e que se exprimem nas interrogações fundamentais: como
explicar o ser finito? Como atribuir-lhe uma consistência própria? Como pensá-
lo nos termos de uma dialética de dependência e independência com relação à
afirmação e de um Ser infinito? Numa das decisões teóricas mais audazes de
toda a filosofia ocidental, considerável ao belo risco (kalòs kýndynos, Féd.,
114,d9) da imortalidade que Sócrates se propôs correr apoiado na afirmação
da existência das Idéias, Tomás de Aquino empreende uma ‘terceira
navegação’ no alto mar da metafísica, avançando além da inteligibilidade da
essência e fundamentando a consistência ontológica do ser finito na
inteligibilidade fontal do esse ou do ato de existir. Nessa perspectiva, o esse

364 . EF VII, p.152.


365. TOMÁS DE AQUINO, De Potentia, q. 7, a.2 ad 9m: “O que chamo esse é a atualidade de todos
os atos e, por isso mesmo, é a perfeição de todas as perfeições”.
366
. EF VII, p.155.
367 . EF VII, p.155.
368
. EF VII, p.154.
369 . EF VII, p.166.
135
finito é posto como termo primeiro da relação de causalidade pela qual o ser
finito depende do Ser infinito, o esse do Esse. A inteligibilidade do esse finito
situa-se inteiramente no âmbito dessa relação que pode ser dita, num sentido
original e único, relação transcendental."370

A inteligibilidade fontal do existir está inscrita na tese criacionista e alcança


sua expressão teórica na metafísica tomásica do esse371. Por um lado, Tomás de
Aquino conseguiu assegurar a transcendência infinita do Esse absoluto (sem
conceitualizá-la positivamente – teologia negativa), realizando a junção e a distinção
entre teologia (sacra doutrina) e metafísica (ciência do esse)372. Por outro lado, ele
manteve a “distinção e a autonomia dos seres finitos na sua relação transcendental
de dependência para com o Esse infinito”373.

"A partir dessa relação dialética Esse infinito-esse finito a


inteIigibilidade intrínseca do esse finito constitui-se como diferença na
identidade entre essência e existência"374.

Em outros termos, a metafísica do esse formula-se como relação dialética


entre a essência e a existência.
Participação e
analogia:
No estágio noético-ontológico do itinerário do ser relativo, a reflexão vaziana
categorias do
dirige-se para o problema da participação e da analogia. No estágio noético segundo estágio
noético-ontológico
metafísico, ficou estabelecido que o esse finito, na sua inteligibilidade intrínseca é a
síntese de essência e existência375. Agora torna-se necessário estabelecer a
distinção entre os esse finitos e o Esse infinito e, ao mesmo tempo, mostrar “o
vínculo inteligível que os une numa dialética da diferença que preserve a identidade
relativa com que ambos se manifestam na intuição protológica inicial”376. Esta tarefa
se realiza mediante a categoria platônica de participação. Na sua transposição para
a metafísica do existir, ela é considerada na sua tríplice estrutura causal: a) causa
eficiente (ordem do Ser); b) causa formal (ordem da verdade); c) causa final (ordem
do Bem)377.

370 . EF VII, p.153. Ver nota 15: “A relação ‘transcendental’, ou seja, que se define pela total relação
recíproca dos seus termos, e é distinta da relação predicamental ou categorial, é propriamente a
relação do ato e da potência, por exemplo, a relação do esse e da essentia na unidade existencial do
ser finito. Por analogia, a relação de criaturalidade pode ser dita transcendental, da parte do ser finito,
na sua total dependência causal para com o Ser infinito e Criador. Da parte do Ser infinito, ela é uma
relação de razão, que não implica nada de real no Criador, mas é pensada por nós sob dois pontos de
vista: a transcendência do Ato criador supremamente livre e sua imanência no ser criado, ao qual
confere duração na existência”.
371
. EF VII, p.167.
372
. EF VII, p.166.
373 . EF VII, p.166.
374
. EF VII, p.166.
375 . EF VII, p.195.
376
. EF VII, p.195.
377 . EF VII, p.195.
136
A idéia de participação está situada na convergência e na correlação das
noções transcendentais Verum-Bonum e na transcendência do Esse absoluto.

"A estrutura transcendental da participação pode ser considerada, pois,


sob duas perspectivas distintas: a perspectiva do verum e a perspectiva do
bonum. A participação na perspectiva do verum é pensada na ordem da
causalidade formal, ou seja, da necessidade intrínseca da essência que como
tal, participa da Idéia na Inteligência infinita. Na perspectiva do bonum, a
participação é pensada na ordem da causa final, ou seja, da livre ordenação
com que o esse participa da Liberdade infinita"378.

Verdade e Bem são os elementos constitutivos do arcabouço conceitual da


metafísica tomásica da participação379. Como se pode perceber, mais uma vez
emerge na sua fundamental relevância teórica, o que Lima Vaz apresentou na
Antropologia Filosófica sob a categoria do quiasmo do espírito.

Na complexa e rigorosa tessitura da metafísica tomásica entrecruzam-se


dois caminhos de pensamento. Por um lado há o caminho da natureza de matriz
aristotélica. Por outro lado há o caminho da criatura de matriz cristã e com sensíveis
influências do neoplatonismo. A partir do roteiro da natureza a participação indica “a
transcendência absoluta do Esse subsistente, do qual os seres na sua totalidade,
reunidos na razão do ens commune, recebem o esse participado segundo a tríplice
relação da causa eficiente, exemplar e final”380. A partir do roteiro da criatura, a
participação se apresenta como o “fundamento da predicação analógica entre o
Esse subsistente participado (Deus) e os esse participantes (criaturas)”381.

A transcendência do Absoluto é inobjetivável e traduz o excesso do Ser, seu


transbordamento ontológico enquanto Uno, Verdadeiro e Bom. Porque está além
dos esse finitos, o Absoluto permite que eles existam “na sua autonomia, no hiato
ontológico da diferença”382. A face ontológica dessa oposição dialética entre
essência e existência se apresenta na relação entre o universal da essência e o
singular da existência.

Tomás de Aquino recusa a univocidade lógica que envolva a noção do ser. A


estrutura de sua metafísica é de base analógica e estabelece um hiato ontológico
entre o Absoluto e os seres finitos. O Absoluto é afirmado supra intellectum, o que
permite o desdobramento do múltiplo como pluralidade de seres finitos afirmados na
sua identidade própria ao mesmo tempo que mantém o vínculo da dependência
causal entre os seres finitos e o Esse infinito, assegurando a “unidade na
pluralidade do ens commune e sua referência constitutiva ao Uno absoluto”.

378 . EF VII, p.181.


379
. EF VII, p.184.
380 . EF VII, p.185.
381
. EF VII, p.185.
382 . EF VII, p.187.
137
A estrutura analógica da participação permite a primazia da realidade
significada (prima intentio) sobre a forma lógica (secunda intentio). Ela manifesta
sua significação metafísica, por um lado, na presença inclusiva do Absoluto nos
seres finitos; e por outro lado, na transcendência radical do Absoluto que por sua
vez se expressa na tríplice causalidade: eficiente, exemplar e final383.

"A participação implica a imanência do Absoluto no relativo, a analogia


postula a transcendência do Absoluto sobre o relativo"384.

Quadro 9 – Estágio noético-ontológico

Essência Existência

Universal Singular

Ser finito situado na dimensão da Enraizamento (do universal da


universalidade lógica, essência) na singularidade ôntica,

participando do universal lógico ou do pela qual o ser é si mesmo em sua


conceito universal no qual a nossa identidade mais radical385.
inteligência exprime a essência.

Ordem:
O estágio ontológico-formal é determinado pela categoria de ordem. E o
categoria do
estágio ontológico-real pela categoria de finalidade. A categoria de ordem permite terceiro estágio
ontológico-formal
que os seres finitos recebam sua identidade e subsistam na diferença que os
distingue entre si conforme a essência própria de cada um.

"Como tais, eles podem inter-relacionar-se e integrar-se


teleologicamente na ordem de um mesmo universo"386.
Finalidade:
No estágio ontológico-real a investigação se dirige ao problema da “posição
categoria do
real dos esse finitos na ordem do universo”387 seja do ponto de vista estático, seja quarto estágio
ontológico-real
do ponto de vista dinâmico.

As duas últimas categorias do ser como ato de existir – ordem e finalidade –


pressupõem a consistência e a autonomia relativa das naturezas que se integram
pela essência e pelo seu operar. Elas se integram pelo seu esse na ordenação
dinâmica do universo para o Ser infinito. Elas são noções correlativas pois “toda
disposição segundo uma determinada ordem tem em vista um fim”388, seja estático
(como estar disposto em ordem), seja dinâmico (quando a ordem é necessária para

383
. EF VII, p.186.
384 . EF VII, p.186.
385
. EF VII, p.171.
386 . EF VII, p.195.
387
. EF VII, p.204.
388 . EF VII, p.208.
138
a obtenção de um fim). A metafísica do existir na esfera dos seres relativos possui
uma estrutura taxiológica e uma estrutura teleológica que “convergem para o
Princípio donde partiu o itinerário, ou seja, o Esse subsistente na sua absoluta
transcendência e na sua radical imanência no cerne dos seres finitos, o seu
esse"389.

No termo de sua reflexão metafísica Lima Vaz realiza o fechamento de um


grande círculo, realizando o retorno ao seu ponto de partida, tal como ocorre com a
Antropologia Filosófica e com a Ética. A manifestação da inteligibilidade radical
da existência, na sua ordenação ao Princípio (categoria de ordem) como sua origem
(categoria de finalidade), alcança um estatuto definitivo quando o caminho para o
Princípio passa pela realização reflexiva ou inteligente da ordem e pela intenção
formal do fim. Isto só acontece porque tal caminho passa pelo espírito
(Antropologia Filosófica).

Gráfico 13 – Segunda Jornada Especulativa: o itinerário da metafísica do existir no


plano do esse relativo
2ª Jornada
Especulativa
ITINERÁRIO DO
ESSE RELATIVO
4 estágios

NOÉTICO-METAFÍSICO NOÉTICO-ONTOLÓGICO ONTOLÓGICO-FORMAL ONTOLÓGICO-REAL


causa formal causa eficiente MÚLTIPLO causa formal causa eficiente

Vínculo inteligível que une o Seres finitos recebem sua identidade


Primazia inteligível do esse
ESSE infinito e os esse finitos e subsistem na diferença com que Posição real dos esse finitos
(existência) e sua articulação
numa dialética da diferença que os distingue entre si, segundo a na ordem do universo, do
com a essência na forma de uma
preserve a identidade relativa com essência de cada um. Podem inter ponto de vista estático e do
distinção REAL entre os dois
que ambos se manifestam na -relacionar-se e integrar-se teleologicamente na ponto de vista dinâmico.
co-princípios do ser finito concreto
intuição protológica inicial ordem de um mesmo universo.

ser real é
ESSÊNCIA EXISTÊNCIA PARTICIPAÇÃO ANALOGIA ORDEM ser ordenado FINALIDADE ABSOLUTO

Conclusão
A conclusão deste capítulo deve indicar apenas que o tema da metafísica do
existir é o tema primordial do pensamento vaziano. A compreensão da obra de Lima
Vaz depende em primeiro lugar da intelecção desta herança tomásica que serve de
eixo para a estruturação da antropologia, da ética e da metafísica aqui estudadas.

Todos os outros temas partem da metafísica do existir e retornam à


metafísica do existir. Ela é o ponto de chegada e o ponto de partida

Tomás de Aquino é uma influência indelével no pensamento de Lima Vaz. O


Doutor Angélico esteve presente no início da formação filosófica do estudante
Henrique Cláudio de Lima Vaz e no termo de sua obra. Em sua bio-bibliografia,
escrita 20 anos antes de sua morte, por ocasião das comemorações do seu

389 . EF VII, p.209. In Im Sent., d.14, q.2,a.2.


139
sexagésimo aniversário ele indicou a forte presença dos textos de Tomás em sua
iniciação filosófica, na primeira metade da década de 1940:

"O texto adotado na época, na Faculdade de Filosofia de Friburgo era a


Philosophiae scholasticae summa de V. Remer, SJ, outrora professor da
Universidade Gregoriana. Esse texto sóbrio e rigoroso tinha, pelo menos, uma
originalidade: a constante referência às obras de Aristóteles e Tomás de
Aquino, citadas a cada página. Ele abria, portanto, generosamente, a jovens
ávidos e cheios de entusiasmo hoje dificilmente compreensível pelo tirânico
imediatismo que nos domina, duas das fontes mais ricas do pensamento
ocidental. Guiado ou motivado pelas citações de Remer, entreguei-me à leitura
anotada, página por página do Comentário de Santo Tomás à Metafísica de
Aristóteles (...). Foi para mim a primeira experiência que recordo com
extraordinária emoção, da leitura meditada de um grande texto filosófico"390.

A conclusão de seu curso de filosofia em 1945 também foi marcada pela


presença de Tomás através da figura de Joséph Maréchal. Para o seu trabalho de
fim de curso Lima Vaz leu e resumiu os cinco cadernos de O ponto de partida da
metafísica. Seu trabalho, escrito em latim chamou-se De ratione existentiae Dei
probandae in dynamismo intellectuali Pe. Marechal. E para a conclusão da Licença,
sua dissertação tratou do seguinte tema: “A afirmação do ser no limiar da
metafísica”.

Não obstante a influência diferenciada de J. Maréchal, Lima Vaz alcançou


uma visão bastante ampla da presença de Tomás de Aquino no século XX. Tal
presença é marcada por três grandes tendências. A primeira tendência passa pela
manualística que encontrou em R.Garrigou-Lagrange e Joséph de Tonquedéc um
nível de profundidade e qualidade diferenciado dos outros manuais escolásticos.

A segunda tendência se desdobra em duas linhas que acentuam por um


lado o perfil teórico de Tomás de Aquino (Jacques Maritain) e por outro lado, seu
perfil histórico (Etienne Gilson).

A terceira tendência, mais arrojada e ousada em suas perspectivas, buscava


traçar o perfil filosófico de Tomás de Aquino dentro das coordenadas teóricas do
pensamento moderno, repensando a herança da doutrina tomásica e tentando
inseri-la na lógica das intuições geratrizes da modernidade.

No interior desta terceira tendência, Joséph de Finance confrontou a teoria


tomásica da reflexão com o Cogito de Descartes. Maréchal, inspirado pelo programa
crítico de Kant, elaborou uma nova versão da fundamentação tomásica da
metafísica. Gustave Siewerth, Gaston Fessard e Bernhard Lakebrink cotejaram o
pensamento de Tomás com a articulação orgânica entre História e Sistema

390 . LIMA VAZ, H.C., Bio-bliografia, in PALÁCIO, C. (org) Cristianismo e História, Coleção Fé e

Realidade, São Paulo, Ed. Loyola, 1982, p.417.


140
realizada por Hegel. E J. B. Lotz realizou uma comparação muito cuidadosa e
minuciosa entre o pensamento de Heidegger e Tomás de Aquino391.

A obra de Lima Vaz situa-se no interior das perspectivas dessa terceira


tendência que busca nas opções tomásicas “indicações ou antecipações em ordem
à solução dos problemas levantados a partir da instauração cartesiana de um novo
ciclo histórico do filosofar”392.

É por isso que todo o conhecimento alcançado por Lima Vaz a respeito da
obra de Tomás não se configurou como um mero exercício de erudição. Todo seu
empenho esteve entrelaçado com as perspectivas da filosofia moderna e orientado
para um novo horizonte que se confrontasse com os interditos e problemas
colocados pela modernidade ante a possibilidade de se pensar o Absoluto como
uma figura da transcendência que possa iluminar a vida e o futuro da humanidade.

O recorte realizado neste capítulo teve como objetivo mostrar em primeiro


lugar a primazia deste tema no pensamento vaziano; em segundo lugar, apontar
sua centralidade na organização da própria compreensão genética da modernidade
(próximo capítulo), bem como, indicar a posição central na articulação do sistema.

O itinerário através do qual Lima Vaz aprofunda sua visão a respeito da


metafísica do existir foi percorrido no confronto com os interditos impostos pela
modernidade à metafísica clássica. Sua metafísica evoluiu ao longo de vários
trabalhos esparsos por toda sua obra, configurando-se como o eixo organizador e
fundante de sua reflexão antropológica e ética. À medida que Lima Vaz realiza a
sistematização da Ética e da Antropologia, o trabalho de organização sistemática da
metafísica vai acontecendo gradual e concomitantemente, alcançando seu termo
apenas no livro Raízes da Modernidade.

O núcleo orgânico da metafísica vaziana está em seu último livro. Todavia o


trabalho de sistematização da metafísica tem seu início formal com a Antropologia
Filosófica quando as categorias de espírito e transcendência são submetidas ao
procedimento metódico de estruturação da conceitualização filosófica através da
qual os conteúdos analisados são tratados a partir dos 3 níveis de conhecimento e
segundo os momentos do objeto, da categoria e do discurso.

Na Antropologia, como já foi dito, Lima Vaz explicita com clareza meridiana
que seu intento consiste em “exprimir o sentido do Absoluto de existência

391
. EF VII, p.247-250.
392 . EF VII, p.250.
141
submetendo-o à dialética da identidade na diferença, do em-si e do para-nós,
constitutiva do espírito humano”393.

O desdobramento da metafísica do existir, ao longo de seus trabalhos,


sempre foi marcado pela perspectiva noética ou intelectualista, que considerava a
questão a partir do problema do conhecimento, da inteligência finita e Infinita. Na
Antropologia Filosófica a abordagem do tema se ramifica em 2 pólos: o pólo
noético e o pólo ético. A partir disso, o Ser começa a ser tratado sistematicamente
como o pólo para o qual o espírito tende como infinitude intencional. Na
Antropologia a chave para a compreensão dessa ramificação é a categoria de
espírito compreendida a partir da perspectiva noética e a partir da perspectiva ética.

Todo o percurso metafísico de Lima Vaz foi marcado por uma ênfase à
perspectiva noética. Com a Antropologia e a apresentação da categoria de espírito
a reflexão se desdobra num viés ético que será reapresentado e aprofundado no
Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2. E alcançará seu termo
na reflexão metafísica do estágio ontológico-real do itinerário do Esse absoluto
(categorias de participação e analogia) e no estágio ontológico-real do itinerário do
esse relativo, mais especificamente, na convergência das categorias de ordem e
finalidade quando o círculo se fecha e o esse relativo alcança seu Fim retornando
ao Princípio do discurso filosófico.

393 . AF II p.120.
142
Gráfico 14 – Tomás de Aquino no Século XX394

Tomás de Aquino
no século XX
3 tendências

3ª Tendência
1ª Tendência Repensar a herança doutrinal
2ª Tendência
Literatura de TAq inserindo-a na lógica das
2 linhas
Manualística grandes intuições geratrizes
do universo filosófico da modernidade

O predicado da VERDADE inerente ao Traçar o perfil filosófico de Tomás


pensamento tomásico, restituído ao seu dentro das coordenadas do
teor original e organizado segundo a Acento no perfil Acento no perfil
PENSAMENTO MODERNO
ordem sistemática postulada pela razão TEÓRICO HISTÓRICO
moderna, assegura-lhe a única forma de mostrando nas grandes
presença compatível com sua dignidade filosófica opções tomásicas...

... indicações ou antecipações em


a presença trans- A leitura das obras Reconstituição histórica do
ordem à solução dos problemas
-histórica de uma verdade de Tomás de Aquino pensamento original de Tomás
levantados a partir da instauração
elevada acima das e de seus grande (freqüentemente obscurecido
cartesiana de um novo ciclo
vicissitudes do tempo comentadores pela tradição)
histórico do filosofar.

verdades normativas para dará a Tomás de Aquino definirá sua situação na história O programa crítico de KANT
O confronto da teoria tomásica Diálogo com a articulação Comparação cuidadosa e
o exercício da reflexão um lugar no mundo da filosofia e mostrará a atualidade inspirou um anova e original
da reflexão com o orgânica entre História e Sistema minuciosa entre HEIDDEGGER
filosófica e teológica filosófico do século e a fecundidade das teses versão da fundamentação
COGITO cartesiano realizada por HEGEL. e Tomás de Aquino
cristãs XX genuinamente tomásicas tomásica da Metafísica

G.Siewerth, G. Fessard,
R. GARRIGOU-LAGRANGE JOSEPH DE TONQUEDÉC JACQUES MARITAIN ETIENNE GILSON JOSEPH DE FINANCE JOSEPH MARÉCHAL J.B.LOTZ
Bernhard Lakebrink

394 . EF VII, p.247-250.

143
Terceiro Capítulo

A Compreensão Genética da Modernidade


“Mais difícil para ser descrita, mas configurando
talvez o traço mais significativo de uma
fenomenologia da modernidade, manifesta-se essa
relação fulcral do ser humano enquanto habitante de
um universo de símbolos que denominamos relação
de transcendência. Com efeito, é segundo os termos
desta relação que o universo simbólico recebe uma
estrutura coerente, sem a qual seria inabitável. Ora,
um dos aspectos mais freqüentemente analisados
na fenomenologia da modernidade, diz respeito à
iniciativa teórica, até agora inédita na história
humana, que propugna a imanentização dos termos
da relação de transcendência, com a abolição da
sua dimensão metafísica e a emergência do
existente humano como fonte do movimento de
autotranscendência desdobrando-se na esfera da
imanência: nas instituições do universo político, na
construção do mundo técnico, na concepção
autonômica do agir ético, na fundamentação teórica,
enfim, da visão do mundo. Tão profunda
transformação no espaço circunscrito e
hierarquicamente ordenado a partir de um Princípio
transcendente, onde aconteciam e se sucediam em
ritmo lento do tempo as ‘coisas humanas’ só se
tornou possível com a irresistível e dominadora
irrupção de uma Razão estruturalmente operacional,
autodiferenciando-se em múltiplas racionalidades”.

Henrique Cláudio de Lima Vaz

Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade


Fenomenologia e Axiologia da Modernidade

144
TERCEIRO CAPÍTULO – A COMPREENSÃO
GENÉTICA DA MODERNIDADE

A. A primazia da categoria antropológica de objetividade.


B. A inversão da dialética mensurante-mensurado.
C. A Unidade da razão.
D. Desarticulação da matriz ternária Princípio-ordem-indivíduo e a absolutização da práxis.
E. As raízes metafísicas da modernidade.

Tal como já foi anunciado, neste capítulo será dada continuidade ao


percurso já iniciado no capítulo primeiro quando, ainda numa fase pré-sistemática,
Lima Vaz já estudava as raízes mais profundas da modernidade. Nesta terceira
etapa, o acompanhamento dos fatores constitutivos dessa gênese da modernidade
serão investigados nos textos sistemáticos de Lima Vaz.

A. A primazia da categoria antropológica da objetividade395

A reflexão sobre a categoria de objetividade é realizada no início da região


categorial de relações da Antropologia Filosófica. É dentro deste texto que alguns
dos aspectos estudados a respeito da modernidade já começaram a ser
organizados e integrados no interior do sistema vaziano.

Essa categoria é o estuário onde se entrelaçam os temas do eu, do mundo,


da técnica e da ciência. No entanto, a ênfase recai sobre a noção de mundo, cuja
forma privilegiada de compreensão é a ciência de matriz hipotético-dedutiva.
Através da categoria de objetividade, Lima Vaz tematiza a relação do homem com o
mundo e com a natureza técnico-científica que alcança, neste mundo matematizado
e tecnicizado, uma certa primazia sobre as outras duas formas de relação, a saber a
relação de intersubjetividade e a relação de transcendência.

O tema do mundo ou, em termos antropológicos, o tema da relação de


objetividade foi trabalhado ao longo da produção filosófica de Lima Vaz, a partir de
quatro enfoques diferentes.
1º enfoque
O primeiro enfoque parte do pensamento clássico, segundo o qual o mundo racionalidade clássica
o mundo como
ou a natureza são compreendidos como physis  A partir desse

enfoque o mundo possui: a) um caráter orgânico (physis como unidade), b) um
caráter cósmico (physis como ordem) e c) um caráter de absoluto englobante total
da realidade, pois a physis era pensada como o último englobante de tudo que o
homem podia conhecer, inclusive no que diz respeito à ação humana. Tudo se
desenrolava no interior dessa physis.

395. AF II, p.9-48. A palavra objetividade , neste contexto, refere-se à relação antropológica segundo a
qual “o homem se comporta em face do mundo-natureza, transformando-o pela Técnica e explicando-o
pela Ciência”.
145
Neste nível, o problema que desafiou Lima Vaz foi pensar como se realizou
a passagem conceitual da physis clássica para a natureza criada por Deus, ou seja,
como pensar a transcendência a partir do problema do mundo? Essa reflexão,
apresentada primeiramente no livro Ontologia e História, no artigo Ciência e
Ontologia da Natureza, alcança nessa categoria de objetividade um primeiro grau de
sistematização e atinge seu zênite especulativo no capítulo O Problema da Criação
do Raízes da Modernidade.
O segundo enfoque aborda a natureza a partir de um ponto de vista 2º enfoque
racionalidade
empírico-matemático, segundo o qual a natureza é compreendida pelos empírico-formal
o mundo como
instrumentos da ciência empírico-formal nascida do racionalismo moderno. O novo naturezacientífica

tipo de racionalidade, ao ser aplicada ao mundo, fornece uma mundividência


destituída das características de completude, de finalismo e de organicidade
inerentes à visão clássica do mundo, mas por outro lado, dá ao ser humano o
3o enfoque
senhorio da natureza através do seu trabalho. racionalidade
fenomenológica
O terceiro enfoque, o fenomenológico, compreende o mundo como noção conceito
fenomenológico
fenomenológica, ou seja, como correlato intencional da consciência. de mundo

O quarto enfoque diz respeito ao mundo técnico ou ao mundo dos objetos.


No seio dessa racionalidade técnica, não se tem um mundo dado, mas um mundo 4o enfoque
racionalidade técnica
construído. E esse mundo da racionalidade técnica, da racionalidade empírico- mundo dos objetos

formal, adquiriu tal grau de autonomia que ele não pode mais ser analisado pela
proposta cartesiana de o homem ser o possessor e o senhor do mundo, pois hoje é
o mundo técnico que vem assenhorando-se da vida dos seres humanos.

A partir da possibilidade de matematização da realidade, a natureza passa


ser pensada “no seu oferecer-se ou estar aberta à poiesis fabricadora ou epistêmica
do homem”396. Neste horizonte, a palavra NATUREZA é compreendida como uma
noção científica, no sentido das ciências empírico-formais397.

Em função dos sonhos de progresso e de avanço tecnológico gestados Primazia da


relação de
durante o início da Idade Moderna, o homem ocidental potencializou de maneira objetividade

exponencial a importância do complexo técnica-ciência que prometia a redenção do


mundo e a solução de problemas antigos e profundos de toda a humanidade. Isso
gerou uma espécie de predomínio do funcional e do operaciomal numa sociedade
que se deixou dominar pela técno-ciência. Em termos antropológicos pode-se dizer
que a sociedade contemporânea é herdeira da “primazia dada à relação de
objetividade na forma da compreensão explicativa da Natureza, na efetivação do
ser-em-relação do homem moderno”398. Disso decorre a subordinação do problema
da experiência com o outro, ou da experiência da relação intersubjetiva aos

396 . AF II, p.25.


397
. AF II, p.24.
398 . AF II, p.55.
146
padrões e critérios do campo próprio da relação de objetividade. Portanto, nesse
novo horizonte antropológico, os critérios do bem melhor e mais perfeito (as
virtudes) são substituídos pelos critérios da operacionalidade, da eficiência, da
economia, da celeridade, da produtividade e da lucratividade. E o reconhecimento
intersubjetivo, fundamentado na dignidade da pessoa, será reduzido a esquemas
próprios de uma categoria que não é aquela própria de seu espaço de realização. O
reconhecimento intersubjetivo estará subordinado aos critérios do consumo, da
venalidade, da aquisição e de mensuração que não são os critérios próprios do
espaço intersubjetivo, a saber, a virtude da fidelidade no plano das relações
interpessoais (eu/tu), a virtude da amizade no plano das relações intragrupais
consensuais espontâneas e não-reflexivas (eu/nós), a virtude da justiça no plano da
relação dos cidadãos com os outros cidadãos e dos cidadãos com o estado
(nós/nós) e o respeito aos direitos humanos no plano das relações entre as culturas
e civilizações (eu/humanidade).

A sociedade hodierna regida e organizada por critérios funcionalistas e pelas


forças do mercado que subordinam a ciência e a técnica, deteriora e diminui a
excelência ou a virtude mesma do ser-com-os-outros do homem contemporâneo. E
com isto, este existir-em-comum vai, aos poucos, adquirindo um contorno
exclusivamente jurídico, formal e legal, destituído das virtudes da amizade, da
fidelidade, da lealdade, enfim da justiça. Neste contexto, a ideologia que vai se
impondo é a do individualismo consumista e hedonista marcado profunda e
indelevelmente pelo predomínio de um tipo de relação que nasce do encontro do
homem com as coisas (objetos) e que se erige como o critério de relação e encontro
do homem com os outros homens.

Pode-se, portanto, afirmar que existe uma inversão nas prioridades das
relações antropológicas quando se percebe que os critérios de valoração próprios
do campo poiético penetraram no campo do prático, exercendo de forma ilegítima
um poder de transformação que deteriora e adultera o específico das relações
intersubjetivas que deveriam ser pautadas, como já se disse, pelos critérios do bom
e do melhor, e jamais pelos vetores da objetividade, enquanto categoria
antropológica.

Os resultados dessa reflexão sobre a categoria de objetividade serão sempre


revisitados por Lima Vaz e se farão presentes no início da sua Ética, bem como no
início e no fim de sua metafísica (uma década após ter sido apresentada no
segundo volume da Antropologia Filosófica).

A transformação nas estruturas da relação do homem com o mundo, ou


seja, a metamorfose nas estruturas da categoria de objetividade consagrou o
“triunfo da forma poiética do conhecimento”. A epistemologia moderna constrói as
relações cognoscitivas e produtivas do ser humano com o mundo a partir de
147
modelos operativos, cujo fim – telos – é a homologia entre conhecer e fazer, entre o
ser humano e o mundo transformado por ele399.

Aquilo que um dia foi um instrumento setorial do saber e da produção tornou-


se uma forma que determina o estilo da civilização hodierna em todos os sentidos
possíveis.

Para além da reflexão de natureza sistemática realizada sobre a categoria de


objetividade no seio da Antropologia Filosófica, outros temas (inversão da
dialética mensurante-mensurado, desarticulação da estrutura ternária Princípio-
ordem-indivíduo, absolutização da práxis) aparecem no Filosofia e Cultura e
depois retornam nos textos sistemáticos da Ética e da metafísica.

B. Inversão da dialética mensurante-mensurado

O estudo vaziano das características da Modernidade tem como resultado a


explicitação de um bloco multifacetado de temas com níveis de acabamento
distintos cronologicamente. Os temas da natureza e da ruptura entre as
universalidades nomotética e hipotético-dedutiva foram iniciados num momento pré-
sistemático de seu iter filosófico e lá mesmo encontraram seu acabamento. Estes
temas foram conservados no interior de sua obra e recuperados no conjunto mais
amplo da reflexão sobre a modernidade.
O tópico da inversão da dialética mensurante-mensurado também teve seu
início numa fase pré-sistemática do pensamento vaziano, mas encontrou seu
acabamento no interior de um período no qual Lima Vaz já trabalhava na edificação
de seu sistema, não obstante, tal acabamento se dê no livro Filosofia e Cultura.
Essa reflexão é fruto de um longo tempo de meditação, pois a abordagem
do fenômeno da Modernidade a partir da inversão da dialética mensurante-
mensurado apareceu pela primeira vez, in nuce, no Escritos de Filosofia I –
Problemas de Fronteira sob a forma da dialética entre finis operis e finis operantis,
na reflexão que Lima Vaz realizou sobre o tema do trabalho e da contemplação.
Esta reflexão alcançou uma nova terminologia – mensura/mensurado – no Ética e
Cultura. Na Antropologia Filosófica o mesmo objeto de estudo emerge sob a
égide da categoria antropológica de objetividade, trabalhada na seção anterior.
Finalmente no Filosofia e Cultura se impõe a terminologia inversão da dialética
mensurante-mensurado.
Da primeira publicação do texto Trabalho e Contemplação (1966) ao
Filosofia e Cultura (1997) há um interregno de 31 anos. Entre esses dois textos há
o Ética e Cultura e os dois volumes da Antropologia Filosófica. Mais uma vez é
possível perceber o aparecimento e o reaparecimento de temas que vão sendo

399 . EF VII, p.253.


148
recuperados após um amadurecimento conceitual ocorrido ao longo de quase
quatro décadas de trabalho filosófico.
Finis operis e finis
A reflexão que considerava a distinção entre finis operis e finis operantis, operantis

tinha em vista o problema da alienação do trabalho que por sua vez originava-se da
inversão da dialética do finis operis e do finis operantis, quando o útil, o lucrativo, e
a acumulação, ou seja o finis operis, tornavam-se um fim em si mesmo.
“O elemento específico da alienação do trabalho é fundamentalmente a
inversão da relação de poder que dirigida originariamente do homem ao mundo,
se volta agora do mundo ao homem”400.

Para Lima Vaz, a práxis humana é regida pela dialética do mensurante-


mensurado401, pois na ação humana (seja como agir/práxis, seja como
fazer/poíesis) há um dualismo estrutural marcado por uma distância ineliminável
entre “conteúdo e significação, entre o dado e a intenção, entre o determinismo
imanente ao objeto e o finalismo do agente”402. E a obra humana (opus –
) é a síntese entre a natureza do objeto e a operação do sujeito403.
Trata-se de uma síntese dialética ou de uma identidade na diferença, afinal a
estrutura da ação se constitui em tensão com o seu objeto404.

"No objeto como termo da ação, no opus ou ergon, a transcendência do


sujeito é atestada exatamente pela forma simbólica pela qual a forma natural do
objeto é integrada no sistema da cultura ou no sistema das significações com
que a sociedade e o indivíduo representam e organizam o mundo como mundo
humano. Assim sendo, o universo das formas simbólicas não é simétrico ao
universo das formas naturais, e a dissimetria entre ambos se manifesta nesse
excesso do símbolo pelo qual a realidade é submetida à sua norma
mensurante: ela deve ser para o homem tal qual o símbolo a significa. Enquanto
produtora de símbolos ou enquanto portadora da significação do seu objeto, a
ação manifesta, desta sorte, uma propriedade constitutiva da sua natureza: ela
é medida (métron) das coisas e, enquanto tal, eleva-se sobre o determinismo
das coisas e penetra o espaço da liberdade"405.

Na dualidade estrutural entre o sujeito e o objeto da práxis (agir) e entre o Primazia do sujeito e
negação do objeto
sujeito e o objeto da poíesis (fazer), emerge a primazia do sujeito como
característica do primeiro momento de um processo dialético. Nesse momento, o
objeto é negado em si mesmo para ser significado segundo o metro da

400
. EF I p.132. Ver também SAMPAIO, R.G., O Ser e os Outros, São Paulo: Unimarco, 2001, p.53:
“O trabalho alienado é a ação destituída da significação humana, da alegria criadora e assim não é
capaz de realizar o ser humano. Pois o trabalho enquanto pessoal, ato humano que confere
significação humana ao objeto trabalhado, deve ser realizador do homem. Na situação de alienação, o
trabalho perde sua ressonância humana, o objeto predomina sobre o ato, e o ato torna-se objeto. Há
portanto uma inversão da instância mensurada sobre a instância que deveria ser a mensurante. O
objeto torna-se a medida e o homem transforma-se no objeto medido”.
401
. EF II p.36-40.
402
. EF II, p.36.
403 . EF II, p.36. Ver nota 1: Como termo da ação, o objeto é prãgma, expressão objetiva da práxis, ou
ainda, se se têm em vista os fins subjetivos da ação ou a utensilidade do objeto, ele é chrema (o que é
útil ou utilizável). No prãgma se dá pois, a síntese entre o finis operantis e o finis operis. Ver Lima Vaz,
Trabalho e Contemplação apud Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira, SP, Ed. Loyola, 1986,
pp. 122-140.
404
. EF II, p.37.
405 . EF II, p.37.
149
intencionalidade ativa do sujeito: sua capacidade, seus instrumentos, suas regras e
seus fins. Nesse primeiro momento, o sujeito impõe sobre o objeto a sua primazia.
Isto decorre, em termos antropológicos de uma superabundância ontológica406 do
sujeito no seu confronto com o objeto. Ou ainda do aspecto não recíproco da
relação de objetividade, ou da relação do homem com o mundo-natureza.
No momento ulterior, esta primazia do sujeito será negada, pois a realidade Primazia do objeto e
negação do sujeito
do objeto (sua verdade) será a medida da práxis e da poíesis.

“Em força do predicado da verdade do seu ser e da necessidade


inteligível que lhe é inerente, ela (a realidade do objeto) nega a
contingência puramente empírica da atividade do sujeito, da qual passa a
ser mensurante” 407.

O ethos, enquanto realidade histórico-social, resulta da suprassunção dessa


oposição dialética entre sujeito e objeto e entre mensurante e mensurado.
Os indivíduos e os grupos humanos organizados aceitam medir sua práxis Ethos como
suprassunção da
segundo uma escala de normas, fins, valores que têm seus fundamentos e oposição

justificação num nível que transcende o teor empírico dos objetos e a contingência
do agir particular de cada indivíduo da sociedade.

“A transcendência desse fundamento, afirmada na sanção religiosa e


sapiencial do ethos nas sociedades tradicionais, ou traduzida na
conceitualização filosófico-teológica do ethos como Ética (o Bem ou os
bens em Platão e Aristóteles, a Natureza estóica, o Deus pessoal e
cristão), assegurou ao pensamento ético clássico uma formulação
satisfatória da síntese que deve unir a primazia respectiva da práxis e da
realidade, no exercício da dialética do mensurante e do mensurado”408.

A Revolução Científica e a repercussão do sucesso da mecânica de Galileu Imanentização do


fundamento
e de Newton, bem como todo o movimento de idéias que girou em torno da física
clássica, alteraram profundamente as estruturas simbólicas do ethos ocidental,
como se disse logo acima, originando o processo de imanentização do fundamento
transcendente que assegurava a suprassunção ou a síntese dialética da oposição
entre a práxis humana e o seu mundo409. Trata-se de um momento histórico
paradoxal, pois nele, o homem, ao deslocar a Terra do centro do Universo, se
coloca a si mesmo no centro deste novo Universo, e faz de si mesmo o fundamento
de todo o resto, levantando a pretensão de ser o “lugar conceitual originário e ao
mesmo tempo o termo do movimento de transcendência no qual é suprassumida, no
nível dos valores, normas e fins, a oposição entre a práxis e o seu mundo enquanto
oposição desenhada no plano empírico e contingente da ação”410.

406 . AF II, p.35.


407
. EF III, p.132.
408 . EF III, p.133.
409
. EF III, p.133.
410 . EF III, p.134.
150
Essa meditação sobre a dialética mensurante-mensurado está no interior de
uma reflexão mais ampla sobre o problema da crise ética. E ao mesmo tempo, está
intrinsecamente relacionada com a questão da gênese da modernidade, que se
apresenta para Lima Vaz a partir desta nova estrutura conceitual na qual a instância
mensurante perde sua primazia para tornar-se a instância mensurada e subordinada
a sua própria obra.
Todos esses elementos, até aqui enumerados (a passagem da Razão e racionalidades

universalidade nomotética para a universalidade hipotético-dedutiva, as


conseqüências epistemológicas da Revolução Científica, a inversão da dialética
mensurante-mensurado) se devem em última análise ao problema da fragmentação
da Razão em múltiplas racionalidades ou ainda à desarticulação da matriz ternária
Princípio-ordem-indivíduo. Estas questões terão por conseqüência a absolutização
da práxis, o niilismo e a transformação das formas tradicionais de intelecção do
tempo.
As seções seguintes continuam realizando o desdobramento de todo o
processo de constituição da compreensão genética da modernidade elaborada por
Lima Vaz, sempre no interior de uma reflexão sobre a ética e sobre a metafísica. Os
passos já apresentados e os passos subseqüentes convergirão numa inquirição
mais profunda da história da filosofia que, por sua vez, irá denunciar que as raízes
mais profundas da modernidade se encontram arraigadas no terreno de uma
discussão de ordem metafísica já presente no século XIII, quando surge a
metafísica do existir de Santo Tomás de Aquino.

151
Gráfico 15 – Dialética da constituição do ethos: dialética do mensurante-
mensurado411

Dialética da constituição da
PRÁXIS HUMANA
DUALIDADE
ESTRUTURAL
DIALÉTICA DO
MENSURANTE-MENSURADO

sujeito e objeto sujeito e objeto


da práxis da poíesis
AGIR FAZER

1º MOMENTO 2º MOMENTO
PRIMAZIA PRIMAZIA
DO SUJEITO DO OBJETO
Negação Negação da Negação
Negação do objeto Negação da Primazia do Sujeito

para ser significado


ou restituído segundo realidade do objeto impondo, nega a contingência
ser natural do objeto
a medida traçada à significação que lhe é atribuída, empírica da atividade do
é negado em si mesmo pela intencionalidade a sua verdade sujeito
ativa do sujeito

Objeto assumido na esfera do


agir e do fazer humanos
recebendo uma significação
propriamente humana

dialética da constituição do ethos realidade do objeto


práxis e poíesis
MENSURANTE
MENSURANTES
da atividade do sujeito
da realdiade

Constituição do ETHOS
suprassunção da dialética
sujeito-objeto
mensurante-mensurado

C. A Unidade da Razão

No artigo Ética e Razão Moderna412,escrito em 1995, Lima Vaz apresenta a


situação da Ética, na cultura contemporânea, tendo como pressuposto que os seus
caminhos estão irrevocavelmente ligados aos caminhos da Razão413. A ética é
definida como “ciência dos costumes transmitidos na sociedade, dos estilos
permanentes do agir dos indivíduos – hábitos, bem como da comprovação crítica
dos novos valores que a evolução da sociedade faz surgir”414.

411
. EF III, p.132.
412 . SNF, n.68, p.53-85.
413
. SNF, n.68, p.58.
414 . SNF, n.68, p.57.
152
E para apresentar os principais traços da Ética Lima Vaz descreve e
caracteriza as formas de racionalidade vigentes neste momento e busca identificar
as formas de racionalidade ética correspondentes aos múltiplos usos da razão.

Um traço importante da cultura ocidental moderna é a coexistência de Auto-diferenciação da


razão
múltiplas formas de racionalidade que obedecem a lógicas próprias, ora opostas,
ora complementares. Dentre as várias formas de racionalidade incluem-se as
racionalidades formais da lógica e do cálculo e as racionalidades operativas da
técnica. Isto porque a razão moderna auto-diferenciou-se em múltiplas
racionalidades distintas.

Esse fato da auto-diferenciação da Razão pode ser tratado a partir de dois


pontos de vista distintos: a. o ponto de vista teórico que investiga na natureza
mesma da Razão seu princípio de “auto-diferenciação que permite a multiplicação
das racionalidades na realização histórica da Razão”415; b. o ponto de vista histórico
que considera a gênese e o multiforme crescimento da Razão na civilização
ocidental que pode, por sua vez, ser considerada a civilização da Razão.

A partir do ponto de vista teórico três questões se entrelaçam no tratamento Três questões

metafísico e gnoseológico da natureza da Razão que se coloca exatamente quando


ocorre o surgimento da reflexão e da consciência que permitem à própria Razão
atingir a plena consciência-de-si e confrontar-se com o paradoxo de pensar sua
origem e de desdobrar-se na interrogação de si mesma416:

a. a identidade dialética da Razão e do Ser (primeira propriedade da Razão),


b. a identidade reflexiva da Razão consigo mesma (segunda propriedade da
Razão), c. a unidade da Razão na pluralidade das suas formas e dos seus usos.

As duas propriedades da Razão (identidade e reflexividade) garantem a sua


unidade na multiplicidade das suas realizações históricas e permitem que a Razão
seja definida pela sua “abertura transcendental ao Ser” (identidade dialética com o
Ser) e pela sua total e completa reflexividade em si mesma.

A identidade e a reflexividade na razão finita do ser humano têm lugar no Unidade analógica da
razão
domínio do intencional, ou seja, como unidade na diferença da razão com o ser e da
razão consigo mesma417.

"A identidade com o ser e a reflexividade permitem, por sua vez, atribuir à
Razão uma unidade analógica, segundo a qual as suas formas se diferenciam em

415 . SNF, n.68, p.59.


416
. SNF, n.68, p.59.
417 . SNF, n.68, p.60.
153
virtude da referência a uma forma paradigmática na qual se manifesta, na sua
realização considerada a mais perfeita, a essência ou a idéia da Razão"418.

Essa estrutura analógica da Razão foi rompida. E com isto os modelos de Ruptura da
unidade analógica
racionalidade da física e da matemática, da dialética, da lógico-lingüística, da da razão

fenomenologia, da hermenêutica começaram a reivindicar o posto antes ocupado


pela antiga razão metafísica, sem contudo, alcançar uma forma de unificação do
campo da razão. Essa incapacidade se deve à dissolução da forma contemplativa
da razão que permitia o coroamento do “exercício da atividade intelectual com a
theoría do Ser e com a ascensão intelectual ao Absoluto”419.

O aspecto histórico da questão da auto-diferenciação da Razão deve ser Aporética


histórica
tratado a partir de dois momentos distintos: a. o momento da razão clássica
enquanto a Razão é compreendida como Filosofia e b. o momento da razão
moderna enquanto ela é compreendida como Ciência.

Novamente Lima Vaz realiza um trabalho comparativo entre estes dois


momentos históricos para realçar os traços específicos que determinaram a gênese
da modernidade.

Na chamada Ilustração ateniense dos séculos V e IV aC houve o confronto Idade Antiga:


Platão
entre a razão sofística e a razão socrático-platônica. Desse embate emerge “a e Aristóteles

diferenciação da razão em dóxa e alethés (entre razão provável e razão verdadeira).


É Platão quem ordena as formas da Razão, fazendo com que elas sejam referidas
a uma Razão superior que tem seu cume na Teoria dos Princípios: esta razão
superior é a Dialética ou a Filosofia. Mas Aristóteles realiza uma certa relativização
do monocentrismo da concepção platônica do conhecimento, bem como estabelece
sua clássica divisão do saber e funda a autonomia do saber prático, cujo objeto é a
práxis humana.

Não obstante as diferenças entre Platão e Aristóteles a concepção clássica


da diferenciação da Razão (ou da divisão do saber) admite o saber teórico como o
princípio organizador e final, pois todos os outros saberes procedem da Filosofia ou
a ela se ordenam, afinal o saber filosófico “preside à diferenciação da Razão”
porque nasceu “da experiência profunda da ordem divina que se eleva sobre a
aparente desordem do mundo”420.

418 . SNF, n.68, p.60.


419
. SNF, n.68, p.60.
420 . SNF, n.68, p.61.
154
"É, pois um saber eminentemente ordenador e, como tal, uma sabedoria,
capaz de oferecer um fundamento racional à ordenação da conduta humana, ou
seja, à Ética"421.

Na Idade Moderna, a auto-diferenciação da Razão é marcada por dois Idade Moderna:


o método
aspectos relativos à natureza do método e à natureza do seu sujeito. e o sujeito

O método, na Idade Moderna, obedece aos esquemas cartesiano e


galileano-newtoniano de análise a partir de regras que possibilitam a construção do
“modelo matemático mais adequado para a explicação dos fenômenos da natureza
pela descoberta das leis do seu funcionamento”422, a partir de hipóteses, deduções
e verificações experimentais que tornaram possível o surgimento da ciência
empírico-formal.

"Trata-se de uma ciência na qual o conhecimento é exercido metodicamente


como uma operação capaz de construir o seu próprio objeto e de instituir assim uma
homologia entre o sujeito e o seu mundo de objetos, esses assumindo a estrutura
típica do objeto técnico. Nessa forma de racionalidade característica da ciência
moderna tende a desaparecer a distinção entre conhecer e fazer ou entre theoria e
a poiesis, para usar a terminologia aristotélica"423.

O método analítico-experimental é marcado por uma fecundidade e por um


dinamismo que permite a aplicação de seus procedimentos hipotético-dedutivos a
muitos campos da realidade. E o resultado dessas múltiplas possibilidades de
aplicação do método é a auto-diferenciação da razão moderna. Mas isso também é
um problema resultante da perda da unidade analógica da Razão.

Quanto à natureza do sujeito, ocorre que as noções de nous e intellectus são


substituídas pelo Eu cogitante cartesiano e pelo Eu transcendental kantiano. As
noções clássicas (nous / intellectus) eram marcadas pela prerrogativa da atividade
contemplativa, enquanto as noções modernas designam a atividade construtora do
sujeito. Assim a razão moderna e suas racionalidades operam no reduzido espaço
estabelecido entre “a razão construtora do sujeito e a inteligibilidade construída do
objeto”424. Fora deste espaço não há conhecimento válido.

"A figura arquetípica da racionalidade moderna foi desenhada por Kant na


Crítica da Razão Pura, ao estabelecer um dualismo intransponível entre a Razão e
o Entendimento, aquela como sede de um pensar metafísico relegado ao domínio
da aparência transcendental, esse definido como um conhecer que procede pela

421
. SNF, n.68, p.61.
422 . SNF, n.68, p.61.
423
. SNF, n.68, p.61.
424 . SNF, n.68, p.62.
155
construção da inteligibilidade dos fenômenos segundo formas a priori (da
sensibilidade e do próprio Entendimento)"425.

Esse dualismo implicou a superação da metafísica e conseqüentemente a


dissolução definitiva da unidade analógica da Razão. Esta superação da idéia de
analogia aplicada à Razão é uma das causas da fragmentação e da dispersão atual
das formas de racionalidade.

Por um lado, a pluralidade de racionalidades é o resultado da auto- Aporética


crítica
diferenciação da razão moderna. Por outro lado, é o problema colocado pelo
acontecimento da perda da unidade analógica da Razão, afinal esta multiplicação
de racionalidades faz com que também haja inúmeros discursos éticos destituídos
da possibilidade de uma unificação e muitas vezes opostos e incompatíveis uns com
os outros inviabilizando qualquer pretensão de fundamentação de uma ética
universalmente válida.

Na seqüência de sua reflexão Lima Vaz estabelece a distinção entre Razão Razão e
racionalidades
e racionalidade, afirmando que a Razão é universal e a racionalidade é particular. A
primeira se refere aos sujeitos capazes de usá-la (sujeitos racionais) e à realidade
que pode ser por ela compreendida (realidade racional). O conhecimento da Razão
opera a partir de princípios e obedece a regras da demonstração.

A racionalidade, por sua vez, depende das características do objeto e do


método adequado à explicação do mesmo objeto. Isto implica ‘estilos’ distintos no
uso da Razão426. Pode-se dizer que a expressão racionalidade designa ‘as diversas
figuras da Razão” presentes no espaço do conhecimento racional. São figuras da
Razão a racionalidade físico-matemática, a racionalidade tecnológica, a
racionalidade econômica, a racionalidade política e outras mais.

Todavia essa distinção não implica uma relação unívoca e estática tal como
a relação dos termos gênero e espécie. Essa distinção implica uma relação entre a
Razão e as racionalidades, como relação entre o universal e o particular,
compreendida dinamicamente, pois a Razão é assumida como conceito analógico
que na sua efetivação histórica apresenta uma estrutura em movimento,
analogicamente participada por várias formas de racionalidades.

"Ao considerarmos a auto-diferenciação da Razão no seu aspecto teórico,


vimos que a analogia da Razão ordena-se segundo o nível de participação das
formas de racionalidade à relação transcendental entre a Razão e o Ser. Essa
relação implica necessariamente a pressuposição de uma Razão absoluta ou de

425
. SNF, n.68, p.62.
426 . SNF, n.68, p.63.
156
uma identidade absoluta da Razão em si mesma, que é igualmente a absoluta
reflexividade do Ser em si mesmo”427.

Na identidade absoluta com o Ser, a Razão é nous ou intellectus. Na razão


finita a identidade com o ser é uma identidade na diferença: “a identidade
intencional (cognoscitiva) com o Ser, admite a diferença real com que o Ser subsiste
em si mesmo”428, independentemente do conhecimento do ser finito – do ser
humano.

A razão finita é

“estruturalmente articulada à identidade intencional com a universalidade do


Ser, ou, em outras palavras, é estruturalmente ordenada ao seu ato supremo como
inteligência. Essa relação entre razão e inteligência em nós permite-nos
compreender a estrutura analógica do conceito de Razão, como participação das
formas de racionalidade, particularizadas segundo o seu objeto, na forma universal
da Razão. O universo da Razão e das racionalidades é, assim, intencionalmente,
para nós, o universo do Ser e do inteligível, e entre a estrutura analógica de ambos
vigora a homologia que torna possível à Razão desdobrar-se historicamente num
processo sem termo de auto-diferenciação das suas formas de racionalidade”429.

No plano da razão finita, a infinitude intencional decorrente da sua homologia


com o Ser possibilita a edificação da estrutura analógica através de dois pólos de
inteligibilidade: a. o pólo metafísico e b. o pólo lógico. O primeiro permite o
pensamento da infinitude real do Ser. O segundo permite a operação com a
infinitude intencional da razão. Todavia na Razão infinita ocorre a identidade
absoluta entre o lógico e o real.

Retornando ao ponto de vista histórico, é possível constatar que a razão Pólos metafísico e
lógico
clássica tinha sua estrutura analógica organizada ao redor do pólo metafísico. No
horizonte da razão clássica a atividade intelectiva (nous ou inteligência espiritual)
realiza seu ato mais excelente e perfeito na contemplação do Absoluto real.
Enquanto no horizonte desenhado pela razão moderna, a primazia foi dada ao pólo
lógico, o que implicou o início de um processo que erodiu a estrutura analógica
própria do período clássico.

Esse predomínio do lógico é ratificado com Descartes através da ênfase


dada ao método e com Kant através da constituição do sujeito transcendental que
avoca para si a posição, o lugar e a dignidade do Absoluto real, afinal o sujeito é o
operador do método e o construtor do objeto.

427 . SNF, n.68, p. 64.


428
. SNF, n.68, p. 64.
429 . SNF, n.68, p. 64.
157
Na razão clássica as formas de racionalidade subordinam-se e ordenam-se à
inteligência metafísica. No novo paradigma inaugurado com a Idade Moderna, as
formas de racionalidade se multiplicam e têm a sua ordenação determinada pelos
procedimentos (metódicos) da experimentação e da construção lógica do objeto.

Gráfico 16 – A razão clássica e a razão moderna

Razão Clássica Razão Moderna

Estrutura analógica organizada ao Primazia do pólo lógico e


redor do pólo metafísico. desconstrução da estrutura analógica.

Atividade intelectiva (nous ou Ênfase no método (Descartes) e no


inteligência espiritual) realiza seu ato mais sujeito transcendental (Kant) que avoca para
excelente e perfeito na contemplação do si a posição, o lugar e a dignidade do
Absoluto real. Absoluto real.

As racionalidades subordinam-se e Racionalidades multiplicadas e


ordenam-se à inteligência metafísica ordenadas pelos procedimentos (metódicos)
da experimentação e da construção lógica do
objeto

Nesses dois momentos históricos também é possível encontrar uma


distinção na relação entre o irracional e o racional.

Na Idade Clássica o racional realiza seu domínio sobre o irracional


(potências irracionais da alma) através do exercício da sabedoria prática – da
virtude. Com a Modernidade o irracional é submetido pelo racional a partir do
exercício do domínio técnico. Assim as pulsões inconscientes e afetivas podem ser
controladas pelos instrumentos das ciências do psiquismo e das neurociências.

Lima Vaz apresenta uma tipologia das racionalidades modernas, que giram
ao redor do pólo lógico. Esse pólo, por sua vez, organiza estas racionalidades a
partir da proximidade delas com a racionalidade lógico-matemática. Quanto maior
for a proximidade de um certo discurso científico da racionalidade lógico-matemática
(racionalidade matriz) maior será o grau de universalidade e maior será o alcance
gnosiológico deste discurso científico430.

As racionalidades organizadas pelo pólo lógico possuem dois traços Tipologia das
racionalidades
principais: a. o conhecimento concebido como auto-produção, ou como produção
ilimitada de novos conhecimentos; b. o conhecimento como produtor de objetos. A
partir desses dois traços e da consideração da proximidade com a racionalidade
matriz segue-se a seguinte tipologia: 1. a racionalidade lógico-matemática (como

430 . SNF, n.68, p. 66.


158
racionalidade matricial), 2. a racionalidade empírico-formal; 3. a racionalidade
hermenêutica; 4. a racionalidade filosófica.

A racionalidade lógico-matemática é um discurso puramente formal, que Lógico-matemática

se desdobra nos domínios da Lógica e da Matemática. Estes dois grandes domínios


se constituem como método e linguagem que atendem ao rigor e à exatidão do
conhecimento e da sua expressão o que os habilita à condição de pólo unificador
das racionalidades do universo da razão moderna.

A racionalidade empírico-formal própria das ciências da natureza tem na Empírico-formal

Física newtoniana seu paradigma fundamental e o conceito fundamental sobre o


qual se assentam estas ciências é o novo conceito de natureza (distinto do conceito
de physis) definido pela objetividade à qual são submetidos os fenômenos naturais,
cuja inteligibilidade é constituída pela possibilidade da mensuração, da verificação,
da repetição e da previsão. Esta racionalidade efetiva-se ou materializa-se na
técnica que consegue transformar o mundo em função da sua capacidade operativa
(e não contemplativa).

A racionalidade hermenêutica é aplicada ao campo da cultura (enquanto Hermenêutica

distinto da natureza) compreendida como o universo humano das significações


objetivada nas tradições, nas instituições, nas obras humanas, no ethos e nas ações
realizadas na história.

A racionalidade filosófica nos tempos modernos obedece à atração do pólo Filosófica

lógico em detrimento do pólo metafísico e tem como matriz heurística e sistemática


o problema da logicização do Ser, que diferentemente da razão clássica inscrevia o
lógico no Ser.

Uma chave privilegiada de leitura da Idade Moderna está na primazia dada


ao lógico sobre o ser.

A Modernidade uniu theoría e poíesis, e as racionalidades predominantes Primazia do lógico


sobre o ser
dentro desse horizonte são marcadas pela sua capacidade operacional. Disto
resulta “o imenso processo de racionalização do mundo natural do homem e sua
passagem à condição de mundo técnico, bem como de racionalização da vida
humana, objeto das tecnologias sociais de controle e organização”431. Por outro
lado, a Modernidade não logrou estabelecer princípios universais que
fundamentassem o saber ético, fazendo com que certas regiões da vida humana
sofressem um refluxo para o campo da irracionalidade. No caso específico da Ética,
verificou-se que o agir humano (práxis) é irredutível àquela racionalidade
matemática que conseguiu reduzir a physis aos seus esquemas compreensivos.

431 . SNF, n.68, p. 69.


159
"O advento da razão moderna significou uma profunda revolução nos
fundamentos da Ética, provocada pelo deslocamento do centro unificador das
racionalidades do pólo metafísico para o pólo lógico. Na verdade essa revolução,
que irá dar à Ética ocidental uma nova face e encaminhá-la em novas direções
conheceu seu primeiro episódio no nominalismo tardo-medieval e na crítica
presente à analogia do ser, pilar da sustentação da metafísica clássica"432.

Na seqüência de sua reflexão Lima Vaz comenta as idéias éticas formuladas Descartes

por Descartes, Hobbes, Kant e Hegel. Descartes propõe sua moral provisória de
submissão prudente ao ethos tradicional até o momento em que se consiga
constituir uma Ética racional e universal, inscrita no “triângulo epistemológico”
formado pelo método, pelo sistema e pelo sujeito. Desse programa logrou-se
buscar no sujeito o princípio lógico-ontológico do agir ético e constituir uma Ética de
caráter autonômico, em detrimento do modelo clássico, considerado essencialmente
ontonômico e no qual o “ser objetivo, mediatizado pela ‘reta razão’, é a fonte da
moralidade”433.

Hobbes rejeitou a teleologia do Bem e assumiu os princípios de um Hobbes

materialismo mecanicista oriundo de uma inspiração estritamente empirista, também


influenciada pela matemática euclidiana. Para Hobbes o domínio dos valores éticos
é determinado e construído pelo caráter poiético e fabricador do conhecimento
humano.

O problema enunciado por Kant da “coexistência da Moral como domínio da Kant


e
Razão pura prática, e da Ética no seu uso pragmático como ethos vivido, é Hegel

retomado por Hegel como sistema na dialética do espírito objetivo”434.

Hegel inverte a ordem da inteligibilidade kantiana e o momento da


‘moralidade’ (Moralität) será suprassumido na ‘vida ética concreta’ (Sittlichkeit). E a
vida ética será pensada como o termo do desdobramento dialético do espírito no
seu operar no mundo – espírito objetivo. A empresa hegeliana pretende recuperar a
racionalidade ética da Antigüidade na perspectiva da razão poiética moderna:

"mostrar essa razão operando no ethos concreto a partir do seu princípio


que é a subjetividade absoluta (ou a Idéia absoluta) desdobrando-se historicamente
como espírito objetivo"435.

Hegel dialetizou a relação entre o sujeito moral e o sujeito ético, referindo o


primeiro ao domínio da interioridade da razão prática e o segundo ao domínio da
exterioridade do ethos histórico. Ele também racionalizou o ethos segundo a

432
. SNF, n.68, p. 70.
433 . SNF, n.68, p. 71.
434
. SNF, n.68, p. 72.
435 . SNF, n.68, p. 73.
160
necessidade do movimento dialético determinado pelo telos da sociedade política.
Essas realizações que se referem ao vasto domínio do Direito tornaram-se o ponto
de partida para as éticas pós-hegelianas e contemporâneas marcadamente
determinadas pelo entrecruzamento das idéias de autonomia do sujeito, de razão e
de experiência.

Tal situação implica o problema da universalização da norma ética a partir


da situação do sujeito, a saber, sua contingência, sua finitude, seu livre-arbítrio.
Afinal a universalidade deve ser definida a partir da razão enquanto razão universal.

"Ora, a universalidade só pode ser definida em termos de razão e a razão é


universal exatamente na sua homologia com o ser, vale dizer, na sua
intencionalidade transempírica"436.

Como essa intencionalidade não se dirige para um pólo metafísico – por ora
interditado – cabe a ela retornar sobre si mesma orientando-se para o pólo lógico
imanente ao sujeito. O que faz do sujeito ao mesmo tempo, princípio da
racionalidade e fundamento da sua aprioridade transcendental sobre o dado da
experiência.

O problema das racionalidades éticas contemporâneas consiste no desafio Éticas


contemporâneas
de realizar a articulação da autonomia do sujeito (princípio) com a universalidade
da razão (forma) num agir ético que não seja, por um lado, solipsista, e nem
puramente formal, por outro lado.

A realização dessa tarefa de articular autonomia principial do sujeito com a


universalidade da razão tem sido polarizada pelas lógicas do sujeito e pelas lógicas
da experiência.

No espaço circunscrito pelas lógicas do sujeito estão os terrenos da


linguagem (seja do ponto de vista analítico ou hermenêutico) e do consenso
(fundado no discurso comunicativo, ou no discurso procedural ou ainda na
consideração das conseqüências do agir – conseqüencialismo). Os discursos éticos
regidos pelas lógicas demonstrativas fazem do sujeito ético concreto o suporte de
um consenso ou de um cálculo das conseqüências; cálculo determinado por
princípios estritamente lógicos. Estes discursos não conseguem explicitar e
organizar conceitualmente as razões imanentes ao ethos que manifestam a
essência ética do homem.

"as racionalidades éticas obedientes a uma lógica do sujeito decorrente da


eliminação do pólo metafísico no espaço da razão, absorvem o sujeito ético no
desafio de integrar racionalmente na comunidade ou na história – avatares do antigo
Absoluto metafísico – deixando por resolver o problema fundamental da ética, qual

436 . SNF, n.68, p. 73.


161
seja o do ‘tornar-se bom’ do sujeito através do exercício permanente da sua ‘razão
prática’ como phrónesis ou ‘razão reta’(orthos logos)"437.

O espaço desenhado pelas lógicas da experiência, no qual ainda prevalece o


princípio da autonomia, tem como marcos reguladores o prazer, a satisfação, o útil,
a conveniência, a venalidade, ou ainda os resultados de uma experiência científica.
Nesse espaço são encontradas as ideologias pseudo-éticas do hedonismo
(satisfação), do utilitarismo (utilidade), do psicologismo (bem-estar psicológico), do
biologismo (auto-conservação), do sociologismo (integração social).

As racionalidades éticas contemporâneas são marcadas pelo predomínio do


lógico e do operacional. Tal condição, caracterizada a. pela articulação entre teórico
e poiético (técnico) sem a mediação do prático e b. pela imanentização do sentido e
do fundamento do valor na razão finita e na liberdade situada, dirige as
racionalidades éticas ao deserto do não-sentido e do niilismo.

A interdição do pólo metafísico inviabiliza a constituição de uma Ética


universal. Para Lima Vaz não há Ética sem metafísica. E uma sociedade sem Ética,
é um templo sem altar, ou uma spelunca latronum:

"uma civilização que celebra a Razão, mas abandona a metafísica e a


Ética é semelhante, para lembrar uma comparação de Hegel, a um
templo sem altar; que outro destino lhe resta senão o de tornar-se uma
spelunca latronum (Mt 21,13)?"438

Não obstante, o problema da unidade da razão, sua universalidade, e sua


homologia com o Ser terem sido tratados no seio de uma investigação de natureza
ética, é notório que Lima Vaz está realizando progressivamente sua compreensão
genética da modernidade. Centrado na reflexão ética, Lima Vaz indica outros fatores
que podem ser considerados elementos constitutivos de sua visão da modernidade.
Todavia a sua dedicação ao problema da ética ainda encontra outras formas de
expressão e desenvolvimento nas colocações a respeito da desarticulação da matriz
ternária Princípio-ordem-indivíduo, da absolutização da práxis, da imanentização do
princípio ordenador, da compreensão do tempo, que acompanham a genética da
modernidade, para finalmente encontrar seu termo na reflexão mais profunda sobre
as raízes metafísicas da modernidade identificadas no subsolo doutrinal do século
XIII.

D. Desarticulação da matriz ternária Princípio-ordem-indivíduo e a


absolutização da práxis

No Filosofia e Cultura, Lima Vaz dedica alguns de seus capítulos ao


problema da Ética, da crise ética e a relação desta crise com civilização moderna.

437
. SNF, n.68, p. 75.
438 . EF II p.8.
162
Ao tratar destas questões ele realiza, concomitantemente, um aprofundamento da
sua compreensão da modernidade e encontra no novo paradigma filosófico da
modernidade as causas do problema ético contemporâneo.

Algumas das perspectivas através das quais é apresentada a origem da Matriz


ternária
crise ética que envolve a civilização ocidental apontam para a analogia entre a
matriz conceitual que permite o pensamento da Natureza e a matriz que permite
pensar a natureza ética da comunidade. Nos dois casos, trata-se de uma matriz
ternária, constituída por um princípio ordenador, por um modelo de ordem e pelos
elementos ordenados: Princípio-ordem-indivíduo.

A articulação destes termos constitui as coordenadas do espaço intencional


da sociedade. A ausência dessa articulação faria com que a sociedade mergulhasse
numa anomia intolerável cuja conseqüência máxima seria o niilismo ético439.

Na Natureza, a ordenação nomológica dos fenômenos possibilita que eles


sejam unificados sob a égide de um princípio unificador. Na Sociedade o indivíduo é
elevado ao patamar da comunidade ética quando se integra no corpo normativo do
ethos e ultrapassa a contingência de sua situação ou de sua individualidade
empírica. No plano da comunidade ética, o indivíduo se refere a um princípio de
ordem que fornece a razão de sua existência comunitária e do seu agir eticamente
qualificado.

"Foi essa homologia estrutural que tornou possível a codificação racional do


ethos em Ética e Política, dando origem a partir de Platão e Aristóteles, a duas das
disciplinas fundamentais da enciclopédia do saber"440.

Todavia a predominância de qualquer um desses três termos sobre os outros


faz com que tal assimetria desequilibre a comunidade ética.

Um desequilíbrio que tenha como fonte o princípio ordenador implica uma


hipertrofia do exercício do poder manifestada historicamente na emergência de
estados autoritários.

Quando o modelo perde a nitidez de seus contornos ocorre o relaxamento


de sua constituição e a perda de seu poder normativo, enfraquecendo o ethos da
comunidade e deixando a comunidade sem parâmetros de conduta.

Se a primazia é dada aos elementos ordenados ocorre o afrouxamento do


vínculo entre os indivíduos que deveriam ser regidos pelo modelo e pelo princípio,
ocasionando a emergência do individualismo e por conseguinte, a dissolução da
comunidade ética.

439
. EF III, p.146.
440 . EF III, p.146.
163
A assimetria entre os termos estruturais da comunidade ética assumiu
dimensões civilizatórias com o advento da modernidade que imanentizou o princípio
ordenador no arbítrio do indivíduo441 e transformou aquela estrutura ternária numa
estrutura binária, sem o princípio ordenador (agora absorvido pelo sujeito) e agora
mantida apenas com a lei de um lado e o indivíduo de outro.

Essa estrutura bipolar tornou-se subjacente à construção moderna do Matriz


binária
universo ético-político gerando uma forma de práxis em desacordo com a tradição
da comunidade ética. Duas conseqüências resultam desta transformação: a. a
absolutização da práxis social e política como princípio gerador de valor e b. a
universalização da práxis como princípio exclusivo que além de gerar valores, pode
legitimá-los. Isto torna a práxis uma instância axiogênica e axiológica. Axiogênica
porque serão a participação política, a luta revolucionária, a comunicação, o
trabalho produtivo, a atividade científica, a criação artística as realidades geradoras
de valor. Axiológica porque será a práxis a instância aferidora dos procedimentos
eticamente válidos.

Tais conseqüências desenham a cisão que coloca de um lado a noção de


comunidade ética tal como fora vivida pelas comunidades históricas tradicionais, e
coloca de outro lado o projeto moderno inspirado pela autonomia absoluta da práxis
privilegiada de um certo contexto ou momento histórico.

A práxis “absorve na sua imanência o fundamento transcendente que


assegurava a primazia relativa da práxis sobre a realidade e da realidade sobre a
práxis ou, em termos éticos, da liberdade sobre a norma e da norma sobre a
liberdade”442.

“É, pois, a concepção da práxis absolutizada na sua imanência que constitui,


no nível simbólico, o centro da estrutura radial da história universal moderna, assim
como o Ocidente é o seu centro no nível histórico”443.

O nível do consenso reflexivo, cuja especificação ética é dada pela virtude


da justiça, nos dias de hoje, é marcado pela absolutização do político, vem a ser,
um desdobramento da absolutização da práxis. Esta absolutização do político,
herança do pensamento moderno restringe “aos limites da comunidade humana o
horizonte do ser para o qual se abre a autoafirmação do sujeito”, e reduz ao nível do
político, bem como submete às suas regras e aos seus condicionamentos “a riqueza

441 . EF III, p.147.


442
. SNF, n.49, p.13.
443 . SNF, n.49, p.13.
164
e a significação humanas dos outros níveis nos quais se desdobra a relação de
intersubjetividade”444.

Portanto, é na esteira da cisão supra apresentada, entre universalidade


nomotética e universalidade hipotético-dedutiva, no ardor gerado pelo êxito da nova
ciência e iluminada pelas luzes do século XVIII, que emerge uma nova concepção
de práxis, que, por sua vez, preside a gênese do fenômeno da modernidade e suas
expressões simbólicas. Contudo, essa nova concepção resulta da inversão ou da
alteração da “estrutura dialética da relação mensurante-mensurado, ocorrendo pois
a absolutização do momento mensurante que compete à práxis”445.

“Enquanto permanece indiscutido o postulado da imanência do


fundamento no sujeito ou, eticamente, o postulado da autonomia absoluta
do sujeito, a práxis concreta do homem ocidental, na sua titânica
empresa de universalização da história, avança impelida pela dialética do
desejo e da dominação (ou da satisfação hedonística e do poder),
expressão universal do niilismo ético e forma moderna, infinitamente
mais ambiciosa, e aplicada intrepidamente à prática histórica, do
programa do homem-medida de Protágoras. Sobre a base desse
postulado, atravessado pelo paradoxo de uma Razão prática, segundo o
ensinamento de Kant, torna-se inviável a construção de uma Ética
universal: a ética kantiana do dever foi notoriamente submergida pela
ética empirista do prazer e do poder. Nossa civilização, no seu desígnio e
no seu operar universalizantes, permanece uma civilização sem Ética”446.

Em suma, a primeira civilização universal é, paradoxalmente, a primeira


civilização sem Ética. O homem assiste a um movimento planetário, impetuoso e
irresistível, que avança em direção à universalização da práxis global compreendida
como operar técnico.

“ (...) e como tal, ela reivindica para si a dignidade de princípio e


fundamento dos fins por ela estatuídos, das normas que a regem e dos
valores por ela preconizados. Trata-se em suma de uma práxis cuja
autonomia absoluta apresenta-se como única instância julgadora da
prerrogativa ética que lhe compete como práxis humana”447.

O homem absorveu as razões e os fundamentos do seu ethos na imanência


da sua liberdade, fazendo da absolutização da práxis um princípio originariamente
axiogênico, tornando-a a instância axiológica por excelência, aferidora das práticas
consideradas eticamente válidas, o que implica um pragmatismo generalizado448.
Como resultado dessa alteração nas estruturas da dialética da constituição
do ethos e, portanto, da absolutização da práxis, o ocidente assiste ao levantar-se
de uma gigantesca vaga de não-sentido, na qual “o modelo poiético se vê dotado de
função normativa não apenas para o conhecimento da natureza mas também para o

444 . AF II, p.78.


445
. EF III, p.134.
446 . EF III, p.135.
447
. EF III, p.144.
448 . EF III, p.147.
165
exercício da liberdade”449. Este quadro esboça a face de um tempo regido pelo
niilismo ético no qual a violência e a morte se tornam

“emblemas de uma civilização que ousou reivindicar para o sujeito


situado e finito a responsabilidade propriamente infinita de suportar todo o
universo humano do sentido, ou seja, de constituir-se em fundamento último
dessa verdade do ser que o sentido deve fazer brilhar”450.

É notório pois, que a civilização ocidental hodierna apresenta-se como uma


civilização sem ethos. E incapaz de elaborar uma Ética que corresponda às suas
práticas culturais e políticas e aos fins universais por ela proclamados451. Esta
civilização constitui-se como a criadora ou como a matriz de um tipo de Direito cuja
prescindência da Ética é uma das suas principais características, ao mesmo tempo
em que é sua principal contradição.
A situação gerada pela crise de civilização vivida pelo homem
contemporâneo, leva ao seguinte paradoxo: alastra-se por todo o planeta a primeira
civilização efetivamente universal, mas que, paradoxalmente, não se reconhece em
nenhum sistema simbólico que seja consensual e universalmente aceito. A
constelação e o horizonte simbólico hodiernos não possuem referenciais axiológicos
definidos. Mas são, ao mesmo tempo, o espaço da hegemonia de forças
exclusivamente materiais e econômicas, que por sua própria natureza “não são
portadoras de fins e valores, a não ser o fim de uma produção sem fim, e o valor de
uso inscrito na destinação dos objetos produzidos”452. A mentalidade
contemporânea é marcada indelevelmente pela presença da dialética do produzir-
usar que, paradoxalmente, gera uma “crise no meio da abundância”.

“(...) uma crise que tem talvez sua raiz mais profunda no aumento
prodigioso da capacidade humana de produzir e no definhar, até o quase
desaparecimento, da capacidade humana de contemplar. A absolutização
da práxis, essa, no seu conceito moderno, absorvendo a antiga distinção
entre o fazer e o agir, é, sem dúvida, o núcleo dinâmico da cultura da
modernidade”453.

A práxis, por um lado, apresenta-se como processo de incessante produção Práxis


e produção
e, por outro lado, é instituída como a chave de inteligibilidade de uma história que
assiste a emergência de devastadoras formas de irracionalismo seja nas guerras
mundiais, civis e étnicas, seja nas práticas econômicas profundamente
avassaladoras e exploradoras do mercado financeiro cujo fluxo de capitais, num vai
e vem sem fim, visita alguns países, estimulando por curtos espaços de tempo seus
frágeis potenciais, para, em seguida, abandoná-los, deixando atrás de si um rastro
de destruição econômica, desemprego, recessão e pobreza.

449 . EF III, p.172.


450
. EF III, p.174.
451 . EF III, p.126.
452
. EF III, p.117.
453 . EF III, p.117.
166
O século que terminou constatou que nem a práxis produtora ou econômica,
nem a práxis histórica ou política, nem o retorno à Natureza, nem a anomia
generalizada são aptas para resolver o problema dos fins da cultura. Neste quadro,
o homem contemporâneo está à deriva, “alforriado de qualquer regra, mas sem
licença de nada”454.
No interior desse horizonte conceitual se colocam dois problemas para a
filosofia contemporânea: a. o problema do reconhecimento e b. o problema da
rearticulação dos níveis estruturais do existir comunitário.
Lima Vaz tratou do problema do reconhecimento na sua categoria Reconhecimento

antropológica de intersubjetividade. Tal categoria é marcada pela noção de


reciprocidade que permite ao outro sua aceitação no mesmo nível de
universalidade, afinal os sujeitos presentes à relação intersubjetiva e portanto
submetidos às exigências do reconhecimento são portadores dos mesmos direitos e
deveres. Mas numa sociedade em que a matriz ternária tenha se desequilibrado e a
práxis se absolutizado em função da prioridade lógica e axiológica do indivíduo
sobre sua existência comunitária o fundamento da reciprocidade deixa de repousar
sobre a comunidade e retorna para os indivíduos. E com isto a comunidade perde
suas prerrogativas de princípio e fundamento, e se torna o resultado que não tem
condições de assegurar as razões do reconhecimento.

"O postulado da autonomia do indivíduo como princípio da ordem das


razões do ser-em-comum social ou a absolutização da sua práxis, implica
necessariamente, em filosofia social e política um empirismo nominalista que,
suprimindo a categoria lógico-ontológica da natureza humana e da sua
socialidade constitutiva abre caminho para a dramática anomia ética que reina
nas sociedades modernas, e com ela, para a instauração do hobbesiano
‘estado de natureza’ do bellum omnium contra omnes que caracteriza, para a
nossa civilização, a impossibilidade de constituir a Ética do seu projeto
universalizante455".

Quanto à empresa de rearticular a matriz ternária ou níveis estruturais do Individualismo


x
existir comunitário é sabido que seu maior obstáculo foi justamente a superação do matriz ternária

individualismo que provocou a hipertrofia da estrutura binária indivíduo-sociedade.


Por um lado, este fato exacerbou o próprio individualismo e por outro lado
aprofundou a cisão entre sociedade civil e estado.
Para Lima Vaz o grande desafio civilizatório seria a elaboração de uma
forma histórica que efetivasse o princípio do reconhecimento e re-estabelecesse a
estrutura ternária que assegurasse a arquitetura de uma comunidade ética
universal.
As conclusões das reflexões vazianas são, muitas vezes, os lugares onde se
pode encontrar a sua forma de repropor uma nova forma de pensar o Absoluto. E ao
tratar das características da modernidade que assinalaram o desencadeamento da

454
. ROSA, João Guimarães, Primeiras Histórias, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 26ª ed., 1988.
455 . EF III, p.149.
167
crise ética planetária, Lima Vaz repete seu procedimento ao afirmar que uma nova
figura da transcendência poderia re-estabelecer o equilíbrio conceitual perdido com
a desagregação da matriz Princípio-ordem-indivíduo.

"Se, depois de transformações tão profundas do espaço natural e do


espaço mental do homem moderno, o Princípio não se mostra mais visível na
ordem da Natureza, segundo o modelo da scala creaturarum, será talvez na
presença do outro como alter ego que ele deverá transluzir. Então sua
transcendência se manfestará como a do Outro absoluto, portanto irredutível à
imanência do sujeito, e no entanto, infinitamente próximo, pois se faz presente
em toda forma de reconhecimento e, exemplarmente, na reciprocidade oblativa
do amor"456.

Ainda dentro da reflexão vaziana sobre os problemas da Ética é possível


identificar outros temas que vão acompanhando o processo de constituição da
compreensão genética da modernidade: a. transformação do conceito de tempo
iniciado no Escritos de Filosofia II – Ética e Cultura e que alcança seu termo no
Raízes da Modernidade; b. a questão do niilismo sempre tão presente nos textos
vazianos e já trabalhada de forma completa no artigo de Marcelo Perine457, e
finalmente a questão definitiva para Lima Vaz sobre as raízes metafísicas da
modernidade.

E. As raízes metafísicas da modernidade

Esta seção pretende indicar o coroamento da reflexão vaziana sobre a


compreensão genética da modernidade, pois aqui está apresentada a visão mais
profunda e mais elaborada de Lima Vaz a respeito da modernidade. Outra
característica desta seção é sua simetria com a última parte do capítulo anterior (D.
As categoria de Ser e de Existência: Raízes da Modernidade)

Ao apresentar a metafísica do existir na sua última etapa, a partir do Raízes PRIMEIRA JORNADA
ESPECULATIVA:
da Modernidade o texto foi pautado pelas duas jornadas especulativas e
Itinerário da
sistemáticas que são construídas a partir de 4 roteiros, presentes em cada uma das Metafísica do
Esse na esfera
do ser absoluto
jornadas sistemáticas: o roteiro noético-metafísico, noético-ontológico, ontológico-
formal e ontológico-real. No fim de cada um destes roteiros Lima Vaz apresenta a
conexão conceitual com um elemento constitutivo da compreensão genética da
modernidade. Portanto, as etapas seguintes obedecerão exatamente à sucessão
daquelas duas jornadas especulativas, constituídas pelos quatro roteiros indicados
em cada uma das duas jornadas especulativas. Todavia o conteúdo a ser

456 . EF III, p.151.


457
. PERINE, Marcelo, Ética e Sociedade. Razão Teórica versus Razão Técnica, Síntese Nova Fase,
Beo Horizonte, v. 29, n.93 (2002):49-68 .
168
apresentado será relativo ao aspecto da modernidade e relacionado com as
categorias presentes em cada um dos roteiros.

O roteiro noético-metafísico, o primeiro roteiro do itinerário da metafísica do Absoluto e Razão:

esse na esfera do ser Absoluto, é marcado pela presença das categorias de categorias do
primeiro estágio
Absoluto e Razão, e pela implicação necessária da presença de um Absoluto noético-metafísico

transcendente na própria essência e no dinamismo mais profundo da Razão458.


Esse Absoluto é compreendido como o princípio e a fonte de inteligibilidade de
qualquer coisa que seja ou exista. Ao mesmo tempo, esse Princípio de
inteligibilidade é reflexividade absoluta e unidade que subsiste em si mesma.

Para Lima Vaz, a metafísica de Tomás é a transcrição conceitual mais


profunda da irrupção do ser no espaço da inteligibilidade dos seres que na tradição
grega estava restrita ao domínio da essência.

Assim como a Filosofia Clássica nasceu como crítica da mentalidade


mitológica, a Filosofia Moderna nasceu como crítica da mentalidade teológica do
cristianismo. A Filosofia Moderna também é uma nova forma de razão e busca
responder uma pergunta antiga: “que forma de inteligibilidade se deve pressupor ou
pré-compreender no existir como tal, no simples ato de ser?”459

Tomás de Aquino pensou a existência na sua singularidade, irredutível à


universalidade da essência da ontologia clássica. E portanto o esse só se torna
pensável segundo a identidade do primum ontologicum e do primun logicum, a
saber, como esse absoluto. Contudo, no horizonte da modernidade este absoluto
deve ser construído no interior do próprio devir histórico.

“O verdadeiro coração teórico da modernidade é o projeto (...) que tem em


vista a plena reinscrição, teórica e operacionalmente, nos códigos da razão
científica, do universo, da vida, do ser humano e das suas condutas. Interpretado
como projeto histórico que se justifica a si mesmo, ou seja, que encontra sua razão
de ser no próprio devir imanente da história (...)"460.

Para Lima Vaz, o problema-fonte de todos os problemas da Filosofia


Moderna está no desafio filosófico de pensar um absoluto exteriorizando-se no
movimento mesmo que O constitui.

O desafio de pensar o ser como absoluto é inaugurado com a tautologia


parmenidiana e alcança seu clímax com Tomás de Aquino. O Doutor Angélico
explicita que o tema do ser se impõe com o exercício da inteligência finita no seu
primeiro ato de intuição. E tal exercício implica a pré-compreensão da anterioridade

458 . EF III, p.175.


459
. EF VII, p.98.
460 . EF VII, p.99.
169
objetiva do Esse absoluto como causa essendi, pois, a inteligência finita não detém
na sua finitude a razão última de possibilidade dessa intuição.

No pensamento moderno ocorre algo análogo. Os novos filósofos buscam


reconduzir a existência aos cânones explicativos da Razão humana, compreendida
como fonte de toda inteligibilidade possível. A Razão humana chama para si os
atributos do Esse subsistente.

Com Descartes, a vertente operacional da razão assume a condição


primordial de ser ao mesmo tempo o instrumento de construção da ciência e de
construção do objeto. Seu postulado noético fundamental consiste no pressuposto
de que a “razão conhece a realidade na representação da idéia objetiva”461.

A razão se estabelece como a realidade instituidora originária do universo


das razões com as quais se edifica a “cidade do homem”.

Em outros termos, Lima Vaz indica a ocorrência de uma inversão do vetor


ontológico da razão. Na metafísica do existir a direção do vetor ontológico da razão
aponta para a transcendência absoluta do Esse. Foi essa a direção tomada por
Tomás de Aquino. Na metafísica moderna da subjetividade a direção seguida pela
filosofia aponta para a imanência da representação.

Todavia os procedimentos operacionais da razão não alcançam a existência


no seu simples ato de existir.

"A razão operacional pode representar, explicar, transformar, modificar,


organizar, projetar. Mas não pode criar. O simples existir permanece um enigma
para a razão moderna (...)462".

O esse foi destituído de sua inteligibilidade fontal que implicava a afirmação


de um Absoluto transcendente. Como conseqüência, os pressupostos modernos da
imanência absoluta da razão finita devem conviver com a sem-razão ou com a
ininteligibilidade do simples existir.

"(...) do fundo obscuro do existir que a razão operacional não consegue


iluminar levanta-se essa onda enorme de irracionalismo nas crenças, na filosofia,
nas ideologias, na política, nas condutas que nenhuma estratégia teórica ou prática
consegue controlar (...). Forma-se, desta sorte, uma dramática situação espiritual e
intelectual, que o homem moderno tenta viver refugiando-se em atitudes que
apenas aprofundam a sem-razão que as gerou, desde o cauteloso ceticismo ao
declarado niilismo”463.

461 . EF VII, p.102.


462
. EF VII, p.103.
463 . EF VII, p.103.
170
Como solução alternativa a esta situação Lima Vaz sugere que se deva
repensar o paradigma da metafísica do esse para afirmá-lo como primeiro na
ordem da inteligibilidade e do ser, realizando assim um retorno a uma metafísica
que propugne a transcendência objetiva do esse.

Após o encerramento da apresentação de natureza sistemática das Existência e Idéia:

categorias de Idéia e Existência (estágio noético-ontológico), Lima Vaz realiza categorias do


segundo estágio
novamente um excursus para indicar as relações entre as categorias ora noético-ontológico

apresentadas com o fenômeno da Modernidade.

O ponto de partida desta reflexão está na possibilidade de se alcançar uma


expressão adequada do Esse no logos, decorrente da identidade radical existente
entre o Esse absolutamente inteligível com o logos.

Tal como se viu no capítulo anterior, as linhas de solução deste problema se


encontram na atribuição da Inteligência infinita ao Ser absoluto que existe como
segunda Pessoa da Trindade, como Verbo. No ser pensado como Inteligência,
encontra-se a raiz da metafísica da subjetividade cujo núcleo é a noção de sujeito
transcendental que na multiplicidade de suas versões464 reivindica para si mesmo e
na imanência da história as atribuições da Inteligência infinita como Verbo
transcendente. O sujeito transcendental deve se constituir como arquétipo do
mundo ideal , como princípio ativo de inteligibilidade da natureza e da história.

Nas raízes metafísicas da modernidade, Lima Vaz vê a imanentização do


Verbo no próprio sujeito humano como sujeito transcendental. Esta noção,
entendida como a transcrição subjetiva do transcendental objetivo recebido da
ontologia clássica, impõe ao sujeito humano, situado, finito e contingente a condição
onerosa de se constituir em fonte e demiurgo de toda a inteligibilidade465.

No breve capítulo que trata do terceiro estágio – ontológico-formal – Lima Transcendentais:

Vaz se limita a afirmar que as noções transcendentais que atravessam as grandes categorias do
terceiro estágio
linhas de toda a filosofia medieval penetram no espaço definido pela modernidade ontológico-formal

através da auto-diferenciação da razão praticada operacionalmente através das


várias formas de racionalidade:

"aquelas que têm em vista a unidade do próprio ser humano na imensa


complexidade da sua constituição; as que interrogam a origem e a estrutura do
cosmo; e as racionalidades que trabalham com as múltiplas acepções da verdade e
com a polissemia do bem"466.

464 . Do Cogito de Descartes ao Conceito hegeliano e ao Eu de Husserl.


465
. EF VII, p.109.
466 . EF VII, p.115.
171
Essa é a seção mais breve e concisa do livro, na sua tentativa de
estabelecer as relações entre modernidade e metafísica.

Contudo, a seção seguinte se apresenta como uma das seções mais


complexas e mais extensas de todo o livro. A exposição do problema relativo à
Liberdade absoluta corresponde ao momento final da primeira jornada especulativa
na qual Lima Vaz realizou o percurso de constituição das categorias de sua
metafísica.

Seu itinerário inicia-se com o estágio noético-metafísico através do qual se Liberdade e Absoluto:

apresenta a posição do Esse subsistens. No encadeamento lógico-dialético deste categorias do


quarto estágio
percurso é realizada a passagem para o segundo estágio (noético-ontológico) no ontológico-real

qual se considerou o Esse absoluto como estrutura inteligível que se manifesta nas
Idéias. No estágio ontológico-formal (terceiro estágio) investigou-se a estrutura
transcendental da inteligibilidade do Esse. No estágio final da primeira etapa
sistemática, o estágio ontológico-real é percorrido considerando-se a norma
inteligível do Bonum transcendental, que é, ao mesmo tempo, Fim.

"Na seqüência desses estágios, podemos definir a Liberdade absoluta como


ordenação reflexiva ao Bem absoluto, ou infinita complacência do Esse subsistens
na sua própria essência enquanto Fim para si mesmo. Tal é a Vontade divina,
segundo o conceito analógico que nossa inteligência pode formar para, de alguma
maneira compreendê-la"467.

A modernidade herdou o desafio de pensar a Liberdade no plano imanente


da história. E tal desafio se desdobra na dificuldade de relacionar sujeito histórico e
Liberdade absoluta, ou ainda na dificuldade de se pensar a atribuição dos
predicados da reflexividade absoluta e da absoluta autodeterminação ao sujeito
histórico, afinal como poderá o sujeito histórico avocar para si a prerrogativa de ser
a plena razão de si mesmo?

Estes desafios encontram seus reflexos no racionalismo clássico e no


empirismo. Para o primeiro, a liberdade absoluta se identifica com a razão e é
atributo do sujeito transcendental; para o segundo a liberdade absoluta está no
livre-arbítrio e é atributo do sujeito das carências sensíveis. Entretanto, este peso
ontológico e esta responsabilidade metafísica não podem ser suportados pelo
sujeito singular, e com isto a prerrogativa da liberdade absoluta “tende a migrar para
os sujeitos coletivos” que reivindicam a única transcendência possível.

"A liberdade absoluta, mesmo pensada como instância concreta do sujeito


transcendental, que é universal por definição, ou do sujeito das carências sensíveis
que devem ser necessariamente atendidas, tende a migrar para os sujeitos

467 . EF VII, p.124.


172
coletivos, que passam a reivindicar para si a única transcendência possível, e
portanto, o único uso absoluto da liberdade na imanência da história, apresentando-
se como portadores de uma racionalidade absolutamente universal: o estado, a
tecnociência como organismo auto-regulado de produção de conhecimentos, o
mercado, enfim"468.

A gravidade deste problema se aguça à medida que a multiplicidade


dispersa e fragmentada das racionalidades éticas e políticas não logram pensar e
praticar a política levando em conta a “idéia de uma Liberdade absoluta que um dia
elevou-se no horizonte da razão ocidental”469.

A intensidade desta questão já emergira na conclusão de um texto magistral


de Lima Vaz sobre a necessidade e a relevância teórica e histórica da presença
filosófica no seio da cultura contemporânea. Neste texto, ele afirma com toda a
intensidade que “pensar a liberdade ou unir dialeticamente Liberdade e Razão é a
única tarefa da filosofia”470.

Vale notar que ao encerrar o capítulo Filosofia e Cultura: Perspectiva


Liberdade
Histórica (Filosofia e Cultura) e ao encerrar o capítulo A Liberdade e o Absoluto e razão

(Raízes da Modernidade) em ambos os textos Hegel é citado. No primeiro, a


presença de Hegel marca toda a reflexão de forma notória, explícita e indelével.

"O Bem para Platão, o espírito para Hegel significam ao mesmo tempo o
Princípio absoluto de toda inteligibilidade e o supremo paradigma da Liberdade
como absoluta autodeterminação: o Bem como Idéia na perspectiva da ontologia
antiga, o espírito como Sujeito segundo o postulado da metafísica moderna, mas
que Hegel irá ler na noésis noéseos aristotélica"471.

No segundo texto, de forma discreta e concisa, Lima Vaz indica que Hegel
tentou compor dialeticamente livre-arbítrio e liberdade no próprio movimento do
espírito. E o espírito é imanente enquanto objetivo, e transcendente enquanto
absoluto. Desta forma a liberdade torna-se o caminho e o fim da filosofia na sua
realização subjetiva.

Na seqüência da primeira jornada especulativa ou sistemática há o longo


capítulo sobre o problema da criação que serve de introdução para a jornada que
tratará dos esse relativos.

468
. EF VII, p.127.
469 . EF VII, p.128.
470. LIMA VAZ, H.C. de, Filosofia e Cultura: Perspectiva Histórica, in Escritos de Filosofia III – Filosofia
e Cultura, 1999, Loyola, SP, p.80.
471 . EF III, p.80.
173
Em síntese, nesse capítulo Lima Vaz reapresenta uma idéia recorrente e já O Problema da
Criação:
explicitada desde muito cedo em suas obras. Ao tratar da questão da criação, Lima a passagem para a
segunda jornada
Vaz afirma que com o advento da modernidade ocorrem alterações profundas na especulativa

noção de natureza que passa a ser compreendida pelos instrumentos da ciência


empírico-formal nascida do racionalismo moderno. A natureza será pensada por
Kant como a legalidade dos fenômenos no tempo e no espaço ou ainda como a
conexão destes fenômenos segundo leis universais472. Com isso, a noção de
natureza perde as características de completude, finalismo e organicidade inerentes
à visão clássica do mundo.

A segunda jornada especulativa que trata do itinerário metafísico do esse SEGUNDA JORNADA
ESPECULATIVA:
relativo, obedece a mesma seqüência dos 4 roteiros bem como segue a mesma
Itinerário da
estrutura: ao final de cada um dos estágios Lima Vaz apresenta o aspecto da Metafísica do
Esse na esfera
do ser finito
modernidade que deita suas raízes no subsolo doutrinal do século XIII.

Os paradigmas essencialistas (platônico e aristotélico) são oriundos do difícil Essência e existência

problema a respeito da estrutura inteligível do ser finito. Estes paradigmas alcançam categorias do
primeiro estágio
sua última radicalidade metafísica ao serem transformados pela doutrina cristã da noético-metafísico

criação e seguirem a rota tomásica determinada pela intuição da inteligibilidade


intrínseca e fundante do ato de existir como instância especulativa que permite
pensar a. o Absoluto em si e b. os seres finitos na sua própria consistência e na sua
dependência total do Absoluto473.

"A unidade Infinito-finito procede unicamente do Infinito, sem que resulte num
terceiro termo. A oposição é suprimida pelo Infinito que, porém, permanece na sua
infinita distância ontológica. O finito subsiste nessa e por essa suprassunção da
oposição: por um lado, ele está infinitamente distante do Infinito transcendente; por
outro, está dele infinitamente próximo em virtude da imanência do Infinito que o
preserva da queda no nada dando-lhe o esse como ato fundante do seu ser"474.

A metafísica do existir compreende o Ser infinito e os seres finitos num


discurso de natureza dialética no qual a transcendência absoluta do Esse é
demonstrada por um procedimento analógico que tem seu ponto de partida nos
esse relativos.

Esse primeiro estágio, no qual são estudadas as categorias de essência e


existência, é marcado por uma significativa proximidade conceitual, com o primeiro
estágio da primeira jornada. Afinal tanto no estágio noético-metafísico da esfera do
ser infinito, quanto no estágio noético-metafísico da esfera do ser finito o que se
coloca como problema para a reflexão é exatamente o Esse enquanto absoluto e o

472 . KANT, I. Crítica da Razão Pura, 165 B, 263 B, 479 B.


473
. EF VII, p.155.
474 . EF VII, p.160.
174
esse enquanto relativo, respectivamente. Em função desta similitude conceitual no
plano das raízes metafísicas da modernidade, é possível afirmar, também, certa
similitude no plano das conseqüências: na esfera do ser infinito o desafio filosófico
estava em pensar o Esse absoluto. Nesse momento, o que se coloca como dilema é
o pensamento da inteligibilidade do existir e seus reflexos sobre a interrogação
ontológico-metafísica a respeito do mundo e da vida humana475. As tentativas de
desarticulação – desconstrução – dessa reflexão não alcançam êxito em suas
empresas pelo simples fato de que o sujeito que busca negar o problema da
existência do ser, só pode negar, porque existe. E sua tentativa de negação tem a
pretensão de ser portadora de um sentido no mesmo ato em que nega sentido à
existência. A pergunta incontornável pelo existir permanece no seu “infrangível
núcleo ontológico”476 mas é transcrita, nos códigos da modernidade, na atribuição
que o sujeito faz a si mesmo de doador de sentido e construtor da realidade. O
sujeito reivindica para si, na sua imanência, o estatuto ontológico do Absoluto.

À pergunta pela inteligibilidade última do existir se apresentam portanto


duas respostas paradigmáticas: a primeira (a resposta tomásica) afirma que essa
inteligibilidade decorre da participação do ser finito ao ser infinito, absolutamente
transcendente; a segunda resposta (a resposta moderna) afirma que a
“inteligibilidade do existir tem como razão necessária a autonomia absoluta do Eu
transcendental como consciência-de-si” 477.

O segundo estágio do itinerário metafísico na esfera dos seres relativos é Participação e


analogia:
constituído pelas categorias de participação e analogia. A categoria de participação
categorias do
aponta para a imanência do Absoluto no relativo. A categoria de analogia indica a segundo estágio
noético-ontológico
transcendência do Absoluto sobre o relativo.

O abandono da metafísica do esse, que depende dessas duas categorias,


ocorre com Duns Scot ao adotar um modelo ontoteológico no qual o ens commune
(noção universal de ser) envolve tanto os seres relativos como o Ser absoluto, as
criaturas e o próprio Deus no mesmo espaço conceitual. Isto implica a substituição
de uma abordagem analógica do ser por uma abordagem unívoca.

A estrutura analógica permite o surgimento da multiplicidade dos seres finitos


afirmados na sua identidade própria sem que eles percam o vínculo da dependência
causal, responsável pela unidade na pluralidade do ens commune. A analogia faz
com que os seres relativos sejam compreendidos na sua referência constitutiva ao
Uno absoluto e mantém, ao mesmo tempo, o hiato ontológico entre Absoluto e seres
finitos.

475 . EF VII, p.166.


476
. EF VII, p.167.
477 . EF VII, p.169.
175
A desconstrução do conceito de analogia desarticula a noção de participação
vertical e estabelece um tipo de participação horizontal na qual a universalidade
unívoca do ens commune iguala o Absoluto e o relativo.

"É permitido pensar que a constituição do sistema da metafísica construído


sobre a univocidade da noção de ser representou um primeiro e decisivo passo
para o predomínio do modelo horizontal de participação, que virá a ser a estrutura
básica do sistema simbólico da modernidade"478.

A participação vertical da metafísica tomásica é estruturada pela participação


dos esse no Esse subsistente. Duns Scot realiza uma inversão na relação de
prioridade entre a participação vertical e a participação horizontal, pois nesta última
tanto os esse como o Esse participam do ens commune.

Nas filosofias de Platão, Plotino, Agostinho e Tomás, o Absoluto é


compreendido como uma transcendência radical que está localizada no topo da
hierarquia ontológica do universo. Platão pensa o Absoluto como Bem. Para Plotino
o Absoluto é o Uno. Para Agostinho, a Verdade. E para Tomás o Absoluto é o Esse
subsistens. Tomás vê a analogia como a forma lógica dessa hierarquia ontológica.

Mas a chegada do paradigma ontoteológico, marcado pela participação


horizontal, faz com que a univocidade da noção de ser envolva todos os seres
(inclusive Deus), na unidade do subjectum da metafísica: o ser enquanto ser479.

A transcrição moderna desse fenômeno se dá com o desaparecimento do


modelo de participação vertical e com a primazia do novo modelo horizontal de
participação, à medida que o espaço da imanência passa a ser o “único horizonte
englobante de toda a realidade”480.

Desta forma é possível que ocorra a substituição da metafísica pela


matemática e a obsolescência das visões sinópticas que se estruturam
verticalmente.

"Com efeito o predomínio das racionalidades construídas segundo o modelo


horizontal de participação, e cujo padrão de racionalidade é a racionalidade
matemática, implica uma reorganização da realidade na forma de modelos abstratos
que, submetidos a complexos procedimentos de verificação e devidamente
comprovados, passam a traduzir, numa sucessão rigorosamente homogênea de
‘casos’, determinado aspecto da realidade" 481.

478
. EF VII, p.188.
479 . EF VII, p.189.
480
. EF VII, p.189.
481 . EF VII, p.190. Ver nota 41.
176
O modelo de participação horizontal se configura como o espaço que
‘pasteuriza’ e iguala toda uma classe de fenômenos que participam de um mesmo
modelo teórico-científico.

A hegemonia deste modelo de participação horizontal provocou a ocorrência


Participação
de dois fenômenos significativos para a vida do homem moderno. horizontal

Em primeiro lugar, a razão operacional é incapaz de avaliar seus próprios


produtos e hierarquizá-los em função de algum valor que seja autenticamente
humano. Como resultado ocorre um processo infinito de cumulatividade
determinado única e exclusivamente pelo valor econômico. Todos os ‘produtos’
humanos, sejam eles materiais, culturais, lúdicos, intelectuais, todos sem exceção,
são submetidos aos critérios da venalidade universal. Até mesmo a própria
existência humana vem se tornando objeto de comércio, à medida que nos grandes
círculos de negócio se usa cada vez mais a expressão lifetime value, que indica o
‘valor ao longo da vida’ do cliente. Esta expressão tenta traduzir operacionalmente,
quanto pode valer um ser humano se todos os momentos de sua vida forem
transformados em commodities de uma ou de várias esferas comerciais482.

O segundo fenômeno decorre do surgimento de formas de participação


vertical a partir do paradigma hegemônico da participação horizontal. Por um lado, a
racionalidade matemática – de natureza eminentemente quantitativa – busca
exprimir-se em teorias unificadas que se apresentaram como o “Eu transcendental
na filosofia, o Estado na política, a Comunidade na teoria ética, o Mercado na teoria
econômica”483. Por outro lado, surgiram novos pólos com a pretensão de se
tornarem as instâncias unificadoras universais do múltiplo finito: a Razão
operacional, a Ciência, o Progresso.

Todas essas formas de participação vertical estão restritas aos lindes da


imanência e jamais poderão alcançar o nível da transcendência ontológica sobre a
imanência histórica. Tal situação permite a compreensão da expressão utilizada de
forma recorrente nos textos vazianos: sucedâneos do Absoluto. A história que
prescindiu de uma transcendência meta-histórica, acaba por constituir em seu
próprio seio outras instâncias que têm a pretensão de avocar para si todas as
prerrogativas de um absoluto objetivo e transcendente.

Ao alcançar o termo do discurso metafísico na esfera dos seres relativos, Ordem:

Lima Vaz trata das duas últimas categorias (ordem e finalidade) de forma a categoria do
terceiro estágio
entrelaçá-las num trabalho especulativo interdependente, não obstante cada uma ontológico-formal

482. RIFKIN, J., A era do acesso – A transição de Mercados convencionais para Networks e o
nascimento de uma Nova Economia, SP, Pearson Education do Brasil, 2001, p. 6
483 . EF VII, p.191.
177
delas refira-se a um estágio distinto, a saber o estágio ontológico-formal e o
ontológico-real, respectivamente.

Tal como já foi assinalado anteriormente, o novo conceito de natureza Finalidade:

inaugurado com a modernidade é completamente destituído das prerrogativas da categoria do


quarto estágio
completude, da organicidade e da finalidade (teleologia) presentes à physis. Em ontológico-real

decorrência desse novo estatuto ontológico da natureza, o ser deixa de ser visto
como tal, para ser compreendido única e exclusivamente como objeto, como
artefato construído e elaborado pelo sujeito. Portanto o objeto também se encontra
destituído daquelas prerrogativas. O advento da modernidade está na emergência
do objeto útil em detrimento do ser contemplado.

"O natural foi absorvido pelo objetivo e integrado na categoria do utilizável


segundo os padrões da tecnociência. Esse predomínio da objetividade científico-
técnica acarreta uma dissolução da forma de conhecimento da realidade em
categorias distintas, como propunha Aristóteles, vindo em seu lugar uma indistinção
das coisas naturais e sua uniformização sob a categoria dominante do útil"484.

O mundo dos objetos prescinde de uma instância de referência


transcendente que possa servir de parâmetro, vem a ser, como instância
hierarquizadora destes objetos. O objeto depende apenas da iniciativa da razão
operante que por sua vez, fornece ao objeto sua cognoscibilidade e seu sentido.

Enfim, a civilização ocidental universalizou-se e atingiu com seus valores e


ideais os espaços mais longínquos do planeta através do avanço vertiginoso e
célere da tecnociência. Da mesma forma instalou-se no seio desta civilização uma
instância antroponômica que pretende para si a condição única e última de
legiferação sobre toda a realidade cognoscível, fazendo com que o homem seja o
único legislador de si mesmo e de seu mundo.

Ao concluir este capítulo é possível mostrar que o itinerário de constituição Conclusão:

da compreensão genética da modernidade possui três grandes fases. Numa


Fases da
primeira fase Lima Vaz estudou a modernidade a partir do entrelaçamento de dois compreensão
genética da
modernidade
grandes temas: o sujeito e o mundo.

Numa segunda fase, é a preocupação sobre o tema da Ética que amalgama


as investigações sobre a modernidade. O estudo das universalidades nomotética e
hipotético-dedutiva, as questões relativas ao itinerário da razão moderna, a inversão
da dialética mensurante-mensurado, o problema da absolutização da práxis, a
questão da cultura como realidade co-extensiva ao ethos são subtemas
subordinados à reflexão mais ampla e abrangente sobre a crise ética

484 . EF VII, p.219.


178
contemporânea que por sua vez é o desdobramento e o resultado das investigações
vazianas sobre a história, sobre a intersubjetividade e sobre a cultura.

Finalmente, no aprofundamento de suas investigações sobre a modernidade,


Lima Vaz retorna a um tema que já esteve presente e já fora anunciado
antecipadamente em muitos de seus textos: as raízes metafísicas da modernidade.
É possível perceber que o aprofundamento feito por Lima Vaz faz com que ele
perceba gradualmente que as raízes da modernidade estão mais relacionadas com
a metafísica do que com o próprio nascimento das ciências naturais. Essa
percepção pode ser evidenciada sobretudo através do esforço demonstrado no seu
último livro ao buscar as raízes metafísicas da modernidade. Ao investigar tais
raízes Lima Vaz descobre a invenção da modernidade na passagem do regime do
ser ao regime do objeto. Em última análise, sua pretensão maior foi

"mostrar que a grande transformação que deu origem ao projeto cultural da


modernidade (...) tem como condição histórica de possibilidade a descoberta da
inteligibilidade da existência (esse), que encontrou sua expressão mais rigorosa na
metafísica de Tomás de Aquino"485.

Quadro 10 – Fases da compreensão genética da modernidade.

Compreensão genética da modernidade

Fase 1 Fase 2 Fase 3

Ênfase nos temas Ênfase nos temas


Ênfase nos temas da
da das
Ética,
Ontologia da Raízes metafísicas
Cultura e História
natureza e sujeito da modernidade

Tópicos estudados:
Tópicos estudados: Tópicos estudados:

Racionalidade
Mensurante-mensurado, Século XIII,
moderna, ciência
matriz ternária, absolutização da nominalismo tardo-medieval,
newtoniana
práxis, itinerário da razão moderna metafísica do existir

É necessário salientar que o recorte realizado por esta tese é totalmente


artificial. Não há, na obra de Lima Vaz dois momentos distintos que possam ser
identificados como um primeiro momento temático (capítulos primeiro, segundo e
terceiro) e um segundo momento sistemático (capítulos quarto e quinto).

485 . EF VII, p.218.


179
E mais artificial ainda é uma primeira apresentação da metafísica do existir,
seguida da apresentação da compreensão genética da modernidade, a partir da
perspectiva temática, tal como foi feito na primeira parte desta tese. Afinal, estes
dois temas sempre estiveram entrelaçados de maneira inconsútil. Todavia esta tese
tem como finalidade explicitar a relevância destes temas no interior da obra de Lima
Vaz, bem como servir de instrumento para a leitura da obra vaziana.

Mas, em função da forma como evoluiu o pensamento vaziano é possível


atravessar todo o seu desenvolvimento a partir de um único tema escolhido dentre
aqueles que lhe foram os mais importantes, a saber, o mundo, o homem, a história,
a cultura (intersubjetividade e o ethos) e o Absoluto. No texto O Ser e os Outros,
realizou-se um trabalho transversal de leitura histórico-sistemática de todo o
pensamento vaziano a partir do tema da alteridade que alcançou o seu zênite
conceitual na categoria antropológica de intersubjetividade.

E todos estes 5 temas estão organizados na obra de Lima Vaz a partir de


duas perspectivas: a temática e a sistemática. Assim, o tema da compreensão
genética da modernidade consegue articular todos os 5 tópicos presentes na
reflexão de Lima Vaz a partir de uma perspectiva histórico-sistemática. E a
metafísica do existir, que fundamenta este interesse pela gênese da Modernidade,
desencadeou um labor sistemático que apontou para a forma sistemática de
articulação destes mesmos temas.

É importante ressaltar que a investigação temática é simultânea à


construção do próprio sistema. À medida que o sistema vai sendo construído, a
reflexão a respeito da modernidade vai ganhando profundidade, e ao mesmo tempo
o sistema vai estabelecendo sua estrutura e suas bases metafísicas. Pois, a
elaboração do sistema surge como exigência e resultado da preocupação que se
manifestou na reflexão sobre o tema da gênese da modernidade e suas implicações
com os temas do Homem, da Ética e do Absoluto.

Já se apresentou nesta primeira parte (três primeiros capitulos) o horizonte


temático de reflexão no interior do qual Lima Vaz viveu seu iter filosófico. Na
próxima etapa desta tese serão apresentados o MÉTODO através do qual se fará a
transição para o sistema, as características principais do método dialético utilizado
por Lima Vaz e finalmente serão apresentados o SISTEMA e suas características.

Um leitor mais familiarizado com o pensamento vaziano poderia perguntar


neste momento: qual o lugar de Hegel no itinerário de constituição da compreensão
genética da modernidade? A presença indelével de Hegel na filosofia de Lima Vaz
se afirmará sobretudo como uma influência metodológica. E portanto esta presença

180
significativa será apresentada, em seguida, concomitantemente à explicitação do
método vaziano.

181
Segunda Parte

O Método e o Sistema

182
Quarto Capítulo

O Método Dialético
e a rememoração filosófica

“Cada uma das partes da filosofia é um Todo


filosófico, um círculo que se fecha sobre si mesmo mas
a idéia filosófica está ali em uma particular
determinidade ou elemento. O círculo singular, por ser
em si totalidade, rompe também a barreira de seu
elemento e funda uma esfera ulterior. Por conseguinte, o
todo se apresenta como um círculo de círculos, cada
um dos quais é um momento necessário, de modo que o
sistema de seus elementos próprios constitui a idéia
completa, que igualmente aparece em cada elemento
singular”486

G.W. F. Hegel
Enciclopédia das Ciências Filosóficas, §15

486 . HEGEL, G.W.F., Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1830), § 15, pp.55-56. São Paulo:

Loyola, 1995. Tradução de Paulo Meneses e José Machado.


183
QUARTO CAPÍTULO – O MÉTODO DIALÉTICO E A
REMEMORAÇÃO FILOSÓFICA

A. A dialética: uma introdução.


B. A dialética em Platão: uma ontologia.
C. A dialética em Hegel: um método.
D. Lima Vaz e a dialética.
E. A Rememoração Histórica.
F. O aspecto formal da constituição das categorias: os níveis do conhecimento e a estrutura da conceitualização
filosófica.

A. A dialética: uma introdução

O pensamento filosófico vaziano desdobra-se em sistema graças ao método


dialético. O procedimento dialético adotado por Lima Vaz varia conforme os
diferentes conteúdos filosóficos que por ele são pensados sistematicamente. Tal
consideração é importante e fundamental, uma vez que em Ontologia e História,
na Antropologia Filosófica, na Ética, bem como em Raízes da Modernidade, o
uso do procedimento dialético é distinto, tal como se verá mais adiante487.
Lima Vaz reinventou os métodos dialéticos platônico488 e hegeliano. A um
certo momento de sua jornada filosófica, ele se confrontou com a tentativa marxiana
de criticar o elemento propriamente especulativo da dialética hegeliana489. Tanto
Platão como Hegel490 ocupam posição arquetipal nas estruturas mentais do
Ocidente e do mundo contemporâneo. A dialética platônica e a dialética hegeliana
impregnam profundamente o corpus vaziano, determinando toda a estrutura do
sistema.
"Platão e Hegel situam-se no começo e no fim da aventura da filosofia ocidental,
entendida esta como o projeto talvez desmesurado, fruto da audácia de alguns
efêmeros mortais, de recriar o mundo das coisas e o mundo dos homens à luz

487
. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e Método,
São Paulo: Loyola, 2002, p. 9.
488
. Os textos mais importantes para se compreender a importância da dialética para Lima Vaz são os
seguintes: LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002; LIMA VAZ, H.C. de, Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura,
capítulos I e II, São Paulo: Loyola, 1997; LIMA VAZ, Escritos de Filosofia VI – Ontologia e História,
cap. I – A Dialética das Idéias no Sofista, São Paulo: Loyola, 2001, 13-55.
489 . EF III, p.15: “Os tempos pós-hegelianos assistiram a uma ruptura profunda dessa tradição com a
injunção da necessidade do ‘tornar-se mundo’ da filosofia anunciada por alguns herdeiros do próprio
Hegel. Esse programa de ‘mundanização’ da filosofia, ao mesmo tempo que significou uma radical
inversão da direção crítica da intenção filosófica, antes voltada para a desordem do sensível, agora
apontando para a transcendência do inteligível, trouxe consigo, conseqüentemente, a motivação e o
impulso para a gigantesca tarefa teórica de ‘desconstrução’ da tradição metafísica e ética que
assegurara por mais de dois milênios a identidade espiritual e cultural do Ocidente”.
EF III, p. 78: “Depois de Hegel, o problema da presença da filosofia na nossa cultura assume a figura
de novo paradoxo. Com efeito, anunciada por alguns tidos como herdeiros, a ‘morte da filosofia’ é
entendida como seu ‘tornar-se mundo’, vem a ser, como o reconhecimento de que a filosofia, como
tarefa teórica, não tem mais lugar num mundo que incorporou na sua práxis todos aqueles desígnios
e fins da Razão que solicitaram por tantos séculos a meditação do filósofo. A filosofia, portanto, morre
na teoria para renascer na práxis, segundo o conhecido programa da chamada esquerda hegeliana”.
490 . SNF, n.23, p.3. “... a posição arquetipal que algumas idéias e diretrizes do hegelianismo passaram

a ocupar nas estruturas mentais do mundo contemporâneo”.


184
de um lógos que julga, demonstra e unifica. Fazer-se o servidor e o seguidor
desse lógos, assim como Platão o propõe no Fédon, representa o risco da
existência filosófica marcada, como vimos, por essa atopia que a torna estranha
ao torvelinho dos afazeres mundanos. Mas é justamente sobre esse torvelinho
que o filósofo se debruça na intenção de reordená-lo segundo os cânones desse
lógos que ele se propôs seguir. Platão e Hegel representam justamente dois
modelos dessa reordenação e, igualmente, duas possibilidades arquetípicas de
interpretação da cultura segundo a matriz do lógos filosófico"491.

Inicialmente, a presente seção estuda as raízes históricas do conceito de


Raízes da
dialética. Como forma de pensar e de discorrer, este conceito remonta às primeiras dialética

formas de manifestação racional na Grécia. O termo dialektikè492 designava, nas


suas origens, a especificidade de um certo tipo de discurso constituído pela
controvérsia, ou pelo confronto entre opiniões diferentes. Para os gregos a forma,
por excelência, de articulação do discurso é a forma dialógica, através da qual se
caminha “articulando proposições que se implicam uma à outra”493. Entretanto, a
tradição grega aponta para duas maneiras distintas de se caminhar através do
lógos): a erística e o diálogo socrático. A primeira era a
querela ou a luta acirrada praticada pelos sofistas, já o segundo deu origem à
própria lógica494, visto que a lógica constituiu-se através da “codificação das formas
das proposições e de sua conexão demonstrativa” presentes no diálogo e que
indicam o méthodos, o caminho correto do

lógos)495.
Sexto Empírico496 e Diógenes Laércio497 consideravam Zenão de Eléia o
Zenão e
inventor da dialética. O próprio Hegel afirma nas suas Lições sobre a Filosofia da Heráclito

História que “o traço específico de Zenão é a Dialética. Ele é o mestre da escola


eleática, na qual o pensamento puro desta escola tornou-se o movimento do
conceito em si-mesmo, a alma pura da ciência, – ele é o iniciador e criador da
dialética”498. Para Hegel, contudo, foi com Heráclito que “pela primeira vez a
dialética alcança um estatuto especulativo transbordando o plano da identidade
abstrata, para se elevar à convicção que o movimento e a mudança constituem a

491 . EF III, p.16.


492 .  s.f. conversa; disputa, discussão; maneira de falar,
linguagem, dialeto –  s.f. conversa; discussão – PEREIRA,
Isidro – Dicionário grego-português / português-grego, Braga, Livraria Apostolado da Imprensa, 1990.
493.
LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e Método,
São Paulo: Loyola, 2002, p. 10.
494. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 10. LORENZEN, P. e LORENZ, K., Dialogische Logik,
Darmstadt, 1978.
495
. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e Método,
São Paulo: Loyola, 2002, p. 11. LORENZ, K. Methodisches Denken, Frankfurt, 1974.
496 . Adv. Math., VII, 7.
497
. IX, 5, 25.
498 . Garniron, Vrin, t.1, p.133.
185
essência de todas as coisas”499. Com Heráclito, ocorre uma transposição da
dialética do plano subjetivo do entendimento para o plano objetivo do ser. Hegel
avança na sua adesão à dialética heraclitiana afirmando não haver uma única
proposição de Heráclito que ele não tenha assumido em sua lógica500.
"O mérito de Heráclito foi ter atingido a expressão de uma negatividade
imanente e de ter concebido o absoluto segundo sua processualidade.
Entretanto, não percebendo a universalidade deste processo senão sobre o
modo do ser-aí natural, Heráclito não consegue ainda, a partir desta unidade
dos opostos, pensar a reflexão no si desta unidade. A verdade da dialética
heraclitiana deve ser buscada e apreendida no interior da esfera lógica do ser,
mas ela não permite atingir a significação mediatisante da essência e das
determinações da reflexão, e ainda menos, e sem dúvida alguma, a
compreensão do processo de autodeterminação do conceito. Mas nem essas
reservas, referentes aos pontos de vista mais originais da doutrina hegeliana,
nem a obscuridade, tornada legendária, dos aforismos heraclitianos, devem
subestimar a contribuição do pensador de Éfeso para a elaboração dos
princípios fundamentais e constitutivos de uma autêntica atitude dialética”501.

Não obstante as considerações do próprio Hegel a respeito da importância


Platão
de Heráclito, é necessário sublinhar a presença de linhas platônicas no pensamento
do próprio Hegel, que serão decisivas na constituição de sua Filosofia. Afinal, foi
com Platão que a dialética alcança o estatuto de um método de conhecimento da
verdade, apresentando-a ou identificando-a com a ciência mesma. O texto
paradigmático a respeito da dialética é a passagem sobre a Idéia do Bem
encontrada na República:

"...a capacidade dialética é a única que pode revelá-lo [o verdadeiro


bem] a quem tiver prática das ciências que há pouco enumeramos, o que não é
possível por outro processo (...).
(...)
“... este é um outro método, que tenta, em todos os casos, apreender,
por processo científico relativo a cada objeto, a essência de cada um. As outras
artes todas têm em vista as opiniões e gostos dos homens, ou foram criadas
todas para a produção e composição, ou para cuidar dos produtos naturais e
artificiais. Quanto às restantes, aquelas que dissemos que apreendem algo da
essência, a geometria e suas afins, vemos que, quanto ao Ser, apenas têm
sonhos, que lhes é impossível ter uma visão real, enquanto se servirem de
hipóteses que não chegam a tocar-lhes, por não poderem justificá-las. Se se
principiar por aquilo que não se sabe, e se o fim e as fases forem entretecidas
de incógnitas, que possibilidade haverá jamais de que esta concordância se
torne uma ciência?
(...)
“... o método da dialética é o único que procede, por meio da destruição
das hipóteses, a caminho do autêntico princípio, a fim de tornar seguros os seus
resultados, e que realmente arrasta aos olhos da alma da espécie de lodo
bárbaro em que está atolada e eleva-os às alturas utilizando como auxiliares
para ajudar a conduzi-los às artes que analisamos”502.

499 . Encyclopédie Philosophique Universelle, p.633 – Ver PLATÃO, Crátilo, 441bc.


500. LECRIVAIN, A., Dialéctique, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions Philosophiques,
Dictionnaire, , Vol. II, T. I, p.634; Filosofia do Direito p.154.
501
. LECRIVAIN, A., Dialéctique, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions Philosophiques,
Dictionnaire, , Vol. II, T. I, p.634.
502. PLATÃO, República, 533 a-d. A expressão “arrasta aos olhos da alma da espécie de lodo
bárbaro” refere-se ao ensinamento da escatologia popular que as almas castigadas no além se
186
À medida que a lógica foi se organizando como unidade teórica dentro da
filosofia, e como algo independente do diálogo, se delinearam dois métodos
distintos, ou dois roteiros do lógos que têm como finalidade demonstrar a verdade
revelada pelo lógos: o método dialético e o método analítico. O método dialético
forjou a obra platônica, e o método analítico foi exposto por Aristóteles nos
Analíticos I e Analíticos II. Esta distinção entre método dialético e método analítico é
uma distinção entre duas modalidades de “roteiro do lógos” – méthodos presente na
tradição filosófica desde o início da história da filosofia.
No método dialético, “a demonstração tem lugar no próprio movimento do
Circularidade
lógos e se cumpre ao termo desse movimento que deve ser dito propriamente dialética

dialético. O movimento dialético tem seu termo normalmente numa Idéia última que
integra todos os seus momentos”503, fechando e concluindo o movimento de
circularidade dialética que recupera, através da suprassunção, todos os momentos
anteriores do iter percorrido dialeticamente.
Com a transição de Platão para Aristóteles, no cenário filosófico da época, a
Declínio
dialética declina e o método analítico alcança um lugar de destaque definitivo na da dialética

tradição filosófica. O método analítico realiza sua demonstração “segundo regras


previamente estabelecidas que se formulam a partir da análise dos elementos do
lógos (conceitos e proposições) e definem as formas válidas da demonstração”504. A
modalidade aristotélica trata do silogismo em geral, e do silogismo demonstrativo ou
científico em particular.
O confronto com os Sofistas, muito provavelmente, tenha levado Aristóteles
Aristóteles
a atribuir um sentido negativo, ou mesmo pejorativo, ao termo dialética. Para o
Estagirita, a dialética consiste no “uso dos silogismos que admitem uma conclusão
fundada em aparências (raciocínios sofísticos)”505.

“À dialética assim entendida Aristóteles dedicou oito livros dos Tópicos A fragmentação do
e o livro das Refutações Sofísticas. Essa acepção do termo dialética método analítico
prevaleceu na tradição posterior. A dialética passou a ser uma das ’artes
liberais’ formadoras do trivium (gramática, dialética, retórica), arte de raciocinar

encontravam no Hades atoladas no lodo. Na República há outra passagem no Livro II, 363d referindo-
se à mesma crença: “Quanto aos homens ímpios e injustos, esses, pelo contrário, enterram-nos no
lodo no Hades, e obrigam-nos a transportar água num crivo, e ainda em vida lhes imputam má fama”.
503.
LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e Método,
São Paulo: Loyola, 2002, p. 11.
504. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 11. Ver CIRNE LIMA, C. R. V., Carta sobre a Dialética – O que é
dialética? In SNF, v.21 n.67 (1994): p. 439: “Os analíticos, para expressar algo, utilizam frases ou
proposições compostas de sujeito, predicado e cópula (respectivamente de argumento e função),
somente tais construções sintáticas possuem um valor de verdade, apenas elas, não os conceitos, são
verdadeiros ou falsos. Na linguagem dialética, entretanto, tais proposições compostas de sujeito e
predicado não são, via de regra utilizadas na argumentação. As ‘idéias’ de Platão e os ‘conceitos’ de
Hegel, porém, sempre possuem um valor de verdade e sempre apresentam algo como verdadeiro ou
como falso (as idéias se atraem mutuamente, elas entram em conflito e se repelem, elas se
reunificam), mesmo que quase nunca se desdobrem explicitamente em sujeito e predicado. Esta
diferença fundamental de estrutura sintática dá a ambas as línguas características próprias, tornando-
as radicalmente diferentes uma da outra”.
505
LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e Método,
São Paulo: Loyola, 2002, p. 12.
187
e discutir sobre qualquer tema, e a ela assim entendida referiu-se Santo
Ambrósio ao escrever: Non in dialectica complacuit Deo salvum facere populum
suum. Essa concepção lógico-formal da dialética predominou na primeira época
da teologia medieval, a partir do século XI, antes que fosse conhecido todo o
Organon aristotélico (século XIII) e, como tal, foi criticada pelos seguidores da
chamada ‘teologia simbólica’ (São Pedro Damião, São Bernardo etc...). Daqui
procede uma certa conotação pejorativa do termo dialética, que permanece até
nossos dia na linguagem comum”506.

Aristóteles e Tomás de Aquino adotam o método analítico como instrumento


de trabalho. E o fazem em busca de articular uma ciência que seja universal.
Segundo Cirne-Lima, contudo, eles erram em tentar fazê-lo, afinal todas as
tentativas de elaboração de uma ciência universal a partir deste método incorrem
num processo de especialização e fragmentação, pois tal método caracteriza-se
particularmente pela separação e pela fragmentação, sem conseguir, num momento
ulterior, reunir sintetizando tudo aquilo que foi analiticamente separado507.

"Aristóteles e o Aquinate queriam, sim uma filosofia universalíssima,


mas o método – o método determinante – que adotam em seus sistemas, ao
invés de conduzir a uma ciência que compreenda e abarque todas as outras
ciências, leva à dispersão, leva à multiplicidade de ciências justapostas, leva à
fragmentação do conhecimento e da razão”508.

Por outro lado, a função por excelência do método dialético é reunir,


sintetizar, conciliar, congregar, unificar o conhecimento.

“O método analítico é excelente, sim, é indispensável como um


submétodo do método dialético; quando usado sozinho, leva a uma grande
distorção intelectual. O conhecimento, quanto mais analisado, mais particular e
especializado fica. As teorias, quanto mais analíticas forem, menos abrangentes
se tornam. O método analítico, quando usado como método autônomo e único,
ou seja, sem sua inserção no método dialético sintetizante e universalizante,
leva a uma multiplicidade sempre maior de conhecimentos e teorias
particulares. As concepções e teorias de quem usa exclusivamente o método
analítico ficam, assim, cada vez mais estreitas, mais particulares, mais
especializadas. Surgem, assim, as ciências particulares em sua multiplicidade,
o que é ótimo. Mas também surge, com isso, a chamada pós-modernidade
como visão do mundo, surge a fragmentação da razão, incapacidade de
formular uma ciência que seja universal, e isso leva à morte da filosofia como
ciência universalíssima, o que é péssimo"509.

Uma passagem de Ontologia e História mostra de maneira paradigmática a


capacidade unificadora do dialético:

"A intuição do dialético vê que a pluralidade das Idéias ínfimas, das


espécies que se apresentam em si mesmas como unidades indivisíveis
(), pode ser assumida numa Idéia única
(), que, compreendendo as Idéias inferiores em sua
unidade, lhes é no entanto superior. Mas esta assunção no superior não implica

506
. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 12.
507 . CIRNE-LIMA, C.R., O Absoluto e o sistema: Agostinho, Tomás de Aquino e Hegel, in OLIVEIRA

M. de A. e ALMEIDA C., O Deus dos Filósofos Modernos, Petrópolis: Vozes, p.55.


508
. CIRNE-LIMA, C.R., O Absoluto e o sistema: Agostinho, Tomás de Aquino e Hegel, in OLIVEIRA
M. de A. e ALMEIDA C., O Deus dos Filósofos Modernos, Petrópolis: Vozes, p.55.p.
509 . CIRNE-LIMA, C.R., O Absoluto e o sistema: Agostinho, Tomás de Aquino e Hegel, in OLIVEIRA

M. de A. e ALMEIDA C., O Deus dos Filósofos Modernos, Petrópolis: Vozes, p.55.


188
confusão alguma ou perda da individualidade do inferior. Neste sentido, Platão
diz que a unidade superior envolve ‘do exterior’ seus inferiores. (...) Uma vez
encontrada a Idéia única superior, a dialética torna aos inferiores, para se
mostrar neles membros naturais ( 
, Fedro 265 e) da Idéia participada. A Idéia superior revela-
se então em seus inferiores em toda a sua inteireza
(Como na ‘ascensão’, não há
na ‘divisão’ nenhuma confusão ou desintegração, mas somente inclusão
inteligível de uma Idéia noutras que, por sua vez, se apresentam como
‘totalidades’ (), porque à essência da Idéia superior acrescentam
ulteriores determinações inteligíveis (‘homem’ é ‘animal’ mais ‘racional’, ‘bípede’
etc...). Por outro lado, a ‘divisão’ perfeita, antes de deixar os inferiores
específicos perderem-se na multiplicidade infinita dos indivíduos
(
Fil.16e), deve estabelecer o número determinado de intermediários
( ibid), até que a espécie ínfima,
termo da ‘divisão’, seja verdadeiramente um ‘indivisível’
() e seja, neste sentido, como diz o
texto do Sofista, totalmente isolada"510. 

B. A Dialética em Platão: uma ontologia

Lima Vaz considera Platão o “gênio tutelar da dialética”511. A dialética


Dialética como
platônica tem seu terreno próprio no domínio do inteligível puro. Ela é um “caminho ontologia

que parte de uma Idéia e permanece no âmbito do mundo das idéias (República, VI,
511b-c; VII, 522c-534a). O ‘caminho dialético’ seguido por Platão nos diálogos da
maturidade e nos diálgos da velhice não obedece a um conjunto de regras rígidas e
pré-fixadas, pois ela deve seguir “as peculiaridades do lógos próprio do conteúdo
investigado a partir da pergunta ou aporia inicial, da qual parte o diálogo"512.
No Sofista513, Platão rejeita a tautologia do monismo lógico-ontológico (– A é
A) do eleatismo e apresenta as condições transcendentais de possibilidade da
dialética como caminho ou como método. Tais condições são as seguintes: a) a
possibilidade lógico-ontológica da proposição – A é B; b) a possibilidade lógico-
ontológica do discurso – A é B, AB é C, ABC é D...514.

510 . OH, p.42.


511.LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 17.
512.LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 12.
513. Lima Vaz considera o Sofista a carta magna da Ontologia, ou ainda o texto fundador da dialética
como Ontologia, LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs),
Filosofia e Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 13.
514 . LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 13. “O roteiro dialético tem início quando se manifesta a oposição
no seio da identidade do Ser (A=A), exprimindo-se nas aporias iniciais que são as condições
fundamentais de possibilidade de todo discurso: ser idêntico/ser outro; ser uno/ser múltiplo; ser
infinito/ser finito; ser absoluto/ser relativo; ser necessário/ser contingente. Essas oposições tecem a
trama das primeiras relações que constituem os primeiros passos do lógos discursivo: relação de
alteridade, relação de pluralidade, relação de negação entre o finito e o infinito, relação de
dependência, relação de possibilidade. Essas oposições e sua estrutura relacional apresentam-se
inicialmente como aporias (perplexidades) em face da razão. Eis por que a dialética é essencialmente
aporemática”.
189
É a presença de oposições (relações de contrariedade) no interior da
afirmação primordial da inteligência (o seu é) que justifica o procedimento
dialético515. A filosofia sempre levanta a questão em torno do ser. Tal questão se
encontra sempre na última fronteira do pensável, onde a inteligência encontra, por
sua vez o horizonte último da sua intencionalidade. A Filosofia é pensamento do ser
e dos seres, à medida que ela quer pensar o uno e seu contrário dialético – o
múltiplo.

“Sua relação com o ser empírico simplesmente dado é inicialmente uma


relação negativa, constituindo ele o mundo da dóxa, da opinião, cujo objeto é o
múltiplo errante longe da unidade originária. Tal a intuição geradora do
eleatismo que será retomada por Platão, o qual lhe dará um estatuto
gnosiológico e ontológico definitivo. O segundo momento dessa relação é,
justamente, o da negação da negação, ou seja, o da suprassunção do mundo
da dóxa na ordem ontológica que articula o múltiplo ao uno e nele instaura uma
unidade assegurada pelos firmes laços da epistéme. Ora, o mundo da dóxa é,
antes de tudo, o mundo histórico da cultura, onde estão aquelas que Aristóteles
denominou ‘as coisas humanas’ (tá anthrópina). É para a aparente desordem e
desconcerto desse mundo que a intenção filosófica se dirige obedecendo a um
movimento dialético de negação e suprassunção, segundo a ordem que
procede do Uno"516.

Vaz entende a dialética platônica como ontologia e como método. Através


Dialética como
da filosofia, Platão busca a realização da reductio ad unum, mostrando que existe método

uma unidade do lógos epistêmico quando ele descreve o seu movimento de


unificação dos conceitos supremos e dos primeiros princípios da Razão517. Desta
forma o platonismo alcançou alturas especulativas únicas ao construir o primeiro
modelo de um saber unificador, posteriormente chamado de metafísica. Platão
chamou este saber de dialética. Desta forma, a dialética se realiza no domínio da
metafísica518.
No Banquete e na República, Platão utiliza-se da metáfora da subida para
representar o iter dialético que tem seu início na tumultuada planície da pólis através
de vários caminhos que vão subindo pela montanha do saber verdadeiro e
alcançam sua convergência no cimo, que representa a intuição do Uno-Bem. Os

515. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 14. Ver CIRNE-LIMA, C., Liberdade e Razão, in MACDOWELL,
J. A. A. A. (org), Saber Filosófico, História e transcendência, São Paulo: Loyola, 2002, p.182: “O
Absoluto é Ser, o Absoluto é Nada. O sujeito lógico e seu quantificador são exatamente o mesmo tanto
na tese como na antítese. De onde se conclui com rigor, com exatidão e com claareza que tese e
antítese não são proposições contraditórias e sim contrárias. Por isso podem ser ambas falsas. O
motor da Dialética não é a contradição, e sim a CONTRARIEDADE”.
516
. EF III, p.13.
517
. EF III, p.29.
518 . EF III, p.30. “A este saber Platão denominou dialética: a dialética é o termo da paidéia filosófica

nos diálogos da maturidade, assim como o método dialético é a forma própria do pensamento filosófico
na República, no Fedro e nos chamados diálogos metafísicos. A dialética, porém, não tem para Platão
a estrutura formal de uma disciplina filosófica como terá a filosofia primeira de Aristóteles. A
caracterização da dialética como méthodos deve ser entendida segundo a acepção literal do termo, ou
seja, a de ‘caminho’, o que põe em evidência o seu enraizamento no terreno da cultura vivida, pois é
justamente a partir das aporias nela presentes que o ‘caminho’ dialético começa a desdobrar-se em
estágios, seja de ascensão ao mundo das Idéias, para a qual o instrumento do procedimento dialógico
é considerado essencial, seja de discurso sobre as Idéias, no qual consiste propriamente a dialética”.
190
caminhos que se iniciam na pólis representam as aporias que assolam a cidade e
seus habitantes no campo das representações e dos valores que constituem a
constelação simbólica da comunidade. A dialética indica o caminho de saída das
aporias de um certo tempo histórico519.
A filosofia de Platão tem uma profunda relação com a cultura de seu tempo,
pois ela busca “recuperar, ordenar e unificar no conceito as intuições fundamentais
da vida espiritual dos gregos, pois é o implícito metafísico nelas presentes que,
explicitado e feito objeto de um saber adequado – a dialética – , torna possível a
superação das aporias que ameaçavam romper a unidade da cultura”520.

C. A Dialética em Hegel: um método521

Hegel foi para Lima Vaz uma espécie de plaque tournante. Ao perceber a
necessidade de uma releitura da ontologia clássica a partir da Erinnerung hegeliana,
seu olhar dirigiu-se, ao mesmo tempo, para a ontologia clássica, num movimento
regressivo, e para a modernidade da ilustração européia, num movimento
progressivo. Cabe lembrar que a re-leitura do livro lambda da Metafísica de
Aristóteles também faz parte do projeto vaziano de repensamento da ontologia
clássica.

Os neoplatônicos, Plotino, Agostinho e até mesmo Tomás de Aquino


pensaram dialeticamente. Mas foi Hegel quem recuperou a antiga dialética
“abrangendo e articulando dialeticamente os domínios do Lógico, da Natureza e do
Espírito”522. Com o advento do hegelianismo, a dialética recupera plena cidadania
no cenário filosófico, sendo promovida a método absoluto do pensamento puro523.

O primeiro ciclo moderno do fim da metafísica teve seu início com o


nominalismo tardo-medieval e se encerrou com Kant. Posteriormente, Fichte e
Schelling tentaram repensar a tradição metafísica ocidental. Mas para Lima Vaz foi
a resposta hegeliana a mais significativa de todas, à medida que esta se propôs
“recolher e transfundir as categorias da metafísica clássica no grandioso ritmo
dialético da Ciência da Lógica”524. Ele constata que Hegel deu um passo a mais na
dialetização do ser, já iniciado nos diálogos Sofista e Parmênides de Platão. Além

519
. EF III, p.32.
520 . EF III, p.33.
521. Esta seção sobre a dialética hegeliana foi retirada quase que integralmente do texto de SAMPAIO,
R.G., O Ser e os Outros, São Paulo: Unimarco, 2001, p.73-78.
522. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 15.
523. LECRIVAIN, A., Dialéctique, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions Philosophiques,
Dictionnaire, , Vol. II, T. I, p.633.
524 . EF III, p.306.
191
disso, Hegel atribuiu um sentido ontológico à distinção kantiana entre Vernunft e
Verstand, conferindo um alcance metafísico à dialética transcendental de Kant525.

"Hegel reencontra no plano das puras essencialidades, tornadas momentos


Projeto
dialéticos do pensamento de si mesmo do Absoluto, o antigo conceito de nous ou hegeliano

intellectus"526.

O projeto hegeliano de “repensar a antiga metafísica como Lógica tem lugar


no terreno da subjetividade moderna ou da forma moderna de uma metafísica da
imanência”527, contudo, não logra restaurar o movimento ascendente em direção a
uma transcendência real do ser, próprio e constitutivo do nous ou do intellectus da
tradição grega. Finalmente, para os pós-hegelianos, a Lógica torna-se a expressão
conceitual do Absoluto que é 528.

Lima Vaz apreende claramente a tríplice exposição do sistema tardio de


Hegel: a fenomenológica, a lógica e a noológica. Na Fenomenologia do espírito, o
movimento dialético é apresentado por Hegel como exposição do caminho da
consciência para o saber. Na Ciência da Lógica os momentos estruturais do
movimento dialético podem ser acompanhados como exposição do caminho da
Idéia no desdobramento da sua inteligibilidade imanente. A exposição noológica tem
lugar na Enciclopédia, como caminho do sistema na sua autoconstrução, e na
Filosofia do Direito como exposição do caminho da liberdade na sua efetivação
como direito529.

525 . EF III, p.306.


526
. EF III, p.306.
527 . EF III, p.306.
528
. EF III, p.306.
529 . LIMA VAZ, H.C. de, Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim do SEAF, n.1, BH, 1982, p.67.
192
Gráfico 17 – O Movimento dialético em Hegel

MOVIMENTO
DIALÉTICO
MD

CIÊNCIA DA
FENOMENOLOGIA LÓGICA FILOSOFIA
DO ESPÍRITO ENCICLOPÉDIA DO DIREITO
MD = exposição do caminho MD = caminho do Sistema
MD = exposição do caminho MD = caminho da liberdade na
da Idéia no desdobramento de na sua autoconstrução
da consciência para o saber sua efetivação como direito
sua inteligibilidade imanente

DOIS
ASPECTOS

Formal Teleológico

Estrutura Circularidade
Triádica Dialética

Estes textos permitem distinguir, no pensamento dialético, dois aspectos


Aspectos formal e
fundamentais, que influenciam a escritura especulativa do sistema vaziano: o formal teleológico

e o teleológico. O aspecto formal designa a estrutura triádica do pensamento


dialético530. Os momentos constitutivos da forma do pensamento dialético –
universal, particular e singular – estão expostos na Ciência da Lógica, na qual se
encontra a “racionalidade dialética fundamental ou a estrutura conceitual na qual se
exprime a inteligibilidade dialética de qualquer realidade dotada de sentido”531. Tal
aspecto se faz presente no interior da antropologia, da ética e da metafísica
vaziana, bem como organiza todo o sistema.
Os três momentos definem, respectivamente, o conceito na sua
Universalidade
universalidade, na sua particularidade e na sua singularidade. A universalidade é a
primeira das determinações do conceito, aquela que visa à totalidade que é
primeiramente em si. Ela é o conceito enquanto pressuposição da racionalidade
primeira e constitutiva do real, ou ainda, enquanto resulta, em termos hegelianos, da
supressão dialética da oposição entre o ser e a essência.

"Conceito puro, conceito total, este em-si ainda indeterminado não se mostra
'universal verdadeiro, infinito' senão enquanto se afirma 'imediatamente' tanto
na particularidade como na singularidade"532.

É oportuno observar, porém que para Hegel o universal abstrato não


representa uma categoria original que possa ser definida por ela mesma, mas a

530 . A terminologia tese, antítese e síntese não é hegeliana e segundo Lima Vaz é inadequada e
errônea.
531 . LIMA VAZ, H.C. de, Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim do SEAF, n.1, BH, 1982, p.67.
532 . LABARRIÈRE, P.-J, Universalité, in Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions
Philosophiques, Dictionnaire, , Vol. II, T. II, p.2676.
193
forma inadequada que reveste, face ao entendimento, o que a continuação do
processo racional mostrará ser essencialmente concreto, pois o que existe e tem
valor é o universal concreto. A universalidade abstrata tem a forma da
imediatidade533.
A particularidade constitui o segundo momento das determinações do
Particularidade
conceito, mediando a universalidade e a singularidade. Esta enumeração, porém,
não é muito significativa, pois, tais momentos são co-extensivos uns aos outros,
cada um deles sendo a expressão do todo sob uma dessas modalidades534.
O particular é a negação da racionalidade universal, indeterminada e
abstrata. É o momento da determinação ou negação, no seio da universalidade. O
movimento dialético é todo interior ao conceito, à racionalidade do real. Portanto, a
particularidade exprime a autodeterminação do conceito, seu livre poder de se
realizar na limitação do ser particular535.
“... à medida que a diversidade só pertenceria à comparação exterior, algo para
si-mesmo só deve ser idêntico consigo, e, desse modo, a segunda proposição
não contradiz a primeira. Mas, então, a diversidade também não pertence ao
Algo ou ao tudo; não se constitui determinação essencial desse sujeito; essa
segunda proposição, desta maneira, não pode ser absolutamente enunciada.
Mas, se conforme a proposição o algo mesmo é diverso, ele o é por sua própria
determinidade. Contudo, assim não é mais visada à diversidade como tal, mas
à diferença determinada...”536.

A singularidade é o terceiro termo do silogismo do ser-aí. Trata-se de um


Singularidade
particular refletido em si mesmo no elemento da universalidade que o põe. Ele
equivale ao concreto verdadeiro, especulativamente, determinado como tal537. A
singularidade, na lógica hegeliana, visa à terceira das determinações do conceito.
Ela apresenta a identidade reflexiva da universalidade primeira e da particularidade
na qual se exprime inicialmente sua riqueza.
"A singularidade é exatamente a particularidade que fez seu retorno sobre a
universalidade, ou ainda que 'se recorda' de ter sido posta por ela e,
conseqüentemente, a inclui em si , como seu próprio elemento; assim ela é a
concretização do universal, o que a desloca até a abstração que a espreita"538.

O singular é a particularidade restituída da plena inteligibilidade do universal.


É o conceito realizado, o momento terminal da estrutura dialética. Não se trata do
individual empírico, mas da suprassunção do particular no universal.
“determinação do universal não já como aquela negação da universalidade
abstrata que se dá na particularidade, mas como posição da universalidade

533 . LABARRIÈRE, P.-J, Universel, in Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions


Philosophiques, Dictionnaire, , Vol. II, T. II, p.2678.
534 . LABARRIÈRE, P.-J, Particularité, in Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions
Philosophiques, Dictionnaire, , Vol. II, T. II, p.1868.
535
. LIMA VAZ, H.C. de, Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim do SEAF, n.1, BH, 1982, p.68.
536 . HEGEL, Enciclopédia, § 117.
537
. LABARRIÈRE, P.-J, Singulier, in Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions
Philosophiques, Dictionnaire, , Vol. II, T. II, p.2394.
538 . LABARRIÈRE, P.-J, Singularité, in Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions
Philosophiques, Dictionnaire, , Vol. II, T. II, p.2392.
194
concreta, da razão realizada ou do efetivamente real na sua racionalidade (...);
a singularidade do conceito é, aqui, reconquista do universal ou do sentido a
partir da contingência empírica que afeta o momento da particularidade ou
designa o ser-aí temporo-espacial do conceito. É nesse momento terminal que
se cumpre o movimento dialético do conceito, porque é aqui que universal
abstrato e particular se suprimem ou são ‘suprassumidos’ (aufgehoben) na
efetiva racionalidade do real” 539.

Segundo Hegel
“O conceito como tal contém os momentos da universalidade, enquanto
livre igualdade consigo mesma em sua determinidade; da particularidade, da
determinidade em que permanece o universal inalteradamente igual a si
mesmo; e da singularidade, enquanto reflexão-sobre-si das determinidades da
universalidade e da particularidade; a qual unidade negativa consigo é o
determinado em si e para si, e ao mesmo tempo o idêntico consigo ou o
universal”540.

Para Hegel, o singular consiste na seguinte definição


“O singular é o mesmo que o efetivo; só que o singular proveio do
conceito, por isso é posto como universal, como a unidade negativa consigo. O
efetivo, por ser somente em si ou imediatamente a unidade da essência e da
existência pode efetuar; mas a unidade do conceito é pura e simplesmente o
efetuante, e, na verdade, também não mais como a causa, com a aparência de
efetuar um Outro, mas sendo o efetuante de si mesmo. Contudo, a
singularidade não é para ser tomada no sentido de uma singularidade imediata
apenas, segundo a qual falamos de coisas e de homens singulares; essa
determinidade da singularidade só ocorre no juízo. Cada momento do conceito
é, ele mesmo, o conceito todo (§ 160); mas a singularidade, o sujeito, é o
conceito posto como totalidade”541.

A transcrição, ou a aplicação dos três momentos do movimento dialético à


história e à dialética da história faz com que o momento da universalidade do
conceito exprima a pressuposição de um Sentido que articule o curso histórico e
que possibilite sua tradução num discurso narrativo coerente, ou seja, que permita o
pensamento da história.
Tal sentido particulariza-se na contingência dos eventos, na situação dos
atores históricos, na multiplicidade dos fatores que configuram as épocas, as
culturas, as civilizações. A razão ou o sentido da história
“é determinação do universal, na particularidade do tempo, do espaço e da
constelação dos fatores históricos”542.

O momento da singularidade é a “mostração”, a apresentação da


inteligibilidade dialética da história no agir histórico dos homens, nas suas obras
históricas (cultura e instituições) constituindo o espírito objetivo.
“Universalidade, particularidade e singularidade, tomadas
abstratamente, são o mesmo que identidade, diferença e fundamento. Mas o
universal é o idêntico consigo expressamente na significação de que nele se
contém ao mesmo tempo o particular e o singular. Além disso, o particular é o
diferenciado ou a determinidade, mas a significação de que é universal em si e
como singular. Igualmente, o singular tem a significação de ser sujeito, de ser a

539
. LIMA VAZ, H.C. de, Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim do SEAF, n.1, BH, 1982, p.68.
540 . HEGEL, Enciclopédia, § 163.
541
. HEGEL, Enciclopédia, § 163.
542 . LIMA VAZ, H.C. de, Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim do SEAF, n.1, BH, 1982, p.68.
195
base que contém em si o gênero e a espécie, e que é ela própria substancial. É
esta a inseparabilidade posta dos momentos em sua diferença (§ 160) – a
clareza do conceito, em que cada diferença não produz interrupção,
perturbação alguma, mas é igualmente translúcida”543.

O aspecto formal de inspiração hegeliana será explicitado, neste trabalho, de


Aspecto
forma bastante plástica e esquemática a partir dos gráficos que serão apresentados teleológico

logo à frente, e que testemunam, de forma sinóptica, não só a estrutura triádica do


sistema vaziano, mas a simetria e a correspondência estrutural presente na
Antropologia Filosófica, na Ética e na Metafísica. Todavia o pensamento vaziano
não está determinado exclusivamente pelo aspecto formal da dialética hegeliana.
Há um segundo aspecto – o teleológico – tão determinante e significativo para a
compreensão do pensamento vaziano quanto o aspecto formal.
O aspecto teleológico aponta para o caráter helicoidal, no qual se sintetizam
a linearidade e a circularidade do movimento dialético hegeliano, ou seja, tal
aspecto caracteriza-se por um movimento que é, ao mesmo tempo, progressão
(linha) e retorno (círculo), cumulativo e progressivo. O movimento dialético é, com
efeito, “passagem da universalidade abstrata à particularidade e é volta ao universal
na concretude da singularidade” 544.
“Ele pode ser, assim, representado pelas imagens geométricas da linha
e do círculo. (...) Sua imagem é a de uma espiral cuja progressão circular
representa o enriquecimento sempre maior do universal, ou seja, da
pressuposição de uma racionalidade fundamental da realidade, que o
movimento dialético tenta captar e exprimir. No caso da história, a
pressuposição de um sentido universal, particularizado nas épocas, culturas, na
constelação de eventos e fatores, na decisão dos atores históricos, se
enriquece na sua compreensão ao se manifestar na universalidade concreta ou
na singularidade com que tais momentos particulares se articulam ao sentido
universal, se ordenam em seqüências coerentes que o discurso tenta narrar.
(...) parece evidente que a cumulação das obras e ações dos homens e dos
grupos humanos ao longo do tempo histórico não é apenas uma acumulação
quantitativa, mas provoca a emergência sempre mais clara e num relevo
sempre mais profundo de um sentido segundo o qual é possível pensar a
continuidade do curso histórico545”.

É na história que a face teleológica do movimento dialético encontra sua


expressão privilegiada, bem como sua inteligibilidade mais nítida.
“Podemos dizer que a face teleológica do movimento dialético encontra,
na história, sua expressão privilegiada e, de certo modo, seu paradigma, já que
é no pensamento da história que a inteligibilidade dialética se descobre de
maneira mais nítida” 546.

Na Ciência da Lógica, ou ainda, na dimensão da logicidade (Das Logische)


este movimento dialético é, ao mesmo tempo, uma determinação ulterior do
conceito (Fortbestimmung) e uma determinação regressiva (Rückbestimmung). O
aspecto teleológico se faz presente em cada uma das obras de Lima Vaz, em todo o

543
. HEGEL, Enciclopédia, § 164.
544 . LIMA VAZ, H.C. de, Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim do SEAF, n.1, BH, 1982, p.69.
545
. LIMA VAZ, H.C. de, Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim do SEAF, n.1, BH, 1982, p.69.
546 . LIMA VAZ, H.C. de, Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim do SEAF, n.1, BH, 1982, p.69.
196
seu sistema, e em todo o seu itinerário filosófico. Este aspecto, da circularidade
dialética, ora apresentado como um aspecto da dialética hegeliana que determina
toda a obra vaziana, já está subjacente em Ontologia e História sob os conceitos
de symploké e diairésis. A idéia de retorno, de circularidade dialética emergirá,
novamente, no texto Raízes da Modernidade sob a figura da via compositionis e
da via resolutionis, recuperando uma terminologia aristotélica presente nos
Analítica Posteriora, que será desdobrada de forma mais cuidadosa logo à frente.

D. Lima Vaz e a Dialética

Platão e Hegel expuseram um modelo dialético de inteligibilidade do mundo


humano. Platão buscou instaurar a justa medida ou a proporção na desordem do
mundo humano, ao passo que Hegel buscou reconciliar as oposições que
romperam a unidade ética da comunidade humana. Tanto para um, quanto para o
outro, a filosofia se configura como a restituição ontológica da inteligibilidade
essencial da cultura, ou, ainda, como a iniciativa de instaurar a sensatez da razão
no medium histórico da desrazão.

“O lógos do inteligível não é mais do que a dialética da Idéia. O


movimento essencial que o anima é sempre a redução do múltiplo ao Uno ou o
explicar-se do múltiplo a partir do Uno. Logo, a dialética da Idéia como leitura
filosófica do mundo humano significa uma ordenação ao Uno e uma explicação,
a partir do Uno, do múltiplo que se manifesta no mundo dos homens como
desordenado e insensato que é representado segundo Platão, pela desmesura
da hýbris e, segundo Hegel pela dilaceração (Entzweinung) da existência
histórica. Assim, a dialética da cultura é, para Platão, a instauração da justa
medida (métron) ou da unidade de proporção (analogía) na desordem do
mundo dos homens. Para Hegel, ela é a reconciliação (Versöhnung) das
oposições que rompem a unidade ética (Sittlichkeit) da comunidade humana. A
hermenêutica filosófica da cultura deve cumprir portanto, duas tarefas: primeiro,
mostrar a necessidade da filosofia e competência do filósofo para realizar a cura
dessa patologia do múltiplo desordenado e dividido no qual os homens se
perdem; segundo, edificar o modelo ideal, isto é, o modelo de inteligibilidade do
mundo humano, segundo a ordem do múltiplo que procede da unidade
verdadeira. Para Platão, esse modelo é construído por meio da dialética do
Bem, e a pólis real deverá ser o reflexo da sua perfeição. Para Hegel, ele é
construído segundo a articulação dialética da idéia do espírito: seus momentos
constituirão a estrutura inteligível da história, cuja culminação é o Estado, obra
da Razão necessariamente figurada no tempo. Para ambos, a filosofia é,
obedecendo a um mesmo desígnio, uma interpelação crítica da cultura e uma
restituição ontológica da sua inteligibilidade essencial. A cultura, com efeito,
realiza-se no tempo como história do lógos – da Razão – desdobrando-se no
medium da contingência, da desordem, e do não-sentido da violência e do erro.
Assim sendo a filosofia aparece para Platão e para Hegel, como a iniciativa
insensata aos olhos da opinião mundana, de instaurar a sensatez da razão no
medium histórico da desrazão"547.

A exposição da dialética platônica como ontologia e como método,


recuperada e enriquecida por Hegel, faz-se presente na obra de Lima Vaz. A
dialética é essencialmente uma ontologia, seja na sua origem platônica, seja nos

547 . EF III, p.19.


197
diferentes modelos inspirados em Platão. Em um de seus textos mais recentes548,
Lima Vaz esclarece de forma bastante nítida sua compreensão da dialética, que
marca sua Antropologia e sua Ética, enquanto Ontologia do Homem e Ontologia
da ação humana, respectivamente. Pois como ele mesmo afirma, a Antropologia
Filosófica (I e II) deve ser considerada uma ontologia da pessoa humana. E o
Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica II deve ser considerado
uma ontologia do agir humano. Pois ambos têm a pretensão de ser um discurso que
atinja a inteligibilidade radical do ser humano e de sua ação no mundo. Em última
análise, trata-se de um discurso que aponta para a inteligibilidade que fundamenta a
afirmação do homem como ser.

"Ora, ao situar-se nesse nível, a reflexão vê-se em face da oposição


fundamental finito-infinito, que no ser e no agir do indivíduo humano apresenta
características originais, visíveis na experiência mais elementar que fazemos de
nós mesmos. Com efeito, o ser e o agir em nós, sendo por essência finitos,
estão implicados numa presença do infinito que se manifesta em diferentes
formas. Portanto, a oposição finito-infinito é constitutiva do ser humano e de seu
agir. E é a desenvolver essa oposição que se aplica a ontologia do ser
(antropologia filosófica) e a ontologia do agir (ética)"549.

Para elaborar sua ontologia do agir humano, sua ontologia do ser humano e
sua metafísica, Lima Vaz utiliza o método dialético.
No Raízes da Modernidade Lima Vaz deixa bastante claro que as duas
jornadas especulativas ali realizadas orbitam em torno da metafísica do existir de
Tomás de Aquino. E ao buscar uma compreensão da inteligibilidade radical do
existir será descrito um itinerário lógico-dialético denominado ‘itinerário da
metafísica do esse’550.

"Por duas grandes jornadas especulativas estende-se o itinerário do


esse. A primeira na esfera do Esse absoluto, a segunda na esfera do esse
relativo ou dos entes finitos. A natureza desse itinerário, do ponto de vista
metodológico, é, repetimos, lógico-dialética. Esse instrumento metodológico
permite organizar como veremos, os diversos estágios da metafísica tomásica
do esse à luz da interrogação fundamental sobre a causa essendi. Não iremos,
pois, nos prender à letra dos textos de Tomás de Aquino ou à sua seriação
cronológica. A imensa bibliografia a respeito atende mais do que
suficientemente a esse desideratum. Ousamos no entanto, pretender que o
método da nossa exposição irá pôr em evidência, de um modo que julgamos
particularmente expressivo, a originalidade, a riqueza e a força especulativa de
uma filosofia do existir, que assinala, na evolução do pensamento ocidental, um
dos episódios mais decisivos do seu roteiro teórico"551.

O iter vaziano recorre ao método dialético para a estruturação do sistema,


enquanto busca da compreensão unificada e coerente do fenômeno humano

548
. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 16.
549.
LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e Método,
São Paulo: Loyola, 2002, p. 15.
550
. EF VII, p.90.
551 . EF VII, p.90. Ver nota 34: “O esquema que propomos a seguir não deve ser lido, por conseguinte,
em seqüência linear dos temas ele percorridos, mas como um movimento lógico de uma reflexão que
integra dialeticamente cada um dos passos a partir da inteligibilidade fontal do esse”.
198
enquanto tal (Antropologia Filosófica), do agir humano enquanto agir livre e
racional (Ética) e dos pressupostos metafísicos, ou das condições transcendentais
que permitem a elaboração do discurso e que amarram o sistema a partir da
compreensão da oposição finito/infinito, homem/Absoluto (metafísica).

"A clara compreensão da natureza dialética da relação que vigora entre


o Esse absoluto e os esse relativos por um lado; e, por outro, a oposição
intrínseca no ser finito entre seu esse e sua essentia, também de natureza
dialética, ajuda-nos a penetrar na significação profunda da metafísica do esse
tal como a pensou Tomás de Aquino. Convém observar inicialmente que a
acepção fundamental da dialética como método diz respeito a um caminho
(méthodos) do lógos através de oposições que se apresentam tanto na ordem
real quanto na ordem nocional e que o logos integra numa unidade superior.
Oposição significa sempre distinção dos termos que se opõem. Oposição real
implica uma distinção real dos seus termos (por exemplo, sujeito e objeto
extramental, que se opõem no conhecimento finito). Oposição nocional implica
distinção (dita de razão) dos conceitos que se opõem (por exemplo, a oposição
entre as noções transcendentais, De Verit., q.1, a.1). O procedimento dialético
não é um procedimento formal no qual uma lógica é aplicada a um conteúdo
que lhe é exterior. Ele traduz a lógica intrínseca do conteúdo, o dinamismo da
sua própria inteligibilidade. Eis por que o método dialético parte do conteúdo do
inteligível mais elementar, ou seja a afirmação ‘alguma coisa é’, e tem início
com a suprassunção, por meio do argumento de retorsão, da mais primitiva
oposição, a que opõe o ser ao nada, suprassunção expressa logicamente pelo
princípio de não contradição. É a partir desse fundamento que se forma a
oposição do uno e do múltiplo que, sobrelevada na relação de alteridade, dá
início ao caminho da metafísica. O procedimento dialético é inseparável,
portanto, da consideração e da avaliação do conteúdo"552.

Nesta página de sua obra, na qual explicita toda a importância da dialética


Tomás de Aquino
para a constituição da sua metafísica, Lima Vaz manifesta firmemente sua em chave dialética

inspiração hegeliana, consubstanciada na sua tentativa de ler a obra de Tomás de


Aquino a partir de uma perspectiva dialética, ou através do ‘uso da via compositionis
em chave dialética’553, visando com este procedimento realizar um processo de
dialetização do ser.
Na passagem que se segue fica evidenciado que Lima Vaz recupera o
núcleo do pensamento tomásico e busca relê-lo a partir do método dialético:

"Com efeito, na visão tomásica o Esse absoluto e os esse finitos são


compreendidos num discurso de natureza dialética, no qual a transcendência
absoluta do Esse é indicada, na sua infinitude, por um procedimento analógico
a partir dos esse finitos"554.

Lima Vaz não atribui, no entanto, sua compreensão do método dialético a


Tomás de Aquino. Sua inspiração é hegeliana. A lógica do Aquinate é a lógica do
Estagirita. Todavia a “rememoração de um autor como Tomás de Aquino, cujos
textos refletem intuições de profunda riqueza e polivalência, permaneceria muito

552 . EF VII, p.158. Ver também CIRNE LIMA, C. R. V., Carta sobre Dialética – O que é dialética? In

SNF, v.21 n.67 (1994): p. 440 e 443.


553
. EF VII, p.95. Nota 1. Ver supra.
554 . EF VII, p.165.
199
pobre se ficasse restrita à literalidade e limitação dos instrumentos lógicos ou
metodológicos aos quais o doutor medieval houve de lançar mão em seu tempo”555.
É necessário considerar que o caminho dialético da antropologia é distinto do
caminho dialético da ética e do caminho dialético da metafísica. Todavia esta
distinção será apresentada mais adiante, no quinto capítulo desta tese556. O que
importa neste momento é afirmar que o método dialético atravessa e modela todo o
sistema vaziano, e será através deste método que serão constituídas as categorias
de todo o sistema aqui estudado.
Um engano comum, mas fatal, consiste em interpretar o caminho dialético
como algo guiado por uma rígida necessidade em termos de lógica formal. O
caminho dialético avança através de ‘opções ontológicas’, onde razão e liberdade
interagem para responder ao desafio das oposições que se manifestam na
realidade. Eis por que uma filosofia que é considerada o paradigma das filosofias
dialéticas, a filosofia hegeliana, é uma ‘filosofia da liberdade’557.
Mas antes de iniciar a apresentação do desdobramento das categorias, Lima
Vaz sempre realiza um exercício rememorativo que recupera as linhas principais da
reflexão em torno do objeto em questão.
Na seção seguinte será apresentado como Lima Vaz dá início aos seus
textos sistemáticos sempre a partir de uma aporética histórica que se coloca como o
primeiro passo do caminho dialético de constituição das categorias.

E. A Rememoração Histórica

Sensibilidade e valorização do legado histórico da filosofia marcam,


profundamente, a obra de Lima Vaz, para quem o ato filosófico é,
fundamentalmente, anámnesis e nóesis, recordação e pensamento558. Sua forma de
fazer filosofia obedece basicamente aos princípios metodológicos próprios da
dialética, que, em primeiro lugar incorpora a tradição histórica dos problemas em
foco, sejam eles os problemas da Antropologia, da Ética e da Metafísica. A
Erinnerung filosófica é, pois, um estágio pelo qual Lima Vaz sempre passará ao
iniciar a redação de seus grandes textos sistemáticos.

O esforço sistemático depende do esforço rememorativo de recuperação da


tradição filosófica, seus temas, seus problemas, e suas soluções, isto porque, seja
qual for o problema em questão sempre há uma continuidade histórica e uma
continuidade temática atravessando a reflexão filosófica. Já em Ontologia e

555
. EF VII, p.158.
556. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 15.
557
. EF VII, p.158. Ver também EF III, pp. 79-80.
558 . SNF, n. 55, p.684.
200
História ele explicita a necessidade e o valor intrínseco do procedimento de
recuperação do labor filosófico do qual o Ocidente é herdeiro. Na Antropologia, na
Ética e em Raízes da Modernidade encontrar-se-á de forma explícita e bem nítida
o esforço vaziano de iniciar sua reflexão a partir de material histórico autorizado e
fundamentado.

A relevância deste procedimento é indicada logo no início do capítulo


Itinerário da Ontologia Clássica, onde Lima Vaz apresenta duas posições que
sempre estiveram presentes nos fundamentos do seu trabalho. A primeira posição é
relativa ao valor do trabalho rememorativo em filosofia, e, portanto, diz respeito a
uma questão de natureza metodológica. A segunda posição, já anunciada no início
desta tese, é relativa à sua perspectiva fundacionista que estará, para sempre,
marcada pela metafísica do existir de Sto. Tomás de Aquino. Interessa, neste
momento, para o desenvolvimento da presente seção, a posição metodológica
inerente ao esforço de recuperação do trabalho filosófico da tradição.

A extensa citação que se segue foi retirada de um contexto cuja


preocupação era a constituição histórica do conceito de ontologia, ou da ciência do
ser, como ciência primeira, ou ainda como ciência do Absoluto. O texto foi redigido
em 1954, quase meio século antes da publicação de Raízes da Modernidade, no
qual o esforço rememorativo permanece vívido e presente na atividade filosófica de
Lima Vaz.

“Seja-nos permitido confessar: se vamos neste momento interrogar os


gregos e medievais sobre a essência da filosofia e sobre seu estatuto científico,
é que estamos intimamente convencidos de que vão seria tentar compreender
sequer o sentido dos problemas que hoje se desenham no horizonte de nossa
inteligência rejeitando ou simplesmente desconhecendo os temas da
especificação helênica que modelam decisivamente – forçoso é reconhecê-lo –
nosso modus mentis” 559.

Este procedimento está longe de ser um fixismo estéril, ou mesmo de uma


espécie de culto ao passado. Pois a filosofia, como todo saber autêntico, é
progressiva e, ao mesmo tempo, criadora.

“O progresso em filosofia deve consistir justamente em adivinhar na


face nova das aporias concretas que solicitam o espírito, sob a conjunção de
dado céu histórico, os traços antigos desses problemas que bem se chamam
‘eternos’ e cuja permanência é como o signo que revela a constância de nossa
natureza e a unidade de nosso destino. É a um esforço de reinvenção, portanto,
a uma vocação supremamente humanista que a filosofia nos parece convidada,
se é verdade que o humanismo se define como a consciência da continuidade
humana.

“Mas, obedecendo ao ritmo específico do espírito, essa reinvenção em


que somos tentados a fixar a essência do progresso filosófico não é repetição
mecânica, é livre e espontânea criação. Eis aí, na verdade, um estranho
paradoxo! Se nosso espírito encarnado encontra na fidelidade à sua condição e
na aceitação do longo passado que emerge no seio de suas mais atuais

559 . OH, p.57.


201
perplexidades as amarras que o prendem ao real, há entretanto na unidade
profunda que define seu ser histórico uma dialética do diverso, em que cada
resposta à proposição dos mesmos problemas fundamentais é um momento
original, uma prospecção dinâmica. A pura repetição convém ao instante
matemático do tempo mensurável, à dispersão quantitativa do espaço. O
espírito, como mostrou Bergson, obedece a uma duração qualitativa. E se um
‘dado’ objetivo se lhe impõe – uma ‘matéria’, como diria Kant -, não é uma
receptividade inerte que ela faz face, mas a um acolhimento vital, a uma
recriação em que o objeto é plenamente assumido pela iniciativa interior.

"Assim o progresso em filosofia deve consistir ainda em desocultar o


‘dado’ autêntico que seja um alimento real à intussuscepção do espírito e
libertar ao mesmo tempo a pulsão criadora com que o espírito mesmo dilata o
objeto à medida de suas exigências concretas.

“Ora, este dado autêntico nós o encontramos, vindo do mais longínquo


passado, com o imperativo de uma questão metafísica primeira que não é
possível eludir. À reflexão filosófica de um momento histórico determinado cabe
realizá-lo na carne e sangue de sua problemática vital e encontrar assim o
sentido de seu legítimo progresso. Eis por que, percorrendo os caminhos do
passado, esperamos andar mais seguramente na substância do presente”560.

A preocupação de Lima Vaz em considerar o passado da reflexão filosófica


sobre um determinado tema não é algo ocasional, ou esporádico, nem mesmo
acidental. Esta atitude de valorização da história da filosofia esteve presente em
seus textos e em seus cursos, nos quais ele afirmava ser impossível fazer filosofia
sem conhecer história da filosofia. A rememoração nunca lhe serviu para exibir
erudição. Ela foi sempre o primeiro passo metodológico do seu pensar. Nesta outra
passagem de Ontologia História é possível perceber os gérmens da atitude que
fez da Erinnerung um passo metodológico do qual Lima Vaz jamais prescindirá.

"... a dimensão filosófica da história da filosofia deve ser procurada na


‘situação’ dos sistemas, e o entrelaçamento de tradição e progresso tem aqui o
caráter original de um ressurgir de todo o passado da reflexão na novidade de
uma problemática que se apresenta pela primeira vez aos olhos do
pensador"561.

Os textos sistemáticos – Antropologia Filosófica, Ética e Raízes da


Modernidade – são marcados pela seguinte estrutura comum: em primeiro lugar,
há uma introdução562, em seguida uma apresentação do problema a partir da
perspectiva histórica563. Após a aporética histórica vem a apresentação das
categorias nas seções sistemáticas de cada uma das obras. Finalmente após a
parte sistemática segue-se a conclusão. Em linhas gerais, pode-se dizer que suas

560
. OH, p.57-59.
561 . OH, p.92.
562 . Na Antropologia Filosófica há uma introdução bastante breve (pp.9-19) Na Ética há uma seção
introdutória mais extensa e muito densa. De todas as suas introduções, esta é a maior introdução
elaborada por Lima Vaz (pp. 7-76). Finalmente no livro Raízes da Modernidade a Introdução tem uma
dimensão intermediária entre as dimensões da Antropologia Filosófica e as dimensões da Ética.
563 . A ESTRUTURA da obra vazeana será aprofundada de forma mais cuidadosa logo à frente.
Todavia, neste momento se impõe uma certa antecipação desta estrutura visto que para Lima Vaz a
REMEMORAÇÃO HISTÓRICA se apresenta como um elemento constitutivo do seu método de
filosofar. À frente serão apresentados gráficos que indicam de forma bastante clara a simetria
estrutural presente na Antropologia Filosófica, na Ética e na metafísica vazeanas.
202
obras sistemáticas564 têm duas grandes partes: a parte histórica e a parte
sistemática. Contudo, vale ressaltar que a exposição de cada uma das categorias
segue uma estrutura de conceitualização filosófica que repete o momento da
aporética histórica no interior do qual se faz uma rememoração mais específica
daquele determinado objeto, p. ex.: aporética histórica da categoria de corpo,
aporética histórica da categoria de psiquismo e assim sucessivamente.

"A reflexão filosófica conta entre seus passos metodológicos (...), uma
rememoração histórica do problema ao qual se aplica, percorrendo as
vicissitudes teóricas da sua transmissão ao longo daquela que constitui a
tradição viva da filosofia. Essa rememoração assume a forma de uma aporética
à medida que as formulações e soluções propostas para o problema em
questão se articulam dialeticamente ao longo do tempo em oposições e
sínteses que convergem justamente para o presente da reflexão capaz de
abraçá-las e de repropor o problema no âmbito de uma nova iniciativa do
filosofar"565.

O caráter rememorativo da obra vaziana, como trabalho de recuperação


temática dos problemas em questão, mediante o acompanhamento das linhas
mestras da evolução de um determinado tópico “pertence intrinsecamente à
estrutura da conceitualização filosófica”566.

"A rememoração (Erinnerung) histórica dos problemas filosóficos


remonta, como é sabido, a Platão e foi ilustrada amplamente por Aristóteles
como parte essencial do seu método de pesquisa. A essa rememoração Hegel
deu uma estrutura dialética nas suas célebres Lições sobre a História da
Filosofia"567.

Essas considerações mostram que Lima Vaz empenhou-se em desenvolver


a aporética histórica de um determinado problema, com uma intenção, ao mesmo
tempo, histórica e teórica, na tentativa de expor a continuidade de uma mesma
interrogação dirigida a dimensões constitutivas da vida humana, numa perspectiva
antropológica, ética ou metafísica, isto é, a dimensão do sujeito enquanto sujeito, a
dimensão do agir humano, e, finalmente, a dimensão da transcendência.

Considerando que a intenção de Lima Vaz é basicamente doutrinal568 e


depende de “uma reflexão sobre um passado cuja recuperação no ‘esforço do
conceito’ é condição sine qua non de exercício da reflexão ética na conjuntura e

564 . Antropologia (Antropologia Filosófica I e II), Ética (Escritos de Filosofia IV e V), metafísica (Escritos
de Filosofia II – Raízes da Modernidade). O Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura deve ser
compreendido como um livro de passagem da Antropologia para a Ética. Mesmo este livro que não
possui uma posição estrutural dentro do Sistema possui um primeiro capítulo que apresenta a relação
filosofia/cultura em primeiro lugar, a partir da perspectiva histórica (Capítulo Primeiro: Filosofia e
Cultura – Perspectiva Histórica, pp. 3-80). Apenas no segundo capítulo, a questão será abordada de
forma teórica e mais sistemática (Capítulo Segundo: Cultura e Filosofia – Perspectiva Teórica, pp. 82-
100).
565
. AF I, p.25.
566 . AF I, p.165.
567
. AF I, p.26.
568 . EF IV, p.473.
203
nos desafios do presente”569 a base historiográfica é indispensável para a
realização deste empenho rememorativo.

Rememoração na
Lima Vaz obedecerá, na Antropologia Filosófica a divisão consagrada pela Antropologia
Filosófica I
historiografia que divide a História Ocidental em 4 grandes fases: Antropologia
Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. Filosofia e Cultura pode ser
considerado uma continuação da Antropologia Filosófica, sobretudo nos aspectos
relativos às categorias de relação. Seguindo o princípio metodológico da
rememoração como elemento constitutivo do próprio ato de filosofar, o livro inicia-se
por um capítulo cujo título é Filosofia e Cultura: perspectiva histórica. Como na
Antropologia Filosófica, o Filosofia e Cultura alcança seu zênite filosófico ao
entrelaçar suas conclusões com o pensamento de Tomás de Aquino. Afinal o
objetivo vaziano mais decisivo é criar condições e possibilidades para um
reencontro com a tradição metafísica, através do exercício de uma Erinnerung que
revele toda a proficuidade do pensamento tomásico à luz dos desafios da
modernidade.

"Encontrar um caminho que nos conduza ao pensamento metafísico


como a um pensamento vivo no contexto histórico em que foi outrora exercício,
caminho pelo qual possamos retornar trazendo a inspiração dessa vida para
pensar os problemas do nosso tempo (tal é a razão essencial da Erinnerung),
eis a primeira tarefa a ser cumprida no nosso propósito de pensar a relação
entre Tomás de Aquino e o destino da metafísica"570.

É óbvio que a tarefa de visitar autores da Antiguidade filosófica não implica


numa empreitada de simples reconstituição histórica e apropriação anacrônica de
um pensamento antigo. Trata-se, por excelência, do exercício hermenêutico de
pensar a tradição571.

Rememoração na
Na Ética, a parte histórica é dividida em seções mais numerosas. Depois de Ética: Escritos de
Filosofia IV
uma grande introdução572 (I. Natureza e Estrutura do Campo Ético) constituída por 4
capítulos, tem início a sinopse histórica com a ética antiga (ética antiga, socrático-
platônica, aristotélica e helenística), seguida pela ética cristão-medieval (ética pré-
agostiniana, agostiniana, a ética de Tomás de Aquino e a ética da Idade Média
tardia). Finalmente, à ética moderna (com a transição renascentista, a sabedoria
cartesiana e a ética de Hobbes), seguem-se a ética kantiana e depois duas seções
da ética pós-kantiana. Na parte sistemática, a aporética histórica se repete e se faz

569 . EF IV, p.474.


570 . EF III, p.306.
571
. EF III, p.306.
572. EF IV, p.11-76. Antes da “Sinopse Histórica” há um Prefácio, uma Introdução e a primeira seção
do livro, intitulada “Natureza e Estrutura do Campo Ético”. Esta seção apresenta de forma introdutória
e ao mesmo tempo sistemática uma série de temas que serão reencontrados na parte histórica e
desenvolvidos na parte sistemática.
204
presente em todos os momentos de elaboração de cada uma das categorias
constitutivas da dimensão do agir ético e da dimensão da vida ética.

A redação da Introdução à Ética Filosófica destaca-se dos outros tomos


do corpus vaziano exatamente pela abrangência de sua investigação histórica, que
se traduz pelo número de páginas que a exposição histórica nele tem. Este esforço
hercúleo justifica-se pois, “entre todas as disciplinas filosóficas, nenhuma talvez
como a Ética vive permanentemente das lições da história, delas recebendo não
apenas os grandes temas e categorias que integram sua estrutura, mas,
igualmente, os critérios hermenêuticos e as instâncias críticas que lhe permitem
refletir, à luz de uma multissecular experiência de pensamento, sobre os problemas
e desafios da práxis humana nas vicissitudes do tempo histórico em que é
573
exercida” .

"A pragmateia ética, para falar como Aristóteles, apresenta-se


inicialmente e necessariamente como uma Erinnerung no sentido hegeliano,
uma rememoração dessa grande aventura intelectual e desafiadoramente
existencial iniciada por Sócrates, qual seja a de transcrever nos códigos da
Razão a realidade histórico-social do ethos ou dos costumes, de modo a dotar
seu conteúdo empírico (normas, prescrições e valores) de uma organicidade
lógica apta a tornar a práxis humana explicitamente e conscientemente razoável
e sensata"574.

Na introdução da sinopse histórica da Introdução à Ética Filosofófica 1575


Lima Vaz afirma qual é o propósito da Erinnerung das intuições fundamentais, da
estrutura categorial e do corpo doutrinal dos grandes sistemas da tradição do
pensamento ético ocidental576:

“Nosso propósito, é ao mesmo tempo, histórico e teórico. Ao Continuidade


percorrer os grandes momentos históricos do pensamento ético, desde seus temática
inícios com Sócrates, pretendemos pôr em relevo, em primeiro lugar a
continuidade de uma mesma iniciativa de interrogação e reflexão que se dirige a
uma das experiências fundamentais e constitutivas da vida humana – a
experiência moral – e tenta explicá-la à luz de seu enraizamento na realidade
de um fenômeno histórico-social que torna possível a convivência dos seres
humanos em termos de valores e fins – o fenômeno do ethos ou dos
costumes. Essa continuidade se manifesta no fato irrecusável de que as
mesmas questões que estão na origem histórica da Ética alimentam a
variedade de respostas que a elas vão sendo dadas na sucessão dos sistemas
éticos, e no fato igualmente incontestável de que as grandes categorias que
permitiram a construção dos primeiros modelos de Ética na Antiguidade
permanecem em seu teor lógico fundamentalmente inalteradas até hoje, não
obstante as muitas interpretações de que têm sido objeto. Basta pensar nas
categorias de Bem, de Fim, de Virtude, de Justiça, de Liberdade, de
Consciência Moral, de Obrigação Moral e outras"577.

573 . EF IV, p.473.


574
. EF IV, p.473.
575 . EF IV, p.82.
576
. EF IV, p.81-82.
577 . EF IV, p.82.
205
A continuidade temática, no campo da Ética, decorre de certa invariância
fundamental da própria natureza humana exposta na Antropologia Filosófica que
se constitui como núcleo antropológico infrangível sobre o qual se apóia todo o
discurso sobre o agir humano, seus valores e seus fins578.

Invariância
Ao mesmo tempo que existe esta articulação temática de invariantes fundamental
conceptuais ético-antropológicos, Lima Vaz detecta através da aporética histórica da
Ética uma terceira continuidade relativa ao tema da Razão que se percebe incapaz
de abranger todo o horizonte do agir em seu uso imanente, circunscrito ao domínio
da lógica unívoca própria do campo estritamente empírico. A lição que a
continuidade histórica oferece indica “um movimento para a transcendência além
do univocamente lógico e do circunscritivamente empírico” que não significa um
desprendimento dos limites da experiência, afinal o ethos é um fato empírico e de
natureza histórico-social. Todavia, é “nítida e inequívoca a intencionalidade para a
transcendência que atravessa a praxis humana”579. E tal situação impõe a exigência
de busca de um fundamento último para as razões do agir ético que ultrapasse o
terreno do ethos empiricamente descrito, para penetrar no espaço propriamente
metafísico580.

"O roteiro histórico que agora pretendemos seguir tem, pois, a orientá-lo
uma constelação de três evidências que permanecem elevadas sobre cada
passo do nosso itinerário: a continuidade temática e conceitual do pensamento
ético das suas origens até hoje; a pressuposição do núcleo antropológico que
sustenta esta continuidade; a intencionalidade metafísica que orienta o
pensamento ético na busca de sua fundamentação. Além, pois, da visão
histórica, buscamos nessa nossa sinopse dos grandes modelos do pensamento
ético uma confirmação do que afirmávamos ao termo da Introdução, sobre a
necessária conjunção entre Ética, Antropologia e Metafísica581".

No procedimento rememorativo realizado tanto na Antropologia Filosófica,


como na Ética, a parte sistemática foi precedida de um trabalho rememorativo que
percorreu todos os momentos da divisão tradicional da historiografia. É possível
dizer que a seção histórica de cada uma destas duas primeiras partes do sistema
corresponde à elaboração de uma história da antropologia e à elaboração de uma
história da ética. Já em Raízes da Modernidade, o procedimento é sensivelmente
diferente.

578 . EF IV, p.83.


579
. EF IV, p.83. Ver nota 2.
580 . EF IV, p.83.
581 . EF IV, p.76- 84. “Vemos, assim, que nos fundamentos da estrutura conceptual da Ética estão
implicadas as duas pressuposições , metafísica e antropológica, que asseguram o fundamento e a
coerência do discurso ético. A primeira faz-se presente na amplitude transcendental (coextensiva à
noção de ser) dos conceitos que formam o arcabouço inteligível do universo ético: Verdade, Bem, fim,
Lei. A segunda torna possível a transcrição no discurso ético das categorias que articulam o discurso
da Antropologia Filosófica, culminando na categoria de pessoa, na qual se entrecruzam o
transcendental e o categorial”.
206
Em primeiro lugar, neste livro não há uma Erinnerung tão ampla quanto na
Rememoração na
Antropologia e na Ética, mas há uma pesquisa bastante acurada sobre os Metafísica: Escritos
de Filosofia VII
acontecimentos do século de Tomás de Aquino a partir dos paradigmas teológicos
em confronto, das doutrinas vigentes à época, das escolas em funcionamento, dos
roteiros e do subsolo doutrinal daquele século582. Portanto a seção histórica de sua O Século XIII

metafísica tem uma peculiaridade ao ser comparada com as seções históricas da


Antropologia e da Ética. A investigação histórica concentra-se sobre tudo nas
doutrinas do século XIII. Em segundo lugar, é possível afirmar que Lima Vaz
rememora sistematicamente o tema do Absoluto como tópico que sempre finaliza e
coroa a articulação de todos os temas trabalhados por ele583, bem como fundamenta
seu sistema584. Este tema está esparso em toda a obra de Lima Vaz, mas pode-se
afirmar que o trabalho rememorativo mais abrangente (do ponto de vista da
aporética histórica) a respeito do Absoluto está na Antropologia Filosófica585 e em
Filosofia e Cultura.

Na Antropologia Filosófica, o tema do Absoluto foi desenvolvido


amplamente na aporética histórica das categorias antropológicas de espírito e de
transcendência. Nestas passagens encontram-se as apresentações a respeito do
chamado tempo-eixo, da experiência noética da verdade, da experiência ética do
bem e da experiência ético-noética do ser586.

No caso particular de Raízes da Modernidade, vale notar que o esforço


rememorativo a respeito do problema do Absoluto, da possibilidade de uma ciência
do ser e do problema da transcendência, se estende ao longo desta obra tal como
as terminações de um complexo sistema nervoso que alcançam todas as
extremidades de um organismo. Contudo, é possível que, ao elaborar sua
metafísica em Raízes da Modernidade, talvez não tenha parecido necessário a
Lima Vaz repetir todo o trabalho realizado previamente, focando-se então na
recuperação da tradição conceitual das noções pertinentes ao Esse absoluto e ao
esse relativo.

Em síntese, é impossível estudar o pensamento vaziano sem considerar a


relevância por ele dada ao trabalho de rememoração dos problemas filosóficos por

582
. Uma primeira abordagem profunda deste século XIII, Lima Vaz já realizara no primeiro capítulo do
Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira, p. 11 – 33.
583
. SAMPAIO, R.G., O Ser e os Outros, São Paulo: Unimarco, 2001, p.11.
584. É possível fazer uma leitura de todo o pensamento vazeano exclusivamente a partir da perspectiva
do tema do Absoluto, tal como já foi realizada a empresa de fazê-la a partir da perspectiva da categoria
antropológica da Intersubjetividade. Ver SAMPAIO, R.G., O Ser e os Outros, São Paulo: Unimarco,
2001, 212 p.
585
. Tal como já foi dito acima, o estudo sobre a categoria de transcendência continua no Filosofia e
Cultura.
586 . AF II, p.109.
207
ele tratados, pois tal empreitada é um elemento constitutivo do próprio ato de
filosofar. E tal característica é uma das mais notórias de todo o seu modo de pensar
a filosofia.

F. O aspecto formal da constituição das categorias: os níveis do


conhecimento e a estrutura da conceitualização filosófica.

A constituição do sistema não parte do zero absoluto, uma vez que o


passado das questões próprias da filosofia é inerente a este ato de constituição.
Lima Vaz começa a considerar temas e subtemas de forma sistemática só depois
de ter feito o percurso histórico. Mesmo depois de ter encerrado a parte histórica,
seja na Antropologia, na Ética ou na Metafísica, ele retorna ao exercício
rememorativo no interior de cada uma das categorias, recuperando a história
conceitual da categoria em foco. Este momento específico da aporética histórica da
categoria será desenvolvido mais à frente.

À Erinnerung filosófica, no pensamento vaziano, segue-se a constituição


das categoria. A categoria é a estrutura lógica elementar ou ainda o conceito
primeiro, cuja organização sistemática representa a forma inteligível unificadora da
experiência do sujeito enquanto sujeito (antropologia), da experiência da existência
moral (ética) e da experiência ético-noética do Ser Absoluto (metafísica)587.O maior
esforço da obra ora estudada consiste basicamente no trabalho de identificação
das categorias como invariantes conceptuais que devem ter seu conteúdo definido
para posteriormente serem articuladas num discurso sistemático que consiga
abranger a Antropologia, a Ética e a Metafísica.

"O discurso sistemático, por sua própria natureza, organiza-se a partir


da definição de categorias que se encadeiam segundo o movimento dialético de
seu conteúdo"588.

F.1. Após a definição das categorias abre-se a possibilidade de se erigir um


Níveis do
discurso filosófico (antropológico, ético e ontológico) racionalmente fundado e conhecimento

logicamente organizado589. Para realizar esta tarefa de constituição das categorias,


seja no plano da antropologia, da ética ou da metafísica, a filosofia recebe,
primeiramente, os dados e resultados da pré-compreensão e da compreensão
explicativa, para em seguida alcançar o momento da compreensão filosófica.

"A Filosofia recebe seus dados de duas fontes principais: da


experiência natural (pré-compreensão) e da ciência (compreensão explicativa).
E estas fontes de dados dão origem aos problemas que são colocados, por um

587 . AF II, p.109-112.


588
. EF V, p.11.
589 . EF V, p.11.
208
lado, pelas ciências naturais e, por outro lado, pelas ciências hermenêuticas
(sujeito e cultura) ao homem moderno”590.

Este procedimento metódico apresentado na Antropologia Filosófica


considera portanto três níveis de conhecimento do homem: a pré-compreensão, a
compreensão explicativa e a compreensão filosófica, que propiciam o ductus teórico
de cada uma das categorias.

A pré-compreensão é a compreensão espontânea e natural do homem


A pré-compreensão
sobre si mesmo, segundo a qual ele forma uma imagem de si mesmo que modela
uma experiência natural expressa intelectualmente em representações, crenças,
símbolos, ou ainda a compreensão pré-elaborada ou pré-científica de um
determinado objeto. A pré-compreensão, seja ela do próprio homem, do seu agir ou
do Absoluto tem lugar num determinado contexto cultural, no interior de uma
determinada mundividência ou constelação simbólica.
A compreensão explicativa refere-se ao plano das ciências naturais, ou
A compreensão
humanas. A compreensão explicativa é fornecida pela explicação científica que explicativa

obedece às regras e aos cânones metodológicos de cada ciência.


A compreensão filosófica, enquanto transcendental, no sentido clássico,
considera o objeto enquanto ser. Enquanto compreensão transcendental, no sentido
kantiano-moderno, ela define as condições de possibilidade (de inteligibilidade) das
formas de compreensão do homem, do seu agir e do Absoluto.
A compreensão filosófica tematiza a experiência original que o homem faz
A compreensão
de si mesmo como ser capaz de dar razão do seu próprio ser, ou seja, capaz de filosófica

formular uma resposta à pergunta da Antropologia Filosófica: o que é o homem?


A mesma compreensão filosófica tematiza a experiência original que o
homem faz de sua ação como ser livre e responsável, capaz de dar razão do seu
próprio agir, ou seja, capaz de formular uma resposta à pergunta por excelência do
saber ético: como devo viver?
Finalmente, será através deste tipo de compreensão que se poderá formular
qualquer questão a respeito do horizonte último de intelecção da realidade, a saber,
o horizonte do Absoluto e, com isto, o homem se coloca as duas outras perguntas
de Kant: o que posso saber? o que devo esperar?
A compreensão filosófica é constituída por conceitos filosóficos, ou seja, por
categorias, as quais devem ser identificadas, ter seu conteúdo definido, e ser
articuladas sistematicamente.

“A compreensão filosófica ou transcendental é (...) exercida no nível


conceitual no qual se constitui propriamente a categoria e no qual o discurso
dialético articula seus elos para ordenar-se como discurso ontológico, vem a
ser, como lógica do ser na sua estrutura e no seu movimento”591.

590
. SAMPAIO, R.G., O Ser e os Outros, São Paulo: Unimarco, 2001, p.103. Ver AF I p.14.
591 . AF II p.215.
209
O gráfico seguinte esquematiza os três níveis de conhecimento. Destes três
níveis, o mais complexo é o nível da compreensão filosófica que terá seu
desdobramento no momento seguinte desta seção, dedicado à estrutura da
conceitualização da compreensão filosófica.

Gráfico 1: Três níveis de conhecimento592

Compreensão Compreensão
Pré-compreensão Explicativa Filosófica

mediação mediação mediação


empírica abstrata transcendental

concretude forma concretude


empírica abstrata conceptual

N F N F N F

a NATUREZA são os dados resultantes a FORMA são os conceitos as FORMAS são os CONCEITOS ou as
a NATUREZA é mundo da vida a FORMA compreende todas as a NATUREZA é dada na experiência
dos procedimentos operatórios e o discurso da ciência, que CATEGORIAS que exprimem
oferecido à experiência modalidades de expressão filosófica da objetivização do sujeito
da observação metódica e obedecem a regras formais próprias intelectualmente essa experiência e o
natural da experiência natural como sujeito
da experimentação de constituição discurso que articula esses conceitos

S S S

o SUJEITO da mediação empírica o SUJEITO da mediação abstrata o SUJEITO é o EU PENSO da


manifesta-se na linguagem é o sujeito metodologicamente tradiação filosófica na sua egoidade
ordinária pelo pronome abstrato que está presente transcendental ou na sua
pessoal EU no conhecimento científico subjetividade absoluta

A estrutura da
F.2. O processo de constituição das categorias passa primeiramente pelas conceitualização
filosófica
etapas que correspondem aos seguintes níveis de conhecimento: pré-compreensão,
compreensão explicativa e compreensão filosófica. Ao atingir o nível da
compreensão filosófica, esta por sua vez, se desdobrará em 3 outros momentos:
momento do objeto, da categoria e do discurso. Em outras palavras, no itinerário
seguido por Lima Vaz, a articulação da compreensão filosófica segue os momentos
da análise aristotélica do saber: o momento do objeto (o que é dado
empiricamente), o momento do conceito (a expressão noética do objeto) e o
momento do discurso (a articulação discursiva da expressão noética do objeto)593.

Estas três etapas do procedimento dialético desdobram-se estruturando a


conceitualização filosófica da Antropologia, da Ética e da Metafísica. Elas são
apresentadas no capítulo quinto Objeto e Método da Antropologia Filosófica do
primeiro volume da Antropologia Filosófica. Este quinto capítulo da Antropologia

592
. AF I, p.159-160.
593 . AF I, p.162.
210
Filosófica é a bússola do sistema vaziano. Sem ele o leitor terá sérias dificuldades
para compreender o desenvolvimento do pensamento de Lima Vaz. A assimilação
da estrutura nele desenhada é fundamental para a leitura da Ética e da Metafísica.
Os passos apresentados nesta seção irão nortear a composição da parte
sistemática da Ética e da Metafísica.
O gráfico seguinte apresenta de forma esquemática toda a estruturação da
conceitualização filosófica que irá marcar todo o sistema vaziano.

Gráfico 2: Os três níveis de conhecimento e a estrutura da conceitualização filosófica


(I)594

Compreensão Compreensão
Pré-compreensão
Explicativa Filosófica
mediação empírica
mediação abstrata mediação transcendental

considera o objeto enquanto ser e


explicação científica
compreensão espontânea define as condições de possibilidade
que obedece aos cânones
e natural do objeto em foco (de inteligibilidade) das formas de
metodológicos de cada ciência
compreensão do objeto

Determinação Determinação Discurso


do OBJETO da CATEGORIA DIALÉTICA

Princípio de
Aporética Aporética
LIMITAÇÃO
Histórica Crítica
EIDÉTICA

Princípio de
ILIMITAÇÃO
Momento Momento TÉTICA
Eidético Tético

Princípio de
TOTALIZAÇÃO

A conceitualização filosófica é o processo metodológico que ordena a


construção das categorias. O núcleo deste processo é constituído, como foi dito
acima, a partir dos momentos da análise aristotélica do saber, que receberão aqui a
denominação de determinação do objeto, determinação da categoria e discurso.

F.2.1. Na Antropologia, o objeto é marcado pela peculiaridade de ser ao DETERMINAÇÃO DO


OBJETO
mesmo tempo objeto e sujeito. Este objeto não é a subjetividade abstrata do Eu
penso, mas é a subjetividade do homem circunscrito pela finitude da situação,
através da qual o homem torna-se objeto de si mesmo na pergunta filosófica. E tal
situação é marcada pelas dimensões da Natureza, da Sociedade e do Eu,
desenhando o espaço de abertura para a transcendência, “que nenhuma
595
experiência ou conceito pode circunscrever” .

594
. AF I, p.165-167.
595 . AF I, p.161.
211
A determinação do objeto596 é um momento aporético que se traduz na
problematização radical do objeto: o que é? O que é o homem, o que é o agir
humano, o que é o ser? É o lugar da delimitação do objeto a ser tratado. Trata-se da
explicitação do objeto próprio da formalização categorial no aspecto problemático
com que ele se apresenta a partir dos pontos de vista histórico e crítico. Nela são
traçadas as linhas do problema que a reflexão filosófica tem diante de si, tais como
resultam da rememoração (aporética histórica) e como resultam da redução crítica
(aporética crítica) desses termos hoje. Assim, a determinação do objeto desdobra-
se nos momentos da aporética histórica e da aporética crítica.
A aporética histórica é a recuperação temática do problema em questão Aporética histórica

através do acompanhamento das grandes linhas da sua evolução histórica, pois a


filosofia é estruturalmente rememorativa. Aqui é o momento do confronto com as
várias respostas que já foram dadas à pesquisa em questão. Este é o momento,
previamente anunciado, em que se realiza a Erinnerung da própria categoria. Esta
etapa da estruturação da conceitualização filosófica permeia todo o sistema,
particularmente no início do processo de identificação da categoria.
No início da parte sistemática da Antropologia Filosófica há uma aporética
histórica da categoria de corpo. Neste estágio do procedimento, Lima Vaz busca a
compreensão que os antigos, os medievais, os modernos e os contemporâneos
elaboraram a respeito do corpo próprio. Em seguida vem a categoria de psiquismo
e, da mesma forma, ocorre um breve estudo histórico sobre esta categoria.
Todas as categorias serão submetidas a esta etapa rememorativa do fazer
filosófico. Este procedimento rememorativo específico da categoria será repetido no
processo de constituição de todas as categorias da Antropologia Filosófica, da
Introdução à Ética Filosófica 2 e de Raízes da Modernidade.
No momento da aporética crítica, a pergunta é referida ao contexto Aporética crítica
problemático na atualidade histórica da pré-compreensão e da compreensão
explicativa. A aporética crítica é a etapa em que são feitas as seguintes perguntas:
“Como formular a questão?”, ou ainda “Como a questão se formula hoje para nós?”.
Ela se subdivide em dois momentos fundamentais: o momento eidético e o
momento tético.
O momento eidético é o da identificação das principais características Momento eidético

constitutivas do objeto, do seu eidos, tal como ele é apresentado a partir da pré-
compreensão, da compreensão explicativa e da aporética histórica.
O momento tético corresponde ao ato de afirmação do ser no juízo, próprio Momento tético

da metafísica do conhecimento. Portanto, na Antropologia Filosófica, é o


momento de referência da limitação do eidos do sujeito enquanto objeto ao âmbito
da ilimitação da autoposição do eu como ser; na Ética é o momento de limitação do

596 . AF I p.165.
212
eidos do agir humano e na Metafísica é o momento da limitação do eidos do esse
relativo.
“...o exame crítico da categoria propõe-se investigar a possibilidade de se reunir
na unidade do conceito os dois momentos que designam a tensão fundamental
presente em cada categoria antropológica: o momento eidético e o momento
tético. O momento eidético exprime a limitação do conteúdo da categoria seja à
sua estrutura interna (eidos ou essência) seja à finitude e situação do sujeito. O
momento tético diz respeito ao dinamismo da afirmação pela qual o sujeito se
põe (thesis) a si mesmo na enunciação primeira e fundante do Eu sou:
enunciação que referindo o sujeito ao horizonte ilimitado do ser, estabelece-o
no campo de uma tensão dialética fundamental entre a limitação do eidos que
especifica a afirmação e o dinamismo intrínseco à mesma afirmação que
aponta para a ilimitação do ser”597.

Na Ética, o objeto é constituído pelo “ethos enquanto realidade histórico-


social manifestada na práxis social e individual ordenada a fins que são os valores
nele presentes”598. A Ética enquanto ciência do ethos explicitará a racionalidade
imanente no ethos e na práxis599.
Na Metafísica, o objeto de estudo será abordado a partir de duas ‘jornadas
especulativas’ que apontam para o Esse absoluto e para o esse relativo, a partir
de um itinerário marcado pela metafísica do existir de Tomás de Aquino, que por
sua vez, compreende o Absoluto como Ipsum Esse Subsistens.

F.2.2. Para a elaboração do conceito, ou categoria, serão recebidos DETERMINAÇÃO


DA CATEGORIA
elementos da conceitualização fenomenológica (concretude empírica da pré-
compreensão) e da conceitualização formalizada (forma abstrata da compreensão
explicativa). Mas a expressão conceitual do objeto só assume a forma da categoria
no plano da compreensão transcendental (concretude conceitual ou ontológica da
compreensão filosófica), ou seja, quando o conceito exprime o objeto como ser no
domínio de sua inteligibilidade última.

“O segundo momento, o do conceito (determinação da categoria),


apresenta-se como a expressão noética do dado empírico – do objeto – na
forma de categoria, ou seja, como conceito que exprime o objeto como ser, i.e.,
no domínio de sua inteligibilidade última. Na categoria, já se encontram
elementos da conceitualização fenomenológica da pré-compreensão e da
conceitualização formalizada da compreensão explicativa. A categoria deve
exprimir, no seu nível mais fundamental, o saber do sujeito sobre si mesmo na
concretude conceitual ou ontológica da compreensão filosófica”600.

Ao momento da determinação da categoria601, cabe a elaboração da As categorias na


Antropologia
categoria como conceito que deve exprimir uma forma determinada de mediação
segundo a qual o sujeito afirma um aspecto fundamental do seu ser. Na
Antropologia a determinação da categoria corresponde à formulação conceitual

597 . AF II p.223.
598
. EF V, p.15.
599 . EF V, p.16.
600
. SAMPAIO, R.G., O Ser e os Outros, São Paulo: Unimarco, 2001, p.108. AF I, 162.
601 . AF I p.166.
213
fundamental da auto-afirmação do eu ou da auto-afirmação da sua expressão como
sujeito. Em outras palavras, trata-se de exprimir a referência constitutiva do eu sou
ao eidos do corpo próprio, do psiquismo, e das categorias subseqüentes.
“a categoria deve exprimir no discurso filosófico que tem por objeto o ser do
homem, ou na Ontologia do ser do homem, a suprassunção dialética do que é
dado ou da natureza do corpo, do psíquico... aqui já pré-compreendidos pela
mediação empírica do saber do homem sobre si mesmo segundo o esquema
(N)-(S)-(F) -, e compreendidos na mediação abstrata das ciências segundo o
esquema [N]-[S]-[F], no discurso da Antropologia Filosófica, em virtude da
mediação transcendental expressa no esquema {N}-{S}-{F}”602.

Há uma proximidade conceitual muito estreita entre o momento tético da


aporética crítica (determinação do objeto) e a etapa da determinação da categoria.
A fronteira e o limite tênues, quase imperceptíveis, entre estes dois instantes do
procedimento, fez com que Lima Vaz, fosse, gradualmente, ao longo da
Antropologia prescindindo do anúncio explícito da etapa referente à determinação
da categoria, fazendo com que ela não fosse outra coisa senão uma extensão da
própria determinação do objeto. Ou, ainda, como se a determinação do objeto
pudesse coincidir com a determinação da categoria. Isto poderá ser detectado de
forma explícita na Ética603 quando Lima Vaz indica o momento de determinação da
categoria como o primeiro momento da conceitualização filosófica, e não mais o
segundo momento tal como fora apresentado na Antropologia.
Na Ética, através da mediação do Eu sou, enraizado pela experiência ética As categorias na
Ética
no mundo do ethos, a categoria deve exprimir um aspecto real da experiência moral,
tal como as categorias de consciência moral, de obrigação etc.

“Convém aqui advertir que o primeiro momento da conceitualização


filosófica ou a constituição da categoria tem um caráter interrogativo ou
aporético. No caso da Ética filosófica é a reiteração, em todos os seus
aspectos, da interrogação socrático-platônica ‘como devemos viver?’ (pôs
bioteôn); ou kantiana ‘o que devo fazer?’, que devem ser examinadas tanto do
ponto de vista histórico quando do ponto de vista crítico e sistemático604".

Portanto a nova configuração da estruturação da conceitualização filosófica é


a seguinte:

602 . AF I, p.193.
603
. EF V, p.19.
604 . EF V, p.19.
214
Gráfico 3: Estrura da conceitualização filosófica (II)605

Compreensão
Filosófica
mediação transcendental

Determinação
do OBJETO e Discurso
determinação da DIALÉTICA
CATEGORIA

Princípio de
Aporética Aporética
LIMITAÇÃO
Histórica Crítica
EIDÉTICA

Princípio de
ILIMITAÇÃO
Momento Momento TÉTICA
Eidético Tético

Princípio de
TOTALIZAÇÃO

Este momento da determinação da categoria consiste na formulação de


conceitos atribuídos ao objeto, primeiramente, e em razão de si mesmos – primo et
per se – e irredutíveis a qualquer outra coisa. A Introdução à Ética Filosófica 2
tem como finalidade identificar estas categorias e apresentá-las como elementos
constitutivos do sistema. No entanto, a identificação das categorias pelo próprio
leitor torna-se um exercício marcado por certa dificuldade, pois elas não estão
anunciadas como títulos de capítulos tal como ocorrera nos dois volumes da
Antropologia Filosófica, nos quais a divisão dos capítulos correspondia à
ordenação das próprias categorias de forma totalmente explícita. Afinal, em
decorrência da complexidade da Ética que já parte de um sujeito constituído, o foco
da reflexão é dirigido às estruturas constitutivas do agir ético e da vida ética. E estas
estruturas são constituídas por categorias.
Em Raízes da Modernidade ocorre o mesmo procedimento de constituição As categorias na
metafísica
das categorias. Todavia este texto é o mais abreviado de todos, se comparado à
Antropologia e à Ética. E em decorrência da natureza compacta deste volume Lima

605 . AF II, p.255. EF V, p.19.


215
Vaz não foi tão didático como se pode verificar na Antropologia. Há, pois, uma
dificuldade de se perceber nitidamente os passos metodológicos anunciados de
forma tão clara no capítulo quinto da Antropologia Filosófica. Contudo, nas
seções das jornadas especulativas, as categorias já vêm identificadas no título do
próprio capítulo. Mas novamente, o foco da reflexão é retirado das categorias para
ser dirigido aos roteiros dialéticos que por sua vez, apresentam, no interior de seu
desdobramento, as categorias constitutivas do discurso sobre o Ser Absoluto e
sobre os seres relativos.

F.2.3. O discurso606 é o estágio da reflexão filosófica no qual a exposição se DISCURSO

articula como discurso das categorias, tendo como mediação fundamental a posição
do sujeito (momento tético), que afirma a sua unidade através da estrutura
categorial ou na coerência do discurso dialético. O estágio do discurso é marcado
pela articulação propriamente filosófica das categorias que exprimem
conceitualmente o sujeito (antropologia), das categorias que exprimem
conceitualmente os invariantes do agir humano (ética) e das categorias que
exprimem conceitualmente as noções pertinentes à intelecção do Esse Absoluto e
do esse relativo (metafísica)607. A dialética, neste ponto, define-se como discurso
sobre as categorias608, i.é, momento da articulação dos conceitos, o qual supõe uma
relação de oposição entre seus termos e de suprassunção (Aufhebung) progressiva
dos termos. Essa articulação é dialética porque as categorias são suprassumidas
em níveis sempre mais profundos de integração, alcançando assim uma unidade do
sujeito, de seu agir e de sua relação com o Absoluto. O método dialético que orienta
o movimento interno de constituição da Antropologia, da Ética e da Metafísica
também realiza um movimento de síntese que suprassume a Antropologia no
discurso da Ética, e a Antropologia e a Ética no discurso da Metafísica.

Lima Vaz foi realizando este trabalho dialético de articulação da Antropologia


com a Ética e destas com a Metafísica ao mesmo tempo em que redigia cada uma
de suas obras. Ao ler a Antropologia, o leitor já pode identificar, antecipadamente,
os pontos de articulação com a Ética e com a Metafísica. E nas duas últimas partes
do Sistema os conceitos que permitem tal imbricamento teórico são apresentados
de forma nítida e explícita.

606. Construção conceptual do EU; autoposição que faz o discurso avançar.


607. Neste momento pode se perguntar se não seria necessário um QUARTO texto no qual Lima Vaz
se dedicasse à exposição do sistema depois de ter construído sua Antropologia Filosófica, sua Ética e
sua metafísica. Na verdade, em cada um de seus textos já estão presentes os elementos que apontam
para a articulação da Antropologia com a Ética e a metafísica, da Ética com a Antropologia e a
metafísica, e a articulação da metafísica com a Antropologia e a Ética.
608 . AF I p.166.
216
O ponto de partida do discurso é a transcendentalidade do eu que coloca a
equação ontológica eu=ser. O sujeito que diz eu sou identifica-se com o ser. O
homem é o ser que designa o ser. E a admissão da equação implica a introdução de
um aspecto para que se complete a afirmação e tal aspecto ou elemento é a
categoria. E tal movimento é orientado por três princípios que regem e comandam
todo o discurso do sistema de Lima Vaz: princípio de limitação eidética, princípio de
ilimitação tética e princípio de totalização.
O princípio de limitação eidética609 é exigido pelo caráter não intuitivo do Princípio de
limitação eidética
nosso conhecimento intelectual que impõe a necessidade de exprimir o objeto na
forma do conceito que delimita uma região de objetividade. O princípio de limitação
eidética implica a pluralidade das categorias para exprimir a identidade do ser e a
necessidade de articulá-las no discurso dialético. Através deste princípio, abstrai-se
algum aspecto e retorna-se ao real articulando as abstrações. Tal momento também
está diretamente relacionado com a categoria. Na Antropologia Filosófica este
princípio se configura através da afirmação O Homem é (seu corpo; seu psiquismo;
espírito;...).
O princípio de ilimitação tética aponta para a infinidade do ser introduzindo a Princípio de
ilimitação tética
negatividade no seio da limitação eidética, dando origem à oposição entre as
categorias e levando adiante o movimento dialético do discurso. É a abertura
transcendental do sujeito ao ser, constitutiva da estrutura do espírito e que deriva do
centro mais profundo da sua interioridade, que está na origem do dinamismo da
afirmação do sujeito e que o leva a transgredir toda limitação eidética.
Pelo princípio de ilimitação tética610 o discurso sistemático da Antropologia
Filosófica, da Ética e da Metafísica é impelido no seu desdobramento dialético pelo
movimento da auto-posição do sujeito que, ao se afirmar a si mesmo na afirmação
do seu objeto, transcende, em virtude do princípio de ilimitação tética, a limitação
eidética desse objeto para visar, como último horizonte intencional, à universalidade
do ser.
No caso específico da Antropologia, percebe-se que o ser humano não se
limita, ou melhor, não se esgota na primeira categoria do discurso, a saber, a
categoria do corpo próprio. Na Antropologia Filosófica este princípio se configura
através da negação O Homem não é (seu corpo; seu psiquismo; espírito;...).
Enquanto este seu movimento de autoposição não abarca a totalidade do seu ser, o
homem vai buscando novas formas de expressão, cada vez mais profundas e
totalizantes.

609
. AF I p.167.
610 . AF I p.167 e AF II p.65.
217
Segundo o princípio de totalização611, o movimento dialético do discurso Princípio de
totalização
deve ter como alvo a igualdade entre o objeto e o ser num sistema organizado de
categorias. É o princípio da totalidade ou da completude do discurso.
No caso da Antropologia, o homem identifica-se com uma sucessão de
categorias, a qual forma o discurso da totalidade que possibilita a compreensão do
homem. Este princípio faz o discurso avançar até a categoria de pessoa (força de
unidade absoluta no homem), quando por força da inversão do princípio da
ilimitação tética, o discurso alcança o seu termo.
Estes princípios são as forças vetoriais que impulsionam e movimentam todo
o discurso dialético do sistema vaziano, forçando a passagem de uma categoria a
outra e provocando o entrelaçamento entre antropologia-ética-metafísica. Eles são
apresentados, minuciosamente, na Antropologia Filosófica I, mas também se
farão presentes na Ética (Escritos de Filosofia V) e na Metafísica (Escritos de
Filosofia VII). Todavia a presença destes princípios nos volumes V612 e VII613 dos
Escritos de Filosofia (ética e metafísica, respectivamente) não é tão didática como
nos dois volumes da Antropologia Filosófica. À medida que o discurso vai se
organizando, a nitidez dos princípios indicados vai se perdendo. Na verdade, esta
nitidez, vai sendo perdida na própria Antropologia.
Por se apresentar como a primeira parte do seu sistema, o texto da
Antropologia é marcado por um caráter didático e esquemático que facilita o
trabalho do leitor novel que pretenda mergulhar no sistema de Lima Vaz. O texto é
muito bem dividido. As passagens são explicitadas de forma clara e devidamente
numerada. As passagens da pré-compreensão, para a compreensão explicativa e
depois para a compreensão filosófica sempre são anunciadas com subtítulos. E no
interior da compreensão filosófica, ao menos inicialmente, as passagens referentes
a cada um dos momentos do discurso (objeto, categoria e discurso) também vão
sendo indicadas com clareza meridiana. Mas gradualmente, as passagens internas
ao momento da compreensão filosófica vão ficando menos nítidas e o leitor pode
não perceber o momento em que as passagens foram realizadas. E tal dificuldade
vai se agravando nos textos da Ética e da Metafísica (Raízes da Modernidade).
É óbvio que esta forma de conduzir o discurso não se configura como um
relaxamento da parte de Lima Vaz. Trata-se apenas de perceber que o leitor já
alcançou uma certa autonomia e uma certa maturidade para seguir os passos
metodológicos do discurso sem a manudução paternal do autor. No início da Ética
Sistemática há uma síntese da Antropologia e um anúncio discreto dos níveis de
conhecimento presentes na Antropologia.

611 . AF I p.167.
612 . Volume da parte sistemática da ética vazeana: Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética
Filosófica 2.
613 . Volume da metafísica vazeana: Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade.
218
"O movimento dialético que organiza em sistema as categorias obedece
ao princípio geral da suprassunção (Aufhebung) que assume na unidade do
discurso (pensada como unidade do ser ético como tal) a particularidade das
categorias. Por sua vez, a constituição de cada categoria tem como ponto de
partida um dos aspectos da realidade do ethos preexistente ao indivíduo e que
experimenta como uma das manifestações fundamentais de seu Lebenswelt, de
seu ‘mundo da vida’. Pela mediação do Eu sou o indivíduo se manifesta, com
efeito, como indivíduo ético e participante da comunidade ética – ou como
existente na realidade do ethos. Essa existência se auto-exprime seja no nível
da pré-compreensão (saber ético), seja no nível da compreensão explicativa
(ciências empíricas do ethos), seja, finalmente, no nível da compreensão
transcendental (filosófica), ou Ética, que oferece a fundamentação inteligível
última da existência ética"614.

Esta citação indica a consideração dos três níveis de conhecimento humano


não só na Antropologia, como também na Ética. Entretanto, como já foi anunciado,
Lima Vaz não foi tão rigoroso na explicitação de cada um destes níveis tal como
ocorrera na Antropologia.
Da mesma forma, se fazem presentes, na Ética, os três princípios que regem Os princípios do
discurso na ética
todo o movimento do discurso dialético. No entanto, as passagens de um princípio
para o outro também não se apresentam com a mesma clarividência da
Antropologia Filosófica.

"O movimento dialético do sistema das categorias éticas é regido por


três princípios: a. princípio da limitação eidética, imposto pela inadequação,
própria de nosso conhecimento finito e situado, entre a categoria e a totalidade
da experiência ética acolhida na amplitude intencional do Eu sou; b. princípio
de ilimitação tética que decorre do dinamismo ilimitado do movimento mediador
do Eu sou, orientado para o horizonte universal do Bem; c. princípio da
totalização que, por um lado, impõe a clausura do sistema numa categoria
última englobante como é a categoria de pessoa moral, e, por outro, implica a
abertura estrutural dessa categoria última – e, portanto, de todo o sistema – ao
horizonte universal do Bem em sua inalcançável transcendência "615.

Na primeira seção da parte sistemática da Ética – o agir ético – é possível


visualizar com clareza a presença destes princípios. Eles se fazem presentes, pela
primeira vez, exatamente no momento de passagem da estrutura subjetiva do agir
ético para a estrutura intersubjetiva do agir ético. A segunda aparição destes
princípios se faz na passagem da estrutura intersubjetiva do agir ético para a
estrutura objetiva do agir ético.

"Tal é a estrutura subjetiva do agir ético na qual, situando-nos na


perspectiva do discurso da Ética filosófica em seu ponto de partida, podemos
distinguir dois aspectos que tornam possível o prosseguimento do discurso em
sua articulação dialética. O primeiro manifesta o perfil eidético do ato moral em
seus momentos constitutivos e em sua limitação. Com efeito o ato moral, ao
mesmo tempo em que tem origem na mais profunda interioridade do sujeito e a
ela retorna na reflexão da consciência moral, tem a limitá-lo o bem objetivo ao
qual se refere, a situação pela qual está condicionado e a própria história do
sujeito da qual é um episódio distendido entre a retenção do passado e a
protensão do futuro. Ora, nessa sua limitação o eidos do ato moral em seus
componentes subjetivos é transcendido ao ser posto pelo sujeito – e esse é o
segundo aspecto – como aberto à inter-relação comunicativa com os outros

614
. EF V, p.19-20.
615 . EF V, p.20.
219
sujeitos, dentro do horizonte universal do Bem. Em outras palavras, a afirmação
primordial do Eu sou na ordem moral é necessariamente dotada de uma
ilimitação tética que impele o discurso ético além dos limites da subjetividade
singular. Justamente em razão dessa transcendência da auto-afirmação sobre
os limites eidéticos do ato o subjetivismo moral amplamente difundido em
nossas dias, aparece como filosoficamente insensato e eticamente estéril"616.

Na seqüência e na continuidade deste trecho, Lima Vaz continua afirmando


que a passagem da individualidade natural biopsíquica à personalidade ética só é
possível “em virtude do dinamismo do Eu sou na ordem moral, ou da ilimitação
tética do ato que universaliza o sujeito na sua abertura ao universal do bem”617.

"Por conseguinte, a questão da relação de transcendência do Eu sou


no domínio ético, cuja intencionalidade é voltada primeiramente na direção do
outro, conduz-nos ao segundo estágio dialético no discurso sobre o agir ético, e
que tem por objeto a sua estrutura intersubjetiva"618.

Como já se disse logo acima, a segunda aparição dos princípios que regem
o discurso dialético na Ética, se dá na passagem da estrutura intersubjetiva para
estrutura objetiva do agir ético.

"O perfil eidético do sujeito agindo moralmente é traçado em suas


linhas finais pela consciência moral individual, assim como o perfil eidético da
comunidade ética deve ser buscado, em sua definitiva fisionomia, na
consciência moral social. Levanta-se aqui a questão, de natureza
eminentemente dialética sobre a possibilidade de a comunidade constituir-se
formalmente em fronteira última do movimento de auto-afirmação do sujeito
ético, de tal sorte que a intencionalidade dinâmica para o Bem que o move
venha terminar na comunidade ética e o Eu enquanto sujeito ético, se realize
definitivamente como Nós. Ora, segundo nos ensina a Antropologia Filosófica, a
afirmação primordial Eu sou que nos constitui como sujeitos humanos é
impelida por um movimento de ilimitação tética que ultrapassa os limites da
categoria da intersubjetividade e se orienta para a esfera da transcendência. A
correspondência ontológica entre Antropologia e Ética deve levar-nos à
conclusão de que a comunidade ética não é o termo do movimento dialético da
constituição do agir ético. Com efeito, nem o indivíduo nem a comunidade criam
espontaneamente e continuamente seus valores, suas normas, seus fins. O
indivíduo e a comunidade que se oferecem a nossa compreensão já se
apresentam vivendo historicamente na realidade objetiva de um ethos que,
formado lentamente ao longo dos tempos, revela em suas estruturas certas
invariantes conceptuais que não podem ser explicados pela relatividade
histórica do próprio ethos, nem se identificam com as estruturas subjetiva e
intersubjetiva do agir mas, enquanto transcendem essas duas esferas, exigem
uma elucidação propriamente filosófica. São esses invariantes que constituem
a estrutura fundamental do universo ético ao qual o agir ético tanto
subjetivamente quanto intersubjetivamente se referem, dele recebendo sua
especificação ética objetiva. Resta-nos, pois, acompanhar o movimento da
Razão prática no campo objetivo do universo ético, para assim completar nossa
exposição do agir ético, primeira parte da Ética sistemática”619.

Em Raízes da Modernidade, não existe um desdobramento do sistema que Os princípios do


discurso na
seja equivalente ao desdobramento da Antropologia e da Ética através dos três metafísica

níveis de conhecimento (pré-compreensão, compreensão explicativa e

616
. EF V, p.65.
617 . EF V, p.65.
618
. EF V, p.65.
619 . EF V, p.93.
220
compreensão filosófica). A exposição sistemática ocorre no nível da compreensão
filosófica, respeitando os momentos da aporética histórica e da aporética crítica
(determinação do objeto e da categoria). Os princípios de limitação eidética,
ilimitação tética e de totalização se mantêm presentes organizando o discurso mas
de forma quase abscôndita.

"Com efeito, a afirmação do esse (existir) no juízo vai além


necessariamente, no seu dinamismo intencional, da limitação eidética dos
objetos finitos a que se aplica e, em virtude da ilimitação tética do próprio ato
de afirmação, põe inelutavelmente, como horizonte último não contemplado
mas dialeticamente implicado, o Existir subsistente infinito na sua absoluta
transcendência, cuja existência, no âmbito da inteligibilidade analógica, será
formalmente demonstrada nas provas clássicas da existência de Deus"620.

Isto se deve à prévia apresentação da problemática do espírito e da


transcendência em momentos anteriores, na Antropologia Filosófica I e II e em
Filosofia e Cultura. Na Antropologia Filosófica, e mais especificamente nas
categorias de espírito e transcendência, o problema do Ser absoluto e do ser
relativo é colocado a partir da perspectiva antropológica de forma muito detalhada.
No capítulo sobre a transcendência encontra-se a exposição dos três níveis do
conhecimento: pré-compreensão da transcendência, compreensão explicativa da
transcendência e a compreensão filosófica da transcendência. O desenvolvimento
da pré-compreensão ultrapassou os limites da compreensão espontânea e
apresentou certas características da categoria de transcendência com um grau de
elaboração que já pode ser considerado elaboração filosófica. No nível da
comprensão filosófica encontra-se todo o desdobramento da estruturação da
conceitualização filosófica, passando pela determinação do objeto e da categoria,
pela aporética histórica, pela aporética crítica e pelos momentos eidético e tético. Na
seqüência da exposição apresentam-se os princípios de limitação eidética,
ilimitação tética e de totalização. E em vários capítulos de Filosofia e Cultura o
tema é aprofundado a partir da perspectiva sistemática e não histórica. Neste livro
há uma seção inteira dedicada ao tema da transcendência (Filosofia e
transcendência) constituída pelos capítulos Transcendência: história e teoria
(oitavo), Transcendência e Religião: o desafio das modernidades (nono), Um
itinerário para o Absoluto (décimo) e Tomás de Aquino: do Ser ao Absoluto (décimo
primeiro), seguido por um anexo – A metafísica na Modernidade.
O tema do Absoluto sempre esteve presente na reflexão vaziana. O trabalho
de elaboração conceitual em torno deste assunto sempre foi muito rigoroso e
marcado por uma profundidade extrema. Portanto as questões relativas ao Esse
absoluto foram sendo gradualmente trabalhadas, em lugares distintos e nunca de
forma repetitiva, mas sempre visando o enriquecimento da reflexão. E os lugares

620
. EF VII, p.264. É importante notar que esta citação é retirada de um dos textos complementares do
Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade, a saber o penúltimo capítulo, Presença de
Tomás de Aquino o horizonte filosófico do século XXI, pp.
221
sistemáticos mais importantes da reflexão sobre o Absoluto são exatamente a
categoria antropológica de transcendência e as páginas de Raízes da
Modernidade.
Em vista disto, escrever uma obra sobre o tema do Absoluto, que
obedecesse rigorosamente aos passos estabelecidos no capítulo Objeto e Método
da Antropologia Filosófica, no qual Lima Vaz desenha sua estrutura da
conceitualização filosófica, implicaria repetir de forma desnecessária, ou apenas
com finalidades estritamente didáticas idéias e conceitos já previamente elaborados
na Antropologia Filosófica II e enriquecidos em Filosofia e Cultura.
Com isto, se afirma que Raízes da Modernidade depende da leitura da
Antropologia Filosófica, e mais especificamente da exposição elaborada por
ocasião das categorias de espírito e transcendência, bem como também depende
da seção Filosofia e transcendência de Filosofia e Cultura, pois se por um lado em
Raízes da Modernidade há toda uma Erinnerung do século XIII, na Antropologia
há, de forma sistematizada a Erinnerung da categoria de transcendência e da
experiência humana do Absoluto. E além disto, em Raízes da Modernidade há o
devido aprofundamento das questões relativas ao problema do Esse Absoluto.
De qualquer forma, no plano geral das obras há uma estrutura simétrica
como será mostrado logo a seguir, cuja identificação pode ser valiosa para a leitura
mais atenta dos textos de Lima Vaz. O cotejo da estruturação interna das jornadas
especulativas (ou sistemáticas) da antropologia, da ética e da metafísica vazianas
apresenta diferenças próprias e inerentes às exigências do respectivo conteúdo que
está sendo apresentado dialeticamente. Apesar do completo desaparecimento dos
níveis de conhecimento da pré-compreensão e da compreensão explicativa em
Raízes da Modernidade devido ao trabalho prévio realizado por ocasião da
categoria de transcendência, ainda existe todo o processo de constituição das
categorias que se orienta pela análise aristotélica do saber.

No próximo capítulo será apresentado um outro aspecto metodológico que Aspecto


teleológico: a idéia
se desdobra ao longo de toda a formação do sistema e ao longo de toda a extensão de retorno ou
circularidade
do itinerário filosófico de Lima Vaz: a circularidade dialética ou a idéia de retorno. dialética

Tal característica se deve à própria natureza do método dialético nesta tarefa de


constituição das categorias através do tipo de estruturação aqui apresentada.
Não obstante o aspecto formal (a estruturação da conceitualização filosófica)
ter ficado quase invisível na parte sistemática do Raízes da Modernidade, o
aspecto teleológico se faz nitidamente presente através das expressões que
designam a próxima seção: via compositionis e via resolutionis. A primeira indica a
inteligibilidade para-nós do discurso, e a segunda designa a inteligibilidade em-si do
discurso filosófico.

222
Na Antropologia, através das categorias de espírito, transcendência e
pessoa já são apresentados todos os elementos para a articulação da antropologia
com a metafísica. Ainda na Antropologia Filosófica, por ocasião da apresentação
da categoria de intersubjetividade e de transcendência novamente são
apresentados os elementos conceptuais responsáveis pela articulação da
Antropologia com a Ética, e desta com a Metafísica.
No início da Introdução à Ética Filosófica, Lima Vaz apresenta os
elementos que fazem com que a Ética esteja articulada com a Antropologia e com a
Metafísica apresentando de forma muito sintética alguns dos resultados da
Antropologia. Ao mesmo tempo, ele aponta para os pontos nodais que estarão
presentes na articulação da Ética com a metafísica.

“Segundo se pode ver facilmente e como explicamos ao termo da


Introdução, a Ética parte de um pressuposto antropológico no qual fica
estabelecida a noção de um operar humano como operar de um ser inteligente
e livre; e ao lidar com a noção de fim a Ética deverá necessariamente recorrer
a uma conceitualidade de natureza metafísica. Essas são, convém repeti-lo, as
condições de possibilidade de um discurso coerente para a Ética que se
pretenda filosófica”621.

Em Raízes da Modernidade, logo no início do texto, Lima Vaz realiza uma


síntese das categorias antropológicas de relação – objetividade, intersubjetividade e
transcendência – referindo-as todas a elementos constitutivos da crise da
modernidade e indicando de forma bem específica a natureza metafísica desta
crise. Com isto Lima Vaz encerra o círculo final, o círculo dos círculos que abrange e
amarra todo o seu sistema.
Este aspecto metodológico da circularidade dialética está profundamente
entrelaçado com as características do sistema. Portanto a apresentação deste
aspecto do método será feita concomitantemente à apresentação do sistema
propriamente dito.

621 . EF IV, p.69.


223
Capítulo Quinto

UM SISTEMA ABERTO: VIA


COMPOSITIONIS E VIA RESOLUTIONIS

“O mesmo desenvolvimento do pensar, que é


exposto na história da filosofia, expõe-se na própria filosofia,
mas liberto da exterioridade histórica – puramente no
elemento do pensar. O pensamento livre e verdadeiro é em
si concreto, e assim é idéia, e em sua universalidade total é
a idéia ou o absoluto. A ciência [que trata] dele é
essencialmente sistema, porque o verdadeiro, enquanto
concreto, só é enquanto desdobrando-se em si mesmo, e
reconhecendo-se e mantendo-se junto na unidade – isto é,
como totalidade; e só pela diferenciação e determinação de
suas diferenças pode existir a necessidade delas e a
liberdade do todo.
Um filosofar sem sistema não pode ser algo
científico; além de que tal filosofar exprime para si, antes,
uma mentalidade subjetiva: é contingente segundo o seu
conteúdo. Um conteúdo só tem sua justificação como
momento do todo; mas, fora dele, tem uma hipótese não
fundada e uma certeza subjetiva. Muitos escritos filosóficos
se limitam a exprimir desse modo somente maneiras de ver e
opiniões. Por sistema entende-se erroneamente uma filosofia
que tem um princípio limitado, distinto dos outros; ao
contrário, é princípio da verdadeira filosofia conter em si
todos os outros princípios particulares”.

G.W. F. Hegel
Enciclopédia das Ciências Filosóficas, §14622

622 . G.W.F. Hegel, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, §14, v. I, A Ciência da Lógica, São Paulo:

Loyola, 1995, p.55. Tradução de Paulo Meneses e José Machado.


224
QUINTO CAPÍTULO – UM SISTEMA ABERTO: VIA
COMPOSITIONIS E VIA RESOLUTIONIS

A. Simetria entre as partes do sistema.


B. O aspecto teleológico da constituição das categorias: A via compositionis e a via resolutionis.
C. Via compositionis: a constiuição das categorias do sistema.
D. Antropologia e sistema.
E. Ética e sistema.
F. Via Resolutionis: O Absoluto e a sistematização da metafísica.
G. O sistema aberto

O escopo deste último capítulo é apresentar a arquitetônica do sistema


vaziano a partir do itinerário de elaboração do constructo filosófico ora estudado (via
compositionis) e alcançar uma visão panorâmica, uma visão sinóptica a partir do
cume e do ponto de chegada de todo este sistema, que ao mesmo tempo se erige
como princípio e condição de possibilidade do próprio sistema.

A. A simetria entre as partes do Sistema

Esta seção recorrerá ao uso de esquemas para mostrar, ao mesmo tempo, a


estrutura e a simetria do pensamento vaziano. Mediante estes esquemas, esta
seção torna-se instrumento facilitador da leitura dos textos de Lima Vaz, ou ainda
serve de bússola para a leitura dos textos sistemáticos que apresentam uma
tessitura muito densa, e uma certa dificuldade para serem compreendidos pelo leitor
que ainda não assimilou o método por ele utilizado. Nesta seção também ficará
bastante nítida a estrutura triádica do sistema que obedece ao aspecto formal da
dialética hegeliana, supra apresentado. Neste momento as obras mais importantes
a serem consideradas são a Antropologia Filosófica, a Ética e Raízes da
Modernidade.

É necessário ter em conta que, não obstante o método seja o mesmo, o


conteúdo e a própria organização do conteúdo vão se efetivando de formas distintas
na Antropologia Filosófica, na Ética e em Raízes da Modernidade. Outro alerta
importante a ser considerado é que a existência de uma estrutura simétrica entre as
obras não justifica por si mesma a existência de um sistema. Todavia a tentativa de
explicitar tal simetria pode colaborar na leitura e no acompanhamento da evolução
do pensamento de Lima Vaz, e mostrar que tal simetria não implica simplesmente o
esforço de fornecer ao conjunto de seu pensamento um certo aspecto esteticizante.
Tal simetria decorre sobre tudo da inter-relação existente entre os elementos do
sistema e da interdependência de suas partes organizadas e estruturadas a partir
de uma idéia mais importante de natureza metafísica.
A Antropologia Filosófica, a Ética e a metafísica de Raízes da
Modernidade compartilham uma mesma estrutura marcada em linhas bem gerais

225
por uma introdução, por uma parte histórica e por uma parte sistemática, seguida de
uma conclusão. Filosofia e Cultura desenvolve alguns temas iniciados na
Antropologia Filosófica, aprofundando reflexões que serão amadurecidas e
sistematizadas na Ética e em Raízes da Modernidade, mas que neste momento
não entram no foco deste capítulo.

Quadro 11 – As partes do sistema

Temas Textos
1. Antropologia Filosófica I
ANTROPOLOGIA
2. Antropologia Filosófica II
Obra intermediária entre a
3. Filosofia e Cultura
Antropologia e a Ética
4. Intr.à Ética Filosófica 1
ÉTICA
5. Intr.à Ética Filosófica 2
METAFÍSICA 6. Raízes da Modernidade

A Introdução dos
textos
Nas introduções de suas obras, Lima Vaz apresenta os termos do problema
que deverão ser enfrentados ao longo da parte sistemática. Mas antes de iniciar a
parte sistemática sempre acontece o trabalho da rememoração do problema em
foco.
No caso da Antropologia Filosófica, a parte histórica segue a clássica A parte histórica

divisão historiográfica das Idades Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea.


Uma grande seção, particularmente extensa, precede e introduz a parte histórica,
seguida da Erinnerung propriamente dita. No caso da Ética, o esforço de Lima Vaz é
notável, seja pela perspicácia e agudeza da sua exposição, seja pela abrangência e
pelo seu conhecimento de História da Filosofia como História da Ética. O volume
dedicado à História da Ética é o maior de todos os seus livros. A divisão da parte
histórica segue o curso mesmo das Idades Antiga, Medieval, Moderna e
Contemporânea, mas de forma mais detalhada tal como já foi indicado na seção
metodológica dedicada ao tópico da rememoração.
Com Raízes da Modernidade não é diferente. Novamente, há uma
introdução que prepara o início da parte histórica. Mas, tal como já foi dito, a parte
histórica deste livro não segue a tradicional divisão da historiografia, tal como
ocorrera com a Antropologia e com a Ética. Todo o esforço em refazer o iter
histórico da metafísica está concentrado e dirigido aos eventos do século XIII.
Esta concentração no século XIII pode ser justificada pelos seguintes
elementos: a) na Antropologia Filosófica, a parte dedicada à aporética histórica da
categoria de transcendência já traz consigo muitos dos elementos necessários para
a elaboração de uma metafísica; b) ainda que na Antropologia Filosófica a
aporética histórica tenha sido super dimensionada, o trabalho de aprofundamento
sobre a categoria de transcendência continuou sendo feito em Filosofia e Cultura;

226
c) finalmente, em todos os 4 estágios de cada uma das duas jornadas especulativas
de Raízes da Modernidade, Lima Vaz realiza uma cuidadosa aporética histórica,
marcada sempre pelos seguintes passos: Platão, Aristóteles, Neoplatonismo,
Agostinho e Tomás de Aquino.

Gráfico 18 – Estrutura da aporética histórica de Raízes da Modernidade

Estrutura da
Aporética Histórica
da Metafísica
EF VII
Raízes da Modernidade

Platão Aristóteles Neoplatonismo


1 2 3

Agostinho Tomás de Aquino


4 5

MODERNIDADE
6

Segundo Lima Vaz, o século XIII é marcado por uma riqueza e por uma
complexidade doutrinal peculiares, o que justifica a dedicação integral de toda a
parte histórica do Raízes da Modernidade a este século marcado pela presença de
Tomás de Aquino. Mas por outro lado, o trabalho rememorativo não deixou de ser
feito visto que a preparação de cada uma das categorias é precedida pelo itinerário
histórico do problema em questão.
A passagem da parte histórica para a parte sistemática realiza-se, sempre, A transição da
parte histórica
através de um capítulo intermediário, que recolhe os resultados da investigação para a parte
sistemática
histórica, e indica os caminhos que serão trilhados na parte sistemática.
No caso da Antropologia Filosófica, o capítulo de transição intitula-se
Objeto e Método da Antropologia Filosófica. Ele é de fundamental importância, pois
nele são indicados os passos metodológicos do processo de sistematização da
Antropologia, que depois será transcrito para a Ética e para a Raízes da
Modernidade.
No segundo volume da Ética (Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética
Filosófica 2), o capítulo de transição da abordagem histórica da ética para a
abordagem sistemática da ética é a própria Introdução. Neste capítulo são
indicados a possibilidade e os limites de uma ética sistemática, a lógica e a dialética
próprias do discurso ético e o roteiro a ser seguido no desdobramento sistemático-
construtivo desta obra.
Em Raízes da Modernidade, a passagem para o trabalho de sistematização
da metafísica acontece no capítulo O subsolo doutrinal do século XIII no qual são
227
apresentados os termos do problema, como ele será tratado e qual será o roteiro a
ser seguido.
Em linhas gerais, a parte sistemática de cada um dos pilares do sistema A parte sistemática

vaziano tem sua similitude restrita ao fato de que ela sempre foi constituída por duas
partes, sucedida por uma seção na qual se estabelece a unidade das partes
precedentes.
A Antropologia tem sua parte sistemática dividida em regiões categoriais. A A parte sistemática
da Antropologia:
primeira região categorial reúne os invariantes conceptuais de estrutura. A segunda regiões categoriais

região reúne as categorias de relação. Estas duas regiões são suprassumidas e


unificadas nas categorias de unidade e mais especificamente pela categoria de
Pessoa.
A Ética tem sua parte sistemática dividida em duas grandes dimensões A parte sistemática
da Ética:
éticas: a dimensão do agir ético e a dimensão da vida ética. Estas duas dimensões dimensões éticas

são unificadas na categoria de Pessoa moral.


Raízes da Modernidade tem sua parte sistemática dividida em duas A parte sistemática
da metafísica:
grandes jornadas especulativas: a primeira acompanha o itinerário da metafísica do itinerários do esse

esse na esfera do Ser absoluto, ou Ser infinito. A segunda jornada acompanha o


itinerário da metafísica do esse na esfera dos seres relativos, ou finitos. A conclusão
deste itinerário metafísico é dada a partir das reflexões de cunho metafísico dos três
textos complementares que se seguem ao termo da segunda jornada especulativa
da metafísica.
Em princípio, não é muito difícil demonstrar a existência de certa simetria
entre os discursos antropológico, ético e metafísico de Lima Vaz. Todavia o
desdobramento das categorias antropológicas no interior daquelas regiões
categoriais não se realiza da mesma forma no que diz respeito às categorias éticas
e metafísicas.
É importante salientar que o movimento dialético de construção das
categorias antropológicas, éticas e metafísicas segue, em suas linhas gerais, o
mesmo roteiro inaugurado na Antropologia Filosófica e já explicitado
detalhadamente no quarto capítulo desta tese:
a. momento do determinação do objeto
i. aporética histórica
ii. aporética crítica
(a) momento eidético
(b) momento tético
b. momento de determinação da categoria
c. momento de determinação do discurso
i. princípio de limitação eidética
ii. princípio de ilimitação tética
iii. princípio de totalização.
228
Na Antropologia Filosófica a sucessão de cada um destes passos é de
uma clareza meridiana. Lima Vaz conduz o leitor pela mão indicando de forma nítida
cada um dos passos dados, e repetindo várias vezes o significado de cada um
destes momentos. O mesmo já não ocorre nem na Ética, nem em Raízes da
Modernidade. Não obstante, uma leitura bastante atenta consegue identificar uma
certa orientação determinada exatamente por estes momentos indicados como os
momentos constitutivos do método.
Gradualmente, a visibilidade e a nitidez destes passos vão sendo perdidas. A
rigidez do método vai sendo relaxada, e Lima Vaz vai deixando de se preocupar
com a indicação constante dos aspectos metodológicos subjacentes a cada um de
seus passos. À medida que isto vai ocorrendo é possível afirmar que o texto vai
crescendo em dificuldade visto que Lima Vaz supõe uma certa familiaridade com o
método previamente exposto e não se vê na obrigação de realizar aquele trabalho
de manudução paternal tão característico da Antropologia Filosófica.
Para agravar a dificuldade de compreensão das partes sistemáticas da ética
e da metafísica, junta-se o fato de que o trabalho de constituição das categorias,
não obstante obedeça ao mesmo método da Antropologia, se realiza através de
formas distintas de desdobramento conceptual. E a partir daqui aquela simetria tão
evidente, ao menos em linhas gerais, começa a ser obnubilada pelas idiossincrasias
de cada um dos discursos, que têm o movimento dialético de constituição das
categorias determinado não por um método formal e extrínseco aos temas tratados,
mas determinado pelo conteúdo mesmo de cada discurso.

B. O aspecto teleológico da constituição das categorias: a via


compositionis e a via resolutionis.

O RETORNO.
O primeiro e o
Lima Vaz publicou seu primeiro texto filosófico em 1948, na Revista último texto:
sobre a metafísica
Verbum623. O título deste texto, Que é metafísica, ajuda em muito na compreensão
daquilo que será apresentado como uma das características mais marcantes do
método adotado por Lima Vaz, e que ele próprio explicita com bastante clareza na
Antropologia, na Ética e em Raízes da Modernidade: a idéia de retorno.
Significativamente, seu primeiro e seu último texto versam sobre a metafísica. O
primeiro trabalho é uma espécie de levantamento sobre algumas formas distintas de
se compreender a metafísica. O último trabalho é o resultado de anos de
investigação sobre o mesmo tema, e que alcança uma compleição própria e original,
a partir da influência que a grande tradição metafísica teve em sua formação
filosófica: Platão, Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino e Hegel.

623 . Que é metafísica. In Verbum V.5, 1948, p.179-189.


229
O roteiro sistemático de Lima Vaz inicia-se com a afirmação de categorias
que se desdobram a partir de um movimento helicoidal de natureza lógico-dialética.
Estas categorias atingem um nível máximo de elaboração sempre quando se coloca
a questão do Absoluto, seja no campo da antropologia, da ética ou da metafísica.
Todavia atingir o ápice deste movimento de desdobramento conceptual significa,
paradoxalmente, atingir o ponto de partida que sempre se apresenta como condição
de possibilidade de todo o discurso antropológico, ético ou metafísico.

"Tendo partido do Esse absoluto, descoberto na intuição que


acompanha a posição protológica do esse na afirmação primordial ‘alguma
coisa é’ ou ‘o ser é’, retornamos ao Esse absoluto como Fim, cumprindo assim
o ciclo lógico-dialético que se desdobrou através dos estágios nos quais se
manifestou a inteligibilidade do esse624".

Em muitas passagens significativas dos textos sistemáticos, Lima Vaz indica


e torna claro o método seguido por ele. Este seu método além de se fazer presente
em cada uma de suas obras, permeia por inteiro sistema de categorias vaziano,
bem como atravessa cada uma das categorias antropológicas, éticas e metafísicas.
O método, em resumo, organiza todo o seu pensamento. E quando se diz todo o
seu pensamento, se quer indicar que toda a sua obra está marcada pelo aspecto
teleológico, ou pela circularidade dialética.

A circularidade dialética que caracteriza a obra vaziana começa a se


desdobrar em uma pequena nota inspirada pela leitura de Giornale di metafísica625,
revista filosófica italiana, e alcança seu ápice em Raízes da Modernidade, seu
próprio livro de metafísica. Seus comentários às respostas publicadas à pergunta de
Sciacca à pergunta Que é metafísica, já apontam para o núcleo do seu pensamento
e de suas preocupações, e torna patente que, após mais de 50 anos de produção
filosófica, seu ponto de chegada seja seu ponto de partida. O momento filosófico
inaugural e crepuscular de Lima Vaz consistiu na escritura metafísica. Em outras
palavras, a obra vaziana começa com a metafísica e termina com uma profunda e
inigualável reflexão metafísica.
As duas direções
de leitura possíveis
Considerando que a antropologia, a ética e a metafísica são os três grandes
pilares do sistema vaziano, é possível afirmar que a leitura de seu sistema deixa-se
orientar por duas direções. Uma, a via compositionis, pode ser designada como o
discurso para-nós, cuja seqüência seria 1.antropologia, 2.ética e 3.metafísica. Tal
seqüência se confunde com a ordem de redação dos próprios textos, e com a
seqüência do desdobramento das próprias categorias. Outra, a via resolutionis, ou

624
. EF VII, p.220.
625. Giornale di metafísica, Società Editrice Internazionale, Turim, 1947, n. de Julho-Setembro, An. II,
n.4-5. Trata-se de um artigo redigido a partir de uma pergunta do diretor do Jornal, Prof. M.F. Sciacca,
da Universidade de Pavia, dirigida a vários filósofos, que depois tiveram suas respostas publicadas
neste número da revista. Pe. Vaz leu as várias respostas e comentou-as uma por uma.
230
seja o discurso em-si, que inverte a seqüência para esta ordem, 1.metafísica,
2.ética e 3.antropologia.

A distinção destas duas direções dá-se porque a via compositionis dá a


ordem de constituição das categorias que por sua vez apresenta a inteligibilidade
para-nós do roteiro dialético da Antropologia, da Ética e da Metafísica, ou de
forma sintética, a inteligibilidade para-nós de todo o sistema. Por sua vez, a via
resolutionis dá a ordem de fundamentação das categorias. Pois em última análise é
o discurso metafísico que irá fundamentar o discurso ético e o discurso
antropológico.

O leitor que queira realizar uma leitura sistemática da obra vaziana deverá
fazê-lo obedecendo em primeiro lugar à cronologia dos textos. Uma leitura completa
deveria compreender todos os seus artigos que alcançaram a casa dos três dígitos.
É possível, porém, alcançar uma visão bastante abrangente e muito profunda de
sua obra seguindo a seqüência de publicação de seus livros principais. Este
percurso, será indicado como o percurso ou a leitura, ou ainda, o sentido de
compreensão para-nós. A compreensão mais acabada e completa de todo o
pensamento vaziano só pode ser alcançada ao termo da leitura de Raízes da
Modernidade. Este texto, além de ser o ponto de chegada e o trabalho que ilumina
retrospectivamente, toda a trajetória vaziana, contém em si questões já antecipadas
e presentes no início da reflexão filosófica de Lima Vaz. Isto faz com que o tema de
Raízes da Modernidade possa ser compreendido, ao mesmo tempo, como o ponto
de chegada e como o ponto de partida de toda a reflexão vaziana, onde se realiza o
retorno ao começo de toda sua produção filosófica. Onde se fecha o círculo dos
círculos, e para onde convergem todos os seus grandes temas.

Raízes da Modernidade pode ser considerado o lugar conceitual mais


acabado do aspecto teleológico da dialética hegeliana, em seu movimento circular e
helicoidal no qual se realizam a articulação e a amarração de todos os temas antes
estudados. Sem a compreensão do que seja a metafísica do existir, anunciada em
Ontologia e História de 1968, no capítulo Itinerário da Ontologia Clássica626 é
absolutamente impossível compreender o pensamento vaziano. Este tema se fará
presente no Escritos de Filosofia I627, na Antropologia Filosófica628, no Escritos
de Filosofia III629, na Ética (Escritos de Filosofia IV e V)630 e no Escritos de
Filosofia VII – Raízes da Modernidade.

626
. Este capítulo foi escrito em 1954.
627 . Ver a primeira seção: A Herança teológica da Modernidade.
628 . No AF I, ver a categoria de espírito e o capítulo final: A vida segundo o espírito. No AF II, ver as

categorias de transcendência, realização e pessoa.


629 . Ver a seção dedicada aos temas da transcendência.
231
A idéia do retorno está presente nas categorias antropológicas do espírito,
da transcendência e da pessoa, nas categorias éticas da estrutura objetiva da vida
ética e na categoria de pessoa moral. Por fim, no momento de acabamento do
sistema com as categorias do discurso sobre o Esse Absoluto e sobre o esse
relativo. Portanto, uma leitura cuidadosa das obras de Lima Vaz deve ser marcada
por um ir-e-vir que se inicia na Antropologia Filosófica, compreendida seja como a
primeira etapa da via compositionis (sentido para-nós), seja como a última etapa da
via resolutionis (sentido em-si); sabendo-se, contudo, que o ponto de partida e de
compreensão do sistema é a metafísica encontrada em Raízes da Modernidade
que, por sua vez, faz com que esta obra seja a primeira etapa da via resolutionis e
a última etapa da via compositionis.

A primeira apresentação, no interior do sistema, deste duplo roteiro de leitura


sistemática ocorre por ocasião da exposição da categoria de espírito, na
Antropologia Filosófica I, quando Lima Vaz encerra o iter das categorias de
estrutura – corpo, psiquismo e espírito, vem a ser, a primeira região categorial de
sua antropologia:

"Ao termo do percurso dialético que explicitou em categorias de


estrutura a unidade ontológica do homem, não é difícil observar que se verifica
aqui a lei da circularidade dos momentos, própria do pensamento dialético: há
um progresso na explicação da unidade estrutural do homem, que vai do
somático ao noético-pneumático, e há um retorno explicativo que vai do noético-
pneumático ao somático"631.

Lima Vaz está utilizando uma terminologia aristotélica presente nas


Analíticas Segundas (I, 71 b 34 – 72 a 5) onde Aristóteles faz a distinção entre o
percurso ascendente da inteligibilidade para-nós (prós hemãs) e o percurso
descendente da inteligibilidade em-si (aplôs)632, que indica o retorno aos passos já
percorridos.

"... o percurso ascendente explicita uma inteligibilidade para-nós, ou


seja, para o sujeito que se afirma como ser ao percorrer os estágios sucessivos
da sua auto-compreensão como corpo, psiquismo e como espírito; o percurso
descendente, ou o retorno aos passos já percorridos, explicita a inteligibilidade
em-si, ou seja, do sujeito que se constitui na sua unidade a partir do seu núcleo
ontológico mais profundo que é o espírito"633.

No fim da elaboração de seu sistema, Lima Vaz afirma que a terminologia


fixada para indicar estas direções de leitura do seu sistema é de origem aristotélico-

630 . Todo o texto da Ética está atravessado pela doutrina do quiasmo do espírito no qual se entrelaçam

o Bem e a Verdade.
631
. AF I, p.224.
632
. “A essa distinção gnosiológica corresponde o princípio ontológico de origem platônica (ver, por
exemplo, República VI, 504 c) que S. Tomás assim enuncia: perfecta sunt naturaliter imperfectis priora
(Summa Theol., Ia, q. 77, a. 4c.)”. AF I, 237, nota 105. S. Tomás diz que “ A dependência de uma
potência de outra pode-se entender de duas maneiras: primeiro, segundo a ordem da natureza,
enquanto as coisas perfeitas são naturalmente anteriores às imperfeitas. Depois, segundo a ordem da
geração e do tempo, enquanto o que é imperfeito evolui para o perfeito”.
633 . AF I, p.224.
232
tomista. Todavia é possível afirmar que esta opção metodológica também tem uma
filiação platônica e hegeliana.

No seu artigo sobre A Dialética das Idéias no Sofista634, Lima Vaz apresenta
as noções platônicas de symploké  e diaíresis

 que indicam, respectivamente, a direção


ascendente e a direção descendente do discurso sobre as idéias. E que nesta
seção podem corresponder à via compositionis, direção para-nós, e à via
resolutionis direção em-si.

Quadro 12 – Symploké e Diaíresis

Symploké – Diaíresis –
 

Direção ascendente Direção descendente

direção para-nós direção em-si

Via compositionis Via resolutionis

Constituição das categorias Fundamentação das categorias

“Se o logos se forma em nós através da das


Idéias (259e), todas as suas expressões mostram o tipo determinado de relação
ideal, que é por isso mesmo, relação real. Ora, a das Idéias
(já no-lo ensinara o Fédon) é uma hierarquia ascendente. Só há, pois dois
movimentos possíveis para o logos: a descida, que procede de uma Idéia
superior, ou seja ‘a divisão’  e subida, que vai das
Idéias inferiores a uma Idéia superior, ou seja a ‘coleção’
 E é precisamente como campo deste movimento
que Platão descreve, no texto citado [Sofista], o objeto da visão dialética” 635.

A Antropologia Filosófica é profundamente marcada por esta característica


das duas direções de constituição e de leitura do discurso filosófico. Todavia é

634
. OH, p.40.
635 . OH, p.40.
233
necessário ultrapassar o espaço da Antropologia Filosófica e mostrar
como esta característica se faz presente nas outras obras, bem como, demonstrar
que toda a obra vaziana pode ser lida a partir destas duas direções. Afinal tal
condição é encontrada no núcleo da Antropologia Filosófica, exatamente quando
Lima Vaz expõe a categoria de espírito e as categorias correlatas ao espírito, a
saber, a transcendência e a Pessoa.

“Essa ordem da inteligibilidade em-si pode ser lida também


inversamente como ordem da inteligibilidade para-nós (ordem da elaboração
do discurso dialético), segundo um silogismo no qual a particularidade da
estrutura psicossomática é mediatizada pelo sujeito singular e é suprassumida
na universalidade do espírito segundo a fórmula (P-S-U). Assim, está fechado o
círculo dialético: do espírito ao corpo (inteligibilidade em-si) e do corpo ao
espírito (inteligibilidade para-nós). No entanto, a circularidade dialética só é
possível porque o espírito, estando presente ao fim do percurso, está presente
no seu início pela função mediadora do sujeito que se exerce no esquema da
categoria (N) -> (S) -> (F), nele referindo o eidos ou forma à amplitude
transcendental do ser (princípio da ilimitação tética), o que implica, no nível do
espírito, a identidade (real no espírito infinito, intencional no espírito finito) da
Natureza e da Forma sendo ambas, por sua vez, idênticas, real ou
intencionalmente, ao Sujeito como mediação. Assim, também na filosofia, o
espírito dá necessariamente testemunho ao espírito ou ‘o espírito é para o
espírito’”636.

Esta postura metodológica vai aprofundando-se e continua presente até o


momento final da primeira parte da Antropologia Filosófica, quando Lima Vaz
apresenta a noção de inteligência espiritual:

“...essa trajetória é percorrida nos dois sentidos, pois o movimento


primordial de subida ao inteligível reverte, na atividade normal do conhecimento
ao seu ponto de partida no sensível, a fim de que se complete o ciclo do
processo cognoscitivo, e o conhecimento humano possa ser um conhecimento
real do mundo exterior”637.

E finalmente, Lima Vaz, mostra o caráter mais central e profundo desta


distinção aristotélica entre a ordem do discurso e a ordem da fundamentação
quando compara o paradigma da filosofia clássica com a filosofia moderna:

“Na aurora da filosofia moderna, assistimos à instauração, por obra de


Descartes, de um novo paradigma metafísico que se estabelece justamente
com a inversão dos termos do paradigma clássico. Nele a primazia, na ordem
da fundamentação da inteligibilidade, passa a ser atribuída à cogitatio, segundo
a terminologia de Descartes ou ao sujeito, segundo a terminologia que ficou
consagrada. Nessa inversão, assistimos, de fato, aos pródromos da chamada
‘revolução copernicana’ que será levada a cabo por Kant. A interrogação que
aqui nos ocupará, formula-se nestes termos: qual o destino da inteligência
espiritual nesse novo espaço metafísico onde a origem das coordenadas
noéticas não é mais o Absoluto transcendente de inteligibilidade no qual se dá a
identidade da inteligência e do inteligível e para o qual se ordena a inteligência
humana na sua diferença com o inteligível, e sim a própria inteligência humana
enquanto instauradora de uma nova ordem de inteligibilidade. Em outras
palavras: a inteligência espiritual poderá ainda subsistir quando desaparece a
distinção aristotélica do em-si e do para-nós no domínio da inteligibilidade do

636
. AF I, p.225.
637 . AF I, p.246.
234
ser, ou quando o para-si (a reflexão) do espírito finito ou do sujeito humano
reivindica a tarefa titânica de instaurar o em-si inteligível do objeto?” 638.

Ainda na Antropologia e mais especificamente durante a exposição da


categoria de pessoa pode-se encontrar a seguinte explicação:

"Desta sorte, nossa consideração introdutória a respeito do duplo


sentido segundo o qual pode ser lido o roteiro dialético da Antropologia
Filosófica, ou na sua inteligibilidade para-nós (ordem de constituição das
categorias), ou na sua inteligibilidade em-si (ordem de fundamentação das
categorias), aponta para o próprio cerne inteligível da categoria de pessoa, a
pulsação do seu ritmo dialético de expansão (inteligibilidade para-nós) e de
reflexão (inteligibilidade em-si)639".

O aprofundamento contínuo de suas posições é uma marca de Lima Vaz.


Em cada um de seus textos ele retrabalha continuamente certas idéias, dando-lhes
um acabamento cada vez mais preciso, elaborado e fundamentado. Neste sentido é
possível encontrar a explicitação destas condições ou destes pressupostos
metodológicos no Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2,
justamente no momento da estrutura objetiva da vida ética, quando o discurso está
prestes a alcançar seu termo na categoria de Pessoa Moral.

"Tendo, pois, dado os seus primeiros passos no terreno da experiência


do ethos, o discurso da Ética filosófica leva finalmente a seu termo o
pensamento do ethos: unde est orsa in eodem terminetur oratio. Estamos, pois,
em presença de um círculo do discurso evocando a imagem clássica com a
qual foi representada a natureza do pensamento dialético. Essa metáfora
geométrica, no entanto, não deve induzir-nos em erro. Com efeito, o círculo
dialético não é o simples prolongamento de uma linha que se fecha sobre si
mesma retornando ao ponto de partida. O círculo geométrico, no qual todos os
pontos são indiferentemente eqüidistantes do centro pode ser dito de uma
tautologia espacial. Interpretado literalmente segundo a imagem do círculo
geométrico, o círculo dialético não seria senão uma tautologia lógica. Mas a
metáfora geométrica do círculo serve, na verdade, apenas como imagem apta
a representar a completude do movimento dialético enquanto expressão lógica
do processo de constituição inteligível de uma determinada realidade. Nesse
sentido o movimento dialético não avança através da repetição dos mesmos
momentos como os pontos no círculo geométrico, mas pela negação ou
suprassunção (Aufhebung), que, ao mesmo tempo, nega e conserva cada
momento no momento posterior. Desta sorte o termo do movimento se define
como restituição da singularidade de cada momento na unidade de um todo
logicamente organizado, no qual o princípio, inicialmente apenas dado, se
reencontra como fim, pensado na sua estrutura inteligível"640.

Esta visão de Lima Vaz a respeito da sua idéia de retorno ou do círculo


dialético, que se faz presente em cada uma de suas obras, e aqui se ousa dizer,
que se faz presente em todo o seu pensamento filosófico, está em consonância com
a idéia hegeliana do “círculo que se fecha sobre si mesmo”.

"Cada uma das partes da filosofia é um Todo filosófico, um círculo que


se fecha sobre si mesmo mas a idéia filosófica está ali em uma particular

638 . AF I, p.261.
639
. AF II, p.191.
640. EF V, p.209. Ver as notas 2, 3 e 4 desta mesma página. G.W.F. Hegel, Enciclopédia das
Ciências Filosóficas (1830), § 15, pp.55-56. São Paulo: Loyola, 1995. Tradução de Paulo Meneses e
José Machado. Tomás de Aquino, Suma Teológica, Ia.IIae., q.2 5 ad 3m.
235
determinidade ou elemento. O círculo singular, por ser em si totalidade, rompe
também a barreira de seu elemento e funda uma esfera ulterior. Por
conseguinte, o todo se apresenta como um círculo de círculos, cada um dos
quais é um momento necessário, de modo que o sistema de seus elementos
próprios constitui a idéia completa, que igualmente aparece em cada elemento
singular"641.

A partir desta perspectiva, pode-se afirmar que a Antropologia Filosófica642


é o primeiro dos círculos que permite e funda o desenho do segundo círculo: a
Ética643, que por sua vez, juntamente com a Antropologia apontam para o terceiro
círculo que se configura ao mesmo tempo como o terceiro círculo e como o círculo
dos círculos, vem a ser, a metafísica. Esta, por sua vez, possibilita o desenho dos
dois primeiros círculos e apesar de sua apresentação sistematizada encontrar-se
em Raízes da Modernidade, ela já está presente de forma fundante e transversal
nas categorias de espírito, transcendência, realização e pessoa do discurso da
Antropologia, bem como na afirmação do sujeito como dinamicamente orientado
para o infinito ou para o Absoluto644, na afirmação da presença do infinito como
norma primeira do agir sob a razão transcendental do Bem do discurso da Ética..

Como já foi dito, é próprio do autor aqui estudado caminhar aprofundando os


seus termos e suas posições. Em vista disto, a indicação mais nítida a respeito
desta característica da constituição do pensamento filosófico e de seu sistema está
em Raízes da Modernidade, quando ele apresenta a distinção entre via
compositionis e via resolutionis. Lima Vaz explicita seu procedimento da seguinte
forma:

"Do ponto de vista metodológico, nosso roteiro procede inicialmente


seguindo a chamada via compositionis: parte da intuição e afirmação originárias
do esse e desenvolve as implicações lógico-dialéticas dessa posição inicial. Ao
termo do percurso, novamente nos encontramos no princípio, obedecendo a
uma modalidade da via resolutionis, que é, ao mesmo tempo, a instauração de
uma totalidade de estrutura dialética"645.

Esta passagem é acompanhada de uma nota extremamente esclarecedora a


respeito desta questão:

"Na terminologia medieval, a via compositionis ou sintética procede do


simples ao complexo, ao passo que a via resolutionis ou analítica caminha do
complexo ao simples. Esses paradigmas metodológicos foram codificados por
Aristóteles, cujos textos a respeito foram comentados por Tomás de Aquino
(Expositio super librum Boethii de Trinitate, q. VI, art.1.) O método normal da
metafísica, segundo Aristóteles e Tomás de Aquino, segue a via resolutionis,
vindo a metafísica (filosofia primeira ou teologia) após a física. Cremos, no

641. HEGEL, G.W.F., Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1830), § 15, pp.55-56. São Paulo:
Loyola, 1995. Tradução de Paulo Meneses e José Machado.
642
. AF I e AF II.
643. EF IV, EFV. O EF III, pode ser compreendido como um livro de passagem da Antropologia para a
Ética. Por várias vezes Lima Vaz afirmou que o ethos é coextensivo à cultura.
644. LIMA VAZ, H.C. de, Método e Dialética, in BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e
Método, São Paulo: Loyola, 2002, p. 16.
645 . EF VII, p.95.
236
entanto, que o uso da via compositionis em chave dialética, como aqui
propomos, está de acordo com a estrutura teórica da metafísica tomásica do
esse"646.

No momento de fazer a passagem da metafísica do Esse Absoluto para a


segunda jornada especulativa de Raízes da Modernidade, na qual Lima Vaz
apresentará a perspectiva do esse relativo, ele oferece mais uma passagem
esclarecedora que afirma seu método de trabalho:

"Na exposição da metafísica do Esse absoluto, procedemos per via


compositionis, isto é, avançando num percurso de natureza lógico-dialética, no
qual se desdobrou a inteligibilidade intrínseca do esse e completou-se com o
retorno ao ponto de partida, quando o Esse manifestou a sua identidade
absoluta na diferença da infinita autodeterminação com que se pôs
reflexivamente como Bem"647.

Para dar mais visibilidade ao tema das duas direções do sistema, o gráfico
seguinte ilustra a diferença entre as duas formas possíveis de se percorer o sistema
de Lima Vaz.

646
. EF VII, p.95. Nota 1.
647 . EF VII, p.129.
237
Gráfico 19 – Via Compositionis e Via Resolutionis

Obra de
Lima Vaz

VIA
RESOLUTIONIS

VIA VIA
COMPOSITIONIS RESOLUTIONIS
ordem de ordem de
CONSTITUIÇÃO FUNDAMENTAÇÃO
das categorias das categorias

- do complexo
FIM INÍCIO ao simples

Metafísica Metafísica
3 1

Ética Ética
2 2

Antropologia Antropologia
1 3

- do simples ao INÍCIO FIM


complexo

VIA
COMPOSITIONIS

É possível completar o gráfico acima com os seguintes dados: a. a via


compositionis pode ser caracterizada como a via ascensus, ou como via sintética
que determina o ritmo dialético de expansão; b. a via resolutionis pode ser
caracterizada como a via descensus, ou como via analítica que determina o ritmo
dialético de reflexão.

Quadro 13 – Outras características da via compositionis e da via resolutionis

Via compositionis Via resolutionis

via ascensus via descensus

via sintética via analítica

ritmo dialético de expansão ritmo dialético de reflexão

238
Portanto, nos três textos sistemáticos de Lima Vaz é possível detectar a
presença de dois roteiros de leitura, marcados pelo movimento da circularidade
lógico-dialética. Um deles percorre uma ordem, ou uma direção de inteligibilidade
para-nós, à medida que parte da manifestação mais elementar do nosso ser, qual
seja o estar-no mundo pelo corpo próprio, e avança

"em direção à unidade final da complexidade ontológica que se


desdobra desde aquele momento inicial. Ora, a essa unidade final aparece seja
como a suprassunção de toda a série das categorias, seja como a síntese entre
a essência e a existência ou entre o ser que é e o ser que se torna ele mesmo
(ipse) pela realização ativa in actu secundo ou o perfectum, do que ele é in
actu primo ou o perficiendum"648.

Esta é a forma através da qual Lima Vaz organiza a redação e constituição


do seu sistema filosófico. No entanto, sua obra e a Filosofia como tal, também
devem ser compreendidas a partir de outra perspectiva, ou a partir de outra direção,
inversa à ordem mesma de leitura para-nós, mas que completa e dá o acabamento
final à compreensão do sistema visto a partir do seu termo, em palavras muitos
simples, visto a partir de cima.

Na Antropologia e na Ética, a categoria que fornece o ponto de partida, a


partir da direção em-si, ou a partir da via resolutionis, é a categoria de Pessoa, ou
Pessoa Moral, e na metafísica são as categorias de ordem e finalidade649.

"A metafísica do esse na esfera dos esse finitos apresenta aqui uma
estrutura taxiológica e teleológica que convergem para o Princípio donde partiu
o itinerário, ou seja, o Esse subsistente na sua absoluta transcendência e na
sua radical imanência no cerne dos seres finitos, o seu esse (In Im Sent., d. 14,
q.2, a.2). O fundamento da ordem e da finalidade em cada ser finito é o
princípio intrínseco que o constitui como tal, a essência. Por sua vez, o ato da
essência, a forma, é o princípio de distinção no ser, tornando-o receptivo do
esse (Summa Theol., Ia., q. 76 a. 7, c.). Por conseguinte, a unidade da ordem, e
a finalidade que lhe é inerente, compõem-se com a pluralidade das formas nos
seres distintos, segundo uma escala de perfeições. Desenha-se aqui, portanto,
a participação vertical na perfeição absoluta do Primeiro Princípio (C.Gentiles
III,c.97) 650".

A presença destas duas direções nos textos de Lima Vaz se apresenta como
uma característica que pode ser estendida a toda a sua obra. Afinal, a pretensão de
Lima Vaz é sistemática, seja no plano da Antropologia, da Ética, ou da articulação
de ambas com a metafísica.

O significado desta característica metodológica exposta na Antropologia


Filosófica está presente, ao mesmo tempo, nas duas outras obras de Vaz, a saber,

648 . AF II, p.190.


649
. EF VII, p.208. “Ordem e finalidade são noções correlativas. Toda disposição segundo uma
determinada ordem tem em vista um fim, seja estático, como estar disposto em ordem, seja dinâmico,
quando a ordem é condição para a obtenção de um fim”.
650 . EF VII, p.209.
239
a Ética651 e a metafísica652, não só porque nestes textos é possível encontrar uma
estrutura análoga à estrutura da Antropologia Filosófica653 que será explicitada no
desdobramento deste trabalho, mas também porque se trata de um procedimento
consciente e explicitado em todos os momentos cruciais de construção de seu
sistema e que atende ao aspecto teleológico próprio do método dialético.

Em Raízes da Modernidade, logo no início da jornada sistemática Lima


Vaz faz a seguinte afirmação:

“propomos a seguir um esquema do itinerário da metafísica do esse


traçado através de estágios que se sucedem e cumprem um círculo
especulativo de natureza lógico-dialética: da posição protológica inicial do esse,
o itinerário retorna ao esse na plenitude da sua riqueza inteligível"654.
O aspecto
O aspecto teleológico da dialética é responsável por uma das teleológico

características mais importantes de um sistema, a saber a inter-relação entre todas


as partes do sistema. Pois o sistema, como tal, é constituído por um conjunto de
partes que se encontram intimamente relacionadas, ao mesmo tempo que se
referem a uma parte considerada mais importante que as outras. Portanto, o
aspecto teleológico do sistema pode ser visto como o elemento estruturante
responsável pela interação dos elementos que constituem o próprio sistema.

Portanto, a etapa seguinte deste trabalho consiste em apresentar as


características que fazem da obra vaziana um verdadeiro sistema.

651
. EF IV e EF V.
652 . EF VII.
653
. AF I e II.
654 . EF VII, p.92.
240
C. Via compositionis: a constituição das categorias do sistema As categorias
antropológicas

O discurso sistemático da Antropologia Filosófica é inaugurado com as


categorias de estrutura: corpo próprio, psiquismo e espírito. Na seqüência vêm as
categorias de relação: relação de objetividade, intersubjetividade e transcendência.
Finalmente o discurso antropológico tem seu encerramento nas categorias de
unidade: realização e pessoa.
Entre as categorias de estrutura e de relação existe uma interdependência
conceptual, ou uma correspondência, que faz com que a categoria de objetividade
dependa da categoria de corpo, a de intersubjetividade da categoria de psiquismo e
categoria de transcendência dependa da categoria de espírito. Esta mesma
interdependência corresponde por sua vez à clássica divisão aristotélica do saber.

Quadro 14 – As categorias antropológicas e a divisão aristotélica do saber

Categorias de estrutura Categorias de relação Divisão aristotélica


do saber

CORPO OBJETIVIDADE Poíesis

PSIQUISMO INTERSUBJETIVIDADE Práxis

ESPÍRITO TRANSCENDÊNCIA Teoria

241
Gráfico 20 – As categorias da Antropologia

PESSOA

REALIZAÇÃO

CATEGORIAS DE
UNIDADE

ESPÍRITO TRANSCENDÊNCIA

PSIQUISMO INTERSUBJETIVIDADE

CORPO PRÓPRIO OBJETIVIDADE

CATEGORIAS DE CATEGORIAS DE
ESTRUTURA RELAÇÃO

242
O trabalho de constituição das categorias éticas obedece ao mesmo método, As categorias
éticas
mas se realiza através de um desdobramento orientado por estruturas diferentes.
A primeira dimensão da ética sistemática – o agir ético – desdobra-se em Primeira dimensão:
o agir ético
três estágios dialéticos distintos: estrutura subjetiva do agir ético, estrutura
intersubjetiva do agir ético e estrutura objetiva do agir ético. Mas ainda é necessário
acompanhar o desenvolvimento de cada uma destas estruturas para conseguir
identificar as categorias éticas. O trabalho de articulação das categorias se realiza
através de uma reflexão dirigida pelos níveis lógico-dialéticos da universalidade, da
particularidade e da singularidade.
A segunda dimensão da ética sistemática – a vida ética – também se
desdobra em três estágios dialéticos distintos: estrutura subjetiva da vida ética, Segunda
dimensão:
a vida ética
estrutura intersubjetiva da vida ética e estrutura objetiva da vida ética. O trabalho de
identificação das categorias também exige o acompanhamento do desenvolvimento
de cada uma destas estruturas. Cada uma destas estruturas também é constituída
pelos três momentos da universalidade, da particularidade e da singularidade. O
esquema abaixo ilustra o processo de constituição das categorias no seio de cada
uma das estruturas. Ao menos do ponto de vista formal, é possível afirmar que o iter
de constituição das categorias éticas é mais complexo do que o trabalho realizado
na antropologia e na metafísica.
As categorias éticas estão indicadas no quadro seguinte:

Quadro 15 – As categorias da Ética Filosófica

Níveis lógico-
Estágios dialéticos de
Dimensões
Dialéticos articulação das Categorias
categorias
Universalidade Verdade e Bem
Estrutura
Particularidade Situação
subjetiva
Agir Ético

Singularidade Consciência Moral


Universalidade Reconhecimento e Consenso
Estrutura
Particularidade Situação
intersubjetiva
Singularidade Consciência Moral Social
Universalidade Fim, Bem e Valor
Estrutura objetiva Particularidade Situação
Singularidade Intuição Moral
Universalidade Virtude
Estrutura
Particularidade Situação
subjetiva
Singularidade Existir Ético
Vida Ética

Universalidade Justiça
Estrutura
Particularidade Situação
intersubjetiva
Singularidade Igualdade e Dignidade
Idéias transcendentais:
Universalidade
Bem e Fim
Estrutura objetiva
Particularidade Situação: Cultura
Singularidade História

CATEGORIA DE PESSOA MORAL

243
Uma outra forma possível para indicar o movimento dialético que orienta a
constituição da ética filosófica pode ser feita a partir do gráfico que segue logo
abaixo. Este esquema indica os níveis que devem ser percorridos no trabalho de
constituição de cada uma das categorias da Ética.

Gráfico 21 – Níveis lógico-dialéticos de articulação de cada uma das categorias

Estágios Dialéticos
Estruturas
subjetiva
intersubjetiva
objetiva

UNIVERSAL PARTICULAR SINGULAR


Influxo condicionante
Causa Formal Causa Final
Causa eficiente

SITUAÇÃO
Categoria Condições Categoria
sine quibus non

Pré-compreensão
Compreensão Explicativa
Compreensão Filosófica

Influxo Causal da Razão Prática

Razão Vontade Bem


Causa Formal Causa Eficiente Causa Final

244
Na metafísica, o procedimento de sistematização das categorias também se
realiza através de duas jornadas especulativas distintas. A primeira jornada define-
se pelo esforço de acompanhar o itinerário da metafísica do existir no horizonte do
Esse infinito. A segunda jornada tem seu desenho traçado a partir do itinerário da As categorias
metafísicas
metafísica do existir no horizonte dos esse relativos. Cada uma destas jornadas
subdivide-se em 4 roteiros lógico-dialéticos distintos, no interior dos quais serão
identificadas as categorias da metafísica: roteiro noético-metafísico, roteiro noético-
ontológico, roteiro ontológico-formal e roteiro ontológico-real. Foram estes roteiros
que marcaram a apresentação da última seção do segundo capítulo que tinha como
escopo indicar a última etapa do desenvolvimento da metafísica do existir. Estes
mesmos roteiros serviram para concluir o último passo da compreensão genética da
modernidade (terceiro capítulo).

Quadro 16 – Os roteiros lógico-dialéticos e as categorias da metafísica

Jornadas Roteiros lógico- Categorias


Especulativas dialéticos
Absoluto e Razão
metafísica do existir

Noético-metafísico
na esfera do Esse
Itinerário da

Existência e Idéia
absoluto

Noético-ontológico

Ontológico-formal Noções transcendentais

Ontológico-real Liberdade e Absoluto

Essência e Existência
metafísica do existir

Noético-metafísico
na esfera dos esse
Itinerário da

Participação e Analogia
relativos

Noético-ontológico

Ontológico-formal Ordem

Ontológico-real Finalidade

Reflexões metafísicas sobre A metafísica da idéia em Tomás de Aquino, A Presença de


Tomás de Aquino no século XXI, Esquecimento e memória do ser: sobre o futuro da
metafísica.

Os três gráficos seguintes esquematizam a antropologia, a ética e a


metafísica vazianas de forma simétrica, e permitem uma visão sinóptica e sintética
do conjunto do sistema vaziano.

245
Gráfico 22 – Estrutura da Antropologia Filosófica

ANTROPOLOGIA

Parte Histórica

AF I
AF I
1. Idade Antiga
Introdução
2. Idade Média
Antropologia e Filosofia
3. Idade Moderna
Problema Filosófico das Ciências Humanas
4. Idade Contemporânea

Parte Sistemática

INTRODUÇÃO

AF I
5. Objeto e Método
da Antropologia Filosófica

SISTEMÁTICA I SISTEMÁTICA II

AF I
AF II
CATEGORIAS DE ESTRUTURA
CATEGORIAS DE RELAÇÃO
Corpo Próprio
Psiquismo (O tempo e a Morte) Objetividade
Espírito Intesubjetividade
Transcendência
A vida segundo o Espírito

CONCLUSÃO

AF II
CATEGORIAS DE UNIDADE
Realização
Pessoa
A pessoa humana entre
o tempo e a eternidade (morte)

246
Gráfico 23 – Estrutura da Introdução à Ética Filosófica 1 e 2

ÉTICA

Parte Histórica

EF IV
EF IV - Seção I. Caps.1,2,3 e 4. 1. Idade Antiga
2. Idade Média
Natureza e Estrutura do Campo Ético
3. Idade Moderna
4. Idade Contemporânea

Parte Sistemática

INTRODUÇÃO

EF V
Introdução

SISTEMÁTICA I SISTEMÁTICA II

EFV EFV
O AGIR ÉTICO A VIDA ÉTICA
Estrutura Subjetiva do Agir Ético Estrutura Subjetiva da Vida Ética
Estrutura Intersubjetiva do Agir Ético Estrutura Intersubjetiva da Vida Ética
Estrutura Objetiva do Agir Ético Estrutura Objetiva da Vida Ética

CONCLUSÃO

EF V
A PESSOA MORAL

247
Gráfico 24 – Estrutura do Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade

METAFÍSICA

Parte Histórica

EF VII
EF VII. Cap. I. O século XIII
Fenomenologia e Axiologia 2. Formação e Fisionomia
da Modernidade 3. Roteiros e Doutrinas
4. Crise Final

Parte Sistemática

INTRODUÇÃO

EF VII
O subsolo doutrinal do
século XIII

SISTEMÁTICA I SISTEMÁTICA II

O ESSE RELATIVO O ESSE RELATIVO


4 roteiros 4 roteiros
a. noético-metafísico a. noético-metafísico
b. noético-ontológico b. noético-ontológico
c. ontológico-formal c. ontológico-formal
d. ontológico-real d. ontológico-real

CONCLUSÃO

EF VII
Tomás de Aquino
Textos complementares

248
D. Antropologia e Sistema.
Lima Vaz exprime no início da Antropologia seu intuito de organizá-la
sistematicamente, o mesmo acontecendo no início da Ética e da Metafísica. Por
conseguinte, as próximas seções tem por objetivo explicitar, brevemente, as
intenções sistemáticas de Lima Vaz.
Como já se viu, a Antropologia Filosófica é constituída por duas partes,
uma histórica e uma sistemática que não são proporcionais entre si. A parte menor
colocada no início da Antropologia é de natureza histórica. A segunda parte
apresenta sistematicamente as categorias antropológicas. A primeira parte é
precedida por uma introdução na qual são apresentados os problemas da relação
entre Antropologia e Filosofia e da relação entre Filosofia e Ciências Humanas e
Naturais.
A primeira questão colocada por Lima Vaz diz respeito à relação entre
Filosofia e Antropologia, pois ele detecta que no centro das mais variadas Antropologia e
Filosofia.
expressões da cultura, mito, literatura, política, ciência, filosofia, ética. O ser humano
se confronta com as perguntas fundamentais sobre si mesmo. Kant exprimiu-as de
maneira definitiva nas seguintes formulações: o que posso saber?; o que devo
fazer?; o que me é permitido esperar? e, finalmente, o que é o homem?"655. Tais
perguntas correspondem a uma arquitetônica das disciplinas filosóficas, que se
apresentam, respectivamente como Teoria do Conhecimento, Teoria do Agir Ético,
Filosofia da Religião, Antropologia Filosófica e Metafísica. A peculiaridade da última
pergunta está no fato de o homem ser o interrogador de si mesmo, e interiorizar a
relação sujeito-objeto de forma reflexiva656.
Ao se encontrar com as ciências da vida e com as ciências humanas, nos Crises histórica e
metodológica
fins do século XVIII, a pergunta filosófica pelo homem atinge uma situação crítica
com duas faces distintas. Por um lado, pode-se falar de uma crise histórica
decorrente do entrelaçamento das diversas imagens de homem no ocidente. E, por
outro lado, eclode uma crise metodológica decorrente da fragmentação do objeto da
Antropologia Filosófica nas múltiplas ciências do homem, bem como, pelo fato de
as várias ciências humanas possuírem peculiaridades sistemáticas e
epistemológicas inconciliáveis657.
Duas correntes teóricas, tentarão superar esta crise: a corrente naturalista,
segundo a qual a explicação última do fenômeno humano é reduzida à natureza
material (Lévi-Strauss, antropólogo; J. Monod, biólogo); e a corrente culturalista, Duas vertentes de
superação
que acentua a originalidade da cultura e a separação do ser natural e do ser naturalismo e
culturalismo
cultural (W. Dilthey – ciências hermenêuticas/ ciências empírico-formais).

655 . AF I p.9.
656
. AF I p.9.
657 . AF I p.10.
249
Portanto, a situação da pergunta pelo homem encontra-se no interior de uma Tarefas da
Antropologia
tensão cujos pólos são a natureza e a cultura, o que coloca a Antropologia Filosófica Filosófica

diante de três tarefas: a) elaborar uma idéia de homem que considere a tradição
filosófica e as contribuições das ciências humanas; b) justificar criticamente essa
idéia para que sirva de fundamento da unidade dos múltiplos aspectos do fenômeno
humano; c) sistematizar filosoficamente a sua constituição como Ontologia,
respondendo ao problema clássico da essência: o que é o homem?658. A
consecução destas tarefas aponta para a constituição de uma antropologia integral.
A sistematização rigorosa da Antropologia Filosófica realizada por
Lima Vaz se propõe encontrar um centro conceptual que consiga unificar as A sistematização

várias linhas de explicação do fenômeno humano com o fim de fazer do


discurso antropológico uma ontologia. Sua antropologia é guiada pelo
conceito de pessoa e fundada sobre a noção de expressividade. O homem é
apresentado na Antropologia Filosófica como movimento dialético de
passagem do dado (N) à expressão (F). O homem como sujeito é o
momento mediador (S). Apenas o homem se automanifesta ou se dá a si
mesmo sua própria expressão enquanto homem. A subjetividade humana
consiste propriamente nesse movimento de automanifestação.
Esse movimento dialético representado no esquema N-S-F é constitutivo do O ser humano
como
ser-homem em todos os momentos de sua compreensão (pré-compreensão -> expressividade

compreensão explicativa -> compreensão filosófica). Trata-se de uma estrutura


dialética, constitutiva do sujeito ontologicamente considerado, pois exprime a lógica
do seu ser. É uma lógica dialética estruturada como movimento de suprassunção
da natureza na forma pela mediação do sujeito, no sentido estrito da sua
subjetividade ou da sua egoidade. Este procedimento lógico-dialético se estenderá
para as outras obras, vem a ser para todos os níveis do sistema.
“Portanto, o problema do sujeito nos 3 níveis de compreensão reside na
elucidação da mediação subjetiva que permite ao homem afirmar-se como
sujeito, vem a ser, como movimento dialético de passagem da natureza à
forma”659.

O eu (sujeito) é movimento de suprassunção da natureza na forma, do dado


na expressão, do mundo das coisas no mundo do sentido. Os níveis de mediação
na constituição do sujeito, na passagem do dado ao significado, correspondem aos
três níveis de conhecimento do homem abaixo enumerados: a) mediação empírica
ou pré-compreensão: (N)-(S)-(F); b) mediação abstrata ou compreensão explicativa:
[N]-[S]-[F]; c) mediação transcendental ou compreensão filosófica {N}-{S}-{F}.

658
. AF I p.11.
659 . AF I, p. 163.
250
Esta noção da auto-expressividade como espírito, ou do eu como
expressividade, é uma noção sem conteúdo. O eu, no começo da Antropologia
Filosófica, é um nada. Mas, ao mesmo tempo, é tudo, pois ele é condição de
possibilidade para a autoposição do sujeito. Tudo procede da função mediadora do
sujeito. Esta posição é análoga ao ser da lógica hegeliana. O espírito é o método.

O homem enquanto objeto da interrogação feita por ele mesmo está inserido
no interior de um horizonte epistemológico constituído pelo domínio metacientífico,
pelo domínio das ciências hermenêuticas e pelo domínio das ciências empírico-
formais. Estes domínios tão amplos tendem a formar pólos epistemológicos
privilegiados responsáveis pela formação de certas imagens do homem que
acentuam determinados aspectos da realidade humana. Os pólos epistemológicos
fundamentais são a) o pólo das formas simbólicas, isto é, o horizonte das ciências
da cultura; b) o pólo do sujeito, isto é, o horizonte das ciências do indivíduo e do seu
agir indvidual, social e histórico; c) o pólo da natureza, isto é, o horizonte das
ciências naturais do homem.
Lima Vaz busca uma articulação entre estes três pólos que consiga, ao
mesmo tempo, evitar qualquer forma de reducionismo e constituir uma antropologia
integral. Mas seu trabalho não acaba com a antropologia, uma vez que ele continua
desenvolvendo e aprofundando certos aspectos de sua antropologia em Filosofia
e Cultura. Os aspectos mais importantes e que continuam sendo desenvolvidos a
partir das questões da Antropologia são todos aspectos que se situam na linha de
continuidade das categorias de relação.
Os temas tratados a partir da categoria de objetividade são aqueles
relacionados à primazia da técnica e da ciência no mundo contemporâneo. Os
temas tratados a partir da categoria de intersubjetividade são aqueles relativos ao
problema da cultura, da importância histórica e teórica da filosofia no horizonte
cultural do homem contemporâneo e os problemas civilizatórios concernentes às
ardentes questões éticas da atualidade. Finalmente, o tema da categoria de
transcendência continua a ser trabalhado seja a partir da perspectiva antropológica
seja a partir da perspectiva da metafísica do existir.
Portanto, tal como já foi afirmado, Filosofia e Cultura é um texto de
passagem, que serve para aprofundar certos temas fundamentais da Antropologia
Filosófica e preparar os horizontes da reflexão ética da Introdução à Ética
Filosófica 1 e 2, bem como apresentar noções fundantes da metafísica do existir de
Tomás de Aquino, mais especificamente relacionadas com a sua teoria do juízo. Em
síntese, Filosofia e Cultura não é apenas uma coletânea de artigos brilhantes.
Trata-se de um elo conceptual fundamental que estabelece relações profundas
entre a Antropologia e a Ética Filosófica.

251
E. Ética e Sistema.
Tal como fez no início da Antropologia Filosófica660, Lima Vaz indica, já no
prefácio de seu Introdução à Ética Filosófica 1, sua pretensão de elaborar uma
Ética sistemática. Essa obra tem 3 objetivos a serem alcançados: a) indicar qual a
situação da Ética no interior do atual panorama desenhado pela Filosofia e pelas
Ciências Humanas, estabelecendo ao mesmo tempo a especificidade filosófica da
Ética: situação da ética; b) realizar um trabalho de rememoração dos grandes
modelos filosóficos do pensamento ético, afinal, mais do qualquer outra disciplina
filosófica, a Ética depende e vive permanentemente das lições da história:
rememoração; c) refletir sobre as estruturas e categorias fundamentais da Ética,
organizando-as de modo a evidenciar sua articulação dialética e sistemática:
sistema 661.
De forma bem clara e explícita, Lima Vaz indica sua intenção sistemática:

"A intenção que nos guiou ao redigir estas páginas foi a de tentar uma
reflexão histórico-sistemática sobre os temas e problemas fundamentais da
Ética filosófica"662.

“O segundo volume da Introdução à ética filosófica será dedicado à


exposição sistemática dos princípios e categorias fundamentais que estruturam
a Ética como ciência do ethos”663.

Para que esta empresa consiga ser realizada é necessário que Lima Vaz
reconheça, portanto, a natureza filosófica das categorias éticas que vão permitir o
pensamento dos fundamentos racionais do agir segundo o ethos e sua vinculação
com uma concepção filosófica do homem – uma Antropologia Filosófica – e com
uma ciência do ser – uma metafísica. O escopo vaziano em articular a antropologia,
com a ética e com a metafísica é nítido e evidente.
Esta articulação da ética com a metafísica se coloca como uma tarefa
fundamental, pois, a razão não consegue circunscrever todo o horizonte do agir
humano, ou mesmo propor uma explicação de todas as dimensões do ethos, se o
seu uso imanente estiver restrito ao campo do empírico segundo uma lógica
unívoca e não analógica.
A razão sempre busca um fundamento último para as razões do agir ético,
visto que ao longo da história a reflexão ética vê elevar-se diante de si inumeráveis
sucedâneos do absoluto que justificam e legitimam a ação humana.
A ruína da ética
"O que a história nos mostra é que a reflexão ética, na sucessão de
suas grandes épocas vê elevar-se sempre em seu horizonte a figura de algum
absoluto ao qual são pedidas a justificação e a legitimação definitivas das
razões do agir. Mesmo quando a Ética, na tarda modernidade, pretende
edificar-se toda no domínio da imanência histórica ou mundana e libertar-se de

660
. AF I, p.11.
661 . EF IV, p.9.
662
. EF IV, p.9.
663 . EF V, p.7.
252
qualquer vínculo com a metafísica no sentido clássico preconizando um
relativismo universal dos valores, a sombra do absoluto continua a projetar-se
em seu caminho, seja ele postulado como Natureza, o próprio Sujeito como
autonomia incondicionada, o polimorfo inconsciente, a História, a Sociedade ou
o Estado, esse ‘deus mortal’ no dizer de Hobbes e de Hegel. A alternativa
radical a esse necessário encontro com o absoluto seria a eversão de todos os
valores: o fim da Ética, o niilismo"664.

Toda a constituição da Ética terá como fatores determinantes do seu Três


opções
discurso três evidências, ou, mais especificamente, três opções teóricas: a) uma
opção epistemológica; b) uma opção antropológica; c) uma opção metafísica.
A opção epistemológica depende da continuidade temática da ética ao longo Opção
epistemológica
da história. A continuidade temática e conceptual da ética filosófica, de suas origens
até hoje, permite a apreensão de que “a inteligibilidade da práxis como objeto da
ciência do ethos pressupõe a normatividade imanente do fim, tal como se apresenta
na experiência do ethos”665.
A opção antropológica refere-se ao pressuposto de que existe um núcleo Opção
antropológica
antropológico que sustenta aquela continuidade temática. Este pressuposto é
desenhado pelas prerrogativas inerentes à categoria antropológica de espírito que
confere ao homem a capacidade de operar de forma livre e inteligente.
A opção metafísica indica a intencionalidade metafísica que orienta o Opção
metafísica
pensamento ético em direção a sua fundamentação. Este aspecto explicita o
conceito de Bem . Este conceito, recebido de Platão e Aristóteles, é o mais
importante de toda a Ética, e se apresenta por um lado, como um conceito
transcendental co-extensivo com o ser, e por outro lado como conceito
antropológico, definido como Fim da estrutura teleológica do ser humano que se
autodetermina para o Bem.

O discurso ético buscará sua unidade no princípio unificador da própria


práxis humana na forma de razão prática regida pelos invariantes ônticos
constitutivos da própria práxis.

"Reconhecer esses invariantes e organizá-los em discurso logicamente


ordenado, expressão da ontologia de nosso ser ético, eis a tarefa da Ética
filosófica"666.

Estes invariantes, que devem ser reconhecidos e organizados, são as


categorias, que se constituem como a estrutura lógica elementar da Ética
sistemática. Estas categorias organizadas sistematicamente representarão a “forma
inteligível unificadora da existência ética”667.

664
. EF IV, p.84.
665 . EF V, p.8.
666
. EF V, p.7.
667 . EF V, p.19.
253
Ao tratar da possibilidade e dos limites de uma ética sistemática Lima Vaz
apresenta uma brevíssima exposição sobre a natureza etimológica da palavra
sistema e seus sentidos ao longo da história, para afirmar que atualmente a
concepção vigente de sistema tem seu paradigma no modelo de sistema formal
assentado numa lógica unívoca. A atribuição de uma estrutura analógica à idéia de
sistema permite a possibilidade de um discurso ético que respeite as peculiaridades
históricas, sociais e culturais dos vários ethoi existentes.
Sistema

Esta breve investigação sobre a natureza do termo sistema conduz Lima


Vaz à distinção entre sistema aberto e sistema fechado, proposta recentemente no
campo da teoria dos sistemas. Esta distinção nasceu da observação dos
organismos vivos como sistemas.

"Os sistemas fechados admitem apenas uma inter-relação e interação


internas entre seus elementos. Seu modelo são os sistemas formais axiomático-
dedutivos. Os sistemas abertos, ao invés, mantêm simultaneamente sua
estabilidade e coerência internas e uma interação permanente com o mundo
circundante. Os organismos vivos são o modelo por excelência do sistema
aberto. Além disso, os sistemas abertos apresentam a notável propriedade de
ser sistemas evolutivos, isto é, de se constituir como síntese que continuamente
se refaz de identidade e diferença ou de permanência e mudança ao longo do
tempo"668.

Lima Vaz se afeiçoará a esta noção de sistema aberto, que retornará no seu O sistema
aberto
texto sobre a metafísica – Raízes da Modernidade. Além disto, o termo sistema
não passa de uma representação simbólica cuja finalidade é assegurar que a
realidade por ele representada se oferece à compreensão humana e portanto pode
ser racionalmente ordenável.
A importância da noção de sistema aberto se deve, por um lado, à
impossibilidade de manter o discurso ético fechado ao campo das próprias razões
do ethos, e, por outro lado, à necessidade de ultrapassar as fronteiras noéticas do
ethos através de uma abertura para a transcendência que exige uma
fundamentação última de natureza metafísica.

"À abertura transcendental do dinamismo causal do agir ético (ordem da


causa eficiente), posto em movimento pela sinergia da razão e da liberdade,
corresponde a amplitude transcendental das noções que especificam o
finalismo desse agir (Verdade, Bem, Fim, Lei, Perfeição: ordem da causa
formal). Em outras palavras, as duas dimensões constitutivas do agir ético
individual, a estrutural (enquanto ato do sujeito ético) e a teleológico-normativa
(enquanto objeto do agir concretizado na realidade do ethos), permanecem
abertas ao termo do percurso dialético das razões do ethos: subjetivamente em
virtude do dinamismo ilimitado que anima o movimento da razão e da liberdade;
objetivamente em virtude da ordenação constitutiva desse movimento ao
horizonte universal do Bem669".

Esta abertura do sistema é responsável pela suprassunção dos resultados


alcançados com a Antropologia Filosófica, na qual o sujeito é marcado pela sua

668
. EF V, p.14.
669 . EF V, p.17.
254
abertura ao infinito através da categoria de espírito, enquanto aspecto estrutural, e
através da categoria de transcendência, no campo das relações antropológicas.
A existência de uma pretensão sistemática no coração do pensamento
vaziano é indiscutível. Tal pretensão é notória, e vai se tornando gradualmente mais
e mais explícita à medida que seus textos vão se tornado cada vez mais
interdependentes entre si.

Afinal a Antropologia, por um lado, depende da metafísica, e por outro lado,


tem seus desdobramentos no texto da Ética. Esta por sua vez depende de
pressupostos antropológicos e metafísicos coerentemente expressos nas obras a
eles dedicadas. Finalmente, no texto da metafísica são encontrados todos os
postulados que fundamentam tanto a Antropologia quanto a Ética e que já tinham
sido anunciados tanto numa obra como na outra.

F. Via Resolutionis: O Absoluto e a sistematização da metafísica.

Esta seção tem como objetivo mostrar que o pensamento vaziano pode ser Objetivos
desta tese
compreendido a partir tanto de uma perspectiva temática, quanto de uma
perspectiva sistemática. A partir da primeira perspectiva é possível apresentar dois
temas que atravessam todo o pensamento de Lima Vaz: a metafísica do ato de
existir e a compreensão genética da modernidade.
A partir da perspectiva do sistema é possível percorrê-lo através de duas
direções distintas, e, ao mesmo tempo, complementares: a via compositionis e a via
resolutionis. A primeira direção permite o acompanhamento de todo o processo de
desdobramento do discurso propriamente dito. Ao seguir esta direção o leitor da
obra de Lima Vaz acompanha a posição sucessiva de cada uma das categorias da
Antropologia, da Ética e da Metafísica. Esta é a via compositionis que indica a
ordem de constituição das categorias através de um processo ascendente, de
natureza dialético-especulativa. A segunda direção, através da qual o sistema
vaziano pode ser lido e compreendido, tem seu início no exato momento em que se
pode contemplar todo o edifício vaziano a partir de sua altura especulativa máxima,
a partir do tópico mais importante de toda a obra ora estudada: o tema do Absoluto.
Esta segunda direção é designada por Lima Vaz como via resolutionis.

Do ponto de vista metodológico, o início do discurso antropológico realiza-se


através da categoria de corpo próprio. Todavia, é sabido que este início só é
possível porque o sujeito é pessoa, e enquanto tal é posto pelo Absoluto. No início e
no fim da antropologia está a categoria de pessoa, cujos fundamentos são dados
pelo transbordamento ontológico da categoria de transcendência.

255
"O retorno do discurso sobre si mesmo ao alcançar a categoria de
pessoa mostra as peculiaridades da sua estrutura dialética no âmbito dessa
categoria. O princípio da limitação eidética, aplicando-se aqui ao eidos total do
ser-homem, definido pela sucessão das categorias, configura esse eidos como
a resposta adequada à amplitude da pergunta ‘o que é o homem?’ Em virtude
desse princípio, o discurso se autolimita, tendo encontrado seu termo na
categoria de pessoa e permitindo a dupla leitura da inteligibilidade para-nós
(sucessão das categorias) e da inteligibilidade em-si (fundamentação última das
categorias). Ao mesmo tempo, em virtude do princípio da ilimitação tética, ao
afirmar o seu ser como pessoa, estabelecendo entre os dois termos uma
equação ontológica, o sujeito rompe a limitação eidética da sua finitude e da
sua situação, abrindo-se à infinito intencional do ser e tende a orientar o
dinamismo mais profundo da sua autorealização, o alvo da união final, pela
contemplação e pelo amor, com a infinitude real do Existente absoluto (ipsum
Esse subsistens)"670.

Esta categoria totaliza o discurso antropológico e faz do homem uma unitas


oppsitorum, a unidade mais perfeita que pode ser concebida. O homem, por um
lado, é a unidade do ser que subsiste em si mesmo pela reflexão sobre si mesmo.
Mas por outro lado, ele realiza a unidade dos extremos opostos alcançados pela
experiência humana e que também coincidem com as últimas fronteiras do ser: a
matéria e o Absoluto671.
"Ao totalizar o discurso antropológico, a categoria de pessoa não
somente mostra o homem aberto à universalidade do ser a partir da
particularidade da sua situação corporal no aqui e agora do mundo. Mostra-o
outrosssim, como lugar inteligível (tópos noétós) na concretude da sua
singularidade, onde se entrecruzam as linhas que procedem de todas as
regiões do ser: do sensível e do inteligível, do contingente e do necessário, do
possível e do atual, do relativo e do absoluto e, finalmente do universo e de
Deus"672.

Esta altitude inteligível do discurso antropológico, na síntese da categoria de


pessoa, permite a compreensão e a leitura da seriação das categorias segundo a
ordo cognoscendi, isto é o sentido para-nós, ou via compositionis, e segundo a ordo
essendi, isto é o sentido em-si, ou via resolutionis. Como conseqüência destas duas
possibilidades de leitura da Antropologia Filosófica é possível organizar a
compreensão do homem como pessoa segundo um movimento de ascensão,via
ascensus, e segundo um movimento de descida, (via descensus).
“A continuidade desses dois movimentos e a identidade do terminus ad
quem da ascensão e do terminus a quo da descida, ambos sendo constituídos
pela mesma categoria de pessoa, mostra-nos, por um lado, a identidade do Eu
– sua unidade profunda ou sua ipseidade – na diferença das suas
manifestações que se ordenam como formas da sua auto-expressão, ou seja
formas de expressão do mesmo (autós), finalmente identificadas na categoria
de pessoa”673.

670
. AF II, p.226.
671 . AF II, p.226.
672
. AF II, p.226.
673. AF II, p.227.
256
Algo análogo ocorre com a Ética, pois o sujeito moral é pessoa moral que Pessoa moral

compartilha das mesmas prerrogativas da categoria antropológica de pessoa e que


possui como condição de possibilidade do discurso exatamente a posição fundante
e originária do Absoluto.

"A concepção de pessoa moral que aqui apresentamos não é senão a


interpretação ética da categoria de pessoa que foi exposta em nossa
Antropologia Filosófica. (...) O processo de personalização envolve a
totalidade do nosso ser, do corpo próprio ao espírito e todas as modalidades de
nosso abrir-se à realidade exterior, do mundo à transcendência. Ora esse
processo é constitutivamente ético e todo o nosso ser inscreve sua gênese e
sua história no destino de uma pessoa moral674.

Lima Vaz encontra as linhas fundamentais de inspiração para a sua ética nas
suas origens clássicas, os paradigmas platônico e aristotélico, segundo os quais se
pressupõe uma relação constitutiva do ser humano a uma instância racional, em si
mesma trans-histórica, mas normativa de todo o agir histórico: “a instância de um
Bem transcendente”675. Segundo Lima Vaz, esta instância permanece como um
invariante conceptual na variação de toda a tradição ocidental.
"A afirmação do Bem como princípio do ser e do ser conhecido (ratio
essendi e ratio cognoscendi) da práxis humana é, como mostrou Aristóteles, o
princípio de uma ciência da práxis (a Ética), revelando-se também, por sua
natureza, uma ciência prática. Uma ciência que discorra sobre o que é o Bem
(em si mesmo, em cada um de nós e na comunidade humana) e, ao mesmo
tempo, nos ensine como tornar-nos bons (Ét. Nic, II, 2, 1103 b 26-28). Mas a
utilidade da Ética como ciência prática (ou pragmática, como se costuma dizer
hoje) decorre de sua fundamentação numa ciência da prática ou num discurso
ordenadamente conduzido sobre estrutras inteligíveis subjacentes ao operar da
razão que conduz a práxis, ou seja, da Razão prática em sua ordenação
necessária ao Bem. Apresentar uma versão, entre outras possíveis, desse
discurso, tal nosso escopo nessa Introdução à Ética Filosófica. Estamos
convencidos de que a prática ética só pode ser justificada em razão por uma
ciência da prática, que tenha como princípio e fundamento uma metafísica do
Bem: (...) não há Ética sem metafísica"676.

O discurso metafísico já tem seu início com a questão do Absoluto. Mas ele
também apresenta uma evolução e uma seriação de categorias que parte da pré-
compreensão do Absoluto, e culmina na demonstração da sua existência e na
demonstração de sua natureza677. Tanto o discurso antropológico, quanto ético e
metafísico, em última análise, têm como condição de possibilidade do discurso a
presença do Absoluto no dinamismo intelectual do ser humano: a pré-compreensão
do Absoluto. Todavia o trabalho de constituição das categorias ou de redação do
discurso filosófico, na antropologia e na ética, não é iniciado com o tema da posição
do Absoluto. É necessário acompanhar todo o desdobramento do conceito para se

674
. EF V, p.239.
675 . EF V, p.241.
676
. EF V, p.242.
677 . EF III, p.332. Nota 140.
257
alcançar a intelecção da presença do Absoluto como termo do discurso e intui-lo
como presença necessária para a possibilidade mesma do início do próprio discurso
filosófico. Já a Metafísica é iniciada de forma explícita pela tematização da presença
do Absoluto no dinamismo intelectual do ser humano.

O discurso metafísico manifesta a sua estrutura circular dialética, pois o


conhecimento do Absoluto no fim reflui sobre o princípio para assegurar a definitiva
fundamentação especulativa da pré-compreensão do Absoluto que torna possível o
mesmo discurso. Este ‘refluxo’ ocorre na antropologia, na ética e na metafísica,
quando definitivamente se dá o encerramento do círculo dos círculos e a
configuração final do sistema.

G. O sistema aberto

Sistema é o conjunto de objetos, de elementos ou de partes de uma


realidade que podem ser compreendidos a partir de uma articulação recíproca e da
qual cada um dos elementos constitutivos retira sua significação do lugar que ele
ocupa no todo desta tessitura de articulações e relações. Estes elementos não se
encontram simplesmente justapostos numa exterioridade linear, mas estão
relacionados de maneira circular ou dialética uns aos outros. Para Lima Vaz,
sistema possui uma significação dinâmica que não permite uma visão engessada da
realidade por ele compreendida, mas possibilita sua aplicação à riqueza e à
criatividade da experiência concreta. Portanto é possível afirmar que Lima Vaz
possui um pensamento sistêmico da realidade, ou ainda uma construção racional
que é o desenvolvimento de uma atitude fundamental e que determina a gestação e
o funcionamento do seu discurso678.
Para Lima Vaz, tal como para Hegel, a filosofia é necessariamente um
sistema que pretende deixar todo o conteúdo da experiência engendrar-se segundo
sua forma própria. Daí a necessidade de uma idéia de sistema dinâmico e
essencialmente aberto para o inédito.

“O sistema é a forma inteligível que se dá a própria liberdade quando


ela precisa reinventar o mundo”679.

O encerramento de cada uma das etapas constitutivas do sistema


(antropologia, ética e metafísica), representado pela figura do círculo não implica
que o sistema vaziano se edifique como um sistema fechado, afinal, para Lima Vaz
o sistema deve ser marcado pelas características da completude e da abertura. O

678
. LABARRIÈRE, J.-P, Système, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions
Philosophiques, Dictionnaire, Vol. II, p.2532.
679 . LABARRIÈRE, J.-P, Système, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions
Philosophiques, Dictionnaire, Vol. II, p.2532.
258
pressuposto fundamental de Lima Vaz assenta-se sobre a aceitação de um
Transcendente absoluto que é Princípio e Fonte do existir e portanto condição de
possibilidade da existência dos esse relativos e da inteligência finita. Mas este
Transcendente também é FIM e conseqüentemente o Bem para o qual o ser
humano tende, em vista de sua abertura transcendental ao ser ou de sua infinitude
intencional.
Na Antropologia Filosófica, Lima Vaz não usa a expressão sistema aberto.
Todavia, a compreensão do sujeito como infinitude intencional, como portador das
prerrogativas da liberdade e da racionalidade, como termo da relação de
transcendência e como pessoa faz com que o tema metafísico da sua abertura à
amplitude transcendental do ser seja uma exigência. E, como tal, só é possível
representar este aspecto fundamental da condição humana através de um sistema
que tenha a abertura como característica necessária do sistema, e, por conseguinte,
faz com que esta característica seja uma exigência sine qua non para a elaboração
do próprio sistema, pois o homem é compreendido como espírito e como ser-para-o-
Absoluto680.
O mesmo acontece com a Ética, afinal tal como já foi dito algumas vezes ao Ética

longo deste trabalho, toda a ética vaziana depende da noção de Bem, conversível a
noção de Fim, que por sua própria natureza é uma noção estritamente metafísica
que implica a impossibilidade do discurso sobre o homem esgotar-se no campo da
imanência, impulsionando-o para além do horizonte empírico de sua existência.
A metafísica organizada e sistematizada em Raízes da Modernidade é o
ponto de chegada e de conclusão do trabalho vaziano. Mas é, também, o ponto de
partida, pois tal como fora anunciado no início desta tese e no seu primeiro capítulo,
o tema da metafísica do existir já estava presente nos primeiros escritos de Lima
Vaz. Este tema atravessou todo o iter filosófico vaziano, e alcançou o seu termo
nesta empresa de natureza sistemática, através de um procedimento dialético de
inspiração platônica e hegeliana.
Seja como ponto de chegada, seja como ponto de partida, a metafísica do
existir organizada dialeticamente em Raízes da Modernidade é a chave de
inteligibilidade, é a clef de voûte de todo o pensamento vaziano. A metafísica
apresentada por Lima Vaz é o lugar conceptual de onde se pode contemplar toda
sua obra de forma coerente e completa. É o lugar de cuja altura especulativa se
pode iluminar todas as trilhas identificadas neste trabalho e por ele percorridas.
Mas antes de qualquer coisa, a metafísica subjacente ao pensamento
vaziano é assumida como condição de possibilidade de uma antropologia integral e
de uma ética que não esteja restrita às determinações de qualquer horizonte último

680 . AF II, p.224.


259
circunscritível ao nível da imanência. São os pressupostos metafísicos tomásicos
que sustentam toda a armadura conceptual do pensamento vaziano.
Este alinhamento conceptual de Lima Vaz com o pensamento de Tomás de
Aquino jamais sofreu algum tipo de oscilação, ou de abalo de qualquer natureza.
Em todas as suas grandes obras é possível detectar a presença tomásica como a
responsável por toda a urdidura do seu trabalho. E ao alcançar o ápice de sua
reflexão metafísica, esta afirmação a respeito da importância de Tomás de Aquino
para a compreensão e para a fundamentação de seu sistema torna-se indiscutível.
O ponto de partida em seu itinerário sistemático foi o Esse absoluto
descoberto na intuição que acompanha “a posição protológica do Esse na afirmação
primordial ‘alguma coisa é’ ou ‘o ser é’”681. E o ponto de chegada é o mesmo Esse
absoluto compreendido como Fim. Este itinerário permite o cumprimento de um ciclo
lógico-dialético que se desdobrou nos estágios através dos quais se manifestou a
inteligibilidade do esse.
Este percurso está marcado pela mudança paradigmática na qual a primazia
da inteligibilidade da essência foi substituída pela primazia da inteligibilidade da
existência, assinalando com esta passagem a superação do arquétipo eternista do
pensamento clássico pelo arquétipo criacionista do pensamento cristão e medieval.
Nesta passagem Lima Vaz, enxerga a origem do caráter instituidor do sentido e do
caráter demiúrgico do sujeito transcendental moderno682 e conclui um trabalho
tremendo no qual se realiza a convergência de uma investigação que buscou
aprofundar e sistematizar a metafísica do existir de Tomás, a partir de uma leitura
lógico-dialética, com a investigação sobre as raízes metafísicas e medievais da
modernidade.
O livro Raízes da Modernidade traz a organização sistemática da metafísica
que determina tanto a antropologia quanto a ética vazianas. Através daquelas duas
jornadas especulativas, constituídas por quatro roteiros lógico-dialéticos Lima Vaz
organiza a metafísica, da qual tanto a ética quanto a antropologia se dependem de
forma fundamental. É esta metafísica do ato de existir que coloca de pé e que
sustenta o sistema tal como Lima Vaz o compreende.
Decididamente, o último livro escrito por Lima Vaz consegue encerrar um
ciclo de tarefas de dimensões hercúleas, pois este autor conseguiu elaborar uma
Antropologia sistemática e coerente, uma Ética articulada com a mesma
Antropologia e que se encontram num mesmo conjunto de pressupostos metafísicos
cujas altitudes especulativas são vertiginosas. Este texto sustenta a coerência das
partes do sistema e apresenta todo o alicerce conceptural do sistema em si mesmo,
permitindo a convergência da via compositionis e da via resolutionis, ao mesmo

681
. EF VII, p.220.
682 . EF VII, p.221.
260
tempo em que realiza a convergência mais difícil e admirável de todas: modernidade
e metafísica. Simultaneamente, Lima Vaz dá acabamento ao seu sistema e explicita
com acuidade filosófica admirável a origem dos pressupostos doutrinais e
metafísicos que inauguram a modernidade e que inauguram o tempo em que o
homem do terceiro milênio vive.

261
CONCLUSÃO

Modernidade e metafísica:
Um sistema aberto

“Retornemos ao nosso ponto de partida para, no


melhor estilo dialético, tentar repensá-lo desde o
nosso ponto de chegada”.

Henrique Cláudio de Lima Vaz

Ética e Razão Moderna


Síntese Nova Fase, v.22, n.68,1995, p. 77.

“O exercício do ato de filosofar é sempre uma


‘rememoração’ (uma Erinnerung, como diria Hegel),
e uma ‘atenção’ que podemos chamar
conceptualizante, ou seja, pensada, refletida e
discursivamente explicada, à realidade. Duas
dimensões que nascem da mesma origem do ato de
filosofar – ou da decisão de filosofar, da qual fala
Hegel – e que definem o espaço espiritual onde a
Filosofia tem a sua morada e onde vive. Filosofia é
anámnesis – recordação – e é noésis –
pensamento”.

Henrique Cláudio de Lima Vaz

Morte e Vida da Filosofia


Síntese Nova Fase, v.18, n.55,1991, p. 685.

262
CONCLUSÃO

A tese deste trabalho sustenta que todo o empenho filosófico de Henrique


Cláudio de Lima Vaz foi norteado pela tentativa de pensar o Absoluto no horizonte
da Modernidade. O tema do Absoluto se desdobrou na demonstração em chave
dialética da metafísica do ato de existir de Santo Tomás de Aquino. Todavia a
apresentação deste tema não descuidou dos desafios e dos interditos postos pela
modernidade ao tema da transcendência seja como Absoluto existente, seja como
termo ad quem da relação antropológica de transcendência, seja como categorias
éticas de Bem e Fim.

O estudo profundo e cuidadoso destes dois temas são considerados pelo


autor desta tese os dois grandes temas que enfeixam todos os outros temas
estudados por Lima Vaz ao longo de todo o seu itinerário filosófico. Como
conseqüência deste esforço e como resposta ao problema da dicção do Absoluto no
horizonte da Modernidade Lima Vaz elaborou um sistema composto por uma
antropologia filosófica, uma ética filosófica e uma metafísica. Esse sistema, por sua
vez, também possui duas possibilidades de leitura, dadas pelas direções do
discurso filosófico. A primeira direção apresenta o sistema no sentido para-nós. A
segunda direção apresenta o sistema desde o seu ponto mais alto para o qual
convergem os resultados da antropologia, da ética e da metafísica e de onde se
pode compreender todos os meandros metafísicos subjacentes à ética e à
antropologia, desde o cimo do próprio sistema.

De uma forma mais sucinta e esquemática é possível dizer que esta tese
teve como hipóteses a serem confirmadas ao longo do seu desdobramento as
seguintes proposições:

1. SISTEMA - Lima Vaz elaborou um sistema filosófico, no qual estão


entrelaçadas uma metafísica, uma ética e uma antropologia.

2. METAFÍSICA, ÉTICA E ANTROPOLOGIA - No topo de seu sistema está a


metafísica sistematizada no livro Raízes da Modernidade. Este livro é organizado a
partir da metafísica do ato de existir de Tomás de Aquino. Essa mesma metafísica é
o elemento central do sistema vaziano que amalgama sua ética e sua antropologia.
Ou seja, tanto uma como a outra se referem àquela metafísica e dela dependem. A
ética e a antropologia vazianas também foram organizadas tendo em vista,
exatamente, essa configuração sistemática entre metafísica, ética e antropologia.

3. AS DUAS DIREÇÕES DO SISTEMA – O sistema pode ser percorrido em


duas direções: a via resolutionis e a via compositionis. A partir da via resolutionis, ou

263
a via descensus, a compreensão do sistema só pode ser alcançada a partir de seu
vértice metafísico, do qual partem, de forma radial, todos os elementos estruturais e
fundacionais da ética e da antropologia. A partir da via compositionis, ou da via
ascensus, é feito o caminho de subida e, portanto, de constituição de cada uma das
categorias antropológicas, éticas e metafísicas. Esta é a ordem da redação dos
textos, da leitura propriamente dita, e da edificação do próprio sistema. Todavia o
alicerce e as bases desse sistema são a própria metafísica do existir que se coloca
como elemento fundante e como condição de possibilidade do próprio discurso
filosófico e sistemático de Lima Vaz. Com isso há o fechamento de um grande
círculo – o círculo do sistema.

4. OS DOIS TEMAS DO SISTEMA – O trabalho filosófico de Lima Vaz


sempre foi polarizado pelo tema da metafísica e do Absoluto – vem a ser, pelo
problema do discurso racional e filosófico sobre Deus. Esse problema filosófico
sempre foi pensado a partir da metafísica do existir de Tomás de Aquino e constitui
o tema supremo do pensamento vaziano. Todavia Lima Vaz confrontou-se com os
interditos da racionalidade moderna ao discurso sobre o Absoluto, e tal confronto fez
com que ele precisasse compreender a natureza do fenômeno da modernidade para
poder reencontrar a tradição na contemporaneidade683. Esse esforço gerou um
trabalho minucioso e original que o fez acompanhar as trilhas mais remotas e
escavar as raízes mais profundas da modernidade. O resultado desse esforço
hercúleo foi paradoxal, afinal tais raízes foram encontradas exatamente no solo
metafísico do qual brotou o pensamento tomásico da metafísica do existir. Mais um
círculo se fecha, pois ele consegue inter-relacionar a sua compreensão da gênese
da modernidade com o solo doutrinal que envolve a gênese da metafísica do existir.
Dessa forma o tratamento que Lima Vaz deu a esses dois temas alcançou um
resultado marcado pela circularidade dialética, que a partir do ponto de vista
metodológico, atravessa todo o seu sistema.

Estas proposições foram colocadas no início deste trabalho nos seguintes


termos: o sistema vaziano pode ser lido a partir de duas perspectivas diferentes, a
saber, a perspectiva temática, por um lado, e a perspectiva sistemática, por outro. A
primeira perspectiva ou a primeira leitura se desdobra em dois grandes eixos
temáticos: o tema da metafísica do existir e o tema da compreensão genética da
modernidade. A segunda perspectiva permite, por um lado, a leitura do sistema a
partir da direção da constituição das categorias (via compositionis – antropologia,
ética e metafísica) e, por outro lado, permite a leitura do sistema a partir da direção
da fundamentação das categorias (via resolutionis – metafísica, ética e

683 . SNF, n.55, p. 686.


264
antropologia). Aqui está o coração do que foi apresentado ao longo de todo este
trabalho.

Para apresentar a primeira leitura do pensamento vaziano foi apresentado


nos três primeiros capítulos todo o substrato temático do qual dependeu todo o resto
desta tese. O primeiro capítulo apresentou a cronologia dos textos mais importantes
de Lima Vaz, a etapa pré-sistemática de elaboração da metafísica do existir e a
etapa pré-sistemática de elaboração da compreensão genética da modernidade. O
segundo capítulo apresentou o desenvolvimento da metafísica do existir ao longo da
obra ora estudada em sua fase sistemática. O terceiro capítulo apresentou os
passos da chamada compreensão genética da modernidade também no interior da
fase sistemática do pensamento vaziano. Estes três capítulo compõe a primeira
parte desta tese.

A segunda parte é constituída por dois capítulos dedicados respectivamente


à apresentação das características do método dialético (terceiro capítulo) e das
características do sistema (quarto capítulo).

A constituição do sistema obedeceu, de forma rigorosa, aos princípios


metodológicos da dialética que forneceram ao sistema vaziano, do ponto de vista
formal, um aspecto simétrico e triádico e, do ponto de vista teleológico, um aspecto
marcado pela circularidade dialética (idéia do retorno):
“Ora, foi justamente o encontro com Hegel e no momento em que se
consumava a dissolução da síntese didático-doutrinal da neo-escolástica, que
nos reconduziu à grande tradição da filosofia ocidental. Hegel nos apontava
esse caminho, e aquele de cuja obra, como de um grande continente de idéias
partiram as grandes rotas do pensamento contemporâneo, era o mesmo que
nos convidava ao exercício da Erinnerung, da rememoração. No entanto, é
importante e mesmo necessário observar que o retorno que agora
empreendíamos cumpria a exigência do pensar hegeliano: o reencontro do
começo deveria dar-se num nível mais elevado, e o movimento assumia na
verdade, uma forma helicoidal” 684.

O que torna o pensamento de Lima Vaz extremamente admirável é a


coerência interna decorrente da utilização que ele faz do método dialético. Essa
coerência decorre, em primeiro lugar, do êxito em conseguir estabelecer as
referências entre as partes do sistema e o seu núcleo metafísico, de forma que todo
seu pensamento esteja apoiado e sustentado pela metafísica do existir, tal como foi
apresentada, a saber, em chave dialética. E em segundo lugar, tal coerência
depende da própria sistematização da metafísica no termo de todo seu trabalho.

Também existe uma coerência metodológica que se apóia não apenas na


sua opção pela dialética de inspiração platônico-hegeliana, mas no princípio de que
a filosofia é, a todo momento, rememoração e pensamento. Para Lima Vaz é

684 . SNF, n.55, p. 687.


265
absolutamente impossível filosofar sem conhecer a História da Filosofia. O ritmo
fundamental da vida filosófica é marcado pela lei da circularidade que rege o
exercício filosófico através da dialética do anamnético e do noético – rememoração
e reflexão.

Lima Vaz formou-se dentro de uma escola filosófica que inicialmente fez com
que ele caminhasse no seio de uma filosofia marcada pela tradição clássica. Ele
percebeu a dissolução dessa tradição no seio da contemporaneidade e buscou
reencontrar essa tradição por meio de um movimento de suprassunção dialética, no
coração mesmo da contemporaneidade.
“Partindo da tradição, e tendo vivido o fim ou a exaustão de uma forma
de recebê-la e entendê-la, a ela voltamos para, a partir da sua compreensão
renovada, podermos definir o lugar e a perspectiva da nossa presença no
centro e não às margens da nossa desafiadora realidade”685.

Por causa disso o retorno à tradição não se coloca para Lima Vaz como um
simples exercício de erudição. Esse retorno, manuduzido por Hegel, fez com que a
tradição se abrisse num tempo do conceito muito mais profundo no seu passado e
muito mais complexo na sua história do que a tradição escolástica permitira como
ponto de partida.
“Retornar ao começo, remontando o tempo histórico e reconstituindo o
tempo lógico era, para nós, voltar à manhã grega da Filosofia (...). O caminho
de volta da contemporaneidade à tradição não é pois, o melancólico refúgio no
passado da desesperança resignada de compreender o presente. É o desafio
do presente, vivido como problema, que obriga a rememorar o passado e a
captar no conceito o tempo que passa pela mediação refletida do tempo
passado. Tal a lição que aprendemos na intensa meditação da hegeliana
Fenomenologia do Espírito” 686.

O retorno recorrente ao passado da Filosofia não é uma tarefa de natureza


arqueológica. Retornar à manhã grega da Filosofia tem como objetivo fundamental a
tentativa de reviver na modernidade a experiência auroral que deu origem à
Filosofia:
“a experiência do logos na riqueza de suas formas com que ele se
manifestava na primeira e intacta força da sua vida nascente e que os Diálogos
de Platão e as Lições de Aristóteles imortalizaram num prodigioso surto de
criação intelectual. Para nós, portanto, o caminho da rememoração ou o
reencontro do começo só pode significar a reinvenção – no sentido literal do
termo – do arquétipo platônico-aristotélico do filosofar. É na reconstituição das
suas linhas fundamentais que, acreditamos, será possível definir igualmente, no
terreno da nossa contemporaneidade, o lugar de uma nova experiência do
logos e as condições de exercício do ato de filosofar, de modo a ser ele a
comprovação da nossa presença viva como filósofos à história que vivemos
como homens” 687.

685 . SNF, n.55, p. 687.


686
. SNF, n.55, p. 687.
687 . SNF, n.55, p. 689.
266
Estas últimas palavras de Lima Vaz foram enunciadas, na Semana Filosófica
realizada pelo Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus em
homenagem aos seus 70 anos, em 1991. Nesse ano é publicado o primeiro volume
da Antropologia Filosófica. Nos 11 anos seguintes, que vão de 1991 a 2002 são
publicados todos os outros volumes da obra sistemática de Lima Vaz: o segundo
volume da Antropologia Filosófica em 1992, o Escritos de Filosofia III em 1997,
os dois volumes da ética – Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética
Filosófica 1 e Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2 em 1999
e 2000 respectivamente. Em 2001 é reeditado o livro Ontologia e História e,
finalmente, em 2002, no ano de sua morte é publicado seu livro de metafísica -
Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade.

E de forma absolutamente espantosa, septuagenário, e revigorado por


respirar os ares frescos daquela aurora grega que marcaram o dia do nascimento
da filosofia, no decorrer de apenas uma década ele consegue cumprir aquilo que
anunciara nas comemorações de seus 70 anos, como tarefa a ser cumprida pela
filosofia.
“Volta aos gregos: eis a primeira palavra de ordem a que devemos
obedecer para que a tradição viva da Filosofia venha animar a vida filosófica
que aqui queremos viver” 688.

Com isto Lima Vaz busca reinventar a experiência do logos. E seu primeiro
anúncio “é o de que ele (o logos) dá razão (lógon didónai), distingue e une: ou seja,
o logos é fundamento, ordem e finalidade”689. O logos tem suas exigências de
fundamentação, de ordenação e de finalização e com isto impõe a recuperação da
idéia de Sistema no sentido da articulação ordenada do pensamento, sem a qual é
impossível estabelecer uma leitura coerente da realidade. Mas a Razão também faz
com que o homem desça até as questões primeiras e essenciais. Ela interroga para
responder, e a resposta deve ter a mesma envergadura da questão. E das
respostas surgem novas perguntas e disso decorre a natureza circular e constitutiva
do logos filosófico. Nesse sentido Lima Vaz afirma que o lógos é constitutivamente
interrogante e sistematizante “na pulsação elementar de sua vida”, e tal pulsação é
o elemento fundamental da vida e da reflexão filosóficas.

Esse retorno recorrente à matriz da cultura ocidental coloca o lógos filosófico


na sua constituição mais genuína e original como a bússola que orienta a Razão na
busca da compreensão mais radical e profunda de uma existência marcada pelos
imperativos de uma finalidade, de uma ordem e de um aspecto que fundamente o
sentido da vida humana em sua existência de uma forma absoluta e radical. Tal

688
. SNF, n.55, p. 688
689 . SNF, n.55, p. 689.
267
situação, implica a intuição de que o Absoluto deve ser pensado simplesmente
como uma exigência do próprio dinamismo intelectual do ser humano. Para Lima
Vaz a exigência do Absoluto transcendente está inscrita na própria essência e no
dinamismo mais profundo da Razão690. E nesse sentido, o Ser que se coloca como
Ipsum Esse subsistens é o ponto de partida fundacional da existência dos esse
relativos, ao mesmo tempo em que é o ponto de chegada de um itinerário marcado
pelos passos dados pela inteligência finita do ser humano, que consegue perceber
que o zênite e o momento de exaurimento das suas capacidades intelectivas se dá
apenas ao atingir a altura especulativa de uma reflexão exigencial sobre o Absoluto
que possa servir de rota para a existência humana, a partir da emergência de uma
nova figura da Transcendência que ilumine e oriente os caminhos do homem neste
milênio que se inaugura.

690 . EF III, p.175.


268
BIBLIOGRAFIA

A. Bibliografia de H.C. de Lima Vaz


A.1. Textos de relevância biográfica
A.2. Bibliografia principal – livros
A.3. Artigos, editoriais, verbetes e notas bibliográficas
B. Traduções feitas por Lima Vaz
C. Apresentações feitas por H. C. de Lima Vaz
D. Textos sobre Lima Vaz
D.1. Teses
D.2. Outros textos sobre Lima Vaz
E. Bibliografia Complementar

A. Bibliografia de H. C. de Lima Vaz

Todos os textos de Lima Vaz estão organizados por ordem cronológica.

A.1. Textos de relevância biográfica

LIMA VAZ,H.C. de. Henrique Cláudio de Lima Vaz, In LADUSANS, Stanislaus (Dir.)
Rumos da filosofia atual no Brasil: em auto-retratos. São Paulo: Edições Loyola,
1976. p.297-311.

LIMA VAZ, H.C. de. Bio-Bibliografia, in Cristianismo e História – Org. C. Palácio,


1982, pp.415-426, São Paulo: Edições Loyola, Col. Fé e Realidade v.10 1982,
440 pp.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. Meu encontro com Jacques Maritain, IN Encontro com Jacques
Maritain – Homenagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo a
Jacques Maritain, São Paulo: PUC-SP, 1983, p. 70-75,

LIMA VAZ, H.C. de. Morte e Vida da Filosofia – Revista Síntese Nova Fase, v.18,
n.55, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.677-691.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Entrevista concedida a professores da Universidade Federal de


Minas Gerais no Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, Belo
Horizonte: 1994. Em mídia de fita cassete, 90 minutos de gravação. Acervo
pessoal de Rubens Godoy Sampaio.

NOBRE, Marcos; REGO, José Márcio. Conversas com Filósofos Brasileiros.


Entrevista com Henrique Cláudio de Lima Vaz. São Paulo: Editora 34, 2000. p.
29-44

MONDONI, Danilo. P. Henrique Cláudio de Lima Vaz, SJ: 24.08.1921 – 23.05.2002


(in memoriam) – Revista Síntese Nova Fase, v.29 n.94, Belo Horizonte: CES /
Edições Loyola,2002, pp.149-156. Texto escrito por ocasião da morte de Pe. H.
C. de Lima Vaz.

A.2. Bibliografia principal – Livros

LIMA VAZ H.C. de Universo Científico e Visão Cristã em T.Chardin, Petrópolis:


Vozes, 1967, 140 pp.

LIMA VAZ, H.C. de. Ontologia e História, São Paulo: Duas Cidades, 1968, 340
pp.

269
LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia I – Problemas de Fronteira, Coleção
Filosofia – 3, São Paulo: Edições Loyola, 1986, 310 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia II – Ética e Cultura, Coleção Filosofia – 8,


São Paulo: Edições Loyola, 1988, 295 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Antropologia Filosófica I, Coleção Filosofia – 15, São Paulo:
Edições Loyola, 1991, 304 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Antropologia Filosófica II, Coleção Filosofia – 22, São Paulo:
Edições Loyola, 1992, 261 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia III – Filosofia e Cultura, Coleção Filosofia
– 42, São Paulo: Edições Loyola, 1997, 376 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica 1,


Coleção Filosofia – 47, São Paulo: Edições Loyola, 1999, 484 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia V – Introdução à Ética Filosófica 2,


Coleção Filosofia – 50, São Paulo: Edições Loyola, 2000, 246 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Experiência Mística e Filosofia na Tradição Ocidental, Coleção


CES – 6, São Paulo: Edições Loyola, 2000, 92 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia VI – Ontologia e História, Coleção


Filosofia – 52, São Paulo: Edições Loyola, 2001, 284 pp. (reedição do Ontologia
e História)

LIMA VAZ, H. C. de, Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade, Coleção


Filosofia – 55, São Paulo: Edições Loyola, 2002, 292 pp.

LIMA VAZ, H. C. de, Ética e direito. Organização e introdução de Cláudia Toledo e


Luiz Moreira. São Paulo: Loyola, 2002, 366 pp.

A.3. Artigos, editoriais, verbetes e notas bibliográficas

LIMA VAZ, H.C. de. Que é Metafísica, Verbum, Rio de Janeiro: v.5, 1947, pp.179-
189.(nota bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. Existencialismo - Verbum, Rio de Janeiro: v.5, pp.55-65.(artigo)
A propósito de: SARTRE, J. P. Existentialisme est un humanisme. Paris: Nagel, 1946. 141 p.
TROISFONTAINES, R. Le choix de J. P. Sartre. 2. ed. Paris: Aubier, 1946. 123 p.

LIMA VAZ, H.C. de. O humanismo e a graça: a propósito de um livro recente.


Verbum, Rio de Janeiro, t. 8, n. 1, p. 29-40, mar/1951.

LIMA VAZ, H.C. de. Eros e Lógos – Natureza e Educação no Fedro Platônico,
Verbum, Rio de Janeiro: v.9, 1952, pp.161-180.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Eros e Lógos – Natureza e Educação no Fedro Platônico,
Verbum, Rio de Janeiro: v.9, 1952, pp.311-328.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Um Esboço de Filosofia Religiosa – O 'De Vera Religione' de S.
Agostinho, Verbum, Rio de Janeiro: v.12, 1954, pp.349-360.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Itinerário da Ontologia Clássica, Verbum, Rio de Janeiro: v.11,
1954, pp.17-36.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A Dialética das Idéias no Sofista, Revista Portuguesa de
Filosofia, v.10, 1954, pp.122-163.(artigo)

270
LIMA VAZ, H.C. de. O Congresso de Filosofia no IV Centenário de São Paulo,
Verbum, Rio de Janeiro: v.11, 1954, pp.519-528.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A Ascensão Dialética no Banquete de Platão – Kriterion, v.9,
Belo Horizonte: FAFICH/UFMG,1956, pp.17-40.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. José Ortega y Gasset, Verbum, Rio de Janeiro: v.13, 1956,
pp.35-52.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Amor e Conhecimento – Sobre a Ascensão Dialética no


"Banquete", Revista Portuguesa de Filosofia, v.12, 1956, pp.225-242.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Discrição e amor. Verbum, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 459-
484, dez. 1956.

LIMA VAZ, H.C. de. Análise Categorial e Síntese Dialética em Filosofia da


Natureza, Verbum, Rio de Janeiro:v.17, 1960, pp.19-31.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Marxismo e Filosofia, Síntese Política, Econômica e Social, n.1,
1959, pp.29-44.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Marxismo e Filosofia, Síntese Política, Econômica e Social, n.2,
1959, pp.46-64.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Marxismo e Filosofia, Síntese Política, Econômica e Social, n.3,
1959, pp.48-48.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Cristianismo e Consciência Histórica, Síntese Política,


Econômica e Social, n.8, 1960, pp.45-69.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Cristianismo e Consciência Histórica, Síntese Política,


Econômica e Social, n.9, 1961, pp.35-66.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. O Pensamento Filosófico no Brasil de Hoje – Revista


Portuguesa de Filosofia, n.14, 1961, pp.235-273.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de et alii, Cristianismo Hoje, Rio de Janeiro: Ed. Universitária,
1962, pp 53-108.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Consciência e História, Anais do 4º Congresso de Filosofia,


São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia, 1962, pp.619-619.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Consciência e Realidade Nacional, Síntese Política, Econômica
e Social, n.14, 1962, pp.92-109.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Bergson e a Filosofia Grega, Graeca et Latina, v.12, 1962,
pp.82-87.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Nota Histórica sobre o Problema Filosófico do Outro, Kriterion,
n.16, Belo Horizonte: FAFICH/UFMG,1963, pp.59-76.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A Grande Mensagem de S.S.João XXIII, Síntese Política,
Econômica e Social, n.18, 1963, pp.8-33.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. La jeunesse chrétienne a l'heure dês decisions. Perspectives de
Catholicité, Bruxelles, v. 22, n. 4, p. 282-290, 1963.

LIMA VAZ, H.C. de. Moral, Sociedade e Nação – Revista Portuguesa de Filosofia,
n.53, 1964, pp.343-375.(artigo)

271
LIMA VAZ, H.C. de. Acerca de 'A Formação Marxista', Revista Vozes, v.58, 1964,
pp.641-651.(artigo) – Carta ao redator da Revista Vozes Frei Aurelio Stulzer em defesa das posições
tomadas no artigo "A grande mensagem de João XXIII" (Revista Síntese, n. 18, p. 8-33, abr./jun. 1963), devido
ao "ataque violento e injusto" dirigido por Alfredo Lage em seu artigo publicado na Revista Vozes, v. 59, n. 3, p.
191-213, 1965

LIMA VAZ, H.C. de. Cristianismo e História, Revista Vozes, v.59, 1965, pp.817-
839.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Situação do Tomismo, Revista Vozes, v.59, 1965, pp.892-
907.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Antropologia Filosófica – (Apostila), BH, FAFICH – UFMG,
1966.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Cultura e Universidade – Petrópolis: Vozes, 1966, 39


pp.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Ideologia e Verdade, Revista Vozes, v.60, 1966, pp.40-
53.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. O Absoluto e a História – Paz e Terra, n.2, 1966, pp.61-
93.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. O Conceito de Socialização, Revista Vozes, v.60, 1966,
pp.187-197.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Trabalho e Contemplação, Revista Vozes, v.60, 1966, pp.263-
278.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Trabalho e contemplação. Brotéria, Lisboa, v. 82, n. 5, p. 585-
603, maio 1966.

LIMA VAZ, H.C. de. Por Uma Linguagem Humana, Revista da UFMG, n.3, 1967,
pp.147-158.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Cultura y Universidad, Montevideo, Miec/Jeci, (Serviço de


Documentación, 2. Doc. 5 1967, 19.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Dialética-Filosofia – in 'Verbo’, Enciclopédia Luso-Brasileira de


Cultura, 1967, Lisboa, Editorial Verbo, v.6, Col. 1250-1253.(verbete)

LIMA VAZ, H.C. de. Cultura moderna e suas manifestações ideológicas. Boletim do
ICFT: Informação, Reflexão, Pesquisa, Belo Horizonte, n. 2, p. 33-45, Out. 1968.

LIMA VAZ, H.C. de. Igreja Reflexo X Igreja Fonte – Cadernos Brasileiros, n.46, RIO
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LIMA VAZ, H.C. de. A Mensagem Social do Antigo Testamento, Vozes, n.62, 1968,
Petrópolis: Vozes, 1968, pp.3-12.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Cristianismo e Mundo Moderno – Rev. Paz e Terra, n.6, 1968,
pp.5-20.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A Igreja e o Problema da Conscientização, Revista Vozes,


v.62, Petrópolis, 1968, pp.483-493.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. The Church and ‘conscientização’. America,p. 578-581, apr.
1968.

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Fenomenologia do Espírito, Revista Brasileira de Filosofia, v.XX, 1970, pp.384-
405.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Ateísmo e Mito: A Propósito do Ateísmo do Jovem Marx,
Revista Portuguesa de Filosofia, n.26, Lisboa, 1970, pp.20-50.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Fé e Linguagem – na obra Coletiva Credo Para Amanhã, v.II,
Petrópolis: Vozes, 1971, pp.15-50.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Marx, Karl – in 'Verbo’, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura
v.12, Col. 1746-1749, Lisboa, Editorial Verbo, 1971.(verbete)

LIMA VAZ, H.C. de. Marxismo – in 'Verbo’, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura,


v.12, Col. 1749-1750, Lisboa, Editorial Verbo, 1971.(verbete)

LIMA VAZ, H.C. de. O Espírito e o Mundo, Grande Sinal, n.26, Petrópolis: Vozes,
1972, pp.5-22.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Sinais Dos Tempos: – Lugar Teológico Ou Lugar Comum?,
REB – Revista Eclesiástica Brasileira , n.32, 1972, pp.101-124.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A Experiência de Deus, Grande Sinal, n.27, Petrópolis: Vozes,
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LIMA VAZ, H.C. de. Práxis – in 'Verbo’, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura,


v.15, Col. 951, Lisboa, Editorial Verbo, 1973.(verbete)

LIMA VAZ, H.C. de. O Ethos da Atividade Científica – Revista Eclesiástica


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LIMA VAZ, H.C. de. A História em Questão – Revista Síntese Nova Fase, v.1, n.1,
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LIMA VAZ, H.C. de. Teologia e Interdisciplinariedade, Atualização, nn.54/55, 1974,


pp.285-291.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Fisionomia do Século XIII e Santo Tomás de Aquino, Presença
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LIMA VAZ, H.C. de. Teocentrismo e Beatitude: Sobre a Atualidade do Pensamento


de Santo Tomás de Aquino, Revista Portuguesa de Filosofia, v.30, Lisboa, 1974,
pp.39-78.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A Universidade na Cultura Contemporânea – Revista Síntese


Nova Fase, v.2, n.4, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1975, pp.3-11.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Uma Nova Edição da Filosofia do Direito de Hegel, Kriterion,
n.21, Belo Horizonte: FAFICH/UFMG,1975, pp.3-15.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Socialismo – in 'Verbo', Enciclopédia Luso-Brasileira de


Cultura, v.17, Col.391, Lisboa, Editorial Verbo, 1975. , IMA VAZ, H.C. de.
Tomismo no Brasil – in 'Verbo', Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, v.17,
Col.1667, Lisboa, Editorial Verbo, 1975.(verbete)

273
LIMA VAZ, H.C. de. Universidade Católica e Pluralismo Cultural – Atualização,
nn.91/92, 1977, pp.346-353.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Antropologia e Direitos Humanos, Revista Eclesiástica


Brasileira, v.37, n.145, Petrópolis: Vozes, 1977.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. O Sagrado e a História, Religião e Sociedade, n.12, 1977,
pp.169-174.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Sugestão de um Programa para um Curso de Metafísica,


Atualização, nn.107-108, 1978, pp.503-525.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Filosofia no Brasil Hoje – Cadernos SEAF n.1, BH, 1978, pp.7-
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LIMA VAZ, H.C. de. "Crise" da PUC: descendo as raízes. Encontros com a
Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, n. 10, p. 13-18, abr. 1979.

LIMA VAZ, H.C. de. Teologia Medieval e Cultura Moderna – Revista Síntese Nova
Fase, v.6, n.17, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1979, pp.3-17.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Sociedade Civil e Estado em Hegel – Revista Síntese Nova
Fase, v.7, n.19, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1980, pp.21-29.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A Encíclica "Rerum Novarum" – Revista Síntese Nova Fase,
n.21, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1981, pp.3-6.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Senhor e Escravo: Uma Parábola da Filosofia Ocidental –
Revista Síntese Nova Fase, v.8, n.21, Belo Horizonte: CES / Edições
Loyola,1981, pp.7-29.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Filosofia Política em Hegel – Revista Síntese Nova Fase, v.8,
n.22, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1981, pp.113-122. (nota bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. Um Centenário: Pierre Teilhard de Chardin – Revista Síntese
Nova Fase, v.8, n.22, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1981, pp.3-
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LIMA VAZ, H.C. de. Hegel: A Escritura da História – Revista Síntese Nova Fase,
v.8, n.23, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1981, pp.3-8.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Deus no Pensamento Contemporâneo – Revista Síntese Nova
Fase, v.8, n.23, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1981, pp.17-28.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Sobre as fontes filosóficas do pensamento de Karl Marx.
Boletim SEAF, Belo Horizonte: n. 2, p. 5-15, 1982.

LIMA VAZ, H.C. de. Um Cristianismo para o Povo? – Revista Síntese Nova Fase,
v.9, n.24, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1982, pp.5-9.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Religião e Sociedade – Revista Síntese Nova Fase, v.9, n.25,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1982, pp.5-10.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Ciência e Sociedade – Revista Síntese Nova Fase, v.9, n.26,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1982, pp.5-9.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Por que Ler Hegel Hoje?, Boletim SEAF, Belo Horizonte: n.1,
1982, pp.61-76.(artigo)

274
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Platão, Filosofar Cristiano, Córdoba, Argentina, n.13-14, 1983, pp.115-
129.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Um Centenário: Karl Marx – Revista Síntese Nova Fase, v.10,
n.27, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1983, pp.5-8.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Ética e Política – Revista Síntese Nova Fase, v.10, n.29, Belo
Horizonte: CES / Edições Loyola,1983, pp.5-10.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Marx e o cristianismo. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte:
v. 15, n. 37, p. 351-364, set./dez. 1983.

LIMA VAZ, H.C. de. O Problema da Filosofia no Brasil – Revista Síntese Nova
Fase, v. 11, n.30, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1984, pp.11-
25.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Cristianismo e Pensamento Utópico: – A Propósito da Teologia


da Libertação, Revista Síntese Nova Fase, v.11, n.32, Belo Horizonte: CES /
Edições Loyola,1984, pp.5-19.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Democracia e Sociedade – Revista Síntese Nova Fase, v.11,
n.32, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola, 1985, pp.5-19.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. VII, in Brasil, Sociedade Democrática, – Coleção Documentos
Brasileiros, v.196, RIO DE JANEIRO, Ed. José Olympio, 1985, (Coord. Hélio
Jaguaribe), pp. 480-485 pp.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Cultura e Religião – Revista Síntese Nova Fase, v.12, n.35,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1985, pp.5-12.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Fim de Milênio – Revista Síntese Nova Fase, v.13, n.37, Belo
Horizonte: CES / Edições Loyola,1986, pp.5-11.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Política e História – Revista Síntese Nova Fase, v.14, n.39,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1987, pp.5-10.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Que constituição a Igreja pode querer? Atualização, Belo
Horizonte: n. 208, p. 345-352, jul./ago. 1987. Entrevista concedida a Itamar de
Oliveira.

LIMA VAZ, H.C. de. Mística e Política – Revista Síntese Nova Fase, v.15, n.42, Belo
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LIMA VAZ, H.C. de. Religião e Sociedade nos Últimos Vinte Anos (1965-1985) –
Revista Síntese Nova Fase, v.15, n.42, Belo Horizonte: CES / Edições
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LIMA VAZ, H.C. de. Democracia e Dignidade Humana – Revista Síntese Nova Fase,
v.15, n.44, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1988, pp.11-25.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Destino da Revolução – Revista Síntese Nova Fase, v.16, n.45,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1989, pp.5-12.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Discrição e amor. Revista de Espiritualidade Inaciana, Itaici –
Indaiatuba: n. 3, p. 32-50, jul. 1990.

LIMA VAZ, H.C. de. Ética e Civilização – Revista Síntese Nova Fase, v.17, n.49,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1990, pp.5-14. (editorial)

275
LIMA VAZ, H.C. de. Quête de Bonheur et Foi Chrétienne, Athéisme et Foi, XXV-3,
Vaticano, PCPDCNC, 1990, pp.197-212.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Um Novo Platão? – Revista Síntese Nova Fase, v.17, n.50,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1990, pp.101-113.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. O Itinerário Inaciano de Teilhard – PUC Ciência, n.6, RIO DE
JANEIRO, 1991, pp.35-39. (artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Ética e Comunidade – Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.52,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.5-11. (editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Religião e Modernidade Filosófica – Revista Síntese Nova
Fase, v.18, n.53, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.147-
165.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Além da Modernidade – Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.53,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.241-254.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A Cultura e seus Fins – Revista Síntese Nova Fase, v.19, n.57,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1992, pp.149-159.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Transcendência: a Experiência Histórica e aproximação


Filosófico-Teológica, Revista Síntese Nova Fase, v.19, n.59, Belo Horizonte:
CES / Edições Loyola,1992, pp.443-460.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Mística e Política: – A Experiência Mística na Tradição


Ocidental, Revista Síntese Nova Fase, v.19, n.59, Belo Horizonte: CES / Edições
Loyola,1992, pp.493-541.(artigo)

LIMA VAZ, H. C. de, Antropologia tripartita e exercícios inacianos.Revista de


Espiritualidade Inaciana, Itaici – Indaiatuba: v. 9, n. especial, p. 75-83, jul. 1992.

LIMA VAZ, H.C. de. Transcendência: Experiência Histórica e interpretação filosófico


aproximação Filosófico-Teológica In: JAGUARIBE, Helio (Org.). Transcendência
e mundo na virada do século. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993. pp. 49-80.

LIMA VAZ, H.C. de. Nas origens da ética: razão e destino. In: STEIN, Ernildo; BONI,
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LIMA VAZ, H.C. de. O ser humano no universo e a dignidade da vida. Cadernos de
Bioética, Belo Horizonte: n. 2, p. 27-41, dez. 1993.

LIMA VAZ, H.C. de. Platão Revisitado: – Ética e Metafísica nas Origens Platônicas,
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LIMA VAZ, H.C. de. Le Sacre, Barrière contre la Violence, Athéisme et Foi, XXVIII-2,
Vaticano, PCDC, 1993, pp.99-109.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de – Filosofia e Cultura na Tradição Ocidental, Revista Síntese


Nova Fase, v.20, n.63, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1993, pp.533-
578.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Sentido e não-sentido na crise da modernidade, Revista


Síntese Nova Fase, v.21, n.64, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1994, pp.5-
14.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Platão revisitado: ética e metafísica nas origens platônicas.
Kriterion, Belo Horizonte: FAFICH/UFMG: v. 34, n. 87, p. 9-30, jan./jul. 1993.

276
LIMA VAZ, H.C. de. Metafísica: História e Problema, Revista Síntese Nova Fase,
v.21, n.66, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1994, pp.395-406.(nota
bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. Cultura e Filosofia, Revista Síntese Nova Fase, v.21, n.67, Belo
Horizonte: CES / Edições Loyola,1994, pp.479-493.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Situação da Linguagem, Revista Síntese Nova Fase, v.22, n.68,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1995, pp.5-12.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Ética e Razão Moderna, Revista Síntese Nova Fase, v.22, n.68,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1995, pp.53-84.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Tempo, Experiência, Absoluto: um itinerário da questão do


homem, Revista Síntese Nova Fase, v.22, n.69, Belo Horizonte: CES / Edições
Loyola,1995, pp.241-258.(nota bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. Uma Filosofia Cristã da Cultura: Leonel Franca, Revista
Síntese Nova Fase, v.22, n.71, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1996,
pp.441-452.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Tomás de Aquino: pensar a Metafísica na aurora de um novo
século, Revista Síntese Nova Fase, v.23, n.73, Belo Horizonte: CES / Edições
Loyola,1995, pp.159-208.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. A nova imagem de Platão, Revista Síntese Nova Fase, v.23,
n.74, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1996, pp.399-404.(nota bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. Teilhard de Chardin e a questão de Deus, Revista Síntese Nova
Fase, v.23, n.74, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1996, pp.345-370.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Ética e Justiça: Filosofia do agir humano, Revista Síntese Nova
Fase, v.23, n.75, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1996, pp.399-
404.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. O que é a Filosofia Antiga?, Revista Síntese Nova Fase, v.23,
n.75, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1996, pp.547-552.(nota bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. Unidade e diferença: linguagem e verdade na ciência e na fé.
Magis – Cadernos de Fé e Cultura, Rio de Janeiro: n. 18, p. 1-46, 1996.

LIMA VAZ, H.C. de. Da Ciência da Lógica à Filosofia da Natureza: estrutura do


sistema hegeliano, Kriterion, n.95, Belo Horizonte: FAFICH/UFMG,1997, pp.33-
48.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Filosofia e forma da ação. Cadernos de Filosofia Alemã, São
Paulo: n. 2, p. 77-102, jun. 1997. Entrevista realizada em Belo Horizonte em 12
de maio de 1997.

LIMA VAZ, H.C. de. Platão: a filosofia como diálogo, Revista Síntese Nova Fase,
v.24, n.76, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1997, pp.5-10.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Os Diálogos de Platão, Revista Síntese Nova Fase, v.24, n.76,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1997, pp.115-120.(nota bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. A atualidade da sabedoria antiga, Revista Síntese Nova Fase,
v.24, n.78, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1997, pp.411-420.(nota
bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. Hegel e a filosofia francesa, Revista Síntese Nova Fase, v.24,
n.79, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1997, pp.561-566.(nota bibliográfica)
277
LIMA VAZ, H.C. de. Presença de Santo Tomás de Aquino no horizonte filosófico do
século XXI , Revista Síntese Nova Fase, v.25, n.80, Belo Horizonte: CES /
Edições Loyola,1998, pp.19-42.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Filosofia da Religião e Metafísica, Revista Síntese Nova Fase,
v.25, n.80, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1998, pp.133-146.(nota
bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. Leonel Franca e a cultura católica no Brasil, Revista Síntese
Nova Fase, v.25, n.82, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1998, pp.317-
328.(editorial)

LIMA VAZ, H.C. de. Crise e verdade da consciência moral, Revista Síntese Nova
Fase, v.25, n.83, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1998, pp.461-
466.(abertura)

LIMA VAZ, H.C. de. Metafísica e Fé cristã: uma leitura da ‘Fides et Ratio’, Revista
Síntese Nova Fase, v.26, n.86, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1999,
pp.293-305.(abertura)

LIMA VAZ, H.C. de. Sobre a significação da lógica hegeliana: glosas marginais. In:
MARQUES, Edgar da R. et al. (Org.) Verdade, conhecimento e ação – Ensaios
em homenagem a Guido Antonio de Almeida e Raul Landim Filho. São Paulo:
Edições Loyola, 1999. p. 409-416.

LIMA VAZ, H.C. de. Esquecimento e memória do ser: sobre o futuro da metafísica,
Revista Síntese Nova Fase, v.27, n.88, Belo Horizonte: CES / Edições
Loyola,2000, pp.149-163.(abertura)

LIMA VAZ, H.C. de. A História da Filosofia Medieval revisitada, Revista Síntese
Nova Fase, v.27, n.89, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,2000, pp.405-
412.(nota bibliográfica)

LIMA VAZ, H.C. de. A metafísica da idéia em Tomás de Aquino, Revista Síntese
Nova Fase, v.28, n.90, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,2001, pp.461-
466.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Humanismo Hoje: tradição e missão, Revista Síntese Nova
Fase, v.28, n.91, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,2001, pp.157-168.(artigo)

LIMA VAZ, H.C. de. Método e Dialética, In: BRITO, Emidio Fontenele de; CHANG,
Luiz Harding, (Org.). Filosofia e método. Coleção CES n. 15 – São Paulo:
Edições Loyola, 2002, p. 9-17.

LIMA VAZ, H. C. de, Palavras de agradecimento. Kriterion, Belo Horizonte:


FAFICH/UFMG, v. 43, n. 105, p. 15-18, jan./jun. 2002. Agradecimento ao titulo
de Professor Emérito recebido da Faculdade de Filosofia da Universidade
Federal de Minas Gerais

LIMA VAZ, H.C. Ética, direito e justiça. In: MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA,
Luiz (Org.). Direito e legitimidade. São Paulo: Landy, 2003. p.126-143.

B. Traduções feitas por H. C. de Lima Vaz

CHAMBRE, H. De Marx a Mao-Tse-Tung. Tradução de Henrique Cláudio de Lima


Vaz. São Paulo: Duas Cidades, 1963. 323 p.

278
DUPRONT, Alphonse. A religião católica: possibilidades e perspectivas. Tradução
de Henrique C. de Lima Vaz. São Paulo: Edições Loyola, 1995. 93 p.

G.W.F. Hegel – Fenomenologia do Espírito – Prefácio, Introdução, Capítulos 1 e 2,


São Paulo: Ed. Abril, Col. Os Pensadores, XXX, 1974, pp.9-81.

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga II: Platão e Aristóteles. Tradução:


Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Edições Loyola,
1994. 503 p.

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga IV: As Escolas da Era Imperial.


Tradução: Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Edições
Loyola, 1994. 608 p.

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga V: Léxico, Índices, Bibliografia.


Tradução: Henrique Cláudio de Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Edições
Loyola, 1995. 594 p.

C. Apresentações feitas por H. C. de Lima Vaz

FRANCA, Leonel. A crise do mundo moderno. Apresentação de Henrique C. Lima


Vaz. 5. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. 277 p. Pensadores gauchos, 3.

MENESES, Paulo. Universidade e diversidade. Apresentação deHenrique C. de


Lima Vaz. Recife: UNICAP, 2001. 207 p. NEAL.

ROUSSELOT, Pierre. A teoria da inteligência segundo Tomás de Aquino. Tradução


de Paulo Meneses, Apresentação de Henrique Vaz. São Paulo: Edições Loyola,
1999. 206 p.

D. Textos sobre H. C. de Lima Vaz

D.1 Teses

CRISTÓVÃO DOS SANTOS, Pedro Paulo, Ética e História, BH, UFMG, 1965.

GAMBIN, Pedro, História e Absoluto no pensamento de H. C. de Lima Vaz, Porto


Alegre, PUC, 1982. Dissertação de Mestrado.

SCHMIDT, João Pedro, Teoria e Práxis no pensamento de H. C. de Lima Vaz, Porto


Alegre, UFRGS, 1988. Dissertação de Mestrado (Orientador: Álvaro M. Valls) 182
pp.

CRUZ, Pedro Cunha, O Homem e a Transcendência no pensamento de H. C. de


Lima Vaz, Pontificia Università di Santa Croce, Roma, 1995. Dissertação de
Mestrado.

SAMPAIO, Rubens Godoy, A Ontologia da Intersubjetividade no pensamento de


Henrique Cláudio de Lima Vaz, Belo Horizonte: 1999. Dissertação de Mestrado
(orientador: Marcelo Fernandes de Aquino sj)

D.2. Outros textos sobre H. C. de Lima Vaz

ALMEIDA, Guido Antônio, Algumas considerações sobre a concepção moral cristã


e a modernidade filosófica, Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.55, Belo
Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.491-498.

279
AQUINO, Marcelo Fernandes de, Experiência e Sentido I, Revista Síntese Nova
Fase, n.47, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1989, pp.29-50.

AQUINO, Marcelo Fernandes de, Experiência e Sentido II, Revista Síntese Nova
Fase, n.50, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1990, pp.31-54.

AQUINO, Marcelo Fernandes de, Sistema e liberdade. A propósito de Ontologia e


História, Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.55, Belo Horizonte: CES / Edições
Loyola, 1991, pp.499-504.

ÁVILA, Fernando Bastos de, "Laudatio Finalis", Revista Síntese Nova Fase, v.18,
n.55, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.671-676.

BRUNELLI, Marilene Rodrigues de Mello," Ética e sua crise", Revista Síntese Nova
Fase, v.18, n.55, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.585-593.

CRISTÓVÃO DOS SANTOS, Pedro Paulo, A dialética histórica de Pessoa e


Sociedade, Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.55, Belo Horizonte: CES /
Edições Loyola, 1991, pp.461-482.

DRAWIN, Carlos Roberto. Henrique Vaz e a opção metafísica. Revista Síntese


Nova Fase, v.29, n.94, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,2002, pp.157-169.

DRAWIN, Carlos Roberto. Padre Henrique Vaz: um mestre incomparável. Kriterion,


Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, v. 43, n. 105, p. 9-14, jan./jun. 2002.

GÓMEZ DE SOUZA, Luiz Alberto, Pe. Vaz, Mestre de uma geração de cristãos",
Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.55, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,
1991, pp.643-651.

HERRERO, F.J., A recriação da tradição na antropologia filosófica de Pe. Vaz.


Revista Síntese Nova Fase, v.30, n.96, Belo Horizonte: CES / Edições
Loyola,2003, pp.5-12.

LEOPOLDO, F.Notas para um estudo dos procedimentos metódicos e, Lima Vaz:


singularidade e transcendência na apreensão das idéias filosóficas, Revista
Síntese Nova Fase, v.30, n.97, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,2003,
pp.149-158.

LANDIM FILHO, Raul, A questão do fundamento na aurora da consciência histórica


moderna: imanência ou transcendência, Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.55,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.483-490.

MAC DOWELL, Joao A. (Org.). Saber filosófico, história e transcendência.


Homenagem ao Pe. Henrique Cláudio de Lima Vaz, SJ, em seu 80º aniversario.
São Paulo: Edições Loyola, 2002. 383 pp.

MENESES, Paulo, Ética e Cultura, Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.55, Belo
Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.559-575.

PALÁCIO, C., (org), Cristianismo e História, São Paulo, Edições Loyola, 1982.

PERINE, Marcelo (Org.). Diálogos com a cultura contemporânea – Homenagem ao


Pe. Henrique C. de Lima Vaz, SJ. São Paulo: Loyola, 2003. 170 p. Leituras
filosóficas.

REY PUENTE, F. Pe. Vaz: uma ausência presente, Revista Síntese Nova Fase,
v.30, n.98, Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,2003, pp.293-301.

280
SAMPAIO, Rubens Godoy. O ser e os outros: um estudo de teoria da
intersubjetividade. São Paulo: UNIMARCO, 2001. 211 p.

SANTOS, José Henrique, Ética e Medida, Revista Síntese Nova Fase, v.18, n.55,
Belo Horizonte: CES / Edições Loyola,1991, pp.577-584.

281
E. Bibliografia Complementar

ARISTOTE, De L’Ame, Paris: Société D’Édition Lês Belles Lettres, 1995, 124 pp.

ARISTOTE, Métaphysique, Traduction et Notes par J. Tricot, Paris: Vrin, 1991, Tome I, 310
pp.

ARISTOTE, Métaphysique, Traduction et Notes par J. Tricot, Paris: Vrin, 1991, Tome II, 316
pp.

ARISTÓTELES, Metafísica. Ed. Trilingue. Trad Valentin García Yebra. Madrid: Edotorial
Gredos, 1970.

BRITO, E.F. e CHANG, L.H. (orgs), Filosofia e Método, São Paulo: Loyola, 2002, 154 pp.

CIRNE-LIMA, C.R., O Absoluto e o sistema: Agostinho, Tomás de Aquino e Hegel, in


OLIVEIRA M. de A. e ALMEIDA C., O Deus dos Filósofos Modernos, Petrópolis: Vozes,
246 pp.

DIÔGENES LAÊRTIOS, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Tradução do grego,


introdução e notas de Mário da Gama Kury. Brasília, ed. UnB, 1987, 357 pp.

GILSON, E. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998, 950 pp.

HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas, I - A Ciência da Lógica, São Paulo:
Loyola, 1995. Tradução de Paulo Meneses e José Machado, 444 pp.

HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas, II – Filosofia da Natureza A Ciência


da Lógica, São Paulo: Loyola, 1997. Tradução de Paulo Meneses e José Machado,
558pp.

HEGEL, G.W.F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas, III - A Filosofia do Espírito, São
Paulo: Loyola, 1995. Tradução de Paulo Meneses e José Machado, 366 pp.

MARÉCHAL, Joseph. Le Point de Départ de la Metaphysique, 2.ed. Bruxelas-Paris: L’édition


Universelle-Desclée, 1949.

KANT, I. Crítica da Razão Pura, Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre
Fradique Morujão. Introdução e notas de Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1994, 680 pp.

LABARRIÈRE, J.-P, Système, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions


Philosophiques, Dictionnaire, Vol. II, T.II, p.2532.

LABARRIÈRE, P.-J, Particularité, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions


Philosophiques, Dictionnaire, Vol. II, T. II, p.1868.

LABARRIÈRE, P.-J, Singulier, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions


Philosophiques, Dictionnaire, Vol. II, T. II, p.2394.

LECRIVAIN, A., Dialectique, Encyclopédie Philosophique Universelle, Les Notions


Philosophiques, Dictionnaire, Vol. II, T. I, p.633.

PERINE, Marcelo, Ética e Sociedade. Razão Teórica versus Razão Técnica, Síntese Nova
Fase, Belo Horizonte, v. 29, n.93 (2002):49-68 .

PLATON, Oeuvres Complètes (Fédon, Fédre, Ménon, République, Le Sophiste) , 15 vols,


Paris: Société D’Édition Lês Belles Lettres, 1964.

RIFKIN, J., A era do acesso – A transição de Mercados convencionais para Networks e o


nascimento de uma Nova Economia, São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2001. 300
pp.

ROBIN, L. La pensée grecque et les origines de l’esprit scientifique, Paris: Éditions Albin
Michel, 1948, 500 pp.
282
SOCIETÀ EDITRICE INTERNAZIONALE, Giornale di Metafísica, , Turim, 1947, n. de Julho-
Setembro, An. II, n.4-5.

THOMAS D’AQUIN, Questions Disputées Sur La Puissance (De Potentia), Texte, traduction
et notes de Raymond Berton, Février 2004,
http://www.tradere.org./theo/potentia/titre/de_potentia.htm

THOMAS D’AQUIN, Oeuvres Completes, http://www.univ-lyon3.fr/philo/aquin.htm

TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica - Teologia, Deus, Trindade, Vol. 1, Parte I –


Questões 1-43. São Paulo: Ed. Loyola, 2001, 522 pp.

TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica - A Criação, O Anjo, o Homem, Vol. 2, Parte I –


Questões 44-119. São Paulo: Ed. Loyola, 2002, 904 pp.

VOEGELIN, E., Order and History, 5 vols., Baton Rouge, Louisiana State University press,
1956-1987.

283
ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Conceitos fundantes da filosofia de Lima Vaz ...................................................... 23


Gráfico 2 – Os temas de Lima Vaz, suas obras e o sistema .................................................. 33
Gráfico 3 – Essência e Existência ........................................................................................... 46
Gráfico 4 – O Juízo .................................................................................................................. 50
Gráfico 5 – Dualismos ............................................................................................................. 61
Gráfico 6 – A categoria de espírito: estrutura noético-pneumática ......................................... 87
Gráfico 7 – Da síntese concretiva ao ser. ............................................................................. 113
Gráfico 8 – As categorias de Fim e Bem na dimensão do agir ético .................................... 120
Gráfico 9 – As categorias de Fim e Bem na dimensão da vida ética ................................... 120
Gráfico 10 – As três matrizes ................................................................................................ 125
Gráfico 11 – Os três paradigmas e os quatro temas. ........................................................... 127
Gráfico 12 – Primeira Jornada Especulativa: o itinerário da metafísica do existir no plano do
Esse absoluto ............................................................................................................... 132
Gráfico 13 – Segunda Jornada Especulativa: o itinerário da metafísica do existir no plano do
esse relativo .................................................................................................................. 139
Gráfico 14 – Tomás de Aquino no Século XX ....................................................................... 143
Gráfico 15 – Dialética da constituição do ethos: dialética do mensurante-mensurado ........ 152
Gráfico 16 – A razão clássica e a razão moderna ................................................................ 158
Gráfico 17 – O Movimento dialético em Hegel ...................................................................... 193
Gráfico 18 – Estrutura da aporética histórica de Raízes da Modernidade ........................... 227
Gráfico 19 – Via Compositionis e Via Resolutionis ............................................................... 238
Gráfico 20 – As categorias da Antropologia .......................................................................... 242
Gráfico 21 – Níveis lógico-dialéticos de articulação de cada uma das categorias ............... 244
Gráfico 22 – Estrutura da Antropologia Filosófica ................................................................. 246
Gráfico 23 – Estrutura da Introdução à Ética Filosófica 1 e 2 ............................................... 247
Gráfico 24 – Estrutura do Escritos de Filosofia VII – Raízes da Modernidade ..................... 248

284
ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1 – Passagem da mundividência clássica para a moderna – I .................................. 70


Quadro 2 – Passagem da mundividência clássica para a moderna – II ................................. 72
Quadro 3 – Quadro comparativo das universalidades nomotética e hipotético-dedutiva ....... 79
Quadro 4 – O quiasmo do Espírito: Verdade e Bem ............................................................... 90
Quadro 5 – Anábasis e Katábasis ......................................................................................... 107
Quadro 6 – Vertentes gnoseológica e teológica .................................................................. 107
Quadro 7 – Vertente gnoseológica ........................................................................................ 108
Quadro 8 – Alicerces conceptuais da metafísica tomásica................................................... 115
Quadro 9 – Estágio noético-ontológico ................................................................................. 138
Quadro 10 – Fases da compreensão genética da modernidade. ......................................... 179
Quadro 11 – As partes do sistema ........................................................................................ 226
Quadro 12 – Symploké e Diaíresis ........................................................................................ 233
Quadro 13 – Outras características da via compositionis e da via resolutionis .................... 238
Quadro 14 – As categorias antropológicas e a divisão aristotélica do saber ....................... 241
Quadro 15 – As categorias da Ética Filosófica ..................................................................... 243
Quadro 16 – Os roteiros lógico-dialéticos e as categorias da metafísica ............................ 245

285
ÍNDICE ANALÍTICO

Certidão de doutoramento................................................................................................................ 3
Dedicatória ......................................................................................................................................... 4
Agradecimentos ................................................................................................................................ 5
Sumário .............................................................................................................................................. 6
Abreviaturas ....................................................................................................................................... 7
Abstract .............................................................................................................................................. 8
Resumo............................................................................................................................................... 9

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 10
PRIMEIRO CAPÍTULO – APRESENTAÇÃO TEXTUAL-CRONOLÓGICA DOS TEMAS
DE LIMA VAZ .................................................................................................................................... 16
A. Cronologia dos textos de Lima Vaz ................................................................................ 16
B. Os temas estudados por Lima Vaz ................................................................................ 30
C. A colocação do problema: Ontologia e História ............................................................. 34
D. A herança teológica da modernidade: Problemas de Fronteira ..................................... 53
E. Sobre a Ontologia da Natureza: o sujeito e o mundo. ................................................... 63
F. A passagem da universalidade nomotética para a universalidade hipotético-dedutiva:
Ética e Direito. ..................................................................................................................... 72
SEGUNDO CAPÍTULO – A METAFÍSICA DO EXISTIR .................................................................. 82
A. A categoria de espírito: Antropologia Filosófica ............................................................. 82
B. A categoria de transcendência: Antropologia Filosófica e Filosofia e Cultura. .............. 92
C. As categorias de Bem e Fim: A Ética ........................................................................... 117
D. As categoria de Ser e de Existência: Raízes da Modernidade .................................... 123
TERCEIRO CAPÍTULO – A COMPREENSÃO GENÉTICA DA MODERNIDADE ....................... 145
A. A primazia da categoria antropológica da objetividade ........................................... 145
B. Inversão da dialética mensurante-mensurado ......................................................... 148
C. A Unidade da Razão ................................................................................................ 152
D. Desarticulação da matriz ternária Princípio-ordem-indivíduo e a absolutização da
práxis ............................................................................................................................ 162
E. As raízes metafísicas da modernidade .................................................................... 168
QUARTO CAPÍTULO – O MÉTODO DIALÉTICO E A REMEMORAÇÃO FILOSÓFICA ............. 184
A. A dialética: uma introdução .......................................................................................... 184
B. A Dialética em Platão: uma ontologia ........................................................................... 189
C. A Dialética em Hegel: um método ................................................................................ 191
D. Lima Vaz e a Dialética .................................................................................................. 197
E. A Rememoração Histórica ............................................................................................ 200
F. O aspecto formal da constituição das categorias: os níveis do conhecimento e a
estrutura da conceitualização filosófica. ........................................................................... 208
QUINTO CAPÍTULO – UM SISTEMA ABERTO: VIA COMPOSITIONIS E VIA
RESOLUTIONIS .............................................................................................................................. 225
A. A simetria entre as partes do Sistema .......................................................................... 225
B. O aspecto teleológico da constituição das categorias: a via compositionis e a via
resolutionis. ....................................................................................................................... 229
C. Via compositionis: a constituição das categorias do sistema ...................................... 241
D. Antropologia e Sistema. ............................................................................................... 249
E. Ética e Sistema. ............................................................................................................ 252
F. Via Resolutionis: O Absoluto e a sistematização da metafísica. .................................. 255
G. O sistema aberto .......................................................................................................... 258
Conclusão ...................................................................................................................................... 263
Bibliografia ..................................................................................................................................... 269
Índice de Gráficos ......................................................................................................................... 284
Índice de Quadros ......................................................................................................................... 285
Índice Analítico .............................................................................................................................. 286

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